UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE …‡ÃO... · Doutora em Ciências Sociais pela...
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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
FACULDADE DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
PRISCILA SANTOS AMORIM
SIGNIFICADOS DA ESCOLARIZAÇÃO PARA
CRIANÇAS/ADOLESCENTES COM INSUFICIÊNCIA RENAL
CRÔNICA NA VIVÊNCIA COM A HEMODIÁLISE
Linha de Pesquisa: Educação e Diversidade
Salvador
2014
PRISCILA SANTOS AMORIM
SIGNIFICADOS DA ESCOLARIZAÇÃO PARA
CRIANÇAS/ADOLESCENTES COM INSUFICIÊNCIA RENAL
CRÔNICA NA VIVÊNCIA COM A HEMODIÁLISE
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação
em Educação da Universidade Federal da Bahia como
requisito parcial para obtenção do título de Mestre em
Educação.
Orientadora: Profa. Dra. Alessandra Santana S. e Barros
Salvador
2014
PRISCILA SANTOS AMORIM
SIGNIFICADOS DA ESCOLARIZAÇÃO PARA
CRIANÇAS/ADOLESCENTES COM INSUFICIÊNCIA RENAL
CRÔNICA NA VIVÊNCIA COM A HEMODIÁLISE
Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em
Educação, pelo programa de pós-graduação em Educação da Universidade Federal da Bahia.
Data da aprovação: ____/____/____
_________________________________________________________
Alessandra Santana S. e Barros – Orientadora
Doutora em Ciências Sociais pela Universidade Federal da Bahia (UFBA)
Professorada Universidade Federal da Bahia (FACED/UFBA)
_________________________________________________________
Lúcia Vaz de Campos Moreira
Doutora em Psicologia pela Universidade de São Paulo (USP)
Professora da Universidade Católica do Salvador (UCSal)
_________________________________________________________
Sueli Ribeiro Mota Souza
Doutora em Ciências Sociais pela Universidade Federal da Bahia (UFBA)
Professora da Universidade Estadual da Bahia (UNEB)
Dedico a todas as crianças e adolescentes com
doença renal crônica e, também, para as suas
mães e pais acompanhantes, especialmente aos
que contribuíram com este estudo e que com
garra enfrentam a maratona em busca da
sobrevivência, através das formas possíveis em
meio à dor e ao sofrimento, mas que aprendem a
viver com novas maneiras de significação.
AGRADECIMENTOS
Sou muito grata a todos que me apoiaram, me deram força, me compreenderam, me
iluminaram...! Foram tantas pessoas que estiveram junto comigo, cada um ao seu modo,
demonstrando atenção e cuidado até que eu pudesse alcançar a desejada finalização desta
dissertação, e assim chegar a este momento de agradecer pelas inúmeras contribuições de
cada pessoa por ter me ajudado na realização desta etapa de minha trajetória pessoal e
profissional.
Serei sempre grata a Deus por tudo o que me possibilita realizar, me protegendo, me
iluminando e me encorajando na busca de todos os meus desejos.
Sou enormemente grata à minha família pelo apoio, compreensão e paciência nesta
fase da minha vida que exigiu esforços e dedicação. Em especial, agradeço à minha mãe
Vilma e ao meu pai Edizio que estiveram sempre do meu lado.
A todas as pessoas que participaram desta pesquisa e que com boa vontade, mesmo em
meio à correria das suas vidas, compartilharam comigo as suas experiências.
Ao meu querido Ferdinando, pelo companheirismo e atenção em todos os momentos.
E também às minhas grandes amigas de todas as horas, Marlene e Cláudia, pelo apoio e
cuidado.
À professora Alessandra, minha orientadora, que acolheu esta proposta de pesquisa e
assim me ajudou a torná-la possível, orientando e confiando em mim a todo o momento. Sou
grata também ao seu grupo de pesquisa, especialmente a Adriana, Ariane pela grande atenção
e ajuda, e também às demais colegas Denise, Cris, Rosane, Aline, Lívia, Thaís, Celeste,
Marian e Thaiana, que também fizeram parte deste percurso.
À todos os professores e colegas do mestrado que me auxiliaram na construção desta
pesquisa, para assim avançar nas contribuições teóricas e práticas deste estudo.
Às professoras Drª. Lúcia Vaz e Drª. Sueli Mota por gentilmente terem aceitado
participar da banca de qualificação e defesa.
À professora Sueli Mota e ao seu grupo de pesquisa na UNEB que me acolheu muito
bem, em especial às queridas: Rafaela, Detian e Érica que foram muito atenciosas e sempre
me deixavam à vontade nos ricos encontros de discussão.
Às minhas colegas professoras da classe hospitalar e domiciliar da SMED que
estiveram mais próximas a mim, e assim dedicaram o seu apoio, carinho e atenção. Em
especial de minha doce e sábia coordenadora Tainã, que acompanhou minhas angústias e
sempre esteve do meu lado. Meus sinceros e imensos agradecimentos!
Que a força do medo que tenho
Não me impeça de ver o que anseio.
Que a morte de tudo em que acredito
Não me tape os ouvidos e a boca
Porque metade de mim é o que eu grito
Mas a outra metade é silêncio.
[...]
Que as palavras que eu falo
Não sejam ouvidas como prece e nem repetidas com fervor
Apenas respeitadas
Como a única coisa que resta a um homem inundado de sentimentos
Porque metade de mim é o que ouço
Mas a outra metade é o que calo.
[...]
Que não seja preciso mais do que uma simples alegria
Pra me fazer aquietar o espírito
E que o teu silêncio me fale cada vez mais
Porque metade de mim é abrigo
Mas a outra metade é cansaço.
[...]
E que a minha loucura seja perdoada
Porque metade de mim é amor
E a outra metade também.
(METADE. Oswaldo Montenegro)
RESUMO
Esta pesquisa trata da escolarização de crianças/adolescentes em hemodiálise e que por sua
vez, vivem a maior parte do seu tempo em função dos cuidados à saúde e à manutenção da
vida. A hemodiálise consiste em uma terapia substitutiva da função renal, após o diagnóstico
da insuficiência renal crônica (IRC) em estágio mais avançado. O objetivo da pesquisa foi
investigar os significados do processo de escolarização de crianças/adolescentes com
Insuficiência Renal Crônica, que realizam tratamento de Hemodiálise, em um hospital público
da cidade de Salvador-BA. O referencial teórico-metodológico que a orienta, situa-se no
campo da fenomenologia, a partir de uma abordagem socioantropológica para a realização de
leituras possíveis do fenômeno em estudo. Desenvolveu-se um trabalho de campo, utilizando-
se observações e entrevistas com quatorze participantes, sendo sete pacientes (três meninos e
quatro meninas) do serviço de nefrologia pediátrica de um hospital público de Salvador-BA e
suas respectivas mães acompanhantes. A partir daí, foi possível organizar o material empírico
para realizar a análise e assim, descrever e problematizar as questões relativas à escolarização
destas crianças/adolescentes na vivência com a doença e a hemodiálise. Tal estudo
possibilitou visualizar em meio às experiências apreendidas, as consequências da doença e sua
terapêutica nas questões que envolvem as rupturas na vida destas pessoas, a adoção de novos
estilos de vida, os cuidados, as alterações no próprio corpo, o medo da morte, o sofrimento, as
esperanças e expectativas que implicam nos seus percursos e no que significam para estas
pessoas o processo de escolarização. Como resultados, identificou-se que para estas pessoas a
escolarização no contexto da IRC e da hemodiálise pressupõe a adaptação à realidade da
forma como esta se apresenta, quer seja na escola comum ou na classe hospitalar, não sendo
possível falar da educação escolar destas pessoas, sem antes perceber o peso marcado pela
doença em suas vidas e as dificuldades e possibilidades encontradas em seus percursos
carregados de emoções em seus cuidados, privações e rearranjos que, por vezes, são
necessários nos inesperados de suas trajetórias existenciais. Entender as necessidades de
crianças e adolescentes com doença crônica renal para a partir daí, garantir a assistência plena
em saúde, educação e seu processo de inclusão, se faz importante no caminhar de todas as
ações que os envolvem.
Palavras-chave: Doença crônica na infância. Escolarização. Insuficiência Renal Crônica.
Hemodiálise. Inclusão escolar. Fenomenologia.
ABSTRACT
This research deals with the children's and adolescents' education on hemodialysis which in
turn, live most of their time in terms of health care and the maintenance of life, being deprived
of their full cognitive, socio-affective and emotional development. Hemodialysis is a renal
replacement therapy after diagnosis of chronic renal failure (CRF) in a more advanced stage.
The objective was to investigate the meanings of the children's and adolescents' educational
process with Chronic Renal Failure who perform Hemodialysis treatment at a public hospital
in the city of Salvador-BA. The theoretical and methodological framework that guides this
research lies in the field of phenomenology from a socio-anthropological approach to the
realization of possible readings of the phenomenon under study. It was developed using
fieldwork observations and interviews with fourteen participants, seven of them were patients
(three boys and four girls) of pediatric nephrology service of a public hospital in Salvador -
BA and their seven accompanying mothers. From there, it was possible to organize the
empirical material to perform the analysis and so, describe and discuss issues related to these
children's and adolescents' education in living with the disease and hemodialysis. This study
enabled to view the experiences learned, the consequences of the disease and its treatment on
issues involving disruptions in the lives of these people, the adoption of new life-styles, care,
changes in the body itself , the fear of death , suffering , hopes and expectations involving in
their journeys and what these people mean to the educational process. As a result, it was
found that for these people, the education in the context of CRF and hemodialysis requires
adaptation to the reality of how it presents itself, either in regular schools or in the hospital
class, it is not possible to speak of these people's education without prior noticing the weight
marked by illness in their lives and the difficulties and opportunities found in their paths
carried with emotions in their care, deprivation and rearrangements which are sometimes
necessary in unexpected of its existential trajectories. Understanding the children's and
adolescents' needs with chronic kidney disease to thereafter ensure full assistance in health
and education and the process of inclusion, it becomes important in the journey of all actions
involving them.
Keywords: Chronic childhood disease. Education. Chronic Renal Failure. Hemodialysis.
School inclusion. Phenomenology.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
BPC Benefício de Prestação Continuada
BVS Biblioteca Virtual em Saúde
CAPD Diálise Peritoneal Ambulatorial Contínua
CONANDA Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente
DRC Doença Renal Crônica
DP Diálise Peritoneal
DPA Diálise Peritonial Automatizada
DPI Diálise Peritoneal Intermitente
ECA Estatuto da Criança e do Adolescente
FAV Fístula arteriovenosa
HD Hemodiálise
IRA Insuficiência Renal Aguda
IRC Insuficiência Renal Crônica
MEC Ministério da Educação
PTFE Prótese de politetrafluoretileno
TFD Tratamento fora do domicílio
SBN Sociedade Brasileira de Nefrologia
SEESP Secretaria de Educação Especial
SECADI Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão
SMED Secretaria Municipal de Educação
SUS Sistema Único de Saúde
UTI Unidade de Terapia Intensiva
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 12
2 OBJETO DE ESTUDO E SUAS ESPECIFICIDADES .................................................. 19
2.1 PATOLOGIA RENAL ....................................................................................................... 20
2.1.1 A insuficiência renal crônica e a hemodiálise ..................................................... 23
2.2 ESTUDOS SOBRE OS IMPACTOS DA DOENÇA CRÔNICA NAINFÂNCIA E IRC
EM CRIANÇAS E ADOLESCENTES: uma revisão de literatura .......................................... 30
3 REFERENCIAL TEÓRICO ............................................................................................. 40
3.1 EXPERIÊNCIA, CUIDADO E SELF: implicações na escolarização da
criança/adolescente em hemodiálise ......................................................................................... 40
3.1.1 Experiência ............................................................................................................. 43
3.1.2 Cuidado .................................................................................................................. 46
3.1.3 Corpo ...................................................................................................................... 48
3.1.4 Self ........................................................................................................................... 52
4 PERCURSO DA PESQUISA: DESCRIÇÃO DO TRABALHO DE CAMPO ................... 55
4.1 MÉTODO FENOMENOLÓGICO NA PESQUISA DESCRITIVA ................................. 57
4.1 CAMPO DE ESTUDO ....................................................................................................... 61
4.3 PARTICIPANTES DO ESTUDO ...................................................................................... 66
4.3.1 Crianças/adolescentes com doença renal crônica e suas mães acompanhantes
.......................................................................................................................................... 68
4.4 A OBSERVAÇÃO SISTEMÁTICA .................................................................................. 77
4.4.1 Os encontros com os participantes ....................................................................... 81
4.5 ORGANIZAÇÃO E ANÁLISE DAS INFORMAÇÕES DO CAMPO EMPÍRICO ........ 91
4.6 ASPECTOS ÉTICOS ......................................................................................................... 93
5 ELUCIDAÇÃO E COMPREENSÃO DOS RELATOS .................................................. 95
5.1 VIVÊNCIAS COM A DOENÇA ....................................................................................... 96
5.1.1 Conviver com a doença e as formas de lidar com ela ......................................... 96
5.1.2 Abstendo-se e as formas de cuidado .................................................................. 109
5.1.3 As alterações no corpo ......................................................................................... 116
5.2 ESCOLARIZAÇÃO NO CONTEXTO DA DOENÇA ................................................... 120
5.2.1 Percursos escolares e a IRC ................................................................................ 120
5.2.2 Significados da escola .......................................................................................... 128
5.2.3 Relação escola X doença...................................................................................... 133
5.3 A CLASSE HOSPITALAR NA HEMODIÁLISE .......................................................... 138
5.3.1 Percepções sobre a Classe Hospitalar na Hemodiálise..................................... 140
5.3.2 Relação Classe Hospitalar X aluno/paciente X família X escola comum ....... 147
6.1 ACESSANDO OS SENTIMENTOS ............................................................................... 152
6.2 PERSPECTIVAS DE FUTURO ...................................................................................... 158
7 COMPREENSÕES SOBRE O SIGNIFICADO DA ESCOLARIZAÇÃO PARA
CRIANÇAS E ADOLESCENTES EM HEMODIÁLISE ................................................ 164
8 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................... 179
REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 185
APÊNDICE A - ROTEIRO PARA ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA 01 .......... 192
APÊNDICE B - ROTEIRO PARA ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA 02 .......... 193
APÊNDICE C - TERMO DE CONSENTIMENTO INFORMADO LIVRE E
ESCLARECIDO ................................................................................................................... 195
ANEXO 1 - GRAVURAS UTILIZADAS NA 1ª PARTE DA PESQUISA COM AS
CRIANÇAS/ADOLESCENTES ......................................................................................... 197
ANEXO 2 - BARALHO DAS EMOÇÕES – Jogo utilizado na 3ª parte da pesquisa com
as crianças/adolescentes ....................................................................................................... 199
ANEXO 3 - FOLHA DE ROSTO DA PALTAFORMA BRASIL ................................... 201
ANEXO 4 - DECLARAÇÃO DO COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA ..................... 202
ANEXO 5 - DECLARAÇÃO DE CONCORDÂNCIA SETOR DE NEFROLOGIA DO
HOSPITAL ........................................................................................................................... 203
ANEXO 6 - DECLARAÇÃO DE CONCORDÂNCIA COORDENAÇÃO DA CLASSE
HOSPITAR ........................................................................................................................... 204
12
1 INTRODUÇÃO
Conhecer o humano é, antes de mais nada, situá-lo no universo, e não separá-lo
dele. [...] Todo conhecimento deve contextualizar seu objeto, para ser pertinente.
“Quem somos?” é inseparável de “Onde estamos?”, “De onde vivemos?”, “Para
onde vamos?” (MORIN, 2007, p. 47).
O tema deste trabalho se reportou à escolarização de crianças/adolescentes, com
doença crônica, que são privadas do seu pleno desenvolvimento cognitivo, socioafetivo e
emocional, por vivenciarem situações que dificultam a sua inserção social por demandarem
maior parte do tempo em função dos cuidados à saúde e à manutenção da vida, sofrendo
consequente exclusão social e escolar.
Nesta parte inicial, considero relevante resgatar aspectos da minha trajetória
profissional, enquanto pedagoga que atua como professora na rede municipal de ensino de
Salvador–BA, mais especificamente da minha relação com o tema desta pesquisa, com vistas
a esclarecer de onde se originam minhas questões iniciais para o surgimento do projeto de
pesquisa e as opções até a definição do tema e do referencial teórico-metodológico utilizado
nesta dissertação.
Ainda no período da graduação no ano de 2004 ao participar de um congresso na área
da Educação, tive a curiosidade em conhecer um livro que estava exposto em uma das
livrarias no local do evento intitulado Pedagogia Hospitalar, das autoras Matos e Muggiati
(2001) e através desta obra, pude fazer a minha primeira leitura do que venha a ser algo que
sequer tinha ouvido falar no curso de graduação em Pedagogia e que desejava conhecer mais.
Ao concluir o curso de graduação, iniciei minha prática docente na rede pública de
ensino, atuando no município de Salvador na educação infantil e nas séries iniciais do ensino
fundamental. Além disso, continuei a formação em nível de pós-graduação, através de uma
especialização em Neuropsicologia. Através deste curso, busquei me aproximar mais das
questões que envolvem o processo de ensino e aprendizagem. Neste período, estive mais uma
vez diante da pedagogia hospitalar, quando dialogava com um colega que atuava numa
instituição de educação especial e que se referiu como alguém que estudava essas temáticas
relacionadas à educação inclusiva, e portanto, conhecia a importância da atuação do pedagogo
no espaço não escolar.
Após três anos de atuação na rede municipal de ensino, fui informada sobre um curso
de extensão em Atendimento Escolar Hospitalar e Domiciliar, que seria ofertado para os
professores da rede municipal, através da própria secretaria de educação. Tive a oportunidade
de ingressar no mesmo, com muita satisfação e imensa curiosidade em conhecer mais de perto
13
e de forma estruturada sobre essa área da Pedagogia, que em alguns momentos havia
despertado em mim a curiosidade. As expectativas foram muitas e a medida em que as aulas
iam acontecendo, com a contribuição de vários profissionais da área de saúde e educação, eu
ia me dando conta de quanto esse ambiente em que os professores se inseriam exigia preparo
nos aspectos relacionados aos saberes em humanização da saúde, prevenção nosocomial1,
patologias comuns na infância, competências que esse profissional deve ter para exercer a sua
docência nesse contexto específico, dentre outros. No segundo momento do curso, me inseri
em uma das classes hospitalares, a fim de conhecer um pouco da dinâmica desse trabalho e
cumpri a carga horária restante do curso. No ano de 2008, fui introduzida ao grupo de
professores para ser docente de uma das unidades hospitalares que acolhem esse trabalho.
Em um período do dia continuava atuando na escola comum e no turno oposto exercia
a função docente com crianças internadas em um hospital do subúrbio ferroviário de
Salvador. Deparava-me com duas realidades bem distintas: uma com um grupo maior de
crianças que exigiam uma rotina específica e a outra com crianças em um ambiente que
representava dor e com dinâmica diferenciada, em que as práticas pedagógicas exercidas com
as mesmas, jamais poderiam acontecer da mesma forma como a da escola regular. Vivi,
inicialmente, muita angústia, pois a cada atendimento me dava conta da complexidade do
trabalho e, sobretudo, da responsabilidade que era estar ali para possibilitar a aprendizagem e
garantir o direito à educação ao escolar doente.
Após um ano atuando nesse hospital, tive a necessidade de ser removida para outra
unidade, a qual continuo vinculada junto ao grupo de professores que atendem no serviço de
nefrologia do Hospital Geral Roberto Santos em Salvador-BA. Este espaço tem características
bem diferentes do citado anteriormente, pois trata-se do atendimento à crianças e adolescentes
de faixa etária entre 2 a 14 anos com doença renal crônica. Estas pessoas recebem assistência
médica, social, psicológica, nutricional e escolar por meio da equipe que os atende
periodicamente por se tratar de uma patologia crônica que acomete os rins e as submete a
constantes procedimentos e consequente necessidade terapêutica ao longo da vida.
Tendo em vista a realidade observada durante os dois primeiros anos de minha atuação
docente na nefrologia pediátrica junto a pacientes em internação hospitalar e em terapia
substitutiva da função renal2, lancei alguns questionamentos que demonstraram a necessidade
de investigação científica para a compreensão dos aspectos que envolviam a realidade
1 Relativo ao os cuidados no controle às infecções hospitalares. 2 Abrange formas de realizar por meio de um trabalho artificial a função dos rins, que pode ser feito através de diálise
peritoneal ou de hemodiálise que serão abordados mais adiante.
14
empírica deste contexto e que emergiam dos atendimentos pedagógicos à crianças e
adolescentes no ambiente hospitalar.
As inquietações surgiram da análise do cotidiano para a compreensão de como se
constitui a vida escolar destas pessoas com Insuficiência Renal Crônica (IRC), em um cenário
de dependência da função renal, através da realização de terapia renal substitutiva. Além
disso, observaram-se os esforços para realizar exames rotineiros, dificuldades para locomoção
até a unidade em que realizam tratamento dialítico, de problemas de saúde relacionados à
própria doença, dos cuidados no cumprimento de uma dieta rigorosa, do controle da ingestão
de líquido e de várias medicações ao dia, de restrições médicas necessárias, em função dos
casos específicos de cada paciente, da atenção ao acesso (cateter ou fístula) da diálise, da
dificuldade de manter-se matriculado em escola comum, bem como de estar frequentando e
das dificuldades encontradas dentro da escola por consequência da hemodiálise (sonolência,
dificuldade de concentração, mal estar, fadiga).
A justificativa partiu da necessidade de investigação da realidade concreta de
crianças/adolescentes com doença renal crônica, especificamente das que estão em
hemodiálise e que não têm as mesmas condições para se desenvolver, além da diminuição da
habilidade em realizar as atividades escolares com autonomia esperada para a idade, em
relação às crianças que não apresentam a doença. Neste sentido, tornou-se necessária a análise
da conjuntura dessa realidade, das questões que envolvem as vivências com a doença e as
demandas na vida destas crianças/adolescentes e suas famílias e, especialmente, em relação ao
processo de escolarização, suas possibilidades e dificuldades.
A partir da minha inserção no Programa de Pós-graduação em Educação da
Universidade Federal da Bahia (UFBA), através da Linha de Pesquisa L4 - Educação e
Diversidade, que estuda a produção de conhecimento no campo da Educação Especial e
Inclusiva, e mais especificamente no grupo que pesquisa sobre crianças e adolescentes
hospitalizados e/ou com doenças crônicas, foi possível engajar-me no estudo do tema
relacionado à compreensão das problemáticas que envolvem os aspectos do processo de
inclusão escolar destas pessoas que muitas vezes fica despercebido, o que fortalece a não
inserção plena desses indivíduos na sociedade.
Foi possível, neste processo formativo, ampliar as possibilidades para visualizar o
objeto que desejava investigar e assim redefini-lo tendo em vista os múltiplos caminhos que
esta pesquisa poderia seguir. As contribuições de cada disciplina cursada para o conhecimento
de estudos que poderiam compor a base teórica desta pesquisa, para a seleção do tipo de
pesquisa, dos métodos e técnicas, que seriam utilizadas para a abordagem no campo de
15
pesquisa, deram corpo a este encontro inicial do tema trazido, a partir da realidade empírica
com o meio acadêmico. Assim também, os momentos de orientação foram essenciais para o
norteamento das questões que fariam parte deste estudo, bem como da definição da pergunta
de pesquisa, dos objetivos e da escolha do referencial fenomenológico para constituir a forma
de encontrar o que se desejava investigar.
A opção pela fenomenologia foi um grande desafio inicial para mim, mas de ampla
importância tanto na minha formação pessoal e acadêmica quanto no encontro da natureza
desta pesquisa. A primeira leitura que fiz para saber de que isto se tratava, se deu através do
livro Introdução à pesquisa em Ciências Sociais de Augusto Nibaldo Silva Triviños (2011).
Nesta obra, o autor lança ideias iniciais em relação à fenomenologia enquanto enfoque teórico
que embasa pesquisas acadêmicas e posturas frente às questões epistemológicas. Foi possível
também, através desta leitura, conhecer outros enfoques, perceber a inclinação teórica do
próprio autor, bem como de confrontá-los.
A grande investida na busca do entendimento da fenomenologia foi a minha inserção
em uma disciplina intitulada Educação e Fenomenologia ofertada pelo programa de pós-
graduação em Educação e Contemporaneidade da Universidade Estadual da Bahia no
primeiro semestre de 2013. A partir das indicações de autores que têm base em Edmund
Husserl3 e Martin Heidegger, tais como, Moreira (2002), Garnica (1997), Martins e Bicudo
(2006), Galeffi (2009), Bueno (2003), Silva Filho (2006), dentre outros, foi possível construir
minhas leituras, fundamentar o referencial teórico-metodológico deste trabalho e assim seguir
na realização da pesquisa empírica.
Considerando que a doença crônica nos sujeitos e, especificamente, em
crianças/adolescentes provoca rupturas, tanto em sua história de vida, quanto na sua
subjetividade; considerando a trajetória escolar de crianças/adolescentes com Insuficiência
Renal Crônica, as implicações nas necessidades em função da doença e o lugar que a escola
passa a ocupar tanto para a família quanto para a pessoa com a doença, suas dificuldades e
possibilidades de escolarização, buscou-se responder através desta pesquisa à seguinte
pergunta: Como as crianças/adolescentes com insuficiência renal crônica que fazem
hemodiálise atribuem significados ao seu processo de escolarização?
Para tanto, traçou-se como objetivo geral: investigar os significados do processo de
escolarização de crianças/adolescentes com Insuficiência Renal Crônica que realizam
tratamento de Hemodiálise em um hospital público da cidade de Salvador-BA.
3 Edmund Hesserl é referenciado pelos autores que trago e que tiveram base na fenomenologia descritiva.
16
E como objetivos específicos, buscaram-se:
Identificar os “impactos” da doença renal crônica e da hemodiálise na vida destas
crianças/adolescentes, a partir dos sentidos de suas experiências e as implicações no
seu processo de escolarização;
Compreender a forma como as crianças/adolescentes que vivenciam a IRC e a
hemodiálise, atribuem sentido e significado à sua escolarização.
Para a elucidação da problemática fez-se necessário compreender as peculiaridades da
doença renal crônica na infância e, mais especificamente, as implicações no processo de
escolarização de crianças/adolescentes acometidas pela doença por necessidades inerentes à
própria hemodiálise.
As escolhas metodológicas possibilitaram a compreensão do que as
crianças/adolescentes e suas mães acompanhantes tinham a dizer de suas vivências com a
doença renal e a hemodiálise e de que forma isso contribuiu para a atribuição dos significados
do processo de escolarização destas pessoas que retrataram tais experiências. À luz do
referencial teórico utilizado é que foi possível entender o que emergiu do tema e consequente
análise empírica.
Após esta introdução, a organização desta dissertação se materializou seguindo com a
escrita do texto que aborda em relação ao objeto de estudo desta pesquisa. Neste capítulo, o
Segundo, apresento, em primeiro lugar, breves considerações da doença crônica na infância, a
partir das ideias de Canesqui (2007) e Silva (2001). Sigo abordando a respeito da doença renal
crônica, a insuficiência renal aguda e crônica, bem como das possibilidades médico-
terapêuticas. Procuro dar atenção especial à insuficiência renal crônica e à hemodiálise para
trazer conceitos, classificações e considerações importantes para entender a patologia e suas
implicações na vida das pessoas por ela acometidas.
Ainda neste mesmo capítulo, discorro a partir da análise de pesquisas encontradas e
que tratam das questões psicossocial, emocional e escolar de crianças e adolescentes com
doença renal crônica. Neste sentido, foi possível conhecer algumas questões relevantes nessas
pesquisas por se aproximarem do que se propõe o presente estudo, como também saber das
aproximações, das lacunas e dos achados nessas pesquisas existentes.
No Terceiro capítulo, apresento o referencial teórico sobre o qual esta pesquisa se
embasa quando busca o entendimento da escolarização de crianças/adolescentes em
hemodiálise. Os conceitos-chave que fazem parte da discussão emergiram do próprio tema,
17
como também em razão do conjunto de conteúdos do campo empírico. Buscou-se, então, a
compreensão de experiência, cuidado, corpo e self como podemos observar no esquema
abaixo:
Quadro 1 – Referencial teórico-metodológico
Fonte: Própria autora
Neste capítulo, apresento a concepção de infância com base nos estudos de Corsaro
(2011) que defende a infância como uma categoria social. Tal opção foi feita por acreditar que
crianças e adolescentes têm muito a dizer da realidade por eles vivida e, portanto, suas
contribuições nos ajudaram a entender o fenômeno investigado. Os conceitos, que nesta parte
são discutidos, têm implicações nos processos que envolvem a escolarização de
crianças/adolescentes em hemodiálise. Ambos são pensados a partir do referencial de base
fenomenológica, buscando um olhar especial sobre as práticas, ou seja, o mundo das próprias
experiências para a compreensão do que aparece empiricamente.
Para o estudo do conceito de experiência, buscou-se inicialmente em Dewey (2011)
que fala da experiência e educação na perspectiva de que esta experiência prepara aquele que
a experienciou, seguindo da compreensão de Schutz (2012) que concebe a relação da vivência
para a experiência, além da perspectiva de Larrosa (2011, p. 5) quando nos apresenta que a
experiência é “isso que me passa”, ou seja, segundo o autor não há experiência sem a aparição
de alguém, de algo, de um acontecimento. O conceito de cuidado é também essencial neste
estudo, pois ele está relacionado, a todo o momento, à vida dessas pessoas, quer seja consigo
ou com o outro. Para tanto, buscaram-se os estudos de Ayres (2004), Copalbo (2011) e
Martins (2006) que tomaram como base a ideia de Heidegger (1986) de que o cuidado é o ser
do humano, em seus modos e reconstruções do ser, que está lançado no mundo.
No conceito de corpo, buscou-se a compreensão de uma unidade de sentido corporal
nas representações e práticas das pessoas. Para isto, foram utilizadas as referências de Ponty
Referencial teórico-metodológico
Abordagem teórico-metodológica
Fenomenológico
Estudos sobre doença crônica – infância - escola
Experiência / cuidado / corpo / self
Teoria
Conceitos
18
(1999), LeBreton (2012) e Mauss (2003). Não dissociando da ideia de corpo, foi desenvolvida
a concepção de self fazendo um recorte deste tema, tendo em vista a sua amplitude, buscando
uma leitura mais próxima da temática da convivência com a doença crônica, a partir do que
abordam Giddens (2002) e Bury (2011) em relação à construção do eu em meio às
circunstâncias vividas no contexto das experiências e dos cuidados com a saúde.
No capítulo Quarto, procuro fazer uma descrição densa do trabalho de campo,
apresentando o seu percurso. Nesta abordagem, trago inicialmente a natureza do método
fenomenológico na pesquisa qualitativa e algumas considerações da teoria que embasa e
orienta a postura do pesquisador na utilização deste método. Sigo com a descrição do campo
de investigação e posterior apresentação dos participantes do estudo: as sete
crianças/adolescentes com a doença renal crônica e suas respectivas mães acompanhantes.
Ainda nesta parte, escrevo como foi realizada a análise sistemática, que se deu através
de observação e entrevistas, fazendo a descrição de aspectos relevantes nos encontros com
cada um dos participantes, apresento ainda a forma como foram estruturadas as informações
trazidas do campo, a partir da orientação metodológica proposta por Giorgi (2012), Moreira
(2002) e Martins e Bucudo (1994).
No Quinto capítulo, trago a elucidação dos relatos dos participantes na forma como
foram compreendidos. Por uma questão de organização metodológica, os mesmos foram
colocados partindo da vivência com a doença para a exposição dos aspectos da vida escolar, a
partir do contexto previamente dado, mesmo compreendendo que não tem como separá-los,
sendo um, parte do outro.
O Sexto capítulo se refere às contribuições das crianças/adolescentes quando também
apresento aspectos da vivência com a doença no que elas revelaram, a partir da utilização de
recursos pensados para acessá-los, que são: o jogo e os desenhos.
No Sétimo capítulo, proponho um pensar às questões que foram apresentadas do
fenômeno investigado através de uma discussão acerca dos conceitos trazidos e de referências
que possibilitassem, a partir da perspectiva adotada, explicar as implicações no processo
educacional e escolar dessas crianças/adolescentes em seu modo de ser no mundo, com vistas
a assisti-las em suas especificidades e integralidade.
Por fim, trago as considerações gerais em relação a este trabalho, que com certeza
deixa tantas outras possibilidades de investigação, que envolvem o processo de inclusão
destas pessoas que fazem parte de uma sociedade e de uma escola que não tem um modo de
ser voltado para uma cultura que os absorva na sua diversidade enquanto seres humanos, tanto
pelos seus direitos, quanto pela própria condição de serem humanos.
19
2 OBJETO DE ESTUDO E SUAS ESPECIFICIDADES
[...] A cronicidade dimensionada no processo de adoecimento crônico não se
resume a um longo curso clínico, mas significa interligar o passado e o futuro em
uma narrativa sobre o presente. Essa narrativa constitui sentidos para os
cuidadores e para os cuidados cotidianos, moldando o corpo e o espírito, de
maneira atenta aos ditames da doença e à trajetória familiar. (CASTELLANOS,
2007, p. 385).
A doença crônica na infância é um tema bastante amplo e que expressa uma
problemática nas diversas áreas do conhecimento, dentro das ciências naturais, humanas e
sociais. Os diversos tipos de doenças crônicas na criança e no adolescente apresentam suas
especificidades em termos biológicos, porém, trazem para a vida destes sujeitos, muitas
restrições e particularidades que os afetam em todos os seus aspectos, seja na dor, na
dependência de medicação e de tratamento e em tantos outros da vida social, intelectual,
emocional e afetiva.
Desse modo, neste capítulo, inicialmente abordo a partir de alguns autores,
considerações que caracterizam de maneira bastante ampla a doença crônica nos indivíduos,
para compreender melhor a doença renal crônica que especificamente foi tratada aqui, bem
como uma breve apresentação dos tipos de terapia renal substitutiva, especialmente da
hemodiálise.
Seguem também algumas considerações de pesquisas já realizadas e encontradas sobre
a doença crônica e a Insuficiência Renal Crônica (IRC) nas crianças e adolescentes em algum
tipo de terapia renal substitutiva com foco nas questões psicossociais para buscar os aspectos
relacionados à escolarização destas crianças, que apresentam particular estilo de vida.
A partir de um olhar antropológico e sociológico da saúde, Canesqui (2007) faz
estudos sobre as condições de vida de pessoas com doenças crônicas e defende que a
cronicidade se refere às condições vividas por um sujeito acometido, que não tem condições
de se curar da doença, mas de conviver com ela, interferindo em várias dimensões da vida do
adoecido e dos que com ele convivem. A autora ainda destaca, com base nas ideias de Strauss
et al. apud Canesqui (2007), que as doenças crônicas requerem paliativos porque são
incuráveis, porém de longa duração, incertas, que podem deixar muitas sequelas e impor
restrições às funções dos indivíduos afetados e de seus familiares.
Um conceito bastante amplo de doença crônica que encontramos na literatura é o de
Silva (2001), que a define como uma desordem que tem uma base biológica, psicológica ou
cognitiva, tendo duração mínima de um ano e que produz algumas das seguintes situações:
20
dependência de medicação, dieta especial, assistência e tecnologia médica, aparelhos
específicos, limitação de função ou atividade em nível físico, cognitivo, emocional e de
desenvolvimento geral, prejuízo das relações sociais, sendo necessário a adesão de cuidados
médicos, psicológicos ou educacionais especiais, ou ainda de acomodações diferenciadas em
casa e na escola.
2.1 PATOLOGIA RENAL
A quantidade de pessoas que sofrem de patologias renais em todo o mundo é
relativamente grande, elas podem ou não ser graves e quando não tratadas podem causar a
falência das importantes funções renais, sendo necessário fazer diálise ou se submeter a um
transplante renal. Para melhor compreensão das doenças renais é necessário conhecer as
características e o funcionamento dos rins.
Os rins fazem parte do aparelho urinário ou excretor. Eles são envolvidos por uma fina
membrana (cápsula renal) e são formados por unidades funcionais chamadas de néfrons, onde
encontram-se os glomérulos que fazem a filtração do sangue, “seguindo-se diversas etapas de
remoção ou de adição de água e de solutos.” (HELOU; ANDRADE, 2006, p. 17).
Imagem 1- Aparelho urinário
Fonte: http://www.sbn.org.br/leigos/index.php?aparelhoUrinario&menu=6
Os rins têm quatro funções muito importantes no nosso organismo, que de acordo com
a Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN) são:
Eliminação das toxinas do sangue por um sistema de filtração: o sangue chega aos
rins por uma artéria renal, é filtrado e volta através de veia renal.
21
Regulação da formação do sangue, produção dos glóbulos vermelhos e formação dos
ossos: em sua plena função, os rins regularizam as concentrações de cálcio e de
fósforo no organismo, além da produção de vitamina D. São responsáveis também
pela liberação de um hormônio que auxilia na produção de glóbulos vermelhos que
em sua falta podem causar anemia.
Regulação da pressão sanguínea: os rins controlam a quantidade de líquido e a
concentração de sódio, a sua disfunção podem gerar inchaço e elevação da pressão
sanguínea. A hipertensão prolongada pode causar a falha na função dos rins.
Controle do balanço químico e de líquidos no organismo: o acúmulo de toxinas no
sangue pode causar uremia. As principais substâncias que causam os sintomas da
uremia são ureia e creatinina.
Segundo Thomé e Gonçalves (2006) a Doença Renal Crônica (DRC) pode ser definida
como a presença de dano renal ou diminuição da função renal por três ou mais meses, sendo
ela “[...] multicausal, tratável de várias maneiras, controlável, mas incurável, progressiva e
tem elevada morbidade e letalidade” (2006, p. 381). A DRC pode ser classificada em estágios
que variam a depender da capacidade da função renal e que evolui de um estágio para outro, a
partir da perda da função até chegar ao estágio terminal que necessita de terapia substitutiva
da função renal.
Sobre os sintomas e diagnóstico da DRC não há uma única forma de manifestação da
doença, até porque em alguns casos a DRC age de maneira silenciosa no indivíduo acometido.
Para compreender a este respeito, buscou-se em Gonçalves e Costa (2006) que:
As doenças renais podem manifestar-se sob diversas formas clínicas: alguns
pacientes têm sintomas e sinais relacionados diretamente ao trato urinário,
como hematúria4 macroscópica ou dissúria
5, enquanto outros podem ter
manifestações inespecíficas que ocorrem também em doenças extra-renais,
como edema ou hipertensão arterial. Adicionalmente, muitos pacientes são
assintomáticos, e a presença da patologia é observada em exames
complementares. O diagnóstico pode ser estabelecido em diversos níveis,
inicialmente busca-se agrupar os dados clínicos em síndromes e sinais
comuns a várias doenças (diagnóstico sindrômico); posteriormente,
aprofunda-se a investigação, procurando a doença responsável por aquele
quadro clínico (diagnóstico etiológico). Uma vez detectada a presença da
nefropatia primária ou secundária, é necessário estabelecer o grau de dano
anatômico ou funcional, a fim de elaborar um plano terapêutico adequado.
(GONÇALVES; COSTA, 2006, p. 32).
4 Perda de sangue na urina. No caso da hematúria macroscópica, esta alteração pode ser visível a olho nu,
deixando a urina avermelhada ou alaranjada, devendo sempre ser investigado pelo médico. 5 Dificuldade de urinar; dor e queimação ao urinar.
22
De todos os fatores de risco possíveis para o desenvolvimento da DRC, o diabetes e a
hipertensão arterial são as duas principais causas da doença e necessitam de atenção especial.
E quando o diagnóstico da doença de base é feita no paciente, há a possibilidade de
intervenção médica no sentido de avaliar se a perda da função renal pode ser reversível ou
amenizada. Para Beker e Noronha (2006), além da hipertensão arterial e da diabetes, outras
doenças podem acometer os rins incluindo as glomerulonefrites primárias (doenças que
acometem os néfrons), a nefrite lúpica (inflamação no rim causada por lúpus6), as vasculites
(doenças que acometem os vasos sanguíneos), as infecções virais (HIV, hepatites B e C),
algumas substâncias tóxicas que podem causar danos aos rins, as alterações no trato urinário,
além de outras patologias genéticas ou adquiridas e de outras síndromes raras.
Em relação a DRC, o tempo de vida do rim é curto após o diagnóstico patológico
definitivo e o seu quadro segundo o saber biomédico, já é irreversível, exceto em alguns casos
quando busca-se realizar o rastreamento da doença para diagnosticá-la em fases mais iniciais,
através de exames específicos de sangue e urina - creatinina e proteinúria
(THOMÉ;GONÇALVES,2006). Mas a ciência ainda não dispõe de formas muito avançadas
para controlar a evolução da perda da função renal quando esta se manifesta através de seus
sintomas, apresentando-se de forma severa, sendo necessária a realização também de
mudanças rígidas de hábitos de vida, muitas restrições, rigorosidade no uso de medicações e
em alguns casos, terapêutica indicada.
A ingestão de água ajuda a diminuir os riscos de doença renal quando o
funcionamento dos rins ainda está preservado, porém quando há a doença renal crônica e de
acordo com a orientação médica, o controle na ingestão de líquido deve ser feito, pois a
produção da urina diminui ou pode até não existir no caso de perda total da função renal, o
que pode causar acúmulo de líquido nos pulmões. Este é um dos grandes problemas
enfrentados pelas pessoas que têm a doença, pois deixar de beber água e diminuir a ingestão
de alimentos que contenham muito líquido (tais como, leite, sopa, mingau, café, melancia,
laranjas, etc.) é um grande esforço e necessita de muita vigilância especialmente no caso de
crianças.
6 Segundo Alves (2006), o Lúpus é uma doença caracterizada pelo acometimento de vários órgãos em conjunto ou de forma
isolada. É um distúrbio multifatorial e envolve suscetibilidade genética, fatores hormonais, ambientais e
imunoneuroendócrinos. Os indivíduos que a desenvolvem têm em comum a produção de autoanticorpos e de
imunocomplexos patogênicos. O Lúpus é mais comum no sexo feminino e a maioria dos diagnósticos é registrado entre os
16 e os 55 anos (cerca de 65% dos casos), sendo os outros 20% abaixo dos 16 anos e 15% acima dos 55 anos. O
comprometimento renal é o marcador do pior prognóstico da doença, o comprometimento hematológico e no sistema
nervoso central também são marcadores de mau prognóstico.
23
Além disso, a nutrição da pessoa com doença renal deve ser bem orientada pelos
profissionais que os acompanham, a partir da avaliação de exames periódicos feitos no
paciente. Mas em geral, a ingestão de alimentos com determinado teor de sódio deve ser
evitada. Desse modo, os pacientes e seus cuidadores são orientados a preparar alimentos com
o mínimo de sal, a ferventar determinados alimentos, mais de uma vez, a não ingerir alguns
alimentos ricos em fósforo e potássio e até de não consumir determinados alimentos, como é
o caso da carambola por ter uma substância tóxica que normalmente é eliminada pelos rins
quando estes mantêm o seu funcionamento.
2.1.1 A insuficiência renal crônica e a hemodiálise
A insuficiência renal é caracterizada pela perda da capacidade dos rins em realizar
suas funções. Ela pode ser aguda ou crônica. No caso da insuficiência renal aguda (IRA), a
doença é caracterizada pela sua rápida e temporária perda da função renal que pode ser
causada por algumas doenças graves, mas quando tratadas, podem levar à recuperação da
função renal. Segundo Manfro, Thomé, Veronose e Silva (2006, p. 347) “em
aproximadamente um quarto dos pacientes a IRA necessita de suporte dialítico” podendo o
rim retomar a sua função após algumas semanas.
Já a insuficiência renal crônica (IRC) é caracterizada pela perda lenta, progressiva e
irreversível da função renal, sendo necessária a realização de tratamento dialítico contínuo
para a manutenção da vida dos indivíduos afetados. Este tratamento dialítico tem um caráter
terapêutico (apenas realiza a função do órgão doente), não tendo papel curativo como outros
tratamentos a exemplo da quimioterapia.
Quando do diagnóstico da IRC em estágio terminal é necessário que o paciente realize
algum tipo de tratamento terapêutico dialítico. As terapêuticas substitutivas da função renal
mais comuns são a hemodiálise (HD), a diálise peritoneal (DP) – a diálise ambulatorial
contínua (CAPD), a diálise peritoneal automatizada (DPA) e a diálise peritoneal intermitente
(DPI)– e o Transplante renal. Todas elas aliviam os sintomas da doença, preservando a vida
do paciente, mas não têm caráter curativo. Pereira e Guedes (2009) afirmam que a adesão à
terapia renal substitutiva está também associada ao fato de o paciente assumir a sua condição
crônica no sentido de aceitá-lo como parte de sua própria pessoa, para conviver, cotidiana e
harmonicamente, com sua condição de saúde.
Pennafort, Queiroz e Jorge (2012), a partir da consulta do censo realizado pela
Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN) no ano de 2006, apresentam uma estimativa de que
24
no Brasil há aproximadamente 70.872 pacientes com IRC, sendo que 90,7% destes, estão em
hemodiálise e 9,3% em diálise peritoneal. Destes, 1.153 são pacientes com idade inferior a 18
anos representando 1,5% do quantitativo total de pessoas com IRC em todas as idades que
sobrevivem sob tratamento dialítico. Esta incidência pode parecer baixa, mas esta população
demanda de requisitos extensivos cuidados e custos, devido à medicação e ao próprio
tratamento, mesmo após o transplante renal. De acordo com Góes Junior, Andreoli,
Sardenberg, Santos e Cendoroglo Neto(2006), estima-se que o custo decorrente da diálise ou
do transplante renal seja de 1,4 bilhões por ano no Brasil, sendo este uma questão de saúde
pública no mundo inteiro.O autor nos apresenta na Imagem 2, o gráfico que das pessoas no
Brasil que fazem algum tipo de terapia renal substitutiva, há a prevalência de pessoas em
hemodiálise, assim como também nos apresentou Pennafort, Queiroz e Jorge (2012).
Imagem 2: Distribuição de pacientes com IRC no Brasil que fazem algum tipo de diálise.
Fonte: SESSO (2006, p. 41)
A escolha de um dos tipos de diálise depende da avaliação médica, levando em
consideração a estatura do paciente, o acesso vascular e a integridade da membrana
peritoneal, dentre outros aspectos. Todos os tipos de terapia renal substitutivas apresentam
riscos ao paciente, especialmente em relação às infecções e dificuldades de acesso que podem
ocorrer. No transplante renal, a infecção e a falha no enxerto também podem apresentar
complicações que vão diminuindo com o passar do tempo. As opções de tratamento não se
excluem mutuamente, ou seja, um paciente que faz transplante renal pode voltar a fazer
hemodiálise ou diálise diante da rejeição do enxerto até o recebimento de outro. (SETZ;
PEREIRA; NAGANUMA, 2005).
25
Os cuidados para quem tem a IRC inclui além da terapia renal substituitiva, a rigidez
na dieta, o controle de líquido e o constante uso de medicação a fim de promover a qualidade
de vida dos pacientes. Segundo Frota, Machado, Martins, Vasconcelos e Landin (2010), o
tripé sustentador para a vida do paciente com IRC é constituído por diálise, dieta e drogas
medicamentosas. A aderência a essa tríade terapêutica promove estado de controle
hidroeletrolítico (através da retirada do excesso de água, sais minerais e das substâncias
tóxicas ao organismo) essencial para a sobrevida desses pacientes.
De acordo com Góes Junior, Andreoli, Sardenberg, Santos e Cendoroglo Neto(2006),
a hemodiálise consiste no transporte de água e solutos através de uma membrana
semipermeável artificial por meio de um circuito extracorpóreo que inclui o dialisador
chamado de capilar – filtro que realiza a mesma função dos glomérulos dos rins – por onde
ocorre a eliminação da água e de solutos que saem do corpo pelo acesso vascular sendo
impulsionado para o capilar da máquina para ocorrer as trocas entre o sangue e o banho de
diálise. Estes processos não ocorrem em uma única passagem do sangue pelo capilar, sendo
necessário um fluxo constante de entrada e saída do sangue para que haja a devida purificação
em um período de, em média quatro horas, a cada uma das três sessões semanais. A
hemodiálise é realizada através de uma máquina em ambiente hospitalar ou em clínicas
especializadas, conforme observa-se na Imagem 3:
Imagem 3 – Máquina e circuito de Hemodiálise
Fonte: http://casosrenais.com/category/hemodialise/
26
O capilar recebe o sangue repleto de substâncias prejudiciais que entram por um lado e
passam por dentro do feixe de fibras de celulose, bem finas do capilar até sair pelo outro lado,
contendo uma quantidade menor dessas substâncias e voltando em seguida para o corpo,
ocorrendo também a retirada do excesso de sal e água do corpo. A dinâmica de filtração do
sangue é feita através do capilar (Imagem 4) que diminui a concentração de toxina no sangue
através da entrada do líquido da diálise para a limpeza do sangue que acontece no feixe de
fibras do capilar.
Imagem 4 – Dialisador ou capilar
Fonte: http://grupochr.net.br/chr/pacientes/informacoes/hemodialise/
Para a realização da hemodiálise, o paciente necessita de um acesso vascular
permanente, para através dele, acontecer o fluxo de sangue. Os tipos de acessos mais comuns
podem ser um cateter venoso (mais usados em crianças ou pacientes adultos que são recentes
em hemodiálise) que pode ser colocado no tórax, pescoço e na virilha, ou uma fístula
arteriovenosa (FAV), através de uma cirurgia no braço, preferencialmente o de uso não
dominante pelo paciente, vide Imagens 5 e 6, respectivamente, a seguir.
Imagem 5 – Cateter colocado na veia jugular interna direita.
Fonte: http://casosrenais.com/2010/10/page/2/
27
Imagem 6 – Fístula arteriovenosa (FAV)
Fonte:http://www.latinoamerica.baxter.com/brasil/pacientes/doencas/hemodialise-na-clinica.html
Todos os cuidados relacionados à hemodiálise fazem parte do tratamento terapêutico
que demanda cuidados e dedicação por parte do paciente e da família. Especialmente na
criança e no adolescente, a dedicação ao tratamento demanda esforços que podem
comprometer grande parte da vida do paciente e de seus cuidadores, pois um pouco mais que
a diálise peritoneal, a hemodiálise requer idas de, no mínimo três vezes ao centro de diálise
(hospital ou clínica), bem como a administração assídua e adequada da medicação, a
higienização e os cuidados adequados ao acesso vascular e a vigilante dieta alimentar e
hídrica.
Na hemodiálise há um controle intenso e cotidiano em relação ao peso do paciente,
pois cada um tem o seu “peso seco” que é o peso sem o acúmulo de líquido. Ao final de cada
sessão de hemodiálise, o paciente deve atingir o seu “peso seco” e ao retornar para a nova
sessão, deve se pesar para saber qual o peso que adquiriu entre uma sessão e outra de diálise e
assim perdê-lo durante àquela sessão. Para tanto, há de se ter um cuidado em relação à
retenção de líquido no corpo, pois com isto o peso tende a aumentar. Especialmente no caso
de crianças, os pais necessitam fazer esta vigilância e conscientizar o filho para a importância
deste controle.
Além destes cuidados, o paciente sofre com os efeitos da hemodiálise em seu
organismo, que por sua vez são bastante agressivos, causando-lhes fadiga, mal estar e baixa
na atividade funcional do paciente. Normalmente, as pessoas que se deslocam para realizar a
terapia renal substitutiva em outro município que não o seu de origem, apresentam maior
cansaço devido ao grande esforço que fazem para permanecer na terapia e com isso,
comprometendo a disposição em realizar atividades do seu dia a dia.
Outro tipo de terapia substitutiva da função renal é a diálise peritoneal que pode ser
realizada na residência do paciente. Sobre isso, Santos (2013) em seu trabalho de conclusão
28
de graduação em Pedagogia sobre a IRC em crianças e seu processo de escolarização, explica
que:
A diálise peritoneal tem o mesmo princípio básico da hemodiálise, que
consiste na saída de substâncias do meio mais concentrado para o menos
concentrado até chegar a um equilíbrio entre os dois meios, no caso, o
sangue e o líquido de diálise. Contudo, funciona diferente, pois ao invés de
utilizar um filtro artificial para “limpar” o sangue, é utilizado o peritônio,
que consiste em uma membrana natural localizada dentro do abdômen e que
reveste os órgãos internos dessa região. Contudo, faz-se necessário colocar
cirurgicamente no abdômen um cateter flexível. O cateter de diálise
assemelha-se a uma pequena mangueira, onde uma ponta está dentro do
peritônio e a outra sai pelo furo feito na barriga. Através dele é feita a
infusão de um líquido semelhante a um soro (líquido de diálise). Este líquido
entrará em contato com o peritônio, e por ele será feita a retirada das
substâncias tóxicas do sangue. Após um período de permanência do líquido
na cavidade abdominal, este fica saturado de substâncias tóxicas, e é
retirado, sendo feita em seguida uma nova infusão. (SANTOS, 2013, p. 28).
Os tipos mais comuns de diálise peritoneal, são: CAPD (em que as infusões são feitas
manualmente) ou DPA (através da máquina cicladora automática). A escolha do tipo de
diálise é feita a partir da avaliação médica e ela só passa a acontecer na casa do paciente, após
o treinamento realizado pela equipe de enfermagem, junto ao próprio paciente (quando já
compreende o tratamento e demonstra responsabilidade) e aos seus familiares. Vide Imagens
7 e 8, respectivamente, a seguir:
Imagem 7 – Diálise Peritoneal Continua Ambulatorial – CAPD
Fonte:http://www.bibliomed.com.br/bibliomed/bmbooks/nefrolog/livro1/cap/fig14-1.htm
29
Imagem 8 – Máquina cicladora da DPA
Fonte: http://renalsaude.blogspot.com.br/
A diálise peritoneal, por um lado, exige maior dedicação por parte do paciente e dos
familiares que administram os cuidados para adequada realização destes, a fim de evitar
também os processos infecciosos que podem gerar muito sofrimento e dor nos indivíduos,
principalmente nas crianças, mas por outro lado proporciona menor desgaste em relação à
hemodiálise por ser realizada em casa, podendo ser feita nos horários noturnos (DPA), ou
pelo próprio paciente durante três a quatro vezes por dia (CAPD). Os usuários e seus
familiares são capacitados para a devida utilização e manuseio, além da rigorosa avaliação
pela equipe de saúde para a liberação e concessão da máquina para fazer a diálise na
residência.
O transplante renal é a terapêutica mais desejada pelo paciente renal, sendo o que
oferece maior tranquilidade ao paciente e que tem se caracterizado por avanços e
modificações significativas nos últimos anos. Este consiste num enxerto de um rim
compatível, e a medida em que os cuidados devidos são tomados e o tempo do transplante vai
passando sem infecções e complicações, vai diminuindo o risco de rejeição.
A transplantação renal pode ser feita através do rim de um doador vivo ou de um
doador cadáver, devendo o órgão ser compatível. Para receber um rim de um doador cadáver,
o paciente deve estar inscrito em uma lista de espera (ou também em listas de outros estados
do país). Estas listas têm filas muito extensas de pacientes que aguardam um órgão
compatível, mas além da compatibilidade é necessário que haja condições deste paciente para
receber o órgão, pois para estar na fila, são feitos exames e avaliações médicas,
periodicamente, a fim de se verificarem as possibilidades no sucesso da cirurgia e na
aceitação e permanência do enxerto no paciente.
O paciente transplantado deve ser acompanhado constantemente pelo médico e
também fazer uso constante de medicações (drogas imunossupressoras) que inibem a rejeição
do “novo rim”. Apesar de muito almejado e por vezes entendido como sendo a cura da doença
30
renal, o transplante gera muitas expectativas por parte do paciente e de seus familiares que
esperam por muito tempo até a cirurgia com o desejo de ter uma vida mais tranquila, com
menos idas ao hospital, com maiores opções na dieta e ingestão normal de líquido.
A rejeição do rim transplantado pode acontecer por diversos motivos, podendo o
paciente realizar outro transplante, necessitando retornar para a diálise até que faça novamente
outra cirurgia. Isso geralmente causa muita angústia ao paciente e seus familiares apesar de
terem sido alertados para tal possibilidade.
A pessoa com insuficiência renal crônica tem direito a receber o Benefício de
Prestação Continuada (BPC) que corresponde ao valor de um salário mínimo. Este direito é
garantido mediante a comprovação da doença e de renda familiar mensal per capta inferior a
um quarto do salário mínimo. No caso dos pacientes que não fazem hemodiálise em seu
município de origem, há o direito ao benefício específico para conceder ajuda de custo para o
Tratamento Fora do Domicílio (TFD).
Assim, por meio do TFD, o paciente cobre gastos com passagens de ida e volta, ajuda
de custo para alimentação e hospedagens para si e para o acompanhante durante o período em
que estiver fazendo tratamento de saúde. Estes benefícios são importantes, pois no caso da
criança e do adolescente, o seu acompanhante na maioria dos casos fica impossibilitado de
permanecer em trabalho remunerado para viver em função dos cuidados da pessoa que se
encontra doente. Portanto há um esforço por parte do paciente, seus familiares e do assistente
social do serviço de nefrologia do hospital para garantir estes direitos aos pacientes.
Contudo, conviver nessas condições, quer seja em diálise ou transplantado, implica em
adotar um estilo de vida com limites determinados pela doença que gere estresse, alterações
em sua rotina e muitos outros prejuízos que têm sido tema de muitas pesquisas, das quais
buscou-se aqui explicitar, a partir da consulta a bancos de dados de periódicos e que mais se
aproximavam da temática proposta neste estudo, trazendo inicialmente algumas considerações
importantes sobre a doença crônica na infância com interesse nos aspectos da educação
escolar, seguindo de estudos sobre as implicações da doença renal crônica na vida de crianças
e adolescentes.
2.2 ESTUDOS SOBRE OS IMPACTOS DA DOENÇA CRÔNICA NAINFÂNCIA E IRC
EM CRIANÇAS E ADOLESCENTES: uma revisão de literatura
Para a sistematização dos conhecimentos produzidos acerca das condições vividas por
crianças e adolescentes com doenças crônicas e mais especificamente com doença renal
31
crônica e com o objetivo de investigar os aspectos da vida escolar de tais crianças é que foram
realizados os estudos dos artigos encontrados sobre o tema, sendo estes, recortes de teses e
dissertações.
A maioria dos artigos consultados não trata de pesquisas sobre a escolarização de
crianças com doenças crônicas especificamente, mas abordam as experiências destes sujeitos
em desenvolvimento que expressam um estilo de vida que se adapta às condições impostas
pela doença. Para tanto, tentaremos aqui situar a doença crônica e a insuficiência renal
crônica, para trazer uma discussão sobre estes estudos pensando nos conhecimentos já
construídos acerca desta temática e as contribuições destes para a pesquisa que aqui se propõe
realizar.
Mesmo com todos os avanços da tecnologia dos últimos tempos, tanto da Saúde em
diagnóstico e tratamento, quanto na Educação em novos recursos e serviços, as doenças
crônicas provocam mudanças na vida dos sujeitos. Essas mudanças são de ordem emocional,
social e orgânica, o que muitas vezes gera exclusão social e escolar, pois exigem cuidados
constantes, restrições e readaptações por parte dos envolvidos.
De acordo com Vieira e Lima (2002), especialmente as crianças e os adolescentes com
doenças crônicas têm o seu cotidiano alterado, muitas vezes com limitações por conta dos
sinais e sintomas da doença e as frequentes hospitalizações, na medida em que tal condição
requer maior assistência.
Em grande parte, os estudos sobre crianças com doenças crônicas investigam as
experiências da criança com a doença, apresentando como as mesmas vivenciam essa situação
específica, quais são suas dificuldades e necessidades em relação à vida que tinham anterior
ao tratamento e buscando, assim, entender sobre esse momento singular da sua vida que é
conviver na infância com uma doença crônica.
Sobre isso, vale destacar as considerações de Vieira, Dupas e Ferreira (2009) quando
expõem que esses indivíduos sofrem mudanças em seus estilos e na qualidade de vida por
causa da patologia, do tratamento e das hospitalizações recorrentes, sendo que as implicações
da doença crônica na infância, afetam o seu desenvolvimento físico e emocional, além dos
desajustes psicológicos, gerando ônus para toda a sua família na alteração das suas rotinas,
dos sentimentos de aflição, tensão, insegurança e preocupação pelo medo de complicações e
morte. O autor ainda destaca que o número de crianças com doenças crônicas expressam uma
quantidade significativa, que os tratamentos específicos geram altos custos ao governo e ainda
que existem poucos estudos sobre o tema.
