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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E FILOSOFIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PLANEJAMENTO
TERRITORIAL - PLANTERR MESTRADO PROFISSIONAL
ISABELA CAMARGO RODRIGUES
TERRITÓRIO E MEMÓRIA: GARIMPO E AS POLÍTICAS DE PRESERVAÇÃO DO
PATRIMÔNIO CULTURAL DE IGATU – CHAPADA DIAMANTINA/BA.
FEIRA DE SANTANA
Setembro, 2015
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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E FILOSOFIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PLANEJAMENTO TERRITORIAL - PLANTERR
MESTRADO PROFISSIONAL
ISABELA CAMARGO RODRIGUES
TERRITÓRIO E MEMÓRIA: GARIMPO E AS POLÍTICAS DE PRESERVAÇÃO DO
PATRIMÔNIO CULTURAL DE IGATU – CHAPADA DIAMANTINA/BA.
Dissertação apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em Planejamento Territorial – Mestrado
Profissional, da Universidade Estadual de Feira de Santana como
parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em
Planejamento Territorial.
Orientadora: Profª. Drª. Acácia
Batista Dias
FEIRA DE SANTANA
Setembro, 2015.
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Ficha Catalográfica – Biblioteca Central Julieta Carteado
Rodrigues, Isabela Camargo
R613t Território e memória: garimpo e as políticas de preservação do
patrimônio cultural de Igatu – Chapada Diamantina/BA / Isabela Camargo Rodrigues. – Feira de Santana, 2015.
133 f. : il.
Orientadora: Acácia Batista Dias.
Dissertação (mestrado) – Universidade Estadual de Feira de Santana,
Programa de Pós-Graduação em Planejamento Territorial, 2015.
1. Patrimônio cultural – Preservação – Igatu, BA. I. Dias, Acácia Batista, orient. II. Universidade Estadual de Feira de Santana. III. Título.
CDU: 93(814.22)
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5
Na frente ocidental nada de novo.
O povo
continua a resistir.
Sem ninguém que lhe valha
geme e trabalha
até cair.
(Miguel Torga).
...Na oculta argamassa
vou à caça.
E mesmo da sobra
faço a obra
(Lindolf Bell)
.
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AGRADECIMENTOS
Agradeço aos meus pais Paulo e Maria (in memoriam), aos sobrinhos e às irmãs
Ângela, Elília, Mara, Rita, Luciana pelo amor e incentivo. Em especial à Cecília, Luiza
e Rogério. E também à família Macedo pelas grandes contribuições – Zeu, Dalva,
Marluce e Lucilene.
Aos amigos e colegas da primeira turma da Pós Graduação em Planejamento
Territorial, pelos divertidos e emotivos encontros entre eles - Lívia, pelas risadas e
desabafos.
À professora Acácia pela orientação, segurança e pelos ensinamentos. Aos
professores Nivaldo Vieira de Andrade Júnior, Washington Franca Rocha e Alcides dos
Santos Caldas pelos curtos e riquíssimos momentos de pertinentes observações. Ao
Programa de Pós-Graduação em Planejamento Territorial e a Universidade Estadual de
Feira de Santana, por proporcionar momentos de conhecimento e de crescimento
profissional.
Reconheço também a comunidade de Igatu, por estes anos de estudos e de
encantamento. Ao Secretário de Cultura de Andaraí que se mostrou disposto em
contribuir, ainda que distante, com esta pesquisa.
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RESUMO
Igatu, distrito de Andaraí, está localizado na Chapada Diamantina a 324 km de distância da capital baiana e no entorno do Parque Nacional da Chapada Diamantina. Segundo o
último censo (2010), sua população contava com 360 habitantes. O garimpo de diamantes foi responsável pela formação histórica e geográfica do distrito, cuja
comercialização deste minério se iniciou durante a primeira metade do século XIX. Após o declínio do diamante passou-se a negociar o carbonato, um mineral amorfo e de
cor escura. No entanto, por volta de 1940, esta comercialização também entrou em decadência. A história antiga, assim como a atual estão presentes, no distrito, aqui
designado território de memória. Isto porque, Igatu foi e continua sendo território de poder, de controle, de conflitos, de trabalho, de moradia, das festividades e das
identidades. A memória está presente nos documentos que descrevem o distrito, nos relatos, nas vivências de seus moradores e em sua paisagem. Atualmente Igatu encontra-
se tombado pelo IPHAN e todo seu território de memória está sob a salvaguarda de projetos, leis, decretos e portarias de preservação patrimonial. Diante deste contexto,
esta pesquisa objetivou analisar as políticas públicas de preservação do patrimônio cultural de Igatu. Os procedimentos metodológicos utilizados nesta investigação foram
à pesquisa documental, o estudo de caso, entrevistas, fontes secundárias e o uso de imagens. A pesquisa documental revelou informações sobre a história de Igatu, sua
formação territorial, bem como o cabedal sobre as políticas de preservação do patrimônio local. As entrevistas foram importantes para entendimento da formação
territorial e da memória do distrito. As fontes secundárias foram utilizadas para completar e fundamentar as informações colhidas com os demais procedimentos. E o
uso das imagens integram as informações e reflexões obtidas neste trabalho. As análises obtidas evidenciam que a atividade turística trouxe sérias consequências para o
patrimônio de Igatu, como a degradação de alguns de seus sítios arqueológicos. Isto decorreu da falta de planejamento do governo e da não aplicação das políticas públicas
de salvaguarda do patrimônio local.
Palavras-chaves: Igatu; garimpo; patrimônio; memória.
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ABSTRACT
Igatu, Andaraí district, is located in Chapada Diamantina to 324 km away from
Salvador and east around the Chapada Diamantina National Park. According to the last census (2010), its population has 360 inhabitants. The mining of diamonds was
responsible for the historical and geographical formation of the district, whose commercialization of this ore began during the first half of the nineteenth century. After
the decline of the diamond passed to negotiate carbonate, an amorphous mineral and dark in color. However, by 1940, this market also fell into decay. The ancient history,
and the current are present in the district, here designated territory of memory. This is because Igatu was and remains the territory of power, control, conflicts, work, housing,
festivities and identities. The memory is present in the documents that describe the district, in the reports, in the experiences of its residents and its landscape. Currently
Igatu is listed by IPHAN and all your memory territory is under the protection projects, laws, decrees and ordinances of heritage preservation. Given this context, this study
aimed to analyze the public policy of preserving the cultural heritage of Igatu. The methodological procedures used in this research were to documentary research, case
studies, interviews, secondary sources and the use of images. The documentary research has revealed information about the history of Igatu, their territorial formation, and the
leather on the preservation of local heritage policies. The interviews were important to understanding the territorial formation and the district's memory. Secondary sources
were used to supplement and support the information gathered with the other procedures. And the use of images integrate information and reflections obtained in this
work. The obtained analyzes show that tourism brought serious consequences for equity Igatu such as the degradation of some of its archaeological sites. This was due to the
government's lack of planning and lack of implementation of public policies safeguard local heritage.
Key words: Igatu; mining; heritage; memory.
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LISTA DE SIGLAS E ABREVIAÇÕES
CAT Centro de Atendimento ao Turista CNCR Centro Nacional de Referências Culturais
CONARQ Conselho Nacional de Arquivos
CR Coordenação Regional do IPHAN DEPROT Departamento de Proteção do IPHAN
Embasa Empresa baiana de água e saneamento
FAPESB Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia
FCP Fundação Cultural Palmares
FCpM Fundação Cultural pró Memória IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
INRC Inventário Nacional de Referências Culturais IBPC Instituto Brasileiro do Patrimônio Cultural
IBRAN Instituto Brasileiro de Museus
IPAC Instituto do Patrimônio Artístico Nacional
IPAC - SIC Inventário de Proteção do Acervo Cultural da Bahia – Secretaria da
Indústria e Comércio IPHAN Instituto do Patrimônio Histórico Artístico Nacional
MEC Ministério da Educação
PAC Programa de Aceleração do Crescimento
PRONAC Programa Nacional de Apoio à Cultura PNCD Parque Nacional da Chapada Diamantina
SPHAN Subsecretaria do Patrimônio Histórico Artístico Nacional SR Superintendência Regional
ONU Organização das Nações Unidas
UEFS Universidade Estadual de Feira de Santana
UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
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LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Localização do distrito de Igatu. 17
Figura 2: Ruas e equipamentos turísticos de Igatu, 2008. 20
Figura 3: Povoado Passagem/Andaraí, 2014. 32
Figura 4: Rua Sete de Setembro em Igatu, 1940. 35
Figura 5: Igreja de São Sebastião de Igatu, 1978/2014. 36
Figura 6: O rancho e o garimpo em Andaraí, 1944. 37
Figura 7: A bateia e o ralo em Andaraí, 1944. 40
Figura 8: Ruínas da Usina de Igatu, 2007. 44
Figura 9: Venda da sempre-viva em Igatu, 1969/1978. 47
Figura 10: Praça José Gomes da Silva, Igatu 2002. 48
Figura 11: Praça José Gomes da Silva, Igatu 2015. 48
Figura 12: Rua Sete de Setembro, Igatu 1978. 63
Figura 13: Parte interna e planta baixa da Igreja São Sebastião, Igatu 1978. 65
Figura 14: Toca garimpeira de Igatu, 1978. 66
Figura 15: Parte interna da toca garimpeira, Igatu 1978. 66
Figura 16: Luís dos Santos, Igatu 1978. 67
Figura 17: Rua Sete de Setembro, Igatu 2002. 68
Figura 18: Rancho Luís dos Santos e toca garimpeira, Igatu 2002. 69
Figura 19: Livro do Tombo: Igatu - Chapada Diamantina/BA. 89
Figura 20: Processo de tombamento de Igatu, 1998. 90
Figura 21: Abaixo assinado para tombamento de Igatu, 1997. 90
Figura 22: Proposta de tombamento de Igatu, 1998. 92
Figura 23: Documento de homologação do tombamento de Igatu, 1999. 98
Figura 24: Perspectiva do Alto do Cruzeiro - Embasa, Igatu, 2014. 103
Figura 25: Proposta – Parque Urbano de Preservação Ambiental, Histórica e Lazer de Igatu, 2007. 105
Figura 26: Ruínas Luís dos Santos, Igatu, 2013. 106
Figura 27: Afloramentos rochosos - Manga do Céu, Igatu, 2007. 106
Figura 28: Registros do garimpo - Manga do Céu, 2010. 107
Figura 29: Construção nos afloramentos rochosos - Manga do Céu, 2007. 108
Figura 30: Proposta de criação do Centro de Referência da Cultura Garimpeira de Igatu. 109
Figura 31: Ruínas da antiga usina de Igatu, 2007. 110
Figura 32: Área protegidas de Igatu, 2009. 111
Figura 33: Igreja São Sebastião - restauração IPHAN, 2012. 112
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LISTA DE FLUXOGRAMAS E QUADROS
Fluxograma 1: Renda da população de Igatu, 2010. 21
Fluxograma 2: Do diamante ao turismo em Igatu - Linha do tempo. 52 Fluxograma 3: Livro do Tombo do Patrimônio Brasileiro. 74
Fluxograma 4: Atribuições do Programa Monumenta. 97 Fluxograma 5: Recomendações do IPHAN, Igatu, 2003. 100
Fluxograma 6: Proposta – Museu Cultural do Diamante. 115
Quadro 1: Informações sobre os entrevistados de Igatu, 2005. 24
Quadro 2: Etapas para análise dos documentos sobre o patrimônio. 28
Quadro 3: Documentos sobre o patrimônio cultural de Igatu. 29
Quadro 4: População de Igatu, 1978. 64
Quadro 5: Sistematização das políticas públicas de proteção patrimonial: de 1937 à 2010.
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SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO ............................................................................................... 13
2. CARACTERIZAÇÃO DA ÁREA DE ESTUDO............................................... 17
2.1 Procedimentos metodológicos da pesquisa ....................................................... 22
3. CONTEXTO GEOGRÁFICO E HISTÓRICO DO GARIMPO ........................ 31
3.1 A formação do distrito de Igatu ........................................................................ 31
3.2 A primeira crise, suas consequências e o retorno do garimpo ............................ 41
3.3 O último declínio do garimpo .......................................................................... 45
3.4 Igatu: população sempre-viva .......................................................................... 46
3.5 Reflexões geográficas sobre a formação do território de Igatu ........................... 53
4. MEMÓRIA E PATRIMÔNIO ........................................................................... 57
4.1 Igatu: Território de memória e do patrimônio histórico ..................................... 62
5. PATRIMÔNIO CULTURAL NO BRASIL........................................................ 70
5.1 Conceituando Patrimônio ................................................................................ 70
5.2 Políticas públicas de preservação do patrimônio cultural: contexto histórico ...... 72
6. PATRIMÔNIO CULTURAL DE IGATU.......................................................... 88
6.1 Proposta para preservação e valorização do patrimônio de Igatu ..................... 114
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................ 121
8. REFERÊNCIAS ............................................................................................... 127
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1. INTRODUÇÃO
Igatu, distrito do município de Andaraí, está situado no alto da Serra do Sincorá, na
Chapada Diamantina, Bahia. A Chapada Diamantina, por sua vez, se localiza no sertão
do estado, possui relevo desgastado pela ação do tempo, assim como cânions, vales,
rios, nascentes, quedas-d’água e cachoeiras. É formada por um conjunto de serras que
sobressaem pela altitude, entre elas a do Sincorá. Esta serra faz parte da Serra do
Espinhaço, que se prolonga de forma descontínua até o Sul de Minas Gerais. Possui 100
km de extensão e está a 1200 m de altitude em relação ao nível do mar. A Serra do
Sincorá é formada por planaltos escarpados, elevações, blocos e picos rochosos. Neste
local estão situados os municípios de Lençóis, Palmeiras, Mucugê e Andaraí – antigos
centros das lavras diamantinas do sertão baiano (TEIXEIRA; LISKER, 2005).
As variações de altitudes entre vales profundos e as serras íngremes isolam
localidades protegendo e diversificando relevo, fauna, nascentes, flora, entre outros. Por
estar situado em um dos pontos altos da Serra do Sincorá (a 729 m de altitude), na
Chapada Diamantina, o distrito de Igatu consiste em um local cercado pela imponência
natural (rochas, poços, rios, córregos, serras, vegetação etc.) e pelas marcas na paisagem
(muros, casas, ruas de pedra) oriundas dos quase 100 anos do garimpo. Devido a sua
natureza, herança cultural e histórica, o distrito de Igatu foi considerado área de
proteção ambiental e palco de ação das políticas de preservação1 patrimonial. Este
cenário instigou essa proposta de investigação, a qual analisou o distrito, o garimpo, as
políticas públicas de preservação, a história, a geografia e a memória deste território,
aqui entendido como resultante das relações, políticas, culturais e econômicas, entre
outras. Diante disto, o objetivo geral desta investigação consiste na análise das políticas
de preservação do patrimônio cultural de Igatu.
Patrimônio cultural significa um conjunto de bens materiais fixos e não fixos que
aludem sobre a cultura de um grupo social. São os modos de viver, os festejos, a
linguagem, os rituais, a culinária deste grupo. O patrimônio de um determinado
território é relevante para seu povo, porque guarda a cultura, a memória e as identidades
desta sociedade. Sua preservação é necessária e de responsabilidade da sociedade civil e
de seus governantes. A institucionalização da preservação emerge através de decretos,
1O conceito de preservação é entendido, segundo Fonseca (2005), como a ação de coletar, tomar como posse, classificar e dar valor a um determinado bem. É uma atividade que está em constante conflito entre
o que conservar e o que não conservar. Para tanto, esta ação deve ser planejada, seguir critérios e estar
legalmente respaldada.
14
leis, planos, projetos e ações, denominadas de políticas públicas, cujo objetivo é
resolver problemas, atenuar conflitos e modificar realidades.
A relevância desta investigação parte da riqueza patrimonial e cultural de Igatu e do
número reduzido de publicações, sobretudo aquelas consideradas secundárias, que
tratam de políticas públicas, garimpo e patrimônio. Observa-se, no caso do distrito, uma
lacuna no que diz respeito às ações municipais para preservação do patrimônio, que são
quantitativamente reduzidas. Esta investigação torna-se importante também devido à
aproximação com a área de estudo2. Pois são quase 10 anos de pesquisas sobre o
distrito, o garimpo, sua cultura e sua história.
Durante os anos de estudo sobre o distrito de Igatu, realizados por esta
pesquisadora, a questão patrimonial sempre esteve presente, sobretudo quando havia
contato direto e frequente com a comunidade. À vista disso, algumas inquietações foram
surgindo como: Qual a importância da preservação para população de Igatu? Quando e
como ocorreu o processo de tombamento? Qual a participação do governo federal,
estadual e municipal nesta preservação? Estas e outras inquietações se apresentam como
produto nesta investigação, cujo âmago está nas políticas públicas de preservação
patrimoniais destinadas a este território.
Para análise dos decretos, leis, planos, projetos, programas e ações, este trabalho
questiona quais os principais aspectos e as características mais destacadas nas políticas
de preservação do patrimônio cultural do distrito de Igatu. Para tanto, possui os
seguintes objetivos específicos:
Descrever o contexto geográfico-histórico do garimpo e de Igatu;
Analisar a importância da memória para o patrimônio cultural local;
Identificar e analisar as políticas que visam à preservação do patrimônio cultural
de Igatu e caracterizar o contexto de tais proposições;
Averiguar se há legislação municipal de preservação do patrimônio e como se
estabelece a relação entre órgãos estaduais e federais de preservação e a
prefeitura local.
2Desde a graduação pesquiso sobre o distrito de Igatu. Na especialização o tema foi à cultura garimpeira
representada pela literatura Cascalho, escrita por Herberto Sales em 1944. E nesta investigação, analiso as
políticas de salvaguarda do patrimônio local.
15
A partir dos objetivos específicos, a dissertação foi organizada em cinco capítulos
que analisam a história de Igatu, sua formação geográfica e cultural, suas memórias, as
políticas públicas e sua importância para o patrimônio local.
O primeiro capítulo contém uma breve caracterização da área de estudo, no qual
foram apresentadas algumas informações sobre o distrito como a localização, o clima, a
vegetação, o contingente populacional, entre outros. O propósito deste capítulo é
realizar uma apresentação geral sobre o distrito de Igatu. Nesta seção também se
discutiu os procedimentos metodológicos utilizados por esta investigação.
O segundo capítulo versa sobre a formação territorial de Igatu, a história do
garimpo, os períodos de auge e de decadência desta atividade. Desde o aparecimento de
seus primeiros habitantes, à constituição do comércio, o aumento populacional até as
migrações e o decréscimo populacional. Contém também uma análise geográfica sobre
a formação deste território, apresentando significados múltiplos a este conceito.
O terceiro capítulo discute a importância do estudo da memória, suas perspectivas
de análise, conceitos e sua interação com a cultura e com o patrimônio do distrito de
Igatu. A memória é entendida a partir de concepções que estudam o indivíduo e a
sociedade.
O quarto capítulo analisa o patrimônio cultural do Brasil, aborda seus conceitos e
apresenta as políticas públicas de preservação patrimonial do país, desde a constituição
do órgão federal de salvaguarda até o ano de 2010. Foram utilizados uma compilação de
leis, decretos e planos elaborados pela Câmara de Deputados.
E, por fim, o último capítulo direciona-se às políticas específicas de preservação do
patrimônio cultural de Igatu. Foi analisado o dossiê que contém uma série de
documentos, desde abaixo assinado, memorandos, memorial descritivo entre outros que
fazem parte do processo de tombamento do distrito, organizados pelo IPHAN, IPAC e
pela Prefeitura de Andaraí.
A partir da análise sobre a jurisdição e as políticas públicas de preservação do
patrimônio cultural do Brasil e de Igatu, foi idealizada uma proposta - O Museu Cultural
do Diamante para contribuir com a salvaguarda e a valorização da cultura garimpeira no
distrito. Esta proposta contém introdução, breve descrição, acervo a ser preservado que
represente a cultura, a identidade e a memória do território. Bem como, as atribuições
desta instituição museológica. A necessidade de um museu em Igatu consta nos autos
do IPHAN (1998). O Instituto reforça a ideia de que é relevante para o distrito uma
instituição que preserve a cultura e memória local. A partir desta necessidade e do
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estudo da história local foi proposto, neste trabalho dissertativo, o Museu Cultural do
Diamante que busca reforçar as ações de preservação patrimonial de organismos como
IPHAN, IPAC e Prefeitura de Andaraí.
Os procedimentos utilizados para escrever estes capítulos foram o estudo de caso, a
pesquisa documental, entrevistas, análise das fontes secundárias e uso de imagens. O
estudo de caso permeia todas as etapas desta investigação, não é considerado um
procedimento simples e sim uma análise experiente e densa das questões sociais, no
qual é preciso conhecer o cotidiano e a área estudada.
Na pesquisa documental se analisou os decretos, as leis, os programas, os planos, as
ações do governo brasileiro para com o patrimônio, assim como textos antigos que
denotam sobre o garimpo e o distrito de Igatu. As entrevistas com moradores do distrito
foram realizadas durante o ano de 2005, mas receberam tratamento diferenciado
conforme os objetivos desta investigação.
Já as fontes secundárias foram importantes para analisar e também fundamentar as
informações obtidas com a pesquisa documental e com as entrevistas. O uso das
imagens foi essencial para completar a escrita e as reflexões; para auxiliar no estudo da
história, da formação territorial e da memória de Igatu.
Ao escrever sobre a história de Igatu, a finalidade foi evidenciar como a atividade
garimpeira, os trabalhadores e os demais sujeitos foram importantes para formação
deste território. Isto é, importantes para construção dos elementos territoriais como as
casas, as ruas, o comércio, as tocas, os muros, os garimpos, as barragens, a culinária, as
festas, o fazer e o viver que compõe o distrito que foi e continua sendo locus de poder,
de cultura, de trabalho, de moradia, de identidades e de memória.
A cultura garimpeira e as identidades encontradas neste território foram cunhadas
devido à migração de diversos grupos sociais para Igatu, durante o período de auge da
atividade mineradora. A cultura, a história do garimpo e também da formação deste
território estão presentes nas lembranças, nas heranças de sua população. A memória
está incorporada na paisagem, nos relatos e nas vivências de seus moradores.
A memória, a história e a cultura como partes integrantes do patrimônio estão sob a
jurisdição das políticas públicas de preservação patrimonial do país, que são as leis, os
decretos, os programas, os planos e as ações, entre outros, que desde a segunda metade
do século XX vem sendo pensados para salvaguardar o patrimônio cultural brasileiro.
17
2. CARACTERIZAÇÃO DA ÁREA DE ESTUDO
Igatu, antiga vila e atualmente distrito de Andaraí3, localiza-se na Chapada
Diamantina, a 13 km da sede do município, a 729 m de altitude e a 324 km da capital do
estado da Bahia. Está entre 200 a 250 metros de altitude em relação à sede Andaraí, na
Serra do Sincorá e no entorno do Parque Nacional da Chapada Diamantina (PNCD).
A Chapada Diamantina, segundo IPHAN (1998), a partir dos dados do IBGE
possui área de 55.599,1Km². É formada por 43 municípios, dos quais Mucugê, Andaraí,
Lençóis e Palmeiras são diamantinos.
Abaixo, a Figura 1 representa a localização do distrito de Igatu e do município de
Andaraí:
Figura 1: Localização do distrito de Igatu.
Fonte: Oliveira e Silva (2009, p. 182).
Segundo Jesus et al (2010), Igatu está localizado na sub-bacia hidrográfica do Rio
Coisa Boa, que é um dos afluentes do Rio Paraguaçu (maior rio em volume de água e
extensão da Chapada Diamantina). As nascentes do Rio Coisa Boa brotam, conforme
autores, em uma localidade denominada pelos moradores do lugar de “Capa Bode”, que
está antes do agropolo industrial de Mucugê.
3Os demais distritos de Andaraí são Ubiraitá e Nova Vista.
18
O Rio Coisa Boa está próximo ao centro urbano de Igatu e consiste em um dos rios
que abastece o distrito. Durante os períodos de auge da mineração foi um local de
garimpo, mas atualmente recebe parte do esgoto urbano4. Coisa Boa é um dos principais
rios de Igatu, deságua no Rio Piaba, que é afluente do Paraguaçu. Além deste rio, há
outros que “cortam” o distrito como o Laranjeiras, dos Pombos, Vitorino e Tamburi.
Igatu possui um clima que varia de subúmido a seco. Isto porque, entre os meses de
outubro a março as chuvas são mais regulares, as temperaturas são mais baixas e o ar
fica mais úmido. De abril a setembro as chuvas são mais escassas, deixando o local
mais quente e seco. Já a vegetação que predomina no distrito é denominada de campo
rupestre e encontra-se, sobretudo, nos afloramentos rochosos. Há também no local
vegetação herbáceo-arbustiva e em lugares mais úmidos encontram-se as matas de
galerias (JESUS et al, 2010).
O relevo é formado por serras de superfícies abruptas e por afloramentos rochosos.
Já as rochas predominantes no distrito, segundo Oliveira e Silva (2009), são o grês
avermelhado - argila de grão fino, o conglomerado, o arenito não-conglomerático e os
seixos.
Sua formação, enquanto território de trabalho e vivências foi analisada no capítulo
seguinte. Mas é relevante antecipar que esta formação esteve vinculada diretamente com
o garimpo de diamantes e posteriormente de carbonato (mineral amorfo, cujo nome
técnico é “larita”) que ocorreu entre os fins da primeira metade do século XIX e a
primeira metade do século XX, respectivamente. O garimpo foi por muito tempo a
principal atividade econômica do local e o principal atrativo de migrantes de várias
localidades do país.
Com muitas residências no período de auge da atividade garimpeira e um rentável
comércio de diamantes e carbonato, Igatu se consistiu por muito tempo em uma rica
vila, pertencente à Andaraí. E foi elevada a categoria de distrito no ano de 1888, quatro
anos após o início de sua formação.
Décadas após o término do garimpo, parte do distrito tornou-se área de proteção do
PNCD, no qual qualquer atividade extrativa ficou proibida por lei. Em 1998 a área
4Durante as pesquisas realizadas em Igatu entre os anos de 2005 a 2009 observou-se, enquanto
pesquisadora de iniciação científica financiada pela Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS) e
pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia (FAPESB) no curso de Geografia desta
instituição, que no distrito de Igatu muitas residências e até mesmos pousadas despejavam esgotos no Rio Coisa Boa. Estas informações foram confirmadas entre 13 a 17 de fevereiro de 2014 – durante uma
viagem de campo para Igatu e Andaraí, cujo objetivo foi de informar a Prefeitura sobre realização desta
pesquisa, assim como solicitar da mesma, documentos sobre o patrimônio de Igatu.
19
urbana também integrou a área de proteção cuja responsabilidade ficou a cargo do
Instituto do Patrimônio Artístico Nacional (IPHAN).
No ano de 2010, o distrito contou com 835 famílias residindo em suas ruas, praça e
becos. Este contingente populacional é, segundo o último censo realizado pelo IBGE
(2010), de 3606 moradores, sendo que 187 eram mulheres e 173 homens. A maioria
desta população está distribuída em pequenas casas construídas com pedras localizadas
ao longo de um eixo urbano principal formado pela Rua Nova (entrada da cidade), a
Rua Duque de Caxias e a Rua Sete de Setembro (rua de maior extensão) e outros eixos
secundários interligados ao principal, como a Rua das Flores, dos Casados, dos Negros,
do Maxixe, São Sebastião entre outras, que podem ser visualizadas na Figura 2:
5Este dado refere-se ao número de domicílios privados fornecidos pelo IBGE para o ano de 2000.
Disponível no link http://www.sidra.ibge.gov.br/bda/tabela/protabl.asp?c=1311&z=t&o=4&i=P Acesso 11 de ago. de 2014. 6Censo realizado pelo IBGE no ano de 2010, disponível para consulta no link:
http://www.sidra.ibge.gov.br/bda/tabela/protabl.asp?c=1378&z=t&o=1&i=P Acesso 11 de ago. de 2014.
20
Figura 2: Ruas e equipamentos turísticos de Igatu, 20087.
7Esta figura foi elaborada no ano de 2008 para o Relatório de Iniciação Científica (UEFS). E adaptado, conforme, os objetivos desta pesquisa.
Fonte: Rodrigues (2008). – adaptado
21
A Figura 2 representa a área urbana de Igatu e informa sobre suas ruas (a maioria
com calçamento), praça e becos, assim como os equipamentos turísticos do distrito
(CAT-Centro de Atendimento ao Turista8, pousadas, restaurantes e outros
estabelecimentos comerciais). Ao longo dos anos, o distrito de Igatu passou por poucas
modificações. Mas seus equipamentos dependem da atividade turística, isto é da
demanda gerada por esta atividade. Por isto, torna-se frequente o surgimento de novos
equipamentos e o desaparecimento de outros. Como por exemplo, a Associação de
Guias de Igatu, a lan house e o CAT que não existem mais.
Desde o início do século XXI, o turismo se constitui na principal atividade
econômica do distrito. Os visitantes que chegam até Igatu são atraídos tanto pela sua
beleza natural, quanto pela sua história e cultura impressa em seu patrimônio cultural
material e imaterial. Estes visitantes promovem uma movimentação do comércio local,
gerando empregos e renda, ainda que insatisfatória, para a população como se observa
nos dados abaixo que revelam a concentração de renda9 dos moradores do distrito.
Fluxograma 1: Renda da população de Igatu, 2010.
Fonte: Rodrigues (2015).
8 Registrou-se em 17/02/14 que o Centro de Atendimento ao Turista de Igatu não estava mais em funcionamento. 9 Os dados são do último censo realizado pelo IBGE no ano de 2010. Neste período o salário mínimo era
de R$ 510,00. Estes valores representados referem-se ao universo pesquisado pelo instituto.
22
Somando os dados do Fluxograma 1 percebe-se que a maioria da população
(71,6%) recebeu, no ano de 2010, entre ¼ a 2 salários mínimos. E uma fração pequena
(36 moradores) recebeu de 10 a 15 salários mínimos.
O fluxograma evidencia a desigualdade econômica e social do distrito. Ainda que,
possua outras riquezas (natural e cultural) e oferte alguns dos serviços como água e
esgoto encanados, luz elétrica, uma escola pública que atende aos alunos do ensino
fundamental I e o Centro Cultural Chic Chic que, junto com a Prefeitura de Andaraí e o
IPAC, são responsáveis em executar algumas das políticas públicas de preservação do
patrimônio de Igatu.
