UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE FILOSOFIA E ... · A natureza aqui me faz sentir...
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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social
Daniel Schwarz
`Prontos para sair da civilização?`
O Vale do Pati e o Ecoturismo
Campinas
2017
DANIEL SCHWARZ
PRONTOS PARA SAIR DA CIVILIZAÇÃO?
O Vale do Pati e o Ecoturismo
Dissertação apresentada ao Instituto de
Filosofia e Ciências Humanas da
Universidade Estadual de Campinas como
parte dos requisitos exigidos para a
obtenção do título de Mestre em
Antropologia Social.
Supervisor/Orientador: Emilia Pietrafesa de Godoi
ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À
VERSÂO FINAL DA DISSERTAÇÃO
DEFENDIDA PELO ALUNO DANIEL
SCHWARZ E ORIENTADA PELA PROF.
DRA. EMILIA PIETRAFESA DE GODOI
CAMPINAS
2017
Agência(s) de fomento e nº(s) de processo(s): CNPq, 1300039/2016-0
Ficha catalográfica
Universidade Estadual de Campinas
Biblioteca do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas
Paulo Roberto de Oliveira - CRB 8/6272
Informações para Biblioteca Digital
Título em outro idioma: ´Are you ready to leave the civilization?´ the Pati Valley and
ecotourism
Palavras-chave em inglês:
Ecotourism
Environment
Traditional population
Diamantina Plateau (BA)
National Parks - Brazil
Área de concentração: Antropologia Social
Titulação: Mestre em Antropologia Social
Banca examinadora:
Emilia Pietrafesa de Godoi [Orientador]
Christiano Key Tambascia
Senilde Alcântara Guanaes
Data de defesa: 30-03-2017
Programa de Pós-Graduação: Antropologia Social
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
A Comissão Julgadora dos Trabalhos de Defesa de Dissertação, composta
pelos Professores Doutores a seguir descritos, em sessão pública realizada em
30/03/2017, considerou o candidato Daniel Schwarz aprovado.
Profa. Dra. Emilia Pietrafesa de Godoi
Prof. Dr. Christiano Key Tambascia
Profa. Dra. Senilde Alcântara Guanaes
A ata de defesa, assinada pelos membros da Comissão Examinadora, consta
no processo de vida acadêmica do aluno.
Sinto feliz, no Vale do Pati,
como ninguém se sente em outro lar.
A natureza aqui me faz sentir feliz,
e os passarinhos sempre a cantar.
Vejo montanhas cachoeiras e poção,
sinto feliz com amor no coração.
Pela manhã eu tomo meu café,
vou trabalhar, seja o que deus quiser.
Às 9 horas me bate uma larica,
e eu como tudo que tenho na marmita.
É bom demais, tem tudo na fartura.
Tem banana, cana e jaca madura.
Essas frutas, eu como quase todo dia.
Fazendo a trilha é só alegria!
Quando anoitece, é bom demais.
Tem vagalumes e tudo mais.
As estrelas brilhando lá no céu,
Pra ver melhor, eu tiro o meu chapéu.
A lua cheia clareando a natureza,
Clareia a trilha, olha que beleza!
(Larica, Canção de Altemar)
A minha mãe.
Ao povo do Vale do Pati, do Vale do Capão e da Chapada Diamantina que tão
bem me acolheu em sua terra bonita.
A Marina, pela companhia em parte dessa caminhada maluca que foi a vida
errante de pesquisa nestes últimos anos.
Em memória de meu pai, Moshe Schwarz e de meu rei, Xavante Avante,
companheiros de caminhada e grandes mestres.
Agradecimentos
Ao Povo do Pati: Jaílson, Maria, Mayara, Altemar, Edmilson, João, André,
Agnaldo, D. Rachel, Edinei, Grécia, Graçonete, Gracinda, Ana, João,
Domingos, Vitor, Patrícia e Miguel.
Ao Povo do Capão: Renê, Zana, Miga Lu, S. Augusto, André, Tiago, Clei,
William, Luis, Carol, Jasmim, Dr, Ian, Pétala, Douglas, Vitala, Lesliu, Wilma,
Fabi, Tiago Tao, Luana, Hugo, Pedro, Tinguaro, Tauã, Caio, Lila, Maria,
Virginia, Vitoria, Alexandre (in memorian), Catatau, Ivan, Maria, Silvio, Tiago,
Laís, Breno – e tome xote!
A Marlon, Ana e Paula, pelas guaridas e pela amizade gostosa.
A minha orientadora, Emilia Pietrafesa de Godoi,
Aos membros das bancas por que este trabalho passou, Christiano Tambascia,
Rodrigo Toniol e Senilde Guanaes.
e ao Povo de Campinas: Antonio, Chris, Gabi, Carol, J J,Lu, Sara, Ana, Paulo
Victor, Vinicius, Rubens, Camillinha, Bruno, Lucia, Doni 7, Ti Liu, Tay, Marina,
Alejandro, Gilvani, Márcia, Rodrigo, Lis, Yan, Ananda, Chico Moreira, .
Ao povo de São Paulo: Minha Mãe, Minha avó, Breno, Nathan, Leco, Sesa,
André, Rodolfo, Aline, Dani Belik, Tiago.
Ao CNPq pelo fomento à pesquisa.
A todos que me deram carona, trocaram boas prosas e me ajudaram nestes
caminhos de pesquisa pela Chapada Diamantina, São Paulo, Salvador,
Campinas, ...
Resumo
O Vale do Pati é uma comunidade de pouco mais de 100 habitantes
localizada no interior do Parque Nacional da Chapada Diamantina, região central
do Estado da Bahia. Ao longo das últimas três décadas um volume crescente de
pessoas desloca-se ao Vale para caminharem por sua paisagem e praticarem
aquilo que se chama de ecoturismo, fato que levou uma boa parte de sua
população a dedicar-se exclusivamente à oferta de serviços aos turistas.
Ao longo dos quatro capítulos que compõe esta dissertação procurou-se
observar qual seria a relação, historicamente construída, entre os Parques
Nacionais e a prática do ecoturismo; quais seriam alguns dos elementos
comumente mobilizados e valorizados pelos ecoturistas em suas experiências
pelo Vale do Pati e quais seriam suas possíveis raízes históricas; quais seriam
algumas das possíveis explicações para o acelerado crescimento do setor ao
redor do mundo e quais seriam os contornos mais específicos desse crescimento
no contexto da Chapada Diamantina; e quais seriam seus efeitos sobre a
paisagem da região e sobre a vida daqueles que nela residem.
Palavras-chave: Ecoturismo; Chapada Diamantina-BA; Vale do Pati;
Parques Nacionais; Meio-Ambiente; Populações Rurais.
Abstract
Vale do Pati is a community composed by few more than 100 inhabitants,
located in the limits of Chapada Diamantina`s National Park, central region of
Bahia State. In the last three decades, a growing number of persons is visiting
the Valley to walk through its landscape and practice what is called ecotourism.
This fact took the majority of its inhabitants to work exclusively with offering
services to the tourists.
The pages that compose these Master`s thesis intend to take the reader
to a walking that seeks to explore and think about several questions regarding to
the value of the contrast in the experience of the tourists that visit the Valley for
practicing ecotourism.
In the four chapters that compose these work, we have tried to observe
the historically constructed relation between National Parks and ecotourism;
several elements that are commonly mobilized and valued by the ecotourists in
their experience in the Pati Valley and what are their historical roots; several
reasons that have promoted the accelerated growth of the ecotourism sector
around the world and what are the specific features that may explain its growth
in the region of the Chapada Diamantina; and several effects of the practice on
the region`s landscape and in the life of those who live in the Chapada
Diamantina.
Key-words: Ecotourism, Chapada Diamantina-BA, Vale do Pati, National
Parks, Environment, Rural Populations.
Glossário de Siglas
ACV-VC - Associação de Condutores de Visitantes do Vale do Capão
AMVP – Associação de Moradores do Vale do Pati
APA – Área de Proteção Ambiental
BB – Banco do Brasil
BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento
BM – Banco Mundial
CEU – Centro Excursionista Universitário
CMTL – Conselho Municipal de Turismo de Lençóis
CNPQ - Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
EMBRATUR - Empresa Brasileira de Turismo
FAO - Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a
Agricultura
GPS – Global Position System
IBAMA – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
ICMBio - Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade
INCRA – Instituto Brasileiro de Colonização e Reforma Agrária
IPHAN - Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
MCC – Movimento Criatividade Comunitária
MMA – Ministério do Meio Ambiente
NPRC – Northern Pacific Railroad Company
NPS – National Park Service
OIT - Organização Internacional do Trabalho
OMT – Organização Mundial do Turismo
ONU – Organização das Nações Unidas
PAC – Programa de Aceleração do Crescimento
PF – Polícia Federal
PM – Plano de Manejo
PNCD – Parque Nacional da Chapada Diamantina
PRODETUR- Programa de Desenvolvimento do Turismo
SCT – Secretaria de Cultura e Turismo do Governo do Estado da Bahia
SNUC – Sistema Nacional de Unidades de Conservação
SUM – Sociedade União dos Mineiros
TC – Termo de Compromisso
UC – Unidade de Conservação
UICN - União Internacional para a Conservação da Natureza
UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, a
Ciência e a Cultura
Índice de Figuras
Figura 1: As várias Chapadas Diamantina....................................................................... 28
Figura 2: Mapa das cidades que circundam o PNCD e que compõe o que convencionei
chamar de circuito turístico da Chapada Diamantina. ................................................................ 29
Figura 3: Mapa do Vale do Pati. ..................................................................................... 37
Figura 4: Publicidade de uma agência do Vale do Capão na rede social Facebook........39
Figura 5: O Cachoeirão visto a partir de um de seus mirantes. ..................................... 40
Figura 6: Vista do Mirante do Pati .................................................................................. 41
Figura 7: Morro do Castelo visto de uma das casas de apoio do Pati de Cima. ............. 43
Figura 8: Casa de Dona Rachel ....................................................................................... 44
Figura 9: Cachoeira do Calixto ........................................................................................ 45
Figura 10: Guia se prepara para pular da árvore que dá nome ao Poço, enquanto
turistas o observam ..................................................................................................................... 46
Figura 11: Morro do Castelo e as quaresmeiras pintando de roxo a paisagem do Vale.
..................................................................................................................................................... 56
Figura 12: Camiseta da excursão dos professores (e alunos) do Guiné pelo Vale do Pati
em 2016....................................................................................................................................... 58
Figura 13: Antiga casa de madeira da época do café ..................................................... 61
Figura 14: Cartaz de uma agência de turismo divulgando um passeio ao Pati. ............. 69
Figura 15: Roda d`água exposta na casa de D. Rachel ................................................... 77
Figura 16: Montagem realizada com fotografias que circularam pela comunidade
Notícias do Vale do Capão, da rede social Facebook.. ................................................................ 98
Figura 17: Folheto de uma pousada do Vale do Capão. ............................................... 100
Figura 18: Albert Bierstadt: Valley of Yosemite, 1864, óleo sobre tela, 48.89 x 30.16 cm.
Museum of Fine Arts (MFA), Boston, MA, EUA......................................................................... 111
Figura 19: Carleton Watkins , Hetch Hetchy Valley, with river in foreground (O Vale de
Hetch Hetchy, com seu rio em primeiro plano), 1867, fotografia. UC Berkeley, Bancroft Library.
................................................................................................................................................... 112
Figura 20: Capa de uma brochura da NPRC. Autor desconhecido, 1933. .................... 114
Figura 21: Fotografia da Entrada Leste da Floresta Nacional John Muir Wilderness, CA,
EUA. Autor desconhecido. ........................................................................................................ 119
Figura 22: Montagem realizada com duas postagens extraídas do Facebook de um guia
da região. ................................................................................................................................... 120
Figura 23: Placa do PNCD localizada na entrada dos caminhos que conectam o Vale do
Capão ao Vale do Pati. .............................................................................................................. 130
Figura 24: Evolução da população nacional rural e urbana por década. Elaborado por
Teló e David (2012), a partir de dados do censo do IBGE. ........................................................ 142
Figura 25: Montagem realizada com uma fotografia tomada no Vale do Pati (direita) e
outra tomada em minha casa no Vale do Capão. ..................................................................... 150
Figura 26: A nova escadaria da Rampa do Pati ............................................................ 152
Figura 27: Postagem extraída do Facebook onde o Pati é descrito enquanto um lugar
místico que é capaz de nos proporcionar um grande encontro com a mãe natureza. ............ 154
Figura 28: Recorte de trecho da matéria sobre um roteiro realizado pela jornalista
Verusa Pinho (2015b) no Vale do Pati....................................................................................... 154
Sumário
INTRODUÇÃO: ........................................................................................................................ 16
CAPÍTULO 1: O VALE DO PATI E ALGUNS MODOS DE HABITAR A SUA PAISAGEM ................... 37
O Vale do Pati ............................................................................................................. 37
O turismo e alguns de seus modos de habitar a paisagem da Chapada Diamantina e
do Vale do Pati. ....................................................................................................................... 47
Os guias e seus grupos ............................................................................................... 48
Os Hippies e os aventureiros ...................................................................................... 53
O povo da região ........................................................................................................ 57
As Patizeiras e os Patizeiros ....................................................................................... 59
CAPÍTULO 2: ALGUNS CAMINHOS DA HISTÓRIA DA REGIÃO DA CHAPADA DIAMANTINA ...... 70
Os primeiros tempos da empreitada colonial: a exploração aurífera e o rush dos
diamantes ................................................................................................................................ 70
A expansão agrícola: o ciclo do café ........................................................................... 76
As primeiras décadas da segunda metade do século XX: o pioneirismo de Lençóis . 79
O processo de criação do PNCD a partir da experiência de Roy Funch ..................... 83
O processo de criação do PNCD segundo o seu Plano de Manejo: considerações a
respeito de sua verticalidade .................................................................................................. 89
A Chapada Diamantina no final do século XX, rumo ao Ecoturismo .......................... 93
CAPÍTULO 3: OS PARQUES NACIONAIS E OS CAMINHOS DA WILDERNESS ............................ 101
A wilderness enquanto o Outro da cultura .............................................................. 101
Alguns elementos da historicidade da relação entre os EUA, a wilderness e algumas
considerações a respeito dos Parques Nacionais ................................................................. 106
Outras experiências de criação de Parques Nacionais por alguns países do mundo e a
experiência brasileira ............................................................................................................ 121
CAPÍTULO 4: O ECOTURISMO E A IMPORTÂNCIA DO CONTRASTE ........................................ 132
Ecoturismo, desenvolvimento sustentável e a economia experiencial ................... 133
A viagem, uma experiência de auto-descoberta e de auto-superação.................... 142
CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................................................... 155
REFERÊNCIAS ........................................................................................................................ 160
16
Introdução:
Caminhos percorridos e imaginados da pesquisa
Já levávamos mais de duas horas no interior do veículo 4x4 que nos levava do Vale do Capão para o vilarejo do Guiné e nos aproximávamos do estacionamento que fica ao pé do Beco - ladeira que separa o Guiné dos Gerais do Rio Preto. Viajávamos eu, a guia Luna que conduziria o grupo num passeio de três dias pelo Vale do Pati, a motorista e também guia Fabiana, e três turistas, Marcia, Katia e Julia. Ao longo do trajeto Luna e Fabiana jogavam conversa fora com as turistas e contavam suas versões da história da ocupação humana da região da Chapada Diamantina, os ciclos econômicos por que a região passou até a chegada do turismo, algumas histórias e aventuras vividas por elas e pelo povo na Chapada ao longo das últimas décadas, seu olhares a respeito das cidades que compõem o circuito turístico ao redor do Parque Nacional da Chapada Diamantina, suas visões a respeito do papel desempenhado pelo Parque no combate aos incêndios e sua importância para a preservação ambiental e para a consolidação do turismo na região, suas percepções a respeito do ecoturismo e de seus efeitos na vida das pessoas que vivem no Vale do Pati. Ao chegarmos bastante próximos da boca da trilha, a motorista Fabiana olhou para trás e, com um sorriso largo, perguntou à todos: ̀ e aí, prontos para sair da civilização?!`... Eu, por dentro, abri um sorriso tão largo quanto o de Fabiana, pois suas palavras muito me diziam a respeito da maneira como vinha imaginando a minha pesquisa, bem como da maneira como se imagina e se `vende` o trekking pelo Vale do Pati e a vida daqueles que nele residem.
(Registro de Campo, Guiné, 21/10/2016)
Costuma-se dizer, na região da Chapada Diamantina, que uma vez que
alguém a conhece e se encanta por ela, acaba sempre voltando. Comigo, as
coisas foram, também, assim.
Conheci a Chapada no ano de 2010, me admirando com a abundância de
suas águas, a beleza de sua paisagem, a amabilidade e o estilo de vida pacato
e receptivo daqueles que ali residiam e com a velocidade com que o turismo
vinha se inserindo na vida destas pessoas, trazendo cada vez mais gente para
visitar e viver por lá. À ocasião, passei pouco menos de um mês entre o Vale do
Capão e o Vale do Pati. Para ter um referencial da geografia da região estudada
e da posição ocupada por estes vales na região, consultar Figura 2, apresentada
na página 27.
Os três dias que passaria caminhando pelo Pati - acompanhado de um
colega, dois turistas noruegueses e um guia que por lá vivera quando criança –
17
custariam a sair de minha memória, pois me intrigava a maneira como o guia
costumava falar do Parque Nacional (PN) enquanto um lugar sagrado e a
maneira como os turistas costumavam descrever e experienciar a sua viagem e
o modo de vida dos moradores do Vale. Além disso, me soava bastante incomum
a situação vivida por seus moradores, as Patizeiras e os Patizeiros1.
O Pati é uma comunidade de pouco mais de 100 pessoas, localizada no
interior do Parque Nacional da Chapada Diamantina uma Unidade de
Conservação de Preservação Integral, criada em 1985, que, portanto, não
permite a presença de populações humanas em seu território.
O acesso ao Vale do Pati se dá exclusivamente por trilhas, não havendo
nenhuma estrada que o conecta às cidades da Chapada. Este fato, somado às
belezas cênicas do lugar, constituem-se enquanto grandes atrativos para os
ecoturistas e vem levando um considerável número de pessoas a percorrer seus
caminhos em busca de encontrarem-se com o paraíso, e vivenciarem aventuras,
a partir das quais experienciariam uma série de contrastes2 - diferenças e
oposições percebidas pelas pessoas entre aquilo que experienciam ao longo da
viagem e as suas experiências rotineiras - os quais seriam percebidos enquanto
experiências auto-aprendizagem.
A presença das Patizeiras e dos Patizeiros no interior do PNCD constitui-
se tanto como um problema fundiário, ambiental e político para o Parque, quanto
como um grande estímulo ao Ecoturismo, pois, além de responsabilizarem-se
pelo cuidado, limpeza, abertura e manutenção das trilhas e do Vale, os Patizeiros
recebem os turistas em suas casas, elemento que produz um convívio bastante
valorizado pelos turistas enquanto uma das principais virtudes de suas
experiências no Vale.
1 Chamo os habitantes do Vale de Patizeiros pois se trata de uma categoria êmica, mobilizada tanto pelos moradores do Vale, quanto pelas pessoas que participam de suas vidas. 2 Acredito que o emprego do termo contraste para denotar algumas oposições percebidas pelas pessoas que se engajam no ecoturismo pelo Vale do Pati seja, em grande medida, decorrência de minha afeição pelo trabalho com imagens e de sua importância, neste fazer, para a marcação de oposições entre massas, tons e cores. O dicionário Houaiss define contraste enquanto um substantivo masculino que denota: 1 grau marcante de diferença ou de oposição entre coisas da mesma natureza, suscetíveis de comparação 2. comparação de objetos similares para se estabelecer as respectivas diferenças (...) 4 cine fot tv variação nas tonalidades de luz e sombra, claro e escuro, zonas opacas e transparentes, numa imagem de televisão, cinema ou fotografia 5 gráf numa obra gráfica, a variação de tons entre o claro e o escuro.
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Passariam-se três anos até que eu voltasse a percorrer as trilhas do Pati.
Voltei a visitar a Chapada Diamantina no ano de 2013, passando um mês e meio
entre os mesmos dois Vales, Capão e Pati. Logo que cheguei, me impressionava
perceber como as coisas mudaram na região: mesmo sendo a mesma época do
ano de minha visita anterior, os dois Vales pareciam muito mais cheios e o Vale
do Capão parecia viver uma intensa especulação imobiliária.
Desta vez, sem um guia, me desloquei ao Vale do Pati com mais dois
amigos. Um deles, Tiago, conhecia o Vale havia mais de 8 anos pois seu pai,
Toni, vivera em Lençóis e fora dono de uma das primeiras agências de turismo
a oferecer o passeio ao Vale do Pati enquanto um serviço. As histórias de Toni
sobre a `descoberta` da região pelos mochileiros, contadas por Tiago, viriam a
alimentar ainda mais as minhas inquietações a respeito dos caminhos da história
que fizeram com que o Pati se tornasse um destino de ecoturismo e da maneira
como esta prática foi permeando a vida do povo que por lá vive.
Como havíamos nos encontrado com outros 4 colegas de São Paulo,
viajávamos em um grupo de 7 músicos e a casa de João - o sanfoneiro do Pati -
que também funciona como uma hospedaria, transformou-se em nossa morada
por pouco mais de uma semana.
O forró, programa noturno quase que diário na casa de João, foi bastante
animado naqueles dias. Por conta dele, acabamos nos aproximando de D.
Rachel, a matriarca da família que aproveitava a aglomeração de turistas, guias
e nativos para contar suas memórias; seu filho João, que conduzia o fole; seu
sobrinho Edinei, que tinha por volta de 12 anos e tocava triângulo; Altemar, seu
vizinho e compadre, que dedilhava o violão; Agnaldo, seu irmão mais velho, que
batia o pandeiro; e André, seu irmão mais novo, que carregava o zabumba.
Em noites com poucos hóspedes, o forró transformava-se em um
ambiente mais animado, por contar com a presença das mulheres da casa, que
eximidas da responsabilidade de dormirem cedo para terem de preparar o café
da manhã para os turistas na manhã seguinte, permitiam se jogar na dança e no
coro, recheando a noite com suas memórias do tempo passado, em que os
Patizeiros dependiam da agricultura para sua subsistência.
19
De volta a Campinas depois dessa segunda visita à Chapada, comecei a
sentir uma inclinação em seguir minhas inquietações e transformá-las em um
projeto de pesquisa. Estando eu em vias de concluir o curso de licenciatura em
artes visuais e tendo acumulado alguma bagagem de leitura em antropologia
social nos anos anteriores, comecei a flertar com essa possibilidade e a me
debruçar sobre a questão a partir da pouca literatura que ia garimpando.
Dois anos de trabalho seriam precisos para que eu formatasse um projeto
de pesquisa e fosse aceito pela banca de seleção do concurso: o projeto com o
qual ingressei no curso de mestrado em antropologia social na Unicamp
pretendia observar a mobilização da categoria população tradicional na
mediação do conflito entre o Parque Nacional da Chapada Diamantina,
representado pelo ICMBio3 e a população local, os Patizeiros, cuja relação
particular com seu território seria observada a partir do contexto de vida da
família em cuja casa costumava me hospedar em minhas visitas ao Vale – a
casa de família de Dona Rachel, mãe de João.
Tendo sido aprovado na seleção, comprei uma passagem à Bahia e me
joguei na literatura: Tim Ingold (2000, 2011) me convidava, com sua ecologia do
sensível, derivada de sua insatisfação com as dicotomias fundantes do
pensamento moderno, a perceber a força da imaginação em nossas vidas e a
possibilidade de invenção de um trabalho comprometido em pensar a presença
e o efeito destas dicotomias no mundo em que habitamos; Jean e John Comaroff
(2009; 2010), me mostravam algumas possibilidades de se fazer uma etnografia
comprometida em compreender a força da etnicidade no tempo presente,
mostrando-me a possibilidade e a vantagem de encarar o trabalho do
antropólogo enquanto exercício criativo e uma maneira muito sagaz de
incorporar ao texto uma gama variada de fontes; Manuela Carneiro da Cunha
(2009) e Marshall Sahlins (1997a, 1997b) a perceber que a força da tradição
3 O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade é uma autarquia Federal, vinculada ao Ministério do Meio Ambiente (MMA) criada no ano de 2007. Segundo página oficial: “Cabe ao Instituto executar as ações do Sistema Nacional de Unidades de Conservação, podendo propor, implantar, gerir, proteger, fiscalizar e monitorar as UCs instituídas pela União. Cabe a ele ainda fomentar e executar programas de pesquisa, proteção, preservação e conservação da biodiversidade e exercer o poder de polícia ambiental para a proteção das Unidades de Conservação federais.” Disponível em: <http://www.icmbio.gov.br/portal/oinstituto>. Acesso em 22/01/2017.
20
reside, justamente, em sua (re) invenção; e Cristian Ghasarian (2008) me
apresentaria a proficuidade de se incorporar aos caminhos da pesquisa, os
caminhos do pesquisador.
Penso que o contato com o trabalho destes e de tantos outros autores
bagunçou uma boa parte de minhas certezas e intenções, me levando a
questionar tanto as premissas que orientavam minhas perguntas quando decidi
me aventurar pelos caminhos da antropologia social, quanto os caminhos que
pretendia percorrer ao longo do processo de realização de minha pesquisa.
As coisas em minha cabeça se bagunçariam efetivamente em Fevereiro
de 2015, quando chegaria ao Vale do Pati para minha terceira visita. Nesta,
pretendia apresentar o trabalho que gostaria de desenvolver à família de D.
Rachel. Uma vez lá, não pude fazê-lo. Acredito que nesta viagem apreendi, como
sugere Strathern, o efeito da trajetória do modo mais difícil pois “aquilo que em
casa fazia sentido como projeto de pesquisa em campo [perdera] (…) força
motivadora.” (Strathern, 2010, p. 346).
Isso se deu quando passei a perceber que a questão da presença dos
Patizeiros no interior no PNCD não era mais assunto na boca do povo e que
desenvolver uma pesquisa sobre este tema seria retomar um assunto já bastante
bem explorado alguns anos atrás (GUANAES, 2006). Os Patizeiros não mais
mencionavam a questão, mesmo quando provocados por mim a falarem sobre
ela, e o analista do ICMBio, a autarquia federal responsável pela gestão das
Parques Nacionais e de outras Unidades de Conservação (UCs), com quem tive
a oportunidade de conversar, defendia extraoficialmente, havia já alguns anos,
o direito de permanência dos Patizeiros no interior do Parque.
Passei a pensar que não valeria muito a pena orientar meus caminhos de
pesquisa a partir daquilo que planejara e percebi que não me restaria outro
caminho que não recalcular a rota. Quanto mais me debruçava sobre a questão,
mais me convencia de que deveria mudar de foco analítico: ao invés de conferir
centralidade ao conflito, passei a acreditar que deveria olhar para o boom do
turismo no Vale, já que ele parecia algo extremamente pulsante e que poderia
me dizer muito sobre o espírito do tempo em que vivemos.
21
Certa vez, ainda com a questão da presença dos Patizeiros e das
Patizeiras no interior do PNCD, perguntei a Altemar - um jovem Patizeiro,
compositor da canção que serve de epígrafe a este trabalho - se as autarquias
do governo federal responsáveis pela gestão do PNCD chegaram a efetivamente
propor a demoção dos Patizeiros do Vale. Ele me respondeu que há muitos anos
eles vieram com essa história, mas que o Vale do Pati era querido pelo povo –
agências e operadores de turismo, guias e a população da Chapada em geral –
que apresentou forte resistência à ideia, dissuadindo os responsáveis de levá-la
adiante, já que sua presença ali era boa para todo o mundo.
O Pati ocupa, atualmente, um lugar bastante importante na cadeia do
turismo da região. Os passeios para o Vale - oferecidos pelas agências ou pelos
guias das cidades de Lençóis, Andaraí, Mucugê e do Vale do Capão ou mesmo
realizados de maneira independente – constituem-se enquanto boas
oportunidades (econômicas, mas não somente) para aqueles que deles
participam.
Sigo a leitura de Altemar e acredito que ela torne evidente alguns
elementos que me levaram a reorientar os caminhos desta pesquisa. Durante o
ano de 2015, carregaria na mochila que me acompanhava por meus caminhos
em Campinas as muitas questões que surgiram a partir desse curto período que
passei na Chapada Diamantina e pouco a pouco, a partir do contato com o
trabalho de outros autores e do diálogo com colegas, ia procurando outras saídas
para as minhas inquietações.
Findo o primeiro ano do mestrado, fui agraciado com uma bolsa de
estudos pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
(CNPq). Essa possibilidade me permitiu seguir as minhas intuições e, já tendo
em mente alguns indicativos dos caminhos que pretendia percorrer em minha
dissertação, decidi me mudar para a Chapada Diamantina no início do ano de
2016.
Como preparativo para esta mudança e para as empreitadas de campo a
que me submeteria, saí para comprar algumas coisas que me acompanhariam
neste tempo em que passaria na Chapada Diamantina. Dirigi-me, então, a uma
das mil cento e vinte e uma lojas da empresa líder mundial na distribuição de
22
artigos esportivos, presente em 23 países e que movimentou um montante de
15 bilhões de dólares no ano de 2015.4
Estando lá, pude perceber o tamanho da indústria de equipamentos
esportivos e a quantidade de materiais oferecidos por ela àqueles que estão
dispostos a engajarem-se em práticas de turismo em “ambientes naturais” (CEU,
s/d).
Na loja, recebi um folheto intitulado Pega Leve: mínimo impacto em
ambientes naturais, publicado pelo Centro Excursionista Universitário5 que dizia
que “com a popularização do ecoturismo milhares de pessoas procuram os
ambientes naturais como os Parques Nacionais (...) para [engajarem-se em]
atividades de lazer” (CEU, s/d, p. 2) . Juntei este folheto à meus pertences e me
preparei para me encontrar, novamente, com a Chapada Diamantina.
A caminho de lá, para espantar o tédio de ficar horas sentado em uma
poltrona de avião, abri a revista da companhia aérea e me deparei com a matéria
Adorável povo da floresta, em que se apresentava um “projeto inovador no Pará,
o circuito de ecoturismo comunitário [que] convida a conhecer, de forma genuína,
comunidades ribeirinhas (...). É a oportunidade de se aproximar do modo de vida
e da cultura de uma gente forte e fascinante” (TIUSSU, 2016, p. 91).
O ecoturismo parecia bastante presente em meus caminhos, mesmo
afastados da Chapada Diamantina, e percebi estes dois encontros enquanto
estímulos à pesquisa que pretendia desenvolver. Indicativos de que, a partir de
uma experiência localizada, poderia falar sobre situações e questões cada vez
mais presentes em nosso mundo.
A despeito do constante crescimento do setor do ecoturismo e dos
prognósticos de que o final de 2015 e o começo de 2016 seriam bastante
animadores para aqueles que com o turismo trabalham no país6, este foi um
4 Se apresento estas informações é para que o leitor tenha a dimensão do tamanho deste setor e do montante movimentado pela indústria dos equipamentos esportivos. 5 Segundo o mesmo folheto, o CEU é um clube de praticantes de Canoagem, Ciclismo, Espeleologia, Montanhismo, Vela e outras aventuras, que também realiza ações de preservação e educação ambiental. 6 Refiro-me à notícia publicada pelo Governo do Estado da Bahia, na da página de sua Secretaria de Comunicação em 18/10/2015, que fala sobre a estimativa de que, por conta da alta do dólar, o fluxo de estrangeiros para o Estado seria maior do que no ano anterior, bem como metade dos
23
momento de tensão na região da Chapada Diamantina. Os esforços
empreendidos pelas equipes de brigadistas voluntários – chamados por alguns
de os guerreiros da natureza – e pelo poder público não pareciam ser suficientes
para controlar os incêndios que assombravam a região desde o mês de
Setembro de 2015 e que queimariam 51 mil hectares, 15 deles dentro da área
do Parque Nacional.
As chuvas de Janeiro de 2016 vieram para atender aos pedidos dos
habitantes da Chapada Diamantina e pôr fim aos incêndios que assolavam a
região havia quase 5 meses. O impacto de sua midiatização contribuiria,
entretanto, para que o volume de turistas na Chapada neste início do ano tivesse
sido bem menor do que o esperado pela população local e isso vinha deixando
muita gente preocupada.
Cheguei à Chapada Diamantina poucos dias depois do Carnaval e quase
todo o mundo reclamava do final do ano, dizendo que ele fora fraco, que o
carnaval ficara bem aquém de suas expectativas e que preocupavam-se com o
tempo que demoraria até que a imagem da Chapada se recuperasse. Para a
sorte da população local, o turismo da região se recuperaria desta situação ainda
nos primeiros meses do ano.
Em pouco menos de um mês de viagem, ao longo do qual tomei meu
tempo para conhecer algumas cidades da Chapada que ainda não conhecia, me
dirigi ao Vale do Capão e aluguei uma casa. Ao longo de alguns trechos deste
trabalho, apresentarei brevemente algumas cidades da região e algumas
situações por mim vividas nestas localidades e a leitora ou leitor7 poderá
perceber algumas das razões que me faziam crer que fixar residência nesta vila
seria uma escolha frutífera.
Os vários caminhos que conectam o Vale do Capão ao Vale do Pati
possuem pouco mais de 20km de extensão cada e o Capão é um dos pontos de
brasileiros que esperavam viajar para o estrangeiro acabariam recorrendo ao turismo interno (SECOM, 2015). 7 Percebo um desconforto com a questão de gênero envolvida na linguagem falada e escrita, que privilegia o sujeito masculino quando se fala de um conjunto de masculinos e femininos, ou quando empregado para denotar generalizações. Na tentativa de solucionar esta questão, alterno entre o termo leitor e leitor e tento, sempre que possível apresentar as duas variantes de gênero ao longo do texto.
24
acesso mais utilizados pelos turistas para dirigirem-se ao Pati. Ao longo dos dez
meses em que residi na região, realizei 8 visitas ao Vale do Pati – com duração
entre 2 e 6 dias cada- a grande maioria delas passando por algum destes
caminhos, outras delas saindo e/ou chegando ao vilarejo do Guiné.
Quase sempre acompanhado, por respeito aos caminhos, me dirigia ao
Pati e lá procurava ter uma rotina mais ou menos regrada: acordava cedo e
aproveitava as manhãs para conversar com turistas e com alguns membros das
casas em que me hospedava; depois, partia para a caminhada, sempre que
possível acompanhando turistas; de volta à casa, conversava mais um pouco,
geralmente com um Patizeiro, e preparava o jantar; na parte da noite, proseava
com turistas e guias e me dirigia ao quarto para passar algum tempo
conversando com meu caderno de campo. Em duas de minhas incursões a
campo, o fiz acompanhando grupos de turistas conduzidos por um guia. Em uma
dessas incursões o grupo não conseguiu dar conta da dificuldade da caminhada
e decidiu retornar mais cedo da viagem.
Pude perceber, a cada visita que realizei ao Vale, o efeito das
experiências vividas e trocadas nos caminhos da pesquisa que vinha
desenvolvendo e que aqui apresento em forma de dissertação.
Muitos dos registros de campo apresentados ao longo deste trabalho
foram, entretanto, vividos em localidades daquilo que optei por chamar de
circuito turístico da Chapada Diamantina8, ressaltando a importância, para os
caminhos desta pesquisa, da escolha por fixar residência na região e circular
pelas cidades e vilarejos que circundam o PNCD e que compõem este circuito
turístico.
A experiência vivida na situação descrita brevemente na história
apresentada no início dessa introdução foi de extrema importância para que eu
percebesse a importância do contraste - evidenciado pela fala da guia que seria
8 Chamo, ao longo deste trabalho de circuito turístico da Chapada Diamantina, um conjunto de cidades e vilarejos do entorno do Parque Nacional da Chapada Diamantina (PNCD), alguns dos quais serão apresentados ao fim desta introdução. Se emprego a palavra circuito é por perceber que estas localidades estão relativamente bem conectadas e fazem parte de um conjunto de destinos visitados pela maior parte dos turistas que se deslocam à grande região da Chapada Diamantina.
25
apropriada enquanto parte do título do presente trabalho - na experiência
daqueles que se engajam em práticas de ecoturismo pelos caminhos do Vale do
Pati: “o desejo de, ao mesmo tempo, endossar a diferença e transcende-la, e de
tocar, por um instante sequer”9 (Comaroff; Comaroff, 2009, p. 148), a
inalcançável alteridade.
Percebi que a sensação de diferença e oposição entre a vida cotidiana,
ou citadina, e aquilo que é vivenciado na viagem é algo extremamente valorizado
pelas pessoas que se engajam pelos caminhos do Vale do Pati, e a partir de
então, passei a dedicar uma boa parte de minhas reflexões na intenção de
compreender a maneira como estes contrastes vem sendo historicamente
construídos, se eles também são mobilizados em outros contextos onde se
pratica o ecoturismo e quais elementos seriam valorizados, no contexto do
ecoturismo que vem habitando a paisagem do Vale do Pati, para sua (re)
afirmação.
Aquela situação também foi importante para que eu percebesse que os
caminhos que convido o leitor a percorrer ao longo das páginas que compõem
este trabalho, os quais já vinham sendo esquadrinhados em minha imaginação
havia alguns meses, apresentariam uma boa parte dos elementos que
participam da experiência de muitas das pessoas que se engajam na prática do
ecoturismo no Pati.
Grosso modo, posso antecipar ao leitor e à leitora que nosso principal
objetivo é o de explorar e pensar sobre a importância do contraste na experiência
das pessoas que se deslocam ao Vale do Pati para a prática daquilo que se
chama de ecoturismo.
