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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL CAMPUS DO PANTANAL PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO MESTRADO EM EDUCAÇÃO CLAYTON DA SILVA BARCELOS EDUCAÇÃO ESCOLAR NA PRISÃO: OS SIGNIFICADOS E SENTIDOS DAS PROFESSORAS QUE ATUAM EM UNIDADES PENAIS DE CORUMBÁ, MATO GROSSO DO SUL CORUMBÁ MS 2017

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL

CAMPUS DO PANTANAL

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO

MESTRADO EM EDUCAÇÃO

CLAYTON DA SILVA BARCELOS

EDUCAÇÃO ESCOLAR NA PRISÃO: OS SIGNIFICADOS E SENTIDOS

DAS PROFESSORAS QUE ATUAM EM UNIDADES PENAIS DE

CORUMBÁ, MATO GROSSO DO SUL

CORUMBÁ – MS

2017

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CLAYTON DA SILVA BARCELOS

EDUCAÇÃO ESCOLAR NA PRISÃO: OS SIGNIFICADOS E SENTIDOS

DAS PROFESSORAS QUE ATUAM EM UNIDADES PENAIS DE

CORUMBÁ, MATO GROSSO DO SUL

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Educação, área de concentração em

Educação Social, do Campus do Pantanal da

Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, como

requisito para obtenção do título de Mestre em

Educação.

Orientador: Prof. Dr. Tiago Duque

CORUMBÁ – MS

2017

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DEDICATÓRIA

Confunde-me pensar que Deus exista (a religião me plantou esta

confusão), mas me sinto aflito quando penso que ele possa não existir,

(a vida me trouxe esta aflição). Dentro desta confusão e aflição, me

sinto em paz em dedicar este trabalho ao Senhor (ou o nome que

preferirem) por ter encaixado as peças em minha vida exatamente da

forma como encaixou me trazendo até aqui.

Aos meus pais, Luzinete e Celino, e irmã Larissa. Os primeiros, pelos

ensinamentos e amor de uma vida. A segunda, pelo companheirismo,

amor e batalha durante a nada fácil caminhada que percorremos.

A todos meu amor e gratidão!

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AGRADECIMENTOS

Nunca imaginei que a parte mais difícil de toda a pesquisa fosse justamente esta: o

agradecimento! A certeza que a pesquisa não foi feita solitariamente por mim me enche de

medo em não conseguir agradecer a todas as pessoas especiais que emprestaram suas mãos

para que eu chegasse aqui. Saber que não estive e que não estou só me inunda de sentimentos

bons.

Inicialmente ao Tiago ou Professor Doutor Tiago Duque, como manda o protocolo

(para mim será sempre Tiago, o melhor de todos os Tiagos). Nos últimos anos, por diversas

vezes, eu me perguntava sem resposta o porquê, mesmo com anos e anos de docência em

ensino superior, de ainda não ter ingressado em um Mestrado. Hoje eu tenho a resposta: o

universo me fez esperar para que o Tiago fosse meu orientador. O universo sabe o que faz!

Obrigado Tiago por acreditar em mim muito mais do que eu mesmo acreditava, por me

provocar epistemologicamente quando eu inocentemente acreditava já ter as respostas, por ter

o feeling de compreender quando deveria me puxar ainda mais e quando um simples bate

papo era o suficiente para que eu voltasse a produzir. Você foi fantástico!

À professora Claudia Araújo e Elenice Onofre pelas preciosas contribuições durante a

qualificação. Os apontamentos daquele momento foram sem sombra de dúvidas o clarear do

dia para que eu concluísse a caminhada. As visões particulares de cada uma dentro de suas

formações, tão diferentes da formação deste pesquisador e de seu orientador foram o toque

multidisciplinar que buscávamos. Obrigado!

Aos professores do curso de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Educação –

PPGE, da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – UFMS, Campus do Pantanal pelos

ensinamentos de uma educação social possível e aplicável. À Gabriela Osinaga, secretária do

PPGE, pelo sempre acolhimento às minhas solicitações, compreendendo minhas dificuldades

enfrentadas no dia a dia para conclusão deste trabalho.

Às professoras atuantes na educação escolar do sistema penitenciário de Corumbá

pelas preciosas contribuições e sempre disposição em ajudar. Sem vocês nada seria possível.

À coordenadora local, Sandrine Vazques que não mediu esforços para nos alimentar das

informações solicitadas. À direção da Escola Polo Betine e seus servidores. À Secretaria de

Estado de Educação – SED, que mesmo podendo jamais se opôs ao nosso trabalho.

Aos servidores penitenciários envolvidos no processo de construção da pesquisa, em

especial aqueles atuantes nas Unidades Penais – UP’s pesquisadas, na Divisão de Educação,

Rita e Edilena e em outros setores fundamentais para o desenrolar da pesquisa. À Keila na

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assessoria de imprensa pela sempre disposição em contribuir até nos momentos mais

conturbados. Aos diretores da Diretoria de Administração e Finanças – DAF, num primeiro

momento, Marcos Joaquim Borges e, na atualidade, Arnold Siegfried Rosenacker e seus

assessores, Eliane Silva e Rodrigo Rossi Maiorchini, respectivamente, pela sempre

compreensão e apoio à nossa investigação pedagógica.

Ao amigo Kaka, figura tão presente desde o processo de seleção até a loucura dos

prazos apertados nessa conclusão de dissertação. Obrigado por dedicar suas noites de quintas-

feiras ao me levar para pegar o “voo Andorinha – Campo Grande a Corumbá”, por ouvir

minhas inquietações durante o processo de construção do trabalho, por compreender que o

crescimento e celebração só são válidos quando compartilhados com os nossos pares.

Aos meus colegas de sala que, com seus conhecimentos das mais variadas áreas, me

ajudaram a construir um novo jeito de enxergar a educação, além de me receberem de forma

tão particular em Corumbá. Aos amigos e familiares, em especial minha mãe e irmã, pela

compreensão em tantos momentos de ausência. Foi necessário.

A todas as pessoas que de alguma forma contribuíram para o desenvolvimento da

pesquisa.

As palavras são poucas para expressar a minha imensa gratidão. Muito obrigado!

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“Há escolas que são gaiolas e há escolas que são asas. Escolas gaiolas

prendem. Escolas asas fazem voar”. (Rubem Alves)

Frase retirada de um painel da sala dos professores de uma das

unidades penais estudadas.

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BARCELOS, Clayton da Silva. Educação escolar na prisão: os significados e sentidos das

professoras que atuam em unidades penais de Corumbá, Mato Grosso do Sul. 2017.

167f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Federal de Mato Grosso do Sul,

Campus do Pantanal, Corumbá, 2017.

RESUMO

Este estudo tem como objetivo principal compreender os significados e sentidos que as

professoras que atuam no sistema penal de Corumbá/MS dão à educação escolar. O

referencial teórico se deu via um levantamento bibliográfico nas plataformas ANPED, BDTD,

CAPES e SCIELO sobre esta temática no campo da educação. A metodologia utilizada foi

uma pesquisa social de caráter qualitativa. Utilizou-se a pesquisa do tipo etnográfica. Somou-

se a isso a entrevista semiestruturada no levantamento dos dados. A observação etnográfica se

deu no ambiente escolar do sistema penitenciário. Foram entrevistadas 15 professoras. Os

resultados apontam para a descrição dos espaços escolares das 03 unidades penais estudadas

presentes em Corumbá; os significados e sentidos das professoras que atuam nessas unidades

penais; a problematização de uma fronteira simbólica entre a cela e a sala de aula, quando

(re)educandos parecem deixar de serem vistos por elas como presos e passam a ser alunos;

necessidade de que as professoras atuantes sejam concursadas e que passem por uma

formação mais robusta, incluindo curso de especialização; necessidade de se rever o Contrato

de Compromisso; o reconhecimento da garantia dos resultados positivos através da disciplina

ao passo que a busca pela remição e a falta de estrutura contribuem para resultados não tão

positivos. Por fim, foi possível apontar também perspectivas no sentido de melhorar a

educação escolar na prisão.

Palavras-chaves: Educação escolar em prisões; Escola na prisão; EJA e prisões; Formação

de professores de unidades prisionais; Direitos Humanos.

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BARCELOS, Clayton da Silva. School education in prison: the meanings and

significances of the teachers who work in penal units in Corumbá, Mato Grosso do Sul. 2017. 167f. Dissertation (Master in Education) - Federal University of Mato Grosso do Sul,

Pantanal Campus, Corumbá, 2017.

ABSTRACT

This study has as main objective to understand the meanings and significances that the

teachers who work in the penal system of Corumbá / MS give to school education. The

theoretical reference was made through a bibliographic survey on the platforms ANPED,

BDTD, CAPES and SCIELO on this thematic field of education. The methodology used was

a qualitative social research. Ethnographic research was used. Added to this was the semi-

structured interview in the data collection. The ethnographic observation occurred in the

school environment of the penitentiary system. Fifteen female teachers were interviewed. The

results point to the description of the school spaces of the 03 criminal units studied present in

Corumbá; The meanings and significances of the teachers who work in these penal units; The

problematization of a symbolic border between the cell and the classroom, when (re)students

seem to stop being seen by them as prisoners and become students; The need for active

teachers to be entered into and to undergo more robust training, including a specialization

course; a need to review the Commitment Agreement; The recognition of the guarantee of

positive results through the discipline while the search for remission and the lack of structure

contribute to not so positive results. Finally, it was also possible to point out prospects for

improving school education in prison.

Keywords: School education in prisons; School in prison; Education for Young People and

Adults and prisons; Teacher training of prison units; Human rights.

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ADL – Academia Douradense de Letras

AGEPEN – Agência Estadual de Administração do Sistema Penitenciário

ANPED – Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação.

BDTD – Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações

CAPES – Comissão de Aperfeiçoamento de Pessoal do Nível Superior

CEP – Comitê de Ética e Pesquisa

CF – Constituição Federal

CONEP – Comissão Nacional de Ética em Pesquisa

CPI-PLVJ – Colônia Penal e Industrial “Paracelso de Lima Vieira Jesus”

CPTL – Campus de Três Lagoas

DAF – Diretoria de Administração e Finanças

DAP – Diretoria de Assistência Penitenciária

DEPEN – Departamento Penitenciário Nacional

DGASP – Diretoria Geral de Administração do Sistema Penitenciário

DOP – Diretoria de Operações

DSP – Departamento do Sistema Penitenciário

EJA – Educação de Jovens e Adultos

EPC – Estabelecimento Penal de Corumbá

EPFCAJG – Estabelecimento Penal Feminino Carlos Alberto Jonas Giordano

EPRSAAAC – Estabelecimento Penal de Regime Semiaberto, Aberto e Assistência

ao Albergado de Corumbá

ESMAGIS/MS – Escola Superior da Magistratura de Mato Grosso do Sul

INFOPEN – Informações estatísticas do sistema penitenciário

IPCG – Instituto Penal de Campo Grande

IPOG – Instituto de Pós-Graduação e Graduação

ISEAP – Instituto Superior de Educação Alvorada Plus

LDBEN – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

LEP – Lei de Execução Penal

MEC – Ministério da Educação

MJ – Ministério da Justiça

MS – Mato Grosso do Sul

PGE-RTL – Procuradoria Geral do Estado, Regional de Três Lagoas

PM – Polícia Militar

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PPGE – Programa de Pós-Graduação em Educação

PPP – Projeto Político Pedagógico

PSMN – Penitenciária de Segurança Máxima de Naviraí

PSMTL – Penitenciária de Segurança Média de Três Lagoas

RDD – Regime Disciplinar Diferenciado

SCIELO – Scientific Eletronic Library Online

SED – Secretaria de Estado de Educação

SEJUSP – Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública

TCLE – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

UCDB – Universidade Católica Dom Bosco

UEL – Universidade Estadual de Londrina

UEMS – Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul

UFGD – Universidade Federal da Grande Dourados

UFMS – Universidade Federal de Mato Grosso do Sul

UNB – Universidade de Brasília

UNEIs – Unidades Educacionais de Internação

UNESA – Universidade Estácio de Sá

UNIC – Universidade de Cuiabá

UNIGRAN – Universidade da Grande Dourados

UNIPAR – Universidade Paranaense

UP – Unidade Penal

UPs – Unidades Penais

SESC – Serviço Social do Comércio

TJMS – Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul

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LISTA DE FIGURAS E TABELAS

Tabela 01: Levantamento de produção............................................................................... 34

Figura 01: Mapa do estado de MS – Cidades..................................................................... 46

Figura 02: Mapa mostrando a distância entre o EPRSAAAC e o EPFCAJG e EPC ......... 71

Figura 03: Mapa mostrando a localização do EPRSAAAC ............................................... 72

Figura 04: Vista frontal externa do EPRSAAAC .............................................................. 72

Figura 05: Fachada do EPRSAAAC .................................................................................. 73

Figura 06: Corredor de acesso ao local destinado às salas de aula do EPRSAAAC ......... 74

Figura 07: Área externa do espaço destinado à educação escolar do EPRSAAAC ........... 75

Figura 08: Entrada da área externa das salas de aula do EPRSAAAC .............................. 76

Figura 09: Sala de aula do EPRSAAAC ............................................................................ 77

Figura 10: Sala de aula do EPRSAAAC ............................................................................ 78

Figura 11: Fachada do EPFCAJG ...................................................................................... 78

Figura 12: Portaria do EPFCAJG ....................................................................................... 79

Figura 13: Caminho entre a portaria e a área administrativa do EPFCAJG ...................... 80

Figura 14: Visão externa da área destinada à educação escolar do EPFCAJG .................. 80

Figura 15: Sala dos professores/informática/biblioteca do EPFCAJG............................... 81

Figura 16: Sala de aula do EPFCAJG ................................................................................ 82

Figura 17: Sala de cursos do EPFCAJG............................................................................. 83

Figura 18: Mapa mostrando a localização do EPFCAJG e EPC........................................ 83

Figura 19: Vista frontal externa do EPC ............................................................................ 84

Figura 20: Portaria do EPC ................................................................................................ 84

Figura 21: Entrada do prédio principal do EPC ................................................................. 85

Figura 22: Área externa que dá acesso ao local destinado à educação escolar no EPC..... 86

Figura 23: Biblioteca/Sala dos professores do EPC ........................................................... 87

Figura 24: Sala de aula 01 do EPC ..................................................................................... 88

Figura 25: Sala de aula 02 do EPC ..................................................................................... 88

Figura 26: Corredor de acesso às salas de aula e biblioteca/sala dos professores do EPC 89

Tabela 02: Esquema relacional entre os objetivos específicos e resultados obtidos ........ 127

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LISTA DE ANEXOS

Anexo 01 – Projeto de pesquisa submetido e aprovado pelo CEP ........................................ 140

Anexo 02 – Parecer favorável do Comitê de Ética e Pesquisa .............................................. 153

Anexo 03 – Autorização do Diretor Presidente da AGEPEN ............................................... 156

Anexo 04 – Autorização da Secretaria de Estado de Educação ............................................ 158

Anexo 05 – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido................................................... 160

Anexo 06 – Roteiro semiestruturado para as entrevistas ...................................................... 162

Anexo 07 – Contrato de compromisso das professoras com a “E. E. Polo Betine” ............ 166

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ................................................................................................................. 16

2. SOBRE O DIREITO DE TER/DAR AULAS NA PRISÃO .......................................... 22

3. APROXIMAÇÕES E TECITURAS TEÓRICAS .......................................................... 33

3.1 ANPED ........................................................................................................... 35

3.2 CAPES ............................................................................................................ 35

3.3 SciELO ........................................................................................................... 37

3.4 BDTD ............................................................................................................. 38

3.5 Acervo Pessoal................................................................................................ 40

4. SISTEMA PENITENCIÁRIO ......................................................................................... 44

4.1 O Sistema Penitenciário em Mato Grosso do Sul e em Corumbá: aspectos

gerais ..................................................................................................................... 44

4.2 Educação escolar no sistema penitenciário de Mato Grosso do Sul e a Escola

Betine .................................................................................................................... 49

5. DELIMITANDO O CAMPO METODOLÓGICO, PROBLEMATIZANDO AS

RELAÇÕES E O ESPAÇO DE PESQUISA ....................................................................... 64

5.1 Etnografando em espaços de privação de liberdade ....................................... 64

5.2 Encontro com espaços e campo de pesquisa .................................................. 70

5.3 Tensões entre segurança e educação escolar: servidores penitenciários e

professores ............................................................................................................ 90

5.4 Problematizando o ser pesquisador em espaços de vivência na prisão .......... 95

6. O QUE DIZEM AS PROFESSORAS SOBRE A EDUCAÇÃO ESCOLAR NA

PRISÃO .................................................................................................................................. 98

6.1 Formar pessoas em privação de liberdade: para além da remição de pena .... 98

6.2 Do ser ao tornar-se professora ...................................................................... 101

6.3 Outros achados do campo ............................................................................. 118

7. ANUNCIANDO PERSPECTIVAS ................................................................................ 123

8. CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................................... 128

9. REFERENCIAS .............................................................................................................. 132

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ANEXOS .............................................................................................................................. 139

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1. INTRODUÇÃO

A presente dissertação tem como propósito apresentar a questão de pesquisa,

objetivos do estudo, justificativa, elementos e análises da investigação realizada, desde o

levantamento bibliográfico até as considerações finais, entre março de 2015 e março de 2017,

além de previamente deixar o leitor mais íntimo do texto de que fará a leitura, buscando uma

melhor fluidez e clareza. Optamos por utilizar a linguagem em primeira pessoa do plural, pois

consideramos que a pesquisa não é feita solitariamente pelo pesquisador, mas também com o

precioso auxílio das mãos do orientador e autores que dão embasamento metodológico e

teórico.

A pesquisa perpassa também as memórias deste pesquisador, fundamentais no

interesse e escolha pelo tema de pesquisa, além de estar permeada de dados etnográficos,

motivo pelo qual em vários momentos utilizaremos a primeira pessoa do singular.

Acreditamos que a escolha do tema de investigação nos coloca em uma posição

política e social quando nos propomos a estudar temas voltados para a Educação de Jovens e

Adultos – EJA, em situação de restrição e privação de liberdade, desvelando uma

sensibilidade para o social e para as pessoas que, na maioria das vezes, encontram-se à

margem da margem. Defendemos que enfocar o processo de constituição da identidade

profissional de professoras1 que atuam em escolas de espaços de encarceramento, traduz uma

visão de mundo com compromisso ético, social e político com pessoas excluídas pela

sociedade, além de reconhecer o papel do professor2 em quaisquer espaços educativos.

Temos como questão de pesquisa a seguinte inquietação: como as professoras que

atuam em Unidades Penais – UPs de Corumbá, Mato Grosso do Sul - MS significam e dão

sentido a educação escolar na prisão? De tal questionamento surgiu a estrutura de nossa

pesquisa e texto, merecendo destaque nossa justificativa e objetivos.

A pesquisa se justifica quando se observa que o sistema penitenciário brasileiro não

consegue atingir o seu principal objetivo que é a (re)socialização. Somado a isso, temos as

superlotações, precárias e insalubres instalações físicas, falta de formação dos funcionários

responsáveis pela (re)educação escolar da população carcerária, além dos objetivos

1 Será utilizado o termo professoras, no feminino, pois Corumbá conta com quinze profissionais na educação

prisional, dos quais quatorze são mulheres e apenas um homem. 2 Sempre que for referido genericamente à professoras e professores das Unidades Penais – UPs, será usado o

gênero gramatical masculino: o/os professor/es. Quando for referido ao professor e às professoras que são

interlocutores deste estudo, isto é, aceitaram dar entrevista a este pesquisador, será usado o gênero gramatical

feminino: a/as professora/as, como dito na nota 1. Mais adiante será explicado detalhadamente esta decisão. O

mesmo parâmetro será utilizado quando for referido à palavra servidores, vocábulo que engloba todos os

servidores do “sexo” masculino e feminino na pesquisa, sejam ou não da Unidade Penal – UP onde este estudo

se desenvolveu.

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eventualmente antagônicos aos do corpo de segurança. Ganha importância também no sentido

de estudar os significados e sentidos que ainda não foram analisados no campo teórico-

temático em questão.

Com a análise focada no sistema prisional da cidade de Corumbá (MS), sob o prisma

do enfoque da professora que ali leciona, tornamos público algo inédito, isto é, as

características dos trabalhos de educação escolar, desenvolvidos por trás dos muros e das

grades do sistema prisional de uma cidade fronteiriça: suas dificuldades, acertos,

contradições, ganhos, complicações, sucessos e possibilidades eventuais de mudanças. Se

justifica também por contribuir para a qualificação de políticas educacionais que tratem de

maneira conjunta sobre educação e segurança, capazes de contribuir na motivação de meios

que visem a reinserção dos (re)educandos3 na sociedade, inclusive na continuidade de seus

estudos, ao adquirirem a sua liberdade e viverem com menos preconceito. Dito de outro

modo, ao tornar público tais informações, busca-se desmistificar o pré-conceito de que

penitenciárias são apenas lugares onde a repressão e a coação são a tônica e assim, subsidiar

discussões que contribuam para o desenvolvimento e compreensão da educação escolar de

maneira transformadora dentro e fora do sistema prisional.

O objetivo geral de nosso estudo foi compreender os significados e sentidos atribuídos

das professoras que atuam no sistema prisional de Corumbá/MS sobre a educação escolar na

prisão. Do objetivo geral desdobraram-se objetivos específicos que ao longo do texto de

dissertação vão sendo alcançados, sendo eles: descrever a especificidade da educação escolar

no sistema prisional de Corumbá/MS a partir das professoras; compreender como ocorre o

processo de educação escolar dos (re)educandos; identificar a existência ou não de

necessidades de melhorias e mudanças na educação escolar na prisão e principais desafios

para uma potencialização de resultados; analisar a visão das professoras, se os objetivos da

educação escolar na prisão são atingidos e, por fim, identificar os principais fatores que

garantem os resultados da educação escolar na visão das professoras.

Antes da entrada no campo, a pesquisa seguiu as instruções do Comitê de Ética e

Pesquisa – CEP, submetendo para apreciação o Projeto de Pesquisa (ANEXO 01), tendo em

26 de abril de 2016 o Parecer de Aprovação (ANEXO 02) do CEP. A pesquisa respeita os

3 Durante a escrita deste texto sempre que for referido à pessoa em privação de liberdade, ela será chamada de

(re)educando. Entende-se que o (re)educando agrega duas especificidades. A primeira delas quando se vê

obrigado a se reeducar/reintegrar dentro de um sistema penal, devido ao cometimento de crime, e num segundo

momento, quando dentro desse sistema de cumprimento de pena se torna aluno/estudante e passa a ser um

educando/aluno/estudante adulto trazendo consigo todas as experiências de vida. Somado a isso, acredita-se que

a educação acontece ao longo da vida, e não existe um só momento e nem um único local, institucional ou não,

para reeducar alguém.

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aspectos éticos, necessários a projetos de pesquisa, segundo a normatização 466/12 e somente

após este parecer favorável que as entrevistas e pesquisas correlatas se desenvolveram.

A resolução nº 466/2012 trata de pesquisas e testes em seres humanos, suas diretrizes e

normas devem ser cumpridas nos projetos de pesquisa envolvendo seres humanos que devem

ainda atender aos fundamentos éticos e científicos. Dentre as exigências da resolução, está a

obrigatoriedade de que os participantes, ou seus representantes, sejam esclarecidos sobre os

procedimentos adotados durante toda a pesquisa e sobre os possíveis riscos e benefícios.

Além do mais, a resolução incorpora referenciais da bioética, tais como, autonomia, não

maleficência, beneficência, justiça e equidade, dentre outros, e visa assegurar os direitos e

deveres dos participantes da pesquisa.

Esta pesquisa também conta com a autorização (ANEXO 03) do Diretor Presidente da

Agência Estadual de Administração do Sistema Penitenciário – AGEPEN4, para analisar o

ambiente prisional. Além da autorização (ANEXO 04) da Secretaria de Estado de Educação –

SED para realização das entrevistas com as professoras que atuam no sistema prisional de

Corumbá.

Para assegurar a veracidade e confiabilidade dos dados levantados/construídos, bem

como demonstrar a voluntariedade das entrevistadas em externar suas percepções, foi adotado

como parte inicial do procedimento de pesquisa, o Termo de Consentimento Livre e

Esclarecido – TCLE (ANEXO 05), entregue às professoras a serem entrevistadas antes de

qualquer ato próprio da entrevista, deixando as participantes suficientemente esclarecidas de

todos os benefícios e riscos, além de fornecer todas as informações pertinentes à pesquisa.

Após a informação verbal, as participantes receberam um envelope contendo o TCLE em

duas vias para leitura e caso aceitassem participar da entrevista, deveriam apor sua assinatura,

devolvendo uma das vias a este pesquisador e ficando de posse da outra via, assinada também

pelas duas partes.

Levando em consideração as particularidades da entrevista semiestruturada, foi

elaborado um roteiro (ANEXO 06), organizado com perguntas básicas (principais), de modo

que as questões pudessem ser complementadas por outras, inerentes às circunstâncias

momentâneas à entrevista de forma a permitir o aparecimento de informações de maneira

mais livre, permitindo que as entrevistadas fossem mais espontâneas e a interação

acontecesse.

Amadurecendo os conhecimentos adquiridos no decorrer do Mestrado, foi produzido

no segundo ano do curso, o artigo intitulado “Sobre o direito de ter/dar aulas na prisão: um

4 Órgão responsável pelo gerenciamento do sistema penitenciário de Mato Grosso do Sul que mais adiante, no

capítulo 4 será melhor apresentado.

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relato de experiência sobre segurança, direito e educação”, apresentado na modalidade

comunicação oral, trabalho completo, no IX Seminário de Política e Administração da

Educação da ANPAE Centro-Oeste, e enviado para publicação na Revista Cocar, vinculada

ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual do Para – UEPA,

com periodicidade semestral e classificada com Qualis B2, com devolutiva em 02 de janeiro

de 2017, informando o parecer favorável à publicação na primeira edição de 2017.

Após esta introdução, no segundo capítulo temos o percurso profissional deste autor,

desde os momentos finais de sua primeira graduação até os dias atuais, perpassando a

experiência profissional acadêmica e técnica, que justificam os motivos que levaram à escolha

pelo Mestrado em Educação e a escolha pelo tema de estudo que agora se desenvolve. É na

introdução também que é narrado um entrave com uma professora atuante no sistema

prisional, que de forma muito forte contribuiu para a pesquisa que aqui apresentamos, sendo

permeada de reflexões quanto a Direitos Humanos e educação escolar na prisão.

No terceiro capítulo tratamos das aproximações e tecituras teóricas, iniciando por

relatar os feitos no primeiro ano do curso de mestrado, com a individualização das disciplinas

obrigatórias e optativas cursadas e sua relevância, caminhando para o segundo ano do curso e

detalhando as disciplinas cursadas e a feitura do levantamento de produção realizado naquele

momento. É demonstrado como foi feita a pesquisa de caráter exploratório e descritivo e

nomeadas as plataformas consultadas, sendo elas: 1) Associação Nacional de Pós-Graduação

e Pesquisa em Educação, ANPED; 2) Banco de Teses do Portal da Coordenação de

Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, CAPES; acervo do Portal 3) Scientific

Eletronic Library Online. SciELO; e 4) Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações,

BDTD, além do 5) Acervo Pessoal.

Com a utilização de palavras-chaves, inicialmente 2.510 obras foram encontradas no

levantamento de produção, sendo que após o cruzamento de filtros e leituras dos resumos,

restaram 23 trabalhos que foram somados aos 12 trabalhos do acervo pessoal, totalizando 35

trabalhos selecionados. É feita uma rápida discussão nos trabalhos que guardam maior relação

com o tema estudado e ao final é compreendida a importância do levantamento de produção

na pesquisa acadêmica, em especial a nossa.

Já no quarto capítulo, trazemos a organização do sistema penitenciário. Em um

primeiro momento os aspectos gerais do sistema no MS e Corumbá, tratando as

particularidades de cada um, inclusive com atribuições e histórico, além de cuidar das

especificidades da cidade de Corumbá, e no segundo momento mostrando como se

desenvolve a educação escolar no sistema prisional de MS, individualizando nesse momento a

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Escola Estadual Polo Professora Regina Lúcia Anffe Nunes Betine5, responsável pela

educação escolar nas prisões.

O quinto capítulo discute os aspectos metodológicos e o espaço onde se desenvolveu a

pesquisa. Ele inicia explicando o método utilizado neste estudo, detalhando se tratar de uma

pesquisa de campo de caráter qualitativo, através de etnografia e entrevistas semiestruturadas.

Apresenta a importância da multiplicidade metodológica envolvendo etnografia e entrevistas

semiestruturadas, pois analisar os dados das entrevistas das professoras que atuam no sistema

escolar na prisão em Corumbá, como em qualquer outro, não é tarefa fácil. O conteúdo

emitido na fala das professoras é mais complexo que suas respostas, por isso, é necessário

analisar o que está “intrincado” em seu discurso. Mais adiante, no mesmo capítulo, temos o

encontro do pesquisador com espaços e campo de pesquisa, momento que é descrito o

primeiro contato com as salas de aula e professoras entrevistadas. É trazido o detalhamento de

cada Unidade Penal – UP, inclusive com fotos o que nos dá uma real dimensão do objeto de

estudo.

Seguidamente, ainda no quinto capítulo, tratamos dos servidores penitenciários e as

professoras, ou sobre as tensões entre segurança e educação escolar; momento em que o

discurso das professoras é explorado e desvela muito mais do que suas falas externam. Nesse

momento é demostrado também, através de outros estudos, que essa tensão entre segurança e

professores ocorre no ambiente prisional há tempos. No final do capítulo, problematizamos a

presença do pesquisador no espaço de estudo, uma vez que diversos fatores externos podem

delinear a forma como o estudo irá se desenrolar, como de fato aconteceu e ali foi descrito.

No sexto capítulo é feita uma análise quanto ao conteúdo externado na fala das

professoras. Tratamos da remição de pena e estudos, trazendo a fundamentação jurídica de tal

direito, bem como os significados e sentidos das professoras. Fica claro que o proposto pelo

legislador no momento que tratou sobre o tema não coaduna com o fim atualmente atingido e

com os fins que os (re)educandos buscam.

No final deste capítulo é discutida a ausência de formação para dar aulas na prisão,

sendo fortemente presente no discurso das entrevistadas. Nesse momento várias percepções

são externadas, algumas delas com o claro intuito de esfumaçar a realidade, outras permeadas

de inocência e outras tantas cheias de verdades. O Projeto Político Pedagógico – PPP/2014, e

o Contrato de Compromisso que as professoras são obrigadas a assinar, aparecem com

potência em nossas análises, e muito do que é emitido pelas professoras é justificado por estes

documentos. Finaliza-se tratando de outros achados do campo que apareceram no discurso das

5 Escola responsável pela educação escolar na prisão. Em capítulo próprio será detalhadamente apresentada.

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interlocutoras durante as entrevistas e nos registros etnográficos. Essas informações, quando

analisadas no contexto educação escolar na prisão, ganharam força e significado, por isso

mereceram destaques.

No sétimo e último capítulo anunciamos perspectivas em relação à educação escolar

na prisão, com fundamento nas principais falhas detectadas pela nossa pesquisa. Utilizamos

os principais problemas que apareceram durante o estudo para sugerirmos melhorias pontuais

na educação escolar no ambiente prisional. Iniciamos por identificar a necessidade de que os

professores atuantes sejam concursados e do quadro da SED, para que suas vozes sejam

fortalecidas. Sugerimos a parceria entre a SED e a Universidade Estadual de Mato Grosso do

Sul – UEMS para realização de turmas de “Especialização para EJA em ambientes de

privação de liberdade”, visando uma formação/qualificação dirigida aos profissionais atuantes

na educação nestes ambientes. Defendemos que os profissionais técnicos da AGEPEN

responsáveis pelo setor de educação dentro dos presídios sejam da área específica e com a

formação correlata para tal. Seguimos com outras sugestões sempre no sentido de aproximar a

educação com a segurança e fazer com que as duas áreas caminhem juntas e aumentem os

índices da tão necessária (re)socialização.

Nas considerações finais retomamos os principais pontos do trabalho finalizando o

estudo com as referências que deram base a todo o escrito desta dissertação.

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2. SOBRE O DIREITO DE TER/DAR AULAS NA PRISÃO

No ano de 2004 eu irradiava dúvidas e expectativas como qualquer acadêmico em seu

último ano de faculdade. Vários sentimentos me perseguiam. Faltava apenas um ano para eu

me formar em Bacharelado em Direito pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul –

UFMS, Campus de Três Lagoas – CPTL. Em uma manhã como outra qualquer, durante a

leitura do Diário Oficial Estadual (fazia isso todas as manhãs como uma de minhas

atribuições enquanto estagiário da Procuradoria Geral do Estado de Mato Grosso do Sul,

Regional de Três Lagoas – PGE-RTL), vi que estava aberto o concurso público de provas e

títulos para o cargo de Técnico Penitenciário da AGEPEN. Li todo o edital, entendi a

exigência da graduação de nível superior para posse, fiz as contas dos meses faltantes para

colação de grau e todas as fases do concurso e, enfim, decidi arriscar participar daquela prova

que me daria posse no cargo que me inquietaria e traria hoje a escrita da presente dissertação.

Passei o ano de 2004 me revezando entre a finalização da faculdade e as 06 fases do

referido concurso público, sendo que em dezembro conclui o curso de Direito e tive a

homologação com aprovação no concurso, ficando classificado entre o número de vagas

disponíveis e tomando posse em fevereiro de 2005.

Acostumado a desenvolver várias atividades ao mesmo tempo, no espaço

compreendido entre a conclusão da graduação e a posse no concurso público (02 meses),

participei do processo seletivo para professor substituto do curso de Direito da UFMS (curso

que acabara de me formar) e tive êxito na aprovação, entrando em sala de aula em março de

2005, desempenhando concomitantemente minha função de técnico penitenciário junto à

AGEPEN e de professor substituto (ministrando as disciplinas “Sociologia Jurídica”, “Direito

Penal” e “Direito Processual Penal”) do curso de Direito da UFMS - CPTL.

Fui professor da UFMS durante os 02 anos que seguiram: período que cursei, na

mesma instituição, minha especialização em Direito Processual e Constitucional. A carreira

docente continua até hoje em instituições privadas de ensino superior. O labor junto a

AGEPEN iniciado em fevereiro de 2005 também se estende até os dias atuais.

Desde minha primeira graduação e posse na AGEPEN, mais de 12 anos se passaram e

muito foi vivenciado dentro do ambiente acadêmico e prisional. No ano de 2015, além de me

dedicar aos estudos do Mestrado em Educação, conclui minha Complementação Pedagógica

(Resolução CNE/CEB Nº 02/97), recebendo a certificação de Licenciado em História pelo

Instituto Superior de Educação Alvorada Plus - ISEAP, licenciatura que de maneira muito

forte complementou o mestrado. Iniciei minhas atividades na AGEPEN na área de Segurança

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e Custódia (qualquer formação de nível superior), onde permaneci até o mês de abril de 2007.

Havia as seguintes atribuições segundo a Lei 4.490/14 – que reestrutura o quadro de pessoal

da Agência Estadual de Administração do Sistema Penitenciário do Estado de Mato Grosso

do Sul - AGEPEN-MS):

Art. 2º A carreira Segurança Penitenciária é composta por cargos de

provimento efetivo de [...]

§ 1º As atribuições do cargo de [...]

I - Segurança e Custódia: serviços diretamente relacionados com:

a) o planejamento, a supervisão e a execução da vigilância, da disciplina e

do controle social dos presos;

b) o desenvolvimento, a coordenação e o acompanhamento de programas

que operacionalizam trabalhos produtivos na prisão e em estabelecimentos

públicos ou privados, e incentivam mudanças comportamentais para a

efetiva e adequada integração do indivíduo preso à sociedade; (destacamos).

Dito de outra forma, a área de segurança e custódia é aquela que desenvolve a

atividade de carceragem dentro do ambiente prisional, que é o aprisionar, vigiar e libertar a

pessoa em privação de liberdade, ficar na linha de frente de todo sistema. Assim, os mais de

02 anos como servidor da área de segurança e custódia me entregaram uma visão pronta e

endurecida quanto aos direitos da pessoa reclusa. Por mais que a parte final da legislação

anterior nos diga que é atribuição do profissional da área de segurança e custódia “incentivar

mudanças comportamentais para a efetiva e adequada integração do indivíduo preso à

sociedade”, essa ação e visão ficam abafadas pelo dia a dia na UP e suas condições

estruturais, o que faz com que os servidores dessa área, muitas vezes, ajam de forma

“mecânica”, não necessariamente por vontade própria (autoconsciente), mas sim pelo

contexto do ambiente, afinal,

Essa ambiguidade ou imprecisão típica das ações ou tarefas profissionais no

interior do cárcere, assim como das decisões que esses funcionários devem

tomar de forma rápida e, às vezes, emergencial, se reflete quase

invariavelmente, em situações de vida profissional (individual e coletiva)

nada confortáveis para esses trabalhadores (LOURENÇO, 2010, p.48).

Um exemplo das ações “mecânicas” dentro do cárcere se refere justamente quanto ao

cometimento de falta grave e continuidade na frequência às aulas. Em todas as UPs que

possuem educação escolar, sempre se convencionou que uma vez que o (re)educando

praticasse algum tipo de falta que o fizesse ser recolhido em cela disciplinar, ele só poderia

voltar a frequentar as aulas após o cumprimento dos seus dias de isolamento (normalmente 10

dias), o que em muito prejudicava sua vida escolar. Tentando minimizar esses prejuízos, uma

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antiga chefe da Divisão de Educação da AGEPEN solicitou à Procuradoria Jurídica e ao

Conselho de Administração Penitenciária parecer sobre a legalidade em reter o aluno6 e não o

liberar para frequência da aula por esse período de isolamento. Conclusão: o aluno pode,

mesmo em isolamento, ser liberado para frequentar as aulas, sendo que em seguida foi

normatizado pelo setor competente com início de aplicação prevista para o ano letivo de 2017.

Em abril de 2007, fui vítima de um assalto à mão armada que se desdobrou em cárcere

privado por mais de 15 horas. Do ocorrido, restou perdido um automóvel, dinheiro e objetos

pessoais. A impossibilidade de continuar a desenvolver a atividade inerente a segurança e

custódia também foi fruto do assalto, que deixou como marcas a síndrome do estresse pós-

traumático e a síndrome do pânico, me afastando de qualquer atividade laboral pelo período

de 03 meses, de abril a junho de 2007.

Assim, atendendo recomendação do Núcleo de Apoio ao Servidor da AGEPEN, bem

como determinação médica, fui readaptado de forma definitiva na área de administração e

finanças (subárea Direito) e, desde julho de 2007, até os dias atuais, atuo nesta nova área,

mudando minhas atribuições, sendo que na atualidade, segundo a Lei 4.490/14 tenho como

obrigações funcionais:

Art. 2º A carreira Segurança Penitenciária é composta por cargos de

provimento efetivo [...]

§ 1º As atribuições do cargo de [...]

III - Administração e Finanças: serviços diretamente relacionados com:

a) o planejamento, a coordenação e a administração de materiais,

patrimônio, orçamento e finanças;

b) a administração, a formação e a capacitação de recursos humanos,

destinados à efetiva e adequada integração do indivíduo preso à

sociedade. (MATO GROSSO DO SUL, 2014). (destacamos).

De junho de 2007 até os dias atuais, desempenhei diversas funções junto à

administração da AGEPEN, podendo se destacar: chefe de trabalho da Penitenciária de

Segurança Média de Três Lagoas/MS - PSMTL7, durante 03 anos, deixando o cargo por não

concordar com a ideologia de trabalho da nova direção. Chefe jurídico e chefe da educação

da Colônia Penal e Industrial Paracelso de Lima Vieira Jesus – CPI-PLVJ8 (Três Lagoas),

durante quase 02 anos, deixando o cargo devido à mudança de residência, para Campo

6 Aluno é o termo utilizado no campo e será respeitado e, eventualmente, utilizado, por se tratar daquele contexto

e experiência institucional e cultural, mesmo estando ciente das críticas que ele sofre. Assim, visando uma

linguagem direta de aproximação, o termo aluno aparece fortemente durante as entrevistas e outros momentos de

interações dentro da instituição. Mas, o termo adotado por esse pesquisador para se referir a pessoa em privação

de liberdade é (re)educando, ver nota 3. 7 UP de cumprimento de pena em regime fechado, pertencente a AGEPEN, localizada em Três Lagoas/MS,

cidade distante 326 km da capital Campo Grande/MS. 8 UP de cumprimento de pena em regime semiaberto, também em Três Lagoas/MS.

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Grande. Atualmente desempenho meu labor como chefe do Núcleo de Patrimônio de toda

instituição, junto às sede9 da AGEPEN.

O período compreendido entre os meses de setembro de 2011 a julho de 2013 merece

destaque, pois ocorreu de ser lotado na CPI-PLVJ e ocupar o cargo de chefe de educação,

função normalmente desempenhada por psicólogo ou assistente social, mas que devido à falta

destes (não existiam tais profissionais na UP e tampouco previsão de quando aconteceria

concurso público para contratação) era por mim desempenhada com formação em Direito.

A título de ilustração do quão o período anteriormente citado foi importante na escolha

do presente estudo, relato uma experiência que, longe de ser uma síntese de tudo o que vivi

neste período, é um exemplo da complexidade das relações estabelecidas institucionalmente

na AGEPEN que me desafiam na pesquisa e na análise acadêmica, não apenas na atuação

como funcionário desta instituição.

Em um início de tarde de trabalho na CPI-PLVJ, como de costume, a professora que

lecionaria para os (re)educandos daquela UP chega com a antecedência necessária e aguarda o

“ok” para, então, seguindo a rotina de segurança, dirigir-se à sala de aula e cumprir com sua

função, como vinha ocorrendo normalmente em todas as tardes dos dias anteriores.

Tratava-se de uma professora nova quanto à experiência laboral em ambiente

prisional, tinha sido contratada naquele semestre que estava apenas começando. Não raro,

professores da educação escolar na prisão são substituídos. O, até então, tão comum “ok” dos

dias anteriores foi substituído pela informação de que naquela tarde não haveria aula, assim

como não houve no período da manhã do mesmo dia.