O subcapítulo a seguir evidencia os caminhos possíveis para análise das políticas
públicas de preservação do patrimônio cultural, do garimpo, da formação territorial de
Igatu e de suas memórias.
2.1 Procedimentos metodológicos da pesquisa
A abordagem que fundamenta os procedimentos utilizados nesta pesquisa é de base
qualitativa, portanto, propõe interação entre ação e contexto, entre objeto e pesquisador,
preocupando-se com as questões sociais e com o cotidiano analisado (MINAYO;
SANCHES, 1993).
Em uma pesquisa de base qualitativa, conforme Triviños (1987) deve se preocupar
com os significados e com o porquê da existência dos mesmos. Estes significados são
produtos da visão subjetiva do pesquisador, ora respaldada pela teoria.
Para elaborar uma análise carregada de significados, com consistência e coerência,
os procedimentos utilizados nesta investigação e discutidos neste texto estão
apresentados conforme a sequência de exibição dos capítulos da dissertação (indicada
no sumário) que possui como base os objetivos específicos propostos. Portanto, esta
seção foi preparada segundo a ordem de exposição da pesquisa, por assim entender que
se tornou mais propício para elaboração dos cinco capítulos que compõem este trabalho.
Antes de iniciar a discussões sobre os procedimentos metodológicos adotados por
esta investigação, a partir dos capítulos, é necessário destacar, conceituar e caracterizar
o procedimento estudo de caso que está presente em todas as etapas deste trabalho.
O estudo de caso não consiste em uma fase exploratória da pesquisa, não é somente
uma estratégia de coleta de dados e tão pouco apenas uma forma de planejar a pesquisa.
Para se realizar um estudo de caso qualitativo é necessário experiência, treino e contínua
23
interação entre os dados coletados e a teoria estudada. O estudo de caso busca uma
análise profunda e subjetiva das questões sociais, por isto, é de interesse das ciências
humanas. Esta análise profunda necessita da interação com outros procedimentos
metodológicos (YIN, 2001).
Os procedimentos que completam o estudo de caso são as pesquisas com
documentos e as entrevistas. Os documentos podem ser cartas, memorando, atas ou
aqueles administrativos que consistem em propostas, leis, decretos, relatório, entre
outros. Os pontos positivos da pesquisa com documentos consistem no fato de que é
considerada uma fonte estável, podendo ser revisada várias vezes. O negativo refere-se
ao difícil acesso a tais fontes. Já as entrevistas, que também completa o estudo de caso,
permite que o pesquisador questione, peça opiniões ou realize interpretações sobre
assuntos ou acontecimentos informados (YIN, 2001).
Iniciando às discussões procedimentais por capítulo, o primeiro desta pesquisa,
intitulado “Caracterização da Área de Estudo” teve por objetivo apresentar informações
iniciais sobre o distrito de Igatu, tais como, localização, contingente populacional e
aspectos naturais (hidrografia, vegetação, relevo entre outros). Informações relevantes
para alcançar uma visão mais geral da área analisada. Para tanto, foi realizada uma
revisão de literatura, que consiste na busca de escritos que tratem sobre o tema, tais
como livros, teses, dissertações e artigos denominados aqui de fontes secundárias. As
fontes secundárias são importantes porque permitem ao pesquisador obter informações
sobre o tema estudado a partir de publicações nas quais o mesmo já foi abordado. Tais
publicações são utilizadas para fundamentar a pesquisa, sustentando os dados obtidos
com os demais procedimentos metodológicos.
Os artigos, as teses e as dissertações remetem ao que há de mais atual publicado
sobre o tema ou área de estudo, e, geralmente, refletem o estado mais recente do
conhecimento sobre o que está sendo pesquisado, assim como as teorias e metodologias
mais utilizadas.
O capítulo seguinte (II), denominado de “Contexto Geográfico e Histórico do
Garimpo” possui o objetivo de discorrer sobre a formação do distrito de Igatu,
apresentando os momentos históricos importantes e as alterações provocadas pela
atividade garimpeira. Para tanto, foram utilizados como fontes as narrativas de
24
entrevistas realizadas no ano de 2005 com alguns moradores do local10
, a pesquisa
documental, a revisão bibliográfica, e o uso de imagens.
As entrevistas, nesta pesquisa, foram utilizadas para fundamentar as informações
obtidas tanto oriundas dos documentos, quanto dos artigos, das dissertações, das teses e
de livros que tratam sobre o garimpo em Igatu. Para tanto, compreende-se que um
relato, segundo Alberti (2005), consiste em uma história de vida, no qual o entrevistado
ao falar sobre seu cotidiano expõe também acontecimentos coletivos de um grupo ou de
uma sociedade em geral. Tais relatos são também, conforme a autora, temáticos, porque
informam a opinião e a participação do entrevistado no tema. Para o caso de Igatu, as
entrevistas realizadas foram caracterizadas como histórias de vida porque ao expor seu
cotidiano e suas vivências, o entrevistado apresentou acontecimentos de um coletivo,
acontecimentos referentes ao garimpo de diamantes e são também temáticas porque o
informante destacou sua participação na sociedade garimpeira.
As entrevistas realizadas em Igatu, em 2005, tiveram oito informantes que foram
avisados previamente que seus relatos seriam publicados e que consentiram sua
publicação, desde que seus nomes não fossem revelados. Para tanto, são apresentadas
nesta pesquisa e foram registrados em outras anteriores, nomes fictícios dos
entrevistados, seguindo a descrição do Quadro 1.
Quadro 1: Informações sobre os entrevistados de Igatu, 2005.
Fonte: Rodrigues (2014).
10As entrevistas foram realizadas entre setembro e dezembro de 2005, tendo como sujeitos da pesquisa
moradores da comunidade de Igatu, para o Projeto “Trilhas de Igatu” uma parceria entre a UEFS e FAPESB. A realização das entrevistas foi possível devido ao trabalho de iniciação científica através da
bolsa de pesquisa financiada pela FAPESB. Na época, o estudo foi submetido e aprovado pelo Comitê de
Ética e Pesquisa da UEFS.
Entrevistado/a
(nomes fictícios)
Data de realização Idade (2005) Situação do
informante (2005)
Adelma Dez./2005 61 Aposentada
Bruno Dez./2005 80 Aposentado
Carlos Nov./2005 79 Aposentado
Daniel Set./2005 78 Aposentado
Elias Set./2005 41 Comerciante
Filipe Dez./2005 88 Aposentado
Gabriel Set./2005 Não informada Aposentado
Hugo Set./2005 70 Aposentado
25
Os entrevistados, durante o ano de 2005, foram escolhidos de acordo com a
representatividade e conhecimento sobre Igatu. Neste mesmo ano, foi realizado um
breve esboço sobre quais os possíveis informantes. Estes foram convidados a
participarem da pesquisa e a maioria contatada aceitou. Os relatos foram gravados e
transcritos.
A pesquisa documental, outro procedimento aplicado neste capítulo, utiliza de
documentos de épocas anteriores para obtenção de informações sobre o objeto
analisado. Para alcançar informações mais consistentes, o pesquisador deve conhecer
quem escreve, porque foi escrito e para quem se destina o documento (SÁ-SILVA et
al., 2009).
São considerados documentos textos, vídeos e fotografias que aludem a um passado
relativamente distante e também textos oficiais que estabelecem um marco legal e
comprovam um determinado acontecimento como políticas públicas, leis, decretos que
não receberam tratamento ou que podem passar por uma nova análise (SÁ-SILVA et
al., 2009).
Na pesquisa documental não há contato direto do pesquisador com os grupos
pesquisados ou com a área de estudo. Isto não a torna desprovida de dados, pelo
contrário, este procedimento possibilita uma leitura mais profunda dos conteúdos e
ainda é considerada de baixo custo (PIANA, 2009).
Há alguns obstáculos que dificultam a utilização mais frequente deste
procedimento, como o tratamento inadequado dado aos documentos. Alguns arquivos
públicos do país estão em más condições, outros se assemelham a depósitos, pois os
documentos são deixados em qualquer lugar e de qualquer jeito. Estas fontes acabam se
perdendo, impossibilitando, na maioria das vezes, que o pesquisador consiga sequências
de informações, promovendo assim, análises aleatórias.
Os documentos, oriundos de arquivos públicos de Mucugê, Andaraí e outros
disponíveis na internet, analisados para compor este capítulo foram: Acauã (1847),
Pereira (1937), Sales (1944 e 1955), Aguiar (1979), IPHAN (1998) 11
e Brasil (2007),
todos discorrem sobre o garimpo entre outros assuntos relacionados à Chapada
Diamantina. Acauã (1847), no relatório sobre os terrenos diamantinos, traz uma
11IPHAN (1998) consiste no processo de Tombo do distrito de Igatu. Este dossiê reúne documentos
importantes que evidenciam a importância cultural, histórica e arqueológica do distrito, justificando assim a preservação de seu patrimônio cultural material. Este processo contém outros documentos, estes
históricos, importantes para caracterização do distrito. O processo de tombamento contém informações
atuais e antigas do distrito de Igatu e será analisado a seguir.
26
contribuição significativa, pois seus relatos são sobre os principais territórios de
garimpagem, como Mucugê, Lençóis, Andaraí e Igatu. O livro de Pereira (1937) é sobre
o município de Andaraí, nele há também contribuições sobre o distrito de Igatu. Sales
(1944), no romance cujo título é “Cascalho”, também considerado como documento,
relata a história do garimpo, o cotidiano do garimpeiro e de outros personagens, a
exemplo do coronel – personalidade típica da região. A referência à Sales (1955) diz
respeito a um relatório técnico sobre o garimpo de diamantes da Bahia escrito logo após
o romance acima citado. E por fim, Aguiar (1979) apresenta descrições sobre o estado
baiano, entre eles os locais de extração diamantina.
Para a revisão literária, outro procedimento deste capítulo, que foi apresentado em
parágrafos anteriores, utilizou-se as fontes secundárias Andrade (2005), Guanaes (2001;
2006), Toledo (2008) e Rodrigues (2012). Todos apresentam análises sobre o garimpo
em diferentes municípios da Chapada Diamantina. Outros autores foram utilizados para
respaldar a análise proposta neste capítulo, como Duarte (2009) que estuda a espécie
sempre-viva, planta comercializada durante a década de 70 do século XX em Igatu, e
que fez parte de seu ciclo econômico.
Já o uso de imagens, último procedimento utilizado para compor este capítulo, tem
por objetivo complementar a escrita sobre a formação histórica e geográfica do distrito
de Igatu. Estas imagens foram retiradas dos seguintes documentos Quadronização do
Cascalho (1977), IPAC-SIC (1980), IPHAN (1998) e IPAC (2002) entre outros. Das
fontes secundárias e outras adquiridas e cedidas em visitas ao distrito de Igatu e que
compõe o acervo pessoal da pesquisadora.
Entende-se que uma imagem consiste em um código da expressão e comunicação
humana vinculada aos sentimentos, à identidade e a memória de grupos sociais. Estas
podem ser uma obra pictórica, uma fotografia, o cinema e um desenho. A imagem não
substitui a escrita, ambas se complementam. A importância do uso da imagem como
parte do processo de investigação se dá pelo fato de que estas são repletas de signos e
significados que atendem a um público bem maior que a escrita (WELLER; BASSALO,
2008).
Os tipos de imagens utilizadas por esta investigação, para integrar a escrita, foram
fotografias e desenhos. Segundo Weller e Bassalo (2008), as fotografias são
instrumentos de pesquisa que captam a realidade a sua frente, isto é captam pessoas e/ou
paisagens em um determinado lugar e sobre determinado assunto. Já o desenho,
segundo Dias (2005) é a expressão do real no papel elaborada habilmente através de
27
traços pelos indivíduos. Esta realidade expressa através do desenho deve ser
entendida/decodificada por quem o observa.
O capítulo III está dividido em dois subcapítulos. O primeiro versa sobre memória e
objetiva discutir sobre sua importância para entendimento do território e para análise de
políticas de preservação ao patrimônio cultural. Os procedimentos utilizados foram
também os já apresentados: pesquisa documental, bibliográfica, uso de imagens e as
entrevistas. Os documentos e as entrevistas utilizados neste capítulo, considerados como
fontes de memória, são aqueles informados nos parágrafos anteriores. Estes
procedimentos auxiliaram na reflexão sobre a memória do distrito de Igatu e na sua
associação com o patrimônio local. Das fontes secundárias foram utilizadas os autores
Sá (2007), Costa e Castro (2008) e Halbwachs (2006), entre outros. Já o segundo
subcapítulo utiliza-se do documento IPAC-SIC (1980), que consiste em um inventário
realizado pela Secretária da Indústria e Comércio do Estado da Bahia no ano de 1978 e
publicado em 1980. Este inventário reúne quatro livros e possui o intuito de proteger o
acervo cultural de algumas das localidades do estado baiano. O livro que trata do
distrito de Igatu apresenta o título “Monumentos e Sítios da Serra Geral e Chapada
Diamantina”, apresenta informações sobre sua história, cultura, arquitetura e memória
do distrito. Este documento foi escrito entre os anos de 1978-79, isto é, 38 anos após o
declínio do garimpo, portanto consiste em uma importante fonte de memória sobre o
local.
Sobre memória, Sá (2007) e Costa e Castro (2008) acreditam que esta é um híbrido
resultante das recordações do indivíduo com suas lembranças sociais. A memória
agrega acontecimentos do passado com os do presente. Esta memória individual e ao
mesmo tempo social é denominada de memória coletiva, conforme Halbwachs (2006).
A memória coletiva é uma memória particular comum a outros indivíduos.
O IV capítulo também se subdivide em dois subcapítulos e analisa as políticas de
preservação do patrimônio cultural no Brasil. Para tanto, o primeiro, inicia conceituando
patrimônio cultural (primeiro subcapítulo) utilizando o documento sobre a legislação e
as políticas públicas elaboradas por Cavalcanti (2008), assim como os textos de
Pelegrini (2006), Thomaz (2010), entre outros. Os procedimentos utilizados neste
subcapítulo consistem na pesquisa documental e na revisão da literatura.
O segundo subcapítulo aborda a trajetória das políticas públicas destinadas ao
patrimônio cultural brasileiro através da pesquisa documental e da revisão bibliográfica.
Para análise destas políticas públicas foi consultado o documento elaborado por Brasil
28
(2010) que consiste em leis decretos de 1937 a 201012
. Os documentos que compõe a
legislação sobre o patrimônio cultural do Brasil versam sobre sua dimensão material e
imaterial, foi publicada em 2010 pela Câmara dos Deputados e está disponível na
internet. Para auxiliar no entendimento dos documentos analisados neste subcapítulo
utilizaram-se das reflexões de Fonseca (2005).
Estes documentos apresentados acima foram analisados conforme a teoria da
pesquisa documental, para tanto se elaborou um plano de análise, segundo as premissas
de Sá-Silva et al., (2009) e Piana (2009). Este plano de análise está sintetizado no
Quadro 2. Cada documento foi analisado conforme os elementos que aparecem:
Quadro 2: Etapas para análise dos documentos sobre o patrimônio.
Referência do documento:
Lugar utilizado
Objetivos do documento
Conjuntura do texto Citação p.:
Conteúdo do texto Citação p.:
O público que destina Citação p.:
Conceitos do texto Citação p.:
Breve síntese do documento
Fonte: Rodrigues (2014).
E, por fim, o último capítulo, cujos procedimentos empregados também foram a
pesquisa documental e a revisão de literatura, a qual objetiva discorrer sobre as políticas
públicas de preservação do patrimônio cultural de Igatu. Os documentos sobre o
patrimônio cultural foram obtidos através de pesquisas realizadas no IPHAN, IPAC e na
Prefeitura de Andaraí, estes órgãos disponibilizaram para consulta apenas documentos
referentes ao patrimônio material. Mas é importante ressaltar que os documentos
definidos pelos órgãos federais estaduais e municipais de preservação utilizam tanto das
discussões sobre patrimônio imaterial quanto material para fundamentar suas ações.
Assim, está presente nas políticas públicas sobre o patrimônio de Igatu discussões tanto
sobre a dimensão material quanto imaterial. Os documentos analisados sobre as
políticas públicas do distrito de Igatu estão sistematizados no Quadro 3.
12Legislação sobre Patrimônio Cultural. Biblioteca Digital da Câmara dos Deputados – Centro de
Documentação e Informação: Brasília, 2010.
29
Quadro 3: Documentos analisados sobre o patrimônio cultural de Igatu.
Fonte: Rodrigues (2014).
Os documentos definidos para análise são os pesquisados no IPHAN, IPAC e
Prefeitura de Andaraí, são bastante representativos, pois os demais consistem em ações
isoladas realizadas pela população local solicitando destes órgãos competentes
liberações para reforma de seus imóveis.
Estes documentos foram observados segundo a teoria da pesquisa documental, já
apresentada neste trabalho e da análise de conteúdo, que conforme Triviños (1987)
consiste em um procedimento referente tanto à pesquisa qualitativa, quanto à
13Este documento está assinado pela prefeitura de Andaraí. Também pode ser encontrado no endereço
http://xa.yimg.com/kq/groups/27471536/267582466/name/Parque+IgatuA3+2.pdf. Acesso 26 de abril de
15.
Documento Objetivos Breve descrição Material
Conj. Arquitetônico
Urbanístico e
Paisagístico de Igatu Processo, nº 1411-T-
98.
Proteção ao
patrimônio
material de Igatu
Reúne vários documentos sobre o
patrimônio material de Igatu, desde
ofícios, abaixo assinado realizado pela população local e projetos. Os
documentos datam de 1998 a 2005.
(Processo de tombamento)
Fotografias
realizadas no
acervo do Iphan – Maio e Junho de
2014.
Área contígua de
proteção do Centro Histórico de Igatu
(Decreto Estadual nº
8.357/02) – IPAC
(2002).
Proteção ao
patrimônio material de
Igatu
Reúne uma série de documentos sobre
o patrimônio material, desde matérias de jornais, ofícios, a descrições que
datam de 1978 a 2001. (Processo de
tombamento)
Disponível em
meio digital. Pesquisa no IPAC
– Maio e Junho de
2014.
IPAC-SIC (1980).
Inventariar os bens
materiais de
Igatu.
Possui como fontes documentos e entrevistas com moradores do distrito.
São descrições históricas e
arquitetônicas do local.
Disponível em meio digital.
Pesquisa no IPAC
– Maio e Junho de
2014.
Prefeitura Municipal de Andaraí. Parque
Urbano de Igatu.
Companhia do
Restauro, 200713.
Criação do Parque
Urbano de
Proteção
Ambiental, Histórico e de
Lazer.
Contém fotografias, dados históricos e atuais do distrito de Igatu. Além da
proposta de proteção histórica,
patrimonial e ambiental das Ruínas e
dos afloramentos rochosos Manga do Céu.
Disponível em meio digital. Foi
assinado pela
prefeitura de
Andaraí. A execução
Companhia do
Restauro.
IPAC, Relatório nº
02/2009. Salvador: IPAC, 2009.
Elaborar
poligonal de proteção.
Contém metas para reconhecimento
dos valores culturais locais, como do patrimônio cultural material pela
população.
Disponível em
meio digital. Pesquisa em
Andaraí/Igatu –
Fev. 2014.
PAC – Cidades
históricas (Andaraí – 2010-2013).
Traçar metas
para preservação
do patrimônio
de Igatu.
O documento consiste em slides
elaborados pela prefeitura de Andaraí, baseado no documento federal – PAC
cidades históricas.
Disponível em
meio digital. Pesquisa em
Andaraí/Igatu –
Fev. 2014.
30
quantitativa e existe desde que os indivíduos passaram a interpretar os livros,
inicialmente os sagrados.
Este método torna-se mais consistente na segunda metade do século XX, quando
foram estabelecidas algumas de suas técnicas. Já nas décadas finais deste mesmo século,
elaborou-se uma teoria específica, na qual as técnicas, os princípios e os conceitos
fundamentais foram detalhados para obter uma análise em outros textos, além dos
sagrados (TRIVIÑOS, 1987).
O procedimento de análise de conteúdo consiste em um meio de se estudar a
comunicação entre indivíduos, dando ênfase ao que foi escrito (TRIVIÑOS, 1987).
Portanto, através deste procedimento o pesquisador pode obter informações referentes
às crenças, motivações, diretrizes, atitudes, princípios de grupos sociais, adquirindo uma
visão mais profunda e complexa do que foi estudado.
31
3. CONTEXTO GEOGRÁFICO E HISTÓRICO DO GARIMPO
3.1 A formação do distrito de Igatu
As informações mais antigas, utilizadas por esta pesquisa, sobre a formação do que
hoje é o de distrito de Igatu, datam de 1847, oriundas do relatório técnico escrito por
Acauã (1847), cujo título é “Memória sobre os terrenos diamantinos da Bahia”.
Benedito Marques Acauã foi Inspetor Geral dos Terrenos Diamantíferos do território
baiano de 1846 a 1847, a mando do Império. Segundo Toledo (2008), Acauã foi
chamado para inspecionar os terrenos diamantinos porque pouco se sabia sobre o lugar,
sobretudo nas questões de ordem geológicas de tais terrenos. A intenção do governo
brasileiro era conhecer a rentabilidade da comercialização de diamantes.
Acauã (1847) inicia este documento com informações sobre a estrutura física dos
terrenos nos quais foram encontrados os diamantes. São descrições sobre as serras, os
rios e como chegar até aos locais diamantinos. Um dos pontos mais representativos do
documento é a descrição sobre como e quando ocorreram as primeiras ocupações na
Chapada Diamantina. Segundo Acauã (1847), no ano de 1844, foram descobertas
grandes quantidades de diamantes no leito dos Rios Mucugê e Cumbucas, isto atraiu,
em poucos meses, uma população de quase 25 mil pessoas para tal território.
E foi assim, segundo este autor, que se estabeleceu a grande referência de comércio
da Chapada, que consistia na povoação denominada Paraguaçu Diamantino, hoje
Mucugê. Esta povoação se formou em 1844 nas proximidades dos Rios Cumbucas e
Mucugê e em 1846 possuía cem estabelecimentos destinados ao comércio, consistindo
no centro de relações comerciais.
A descrição continua pelos terrenos diamantinos da Bahia traçados por Acauã
(1847) retratando também as terras do Povoado Passagem, hoje pertencente ao
Município de Andaraí. Segundo o autor, este povoado é banhado pelo rio Paraguaçu e
nos anos de 1846 a 1847 já possuía grandes áreas agrícolas, se constituindo também em
um terreno farto de diamantes. O povoado de Passagem também foi descrito na
literatura documental de Sales (1944), como local do qual se extraíram muitas riquezas
(Figura 3).
32
Figura 3: Povoado Passagem/Andaraí, 2014.
Fonte: Rodrigues (2014).
O povoado Passagem, Figura 3, localizado próximo ao rio Paraguaçu, local
atualmente pertencente ao município de Andaraí, foi um rico garimpo, no qual
trabalharam muitos garimpeiros na extração de diamantes.
Já em Igatu, Acauã (1847) escreveu neste documento, que o distrito era
denominado de povoação de Chique-Chique14
. O autor afirma que este povoado cresceu
à margem do rio que possuía o mesmo nome do local. Do rio Chique-Chique retiraram
grandes quantidades de diamante tanto do seu leito, quanto dos barrancos, dos córregos
que nele desaguam e também dos brejos formados por suas águas. A quantidade de
diamantes encontrada neste local foi importante para o crescimento do povoado que
distavam duas léguas do povoado de Andaraí, cuja população era pequena, quando
comparada às demais.
Na referida serrania do Sincorá, onde começam os terrenos diamantinos, em
distância de vinte léguas se acha a serra do Andarahy, em cujas fraldas está a
povoação deste nome, que distando da do Chique-Chique duas léguas ao sul
e da do Paraguaçu quatro, não contém menos de três mil almas (...) (ACAUÃ, 1847 p. 212).
O início do que hoje consiste o distrito de Igatu também é de 184415
, como afirma
Pereira (1937) 16
. Conforme o autor, depois que encontraram diamantes nas
14Chique-Chique foi o primeiro nome de Igatu, segundo alguns autores aqui mencionados. Mas este trabalho utilizará preferencialmente o nome atual do distrito, mesmo quando referenciar acontecimentos
passados. 15Há, no entanto, algumas evidências que levantam dúvidas de que a formação do distrito é mais antiga
que os documentos evidenciam. Em pesquisas realizadas em Igatu, no cemitério ao lado da igreja São Sebastião, há lápides no qual foram enterradas pessoas cuja data é anterior a 1844. Segundo autores, este
ano consiste no momento em que apareceram as primeiras pessoas e assim construíram as primeiras
moradias.
33
proximidades do Paraguaçu Diamantino (Mucugê), os garimpeiros se direcionaram para
o nordeste, até chegar a um rio bastante rico em diamantes que foi denominado de
Chique-Chique.
Pereira (1937) apresenta duas versões para o primeiro nome de Igatu17
. A primeira
viria de um garimpeiro que trabalhava no local, no qual todos os chamavam de Chique-
Chique ou Xique-Xique. A segunda decorreria da grande quantidade do cacto xique-
xique. Mas, é importante frisar que em 1847, quase noventas anos antes da publicação
de Pereira (1937), Acauã já o denominava de Chique-Chique. E no livro “Memória
histórica e descriptiva de Andarahy”, cujo autor é Pereira (1937), a terceira parte desta
obra é composta por um capítulo cujo subtítulo é “Chique-Chique”, ao referir-se à
história de Igatu.
A formação geográfica de Igatu é semelhante à de muitos locais da Chapada
Diamantina e está descrita tanto nos documentos, quanto nos livros de ficção que narra
histórias sobre o lugar. O atual distrito foi formado a partir de uma população oriunda
de diversas localidades da Bahia, de outros estados e até de outros países. Este
contingente populacional foi atraído pela possibilidade de ascensão econômica que o
diamante promovia. De acordo com IPHAN (1998), o fascínio pelo diamante levou para
Igatu migrantes dos mais variados tipos: aventureiros, ricas famílias, outras tantas
fugitivas das secas. Sobre as migrações para a Chapada Diamantina, especificamente
Lençóis, em decorrência do garimpo de diamantes, Gonçalves (2000) afirma:
Anos atrás, em 1845, com a abertura do garimpo no rio dos Lençóis, o então
povoado, foi também centro de um intenso movimento migratório, atraindo
pessoas de várias classes e ofícios de toda parte da província e das áreas mineradoras de Minas Gerais. Locais até então despovoados, apenas com os
roceiros vistos por Spix e Martius em 1818, ganharam em pouco tempo um
contingente de 1.800 a 2 mil garimpeiros (GONÇALVES, 2000, p. 40).
Um dos garimpos mais rentáveis, apresentado por Pereira (1937) e que, portanto,
atraia migrantes, foi o Canal da Fumaça. Este canal consiste em um “corte” encontrado
na estrutura geológica do local. É bastante fundo em determinadas áreas, já em outras
apresenta pouca profundidade, consequências também da atividade garimpeira18
.
16Gonçalo de Athayde Pereira nasceu em São João do Paraguaçu (hoje Mucugê), foi sócio fundador do Instituto Genealógico da Bahia e escreveu alguns livros sobre Andaraí, Mucugê e Lençóis. Os assuntos
que o autor evidencia nestes livros são de ordem econômica, histórica e em alguns casos política. 17Diz sobre o primeiro nome de Igatu, aquele que aparece no mais antigo documento sobre o distrito,
encontrado nos arquivos públicos na região. Consiste em Chique-Chique apresentado em 1847 por Benedito Marques Acauã. 18Estas informações advêm das observações no distrito, do estudo de caso no local realizado por esta
pesquisadora.
34
Segundo Pereira (1937), utilizando informações dos moradores locais durante a época
em que escreveu o livro, o canal:
(...) vae em linha recta atravessar o Paraguassú, passando na Massa, garimpo onde há anos em 1886 encontram-se grandes depósitos de diamantes em
manchas, e é hoje serviço pertencente ao Coronel Joaquim Vieira Coutinho,
próximo ao Rio Garapa, Caminho dos Lençóes (PEREIRA, 1937, p. 80).
Este garimpo e tantos outros de Igatu como o Luís dos Santos, Bom-Será, Bicame,
Torres e Criminoso, atraíram muitas pessoas, que migraram para tais locais em busca de
trabalhos, moradias e de melhores condições de vida. Há também outros grupos que
passaram a residir no distrito para manter o padrão de vida ou aumentar a riqueza que
possuíam como afirma Pereira (1937):
O Chique-Chique ou Xique-Xique foi um centro comercial importante onde
reuniram-se famílias de prestígio e ricas, muitas vindas de Minas Geraes.
Essas famílias, senhoras de importantes serviços de mineração, ali preponderaram bastante, dando também impulso ao logar, construindo
importantes vivendas etc. (PEREIRA, 1937, p. 80)19.
Portanto, o garimpo de diamante e consequentemente as migrações foram
responsáveis pela formação territorial de Igatu. A possibilidade de mudanças da
qualidade de vida atraiu grupos de diversas partes do país, muitos fugindo de secas,
fome e doenças. Estes grupos formaram a força de trabalho do local, eram os
trabalhadores braçais do garimpo e as lavadeiras20
. Sales (1944), no seu livro ficcional
de elevado caráter documental evidência este cotidiano das migrações em Andaraí, na
Chapada Diamantina:
(...) foram chegando homens de distantes terras, estranhos homens que chegavam em batalhões esfarrapados, homens magros e sujos que fugiam da
seca do nordeste, homens que evadiam as plantações de fumo de Ilhéus e São
Félix para viver a grande aventura do maravilhoso país do garimpo. (SALES,
1944 p. 40)
Estes grupos assim que chegavam aos terrenos diamantinos habitavam os garimpos
como Califórnia, Bambolim, Forca, entre outros; habitavam também as extremidades,
as pontas das ruas, como afirma o autor citado acima. O morar era o mais simples
possível, como, por exemplo, nas tocas. Nos locais de trabalho e de moradia, os
garimpeiros permaneciam horas buscando o brilho do diamante e melhores condições
de vidas.
19As informações apresentadas acima, conforme Pereira (1937) vieram de informantes do local, segundo a
mediação do Coronel Lindolpho Lellis. Foram ouvidos moradores antigos cuja autoridade e critérios
foram definidos pelo autor. 20Segundo as entrevistas, as lavadeiras consistiam no grupo de mulheres que trabalhavam, ganhavam
dinheiro lavando as roupas nos rios e córregos da Chapada Diamantina. Muitas eram esposas de
garimpeiros que com trabalho completavam a renda familiar. Outras sustentavam sozinhas suas famílias.