Ao longo dos quatro capítulos que compõem esta dissertação –
procurando sempre que possível apresentar algumas situações e reflexões,
minhas e de outros autores e pessoas – procuraremos observar: qual seria a
relação, historicamente construída, entre os Parques Nacionais e a prática do
ecoturismo; quais seriam alguns dos elementos comumente mobilizados e
valorizados pelos e pelas ecoturistas em suas experiências pelo Vale do Pati e
9 Do original: “(…) desire at once to endorse difference and to transcend it, the desire to touch for an instant (…).”
26
quais seriam suas possíveis raízes históricas; quais seriam algumas das
possíveis explicações para o acelerado crescimento do setor ao redor do mundo
e quais seriam os contornos mais específicos desse crescimento no contexto da
Chapada Diamantina; quais seriam seus efeitos sobre a paisagem da região e
sobre a vida daqueles que nela residem.
No primeiro capítulo, inicialmente, apresento o leitor ao Vale do Pati,
descrevendo alguns de seus caminhos, atrativos turísticos e moradores. É
somente até o fim desta parte do trabalho que emprego os nomes das pessoas
apresentadas sem alterá-los. Esta escolha de alterar os nomes das pessoas
apresentadas ao longo das páginas que se seguem se deu a partir do diálogo
entre mim e alguns Patizeiros e Patizeiras a respeito das informações que seriam
publicadas e da percepção de que a identificação das pessoas apresentadas
poderia gerar uma série de efeitos imprevisíveis sobre suas vidas.
Findo o trecho que compõe esta breve apresentação, descrevo, a partir
de algumas experiências vividas em campo, alguns modos de habitar a
paisagem do Vale. Por fim, teço algumas considerações a respeito do efeito da
chegada e da consolidação do ecoturismo na paisagem do Vale e na vida de
suas moradoras e moradores.
O segundo capítulo apresenta ao leitor uma versão da história da
ocupação humana da região da Chapada Diamantina, bem como alguns
elementos do processo de criação do PNCD e algumas considerações a respeito
de suas possíveis relações com o processo de turistificação da região.
O terceiro capítulo procurará apresentar à leitora um olhar sobre o grande
tema dos Parques Nacionais e de sua relação, historicamente construída, com
o turismo. Inicialmente, serão apresentados alguns elementos da historicidade
destes desde as suas primeiras experiências nos Estados Unidos da América
(EUA), ainda no século XIX, até sua subsequente incorporação por quase todos
os países do mundo ao longo do século XX. Por fim, apresentarei uma versão
da maneira como este instrumento particular de territorialização foi sendo
incorporado e (re) inventado pelo Brasil, enfatizando alguns elementos da
relação entre os PNs brasileiros e as populações residentes em suas áreas.
27
Foi por levar em consideração o fato de que nosso país segue o que
alguns autores costumam chamar de Modelo Yellowstone - referindo-se à
importância do modelo de conservação da natureza adotado, por meio da
criação de Parques Nacionais, pelos Estados Unidos da América (EUA), tendo
como marco inicial a criação do Parque Nacional de Yellowstone, em 1872 – que
optei por, na primeira parte deste capítulo, apresentar uma versão da
historicidade dos primeiros PNs dos EUA.
Ao longo deste momento do caminho, procuro, a partir de alguns
elementos sugeridos por essa historicidade, tecer algumas considerações a
respeito da verticalidade do processo e dos interesses envolvidos na proposição
dos primeiros Parques dos EUA, de alguns elementos imaginativos mobilizado
na sua proposição e defesa.e de sua importância para a construção da ideia que
possuímos de natureza.
O quarto e último capítulo, que encerra os caminhos do texto aqui
apresentado, volta o olhar do leitor e da leitora para alguns elementos e questões
relativas ao ecoturismo. A partir de questões sugeridas por excertos extraídos
do caderno de campo - que me acompanhou ao longo do processo de
desenvolvimento desta pesquisa -, por trechos de matérias televisivas que falam
sobre o Pati e por matérias de jornal e peças publicitárias, procuro tecer algumas
considerações a respeito da historicidade desta prática e de seus contornos
específicos no contexto do Vale do Pati, enfatizando a importância do contraste
na experiência das pessoas que se engajam na prática do ecoturismo no Vale
do Pati.
Convido o leitor a acompanhar, ao longo das páginas que se seguem, os
caminhos desta pesquisa, empreendida numa tentativa de desenvolvimento das
questões sinteticamente apresentadas ao longo desta introdução e de outras
tantas sugeridas pelos caminhos do texto que se revela.
Ao longo deste caminho, procurarei, sempre que possível, expor os temas
que serão explorados por meio da apropriação de excertos do caderno de campo
que me acompanhou ao longo do desenvolvimento desta pesquisa ou de uma
gama variada de fontes, tais como folhetos, excertos de notícias de jornal, peças
publicitárias de agências de turismo, programas de televisão e postagens
28
extraídas de rede social da internet. As foto incluídas no trabalho são de minha
autoria.
Antes de dar início à caminhada, permitam as leitoras e os leitores, como
um breve preparativo para nossa empreitada, que estabeleça algumas
convenções e que sejam apresentadas algumas das cidades e vilarejos que
compõe o que convencionei chamar de circuito turístico da Chapada Diamantina,
informações que poderão facilitar seu percurso pelas páginas que compõe esta
dissertação.
Figura 1: As várias Chapadas Diamantina Fonte:(Brasil, 2007, p. 47).
29
Figura 2: Mapa das cidades que circundam o PNCD e que compõem o que convencionei chamar de circuito turístico da Chapada Diamantina.
Elaboração própria.
30
A Chapada Diamantina, representada em azul na Figura 1, apresentada
na página 26, é uma grande região montanhosa que corta a porção central do
Estado da Bahia no eixo Norte-Sul.
Suas serras atuam como um grande divisor de águas do interior baiano,
separando a bacia do Rio São Francisco - que é responsável por irrigar o interior
do Estado - dos rios que deságuam diretamente no Oceano Atlântico, como o rio
de Contas e o Paraguaçu, responsáveis, em conjunto com seus afluentes, pelo
abastecimento de água que chega à torneira de mais de 50% da população da
região metropolitana da capital do Estado, Salvador.
As serras da Chapada Diamantina fazem parte da Cadeia do Espinhaço,
uma formação montanhosa que se estende por mais de 1.000km desde o Estado
de Minas Gerais até a região norte do Estado da Bahia. Seu nome, Chapada
Diamantina, foi dado por conta das jazidas de diamantes descobertas em seu
subsolo, ainda no século XIX. O leitor poderá acompanhar uma versão deste e
de alguns outros momentos da história da ocupação humana da região ao longo
do segundo capítulo deste trabalho.
A região de maior intensidade de exploração diamantífera da Chapada
ficou conhecida como a região das lavras, na Figura 1 representada pela cor
verde. A região ocupada pelo Parque Nacional, dentro e ao redor do qual transitei
para a realização desta pesquisa que aqui apresento, está representada na
Figura 1 pela cor amarela. Para que aqueles e aquelas que me acompanham
não se confundam, convenciono chamar de a grande região da Chapada
Diamantina a parte em azul, de Chapada lavrista a parte em verde e tão somente
de Chapada Diamantina para tratar da região do entorno do PNCD, representada
em amarelo na Figura 1.
É na intenção de contextualizar as cidades e os vilarejos que compõem o
circuito turístico da Chapada Diamantina que dedico as páginas que encerram
esta introdução. Estas localidades são apresentadas de maneira aproximada
àquelas apresentadas nos guias turísticos publicados por algumas editoras e
que tanto participam da experiência de uma parte das pessoas que se engajam
em práticas de ecoturismo pela região.
31
Lençóis, a antiga capital das lavras, pode ser atualmente considerada a
capital do turismo na Chapada Diamantina, ou o Portal de entrada para a região.
É para lá que se dirige a grande maioria dos e das turistas que visitam a região,
oriundos de todas as regiões do país e de países estrangeiros, principalmente
França, Israel e Espanha.
O e a turista geralmente desembarca em Lençóis por via terrestre ou
aérea e lá contrata pacotes em uma das agências locais para visitar as outras
cidades da região com um grupo. A maior parte dos grupos que se dirigem ao
Vale do Pati contratam o serviço em uma agência de Lençóis, que custa em
média R$350,00, ou pouco mais de U$100,00, por dia, passando entre 3 e 6 dias
em média caminhando pelo Vale.
A cidade atualmente conta com mais de 4.000 leitos de hospedaria. Seu
centro histórico é quase todo ocupado por comércios, agências de turismo e
restaurantes. A economia do município gira em torno do turismo. Sua vida
noturna é extremamente agitada, contando o turista com uma variada gama de
opções de lugares para comer e serviços a serem consumidos.
Os passeios mais procurados e contratados pelos e pelas turistas em
Lençóis são: o banho nas piscinas do Serrano, um lajedo10 que fica bastante
próximo ao centro da cidade; a caminhada à Cachoeira do Ribeirão do Meio,
famosa por suas escorregadeiras; a caminhada de três horas até a Cachoeira
do Sossego, ainda nos limites do município; o passeio de automóvel até o Morro
do Pai Inácio, que fica entre Lençóis e Palmeiras, para ver o pôr-do-sol; o passeio
de automóvel até a cidade de Andaraí para visitar a zona alagadiça do Marimbus,
onde pode o turista alugar pranchas de stand-up-paddle para passear; a visita
de automóvel até a Cachoeira do Mosquito, onde pode o turista fazer rapel em
suas quedas d`água; o passeio de automóvel até a cidade de Ibicoara, onde
localiza-se a cachoeira do Buracão, uma das mais imponentes da região e à qual
só se chega nadando; o passeio até o Vale do Capão onde se visita a Cachoeira
da Fumaça e a Cachoeira do Riachinho, ou ainda se faz uma caminhada à Toca
das Águas Claras, uma pequena cachoeira que assemelha-se a um jardim
10 Lajedo, lajeado ou lajeiro é, segundo o dicionário eletrônico Houaiss(2001), um substantivo masculino que denota um afloramento de rochas à superfície do solo, de extensão variada.
32
japonês; o passeio de automóvel até o Poço Azul e o Poço Encantado, onde o e
a turista pode passear pelas grutas até alcançar suas lagoas de água cristalina;
o passeio de automóvel até a Gruta da Pratinha, dentro da qual nasce um rio de
águas cristalinas que se torna azul à luz do sol, devido à grande concentração
de minerais; e o trekking ao Vale do Pati, que pode durar entre 3 e 6 dias, em
média, sendo acessado pela grande maioria dos pacotes pelo Beco do Guiné ou
pelo Vale do Capão.
Andaraí é a cidade ao redor do Parque que menos depende do turismo.
Sua população dedica-se ao garimpo de dragas, à extração de pedras para a
construção civil e à prestação de serviços; é uma das cidades que dá acesso ao
Vale do Pati, a partir de sua longa e íngreme Ladeira do Império, fato que faz
com que as agências de turismo e os turistas independentes recorram menos a
este caminho do que a outros acessos ao Pati. Uma boa parte das pessoas que
deixam de viver no Pati, por conta da ausência de serviços médicos no Vale,
principalmente, vai viver em Andaraí.
Na cidade de Andaraí localiza-se o distrito de Igatú, antiga vila de Xique-
Xique de Igatú, que já teve mais de 15.000 habitantes por conta das jazidas de
diamantes encontradas em seus solos e hoje possui cerca de 400 habitantes.
Para chegar a Igatú o turista tem de pegar uma estrada de pedra que sai da
cidade de Andaraí ou um caminho mais longo que sai da cidade de Mucugê.
Igatú, chamada pela indústria do turismo de a Macchu Picchu brasileira,
é bastante visitada atualmente pelos e pelas turistas por conta de suas ruínas da
vila garimpeira que se estabeleceu na cidade ao longo do século XIX, que
manteve-se em pé por ter sido construída toda de pedra. Por conta dessas
ruínas, a cidade de Igatú foi tombada pelo IPHAN no ano de 2000.
Os turistas procuram Igatú para conhecer as ruinas, suas belas
cachoeiras e também para a prática de escalada. Existe um acesso que liga a
Vila de Igatú ao Vale do Pati, recentemente aberto, que é muito pouco realizado,
por conta de sua dificuldade.
33
O Vilarejo do Guiné, pertencente ao município de Mucugê, tem sua
economia baseada na agricultura e na pecuária. A cultura da vaquejada é
bastante forte no vilarejo. Boa parte dos Patizeiros possui família no Guiné e é
para lá que as crianças do Pati, em sua maioria, vão estudar desde o fechamento
das escolas do Vale nos anos 2000.
A caminhada entre Guiné e o Pati tarda em média pouco menos de 4
horas, sendo este o acesso mais curto e rápido ao Vale do Pati. Os roteiros das
agências de turismo geralmente ou saem ou retornam (ou ambos) pelo caminho
do Guiné. A indústria do turismo pouco movimenta a comunidade do Guiné pois
a grande maioria dos turistas só vai ao vilarejo de passagem ao Vale do Pati.
Passei alguns dias no Guiné por ter feito amizade com um casal de ex-
alunos da Unicamp que se estabeleceu na cidade por terem se tornados
professores na Escola Estadual do vilarejo.
Mucugê, cidade tombada pelo IPHAN, depende atualmente de três
atividades econômicas: o extrativismo, a agronegócio e o turismo. Na zona rural
da cidade encontram-se depósitos de minério de ferro e diamantes que ainda
são explorados e desenvolve-se uma intensa agricultura mecanizada.
O turismo que se desenvolveu na cidade é mais periódico, dependente
dos grandes eventos realizados na cidade – Festival de Choro, Festival Literário,
Encontros de ciclistas, dentre outros – e das épocas de alta temporada – férias
de verão, feriado de São João e feriados prolongados. Dentre as cidades que
circundam o Parque, Mucugê é aquela que pode ser considerada a que possui
um turismo mais elitizado, geralmente frequentada por pessoas mais velhas,
famílias e casais. Existe um acesso de Mucugê ao Vale do Pati, não muito
utilizado.
As atrações mais visitadas da cidade são seu cemitério de estilo Bizantino
e o Projeto Sempre-viva - uma parceria entre o Ministério do Meio Ambiente, o
Governo do Estado da Bahia, a Universidade Católica do Salvador, a
Universidade Estadual de Feira de Santana, a Caixa Econômica Federal e a
Prefeitura Municipal de Mucugê em prol da preservação da Syngonanthus
Mucugensis Giulietti, a sempre viva de Mucugê, em risco de extinção por conta
34
da intensa extração dessa espécie para a venda ao mercado interno e externo,
exportada para os EUA, Japão e Inglaterra, nos anos 1970, 1980 e 1990. Ao
entrar no Projeto o turista pode acessar um museu que conta a história da região,
ou pegar uma de suas trilhas que passam pelas cachoeiras da Piabinha e do
Tiburtino.
Palmeiras é uma cidade criada em torno de uma fazenda ocupada ainda
em 1817. É em Palmeiras que fica a sede do PNCD. Não existem atrativos
turísticos na sede do município. Entre Palmeiras e o Vale do Capão localiza-se
um pequeno vilarejo denominado Conceição dos Gatos, que vem se
especializando na oferta de refeições para os e as turistas. A vila de Conceição
é um lugar que costumei frequentar mensalmente e pelo qual aprendi a ter
bastante carinho, seja por conta de suas duas lindas cachoeiras, a da Boa Vista
e a Cachoeira de Baixo, seja por conta da amabilidade de sua gente.
As longas conversas que tive com Maria em sua casa, onde serve uma
deliciosa moqueca de jaca11 por encomenda, me levavam a passeios pela
história da região, empobrecida e quase sem perspectivas antes da chegada do
turismo, que Maria costuma caracterizar enquanto uma benção em sua vida. Ela
e seu marido, Sr. Ivo, viviam da pluriatividade e do pouco que o garimpo manual
podia lhes proporcionar em uma vila que, segundo um antigo morador, antes do
turismo via um carro chegar a cada quatro anos, apenas em época de eleição e
agora tem suas duas ruas relativamente bem movimentadas por conta dos
turistas que por lá aparecem.
O Vale do Capão é um vilarejo que faz fronteira com o PNCD. Sua
ocupação humana data da época do garimpo e assim como o Vale do Pati,
passou por momentos difíceis quando da erradicação do café. Sua população,
11 O Palmito de jaca é outro prato típico da região. Maria me conta que ele foi inventado por necessidade mesmo, pois existem muitas jaqueiras na região e a comida era pouca nas épocas de vacas magras. Maria começou a servir refeições em sua residência por pedido de alguns guias do Vale do Capão há pouco mais de 10 anos. A partir das conversas com Maria pude perceber o impacto da midiatização na popularização do turismo na região: Maria conta que a cada vez que aparece na televisão –já foram três– mais gente procura sua casa e sua comida; o maior aumento do fluxo de gente em sua casa se deu depois de sua participação no semanário Globo Repórter, a partir do qual conheci o negócio de Maria e curioso, fui provar de seu tempero.
35
no início dos anos 1980 era composta de pouco mais de 300 pessoas (FUNCH,
1982), hoje, segundo os locais, chega a mais de 3.000.
Extremamente apreciado ao longo dos anos 1980 e 1990 por pessoas que
queriam, como diria Roy Funch (1999), voltar à terra, no Capão desenvolveu-se
uma série de iniciativas encabeçadas pelos alternativos voltadas à práticas
espirituais que nos remetem ao movimento da Nova Era12.
Ainda hoje no Capão oferecem-se serviços ligados a este movimento, tais
como: rituais xamânicos mexicanos e estadunidenses, como a dança da águia,
um ritual dançante que dura uma semana, o temazcal, uma tenda de suor
conduzida por um guia, rituais de consumo de peyote, um cactos que leva aquele
que toma a vivenciar uma viagem; medicinas alternativas chinesa e indiana;
respiração para o renascimento; rituais de ayahuasca e de kempô; etc.
Esse fato fez com que o Capão se tornasse um lugar sui generis: um
pequeno vilarejo numa zona rural do interior da Bahia que possui uma cultura
cosmopolita extremamente agitada e uma vida cultural igualmente fértil; onde
vivem pessoas dos quatro cantos do mundo; e em cujo mercado pode-se
encontrar iguarias indianas e árabes ao lado de doces e uma série de cosméticos
localmente produzidos.
Na última década, o Capão viu um intenso crescimento de seu setor
turístico, fato que vem provocando uma perceptível especulação imobiliária no
Vale. Há quem diga que o mercado da construção civil do Capão vem
movimentando mais gente e dinheiro até do que o da cidade de Seabra, a maior
cidade da região, com mais de 45 mil habitantes.
O Capão foi o lugar em que decidi fixar residência para o desenvolvimento
da presente pesquisa. Por contar com um dos principais acessos ao Vale do Pati
e por receber um constante fluxo de turistas, acreditava que viver no Capão
12 Movimento heterogêneo, que ganhou força a partir dos anos 1970, de práticas que possuem em comum “a crença em vários elementos, tanto sagrados como científicos, os quais, ao serem seguidos pelo sujeito interessado, o proporcionarão o renascimento espiritual (...) que terá como resultado uma evolução cósmica” (Graef, 2006, p. 02). Reinventando crenças e rituais, na maioria das vezes milenares, aqueles que praticam alguma crença vinculada à Nova Era parecem preocupados em conectar-se com as energias cósmicas e atingir uma espécie de iluminação a partir do contato com estas práticas.
36
poderia me permitir ter um contato cotidiano com o ecoturismo que vem se
desenvolvendo na Chapada Diamantina. Hoje, passados alguns meses vivendo
na região, acredito que minhas suspeitas se confirmaram: as conversas que
tenho com guias locais e turistas no Vale iluminam bastante os caminhos desta
pesquisa, já que aparecem de maneira espontânea e, em muitas delas, o Vale
do Pati é o tema central.
Por possuir boa parte de seu território dentro dos limites do PNCD, a
questão do ecoturismo em Unidades de Conservação também faz parte das
conversas cotidianas que tenho com o povo do Capão ou com os e as turistas
que aqui conheço.
Apresentadas algumas localidades que compõem aquilo que
convencionei chamar de circuito turístico da Chapada Diamantina, dedico-me,
no capítulo seguinte, a apresentar àquele e àquela que lê o Vale do Pati, seus
caminhos e moradores e alguns modos de habitar a sua paisagem.
37
Capítulo 1:
O Vale do Pati e alguns modos de habitar a sua paisagem
O Vale do Pati
O Vale do Pati é um vale profundo, que serve de morada para uma
comunidade de cerca de 150 pessoas. Localizado no interior do Parque Nacional
da Chapada Diamantina (PNCD), o Pati faz parte da área de dois municípios,
Andaraí e Mucugê.
Figura 3: Mapa do Vale do Pati. Elaboração própria.
38
Atualmente, o Vale recebe “todos os dias do ano aventureiros do mundo
inteiro, que aportam neste paraíso atrás de desafios (...) [em busca do contato
com suas] deslumbrantes e enormes montanhas, rios cristalinos e cachoeiras”13.
Este fato faz com que a grande maioria de sua população se dedique quase que
exclusivamente ao turismo.
A presença do ecoturismo no Vale do Pati, que vem sendo midiatizado e
imaginado enquanto o terceiro trekking14 mais bonito do mundo e a caminhada
mais bonita do Brasil (Figura 4), vem fazendo com que sua população goze de
uma relativa estabilidade financeira, podendo inclusive trazer de volta ao Vale
parentes que o haviam deixado nas últimas décadas.
Os serviços oferecidos pelos Patizeiros aos turistas são os de
hospedagem – que pode ser feita em um quarto individual ou duplo, onde o
turista terá acesso a uma cama, roupas de cama e toalha de banho, em um
quarto coletivo ou nas áreas de acampamento –; alimentação – o turista pode
encomendar uma refeição avulsa ou ainda contratar aquilo que se chama de
pensão completa, que inclui a hospedagem e duas refeições -; venda – os
Patizeiros possuem em suas casas uma pequena venda, onde são vendidos
uma série de coisas, tais como comidas, bebidas e até mesmo cerveja e
refrigerantes gelados em uma geladeira movida a gás; e guiada –
acompanhando os e as turistas que se deslocam ao Vale, desacompanhados de
guia, por alguns de seus caminhos e atrativos.
13 Excerto extraído de um relato de viagem ao Vale do Pati, publicado em um blog de turismo. Disponível em: <http://toperambulando.com.br/trekking-no-vale-do-pati/>. Acesso em 17/08/2016. 14 Trekking, segundo o dicionário Houaiss (2001) é um substantivo masculino que denota uma caminhada mais ou menos penosa, por montanhas altas e de difícil acesso, feita com objetivo desportivo ou de lazer
39
Figura 4: Publicidade de uma agência do Vale do Capão na rede social Facebook. Na foto, de cima para baixo e da esquerda para a direita: o Vale do Cachoeirão, A gruta
do castelo, A casa de D. Rachel e o morro do Castelo.
O Pati se tornou, nas últimas décadas, um destino bastante visitado por
turistas brasileiros e estrangeiros, os quais geralmente se deslocam até o Vale
acompanhados de um ou uma guia contratada por intermédio de agências de
turismo erradicadas, na maior parte dos casos, na cidade de Lençóis.
Curiosamente, o Vale ainda não figura como destino indicado pelos
grandes guias de viagem estrangeiros, como o Lonely Planet e o Rough Guide
e mesmo uma pesquisa online em blogs e fóruns sobre turismo (estrangeiros e
nacionais) encontra poucos resultados sobre o destino.
Soa-me interessante, também, o fato de que as agências da região
consigam alcançar os turistas ainda em seu país de origem. A agência que mais
leva turistas para uma das hospedarias que mais recebe gente no Pati, a casa
de D. Rachel, é de propriedade de um Israelense tenente coronel aposentado do
exército, cujos clientes são em sua grande maioria jovens israelenses que saem
viajando pelo mundo depois de cumprirem o seu serviço militar obrigatório.
40
O Vale do Pati é dividido, por seus moradores, em duas regiões: o Pati de
baixo e o Pati de cima. Esta divisão provém da localização destas em relação ao
vale do Cachoeirão. O Cachoeirão (Fig. 5) é a quarta cachoeira mais alta do
país, com uma queda de 270m. De seu mirante, o e a turista consegue ver, em
época de cheia, mais de 14 quedas d`água que caem da Serra do Sobradinho
no vale do Cachoeirão por baixo. Nestas épocas, forma-se também um poço, o
poço do Cachoeirão.
Figura 5: O Cachoeirão visto a partir de um de seus mirantes.
A grande maioria dos e das turistas que se deslocam ao Vale do Pati o
fazem partindo do Beco do Guiné, ou do Vale do Capão, passando pelo Gerais15
do Rio Preto, onde localiza-se o Mirante do Pati (Fig. 6, na página seguinte).
Em uma de minhas visitas à campo no ano de 2016, pude contar mais de
40 pessoas paradas num mesmo momento no mirante, observando o Vale a que
iriam adentrar. Atualmente, por conta do intenso volume de turistas, um rapaz da
cidade de Guiné engaja-se em 2 horas de caminhada diária, somente de ida,
para chegar ao mirante e vender sucos de fruta aos turistas.
15 Os Gerais são altiplanos em que predominam uma vegetação rasteira.
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Figura 6: Vista do Mirante do Pati
Do mirante do Pati, o e a turista pode dirigir-se ao Cachoeirão, onde pode
pernoitar na Toca do Gavião ou então descer ao Vale e dormir em uma das casas
de apoio ou ainda descer direto a uma destas, sem passar pelo Cachoeirão. Na
grande maioria dos casos, os e as turistas pernoitam em sua primeira noite na
Igrejinha, localizada no antigo centro do vilarejo que existia no Pati, o qual teve
alguns de seus casarios reformados pela Associação de Moradores do Vale do
Pati (AMVP) e passou a ser uma hospedaria sob responsabilidade de Sr. João,
que conta com o apoio de parentes, compadres e comadres para tocar o
negócio.
Ao lado da igrejinha localiza-se a Cachoeira dos Funis, um dos atrativos
mais visitados do Vale do Pati, por conta de seu relativamente fácil acesso para
quem sai da igrejinha ou da casa de Sr. Wilson.
A casa de Sr. Wilson foi uma das primeiras, se não a primeira casa do Pati
de Cima, a receber os turistas nos anos 1980. Atualmente Sr. Wilson é um dos
moradores mais velhos do Vale do Pati, cerca de 60 anos de idade, e sua
hospedaria, que só oferece serviços de pernoite mais pensão completa, é tida
por alguns como a casa das celebridades, pois é para lá que vão geralmente os
artistas famosos que se aventuram pelo Vale. Ela é também um local apreciado
por famílias e casais.
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A cerca de 30 minutos de caminhada da casa de Sr. Wilson, a antiga
escola do Pati de Cima, de Ensino Fundamental, encontra-se fechada desde os
anos 2000. Depois de mais de uma década desde o encerramento das atividades
da escola, a edificação foi avariada pelo tempo e pela ação de turistas que a
invadiram para dentro dela dormirem, queimando inclusive boa parte de seus
materiais de arquivos para fazerem fogueiras.
A AMVP pretende, nesta escola, bem como na escola do Pati de Baixo,
criar um pequeno museu que conte a história do Vale, os ciclos econômicos por
que passou, e onde pretendem também expor alguns objetos recolhidos pelo
Vale ao longo dos últimos anos.
Bem próxima à Escola, localiza-se a casa de Agnaldo, filho de D. Rachel,
que recentemente trouxe de volta ao Vale seu compadre Miguel e juntamente
com sua esposa, Patrícia, vem tocando uma pequena hospedaria e camping
desde então. A hospedaria de Agnaldo é geralmente frequentada por pessoas
da região, principalmente das cidades de Guiné, Palmeiras e Seabra.
Próximo a esta casa encontra-se a trilha mais utilizada pelos e pelas
turistas para acessarem a gruta do Morro do Castelo (Fig. 7, na página seguinte)
Castelo. Subindo cerca de 6km, numa média de pouco menos de duas horas, o
e a turista alcança a gruta que, ao ser atravessada, dá acesso a alguns mirantes
a partir dos quais pode-se ver a imensidão do Vale do Pati de Cima. De lá de
cima quase não dá para se ver as poucas casas dessa região do Vale, e pode-
se ter a dimensão da extensão das florestas que tomaram conta do Pati depois
da erradicação do café.
Como será apresentado no capítulo seguinte, o Vale do Pati, ao longo da
primeira metade do século XX, foi habitado por cerca de 2.000 pessoas que se
dedicavam, basicamente, ao cultivo do café, que ocupava, segundo contam os
Patizeiros, uma boa parte das terras do Vale. Em meados do século XX, o plano
nacional de erradicação do café foi responsável pelo fim de seu cultivo no Vale
e pelo progressivo empobrecimento e esvaziamento do Pati.
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Figura 7: Morro do Castelo visto de uma das casas de apoio do Pati de Cima.
Quase ao lado da casa de Agnaldo encontra-se a casa de D. Léa, que
possui uma pequena estrutura para receber turistas. A cerca de 10 minutos de
caminhada da casa de D. Léa localiza-se a casa de sua mãe, que talvez seja a
única moradora do Vale do Pati de cima que não ofereça nenhum serviço aos
turistas.
Vizinha à casa de D. Léa encontra-se a casa de D. Rachel (Fig. 8, na
página seguinte), onde vivem algumas de suas filhas. Anexas à casa de D.
Rachel estão as casas de outros dois filhos seus João, o sanfoneiro do Vale, e
André, as quais também servem de hospedaria e como área para acampamento.
A casa de D. Rachel talvez seja a casa preferida pelos e pelas turistas
estrangeiros e pelos mais jovens e é, segundo pude observar, a casa que mais
recebe turistas do Vale do Pati. Isso se deve a pelo menos dois fatores: à
disposição de D. Rachel em narrar as suas memórias aos turistas e ao agito
proporcionado pelo forró quase que diário que João e seus irmãos, a banda
Filhos de Rachel, fazem.
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Figura 8: Casa de Dona Rachel, incrustrada no Vale
Saindo da casa de D. Rachel, depois de pouco menos de uma hora de
caminhada chega-se à residência de outro de seus filhos, Jaílson, e de sua
esposa, Maria. Jaílson responsabiliza-se pelo cuidado de várias trilhas e locais
do Vale, tendo aberto recentemente a trilha da fenda do Cachoeirão, que liga
sua casa ao mirante do Cachoeirão. Atualmente vivem na casa, além do casal,
sua filha mais nova Mayara – os outros dois meninos do casal vivem com uma
tia na cidade de Guiné para frequentarem o colégio – e o irmão mais novo de
Maria, Altemar. Outro irmão deles, Edmilson, ajuda nas tarefas da casa de João
e de D. Rachel.
Os pais de Maria, Altemar e Edmilson, viviam até este ano no Vale, em
uma casa que fica a pouco mais de 10 minutos de caminhada de outro lugar que
serve de pouso aos turistas, a Prefeitura. O caminho que dá acesso à Cachoeira
do Calixto passa pelo quintal da casa. Seu Nô, o patriarca da família, trabalhava
até recentemente na igrejinha, auxiliando João nas tarefas por lá. Por conta de
sua idade, cerca de 70 anos de idade, ele e sua esposa decidiram mudar-se para
a cidade de Andaraí.
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A Cachoeira do Calixto (Fig. 9) é um atrativo um pouco menos visitado
pelos turistas que dirigem-se ao Vale com o auxílio de guias. Por outro lado, ela
constitui-se enquanto um dos locais mais visitados pelos viajantes
independentes que costumam acampar próximos à cachoeira.
Figura 9: Cachoeira do Calixto
Da cachoeira do Calixto existe um caminho de entrada e saída ao Pati,
que passa pelo Gerais do Vieira e desemboca no Vale do Capão. Este caminho,
que data da época do café, foi reaberto em meados dos anos 1990 e,
atualmente, vem sendo cuidado por uma agência de turismo de propriedade de
um francês, erradicados na cidade de Lençóis, que se especializou em oferecer
um pacote que passa por este caminho para chegar ao Pati.
Bastante próxima à Prefeitura, localiza-se o Poço da Árvore (Fig. 10, na
página seguinte), um grande poço do rio Pati, ao lado do qual existe uma grande
toca, também muito utilizada pelos hippies16 para dormida.
16 Termo utilizado pelos Patizeiros e pelas Patizeiras para caracterizar alguns turistas que se deslocam ao Vale. Mais adiante, neste mesmo capítulo, iremos apresentar melhor esta categoria.
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Figura 10: Guia se prepara para pular da árvore que dá nome ao Poço, enquanto turistas o observam
Seguindo pelo mesmo caminho que dá acesso ao Poço da Árvore se
alcança o Vale do Pati de Baixo, depois de mais de 2 horas de caminhada. A
casa de Sr. Eduardo, o antigo sanfoneiro do Vale que se mudou há alguns anos
para a cidade de Guiné, é a hospedaria mais utilizada pelos e pelas turistas no
Pati de Baixo. Conta-se que Sr. Eduardo foi o primeiro Patizeiro a abrir sua casa
para turistas, ainda nos anos 1980.
Atualmente, a casa é gerida por dois de seus netos, Vitor e Domingos,
jovens com entre 20 e 30 anos de idade, que vêm procurando, de maneira
bastante exitosa, reunir a população do Vale em torno da AMVP. Em uma de
minhas visitas ao Pati, realizadas no mês de Abril de 2016, pude acompanhar
uns poucos trechos da reunião da AMVP organizada em conjunto com a
celebração de uma missa, que acontece anualmente no Pati e que reúne alguns
ex-moradores do Vale.
Nesta reunião se deu a reabertura da Associação, parada por quase uma
década, e se debateu os elementos que comporiam um projeto para que a
Associação recebesse um rádio comunicador por casa, para facilitar a gestão do
fluxo de turistas no Vale.
Próximo à casa de Sr. Eduardo, encontra-se a casa de Sr. Jóia, primo de
D. Rachel, que também disponibiliza alguns quartos de sua casa para os turistas.
Da casa de Sr. Eduardo, o turista geralmente parte para uma caminhada rumo
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ao vale do Cachoeirão por baixo, onde encontram-se alguns poços formados
pelas águas que caem das cachoeiras que se formam na Serra do Sobradinho.
De saída do Pati de Baixo o turista pode ter acesso à Ladeira do Império,
que liga o Vale à cidade de Andaraí, rumar ao Sul, pelo cânion do Guariba, que
dá acesso à vila de Igatú ou subir ao Pati de Cima, por uma fenda que conta com
alguns cabos de aço para facilitar a caminhada das pessoas, ou ainda tomar o
caminho que chega ao Pati de Cima passando pelo Poço da Árvore.
Quando gozam de mais de 3 dias de passeio no Vale, os turistas
geralmente deixam o Pati por um caminho distinto àquele por onde chegaram.
Ao chegarem na boca da trilha, uma van geralmente os espera para seu retorno
à cidade de onde saíram, ou para que deem continuidade a seus passeios ao
redor do Parque. Existem agências que, inclusive, vendem um serviço que
chamam de volta ao Parque, aproveitando a caminhada pelo Pati para que o
turista acesse outra localidade da região.
O turismo e alguns de seus modos de habitar a paisagem da Chapada
Diamantina e do Vale do Pati.
Apresentarei, ao longo desta sessão do presente capítulo, alguns grupos
de pessoas que costumam habitar a paisagem do Vale do Pati. A partir da
apresentação de algumas situações vividas ao longo do desenvolvimento desta
pesquisa, exporei ao leitor algumas das categorias empregadas mais
frequentemente pelos e pelas Patizeiras, para referirem-se às pessoas que se
deslocam ao Vale.
Não pretendo, nesta apresentação, definir categorias fechadas, visto que
suas definições são bastante fluidas, mas possuem valor enquanto uma espécie
de sociologia nativa, i.e, enquanto elementos que a leitura que as e os Patizeiros
e outras pessoas que habitam o circuito turístico do qual o Vale do Pati faz parte,
fazem a respeito das pessoas que se engajam na prática do ecoturismo no Vale
do Pati.
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Uma situação por mim vivida no momento em que terminava de escrever
esta dissertação evidencia, segundo a minha percepção, a multiplicidade de
categorias empregadas para referir-se às pessoas que habitam a paisagem da
Chapada Diamantina e a fluidez de suas definições:
A estrada levantava uma poeira que só e decidi pedir carona para chegar às celebrações da novena de São Sebastiao, padroeiro do Vale do Capão, cuja igreja completa, neste ano de 2017, 100 anos de existência. (...) Subi no carro, que estava repleto de mochilas, abafadores e galões d`água. Perguntei ao motorista se o incêndio que se deflagrara em Lençóis havia sido extinto. Ele me respondeu que ele próprio havia acabado de apagar o fogo de Lençóis e que se tratava de mais um incêndio criminoso (...) Depois de uns cinco minutos de proza, o rapaz me fez uma pergunta intrigante: Você, menino, é nativo, alternativo, passante, ficante, hippie, turista (...) ou gringo. Pensei por alguns segundos e respondi, contando minha curta história na região, que não saberia dizer ao certo, mas que diria que era algo entre turista, ficante e alternativo. O rapaz riu e disse: ficante não, pois ficante é só depois de alguns anos; alternativo tem que ter mais de 10 anos vivendo aqui, você deve ser um passante (...) Ao fim da carona, depois de estacionar e descer do carro, o rapaz se apresentou: Toco. Lembrei de que meu amigo Tiago me contara que Toco fora o primeiro parceiro de seu pai, Toni, em seus negócios por Lençóis (...)