Naquela época, as aulas na CPI-PLV aconteciam de segunda a sexta-feira no período

matutino e vespertino na modalidade EJA, sendo as etapas iniciais na parte matutina e as

finais no período vespertino, contando com o revezamento de em média 06 professores fixos,

de acordo com a área de formação e disciplina a ser ministrada naquele dia.

Era de minha função chamá-la em minha sala, informá-la sobre a suspensão da aula e

liberá-la para que fosse desenvolver suas atividades (atualização de diário, lançamento de

conteúdos/notas, e todo trabalho administrativo necessário) em casa e não no ambiente

prisional, frisando fortemente que ela não deveria permanecer na colônia por questões de

segurança.

O motivo de não ter aula naquele dia me parecia óbvio. Pela manhã, a polícia militar

– PM, juntamente com servidores penitenciários da área de segurança e custódia, realizaram

9 A sede da AGEPEN fica na capital do estado, Campo Grande.

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Operação Pente Fino10

em todas as celas da UP. Tal operação ocorre pelo menos 03 vezes ao

ano ou sempre que existe a informação sobre a posse por parte dos (re)educandos de objetos

potencialmente perigosos ou que possam causar algum tipo de insegurança à sociedade. O

Pente Fino aconteceu e o clima, sempre pesado da UP, potencializou-se com a insatisfação

dos (re)educandos por terem suas celas e objetos pessoais revirados e, ainda mais, com a

apreensão de celulares e drogas.

Ao dar a notícia àquela novata professora no sistema prisional, de que a mesma não

daria aula naquela tarde e que estava dispensada para ir para casa desenvolver atividades

administrativas e não permanecer junto a UP (por questões de segurança), a reação da mesma

foi de muito descontentamento. Não é comum a resistência por parte dos professores quando

são dispensados por motivos de segurança, mas aos olhos daquela professora algo não estava

certo. Tal reação foi surpreendente, porque a suspensão das aulas no sistema prisional é

comum. Os professores que atuam nesse ambiente são cientes de tal particularidade, afinal

La escuela en la cárcel funciona a modo de una institución dentro de otra, y

supone conjugar prácticas educativas y marcos normativos, entre los

sistemas penitenciario y educativo, cuyas lógicas de funcionamiento son

totalmente diferentes, aunque en dicha conjugación hay docentes que

asumen que su labor coincide con los fines del sistema penitenciario

(SCARFÒ 2016, p. 104).

Expliquei detalhadamente os motivos que ensejaram ao cancelamento das atividades

escolares daquele dia e ainda assim a jovem professora não se deu por satisfeita. Continuando

com suas indagações, ela parecia disposta ao embate em favor de “suas” aulas. Finalizei

aquela pequena discussão, me posicionando como chefe (autoridade) e pedi para ela, por

favor, deixar o ambiente prisional, pois naquele momento delicado pós Operação Pente Fino

infelizmente a questão da segurança (incluindo a dela) estava acima da questão educacional.

Não precisa ser servidor penitenciário, tampouco professor atuante no sistema

prisional, para saber que a arquitetura das nossas prisões está longe de alcançar os ideais de

segurança, justamente por isso ocorreu a liberação da professora para ir para casa, visando sua

segurança e dos demais servidores e (re)educandos. Afinal,

A grande maioria das instituições prisionais brasileiras reproduzem uma

estrutura pela qual as celas são dispostas em “galerias”. Longos corredores

com celas lado a lado, isolados por grades de acesso. Este modelo impede a

vigilância e terminou sendo funcional à criação ilegal das prisões coletivas

(...) por decorrência, estes espaços tornaram-se “áreas de domínio” dos

10

Investigação minuciosa feita à olho nu, combinada com o manuseio atencioso de roupas, objetos e todos os

produtos existentes dentro da cela da UP na busca de objetos proibidos ou ilícitos.

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presos e é comum que os agentes penitenciários aí não entrem, salvo com a

proteção de pelotões da polícia de choque (ROLIM, 2004, p.6).

Terminada minha fala, foi como se eu estivesse dado uma bofetada na face da

professora. Ela ficou ainda mais alterada, externou todo seu descontentamento, inclusive

culpando o sistema prisional pelo não alcance dos objetivos da educação escolar no ambiente

prisional e finalizou seu esbravejamento com a seguinte frase: “Isso está errado. Tenho o

direito de dar aula a meus alunos e eles têm o direito a estudar”. Virou as costas e foi embora.

A frase final da professora somada ao contexto me deixara intrigado por semanas.

Num primeiro momento, achei a atitude da professora extremamente ousada (isso sendo leve

em minha avalição). Eu não acreditava que uma professora (ou seja, não se tratava de uma

servidora de carreira penitenciária e sim uma alheia esbravejando em terreno que não é seu)

contratada (não se tratava de uma professora do quadro efetivo da SED e sim uma professora

contratada (contratação precária) apenas para o semestre letivo, podendo ter seu contrato

rescindido a qualquer momento) e com poucas semanas de desempenho de suas funções, em

um ambiente, aparentemente, tão particular e frágil, teria a coragem para se colocar daquela

maneira.

O contexto era tão desfavorável (aos meus olhos) a ela que isso me fez pensar

inúmeras coisas quanto à segurança, educação e direitos. Afinal, segundo ela “aquilo estava

errado, pois ela tinha o direito de dar aula e os alunos tinham o direito a estudar”.

Devido a minha formação, o primeiro pensamento que tive foi quanto ao aspecto legal

que cercava todo o ocorrido. A palavra “direito” na fala da professora me incomodava e eu

não sabia o porquê daquilo. Ou talvez soubesse, mas não quisesse aceitar, afinal naquele

momento eu era servidor penitenciário e não professor (se é que isso seja possível ser visto no

atual momento da minha carreira de forma tão separada). Naquele período, lembrei

imediatamente de minhas aulas de Direitos Humanos durante a graduação e de como elas

foram importantes quando eu fui docente da disciplina Direito Penal. Busquei na memória

algum momento em minhas aulas que eu tivesse defendido o direito do indivíduo privado de

liberdade à educação e não encontrei. Silenciei-me! Afinal,

A educação é valiosa por ser a mais eficiente ferramenta para crescimento

pessoal. E assume o status de direito humano, pois é parte integrante da

dignidade humana e contribui para ampliá-la como conhecimento, saber e

discernimento. Além disso, pelo tipo de instrumento que constitui, trata-se

de um direito de múltiplas faces: social, econômica e cultural. Direito social

porque, no contexto da comunidade, promove o pleno desenvolvimento da

personalidade humana. Direito econômico, pois favorece a auto-suficiência

econômica por meio do emprego ou do trabalho autônomo. E direito

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cultural, já que a comunidade internacional orientou a educação no sentido

de construir uma cultura universal de direitos humanos. Em suma, a

educação é o pré-requisito para o indivíduo atuar plenamente como ser

humano na sociedade moderna (CLAUDE, 2005, p.37).

Sempre estive ciente, desde a minha graduação em Direito, da legislação que trata

desse tema (isto é, garante esse direito), como, por exemplo, a Convenção Americana sobre

Direitos Humanos, mais conhecida como Pacto de San José da Costa Rica, datada de 22 de

novembro de 1969. No ano de 1992, o Brasil aderiu e ratificou o Pacto, que traz em seu

conteúdo diversas garantias aos direitos fundamentais, e reafirma seu propósito de consolidar,

neste continente, um regime de liberdade pessoal e de justiça social, fundado no respeito dos

direitos essenciais do homem, frise: “direitos essenciais do homem”, o que inclui o direito a

educação. Assim,

Os detentos não são meus amigos, mas não é necessário ser meu amigo para

que eu reconheça a cada um seus direitos. O direito não é dado por

compaixão, mas porque é um direito. Ele não necessita de explicação

alguma. É porque decidimos viver em sociedade, reconhecendo a cada um os

mesmos direitos, que esta exigência moral se torna uma exigência social,

jurídica (DE MAEYER, 2013, p. 48 e 49).

Isso por si só legitimava todos os desconfortos causados pelos questionamentos

daquela professora, mas não era só isso que estava a seu favor. Além de mecanismos

internacionais que o Brasil ratificou, temos a nossa Carta Magna que nos traz direitos

fundamentais que devem ser assegurados de forma plena a todos os cidadãos brasileiros.

Vejamos o que nos diz o seu Art. 1º:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel

dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado

Democrático de Direito e tem como fundamentos:

I - a soberania;

II - a cidadania;

III - a dignidade da pessoa humana; (...). (BRASIL, 1988).

No mesmo sentido, nos assegura a Lei de Execução Penal – LEP, (Lei nº 7.210/84),

que trata especificamente sobre a maneira de como deve ser conduzida o cumprimento da

pena em estabelecimentos penais:

Art. 1º A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de

sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica

integração social do condenado e do internado.

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Art. 3º Ao condenado e ao internado serão assegurados todos os direitos não

atingidos pela sentença ou pela lei. (BRASIL, 1984).

E, sobre a dignidade da pessoa humana, define Sarlet:

[...] qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor

do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade,

implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais

que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho

degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existentes

mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua

participação ativa e corresponsável nos destinos da própria existência e da

vida em comunhão com os demais seres humanos. (2004, p. 60)

Além de todos estes marcos e compreensões legais, há ainda a parte da legislação que

mais me incomodava e fazia rememorar a cena de descontentamento daquela professora: o

artigo 6º da nossa Constituição Federal - CF, que segundo especialistas é uma constituição

cidadã, a mais democrática que já tivemos:

Art. 6º. São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o

lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e a

infância, a assistência aos desamparados, na mesma forma desta

constituição. (BRASIL, 1988). (destacamos).

A LEP em seus artigos 10 e 11 também trata sobre a educação, reafirma o que a CF

nos diz e fala especificamente sobre a Educação dentro do ambiente prisional. Vejamos:

Art. 10. A assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, objetivando

prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade.

Parágrafo único. A assistência estende-se ao egresso.

Art. 11. A assistência será:

I - material;

II - à saúde;

III - jurídica;

IV - educacional;

V - social;

VI - religiosa. (BRASIL, 1984).

E prossegue trazendo em seu artigo 41, inciso VII, a assistência educacional como um

dos direitos da pessoa em privação de liberdade. Portanto, é dever do Estado promover a

educação em todos os espaços, inclusive dentro do sistema prisional, além do seu

reconhecimento como um direito do preso, como acabamos de ver anteriormente nos artigos

10 e 41 da LEP, e, se lhe é um dever em promover, e um direito do (re)educando, deve ser

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feito de forma plena para que tenha aproveitamento e não apenas para que conste sua

existência.

O artigo 205 da CF também nos ensina que:

Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será

promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno

desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua

qualificação para o trabalho. (BRASIL, 1988).

E a LEP, de maneira ainda mais específica, continua em seus artigos 17 e seguintes

assegurando a educação no ambiente prisional, no ensino médio, regular ou supletivo, com

formação geral ou educação profissional de nível médio, sendo o ensino de primeiro grau

obrigatório. Diz que o sistema de ensino integrar-se-á ao sistema estadual e municipal e será

mantido, administrativa e financeiramente, com o apoio da União. É assegurada ainda

segundo os citados artigos a dotação de cada estabelecimento prisional com uma biblioteca,

para uso de todas as categorias de reclusos, provida de livros instrutivos, recreativos e

didáticos. Em seu artigo 83 diz que o estabelecimento penal, conforme a sua natureza, deverá

contar em suas dependências com áreas e serviços destinados a dar assistência, educação,

trabalho, recreação e prática esportiva, além de que deverá ter instaladas salas de aulas

destinadas a cursos do ensino básico e profissionalizante (BRASIL, 1984).

Assim, questões em torno da segurança, educação e dignidade da pessoa humana

tinham vindo à tona com a indignação da referida professora diante das “minhas ordens”

(muitas aspas em “minhas ordens” aqui porque não nasceram da minha consciência ou própria

experiência, mas de outros profissionais e, de alguma forma, foram asseguradas por

autoridades acima da minha função; dito de outro modo, estas seriam regras de seguranças

também ditadas a mim por superiores e cumpridas sem se problematizar os porquês), pois,

como muito bem ensina Carvalho, “a chefia trata o operário que “não se dispõe a ajudar” de

modo punitivo, desrespeita-o na comunicação, trata-o como “irresponsável”, pois a cota de

trabalho deve ser cumprida pelo grupo” (1990, p. 120).

Sobre essa tríade (segurança, educação e dignidade da pessoa humana), Teixeira

ensina o que deve

[...] ser preservado e enfatizado é que a educação no sistema penitenciário

não pode ser entendida como privilégio, benefício ou, muito menos,

recompensa oferecida em troca de um bom comportamento. Educação é

direito previsto na legislação brasileira. A pena de prisão é definida como

sendo um recolhimento temporário suficiente ao preparo do indivíduo ao

convívio social e não implica a perda de todos os direitos (2007, p. 15).

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Pronto, estava instaurada a confusão. São direitos sociais a educação e a segurança. E

quem disse que um se sobrepõe ao outro? A lei não diz isso. Por que a segurança tem

prioridade em detrimento à educação escolar, ou vice-versa? E, se naquele momento

realmente fosse necessária tal prioridade, qual o mecanismo a ser empregado posteriormente

para que a educação não sofra prejuízos? Como ficaria a qualidade do ensino, que é um dos

direitos do (re)educando, com a suspensão das aulas? Várias perguntas sem respostas me

sondavam, afinal

No hablamos de una educación como proceso terapéutico que ofrece el

servicio penitenciario para poder cumplir con su lógica de re-inserción, sino

de garantizar a todos los presos, o no, el acceso a la educación como un

derecho adquirido solo por el mismo hecho de ser humano. (SCARFÒ, 2016,

p.107).

Assim, ao dedicar-me a pensar sobre os questionamentos apresentados nos parágrafos

anteriores, sem se quer imaginar que eu dia eles fariam parte de uma pesquisa de mestrado em

educação, e buscar possíveis respostas mais imediatas e despretensiosas a eles, rapidamente

me lembrei de outras situações em que as aulas são suspensas no contexto prisional. Estas

outras lembranças são possíveis de serem apontadas sem fazer esforço, afinal, como já disse,

não são raras: bate cela11

, reforma dos blocos, chegada, saída e conflitos entre (re)educandos,

falta de água para o banho, tentativas de fugas, insatisfação com a alimentação, reunião com o

palavra12

do bloco e tantos outros. Portanto, “suspender as aulas” faz parte do cotidiano

prisional e inegavelmente influencia a proposta educacional. Quando tive essa percepção,

fiquei assustado.

Portanto, sim, aquela jovem e tão inexperiente professora do regime penal, estava

inundada de razão, tanto nos aspectos legais, como demonstrado e previsto nas mais diversas

legislações (Pacto de San José da Costa Rica, CF, LEP), como nos aspectos éticos. Os alunos

dela teriam o direito à aula e todos os benefícios que se desdobravam dessa aula e essa

professora teria mais do que o direito, e sim o dever de, pelo menos, tentar cumprir seu papel

e contribuir com a (re)socialização daqueles alunos, ou de apenas um deles que fosse, o

11

O bate cela é o nome que se dá no sistema penitenciário para a operação de fiscalização das celas de

(re)educandos. Os agentes ingressam dentro da cela do (re)educando e fiscalizam seu interior com o intuito de

descobrirem possíveis armas, drogas ou outro material proibido, além de baterem com uma barra de ferro contra

os ferros que compõe a porta da cela na tentativa de inibir/descobrir possíveis tentativas de fugas através de

serragem. Sempre que nos referirmos a termos êmicos, os mesmos virão grafados em itálicos. 12

Dentro de cada bloco/pavilhão, sempre existe o (re)educando no denominado de palavra. Esse (re)educando

exerce a liderança daquele bloco/pavilhão, sendo considerado chefe de todos outros. O descumprimento de uma

ordem emanada do palavra pode ser punida de maneira severa, inclusive com a morte.

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problema ali era do sistema e não dela, tínhamos naquele contexto a educação medindo forças

com a segurança quando na verdade precisaríamos ter a educação e a segurança de mãos

dadas. Certamente o problema não era dela, mas do sistema, e ela estava certa! Afinal,

Todos têm direito à educação, logo não é um simples favor concedido pelo

Estado para a pessoa presa, nem tampouco deve ser obra de caridade de

pessoas e instituições beneficentes, porque a educação deve ser para

devolver à pessoa presa a cidadania perdida, a dignidade de voltar a ser visto

de “igual para igual” perante a sociedade (PEREIRA, 2011, p.45).

Portanto, essa experiência vivida como responsável pelo setor de educação desta UP,

foi determinante pela escolha do Mestrado em Educação com área de concentração em

“educação social”, com ingresso em abril de 2015. Digo isso, pois, na posição de chefe da

educação, a realidade daquele setor saltava aos meus olhos e isso me inquietava

profundamente, pois eu estava diante de algo muito diferente do que eu e todo educador que

não trabalha em ambiente prisional está acostumado a se deparar, além de ver um

descompasso entre o proposto na legislação e o vivido na educação escolar na prisão.

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3. APROXIMAÇÕES E TECITURAS TEÓRICAS

Durante o primeiro ano do curso de mestrado, cursei as 04 disciplinas obrigatórias. No

primeiro semestre: “Fundamentos Histórico-filosóficos da Educação” e “Pesquisa em

Educação”. No segundo semestre: “Educação em Direitos Humanos” e “Seminário de

Pesquisa”. As disciplinas optativas também foram realizadas no ano de 2015, ambas no

segundo semestre, sendo: “Docência no Ensino Superior”, no Programa de Pós-Graduação em

Comunicação – UFMS, e “Análise do Discurso: Teoria e Aplicações”, no Programa de Pós-

Graduação em Estudos da Linguagem – UFMS. Também cumpri a carga horária destinada ao

“Estágio Docência”, junto ao meu orientador, no curso de Bacharelado em Ciências Sociais,

disciplina “Formação Social, Política e Econômica II”. No segundo ano do curso, cumpri as

disciplinas de “Atividades Orientadas”, “Elaboração de Dissertação” e “Defesa de

Dissertação”.

Merecem destaques as disciplinas de “Educação em Direitos Humanos”, “Análise do

Discurso: Teoria e Aplicações” e “Elaboração de Dissertação”. A primeira pelas preciosas

contribuições quanto ao olhar do sistema prisional e a população que ali habita. A disciplina

foi como uma lente para potencializar minha visão em relação às experiências vividas e as que

viriam com o início do trabalho de campo; ela contribuiu de sobremaneira para realização

deste trabalho. A segunda, pelos ensinamentos de como enxergar para além daquilo que está

escrito ou dito, mostrou também que o contexto em que o discurso está inserido e o sujeito

que externa sua fala são pontos fundamentais na compreensão do discurso como um todo, o

que contribuiu de forma imensurável no momento de análise dos dados. A terceira pela

proximidade com meu orientador e possibilidade de crescimento devido à troca imensurável

de experiências profissionais de áreas tão distintas e que tanto se completam.

Visando sistematizar o que outros pesquisadores já escreveram sobre o tema e

consequentemente dar maior embasamento e segurança a nossa pesquisa, no início do

segundo ano do curso, realizamos um levantamento de produção, combinando palavras-chave

entre si buscando extrair o maior número de artigos, dissertações e teses para uma escrita

fundamentada de nosso texto de dissertação. As palavras-chave utilizadas nos buscadores

foram: “Educação na Prisão”; “Professor na prisão”; “Educação e grades” e “EJA Prisional”.

A pesquisa realizada foi de caráter exploratório e descritivo. O objeto de estudo foi

representado pelos periódicos das áreas de Ciências Sociais e de Humanidades. As buscas se

deram com prioridade nas publicações online no acervo da 1) ANPED; no 2) Banco de Teses

do Portal da CAPES; no acervo do Portal 3) SciELO; e na 4) BDTD.

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A escolha dessas coleções se deu em função de suas características de acesso aberto,

pela disponibilidade de informação online, bem como pela qualidade atribuída aos mesmos no

cenário científico e acadêmico brasileiro. Ao final, também foram agregadas bibliografias de

conhecimento prévio deste pesquisador, 5) Acervo Pessoal, cujo contato se deu em momento

anterior ao presente levantamento e que são consideradas importantes para o desenvolvimento

desta pesquisa.

ANPED Banco de Teses

CAPES

SciELO BDTD Acervo

Pessoal

Educação na Prisão 02 25 13 57

Professor na Prisão 01 02 02 19

Educação e Grades 00 31 200 2.147

EJA Prisional 01 02 01 07

Total 04 60 216 2.230

Selecionados 00 10 08 05 12

Total selecionado: 35

Tabela 01: Levantamento de Produção.

Fonte: Elaborada pelo autor.

Optamos por não definir um espaço temporal para pesquisa de busca no acervo do

Banco de Teses CAPES, no portal SciELO e BDTD. Já no site da ANPED, o período

temporal definido para busca foi dos últimos 05 anos, (últimas 05 Reuniões Científicas da

Associação, nacionais e regionais) devido à forma de busca manual em seu site, mas,

especialmente, porque nos interessava, neste caso, as reflexões mais atuais, comumente não

divulgada em formato de artigo em revistas indexadas no SciELO, por exemplo. O acervo

pessoal já tinha passado por filtro, uma vez que este pesquisador, após leituras, manteve

consigo apenas as bibliografias de interesse no foco da pesquisa.

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3.1 ANPED

Iniciamos as buscas no site da ANPED de forma manual. Foram acessadas as páginas

dos últimos 05 anos das reuniões científicas da associação, nacionais e regionais e foram

identificados os 03 Grupos de Trabalhos (GTs) que guardavam relação com nossa pesquisa,

sendo o GT08: Formação de Professores; GT18: Educação de Pessoas Jovens e Adultas e

GT23: Gênero, sexualidade e educação. Feito isso, foram abertas as páginas especificamente

dos trabalhos apresentados nos 03 GTs anteriormente identificados. Posteriormente, foram

lidos todos os títulos dos trabalhos e identificado pelo título alguma ligação com nosso tema

de estudo, seguidamente foram abertos os trabalhos para uma análise mais aprofundada. Uma

vez aberto o trabalho, foi utilizado dentro do próprio documento a ferramenta de editor

eletrônico “localizar” com as palavras-chave de nossa pesquisa. Em todos os trabalhos

pesquisados apenas 04 possuíam nossos descritores.

Com o descritor “Educação na Prisão” 02 trabalhos foram encontrados, já com o

descritor “Professor na Prisão” apenas 01 apareceu. O descritor “Educação e Grades” não

encontrou trabalho relacionado e o descritor “EJA Prisional” filtrou mais 01 trabalho,

totalizando 04, sendo que desses 04 trabalhos nenhum guardava relação com nossa pesquisa.

Assim, nenhum trabalho do acervo da ANPED foi selecionado.

3.2 CAPES

A segunda plataforma de busca a ser trabalhada foi o portal Banco de Teses CAPES.

Iniciamos colocando os descritores na busca básica sendo previamente encontrados 60

trabalhos. Com o descritor “Educação na Prisão”, 25 trabalhos foram encontrados; já com o

descritor “Professor na Prisão”, apenas 02 apareceram. O descritor “Educação e Grades”

encontrou 31 trabalhos relacionados e o descritor “EJA Prisional” filtrou mais 02 trabalhos,

totalizando 60.

Refinando a busca, aplicamos filtros quanto a área de conhecimento e programa e por

fim cruzamos os 04 descritores utilizados, chegando ao número de 10 trabalhos relevantes

para o desenvolvimento de nossa pesquisa. São eles: “Prática pedagógica em contexto

socioeducativo: ultrapassando a fronteira das grades pela via da colaboração” (ALENCAR,

2012); “Por trás dos muros: educação, juvenilização e racialização nas prisões de

Pernambuco” (COSTA, 2011); “Educação na prisão” (SILVA JUNIOR, 2011); “As grades e

a educação: uma análise sobre a realidade educacional em dois presídios da região sul do Rio

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Grande do Sul (MOREIRA, 2011); “Sistema penitenciário como fonte de exclusão pela não

efetividade do princípio ressocializador na execução penal” (OLIVEIRA, 2011);

“Educação e prisão: o valor da escola para os jovens e adultos presos no centro de

ressocialização de Cuiabá/MT” (PEREIRA, 2012); “Avaliação diagnóstica da oferta

educacional no sistema prisional brasileiro: identificando dificuldades e

potencialidades”. (SILVA, 2011); “Para cada pé, um sapato!? A educação como uma das

formas para reinserir o preso na sociedade” (SILVA, 2012); “O sentido da educação para

adolescentes com conflito com a lei” (SILVA, 2012); “A educação por trás das grades: uma

possibilidade de (res) socialização” (WERNKE, 2011).

Podemos observar que, dos 10 trabalhos selecionados na plataforma CAPES, 08 estão

na área de conhecimento Educação, 01 na área de conhecimento Direito e 01 na área de

conhecimento Política Social, sendo todos oriundos de programas de mestrados. Outro dado

importante é que os trabalhos se concentram nos anos de 2011 (06 trabalhos) e 2012 (04

trabalhos), temos 04 trabalhos da região Nordeste, 03 da região Centro Oeste e 03 da região

Sul, o que demonstra que a pesquisa não se concentra em apenas uma região do país.

Um dado animador que extraímos do parágrafo anterior é o fato das pesquisas

naqueles anos se concentrarem em programas de mestrados, o que nos faz crer que, muito

provavelmente, parte daquele grupo de pesquisadores está fazendo seu doutorado e

fortalecendo a pesquisa no campo da educação em prisões, um avanço muito importante.

Outro dado que salta aos olhos ao fazer a leitura dos trabalhos é que não importa se o

presídio objeto de estudo está no Nordeste ou no Sul, as deficiências diagnosticadas e

apontadas quase sempre se repetem. A produção na área nos mostra que se trata de limitação

estrutural e de pessoal, arraigadas ao longo dos anos naqueles que prestam seu labor naquele

ambiente (professores e servidores penitenciários). Entre dos dados que se repetem, verifica-

se também a falta de formação ou capacitação inócua dada aos professores que atuam na

prisão, bem como seu silenciamento quanto a essa falta.

No trabalho de Silva (2011), é feito um diagnóstico sobre a oferta educacional no

sistema prisional brasileiro mostrando que a educação escolar na prisão desponta como área

em ascensão, devido ao grau de notoriedade nos últimos anos que pouco a pouco vem

ganhando espaço nas pesquisas e nos estudos direcionados à temática. Busca identificar as

dificuldades além de apontar as suas potencialidades da educação no sistema prisional,

traçando o perfil socioeconômico dos gestores das unidades prisionais participantes e

discorrendo sobre a infraestrutura das escolas existentes dentro do sistema. Faz ainda uma

revisão dos fundamentos legais da EJA no sistema prisional e segue concluindo que a falta de

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espaço físico para as aulas, o excesso e o rigor das regras internas de segurança e a falta de

material didático são os principais fatores a dificultar o fluxo normal das atividades

educacionais.

3.3 SciELO

No banco de dados da SciELO, foram encontrados 216 trabalhos, com os descritores

definidos. Iniciamos a pesquisa através da busca geral e sem filtros, utilizando apenas as

palavras-chave. Com o descritor “Educação na Prisão”, 13 trabalhos foram encontrados; já

com o descritor “Professor na Prisão”, apenas 02 apareceram. O descritor “Educação e

Grades” encontrou 200 trabalhos relacionados e o descritor “EJA Prisional” filtrou 01 um

trabalho, totalizando 216.

O número de 216 trouxe muitos trabalhos que, apesar de terem em seu corpo os nossos

descritores, em nada tinham relação com nossa pesquisa, assim, refinando a busca por área

temática, coleções, idiomas e cruzando os descritores chegamos ao número de 26 trabalhos

com assuntos e títulos ligados aos nossos interesses. Todos então foram abertos e restaram 08

trabalhos com conteúdo relacionado à nossa pesquisa. A certeza da relação dos trabalhos

selecionados com a temática de nossa pesquisa se deu após a leitura dos resumos dos

trabalhos. São eles: “Ações de formação em EJA nas prisões: o que pensam os professores do

sistema prisional do Ceará?” (ANDRIOLA, 2013); “Trajetórias escolares de adolescentes em

conflito com a lei: subsídios para repensar políticas educacionais” (BORBA, MALFITANO,

2015); “Educação de Jovens e Adultos: contribuições de artigos em periódicos brasileiros

indexados na base SciELO (2010-2014)” (BRAGA, FERNANDES, 2015); “A educação na

prisão não é uma mera atividade” (DE MAEYER, 2013); “Educação escolar para jovens e

adultos em situação de privação de liberdade” (ONOFRE, 2015); “Educação de adultos

presos” (PORTUGUES, 2001); “A formação de educadores especializados em âmbito

penitenciário, na perspectiva da pedagogia social” (RAMOS, 2006); “A eficácia

sociopedagógica da pena de privação da liberdade” (SILVA, 2015).

Todos os trabalhos selecionados são do Brasil, em língua portuguesa e da área de

conhecimento de Ciências Humanas. Um dado importante que emergiu ao final da seleção foi

a constatação que os trabalhos na área pesquisada se potencializaram nos últimos anos.

Podemos observar que temos 01 trabalho do ano de 2001, 01 trabalho do ano de 2006, 02

trabalhos do ano de 2013 e 04 trabalhos no ano de 2015. Dentro dos artigos anteriormente

listados encontramos 05 assuntos de grande interesse para nossa pesquisa.

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O primeiro deles, de autoria de Andriola (2013), trata sobre a visão que os

profissionais da educação têm em relação à educação escolar na prisão, relatando as principais

ações de EJA que são desenvolvidas com profissionais do Sistema Prisional do Ceará. O

segundo, de autoria de Ramos (2006), trata sobre a formação específica de formadores para

trabalhar no sistema penitenciário, o que mostra um avanço na perspectiva das pesquisas,

quando pretende desenvolver uma proposta de formação para os educadores especializados na

perspectiva da Pedagogia Social.

Já o trabalho de Onofre (2015), nos faz refletir sobre o papel da educação escolar para

jovens e adultos em um ambiente de privação de liberdade, defende que a Educação para

Jovens e Adultos nestes espaços deva estar pautada nos ideais da educação popular, que busca

fazer com que o indivíduo aprenda a ler, escrever e interpretar perpassando esse movimento

de (re)construção da cidadania e de humanização. Nos mostra ainda que aqueles que estão

inseridos na EJA são pessoas historicamente marginalizadas, em privação de direitos básicos,

negligenciadas pelo Estado e pela sociedade.

Conseguimos extrair também em um dos artigos estudados a relação que a educação

escolar na prisão e a prisão mantêm, pois sempre formaram um par incoerente: a primeira se

justificando no contexto particular e universal da segunda que, no entanto, por natureza,

oferece apenas um quadro contraditório para a livre expressão da primeira. O autor afirma que

a prisão é antieducativa em si, e questiona como ainda assim pode oferecer às pessoas, uma

possibilidade de contar com aprendizados úteis? Ao final analisa que em meio a tamanhas

contradições é possível a realização de uma educação para toda a vida. (DE MAEYER, 2013).

Confirmando o que citamos no primeiro parágrafo dessa discussão, o artigo intitulado

“Educação de Jovens e Adultos: contribuições de artigos em periódicos brasileiros indexados

na base SciELO (2010-2014)”, nos apresenta uma pesquisa bibliográfica sobre temas,

abordagens e proposições de 79 artigos referentes à EJA disponíveis em periódicos brasileiros

indexados na base SciELO (2010-2014). Como dito anteriormente, o quantitativo de

publicações do quinquênio supera o da década anterior e nos brinda com o diagnóstico que

dentre os temas emergentes, destaca-se “Educação na Prisão”. A revisão bibliográfica do

citado artigo foi de suma importância na construção de nossa dissertação.

3.4 BDTD

A última plataforma a realizarmos nossas buscas foi a BDTD. Iniciamos colocando os

nossos descritores na busca básica sendo previamente encontrados 2.230 trabalhos. Com o

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descritor “Educação na Prisão”, 57 trabalhos foram encontrados; já com o descritor “Professor

na Prisão”, 19 apareceram. O descritor “Educação e Grades” encontrou 2.147 trabalhos

relacionados e o descritor “EJA Prisional” filtrou mais 07 trabalhos, totalizando 2.230.

Como o site da BDTD não oferece ferramenta de refinamento da pesquisa que

atendesse nossa necessidade, a pesquisa com o descritor “Educação e Grades” foi separada e

fomos dar atenção ao material encontrado com os outros 03 descritores. O total de trabalho

dos 03 descritores atingiu o numero de 83. Foram lidos todos os títulos e separados os que

guardavam relação com nossa pesquisa. Posteriormente esses últimos foram abertos e seus

resumos lidos, sendo que, ao final, 04 trabalhos foram selecionados por tratarem

especificamente sobre assuntos de nosso interesse. São eles: “Educação escolar no sistema

penitenciário de Mato Grosso do Sul: um olhar sobre Paranaíba” (ARAÚJO, 2005); “O

exercício da docência entre as grades: reflexões sobre a prática de educadores do sistema

prisional do estado de São Paulo” (MENOTTI, 2013); “A política de educação de jovens e

adultos em regimes de privação da liberdade no estado de São Paulo” (MOREIRA, 2008);

“Que pode a educação na prisão?” (SILVA, 2011).

Partimos então para a parte mais difícil na plataforma, filtrar os 2.147 do descritor

“Educação e Grades”. Acrescentamos ao descritor a palavra “prisão/prisional”

(separadamente) e 04 trabalhos emergiriam. Lemos os resumos e apenas 01 se mostrou

importante ao nosso estudo. “Educação de adultos presos: possibilidades e contradições da

inserção da educação escolar nos programas de reabilitação do sistema penal no estado de São

Paulo” (PORTUGUES, 2001).

Revisando os 05 trabalhos encontrados, verificamos que 01 deles já havia sido

encontrado e estava listado junto aos trabalhos da plataforma SciELO. Uma análise um pouco

mais apurada e verificou-se que o trabalho na plataforma SciELO era na verdade um resumo

do trabalho listado junto ao BDTD (dissertação), motivo pelo qual mantivemos os 02. Assim,

foram totalizados 05 trabalhos na plataforma BDTD.

O primeiro ponto a nos chamar a atenção nos trabalhos encontrados na plataforma

BDTD foi uma tese tratando especificamente sobre a educação no sistema prisional de MS, de

autoria de Araujo (2005), professora permanente do Programa de Pós Graduação em

Educação da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul – Paranaíba. O trabalho trata da

educação escolar no sistema penitenciário do estado de MS, assim como trabalharemos, mas

desenvolve-se especificamente dentro do Estabelecimento Penal de Paranaíba, e discute o

papel da educação escolar para o aprisionado, diferente de nosso foco que busca analisar os

significados e sentidos que as professoras têm sobre a educação escolar na prisão. O

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levantamento bibliográfico da autora, o exame da legislação em âmbito nacional e estadual

que norteia a educação escolar para pessoas em privação de liberdade foram de grande

importância no processo de construção de nosso trabalho.

Outro trabalho que nos chamou atenção foi de autoria de Silva (2011), que investiga

os limites e possibilidades da educação desenvolvida em contextos de encarceramento no

sistema penitenciário brasileiro com a educação, entendida e expressamente reconhecida nos

textos normativos nacionais e internacionais como um direito humano, que deve funcionar

como um instrumento de libertação do homem (sic). Trata-se de um estudo de análise

bibliográfica, de relatos de experiência de pessoas em privação de liberdade e profissionais

penitenciários, e de observação empírica em estabelecimentos prisionais o que muito nos

interessa, haja vista que trabalhamos também com etnografia. A pesquisa permitiu identificar

na escola da prisão, apesar de um incontável número de obstáculos que lhe são próprios, um

espaço de reconstrução do ser humano aprisionado.

3.5 Acervo Pessoal

Por fim e não menos importante, juntamos ao presente levantamento a bibliografia

pré-existente no acervo deste pesquisador. A organização e seleção das obras a seguir listadas

se deram durante a elaboração do pré-projeto submetido ao processo seletivo para ingresso no

curso de mestrado, durante a reestruturação do referido projeto para submissão à plataforma

Brasil13

e SIGPROJ14

; foi filtrada também durante o cumprimento de disciplinas do mestrado,

no ano de 2015 bem como nas leituras para elaboração de seus trabalhos finais e

enriquecimento intelectual sobre o assunto. Inicialmente, nosso acervo constava com 20

obras, no entanto, com as pesquisas nas plataformas citadas, 08 trabalhos apareceram em

13

A Plataforma Brasil é uma base nacional e unificada de registros de pesquisas envolvendo seres humanos para

todo o sistema Comitê de Ética e Pesquisa/Comissão Nacional de Ética em Pesquisa - CEP/CONEP. Ela permite

que as pesquisas sejam acompanhadas em seus diferentes estágios - desde sua submissão até a aprovação final

pelo CEP e pela CONEP, quando necessário - possibilitando inclusive o acompanhamento da fase de campo, o

envio de relatórios parciais e dos relatórios finais das pesquisas (quando concluídas). O sistema permite, ainda, a

apresentação de documentos também em meio digital, propiciando ainda à sociedade o acesso aos dados

públicos de todas as pesquisas aprovadas. Pela Internet é possível a todos os envolvidos o acesso, por meio de

um ambiente compartilhado, às informações em conjunto, diminuindo de forma significativa o tempo de trâmite

dos projetos em todo o sistema CEP/CONEP (http://portal2.saude.gov.br/sisnep/Menu_Principal.cfm). 14

O Sistema de Informação e Gestão de Projetos (SIGProj) tem como objetivo auxiliar o planejamento, gestão,

avaliação e a publicação de projetos de extensão, pesquisa, ensino e assuntos estudantis desenvolvidos e

executados nas universidades brasileiras. O SIGProj está sendo desenvolvido por pesquisadores e alunos de

várias universidades brasileiras sob a coordenação do MEC. A proposta do SIGProj é agilizar o processo de

envio de projetos por meio da Internet e consequente parecer técnico de comitês e câmeras, acompanhando e

monitorando as atividades da proposta durante as fases de planejamento, execução e avaliação. Além de auxiliar

na gestão universitária, tem como objetivo principal contribuir para democratizar todas as informações para a

comunidade universitária e a sociedade provendo transparência pública

(http://sigproj1.mec.gov.br/?goTo=what&plataforma=5).

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nossas buscas e decidimos deixá-los listados nas plataformas CAPES, SciELO e BDTD. Os

que não apareceram nas plataformas citadas e se mostraram importantes para nossa pesquisa

foram: “Parecer CNE/CEB nº 4/2010. Assunto: Diretrizes nacionais para a oferta de educação

para jovens e adultos em situação de privação de liberdade nos estabelecimentos penais”.

(BRASIL, 2010); “A crise no sistema penitenciário brasileiro” (COELHO, S/A); “‘Celas de

aula’ o exercício da professoralidade nos presídios” (DUARTE, 2013); “O impacto da

educação e do trabalho como programas de reinserção social na política de execução penal do

Rio de Janeiro” (JULIÃO, 2010); “Na prisão existe a perspectiva da educação ao longo da

vida? Alfabetização e Cidadania” (DE MAEYER, 2006); “Proposta curricular para a

educação no sistema penitenciário de MS” (MATO GROSSO DO SUL, 2005); “Educação

Escolar na Prisão na Visão dos Professores: um hiato entre o proposto e o vivido” (ONOFRE,

2009); “O sistema prisional brasileiro e a visão de segmentos da sociedade civil sobre as

penitenciarias e os reclusos” (SCANDELAI, CARDOSO, 2006); “Políticas públicas

educacionais no âmbito do sistema penitenciário: aplicações e implicações no processo de (re)

inserção social do apenado” (SERRADO JÚNIOR, 2009); “O trabalho docente: elementos

para uma teoria da docência como profissão de interações humanas” (TARDIF, LESSARD,

2005); “A Questão Penitenciaria” (THOMPSON, 2000); “Mulheres e prisão: a experiência do

Observatório de Direitos Humanos da Penitenciária Feminina Madre Pelletier” (WOLFF,

2007).

As obras listadas no acervo pessoal foram as que deram embasamento para o inicio de

toda pesquisa. Foram reunidas pelo buscador Google com palavras que, na época, foram

julgadas pertinentes para esse tema. Muito mais do que foi anteriormente listado foi

encontrado, mas, através de leituras, filtros foram feitos restando as 12 anteriormente listadas.

Temos trabalhos importantes para nossa pesquisa, como o Parecer CNE/CEB nº

4/2010, que é resultado de um intenso e amplo diálogo sobre o direito à educação das pessoas

em privação de liberdade, discutido com vários seguimentos da sociedade. Sua aprovação

pela Câmara de Educação Básica define que a oferta de educação para jovens e adultos

privados de liberdade em estabelecimentos penais brasileiros é direito público subjetivo,

dever do Estado e da sociedade e que somente por meio da institucionalização da oferta de

educação no sistema penitenciário se conseguirá efetivamente mudar a atual cultura da prisão,

condição para preservar esse direito.

Outro trabalho que auxiliou na construção do Projeto de Pesquisa e contribuiu na

escrita da dissertação é de autoria de Serrado Júnior (2009), também servidor penitenciário do

estado de MS, detentor do mesmo cargo que este pesquisador, que estudou: “Políticas

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públicas educacionais no âmbito do sistema penitenciário: aplicações e implicações no

processo de (re) inserção social do apenado”. O fato do autor anteriormente citado estar no

mesmo espaço profissional que este pesquisador auxiliou muito na organização da pesquisa e

na problematização do assunto, já que mesmo ocupando o mesmo espaço profissional e se

dedicando ao mesmo campo de pesquisa, entre um parágrafo e outro da leitura do trabalho do

Serrado Júnior sempre me surgiam questionamentos não respondidos em seu texto que mais

tarde eu entenderia que tais questionamentos emergiam devido a formação inicial em áreas

diversas (Pedagogia e Direito) dos pesquisadores.

A pesquisa discutiu a relação entre as políticas públicas educacionais para o sistema

penitenciário, suas implicações e contribuições no processo de reinserção social de pessoas

que cumprem pena restritiva de liberdade. Teve como objetivos compreender, em um dado

sistema penitenciário, quais são as contradições objetivas do ponto de vista da aprendizagem e

da promoção humana no sistema, como as contradições se materializam e se desdobram na

prática, dentro de uma UP da cidade de Três Lagoas/MS. Analisou ainda as possibilidades, e

os limites, dentro do sistema penitenciário, de se oferecer uma educação que recupere o

sentido histórico da EJA, e o que é necessário para que essas possibilidades de concretizem.