32
Vieira e Lima (2002), em sua pesquisa sobre como as crianças e os adolescentes,
apreendem a experiência da doença crônica e mostram que as mesmas têm o seu cotidiano
modificado pelas frequentes hospitalizações, gerando mudanças especialmente no seu
processo de escolarização. A impossibilidade da criança e do adolescente frequentarem as
aulas resulta no abandono escolar, pois os pais se preocupam bastante com as questões
orgânicas e com as hospitalizações recorrentes. Os autores destacam sobre a Classe
Hospitalar, seus objetivos de acompanhamento e reintegração previstos na Política Nacional
de Educação Especial, do Ministério da Educação, de 1994. Os mesmos consideram que:
A escolarização e os relacionamentos sociais são também fatores
importantes na etapa do desenvolvimento em que se encontram as crianças e
os adolescentes do nosso estudo. A doença, a terapêutica e os efeitos
colaterais dos medicamentos interferem na frequência às aulas,
desmotivando-os e dificultando sua adaptação escolar. Eles sofrem
discriminação dos colegas, seja pela dificuldade de desenvolverem
determinada atividade coletiva, sendo excluídos de algumas delas, pelos
próprios colegas. Sentem-se diferentes, seu convívio social é limitado, tudo
isso interferindo em sua auto-estima. Nesse sentido, família, escola e
hospital devem estabelecer diálogos e dar condições para que a continuidade
da escolarização seja preservada. Algumas intervenções têm sido
desenvolvidas, como as classes hospitalares, favorecendo a aceitação e
reintegração do aluno, facilitando seu retorno à escola, sem prejuízos nas
atividades escolares. (VIEIRA; LIMA, 2002, p. 559).
Em relação à escolarização de crianças com IRC, buscou-se na literatura, as principais
considerações sobre este tema passando a considerar que os aspectos psicossociais da doença
em criança não estão dissociados de sua vida escolar por entender que as muitas questões
vividas pela criança com a doença renal influenciam em sua escolarização.
A este respeito, Pennafort, Queiroz e Jorge (2012, p. 1058) escrevem que “a doença
renal crônica possui uma dimensão permeada de significados na vida da criança e do
adolescente que se manifestam no decorrer da hospitalização e outras etapas do tratamento”
desde o diagnóstico da doença, das situações desgastantes, por vezes incompreensíveis e
inaceitáveis que transformam profundamente a sua vida cotidiana e que requer cuidados
especiais.
Com o objetivo de desenvolver uma pesquisa sobre como as crianças e os adolescentes
com doença renal crônica vivenciam o adoecimento e os cuidados educativo-terapêutico na
enfermagem, é que Pennafort, Queiroz e Jorge (2012) discutem sobre os seguintes aspectos:
convivência com a IRC e as mudanças no cotidiano e o ambiente hospitalar como promotor
da saúde. Nesse estudo, as autoras tratam sobre os seguintes pontos: as marcas que ficam no
corpo do paciente por causa dos procedimentos invasivos e dos acessos (fístulas e cateter); as
33
mudanças de hábitos devido às restrições alimentares; a importância do apoio familiar e as
dificuldades no contato social e necessidades socioeducativas, sendo importante aqui trazer as
considerações sobre os aspectos da escolarização que encontramos neste estudo:
O distanciamento da rotina escolar foi evidenciado por todos os sujeitos que
consideram este como uma perda que ultrapassava a formação escolar e
ocasionava redução de outras oportunidades de aprendizagens, como ter
amizades e momentos de distrações. [...] A respeito das atividades lúdico-
pedagógicas e recreativas, os sujeitos relataram a participação nas atividades
desenvolvidas pelo projeto Educação e Saúde na descoberta pelo aprender,
as quais ocorriam durante as sessões de diálise e na sala de espera enquanto
aguardavam a consulta ou o treinamento da diálise peritoneal realizado pela
enfermeira. [...] Entre as atividades diárias de crianças com insuficiência
renal crônica, a escola tem destaque nesta faixa etária, fazendo com que as
modificações sejam sentidas mais intensamente. As relações sociais ocorrem
neste espaço e os sujeitos sentem ausência delas. Nesta pesquisa, os sujeitos
mostraram o desejo de continuar estudando e as dificuldades que
enfrentavam para acompanhar as aulas em razão da terapêutica.
(PENNAFORT; QUEIROZ; JORGE, 2012, p. 1060).
Neste sentido, observa-se que há um destaque na necessidade de um olhar atento às
dificuldades de escolarização encontradas pelos sujeitos com IRC, mas o foco encontra-se nas
interferências causadas pela doença e seu tratamento em sua rotina como um todo, bem como
os aspectos psicossociais, sendo que as atividades educativas dentro do hospital não estão
entendidas como sendo Classe Hospitalar, mas como projeto com iniciativa de estudantes de
pedagogia e psicologia, com caráter lúdico-pedagógico como “momentos de distração e
grande interação entre os pacientes, profissionais e alunos, os quais trazem repercussões
positivas no projeto terapêutico.” (PENNAFORT; QUEIROZ; JORGE, 2012, p. 1063).
Em uma pesquisa sobre a qualidade de vida da criança com IRC, os autores Frota,
Machado, Martins, Vasconcelos e Landin (2010) apresentam a doença crônica na infância,
sendo que a criança passa a requerer adaptação individual e familiar em meio às várias facetas
do sofrimento de quem convive com a dor e o mal-estar, as restrições e a exposição do
próprio corpo aos procedimentos dolorosos, invasivos e desconhecidos. Sobre a escola, em
uma das categorias intitulada “Limitações da Doença e Tratamento”, os autores trazem
considerações a respeito da relevância desta como importante espaço de interação, em que a
criança mantém vínculos com a ampliação da possibilidade de brincar, aprender e incluir-se
nos grupos, mas que em razão do tratamento, muitas vezes necessitam faltar a escola,
acarretando atrasos e prejuízos na aprendizagem. Nas conclusões, os autores consideram que
a qualidade de vida de crianças com IRC é satisfatória apesar das limitações e das muitas
complicações em que está sujeita.
34
Em contrapartida às considerações de que apesar das alterações causadas pela doença
renal estes sujeitos possuem qualidade de vida, Bizarro (2001) apresentou os resultados de
uma pesquisa realizada com um grupo de adolescentes com IRC que faziam hemodiálise e
outro grupo de adolescentes que não tinham a doença e constatou que o primeiro grupo
demonstra uma diferença relacionada a sua condição psíquica, apresentando significativo mal-
estar psicológico em relação ao grupo sem a doença.
Nesta pesquisa, a autora não aborda exclusivamente os aspectos da vida escolar, mas
constatou que as condições vividas por estes sujeitos com IRC são a causa de seu insucesso
escolar e de problemas comportamentais e emocionais por ser especialmente complexa na
fase da adolescência. (BIZARRO, 2001).
Vieira, Dupas e Ferreira (2009) realizaram um estudo, a partir da experiência das
crianças com doença renal crônica, afim de compreenderem a vivência delas e analisarem o
significado que elas atribuem a estas vivências, apoiando-se nos referenciais do
Interacionismo Simbólico. Os autores consideraram que a experiência da criança com a
doença é percebida como uma trajetória composta por fases que vão desde a descoberta da
doença, passando pelas vivências com o tratamento até a expectativa destas crianças em
relação ao seu futuro.
Os autores destacam algumas problemáticas vividas pela criança na escola que são a
convivência com a zombaria, o desrespeito e a exclusão social devido às suas deficiências;
sobre a necessidade de explicar quais as suas limitações para os colegas e os professores, que
podem ser solidários e ajudá-los quando passam mal e o que fazer em caso de necessidades; e
sobre a maneira como as crianças fazem para minimizar os efeitos que o tratamento tem sobre
o seu rendimento escolar, que são: estudando em casa, pedindo o caderno emprestado ao
colega, sentando-se na frente e levando o caderno para estudar no hospital, mesmo que estas
alternativas não substituam a explicação da professora na escola. Estes autores corroboram
que a instabilidade física, emocional, social e familiar da criança com IRC a torna vulnerável
ao mau desempenho escolar.
Outra pesquisa que trata sobre as experiências com a doença renal foi realizada com
adolescentes utilizando como referencial a Teoria das Representações Sociais para apreender
o que eles pensam da sua condição de doente renal crônico e do seu contexto de cuidado
familiar e profissional. Ramos, Queiroz e Jorge (2008) realizaram esta pesquisa com setenta
adolescentes, sendo que destes, cinquenta faziam diálise (HD, DPA e CAPD) e vinte em
processo de adoecimento, mas que não eram a doença renal. A pesquisa demonstrou que os
adolescentes com IRC convivem com “diversas significações da doença, do tratamento e do
35
cuidado, sendo apreendido, principalmente como algo difícil que provoca mudança no estilo
de vida e que exige muita dedicação da pessoa doente e de sua família”. (RAMOS;
QUEIROZ; JORGE, 2008, p. 199).
Nesse estudo, não foi mencionado nenhum aspecto sobre a vida escolar destes
adolescentes, mantendo o foco na importância da atenção e do cuidado dos profissionais de
saúde e no bom tratamento da doença. O estudo segue com indicações relevantes sobre a
compreensão dos aspectos psicosociológicos, a fim de orientar as ações dos adolescentes com
IRC no seu cuidado e na promoção da sua autonomia.
Todas estas pesquisas já mencionadas tiveram como objeto as experiências de vida de
crianças e adolescentes com IRC independente do tratamento que realizam (diálise ou
hemodiálise). Os mesmos apresentam que estes sujeitos vivenciam uma vida priorizando o
tratamento dialítico, a rigorosidade na dieta e o uso das medicações, mas com prejuízos
físicos, emocionais e cognitivos.
A hemodiálise é o tratamento dialítico de significativa maior aderência no mundo
inteiro, apesar do transplante ser o mais indicado. No Brasil, este processo é muito demorado
para os pacientes que possuem doador e mais ainda para aqueles que estão em filas de espera
de rim de doadores cadáveres, principalmente quando este depende do Sistema Único de
Saúde (SUS). Dos trabalhos pesquisados, dois destes se reportam exclusivamente à
adolescentes que fazem hemodiálise e dois tratam de pesquisas sobre o transplante em
crianças e adolescentes. Ambos abordam as experiências destes sujeitos com relação à doença
e com foco na questão biopsicossocial trazendo aspectos da escolarização, em maior medida
em uns do que em outros.
Silva e Silva (2011) realizaram uma pesquisa sobre adolescentes em hemodiálise com
a intenção de compreender o impacto deste tratamento na vida de adolescentes acometidos
pela IRC. Neste estudo, foram entrevistados quatro sujeitos do sexo masculino e feminino
com idade entre 12 e 18 anos, evidenciando-se que a hemodiálise provoca mudanças na vida
do Ser adolescente. Este processo gera isolamento social devido ao tratamento que demanda
disponibilidade de tempo para dedicação à diálise, sendo dessa maneira, mais provável que os
vínculos sejam estabelecidos entre os seus pares.
Os adolescentes que faziam hemodiálise demonstraram dificuldades em realizar as
atividades cotidianas devido ao seu estado clínico, às doenças que podem estar associadas à
IRC, à falta de disponibilidade em função da demanda do tratamento. Silva e Silva (2011)
consideram que a continuidade dos estudos destes jovens fica prejudicada, pois os mesmos
encontram-se fadados à condição de conviverem com a situação de cronicidade, e
36
consequentemente, ao “déficit educacional ao que estes jovens podem estar submetidos pela
quebra sequencial do processo de aprendizagem”. (SILVA; SILVA, 2011, p. 48).
Bizarro (2001) também pesquisou sobre a IRC com adolescentes que fazem
hemodiálise e assim como Silva e Silva (2011), apresentam os aspectos que interferem na
condição de vida destes sujeitos, dos impactos em sua condição física, psíquica, social e
emocional, mas não aprofundam nas questões da escolarização, o que aponta para a
necessidade de investir sobre essa temática em estudos que abordam a realidade expressa
desses indivíduos.
Um estudo realizado por Santos (2000) sobre o contexto escolar de crianças com
Síndrome Nefrótica e com Doença Celíaca buscou investigar sobre a percepção dos
professores em áreas específicas do contexto escolar e do seu comportamento na escola. De
maneira geral, este estudo abordou as dificuldades de crianças com doenças crônicas em
estarem na escola, pois convivem com o estresse psicológico e com o absentismo que
repercutem no seu desempenho escolar. Estas crianças têm maiores dificuldades de adaptação
devido aos episódios frequentes da doença, das restrições funcionais e das reações de seus
pares e pais, tornando-se desmotivadas e com possíveis dificuldades na aprendizagem. Nesta
pesquisa, evidenciou-se que as crianças com Síndrome Nefrótica apresentam maiores
problemas em relação a sua vida escolar do que as com doença celíaca.
Esta pesquisa foi feita com três grupos: um com Doença Celíaca, um com Síndrome
Nefrótica e outro grupo sem doença (grupo controle). Em cada grupo participaram crianças,
mães e professores divididos igualmente. As crianças participantes da pesquisa tinham entre
seis a dez anos, eram de ambos os sexos, estudavam em séries variadas até o 6º ano e tinham
o diagnóstico de doença crônica há mais de um ano. Dos resultados, é importante destacar que
no caso do grupo de crianças com a Síndrome Nefrótica há um maior absentismo e menor
disponibilidade da criança para aprendizagem e para o convívio com as outras, esta condição
ocorre devido à natureza recorrente e às exigências do seu controle e tratamento que estão por
vezes associados a hospitalizações frequentes. (SANTOS, 2000).
Esta pesquisa também destaca o papel do professor no processo de escolarização de
crianças com doença renal crônica, tanto na aceitação da criança com a doença pelos seus
pares, quanto pela “gestão de eventuais dificuldades mútuas decorrentes da presença da
doença” (SANTOS, 2000, p. 97), além das contribuições no rendimento escolar, na
aprendizagem e na relação do professor com a criança.
As pesquisas encontradas sobre as crianças com transplante renal apresentam
significativa contribuição para entender as dificuldades educacionais vividas por estas
37
crianças. Estas se referem a duas pesquisas realizadas por Poursanidou, Garner, Stepenson e
Watson (2003, 2005), na Inglaterra utilizando diferentes sujeitos, sendo que uma procura
investigar as perspectivas dos alunos, pais e professores e a outra sobre a visão dos
profissionais de saúde a respeito das dificuldades e suportes educacionais de crianças com
transplante renal.
É comum na Inglaterra as crianças com diagnóstico de IRC se submeterem ao
transplante renal passando pouco tempo em diálise. O transplante renal em crianças se
diferencia em relação aos adultos, pois as mesmas estão se desenvolvendo e crescendo e os
“fatores técnicos, imunológicos e psicológicos fazem com que este procedimento em crianças
e adolescentes tenham suas peculiaridades”. (SETZ; PEREIRA; NAGANUMA, 2005, p.
295).
Estas duas pesquisas, com o mesmo tema realizadas por Poursanidou, Garner,
Stepenson e Watson (2003, 2005), tiveram o mesmo enfoque, e como foi dito, diferenciaram-
se especialmente nos sujeitos participantes. Ambas obtiveram resultados que se
complementaram no sentido de entender, a partir das perspectivas de todos os envolvidos
(crianças e adolescentes, pais, profissionais da saúde e professores) das dificuldades
educacionais de crianças com transplante renal.
A primeira delas, foi uma pesquisa qualitativa e quantitativa (através de informações
estatísticas sobre a frequência e desempenho escolar) que procurou compreender o que as
crianças, seus pais e professores tinham a dizer sobre o assunto, identificando as dificuldades
e problema na escola das crianças após o transplante, avaliando de que forma a escola se
organiza para atendê-los e quais as necessidades destas crianças e o apoio recebido em relação
à escola. Esta pesquisa também investigou questões relacionadas à comunicação entre saúde e
educação e sobre o suporte educacional e social para os pais destas crianças.
A segunda pesquisa publicada dois anos depois, investigou os pontos de vista dos
profissionais de saúde (médicos e enfermeiros) com o objetivo de entender quais as
dificuldades da criança com IRC em relação à escola; investigar os recursos educativos
oferecidos às crianças por estes profissionais; identificar o apoio necessário para promover a
educação e a inclusão social destes sujeitos; e explorar as questões de comunicação entre os
profissionais de saúde e de educação.
Nas duas pesquisas, Poursanidou, Garner, Stepenson e Watson (2003, 2005)
identificaram quatro grandes áreas de preocupação na vida escolar de crianças com doenças
crônicas. A primeira envolve problemas acadêmicos relacionados com as longas e frequentes
ausências que geram dificuldades e atrasos no desenvolvimento da aprendizagem e a
38
consequente dificuldade em recuperar o que foi perdido após as ausências, gerando
reprovações e insucesso escolar. A segunda está relacionada aos aspectos da integração e
inclusão social e escolar, exemplificadas pela exclusão das atividades extracurriculares da
escola, das dificuldades de relacionamento e do Bullying, bem como da falta de compreensão
dos funcionários da escola das implicações psicoeducacionais na criança com doença crônica.
A terceira área relaciona-se aos problemas emocionais e psicológicos que podem
colocar a educação dessas crianças em risco, incluindo: baixa motivação dos trabalhos
escolares e as preocupações e ansiedades relacionadas às dificuldades acadêmicas e sociais
para a reintegração após as ausências escolares. E a quarta e última área envolve a gestão de
suas necessidades médica no dia a dia da escola.
O estudo de Poursanidou, Garner, Stepenson e Watson (2003) procurou compreender
as dificuldades encontradas por crianças com doença renal crônica nos aspectos da sua
escolarização. Tal pesquisa, teve como principais objetivos: identificar quais as dificuldades e
problemas na vida escolar das crianças após o transplante renal; investigar e avaliar a oferta
educativa para estas; e explorar as suas necessidades de apoio em relação a escola, tendo em
vista a promoção e a sua inclusão educacional e eficaz.
As análises qualitativas desta pesquisa foram divididas em temas para facilitar a
compreensão dos aspectos que emergiram da pesquisa e que versaram sobre as dificuldades
encontradas pela criança ao reingressar à escola após o transplante renal, tais como: a falta de
motivação; problemas de relacionamentos com os colegas; falta de consciência e
conhecimento dos professores a respeito da doença dos alunos; dificuldade de equilíbrio dos
pais em relação a educação dos filhos através do envolvimento excessivo; e por fim a
importância da comunicação entre a equipe de saúde e a escola a respeito das demandas e
necessidades destas crianças com transplante renal.Fizeram parte dos resultados quantitativos,
as análises da frequência e do aproveitamento escolar. Em relação à frequência das crianças
pós-transplante, a pesquisa mostrou que embora a frequência seja satisfatória, ela se apresenta
menor do que a frequência dos seus colegas de classe. Nos estudos sobre o desempenho
escolar, as crianças com transplante, em média, não apresentaram diferenças significativas em
relação aos outros colegas.
Estes estudos (qualitativos e quantitativos) apresentaram muitos aspectos relevantes a
respeito das vivências e sentimentos destes sujeitos, das suas dificuldades e desejos em
relação ao processo de escolarização, o que aponta para algumas considerações e implicações
relevantes para a prática que envolve a reflexão por parte das condutas dos professores,
39
alunos, pais e equipe de saúde buscando minimizar as barreiras encontradas pela criança pós-
transplante e possibilitar a eficaz inclusão educacional e social.
Em relação a outra pesquisa realizada pelos mesmos autores no ano de 2005 que
buscaram a visão dos profissionais de saúde para saber as dificuldades de apoio às crianças
com transplante renal na escola, as falas dos sujeitos evidenciaram as dificuldades
encontradas pelas crianças com transplante renal no acompanhamento das atividades
escolares, destacando que não há dúvidas de que as crianças que estiverem em qualquer forma
de diálise apresentam muitas necessidades educacionais não atendidas e que isso irá refletir no
sucesso profissional, influenciando no alcance da profissão e mais ainda sobre as incertezas
da criança permanecer na escola por causa das rejeições e problemas do transplante.
Ficaram fortemente marcadas as percepções destes profissionais especialmente no que
se refere à comunicação entre professores e a equipe médica, sugerindo que “a colaboração
entre a saúde e a educação está longe de ser um fenômeno homogêneo” (POURSANIDOU;
GARNER; STEPENSON; WATSON, 2005, p. 09) e que a falta de comunicação é justificada
pela falta de tempo dos professores e da equipe médica. Ficou evidente também que as
diferenças culturais entre os professores e os profissionais de saúde se torna um fator
preponderante para inibir a eficácia da parceria entre estes profissionais.
No conjunto, os resultados destes estudos sugerem problemas em vários aspectos
relacionados à escola para a criança com Insuficiência Renal Crônica. A literatura aponta para
a necessidade de mais pesquisas sobre a escolarização de crianças e adolescentes com doença
renal crônica, tendo em vista a falta de pesquisas sobre as especificidades que demandam
dessa realidade, quer seja de crianças que fazem diálise (CAPD ou DPA), hemodiálise ou que
realizaram transplante renal, uma vez que a maioria destes estudos versam sobre as questões
de cuidado em enfermagem e dos fatores psíquicos e comportamentais relacionados ao estilo
de vida e as necessidade destes sujeitos.
40
3 REFERENCIAL TEÓRICO
A fim de que seja possível pensar-se a Educação na sua plenitude contextual é
preciso incluir-se uma reflexão do ser humano sobre sua ação de experienciar a
experiência. Nesse caso, é importante ter em vista o ser humano em suas
possibilidades e perspectivas. (MARTINS, 2006, p. 56).
Para a sustentação teórica desta pesquisa, foi necessário buscar uma aproximação de
alguns referenciais no entendimento dos aspectos relacionados à convivência com a doença
crônica na infância para pensar sobre alguns conceitos que serão resgatados mais à frente na
discussão a respeito do que elucidou dos depoimentos do campo na busca dos significados da
escolarização, atribuídos pelas crianças e adolescentes em meio às limitações impostas pela
doença renal crônica e seu tratamento.
Para construir esta parte da dissertação que busca tratar dos campos teóricos na
relação, análise e organização do objeto estudado, apoiei-me em estudos que se inserem no
campo da Educação e Saúde, tendo como base alguns conceitos da Filosofia, Sociologia e
Antropologia para a compreensão de conceitos como experiência, cuidado, corpo e self a fim
de estruturar possíveis caminhos de reflexão e discussão, a partir do olhar sobre o objeto aqui
investigado.
Levando em consideração as muitas abordagens e autores que discutem os conceitos
que busquei utilizar neste trabalho, fiz a opção pela utilização de alguns autores que me
pareceram mais adequados, tendo em vista a relação destes com o referencial metodológico
de base fenomenológica para a análise do conteúdo empírico desta pesquisa.
3.1 EXPERIÊNCIA, CUIDADO E SELF: implicações na escolarização da
criança/adolescente em hemodiálise
Antes de trazer a discussão dos conceitos-chave desta parte da dissertação, é
importante destacar a compreensão das concepções aqui defendidas sobre a infância e apesar
de ter feito a abordagem, tanto em crianças, quanto em adolescentes, partimos do princípio de
que se pretendeu, a partir das circunstâncias vividas em meio a doença, compreender não só
as condições atuais na vida escolar destas crianças e adolescentes, mas também da sua
trajetória escolar, especialmente para aqueles que conviveram com a doença renal desde a
infância.
Pode-se dizer que a infância é o período da vida que vai desde o nascimento até a
puberdade e tendo como base os direitos previstos no Artigo 2º do Estatuto da Criança e do
41
Adolescente, “considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade
incompletos” (BRASIL, 1990). Os diversos estudos relacionados a esta temática apresentam
algumas visões com foco em um ou outro aspecto. Para tanto, a adesão a um conceito amplo
de infância procura entender os processos evolutivos da criança em sua totalidade e
multideterminação e possibilita a não separação dos indivíduos de todo o seu contexto em que
se desenvolvem, sendo um integrador dos fenômenos históricos, sociais, culturais, biológicos
e psicológicos.
É neste sentido que as contribuições dos estudos da Sociologia da Infância sobre a
complexidade que envolve a infância e a educação são um importante referencial para
entender as várias questões que fazem parte da vida da criança e do adolescente com doença
renal crônica, e de como se dão as relações em seu processo de escolarização, a partir dos seus
estilos de vida em um contexto específico, em que tais sujeitos vivenciam na infância,
particularidades em decorrência das exigências da doença e de sua terapia para a manutenção
da vida.
No campo das ciências humanas e sociais, os estudos sobre a infância tiveram
destaque ao longo dos anos como objeto de estudo da medicina e da psicologia sobre o
desenvolvimento da criança, que a partir de teorias especialmente dos clássicos como Jean
Piaget, Lev Vigotski e Henri Wallon, destacaram os aspectos que seus estudos mostraram
fazer parte do desenvolvimento infantil para entender os fatores maturacionais do cérebro e
das interações dos indivíduos entre si e com o meio no desenvolvimento psíquico, da
linguagem, cognitivo e emocional.
A partir do legado deixado por estes teóricos sobre o desenvolvimento infantil,
podemos entender que as teorias genético-cognitiva e genético-dialética destacam o papel
ativo da criança no seu desenvolvimento como resultado de suas ações coletivas na interação
social em que as crianças apropriam-se gradativamente do mundo adulto, ou seja, “da
imaturidade à competência adulta”. (CORSARO, 2011, p. 36).
Pesquisas que abordam a temática da infância têm sido cada vez mais encontradas nos
estudos do campo das Ciências Sociais e Humanas. Em Educação, realizar pesquisas com
crianças do ensino fundamental e especialmente da educação infantil, apesar de não ser tarefa
fácil por exigir muitas estratégias, está ganhando espaço, pois através do que as crianças
expressam, é possível conhecer a realidade empírica que é experienciada pelos sujeitos
participantes dos processos investigados e que muito têm a dizer.
Neste contexto, as problemáticas expressas e que demandam investigações são
baseadas em experiências reais com crianças e adolescentes que vivenciam determinadas
42
situações e a partir daí, estes sujeitos passam também, assim como os adultos, a serem
empoderadas para a representação do seu mundo social. Isto está cada vez mais sendo
possível a partir da atenção aos campos científicos que abordam e defendem de maneira
menos redutível a atuação da criança no cenário em que estas estão inseridas.
A literatura aponta para a obra “História Social da Criança e da Família” de Philippe
Ariès (1986) como sendo um trabalho pioneiro na análise sobre as concepções da infância,
que segundo Sarmento (2009, p. 22), “estabeleceu a gênese do sentimento de infância no
processo de constituição do sujeito moderno no sentido da construção histórica desta
categoria social”. Mais tarde, De Mause apud Nascimento, Vanloir e Oliveira (2008) publica
um texto intitulado “A evolução da infância” que contribuiu também para o estudo sobre a
história da infância e que de acordo com Nascimento, Vanloir e Oliveira (2008, p. 02),
“ambos os autores supracitados enfatizaram a simultaneidade no tempo do descobrimento ou
reconhecimento da infância moderna”.
O sociólogo norte-americano William Corsaro desenvolve estudos há mais de 30 anos
sobre culturas infantis e em um dos seus livros chamado Sociologia da Infância (2011),
apresenta uma abordagem teórica ao estudo da infância, que dá lugar às crianças na estrutura
da sociedade com destaque às contribuições no seu próprio desenvolvimento e socialização
(CORSARO, 2011). Sua teoria nos fala da infância como uma categoria social e das crianças
como atores sociais, no sentido de buscar uma melhor compreensão na totalidade dos
fenômenos observados na realidade empírica.
Nestes estudos, o autor faz a classificação da perspectiva sociológica da infância que
tem como objeto a totalidade da realidade social, sendo as crianças o interesse de estudo para
a compreensão desta realidade.
No resgate às considerações das crianças enquanto “atores sociais, portadores e
produtores de cultura” (SARMENTO; GOUVEIA, 2009, p. 7), a infância a partir do século
XX, passa a ser estudada e entendida como categoria social apesar de inicialmente
permanecer sem maior aprofundamento, ganhando corpo, a partir de pesquisas que deram voz
às próprias crianças e não através de experimentos que as submetem para analisar suas
reações e fazer classificações a respeito de habilidades que possuem ou que se espera que se
tenha em determinada etapa da vida.
Os estudos da Sociologia da Infância interessam-me, pois é possível ver de maneira
muito significativa as mudanças no comportamento e na forma de interação das crianças na
atualidade. Fico pensando nas condições em que eu vivi a minha infância, tanto na minha
trajetória escolar, quanto nas relações sociais que eu estabelecia na família, com os amigos em
43
geral, principalmente através das brincadeiras e a partir daí, observando as crianças de hoje
nas suas brincadeiras, preferências e necessidades.
O documentário “A Invenção da Infância” (2000) produzido no Brasil e que apesar de
ter sido lançado há quatorze anos, nos apresenta de maneira muito forte e atual, a partir de
duas diferentes realidades, que as crianças cada vez mais se ocupam de atividades que, ao
meu modo de ver, não só retiram o seu direito de serem crianças, mas inserem-nas em um
contexto que está cada vez mais próximo do que se espera de um adulto, atribuindo-lhes cada
vez mais afazeres e responsabilidades na vida contemporânea.
A discussão, aqui apresentada, evidencia que as diversas áreas do conhecimento
apresentam orientações na compreensão sobre aspectos relacionados à criança e ao
adolescente no contexto em que se apresentam e isso nos dá condições para perceber como
tais aspectos discutidos são expressos consciente ou inconscientemente nas falas, nos estilos
de vida e nos comportamentos dos sujeitos acometidos pela doença renal crônica e da sua
inter-relação, a partir do que constitui a nossa existência. Para tanto, faz-se necessário
compreendê-las, de maneira mais específica, adentrando nos campos de investigação das
ciências sociais, cujos conceitos sobre experiência, cuidado, corpo e self foram aproveitados
por mim; para, a partir daí, pensarmos e problematizarmos sobre as questões aqui estudadas.
3.1.1 Experiência
O que os participantes desta pesquisa trouxeram em suas narrativas e respostas às
perguntas sobre que vivenciam, só foram possíveis, a partir de suas experiências no contexto
da doença renal sendo construídas em seus percursos, possibilitando-lhes elaborações acerca
do vivido em seus sentimentos e na forma como veem o mundo e as coisas. Não basta apenas
apreender o que quer dizer determinado aspecto que envolve a doença em seus procedimentos
e conceitos, que cientificamente foram embasados e organizados, pois para as pessoas que
convivem com a doença renal, todas as circunstâncias que fazem parte do seu contexto,
colaboram no que elas passam a pensar e a sentir sobre a sua vida.
John Dewey, filósofo da Educação da era moderna em sua obra: Experiência e
Educação (2011) nos escreve sobre a importância da qualidade da experiência e da sua
relação com a educação na vida das pessoas. A experiência para Dewey está relacionada a
todas as ações humanas em suas transações entre o físico e o humano. Ele nos alerta da
necessidade de uma teoria da experiência e antes de avançar no entendimento da educação
que deve ter como base uma teoria da experiência “a fim de que a educação possa ser
44
conduzida de forma inteligente com base nela” (DEWEY, 2011, p. 33) é importante entender
os princípios desta teoria.
Partiremos da ideia do “princípio da continuidade da experiência como um critério de
discriminação” (DEWEY, 2011, p. 33), pois para decidirmos sobre algo, consultamos sempre
as nossas experiências sobre o que se deve ser ou não preservado para, então, avançar na
tomada de novas decisões que dependem da qualidade da experiência que se tem. Dewey
(2011) considera dois aspectos da experiência, sendo o primeiro “o aspecto imediato de ser
agradável e desagradável e o segundo o aspecto que diz respeito a sua influência sobre
experiências posteriores.” (DEWEY, 2011, p. 28).
Tendo em vista esta teoria da experiência, vimos em Dewey a ideia de que a
experiência prepara aquele que a experienciou e sendo elas consideradas, aperfeiçoa-se para
novas experiências superiores com novas formas de ver e viver as situações que se
apresentam, pois a experiência é histórica, garantindo ao sujeito um acúmulo de
conhecimentos vividos.
Schutz (2012) nos traz a ideia da experiência significativa. Segundo ele, as fases da
experiência iniciam-se, a partir da passagem de situações vividas para depois serem
“apreendidas, distinguidas, colocadas em relevo, diferenciadas umas das outras” (2012, p.75)
para que passem a ser experiências constituídas e que ao final sejam consideradas pelo sujeito
de maneira apreendida ou refletida, a partir do que se pensou na situação vivida mediante a
sua reflexão. Nessa relação de vivência para experiência, o autor considera que:
Somente do ponto de vista do olhar retrospectivo é que existem experiências
bem distintas. Apenas o que foi experienciado é que é significativo, e não
aquilo que o está sendo. Isso porque o significado é meramente uma
operação de intencionalidade que, no entanto, só se torna visível a partir de
um olhar reflexivo. Do ponto de vista da experiência que está acontecendo, a
predicação do significado é algo necessariamente trivial, dado que o
significado pode ser entendido apenas como foco de atenção direcionado
para uma experiência passada, e não para uma experiência em curso.
(SCHUTZ, 2012, p. 76).
Portanto, mesmo que a pessoa esteja vivendo uma determinada situação como é o caso
da doença crônica, ela em seus relatos nos apresenta considerações do que apreende na
vivência com a doença crônica a partir do que vivenciou, resgatando seus primeiros
sentimentos do contato inicial com a doença e seus percursos na elaboração do que realmente
pensa daquela situação que o acompanha, pois “cada fase da experiência se funde com a
seguinte sem limites bem definidos enquanto ela está sendo vivida.” (SCHUTZ, 2012, p. 75).
45
Jorge Larrosa (2011) conceitua a experiência como sendo “isso que me passa” e não
isso que passa. Esta forma de colocação das palavras denotam circunstâncias diferenciadas e
que corroboram com o que aqui foi trazido a partir das ideias de Dewey e Schutz, em que
ambos falam da preparação na experiência vivida para marcar o significado apreendido. Neste
sentido, Larrosa formula alguns princípios para o conceito de experiência ao explicar cada
termo de “isso que me passa” em suas várias dimensões, que segundo Larrosa (2011, p. 8):
Temos, então, até aqui, várias dimensões da experiência.
- Exterioridade, alteridade e alienação têm a ver com o acontecimento, com
o que é da experiência, com o isso do “isso que me passa”.
- Reflexividade, subjetividade e transformação têm a ver com o sujeito da
experiência, com o quem da experiência, com o me de “isso que me passa”.
- Passagem e paixão têm a ver com o movimento mesmo da experiência,
com o passar do “isso que me passa”. (LARROSA, 2011, p. 8).
Estes princípios nos fazem entender que a experiência é algo reflexivo, não nos passa
sem ser refletido de maneira que nos afete pelo que é vivido sem ser marcado por ela. Para
Larrosa (2011), todo conhecimento produz efeitos em quem o vivenciou, não sendo possível
os outros sentirem o que não lhes aconteceu apesar de cada ser sentir a sua maneira com o que
mais lhe toca mesmo que determinadas coisas não tenham significado. Com isto, pode-se
trazer o exemplo de crianças e adolescentes em hemodiálise, que vivem a mesma situação,
mas com significados e percepções que em alguns momentos não são singulares em suas
experiências. Neste sentido, Larossa (2011, p. 7) considera que “a experiência é, para cada
um, a sua, que cada um faz ou padece sua própria experiência, e isso de um modo único,
singular, particular, próprio.”
Duas considerações sobre a experiência a partir de Dewey (2011) merecem destaque.
Uma é a de que ele considera que as condições temporárias vividas por uma pessoa podem
modificar e se fixar por todo o seu processo educacional, e a outra é a ideia de que pais
responsáveis proporcionam ordem para as necessidades na vida de seus filhos. Ambas as
considerações aparecem no contexto de vida da pessoa que, desde a sua infância, foi
acometida por doença crônica, por considerar que os pais precisam estar atentos ao processo
educacional, pois suas decisões podem advir sobre a escolarização dos filhos, de forma mais
ou menos desenvolvida, tendo em vista os seus percursos e escolhas.
Giddens (2002) aborda a questão do que ele chama de segregação da experiência
relacionada à situação de doença como sendo a separação do indivíduo de suas condições de
vida cotidiana e que podem gerar questões existenciais perturbadoras tais como, dúvidas em
46
relação à vida, ao mundo material e ao sentido de tudo isto para aqueles que lutam no
contexto da doença.
3.1.2 Cuidado
O cuidar é uma ação que não foge à natureza humana. O cuidado consigo mesmo, com
os outros e com o ambiente são essencialmente os modos de ser (do) humano (AYRES,
2004), pois o homem é um ser que estabelece relações que envolvem os cuidado sem sua
existência desde quando nasce, necessitando destes para a sobrevivência, no seu
desenvolvimento e no percurso em busca da realização de seus projetos de vida, inicialmente,
objetivados por quem cuida e construído em si mediado pelo outro.
Este cuidar de si e do outro, implica no cuidado da totalidade humana, que é “cuidar
de sua saúde física e mental; é responsabilizar-se pelo bem estar de si e do outro; é prevenir-se
do ponto de vista material, cultural e intelectual” (COPALBO, 2011, p. 39). Esta relação de
cuidado entre um eu (quem cuida) e um outro (quem é cuidado) demanda dedicação de quem
cuida ao que o outro necessita na sua fragilidade, bem como na responsabilidade perante o
outro que requer tal cuidado.
Martin Heidegger em sua obra Ser e Tempo (1986) nos apresenta o estado básico de
cuidado, o Dasein (ser aí) que corresponde ao ser-no-mundo e que é definido como o “próprio
ser do ser do humano” (AYRES, 2004, p. 21). Esta unidade original que, por Heidegger, é
chamada de ser-no-mundo é constituída pelos níveis de experiência e pelo estado de cuidado
que são indissociáveis, sendo o relacionamento consigo mesmo, uma característica
particularmente humana (MARTINS, 2006).
Dessa forma, a situação de doença renal crônica na infância e o contexto da
hemodiálise exigem que a pessoa com a doença se relacione de diversas formas no cuidado de
si, necessitando também do cuidado do outro, quer seja da família ou da equipe de saúde que
o acompanha. No enfretamento com a doença, tanto a criança/adolescente com IRC, quanto
seus cuidadores, apreendem e agregam em si novas formas de cuidados: o do doente que
ocupa-se de si, e o de seus cuidadores que ocupam-se especialmente de cuidar do outro, mas
que também por vezes necessitam de cuidado.
Neste sentido, podemos pensar como Bicudo (2011) quando se remete à obra Ser e
Tempo, mais precisamente na parte em que Heidegger intitula “A cura como ser de pré-
sença”, assim o autor concebe que somos cura enquanto vivemos. Para ele, a presença como
47
cura é caracterizada pelo movimento de ocupação e preocupação, sendo esta cura,
estabelecida como cuidado.
Ayres (2004) que tem como base a perspectiva heideggeriana, nos ajuda a entender o
cuidado, a partir da ideia de projeto. Neste sentido, o indivíduo, na intenção de alcançar
determinados projetos pensados para a vida, assume e mantém cuidados que o levarão à
realização dos projetos idealizados, mas o rompimento de determinados projetos em
detrimento de uma doença implica em buscar um novo modo de ser para a realização de um
projeto com um “horizonte normativo que enraíza na vida efetivamente vivida” (AYRES,
2004, p. 21)no sentido mesmo de uma reconstrução que demanda novas formas de cuidado,
atribuindo significado ao sentido que as coisas passam aos poucos a fazer para ele.
A ideia do cuidado no sofrimento deve ter como postulado a relação entre o eu (quem
cuida) e o outro (quem precisa de cuidado) concretos (REIS; OLIVEIRA, 2011). Neste
sentido, o cuidado deve estar baseado em uma conduta ética, ou seja, uma relação
desinteressada com o outro, em uma via de afeto, de sentido e de sensibilidades.
O cuidar é um encontro com o outro que exige, portanto, respeito e afeto. Na relação
entre o doente que necessita de cuidado e seu acompanhante, o cuidado não pode limitar-se à
assistência e ao tratamento apenas, pois essa escuta perpassa pela atenção para com o outro,
permitindo assim ouvir o outro em seu sofrimento e singularidade, buscando nessa relação de
cuidado, aproximar-se dele para não anulá-lo ou diminuí-lo, mas sim, atender ao que este
necessita em sua integralidade.
A experiência do acompanhamento para mães que estão lado a lado com o filho no
enfrentamento da doença renal é uma responsabilidade junto ao doente pela manutenção da
vida sem esperar reciprocidade na atenção e cuidados dispensados ao mesmo. Assim, assumir
o compromisso com as idas às sessões de hemodiálise em meio às dificuldades que cada um
enfrenta, bem como a atenção constante ao que o paciente com a doença renal necessita numa
relação de ocupação e preocupação que se dá também da própria pessoa consigo mesma.
Vale destacar a definição de Foucault (2006) sobre o cuidado de si que está
relacionado a ocupar-se consigo mesmo, preocupar-se consigo mesmo. Pois para ele, “o
cuidado de si implica uma certa maneira de estar atento ao que se pensa e ao que se passa no
pensamento.” (FOUCAULT, 2006, p. 14). Ambos tratam do cuidado, a partir da própria
condição do indivíduo relacionada ao mundo e à cultura de si em suas relações. A partir dessa
perspectiva, a terminologia cuidar de si refere-se “a qualquer ser humano que se conscientize
de suas necessidades para viver e busque formas adequadas para tal.” (AYRES apud
THOMÉ, 2011, p. 50).
48
Com isso, pode-se pensar, também, na ideia do cuidado de si por parte das mães que
cuidam de seus filhos, pois a forma como elas são vistas ao cuidarem de seus filhos importam
uma imagem que as deixam tranquilas pela crença do papel que exercem (GOFFMAN,
2011).Ou seja, do cuidado presente sempre na vida destas mães e de seus filhos com a doença,
quer seja no hospital, em casa, na rua, na escola, pois o cuidado de si e do outro são para estas
pessoas essenciais nos modos de ser e de conviver.
Corpo e cuidado mantém uma relação indissociável. Os cuidados em relação ao
controle da fisiologia do corpo para mantê-lo em funcionamento e contornar os perigos ao
qual este está sujeito, são as condições essenciais na vida de uma pessoa com IRC. Condutas e
hábitos rotineiros na vida destas pessoas é uma forma de vida que ocupa a existência na
condição da doença desde quando ela passa a fazer parte da vida destas pessoas.
Em relação aos cuidados que fazem parte da vida da pessoa com IRC que realiza
hemodiálise, pode-se destacar a fidelidade na realização da diálise periodicamente, o
constante uso de medicações nos seus horários e dosagens ideais, a realização de exames bem
como do seu acompanhamento, o controle na ingestão de líquido, a atenção em relação à
dieta, o repouso necessário no sentido de poupar esforços não recomendados, a atenção aos
sinais apresentado pelo próprio corpo, dentre outros.
3.1.3 Corpo
Nesta parte do texto, foi possível revisitar a noção de corpo, enquanto mediador do ser
no mundo e a partir de alguns pensadores, buscou-se o conceito de corpo na intenção de
mostrar que essa noção depende de contextos e de compreensões, tendo vista os diferentes
conceitos de corpo que se estabeleceram durante a história da humanidade e que tentou criar o
homem sem imperfeições por meio de um corpo perfeito, não consolidando o corpo dentro de
uma definição única.
Sendo a espécie humana a única na natureza capaz de objetivar sua vontade, sua
intencionalidade, o culto ao corpo, hoje difundido pela via midiática de consumo, vende
exatamente a mesma ideia do mito narcísico às pessoas: o esguio, o magro, o forte, o robusto,
o alto, o belo e o perfeito são conceitos que atravessam o imaginário humano e que não levam
em consideração a deterioração na qual os corpos se submetem ao tentar entrar neste
“padrão”. Tendo em vista esta realidade, o corpo deixa o seu pertencimento do campo
objetivo e passa a residir também na subjetividade. Ele passa a ser essencial para o controle
49
sobre os indivíduos, sendo o objetivo da vida na sociedade contemporânea a busca pelo belo e
pelo perfeito, o medo da velhice e da morte e o sonho da vida eterna.
As definições e as representações do corpo são construídas cultural e historicamente
pelo próprio homem e as sociedades diversas lançam seus olhares culturais para uma
construção simbólica sobre o corpo (LE BRETON, 2012). Sobre isto também, Mauss (2003)
nos apresenta considerações sobre o corpo como sendo o primeiro e mais natural instrumento
do homem, para que no decorrer do seu desenvolvimento, os homens, em cada sociedade em
que vivem, apreendam seus próprios hábitos, que são definidos pelo autor como sendo as
técnicas do corpo.
Todos os modos de agir são considerados por Mauss (2003) como técnicas do corpo
que para ele é o ato tradicional e eficaz indissociado do seu instrumento (corpo). O adulto não
tem maneira natural, pois é na infância que se inicia a apreensão destas técnicas, sendo a
adolescência o momento decisivo, pois “é nesse momento que eles apreendem
definitivamente as técnicas do corpo que conservarão durante toda a sua idade adulta”
(MAUSS, 2003, p. 214).
Temos a partir do objeto estudado, dois amplos e complexos caminhos sobre o estudo
do corpo. Um deles se refere à ideia de como o corpo funciona em sua anatomia e fisiologia,
sendo este aspecto, construído a partir das representações dos sujeitos naquilo que ele busca
conhecer e que é constituído em suas experiências. O outro caminho se refere às construções
subjetivas sobre o corpo envolvendo seus cuidados, suas angústias e também seu próprio self.
Sobre o saber biomédico do corpo, Le Breton (2012, p. 128) em seu estudo
antropológico do corpo na modernidade, destaca que:
Cada um recebeu uma aparência de saber anatômico e fisiológico nos bancos
da escola ou do liceu, observando o esqueleto das salas de aula, as
ilustrações dos dicionários ou assimilando os conhecimentos vulgarizados
que se trocam cotidianamente entre vizinhos e amigos e que provêm da
experiência vivida e do contato com a instituição médica, a influência das
mídias etc. mas esse saber permanece confuso. Raros são aqueles que
conhecem realmente a localização dos órgãos e que compreendem os
princípios fisiológicos estruturando as diversas funções corporais. Estes são
conhecimentos mais do que rudimentares para a maioria dos atores. Eles não
aderem a eles, de fato, a não ser de maneira superficial. Na consciência que
ele tem daquilo que o funda fisicamente. Daquilo que constitui o interior
secreto do seu corpo, o ator recorre paralelamente a muitas outras
referências. (LE BRETON, 2012, p. 128).
Quando nesta pesquisa conversamos sobre o que cada um pensa a respeito da doença
renal crônica, as explicações além de serem baseadas num conhecimento dentro da
perspectiva do saber biomédico, também nos apresentam muito do que se discute
50
teoricamente no campo sócio-antropológico, não sendo possível vê-los nos discursos de
maneira dissociados no que cada um organiza psicologicamente, e que fazendo a relação com
o que se falou anteriormente sobre as técnicas do corpo “o que sobressai nitidamente delas é
que em toda parte nos encontramos diante de montagens fisio psicossociológicas” (MAUSS,
2003, p. 420).
Em vista desta perspectiva que é marcada culturalmente de maneira muito forte, a
primeira ideia de corpo é a ideia do corpo anatômico e quando se procura entender o que a
pessoa que tem e convive com a doença renal, ela procura materializar tendo como base o que
sabe da estrutura e funcionamento do sistema urinário, iniciando nesta explicação e aos
poucos se situando num contexto mais amplo a partir das suas representações, experiências e
sentimentos.
A concepção de corpo que nos apoia teoricamente é de base fenomenológica por
acreditar que este estudo filosófico nos baseia de forma holística, contemplando o que aparece
nas falas trazidas neste trabalho. De maneira bastante geral, o pensamento de Ponty (1999) em
Fenomenologia da Percepção nos capítulos que tratam do corpo, elucidam as complexidades
nas várias facetas em que o corpo se apresenta.
Para o filósofo Ponty (1999), fenomenólogo que analisa o mundo enquanto fenômeno
e como esses ocorrem na consciência, a ideia que se tem de corpo é profunda e complexa,
transcendeos âmbitos do físico, do psíquico e do intelectual. Para ele, o corpo, enquanto
fenômeno, não existe apenas como um objeto instituído, mas que carrega em si valores
inerentes que o constituem, que o determinam, que o identificam e o validam, sendo o corpo o
lugar de apropriação do espaço e objeto, o mediador de todas as experiências, o ponto de vista
sobre o mundo e o veículo do ser no mundo em que o ser tem consciência do mundo por meio
do corpo (PONTY, 1999).
A ideia de corpo no sentido da totalidade nos é apresentada por Copalbo (2011), a
partir dos seus estudos da obra Fenomenologia da percepção (1999) de Ponty que fala do
“corpo vivido” como sendo constituído do “corpo objetivo” e do “corpo fenomenal” ou
“corpo próprio”. Para isto, iremos destacar que:
[...] este corpo vivido é ao mesmo tempo corpo objetivo e corpo fenomenal
que se cruzam e se unem um no outro. Diz ele: “meu corpo é de uma só vez
corpo fenomenal e corpo objetivo” (Merleau –Ponty, 1964ª, p. 179). Ele
traz, desta forma o foco para o estudo da corporeidade, do corpo fenomenal
ou vivido, corpo que se apresenta como o de uma subjetividade, corpo
próprio possuidor de um esquema corporal dinâmico. (COPALBO, 2011, p.
34).
51
O corpo objetivo é a forma de ser no mundo e que dá, através do corpo fenomenal, a
consciência do ser na esfera subjetiva. O corpo é completo e inacabado e apesar de cada um
ter a mesma constituição e de cada um apresentar suas singularidades a partir das experiências
individuais e com o outro. Sobre isto, vimos que:
Não basta que um dos sujeitos conscientes tenham os mesmos órgãos e o
mesmo sistema nervoso para que em ambos as mesmas emoções se
representem pelos mesmos signos. O que importa é a maneira pela qual eles
fazem uso de seu corpo, é a informação simultânea do seu corpo e de seu
mundo da emoção. O equipamento psicofisiológico deixa abertas múltiplas
possibilidades e aqui não há mais, como no domínio dos instintos, uma
natureza humana dada de uma vez por todas. O uso que um homem fará de
seu corpo é transcendente em relação a esse corpo enquanto ser
simplesmente biológico. (PONTY, 1999, p. 256).
Estas complexas e profundas ideias de Ponty (1999) nos apresenta o corpo como um
espaço expressivo que garante a sua existência; o corpo enquanto fenômeno na sua
capacidade singular de apreender o sentido; o corpo expressivo e reflexivo que é resultado de
suas ações; e o corpo sexuado no movimento da existência em direção ao outro, ao futuro.
Nesta perspectiva, Le Breton (2012) em sua análise antropológica se reporta à ideia de
corpo no campo da fenomenologia e que, de um certo modo, nos ajuda a compreender e a
ilustrar as ideias de Ponty sobre o corpo.
Fenomenologicamente, conforme dissemos, o homem é indiscernível de sua
carne. Esta não pode ser mantida por uma posse circunstancial; ela encarna
seu ser-no-mundo, aquilo sem o que ele não seria. O homem é esse não-sei-
o-que e esse quase-nada que transborda seu enraizamento físico, mas não
poderia ser dissociado dele. O corpo é a morada do homem, seu rosto.
Momentos de dualidade em uma vertente desagradável (doença,
precariedade, deficiência, fadiga etc.), ou em uma vertente agradável (prazer,
ternura, sensualidade etc.), dão ao ator o sentimento de que seu corpo lhe
escapa, de que excede aquilo que ele é. [...] faz do homem uma realidade
contraditória, onde a parte do corpo está isolada e afetada por um sentido
positivo ou negativo, segundo as circunstâncias. (LE BRETON, 2012, p.
240).
O estudo da corporeidade é de grande importância nesta pesquisa, pois como
considera Nettleton apud Canesqui (2010, p. 321), “a enfermidade limita o funcionamento
“normal” do corpo, com profundas consequências (sic) sociais, políticas, econômicas e
psicológicas”. Neste sentido, as questões do corpo, por um lado aparecem explícitas nos
relatos sobre as dificuldades enfrentadas pelas crianças em frequentar a escola, nas relações
que estabelecem com os membros da escola, em suas aparências corporais, nos estigmas, bem
como em seus imaginários sobre as mudanças que são visíveis através do corpo. E por outro
lado, a ideia do controle do corpo sobre as emoções provocadas pelos sofrimentos
52
vivenciados pelas mães que necessitam conter-se para encorajar o filho no enfrentamento de
suas experiências com a doença.
3.1.4 Self
As discussões relacionadas a identidade (biográfica e social) são bastante amplas e
proporcionam uma nova forma de enxergar no mundo e perceber os valores que emergem na
sociedade contemporânea. Diferentes autores abordam questões, sendo que algumas destas,
apresentam-se mais próximas a este estudo. O conceito de identidade para Hall (2006) se
estrutura na concepção de uma construção social estabelecida e faz os sujeitos se sentirem
mais próximos e semelhantes. Bauman (2005) desenvolve a ideia da identidade como algo
criado, discursivamente elaborado, flexibilizando os parâmetros de identificação e
pertencimento. Giddens (2002) defende que a identidade é construída através do paralelo
entre o modo de funcionamento das instituições na sociedade moderna e a vida dos indivíduos
inseridos na atual sociedade.
A partir dessas considerações que dialogam sobre a temática da identidade,
compreende-se que há duas vertentes: uma diz respeito à identidade coletiva ou uma
identificação social de um determinado grupo, ou seja, o indivíduo definido socialmente; e a
outra refere-se a um processo identitário biográfico, estando relacionado à forma como os
sujeitos constroem a sua trajetória nos seus diversos aspectos para uma construção subjetiva
de sua própria identidade – seu self - no contexto atual, sendo esta última, a que nos
deteremos aqui.
Em Identidade e Modernidade, Giddens (2002) discute a identidade do eu (self) com
ênfase principal no surgimento dos mecanismos de autoidentidade. A dialética do local e do
global nas condições de vida contemporânea são os dois pólos das transformações ocorridas
na formação da autoidentidade no contexto atual, ou seja, as mudanças nos aspectos pessoais
estão intimamente relacionados às conexões sociais (a relação entre o eu a sociedade)mais
amplas.
Como exemplo, o autor demonstra que as influências de acontecimentos distantes a
eventos próximos tornam-se cada vez mais comuns na alta modernidade através da mídia
(impressa e eletrônica) e dos meios de comunicação que têm influenciado tanto a
autoidentidade, quanto a organização das relações sociais. A identidade (self) para este autor
seria construída nos tipos de relações características das sociedades modernas e a vida dos
indivíduos.
53
A criança que faz hemodiálise constantemente é tratada como sendo uma criança com
uma condição específica intrínseca a ela na condição de ser renal, ou seja, comumente ela é
tratada como “a renal” ou “o renal”, essa forma também influencia na maneira como ele
constrói seu self, na relação com a doença crônica, parte do princípio de que é renal e todas as
suas vivências e escolhas sofrem influências sobre isso, ao invés de conceber que está com a
doença que requer cuidados especiais. Para tanto, os sentidos e significados que a pessoa com
a doença renal atribui à vida, pode sofrer influência dessa maneira de se ver e de se
compreender inserida na sociedade, e por este motivo, a discussão sobre o self se faz
importante neste trabalho, tendo em vista as muitas contribuições de autores que tratam desta
temática.
Alguns estudos dessa natureza mostram que a vida da pessoa com doença crônica
passa a ser vista como uma bifurcação, como se vivesse o antes e o depois da doença, como
uma espécie de reinvenção ou como uma disrupção. Bury (2011) chama esta condição de
ruptura biográfica, a partir das ideias de Giddens (2002) ao discutir sobre o risco e os estilos
de vida, ambos estão relacionados à construção da(s) identidade(s) desses indivíduos (crianças
e adultos).
Giddens (2002) traz uma discussão em relação às experiências disruptivas de uma
maneira mais ampla, ao tratar de uma “situação crítica”, defende que as rupturas são
provocadas por eventos importantes localizados biograficamente, a partir de situações
cotidianas e rotineiras em situações perturbadoras e não especificamente relacionada a doença
como enfatiza Bury.
A doença crônica é conceituada como um tipo particular de evento disruptivo, sendo
um “tipo de experiência em que as estruturas da vida cotidiana e as formas de conhecimento
que as sustentam se rompem” (BURY, 2011, p. 43). Ela envolve um reconhecimento dos
mundos da dor e do sofrimento, e as possibilidades de conviver com a doença requer desse
indivíduo uma reconstrução biográfica que implica em uma nova forma de viver e conviver
diante das circunstâncias vivenciadas, sendo ele levado também a rearranjar seus recursos
cognitivos e de relações sociais, bem como da sua autoidentidade:
Essa ruptura realça os recursos cognitivos e materiais disponíveis aos
indivíduos. Exibe as principais formas que as explicações para a dor e o
sofrimento vivenciados na doença assumem na sociedade moderna, a
continuidade e descontinuidade dos modos de pensamento profissional e
leigo e as fontes de variabilidade da experiência originada da influência das
restrições estruturais sobre a habilidade de adaptação. (BURY, 2011, p.52).
54
Para o autor, a doença crônica provoca uma ruptura na vida dos indivíduos e um
processo de reformulação de significados em função das consequências da doença na vida dos
acometidos por ela e na ressignificação da autoimagem. Canesqui (2007) nos chama a atenção
para as peculiaridades dessa discussão trazida por Bury (2011) em relação à doença crônica
na infância, pois para esta situação, o que acontece é a ideia de continuidade e de confirmação
ou reforço biográfico, ao invés de ruptura que pode estar presente na vida dos pais que
acompanham estas crianças/adolescentes com IRC, tendo que rearranjar as suas trajetórias de
vida. Sobre isto, é importante considerar que:
[...] A criança é tomada como um ser em desenvolvimento, ou seja, em
transformação. Isso introduz novos elementos no processo de adoecimento
crônico, inclusive, quando este é abordado a partir da perspectiva biomédica,
uma vez que o tratamento e o curso clínico da doença sofrem a influência do
processo de crescimento e desenvolvimento infantil. Porém, para além da
perspectiva biomédica, na medida em que a criança é dimensionada
temporalmente em seu devir, projeta-se sobre ela todo um conjunto de
possibilidades futuras e expectativas presentes relacionadas às trajetórias de
vida de seus pais, familiares, etc. Assim, por exemplo, a maneira como essas
pessoas reagem ao diagnóstico está diretamente relacionada não só à
definição biomédica da gravidade da doença, mas também ao conjunto de
eventos biográficos e projetos de vida familiares relacionados àquela
criança. Descobrir que seu filho está gravemente doente põe em causa o
sentido da própria vida e da sua trajetória biográfica. (CASTELLANOS,
2007, p. 383).
A criança, com doença crônica, encontra-se inserida em realidades diversas, mas
diretamente relacionada ao mundo da dor, das limitações, do cuidado, dentre outros, o que a
faz apreender valores e estilos de vida para compreender e conviver de modo a constituir-se
para dar continuidade em sua identidade pessoal e coletiva, a medida em que interage com
seus pares, “reproduzindo e reinventando o mundo” (VASCONCELLOS, 2007, p. 8). A
compreensão teórica destes aspectos, nos ajuda no entendimento a respeito do que há de
específico e do que emerge da análise empírica desta pesquisa.
Para prosseguir no que está aqui proposto, sigo descrevendo a forma como a pesquisa
de campo foi realizada, e assim, apresentar os relatos e o conteúdo do que emergiu no campo,
para posteriormente desenvolver uma discussão da compreensão a respeito dos significados
da escolarização destas crianças/adolescentes, a partir das experiências e do que pensam os
participantes deste estudo, tendo como base os conceitos e o referencial teórico aqui
defendido.
55
4 PERCURSO DA PESQUISA: DESCRIÇÃO DO TRABALHO DE CAMPO
O trabalho de campo é, portanto, uma porta de entrada para o novo, sem, contudo,
apresentar-nos esta novidade claramente. São as perguntas que fazemos para a
realidade, a partir da teoria que apresentamos e dos conceitos transformados em
tópicos de pesquisa que nos fornecerão a grade ou a perspectiva de observação e de
compreensão. Por tudo isto, o trabalho de campo, além de ser uma etapa
importantíssima da pesquisa, é o contraponto didático da teoria social. (MINAYO,
2012, p. 76).