(Registro de campo, Vale do Capão, 22/01/2017)
Os guias e seus grupos
Na noite da última quinta-feira nos dirigimos ao Bar Flamboyant para a despedida de nosso vizinho, que iria passar uns meses fora do Vale. Sentávamos à mesa eu, minha companheira, Márcia (guia local), Pâmela (também guia) e Silas e Renê, dois professores da escola pública do Capão. (...) Renê e Márcia discutiam calorosamente. O volume de álcool ainda era baixo no sangue de todos nós e a intensidade do debate se dava por conta da delicadeza do assunto. A discussão começou por conta da história que Renê acabara de contar: ele havia dado uma carona a um turista e pedido a ele que não fizesse a trilha para Águas Claras naquele dia, pois não teria tempo de voltar com luz para a cidade. A toca das águas claras fica a pouco mais de 12km do centro da vila do Capão, numa área dentro dos limites do Parque Nacional. (...) A peleja se deu porque Renê, mesmo pedindo para o turista não ir, explicou todo o caminho para ele e Márcia enraiveceu-se: falava sobre os riscos envolvidos em um turista se meter no meio do mato sozinho, já quase de noite e sem conhecer o caminho. Dizia que a responsabilidade, caso algo desse errado, cairia sobre os membros da Associação de guias local, a ACV-VC. (...) Ela pedia para que ele nunca mais explicasse o caminho de trilha alguma para ninguém e ele respondia com um sorriso irônico, dizendo que eles próprios haviam descoberto as trilhas sem a contratação de um guia. Márcia, natural do Sul do país, vive há 15 anos no Vale e Renê, apesar de ter mudado neste ano para cá, frequenta a mais de uma década o Capão e é amigo de Márcia há muito tempo. (...) Quando a conversa se acalmou sentou-se conosco Clóvis, um nativo do Vale do Capão que tem, com alguns colegas, uma agência no centro da vila. Depois de algumas rodadas, Clóvis não consigo me lembrar porque (sic) começou a contar alguns causos que vivera com turistas nos
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caminhos para o Pati. Todas as histórias giravam em torno de um mesmo tema: a ideia que o Pati tornou-se, em suas palavras, um Barbie Trekking. (...) O povo todo deu risada e deu corda para o impulso de Clóvis em contar suas experiências. Ele então contou-nos sobre o dia em que saiu para guiar um grupo de turistas de Salvador ao Vale: na véspera da partida, impressionou-se com o tamanho da mochila de uma das turistas e questionou-a sobre seu conteúdo. (...) Ela respondeu com um sorriso, dizendo que eram apenas as coisinhas que precisava para sua sobrevivência nos quatro dias que passariam no Vale. Pediu, então para abrir sua mochila e começou a tirar seu kit-sobrevivência: uma chapinha, um secador de cabelo, um estojo de maquiagem volumoso, um estojo de perfumes, shampoos e cremes e mais uma infinidades de outros cacarecos. (...) Clóvis diz ter convencido a turista de reduzir o volume de sua mochila, afirmando para ela que no Vale não havia energia elétrica e que seus equipamentos não teriam serventia; fez um olhar triste ao dizer que não conseguiu convence-la de que deixasse o estojo de maquiagem, que pesava tanto quanto os outros pertences que ele carregaria. (...) Saíram então para a caminhada, a turista se comprometendo com Clóvis a não reclamar de seu peso e carregar seus pertences pelas 6 horas que os separavam do Pati. Passadas pouco mais de uma hora de trilha, a turista disse a Clóvis que não aguentaria o percurso. Ele teve de carregar pelos 4 dias de passeio o estojo de maquiagem, a mochila da turista, a sua própria mochila e todo a comida que o grupo de seis turistas iria comer ao longo do passeio. (...) Clóvis passou a contar como sua guiada se destaca pela experiência gastronômica: costuma levar postas de salmão congelado, picanha, queijos, vinhos e outras chiquezas para alimentar os seus Barbie Trekkers. Com isto, se destaca da concorrência, oferecendo um serviço diferenciado, extremamente valorizado pelos turistas com que tive a oportunidade de conversar....
(Registro de Campo, Vale do Capão, 17/06/2016)
A maioria dos turistas e das turistas que se deslocam ao Vale do Pati o
faz em grupo, acompanhados de um guia ou uma guia que se responsabiliza
pelas pessoas que conduz ao longo do trajeto. Pelo Pati, estes grupos de
pessoas são conhecidos como o grupo, ou os turistas de Z, a letra denotando o
nome do guia que conduz os turistas do grupo ao longo de seu passeio pelo
Vale.
A maneira como os e as turistas que contratam o serviço e os e as guias
encontram-se, fecham um pacote e unem-se para a aventura varia bastante de
situação para situação: existem turistas que já chegam à região com o serviço
contratado remotamente; outros que o fazem dirigindo-se a uma agência de
turismo na própria região - a cidade de Lençóis concentra o maior número de
agências da região e é responsável pela maioria dos grupos que se deslocam
ao Vale; outros que buscam as associações de condutores de visitantes locais e
procuram alguém que possa leva-los a passar alguns dias pelo Vale; outros
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ainda que procuram guias não credenciados que possam oferecer-lhes o serviço
por um custo mais baixo17.
O custo da viagem também varia de situação para situação: depende das
situações descritas acima, da quantidade de dias que o turista pretende passar
no Vale e dos luxos e chiquezas a que pretende ter acesso; se pretende cozinhar
ou comer a comida das casas de apoio; se pretende dormir alguma noite em
uma toca ou passar todos os dias do trajeto hospedados nas casas de apoio; se
pretende carregar o seu peso todo, incluindo a comida que irá comer ao longo
dos dias que passará no Vale, ou levar somente seus pertences - o guia
carregando o resto ou ainda contratar uma pessoa, o `carregador` que será
responsável por levar o peso todo de um turista ou de um grupo de turistas ao
longo dos dias do passeio.
O termo Barbie Trekking, empregado de maneira jocosa pelo guia Clóvis
para denotar a sua percepção a respeito do turismo que vem se desenvolvendo
no Vale do Pati, carrega consigo um olhar a respeito da elitização por que vem
passando o circuito ecoturístico da região da Chapada Diamantina.18
Com o crescimento da oferta e da demanda pelo ecoturismo, observou-
se na região uma diversificação do público que procura tal experiência, o que fez
com que os prestadores de serviço, percebendo esta situação, passassem a
oferecer serviços cada vez mais rebuscados, estrategicamente direcionados aos
desejos e interesses particulares dos turistas que se deslocam à região. Esta
17 Nos últimos três anos o volume de `novos guias` no Vale vem se fazendo sentir. Os novos guias têm um perfil distinto daqueles que faziam e seguem o serviço de guiada para o Pati: geralmente são homens bastante jovens, oriundos de grandes centros urbanos, que possuem ensino superior e que chegam a região e em poucos meses começam a conduzir grupos pela região. Os guias, outrora, eram ou nativos - antigos garimpeiros, cortadores de pedra ou roceiros que passaram a trabalhar com o turismo – ou alternativos, pessoas de outras regiões do país que chegaram à Chapada Diamantina há algumas décadas. Os novos guias, não participam das associações de condutores – pois estas possuem regras estritas de tempo mínimo de residência na região para receberem novos membros – e não possuem, tal como os outros guias, formação em primeiros socorros e impactos mínimos. Jaílson, certo dia, mostrou-me certo incômodo com este fenômeno dos novos guias: ‘tem cabra que nunca vi em minha casa que chega com um grupo de gente dizendo ser guia, isso aí tá certo não, fica tirando o trabalho da gente daqui e ainda põe a vida de um bando de gente em risco`. 18 A fala de Clóvis traria à tona consigo, ainda, uma questão de gênero bastante evidente, a qual optei por não explorar ao longo deste trabalho por perceber que a delicadeza questão traria uma série de complicações as quais, levando-se em conta a bagagem de leitura que pude apreender ao longo de minha formação, dificilmente poderiam ser por mim exploradas de maneira a contribuir para as questões levantadas ao longo deste trabalho sem comprometerem outras aqui apresentadas.
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diversificação é reflexo, acredito, do efeito da economia experiencial (SUNDBO,
2013) - que será apresentada ao leitor ao longo do quarto capítulo do presente
trabalho - no circuito turístico da região.
Os e as guias, ou condutoras, exercem um papel bastante importante na
caminhada das pessoas que contratam seus serviços para os acompanharem
ao Vale do Pati. Previamente à viagem, oferecem orientações sobre os
equipamentos que os e as turistas devem levar, realizam o cálculo e a compra
da comida a ser levada ao Pati e que será consumida pelo grupo ao longo dos
dias em que passará pelo Vale, desenham o roteiro baseado nas preferências
dos turistas e das turistas e em suas condições físicas, contratam os serviços de
transporte até a boca da trilha e procuram avisar as casas de apoio de seu roteiro
para que preparem a comida e os quartos para receberem os turistas.
Um dos grupos de turistas que acompanhei ao longo do desenvolvimento
desta pesquisa combinara um encontro prévio na véspera da caminhada para
acertarmos os últimos detalhes da jornada. Anotei o registro deste encontro que,
pode tornar mais claro o papel desempenhado pelos guias no momento prévio à
viagem, e também a maneira como os guias tem de trabalhar uma série de
expectativas e responsabilidades para com os e as turistas:
Dirigi-me à pizzaria do Capão para conhecer o grupo que acompanharei ao longo de três dias pelo Pati. A guia, Luna, costuma combinar este tipo de encontro para acertar alguns últimos detalhes da viagem e oferecer algumas orientações aos turistas. (...) Depois de preencher e assinar um atestado de saúde, a turista Kátia perguntou: Venha cá, Luna19, o que é que eu vou sentir ao chegar no Pati? Luna riu e perguntou o que a turista queria dizer com tal pergunta, que Kátia reformulou: O que é que a gente costuma sentir nessa viagem? Como é a sensação de se estar lá e de se caminhar por tantas horas? Todos riram e Luna não soube responder à pergunta, que me colocou a pensar na importância mediadora das guias e dos guias para a experiência das pessoas que conduzem pelo Vale. (...) Luna também aproveitou o encontro para ler novamente o e-mail que havia enviado às turistas havia algum tempo: nele a guia apresentava os serviços inclusos no pacote contratado pelas turistas, uma lista dos equipamentos a serem levados por elas à trilha e algumas recomendações de saúde e de segurança.
(Registro de Campo, Vale do Capão, 20/10/2015)
19 A despeito do fato de este grupo acompanhado ser composto exclusivamente por mulheres, a guia Luna não trabalha exclusivamente com elas, conduzindo também grupos compostos por homens pelos caminhos do Vale do Pati.
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Os e as guias também exercem um papel bastante importante durante o
passeio em que se engajam com seus grupos: escolhem os melhores caminhos
a serem percorridos; determinam os momentos de parada para comida e para
que os e as turistas tirem as suas fotos e selfies; orientam a respeito da melhor
maneira de fazerem suas necessidades fisiológicas; prestam socorro caso algum
acidente ocorra; carregam o peso das comidas que serão levadas para serem
consumidas no caminho; estabelecem o tempo de parada nos atrativos; etc.
Acho interessante ressaltar o fato de que, no processo de adaptação,
modificação e tradução que acompanha a acomodação do conceito genérico de
Parque Nacional (GISSIBL et. al., 2012) para o contexto da Chapada
Diamantina, o estabelecimento de “oportunidades controladas para uso pelo
público” (Brasil, 1985, Art. 1) - um dos objetivos do PNCD segundo seu decreto
de criação - venha ocorrendo em uma dimensão microfísica.
Quero dizer, com isto, que estas experiências controladas, previstas
enquanto objetivos do Parque Nacional, vem se dando principalmente por conta
do papel mediador desempenhado pelos e pelas guias e por suas associações:
são os e as guias que conduzem a grande maioria dos e das turistas pelos
caminhos, ditando o ritmo da experiência pela qual estes irão passar.
Roy Funch, biólogo estadunidense erradicado na cidade de Lençóis, que
muito contribuiu para o processo de criação do PNCD e de turistificação da
região – que será apresentado ao leitor ao longo do próximo capítulo - mostrou-
me um olhar interessante sobre esta questão da importância do turismo para que
alguns objetivos do PNCD sejam alcançados. Segundo ele, o Parque:
(...) está funcionando muito bem. Não tem controle nenhum, porque o IBAMA não tem condições. Mas todo mundo tá ganhando dinheiro: Pati, aqui [Lençóis], Capão. As pessoas tão ganhando dinheiro com o Parque, com o Turismo, com hospedagem. Então é de interesse deles de proteger o Parque. (Roy Funch, Junho de 2016).
Segundo a teoria de Roy, confirmada por minhas observações, é por
conta do interesse da população local e dos guias no turismo que a “fragilidade
dos mecanismos, estruturas e recursos (humanos, financeiros e materiais) de
proteção e fiscalização” (Barreto Filho, 1997, p.4), os quais dificultam a
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efetivação do controle do Parque sobre seu território pode ser compensada e
alguns de seus objetivos, a despeito de sua carência de estrutura e pessoal,
podem ser alcançados.
Os Hippies e os aventureiros
De volta à Barão Geraldo, distrito do município de Campinas/SP, por algumas semanas (...) Após passar pelo exame de qualificação, em que recebi uma série de críticas, conselhos e sugestões a respeito da pesquisa que venho desenvolvendo. Passo, ao longo dos últimos dias, por um período de reorientação dos caminhos do texto que apresentarei ao fim de minha pesquisa. (...) Visitando alguns amigos antigos, encontro-me com Leila, que me diz que possui um diário de sua viagem pelo Brasil e nele há coisas sobre o Pati que gostaria de dividir comigo. (...) Me encontro com ela em sua residência para um café e ela coloca-se a ler seu registro dos 10 dias em que passou pela Chapada Diamantina em meio a uma viagem que durou pouco mais de dois meses, passando por alguns Estados do país viajando com outras duas mulheres, de carona. (...) Em uma manhã, bem cedo, ela e suas amigas saíram de Mucugê, na boleia de um caminhão `cheio de gente que ia para o trabalho` e dirigiram-se ao beco do Guiné. Lá chegando, conta que armaram sua ̀ base` no coreto da praça central e colocaram-se a dançar e cantar, tendo feito algumas amizades com as pessoas da cidade por conta de sua `bagunça` (...) Leila também contou como foi a sua experiência de viajar, sem conhecer os caminhos e sem ao menos contar com a ajuda de um mapa, com uma mochila de mais de 15 kg pelos caminhos do Pati, carregando toda a bagagem da viagem, pois voltariam do Vale por outro caminho, chegando ao Vale do Capão. Disse que em alguns momentos do caminho acreditavam que não dariam conta de tantas horas de caminhada cheias de peso, mas que por fim tudo transcorreu sem grandes percalços (...) as amigas passaram alguns dias pelo Vale, dormindo em algumas casas de apoio e acampando em algumas tocas. (...) Soa-me impressionante como o forró da casa de D. Rachel é apreciado por quase todo o mundo com que converso a respeito de sua experiência no Pati. O forró, que dura pouco mais de uma hora, costuma atrair muita gente para esta hospedaria. Os `mochileiros` e os `hippies` costumam ficar alguns dias hospedados por lá por conta do forró e `da energia da casa`, alguns deles, como o caso de Leila e suas amigas, passam alguns dias sem sair da casa, apenas `curtindo o fato de não fazer nada naquele lugar mágico, onde a vida parece fluir sem grandes dramas`. A conversa com Leila me fez lembrar de uma noite no campo em que conversava com o guia Mu Mu, de Lençóis. Numa noite de forró, compartilhando o momento de fumar um cigarro com Mu Mu , ele começou a me falar sobre suas percepções a respeito do Vale. Dizia que o Pati `tem uma energia muito forte: emanada pelas pedras, montanhas, águas e pela alegria acolhedora do povo do Vale’. (...) De tudo que Leila me contou a respeito de sua experiência no Vale, pude perceber uma conexão muito forte dela e de suas amigas com o povo do Vale, que percebendo a sua condição de viajantes errantes, as acolheram de forma calorosa. A troca de experiências e histórias de vida parece ter sido bastante importante para a viagem de Leila e suas amigas pelo Vale do Pati, refletindo um dos elementos mais valorizados pelos turistas, com quem tive a oportunidade de conversar ao longo do processo de desenvolvimento da pesquisa, em suas aventuras pelo Pati e pela Chapada Diamantina.
(Trecho do caderno de campo, Campinas, 10/11/2016)
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A tarde caíra e o morro do Castelo transformou-se em uma silhueta bonita de se olhar. Os fins de tarde no Pati são momentos de boas prozas com os Patizeiros e fazia pouco mais de uma hora que tomava café e jogava conversa fora com o casal que me hospedava quando dois turistas, bastante carregados, se aproximaram. Ele carregava uma mochila gigante e um GPS no peito. Ela, uma mochila menor e um rosto de cansada. Perguntaram se havia algum lugar para acamparem por aquela noite. Após serem apresentados ao camping, no fundo da casa, montaram sua barraca e passei a conversar com eles. O casal vinha de Campinas e conversamos um bocado sobre a cidade, falei da saudade que sentia e eles das últimas de Peixoto por Campinas, como bombeiro, e as novidades do prefeito. (...) Depois de me contarem a respeito das situações que viveram no caminho que fizeram, passaram a falar sobre o seu hábito de, em suas férias, saírem `para caminhar por aí`, conduzidos pelo aparelho de GPS e, quando ele falhava - `ele dá uns paus mesmo` - pelo instinto de Anderson, que era bombeiro e recebera treinamento militar. (...) Na cozinha o casal começou a preparar seu jantar no pequeno fogareiro movido a butano que carregavam consigo. Tiraram alguns saquinhos de comida seca e colocaram em uma panela minúscula, cujo cabo era dobrável para caber em uma mochila. Eu preparava meu jantar, arroz com lentilhas e aipim e dividia o fogão a lenha com Vinicius, morador do Pati de Baixo que preparava uma imensa macarronada com muitos ingredientes. Ele estava hospedado ali pois viajava com uma amiga de Andaraí e que estava se preparando para ser guia e com uma senhora também de Andaraí, com quem também conversei sobre as últimas do prefeito, estas muito mais interessantes do que as contadas pelo casal. (...) Quando o casal viu o que preparávamos perguntou onde poderiam comprar comidas frescas e animaram-se com o fato de que, naquela noite, poderiam acrescentar tomates, cebolas e cenouras à sua comida seca. Dirigiram-se à venda, compraram alguns ingredientes e voltaram à cozinha. (...) Depois do jantar conversei um bocado com Claudia. Ela me contou de suas últimas caminhadas pelo Brasil e falou muito sobre o Jalapão: `é diferente daqui, não tem gente morando por lá e tudo tem de ser carregado para a trilha`. Claudia estava deslumbrada com o Vale do Pati e, em determinado momento me disse: ‘Eu já andei muito por este Brasil, mas nunca estive em um lugar com uma energia tão forte como este aqui ...não sei se ela vem das pedras, da gente ou das águas, mas estar aqui é diferente de tudo o que já vivi`.
(Registro de campo, Vale do Pati, 23/05/2016)
No circuito turístico da região da Chapada Diamantina, Leila e suas
amigas são encaradas enquanto parte de um outro conjunto de pessoas que
costumam habitar a paisagem da região e do Vale do Pati, os hippies. Claudia e
seu marido, Peixoto, poderiam ser chamados de mochileiros, ou aventureiros.
Estas pessoas possuem em comum o fato de não serem moradores da
região da Chapada Diamantina e de se deslocarem ao Pati sem fazerem parte
de um grupo conduzido por um ou uma guia. Geralmente, ficam mais do que a
média de 3 a 5 dias que costumam ficar os turistas que se deslocam ao Vale
acompanhados de um guia, levam um maior volume de coisas ao Vale do que
aqueles que fazem parte dos grupos – barracas, fogareiros, comida, mochilas
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carregadas, instrumentos musicais, ferramentas, materiais para a confecção de
artesanatos, etc. – e dormem nos quartos coletivos das casas do Pati ou em
barracas, acampando no quintal - nos campings – das casas ou em tocas e
beiras de rio onde algumas pessoas costumam realizar o que se chama de
camping selvagem.
A maneira como se classificam as pessoas entre os hippies e os
aventureiros é difícil de ser descrita e as fronteiras entre essas categorias
parecem ser um tanto quanto fluidas. Grosso modo, os e as hippies são, tal como
em outros destinos turísticos, “comumente associados àquelas figuras nômades
que circulam pela América Latina vendendo os artesanatos que confeccionam
ou tocando nas ruas” (Neto, 2015, p. 117), e os e as mochileiras e aventureiras
seriam aqueles que se deslocam ao Pati sem serem acompanhados por um guia
e que não são identificados enquanto hippies, nem enquanto parte do grupo que
será apresentado na sequência, o povo da região.
Quando estive no Vale do Pati no mês de Maio de 2016 pude confirmar a
informação de que existe na região uma temporada dos hippies, que dura entre
o mês de Abril e o início do mês de Junho. Nesta época, o Vale do Pati fica cheio
de pessoas acampando nos leitos de rio e nas tocas. Nesta época, as casas dos
Patizeiros e Patizeiras que servem de hospedaria ficam mais vazias do que de
costume.
Ao longo dos meses dessa temporada dos hippies, a paisagem do Vale
encontra-se extremamente colorida por conta da florada das quaresmeiras (Fig.
11, na página seguinte), Tibouchina granulosa, que dão flores roxas - entre os
meses de Fevereiro e Abril - e dos São João, Pyrostegia ígnea, cujas flores
amarelas começam a aparecer ao longo dos últimos dias do mês de Abril e
colorem a paisagem pelo menos até o final do mês de Junho.
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Figura 11: Morro do Castelo, ao fundo, e as quaresmeiras pintando de roxo a paisagem do Vale.
Nesta visita que realizei ao Vale no mês de Maio de 2016, presenciei uma
situação de tensão entre uma moça que fazia parte de um grupo e uma
mochileira espanhola que viajava em companhia de 4 pessoas, sem guia:
O calor era forte quando chegamos ao mirante do Pati. Devia ser por volta das 14h e um grupo de 5 espanhóis descansava no mirante. Eles carregavam imensas mochilas e perguntei de onde tinham vindo...eles responderam que saíram de S. Dai, um camping que fica bastante próximo à Vila do Capão e a 6km de distância da boca da trilha que dá acesso ao Vale do Pati. (...) Outro grupo se aproximou, o guia na frente carregando uma mochila ainda maior do que a dos espanhóis e duas turistas carregando somente umas pequenas mochilas de ataque. Elas pareciam estafadas. Quando uma delas chegou, começou a esbravejar, dizendo que o caminho era árduo demais, e que não sabia se aguentaria muito mais. Uma das espanholas, ao ouvir a turista esbravejando, perguntou-a de onde haviam saído e a moça a respondeu que do Guiné. A espanhola riu e disse em um portenhol carregado: `Eh loca, caminamos desde as 5h de la manhã, com essas mochilas carregadas e você aí reclamando de três horas de caminada sin peso.` A reação da turista foi bastante interessante. Sem apresentar qualquer tipo de desconforto respondeu: `Não é porque você se esforçou muito mais, que pra mim não está sendo igualmente difícil, temos cada uma nossas limitações, boa tarde...
(Registro de Campo, Vale do Pati, 20/05/2016)
Democraticamente árduo é o caminho que conduz o visitante pelo Vale
do Pati: não importa a qual grupo este seja referenciado, nem mesmo o volume
de bagagem que este carregue consigo. A sensação de exaustão física por que
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passam os turistas é elemento que participa da jornada da grande maioria das
pessoas que se engajam pelos caminhos do Vale do Pati e a sensação de auto-
superação parece ser um elemento bastante comum à experiência dos turistas.
Este elemento será novamente abordado ao longo do quarto capítulo do
presente trabalho.
O povo da região
Figura 12: Camiseta da excursão dos professores (e alunos) do Guiné pelo Vale do Pati em 2016.
Outro grupo de pessoas que costuma frequentar o Vale do Pati é
composto por pessoas que residem na grande região da Chapada Diamantina e
periodicamente visitam o Vale a passeio em seus finais de semana, feriados e
momentos de férias para passearem, ou para reverem amigos e parentes; ou
ainda a trabalho, para oferecem algum serviço aos Patizeiros e às Patizeiras,
como a venda de animais.
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Os e as Patizeiras costumam chamar os e as turistas da região como o
povo de/do z, a letra denotando a cidade, vilarejo ou região de onde estas
pessoas vem: Guiné, Esbarrancado, Andaraí, Capão, Lençóis, Mucugê, Ibicoara,
Igatú, Seabra, Palmeiras, dentre outras.
As fotos apresentadas acima foram tomadas na visita que realizei ao Pati
no mês de Novembro de 2016. Eu havia me deslocado ao Vale para acompanhar
um grupo de turistas e hospedava-me na casa de Anderson e Beto. À noite, na
beira da fogueira que é acesa quase todas as noites na casa - ao redor da qual
quase sempre há algumas pessoas conversando, fazendo música, fumando ou
bebendo os saborosos licores que os Patizeiros costumam produzir, beber e
vender para os visitantes – Anderson me contou que meus amigos estariam por
lá no dia seguinte, pois viriam `com o Povo do Guiné, no passeio dos
professores’
Marlon e Ana, meus amigos de que falara Anderson, são dois ex-alunos
da Unicamp que se mudaram para o Guiné há cerca de quatro anos para dar
aula no Ensino Médio da Escola Estadual do vilarejo. Eu não os conheci em
Campinas, mas um grupo de amigos em comum, sabendo que eu iria mudar-me
para a região para desenvolver esta pesquisa, nos colocou em contato e nos
tornamos bastante próximos.
Acompanhado deles, me desloquei algumas vezes ao Vale. Por morarem
perto do Pati e por darem aula para muitos familiares de Patizeiros, o casal vem
cultivando o costume de passear no Vale pelo menos em um final de semana
por mês.
Visitar o Pati em sua companhia foi bastante importante para os caminhos
desta pesquisa, tanto pelas longas e calorosas conversas que dividimos a
respeito do Vale, de seus moradores e do ecoturismo que habita sua paisagem,
quanto pela possibilidade de ter um contato mais íntimo com as Patizeiras e os
Patizeiros, visto que o casal possui uma grande proximidade com alguns deles
por conta de visitarem a região periodicamente e de darem aula para seus filhos,
netos e sobrinhos e com o povo do Guiné, muitos deles parentes e compadres
dos moradores do Vale do Pati.
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As Patizeiras e os Patizeiros
Acordamos cedo, preparamos o almoço, que colocamos em uns potes dentro da mochila e pouco depois das 8h, deixamos a Prefeitura e nos dirigimos à cachoeira do Calixto. Duas horas de subida nos separavam de lá. Chegamos por volta das 10h15 da manhã, tomamos um banho e me sentei em uma pedra para tomar sol; olho para trás e vejo um rapaz fazendo tai chi chuan. Me coloco a pensar no imaginário da nova era e de sua relação com o turismo que vem se desenvolvendo na Chapada, em como o Capão tornou-se um grande centro e a morada de muita gente que vive de acordo com as ideias desse movimento. Também me coloco a pensar na importância dos alternativos do Capão e de outras cidades da Chapada nos primeiros anos da turistificação do Pati, já que eles fizeram parte dos primeiros fluxos de turistas ao Vale e, até hoje, costumam frequentar o Pati, tendo uma intimidade interessante com os Patizeiros.(...) Voltamos por volta das 15h e passo a conversar com Josimar, irmão de Marta, que ajuda nos afazeres de algumas casas de apoio. Na volta do Calixto, passamos pela casa em que ele fora criado, junto com Marta (esposa de Junior) e Edno, seu irmão mais velho que também vive de dar uma mão em algumas hospedarias. (...) Pergunto a Josimar desde quando a trilha do Calixto existia e ele me responde que ela tinha muitos e muitos anos, que era da época do café: a trilha servia como acesso do Calixto ao Vale do Capão e era utilizada por mascates, garimpeiros e cafeicultores – `o povo plantava café no pé desse morro do castelo tudo`... Na época do café, o Pati era um grande meio do caminho, ele me conta, entre Andaraí, Mucugê, o Capão e até Lençóis.(...) Perguntei a ele se eles tinham o hábito de visitar as cachoeiras antes da época do turismo e ele me responde com uma risada: `não tínhamos tempo pra isso não moço, se queríamos tomar um banho, íamos no rio aqui perto mesmo`. No Calixto mesmo, só se passava no meio da caminhada, ninguém concebia a ideia de subir uma ladeira por mais de duas horas apenas para tomar um banho...`Os primeiros turistas que chegaram aqui, contam os mais velhos, assustavam todo mundo: gritavam, pulavam, era muito engraçado.` Nos primeiros encontros, o povo tinha até medo deles, porque `pareciam uns extraterrestres por causa das roupas coloridas que vestiam e das mochilas gigantes que traziam (...) ninguém entendia por que tanta bagunça por conta de uma queda d`água`.
(Registro de Campo, Vale do Pati, 25/03/2016).
O ecoturismo e seus diversos modos de habitar a paisagem da Chapada
Diamantina vem exercendo, ao longo das últimas três décadas, uma série de
efeitos sobre a vida de seus moradores.
A historicidade por que passou o caminho entre a Prefeitura do Vale do
Pati e o Vale do Capão - passando pela encosta do morro do Castelo e pela
Cachoeira do Calixto – nos fornece alguns elementos para pensarmos o efeito
da chegada do Parque Nacional e da presença do ecoturismo sobre a economia
da região e sobre vida de seus moradores e moradoras, tema que será
novamente abordado ao longo do próximo capítulo.
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Na época do café, tal como nos conta Josimar, o caminho era utilizado
para o escoamento do excedente produtivo para fora do Vale. A encosta do
morro do Castelo, pela qual o caminho passa, era utilizada para o plantio de café.
Ao longo da trilha que conecta a prefeitura do Pati à Cachoeira do Calixto, ainda
podemos observar as ruinas de uma casa feita de troncos de árvore que era
utilizada pelos produtores de café como guarida – a casa cedeu no ano de 2015
(Fig. 13).
Figura 13: Antiga casa de madeira da época do café
O morro do Castelo carrega este nome pois fora batizado pelos e pelas
turistas a partir de sua percepção a respeito dos recortes de seu cume, que se
assemelham com as torres de um castelo. No passado cafeeiro, a montanha era
chamada de Pico das Cabras, pois lá havia um senhor que habitava, solitário, o
topo da montanha e criava caprinos.
O caminho que conecta a Cachoeira do Calixto ao Vale do Capão possui
entre 15km e 20km de extensão e dura, em média, de 4 horas e meia a 7 horas
de caminhada. No meio do caminho existe uma pequena toca de pedra que leva
o nome de toca do Gaúcho, por causa de João Gaúcho, que lá habitava em
meados do século XX e, segundo me contou Junior, `costumava garimpar por
aquelas bandas`.
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Atualmente a toca é utilizada por alguns turistas enquanto área de
acampamento. A trilha que conecta a cachoeira e o Vale do Capão, passando
pelo Gerais do Vieira ficou fechada por algumas décadas, tendo sido reaberta
na primeira metade dos anos 1990 por algumas pessoas de fora, por conta do
turismo.
O outro caminho que conecta o Vale do Capão e o Vale do Pati também
nos fornece alguns elementos para pensarmos o efeito da presença do Parque
Nacional e do ecoturismo sobre a economia, sobre a paisagem da região e sobre
a vida dos seus moradores.
Tomando este caminho em direção ao Vale do Pati, o turista, antes de
deixar os Gerais do Vieira e subir a ladeira do quebra bunda - que dá acesso ao
Gerais do Rio Preto - costuma realizar um pequeno desvio de percurso para
refeição e banho no poço que localiza-se no rancho dos vaqueiros – antigo
rancho utilizado pelos criadores de gado. O rancho também é utilizado por alguns
turistas enquanto ponto de acampamento.
A criação de gado nos campos Gerais, que atualmente são parte do
PNCD, foi atividade importante para a economia e para a vida dos moradores da
região até pelo menos os anos 2000, quando o então diretor do Parque barrou a
entrada de 14.000 cabeças de gado no interior do PNCD e passou a utilizar as
ferramentas de que dispunha para coibir o uso dos Gerais para pasto.
Estas regiões, por serem planas, eram aquelas utilizadas para a criação
de seus animais. A proibição da criação de gado, contou a motorista e também
guia Fatima, na ocasião de nossa viagem para o Guiné, descrita na introdução
deste trabalho, veio com o aumento do volume de turistas na região: os animais
eram criados soltos, provocando a degradação das trilhas e muitas vezes, por
andarem em bando, corriam atrás dos e das turistas causando uma série de
riscos e desconfortos às pessoas que caminhavam pela região.20
20 O Vale do Capão, findo o ciclo do café, também se especializou na criação de bovinos. Os Gerais do Morrão, por onde o turista caminha até chegar à Toca das Águas Claras e ao Morro do Pai Inácio, também eram utilizados para pasto até os anos 2000. O altiplano localizado próximo à Cachoeira da Fumaça, atrativo turístico mais visitado do Vale do Capão também era bastante utilizado para a criação de gado, o que gerava desconforto, segundo o guia André, aos turistas que iam à Fumaça, até pelo menos meados dos anos 2000.
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Além disto, os criadores de gado costumavam provocar incêndios nos
Gerais para que uma vegetação mais nova aparecesse e seu gado pudesse ter
o que pastar, gerando uma série de impactos ambientais na região que iam
contra a noção de equilíbrio ecológico pregada pelos analistas do Parque.
O efeito da presença e da ação do PNCD na região foi, segundo nos conta
o Patizeiro Zé Preto, em entrevista concedida a um turista, disponibilizada no
canal youtube21, sentido pelos moradores e moradoras do Vale do Pati,
provocando, pouco a pouco, o abandono das atividades econômicas a que
vinham se dedicando para dedicarem-se à acolhida dos turistas:
Depois do café, não tinha esse negócio de ser parque né?!...Então a gente plantava, roçava, derrubava a mata, plantava feijão mandioca milho, batata. ... Pra poder tirar as coisas pra vender a gente tinha uns 7,8 animal e levava para Andaraí pra vender no fim de semana pra fazer as compras e a gente levava a vida assim .... Depois, de 25 anos pra cá teve o negócio do parque e ai ficou meio difícil pra gente trabalhar então o pessoal foi saindo e as roças foi acabando e os que ficou aqui mesmo começou a trabalhar com turismo e tá aí inté hoje ... (Zé Preto, s/d)
As restrições colocadas pelo PNCD, mesmo que de maneira não
impositiva (GUANAES, 2006) - visto que não houve no Pati nenhum caso de
ação especifica do IBAMA e do ICMBio e nenhum de seus moradores sofrera
nenhuma sanção nem recebera, até hoje, nenhuma multa do órgão responsável
pela gestão do Parque -, foram lentamente, por meio do improviso e de pequenas
transgressões, sendo adotadas pelos Patizeiros, causando efeitos sobre a
maneira como habitam a paisagem do Vale.
Ao impedir o porte de armas de fogo e a criação de animais domésticos,
que serviam de companheiros de caçada, o Parque logrou, até certo ponto, coibir
a caça, atividade que costumava levar os Patizeiros a caminharem pelas
montanhas do Vale em busca de mocós, tatus e veados. A pele dos veados era
utilizada pelos praticantes do jarê22 para encourarem os tambores que ritmavam
os rituais conduzidos pelos raizeiros e que costumavam ser realizados no Vale
até alguns anos atrás. Ao proibir o corte dos cipós, o Parque acabou
21 Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=Qx970AOygCQ>. Acesso em 22/01/2017. 22 O antropólogo Ronaldo S. Senna (1998) dedicou uma boa parte de sua carreira ao estudo do jarê e poderá ser consultado para maiores informações desta variante do candomblé, típica da região da Chapada Diamantina.
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desincentivando a criação de animais pelos moradores do Vale do Pati, já que,
tal como nos descreve Guanaes (2006) os animais, criados soltos, enroscam-se
nos cipós e acabam morrendo presos.
Estas e outras imposições do Parque foram, segundo Zé Preto, com o
qual concordam outros moradores e moradoras do Pati, tornando o exercício de
outras atividades que não a acolhida dos e das turistas cada vez mais difícil, e o
Vale foi se esvaziando.
Com o esvaziamento do Vale, a abertura e cultivo das roças itinerantes23,
uma das atividades mais importantes a seus moradores desde a época da
erradicação do café, segundo Senilde Guanaes (2006), foi se tornando tarefa
cada vez mais difícil. Atualmente não mais se cultivam estes roçados no Vale.
Este fator, somado ao fechamento das escolas do Vale, em meados dos
anos 2000, contribuiu para a construção de um cenário bastante diferente aos
jovens do que aquele vivido por seus pares algumas décadas atrás. Se outrora
a iniciação dos jovens no trabalho da roça, tal como conta Junior, se dava por
volta dos seis anos de idade, atualmente estes jovens costumam se mudar do
Vale para passarem por seu ciclo escolar. A relação destes jovens com `o cabo
da enxada` e, consequentemente, com a paisagem do Vale é bastante distinta
daquela vivida pela geração de seus pais.
Mesmo com estas imposições e a necessidade de afastaram-se de suas
crianças e adolescentes, a expressiva maioria dos Patizeiros, que ainda vive no
Vale, costuma referir-se às últimas décadas enquanto uma benção que
aconteceu em suas vidas. Eles e elas costumam comparar as agruras por que
passaram ao longo dos anos 1970, 1980 e 1990 ao tempo presente, afirmando
que hoje seu trabalho é recompensado e que, por conta do turismo, podem gozar
de uma certa segurança.
23 As roças itinerantes foram bastante importantes para a população que permaneceu no Vale do Pati findo o ciclo do Café. Senilde Guanaes (2006) oferece a seu leitor uma apresentação deste sistema de cultivo que era utilizado pelos moradores e moradoras do Vale, os quais costumavam derrubar áreas de mata, queimar o terreno e plantar aipim, milho, banana, café, laranja, etc, nestes terrenos. A chegada do Parque, com suas restrições, o esvaziamento do Vale e a sua turistificação contribuíram para o abandono desta atividade.
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Desde a chegada do turismo, até meados dos anos 2000, os Patizeiros
viram-se na necessidade de conciliar o trabalho nas roças com a recepção de
turistas. Com suas tropas de burros, animais que até hoje participam bastante
de suas vidas, dirigiam-se periodicamente às cidades do entrono do Vale,
principalmente Andaraí, para venderem o excedente de sua produção de aipim,
café e outras frutas e levantarem algum dinheiro.
As duas últimas décadas parecem ter trazido um volume cada vez maior
de turistas ao Pati, o que fez com que a grande maioria dos Patizeiros que por
lá vivem atualmente passassem a entregar o seu tempo cada vez mais à
recepção destes e destas turistas.