Concluiu que uma educação que colabore efetivamente na reinserção social da pessoa em

privação de liberdade é possível, mas enfrenta enormes dificuldades dentro do sistema atual.

Onofre (2009), em seu artigo “Educação Escolar na Prisão na Visão dos Professores:

um hiato entre o proposto e o vivido”, trouxe a visão que faltava no momento da elaboração

do projeto. Seu trabalho foi desenvolvido buscando aprofundar discussões existentes em

relação ao papel da educação escolar no sistema prisional, e nos mostra que embora se

pretenda a humanização do tratamento, incluindo-se neste a educação escolar, as técnicas

adotadas naquele ambiente põem à mostra seu lado reverso. Durante sua escrita, a autora

constata que “semelhanças e diferenças entre a escola da prisão e as escolas “da rua” e,

embora houvesse inicialmente a ideia de que seriam encontradas muitas diferenças, foram

constatadas inúmeras semelhanças referentes ao trabalho educativo” (Idem, p. 05), o que se

amoldava a minha percepção no momento de elaboração do projeto. Outro ponto importante

destacado pela autora e que confirmou nossas percepções iniciais, contribuindo de

sobremaneira na construção do presente trabalho, foi sobre as vozes externadas pelos

professores e aquele emanado pela casa, especialmente quando vamos analisar o tratamento

da interação dos professores com os outros profissionais que atuam no ambiente prisional,

pois sobre o objeto de estudo, e que não pareciam conflitantes à primeira vista, aos poucos

revelaram, embora os discursos fossem semelhantes, importantes diferenças nas entrelinhas.

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43

Foi possível perceber, de um lado, o discurso da casa, e de outro, o discurso dos professores

(Idem, p.06).

A feitura do levantamento de produção se mostrou com uma ferramenta de extrema

valia para organização de ideias e conhecimento prévio de todo material importante que foi

estudado e investigado no processo de construção do texto de dissertação. Inicialmente a

percepção que tínhamos do trabalho de levantamento de produção seria o mesmo que dizer

“chover no molhado”, percepção que se perdeu durante sua construção, pois os

conhecimentos agregados com a pesquisa bem como a organização dos dados obtidos

emergiram de forma singular e desvelaram o valor do presente trabalho.

Além do mais as buscas mostraram que o tema estudado ganhou força na academia na

última década aumentando significativamente o número de estudos o que contribuiu na

construção do objeto de estudo além do que revelou a não existência de estudos relacionados

ao recorte dos significados e sentidos que dão que os professores atuantes em UPs, o que

revela a contribuição acadêmica do presente trabalho.

No próximo capítulo que trata sobre Sistema Penitenciário será apresentado a

organização penitenciária no estado de MS e, sobretudo na cidade de Corumbá/MS.

Inicialmente, são apresentados os aspectos gerais do sistema no MS e especificamente

Corumbá, tratando as particularidades de cada um, para, em segundo momento, mostrar como

se desenvolve a educação escolar no sistema prisional de MS, detalhando nesse momento a

Escola Estadual Polo Professora Regina Lúcia Anffe Nunes Betine, responsável pela

educação escolar nas prisões.

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4. SISTEMA PENITENCIÁRIO

Para compreendermos a casa onde se desenvolve nossa pesquisa, se faz necessário

entender o sistema prisional pátrio, como esse sistema está organizado em nosso país. A

responsabilidade pelo sistema penitenciário do Brasil está dividida entre a União e os Estados,

assim temos o sistema penitenciário federal de responsabilidade da União e os sistemas

penitenciários estaduais de responsabilidade de cada ente da federação. Nosso espaço de

pesquisa se encontra dentro do sistema penitenciário estadual.

O sistema penitenciário federal fica sob a responsabilidade do Departamento

Penitenciário Federal - DEPEN, subordinado ao Ministério da Justiça – MJ; ele possui

penitenciárias de segurança máxima com o objetivo de abrigar pessoas em privação de

liberdade de alta periculosidade que possam comprometer a ordem e a segurança nos seus

estados de origem. Atualmente, 04 presídios federais estão em funcionamento, localizados nas

cidades de Catanduvas/PR (inaugurada em 2006), Campo Grande/MS (inaugurada em 2006),

Porto Velho/RO (inaugurada em 2009) e Mossoró/RN (inaugurada em 2009). Está em fase de

construção mais uma unidade na cidade de Brasília, que tinha previsão para ser inaugurada no

ano de 2014, mas que esta com obras atrasadas e sem previsão para entrar em operação.

O regime adotado nas penitenciárias federais é o fechado, com confinamento por 22

horas diárias, e 02 horas para banho de sol. Essas unidades servem para abrigar pessoas em

privação de liberdade que representam riscos para a segurança e a ordem, ou quando

necessário para a segurança do próprio condenado. São projetadas para abrigaram 208

(re)educandos, sendo 13 vagas para o Regime Disciplinar Diferenciado - RDD, regime que se

mostra ainda mais duro que a rotina já adotada na unidade, que conta com sensores de

aproximação, câmeras que monitoram o ambiente por 24 horas, uso ostensivo de artefatos de

vigilância e a reclusão individual do indivíduo privado de liberdade. Quanto à educação,

contemplam locais apropriados para aulas, normalmente ministradas mediante convênio com

as SEDs15

, como acontece na Penitenciária Federal de Campo Grande/MS.

4.1 O sistema penitenciário em Mato Grosso do Sul e em Corumbá: aspectos

gerais

Os estados possuem seus sistemas penitenciários organizados em Agências ou

Departamentos, normalmente subordinados a Secretarias de Segurança Pública e Justiça,

15

Informações disponíveis em: http://www.brasil.gov.br/defesa-e-seguranca/2012/04/conheca-as-estruturas-dos-

quatro-presidios-federais. Acessado em 09/09/2016.

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Secretarias de Justiça, Secretaria de Ressocialização e Inclusão Social, Secretaria de Estado

de Defesa Social e Secretaria de Estado de Justiça e Cidadania. Em outros, o sistema é

administrado diretamente por Secretarias de Administração Penitenciária, como no caso de

Maranhão, Rio de Janeiro, São Paulo e Manaus. Os regimes de cumprimento de pena são:

fechado, semiaberto e aberto.

Em MS, quem administra o sistema penitenciário é a Agência Estadual de

Administração do Sistema Penitenciário - AGEPEN, uma autarquia vinculada à Secretaria de

Estado de Justiça e Segurança Pública - SEJUSP e por ela supervisionada, sendo um órgão do

Poder Executivo Estadual, que segundo informações publicadas em seu site16

, teve seu início

em 1979, com a denominação inicial de Departamento do Sistema Penitenciário - DSP/MS,

instituído pelo decreto-lei nº 11, de 01 de janeiro de 1979, com a inauguração do Presídio

Central ou Cadeia Pública em Campo Grande/MS. No ano de 2000 a sigla DSP foi alterada

para Agência Estadual de Administração do Sistema Penitenciário de Mato Grosso do Sul -

AGEPEN/MS, alteração esta feita pela Lei 2.152, de 26 de outubro de 2000, que veio dispor

acerca de toda a reorganização do Poder Executivo Estadual.

Em 2002, através da Lei Nº 2.598 de 26 de dezembro de 2002, devido nova

reorganização do Poder Executivo Estadual, tornou-se Diretoria Geral de Administração do

Sistema Penitenciário - DGASP e, em última estância, a atual AGEPEN/MS, chegou através

da Lei 2.723 de 27 de novembro de 2003.

Com a nova denominação, a AGEPEN completou, no dia 25 de setembro de 2016, 37

anos de atividade. A AGEPEN possui 47 UPs nos regimes fechado, semiaberto e aberto, em

18 cidades do Estado, para atender a toda a demanda de custodiados desta Unidade da

Federação, contando com servidores concursados nas áreas de Segurança e Custódia,

Administração e Finanças e Assistência e Perícia. Tem sua sede localizada na cidade de

Campo Grande, capital do estado de MS, na rua Santa Maria, 1307, bairro Coronel Antonino.

16

Disponível em: http://www.agepen.ms.gov.br/historico/. Acessado em: 11/09/2016.

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Figura 01: Mapa do estado de MS - Cidades. As cidades com círculos brancos em destaque possuem

UPs da AGEPEN.

Fonte: Acervo pessoal.

Edição: Claudenir dos Santos (Kaka).

Durante o tempo que desenvolvemos a pesquisa, a AGEPEN foi dirigida por Ailton

Stropa Garcia, formado em Direito pela Faculdade de Direito de Araçatuba/SP, especialista

em Metodologia do Ensino Superior pela Faculdade de Filosofia Ciências Letras de

Umuarama, Universidade Paranaense – UNIPAR, em Antropologia Filosófica Aplicada ao

Direito pela Escola Superior de Magistratura de Mato Grosso do Sul – ESMAGIS/MS, em

Direito das Obrigações, pela Universidade da Grande Dourados – UNIGRAN, além de

possuir Mestrado em Direito pela Universidade de Brasília – UNB. É juiz de Direito

aposentado do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul – TJMS, advogado e professor

universitário além de membro da Academia Douradense de Letras – ADL, detentor da

Cadeira nº. 2717

.

No momento que finalizamos o texto para defesa perante a banca examinadora, Aud

de Oliveira Chaves assumiu a diretoria presidência da AGEPEN (10/02/2017). Aud é servidor

da AGEPEN desde 1999, mas ingressou na carreira de agente penitenciário, como efetivo, no

ano de 2001, através de concurso público, na área de Segurança e Custódia. Formado em

Tecnólogo de Segurança no Trabalho, possui especialização em Gestão Penitenciária e

17

Disponível em: http://www.agepen.ms.gov.br/institucional/diretor-presidente/. Acessado em: 11/09/2016.

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Gerenciamento de Crises, além de diversos cursos de aperfeiçoamento na área penitenciária.

Antes de assumir como diretor presidente atuou como chefe de equipe de plantão e em chefias

de disciplina e de segurança, além de ter sido por cerca de quatro anos diretor adjunto do

Instituto Penal de Campo Grande – IPCG, presídio onde respondeu também pela direção, em

caráter de substituição legal. Respondeu, ainda, como chefe do setor de transportes da

AGEPEN, função que ocupava até sua nomeação como diretor presidente18

.

A AGEPEN tem como meta, conforme consta em seu site:

Administrar o sistema penitenciário estadual, assegurar a custódia de presos

provisórios e sentenciados, bem como a execução das penas de prisão, além

de buscar promover a ressocialização e reintegração do sentenciado quando

de seu regresso à sociedade. (destacamos). 19

Possui sua estrutura administrativa composta por 03 Diretorias, sendo a Diretoria de

Operações - DOP, a Diretoria de Administração e Finanças - DAF e a Diretoria de Assistência

Penitenciária - DAP, as quais são responsáveis pela gestão de todos os estabelecimentos

penais e patronatos penitenciários existentes no estado.

Na cidade de Corumbá, localizada a 420 km da capital do estado, na mesorregião do

Pantanal (Microrregião do Baixo Pantanal) e próxima da fronteira com a Bolívia, à beira do

rio Paraguai, a AGEPEN administra um patronato penitenciário e 04 UPs, das quais em 03

delas estão localizadas as salas de aula onde atuam as professoras que integram nossa

pesquisa. Os estabelecimentos penais que contam com educação escolar na cidade de

Corumbá são: “Estabelecimento Penal de Corumbá” – EPC, “Estabelecimento Penal

Feminino Carlos Alberto Jonas Giordano” – EPFCAJG (regime fechado) e “Estabelecimento

Penal de Regime Semiaberto, Aberto e Assistência ao Albergado de Corumbá” -

EPRSAAAC.

Dentro das cidades em que a AGEPEN atua, Corumbá merece atenção e estudo por

diversas especificidades. Trata-se da cidade mais distante da capital Campo Grande que

possui presídios, tendo inclusive a etimologia do seu nome ligado a distancias, com o nome

de origem tupi-guarani Curupah – que significa “lugar distante”. Além disso, Corumbá é

conhecida como Cidade Branca, devido à cor clara de seu solo, rico em calcário. Possui

condições geográficas pantanosas além do que faz fronteira com a cidade boliviana de Puerto

18

Disponível em: http://www.agepen.ms.gov.br/institucional/diretor-presidente/. Acessado em: 11/02/2017. 19

Disponível em: http://www.agepen.ms.gov.br/institucional/missao/. Acessado em 03/05/2016.

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Quijarro. Ela é o maior município do estado em extensão territorial e o maior e mais populoso

centro urbano fronteiriço de todo o norte e Centro-Oeste do Brasil20

.

Nascida na fronteira por necessidade estratégica, Corumbá sempre teve forte presença

dos diversos setores das forças armadas, tanto o Exército quanto a Marinha se instalaram na

região para proteger seus limites com os países vizinhos. Depois de 1870, o Poder Público

ergueu em Ladário21

a Base Naval da Marinha trazendo um grande número de operários e

uma volumosa tropa que permanecem na região até os dias atuais, contribuindo ainda mais

para a diversidade social local.

É a cidade do estado que mais recebe turista, com o Pantanal ocupando 60% de seu

território, é considerada a Capital do Pantanal, sendo também sua porta de entrada.

O turismo vem ajudando a desenvolver o mercado de trabalho associado com a pesca

esportiva. Dois eventos merecem destaque na cidade22

: o carnaval, sendo considerado o maior

do estado, reunindo uma média de 40 mil pessoas por noite; e a festa de São João, tendo seu

ponto alto no início da noite de 24 para 25 de junho, com o banho de São João, que desce a

ladeira Cunha e Cruz em procissão, acompanhado de fogos de artifício e lanterninhas de papel

ou velas acesas nas mãos, ao som de cantos típicos.

A população carcerária é diferenciada, pois devido à fronteira com o país vizinho, a

incidência de prisões por tráficos de drogas é bastante alta, o que faz com que grande parte

dos aprisionados seja proveniente de outras cidades e estados, além da Bolívia, justamente por

envolvimento com o transporte de drogas.

Segundo o Mapa Carcerário23

da DOP/AGEPEN, (emitido para órgãos do Executivo,

Judiciário e demais entidades envolvidas no processo de (re)socialização)) do primeiro

semestre de 2017, os números demonstram que a população carcerária total da AGEPEN gira

em torno de 15.373 (re)educandos, sendo sua capacidade para 7.327 pessoas. Na cidade de

Corumbá, o total de (re)educandos é de 772, sendo a capacidade para 422 pessoas, sofrendo

com a superlotação e o número reduzido de servidores, o que reflete diretamente na qualidade

do trabalho executado, não paralisando, mas dificultando o atingimento dos objetivos da

(re)socialização que vão além do cumprimento de pena. A falta de servidores penitenciários

não é um problema apenas de MS e Corumbá, como vemos na fala de Lourenço,

20

Disponível em: http://www.pmcorumba.com.br/site/corumba/2/. Acessado em: 12/09/2016. 21

Cidade sul-mato-grossense localizada a apenas 6 km do centro de Corumbá, integrando-se social e

economicamente com o município objeto de nosso estudo. 22

Disponível em: http://www.pmcorumba.com.br/site/turista/4/. Acessado em 02/06/2016. 23

A DOP é a diretoria responsável pelo gerenciamento e logística da pessoa em privação de liberdade. Cuida de

todos os atos envolvendo o quantitativo de vagas em UPs, o quantitativo real de ocupação e superlotação nas

UPs, bem como o quantitativo de servidores penitenciários relacionados à Segurança e Custódia em cada uma

das UPs. Possui dados e números atualizados mensamente, já que alimenta os sistemas estadual e federal

relacionado a (re)educandos em UPs. Os dados utilizados são do mês de janeiro de 2017.

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A carência de recursos humanos nas prisões é elevada e, pelo que soubemos

de relatos dos próprios funcionários, é raro encontrar o quadro de pessoal,

especialmente da Segurança, devidamente preenchido. Elencamos os

seguintes motivos: a aposentadoria de alguns Agentes de Segurança

Penitenciária; a transferência, a pedido, de alguns e, com o falecimento de

outros, fazem com que essa precariedade apenas aumente. (2010, p. 147).

Um ponto importante do sistema penitenciário sul-mato-grossense em relação aos

outros estados foi o fato de no ano de 2002, com a reestruturação da carreira penitenciária

(Lei 2.518/02), todos os cargos da AGEPEN passaram a exigir a graduação de nível superior

para seu ingresso, o que reflete positivamente nos dias atuais, já que desde 2002 todo servidor

ingressante na AGEPEN possui no mínimo uma graduação, o que faz com que a postura

desses servidores seja positiva, o que em longo prazo poderá refletir e auxiliar no

cumprimento de pena (re)socialização dos (re)educandos. Outro ponto trazido pela mesma

legislação e também mantido pela legislação atual que regulamenta a carreira foi a

organização dos servidores por área de atuação, sendo elas:

Administração e Finanças. Servidores com formação de nível superior em

áreas estratégicas que desenvolvem suas atividades em setores

administrativos do sistema penitenciário.

Assistência e Perícia. Servidores de nível superior em áreas específicas que

prestam assistência ao interno nas unidades penais, sendo Assistentes

Sociais, Psicólogos, Pedagogos e Bacharéis em Direito.

Segurança e Custódia. Servidores de nível superior com formação em

qualquer área que trabalham diretamente com a segurança e custódia dos

internos. São responsáveis pela operacionalização da rotina e segurança

dentro das Unidades Penais. (MATO GROSSO DO SUL, 2014).

Subordinada à DAP foi criada, no ano de 2004, a Divisão de Educação, órgão de

extrema importância para compreensão de nossa pesquisa, que atua de forma compartilhada

com a Escola Polo Betine, sendo um facilitador dentro do sistema prisional. Dito de outra

maneira, a Divisão de Educação da AGEPEN equaciona os princípios da SEJUSP junto com

os princípios da SED, fazendo uma ponte entre a Escola Polo Betine e as UPs onde ocorre a

educação escolar.

4.2 Educação escolar no sistema penitenciário de Mato Grosso do Sul e a Escola

Betine

A educação nas UPs está prevista e garantida na LEP, vejamos:

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Art. 17. A assistência educacional compreenderá a instrução escolar e a

formação profissional do preso e do internado.

Art. 18. O ensino de 1º grau será obrigatório, integrando-se no sistema

escolar da Unidade Federativa.

Art. 18-A. O ensino médio, regular ou supletivo, com formação geral ou

educação profissional de nível médio, será implantado nos presídios, em

obediência ao preceito constitucional de sua universalização.

§ 1o O ensino ministrado aos presos e presas integrar-se-á ao sistema

estadual e municipal de ensino e será mantido, administrativa e

financeiramente, com o apoio da União, não só com os recursos destinados à

educação, mas pelo sistema estadual de justiça ou administração

penitenciária.

§ 2o Os sistemas de ensino oferecerão aos presos e às presas cursos

supletivos de educação de jovens e adultos.

Somado a isso, a previsão legal se completa na Lei de Diretrizes e Bases da Educação

Nacional – LDBEN, Lei nº 9394/96, que estabelece em seu artigo 4º, incisos III e VII, que o

dever do Estado com educação escolar pública será efetivado mediante a garantia de

atendimento educacional especializado gratuito aos educandos com necessidades especiais. E

Seção V - LDBEN – “Da oferta de educação escolar na modalidade de EJA”, com

características adequadas às suas necessidades. Assim, em consonância com as Diretrizes

Nacionais para a oferta de educação para jovens e adultos em situação de privação de

liberdade nos estabelecimentos penais, o estado de MS propõe uma proposta político-

pedagógica que considera a preocupação de estimular oportunidade de aprendizagem a todos,

em particular, aos marginalizados e excluídos, visando a garantia do reconhecimento do

direito à aprendizagem de todas as pessoas encarceradas, proporcionando-lhes informações e

acesso aos diferentes níveis de ensino e formação (PPP, 2014, p. 06 e 07).

Educação no cárcere significa todos os processos educativos e práticas sociais que

acontecem dentro da prisão. A escola é uma dessas práticas, pois o trabalho, as rodas de

leitura, os cultos religiosos, as oficinas de artesanato, entre tantas outras, são práticas

educativas. Assim, a escola não é a única responsável pela educação da prisão, sendo apenas

parte dela; à escola cabe a fatia destinada a educação escolar. Assim nossa pesquisa preocupa-

se com o estudo da educação na prisão e não sobre a educação da prisão que é tema muito

mais amplo como ensina DE MAEYER:

Desaprende-se, então, toda tomada de iniciativa e não é a menor das

contradições constatar que no dia da sua liberdade, espera-se que o detento

tome todas as iniciativas que lhe pediram para esquecer durante sua estada

no cárcere. Do dia para a noite, ele deverá gerir seu dinheiro, seu lugar na

hierarquia do trabalho, que talvez tenham encontrado para ele, suas relações

sociais e afetivas. Tudo isso é a educação da prisão, não a educação na

prisão! (2013, p. 41 e 42).

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Durante as entrevistas, uma das professoras, de maneira natural, confirmou o que De

Maeyer e Demo, nos ensinam por estes parágrafos. Perguntada sobre a educação escolar na

prisão e o atingimento de seus objetivos, ela foi categórica em reconhecer que a escola possui

objetivos diferentes dos objetivos do sistema.

P24

: Professora você acha que a educação escolar na prisão cumpre com o

objetivo dela com a (re)socialização, capacitar ou melhorar aquele indivíduo

para ser colocado em liberdade novamente?

Francis: Eu acho que o papel da escola sim. Da escola sim, mas não no

sistema em geral. Eu acho que existe muita a questão do conflito ainda.

(Transcrição da entrevista realizada no dia 18/11/2016).

Demo (1993), de maneira muito acertada reconhece a importância e necessidade do

trabalho educativo pedagógico que a educação escolar traz ao indivíduo, mas nos ensina que

dentro dos presídios a educação deve ser para além da educação formal

Ao lado do trabalho produtivo pedagógico, é a ambiência educativa que deve

imperar na penitenciária. Não se trata apenas de oferecer educação formal,

mas de envolver o preso dentro da ecologia da educação, incluindo cultura,

lazer, instrução, etc. Ao contrário das condições atuais imperantes, de total

degradação humana, deveria emergir o lado sadio, promocional, desafiador

da educação crítica e criativa, uma das bases mais seguras da formação da

cidadania popular (Idem, p.110).

E prossegue

O preso deve ter oportunidade de ler conteúdos interessantes, ver materiais

eletrônicos pertinentes de teor didático e instrutivo, discutir coletivamente

temas, problemas e soluções, fazer cursos à distância, sobretudo plantar o

convencimento da capacidade de se construir como sujeito social

competente. Isto supõe metodologias didáticas modernas construtivas, que

não se bastam com mera reprodução do saber, imitação, cópia, instrução. O

ambiente deve marcar-se nitidamente pelo aprender a aprender, que

fundamenta a habilidade crítica e criativa. A conjugação inteligente entre

este tipo de educação e o trabalho produtivo pedagógico seria a base

principal do processo de reconstrução da liberdade. É claro que isto demanda

recursos humanos devidamente capacitados. (Idem, p. 111).

Na AGEPEN, a Divisão de Educação conta hoje com duas servidoras, uma da área de

Assistência e Perícia (chefe) formada em Serviço Social e outra da área de Segurança e

Custódia, atualmente readaptada por recomendação médica na área de Administração e

Finanças, formada em Ciências Biológicas. Elas desempenham suas atividades na sede da

AGEPEN, mantendo contato telefônico e via e-mail, durante todo o tempo, com a Escola Polo

24

A letra P em maiúsculo nos diálogos significa pesquisador.

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Betine e as UPs. As servidoras esclarecem que dentro de cada UP que tenha aula, um servidor

é nomeado (Portaria/AGEPEN nº 01 de 2009) pelo diretor como responsável pela educação, o

que facilita a comunicação e interação com a Divisão de Educação e consequentemente com a

escola Polo Betine.

Dentro das UPs, os servidores responsáveis pela educação escolar na prisão são

escolhidos preferencialmente entre aqueles da área de Assistência e Perícia, sendo

responsabilidade do setor garantir o atendimento das diretrizes institucionais e ser

corresponsáveis pelo processo e resultados das ações entre todos os atores envolvidos na

aplicação e execução da oferta de educação nas prisões do estado, cientes de que:

Enredada na contradição de punir e oferecer uma perspectiva às pessoas que

não escolheram estar ali e que, para uma parcela dentre eles, já preparam sua

saída e suas próximas vitórias ou vinganças, a educação na prisão raramente

é acolhida como uma oportunidade. (DE MAEYER, 2013, p, 35)

Além das atribuições anteriormente desenhadas, visando a (re)socialização da pessoa

em privação de liberdade, a divisão de educação tem inúmeras atribuições relacionadas a

nossa pesquisa, podendo-se destacar: realizar levantamento e atualização de dados dos níveis

de escolarização da população custodiada; compatibilizar os dados levantados no perfil

educacional da massa carcerária com os dados apresentados no cadastro do sistema de

Informações Estatísticas do Sistema Penitenciário – INFOPEN25

, para correção das

distorções e conhecimento da realidade na área educacional; levantar e cadastrar a demanda

de custodiado com nenhuma e/ou pouca escolaridade, para início do trabalho de

sensibilização e motivação para inclusão na escola; participar do processo de inclusão,

entrevistando e orientando o custodiado para a classificação pedagógica e inserção na sala de

aula; discutir, debater e propor ideias e soluções à direção, chefias, ao corpo de segurança,

equipe da administração e finança, assistência e perícia, coordenação pedagógica e docentes

quanto a realização de intervenções necessárias para enfrentamento das dificuldades no setor

educacional; construir com os demais setores do estabelecimento penal, rede de

interdisciplinaridade que possibilite uma agenda de atendimento e assistência penitenciária

aos alunos matriculados; planejar, coordenar, executar e avaliar em parceria com a Escola

Polo as atividades sócio educacionais; atuar de forma articulada com a Escola Estadual Polo

25

É um sistema de informações estatísticas do sistema penitenciário brasileiro, atualizado pelos gestores dos

estabelecimentos desde 2004, que sintetiza informações sobre os estabelecimentos penais e a população

prisional.

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Professora Regina Lúcia Anffe Nunes Betine, como facilitador na execução do PPP, tendo em

vista a mensuração dos indicadores de resultado26

(MATO GROSSO DO SUL, 2015).

Em 02 de maio de 2016, com o projeto de pesquisa (ANEXO 01) submetido e

aprovado (ANEXO 02) junto ao CEP, foi dado início ao nosso trabalho de campo com uma

visita previamente agendada por telefone a Escola Polo Betine, localizada na rua dos

dentistas, nº 500, bairro Arnaldo Estevão de Figueiredo, Campo Grande/MS, responsável pelo

gerenciamento da educação escolar no sistema prisional do estado.

Antes de falarmos sobre a visita a Escola Polo Betine, vamos tratar sobre a demora em

conseguirmos a resposta sobre a autorização (ANEXO 03) para pesquisa junto a SED. O fato

de esse pesquisador ser servidor de carreira da AGEPEN também não pode ser ignorado na

análise do ocorrido. Antes da submissão do projeto para apreciação do CEP foi necessário

estar em posse da autorização para pesquisa do dirigente maior da AGEPEN e da escola Polo

Betine. Quanto a AGEPEN a autorização (ANEXO 04) foi imediata, mas junto à diretoria da

escola Polo Betine passaram-se 45 dias sem um despacho de resposta ao solicitado

protocolado na secretaria da escola. As respostas quando interpelados por telefone por este

pesquisador era sempre que a solicitação havia sido encaminhada para a SED que até o

momento não tinha se manifestado sobre o pleito.

Com os prazos apertados e a necessidade de posicionamento ao pedido, foi mantido

contato via telefone na assessoria da SED, momento que me apresentei, expliquei a demora na

resposta do solicitado junto a Escola Polo Betine e os prejuízos científicos e políticos que isso

poderia causar uma vez que o projeto conta com apoio de duas Secretarias de Estado

(SEJUSP e SED) e alguém precisaria ser responsabilizado por tamanha morosidade. Feito

isso, a assessoria pediu para que eu encaminhasse por e-mail cópia da solicitação protocolada

há 45 dias junto a escola, anotou meu contato e em menos de 24h me retornou o contato

dizendo que a pesquisa estava autorizada e que eu poderia passar diretamente na SED para

pegar o ofício com o despacho. Somado a isso, disse que qualquer dúvida, necessidade ou

problema eu poderia manter contato imediato, mas que possivelmente eu não teria mais

nenhum tipo de obstáculo, uma vez que a direção da Escola Betine já estava preparada para

me alimentar com as informações que fossem necessárias. Realmente, após esse fato o acesso

às informações e documentos foi acelerado junto à escola.

26

Disponível no documento intitulado: “Atribuições técnicas e administrativas do setor de educação e

profissionalização dos estabelecimentos penais – AGEPEN”, recebido por e-mail do endereço eletrônico

institucional da Divisão de Educação em 18/08/2016, após solicitação verbal deste pesquisador para a chefe

daquela divisão.

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54

Ao chegar à Escola Polo Betine fui recepcionado pelo seu diretor, professor Renato

Lima de Aguiar, graduado em Educação Física pela UFMS, especialista em Educação Física

pela Universidade de Cuiabá – UNIC e mestre em Educação pela Universidade Católica Dom

Bosco – UCDB, que se encontrava a frente da escola desde janeiro de 2016.

Durante as quase duas horas de “bate-papo”, Renato foi explanando sobre a Escola

Betine e suas atribuições, além de fornecer documentos importantes para a compreensão do

contexto escolar no ambiente prisional e seu histórico no estado, em especial na cidade de

Corumbá, que complementaram e muito ajudaram na construção dos parágrafos que seguem.

Em 16 de janeiro de 1980, por intermédio da Portaria 018/80/DSP acontece a criação

da Escola de Formação Penitenciária, instituída oficialmente em 13 de maio de 1986, pelo

Decreto nº 3.569. Entre os anos de 1980 a 1986 a educação na prisão ocorria apenas de caráter

ocupacional e informal no regime fechado, convênios entre a SED e o DSP para cedência de

professores.

No ano de 1992 ocorre a mudança de nomenclatura para Escola de Serviços

Penitenciários, sendo que no ano de 1998 a Escola de Serviços Penitenciários passou a

funcionar como extensão do Centro de Estudos Supletivos Professora Ignês Delamônica

Guimarães, até o ano de 2000. Entre os anos de 2001 e 2003 a Escola Estadual Carlos

Henrique Schrader abrigou a extensão escolar do Sistema Penitenciário.

Mais recentemente, em 22 de dezembro de 2003, através do Decreto nº 11.514, é

criada a Escola Estadual Pólo Professora Regina Lúcia Anffe Nunes Betine, vinculada à SED,

com sede em Campo Grande, tendo como principal parceira a SEJUSP, sendo seu quadro de

servidores composto por profissionais convocados e efetivos da SED.

A Escola Betine nasceu com o objetivo de ofertar a Educação Básica aos custodiados

das UPs de MS. Seguindo uma PPP, 2014, que busca se adequar a proposta do Conselho

Nacional de Educação, no ano de 2008, o Conselho Estadual de Educação autorizou a

implantação dos cursos de EJA, nas etapas do ensino fundamental e ensino médio – projeto

experimental nas UPs de MS.

Em fevereiro de 2010, o projeto deixou de ser experimental sendo substituído pelo

projeto pedagógico dos cursos de EJA nas etapas do ensino fundamental e médio nas UPs de

MS. Segundo o PPP (2014, p.30):

Acreditamos na Educação de Jovens e Adultos, mais flexíveis e integradas.

Tendo em vista maior participação dos professores, alunos, da comunidade

escolar na organização, gerenciamento, atividades, o importante é aprender e

não impor um padrão único de ensinar.

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As turmas são organizadas em cinco fases no ensino fundamental, com carga horária

de 675 horas em cada fase, distribuídas em 180 dias letivos e duas fases no ensino médio com

carga horária 702 horas distribuídas em 180 dias.

O projeto foi autorizado para funcionar no período de 5 anos, tendo o seu término em

fevereiro de 2015, sendo necessária uma nova autorização, conforme ocorreu com a edição da

Resolução/SED nº 2.918 de 18 de dezembro de 2014, mantendo a mesma organização

pedagógica e tendo como

princípio filosófico propiciar aos alunos uma educação que possibilite a

transformação da realidade, através de um ensino de qualidade, estimulando

a reflexão sobre a questão dos direitos humanos, permitindo a construção de

uma nova ética e um novo tipo de convivência social, tornando-os cidadãos

conscientes capazes de realizar seus sonhos, desejos, planos e metas,

podendo ingressar numa nova etapa da vida. (PPP, 2014, p.04).

Ainda segundo o PPP (2014, p.06), a escola Betine pauta-se em um tripé de valores,

sendo eles: 1) ético: trabalhando com senso de compromisso, seriedade e respeito em todas as

ações; 2) excelência: buscando incessantemente a qualidade em tudo que é feito na escola; e

3) participação: trabalhando em equipe, com senso de compromisso e solidariedade,

acreditando que é em equipe que será construída a competência. Observamos que as falas das

professoras eventualmente não se incorporavam na totalidade com os tripés do PPP (2014)

que aparecem em diversos momentos prejudicados ou não alcançados:

P: Entendi. Qual que é maior dificuldade professora em se trabalhar dentro

do presídio?

Francis: Para mim é a metodologia. Porque, por exemplo, lá para mim é

(NOME DA DISCIPLINA SUPRIMIDO).

P: Sim.

Francis: Então para entrar com materiais... os tipos de materiais que você

pode utilizar lá dentro são mais restritos. Assim, você tem que rebolar para

você poder conseguir levar uma aula produtiva para eles por conta dessas

restrições de material que você pode utilizar.

P: E você acha que essas restrições, elas são necessárias mesmo ou existe

um exagero do corpo de segurança?

Francis: De certa parte isso é um exagero, porque muitas vezes são

produtos, são ingredientes que você vai utilizar que não requer risco

nenhum.

(Transcrição da entrevista realizada no dia 18/11/2016).

***

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56

P: Quais as maiores dificuldades de trabalhar dentro do sistema?

Ariel: (...) olha só, nós não temos computador, nós não temos internet gente.

Olha aí, tudo só enfeite. Eu falo para vocês, podia ter um cabo de internet aí

você trabalhando. Olha, como eu não tenho aula agora à tarde, poderia fazer

o que agora à tarde? Poderia está planejando uma aula diferenciada ou

fazendo aula diferente nesses intervalos. Eu tenho que trabalhar com livro,

eu poderia procurar algo de criativo para eles. Entendeu? Atual ou algo que

eu possa diferenciar com eles. Não tem essa aparelhagem.

P: E mesmo com essas dificuldades, que são grandes que a gente vê, você

acha que vocês conseguem atingir o objetivo de (re)socializar, de ensinar

minimamente dentro do que você se propõe?

Ariel: 100% não.

(Transcrição da entrevista realizada no dia 18/11/2016).

***

P: Professora, se a senhora pudesse melhorar alguma coisa no trabalho da

senhora o que a senhora melhoraria?

Cleomar: Ah, olha se eu pudesse melhorar eu ia trazer pra cá uma

impressora (risos) uma televisão, coisas materiais... porque a gente tem

dificuldade de ter e seria assim uma alavanca entendeu? Rádio a gente já

tem, eu queria assim mais utensílios na sala material. Uma impressora seria

ótima pra elas verem como que faz. Mas se tivesse no meu alcance eu

gostaria de uma televisão na sala. O governo não vê essas prioridades. Na

escola lá fora é mais fácil mais acessível aqui dentro é mais dificultoso de se

ter.

(Transcrição da entrevista realizada no dia 10/16/2016).

Os três trechos selecionados anteriormente das falas das professoras não guardam

simetria com o PPP (2014, p. 26) que traz que: “Contamos também com os recursos: data

show, aparelhos de som, TV e aparelhos de DVDs e bibliotecas em algumas extensões em

espaços adaptados, Lousa Digital, Projetor Multimídia (Artur) e Máquina Fotográfica

Digital”, já que na fala das entrevistadas existe a impossibilidade de entrada de alguns

materiais, falta de internet, impressora, televisão. Isso tudo confirma que o tripé de valores da

Escola Polo Betine não consegue ser alcançado, afinal, como vimos, o PPP, um dos valores é

a “excelência – buscando incessantemente a qualidade em tudo que fazemos na escola” (2014,

p.06).

A sede da Escola Polo Betine e suas atividades administrativas ocorrem na cidade de

Campo Grande, mas suas salas de aula são pulverizadas dentro dos estabelecimentos penais

do estado. Atualmente a Escola Polo Betine possui extensão escolar em 28 estabelecimentos

penais, englobando masculinos e femininos, de regime fechado, semiaberto e aberto, em

Campo Grande e no interior do estado. “A sala de aula é o lugar onde a aprendizagem

acontece e de acordo com a disponibilidade de espaço físico e demanda de cada Unidade

Prisional é que se estabelecerão salas de onde funcionarão uma ou mais de uma fase” (PPP,

2014. p. 18).

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São 58 salas de aulas, 175 professores, 07 coordenadores, 01 diretor, 01 diretor

adjunto e 08 servidores administrativos. Do universo de 175 professores selecionados

(falaremos do processo seletivo nos próximos parágrafos), 15 foram designadas para dar aulas

nas 06 salas de aula do sistema prisional da cidade de Corumbá/MS, com formações

específicas em suas áreas de atuação: Ciências Biológicas, Educação Física, Geografia,

História, Língua Portuguesa, Matemática e Pedagogia. Contam com uma coordenadora

pedagógica, além de possuírem como apoio um espaço na Escola Estadual Carlos de Castro

Brasil que serve como base para realização de reuniões e cumprimento das horas atividades.

A Escola Polo Betine, segundo a PPP, tem como missão:

Contribuir para a melhoria das condições educacionais da população

carcerária do estado de Mato Grosso do Sul, assegurando a universalidade e

equidade na prestação dos serviços, visando à busca constante da excelência

nos serviços prestados (2014, p. 06).

As atividades e calendário segue o proposto pela SED, tendo suas especificidades

adequadas no decorrer do ano letivo e levando em consideração a realidade de cada

estabelecimento prisional. É importante esclarecer que a Escola Betine é uma escola como

todas as outras do sistema estadual de educação, se diferenciando apenas quanto à distribuição

de suas salas de aula dentro de presídios.

O sistema de registros dos diários de classe ocorre de maneira on-line e os professores

têm 1/3 de sua carga horária para realização de hora atividade. Uma especificidade importante

aos professores é o recebimento de 50% a mais em seu salário devido o adicional de

periculosidade. O mesmo percentual não é pago aos coordenadores, já que a SED entende que

a atividade do coordenador não está atingida pelo risco das UPs, pois o mesmo apenas

“visita” as unidades para dar coordenadas rápidas aos professores e resolver eventuais

demandas, mas não desempenha suas funções integralmente naquele ambiente como os

professores.

Outro dado que merece destaque é que todos os 175 professores que atuam no sistema

educacional prisional não possuem vínculo que lhe garantam a continuidade em sala de aula

no semestre seguinte, pois são contratados, não tendo nenhum do quadro27

permanente da

SED.

A falta de estabilidade e incerteza de continuidade no próximo semestre, devido à

contratação sem concurso, limita a atuação de qualquer profissional que se torna refém em

27

A SED também faz contratações de professores sem concurso público para preenchimento de parte das vagas

existentes nas escolas de fora da prisão. A sistemática quanto ao período de contratação e desligamento é o

mesmo aplicado para professores de dentro e fora das prisões.

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uma relação trabalhista como esse tipo de relação poder, afinal, como bem identificou

Tragtenberg quando há mais de 30 anos estudou outros espaços escolares do estado de São

Paulo que não o da prisão, e fez uma análise da escola através de seu poder disciplinador, e

mostra de forma tão atual que “O professor subordina-se às autoridades superiores, essa

submissão leva-o a acentuar uma dominação compensadora” e prossegue:

Nesse processo, o professor contratado ou precário (sem contrato e sem

estabilidade) – mais de 85 mil só no Estado de São Paulo – substitui o

efetivo ou estável, conforme as determinações do mercado, colocando-o

numa situação idêntica à do proletário.

O professor é submetido a uma hierarquia administrativa e pedagógica que o

controla. Ele mesmo, quando demonstra qualidades excepcionais, é

absorvido (...) (1985, p. 69-70)

São contratados com o início do ano letivo, normalmente em fevereiro, para

desempenhar suas atividades até o final do mês de junho, quando, automaticamente, são

desligados e ficam sem vínculo durante o mês de julho. No mês de agosto são recontratados,

mantendo vínculo até o mês de dezembro, quando, então, ficam novamente desempregados e

apenas com a expectativa de serem ou não recontratados no mês de fevereiro do próximo ano.

O que nos faz concluir que não forma-se um vínculo entre os professores e a instituição,

ficando o trabalho docente recortado, sem sequência com a continuidade profissional

prejudicada, mesmo acontecendo a recontratação semestral. Essa realidade trabalhista foi

confirmada pela professora Sid como sendo “sofrimento”

P: A senhora está há quanto tempo na educação na prisão?

Sid: Cinco anos.

P: Cinco anos. Sempre com contrato a cada semestre?

Sid: Uhum.

P: Isso é um pouco desgastante?

Sid: É um sofrimento.

(Transcrição da entrevista realizada no dia 17/11/2016).

Em uma busca minuciosa junto ao PPP, 2014 não encontramos nenhuma passagem

que trate sobre a forma de contratação desses profissionais. Esses professores são

selecionados no começo de cada ano letivo. Inicialmente, com o cadastro obrigatório que

todos os professores com interesse em contratação para aulas no estado de MS precisam fazer

no site da SED e, num segundo momento, preenchendo um formulário específico

demonstrando interesse de lecionar no sistema penitenciário. Muito embora na fala do diretor

apareça que o cadastro para lecionar educação escolar na prisão seja obrigatório, em alguns

momentos existe um descompasso no discurso das professoras.

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P: E no sistema prisional você começou a dar aulas quando?

Sirlei: Comecei esse ano.

P: Esse ano?

Sirlei: Uhum.

P: É o primeiro semestre?