A finalidade aqui é descrever o delineamento desta pesquisa que buscou a resposta
para a pergunta sobre como as crianças/adolescentes com insuficiência renal crônica que
fazem hemodiálise atribuem significados ao seu processo de escolarização, cujo objetivo
foi investigar o significado do processo de escolarização de crianças e adolescentes com
Insuficiência Renal Crônica que realizam tratamento de hemodiálise em um hospital público
da cidade de Salvador-BA.
Nesta busca, tendo como base o seu referencial teórico-metodológico para a atuação
no campo da pesquisa, os procedimentos para a observação sistemática junto aos seus
participantes, a organização e a forma de análise dos dados do campo, foram aqui descritas a
fim de apresentar a realidade estudada e suas múltiplas percepções, os caminhos e desafios
deste percurso e as leituras possíveis do objeto de investigação.
Por ser professora da Secretaria Municipal de Educação (SMED) de Salvador-Ba e
atuar como docente da Classe Hospitalar no setor da Nefrologia pediátrica desde o ano de
2009, em um hospital público juntamente com crianças que realizam tratamento de
hemodiálise, periodicamente três vezes por semana, é que passei a conhecer uma realidade
com especificidades que expressam um estilo de vida em função da doença, seu tratamento e
tantos outros cuidados para a manutenção da vida. Neste trabalho, desenvolvo atividades
pedagógicas com os alunos-pacientes que ali estão, de maneira assídua e processual dentro de
uma dinâmica que não assegura uma rotina permanente, mas possibilita na medida do
possível, mediar os processos de aprendizagem dos alunos em suas demandas e
possibilidades.
Para tanto, há cerca de cinco anos, mantenho uma relação muito próxima com todos os
que fazem parte desse processo: pacientes, acompanhantes e profissionais da saúde. Alguns
dos pacientes ainda neste espaço apresentam este mesmo tempo de tratamento, sendo o tempo
de permanência destes, determinado por questões como saídas para realização de outras
terapias substitutivas da função renal (como a diálise peritoneal e o transplante renal),
56
transferências para outras unidades de hemodiálise, como também por causa dos óbitos. Com
isto, quero dizer que o campo desta pesquisa compreende também o mesmo espaço de atuação
profissional e a inserção no trabalho de campo para a coleta de informações, junto aos
participantes da pesquisa, foi um grande desafio para mim como pesquisadora, sendo
necessário marcar em alguns momentos, certo distanciamento do que diariamente observava e
assumir uma postura atenta ao que não costumo “ver”, deixando clara a necessidade de
estabelecer entre eles uma relação diferente da que se tem estabelecido e assim conseguir, com
neutralidade (na medida do possível) e rigor, galgar os passos na construção desta pesquisa.
Vale trazer aqui que a natureza da pesquisa qualitativa permite a interação do
pesquisador com o seu objeto de estudo, em uma relação na qual não pode dissociar-se, como
defende Garnica (1997, p. 111): “Assim, não existirá neutralidade do pesquisador em relação
à pesquisa - forma de descortinar o mundo -, pois ele atribui significados, seleciona o que do
mundo quer conhecer, interage com o desconhecido e se dispõe a comunicá-lo”.
A partir disso, trago aqui que o envolvimento no campo causou-me muitas emoções.
Cada conversa com as crianças e principalmente com suas acompanhantes (que na sua
totalidade eram mães, sendo apenas uma adotiva) me tocaram bastante, por passar a conhecer
um pouco mais do sofrimento no cotidiano destas pessoas para além do que costumava
presenciar nos momentos da hemodiálise. Suas histórias de vida e as rupturas vividas por
causa da doença foram expressas por cada uma delas e em alguns momentos eu não consegui
me conter em lágrimas que discretamente expressavam o quanto tais experiências eram fortes
e sofridas. Pude notar que cada um conversava no momento das entrevistas ao seu jeito,
começando às vezes tímida, mas aos poucos se abrindo e elaborando suas ideias no sentido de
falar sobre o que conversávamos.
Alguns dos relatos nas entrevistas aconteciam em forma de narrativas em que as
informações que eu desejava saber iam sendo ditas sem que precisasse fazer determinadas
perguntas, enquanto que outras conversas ocorriam de modo que as informações eram dadas a
medida em que iam sendo perguntadas. Sobre isto, é importante destacar que:
Os dados podem provir de uma simples descrição ou de uma entrevista, ou
de uma combinação das duas. Em cada um dos casos, as questões são,
geralmente, amplas e abertas, a fim de deixar o sujeito exprimir
abundantemente seu ponto de vista. O que se pretende obter é uma descrição
concreta e detalhada da experiência e dos atos dos sujeitos, que seja tão fiel
quanto possível ao que ocorreu, tal como ele o viveu. (GIORGI, 2012, p.
398).
57
Trabalhar com aspectos subjetivos exige do pesquisador sensibilidade para
compreender a vida social e o mundo das coisas nos objetos estudados. Esta pesquisa é
caracterizada pela descrição de fenômenos, bem como pela sua compreensão e interpretação.
Para tanto, optou-se pela utilização da abordagem qualitativa e de acordo com os objetivos
aqui pretendidos, foram utilizadas as estratégias para que este estudo pudesse ser descritivo,
que de acordo com Gil (2009):
Estudos de caso descritivos são desenvolvidos com o propósito de
proporcionar a ampla descrição de um fenômeno em seu contexto. Procuram
fornecer resposta a problemas do tipo “o que”? e “como”? [...] Antes,
procuram identificar as múltiplas manifestações do fenômeno e descrevê-lo
de formas diversas e sob pontos de vista diferentes. (GIL, 2009, p. 50).
No dia a dia, observa-se e lança-se um olhar sistematizado do mundo e, sem perceber,
são feitas leituras dos ambientes, mesmo que de maneira superficial. O estudo de caso lança
luz ao fenômeno estudado apresentando possibilidades de reflexões quanto ao significado,
compreensão, sentidos atribuídos pelo leitor aos significados, compreensões e sentidos
retratados pelos participantes. Nesta teia, dialogam participantes e são feitas leituras sobre o
mesmo fenômeno.
4.1 MÉTODO FENOMENOLÓGICO NA PESQUISA DESCRITIVA
Esta pesquisa apresentou-se como sendo de natureza qualitativa ao definir o tema, a
sua problemática, as questões orientadoras, os objetivos precisos e as proposições teóricas
preliminares, pois neles estão expressas as características de uma pesquisa qualitativa que visa
à investigação do “[...] conhecimento humano em sua dinâmica gerativa e em sua organização
vital, em sua natureza histórica e existencial, e em seu modo de comportamento conjuntural e
complexo.” (GALEFFI, 2009, p. 13). Esta escolha também se dá por ser esta uma abordagem
que apresenta muitas vantagens quando se pretende conhecer os fenômenos da vida social
concernente a cultura e a experiência vivida pelos sujeitos, o permitem a abertura ao mundo
empírico assim como ele se apresenta.
Pode-se considerar, dentre outros aspectos, que segundo Pires (2012, p. 90), a pesquisa
qualitativa é caracterizada pela sua flexibilidade de adaptação durante o desenvolvimento na
construção do próprio objeto de investigação, por sua capacidade de englobar dados
heterogêneos e de descrever em profundidade os vários aspectos que podem aparecer na
pesquisa. Esta abordagem permite a valorização da investigação do campo empírico em que o
58
pesquisador tem a abertura para utilizar de maneira criativa e com o rigor necessário os
variados métodos para melhor atingir os objetivos da pesquisa.
Os aspectos teórico-metodológicos da pesquisa qualitativa apresentam possibilidades
diversas quanto aos seus variados enfoques com suporte teórico que sustenta a adesão à
concepção de vida, de homem e de mundo do pesquisador. Isto implica em uma orientação
segura nos âmbitos teóricos e práticos da pesquisa para a escolha de seus métodos e na
aplicabilidade destes, bem como na análise, discussão e considerações das investidas do
pesquisador em seu campo de estudo para a melhor compreensão dos dados apreendidos em
meio às possíveis dificuldades de diferentes naturezas que podem surgir no decorrer da
pesquisa até chegar ao alcance dos objetivos pretendidos.
Este estudo, compreendido a partir dos seus objetivos mais gerais como sendo de
abordagem descritiva (GIL, 2010), buscou referências no método fenomenológico para a
compreensão dos fenômenos7 observados em seu contexto, enfatizando as experiências
vividas pelos sujeitos, na busca dos aspectos circunstanciais até a essência das relações sobre
o que aparece, o que se manifesta ou se revela ao que se deseja investigar cientificamente.
Martins e Bicudo apud Garnica (1997) nos orienta que o pesquisador que utiliza o
método fenomenológico deve perceber a si e a realidade em termos de possibilidade do que se
pretende investigar, a partir do que aparece a ele ao dirigir-se a fenômenos e não aos fatos
(observáveis e mensuráveis, tais como eventos, realidades objetivas, dados empíricos, etc.).
O método fenomenológico na pesquisa constitui-se em uma abordagem descritiva,
partindo do princípio de que se pode deixar o fenômeno falar por si, para o alcance do sentido
da experiência, ou seja, do que a experiência significa para as pessoas que passaram ou estão
passando por ela, estando, portanto aptas a dar uma descrição compreensiva da experiência
vivida através das descrições individuais, de onde são derivadas as “essências” ou estruturas
das experiências. Edmund Husserl (1989) lançou as bases da fenomenologia enquanto método
filosófico, sendo esta a “ciência dos fenômenos”. Devendo portanto, ser estudado e aplicado
de maneira apegada às suas raízes filosóficas e científicas de modo a evitar que se caia num
vazio conceitual de pesquisa empírica e garanta a sua validade interna e externa. (MOREIRA,
2002).
Garnica (1997) a partir da teoria husserliana, dá ênfase ao rigor na pesquisa
fenomenológica, que implica em não recorrer a nenhum dado científico como fundamento
7 Um fenômeno no contexto fenomenológico significa sempre que o que é dado ou se apresenta dele próprio não se
compreende senão em sua relação com a consciência, porém todo o dado deve ser compreendido como fenômeno e não
como existente real.
59
teórico abandonando as referências prévias a princípio e por abrir mão do modelo positivista
de ciência. Assim, o pesquisador precisa ser rigoroso ao procurar fundamentar e justificar
devidamente todas as afirmações que se fizer sobre o objeto, utilizando as exigências de uma
boa pesquisa descritiva do fenômeno investigado.
Giorgi (2012) caracteriza a pesquisa fenomenológica como sendo o tipo de pesquisa
que busca o entendimento sobre os fenômenos humanos através da descrição das experiências
dos sujeitos que viveram ou vivem o fenômeno em estudo, dá ênfase aos fenômenos
subjetivos que são baseados no que as pessoas vivenciam no seu dia a dia, sendo importante a
experiência tal como se apresenta e não o que se lê ou se pensa sobre ela para a descoberta das
essências dos fenômenos que se investiga.
A escolha pelo método fenomenológico nesta pesquisa se deu, dentre outros motivos,
por existir uma necessidade de maior clareza na investigação do objeto aqui estudado; por ser
a experiência vivida e compartilhada a melhor fonte dos dados para entender o fenômeno em
estudo; e especialmente por entender que este método seja o mais indicado para responder a
perguntas do tipo: o que significa ter tal experiência ou como ela se apresenta?Em vista destes
aspectos, buscou-se compreender em Husserl (1989) as bases deste método, algumas das
variantes que se deram a partir desta base e que pudessem também estar mais próximas do
objeto desta pesquisa.
As circunstâncias empíricas que estão descritas mais adiante foram apreendidas
através dos relatos dos sujeitos envolvidos com o objetivo de saber como alguém
experienciou ou experiencia o fenômeno e atribuiu significados a elas. O pesquisador ao
interrogar os sujeitos da pesquisa, caminha em direção “ao que se manifesta por si através do
sujeito que experiencia a situação”. (MOREIRA, 2002, p. 111). Ao investigar o que
significam as experiências para os sujeitos que as vivem, buscou-se nesta pesquisa, saber
como foco de maior interesse, a relação entre as vivências com a doença renal crônica em
crianças e adolescentes e o seu processo de escolarização, não apenas para saber se a criança
estuda, ou por que não estuda, ou em quais condições ela estuda, mas também para saber qual
o sentido que a escolarização passa a ter na vida destes sujeitos marcados por rupturas em
decorrência da doença.
Desse modo, é importante destacar que estudar aqui se refere a todas as questões
relacionadas aos modos formais de escolarização: Estar matriculada e frequentar a escola, ser
e compreender-se como aluno da classe hospitalar nos momentos do tratamento de
hemodiálise, ou outras formas em que se considera como sendo a continuidade da
escolarização.
60
Giorgi (2012, p. 398) destaca que “é importante que a pesquisa fenomenológica seja
tão precisa e detalhada quanto possível e que o número de generalidades ou de abstrações seja
reduzido ao mínimo”. Especificamente nesta pesquisa que pretendeu tratar da educação
escolar da criança e adolescentes com doença renal crônica em hemodiálise, houve um
esforço para permanecer bastante consciente desta perspectiva, bem como do fenômeno que
se desejava compreender, pois vários caminhos foram aparecendo, a partir do que buscou-se
saber, sendo estes, outros temas que necessitam ser investigados cientificamente.
Vale aqui, trazer uma caracterização importante sobre a fenomenologia utilizando as
ideias de Husserl como fundamento. A esse respeito diz Bueno (2003):
Ao tomarmos a fenomenologia como ciência ou o estudo daquilo que
aparece, das coisas como elas se manifestam em sua pureza original, ela se
torna um meio que revela o que, na maior parte dos casos, não se manifesta.
A fenomenologia busca, então, a revelação dos fenômenos, que nos são
dados através da experiência. O seu papel é o de distinguir e revelar o que há
de essencial na percepção do fenômeno, o que requer a suspensão dos juízos
sobre a realidade que nos cerca. É como se o indivíduo adotasse uma espécie
de abandono provisório do mundo para melhor captá-lo. Husserl denominou
esse processo de “redução fenomenológica” ou epoché. A preocupação
básica da fenomenologia é a de contribuir para a superação do senso comum
(atitude natural), para que os indivíduos possam assumir uma postura
fundamentada e crítica (atitude fenomenológica). (BUENO, 2003, p. 19).
Para tanto, prosseguindo a pesquisa em busca do entendimento sobre o que se desejou
investigar, foi imprescindível adquirir a compreensão sobre as categorias apresentadas por
Husserl, que são a redução fenomenológica (ou epoché), a redução eidética e a
intencionalidade. Estes foram fundamentais na condução desta pesquisa que buscou iniciar a
investigação sem pressupostos na sua descrição e orientada pela intencionalidade do
pesquisador para a superação do que Husserl chama de atitude natural (senso comum).
Estes e outros “procedimentos” que o pesquisador deve adotar são importantes em
fenomenologia para buscar o rigor do método que implica em garantir a sua validade
científica e a natureza deste tipo de estudo de campo com a máxima exatidão possível dos
fenômenos encontrados, sem que se imponha ou se conclua algo sobre ele para compreender a
sua realidade (MOREIRA, 2002).
No âmbito da Educação que visa a emancipação humana, as ciências precisam investir
na busca das explicações da realidade social em uma perspectiva de superação da realidade
que muitas vezes exclui os indivíduos de sua participação integral nos seus processos, o
conhecimento produzido nesta área possui uma tentativa de análise das questões
circunstanciais. Em síntese, as referências teóricas e metodológicas tratam do que são
61
produzidos pela comunidade científica e, ao mesmo tempo, possibilitam delinear
particularidades que serão materializadas com a investigação de campo.
As informações e os recursos (desenhos, jogos e imagens) que foram utilizados na
pesquisa de campo com as crianças/adolescentes e que estão aqui expostas retratam um
cenário e uma problemática muito pouco conhecida e como já foi explicitado na revisão de
literatura, de pouca abordagem especialmente na Educação. Espera-se, assim, que nesta
pesquisa, tenha sido possível registrar, organizar e sistematizar os achados para compor este
trabalho.
Nesse sentido é que na descrição foram traçados os caminhos possíveis e os
instrumentos que foram utilizados no sentido de se adequarem para conseguir atender aos
objetivos propostos nesta pesquisa na obtenção das respostas aqui buscadas.
4.1 CAMPO DE ESTUDO
O campo de investigação compreende o setor de Nefrologia, mais especificamente a
hemodiálise pediátrica de um hospital público de Salvador-BA que atende exclusivamente
através do convênio com o SUS. Vale ressaltar que na busca dos participantes da pesquisa, foi
necessário também, realizar as atividades de campo em outros dois hospitais públicos da
cidade que não haviam sido previstos anteriormente, pois algumas das pessoas que também
participaram da pesquisa (crianças/adolescentes e suas mães) eram pacientes do mesmo
hospital, mas pouco tempo antes da minha inserção no campo e também durante o período da
realização da pesquisa, foram transferidas para outras unidades hospitalares por motivos
relacionados ao que cada um demandava8.
Como havia relatado, como cenário principal, o lócus desta pesquisa compreendeu o
espaço de minha inserção profissional enquanto docente da classe hospitalar na atuação junto
a estas crianças e adolescentes pelos quais desejava conhecer mais a fundo as questões
relacionadas a sua trajetória escolar e o que isto para eles significam em meio ao sofrimento e
a vivência com a doença. Neste sentido, refiro-me ao local em que poderia encontrar os
participantes e ter referências sobre eles, mas a realização das entrevistas também aconteceu
8 Duas das meninas passaram a fazer hemodiálise em outro hospital, pois uma delas recebeu alta médica para o transplante
que infelizmente não se sucedeu bem e a outra menina foi transferida da unidade após solicitação da mãe justificando que
no outro hospital poderia contar outras especialidades médicas para atender à filha. Além delas, um menino foi transferido
para outra unidade hospitalar, pois passou a fazer diálise peritoneal. Estas mudanças fazem parte da rotina de pessoas que
necessitam de terapia renal substitutiva e que almejam um transplante renal.
62
em outros espaços tendo em vista as questões estruturais e especialmente as necessidades
específicas de cada um deles.
Com algumas das crianças e adolescentes que participaram da pesquisa, foi possível
fazer uma parte da entrevista no momento em que os mesmos estavam na hemodiálise, pois as
intervenções pensadas para estes sujeitos eram compostas de algumas outras estratégias tais
como, jogos e desenhos, que demandaram de maneira geral, ter mais de um encontro com
cada um deles, deixando a conversa para ser feita em espaços que pudéssemos ter mais
tranquilidade tanto para ouvi-los, quanto para que os participantes se sentissem a vontade para
falar sobre o que quisessem, sem muito barulho e necessidade de intervenções que são típicas
do ambiente da diálise.
Esta forma de organização foi possível por conhecer um pouco da dinâmica que se dá
neste espaço, quais os sujeitos que faziam parte deste processo e que participaram da
pesquisa, como também das dificuldades que poderia enfrentar na execução das entrevistas
por considerar todas as questões estruturais do ambiente e da necessidade de buscar uma
forma que também garantisse o rigor de uma pesquisa e sem muitas interferências que
pudessem “contaminar” o conteúdo das mesmas.
A esse respeito, vale aqui trazer algumas considerações sobre a interferência do
espaço, no caso aqui, do hospital, apresentados no artigo de Perosa e Gabarra (2004) sobre as
explicações das crianças a respeito da causalidade das doenças. Os autores pressupõem que a
hospitalização interfere nos resultados pelo “stress” que acarreta, mas por outro lado, a
internação é o momento em que a criança recebe mais informações e questionamentos sobre a
doença, para tanto, deve-se considerar que as explicações elaboradas durante a internação,
podem apontar singularidades que merecem ser consideradas. Sendo esta, uma situação muito
próxima da que faz parte do dia a dia dos pacientes da hemodiálise.
No contexto desta pesquisa, o espaço em que as crianças/adolescentes realizam
hemodiálise periodicamente três vezes por semana, atualmente está organizado em uma sala
relativamente pequena e que comporta quatro pontos de diálise9, tendo também outra sala
(sala 3) em que às vezes é utilizada para que os pacientes possam realizar a hemodiálise neste
espaço, quando necessário. Dessa forma, procura-se dividir igualmente o quantitativo de
crianças em dois grupos, sendo um grupo que realiza o tratamento nos dias de segunda-feira,
quarta-feira e sexta-feira e o outro grupo que está presente nos dias de terça-feira, quinta-feira
9 Pontos de diálise é uma forma comumente usada para identificar a unidade formada pelo conjunto de poltrona e máquina
em que permanece o paciente para realizar a hemodiálise.
63
e sábado, ambos no turno matutino, das 7 horas até aproximadamente às 11 horas, sendo deste
modo, uma média de 4 horas de diálise a cada sessão por paciente.
Nesta sala, após a porta de entrada, encontra-se do lado esquerdo um balcão que é
utilizado pelos enfermeiros e técnicos e logo após, outra porta que dá acesso a outra sala
relativamente pequena onde ficam as médicas nefrologistas pediatras que estão de plantão
para dar assistência aos pacientes em diálise e aos demais que podem estar em internamento
ou que veem para consultas médicas. Do lado direito da sala, estão distribuídos os três pontos
de diálise e ao fundo da sala encontra-se mais um. Nesta sala, há também uma televisão que
geralmente fica ligada para as crianças e seus acompanhantes assistirem enquanto passam
pelo processo hemodialítico, além de duas pias para fazer a higienização e alguns bancos
distribuídos ao lado de cada paciente para serem utilizado geralmente pelos seus
acompanhantes.
Imagem 9 – Sala de hemodiálise
Fonte: Própria autora
Tendo em vista esta organização, faz-se necessário apresentar aqui quais são algumas
das ocorrências comuns neste espaço, para que assim, possamos visualizar os motivos pelos
quais em determinados momentos foram tomadas alguma decisões em relação à forma como,
quando e onde foram realizadas algumas das entrevistas. No momento em que os pacientes
64
estão se submetendo ao tratamento de hemodiálise, eles encontram-se em um leito, ligados a
uma máquina que exerce a função que o rim deveria fazer ao remover do sangue a água, sal,
ureia, potássio dentre outras substâncias e que consiste na circulação do sangue que é
transportado para a máquina e devolvido ao organismo após ser filtrado para a sua
purificação. Isto requer um esforço muito grande por parte do paciente, especialmente na
criança, o que geralmente causa hipotensão, fadiga, mal estar, sonolência, etc.
Além disso, alguns procedimentos são muito invasivos e as crianças e adolescentes,
geralmente sofrem muito com a perda de acesso e com os processos infecciosos no cateter.
Essas são algumas das problemáticas vividas por estas crianças e consequentemente por seus
pais que acompanham diariamente o sofrimento dos filhos e que lançam mão de muitos
aspectos da sua vida para garantir a sobrevivência dos mesmos.
Os profissionais que compõem a equipe multiprofissional do serviço da hemodiálise
geralmente são compostos por médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem, nutricionistas,
psicólogos e assistentes sociais, além dos auxiliares da higienização, da administração e da
equipe de professores da classe hospitalar (todavia, o atendimento pedagógico aos alunos
pacientes não é geral, sendo que algumas unidades de hemodiálise não dispõem deste
serviço). O trabalho de todos estes profissionais em um mesmo ambiente para prestar
assistência aos pacientes é bastante intenso, sem contar que diariamente os estudantes dos
cursos de graduação e os residentes (geralmente médicos, enfermeiros, nutricionistas e etc.)
participam de atividades práticas neste espaço, o que de maneira geral, é marcado pela grande
movimentação destas pessoas no mesmo ambiente.
Cada paciente tem um acompanhante, que no caso das crianças, permanecem junto a
elas ou circulam no espaço durante as quatro horas da hemodiálise. Na maioria dos casos,
esses acompanhantes são as mães destas crianças. Estas mães estabelecem entre si uma
relação muito próxima, isto por causa da convivência diária, pela necessidade de compartilhar
angústias comuns em decorrência das experiências com a doença dos filhos, pela cooperação
e relação de troca de favores no que se refere à busca de medicação e de resultados de exames
em outras unidades hospitalares e clínicas, onde umas pegam para as outras, ou servem de
companhia para irem juntos enquanto as crianças estão no tratamento e pela ligação que
estabelecem, através da religião e da fé que as mesmas mantêm em comum, realizando
orações e discursos religiosos naquele espaço, como forma de expressar a fé e o conforto que
sentem ao se apegar ao que creem.
Tanto o movimento dos profissionais (de saúde, da administração e da higienização),
dos residentes e dos estudantes de graduação na área da saúde, quanto dos acompanhantes que
65
circulam e conversam neste espaço, foram aspectos que não puderam ser desconsiderados ao
se pensar na forma de como seria realizada a pesquisa de campo, sendo este movimento, parte
do processo que constitue a rotina da sala de hemodiálise pediátrica do hospital. Esta situação
retrata um pouco do que me levou a pensar que para a realização do contato individual na
pesquisa com os participantes, especialmente com as crianças/adolescentes, seria necessário
que houvesse disponibilidade do pesquisado para que as entrevistas acontecessem em horários
e locais outros que não o da hemodiálise.
Tempo e espaço foram especialmente algumas das questões que tivemos um pouco
mais de dificuldade em ajustar apesar da colaboração e boa vontade de todos em participar e
da facilidade em transitar tanto no hospital, quanto nos outros espaços em que se encontravam
alguns dos pacientes que participariam da pesquisa, mas que foram transferidos para outras
unidades.
Em relação ao tempo, houve situações específicas daqueles que moram em cidades do
interior e que precisavam após a diálise fazem várias coisas até o momento da sua viagem de
retorno junto ao carro da secretaria da saúde que os transportavam. A exemplo desta situação
tivemos dois casos, um de uma entrevista em que a criança que estava sendo entrevistada
demonstrava um pouco de ansiedade por saber que o carro o aguardava para retorno após a
diálise em um dia de sábado e outro em que ambos os participantes – criança e mãe – tiveram
que sair do local em que realizavam, juntamente comigo, a entrevista e retornar rapidamente
para o hospital, pois o motorista do ônibus e outros passageiros (pessoas que são da mesma
cidade e que também utilizavam o transporte da secretaria da saúde para vir à capital afim de
realizar tratamentos, fazer consultas, etc.) os aguardavam para retorno a sua cidade.
Com estes casos, quero dizer que o fato das pessoas morarem em outras cidades e só
virem para a capital nos dias da hemodiálise e retornarem após o término, também deve ser
considerado, pois esta prática comum a eles faz parte do contexto vivido na realidade expressa
pelos mesmos e de alguma maneira causou certo desconforto aos participantes que sabiam do
compromisso com o horário, tanto para não fazer os outros passageiros aguardar, quanto pela
própria ansiedade em retornar a sua residência. Tendo em vista que o conteúdo das
informações poderia ser afetado por conta deste fator, procurei deixá-los bem a vontade para
que acertássemos um melhor horário e para fazermos a entrevista em mais de um momento
quando necessário.
Em relação ao espaço, também foi preciso que ajustássemos o melhor local para a
realização da entrevista que aconteceu em vários lugares que fossem mais bem adequados e
que proporcionasse mais tranquilidade ao acessá-los. Em vista disso, nossas entrevistas
66
aconteceram em enfermarias desocupadas e cedidas pela enfermagem, sala em que guardamos
os materiais da Classe Hospitalar dentro do próprio hospital, residência de uma das crianças
na própria cidade, residência do pesquisador, leito da hemodiálise, corredor do hospital, copa
do setor de nefrologia do hospital e outros lugares dos outros dois hospitais em que se
encontravam três das crianças e adolescentes em que haviam sido transferidos para outras
unidades de tratamento.
Todo este trabalho de entrevista e observação só foi possível após o consentimento e
posse do documento de autorização do Comitê de Ética do Hospital. A aquisição deste,
demandou tempo e esforço para reunir vários documentos de anuência, tanto da coordenação
da Classe Hospitalar, junto à Secretaria de Educação do município, quanto da gestão
responsável pelo setor de nefrologia, que não é a mesma das outras especialidades de
atendimento do hospital que são feitos diretamente com a Secretaria de Saúde do estado da
Bahia, sendo apenas o serviço de nefrologia realizado por uma empresa privada que contrata
pessoal e administra o serviço.
Este trabalho de campo acontecia em momentos destinados à pesquisa que, por sua
vez, eram previamente combinados com os participantes sem que comprometêssemos os
atendimentos pedagógicos que eu ainda fazia com uma aluna/paciente permanentemente e
com os demais apenas em situações que fossem necessárias, pois concomitante ao período da
pesquisa de campo, combinei com a coordenação do trabalho da Classe Hospitalar para que
minhas atividades fossem reduzidas neste espaço e, a partir daí então, as crianças e
adolescentes que eram atendidas apenas por mim, passaram a receber atendimentos de outra
professora.
Isto foi muito importante neste momento da pesquisa, pois tive a oportunidade de
lançar um olhar específico, buscando conhecer mais profundamente as vivências e percepções
das crianças e adolescentes com IRC, a partir de um embasamento teórico e ético no sentido
de responder meus questionamentos para compor este trabalho, considerando-se o que havia
sido proposto no projeto inicial de pesquisa e das questões importantes que foram surgindo no
campo.
4.3 PARTICIPANTES DO ESTUDO
Os participantes deste estudo foram sete crianças/adolescentes, sendo que seis faziam
hemodiálise e uma, no momento da pesquisa, estava fazendo diálise peritoneal, mas que
pouco antes da entrevista havia passado longo período realizando hemodiálise. Os mesmos
67
eram: quatro do sexo feminino e três do sexo masculino, além de sete mães das crianças
entrevistadas. As crianças/adolescentes doentes renais crônicos tinham entre oito e quatorze
anos, sendo escolhidos especialmente por ter certa vivência com a doença para assim, expor
suas experiências e a forma como percebem e dão significados ao que vivem, e também por
conseguirem expressar, cada um ao seu modo, os cuidados e mudanças em decorrência da
doença. Todos os pacientes do serviço de Nefrologia Pediátrica que haviam sido previamente
selecionados a partir dos requisitos mencionados aceitaram o convite para participar da
pesquisa. Compreende-se também que para a realização das entrevistas com crianças, fez-se
necessária uma boa elaboração das perguntas mais detalhadas por parte do pesquisador a cada
criança/adolescente em particular, utilizando recursos que pudessem auxiliar na mediação
para a construção do que se desejava conhecer de cada um deles.
Com as crianças/adolescentes, pretendeu-se: Investigar de que maneira elas
compreendem e atribuem significados às situações vividas em relação à sua vida escolar;
identificar os “impactos” da doença renal crônica e seu tratamento de hemodiálise na vida
destas crianças, tanto nas suas construções subjetivas (self), quanto em suas relações sociais e
as implicações destes no seu processo de escolarização.
Com as mães entrevistadas, buscaram-se complementar as informações das crianças
especialmente pela importância e influência que elas exercem na formação destes sujeitos, em
suas escolhas e atitudes. No percurso desta entrevista, pretendeu-se também, a partir do
pensamento dos pais, investigar sobre os significados da escolarização atribuídos pela criança,
e assim procurar entender sobre os fatores que poderiam constituir as formas e os significados
dessa escolarização.
Os nomes de identificação de todos os informantes não são verdadeiros e foram
atribuídos pela pesquisadora para preservar a identidade dos participantes. Uma experiência
bastante interessante que tive ao final do ano de 2012 e início de 2013, enquanto professora
com os alunos/pacientes da Classe Hospitalar na Hemodiálise pediátrica, foi o motivo pelo
qual atribui determinados nomes nas crianças e adolescentes participantes desta pesquisa,
sendo estes, relacionados aos nomes de alguns personagens de um programa infantil que os
mesmos assistiam. Para as mães, não foi atribuído nenhum nome, sendo chamadas de forma
relacionada ao nome dos seus respectivos filhos, como por exemplo: Mãe de Davi, mãe de
Valéria, etc.
Neste período (2012/2013), alguns dos alunos/pacientes tinham o hábito de assistir
uma novela chamada Carrossel, que era exibida no turno da noite no SBT (Sistema Brasileiro
de Televisão) e por este motivo, todos eles permaneceram por um tempo me chamando de
68
professora Helena (personagem da novela que era uma professora primária de uma classe de
crianças numa escola comum), especialmente um dos grupos que eu atendia composto por
quatro meninas, cada uma em um ponto de diálise, geralmente me recebia nas manhãs dos
atendimentos dizendo todas juntas: Bom dia, professora Helena! E em alguns momentos
imitavam a forma como os alunos se referiam a professora ao dizer: Professora Helena, você é
tão sentimental! Este é um fato engraçado e até significativo, pois aquela situação atípica de
estar em um ambiente hospitalar era associada por eles a um espaço como o da escola que
despertava determinados sentimentos a estes meninos e meninas que assistiam aos capítulos
da novela.
4.3.1 Crianças/adolescentes com doença renal crônica e suas mães acompanhantes
De maneira específica, descreverei aqui, alguns aspectos importantes, sobre cada
participante desta pesquisa. Vale destacar que as informações que apresento das
crianças/adolescentes foram cedidas pelos próprios participantes, não sendo feita nenhuma
outra consulta aos profissionais que os acompanhavam e nem no prontuário do paciente. Para
tanto, justifica-se que nesta parte do texto, aparece, em alguns momentos, mais informações a
respeito de um do que de outro participante, pois descrevi aqui apenas o que cada um me
trouxe em seus relatos mediados por mim.
Carmen
Era uma menina cega, tinha oito anos e completara um ano de tratamento dialítico,
sendo dois meses de diálise peritoneal e o restante de hemodiálise. No período em que eu a
acompanhei, enquanto professora, e também no período da pesquisa, pude notar que Carmen
era muito inteligente, alegre e atenta, gostava muito de ouvir histórias infantis, gibis e
romances que a mãe costuma ler para ela ouvir. Conversava e interagia bastante com as
pessoas que se aproximam dela. Gostava de assistir aos documentários de TV sobre os
animais e demonstrava muita curiosidade sobre eles. Em relação à doença, sofria muito com
alguns procedimentos feitos no cateter que naquele período ficava no pescoço, por se sentir
insegura e há algum tempo, passava o período da hemodiálise segurando o cateter com uma
das mãos. Sabia administrar a dieta e o controle do líquido, demonstrando não ter muitos
problemas em relação a isto. Aguardava um transplante em que havia a possibilidade de ter
sua mãe como doadora do rim, mas esperava muito que o seu rim voltasse a funcionar.
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Além dela, a sua mãe tinha outro filho mais velho que não morava com ela. Sua
atividade principal era cuidar da filha, procurava entender sobre a doença para mediar os
cuidados em relação à terapia, medicação e dieta. Demonstrava muita expectativa na melhora
da condição da saúde da filha, quer seja através de um transplante bem sucedido ou do retorno
da função renal. Em algumas de nossas conversas sobre o que pensava da doença, a mesma
falava muito da força que buscava através da fé que tem em Deus para lidar com as questões
que vivenciava.
Carmen estudou em uma escola comum antes de ter que se mudar para Salvador e a
partir de seus relatos e da mãe, gostavam muito da escola e, especialmente, da professora que
havia estabelecido com a menina uma relação muito próxima, com cuidados especiais em
relação à doença e à deficiência visual. Nesta escola, aprendeu dentre outras coisas, o formato
e o som das letras do alfabeto e a sua atividade e brincadeira preferidas era catar sementes no
parque da escola. Ainda em Ilhéus-BA, chegou a visitar uma instituição especializada para
pessoas cegas, mas não continuou o atendimento por conta da necessidade da mudança de
cidade.
A menina foi a primeira pessoa a realizar a entrevista e logo no primeiro convite feito
a ela, aceitou em participar da pesquisa demonstrando estar bastante a vontade em nossa
conversa inicial. Além deste primeiro encontro, tivemos mais outro momento, para que
pudéssemos realizar algumas propostas que não foram possíveis no contato inicial.
Marcelina
Marcelina era uma menina de oito anos, muito calada e observadora, residente em
Feira de Santana-BA, morava com a sua mãe adotiva desde os dois meses de idade. Sua mãe
biológica era filha do irmão do cunhado da mãe adotiva, e segundo a mesma, a mãe biológica
dela é como se fosse da família e como na época ela era muito jovem (tinha 16 ou 17 anos) e
não queria criar ninguém, ela entregou a criança e a mãe adotiva a registrou. Marcelina sabia
desta situação e a mãe sempre ia visitá-la na sua casa.
Fazia hemodiálise desde 14 de dezembro de 2012, iniciando a terapia após o
diagnóstico da doença renal que segundo a mãe, foi descoberto depois de muitos exames e
investigações apontando como causa o Lúpus que afetou bastante o rim esquerdo e menos o
rim direito da criança, sendo necessário passar por longos e dolorosos períodos de
internamentos entre UTI (Unidade de Terapia Intensiva), Unidades Semi-Intensiva e
enfermarias. A mãe relatara sobre as dificuldades que passou neste processo inicial da doença
e de ter ficado as festas de final de ano (natal e réveillon) dentro de um hospital. A partir desta
70
experiência, ela contou que agora não é tão ruim quanto no tempo em que ficaram muitos dias
no hospital, pois vinha para as sessões de hemodiálise e retornava para casa, sem precisar
ficar internada.
Não precisou mudar-se para Salvador, pois reside a 117 Km da capital e o carro que
ficava a serviço da Secretaria de Saúde de seu município realizava o transporte nos dias da
hemodiálise, saindo cedo de casa e retornando ao final da terapia. Em conversa com a menina,
ela fez questão de enfatizar que não era renal, mas que tinha Lúpus. Inicialmente, foi
informado a elas, que seriam apenas quatro sessões de hemodiálise, mas acabaram
permanecendo no tratamento e passados quase onze meses, após novos exames foi
diagnosticado que seu rim havia voltado a funcionar, não sendo mais necessário permanecer
em hemodiálise, estando atualmente acompanhada pela equipe de nefrologia pediátrica e
outras especialidades por causa do Lúpus também. A mãe adotiva disse que a menina foi
entregue a ela sem ter esta informação e que a mãe biológica sabia que o bebê tinha Lúpus,
mas que nega ter omitido esta informação.
Um grande problema em relação à doença é que Marcelina sabia dos cuidados, mas
não tem disciplina e por isso sofre muito com hipertensão e acúmulo de líquido e esta era a
maior queixa da mãe que culpava a menina por alguns destes sofrimentos, dizendo que a
menina comia e bebia muito, não sabia se cuidar no sentido de controlar as suas vontades e
destacava que a criança fazia uso regular de seis medicações diariamente. Geralmente
queixava-se muito de cãibra nos momentos finais da hemodiálise e, por vezes, desesperava-se
com o incômodo, gritando, dizendo que queria morrer e assim assustando as outras crianças
da sala e mobilizando toda a equipe de saúde.
A mãe não escondia da menina a realidade da doença, as circunstâncias vividas e suas
angústias, dizia que contava absolutamente tudo o que ocorria e quando havia alguma
situação dolorosa e sofrida por causa de algo que a menina comia indevidamente, ela fazia
questão de culpar a menina para que ela se responsabilizasse e percebesse as consequências
do mal que causara a si própria, evidenciando a ela que se continuasse a fazer determinadas
coisas, poderia morrer.
Mesmo tendo que viajar três vezes por semana para fazer hemodiálise, a menina
permanecia na escola, organizando seus turnos para não perder as aulas, sendo que nos dias
do tratamento ia para a escola à tarde (mesmo chegando atrasada) e nos dias de terça-feira e
quinta-feira, frequentava as aulas em outra turma no turno matutino, pois a professora era a
mesma nos dois turnos. Estudava no terceiro ano do ensino fundamental, já lia e escrevia bem
para a sua série, gostava muito de ir para a escola e como era muito calada, conversava
71
especialmente com três colegas da sala, uma delas também tinha uma doença no sangue e que
exigia cuidados em relação à alimentação, mas que a mãe não sabia o nome da doença.
As atividades da escola eram acompanhadas em casa pela própria mãe que tinha
tempo de dedicar-se a ela, dizendo que ensinou à menina e que havia ensinado a criança a ler
e a escrever. Fez questão de destacar que pagava a escola e que cobrava o ensino da filha.
Marcelina sempre escreveu cartas para a mãe e gostava muito de atividades que envolviam
pinturas, tanto que no momento da entrevista com a mãe, ela ouvia tudo atentamente e nos
aguardava ao lado colorindo uma gravura.
Laura
De todos os participantes, era a menina do grupo que tinha mais tempo em
hemodiálise. Teve o diagnóstico da doença no final de 2007, em 2008 passou a fazer diálise
peritoneal em Canarana-BA, sua cidade de origem e, em 2009, mudou-se para Salvador,
inicialmente, apenas com a sua mãe que deixou mais duas filhas com as irmãs em sua cidade
a cerca de 486 Km da capital baiana. Laura tinha 14 anos, sabia muito sobre a sua doença e a
hemodiálise, dizia sentir muito por não poder viajar para ver a família, pois a viagem era
muito longa e requeria muito tempo. No ano de 2013 a mãe trouxe as outras filhas para a
capital depois de ter passado por muitos problemas com elas residindo longe e apesar de
enfrentar muitas dificuldades com as três filhas aqui, ela dizia que estava melhor assim, pois
acompanhava o que acontecia com as mesmas e mantinha a família reunida.
Laura era muito querida por todos, gostava de se maquiar e vestir-se de modo a se
sentir bem e arrumada. Gostava muito quando as pessoas conversavam com ela e apesar de
não falar muito, mantinha relação de amizade com todos os pacientes e funcionários da
hemodiálise pediátrica, apresentando-se solidária a todas as situações vivenciadas pelos seus
pares. Já apresentou vários problemas em relação às restrições que precisava ter na dieta e no
controle do líquido, mas tinha aprendido que era responsável por algo que pudesse acontecer
diante do que vinha a fazer a ela mesma se não mantivesse a disciplina. Ela e a mãe relataram
que várias vezes pensaram em abandonar o tratamento e retornar para a sua cidade de origem.
Usava um cateter no pescoço e tinha muito medo de ficar sem acesso para a diálise, foi
alertada da possibilidade da falência de acesso, pois já teve outros cateteres que causaram
nunca havia feito hemodiálise por meio da fístula arteriovenosa (FAV).Esperava por um rim
compatível de um doador cadáver e já aguardava na fila do transplante há algum tempo, sendo
chamada, algumas vezes, quando surgia algum órgão que pudesse ser transplantado, mas
nunca foi possível. Passou um tempo sem ter condições de andar, necessitando de uma
72
cadeira de rodas para se locomover, além de um histórico de momentos de risco na sua vida e
de algumas passagens pela UTI.
Enquanto fazia diálise peritoneal, Laura frequentava a escola em sua cidade de origem
no início da doença, mas depois que se mudou para Salvador, não mais se matriculou em
escola comum e ainda estava aprendendo a ler e a escrever. Quando lhe foi perguntado sobre
a escola, ela negou estar sem estudar e disse que era aluna da Classe Hospitalar e que
estudava com a professora do hospital. Gostava muito de fazer desenhos e de colorir,
especialmente de desenhar a sua família, sabia escrever o nome da mãe e das irmãs além do
seu.Estudou na escola da sua cidade até o segundo ano do ensino fundamental quando tinha
oito anos.
Valéria
Tinha doze anos e fazia hemodiálise há três. Era uma menina alegre que gostava de
cantar, ler, escrever e desenhar. Entendia sobre a doença renal e sabia dos cuidados em
relação ao que podia ou não comer, queixava-se muito da sede que sentia e de não poder
beber água como antes. Quando lhe foi perguntado sobre a doença, ela disse que um dos seus
rins era do tamanho do caroço de umbu e o outro era maior um pouco, mas estavam sem
funcionar. No dia da nossa primeira conversa estava muito triste, pois recentemente havia
passado por um transplante renal que não deu certo, fazendo-a voltar para a hemodiálise.
Residia na cidade de Nova Soure-BA a 233 km de Salvador viajando em média três
horas para chegar e mais três para retornar. A menina e sua mãe vinham no ônibus da
Secretaria de Saúde do seu município, juntamente com outros pacientes, que as faziam esperar
o restante do dia para só retornar à sua cidade depois que todos os outros passageiros
estivessem no transporte, chegando em casa bastante tarde. Esta rotina lhe deixava bastante
cansada e a menina sofria muito com isto, pois no dia anterior a diálise, Valéria e sua mãe iam
dormir cedo para acordara noite e pegar o carro por volta de uma hora da madrugada,
chegavam na capital às quatro ou cinco horas para iniciar a hemodiálise às sete horas e só
chegar em casa às vinte duas horas, descansavam no outro dia e a noite se preparavam para a
mesma rotina no dia seguinte, repetindo isto três vezes por semana.
Valéria morava com seu pai, sua mãe e seus três irmãos. Sua mãe geralmente a
acompanhava na diálise e seu pai ficava com as outras crianças, às vezes o pai a acompanhava
no lugar da mãe. Por causa da doença de Valéria, os seus pais não trabalhavam mais e
precisaram mudar-se da zona rural onde moravam para residir na cidade. A mãe disse que a
filha mudou muito por causa da doença e, principalmente, depois das expectativas em relação
73
ao transplante e da medicação que a deixava um pouco sonolenta, sempre ficava dispersa e
muito calada em casa e em todos os lugares que ia.
Antes de ter passado pelo transplante, a menina estudava em uma escola de sua cidade
e frequentava as aulas nos dias de terça e quinta, sentia muita dificuldade em acompanhar os
conteúdos escolares, pois nos anos anteriores cursava o Ensino Fundamental I e tinha apenas
uma professora que a acompanhava e tentava ajudá-la para compensar os dias que faltava,
mas no ensino fundamental II ficou mais difícil e ela queixava-se de não conseguir
acompanhar os conteúdos e as disciplinas que não tinha como assistir as aulas, em função dos
dias da hemodiálise e por isso não conseguia recuperar o que havia perdido.
Davi
Era um menino de 12 anos que sorria com facilidade, sempre meigo e amoroso com
todos. Por causa de sua baixa estatura, parecia ter entre sete ou oito anos de idade. Morava em
Camaçari-BA, uma cidade da região metropolitana de Salvador, há 43 km. Era acompanhado
na hemodiálise, tanto pela mãe, quanto pelo pai. Ambos cuidavam do menino, mas o mesmo
residia com a avó paterna.
Sua história em relação à doença começou desde muito pequeno e quando tinha quatro
anos de idade, recebeu o diagnóstico do problema renal. A mãe relatara que logo neste
período, iniciou com a hemodiálise, pois estava bastante inchado e não ficou muito tempo
nesta terapia, sendo necessário apenas fazer uso de medicação e ser acompanhado pelo
nefrologista. Após algum tempo, precisou retornar para a hemodiálise, pois apresentou piora
na função renal e tempos depois, passou a fazer diálise peritoneal, depois voltou para a
hemodiálise e, atualmente, realiza diálise peritoneal novamente em outro hospital até que
consiga fazer o tratamento em casa. Nesta história, passaram-se oito anos da sua vida
convivendo com a doença.
Davi expressava o quanto sente com determinados procedimentos e sofre muito com
problemas relacionados ao cateter. Demonstrou saber o que podia comer e o que precisava
fazer para manter-se bem e não ganhar muito peso entre uma sessão e outra de hemodiálise,
mas descuida-se em alguns momentos, sofrendo as consequências do excesso de peso e
líquido quando estava ligado à máquina de hemodiálise. Nossas conversas aconteceram no
momento em que realizava diálise peritoneal e ao me receber, pela primeira vez, demonstrou
muita alegria e confessou que sentia falta das aulas da Classe Hospitalar e, especialmente, de
seus dois amigos que dializavam juntamente com ele no outro hospital.
74
No seu dia a dia, o menino disse conviver mais com a avó paterna com quem reside e
segundo a mãe, a avó fazia todas as vontades do menino, deixando-o fazer o que queria sem
nenhuma disciplina. Davi estava matriculado no 3º ano do ensino fundamental em uma escola
particular no bairro onde mora, mas quase não frequentava as aulas. Estava aprendendo as
letras e o som de algumas sílabas, escrevia o seu nome e reconhece alguns números. A dona e
diretora da escola era sua tia que conhecia toda a sua história e mantinha a conduta de deixá-
lo bem a vontade para frequentar a escola no dia em que deseja e segundo a mãe, o menino ia
para a escola especialmente em dias de datas comemorativas para participar das festinhas,
junto aos colegas.
Davi gostava muito de ouvir histórias infantis e ficava bastante atento ao que lhe está
sendo contado. Apresentava interesse em músicas infantis, desenhos animados, jogos
pedagógicos e eletrônicos. Também gostava muito de desenhar e pintar, apreciando suas
próprias produções. Também, assim como os demais, Davi aguardava um transplante renal
estando na fila à espera de um órgão compatível com o seu.
Adriano
Era um adolescente de 14 anos com Síndrome de Down10
, muito amoroso e receptivo.
Todos gostavam de estar com ele. Adriano demonstrava ser muito bem assistido pela família,
especialmente pela sua mãe, que se dedicava exclusivamente a cuidar dele. Fazia hemodiálise
há um ano e meio, entendia sobre os cuidados que deveria ter por conta da doença, sendo
muito cuidadoso em relação ao cateter, ao uso da medicação e a especialmente a alimentação.
É muito solidário aos pacientes da hemodiálise e relaciona-se amigavelmente com todos.
Nasceu em Santo Antônio de Jesus-BA e precisou mudar-se para Salvador em
decorrência do tratamento. A mãe preferiu residir aqui, juntamente com ele, para que tivesse
melhor acompanhamento e proporcionar maior qualidade no tratamento do filho sem os riscos
das viagens que se submeteriam se optassem por continuar em sua cidade de origem. Adriano
falou muito do pai e da irmã, sempre demonstrando carinho a eles e parecia sentir muito por
estar longe deles e da sua cidade pela qual sempre se referia.
Realizava leitura e escrita no seu ritmo próprio e quando acompanhado, conseguia
compreender bem o que fazia, quer seja na leitura, nos números, nos jogos ou nos desenhos.
Estudou desde muito pequeno, a mãe relatara que antes de cursar a alfabetização na escola, o
10 Apesar de pouco ter expressado verbalmente nos momentos de nossos encontros, Adriano participou do jogo proposto e
fez o desenho com bastante dedicação. Foi escolhido a participar da pesquisa, pois demonstra compreensão das
circunstâncias vividas em decorrência da doença, expressa seus sentimentos, em relação ao que observa em dia a dia do
hospital e administra com responsabilidade os cuidados necessários.
75
menino já fazia reforço escolar e continuou no reforço por muito tempo com a mesma
professora da escola que o acompanhava praticamente o dia inteiro, enquanto a mãe
trabalhava e só o pegava para retornar para casa à noite. Adriano tinha uma boa relação com
todos os colegas e com a professora, gostava muito de ficar na escola e pedia para ficar um
pouco mais quando a mãe ia buscá-lo. Precisou sair definitivamente da escola quando iniciou
o tratamento terapêutico hemodialítico, cursando até o 4º ano do ensino fundamental.
Em Salvador, continuou seus estudos, inicialmente, apenas com os atendimentos da
Classe Hospitalar e no ano letivo de 2013, foi matriculado em uma escola municipal em uma
turma de 4º ano, com crianças que repetiam a série e faziam reforço escolar. Ia nos dias de
segunda-feira, quarta-feira e sexta-feira, quando se sentia bem e quando não tinha nenhum
exame ou consulta médica para realizar. A mãe contou que resolveu não levar o menino mais
à escola, pois as condições que presenciava neste espaço não eram muito boas, achava que a
professora não dava assistência aos alunos, principalmente ao filho dela que precisava de
acompanhamento especial, que gritava muito na sala e que os colegas eram muito agitados.
A mãe ainda relatou que ficou decepcionada por não ver nenhuma atenção voltada
para as necessidades educativas do seu filho, tanto diante da atenção especial que demandava
por causa do seu ritmo próprio em decorrência da Síndrome de Down, quanto diante da
doença renal que exigia uma atenção especial em relação ao horário do lanche, uma vez que
passava da hora de alimentar-se e de ficar atento ao que ele poderia sentir, pois em alguns
momentos chegou a sentir-se mal na escola. A mãe de Adriano disse sentir muito por isso,
pois mesmo o filho fazendo hemodiálise, ela gostaria que ele continuasse estudando, mas a
escola municipal que ele estudava não estava preparada para a inclusão e ela não tinha
condições de pagar uma escola particular, pois tinha muitas despesas por manter uma casa que
alugaram na cidade para morar.
Adriano demonstrou familiaridade com o uso de recursos tecnológicos (tablet, celular
e notebook) e apresentou possibilidades de desenvolver suas potencialidades em todas as
áreas do conhecimento, respeitando seu ritmo e tempo de aprendizagem. Assim como os
outros meninos e meninas, encontrava-sena fila do transplante à espera de um rim compatível,
de um doador cadáver em Salvador e em São Paulo, de onde também estava inscrito e
realizava exames e consultas na esperança de ser chamado a qualquer hora para a cirurgia.
Daniel
Tinha uma longa história com a doença, iniciou a hemodiálise no serviço de nefrologia
do hospital no mesmo período de Laura. Desde bebê recebeu o diagnóstico da doença e com
76
treze anos de idade, já convivia com a hemodiálise há mais de quatro anos, entende muito
sobre a doença que tem, sobre a sua dieta e pelo fato de fazer xixi, não precisa fazer muito
controle de líquido. Com um mês e quinze dias de nascido, apresentou os primeiros sinais da
doença, a partir de uma infecção urinária diagnosticada e após internação em um hospital em
Brasília – cidade em que nasceu – ficou um tempo na UTI por apresentar uma convulsão e
inchaço no corpo, descobrindo naquele momento que não tinha o rim direito e com problemas
relacionados ao rim esquerdo, causando uma lesão na função deste único rim que tinha.
Desde este período de vida permaneceu sendo acompanhado por nefrologista pediatra,
ficando por muitos anos realizando tratamento conservador da função do único rim que tem,
mas apresentou perda significativa de sua função aos nove anos de idade e a partir daí, passou
a realizar hemodiálise. Mudou-se para a Bahia em 2009 onde iniciou o tratamento
hemodialítico, residiu na capital por um ano e no ano seguinte mudou-se para Feira de
Santana com sua família onde passou dois anos arcando com as despesas de viagem três vezes
por semana para deslocar-se a Salvador nos dias da hemodiálise. Após este período, enfrentou
muitos problemas até conseguir um carro da Secretaria Municipal de Saúde de Feira de
Santana para que os trouxessem à capital baiana juntamente com outro paciente e seu
acompanhante que também viviam a mesma situação.
A história de vida de Daniel foi marcada por superações desde os primeiros meses de
vida. No ano de 2012 fez um transplante de um doador cadáver que, infelizmente não foi bem
sucedido e, segundo a mãe, o órgão foi rejeitado e por ter ficado muito tempo até a retirada, o
enxerto estava apodrecido dentro do seu organismo sem causar problemas à saúde apesar dos
grandes riscos de infecção ao qual estava submetido. Após o retorno à hemodiálise, Daniel
surpreendeu as pessoas com a tranquilidade que transmitia a todos que sentiam muito pelo
acontecido. O depoimento da mãe é muito forte e me causou emoção em alguns momentos da
sua fala. A mãe fala do medo que sente em relação ao acesso da diálise, das trocas de catéter e
da possível falta de acesso.
O menino morava com a mãe, o pai e o irmão mais novo e levara uma vida sem muitas
queixas por causa da doença. Interagia bem com as outras pessoas e sendo muito solidário
com todos, especialmente no acolhimento a novas crianças que passavam a fazer tratamento
hemodialítico. Seus pais eram muito religiosos e a forma como encaravam as adversidades
refletia o apoio e a segurança que senti, em função da sua fé e de seus familiares que sempre
os apoiam.
Iniciou seu processo de escolarização em uma escola em Brasília e mesmo com a
doença renal necessitava de cuidados especiais em relação ao trato na escola, tem boas
77
referências deste período em que as professoras e os colegas mantinham boa relação com ele.
Mas ao mudar-se para Salvador e precisar fazer hemodiálise encontrou algumas dificuldades e
passou por experiências que o levaram a desistir de estudar e a pensar em só ir para a escola
após o transplante. Conseguiu concluir o ensino fundamental I (1º ao 5º ano de escolarização)
e cursou alguns meses do 6º ano, mas não mais retornou a escola. Daniel aprendeu a ler e a
escrever, gostava de Matemática e Ciências, demonstrava interesse e afinidade na utilização
de recursos tecnológicos (notebook, tablet e celulares) e gostava muito de música, cursando
aulas de canto.
Apesar de ter vivenciado a experiência de insucesso do primeiro transplante renal,
Daniel aguardava por outro órgão compatível e tinha muita fé em não precisar mais fazer
hemodiálise. Assim como Adriano, está também na fila do transplante em Salvador e em São
Paulo na expectativa deque fossem chamados para a cirurgia, com expectativa de sucesso e
não rejeição do enxerto em seu organismo.
Após a escolha dos participantes da pesquisa, outros pacientes do serviço de
nefrologia pediátrica do hospital também poderiam ter participado deste estudo por ter
experiências com a doença, mas dois destes possíveis participantes que muito teriam a dizer
seriam apenas os acompanhantes, pois uma das crianças que tinha a doença apesar de ter oito
anos de idade e muito tempo de hemodiálise, nunca havia frequentado a escola e ainda estava
aprendendo a falar, pronunciando apenas poucas palavras e a outra criança de menos tempo
com a doença, também se expressava muito pouco em relação a oralidade. Por este motivo e
por já possuir uma quantidade significativa de participantes, optou-se por não incluí-los na
pesquisa.
4.4 A OBSERVAÇÃO SISTEMÁTICA
No caminho metodológico desta pesquisa de campo buscou-se a interação entre a
abordagem, o método e as técnicas/procedimentos que foram utilizados, articulando-os no
decorrer desta pesquisa, a partir da devida orientação do referencial metodológico aqui
defendido, cujo objetivo consistiu em conhecer profundamente o objeto de estudo de maneira
analítica e reflexiva para desenvolver a crítica, trazer contribuições no campo da pesquisa em
Educação e Saúde.
Para Gil (2009) o estudo de caso “é um estudo em profundidade” (GIL, 2009, p.7) e
que, ao utilizar os instrumentos de coleta de dados, o pesquisador deve procurar formas de
78
possibilitar e ampliar a oferta de informações sobre o fenômeno. Isto “requer a utilização de
múltiplos procedimentos de coleta” (GIL, 2009, p.7) representando uma das formas de
garantir a qualidade das informações que é possível por meio da confrontação dos conteúdos
obtidos com a utilização dos variados instrumentos.
Alguns autores tais como Gil (2009) e Yin (2010) defendem que a utilização de mais
de uma técnica de coleta de dados possibilita confrontar e complementar os fatos, ações,
objetos e fenômenos do contexto empírico. Desse modo, faz-se necessário avaliar a
possibilidade do uso de um ou mais instrumentos, que são a entrevista e a observação, afim de
que atendam à necessidade deste estudo e que sejam necessários ao desenvolvimento e
conclusões da pesquisa.
No sentido de elaborar um conjunto de procedimentos e técnicas para atingir os
objetivos propostos nesta pesquisa de forma coerente e articulada é que houve um esforço
para que as fontes fossem oriundas de entrevistas e de observações; que os recursos para a
observação sistemática fossem: diários de campo, gravador (mp4), vídeo; o lócus da pesquisa
fosse a Nefrologia Pediátrica de um Hospital público de Salvador-Ba e outros hospitais onde
os participantes estivessem; as técnicas de análise de informações fossem qualitativas para a
organização e sistematização de resultados através de descrições, esquemas e argumentações.
A utilização dos instrumentos de coleta de dados fez-se de forma a possibilitar e
ampliar a oferta de informações sobre o fenômeno estudado, representando uma das maneiras
de garantir a qualidade das informações que é possível por meio da confrontação dos
conteúdos (GIL, 2009) obtidos através da entrevista que possibilita e propicia este
aprofundamento e da observação como um instrumento metodológico mediante o
planejamento para se ter claro o que deve ser observado afim de “evitar irrelevâncias ou de
identificar aspectos que, embora não previstos, deveriam ser considerados.” (MOROZ;
GIANFALDONI, 2006, p. 78).