35
Já no centro urbano de Igatu, ao longo da Rua da Carapaça, hoje denominada Rua
Sete de Setembro, a maior do local, se estabelecia o comércio onde os proprietários dos
mesmos exerciam suas atividades de venda de tecidos, calçados, produtos importados,
gêneros alimentícios e compra de diamantes. A Rua Sete de Setembro foi também local
de posse dos grupos de maior renda do local. A Figura 4 mostra a Praça Aureliano
Gondim e o início da Rua Sete de Setembro, e data da primeira metade do século XX.
Figura 4: Rua Sete de Setembro em Igatu, 1940.
Neste local, evidenciado pela Figura 421
, percebe-se um período de grande
movimentação, no qual o comércio era intenso. Isto pode ser visto pela forma das casas,
nesta imagem, casas grandes, com várias portas, umas próximas às outras, para dar
conta de uma movimentação que ocorria quando as ruas do local estavam repletas de
pessoas.
No ano de 1854, conforme IPAC-SIC (1980) 22
, portanto, dez anos após os
primeiros minérios encontrados em Igatu, um garimpeiro encontrou um diamante de
elevado valor, em pagamento a uma promessa que havia feito construiu a igreja de
pedra do distrito – a Igreja São Sebastião, que está localizada entre o bairro Luís dos
Santos, localidade habitada em sua maior parte por trabalhadores do garimpo e pelas
21A fotografia representada neste trabalho, como Figura 4, é de 1940. Foi capturada da dissertação de Andrade (2005), segundo a autora, pertence ao arquivo pessoal da família de Gomes da Silva. 22Segundo o documento IPAC-SIC (1980), estas informações foram colhidas através de conversas com a
população local.
Fonte: Andrade (2005, p. 55).
36
lavadeiras, e o centro urbano de Igatu, no qual se situava o comércio e os comerciantes.
A Figura 5 mostra duas fotografias da igreja São Sebastião:
Figura 5: Igreja de São Sebastião de Igatu, 1978/2014.
Fonte: IPAC-SIC (1980, p. 181). Fonte: Rodrigues (2014).
A imagem em preto e branco, retirada do documento IPAC-SIC (1980), retrata a
arquitetura original da igreja, uma vez que os imóveis mais antigos, localizados na área
urbana do distrito, foram construídos com pedras e rebocados. Já a imagem colorida
representa a arquitetura atual da igreja São Sebastião, sem o reboco.
Haviam outros locais de moradia além do centro urbano do povoado, locais estes
habitados pela maioria da população. Sobre a ocupação do território de Igatu, esta
obedecia, na maioria das vezes, as seguintes etapas para os migrantes que iriam
trabalhar com o garimpo. Na primeira etapa, aqueles que chegavam ao povoado
ocupavam as suas extremidades, como afirmam Sales (1944) e Rodrigues (2012).
Toledo (2008) também evidencia que esta etapa de ocupação das extremidades ocorria
também em Lençóis ao relatar o bamburro23
de um garimpeiro:
Ceciliano, pai de João da Gia, teria chegado em Lençóis em 1914. Filho de um
escravo alforriado do Recôncavo, que teria ganhado um pedaço de terra em Rio de Contas. De Rio de Contas foi para Chique-Chique de Igatu garimpar
diamantes e de lá para Lençóis. Levou consigo sua família e instalou em uma
toca, fora da cidade, o que era bastante comum (...) (TOLEDO, 2008 p. 183).
O rancho (Figura 6) era local de garimpo e também de moradia, utilizado para
alimentação e descanso depois de um dia de trabalho dos garimpeiros.
23A palavra “bamburro” era utilizada quando o garimpeiro conseguia encontrar um diamante que lhe
rendesse somas avultosas de dinheiro.
Fonte (Fotografia 1): IPAC, 2002. Fonte: (Fotografia 2): Rodrigues, Isabela C. 2014.
37
Figura 6: O rancho e o garimpo em Andaraí, 1944.
Fonte: Clássicos ilustrados. Cascalho – quadronização do romance (1977, p. 24)24.
A imagem acima é oriunda de uma proposta geral de quadrinização de alguns dos
romances brasileiros25
, cujo desenho é de André Le Blanc, para esta obra, inspirado no
texto do romance Cascalho de Herberto Sales, o qual representa o cotidiano de
garimpeiros, nos locais de trabalho, nas lavras diamantinas, neste caso no território de
Andaraí.
Segundo o IPHAN (1998), o rancho era uma residência do garimpeiro feita de
pedra e coberto por folha da pindoba. Em Igatu os ranchos se concentravam na ruas do
Bambolin, Barriguda e em maior número no bairro Luís dos Santos.
Na segunda etapa, depois que o garimpeiro conseguia encontrar um diamante
valioso e se estabelecer financeiramente, como afirma Sales (1944), Toledo (2008) e
Rodrigues (2012), mudava sua residência para uma casa localizada na rua do centro
urbano, como ilustra o autor: “Foi um bamburro que permitiu ao garimpeiro levar sua
família para uma casa na cidade, casa onde João nasceu (TOLEDO, 2008, p. 183)”.
Esta possibilidade de ascensão foi conferida ao garimpeiro somente nos tempos de
grande movimentação comercial. Isto é, nos períodos em que o mercado, sobretudo o
europeu, comprava diamantes da Chapada, fazendo com que fosse estabelecida uma
dinâmica econômica, conferida pelo trabalho de garimpagem e pela negociação do
minério.
24
Clássicos ilustrados. Cascalho (em quadrinhos). Rio de Janeiro. Editora Brasil-América, 1977. 25Foram transformados em quadrinhos 15 romances de autores brasileiros como José de Alencar, José
Lins do Rego, Jorge Amado, Euclides da Cunha, entre outros. A última edição, portanto, a de número 15
é de Herberto Sales, alguns destes desenhos estão nesta dissertação.
38
Os momentos de grande movimentação do comércio ocorriam, principalmente aos
sábados, tanto na sede de Andaraí, quanto no distrito de Igatu, após a chegada dos
trabalhadores do garimpo aos centros urbanos. A rotina semanal destes trabalhadores
braçais era realizada obedendo uma certa disciplina, não tão rígida. Estes trabalhadores
saiam de suas casas e se direcionavam aos locais de garimpo, os quais não eram sempre
os mesmos, pois isto dependia da quantidade de diamantes que era encontrada.
Geralmente os garimpeiros saiam em um dia da semana, levando consigo os
mantimentos para a alimentação, e no sábado retornavam para os centros urbanos
(RODRIGUES, 2012).
Mesmo não econtrando o diamante, o garimpeiro retornava à área urbana, nos dias
de sábado, porque sabia que, nos períodos de auge do garimpo, outros tantos
garimpeiros estariam vendendo o minério. E isto garantia este movimento nas ruas e nos
estabelecimentos comerciais do local. Rodrigues (2012), utilizando a documentação de
Sales (1944; 1945), evidencia que o sábado era determinado como o dia da festa, o dia
do retorno, no qual o garimpeiro pagava aos donos do garimpo o valor do diamante
encontrado, recebendo sua parte que era consumida em produtos vendidos no comércio
local.
Os garimpos, em sua maioria, pertenciam a um ou mais indivíduos, que em geral
não eram garimpeiros. Estes trabalhadores, por sua vez, ao garimpar deveriam pagar
pelo uso da terra. O pagamento era estabelecido após o encontro do diamante e a
avaliação de seu valor. Esta avaliação era realizada pelo dono26
do garimpo que, na
maioria das vezes não pagava aos garimpeiros o valor devido, subtraia do valor do
minério o valor pelo uso da terra.
O valor do diamante era estabelecido pelos seus compradores e sofria influências
do mercado. Os europeus eram os que mais compravam diamantes da Chapada
Diamantina e portanto, eram os que ditavam seus preços. Somente alguns indivíduos de
cada território da Chapada se responsabilizavam em negociar com os compradores
europeus, como informam Pereira (1937), Sales (1944; 1945) e Rodrigues (2012), estes
indivíduos possuiam fortes ligações com o coronelismo local.
O coronel representava a autoridade, ele configurava de forma bem definida os três
poderes, pois criava regras, as executavam e era quem julgava as ações locais, tanto
eleitorais, quanto militares, entre outras. O coronel, portanto, simbolizava a economia e
26Os donos dos garimpos eram, em geral, pessoas de elevado poder aquisitivo, como coronéis, seus
parentes próximos ou então seus aliados.
39
a política local, para conseguir isto, possuia fortes vínculos com chefes de governo e
outros chefes políticos. Para o garimpeiro, o coronel era quem fazia valer a ordem nos
locais lavristas, esta ordem ao entrar em confronto com seus interesses deixava de valer.
Sales (1944) denuncia em seu livro o abuso enfrentado pela população garimpeira com
o coronelismo nas mais diversas situações, desde a exploração em decorrência de um
trabalho árduo, ao pagamento mínimo em dinheiro pela garimpagem até à exposição aos
trabalhos mais arriscados etc. O autor utiliza também uma passagem do livro para
evidenciar como a violência era deflagrada pelo coronel de Andaraí – Aureliano de
Brito Gondim, pois ao saber que no local havia um homem pobre, negro e temito por
todos, tratou de trazê-lo para perto de si, dando a este homem um cargo de fiscal cujo
objetivo era averiguar o trabalhado dos demais garimpeiros, estes também quase todos
pobres e negros. Mas, na primeira vez que este homem temido enfrentou o coronel foi
morto por seus capangas.
O cotidiano do garimpeiro era bem diferente do cotidiano dos donos e negociantes
do diamante. Sua sobrevivência dependia das condições físicas nas quais eram
encontrados os diamantes, dos interesses dos compradores e das necessidades do
mercado. Sales (1944) evidenciou este cotidiano do garimpeiro, apresentando o
trabalho, as festas, a família e sobretudo, sua dependência do lugar de moradia, trabalho
e do mercado que diretamente consumia o diamante. Para destacar este cotidiano, os
entrevistados expõem:
A vida do garimpeiro era quebrando a cabeça! Quando pegava, pegava!
Quando não pegava, não pegava! Era no ralo, no fervedor, na batéia, na
marreta, cunha para quebrar pedra, marreta para quebrar pedra (...) (Adelma, 2005).
No começo as pessoas daquela época, a maioria se dava bem. Uns mais que
outros. Os donos de garimpo, por exemplo, eram os mais beneficiados. O trabalhador tinha o básico para sobreviver. (...) o garimpeiro pagava o quinto
para os donos, que eram donos da terra (Elias, 2005).
Como ilustração dos depoimentos dos entrevistados Adelma e Elias, a Figura 7
demonstra o trabalho no garimpo, assim como dois dos instrumentos símbolos desta
atividade: a batéia e o ralo.
40
Figura 7: A bateia e o ralo em Andaraí, 1944.
Fonte: Clássicos ilustrados. Cascalho – quadronização do romance (1977, p. 25).
O garimpo de diamantes em Igatu, assim como nos demais municípios da Chapada
trouxe riquezas, tanto no âmbito econômico quanto cultural. No econômico, a riqueza
construída no distrito foi relevante, sobretudo, para as famílias mais abastadas do local,
pois o garimpeiro era estimulado a consumir quase todo o dinheiro adquirido com o
trabalho, enquanto os donos de comércio e de garimpos acumulavam renda e bens. Para
o âmbito cultural o garimpo foi de extrema relevância, pois foi a junção da cultura de
diversos grupos oriundos de vários locais do país, atraídos pela possibilidade de
melhorias na qualidade de vida, que se cunhou a cultura garimpeira.
De acordo com Pereira (1937), Igatu possuia no período de auge do garimpo (início
em 1844) quatro mil habitantes que residiam em 925 casas. O local ainda possuia dois
povoados denominados de Luís dos Santos e Califórnia. O interessante, destas
informações, é que esta primeira está bem próxima do centro urabano de Igatu e foi
caracterizada pelos moradores atuais como uma extensão, uma espécie de bairro do
lugar27
. Mas a afirmação de Pereira (1937) de que o local consistia em um povoado,
vem do fato desta localidade, no período de auge do garimpo, ter sido populosa,
registrou-se um número elevado de habitantes. Esta população juntamente com a venda
de diamantes e de demais mercadorias fez deste território um importante centro
27Esta caracterização, realizada pelos moradores atuais, de que a localidade Luís dos Santos consistia em
uma extensão de Igatu, uma espécie de bairro e não um povoado foi confirmado por outras pessoas
residentes do lugar durante os anos de pesquisa da graduação.
41
comercial que se destacava por apresentar tais características e por contar com serviços
de água encanada, esgoto encanado e ruas pavimentadas.
As ruas, as casas, as barragens, os canais, os muros e demais construções, assim
como os rejeitos do garimpo, a culinária, o modo de falar, de agir, de vestir, as festas e
os rituais dos indivíduos que fazem parte do grupo dos garimpeiros, consitituem os
elementos de sua cultura, cunhada através da união de vários povos que ali
permaneceram durante o período de auge do garimpo.
3.2 A primeira crise, suas consequências e o retorno do garimpo
Algumas décadas após o início do garimpo ocorreu o primeiro declínio da
comercialização de diamantes na Chapada Diamantina. Esta crise foi provocada pela
exploração dos diamantes da África, sendo que o comércio diamantino foi deslocado
para este lugar. A exploração dos diamantes africanos diferenciava-se do que ocorria no
Brasil, pelo fato de que neste continente foi encontrado o kimberlito, um complexo
rochoso, uma espécie de fonte, do qual eram retirados grandes quantidades de
diamantes. Já no Brasil, estes estavam distribuídos irregularmente pelos terrenos
diamantinos.
Com a descoberta dos diamantes do Cabo da Boa Esperança, baixaram na
Europa os preços do diamante ao ponto de repentinamente quebrar o
comércio inteiro das lavras; ficando reduzidos à miséria os negociantes,
quase todos capangueiros, e que empregavam nesse giro todo o capital de que dispunham (AGUIAR, 1979 p. 137).
Os efeitos da seca da segunda metade do século XIX, que ainda eram sentidos na
década da crise da atividade garimpeira agravaram a situação, provocando migrações
massivas da população da Chapada para outros locais do país. Isto também é afirmado
por Gonçalves (2000) que apresenta um estudo sobre os longos períodos de estiagem na
Bahia durante o século XIX. Conforme Gonçalves (2000), a estiagem que aconteceu no
estado, concomitante ao período de declínio do garimpo na Chapada Diamantina,
provocou uma série de consequências desastrosas para Lençóis (local pesquisado pela
autora), como afastamento dos tropeiros que traziam mantimentos para consumo,
portanto, faltaram alimentos para a população que permaneceu nos locais diamantinos e
aqueles alimentos que foram produzidos no lugar ficaram com os preços elevados. Isto
agravou a situação, pois durante o período de declínio houve pouca circulação de
capital, consequentemente, o grupo formado pelos trabalhadores consistiu naquele que
possuía menos recursos para garantir a sobrevivência.
42
É importante ressaltar que tanto o declínio das negociações do diamante como este
longo período de estiagem aconteceram não somente em Lençóis, mas em outras
localidades da Chapada, como foi o caso de Igatu. Ainda para Gonçalves (2000),
mesmo com o garimpo e o comércio comprometidos, os locais diamantinos da Bahia
ainda receberam aqueles migrantes do sertão baiano que estavam completamente
desalojados, desanimados e enfrentando longos períodos de fome.
Assim, como afirma Sales (1945), esta crise do comércio de diamantes afetou
muitas pessoas da Chapada, famílias inteiras deixaram os territórios diamantinos. Esse
autor descreveu a saída de famílias de Andaraí por conta da crise do comércio de
diamantes. Nestas descrições mostra que tais famílias aproveitavam os dias de feira para
vender suas mobílias, o objetivo era deixar de vez o local (SALES, 1944).
A respeito da crise deste comércio, Aguiar (1979, p. 137) evidencia: “Foi um
completo desastre que afetou não só a Praça da Bahia como a todos os terrenos
vizinhos, que, mais ou menos se alimentavam da influência do diamante”.
O declínio estabelecido foi o da comercialização do diamante não por conta do
esgotamento do minério no solo, subsolo e rios do local, mas pela negação da compra
estabelecida pelo mercado europeu. Isto é, o diamante da Chapada perdeu o valor para o
diamante encontrado na África e isto trouxe uma nova dinâmica para o local. Muitas
pessoas migraram à procura de empregos, deixando os centros urbanos diamantinos.
Aqueles que permaneceram nestes locais de garimpagem passaram por muitas
dificuldades.
Alguns anos depois desta primeira crise do garimpo na Chapada Diamantina, um
minério de cor escura e de cristalização imperfeita que era descartado pelos garimpeiros
quando estes estavam à procura do diamante, passou a ser valorizado pelo mercado.
Este minério foi o carbonado, que no território é conhecido como carbonato28
. E
consiste em um espécime amorfo do diamante, que foi utilizado na construção civil. A
comercialização deste minério foi responsável por fazer reviver o movimento de
garimpagem, o comércio e as festividades de Igatu. Para Guanaes (2006), o carbonato é
um tipo de diamante em seu estado bruto, que levou para a Chapada aquela dinâmica
política e econômica esquecida com o primeiro declínio das negociações do diamante.
Sobre a utilização do carbonato a autora afirma:
(...) diamantes negros (carbonato), que foram amplamente utilizados na
construção de pontes, viadutos, túneis e estradas. O carbonato chegou a ser
28Segundo IPHAN (1998), o carbonato era também localmente conhecido como Lirita.
43
exportado para a Europa, principalmente à França e Inglaterra (GUANAES,
2006, p. 88).
Ainda segundo essa autora, há três tipos de diamantes no mundo, o diamante
facetado presente no Brasil e em outros locais do planeta, o bort encontrado na África e
o carbonato. Segundo Sales (1955) e Guanaes (2001) o carbonato é, em todo mundo,
encontrado somente em alguns locais da Bahia, como Lençóis e Igatu.
Aguiar (1979) afirma que o carbonato era vendido por um preço maior que o do
diamante, sobretudo o encontrado em Lençóis, que era o mais utilizado pela construção
civil. A venda do carbonato, conforme este autor, movimentou o comércio na Chapada
Diamantina ainda que de forma incipiente. Para Guanaes (2001), as negociações em
Lençóis e a dinâmica desta cidade comercial promovida pelo carbonato não foram
semelhantes àquelas ocorridas pela venda do diamante. E prossegue afirmando que o
carbonato em Lençóis não causou tanto alvoroço como nas primeiras décadas de
comercialização do diamante. Mas em contrapartida, projetou internacionalmente
Lençóis e a Chapada Diamantina.
Ainda que, para alguns autores, como Aguiar (1979) e Guanaes (2001) o comércio
de carbonato não rendeu tantas quantias de dinheiro, outras perspectivas, como a de
Sales (1955) e o registro no processo de tombamento do IPHAN (1998) apontam que as
riquezas foram garantidas. Sendo assim, é relevante informar que neste período de
venda do carbonato instalou-se a usina de energia elétrica de Igatu. No próprio distrito,
com a força das águas de um de seus rios e com uma maquinaria vinda de fora do país,
gerou-se energia elétrica que abastecia o comércio e iluminava as ruas do local. Esta
energia substituiu os lampiões à base de carbureto que ficam pendurados nos postes das
ruas.
A seguir, o entrevistado Carlos, descreve o funcionamento da usina elétrica de
Igatu, instalada devido ao garimpo e comercialização do carbonato:
Igatu já teve correio, luz elétrica, telefone. Até os meus doze anos o distrito
tinha energia elétrica, vinda da usina na margem do Rio (...) abaixo do local
que hoje é a Galeria, ficava a usina com duas barragens. Nas ruas tinham postes de madeira que iluminavam o local (Carlos, 2005).
44
Igatu contou com energia elétrica, gerada por uma usina bem próxima do centro
urbano. Assim como ruas calçadas, água e esgoto encanados (pluvial) 29
. Isto fazia de
Igatu um lugar diferenciado de outras localidades da Chapada, uma vez que, a sede do
município de Andaraí não possuía todos estes recursos, como afirma Pereira (1937).
Segundo este autor, a data de edificação da usina é do final da década de 80 do século
XIX. Sua construção ficou a cargo do exército brasileiro, que trouxe dos Estados
Unidos equipamentos e peças para seu funcionamento. Para um dos informantes, sobre
a usina de Igatu: “(...) quem tomava conta era seu Aurino Socorro, foi quem deixou essa
usina aqui para o comércio, antes era lampião, aquela borra branca, quando era no outro
dia quem labutava?” (Bruno, 2005).
Conforme o IPHAN (1998), a usina gerou energia para o distrito durante as décadas
de 20 e 30 do século XX. Era uma usina privada (Figura 8) que acrescentou benefícios
nos serviços do distrito, como as duas encanações de água, o cinema e a linha telefônica
que ligava Igatu à Mucugê, Lençóis e a sede de Andaraí. Estes serviços eram fornecidos
principalmente para o comércio e a população em geral possuía pouco acesso.
Figura 8: Ruínas da usina de Igatu, 2007.
Fonte: Prefeitura Municipal de Andaraí (2007, p. 7).
A usina, o calçamento das ruas, as casas, os muros, as pontes, entre outros objetos
que formam o distrito de Igatu constituem símbolos do período de auge da garimpagem
29Os entrevistados somente informaram da existência de um sistema de esgoto no local. Mas em IPHAN (1998) observa-se que este sistema de esgoto existente em Igatu era do tipo pluvial. Isto é, formado por
galerias subterrâneas que evitava enchentes, escoando para os rios toda água da chuva que atingia o
distrito. O esgoto foi construído pelos trabalhadores do garimpo.
45
e negociação do diamante. Símbolos da história, memória, cultura e da vida do
garimpeiro que acontecia neste território.
3.3 O último declínio do garimpo
Entre os anos de 1940 e 1950, ocorreu o declínio do garimpo de carbonato em
Igatu, provocado por questões de ordem econômica e política. Pois, criou-se uma liga
de metal que substituiu o carbonato nas máquinas da construção civil. Assim como na
primeira crise, a população sem perspectiva deslocou-se de Igatu procurando outros
locais de trabalho.
A entrevistada a seguir apresenta os motivos políticos pelos quais muitos dos
moradores migraram de Igatu:
(...) aqui quando saiu a maioria do povo daqui, foi na eleição de Juraci
Magalhães. Nesta época foi que saiu daqui S. Manuel Dias, Artur Pinto, Antoniel, Joãozinho Batista, eu sei que a maioria saiu! O povo rico foi tudo
embora! O povo dos Castelhanos foi tudo embora, ali naquelas árvores,
naquela Pousada Pedra de Igatu ele morava ali. Ali onde é Chiquinho era a
padaria. Ali onde é... que vai lá assim... era a venda de Zé. Ah, menina era muito bom! (Adelma, 2005).
Em 1931, Juraci Magalhães foi nomeado interventor da Bahia pelo presidente do
país Getúlio Vargas. O então interventor se uniu aos coronéis do interior do estado e
afirmou sua liderança política. Apoiou Getúlio Vargas na eleição presidencial indireta e
alguns anos após foi nomeado governador constitucional. Foi um político de atitudes
repressivas e agressivas contra qualquer movimento que fazia oposição ao governo.
Juraci Magalhães entregou o título de governador do estado. Mas em 1950 fez
campanha para retornar ao cenário político, porém sua tentativa não logrou resultados
positivos. Esta situação constitui a conjuntura política narrada pela entrevistada Adelma
(2005) - a derrota de Juraci Magalhães que era aliado político dos poderosos, dos
descendentes do coronelismo em Andaraí e Igatu. A aposta no retorno deste político
representou a certeza da permanência e manutenção dos privilégios das famílias ricas da
Chapada Diamantina.
Os jovens do distrito saíram para trabalhar nas indústrias da região Sudeste,
sobretudo em São Paulo. Enquanto as crianças e os indivíduos com idade mais
avançada permaneceram em Igatu, uns sobrevivendo de pequenas vendas do diamante,
cujo trabalho, segundo IPHAN (1998), era pago com alimentos.
46
Quando 10 anos depois passamos nas lavras, em lugar da riqueza, atividade e
do grande movimento comercial, encontramos a pobreza, a escassez e o
desânimo. Os garimpeiros quase abandonados; e os poucos garimpeiros, que ainda teimavam mal ganhavam para comer (AGUIAR, 1979, p. 137).
A descrição acima evidencia a conjuntura das cidades lavristas com o fim da grande
comercialização do carbonato. Situação semelhante à primeira crise do garimpo de
diamantes, mas com suas diferenças, visto que não houve mais períodos de auge do
garimpo e o distrito de Igatu, a partir deste momento, viveu outras conjunturas
econômicas, políticas e sociais que trouxeram significações para sua história e cultura.
3.4 Igatu: população sempre-viva
Em 1970, outra atividade extrativa constituiu a forma de sustento das famílias que
resistiram na Chapada Diamantina com o fim do comércio e da garimpagem. Esta
atividade foi à retirada de uma flor localmente denominada de sempre-viva30
.
A sempre-viva, ainda que retirada do solo, conserva suas estruturas e aparências
vivas. Na Chapada Diamantina a espécie mais encontrada é a sempre-viva-de-mucugê
(Syngonanthus mucugensis, eriocaulaceae). Esta planta chega a possuir 50 cm de
comprimento, contém de 10 a 14 hastes, sendo que em cada haste há uma parte floral. É
encontrada em elevadas altitudes, acima de 1000 metros, nos morros próximos à
Mucugê.
A planta era comprada por membros de uma fábrica da região Sul do Brasil. O
valor pago pelos fechos eram baixo, mas a quantidade retirada foi elevada, ao ponto de
quase provocar a extinção da planta. A Figura 9 evidencia a exposição da sempre-viva,
nas ruas do distrito. A planta estava amarrada aos fechos para secar e posteriormente ser
comercializada:
30A sempre-viva ou Syngonathus spp é uma espécie pertencente à família Eriocaulaceae. É encontrada em
locais de vegetação campos rupestre. Está em maior número e em maior quantidade de espécie na
América do Sul, sendo que em locais temperados há pouca quantidade (DUARTE, 2009).
47
Figura 9: Venda da sempre-viva em Igatu, 1969/1978.
Fonte (imagem A): Marconi (1997).
Fonte (imagens B e C): IPAC-SIC (1980, p. 177).
A Figura 9 (imagens A, B e C) mostra imagens capturadas, de um calendário
publicado no ano de 1997, elaborado por Rino Marconi31
e do documento organizado
no ano de 1978 e publicado em 1980 pela Secretaria de Indústria e Comércio da Bahia,
respectivamente. Esta figura evidencia o período de declínio do garimpo, no qual as
casas foram abandonadas por boa parte de seus moradores. Algumas destas casas,
localizadas ao longo do eixo urbano de Igatu, não resistiram às intempéries e
desmoronaram. No lugar destas habitações foi construída a atual praça do distrito –
Praça José Gomes da Silva (Figura 10).
31Rino Marconi é fisioterapeuta e fotógrafo. Presenteou muitos dos moradores de Igatu com um
calendário, do qual havia fotografias antigas do distrito. Estas fotografias foram tiradas em 1969, quando
o fotógrafo foi fazer uma reportagem em Igatu.
48
Figura 10: Praça José Gomes da Silva, Igatu 2002.
Fonte: Site Guia Turístico Chapada Diamantina Bahia/Brasil32
A Figura 10 mostra a Praça José Gomes da Silva construída em 1988,
apresentando a mesma arquitetura desde a construção. Já a Figura 11 é da mesma praça,
no entanto após as reformas realizadas pelo IPHAN no ano de 2012.
Figura 11: Praça José Gomes da Silva, Igatu 2015.
Fonte: Site Mochila e mundo33
Ambas (figura 10 e 11) revelam as modificações espaciais provocadas pelo
declínio do comércio do diamante. No lugar da atual Praça José Gomes da Silva34
havia
32 http://www.guiachapadadiamantina.com.br/cidades-e-vilas/igatu Acesso 25 de abril de 2015. 33Fonte: amochilaeomundo.blogspot.com.br. Acesso 20 de julho de 2015.
Fonte: Nolasco, 2002.
49
casas que serviam ao comércio local. Estas moradias não resistiram, porque seus
moradores migraram para outros locais, devido à dificuldade econômica que passavam,
e as casas ficaram abandonadas.
A venda da sempre-viva foi importante para as famílias que não migraram do
distrito, pois a sua comercialização contribuiu para a permanência em Igatu. A flor,
encontrada na vegetação local, era colhida por homens, mulheres e crianças. Após a
retirada da sempre-viva, as famílias que realizam a coleta vendiam a planta para alguns
dos moradores de Igatu e estes a negociavam com indivíduos de outras localidades do
país.
A sempre-viva a gente pegou foi muito, mas agora ninguém tem pegado
mais. Sempre-viva, botão, a gente saia com os meninos e ia pegar (...) (Adelma, 2005).
A sempre-viva quem comprava eram as grandes firmas. Eram quantidades
enormes, o lugar que era pego, era longe, nos gerais. Pessoas iam na sexta-feira e só voltavam no domingo, com os feixes de sempre-viva na cabeça.
Muitas pessoas não sabem por que querem a flor. Uns dizem que eram para
ornamentação, outros que era para explosivos. A flor era vendida barata,
ficavam secando na praça. Minha família pensou em sair em 1960. As sempre-vivas começaram a serem compradas por volta de 1967. Usamos a
sempre-viva para enfeitar a casa, antes de tornar artigo de venda. Os
moradores saiam para o mato e com o dinheiro da flor compravam comida
(Filipe, 2005).
Para discorrer esta parte da formação geográfica e histórica do distrito de Igatu, as
fontes orais trazem uma contribuição única e significativa, pois não há registros escritos
sobre como a flor de sempre-viva foi comercializada, quando e por que. As fontes
secundárias utilizadas nesta investigação, falam brevemente sobre esta planta, não
apresentando discussões sobre sua história e influência na economia local.
A comercialização da sempre-viva foi intensa apesar do baixo preço que era
vendida. Não há registros escritos e a população local não sabe ao certo para quem foi
vendida, há apenas alguns nomes, como o do lugar de origem dos compradores.
Algumas pessoas, sobretudo aquelas que diretamente se envolveram com o comércio,
mencionam uma empresa da região Sul do país como negociante da planta. Esta
empresa enviou, na segunda metade do século XX, um de seus representantes até o
distrito, este portava uma espécie da sempre-viva e se mostrou disposto a comprar a
planta, caso os moradores encontrassem em quantidades. E assim, se estabeleceu o
comércio intenso da flor, tão intenso que a mesma quase foi extinta.