Sirlei: Isso. Primeiro semestre. Então, ano passado eu cheguei de entregar

currículo aqui, queria até por uma questão de curiosidade mesmo. Mas aí

acabei não conseguindo. Aí esse ano eu nem fiquei sabendo da inscrição

pelo site, uma amiga minha que fez, aí ela veio e foi chamada e a

coordenadora pediu indicação, aí ela me indicou e eu acabei vindo assim.

P: Entendi. Sem o processo?

Sirlei: Exatamente.

P: E isso há quantos dias antes de começar as aulas?

Sirlei: Foi uma semana.

P: Uma semana?

Sirlei: Foi uma semana. A gente ficou uma correria atrás de documentação e

tudo.

(Transcrição da entrevista realizada no dia 10/06/2016).

Uma vez realizado esse segundo cadastro e encaminhada a documentação preliminar,

é agendada uma entrevista para verificação de disponibilidade, aderência, adaptação ao

ambiente, conhecimento prévio da realidade prisional e do público atendido entre outras

questões pontuais e importantes sobre a visão da educação escolar na prisão daquele

candidato, pois

O professor para trabalhar nas unidades prisionais, tem entre os desafios que

se apresentam diariamente o de conciliar educação de qualidade e resgate da

identidade de jovens e adultos fragilizados com o preconceito tanto quanto

ao atraso da escolaridade quanto por estarem aprisionados. (PPP, 2014. p.

20).

Os desafios descritos e expressamente previstos e transcritos no trecho anterior do

PPP, 2014, também estão presentes naquelas que atualmente estão em sala de aula, mas que

em momento anterior não conheciam o ambiente prisional, e de alguma forma visualizavam

essa realidade, conforme podemos constatar na fala a professora Ivanir:

P: Por tudo que você vem vivendo dentro desses seis meses você acredita

que seu trabalho auxilia na (re)socialização? Ivanir: Sim... bastante. P: Mudança dos alunos? Ivanir: Comportamento deles... né! Eu esqueci de falar também. Antes de eu

entrar aqui eu tinha uma visão errada de como era aqui dentro. A partir do

momento que falou assim "primeiro dia de aula vai ser tal dia" eu já vinha

com o pensamento, um receio, já imaginando como que era. A partir do

momento que eu entrei no estabelecimento e vi como que era como

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funcionava. Tudo tinha seu horário, tudo tinha suas regras, aí eu já fui me

acalmando e tirando aquele pensamento que eu tinha. P: Você tinha um pensamento que de certa forma era um pensamento

preconceituoso? Ivanir: Isso. P: Errado?

Ivanir: Errado.

(Transcrição da entrevista realizada no dia 10/06/2016).

Na transcrição anterior facilmente conseguimos extrair que a disciplina da prisão

acalma as professoras. A fala de que “tudo tinha horário, tudo tinha suas regras” nada mais é

do a disciplina imposta dentro da prisão refletindo no trabalho da professora que lá dentro

atua. A disciplina parece ser um valor que diferencia a educação no sistema e a de fora dele e

que faz com que as professoras se identifiquem com a sala de aula na prisão.

Os professores durante a entrevista para contratação são questionados sobre

(re)socialização, remição de pena, segurança, postura, histórico de parentes com problemas

com a lei e prisão. O diretor Renato revelou o quão importante é essa fase do processo de

seleção, afinal, por repetidas vezes os candidatos sequer sabem que as salas de aula para as

quais estão concorrendo, ficam dentro de estabelecimentos penais, ou seja, eles escolhem

trabalhar na prisão sem inicialmente saber que é na prisão.

Os critérios para avaliação e seleção dos professores quanto ao enquadramento ou não

nos moldes e perfil esperados pela Escola Polo Betine se mostraram bem subjetivos quando

da minha conversa com do então diretor, já que é um tanto quanto frágil definir se uma

professora tem ou não postura para desenvolver trabalho em sala de aula no ambiente de

privação de liberdade com apenas os dados colhidos em uma entrevista rápida realizada por

profissionais da SED.

Concluída a fase de entrevistas que são realizadas de forma decentralizada nas cidades

de Aquidauana, Campo Grande, Corumbá, Coxim, Dourados, Ponta Porã e Três Lagoas, é

elaborado um banco de dados com todos os candidatos aprovados na seleção, divididos por

cidades e disciplinas e, desse banco de dados, são selecionados os profissionais que serão

contratados, dando preferência àqueles que tenham formação na área da disciplina a lecionar.

Observamos assim uma desatenção à falta de um processo de seleção complexo que leve em

consideração o espaço temporal anterior e durante a educação escolar na prisão, afinal

Al preguntarnos por el rol del docente, específicamente, en este contexto de

privación de libertad, debemos indefectiblemente cuestionarnos por la

formación, si en esta preparación para desarrollar la enseñanza se ha tenido

en cuenta este escenario en particular. Debemos reconocer la complejidad de

la tarea docente y el desarrollo de las competencias, en tanto saber hacer, de

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las intervenciones necesarias para atender la complejidad del rol de los

educadores en cárceles y la particularidades de los educandos presos.

(SCARFÒ, 2016, p. 102-103).

Ao final do semestre, aqueles professores que não queiram mais permanecer com

aulas no sistema prisional ou que por algum motivo não se adaptaram a realidade da educação

escolar em ambiente de privação de liberdade, são desligados e substituídos por outros do

banco de dados, e muito embora as orientações próximas valham para todos os espaços

escolares, elas aparecem dentro do PPP (2014), afirmando que

cabe ressaltar que algumas características são relevantes na atuação

profissional, entre elas o diálogo e o respeito entre professor e aluno, o

estudo e a pesquisa constantes, exposição oral pausada e clara, participação

ativa nos espaços de estudo e reflexão com outros professores e

coordenadores, desenvolvimento de estratégias metodológicas que

contemplem conteúdos teóricos e práticos de forma prazerosa,

disponibilidade, responsabilidade, compromisso, atendimento tanto coletivo

quanto individual aos alunos, paciência, bom humor, criatividade,

cumprimento das normas estabelecidas tanto pela Escola quanto pelo

Sistema Penitenciário, estabelecendo um bom relacionamento com todas

as pessoas do ambiente de trabalho sem se envolver em comentários

tanto sobre colegas quanto sobre alunos ou qualquer outra pessoa,

manter uma postura discreta e respeitosa. (PPP, 2014. p. 21).

(destacamos).

O trecho destacado no recorte anterior merece atenção especial, pois é tratado como se

fosse uma especificidade do professor profissional que trabalha em ambiente prisional quando

na realidade é uma generalidade esperada de qualquer profissional em todos os ambientes de

trabalho. Espera-se de qualquer profissional um bom relacionamento com todas as pessoas do

ambiente de trabalho, não envolvimento com comentários sobre pessoas e a mantença de uma

postura respeitosa.

No início do ano de 2016, um total de 992 professores demonstrou interesse em

lecionar dentro do sistema prisional, e se inscreveram no processo de seletivo, sendo todos

convocados para entrevistas e, dentro destes, 175 foram contratados, sendo que os lotados na

capital passaram por uma formação de 03 dias para então ingressarem nas UPs. No interior do

estado não foi ofertada formação. Quando questionados o porquê da falta de formação e/ou

capacitação nas cidades do interior, a equipe da Escola Betine se limitou em justificar essa

falta por questões logísticas e de equipe, e que para o interior foi enviado material para estudo

e esclarecimentos necessários.

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Dentro do calendário acadêmico não existem espaços pré-definidos para atividades

culturais ou similares que também acontecem de acordo com a realidade de cada UP e das

parcerias firmadas com órgãos do poder público estadual, municipal, bem como ONGs. Estas

atividades são normalmente registradas nos diários escolares. Em Corumbá, por exemplo, no

mês de junho ocorre a tradicional festa de São João, que reflete diretamente dentro das UPs,

fazendo com que os professores façam festividades junto aos alunos, com danças e comidas

típicas, além de toda decoração temática reforçando ainda mais as características da Escola

Polo Betine como qualquer outra escola do sistema estadual de educação28

.

O PPP da Escola Betine segue o modelo adotado pela SED, com pequenas inserções

de especificidades para atender os alunos do sistema penitenciário. Dessa forma, a escola, em

consonância com as Diretrizes Nacionais para a oferta de educação para jovens e adultos em

situação de privação de liberdade nos estabelecimentos penais, propõe ações com a

preocupação de estimular oportunidade de aprendizagem a todos, em particular, os

marginalizados e excluídos, como se estes últimos estivessem apenas nas prisões (PPP, 2014).

Assim,

Considerando que a pessoa presa, ao término da reprimenda imposta

retornará a sociedade, as práticas educativas nos presídios são ferramentas

que contribuem para a formação do indivíduo na medida em que age como

elemento de mediação entre o sujeito e o conhecimento acumulado

historicamente (PPP, 2014. p. 07).

O PPP (2014) traz ainda como uma especificidade, particular ao ambiente escolar na

prisão, “um cronograma de reuniões com a Divisão de Educação da AGEPEN para realizar

um trabalho integrado para criar mecanismos e minimizar os problemas de repetência, evasão

escolar e problemas relacionados à aprendizagem”.

Na prática as reuniões são agendadas sempre que a Divisão de Educação ou Escola

Polo Betine visualiza tal necessidade. As estratégias são discutidas com a visão de cada um

dos setores e ao final é lavrada uma ata com as decisões e obrigações que cada um, inclusive

com comunicações e questionamentos junto aos dirigentes de UPs quando necessário ou aos

coordenadores pedagógicos locais.

No momento da finalização da escrita deste texto tomamos conhecimento que a Escola

Polo Betine estava sob nova direção. Atento a isso, telefonei até a sede da escola e agendei

28

O limite da laicidade do Estado, logo, das UP, merece ser discutida em estudos futuros. No que se refere ao

nosso campo de estudos, em outros momentos deste texto as expressões religiosas voltarão a ser citadas. A

princípio, não parece haver diferencial em relação a influência de práticas religiosas nas salas da UPs com as

demais salas de aulas da SED

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uma visita para nova diretora, que no mesmo dia, 10 de janeiro de 2017, no final da tarde,

gentilmente me recebeu para “batermos um papo” sobre a educação escolar na prisão e a as

especificidades da Escola Polo Betine sob sua ótica.

Tratava-se da professora Cacilda Inácio da Silva, graduada em Ciências Sociais pela

Universidade Estadual de Londrina – UEL, especialista em Educação da Sociologia também

pela UEL, especialista em Gestão em Segurança Pública pela Universidade Estácio de Sá –

UNESA, e concluinte da especialização em Perícia Criminal e Ciências Forenses pelo

Instituto de Pós-Graduação e Graduação – IPOG/CG. Somado a isso, é mestre em Sociologia

pela Universidade Federal da Grande Dourados – UFGD. Estava à frente da Escola Polo

Betine desde janeiro de 2017.

A professora Cacilda reafirmou os detalhamentos que o diretor anterior havia nos

passado, reconheceu que os desafios são grandes e esclareceu que para o ano de 2017 não

seria realizado um novo processo seletivo para professores, e que os professores que

eventualmente fossem desligados seriam substituídos pelos professores constantes como aptos

no processo seletivo do ano de 2016.

Acrescentou que os desafios eram ainda maiores, pois desde meados do ano passado a

Escola Polo Betine passou a ser responsável também pela educação escolar dentro das

Unidades Educacionais de Internação – UNEIs do estado, onde estão recolhidos os

“adolescentes em conflito com a lei”. Finalizou nos informando que os professores atuantes

na educação escolar na Penitenciária Federal de Campo Grande também eram professores da

Escola Polo Betine.

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5. DELIMITANDO O CAMPO METODOLÓGICO, PROBLEMATIZANDO AS

RELAÇÕES E O ESPAÇO DE PESQUISA

5.1 Etnografando em espaços de privação de liberdade

O método indica a seleção de um caminho a ser trilhado pelo pesquisador para o

alcance dos objetivos propostos para pesquisa, garantindo coerência e objetividade. Para a

construção desse estudo foram adotados vários procedimentos metodológicos necessários para

se obter respostas aos questionamentos e aos objetivos propostos inicialmente: como as

professoras que atuam em UPs de Corumbá, Mato Grosso do Sul, dão significados e sentidos

a educação escolar na prisão?

Levando em conta as características do tema, bem como o proximidade do

pesquisador junto a situação investigada, optou-se por uma pesquisa social de campo de

caráter qualitativo no local onde estas professoras realizam as suas atividades profissionais.

Utilizou-se a pesquisa do tipo etnográfico, mas com menor permanência no campo de

pesquisa, somou-se a isso entrevista semiestruturada na construção dos dados.

Sobre pesquisa social nos ensina Gil:

O objetivo fundamental da pesquisa é descobrir respostas para problemas

mediante o emprego de procedimentos científicos. A partir dessa

conceituação, pode-se, portanto, definir pesquisa social como o processo

que, utilizando a metodologia científica, permite a obtenção de novos

conhecimentos no campo da realidade social. Realidade social é entendida

aqui em sentido bastante amplo, envolvendo todos os aspectos relativos ao

homem em seus múltiplos relacionamentos com outros homens e instituições

sociais. (2008, p. 26).

Neste sentido, antes mesmo de pensar nas professoras em si, partindo da realidade

social do próprio pesquisador, desde o início deste estudo, buscou-se manter o distanciamento

necessário entre o pesquisador e o servidor, para evitar uma análise tendenciosa (pouco

objetiva) dos dados levantados, de sua descrição e interpretação. No entanto, sabe-se que essa

aproximação anterior do campo a ser pesquisado também qualifica o olhar do pesquisador.

Nesse sentido, a atenção foi mantida para os novos elementos que emergiram do contexto

específico analisado para interpretá-los e inserí-los no estudo, afinal

(...) A instituição é pouco tolerante a críticas; todos, e cada um em particular,

desconfiam da própria sombra; não há solidariedade que resista à lógica de

um mundo cuja lei predominante é a do mais forte. Logo, vive-se sob o

domínio do medo e da incerteza, pisando-se em terreno movediço cujo

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abismo é logo ali em frente. O próprio pesquisador acaba um pouco

contaminado pelo ambiente na medida em que precisa se cercar de

precauções quando conversa com presos, com guardas, com funcionários

administrativos, com técnicos e com dirigentes (ADORNO, 1991, p. 24).

A pesquisa de campo foi realizada após o estudo bibliográfico, para que o pesquisador

tivesse um bom conhecimento sobre o assunto. O estudo envolveu um levantamento

bibliográfico que perpassou toda a elaboração deste texto buscando a compreensão da

realidade estudada. Como parte importante da metodologia foram reunidos dados históricos

do sistema penitenciário, educação escolar e a legislação que trata dos assuntos. A pesquisa

qualitativa que possibilita a leitura da realidade, pois, segundo Chizzotti:

A abordagem qualitativa parte do fundamento de que há uma relação

dinâmica entre o mundo real e o sujeito, uma interdependência viva entre o

sujeito e o objeto, um vínculo indissociável entre o mundo objetivo e a

subjetividade do sujeito. O conhecimento não se reduz a um rol de dados

isolados, conectados por uma teoria explicativa; o sujeito-observador é parte

integrante do processo de conhecimento e interpreta os fenômenos,

atribuindo-lhes um significado. O objeto não é um dado inerte e neutro, está

possuído de significados e relações que sujeitos concretos criam em suas

ações (1995, p.79).

A pesquisa de campo foi realizada no ambiente escolar do sistema penitenciário do

município de Corumbá/MS. Segundo Gonsalves,

A pesquisa de campo é o tipo de pesquisa que pretende buscar a informação

diretamente com a população pesquisada. Ela exige do pesquisador um

encontro mais direto. Nesse caso, o pesquisador precisa ir ao espaço onde o

fenômeno ocorre, ou ocorreu e reunir um conjunto de informações a serem

documentadas [...] (2001, p.67).

O foco foi fazer a análise dos significados e sentidos apresentados pelas professoras

que atuam no sistema penitenciário no referido município sobre a educação escolar na prisão,

sem desvincular o ensino do contexto em que está inserido, até porque este também determina

as ações que se desenvolvem no interior da sala de aula. Foi feito a apresentação das

professoras que ali atuam, com formação, titulação, experiência profissional anterior e

identificação com a educação escolar na prisão. Inicialmente, nossa opção foi por observar as

professoras enquanto desenvolviam suas atividades, suas condutas no espaço destinado à

educação escolar, independentemente de haver alunos na interação, como as salas de aulas,

biblioteca, sala das professoras, sala de informática e todo espaço que o circundam e lhe dão

acesso. Buscamos assegurar uma distância objetiva dos fenômenos ocorridos com a finalidade

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de garantir a melhor apresentação dos resultados. Optamos por observar e registrar tudo em

caderno de campo e em gravação de voz em equipamento próprio para posterior análise.

Apesar de adentrarmos no ambiente profissional daquelas professoras e focarmos

nosso olhar nos comportamentos e condutas profissionais bastante singulares daquelas

profissionais, não temos a intenção de generalizar as observações, tão pouco as conclusões de

nossa pesquisa, pois as práticas e as relações observadas, com certeza, não perfazem a

totalidade de todas as tarefas profissionais das professoras.

Percorremos o caminho da pesquisa tipo etnográfica seguindo as orientações

metodológicas de Lüdke e André (1986), que fazem uma abordagem sobre a pesquisa em

educação, em uma vertente qualitativa. De acordo com as referidas autoras, etnografia “é a

descrição de um sistema de significados culturais de um determinado grupo” (LÜDKE E

ANDRÉ, 1986, p. 13). Ainda, sobre o método etnográfico, Magnani afirma que ele é:

[...] uma forma especial de operar em que o pesquisador entra em contato

com o universo dos pesquisados e compartilha seu horizonte, não para

permanecer lá ou mesmo para atestar a lógica de sua visão de mundo, mas

para, seguindo-os até onde seja possível, numa verdadeira relação de troca,

comparar suas próprias teorias com as deles e assim tentar sair com um

modelo novo de entendimento ou, ao menos, com uma pista nova, não

prevista anteriormente (2009, p. 135).

O etnógrafo encontra-se, assim, diante de diferentes formas de interpretações da vida,

formas de compreensão do senso comum, significados variados atribuídos pelos participantes

às suas experiências e vivências e procura mostrar esses significados múltiplos ao leitor

(ANDRÉ, 2015).

O período de tempo em que o etnógrafo mantém contato direto com a situação

estudada pode variar muito, indo desde algumas semanas até vários meses ou anos. Além,

evidentemente dos objetivos específicos do trabalho, tal decisão depende da disponibilidade

de tempo do pesquisador, de sua aceitação pelo grupo, de sua experiência em trabalho de

campo e do número de pessoas envolvidas na construção dos dados.

Outras características importantes na pesquisa etnográfica são a descrição e a indução.

O pesquisador faz uso de uma grande quantidade de dados descritivos: situações, pessoas,

ambientes, depoimentos, diálogos, que são por ele reconstruídos em forma de palavras ou

transcrições literais (ANDRÉ, 2015).

A pesquisa etnográfica busca a formulação de hipóteses, conceitos, abstrações, teorias

e não sua testagem. Para isso faz uso de um plano de trabalho aberto e flexível, em que os

focos da investigação vão sendo constantemente revistos, as técnicas de levantamento,

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reavaliadas, os instrumentos, reformulados e os fundamentos teóricos, repensados. O que esse

tipo de pesquisa visa é a descoberta de novos conceitos, novas relações, novas formas de

entendimento da realidade. Baseia-se na observação e levantamento de hipóteses, onde o

pesquisador procura descrever o que na sua visão/interpretação, (com sua presença física) está

ocorrendo no contexto pesquisado.

A abordagem de tipo etnográfica, segundo Lüdke e André (1986), permite a

combinação de diferentes técnicas de pesquisa, como a observação, a entrevista, e a análise de

documentos. Por isso, neste estudo, pudemos comtemplar entrevistas para recolher mais

informações e levantar dados que sejam inacessíveis a simples visita. A observação é

chamada de participante porque parte do princípio de que o pesquisador tem sempre um grau

de interação com a situação estudada, afetando-a e sendo por ela afetado.

As entrevistas têm a finalidade de aprofundar as questões e esclarecer os problemas

observados. Os documentos são usados no sentido de contextualizar o fenômeno, explicitar

suas vinculações mais profundas e completar as informações coletadas através de outras

fontes. Assim, foram utilizadas entrevistas semiestruturadas, pois como ensina Onofre, este

tipo de entrevista oferece as perspectivas para que o informante tenha a liberdade e a

espontaneidade necessárias, fazendo com que a investigação fique mais rica (2009, p. 07).

Manzini (1990/1991, p. 154) destaca ser importante que o roteiro de entrevista seja

organizado com perguntas básicas (principais), de modo a permitir que sejam

"complementadas por outras questões inerentes às circunstâncias momentâneas à entrevista".

Para o autor, esse tipo de entrevista pode fazer emergir informações de forma mais livre,

desvinculadas de alternativas que possam ser sugeridas pelo roteiro utilizado, permitindo que

os entrevistados sejam mais espontâneos. O roteiro serviu assim, para além de coletar as

informações básicas, como uma forma de organização para o processo de interação com as

interlocutoras.

Buscou-se a não utilização de categorias prontas e acabadas, uma vez que se parte do

pressuposto de buscar dados que emergem da realidade, realizando-se um trabalho de

questionamento das raízes, limitações e implicações do material relatado, coletado e

encontrado, pois o fato de ele ser retirado da realidade, não é garantia de autenticidade e de

verdade (ONOFRE, 2009).

Portanto, a entrevista semiestruturada é a atividade científica que permite ao

pesquisador se aproximar e descobrir a realidade do outro, é um fenômeno que o pesquisador

se aproxima dos fatos do mundo real e da teoria existente sobre o assunto analisado, e faz a

combinação entre eles. Os autores Barros & Lehfeld (2000, p.58) e Trivinos (1987, p.146),

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concordam quando ensinam que a entrevista semiestruturada estabelece uma conversa

amigável com o entrevistado, busca levantar dados que possam ser utilizados em análise

qualitativa, selecionando-se os aspectos mais relevantes de um problema de pesquisa, além de

ter como característica questionamentos básicos que são apoiados em teorias e hipóteses que

se relacionam ao tema da pesquisa. Os questionamentos dariam frutos a novas hipóteses

surgidas a partir das respostas dos informantes. O foco principal seria colocado pelo

investigador-entrevistador. Prossegue e esclarece que entre as principais características de

uma entrevista semiestruturada, estão: 1) apoiar-se em teorias e hipóteses que se relacionam o

tema da pesquisa; 2) descrever e explicar os fenômenos analisados para sua melhor

compreensão; 3) que o pesquisador seja atuante no processo de coleta de informações.

O convite para participar da entrevista foi feito individualmente, dentro do ambiente

escolar na prisão, haja vista que o início da etnografia se deu em momento anterior ao das

entrevistas. As entrevistas ocorreram em sua maioria (11 entrevistas) no ambiente escolar na

prisão, sendo que algumas delas (04 entrevistas) foram realizadas fora do ambiente prisional

(sendo 03 na casa das professoras a pedido das mesmas e uma no hall do Serviço Social do

Comércio – SESC, onde ocorria um evento de lançamento de livro, também a pedido da

entrevistada). Todas as entrevistas ocorreram de forma individual, respeitando o sigilo das

respostas, bem como foram gravadas com gravador digital de voz e, posteriormente,

transcritas para análise e organização dos dados.

Quanto aos aspectos éticos, do projeto de pesquisa, o mesmo foi avaliado pelo CEP da

UFMS segundo a normatização 466/2012 e somente após a autorização as entrevistas e

pesquisas correlatas se desenvolveram.

O processo de obtenção do consentimento livre e esclarecido (TCLE) ocorreu após as

participantes estarem suficientemente esclarecidas de todos os benefícios e riscos e fornecidas

todas as informações pertinentes à pesquisa. Após a informação verbal, as participantes

receberam um envelope contendo o TCLE em duas vias para leitura e prosseguimento da

pesquisa.

Levando em consideração o formato da entrevista semiestruturada, a subjetividade

inerente a cada entrevistada, bem como os dados etnográficos construídos, foi necessário um

olhar mais afinado para a fala externada pelas entrevistadas, entendendo que o sujeito traz

consigo muito mais que o discurso que produz. A partir da realização das entrevistas, buscou-

se analisar e interpretar as informações. O procedimento metodológico utilizado na

interpretação das entrevistas baseou-se na experiência etnográfica, conforme as características

já aqui apresentadas sobre esse tipo de pesquisa; no conhecimento prévio deste pesquisador

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junto ao trabalho já desenvolvido no contexto de privação de liberdade; no levantamento

bibliográfico referente à análise de outros estudos feitos anteriormente, e, em especial, na

busca em atingir os objetivos específicos presentes no projeto de pesquisa.

Optamos também em atender a recomendação da banca de qualificação desta pesquisa

e utilizar imagens em nosso estudo. As imagens entram aqui no sentido de trazer outros

ângulos de visão sobre a realidade analisada. Não se trata de “complementar” a descrição

etnográfica, mas de complexificar ainda mais o estudo. Muitas são fotos do arquivo da

AGEPEN, de autoria de terceiros que não este pesquisador, o que traz uma contribuição “de

fora” para este estudo, ampliando a nossa percepção sobre aquilo que estava em processo de

conclusão de escrita etnográfica.

As imagens não vieram acompanhadas das datas que foram tiradas, no entanto e

etnografia nos faz afirmar que retratam a atualidade dos locais que reproduzem. É possível

observar que as imagens não possuem vida, estão congeladas e preparadas para o momento

em que foram fotografadas. Nesse sentido, eventualmente, abaixo de algumas imagens é

colocada uma caixa com explicações pertinentes. Além disso, utilizamos mapas para facilitar

a localização e a espacialidade dos locais a que nos referimos desde o início deste estudo.

Assim, metodologicamente, não pode existir uma ruptura entre a análise dos dados

verbais e as informações, elementos, e todo o contexto do sujeito que enuncia, pois, fazer a

análise levando em consideração apenas os dados verbais, ignorando o sujeito e o contexto

que o cerca é não ter a resposta mais adequada. Por isso a importância desta multiplicidade

metodológica envolvendo pesquisa de campo, etnografia e entrevistas semiestruturadas.

Observou-se que analisar os dados das entrevistas das professoras que atuam no sistema

escolar na prisão de Corumbá não foi tarefa fácil. A fala que a professora externou era mais

complexa que sua resposta, por isso, foi necessário analisar o que estava “intrincado” em seu

discurso.

Mas quem é esse professor que leciona no sistema prisional do estado de MS e,

consequentemente, na cidade de Corumbá e de que posição ele fala? Todos os professores que

atuam no sistema educacional prisional do estado como já foi dito, são contratados29

, não

tendo nenhum que pertença ao quadro permanente da SED. Em Corumbá, são 15 professoras

que se revezam nas aulas entre as 03 UPs, sendo 14 mulheres e 01 homem. Todas foram

entrevistadas e externaram suas percepções quanto à educação escolar na prisão e suas áreas

de atuação. As formações são as mais variadas, sendo, Ciências Biológicas, Educação Física,

Geografia, História, Letras, Matemática e Pedagogia. Delas, 03 professoras são graduadas, 03

29

Fonte: Informação da direção da Escola Polo Betine.

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estavam concluindo a primeira especialização (Redação e Oratória, Educação Ambiental,

Educação Matemática); 06 são especialistas (Docência em psicopedagogia, Psicopedagogia

Institucional e Clínica, Educação Ambiental e Educação Infantil); 01 estava concluindo a

segunda especialização (Psicopedagogia concluída e Gestão Escolar) e outras 02 são

especialistas em duas áreas (Educação Infantil/Planejamento Escolar e Psicopedagogia e

Gestão e Educação Ambiental); uma das professoras estava como aluna regular do Mestrado

em Estudos Fronteiriços da UFMS em Corumbá, desenvolvendo pesquisa em sua área de

formação, que não guardava nenhuma relação com educação escolar na prisão.

Os nomes utilizados são fictícios, visando manter o anonimato das professoras

entrevistadas. Entre as interlocutoras tivemos apenas um professor do sexo masculino e

utilizar um nome fictício masculino para ele o identificaria da mesma forma. Assim, buscando

manter o sigilo e anonimato da pesquisa optou-se pela utilização de vários nomes comuns aos

dois gêneros, garantindo o sigilo na identificação das pessoas.

As entrevistadas tinham idades entre 20 e 58 anos. Encontramos professoras com

apenas cinco meses de experiência docente em prisões e professoras com mais de treze anos

com contratos consecutivos para lecionar naquele ambiente. A equipe é formada por

interlocutoras graduadas há pouco mais de um ano e professoras prestes a se aposentar, com

mais de trinta anos de formação. Todas possuíam experiência com ensino antes de

ingressarem no labor da educação na prisão.

Todas as entrevistadas externaram se identificar com a educação escolar em ambiente

de privação de liberdade, até mesmo aquelas com apenas cinco meses de experiência disseram

que as especificidades do ambiente educacional prisional não geraram nenhum desconforto ou

obstáculo, pelo contrário, eram motivações para continuar seu labor e aprendizagem. Todas as

15 convidadas a participar da pesquisa aceitaram ser entrevistadas de imediato.

5.2 Encontro com espaços e campo de pesquisa

Era uma quinta-feira, como outra qualquer, do mês de junho do ano 2016. Com toda

documentação necessária, autorizações dos dirigentes e do CEP, me dirigi até Corumbá para

iniciar o trabalho de campo. Cheguei a cidade ao anoitecer, passava das 18h. De imediato,

mantive contato com a coordenadora pedagógica local que já me aguardava no local

combinado, próximo ao centro da cidade para iniciarmos a visitação às UPs que até então eu

não conhecia nenhuma, mesmo sendo servidor penitenciário.

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Cada estabelecimento penal da cidade de Corumbá conta com duas salas de aula, e as

professoras se revezavam na docência para os 82 alunos matriculados no sistema de Ensino de

Jovens e Adultos – EJA, conforme informação verbal da coordenação pedagógica local. As

salas são divididas em Ensino Fundamental e Ensino Médio, buscando facilitar o trabalho das

professoras em meio aos alunos e seus diferentes graus de conhecimento.

No regime fechado (masculino e feminino) EPC e EPFCAJG, as aulas ocorrem nos

períodos matutino e vespertino; já no regime semiaberto EPRSAAAC (masculino), acontece

apenas no período noturno, uma vez que durante o dia os alunos deste regime não ficam

aprisionados e são liberados para o trabalho extramuros30

, retornando no fim da tarde para

uma rápida rotina de banho, jantar e sala de aula. No regime semiaberto feminino, segundo

informação da coordenação local, não existe educação escolar devido ao pequeno número de

(re)educandas e sua possibilidade de liberação pelo juízo da execução penal para frequência

em aula fora da prisão. Durante as visitas e realização das entrevistas foi possível fazer

observações separadas de cada estabelecimento, identificando suas particularidades. O

EPRSAAAC fica distante dos outros dois estabelecimentos de regime fechado, cerca de 5 km.

Os estabelecimentos de regime fechado, masculino e feminino ficam um ao lado do outro,

bem próximos à rodovia que dá acesso a capital Campo Grande, conforme visualizamos na

imagem a seguir:

Figura 02: Mapa mostrando a distância entre o EPRSAAAC e o EPFCAJG e EPC (os dois últimos são

separados apenas por um muro).

Fonte: Google mapas.

Janeiro de 2017.

Edição: Claudenir dos Santos (Kaka).

30

Benefício concedido pelo Juiz da Vara de Execução Penal ao (re)educando que cumpre pena no regime

semiaberto, e consiste em sua saída para o trabalho.

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Durante aquela semana eu havia falado bastante por telefone com a coordenadora

local. Ela, muito atenciosa e cordial, seguiu com seu carro a frente, me guiando até o

EPRSAAAC, que fica na periferia da cidade, sendo seu acesso por ruas não pavimentado. Era

o único estabelecimento com aulas naquele horário.

Figura 03: Mapa mostrando a localização do EPRSAAAC.

Fonte: Google mapas.

Janeiro de 2017.

Edição: Claudenir dos Santos (Kaka).

Fui apresentado ao agente da portaria que, de forma automática, anotou meus dados

sem fazer qualquer outro questionamento sobre o porquê da minha presença naquele horário

na UP. Não me apresentei como servidor penitenciário e tão pouco entreguei qualquer tipo de

documentação já que não foi solicitado.

Figura 04: Vista frontal externa do EPRSAAAC.

Fonte: Google mapas.

Fevereiro de 2017.

Edição: Claudenir dos Santos (Kaka).

O agente nos liberou e prosseguimos. A estrutura do prédio chamou-me atenção e eu

não conseguia disfarçar, tudo era muito antigo e em péssimo estado de conservação, tudo

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parecia adaptado, improvisado, meio que remendado, uma espécie de “puxadinho” para todos

os lados (descobri nos dias seguintes que o prédio abrigava um prostíbulo antes de ser

destinado ao presídio, o que justificava suas adaptações e suas torres em toda fachada). A

portaria pela qual acabávamos de passar, no passado abrigava uma piscina e um espaço

destinado à sauna.

Figura 05: Fachada do EPRSAAAC.

Fonte: Arquivo da Assessoria de Imprensa - AGEPEN.

Disponibilizado ao pesquisador em janeiro de 2017.

Seguimos por uma passarela inicialmente de paralelepípedo que logo foi substituída

apenas por chão batido. À esquerda um muro lateral, bem próximo à passarela, já a direita um

grande descampado com árvores e diversos automóveis sucateados, espaço que no passado

era uma área destinada ao estacionamento de carros dos clientes do prostíbulo que se chamava

“Boate da Cris”.

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Figura 06: Corredor de acesso ao local destinado às salas de aula do EPRSAAAC. Ao fundo a portaria

da UP.

Fonte: Arquivo da Assessoria de Imprensa - AGEPEN.

Disponibilizado ao pesquisador em janeiro de 2017.

Na imagem anterior é possível perceber o trajeto de paralelepípedo e o muro

que fica à esquerda de quem entra na UP. Durante a noite (quando acontece as

aulas) o caminho é todo sem iluminação ou sinalização. Os (re)educandos que

ainda não podem ser liberados para o trabalho externo, pois acabaram de ter

progressão de regime, (até 10 dias) cuidam da manutenção da UP, como

podemos ver na realização de pintura do muro.

Essa passarela possui uma extensão de mais ou menos 50 metros, sendo o acesso todo

descoberto, escuro e ermo no período noturno (horário em que ocorrem as aulas), o que me

fez imaginar que pudesse dificultar consideravelmente o acesso em dias de chuva, sendo esse

empecilho corroborado por uma das entrevistadas.

O local destinado às salas de aula fica ao fundo do imóvel. Sobre esse espaço,

conversei durante a entrevista com Darcy:

P: E o acesso à sala de aula é só por aqui?

Darcy: Só.

P: Não tem um acesso coberto?

Darcy: Não.

P: É já teve situação de não ter aula porque chove?

Darcy: Uhum já!

(Transcrição da entrevista realizada no dia 09/06/2016).

Chegando ao ambiente escolar, pude constatar que o mesmo era formado por apenas

duas salas de aula em situação precária, um banheiro bem ruim, beirando a impossibilidade de

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uso, uma pequena varanda improvisada, com cercamento feito de grades de tamanhos e

formatos diferentes, colocadas aleatoriamente, juntamente com telas utilizadas para

cercamento de animais e que não agradava aos olhos, além de ser coberta com telhas furadas

do tipo “eternit” que retém fortemente o calor do sol. Nesta varanda existia uma mesa

retangular em madeira do tipo utilizada em cozinhas de residências e um bebedouro em inox

para refrigerar água. Essa falta de estrutura fica na parte externa do prédio, as salas de aula

têm pintura antiga e manchada, forro em madeira com vários pontos de infiltrações e buracos,

o chão é de qualidade ruim, dois ventiladores quebrados e um ar-condicionado (insuficiente)

para atender as duas salas.

Figura 07: Área externa do espaço destinado à educação escolar do EPRSAAAC.

Fonte: Arquivo da Assessoria de Imprensa - AGEPEN.

Disponibilizado ao pesquisador em janeiro de 2017.

O espaço mesmo sendo exclusivo para educação escolar serve de abrigo para os

automóveis da UP. Na imagem é possível notar à direita uma churrasqueira de

alvenaria.

O espaço que atualmente atende a educação escolar, no passado abrigava a cozinha

externa onde as profissionais que trabalhavam na boate faziam suas refeições. Era um local

privado e não acessível aos clientes do estabelecimento.

P: Bacana. Se tivesse alguma coisa que você pudesse melhorar, o que você

melhoraria?

Samira: O prédio, a iluminação, material que eu pudesse trazer mais. Eu já

consegui na escola, consegui doação de livros, vou trazer, mas eu fico

pensando porque quando chove aqui a sala enche de água. Aí você fica triste

porque não tem material, não tem caderno, aí você tem que correr atrás. Eu

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corro muito atrás, eu não tenho vergonha de pedir não, eu sou pidona

mesmo.

(Transcrição da entrevista realizada no dia 10/06/2016).

Figura 08: Entrada da área externa das salas de aula do EPRSAAAC.

Fonte: Arquivo da Assessoria de Imprensa - AGEPEN.

Disponibilizado ao pesquisador em janeiro de 2017.

As salas, visivelmente adaptadas, são dotadas de lousa verde de tamanhos muito

pequenos, divididas por painéis de madeira compensada, com uma passagem de uma para

outra. A divisão não chega até a altura do forro, o que faz com que a confusão de sons entre as

salas seja intensa, já que em cada sala temos uma professora por turma, com uma estrutura

bem precária, conforme se depreende no fragmento da entrevista a seguir:

P: (...) e num contexto geral sobre a educação dentro do sistema prisional

como que você avalia, Darcy?

Darcy: Eu acho que faltaria um pouco mais de recurso, pra montar projetos

pelas salas de aula daqui porque quando chove não tem aula não tem

condições de ter aula (...) cai muita água, muitas vezes estraga material.

Quando eu cheguei foram muitos livros jogados fora aqui.

(Transcrição da entrevista realizada no dia 09/06/2016).

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Figura 09: Sala de aula do EPRSAAAC.

Fonte: Arquivo da Assessoria de Imprensa - AGEPEN.

Disponibilizado ao pesquisador em janeiro de 2017.

As imagens foram cedidas pela AGEPEN e fazem parte do acervo da

instituição, o que justifica os dados etnográficos não coadunar com a imagem

que provavelmente foi preparada para retirada de foto. Na imagem não aparece

desorganização, sujeira nem poeira. Ao lado da lousa é possível ver uma oração

escrita em papel.

A iluminação é boa nas duas salas, que ficam ao lado da fossa que recolhe todos os

dejetos da UP. O cheiro é muito forte e ruim, a estrutura é péssima, as carteiras ficam

espalhadas pela sala, o que torna sua disposição bem bagunçada, além do ambiente ser sujo e

empoeirado, conforme fragmento da entrevista a seguir, realizada em um dia diferente desta

minha primeira ida até a sala:

P: O que você vê como necessidade específica dos alunos daqui?

Juracy: Bom, o lugar em si já fala. Não é uma sala de aula muito atrativa, o

clima que você vê lá dentro... por exemplo, aqui na minha sala tem uma

janela e do lado de fora tem uma fossa. Então tem dias que você chega que o

cheiro é insuportável, você não consegue dar aula, é um cheiro assim,

horrível. Isso vai desgastando a pessoa (...).

Juracy: Não tem condições de ter aula. Não tem como, tá aquele cheiro da

fossa não tem como ninguém prestar atenção por mais prazerosa que seja a

aula, não dá.

(Transcrição da entrevista realizada no dia 09/06/2016).

A coordenadora me apresentou às duas professoras que lecionavam naquela noite, me

deixando aos cuidados delas e, rapidamente, se despediu dizendo que nas outras duas UPs

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minha entrada já estava autorizada, e que os diretores já estavam sabendo de minha pesquisa e

visita pelos próximos dias, pois ela já tinha antecipado. Disse ainda que a partir dali ela não

precisaria mais me acompanhar. Fiquei o restante da noite neste ambiente educacional

prisional, observando as atividades e trocando experiências com as professoras.

Figura 10: Sala de aula do EPRSAAAC.

Fonte: Arquivo da Assessoria de Imprensa - AGEPEN.

Disponibilizado ao pesquisador em janeiro de 2017.

Na manhã seguinte, no primeiro horário fui até EPFCAJG (regime fechado) que fica

cerca de 5 km distante do presídio visitado na noite anterior. O acesso é todo por vias

pavimentadas. Logo na fachada foi possível perceber que o prédio foi construído para ser uma

UP, não havia nada que indicava adaptação, pelo contrário, o prédio era todo circulado por

uma muralha com passarelas para vigilância onde se encontrava um policial militar armado.

Figura 11: Fachada do EPFCAJG.

Fonte: Arquivo da Assessoria de Imprensa - AGEPEN.

Disponibilizado ao pesquisador em janeiro de 2017.

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Outra realidade estrutural se revelou durante a visita, completamente diferente da

experiência da noite anterior: na portaria uma simpática e cordial agente me recepcionou,

realizando todos os procedimentos de segurança, solicitando, inclusive, minha documentação

para anotação no livro de portaria.

Figura 12: Portaria do EPFCAJG.

Fonte: Arquivo da Assessoria de Imprensa - AGEPEN.

Disponibilizado ao pesquisador em janeiro de 2017.

Tão atenciosa e cautelosa quanto a agente da portaria, a diretora me levou até o espaço

destinado à educação escolar, mas não sem antes me oferecer um café, já que estávamos bem

no começo do dia, enquanto me dava noções gerais de como o ambiente educacional da UP

estava estruturado. Antes de chegar ao local, passamos pela entrada principal do prédio

interno do estabelecimento e percorremos alguns metros pelo corredor central, que se

continuasse a percorrê-lo alguns metros adiante daria acesso aos pavilhões.

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Figura 13: Caminho entre a portaria e área administrativa do EPFCAJG.

Fonte: Arquivo da Assessoria de Imprensa - AGEPEN.

Disponibilizado ao pesquisador em janeiro de 2017.

Chegando ao local destinado às aulas, percebi que o espaço é exclusivo para essa

finalidade e fica próximo à área destinada a administração da UP. Logo no início do corredor

que dá acesso aos pavilhões e celas já se encontra o espaço para educação escolar, o que faz

com que os barulhos provenientes dos blocos durante o banho de sol não atrapalhem a

atividade docente e discente. O espaço, assim como a UP, é todo pintado nas cores da

AGEPEN, sem pichações, com aspecto novo e limpo.