Assim como observado por Ferreira (2004) no contexto da comunidade
de Aventureiro, na Ilha Grande, no RJ todo este processo de ressignificação da
rotina e do espaço do Pati por conta da turistificação do Vale foi conduzido pelos
Patizeiros de maneira improvisada, trazendo consigo um processo de
reorganização tanto de suas casas, que puderam ser reformadas por conta do
dinheiro deixado no Vale pelos e pelas turistas e adaptadas para melhor recebe-
los, quanto da maneira como se apropriam da paisagem do Vale e da região,
visto que o abandono da caça, das roças e da necessidade de vender o
excedente produtivo nas feiras das cidades próximas levou-os a ressignificar a
sua relação com seu território e a reorientarem os caminhos que costumavam
percorrer.
A história por que passou a casa e a família de D. Paula nos permite
vislumbrar melhor esta situação: até o fim dos anos 1980 a matriarca lá vivia
juntamente com seu esposo, que teve de deixar o Vale por conta de problemas
de saúde, e seus 13 filhos em uma casa de quatro cômodos.
Toda a família dependia do trabalho nas roças, compartilhado com alguns
compadres, para sobreviver: Com o aipim, produziam uma série de produtos
como farinha, polvilho, puba etc; com o milho, faziam farinha, pamonha e outros
derivados; a família também possuía uma criação de porcos, a qual demandava
um trabalho imenso, segundo seu filho Pedro; o marido de D. Paula tentou ainda
extrair ouro do subsolo dos arredores da casa, mas a tarefa não mostrou-se
interessante e foi abandonada.
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O excedente desta produção era levado pela família em tropas de animais
– burros e mulas - para Andaraí. D. Paula conta que quando as coisas estavam
difíceis, ela costumava pegar um cesto grande e encher de café e laranja, colocar
em suas costas e engajar-se em mais de 6 horas de caminhada até Andaraí para
lá vender estes produtos e retornar à casa com algum outro alimento para dividir
com sua família.
Junior, filho de D. Paula, costuma contar este momento de suas vidas
como um momento duro, mas que muito lhe ensinou. Em meados dos anos
1990, ele decidiu tentar a vida em Andaraí e trabalhar no garimpo de dragas,
lavando cascalho. Como o trabalho era muito mal remunerado, Junior decidiu
que voltaria ao Vale do Pati e começaria a investir seu tempo e seu trabalho
preparando-se para receber os turistas que `pipocavam cada vez mais` por lá e
a perspectiva parecia boa.
Com o passar do tempo e com o volume de turistas crescendo, D. Paula
pôde reformar sua casa para melhor acolher os turistas. Atualmente, a casa de
D. Paula é, sem contar a igrejinha, que serve de pouso à grande maioria dos
grupos em pelo menos uma noite de passeio, a mais utilizada pelos turistas
enquanto local de hospedagem. Seu filho, Junior, possui uma outra hospedaria
a alguns quilômetros de distância, na casa em que habita com sua família.
Causos e histórias dos tempos idos, como estes apresentados alguns
parágrafos acima, são atualmente compartilhados com os turistas em momentos
de refeição, do cafezinho - sempre quente, servido com prazer a todos e muitas
vezes produzidos no quintal das casas – e de prosa ao pé da fogueira ou do
fogão a lenha das casas que servem como hospedarias.
Em boa parte destas conversas, o tema gira em torno da dureza vivida
nos tempos entre o ciclo do café e o ciclo do turismo: `A vida aqui é dura e sem
grandes luxos, gurerreiro !...só ficou no Pati quem é forte e ama o Vale mesmo
!`, costuma dizer Pedro numa percepção de um elemento contrastante que é
extremamente valorizada pelos turistas que visitam o Vale do Pati, a simplicidade
da vida de seus moradores, questão a que retornaremos ao longo do último
capítulo deste trabalho.
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Essa valorização da simplicidade e da rusticidade pelos ecoturistas que
se deslocam ao Vale do Pati, trouxe consigo um estado de positivação da
memória social dos Patizieros. Se o tempo passado era um tempo de trabalho
árduo e de poucos confortos materiais, estes elementos são hoje extremamente
valorizados pelos que vem de fora e o ato de narrá-los participa cotidianamente
da vida das pessoas que habitam a paisagem do Vale.
O olhar dos e das turistas para com a memória social dos Patizeiros e a
maneira como estes valorizam a paisagem do Vale e o modo de vida a ela
associado, geram, efeitos não somente sobre a maneira como os Patizeiros
experimentam e percebem sua memória, como também a maneira como
organizam seu cotidiano e relacionam-se com a paisagem em que residem.
Um trecho da entrevista concedida por Roy Funch à Verusa Pinho (2015),
nos ajuda a compreender um pouco melhor esta questão. Nele, Roy afirma que
quando chegou à Chapada Diamantina, ao fim da década de 1970, “a natureza
não era prazerosa [e] as pessoas não tinham o hábito de contemplá-la ”. A
natureza era associada, segundo sua percepção e a apresentada por Josimar
no treco do caderno de campo apresentado na abertura dessa sessão, ao
trabalho e as pessoas pouco compreendiam a euforia dos forasteiros em
estarem em uma montanha ou em uma imponente queda d`água.
Atualmente, no Pati, as coisas já são um tanto quanto diferentes daquelas
descritas por pelo biólogo Roy Funch quando de sua chegada na região. D.
Paula, por exemplo costuma dizer que a montanha avistada da varanda de sua
casa é sua televisão e que tem prazer só de sentar e contemplá-la. Além disso,
uma parcela dos Patizeiros mais jovens vem se interessando cada vez mais pela
prática do turismo.
Certo dia do mês de Maio, cruzei com Rodolfo, filho de D. Paula, na Vila
do Capão, que me contou que estava no Vale para fazer uma caminhada de
cinco dias acampando pela Fumaça por Baixo, pois desejava conhecer a
paisagem e as belas cachoeiras que o povo costumava descrever. Seu irmão
vive contando seus planos de largar tudo por uns meses e conhecer o mar, um
de seus grandes sonhos.
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Por conta da chegada do PNCD e do ecoturismo na região, a relação dos
Patizeiros para com a paisagem do Vale vem se transformando em uma relação
cada vez menos atrelada aos valores utilitários associados ao trabalho e cada
vez mais investida de valores e atributos estéticos e contemplativos. Mesmo
assim, talvez pela falta de tempo por conta de sua rotina atrelada ao trabalho
para com os turistas, os Patizeiros e as Patizeiros pouco tempo dispendem para
disfrutar de momentos de lazer nos atrativos visitados pelos e pelas turistas.
Esta declaração de Roy Funch evoca uma conversa que levei com a
turista Claudia, uma produtora cultural de Brasília, acompanhado da qual realizei
o caminho de saída do Pati em direção à Guine no mês de Abril do ano de 2016.
Claudia estava retornando de sua primeira visita ao Vale, depois de ter passado
4 dias viajando em companhia de alguns colegas e parecia ainda embasbacada
com as belezas cênicas do Pati e com a receptividade do povo do Vale.
Quando falava sobre o Pati, ela frequentemente caracterizava o Vale
enquanto um paraíso. Em um determinado momento, parou para pensar a
respeito dessa sua percepção e de seu lugar de fala e contemporizou: `Paraíso
para a gente né? Porque para eles (...) o Paraíso é trabalho! A gente é que tem
tempo de usufruir dele. `
Ao longo dos próximos capítulos deste trabalho iremos procurar
apresentar alguns caminhos da história que contribuíram para que, ao redor do
mundo e no contexto específico da Chapada Diamantina, cada vez mais lugares
como o Vale do Pati passassem a ser encarados enquanto paraísos, levando a
sua população a dedicarem suas vidas e seu trabalho à recepção dos viajantes,
os quais deslocam-se a estas regiões em busca de um “reencontro com a
natureza”(Fig. 14, na próxima página), o qual, pelo contraste, poderia lhes
proporcionar uma série de alívios e aprendizagens.
Nas páginas que compõe o capítulo seguinte, apresentarei ao leitor uma
leitura do períodos e episódios da história da ocupação humana da grande região
da Chapada Diamantina, importantes para se compreender os processos locais
contemporâneos. Ao longo deste caminho, iremos também explorar algumas
questões relativas ao processo de criação e de ação do PNCD na região,
ressaltando a sua importância para o processo de turistificação da região.
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Figura 14: Cartaz de uma agência de turismo divulgando um passeio ao Pati.24
24Disponível em:<http://bahiatrekking.weebly.com/carnaval-2017.html>. Acesso em: 22/01/2017.
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Capítulo 2:
Alguns caminhos da história da região da Chapada Diamantina
A grande região da Chapada Diamantina passou, ao longo dos últimos
quase dois séculos, por alguns ciclos econômicos bastante marcantes, os quais
ainda se fazem presentes em sua paisagem e são frequentemente mobilizados
e recontados pelas pessoas que participam do circuito turístico da região.
É na apresentação de episódios importantes dos caminhos da história da
região, desde o período colonial – de intensa exploração diamantífera – até o
tempo presente, que nos dedicaremos neste capítulo, ao longo do qual será
enfatizado, sempre que possível, o papel ocupado pelo Vale do Pati ao longo
dos momentos da história da região que será contada. Neste caminho,
apresentaremos, também, uma leitura da história de criação do PNCD e de seu
histórico de atuação na região, procurando perceber quais foram e são seus
efeitos no desenvolvimento turístico da região.
Os primeiros tempos da empreitada colonial: a exploração aurífera e o
rush dos diamantes
As pinturas rupestres e sítios arqueológicos encontrados na grande
Chapada Diamantina evidenciam que há milhares de anos a região vem sendo
habitada e visitada por distintos grupos humanos.
A grande região da Chapada Diamantina viria a ser oficialmente
descoberta e colonizada pelos bandeirantes paulistas ainda no século XVI, que
dominariam a população indígena que lá habitava, mais especificamente os
Paiaiás e os Maracás (PINA, 2000).
Ao longo do século XVI, algumas fazendas de gado seriam estabelecidas
nas cabeceiras dos rios da região, “fruto das trilhas deixadas pelo gado no
processo de expansão da pecuária para as barrancas do Rio São Francisco e
70
alto sertão da Bahia” (MARTINS, 2013, p.24). No século XVII, suas terras já se
encontravam todas distribuídas em sesmarias, mas ainda eram pouco
exploradas e esparsamente habitadas.
O primeiro fluxo migratório vivido pela grande Chapada Diamantina deu-
se entre o século XVII e XVIII, com a descoberta e exploração de ouro de aluvião
em seu subsolo, atraindo à região um considerável número de pessoas oriundas
dos Estados da Bahia, Pernambuco, Minas Gerais e São Paulo (SANTOS,
2006).
Nesta época, as atuais cidades de Jacobina – ao Norte – e Rio de Contas
– ao Sul da grande região da Chapada - foram estabelecidas e atuavam
enquanto centros organizadores da produção aurífera que se desenvolvia,
dinamizando o comércio e a economia do interior baiano e da região,
estimulando a criação de gado e o surgimento de lavouras no Vale do São
Francisco para o abastecimento da região das minas.
O ouro seria explorado intensamente por quase cem anos, tendo inclusive
sido criadas duas casas de fundição na região, uma em cada uma das cidades
supracitadas. Sua exploração também estimulou a abertura de caminhos, como
a Estrada Real, que cortava a Chapada Diamantina no eixo Norte-Sul e ligava-a
ao Norte de Minas Gerais.
No ano de 1800 o ouro de aluvião já escasseava e a empreitada, pouco
rentável, foi paulatinamente diminuindo de intensidade e de importância,
regredindo a força que estas duas cidades exerciam sobre a vida e a economia
do interior do Estado da Bahia.
A despeito da existência de relatos da descoberta de diamantes ainda no
século XVIII (LEAL, 1978), a empreitada diamantífera se deu apenas no século
XIX, depois da descoberta oficial de diamantes na chapada lavrista, na região do
ribeirão de Mucugê, no ano de 1842.
Esta descoberta viria a provocar um verdadeiro rush – uma corrida
desenfreada em busca de riquezas – na região, rapidamente transformando-a
em um importante centro econômico encravado no sertão baiano.
71
O ciclo do Diamante, apesar de relativamente curto – seu auge durou
entre 1844 e 1871 - trouxe um volume consideravelmente grande de pessoas,
dos quatro cantos do mundo à região, estabelecendo uma cultura bastante
cosmopolita, principalmente nas cidades de Lençóis e Mucugê.
Os exploradores vinham principalmente do Norte de Minas Gerais, do
Recôncavo Baiano, da capital Salvador, do Rio de Janeiro e de tantos outros
lugares em busca do bamburro25; os comerciantes da Inglaterra, da Holanda e
da França; e houve um período em que se deu a tentativa, frustrada, de uso de
mão de obra importada da Alemanha nas lavras da cidade de Lençóis
(MARTINS, 2013).
A corrida do diamante foi responsável, também, pelo estímulo à formação
de povoados, fazendas, sítios, roças e rotas de comércio pela região,
movimentando e dinamizando ainda mais a economia e a vida do sertão baiano.
Foi nesta época que as cidades que circundam a área onde está
implementado o Parque Nacional foram oficialmente ocupadas e reconhecidas
enquanto Vilas, alguns anos mais tarde: “em 1847, a Vila de Santa Izabel do
Paraguaçu (hoje Mucugê); em 1856, a Comercial Vila dos Lençóis (hoje
Lençóis); 1884, a Vila de Andaraí (atual Andaraí) e, em 1890, a Vila Bela das
Palmeiras (agora Palmeiras).”.
O historiador Carlos de Almeida Toledo (2008) nos informa, em sua tese
de doutorado, como a ocupação oficial, que se deu com o estabelecimento
destas Vilas, foi responsável por organizar a vida nestas cidades, favorecendo
os coronéis e donos de sesmarias em detrimento dos primeiros aventureiros,
homens livres que chegaram à região em busca do enriquecimento pela
exploração dos diamantes e que já vinham explorando-os de maneira
independente, sem a anuência do poder colonial.
Inicialmente, a Vila de Santa Izabel do Paraguaçu figurava enquanto o
grande centro comercial e extrativista da região da chapada lavrista. Com o
passar do tempo, a região ocupada pela atual cidade de Lençóis, por conta de
25 Bamburro é a expressão utilizada na região para significar a situação em que os garimpos estão dando diamantes, em que se chega a seus veios ou em que um sujeito enriquece rapidamente a partir de uma boa descoberta de diamantes.
72
sua localização geográfica e do encontro de jazidas diamantíferas igualmente
rentáveis àquelas encontradas na atual Mucugê, foi tomando o lugar de capital
das lavras, sendo reconhecida como Vila independente de Santa Izabel do
Paraguaçu pouco mais de uma década depois.
A imponência dos casarios coloniais destas cidades nos permitem
imaginar o volume de dinheiro que deve ter circulado por estas terras neste
período de intensa exploração diamantífera. De acordo com o recenseamento
realizado no ano de 1872, a região das lavras possuía 42.014 habitantes, cerca
de 30% da população da capital do Estado (MARTINS, 2013).
Cabe informar ao leitor que a população era contabilizada apenas
considerando os libertos, desconsiderando a população escrava que foi “a força
motriz que fazia girar toda aquela engrenagem” (Martins, 2013, p. 63). Os
escravos eram os maiores responsáveis pelo trabalho extrativista (TOLEDO,
2008) e sua mão de obra também era utilizada na construção de grandes obras
importantes à atividade garimpeira, como o desvio de cursos de rios, a
construção de aquedutos, pontes e grandes muros de pedra que ainda podemos
observar quando caminhamos pela grande região da Chapada.
Esta entrada maciça de capital e de gente na região, foi incentivando a
formação de “um ativo comércio, sustentado por redes de abastecimento que
ligou aquela região ao litoral, aos sertões da província da Bahia, às províncias
vizinhas” (MARTINS, 2013).
Com o tempo, a região começou a servir, também, de importante
entreposto comercial entre o litoral da Bahia e o Norte de Minas Gerais. Datam
dos fins do século XIX o estabelecimento de vilarejos e a abertura de várias
estradas, como a estrada Velha do Garimpo que liga Lençóis a Andaraí, trilhas
e caminhos, algumas delas utilizadas até hoje pela indústria do turismo.
Segundo contam seus moradores mais antigos, o Vale do Capão foi
ocupado ainda na época do garimpo. Para Edson Vilar Oliveira, professor da
Universidade do Estado da Bahia (UNEB), a ocupação humana no Capão:
Data do ano de 1839 (...) Suas terras férteis e a abundância de águas correntes vindas de rios que se formam no alto das serras proporcionaram o local desejado para a fixação de uma comunidade que, inicialmente se
73
dedicava unicamente ao extrativismo. Esses primeiros povoadores passaram a dividir seu tempo entre os afazeres do garimpo e a produção agrícola de subsistência e para fornecimento a outros garimpos onde, pela natureza do solo, era impraticável a agricultura. Semanalmente, tropas de asininos e muares subiam e desciam serras levando os excedentes da produção para serem comercializados em outros povoados e vilas. (Oliveira, 2001, p. 18).
Não pude encontrar registros que dariam conta de atestar a presença de
aglomerações humanas no Vale do Pati, quando da época diamantífera. Seu
subsolo, pobre em diamantes, carrega uma quantidade de ouro que nunca foi
efetivamente explorada em escala considerável, por conta da dificuldade de
extração do metal, profundo demais e presente de menos, segundo os Patizeiros
e as Patizeiras.
Acreditava ser bastante plausível supor que o Vale do Pati tenha sido
ocupado na época diamantífera. Conforme a Figura 2, apresentada na página
27, evidencia, o Vale localiza-se em um meio de caminho entre as cidades de
Andaraí, Mucugê, Palmeiras e Lençóis. Esta hipótese é aventada por Roy Funch
(1999), que descreve a região do Vale do Pati enquanto um importante centro
de produção de alimentos e entreposto comercial quando da época do garimpo.
A ausência de outros estudos que confirmem esta hipótese, somado à
versão da história contada pela memória dos Patizeiros, que defendem a ideia
de que a região do Vale do Pati foi descoberta e ocupada por pessoas vindas do
atual Vale do Capão no último ano do século XIX, por conta da grande seca que
assolava a região, nos fazem deixar essa suposição de lado.
Outra seca, vivida pela região três décadas antes daquela que motivou a
ocupação do Vale do Pati, a grande seca de 1868, viria a colaborar com a crise
que o fim da década de 1860 e o início da década subsequente traria ao setor
diamantífero da região. A pouca disponibilidade de água dificultava a lavagem
do cascalho, importante fase do processo de garimpo dos diamantes.
Este fator, somado ao desgaste das jazidas da região e ao cenário
internacional desfavorável, por conta da queda do preço internacional do
diamante decorrente da descoberta de grandes jazidas na África do Sul
(MARTINS, 2012), contribuiu para que a economia diamantífera apresentasse
sinais de fraqueza ao longo da década de 1870, fazendo com que alguns
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produtores e investidores deixassem a Chapada Diamantina e investissem seu
capital em outras localidades, como no Sul do Estado da Bahia, na rentável
indústria do cacau que lá se desenvolvia (SAMPAIO, 2009).
Pouco tempo depois, contudo, a segunda revolução industrial, aliada a
uma descoberta tecnológica do engenheiro francês Rodolphe Leschaut, em
1863, iria provocar um novo estímulo à indústria extrativista da região. Foi a partir
do carbonado extraído na Chapada lavrista que uma série de procedimentos
industrias de perfuração e usinagem seriam inventados e popularizados mundo
afora.
Afrânio Peixoto, comerciante de diamantes em Lençóis, que se tornaria
médico e escritor membro da Academia Brasileira de Letras, chegou a escrever
sobre a importância do carbonado da Chapada Diamantina:
Não é encantador pensar que minha terrinha humilde do sertão da Bahia é quem permite a Nova Iorque, ou a Londres, ou a Paris, as suas cidades subterrâneas, por onde passam os metropolitanos, e a água, servida ou potável, que são a vida dessas capitais do mundo? Para o escavar na rocha a transpor, e logo perfurada, foi preciso um carbonato de Lençóis. Lençóis concorre assim, poderosa e eficientemente, para a civilização orgulhosa do mundo, que o esquece... (Afrânio Peixoto, apud. Santos, 2006, p. 62)
A broca à base de carbonado inventada por Leschaut seria extensamente
utilizada nas indústrias extrativistas, como a petrolífera, a do ferro, a do aço, etc.
e na construção civil do fim do século XIX e da primeira metade do século XX.
Foi com o carbonado extraído na Chapada Diamantina que se realizaram as
perfurações necessárias à construção do Canal de Suez (1869) e do Canal do
Panamá (1905) e dos metrôs de Paris (1900) e Berlim (1902) (HEROLD; RINES,
2011).
O carbonado é uma pedra fosca, negra e porosa composta
exclusivamente de carbono. Sua dureza é ainda maior do que a dos diamantes
translúcidos. A Serra do Espinhaço é uma das únicas regiões do mundo que
apresenta este mineral em seu subsolo e “na Chapada Diamantina, encontram-
se os mais importantes depósitos contendo carbonados de todo mundo.”
(Chaves; Brandão, 2004, p. 34).
75
Os carbonados já eram conhecidos e lavrados desde a década de 1840
na região (CHAVES; BRANDÃO, 2004), mas não possuindo valor comercial,
eram posteriormente descartados. Com a difusão de seu uso em equipamentos
industriais, o carbonado passou a constituir-se enquanto importante fonte de
renda para a Chapada lavrista e sua extração viria devolver o dinamismo à
economia da região. A descoberta de materiais sintéticos, ao longo do século
XX, que seriam utilizados pela indústria, iria colaborar para a diminuição
progressiva da importância da exportação de carbonado para a economia
baiana, colaborando para o esvaziamento da região.
O garimpo artesanal de diamantes na região, – tantos os translúcidos,
quanto os negros - mesmo tendo se tornado, com o passar do tempo, tarefa cada
vez mais onerosa e menos rentável nunca foi completamente abandonada pelas
pessoas da Chapada Diamantina. O uso de maquinário para o garimpo foi
introduzido na região nos idos de 1926, numa empreitada pouco rentável.
(GANEM; VIANA, 2006)
Ao longo da segunda metade do século XX, diversas empreitadas como
esta viriam a ser desenvolvidas. O garimpo mecanizado viria a ser coibido pela
União e pelo governo Estadual em 1996 (BRASIL, 2007). Atualmente funcionam
na região da Chapada lavrista alguns garimpos mecanizados que atuam de
maneira legal, em conformidade com as regulamentações exigidas pelas
agências ambientais.
A expansão agrícola: o ciclo do café
A partir do ano de 1870, algumas cidades e regiões serranas da grande
Chapada Diamantina iriam beneficiar-se da relativa fertilidade de seus solos, de
abundância de águas da região e do capital acumulado por conta do garimpo
para especializarem-se no cultivo da fruta, utilizada para a produção da popular
bebida.
Ao longo das primeiras décadas do século XX tanto o Vale do Capão,
quanto o Vale do Pati, tornaram-se centros de produção de café, que era, à
época, considerado como o mais delicioso do Estado da Bahia
(GUANAES,2006).
76
No Pati, o café era produzido, torrado e moído em uma das sete rodas
d`água26 (Fig. 15) que lá existiam. Estima-se que, nesta época, no Vale do Pati
habitavam cerca de duas mil pessoas, cuja vida, à qual temos acesso a partir da
memória de alguns Patizeiros, parece ter sido bastante agitada no período. Há
relatos de que ali existia até um social club em que bailes ocorriam com certa
periodicidade.
Figura 15: Roda d`água exposta na parede de uma das casas do Vale
Segundo contam os moradores do Vale do Pati, os senhores donos de
terra não habitavam o Vale e pouco passavam por lá. Sua população era
composta de produtores independentes, minoritariamente, e colonos que
produziam e processavam a fruta e dividiam seus ganhos com os donos da terra.
Conta-se que havia algumas pessoas que se dedicavam a outras tarefas, como
à criação de cabras, a caça e a produção de alimentos – milho, arroz, mandioca
- para serem trocados.
26 Estas rodas d`água, atualmente, encontram-se expostas nas paredes das casas de alguns Patizeiros, servindo de referência para a memória cafeicultora do Vale e trazendo à tona conversas e histórias sobre aquele tempo passado.
77
Dinamizador da economia da região, o ciclo do café teria vida curta, pois
a crise vivida pelo setor no âmbito nacional, nos últimos anos da primeira metade
do século XX, fizeram a União propor o plano de erradicação do café
(PANAGIDES, 1969), indenizando os proprietários que, em contrapartida,
abandonaram definitivamente a produção da fruta nos dois Vales. Muitos
proprietários, mesmo indenizados não arcaram com seus compromissos frente
ao Banco do Brasil (BB) e boa parte das terras do Pati foi transferida ao BB,
tendo sido requeridas recentemente pelo Parque Nacional.27
Com o fim da cultura do café e frente à poucas alternativas econômicas,
grande parte da população dos dois Vales, em um destino parecido com o dos
habitantes das outras cidades da região, viu-se impelida a deixar a Chapada
Diamantina em direção às capitais do pais, principalmente São Paulo, em busca
de melhores oportunidades.
As pessoas que optaram por permanecer no Pati, compraram as terras
onde suas casas estavam localizadas e passaram a depender da agricultura
para garantirem sua existência. Para tanto, mantinham um roçado nas cercanias
de sua casa, onde plantavam banana, mandioca, café, hortaliças, cabaças,
criavam animais e também trabalhavam nas lavouras itinerantes: grandes áreas
que hoje são vistas pela gestão do Parque enquanto terras devolutas eram
cultivadas a partir de mutirões, onde os Patizeiros plantavam, fazendo uso da
técnica do pousio28, arroz e leguminosas, basicamente (GUANAES, 2006).
Como complemento à renda familiar, os homens jovens iam, à época das
chuvas, entre Dezembro e Abril, trabalhar nas cidades vizinhas, oferecendo
serviços de mão de obra não especializada, trabalhando como jardineiros e
pedreiros, por exemplo.
Os Patizeiros eram, à época, denominados nas cidades de seu entorno
como os `comedores de godó`, um picado de banana verde29. Este termo
27 Guanaes (2006), em sua tese, debruça-se sobre o uso que o povo do Vale do Pati fez de algumas dessas terras do Banco do Brasil. Encaradas enquanto devolutas pelo ICMBio, elas exerciam importante função quando da época do plantio para subsistência no Vale, servindo de espaço para as lavouras familiares coletivas empreendidas pelos Patizeiros. 28 Técnica de cultivo itinerante que se baseia na derrubada, queima controlada e plantio. 29 O godó é tido atualmente como um prato típico da região. Uns dizem que tem sua origem na época do garimpo e outros que foi um prato inventando no Vale do Pati.
78
carregava consigo o olhar da região sobre seu estado de pobreza, vivenciado ao
longo de pelo menos três décadas. A turistificação do Pati viria, entretanto,
lentamente transformar essa situação nos últimos trinta anos.
O café deixou poucos vestígios materiais nos dois Vales. Depois de muito
me questionar por que os casarios e edificações deste período não são
encontrados nos Vales atualmente, passei a seguir a hipótese de Pedro, que
acredita que isto se deva à técnica de construção utilizada à época - a taipa de
pilão, ou pau-a-pique - que exige “que tenha fumaça correndo nas paredes”,
segundo Jailson, se não, a casa passa a exigir reparos, sem os quais as ruínas
vão paulatinamente sendo incorporadas pela mata, não deixando grandes
memórias materiais.
As primeiras décadas da segunda metade do século XX: o pioneirismo de
Lençóis
O fim da cultura do café, a pouca rentabilidade da empreitada garimpeira
e a ausência quase que total de alternativas econômicas viriam a colaborar com
o esvaziamento da Chapada Diamantina ao longo da segunda metade do século
XX. A falta de perspectiva fazia-se sentir nas cidades da Chapada Diamantina.
A região, acostumada desde a sua ocupação colonial com um intenso fluxo de
pessoas e de capital, encontrava-se empobrecida e esvaziada.
Neste cenário, destaca-se o pioneirismo de um membro do poder público
da cidade de Lençóis e de alguns de seus habitantes, no empreendimento de
esforços para transformar a cidade em um polo de atração turística, fato que teria
efeito sobre toda a região.
O prefeito da cidade de Lençóis, Olímpio Barbosa Filho, depois de
malogradas tentativas de fomento à agricultura como saída para a crise vivida
no município, criou o Conselho Municipal de Turismo de Lençóis (CMTL), no ano
de 1961, em uma estratégia pioneira de inserção do debate a respeito da
vocação turística da região na vida pública da cidade (BRITO, 2004).
Olímpio também teria sido o responsável pela inscrição da cidade no
Programa Aliança Para o Progresso¸ do governo do EUA, para a recepção de
79
jovens voluntários da Peace Corps, Corpos da Paz30 - associação juvenil de
apoio internacional - que pudessem colaborar com a superação da situação
vivida município. A presença de três membros desta associação, em momentos
distintos da história da cidade, iria afetar seus caminhos de maneira bastante
marcante.
O primeiro voluntário a chegar em Lençóis foi o sociólogo David
Blackburn, que “voltou o seu trabalho para o desenvolvimento da comunidade,
sobretudo nas áreas de saúde, educação e no apoio à atividades econômicas
alternativas.” (Guanaes, 2006, p. 95).
David é apontado como a primeira pessoa a aventar a possibilidade de
criação de um Parque Nacional na região. Ferrenho defensor do
desenvolvimento da vocação turística da cidade como alternativa à estagnação
econômica, David mudou-se de Lençóis depois de um ano e foi substituído por
Steve Horman, que também acreditava que o turismo poderia ser uma alternativa
ao pouco dinamismo da economia da cidade e da região.
Steve chegaria a Lençóis em 1970, preocupando-se em unir sua
população em busca de soluções criativas para os problemas que enfrentavam
em sua cidade como a limpeza das vias públicas, a conservação de seu casario
colonial, questões econômicas e de saúde pública, etc.
O Movimento Criatividade Comunitária (MCC), coletivo organizado por
Steve, seria bem recebido pela população da cidade, formando-se enquanto um
grupo heterogêneo, composto por membros de posições sociais e profissões
variadas, que chegou a engajar mais de 100 pessoas em prol da melhoria da
qualidade de vida na cidade e da busca de alternativas frente à estagnação
econômica e para o êxodo de sua população.
30 O Peace Corps, Corpos da Paz, é uma associação ligada ao governo Federal dos EUA. No texto de lei que rege seu ordenamento, o congresso declara, em 22 de Setembro de 1961, que sua função era a de: “Promover a paz e amizade mundial através de um Corpo da Paz, o qual deverá disponibilizar a países e áreas interessadas, homens e mulheres dos Estados Unidos qualificados para prestação de serviços em locais no exterior (...) [de modo] , a ajudar os povos destes países e áreas a satisfazer suas necessidades por mão de obra especializada, particularmente direcionado àqueles que vivem nas regiões mais pobres destes países (...)” (EUA, 1961, tradução nossa).
80
Ainda nos primeiros anos de 1970, o MCC iria elaborar um projeto de
desenvolvimento turístico da cidade, cujo primeiro passo seria o preparo de um
dossiê que embasaria o pedido do tombamento do patrimônio da cidade pelo
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN).
Em entrevista a Guanaes (2006), Heraldo Barbosa, ex-membro do MCC
e ex-secretário de turismo de Lençóis no final dos anos 2000, conta que a ideia
do tombamento da cidade foi sugerida Steve e alguns membros do MCC o teriam
ajudado na empreitada.
A proposta encabeçada por Steve e desenvolvida por alguns membros do
MCC, constituiu-se enquanto o primeiro caso da história do IPHAN em que o
pedido de tombamento do patrimônio de uma cidade não partiu de seu corpo
técnico, mas sim de uma demanda advinda da própria população da cidade
(MANGILI, 2015).
Posteriormente apresentada e acolhida por alguns grupos de interesse,
políticos e intelectuais31, a proposta de tombamento de Lençóis viria a ser
parcialmente aceita no ano de 1973 pelo IPHAN, que preservaria apenas o
conjunto arquitetônico da cidade, ignorando a parte do dossiê que versava sobre
o patrimônio cultural e natural da cidade (idem). A cidade de Mucugê viria a ser
também tombada pelo IPHAN, a partir de uma sugestão técnica, na década
seguinte, preservando-se seu patrimônio arquitetônico e paisagístico no ano de
1980.
O tombamento das cidades não só contribuiria para sua midiatização, por
conta da divulgação dos processos do tombamento em jornais e revistas, mas
também serviria como chamariz de investimentos para a região, e como
elemento para a midiatização das cidades enquanto potenciais polos de atração
turística.
A inauguração da rodovia Federal BR-242, responsável pelo escoamento
da produção agrícola da região Centro-Oeste pelo litoral da Bahia, contribuiria
para trazer um movimento maior de pessoas à região da Chapada Diamantina,
31 Cito, a título de exemplo, os intelectuais Walfrido Moraes e Pedro Calmon e também o apoio do jornal A Tarde e de Paulo Manuel Protásio, diretor da Empresa Brasileira de Turismo (EMBRATUR) à época.
81
a partir do ano de 1970. A estrada corta a região no eixo Leste-Oeste, passando
a pouco mais de 11km da cidade de Lençóis, tendo se tornado a principal rota
de acesso à cidade e à região.
Depois da inauguração da estrada, alguns poucos turistas vindos
majoritariamente de Brasília em direção ao litoral baiano, e da capital Salvador,
começaram a passar alguns dias viajando pela Chapada Diamantina. Aqueles
que chegassem em Lençóis nesta época, nos conta um folheto publicado pelo
CMTL no ano de 1972, teriam a opção de hospedarem-se em uma das duas
pensões da cidade, que ainda teria de esperar quase sete anos até que seu
primeiro hotel fosse construído.
A política de turismo do governo do Estado da Bahia também teve sua
influência, a partir do final da década de 1970, neste processo que chamamos
de turistificação da Chapada Diamantina.
Com o objetivo de descentralizar o turismo da capital Salvador e estimular
o desenvolvimento das regiões interioranas, o governo do Estado lançou, no final
da década, o seu Programa Caminhos da Bahia a partir do qual financiou a
construção da Pousada de Lençóis, a primeira da cidade. Outra importante ação
do governo Estadual para atrair turistas à cidade de Lençóis foi a de asfaltar o
trecho da estrada BA-850 que liga a cidade à BR-242, facilitando seu acesso.
Rio de Contas foi outra cidade da grande região da Chapada que recebeu do
governo do Estado uma pousada a partir do mesmo Programa Caminhos da
Bahia.
O esparso movimento de turistas pela Chapada Diamantina não evitaria
o êxodo de sua população ao longo dos anos 1970, ao fim dos quais a região
atingiria os menores níveis de ocupação de sua história.
No ano de 1977, a região recebeu as gravações do filme Diamante Bruto,
do Lençoense Orlando Senna, estrelado por José Wilker e vencedor do prêmio
de melhor filme do festival de Gramado daquele ano. Há quem diga que o filme
foi importante para que se desencadeasse o processo de turistificação da região.
A década de 1980 traria uma série de transformações que alterariam o
cenário de falta de perspectiva que assolava a região havia já algumas décadas.
82
A criação do Parque Nacional, a volta do garimpo de dragas e a chegada do
primeiro volume considerável de turistas - alguns dos quais decidiram fixar
residência na região - viriam a movimentar a vida da Chapada nos anos 1980.
Em 1981 o garimpo de dragas voltou à região, agora numa empreitada
exitosa, encabeçada por empresários vindos do Amazonas, do Mato Grosso e
do Tocantins. A economia das cidades de Lençóis e Andaraí, principalmente,
viu-se levemente reaquecida pela empreitada.
Foi nessa mesmo período que o volume de turistas na Chapada
Diamantina começou a aumentar. Alguns destes, chamados na região de
alternativos, decidiram se mudar para a Chapada, muitos deles escolhendo o
Vale do Capão como sua morada. A dicotomia nativo/alternativo é bastante
empregada pela população da região, e principalmente no Capão, ainda nos dias
de hoje, servindo para marcar a diferença entre aqueles que vieram de fora - em
busca de um maior contato com a natureza, fugindo do modo de vida citadino -
e aquelas pessoas cujas famílias se encontram na região há algumas gerações.
Para que se entenda um pouco melhor quem seriam estes alternativos,
cito o exemplo da comunidade Lothlorien, criada em 1984 e que assim se
apresenta em sua página oficial:
Lothlorien é um centro voltado para a espiritualidade, o crescimento pessoal e o respeito à Natureza; localizado no Vale do Capão, Chapada Diamantina, Bahia, próximo à sua mais famosa beleza natural: a Cachoeira da Fumaça. Aqui praticamos alimentação ovo-lacto-vegetariana integral, agricultura orgânica, e meditação (LOTHLORIEN, s/d).
Assim como o Lothlorien outras tantas comunidades se formariam no
Capão, que acabou “se tornando uma Meca para pessoas que procuram um
estilo de vida alternativo (...) que venderam tudo o que tinham para voltar à terra
e viver em um ambiente mais natural e saudável”32 (Funch, 1999, p. 94).
32 Tradução minha, do original: “In recent years, however Capão has become a Mecca for people seeking an alternative life style (…) who have sold all they had to get back to the land and live in a more natural and healthy environment. “ (Funch, 1999, p. 94)
83
O processo de criação do PNCD a partir da experiência de Roy Funch
No ano de 1979, chegaria a Lençóis uma terceira pessoa vinculada à
Peace Corps, vinda à cidade não no papel de voluntário, mas sim como turista.
Roy Funch, biólogo enviado pela associação estadunidense ao Brasil para
trabalhar no Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF) na criação
de Planos de Manejo para Unidades de Conservação, chegaria à Chapada
Diamantina para uma curta visita, que acabaria mudando a vida de Roy e os
caminhos da região.