34A Praça José Gomes da Silva foi construída em 1988. Sua arquitetura conflitava com a arquitetura local.
E desde setembro de 1998 foi mencionado que necessitaria de reforma (IPHAN, 1998). No entanto, esta
reforma iniciou no ano de 2013.
50
Eu peguei tanta sempre-viva que meu depósito, em uma vez chegou a ter
1.200 kg da sempre-viva, só minha! (....) A colheita de sempre-viva era uma coisa que ia todo mundo, crianças, mulheres, homens, todos iam para o
mato buscar a flor. O dinheiro vinha adiantado. Corria dinheiro na cidade
com a descoberta da flor (...). A flor era vendida no quilo, começou a custar
barato (...) (Carlos, 2005).
Tendo como referência os informantes das entrevistas realizadas em 2005, com
relação à comercialização da sempre-viva, o valor entregue a população para sua
colheita era pago adiantado em cheque, uma vez que os moradores necessitavam deste
dinheiro para sobrevivência. O pagamento em cheque protegia o comprador, caso um ou
outro vendedor faltasse com o compromisso, e consistia em uma forma de controle da
empresa sobre o valor comercializado. O fato é que, segundo estes informantes, o
cheque chegava até eles em nome de uma empresa, mas o nome da mesma não se sabia
ao certo, contudo, a cidade em que o cheque estava lotado era Joinville, no estado de
Santa Catarina.
Não sei o que faziam com elas, quando compravam de nós, não embalavam as flores. Entregamos os feixes de sempre-viva, eles amontoavam na
carroceria de um carro, amarravam com uma corda, jogavam por cima uma
lona para não molhar e tornavam a amarrar. Então, a gente não acha que é
para ornamentação, como eles dizem que era. Para nós não era! Porque era levado de todo jeito, sem qualquer tipo de embalagem. Aquelas flores que
perdiam os talos eram colocadas todas em um saco, pesadas e vendidas
(Carlos, 2005).
As narrativas dos entrevistados mencionam que os primeiros interessados na planta
foram indivíduos da cidade de Gouveia, em Minas Gerais, mas que dos 10 anos de
extração e comercialização da sempre-viva, oito anos de venda foram com a empresa de
Joinville em Santa Catarina. Um dos informantes citou o nome da empresa que
comprava a sempre-viva - “Siger ou Singer.” Este mesmo informante afirma que a
planta era levada para fora do país.
As informações acima referem-se à década de 70, do século XX. Em um
documento elaborado pelo Instituto Chico Mendes (BRASIL, 2007), registra-se que a
atividade extrativa da sempre-viva provocou consequências negativas para este tipo de
vegetação. Das espécies de sempre-viva encontradas na Chapada Diamantina, duas
possuem maior valor econômico. Este documento traz informações atuais que somam
com as fornecidas pelos entrevistados identificados acima, de que ainda há atualmente
contrabando de uma das espécies da sempre-viva no Brasil, que faz a planta possuir um
51
elevado valor em dinheiro. Acredita que o destino atual da planta contrabandeada da
Chapada Diamantina é o Extremo Oriente.
Abaixo uma citação do documento elaborado pelo Instituto Chico Mendes que se
assemelha muito com o relato do entrevistado Carlos, apresentado neste trabalho:
O uso conhecido dado a esta planta é ornamental, sendo aproveitada para
confecção de enfeites e arranjos, mas há rumores que haveria outros usos, talvez medicinais, não divulgados. Isto justificaria o alto preço pago pelos
contrabandistas por cada quilo de sempre-viva e explicaria porque mesmo os
capítulos quebrados ou brácteas soltas são levados junto com o material em
bom estado (BRASIL, 2007 p. 74).
Desde o início da comercialização da sempre-viva até o ano de 2007, data da
publicação deste documento do Instituto Chico Mendes, são 37 anos e as informações
que se tem sobre o destino, comercialização e contrabando da planta continuam as
mesmas, isto é, apenas rumores de que está sendo exportada, mas não se sabe ao certo,
como, quanto e para quem? A extração foi proibida por leis, há fiscalização para barrar
o contrabando, mas se desconhece o seu destino, o público de interesse e para que eram
utilizadas. Vários estudos35
foram realizados sobre a sempre-viva objetivando retirá-la
da lista de plantas em estado de extinção. Segundo Duarte (2009), diversas pesquisas
foram realizadas sobre as estratégias de vida, a propagação e a produção de sementes da
sempre-viva. Mas o que a autora não mencionou é que há poucos estudos de ordem
política e econômica no que tange ao contrabando da planta.
A comercialização da sempre-viva persistiu até a década de 80 do século XX. Neste
mesmo período, segundo Guanaes (2001), foram instaladas em Lençóis e em outros
locais da Chapada máquinas para retirada de diamantes. São as chamadas dragas, que
retiravam o minério em maior escala. Por conta disto, os desastres para o meio físico
foram maiores. Devido à sua posição geográfica, Igatu não entrou na rota das
localidades com garimpos mecanizados, os garimpeiros que permaneceram no local e se
aventuravam na procura do diamante o faziam de forma tradicional36
.
Nos fins do século XX, pelo Decreto Federal 91.655/85, foi criado o Parque
Nacional da Chapada Diamantina (PNCD), área de proteção que abrange 152.400ha,
cujo objetivo é a preservação da fauna e flora da serra do Sincorá, uma das elevações
35Estes estudos referem-se às teses, dissertações e artigos etc. Assim como o projeto Sempre Viva, em Mucugê, que tem o objetivo proteger, propagar e cultivar espécies da planta. 36O garimpo tradicional utiliza mais a força humana do que os garimpos mecanizados. Assim como
ferramentas mais simples (bateia, ralo, entre outros).
52
que constituem a Chapada Diamantina que é parte da Serra do Espinhaço. Esta Lei
proíbe toda e qualquer atividade extrativa (BRASIL, 2007).
A criação do PNCD decorre de mobilizações locais e de ambientalistas que buscou
proteger a serra da atividade garimpeiras, que ainda persistiam, e da criação extensiva
de gado. Estão no perímetro de proteção do Parque os municípios de Mucugê, Lençóis,
Palmeiras, Ibicoara e Andaraí (TEIXEIRA; LINSKER, 2005). A criação, formação e
regulamentação do PNCD propiciou o surgimento de novas formas de uso e valorização
do território de Igatu.
Para resumir a formação histórica e geográfica de Igatu, o Fluxograma 2 evidencia
os acontecimentos e o período em que eles ocorreram no distrito.
Fluxograma 2: Do diamante ao turismo em Igatu - Linha do tempo.
Fonte: Rodrigues (2015).
O Fluxograma 2 data de 1844, inicio do garimpo em Igatu e vai até os anos de
1994, período de ascensão do turismo no local. Estão presentes neste fluxograma,
acontecimentos como a construção da Igreja São Sebastião, patrimônio que também
53
representa a cultura local, o declínio do garimpo de diamantes, o princípio da mineração
do carbonato e a construção da usina que serviu ao comércio local. Assim como, o fim a
derrocada da garimpagem, a migração massiva da população, a venda da sempre-viva e
por fim a criação do PNCD e o crescimento da atividade turística.
3.5 Reflexões geográficas sobre a formação do território de Igatu
Este subcapítulo possui o objetivo de refletir, a partir da geografia, sobre a
formação histórica do distrito de Igatu, apresentada neste trabalho. Para tanto, a teoria
que fundamenta tal reflexão advém das discussões sobre o conceito de território em uma
perspectiva integradora.
A perspectiva integradora concebe o território a partir de múltiplas dimensões tais
como o poder, os conflitos, o trabalho e a cultura. Para se estabelecer uma análise
segundo esta perspectiva é necessário usar escalas diferentes, isto é, ir do local ao
global, assim como entender que este território é um híbrido resultante das relações,
políticas, culturais e econômicas, entre outras (HAESBAERT, 2011). Estas dimensões
serão apresentadas de forma separadas, na discussão a seguir, por entender que, desta
forma, o texto terá uma melhor organização.
Território é um conceito que interessa a diversas ciências. Cada uma destas ciências
atribui um significado específico ao território, dando maior enfoque à dimensão mais
próxima do seu objeto de estudo. Este enfoque vai da materialidade, à simbologia, ao
poder, à função, às relações sociais do território. Há também outras ciências que
definem território, portanto, há outras contribuições que endossam o conceito. Mas, não
é necessário adentrar em todas estas ciências para conhecer esta diversidade de
contribuições, pois a geografia se propõe a realizar isto, através da perspectiva
integradora (HAESBAERT, 2011).
Território consiste na forma, no uso, na apropriação e nos significados que são
atribuídos por uma população que se distribui, utiliza e valoriza uma determinada área.
Ao atribuir ao território de Igatu um sentido material, próximo àquele definido por
Haesbaert (2011), quando analisa a construção, a (des) construção e a reconstrução
territorial por grupos migrantes, percebe-se que a população que se deslocou de seus
territórios de origem com destino a Igatu promoveu a formação deste território, assim
como, a (des)construção daqueles de origem. O processo migratório em Igatu era
54
constante, devido à negociação do diamante, este território à medida que recebia
populações de outras localidades era constantemente refeito.
O significado material atribuído ao território, neste caso o de Igatu, se amplia
quando entende os sentimentos e/ou a consciência dos trabalhadores do garimpo que se
deslocavam de seus territórios de origem para o distrito. O sentimento seria o de
pertencimento, de apropriação deste novo território e a consciência viria daquele chão
que guardava a sua sobrevivência, portanto, sua permanência. É válido destacar que
muito dos indivíduos que se deslocavam para Igatu, sobretudo aqueles que faziam parte
do grupo dos garimpeiros, fugiam de seus territórios devido à falta de alimento e aos
longos períodos de estiagem.
Os trabalhadores dos garimpos não foram os únicos migrantes que se deslocaram de
seus territórios de origem até Igatu. Famílias ricas, tradicionais dos garimpos de Minas
Gerais também buscaram permanecer e utilizar este território, cuja apropriação ocorreu
de forma mais intensa, pois tais famílias assim se designaram donas dos garimpos,
portanto, donas do território - uma dominação legitimada pelos governantes do Estado.
Sob este ponto de vista, o território de Igatu, esteve dividido entre grupos que
apresentavam interesses diversos, um grupo buscando a manutenção da riqueza e dos
privilégios e o outro garimpando a sobrevivência e a permanência neste território. Além
de dividido esteve controlado pelo mercado europeu que ditavam os preços do diamante
e posteriormente do carbonato. Os preços eram passados para os donos do garimpo em
Igatu e Andaraí37
, que por sua vez, repassavam aos garimpeiros. Estes pagavam, aos
donos do garimpo, pelo uso da terra uma porcentagem que era descontada, juntamente
com os mantimentos que adquiriam, no valor do diamante. Foi desta forma que se
estabeleceu a cisão e o controle deste território. Esta é uma das dimensões políticas e
econômicas de Igatu, território de poder e domínio.
Igatu foi também território de conflito porque os interesses dos grupos que o
utilizavam eram contraditórios. Enquanto havia um determinado grupo que buscava
manutenção do status, poder e riqueza. Outro ansiava melhores condições de vida. O
cotidiano neste território diamantino evidenciava este conflito, que estava expresso nas
vestimentas e nos semblantes dos indivíduos. As construções mais afastadas do centro
urbano de Igatu eram pequenas, bem próximas uma das outras, suas ruas não eram
planas, não possuíam esgotos e água encanada, não apresentavam pavimentação e, em
37Assim como em outras localidades da Chapada Diamantina.
55
geral, consistiam no lugar de moradia dos trabalhadores do garimpo. E quanto mais
moradores havia nestas construções, mais trabalhadores havia no garimpo e mais
dinheiro circulava neste território. Já as construções ao longo da atual Rua Duque de
Caxias, Praça José Gomes da Silva e Rua Sete de Setembro, que constituía a malha
urbana, formada por estas vias principais e algumas ruas paralelas, eram mais amplas,
com construções que continham várias portas e janelas. Já as ruas, calçadas, com
esgotos e água encanada e iluminadas consistia no local de moradia e trabalho dos
comerciantes, compradores de diamantes, do coronel, seus parentes e aliados.
O território de Igatu esteve vinculado ao controle e ao poder, sobretudo, quando em
questão estavam os feitos dos coronéis do distrito. Este poder assumido pelo coronel é
também um poder político, centralizado e que dependia das interações estabelecidas
entre o grupo formado pelos seus aliados e do domínio sob o grupo dos trabalhadores do
garimpo, este último dependia econômica e politicamente da figura do coronel. Tal
dependência promovia a manutenção do poder dos coronéis.
Este modo de viver, esta dependência, assim como o trabalho, as linguagens, as
memórias e festividades, entre outros, constituem elementos simbólicos de um
território. Em Igatu, a dimensão simbólica de seu território evidencia como esta
sociedade legitimou sua exploração e apresentou sua resistência. No caso da sociedade
formada pelos trabalhadores, esta legitimação é vista na dependência que o garimpeiro
possuía dos donos do garimpo. Esta dependência era criada pelos grupos poderosos, na
medida em que estabeleciam formas articuladas que faziam do garimpeiro um indivíduo
condicionado. O dono do garimpo estabelecia com os garimpeiros uma relação de
trabalho, na qual a terra e os diamantes não os pertenciam. Quando encontravam
diamantes, estes eram vendidos e extraia do valor da pedra um valor pelo uso da terra e
do alimento consumido nos garimpos. O dinheiro que restava ao garimpeiro era
utilizado para adquirir alimentos, roupas entre outros bens não duráveis, comprados nos
estabelecimentos comerciais que também pertenciam aos donos de garimpos.
Ao encontrar diamantes, os garimpeiros faziam dos centros urbanos diamantinos o
seu território. O dinheiro do diamante era festejado, assim, bebia-se, cantava-se e
dançava-se, as ruas se tornavam suas! Este dia é considerado o dia do retorno (SALES,
1944), simbolicamente significa a resistência e a afirmação do garimpeiro em seu
território, ainda que de forma condicionada.
Adotou-se como discussão teórica para definição e análise do território, nesta
pesquisa, o que Haesbaert (2011) chamou de perspectiva integradora, no qual um
56
território pode ser compreendido através de diversos aspectos, cada um com suas
especificidades, que estão articulados e conectados um com os demais. Foi através desta
perspectiva integradora que se analisou a formação histórica e geográfica do distrito de
Igatu, no qual o território foi entendido como um híbrido resultante da interação entre o
poder, a economia e as vivências cotidianas promovidas pela atividade garimpeira
durante um século.
Igatu foi formado enquanto território de poder, domínio, controle, trabalho,
festividades, memória e linguagens, isto é, aspectos do acontecer da vida. Esta formação
ocorreu devido à necessidade externa de obtenção do diamante, porque havia em
quantidade nos rios, solo e subsolo do distrito e também porque existiam trabalhadores
para garimpá-lo. Na medida em que o trabalho foi surgindo e os trabalhadores
aumentando em número, o território foi se materializando e as relações políticas,
econômicas e simbólicas foram surgindo. A formação histórica e geográfica do distrito
de Igatu lhe conferiu características específicas, diferentes de outros territórios da
Chapada Diamantina que passaram por processos históricos semelhantes. Estas
características foram importantes para definir as novas formas de apropriação deste
território, que serão analisadas nos capítulos seguintes.
A atividade garimpeira em geral, tanto a tradicional que perdurou mais de cem
anos, quanto à mecanizada que persistiu por algumas décadas, trouxe graves
consequências ao território natural que compõe a Chapada Diamantina, como
assoreamento de rios, diminuição de algumas espécies da flora e fauna do local. A
criação do Parque Nacional da Chapada Diamantina consistiu em uma ação
governamental cujo objetivo foi barrar tais ações, buscando preservar o território natural
da Chapada. Esta medida foi relevante para promover o aumento do turismo, que por
sua vez gerou problemas para a Chapada e para Igatu. A atividade turística se tornou
uma alternativa de permanência da população no distrito, chamando atenção do Estado
para valorização da cultura garimpeira e para elaboração de políticas públicas de
preservação do patrimônio cultural imaterial e material de algumas cidades e do
território de Igatu. Estes assuntos são analisados nos próximos capítulos.
57
4. MEMÓRIA E PATRIMÔNIO
Este capítulo divide-se em duas seções. A primeira busca refletir sobre a categoria
memória, sobre sua relevância, suas perspectivas de estudo e a interação com o
território de Igatu. A segunda seção analisa os documentos IPAC-SIC (1980) e IPHAN
(1998) e IPAC (2002). O primeiro documento apresenta descrições e fotografias sobre o
distrito, datadas de 1978. Este documento foi elaborado pelo governo da Bahia e
consiste em uma das iniciativas pioneiras cujo objetivo era a proteção do patrimônio
cultural de algumas localidades do estado. O segundo consiste no processo de
tombamento do distrito. Para tanto, apresenta descrições sobre a história, arquitetura e
memória do distrito. Já o terceiro documento, consiste em um estudo para tombamento
de Igatu. Deste, utilizou-se as imagens do distrito, datadas de 2002.
O estudo da memória constitui-se em um importante procedimento para
compreensão dos indivíduos vistos como organismos vivos e também como sujeitos
históricos, culturais, políticos que se organizam em sociedade (SÁ, 2007).
Os registros mais antigos sobre o estudo da memória datam do século V a.C com a
sociedade grega. Este reconhecimento foi estabelecido por estudiosos da filosofia e da
história. Mas, foi no século XIX que a memória passou a ser considerada como objeto
de estudo das ciências humanas. Já no século XX, este reconhecimento perpassou por
diversas áreas como filosofia, ciências da cognição, história, informática, sociologia,
neurociência e geografia (NUNES; MATOS; CABRAL, 2009).
Conforme os autores Costa e Castro (2008), há duas perspectivas pioneiras no
estudo da memória. Uma denominada psicossocial que está atrelada a antropologia e
acredita que a memória é resultante do psicológico dos indivíduos. A outra,
cognominada de sociológica que entende a memória como construção coletiva e
passível de transformações.
De acordo com Sá (2007), a perspectiva sociológica refere-se à memória como
resultante da convivência social. Sua forma e conteúdo são definidos exclusivamente
pelo viver em sociedade. Já a perspectiva psicossocial afirma que a memória é
unicamente resultante dos processos psicológicos do indivíduo.
A teoria que Gilles Deleuze, francês que estudou e escreveu sobre filosofia entre
outros assuntos, defendeu sobre memória evidencia severas críticas à perspectiva
psicossocial. Pois, tal concepção defende que a memória é resultante de um acúmulo
58
antigo de conhecimento e possui caráter majestoso. Em uma perspectiva mais crítica,
vinculada às ciências humanas, Gilles Deleuze discute memória aliada ao tempo - a uma
noção não linear, na qual outros momentos coexistem simultaneamente. Portanto, a
ideia de memória deste filósofo liga-se ao múltiplo e ao híbrido (HUR, 2013).
Costa e Castro (2008) informam que os estudos mais atuais da memória articulam
tanto a perspectiva psicossocial quanto a sociológica, formando uma terceira, chamada
de interdisciplinar. A memória, nesta perspectiva interdisciplinar consiste nas
lembranças individuais e sociais determinadas pelos grupos e instituições de uma
sociedade.
Segundo Fornazari (2004), o filósofo francês Henri Bergson ao se dedicar ao estudo
da matéria e da memória, apresentou dois aspectos da memória. O primeiro que está
fortemente vinculado às lembranças e o segundo ligado aos fatores de sua acumulação.
O primeiro aspecto descreve os elementos do passado que estão conservados no
presente, afirmando que cada modificação feita nestes elementos torna mais evidente
este passado. O segundo diz sobre as acumulações dos elementos do passado no
presente. Estas acumulações fazem com que se percebam diferentes períodos temporais
em um ou mais elementos do presente.
Segundo a premissa de Henri Bergson interpretada por Fornazari (2004) para o
distrito de Igatu, compreende-se que prevalece neste território uma memória vinculada
às lembranças. Pois, mesmo com as mudanças acontecidas neste território, seus
elementos modificados ou recentemente construídos guardam aspectos do passado
garimpeiro.
Para tanto, o conceito utilizado neste trabalho se baseia na teoria de Sá (2007),
Costa e Castro (2008), os quais consideram a memória como um híbrido resultante das
lembranças do indivíduo e de suas experiências sociais. A memória une os
acontecimentos tanto do passado quanto ao que está sendo vivido no presente. Portanto,
a memória está presente no território, nos relatos dos moradores, nos documentos
históricos e nos documentos públicos.
Os documentos, que aludem passados distantes, analisados no capítulo II desta
pesquisa, são, segundo as premissas de Sá (2007), fontes de memórias, as quais
denominam de memórias históricas documentais e possuem o objetivo de entender a
interação entre as lembranças e os acontecimentos do passado. Tais documentos estão
disponíveis em arquivos, bibliotecas e museus, mas para serem considerados como
59
memórias históricas devem ser lidos, utilizados e apreciados por grupos sociais
contemporâneos.
As entrevistas, também utilizadas nesta pesquisa, são fontes de memória, fontes não
documentais que relatam histórias de vida, acontecimentos e participações de grupos em
eventos sociais. As entrevistas são, segundo Sá (2007), entendidas como fontes de
memórias, porque revelam preocupação com a preservação dos relatos, com a
confiabilidade das fontes, com o fato de que tais relatos são construídos, reconstruídos e
atualizados por grupos sociais. Conforme Bosi (2003), as entrevistas devem ser
utilizadas e não arquivadas, pois tem um papel fundamental na transformação do
território de onde emana.
As políticas públicas, analisadas neste trabalho, podem ser consideradas como
memórias públicas, segundo a premissa de Sá (2007). Porque se referem às
organizações das sociedades modernas e democráticas, nas quais estão em questão os
interesses e discursos políticos. Em tais políticas se evidencia a interação entre memória
e poder, cujo objetivo é desenvolver responsabilidades e buscas coletivas pelos direitos
humanos.
A memória está presente nos textos escritos, falados, nas imagens, nos desenhos,
nas fotografias, no afeto, nos sentimentos, nos sons, nos movimentos, nos cheiros, na
cultura, na política, na diversidade, no tempo e no território individual e coletivo. O
território coletivo da memória torna-se relevante porque aproxima pessoas,
acontecimentos e lembranças. O território coletivo é lugar de memória, é também
testemunho do passado.
A paisagem de um determinado território também pode guardar elementos do
passado que trazem referências identitárias de sua população. Segundo Abreu (1998),
vive-se em uma época de valorização do passado, porque pouco restou daquele
otimismo sobre o futuro, otimismo este oriundo das ideias Iluministas do século XVIII.
A atual noção de progresso que atravessa a humanidade projetou nos indivíduos,
conforme o autor, uma desconfiança sobre o futuro, um apego ao presente e uma
valorização das boas referências do passado.
Esta valorização do passado é também o reconhecimento de um território cuja
formação está fortemente ligada aos acontecimentos anteriores. E com esse
reconhecimento há também a necessidade de atentar-se para suas singularidades. A
valorização do passado é a valorização do território e da memória.
60
Transpondo o estudo da memória para o caso de Igatu compreende-se que este é um
território de manifestações das lembranças sociais e individuais. Memória que está
presente nos documentos sobre o distrito, na arquitetura, nos relatos de seus moradores,
nas famílias, no silêncio, nos sons, nos cheiros e em seus movimentos. Este território de
heranças individuais e sociais é também testemunho de um passado, que se apresenta
em sua paisagem e revela elementos vinculados às histórias do garimpo, dos
garimpeiros e demais trabalhadores. Estes elementos são os muros, as casas, as
pequenas barragens, as montoeiras, as tocas de garimpeiros, entre outros feitos.
Mas, qual o lugar que a memória ocupa no distrito? A memória está presente em
todo o território de Igatu, nas histórias, no afeto, na culinária, nas ruas e na arte. O
passado é importante para os moradores deste local e ganhou mais visibilidade e
compartilhamento quando indivíduos de outras localidades se interessaram pelas
histórias, encantos e mistérios que os moradores do distrito revelam. Com esta busca
pela memória de Igatu os acontecimentos passados (re) assumiram sua importância e
tornaram a ser revividos com mais frequência pelos moradores. Transpondo estes
acontecimentos sobre Igatu para a teoria de Halbwachs compreende-se que: “Nossas
lembranças permanecem coletivas e nos são lembradas por outros, ainda que se trate de
eventos em que somente nós estivemos envolvidos e objetos que somente nós vimos.
Isto acontece porque jamais estamos sós” (HALBWACHS, 2006, p. 30).
A memória coletiva é, conforme Halbwachs (2006), constituída por lembranças
individuais interligadas entre si, das quais existem pontos de contatos entre uma e outra.
São lembranças particulares comuns a outros indivíduos. No caso de Igatu, a partir do
momento que esta memória é interligada torna-se suficiente para reproduzir ou conhecer
acontecimentos passados.
As entrevistas e as conversas informais com alguns dos moradores de Igatu
evidenciaram que juntando as lembranças de um com as de outros foi possível descrever
fatos e acontecimentos referentes ao passado, montando sequências históricas. Estas
lembranças são individuais e se ligam umas às outras formando uma memória coletiva.
Para Halbwachs (2006), a memória pode se organizar através de duas formas, a
primeira gira em torno de uma pessoa, a qual apresenta uma leitura dos acontecimentos
individuais e coletivos por meio de seu ponto de vista, isto é suas lembranças estão
vinculadas à sua personalidade e vida pessoal; a segunda forma de organização da
memória vincula-se em torno dos grupos sociais e como as lembranças estão
61
distribuídas socialmente. Assim, a primeira forma representa a memória individual e a
segunda à coletiva.
Estas duas memórias, individual e coletiva, estão fortemente vinculadas uma à
outra, dessa forma, uma sempre recorre à outra a fim de confirmar lembranças e
preencher lacunas. A memória individual recorre frequentemente à coletiva, esta por sua
vez contém as memórias individuais (HALBWACHS, 2006).
Mesmo só, distante temporariamente e espacialmente de um ou mais
acontecimentos, um indivíduo pode expressar sua memória coletiva, porque ele reporta
ao que foi vivido coletivamente. Isto mostra a força que tais acontecimentos possuem
em sua vida (HALBWACHS, 2006).
As entrevistas e as conversas informais realizadas em Igatu revelam que mesmo
distantes dos períodos de auge e decadência do garimpo e das histórias de vida dos
garimpeiros, os moradores falavam de acontecimentos passados como se estivessem
vivendo àquela época, isto porque evocavam uma memória coletiva que possuí fortes
influências em sua vida atual.
Algumas destas lembranças que remontam a um ou mais acontecimentos do
passado, no caso de Igatu, são ou não lembranças diretas. Mesmo não vivendo tais
acontecimentos os indivíduos formam fatos ou imagens a partir de descrições de outras
pessoas e as lembram como se estivessem vivido. De tanto ouvir as histórias do garimpo
no seu período de auge e/ou decadência, os moradores de Igatu não apresentam
dificuldade em contá-las como se as tivessem testemunhado diretamente. Isto porque,
elementos deste passado ainda estão presentes. O passado está fortemente ávido neste
território.
Para que a memória de um indivíduo complete e reforce a de outros indivíduos é
necessário que estes tenham ligações com um passado, com um tempo e território
comum (HALBWACHS, 2006). Quanto aos moradores de Igatu que contribuíram com
esta pesquisa, a maioria possui idade semelhante e viveu no território de Igatu durante o
mesmo período. Portanto, compartilham de um passado, um tempo e um território
comum. Ao compartilhar um passado e um território comum, os indivíduos vivem
histórias semelhantes e dividem os objetos (fixos ou não) que estão no território. Estes
objetos agregam a memória de um indivíduo com a dos demais. “Em torno de
determinados objetos, nosso pensamento também encontra o dos outros” (...)
(HALBWACHS, 2006, p. 116).
62
Os objetos fixos no território de Igatu estão concentrados na área urbana do distrito
e ao seu redor. Estes objetos, segundo documentação consultada, datam do século XIX
e referem-se à cultura garimpeira cunhada pela junção de vários grupos sociais que
foram para o local em busca do dinheiro proporcionado pelo comércio de diamantes.
Estes grupos levaram para o distrito sua cultura, a qual se misturou com a de outros
grupos, formando a cultura garimpeira.
Os objetos fixos ou não, que formam o território de Igatu são de origem natural ou
cultural. Os objetos de origem natural é a vegetação, clima, relevo e hidrografia entre
outros. Já os de origem cultural são todos aqueles construídos e modificados pelos
indivíduos.
Estes objetos presentes no território de Igatu são testemunhos do passado e indicam
a permanência deste passado no presente. Eles representam a história do garimpo,
consistem na marca deste tempo, marca de grupos e da cultura garimpeira. Os
moradores deste território conseguem projetar, imaginar e recriar a história do garimpo,
através destes objetos que estão carregados de significados e são importantes para a
memória individual e coletiva do distrito.
Igatu, assim mencionado, é mais que uma coleção de objetos (fixos ou não) no
território. É também lugar das relações sociais e pessoais, da cultura, da história, do
comportamento e dos hábitos de seus moradores. Igatu é território de memórias.
Segundo Thomaz (2010), os territórios de memórias - de um passado comum, de
identidades, de lembranças e de sentimentos, são também territórios que necessitam da
preservação patrimonial. Já Pollak (1992) assegura que os acontecimentos que fazem
parte da história de um território passam a fazer parte da história e memória dos
indivíduos.
4.1 Igatu: Território de memória e do patrimônio histórico
Este subcapítulo possui o intuito de apresentar descrições e representações sobre a
arquitetura, história e formação territorial de Igatu e sua importância para preservação
da memória local. Para tanto, utilizou-se dos registros IPAC-SIC (1980), IPHAN (1998)
e as imagens de IPAC (2002). O documento IPAC-SIC (1980) 38
é um inventário do
acervo material cultural sobre a Serra Geral e a Chapada Diamantina, realizado em 1978
38Este documento consiste em um Inventário de Proteção do Acervo Cultural da Bahia – IPAC-SIC
composto por quatro volumes, dos quais o volume IV é que analisa a Serra Geral e a Chapada
Diamantina.