Figura 14: Visão externa da área destinada à educação escolar do EPFCAJG.

Fonte: Arquivo da Assessoria de Imprensa - AGEPEN.

Disponibilizado ao pesquisador em janeiro de 2017.

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Na imagem é possível ver 04 portas. A primeira dá acesso à sala dos

professores/informática/biblioteca, tudo em uma sala só; a segunda e a terceira

portas dão acesso às salas de aula; entre elas existe o espaço destinado a

bebedouro e banheiros. Ao fundo um pouco maior, temos a sala destinada aos

cursos. A boa pintura e a limpeza vistas na foto correspondem com o que pude

observar no trabalho etnográfico.

Conta, além das duas salas de aula, com bebedouro (dispondo de água gelada), dois

banheiros, uma ampla sala para atividades diversas (cursos de pintura em tela, pintura de

parede, bordado, hidráulica, entre outros) e biblioteca partilhada com a sala de informática e

professores, que possui cinco computadores em bom estado de conservação e com acesso à

internet. A estrutura é nova, climatizada, contando ainda com uma servidora penitenciária da

área de segurança e custódia como apoio (disponível durante todo o período de aula na sala da

biblioteca) para o que for necessário, visando, segundo a diretora da UP, um melhor

aproveitamento das aulas.

Figura 15: Sala dos professores/informática/biblioteca do EPFCAJG.

Fonte: Arquivo da Assessoria de Imprensa - AGEPEN.

Disponibilizado ao pesquisador em janeiro de 2017.

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Muito embora o espaço pareça ter sido organizado para que a foto

transparecesse isso, já que foi tirada por servidores penitenciários para integrar o

arquivo da instituição, a imagem que se tem é muito próxima da que eu pude

perceber durante todas as visitas. Sempre que estive na UP o ambiente estava

limpo e organizado. Os livros que aparecem nas prateleiras são oriundos de

doações e contemplam em sua maioria enciclopédias e doutrinas jurídicas.

O espaço é todo interligado por cabos de rede de internet e conta com kit multimídia,

notebook, microfone, projetores, caixa de som, além de inúmeros mapas geográficos de

parede e mesa, espalhados pelo ambiente; violões para atividades culturais; carteiras novas,

limpas, alinhadas e organizadas. O que se percebe no ambiente escolar desta UP é uma

estrutura muito boa e superior à estrutura encontrada na UP visitada na noite anterior.

Figura 16: Sala de aula do EPFCAJG.

Fonte: Arquivo da Assessoria de Imprensa - AGEPEN.

Disponibilizado ao pesquisador em janeiro de 2017.

Durante as aulas as carteiras encontravam-se exatamente da mesma forma que

aparece na foto, organizadas, alinhadas, limpas, no entanto com várias alunas na

sala de aula, todas com uniforme, o mesmo uniforme alaranjado que utilizam no

dia a dia do pavilhão. Um dado importante é o fato das carteiras mais próximas

da lousa estar ocupadas com alunas ao passo que as carteiras do fundo estarem

vazias. No momento da etnografia outros mapas estavam pendurados na parede.

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Figura 17: Sala de cursos do EPFCAJG.

Fonte: Arquivo da Assessoria de Imprensa - AGEPEN.

Disponibilizado ao pesquisador em janeiro de 2017.

Figura 18: Mapa mostrando a localização do EPFCAJG e EPC.

Fonte: Google mapas.

Janeiro de 2017.

Edição: Claudenir dos Santos (Kaka).

Findada a manhã, fui então, no início da tarde, conhecer o EPC (masculino de regime

fechado), o único que eu ainda não havia transitado. A UP fica ao lado do EPFCAJG, e suas

portarias ficam separadas por menos de 30 metros. Entre uma unidade e outra tem apenas o

local destinado à equipe da polícia militar que faz a guarda da muralha das duas UPs.

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Figura 19: Vista frontal externa do EPC.

Fonte: Google mapas.

Fevereiro de 2017.

Edição: Claudenir dos Santos (Kaka).

Na portaria me deparei com uma estrutura parecida com a EPFCAJG, porém com um

pouco mais de segurança. Três funcionários me receberam e fizeram todo procedimento de

segurança de praxe. Já sabiam de minha visita que tinha sido anteriormente comunicada pela

direção e me encaminharam para a psicóloga da UP, servidora responsável pela educação

naquele presídio.

Figura 20: Portaria do EPC.

Fonte: Arquivo da Assessoria de Imprensa - AGEPEN.

Disponibilizado ao pesquisador em fevereiro de 2017.

Saí da portaria, passei por duas grades/portões de proteção, caminhei acompanhado

por um servidor, por alguns metros em linha reta em um caminho todo calçado, mas sem

cobertura, até chegar ao prédio principal da UP. Bem na minha frente percebi um tapume com

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brasão que mais tarde eu descobriria se tratar de biombo para disfarçar a entrada do pavilhão

que fica exatamente naquele local. Na lateral deste biombo existe um corredor que dá acesso à

sala da psicóloga que de maneira cordial e esclarecedora me atendeu.

Figura 21: Entrada do prédio principal do EPC.

Fonte: Arquivo da Assessoria de Imprensa - AGEPEN.

Disponibilizado ao pesquisador em fevereiro de 2017.

A servidora me explicou todo o engendramento da educação escolar na UP e se

colocou a disposição para me alimentar com números e outras informações que eu precisasse

para pesquisa. Mostrou-me o arquivo de pastas suspensas com as pastas individuais dos

alunos e suas informações pessoais. Finalizamos esse encontro com ela me indicando o local

que estava localizada as salas de aula e dizendo que eu poderia seguir diretamente e sozinho

até lá, haja vista que eu já conhecia os procedimentos de segurança.

Saí da sala e fui para o caminho que ela indicou na parte exterior do prédio.

Facilmente encontrei as salas de aula, passando pela porta das duas salas e chegando a terceira

porta que dá acesso a sala dos professores/biblioteca.

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Figura 22: Área externa que dá acesso ao local destinado à educação escolar no EPC.

Fonte: Arquivo da Assessoria de Imprensa - AGEPEN.

Disponibilizado ao pesquisador em fevereiro de 2017.

É possível ver à direita da imagem uma pequena passagem/corredor. É

justamente nessa passagem/corredor o acesso/entrada ao ambiente escolar.

Na figura 21 temos a imagem de um brasão da AGEPEN e aqui na figura 22

temos a imagem da sagrada família. Durante todo trabalho etnográfico as únicas

duas figuras que aparecem são estas duas (que não são discretas nem pequenas)

e estão a menos de 10 metros uma da outra. São duas imagens ícones no

contexto prisional. O brasão por ser o símbolo da AGEPEN, que forma indireta

carregada de militarização do estado, a sagrada família por desvelar a forte

influência cristã de uma sociedade frente à limitação de um estado em sua

laicidade. Importante destacar que a figura da sagrada família foi pintada por

(re)educandos daquela UP.

Além das salas de aula, o ambiente conta com uma terceira sala, dividida em duas,

onde em um espaço funciona a sala dos professores, com ar-condicionado, armários, mesas,

computadores, telefone e todo mobiliário e objetos necessários para o fim a que se destina. No

outro espaço está alocada a biblioteca e o banheiro utilizado pelos alunos. Um ambiente

pintado de cor clara, arejado, com ventiladores, onde os alunos têm acesso durante todo

período de aulas.

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Chegando à biblioteca uma professora aguardava seu horário para entrar em sala de

aula. Ficamos conversando até dar seu horário e outras professoras chegarem naquele local.

Durante toda a tarde ficou esse rodizio de professores, bate papo, entrevistas e observação. Os

alunos permaneceram o tempo todo em sala de aula sob os cuidados da professora que lá se

encontrava. Eventualmente algum transitava pelo local onde eu estava, pois era caminho para

o banheiro por eles utilizado.

Figura 23: Biblioteca/Sala dos professores do EPC.

Fonte: Arquivo da Assessoria de Imprensa - AGEPEN.

Disponibilizado ao pesquisador em fevereiro de 2017.

A biblioteca compartilha espaço com o lugar que abriga o banheiro utilizado

pelos alunos e com a sala destinada à sala dos professores. Os livros

organizados nas prateleiras são de responsabilidade de um (re)educando que,

além de organizar o espaço, também é encarrego dos empréstimos e

recolhimento dos livros aos (re)educandos que não estudam. Todas as sextas-

feiras ele passa com o carrinho de livros no pavilhão e os internos que têm

interesse fica com o livro durante uma semana. Na próxima sexta-feira ele passa

novamente para renovar o empréstimo ou recolher o livro e emprestar outro.

Assim como no EPFCAJG, os livros que aparecem nas prateleiras são oriundos

de doações e contemplam em sua maioria enciclopédias e doutrinas jurídicas.

Nesta UP as salas de aula foram adaptadas para tal finalidade, com uma boa

disposição, possuindo carteiras em bom estado de conservação e organizadas, boa iluminação,

ar-condicionado e ventiladores nas duas salas e também lousa branca.

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Figura 24: Sala de aula 01 do EPC.

Fonte: Arquivo da Assessoria de Imprensa - AGEPEN.

Disponibilizado ao pesquisador em fevereiro de 2017.

Figura 25: Sala de aula 02 do EPC.

Fonte: Arquivo da Assessoria de Imprensa - AGEPEN.

Disponibilizado ao pesquisador em fevereiro de 2017.

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Foi observado como ponto negativo o fato do espaço destinado à educação escolar não

ser exclusivo para esse intuito, assim, as portas das salas de aula ficam em um corredor de

acesso externo ao pavilhão seguro31

do presídio, o que causa um trânsito constante de

pessoas, além de um contínuo e desconfortável barulho.

Figura 26: Corredor de acesso às salas de aula e biblioteca/sala dos professores do EPC.

Fonte: Arquivo da Assessoria de Imprensa - AGEPEN.

Disponibilizado ao pesquisador em fevereiro de 2017.

Na imagem é possível ver 03 portas. A primeira dá acesso à sala de aula 01, a

segunda dá acesso à sala de aula 02 e a terceira dá acesso à biblioteca/sala dos

professores. Ao fundo encontrasse o pavilhão seguro da UP.

A constatação via a observação participante, é de que as professoras com menos tempo

de contratação (atuação na educação escolar na prisão) desenvolvem seu labor na UP com as

piores condições de trabalho, ao passo que as professoras mais antigas, desempenham suas

atividades no espaço da UP com melhores condições de trabalho. Esse tema não apareceu de

forma declarada na fala das professoras durante as entrevistas, apenas na etnografia. Das 15

31

Recebe esse nome, pois habitam nesse pavilhão apenas os (re)educandos que têm problemas com a “massa

carcerária” e sofrem risco de vida. O acesso é feito por corredor externo justamente para uma maior segurança

dos (re)educandos que ali estão. Em caso de motim ou rebelião, essa população está separada do restante dos

(re)educandos, o que pode facilitar a evacuação e ser determinante em manter ou não a vida dessas pessoas.

Pavilhão formado quase que em sua totalidade por estupradores, travestis, viciados, devedores de dinheiro a

outros (re)educandos e aqueles que praticaram furtos dentro da prisão.

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professoras entrevistadas, dois terços, ou seja, 10 servidoras foram contratadas no ano de

2016 e, destas 10, metade dão aulas no estabelecimento penal masculino de regime

semiaberto, aquele que estruturalmente se mostra com o pior espaço para educação escolar.

Das 05 professoras mais antigas (de 04 a 13 anos atuando como professoras dentro dos

presídios), 04 delas atuam no EPFCAJG, aquele que tem as melhores condições físicas. A

professora com mais experiência na educação escolar na prisão, concentra toda sua carga

horária apenas no EPFCAJG, 03 delas dividem suas cargas horárias entre o EPFCAJG e o

EPC e apenas uma delas dá aula no EPRSAAAC, aquele com piores condições estruturais. As

aulas são atribuídas primeiramente às professoras mais antigas para que as novas sejam

lotadas nas UPs e horários sobrantes.

5.3 Tensões entre segurança e educação escolar: servidores penitenciários e

professores

Um tema recorrente na fala das interlocutoras se refere à relação profissional entre

elas, professoras, e os servidores penitenciários. Quando questionadas sobre como é a relação

entre elas e os agentes penitenciários, a relação de poder aparece nas respostas das professoras

quando as próprias colocam a atividade da segurança, que está intimamente ligada à

disciplina, como superior a atividade docente, conforme fragmento a seguir, da entrevista

dada por Lucimar:

(...) segurança ela é sempre acho que vem em primeiro né em relação, dentro

do estabelecimento, até mesmo por parte da AGEPEN, dos agentes... acho

que a segurança vem em primeiro lugar aqui.

Porque ela (o corpo de segurança) tá trabalhando com preso né, então aí eles

têm esse certo cuidado assim.

(Transcrição da entrevista realizada no dia 10/06/2016).

O trecho anterior mostra a professora se colocando em posição abaixo do corpo de

segurança e reconhecendo o trabalho dos agentes penitenciários com grau de importância

superior ao seu pelo fato deles (agentes) trabalharem com pessoas em privação de liberdade,

como se os alunos que frequentam a sala de aula não fizessem parte daqueles (re)educandos

que o corpo de segurança faz a guarda. No próximo trecho a entrevistada reconhece que

desenvolve seu trabalho em um “espaço que não é nosso”. Ela trabalha em sala de aula e

ainda assim afirma que aquele espaço não a pertence.

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Dagmar: Olha, no EPC. É, tanto no EPC quanto no feminino, na época em

que eu trabalhei lá, nós temos regras a cumprir, porque estamos num espaço

que não é nosso, porém eles são nossos parceiros. Em nenhum momento um

se sobrepõe ao outro, mas nós temos regras a seguir sim em relação à

segurança pra não atrapalhar o trabalho deles.

(Transcrição da entrevista realizada no dia 10/06/2016).

Temos aqui um dado preocupante na atuação docente desse profissional. Nóvoa nos

ensina que “os professores não são anjos nem demônios. São apenas pessoas (e já não é

pouco!). Mas pessoas que trabalham para o crescimento e a formação de outras pessoas. O

que é muito” (2003, p.14). Os professores, além de seu fazer pedagógico necessitam

administrar a relação com a equipe de segurança que muitas vezes travam uma verdadeira

competição com o corpo docente, como aponta o parecer CNE/CEB Nº 4/201032

, que trata

sobre as diretrizes nacionais para a oferta de educação para jovens e adultos em situação de

privação de liberdade nos estabelecimentos penais:

Em muitos casos, as atividades realizadas pelas escolas são desqualificadas e

ameaçadas, dependendo quase que cotidianamente de consentimentos. [...].

O excesso de zelo pela segurança geralmente impede qualquer criatividade

docente: passar filmes, convidar palestrantes, desenvolver pesquisas,

atividades coletivas, em muitos estabelecimentos penais são atividades quase

impossíveis (BRASIL, 2010, p.21).

É necessário um maior reconhecimento e legitimidade dessas professoras dentro do

sistema educacional prisional, é preciso que tais profissionais sejam servidoras do quadro

penitenciário para que a estabilidade no trabalho favoreça uma maior escuta de suas vozes

críticas e, se necessário for, aconteça o embate na luta para que educação e segurança

caminhem juntos, afinal, as professoras

São profissionais que não devem renunciar à palavra, porque só ela pode

libertá-los de cumplicidades e aprisionamentos. É duro e difícil, mas só

assim cada um pode reconciliar-se com sua profissão e dormir em paz

consigo mesmo (NÓVOA, 2003, p. 14).

No entanto, para refletir sobre isso, precisamos compreender melhor o papel da

“segurança” nesse contexto. Apesar de partilharem o mesmo objetivo, isto é, a

(re)socialização, na prática nem sempre é assim que funciona; professores e servidores

penitenciários possuem atribuições diferenciadas, o que muitas vezes gera conflito entre estes

32

Trata sobre as diretrizes nacionais para a oferta de educação para jovens e adultos em situação de privação de

liberdade nos estabelecimentos penais.

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profissionais, e acaba por reforçar uma visão já estigmatizada dos servidores penitenciários e

do professor do sistema prisional. Conforme Araújo é possível verificar

que a educação escolar fica isolada naquele espaço. Não existe integração do

setor educacional com os outros setores da unidade prisional. A equipe de

educação da Agência Estadual de Administração do Sistema Penitenciário,

por outro lado, quase não mantém contatos com a professora da unidade

prisional. As aulas, para serem ministradas, ficam condicionadas ao bom

comportamento dos presos. (2005, p.07).

Sirlei no próximo trecho narra um dos entraves que teve com o corpo de segurança

quando a passagem de um filme para seus alunos:

Sirlei: Até na entrada mesmo teve um episódio até que eu comentei com a

coordenadora que como eu trago muito o notebook para passar no datashow,

aí teve uma vez que um dos agentes não estava querendo deixar eu entrar

com o notebook. Ainda bem que a coordenadora estava aqui e ela autorizou.

Mas ela não fica aqui, então... aí outra vez que eu trouxe, - e era o mesmo

agente que tava lá na porta -, ele questionou, “Ah, vai passar filminho já

para os alunos?”. Aí eu respirei fundo assim (risos) aí eu falei assim, “vou,

quando me convém colocar no planejamento eu coloco, meu trabalho...”.

P: E qual foi a resposta dele?

Sirlei: Ele ficou quieto, ele não respondeu. Minha vontade era de falar, “meu

trabalho eu cuido, você cuida do seu eu cuido do meu”, mas enfim, eu falei

assim, “se está dentro da minha metodologia e está no meu planejamento eu

trago sim senhor”.

P: Depois você não encontrou mais com ele?

Sirlei: Ele sempre está lá na frente, ele sempre fica lá na portaria.

P: E ele nunca mais disse nada?

Sirlei: Nunca mais falou nada.

(Transcrição da entrevista realizada no dia 10/06/2016).

Considerando as especificidades da formação profissional, ou falta dela e toda

subjetividade quanto à educação escolar na prisão, estes profissionais comumente mantêm

distintas expectativas em relação a esse tema, conforme nos esclarece Julião,

A educação em espaços de privação de liberdade pode ter principalmente

três objetivos imediatos que refletem as distintas opiniões sobre a finalidade

do sistema de justiça penal: (1) manter os reclusos ocupados de forma

proveitosa; (2) melhorar a qualidade de vida na prisão; e (3) conseguir um

resultado útil, tais como ofícios, conhecimentos, compreensão, atitudes

sociais e comportamento, que perdurem além da prisão e permitam ao

apenado o acesso ao emprego ou a uma capacitação superior, que, sobretudo,

propicie mudanças de valores, pautando-se em princípios éticos e morais.

(2010, p.537).

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O desafio não é a unanimidade de pensamento e de práticas institucionais que não

dariam abertura para possíveis novas práticas e autocriticas no que se refere à atuação dos

mesmos, posto que isso já está cristalizado no sistema prisional. Ademais, estamos nos

referindo à integração, que não só garantiria essas mudanças necessárias a todo e qualquer

processo educativo, como também implicaria em uma instituição mais dinâmica e atenta aos

seus próprios princípios e razões de existir.

[...] várias questões formuladas por quem atua dentro das unidades

prisionais, sejam educadores ou agentes penitenciários. O desafio talvez seja

definir uma equação em que educação e segurança não apareçam como

antagônicas e que possam ser entendidas como coexistentes. (TEIXEIRA,

2007, p.18).

Assim, o problema crucial para o bom desenrolar da educação escolar dentro do

ambiente prisional é a forma como os funcionários penitenciários enxergam essa educação,

especialmente as atitudes dos funcionários que não compreendem, não aceitam, nem apoiam a

educação escolar no presídio.

Muitos acham que os encarcerados não merecem e não têm direito à

educação e há aqueles que afirmam que os presos não levam a sério os

estudos e usam a escola para fins secundários. Os funcionários que pensam

assim, geralmente não aceitam os professores, nem o seu relacionamento

com os presos, principalmente quando se caracteriza pelo diálogo, respeito e

valorização do outro. (ONOFRE, 2009, p.08).

Por isso, várias ações relacionadas à educação escolar não podem ser colocadas em

prática porque a forma como a segurança está estruturada não permite. Existe um

descompasso entre uma coisa e outra. Esse descompasso acontece quando a segurança não

consegue garantir o direito à educação e nem o direito a própria segurança, afinal, o ambiente

só não é seguro como também coloca a pessoa em privação de liberdade em situação de não

segurança, e, junto, de não acesso ao direito à educação. Nesse sentido, a postura da

professora relatada no início desse texto de dissertação nos colocou no centro da

problemática. Como disse, foi exatamente essa posição que me trouxe tais questionamentos e

me motivou a pensar essa experiência. Outras passagens, como a seguinte, nos mostra como o

descompasso entre a segurança e educação são constantes.

P: Entendi. Você tem que fazer além do seu trabalho de professora?

Ariel: Você vai, chama o agente, aí vai lá, fica, “quem é o oficial do dia?”,

“fulano”, “fulano, tem como liberar os alunos?”, “professora vai demorar

uns 15 minutos”.

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Tem agente que é educadíssimo. Eu esqueci o nome dele, ele falou assim,

“professora, hoje não tem como eu liberar cedo por dois motivos. Primeiro,

nós estamos sem agente, e segundo, está tendo movimento aí dentro33

”. Aí

beleza. Mas tem agente que você vai lá, chama uma primeira, chama uma

segunda... foi o que aconteceu agora. Entendeu? Chamou a primeira, chamou

a segunda. E ele fala na sua cara que você não vai lá chamar eles. Você está

me entendendo?

(Transcrição da entrevista realizada no dia 18/11/2016).

A fragilidade do posicionamento institucional dessas professoras se escancara quando

na visita em uma das UPs, um forte e estrondoso barulho vem de dentro do banheiro, fazendo

com que a professora pare sua aula e corra para porta para tentar entender o que está

acontecendo. No mesmo instante, um servidor de segurança e custódia entra no banheiro e

identifica dois alunos brigando, inclusive um deles com uma grande vermelhidão no rosto.

Acalmado os ânimos, os alunos foram recolhidos à suas celas, e não mais autorizados a ir para

a sala de aula naquele dia.

No dia seguinte ao acontecido, em visita à mesma UP, entrevistei a professora que

estava na sala no dia anterior e que correu para a porta, e, antes mesmo de começar a

entrevista, ela me questionou se eu faria alguma pergunta sobre a briga do dia anterior.

Eu, percebendo a preocupação dela, expliquei que não era exatamente aquele o foco

da pesquisa e que não estava em meu roteiro. Mas continuei o diálogo querendo saber o

porquê da preocupação dela. Antes de eu ligar o gravador, ela me revelou que preferia não

falar sobre o ocorrido, pois se fosse na sala de aula dela, em uma escola fora da prisão, ela não

aceitaria os alunos em sala novamente sem ao menos uma advertência ou suspensão, mas

como estávamos em uma escola na prisão, as regras eram um pouco diferentes e ela não

poderia se impor a sua coordenação e a direção do presídio. Liguei o gravador e esse assunto

sumiu da fala da professora.

Assim, professores e agentes penitenciários deveriam estar juntos na tarefa educativa,

no entanto, mais uma vez aparece na fala de uma entrevistada que nem sempre essa relação é

tão pacífica. Ou, mesmo quando se mantém pacífica, fica permeada de tensões:

P: Qual a sua visão do profissional agente penitenciário?

Darcy: O agente? Eu tenho pouco contato com agente penitenciário.

P: E como é quanto à influência do trabalho deles no trabalho de vocês. Tem

dificuldades? Às vezes dificultam ou não?

Darcy: Às vezes sim (risos). Tem uma que fica lá na escola às vezes sim.

P: Perturbam às vezes?

33

“Movimento aí dentro” é o termo utilizado para se referir quando a rotina dentro do presídio foge da

normalidade. Normalmente são momentos que antecedem motins, rebeliões ou agrupamento dos (re)educandos

para reivindicar algo a direção.

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Darcy: Aham. É muita coisa que ela não deixa fazer. Você quer fazer uma

coisa diferente e é muito empecilho

P: Então. Porque que você acha que existe esse empecilho?

Darcy: Acho que sei lá... Estilo do lanche hoje que teve lá no masculino.

Nós compramos, passamos um filme. Que eu fui ajudar uma amiga que vai

ter um São João né! Ai a agente falou assim: "cê vai comprar lanche pra

eles? Você dá dinheiro seus pra aluno?”

Darcy: Como se o dinheiro fosse dela né?

P: O agente?

Darcy: Uhum.

Darcy: Eles, sei lá, eles vem o preso como bicho às vezes.

P: Entendi.

Darcy: Eu sei que errou né, mas...

(Transcrição da entrevista realizada no dia 09/06/2016).

Na parte final da citação anterior, dois pontos merecem destaque: a percepção que a

professora tem quanto ao olhar do agente penitenciário sobre o (re)educando, quando diz que

às vezes os agentes enxergam os presos como bichos, afinal, como bem constatou Lourenço:

A rotina do trabalho do Agente de Segurança Penitenciária no interior do

cárcere, diferentemente do apertar e do afrouxar de parafusos em uma linha

de montagem que, não negamos, também é estressante, é o trancar e

destrancar prisioneiros de suas celas, controlar seus passos e movimentos,

olhar no relógio e contar os minutos até que nova tranca se realize e,

finalmente, que as longas doze horas do plantão findem. (2010, p. 164).

Em um segundo momento a professora relativiza os erros cometidos pelos

(re)educandos, não deixando que isso interfira na sua crença pela (re)socialização e

recuperação daquele aluno. Não foram encontradas diferenças na forma de tratamento e

relações interpessoais entre servidores homens e mulheres com as professoras. Muito embora

nossa pesquisa estivesse em uma discussão para além de uma questão de gênero, nossas

atenções se mantiveram voltadas para o que pudesse emergir nessa seara durante as

entrevistas e nas experiências etnográficas. Isso não signifique não exista, mas, durante o

trabalho, considerando os objetivos deste estudo, essa questão não apareceu em campo.

5.4 Problematizando o ser pesquisador em espaços de vivência na prisão

Em uma das visitas as UPs, enquanto eu conversava com professoras e servidores

penitenciários, e observava o espaço de estudo, pude verificar que a todo o momento as

(re)educandas transitavam com a desculpa de beber água e ir ao banheiro, mas na verdade

queriam entender o que um homem fazia naquele ambiente sempre ocupado por professoras.

A professora de uma das salas de aula que despertou em mim essa percepção, quando disse de

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maneira engraçada que, há tempos, as alunas dela não sentiam tanta sede e vontade de fazer

“xixi”.

Essa experiência mostra o quanto o espaço da sala de aula no presídio é generificado e

sexualizado, o que não poderia ser diferente. Ainda que a questão de gênero e sexualidade não

tenha sido um ponto importante do trabalho das professoras entrevistas a ser reconhecido por

elas, mesmo quando eu as questionei34

, a minha própria presença em campo, em especial no

presídio feminino, trouxe essa constatação. Há diferentes estudos que mostram o quanto o

pesquisador, seja ele masculino ou feminino, tem interferência no processo etnográfico e de

entrevista com os interlocutores dos mais diferentes estudos (FAVRET-SAADA, 2005;

ZALUAR, 2009, DUQUE, 2012, entre outros). Faço essa referência, não para problematizar

metodologicamente a minha experiência de gênero e sexualidade em campo, antes, para

apontar o quanto essa questão está mediando as relações em campo, sejam as minhas com as

interlocutoras, (re)educando e agentes prisionais, como a delas e deles entre si.

Durante esse mesmo bate-papo e observação foi quando escutei um estrondoso e forte

barulho vindo do banheiro, como relatado anteriormente.

Minha presença naquele momento fez com que o corpo de segurança me desse várias

explicações e justificativas (que em nenhum momento pedi, mas parecia que era uma forma

de se desculparem), me informando inclusive, posteriormente, nos dias que seguiram, que

aqueles alunos foram reintegrados à escola, pois, se fosse instaurado um procedimento

administrativo disciplinar por “algo tão pequeno”, o comportamento carcerário dos mesmos

seria rebaixado, a remição de pena seria perdida e não ocorreria tão cedo a progressão de

regime dos envolvidos na briga para o regime mais brando de cumprimento de pena.

O desentendimento dos alunos era algo “tão pequeno” apenas aos olhos do corpo de

segurança, pois para a professora não foi nada “pequeno”, a ponto de ela pensar em agir

diferente e afirmar que não aceitaria os alunos em sala novamente sem ao menos uma

advertência ou suspensão. A impressão que se tem é que há uma “cumplicidade” dos agentes

naquela situação que ocorreu em um ambiente menos importante aos olhos deles. Isto é, a

falta cometida no ambiente educacional parece não ter o mesmo peso da falta cometida no

pavilhão, frente aos olhos do corpo de segurança. Isso tudo se confirma quando me inundam

com uma série de satisfações em um contexto ao qual poderiam apenas se calar. As

satisfações claramente tentavam minimizar a ação dos alunos fazendo com que qualquer

34

Durante as entrevistas questionais as professoras se o fato delas serem mulheres se existia uma interferência ou

não na relação em sala de aulas. Todas negaram esta possível interferência. O mesmo questionamento foi feito

também ao único professor homem que assim como as professoras mulheres negou qualquer tipo de interferência

quanto ao fato de se tratar de professor ou professora.

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desdobramento daquela briga fosse desnecessário e tudo aquilo fosse apagado de minha

percepção.

Compreendidos os espaços e antes mesmo de iniciar as entrevistas, especificidades

apareceram sobre relação do pesquisador no ambiente prisional. Tais particularidades

surgiram no momento em que todas as professoras convidadas aceitaram o convite e se

dispuseram a serem entrevistadas, a falar sobre o desempenho de seus trabalhos em um

ambiente de que se fala pouco ou não se fala, pois como bem ensina Lourenço:

(...) tivemos que repetir à exaustão para os ASPs, nossa intenção de pesquisa.

Apesar da receptividade de boa parte deles, houve alguns que se negavam a

permanecer no setor enquanto estivéssemos presentes e outros que, ao tomar

ciência do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), se

recusavam a assiná-lo considerando que, assim o fazendo, “se

comprometeriam de forma negativa com as instâncias de decisão

superiores”, no caso a própria direção da unidade ou, quiçá, a Secretaria de

Administração Penitenciária.

Para alguns desses funcionários, o entendimento, ou a fantasia, que tinham

do nosso trabalho e de nossa intenção, era de que se tratava de “uma

investigação das falhas ou problemas no exercício profissional a ser

encaminhada para a própria Secretaria da Administração Penitenciária ou, ao

menos, para a direção do estabelecimento”. (LOURENÇO, 2010, p. 138)

Analisar o aceite de forma isolada é não compreender a complexidade do campo

estudado. Analisar o aceite das 15 professoras sem nenhum tipo de resistência, considerando

que a coordenação daquelas professoras as comunicaram antes por grupo de WhatsApp35

, e

falou sobre a pesquisa, sugerindo que seria louvável a participação de todas e, somar a isso o

fato dessa coordenação ser figura determinante no processo de recontratação das professoras,

no início do próximo semestre, é algo que precisava ser considerado.

Caso essas professoras fossem servidoras públicas concursadas e estáveis, seja da

SED, seja da SEJUSP, e não dependessem da simpatia ou aprovação de sua coordenação para

se manter em sala de aula no próximo semestre, será que a disposição em dar entrevistas

chegaria à casa dos cem por cento? Será que teríamos professoras fazendo questão em

aguardar outra colega professora encerrar sua entrevista para ela então iniciar a sua, e com

isso atrasar sua ida para casa e diminuir seu intervalo de descanso?

35

Este pesquisador ficou sabendo do diálogo entre a coordenação e as professoras no momento que antecedeu a

oitava entrevista, enquanto preparava o equipamento de gravação e conversava com a professora a ser

entrevistada.

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6. O QUE DIZEM AS PROFESSORAS SOBRE A EDUCAÇÃO ESCOLAR NA

PRISÃO

Neste capítulo focamos nossas análises nos temas que emergiram, considerando o

objetivo e o tema desse estudo, durante a pesquisa com a etnografia as entrevistas

semiestruturadas. Foram selecionados os que mais se repetiram nas falas das entrevistadas,

haja vista que o roteiro de entrevistas foi organizado de forma ampla. Além dos temas que

aparecerem fortemente nas falas das interlocutoras, foram selecionados também aqueles que

de alguma forma impactam na educação escolar na prisão, em especial em Corumbá/MS.

6.1 Formar pessoas em privação de liberdade: para além da remição de pena

Um tema abordado nas entrevistas foi o benefício previsto em lei da remição de pena

aos alunos que frequentam o ambiente escolar. Antes de adentramos na fala de nossas

interlocutoras sobre o assunto, é necessário compreendermos a legislação que circula o tema

da remição de pena. Nossa CF, em seu artigo 206, traz que o ensino será ministrado com base

em diversos princípios, estando entre eles a igualdade de condições para o acesso e

permanência na escola. Segue no artigo 208 e diz que o dever do Estado com a educação será

efetivado mediante a garantia de educação básica obrigatória e gratuita dos 04 aos 17 anos de

idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na

idade própria.

Extraímos assim, que a oferta da educação escolar na prisão respeita o estabelecido em

nossa CF quanto à oportunidade de ensino, inclusive de forma inclusiva ao levar para sala de

aula aqueles que não tiveram acesso à educação escolar na idade apropriada, como bem

assegurado no inciso I do artigo 208. Sobre o tema, a LEP traz que a assistência ao preso e ao

internado é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência

em sociedade e que, entre outras, a assistência será educacional.

Especificamente sobre remição, temos na LEP:

Art. 126. O condenado que cumpre a pena em regime fechado ou

semiaberto poderá remir, por trabalho ou por estudo, parte do tempo de

execução da pena.

§ 1o A contagem de tempo referida no caput será feita à razão de:

I - 1 (um) dia de pena a cada 12 (doze) horas de frequência escolar -

atividade de ensino fundamental, médio, inclusive profissionalizante, ou

superior, ou ainda de requalificação profissional - divididas, no mínimo, em

3 (três) dias; (...) (destacamos).

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(...) § 5o O tempo a remir em função das horas de estudo será acrescido de

1/3 (um terço) no caso de conclusão do ensino fundamental, médio ou

superior durante o cumprimento da pena, desde que certificada pelo órgão

competente do sistema de educação. (BRASIL, 1984).

O Estado, no objetivo de implantar o seu dever (re)socializador naqueles que não

respeitaram a norma penal, editou a Lei nº 12.433, de 29 de junho de 2011, alterando os

artigos 126 até 129 da LEP, nos dando a redação citada anteriormente e passando a admitir a

remição de parte do tempo de execução da reprimenda corporal pelo estudo.

Assim, a contagem de tempo deverá ser feita com o desconto de um dia de pena a

cada 12 horas de frequência escolar, em atividade de ensino fundamental, médio,

profissionalizante, superior ou na requalificação profissional, sendo necessária a divisão

dessas horas em pelo menos 03 dias. Podemos concluir que a cada 03 dias de estudo, com

pelo menos 04 horas em cada dia, o aluno resgatará um dia de sua pena.

Potencializando isso no § 5º, do artigo 126, o legislador concede um benefício ainda

maior àquele aluno que conclua os estudos com aproveitamento, que consiste no plus de 1/3

de acréscimo na sua já alcançada redução de pena, incentivando claramente a (re)socialização

do (re)educando. Dito de outra forma, o aluno recebe o benefício da redução dos dias remidos

pelos dias que frequentou as aulas e caso conclua o ensino fundamental, médio ou superior

receberá ainda o acréscimo de 1/3 em seus dias remidos.

Mas o significados e sentidos que as professoras têm disso não vem carregada da

visível (re)socialização que legislador espera do tema. O significado e sentido é que os alunos

se matriculam para frequentar as aulas na prisão prioritariamente pelo resgate permitido com a

remição de pena, o que, para elas, não significa uma (re)socialização. Embora alguns

(re)educandos acabem por se envolver com o ambiente escolar e fazer proveito desse direito,

a maioria permanece na perseguição apenas do abatimento de seus dias na prisão, de maneira

desmotivada e sem aproveitamento educacional. Na transcrição a seguir observa-se que

quando a professora se remete a fala de um aluno, o mesmo tem o reconhecimento da

professora que vem pela remição, e não pelo o que ele aprende. A conquista na fala do aluno é

por ter ido estudar, e não por ter aprendido algo. Conclui-se que o que se aprende, aquilo que

é ensinado por elas, é menos importante conforme nos mostra Juracy:

P: Esse discurso deles de remição, deve aparecer bastante né?

Juracy: Muito, muito, muito, muito. Tem aluno que chega e mostra “olha

aqui professora quanto que já ganhei de remição”.

P: (risos).

Juracy: É assim: “olha o que a senhora fez por mim”. Nossa que legal,

vamos estudar vamos estudar pra ganhar remição nova.

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(Transcrição da entrevista realizada no dia 09/06/2016).

Pela lógica quanto menos tempo ele fica, melhor para ele, para o sistema, para a

superlotação. Ficar mais tempo dentro do ambiente prisional não significa uma efetiva

(re)socialização haja vista que ela acontece ao longo da vida, além de significar uma maior

desterritorialização do mundo doméstico, afinal “A única reivindicação dos detentos é sair e

não de terem sua estada na prisão menos dolorosa ou mais interessante possível” (DE

MAEYER, 2013, p. 35).

Segundo a professora Darcy os (re)educandos afirmam que: “saindo daqui eu vou

continuar a fazer a mesma coisa porque o desemprego tá precário”. Esta mesma interlocutora

disse que eles justificam a frequência nas aulas pela remição, especialmente no regime

fechado.

O mesmo ocorreu com várias entrevistadas, como mostra as transcrições a seguir:

P: Qual a avaliação que você tem sobre a educação escolar dentro dos

presídios?

Lucimar: Avaliação? Como assim avaliação?

P: Funciona? Não funciona? Tá caminhando da maneira correta?

Lucimar: Hum... não sei se funciona porque na verdade os alunos, eles vêm

em busca mais da remição né? Então realmente tem sempre aqueles que não

quer estudar, que fica "ah" reclamando da vida, que fala que não vai fazer...

(Transcrição da entrevista realizada no dia 10/06/2016).

***

P: A sua avaliação sobre educação escolar nos presídios? (...). Você acha

que ela contribuiu para a (re)socialização. Como que você avalia isso?

Julian: Eu acredito que sim... porque a maioria dos alunos que a gente já

pode observar nesse decorrer, eles inicialmente vêm mesmo pela remição

aqui né?

(Transcrição da entrevista realizada no dia 10/06/2016).

Assim, segundo a percepção das professoras, a maior parte (re)educando que busca

aquele ambiente não o faz com a finalidade de obter as benesses que uma melhor qualificação

educacional pode lhe trazer, e sim vai à busca dos benefícios que a lei lhe assegura, persegue

a remição para se ver liberto o quanto antes daquele ambiente. Durante essa perseguição

utiliza-se do trabalho da professora, mas não para aprender, e sim para cumprir uma

burocracia que leva à remição. Isso fica claro na fala da professora Juracy quando narra seu

diálogo com um de seus alunos. Ela pergunta se ele foi matriculado agora ou se veio do

regime fechado, e ele lhe responde: “Eu vim do fechado só que lá no fechado eu tava fazendo

quarta fase, mas aqui eu tô só matriculado na terceira então por isso que eu tô aqui na sua

sala”. Continuando o diálogo, ela o questiona quando ele estudava fora da prisão, até que série

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ele estudou. E responde: “Ah, até a oitava. Era pra mim começar o primeiro ano já”. A

professora então o diz que era pra ele estar na primeira fase do ensino médio, que não seria

em nenhuma das duas salas daquela UP. Nesse momento o aluno lhe responde: “Ah, mas não

tem problema, porque tô ganhando remição”. Teoricamente, esse o assunto já foi identificado

por De Maeyer, 2013, quando afirma que:

A problemática da oferta e da procura em educação dos jovens e adultos no

cárcere é complexa. Há alguns anos, verificamos que, em geral, a maioria

dos jovens e adultos que buscavam se inserir em algum programa

educacional ou educativo no cárcere eram aqueles que já tinham um nível de

educação elevado – por vezes muito elevado. (...)

É assim que vimos os detentos que possuíam o nível de educação de base se

inscreverem em cursos de alfabetização, porque ainda havia lugar e porque

as horas e dias passados em classe eram considerados na concessão de

eventuais remição ou na avaliação do comportamento. (p. 36-37).

No caso anterior, em que o (re)educando se propõe a repetir o que já havia estudado

compreende-se a sua decisão, pois o que lhe é ofertado é apenas a remição, o problema paira

sobre o sistema e não sobre o (re)educando. A mesma professora Juracy relata, também que

teve um aluno que deixou a prisão no início do ano e que, segundo ela, era “desesperado para

ir para escola”. Juracy contou que ele não saía para trabalhar, ficava o dia intramuros, não

saia para nada. Ela conta que ele ficava louco para ir para aula, mas quando chegava à aula

não queria estudar e dizia: “Eu não sei fazer, eu não vou fazer”. A professora insistia para ele

tentar e ele rebatia: “Não! Já falei que eu não sei, eu só quero minha remição, não quero nem

saber”!

6.2 Do ser ao tornar-se professora

Tão ou mais importante quanto os temas anteriores, aparece na fala das interlocutoras

a falta de formação ao serem selecionadas para iniciar o labor dentro do ambiente prisional.

Entre as professoras, da mais inexperiente até a mais experiente, temos um espaço temporal

de 13 anos de docência prisional, e foi unânime aparecer em todas as vozes a não existência

de formação para trabalhar naquele ambiente. Sobre essa falta, Scarfò, detectou que:

Estos tópicos necesarios al trabajar como docentes dentro de las cárceles que

deben ser presentados y ampliados dentro de la formación docente, para que

al momento de ejercer su práctica enriquezca su hacer y su ser docente. Debe

reconocerse que es una labor conjunta y no individualizada, es decir

cooperativa. Muchos docentes no se han preparado para enseñar dentro de

las cárceles y la sensación de que se encuentran solos frente a las rejas y los

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ruidos ensordecedores de los candados. Contribuyen al abandono o

resistencia de trabajar dentro de una escuela “intramuros” (2016, p.106).