Funch, desgostoso de viver em Brasília e trabalhar com a burocracia
estatal brasileira, havia sido transferido pela organização para a cidade de
Recife, em Pernambuco, mas tampouco tinha se adaptado à vida urbana da
cidade, “porque não era o que estava procurando, não era a aventura que
queria.” (Roy Funch, Junho de 2016).
Em busca daquilo que o impeliu a escolher o Brasil quando se inscreveu
para ser enviado ao país pela Peace Corps, Roy se juntou a um grupo de
conterrâneos seus e foi passar o feriado de São João na cidade de Lençóis,
fazendo o percurso entre a cidade e o Vale do Capão, numa caminhada pelo
vale localizado abaixo da cachoeira da Fumaça, naquele tempo ainda chamada
de Glass pelos e pelas turistas estrangeiros.33
Roy conta que se apaixonou pela região e decidiu mudar-se
definitivamente para Lençóis. Segundo ele, os habitantes da cidade pareciam
não compreender sua escolha, dizendo que o povo todo queria mesmo era
deixar a cidade, empobrecida e sem perspectiva de futuro, não entendendo
porque ele achava tudo tão bonito. Roy respondia que ele seria apenas um dos
primeiros a chegar e que o turismo iria fortalecer a economia da região. O povo
continuava sem compreender e dizia, “se não tem praia, porque as pessoas vão
vir pra cá?” (Roy Funch, Junho de 2016).
33 O piloto George Glass sustentou por algum tempo que ele havia sido o descobridor da cachoeira da Fumaça, nos anos 1960. Os estrangeiros costumavam, no passado, utilizar este nome para referir-se a ela. Atualmente, quase ninguém defende esta hipótese, visto que os moradores locais alegam ser ridículo considerar que o vale da fumaça foi descoberto por um gringo apenas em 1960 e que a cachoeira era conhecida havia muito mais tempo pelos moradores da região.
84
Uma vez estabelecido na cidade, Roy passou a realizar caminhadas
periódicas com os garimpeiros pelas serras que circundam a cidade, aprendendo
com eles seus caminhos e sua maneira de estar pelas serras. Por causa disto,
quando algum turista que se hospedava na recém-inaugurada Pousada de
Lençóis perguntava se havia alguém que os pudesse conduzir por alguns
caminhos da região, os locais indicavam-no como a única pessoa disposta e
pronta a fazê-lo.
Os jovens da cidade passaram a perceber que essa prática de condução
dos e das turistas poderia oferecer-lhes uma possibilidade alternativa de
sustento e passaram a seguir os caminhos de Roy Funch. Acho interessante
apresentar ao leitor a visão de Funch a respeito da maneira como isso se deu:
Os garimpeiros conheciam as trilhas, mas faziam isso para sobreviver. A natureza não era prazerosa, as pessoas não tinham o hábito de contemplá-la. Ocorre que os meninos da cidade começaram a me seguir e observar o que eu estava fazendo. Não entendiam como o ambiente natural chamava tanto a atenção dos turistas. E melhor, perceberam que ainda podiam ganhar dinheiro com a atividade de guia. Eles sacaram que era um bom negócio. (...) Em apenas uma geração, houve uma grande mudança na mentalidade dos habitantes: do extrativismo à preservação! O turismo passou a garantir a renda das famílias (...) (Roy Funch, Agosto de 2015, apud. PINHO, 2015)
Na mesma entrevista concedido ao portal do Guia de Lençóis, Roy conta
que foi em um de seus passeios com os garimpeiros pelas serras de Lençóis
que teve a ideia de encabeçar um movimento para a criação de um Parque
Nacional na região:
Pensei: se fosse na Europa ou nos EUA isso aqui certamente seria um Parque Nacional! Como havia trabalhado com o IBDF, a primeira coisa que fiz foi escrever uma carta, em 1979, para Brasília e comecei a fazer campanha sozinho. (Roy Funch, Agosto de 2015, apud. PINHO, 2015)
O trabalho que Funch vinha fazendo como guia turístico viria a colaborar
em muito nessa empreitada. Quando me encontrei com Roy em sua casa, no
mês de Junho, perguntei à ele sobre a importância da Pousada de Lençóis para
o processo de criação do Parque ele me disse que ela:
(...) era uma pousada do Estado, então todos os altos funcionários do estado tinham direito a um final de semana livre, quase de graça na Pousada(...) Chegou aqui quase todos os secretários: de Minas e Energia, Educação, Comércio, Turismo. Todos esses oficiais do governo e outros de outros níveis [hierárquicos] chegaram aqui e eu guiava todos eles. E aí eu vendia o peixe do parque. Ninguém conhecia a região e eu mostrava a eles as cachoeiras e montanhas e tomávamos banho e eles adoravam e voltavam
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para Salvador já entusiasmados para criar o Parque. (Roy Funch, Junho de 2016)
Para vender um pouco melhor “o seu peixe”, Roy, que já tinha experiência
trabalhando com Planos de Manejo para os Parques Nacionais brasileiros e que
conhecia o corpo técnico do IBDF, preparou um livro em que apresenta um
“relatório sucinto e despretensioso (...) [cujo] objetivo é sugerir ao IBDF uma
delimitação da maior extensão possível de área a ser preservada e talvez
institucionalizada como Parque Nacional” (Funch, 1982, p. 10).
O livro, publicado no ano de 1982, com o apoio de agentes e instituições
politicamente influentes, tais como o Jornal A Tarde e a Secretaria de Indústria
e Comércio do Estado da Bahia (CASTRO, 1982), apresentaria em suas 47
páginas, as principais características relativas à geologia e mineralogia, clima,
vegetação, fauna, uso da terra, posse da terra, estradas e caminhos, na opinião
de Roy, da região proposta como Parque.
Três anos de seriam precisos até que o poder público concordasse em
enviar técnicos para a Chapada Diamantina, com o objetivo de considerar a
proposta de criação de um Parque Nacional na região. A versão de Roy Funch,
transcrita por Guanaes (2006), nos informa a maneira pela qual o processo foi
conduzido:
Só para mostrar como o processo era meio doido, eles chegaram aqui e se basearam na proposta do meu livro, (…) , aí a gente passou uma semana aqui indo para vários pontos e no último dia da vistoria deles alugamos um avião para ver por cima, para checar os limites e as áreas por cima, então a gente voou para cima e para baixo do Parque e todo mundo ficou satisfeito e a gente disse para o piloto: vamos voltar para o aeroporto, e o piloto naquele momento disse: vocês querem ver mais umas cachoeiras? Eles (os técnicos) disseram: por que não.... Então voamos ao sul do Mucugê, tinha umas 3 ou 4 cachoeiras lindas lá e em questão de 15 minutos o Parque quase dobrou de tamanho, (...) Então, o processo de criação do Parque foi medonho, não tinha realmente embasamento técnico nenhum, era só ver que estava bonito, preservado, e muito em função das serras (quantidade de montanhas) e dos recursos hídricos, e vamos preservar isso, preservar aquilo (...) (Roy Funch, 2004. apud. GUANAES, 2006, p. 105).
Contadas as montanhas e contando com o apoio de influentes agentes da
vida pública do Estado e do país, a proposta de criação do Parque viria a ser
aceita pelos técnicos do IBDF no ano de 1982 e os procedimentos necessários
para a criação da UC tomados pelo IBDF a partir de então.
86
Segundo Roy, os técnicos do IBDF voltaram à Chapada Diamantina para
comunicarem a criação do Parque pouco tempo depois, mas não levaram a ideia
adiante. Isso porque eles temiam os problemas com que teriam de lidar caso
criassem o Parque numa região que ‘estava bombando de garimpeiros e
diamantes saindo’ (Roy Funch, Junho de 2016).
O Parque Nacional da Chapada Diamantina seria oficialmente criado três
anos depois, em 1985, convivendo com o garimpo mecanizado por mais de nove
anos. Segundo o decreto de criação do PNCD, assinado pelo então presidente
da república José Sarney, o Parque teria como objetivo básico o de:
(...) proteger amostra dos ecossistemas da Serra do Sincorá, na Chapada Diamantina, assegurando a preservação de seus recursos naturais e proporcionando oportunidades controladas para uso pelo público, educação, pesquisa científica e também contribuindo para a preservação de sítios e estruturas de interesse histórico-cultural existentes na área. (Brasil, 1985, Art. 1).
Instituído o Parque, seu controle ficou sob responsabilidade do Instituto
Brasileiro de Desenvolvimento Florestal, que confiou a Roy o cargo de diretor e
responsável pelo Parque: entregaram-lhe um distintivo, uma arma, a chave de
um carro e ofereceram-lhe um salário para ser o único responsável pelo PNCD
pelo período de 5 anos, ao longo dos quais Roy conta que a coisa que lhe cabia
era conversar com as pessoas e fazer vistas grossas frente às dragas, a caça, o
uso da área do parque enquanto pasto e a coleta de sempre-vivas que se
realizavam na área do Parque.
Senilde Guanaes (2006) nos apresenta uma interessante comparação
entre o processo de criação do PNCD e o processo tombamento da cidade de
Lençóis. Para ela, enquanto este parece ter contado com o apoio de membros
da população local, aquele parece ter sido levado a cabo de maneira mais
solitária, sem contar com a participação, nem com o apoio da gente do local:
A empreitada de Rui em criar um parque nacional para proteger a serra do Sincorá e o seu ecossistema não poderia ter se dado de uma forma menos impositiva e solitária do que foi. Primeiro por ter sido uma ideia concebida por um estrangeiro recém chegado na região, segundo por trazer no cerne do seu projeto um discurso preservacionista que ainda não fazia parte do sistema cultural e ideológico do lugar, e terceiro por não incluir nesse discurso uma importante demanda da região e principalmente de Lençóis, que era o desenvolvimento econômico do município e de sua população. (Guanaes, 2006, p. 116 – 117)
87
Quando me encontrei com Roy, perguntei a ele sobre a questão da
presença dos Patizeiros no interior da UC, já que a partir de seu livro, podemos
perceber que ele, e os técnicos do IBDF que o haviam lido, tinha consciência da
presença de pequenos núcleos de ocupação humana no interior da área
proposta enquanto Parque. Roy me respondeu que:
Não tinha 30 famílias, talvez menos no Pati naquela época. E todo o mundo ficando velho e querendo sair. Não tinha essa perspectiva de turismo. A ideia era que o Governo comprasse as casas e os terrenos e não exigir que o dono saísse mas que os filhos deles saíssem. E dar dinheiro antes, para que eles comprassem algo fora do parque. Para que quando os velhos morressem, o Parque tomasse conta. A visão era essa. Ninguém iria chutar eles para fora, mas dar condições para eles. Porque todo o mundo tava querendo sair naquela época. Quem ficou, ficou porque não tinha onde ir, não porque amava tanto o Pati mas não tinha onde ir. Então se o governo tivesse comprado e exigido ... mas a ideia que ninguém queria ficar no final. Alguns Patizeiros diziam que não sairiam de lá nunca, mas seus filhos já estavam estudando fora. Mas agora chegaram os Alemãos e os Japoneses e os Paulistas e ninguém quer sair agora. (Roy Funch, Junho de 2016)
Esta visão de Roy de que apenas os habitantes mais velhos teriam
vontade e direito de permanência no Vale do Pati é corroborada pelo analista do
ICMBio Cezar Neubert Gonçalves, em entrevista concedida ao documentário
Pati, de que vale esse povo? (2005, HD, 13`, Denise Santos e Sophia Midian):
A gente sabe que tem muitas pessoas de idade residentes no Parque Nacional. Se você der a essas pessoas um prazo de 20 anos para eles se reassentarem, eles provavelmente não estarão mais vivos quando este prazo findar. Mas seus filhos não! Seus filhos tem de sair. (Cezar Neubert Gonçalves, apud. SANTOS; MIDIAN, 2005)
Atualmente, passados pouco mais de uma década desde que dera esta
declaração, Cezar vem defendendo outro tipo de abordagem em relação aos
Patizeiros:
A visão da equipe do PNCD é garantir os direitos dos moradores e evitar que se pense na retirada deles. A ideia é que o termo de compromisso [firmado no ano de 2014, ainda não publicado oficialmente] seja um meio de incorporar os moradores à gestão da UC e construir, ao longo do tempo, mecanismos que atendam os aspectos legais e não excluam nem removam os moradores. (...) o desafio é criar os instrumentos para que isto ocorra. Ainda não há nada similar no Brasil e nossa luta é instrumentalizar os processos até para que se repliquem em outras UC. É preciso buscar meios de acabar com a dicotomia conservação versus comunidades e buscar um
88
meio de chegarmos a um processo que seja conservação mais comunidade.34(Cezar Neubert Gonçalves, Abril de 2014)
Esta nova abordagem frente à questão da presença humana no interior
do PNCD me parece condicente com os acordos internacionais dos quais o
Brasil é signatário e com o debate desenvolvido no país a partir da proposição
da Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (BRASIL, 2000).
Deixarei, porém, esta questão da presença humana em UCs por algumas
páginas em suspenso, retomando-a ao fim do capítulo seguinte.
O processo de criação do PNCD segundo o seu Plano de Manejo:
considerações a respeito de sua verticalidade
O Plano de Manejo do PNCD, que segundo seu decreto deveria ser
publicado 4 anos depois de sua criação, tardou quase 20 anos para sair, sendo
oficialmente publicado no ano de 2007.O PM é um documento de extrema
importância para a gestão de uma UC pois é nele que se determinam as políticas
de zoneamento espacial do Parque e suas estratégias de gestão.
Este atraso colaborou para dificultar o poder efetivo do PNCD sobre seu
território e também para retardar os processos de desapropriação que, de um
ponto de vista legal, deveriam ter sido feitos para que a área do Parque passasse
ao controle da autarquia federal responsável pela gestão da UC.
O PM do PNCD possui uma sessão dedicada à apresentação de um
histórico do processo de criação do Parque, que se inicia informando ao leitor
que “a proteção, na forma de unidade de conservação, da chapada Diamantina
foi indicada pela equipe do Projeto RADAMBRASIL35 de Levantamento dos
Recursos Naturais do Brasil” (Brasil, 2007, p. 123), ainda nos primeiros anos dos
anos 1980.
O documento também afirma a importância da figura de Roy Funch para
o processo de proposição, planejamento e criação do Parque, destacando ainda
34 Trecho por mim recolhido a partir de uma troca de e-mails com Cezar Neubert Gonçalves, analista ambiental do PNCD e diretor inteirino do Parque quando da época da redação e publicação do Plano de Manejo da Unidade. 35 Projeto de mapeamento do território nacional - geologia, solos, vegetação, relevo, uso da terra e cartografia - levado a cabo pelo governo militar do Brasil a partir do ano de 1975. O RADAMBRASIL seria proposto a partir do Projeto RADAM (Radar da Amazônia).
89
a figura do ambientalista Humberto Brandão de Souza, cidadão da cidade de
Mucugê, que teria elaborado, no final dos anos 1970, um projeto semelhante ao
de Roy Funch, com o qual defendia “a proteção da chapada Diamantina, por
meio da criação de um Parque Nacional” (Brasil, 2007, p. 124).
Em sua sequência, o PM apresenta uma versão do processo de criação
da UC que diverge daquela apresentada por Guanaes(2006) no tocante à falta
de apoio popular observada na empreitada encabeçada por Funch em sua
tentativa exitosa de criação de um Parque Nacional da região.
Se apresentamos uma citação mais longa de dois trechos extraídos do
documento é com a intenção de mostrar aquilo que o documento tem a dizer a
respeito do processo de criação do Parque. Limito-me a destacar alguns trechos
destes excertos para debruçar-me sobre eles na sequência:
Os dados mostram que o Parque foi criado com grande mobilização social e eventos técnico-científicos de esclarecimentos para a sociedade, especialmente local, criação esta feita a partir de uma demanda da região (Teixeira & Linsker, 2005). Por isso, sem dúvida alguma, o PNCD pode ser considerado o primeiro parque nacional brasileiro a ser criado com consulta popular, mesmo que não tenham sido os moldes do que hoje é chamado consulta pública, como define a Lei do SNUC (Lei № 9.985/2000). (Brasil, 2007, p. 125)
Entre os esforços para a criação do Parque, necessidade de esclarecimentos à população e convencimento das autoridades, o IBDF, o governo estadual, a Universidade Federal da Bahia (UFBA), a UEFS e diversos líderes populares de Lençóis publicaram e distribuíram para a população uma carta explicativa sobre os fatos e convidando-a para um simpósio programado para ocorrer em Lençóis, em novembro de 1983(...) Assim, foi realizado na Cidade de Lençóis o Simpósio sobre a Preservação do Patrimônio Natural da Chapada Diamantina, (...). O evento teve uma importância tão grande, ambiental, e política, que contou na sua abertura com o Presidente do IBDF, Mauro Silva Reis, com o Governador do Estado da Bahia, João Durval Carneiro, e com dois representantes do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, seu Diretor, Carlos Alberto Ribeiro de Xavier, e a Botânica Graziela Maciel Barroso. As apresentações do Simpósio, aberto à população local, como foi dito acima, contaram com um conjunto variado de apresentações sobre a chapada Diamantina e sobre políticas governamentais, estaduais e federais, de questões relativas à região e ao Parque, todas conduzidas por convidados ilustres do Estado, da região e de outros estados. (Brasil, 2007, p. 126)
Desconheço os dados que tinham à mão os técnicos responsáveis pela
criação da Unidade de Conservação e tampouco consegui encontrar na
biblioteca da sede do Parque Nacional o trabalho de Teixeira e Linsker,
90
mencionado pelo documento enquanto fonte de sua versão, mas os dados a que
tive acesso e a opinião de alguns moradores da Chapada Diamantina com quem
pude conversar a respeito da situação, não permitem afirmar que o Parque tenha
sido criado a partir de uma demanda da região, ou a partir de uma grande
mobilização social.
O próprio Funch, apontado pelo documento como agente importante do
processo, em entrevista a Guanaes (2006), parece discordar daquilo que o
documento nos apresenta:
Do mesmo jeito que o Parque, o garimpo de draga era imposto, veio de cima para baixo, de fora para dentro. O Parque também...ele caiu na cabeça das pessoas, ele não entrou na cabeça, na mentalidade, ele simplesmente caiu e ninguém percebeu nada na época, na verdade as pessoas vão começar a sentir essa queda, a dor de cabeça, agora com a regulamentação que eles querem fazer (Roy Funch, janeiro de 2004, apud. Guanaes, 2006, p. 94).
O segundo excerto do PM apresentado acima nos permite estabelecer
alguns paralelos com o célebre ensaio da pensadora indiana Gayatri
Chakravorty Spivak (2010), Pode o subalterno falar?. Nele, a autora apresenta
seu olhar a respeito da (im)possibilidade de fala dos grupos subalternos,
submetidos à representação, em sua dupla acepção política e estética, frente ao
discurso hegemônico, que neste caso, pode ser identificado com o papel
ocupado pelos técnicos responsáveis pela elaboração do Plano de Manejo.
Podemos perceber, no excerto destacado, que “os convidados ilustres”
são nomeados e diferenciados de acordo com a sua formação e/ou instituição a
que pertencem, já os “líderes populares” (sic) da cidade de Lençóis são
apresentados de maneira monolítica e indiferenciada, não dando o documento
nenhuma pista a respeito de quem seriam essas pessoas, a quem
representariam e o que teriam a dizer a respeito do processo.
Esse trecho do documento nos remete às observações feitas por Spivak
(2010) a respeito de um debate entre os filósofos Michel Foucault e Gilles
Deleuze, destacando a posição específica e privilegiada ocupada pelos
intelectuais ao falarem dos indivíduos subalternos, representando-os de maneira
monolítica, assim sufocando a heterogeneidade e a complexidade potencial de
seu discurso. Os responsáveis pela elaboração do documento aqui observado,
91
ao falarem da população da Chapada Diamantina, parecem incorrer na mesma
abordagem criticada pela pensadora indiana.
Neste trecho o documento parece nos apresentar uma visão simplista e
bastante enviesada a respeito da maneira como o processo se desenrolou,
desconsiderando a heterogeneidade da população local e a multiplicidade de
discursos contra hegemônicos apresentados por ela frente às imposições
colocadas a partir da criação do Parque, as quais foram paulatinamente
introduzidas em suas vidas de modo a coibir certas práticas.
Outros trechos do documento mostram-nos que, mesmo depois de quase
20 anos passados desde a criação do Parque, ainda é comum “o receio e
desconfiança de diversos setores da população regional por não saberem
exatamente o que a administração do PNCD e o IBAMA pretendem fazer e nos
reflexos disto sobre a economia local.” (Brasil, 2007, p.111).
A insatisfação frente às restrições impostas pelo Parque, colocada por
diversos grupos locais presentes às 30 reuniões realizadas pelo ICMBio para
amparar a publicação do PM, das quais participaram 1021 pessoas, é
apresentada pelo próprio documento em sua sessão Visão da Comunidade
sobre o Parque Nacional da Chapada Diamantina (Brasil, 2007, p.110) ao longo
da qual podemos perceber o descontentamento de diversos grupos e pessoas
da região para com a verticalidade do processo de criação e ação do PNCD e
para com o processo desigual de distribuição dos ônus e bônus oriundos da
criação deste.
Isso porque, como o próprio documento nos informa, a criação do Parque
foi fundamental no processo de turistificação da região da Chapada Diamantina,
o qual atraiu à região uma série de pessoas de outras localidades do país e de
outros países dispostas a investirem seu capital no turismo e, nesta sessão do
documento, podemos perceber o descontentamento de algumas pessoas e
grupos de moradores da região a respeito dessa situação, já que ela parece ter
92
beneficiado e seguir beneficiando mais aos que vem de fora36 do que à
população local.
A Chapada Diamantina no final do século XX, rumo ao Ecoturismo
Entre a segunda metade dos anos 1980 e a primeira metade dos anos
1990 a região da Chapada Diamantina viu sua economia lentamente se
reaquecer por conta, basicamente, de três atividades, o garimpo mecanizado, o
agronegócio e o turismo, fazendo com que sua população, depois de décadas
de decrescimento, voltasse a crescer.
O garimpo mecanizado, como dito anteriormente, foi reinserido na região
a partir de 1981, desta vez em uma empreitada relativamente bem exitosa nas
cidades de Andaraí, Lençóis e Mucugê, contribuindo para a criação de empregos
na região e para o aumento do volume de capital em circulação.
A construção da barragem do Apertado, no Município de Mucugê
favoreceu a criação do Polo Agrícola Mucugê-Ibicoara, atualmente responsável
por 88% da produção agrícola dos municípios que circundam o Parque (BRASIL,
2007). Baseado em um regime de produção em grandes propriedades, uso
intensivo de maquinário e de pesticidas, que vem colaborando para a
contaminação dos solos e dos lençóis freáticos (BRASIL, 2007), a construção da
barragem foi responsável por exercer um processo de “modernização
conservadora” (Ricardio, 2011, p. 238) nestas cidades.
O agronegócio, aproveitando-se da ubiquidade de água, da existência de
terras relativamente férteis e baratas e da mão de obra disponível nas cidades
de Mucugê e Ibicoara,37 passou a constituir-se enquanto importante atividade
econômica, especializando-se, principalmente, na cultura de batata-inglesa, café
e milho (MIRANDA; ALENCAR, 2012), capitalizando, em certa medida, a
economia destas cidades.
36 A dicotomia de fora/de dentro é bastante mobilizada pela gente da Chapada Diamantina que trata por de fora todos aqueles que não são considerados nativos, i.e. que não possuem uma origem familiar na região. 37 Ibicoara é uma cidade que fica ao Sul do PNCD, possuindo uma pequena parcela de seu território cortado pelo Parque Nacional. Na cidade de Ibicoara localizam-se algumas das lindas cachoeiras visitadas pelos técnicos do IBDF que os impeliram a aumentar a área do Parque em quase duas vezes.
93
Já o processo de turistificação da região, que vinha crescendo de maneira
tímida, porém promissora, foi impulsionado com a criação do Parque Nacional
da Chapada Diamantina (SEABRA, 2012; BRASIL, 2007).
Foi no início dos anos 1980 que os primeiros turistas começaram a chegar
ao Vale do Pati. Toni, pai de meu amigo Tiago, conta que quando ele chegou
pela primeira vez ao Pati, as pessoas saíram correndo, com medo dele e de seus
colegas de caminhada. Roy Funch, quando o encontrei, disse que quando ele
foi à primeira vez ao Vale, os Patizeiros olhavam para ele e para seus colegas
como se eles fossem extraterrestres e deles saíam correndo.
Os Patizeiros também guardam a memória destes primeiros encontros,
referindo-se a eles enquanto um choque: contam que o que mais impressionava
era a roupa e os equipamentos brilhantes e coloridos dos turistas, que pareciam
fantasiados – alguns falam que ‘pareciam extraterrestres’, outros que ‘pareciam
astronautas’. Pouco a pouco, os turistas-alienígenas foram conquistando a
confiança dos Patizeiros e, com o passar do tempo, viriam a participar
cotidianamente de suas vidas.
Nas primeiras de suas visitas, me contou Toni, os Patizeiros não queriam
saber de conversar com ele e seus companheiros de caminhada. Depois de
algum tempo, começaram a oferecer guarida para eles - da cozinha para fora,
sem poderem entrar na casa. Foi só depois de mais algumas visitas que os
Patizeiros começaram a abrir suas casas para ele e seus colegas de viagem.
Como Toni vinha tentando a vida enquanto operador de turismo, tendo
criado na mesma época uma das primeiras agências de turismo da cidade de
Lençóis, passou a questionar alguns Patizeiros a respeito da possibilidade de
receber alguns e algumas turistas em suas casas em troca de algum troco.
A ideia de Toni, e de alguns outros pequenos empreendedores que
haviam recentemente chegado à região e se estabelecido, majoritariamente, na
cidade de Lençóis, seria bem recebida por alguns Patizeiros, tendo eles
vislumbrado a possibilidade de complementarem sua baixa ou inexistente renda
mensal com o dinheiro que os e as turistas poderiam lhes oferecer.
94
O volume de turistas no Pati, e na região da Chapada Diamantina como
um todo era pequeno, neste final de anos 1980 e início dos anos 1990, mas foi
progressivamente crescendo ao longo dos anos subsequentes.
Este crescimento do setor do turismo na região da Chapada Diamantina
foi um dos principais motivos que levaram a Polícia Federal (PF) a coibir
definitivamente o garimpo de dragas na região. Isto porque, segundo Roy Funch,
“o garimpo de dragas era incompatível com o turismo, com a ideia do Parque”
(Roy Funch, Junho de 2016).
O crescimento do turismo na região fez com que muita gente passasse a
se posicionar contrariamente ao garimpo mecanizado, pois ele se dava muito
próximo das cidades e dos locais frequentados pelos e pelas turistas, causando
uma má impressão pelo mau cheiro de óleo diesel e pelo rastro que deixavam
por onde passava, abrindo buracos de mais de 40 metros de profundidade nos
leitos de rios e nas regiões de montanha em busca de diamantes.
Com o passar do tempo, os veículos de comunicação – revistas, jornais e
emissoras de televisão - passaram a fazer coro em prol da extinção do garimpo
de dragas na região, exercendo pressão sobre a opinião pública e o poder
público, tendo este fator colaborado para que a atividade fosse definitivamente
proibida na região a partir do ano de 1996.
Poucos anos antes, em 1992, a região da Chapada Diamantina havia
servido de cenário para a novela Pedra Sobre Pedra (179 capítulos, 20h, Rede
Globo de Televisão, 1992), fazendo com que parte da população nacional
conhecesse suas montanhas, que eram apresentadas, na abertura da novela,
em contraste com corpos femininos desnudados, numa sugestão de
sensualidade de suas paisagens montanhosas.
Difícil precisar o quanto esse fato possa ter influenciado no processo de
proibição do garimpo, mas acredito que a novela deve ter promovido uma maior
visibilidade da região a nível nacional, tendo seguramente contribuído para o
processo de turistificação da região, um dos grandes responsáveis para que o
garimpo mecanizado fosse proibido.
95
Os 15 anos de garimpo mecanizado colaboraram para a capitalização de
alguns habitantes da Chapada Diamantina, permitindo que reinvestissem o
dinheiro acumulado com o trabalho com as dragas na promissora indústria do
turismo, que vinha se desenvolvendo na região havia quase duas décadas.
Dois anos depois do fechamento das dragas, o Instituto Brasileiro do Meio
Ambiente viria, em 1998, a coibir também a prática do garimpo manual, levando
os garimpeiros da cidade de Lençóis, a mobilizarem-se a partir de sua
associação – a Sociedade União dos Mineiros (SUM) – frente a esta imposição.
Defendendo seu direito a garimpar, descrita pela SUM enquanto uma
prática tradicional, que se constituiria enquanto um elemento distintivo de sua
identidade e da identidade da região, que poderia e deveria, inclusive, ser
aproveitado pela indústria do turismo que ali vinha se desenvolvendo.38
No mesmo ano, o IBAMA encomendou o levantamento fundiário da região
do PNCD, dando assim o primeiro passo rumo ao processo de efetivação de seu
domínio sobre o território do Parque. A desapropriação de terras dentro da área
ocupada pelo Parque consideradas estratégicas para seu funcionamento segue
a passos lentos até os dias de hoje, já que depende de verbas provenientes do
Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) para ser realizada.
Ainda em 1998, a região assistiu à inauguração de o seu primeiro
aeroporto, o Aeroporto Horácio Matos, localizado na vila de Tanquinho,
município de Lençóis. Construído com verbas do Programa de Desenvolvimento
do Turismo do Nordeste (PRODETUR/NE), programa de investimentos Federais
que utilizava-se de recursos contraídos com o Banco Interamericano de
Desenvolvimento (BID) para investimento na melhoria da infraestrutura urbana
de cidades interioranas com potencial turístico.
Por meio do PRODETUR/NE o Governo Federal havia planejado investir
um montante superior a 53 milhões de dólares na região da Chapada
Diamantina, em projetos para a melhoria de sua infraestrutura, saneamento
38 Os dois trabalhos de Senilde Guanaes (2001 e 2006) podem ser consultados pelo leitor curioso a respeito desse movimento da SUM e da maneira como a cultura do garimpo manual vem participando da vida da Chapada Diamantina nas últimas décadas.
96
básico e telecomunicações, bem como em estudos técnicos de meio-ambiente
que auxiliassem na criação de áreas protegidas.
A única grande intervenção realizada com verbas do programa, porém, foi
a construção do aeroporto. Seu orçamento também contribuiu para que o Plano
de Manejo de duas Áreas de Proteção Ambiental (APAs) - a Marimbus/Iraquara
e a Serra do Barbado – fosse realizado. O montante total de investimento na
região, ao final do programa, não passou de 9 milhões de dólares (SCT, 2004).
A década de 2000 veio consolidar o processo de turistificação da região
da Chapada Diamantina. É a partir de então que o turismo passa a constituir-se
enquanto a principal fonte de renda da região, elemento que também observou-
se na vida dos moradores do Vale do Pati.
Com o volume maior de turistas no Pati, a grande maioria de sua
população passou a depender, mesmo que indiretamente, do dinheiro oriundo
do turismo para seu sustento. D. Paula me conta que foi nos primeiros anos
dessa década de 2000 que conseguiu economizar um dinheirinho e cobrir os
buracos do telhado de sua casa, para melhor receber os e as turistas que por lá
se hospedavam.
Esse processo de crescimento do volume de turistas no Vale do Pati,
vivido a partir dos anos 2000, fez com que sua população, paulatinamente, fosse
diminuindo o seu roçado itinerante, mantendo tão somente os roçados familiares
de aipim39, hortaliças, temperos e frutas como banana, café, etc., deixando de
cultivá-los, definitivamente, ao final da década.
Foi na década de 2000 também, que o PNCD passou a intervir um pouco
mais na região: no ano de 2002, Humberto Barrios, diretor do Parque à época
barrou a entrada de 18.000 cabeças de gado na área do Parque; o Plano de
Manejo do Parque foi publicado em 2007; ao longo desta década o PNCD
esforçou-se por encabeçar um processo de desapropriação de terras no interior
do Parque, privilegiando as grandes propriedades e as áreas em que se
39 Aipim é o nome dado à raiz conhecida como Mandioca no Estado de São Paulo, nomes populares que referem-se ao tubérculo de baixa toxicidade da espécie Manihot esculenta, aquele que pode ser comido in natura.
97
localizavam grandes atrativos turísticos, como o Morro do Pai Inácio e a
Cachoeira da Fumaça.
Na década presente, o turismo parece ter efervescido. Isso se deve, a
meu ver, a inúmeros fatores como a realização de festivais40 e eventos nas
cidades da Chapada Diamantina, a melhoria de suas estradas – com o uso de
maquinário comprado pelas prefeituras com verbas do Programa de Aceleração
de Crescimento 2 (PAC 2) – a midiatização constante da região41, a crescente
popularização das modalidades de turismo realizados na Chapada e a
capitalização da região para oferta de serviços nestas esferas – ecoturismo, de
aventura, comunitário, montanhismo, escalada, etc. -, o estabelecimento da
empresa que publica, anualmente o Guia da Chapada Diamantina, com sede em
Lençóis e de tantas outras agências de turismo, dentre outros fatores.
Aquilo que pude observar morando na região por alguns meses é que o
turismo vem fazendo cada vez mais parte da vida da população local, trazendo
cada vez mais gente e cada vez mais investimentos privados para a região (Fig.
16, na página seguinte).
Por residir a poucos metros da entrada para a trilha que dá acesso a um
dos locais mais visitados da região, a cachoeira da Fumaça, pude acompanhar
o volume de carros, vans e micro-ônibus que dirigem-se diariamente ao Vale do
Capão recheados de turistas, em sua grande maioria vindos em `bate e volta` da
cidade de Lençóis, conduzidos pelas agências de turismo da cidade.
40 Cito, a título de exemplo: O Festival de Igatú, de Lençóis, de Jazz do Vale do Capão, Literário de Mucugê, o Brasil Ride, etapa nacional de um encontro mundial de ciclismo que foi realizado algumas vezes na cidade de Mucugê, dentre outros tantos. 41 Na última década algumas dezenas de programas de reportagem foram gravados na região: dois episódios do semanário de reportagens Globo Repórter, da maior emissora de televisão do país; outros dois do repórter Record; a série Chapada dos Diamantes, veiculada no Jornal da Record, a segunda maior emissora de televisão do país; a série Chapada Diamantina, Grutas e Cavernas do canal de tv a cabo Off; a série a Música da Chapada Diamantina, do Canal Brasil de tv a cabo; dentre outros.
98
Figura 16: Montagem realizada com fotografias que circularam pela comunidade Notícias do Vale do Capão, da rede social Facebook. À direita, uma foto de autoria
desconhecida da Vila do Capão nos anos 1970. À esquerda uma fotografia de André Vieira, nativo do Vale, guia, amigo e morador do bairro onde fixei residência para
desenvolver a presente pesquisa, do qual a fotografia foi tomada.
Em algumas de minhas visitas à cachoeira do Riachinho, que fica à beira
da estrada que dá acesso ao Vale do Capão e é geralmente visitada pelos e
pelas turistas depois de realizarem a caminhada à Cachoeira da Fumaça, pude
contar, em um dia útil de baixa temporada, mais de 80 turistas por lá chegando
em um intervalo de menos de uma hora. Em dias de alta temporada, a portaria
que controla o acesso à cachoeira chega a vender quase 1.000 bilhetes de
entrada, segundo os monitores que lá trabalham.42
Se apresento ao leitor estas informações é para que ele tenha uma
mínima dimensão de como o fluxo e o volume de pessoas na região vem sendo
intenso, frequente e crescente, já que qualquer tentativa de levantamento
estatístico a respeito do fluxo de turistas na região esbarra no fato de que muitas
das operações entre turistas e locais se dão de maneira informal e que enfrentei
uma certa dificuldade em encontrar estatísticas oficiais a respeito do turismo na
região.
42 A Cachoeira do Riachinho foi a primeira e única, por enquanto, atração do Vale do Capão que passou a ter seu acesso cobrado e controlado pela prefeitura do munícipio de Palmeiras, que utiliza-se da verba, segundo discurso oficial, para contratação de membros da Associação de Condutores de Visitantes do Vale do Capão (ACV-VC para monitoramento e socorro e para ações ambientais no município. A cachoeira da fumaça é outro atrativo do Vale do Capão que possui uma guarita de controle de acesso, fruto de uma parceria firmada entre o ICMBio e os membros da ACV-VC, que realizam o monitoramento do acesso e o socorro em caso de acidentes de forma voluntária, dividindo a escala de trabalho entre seus membros.
99
A despeito dessa inexistência de estatísticas que confirmem o
crescimento do setor do turismo na região, o que pude observar em minhas
andanças pela região desde o ano de 2010 e nas conversas com as pessoas
que aqui residem, é que a região do circuito turístico da Chapada Diamantina
vem crescendo e se organizando, cada vez mais, para acolher um volume cada
vez maior de turistas, os quais deslocam-se até a região em busca de
encontrarem-se com o “Paraíso”(Fig. 17) e “se conectarem com a natureza” (Fig.
17).
Figura 17: Folheto de uma pousada do Vale do Capão.
Uma das raízes históricas desta imaginação particular que é mobilizada
no folheto apresentado abaixo é fruto, acredito, da historicidade por que
passaram os Parques Nacionais em seus quase 150 anos de existência. A
experiência do contraste vivido pelo e pela turista a partir do contato com a
natureza, que passou a ser, a partir de determinado momento da história,
investida de características pristinas, é elemento bastante mobilizado pelas
pessoas que participam deste circuito turístico, cuja percepção das experiências
ecoturísticas vivenciadas no contexto da Chapada Diamantina e, mais
100
especificamente do Vale do Pati, será melhor explorada ao longo do quarto
capítulo deste trabalho.