63
e publicado em 1980 pela Secretaria da Indústria e Comércio do Estado, em parceria
com SPHAN, para promoção do turismo. Os registros apresentados pelo IPHAN (1998)
referem-se ao processo que levou o tombamento do distrito e será analisado com mais
detalhes no capítulo V. Já os estudos realizados pelo IPAC, no ano de 2002, possuem
um acervo de imagens do distrito, cujo objetivo foi a promoção do tombamento estadual
do local. Destes estudos foram utilizadas algumas imagens.
A arquitetura de Igatu vincula-se a sua memória. Ainda que decorridos 30 anos do
fim do garimpo, quando se analisa o documento escrito em 1978, percebe-se que na
arquitetura do distrito estão presentes objetos como casas, tocas, ranchos, ruas,
calçamentos, locas etc. Estes objetos datam do século XX, referem-se à cultura
garimpeira, cunhada devido à migração de diversos povos.
O documento elaborado no ano de 1978 apresenta o distrito como uma aglomeração
mononuclear – com um único centro (Figura 12), no qual possuem casas e sobrados
cujas paredes são de alvenaria, adobe e pedra. Estas habitações surgiram de forma
espontânea, onde seus moradores, sem formação técnica, aproveitavam o cascalho -
material em abundância, para construí-las (IPAC-SIC, 1980).
Figura 12: Rua Sete de Setembro, Igatu 1978.
Fonte: IPAC-SIC (1980, p. 177).
A Figura 12 retrata a Rua Sete de Setembro, no ano de 1978, através da vista frontal
da atual Praça José Gomes da Silva. Esta rua consistia em uma área, na qual se
concentrava o comércio e a população com maior poder aquisitivo, durante o período de
64
auge do garimpo. Neste ano já apresentava sinais de deterioração decorrente das
migrações sucessivas.
Igatu possuía, em 1978, 163 construções, das quais 155 precisavam urgentemente
de restauração. E apenas oito edifícios estavam em bom estado de conservação.
Portanto, neste período, o distrito já apresentava sinais de deterioração devido ao
abandono, pois muitos de seus moradores já haviam migrado para outros locais do país
(IPAC-SIC, 1980).
Os moradores de Igatu migraram, sobretudo, para o estado de São Paulo em
decorrência da falta de perspectiva, de emprego no distrito, da abertura da rodovia Rio-
Bahia e da crescente industrialização do sudeste do país. Neste ano de 1978, constatou-
se que a população de Igatu era de 445 habitantes.
Quadro 4: População de Igatu, 1978.
.
Fonte: Rodrigues (2015) 39.
Neste período, boa parte da população com idade para trabalhar, que consistia à
força de trabalho do distrito havia migrado, 61% dos moradores em idade maior que 10
anos estavam sem emprego ou sem outras ocupações (IPAC-SIC, 1998).
A falta de moradores em algumas das habitações na Rua Sete de Setembro
propiciou sua deterioração. Isto não ocorreu com a Igreja São Sebastião, localizada
entre o centro urbano e o antigo bairro garimpeiro Luís dos Santos. Pois, sua
manutenção estava sob a responsabilidade de outro município da Bahia. Em 1978, o
IPAC-SIC (1980) registrou em seus autos que esta Igreja havia passado por uma
pequena reforma, no qual havia mudado o piso. Isto comprova que foi mantido um
cuidado com o imóvel, diferentemente dos demais que estavam deteriorando devido à
falta de residentes.
39Baseado nos dados do IPAC-SIC, 1980.
65
Este edifício de Igatu, a Igreja São Sebastião (Figura 13), foi construída em 1854 e
está situado fora do núcleo central do distrito, na Rua São Sebastião. A Igreja, em 1978,
possuía revestimento externo e encontrava-se em estado satisfatório de conservação.
Durante os séculos XVII e XVIII era comum à construção de Igrejas com planta
semelhante, no entanto esta se diferencia das demais por ser construída em alvenaria e
pedra. Ao lado da igreja está o cemitério, do distrito, que apresenta grandes mausoléus
de alvenaria (IPAC-SIC, 1980).
Figura 13: Parte interna e planta baixa da Igreja São Sebastião, Igatu 1978.
Fonte: IPAC-SIC (1980, p. 182).
A Igreja São Sebastião, em 1978, pertencia à diocese do município de Rui
Barbosa/BA. Estava em estado satisfatório de conservação, mas não havia nenhuma
legislação que a salvaguardava. Corria-se perigo de degradação, tanto a igreja quanto o
cemitério, devido à falta de proteção (IPAC-SIC, 1980).
Saindo da Igreja em direção ao bairro Luís dos Santos observa-se uma arquitetura
típica de habitação garimpeira, que surgiu no período em que o garimpo era mais
intenso – ranchos e tocas. Este tipo de habitação está presente nos municípios de
Mucugê, Lençóis e Andaraí. Em Igatu existe em maior número (IPAC-SIC, 1980).
As tocas ou locas, como são localmente conhecidas, consistem em moradias nas
quais se aproveita a estrutura da rocha como parte superior da habitação (telhado). Já as
paredes são construídas com alvenaria e pedra sem revestimento interno e externo e o
piso é de barro (Figura 14). No centro urbano do distrito não há este tipo de moradia
temporária (IPAC-SIC, 1980).
66
Figura 14: Toca garimpeira de Igatu, 1978.
Fonte: IPAC-SIC (1980, p. 183).
Estas habitações, como mostra a Figura 14, assim como os ranchos, surgiram
durante o período de auge da atividade mineradora. Possuem arquitetura simples,
espontânea e única, que se distingue das demais do país. Estão presentes nas localidades
como Bambolim, Barriguda e, sobretudo no antigo bairro Luís dos Santos (IPHAN,
1998). As tocas possuem teto natural (rocha) com paredes de alvenaria e pedra seca,
porta e janelas feitas de madeira (Figura 15). A parte interna possui poucos cômodos
como sala, cozinha e um quarto (IPAC-SIC, 1980).
Figura 15: Parte interna da toca garimpeira, Igatu 1978.
Fonte: IPAC-SIC (1980, p. 184).
67
Já os ranchos, também considerados como habitações primitivas e típicas, fazem
referência à história do garimpo do sertão baiano, possuem o traçado urbano simples e
eram construídos com pedras e cobertos com folhas secas de pindoba (IPHAN, 1998).
O antigo bairro garimpeiro Luís dos Santos (Figura 16), também considerado um
dos garimpos mais antigo, apresenta uma paisagem singular, marcadas pelas tocas e,
sobretudo, pelos ranchos dos garimpeiros. Sua arquitetura remota ao passado, devido à
rusticidade das habitações. Em Igatu, principalmente no Luís dos Santos, concentra-se a
maior quantidade de ranchos e tocas da Chapada Diamantina (IPHAN, 1998).
Em 1950, o bairro Luís dos Santos, representado pela Figura 16, ainda estava
habitado. Mas em 1978, registrou-se que seus ranchos já apresentavam sinais de
deterioração e já não havia mais residentes (IPAC-SIC, 1980).
Figura 16: Luís dos Santos, Igatu, 1978.
Fonte: IPAC-SIC (1980, p. 186).
É importante destacar que o documento IPAC-SIC (1980) não faz referência à
atividade turística como promotora desta deterioração. Outros dados sobre a população
de Igatu foram apresentados neste documento, como a origem de seus moradores. Dos
445 habitantes, 89% (396 hab.) eram naturais do município de Andaraí, 11% (49 hab.)
provenientes de outras localidades. Além de destacar que a maioria da população era
nativa do distrito, este documento afirma que não há no local perspectiva de
desenvolvimento, a não ser pela retomada da mineração. E menciona que a atividade
mineradora, realizada com máquinas, como estava acontecendo em outras localidades
68
do município de Andaraí, poderia colocar em risco os bens de Igatu. No entanto, o
garimpo mecanizado não foi realizado no distrito.
A partir destas descrições compreende-se que o território de Igatu é também
território da memória do garimpo, dos escravos, das mulheres, da arquitetura e dos
garimpeiros. Pois o distrito surgiu em decorrência das sucessivas migrações e da
procura pelo diamante/carbonato. Neste território, estão ainda presentes as marcas dos
ofícios, dos modos de fazer e de viver e as representações de sua população.
A Figura 17 mostra o centro urbano do distrito, no ano de 2002, vista da atual Praça
José Gomes da Silva. Igatu, território de memória, guarda as contradições de diferentes
períodos e de diferentes grupos sociais que nele viveram. Períodos de circulação de
muito dinheiro, de conquistas, de dificuldades e também de muito trabalho árduo e
arriscado.
Figura 17: Rua Sete de Setembro, Igatu 2002.
Fonte: IPAC (2002, p. s/nº).
No centro urbano do distrito, hoje preservado, viviam os grupos com maior renda.
Nos locais mais afastados, nas tocas e ranhos viviam os garimpeiros que buscavam
melhores condições de vida.
As tocas e os ranchos eram considerados moradias simples e temporárias (Figura
18), visto que o garimpeiro quando encontrava um valioso diamante poderia escolher se
continuava nestes locais ou se adquiria uma casa no centro do distrito.
69
Figura 18: Rancho Luís dos Santos e toca garimpeira, Igatu 2002.
Fonte: IPAC (2002, p. s/nº).
Os garimpos Luís dos Santos, Criminoso, Bom-Será, Porteira, Barranchudo,
Bicame, Torres, Gererê, Catinguiba, Reginaldo, Caetano Martins, Cantinho, entre
outros, surgidos no período de auge do garimpo, consistiam em locais de moradia e
também de trabalho (IPAC-SIC, 1980). Estes garimpos/moradias tiveram seu solo e/ou
suas rochas reviradas, o cascalho lavado e o diamante ou carbonato encontrado.
Consistindo em um território de trabalho árduo e também de renovação cotidiana dos
sonhos.
Os ranchos, as tocas e outras moradias do distrito estão sob a salvaguarda das
políticas públicas de preservação patrimonial. A formulação e execução destas políticas
são de responsabilidade de instituições – IPHAN, IPAC, Prefeitura de Andaraí . Estas
políticas são importantes para assegurar este passado comum, para fortalecer as
identidades, a história, a memória deste território e serão analisadas nos próximos
capítulos.
70
5. PATRIMÔNIO CULTURAL NO BRASIL
5.1 Conceituando Patrimônio
A gênese da palavra patrimônio vem do latim e refere-se aos bens e direitos
herdados. Sua origem historicamente está vinculada ao legado, a herança passada por
gerações. Segundo Oliveira (2005), a palavra é oriunda dos vocábulos pater e nomos.
Pater representa o criador, o pai, o fundador. E nomos refere-se às leis. Portanto,
patrimônio consiste na posse passada, de forma legal, daquele que o construiu o
adquiriu para seus descendentes.
Em se tratando de políticas públicas – decretos, planos, programas e leis, o conceito
de patrimônio cultural aparece pela primeira vez em 1937. Este conceito vincula-se a
história e a arte de bens móveis e imóveis. Isto é, aos objetos e edificações cuja
preservação era de interesse público. É importante ressaltar que em 1937, a ideia de
patrimônio cultural reforçava a referência aos bens culturais materiais.
O termo patrimônio provém daquilo que se herda e também do que se repassa entre
famílias. Silveira (2011) estuda o termo patrimonialismo, que se aproxima de algumas
discussões trazidas por este trabalho, principalmente no que tange ao conceito de
patrimônio da primeira metade do século XX. Para Silveira (2011), o termo
patrimonialismo refere-se ao tratamento que governantes dão ao setor público, como se
fossem privados, portanto está diretamente ligado à dominação que passa por gerações –
o autor chama de dominação tradicional. Esta dominação é indicada como obediência as
leis e ao poder, portanto consiste em uma dominação legítima. Esta dominação legítima
se torna tradicional quando é passada por gerações, isto é, quando durante anos a
sociedade crê nestas ordens e poderes, legitimando o exercício da dominação.
Segundo Costa e Castro (2008), patrimônio refere-se a algo do passado que
permanece na atualidade. É um bem significativo para uma sociedade e esta o guarda a
fim de que não sofra sérios danos. Para Oliveira (2005), patrimônio é o testemunho da
história e da memória de uma época.
Atualmente a noção de patrimônio está vinculada a outros termos como identidade,
memória, história e cultura. Patrimônio cultural, conceito de destaque neste trabalho,
pode ser classificado como material e imaterial. Das discussões sobre patrimônio
material, surgiram outras destinadas especificamente à proteção da cultural imaterial
que se refere aos modos de viver, aos festejos simbólicos, à linguagem, entre outros,
71
que são constantemente modificados, mas que mantém um forte vínculo com o passado
(CAVALCANTI, 2008). Pelegrini (2006) acrescenta que o patrimônio cultural imaterial
é a vivência, a oralidade, os rituais festivos e religiosos, a culinária de um grupo social
que é transmitida por gerações.
Patrimônio são as manifestações culturais, bem como os símbolos nacionais que
merecem proteção, cujo objetivo consiste em preservá-los para futuras gerações. São
bens como igrejas, saberes, paisagens, palácios, coleções etnográficas, festas,
chafarizes, pontes, lendas, esculturas, pinturas, vestígios arqueológicos, cantos, entre
outros. Em termos jurídicos, patrimônio consiste em objeto de proteção obrigatória por
parte do poder público (FONSECA, 2005).
Patrimônio cultural, conforme o IPHAN40
consiste em um conjunto de bens
materiais (arqueológicos, paisagísticos, etnográficos, históricos, e artísticos entre
outros), que estão fixos no espaço urbano como os imóveis e monumentos, e também
aqueles não fixos, como coleções arqueológicas, acervos museológicos, documentais,
bibliográficos, videográficos, fotográficos e cinematográficos. A cultura imaterial
também faz parte do patrimônio e são as práticas, representações, expressões,
conhecimentos e técnicas de uma comunidade.
Segundo o IPAC41
, patrimônio cultural consiste em tudo que faz parte da
construção histórica dos sujeitos e divide-se em patrimônio cultural material que são os
prédios, monumentos, conjuntos urbanos, artefatos, obras de arte, entre outros; e
imaterial que é tudo aquilo que depende da ação contínua dos indivíduos.
Para a Constituição de 1988, patrimônio cultural representa bens de natureza
material e imaterial, portadores de referências à identidade brasileira, tombados
individualmente ou em conjunto.
O patrimônio cultural se refere às dimensões múltiplas da cultura, é a memória de
um passado que deve ser preservada porque está repleta de significados sobre um ou
vários povos. A noção de patrimônio, entendido como resultante da história e do saber
fazer de um grupo social, advém dos valores da Revolução Francesa, portanto possui
uma forte ligação com a identidade nacional (TOMAZ, 2010). Segundo Meira (2004), a
relação estabelecida entre identidade, nação e patrimônio foi proposital, pois, dessa
forma se passava a ideia para a população brasileira que não havia conflitos no país.
40O conceito de patrimônio cultural defendido pelo IPHAN pode ser encontrado em: http://portal.iphan.gov.br/portal/montarPaginaSecao.do?id=12297&retorno=paginaIphan Acesso 10 de
setembro de 2013. 41Patrimônio cultural segundo o IPAC: http://www.ipac.ba.gov.br/ Acesso 23 de janeiro de 2013.
72
5.2 Políticas públicas de preservação do patrimônio cultural: contexto histórico
Esta seção do trabalho tem o objetivo de discorrer sobre as políticas públicas
destinadas ao patrimônio cultural do Brasil. O estudo se inicia com análise do
documento elaborado no ano de 2010 pela biblioteca digital da Câmara dos Deputados.
Este documento consiste em leis, decretos, planos e programas sobre o patrimônio
cultural do país, com publicações entre o ano de 1937 a 2010. A bibliografia secundária
foi utilizada para complementar e fundamentar este documento.
As políticas públicas identificam como o Estado intervém na sociedade, almejando
a resolução de problemas e de conflitos, reformando realidades (SARAVIA, 2006).
Políticas públicas versam sobre as ações, projetos e planos de responsabilidade do
Estado voltados para diferentes esferas da sociedade. A elaboração, implantação e
sustentação de uma política pública envolvem o Estado e também seu corpo social
(HÖFLING, 2001).
Entende-se que as políticas públicas consistem em ações do Estado destinadas á
determinada questão ou que busquem soluções para um ou mais problemas. O intuito
das políticas para com o patrimônio do Brasil é reforçar a identidade coletiva, bem
como a importância histórica, cultural, arqueológica destes bens. Através das políticas
públicas bens são selecionados e posteriormente preservados, objetivando informar
sobre sua importância para a sociedade. Para que isto ocorra é necessário que estas
ações do Estado possuam objetivos teoricamente elaborados, práticas socialmente
definidas e que estejam regidas por leis e/ou decretos (FONSECA, 2005).
No Brasil, o ato de tornar um bem patrimônio, isto é, de preocupar-se com sua
história, arte e sua preservação, para as populações seguintes, ganhou força a partir de
1920. Neste período alguns dos museus já estavam funcionando e alguns dos
intelectuais demonstravam interesses no patrimônio e em sua preservação, promovendo
aumento nas discussões sobre o assunto. Em 1936, os debates sobre história, arte e
memória destes intelectuais contribuíram para implantação do SPHAN (Serviço do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) que se estabeleceu como instituição
vinculada à cultura. Dois acontecimentos marcaram a constituição do SPHAN. Foram o
movimento cultural modernista42
e o governo autoritário do Estado Novo. Os
modernistas se preocupavam com a importância cultural, com a memória do patrimônio
42Movimento cultural, literário e artístico que permeou a primeira metade do século XX, no Brasil.
73
e com a preservação destes bens. Já o objetivo desta nova ordem política, econômica e
social, propiciada pelo Estado Novo, era integrar proteção, preservação ao patrimônio à
construção de uma ideia nacionalista (FONSECA, 2005).
Em 30 de dezembro de 1937, durante o governo do Presidente Getúlio Vargas, foi
aprovado o Decreto-Lei de número 25 que organizou a proteção do patrimônio histórico
e artístico nacional. Neste texto, o patrimônio estava ligado à história do Brasil e
possuía grande valor arqueológico, etnográfico e artístico (BRASIL, 2010). Este
Decreto de 37 definiu que o valor do patrimônio decorria do seu vínculo com a história
e memória ou devido sua arquitetura, arte, arqueologia e etnografia. Desde a sua
homologação, até os dias atuais, o Decreto 25 é utilizado para respaldar as políticas
públicas de preservação do patrimônio cultural do país.
Durante este período de 1937, a cultura estava fortemente vinculada com a política.
Pois, no governo de Vargas as tradições culturais eram utilizadas para legitimar sua
administração e para mobilizar as massas buscando a criação de uma ideia de cultura
homogênea, na qual a população se identificava com o regime vigente. Entretanto, os
conflitos ideológicos presente na educação, literatura, na arte e na arquitetura fez
contraponto a este governo (FONSECA, 2005).
Com o Decreto-Lei de número 25, o patrimônio histórico e artístico foi definido
como o conjunto de bens fixos e não fixos (móveis e imóveis) existentes no território
brasileiro, inscritos em um dos quatro Livros do Tombo. Com grande valor histórico,
arqueológico, cuja conservação destes bens é de interesse da sociedade. Segundo Godoy
e Rabelo (2008) a concepção de patrimônio, desta legislação, estava orientada pelos
objetos (fixos ou não) e pela noção de cultura material. Isto é, eram aceitos como
patrimônio apenas os bens culturais materiais – as construções e os edifícios. A
instituição de proteção ao patrimônio brasileiro, nesta época, foi o SPHAN que elaborou
o Decreto-Lei 25 de 1937 e definiu os quatro Livros do Tombo:
74
Fluxograma 3: Livros do Tombo do Patrimônio Brasileiro.
Fonte: Rodrigues (2015).
O tombamento, único instrumento de preservação de 1937, era destinado aos bens
tanto de natureza jurídica, quanto física e realizado de forma voluntária ou
compulsoriamente. No tombamento voluntário, o bem que possuía requisito, era
submetido ao Conselho Consultivo do SPHAN, por meio de inscrição ou notificação
realizada pelo proprietário. Quando o proprietário de um ou mais bens se recusava a
inscrevê-los, este recebia notificações do SPHAN (BRASIL, 2010). No entanto, havia
lacunas neste documento, sobretudo no que se refere ao tombamento, pois diante da
ação compulsória do tombo, os proprietários de bens poderiam cancelar o processo. O
segundo parágrafo do artigo 19 oferecia meios para que isto acontecesse.
O tombamento consiste na seleção e valorização de bens. Sendo um ato
administrativo e também discriminatório, no qual estão envolvidos fatores de ordem
ideológica e política (FONSECA, 2005). Segundo Fonseca (2000), o tombamento no
documento de 1937enfrentou dificuldades quanto à sua aplicação, pois proprietários
destes imóveis não abdicavam do direito aos bens.
As solicitações de tombo partiam, em geral, do SPHAN, raros eram os pedidos de
tombamento oriundos de fora da instituição. Diante disto é importante destacar que o
número de bens religiosos tombados foi maior que os demais, como indica a autora:
Foram tombados, até o final de 1969, 803 bens, sendo 368 de arquitetura
religiosa, 289 de arquitetura civil, 43 de arquitetura militar, 46 conjuntos, 36
bens imóveis, seis bens arqueológicos e quinze bens naturais (FONSECA,
2005 p. 113).
75
É necessário ressaltar que os bens de grande valor estético, como alguns religiosos
de origem barroca foram inscritos no Livro de Belas Artes. Já o Livro Histórico43
e o
Livro Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico abrigavam aqueles bens, assim
definidos de baixo interesse estético. Isto promoveu uma hierarquização nos Livros do
Tombo (FONSECA, 2005). Uma das justificativas para isto é que:
(...) a constituição do patrimônio no Brasil foi realizada a partir de uma
perspectiva predominantemente estética. Inclusive, praticamente não havia historiadores no quadro de funcionários do SPHAN, tendo ficado a seção de
História entregue a pessoas, como Carlos Drummond de Andrade, que,
apesar de seu inegável valor intelectual, não era um especialista na matéria.
Não havia, então, por parte do SPHAN, a preocupação de incorporar os avanços da historiografia nacional e internacional (FONSECA, 2005 p. 114).
Em 1940, outro Decreto-Lei foi aprovado, o de número 2.848, para complementar o
de 1937. Neste instituiu-se a penalização e multa para os indivíduos que destruíssem,
inutilizassem ou deteriorassem um bem tombado. Além da multa, a penalidade poderia
vir sob a forma de detenção que variava entre seis meses a dois anos, dependendo da
ação contra o patrimônio. Já o Decreto-Lei de número 3.866, aprovado em 1941,
atribuía ao Presidente da República - Getúlio Vargas, plenos poderes para cancelar o
tombamento de um bem pertencente à União, aos estados, municípios ou mesmo
privado (BRASIL, 2010).
Entre os anos de 1947-48 iniciou-se o tombamento de alguns dos bens da
arquitetura moderna. Estes estavam concentrados principalmente no Sudeste do país
(Belo Horizonte e Rio de Janeiro). Segundo Andrade Júnior (2009), as décadas de 1940
e 1950 foram referência para a arquitetura moderna brasileira.
A Lei de número 3.924, de 1961, trata da escavação e da preservação de
monumentos arqueológicos e pré-históricos (poços sepulcrais, jazigos, aterrados, entre
outros). Já a Lei de 1965, de número 4.737, denota sobre os crimes eleitorais44
contra o
patrimônio. É considerado crime contra o patrimônio quando se escreve, assinala e/ou
pinta em um logradouro público. A penalidade consiste em até seis meses de detenção e
pagamento de multas. Se esta ação se realizar em um logradouro tombado, a penalidade
vai de seis meses a dois anos de detenção e multas.
Também no mesmo ano de 1965, foi aprovada a Lei de número 4.845, que proibia a
saída de obras de artes e ofícios tradicionais do país, datadas até o fim do período
43Em 1960, a prioridade das inscrições de tombamento transferiu-se para o Livro Histórico (FONSECA,
2005). 44Refere-se aos candidatos que durante os períodos eleitorais fazem propagandas em imóveis públicos.
76
monárquico. Em 1968, esta proibição foi ampliada e então se tornou condenável à
exportação de obras e acervos documentais brasileiros ou que relatam sobre o Brasil,
editadas entre os séculos XVI e XIX (Lei n. 5.471). E passa a ser permitida a saída
destas obras e acervos documentais apenas quando autorizadas pelo governo federal e
cujos interesses forem culturais (BRASIL, 2010).
A década de 1960 foi considerada de grande modificação para o patrimônio
brasileiro, em decorrência da industrialização, urbanização intensa e da construção de
Brasília. Estes acontecimentos se opunham à tradição, exigindo ações mais intensas do
SPHAN. Para tanto, esta instituição recorreu à Organização das Nações Unidas para a
Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) isto promoveu a vinculação do SPHAN
com as diretrizes deste organismo internacional (FONSECA, 2005).
Em 1972, a Lei 5.805 estabeleceu normas para preservar obras literárias que se
tornaram de domínio público. Neste mesmo ano, o Decreto de número 71, aprovou o
texto da Convenção sobre patrimônio realizada pela UNESCO, ocorrida em 1970. O
objetivo da convenção foi definir medidas que deveriam ser adotadas pelos Estados-
Parte45
, no que diz sobre a proibição da importação, exportação e transferência dos bens
culturais. Dessa forma, os Estados-Parte, possuem o dever moral de proteger e respeitar
seu patrimônio e o de outras nações, combatendo práticas que o coloque em risco. A
proteção do patrimônio tornar-se-á mais eficaz quando houver uma cooperação entre
Estados-Parte e as bases internacionais de proteção patrimonial.
Neste mesmo evento declarou-se que bens culturais consistem em bens de caráter
religioso e/ou profano que possuem importância histórica ou pré-histórica,
arqueológica, literária, artística ou científica. Os bens culturais, segundo a convenção de
1970, são elementos básicos da civilização e da cultura dos povos (BRASIL, 2010).
Os Estados-Parte que ainda não possuem instituições ou serviços de proteção ao
patrimônio devem criá-los. Estas instituições possuem o objetivo de preparar projetos
de lei, regulamentos, isto é, políticas públicas que proíbam a importação, exportação e
transferência de bens culturais importantes. Assim, devem elaborar medidas para
estimular e desenvolver o respeito ao patrimônio cultural, como criar e/ou manter
atualizado um inventário nacional de bens sobre proteção. As normas e leis criadas pela
instituição devem estar, segundo o texto, em conformidade com os princípios da
convenção de 1970 elaborado pela UNESCO.
45Estados-Parte são aqueles participantes da Convenção sobre patrimônio realizada pela (UNESCO) em
1970 e também aqueles que adotaram suas medidas, diretrizes e propostas.
77
Segundo Fonseca (2005), as ações da UNESCO em colaboração com o IPHAN46
não foram suficientes para satisfazer as demandas desta época. Para tanto foram criados
o Programa de Reconstrução das Cidades Históricas (PCH) em 1973 e o Centro
Nacional de Referência Cultural (CNRC) no ano de 1975. Estas iniciativas objetivaram
a proteção de patrimônios ameaçados pelo processo de industrialização e urbanização
do país. O Programa de Reconstrução das Cidades Históricas possuía a intenção de
criação de infraestrutura para o turismo no Norte e Nordeste, bem como revitalizar
monumentos degradados.
O PCH consistia em um programa que buscava associar a riqueza e beleza dos
patrimônios com a atividade turística. Seu intuito seria buscar desenvolvimento urbano
e regional por meio de iniciativas econômicas que garantissem a redução das
desigualdades regionais. Esta política pública pode ser considerada uma das iniciativas
de maior consistência para preservação do patrimônio no país, pois estava pautada no
desenvolvimento econômico através da retomada dos investimentos à esfera pública
(CORREA; FARIA, 2011).
Já o CNRC possuía como participantes os intelectuais ligados a Universidade de
Brasília em parcerias com o Governo do Distrito Federal. E seus desígnios eram mais
amplos que o PCH:
Tratava-se não de eleger símbolos da nação nem de conhecer e divulgar as tradições brasileiras, e sim de buscar indicadores para elaboração de um
modelo de desenvolvimento apropriado às necessidades nacionais. Desse
modo, deslocava-se o centro de interesse para a questão atual do
desenvolvimento e articulava-se a cultura às áreas mais fortes do governo (FONSECA, 2005 p. 144).
O modelo de desenvolvimento proposto pelo CNRC abarcava as condições locais.
Portanto, se referenciava na diversidade cultural brasileira. Segundo Fonseca (2005),
quatro programas estruturava o CNRC: o programa mapeamento do artesanato
brasileiro, história da ciência e tecnologia no Brasil, levantamentos socioculturais e
levantamento de documentação sobre o Brasil. O primeiro programa alcançou
resultados mais significativos e esteve presente em alguns dos estados do Nordeste,
Sudeste e Centro-Oeste.
Ainda em 1975, após a aprovação do texto elaborado pela Convenção de 1970, o
país aprovou o Decreto Legislativo de número 74, relativo ao evento organizado pela
UNESCO. Este decreto trata sobre o patrimônio cultural e natural, sobre as ameaças
46É importante ressaltar que neste momento (1973) a então instituição SPHAN já havia sido denominada
de IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional).
78
que ambos passam devido às tradições de degradação e ao desenvolvimento da vida
social e econômica. Para proteger, preservar e valorizar o patrimônio cultural e natural,
os Estados-Parte devem dispor de políticas públicas que deem vida e coletividade ao
patrimônio, através de medidas jurídicas, administrativas e técnicas, estudos e
pesquisas.
Este Decreto Legislativo de 1974 aprovou a criação de um comitê
intergovernamental denominado “Comitê do Patrimônio Mundial”, que protege e
universaliza os patrimônios que estão em um inventário de bens do patrimônio cultural
e natural elaborado por cada Estado-Parte. Este inventário deve ser atualizado a cada
dois anos.
Para a Convenção de 1970, cada Estado-Parte poderia criar um fundo, caso
considerasse necessário, de preservação de seus bens patrimoniais. Esta Convenção
criou o seu próprio fundo – O Fundo do Patrimônio Mundial, que buscava recursos a
partir das contribuições bianuais dos Estados-Parte e de doações para programas ou
projetos específicos elaborados ou executados pela Convenção. Caso o Estado-Parte
ficasse um quadriênio sem contribuir com o Fundo, não seria eleito para o Comitê do
Patrimônio Mundial47
.