Não deve ser esquecido que por mais que a sala de aula do sistema prisional se

assemelhe às salas de aula de uma escola de fora da prisão, coisa que nem sempre acontece, a

primeira está inserida em um sistema complexo e cheio de particularidades, e o início da

profissão docente nesse ambiente não é tarefa fácil, pois, para Onofre,

(...) é importante considerar que os professores passam por processo

semelhante à chegada do novato na prisão, quando lhes são passadas as

”regras da casa” pela equipe dirigente, no processo denominado boas-vindas.

Trata-se de um momento em que ele avalia sua condição de duplamente

iniciante: como professor em um espaço com características próprias e onde

rapidamente deve aprender a sobreviver – ali ele percebe a importância de

buscar saberes, não só para lidar com diferentes culturas, mas para lidar com

conflitos e dilemas para os quais não foi preparado na formação inicial nem

em experiências em outros espaços escolares (2013, p. 149).

Não bastando as especificidades anteriormente descritas, não há registros de curso ou

formações para exercer a atividade docente dentro do ambiente prisional, tão necessárias,

“principalmente pelo fato de que no sistema prisional o professor não está lidando com uma

demanda de alunos quaisquer, os alunos além de adultos, também se encontra privados de

liberdade” (DUARTE, 2013, p.30). A ausência de formação se verifica no trecho da entrevista

com Juracy:

Juracy: (...) as aulas começaram dia 22 de fevereiro (...) só que já formação.

Primeiro tinha “formação”

P: (risos) formação ela colocou aspas na mão tá! (risos).

Juracy: é entre aspas, só pra fazer planejamento conversar sobre como que

é, essa que é a formação. É mais uma reunião pra falar como que tem que

ser.

(Transcrição da entrevista realizada no dia 09/06/2016).

Sobre a questão da educação prisional, Duarte (2013) afirma que “A ressocialização é

um grande desafio do ambiente prisional, pois, além de preocupar-se com o saber

propriamente, é preciso promover uma educação que contribua para a restauração da

autoestima e para reintegração do individuo a sociedade” (DUARTE, 2013, p.31). Neste

contexto, as professoras precisam estar cientes de que não sabem tudo sobre todos os locais

onde ocorrem as aulas, além de compreender que o espaço de privação de liberdade possui

suas especificidades que precisam ser desveladas para que o desempenhar de seu labor

naquele ambiente seja alicerçado nas necessidades que o local e os (re)educandos possuem. A

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maneira de desvelar as particularidades é com uma formação contínua e específica, pois como

detectou Onofre quanto à ausência de formação específica educadores para atuação em

espaços de privação de liberdade,

é preciso assinalar a ausência da formação acadêmica específica para

professores que desenvolvem atividades em escolas das prisões. Há algumas

iniciativas tímidas na formação de educadores para atuarem em Educação de

Jovens e Adultos, embora o temário da educação prisional seja assunto fora

de pauta, nesses cursos. O cenário da prisão é singular, apresenta

necessidades advindas da trajetória escolar, história social e cultural, de

questões vinculadas à violência e ao delito – esse contexto tem, portanto,

especificidades que evidenciam a complexidade do ato pedagógico, o que

justifica a importância da formação, uma vez que o espaço já é fator

determinante de insegurança para os professores (2013, p. 150).

É preciso uma ação compartilhada de diferentes esferas da sociedade civil, das

universidades e dos órgãos públicos para que aconteça uma ampliação do debate sobre a

educação nos espaços de privação de liberdade pela perspectiva dos direitos humanos,

reforçando as propostas tão presentes no cenário educacional atual de tornar a instituição

prisão mais inclusiva e mais humana (Idem, p.152). Tal ação é necessária para que

professores e coordenadores entendam seu real papel dentro da educação escolar na prisão.

Por exemplo, para que falas como a da coordenadora, citada durante a entrevista feita com

uma das interlocutoras, conforme aparece no próximo trecho, deixem de existir.

P: Entendi... entendi... quando a coordenadora te ligou 02 dias antes de

começar as aulas, qual treinamento que você teve pra ir para dentro dessa

sala de aula?

Darcy: Nenhum treinamento.

P: Nenhum?

Darcy: Não. Na entrevista ela falou assim "Você tem certeza que você quer

dar aula lá é muito perigoso que não sei o que"... eu falei "Eu quero sim eu

aceito"

(Transcrição da entrevista realizada no dia 09/06/2016).

E Lucimar prossegue confirmando a falta de formação e acrescenta que o

planejamento para entrada em sala é quase que inexistente, visto que entre receber a ligação

com a notícia que seria contratada, a dar aula na prisão, e efetivamente entrar em sala de aula,

menos de uma semana se passou:

P: E entre ela (coordenadora) te ligar e você começar (a dar aulas) demorou

quanto tempo?

Lucimar: Ai, menos de uma semana.

P: Qual treinamento que você teve?

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Lucimar: Assim, na verdade foram as orientações né, que eles através dos

encontros que a gente teve aí foram falando como funciona cada

estabelecimento, o que é que pode, o que não pode. Então na verdade foram

mais assim umas instruções que eu recebi aqui.

(Transcrição da entrevista realizada no dia 10/06/2016).

A valorização do professor e a defesa da formação específica para atuar em escolas de

unidades prisionais é tarefa urgente na atualidade, pois a não formação leva ao fracasso

(ONOFRE, 2013). Já a formação, quando existe, conforme a fala a seguir, não se faz por e-

mail, não se faz imitando a outra professora nem com apenas regras da casa emanadas de

agentes penitenciários:

P: E quando você entrou, tendo em vista que você e já estava começando as

aulas, você teve algum treinamento, alguma capacitação, formação?

Santana: Não, porque eles já tinham tido uma formação. Então eu tive que

ir perguntando para uma para outra, mas como eu fiquei no presídio

masculino e eu fiquei mais com as professoras que já trabalhavam lá há

muito tempo, eu fui perguntando para elas. É isso, você observar como que

elas se comportam, a maneira que ela se veste, que material que elas levam,

como que ela acata as autoridades, tudo isso. Então só fui imitando.

P: E foi dando certo?

Santana: Então, não tem problema com ela... com o pessoal lá.

(Transcrição da entrevista realizada no dia 18/11/2016).

Isso também ocorre na realidade estudada por Duarte: “Quando os professores são

contratados, muitas vezes apenas recebem algumas orientações gerais, sem grandes detalhes,

tendo que se limitar ao que é permitido. Assim, qualquer pratica de autonomia ou que envolva

sua criatividade, sofre o risco de ser reprovada” (2013, p.32). Como identificado por Onofre

(2012), diante desse contexto, cabe aos professores experientes e à equipe multidisciplinar

que atende os indivíduos em privação de liberdade, promover situações que aproximem os

iniciantes das “regras da casa” e dos limites e possibilidades para desenvolver as ações

educativas na sala de aula. Samira confirma que sua formação aconteceu apenas por e mail

conforma trecho a seguir:

P: Legal. E entre ela te chamar e você entrar em sala teve algum

treinamento?

Samira: Teve umas reuniões, capacitações.

P: Capacitações? Formações?

Samira: Explicações de como são, o que você pode, não pode fazer. Nós

recebemos um monte de e-mail dizendo que pode, o que não pode, são

regras, os agentes explicam.

P: E você acha que essas regras são suficientes?

Samira: Eu acho assim, é suficiente e a gente tem que colocar um

pouquinho mais de regras também, porque o mundo é cheio de regras.

(Transcrição da entrevista realizada no dia 10/06/2016).

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Alguns pontos merecem destaque na fala dessas professoras. Um deles é o fato da

maioria não externar estranheza à falta de uma robusta formação para atuar naquele ambiente.

Outro ponto, que se mistura com o primeiro e já apareceu de maneira tímida em momento

anterior, salta aos olhos quando as entrevistadas reconhecem a figura daqueles que estão

enclausurados como pessoas que cometeram delitos. Mas reconhecem como cometedores de

crimes apenas quando estão sob custódia dos agentes penitenciários, pois quando estão em

sala de aula os visualizam apenas como alunos, ao ponto de reconhecer que o trabalho

desempenhado pelo corpo de segurança se sobrepõe à tarefa da educação escolar, ignorando

assim a também responsabilidade educativa dos agentes penitenciários.

É preciso se atentar para o que isso tudo desvela. Dentro da casa, intramuros, existe

uma fronteira, uma “passagem” simbólica naquelas paredes e grades que os

presos/(re)educandos/alunos transitam. Do limite da cela para o da sala de aula, eles deixam

de ser criminosos presos e passam a ser simplesmente alunos presos. Isso explica vários

pontos de nossa pesquisa e está intimamente ligado com a falta de formação, com o poder dos

agentes sobre o trabalho das professoras, com o fato das entrevistadas gostarem de trabalhar

no ambiente prisional por ser mais disciplinado do que os do extramuros, e, especialmente,

com o apagamento do perigo, da necessidade de conhecer o delito cometido e as histórias dos

alunos (afinal, são alunos presos). Esse processo fronteiriço de significado/sentido, entre

outras coisas, faz com que tenha pouca ou nenhuma chance de problematizar as relações

estabelecidas no processo pedagógico entre professoras-alunos, inclusive aquelas que se

referem às questões de gênero e sexualidade, afinal, sobre isso, as entrevistadas não tinham

nada a dizer.

Ainda sobre a falta de formação, outro ponto chama atenção quando voltamos os olhos

ao PPP. As professoras têm acesso ao PPP da escola que diz o inverso do que acontece na

prática e, ainda assim, não questionam ou problematizam a falta de formação. Vejamos o que

diz o PPP:

A formação continuada dos professores deve acontecer em vários níveis,

respeitando o repertório cultural, teórico e de vivencia dos professores,

lembrando sempre que cada professor tem sua trajetória de formação,

preferências, limitações, estilo de comunicação, postura em relação às

diversas situações, portanto a formação continuada deve prepará-lo e ajudá-

lo a refletir. Deve ser continua porque ao mesmo tempo em que o professor

se nutre de conhecimentos científicos e saberes culturais, cria outras

representações sobre as relações educativas na escola, em serviço, não por

haver uma sequencia de ações, o que comumente ocorre, mas por privilegiar

um processo de desenvolvimento profissional do sujeito, constituído por

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historia de vida e de acesso aos bens culturais, de fazeres profissional e de

diferentes realidades de trabalho, carregadas ora por necessidades de

superação de desafios, ora por dificuldades relevantes de atuação (2014, p.

45 e 46).

O fato de apenas agentes de segurança dar a “formação” (explicações) das regras

permitidas dentro das UPs não causa nenhuma estranheza por parte das professoras. O fato de

não ter também um profissional do quadro da SED não aparece como um problema na fala de

nenhuma entrevistada. Assim, pela nossa compreensão, o problema não está no fato da

formação ser dada pelos agentes de segurança (que não é formado por pedagogos), mas em

ser dado exclusivamente pelo agente de segurança. Isso se dá em virtude da uma sucessão de

fatores presentes no cotidiano dos professores, entre eles a falta de forças que esses

professores têm pelo fato de serem contratados e suas vozes de forma indireta ser “caladas”, a

falta de uma formação mais qualificada e problematizadora dos desdobramentos da sua

atuação. Na teoria, o PPP prevê, inclusive, reserva de dias para uma formação continuada:

Para preparar nossos professores a enfrentarem os desafios do cotidiano em

sala de aula, e para podermos sanar essas dificuldades, essas ações ocorrem

em consonância com os objetivos da relação ensino-aprendizagem, a

concepção de educação presente e as metas a serem alcançadas pela escola

fazem-se necessário a fomentação de reflexão da prática pedagógica, para

podermos atualizar nossos professores com práticas que possibilitem a

permanência de nosso aluno em sala de aula. Portanto, o Projeto Político

Pedagógico garante em Calendário Escolar uma reserva técnica mensal de

um dia para formação continuada e o planejamento dos professores acontece

semanalmente, garantindo reuniões para buscar coletivamente, sanar as

dificuldades de professores e alunos, trazendo melhoria para o ensino e

aprendizagem. (2014, p. 46).

Todas as professoras precisam assinar o “Contrato de compromisso do Profº (ª) com a

E.E.Polo Profª Regina Lúcia Anffe Nunes Betine” (ANEXO 07) , que receberam por e mail. É

este documento que contém o “que pode, o que não pode”; um documento com 02 laudas

basicamente com instruções procedimentais pedagógicas e de segurança que as professoras

são obrigadas a assinar antes de entrar em sala de aula. O tópico 25 traz uma relação do que é

vedado ao professor. Aparentemente a professora não pode nada:

25. É vedado ao professor:

1) A escrita de cartas e requerimentos para internos;

2) A comunicação extraclasse com internos e familiares dos mesmos;

3) O envio de correspondências ou recados de alunos para o meio externo;

4) A utilização da sala de aula para outros fins que não sejam educativos;

5) Levar medicamento para alunos;

6) Comentários sobre sua vida particular;

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7) Utilizar sua conta bancária para uso dos alunos ou familiares dos mesmos;

8) Levar fotos de familiares para compartilhar com seus alunos;

9) Conversas, inclusive fora da sala de aula, que não sejam sobre conteúdos

de aula;

10) Questionar sobre o “artigo” do aluno;

11) Imprimir ou entregar fotos para alunos ou familiares de eventos que

acontecem nas unidades;

12) Pesquisar a vida de alunos em sites;

13) Presentear alunos ou levar qualquer tipo de material que não seja de uso

pedagógico.

14) Não atender as solicitações dos alunos que não sejam pertinentes à

Educação, ex: realizar atividades dos setores psicossociais e jurídicos;

Segundo a coordenação pedagógica, o documento visa padronizar os procedimentos

dos professores e assegurar a segurança do trabalho docente. Durante as entrevistas, nenhuma

das entrevistadas externou discordância com nenhuma das recomendações listadas. Se

observarmos as 14 proibições do documento ao professor, facilmente identificaremos

excessos em seu texto o que reflete diretamente na autonomia pedagógica da professora e nos

bons resultados de seu labor. No entanto, nenhuma professora externou algum tipo de

discordância com as limitações impostas.

O tópico 28 do mesmo documento traz que:

28. O não cumprimento das normas e regras, previamente acordadas

impossibilitará a renovação da convocação para o próximo semestre,

dependendo da infração a revogação poderá ser imediata e os

encaminhamentos sobre os dispositivos legais ficarão a cargo da Secretaria

de Estado de Justiça e Segurança Pública.

O tópico 28 deixa claro que, caso elas não cumpram as regras ditadas no documento,

não serão recontratadas ou terão seus contratos imediatamente rompidos. Aqui temos apenas a

materialização da instabilidade existente e demonstrada durante outros pontos do texto desta

dissertação. Tal documento promove um possível silenciamento das vozes críticas que

poderiam ser emanadas das professoras, pois o falar mais crítico poderia ser interpretado

como não cumprimento das normas com seu consequente desligamento. O Contrato de

Compromisso impacta fortemente no silenciamento das professoras.

Assim, compreende-se que o discurso das professoras é “coerente” quando elas, em

sua maioria, não identificam a necessidade de uma formação, afinal, todos os pontos que

precisariam ser tratados em uma formação estão apagados/silenciados nas proibições do

Contrato de Compromisso. De forma geral, as proibições ditas fazem com que o trabalho na

prisão seja livre da maioria das dificuldades encontradas no ensinar fora da prisão (a

indisciplina; a relação com a família; a problematização da história de vida dos alunos nas

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salas de aula; a insegurança física; a ausência dos alunos; a relação professoras-alunos em

seus mais variados aspectos; inclusive os de gênero e sexualidade; a desvalorização salarial;

entre outros pontos).

Se o Contrato de Compromisso proíbe qualquer tipo de comunicação com a família do

aluno, não faz pensar no sempre necessário diálogo da escola, isto é, das professoras, com a

família e a comunidade. Ao mesmo tempo, não tem ninguém da família do aluno procurando

as professoras para questioná-la sobre a experiência do aluno, ou dela mesma, em sala de

aula. Não é permitido conversas, inclusive fora da sala de aula, que não sejam sobre

conteúdos de aula. Se o vínculo se dá por contratação semestral, a professora não tem acesso

às necessidades dos alunos, logo, as diferentes realidades deles não as questionam, não a

provocam, afinal, tendem a ser desconhecidas.

O mesmo documento proíbe ainda questionar sobre o “artigo” do aluno, pois se a

professora não sabe da história de seu aluno, não tem porque enfrentar os conflitos que

comumente exigem os processos pedagógicos, pois não sabe da história de vida de seu aluno.

É proibido ainda pesquisar a vida do aluno. Isso pode justificar o fato dos alunos

buscarem a remição e não se interessarem por aprender, já que o que a realidade da sala de

aula provavelmente não tem nada a ver com a realidade deles, justamente por eles não

conseguirem se ver no que as professoras ensinam, pois elas não os conhecem. Essa proibição

foge totalmente aos eixos do EJA, que é a modalidade de ensino utilizada naquelas salas de

aula, já que a história de vida dos alunos adultos deve ser considerada para contextualizar o

ensino. (SILVA, FERREIRA E FERREIRA, 2012).

Todas as polêmicas da formação de professores estão apagadas no Contrato de

Compromisso. Na verdade, elas não só não se percebem prejudicadas pelo documento, como

também parece se sentirem beneficiado-privilegiadas por ele. Afinal, ele garante o diferencial

de parte da educação na prisão que é vista por elas com elogios em comparação com o

trabalho dos professores fora do presídio. Afinal, o documento apaga a possibilidade de

conflitos, proíbe ações que trariam maiores desafios ao processo ensino e aprendizado e,

inclusive, por não permitir o diálogo além do restrito no “conteúdo”, torna o trabalho

aparentemente técnico e repetitivo, sem os impasses que os professores atuantes fora da prisão

encontram no seu dia a dia. Isso sem contar a garantia de segurança e disciplina dada pela

instituição prisional, algo pouco visto, de forma geral, nas escolas fora do presídio.

Não bastando as limitações anteriormente descritas, a parte final do documento traz a

seguinte redação:

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29. Declaro-me ciente de que a certidão criminal estadual e federal, além do

laudo psiquiátrico e avaliação psicológica devem ser entregues à

secretaria da escola até o dia 30 de março de 2016, estando sujeito à

imediata revogação da convocação, para os professores que iniciaram o ano

letivo. E para os contratados com o ano letivo em curso deverão providenciar

tais documentos tão logo seja solicitado. (destacamos) (Contrato de

Compromisso).

Após a leitura, buscando maiores esclarecimentos sobre o trecho anteriormente citado,

encaminhamos e-mail para coordenadora local, questionando sobre a efetiva cobrança e

cumprimento na entrega dos laudos psiquiátrico e avaliação psicológica; e, em caso positivo,

quem seria o responsável pelo pagamento dos exames. A coordenação nos respondeu: “O

laudo psiquiátrico e psicológico são exames imprescindíveis para a contratação do professor.

Sim, o professor paga do próprio bolso esses laudos”. Esse assunto também não apareceu na

fala das entrevistadas como algo que precisasse ser mudado. O fato delas mesmas

(professoras) pagarem os exames obrigatórios para entrada em sala de aula não é um

problema aos seus olhos.

P: Quando vocês entram aqui vocês têm um treinamento, capacitação,

formação?

Ariel: Não.

P: São recomendações?

Ariel: Não, o meu... pelo menos o meu eu passei só pela entrevista.

P: E aí?

Ariel: O diretor e o vice-diretor, aí você faz o exame psicológico, o exame

psiquiátrico.

P: Que vocês mesmo pagam, né?

Ariel: Que a gente mesmo paga. Entendeu? Tudo é nós que pagamos. Aí

você faz. Aí você entra.

P: Entendi.

Ariel: Mas é tudo só por entrevista.

(Transcrição da entrevista realizada no dia 18/11/2016).

No trecho transcrito a seguir, duas passagens nos chamam atenção. Observe que a

professora utiliza como justificativa de não ter medo de seus alunos o fato do cometimento de

crime ter ocorrido “lá trás, lá fora”. Como se a reclusão e a atualidade dos dias tivessem tirado

daquele (re)educando suas marcas criminais que eventualmente pudesse lhe despertar algum

tipo de temor, além da fronteira da cela para a sala, há uma temporalidade distinta, o

criminoso do passado, de fora da prisão, do de agora, aluno na prisão.

Samira: Eles perguntaram para mim se eu tinha medo deles. E eu falei que

não.

P: E você tem?

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Samira: Nunca. Por que que eu vou ter medo de uma pessoa? Se eles

cometeram lá, foi lá atrás, lá fora...

Samira: Eles sentaram, todos eles, “professora, você não tem medo de ficar

aqui?”, eu falei, “não, por quê?”, “ah, porque nós somos presos”, “gente, o

que vocês fizeram é lá atrás, eu estou aqui para dar aula para vocês e para

ajudar vocês a entrar na sociedade com uma outra cabeça”.

(Transcrição da entrevista realizada no dia 10/06/2016).

Corroborando a percepção do trecho anterior, vem a fala da professora Julian quando

afirma que a maioria das professoras não os veem ((re)educandos) como internos quando

estão dentro da sala de aula:

P: Vocês não têm um treinamento para entrar em sala de aula né?

Julian: Não, treinamento não.

P: Tem na verdade umas recomendações né?!

Julian: Sim.

P: Como que você avalia essa falta de formação?

Julian: Assim, pelo menos eu quando entrei... nós tivemos uma conversa

com a psicóloga do sistema e uma agente, e nessa conversa elas foram assim

bem claras conosco né...elas falaram abertamente a maneira como

deveríamos nos portar e tudo mais, então, acredito que assim, essa conversa

ela é válida né, porque assim o treinamento talvez não seria a palavra correta

a ser usada assim. Treinamento pra trabalhar com pessoas assim dizer né...

porque eu particularmente, e acredito que a maioria dos professores não os

veem como internos... quando estão em sala de aula.

P: Sim.

Julian: Né... os veem como alunos realmente como os são, pessoas que

estão ali pra aprender e passar conhecimento também. Então é óbvio que a

gente sabe que estamos num sistema, tem todo um pré-requisito, uma

postura, um perfil a ser observado né? Mas eu acredito que umas instruções

têm que ser sempre reforçadas... principalmente quando você tem um grupo

que já vem de uma caminhada e inicia pessoas novas. Pra esses novos

sempre tem que fazer um reforço né? Pra que eles também possam ter êxito

na educação que eles tão ministrando.

(Transcrição da entrevista realizada no dia 10/06/2016).

O trecho anteriormente transcrito nos faz pensar de duas maneiras. Inicialmente a

interpretação leva a crer que a falta de uma formação prévia consistente e uma formação

continuada, faz com que pareça que as professoras não compreendem o ambiente ao qual

estão inseridas, como podemos observar na fala da professora Samira, quando a questionamos

sobre capacitação e ela nos respondeu que tiveram “explicações de como são, o que você

pode, não pode fazer”, que os agentes (segurança) explicam o que pode e não pode, e que isso

é o suficiente.

No entanto, com um pouco mais de atenção, o que se vê desvelar nas entrevistas das

interlocutoras é a necessidade de minimizar a falta de formação para atuar naquele espaço, e

tudo que esteja relacionado especificamente ao ambiente educacional na prisão também

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precisa ser minimizado; tratam as especificidades daquele ambiente como se não existissem

ou não tivessem que ser levadas em consideração no processo da educação. Logo, não

existiria a necessidade de uma aprofundada e continuada formação, nem mesmo de tratar

aqueles em privação de liberdade como alunos diferenciados dos não internos ao sistema.

Essa segunda forma de pensar os dados, aparentemente mais completa e menos ingênua da

nossa parte, nos levam a pensar que elas compreendem bem este espaço, tanto compreendem

que buscam minimizar tudo que esteja atrelado a especificidades da educação escolar na

prisão, invisibilizando assim qualquer necessidade de crítica ou debate sobre seu ambiente de

trabalho. E o discurso se repete, vejamos:

Donizete: Assim, ministrar as aulas não é o problema. O problema é você

querer levar algo diferenciado. E aí tem aquela retaliação, você não pode,

você tem que ficar tudo pisando em ovos ali para ver o quê que pode, você

tem que estar pedindo autorização, “eu posso levar isso, eu posso fazer

aquilo”, a gente quer trabalhar com projetos, então não é tudo que é aceito.

P: E professora, você acha que esse “não ser aceito”, ele é necessário mesmo

pela segurança ou existe um exagero da parte do agente penitenciário?

Donizete: É, assim, eu não tenho medo de trabalhar com aqueles alunos. Eu

acho que às vezes é sim um certo exagero, eu não sei se pode ser muita

inocência da minha parte, porque eu sinto confiança, porque os alunos eles

veem o professor com outros olhos, o professor não está ali para julgar ele

do que ele fez, a gente está ali para ensinar. Então ele trata a gente de uma

certa forma diferenciada, diferente dos agentes que eles já veem com maus

olhos.

P: Sim.

Donizete: Então assim, para os agentes, eles são bandidos, e para nós não. É

outra visão. Para nós, eles são alunos.

(Transcrição da entrevista realizada no dia 18/11/2016).

A parte final da transcrição anterior mais uma vez revela a problemática instalada com

as inúmeras proibições do Contrato de Compromisso. A professora Donizete afirma que o

tratamento que os alunos dispensam as professoras é diferente do tratamento que eles

dispensam aos agentes, pois para os agentes os (re)educandos são bandidos e para os

professores eles são alunos. Isso está intimamente ligado ao fato dos agentes terem

conhecimento do crime cometido pelo (re)educando e o professora, em tese, não, pois os

tópicos 10 e 12 do Contrato não permitem.

Mas, sempre, entre qualquer grupo, existirá aquele que não se calará mesmo quando

enfraquecido. A fala da professora Nadir, confirmando isso, destoa de suas colegas. A

professora consegue enxergar a falta e a necessidade de uma formação continuada para o

ensino no ambiente escolar na prisão. O conteúdo da fala desta professora quanto a este

assunto não foi encontrado nas falas das demais profissionais.

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P: ... se você pudesse, o que você melhoraria no seu trabalho?

Nadir: No meu trabalho? Como você fez uma pergunta lá no início a

questão da formação dentro do setor prisional, né?

P: Uhum.

Nadir: É lógico que existe uma diferença enorme. Apesar de eu ter

trabalhado no setor isso não quer dizer que...

P: Você esteja pronta...

Nadir: Esteja pronta para sempre para isso. Então eu sinto mais falta isso

entendeu, uma capacitação, uma formação, talvez um contato maior com a

diretoria para esse tipo de formação. Esse ano houve uma troca muito

grande, vários professores novos. E eu senti essa falta.

P: Necessidade?

Nadir: Essa necessidade, porque para mim e para outros colegas, colegas

que já tão a mais tempo do que eu aqui, a gente já acaba adquirindo um

certo... como que eu posso dizer? A gente vai trabalhando... assim, com

jeito. Mas as que acabaram de entrar, por exemplo, a gente vê essa

necessidade. E não estou dizendo que eu sou perfeita, mas eu também

necessito disso. Em alguma coisa a gente falha, né?

(Transcrição da entrevista realizada no dia 18/11/2016).

Uma das perguntas finais feitas para as entrevistadas foi: “Você se sente realizada com

seu trabalho?”. As quinze entrevistadas externaram sua realização com o trabalho de educação

escolar, merecendo destaque os seguintes trechos:

P: Legal. Você se sente realizada com o seu trabalho?

Santana: Sim. Eu acho que eu fiquei muito mais realizada lá dentro do que

eu estava aqui fora. Quando eu saí do outro emprego, no (NOME DA

ESCOLA SUPRIMIDA) eu trabalhava com educação infantil, primeiros

anos e foi a primeira vez, então foi muito desgastante. Para mim eu era mais

alívio entrar lá na prisão da aula lá, me sentia mais realizada lá do que aqui

fora, eu não estava conseguindo aqui. Então assim, eu consegui ao máximo

me realizar lá dentro.

(Transcrição da entrevista realizada no dia 18/11/2016).

Para as professoras entrevistadas é mais fácil dar aulas dentro da prisão do que fora

dela. No trecho anterior a professora Santana afirma que ao trabalhar com educação infantil

foi muito desgastante ao passo que trabalhar dentro de presídios lhe trouxe realização. O

desgaste do trabalho vem com crianças, mas não vem com (re)educandos.

P: Você se sente realizada com o seu trabalho?

Darcy: Sim

P: Mais do que você se sentia fora da prisão?

Darcy: Muito mais!

(Transcrição da entrevista realizada no dia 09/06/2016).

Na passagem anterior, a professora Darcy é enfática em dizer que se sente muito mais

realizada com seu trabalho dentro da prisão do que se sentiria caso estivesse trabalhando fora

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do ambiente prisional. Mesmo com as aparentes adversidades a professora se sente

profissionalmente mais feliz dentro do que fora da prisão. Ainda sobre esse tema, Sid e Sirlei

assim de posicionaram:

P: Para finalizar, a senhora sente se sente realizada com o seu trabalho?

Sid: Muito. Eu tenho até vergonha de falar, porque você pode achar que é...

porque falar é fácil, mas eu tenho tanto orgulho de mim, de ser uma

professora hoje. Quando eu falo pra você orgulho de mim mesma, não é que

eu me acho melhor do que ninguém.

P: Mas eu entendi.

Sid: É pelo fato da minha trajetória, então talvez para um doutor, fala assim,

“ah, eu sou um doutor”, mas para mim quando eu falo assim, “eu sou uma

professora”, eu tenho muito orgulho de ser professora, porque eu gosto de

falar, eu gosto de passar, eu gosto de... eu praticamente imploro pras

pessoas, quando eu aprendo uma coisa eu quero passar. Então e aí ganhando

dinheiro é melhor ainda, fica ótimo, remunerado. (Transcrição da entrevista realizada no dia 17/11/2016).

***

P: Você se sente realizada com seu trabalho?

Sirlei: Bastante.

P: Bastante?

Sirlei: Bastante. Eu gosto, eu gosto de dar aula. E assim, quando você

consegue fazer o seu trabalho é melhor, entendeu? Porque muitas vezes lá

fora a gente não consegue dar uma aula inteira (...) E aqui eu nunca me

frustrei em relação a isso, então eu entro e saio com o meu trabalho

realizado.

P: Aqui é melhor do que lá fora então?

Sirlei: Muito melhor, muito melhor. Os alunos te respeitam mais, são muito

mais educados, eles valorizam o fato deles estarem na escola.

(Transcrição da entrevista realizada no dia 10/06/2016).

A transcrição anterior, além de mostrar a realização profissional da professora

entrevistada, nos faz pensar sob diversos primas. Sirlei afirma que nunca se frustrou com suas

aulas na prisão, pois entra e sai com o trabalho realizado, que os alunos respeitam e são mais

educados, além de valorizarem estar na escola. O que está apagado na fala da professora é o

fato dos alunos dela estar recluso e submetido à disciplina e valorizarem a aula pela remição

justamente para deixarem essa clausura o quanto antes.

Os alunos são pessoas que estão em conflito com a lei e que, pelo menos

temporariamente, estão privados de liberdade. A privação de liberdade pressupõe a prática de

um fato tido como delituoso. A prática de um fato delituoso nos faz pensar que se não todos, a

maioria daqueles (re)educandos possuem algum comportamento social que, de alguma forma,

refletirá em sua personalidade, temperamento e, consequentemente, em sua periculosidade.

Assim, foi questionado junto às professoras se elas se sentiam mais seguras dando

aulas dentro ou fora da prisão. E, mais uma vez, a resposta foi seguida pela maioria que se

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declarou se sentir muito mais segura dando aula dentro do sistema penitenciário do que em

uma sala de aula extramuros. A seguir transcrevo as respostas de Julian e Dagmar sobre essa

questão:

P: E você que já deu aula fora do sistema prisional, se sente mais segura

dando aula lá fora ou aqui dentro? Julian: Esse é um ponto que até mesmo os alunos questionam. Me

perguntaram esses tempos atrás... "professora é mais tranquilo dar aula aqui

do que fora não é verdade professora?"

E por vezes é o que acontece porque fora o aluno ele... você está sujeita a

inúmeras situações, aqui não porque eles já sabem o requisito que eles têm

que seguir né? Eles comentam é que não é permitido tais coisas, então aqui a

gente já se sente mais segura realmente.

(Transcrição da entrevista realizada no dia 10/06/2016).

Na fala anterior da professora Julian, os próprios alunos identificam a escola da prisão

como um local mais tranquilo para se dar aulas, demonstrando possuir experiências dentro e

fora da prisão, fazendo a mesma avaliação que a professora:

P: E quanto à segurança, com essa onda de violência que a gente vê em

escolas, em alunos contra professores. Você acha que tem algum desses dois

ambientes dentro ou fora da prisão que é mais seguro para o professor

trabalhar? Dagmar: Olha... hoje em dia eu percebo que a questão de segurança ela

pode acontecer em qualquer lugar... insegurança tem em qualquer lugar. P: Sim. Dagmar: Dentro da sua casa também, porém esses seis anos que eu trabalho

no sistema prisional eu nunca tive problema nenhum, com relação à

indisciplina a questão relacionada a segurança. P: Na ameaça nada? Dagmar: Não, nunca. Eles até falam que eu sou a professora de boa. P: ((Risos))

(Transcrição da entrevista realizada no dia 10/06/2016).

Dagmar afirma nunca ter tido nenhum problema em relação à indisciplina e

insegurança dentro da sala de aula. Faz inclusive um comparativo que a insegurança existe até

dentro de casa, mas em seu discurso não aparece em momento algum o fato de seus alunos

serem (re)educandos e sabedores de que a disciplina naquele ambiente somente lhe trará

benefícios.

P: Você se sente mais segura dando aula lá dentro ou aqui fora?

Donizete: Olha, lá dentro é tranquilo, vou te falar, porque aqui fora a gente

ouve muitos palavrões de aluno, xingamentos, “eu não quero fazer, eu não

vou fazer”, e ali não, eu acho que de certa forma, eles sentem meio

amedrontados, porque são cobrados pela direção também, então eles fazem

tudo que você pede.

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P: Legal.

Donizete: Eles até falam assim, “não professora, o seu pedido é uma ordem,

você não está pedindo, você está mandando”. Eu falo, “não estou mandando

não”, mas aí eles fazem tudo, assim, sem problema.

P: Coisa que aqui fora nem sempre acontece?

Donizete: Nem sempre acontece. Você pede um trabalho para fazer em casa

e não faz, se você dá uma atividade para resolver dentro da sala, eles

enrolam e não fazem, se você vai passar alguma coisa no quadro eles ficam a

aula inteira, fala que você está passando rápido demais e não termina.

(Transcrição da entrevista realizada no dia 18/11/2016).

***

P: Mas os alunos te dão menos trabalho aqui fora ou lá dentro?

Santana: Lá dentro.

P: Dão menos trabalho?

Santana: Lá dentro. Aqui fora é bem mais difícil.

P: E quanto à segurança, você se sente mais segura dentro da sala de aula de

dentro do presídio ou de fora?

Santana: Olha, antes eu me sentia insegura lá dentro e mais segura aqui

fora. Dependendo da escola aonde eu vou, eu me sinto mais segura lá dentro

do presídio do que aqui fora. Porque aqui fora até canivetes os alunos

puxam. Lá dentro se fizer isso rapidinho chega o policiamento, você apita e

já chega. Então é mais seguro lá dentro do aqui fora.

(Transcrição da entrevista realizada no dia 18/11/2016).

***

P: Professora a senhora se sente mais segura dando aula dentro da prisão ou

fora da prisão?

Nadir: Eu acredito que aqui é bem mais tranquilo, bem mais.

P: Legal. E é mais fácil dar aula aqui ou lá fora?

Nadir: Também aqui. Também aqui.

(Transcrição da entrevista realizada no dia 18/11/2016).

A professora Donizete afirma que na sala de aula de fora dos muros do presídio

ouvem-se muitos palavrões, xingamentos além de alunos que não querem realizar as

atividades, e já dentro da prisão isso não acontece, pois, os alunos da prisão se sentem meio

amedrontados. Assim, fica claro que as “facilidades” em dar aulas nas salas de aula da prisão

não acontecem naturalmente e sim na base do medo. Os alunos fazem tudo que as professoras

pedem devido ao fato dela ser a autoridade naquele ambiente (o que não acontece fora da

prisão), especialmente no que se refere ao papel das professoras na remição da pena ao relatar

a presença e o desempenho dos mesmos em seus registros que serão informados às

autoridades judiciais, e ao medo que eles têm da direção da UP.

Santana afirma que é mais fácil dar aulas dentro das prisões e que a segurança lá

dentro também é melhor do que fora, mas seu discurso toma um novo rumo quando ela afirma

que basta apitar para o policiamento aparecer e a segurança voltar. A professora não se deu

conta que, assim como os agentes de segurança, ela também conta com arma e esta arma é o

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seu apito, o que tecnicamente sinaliza que seus alunos são lidos pela segurança como

perigosos, pois se não tivesse essa interpretação a respeito deles, não teria sentido as

professoras portarem este instrumento. A tranquilidade e segurança está também intimamente

ligada a este pequeno e barulhento artefato.

A professora Nadir também diz que é mais fácil dar aulas na prisão. Se lembrarmos do

Contrato de Compromisso, somarmos o apito, adicionarmos os benefícios da remição, não

nos esquecermos das regras de segurança imposta pela casa, e compreender que os desafios

de formação não aparecem naquele ambiente devido ao seu quase que obrigatório

apagamento, além do valor adicionado no salário das professoras por atuarem nesse contexto

institucional, a despeito do precário contrato de trabalho, é possível compreender parte da

realização profissional que elas afirmam ter por atuarem na prisão, quando comparado com a

mesma profissão sendo exercida nas escolas extramuros.

As vozes também se repetem de forma unânime, quando perguntamos a nossas

entrevistadas, para imaginarem a seguinte situação: um aluno que frequentava a sala de aula

da prisão saiu e decidiu dar continuidade em seus estudos, na mesma modalidade (EJA), em

uma escola estadual fora do ambiente prisional. Ele teria condições de acompanhar a turma

sem grandes dificuldades? Aqui também, cem por cento das respostas foi no sentido de que

sim, o aluno conseguiria acompanhar sem nenhum tipo de dificuldade, inclusive com a

ilustração por uma das professoras, quando diz que “eu tenho um aluno no ensino médio que

eu dou aula no (Fala o nome da escola) à noite, ele é do semiaberto, mas ele frequenta a

escola fora”36

. Conforme fica claro nas próximas transcrições, outra professora indagada

sobre o mesmo assunto responde: “Consegue. Vai da mesma forma, é a mesma coisa, é

igualzinha”.

P: Vamos imaginar a seguinte situação. Você tem um aluno que ta lá no

regime fechado e chega o livramento condicional dele. Ele não foi nem pro

semiaberto foi direto pra rua. Aí ele pega lá tudo o que ele já estudou e vai se

matricular numa escola estadual no sistema EJA aqui em Corumbá. Você

acha que ele consegue acompanhar a turma?

Dagmar: Consegue

P: Consegue?

Dagmar: Consegue... consegue... eu tiro pela minha turma que consegue

sim, porque eu tento trabalhar da melhor maneira possível, eu até fujo um

pouquinho. Tô falando pra você, eu até fujo um pouquinho daquilo ali eu

vou além.

P: Você não foi a única que falou isso, fica tranquila ((risos)).

Dagmar: ((Risos)) porque eu acho que a gente pode ir além. Não que a

questão da nossa grade, matriz curricular seja insuficiente não, mas eu tento

36

O regime semiaberto não possui ensino médio, por isso os (re)educandos são liberado para estudar fora da

prisão

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aproximar mais ainda da vivência do adulto, da realidade dele, da realidade

globalizada que nós estamos vivendo. Então creio que ele está preparado

sim, só que tudo depende dele.

(Transcrição da entrevista realizada no dia 10/06/2016).

***

P: Se um aluno que sai daqui com progressão, enfim, livramento, se ele se

matricula em uma escola lá fora, ele consegue acompanhar?

Sid: Consegue. Você fala a questão do assunto?

P: Isso. Ele está no EJA aqui e vai pro EJA lá.

Sid: Que me desculpe os meus colegas, até melhor, porque eu já dei aula no

EJA lá fora.

(Transcrição da entrevista realizada no dia 17/11/2016).

Essa resposta nos faz pensar duas coisas importantes sobre a educação escolar na

prisão. A primeira delas quanto à qualidade do trabalho realizado por esses profissionais

dentro do ambiente prisional quando comparado com o trabalho desenvolvido fora das grades.

Essas profissionais têm experiências anteriores, ou atuais, dentro e fora da prisão. Mesmo

com as especificidades da educação do ambiente prisional, as professoras são unanimemente

seguras em dizer que não existe diferença na qualidade do ensino técnico dado dentro ou fora

da prisão. Durante toda investigação ficamos atento a esse dado, sempre com olhar de

desconfiança. Estávamos errados! Elas estão corretas, pois não há diferenças mesmo e o que

assegura essa equalização do trabalho da educação escolar intra e extra murus é justamente o

Contrato de Compromisso. A facilidade em dar aulas devido às proibições faz com que os

entraves encontrados fora da prisão lá dentro não existam e as aulas fluam. Importante

destacar que estamos tratando da qualidade do trabalho desenvolvido e não do seu

aproveitamento.

O segundo ponto a se pensar diz respeito à autoestima e segurança dessas

profissionais. Elasse mostram fortes e seguras nessa resposta, quando acreditam no sucesso de

seu trabalho, mesmo quando poderiam utilizar de todos os reflexos dos problemas inerentes

ao sistema prisional e transferir para o sistema a responsabilidade quanto aos resultados da

educação escolar na prisão.

Quando questionadas sobre a metodologia de trabalho e o material utilizado em aulas,

as professoras esclarecem que ambos em nada divergem daqueles que a SED instrui para as

escolas de fora da prisão. As aulas acontecem quase que na totalidade de forma expositiva e o

material (livros didáticos) também é o mesmo utilizado no EJA de fora da prisão.

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6.3 Outros achados no campo

Nos próximos parágrafos vamos tratar de outros achados do campo que apareceram no

discurso das professoras durante as entrevistas e a etnografia. Entendemos que essas

informações, quando analisadas no contexto educação escolar na prisão, ganharam força e

significado, e que por isso merecem destaques além do que tem relação direta com o objetivo

deste estudo. A organização dos dados e a respectiva análise buscam atingi-lo.

Em duas entrevistas de professoras que ministram a mesma disciplina o apelo religioso

aparece fortemente em suas falas. Uma delas justifica a escolha por dar aula em prisões pela

possibilidade de praticar caridade. Nada que envolva a educação aparece em sua fala como

motivador pela escolha em ministrar aulas em ambiente de privação de liberdade, conforme a

transcrição a seguir.