Antes disso, porém, nos engajaremos em uma caminhada por esta
historicidade dos PNs em várias partes do mundo, a qual poderá nos ajudar
compreender um pouco melhor as raízes históricas desse tipo particular de
imaginação, preparando-o para os caminhos que encerram a dissertação, em
seu quarto capítulo e ainda nos permitirá tecer uma série de considerações a
respeito dos PNs, de sua relação com as pessoas que neles habitam e com o
fomento e o incentivo ao turismo.
101
Capítulo 3:
Os Parques Nacionais e os caminhos da wilderness
A wilderness enquanto o Outro da cultura
Caminhar por dias em meio à natureza é um alento para o corpo e para a alma. Melhor ainda se o lugar escolhido for o Vale do Pati . No coração do Parque Nacional, dezenas de atrativos surpreendem e encantam. Diante da grandeza do ambiente, sentimo-nos pequenos, mas, ao mesmo tempo, integrantes desse universo tão mágico e envolvente, em uma envolvente jornada de auto-conhecimento (...) Longe da cidade, aproveitamos o cenário bucólico para contemplação43 (PINHO, 2015b).
Elemento bastante mobilizado no contexto do ecoturismo que vem se
desenvolvendo na região da Chapada Diamantina e no Vale do Pati é o do
encontro com a natureza, proporcionado por uma caminhada dentro de um
Parque Nacional. Por meio desta caminhada, as pessoas costumam
experimentar uma série de aprendizagens, proporcionadas pelo contraste
experimentado no encontro entre as pessoas e o que gosto de pensar, amparado
pelo trabalho de alguns autores que serão apresentados ao longo do capítulo,
enquanto este grande Outro, a natureza, muitas vezes investida de
características como a pureza, o divino e o intocado.
Havendo percebido este elemento e notado que a versão da história da
criação do PNCD, contada ao longo do segundo capítulo do presente trabalho,
indica uma relação bastante próxima entre o processo de criação do Parque
Nacional e o processo de turistificação da região da Chapada Diamantina,
interessou-me procurar compreender quais seriam as historicidades de outros
Parques Nacionais; desde há quando vem se defendendo o deslocamento a
estas regiões enquanto `possibilidade de auto-conhecimento` e `de alívio` às
pessoas que vivem nas cidades; quando, como e por qual razão teria o nosso
43 Excerto de uma matéria sobre uma experiência de cinco dias de caminhada no Vale do Pati do Guia da Chapada. O Guia da Chapada é um negócio local, estabelecido no município de Lençóis, que publica anualmente um guia ilustrado com cerca de 60 páginas a respeito dos atrativos turísticos da região e que também possui um portal na internet que publica periodicamente conteúdo relacionado ao turismo na região. Disponível em: <http://www.guiachapadadiamantina.com.br/trekking-vale-do-pati/>. Acesso em 10/01/2017.
102
país adotado este modelo de conservação da natureza; e se, em outros
contextos, esta relação entre turismo e Unidades de Conservação também se
observaria. É no desenvolvimento destas e de algumas outras questões a que
nos dedicaremos ao longo das páginas deste capítulo.
Parece haver um consenso de que os Parques Nacionais brasileiros
(DIEGUES, 1996, GODOY, 2000) e a grande maioria dos PNs do mundo
(JONES, 2012) tem como influência direta o modelo de conservação adotado
pelos EUA a partir da criação, em 1872, do primeiro PN da história, o de
Yellowstone, cujo objetivo principal seria o de:
(...) proteger a vida selvagem (wilderness) ameaçada (...) pela civilização urbano-industrial, destruidora da natureza. A ideia subjacente é que, mesmo que a biosfera fosse totalmente transformada, domesticada pelo homem, poderiam existir pedaços do mundo natural em seu estado primitivo, anterior à intervenção humana. (DIEGUES, 1996, p. 1)
Wilderness, assim que a conheci, por meio do trabalho de outros autores
(NASH, 2014; DIEGUES 1996), se apresentava enquanto um termo complexo,
de difícil apreensão e de tradução complicada.
Recorri, inicialmente, ao The New Oxford American Dictionary, que a
apresentava como “uma região não cultivada, inabitada e inóspita”
(STEVENSON; LINDBERG, 2010)44. Conhecendo um pouco a respeito da
historicidade de alguns Parques Nacionais, me incomodava em seguir essa
acepção em meu trabalho e traduzir wilderness para nosso idioma parecia uma
tarefa pouco exequível.
Foi só depois de algum tempo que percebi as vantagens de encarar
wilderness enquanto uma coisa (HENARE et. al., 2000), chamá-la pelo nome e
seguir seus caminhos pelas tramas da história dos EUA, procurando observar as
múltiplas valências de que foi investida em sua relação com o povo que a
cultivou.
A metáfora do cultivo que utilizo para me referir à wilderness serve,
justamente, para marcar um indicativo de oposição à caracterização do termo
usualmente empregada. Ao invés imaginá-la enquanto algo misterioso como a
44 Do original “an uncultivated, uninhabited, and inhospitable region”.
103
vida selvagem, como o faz Diegues (1996) ou como um lugar intocado, como o
dicionário me sugere, prefiro pensar nela enquanto uma construto; uma ideia que
foi levada adiante, com cuidados especiais, por um tempo prolongado45.
Adotar esta abordagem também permite que dialoguemos com alguns
autores estadunidenses dedicados ao estudo da wilderness, sem corrermos o
risco de incorrermos, pelo menos nesta matéria, em incongruências que
tornariam a experiência do leitor mais confusa.
Tomemos este trecho do artigo o Problema com a Wilderness, The trouble
with wilderness, do professor da Universidade de Wisconsin, William Cronon:
Quanto mais uma pessoa sabe de sua história peculiar, mais ela percebe que wilderness não é bem aquilo que aparenta ser. Longe de se tratar um lugar na terra completamente separado da humanidade, ela é, na verdade, uma criação profundamente humana, a criação de culturas humanas bastante particulares em momentos bastante particulares de sua história. Não se trata de um santuário pristino onde a reminiscência de uma perigosa e intocada, mas ainda transcendente, natureza pode, pelo menos por mais um curto espaço de tempo, ser encontrada em sua forma livre da contaminação da maculada civilização. Na verdade, ela é um produto mesmo daquela civilização e dificilmente poderia ser contaminada pela mesma essência que a constitui. Wilderness esconde sua não naturalidade por trás de uma máscara extremamente sedutora, justamente por parecer tão natural. Quando olhamos para o espelho que ela segura para nós, facilmente podemos imaginar que aquilo que observamos é a Natureza, quando, de fato, o que vemos é tão somente os reflexos de nossos próprios saudosismos e desejos não problematizados.” (Cronon, 1996, p. 2, tradução nossa).46
O desconforto de Cronon, ou seu problema com a wilderness, advém de
sua formação enquanto historiador. Cronon parece se incomodar com o fato de
45 O dicionário eletrônico Houaiss(2001) define cultivar, verbo transitivo direto, como: “ (...) . plantar com cuidados especiais, promover o desenvolvimento de (sementes, espécies vegetais, suas flores ou frutos) Ex.: cultivar milho; ela cultiva a flor-da-paixão (...) . dedicar-se a (estudo, saber, conhecimento teórico e/ou prático), aplicar-se regularmente a. Ex.: todos eles cultivam a literatura . empenhar-se em manter, levar adiante (alguma coisa) por tempo geralmente prolongado Ex.: cultiva os saudáveis hábitos da juventude 46 Do original: “The more one knows of its peculiar history, the more one realizes that wilderness is not quite what it seems. Far from being the one place on earth that stands apart from humanity, it is quite profoundly a human creation-indeed, the creation of very particular human cultures at very particular moments in human history. It is not a pristine sanctuary where the last remnant of an untouched, endangered, but still transcendent nature can for at least a little while longer be encountered without the contaminating taint of civilization. Instead, it is a product of that civilization, and could hardly be contaminated by the very stuff of which it is made. Wilderness hides its unnaturalness behind a mask that is all the more beguiling because it seems so natural. As we gaze into the mirror it holds up for us, we too easily imagine that what we behold is Nature when in fact we see the reflection of our own unexamined longings and desires.”
104
que, por seu povo, wilderness é imaginada enquanto algo a-humano e a-
histórico, desconsiderando-se toda a historicidade da relação cultivada entre os
estadunidenses e ela e reafirmando-se uma série de pressupostos de nossa
“cosmologia ocidental (...) [perpetuando, assim,] o dualismo típico da ideologia
moderna” 47 (Descola; Pálsson, 1996, p. 97), que inventa a natureza enquanto o
Outro da cultura.
Esta maneira particular de se imaginar a wilderness “enquanto um lugar
completamente separado da humanidade” (Cronon, 1996, p.2) nos permite olhar
para um espelho e perceber, no reflexo, o próprio alicerce de nossa própria
ontologia e ciência cartesiana moderna (INGOLD, 2000), produzida por e
produtora de uma série de dualismos estruturantes tais como natureza-cultura,
tradição-modernidade, sujeito-objeto e representação-realidade, a partir dos
quais aprendemos a imaginar o mundo em que habitamos.
Porém, como bem nos informa o trabalho de Phillipe Descola (2005) 48, e
nos sugere o excerto de Cronon (1996), apresentado acima, esta seria apenas
uma maneira bastante particular e historicamente datada de se imaginar o
mundo.
A ideia de que a natureza constitui-se enquanto uma coisa neutra, ou
dada, regida por leis próprias, que podem ser apreendidas pelos homens para
que, a partir disso, possam apropriar-se dela e dominá-la tecnicamente, vem
sendo cultivada desde há pelo menos quatro séculos (LARRERE, 2004), quando
em meados dos anos 1600 os filósofos Francis Bacon e René Descartes,
lançariam as bases do empirismo e do racionalismo e dariam início ao que
convencionou chamar-se de modernidade49, imaginação que tem uma relação
47 Do original: “occidental cosmology (...) the typical dualism of the modern ideology”. 48 Em seu livro Par-delà nature et culture, o antropólogo estruturalista Philippe Descola (2005), que ocupa a cadeira de antropologia da natureza no Collége de France, nos mostra como a ontologia ocidental moderna constitui-se tão somente enquanto uma maneira particular de se imaginar o mundo e a relação entre o que chamamos de natureza e cultura. Dedicando-se a pensar a relação entre os homens e o seu universo, a partir do trabalho de outros antropólogos, o autor defende a existência de pelo menos quatro maneiras distintas de interação entre os humanos e o mundo em que habitam: animismo, naturalismo, totemismo e analogismo. 49 Ao falar da modernidade, sigo as ideias de Catherine Larrere para quem ela refere-se “antes do mais à revolução, ou ao corte, de Galileu, isto é, à criação, com Galileu, de uma física que rompe com a concepção aristotélica do movimento e do lugar e com o geocentrismo afirmado na Bíblia, introduzindo assim «uma ciência nova» em que os desenvolvimentos posteriores até Newton vão impor com a teoria da gravitação e da atração, uma visão coerente e unificada do
105
bastante estreita com o processo que, dois séculos mais tarde, convencionou-
se chamar de revolução industrial (ibidem).
Esta modernidade “teve um papel decisivo na formação de uma visão da
natureza de que ainda somos herdeiros” (Larrere, 2004, p. 170), visão esta que
foi e vem sendo mobilizada na proposição dos esquemas e modelos de proteção
da natureza, dentre eles os Parques Nacionais, refletindo-se no discurso
daqueles que se engajam em práticas de ecoturismo nestes Parques.
Para que se compreenda um pouco melhor aquilo que quero dizer com
isso, convido o leitor a uma incursão por alguns momentos e elementos da
historicidade da wilderness e de sua relação com o povo que a cultivou, relação
esta que teve grande influência nos caminhos desse instrumento particular de
gestão da natureza que aqui procuramos melhor compreender, os Parques
Nacionais.
Não pretendemos nos alongar muito neste trecho do caminho, mas sim
fornecer alguns elementos a partir dos quais poderemos tecer algumas
considerações a respeito do processo de invenção e difusão dos Parques
Nacionais, o que nos ajudará, ainda, a compreender um pouco melhor a relação
histórica entre este modelo de gestão e o (eco) turismo.
Alguns elementos da historicidade da relação entre os EUA, a wilderness
e algumas considerações a respeito dos Parques Nacionais
A relação entre os estadunidenses e a wilderness vem se desenvolvendo
desde o início da empreitada colonial no país e é, segundo o historiador Roderick
Frazer Nash (2014), um forte ingrediente da identidade nacional do país.
Recém-chegados ao continente americano, os colonos europeus
costumavam imaginar a wilderness enquanto um lugar a ser conquistado,
enquanto algo “deserto, selvagem, árido (…) [cuja] conotação era tudo menos
positiva e a emoção que alguém estava mais propenso a sentir em sua presença
universo que vai reunir a unanimidade do mundo sábio. Esta é a grande novidade e a grande originalidade da ciência moderna. “(Larrere, 2004, p.172).
106
era de perplexidade ou terror.50” (Cronon, 1996, p. 77, tradução nossa). Para
aquelas pessoas, naquele momento, o próprio continente era wilderness e sua
conquista e dominação foi o ideal que os moveu a habitar e colonizar o território.
Pouco mais de dois séculos depois do início do processo de colonização
do país, no ano de 1776 as treze colônias inglesas, que se localizavam entre os
atuais Estados da Florida e do Maine, voltar-se-iam contra a Inglaterra e,
assumindo o seu destino manifesto de formar uma nova e pujante civilização,
proclamariam a independência do país, criando assim os Estados Unidos da
América.
Em sua carta de independência, a nova nação afirmava o seu destino de
desagregar-se do Estado britânico e seu compromisso, outorgado pelas “leis da
natureza e as do Deus da natureza” 51, em dar continuidade ao processo de
civilização do continente. Em menos de um século, a nova nação veria seu
território aumentar de tamanho em mais de três vezes.
Este processo de incorporação e ocupação de territórios foi acompanhado
de um acelerado processo de urbanização. Ao longo deste processo, wilderness
passou, paulatinamente, a ser imaginada enquanto algo positivo, passando
inclusive a ser mobilizada enquanto elemento distintivo da identidade da nova
nação (NASH, 2014).
O país havia se constituído a partir da conquista da wilderness e alguns
membros de sua elite urbana passaram a defender que, dado o seu crescente
desaparecimento, ela deveria ser preservada em prol da memória das grandes
conquistas nacionais, para que as gerações futuras pudessem ter o direito ao
contato com ela.
Wilderness passou, então, a simbolizar aquilo que foi superado e
colonizado e a sua presença fazia os estadunidenses lembrarem-se da
50 Do original: To be a wilderness then was to be deserted, savage, desolate (...). Its connotations were anything but positive, and the emotion one was likely to feel in its presence was bewilderment or terror. 51 Excerto do texto disponível em: <http://www.ushistory.org/declaration/document/>. Acesso em 20/10/2016.
107
empreitada por que passaram seus ancestrais em busca de estabelecerem-se
no país.
Este processo de virada em relação à wilderness relaciona-se diretamente
com os efeitos do contato de alguns cidadãos dos EUA com as ideias do
Romantismo, movimento estético, de cunho nacionalista, popularizado na
Europa nos séculos XVIII e XIX, que trazia consigo marcantes elementos de culto
à natureza - investida de características tais como a pureza, o sagrado e o
autêntico.
O romantismo foi responsável pela difusão de um ideário segundo o qual
o ato de caminhar, realizado de maneira solitária em meio à natureza, seria uma
“via de acesso à união autentica entre o eu e a natureza (...) uma maneira de
libertar-se da artificialidade e [do] mecanicismo da vida urbana” (Toniol; Steil,
2006, p. 67-68).52
Foi a partir da ressignificação das ideias de culto à natureza mobilizadas
pelos românticos que, desde a primeira metade do século XIX, alguns
estadunidenses passaram a defender a ideia que `o encontro com a natureza
era um encontro divino e transcendental` e constituía-se enquanto uma
possibilidade de contato com a essência humana, esquecida pelos homens
desde a popularização da imaginação iluminista (NASH, 2014).
O transcendentalismo, nome pelo qual este movimento estético de
influência romântica ficou conhecido nos EUA, foi, ao longo do século XIX,
popularizado pelas penas de escritores como Henry David Thoreau e Ralph
Waldo Emerson. Estes e outros tantos autores passaram a difundir a ideia de
que o contato com a wilderness, agora investida de características divinas,
poderia permitir ao homem um contato direto com a sua espiritualidade, a qual
vinha sendo ofuscada pelas agruras da vida urbana.
Naquele momento, passaram a se difundir pelo país uma série de pinturas
e fotografias que contribuiriam para a construção de uma imagética de exaltação
dessa wilderness que seria divulgada pela imprensa e viria, também, a contribuir
52 O leitor curioso em saber um pouco melhor a respeito da historicidade do ato de caminhar poderão consultar Toniol e Steil (2016, p. 43-77) e Edensor (2000).
108
para a transformação da ideia de wilderness enquanto uma ameaça, para a ideia
de wilderness enquanto um lugar sagrado, que poderia proporcionar alívio e
iluminação.
Foi neste contexto de virada que se deu a primeira experiência
estadunidense de criação de um Parque público para a proteção dos recursos
naturais. A ideia de que o país poderia preservar as maravilhas naturais da
expansão da fronteira foi, segundo Nash (2014), primeiramente aventada no ano
de 1832 pelo artista plástico George Catlin o qual, em uma viagem em que saíra
para pintar a região da planície central do país, vislumbrou a ameaça da
destruição das maravilhas por ele retratadas, fato que provocaria o
desaparecimento das paisagens, dos búfalos e dos grupos indígenas que
habitavam esses lugares, apagando diversas memórias da história da nação.
O primeiro Parque dos EUA foi criado no estado da Califórnia, no ano de
1864. Com uma área de mais de dois milhões e meio de metros quadrados, o
Parque Estadual de Yosemite foi criado "para o uso público, estância e
recreação” 53, com a intenção de proteger as nascentes dos rios que abasteciam
a cidade de São Francisco e de preservar, do avanço da fronteira, um vale de
belezas cênicas e suas gigantes Sequoias centenárias (NASH, 2014).
O vale fora oficialmente descoberto por uma expedição ocorrida no ano
de 1851, quando um grupo de homens, montados a cavalo, marchavam pela
região das montanhas de Sierra Nevada, porção central do estado da Califórnia,
para realizar seu reconhecimento e promover a demoção dos grupos indígenas
que lá habitavam, os Ahwahneechee.
A nova nação expandia-se em direção à costa Oeste e expedições como
esta ocorriam previamente ao processo de ocupação das novas regiões. Conta-
se que quando a expedição perseguia um grupo de cerca de 200
Ahwahneechee, os homens acabaram chegando a um vale de belezas
estonteantes, ao redor do qual o Parque seria criado 13 anos mais tarde.
53 Do original: “(...) for public use, stance and recreation (...)” Excerto do Yosemite Grant Act, sancionado por Abraham Lincoln no ano de 1864. Disponível em: <https://www.nps.gov/featurecontent/yose/anniversary/timeline/in-1864/>. Acesso em: 10/10/2016.
109
Yosemite carrega esse nome pois essa era um termo constantemente
empregado pelos Ahwahneechee capturados pela expedição. Inicialmente, o
termo era mobilizado pelos expedicionários para referirem-se ao chefe do grupo
indigena capturado. Posteriormente, acreditando ser este o nome do grupo,
decidiu-se por assim nomear o vale, em uma homenagem (sic) aos grupos
humanos que habitavam a região. Passado algum tempo, descobriu-se que a
palavra era empregada pelos Ahwahneechee para denotar algo que os
representava perigo. (BINGAMAN, 1966)
Este elemento da história da região de Yosemite nos permite perceber a
verticalidade e a violência com que podem ser conduzidos os processos de
estabelecimento de alguns Parques Nacionais. Percebendo esta questão, o
filósofo estadunidense Baird Callicott (2000) sustenta que “a ideia de wilderness
foi e segue sendo uma ferramenta de androcentrismo, racismo, colonialismo e
genocídio54” (p. 24).
Defendidas enquanto a morada da natureza intocada, estas áreas vinham
sendo habitadas - em boa parte dos casos - desde há muitos séculos por grupos
humanos, alguns dos quais sofreriam e ainda seguem sofrendo, em vários
contextos distintos, processos de expulsão de seu território.
Um ano depois da criação do Parque Nacional de Yosemite, o arquiteto
paisagista Frederick Law Olmsted, famoso por seu projeto de criação do Central
Park em Nova Iorque-NY, foi convidado pelo poder público dos EUA para visitar
a região e escrever um relatório a respeito de suas belezas cênicas e sua
importância para a nação, sugerindo também algumas possibilidades de gestão
do território.
A pesquisadora Wendy Harding (2014) percebe este relatório enquanto
um texto fundante daquilo que viria a se constituir enquanto o movimento
ambientalista. Pregando a preservação de certos recursos em benefício da
possibilidade de as gerações futuras terem acesso a eles, o texto de Olmsted
apresentaria um dos elementos centrais do discurso ambientalista e do
54 Do original: “The received wilderness idea has been and remains a tool of androcentrism, racism, colonialism, and genocide.”
110
movimento do desenvolvimento sustentável, o qual será abordado ao longo do
capítulo seguinte deste trabalho
Existem uma série de autores (LATOUR, 1994; LARRERE,2004) que
defendem a ideia de que a maneira como nossa ontologia imagina e relaciona-
se com a natureza é bastante tributária à historicidade dos Parques Nacionais e
de que os caminhos da wilderness tiveram uma influência bastante direta no
processo de constituição do que convencionou-se chamar de movimento
ambientalista.
O relatório de Olmsted parece ter sido a primeira ocasião em que a
wilderness seria mobilizada para se defender e imaginar as áreas de proteção
da natureza (HARDING, 2014). Nele, o arquiteto exaltava a importância das
imagens da wilderness do vale de Yosemite, retratadas nas pinturas do imigrante
prussiano Albert Bierstadt (Fig. 18) e nas fotografias de Carleton Watkins (Fig.
19, na página seguinte) e difundidas pela imprensa para o processo de difusão
da ideia dos Parques e daquilo que estas áreas poderiam representar para o
povo dos EUA.
Figura 18: Albert Bierstadt: Valley of Yosemite, 1864, óleo sobre tela, 48.89 x 30.16 cm. Museum of Fine Arts (MFA), Boston, MA, EUA.
111
Figura 19: Carleton Watkins , Hetch Hetchy Valley, with river in foreground (O Vale de Hetch Hetchy, com seu rio em primeiro plano), 1867, fotografia. UC Berkeley, Bancroft
Library.
Yosemite era imaginado pelo arquiteto enquanto um grande parque
público voltado ao prazer dos homens e mulheres civilizados e enquanto uma
iniciativa pioneira, que faria parte do destino dos EUA de inventarem um novo
modelo de civilização.
Segundo Olmsted (HARDING, 2014), se a antiga civilização europeia
possuía suas grandes catedrais e seus imponentes jardins, desde há muito
cultivados e recentemente patrimonializados55, a nova civilização possuiria
enquanto diacrítico (CUNHA, 2009) - elemento distintivo de sua identidade - a
sua relação com essa wilderness e sua preservação seria de extrema
importância para o fortalecimento da identidade nacional dos EUA.
55 Acredito que a formação dos Parques Nacionais relaciona-se, também, com a retórica do patrimônio, que teve, em determinados países da Europa, suas primeiras bases legais estabelecidas ao longo do século XIX (Poulot, 2009).
112
A experiência de se estar no Vale, para Olmsted (1865), provocaria a
percepção da “mais profunda sublimidade com a mais profunda beleza da
natureza”56 (s/p.), a qual seria capaz de conectar o visitante com uma parte de
si que só poderia ser acessada em lugares como Yosemite, lugares em que as
pessoas poderiam `mudar de ares e de hábitos, perceberem o sentido da vida e
vivenciarem uma situação incomum de alegria, paz de espírito e cura`.
Em outros contextos que não o deste relatório, o arquiteto previa que, em
um futuro bastante próximo, por conta da popularização dos automóveis, milhões
de pessoas iriam, para buscarem um contato maior consigo e com uma força
maior, se deslocar para lugares como Yosemite (SPIRN, 1996). Esta previsão
de Olmsted se confirmou a partir do ano de 1954, quando pouco mais de um
milhão de pessoas visitaram o Parque Nacional de Yosemite. Atualmente, mais
de 4 milhões de visitantes são contabilizados pelo Parque por ano.57
Cinco anos depois da criação do PN de Yosemite, em 1869, um grupo de
cinco homens foi patrocinado pela Northern Pacific Railroad Company (NPRC)
para documentarem as belezas cênicas de uma região localizada a Noroeste do
Estado do Wyoming, antiga colônia espanhola incorporada aos EUA no ano de
1848 (NASH, 2014).
A região, que atualmente é ocupada o Parque Nacional de Yellowstone,
era conhecida havia algumas décadas, pois fazia parte de uma rota de comércio
de peles e existiam alguns relatos de que ali existiam gêiseres, águas termais,
vales, montanhas e cachoeiras imponentes, que comporiam uma paisagem
singular e pitoresca.
Segundo Nash (2014)58, a empresa ferroviária, percebendo na região uma
possibilidade de expansão de seus negócios, dado o volume potencial de
pessoas que se deslocariam à ela para a prática de turismo, e também uma
56 Do original: “(...) the deepest sublimity with the deepest nature beauty”. 57 Informação recolhida no site oficial da agência NPS. Disponível em: <https://irma.nps.gov/Stats/SSRSReports/Park%20Specific%20Reports/Annual%20Park%20Recreation%20Visitation%20(1904%20-%20Last%20Calendar%20Year)?Park=YOSE>. Acesso em 10/11/2016. 58 Nash (2014) apresenta uma longa e interessante descrição do processo de criação do Parque Nacional de Yellowstone, ao longa da qual informa o seu leitor a respeito dos grupos de interesse envolvidos no processo e os debates que se desenrolaram nos mais diversos contextos – imprensa, empresas, congresso nacional, etc.
113
possibilidade de utilizar as imagens da região (Fig. 20) para atrair atenção e
investimentos, passou a concentrar esforços para que um Parque ali fosse
criado.
Figura 20: Capa de uma brochura da NPRC. Autor desconhecido, 1933.59
Para tanto, a NPRC mobilizou as suas redes de contato a fim de buscar
acesso aos agentes políticos e fazer com que eles soubessem de suas
demandas relativas à criação de um Parque na região e colaborassem com seu
objetivo. Em busca deste objetivo, a companhia financiou duas expedições à
região, uma em 1869 e outra em 1870.
A primeira delas foi uma expedição de reconhecimento. Na segunda, seus
integrantes realizaram mapas e desenhos da região. Nela, já se considerava e
se e debatia a melhor maneira de adaptar aquele espaço para a recepção de
turistas e conta-se que em uma conversa seus membros acabaram
convencendo-se de que a melhor opção seria a de criação de um Parque na
região, para que seu uso fosse público e seu domínio não pertencesse a nenhum
59 Apresento esta figura, apesar de ser mais de 6 décadas mais velha do que o processo de criação do Parque de Yellowstone, para ilustrar a importância da imagética de Yellowstone para a construção de uma imagem pública da companhia.
114
indivíduo, mas sim ao povo, representado pelo poder público (NASH, 2014).
Naquele mesmo ano, foi submetido ao congresso dos EUA um pedido oficial
para a criação do Parque, o qual passou a ser debatido na casa a partir de então.
A terceira expedição realizada no território atualmente ocupado pelo
Parque Nacional de Yellowstone, no ano de 1870, foi comandada pelo geólogo
Ferdinand V. Hayden e fora financiada pelo poder público, com verbas oriundas
de uma demanda das companhias ferroviárias, aprovada pelo Congresso
Nacional dos EUA em 1853, para o estudo de regiões em que poderiam ser
estabelecidas novas linhas férreas, as quais poderiam contribuir para o processo
de expansão da nação.
Nesta expedição, trinta e duas pessoas trabalharam na produção de uma
série de relatórios, mapas, fotografias, pinturas e desenhos da região. Alguns
destes registros seriam midiatizados, com o apoio da NPRC, na intenção de
conquistar o apoio da opinião pública para a ideia de criação de um Parque na
região (NASH, 2014).
Dois anos mais tarde, em 1872, o primeiro Parque Nacional da história, o
Parque Nacional de Yellowstone viria a ser criado oficialmente pelo Congresso
Nacional dos EUA. Seu decreto de criação previa que uma área de mais de 8
milhões de metros quadrados, no Noroeste do Estado de Wyoming, fosse:
(...) reservada da habitação, ocupação e venda (...) e reservado enquanto um parque público ou um local voltado para o gozo e desfrute da população (...). [A Secretaria do Interior] deve prover a preservação (...) de toda a madeira, depósitos minerais, curiosidades naturais ou maravilhas dentro deste parque (...) em sua condição natural. ” 60 (apud. NASH, 2014, p.108, tradução nossa).
O PN de Yellowstone transformou-se rapidamente em um símbolo da
identidade nacional dos EUA. Um comentarista do jornal The New York Times,
no ano da criação do Parque, caracterizara o Parque enquanto um lugar que
poderia ser mostrado, com orgulho, “ao desventurado povo europeu enquanto
60 Do original: “(…) reserved and withdrawn from settlement, occupancy, or sale (...) and set apart as a public park or pleasuring ground for the benefit and enjoyment of the people (…) [The Secretary of the Interior] shall provide for the preservation (...) of all timber, mineral deposits, natural curiosities, or wonders within said park (…) in their natural condition.”.
115
uma prova daquilo que a natureza - sob um regime de governo republicano –
pode alcançar no grande Oeste” (apud. Gissibl, 2012, p.8).61
Criado o Parque, sua gestão foi outorgada ao Departamento de Interior
dos EUA que tratou de, nas primeiras décadas, lidar com a presença de grupos
humanos no território – expulsando-os - e realizar uma série de benfeitorias no
espaço para a recepção dos visitantes. Para tal fim, uma série de obras e
intervenções foram realizadas, como a abertura de estradas, trilhas e a
construção de rodas d`água, pontes, hospedarias, etc.
A figura do empresário R. R. Cummins parece emblemática nesse
processo. Acionista da NPRC, Cummins foi o responsável, na década de 1890,
pela supervisão da construção de uma série de edificações na região de
Yellowstone, todas conduzidas sob a responsabilidade da companhia. A
empresa construiria, nesta época três grandes hotéis para a recepção dos
turistas de Yellowstone e tornou-se a responsável por sua gestão quando as
unidades ficaram prontas (CULPIN, 2003).
O Parque de Yosemite, também, depois de criado, passou a receber uma
série de benfeitorias em seu território para sua melhor gestão e para a acolhida
de visitantes. No ano de 1868 chegou à Yosemite uma figura que teve uma
influência direta na popularização da ideia de wilderness enquanto um santuário
benefício à saúde e à civilização dos EUA.
O inventor, filósofo e escritor John Muir chegou à região e trabalhou por
um ano no pastoril das cabras que lá viviam, conhecendo seus caminhos e
estudando o ambiente. No ano seguinte, Muir passou a ser responsável pela
execução de alguns projetos no interior do Parque, tais como a construção de
uma roda d`água para moer restos de troncos e de uma cabana em que habitou
por alguns anos à beira de uma imponente cachoeira.
O escritor costumava se engajar em solitárias caminhadas pelo Vale, a
partir das quais realizava uma série de textos que eram publicados em revistas
61 Do original: “ (…) a place which we can proudly show to the benighted European as a proof of what nature – under a republican form of government – can accomplish in the great West..”
116
e jornais e uma série de estudos sobre ecologia, geologia, biologia, glaciação e
botânica.
Os escritos de Muir passaram a difundir, com um alcance cada vez maior,
a ideia de que o deslocamento até os Parques poderia proporcionar alívio e
descobertas ao povo dos EUA. Segundo Muir (1901), ao passar um tempo em
contato com a wilderness, as pessoas poderiam conectar-se consigo mesmas,
com uma força maior e poderiam experienciar uma série de aprendizados que
tornariam suas vidas mais leves e os fariam “verdadeiramente imortais”62(s/p.).
Como veremos no capítulo seguinte, este tipo de imaginação é bastante
mobilizada, ainda hoje, no contexto do turismo que vem se desenvolvendo no
Vale do Pati e em diversos outros contextos onde se desenvolvem práticas de
ecoturismo.
Depois de se mudar para o Parque de Yosemite, onde viveu por mais de
seis anos, Muir passou a se tornar uma figura pública de extrema importância
para os caminhos da wilderness em seu país. Atuando enquanto seu defensor,
Muir passou a trabalhar pela publicização e exaltação dessa wilderness e pelo
estabelecimento, na esfera política, de novos instrumentos para sua
preservação.
Enquanto vivia em Yosemite, Muir encabeçou uma luta pela transferência
do Parque de Yosemite para a alçada federal e foi um dos fundadores do clube
de montanhismo Sierra Club, que possui atualmente mais de 2 milhões de
membros e atua, há 124 anos, em prol da preservação da wilderness e da
publicização dos seus efeitos benéficos para a saúde e o espírito humano.
No ano de 1903, Muir seria convidado pelo então presidente dos EUA
Theodor Roosevelt a acompanha-lo em uma caminhada de três dias pelo Parque
de Yosemite. Conta-se que Roosevelt (que era um habilidoso caçador e um
entusiasta da wilderness) e Muir passaram longos momentos conversando sobre
ela, debatendo seu futuro e pensando juntos nas melhores maneiras de se
preservá-la (NASH, 2014).
62 Do original: “the time will not be taken from the sum of your life. Instead of shortening, it will indefinitely lengthen it and make you truly immortal.”
117
Três anos mais tarde, um terremoto viria a colocar os dois agentes
novamente em contato. Por conta dos efeitos deste desastre natural, passou-se
a defender um projeto de construção de uma barragem no vale de Hetch Hetchy,
que se localizava no interior do Parque de Yosemite. Muir colocou-se contrário
ao projeto, sustentando a ideia de que o Parque era um templo mais sagrado do
que qualquer criação e necessidade humana e que, por isso, não faria o menor
sentido inundá-lo63 (NASH, 2014).
Roosevelt, porém, aconselhado pelo engenheiro Gifford Pinchot,
responsável pelo Departamento Florestal dos EUA à época, foi impelido a
concordar com a decisão do congresso que havia aprovado o projeto, não se
opondo à construção da barragem. Longos anos de debate foram necessários
até que no ano de 1913 o presidente Woodrow Wilson sancionasse um decreto
que permitiu que o vale fosse inundado e recebesse as obras para a construção
da barragem.
Apesar de haver visto suas ideias serem derrotadas na esfera política,
Muir as viu, a partir de então, ganhar uma abrangência bastante grande. Todo o
debate em torno da barragem fez com que seus textos tivessem grande
circulação e que sua maneira de imaginar a wilderness fosse projetada para um
número bastante grande de pessoas (NASH, 2014).
Essa projeção fez com que Muir pudesse se dedicar a outras lutas, como
a da criação de uma agência nacional que seria responsável pela gestão dos
Parques Nacionais. No ano de 1916, seria criada a agência National Park
Service (NPS), uma agência federal vinculada ao Departamento de Interior,
responsável pelo controle, administração e gestão dos dez Parques Nacionais
do país à época. Atualmente o país possui mais de 60 áreas protegidas enquanto
Parques Nacionais.
63 “Represem Hetch Hechy! Represem as catedrais e igrejas para fazer tanques d`água para as pessoas, pois não existe templo mais sagrado que fora consagrado pelo coração dos homens” (Muir, 1927, p. 261) [do original Dam Hetch Hetchy! As well dam for water-tanks the people’s cathedrals and churches, for no holier temple has ever been consecrated by the heart of man.] defendeu Muir à época dos debates a respeito da construção da barragem.
118
John Muir foi uma pessoa bastante importante para a história da
wilderness e dos Parques Nacionais: tido como o mais importante
preservacionista da história dos EUA (NASH, 2014), Muir dedicou boa parte de
sua vida à sua relação com a wilderness, tendo exercido bastante influência na
maneira como ela é imaginada atualmente.
Falecido em 1914, Muir não viveria para ver ganhar forma o seu projeto
de criação de uma agência independente responsável pela gestão dos Parques
Nacionais em seu país, nem para acompanhar o processo de criação do
Wilderness Act, a lei da wilderness, sancionado pouco menos de cinquenta anos
depois de sua morte, no ano de 1964.
O Wilderness Act, em seu texto, estabeleceu a criação de uma área de
proteção de mais de 2.000 km2, no Estado da Califórnia, batizada de John Muir
wilderness (Fig. 21), uma Floresta Nacional criada em homenagem à importância
da figura de Muir para os caminhos da wilderness em seu país.
Figura 21: Fotografia da Entrada Leste da Floresta Nacional John Muir Wilderness, CA, EUA. Autor desconhecido.
A lei da wilderness foi um instrumento legal sancionado pelo presidente
dos EUA. Nela, determina-se que, em espaços reconhecidos enquanto a morada
da wilderness - aqueles que não foram domesticados –, os homens e mulheres
sejam apenas visitantes passageiros. Segundo o texto da lei, nestes locais, a
natureza deve permanecer intocada para a manutenção de suas características
pristinas e para que as gerações futuras possam ter o direito ao contato com a
wilderness.
119
É interessante notar, como o faz a pesquisadora Catherine Larrere (2004),
a maneira como, a partir de toda a historicidade da relação entre os EUA e a
wilderness, esta passou a ser enxergada de maneira purificada - a-humana e a-
histórica –, ao mesmo tempo em que passou a ser investida de fortes
características religiosas.
Essa maneira particular de se imaginá-la parece ter sido bastante
importante para a “emergência das religiões do self, que vão enfatizar a
dimensão da experiência pessoal e a imanência do sagrado na paisagem na
natureza” (Toniol; Steil, 2016, p. 160), elemento que, como pudemos perceber
ao longo deste capítulo, vem sendo cultivado desde pelo menos meados do
século XIX, a partir da ascensão do romantismo e de suas ideias de culto a
natureza.