Em 1979, devido à visibilidade do CNRC e do PCH ocorreu uma fusão entre estes
programas e o IPHAN, reunindo assim, todos em uma única instituição. Para tanto,
criou-se um órgão normativo denominado de Secretaria do Patrimônio Artístico
Nacional (SPHAN) 48
e outro órgão executivo - a Fundação Cultural pró-Memória
(FCpM). Esta fusão fez o IPHAN se preocupar mais com as manifestações populares,
com o bem cultural móvel. No entanto, havia um obstáculo, pois os critérios utilizados
pelo Instituto para valorização das manifestações populares eram aqueles utilizados para
a cultura erudita (FONSECA, 2005).
Em 1981, criou-se a Secretaria de Cultura que estava vinculada ao Ministério da
Educação (MEC). Esta Secretaria possuía o objetivo de elaborar políticas públicas
culturais destinadas à sociedade. Já em 1985 a secretaria é substituída pelo Ministério da
Cultura.
47Este contexto é marcado por uma série de manifestações sociais a favor da melhoria da qualidade da
vida urbana, as greves no ABC paulista, o movimento negro, a criação de partidos políticos de esquerda
entre outras, engrossaram a luta pelos direitos políticos e contra o Golpe de 1964. Segundo Fonseca
(2005), foi à crise internacional relacionada ao petróleo que provocou a crise de legitimidade do regime militar. 48 Neste período o IPHAN é dividido em secretarias. Estava na condição de órgão normativo vinculado a
Fundação Cultural pró-Memória (FCpM).
79
Em agosto de 1988 foi publicada no Diário Oficial da União, a Lei de número
7.668 que autorizou a criação da Fundação Cultural Palmares – FCP. Esta fundação está
vinculada ao Ministério da Cultura e possui o objetivo de preservar valores sociais,
culturais e econômicos decorrentes da influência negra, assim como identificar
remanescentes quilombolas delimitando e demarcando suas terras. Para tanto, a
fundação passa a ter legitimidade de demarcação de títulos em cartórios mobiliários
(BRASIL, 2010).
Tanto a Convenção de 1970 (UNESCO), como a Fundação Cultural Palmares e
outros decretos e leis foram importantes para se elaborar e aprovar a constituição de
1988, que atribuiu ao Estado o dever de proteger o patrimônio do país, de zelar e
incentivar as manifestações culturais de índios, de negros e de outros grupos
participantes da sociedade brasileira, de garantir o direito à cultura, assim como de
resguardar documentos e obras de caráter histórico-artístico e cultural, impedindo sua
descaracterização e destruição. É dever dos municípios proteger o patrimônio histórico e
cultural do local, respeitando a legislação e as ações federais e estaduais.
A Constituição de 1988 promoveu um novo sentido ao conceito de patrimônio
cultural, que se distancia da ideia apresentada no Decreto-Lei de 1937. Está incluso, na
Constituição, as manifestações culturais imateriais, a possibilidade de a população
brasileira indicar aquilo que compõe seus bens e a importância do patrimônio para
construção dos símbolos, da memória, da identidade dos grupos sociais. Ainda que a
Carta Magna traga conceitos importantes, esta não provocou alterações imediatas para a
preservação dos bens patrimoniais imateriais do país (GODOY; RABELO, 2008).
A Constituição foi de fato importante para o patrimônio cultural porque estabeleceu
que a cultura imaterial também deveria estar sob a salvaguarda das políticas públicas de
preservação (TOMAZ, 2010). Em 1988 ocorreu a oficialização de que o patrimônio
cultural imaterial necessitava de preservação. Sobre este assunto Cavalcanti (2008)
acrescenta:
O Ministério da Cultura e o IPHAN optaram pela expressão patrimônio
cultural imaterial, tendo por fundamento o art. 216 da Constituição Federal
de 1988 (...). Realça-se, todavia, o fato de que a noção de patrimônio cultural imaterial permitiu destacar um conjunto de bens culturais que, até então, não
era oficialmente incluído nas políticas públicas de patrimônio orientadas pelo
critério de excepcional valor artístico e histórico do bem a ser protegido
(CAVALCANTI, 2008, p. 13).
A Constituição de 1988 estabeleceu o Plano Nacional de Cultura visando o seu
incentivo e a integração entre os poderes federais, estaduais e municipais para proteção
80
do patrimônio do Estado em colaboração com a sociedade brasileira. Esta proteção
aconteceu por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação
de bens (BRASIL, 2010).
Já em 1990, a Lei 8.029, dissolveu o SPHAN e criou o Instituto Brasileiro do
Patrimônio Cultural (IBPC) que se responsabilizou pelas competências desta extinta
secretaria49
. Segundo Fonseca (2005), nos primeiros anos desta década houve uma
redução no número de bens tombados no país devido à paralização das atividades do
SPHAN, provocada pela reforma administrativa na instituição, isto é pela criação do
IBPC. Neste período a FCpM foi extinta e funcionários foram demitidos.
Conforme Luporini (1997), os anos 90 foram marcados por mudanças no contexto
mundial. Estas mudanças imprimiam uma diferente interação entre as nações, em razão
de uma hierarquização das políticas públicas e da grande desigualdade social entre
alguns dos países. Já a sociedade brasileira estava marcada por tensões e pela presença
mínima do Estado.
Um ano após a lei que concebeu o IBPC, este instituto criou- a política nacional de
arquivos públicos e privados, aprovada pela Lei 8.159/91 que submete ao governo
federal, estadual e municipal a gestão, avaliação e arquivamento de documentos
produzidos e recebidos por órgãos públicos, instituições de caráter público e entidades
privadas. Além da proteção, o poder público deve garantir o direito ao acesso à
documentos de arquivos. São considerados documentos públicos aqueles produzidos e
recebidos por instituições públicas ou documentos de instituições privadas encarregadas
da gestão de serviços públicos. Já os arquivos privados podem ser definidos como de
interesse público e social quando considerados como fontes para a história e para o
desenvolvimento científico nacional (BRASIL, 2010).
Aqueles documentos considerados como sigilosos que colocam em risco a
segurança da sociedade e do Estado ficam restritos à consulta por 30 anos, sendo que
este prazo pode ser prorrogado. Os documentos também sigilosos que se referem à
honra e a imagem de pessoas ficarão restritos por um prazo de 100 anos, contados a
partir da data de produção. Esta Lei aprovada em 1990 diz que os indivíduos ou as
instituições que desfigurarem ou destruírem documentos ficarão sujeitos a penalidades
civil e administrativa (BRASIL, 2010). No entanto, não há nada escrito sobre aquelas
49
Antes de ser dissolvido o órgão federal de proteção patrimonial foi dividido em secretarias e estava
vinculado à Fundação Cultural pró-Memória (FCpM).
81
pessoas e/ou instituições que tomam para si documentos de caráter público e social, pois
isto se torna frequente em muitos dos arquivos públicos do país.
Em 1991, o Congresso Nacional sancionou a Lei 8.313 que instituiu o Pronac
(Programa Nacional de Apoio à Cultura), cujo objetivo é o de captar recursos para
estimulara à regionalização da produção cultural artística brasileira, apoiando,
valorizando e difundindo suas manifestações culturais. Este apoio à cultura deve
ocorrer, segundo o documento, mediante concessão de bolsas de estudos e prêmios,
oferta de cursos vinculados à cultura e a arte, produção de obras cinematográficas e
realização de exposições e espetáculos entre outros. Em um dos capítulos desta Lei de
1991, o Governo Federal estimulou a criação de Conselhos de Cultura nas esferas
federal, estadual e municipal objetivando a participação da comunidade nas resoluções
sobre os assuntos culturais (BRASIL, 2010).
A Lei 9.605 de 1998 dispõe sobre as sanções penais e administrativas para aqueles
que lesarem o meio ambiente. No capítulo V, na seção IV, deste documento discorre-se
sobre o espaço urbano e o patrimônio. Torna-se crime contra o ordenamento urbano e o
patrimônio cultural destruir, inutilizar ou deteriorar bem patrimonial protegido por lei,
assim como os arquivos, os registros, os museus, as bibliotecas e as pinacotecas. A
penalidade para aqueles que cometerem tais crimes consistem em multa e reclusão de
seis meses a três anos. É também considerado crime alterar o aspecto ou estrutura da
edificação em razão do seu valor paisagístico, ecológico, turístico, artístico, histórico,
cultural, religioso, arqueológico, etnográfico ou monumental. A punição consiste em
multa e reclusão (BRASIL, 2010).
Já no ano de 1999, foi criado o Programa Monumenta, que buscou recuperar e
preservar o patrimônio cultural, tanto material quanto imaterial, de algumas cidades que
foram escolhidas pela representatividade histórica e artística, atrelando desenvolvimento
social e econômico à preservação. Esta política pública atraia fortes interesses
econômicos, pois o discurso sobre desenvolvimento seduzia a iniciativa privada,
sobretudo aqueles promotores da atividade turística.
Segundo IPHAN (1998), o Programa Monumenta atuou em áreas consideradas
como sítios históricos, conjuntos urbanos ou monumentos tombados individualmente,
em parceria com o setor público, iniciativa privada e comunidade. E possuía como
financiador o Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).
82
O Decreto 3.551/2000 instituiu o Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial
que aprovou a inscrição de bens nos Livros de Registros. São quatro os Livros que
catalogam as manifestações culturais imateriais: Celebrações, Saberes, Lugares e
Formas de Expressão. Meses após a criação deste decreto, o IPHAN publicou a
metodologia que fundamenta o INCR (Inventário Nacional de Referências Culturais).
Esta política pública levantou, identificou e documentou os bens culturais imateriais
ancorando no conceito de referências culturais50
. A atuação do INRC concentrou-se nas
regiões Nordeste e Sudeste. Isto ocorreu devido à integração entre o IPHAN e as
instituições culturais locais que capacitaram agentes das comunidades para realização de
pesquisas sobre as manifestações culturais (GODOY; RABELO, 2008).
No ano de 2002, o Decreto 4.073 regulamentou a Lei 8.159 de 1991 que dispõe
sobre as políticas nacionais dos arquivos públicos. Este decreto afirmou que o Conarq
(Conselho Nacional de Arquivos), criado em 1991, tinha por finalidade definir as
políticas tanto para arquivos públicos, quanto para os de caráter privados, orientando,
gerindo e protegendo os documentos. Já em 2003, o Congresso Nacional decretou a Lei
10.753 que institui a Política Nacional do Livro. Tal política assegurou aos cidadãos o
direito de acesso e uso do livro. O livro é considerado meio principal e insubstituível da
difusão da cultura, conhecimento, do fomento da pesquisa científica e da conservação
do patrimônio nacional (BRASIL, 2010).
Em 2004, o Decreto 5.264 instituiu o Sistema Brasileiro de Museus buscando a
interação entre as instituições museológicas, assim como a valorização, o registro e a
disseminação do conhecimento específico neste campo. As instituições museológicas
vinculadas ao Ministério da Cultura passaram a integrar o Sistema Brasileiro de
Museus. A criação deste sistema objetivou a interação entre os museus no que se diz
sobre aquisição de bens, capacitação de recursos humanos, documentação, pesquisa,
conservação e restauração (BRASIL, 2010).
Já o Decreto Legislativo de 2006, aprovou o texto da Convenção para a
Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial realizada no ano de 2003 pela UNESCO.
Este documento é oriundo da 32ª sessão da Conferência Geral das Organizações das
Nações Unidas (ONU) e instrumentaliza as políticas públicas de preservação do
patrimônio imaterial do país (BRASIL, 2010).
50
Referências culturais são práticas e/ou objetos através dos quais grupos (re)criam a sua identidade, sua
territorialidade. São as artes, os ofícios, as festas e os lugares (GODOY; RABELO, 2008).
83
O objetivo deste documento é salvaguardar o patrimônio cultural imaterial,
conscientizando as populações em escala local, nacional e internacional de sua
importância, através da cooperação e assistência desta organização. No documento:
Entende-se por “patrimônio cultural imaterial” as práticas, representações,
expressões, conhecimentos e técnicas - junto com os instrumentos, objetos,
artefatos e lugares culturais que lhes são associados - que as comunidades, os
grupos e, em alguns casos, os indivíduos reconhecem como parte integrante de seu patrimônio cultural (UNESCO, 2006, p. 04).
A Convenção para Salvaguarda é um documento técnico que atribui medidas e
diretrizes para os Estados que estão vinculados à UNESCO. Estes deverão se reunir a
cada dois anos para tomada de decisões sobre o patrimônio cultural imaterial de seu
país. As atribuições da UNESCO quanto à preservação do patrimônio é acompanhar,
assessorar, avaliar, regular e estabelecer caminhos a serem seguidos pelos Estados.
Cabe a cada Estado identificar e definir os patrimônios culturais imateriais que
estão em seu território, através da participação popular. Após esta identificação dos bens
e da elaboração de um inventário, os países devem notificar à UNESCO. Assim, cada
Estado adotará medidas e diretrizes, segundo as orientações da Convenção, para
organização e salvaguarda dos patrimônios (UNESCO, 2006).
O documento elaborado pela UNESCO deixa evidente que estas políticas, para
preservação dos patrimônios independem da sucessão governamental, para tanto, cada
Estado necessitará:
Adotar uma política geral visando promover a função do patrimônio cultural imaterial na sociedade e integrar sua salvaguarda em programas de
planejamento. Designar ou criar um ou vários organismos competentes para a
salvaguarda do patrimônio cultural imaterial presente em seu território
(UNESCO, 2006, p. 08).
Além disto, cabe aos Estados fomentar pesquisas científicas, fortalecer instituições
para gestão, criar instituições de documentação e garantir o acesso ao patrimônio
cultural imaterial, assegurando respeito e valorização dos mesmos, através de
intervenções, de campanhas educativas e de conscientização.
Outro Decreto, este de número 5.761/2006, foi aprovado para regulamentar a Lei
8.313/1991, estabelecendo sistemáticas de execução do Pronac (Programa Nacional de
Apoio À Cultura). O qual deveria apoiar programa, projetos e ações culturais que
valorizavam a cultura nacional, a expressão cultural dos diferentes grupos, a
preservação e o uso sustentável do patrimônio cultural brasileiro, as ações de artistas,
mestres, técnicos e estudiosos da cultura brasileira, promovendo a erradicação da
discriminação e do preconceito. Os recursos do Fundo Nacional da Cultura poderão ser
84
utilizados pelo Pronac através de bolsas de estudos, premiações, custeios de passagens,
transferência aos estados para financiar programas, projetos e ações culturais entre
outros (BRASIL, 2010).
Em 2009, a Lei 11.904, instituiu-se o Estatuto dos Museus. Os museus são
considerados instituições voltadas para a preservação patrimonial e o desenvolvimento
socioeconômico e cultural, em seus espaços se expõem coleções de valor histórico,
artístico, científico, técnicos ou de qualquer outra natureza cultural, importantes para a
preservação, educação, pesquisa, estudo, contemplação e turismo. Este Estatuto está
vinculado ao Plano Nacional de Cultura, ao regime de proteção e valorização do
patrimônio. Todo e qualquer bem cultural presente no museu deverá ser identificado e
adquirido conforme pesquisa. Estes bens deverão ser documentados por meio de
registros e inventários que garantirão sua proteção e preservação. Ainda neste mesmo
ano aprovou-se outra Lei - a de número 11.906 que criou o Instituto Brasileiro de
Museus (Ibram) de autarquia federal e vinculado ao Ministério da Cultura. O Ibram
possui o objetivo de promover e assegurar a implantação de políticas públicas nas
instituições museológicas (BRASIL, 2010).
Já em 2010, a lei 12.192 dispôs sobre o depósito das obras musicais na Biblioteca
Nacional. São considerados parte deste acervo as obras musicais, partituras, fonogramas
e videogramas musicais produzidos por qualquer meio ou processo destinados à venda
ou de distribuição gratuita.
Para resumir estas leis, decretos, planos e programas direcionados ao patrimônio
cultural elaborou-se um quadro contendo as datas destas políticas públicas de
preservação.
85
Quadro 5: Sistematização das políticas públicas de preservação patrimonial: de
1937 a 2010.
Fonte: Rodrigues (2015).
O Quadro 5 destaca as políticas públicas de preservação patrimonial do país, de
1937 a 2010. O Decreto de 1937 foi importante para o patrimônio porque oficializou o
planejamento e as ações de salvaguarda. No entanto, estas políticas estão direcionadas
para os bens materiais, sobretudo os de arquitetura católica e barroca. Este quadro
começou a mudar em 1947, quando alguns bens de arquitetura moderna foram
tombados. Porém, permanece como preferência bens do patrimônio material e de grande
valor estético. As demais políticas públicas dão continuidade ao processo de
preservação do patrimônio cultural do país, e embora tenha importância reconhecida,
não proporcionam excepcionais mudanças.
Em 1970, a Convenção da UNESCO estabeleceu que os Estados participantes
deveriam proteger seu patrimônio e o de outras nações. Neste momento, foi criado o
Comitê do Patrimônio Mundial que ficou responsável pela elaboração de um inventário
86
de bens. Esta iniciativa designou que o patrimônio inscrito seria de interesse universal.
Em 1973 foi instituído o primeiro programa, na escala federal, que investiu de forma
significativa no patrimônio das cidades - o Programa Reconstrução das Cidades
Históricas, o qual buscou diminuir as desigualdades regionais, sobretudo entre o
Nordeste e o Sudeste. Assim, o desenvolvimento viria com a atividade turística e teria
como meio o patrimônio das cidades históricas.
Através da iniciativa de uma equipe interdisciplinar da Universidade de Brasília
com o governo local, no ano de 1975, instituiu-se o CNRC – O Centro Nacional de
Referências Culturais, que possuía intenções audaciosas como a de descrever e analisar
a dinâmica cultural do país. Suas ações consistiram na construção de um banco de dados
com o acervo coletado, na preservação de monumentos e no apoio à arte entre outros.
A Portaria de número 11, de setembro de 1986, decretou que para compor o
processo de tombo, as Coordenações Regionais (CR), deveriam elaborar um parecer
técnico sobre a área a ser salvaguardada com base nas informações sobre sua formação
e desenvolvimento. Assim como, apresentar a poligonal de tombamento, sua
representação gráfica, planta de localização e o valor cultural do bem tombado. Já em
caso de tombamento de conjuntos edificados, aqueles imóveis sem mérito devem ser
excluídos (IPHAN, 1998). Estas instruções foram enviadas às CR’s para que estas
elaborassem, conforme a jurisdição vigente, o dossiê para tombamento.
A Constituição de 1988 foi considerada um marco para as políticas de preservação,
porque ampliou o conceito de patrimônio cultural, definindo-o como um bem tanto
material, quanto imaterial. Já o ano de 1990 foi marcado por uma série de situações
inadequadas ao patrimônio. Foram dissolvidas secretarias, extintos alguns dos
programas e realizadas demissões de funcionários ligados à instituições de proteção.
Em 2000 foi criado o Inventário Nacional de Referências Culturais – INRC, após
uma série de discussões realizadas pela equipe do IPHAN do que poderia ser
identificado enquanto bem cultural. Assim definido, o INRC buscou a valorização da
identidade, da memória e dos símbolos de grupos sociais. Os bens culturais contidos no
inventário referem-se às celebrações, aos saberes, aos lugares e as formas de expressão
destes grupos. Já em 2006 foi aprovado o texto da Convenção para Salvaguarda do
Patrimônio Imaterial, realizada pela UNESCO. Esta Convenção elaborou diretrizes,
direcionadas aos Estados, no que tange ao patrimônio cultural imaterial.
Em 2009, na cidade mineira de Ouro Preto, foi aprovado o PAC (Plano de
Aceleração do Crescimento) - Cidades Históricas. Este plano destinava a preservação de
87
conjuntos ou sítios protegidos no âmbito federal. Para integrar-se ao PAC o município,
em conjunto com o estado e o Iphan, deveria elaborar um Plano de Ação com um
planejamento integrado, coerente com o Sistema Nacional do Patrimônio Cultural.
Estas políticas públicas de proteção patrimonial são necessárias para entendimento
do valor que o governo e a sociedade atribuem a estes bens. São relevantes porque são
fontes e representantes da memória, da história, da arte e das identidades de grupos
sociais.
88
6. PATRIMÔNIO CULTURAL DE IGATU
Esta seção da pesquisa apresenta o percurso que levou o tombamento de Igatu, bem
como as políticas públicas que sustentam sua preservação. Para tanto, provem dos
documentos que compõe o dossiê de tombo organizado pelo IPHAN, no ano de 199851
,
das fontes reunidas pelo IPAC sobre o patrimônio de Igatu52
e da proposta de
tombamento municipal elaborado também pelo IPAC em 2009. Assim como, dos
documentos elaborados pela prefeitura de Andaraí53
que consistem no projeto Parque
Urbano de Preservação Ambiental, Histórica e Lazer de Igatu54
, baseado no Decreto
Municipal de 15/03/2007 em parceria com o centro cultural do distrito (Centro Cultural
Chic - Chic)55
.
No ano de 2009 a prefeitura de Andaraí elaborou alguns slides baseados no
programa Federal PAC – Cidades Históricas (Plano de Aceleração do Crescimento),
com vigência entre os anos de 2010 a 2013, objetivando atrelar preservação patrimonial
com crescimento econômico. Estes slides também foram analisados nesta investigação.
Outro documento analisado foi à proposta de Consolidação e Restauração das
Ruínas Luís dos Santos inscrita pela Companhia do Restauro cujo financiamento viria
do Programa Petrobrás Cultural56
.
Igatu está tombado como Conjunto Arquitetônico, Urbanístico e Paisagístico,
incluindo as ruínas de habitação de pedra, localmente denominada de Luís dos Santos,
cujo número do processo é 1411–T–98. Após uma sucessão de denúncias, investigações
e discussões, estas analisadas nesta seção, o distrito foi inscrito nos Livros do Tombo. A
Figura 19 evidencia estes livros, seus respectivos volumes, a página e a data da
inscrição.
51Estes documentos consistem em memorandos, ofícios, portarias, pareceres, programas, projetos, entre outros que compõem o processo de tombamento de Igatu. Estão disponíveis para consulta no
IPHAN/Salvador/BA. 52Consistem em ofícios, portarias, projetos, reportagens que datam de 1998 a 2002. Estão disponíveis para
consulta na sede do IPAC/Salvador/BA. 53Estes documentos foram obtidos em 2014 durante a viagem de campo para a sede do município de
Andaraí e o distrito de Igatu. 54Este documento está assinado pela prefeitura de Andaraí. Também pode ser encontrado no endereço
http://xa.yimg.com/kq/groups/27471536/267582466/name/Parque+IgatuA3+2.pdf. Acesso 26 de abril de 2015. 55O Centro Cultural Chic-Chic foi formado durante o ano de 1998 através de iniciativas conjuntas entre
antigos e recentes moradores do distrito. 56 Entre os anos 2005 e 2006, o distrito foi selecionado pelo Programa Petrobrás Cultural, cujo objetivo seria realização de pesquisas nas Ruínas Luís dos Santos para restauração e consolidação destas. Esta
proposta foi inscrita pela Companhia do Restauro, uma empresa de restauração de imóveis do estado de
São Paulo.
89
Figura 19: Livros do Tombo: Igatu – Chapada Diamantina/BA57
Fonte: Brasil (2009, p. 5).
Segundo Fonseca (2005), o tombamento consiste em um instrumento de cunho
jurídico cujas ações estão refletidas na esfera econômica e social. É um importante
dispositivo de valorização do bem cultural. É uma prática significativa das políticas
públicas de preservação do patrimônio do país. Sobre os processos de tombamento de
bens no Brasil, a autora acrescenta:
(...) a partir da década de 1960 esses processos passaram a ser formados segundo uma certa sistemática, constituindo-se em verdadeiros dossiês, a que
são anexados não apenas os documentos oficiais (pedido de tombamento,
notificação ao proprietário, pareceres, ata do conselho consultivo, eventuais
impugnações e contra-razões etc.) como todo material que diga respeito ao processo (recorte de jornais e revistas, cartas, abaixo-assinado, informações
extraídas de livros e folhetos, fotos, plantas, desenhos etc.) (FONSECA, 2005,
p. 181-2)
O dossiê que promoveu o tombamento de Igatu, dividido em dois volumes (Figura
20) permite acompanhar toda a história de valorização da cultura local pelo governo
federal. Trata-se de ofícios, memorandos, portarias, abaixo-assinado, projetos entre
outros documentos. No distrito o processo de tombamento começa no ano de 1997, por
iniciativa dos moradores em contribuição com o IPHAN e esta ação veio assegurar sua
feição arquitetônica oriunda da história da atividade garimpeira.
57BRASIL, Bens Móveis e Imóveis Inscritos nos Livros do Tombo do Instituto do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional 1938 – 2009. 5ª ED. Ministério da Cultura/IPHAN: Brasília, 2009.
90
Figura 20: Processo de tombamento de Igatu, 1998.
Fonte: Rodrigues (2013).
O interesse que moveu alguns dos moradores pelo processo de tombamento do
distrito foi determinado pela degradação do antigo bairro garimpeiro, hoje denominado
Ruínas Luís dos Santos. Muitas pedras utilizadas para construção de moradias que
formava este antigo bairro, no período de auge do garimpo, foram retiradas, provocando
assim a deterioração do local. As pedras utilizadas para a construção de tocas e ranchos
durante o período de auge da garimpagem foram retiradas por residentes de outras
localidades. O tombamento do distrito foi solicitado pelos moradores de Igatu por meio
de um abaixo-assinado (Figura 21).
Figura 21: Abaixo assinado para tombamento de Igatu, 1997. 58
Fonte: Rodrigues (2013).
58 Amélia Rodrigues de Oliveira, que aparece no abaixo assinado, era funcionária do Escritório Técnico
de Lençóis e Mucugê pertencente a 7ª Coordenação Regional do IPHAN (Salvador/BA).
91
Os moradores, segundo IPHAN (1998), não possuíam informações de como
solicitar a salvaguarda dos bens contidos no distrito, sobretudo da área que estava mais
susceptível a degradação - as ruínas. Em 31 de agosto de 1997, foi realizada uma visita
ao local, por um dos responsáveis pela Área de Patrimônio Natural e Arqueológica do
IPHAN. Isto fez com que fossem solicitadas informações pela população de Igatu de
como requerer esta proteção. Neste momento alguns dos moradores redigiram um
abaixo assinado. Com posse no abaixo assinado, o responsável pela Área de Patrimônio
Natural e Arqueológica escreveu um Memorando59
ao DEPROT (Departamento de
Proteção do IPHAN) descrevendo o ocorrido, solicitando o tombamento.
Em março de 1998 um morador de Andaraí telefonou ao DEPROT relatando a
situação de degradação das ruínas. Assim como, da venda de terrenos nesta localidade e
em outros lugares do distrito. Estes terrenos foram vendidos por qualquer quantia e sua
venda legalizada no cartório da sede do município de Andaraí. Os compradores foram,
sobretudo, aqueles que não residiam no local. Esta denúncia resultou em um
memorando60
que foi incorporado à documentação do IPHAN (1998). O Instituto
federal de proteção patrimonial considerou esta ação como fraudulenta, devido o valor
pago ser inferior ao valor do bem.
O garimpo deixou de movimentar a economia local. Com a proibição de toda
atividade extrativa tornou-se mais difícil sobreviver no distrito. Isto justifica, mas não
torna aceitável, a venda de terrenos por moradores de Igatu a preços irrisórios, para
indivíduos de outras localidades.
Para dar continuidade a ações que levariam ao tombamento, em abril deste mesmo
ano, o Chefe da Divisão de Proteção enviou outro memorando61
ao DEPROT,
solicitando que o mesmo entrasse em contato com a 7ª Coordenação Regional - 7ªCR
(Salvador/BA) para dar mais informações sobre o distrito e sobre seus sítios
arqueológicos. Esta é uma ação conforme a legislação federal sobre preservação
patrimonial.
No dia 13 de abril de 1998, foi aberto o Processo de Tombamento62
das Ruinas de
Habitação de Pedra no Distrito de Igatu, localizadas no Município de Andaraí, Estado
59 DEPROT/IPHAN/RJ/Nº807/97 de 03.09.1997. 60 127/98 de 04.03.1998. 61 DEPROT/IPHAN/RJ/Nº208/98 de 02.04.98 62 Número de Tombo 1411 – T- 1998. Memorando 084 de 13. 04. 1999.
92
da Bahia. Foi solicitado da 7ª CR63
a identificação, a quantidade e o mapeamento das
casas de pedra do distrito, bem como que a instituição entrasse em contato com o IPAC,
a fim de dar ciência do processo.
Nos meses seguintes tramitou um documento interno, no Departamento de
Proteção, informando sobre a continuidade das vendas de terreno no distrito. Segundo
este ofício64
, o processo de tombamento não impede a venda, ainda que estas estejam
ocorrendo de forma fraudulenta, como aconteceu em Igatu. O instituto considerou esta
ação fraudulenta, pois o valor pago pelo terreno era bastante inferior ao seu valor real.
Mas, se prontificou em coibir os atos de degradação que estavam ocorrendo neste
distrito, solicitando apoio da prefeitura65
local.
Em 12 de agosto de 1998, a Equipe Técnica de Lençóis e Mucugê pertencentes a
7ªCR publicou um relatório técnico (Figura 22) como proposta de tombamento
denominado de Igatu – Museu vivo do garimpo.
Figura 22: Proposta de tombamento de Igatu, 1998.
Fonte: Rodrigues (2013).
Este relatório contém descrições sobre as casas, as ruas, a Igreja São Sebastião, o
Cemitério, o Casarão - residência do antigo coronel de Igatu. Assim como, sobre o
clima, altitude, temperatura entre outros aspectos gerais do distrito. Apresenta também
informações sobre apenas duas pousadas no local, que atendiam ao turismo. E que a
63 Memorando 312/98 de 21. 05. 98 64 Ofício GAB/DEPROT/Nº048/98 65Ofício GAB/DEPROT/Nº059/98 ao prefeito de Andaraí.
93
atividade turística estimulava a especulação imobiliária sem atribuir a devida
importância à memória e cultura local (IPHAN, 1998).
As metas deste relatório seriam a proteção e o cadastramento de bens móveis e
imóveis, bem como a restauração daqueles que necessitavam. Criação de um Museu e
Centro de Pesquisa e elaboração de um levantamento dos garimpos existentes e que
poderiam ser destinados à visitação turística. Para a preservação da cultura e memória
local seriam oferecidos cursos à comunidade (IPHAN, 1998).
Em 12 de julho de 1998, o Jornal A Tarde publicou uma reportagem, que está no
arquivo reunido pelo IPHAN (1998) e nos documentos do IPAC (2002), sobre a
necessidade de preservação do distrito. A reportagem cita a arquitetura peculiar das
ruínas, as tocas, a igreja, o cemitério e alguns casarões com estilo rococó66
. Chama
atenção para a deterioração de antigas casas e ruinas construídas com pedra. Estas
pedras foram retiradas para construção de novas moradias, sobretudo de indivíduos da
cidade de Salvador.