Após a inserção do pesquisador em campo, a partir da aprovação do projeto no Comitê
de Ética em Pesquisa, os participantes da pesquisa foram convidados mediante a apresentação
da proposta, das contribuições e da leitura cuidadosa do termo de consentimento livre e
esclarecido para posterior aceitação e assinatura de modo a registrar a sua anuência. Foi
combinado, previamente com os respectivos participantes, o melhor momento e local para a
realização das entrevistas.
Para a realização da entrevista semiestruturada, foi feita a gravação das falas do
entrevistador e dos entrevistados para a transcrição na íntegra. Pretendeu-se que a entrevista
fosse conduzida de maneira a deixar os entrevistados a vontade para elaborar seu pensamento
79
e suas falas, de modo que na completude dos discursos, os sujeitos expressassem as situações
vividas, a partir do que se desejou saber e do que apareceu no decorrer das entrevistas.
Para a realização das entrevistas com as crianças e adolescentes, foi necessária a
utilização de recursos, tais como jogos e ilustrações de modo que houvesse melhor mediação
para que as mesmas expusessem suas experiências. Na realização dos momentos com os
meninos e meninas participantes da pesquisa foram utilizadas algumas estratégias que
auxiliaram na mediação das entrevistas, como gravuras (ANEXO1) para introduzir
determinados temas, propostas de construções orais de histórias, do desenho deles no futuro
(pensando em como eles estariam daqui a 10 anos e qual seria a sua profissão), bem como a
utilização de um jogo chamado Baralho das Emoções11
(ANEXO2) que possibilitou a
expressão dos sentimentos em relação ao que experienciam. A relação entre
pesquisador/sujeito foi favorável de modo a facilitar maior envolvimento e esclarecimento das
informações importantes para responder ao problema.
Com os diferentes sujeitos da pesquisa, a partir de um roteiro preestabelecido
(APÊNDICES A e B), a entrevista buscou, inicialmente, um diálogo sobre a vivência com a
doença renal e a hemodiálise, os percursos e as perspectivas de escolarização na condição
específica destes sujeitos e por fim, as experiências com a Classe Hospitalar.
Vale ressaltar que o roteiro de entrevista proposto para as crianças/adolescentes
precisou ser adequado a uma criança com deficiência visual adaptando as propostas da
entrevista que previa a utilização de gravuras e realização de desenhos na tentativa de atingir
os objetivos propostos nessas intervenções através da oralidade. E com o menino com
Síndrome de Down, também foi necessário mediar as conversas no sentido de desenvolver
bastante a linguagem para o bom entendimento do que se pretendia com determinados
recursos.
Além das entrevistas, foi possível realizar, também, a observação de alguns períodos
das crianças e adolescentes nas sessões de hemodiálise, especialmente no momento das
propostas de construções dos desenhos e das interações com o Baralho das Emoções. A
observação foi feita mediante o registro dos aspectos relevantes à pesquisa na clareza do que
11“O Baralho das Emoções é um instrumento facilitador de acesso às emoções das crianças na clínica psicológica. Ele possui
21 cartas com características gráficas para meninos e também 21 cartas com características gráficas para meninas. Cada
uma das cartas descreve – em desenho – uma emoção específica. O instrumento visa acessar, com mais propriedade, as
emoções infantis durante o período de avaliação, assim como também durante todo o processo de tratamento. Mesmo que
tenha sido idealizado e desenvolvido por Terapeutas Cognitivo-Comportamentais, o Baralho pode ser utilizado de acordo
com a criatividade e a necessidade de cada Terapeuta, não importando a orientação teórica que fundamente seu trabalho”.
(SINOPSYS Editora. Disponível em: <http://www.sinopsyseditora.com.br/baralhos/baralho-das-emocoes-3a-edicao/.
80
era observado. Nesse sentido, as informações foram aqui utilizadas para complementar as
falas dos participantes nas entrevistas para evidenciar o que apareceu do fenômeno em estudo.
Segundo Giorgi (2012), nas pesquisas que utilizam o método fenomenológico quando
são feitas observações e entrevistas, ao mesmo tempo, a descrição da observação deve ser
feita, em primeiro lugar, para servir de base para a descrição e análise posterior das
entrevistas. Para que possa ser considerado como um instrumento metodológico, é necessário
que a observação seja “planejada, registrada adequadamente e submetida a controles de
precisão”. (MOROZ; GIANFALDONI, 2006, p. 77). O planejamento de tais instrumentos
foi essencial, para se ter previamente a clareza do que se desejava observar e, assim, evitar a
elucidação dos aspectos irrelevantes e obter a precisão do que se pretendia e do que deveria
ser considerado.
Todo o período de observação sistemática aconteceu em minhas idas ao campo de
pesquisa, além dos momentos das entrevistas em outros espaços escolhidos pelos
participantes. Esta que antecedeu a minha inserção de fato no campo da pesquisa, durou de
agosto a setembro de 2013, neste período busquei, inicialmente, saber sobre a disponibilidade
das crianças, adolescentes e seus acompanhantes em participar e a melhor forma de abordá-
los, depois fui à procura de informações que seriam relevantes e necessárias para constar neste
trabalho, até efetivamente acessá-los um a um, por meio das entrevistas e realizar as
observações pretendidas. Esta trajetória não seguiu certa linearidade, sendo constituída de idas
e vindas neste percurso mediante as necessidades e oportunidades que surgiram no campo.
É importante trazer aqui que, há cerca de cinco meses antes do início do trabalho de
campo, eu havia sido parcialmente afastada das funções que exercia enquanto professora da
Classe Hospitalar na Hemodiálise Pediátrica. Mas, ao contrário do que eu pensava
anteriormente, durante a pesquisa eu vi que sabia muito pouco sobre o tema estudado e
também sobre as problemáticas enfrentadas pelos pacientes renais e seus familiares. A
pesquisa me possibilitou ver o que jamais poderia ser visto sem o olhar curioso e cuidadoso
que o pesquisador deve ter, pois apenas enquanto profissional, eu não me dava conta da
complexidade expressa nestas experiências apreendidas por meio da pesquisa empírica.
Foi interessante para mim esta troca de “papel” e em minhas passagens pelo espaço da
hemodiálise pediátrica (especialmente nos dias em que eu não costumava estar como
professora da aluna que ainda atendia), as pessoas sabiam da minha tarefa e não ficavam
inibidas com a minha presença, mas sempre receptivas ao que eu lhes solicitava, estando eu
também bastante a vontade para realizar em todos os momentos os registros no diário de
campo e a gravação de todas as entrevistas e interações no jogo do Baralho das Emoções.
81
Apenas nas conversas iniciais em que eu convidava as pessoas a participarem da pesquisa não
foi feito registro, pois esta etapa se deu através de conversas informais, em que eu falava
sobre a pesquisa que iria realizar e lançava o convite mediante as condições impostas nas
circunstâncias vividas pelos mesmos.
Como disse anteriormente, as entrevistas não só aconteceram no hospital lócus da
pesquisa, mas também em outros hospitais em que alguns pacientes haviam sido recentemente
transferidos, na casa do paciente e também em minha residência. Este foi um dos grandes
desafios e eu fazia o possível para este aspecto não gerar neles nenhum desconforto e por isso
conversávamos anteriormente. Um dos participantes chegou a me dizer que só conversaria
comigo na sua cidade, mas ao ouvir isto, a sua mãe logo disse que daríamos um jeito para que
eu não precisasse viajar até a sua cidade.
4.4.1 Os encontros com os participantes
Tentarei aqui descrever os aspectos relevantes nos encontros e abordagens com os
participantes desta pesquisa na forma e ordem em que aconteceram.
Carmen e sua mãe
Esta foi a primeira entrevista que realizei com a criança e posteriormente com a sua
mãe. Combinamos anteriormente que ao final da diálise em um dia de quarta-feira, faríamos a
nossa conversa e a convite de Carmen fomos para a residência das mesmas, e chegando lá a
mãe fez questão de apresentar a casa, destacando que deixou as coisas dela no interior e que o
apartamento em que estava morando era muito pequeno para os três morarem (ela, o esposo e
a filha), além de ser muito caro e que ainda estavam se ajeitando por aqui. Enquanto a menina
se organizava, a mãe falava da sua vida diária, da independência e hábitos da filha cega em
casa. A menina me mostrou seu kit de maquiagem, as coisas que gostava de usar, seu perfume
e acessórios. Eu e a mãe sentamos à mesa para conversar sobre a pesquisa e assinar a
anuência. Explicamos também para a criança um pouco sobre a pesquisa.
Após alguns minutos, eu e a menina, nos organizamos no sofá da sala para iniciar a
conversa. Mais uma vez, expliquei como seria a nossa conversa e a menina com bastante
tranquilidade participou da entrevista. Enquanto isso, a mãe havia ido tomar banho, o que
parecia deixar a criança bem mais a vontade para falar. A entrevista aconteceu
tranquilamente, e algumas das questões do roteiro de entrevistas semiestruturada foram
82
adaptadas pelo fato dela ser cega. Não utilizamos as imagens previstas, mas a mesma falou
bastante e o que seria para ela escrever tentou construir na fala da mesma. A mãe se
aproximou de nós ao finalzinho da nossa entrevista que durou em média 20 minutos. Ao
encerrar a conversa, a menina parecia estar ansiosa para me mostrar as coisas que gostava,
iniciou me mostrando os livros que a mãe lia para ela, destacando como muita facilidade o
que mais gostava (50 tons de cinza), eram livros de ficção e de romance. Eu perguntei a mãe:
você lê tudinho pra ela? A mãe me respondeu: leio sim, algumas partes eu pulo. Enquanto a
mãe adiantava o almoço que havia dito que iria fazer, a menina me levou para o quarto para
me mostrar seus brinquedos que estavam guardados no único guarda-roupas da casa.
Fiquei muito surpresa com a descrição que a mesma fazia dos brinquedos, me
mostrando um a um. Eram pequenos objetos: utensílios, mantimentos, frutas, verduras... tudo
em miniaturas de plásticos que a mesma conhecia perfeitamente. Me mostrou outros
brinquedos, como funcionavam e como brincava com eles. Eu perguntei com quem ela
brincava e ela me disse que era sozinha, mas que os brinquedos que ela mais gostava não
eram aqueles, e foi à sala trazendo uma sacola de plástico cheia de objetos que são utilizados
para procedimentos em hospitais e descreveu corretamente cada um deles, as seringas eram
perfeitamente discriminadas umas das outras pelo tamanho (essa é de 1 ml, essa é de 3ml,
essa é de 5 ml, essa é de 10ml...), disse que gostava mais de brincar com os objetos de
verdade do que com os de brinquedo que estavam dentro da sacola. Disse que não gosta de
bonecas, que ela é a médica e o paciente ao mesmo tempo.
Ao sairmos do quarto, comentei com a mãe sobre o que vi e a mãe disse que realmente
ela gostava mais de brincar com aqueles objetos. A menina disse que iria assistir aos
programas de TV que gostava e que havia gravado, então e eu e mãe fomos fazer nossa
entrevista no quarto. Sentamos na cama, a menina ficou na sala ouvindo a TV e a mãe
também parecia estar bem à vontade. Durante a conversa, a mãe respondia as pergunta
expondo seus sentimentos, seu pensamento e trazendo exemplos sempre que possível de suas
experiências com a criança e o processo da doença. Ao final, quando perguntei a ela se queria
dizer mais alguma coisa sobre o que conversamos, a mesma trouxe algo extremamente
importante sobre a Classe Hospitalar.
Em uma conversa posterior e que não foi gravada, a mãe relatou algo interessante
sobre a relação da menina na escola quando iniciou a hemodiálise, disse que a professora
gostava muito da menina, que era uma pessoa a quem ela confiava de deixar a filha e que a
apoiava no momento inicial do tratamento. Achei interessante ela dizer: “a professora fazia
questão de ficar com ela, tinha dias que a pró ligava pra mim, para eu levar a Carmen depois
83
da diálise para a escola e íamos da clínica direta pra escola.” Fiquei muito surpresa, pois
algumas dúvidas que foram deixadas pela menina na entrevista, foram confirmadas na fala da
mãe a partir das informações trazidas em seu relato.
Além desta ocasião em sua residência, tive outro encontro com Carmen no momento
da hemodiálise para realizarmos o jogo do Baralho das Emoções. Este também foi
devidamente gravado com a autorização dela e da mãe e a menina, mais uma vez, me
surpreendeu com suas falas. Com a mãe da menina, apenas tivemos momentos em que eu ia
tirando algumas dúvidas em relação ao que necessitava saber e que não foi possível na nossa
conversa inicial.
A menina foi a única criança que continuei mantendo contato enquanto professora na
Classe Hospitalar e por este motivo, eu tinha com ela, maior acesso do que com as outras
crianças, pois a mesma estava aprendendo nas aulas da Classe a ler e a escrever utilizando o
Sistema Braille e neste processo, tive o máximo de cuidado para definir os momentos em que
eu estava com ela apenas enquanto pesquisadora.
Marcelina e sua mãe
Havíamos combinado em uma segunda-feira para fazermos a entrevista na quarta, pois
neste dia, elas viriam para ficar internada e após a diálise e o almoço da menina começamos a
conversar enquanto a mãe providenciava as questões do internamento. Ficamos na sala apenas
eu e Marcelina. Conversei afetuosamente com ela para que ficasse bem a vontade, mas de
forma agitada, ela me dizia, a medida em que eu ia lendo e explicando sobre a pesquisa que
não ela não tinha doença renal e insistia nesta fala a medida em que a leitura ia sendo feita,
mais ou menos no 3º parágrafo do termo de consentimento que estava lendo, a mesma disse
firmemente: eu não sou renal, eu tenho Lúpus! O lúpus é que fez meu rim parar! Nesse
momento, passei a ter mais cuidados na leitura e nas perguntas que iria fazer, mas não havia
compreendido bem o que ela realmente estava me dizendo, sendo possível apenas só depois
da conversa com mãe.
No momento da entrevista, tive um pouco de dificuldade em mediar a conversa, pois a
menina falava muito pouco, tentava de várias maneiras, mas a mesma quase não conversava.
No momento em que mostrei a gravura de crianças em hemodiálise, a menina recusou vê-la,
demonstrado estar amedrontada, recusando observá-la. Com mais cuidados, continuamos a
conversa e ao final, a menina disse: quero mais não! Pedindo para parar e recusando a
proposta de fazer um desenho de sua vida daqui para frente.
84
Ao final da entrevista com Marcelina e na tentativa de iniciar a conversa com a mãe,
fomos a procura de um espaço dentro do hospital que pudéssemos ficar, pois a sala que
estávamos não caberiam as três juntas e era muito isolada da ala em que a menina iria ficar
internada. Procurei a enfermeira da pediatria, explique a situação e ela me concedeu uma
enfermaria desocupada para que pudéssemos ocupar por um tempo. A menina ficou sentada
em uma cadeira no cantinho da sala com lápis de cor e desenhos para colorir enquanto eu e a
mãe conversávamos. Iniciamos com explicação sobre a pesquisa, a leitura do termo e a
assinatura do mesmo. A mãe me surpreendeu, pois demonstrava ser muito calada, mas ela
parecia entender o que eu explicava e antes de iniciar a gravação, me disse que não era a mãe
biológica da menina.
Durante a conversa já sendo gravada, ela me surpreendeu, pois narrou a sua história
com a doença, iniciou contando detalhes de suas experiências. Havia perguntas que ela
respondia através de sua narrativa e que nem precisaram ser feitas a partir do roteiro
preestabelecido. Seu relato durou em média 40 minutos, quase não falei durante este tempo. A
doença é algo que está muito marcado em seu relato. Percebi, em vários momentos, que a mãe
utilizava a conversa para destacar algo que a incomodava muito em relação a postura da
menina, de modo que a mesma ouvisse e soubesse que aquilo que ela fazia, a mãe sabia e
sentia muito, desejando que ela mudasse estas condutas.
Encerramos nossa conversa, agradeci e nos despedimos, deixando-as no corredor do
hospital no aguardo do leito que estaria sendo desocupado por outro paciente para que a
menina pudesse então ocupá-lo. Apesar de ter sido necessário, não foi possível ter outro
encontro com a menina, pois depois deste momento, Marcelina teve apenas algumas sessões
de hemodiálise e não mais precisou continuar este tratamento pelos motivos que expus
anteriormente.
Laura, Valéria e suas respectivas mães12
Após algumas ligações e tentativas que não deram certo devido às questões vividas
pelas mesmas, nos encontramos em um dia de quarta-feira após a diálise de Laura e de
Valéria no outro hospital em que as mesmas haviam sido recentemente transferidas. Neste dia
estava acontecendo uma palestra sobre transplante que foi organizado pela equipe
multiprofissional do setor de nefrologia do hospital, pois aquela era a semana de doação de
12
As duas estavam juntas. A entrevista foi feita, inicialmente, ao mesmo tempo com as duas: eu conversava e ouvia o que as
duas tinham a dizer, mas a partir de um certo ponto, especificamente nas questões sobre a escola, eu passei a conversar com
uma de cada vez.
85
órgãos. As mesmas estavam assistindo a palestra e eu as aguardava no lado de fora da sala,
providenciando também algum espaço em que pudesse depois me reunir com elas. Após o
término da palestra, as mesmas foram para a copa para almoçar e, neste momento, percebi que
as meninas estavam muito lentas, fiquei preocupada com isto e perguntei para a mãe como
elas estavam. A mãe de Laura disse que haviam administrado uma medicação na filha que a
deixava sonolenta. Percebi também fortemente que Valéria estava debilitada, pois havia
passado recentemente por um transplante de rim que não deu certo e que a deixou entre a vida
e a morte, pois ela teve hemorragia e necessitou retirar o enxerto, voltando à máquina de
hemodiálise também sob o efeito de muita medicação.
Estavam as duas muito caladas e lentas, perguntei se queriam participar da conversa,
expliquei cuidadosamente o que iríamos fazer e me ocorreu a ideia de sairmos daquele espaço
na tentativa de desligarem-se um pouco daquele “clima”. Então, fiz a seguinte proposta: ou
fazemos a entrevista aqui, em uma sala que a assistente social disponibilizou para nós, ou
vamos para outro espaço fora do ambiente hospitalar. A resposta veio de imediato, desejando
todas sair dali. Então, combinamos tudo e retornei para pegá-las na porta do hospital, numa
rampa que fica logo na saída, tivemos o enorme trabalho em colocar a cadeira de rodas usada
por Laura dentro do carro e por alguns momentos pensamos que não seria possível a nossa
saída. Mas com a ajuda do segurança do hospital conseguimos nos organizar. Resolvemos ir
para a minha residência que era próximo ao hospital. Neste espaço, as meninas pareciam estar
com um aspecto melhor e mais dispostas do que antes. Então, sentamos todas juntas e
conversamos sobre a pesquisa. Li o termo de consentimento, perguntei se tinham dúvidas, se
queriam participar e pedi que cada uma assinasse o termo.
Depois propus que as duas iniciassem a conversa comigo levando-as para outro
ambiente, lá sentaram as duas juntas em um sofá e eu de frente para elas, perguntei se podia
iniciar a gravação, e as mesmas aceitaram. A mãe de Laura parecia muito preocupada com a
nossa conversa, pois veio até onde estávamos e tentou orientar a filha no que iria falar, aí eu
tentei tranquilizá-la dizendo que não se preocupasse com o que a filha poderia me dizer.
Depois disso, nos acomodamos e iniciamos a conversa, no começo tive dificuldades em fazê-
las falar. As mesmas falaram muito baixo, eu tentei fazer uma dinâmica de modo que as duas
se sentissem mais a vontade, percebi que a entrevista poderia ter sido melhor se elas não
tivessem naquela condição – uma sob efeito de muita medicação que a deixava sonolenta e a
outra com os prejuízos após o transplante mal sucedido.
No momento em que mostrei a gravura de crianças em hemodiálise, fui surpreendida
com uma fala de Laura que observou um detalhe que não havia me dado conta: a criança
86
estava usando fístula, ao invés do cateter, sendo que, de maneira geral, as crianças e
adolescentes da hemodiálise pediátrica do hospital em que elas eram pacientes, não usavam
fístula arteriovenosa.
Na parte da pesquisa que trata especificamente sobre a escolarização, conversei
individualmente por se tratar da história de cada uma, as mesmas relataram muito
resumidamente sobre tais aspectos, iniciei conversando com Valéria enquanto Laura
aguardava ainda ao lado, logo após, perguntei se ela queria ir para a sala e aceitando,
continuei a conversa com Laura que estava cada vez mais sonolenta. Respeitei esta condição e
encerramos nossa conversa após alguns minutos. Ao todo, nossa conversa durou 30 minutos.
Chamei uma das mães para conversar e a mãe de Laura logo se disponibilizou a
participar. Percebi que no começo ela estava um pouco apreensiva, mas aos poucos foi
falando de suas experiências, seus sentimentos e pensamentos em relação ao que
conversávamos. Nossa entrevista durou em média 23 minutos. Ao final, quando perguntei a
ela se queria dizer mais alguma coisa sobre o que conversamos, a mesma disse algo que me
chamou a atenção e que demonstrou talvez que eu também queria que ela avaliasse o meu
trabalho com a filha dela. A partir disso, percebi que talvez a nossa relação interferisse um
pouco em seu depoimento, senti que ela queria me agradar, destacar a satisfação que tinha em
relação ao meu trabalho enquanto professora da filha dela e deixar talvez de lado alguns
aspectos que seriam relevantes que ela trouxesse na sua fala.
Chamei a mãe de Valéria para conversar e perguntei se ela queria ficar sozinha ou se
queria que a mãe de Laura permanecesse no quarto, pois as duas têm uma relação muito
próxima e na maioria das ocasiões estão juntas. A mãe de Valéria é uma mulher da zona rural,
não tão expressiva oralmente e por isso no início de nossa conversa, ela teve muita
dificuldade em se expressar, pareceu estar muito nervosa com a situação, mas depois foi se
tranquilizando e falou muita coisa relacionada às suas experiências de vida e com a doença. A
nossa conversa durou um pouco mais que 30 minutos. Em alguns momentos, a mãe de Laura
participava e isso foi bastante interessante.
No retorno, carro já estava a aguardando Valéria e sua mãe junto com outros pacientes
em um carro da Secretaria da Saúde que seguiria para outra cidade.
Quase dois meses depois deste primeiro encontro, marquei com a mãe de Laura para
novamente conversar com as meninas no hospital em que faziam hemodiálise para fazermos o
desenho e o Baralho das Emoções. No dia marcado, a mãe me informou que as mesmas que
estavam na hemodiálise ansiosas ao meu aguardo. Ao chegar, Laura estava dormindo e
Valéria aguardava com expectativa, ela estava com o rosto inchado e cheio de pontinhos
87
avermelhados devido ao tratamento de medicação após o transplante. Iniciamos a conversa
fazendo o Baralho das Emoções e a mesma demonstrou gostar de participar desta interação.
Foi muito interessante fazer a pesquisa no ambiente da hemodiálise, apesar da intervenção dos
técnicos de enfermagem e naquele momento passei a repensar a ideia de que o ambiente
influencia na qualidade da entrevistas, percebendo que o que influencia são as condições do
paciente. Ao final do jogo, propus o desenho: eu no futuro, expliquei como deveria ser e a
deixei fazendo enquanto estava com Laura.
Com Laura, fiquei muito surpresa ao tê-la ouvido falar bastante e demonstrado
empolgação para participar do jogo e por saber que a mesma havia voltado a andar e não mais
precisava de cadeira de rodas. Ao final da sessão de hemodiálise, aguardei as meninas saírem
da sala para continuarmos a entrevista com as poucas coisas que ainda faltavam e na sala de
espera, as meninas continuaram o desenho. Minutos depois, o almoço chegou, tendo que ir
para a copa levando todos os recursos que estávamos utilizando mas, mesmo neste momento,
as meninas fizeram o desenho e coloriram. Após a entrega das produções precisaram sair
logo, pois os carros que as levariam para as suas casas já estavam esperando do lado de fora
do hospital. Valéria iria retornar para a sua cidade, mas relatou que não sabia que hora iria
chegar em casa porque no ônibus que a trouxe, veio uma pessoa que “toma” sangue e por isto
o ônibus demora para retornar.
Mãe de Daniel
Este foi um dos depoimentos mais ricos em detalhes e informações. Durou mais tempo
que os outros. Combinamos por telefone de nos encontrarmos no hospital no sábado logo pela
manhã e antes de conversar com a mãe de Daniel, eu fui à sala da hemodiálise e em conversa
com Daniel, perguntei a ele se gostaria de participar da pesquisa e ele disse que sim, mas só se
eu fosse à sua cidade para entrevistá-lo, pois assim que acaba a diálise, o carro os leva de
volta, sendo difícil encontrar um tempo que não seja na hora do tratamento. Após algum
tempo, a mãe dele que não estava presente entrou na sala e eu a chamei para irmos a uma
salinha onde ficam os materiais da Classe Hospitalar e expliquei a ela tudo sobre a pesquisa, li
o termo de consentimento, ela assinou dando a sua anuência e iniciamos a entrevista com a
gravação do seu depoimento.
Este momento foi muito forte, pois ela relatava sua história e no momento em que
narrou sobre a volta da criança para a máquina de hemodiálise após um transplante mal
sucedido, nos emocionamos e eu não consegui conter as lágrimas. Continuamos a conversa e
a mesma continua fazendo uma narrativa de suas experiências, sendo muito pouco
88
interrompida por mim, pois a sua fala contemplava muitas perguntas que eu iria fazer. Mais
uma vez, a mãe chora ao falar sobre uma experiência que o filho teve na escola, em que se
sentia discriminado pelos colegas e pela professora, seu relato avança trazendo alguns
aspectos que mostram a dificuldade em relação a escolarização.
Em outro momento da sua fala, nos emocionamos mais uma vez, quando a mesma
relatou sobre a vida e a escola, contive as lágrimas e procurei disfarçar para prosseguirmos a
conversa. A mãe falava de assuntos bem interessantes, a mesma deixou bastante evidente em
seu depoimento a sua fé e a religião. Usa os termos experiência, inclusão e Bullying. Fala
muito sobre a relação entre professor e aluno (afetividade).Ao final do depoimento, se
emociona e chora pela quarta vez. Nossa conversa durou 1h e 8min. Ao final, nos abraçamos,
agradeci a ela e retornamos à sala de hemodiálise. Combinamos de fazer a entrevista com seu
filho assim que possível.
Davi e sua mãe
Encontrei com eles uma semana antes da entrevista, combinamos de conversar na
semana seguinte e os mesmos concordaram em participar. No dia da entrevista, a conversa
aconteceu primeiramente com a mãe, pois a professora da Classe Hospitalar do hospital, o
atendia no leito e, então, descemos para a sala da Classe na pediatria e realizamos a nossa
conversa neste espaço. Iniciamos com a leitura do termo de consentimento e explicações
sobre a pesquisa. A conversa durou 21 minutos, a mãe parecia não saber muita coisa sobre a
doença, pois compartilha esta vivência com pai do menino e com a avó paterna, que é com
quem Davi reside.
Faz seu relato expondo suas angústias, sentimentos e pensamentos a respeito de suas
experiências. Finalizamos nossa conversa, subimos para a enfermaria em que estava a criança
com a professora que depois de alguns minutos encerrou a aula e se despediu da criança. Após
algum tempo, iniciamos anossa conversa, fechamos a porta da enfermaria e a mãe ficou
presente, li e expliquei a ele como seria a entrevista que durou 24 minutos. Assim como com
as outras crianças, Davi também falou muito pouco sobre o que pensa sobre suas vivências e
também teve dificuldades em expressar seus sentimentos.
Com ele não foi possível fazer o desenho e o Baralho das Emoções, pois para isto
precisaríamos de mais um encontro que não foi possível devido ao fato do menino passar a
realizar diálise peritoneal em casa e o número telefone de contato que a sua mãe havia me
concedido não estava correto, pois a ligação nunca era completada.
89
Adriano e sua mãe
Marcamos dois dias antes por telefone para fazer a entrevista no hospital em um dia de
sábado, no turno matutino. Após alguns minutos esperando as mães tomarem o café coletivo
que haviam feito na sala da hemodiálise, em conversava com Adriano e Daniel sobre algumas
perguntas relacionadas à pesquisa. Assim que possível, fomos, eu e a mãe de Adriano, para a
salinha da Classe Hospitalar. Durante a entrevista que durou em média 40 minutos, a mesma,
inicialmente, parecia não ter muito a dizer, mas aos poucos foi perdendo o receio e
conversando sobre o que ia sendo perguntado, por vezes retomava algumas questões que ia se
lembrando, a medida em que foram sendo feitas outras perguntas.
Ao final da gravação, continuamos a conversa e a mesma retomou algumas questões
do que havia sido falado e eu a convidei a falar novamente para que fosse gravado por ser
uma informação muito relevante, encerramos e ela reforçou que eu deveria fazer a entrevista
com Adriano.
Ao retornar à sala de hemodiálise, Adriano já havia sido desligado da máquina e
Daniel ainda estava em procedimento, o mesmo pediu para marcarmos outro dia e a própria
mãe de Adriano disse que eu poderia conversar com ele naquele momento, então fomos para
sala e a entrevista como menino foi bem diferente da que foi realizada com as outras crianças
e adolescentes, utilizamos logo na primeira conversa o Baralho das Emoções para mediar a
conversa e ele falou o que sentia e pensava, mesmo que de maneira bastante sucinta e sem
muitas elaborações.
Deixou bem marcado o que é bem característico dele que é a afetividade, demonstrou
não entender muito sobre a doença, mas sabe que precisa ter cuidados severos em relação ao
cateter, alimentação e higienização. A entrevista durou em média 26 minutos e ao final,
expressou através do sorriso e respondendo que sim à pergunta sobre se havia gostado da
conversa. Tivemos outro momento uma semana depois na hora da hemodiálise, para que fosse
feito o desenho.
Daniel
Antes de ir ao hospital, liguei para Daniel e ele estava bem disposto e motivado a fazer
a entrevista, e ainda falou ao telefone: Vem logo! Às 9:30h de um dia de sábado, cheguei no
hospital e encontrei as mães das crianças conversando na cantina que fica no térreo, do lado
externo do hospital e elas estavam bastante abatidas com a situação de uma criança de 8 anos
que já faz tratamento (diálise e hemodiálise) há mais de quatro anos e relatara que em relação
90
ao mesmo, os médicos disseram haver falência de acesso e que a criança encontrava-se toda
inchada e sem condições de dialisar por problemas com o cateter.
As mães estavam tristes e inconformadas com a situação, pois os médicos haviam
pedido para o pai que estava com a criança informasse a situação à família e solicitasse a
presença da mãe, pois ele estava sem perspectivas de reverter a situação e aguardando a hora
de vir a óbito. Elas disseram que os meninos que estavam na sala da hemodiálise dialisando
com esta criança, estavam muito tristes e apreensivos diante desta situação tensa e dolorosa.
Subi e ao entrar na sala da hemodiálise, dei bom dia a todos e fui diretamente ao pai da
criança, a fim de tentar entender o que estava acontecendo e de confortá-lo. Perguntei à
técnica que estava com ele e ela disse que estava tentando dialisar aos poucos, na medida do
possível, e pressionando o cateter sobre o pescoço do menino para tentar fazê-lo funcionar. O
menino estava parado e ao falar que ficasse tranquilo, ele fez um gesto de legal e continuou a
demonstrar com expressões no rosto e no corpo o quanto estava sofrendo.
Fui conversar com Adriano e Daniel que estavam ligados à máquina de hemodiálise
um do lado do outro e ambos demonstraram gostar da minha presença e estarem dispostos a
fazer alguma coisa, pois além de conviverem naquele momento com a dor do amigo, estavam
ociosos e desejando que o tempo passasse logo.
Organizei todo o material que iria utilizar com eles, fiz a proposta do desenho de qual
seria a profissão que eles pensavam em ter no futuro, e a partir daí, eles aceitaram. Iniciei
retomando com Adriano a entrevista da semana anterior e enquanto o mesmo desenhava, eu
conversava com Daniel sobre a pesquisa e lia pra ele o termo de consentimento de maneira
bastante explicativa e com pausas, pois os movimentos e o barulho da sala de hemodiálise o
deixavam bem distraído. O mesmo assinou com bastante satisfação e me devolveu o
documento.
Fiz a proposta do desenho a ele, e ele fazia sozinho enquanto eu retomava com
Adriano, que depois de algum tempo me entregou o desenho e explicou o que havia feito e
quase no final da diálise, recebi o desenho de Daniel. Enquanto os meninos eram desligados
da máquina, Daniel se pesou e fomos pra salinha, lá Marcelina também pediu para entrar na
sala, pois iria aguardá-lo para irem no mesmo carro para casa, e iniciamos a nossa conversa.
No começo, a menina estava filmando com o Tablet, mas após alguns minutos pediu para sair
da sala.
Daniel demonstrou muita tranquilidade durante a conversa que durou em média 30
minutos, inserimos na nossa conversa as gravuras que foram utilizadas com as outras crianças
91
e ao final usamos o Baralho das Emoções, foi bastante interessante, pois ele falou muito sobre
os sentimentos que tinha.
Percebi que depois de um tempo, ele ficou querendo que a conversa acabasse logo,
pois queria muito ir embora e sabia que as pessoas só estavam o aguardando, assistiu um
pouco da nossa filmagem e eu perguntei se ele queria ver depois e ele disse que sim saindo
logo em seguida.
As descrições e informações trazidas até aqui, foram resultado das anotações feitas nas
observações do campo e das conversas anteriores ou posteriores às entrevistas, bem como das
consultas nas falas gravadas dos entrevistados, por isso, é importante informar que para esta
pesquisa, não foi realizada nenhuma consulta aos prontuários dos pacientes, como também
não foi transmitida nenhuma informação dos profissionais do serviço de nefrologia que atende
aos pacientes no lócus da pesquisa.
4.5 ORGANIZAÇÃO E ANÁLISE DAS INFORMAÇÕES DO CAMPO EMPÍRICO
Os escritos produzidos, a partir dos conteúdos trazidos do campo, foram analisados
tendo como base as etapas concretas do método fenomenológico científico que nos apresenta
um “caminho do pensamento” (MINAYO, 1999, p. 218). A realização de uma análise
fenomenológica para a exposição dos aspectos trazidos nesta pesquisa descritiva, implica na
produção de uma investigação qualitativa, em que apoiada em uma postura filosófica e
rigorosa em seus procedimentos, volta-se ao fenômeno com o objetivo de compreendê-lo
atentamente, interrogando-o na busca do entendimento de sua essência, a partir de sua
descrição.
Neste sentido, analisar o que foi descrito na busca dos pontos de convergência entre
sentido e significado é interpretá-los, a partir das experiências vividas na pesquisa, dos
diálogos com os participantes, bem como de seus relatos e dos referenciais teóricos estudados
para a compreensão de tal temática, considerando a possibilidade de dialogar com o que
propõe as bases da análise fenomenológica e relacioná-los com as implicações dos
referenciais teóricos para proporcionar uma discussão com o conteúdo empírico. Para isto,
buscou-se apoio teórico-metodológico da fenomenologia existencial-hermenêutica, que de
acordo com Silva Filho (2006) tem como característica a interpretação sobre o que foi
descrito do sentido da experiência vivida pelos sujeitos, de maneira reflexivo-crítica para
permitir a compreensão da fala do outro, através da mediação pela linguagem.
92
Garnica (1997) aborda a respeito da importância da mediação pela linguagem, que
permite a compreensão e interpretação de um discurso que ocorre temporal (histórico) e
contextualizadamente (social). Para tanto, tentaremos nos atentar aos aspectos que podem ter
algum tipo de influência no que os sujeitos expressam das situações vividas, em suas tomadas
de decisões, considerando que as ideias e elaborações sobre o vivido não estão dissociadas das
condições pelas quais estes sujeitos se encontram e estão enraizados, pois cada fenômeno em
si é percebido de forma diferente pelos diversos sujeitos em suas perspectivas, crenças e
conhecimentos.
As discussões e análises tiveram foco principal no que as experiências vividas, pelo
que as pessoas puderam nos mostrar, são para a compreensão dos significados da
escolarização para estas crianças e adolescentes. Optou-se por definir a perspectiva de análise
e se apoiar em um discurso próprio que se insere, especialmente, no campo da sociologia e da
antropologia sobre os conceitos que foram trabalhados juntos ao que emergiu no conteúdo
empírico.
Após a coleta e transcrição das entrevistas, buscou-se orientação para análise
sistemática dos depoimentos, a partir de algumas etapas exaustivas, mas que conduziram às
proposições sobre o fenômeno estudado e às interpretações compreensivas das experiências
dos participantes na busca dos significados ao que se desejou investigar. Para a obtenção dos
temas ou das unidades de significado13
que foram encontradas nas descrições e que puderam
revelar a estrutura do fenômeno investigado, fez-se necessário dedicar-se a alguns momentos
de análise orientados por Giorgi (2012), Moreira (2002) e Martins e Bicudo (1994) e que
podem ser explicitados da seguinte maneira:
O primeiro momento foi o da investigação global que consiste na leitura geral dos
dados das transcrições, pois ela permite a familiarização dos conteúdos sem a
interpretação.
O segundo momento constituiu-se, a partir da releitura do texto, tantas vezes quanto
preciso, na busca das unidades de significado com foco no que se desejou investigar
e a partir da perspectiva teórica que nesta pesquisa foi de base sociológica. Este
momento foi bastante minucioso, a medida em que foram selecionadas, agrupadas e
reagrupadas para permitir maior aproximação aos dados.
13 As unidades de significado são discriminações espontaneamente percebidas dentro da descrição do sujeito, tendo o
pesquisador a postura adequada (psicológica, sociológica) em relação a essa descrição e considerando-a como um exemplo
do fenômeno em questão. (MOREIRA, 2002, p. 124).
93
O terceiro momento consistiu na identificação do conteúdo expresso e da
enunciação dos dados, a partir da perspectiva teórica partindo da análise das
unidades de significado já organizadas no momento anterior.
O quarto e último momento da análise foi dedicado à síntese de todas as unidades
de significado, a partir de suas convergências e divergências, da análise dos temas
repetidos na busca da essência das estruturas para que pudessem ser transformadas
em proposições sobre o fenômeno estudado, a medida em que iam sendo feitas as
interpretações compreensivas das experiências.
As informações trazidas do campo da pesquisa foram reunidas em três blocos no
sentido de organizar a análise a partir da sequência que inicialmente pensamos e que foi
consequentemente trazida pelos participantes (tanto pelas crianças e adolescentes quanto pelas
mães) como veremos no capítulo posterior.
4.6 ASPECTOS ÉTICOS
Realizar uma pesquisa que trabalha com as opiniões, vivências e ideias de outras
pessoas, exige do pesquisador alguns esforços para manter a imparcialidade e o rigor na
postura ética, mesmo sabendo que os problemas éticos podem ocorrer mesmo com a máxima
atenção aos cuidados em pesquisar com seres humanos. Portanto, é importante ter clareza das
questões éticas que envolvem especialmente uma pesquisa qualitativa desde o momento da
elaboração do projeto de pesquisa até a sua análise e considerações finais.
Para tanto, em observância à Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde que
regulamenta, através de diretrizes e normas as pesquisas envolvendo seres humanos, este
projeto de pesquisa cadastrado na Plataforma Brasil (Folha de rosto, ANEXO 3) foi
adequadamente encaminhado ao Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Geral Roberto
Santos, em Salvador-BA para análise, considerações, aprovação e mediante as devidas
autorizações (ANEXOS4, 5 e 6) do Comitê de Ética em Pesquisa, do setor de nefrologia do
hospital e também da coordenação da classe hospitalar da SMED no setor de nefrologia, para
que as atividades de pesquisa pudessem ser iniciadas em campo junto aos participantes, a
partir da aprovação final no dia 19 de julho de 2013, do Comitê de Ética.
Na execução da pesquisa de campo e antes de iniciar as conversas, foi feita a leitura do
Termo de Consentimento Informado Livre e Esclarecido (APÊNDICE C), que explicou sobre
a pesquisa e garantia da liberdade e o anonimato dos participantes para a anuência dos
94
mesmos. O termo foi assinado em duas vias de igual conteúdo, ficando uma comigo e outra
com o participante. Quando na realização das pesquisas com as crianças, os pais participaram
de todo o processo, dando também a anuência para a participação das crianças na pesquisa.
A esse respeito, Kramer (2002) em um artigo sobre questões éticas na pesquisa com
crianças, nos chama a atenção para alguns cuidados que devemos ter ao realizar entrevistas
com crianças, tais como o anonimato ao nome das mesmas, a divulgação de fotos em que
aparecem os rostos das crianças e o cuidado e compromisso do pesquisador na cumplicidade
da devolução dos achados da pesquisa.
Sobre os riscos e benefícios, é possível dizer que não existiram riscos biológicos aos
participantes e nem comprometimentos clínicos, podendo com cuidado e atenção descrever
sobre as vivências, pensamentos e ideias dos participantes. Ainda sobre os riscos, todos os
cuidados foram tomados para não criar expectativas diante das situações dos pacientes,
clarificando o objetivo desta pesquisa durante todo o processo e especialmente antes da
anuência dos mesmos. Por outro lado, não houve benefícios para os pacientes, pretendendo
que os tenha para as futuras pessoas com a doença renal crônica, na medida em que o produto
desta pesquisa sensibilize os profissionais através do conhecimento produzido.
95
5 ELUCIDAÇÃO E COMPREENSÃO DOS RELATOS
Se todos nós lemos um poema, o poema é sem dúvida, o mesmo, porém a leitura em
cada caso é diferente, singular para cada um. Por isso poderíamos dizer que todos
lemos e não lemos o mesmo poema. É o mesmo desde o ponto de vista do texto, mas
é diferente desde o ponto de vista da leitura. (LARROSA, 2011, p. 16).
Nesta parte da dissertação, trago o material empírico que foi resultado do trabalho de
campo no sentido de estabelecer um diálogo, com o que aparece e o que dá sentido ao que se
desejou investigar. Com isto, pretendo tornar visível o conjunto de aspectos que constituem o
retrato da vivência com a doença renal crônica e seu tratamento de hemodiálise nos seus
estilos de vida, nas suas rupturas e reconstruções, nos seus cuidados e nos sentimentos que
fazem parte destas experiências.
As formas e os significados impressos em cada pessoa que convive com uma doença
são determinados, tanto culturalmente por uma dada sociedade, quanto pela sua própria
história de vida nos seus percursos. Foi possível visualizar através das narrativas dos
participantes deste estudo que, apesar de haver sentimentos comuns em relação à doença, que
culminam em seus estilos de vida, há também trajetórias diversas e formas de lidar com as
particularidades que as envolvem. Com isto, quero dizer que apesar de haver a necessidade de
um esforço comum em relação ao cuidado por exemplo, há também divergências na maneira
como determinadas situações são conduzidas por cada pessoa.
Para tanto, fez-se necessário compreender o universo de atitudes e sentimentos
comuns que envolvem as situações vivenciadas pelos pacientes e suas mães acompanhantes
no contexto da doença renal e seu tratamento para o entendimento de questões relativas às
decisões em relação à vida escolar das crianças e adolescentes em hemodiálise, pois o
pesquisador está no mundo de fora e para conseguir algo, é necessário adentrar no universo da
pesquisa, observando os vários aspectos, a partir das diversas pessoas que participam do
processo.
A partir do estudo dos depoimentos obtidos no trabalho de campo foi possível
perceber a evidência do conviver com a doença renal nas escolhas e opções em relação ao que
normalmente se prevê para a vida de uma criança e adolescente, pois no cenário em que a
manutenção da vida diante da Insuficiência Renal Crônica e suas exigências, conciliarem tais
escolhas implica em adaptarem-se à realidade em que ela se apresenta, ou seja, não é possível
falar da educação escolar destas pessoas, sem antes perceber o peso marcado pela doença em
suas vidas e as dificuldades e possibilidades encontradas nos seus percursos carregados de
96
emoções nos seus cuidados, privações e rearranjos que por vezes são necessários nos
inesperados de suas trajetórias existenciais.
Assim sendo, partindo destas evidências, dos objetivos desta pesquisa e de minha
perspectiva enquanto pesquisadora, a partir dos referenciais teórico e metodológico aqui
adotados, o fenômeno “escolarização de crianças/adolescentes em hemodiálise” foi revelado
em três unidades/temas:
1. Vivência com a doença: Seus percursos com a doença em suas particularidades e
demandas; seus sentimentos e pensamentos sobre a doença e a hemodiálise; quais os
cuidados, privações e aflições na vivência com a doença.
2. A Escola no contexto da doença e da Hemodiálise: Sobre a influência da doença na vida
escolar da pessoa doente renal crônica; sobre a permanência ou não na escola, a partir
das circunstâncias vividas, junto ao tratamento de hemodiálise; das formas de
“compensar” as perdas nas atividades escolares e como concilia a vida escolar neste
cenário; sobre os cuidados e as relações estabelecidas pela criança/adolescente com
todos da escola; das contribuições da escola diante das necessidades destes alunos; o que
estas pessoas pensam da importância da escola neste contexto.
3. A Classe Hospitalar na Hemodiálise: Sobre o que pensam e sentem as
crianças/adolescentes e suas mães em relação a classe hospitalar; quais aspectos
criticam, tem dúvidas ou apreciam em relação a estrutura da classe hospitalar na
Hemodiálise; o que sabem sobre os direitos da criança hospitalizada, acerca da
escolarização; sobre a relação da classe hospitalar com a família e com a escola comum.
O que ficou fortemente marcado nas condições vividas por estas pessoas (doentes e mães
acompanhantes) foram o sofrimento e a dedicação aos cuidados necessários com a vida
diante das demandas da doença. Neste sentido, ficou evidente que a busca da compreensão
do que significa o processo de escolarização na vida destas crianças e adolescentes, parte da
elucidação da totalidade existencial que compõem as formas de pensar e agir, constituindo
assim, as suas trajetórias biográficas.
5.1 VIVÊNCIAS COM A DOENÇA
5.1.1 Conviver com a doença e as formas de lidar com ela
A conversa com todos os participantes teve como pontapé inicial a experiência na
vivência com a doença desde o seu surgimento que, para cada um, se deu de maneira
97
particular nas suas formas e maneiras de contextualizá-las. Neste sentido, ver o que se mostra
essencial no conviver com a doença e seu tratamento nos aponta que os modos de vida destas
pessoas são pensados em função da doença que, por sua vez, são marcadas por mudanças,
cuidados, dedicações, aflições e privações que são expressas nos conteúdos das falas:
Na verdade assim, eu fico única e exclusivamente pra ela. Então, trabalho,
eu não trabalho, o que eu tinha... então eu tive que deixar de trabalhar e
estudar não dá. Então é só em casa mesmo pra cuidar dela. (mãe de
Carmen)
Tudo muda, a começar dos hábitos, horários, responsabilidades com o
tratamento então, três vezes por semana tem que vir para Salvador, fazer o
tratamento, inclui na viagem, inclui nos horários, então modificou tudo.
Diante de todo sofrimento que ainda continua, porque você desloca muito
cedo, acorda muito cedo, têm as estradas, os riscos que a gente passa. [...] E
você ficar a mercê de um serviço de saúde inadequado para seu filho, você
às vezes opta é enfrentar as estradas e vim para a capital para fazer o
tratamento. (mãe de Daniel)
Mudou muitas coisa, porque assim, no começo acaba prejudicando a gente,
e você num vive mais a vida que você era antes, e a sua vida normal, é uma
vida assim, pra mim mesmo eu acho que é uma vida muito sofrida, é um
tratamento difícil, assim, uma coisa que é muito difícil, muito difícil mesmo,
só a gente passando pra a gente entender porque quando a gente não passa
por aquele problema, a gente nunca acha como “as coisa” é difícil, como é
difícil esse problema de Laura né! [...] Impede de trabalhar, às vezes tenho
vontade de ir em algum lugar, não posso por causa dela. (mãe de Laura)
Então eu não tenho muito tempo de trabalhar porque é o hospital, quando
está internado é mais é eu que fico, o pai fica bem pouco. E não posso
trabalhar. (mãe de Davi)
Nós acorda 1h da manhã no caso assim, nós chega, nós sai de lá uma hora,
nós acorda 12:30h da noite de domingo, 12:30, aí 1h nós vem o carro pega
em casa, chega aqui umas 4 horas, tem vez que chega 5, aí quando pega a
gente aí na volta, quando chega lá é umas 9 horas. Dorme na terça, aí
quando for, meia noite de novo, 12 e meia a gente acorda de novo, pega o
carro 1 hora da manhã e volta pra Salvador de novo na quarta. Aí na quarta
de noite chega em casa, aí dorme na quinta-feira de noite torna pegar o
carro pra tá aqui sexta. E isso já tem 2 ano e 9 meses. Eu viajo sozinha
assim com ela, quando o pai vem, o pai só vem uma vez na semana que tem
pressão alta, aí num pode tá andando com ela, perdendo noite, aí segunda
vez num pode, só pode vim uma vez por semana. O restante eu venho com
ela, aí ele fica em casa com os três meninos. [...] três vezes na semana, às
vezes nós vem 4 vezes na semana. (mãe de Valéria)
Para começar tem que mudar de cidade, ficar aqui, residir aqui. Isso já foi
uma mudança totalmente inesperada. Tive que deixar tudo e ficar aqui,
morando aqui em função só de tratamento. Então, isso já é além do
problema da saúde, o que mais pesa é isso aí, porque é como se a gente não
tivesse um lugar certo. Porque a casa onde a gente morava já não sente...
98
com um ano e pouco você não sente mais a sua casa. Sai tudo do lugar,
tiram tudo do lugar, deixam tudo do jeito deles. (mãe de Adriano)
Nos momentos das entrevistas, após relatar um pouco sobre a história da doença renal,
desde quando surgiu na vida de cada um, assim como foi apresentado no capítulo anterior, as
mães das crianças e adolescentes relataram de maneira expressiva as rupturas em seus modos
de viver e em suas rotinas, sendo necessário deixar de trabalhar, de cuidar da casa, de dar
pouca atenção aos outros filhos e ao marido, de não mais ter possibilidades de estudar e etc.,
para viver a serviço do que se faz necessário no cenário em que cada um se insere diante da
doença crônica, pois “trata-se de dar atenção aos aspectos privados, à vida cotidiana, às
rupturas das rotinas, ao gerenciamento da doença e à própria vida dos adoecidos.”
(CANESQUI, 2007, p. 20).
É possível trazer da compreensão destes depoimentos que a dedicação ao filho toma o
tempo destas mães e de suas famílias. Além disso, fica bastante evidente a necessidade de
deixar de trabalhar em função desta dedicação. O cuidado com o outro, especialmente, em
relação às idas para as sessões de hemodiálise é mais que uma ocupação, representa para estas
pessoas, a impossibilidade de trabalhar para ganhar um salário. O cuidado aqui expresso
também pode ser considerado como um tipo de trabalho, exige ocupação, preocupação e
responsabilidade entre um eu (quem cuida) e um outro (quem necessita de cuidado).
Vale destacar que o cuidado ao filho doente consome todo o tempo destas mães, sendo
esta uma nova forma de ocupar-se, mas que as mães não reconhecem como uma forma de
trabalho, pois o trabalho que antes era fora de casa e que rendia alguma remuneração não mais
é possível, mesmo que esta família passe a receber algum benefício oriundo do BPC ou do
TFD como está expresso na fala da mãe de Laura:
A coisa assim que mais eu me sinto triste, assim porque eu tenho muita
saudade da minha casa, tenho saudade da minha família, tenho vontade de
trabalhar, porque às vezes assim só dependendo do benefício dela e, às
vezes, a gente passa muita dificuldade das coisa, é tenho vontade de
comprar as coisa melhor pra elas, até mesmo assim algumas coisa pra elas
melhor, porque às vezes assim eu fico, eu não posso. Além da Laura tenho
Ane e Vivi. Ane - especial e tenho Vivi e tá morando aqui de aluguel as
quatro (a mãe e as três filhas) (mãe de Laura).
Situação muito parecida é expressa pela mãe de Valéria que junto ao seu esposo
tiveram que parar de trabalhar para dedicar-se aos cuidados da filha:
O pai dela trabalhava, hoje ninguém trabalha, só tomando conta das outras
crianças, ninguém trabalha, só vive só dessa tratamento dessa menina,
ninguém trabalha, porque a vida é só Valéria, porque a correria é demais,
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ele bota os três meninos na escola, quando é meio dia, pega os meninos,
num tem como trabalhar, há dois anos e nove mês sem trabalhar em nada,
aí tem que cuidar só desse tratamento dela... eu antes ia pra roça ajudava
ele na roça e hoje ninguém trabalha. (mãe de Valéria).
E não é só mudar de casa, de cidade, de rotinas e hábitos que marcam a vida destas
pessoas, elas convivem com muitas situações de incertezas, expectativas, aflições e privações
que no percurso de suas experiências, desenvolvem sentimentos e formas de pensar e
conhecer uma vida que como uma das mães destacou “só sabe mesmo quem passa” ao
expressar seus sentimentos e o que sabe em relação à doença e ao tratamento tanto nas falas
das crianças e adolescentes, quanto nos depoimentos das mães, como veremos mais abaixo:
Ó, o que eu sei é que é uma doença renal, é uma doença que dá nos rins e o
que eu sei é que essa doença tem que fazer hemodiálise, tem que fazer
transplante e...eu sei que dá nos rins e eu sei que a doença renal é um pouco
difícil. (Carmen)
Problema no rim e fez o exame e deu que tem um que tá do tamanho de um
caroço de umbu. O outro tá maior um pouquinho, mas tá parado (Valéria)
Foi... foi quando eu nasci. Que eu tinha infecção no... de urina quando eu
era bebê, aí lesionou o rim. Aí lesionou o rim. Eu fiquei nove anos no... no
tratamento de preservação. Tinha que ir para a consulta tirar sangue... e
tomar remédio lá em Brasília quando eu morava. Aí eu voltei para cá, para
a Bahia, fiquei um tempo na casa da minha avó, aí inchou, eu inchei. A
gente veio para cá, para o hospital. Aí fiz exames lá. Aí me levaram para o
centro cirúrgico. Aí botou o cateter... Aí eu fiz hemodiálise. (Daniel)
Tá ruim... que o rim tá... que um pouquinho, tá mucho. O outro funciona! Se
tá cheio! (Davi)
As mães ao procurarem explicar a doença dos filhos, misturam seus sentimentos e
angústias ao que sabem, como está expresso nos depoimentos:
Eu sei que ele teve problema no rim, que é crônico, que os médicos falam
que não tem cura. É isso que eles falam para mim. Não chega de dizer
assim, totalmente o que é mesmo a doença dele. (mãe de Davi)
Ah é tão difícil! Na verdade eu ainda tô assim... tem muitas mães que falam
que ah... 3, 4 meses, só depois que eu cair na real e eu ainda não caí na
real. Então assim, é uma coisa que se eu parar pra ficar pensando o que é e
como é, né tudo o que a gente vê... eu piro. Então assim, eu sei que... Aliás,
eu não sei nem como dizer assim, eu sei que é algo assim que pegou a gente
de surpresa, né, é difícil, muito difícil, por mais que eu vô dizer pra você é
difícil é uma coisa que a gente não consegue nem dizer em palavras. E o
sentimento que eu tenho é como se minha alma tivesse toda rasgada, esse é
o sentimento que eu tenho. Realmente é muito difícil! Eu tento passar pra
ela de uma forma assim, não tão cruel como é, mas a realidade pra mim
ainda é muito difícil. Eu não consegui acostumar. Aí falar, ah, amanhã tem
hemodiálise então, tipo: tem uma doença renal, ela precisa fazer
100
transplante, como se isso fosse... pra mim ainda não é simples. (mãe de
Carmen)
Eu quando eu não conhecia a doença, eu nunca tinha nem tinha ouvido falar
o que era uma doença renal, hoje se alguém me perguntar eu já sei explicar
um monte de coisa, mas antes eu nem entendia o que era essa doença, hoje
porque eu to passando por isso, eu aprendi muitas coisas também porque
quando você não passa por um problema difícil você acha que é tão bom
aquelas coisa, é tão bom aqueles momento que você vive né, mas depois
quando você se torna, você aprende muitas coisa, muitas coisa mesmo. [...]
A doença pra mim, eu acho uma doença muito difícil, porque assim: é uma
doença que empata ela de estudar, empata ele de viver com as irmã, com as
outras criança, é nem tudo ela pode comer, então eu acho muito difícil essa
doença de hemodiálise, assim quando começa a fazer hemodiálise é muito
difícil mesmo. (mãe de Laura)
Um problema muito difícil pra a gente ficar assim com ela, correndo atrás
desse problema dela, correndo com ela de dia, de noite, assim a gente não
pode sair de casa, eu não consigo deixar ela sozinha, fico com medo dela
arrancar aquele aparelho, a gente fica sempre junto com ela, quando é pra
sair assim eu deixo com o pai rapidinho, vou na rua rapidinho e volto, com
medo, ela fica só me ligando com medo, parecendo que ela tá mal, sei lá,
não consigo deixar Valéria com ninguém assim, nem dois minutos, que pra
mim ali, tá acontecendo alguma coisa. (mãe de Valéria)
Cada um lida ao seu modo com as suas aflições, diante das incertezas e das situações
difíceis, uns mais otimistas que outros, tentando minimizar o estresse na criança/adolescente,
além do que vivencia nas circunstâncias inerentes ao convívio com a doença renal. A
esperança em superar as dificuldades e a fé em Deus são as duas grandes formas de buscar
apoio para gerenciar e reelaborar o que vivem e pensam ressignificando-os:
Eu fico com medo, eu tô de cadeira de rodas e de não andar mais e depois
que ela (se referindo a Valéria) fez o transplante eu fiquei com medo. Sei
lá... de fazer o meu e dar problema. [...] eu oro. Começo orar. (Laura)
Eu fico com medo, eu fiquei com medo quando tava na UTI (após o
transplante recente que não deu certo). [...] pra passar o medo, eu confio em
Deus, eu rezo o pai nosso, a Ave Maria. [...] Eu queria que o rim tivesse
funcionando. (Valéria)
São altos e baixos. Um dia você fica meio desanimado, outro dia você
procura nem pensar, nem lembrar... levar... cuidar da vida, do que tem que
ser feito, cuidar das coisas dele e nem parar para pensar que está nessa
situação. Porque se todo dia você ficar parando para pensar... e outro bom
remédio é pensar que os outros estão piores do que você e você puder fazer
alguma coisa para ajudar. Igual a gente vê a mãe de Luna mesmo, é uma
situação bem mais difícil, uma pessoa que sai da distância que é, toda
dificuldade para chegar até aqui, a dificuldade financeira. A criança que
não entende muito, ou não foi direcionada a entender e traz transtorno, quer
que sai de perto, aquela coisa. Então a gente fica procurando dar uma
palavra e acaba se esquecendo muito de você, porque a gente não pode
prender na gente, ficar dizendo que está péssimo. Então tem hora que eu
falo com Adriana (filha), eu falo: “Olha, de todos, a gente aqui ainda está
101
melhor. Toda a dificuldade, mas a gente ainda está na benção”, porque
Deus tem poupado Adriano dessas trocas de cateter, de internamento,
quando ele saiu graças a Deus não precisou voltar, ficar internado. Deus
tem suprido de ter como pagar um aluguel para ficar aqui, não ficar
pegando essas estradas direto, machucando dentro de carro. Então a gente
olhando assim, Deus ainda tem sido misericordioso, então não tem porque
se queixar. Mesmo a gente querendo, é proibido. (mãe de Adriano)
Espero assim que esse problema dela ela vai melhorar, ela foi
transplantada, eu pensava que já tava ótima e depois teve que tirar o órgão
de novo, tava... Eu espero assim, que um dia ela vai recuperar que assim:
enquanto vida, esperança, do tratamento dela, a gente cuidando do
tratamento dela 3 vezes por semana e espero que um dia ela recupere....