Estes elementos são ainda bastante mobilizados nos contextos onde se
praticam o ecoturismo: apresento abaixo (Fig. 22) uma montagem realizada a
partir de duas capturas de tela extraída da rede social Facebook de um guia
turístico que vive no Vale do Capão trazem à tona elementos bastante
semelhantes àqueles mobilizados por John Muir na citação apresentada na nota
63, página 115, deste trabalho.
Figura 22: Montagem realizada com duas postagens extraídas do Facebook de um guia da região.
120
O historiador Roderick Nash (2014) destaca, em várias passagens de seu
livro `Wilderness and the American mind`, as diversas ambivalências que
emergem desta maneira particular de se imaginar a wilderness: apesar de um
veemente discurso de resistência frente ao pensamento moderno e aos impactos
da revolução industrial, os defensores da wilderness, longe de negarem esta
imaginação moderna, acabaram por reafirmar seu elemento central, a ideia de
uma natureza exterior ao homem (LATOUR, 1994).
Esta imaginação particular que concebe os Parques Nacionais enquanto
a morada da natureza não domesticada, ou intocada, foi, ao longo do século XX,
incorporada por uma série de países, como o Brasil, em suas políticas de criação
destas áreas de natureza protegida, os PNs.
É no desenvolvimento de algumas questões relativas ao processo de
difusão dos PNs pelo mundo e de tradução (GISSIBL, 2004), ou reinvenção,
desse instrumento particular de territorialização por nosso país a que nos
dedicaremos na sessão seguinte deste capítulo.
Outras experiências de criação de Parques Nacionais por alguns países
do mundo e a experiência brasileira
A partir de meados do século XIX, uma série de países ao redor do mundo
passaram a desenvolver as suas próprias experiências de criação de Parques
Nacionais para a proteção da natureza. No ano de 1866, na ainda colônia inglesa
de New South Wales, atual Austrália, criou-se o PN de Blue Mountains, a
primeira experiência deste instrumento particular de territorialização proposta por
um país que não os EUA.
Ao longo das últimas décadas do século XIX, seriam criados Parques no
Canadá, na Austrália, na Nova Zelândia e na África do Sul. É interessante notar
no modelo Australiano e no modelo Canadense a influência da experiência dos
EUA no tocante ao uso da área reservada para recreação e uso público destas
áreas.
Nestes países, porém, concentrou-se esforços para que não ocorresse a
demoção dos grupos humanos residentes nos territórios onde os Parques seriam
121
criados, inventando-se um modelo de co-gestão entre o poder público e as
populações residentes. Estas puderam permanecer em seu território, mas
tiveram de negociar algumas concessões com o poder público. (EAGLES et. al,
2002)
No século XX, os Parques Nacionais ganhariam o mundo. Em sua
primeira metade, países como Suíça, Suécia, Bélgica, Inglaterra, Congo, Brasil
e Índia, dentre outros, desenvolveriam suas primeiras experiências de criação
deste instrumento de territorialização, criados tanto nos territórios nacionais
quanto nas colônias dos países que as possuíam (Ibidem).
A partir do final da Segunda Guerra Mundial, em 1945, e do surgimento
da Organização das Nações Unidas (ONU) e do Banco Mundial (BM) a ideia se
espalharia com uma velocidade ainda maior. Isso porque passou-se a defender
a ideia de que, tal como afirmava o diretor da UNESCO quando da época de sua
fundação, Julian Huxley, “no mundo moderno, um país que não possua um
Parque Nacional dificilmente poderá ser reconhecido enquanto um país
civilizado” 64 (apud. Gissibl, 2012, p. 9). Atualmente a grande maioria dos países
do mundo possuem, em seu território, Parques Nacionais.
Para pensar algumas questões relativas ao processo de invenção e
difusão dos Parques Nacionais, o historiador alemão Bernhard Gissibl (2012)
defende a ideia de que os Parques seriam “tanto agentes, quanto instrumentos
de uma civilizing nature”65 (p.3). Se na tradução do trecho, apresentamos o termo
empregado pelo autor em sua grafia original, em língua inglesa, é porque
qualquer tentativa de tradução fechada não permitiria que apreendêssemos as
múltiplas acepções propositadamente sugeridas pelo termo empregado pelo
autor.
Ao observar as noções de wilderness e de natureza mobilizadas nos
contextos dos PNs, Gissibl (2012) propõe que a enxerguemos, ao mesmo tempo,
enquanto uma natureza civilizada – uma natureza imaginada enquanto algo
fundamentalmente separado da sociedade e da cultura e portanto passível de
64Do original: “(…) in the modern world, a country without a national park can hardly be recognized as civilized”. 65 Do original: “both agents and instruments of a civilizing nature”.
122
ser categorizada e territorializada - e enquanto natureza civilizante, ou
civilizatória – que teve o poder de atuar enquanto agente e instrumento de um
projeto modernizante que compartilha diversas características em comum com
outras formas de missões civilizatórias encabeçadas pelo Ocidente, haja vista o
fato de reproduzirem os:
contraconceitos assimétricos de civilização vs. selvageria, os quais organizaram a relação da Europa com o mundo colonial (...) [e posteriormente] ajudaram a legitimar a agenda conservacionista e as demandas territoriais dos estados imperiais e também justificaram (...) [diversos processos] de governança ambiental. (Gissibl, 2012, p. 7)66
Ao pensar sobre a historicidade da relação entre os EUA, a wilderness e
o instrumento de territorialização dela decorrente, o qual posteriormente
ganharia o mundo, Gissibl (2012) defende a ideia que essa civilizing nature
possui ao menos quatro dimensões que, ao observarmos os caminhos dos PNs
pelo mundo, apareceram quase sempre de maneira inseparável.
A primeira delas estaria diretamente relacionada com alguns caminhos da
wilderness apresentados ao longo deste capítulo. A partir do final do século XIX,
a preservação dessa wilderness tornou-se um elemento constituinte dos
caminhos da civilização ocidental e passou-se a acreditar que, a partir da
expansão e do avanço da civilização moderna, fazia-se necessário proteger, por
meio da criação de Parques, os últimos rincões onde a wilderness ainda poderia
ser observada.
A segunda dimensão da civilizing nature apontada pelo autor refere-se
aos processos que os PNs desencadearam ao “disciplinar a natureza e atribuir
a ela um lugar controlável e consumível nas sociedades modernas”. Estes
processos tornaram possíveis a terceira dimensão apontada pelo autor, a qual
refere-se ao poder educativo que o contato com a wilderness passou a exercer
sobre as pessoas.
66 Do original: “(…) through the asymmetrical counterconcepts of civilization vs. savagery that had organized Europe’s relationship with the colonial world. These dichotomies helped to legitimize the conservationist agenda and territorial claims of imperial states, but they also justified nongovernmental organizations’ participation in park making and global environmental governance.”
123
A natureza passou a ser enxergada enquanto um remédio e um canal de
conexão consigo e com uma força maior e passou-se a defender a ideia que, ao
entrar em contato com esta natureza, os homens e mulheres civilizados
poderiam relaxar, encontrar alívio e iluminação. Os PNs, desde a sua invenção,
passaram a exercer um poder educativo e terapêutico que colaborou para a
constituição e para sua popularização e, consequentemente, foi bastante
importante para a difusão do discurso ambientalista.
Por fim, Gissibl (2012) salienta à importância dos PNs enquanto “um
campo de governança científica, no qual o entendimento da natureza enquanto
ecossistema (...) ou biodiversidade marginaliza visões alternativas da mesma
paisagem”67 (Gissibl, 2012, p. 8). O conservacionismo tornou-se um projeto
civilizante que pulverizou pelos quatro cantos do mundo esse entendimento do
que seria a natureza e quais seriam as pessoas melhores preparadas para geri-
la – experts, cientistas, consultores, Organizações Não Governamentais (ONGs)
e instituições internacionais – desencadeando “um processo transnacional de
aprendizado, pressão, apoio e intercâmbio” 68 (Gissibl, 2012, p. 2).
Importante evento para este processo de transnacionalização dos PNs
ocorreu no ano de 1948, quando foi criada a União Internacional para a
Conservação da Natureza (UICN), uma agência internacional vinculada à ONU,
composta por organizações governamentais e da sociedade civil, cuja missão é
a de:
(...) [prover] às organizações públicas, privadas e não-governamentais conhecimentos e ferramentas que permitam que o progresso humano, o desenvolvimento econômico e a conservação da natureza ocorram de forma simultânea.69
Desde a sua criação, a organização passou a organizar encontros
internacionais a cada dez anos para que estas múltiplas experiências fossem
compartilhadas. Estes encontros acontecem até os tempos atuais, tendo
67 Do original: “a field of cientific governance, on which the understanding of nature as an ecossistem (...) or biodiversity marginalizates alternative views of the same landscape.” 68 Do original: “National parks are more adequately understood as ‘transnational parks’: globalized localities that owe their establishment to transnational processes of learning, pressure, support and exchange” 69 Do original: (…) public, private and non-governmental organizations with the knowledge and tools that enable human progress, eco nomic development and nature conservation to take place together.” Disponível em: <https://www.iucn.org/about>. Acesso em: 16/11/2016.
124
importância, também, para que alguns acordos sejam assinados pelos países
membros.
A partir de meados do século XX, outras agências vinculadas às Nações
Unidas, como a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a
Agricultura (FAO), e o BM passaram a incluir no pacote de contrapartidas
exigidas para oferecem consultorias, empréstimos e aportes financeiros a
necessidade de criação de PNs pelos países requerentes. Isso fez com que cada
vez mais países inventassem seus modelos particulares de Parques Nacionais.
Como não se construiu nenhuma diretriz internacionalmente reconhecida
de como este instrumento deveria ser gerido, cada país pôde, a partir do modelo
Yellowstone (GODOY, 2000) e dos modelos desenvolvidos em outras
localidades, desenvolver sua própria experiência. Isso faz com que em cada
país, o entendimento do que seria um Parque Nacional e a maneira como estes
territórios são geridos pelo poder público possua contornos bastante
particulares.
A primeira experiência brasileira de criação de um Parque Nacional para
a preservação da natureza se deu no Estado do Rio de Janeiro, em 1937,
quando o Governo Federal, criou o Parque Nacional do Itatiaia, na região da
Serra da Mantiqueira, em uma área de pouco menos de 12.000 ha. A área
anteriormente era considerada uma reserva biológica, que havia sido criada
pouco mais de duas décadas antes, em 1914.
A ideia de se criar PNs no país já era aventada desde, pelo menos, os
primeiros anos do século XX e a premissa legal para a criação de um PN no país
já existia desde o ano de 1934, quando o Código Florestal, introduziu a noção
de área reservada (...) reconhecendo naquele momento três categorias básicas:
“Parques Nacionais, Florestas Nacionais, Estaduais e Municipais, e Florestas
Protetoras” (Barreto, 2001, p.56). No texto da lei era prevista dentro dos Parques
Nacionais a presença de populações humanas, “desde que os proprietários,
herdeiros e sucessores concordassem com as restrições impostas e se
obrigassem a mantê-las sob o regime legal correspondente” (BRASIL, 1934).
125
O decreto de criação do Parque Nacional do Itatiaia determinava que sua
área deveria “ficar perpetuamente conservada no seu aspecto primitivo e atender
às necessidades de ordem científicas (...) [e] também às de ordem turística”
(BRASIL, 1937). A partir desse pequeno trecho do texto, podemos perceber que
desde a primeira experiência de PN em nosso país, o turismo constituiu-se
enquanto um dos seus objetivos centrais.
Ao longo da primeira metade do século XX ainda seriam criados no país
outros dois Parques: o Parque Nacional do Iguaçu e o Parque Nacional da Serra
dos Órgãos, ambos no ano de 1939. Vinte anos se passariam até que se
criassem no país mais três Parques, o de Aparatos da Serra, de Araguaia e o de
Ubajara, em 1959. Na década de 1960 seriam criados no país mais 11 Parques
Nacionais.
Ainda nos anos 1960, um novo código Florestal seria sancionado. A partir
desse documento, assinado no ano de 1965, a presença humana no interior dos
Parques Nacionais passou a ser legalmente vedada. No ano de 1979 seria
publicada a lei que regulamentaria os PNs do país, confirmando a sugestão do
CF de 1965 a respeito da impossibilidade da presença humana nos PNs do
Brasil.
A grande maioria dos 71 PNs do Brasil fora criado entre meados dos anos
1970 e o final dos anos 1980, pelo governo militar (DIEGUES, 1996). O
pesquisador Henyo Barreto Filho (2001) nos conta que, por conta de sua política
desenvolvimentista, o Estado brasileiro passou a requerer cada vez mais
recursos do Banco Mundial e que, a partir de meados dos anos 1970, a FAO
passou a exigir do governo brasileiro a contrapartida de que criasse no país mais
Parques, defendidos enquanto um antídoto à expansão desenvolvimentista
proposta pelo governo.
Com o aporte financeiro das agências internacionais, a nação investira,
ao longo das décadas de 1970 e 1980, em uma série de iniciativas de
reconhecimento e estudo de regiões do interior do país, por meio dos projetos
RADAM e RADAMBRASIL70, os quais serviam de base para a política
70 O Projeto RADAM, - Radar da Amazônia - foi um projeto, desenvolvido a partir de 1970 pelo governo militar brasileiro, que visou a realização de uma série de estudos a respeito dos recursos
126
desenvolvimentista da nação e para a determinação dos locais onde poderiam
ser criados os Parques Nacionais (BARRETO FILHO, 2001). Segundo o Plano
de Manejo do PNCD (ICMBIO, 2007) a criação de um Parque Nacional na região
da Chapada Diamantina teria sido sugerida, no ano de 1981, por um relatório do
RADAMBRASIL.
A partir de meados dos anos 1980, a UICN passou a defender uma
posição oficial de que os Parques “além de cumprirem a sua função de protetores
da biodiversidade, poderiam e deveriam contribuir para viabilizar diversas
atividades indutoras do desenvolvimento local” (Rocha et. al, 2010, p. 209).
Sugeria-se, para tanto, que os PNs possuíssem áreas em que a presença
humana fosse permitida e incentivada, defendendo-se a ideia que este tipo de
diretriz poderia trazer ganhos para o objetivo principal desse instrumento
particular de territorialização, que é o da preservação ambiental.
Poucos anos depois, em 1989, o Brasil passou a ser signatário da
convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que versava
sobre o direito de povos indígenas e tribais à permanência ou ao retorno às suas
terras tradicionalmente ocupadas.
O efeito dessa ratificação foi paulatinamente sendo estendido a outros
grupos, tais como os quilombolas e as chamadas populações tradicionais.
Compartilho com Manuela Carneiro da Cunha e Mauro Almeida (2001) a ideia
de que esta categoria é propositadamente abrangente e possui seu valor
enquanto criadora de sujeitos políticos. Os autores definem as populações
tradicionais enquanto grupos humanos que:
(...) tiveram, pelo menos em parte, uma história de baixo impacto ambiental e que têm, no presente, interesses em manter ou em recuperar o controle sobre o território que exploram. Mas acima de tudo, estão dispostos a uma negociação: em troca do controle sobre o território comprometem-se a prestar serviços ambientais. (ALMEIDA & CUNHA, 2001, p. 191).
naturais de algumas regiões da Amazônia brasileira, a partir de imagens aéreas de radar. Em 1975, o projeto foi estendido a todo o território nacional, passando a ser denominado de RADAMBRASIL. Segundo um relatório do RADAMBRASIL: O projeto RADAMBRASIL tem por meta primordial mapear e avaliar recursos naturais, em escala regional e a relativo curto prazo, a fim de que, alcançados esses objetivos, as regiões mais promissoras sob o ponto de vista de suas potencialidades naturais sejam submetidas a estudos mais detalhados. (BRASIL, 1976, p. 29).
127
O termo empregado para referir-se a estas pessoas traria consigo outra
dualidade estruturante, segundo Tim Ingold (2002), do pensamento moderno, a
dualidade tradição-modernindade. Esta dualidade, acredito, participa de outro
elemento de contraste valorizado pelas pessoas que se engajam em práticas de
ecoturismo, as quais costumam enxergar o estilo de vida dos moradores destas
áreas de natureza protegida enquanto uma vida em harmonia com a paisagem,
dotada de uma simplicidade e rusticidade ímpares.
Como parte dos eventos da convenção RIO 92 sobre mudanças
climáticas, organizada em nosso país no ano de 1992, ratificou-se mais um
importante documento para a questão da presença humana em Parques
Nacionais. A Convenção da Diversidade Biológica atestava a importância das
populações tradicionais para o cultivo da biodiversidade, sugerindo o direito de
permanência destas populações em seus territórios (CUNHA; ALMEIDA, 2001).
Ao longo do final da década de 1990 uma série de debates se
desenrolaram no Congresso Nacional brasileiro por conta do projeto de lei do
Sistema Nacional das Unidades de Conservação. A questão da presença
humana nas Unidades de Conservação do país, dentre elas os Parques
Nacionais, foi objeto de alguns debates no Congresso Nacional, dos quais o
cientista social Antonio Carlos Diegues, apresentado nas primeiras páginas
deste capítulo, participou ativamente.
Naquele contexto, Diegues atuou na exposição das violências e
ambivalências produzidas pelo modelo de conservação adotado em nosso país
no tocante à maneira como são pensados e geridos os PNs e sua relação com
as populações humanas neles residentes.
Diegues defendeu a ideia que a presença das populações tradicionais no
interior dos PNs não deveria ser enxergada obrigatoriamente enquanto um
entrave para os objetivos da preservação dos ecossistemas protegidos, haja
vista que foram essas populações aquelas que os habitaram e os cultivaram ao
longo do tempo.
Criticando o modelo Yellowstone, o pesquisador apontou os problemas
oriundos da escolha de nosso país em conceber os Parques enquanto ilhas de
128
conservação - em que a presença humana deve ser exclusivamente passageira
- salientando que esta noção vinha sendo questionada pela UICN, da qual o país
faz parte, desde os anos 1980 e que alterações no modelo poderiam ser
propostos para dar conta de solucionar a questão da presença humana nos PNs
do país.
A lei 9985, chamada de lei do SNUC, seria sancionada no início do ano
de 2000, apresentando em seu texto o objetivo de colaborar para a manutenção
do direito das populações tradicionais à permanência em seu território, nas
Unidades de Conservação do país. Neste documento, as populações
tradicionais eram caracterizadas enquanto:
(...) grupos humanos culturalmente diferenciados, vivendo há, no mínimo, três gerações em um determinado ecossistema, historicamente reproduzindo seu modo de vida, em estreita dependência do meio natural para sua subsistência e utilizando os recursos naturais de forma sustentável. (Brasil, 2000, Art. 2º)
Este parágrafo, entretanto, fora vetado pela consultoria jurídica do Estado
brasileiro, com a justificativa de que "o conteúdo da disposição [era] tão
abrangente que nela, com pouco esforço de imaginação, caberia toda a
população do Brasil” (Brasil, 2000, Art 2º) e que essa premissa legal contrariaria
o interesse público da nação.
A lei do SNUC, tal como foi publicada, não apresenta, entretanto,
nenhuma solução para a questão da presença destas populações tradicionais
residentes nos Parques Nacionais, prevendo tão somente que elas sejam
“indenizadas ou compensadas pelas benfeitorias existentes e devidamente
realocadas pelo Poder Público, em local e condições acordados entre as partes.
” (BRASIL, 2000, Art. 42).
Seis anos passados, no ano de 2006, o Governo Federal instituiu a
Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades
Tradicionais (BRASIL, 2007). O Decreto n. 6.040, define povos tradicionais
como:
(...) grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando
129
conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição. (BRASIL, 2007, Art. 30).
Mesmo depois de instituída esta política, o único caminho legalmente
estabelecido para as populações tradicionais residentes nos PNs do país, vem
sendo o de aguardar “até que seja possível efetuar o [seu] reassentamento (...)
[e se adaptarem às] ações específicas destinadas a compatibilizar” (BRASIL,
2000, Art. x) a sua presença no interior dos PNs.
Voltando nosso olhar para a comunidade do Vale do Pati, podemos
perceber que a situação de conviver com a impossibilidade de residir em seu
território ainda vem gerando uma dose de insegurança a seus membros, que
vivem sob a incerteza de, mesmo sendo encaradas pelo poder público enquanto
uma população tradicional (Fig. 23), não saberem até quando poderão
permanecer em seu território.
Figura 23: Placa do PNCD localizada na entrada dos caminhos que conectam o Vale do Capão ao Vale do Pati.
A percepção desta situação vem levando as Patizeiras e os Patizeiros a
desenvolverem aquilo que Senilde Guanaes (2006) chama de estratégias sutis
de permanência em seu território. Tal como já afirmamos ao longo dos capítulos
anteriores, os Patizeiros vêm, há algumas décadas, tendo de, por meio do
improviso e da invenção de maneiras de escapar das regras institucionalizadas
130
pelo PNCD, ressignificar a sua maneira de habitar o seu território para
corresponder, mesmo que parcialmente, às demandas colocadas pelo Parque.
Ao longo desse processo, a presença do ecoturismo e daqueles que o
praticam exerceu uma influência bastante grande na invenção destas estratégias
pelos Patizeiros, visto que, tal como sustenta Guanaes (2006) e entendem
algumas pessoas da região e do Vale do Pati, “o turismo tem afetado a vida da
população e se configurado como um dos arranjos possíveis para a [sua]
permanência no vale.” (p.133).
Nos dedicaremos, no capítulo seguinte, a explorar algumas questões
relativas ao ecoturismo, expondo alguns elementos de sua historicidade e
difusão pelo mundo a partir dos anos 1980 e apresentando alguns elementos e
percepções das pessoas a respeito da experiência ecoturística no Vale do Pati.
131
Capítulo 4:
O Ecoturismo e a importância do contraste
Cheguei hoje à Chapada Diamantina, na intenção de passar alguns meses na região. O primeiro destino, Ibicoara, a cidade mais ao Sul que faz fronteira com o Parque Nacional. Venho acompanhado de Marina, com quem divido uma grande parte de minha vida desde há mais de dois anos. Pensamos em passar por algumas cidades antes de decidir onde fixar residência nos próximos meses. Daqui pretendemos ir à Mucugê, Guiné, ao Pati, ao Capão e depois à Lençóis e Andaraí. (...) Ao chegar à Ibicoara me dirigi a uma de suas 3 associações de condutores para me informar como deveria proceder para conhecer a Cachoeira do Buracão. Me informaram que a cachoeira localizava-se dentro de um Parque Municipal, o qual só pode ser acessado pelo turista acompanhado de um guia e mediante o pagamento de uma taxa. Me juntei a um grupo de mais três pessoas e tomamos uma estrada, com o carro destes turistas, acompanhados de um guia. Ibicoara é uma cidade que vem sendo bastante visitada nos últimos anos por conta da cachoeira do Buracão, tida por muita gente como a cachoeira mais imponente da região. O turismo por aqui parece ser feito para aqueles que possuem um automóvel ou para aqueles que contratam um pacote com uma agência em outra cidade, principalmente Lençóis: é quase impossível acessar os pontos visitados pelos turistas sem um veículo próprio e encontrar algum serviço de transporte na cidade é tarefa bastante árdua; some-se a isto o fato de que as linhas de ônibus que acessam a cidade só fazem o percurso uma vez na semana (...). Após pagar a taxa o grupo com que me associara pegou uma trilha bastante pisada e caminhou por menos de uma hora até chegar à descida que dá acesso ao Buracão. No meio do caminho as paradas eram para fotos e para os três rapazes que nos acompanhavam descansarem da trilha que, segundo eles, era árdua – tiravam as fotos e diziam que iriam mostrar à sua gente como era penosa a aventura em que se meteram. (...) No Buracão, cerca de 100 turistas faziam fila para chegarem até a queda d`água e poderem tirar a tão esperada fotografia do momento que deve ter durado em média cerca de um minuto para cada um. Todos tinham de se apressar para que aqueles que esperavam sua vez pudessem também passar pela mesma experiência (...). Foi a primeira vez que fui a um `atrativo` - é assim que os espaços privilegiados pelos turistas são chamados - na Chapada Diamantina que pertencia a um Parque e tinha portaria e regras muito claras de acesso e conduta: era proibido transitar sem guia, sair dos caminhos demarcados, fumar e desnudar-se (...) De volta ao centro de Ibicoara, um cartaz da secretaria de turismo da cidade dizia algo como: promover o ecoturismo e o desenvolvimento sustentável é a nossa missão. Após dormir uma noite na cidade tomei o mesmo ônibus com que chegara na região para dirigir-me à cidade de Mucugê. (...)
(Registro de Campo, Ibicoara, 23/02/2016)
Ao longo da primeira metade deste capítulo procurarei explorar algumas
questões mais gerais relativas ao ecoturismo, apresentando alguns elementos
de sua historicidade e algumas considerações a respeito de sua relação com os
132
Parques Nacionais e com o movimento do desenvolvimento sustentável de que
o cartaz da Secretaria de Turismo de Ibicoara falava.
Na segunda metade do capítulo nos dedicaremos à apresentação de
algumas questões relativas à experiência ecoturística no Vale do Pati, tecendo
considerações a respeito da importância do contraste para esta experiência,
encarada por uma boa parte das pessoas enquanto uma jornada de auto-
superação e de auto-descoberta.
Ecoturismo, desenvolvimento sustentável e a economia experiencial
Era fim de tarde quando chegamos à Mucugê. A cidade possui uma arquitetura colonial imponente e relativamente bem restaurada, diferente de todas as outras em que estive na região. Me parece também que Mucugê é a cidade mais `elitizada` de todas aquelas por que passei até hoje. Restaurantes e pousadas extremamente chiques habitam o centro histórico da cidade. O público alvo também é distinto daquele que pude ver em outros cantos dessa Chapada: parece ter uma idade um pouco mais avançada e constituir-se de casais e famílias de uma classe média mais abonada do país. Não me lembro de haver cruzado com nem um estrangeiro sequer nos 3 dias em que estive pela cidade. (...) Chegamos e procuramos um camping: sem êxito pois não havia nenhum tipo de negócio como este em toda a cidade, fato que me surpreendeu bastante. Nos informaram que poderíamos acampar em uma praça próxima ao centro, mas como carregávamos nossa mudança, preferimos por hospedar-nos em uma pousada mais popular em cima da `rodoviária` da cidade. (...) Na segunda noite que passei em Mucugê, fiquei dando voltas por suas ruas de paralelepípedo e, em determinado momento, decidi entrar em uma agência de turismo e conversar com o senhor que nela se encontrava. Marcos, neto de coronel, com cerca de 50 anos de idade falava pelos cotovelos contando histórias de sua família – das mais importantes da história da cidade, segundo ele – e de suas aventuras pelo setor turístico de Mucugê ao longo das últimas décadas. Dentre as mil e uma histórias contadas por ele, descrevo aquela que me parece mais interessante para os caminhos desta pesquisa que pretendo desenvolver: era a história de um amigo seu, Carlos - médico natural de Mucugê -, que voltando de uma viagem à Santiago de Compostela, o mais visitado circuito de caminhada do mundo, localizado na Espanha, perguntou-lhe que diabos seria o Vale do Pati, lugar de que a gente não parava de falar ao longo de sua peregrinação. Marcos conta que riu feito o diabo do colega e disse que o Pati ficava ali na esquina, era parte do município de Mucugê. (...) Toda a vez que Marcos contava uma história que passava pelo Vale do Pati, ele encerrava-a com um bordão que não me saiu da memória: A gente passa a vida toda fugindo da gente mesmo. No Pati não tem jeito, o cabra tem de se encarar. O Pati é um lugar que nos convida, quer a gente queira quer não, a conhecer a gente mesmo. Lá não tem para onde fugir ...
(Registro de Campo, Mucugê, 25/02/2016)
O turismo configura-se enquanto uma das três mais importantes indústrias
do mundo em termos de geração de divisas, sendo apontado por alguns
133
pesquisadores, como Urry e Larsen (2011), enquanto a mais importante
atividade econômica da contemporaneidade.
Estimativas do World Travel and Tourism Council71 (WTTC, 2015)
apontam para o fato de que o turismo seja responsável por cerca de 10% do total
de volume de negócios mundiais, gerando cerca de 300 milhões de postos de
emprego formais.
Desde os anos 1980, vem se observando uma tendência de diminuição
do crescimento do turismo de massas e a popularização de outras modalidades
de turismo, dentre elas o ecoturismo.
O ecoturismo vem se difundindo em uma velocidade cada vez mais
acelerada, tendo crescido, de acordo com a Organização Mundial do Turismo
(OMT), mais de 20% no ano de 2015, quatro vezes mais do que o setor turístico
em geral (UNWTO, 2015).
A OMT, que constitui-se enquanto uma agência vinculada à ONU,
defende em sua página oficial que o ecoturismo e “as áreas de natureza
protegida possuem uma ligação forte, visto que o turismo pode contribuir para
os propósitos de conservação.” (UNWTO, s/d). Tendo isso em mente, a
organização vem, desde 2012, encabeçando uma campanha de promoção do
ecoturismo pelo mundo, defendendo seu potencial para colaborar com a
conservação ambiental e com a erradicação da pobreza.
Penso que esta campanha evidencie aquilo que Comaroff e Comaroff
(2001) denominam como a tendência messiânica do capitalismo milenial - a
faceta salvífica do sistema que, acredita-se, uma vez incorporado por todos,
pode levar o mundo à erradicação da pobreza e a melhora da qualidade de vida
da população em geral.
Ao longo dos capítulos anteriores deste trabalho, quando nos referimos
ao deslocamento passageiro de pessoas aos PNs, utilizamos a expressão (eco)
turismo. Esta escolha de grafar o termo utilizando os parênteses se deu pela
71 Informação disponível no relatório anual de 2015 a respeito do impacto econômico do setor turístico na economia mundial produzido em uma parceria entre a Universidade de Oxford e o Conselho Mundial de Viagens e Turismo, WTTC - uma organização sem fins lucrativos do Reino Unido.
134
percepção de que o termo ecoturismo fora cunhado apenas nos anos 1980 e de
que, portanto, falar de ecoturismo para um momento anterior àquele em que o
termo fora inventado ofereceria ao leitor uma visão relativamente
descontextualizada da prática sobre a qual pretendemos nos debruçar com mais
atenção ao longo deste capítulo.
Atribui-se ao arquiteto mexicano Hector Ceballos-Lascurain a criação do
conceito ecoturismo, o qual era caracterizado por ele enquanto o ato de:
(...) viajar para áreas naturais relativamente intocadas e não contaminadas com o objetivo específico de se realizar estudos, admirar e aproveitar a paisagem e seus animais e plantas selvagens, bem como qualquer manifestação cultural (passada ou presente) que se pode encontrar nestas áreas. (Ceballos-Lascurain, 1987, p. 14).72
Noto uma influência direta do ideário da wilderness apresentado no
capítulo anterior na definição do conceito proposta por Lascurain e nos
elementos que são mobilizados pelas pessoas quando falam de sua prática
ecoturística. Basta recorrer à citação de William Cronon (1996), apresentada na
página 101, para perceber que os elementos que Cronon apresenta enquanto
seu problema com a wilderness aparecem na caracterização de ecoturismo
proposta pelo arquiteto e ambientalista mexicano.
Segundo Ceballos-Lascurain (1987), o termo fora cunhado por ele no ano
de 1983 dois anos depois de participar da criação da ONG PRONATURA73 do
México, a qual teve um importante papel nos debates a respeito da reavaliação
do modelo Mexicano de conservação e também vem realizando uma série de
consultorias para outros estados nacionais. Lascurain também foi o responsável
pela criação da primeira agência de ecoturismo do México.
O arquiteto conta que cunhou o termo no calor dos debates a respeito da
criação de marinas no estuário de Celestun, localizado no Noroeste da península
de Yucatán. Turistas, em sua maioria vindos dos EUA, vinham se deslocado com
72 Do original: “(…) travelling to relatively undisturbed or uncontaminated natural areas with the specific objective of studying, admiring, and enjoying the scenery and its wild plants and animals, as well as any existing cultural manifestations (both past and present) found in these areas.” 73 A PRONATURA México é uma ONG criada no México em 1981 que atua na preservação da biodiversidade do país e oferece consultorias para outros países e instituições do mundo.
135
uma boa intensidade para a região o poder público começou a planejar
intervenções para a construção de obras de infraestrutura para receber estes
visitantes, fato que ameaçava o habitat dos flamingos que lá viviam.
Lascurain e a PRONATURA colocaram-se contrários a esta intervenção,
alegando que ela prejudicaria o ecossistema da região e traria grandes prejuízos
à população local, que teria de ser reassentada. Passaram então a defender a
permanência da população local como possibilidade de, ao mesmo tempo,
impulsionar a economia local e preservar a ecologia da região.
O arquiteto também desenvolveu uma carreira na UICN, tendo sido
responsável, dentre outras coisas, pela organização do IV Congresso Mundial
de Parques Nacionais, no ano de 1992. Foi a partir deste congresso que a
associação passou a defender oficialmente a ideia de que as populações locais
poderiam contribuir para a preservação ambiental e ainda beneficiarem-se
economicamente da presença do turismo em áreas de Parques, colocando-se
oficialmente contrária à demoção dos grupos humanos residentes na áreas de
PNs.
Desde que o termo ecoturismo fora criado, uma serie de autores,
pesquisadores, agencias nacionais e internacionais vem propondo uma série de
caracterizações a ele (BALLANTYNE; PACKER, 2013; HIGHAM, 2007) todas
parecem trazer consigo a ideia central de Lascurain de se tratar de um
deslocamento passageiro a áreas de natureza relativamente bem preservadas e
onde os e as turistas poderiam conviver com as manifestações culturais nelas
encontradas, gerando benefícios tanto para a economia local, quanto para a
preservação ambiental.
Não pretendo, aqui, apresentar uma definição fechada daquilo que
entendo ou entende-se por ecoturismo, nem mesmo discorrer a respeito das
divergências entre diversos autores a respeito do que seria ou não ecoturismo e
se ele contribuiria ou não para a preservação ambiental e para a erradicação da
pobreza74.
74 Existe um longo e caloroso debate acadêmico a respeito dos impactos do estabelecimento da indústria do ecoturismo ao redor do mundo. Os autores parecem concordar com fato de que, a despeito das promessas de contribuição da prática para a preservação ambiental, seus impactos
136
Desde que cheguei à região da Chapada Diamantina, deixei um pouco de
lado este ímpeto de querer encontrar uma definição estrita do que seria o
ecoturismo e de determinar quais seriam seus contornos específicos na região
e passei a encara-lo enquanto uma das coisas (HENARE et al, 2007) que as
pessoas que se deslocam até a Chapada Diamantina procuram vivenciar.
Questionando as pessoas que circulam pela Chapada Diamantina a
respeito do que entendem por ecoturismo, as respostas são sempre muito
particulares. Elas, contudo, possuem como traço bastante recorrente a ideia de
se tratar de uma modalidade de turismo realizada em ambientes mais naturais,
aproveitando-se de estruturas mais rústicas e produzindo um menor impacto
ambiental do que aquele causado por aquilo que se costuma chamar de turismo
convencional e que os autores costumam chamar de turismo de massas.
Raramente as pessoas colocam a questão do benefício econômico e do
empoderamento que a prática pode proporcionar às populações locais como
característica marcante do ecoturismo.
Ao ler uma das entrevistas realizadas por Senilde Guanaes (2002) como
substrato para sua dissertação de mestrado, me deparei com uma visão de Roy
Funch, biólogo estadunidense apresentado nas páginas que compõe o primeiro
capítulo deste trabalho, que se aproxima bastante da maneira como procuro
enxergar o ecoturismo e suas particularidades regionais na Chapada
Diamantina:
Ecoturismo, obviamente não é um conceito fixo, ecoturismo é uma palavra como democracia, é uma palavra que depende do que você quiser, pode servir para uma coisa pode servir para outra (...) parece que ecoturismo para a maioria das pessoas é o mesmo turismo do homem novo você vai num lugar bonito e faz turismo lá, talvez é o turismo no sentido mais puro, seria turismo com pouca infra estrutura, mais a pé, menos carro, menos desenvolvimento nos pontos turísticos; (...) ecoturismo deve ser mais como andar na serra, sei lá. (...) Então o ecoturismo é o ecoturismo, fica difícil impedir um empresariozinho lá embaixo ligar o som dele a toda altura, a noite toda, tirando o sono da metade da cidade, não sei como se vai nem para onde vai essa discussão, não sei dizer se isso é ou não é ecoturismo. (Roy Funch, 2001, apud. Guanaes, 2002, p. 169 – 170).
são difíceis de medir e bastante sentidos nas localidades que adaptaram-se para recebe-la A este respeito o leitor poderá consultar os trabalhos de Ballantyne e Packer (2013), de James Higham (2007) e de Rosaleen Duffy (2002), por exemplo.
137
Além de dar conta de apresentar a multiplicidade de caracterizações
possíveis para o termo, a fala de Roy Funch nos permite perceber o ecoturismo
tanto enquanto uma prática, quanto como enquanto aquilo que chamaria de um
vetor de desenvolvimento e que Duffy (2002) de estratégia de desenvolvimento
econômico.
Funch, que vive há mais de três décadas em uma cidade que viu sua
economia florescer novamente por conta dessa prática e que, tal como pudemos
perceber ao longo do primeiro capitulo deste trabalho, muito contribuiu para o
desenvolvimento do setor turístico de Lençóis e da região da Chapada
Diamantina, parece perceber o ecoturismo enquanto uma atividade econômica
que traz consigo uma série de novas maneiras de se habitar a paisagem da
Chapada, algumas delas inconvenientes, como o caso do empresário descrito
na fala apresentada acima.
Desde que passou a fazer parte de nosso mundo, o ecoturismo vem
crescendo em uma velocidade galopante e chegando a cada vez mais lugares.
Segundo pude observar, a partir do contato com a literatura sobre a prática
(DUFFY, 2002, p. ex) sua crescente difusão pelo mundo teria uma relação
estreita com, pelo menos, duas tendências do capitalismo da virada do século
XX para o XXI: a popularização do discurso sobre a sustentabilidade (MARTINS,
2011) e a economia experiencial (PINE; GILMORE, 1999).