P: E porque que você escolheu trabalhar no presídio?

Ariel: Porque é um desafio. E curiosidade. Não vou mentir. Desafio e

curiosidade. E assim... como que posso falar para você? Envolve também

religião.

P: Porque religião?

Ariel: Porque religião? Porque eu vou.… olha só, um lugar onde eu posso

trabalhar com a minha caridade, que eu posso trabalhar com a minha

paciência e que eu vou ganhar ainda por isso.

P: Qual religião você professa?

Ariel: Eu sou espírita.

P: Espírita? Bacana.

Ariel: Então, olha que coisa boa.

(Transcrição da entrevista realizada no dia 18/11/2016).

A outra professora, que se identifica como católica, durante toda entrevista fala de

Deus e relata que faz orações todos os dias antes de iniciar as aulas. Ela trata isso com a maior

naturalidade. Em diversos momentos da entrevista eu retomo o assunto religião e a professora

afirma que tem o posicionamento de iniciar as aulas sempre com uma oração, tanto nas salas

de aula da prisão quanto nas salas de aula de outras escolas que ela também leciona. Insisto no

assunto e questiono sobre possíveis problemas com alunos, pais de alunos (nas escolas foras

da prisão), professores, coordenadores e diretores pelo fato das orações serem uma prática

problemática em instituições laicas. Ela é enfática em dizer que nunca teve nenhum entrave e

que continuará a orar.

P: O que você identifica de positivo?

Samira: Eu gosto de... o que eu falo de positivo é o interesse, a dedicação,

eu falo para eles, dedicação, fé, que eles estão tendo comigo porque eu faço

oração. E muito deles estão falando que eles não querem. Quando eu entrei a

primeira coisa que eu fiz, eu perguntei, “o quê que você quer ser depois que

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você formar, tirar o seu ensino médio? ” “Professora, eu quero ser um

psicólogo”, “eu quero ser advogado”, aí teve só dois que não sabiam, os

outros adolescentes de 19 anos não sabiam o que queriam ser, mas até agora

eu fico perguntando, “e aí? Já decidiu?

P: Quando você faz oração com eles, todos fazem?

Samira: Os que não são católicos ficam quietos, mas o Pai Nosso universal

eles rezam.

P: Pai Nosso universal.

Samira: Agora distribuí o Salmo para cada um tirar, “o quê que Deus está

falando para você”, cada um tirou, me deu para ler, eu leio ou eles leram

também. Até as professoras leram comigo.

P: E não teve nenhum problema com nenhum deles?

Samira: Nenhuma restrição. Não.

P: Nenhuma restrição, nada?

Samira: Não, não. Não porque eu faço assim, como se nós estivéssemos

conversando, “olha, vamos ver o quê que Deus está falando com você”, abri

minha bolsinha, tirei, dei para cada um deles. Aí tem gente que pensa que é

uma realidade aqui dentro, mas não é, gente. Eu não sei explicar, mas acho

que é muito Deus, muito Deus mesmo. E é de boa aqui viu Clayton? De boa

mesmo.

(Transcrição da entrevista realizada no dia 10/06/2016).

Os dois fragmentos são apenas amostragens do tanto que religião e Deus aparecem na

fala, especificamente, dessas duas professoras que ignoram a laicidade e a liberdade religiosa

reconhecida ao Estado Democrático ao qual vivemos na atualidade, trazidas na CF vigente. É

importante destacar que esse forte apelo religioso no contexto que pesquisamos não é uma

particularidade da educação escolar na prisão. Outro ponto importante é o fato da professora

ter o apoio do grupo, como ela afirma que “até as professoras leram comigo” (referindo-se a

leitura de Salmo).

Devido à fronteira com a Bolívia e o forte índice de crimes ligados ao tráfico de

drogas, problemas com a língua estrangeira também aparecem na fala das entrevistadas. Em

uma das tardes, durante o intervalo, a diretora da UP feminina veio até a área da educação

escolar e ficou durante algum tempo conversando comigo e com a professora. Neste momento

me relataram um curioso fato ocorrido nos dias anteriores.

Durante abordagem policial, duas estrangeiras chinesas foram presas por

envolvimento em crime e por utilizarem documentação falsa (documentação como se fossem

bolivianas). O fato de terem o biótipo completamente oposto ao da nacionalidade que o

documento falso lhe atribuía já foi motivo para uma pequena descontração no bate-papo, mas

o mais interessante estava por vir. Elas me relataram que as chinesas não falavam nenhuma

outra língua senão o chinês. Além disso, que nenhum tipo de comida que era oferecido a elas

era aceito, pois elas sempre faziam cara de nojo e recusavam, mas alisavam a barriga tentando

demonstrar que estavam com fome.

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A direção, juntamente com o auxílio da professora, utilizando-se de um tradutor on-

line, e escreveram a seguinte frase em português: “Que tipo de comida você gosta?”. Depois,

traduziram para o chinês, imprimiram a tradução e, juntamente com figuras de comidas

previamente selecionadas, mostraram para as (re)educandas chinesas que sorriram e

apontaram para os alimentos eleitos para o consumo, demonstrando forte apreço pelo ovo.

Assim, as comidas passaram a ser feitas para atender a especificidade cultural das duas

(re)educandas, de forma que não ficassem mais sem se alimentar, como vinha ocorrendo nos

primeiros dias de reclusão.

Toda a especificidade quanto à cidade e, consequentemente, à língua, reflete

diretamente na formação e atuação das professoras, conforme poderemos verificar nesta outra

passagem que também envolve entrave com a língua estrangeira.

Cleomar: Como educadora aqui a gente vive várias experiências né! Tanto

para o meu crescimento quanto pros alunos. Antigamente eram mais alunas

estrangeiras, né? Então.

P: Estrangeira, boliviana?

Cleomar: Boliviana. O primeiro contato que eu tive, pensei... “não vou dar

conta”. Parei e falei pra coordenadora, infelizmente acho que eu não vou

ficar. Aí ela me disse (a coordenadora): “Vai sim, vai dar conta porque aqui

você vai trabalhar nossa língua”. Foi uma experiência bem dolorida né! O

primeiro contato, uns 03 meses pra mim, pois elas não falavam nada de

português e eu nada de espanhol né!

Me esforçando fui pro curso pra fazer espanhol, fui me aprimorar porque

falei, fui em busca aprendi um pouco ai a hora que eu vi que eu tava

dominando a sala né! Aí falei agora sim, mas aí já tinha entrado na minha

também eu falando português, português, português com elas né é! É muito

bom porque eles não ficam só entre eles mistura né! La dentro eles colocam

com brasileiro, então elas são forçadas a falar. (...) mas tem bastante que

resiste a língua né, mas aí foi bom, fui trocando com elas assim né, com elas

fui aprendendo o espanhol também e o trabalho correu...

P: Entendi...

Cleomar: Teve anos que só tinha estrangeiro só tinha boliviana entendeu,

mas daí uma auxilia a outra, elas falavam uma coisa que eu não entendia,

perguntava pra outra o que que era né? Daí ia pro dicionário ver o que que

era, e foi gostoso, foi muito bom o trabalho. Agora não, esse ano mais que eu

tenho é só brasileira mesmo, tem uma francesa.

P: Uau...

Cleomar: Uma francesa, e ela fala bem o português ela entende muito bem

o inglês. Na sala de aula ela fala muito bem português porque convive aí

então é uma troca de experiência fantástica.

(Transcrição da entrevista realizada no dia 10/06/2016).

Os desafios narrados na transcrição anterior fizeram com que a professora voltasse

para escola para aprender uma nova língua para melhorar seu desempenho enquanto

professora de um público específico. O envolvimento e comprometimento destas profissionais

com a tarefa de ensinar, mesmo sem formações iniciais ou continuadas, precisam ser

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reconhecidos. Ações como o da professora que auxiliou as (re)educandas chinesas, da

professora Cleomar e da professora Donizete, que a seguir será transcrita, faz com que

reconheçamos nessas profissionais o engajamento tão necessário no espaço que pesquisamos.

P: Me fale do seu projeto, por favor. ((risos))

Donizete: Então, inclusive a gente assim, quer fazer projetos lá dentro só

que têm coisas que não dá para fazer. A ideia foi fazer um jardim lá no

feminino com garrafa pet, não sei se você já viu, tem bastante imagem na

internet assim, em volta assim do jardim em forma de borboletas, de flores, e

aí a gente planta florzinha. Aí eu falei, “eu queria dar um ar mais colorido ali

para aquele estabelecimento”. E aí a gente está iniciando. Então a gente já

começou essa semana a fazer, não temos material nenhum, essa é uma

grande dificuldade acho que de todo professor em qualquer rede, tudo tem

que sair do nosso bolso.

P: É.

Donizete: Né? Então é isso que a gente vem trabalhando no projeto lá. E

agora a gente vai ter uma feira cultural e eu estou trabalhando, estudo sobre

o MS com o ensino médio e a gente está fazendo, estudando um pouquinho

da cultura sul mato-grossense, a culinária, e a gente vai apresentar, até estou

trabalhando com eles uma caixinha de madeira que foi feita no masculino

fechado.

(Transcrição da entrevista realizada no dia 18/11/2016).

Não menos importante e tão relevante na empreitada da educação escolar na prisão

está a fala e ação da professora Nadir, quanto sua experiência inicial com a educação escolar

em ambiente de privação de liberdade quando da implementação da sala de aula na UP.

Nadir: Então existia uma dificuldade de aceitação de uma sala de aula no

semiaberto. O contingente de agente aqui é bem pequeno. Então no início eu

tive uma certa dificuldade. Mas aí depois ficou tudo muito tranquilo, as

coisas foram se encaixando.

P: Teve uma certa dificuldade com o corpo de segurança?

Nadir: Com o corpo de segurança.

P: Porque você está tirando a rotina?

Nadir: Está tirando a rotina deles. E isso para mim foi muito difícil. E pra

mim... e se tornou um desafio. Então eu tinha que conseguir vencer naquele

ano. Entendeu? Eu tinha que mostrar para eles que aquilo era uma coisa boa.

Isso foi muito gratificante para mim. E hoje... assim, hoje eu tenho um

contato muito bom com eles, hoje tem uma aceitação maior.

(Transcrição da entrevista realizada no dia 18/11/2016).

A professora Nadir narra seu impasse como uma das primeiras professoras da

educação escolar no regime semiaberto, o que naquele momento era uma novidade. Além de

ser novidade ruim aos olhos do corpo de segurança, ela estava adentrando em um espaço com

poucos servidores o que potencializava sua rejeição. Ainda assim ela continuou e na

atualidade tem um bom relacionamento com os servidores daquela UP.

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Quando tratamos sobre as motivações que levaram as professoras para dentro da sala

de aula na prisão, importante o fato de dois vocábulos apareceram separadamente ou juntos na

fala das 15 professoras: desafio e/ou curiosidade. Todas as professoras quando questionadas

sobre os motivos que as levaram a se inscrever para concorrer a uma das vagas de professor

no ambiente prisional, responderam que foram motivadas pela curiosidade ou pelo desafio,

como mostra os 02 fragmentos de entrevistas próxima.

P: E como que mesmo com esse pensamento errado você se submeteu ao

processo seletivo pra dar aula aqui... porque?

Ivanir: Desafio.

P: Desafio?

Ivanir: Pra testar meu conhecimento, testar meu limite né?

P Uhum...

P: A gente testa nossos conhecimentos, nossos limites pra ver até a onde a

gente consegue e se a gente é capaz.

(Transcrição da entrevista realizada no dia 10/06/2016).

***

P: Porque trabalhar no presídio professora?

Francis: Olha, eu não. Eu fui pela primeira vez por experiência, pela

curiosidade de saber como era. E assim, eu não encontrei dificuldades. A

questão do contato com os alunos, com as alunas eu não tenho dificuldade

com elas em si, né?

P: Uhum.

Francis: Com eles em si, mas era mais por curiosidade de saber como que

era trabalhar dentro do sistema prisional.

(Transcrição da entrevista realizada no dia 18/11/2016).

A resposta das professoras quanto à motivação de dar aulas em ambientes prisionais

quando analisada juntamente com suas respostas serenas sobre a falta de formação para aulas

no mesmo ambiente nos faz concluir que nossas entrevistadas realmente não são inocentes

quando externam suas falas quanto a não formação. Aqui elas reconhecem a curiosidade e o

desafio como motivadores em dar aulas na prisão, elas sabem que aquele ambiente é

permeado de especifidades e que uma formação robusta se faz necessária a seus professores.

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7. ANUNCIANDO PERSPECTIVAS

O presente trabalho além de desvelar os significados e sentidos das professoras

entrevistadas buscou também identificar possíveis mudanças no sentido de melhorar o

desenvolvimento da educação na prisão. Assim diante do que foi observado e os resultados da

pesquisa, necessário se faz algumas proposições para que o labor diário dos professores da

sala aula da prisão apresente melhores resultados.

Considerando a constatação de que as professoras entrevistadas não possuem força

para externar criticamente suas vozes, visto que são contratadas e recontratadas a cada

semestre, a primeira de todas as sugestões é a de que os professores que atuam dentro do

ambiente prisional de MS precisam ser servidores de carreira da SED, devidamente investidos

em concurso público e com a segurança de que no próximo semestre continuarão a ser

professores. A sugestão aqui não é no sentido de que seja feito um concurso público

específico para atuação em prisões, não é esta a proposta. A perspectiva é de que professores

já concursados e do quadro da SED, de maneira paulatina comecem a assumir as aulas dentro

das UPs e que a figura do professor com contrato precário deixe de existir naquelas salas de

aula.

Uma vez que o professor se identifique e se adapte com as aulas no ambiente prisional,

ali então ele deverá permanecer de forma a exercer a sua professoralidade de maneira

contínua, e a cada ano agregar mais experiências. Caso o professor não tenha perfil (professor

problematizador/questionador, atento aos excessos do Contrato de Compromisso, ciente da

necessidade de múltiplas metodologias educacionais, entre outras características) para

lecionar dentro das salas de aula da prisão, ele será transferido para uma escola fora da prisão

sendo substituído por outro também do quadro efetivo.

O dado de que os professores atuantes em prisões no MS receberem 50% a mais de

salário (risco de vida) não pode ser ignorado neste contexto. Esse plus faz com que o

professor se dedique ainda mais ao seu trabalho para continuar a laborar com (re)educandos e

manter o seu salário acima da média paga fora das prisões. Caso esses professores sejam de

carreira, esse adicional de forma indireta fará com que o trabalho dos professores seja

desempenhado sempre buscando a excelência, pois visariam a permanência naquele local

laborativo.

Considerando que a falta de formação aparece fortemente nas vozes das entrevistadas,

sugere-se que, uma vez atendida a sugestão para que os professores sejam do quadro efetivo

da SED, seja ofertado a eles “Especialização para Educação de Jovens e Adultos em

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ambientes de privação de liberdade”. A SED em parceria com a UEMS já oferece aos

professores efetivos da rede estadual uma série de especializações. A parceria entre as duas

instituições é antiga e busca a formação e capacitação dos profissionais da educação estadual.

A UEMS para o ano de 2017 oferece 394 vagas em 06 editais para especializações na área de

educação em parceria com a SED. O edital traz que o processo seletivo destina-se a selecionar

professores efetivos da rede pública estadual, para a qualificação em curso de pós-graduação

lato sensu na área educacional por meio do estudo e da pesquisa. Segundo o site da SED37

:

As pós-graduações lato sensu tem se configurado atualmente como rica

alternativa frente às novas demandas impostas pela sociedade

contemporânea no campo profissional.

Pensando nisso, e tendo como foco o incremento qualitativo e quantitativo

no âmbito da educação pública estadual, a Secretaria de Estado de Educação

de Mato Grosso do Sul em parceria com a Universidade Estadual de Mato

Grosso do Sul - UEMS promove a oferta de 06 (seis) cursos voltados às

diferentes áreas da educação.

Compostos por corpo docente qualificado, os cursos oferecidos foram

idealizados levando em consideração o contexto escolar da rede estadual de

ensino tendo como objetivo a aprendizagem, a pesquisa, a autoria e a

emancipação crítica do indivíduo. Convictos acerca da importante missão do

professor, como formador de uma sociedade melhor e mais justa, esta

Secretaria de Educação acredita que uma educação pública significativa,

começa com uma boa formação de seus educadores (MATO GROSSO DO

SUL, 2017).

As áreas contempladas com especializações para o ano de 2017 são: “Educação

Científica”, “Linguística: a ciência da língua”, “Educação Especial - Deficiência

Auditiva/Surdez”, “Multiletramentos e Processos Autorais na Educação Básica”, “Currículo e

Diversidade: Gênero, Raça e Etnia” e “Educação Especial Deficiência Intelectual”. Os cursos

são realizados de maneira decentralizada em 04 cidades do estado, o que facilita a

participação dos professores de todas as regiões do MS.

Observa-se que a possibilidade de formação de especialistas em EJA para educação

em ambientes de privação de liberdade existe e traria a esses professores uma

complementação significativa em suas formações. Os conhecimentos que os professores

atuantes na educação escolar na prisão trocariam durante a realização da referida

especialização seria o diferencial do curso, fazendo com que teoria e prática se alinhassem

durante a realização do curso. Em longo prazo a Escola Polo Betine poderia ter em seu

cadastro de professores todos aqueles que realizaram a sugerida especialização e possuem

37

Disponível em: http://sistemas.sed.ms.gov.br/pesquisa/uems/. Acessado em 03/02/2017.

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interesse em lecionar na prisão para então lotar em suas salas de aulas preferencialmente os

especialistas na área.

Considerando que a Escola Betine reconhece que a formação inicial (quando o

professor é lotado na sala das prisões) nas cidades do interior, é inexistente e feita apenas com

encaminhamento de e-mails esclarecendo o que pode e o que não pode, sugere-se que

aconteça de forma decentralizada a mesma formação inicial que acontece na capital. Para tal

formação não se faz preciso um número grande de formadores que pudesse inviabilizar

financeiramente a formação nas cidades do interior. É possível ainda que a formação aconteça

em cidades geograficamente favorecidas facilitando o deslocamento das professoras atuantes

nas cidades próximas para o polo da formação.

Essa formação precisa ser pensada conjuntamente entre a SED e a AGEPEN de modo

a contemplar questões pedagógicas e de segurança. É preciso que os formadores sigam o

mesmo diálogo dentro de sua área de atuação. Não é mais possível que essa formação seja

feita apenas por um pedagogo ou apenas por um agente penitenciário, pois as contribuições

dos dois profissionais se completam. Os profissionais de educação precisam ter em sua

formação vertentes pedagógicas e vertentes de segurança; é necessário mostrar de uma vez

por todas o papel da segurança na garantia de direitos e sua participação no processo de

(re)socialização, e não apenas na função de enclausuramento, assim como é preciso retirar o

peso da (re)socialização das costas do professor, mas fazê-lo entender também que as

questões de segurança podem e devem estar presentes em sala de aula.

Outro ponto que merece atenção diz respeito aos servidores penitenciários

responsáveis pela educação dentro de cada um dos presídios. Como dito anteriormente em

nosso texto, a Divisão de Educação, subordinada a DAP atua de forma compartilhada com a

Escola Polo Betine, sendo um facilitador dentro do sistema prisional, mantendo contato

telefônico e via e-mail, durante todo o tempo, com a Escola Polo Betine e as UPs, sendo que

dentro das UPs, existem servidores responsáveis pela educação escolar na prisão que deverão

preferencialmente ser da área de Assistência e Perícia.

Ocorre que nem sempre é possível que estes servidores sejam da área de Assistência e

Perícia (atualmente dos 27 servidores 08 não são da área). O servidor precisa ser da área

específica para que o desempenhar do seu labor além de competente seja técnico e com

melhores resultados. Designar um profissional da área citada é ter a certeza que a educação

será acompanhada por um Assistente Social ou Psicólogo que inegavelmente durante sua

graduação estudou temas transversais da educação além de no curso de formação da

AGEPEN ter sido formado com a visão voltada para educação escolar. Designar um servidor

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de uma das outras áreas (Administração e Finanças ou Segurança e Custódia) por mais boa

vontade que ele tenha, é correr o risco de não ter um trabalho técnico o que pode

comprometer os resultados finais da educação escolar, devido sua formação ampla e diversa

daquela que se espera de um responsável pelo setor de educação.

Além do mais, esses profissionais também precisam passar por formações específicas

para sua atuação, uma vez que além do trabalho burocrático administrativo esses servidores

são responsáveis por dirimir possíveis conflitos entre professores, coordenadores e agentes

penitenciários.

Considerando que em algumas UPs a falta de estrutura física e material é revelada na

fala das entrevistadas, sugerimos uma ação por parte da AGEPEN e parceiros, buscando

minimizar tais problemas. A AGEPEN começou a estruturar seus setores responsáveis por

projetos e engenharias que por si só poderiam iniciar o mapeamento das UPs com falta de

estrutura no tocante ao espaço educacional, e desenvolver ações para resolver tal demanda.

Somado a isso, tendo em vista que a educação escolar está intimamente ligada a remição de

pena que está linkada com a (re)socialização, as parcerias com os Conselhos das

Comunidades locais bem como com as Varas de Execuções Penais, são alternativas para

captação de recursos e aplicação nas melhorias necessárias nos espaços educacionais e no seu

aparelhamento.

Considerando que o Contrato de Compromisso do professor com a escola silencia e

apaga vários temas de suma importância na educação escolar na prisão, sugere-se e propõe

que seja fomentada a pesquisa das atividades desenvolvidas naquele ambiente em especial nos

temas que tratam de currículo e processos pedagógicos, visto que o contexto proíbe que os

professores saibam da história do aluno, e não se sabe ao certo qual o tamanho dos prejuízos

desta proibição na formação do alunado nos presídios. Um ponto a ser revisto na sua

totalidade com o desenvolvimento das pesquisas é justamente o Contrato de Compromisso,

para que as disposições deste documento deixem de apagar pontos importantes da atuação

pedagógica e passe a contemplar ações que efetivamente se coadunem para o fim a que foi

proposto. Isso só pode ser feito de forma correta quando segurança e educação estiverem de

mãos dadas com olhar voltado para (re)socialização.

As considerações e sugestões traçadas neste capítulo caso sejam entendidas como

válidas e postas em prática são apenas ações iniciais de um longo e constante processo de

adequação e amadurecimento do ensino em ambientes de privação de liberdade. A aplicação

das possíveis melhorias sugeridas permitirá o alinhamento da prática e teoria e fará com que

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outros pontos frágeis apareçam como novos desafios de mudanças para um constante

aperfeiçoamento da educação escolar na prisão.

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8. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Buscou-se com a presente pesquisa compreender como as professoras que atuam em

UPs de Corumbá, Mato Grosso do Sul, significam e dão sentido a educação escolar na prisão

nos ambientes que atuam. O que a pesquisa visou foi a descoberta de novos conceitos, novas

relações, novas formas de entendimento e interpretação da realidade escolar na prisão.

Baseou-se na observação e levantamento de hipóteses, onde o pesquisador procura descrever

o que na sua visão/interpretação, (com sua presença física) estava ocorrendo no contexto

pesquisado.

Considerando que o objetivo deste estudo foi atingido, a metodologia empregada se

mostrou adequada. O objetivo principal foi atingido quando nas entrevistas aplicadas somada

a etnografia conseguiu-se identificar os significados e sentidos das professoras participantes

sobre a educação escolar na prisão. Os 05 objetivos específicos foram organizados na tabela a

seguir sendo todos também atingidos. O resultado descrito no campo “Resultado Obtido” é

apenas uma amostragem direta e objetiva de que a pesquisa conseguiu atingir aquilo que se

propôs inicialmente.

OBJETIVO ESPECÍFICO RESULTADO OBTIDO

Descrever a especificidade da

educação escolar no sistema

prisional de Corumbá/MS.

Quantificação de dados sobre a educação escolar no

estado de MS; descrição dos espaços estruturais

escolares das 03 UPs estudadas na cidade de

Corumbá, seus pontos positivos e negativos;

individualização das professoras atuantes nestes

espaços bem como as particularidades de todo o

ambiente descrito ao longo do texto.

Compreender como ocorre o

processo de educação escolar dos

(re)educandos.

Constatação da EJA como forma de ensino; as

peculiaridades dos processos de remição de pena pelo

estudo bem como com o apelo religioso que apareceu

durante a pesquisa; a fronteira entre a cela e a sala de

aula quando as professoras percebem os

(re)educandos apenas como alunos e nada mais, como

se fosse possível apagar o seu passado.

Identificar a existência ou não de

necessidades de melhorias e

mudanças na educação escolar na

prisão e principais desafios para

Constatação da necessidade de melhorias estruturais;

necessidade de que as professoras atuantes sejam

concursadas e que passem por uma formação mais

robusta, incluindo curso de Especialização;

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uma potencialização de resultados. necessidade de se rever o Contrato de Compromisso;

Analisar se os objetivos da

educação escolar na prisão são

atingidos na visão das professoras

Na fala das professoras apareceu o reconhecimento

que o aluno da educação escolar na prisão consegue

acompanhar as aulas de uma escola de fora da prisão,

inclusive citando alunos que já conseguiram saíram da

prisão e continuaram seus estudos com

aproveitamento fora do cárcere;

Identificar os principais fatores

que garantem os resultados da

educação escolar na visão das

professoras.

O fator principal que aparece como garantia dos

resultados positivos é a disciplina, ao passo que

aquele que contribui para que os resultados não sejam

positivos aparece a busca apenas pela remição bem

como a falta de estrutura física (dependendo da UP).

Tabela 02 – Esquema relacional entre os objetivos específicos e resultados alcançados.

Fonte: Elaborada pelo autor.

É preciso retomar alguns pontos para que não seja esquecido o que de mais relevante

foi percebido durante as entrevistas. Educação, tanto na prisão, quanto fora dela, é direito

previsto na legislação brasileira e o recolhimento temporário de alguém ao cárcere não lhe

retira esse direito. É preciso desconstruir a ideia que dar aula na prisão é bom, pois é um

momento de prática de caridade. Educação não é caridade, esse discurso precisa deixar de

existir para que não mais apareça na fala de professoras como apareceu em uma de nossas

entrevistas.

Observou-se que em vários momentos as professoras minimizaram em seus discursos

todas as especifidades da sala de aula de dentro da prisão, assim minimizaram a necessidade

de uma formação prévia e continuada e, com isso, não criticaram a instituição que as contrata

e recontrata sem uma formação mais adequada, onde as especificidades possam ser realmente

abordadas. Não criticando a instituição, a possibilidade de recontratação é supostamente

aumentada uma vez que não existe uma prática e um posicionamento contrário às ordens

estabelecidas.

Minimizaram as especificidades daquele ambiente como se não existissem ou não

tivessem que ser levadas em consideração no processo da educação. Com isso, observou-se

que a justificativa no discurso das professoras para não ter medo de seus alunos é o fato do

cometimento de crime ter ocorrido “lá trás, lá fora”. Como se a reclusão e a atualidade dos

dias tivessem tirado daquele (re)educando suas marcas que eventualmente pudesse lhe

despertar algum tipo de temor. Isso demonstra que no imaginário daquela professora existe,

além da fronteira simbólica da cela para a sala, isto é, quando as professoras percebem os

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(re)educandos apenas como alunos e não como pessoas em privação de liberdade, uma

temporalidade distinta, o sujeito do passado, de fora da prisão, do de agora, aluno na prisão.

A temporalidade descrita no parágrafo anterior segue no discurso das professoras

quando elas justificam a postura do agente penitenciário, pois “ele tá trabalhando com preso

né?”. Como se o público que o agente penitenciário faz a guarda e segurança e o público que

ela, professora, leciona fossem públicos diferentes em ambientes distintos. Elas trabalham

com (re)educandos assim como ele. O apagamento do crime é uma característica forte, pois

como a orientação é não saber o que o aluno fez, e tratar (re)educando apenas como aluno,

parece que elas não estão trabalhando com (re)educandos e esse cuidado não pertence a elas.

Além disso, a atividade da segurança, que está intimamente ligada à disciplina, é

colocada como superior a atividade educacional, inclusive na fala de uma das professoras

quando questionada sobre a relação que elas mantem com os agentes penitenciários afirma

que “o espaço não é nosso, porém eles são nossos parceiros”. Segurança tem a ver com

disciplina, e um dos motivos da facilidade em dar aulas na prisão é o fato da disciplina não

ficar a cargo das professoras, como ocorre nas escolas de fora da prisão. Assim, a disciplina

parece ser um valor que diferencia a educação no sistema e a de fora dele. Ela faz com que as

professoras se identifiquem com a sala de aula na prisão. Essa é uma das características que

permitem o significado e o sentido de que é mais fácil trabalhar nas UPs que em salas fora

delas.

Uma das entrevistadas, se referindo a uma briga de dois alunos no dia anterior a

entrevista, enquanto o gravador estava desligado, revela que caso fosse em uma escola fora da

prisão, ela não aceitaria os alunos novamente em sala de aula sem pelo menos uma

advertência ou suspensão. A postura desta professora, de pelo menos externar seu

posicionamento quanto à indisciplina no ambiente educacional, é uma postura diferente das

observadas naquele espaço, uma vez que está cristalizado naquele meio que a disciplina está

fora do alcance das professoras. No exemplo deste parágrafo é algo ruim, pois a professora

nesse contexto perde o direito de falar e ser ouvida, mas nos parece que na maior parte é algo

bom, pois é uma responsabilidade a menos para elas.

Segundo o PPP, a Escola Polo Betine acredita na EJA mais flexível e integrada com

uma maior participação dos professores, alunos e da comunidade escolar na organização,

gerenciamento, atividades, sendo importante aprender e não impor um padrão único de

ensinar (2014, p.30).

O transcrito no parágrafo anterior não coaduna com o Contrato de Compromisso que a

mesma Escola Polo Betine faz os professores assinar antes de entrar em sala de aula. Como

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dito anteriormente, o documento traz uma série de proibições e limitações nas atividades

docentes. Durante as entrevistas, nenhuma das professoras externou discordância com as

recomendações listadas.

É inegável que o fato dos professores atuantes na educação escolar das prisões de MS

serem contratados e não efetivos reflete em todo engendramento da educação escolar, mas

culpabilizar fortemente este fato mostra-se um tanto quanto frágil. As regras contidas no

Contrato de Compromisso que os professores são obrigados a assinar aparentemente são

igualmente danosas à educação escolar na prisão do que o fato da relação de trabalho se dar

via contratação. Se, de um lado as professoras são vítimas de um contrato de trabalho

precário, a despeito da porcentagem salarial acrescida, de outro parecem se sentirem

privilegiadas quando analisamos o que precisam cumprir do Contrato de Compromisso. O que

se desvela no discurso das entrevistadas é que aparentemente elas estão sendo beneficiadas

por essas regras, pois elas externam que é muito melhor trabalhar na prisão do que fora dela.

Nas salas de aula fora da prisão, por não existir essas regras, o professor adoece, é

questionado, intimidado, fica sendo pressionado por todos os lados.

As especificidades de ontem da educação escolar na prisão não são as mesmas de hoje

e não serão as mesmas de amanhã. Os avanços nesse campo precisam ser reconhecidos, mas,

além disso, é preciso ter em mente que existe um longo caminho a percorrer e compreender. É

preciso ao menos tentar resolver as limitações do presente, compreender o caminho para que

os passos se acelerem e que no futuro a educação escolar contribua para além da remição de

pena e auxilie ainda mais na (re)socialização e melhoramento da qualidade de vida de pessoas

tão estigmatizadas e marginalizadas. Para isso, parece-nos fundamental compreendido o

significado e sentido que as professoras têm da educação escolar na prisão, afinal, há neste

estudo elementos que podem nos fazer prosseguir nesse desafiador caminho.

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ANEXOS

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EDUCAÇÃO ESCOLAR NA PRISÃO: A PERCEPÇÃO DOS PROFESSORES/AS ATUANTES NO SISTEMA PRISIONAL DE CORUMBÁ, MATO GROSSO DO SUL1

Clayton da Silva Barcelos2

RESUMO

Propõe-se com a presente pesquisa de mestrado estudar a percepção que os professores/as atuantes no sistema prisional da cidade de Corumbá (MS) têm em relação à educação escolar oferecida no sistema prisional local, através de entrevista semiestruturada, que será aplicada aos professores/as que atuam dentro dos estabelecimentos penais da cidade (1 - Estabelecimento Penal, 2 - Estabelecimento Penal Feminino, 3 - Estabelecimento Penal de Regime Semiaberto, Aberto e Assistência ao Albergado e 4 - Estabelecimento Penal de Regime Semiaberto, Aberto e Assistência a Albergada). Para análise dos dados que irão emergir com a entrevista semiestruturada será utilizada os ensinamentos da Análise do Discurso (AD). Somado a isso, utilizaremos a Etnografia do espaço destinado à sala de aula dentro dos estabelecimentos penais, nas reuniões realizadas pela Secretaria Estadual de Educação com o corpo docente, bem como eventos importantes dentro do calendário escolar. Espera-se com os resultados da investigação proposta, e ao tornar público tais informações, desmistificar o pré-conceito de que penitenciárias são apenas lugares onde a repressão e a coação são a tônica e, assim, subsidiar discussões que contribuam para o desenvolvimento e compreensão da educação escolar de maneira transformadora dentro do sistema prisional.

Palavras-chave: Direitos. Educação. Prisão. Professor. Reeducação. Segurança.

INTRODUÇÃO

O sistema penitenciário é um misto de temor e curiosidade para a sociedade. Muito se

fala, muito se discute e ainda mais se critica. Escarnecemos com as atrocidades cometidas por

“bandidos sem coração”. Às vezes até nos admiramos com sua “audácia”. Lembramos sempre

das muralhas altas e cinzentas, das cercas elétricas, dos guardas e seus trejeitos truculentos, e

de presos com cara de mal nos espreitando com os olhos entre as grades. Mas o que realmente

sabemos sobre o sistema penitenciário? (SERRADO JUNIOR, 2009).

(Re) educandos/as não são crianças e também não são quaisquer adultos. O (re)

educando que tratamos agrega duas especificidades. A primeira delas quando se vê obrigado a

se reeducar/reintegrar dentro de um sistema penal, devido ao cometimento de crime, e num

1 Projeto de pesquisa orientado pelo Professor Doutor Tiago Duque, na Linha de Pesquisa: Formação de Educadores e Diversidade; Área de Concentração: Educação Social, do Programa de Pós-Graduação em Educação, curso de Mestrado do Campus do Pantanal da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul/UFMS. 2 Aluno Mestrando do programa descrito na nota 1.

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segundo momento quando dentro desse sistema de cumprimento de pena se torna aluno e

passa a ser um educando/aluno adulto trazendo consigo todas as experiências de vida.

O adulto não é uma criança, não age nem raciocina como criança, provavelmente aprende por mecanismos pelo menos em parte diferentes dos das crianças. O educando adulto traz necessariamente uma experiência de vida e um aprendizado que fazem com que ele seja um igual ao educador. (BRITTO, 2003, p. 202).

Desta forma, os/as professores/as que se propõem a lecionar neste âmbito têm que,

minimamente, reconhecer essa especificidade. Não se trata de preconceito, e sim de uma

avaliação necessária sobre quem são os/as alunos/as, como aprendem, o que ensinar, como

portar-se, quais os objetivos com a apresentação de determinado conteúdo e como o aluno vai

receber essa informação.

A educação, em todos os contextos, é assunto sério demais para ser tratada de

qualquer forma, sem acompanhamento rigoroso da qualidade e dos objetivos almejados e

alcançados. Considerando que a educação no sistema penitenciário, tem sua função ampliada,

para além da educação formal. Não é fácil e nem óbvio que esse intento se concretize, afinal

As precárias condições do sistema penitenciário brasileiro são amplamente conhecidas e destacadas em inúmeros relatórios de organismos nacionais e internacionais da defesa dos direitos humanos. Superpopulação carcerária, ausência de individualização da pena, dificuldades de acesso à defesa e a outros direitos estabelecidos na Lei de Execuções Penais são situações corriqueiras nas prisões do Brasil (WOLFF, 2007, p. 15)

Somado a isso a educação oferecida no sistema penitenciário vem sendo realizada de

forma frágil, isolada, e desarticulada, sem que atinja os objetivos pretendidos. Isso é apontado

por Duarte, com base em Andriola, quando fala da falta de formação teórica que fundamente a

prática nos presídios e que

em suas pesquisas evidenciou imenso despreparo entre os docentes. Há na realidade uma formação acadêmica que pouco ou nada prepara o professor para atuar nessa área tão específica. Quando esses professores são contratados, muitas vezes apenas recebem algumas orientações gerais, sem grandes detalhes, tendo que se limitar ao que é permitido. Nesse viés, qualquer pratica de autonomia ou que envolva sua criatividade, sofre o risco de ser reprovada. (2013, p. 32).

Em relação à citada desarticulação, Onofre, a partir dos seus estudos, detectou que:

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Para os professores, a integração com os profissionais da segurança, saúde, psicologia, assistência social não ocorre, uma vez que não há aproximação nem preocupação com o trabalho dos outros e segundo eles, inexiste uma proposta educativa a ser desenvolvida pela equipe de reabilitação em busca da reinserção do preso à sociedade. (2009, p. 235).

Acredita-se que no âmbito do sistema penitenciário, “ensinar é trabalhar com seres

humanos, sobre seres humanos, para seres humanos” (TARDIFF e LESSARD, 2005, p. 31).

Dessa forma, o/a professor/a necessita de características e formação próprias além de

administrar a relação com a equipe de segurança que muitas vezes trava uma verdadeira

competição com a equipe de professores/as. Conforme nossa experiência prévia com o tema

deste estudo3, muitas aulas deixam de acontecer porque há suspeita de rebelião ou qualquer

outro tipo de instabilidade no que se refere ao cotidiano da segurança nos estabelecimentos

penais, além disso, entre outros desafios não comuns as salas de aula fora dos presídios, há

interpretações de que (re) educandos/as com mau comportamento não podem estudar.

Toda essa realidade torna-se ainda mais desafiadora para a educação escolar na

prisão quando compreendemos as especificidades da educação no sistema prisional, muito

bem apontadas por Serrado Junior (2009). Para este autor, essas especificidades a

distingue das demais modalidades de ensino, inclusive da EJA formal (pensada para atender as necessidades populares), porque vai além do conteúdo por ela oferecido e, principalmente, não parte exclusivamente da necessidade desta população específica (apesar de ser o principal objetivo), mas sim da necessidade proposta pelo Estado para ser cumprida pelo sistema penitenciário que é fazer com que o sujeito cumpra sua pena e de alguma forma não volte a reincidir na prática delituosa. (2009, p. 28).

Para que as mudanças ocorram, entre transformações político-estruturais do próprio

sistema penitenciário para além da atuação docente, os professores também devem se unir em

prol desta questão, de modo que as concepções de cultura, saberes, competências e práticas

sejam uníssonas, assumindo uma postura coesa, com identidade própria, consciente e

reflexiva. Tardif e Lessard (2005) ressaltam que frequentemente esquecemos que a educação,

assim como a indústria, o sistema hospitalar, e o sistema penitenciário

3 Este pesquisador é Servidor Penitenciário da área de Administração e Finanças, subárea Direito, da Agência Estadual de Administração do Sistema Penitenciário (AGEPEN) do Estado de Mato Grosso do Sul. Atualmente é Chefe do Núcleo de Patrimônio da instituição. Já desempenhou as mais diversas funções durante seus mais de 11 (onze) anos de trabalho junto a AGEPEN, podendo se destacar: Administrador e Chefe de Trabalho da Penitenciária de Segurança Média de Três Lagoas/MS, Chefe de Trabalho, Chefe Jurídico e Chefe da Educação da Colônia Penal e Industrial Paracelso de Lima Vieira Jesus.

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(...) repousa em última instância sobre o trabalho realizado por diversos grupos de agentes, e que para que essa organização exista e perdure é preciso que estes, sirvam-se de diversos conhecimentos profissionais e apoiem-se em alguns recursos materiais e simbólicos para cumprir tarefas específicas, realizadas em função de obrigações e objetivos específicos.(TARDIF; LESSARD, 2005, p. 24).

Por isso, devemos repensar o papel do professor no interior das unidades penais, suas

competências e saberes, pois seus conhecimentos não estão somente voltados para a

alfabetização, o letramento e o letramento matemático; vão mais além, pois mesmo quando é

retirado do seio da sociedade, o sujeito não perde o direito à educação (SERRADO JUNIOR,

2009). Mas, será que os profissionais têm essa percepção a respeito do seu trabalho? Ou

teriam aspectos importantes e inovadores a serem acrescentados em relação ao seu papel nas

unidades penais? No limite, como esses profissionais percebem a educação escolar na prisão?

O que desta percepção pode se referir à necessidade de transformações político-estruturais no

próprio sistema penitenciário?

No Plano Estadual, em dezembro de 2003, o Governo do Estado de Mato Grosso do

Sul, atendendo a reivindicação da Agencia Estadual de Administração do Sistema

Penitenciário, AGEPEN/MS, criou a Escola Estadual Pólo “Regina Lúcia Anffe Nunes

Betine", com sede no município de Campo Grande, com competência de criar tantas

extensões quantas necessárias, além da alocação de recursos materiais e humanos necessários

à operacionalização das salas de aula em estabelecimentos penais, nos mesmos moldes do

sistema estadual de ensino buscando atender às necessidades específicas da população

carcerária.

Em 2005, a Coordenadoria de Políticas Específicas em Educação elaborou a

Proposta Político-Pedagógica para suas Unidades Prisionais (MATO GROSSO DO SUL,

2005), que apontou a necessidade da educação nas Unidades Prisionais conter atividades

pedagógicas que considerem as dimensões da formação humana, de modo que o cumprimento

de pena esteja em consonância com os objetivos da ressocialização dos reeducandos,

considerando-se suas especificidades e seus saberes.

Para tanto, têm-se como meta atividades que:

(...) promovam condições concretas para a apropriação pelo preso do conhecimento produzido socialmente (...) que sejam executadas ações integradas e diversificadas que possibilitem ao preso condições concretas capazes de promover sua auto-estima (...) que possibilitem ao preso condições concretas que resultem na promoção de valores éticos (...) que estimulem iniciativas estudantis referentes ao desenvolvimento de atividades educativas, culturais e desportivas que promovam a cooperação, a

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solidariedade e a responsabilidade social (...) que avaliem competências e habilidades do preso, relacionadas às disciplinas estudadas. (MATO GROSSO DO SUL, 2005, p. 14).