Assim, eu penso que a hemodiálise assim eu, sei lá, pra mim... eu num sei
nem explicar. É um monte de coisa é o tratamento dela (da doença) é muito
ruim, eu acho muito ruim. [...] Valéria nunca reclamou desse problema dela
não. Ela só achava pesado na hora de levantar, pra vim pra cá meia noite
assim de 12 e meia, levantar pra vir pra cá pro tratamento, aí fica pesado
sair, mas nunca falou desse tratamento dela, mas várias vezes assim de
noite, ela já teve assim vontade assim de rancar o aparelho, ela diz: eu vou
rançar, vou rançar, por isso que eu só durmo com ela. (mãe de Valéria)
Eu disse assim ó Marcelina, vamos fazer a diálise, por mais que seje
cansativo, eu levantar dividir a noite mais você, madrugada, ficar em pé,
sair de lá (Feira de Santana), pegar o motorista... Eu levanto 3:30h, aqui a
gente chega umas 7 horas é porque ele... se ele chega, (a menina interrompe
de longe e corrige: 7 ou 6 horas), não a gente tá dentro de Salvador 6, 6
hora, 6 e meia a gente já tá aqui perto. Aí eu disse a ela que, vamos, é... vou
lutar pra você fazer diálise e quem sabe que você na hora que entrar na fila
do transplante, você num tem a sorte de não demorar muito na fila porque
eu sinto assim que ela num aguenta muito puxar dela da hemodiálise,
porque tem vez que ela sente umas cãibra, essas manchas ali no corpo dela
é cãibra. (mãe de Marcelina)
Muito também do que eu pego com ela é em questão é a fé. Então eu achei
bonitinho que no dia da gente ir lá pra consulta no Ana Nery, foi na quinta,
a gente ia internar no domingo, aí na noite ela orou e começou a falar:
Deus, se você quiser que minha cirurgia seja amanhã, amém! Se for daqui
há um ano, eu vou esperar também Deus, por que tem que ser na sua
vontade. Então sempre costumo colocar assim: Deus acima da... a frente das
coisas, pra saber que tudo é no tempo de Deus, por mais que a gente queria
agora, pode não ser, porque o tempo melhor é o de Deus. Então, eu coloco
muito isso assim, pra ela não se frustrar né, criança eu acho muito
complicado você.... (mãe de Carmen)
É como os médicos falam - né! - que ele pode ficar hoje aqui, amanhã pode
não estar. É igual aos amigos dele, né? Ele mesmo fala que fica triste,
porque a maioria... Deus já levou todos - né! - e aí ele fica triste... É, eu
tento esquecer, fico... imagino, assim.... mas de vez em quando eu vou
esquecendo. Aí, eu tento esquecer, fico... imagino assim.... mas de vez em
quando eu vou esquecendo. (mãe de Davi)
Às vezes assim eu converso com ela, explico a ela que a gente tem que pedir
a Deus, todo dia ela como criança ela tem que pedir a Deus pra Deus
abençoar a vida dela, que às vezes a gente pensa que a vida da gente é de
102
um jeito e Deus permite de outro, então assim, eu sempre peço a ela pra ter
fé né. Um dia tudo vai dar certo na vida da gente, ela vai voltar à vida, num
vai voltar à vida normal, que ela ainda vai continuar no tratamento é, ainda
vai continuar com medicação, assim explico muitas coisa, sempre nós duas
senta e conversa. [...] É difícil, a gente sabe mais das coisa é a gente
passando né, a gente convivendo. Eu vou levando assim: entrego nas mãos
de Deus. Eu assim, eu fico mais assim, naquela fé em Deus. Eu olho assim:
se Deus me deu é porque ele viu que eu ia superar, assim: permanecer até o
fim com esse problema de Laura, que eu acho assim: a gente só passa aquilo
que a gente merece, porque se Deus visse que eu não ia suportar esse
problema dela, eu tenho certeza que eu já tinha desistido, já tinha
abandonado o tratamento dela, em momento nenhum por mais que às vezes
alguns médico chegam pra mim e diz que ela não ia viver, que o problema
dela tava se agravando cada vez mais, mas eu nunca baixei minha cabeça,
nunca pensei em desistir do tratamento dela não. Às vezes, a gente passa
muito, muito sofrimento, se preocupa com essa doença, porque é uma
doença ruim, não é uma doença boa, mas em momento nenhum nunca
pensei de deixar o tratamento dela não. Sempre eu já falei que até o último
momento de vida que ela tiver, eu vou tá junto, o que puder fazer por ela, eu
vou tá com ela. Mas a doença dela não me abate não, o que eu mais queria
assim, era assim que ela andasse, que o que mais me deixou muito oprimida,
que o que mais me deixou ela triste foi assim que ela entrou no Roberto
Santos andando e hoje eu vejo ela numa cadeira de roda, então pra mim isso
eu me sinto ruim, isso aí eu sinto, sinto muito triste, às vezes assim: tem
lugar que eu vou com ela que eu vejo que é difícil pra mim subir ou descer
com a cadeira, às vezes aquilo ali me dá uma angústia, me dá uma tristeza,
aí ás vezes eu vou assim, muito triste, mas num tenho do que reclamar
não.(mãe de Laura)
O amparo de seus pares quer seja de seus familiares ou mais ainda das relações de
aproximação dos familiares da criança/adolescente, que faz hemodiálise no serviço de
nefrologia e a atenção da própria equipe de saúde é também outra forma de apoio que estas
pessoas estabelecem entre si na busca de suporte aos momentos difíceis e às angústias:
Assim às vezes a mãe de Valéria vem pra cá para casa né, às vezes a gente
leva o tempo assim, a gente conversa, a gente se abre muito uma pra outra,
a gente começa a conversar na vida, como é difícil, aí eu me desabafo
melhor com ela, eu me sinto mais aliviada um pouco, mas como ela num tá
eu fico triste, eu fico só chorando.[..] É, eu e Deus, e as pessoas, e as amiga
pra dar apoio, porque minha família... minha mãe é doente, não tem
condições de me ajudar, o pai de Laura não liga pra ela, abandonou desde
novinha, então eu nem conto com ele. (mãe de Laura)
Um apoiando o outro, um ajudando o outro. E aí a gente vê que os médicos
e as meninas que cuidam dele são especiais, nesse sentido de acolher, de
amparar. Você vê que tem um vínculo de amizade, de gostar de estar ali com
eles, de fazer de tudo... porque a gente viu… de fazer mil correrias para
ficar ali na sala com eles. Porque se ela não quisesse, ela está aqui para
fazer um trabalho, né. Não importa onde. É, tem sempre os adultos que dão
aquela atenção especial, como Cristina mesmo que é uma benção na vida
das crianças. Com Adriano mesmo ela é um amor. Traz presentinho e todo
103
dia, quando chega, tem que ver, perguntar se está bem. E tudo isso é
importante, não é? Um para o outro. (mãe de Adriano)
Na fala de alguns, ficou evidente o esforço em manter uma relação o quanto menos
dolorosa, proporcionando uma relação afetiva baseada na conversa, mas em outros, a relação
é de pouco diálogo e também sem esforços para poupar a criança ou o adolescente doente da
realidade dolorosa, culpabilizando-o por algo que lhe acarrete mais dor e sofrimento. Estas
condutas fazem a diferença na maneira como este paciente encara os problemas que por vezes
enfrenta nos momentos mais dolorosos como trocas de cateter, dificuldades de acesso, mal
estar decorrentes do processo dialítico, doenças associadas a doença renal, transplantes que
não deram certo dentre outros.
Mesmo havendo um esforço por parte da equipe multidisciplinar de saúde em acolher,
orientar e ser solidário a todas as questões que envolvem a vida do paciente com a doença
especialmente do trabalho da psicologia, a maneira como a família da criança/adolescente lida
e a faz compreender este processo é muito expresso na forma como a própria pessoa com a
doença reage diante das situações cotidianamente vividas por elas.
Assim, quando ela começou que eu acho que como eu, como ela não
entendia a doença ela achava assim, que como ela podia fazer hemodiálise,
fosse uma coisa que o rim dela podia voltar a funcionar logo, então eu acho
que pra ela, depois que ela foi conhecendo mais a doença, foi vendo como
era a doença então, eu acho que hoje ela mudou muito. (Mãe de Laura)
Nesta fala, fica expressa claramente a ideia de que a hemodiálise é um tratamento que
pode possibilitar o retorno da função renal. Em outros depoimentos, a palavra tratamento
usada por algumas mães também carregam em si o sentido de que na hemodiálise, as crianças
são “tratadas” da doença, quando na verdade a hemodiálise é um “adiamento” para se
alcançar o dia que se vai passar pelo transplante ou o dia em que se vai morrer.
A mãe de Daniel compreende que a hemodiálise e o transplante são um paliativo para
a doença que não tem cura. Ela traz em sua fala a concepção da medicina em relação à IRC e
em contrapartida ela rebate com a sua crença no milagre de que o projeto de vida do seu filho
não será interrompido, através da fé que carrega consigo na ideia de que Deus tem algum
plano ao que ela está vivendo junto com o filho:
Eu sei que é uma doença em que a medicina trata como 'sem cura', o
transplante é um paliativo, que isso fique bem claro, a medicina trabalha até
com data de validade, há validade, a gente, que tem fé, como eu falo que as
famílias que tem uma visão, a cabeça e nela há uma fé, há algo que ela tira
que não sabe de onde vem, que nós sabemos qual que é a fonte, que é a
'palavra do Senhor', que é você exercer a fé, mesmo mediante algumas vezes
104
você está lá embaixo, às vezes se depara com perdas grandes, que não
foram nem uma e nem duas, infelizmente houve perdas, mas você sabe que
há um objetivo maior, então você encara de uma maneira diferente. (mãe de
Daniel)
A possibilidade de receber um órgão e sair da hemodiálise gera nas pessoas envolvidas
um amontoado de sentimentos que são contraditoriamente marcados por esperanças e
angústias. Permanecer por longos períodos na fila de espera, ou em mais de uma fila, contar
com a incerteza de não ter sucesso no transplante e não saber se vai ser possível, são
condições vivenciadas por estas pessoas que dependem e aguardam por estes serviços. Em sua
fala, a mãe de Adriano, expressa seus sentimentos comparando-os com o que tinha
anteriormente:
É, muita coisa e tem hora que a gente fica pensando que não sabe nada.
Porque cada hora aparece coisa nova. Há esperança de transplante, mas
isso fica sem saber quando. Aí eu digo que, antes quando não estava na fila,
a gente estava se sentindo de uma forma. Depois de estar ativo ali - porque
agora ele está ativo lá em São Paulo também -, parece que a angústia
aumenta, porque você não sabe o dia... ainda ontem mesmo eu estava
comentando com Adriana, quando você tem uma cirurgia, algum problema
igual eu já tive, marcou a cirurgia está agendada para o dia, tal hora, tal
médico, você sabe quem é o médico, você acertou tudo, né, programou tudo
e vai lá fazer a sua cirurgia. Nesse caso não. Você não sabe dia, você não
sabe hora; não sabe como vai chegar, se vai dar tempo de chegar; as
condições que está no dia da criança; quem vai ser os médicos que vai estar
ali fazendo aquela cirurgia... é muito... como é que dá o nome? Incerteza.
Você espera uma coisa para resolver, mas tudo no incerto. Pode acontecer
assim, pode ser assim. (mãe de Adriano)
O cuidado no acolhimento por parte da mãe através da relação que a mesma procura
estabelecer por meio das explicações sobre o que a criança vivencia, da forma de apegar-se
nos momentos difíceis ao que creem e no que os conforta, são expressos nos relatos de
algumas mães:
Mas eu sempre faço com que ele encare da seguinte forma: que ainda há
possibilidade de um milagre, e se esse milagre não vier de uma cura total,
vai vir um outro transplante que vai dar tudo certo, e é isso que a gente
começa a fazer com que ele venha a absorver para encarar diferente. Eu
acho que é isso, porque se eles se encararem como doentes limitados, eu
acho que a frustração se torna maior, a questão emocional, acho que fica
uma barreira maior. (mãe de Daniel)
Então eu acho que não afetou tanto (no psicológico), porque eu tento passar
pra ela assim, da melhor forma possível né, assim: até em relação a
algumas coisas que acontecem eu não conto pra ela, pra ela continuar no
mundinho de criança né. Então assim, eu tento passar pra ela que o
tratamento é uma coisa boa. Que não é ruim, que ela vai pra lá (o hospital)
pra fazer algo bom pra ela. Então assim, são 4 horas que não são ruins, mas
eu tento levar livro, gibi, lá eu brinco, eu tento fazer de uma forma que
105
aquilo lá não seja ruim. E essas coisa que acontecem assim de óbito de uma
criança, eu não falo pra ela. Ah tipo: tem criança que não tá boazinha...
então eu tento passar pra ela não exatamente o que é e o que ás vezes
acontece. (mãe de Carmen)
A gente vai animando, vai levando assim... não deixando ele alimentar... Ele
conversa muito com a irmã. Conversa, envolve, procura uma brincadeira,
bota pra ele brincar, fazer alguma coisa no computador se ver que ele está
ali meio triste. Essa semana mesmo que ele ficou com febre, a primeira
coisa, a febre deixa um pouco desanimado, aí ele fica: “Me anima, me
anima”. Quer dizer “não me deixa ficar assim não”. Então, ele solicita se
ele sentir que ele está desanimado, que está um pouco abatido. Então ele
não aceita. É um sinal dele não aceitar. Fica pedindo para animar ele, aí a
irmã: “Você quer que eu lhe anime como? Quer brincar do quê?” [...] Ele
expressa o que ele sente. Ele faz pedido de oração quando vai para a igreja,
bota um papelzinho e entrega lá na frente. Com o Cirilo, se ele sabe que
Cirilo vai trocar cateter, ele diz que vai ficar em jejum, que não quer comer
porque Cirilo está trocando cateter. Essa semana mesmo ficou. Agora,
depois que almoçou, não é? “Aí agora vou entrar em jejum porque Cirilo
vai trocar o cateter”. Quer dizer, ele tem um entendimento do que é jejum,
mas depois da barriga cheia. Eu não aguento! Mas ele tem muita
preocupação com Cirilo, com o Adriano. Quando diz que vai internar, ele
fica lembrando o tempo inteiro em casa e fica comentando. (mãe de
Adriano)
Foi possível presenciar no campo da pesquisa uma reação negativa de Marcelina, em
uma situação de sofrimento vivida por ela no momento da hemodiálise em que ela dizia em
voz alta e repetidas vezes que queria morrer e perceber, que esta fala também parte de sua
mãe quando em seu depoimento expressa que:
Eu digo: você tem que aceitar Marcelina, porque se você não aceitar nada
disso, fazer coisa errada, pra vim a... Você vai morrer, porque ela num pode
fazer nada de errado sobre isso aí, porque é o rim! Seu rim não tá filtrando
nada, é doente, então você tem que aceitar isso tudo e esquecer, e um dia
quem sabe que assim que você entrar na fila do transplante seu doador não
esteja lá e você vai pra, vai fazer as coisa certinha, vai sorrir de novo e
depois que o médico liberar tudo que você pode comer e o que não pode, aí
você vai viver sua vida normal que você vivia, que você se sentia feliz. [...]se
ela comer uma coisa, aí ela fica inchada se ela comer coisa que ela num
deve comer, mas ela já fez isso umas 4, umas 2 ou foi 3 vez. Mas só que
depois disso, ela sofreu na máquina, eu disse quem vai sofrer é você, porque
quem tá doente é você, eu tô aceitando tudo porque eu num tenho problema
nenhum, quem tem é você, então quem tem que aceitar, às vezes ela diz que
não quer viver, ah, pra que eu viver com uma doença dessa? Todo mundo
feliz e eu triste e com essa doença eu não posso comer, não posso correr,
não posso fazer nada, só, vivendo, só pra essa máquina! Ela fala aqui e em
casa, e a médica disse: que é isso Marcelina, não fale isso não. Eu disse,
porque a máquina... Porque quem tá sofrendo aqui sou eu, com essa
máquina, puxando, eu sentindo dor, a pressão fica baixa, à vezes fica alta,
mas a tendência abaixar mesmo. (mãe de Marcelina)
106
Há mães que expressam a dificuldade em estabelecer um diálogo com o filho,
preferem não conversar muito ou não conseguem criar este tipo de relação e neste contexto a
criança/adolescente mantém uma relação mais próxima com outra pessoa ou passa a conviver
com a doença, tendo que aceitá-la sem muitos questionamentos e sem expressar muito dos
seus sentimentos como podemos ver nas falas:
Porque ele vem não conversa comigo. Eu sou a mãe, ele conversa com a
avó. (mãe de Davi)
Eu converso com ela, mas ela é uma pessoa mais calada, assim, ela num
senta pra conversar mais eu, assim: conversar, conversar, é bem pouco
mesmo. [...] É uma vida muito difícil pra a gente ficar frequentando com ela,
mas eu digo assim sempre a ela: é Valéria, é difícil, porque hoje em dia é
até difícil pra eu acordar ela pra vir pra cá, ela num quer acordar, acorda
chorando pra vim, aí eu digo: mas tem que ir Valéria, de todo jeito a gente
tem que ir, você não pode ficar sem esse tratamento, você não vive sem este
tratamento, tem que cuidar desse tratamento. Aí ás vezes ela vinha
chorando, chorando dentro dos carros. Aí eu é Valéria, mas se conforma
que é assim mesmo, a gente tem que vim, de todo jeito a gente tem que
frequentar seu tratamento, num pode ficar fora dele, pois se ficar sem esse
tratamento você morre. Aí tem dia que ela tá assim dormindo que acorda já
chorando pra num vim. (mãe de Valéria)
Um depoimento que me emocionou muito em uma de nossas conversas foi o da mãe
de Daniel, que como eu falei no capítulo anterior, convive com a doença desde quando era
bebê, fez tratamento conservador durante nove anos em Brasília, veio para a Bahia, iniciou a
hemodiálise e no ano de 2012 fez transplante de um doador cadáver, mas retornou para a
hemodiálise após momentos difíceis e que colocaram a sua vida em risco como relata a mãe:
Quando eu saí do Ana Neri (Hospital) eu posso dizer que o meu filho é um
milagre e que quando eu saí do Ana Neri que até as psicólogas vão ter muito
o que falar que eu falava da maneira que o pessoal daqui ficou muito
receosos como receber Daniel, com medo de Daniel chegar com depressão,
com medo de Daniel chegar de uma maneira e não soubesse mais que
encarar a máquina já que tinha passado por um transplante. Já que a gente
trabalha a mente dos profissionais de saúde, até a gente mesmo em casa, a
gente sempre trabalha a possibilidade de vir um transplante como uma
benção e sair de uma máquina e você passar e a realidade ser outra e você
ter que voltar. Então eu saí com meu filho do Ana Neri dizendo assim
"Sorria para a vida porque você está saindo com vida e está andando com
suas pernas", então ele já saiu encarando que passou uma página, uma fase
da vida dele e está começando uma outra. Então ele chegou aqui sorrindo,
brincando e todo mundo ficou chocado com o que encontrou, porque não
encontrou uma criança depressiva não, encontrou uma criança bem, acho
que ele parou até para consolar algumas pessoas. As pessoas diziam "Poxa
Daniel", "Não, eu estou bem!", como ele mesmo... ele sentiu medo quando
foi para a retirada do enxerto. [...] Quando ele lançou aquele olhar para
mim, olhei para ele e disse assim "Você está questionando o que, pai? O seu
107
amiguinho fez transplante está bem, o seu outro amiguinho transplantou
está ótimo, e com você deu errado. Não pense que Jesus ama menos você
porque não é essa a verdade", houve um trombo arterial, onde uma das
artérias renal teve esse trombo, e no comum pelo qual já pesquisei, fui para
a internet saber os resultados, tem pacientes que em menos de vinte e quatro
horas vem a óbito, porque complica todo um quadro do paciente. Então
assim quando eu olhei para ele falei "Filho, você está sentindo alguma
dor?", ele "Não", eu "Você teve febre?", "Não", "Sua pressão está normal?",
"Está", "Então Deus está cuidando de você", porque quatro dias com um
trombo e um rim apodrecendo dentro dele e essa criança não teve nada,
então eu encarei... eu fiz com que ele encarasse aquele processo todo como
experiência e como um milagre.[...] Quando as pessoas(do serviço de
hemodiálise) receberam o Daniel todo mundo se preparando, todo mundo
meio que tentando se organizar e treinar como fazer, até as crianças, "Olha,
vamos fazer assim com o Daniel, ninguém vai falar isso", quando o Daniel
abre a porta " 'Pam'! estou aqui de volta" e disse assim "Fafá (a técnica) vai
ter que me engolir de novo", então com outra cabeça, enxergando além do
horizonte. É duro porque você busca a força de onde você não sabe da onde
está saindo. (mãe de Daniel)
Por meio destas experiências, são feitas pelas próprias pessoas envolvidas as suas
reconstruções mediadas por crenças, valores e formas de pensar. Assim, de maneira não tão
fácil, seus projetos são reelaborados tendo em vista o que se esperava do transplante e o que
indesejavelmente aconteceu.
Mesmo tendo a vida marcada pelo sofrimento da doença, procura estabelecer uma
relação otimista com o filho no sentido de buscar o seu empoderamento e superação das
dificuldades também baseada na fé em Deus como traz fortemente no seu depoimento:
Eu não sei também se a estrutura de casa reforça isso, então assim, desde
que eu tive Daniel e toda história começou com um mês e quinze dias, eu
nunca permiti que ninguém tratasse ele como um coitadinho para ele não se
tornar vítima da própria doença, ele se tornar vítima dele mesmo. Lá em
casa eu não aceito tratar ele do doente, "ô, coitadinho", não. Eu trato ele
como eu trato meu outro filho, exigo, cobro, delego responsabilidades, claro
que tem suas limitações, não pode ser também considerado, senão eu vou
tratar ele como um perfeito saudável, mas da maneira do possível, eu cobro
de todos que não cuide dele ou acabe tratando ele como um coitadinho
doente. Então na cabeça dele não se olha assim, "Ah eu sou um doente",
não. Está em tratamento, há possibilidade de fazer, sim, um novo
transplante, eu digo assim, acho minha caminhada, eu digo assim a
diferença entre um paciente e outro, eu creio que é a maneira de visão dos
pais em levar e principalmente da fé. (mãe de Daniel)
Nos relatos, também, ficou muito evidente a mudança de comportamento por parte da
criança/adolescente depois que iniciou a hemodiálise, pois antes da doença elas agiam de
forma mais ativa e participativa nas interações quer seja em casa, na rua ou na escola e depois
que iniciou o tratamento, passou a ficar mais calada e menos ativa. Algumas crianças me
relataram que ficam cansadas por causa da própria hemodiálise e do esforço que fazem
108
diariamente no deslocamento até o hospital e no retorno para casa, então este, também, é um
dos motivos que os deixa da forma como mostram os depoimentos:
Ela num saí, fica em casa quietinha, num sai assim pra brincar com
ninguém, num brinca com os meninos, num corre nem nada. Só sentada no
pé da televisão, ou então sentada em cima da cama no quarto dela. [...]
Antes ela corria, brincava, era bem mais ativa ela brincava com os
irmãos.[...] Antes eu lavava roupa, ela ficava do lado lavando as calcinhas
dela, hoje ela num faz nada, nada, nada, nada, só sentada, no dela, do
quarto dela pra o pé da televisão sentada na cadeira, não faz nada.[...]
Valéria anda triste, muito triste, muito triste, anda triste depois que teve esse
problema pra ser transplantada que não conseguiu ser transplantada, ela tá
muito triste, muito calada, ela era uma menina calada, mas não era tanto, e
hoje ela ta uma menina muito calada, pensativa assim muito. (mãe de
Valéria)
Eu acho que fica assim triste, às vezes, eu pergunto o que é, e ele só faz
dizer que não, também ele não fala - né! - o que ele é. Ele não gosta de
falar. (mãe de Davi)
Eu brinco, passeio, eu ia pra escola mas não estou indo mais. (Valéria)... eu
também... eu não vou pra escola. (Laura)
No começo (quando iniciou a hemodiálise) eu tinha tontura, ânsia de
vômito. Na hora de desligar não sentia nada e depois eu ia pra casa dormir.
Chegava em casa DEBILITADO, todo mole, aí eu chegava e ia dormir.
(Davi)
Muitas coisa Laura mudou, é assim, ela vive mais triste, ela num é mais
aquela criança é, quando ela não fazia hemodiálise eu achava ela uma
criança mais alegre, mas depois que ela começou a fazer hemodiálise, por
mais que a agente conversa, a gente tenta sair com em algum lugar pra ver
se ela anima, mas ela num é nunca igual aquela criança que era, então eu
acho que essa hemodiálise, assim eu acho que pra ela, ela fica muito sofrida
com essa doença, eu acho que ela fica muito deprimida. [...] Ela num queria
fazer nada da vida, ela num queria fazer hemodiálise, ela num queria fazer
nada.. num sei... ela queria morrer, ela ficava dizendo que preferia morrer
do que ficar fazendo hemodiálise. Quando ficava internada mesmo, ela
falava em pular aquela janela lá do Roberto Santos (Hospital). A psicóloga
conversava com ela, depois foi que ela foi melhorando, depois que passou
na psiquiatra também, a psiquiatra passou remédio. (mãe de Laura)
Apareceram por entre as falas as questões relativas aos óbitos decorrentes da doença e
nestas falas ficaram expressas a dor da perda de um amigo, o medo de morrer e a dificuldade
da mãe tanto em tratar desta questão com o filho quanto em conviver com esta realidade que
faz parte deste contexto.
Quando um dos amiguinho dela morre, ela fica muito triste. Quando foi o de
Bibi que foi amiguinha dela, ela ficou muito tempo, de Kau também, ela
ficou muito sentida. Ela tinha foto de Kau no celular dela, ela teve que
apagar que ela tava lembrando e ela chorava, chorava por muito tempo,
109
precisava ir lá e pegar o celular da mão dela e ia direto lá nas foto dos
coleguinha dela, dos coleguinha dela que já foi a óbito, então, pra ela,
porque é muito sofrido né, porque assim é muito difícil Pri, porque ela
convivendo com os amiguinho dela, então se torna uma família, então vai
passando os dias, todo dia da hemodiálise dela, eles se encontra então eles
se é mesmo que encontrar a família né, então chega o dia em que ela vai
dialisar e chega lá e não vê nenhum dos amiguinho dela ela fica sentida né,
que com certeza alguma coisa aconteceu. (mãe de Laura)
Eu não falo, nada quando eu vejo ele triste. Porque se eu for falar, eu acho
que fica pior. Acho que se for, às vezes, mas para mim eu vejo que ele não
está bem. É, porque não adianta esconder porque se esconder, ele dos
outros fica sabendo, aí eu conto, mas aí ele se recupera. Fica só um
minutinho deprimido, mas depois ele fica normal, ele conversa, ele
pergunta. É, ele quer saber o que é direito, como foi, aquele negócio. (mãe
de Davi)
Sobre os óbitos, ele não sabe até hoje de Lia, ele pensa que Lia está em
casa. Ele não percebeu de Tata, mas ele não percebeu que parou, ele não
liga essas coisas (se é no dia dele) por exemplo, não veio mais pra
hemodiálise... Ele sabe de Davi que está lá fazendo peritônio, mas porque
Davi deu “tchau”, tal, tal... mas desses outros casos ele pensa que... mas ele
não sabe de nenhuma morte não contei não. (mãe de Adriano)
Eu conto tudo, porque aqui mesmo ela soube assim que a gente saltou do
carro, subiu o elevador, tava uma tristeza na sala, todo mundo assim com
aquela tristeza, tristeza, aí a moça foi, a enfermeira foi e falou que foi a
morte da menina de, de Bibi, que ficava ali e depois quando a gente passou,
foi a do menino de, aquele... o pequenininho... Kau. Ela sabe tudo! (mãe de
Marcelina)
Curiosamente destaca-se ainda aqui neste tópico que trata das formas de lidar com a
doença, o fato de mães pouco escolarizadas se referirem em seus relatos aos casos de morte de
crianças e adolescentes com a doença renal, utilizado a palavra óbito, ao invés de morte,
sendo esta, uma terminologia utilizada numa linguagem técnica, cotidianamente dita pelos
profissionais de saúde. Neste sentido, mesmo convivendo neste contexto de dor, sofrimento,
incerteza e riscos, o conhecimento da morte por parte dos pacientes em alguns casos é evitado
pela mãe, por ser este tema, mais um problema que estas pessoas enfrentam, ou como escreve
Elias, é uma forma “de comportamento que podem tornar mais fácil enfrentar as demandas
emocionais de tal situação”. (ELIAS, 2001, p. 32).
5.1.2 Abstendo-se e as formas de cuidado
A doença renal crônica exige muitos cuidados por parte do paciente e de seus
familiares. Como já foi dito, os cuidados necessários envolvem a terapia substitutiva da
função renal, o uso correto da medicação prescrita pelo médico e os cuidados em relação
110
especialmente a dieta alimentar e hídrica. No caso particular de crianças, há um cuidado
especial em relação a certas atividades tais como correr, jogar bola, usar piscina, ir à praia e
etc., pois exige cuidados em relação ao cateter tanto para evitar acidentes, quanto para evitar
infecções.
Tenho cuidado com o cateter, eu tampo assim no banho e pra brincar,
correr, senão sua. (Adriano)
Há também muitas restrições com relação ao deslocamento para certos lugares para
manter a assiduidade no tratamento, pois quando não podem ir à determinados lugares para
visitar familiares por causa da distância, enfrentam as dificuldades em relação à falta de
transporte que dê condição de deslocar-se em tempo e com segurança. Neste sentido, a
criança ou o adolescente convive com a impossibilidade de manter um contato mais frequente
e próximo com seus pares.
Sinto falta de meus colegas, meus amigos, minha prima, minha família,
minha madrinha, meu tio, minha avó e meu avô, sinto muita falta. Eu não
posso ver eles porque eu tô aqui fazendo tratamento, aí às vezes eu fico
triste, chorando, que eu não posso ir pra lá e quando minha mãe vai pra
resolver alguma coisa, eu fico com vontade de ir, mas eu não posso. No
natal mesmo, eu vou ficar aqui porque eu não posso ir pro interior por
causa do meu tratamento. Minha mãe vai e eu fico mais a vizinha. (Laura)
A vida da gente mudou, porque ficou longe da família, longe de casa, longe
de tudo né, praticamente a gente tá vivendo aqui ultimamente né. Então é
diferente né! Eu acho que se meu interior fosse mais perto assim que nem o
dela (se referindo à mãe de Valéria) eu achava melhor viajar todos os dia,
porque, por mais que você tinha que viajar, tinha que levantar a noite e
tudo, mas pelo menos você final de semana tava em casa, você tinha como
cuidar de suas coisa, eu não, minhas coisa já... a minha vida é diferente
porque minhas coisa tá lá tudo jogada, eu reformei minha casa, fiz um
quarto pra Laura fazer diálise peritoneal, ultimamente quase num participei
e não to participando, então o quê, minhas coisa tá tudo lá parada. Então
pra mim, eu acho mais difícil. (mãe de Laura)
Há ela pede assim, sempre pra ir na casa da vó, ficar lá um dia, pra de lá
vim pegar carro de ir pra hemodiálise dela na segunda, eu digo: Valéria
num pode. Lá no caso, nós vai no sábado, aí no domingo de noite a gente
tem que vim pra cá (Salvador), é o carro ao contrário, eu num posso marcar
um carro pra me pegar lá, aí fica difícil, ela quer ir, ela tem vontade, mas eu
acho que num dá assim pra sair, voltar a noite. Na cidade da gente só uma
pracinha mesmo que a gente sai a noite mais o pai dela e os meninos. Isso
faz bem a ela, muito mais do que quando a gente vai no mercadão, tem
lanchinho, essas coisa, aí ela gosta de ir, vou sempre, ai eu levo ela lá, aí
ela gosta, aí ela gosta de sair comigo. (mãe de Valéria)
111
A dificuldade em permanecer com disciplina na dieta e no controle de líquido é a
privação mais expressa na fala das crianças e dos adolescentes com a doença renal, pois às
vezes aceita esta condição, mas por vezes não consegue conter-se como relata a mãe da
criança:
Tem uma menina lá que tem um problema de saúde que é no sangue e hoje
essa menina num pode comer, é igual a ela num pode comer quase nada e a
menina aceitou isso tudo. E é da mesma idade dela, é por isso que eu digo a
ela: olhe a sua colega tem o mesmo problema assim, porque a sua colega é
no sangue e o seu é no sangue (lúpus) que atingiu os seu rim e ela num come
nada, nada que venha prejudicar a ela, ela num come, ela disse que vai pra
festa e não bota nada na boca, eu conversando com ela que ela mesmo disse
e ela vai pra festa, aceita tudo e ela quer, ela disse que quer ficar viva, ela
quer tratar do problema dela, que ela num liga se ela num comer aquilo que
ela num pode não. E porque você num aceita isso também? Ela quieta!
Porque sua colega num tem a boca, ela num é uma menina que é comilona e
você é. Tem esse problema, porque o problema dela todo num é nada assim
de: porque vai pra escola, não ela gosta de ler e escrever ela gosta de riscar
papel, ela sempre foi assim, ela sempre fez carta pra mim, fazia carta,
bilhete e me dava, ela sempre foi uma ótima aluna. [...] Antes ela comia
todos tipo de merenda , ela gosta de comer. Ela bebia muita água, ela
corria, com as amigas, que tem umas meninas lá que gosta de correr, ela
corria, corria, quando vinha, ela tomava aquela água toda, aquela
garrafinha assim de água todinha e sempre fazia, urinava, não tinha
problema nenhum, nenhum problema. E agora ela num pode fazer nada
disso, aí ela fica se queixando, às vez aceita, às vez não! Tem hora que ela
aceita tudo, fica aceitando, tem hora que dá uma revolta que não quer
aceitar nada, fica toda assim. (mãe de Marcelina)
As crianças/adolescentes são orientadas e sabem de suas restrições, umas conseguem
administrar a dieta com mais tranquilidade, com a ajuda da família que se organiza para
cuidar no preparo da alimentação, ferventando alguns alimentos, por mais de uma vez,
evitando o uso do sal e substituindo alguns alimentos por outros para amenizar as abstinências
da criança com relação ao consumo de chocolates, por exemplo, dando-lhes outros doces que
não são proibidos por conterem menos potássio e fósforo.
Antes, a mesma coisa que agora, só impede de comer comida com sal, que
não me faz falta, antes eu não gostava de sal também, eu não comia nada de
sal também antes.. já estava acostumada a comer sem sal, as coisa que eu
comia era às vezes, às vezes... eu ia na praia comer um peixe frito, só que
não, não comi nada com sal esses tempos todos que eu tava... desde que eu
nasci, eu não como nada, nada, nada exagerado a sal. Tudo... Lasanha,
feijoada... Tudo isso que comia não é sal, é sal, mas não é tanto sal não.
Mas eu não comia sal não... então não faz falta sal pra mim. Então, só me
dá vontade de comer às vezes, mas às vezes, também pode comer, há mas
não falta pra mim, faz um ano que eu não como salsicha e não tá me fazendo
falta nenhuma. (Carmen)
112
De uma maneira geral, lidar com as restrições alimentares é muito difícil, exige
disciplina e muitos esforços por parte do paciente que precisa se organizar e, muitas vezes,
abrir mão do que gosta, no sentido de evitar situações de mal estar por excesso de líquido no
organismo ou pela ingestão inadequada de calorias e proteínas que prejudicam a saúde do
paciente podendo-o levá-lo à óbito.
Em relação a estes cuidados alimentares e ao controle de líquido, as
crianças/adolescentes e suas mães trouxeram relatos de suas angústias em ter que privar-se da
ingestão especialmente de líquidos, como sendo um problema que enfrenta e que dificulta
muitos aspectos da vida social da criança, sendo necessário, em alguns casos, as mães ficarem
bastante atentas para evitar mais riscos à vida de seus filhos nas situações do cotidiano
narradas:
O problema dela, num é nada assim de dizer, ah porque eu, eu quero
alguma coisa assim não... o problema dela é o que ela quer comer, se ela
disser que quer comer aquilo ali, ela fica rodeando você, fica rodeando até
querer que você dê aquilo que ela não pode, que às vez só pode na diálise e
ela quer comer fora de diálise. É chocolate que ela gosta, gosta desse
chocolate assim grande, gosta de comer pizza, gosta de comer coisa assim,
uma coxinha, uma peça, ela quer comer fora de diálise e ela não pode. E
você sente logo assim que, que se fazer coisa errada, comer fora da diálise e
escondido de você, você sente logo que já mostra, começa a fica inchado o
rosto, já começa a sentir cansaço, começa cansando, cansando, cansando,
porque a semana retrasada ou a semana passada, eu viajei, fui na minha
cidade de Nazaré das Farinha pegar meus documento e deixei ela com
minha irmã, aí ela foi pra casa da irmã dela por parte de pai e comeu
salsicha, que a irmã dela tem pressão baixa, aí ela foi e comeu, ôxi! Quando
eu cheguei que avistei assim, que saltei do carro na avenida lá de onde eu
moro, eu tô vendo ela assim mais forte do que ela é, o peso dela, eu senti ela
assim que o peso dela estava mais, que Marcelina tá cansando, ela: eu num
estou cansando não! Você fez coisa errada Marcelina, ah num fiz não, num
fiz não! Você fez sim! Você comeu coisa que não devia. Você vai morrer e se
uma hora num der tempo, levar as pressas, você tem plano de saúde, tem
tudo. Mas só que numa hora, tudo para, você num encontra nenhum táxi,
nenhum carro pra levar você num lugar. Ela: ah num comi não, quando
chegou aqui na quarta-feira, na segunda, foi. Drª Marina mandou pesar,
quando foi pesar tava com 29 e 800. O peso seco dela é 23 e meio. (mãe de
Marcelina)
A preocupação com ganho rápido de peso está relacionada ao excesso de peso que esta
criança terá que perder na sessão de hemodiálise e o risco de passarem mal em decorrência da
falta de cuidado em relação à dieta e ao controle do líquido. Em alguns depoimentos é
evidente a dificuldade em manter-se vigilante a estes cuidados.
Ela tem vontade de comer muita coisa e não pode, é na rua, ela quer comer
alguma coisa assim na rua que nem ontem a gente saiu pra comer uma
113
coxinha, ela quis comer uma coxinha eu tive que dar a cozinha a ela, tomou
um suco de maracujá, quando chegou em casa ela dormiu logo por causa do
suco de maracujá que ela tomou. (mãe de Valéria)
As restrições alimentares dependem também do resultado dos exames de cada
paciente, o serviço de nutrição acompanha estes resultados junto ao médico e orienta ao
paciente quanto ao cuidado na rotina alimentar, os alimentos que, de uma maneira geral, é
prejudicial a todo paciente com doença renal por serem muito ricos em potássio e em fósforo,
além do controle do líquido no organismo é também regulado por cada paciente, pois alguns
fazem xixi, mas outros, infelizmente, não fazem e necessitam restringir ao máximo o controle
de líquido, o que também apareceu como fator de obstáculo da criança de ir para a escola por
não poder beber água, correr e comer certos alimentos como foi expresso na fala de Valéria:
Tem crianças que faz hemodiálise não pode ir pra escola, não pode beber
muito líquido, pular. Não pode correr, beber muito líquido, comer abacaxi,
cajá, tangerina. (Valéria)
No relato a seguir, a mãe de Daniel fala das privações da pessoa com doença renal e
explicita a situação particular do seu filho e o alívio em relação à diurese (produção de urina
pelos rins) do seu filho que é considerada boa como ele traz:
Antes ele jogava bola, antes ele brincava, a atividade era maior, mas o que
melhorou, que piorou foi a questão das restrições alimentares porque é uma
restrição muito severa. Antes do paciente realmente entrar na hemo a
restrição alimentar se torna pior. Como não tem a máquina para limpar,
então você tem que realmente, em toda alimentação, você começa a eliminar
e reduzir o potássio, o fósforo, então você tem uma criança que você vai dar
um lanchinho com frutas aferventadas e para dar sabor a essa fruta você
coloca ou geleia ou um mel. Então um ovo que é sempre um ovo, "Ah, não,
vou comer um ovinho", para eles não era, era só uma clara que, entre aspas,
frito em água fervente. Então na questão alimentar eu achava pior, porque
quando você vai para a máquina, você continua com restrições, mas abre
um leque, porque você tem o outro dia da diálise. Os piores dias para o
próprio paciente renal que faz hemo, no caso dele que é terça, quinta e
sábado, é de sábado para terça porque ainda tem que ter um controle maior
por conta que a diálise só vai ser feita na terça-feira. Então você tem três
dias, então você controla muito o potássio, que é um dos vilões, quando está
em excesso no organismo, que afeta outros órgãos importantes. Mas o
líquido em caso de Danielzinho já não é porque Danielzinho, graças a Deus,
eu já vejo um outro milagre, em questão diurese muito boa então ele quase
não tem restrição líquida, ao contrário, infelizmente, de outros pacientes
que não é essa realidade. Ele bebe água, ele toma suco, toma iogurte, eu
não tenho muito o controle dessas coisas, porque assim ele tem diurese de
dois litros, um litro e meio por dia, então eu não tenho muita restrição
líquida com ele, mas em outros pacientes é muito mais sofrido. Aí você vê
crianças que tem restrição líquida e assim, acho que tem que trabalhar
muito o psicológico porque você poder beber água, e depois você ser tirado
114
esse direito de necessidade do organismo, principalmente a região
nordestina, que é onde nós vivemos que é muito calor. (mãe de Daniel)
Ficou bastante manifesto a atenção maior em relação à alimentação para evitar que a
criança se prejudique, pois há casos em que, a atenção constante, é a forma encontrada para
evitar que a criança coma escondido como relata a mãe de Davi:
Cuidado que eu tenho para ele é para ele não comer as “porcarias,” que se
deixar come, para não adoecer. Para ele não comer, porque se deixar, come
né! Depender dele come tudo, se deixar. Aí, vou lá para a minha casa, tenho
o maior cuidado. A comida dele eu faço separado, dou um banho nele, tudo
direitinho para ele não ter que se queixar de mim, porque eu sempre estou
pegando ele, que fica comendo. (mãe de Davi)
Quando foi perguntado às mães, especialmente, em relação aos cuidados que têm
diante das restrições do dia a dia da criança, também apareceram as questões relacionadas aos
cuidados como a preservação do cateter para evitar infecções e acidentes. Em situações
particulares com no caso da criança cega, a mãe relata que:
Em relação às outras coisas nem tanto, porque como ela tem o problema da
deficiência visual, então tem coisa que assim ela não... sai correndo, essas
coisas: pular, fazer cambalhota, então essas coisa ela já não fazia, então
acho que isso não mudou muito. Claro que o cuidado é maior. Mas eu
procuro colocar ela em atividades que ela possa fazer como ela fazia antes:
ir no parquinho, escorregar, brincar, uma coisa assim de areia, de praia,
então tem coisas que não podem, mas tipo uma piscina: eu sempre coloco
ela da cintura pra baixo, eu tento fazer assim, de uma forma que não mude,
que não altere muito do que ela tinha, então pra ela já não gosta, então já
não tem este problema, então a piscina. Se a gente vai na piscina eu coloco
ela assim sentadinha, ela bate as pernas, a gente pega ela no colo, tenta
fazer deu uma foram que não mude muito, mas correr, essas coisa que
criança, menino, bola, ela já não gosta muito, já não fazia, então já não fez
muita diferença. (mãe de Carmen)
O cateter está muito relacionado ao cuidado, pois ao serem perguntados sobre os
cuidados que costumam ter em relação à doença, as mães falaram da atenção especial que é
dada a este aspecto para poupar trocas de cateter, perda de acessos e infecções que são as
causas de muita dor, tanto por parte da criança/adolescente, quanto por parte de suas mães:
Cuidado é assim, não gosto muito, ele não gosta muito de estar brincando
porque o medo de cair, não gosto de deixar ele de bicicleta, e também ele
não gosta muito de ficar no meio de menino. Pois acho que é coisa dele
mesmo, porque esses dias eu foi cortar cabelo, disse em que os meninos
ficam olhando de cara feia para ele, fica falando coisas, soltando piadas por
causa do problema dele, e aí ele não gosta, já pegou a coisa de assim... ele
não gosta muito de ficar com os menino. (mãe de Davi)
115
Laura se preocupa assim (com o cateter), ela tem medo de não molhar, ela
tem, às vezes tem roupa que ela não gosta de mostrar, porque é roupa que
fica mostrando o cateter, ela acha que ali vai pegar alguma infecção, assim,
tem muito cuidado porque ela também já é velha de hemodiálise, e se
preocupa com falência de acesso né, como ela já ouviu muitas coisas dos
médicos aí ela se preocupa.(mãe Laura)
É só ter “cudiado”, o “cudiado” que ela tem, que quando tá um pouco
descoberto ela manda botar esparadrapo, é só isso que ela se preocupa, se
tiver um pouquinho aberto ela diz: mamãe, bota um esparadrapo, aí eu pego
e coloco pra não ficar aberto.(mãe de Valéria)
Para a mãe de Adriano, tanto a preocupação com o cateter, quanto o acompanhamento
constante no uso da medicação e a avaliação médica de outros especialistas que não sejam só
da nefrologia é uma prática que ela tem constantemente, pois o cuidado não está relacionado
apenas a um aspecto ou outro da doença, mas a todo o corpo:
Eu tenho muito cuidado, muita preocupação de deixar fazer, de deixar
correr, para não prejudicar. Tem também a medicação... nem comparação!
E a alimentação eu tenho bastante preocupação. Esses dias mesmo a Dra.
Roberta estava falando, porque agora ele já não toma remédio de pressão,
ele não toma nenhum faz pouco tempo. [...] Porque além das médicas aqui
que cuidam, eu frequento... ele vai... eu por conta própria, eu levava para
otorrino - otorrino não -, endocrinologista, a de osso, oftalmologista,
inclusive ele está fazendo uma avaliação porque diz que todo renal corre
risco, da córnea, alguma coisa. A cada seis meses eu tenho levado. [...]
Então esses cuidados que eu posso ter, eu tenho feito a minha parte. Eu não
fico só esperando elas dizerem: “Está precisando fazer, está dando isso, tem
que marcar”. E quando elas não pedem, eu peço. Pergunto se pode fazer, se
pode liberar tal exame e vou lá e faço. (mãe de Adriano)
Todas estas falas tratam do cuidado ao que não pode acontecer por colocar mais em
risco a vida do paciente, mas desde o início do capítulo, o cuidado está presente nos relatos
em relação às formas de enfrentar os processos vivenciados por estas pessoas, tanto em
relação a si próprio, quanto em relação ao outro, quer seja de mãe para filho(a), ou de filho(a)
para mãe, de paciente para outro paciente, de uma mãe para outra, de uma mãe para um
paciente e etc.
Este cuidado faz parte dos sentimentos comuns que envolvem as pessoas no ambiente
da hemodiálise, desejando que tudo caminhe de maneira favorável sempre e sofrendo junto ao
outro quando acontece algo de ruim com alguém. Pude observar algumas vezes, como todos
demonstram preocupação e solidariedade, quando alguma criança ou adolescente passa por
116
alguma intercorrência14
no momento da hemodiálise procurando ajudar no que é possível e até
apegando-se ao que acreditam para que o momento de incerteza e dor sejam logo amenizadas.
5.1.3 As alterações no corpo
As alterações no corpo da pessoa com doença renal, na maioria dos casos, é muito
evidente, quer seja por causa dos inchaços normais, especialmente no rosto, que imprime a
marca de há algo “diferente” aos olhos de todos, ou também através das marcas que ficam por
causa dos cateteres e das fístulas que são colocadas para acesso à diálise. Quando o paciente
faz uso do cateter, o que é de uso comum no caso das crianças e dos adolescentes que
participaram desta pesquisa, estes ainda contam com os curativos expostos no pescoço ou nos
mais discretos dos casos, no peito ou na perna que podem ser cobertos pela roupa:
Ficam cicatrizes. A cada troca de cateter, a cada manipulação, a cada ponto
que se perde, vai colocando aquilo e vai deixando marcas. Eu acho que
essas marcas de catéter, às vezes não é tão... tão traumático, eu acho que
ainda é pior para as meninas porque ela vê os corpinhos porque a moda e o
mundo indica uma forma, e quando você se depara completamente fora
desse padrão, em que as pessoas tendem a visualizar lá fora, ou tente ter um
biotipo correto, ideal de ser, isso frustra demais. (mãe de Daniel)
Ela não tem vergonha de mostrar não. Às vezes as pessoas ficam
perguntando, eu não gosto é das perguntas. Pessoal é muito curioso, elas
não, pelo menos Laura não gosta não. Mas todo lugar que eu vou com ela, o
povo fica: ô como é isso? Que é isso? (mãe de Laura)
Valéria é uma coisa assim, um dia ela saiu comigo, o povo perguntando, ah
que pergunta é aquela, aí eu tento explicar ao povo, mas tem gente que não
entende o significado, mas aí Valéria num gosta muito não, mas eu digo ah
Valéria, não importa, deixa pra lá, ah mãe que pergunta! Tem nada não,
deixa pra lá, aí ela deixa, se preocupe não, deixa pra lá, deixa quieto
Valéria, tem nada a ver com isso. (mãe de Valéria)
Mas as alterações externas ao corpo não param por aí, em relação à criança, há
comprometimento em sua formação óssea e no crescimento, pois na criança e no adolescente
em desenvolvimento, a doença renal modifica a absorção de cálcio e fósforo no organismo,
sendo necessário fazer uso de medicações prescritas pelo médico para amenizar os prejuízos
14 Quando algum paciente no momento da hemodiálise tem alguma convulsão, parada respiratória, problemas relacionados ao
acesso da diálise, cateter sangrando, ou algum desconforto que o paciente venha sentir como queda da pressão artéria,
cãibras ou dor de cabeça que podem acontecer quando o paciente tem muito líquido a ser removido de seu corpo na sessão
da hemodiálise.
117
destas perdas no organismo, pois algumas crianças chegam também a ficar com as perninhas
tortas15
, modificando desta forma a maneira de andar:
Porque infelizmente quando a doença se pronuncia muito cedo, ela começa
a mexer muito com a estrutura óssea do paciente, com o passar do tempo ele
começa a perder muito o cálcio e começa a prejudicar, a comprometer. Os
ossos começam a ficar mais fragilizados, começam a ter visivelmente
deformação, então você começa a ver as perninhas começam a deformar,
mas intelecto não mexe, pelo menos com ele não. (mãe de Daniel)
O corpo dela num é mais como era antes, ela andava, depois que ela
começou a fazer hemodiálise ela prejudicou bastante, ficou com aquele é,
perdendo cálcio, muito tempo na máquina, ela num é mais a criança que ela
era antes dela entrar na máquina pra fazer hemodiálise. (mãe de Laura)
Também outro aspecto trazido aqui foi em relação à altura, pois alguns deles
permanecem com baixas estaturas, o que os incomoda muito, principalmente, quando a
criança se relaciona com outras da mesma idade e as consequências da doença aparecem
muito visíveis:
Você vê comprometimento no crescimento, a idade não condiz com a altura,
você vê um filho querendo já se desenvolver para adolescente, querendo
namorar, mas tudo isso começa a ser prejudicado. É como se eles ficassem
presos a um corpo que não pertence a eles, é assim que você começa a
analisar. (mãe de Daniel)
Assim eu acho que ela desenvolve normal muito, muito na, porque ela fica...
num sei não, acho que num desenvolve muito normal não. O corpo dela é o
mesmo. O corpo dela num aumentou quase nada, assim nada. Ela veio
aumentar um quilo agora. (mãe de Valéria)
Além das marcas dos cateteres que são retirados quando da perda do acesso e que
parecem, especialmente, no pescoço e no peito, há também alterações visíveis na pele de
alguns que apresentam “estrias” na perna e no braço. Nesse sentido, ainda quando criança
estas alterações não são muito percebidas por elas, mas quando chegam à puberdade, tais
15Os rins têm um papel fundamental no metabolismo dos ossos, pois ativam a vitamina D que é a responsável pela absorção
do cálcio presente nos alimentos que comemos e que deve ser incorporado aos ossos para mantê-los íntegros e fortes. Os rins
são também responsáveis pela eliminação do excesso de fósforo. O ideal é o equilíbrio das quantidades de cálcio e fósforo no
sangue. Porém, com a perda da função renal, a absorção do cálcio nos intestinos é reduzida, diminuindo seu teor no sangue.
Ocorre também menor eliminação de fósforo, o que faz com que esse elemento aumente no sangue, havendo um
desequilíbrio que resulta na fraqueza dos ossos, manifestadas por dores e fraturas. (ASSOCIAÇÃO DE PACIENTES TRANSPLANTADOS DA UNIFESP. Disponível em: <http://www.unifesp.br/assoc/atx/dossie.htm>).
118
alterações veem à tona, sendo um fator de incômodo por parte destes e estas preocupações
aparecem de maneira bastante problematizadora na fala da mãe de Daniel:
O corpo chama a atenção porque assim, se você for pegar crianças
amiguinhos dele, que tem um processo de ter crescido, de convivência, então
esses amiguinhos estão crescendo e estão se desenvolvendo, e ele não. E
hoje quando ele abre o face e vê esse amiguinho ele vê o amiguinho já um
homenzinho com namoradas. [...] Então isso mexe muito com a cabeça
deles, eu me lembro de uma outra mãe comentar de uma outra paciente que
ela olhava no espelho e dizia assim "Mãe, meu rosto é lindo, mas meu corpo
é horrível". Então quando às vezes a mãe comentava comigo. [...] E na
questão dos meninos ainda mais, é a altura, porque você vê a questão de
meninos, como já esteve aqui o Naldo, meninos de dezoito, dezenove anos
com um metro e trinta, com um metro e quarenta, então eu acho que para os
meninos o pior é a altura e as meninas realmente é a deformação que fica
do corpo e as marcas que deixa. (mãe de Daniel)
Estas situações são vivenciadas da maneira mais marcante para a criança ou
adolescente que apresentaram a doença muito cedo e que convive no ambiente escolar, por
perceber diante dos seus colegas que tenham a mesma idade, pois para àqueles que não têm
um convívio cotidiano com outras pessoas sem a doença, geralmente a relação com seus pares
é bastante familiar e a forma como a mãe ou o pai lida com estas questões, podem não
contribuir para uma auto estima favorável, em relação ao que porventura possa incomodar à
pessoa que apresenta determinada “diferença”.
Goffman (2012) utiliza o termo estigma para se referir às questões relacionadas à
identidade social. Para ele, o estigma também pode estar relacionado às abominações do
corpo, ou seja, o que se destaca no indivíduo que traz consigo algo de diferente, desviando a
atenção ao que não é tido como “normal”. Nestes últimos depoimentos é possível perceber
que a lista de características impressas no corpo das crianças/adolescentes aqui expressas
causa-lhes certa dificuldade em lidar com elas por fugirem do “padrão” e assim sofrerem com
os estigmas depositados às pessoas com doença renal.
Por outro lado também, se a criança convive no ambiente escolar, o papel do professor
é muito importante na maneira como enfrenta determinadas situações e como conduz a forma
como os alunos percebem e expõem certos conflitos. A experiência trazida pela mãe de
Daniel em duas diferentes situações vivenciadas por ele na escola mostra como a postura do
professor traz consequências na vida de uma criança ou adolescente:
Eu me deparei, assim, com uma professora muito sábia e muito
participativa. E, quando a professora, num episódio na sala, ela... ela se
debateu com essa situação, aí ela pegou todas as crianças diferentes e
colocou à frente da turma. Então, a mais alta, a mais baixa, que era ele, a
mais gorda e a mais magra, o mais branquinho ver o mais escurinho,
119
colocou todas as diferenças para a turma visualizar. E ali ela passou entre
todo mundo que era diferente, porém iguais, porque todo mundo tinha
sentimentos, e ali ele chegou em casa “se achando”. E quando a gente veio
de mudança para cá para Salvador, eu não sabia. Eu fiquei sabendo aqui
dentro, no internamento dele, quando ele começou a fazer a hemo, quando
ele fez [falou]: “Mamãe, eu vou te pedir uma coisa, eu não quero mais
voltar para aquela escola”, e aí eu: Por quê?E ele sempre insistindo em
dizer que ele não gostaria mais de voltar à escola, foi quando ele se abriu
em dizer que ele estava sendo... né! Assim, torturado, porque até a própria
professora fazia piadinhas, porque a professora dizia assim: “Olha, se você
não fizer isso eu vou te dar um zero! E aí, a professora dizia assim: “ai, eu
vou te dar um “zero do teu tamanho, que vai te caber dentro”. [...] Mas tem
algumas profissionais que ainda não estão preparados para receber em sala
de aula e lidar com cada um, que você vai ter um síndrome de down, você
vai ter um com paralisia cerebral que às vezes, vão para a sala de aula, é e
com uma ou outra deficiência. E às vezes, como é que esse profissional vai
receber, para encarar os problemas de compartilhar com os outros? Porque
o contrário aconteceu em Brasília, que foi a primeira experiência, e se ele
tivesse passado ao contrário? Se a primeira experiência tivesse sido em
Salvador com a professora despreparada? E depois se ele tivesse passado
pela outra, que isso foi em Brasília, de é uma diferença de... de profissional,
talvez, na cabecinha dele tivesse arrumado melhorzinho, do que você passar
por uma e ter se decepcionado por... com a própria pedagoga, com a
própria professora na sala de aula. (mãe de Daniel)
A mãe de Daniel entende que além de ter que conviver com todas as dificuldades
enfrentadas pela doença em seus sofrimentos, em relação à luta pela manutenção da vida em
meio ao tratamento e seus danos, a pessoa com a doença renal, especialmente a criança e o
adolescente ainda tem que conviver com situações de preconceitos e estigmas que lhes
acrescentam mais prejuízos emocionais e psíquicos. Ela ainda traz outra situação
experienciada com o filho e o seu modo de olhar:
Essa semana mesmo estava brincando com a questão dele dizer que ia ficar
com dois metros de altura, então assim querendo ou não, Daniel sofre com
essa história da altura muito antes da hemo. Então sempre ele foi o menor
da turma. E em Brasília me emociona, porque assim, sempre as crianças,
querendo ou não, é real o bullying. E isso destrói muito com as cabeças das
crianças e isso trabalha, e atrapalha mais tarde na vida adulta, acaba sendo
um grande sinônimo de barreira. Acho que deve ter ainda muitas pessoas
ainda em divãs tentando se tratar por conta desses “bullyings”, que
sofreram na infância. Então não quis, uns chamavam de pequinês. [...]
Então quando isso aconteceu que ela percebeu, e eu sinalizei, apesar dele
nunca ter se queixado em se achar, então ele sempre tem respostas para
tudo, "Ah, você é muito pequenininho", aí tem aquela resposta "As melhores
fragrâncias estão nos menores frascos"... Ele sempre se defende. Ele não
precisa de mim para se defender. (mãe de Daniel)
Apesar dos embaraços experimentados pelas crianças/adolescentes e suas mães no
curso de suas vivências com a doença, há uma caminhada nos enfrentamentos e na forma de
120
entender e viver a realidade e por vezes de lidar com ela de forma favorável, pois a cada
experiência as vivências são reinterpretadas.
5.2 ESCOLARIZAÇÃO NO CONTEXTO DA DOENÇA
Apresentarei nesta parte do texto os aspectos relacionados ao que se desejou investigar
como objetivo maior desta pesquisa que foi sobre o significado do processo de escolarização
para sete crianças/adolescentes e suas mães nos seus percursos em meio à convivência com a
doença renal e a hemodiálise. Os aspectos da vida escolar apareceram nas falas dos
participantes, em meio às demandas da doença que passa a ter na vida destas pessoas o papel
de protagonista nas suas rotinas e escolhas.
Das sete crianças e adolescentes que participaram deste trabalho as questões
relacionadas à frequência na escola comum, fazem parte da história da maioria deles e é
resultado de suas demandas e mudanças, de como estão apresentados nos relatos expostos ao
longo deste tópico do texto. Temos então, apenas uma menina que permanece assídua à escola
e esforça-se para frequentar sempre que possível; dois meninos que declararam estar
matriculados, mas que quase não frequentam às aulas, por motivos não só relacionados à
doença, mas também pela forma como a escola os acolhem; e outras quatro
crianças/adolescentes que não mais frequentam a escola comum, sendo que destes, três (duas
meninas e um menino) não se matricularam no ano letivo de 2013 e uma menina que desistiu
de frequentar a escola por motivos relacionados às dificuldades no seu contexto particular da
doença.
5.2.1 Percursos escolares e a IRC
Cada participante desta pesquisa apresentou suas condições de vida particulares, mas
que em comum tinham as dificuldades em decorrência das exigências da doença e seu
tratamento. Em conversa com as crianças/adolescentes e suas mães, foi possível perceber
como cada um apresentou suas trajetórias escolares, a partir de quando a doença chegou em
suas vidas, marcadas por rupturas e rearranjos para não abrir mão do desenvolvimento
intelectual da criança e de sua inserção em outros ambientes que não fossem apenas os
hospitalares.