Em setembro deste mesmo ano, circulou outro memorando67
entre os
departamentos do IPHAN com o parecer sobre o relatório escrito pelo Escritório
Técnico de Lençóis e Mucugê. Os especialistas do Instituto informaram ao DEPROT
que, ao ler o relatório, não acreditavam que as ruinas teriam valor arqueológico e sim
histórico e/ou urbanístico. Mas estes mesmos técnicos sugeriram uma nova avaliação,
uma vez que não há no país e no cadastro do IPHAN outras habitações com
características semelhantes.
Em outubro de 1998, um técnico em preservação arquitetônica pediu prioridade ao
processo 1411-T-98, em decorrência das ameaças de destruição que o distrito estava
passando. A proposta de tombamento deveria ser encaminhada com urgência ao
Conselho Consultivo do IPHAN. Foi sugerida a retificação do nome do processo68
, uma
vez que, o relatório, elaborado pela Equipe Técnica de Lençóis e Mucugê, não se refere
somente as ruinas, mas a todo o distrito. O processo passou a ser denominado de
Conjunto arquitetônico, urbanístico e paisagístico da cidade de Igatu, inclusive das
ruinas de habitação de pedra. Por meio de um parecer, solicitou-se para que o processo
fosse inscrito nos Livros do Tombo Arqueológico e Paisagístico e no Livro do Tombo
Histórico.
66
Rococó consiste em um estilo artístico francês. Faz referencia ao barroco, mas de forma mais sutil. 67MEMO DEPROT/RJ/Nº617/98 de 24.09.98 68 Parecer 057/98 de 05.10.98
94
Neste mesmo mês e ano através do memorando 647/98 69
foi exposto pelo IPHAN
à urgência em tombar o distrito, suas singularidades e sobre o processo de degradação
do local. Clamando atenção para a ausência de planejamento da atividade turística.
Neste memorando é citado como medida de urgência para coibir a degradação, um
tombamento provisório.
Este documento é bastante significativo, pois, denuncia crimes contra o patrimônio
de Igatu e pressiona seu tombamento. Segundo este documento, no primeiro Festival de
Inverno da Chapada Diamantina, realizado em 1997, que aconteceu no distrito, foi
provocado um alargamento da entrada do local, próximo a Rua Nova, através do uso de
dinamites, para dar passagem aos ônibus que traziam turistas. No entanto, não há nesta
fonte registro sobre os responsáveis por este dano e também não costa nestes autos se
alguma medida foi tomada. O festival deixou de acontecer em Igatu e retornou a
ocorrer no ano de 2013.
Já em novembro de 1998, o processo de tombamento estagnou porque algumas
informações necessárias foram apresentadas de forma indevida. Segundo o Memorando
241/9870
, a poligonal da área tombada estava imprecisa. Isto poderia trazer problemas,
uma vez que proprietários de bens não saberiam localizar se seu imóvel estaria ou não
tombado. E também, tal procedimento faria com que o distrito perdesse a totalidade da
salvaguarda. No mês de dezembro de 1998, o IPHAN solicitou, com urgência, que esta
questão fosse solucionada.
O conteúdo de denúncias voltou a fazer parte dos memorandos do IPHAN. No
documento 798/98 de 26 de novembro de 1998 mencionou-se a construção do campo de
futebol, em Igatu, pela Prefeitura de Andaraí. Segundo esta fonte retirou-se grande
quantidade de terra dos vales dos rios do distrito para aplainar o campo. Esta construção
foi de elevado custo para a prefeitura local. Mas, o que se constituiu na forma mais
intensa de pressão ao tombamento consiste:
A importância de Igatu como sítio legendário já seria reconhecida desde os
primórdios do IPHAN. Segundo a Técnica da Divisão de Estudos e
Acautelamento do DEPROT, Arqueóloga Regina Coeli Pinheiro da Silva, o Dr.
Rodrigo de Melo Franco, preocupado com boatos sobre uma legendária cidade milenar na Bahia, descrita por um manuscrito catalogado, à época sob o
número 512 na Biblioteca Nacional, contratou um alemão, Hermann Kruse,
que percorreu toda a Bahia, à procura de uma cidade que poderia ser Igatu, que se associa a essas lendas graças ao relatório de Hermann Kruse, ora no Arquivo
do IPHAN, e que muito teria a informar (IPHAN, 1998, p. 144 e 145).
69 CORDEP/DEPROT/647/98 de 14.10.98 70 MEMO/PROJUR/IPHAN/RJ/241/98 de 09.11.98
95
O autor do documento que faz parte do dossiê do IPHAN (1998) é Carlos Fernando
de Moura Delphim, que em viagem para Igatu escreveu sobre suas riquezas, seu meio
físico e vivenciou acontecimentos importantes no distrito. Mas o que chama mais
atenção, neste memorando, é sua citação sobre o registro do distrito em um catálogo que
hoje se encontra na Biblioteca Nacional no Rio de Janeiro.
A permanência de Rodrigo de Melo Franco, como fundador e diretor do IPHAN,
duraram 30 anos (de 1936 a 1967). Entre os anos de 1939 e 1941, o então diretor
autorizou a excursão de Hermann Kruse para o interior baiano em busca de “locais
perdidos”. O objetivo de Hermann Kruse foi também à catalogação de obras e
monumentos de valor histórico e artístico, segundo o Decreto 25 de 1937. Muitas destas
peças foram encaminhadas a museus federais (CHUVA, 2012). Provavelmente um
destes “locais perdidos” seria o distrito de Igatu.
Em dezembro de 1998, o Ministério Público da Bahia solicitou à 7ª CR71
e ao
IPAC72
informações, por meio de ofícios, sobre o estado de preservação de Igatu.
Segundo o Ministério Público havia internamente um processo administrativo
tramitando sobre o distrito, para tanto, a instituição necessitava de esclarecimentos. Os
ofícios não fazem referencia sobre o conteúdo do processo que tramitava no Ministério
Público.
A Procuradoria da República da Bahia solicitou73
da 7ª CR, no início março de
1999, informações sobre a situação de Igatu. A Coordenação Regional informou à
Procuradoria que o distrito estava em processo de tombamento e que seu estado de
conservação era preocupante, uma vez que seu sítio arqueológico estava sendo
destruído, devido a retiradas de pedras para construção de novas moradias. Foi
informado também que a prefeitura de Andaraí havia sido notificada pelo IPHAN sobre
o processo tombo, no qual foi solicitado providências (IPAC, 2002).
A notificação realizada pela 7ª CR à prefeitura de Andaraí possuía o conteúdo de
que o distrito estava em processo de tombamento e qualquer alteração neste sítio o
IPHAN deveria ser notificado, pois, trata-se de um bem de grande valor arquitetônico,
histórico e paisagístico amparado pela legislação federal (IPAC, 2002).
71 Ofício 2804/98 de 11.12.1998 - IPHAN 72 Ofício 2805/98 de 11.12.1998 - IPAC 73Ofício nº 443 de 12.03.1999
96
Já em 23 de março deste mesmo ano, o IPHAN publicou as coordenadas que
compõe a poligonal74
de preservação do distrito de Igatu, isto é a área que seria
tombada. A poligonal se inicia em cima da Ponte do Rio Coisa Boa que está próximo ao
distrito, passa pelas ruinas Luís dos Santos, alça o Poço do Brejo75
, indo em direção às
rochas denominadas de Três Navios, à localidade Bambolim, à Rua da Estrela, Rua da
Biquinha, Cemitério dos Bexiguentos, Ponte Riacho dos Pombos, Cruzeiro, finalizando
a poligonal em cima da Ponte do rio Coisa Boa.
Em abril de 1999, o Superintendente da 7ª CR solicitou de um profissional da
Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS) um projeto de mapeamento do
distrito a partir da proposta de tombamento elaborado pelo Escritório Técnico de
Lençóis e Mucugê (Igatu - Museu Vivo do Garimpo). Segundo este projeto, as
instituições envolvidas foram UEFS, Prefeitura de Andaraí, IPHAN, IPAC e como
patrocinadora parcial a Fundação Boticário (IPHAN, 1998). O produto deste projeto
consistiu em um relatório descritivo sobre Igatu, no qual contém informações sobre a
história do local, sua população e, sobretudo, sua arquitetura. No entanto, não está
presente nos autos do IPHAN (1998) e IPAC (2002).
Já em julho deste mesmo ano, o IPAC notificou os proprietários de imóveis de
Igatu sobre a abertura do processo76
de tombamento, informando que antes de qualquer
alteração nos imóveis, o Instituto deveria ser notificado (IPAC, 2002).
Os documentos seguintes, elaborados pela 7ª CR e pelo DEPROT, que compõe o
dossiê IPHAN (1998), também consistem em notificações aos proprietários de Igatu
sobre o processo, a poligonal de tombamento, que o distrito estava provisoriamente
tombado e que sua proteção decorre do Poder Público Federal, por intermédio do
IPHAN. Os proprietários foram informados que teriam 15 dias para comprovar a posse
de um ou mais imóveis.
No segundo semestre de 1999, o Conselho Consultivo publicou um parecer
favorável ao tombamento de Igatu, no qual estava escrito sobre sua importância
histórica, sua arquitetura e os danos que a atividade turística estava provocando ao
distrito. Após este parecer, em 17 de agosto de 1999, o Ministério da Cultura e o
IPHAN decidiram por unanimidade, em uma reunião, recomendar o tombamento do
74Poligonal do sítio Histórico de Igatu, Nº 45/99. 75Antigo local de garimpo, que está sendo reaberto a alguns para visitação turística. 76Processo de número 011/95 de 08.09.1995.
97
local. O Ministro da Cultura estava presente neste encontro, para também informar
sobre o programa vigente de preservação patrimonial – O Monumenta77
.
As atribuições do Programa Monumenta, que estava na fase inicial de experimento,
foram a recuperação e a restauração do patrimônio urbano que se encontrava sob a
tutela federal, sendo eles sítios históricos, conjuntos urbanos ou monumentos
individuais, através de medidas de preservação atreladas com a economia e a educação.
As ações do programa deveriam ser custeadas por um fundo municipal cujo objetivo
seria a administração de recursos para salvaguarda patrimonial. Além do fundo deveria
ser criado um conselho gestor que teria representação legal das esferas municipais,
estaduais e federais (IPHAN, 1998).
O desenvolvimento econômico proposto pelo Monumenta estava atrelado à
atividade turística, que foi nestes autos reprovada pelos membros técnicos do IPHAN. O
programa pretendia promover roteiros para o turismo cultural, produzir materiais de
divulgação do local tombado, apoiar os espetáculos artísticos e as manifestações
culturais com a finalidade de atrair turistas e fazê-lo permanecer nestes locais (IPHAN,
1998).
Fluxograma 4: Atribuições do Programa Monunenta.
Fonte: Rodrigues (2015).
77Os objetivos do programa, as metas e os procedimentos estavam anexados da ata do parecer realizado
pelo Conselho Consultivo.
98
Durante a primeira etapa do programa, alguns locais78
do país foram selecionados
para participarem do Monumenta porque possuíam experiências com processo de
preservação (IPHAN, 1998). Mesmo sendo apresentado em uma reunião na qual estava
sendo julgado um parecer sobre o tombamento de Igatu, este não foi incluso.
Enfim, a Portaria de número 430, do Ministério da Cultura, assinada por Francisco
Weffort, na data de 23 de novembro de 1999, homologou o tombamento (Figura 23) do
Conjunto Arquitetônico, Urbanístico e Paisagístico na Cidade de Igatu, inclusive as
habitações de pedra, localizado no Município de Andaraí.
Figura 23: Documento de homologação do tombamento de Igatu, 1999.
Fonte: Rodrigues (2013).
A homologação do tombamento ocorreu em 1999 (Figura 23), mas as inscrições
nos Livros do Tombo foram efetivadas na data 20 de junho de 2000, no qual foi lavrada
e assinada a Certidão de Tombamento por um técnico em preservação arquitetônica e
pelo chefe de arquivo do IPHAN, em 10 de julho de 2000.
Em junho de 2001, o IPHAN solicitou que seus técnicos fizessem uma vistoria em
Igatu, devido às denúncias de uso de dinamite em alguns dos substratos rochosos na
localidade do Alto do Cruzeiro, para construção de novas moradias no distrito. Após a
inspeção concluiu-se que houve retirada da vegetação local, mas de maneira quase
imperceptível. Quanto ao uso da dinamite, os técnicos não souberam identificar se foi
ou não utilizado. No entanto, esta vistoria foi importante para que a instituição se
certificasse que havia, no local, construções irregulares, estas estavam desfigurando o
bem tombado. Para tanto, a prefeitura de Andaraí foi notificada. (IPHAN, 1998).
78Os estados selecionados foram Bahia, Minas, Rio de Janeiro, São Paulo, Pernambuco e Maranhão.
99
Já em 2002, Igatu foi tombado pelo governo do estado da Bahia79
. O processo foi
aberto no ano de 1999, conforme IPAC (2002), o qual foi acatado pelo instituto; o
pedido foi solicitado pela prefeitura de Andaraí80
. Este processo data de 1995 e somente
em 2002 foi aceito pelo IPAC, isto provavelmente em decorrência das iniciativas de
tombamento do IPHAN.
Neste mesmo ano, uma moradora do município de Andaraí, enviou à 7ªCR um
oficio requerendo o direito de receber indenização devido ao tombamento do distrito de
Igatu. Esta moradora se diz proprietária, meeira, condômina e inventariante de um
imóvel que se localiza na Fazenda Igatu, em Andaraí. A Procuradoria Jurídica do
IPHAN respondeu que não há título que a faz proprietária do imóvel, que o tombamento
é apenas um instrumento com limitações administrativas à propriedade e sua prática não
gera indenizações, porque o proprietário continua exercendo seus direitos de titular
(IPHAN, 1998).
Na data de 28 de março de 2003, o IPHAN enviou à 7ª SR81
– Superintendência
Regional (Salvador/BA) a “1ª Cartilha do Morador de Igatu” 82
que continha
informações sobre as possíveis intervenções que o proprietário poderia fazer em seu
imóvel. Assim como, o estilo arquitetônico e os elementos decorativos dos imóveis do
distrito. O fluxograma mostra as recomendações do IPHAN:
79Processo nº8357 de 05. 11.2002 80Processo 001/95 de 08.09.1995 81Em outros documentos, o escritório do IPHAN em Salvador/BA era denominado de 7ª CR
(Coordenação Regional), neste foi chamado de 7 ª SR (Superintendência Regional). 82Memo 90/03.
100
Fluxograma 5: Recomendações do IPHAN, Igatu, 2003.
Fonte: Rodrigues (2015).
Estas recomendações são específicas do IPHAN aos proprietários de imóveis do
distrito, foram enviadas para a 7ª SR que a revisou em abril deste mesmo ano. Constam
nos documentos sugestões realizadas pela 7ª SR e as descrições feitas pelo presidente da
Superintendência de que a cartilha iria para o arquivo até futuras discussões.
No final de 2003, o Centro de Estudos de Ciências Humanas, localizado na cidade
de Salvador/BA, enviou à 7ª SR um plano de acompanhamento arqueológico da vila de
Igatu83
. Este Centro de Estudos se responsabilizou em realizar diagnóstico
arqueológico, de prospecção de sub-superfície, análise laboratorial, restauração e
interpretação cultural dos sítios encontrados em Igatu na medida em que a Empresa
Baiana de Águas e Saneamento (Embasa) realizasse obras com o intuito de implantar o
sistema de abastecimento de água no distrito. Assim, no momento que a Embasa
realizasse escavações em decorrência das obras, as pesquisas arqueológicas seriam
concretizadas (IPHAN, 1998).
83 Protocolo Nº 2284/03 de 14.12.2003.
101
A Embasa realizou a implantação do sistema de abastecimento de água em Igatu e
patrocinou os trabalhos de campo, as análises laboratoriais, as pesquisas em arquivos do
acompanhamento arqueológico realizado em Igatu pelo Centro de Estudos de Ciências
Humanas, autorizado pelo IPHAN.
Em documentos enviados a 7ª SR, a Embasa informou que construção de concreto
que ficasse aparente, para reserva e tratamento da água, devido ao relevo do local e as
exigências das Normas Técnicas brasileiras, deveria ser revestida por placas de rochas
retiradas do distrito, a fim de evitar impacto visual. A encanação de água deveria ser
construída no passeio preservando a pavimentação original das ruas. Já o Centro de
Estudos de Ciências Humanas, cujo objetivo era o acompanhamento da implantação do
sistema de abastecimento de água de Igatu realizado pela Embasa, fez algumas
sugestões à empresa como: envelopar ou cobrir com pedra toda tubulação aparente, para
a quebra de grandes rochas deveria usar argamassa expandida, não passar nenhum
equipamento ou tubulação pelas ruinas, não utilizar pedras das ruinas e todo achado no
subsolo do distrito deveria ser exposto no Centro Cultural de Igatu ou salvaguardado
pela Prefeitura de Andaraí ou pela 7ª SR, conforme autorização do IPHAN (IPHAN,
1998).
Em fevereiro de 2004, a 7ª SR e a Prefeitura de Andaraí firmaram um termo de
cooperação técnica para preservação e revitalização do acervo cultural de Andaraí. As
ações deste termo consistiam em revitalizar e difundir os bens culturais, incentivar
projetos de educação patrimonial, restaurar e preservar móveis, entre outros. O
financiamento de tais ações viria das instituições envolvidas (IPHAN, 1998).
Na data 24 de agosto de 2004, foi publicado no Diário Oficial da União84
a
autorização fornecida pelo IPHAN para que o Centro de Estudos de Ciências Humanas
acompanhasse a implantação do sistema de abastecimento de água em Igatu. Também
foram dadas algumas atribuições a 7ª SR como, fiscalizar a execução da obra realizada
pela Embasa e guardar todo material coletado por esta empresa.
Mas em setembro de 2005, a Prefeitura de Andaraí enviou um documento à 7ª SR
alertando que a Embasa estava realizando escavações para instalação do sistema de água
e com isto, modificando todo o calçamento original do distrito (IPHAN, 1998). Isto é,
as indicações de que as tubulações seriam feitas no passeio para não modificar a
estrutura original do calçamento não foram cumpridas pela empresa.
84 Portaria 148 de 03.08.04
102
Na Rua dos Negros técnicos do Instituto constataram que a pavimentação foi refeita
durante o trabalho da Embasa, a qual modificou a estrutura original do calçamento
provocando acúmulo de água85
. Nesta mesma rua, um pequeno muro foi construído pela
empresa para passagem da tubulação e estava provocando infiltrações nas casas
vizinhas. Já o reservatório de água que estava sendo construído utilizava concreto e não
apresentava estrutura semelhante às demais construções. O IPHAN embargou a obra por
descumprimento do requerido e exigiu sua paralização imediata (IPHAN, 1998).
Em decorrência destes fatos e de outros, o Centro de Estudos de Ciências Humanas
enviou um comunicado à 7ª SR86
, informando que a construtora encarregada pelas obras
da Embasa estava descumprindo totalmente as determinações em acordo e
desrespeitando os trabalhos e os técnicos envolvidos nos estudos. A 7ª SR enviou um
ofício87
a Embasa solicitando providências. O IPHAN, em Brasília, também foi
informado sobre os problemas entre a equipe do Centro de Estudos de Ciências
Humanas e a Embasa. No entanto, mostrou-se imparcial em relação às divergências.
Em viagem ao distrito de Igatu88
, constatou-se que a Embasa fez algumas
modificações na estrutura externa da caixa d’água (Figura 24) e em um de seus
edifícios. Já o muro que define a área da empresa foi construído com pedra, no entanto
não obedecem as recomendações definidas pelo IPHAN, pois esta sede localiza no
centro urbano do distrito, então deveria está rebocado e pintado como as demais
construções.
85 Informações técnicas nº 13/06 de 23.01.13 86 Correspondência 0011/2006 de 01.02.2006 87 Ofício nº 0148/06 de 03.02.2006 88 Viagem de campo realizada no ano de 2013.
103
Figura 24: Perspectiva do Alto do Cruzeiro - Embasa, Igatu, 2014.
Fonte: Rodrigues (2014).
A área marcada em cor amarela constitui a sede da Embasa do distrito de Igatu
(Figura 24). A caixa d’água, após as intervenções do IPHAN, recebeu revestimento
externo feito com pedra. E um de seus edifícios foi pintado na tentativa de mimetizar
com o verde do local. No entanto, as construções realizadas pela empresa não estão
integradas à paisagem, como sugere o legislação do IPHAN.
Em 20 de novembro de 2006, o Centro de Estudos de Ciências Humanas
encaminhou à Embasa e ao IPHAN o relatório final89
de acompanhamento arqueológico
do distrito. Os achados arqueológicos foram representados por moedas do período
Brasil República, metal, ossos de aves, porcelanas de origem portuguesa, chinesa,
inglesa. Além de vidros (maior quantidade), seixos trabalhados, madeira e uma fruta
petrificada (elemento fóssil) encontrada na Rua São Sebastião (IPHAN, 1998).
Um dos grandes achados foi às cerâmicas vitrificadas e afro-brasileiras, bastante
encontrada no Recôncavo Baiano, datadas do século XIX, presente neste local.
Mostrando a presença de grupos negros nessa localidade. Foi encontrado também, um
pequeno fragmento de louça japonesa, sendo que, segundo o Centro de Estudos de
Ciências Humanas, consiste na primeira vez que aparece este tipo de achado
arqueológico na Bahia. Já os vidros encontrados, como os de remédios possuíam
89 Correspondência 0199/2006.
104
origem, em sua maior parte, do Sudeste e Sul do país, as bebidas e perfumes de origem
europeia (IPHAN, 1998).
O acervo arqueológico encontrado em Igatu, não ficou na comunidade, não está sob
a responsabilidade da Prefeitura de Andaraí ou da 7 ª SR, como ficou acordado entre
Embasa, Centro de Estudos de Ciências Humanas e IPHAN . Este acervo encontra-se
para apreciação pública no Museu Arqueológico da Embasa, localizado na cidade de
Salvador/BA. Este documento consiste em um dos últimos do processo de tombamento
do distrito.
Os documentos a partir desta data referem-se aos pedidos de autorização para
reformas e construções realizadas no local e que foram analisadas pelo Instituto. A
documentação completa que se referente ao tombamento e a salvaguarda do patrimônio
de Igatu, IPHAN (1998), está guardada em quatro caixas, disponível para pesquisa em
forma de xerocópia.
As solicitações de tombamento chegam ao IPHAN acompanhadas de argumentos
que justificam o tombo. Estes argumentos decorrem do valor histórico, arquitetônico,
cultural e artístico do bem. No entanto, muitos pedidos foram impugnados ou
demoraram para ser julgados (FONSECA, 2005). Em 1980, o IPAC-SIC publicou um
inventário sobre a arquitetura de Igatu. Foi o primeiro estudo desta categoria realizada
sobre o distrito. Após duas décadas da produção do inventário pelo IPAC-SIC o
tombamento de Igatu foi concretizado.
No ano 2000, o Programa Petrobrás Cultural90
realizou uma seleção pública para
preservação do patrimônio e da memória de algumas localidades do Brasil, no qual
foram destinados 43,4 milhões de reais para financiamento. Entre os anos de 2005 e
2006, o distrito de Igatu foi selecionado com o Projeto de Consolidação e Reabilitação
do Conjunto de Ruínas de Luís dos Santos - Igatu, Andaraí/BA91
que se iniciou no ano
de 2007. Este projeto possuía o objetivo de diagnosticar, levantar, avaliar e mensurar o
potencial arqueológico das Ruínas de Igatu, através do levantamento aerofotogramétrico
e de escavações arqueológicas no distrito92
.
A Petrobrás, em seu site oficial, informa que seria construído e publicado na
internet, um banco de dados com os resultados do programa. No entanto, as
90O Programa Petrobrás Cultural realiza seleções públicas para financiamento de projetos na área de
literatura, artes cênicas, artes visuais e patrimônios entre outros. 91Projeto de protocolo (Nº 2955), proponente Repellere Soluções Integradas Ltda, localizado no estado de São Paulo. Informações retiradas do site: http://www.petrobras.com.br/pt/busca/?q=igatu acesso 19 de
abril de 2015. 92Fonte: Diário Oficial da união – Seção 1. Nº 40 28/02/2007. INSS 1677042.
105
informações sobre tais resultados consistem nas inscrições contempladas pelo
programa.
Baseado no Decreto Municipal de 15 de maio de 2007 criou-se uma proposta
(Figura 25) de criação do Parque Urbano de Preservação Ambiental, Histórica e Lazer
de Igatu93
, que compreende o antigo bairro Luís dos Santos (ruínas) e os afloramentos
rochosos denominado de Manga do céu. O objetivo desta proposta é a proteção natural e
patrimonial destas duas localidades, atrelando conhecimento e lazer.
Figura 25: Proposta – Parque Urbano de Preservação Ambiental, Histórica e
Lazer de Igatu, 2007.
Fonte: Prefeitura Municipal de Andaraí (2007, p. 01 e 24).
O antigo bairro garimpeiro, hoje as Ruinas Luís dos Santos, não recebe a devida
proteção, diante de seu valor histórico, paisagístico e arqueológico, afirmado pelo
IPHAN. Conforme este documento (figura 25) 94
, as ruínas encontram-se em estado de
abandono e sofre com a degradação devido aos incêndios, depredação e deterioração
decorrentes dos fenômenos naturais como elevadas temperaturas e chuvas (Figura 26).
93Esta proposta está em meio digital, em formato PDF e foi fornecida pela Prefeitura Municipal de Andaraí. 94Refere-se à proposta de criação do Parque Urbano de Preservação Ambiental, Histórica e Lazer de
Igatu.
106
Figura 26: Ruínas Luís dos Santos, Igatu, 2013.
Fonte: Rodrigues (2013).
Segundo a proposta de criação do Parque Urbano de Igatu, os afloramentos
rochosos denominado de Manga do Céu (Figura 27) foi local de garimpo, sendo
considerados os afloramentos de maiores altitudes próximo ao centro urbano do distrito.
Possuem diversas espécies de plantas nativas, nascentes e cacimbas. Esta área resulta
das ações geológicas e do garimpo, no qual foram formados caminhos e evidenciados
paredões rochosos (RUSS, 2012).
Figura 27: Afloramentos rochosos – Manga do Céu, Igatu, 2007.
Fonte: Prefeitura Municipal de Andaraí (2007, p. 10).
107
Manga do Céu abriga a memória da mineração compreendida através das tocas e
dos registros do garimpo como montoeiras de cascalhos, cacimbas de água (Figura 28),
entre outros elementos. Segundo Russ (2012), além de área de garimpo, na Manga do
Céu se encontrava e era retirado o material de liga utilizado, no auge da mineração,
como uma espécie de argamassa para sustentar as construções do distrito.
Figura 28: Registros do garimpo – Manga do Céu, 2010.
Fonte:
Rodrigues (2013) 95.
A preservação histórica e ambiental desta antiga área de garimpagem também está
inclusa na proposta de criação do Parque Urbano de Igatu. Pois, a ocupação irregular
coloca em risco o valor patrimonial, tanto no âmbito histórico, quanto arqueológico e
natural da Manga do Céu (Figura 29). Além de provocar mudanças na paisagem e
problemas de ordem ambientais.
95
Esta figura foi elaborada no ano de 2010, modificada e adaptada conforme os objetivos desta pesquisa.
108
Figura 29: Construção nos afloramentos rochosos – Manga do Céu, 2007.
Fonte: Prefeitura Municipal de Andaraí (2007, p. 20).
A Figura 29 evidencia uma edificação que não está de acordo com as
recomendações propostas pelo IPHAN. Foi construída com tijolos, cimento e não
recebeu nenhum revestimento de pedra. Está totalmente divergente do estilo
arquitetônico do distrito, portanto, não mimetiza com a paisagem local.
Esta proposta de criação do Parque Urbano, que abrange as Ruínas Luís dos Santos
e a Manga do Céu, além de impedir que as ocupações desordenadas aconteçam, também
pretende criar um memorial virtual das tocas garimpeiras contendo os registros e a
localização destas habitações. Assim como do Centro de Referência da Cultura
Garimpeira, cuja planta arquitetônica foi elaborada por Marcelo Ferraz96
. Este Centro
deveria situar-se na entrada do Parque Urbano de Preservação Ambiental, Histórica e
Lazer de Igatu (Figura 30).
96Marcelo Ferraz, arquiteto formado em 1980, pela Universidade de São Paulo (USP). No ano de 2012 foi
premiado com o Projeto Design “As lembranças do garimpo” que consiste na criação do Centro de
Referência da Cultura garimpeira.
109
Figura 30: Proposta de criação do Centro de Referência da Cultura Garimpeira de
Igatu.
Fonte: Site Brasil Arquitetura97
O Centro de Referência da Cultura Garimpeira não teria a pretensão de ser um
museu e sim um espaço no qual estará tematizado os traços, os costumes, o cotidiano, a
oralidade e a culinária dos moradores de Igatu98
. Sua área é de 570 m² e está presente na
proposta de criação do Parque Urbano de Igatu.
Assim como este Centro de Referência e o memorial virtual das tocas garimpeiras,
este documento propõe construir um museu ao ar livre, na área da antiga usina de Igatu
hoje em ruínas (Figura 31). Os objetivos do museu é interligar história, preservação
ambiental e uso consciente dos recursos naturais, reunindo o imóvel da usina, uma
típica construção do distrito, com os equipamentos que vieram do exterior e que ainda
podem ser encontrados no distrito.
97Fonte: http://brasilarquitetura.com/projetos/museu-de-igatu Acesso 20 de abril de 2015. 98Informações retiradas do site: http://brasilarquitetura.com/projetos/museu-de-igatu Acesso 20 de abril
de 2015.
110
Figura 31: Ruínas da antiga usina de Igatu, 2007.
Fonte: Prefeitura Municipal de Andaraí (2007, p. 20).