No entanto, uma leitura mais atenta das metas instituídas, surge a dúvida sobre a

verdadeira especificidade dentro da educação prisional. Seriam tais metas especificidades da

educação escolar na prisão ou seria uma generalidade de todas as educações escolares? O que

os/as professores/as que atuam no regime prisional pensam sobre isso? Questionado de outro

modo, a legislação vigente reflete os desafios e as expectativas de enfrentamentos a estes

desafios quando analisada sob o olhar do professor do sistema prisional?

Para responder a estas e outras perguntas, estes estudo concentra-se nos/as

professores/as da Escola Estadual Pólo “Regina Lúcia Anffe Nunes Betine", que, como na

maioria dos estabelecimentos penais do estado, também atua nos presídios de Corumbá/MS,

cidade localizada a 420 km da capital do estado, na mesorregião do Pantanal (Microrregião do

Baixo Pantanal) e próxima da fronteira com a Bolívia, à beira do rio Paraguai. A educação é

ofertada na modalidade Educação de Jovens e Adultos (EJA), indo da alfabetização ao ensino

médio, oferecida no “Estabelecimento Penal de Corumbá”, “Estabelecimento Penal Feminino

de Corumbá”, “Estabelecimento Penal de Regime Semiaberto, Aberto e Assistência ao

Albergado de Corumbá” e “Estabelecimento Penal de Regime Semiaberto, Aberto e

Assistência a Albergada de Corumbá”, nos períodos matutino e vespertino contando com 13

(treze) professores/as e 01 (um) coordenador pedagógico.

Os/as professores/as que atuam nas salas de aula desses estabelecimentos prisionais

encaram grandes desafios diários ao trabalharem com uma população específica tendo que

administrar libertação, uma vez que horas de estudos significam menos dias de penas a

cumprir (remição/educação) e repressão (cumprimento da sentença) em um mesmo ambiente.

Além disso, são cobrados/as a exercer um papel de instrumento de promoção humana (dentro

de um grupo que está mesmo que temporalmente tolhido de parte de seus direitos), para então

facilitar relações de articulação interpessoal entre os/as (re) educandos/as, compreendendo os

sujeitos na sua totalidade, visando a mudança de comportamento desses indivíduos.

Com essa conjuntura e questionamentos qual a visão que esses/as professores/as têm

da educação escolar ensinada por eles neste ambiente? Qual o olhar deles/as quanto aos

objetivos alcançados de seu trabalho e como visualizam o complexo contexto “Educação e

Prisão”? Como vislumbram o seu trabalho na totalidade das experiências significativas de

suas vidas em sociedade e suas deficiências e/ou acertos? Existem necessidades de melhorias

e mudanças?

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JUSTIFICATIVA

O sistema penitenciário brasileiro não consegue atingir o seu principal objetivo que é a

ressocialização. Somado a isso se têm as superlotações, precárias e insalubres instalações

físicas, falta de treinamento dos funcionários responsáveis pela educação e reeducação escolar

da população carcerária além dos objetivos eventualmente antagônicos aos do corpo de

segurança, como já exposto na introdução deste projeto de pesquisa.

Coelho corrobora essa nossa percepção descrevendo que

[...] a nossa realidade é arcaica, os estabelecimentos prisionais, na sua grande maioria, representam para os reclusos um verdadeiro inferno em vida, onde o preso se amontoa a outros em celas (seria melhor dizer em jaulas) sujas, úmidas, anti-higiênicas e superlotadas, de tal forma que, em não raros exemplos, o preso deve dormir sentado, enquanto outros revezam em pé. (2013, p. 01).

Este projeto se justifica devido a esse contexto. Além disso, ganha importância

também no sentido de estudar possíveis percepções que ainda não foram analisadas no campo

teórico-temático em questão. Dito de outro modo, pode contribuir para ampliar o que alguns

estudiosos já classificaram, como, por exemplo, Julião:

A educação em espaços de privação de liberdade pode ter principalmente três objetivos imediatos que refletem as distintas opiniões sobre a finalidade do sistema de justiça penal: (1) manter os reclusos ocupados de forma proveitosa; (2) melhorar a qualidade de vida na prisão; e (3) conseguir um resultado útil, tais como ofícios, conhecimentos, compreensão, atitudes sociais e comportamento, que perdurem além da prisão e permitam ao apenado o acesso ao emprego ou a uma capacitação superior, que, sobretudo, propicie mudanças de valores, pautando-se em princípios éticos e morais. (2010, p.537).

Este estudo contribuirá, portanto, para refletir sobre os resultados dessa conjuntura,

sobre parte da complexidade estrutural e do consciente caos que se instalou no sistema

penitenciário brasileiro, mas não de uma maneira a diagnosticar o que outros já descreveram,

mas contribuir para a arena de análises sobre o que funciona e o que deve ser transformado

quando nos referimos a educação na prisão.

Com a análise focada no sistema prisional da cidade de Corumbá (MS), sob o prisma

do enfoque do/a professor/a que ali leciona, tornaremos público algo inédito, isto é, as

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características dos trabalhos de educação escolar, desenvolvidos por trás dos muros e das

grades do sistema prisional de uma cidade, suas dificuldades, acertos, contradições, ganhos,

complicações, sucessos, possibilidades eventuais de mudanças. .

Este estudo se justifica também por poder contribuir para a qualificação de políticas

educacionais que tratem de maneira conjunta sobre educação e segurança, capazes de

contribuir na motivação de meios que visem a reinserção dos (re) educandos/as na sociedade,

inclusive na continuidade de seus estudos, ao adquirirem a sua liberdade e viverem com

menos preconceito. Dito de outro modo, ao tornar público tais informações, busca-se

desmistificar o pré-conceito de que penitenciárias são apenas lugares onde a repressão e a

coação são a tônica e assim, subsidiar discussões que contribuam para o desenvolvimento e

compreensão da educação escolar de maneira transformadora dentro e fora do sistema

prisional.

Isso se faz necessário porque uma grande massa da mídia brasileira transmite uma

imagem erronia e desgasta do sistema penitenciário: reclusos ingratos com o espaço físico e

alimentação, indivíduos revoltados com a sociedade civil, violentos perante as autoridades,

racionais, calculistas, agressivos etc. Todo esse conhecimento fornecido pelos meios de

comunicação, faz com que adultos, adolescentes e até mesmo, crianças, cresçam com um

preconceito muito grande em relação a toda essa situação vivida na sociedade (SCANDELAI;

CARDOSO, 2006.)

O muro da prisão, física e simbolicamente, separa duas populações distintas: a sociedade livre e a comunidade daqueles que foram, por ela, rejeitados. A altura e espessura da barreira, a presença, no cimo, de soldados armados de metralhadoras, o portão pesado, com pequenas viseiras cuja abertura exige uma operação complicada por varias medidas de segurança, estão a demonstrar, inequivocamente, que os rejeitadores desejam muito pouco contato com os rejeitados. (THOMPSON, 2000, p.57).

OBJETIVOS

Objetivo geral

Analisar a percepção dos/as professores/as atuantes no sistema prisional de

Corumbá/MS sobre a educação escolar na prisão.

Objetivos específicos

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01) Descrever a especificidade da educação escolar no sistema prisional de

Corumbá/MS;

02) Verificar como ocorre o processo de educação escolar dos/as (re) educandos/as.

03) Identificar se há necessidades de melhorias e mudanças na educação escolar na

prisão e/ou os principais desafios para uma potencialização de resultados na visão dos/as

professores/as.

04) Verificar se, na visão dos/as professores/as, os objetivos da educação na prisão são

atingidos e/ou conhecer as principais fatores que garantem os resultados positivos na visão

dos/as professores/as.

METODOLOGIA

O método indica a seleção de um caminho considerado seguro pelo pesquisador para o

alcance dos objetivos propostos pela pesquisa, garantindo coerência e objetividade. Levando

em conta as características do tema, bem como o proximidade do pesquisador4 junto a

situação investigada, optou-se por uma pesquisa de caráter qualitativo, sempre buscando

manter o distanciamento necessário entre o pesquisador e o servidor, para evitar uma análise

tendenciosa (pouco objetiva) dos dados colhidos e de sua descrição. No entanto, sabe-se que

essa aproximação anterior do campo de estudos também qualifica o olhar do pesquisador.

Nesse sentido, a atenção será mantida para novos elementos que possam emergir do contexto

específico analisado para interpretá-los e inserí-los no estudo, especialmente a partir da

objetividade científica e de uma metodologia que corresponda aos objetivos desta pesquinsa.

A pesquisa terá como unidade de análise o ambiente de ensino dos Estabelecimentos

Penais de Corumbá/MS (1 - Estabelecimento Penal, 2 - Estabelecimento Penal Feminino, 3 -

Estabelecimento Penal de Regime Semiaberto, Aberto e Assistência ao Albergado e 4 -

Estabelecimento Penal de Regime Semiaberto, Aberto e Assistência a Albergada). O foco é

analisar a percepção dos/as professores/as atuantes no sistema prisional de Corumbá/MS

sobre a educação escolar na prisão, sem desvinculá-la do contexto em que está inserida, até

porque este também determina as ações que se desenvolvem no interior da sala de aula. Nesse

sentido, como parte importante da metodologia iremos reunir dados históricos do sistema

4 Vide nota 3.

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penitenciário e educação escolar e a legislação que os cercam, além apresentar os/as

professores/as que ali atuam, com formação, titulação, experiência profissional anterior e

identificação com a educação escolar na prisão.

Seguindo os ensinamentos de Lüdke e André (1986), que fazem uma discussão sobre a

pesquisa em educação, em uma vertente qualitativa, seguiremos no caminho da pesquisa

etnográfica. De acordo com as referidas autoras, etnografia “é a descrição de um sistema de

significados culturais de um determinado grupo” (LÜDKE E ANDRÉ, 1986, p. 13). A

abordagem etnográfica permite a combinação de técnicas como, por exemplo: a observação, a

entrevista (em nosso caso semi-estruturada), a história de vida, a análise de documentos,

vídeos, fotos, entre tantos outros. Ainda, sobre o método etnográfico, Magnani afirma que ele

é:

(...) uma forma especial de operar em que o pesquisador entra em contato com o universo dos pesquisados e compartilha seu horizonte, não para permanecer lá ou mesmo para atestar a lógica de sua visão de mundo, mas para, seguindo-os até onde seja possível, numa verdadeira relação de troca, comparar suas próprias teorias com as deles e assim tentar sair com um modelo novo de entendimento ou, ao menos, com uma pista nova, não prevista anteriormente (2009, p. 135).

A etnografia se dará nos espaços destinados à sala de aula dentro dos estabelecimentos

penais, nas reuniões realizadas pela Secretaria Estadual de Educação com o corpo docente,

bem como eventos importantes dentro do calendário escolar que os/as professores/as estejam

interagindo, independentemente de haver alunos na interação.

No que se refere às entrevistas, “Optou-se pela entrevista semi-estruturada, pois esta

oferece as perspectivas para que o informante alcance a liberdade e a espontaneidade

necessárias, tornando, assim, a investigação mais rica”, (ONOFRE. p.33) não utilizando

categorias, prontas e acabadas, uma vez que se parte do pressuposto de buscar dados que

emergem da realidade, realizando-se um trabalho de questionamento das raízes, limitações e

implicações do material relatado, coletado e encontrado, pois o fato de ele ser retirado da

realidade, não é garantia de autenticidade e de verdade.

Para Manzini (1990/1991), a entrevista semi-estruturada está focalizada em um

assunto sobre o qual confeccionamos um roteiro com perguntas principais, complementadas

por outras questões inerentes às circunstâncias momentâneas à entrevista. Afirma o autor que

esse tipo de entrevista pode fazer emergir informações de forma mais livre e as respostas não

estão condicionadas a uma padronização de alternativas. O mesmo Manzini (2003) salienta

que é possível um planejamento da coleta de informações por meio da elaboração de um

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roteiro com perguntas que atinjam os objetivos pretendidos. O roteiro serviria, então, além de

coletar as informações básicas, como um meio para o pesquisador se organizar para o

processo de interação com o informante.

O convite para participar da entrevista será feito individualmente, dentro do ambiente

escolar prisional, haja vista que o início do trabalho de campo (etnografia) se dará em

momento anterior ao das entrevistas, o que favorecerá o contato pessoal primário com os

professores a serem entrevistados. As entrevistas ocorrerão dentro do ambiente escolar

prisional ou no local em que o entrevistado se sentir mais a vontade, podendo inclusive ser no

prédio 03 da UFMS/CPAN (prédio do Mestrado em Educação) nas salas de estudo do

Mestrado, sempre de forma individual e respeitando o sigilo das respostas.

Quanto aos aspectos éticos, do projeto de pesquisa, o mesmo será avaliado pelo

Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – Campo

Grande segundo a normatização 196/96 e somente após a autorização as entrevistas e

pesquisas correlatas se desenvolverão.

O processo de obtenção do consentimento livre e esclarecido (TCLE) ocorrerá após o

participante estar suficientemente esclarecido de todos os benefícios e riscos e fornecidas

todas as informações pertinentes à pesquisa. Após a informação verbal, o participante

receberá um envelope contendo o termo de consentimento livre e esclarecido em duas vias

para leitura e prosseguimento da pesquisa como delineado abaixo.

Levando em consideração o formato da entrevista semi-estruturada, bem como a

subjetividade inerente a cada entrevistado, será utilizado cumulado ao já discorrido nos

parágrafos acima, a Análise do Discurso (AD) como perspectiva teórico metodológica que

nos conduzirá por caminhos analíticos ainda mais consistentes.

Os conhecimentos primeiros sobre AD são baseados nos ensinamentos de Foucault,

especialmente quando ele destaca-se pelo o valor que dá ao sujeito em suas obras. Em a

Arqueologia do Saber ele diz que:

(...) gostaria de mostrar que o discurso não é uma estreita superfície de contato, ou de confronto, entre uma realidade e uma língua, o intrincamento entre um léxico e uma experiência; gostaria de mostrar, por meio de exemplos precisos, que, analisando os próprios discursos, vemos se desfazerem os laços aparentemente tão fortes entre as palavras e as coisas, e destacar-se um conjunto de regras, próprias da prática discursiva. (...) não mais tratar os discursos como conjunto de signos (elementos significantes que remetem a conteúdos ou a representações), mas como práticas que formam sistematicamente os objetos de que falam. Certamente os discursos são feitos de signos; mas o que fazem é mais que utilizar esses signos para

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designar coisas. É esse mais que os torna irredutíveis à língua e ao ato da fala. É esse mais que é preciso fazer aparecer e que é preciso descrever. (FOUCAULT, 1986, p.56) O discurso, assim concebido, não é a manifestação, majestosamente desenvolvida, de um sujeito que pensa, que conhece, e que o diz: é, ao contrário, um conjunto em que podem ser determinadas a dispersão do sujeito e sua descontinuidade em relação a si mesmo. É um espaço de exterioridade em que se desenvolve uma rede de lugares distintos. (Idem, p.61-2)

Descrever uma formulação enquanto enunciado não consiste em analisar as relações entre o autor e o que ele disse (ou quis dizer, ou disse sem querer); mas em determinar qual é a posição que pode e deve ocupar todo indivíduo para ser seu sujeito. (Idem, p.109)

Observa-se assim que analisar o discurso dos/as professores/as atuantes no sistema

prisional de Corumbá não é tarefa fácil. O sujeito que externa o discurso é mais complexo que

suas respostas, por isso, é necessário analisar o que está “oculto” em sua fala e de que posição

de poder ele fala. O contexto etnográfico pretende dar tal percepção e contextualização.

CRONOGRAMA PRELIMINAR DE EXECUÇÃO Atividades 2016 2017 M A M J J A S O N D J F M Pesquisa bibliográfica X X X X X X X

Finalização de cumprimento de créditos das disciplinas

X

Entrevistas semi-estruturadas X X X X X

Etnografia X X X X X X

Escrita do texto para qualificação X X X

Qualificação X

Escrita do texto final X X X

Envio de artigo com análise preliminar para a ANPED Centro Oeste

Banca de defesa X

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ORÇAMENTO

ORÇAMENTO DETALHADO

Justificativa Valores

Resmas de papel A4 e tonner para a impressão dos questionários norteadores

das entrevistas; do termo de consentimento livre e esclarecido; das entrevistas,

do texto para qualificação e dissertação.

R$ 700,00

Livros e revistas (nacionais e internacionais) publicados recentemente com

enfoque na temática do projeto de estudo, considerando a necessidade de

acesso a bibliografia que não esteja disponível gratuitamente online ou na

biblioteca da instituição.

R$ 1.500,00

Gravador de voz digital para gravar as entrevistas em profundidade. R$ 200,00

Pilhas (tipo palito) para gravador digital que será usado na gravação das

entrevistas em profundidade.

R$ 50,00

Profissionais para executarem a transcrição de áudio das entrevistas em

profundidade.

R$ 2.000,00

Profissionais para revisar o texto a ser enviado para publicação. R$ 500,00

Gastos com deslocamento para entrevistas. R$ 600,00

Encadernação capa dura trabalho final. R$ 100,00

TOTAL R$ 5.650,00

REFERÊNCIAS AGEPEN. Agência Estadual de Administração do Sistema Penitenciário de Mato Grosso do Sul. Disponível em: www.agepen.ms.gov.br. Acessado em: 10/12/2016. BRASIL. Lei de Execução Penal. Lei nº 7.210, 11 de Julho de 1984. BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF. 2010. BRITTO, Luiz P. Leme. Contra o consenso: cultura escrita, educação e participação. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2003. – (Coleção Ideias sobre Linguagem). COELHO, Daniel Vasconcelos. A crise no sistema penitenciário brasileiro. Disponível em: https://neofito.com.br/artigos/penal/134.htm. Acessado em: 01/02/2016. DUARTE, Alisson José Oliveira “Celas de aula” o exercício da professoralidade nos presídios. Revista Encontro de Pesquisa em Educação, Uberaba, v. 1, n.1, p. 25-36, 2013.

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Disponível em: http://revistas.uniube.br/index.php/anais/article/view/696/993. Acessado em: 06/03/2016. FOUCAULT, Michel. A Arqueologia do saber. Rio de Janeiro: Forense, 1986. JULIÃO, Elionaldo Fernandes. O impacto da educação e do trabalho como programas de reinserção social na política de execução penal do Rio de Janeiro. Revista Brasileira de Educação v. 15 n. 45 set./dez. 2010. p. 529-596. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rbedu/v15n45/10.pdf. Acessado em: 01/02/2016. LÜDKE, Menga e ANDRÉ, Marli E. D. A. Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. São Paulo: EPU, 1986. MAGNANI, José Guilherme. "Etnografia como prática e experiência". In: Horizontes Antropológicos, Porto Alegre: ano 15, n. 32, p. 129-156,jul./dez. 2009. MANZINI, Eduardo José. A entrevista na pesquisa social. Didática, São Paulo, v. 26/27, 1990/1991. MANZINI, Eduardo José. Considerações sobre a elaboração de roteiro para entrevista semi-estruturada. In: MARQUEZINE: M. C.; ALMEIDA, M. A.; OMOTE; S. (Orgs.) Colóquios sobre pesquisa em Educação Especial. Londrina: Eduel, 2003. p. 11-25. MATO GROSSO DO SUL, Governo do Estado de. Proposta curricular para a educação no sistema penitenciário de MS. Campo Grande: SED, 2005. ONOFRE, E. M. C. Educação Escolar na Prisão na Visão dos Professores: um hiato entre o proposto e o vivido. Reflexão & Ação. 2009, vol. 17, n. 1, p. 227-244. Disponível em: https://online.unisc.br/seer/index.php/reflex/article/viewFile/836/640. Acessado em: 01/02/2016. SCANDELAI, Aline Linares de Oliveira; CARDOSO, Danielhe Negrão; O sistema prisional brasileiro e a visão de segmentos da sociedade civil sobre as penitenciarias e os reclusos. Disponível em: http://intertemas.unitoledo.br/revista/index.php/ETIC/article/viewFile/1122/1073. Acessado em 14/02/2016. SERRADO JÚNIOR, Jehu Vieira. Políticas públicas educacionais no âmbito do sistema penitenciário: aplicações e implicações no processo de (re) inserção social do apenado. 2009. Dissertação (Mestrado em Educação) Universidade Estadual Paulista, Presidente Prudente, SP, 2009. TARDIF, Maurice; LESSARD, Claude. O trabalho docente: elementos para uma teoria da docência como profissão de interações humanas. Petrópolis: Vozes, 2005. THOMPSON, Augusto. A Questão Penitenciaria. Rio de Janeiro: Forense, 2000. WOLFF, Maria Palma. Mulheres e prisão: a experiência do Observatório de Direitos Humanos da Penitenciária Feminina Madre Pelletier. Porto Alegre: Dom Quixote, 2007.

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UNIVERSIDADE FEDERAL DOMATO GROSSO DO SUL -

UFMS

PARECER CONSUBSTANCIADO DO CEP

Pesquisador:

Título da Pesquisa:

Instituição Proponente:

Versão:

CAAE:

EDUCAÇÃO ESCOLAR NA PRISÃO: A PERCEPÇÃO DOS PROFESSORESATUANTES NO SISTEMA PRISIONAL DE CORUMBÁ, MATO GROSSO DO SUL

CLAYTON DA SILVA BARCELOS

FUNDACAO UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL

1

55125116.8.0000.0021

Área Temática:

DADOS DO PROJETO DE PESQUISA

Número do Parecer: 1.515.327

DADOS DO PARECER

Essa pesquisa tem como objetivo estudar a percepção que os professores/as atuantes no sistema prisional

da cidade de Corumbá (MS) têm em relação à educação escolar oferecida no sistema prisional local, por

meio de entrevista semiestruturada, que será aplicada a treze professores/as que atuam dentro dos

estabelecimentos penais da cidade (1 - Estabelecimento Penal, 2 - Estabelecimento Penal Feminino, 3 -

Estabelecimento Penal de Regime Semiaberto, Aberto e Assistência ao Albergado e 4 - Estabelecimento

Penal de Regime Semiaberto, Aberto e Assistência a Albergada). Estabeleceu-se como critério de inclusão

ser professor atuante dentro sistema prisional da cidade de Corumbá (MS) e de exclusão não ser professor

atuante dentro sistema prisional da cidade de Corumbá (MS). Para análise dos dados será utilizada a

Análise do Discurso (AD) e a Etnografia do espaço destinado à sala de aula dentro dos estabelecimentos

penais, nas reuniões realizadas pela Secretaria Estadual de Educação com o corpo docente, bem como

eventos importantes dentro do calendário escolar. Espera-se com os resultados desmistificar o pré-conceito

de que penitenciárias são apenas lugares onde a repressão e a coação são a tônica e subsidiar discussões

que contribuam para o desenvolvimento e compreensão da educação escolar de maneira transformadora

dentro do sistema prisional.

Apresentação do Projeto:

Financiamento PróprioPatrocinador Principal:

79.070-110

(67)3345-7187 E-mail: [email protected]

Endereço:Bairro: CEP:

Telefone:

Pró Reitoria de Pesquisa e Pós Graduação/UFMS Caixa Postal 549

UF: Município:MS CAMPO GRANDEFax: (67)3345-7187

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UNIVERSIDADE FEDERAL DOMATO GROSSO DO SUL -

UFMS

Continuação do Parecer: 1.515.327

O(A) pesquisador(a) estabeleceu como objetivos: analisar a percepção dos/as professores/as atuantes no

sistema prisional de Corumbá/MS sobre a educação escolar na prisão; descrever a especificidade da

educação escolar no sistema prisional de Corumbá/MS; verificar como ocorre o processo de educação

escolar dos/as (re) educandos/as; identificar se há necessidades de melhorias e mudanças na educação

escolar na prisão e/ou os principais desafios para uma potencialização de resultados na visão dos/as

professores/as; verificar se, na visão dos/as professores/as, os objetivos da educação na prisão são

atingidos e/ou conhecer as principais fatores que garantem os resultados positivos na visão dos/as

professores/as.

Objetivo da Pesquisa:

Riscos: O(a) pesquisador(a) prevê riscos mínimos para quem participar dessa pesquisa, por isto, aos

entrevistados será esclarecido sobre todo o processo a ser desenvolvido e eles poderão interromper a

entrevista a qualquer momento caso se sintam constrangidos por qualquer uma das perguntas. Será ainda

utilizado nomes fictícios (isso será esclarecido aos entrevistados), para garantir seus anonimatos e lhes

preservar junto a instituição diante de qualquer possível risco de retalhação.

Benefícios: Segundo o(a) pesquisador(a) o resultado da pesquisa os benefícios poderão ser maior

compreensão do espaço e realidade profissional ocupado pelos entrevistados e maior reflexão sobre os

resultados dessa conjuntura, sobre parte da complexidade estrutural e dos conscientes desafios que se

instalaram no sistema penitenciário brasileiro. Além disso, este estudo poderá contribuir para a qualificação

de políticas educacionais que tratem de maneira conjunta sobre educação e segurança, capazes de

contribuir na motivação de meios que visem a reinserção dos (re)educandos/as na sociedade, inclusive na

continuidade de seus estudos, ao adquirirem a sua liberdade e viverem com menos preconceito.

Avaliação dos Riscos e Benefícios:

O Projeto atende aos cuidados éticos.

Comentários e Considerações sobre a Pesquisa:

O Projeto atende aos cuidados éticos.

Considerações sobre os Termos de apresentação obrigatória:

Recomenda-se manter espaço para assinatura, dos participantes, em todas as laudas do TCLE.

Recomendações:

79.070-110

(67)3345-7187 E-mail: [email protected]

Endereço:Bairro: CEP:

Telefone:

Pró Reitoria de Pesquisa e Pós Graduação/UFMS Caixa Postal 549

UF: Município:MS CAMPO GRANDEFax: (67)3345-7187

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UNIVERSIDADE FEDERAL DOMATO GROSSO DO SUL -

UFMS

Continuação do Parecer: 1.515.327

O Projeto atende aos cuidados éticos.

Conclusões ou Pendências e Lista de Inadequações:

CAMPO GRANDE, 26 de Abril de 2016

PAULO ROBERTO HAIDAMUS DE OLIVEIRA BASTOS(Coordenador)

Assinado por:

Este parecer foi elaborado baseado nos documentos abaixo relacionados:

Tipo Documento Arquivo Postagem Autor Situação

Informações Básicasdo Projeto

PB_INFORMAÇÕES_BÁSICAS_DO_PROJETO_676389.pdf

21/03/201611:07:48

Aceito

Folha de Rosto Rosto.pdf 21/03/201611:07:03

CLAYTON DA SILVABARCELOS

Aceito

Orçamento ORCAMENTO.pdf 16/03/201612:10:45

CLAYTON DA SILVABARCELOS

Aceito

Projeto Detalhado /BrochuraInvestigador

Projeto.pdf 16/03/201612:10:23

CLAYTON DA SILVABARCELOS

Aceito

TCLE / Termos deAssentimento /Justificativa deAusência

TERMO.pdf 14/03/201616:23:20

CLAYTON DA SILVABARCELOS

Aceito

Outros Questionario.pdf 14/03/201611:58:55

CLAYTON DA SILVABARCELOS

Aceito

Outros Solicitacao_SEDUC.pdf 13/03/201620:36:36

CLAYTON DA SILVABARCELOS

Aceito

Outros Solicitacao_Agepen.pdf 13/03/201620:35:22

CLAYTON DA SILVABARCELOS

Aceito

Situação do Parecer:Aprovado

Necessita Apreciação da CONEP:Não

79.070-110

(67)3345-7187 E-mail: [email protected]

Endereço:Bairro: CEP:

Telefone:

Pró Reitoria de Pesquisa e Pós Graduação/UFMS Caixa Postal 549

UF: Município:MS CAMPO GRANDEFax: (67)3345-7187

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TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Título: EDUCAÇÃO ESCOLAR NA PRISÃO: A PERCEPÇÃO DOS PROFESSORES/AS

ATUANTES NO SISTEMA PRISIONAL DE CORUMBÁ, MATO GROSSO DO SUL.

Coordenador: Mestrando Clayton da Silva Barcelos

Instituição: Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, campus do Pantanal –

UFMS/CPAN.

A proposta: Você está sendo convidado a participar em uma pesquisa. Você precisa decidir

se quer participar ou não. Por favor, não se apresse em tomar a decisão. Leia cuidadosamente

o que se segue e pergunte ao responsável pelo estudo qualquer dúvida que você tiver. A

finalidade deste estudo é estudar a percepção dos professores atuantes no sistema prisional de

Corumbá/MS quanto à educação escolar na prisão.

Os participantes: Poderá participar deste estudo a pessoa que seja professor atuante no

sistema prisional da cidade de Corumbá/MS.

Procedimentos: Caso aceite participar desta pesquisa, Você será entrevistado sobre seu

trabalho e a sua percepção da educação escolar dentro do ambiente prisional. O tempo da

entrevista poderá variar entre uma e duas horas.

Confidencialidade: A entrevista será gravada e o que você disser será registrado para estudo,

no entanto, este pesquisador se compromete em não divulgar ou ceder a terceiros as

informações colhidas nas entrevistas, e fazer uso destas informações apenas em

apresentações, publicações e outros estudos de sua própria autoria, sempre preservando o

sigilo de todas as respostas, não revelando o seu nome ou de qualquer um dos entrevistados

deste estudo. A guarda da gravação é de responsabilidade deste pesquisador, e após cinco

anos será descartada.

Riscos e desconfortos: Não há riscos graves implicados na participação neste estudo. No

entanto, algumas questões poderão envolver desconforto, mesmo você não sendo obrigado a

respondê-las, podendo, inclusive recusar a participar ou mesmo sair da pesquisa a qualquer

momento sem prejuízo, sanções ou constrangimentos.

_____________________________________ Data: ____/ _____/______.

Assinatura do voluntário

_____________________________________ Data: ____/ _____/______.

Assinatura do pesquisador

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Custos e Benefícios: Você não receberá compensação financeira para participar deste estudo.

Os benefícios poderão ser uma maior compreensão do espaço profissional por você ocupado.

Uma maior reflexão sobre os resultados dessa conjuntura, sobre parte da complexidade

estrutural e dos conscientes desafios que se instalaram no sistema penitenciário brasileiro.

Além disso, este estudo poderá contribuir para a qualificação de políticas educacionais que

tratem de maneira conjunta sobre educação e segurança. Os resultados da investigação

proposta, poderá contribuir ainda para desmistificar o pré-conceito de que penitenciárias são

apenas lugares onde a repressão e a coação dão a tônica.

Dúvidas: Para perguntas ou problemas referentes ao estudo, entre em contato com este

pesquisador, Clayton da Silva Barcelos, no celular 67-98140-2021, ou pelo e-mail

[email protected].

Para perguntas sobre seus direitos como participante no estudo, entre em contanto com o

Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da UFMS, no telefone (067) 3345-7187, ou

pelo e-mail [email protected] .

Consentimento: Eu, __________________________________________________________,

declaro que li e entendi este formulário de consentimento e todas as minhas dúvidas foram

esclarecidas, e que sou voluntário a tomar parte neste estudo.

_____________________________________ Data: ____/ _____/______.

Assinatura do voluntário

_____________________________________ Data: ____/ _____/______.

Assinatura do pesquisador

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PROJETO DE PESQUISA

Título: EDUCAÇÃO ESCOLAR NA PRISÃO: A PERCEPÇÃO DOS PROFESSORES/AS

ATUANTES NO SISTEMA PRISIONAL DE CORUMBÁ, MATO GROSSO DO SUL.

Coordenador: Mestrando Clayton da Silva Barcelos.

Instituição: Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, campus do Pantanal –

UFMS/CPAN.

ROTEIRO SEMIESTRUTURADO PARA AS ENTREVISTAS EM PROFUNDIDADE.

01) Qual sua idade?

02) Qual sua formação? Curso, faculdade, ano, especialização, mestrado, doutorado?

03) Qual é a sua experiência no campo da educação?

04) É professor concursado?

05) Por que escolheu trabalhar no presídio?

07) Existe alguma contrapartida financeira a mais pelo fato de lecionar na prisão? Caso sim,

essa contrapartida foi determinante em sua escolha?

08) Quanto tempo atua como professor no sistema prisional?

09) Existem reuniões regulares com os colegas que também atuam na educação prisional?

Qual a regularidade? Debatem-se metodologias de ensino?

10) Qual (s) Unidade Penal leciona? Leciona também fora do sistema prisional?

11) Qual é o seu papel no Ensino dentro do presídio? Comente. Dê exemplos.

12) Qual é a sua avaliação sobre a educação no presídio? Comente. Dê exemplos.

13) Já lecionou em escolas estaduais? Municipais? Particulares? Faculdades?

14) Já lecionou em anos anteriores em presídios? Unidades de internação de menores?

15) O regime de cumprimento de pena interfere no trabalho docente? Por quê?

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16) O treinamento para lecionar dentro dos presídios prepara o professor para realidade e bom

desempenho de suas atividades junto aos alunos? Por quê?

17) Quais as necessidades específicas dos alunos das salas de aula em presídio? Por quê?

18) Possui ou já possuiu algum aluno portador de necessidades especiais? Se sim, como se

desenvolvia as atividades em sala?

19) Quais são as maiores dificuldades que você sente ao trabalhar dentro do sistema prisional?

20) Há pontos negativos no seu trabalho? Se sim, quais? Se não, por quê? Comente.

21) Há pontos positivos no seu trabalho? Se não, por quê? Comente.

22) Qual é a sua visão a respeito do profissional “agente penitenciário”?

23) Existe diferença na forma de trabalho do professor entre os presídios masculinos e

femininos? Por quê?

24) Você acha que, com base em sua experiência profissional, a educação dentro do sistema

prisional contribui para uma efetiva ressocialização?

25) Já se deparou com algum aluno que já tinha sido seu aluno fora da prisão? Ou vice versa.

26) Qual sua visão sobre a educação escolar ensinada por vocês dentro dos presídios? O que

temos de bom? O que falta? Por quê?

27) Seu trabalho atinge os objetivos de educação escolar na prisão? Existe necessidade de

melhoria e mudança? Por quê?

28) Como se dá a sua relação profissional cotidiana com os professores que atuam na

unidade? (relatar dificuldades e/ou se existe trabalho em conjunto) O que você sugeriria

para ambos os profissionais possam contribuir com o trabalho um do outro?

29) Como é a chegada até a sala de aula? Já teve aulas canceladas ou suspensas por algum

motivo? (bate-cela, reforma dos blocos, chegada de novos/as (re) educandos/as, saídas de

internos, conflitos entre os detentos na cela e outros). O que pensa sobre isso?

30) A carga horária de aulas efetivamente dadas é suficiente para a transferência de todo

conteúdo ao aluno? Existe diferença em relação a quantidade (na prática), entre a aula na

prisão e fora dela?

31) Qual sua percepção sobre como os (re) educandos/as, corpo de segurança, família, colegas

professores que não lecionam nos presídios, olham para o seu trabalho? Por quê?

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32) O que você pensa sobre o que as pessoas pensam sobre o seu trabalho? Comente.

33) Como você vê o aluno enquanto aluno? Como é o processo de ensino, levando em

consideração a idade.

34) Qual é a sua opinião a respeito dos saberes que os alunos/presos trazem para dentro da

sala de aula? Comente. De exemplos.

35) Você acha que esses saberes interferem no processo de ensino-aprendizagem? Por quê?

Dê exemplos.

36) Existem confraternizações/comemorações dentro do ambiente escolar prisional, como dia

da árvore, semanas específicas e outras atividades? Se sim, como isso acontece?

37) A modalidade EJA é apropriada para o ensino em prisões?

38) O crime cometido pelo aluno em algum momento reflete em sala de aula? Por quê?

39) O que te levou a fazer a opção (preencher o formulário específico) para lecionar na sala de

aula dentro de uma prisão?

40) No próximo ano letivo, pretende continuar lecionando na prisão?

41) Tem ou teve algum parente em conflito com a lei (preso)?

42) Já foi agredido/ameaçado (inclusive verbalmente) dentro do ambiente do presídio?

43) Já sentiu que algum aluno teria outro interesse que não o de aprender em relação a sua

pessoa? Exemplo: Como conseguir algum tipo de favor, como trazer alguma coisa da “rua”

para ele.

44) Os critérios para avaliar se o aluno está apto a avançar nos estudos são os mesmos

utilizados em escolas fora dos presídios?

45) Com as aulas dadas na prisão, acredita que caso o interno tenha progressão de regime e na

sequência se matricule em uma escola fora da prisão, visando dar continuidade em seus

estudos, ele conseguirá acompanhar e ter aproveitamento na escola fora da prisão?

46) Já teve a aula interrompida por algum incidente (apito). Caso positivo, como foi o retorno

a aula? Aconteceu no mesmo dia?

47) Há algo de específico no ensino na prisão quando comparado com outros lugares? Se sim,

por quê? Se não, por quê? Comente.

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48) Tem conhecimento e contato com a equipe multidisciplinar do presídio (Assistentes

sociais, Psicólogos, Advogados e outros)? O trabalho deles ajuda no desempenhar do seu

trabalho?

49) Há algo que você, caso pudesse, melhoraria no seu trabalho? Comente.

50) Você se sente realizado/a com o seu trabalho? Por quê?

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Contrato de compromisso do Profº(ª) com a E.E.Polo Profª Regina Lúcia Anffe Nunes Betine

1. O primeiro compromisso de trabalho deverá ser com a escola;

2. Informar a secretária escolar/coordenação pedagógica a carga horária que possui de

lotação em outras Unidades Escolares Estaduais tão logo seja efetuada;

3. Estar no Estabelecimento Penal pelo menos 15 minutos antes de iniciar as aulas;

4. Aguardar os alunos em sala de aula ou em local onde recomendado por responsável do

Estabelecimento Penal;

5. Apresentar-se de jaleco verde e crachá nos Estabelecimentos Penais;

6. Participar das reuniões pedagógicas – Formação Continuada;

7. Os professores de Campo Grande deverão cumprir o planejamento na escola e os

professores do interior nos locais previamente estabelecidos;

8. Elaborar e desenvolver atividades envolvendo o uso dos recursos tecnológicos e

midiáticos;

9. Para a exibição de filmes em sala de aula é necessário constar no planejamento,

agendar e registrar na ficha de agendamento da escola e da unidade penal. Os filmes

deverão estar relacionados ao conteúdo programático e quando necessário passar por

apreciação do responsável pelo Estabelecimento Penal;

10. Avisar imediatamente a coordenação pedagógica/direção em caso de falta por

emergência, no caso de doença, apresentar atestado médico como prevê a legislação;

11. Somente poderá substituir falta, professor lotado na própria escola;

12. Nenhum professor poderá dispensar aluno antes do término da aula;

13. Qualquer suspensão de aulas por parte do Estabelecimento Penal deverá ser

comunicada imediatamente a coordenação/escola;

14. Em nenhuma hipótese o professor poderá reduzir o horário de intervalo para sair mais

cedo;

15. A frequência dos alunos e os conteúdos deverão ser registrados em diário de classe

diariamente;

16. Finalizar os diários de classe na data prevista para o encerramento de cada bimestre,

após ser conferido pelo coordenador pedagógico;

17. A frequência do aluno é de inteira responsabilidade do professor, portanto a escola

somente poderá expedir a Certidão de Freqüência Escolar, de acordo com sua

comprovação;

18. Comunicar a coordenação pedagógica quando o aluno faltar 3 vezes consecutivas e

informar ao agente educacional do estabelecimento Penal. Não deixar para o término

do bimestre;

19. Para o Conselho de Classe, as notas e faltas devem estar previamente organizadas;

20. Quando houver alguma crítica em relação à parte administrativa ou pedagógica, tratar

em particular com a direção, evitando “ruídos” nas comunicações;

21. Quando houver algum problema entre um ou mais professores, que sejam resolvidos

em locais apropriados, evitando discussões no local de trabalho;

22. Manter bom relacionamento na equipe de trabalho, coordenação, direção e secretaria;

23. A ética é fundamental para a boa gestão democrática;

24. Autoridade e organização não podem ser confundidas com autoritarismo;

25. É vedado ao professor:

a escrita de cartas e requerimentos para internos;

a comunicação extra classe com internos e familiares dos mesmos;

o envio de correspondências ou recados de alunos para o meio externo;

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a utilização da sala de aula para outros fins que não sejam educativos;

levar medicamento para alunos;

comentários sobre sua vida particular;

utilizar sua conta bancária para uso dos alunos ou familiares dos mesmos;

levar fotos de familiares para compartilhar com seus alunos;

conversas, inclusive fora da sala de aula, que não sejam sobre conteúdos de

aula;

questionar sobre o “artigo” do aluno;

imprimir ou entregar fotos para alunos ou familiares de eventos que acontecem

nas unidades;

pesquisar a vida de alunos em sites;

presentear alunos ou levar qualquer tipo de material que não seja de uso

pedagógico.

Não atender as solicitações dos alunos que não sejam pertinentes à Educação,

ex: realizar atividades dos setores psicossociais e jurídicos;

26. Só serão permitidas doações anônimas e ao setor de serviço social;

27. Ao se relacionar nas redes sociais, ser discretos nas postagens pessoais e não

comentar absolutamente nada relacionado ao seu local de trabalho;

28. O não cumprimento das normas e regras, previamente acordadas impossibilitará a

renovação da convocação para o próximo semestre, dependendo da infração a

revogação poderá ser imediata e os encaminhamentos sobre os dispositivos legais

ficarão a cargo da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública.

29. Declaro-me ciente de que a certidão criminal estadual e federal, além do laudo

psiquiátrico e avaliação psicológica devem ser entregues à secretaria da escola até o

dia 30 de março de 2016, estando sujeito à imediata revogação da convocação, para os

professores que iniciaram o ano letivo. E para os contratados com o ano letivo em curso

deverão providenciar tais documentos tão logo seja solicitado.

Direção

Campo Grande, _____ de ________________ de _____

NOME: ____________________________________________________________

TELEFONE:________________________________________________________

UNIDADE PRISIONAL: _______________________________________________

MUNICÍPIO: ________________________________________________________

ASSINATURA:_______________________________________________________

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