121
O caso de Marcelina, que convivia há aproximadamente um ano com a doença é de
todos os outros seis, o único que se apresentou menos prejudicado diante do seu contexto,
pois apesar da menina precisar viajar em média 117 Km a cada sessão de hemodiálise, nota-
se um esforço e interesse em permanecer na escola por parte de Marcelina, de sua mãe e,
principalmente, por parte da escola que se adequa às necessidades da aluna como está
explicitado no relato:
Eu venho dia de segunda-feira, ela faz a diálise e ela vai embora pra casa,
passa o resto da tarde, ela vai pra escola e a dona da escola disse que ela
podia chegar, ela saísse daqui, chegasse em feira 1:30 (horas), 15 pras 2
(horas), num era pra importar, era pra eu levar ela, porque a professora
dela de de manhã era a mesma de de tarde, aí passa os assunto dela que ela
é 3º ano, aí ela fez prova, ela foi bem nas prova apesar dela passar 4 mês e
3 dias num hospital de Feira de Santana, sem ver nada, só viu os livro
assim, as professora de lá incentivando pra num perder o gosto pela escola
mas, os assunto, ela pegou os assunto assim no ar e fez as provas da 2ª
unidade que elas botou pra valar pela 1ª e pela 2ª, e agora que ela tá de
teste, ela já fez 2 teste e vai, quando ela voltar sábado, num tem aula,
quando for segunda que ela voltar pra fazer diálise, ela vai e faz os outros
teste que é segunda de tarde e terça de manhã ela faz o restante. Ela disse
que num importava não, que é pra cuidar da saúde dela que ela tá direitinha
na escola. [...] Eu acho que ela deve estudar assim como tá indo que eu tô
gostando.(mãe de Marcelina)
Além de Marcelina, Davi foi a única criança entrevistada que permaneceu matriculada
em escola comum, mas a sua mãe que relata, informa que não há um compromisso por parte
da avó paterna (com quem ele mora) e dos profissionais da escola em possibilitar a frequência
do aluno e, consequentemente, na aprendizagem, tendo em vista que Davi ainda não havia se
alfabetizado. Em seu relato, a mãe de Davi informa que a avó tenta a todo o momento agradar
a Davi que apresentava o interesse em ir para a escola em situações pontuais:
Ele tem a tia dele, por parte do avô, tem um colégio particular lá. Fica
próximo da casa - né! - e aí ele é matriculado lá. Como falei, a avó faz as
vontades. Então, quando ele não quer ir para o colégio, ela não deixa.
Então isso aí, ele não quer mais ir para a escola. Aí se disser assim,
"amanhã vai ter uma festa tal", e tal, aí ele quer ir. Mas se não for no
momento de ter festa, ele não quer ir para o colégio. Ele passa meses sem ir.
Só vai mesmo quando tem festa. Se não tiver festa ele não vai. (mãe de Davi)
Este não é o cenário encontrado por todas as crianças e adolescentes da hemodiálise.
Há os que convivem com os desgastes da própria terapia e a disposição e interesse em
frequentar a escola é consumida pelo stress acarretado no decorrer do convívio com a doença,
como vimos no relato da mãe de Laura, que desde o ano de 2007 recebeu o diagnóstico da
IRC, precisando mudar-se para Salvador para garantir o acompanhamento da equipe de
122
médicos nefrologistas e pediatras. Laura e sua mãe relatam sobre suas vivências em relação à
escola:
Eu estudava antes de ter a doença e depois quando eu comecei a fazer na
barriga (diálise peritoneal), eu estudava lá no interior, lá em Irecê. Porque
meu cateter deu problema, aí eu vim pra cá, aí eu fiquei aqui mesmo fazendo
hemodiálise, aí por isso eu parei de estudar. Aí não dava pra estudar porque
eu estava aqui em Salvador ainda. (Laura)
Ela estudava normal, depois que, quando ela fazia diálise peritoneal ela
estudava ainda, aí depois que ela voltou pra hemodiálise ficou mais difícil
pra ela estudar, ela fazia diálise peritoneal a noite e aí ela ia pra escola a
tarde. Dava pra ir todo dia, não perdia aula não. Aí depois que ela voltou
pra fazer hemodiálise ela ficou naquela situação, começou a ficar piorando,
sentindo muita dor no corpo, começando a sentir aquelas dores, várias
dores quando começou a ficar difícil pra andar, ela sentia muita dor, aí foi
ficando difícil, difícil até... eu fui conversando com as médicas como é que
eu fazia com ela pra deixar Laura na escola e ela foi me aconselhando a
deixar Laura fazer o tratamento primeira para depois ver como é que ia
ficar pra poder estudar. Mas para o ano eu tô esperando ainda o que é que
vai acontecer, vê se Laura vai fazer algum transplante, se eu vou ficar aqui
mais algum tempo, aí quem vai dizer é o tratamento dela. [...] Assim é antes
ela tinha é vontade de estuda mais e hoje assim eu sinto que ela num.. é
assim, ela faz as coisa porque às vezes a gente vai conversando com ela, vai
explicando com ela, mas ela num é a mesma coisa que era antes, entes ela
tinha mais influência pra ir pra escola, ela já amanhecia o dia, ou então se
ela estudasse pela manhã ela queria que o dia amanhecesse logo pra ela ir
pra escola ela ficava, se preocupava com as irmã pra ir pra escola, hoje
não, por ela, ela não fazia nada, ficava só dormindo, tem dia que ela
amanhece chorando, sei lá, ela disse que fica triste, que ela num pode sair,
diz que tem vontade de sair, que tem lugar que não pode ir, às vezes eu levo
ela, mas nem todo lugar eu posso levar, de cadeira de rodas é muito difícil
porque nem todo lugar a cadeira passa. (mãe de Laura)
Ao inaugurar o existir com a doença e o tratamento da filha, a mãe de Carmen também
modificou toda a sua vida, deixando a organizada vida escolar da filha, na cidade em que
morava e passando a residir em Salvador, convivendo também com a incerteza do que pode
lhes acontecer e as possibilidades de transplante, que há diante da compatibilidade do seu rim
para doar a sua filha. Nesse contexto, a vida escolar da menina que estava caminhando bem,
passa por uma ruptura expressa na fala da mãe:
Até o ano passado ela tava estudando. Foi, foi para a escola o ano passado,
porque a doença foi diagnosticada em junho do ano passado (2012), então
em junho até dezembro ela foi assim: “mari, mari” né, porque a gente
descobriu em junho e de fevereiro a junho ela foi frequente à escola, de
junho há..., junho, julho, a gente voltou em julho, aí de julho ela foi até
agosto, aí agosto ela teve que internar de novo, aí então assim, teve pausas,
no 2º semestre em diante ficou mais perdido. Foi, porque a gente voltou em
setembro, aí ela foi de setembro até dezembro pra escola, mesmo fazendo
hemodiálise ela continuou indo pra escola. [...] Porque assim, como acaba
123
alterando, como a doença acaba, às vezes tem dia que ela tá boazinha, tem
dia que não tá, então, tipo em questão de estudo, ela não tá estudando agora
por conta do problema renal, claro que poderia tá numa escola, mas como
ela entrou nesta fase de transplante, então vamos esperar, vai fazer agora,
não vai, então eu achei que assim, vai acabar atrapalhando se eu colocasse
ela na escola né. Mas atrapalhou porque assim, os dias que ela teria que
estar na escola, são 3 ou 2 dias na semana tem que ser cortados, porque ela
teria que estar no tratamento, então assim, acaba de uma certa forma
atrapalhando. [...] É assim, na verdade quando eu cheguei aqui esse ano, eu
não coloquei ela na escola porque eu ia ficar aqui, não ia, ia mudar, não
ia...aí eu falei assim: eu coloco ela aqui, daqui eu mudo e tenho que tirar,
colocar ela na escola e ir se adaptando, então como eu estou neste período
de adaptação ainda né, eu não sei bem ainda aonde é que eu vou ficar,
então aí colocar ela na escola e daqui a pouco ter que tirar, porque tem que
ficar alguns meses afastado, aí achou melhor esperar já para o próximo
ano, mas eu faço questão de colocar ela na escola. (mãe de Carmen)
A mudança na vida escolar de Adriano é lamentável, pois mesmo antes da doença
renal apesar das dificuldades em decorrência da Síndrome de Down, o menino lê e escreve e
sua mãe relata como a sua infância foi marcada pelo desejo em frequentar a escola, mas
depois da doença não mais pode retornar a sua rotina escolar:
Ele ia para a escola e ia para a banca. Não tinha um dia em que ele dizia:
“Ah, eu estou cansado, não quero ir para o reforço não”. Ele ia com sol
quente, chovendo; ele já estava ali disposto. É, ele foi para a escola com
dois anos e pouco. Não tinha três anos completos. Até quando estava com
febre ele não aceitava ficar em casa. E aí o que ele mais sente de tudo isso é
porque ele não vai para a escola. Ele não tem uma rotina de escola. [...]
Enquanto isso está aí, todo... três dias por semana, não tem como marcar
outro compromisso, porque o compromisso maior é vir para cá. Igual outro
dia que ele falou: “Prioridade para criança é ir para a escola, mamãe. Você
não está deixando eu ir para a escola”. Chegou um dia que ele falou que
queria ir para a escola e tinha exame na (APAE) para colher. Aí tinha
depois o outro dia, ele falou assim... ele acordou chateado. Eu falei “O que
foi Adriano”? Ele: “Eu tô bravo, tô bravo”. Aí eu falei: “Porque você está
bravo”? Ele falou: “Porque você não está deixando eu ir para a escola”.
Eu falei “Não é meu filho, é porque tem isso, tem isso, tem isso e os outros
dias tem que ir para o hospital”. Ele: “Mas prioridade para criança é a
escola, não é hospital – clínica, clínica – hospital. Eu estou cansado de
hospital – clínica, hospital – clínica vai no dia que der certo.” (mãe de
Adriano)
Apesar do interesse em frequentar a escola e do esforço em matriculá-lo em uma
escola municipal, próxima da casa em que atualmente reside, Adriano encontrou muitas
dificuldades dentro da escola e a indignação da mãe por não ter o apoio e o acompanhamento
da escola fez com que ela não deixasse mais o filho frequentar o ambiente escolar:
Ele foi, mas desistiu. Aliás, eu desisti de mandar. Por conta que eu não
estava achando que iria contribuir em nada. Porque a sala mista, sem
material, só um reforço. E muito barulho, muita gritaria, coisa que ele não
124
era acostumado, porque escola particular tem um outro ritmo - apesar de as
crianças serem terríveis também. Senti a diferença, pois desde pequenininho
estudou em escola particular. Aí quando eu vi aqueles microfones no ouvido
para as professoras gritarem porque as crianças não param quietas e nem
param de falar, elas têm que gritar para poder ser ouvidas, aí acabou
trazendo dor de cabeça, porque ele não gosta muito de barulho... E teve
duas vezes que se sentiu mal, vomitou e as crianças começaram a rir e ele
ficou constrangido. E ainda o deixaram só no pátio para ir me chamar em
casa. Então aquilo eu fiquei assustada, porque algumas vezes ele tinha
desmaiado... e se ele tivesse desmaiado quando a gente chegasse lá? Podia
ter se machucado, né. Aí eu vi que não ia render muita coisa... Aí eu peguei
e vi que não ia contribuir, aí eu peguei e não deixei mais. (mãe de Adriano)
Assim como Adriano, Valéria também desistiu de frequentar a escola. As
circunstâncias vividas nesta trajetória desde o diagnóstico da escola foram com o passar do
tempo contribuindo com o abandono escolar, pois no período inicial da doença, Valéria
cursava o 5º ano do Ensino Fundamental I e não apresentava muitas dificuldades aos
conteúdos escolares, uma vez que a única professora que tinha, sabia de sua situação e
contribuía muito para minimizar as perdas da aluna, mas ao ingressar no 6º ano (Ensino
Fundamental II), sentiu as perdas dos dias em que faltava, pois as disciplinas eram divididas
em horários e seus respectivos professores, assim sendo, nos dias em que não frequentava a
escola (segunda, quarta e sexta) mantinha-se cada vez mais distante dos compromissos e
conteúdos escolares e, neste contexto, as dificuldades só aumentavam, sendo também um dos
motivos que a fez desistir.
O outro motivo da desistência da Valéria foi a falta de motivação, também, em função
do calor que sentia na escola por ser muito quente e como não podia beber água pelo controle
do líquido no organismo, queixava-se muito com a mãe das dificuldades que sentia:
Eu comecei o ano estudando, parei na 5ª D, acho que tem uns 7 meses. Eu
parei na 5ª série (6º ano) A escola é perto, mas eu vou de Kombis. Tinha vez
que eu gostava de ir, tinha vez que não, porque lá é cheio de gente e eu
tenho medo de me bater no cateter. Fazia calor, me dava sede, porque lá
fazia muito calor, e aí não podia beber água toda hora. Eu ia pra escola
terça e quinta, mas tinha dia em que eu não podia ir quinta porque eu ia pro
outro hospital: no Ana Nery. E aí eu chegava cansada no outro dia, só
levantava dez horas e aí não dava pra ir, porque eu estudava de tarde. Eu
não ia nos dias da hemodiálise que é segunda, quarta e sexta. (Valéria)
Ah, ela tava estudando lá no Ferreira mesmo, mas de uns 6 meses pra cá
ela disse que não queria mais estudar, aí as professora disse assim: adianta
você ficar fazendo ela estudar a pulso, se ela num quer estudar, a gente
entendo o lado dela. Ela chega cansada do tratamento dela, vai três vezes
por semana, pra quando chegar de manhã, dormir levantar 10h que nem ela
levantava, pra tomar banho pra ir pra escola 12h, é muito cansaço pra ela.
Então ela não quer, porque ela tá vendo que o corpo dela não dá, então ela
125
não fica assim pra a gente é forçar ela pra ir pra escola não. Ela ia na
escola duas vezes por semana, era terça e quinta. Ela pegava um carro, uma
perua, mas assim, dava pra a gente levar ela a pé, mas era muito quente, aí
a gente botava ela num carro. [...] Hoje ela tem medo, ela ia pra escola lá,
mas ela não brincava, ficava sentadinha lá, ficava com medo ela tinha um
tipo de medo da escola, porque eu pelejei pra ela ficar na escola e ela não
ficou, dizendo que sentia um calor, sentia... ficava sozinha, os meninos
ficava de lá, mas ela cá sentada mais a professoras tomando conta, ela tinha
medo, aí num quis estudar mais, saiu da escola. (mãe de Valéria)
Pouco tempo depois de deixar a escola, Valéria passou por momentos difíceis, pois foi
chamada para receber um rim no transplante, mas, infelizmente, retornou para a hemodiálise
após a rejeição do órgão no organismo. Situação semelhante a esta foi vivenciada por Daniel,
pois antes da experiência do transplante que também não deu certo, ele também teve
dificuldades quando ingressou no Ensino Fundamental II (6º ao 9º ano).
A inclusão escolar para a pessoa com doença crônica é uma questão que a escola ainda
precisa estar atenta, pois muitos conflitos existentes nos relatos de algumas mães perpassam
pela não atenção às necessidades específicas deste público que precisa de um atendimento
escolar ajustado às suas demandas. Neste sentido, a mãe de Daniel faz este relato de maneira
detalhada e emocionante ao descrever situações vivenciadas e as dificuldades encontradas que
a fizeram repensar o processo de escolarização de seu filho:
Até antes do transplante ele estava estudando, só que assim, a gente
encontrou uma escola maravilhosa em Feira (Feira de Santana). Que a
princípio, quando eu vim de Brasília para cá, ele pediu para ficar na casa
da minha mãe. Então a gente chegou no finalzinho de março, quando foi em
junho, que foi que aconteceu: teve que começar a fazer a hemodiálise e ele
ficou sem estudar, porque até se acostumar com o cateter, porque ainda tem
isso, que ainda quando tem um permcath16
ou algum cateter que é
escondidozinho debaixo da camisa é uma coisa, mas quando você tem um
cateter exposto, que eu chamo de “anteninha”, é meio complicado, porque
se você não tiver uma equipe preparada para receber e expor isso para os
alunos, para os coleguinhas, de uma forma positiva, ele vai ser mais... eh...
martirizado na escola. Porque antes de ter, já havia uma situação, imagine
ainda com alguma coisa para fora que todo mundo estivesse vendo,
sinalizando que não tava normal, que tinha um problema? E quando ele se
viu nessa situação, ele pediu, "Mamãe, eu não quero estudar este ano". Eu
respeitei e esperei seis meses e aí em 2010 ele retornou aos estudos. (mãe de
Daniel)
Logo no início de seu depoimento, a mãe de Daniel apresenta a grande dificuldade do
filho em relação ao que ele sofre por utilizar um cateter exposto no pescoço. O tipo de cateter
16Acesso venoso de longa permanência, onde um catéter é implantado em uma veia central. É mais resistente às
infecções em relação ao cateter e é colocado através de procedimento cirúrgico com anestesia local.
126
ao que ela se refere, não dá para ficar escondido, e deste e modo, desperta a curiosidade dos
outros, a fim de saber o que ele tem de diferente, e não podendo de certa forma “esconder” a
doença. A mãe continua contando a trajetória escolar do filho e destaca as suas atitudes na
tentativa de “amenizar” os impactos que a diferença impressa pela doença acarreta ao seu
filho:
E, ao retornar, na escolinha lá em Feira, eu conversei com a coordenadora,
com a diretora. E, no primeiro dia de aula, ele teve assim, ele ficou
encantado, tanto que a paixão dele até hoje é por essa escola. Então a
coordenadora subiu com ele. E quando ela recebeu ele, que foi até a sala,
em tudo ela acompanhou ele, contou a historinha dele, explicou o que era
aquele cateter, a professora também já estava a par de tudo. Então a
receptividade daquelas crianças foi maravilhosa, então o meu filho estudava
no primeiro andar, ele não carregava mochila porque os amigos
carregavam. Os amigos davam prioridade a ele na fila, os amigos davam a
ele sentar na frente onde ele escolhesse, os amiguinhos defendiam dos
maiores, que ninguém poderia dizer nem que era feio, e ao descer das
escadas, a mesma forma, ele não podia carregar a mochilinha, então eram
os amigos que carregavam. Então se criou um laço muito, muito afetivo,
muito familiar. Ficou lá dois anos e as professoras, como na série era uma
única professora, então até a maneira delas recuperar - porque eu passei
para terça, quinta e sábado para Daniel ter aula três vezes por semana,
porque se ele fosse ao contrária, a segunda, quarta e sexta, ele só teria dois
dias na semana para poder estudar, então ficava inviável prosseguir com os
estudos. Então, quando a gente trocou (os dias) foi pensando nesse lado da
escola. Então, quando ele eh... voltou para a atividade, voltou para a escola,
como ele dizia para mim, "Mamãe, eu, na minha escola, eu não me sinto
diferente de nenhum", como ele nunca se sentiu, e lá muito menos. Então
criou-se um laço muito grande. E as professoras na terça-feira que ele não
via, e na quinta-feira que ele não ia, enquanto ela passava a atividade para
a turma, enquanto eles estavam copiando, ela estava com ele do ladinho
repassando a aula do dia anterior. Então, isso fazia com que ele estivesse
atualizado sempre, né? Não teve prejuízo, tanto que Daniel não fez
recuperação, e sempre teve excelentes notas. (mãe de Daniel)
Até o ensino fundamental I, foi possível contornar as situações em meio às demandas
da hemodiálise e assim garantir avanço na escolarização do aluno, mas as dificuldades
aumentaram quando Daniel ingressou no 6º ano, ou seja, no Ensino Fundamental II. A mãe
descreve a sua condição que não se adequa às estruturas de funcionamento das escolas e às
grandes perdas de seu filho que não teve possibilidades de continuar matriculado enquanto
permanece em hemodiálise.
Então, quando o Danielzinho foi para o sexto ano, aí começou de novo o
meu sofrimento, porque na escola que ele estudava, só ia até o primário,
terminava a quarta série. E quando eu tive que ir atrás de escolas, é muito
triste dizer isso! Já que é uma pesquisa para a educação, que fique esse
relato: Que, infelizmente, tem escola que não está preparado para receber
um 'diferente', como lidar com isso. [...] A minha dificuldade foi de
127
encontrar uma escola, que já que cada matéria é um professor, isso
prejudica ao paciente renal que faz hemodiálise. Então na maioria das
escolas escutei o seguinte, "pague um excelente reforço". Só que quando eu
chegava para a diretoria, eu dizia, "o problema não é o reforço", porque
querendo ou não eu vou colocar, ele vai ter que ter uma outra forma de
estar atualizado, quer dizer, estar atualizado não, de estar compensando.
Mas atualizado dentro das matérias que seria um problema. Por exemplo, se
ele tivesse aula um dia da semana, em dois horários, uma aula, por exemplo,
se tivesse em inglês, normalmente o inglês é uma vez por semana, em dois
horários. Se caísse num dia de hemodiálise, ele ia passar o ano todinho sem
assistir uma aula. Uma aula, ele não ia assistir. E assim o que aconteceria
numa matéria que é mais de peso, Matemática e Português, se caísse em
duas ou três, que às vezes, são duas ou três dias na semana que se tem aula,
se caísse num nesses dias de aula no dia de hemodiálise, ele ia ser muito
prejudicado para acompanhar tudo, e também a dificuldade de chegar para
a diretoria era dizer, "fulano, como é que vai ficar a reposição dessas
aulas?" Porque vai ter aulas que infinitamente ele não vai ter como se
recuperar, porque ele não vai assistir. E como é que a escola vai estar
preparada para recuperar? Para colocar ele atualizado, junto com a turma?
Porque eu não vou pagar uma mensalidade para a escola, para fazer de
conta que o meu filho está aprendendo. [...] Porque você encontra essa
barreira no ensino, de como repor essas aulas, e nenhuma escola me
respondeu, porque tem professores que ainda saem da escola para dar aula
em outra escola. Então talvez o meu filho nem conhecesse o professor,
vamos dizer, entre aspas, o de inglês, se a aula caísse num dia de quinta-
feira, ou dia de terça, nem o professor ele ia conhecer. [...] Então, assim, eu
precisava de uma escola que atendesse esse tipo de necessidade, que até
então eu não consegui encontrar e por isso ele não está matriculado na
escola. (mãe de Daniel)
Para a mãe de Daniel, a escola também alimenta a expectativa de futuro que ela prevê
para o filho, na medida em que retoma a ideia de projeto pensado, a partir do que a
escolarização pode proporcionar-lhe futuramente além da garantia da aprendizagem dos
conteúdos escolares. Estas reflexões são trazidas por ela na continuidade de seu depoimento a
seguir:
Foi uma coisa que eu sempre digo, eu digo isso para as professoras: o meu
filho não pode passar de ano por nota, o meu filho não pode fazer de conta
que está aprendendo, porque eu não estou criando o meu filho para a morte,
eu estou criando o meu filho para a vida. E é essa a grande dificuldade, que
as pessoas acham que você para numa máquina, numa hemodiálise às vezes,
é a morte. Não tem uma sobrevida, tem uma “sobremorte”. Você está
morrendo a cada dia, até o dia de chegar à sepultura, que é assim as
pessoas encaram isso, e, na questão de Daniel, eu me preocupo, eu sempre
me preocupei com isso. Porque assim, você prepara o seu filho para a vida
em todo o sistema, é o emocional, é o intelectual, então eu não posso
agilizar um processo de um lado e deixando o outro para trás, como eu digo
para ele, "não me interessa o curso que você vai escolher, mas você vai
fazer faculdade". Aí, ele olha para mim, ele ri, porque acha graça de eu
exigir uma coisa dessas dele, digo "eu não quero saber, faça como você
quiser, o curso que você quiser, mas você vai fazer". (mãe de Daniel)
128
As narrativas apresentadas, a partir das experiências de Daniel e sua mãe,em relação à
vida escolar, nos remetem aos conceitos já elucidados no Capítulo 3 deste trabalho, e suas
vivências aqui expressas podem ser utilizadas para pensar as implicações do corpo neste
contexto, as experiências que servem para orientar determinadas decisões posteriores, as
questões que contribuem na construção biográfica (self) e na relação de cuidado necessário e
constante diante do conviver com IRC e a hemodiálise.
5.2.2 Significados da escola
Quando conversamos a respeito da importância da escola diante da existência com a
doença, foi possível perceber momentos de reflexão por parte das mães que procuram
conduzir cada dia de vida junto ao seu filho na busca do que cada um necessita e nas
condições impostas diante do que lhes é possível e assegurado. As crianças/adolescentes
também expressaram seus desejos e sentimentos em relação à visão que tem sobre a escola em
suas vidas.
As impressões dadas pelos meninos e meninas são compostas de exemplos de suas
situações vividas e de seu ponto de vista construído, a partir do que a mãe ensina ou do que
aprendem com suas experiências como trazem nos relatos:
É importante estudar pela nossa inteligência. Quando a gente for adulto a
gente não vai poder se formar né, não vai poder se formar em nada. Vai
ficar em casa, porque não estudou, não vai poder ser! Antes quando eu
estudava, eu gostava, além de levantar cedo... é, mais eu gostava. Eu
chegava lá, tinha uma professora. Eu nem ficava dentro da sala às vezes e
mesmo assim a gente estudava também. (Carmen)
Acho importante estudar, tanto faz na escola quanto lá, lá na hemodiálise...
Porque ensina mais pouco... lá ensina mais, lá no colégio. (Valéria)
Acho importante estudar, porque lá... lá aprende um bocado de coisa... A
ler, a escrever, fazer contas... a gente faz tudo.Eu estudei, eu ia duas…
três… quatro vezes na semana, segunda, quarta, tinha vezes que eu ia na
quinta e na sexta de tarde eu ia para a escola em Feira (de
Santana).(Daniel)
Acho (importante estudar). Pra aprender a ler e a escrever... Brincar.
(Davi)
As crianças/adolescentes que falaram da importância que atribuem à escola estão
relacionadas a aprender, especialmente, a aprender a ler, escrever e fazer contas. Como se
para elas, mesmo em meio à doença renal, é possível aprender, ser “inteligente” e
129
consequentemente, não se sentir tão distante das outras pessoas que não têm a doença. Na fala
destes, fica expresso o quanto é necessário e importante estudar, mesmo que seja apenas
durante as sessões de hemodiálise para aprender pelo menos um pouco.
Interessante o esforço coletivo vivenciado por Marcelina, em não faltar às aulas,
mesmo no dia da hemodiálise, pois a escola adequou-se às necessidades da menina, que
mesmo chegando atrasada por viajar até a capital, não desanima junto à sua mãe em ir aos
dias de segunda, quarta e sexta no turno vespertino e nos outros dias, no seu turno normal:
Que ela num perde assim, num perdeu aquele vontade, que quando ela
chega, ela... à vez o motorista, ele vai levar algumas pessoas que vai em
hospital, quando chega em Feira (Feira de Santana), por mais que ele vai
ligeiro pra ela chegar lá, assim quando chego em casa, que eu entro, que
arrumo ela, faço tudo, penteio o cabelo, que faço, que pego o lanche dela,
alguma coisa que compro, que dou a ela que possa comer, ela chega lá é
duas hora, mas mesmo assim ela entra porque a dona da escola disse que
ela pode entrar, a professora vai tá lá pra dar aula a ela, dar os dever, tudo,
passar tudo o que foi de de manhã pra ele num.. (a menina diz: mas de tarde
eu só brinco). Ela gosta de ir, tem dia que eu digo: Marcelina tu vai? Vou
sim que eu gosto de minha escola, o que é que eu vou ficar fazendo dentro
de casa? Vou pra minha escola sim... aí eu levo, os vizinho, as vizinha diz: ô
Mãe, você é malvada! Eu digo: Malvada por quê? Se ela tá indo pra escola!
Eu digo assim: você quer ir Marcelina, já é 2 horas? Não, vou sim, que tu
sabe que tá fazendo prova, revisão, aí eu vou! (mãe de Marcelina)
A mãe de Carmen avalia a perda que a filha teve no ano em que não frequentou a
escola, tanto pela aprendizagem, quanto pela socialização para ter contato com outras crianças
e conviver em outro ambiente, pois a escola representa para ela um lugar de aprender e
interagir:
Eu acho assim que ela tem que estudar. Tanto que eu acho que esse ano
assim, é o ano mais perdido pra ela né, a ainda mais por conta da
deficiência visual, então acaba sendo um pouquinho mais difícil do que se
fosse com uma criança que enxerga, então eu quero assim: fez o transplante
e a médica vai dizer: não, tem que ficar tantos meses em casa e a gente vai
obedecer isso né. Mas tando tudo direitinho, eu faço questão que ela vá pra
escola, mesmo se ela tiver fazendo hemodiálise, que eu peça a Deus que
não, que ano que vem ela já esteja livre, mas vai a tarde pra escola e no dia
em que ela não esteja bem, faz em casa, vai no outro dia, eu acho muito
importante, mesmo porque não tem nem só a questão do estudo, mas do
relacionamento dela com outras crianças, de tá numa escola, de tá com
outras crianças. Que aqui é só eu e ela, então ela tem que ter a vivência com
outras crianças. (mãe de Carmen)
Duas mães que convivem com o abandono escolar do filho lamentam pela situação por
trazer prejuízos à aprendizagem dos filhos e defendem que, nesta situação, é melhor continuar
130
estudando mesmo durante a hemodiálise, ou seja, ver uma forma de possibilitar a inclusão do
filho na escola:
Eu acharia melhor ele estudar - né! - porque tem vez que ele fica mandando
as pessoas ler as coisas. Falei, "tá vendo? Por isso que é ruim você não ir
para o colégio, porque você tem que ir no colégio para você aprender, para
poder não estar perguntando às pessoas". É o que eu falo a ele, né! E depois
que ele transplantar, ele vai ter dificuldade de seguir tudo direitinho. Tem
que pegar no pé dele. (mãe de Davi)
Ô eu queria tanto que ela estudasse, que Valéria fosse pra escola, até o dia
que eu disse: você vai pra escola hoje Valéria, aí ela começo a chorar,
começou a ficar se acabando de chorar, aí eu disse: ah então eu não vou
levar você chorando não. Eu queria, queria sempre que Valéria estudasse
que nem eu cansava de dizer: Valéria vai pra escola, Valéria tem que ir pra
escola, mas ela num quer ir, mas eu queria que ela “isse” pra escola agora
fazendo o tratamento dela, pelo menos uma vez, mas eu queria tanto que ela
estudasse agora![...] Eu sempre eu converso com ela, às vez que ela tem
realmente que estudar assim, mas ela me disse assim: mãe, mas eu tô
estudando com a professora na hemodiálise, eu tenho as professora lá da
hemodiálise do hospital, pra que eu vou estudar aqui? Mas Valéria! Eu num
dizia a ela, é importante a escola daqui primeiro que lá elas lhe ajuda.
Porque a escola daqui é mais importante, passar os dever e as outras de lá
lhe ajudar. Aí ela disse que não queria, aí como as outras tão ajudando a
ela na hemodiálise, aí tá bom pra ela, pelo menos não perdeu a escola, não
tá sem estudar, fora, fora. Tá estudando um pouquinho, mas tá na hora da
hemodiálise. (mãe de Valéria)
O diálogo apresentado entre Valéria e sua mãe, além de demonstrar o que elas pensam
da importância da escola, nos apresenta os valores que ambas atribuem à classe hospitalar,
quer seja como na visão de Valéria para substituir a escola comum, ou também como a de
coadjuvante no processo de escolarização no contexto do hospital como pensa a mãe. A classe
hospitalar para elas vem para resgatar o que não está totalmente perdido, trazendo para
próximo de Valéria o contexto da escola que poderia ter ficado totalmente para trás.
Em contrapartida, mesmo angustiada diante das circunstâncias vividas, a mãe de
Adriano compreende que é melhor que o filho só retorne para a escola depois do transplante
para garantir a dedicação plena sem tanta correria como na hemodiálise, mesmo que o tempo
passe e acumule muitos prejuízos e lança alguns questionamentos:
Eu acho que ele só vai valer a pena depois de transplantado, para ele ir no
horário certinho todos os dias. Porque ir apenas três vezes por semana, no
dia que puder, não vai ajudar muita coisa. Porque ele vai aproveitar
totalmente, vai estar bem. Agora, vejo que vai atrasar muito, porque no caso
dele mesmo que já está grande, como ele vai para uma sala de quarto ano?
Às vezes isso me angustia, porque às vezes eu falo assim: vai ser quarto ano,
as crianças são pequenas e ele deste tamanho; ele vai para uma sala assim?
Que turma ele vai ficar? Que turma?(mãe de Adriano)
131
Também com este mesmo pensamento, Daniel considera que só depois do transplante
pretende retornar ao convívio escolar e avalia as dificuldades que enfrenta em conseguir dar
continuidade aos estudos no contexto da hemodiálise:
Pra continuar estudando, só quando eu transplantar. Porque é melhor.
Não... não fica na correria. Só depois do transplante. É por causa que fica
complicado, porque você passa mal no outro dia, aí não vai no outro. [...]
Fazendo o transplante, aí crescer, eu vou poder ir para a escola normal,
todo dia, vou poder acordar a hora que eu quiser. (Daniel)
A reflexão da mãe de Daniel sobre o que observa na sua convivência com outras mães
no hospital contribui no que ela expressa da importância da escolarização na vida da pessoa
com doença renal, quer seja antes ou depois do transplante, pois em sua forma de pensar, o
papel da família e o modo como concebe a doença e seu tratamento pode contribuir ou
retardar o desenvolvimento das habilidades que as crianças e adolescentes em hemodiálise
poderiam adquirir com os conhecimentos escolares:
Porque assim, a gente acaba tentando compensar - a verdade é essa - de
alguma forma, para não deixar... que eu fico triste quando eu vejo crianças
aqui que ainda não sabem ler né! Porque o pai e a mãe ainda acham assim,
porque eu acho que na visão, por dentro, por dentro, eu acho que às vezes,
acham que não vale muito à pena. E é isso que até o próprio pai, o próprio
responsável, tem que mudar, que eles são capazes. Eles podem ultrapassar
todas as perspectivas que são dadas a eles. Porque assim, eu conheço gente
transplantada que hoje são jornalistas, são advogados. Quer dizer, passou
pela hemodiálise, passou por todo esse processo, veio no transplante, mas
continuou estudando, e foi até um curso superior. Então, há sim condição.
Então eu acho que o pai e a mãe, eu acho que isso modifica muito na vida
do paciente, porque se ele tiver a mesma visão de "para que estudar?",
"para que eu pegar no pé?", "para que aprender a ler, se vai morrer?", "vai
levar para o túmulo?"... eu acho que tem que mudar a visão...Eu já ouvi
isso, não diretamente com essas palavras, assim, mas, assim, "ah, fazer o
bichinho ficar..." eh... "acordar cedo? Ah, para quê?", "ah, não quer ir para
a escola, não vai". Se a criança acordar com vontade de ir para a escola,
vai. Também, no dia que ele não quiser mais, acabou. Quem não quer, não
quer, e eu já não ajo dessa maneira. Eu digo assim, como eu já falei, eu crio
o meu filho para a vida, não é para a morte. Vejo o meu filho se formando,
assim, Deus permitindo, o meu filho se casando, construindo família. Então,
eu vejo dessa forma. (mãe de Daniel)
É possível a partir deste relato, pensar no que a permanência na escola pode
representar na vida destas mães, em relação ao projeto de vida que desejam para os seus
filhos. Essa permanência, além de marcar que o filho por um lado não difere muito das outras
crianças, por outro, ajuda às mães a continuarem acreditando na “cura” da doença do filho,
perspectivando um futuro profissional, com trabalho e família para o filho, sempre pensando
na possibilidade de ter uma vida “normal” diante da doença renal.
132
Com estas formas de pensar, as mães buscam maneiras de compensar as perdas
escolares dos filhos em casa ou fora da escola, quer seja no auxílio à aquisição de leitura e
escrita, no estímulo à leitura e incentivo ao interesse da criança em determinados assuntos ou
também no apoio ao trabalho da classe hospitalar junto ao que a criança estuda no hospital
com a professora.
Cada uma ao seu modo, procura observar as necessidades da criança, comparando
como era a situação antes da hemodiálise, no sentido de tentar suprir ao seu modo o que cada
um deseja e necessita como surgem nos relatos:
Assim, até o transplante e o pós operatório dele, até um período, eu ainda
pagava um reforço, aonde pedi à menina que trabalhasse muito redação,
leitura e matemática. E aí ele foi para a aula de canto. (mãe de Daniel)
Em casa a gente coloca para fazer leitura, para escrever, fazer cópia... É.
Antes, como eu trabalhava, eu botava mais no reforço. [...] Aí eu sempre
botei em reforço desde a alfabetização. Ele só não foi para reforço antes da
alfabetização. Mas da alfabetização ele fazia reforço com a mesma
professora. Era de manhã e de tarde ele fazia com a mesma professora. [...]
Tem a outra irmã dele, a irmã dele, mais velha, sempre quando precisa de
alguma coisa, ela quem ensina. (mãe de Adriano)
Então a gente vê que em questão de entender aparelhos, coisa eletrônica,
ele vai, ele conversa com as pessoas normal, a única coisa mesmo é a rotina
de escola para ter conteúdo e passar de ano. Isso aí ele não está tendo. Mas
apesar de não ter muito convívio, porque eu procuro também, na medida do
possível, quando pode, quando ele está em condições, de sair, de levar, de
ele ter contato, eu não fico com ele só dentro de casa. Vai no cinema, se ele
escolhe o filme que gosta, a irmã vai, leva, se tem um circo que ele gosta,
leva para ele não ficar uma criança isolada. Leva no play que ele gosta
muito. (mãe de Davi)
A atenção da mãe ao que é despertado na criança, através do trabalho da classe
hospitalar é evidenciado nas falas da mãe de Carmen e Laura que se importam com a
alfabetização das filhas e contribuem com a alternativa de escolarização ao qual as mesmas
têm acesso. Cada uma expondo as formas encontradas nas necessidades e possibilidades que
possuem:
Então, eu tento ajudar ao máximo dentro do que eu posso, naquilo que é
passado pela professora lá no hospital e dar continuidade, incentivar ela
nessa questão de aprender o Braille, então, as caixinhas que vêm com
Braille a gente vai vendo, a questão até de escrever no computador, a gente
baixou o programa, então ela já escreve tudo no programa, tudo que às
vezes, palavras que ela acha mais difíceis, eu vou pedindo pra ela soletrar,
pra ver se ela tá fazendo direitinho, então assim, o tempo todo a gente tá
interagindo pra poder dar continuidade né!(mãe de Carmen)
133
Ah, em casa eu ensino. A pró da hemodiálise passa as tarefas para casa, eu
sento com ela, é ensino ela a fazer as tarefa, eu ensino ela a ler, então ela
tem uma irmãzinha que ajuda muito, aí na escolinha da hemodiálise eu acho
que ela tá desenvolvendo um pouco, porque antes ela era uma criança que
não queria fazer nada, mas agora ela já tá começando a fazer. (mãe de
Laura)
Mesmo sem apresentar muitas dificuldades e esforçar-se para não deixar de frequentar
a escola, a mãe de Marcelina expõe como ao seu modo contribui com a aprendizagem da filha
e como a professora da escola avalia o desempenho da aluna diante de suas faltas por conta
dos internamentos em decorrência da doença:
Eu ensino, eu que sou a professora da banca dela, sempre fui. Gritando, por
isso que hoje sabe ler e escrever. Eu que digo que sou a professora da banca
porque a banca você paga e o menino faz o dever se quiser que tem banca
assim, então eu que ensino os dever a ela desde quando ela foi pro infantil,
entrou nos colégio, eu que ensino os deveres dela. E ela sempre foi muito
bem na escola, quando tem reunião, aí elas me chama, sempre falava dela,
disse que ela era uma aluna boa, pegava tudo no ar. Aí a professora dela
disse: como agora mesmo que a senhora tá vendo mãe, que ela tá fazendo o
tratamento e passou quatro mês e três dias presa, morando dentro do
hospital e ela veio e fez prova que menino que tá vindo a semana toda
perdeu nas prova e ela não. Então ela disse que ela é inteligente, uma boa
aluna. (mãe de Marcelina)
5.2.3 Relação escola X doença
Entender as necessidades de crianças e adolescentes com doença crônica para, a partir
daí, garantir a assistência plena em saúde e educação é importante para o caminhar de todos
os processos que os envolvem, pois nem sempre o que pode ser realizado com todos é
possível acontecer da mesma forma com a criança ou adolescente que tenha determinados tipo
de doença, exigindo-lhes cuidados que se não acontecem podem colocar a vida destes
acometidos em risco. Assim acontece com quem possui a Insuficiência Renal Crônica,
especialmente com o trato na escola junto aos colegas e aos demais integrantes deste espaço.
A relação de diálogo entre a escola e a família da criança é de grande importância, pois
faz-se necessário haver um entendimento do que é a doença, dos cuidados, por causa da
hemodiálise, explicando como funcionam, qual a medicação que a criança usa diariamente e
que pode ocorrer em horário da aula, os cuidados em relação ao acesso da diálise e à
alimentação. Este diálogo, às vezes, ocorre de forma tranquila ou ainda de maneira muito
tímida, mas também pode não acontecer da maneira como desejada.
Na descrição feita pela mãe de Marcelina, a escola além de acolher e ajustar-se aos
horários da aluna, mantém um cuidado especial em relação ao controle da ingestão de líquido
134
por entender que este cuidado é necessário no caso da pessoa com doença renal e ao que é
permitido comer, demonstrando também uma preocupação em relação à alimentação
saudável. De acordo com as informações da mãe, a escola não possui espaço disponível para
as crianças correrem, sendo assim, a possibilidade de acontecer um acidente que ofereça
riscos em relação ao cateter é bem menor do que se houvessem brincadeiras com muitos
movimentos. A menina interrompe, em alguns momentos, a fala da mãe para acrescentar ou
corrigir alguns aspectos que são ditos sobre a escola ao longo do relato:
A escola já sabe de tudo. Que a dona da escola tem a apostila que eu dei.
Ela não bebe água na escola, se ela levar uma garrafinha assim, porque
elas (se referindo a equipe médica ou a nutrição) disse que ela podia tomar
guaraná branco, se ela levar a garrafinha, aí a professora dela vai e toma
da mão dela e só dá 30 ou 50 ml, porque ela urina, então ela, esses 50 ml sai
no suor e na urina, então ela num pesa muito sobre água. E a escola toda já
sabe que ela é assim, e às vezes tem uns colega que fica brincando, pulando,
eu disse a ela: não fique no meio que você... porque ela fica no meio, a gente
sabe que menino gosta de brincar e dá tombo um no outro e pode dá tombo
nela. [...] É natural. Ela vai chegando, bota a mochila dela, eles: senta aqui
Lina, os colegas: sente aqui! Aí ela senta na cadeira dela. Na hora do
recreio não tem porque a escola é, a escola não tem área pra correr, (a
menina grita de longe: tem sim!) é assim, só tem uma área pequeninha, um
corredor que é isso aqui ó (mostrando o tamanho, tendo como base o espaço
em que estávamos), dessa largura o corredor da escola, num tem como
correr porque as mochila fica tudo numa pilha nos corredor, cada um com
suas mochila, aí não tem como correr, tem uma área logo que é a saída da
rua que fica um lugarzinho, um negócio de escola, aí ela.. e a sala dela é
uma sala pequena, não dá pra ninguém pra se é, correr dentro de sala,
merenda todo mundo sentado ali com suas merenda, ninguém troca
merenda, porque tem colega que num pode comer salgadinho, num pode
comer, tomar guaraná, num pode comer o que não deve. Tem o dia da fruta,
cada um tem que levar fruta, a fruta que você come é pra trazer, que é dia
de terça-feira, (a menina interrompe e diz: mas ninguém leva), mas ninguém
leva, que eu dei a fruta, aí alguns que leva, alguns não, ai fica todo mundo
sentado, falando um com outro ali, quando tem uma briga, a professora dá
pra ver todo mundo, porque a carteira da professora é aqui e o aluno ta
aqui, é bem pequeno, em cada sala tem... acho que na sala dela tem 12 (a
menina interrompe novamente e diz: 12 nada é 24), 24 na sala dela, na sala
do primo dela tem 12, de tarde que tem mais que é alfabetização. (a menina
diz: mas não vai quase ninguém na minha sala porque é toda apertada!).
(mãe de Marcelina)
A partir do destaque trazido pela mãe de Marcelina em relação a merenda escolar, é
possível compreender o quanto este aspecto tem considerável importância e que, muitas
vezes, não é muito discutido em educação. O momento da merenda na escola, algumas vezes,
é um dos mais aguardados, pois depois dele, vem o descanso, a recreação e o lazer, sendo
estes, marcados pela interação e socialização entre os alunos, sem entrar na questão dos casos
135
que existem de crianças que vão para a escola em busca da refeição que, muitas vezes, não
têm em casa.
Com isto, quero dizer que não se pode ignorar que a criança/adolescente com IRC e
demais alunos que têm outras doenças crônicas tais como, diabetes, hipertensão, obesidade
infantil, doença celíaca, dentre outras, convivem com as restrições alimentares e quando
chegam ao âmbito da escola, muitas vezes não contam com o acompanhamento necessário,
especialmente, pensando nos casos de escolas públicas que oferecem a merenda que tem
disponível e que geralmente é a mesma para todos os alunos. Em alguns depoimentos que
seguem, as questões relativas à alimentação e ao controle da ingestão do líquido, foram
elucidadas nas falas, não da maneira adequada como aconteceu com Marcelina, mas de forma
não tão esperada como informa a mãe de Adriano:
Mas o lanche... ele não vai participar do lanche da escola, porque eu não
sei se é rico em quê; a verdura dele tem que ser fervida, mesmo sendo uma
sopa ela vai estar muito rica em potássio e não pode. “Então, eu trago o
lanche dele, vai estar na mochila. (mãe de Adriano)
Falando das experiências de quando ainda permaneciam na escola, mesmo estando
com a doença, Daniel e Valéria, e suas respectivas mães, além das mães de Carmen e Laura
que expressam o que necessitava de cuidados, quer seja quando ainda fazia diálise peritoneal
como no caso de Laura, ou quando ainda não havia mudado de cidade como no caso de
Carmen. Estes cuidados aconteciam, tanto por parte da professora e dos colegas, quanto por
parte da própria criança, que necessitava ficar atenta ao que deveria fazer ou não, em
situações tais como: atividades que o aluno não havia feito, brincadeiras que poderiam
oferecer algum risco de acidente com o cateter, ajustes em relação à alimentação e atenção à
possibilidade de acontecer algum mal estar por parte da criança com a doença. É o que
revelam as falas:
A "pró" passava no caderno para mim e eu fazia. Eu fazia as duas (a que
faltou e a atual). Porque no outro dia eu não ia, aí estava no outro dia, eu
fazia a do dia anterior. (Daniel)
A professora sabe da minha doença, ela trata diferente, ela traz água pra
mim, ela explica os alunos que não podia me bater, que não podia passar
correndo por causa do cateter, ela explicou tudo. Os colegas perguntam,
perguntam sim (sobre o cateter), fica perguntando pra mim, aí eu falo! Eu
fico só com duas pessoas. Mas eu não fico mais não. Elas só ficam correndo,
aí eu parei. (Valéria)
Eles cuidava dela lá. Eles sempre passavam um deverzinho trazia pra ela
fazer em casa, ela trazia pras professora que acompanha ela na hemodiálise
136
pra mó de ajudar ela a fazer. Que nem, lá mesmo no Roberto Santos, a
professora dava aula a ela, ela trazia o dever pra se ajudar a ela, ela
sempre trazia atividade. (mãe de Valéria)
Todo mundo tava sabendo da doença dela, então assim, é... a cooperação foi
de todo mundo assim, foi legal porque todo mundo se mobilizou pra tá
cuidando dela, a preocupação deles era em relação ao cuidado com ela,
assim: tinha um cateter, num sei o que lá... o cuidado, mas a única
dificuldade que eu tive assim no início com ela na escola, foi em relação a
alimentação, porque antes ela podia comer as coisas de escola e tudo mais,
e depois que voltou, já não podia mais, e aí assim, eu comecei a usar de
outros meios. Então assim, ela me disse assim: mãe, eu não quero ir pra
escola, porque meus amigos podem comer tudo e eu não posso, aí eu
comecei eu mesmo a fazer as coxinhas, as esfilhas, as coisas que eu sabia
que ela comia da escola e que da escola ela não poderia, aí depois eu
mandava o almoço, foi só nos primeiros dias que ela começou a sentir falta,
mas aos amigos, as coleguinhas e a professora não teve... foi bem
tranquilo.[...] Antes de terminar a diálise a professora me ligava e dizia
assim: Mãe, Carmen vai vir? Então tô esperando ela. Então assim: Todo dia
eles tinham esse cuidado, esperar ela, a comida dela, até a professora
mesmo, ela começou a levar a comida dela sem o sal, porque se eu não
mandasse alguma coisa, se Carmen quisesse mais, ela dava dela pra
Carmen. (mãe de Carmen)
Tratava igual os outros, mas assim, tratava ela com mais cuidado, ela ficava
sentada perto da professora, não deixava ela brincar com nenhuma outras
crianças, por causa do cateter da barriga. Tinha o máximo de cuidado com
ela. (mãe de Laura)
Então, na cabeça dele, ele já não é tão diferente, que quando ele está no
meio, então ele quer jogar bola. Tem uns amiguinhos que ficam com
cuidado, “Oh, Daniel, você não pode jogar, não!”, ou senão “Daniel, você
vai jogar na posição X para ninguém bater em você”. Então, na última
escola os amiguinhos tinham esse cuidado com ele. “E eu vou ficar parado,
professora!”, “Mas, Daniel, você tem um cateter...”, “Pró! Mas eu quero
jogar!”, e aí os amigos se organizavam e iam deixar ele para ficar um
pouco mais protegido.[...] Então amadurece, querendo ou não, vem a
doença, vem todo um tratamento, problema, uma conscientização, que é
desde menor, então tem que se conscientizar em relação à alimentação, às
limitações e aquele negócio todo. Aí cai na questão da escola, porque ele,
no meio dos meninos, ele quer ser igual. (Mãe de Daniel)
Davi continua matriculado e mesmo com pouca frequência à escola, a situação dele
não parece estranha a todos da escola, pois pelo fato da diretora ser tia dele, há o
conhecimento e uma atenção maior quanto aos seus cuidados:
A diretora já é tudo na escola. Então ela já sabe do problema dele já. Às
vezes, ele vai, ai sente uma dor de cabeça, aí ele já manda a ele vir para
casa, que pode ser que senta mal, então, tem que ir para casa. (mãe de
Davi)
137
Daniel, em seu depoimento, confirma a informação da mãe quando relata suas
experiências positivas sobre a escola ao destacar a relação de amizade que mantinha com a
professora e os colegas, o que gostava de fazer na escola e os cuidados com a alimentação, o
cateter e a forma como reagia ele diante das perguntas dos colegas em relação ao pescoço que
era enfaixado para proteger o acesso da hemodiálise:
Eu gostava muito (de ir para a escola), gostava mais da "pró", gostava de
conversar. Conversar… às vezes, eu conversava na aula e de estudar
também. Era igual (se referindo ao tratamento que a professora dava a ele
em relação ao dos colegas). Só, só para ninguém bater em mim. Mas o resto
era tudo normal. Só pra comer, às vezes, eu trazia um lanchinho de casa. Só
às vezes que falavam do cateter, isso chamava a atenção (dos colegas).
Perguntavam se eu tinha machucado o pescoço. E eu dizia que eu fiz uma
cirurgia (riso), não falava a verdade não, eu falava que eu tinha feito uma
cirurgia. (Daniel)
Esta relação de diálogo, nem sempre acontece com todas as crianças e adolescentes,
alguns são mais tímidos que outros e optam por calar-se quando não conseguem estabelecer
uma aproximação maior com alguém em que se sente mais à vontade ou lhe possibilita
abertura como nas situações relatadas por Valéria e sua mãe:
Só a diretora conversa sobre a hemodiálise. Ela pergunta o que é isso aqui
(apontando para o pescoço), aí eu falo que é o cateter... ela disse também
que quando eu não quisesse ir, que não era forçar ir não. Eu faço
atividades, tem vez que eu leva provas pra lá pra casa aí eu faço em casa.
Só tem vez que é muito aí eu peço a ela pra fazer um pouco e o outro fazer
em casa. (Valéria)
Não, ela nunca falou sobre o problema dela na hemodiálise, muito calada
assim. Não ela nunca falou assim, eu é que expliquei tudo, ela nunca disse
não, ela é calada. Ela era distante, ela não acostumava muito não. (mãe de
Valéria)
Situação semelhante é expressa pela mãe de Davi em relação ao filho:
Ele não é muito para colega não, porque os colegas dele, os meninos lá,
como eu falei, fica zoando ele. E ele não gosta. (mãe de Davi)
Partindo do que cada uma experiência, as mães de Adriano e Daniel avaliam a atenção
que deveria ser dada pela escola às especificidades dos seus filhos e falam da inclusão à
pessoa com necessidades especiais, como é o caso de quem tem a doença renal em seus
horários e cuidados:
Uma coisa que ele gosta (se referindo a escola). E preenchia também,
porque hoje... ele, ele cobra. Fala “mãe, eu sinto falta da escola. No
próximo ano eu vou estudar?” - sabe? - e aí você não encontra a escola,
qual que vai tentar se adequar à realidade de um “renal”, onde está o poder
138
público para realmente interferir, mostrar um interesse maior? (mãe de
Daniel)
Fora se tivessem as escolas preocupação com essas crianças. De ter de
acordo com as condições deles, com o horário deles. Mas a gente acha que
é mais complicado, não é? incluir, porque é uma inclusão a essas crianças.
Porque eles têm limitação de horário, às vezes não tem como. Outra
dificuldade que ele teve foi em questão a alimentação, ele não se alimenta
cedinho. Se forçar, ele fica enjoado. Aí eu pegava o lanche... aí eu expliquei
para ela: “Olha ele consegue se alimentar a partir de 08:00h. Eu perguntei
na escola: É possível ele se alimentar, parar um pouquinho e fazer o lanche
dele?” – “Ah não, o lanche é 10:00h!”. Mas não houve abertura. [...] Se ele
der fome 08:00 ele pode?” - ela tornou a repetir e eu aí não insisti. Então eu
acho que o dia que ele passou mal, foi porque ele estava com fome e teve
que esperar muito. Aí tinha isso também tem prejuízo, porque ele tomava
remédio cedo, na época ele ainda tomava alguns cedo, e depois ficava com
fome até 10:00h. A questão é que a necessidade dele é diferente da dos
outros. [...] Porque na escola que ele estudava antes, mesmo ele sem ter
nada, quando eu mudei ele de escola que era 08:00h perto de casa, que ele
ia com o pai, para a escola que pegava às 06:00h com a Kombi, ele levava o
lanche. E a professora deu abertura para ele comer, na hora que ele desse a
fome porque ele não tomava café cedo. Ela explicava: “Olha, o coleguinha
vai fazer o lanchinho, vai comer o biscoitinho, porque ele não toma café
cedo”. Aí ele sentado ali mesmo ele comia o biscoitinho, aí na hora do
lanche ele parava e lanchava, ía na cantina e comprava um suco ou o que
fosse, se fosse pra comprar lanche; Então dá essas condições, já aí (na
escola municipal em que foi matriculado para frequentar às segundas,
quartas e sextas) eu não encontrei essa facilidade. Com as necessidades
diferentes dos outros, porque a alimentação, poder fazer, ou o horário de
poder chegar ou sair dependendo do que tenha para fazer depois. Agora,
não sei se for numa particular se consegue fazer, mas eu já acho que é muito
gasto para pouco tempo de frequência. (mãe de Adriano)
Essa comparação feita pela mãe de Adriano entre as experiências que ele obteve na
escola privada em que permitia essa abertura às necessidades do aluno e a escola pública que
não permitia chegando a prejudicá-lo, foi um dos motivos pelo qual ela preferiu também que
o filho abandonasse a escola e infelizmente passasse a pensar que há uma qualidade no
trabalho da escola privada que não acontece na escola pública.
5.3 A CLASSE HOSPITALAR NA HEMODIÁLISE
Neste tópico estão descritas as compreensões que os participantes deste estudo têm da
classe hospitalar quando tratamos mais especificamente dos aspectos da vida escolar destes
meninos e meninas com Insuficiência Renal Crônica em Hemodiálise, pois se estes fizessem
outro tipo de terapia substitutiva da função renal como a diálise peritoneal ou se já tivessem
139
sido transplantados, estariam “isentos” do atendimento da classe hospitalar por não estarem
no hospital e, portanto, não teriam muito o que falar, exceto se no caso do transplante, o
paciente precisasse permanecer em internamento ou no caso da diálise peritoneal, o paciente
estivesse ainda em treinamento ou em avaliação.
O trabalho da classe hospitalar no contexto da hemodiálise é comparado a uma classe
multisseriada de escola comum, pois os alunos que compõem as turmas estão no mesmo
espaço com níveis de ensino diferenciados, uns matriculados em escolas próximas a sua
residência e cursando as aulas nos dias possíveis e outros que não frequentam aulas em outros
espaços, além das aulas do hospital. Este trabalho, por vezes, se configura também em
formato de reforço escolar, uma vez que para os alunos que estão matriculados em escola
comum, há uma aproximação do que este aluno está estudando, em relação aos conteúdos
escolares, especialmente em dias de avaliação na sua escola de origem.
Estas crianças e adolescentes que participaram deste estudo têm ou tiveram contato
com a classe hospitalar em, pelo menos, duas vezes por semana nas sessões de hemodiálise.
Então, nas falas destes e das mães, a classe hospitalar aparece, em alguns momentos das
conversas e de várias maneiras, sendo denominados de algumas formas, tais como: escolinha
do hospital, escola da hemodiálise, classe de doentes, estudo com o professor da hemodiálise,
mas em raros casos como classe hospitalar.
A classe hospitalar é regida por legislações que garantem o direito à escola para
crianças e adolescentes e, mais especificamente, à criança hospitalizada para não ter a
educação escolar interrompida como preconizam as leis da educação que tratam deste assunto
e que estão dispostas no capítulo 7 deste trabalho. Neste sentido, foi perguntado às mães sobre
o conhecimento delas a respeito destas leis e das sete mães ouvidas, cinco não sabiam destes
direitos, uma estava um pouco confusa, mas disse ter ouvido algo parecido e a outra, disse que
havia sido informada por meio de uma professora da classe hospitalar.
Não sabia que era direito não, eu achava que era coisa do prefeito mesmo
que às vezes fazia isso pra ajudar a gente. (mãe de Laura)
Elas (as professoras da escola em que a filha estudava) me falaram lá, elas
me falava que ela tem direitos na escola dela, assim sobre assim de ir uma
professora em casa, ensinar a ela e tudo, aí... mas lá é um lugar muito...
sempre as professora fica falando pra mim, assim, alguma que entendia
também mais sem ser a professora lá, ela dizia: ó ela tem direito de ter uma
professora na casa dela pra ensinar a ela. [...] Eu acho assim que é um
direito né, porque pro mó de ensinar elas a ler, pro mó de ir, adiantando né.
(mãe de Valéria)
140
É, quando ele estava internado lá no Santa Rosa (hospital) a professora
falou que até para fazer uma avaliação, uma aprovação e dar continuidade
depois que saísse do problema. Agora não sei se isso vale para no caso
deles que é um tempo curto. No caso, a criança que fica internada, está com
problema cardíaco, fez a cirurgia, mas são meses que vão para a vida
normal. Mas no caso deles, ele já está criando para dois anos, tem
condições de fazer isso aí e ele voltar e acompanhar? Mesmo tendo esse
direito? Isso, mas se isso vai ajudar... Isso, pode até valer na prática, mas
depois vai ajudar em quê? Porque, por exemplo, ele sai, “não, ele tem
direito a ir para o quinto ano”, mas ele chega no quinto ano sem ele ter
passado realmente, por todos, ele vai acompanhar? Isso vai ajudar a ele ou
atrapalhou? (mãe de Adriano)
A mãe de Adriano que diz ter conhecimento da lei que garante a continuidade dos
estudos nos casos de afastamento da escola, por motivos de saúde, lança alguns
questionamentos sobre como na prática isso acontece, pois ela não compreende como seria a
reinserção do filho no contexto escolar após o tratamento, tendo em vista que já são quase
dois anos que Adriano interrompeu os estudos no 5º ano do Ensino Fundamental e se encontra
afastado da escola comum.