Após a elaboração da proposta do Parque Urbano de Igatu, o IPAC publicou, em
2009, um relatório contendo a proposta de tombamento da sede do município de
Andaraí, do povoado Passagem e do distrito de Igatu, articulando as esferas municipais,
estaduais e federais. Nesta proposta estão representadas as áreas de proteção do distrito
Em 1985, a criação do Parque Nacional da Chapada Diamantina consistiu na
primeira forma de proteção destinada à Igatu. Em seguida, o IPHAN definiu o perímetro
urbano do distrito pelo processo de tombamento de 1998 que abrange o núcleo central e
as ruínas Luís dos Santos. A área tombada pelo IPAC, data do ano de 2002, e está
situada no entorno da área de proteção do IPHAN. Já criação do Parque Urbano de
Igatu, que compreende as áreas Manga do Céu e Ruínas Luís dos Santos, foram
propostas em 2007 pela prefeitura do município.
Este relatório, elaborado pelo IPAC (2009), estabeleceu uma parceria entre IPHAN
e a Prefeitura de Andaraí, uma vez que tanto a área de proteção federal, quanto as áreas
municipais estão sobrepostas à área de salvaguarda definida pelo IPAC (Figura 32).
Esta ação conjunta possui objetivo de elaborar um estudo para redefinição da poligonal
de tombamento. Para tanto, foram realizadas oficinas, tanto na sede de Andaraí quanto
no distrito de Igatu, com o tema promoção da educação patrimonial nestas localidades.
111
Figura 32: Áreas protegidas de Igatu, 2009.
Fonte: IPAC (2009, p. 17).
Neste mesmo ano de 2009, a Presidência da República, o governo do estado da
Bahia, o IPHAN e a Prefeitura de Andaraí assinaram um acordo referente ao PAC –
Cidades Históricas que previa investimentos para preservação do patrimônio de Igatu,
durante os anos de 2010 e 2013. As ações deste plano consistiriam em consolidação das
Ruinas e a construção do Centro de Referência Histórica e de Memória de Igatu. Assim
como, melhoria na iluminação no distrito, construção da Casa do Patrimônio e
instalação de um cinema digital no Centro Cultural Chic- Chic de Igatu99
.
As propostas sugeridas pelo PAC – Cidades Históricas se assemelham com outras
analisadas neste trabalho, como a consolidação e restauração das ruínas, cujo
proponente foi uma empresa de restauração em parceria com o Programa Petrobrás
99Fonte:
http://portal.iphan.gov.br/portal/montarDetalheConteudo.do?id=15179&sigla=Noticia&retorno=detalheN
oticia Acesso 01 de julho de 2010.
Eu moro.
112
Cultural; já a criação de um Centro de Referências (proposta do PAC) se assemelha com
a proposta municipal de construção do Centro de Referência da Cultura Garimpeira -
presente no projeto sobre o Parque Urbano de Igatu.
Em resposta ao PAC – Cidades Históricas, a Prefeitura de Andaraí elaborou alguns
slides de anuência, com vigência para os anos 2010 a 2013100
. Os objetivos da proposta
municipal estavam atrelados à preservação patrimonial. Para tanto, buscavam registrar
as referências culturais do distrito, assegurar planejamento no que se diz sobre ocupação
do solo, criar um conselho gestor para o patrimônio e financiar ações para recuperação
de imóveis privados. Assim como criar um plano de manejo para o Parque de Igatu, um
observatório Astronômico nos afloramentos Manga do Céu, objetivando atrair um
público maior de turistas entre outros.
O IPHAN, em junho de 2012, entregou à população de Igatu, os bens restaurados
pelo instituto que foram a Igreja (Figura 33), o Cemitério, a Igreja São Sebastião
localizado no distrito e a Praça José Gomes da Silva. As obras foram executadas com
recursos do PAC - Cidades Históricas101
.
Figura 33: Igreja São Sebastião – restauração IPHAN, 2012.
Fonte: Rodrigues (2012).
100Estes slides foram fornecidos pela prefeitura municipal de Andaraí, durante o trabalho de campo realizado tanto na sede do município quanto no distrito de Igatu. 101http://portal.iphan.gov.br/portal/montarDetalheConteudo.do?id=16686&sigla=Noticia&retorno=detalh
eNoticia Acesso 20 de abril de 2015.
113
Neste mesmo ano, Lei municipal de 28 de maio de 2012102
criou o fundo de
Preservação do Patrimônio Cultural do Município de Andaraí vinculado à Secretaria
Municipal de Cultura e Meio Ambiente cujo objetivo foi financiar ações de preservação.
O gestor do fundo deverá estar vinculado à secretaria de Andaraí e sua gestão contará
com a participação de quatro representantes do município, um Representante do IPHAN
e outro do IPAC. A verba do fundo virá de alugueis, concessões de uso de imóveis
preservados e de doações.
Em contato mantido com um representante da Prefeitura de Andaraí103
sobre as
políticas de preservação do patrimônio de Igatu, foi informado que esta Lei de 18 de
maio de 2012 regulamentou o conselho para gerir os assuntos sobre o patrimônio do
município. O Conselho é formado por representantes da UEFS, do Instituto Chico
Mendes, da Prefeitura, do Centro Cultural Chic-Chic e da sociedade. As definições do
conselho, oriundas de reuniões trimestrais, também orientariam as ações do Parque
Urbano de Igatu. No entanto, este conselho está inativo, mas, segundo informações da
prefeitura de Andaraí há intenção de reativá-lo104
.
102 Lei número 74/2012. 103Este contato foi realizado por e-mail com representante da Prefeitura de Andaraí, em outubro de 2014 e maio de 2015. 104As informações foram concedidas pela Prefeitura de Andaraí, no entanto, não se sabe por quando
tempo o conselho esteve ativo e o motivo que desativou.
114
6.2 Proposta para preservação e valorização do patrimônio de Igatu
Esta proposta de criação de preservação e valorização do patrimônio local foi
elaborada pela autora desta dissertação e consiste em um dos produtos do Mestrado
Profissional em Planejamento Territorial/UEFS. Seu objetivo é representar/preservar a
história, cultura, memória, identidade e arquitetura de Igatu. A proposta se intitula
Museu Cultural do Diamante.
A necessidade de construção de um instituto que represente a história e identidade
do distrito foi mencionada pelo IPHAN em 1998105
durante o processo de tombamento
do mesmo. No entanto, Salvo a Galeria de Arte e Memória, que disponibiliza para
apreciação e conhecimento objetos da cultura garimpeira, outras tantas iniciativas não
foram aproveitadas e executadas.
Esta instituição Museológica proposta poderá estar vinculada à 7ªSR -
Salvador/Bahia, ao IPAC e à Prefeitura de Andaraí. Seu objetivo será recolher,
classificar, conservar e expor elementos característicos da sociedade garimpeira. Assim
como a preservação da memória, da cultura e da história do garimpo, através de um
acervo de objetos arqueológicos da Bahia, da Chapada Diamantina, de Igatu e da
mineração. Estes objetos, obtidos através de pesquisas, deverão se relacionar com as
vivências dos moradores deste lugar. Trata-se de objetos antigos, que remetem ao
período de mineração, como também contemporâneos elaborados pelos moradores
locais. Este acervo possibilitará diversas leituras sobre o comportamento, o modo de
viver e o contexto histórico, político e econômico de Igatu.
O Museu Cultural do Diamante será uma instituição de caráter pública, destinada às
manifestações culturais e a preservação patrimonial, cujo acervo possibilitará o acesso
ao conhecimento, bem como a salvaguarda e a valorização do patrimônio local.
105Desde 1998 o IIPHAN sugere como medida para assegurar e fortalecer a preservação do distrito, a
criação de uma instituição museológica.
115
Fluxograma 6: Proposta - Museu Cultural do Diamante
Fonte: Rodrigues (2015).
O Museu Cultural do Diamante
Igatu é um importante distrito de valor histórico, cultural, artístico, arquitetônico e
científico. As paisagens, manifestações culturais e a arte presentes no distrito são
relevantes fontes para a pesquisa, estudo, contemplação e turismo. Sendo assim, é
imprescindível a criação de uma ou mais instituições museológicas, no distrito de Igatu,
voltadas para reforçar o trabalho de preservação e valorização patrimonial de organismo
como IPHAN e IPAC.
De acordo com a Lei 11.904 de 14 de janeiro de 2009 que institui o Estatuto dos
Museus no Brasil, constituem princípios destas instituições o engrandecimento da
dignidade humana, a promoção da cidadania, o cumprimento de sua função social, a
valorização e preservação do patrimônio cultural e ambiental, o respeito e a valorização
da diversidade cultural.
116
Para tanto, este trabalho dissertativo possui como proposta a criação do Museu
Cultural do Diamante em Igatu que poderá ser organizado em um imóvel do distrito que
contém suas características históricas e culturais. O objetivo deste museu é dispor de um
acervo de objetos ou bens de valor artesanal, histórico, cultural, artístico e/ou científico
que fazem referência a este território, à identidade, à cultura e a memória da sociedade
garimpeira.
Ações para criação do Museu Cultural do Diamante de Igatu:
1. Público alvo:
O Museu Cultural do Diamante será destinado ao público que se interessa pela pesquisa,
estudo, valorização, preservação, contemplação de objetos culturais. Representará a
diversidade cultural, regional, linguística e étnica da Chapada Diamantina e do Brasil.
Estes objetos ou bens culturais dispostos serão identificados e adquiridos conforme
pesquisas realizadas e deverão ser documentados sistematicamente através de registros e
inventários.
2. Financiamento:
O financiamento do museu fica a cargo do poder público, conforme a Lei 11.904 de 14
de janeiro de 2009, mediante um planejamento anual. Isto não impossibilita a buscar
convênios.
3. Acervo:
Os originais e as réplicas referentes aos bens culturais dos museus deverão seguir a
legislação vigente. Assim como o valor cobrado pelo acesso ao museu ou a sua
gratuidade.
4. Gestão:
Os funcionários deverão ser qualificados segundo a legislação vigente. O museu poderá
está vinculado à união, ao estado ou ao município. E sua gestão virá de uma destas
esferas que garantirá o quadro de funcionários qualificados e o cumprimento de suas
finalidades.
117
4.1. Seus funcionários deverão assegurar e preservar os objetos culturais do museu
regulando o acesso público.
4.2 Além de assegurar a preservação e valorização da cultura, o museu deverá
apresentar um calendário anual de atividades como exposições, apresentações, oficinas
e cursos com o objetivo de promover a cultura local, assim como ações educativas,
respeito à diversidade cultural e participação da população neste processo de
preservação cultural.
4.3 Conforme a legislação vigente é obrigatoriedade dos museus elaborar o Plano
Museológico contendo o diagnóstico sobre a instituição, a identificação do imóvel e dos
bens culturais, a identificação do público, isto é, a quem se destina o museu, a gestão, as
exposições, as ações educativas e culturais, a forma de financiamento.
4.4 O museu deverá ter um livro contendo a data, localidade, profissão e nome dos
visitantes. Esta estatística é para conhecimento e controle do público que o frequenta.
Acervo do Museu Cultural do Diamante – Igatu, Chapada Diamantina/BA.
O Museu Cultural do Diamante tem a finalidade de recolher, classificar, conservar e
expor elementos característicos da sociedade garimpeira. São objetos de valor histórico
relacionados com a mineração que iniciou em 1844 e finalizou por volta de 1940. O
acervo poderá conter artefatos religiosos, instrumentos de castigos, mobiliário,
partituras de músicas, utensílios do garimpo entre outros. Assim como, objetos
produzidos pela população que represente a cultura, memória e história do garimpo.
Estes objetos foram denominados, neste trabalho, de contemporâneos.
Artefatos religiosos:
A religião, sobretudo a católica, estava presente na sociedade garimpeira e se
manifestava nas celebrações como a Festa do Divino em Andaraí e a de São
Sebastião no distrito de Igatu (realizadas até o momento). Assim como nos
objetos sacros como os santos, esculturas em madeiras, oratórios etc. Há
também artefatos das religiões de origem africana, que está presente na Chapada
Diamantina.
118
Instrumentos de castigo:
Houve um período na Chapada Diamantina, assim como em outros lugares no
país, em que predominou o trabalho escravo. Nas lavras diamantinas, negros
escravos que se negavam a trabalhar na mineração ou que eram acusados de
roubo sofriam pesados castigos. Os instrumentos utilizados eram feitos de ferro
devido a sua resistência e peso, a exemplo: o colar de ferro que era preso aos
punhos ou tornozelos, a bola de ferro - uma espécie peso para impedir fugas, o
chicote etc.
O mobiliário:
A mobília presente na habitação popular e nas residências de pessoas de maior
poder aquisitivo era construída basicamente de madeira e couro. Tratava-se de
mesas, cadeiras, bancos etc. Além do mobiliário, o distrito de Igatu no período
de auge da mineração chegou a formar uma filarmônica que tocava músicas da
época nas comemorações sacras e nos festejos mais populares.
Utensílios do garimpo:
São os objetos utilizados por garimpeiros e/ou donos de garimpos como a bateia,
o ralo, os martelos, as peneiras, as balanças, os crivos e os conjuntos de pesos
para medição do diamante etc.
Documentos pessoais, recibos, cartas:
Igatu possui um acervo riquíssimo no que se refere à cartas, documentos
pessoais, escritura mobiliária, recibos e documento topográfico datados do
século XIX e XX. O documento topográfico é de 1932, de uma localidade do
distrito, próxima ao Rio Paraguaçu, denominada de “Come Gente”. A escritura
imobiliária é de 1965, de uma residência no centro urbano do distrito e apresenta
o material usado e a altura da construção, assim como o estilo arquitetônico do
imóvel (CENTRO CULTURAL CHIC CHIC, 2008)106
.
106Este texto trata-se em inventário patrimonial de Igatu elaborado pelo Centro Cultural Chic Chic, no ano
de 2008, cujo financiamento veio do Programa Banco do Nordeste do Brasil de Cultura.
119
Fotografias:
Também compõe o acervo do Centro Cultural Chic Chic (2008) fotografias em
preto e branco que retratam a religiosidade, o cotidiano e os rituais fúnebres de
Igatu durante os séculos XIX e XX.
Partituras:
O acervo conta com 768 partituras pertencentes a Filamônica de Igatu. Possui
canções próprias que homenageiam São Sebastião e os garimpeiros. Destas
partituras, 243 necessitam urgentemente de intervenção, pois seu caráter de
deterioração é crítico (CENTRO CULTURAL CHIC CHIC, 2008).
Revistas e Jornais:
O inventário possui algumas revistas como O Malho, O Globo, O Cruzeiro,
Carioca, Sul América e Vamos Ler! Os Jornais são O Sertão e A Noite Ilustrada
(CENTRO CULTURAL CHIC CHIC, 2008).
Contemporâneos:
Consistem em réplicas das tocas e ranchos garimpeiros que são elaborados e
vendidos pela população. Nas bonecas e bonecos negros denominados de Catitas
e Mateus. Assim como, nos tecidos bordados e pintados, nos colares de
sementes e na renda de bilro.
Este documento, elaborado pelo Centro Cultural, evidencia que o acervo que
compõe o inventário patrimonial de Igatu necessita de algumas intervenções como
ordenar os documentos para recuperação de dados, dividi-los em categorias e higienizá-
los periodicamente evitando ações de microrganismos. Uma instituição museológica de
caráter público possuiria o local, as condições de armazenamento com temperaturas
adequadas para acondicionar este acervo. Assim como profissionais capacitados para
recolher, classificar, conservar e expô-lo.
120
O Museu Cultural do Diamante no circuito Nacional
No ano de 2006 o governo brasileiro criou o Cadastro Nacional de Museus com o
objetivo de interligar as instituições museológicas garantindo visitas frequentes,
conhecimento, melhorias e cultura.
Para está incluso neste cadastro é necessário que a instituição museológica seja sem
fins lucrativos e que seu objetivo consista em conservar, pesquisar, comunicar, expor
para estudo, investigações e contemplação objetos ou coleções de valor histórico,
artístico, científico, técnico ou de outra natureza cultural, abertos ao público, a serviço
da sociedade e de seu desenvolvimento.
Já foram mapeadas 3,4 mil museus no país. Por conta disto o cadastro para novas
instituições está temporariamente suspenso. Mas o pré-cadastro pode ser realizado e
garantindo o funcionamento da instituição.
O Cadastro Nacional de Museus é uma forma de dar destaque à instituição a nível
nacional. É também um instrumento para aprimoramento das políticas públicas
destinadas a estas instituições. Outra forma de promoção dos museus, garantindo
público e conhecimento, é construir sua agenda periódica de eventos ofertando
palestras, oficinas, mostras de filmes, entre outros. É relevante também integrá-lo a
eventos importantes como seminários, congressos, escolas, universidades, etc.
Igatu por constituir um território de história e memória necessita de uma instituição
que exponha, conserve e pesquise objetos que represente a sociedade garimpeira
contribuindo para preservação do patrimônio local. Em Minas Gerais, na cidade de
Diamantina, há o Museu do Diamante que reúne objetos e coleções deste período
econômico. Este museu em conjunto com o Museu Cultural do Diamante de Igatu
poderá formar o sub circuito do diamante.
121
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O tombamento consiste em uma prática relevante de preservação dos bens
patrimoniais do país. É um importante instrumento que garante a manutenção da
história, cultura e memória de uma população e de seu território. Realizado pelo poder
público federal, estadual ou municipal, este ato administrativo, faz parte das políticas
públicas de preservação que impede a destruição ou descaracterização do patrimônio.
Em Igatu, o tombamento pode ser considerado tardio, pois, há quatro momentos
que evidenciam a falta de iniciativas por parte do poder federal, estadual e municipal no
que tange a salvaguarda dos bens do lugar.
O primeiro ocorreu entre os anos de 1939 a 1941 quando o IPHAN executou
pesquisas no distrito, reconhecendo seu valor histórico e cultural. O segundo data de
1969, quando o fotógrafo Rino Marconi foi contratado por um Jornal do Estado para
compor uma matéria sobre o distrito. O processo de decadência de algumas das casas
localizadas no centro urbano do local foi registrado em fotografias. Esta reportagem
evidenciou a urgência de medidas de preservação para com o patrimônio de Igatu.
Já o terceiro é de 1978 e 79, momento em que a Secretária da Indústria e Comércio
da Bahia realizou viagens até o distrito com o intuito de analisar sua arquitetura. Estas
viagens resultaram em um inventário das habitações do centro urbano de Igatu, da Igreja
São Sebastião, dos ranchos e tocas. Estas duas últimas habitações passavam por sérios
problemas de degradação.
E por fim, o quarto momento que evidenciou a falta de organização e de ações por
parte dos Institutos de preservação, data de setembro de 1995, quando a Prefeitura de
Andaraí abriu um processo no IPAC, solicitando o tombamento de Igatu. Este
tombamento estadual ocorreu somente sete anos após a solicitação da prefeitura e 22
anos após a publicação do inventário sobre o distrito, o qual foi elaborado pela
Secretária da Indústria e Comércio da Bahia.
Igatu é considerado um importante sítio arqueológico representante da cultura,
história e memória da mineração diamantina da Bahia. Não há no país sítio com
características e feições iguais as encontradas neste distrito. Após 60 anos do fim do
garimpo, e, sobretudo, devido às deteriorações que estavam ocorrendo, moradores de
Igatu solicitam do IPHAN providências quanto à preservação dos imóveis do local.
As destruições e deteriorações decorriam da recente atividade turística, que trouxe
sérios danos para o lugar. As providências solicitadas pelos moradores referem-se ao
122
pedido de tombamento, datado de 1997, com o objetivo de preservar o patrimônio e
cessar a venda de terrenos do distrito para indivíduos de outras localidades, que estavam
causando o desmanche das ruínas para construção de novas moradias.
Após estas iniciativas por parte da comunidade de Igatu, em abril de 1998, o
IPHAN abriu oficialmente o processo de tombamento. Mas a venda de terreno e a
destruição de ruínas permaneceram. Para tanto, este instituto federal solicitou iniciativas
da Superintendência Regional (Salvador) e da Prefeitura de Andaraí, a qual não
apresentou ações com resultados almejados.
Já a Superintendência Regional (Salvador) junto ao Escritório Técnico de Lençóis e
Mucugê enviou a proposta de tombo denominada Igatu - Museu vivo do garimpo. Que
atestava seu valor enquanto patrimônio, bem como a necessidade de preservá-lo. Para
assegurar e fortalecer a salvaguarda algumas ações deveriam ser promovidas no distrito,
segundo a proposta de tombamento, como a criação de centros de pesquisas e museus
(sugestão reforçada nessa dissertação). A proposta de tombamento foi além da
orientação do IPHAN, isto fez com que o instituto federal ampliasse a área tombada.
A atividade turística trouxe movimento para Igatu, visto antes com o garimpo de
diamantes e carbonato. No entanto, passou a ser considerada como a principal
promotora da deterioração do patrimônio do distrito, uma vez que ocorria de forma
aleatória, sem qualquer planejamento. As políticas públicas adotadas até então
promoviam o crescimento desta atividade, mas não atenuava seus danos. Em Igatu, a
primeira edição do Festival de Inverno, por parte do poder local, provocou, por meio de
dinamites, um alargamento da entrada do distrito, para atender um número maior de
turistas no festival. Contudo, tal ação promoveu o cancelamento desta festividade nos
anos seguintes. Voltando a acontecer somente em 2013. As consequências econômicas,
sociais e ambientais do retorno do festival, para a população e o patrimônio cultural do
distrito poderão ser analisadas em outras investigações.
As denúncias sobre a deterioração do local continuaram, assim como os crimes
contra o patrimônio de Igatu. Mas o processo de tombo permaneceu estagnado em
decorrência da imprecisão da poligonal de tombamento elaborada pelo IPHAN. Diante
destes impasses e da falta de resultados, a população acionou o Ministério Público e a
Procuradoria do Estado da Bahia. Estes órgãos pressionaram a Superintendência
Regional (Salvador) e a Prefeitura de Andaraí para que providências fossem tomadas
quanto aos problemas que ocorriam no distrito. Enfim, a poligonal foi definida e o
processo continuou a tramitar no IPHAN.
123
Em agosto de 1999, o Instituto Federal de Preservação Patrimonial reuniu seu
conselho consultivo e aprovou por unanimidade o tombamento de Igatu que, em 2000,
foi inscrito em três Livros do Tombo. Ainda que tombado, as denúncias de deterioração
do patrimônio de Igatu permaneceram, promovendo a realização de uma vistoria de
técnicos do IPHAN no local. Estes constataram que havia muitas construções, julgadas
como irregulares, pois destoava dos bens tombados. Diante disto, o IPHAN elaborou
uma cartilha com recomendações para construções e reforma do estilo arquitetônico de
Igatu e a enviou para a Superintendência Regional (Salvador) para que fosse analisada e
endereçada aos moradores do distrito. No entanto, não se conseguiu informações nas
pesquisas realizadas no município de Andaraí sobre esta cartilha, ficando este ponto
para estudos futuros.
No ano de 2003, a Embasa iniciou a construção do sistema de abastecimento de
água de Igatu. Antes das obras desta empresa, a captação foi construída por seus
moradores que encanaram a água diretamente de rios, córregos e nascentes, em geral
localizadas distante do centro urbano a fim de evitar contaminações. A captação de água
construída pelos moradores não representava problemas para o distrito. No entanto, a
falta de tratamento do esgoto doméstico ainda consiste em um transtorno, uma vez que
este é lançado nos rios próximos ao centro urbano, contaminando-os. A Embasa
realizou somente a construção do sistema de abastecimento de água.
Este sistema edificado pela empresa é semelhante ao construído pelos moradores de
Igatu. A água foi canalizada e levada a um reservatório em ambos os casos. A diferença
é que a Embasa promove seu tratamento.
As escavações para edificação do sistema de abastecimento de água de Igatu foram
acompanhadas pelo Centro de Estudos de Ciências Humanas que realizou pesquisas
arqueológicas. Tanto o IPHAN, quanto o IPAC e o Centro de Estudos de Ciências
Humanas orientaram a Embasa sobre as escavações e os restauros das mesmas. A
empresa não cumpriu a maioria das determinações solicitadas. Em alguns lugares o
calçamento original do distrito foi modificado, em outros esta modificação provocou
acúmulo de água nas ruas. Os edifícios construídos pela Embasa, em sua sede, como a
caixa d’água, os tanques de tratamento, o escritório e o muro que define sua área foram
erguidos não respeitando o padrão arquitetônico local.
A Embasa não cumpriu com todas as sugestões dos institutos de preservação.
Assim como descumpriu a determinação de entregar à comunidade o material
encontrado em seu subsolo. A empresa expôs em seu museu todos os achados
124
arqueológicos encontrados em Igatu durante as escavações, como moedas, porcelanas,
vidros, metais, elemento fóssil, entre outros. Objetos que referem à cultura, memória e
identidade desta população, portanto, deveria está próximo a seu povo.
Igatu adquiriu notoriedade decorrente de sua riqueza natural e patrimonial o que
promoveu a elaboração de significativos projetos, programas, decretos, leis, isto é,
políticas públicas com o intuito de resguardar e fortalecer a preservação do local. Como
o projeto de consolidação das ruínas Luís dos Santos, financiado pelo Programa
Petrobrás Cultural, a proposta de criação do Parque Urbano de Igatu que envolve
patrimônio, cultura, natureza e lazer cujas ações seriam a construção de museus e
Centro de Referência, bem como o projeto que inventariou o patrimônio de Igatu,
financiado pelo Programa BNB de Cultura, executado pelo Centro Cultural Chic Chic,
no qual foram catalogados documentos como fotografias, revistas, jornais entre outros
referentes ao período do garimpo e de grande relevância para a população local.
Em 2009, sete anos após a homologação do tombamento estadual, o IPAC e a
prefeitura de Andaraí definiram a poligonal da área tombada, que se situa entre
poligonal do IPHAN e a do PNCD. O IPAC realizou também oficinas sobre educação
patrimonial objetivando conscientizar a comunidade de Andaraí e de Igatu sobre a
importância da preservação de seu patrimônio.
Para completar este cabedal de políticas públicas, Igatu foi incluso no programa
federal PAC-Cidades Históricas. Que possuía o intuito de assegurar a preservação
patrimonial atrelando ao crescimento econômico. Os inúmeros objetivos propostos pelo
PAC são semelhantes aos objetivos de outros projetos, programas e planos, já propostos
para Igatu. Mas, como resultados destas ações, foi entregue à população do distrito a
Igreja São Sebastião, o Cemitério e a Praça José Gomes da Silva, estes reformados com
recursos do Plano de Aceleração do Crescimento. Em 1998, constava nos autos do
IPHAN, que esta praça necessitava de uma reforma, para que apresentasse o estilo
arquitetônico do local.
Portanto, compreende-se que o reconhecimento do valor histórico, cultural e
arquitetônico deste território de memória que é Igatu, ainda que tardio, foi e continua
sendo fundamental para a salvaguarda de seus bens patrimoniais. Pois, o distrito possui
uma singular arquitetura, memória, história que guarda feições do período de auge do
garimpo de diamantes do sertão da Bahia, seja pela sua posição geográfica (729 m de
altitude) e/ou pelas ações das políticas públicas de preservação patrimonial. Constata-se
que há muitas proposições para com o patrimônio do distrito. Contudo, diante destas
125
propostas apresentadas, a execução das mesmas não se viabiliza, ou seja, percebe-se
uma diversidade de planos de ação, mas pouca execução. Para manter sua memória,
história e valor arquitetônico se faz necessário mais ações do poder público para com o
patrimônio de Igatu, tanto na esfera municipal, estadual quanto na federal. Isto é, é
necessário mais investigações para o aprimoramento das políticas públicas. Bem como,
a participação da população na cobrança das execuções destas políticas.
Os contratempos da pesquisa
Ao propor uma investigação e iniciar sua execução, o pesquisador se defronta com
alguns obstáculos, uns menores e outros de grandes proporções que são responsáveis
por um desenho da dissertação diferente do proposto. O destaque destes obstáculos,
nesta seção da pesquisa é para frisar os problemas externos encontrados na obtenção de
fontes (políticas públicas e documentos históricos) ou em seu acervo.
As políticas públicas que tratam sobre patrimônio existem em grande número, isto
seria uma questão relevante para o pesquisador se não fosse o fato de que estas políticas
encontram-se dispersas em sites na internet tornando seu acesso difícil. Esta dispersão
torna impossível confiar na origem do documento ainda que os nomes indicados na
fonte sejam o poder público.
Seria relevante que tanto o governo federal, quanto o estadual e os municípios
criassem bancos de dados contendo informações sobre as políticas públicas. Este banco
de dados possuiria referências sobre o tema tratado, a data e os objetivos das políticas
públicas. Bem como, a situação atual do documento e o material para consulta e
pesquisa. Isto facilitaria a obtenção e tratamento desta fonte, além de promover o acesso
da sociedade a estes textos.
As políticas públicas sobre patrimônio cultural brasileiro estão reunidas em um
caderno elaborado pela Câmara de Deputados no ano de 2010. Isto facilitou a analise do
documento, pois leis, decretos e programas estavam agrupados em um só material. No
entanto, foi necessário consultar outras fontes e o problema de dispersão as políticas
públicas dificultou sua análise.
Outro obstáculo que esta pesquisa enfrentou foi com relação às fontes reservadas
para consulta no IPHAN. O instituto disponibiliza material xerocado referente ao
processo e à área tombada. Há uma sala separada para consulta e os documentos ficam
guardados por categorias. No entanto, os responsáveis por localizar o documento, em
126
meio a muitos processos, não sabiam. Foi necessária muita insistência para que todo
documento referente ao tombo de Igatu fosse fotografado. Alguns textos não estavam
organizados por data, estavam soltos, provavelmente foram anexados após. Havia
documentos citados nos autos do IPHAN que não foram encontrados no processo de
tombamento. Esta falta de organização por parte do Instituto também dificultou a
realização da pesquisa.
Quanto à pesquisa no IPAC, os funcionários localizaram com facilidade parte do
material, até porque estão guardados em uma pasta de papel. Havia outros documentos,
relatórios assinados pelo instituto. No entanto, os funcionários não sabiam informar se
de fato existiam, do que se tratava e que lugar estava. No prédio do IPAC, o lugar
destinado para se realizar a pesquisa é inapropriado, pois não há uma sala reservada, a
obtenção das fostes foram feitas na sala de trabalho dos funcionários em meio à
realização de suas atividades.
Já com relação aos autos da Prefeitura de Andaraí, a dificuldade encontrada foi em
localizar as fontes, saber de fato o que existe e a assim selecionar o material de acordo
com os objetivos da pesquisa. Foram realizados contatos com a Prefeitura e esta
entregou alguns documentos, estes relevantes para a investigação. Mas esta seleção não
foi realizada pelo investigante.
127
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