5.3.1 Percepções sobre a Classe Hospitalar na Hemodiálise
No conjunto de pensamentos sobre o atendimento da classe hospitalar foi possível
organizar as falas, de acordo às concepções que se tem sobre este assunto quando os
participantes do estudo responderam, se consideram importante ter aulas com a professora da
classe hospitalar, durante a hemodiálise e se há alguma contribuição para a vida destas
crianças e adolescentes que participam destes momentos. Assim, apareceram, de maneira
geral, que a classe hospitalar é importante para a criança aprender, para passar o tempo e
distrair, para conversar com o aluno/paciente sobre vários assuntos e para contribuir com a
atenção integral ao paciente que está recebendo assistência na saúde.
Um depoimento que me chamou muito a atenção foi o da mãe de Carmen quando no
final de nossa conversa ao perguntar se ela gostaria de dizer mais alguma coisa sobre o que
conversamos, ela disse que sim e relatou:
Eu no começo quando Carmen começou isso tudo, principalmente quando
ela ficou internada no São Rafael (hospital), foi muito difícil pra mim, ver a
professora na sala, ver o fisioterapeuta na sala, pra mim aquilo lá, tipo: não
podia acontecer com a minha filha. Tipo: Eu vi, a professora foi lá, mas eu
não vi aquilo com bons olhos, pra mim, não me agradava aquilo, eu não
queria ela estudando ali, eu queria ela estudando na escola normal com as
outras crianças! Mas o tempo vai passando, e vai mostrando assim que
141
aquilo realmente é importante! A gente precisa daquilo, a gente realmente
vê os avanços né! Então é necessário estudar, principalmente pra ela que
não pode tá em casa, mas no começo tudo é muito mais difícil né! Então eu
sinceramente, eu não aceitava. A professora ia lá, eu achava até bonitinho,
engraçadinho, mas meu coração tipo: eu não quero isso! Eu quero que ela
vá pra escola, não quero professora de, de, de hospital, mas eu acho bem
legal o trabalho assim até de, de... não só de ensinar, mas você acaba
focando pra uma outra direção quando eles tão ali né, esquece! Acho que
quando você tá estudando, esquece um pouquinho que tá na máquina, que tá
dialisando, que vai passar mal, né! você foca no estudo, na historinha, na
conversa.., eu acho que não só pra alfabetização mas, pra ter um outro foco,
tirar um pouquinho daquilo ali do que tá vivendo, da dor né... basta eu
sentir, ela não precisa não! (mãe de Carmen)
Este depoimento me surpreendeu por trazer a reflexão da mãe de Carmen sobre os
sentimentos iniciais quando conheceu o trabalho da classe hospitalar, no momento em que
inaugurou a doença renal na vida da filha. Ela nos apresenta que o professor no contexto
hospitalar é algo que lhe causou rejeição no primeiro momento, por não desejar aquilo para a
filha, mas com o tempo ela percebeu que a vida escolar da filha não podia parar e que, ao
contrário do que pensava, o professor tem um papel importante no ambiente hospitalar, tanto
para possibilitar a aprendizagem, quanto para minimizar o sofrimento e a dor que o hospital
representa, enquanto instituição destinada ao atendimento de doentes.
A atenção integral à pessoa com doença renal crônica, que passa parte do tempo de sua
vida dentro de um hospital, dedicando-se aos cuidados na saúde, é uma contribuição
importante no cuidado a estes pacientes. A partir desta perspectiva, a mãe de Daniel faz uma
reflexão profunda sobre este aspecto trazendo uma abordagem na perspectiva da humanização
hospitalar, de uma maneira geral, e falando também da importância de não deixar para trás a
vida escolar de pessoas que estão em hemodiálise como vimos em seu relato:
Eh... eu agradeço a Deus por ter inspirado alguém a pensar nesses
pacientes no hospital. Eu acho assim, que quando eu assisti a um filme há
alguns anos atrás, era um palhaço (Filme: Patch Adams, 199). Ele era
médico, mas uma vocação incrível para ser palhaço. Tanto que no horário
dele, vago, ele se vestia de palhaço para alegrar as crianças, e levava,
levava isso de uma maneira diferente, de um tratamento diferente, que às
vezes, o poder público não enxerga. Então agradeço a Deus por quem
lembrou dessas crianças, que há uma necessidade de estudar, não só as
crianças como os adultos. É que quando eu vejo uma senhorinha, que vocês
estão alfabetizando, isso me emociona. Está ali na máquina, mas tem hora
que eles esquecem, eles se esquecem que estão naquela máquina, porque se
sente vivo, se sente com a perspectiva, querendo ou não abre uma
perspectiva. Perspectiva de vida, e isso, assim, fico alegre quando eu vejo. E
trazer a escola é uma forma de dizer a eles, "olha, alguém lembra, e alguém
trata vocês como gente, como pessoas", essa é a realidade. [...] E você tem
que viver dentro do hospital, três vezes periodicamente naquele tratamento,
e fora os internamentos que há, e você chegar aqui e vê que, de alguma
142
forma, alguém lembrou que há essa necessidade, né! Não só de um
tratamento, mas ele pensou em todas as outras partes que um ser humano
necessita, porque aqui garante educação, aqui garante tratamento, e até
mesmo a saúde mental - né! - psicológico, porque também há psicólogos.
Então assim, mediante as dificuldades e as necessidades, certo? Porque
assim, Isso está se espalhando nas clínicas, isso está... o “renal” está sendo
assistido, e assim, você sentir que ali não é o fim, né! Não é o fim. “Chegar
a isso aqui é o fim”, não! Há possibilidades, há chances. Eh... enquanto há
vida, há esperança e aprendizado para o resto da vida. [...] Em dizer assim,
“puxa, tem uma classe eh... de doentes, de uma doença, mas que necessita
de uma parte, de um apoio”. Eu sei que a escola no hospital, hoje, para
mim, é fundamental. E dizer assim, "Daniel, pisa aqui na terra, que você é
um aluno, ainda". (mãe de Daniel)
A partir disso, compreendo que, tanto o que as mães de Carmen e de Daniel trouxeram
através destes depoimentos, quanto o que foi emitido pelas crianças, adolescentes e as outras
mães, partiram das construções cotidianas do trabalho do professor da classe hospitalar, junto
a estes alunos/pacientes, contribuindo na forma de pensar, a partir do que observavam ao que
acrescentava na vida de cada um, quer seja em relação apenas aos aspectos escolares, ou das
questões psíquicas e emocionais, além da afirmação de que apesar da doença, seus filhos não
estão distantes da sua função de aluno uma vez que a escola faz parte da infância.
O ensino e a aprendizagem necessários à vida das crianças e adolescentes que se
afastaram do cotidiano escolar ou que tiveram que conciliar o tratamento com a frequência
escolar não se perde no conteúdo das falas quando os participantes desta pesquisa falam da
importância da classe hospitalar que atende às crianças e adolescentes no momento da
hemodiálise. Pode-se perceber, a partir destes relatos, que mesmo que não seja na mesma
proporção que em uma escola comum, o que o aluno/paciente aprende nos atendimentos da
professora no hospital pode ser percebido das seguintes formas:
Eu acho que assim, incentiva ela mais né a estudar, eu acho que ajuda a ela
nessa parte né. [...] Assim, ela lê, que ela tem mais ou menos três anos sem
conseguir ir na escola normal, tem algumas coisa que ela não entendia e ela
tá começando a aprender de volta. Assim, ela aprendeu na escola, parou, aí
esqueceu tudo e aí agora na escola da hemodiálise, agora ela tá voltando a
fazer tudo de volta... Enquanto ela tiver fazendo hemodiálise eu acho muito
importante pra ela. Ajuda ela bastante, incentiva ela, é muito legal a escola
do hospital. [...] Ah, é bem melhor, bem melhor estudar, porque ela não tá
mais frequentando a outra, aí, já tava cá na hemodiálise, e ficava muito bem
pra ela, acompanhar ela ali. Assim, eu vejo que assim a hemodiálise, o
professor sempre acompanha ela assim, pra ensinar, ensinar ela muito
Matemática que ela não sabe, ela sabe mais as outras matérias, mas
Matemática ela é muito atrasada em Matemática. [...] Eu acho assim, se por
acaso enquanto ela tiver fazendo hemodiálise eu acho ótimo ela ficar
estudando na escola da hemodiálise né! Porque assim, como ela tá de difícil
andar, depois do transplante pra ela tá melhor. Aí eu vou observar como é
143
que ela vai viver, se ela vai voltar a andar, como é que vai ser ela. (mãe de
Laura)
Muito importante! Muito, muito, muito, mesmo. Muito. Porque ali, além de
interagir, além da informação, eles se sentem alunos. A verdade é essa - né!
- porque até então não está sendo, está sendo uma criança, está sendo um
paciente. Mas a vida escolar, o aluno fica para trás. (mãe de Daniel)
É muito importante sim! Tanto que esse ano agora, Carmen, ela se
desenvolveu muito mais no Braille do que o ano passado, no 1º semestre e
nos picados que foi no 2º semestre. Esse 1º ano aqui na escola (se referindo
a classe hospitalar), ela se desenvolveu muito mais no Braille do que o ano
passado, que ela ficou praticamente o ano todo. Então, eu acho bem
importante, principalmente porque ela não tá na escola. Então o único meio
dela estudar, dela saber das técnicas, porque eu posso até ensinar, mas eu
não sei as técnicas, eu mesmo não sei as técnicas, então pra mim é
complicado, então achei muito importante. Tanto que eu pego no pé, quando
ela quer dormir (na hemodiálise) eu já nem tenho deixado, pra ela aprender
realmente. [...] Porque a questão do aprendizado dela, do Braille, de
qualquer outra coisa que ela vê na escola, é uma coisa que ela vai levar pra
vida toda né, então... é mais do que uma contribuição né! (mãe de Carmen)
É bom né! - porque ele aprende, está aprendendo mais, que é melhor do que
não ir para o colégio. (mãe de Davi)
Contribui porque você vê que ele gosta de participar e ele se interessa em
participar. Só se ele estiver se sentindo mal para ele não querer fazer as
atividades. Acho muito importante, porque é uma forma de ele estar vivendo
essa parte da vida deles que está parada. Então, mesmo com conteúdo
reduzido, mesmo com poucos dias, é importante para a criança que tem
interesse, porque tem criança que não gosta de estudar. Então chega aqui, o
pouco tempo ele já se encosta, mas ele não. Ele sempre mostrou interesse
em participar, em fazer, então eu acho importante. [...] Mas o que tem
passado aqui na hemodiálise, o dia que tem, ele tem aproveitado. Porque a
leitura dele está... tem fluído direitinho. Agora a escrita é que por não estar
praticando, está bem deficiente. [...] Sim, porque traz bastante informação.
Bastante coisa, por exemplo: cultura, as datas... eles estão sempre ligados.
Coisa que se não tivesse a professora, a gente como família, ou até o
próprio sistema de saúde não ia estar preocupado com isso aí. Enquanto
que eles estão atentos a todas as datas comemorativas, então tudo isso é um
conjunto de informação que traz. (mãe de Adriano)
Sim, acho importante. E... ela ensina quase a mesma coisa que a gente
aprende na escola normal. Ela chega, dá bom-dia e depois fala que vai fazer
atividade. Ela faz (aula) de um em um. (Daniel)
Você, chegar num hospital, onde há necessidade diferente, atendimento
diferenciado. Por exemplo: Cirilo quando fala uma cor, fala uma letra, você
sabe a evolução. Porque quem estava aqui no início, e via que Cirilo quase
nem abria a boca para falar direito, e hoje ele tem uma sequência, a gente
vê como evolui e como é necessário, porque em casa ele não teria essa
chance. É onde ele mora, ele não tem essa chance de estudo. Então, isso
aqui é diferente, faz a diferença sim, na vida do paciente né! (mãe de
Daniel)
144
Às vezes, eh... por exemplo, tem pacientes que estudam e tem uma
dificuldade, né! Eu acho importante quando elas param para dar um reforço
melhor, dar atenção maior a aquele assunto, e até mesmo porque as
crianças começam a se identificar com essas professoras. [...] Só que ali a
gente tem ali várias classes de nível né! - tem um que não sabe ler de nada,
tem um que já sabe ler mais um pouquinho, tem um que se identifica com
uma atividade e outro já quer de outra. (mãe de Daniel)
Quando as mães expressam suas percepções dos atendimentos pedagógicos prestados
aos seus filhos nos momentos da hemodiálise, as suas falas transcendem os aspectos
relacionados à aprendizagem da leitura, escrita e conteúdos escolares por trazer consigo os
benefícios do trabalho da classe hospitalar, também relacionados ao desligamento das
crianças e adolescentes do que o tratamento hemodialítico lhes causa ao “desligarem-se da
máquina” e, principalmente, pela distração nas quatro horas a cada sessão. Estas ideias estão
representadas nas falas de Carmen e das mães de Adriano e Marcelina:
Acho, acho muito importante! Mais importante do que você pensa, porque
assim, as quatro horas e quando você tá estudando e quando você olha pra
máquina já faltam 10 minutos. Aí passa rápido e é muito importante
estudar... Então, é melhor que a gente estude na hora. [...] A aula no
hospital é legal assim...todas as aulas são legais, na escola no hospital, mas
também é legal lá no hospital. [...] Eu gosto muito das aulas da hemodiálise
e aí eu fico lá, esperar passar o tempo, eu esqueço tudo... e é bom por que
você estuda né! (Carmen)
Acho que eles ali ficam envolvidos, eles veem que ele está fazendo alguma
coisa e não ficam ali só presos à máquina no período de tratamento para ir
embora. É como se ele não estivesse participando de um momento da saúde.
Ele está participando de um momento escolar na vida dele, pelo menos
Adriano. Eu avalio Adriano! Nesse momento ele se esquece do lado que ele
está ali por causa de saúde e ele se prende à aulinha dele ali, e à
participação, ao conhecimento... Ele se desliga, enquanto no sábado que
não tem ele já reclama que está chato, que demorou, porque não teve esse
momento, esse período de aula. (mãe de Adriano)
Pra distrair. Que eu digo a ela: Marcelina, você faça, esqueça essa
máquina, não fique só pensando na máquina, você vai fazendo o dever, a
professora vai explicando, às vezes ler uma história, dá um deverzinho que é
que... É igual o seu da escola de lá, às vez aqui tá mais adiantado, que aqui
ela falou sobre Sete de setembro, falou sobre a páscoa, falou... E lá veio
falar depois, então você, quando você tá ouvindo aqui, quando chega lá,
você já sabe, então esqueça a máquina, porque eles só fica ligado na
máquina, só me pergunta: quantos minuto falta? E fica, só fica concentrado
só na máquina, já deita dizendo olha a hora aí, pra acabar logo, que assim
que sai é uma felicidade. (mãe de Marcelina)
A ideia máquina de hemodiálise representada nas falas das mães quando dizem
“esquecer da máquina” ou algo similar, apresenta uma dimensão subjetiva que parece estar
além da função que ela efetivamente exerce. Neste sentido, a máquina tem um caráter de
145
dualidade, por um lado ela representa a manutenção da vida no atrelamento à sobrevivência,
por outro, a máquina é algo que representa prisão, dependência, e sofrimento, ou seja, ela
representa a vida e a morte ao mesmo tempo.
A concepção em relação à máquina parece materializar a doença em um ente – a
máquina, daí o confronto entre o corpo da pessoa e a máquina enquanto “corpo”, da relação
entre a pessoa e a máquina de hemodiálise expressos nos conteúdos das falas quando as mães
e seus filhos dizem que querem se arrancar da máquina, que ficam presos à máquina, que
querem esquecer a máquina e etc.
Daí a associação das ocupações das crianças/adolescentes com as atividades da classe
hospitalar no momento da hemodiálise para “se desligarem da máquina”, que por sua vez,
quer dizer: não ficar ansioso para que às quatro horas de cada sessão passe logo e assim
efetivamente desconectarem-se da máquina após a finalização da sessão.
O envolvimento, a escuta ao que o aluno/paciente demanda a cada dia e a inserção do
professor no contexto da vivência com a doença que não se dissocia da sua prática
profissional por acompanhar periodicamente cada um a que atende, faz com que este
profissional também partilhe das condições vividas cotidianamente pelas crianças e
adolescentes estabelecendo uma relação mais próxima baseada no diálogo e na confiança a ele
depositados. Esta relação de abertura entre professor e aluno da classe hospitalar é observada
pelas mães de Laura e Marcelina que demonstram ver das seguintes formas:
Ajuda a conversar com ela né, conversar com ela, explicar a ela algumas
coisas. [...] E ela se abre mais com as professora do que comigo, assim
quando as professora conversa com ela, ela conversa melhor do que
comigo... assim, várias coisas assim elas ensina. [...] Então assim: a gente
tem igual se fosse uma família, a gente se apegou muito assim, então eu não
tenho o que reclamar não, só tenho que agradecer. (mãe de Laura)
Eu acho bom, ela conversa com ela, e ela fica ali escutando e mesmo que ela
só fique balançando a cabeça, não queira falar, que é, que ela num gosta de
conversar, tem vez que ela num gosta de conversar, tem vez que ela fica
calada, mas é bom, ela conhecer, ficar com outras pessoas assim, a
professora falar com ela, eu acho bom. Que aí ele fica ligada ali no que ela
ta falando e esquece um pouco aquela máquina que tá do lado direito, ela,
só concentrada ali, e saí um pouco da doença e vai entrar em outro assunto.
(mãe de Marcelina)
A classe hospitalar na mediação de situações que possibilitam a socialização, através
da interação do professor com os alunos/pacientes, também faz parte da percepção das mães
sobre este trabalho realizado no momento da hemodiálise:
146
A socialização deles, entendeu? O 'aprender a compartilhar', porque a
criança depara num momento desses em que a família não sabe lidar, então
tendem a ser crianças egoístas. Às vezes, não... eles chegam a ser meio que
travados, pelo menos o que a gente percebe. Eu tenho quatro anos aqui
dentro, então eu posso falar um pouquinho disso. Então quando chega a
aula que a professora ali, lida com todos de igual, compartilhando, então
são brincadeiras educativas. Por exemplo, a professora fazia muito aqueles
bingos com matemática, então havia uma equação (conta), em que deveriam
ser respondidos, e ali eles marcavam o “ponto”. Então é uma forma de
brincar jogando e compartilhando. Então assim, "fulano foi chamado para
transplante", na turma dos meninos, os meninos falam "puxa, que legal,
tomara que transplante", e já nas outras turmas falam assim, “por que não
eu?”, “Por que não eu?” Então a escola ajuda muito isso. E tem as
psicólogas? Tem. Mas eu acho que a professora, ela é até mais próxima do
que as psicólogas aqui dentro. Eu acho que a função não é só pedagógica
aqui dentro - né! - passa. Passa disso, porque as professoras escutam,
ouvem, querendo ou não, há uma maneira de envolvimento, não só
profissional, mas em todos os aspectos. Há sim um envolvimento muito
grande. E isso leva para casa, porque uma forma de compartilhar, já que
nesse momento eles se sentem mais fragilizados, mais carente. Então, não é
só na parte intelectual, é em todas as partes. Então vem o emocional, como
se lidar, o dividir, compartilhar, as questões que são levantadas, eu vejo
dessa forma, né! Eu creio que também vai por esse caminho. (mãe de
Daniel)
E tem a questão social também de né assim, de interagir também, como eu
falei, é só eu e ela aqui dentro de casa, o meu marido só chega de noite,
então assim o mundo pra ela, aí eu me preocupo muito com isso, porque o
mundo pra ela, sou eu! E quando eu morava em Itapetinga, tinha minhas
irmãs, tinha a prima, então eu não gosto assim, não quero que seja só eu,
entendeu? Porque ela vai crescer, ela vai ter que tá... se socializar com todo
mundo, ainda mais que ela vai por conta do problema visual dela. Então é
importante que ela tenha esse contato (com a classe hospitalar). (mãe de
Carmen)
Para as crianças, os adolescentes e as suas mães, a classe hospitalar tem como
referência a escola comum, pois a ideia de que a escola é trazida para dentro do ambiente
hospitalar é expressa nas falas de alguns deles pelas comparações que estabelecem,
reconhecendo suas diferenças ou semelhanças, mas sempre partindo do que cada um
experiencia ou experienciou em seus momentos escolares:
Acho importante estudar, tanto faz na escola quanto lá, lá na hemodiálise.
Porque ensina mais pouco, lá ensina mais, lá no colégio. (Valéria)
As aulas aqui são muito diferentes, porque no Piedade (escola que estudava
antes) a gente tava ainda no começo. A gente já passou disso já faz tempo e
ainda não aprendia os números, nem o Braille. Eu só tava nas letras, no
formato das letras e não saia mais dali. E a pró Michele também, a minha
professora, ela me ensinava alguns pontos, mas não era todo dia. (Carmen)
147
A mãe de Daniel traz situações vividas pelo seu filho e observadas por ela do trabalho
da professora com os alunos/pacientes neste contexto partindo da referência que tem na escola
comum:
Eu acho que a relação do paciente-aluno com a professora na... na classe
daqui, do hospital, é diferente do que da sala de aula numa escola normal,
comum. Eu acho assim, que até mesmo... porque lá, eles... eles estão
acostumadas a repartir uma professora com mais alunos. Eles repartem
uma professora com vinte, vinte e cinco alunos numa sala. Já no hospital, é
uma professora com menos pacientes-alunos, mas que eles, eu acho que eles
cobram demais a atenção né, a dizer pelo meu (filho) também que até se
enciúma da questão, eu acho que ele fica contando até os minutos de quem
dá atenção mais a cada um. Eu não tenho o que falar, dizer assim, “ah,
escolheu mais para um paciente-aluno do que para o outro”, não existe isso.
Eu acho que sempre a atenção, tudo, sempre foi voltado de igual para igual.
[...] E eu sei que eles também ficam mais exigentes, eles exigem muito mais
do que em uma aula normal, que ele sabe ali que ele tem aquele tempo, está
contado, que a professora é de todos, a atenção para todos, é uma maneira,
é uma visão diferente. É uma visão diferente, e eles quando não conseguem
realmente pegar no ponto fraco, eles são terríveis, não são coitadinhos! [...]
Então ele (se referindo a Daniel) gosta de aulas no hospital, somente aulas
informatizadas, tipo tablet, tipo notebook. Então isso para ele é o máximo de
atividade, porque ele, na escola, é uma tradição, ele tem que encarar com o
que é habitual. (mãe de Daniel)
5.3.2 Relação Classe Hospitalar X aluno/paciente X família X escola comum
O trabalho da classe hospitalar envolve não somente os alunos, mas também a família
e a escola como mostram os depoimentos das crianças, adolescentes e suas mães nas falas que
apresentam a continuidade em casa e o compromisso do aluno/paciente com o que estuda no
hospital, coma professora, através da ajuda e incentivo da família, e também no que a escola
comum entende, espera e articula junto ao trabalho da classe hospitalar.
A continuidade do trabalho da classe hospitalar em casa foi demonstrado nas falas das
mães quando trouxeram que em casa os filhos comentam sobre alguma coisa que lhes chamou
a atenção na aula que teve no momento da hemodiálise, quando sentem curiosidade, em
algum assunto estudado e pesquisam mais em casa sobre o tema e quando levam atividades
para fazer em casa, demonstrando o interesse e o compromisso, enquanto aluno da classe
hospitalar como podemos perceber a seguir:
Às vezes conversa sobre as aulas, por exemplo, quando é algum assunto que
ele gosta, ele vai lá e procura um livro que ele tem e fala: “Olha, a
professora falou disso aqui, de ciências”, porque ele sempre gostou de
ciências. Aquelas coisas de experiências, de germinação ou alguma coisa,
então ele vai lá no livro e vai lá olhar o que ela comentou aqui e o que está
148
lá no livro. Ele tem essa curiosidade. Às vezes ele leva alguma pesquisa de
alguma coisa pra fazer em casa. (mãe de Adriano)
Mas elas (as professoras da classe hospitalar) passam atividade a ela pra
fazer em casa e ela faz direitinho, traz e amostra. Ela tem responsabilidade,
ainda ontem mesmo ela levou uma, fez, tá lá, aí, vai levando outra hoje, pra
fazer, trazer quinta e entregar. Ela faz direitinho, traz e entrega. Aí ela
levou, fez, faz tudo direitinho e traz, o que ela não sabe às vez ela chega aí e
pergunta, mas ela traz. (mãe de Valéria)
Conversa, não só conversa como ela pratica o que é dado lá. É, porque ela
chega mesmo e tem dia que eu nem falo nada, aí ela vai lá, ela pega lá
sozinha, aí tem dia que ela fala: mãe, que letra é essa? Aí eu ajudo, ou então
ela pega o alfabeto e vai pro quarto, ou então ela fala: mãe, eu vou no
Dosvox, ela já vai logo pro texto, pra escrever, pra procurar as palavras, aí
tem coisas que ela... ontem o que foi que ela me disse... aí, foi uma palavra
que ela disse que começava com cidade, ela: Mãe, soletra pra mim, cidade!
Eu falei i! Você não sabe? Eu sei, mas soletra você, aí eu: C I, aí ela: não
mãe! É S I. Então assim, essas coisas ela vai me falando, então assim, essas
coisas a gente vai dando sempre continuidade ao que ela vê na escola (se
referindo a classe hospitalar). (mãe de Carmen)
Ela fala, ô mainha, a professora passou tal tarefa pra mim. Ela se preocupa
com as tarefa! Agora mesmo, tá levando pra casa, ela tá trazendo tudo
respondido. E quando chega em casa, ela toma banho, almoça, aí antes ela
ia dormir, aí agora ela vai direto fazendo a tarefa, tem hora que ela quer
que eu faço, eu peço a ela que é pra fazer, mas quer que eu faça a tarefa
naquela hora. Às vezes eu aproveito, quando é uma tarefa fácil. (mãe de
Laura)
Por exemplo, quando faz atividade para casa, que você tende a cobrar,
"Fulano, você já fez?" ou ele tem interesse daquele assunto... Se ele tem
interesse daquilo ali, ele rapidinho responde, ele busca lá, ele faz a
pesquisa. Ele faz. Se for uma coisa que ele ache, porque, na cabecinha dele
ele acha assim, "esse assunto é para pequenininho", "esse aqui eu já
passei", "esse aqui eu já sei". (mãe de Daniel)
Estes podem ser também momentos possíveis destas pessoas desligarem-se um pouco
das questões relacionadas à doença e, no caso das crianças e adolescentes, de se ocuparem um
pouco com estes tipos de atividades, pois estes relatos se referem àqueles que não frequentam
escola comum.
Remetendo-se novamente ao que experimentam ou experimentaram da escola comum,
algumas mães entrevistadas, falaram da relação entre a classe hospitalar e a escola comum, no
que sabem e esperam do trabalho da classe, sendo possível ouvir vários tipos de situações
vividas por cada um no seu contexto específico, como se pode observar nas falas das mães de
Marcelina, Daniel e Valéria:
Eu disse a ela. Ela disse, é bom Mãe, que assim ela num esquece, e ela,
como ela gosta de ler e escrever, ela é uma menina inteligente, ela gosta de
149
ler e escrever e gosta dos livro, aí então é bom, ela num tá só pensando ali,
entrar dentro do hospital, fazer o tratamento, ficar só ligado ali no
tratamento, só ali, falando na doença, na doença, é bom conhecer outras, é
ouvir outras palavras, ouvir uma conversa, ouvir uma história, um assunto
de escola, falar de, da escola, de outras coisa, que não venha falar da
doença ali. (mãe de Marcelina)
Era informado. A gente sempre fala, fala assim, quando você vai matricular,
você fala... “tem uma professora que passa...”, tanto que às vezes... eh... em
alguma dificuldade que tem lá, pelo tempo ser curto, porque ele começou
estudando à tarde. Então ele ia segunda-feira à tarde, terça-feira de manhã
é a hemodiálise. E, conforme ele viesse o tratamento, como respondesse,
então à tarde ele ia para a aula. Então, muitas das vezes, a pró do hospital
auxiliava aquele assunto de segunda-feira. Às vezes, até mesmo dava um
reforço numa questão de prova, mas a outra estava ciente. Às vezes, até a
professora falava assim, “ó, vê se a professora do hospital dá para
trabalhar um pouquinho também, disso daqui.” (mãe de Daniel)
A gente diz isso a ela. Eu até que levei é a atividade dela lá (na escola
comum). Ela disse: você pega a atividade dela se ela não fazer, aí você leva
pra professora de lá do tratamento dela, aí manda ensinar ela a fazer que dá
pra ela fazer e traz de volta que eu olho. Ai sempre ela dá as atividades
dela, mandar daqui ensinar a ela. (mãe de Valéria)
Os casos de Davi e Adriano se mostraram de maneira complexas, a partir do que as
mães apresentaram nestes dois relatos:
Não, nunca comentaram nada. (mãe de Davi)
Não sei se a professora sabe da escola daqui da hemodiálise, porque não dá
tempo de perguntar nada, nem comentar nada. Nada. Só levava, porque eu
levava até a sala, aí depois, antes de terminar, dez minutos antes do sinal
bater eu ia pegar, por conta da correria dos meninos para não bater, para
não... então eu pegava ele um pouquinho antes. Já tinha sido liberado pela
diretora de eu chegar e entrar. As mães ficavam lá fora esperando os
meninos e eu chegava e ia lá buscar. O sinal bateu, eu já estava lá na
esquina. Então não dava tempo porque ela estava sempre ali na correria,
na gritaria. (mãe de Adriano)
As trajetórias escolares de Davi e Adriano foram apresentadas pelas suas respectivas
mães e de, maneira geral, pode-se dizer que no caso de Davi, há um convívio desde muito
cedo com a doença, e a escolarização do menino nunca foi concebida de maneira muito séria
pela família dele, já no caso de Adriano, apesar da Síndrome de Down, o menino desde muito
pequeno teve um bom acompanhamento escolar, mas quando a doença apareceu em sua vida,
houve uma mudança significativa no seu processo de escolarização, pois a escola em que o
mesmo teve a oportunidade de matricular-se, não atendeu a nenhuma das expectativas da mãe
e das necessidades do aluno.
150
No caso de ambos, é possível notar que a partir destes dois últimos relatos
apresentados, que a escola não demonstra interesse em partilhar da vida escolar dos alunos e a
complexidade destas falas nos aponta para muitas problemáticas que, infelizmente,
contribuem na ruptura e fragmentação do que estes alunos poderiam aprender e construir se a
realidade não fosse de tal forma.
Carmen sua mãe e a mãe de Daniel avaliam o trabalho da classe hospitalar, a partir do
que conhecem no contexto em que estão inseridas. Ambas, falam das possibilidades e de
como poderia ser para melhorar o atendimento da classe hospitalar no momento em que os
meninos e meninas estão realizando hemodiálise:
Eu acho que sim, eu acho, falta de um... do governo realmente manter da
maneira mais adequada o atendimento, a assistência, com o material, de
outras coisas. É porque material, porque é dar mais atividades. Porque não
é uma aula normal - né! - e uma professora, dividindo a atenção com quatro
ou cinco numa máquina, ou com todo o resto do hospital, porque tem
crianças internadas que têm que ter assistência nas enfermarias. (mãe de
Daniel)
Carmem e sua mãe avaliam a impossibilidade de mudanças na estrutura dos
atendimentos da classe hospitalar em adequar as aulas ao tempo dispensado em meio às
demandas do próprio processo hemodialítico:
A gente não pode fazer nada. Porque a hemodiálise só são quatro horas e se
a gente quisesse melhorar, a diálise tinha que ser mais tempo. Então a gente
não dá pra melhorar nada. (Carmen)
Assim, eu acho que não dá pra fazer muito mais do que já é feito, porque
tem as horas que são poucas e os dias que também são poucos, né... e tem
dia que ela tá bem, e tem dia que ela num tá. Então assim, em relação ao
sono eu posso pegar no pé, porque o sono é uma coisa que a gente não
pode... é dizer: eu não vou estudar porque eu tô com sono. E às vezes tem
aquela questão de não tá passando bem e você acaba perdendo mais tempo
com isso. Então eu não sei assim, acho que o tempo que é dado, é pouco,
mas que em virtude é isso né.. só são 4 horas, são só 3 vezes na semana né...
acho que não dá pra ir muito além do que isso né.. então que o que tá dando
tá sendo suficiente, mas assim eu tô vendo muitos avanços com ela em
relação ao Braille, apesar do tempo pouco que na escola fica o quê... são 6
horas? (fala minha: são 4 horas) Mas são todos os dias! São 4? São todos
os dias né! E lá não pode ser as quatro inteiras né, tem que ligar, tem que
desligar, tem o curativo, tem o café né, tem hora que não tá legal que a
pressão baixa, você para e muitas vezes a criança não tá disposta e já
naquela situação você né! Diferente de “cê” tá numa escola, você falar
assim: não tem que estudar, você tá aqui né, diferente! (mãe de Carmen)
Neste capítulo foi apresentado o conteúdo de nossas conversas, tanto com as falas dos
meninos e meninas que têm a doença renal e que trouxeram as experiências com a doença e a
151
hemodiálise, quanto com suas mães por estarem vivenciando juntamente com eles este
processo que como foi descrito aqui, marcado pelo sofrimento e por reconstruções de suas
trajetórias existenciais. No próximo capítulo, estão apresentados apenas o que as crianças e
adolescentes expressaram, a partir de recursos usados para acessá-los a fim de investigar o
que se pretendia, mas que também carrega consigo os sentimentos e as experiências da
convivência com a doença renal e a hemodiálise.
152
6 APRESENTAÇÃO DAS DINÂMICAS COM AS CRIANÇAS/ADOLESCENTES
É que ninguém caminha sem aprender a caminhar, sem aprender a fazer o caminho
caminhando, sem aprender a refazer, a retocar o sonho por causa do qual a gente
se pôs a caminhar. (FREIRE, 1992, p. 79)
Na conversa com as crianças e adolescentes que colaboraram com este estudo,
utilizamos algumas dinâmicas que possibilitaram maior participação na interação que foi
possível, a partir desta mediação ao que cada um pode expressar das circunstâncias vividas no
contexto da IRC e da hemodiálise buscando pensar no que puderam trazer dos temas doença
crônica e escolarização.
Nossas entrevistas foram divididas em duas partes: A primeira parte foi mediada,
através de quatro gravuras (ANEXO 1) que foram colocadas com o objetivo de ilustrar o que
se pretendia saber sobre determinado aspecto; a segunda parte aconteceu na utilização do
jogo: Baralho das Emoções e da proposta do desenho.
Nem todas estas estratégias foram usadas com todos os participantes. Com Carmen,
por causa da deficiência visual não fizemos o desenho, substituindo-o pelo seu depoimento, a
partir da sua perspectiva de futuro e de como seria se ela fosse escrever um livro contando
sobre a sua vida, com Marcelina não foi possível fazer o Baralho das Emoções, porque ela
não mais precisou fazer hemodiálise, pois o rim retomou a sua função e perdemos o contato
no hospital, e com Davi, também não foi possível fazer o desenho e nem o jogo, porque ele
passou a fazer diálise peritoneal em sua residência e não conseguimos nos contactar para
marcarmos outro encontro além dos que tivemos.
Do que foi possível utilizar nos relatos das crianças e adolescentes na primeira parte da
entrevista, através da mediação com as gravuras inserimos no capítulo anterior juntamente
com as falas das mães, pois o que se pretendia saber foi perguntado tanto para as crianças e
adolescentes quanto para as mães, com o objetivo de entender, de maneira geral, o que
pensam a respeito do que se pretendeu investigar. Neste sentido, o que ficou bastante evidente
foi o fato de que a doença aparece de maneira bem mais forte na fala das mães do que nas
expressões das crianças e adolescentes.
6.1 ACESSANDO OS SENTIMENTOS
Com a utilização do Baralho das Emoções para possibilitar a abertura ao que as
crianças/adolescentes tinham a dizer, foram mostradas, primeiro, as cartas referentes aos
153
sentimentos para cada sexo, ou seja, se a entrevista estava sendo realizada com menino,
usávamos as cartas com os bonequinhos, se com as meninas, usávamos as cartas com as
bonequinhas. Das vinte cartas com os sentimentos, os participantes podiam selecionar quantas
quisessem. No geral, os dois meninos selecionaram menos cartas do que as meninas, sendo
sete de Adriano e nove de Daniel. Com as meninas, Carmen selecionou 19 cartas e Laura e
Valéria selecionaram 11 cartas cada uma delas. Após a escolha das cartas pelo participante,
eu recolhia todas, retirava as que ele/ela não selecionou e a partir das cartas selecionadas,
íamos conversando para que ele/ela dissesse o motivo pelo qual escolheu determinada carta.
No momento das conversas, inicialmente, as crianças falavam sem serem muito
interrogadas e sempre dentro de um contexto, eram inseridas as perguntas sobre a doença e
sobre a escola. Interessante notar que nem todos os sentimentos ruins (medo, tristeza,
angústia, etc.) estavam sempre associados à doença como veremos adiante. Esta foi uma
grande surpresa, pois, como disse, a doença ganhou destaque nas conversas com as mães e já
com as crianças/adolescentes. Houve espaço para falar de sentimentos relacionados a outros
assuntos, tais como: medo do escuro e de barata, briga com o colega, decepção quando um
desenho preferido e esperado não passa na televisão, dentre outros sentimentos que parecem
ser normais às crianças.
O Baralho das Emoções é composto por vinte sentimentos, além de uma carta com o
desenho de um termômetro, sendo todos representados tanto por desenhos de bonequinhos de
meninas, quanto de meninos, no total, somam-se quarenta cartas. Os sentimentos são: feliz,
amoroso, esperançoso, tranquilo, orgulhoso, amedrontado, decepcionado, desesperado,
confuso, saudoso, solitário, preocupado, cansado, ansioso, triste, culpado, desconfiado,
envergonhado, estressado e irritado. Em um panorama geral, temos: a única carta não
selecionada por nenhum dos participantes foi solitário(a) e as cartas selecionadas por
todos(as) participantes foram quatro (amoroso(a), tranquilo(a), esperançoso(a) e feliz).
Para a elucidação do que emergiu dos sentimentos expressos pelas crianças e
adolescentes, foi feito o agrupamento das emoções que se aproximavam no sentido de
possibilitar uma melhor organização no que está aqui apresentado, além de facilitar a
compreensão destes sentimentos trazidos pelas crianças e adolescentes.
Feliz, tranquilo, esperançoso, amoroso
Todos os cinco meninos e meninas selecionaram estas cartas que, apesar do
sofrimento que os mesmos vivenciam por causa da doença, nenhuma carta que represente
154
sentimentos negativos foi selecionada por todos, apenas por uns ou por outros participantes.
Quando lhes foi perguntado o motivo por ter selecionado estas cartas, eles responderam:
Eu sou feliz porque sim! Não tenho motivo assim pra “mim” ser triste, não
tem nenhum não! (Carmen)
O que me deixa feliz é porque eu tô bem. Por ter meus irmãos e meus pais.
Eu gosto de desenhar, estudar de brincar. Eu gosto de ir pro mercadão,
comer bolo. (Valéria)
Quando eu tô passando por alguma coisa, aí eu oro e fico bom. Aí eu fico
feliz. (Daniel)
(Tranquilo) Com tudo. (Daniel)
Com minhas irmãs eu fico tranquila, com minha mãe... (Laura)
Eu sou tranquila porque sim! Não tem nada pra acontecer. Em relação a
tudo eu sou tranquila. É tudo assim, eu fico tranquila em casa, tranquila na
rua, em tudo. Aqui no hospital, um pouco. (Carmem)
(Tranquila) De vez em quando eu fico assim. Quando eu tô mais meus
irmãos, brincando, desenhando. Ontem professora, nós fizemos... meu irmão
desenhou, ele vai ser desenhista, ele tem os “zói” meio correndo assim. Aí,
ele fez.. ele também é estressado que só! Se ele não conseguir fazer uma
coisa, ele se reta. Ele fez uma bandeira do Brasil, não sei porque ele fez. Aí
eu disse, menino, como é grande, vamos pintar nós tudo. Aí nós pintemos.
Ficou linda, aí ele colou lá no quarto dele. Um bocado de desenho lá. É
quando eu tô brincando eu fico tranquila, aí eu esqueço. (Valéria)
Tenho esperança! Milagre... Acho que você sabe! Chuta! Milagre de voltar
o rim. (Carmen)
Ao transplante. Muito esperançoso. (Daniel)
Eu tenho fé que eu vou transplantar. Só! (Laura)
Esperança! Eu tenho esperança que eu vou ter a minha saúde de volta. E
ficar bem, poder brincar, retirar o cateter, sair da hemodiálise. (Valéria)
Em relação à carta “amoroso”, todos selecionaram e disseram que são amorosos,
especialmente, com a família e com os que mantém uma relação próxima no hospital:
Eu amo meu pai, minha mãe, meu irmão. (Daniel)
Com você, as meninas (as técnicas de enfermagem), Valéria. Algumas
pessoas que eu não gosto. Porque tem umas que é metida e não fala.
Mamãe, mesmo ela nervosa eu sou também. (Laura)
Com as pessoas, com algumas pessoas: com meus irmãos, com meus pais,
com meus avós e só. (Valéria)
155
Com todo mundo (Adriano)
Com a minha família. (Carmen)
Orgulhoso e saudoso
Carmen selecionou a carta “orgulhosa” e justificou a escolha incluindo a professora da
classe hospitalar por estar próxima dela e pelo que tem ensinado nos momentos da
hemodiálise:
De tudo! Ah, tem uma coisa, posso falar também da professora, porque
assim, me ensina tudo, tô há um ano nessa pra estudar, pra aprender tudo,
porque me ensina também. Tenho orgulho de outras pessoas, mas vai
demorar! (Carmen)
Em relação à carta “saudoso”, Laura e Valéria foram as únicas que se referiram a elas,
apesar de não entender, a princípio o que significava a expressão “saudoso”, sendo necessário
explicar e exemplificar para que elas se identificassem e falassem da época que não tinham
que conviver com a doença renal:
Antes eu brincava. Antes eu brincava de correr, estudava, bebia muita água,
comia tudo e agora eu não posso mais. (Laura)
Eu fico mesmo! Da época que eu era bebezinha. Lembro como era antes:
era bom, podia beber água, podia correr. Eu sinto mais falta de quando eu
era saudável. Eu só tomava remédio de verme e vitamina. (Valéria)
Estressado, irritado, preocupado, ansioso
As situações do dia a dia vividas são trazidas nas falas das crianças/adolescentes para
justificar a escolha das cartas “estressado” e irritado”:
Alguma coisa que me irrita... Faz tempo, lá em Barramares, onde eu
morava, tinha um homem, ele sabia que eu tinha medo de cachorro e ficava
me irritando. Teve um dia, que eu falei, ó, eu não aguento mais não. Eu vou
pegar a sandália e vou te bater. (Carmen)
O trânsito me deixa estressado. Quando está engarrafamento da BR pra
poder chegar aqui. (Daniel)
Quando eu tô assistindo, aí meus irmãos ficam fazendo zuada, aí isso me
deixa estressada. É quando eu quero fazer alguma coisa e não consigo.
Como eu quero fazer um desenho e não consigo, aí eu fico estressada. Eu
fico estressada quando é pra acordar 1 hora da manhã, aí tem vez que eu
acordo chorando, aí tem vez que eu acordo com uma cara ruim pra ir pro
banheiro escovar os dentes. Ontem, hoje mesmo, hoje mesmo eu levante com
uma cara ruim. Mamãe também tem vez que levanta com uma cara ruim.
Também quando eu vou fazer um dever que não consigo fazer em casa, aí eu
fico estressada. Em Janeiro eu vou voltar a estudar! (fala com alegria).
(Valéria)
156
Quando alguém fica fazendo, fica falando coisa de baboseira eu fico
irritado! A pessoa falar, ó teve um amigo meu que falou assim: fica falando
coisa que não existe, aí fica atestando coisa que não existe. (Daniel)
Às vezes eu fico nervosa, porque eu tenho raiva, porque eu não gosto de
ficar internada. Aí eu fico nervosa e estressada. A semana passada, eu quase
fico internada porque não funcionou, aí no outro dia, a médica mandou vim
no outro dia, aí concertou e internou. (Laura)
Carmen e Laura escolheram a carta “Ansiosa” para expressar o desejo que sentem e
relação a:
Tudo. Um dia quando minha mãe vai comprar uma coisa, uma casa, uma
coisa... me deixa ansiosa. E sobre tratamento sim e não. Nada, nada... Eu já
falei, que é no tempo de Deus. Eu não tenho que ficar! Se ele quiser.
(Carmen)
Transplantar. Transplantar, ficar livre, ficar feliz com as minhas irmãs, mãe
e pronto. (Laura)
Amedrontado, desesperado e triste
Estas cartas foram selecionadas apenas pelas meninas que trouxeram seus sentimentos
negativos em relação, especialmente, à doença apesar de expressarem situações do dia a dia
que lhes causam medo, tristeza ou desespero:
Medo de tudo, de tudo assim, de tudo que dá medo. Medo de negativar17
,
ah... Medo de tudo. (Carmen)
Eu vejo todo mundo morrendo, aí eu fico com medo. Valéria mesmo
transplantou aí não deu certo. Eu fico com medo de transplantar e não dar
certo. [...] O meu pai tá vindo. Aí minha mãe vai ficar uns dias lá no
interior, aí vai ficar eu e minha irmã. Ela só vai levar a minha outra irmã.
Me dá vontade de viajar e eu não posso. Aí eu fico triste. (Laura)
Medo de noite, medo de noite quando eu durmo, aí eu fico imaginando
coisa. Quando eu vejo umas pisada, eu me embrulho todinha. Quando meus
irmãos levanta para ir no banheiro, ‘ôxi’, eu tomo choque, me embrulho
todinha. E de fazer o transplante. De tomar furada. (Valéria)
As baratas me deixam desesperadas. Teve um dia que eu e minha mãe viu
uma barata e a gente pulou pra dentro do quarto.(Carmen)
Às vezes eu venho pra cá aí eu fico triste porque eu fico com medo do meu
cateter não funcionar, aí eu fico triste, aí eu fico preocupada. Quando eu
ligo, eu fico nervosa de não funcionar, aí eu fico nervosa. Se não fazer
17 Negativar na máquina de hemodiálise é quando a fístula ou o cateter está dando fluxo sanguíneo menor ou maior do que o
considerado adequado para realizar a filtração na diálise do paciente. No caso do cateter (comum em crianças), quando fica
negativando o paciente se sente muito incomodado porque o profissional de saúde (enfermagem ou equipe médica) além de
tentar reposicionar o cateter para normalizar, pode pedir ao paciente que se movimente o mínimo possível para manter este
cateter na posição colocada. Quando há problemas em relação a isto, a hemodiálise pode ser prejudicada e o médico orienta
que o paciente retorne no dia seguinte para fazer uma sessão a mais de hemodiálise naquela semana.
157
hemodiálise aí morre, porque o pulmão incha e não aguenta aí eu fico
preocupada. (Laura)
Com o transplante. Que esse daí não deu certo e eu fico preocupada de fazer
outro. Eu fico com medo, mas eu quero fazer outro. Eu fico com medo
porque eu fiquei entubada. [...] Pra sair logo da hemodiálise, poder beber
água, brincar estudar. (Valéria)
Culpado, confuso, decepcionado
Todos estes sentimentos estão relacionados a situações cotidianas vividas por estas
crianças/adolescentes, nenhum deles trouxe sentimento de culpa (quando, por exemplo, come
alguma coisa que não pode e passa mal), confusão ou decepção em relação à doença:
(decepcionada) Às vezes alguém me dá uma notícia boa ou uma notícia ruim
em relação a tudo. (Carmen)
(decepcionada) Quando eu penso que vai passar um desenho, quando não
passa. Aqui, é quando o almoço demora. (Valéria)
Às vezes tô com a cabeça em outro lugar e tô fazendo outra coisa! Minha
mãe às vezes fica confusa, então eu também sou confusa. Eu tô andando, tô
com a cabeça em outro mundo, aí eu tropeço. (Carmen)
(Culpado) Quando eu bato numa pessoa. Só isso! (Daniel)
Eu me sinto culpada por uma coisa que eu fiz sem querer. Hoje mesmo, de
manhã, eu e minha mãe tava jogando o joguinho, aí eu peguei, não era pra
comprar o terreno naquele lado, aí eu fui lá e comprei, aí ela falou assim:
ah, não era pra comprar desse lado, aí eu falei desculpa! (Carmen)
Desconfiado, envergonhado
Carmen e Daniel exemplificam, a partir do que pensam ou experienciaram quando se
sentem desconfiados e envergonhados:
Eu fico observando tudo. Eu não aceito nada de ninguém da rua. Eu sou
desconfiada, isso aí eu sou mais, eu sou muito desconfiada. Aí né, quando eu
dialisava lá em Ilhéus, a doutora da clínica disse assim: toma aqui um
sonho de valsa. Aí eu não posso que tem amendoim. Aí eu, mas aí eu não
posso! Aí ela disse: ah Carmen, eu sou sua médica! Mas eu sei muito mais
que você tá! Ela ficou impressionada, a médica. (Carmen)
(desconfiado) Risos... Quando alguém chega estranha aqui e fala com outra
pessoa... tem alguma coisa lá! (Daniel)
Por causa que eu tenho vergonha de falar em público. Na igreja é um
pouquinho só. (Daniel)
158
Cansado
A carta que ilustra e remete a situação de cansaço foi selecionada por um dos meninos
e por todas as meninas:
Um pouquinho, às vezes. Uma vez por dia. Umas 3 horas. (Adriano)
Depois da diálise. A diálise e os dois (fazer hemodiálise, acordar cedo e me
transportar de casa para o hospital). Quando chego cansada eu deito. Tem
vez que eu nem deito, de tarde eu não deito e tem vez que eu deito meia
noite. Eu não tenho sono e também fico assistindo, aí não dá sono. (Carmen)
Quando eu saio daqui da hemodiálise eu fico cansada. Chego com vontade
de dormir. às vezes eu chego 1 hora, aí lá em casa eu vou de ônibus.
Quando eu subo a ladeira eu fico cansada, quando eu desço eu fico
cansada, aí eu não tô com a cadeira mais não. Saio daqui, vou pro ponto, às
vezes eu sento, ás vezes não. Ônibus cheio, às vezes vou em pé, aí eu fico
cansada. O ponto fica um pouquinho longe, aí eu vou andando, aí eu subo
escada. E quando eu chego em casa eu deito, almoço e vou dormir. (Laura)
Quando eu chego em casa daqui da hemodiálise eu chego cansada
estressada. Quando eu chego, aí eu tomo banho, tomo café e aí eu vou
dormir. Eu acordo cedo por causa dos meus irmãos quando vai pra escola
Alisson Vitor, Aladim e Graciano quando vai pra escola acorda na pior
zuada. 6:20h eles vai pra escola na maior zuada, aí não deixa ninguém
dormir. Por causa da viagem eu canso. Hoje mesmo nós não sabe que horas
vai chegar em casa, porque tem uma mulher que traz um menino pra tomar
sangue e sai 6 horas, que sangue demora, aí gasta 4 horas e a gente vai
chegar umas 10 horas lá, aí mamãe tá brigando lá pra dar o carro pequeno.
Mamãe disse se não dar o carro pequeno ela vai botar na justiça. O carro
pequeno sai cedo, só pega nós e outra pessoa, mas a pessoa sai cedo, aí nós
chega em casa 3 horas. (Valéria)
Essas situações expressas se dão pelo esforço diário de cada um, em manter-se no
tratamento, pois como foram colocadas várias vezes nas falas apresentadas no capítulo
anterior, o deslocamento até o hospital durante três vezes por semana, além do desgaste do
próprio processo hemodialítico, causam muito cansaço no paciente e consequentemente no
acompanhante que acorda muito cedo também.
6.2 PERSPECTIVAS DE FUTURO
Ouvindo os meninos e meninas em nossas conversas, foi perguntado a eles em relação
as suas perspectivas de futuro, o que desejam ser e como pretendiam alcançar tal objetivo. A
partir disto, cada um fez o seu desenho que pudesse representá-los no futuro, escrevendo a
profissão que pretendiam ter quando fossem adultos.
Foi possível produzir junto aos participantes, cinco desenhos que eles fizeram
atendendo ao pedido de que pensassem neles no futuro e escrevessem o nome da profissão
159
que teriam. Com Davi, não tivemos outro encontro e por isso não fizemos o desenho, trazendo
aqui nesta parte do texto apenas o seu relato em que diz como seria e o que teria no livro da
história da sua vida, e com Carmen, em função de sua deficiência visual, também não foi feito
o desenho, mas a mesma diz qual a profissão escolhida e como será no futuro, além de trazer
o relato de como será o livro da história de sua vida.
É interessante destacar que com este recurso foi possível não só perceber que todas as
crianças/adolescentes desejam ter uma profissão no futuro, mas também de destacar um dado
importante que, três dos participantes expressaram que pretendiam ser médicos no futuro,
enquanto que as outras profissões como cantor, artista, professor e jogador de futebol não se
repetiram. É muito do que eles vivem e do que percebem da importância do médico para a
vida deles, sendo este um dos motivos pelos quais esta profissão se destacou.
Carmen e Davi
Com oito e doze anos, ambos gostam muito de ouvir e recontar histórias infantis. A
proposta de pensar e elaborar uma história sobre sua vida foi feita por eles tendo como
referência seus sentimentos e preferências. No caso de Carmen, que diz não pretender colocar
desenhos, a sua história será escrita a partir do que viveu e por não saber o que vai acontecer
no futuro com ela, incluirá vários personagens pelos quais têm gratidão, já no caso de Davi,
sua história será iniciada com um desenho e marcada por sua trajetória desde quando
descobriu a doença e vivenciou a hemodiálise marcada pelas amizades construídas neste
período, pois atualmente realiza diálise peritoneal:
O título seria: A história da minha vida. Porque é uma história da minha
vida. Então eu colocaria vários personagens... eu colocaria a minha tia que
me ajudou, a minha mãe, todos que estão perto de mim né: minha tia, meu
pai, meu padrasto, todo mundo eu colocaria, até né... e eu faria uma
história, uma história com um livro bem grande, é... com um livro da vida,
que vai ser o título: Livro da vida e fazer tudo, assim, colocar tudo o que eu
passei desde que eu nasci pra cá na história...Não pretendo pôr desenho, só
escrever. [...] Não, do que aconteceu assim, se eu fazer uma história do meu
futuro, e se não acontecer? Aí, porque eu não sei o dia de amanhã. Ficaria
sim, mas eu não sei. (Carmen)
Eu colocaria um desenho com um rim, um boneco com um rim e as pessoas
fazendo cirurgia pra ver como é que o rim age, umas pessoas fazendo
hemodiálise, eu ia botar... Eu sou Davi, eu nasci, veio descobrir com 5
anos... com 3 anos, aí a doutora internou pra fazer cirurgia para botar um
cateter na hemodinâmica, aí botou o cateter e foi pra hemodiálise. Lá na
hemodiálise ele fez uns amigos, aí, eles brincaram, brincaram muito. E,
quando saiu da hemodiálise ele foi pra casa dormir, porque tava bem
debilitado, aí ele foi pra casa dormiu, descansou, aí acordou e foi ver, foi lá
ficar com mãe dele e viveram felizes para sempre. E acabou! (Davi)
160
Apesar de ter afirmado que não sabe o que acontecerá no seu futuro, Carmen diz que a
sua profissão será médica para continuar sendo feliz:
Oh, daqui há 10 anos, eu pretendo ser médica, eu pretendo me forma em
faculdade médica e pretendo ser como agora, como agora. Agora, eu
pretendo ser como agora... feliz ... Se formando, ganhando dinheiro e só.. e
sendo feliz né. (Carmen)
Marcelina
Assim como Laura, pretende ser médica e também não falou como fará para conseguir
realizar o desejo da profissão que escolheu. A menina se expressou, oralmente, muito pouco
durante a única conversa que tivemos e em outro encontro apenas fez o desenho enquanto
aguardava no hospital para realizar um exame.
Imagem 11 – Marcelina quando for médica atendendo um paciente.
Fonte: Marcelina
Daniel
O seu relato expressa seus sentimentos ao momento em que vive e traz a perspectiva
de futuro que para ele só será possível depois de um transplante renal. A partir daí, o que,
atualmente, o incomoda será resolvido, podendo, então, ir em busca de sua formação
enquanto cantor da forma como ele expressa em seu relato:
Não fico triste porque não estou na escola, não. Eu quero ficar bom logo.
Fazendo o transplante... Aí crescer, ficar normal, aí eu vou poder ir para a
escola normal, todo dia, vou poder acordar a hora que eu quiser não viajar
mais. [...] Vou ser cantor, eu vou para a faculdade de música. Eu gosto... eu
quero ir lá para São Paulo. Vou me especializar lá nos negócios, tocar
161
violão. Hoje eu faço aula de canto. Eu vou entrar na faculdade e me
especializar onde eu quero. (Daniel)
Imagem 8 – Desenho de Daniel que pretende estudar em São Paulo para ser um cantor.
Fonte: Daniel
Adriano
Ficou muito feliz com o desenho que fez, mas antes deste, ele fez outro que não o
havia deixado satisfeito. Disse que pretende ser jogador de futebol e que torce para o time do
Vitória, mas não explicou como fará para realizar o seu desejo e nem fez associação da
profissão escolhida à sua formação escolar.
Imagem 12 - Desenho de Adriano que será jogador de futebol.
Fonte: Adriano
162
Laura
Pretende ter duas profissões, diz que pretende realizar seu desejo estudando para
professora e para médica, mas não conta com detalhes como fará para conseguir chegar até
onde deseja. Seu desenho foi feito no nosso segundo encontro após a sessão de hemodiálise e
enquanto aguardava o almoço.
Imagem 10 – As profissões que Laura deseja: médica e professora.
Fonte: Laura
Valéria
Sempre gostou muito de desenhar e realizar atividades de artes, em um de seus relatos,
fala da tranquilidade que sente quando está em casa desenhando com seus irmãos.
Imagem 9 – Desenho de Valéria que pretende ser artista no futuro
Fonte: Valéria
163
No capítulo seguinte será feita uma síntese compreensiva em relação aos aspectos que
foram elucidados nesta pesquisa e que apontam para os significados atribuídos ao processo de
escolarização para estas crianças/adolescentes e suas mães. Serão destacados alguns dos
aspectos revelados pelos participantes, relacionando-os aos conteúdos teóricos que embasam
este estudo.
164
7 COMPREENSÕES SOBRE O SIGNIFICADO DA ESCOLARIZAÇÃO PARA
CRIANÇAS E ADOLESCENTES EM HEMODIÁLISE
Colocar a atenção integral como sendo escuta à vida é redimensioná-la segundo o
reconhecimento de que, individualmente, a doença e/ou o sintoma são experiências
vividas, relatam uma forma de encontro com o mundo. Pode-se dizer que qualquer
fator patológico pode tornar-se fator de existência, porque as experiências vividas
ensinam/inscrevem fatores culturais e sociais no corpo e pensamento sobre
maneiras de viver, de ensinar, de cuidar, de produzir, de relacionar-se. (CECCIM,
1997, p. 28)
É começando a partir desse olhar que proponho, nesta parte da dissertação, um
“rediálogo” dos conceitos discutidos no terceiro capítulo com algumas questões que foram
elucidadas nesta pesquisa, mas tomando como foco principal a proposta de pensar em relação
à escolarização no existir com a IRC, como parte da perspectiva da atenção integral destas
crianças e adolescentes em seu estar no mundo.
A existência para Heidegger (apud MARTINS, 2006) é o que ele chama de ser-no-
mundo. Isto não se refere, simplesmente, a estar no mundo assim como estão os outros seres
vivos que não pertencem à espécie humana, pois a existência humana pressupõe a experiência
na forma como o homem “se encontra com as coisas, manipula, efetua transições, e preocupa-
se com as pessoas e coisas num mundo em que lhe é familiar” (HEIDEGGER apud
MARTINS, 2006, p. 51). Portanto, a maneira pré-reflexiva de compreender a realidade, parte
da experiência imediata e envolve posteriormente um estado de cuidado.
Ainda para Heidegger, a existência consiste nas possibilidades em que o ser humano
vive, a fim de estabelecer a sua condição humana e esta condição resulta em um estado de
abertura para a experiência vivida, condição esta que permite ver o mundo por ele vivido em
sua forma autêntica e assim “atribuir significado ao sentido que as coisas fazem para ele,
desvelando o ser” (MARTINS, 2006, p. 48). A descrição da experiência vivida deve, portanto,
considerar, também, a presença do mundo externo e não apenas a experiência subjetiva, pois a
própria experiência humana é estar no mundo, a partir da sua dimensão social, ou seja, o ser-
com. Essa compreensão pressupõe o que cada um atribui ao que significam as coisas para
quem vive.
Nesta parte da dissertação, busquei desenvolver uma súmula das compreensões em
relação ao processo de escolarização de crianças/adolescentes, partindo da escuta de suas
experiências em meio à hemodiálise, tendo em vista a apreensão de como estes meninos e
meninas vivenciam juntamente com suas mães o fenômeno da existência com a doença, a
hemodiálise, seus cuidados e o processo de escolarização.
165
Esta pesquisa que teve como objetivo a investigação do processo de escolarização de
crianças/adolescentes em hemodiálise mostrou-se carregada pelo “peso” da doença, tanto na
vida destas pessoas, quanto na de suas mães acompanhantes. Todavia, a busca ao que se
desejava saber, apareceu da maneira como foi apresentada nos capítulos anteriores no que
para eles significava a escolarização, neste cenário carregado de rupturas, cuidados, dores,
medos e esperanças.
Em vista disto, vale destacar, aqui, que o modo como foram organizados os tópicos
apresentados nos capítulos (5 e 6) que trazem os relatos dos participantes, em verdade foram
classificações meramente didáticas que buscaram apresentar ao leitor o fenômeno investigado
de forma distinta, em tópicos organizados, porém, na vida prática, as coisas não são assim. Na
escola, há a vivência com o que sente e o que passa também fora da escola, ela se molda em
torno das próprias condições vividas, pois são estreitamente ligados ou relacionados. A escola
está tão imbricada na vida e a vida como um todo perpassa tanto na escola, que uma coisa e
outra se misturam.
Na vivência com a doença renal, todos os participantes desta pesquisa evidenciaram
que as decisões, em relação aos aspectos da suas vidas, foram modificadas em função das
necessidades que emergiram em suas trajetórias, a partir do momento em que receberam o
diagnóstico da IRC e adentraram no universo irreversível dos doentes crônicos. Com isto, a
existência destas crianças/adolescentes e suas mães ficaram inerentemente marcadas pelas
condições em que se encontravam, incidindo nos significados de seus sentimentos, relações,
decisões e atitudes que reverberavam em suas relações familiares e sociais.
Os meninos e meninas expressaram em seus relatos o impacto da doença e sua
terapêutica, os seus sentimentos em relação à rotina incessante da hemodiálise e seus
sacrifícios para manter-se no que eles chamam de “tratamento” como se fosse uma “cruz” que
teriam que carregar até a realização do tão esperado transplante bem sucedido. Isto poderia
marcar a libertação desta prisão à “máquina”, trazendo consigo a possibilidade de retomar ao
que tanto desejavam: não usar mais o cateter, poder beber água, urinar, comer sem tantas
restrições, ganhar peso e altura, não acordar de madrugada para fazer viagens quase que
diariamente, voltar para a cidade de origem, voltar a morar com a família, voltar a frequentar
a escola, ir à escola todos os dias, enfim, modificar as formas de viver e de cuidar em meio às
impossibilidades da cura da doença.
As mães destas crianças e adolescentes, por sua vez, carregam a necessidade e
expectativa de assim como seus filhos, libertarem-se destes sofrimentos que as consomem a
cada dia, umas mais desgastadas do que outras, pois como foi dito, há mães que pareciam não
166
acreditar no que estavam vivenciando, enquanto outras já conviviam com a doença há mais
tempo e sabiam o quanto a cada dia se sentiam mais esgotadas e sedentas de novos horizontes.
Um dado muito importante que ficou demonstrado no conjunto de falas dos meninos e
meninas e de suas mães, é que a fé em Deus e a esperança de ficarem livres do sofrimento
com a doença é bem mais evidente do que o próprio conhecimento de que a IRC trata-se de
uma doença incurável e que requer cuidados para o restante da vida mesmo em meio aos
riscos pelos quais estas pessoas se submetem dia após dia no convívio com a doença. Com
isso, vale destacar que:
Normalmente, quando existe gravidade, agravamento da doença ou pelo
caráter crônico, a grande maioria dos familiares, bem como os próprios
enfermos, diante da incapacidade de solucionar o problema procura agências
religiosas que possam dar explicações e ensinar e/ou indicar possíveis
tratamentos para o doente. (SOUZA, 2011, p. 115)
As crianças/adolescentes e suas famílias, cada um ao seu modo, disseram que
recorrem a algum tipo de religião para se sentirem fortalecidas em meio ao que as fragilizam,
como também para buscar cura, proteção e explicação ao que vivenciam. E para Kleinman
apud Souza (2011), os cuidados na saúde estão ligados com outros sistemas simbólicos de
significados, valores, normas de comportamento e de vida.
Este conjunto de fatores em meio às experiências destas pessoas com doença renal
constitui também o seu self, pois colocar-se a partir de ser ou não um “renal” é um modo
muito demarcado de self da pessoa com IRC. Todos os aspectos particulares destas pessoas,
tais como: crenças, valores, sentimentos, cuidados, gravidade da doença, marcas de cateter ou
fístulas no corpo, alterações corporais, dentre outros elementos que vão constituindo o ser
destas crianças/adolescentes em hemodiálise, que muitas vezes carregam a marca de ser renal,
demarcando limites entre o Eu e o Outro.
O self esteve muito presente especialmente quando nas falas, as mães e seus filhos se
despersonalizam quando se referem ao uso do termo o renal ou o transplantado, ou então de
nem se intitularem como aconteceu com Marcelina quando disse “eu não sou renal, eu tenho
lúpus”, colocando-se como não renal e consequentemente demonstrando um tipo de estigma.
Como pensar na escola no contexto da doença e da morte? O existir com a doença
renal crônica pressupõe por um lado, fazer o transplante e estabelecer uma vida mais
independente, e por outro, o aguardo ao dia em que vai morrer. Em virtude destas duas
facetas, não se pode desconsiderar que os sentidos atribuídos pelas crianças/adolescentes e
suas mães ao processo de escolarização também perpassam por estas duas condições.
167
Como foi elucidado nos relatos apresentados, os pacientes e suas famílias
presenciavam os óbitos sobre os quais eles também estavam sujeitos a qualquer momento,
pois pôde-se notar que em uma das falas da mãe de Laura, no período recente à pesquisa de
campo haviam ocorrido três óbitos de crianças no mesmo serviço de nefrologia do hospital,
além de mais uma criança que havia recebido o diagnóstico de falência de acesso, para a
realização de algum tipo de terapia renal substitutiva e também da impossibilidade de
transplante pelo mesmo motivo, ou seja, de uma criança que estava à espera do momento de
morrer.
Neste sentido, fica evidente que apesar de nenhum participante trazer explicitamente
que porventura não estuda porque vai morrer a qualquer momento, é importante considerar
que a mãe de Daniel, em seu depoimento na defesa da vida, traz em algum momento a crítica
do que ela ouve quando dizem “para quê estudar se vai morrer?” ou ainda quando as
crianças/adolescentes e suas mães enfatizam os casos de óbito quando falam do que pensam
em relação à doença.
Por outro lado, o transplante renal alimenta a ideia de que faz sentido estudar,
frequentar a escola, aprender nas aulas da classe hospitalar, pois este ideia pode se justificar,
ou em decorrência da perspectiva de não mais depender de algum tipo de diálise e assim
continuarem a vida sem tantas perdas no período em que ficou em hemodiálise, ou por
pensarem que o transplante renal representaria uma nova fase da vida e junto com ela a
retomada ou o início do processo de escolarização, como fortemente evidencia a mãe de
Daniel ao dizer que conhece jornalistas e advogados que são transplantados, ou seja, a
afirmação de que a vida mesmo nesta condição pode ser de planos e perspectivas.
O conceito de experiência em Dewey (2011) como sendo importante na educação,
considera que a experiência e a educação são equivalentes, uma vez que deve-se buscar a
qualidade nesta relação, pois há experiências que podem ser deseducativas. Neste sentido,
Dewey nos faz entender que os percursos escolares depois do diagnóstico da IRC para a
maioria destas crianças/adolescentes não foram marcados por experiências, tanto quanto
qualitativas e fáceis de serem levadas adiante, daí a necessidade da maioria destes
crianças/adolescentes em abandonarem a escola.
Dois exemplos distintos que merecem ser retomados são os de Adriano e o de
Marcelina. Em linhas gerais, pode-se considerar que antes da doença, ambos tiveram bom
acompanhamento escolar, o que pode ser confirmado quando se observa que Adriano mesmo
com Síndrome de Down é uma criança que lê e escreve e apresentou nos relatos da mãe, boas
experiências na escola em que passou e também no reforço escolar que cursava no turno
168
oposto. Com Marcelina, as narrativas da mãe também apontavam para a qualidade em suas
experiências com a escola, onde a mãe era quem ensinava e acompanhava ela em casa,
ensinando-a a ler, a escrever e a realizar as atividades da escola.
Mas com o advento da doença e consequente necessidade de hemodiálise na vida
destes, as condições foram modificadas e os resultados foram totalmente opostos. Para
Adriano, a experiência da continuidade e muma escola pública em que foi matriculado
próximo de sua nova residência para frequência nos dias de segunda, quarta e sexta, não foi
uma tentativa propícia e motivadora. Já para Marcelina, sempre houve o esforço de todas as
partes (dela, da mãe e de todos da escola) em possibilitar a continuidade às aulas, mesmo
viajando e tendo que chegar uma hora depois do início nos dias de segunda, quarta e sexta,
pois para ela, houve a atenção as suas necessidades.
Conhecendo os percursos escolares destas crianças/adolescentes, foi possível verificar
que unicamente não são as dificuldades em manter-se frequentando a escola que definem a
sua permanência ou desistência, mas além das condições físicas e da saúde de cada um, as
decisões das mães e o apoio da família são um dos principais aspectos importantes neste
processo. O caso de Davi nos leva a compreender que não há esforço da família em considerar
a importância da escola para esta criança, mesmo com as condições favoráveis para a sua
permanência, que são: estar matriculado em escola onde as pessoas sabem de sua condição,
não precisar fazer longas viagens para fazer a hemodiálise, além de ter a tia como dona da
escola.
Há concepções diferentes por parte das mães em relação à vida escolar dos filhos em
permanecerem ou não na escola. Nota-se que, em linhas gerais, há mães que preferem que o
filho não permaneça na escola para que não fique entrando e saindo sempre, enquanto outras
defendem que preferem que o filho frequente a escola mesmo que necessite sair e retomar, ou
seja, querem que fique demarcado o lugar do filho na escola. Esses modos como estas mães
pensam, podem ser compreendidos como possibilidades múltiplas do enfrentamento da
doença por meio da ideia de que mesmo com a doença, as coisas não mudaram tanto, porque
o filho continua estudando, ou também o contrário, parar de estudar porque as coisas não
estão indo bem.
Outro exemplo que nos ilustra a ideia de que a escola é um demarcador de significados
simbólicos e de que esta criança/adolescente apesar da doença crônica tem algum valor,
enquanto pessoa é trazida quando em uma das falas, há a referência de que é importante
estudar pela nossa inteligência. Esta expressão pode ser entendida das seguintes formas: ou
seria para ficar mais inteligente, tendo em vista que estando na escola se aprende mais, ou
169
seria para supor que apesar da doença, exista alguma inteligência naquela pessoa, pois quando
comumente se fala em inteligência é como se alguém tenha o mínimo de inteligência para que
seja estimulado.
No caso da pessoa com IRC, é possível ver que os mesmos estão tão estigmatizados
que deixam de ser pessoas comuns por viver com um estilo de vida específico e por
carregarem impresso no corpo o sinal de que são pessoas doentes renais crônicas.E com isso,
estar na escola passa a ser uma marca que os qualifiquem e que deixa a ideia de que a pessoa
tem a inteligência em si ou em potencial, pois afinal, ela está na escola. Neste sentido, é que
nos resta pensar que quando se está na escola, há a garantia de que alguém tenha algum valor,
enquanto ser humano.
Estar matriculado e frequentar a escola comum é o que comumente se espera de todas
as pessoas, especialmente na infância e na adolescência, por ser a escola o espaço pensado e
destinado a esta clientela. Em relação a crianças e adolescentes, em condições especiais de
saúde, como por exemplo, o caso da IRC e sua terapêutica, estes meninos e meninas
necessitam passar boa parte do seu tempo no ambiente hospitalar, para tanto neste espaço,
elas contam com a possibilidade de terem contato com o mundo da escola, através dos
atendimentos da classe hospitalar. Não muito comum, é o fato de se referirem a escola
pensando na escola de fora e na escola de dentro do hospital, como fazendo parte de suas
experiências escolares expressas quando lhes foram perguntados se estudam, e alguns deles
responderem que estudam na escolinha do hospital.
Apenas a decisão de ingressar na escola e manter um esforço em frequentar as aulas
não são suficientes para garantir a permanência e o avanço na aprendizagem. O aluno, com
doença renal em hemodiálise, necessita de qualidades que assegurem o seu bom desempenho,
bem como de condições favoráveis na caminhada do seu percurso escolar. Alguns assuntos
relacionados a isto foram encontrados nesta pesquisa e necessitam de destaque especial, pois
tratam-se de questões que constituem também, a maneira como estas pessoas dão significado
aos aspectos da vida escolar.
Para começar, não se deve ignorar as condições físicas e suas limitações que
dificultam e os impedem tanto em ir para a escola e permanecer nela, quanto em participar de
algumas aulas na classe hospitalar. Ficou pontuado nos relatos, especialmente das
crianças/adolescentes, a condição de cansaço em meio às circunstâncias vividas. Davi se
refere à condição de “debilitado”, no jogo Baralhos das Emoções, todas as meninas e um dos
meninos selecionaram a carta cansada/cansado. Isto se refere às condições em que o corpo se
170
encontra, e consequentemente ao fato de não estarem dispostos a frequentar às aulas nos dias
que lhes sobram na semana.
Passar mal, ter problemas em relação ao cateter, sentir-se indisposto e outras
condições anormais, são fatores que também os impossibilitam de encaminharem a sua vida-
escola, quer seja através da escola ou da classe hospitalar, sendo esta uma das questões que
envolvem a aprendizagem que se dá através do corpo e que depende de seu estado ou
condição para acontecer. Copalbo (2011) na perspectiva de Merleau-Ponty, nos diz que o
corpo é um meio pelo qual utilizamos para nos relacionar com o mundo, com os outros e com
as coisas, e para que haja esta relação é necessário ter reciprocidade e a partir daí, produzir
significados e emoções.
Assim, o que para nós não seria problema, para Valéria o fato de estar em uma escola
que faz muito calor e a sua impossibilidade de beber água, foi o motivo que ela evidenciou ao
dizer que desistiu de ir para a escola por este motivo. Este aspecto para além da ênfase de que
o corpo é importante neste aspecto, nos aponta para “uma escuta pedagógica necessária
quando se fala em atenção integral” (CECCIM, 1997) para estas pessoas que dependem de
uma estrutura escolar que as acolha em suas demandas e necessidades, pois nas falas, além do
calor e da sede, há também expresso alguns aspectos em relação ao cateter, a merenda, aos
horários, enfim, de questões que não são pensadas para atender a estas demandas e que, por
vezes, influenciam na decisão de não mais ir à escola.
Além destas questões que envolvem o cuidado entre o aluno doente crônico e todos da
escola (professores, colegas, coordenadores, diretores, pessoal de apoio), as dificuldades em
acompanhar os conteúdos escolares na medida em que eles avançam, ou em nunca poder
assistir as aulas do professor no dia em que necessitam faltar para fazer hemodiálise,
representam para estas pessoas mais alguns obstáculos no enfrentamento do seu processo
escolarização no contexto da doença. Nesta situação, foi possível pensar na ideia do
rompimento de um projeto de continuar estudando, ou talvez na ressignificação deste projeto
para a sua vida.
Em vista disso, retomamos ao que aconteceu igualmente com Daniel e Valéria que ao
iniciarem o Ensino Fundamental II, mais especificamente no 6º ano, se depararam com estas
dificuldades ditas anteriormente. Ambos tiveram que abandonar a escola para realização do
transplante, passando por duas condições. A primeira se refere à esperança de vencer estes
obstáculos, a partir da retomada à escola mediante a “libertação da máquina” por meio do
transplante, ou seja, do resgate ao seu projeto uma vez abortado pela falta de possibilidades
em prosseguir, e a segunda, se deu em decorrência da frustração causada pelo insucesso do
171
transplante e da tão desejada saída da hemodiálise e assim, da frustração em não poder levar à
diante o seu projeto, como considera Ayres (2004, p. 21) ao dizer que “é como se aquele
projeto, revalorizado, reconhecido, pudesse ser retomado em um novo plano, ressignificando
tudo à sua volta, inclusive e especialmente o cuidado de si”.
Tendo em vistas todos estes esforços para continuar o processo de escolarização em
meio a estas condições vividas por estas pessoas, faz-se importante resgatar o que estas
crianças, adolescentes e suas mães pensam do valor e do motivo de exercer tais empenhos
para manterem-se estudando. Percebeu-se então que a visão da educação escolar perpassa pela
concepção, tanto quanto pragmática e utilitária, quando expressam de maneira geral que é
importante estudar por alguns motivos, tais como: para estar em uma escola; para aprender a
ler e não ficar perguntando aos outros; para aprender a escrever e para estudar matemática;
pela nossa inteligência; para passar de série; para ter conteúdo; para ter uma profissão no
futuro; e para estar com as outras crianças.
No texto Educação: Da formação humana à construção de um sujeito ético, Rodrigues
(2001) nos ajuda a entender em relação ao papel conferido à educação escolar e a concepção
construída ao longo dos anos de que a educação prepara as pessoas para o que é próprio da
vida coletiva. O autor começa com a crítica à ideia de que a finalidade da ação educativa é a
de preparar os indivíduos para a vida social, sendo a educação o caminho necessário à
formação do sujeito cidadão.
Partindo desta proposição de que a educação é uma preparação para a vida pública e
para dar conta do que é próprio da vida coletiva, é que podemos pensar que em contrapartida,
estas pessoas com a doença renal e suas cuidadoras, mais do que as outras pessoas sem a
doença, vivem com a necessidade primeira da busca diária do que para elas se faz necessário
na relação intensa que envolve o cuidado. Para tanto, ao buscar entender, a partir do que elas
tinham a dizer da vida escolar, foi possível apreender que estas pessoas expressam suas
angústias à necessidade de se voltarem ao que seria adquirido por meio do que cabe à
educação escolar no caminho da formação do sujeito cidadão que vai se apropriando dos
conteúdos escolares para a aquisição de habilidades necessárias à vida social e coletiva.
Ao que parece, a educação escolar, a partir desta concepção, está dissociada da vida
fora da escola. Ela não abarca a ideia da educação em sua totalidade, ou seja, na e para a
formação humana. Rodrigues nos lança para um pensar por sobre uma educação que envolve
um “complexo de experiências com o mundo da vida” (RODRIGUES, 2001, p. 243), pois
diante das demandas da vida cotidiana, das responsabilidades atribuídas aos educadores em
sua formação e fazer pedagógico, bem como do contexto da sociedade contemporânea, se faz
172
“necessária uma outra visão de Escola, dos conteúdos escolares, do papel dos educadores e da
relação da Escola com a sociedade.” (RODRIGUES, 2001, p. 254).Portanto, como entende o
grande pensador Paulo Freire (1996, p. 45):
É preciso que saibamos que, sem certas qualidades ou virtudes como
amorosidade, respeito aos outros, tolerância, humildade, gosto pela alegria,
gosto pela vida, abertura ao novo, disponibilidade à mudança, persistência na
luta, recusa ao fatalismo, identificação com a esperança, abertura à justiça,
não é possível a prática pedagógico-progressista, que não se faz apenas com
ciência e técnica. (FREIRE, 1996, p. 45).
Neste sentido, a consideração da importância dos atendimentos recebidos na classe
hospitalar, no momento da hemodiálise, é também a expressão de um estabelecimento de um
novo significado a este processo mediante as suas experiências. Foi possível compreender
através da pesquisa que estudar no momento da hemodiálise passa a fazer parte de sua rotina,
expectativas e necessidades, pois além de passar o tempo ocioso das quatro horas de cada
sessão, as aulas da classe hospitalar representam para estes meninos e meninas e suas mães,
uma forma de cuidado necessário na educação para a possibilidade de atenção às necessidades
educacionais específicas destes sujeitos.
As mães e as crianças de um modo geral evidenciaram várias considerações do que
para elas representavam os atendimentos da classe hospitalar, ao pronunciarem que tais
atendimentos possibilitavam aos seus filhos o contato com o que comumente teriam se
estivessem em uma escola comum, relacionando-se com outras crianças, em seus momentos
de socialização, interação em que aprendiam a compartilhar, a não competir, a ser solidário,
além de “possibilitar que os mesmo se sintam alunos” (mãe de Daniel) e possam “viver esta
parte da vida que está parada” (mãe de Adriano). A partir destas considerações, vale trazer um
conceito de classe hospitalar definido por Barros para que seja possível visualizá-lo a partir do
que foi aqui apresentado.
A classe hospitalar surge, então, como uma modalidade de atendimento
prestado a crianças e adolescentes internados em hospitais e parte do
reconhecimento de que esses jovens pacientes, uma vez afastados da rotina
acadêmica e privados da convivência em comunidade, vivem sob risco de
fracasso escolar e de possíveis transtornos ao desenvolvimento. (BARROS,
2007, p. 259).
Este atendimento, atualmente, é reconhecido legalmente, quando da garantia de todas
as pessoas à educação, assim como preconizam de maneira geral a Constituição Federal de
1988, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) de 1990 e a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação (Lei 9.394 de 1996), e mais especificamente como prevê a Resolução nº 41 de 13
173
de outubro de 1995 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente
(CONANDA), quando dispõe sobre os amplos direitos de crianças e adolescentes
hospitalizados, dando a elas o seu direito de “desfrutar de alguma forma de recreação,
programas de educação para a saúde e acompanhamento do currículo escolar durante sua
permanência no hospital”. (BRASIL, 1995).
Além desta Resolução, as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação
Básica, em seu Art. 13º ressalta que:
[...]os sistemas de ensino, mediante ação integrada com os sistemas de
saúde, devem organizar o atendimento educacional especializado a alunos
impossibilitados de frequentar as aulas em razão de tratamento de saúde que
implique internação hospitalar, atendimento ambulatorial ou permanência
prolongada em domicílio. (BRASIL, 2001)
Tendo em vista esta normatização, no ano de 2002 o Ministério da Educação (MEC)
por meio da Secretaria de Educação Especial (SEESP), organizou junto a uma comissão, um
documento específico para este atendimento intitulado: Classe hospitalar e atendimento
pedagógico domiciliar: estratégias e orientações. Neste documento constam os princípios,
fundamentos, objetivos, modos de organização e funcionamento para esta modalidade de
atendimento.
Mais tarde, nesta trajetória de ajustes e definições, no então Decreto de nº 7.611 do
ano de 2011, fica definido o público alvo da educação especial18
e deixa de fora as pessoas
com doenças crônicas e demais enfermidades. Desse modo, a classe hospitalar passou a
pertencer ao grupo de pessoas assistidas pela Secretaria de Educação Continuada,
Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI), sendo essa, a secretaria do MEC que
substitui a antiga SEESP.
De lá para cá, ainda há a tentativa de, também por meio de eventos acadêmicos
específicos sobre a Educação Especial, investirem-se em discussões a respeito do atendimento
educacional à crianças/adolescentes hospitalizados e/ou com doenças crônicas, por
compreender que estas pessoas demandam de atenção especial em suas “deficiências” e por
sofrerem consequente exclusão escolar.
Apesar de existirem há mais de 46 anos no Brasil, algumas leis que se reportam ao
atendimento educacional a estas pessoas (tendo em vista o Decreto lei nº 1.044, de 1969 e a
18Para fins deste Decreto, considera-se público-alvo da educação especial as pessoas com deficiência, com transtornos
globais do desenvolvimento e com altas habilidades ou superdotação. (BRASIL, 2011).
174
lei nº 7.853, de 1989)19
, estes direitos são pouco conhecidos pelas pessoas de um modo geral,
e assim também se mostrou nesta pesquisa, quando procurou investigar das mães o
conhecimento que elas tinham, em relação aos direitos de escolarização dos filhos.
Neste sentido, das sete mães entrevistadas, seis delas disseram que desconheciam estas
leis, sendo que apenas a mãe de Adriano disse que no período inicial da doença, quando ainda
estava juntamente com o seu filho em internação hospitalar, ouviu de uma professora da
classe hospitalar sobre este direito de alunos hospitalizados. Além deste relato, outro fato
curioso, foi ouvir da mãe de Valéria que a professora da escola da filha havia lhe dito que a
menina teria o direito de receber em casa uma professora, tendo em vista a impossibilidade de
a aluna estar na escola em decorrência dos cuidados necessários à doença.
Vale destacar que a mãe de Adriano, ao tomar conhecimento deste direito e pensar a
partir dele, interrogou sobre como se daria esta lei na prática, pois Adriano estudou em escola
comum até o 3º ano do ensino fundamental, sendo que se continuasse frequentando a escola,
estaria no 5º ano. Assim sendo, ela interrogou como esse tempo de atendimento da classe
hospitalar poderia ser considerado para que em seu retorno à escola ele pudesse, ao invés de
retomar de onde parou, dar prosseguimento como se estivesse estudando, normalmente, e
assim avançado para as séries seguintes, ou seja, como a classe hospitalar validaria
efetivamente estes atendimentos? Ao final, ela lança outra pergunta: ou ele teria que retomar
de onde parou, juntamente com crianças bem menores que ele?
O atendimento pedagógico da classe hospitalar no contexto de hemodiálise é feito de
maneira processual, durante o tempo de permanência do paciente no referido serviço de
nefrologia do hospital. O professor da classe hospitalar acompanha, semanalmente, os
alunos/pacientes em duas das três sessões semanais de hemodiálise, no período da realização
da diálise, de três a quatro horas em média. Na dinâmica deste trabalho, há a possibilidade de
conhecer cada um dos alunos (do seu nível de leitura e escrita, bem como de seus
conhecimentos matemáticos), para a partir daí, saber das suas necessidades educativas e de
estar atento para “perceber e escutar quando as crianças expressam suas angústias, dúvidas,
seus medos” (CECCIM, 1997, p. 79).
19
No Decreto lei nº 1.044, de 21 de outubro de 1969, que em seu art. 1º dispõe sobre o direito ao atendimento
excepcional aos alunos de qualquer nível de ensino a portadores de afecções congênitas ou adquiridas, infecções,
traumatismo ou outras condições mórbidas, determinando distúrbios agudos ou agudizados. E na lei nº 7.853, de
24 de outubro de 1989, que em seu art. 1º, parágrafo único, inciso I, alínea d, trata do oferecimento obrigatório
de programas de Educação Especial a nível pré-escolar, em unidades hospitalares e congêneres nas quais estejam
internados, por prazo igual ou superior a 1 (um) ano, educandos portadores de deficiência. (BRASIL, 1969);
(BRASIL, 1989).
175
As intervenções do professor têm como ferramenta principal a qualidade na mediação
dos seus processos de ensino e aprendizagem. A organização do espaço da sala da
hemodiálise pediátrica permite que o professor realize, também,atividades coletivas, pois nos
quatro pontos de diálise, os alunos/pacientes ficam voltados para a mesma direção, dando ao
professor a possibilidade de visualizá-los e, ao mesmo tempo,de ser visualizado por todos.
Estes momentos de interação são bastante ricos por requerer a participação e a colaboração de
todos os presentes. Além disto, podem ser feitos os acompanhamentos individuais ou em
dupla quando os leitos estão próximos um do outro. Vale destacar que a mediação é
importante para alcançar os avanços pretendidos e possibilitar o desenvolvimento das
habilidades e competências pensadas para cada aluno.
O planejamento das aulas requer grande dedicação por parte do professor, pois ele
precisa estar alcançando as demandas específicas de cada aluno. Podemos aqui nos utilizar
dos casos de Carmen e de Valéria. As duas meninas não frequentavam a escola e a classe
hospitalar era a alternativa oferecida a elas para possibilitar a educação escolar. Para ambas
era possível pensar em um mesmo tema de aula, mas com diferentes níveis de complexidade
que necessitariam ser planejados e assim explorados. Utilizando a mesma temática, a
depender da área de conhecimento, Carmen poderia se valer do conteúdo do tema, da
construção oral das palavras, da escrita e da leitura em Braille. Já para Valéria seria possível
utilizar também os conhecimentos oriundas da temática em estudo e, assim, desenvolver
atividades com produções de textos ou organização de informações. Enfim, partir do que cada
aluno sabe e necessita, tendo sempre a mediação como forte aliado do trabalho educativo e
pedagógico neste espaço é que o professor planeja as atividades que serão desenvolvidas nas
aulas.
Para os alunos/pacientes que frequentam a escola, há a possibilidade dos professores
da escola comum e da classe hospitalar manterem-se em contato e assim desenvolverem um
trabalho em parceria. Mas nem sempre este trabalho ideal acontece. Como exemplo, pode-se
citar os casos de Marcelina e Davi (apesar de quase não irem à escola). Marcelina exercia um
esforço em ir para a escola todos os dias, a partir dos ajustes feitos para possibilitar a sua
frequência. Dessa maneira, a professora da escola sabia dos atendimentos da classe hospitalar
e a professora no hospital sabia da situação escolar da menina, mas não havia nenhuma
parceria entre a escola e a classe hospitalar. Com Davi a situação era a mesma apesar da
necessária intervenção. O contato da escola com a classe hospitalar pode se iniciar e se
fortalecer quando o responsável pela criança/adolescente entende a necessidade desta
176
parceria, pois mesmo se o professor da classe hospitalar ou da escola comum estabelecerem
esforços para que isto ocorra, sem o apoio da família este tentativa não vai adiante.
Voltando ao questionamento da mãe de Adriano anteriormente mencionado, pode-se
pensar na resposta positiva ao que ela questiona quando há uma articulação de todas as partes
em prol do aluno. A classe hospitalar por si só não garante a efetivação na continuidade do
processo de escolarização, é necessário que a família realize esforços para isto acontecer na
medida em que ela acompanha e cobra dos professores da escola e da classe hospitalar o que
lhe é assegurado por lei. Cada um fazendo a sua parte pelo objetivo comum da formação e
atenção integral às necessidades destas pessoas em condições especiais e assim, poder evitar
e/ou minimizar os grandes problemas existentes que foram identificados neste estudo em
relação à escolarização de crianças/adolescentes em hemodiálise.
A escuta pedagógica aos interesses e necessidades da criança/adolescentes no sentido
de atendê-la o mais adequadamente possível pode ser a base norteadora para o trabalho
educacional, em parceria entre todos os sujeitos envolvidos: aluno, professor, família e
profissionais de saúde do hospital para o estabelecimento de todos os aspectos relevantes no
que diz respeito aos cuidados, ajustes de rotinas, horários, atenção às demandas, apoio
necessário à continuidade do processo escolar, etc. Paulo Freire em Pedagogia da Autonomia
nos afirma que ensinar exige especificidade humana, sendo uma das qualidades do educador a
de saber escutar, como ele cita:
Escutar é obviamente algo que vai mais além da capacidade auditiva de cada um.
Escutar, no sentido aqui discutido, significa a disponibilidade permanente por parte
do sujeito que escuta para a abertura a fala do outro, ao gesto do outro, às diferenças
do outro. [...] É neste sentido que se impõe a mim escutar o educando em suas
dúvidas, em seus receios, em sua incompetência provisória. E ao escutá-lo, aprendo
a falar com ele. (FREIRE, 1996, p. 45).
No mesmo sentido de Freire, podemos trazer a abordagem proposta por Ceccim na
“apreensão/compreensão de expectativas de sentidos” (CECCIM, 1997, p. 31), quando se
refere à escuta em saúde para a atenção integral às pessoas. Para ele, é possível, também,
ouvir no silêncio, nas expressões, nos gestos nas condutas e nas posturas. Estes ensinamentos
nos mostram como é importante saber escutar, dar voz e ouvido aos alunos, saber para quê e
por que escutar. Não é possível manter nenhum tipo de relação sem esta base dialógica que
norteia a ação educativa.
Dar continuidade à vida. Este é o desafio destas pessoas que convivem com a IRC e a
hemodiálise. A ideia das mães e seus filhos acreditarem na possibilidade de continuarem a
vida sem sentir o peso que carregam ao conviver com a doença renal parece possível a partir
177
da ideia das crianças/adolescentes continuarem na escola, assim como destas mães voltarem a
trabalhar (como antes da doença) e de tantos outros ajustes por desordem da assistência à
doença.
As dificuldades encontradas por estas pessoas em seus percursos escolares (escola
comum e classe hospitalar) a partir de suas experiências nos colocam no lugar de pensar que
as investidas não têm dado conta da complexidade que é receber na escola um aluno que faz
hemodiálise, ou de atendê-lo na classe hospitalar. Isto porque, conforme a minha forma de
compreender, o conjunto de fatores que poderiam promover a inclusão escolar e educacional
destas pessoas depende de questões específicas, ou seja, voltadas para cada caso, e até de
questões mais gerais, tais como, políticas públicas mais pontuais e voltadas para estas pessoas
que necessitam de assistência integral.
Daí a necessidade de se pensar como propõe Bicudo, quando nos escreve sobre a
fenomenologia do cuidar na educação:
Educação, então, é assumida como cuidar, no sentido de ajuda, de estar com
o outro, de solicitude, para que a pré-sença seja liberada na direção a tornar-
se sua cura, isto é, para que seja também na dimensão ontológica. É um
estar-com de maneira atenta, não nos deixando banalizar pelo cotidiano em
sua mesmice e nos afazeres das exigências públicas, quando se é todos e não
se é ninguém, ao mesmo tempo. Esse com o aluno significa vê-lo, senti-lo,
pensar e com-viver no mundo onde se é com o outro. É viver na abertura das
possibilidades do ser-aí-no-mundo-com, de modo preocupado e ocupado.
Mas jamais apenas encoberto pela uniformidade e mediocridade do que está
com todos. (BICUDO, 2011. p. 91).
A educação centrada no aluno consiste em perceber a dimensão em que as pessoas
vivenciam as suas experiências em suas relações na construção do self junto com o outro no
seu processo de vir-a-ser, ou seja, conceber uma educação que parte do “princípio da
singularidade” na medida em que as experiências são singulares e plurais ao mesmo tempo.
Um acontecimento é para todos nós um fato, mas a forma como cada ser experiencia, sente,
olha e deseja este acontecimento é singular, ele passam por cada pessoa de maneira diferente,
única e se desdobra em sua pluralidade (LARROSA, 2011).
Neste contexto, não tem como não nos remetermos ao grande mestre Paulo Freire que
com a sua pedagogia nos possibilitou um imenso e rico legado que parte do ideal de que a
educação deve ser uma experiência de libertação e de humanização dos homens. É possível
pensar que estas realidades descritas neste trabalho expressam não só o sofrimento vivido por
estas pessoas, mas também uma forma de ver o mundo condicionado pela realidade concreta,
que em parte explica as compreensões destas pessoas.
178
Freire (1992) nos alerta que, compreender o mundo em que os educandos estão
inseridos é fundamental na prática do educador, para tanto não devemos ignorar que algumas
situações ainda denunciam a falta de sensibilidade evidenciada, em alguns casos, que foram
aqui expressos e de tantos outros da mesma natureza. É necessário estabelecer o respeito à
diversidade, às singularidades para a inclusão de todos na educação que deve ter como
finalidade a formação humana.
179
8 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Redescobrir o significado da compreensão educacional, o tipo de sociedade em que
esta está inserida, segundo a esfera vivencial dos sujeitos que a ela se remetem,
impõe a todos os educadores vários desafios.” (SILVA FILHO, 2006, p. 2).
Com este estudo foi possível conhecer a realidade vivida pelas crianças/adolescentes e
suas mães acompanhantes para compreender em relação ao processo de escolarização em
meio a IRC e a hemodiálise. Com isso, reafirmo que a doença e sua terapêutica reverberam na
vida dessas pessoas que necessitam reconstruir-se em torno das questões que envolvem a sua
condição de ser e de estar no mundo.
Com as mães foi possível notar de maneira evidente o quanto o impacto da doença na
sua vida está presente nas falas de cada uma delas, em suas histórias, rupturas sofridas desde o
diagnóstico da doença, nas condições vividas, quer seja pelas mudanças de casa, de cidade,
das viagens ou do distanciamento da família, bem como das experiências na lida com a
doença dos filhos, nas dores, nas perdas, nas expectativas e sentimentos. Para elas, a fé em
Deus é uma possibilidade de conviver sem tanto sofrimento diante da doença incurável do
filho.
Com as crianças/adolescentes também foi possível apreender delas os obstáculos que
enfrentam a cada situação em meio às privações de horários, dietas, movimentos do corpo que
coloquem riscos ao cateter, dedicação a hemodiálise, dentre tantos outros esforços que não
são comuns na infância e adolescência de quem não tem a doença crônica. Porém, estes
aspectos apareceram em meio às fantasias e imaginações típicos do mundo infanto-juvenil. É
possível perceber que o peso da doença é mais evidente nos relatos das mães do que nos
conteúdos fornecidos pelas crianças que sentem a dor da doença que ocupam os seus corpos.
Tendo em vista o convívio constante destes jovens pacientes junto a suas mães
acompanhantes, é possível dizer que os significados atribuídos pelas crianças/adolescentes ao
seu processo de escolarização, são construídos a partir das trocas nas vivências cotidianas, no
que as mães compreendem e acompanham da educação escolar, das condições socioculturais
em que estes se inserem, bem como do acometimento de outras doenças que por vezes
limitam as possibilidades destes no contexto da escola comum.
Para tanto, em meio a esta relação construída a partir da lida diária, estas mães e seus
filhos, na maioria dos casos, vivem uma relação intensa sendo possível dizer que as
crianças/adolescentes também falam através das mães e esta simbiose muito intrincada torna
180
difícil de saber aonde termina a fala da mãe e começa a dos filhos, ou seja, as falas das mães
vêm através da fala das crianças/adolescentes e vice-versa.
Neste sentido, ao pesquisar sobre os significados da escolarização para estes meninos
e meninas em hemodiálise, pude constatar que as formas e o sentido que atribuem aos
aspectos da vida são elaborados, a partir do que a doença e sua terapêutica representam na
vida prática do dia a dia destas pessoas em suas rotinas e ações, além da forma como a família
encara a necessidade da criança/adolescente alfabetizar-se e letrar-se para assim dar
continuidade à escolarização, mesmo que em alguns momentos não seja possível a
permanência na escola comum.
Considero que na busca do entendimento dos aspectos específicos da vida escolar,
apenas foi possível apreendê-lo de forma que as circunstâncias vividas por estas pessoas em
meio à doença ganhassem o destaque que tiveram neste trabalho, ou seja, os aspectos da
vivência com a doença destacaram-se consideravelmente nos depoimentos de todos os
participantes. Isto pode ter se dado pela necessidade destas pessoas, especialmente das mães
em exporem suas angústias a mim, talvez por me conceberem como alguém que poderia
compreendê-las por conviver com seus filhos mais de perto enquanto professora, e também
por deixá-las à vontade para falar de algo pelo qual eu não desconhecia totalmente.
Considero também que por mais que eu orientasse e reforçasse a todo o momento que
a pesquisa era sobre educação, a maioria das mães entrevistadas queira falar da vivência com
a doença e do sofrimento. Isto pode ter acontecido também, porque assim como já foi dito, a
escola e a vida estão inter-relacionadas entre si que fica difícil até mesmo para as mães
entenderem e discorrerem especificamente dos aspectos da vida escolar.
Ao propor este estudo, parti dos meus conhecimentos construídos cotidianamente. a
partir do que observava enquanto professora da classe hospitalar. Os momentos de leituras, de
pesquisa de campo, de organização, análise e discussão dos conteúdos do campo, me
possibilitaram alguns exercícios que ampliaram e mudaram a minha forma de olhar esta
realidade, como também de pensar sobre ela. Para tanto, irei fazer uma breve (re)apresentação
bastante substancial de algumas questões essenciais que foram mostradas nesta pesquisa e que
podem servir para um novo pensar especialmente para a escola comum e a classe hospitalar.
Para cada uma das sete crianças/adolescentes, foi possível conhecer sua trajetória
escolar e estas histórias nos apontam para um pensar sobre as questões que demandam uma
olhar especial e que no seu conjunto, é possível fazer algumas considerações pertinentes, a
partir do que aqui foi investigada em suas experiências em meio à IRC, nas problemáticas
enfrentadas no dia a dia da escola, nos esforços para manterem-se frequentando, nas questões
181
relacionadas ao ensino e aprendizagem, nos atendimentos da classe hospitalar, na relação
escola – família – classe hospitalar para atenção educacional ao aluno, dentre outros aspectos
relevantes que envolvem o tema.
O que aparece em relação à permanência escolar nos mostra um processo marcado por
rupturas na vida destes meninos e meninas, desde que receberam o diagnóstico da IRC e que
se assemelham entre si em alguns aspectos. Isto, de maneira geral, para não entrar nas
questões de histórias de vida, de gravidade da doença, de estrutura familiar, de sistemas
públicos de ensino, negligências, condição socioeconômica e cultural, dentre outros que
refletem nos significados atribuídos à escolarização para estas pessoas. Porém, cada uma das
histórias apresentadas marca um ou outro aspecto relevante e passível de maior reflexão.
Para iniciar, poderíamos tomar o caso da vida escolar de Marcelina para trazer como
modelo de esforço coletivo que por sua vez, fez uma grande diferença no impedimento desta
ruptura do processo de escolarização, em meio à hemodiálise ao comparar com a situação dela
com a dos outros participantes deste estudo. Mesmo passando por longo período em
internação escolar no início da doença e, posteriormente, necessitando viajar diariamente para
fazer as sessões de hemodiálise, Marcelina não sofreu muitas alterações na vida escolar,
apesar de não ter sido fácil sustentar tal situação.
No caso de Davi, a educação escolar não é levada a sério, tanto por parte da família
quanto pela escola (privada, próxima de casa em que a tia de Davi é a dona). Tinha 12 anos e
não era alfabetizado. Com os atendimentos da classe hospitalar, o menino não obteve
significativos avanços, pois apenas participava das aulas e geralmente quando levava alguma
atividade proposta pela professora, não dava o retorno necessário. Não havia diálogo entre a
escola e a classe hospitalar, e a mãe se justificava por não morar com o filho.
Vimos na história de Laura que ela teve o diagnóstico da IRC com oito anos e no
período da pesquisa estava com 14. Neste processo, a menina ainda não havia sido
alfabetizada, desde que mudou de cidade nunca mais pode frequentar a escola comum. A
menina e a mãe reconhecem que a sua vida escolar tem como referência os atendimentos da
classe hospitalar que recebe desde 2009. Existia o interesse, por parte da mãe e da menina em
aprender a ler e a escrever, mas por outro lado, apenas os dois possíveis atendimentos
semanais não davam conta de garantir esta aprendizagem, tendo em vista as dificuldades que
Laura tinha em aprender. A análise de toda a conjuntura da realidade por ela vivida nos
impulsiona a lançar algumas perguntas relacionadas às formas de como poderia ser garantida
à Laura o seu direito à educação e à atenção integral.
182
Em meio a sua trajetória escolar, Adriano sofreu também uma grande ruptura. Por ser
um menino com Síndrome de Down que lê, escreve e entende bem as questões relacionadas à
doença e seus cuidados, pode-se dizer que suas experiências escolares antes da IRC foram
positivas no sentido de assisti-lo e estimulá-lo para possibilitar o desenvolvimento de suas
potencialidades. Com o advento da doença, ficou um tempo sem frequentar a escola, mas
quando se matriculou em outra escola, não recebeu o devido atendimento, não havendo a
inclusão necessária, causando-lhe alguns problemas que geraram na mãe a decisão de não
mais levá-lo para a escola. Adriano passou a contar apenas com a escola do hospital durante 2
das 3 sessões de hemodiálise. Neste contexto, a mãe lançou seus questionamentos que
merecem atenção quanto à validade e utilidade da classe hospitalar para além das questões de
aprendizagem e ludicidade.
Valéria também sofreu rupturas e contou com o grande inesperado que foi o insucesso
do transplante. Mesmo em hemodiálise, sempre que possível ia para a escola em sua cidade,
duas vezes por semana, e parou de frequentar pouco antes da realização do transplante, pois
sofria na escola com o calor gerava sede e não podendo beber água, preferia ficar em casa,
também, para poupar esforços já que a sua maratona de viagens e espera causava-lhe muito
cansaço. Valéria sentiu grandes perdas na transição do Ensino Fundamental I para o II, na
medida em que a estrutura e funcionamento da escola não lhe davam muitas possibilidades de
acompanhamento. Ela e a mãe reconhecem os atendimentos da classe hospitalar como um
momento que proporciona escuta, aprendizagem e terapia para passar o tempo e esquecer um
pouco da doença.
Nos depoimentos da mãe de Daniel foi possível problematizar muitas questões
apresentadas neste estudo. Até os seus nove anos de idade, sua trajetória escolar ia bem
mesmo com a doença renal que em Daniel foi diagnosticada ainda quando ele era bebê. Mas,
a partir da sua inserção na hemodiálise, as experiências na escola comum foram descritas pela
mãe, marcando, especialmente, as questões que envolviam o estigma na relação com o corpo
e seus cuidados. Assim como Valéria, Daniel sentiu a transição do Ensino Fundamental I para
o II e acabou desistindo de estudar.
Daniel também contou com um transplante mal sucedido que poderia ressignificar a
sua vida e consequentemente retomar a desejada inserção escolar. Em relação à classe
hospitalar, ele era atendido desde 2009 e chegou a dizer que os atendimentos da escola no
hospital não o levariam para lugar algum. Tal afirmação20
é também um aspecto relevante
20 Esta informação foi transmitida a mim no contexto da minha atuação, enquanto professora, após a realização da pesquisa
de campo, porém de grande relevância que não poderia deixá-la de acrescentar a esta pesquisa.
183
para a reflexão. Suas experiências foram em escola privada e as problemáticas enfrentadas
nos mostram que a escola particular, assim como a escola pública não estão preparadas para a
inclusão escolar e educacional de pessoas com IRC.
Para Carmen e sua mãe, as experiências foram parecidas com a de Laura, que mesmo
com o diagnóstico da doença, quando moravam em sua cidade de origem não abriram mão da
escola. Mas ao mudar-se, não mais frequentou a escola por vários motivos, sobretudo pela
esperança em fazer transplante e poder efetivamente retornar ao ambiente escolar. A classe
hospitalar para ela, então, passou a ser a única forma de escolarização, e tanto a mãe quanto a
menina reconheceram a importância de aprender enquanto dialisava. Carmen iniciou o
processo de aprendizagem da leitura e escrita em Braille nas aulas da classe hospitalar,
juntamente com os esforços da mãe em dar continuidade aos estudos em casa junto à menina.
Nesta experiência, em meio às circunstâncias vividas por elas, foi possível perceber a forma
como Carmen e sua mãe ressignificaram a importância da escolarização dentro das formas de
viver com a doença e suas possibilidades.
A partir destas histórias, o olhar a todas estas problemáticas necessitam ser ampliados
para garantir-lhes mais acesso à escola e principalmente a chance de viver dignamente diante
das novas formas de estar no mundo com a IRC enquanto houver vida. Considera-se também
que este estudo possibilitou através de um pensar empírico-analítico um conjunto de
informações e conhecimentos para melhor dimensionar a relação do ensino e aprendizagem e
da formação docente para a prática em Educação aos sujeitos que necessitam de um
atendimento educacional atento as suas demandas, pelas necessidades e especificidades de
alunos doentes crônicos.
Entender as necessidades de crianças e adolescentes com doença crônica para, a partir
daí, garantir a assistência plena em saúde e educação, é importante para o caminhar de todos
os processos que os envolvem, pois nem sempre o que pode ser realizado com todos é
possível acontecer da mesma forma com a criança ou adolescente que tenha determinados tipo
de doença, exigindo-lhes cuidados que se não acontecem, podem colocar sua vida, destes
acometidos, em risco. Assim acontece com quem possui a IRC, especialmente, com o trato na
escola junto aos colegas e aos demais integrantes deste espaço.
A relação de diálogo entre a família e a escola da criança/adolescente é de grande
importância, pois se faz necessário haver um entendimento do que é a doença, dos cuidados
por causa da hemodiálise, explicando como funciona, quais as medicações que o aluno usa
cotidianamente e quem pode ocorrer no horário da aula, os cuidados em relação ao acesso da
184
diálise e à alimentação. Este diálogo, às vezes, ocorre de forma tranquila ou ainda de maneira
muito tímida, mas também pode não acontecer da maneira como desejada.
Assim, as situações vividas pelas crianças e adolescentes com doenças crônicas são
passíveis de intervenções de modo que estes sujeitos não continuem vivenciando a exclusão
social e escolar, na medida em que a classe hospitalar se fortaleça para atender efetivamente a
esta demanda, que os pais se conscientizem de que o processo de escolarização não deve ser
deixado à margem por conta da excessiva preocupação com a doença e que também os
professores das escolas em que estes alunos estudam devam participar desse processo, sendo
informados da necessidade de repensar a educação deste sujeito com doença crônica.
Deixo a possibilidade de ampliar não só o olhar da escola comum, da classe hospitalar
e do poder público para com estas pessoas, mas também do universo acadêmico por meio de
outras pesquisas relacionadas ao tema, trazendo à tona tantas outras questões que envolvem a
inclusão escolar e social destas pessoas com IRC, quer seja conhecendo o que os profissionais
de saúde têm a dizer dos aspectos que envolvem a vida escolar, além do ponto de vista dos
profissionais de educação da escola comum e da classe hospitalar que acolhem estas crianças
e adolescentes. Chamo a atenção, também, para a realização de novas pesquisas acadêmicas
para investigar em relação à escolarização de crianças e adolescentes que passaram pela
hemodiálise e transplantaram, a fim de saber de suas experiências escolares nesta nova
condição vivida por eles.
185
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APÊNDICE A - ROTEIRO PARA ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA 01
Participantes: Mães/pais das crianças com insuficiência renal crônica que fazem
hemodiálise
Me fale sobre suas experiências, enquanto mãe de uma criança que tem doença renal crônica e
que faz hemodiálise, a partir do seguinte roteiro de entrevista:
1. Há quanto tempo o seu filho(a) realiza tratamento de hemodiálise? O que mudou em
sua vida depois que seu filho começou a fazer hemodiálise?
2. O que você pensa sobre a doença renal em seu filho(a), ou seja o que você tem a dizer
sobre essa doença que afeta seu filho(a)?
3. Você considera que o tratamento de hemodiálise interfere no desenvolvimento motor,
físico, social ou cognitivo do seu filho(a)? Se sim, quais aspectos você tem a dizer
sobre isso?
4. O que seu filho(a) fazia antes e o que ele não pode fazer por causa da doença?
5. De que maneira você contribui com as questões emocionais do seu filho como o
medo, as angústias, ansiedades, tristezas ocasionados pela doença?
6. Quais são as suas aflições e como você lida com elas?
7. Sobre a escolarização do seu filho: Ele estuda em alguma escola próximo de casa? Se
não, por quê?
8. Você acha importante que seu filho continue estudando mesmo com todas as
dificuldades em decorrência do tratamento de hemodiálise ou você acha melhor que
ele estude só depois da permissão médica após transplante renal? Por quê?
9. De que forma você contribui com a vida escolar do seu filho?
10. Como é (ou era) a relação do seu filho na escola com os colegas, com a professora e
com os outros profissionais da escola (coordenador, diretor, merendeira, porteiro,
auxiliar de serviços)? Eles sabem e compreendem sobre a doença renal? E como lidam
com seu filho diante disso?
11. A classe hospitalar contribui na vida escolar do seu filho? Como?
12. Você considera importante o atendimento da classe hospitalar ao seu filho? Por quê?
13. Para você, como seria o atendimento ideal da classe hospitalar para o seu filho?
14. Você sabe que existem direitos sobre a escolarização à pessoas em situações como as
do seu filho? Qual(is) você sabe?
15. Seu filho conversa com você alguma coisa sobre as aulas que tem no hospital? O que
por exemplo?
16. A professora da classe hospitalar contribui de alguma maneira em outros aspectos na
vida do seu filho além dos relacionados a aprendizagem escolar? Qual(is)?
17. A professora da escola que seu filho estuda sabe que ele tem atendimento da classe
hospitalar enquanto faz hemodiálise?
18. Você gostaria de falar mais alguma coisa sobre o que conversamos?
193
APÊNDICE B - ROTEIRO PARA ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA 02
Participantes: Crianças com insuficiência renal crônica que fazem hemodiálise
A entrevista será dividida em 3 partes:
Parte1:
Mostrar gravuras relacionadas as perguntas abaixo e pedir que uma a uma a criança, descreva-
as e converse sobre o assunto a partir das perguntas que forem sendo feitas a ela.
1. Mostrar uma figura do corpo humano.
Perguntas:
Me fale um pouco do que você sabe sobre a doença que você tem:
O que a doença impede a você de fazer?
2. Mostrar gravura de um criança (pode ser uma criança sozinha sentada ou em pé)
Perguntas:
Das coisas que criança fazia, o que você tem vontade de fazer que você não
pode por causa da doença?
3. Mostrar uma máquina de hemodiálise:
Perguntas:
O que você sente antes de ser ligado à máquina de hemodiálise? E depois que
você termina uma sessão de hemodiálise?
Você gosta das pessoas que trabalham no hospital em que você faz
hemodiálise? E das crianças que fazem hemodiálise?
4. Mostrar uma escola (uma figura bem clássica de escola)
Perguntas:
Você acha importante estudar? Por quê?
Você estuda em escola próxima da sua casa? Qual a sua série?
Você gosta de ir para a escola?
O que você mais gosta de fazer na sua escola?
Pensando que você é uma criança especial por causa da sua saúde, como sua
professora da escola trata você?
E os colegas da sua escola sabem sobre sua doença? O que eles te perguntam
sobre isso, como eles te tratam?
Tem alguém na escola em quem você conversa mais sobre sua doença? Quem?
O que vocês conversam?
Você tem dificuldades em acompanhar os assuntos da escola? Por quê?
Você acha que é importante ter aulas com a professora durante a hemodiálise?
Como são suas aulas no hospital? São muito diferentes das aulas na sua
escola?
Você gosta da aula com a professora durante o momento da hemodiálise? O
que você mais gosta de estudar?
O que poderia ser feito para melhorar as aulas que você tem durante a
hemodiálise?
194
Observação: As perguntas em azul só serão feitas para as crianças que estão
matriculadas na escola
Você gostaria de falar mais alguma coisa sobre o que conversamos?
Parte 2: Se você fosse fazer um livro com uma história sobre o dia a dia na sala de
hemodiálise, como seria mais ou menos essa história, quais seriam os personagens dessa
história, como seriam os desenhos e as cores para ilustrar essa história e qual o título que você
daria a ela?
Parte 3: Realizar com os participantes o jogo: Baralho das Emoções (Vide Anexos)
Parte 4: Propor um desenho para a criança: Tente desenhar você daqui há 10 anos. Qual a
profissão que você deseja ter? E no final a gente escreve como você pretende realizar este
desejo?
195
APÊNDICE C - TERMO DE CONSENTIMENTO INFORMADO LIVRE E
ESCLARECIDO
Você está sendo convidado(a) à participar da pesquisa, cujo o título é: Crianças em
idade escolar com insuficiência renal crônica: significados da escolarização na vivência
com o tratamento de hemodiálise. Esta entrevista será realizada por mim, Priscila Santos
Amorim, aluna do Mestrado em Educação da Universidade Federal da Bahia, sob a orientação
da Profª. Drª. Alessandra Santana Soares e Barros. Meus contatos são: e-mail
([email protected]) e telefones (71 8753 6086/ 71 9130 2212).
Este documento é feito para dar informações sobre esta pesquisa e somente se você
concordar em participar e assinar, dará a sua permissão para realizar este estudo, que tem o
objetivo de investigar, sobre a escolarização de crianças com doença renal crônica que
realizam hemodiálise. Caso aceite participar da pesquisa, poderá desistir também a qualquer
momento, sem precisar justificar.
Você foi escolhido para participar desta pesquisa por conviver, conhecer e possibilitar
muitas informações sobre as especificidades no processo de escolarização de crianças com
Insuficiência Renal Crônica, que realizam tratamento de hemodiálise. Realizaremos uma
entrevista e suas informações serão muito importantes para esta pesquisa.
Nesta entrevista nós conversaremos sobre alguns aspectos relacionados à escolarização
na vida da criança que tem uma doença renal crônica que faz hemodiálise. Toda a nossa
entrevista será relacionada às condições vividas, por uma criança renal, seu desenvolvimento,
aprendizagem e vida escolar.
Acertaremos um melhor horário e local para a realização desta entrevista que terá em
média quarenta a cinquenta minutos. Ela será gravada e ao final se você quiser, poderá ouvi-la
e solicitar a retirada de qualquer trecho que desejar. Caso deseje também, poderemos realizá-
la em mais de um momento a depender de sua disponibilidade, estando eu disposta a remarcar
com você no momento mais adequado dentro das suas condições.
Não haverá riscos ou desvantagens em você participar desta pesquisa, pois serão
mantidas em sigilo as informações quanto a sua identificação. Por isso fique bem a vontade
em divulgar qualquer informação, sem medo de se comprometer. Na redação do relatório final
desta pesquisa, caso seja utilizado qualquer fala sua, teremos muito cuidado em utilizar nomes
fictícios para não divulgar o seu nome verdadeiro.
O benefício que esperamos conseguir com esta pesquisa será relevante para o campo do
conhecimento em Educação e Saúde, especialmente na formação de professores e de outros
196
profissionais da área de interesse e contribuindo no campo do conhecimento científico e
educacional.
O parágrafo, abaixo, resume a sua concordância em termos presumidamente enunciados
por você:
“Antes de assinar este documento eu fui informado(a) sobre essa pesquisa, seus
objetivos, o modo como será realizada, algumas eventualidades e a contribuições que poderei
trazer para a realização de uma pesquisa que pretende agregar conhecimentos na área de
Educação e Saúde. Assim sendo, aceito participar, voluntariamente, permitindo que os dados
sejam divulgados em âmbito acadêmico, de maneira ética e responsável”.
Nome do participante: ____________________________________________________
Assinatura: _______________________________________ Data: _____/_____/_____
197
ANEXO 1 - GRAVURAS UTILIZADAS NA 1ª PARTE DA PESQUISA COM AS
CRIANÇAS/ADOLESCENTES
Gravura 1:
Fonte: http://omamifero.blogspot.com.br/.Acesso em: 20 jul. 2013
Gravura 2:
Fonte: http://educacaoeculturahpp.blogspot.com.br/2011_05_01_archive.html. Acesso em: 20 jul. 2013.
198
Gravura 3:
Fonte: http://www.webquestfacil.com.br/webquest.php?pg=conclusao&wq=5989. Acesso em: 20 jul. 2013.
Gravura 4
e:
Fonte: http://pinguinhodetinta.com.br/?p=624. Acesso em: 20 jul. 2013.
199
ANEXO 2 - BARALHO DAS EMOÇÕES – Jogo utilizado na 3ª parte da pesquisa com
as crianças/adolescentes
200
201
ANEXO 3 - FOLHA DE ROSTO DA PALTAFORMA BRASIL
202
ANEXO 4 - DECLARAÇÃO DO COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA
203
ANEXO 5 - DECLARAÇÃO DE CONCORDÂNCIA SETOR DE NEFROLOGIA DO
HOSPITAL
204
ANEXO 6 - DECLARAÇÃO DE CONCORDÂNCIA COORDENAÇÃO DA CLASSE
HOSPITAR