A popularização dos discursos sobre a sustentabilidade foi um fenômeno
que ganhou expressividade internacional desde pelo menos o final dos anos
1970. Nesta época, os debates a respeito da escassez dos recursos naturais –
surgidos em um momento de crise do sistema capitalista (GUIMARÃES, 1995) -
mobilizaram a formação e a popularização de movimentos sociais em defesa da
ecologia e a realização de conferências internacionais organizadas pela ONU
(LIMA, 2003).
Na década seguinte, este movimento ganhou força com os trabalhos do
economista Ignacy Sachs (1986), que acreditava que o momento de crise pelo
qual o sistema capitalista vinha passando deveria ser encarado enquanto um
sinal para a necessidade de reavaliação da noção de desenvolvimento
econômico dominante.
138
A alternativa, segundo o economista, seria a de a humanidade voltar-se
para aquilo que chamou de ecodesenvolvimento, o desenvolvimento econômico
voltado à solução das desigualdades entre os povos promovidas pelo
capitalismo até então, orientado para um uso dos recursos que tivesse como
preocupação central as necessidades das gerações futuras.
As ideias de Sachs seriam apropriadas pela comissão especial Nosso
Futuro Comum, criada pela assembleia geral da ONU no ano de 1983, que tratou
de retirar de sua pauta alguns conteúdos emancipadores do discurso de Sachs
(LIMA, 2003), cunhando a noção de desenvolvimento sustentável, um modelo
de desenvolvimento que atendesse às necessidades do presente sem
comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem às suas.
O desenvolvimento sustentável tornou-se, então, um dos corolários do
sistema capitalista neoliberal e foi responsável por conferir um grande fôlego a
este, unindo os quatro cantos do globo em torno de um objetivo comum e
constituindo-se enquanto um dos elementos propulsores do movimento de
globalização (LUCHIARI, 1998).
Desde a publicação dos trabalhos da referida Comissão, o discurso do
desenvolvimento sustentável foi sendo incorporado pouco a pouco às políticas
econômicas nacionais e transnacionais (ibidem). Atualmente, passados quase
30 anos da publicação do relatório Nosso Futuro Comum, resultado dos
trabalhos da comissão especial da ONU, podemos perceber a força e a vitalidade
que este processo teve no desenvolvimento do sistema capitalista e na vida
daqueles que dele fazemos parte, tal como o cartaz da secretaria de turismo da
prefeitura de Ibicoara apresentado na página 129 pode nos sugerir.
A partir de então, “a responsabilidade ambiental pass[ou],
gradativamente, a ser encarada como uma necessidade de sobrevivência,
constituindo um mercado promissor” (MAIMON, 1994, p. 121) que fez surgir em
nosso mundo uma série de ecoprodutos75, dentre eles o ecoturismo.
75 Dália Maimon (1994) define os ecoprodutos como produtos environmental friendly, que podemos traduzir enquanto produtos amigos do meio ambiente.
139
A demanda crescente pelo Ecoturismo, acreditam uma série de outros
autores (GOSSLING; HUTMAN, 2006; DUFFY, 2002), estaria também
intimamente relacionada com o advento da economia experiencial, chamada por
alguns de a quarta fase da economia global76 (SUNDBO, 2013).
O surgimento dessa faceta da economia capitalista provocou uma série
de efeitos na indústria do Turismo. Segundo Urry e Larsen (2011), a partir dos
anos 1980, a oferta e a demanda dos produtos ou experiências turísticas
passaram por uma segmentação, levando a uma diminuição da importância dos
destinos mais consagrados até então e o desenvolvimento do setor em cada vez
mais localidades do planeta.
Podemos definir a economia experiencial enquanto uma modalidade de
negócios em que a experiência do consumidor constitui-se enquanto o valor
primordial. Por ser tratada, também, de uma fase de desenvolvimento do sistema
capitalista, podemos compreender a economia experiencial enquanto um
momento histórico a partir do qual esta modalidade de negócios tornou-se
característica expressiva da economia global.
A partir dela, tem-se a valorização da ideia de que o consumo de
determinados produtos levaria ao consumidor a oportunidade de vivências
individualizadas e singulares e que poderiam provocar, naqueles que a
consomem, possibilidades de transformações e aprendizagens (PINE;
GILMORE, 1999).
A experiência de deslocamento temporário para áreas remotas do mundo
em busca de vivências únicas parece ser prática que vem fazendo parte de
nosso mundo desde pelo menos o século XIX. Os interesses das companhias
ferroviárias no estabelecimento dos primeiros PNs dos EUA, processo sobre o
qual falamos ao longo do segundo capítulo deste trabalho, parecem confirmar
essa suposição.
Se afirmo que a economia experiencial teve um efeito na difusão do
ecoturismo é por perceber que, a partir da década de 1980, este tipo de
experiência que procuramos compreender neste trabalho, que outrora era
76 As outras fases teriam sido a agrária, a industrial e a de serviços.
140
limitado a um reduzido grupo de pessoas oriundas, geralmente, das classes
urbanas mais abastadas, passou a fazer parte da vida de um volume cada vez
maior de pessoas.
Essa acelerada difusão da prática, tanto na esfera mundial, quanto na
região da Chapada Diamantina tornou-se possível, a meu ver, por uma série de
outros fatores, alguns dos quais elenco nos parágrafos que encerram esta
sessão do capítulo.
O crescimento do setor de aviação global - cujo volume de voos
comerciais mais do que triplicou entre o ano de 1986 e o início da década
presente (RUTHERFORD, 2011) - e nacional - cujo setor cresceu “mais de 3,5
vezes o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) do País e mais de 14 vezes
o crescimento da população”77 entre os anos de 2010 e 2014 – provocou um
cenário de barateamento das passagens aéreas e tornaram as regiões
ecoturísticas cada vez mais acessíveis.
A popularização do veículo automotor de passeio em nosso país - cuja
frota mais do que dobrou entre as décadas de 2000 e 2010 (INCT, 2013) - e a
melhoria das estradas e vias de acesso às regiões mais remotas do país
tornaram a região cada vez mais acessível para o e a turista nacional e mesmo
para aqueles que vem de outros países.
O que pude observar, ao longo dos últimos sete anos que venho visitando
periodicamente a região é que a proporção de turistas oriundos de outros países
é cada vez menor e cada vez mais pessoas vindas de grandes centros urbanos
como Salvador, Brasíia, Aracaju, Rio de Janeiro e São Paulo e de cidades de
médio porte da Bahia, como Feira de Santana, Vitória da Conquista, etc., vem
se deslocando, de carro, à Chapada Diamantina.
O crescimento da oferta de produtos e equipamentos desenvolvidos
especialmente para este tipo de atividade - tais como barracas, isolantes
térmicos, sacos de dormir, mochilas, botas, cajados, cantis, aparelhos de
localização geográfica, etc - facilitaram o deslocamento de pessoas pelos
77 Informação disponível no Portal Brasil, página oficial do Governo Federal, publicada em 02/06/2014. Disponível em <http://www.brasil.gov.br/infraestrutura/2014/06/na-ultima-decada-transporte-aereo-registrou-crescimento-3-5-vezes-maior-do-que-o-pib>. Acesso em 12/01/2017.
141
destinos onde se realiza a prática do ecoturismo e vem tornando a experiência
de se passar longos dias caminhando e carregando vários itens cada vez menos
onerosa.
Um maior volume de informações a respeito destas regiões - disponíveis
em blogs e redes sociais, grupos de discussão na internet, guias turísticos online
e impressos, etc., - e a midiatização da prática e destes destinos - que passaram
a ser objetos de séries documentais, programas de reportagem, matérias de
jornal, propagandas, etc. - vem fazendo com que cada vez mais pessoas
interessem-se pela prática.
O acelerado crescimento urbano observado em nosso país - tal como a
figura 24 nos mostra - e na grande maioria dos países do mundo a partir do
último quarto do século XX também parece ter favorecido bastante o crescimento
do setor e o crescimento do volume de turistas que se deslocam ao Vale do Pati.
O leitor compreenderá com maior clareza a relação entre o crescimento urbano
e o crescimento da demanda pela experiência de ecoturismo no Pati na sessão
seguinte deste trabalho.
Figura 24: Evolução da população nacional rural e urbana por década. Elaborado por Teló e David (2012), a partir de dados do censo do IBGE.
A viagem, uma experiência de auto-descoberta e de auto-superação
(...) Já levávamos mais de uma hora no carro quando Janice, turista de Feira de Santana, na Bahia, perguntou a Marta, paulista erradicada no estado de Santa Catarina: `Amiga, tu parece uma pessoa experiente nesse tipo de turismo, me responda uma coisinha, o que é que tu tá buscando ao se jogar neste tipo de aventura? Marta então respondeu: ̀ Eu procuro sempre ter esse tipo de experiência mesmo, pois elas me fazem muito bem No ano passado, fiz algumas trilhas pela região dos Canyons, no Sul do país. Também fui à Macchu Picchu (...) Sinto-me uma pessoa da cidade, não conseguiria, como Daniel, viver em um lugar como este, é tudo muito
142
parado e gosto do fluxo da cidade, da ideia de ser uma pessoa que se perde na multidão. Mas sinto uma necessidade muito grande de me levar para estes lugares em busca de paz. Eu faço tudo isso é para me conhecer melhor, eu acho. Sinto que, a cada uma destas viagens, saio com a sensação de que me conheço um pouco melhor e percebo, ao voltar para casa, o efeito das coisas que descobri nestes lugares em minha vida, que acaba ficando mais leve, menos stressada. Essas viagens fazem eu ter mais força para me jogar novamente no caos da cidade. Quando sinto o peso da rotina cair sobre minha cabeça e me deixa um pouco louca, pego minha mochila e procuro um lugar como este (...) A fala de Márcia me botou a pensar em tantas coisas: nos escritos de John Muir e sua ideia de que o contato com a wilderness proporcionaria alívio àqueles que se deslocassem periodicamente a ela (...). Na pesquisa conduzida por David Picard e sua ideia de que experiências turísticas levariam às pessoas que vivem na cidade uma série de aprendizados, por entrarem em contato com um ambiente que contrasta com o seu.
(Registro de campo, entre o Capão e o Guiné, 21/08/2016).
A fala da turista Márcia carrega consigo um elemento que é bastante
mobilizado pelas pessoas para definirem aquilo que procuram ao engajarem-se
na prática do ecoturismo.
Tal como a história do médico de Mucugê, apresentada no início da
sessão anterior nos indica, o contato com o trabalho de outros autores
(GOSSLING; HULTMAN, 2006; DUFFY, 2002) nos confirma e minha própria
experiência enquanto turista reflete, a busca pelo auto-descobrimento parece
constituir-se enquanto característica marcante da prática do ecoturismo.
Esta busca, conclui a pesquisadora Rosaleen Dufy (2002), professora do
departamento de Ciência Política da Universidade de Sheffield, a partir de um
extenso material colhido por meio de conversas e entrevistas com pessoas que
participam do circuito ecoturístico de Belize, na América Central, se constrói a
partir da negação de uma série de confortos e luxos, que configuram uma
experiência que a autora caracteriza enquanto uma experiência de auto-negação
e da auto-indulgência.
Junior parece perceber com bastante clareza este interesse nas pessoas
que se deslocam até o Vale do Pati e que se hospedam em sua residência. Ele
costuma falar que a gente sempre o diz: `Conforto eu tenho em casa, aqui eu
quero mesmo é simplicidade. A gente vem até aqui para experimentar um estilo
de vida mais simples.’.
O Vale do Pati, enquanto destino de ecoturismo, ainda possuiria uma
outra característica marcante, que a meu ver, constitui-se enquanto um dos
143
elementos mais marcantes da experiência vivenciada pelas pessoas que se
aventuram pelo Vale e por alguns outros caminhos da região da Chapada
Diamantina e que seguramente vem contribuindo para o crescimento da procura
por este tipo de experiência.
Por ser acessado pelo e pela turista somente a partir de uma longa e
relativamente extenuante caminhada, o turismo no Pati envolve uma boa dose
de auto-superação. Diferentemente de outros destinos de ecoturismo que podem
ser acessados por veículos, no lombo de animais, ou que compreendem uma
pequena caminhada, o trekking do Vale do Pati constitui-se enquanto um desafio
para aqueles que se lançam em seus caminhos e este elemento é bastante
valorizado pelos e pelas turistas com quem tive a oportunidade de conversar.
Uma situação que pude observar na saída de outra trilha do PNCD, a de
Águas Claras78 - em um local relativamente próximo de onde fixei residência para
o desenvolvimento desta pesquisa e que costumava frequentar para a prática de
natação – parece evidenciar o que as pessoas sentem ao concluírem, com êxito,
uma longa caminhada como estas:
Era por volta das quatro da tarde e já havia tomado meu banho. Descansava na beira do rio que fica na saída da trilha para Águas Claras e lia The perception of the environment, de Tim Ingold, quando um grupo de seis turistas findou sua trilha: gritavam e batiam palmas, como se estivessem comemorando o feito (...) Uma das pessoas começou a cantar música We Are The Campions - Somos os campeões - da banda britânica Queen (...) Isso me botou a pensar em como as práticas de caminhada parecem constituir-se enquanto um desafio para aqueles que nela se engajam. Uma boa dose de sensação de auto-superação invade os turistas quando percebem que conseguiram vencer o cansaço provocado pelos longos quilômetros caminhados, neste caso cerca de 18km, e pelo forte sol que incide sobre nossas cabeças nas caminhadas pelos gerais, que por possuírem uma vegetação rasteira, por terem sido locais em que a criação de gado imperou até os anos 1990, pelo menos, possuem poucas árvores e oferecem pouca sombra àqueles que por estes locais se deslocam.
(Registro de campo, Vale do Capão, 22/04/2016)
Este elemento da auto-superação envolvida na caminhada do Vale do Pati
é bastante recorrente nas aparições do Vale na mídia. O semanário de
reportagens do maior canal de televisão do país, o Globo Repórter, dedicou dois
78 A toca das águas claras é uma pequena cachoeira que fica dentro do PNCD, ao pé do Monte Tabor, mais conhecido como Morrão do Vale do Capão.
144
de seus episódios à região da Chapada Diamantina, entre os anos de 2014 e
2015.
Naquele que é composto quase que exclusivamente por um passeio da
equipe pelo Vale do Pati, levado ao ar no dia 17 de Outubro de 2014, podemos
perceber que o elemento da auto-superação é bastante mobilizado pelo âncora
e narrador do programa.
Após subir cerca de 4 km e caminhar por dento de uma gruta que fica no
alto da montanha, a equipe de filmagens havia acessado um dos mirantes do
castelo, quando o narrador então diz:
E como valeu a pena todo esforço. Estamos exaustos, mas aí está a recompensa. Não há cansaço que atrapalhe a sensação boa de estar aqui. Não tenho palavras pra descrever, só a certeza de ver o quanto somos pequenos, diante de tanta grandeza e tanta beleza.
Uma estratégia narrativa do episódio do semanário me parece ter sido
feita pela equipe justamente para reforçar essa questão da auto-superação como
elemento importante da experiência do ecoturismo que vem se desenvolvendo
no Vale do Pati. Trata-se da escolha da personagem para ser acompanhado ao
longo de seu trajeto pelo Vale do Pati ,o turista Eloi, que passara por algumas
cirurgias no joelho antes de aventurar-se pelo Vale e que ao fim de sua jornada,
como diz o narrador pouco antes de encerrar-se o trecho do programa a respeito
do Pati:
(...) também conseguiu vencer os 5 dias de trilha. Ë mesmo emocionante a sensação de vitória (...) Afinal, foram 5 dias difíceis e inesquecíveis. 60km a pé. Subindo e descendo montanhas. (...) Esse sentimento de mudança a gente só consegue ter mesmo quando a gente conhece esse lugar que é apenas um pequeno pedaço da grande chapada diamantina.
Em outro programa de televisão, veiculado no horário nobre do domingo
pela segunda maior emissora do país, a Rede Record, a apresentadora Xuxa
Meneguel, recebeu a visita da cantora baiana de Axé, Ivete Sangalo, que, em
parte de sua aparição, contou à apresentadora e ao público um pouco da
experiência que vivera no Vale do Pati:
145
Nessa minha vida doida ou eu corro na esteira, eventualmente na rua, ou eu caminho da casa pro carro do carro pra van, viajo pro show. Eu caminho muito pouco. Eu estava sentindo falta de caminhar. Aí Daniel [seu marido], que também tem uma relação muito intensa com a natureza, eu disse a ele eu tenho uns dias para tirar de folga só eu e ele (...) A gente andou 50 km em três dias, uma delícia andando por essas trilhas. A Chapada é um lugar de energia (...) Foi uma delícia pra gente porque eu sou uma pessoa desse contato com a natureza. E durante o caminho a gente dormia na casa das pessoas do lugar (...) Com essa correria da gente a ideia que a gente tem de passeio é ficar em beira de piscina, comendo que só (...) E eu me reconectei, me refiz. Eu voltei com eu quente e deus fervendo, foi massa.
A fala de Ivete me faz lembrar de uma noite no campo, quando conversava
com o turista Marcos, do interior de São Paulo, enquanto preparávamos cada
qual o seu jantar. Em determinado momento, Marcos passou a me contar
algumas das questões que o impeliram a deslocar-se ao Vale em companhia de
sua esposa, Julia.
Marcos dizia que, quando em casa, eles usavam o carro para todo e
qualquer deslocamento, `até para a padaria da esquina` e que escolheram ir ao
Vale para ̀ tirar a ferrugem das pernas e para viver um pouquinho da simplicidade
da vida no campo`. Além disso, a viagem era aproveitada por eles para
mostrarem a eles mesmo que ainda podiam enfrentar longas caminhadas, tal
como faziam quando da época em que se conheceram, quando costumavam se
engajar em práticas de caminhada pelos `rincões do Brasil`.
Em contato com a literatura (GOSSLING; HULTMAN, 2006; HIGHAM,
2015; DUFFY, 2002) sobre o ecoturismo e em conversa com os e as turistas que
passam pela região da Chapada Diamantina, passei a perceber que a
simplicidade e a rusticidade são outros elementos bastante valorizados por
aqueles que praticam o ecoturismo.
Desde as últimas décadas do século XX, a busca por experiências de
aprendizagem a partir de vivências que carregam consigo estes elementos
passou a figurar enquanto uma das motivações centrais dos e das turistas que
se deslocam a regiões remotas em busca de vivenciarem suas experiências
ecoturísticas (DUFFY, 2002).
146
Em seu tempo livre (CORBIN, 2001), os e as turistas, geralmente
trabalhadores da sociedade urbana (MARTINS, 2011), passaram a valorizar
experiências de aventura, buscando vivenciar situações distintas de suas
situações rotineiras (FERREIRA; CARNEIRO, 2005), situações que chamaria de
ruptura limitada, porque controladas e mediadas por uma série de outros
elementos que habitam a paisagem na qual se engaja para a prática do
ecoturismo, tais como as marcas deixadas por aqueles que por ela passaram e
pela presença de outros agentes, tais como os guias e as pessoas que residem
na região.
Ao vivenciar estas situações, o e a turista pode, pelo contraste,
experimentar uma série de aprendizagens e alívios, os quais seriam levados na
bagagem em seu retorno à casa e os conferiria maior fôlego e disposição para
encararem seu dia a dia (PICARD, 2010).
O interesse em procurar compreender os efeitos da vivência de
experiências de turismo na vida das pessoas que se engajam em tal atividade
constitui-se enquanto um importante elemento do trabalho do antropólogo David
Picard, professor da Universidade de Lausane, na Suíça.
Picard viveu por longos anos na ilha de La Reunion - parte do estado
francês localizada a leste da ilha de Madagascar, no Oceano Índico - tendo
atuado como pesquisador e guia turístico. Isso permitiu que ele pudesse conduzir
suas pesquisas de modo a buscar compreender os diversos momentos que
fazem parte da experiência turística daqueles que se deslocam à ilha em busca
de seus paraísos naturais, neste caso, as praias da ilha e seus bancos de corais.
O antropólogo, ao longo de sua obra, preocupa-se em descrever a
maneira como as pessoas se preparam para suas jornadas, a maneira como se
colocam e reagem frente a ela durante o período que passam viajando e o
impacto desta experiência em suas vidas após retornarem à sua rotina.
Para este último fim, Picard realizou visitas a alguns turistas, que foram
por ele guiados ao longo dos anos em que passou trabalhando enquanto guia
em La Reunion, em suas residências, trocando histórias e registrando suas
memórias e impressões. A importância das fotografias tiradas ao longo da
147
viagem é destacada por Picard (2013) enquanto elementos que favorecem as
lembranças da jornada e enquanto registros que são apresentados pelos
viajantes àqueles que os visitam em sua residência, servindo de gatilhos para
que uma série de histórias da viagem possam ser contadas.
O autor também se preocupa em procurar compreender os efeitos do
processo de turistificação da ilha sobre a sua paisagem e para tal fim, lança mão
do conceito de gardening79. Segundo Picard (2012), a ilha em que estudara vem
sendo cultivada, no esquema global das coisas, enquanto um jardim
contemplativo, um espaço controlado e modelado de acordo com alguns
elementos da imaginação moderna.
Para Picard (2010), o turismo, em casos como este, iria pouco a pouco
introduzindo na vida local um novo sistema de valores dentro do qual a geração
de renda não estaria mais atrelada à fertilidade dos solos e à produtividade do
trabalho, mas sim aos valores estéticos, paisagísticos e simbólicos valorizados
pelos e pelas turistas e pela indústria do turismo.
O trabalho dos locais com a terra passaria, então, a ter valor enquanto ato
performático de cultivo e manutenção dos jardins e enquanto apresentação de
um modo de vida em harmonia com a natureza.
O caso do Vale do Pati me parece um pouco mais complexo do que
aquele observado pelo autor. Depois de algumas décadas vivendo do pouco que
a terra poderia lhes proporcionar, os Patizeiros parecem tem construído uma
relação de afeto para com a lida com a terra.
Mesmo depois do boom do turismo no Vale, seus habitantes seguem
cultivando um pequeno roçado próximo ao quintal de suas casas. Não mais
dependendo da agricultura para a subsistência, os moradores do Vale do Pati
seguem cultivando café, banana, aipim e ervas para o consumo próprio e para
servirem e venderem aos turistas que em suas casas se hospedam.
Diferentemente daquilo que Picard (2010; 2012) observa em seu contexto
de pesquisa, estes pequenos roçados cultivados pelos Patizeiros pouco são
79 O termo gardening poderia ser traduzido enquanto o ato de se cultivar um jardim.
148
consumidos enquanto `atrativos` turísticos. Em todas as minhas visitas ao Vale,
nunca presenciei uma situação em que um turista fora convidado a conhecer o
roçado, que geralmente localiza-se em uma região da casa onde os turistas não
transitam.
Certo dia, conversando com Pedro, filho de D. Paula, perguntei a ele sobre
o motivo que havia levado a família a dedicar-se menos à roça ou à agricultura.
Ele me respondeu que, desde que o turismo cresceu, não havia como dar conta
de todos os afazeres e, neste caso específico ̀ era melhor comprar do que fazer`.
A agricultura demandava muita dedicação, longas horas de trabalho
debaixo do sol e poucos retornos financeiros. Tendo encontrado condições de
comprar comida nas cidades em volta, os Patizeiros escolheram por dedicarem-
se menos à agricultura para poderem lidar com os trabalhos que envolvem
receber os e as turistas em casa: limpeza, organização, cozinha, informações,
troca de experiências, dentre outros.
Os jardins de suas casas, entretanto, são bastante bem cuidados80: As
flores que habitam os quintais do Vale do Pati impressionam os visitantes e
levam os e as turistas e os e as locais a conversarem bastante sobre plantas,
sobre seu cultivo, e também sobre o uso de certas plantas enquanto remédios,
hábito bastante cultivado no Vale até os dias de hoje.
Uma das famílias do Pati, percebendo esse gosto dos turistas pelas flores
da casa, teve a ideia de oferecer, como uma espécie de souvenir - uma pequena
lembrança - aos turistas que por lá se hospedam, uma série de sementes das
flores que cultivam para que levem consigo e as plantem (Fig. 25, na página
seguinte).
Abaixo apresento uma foto das margaridas de uma casa do Vale do Pati,
ao lado daquelas por mim plantadas no quintal da casa onde fixei residência para
o desenvolvimento desta pesquisa, a partir de algumas sementes que recolhi
nesta residência do Vale do Pati. Em minha última visita ao campo, decidi
mostrar, em meu celular, esta foto de minhas margaridas à família que oferece
80 O leitor curioso em saber um pouco mais a respeito da relação dos Patizeiros com seus quintais, hortas e jardins poderá consultar o trabalho de Senilde Guanaes (2006).
149
as sementes: todos pareceram bastante contentes ao verem o efeito de sua
prática de oferecer as sementes aos turistas.
Figura 25: Montagem realizada com uma fotografia tomada no Vale do Pati (direita) e outra tomada em minha casa no Vale do Capão.
Os Parques Nacionais, segundo Picard (2012) se constituiriam enquanto
grandes jardins, remodelados a partir de elementos da imaginação de seus
inventores e gestores, “de acordo com um olhar idealizado sobre a wilderness
endêmica – purificada e protegida” 81 (p. 142, tradução nossa), exagerando a
metáfora do gardening empregada pelo autor.
Esta citação de Picard me remete a uma situação descrita a mim por um
Patizeiro ao longo de uma das minhas primeiras incursões ao campo. O mais
utilizado caminho de acesso ao Pati - a rampa que conecta o Gerais do Rio Preto
ao Vale - encontrava-se extremamente degradada por conta das intempéries,
das fortes chuvas que incidiram na região no mês de Janeiro de 2016 e também
81 “(…) according to an idealized vision of endemic wilderness – purified and protected from ‘exotic’ plants, animals and ‘anthropogenic impacts`.”.
150
por conta do intenso fluxo de gente que por ela passou ao longo dos últimos
anos.
Muita gente que por ela passava defendia a ideia de que a rampa
necessitava passar por algumas reformas em seus trechos mais críticos, pois já
apresentava sinais de desgaste e alguns pontos estavam desbarrancando,
colocando em risco a vida das pessoas que por ela passavam. Os analistas do
ICMBio percebendo isso, começaram a planejar a reforma da rampa, havendo
consultado alguns Patizeiros a respeito da reforma.
A questão que se colocava à época, segundo este Patizeiro, era o desejo
dos analistas do Parque Nacional de que a reforma fosse conduzida sem o uso
de concreto, dado que o material destoaria da naturalidade - palavra sua - do
caminho.
Em obras, o caminho ficou fechado por pouco mais de um mês e alguns
de seus trechos acabaram, por fim, concretados. Construiu-se uma escadaria de
pedra que tornou a descida um pouco menos arriscada e amedrontadora para
os caminhantes, desconsiderando-se a questão da naturalidade do material. De
todo o modo, a escadaria, segundo um Patizeiro, combina com a paisagem e
ficou ótima para descer.
Acredito que esta questão a respeito da naturalidade dos materiais a
serem utilizados nas melhorias de estrutura dos PNs tenham relação direta na
preferência dos e das ecoturistas por aquilo que Picard (2010) aponta enquanto
uma tendência do ecoturismo: a valorização da rusticidade e que aqui chamamos
da valorização da simplicidade.
Segundo Picard (2010), a partir da difusão pelo mundo dos discursos
sobre a sustentabilidade, passou-se a valorizar, nos contextos onde se praticam
o ecoturismo, o uso de infraestruturas de baixa tecnologia e de matérias primas
oriundas das cadeias locais de produção de materiais.
151
Figura 26: A nova escadaria da Rampa do Pati
Outro efeito do processo de turistificação da ilha em que estudara,
percebido por Picard e que nos ajuda a compreender um pouco melhor o caso
do Vale do Pati, se dá na maneira como os habitantes locais são imaginados
pelos e pelas turistas e vendidos pela indústria do turismo. Os nativos da ilha em
que estudaram, segundo Picard (2010), passaram, a partir dos efeitos do
processo de turistificação sobre sua paisagem, a ser “ontológica e esteticamente
assimilados de acordo com a imaginação que inventa os jardins da wilderness
(...) [e foram] levados a contribuir com a sua exploração turística”82 (p. 142-143).
Percebo, em outro trecho do episódio do programa de televisão Globo
Repórter dedicado à Chapada Diamantina, um retrato deste olhar essencialista
sobre os Patizeiros, que os inventa enquanto representantes de um “arcaísmo
pastoral” (Comaroff e Comaroff, 2010, p. 37), detentores de um estilo de vida
investido de características como “ o exótico, o intocado, o pristino e – ainda pior
82 Do original: “became ontologically and aesthetically assimilated with such imagined gardens of wilderness and were made to contribute to their tourism-related exploitation”.
152
– o primitivo” (Duffy, 2002,p. xii) 83. Em determinado momento do programa, o
apresentador, ao falar sobre os habitantes do Vale do Pati, assim os apresenta:
Em completa harmonia com a bela paisagem da natureza. É assim a vida de quem mora no Pati. Aqui não tem telefone nem televisão nem internet. É um mundo desconectado.
Os e as turistas, ao falarem de sua percepção a respeito do modo de vida
dos habitantes do Vale do Pati, raramente falam da vida dos Patizeiros enquanto
uma vida em harmonia com a natureza. A grande maioria dos e das turistas, ao
falarem sobre de sua percepção da vida de quem mora no Vale, trazem à tona
uma ideia de simplicidade:
`A simplicidade da vida dos moradores do Pati é encantadora e nos ensina
muito. Aprendi muito nestes poucos dias em que estive aqui...precisamos de
muito pouco para sermos verdadeiramente felizes`, disse-me certo dia do mês
de Abril de 2016 a turista paranaense Claudia, em seu último dia de viagem pelo
Vale.
Esta ideia de simplicidade é bastante mobilizada em relatos de viajantes
disponíveis em blogs pela internet e também é apropriada pelas agências de
turismo da região na publicização de seus roteiros pelo Pati.
A partir do contato com uma literatura sobre o ecoturismo e das
observações que pude fazer a respeito da experiência ecoturística que vem se
dando no contexto do Vale do Pati e da região da Chapada Diamantina, posso
concluir que o contraste constitui-se enquanto um dos elementos centrais deste
tipo de atividade: a experiência do contato com o Outro, seja ela a mãe natureza
(Fig. 27, na página seguinte), ou a natureza em seu estado mais puro, ou pristino
– que provocaria uma vivência que traria “alento ao corpo e à alma” (PINHO,
2015b) (Fig. 28, na página seguinte); seja ele um grupo humano que habita
esses locais e que possuiria uma vida mais rústica do que aquela vivida pelas
pessoas que habitam a “selva de pedras” (PINHO, 2015b) vem proporcionando
àqueles que praticam o ecoturismo uma série de reflexões a respeito do sentido
83 Do original: “The host societies are packaged and commodified for consumption by an external audience, promising the exotic, the unspoilt, the pristine and- even worse – the primitive.”
153
de suas vidas e de suas escolhas - a possibilidade de “pensar na vida,
desapegar das coisas ruins e purificar suas ideias”(PINHO, 2015b). Passar por
este tipo de experiência traria um novo fôlego para “voltar à rotina, porém com
outros olhos, pensamentos e atitudes” (PINHO, 2015b) (Fig. 28, p. 146)84.
Figura 27: Postagem extraída do Facebook onde o Pati é descrito enquanto um lugar místico que é capaz de nos proporcionar um grande encontro com a mãe natureza.
Figura 28: Recorte de trecho da matéria sobre um roteiro de cinco dias realizado pela jornalista Verusa Pinho (2015b) no Vale do Pati.
84 Excerto de uma matéria sobre uma experiência de cinco dias de caminhada no Vale do Pati do Guia da Chapada. O Guia da Chapada é um negócio local, estabelecido no município de Lençóis, que publica anualmente um guia ilustrado com cerca de 60 páginas a respeito dos atrativos turísticos da região e que também possui um portal na internet que publica periodicamente conteúdo relacionado ao turismo na região. Disponível em: <http://www.guiachapadadiamantina.com.br/trekking-vale-do-pati/>. Acesso em 10/01/2017.
154
Considerações finais
A sensação de (quase) encerrar uma longa caminhada é extasiante ... me sinto como se estivesse entorpecido, de tão absorto que estive nos últimos dias desse processo sinuoso que foi a escrita da dissertação ... Fazia pouco mais de 14h quando dei por terminado aquilo que chamo de `primeiro corte` do trabalho, fechei a tela, levantei da cadeira, preparei a mochila e decidi pegar um caminho que desconhecia e que levaria à nascente de água que abastece a minha casa ... achei bonita a ideia de me engajar na busca pela fonte neste momento e me coloquei a seguir os canos montanha acima ... em pouco tempo de caminhada, cheguei a um paredão de pedra de uns 10 metros de altura de onde se via um cano coletando água. Subi o paredão e percebi que os canos passaram a cortar a montanha horizontalmente ... Fui seguindo seus rastros, num caminho cada vez mais fechado, íngreme, escorregadio e arriscado ... eram quase 16h quando decidi dar minha busca por vencida e retornar pelo caminho de onde viera ... quando cheguei de volta ao paredão, não consegui descer e percebi que os canos seguiam cortando a montanha, me sugerindo que abasteciam outras regiões do Vale que não a de minha casa ... segui-os sem saber ao certo onde me levariam, seguindo minha intuição e a certeza de que havia grandes chances de eles me conduzirem até o caminho que dá acesso à cachoeira da Fumaça, o qual avistei depois de alguns momentos de caminhada ... experimentei um alívio em avistar aquele caminho aberto, pisado e desci a montanha com uma sensação muito gostosa no peito ... Na volta me encontrei com Akash, um rapaz indiano que passou uma temporada na casa ao lado da minha e tinha acabado de voltar do Pati: ele me contava a sua experiência e eu, ao contar a minha, me vi devaneando a respeito do contraste entre elas ... (Vale do Capão, 07/02/2017)
Caminhar. Pensar caminhando. Caminhar conversando. Pensar e
conversar sobre o caminhar. Estas talvez tenham sido as atividades em que mais
me engajei ao longo dos meses em que trabalhei no desenvolvimento desta
pesquisa.
A cada caminho percorrido, experimentava uma série de sensações e
reflexões a respeito dos caminhos de minha vida, da pesquisa que vinha
inventando e daqueles que pretendia levar o leitor a percorrer ao longo das
páginas que compõem esta dissertação.
Desde que me mudei para a região, percebi a necessidade de cultivar este
hábito de caminhar por sua paisagem, a partir do qual desenvolveria uma série
de habilidades que me pareciam essenciais para que pudesse realizar as
recorrentes incursões a campo. Ao longo do processo percebi, tal como me
155
sugeria o livro de Tim Ingold e Jo Lee Vergunst (2008) que “o movimento de
caminhar é, por si só, uma maneira de conhecer”(p. 5)85.
Esta maneira bastante particular de conhecer e experimentar o mundo se
faz presente na rotina de uma boa parte das pessoas que habitam e residem na
região e o ato de falar sobre ele é algo que ocupa uma boa parte do tempo da
gente que habita a paisagem da Chapada Diamantina.
Conhecendo a região fui, pouco a pouco, experimentando a sua paisagem
e percebendo como nela inscrevem-se tanto os diversos elementos de sua
história, quanto as pegadas, ou marcas, deixadas pelas pessoas e coisas que
habitaram e vem habitando a sua paisagem.
O alívio experimentado por mim, no dia em que me engajei por caminhos
pouco percorridos pela serra que margeia a casa em que residi no processo de
desenvolvimento desta pesquisa, ao visualizar o largo caminho que dá aceso à
cachoeira da fumaça - outrora utilizado por garimpeiros para subirem a serra em
busca de pedras e muitas vezes percorridos por animais em busca de áreas de
pasto até os anos 2000 – confirmariam a minha intuição de que deveria
apresentar ao leitor, ao longo dos caminhos deste texto, uma versão da história
da ocupação humana na região, a qual, de alguma forma, ainda segue fazendo-
se presente em sua paisagem, exercendo influência sobre os (novos) modos de
habitá-la trazidos com o processo de turistificação.
Caminhando pela paisagem da Chapada Diamantina, vivenciei uma série
de encontros e registrei uma série de causos, histórias e percepções a partir dos
quais procurei apresentar ao leitor algumas questões e reflexões a respeito do
ecoturismo que vem, há mais de três décadas, habitando a paisagem do Vale do
Pati.
Curiosamente, ao chegar ao fim do caminho que compreende este
trabalho, percebo que questões relativas ao ato de caminhar, sua historicidade
e a sensação experimentada pelas pessoas ao se engajarem em tal prática
fizeram-se pouco presentes.
85 Do original: “(…) the movement of walking is itself a way of knowing.”
156
Depois de passar pela breve e intensa experiência narrada no início
destas considerações finais, passei a enxergar esta ausência enquanto uma
decorrência da maneira como me engajei pelos caminhos desta pesquisa: desde
a visita realizada como pré-campo, narrada na introdução deste trabalho, havia
percebido que o recorte proposto inicialmente não seria desenvolvido e que os
caminhos da pesquisa se constituiriam em torno da busca por compreender um
pouco melhor os contornos específicos do ecoturismo no Vale do Pati, suas
possíveis raízes históricas, seus efeitos sobre a paisagem da região e sobre a
vida daqueles que nela residem, sobre o que sua difusão pode nos informar a
respeito do mundo em que habitamos.
Tal como na experiência narrada, mesmo tendo chegado à fonte, ou ao
problema de pesquisa, minha intuição me dizia que deveria continuar seguindo
os canos montanha acima, ou procurar colocar outras perguntas, fato que
fizeram com que demorasse para retornar ao cerne de minha busca, mas que
me permitiu olhar para (outr)as questões de outros pontos de vista e
experimentar uma série de reflexões que, mesmo pouco exploradas ou até
mesmo ausentes, encontram-se de alguma maneira refletidas no texto.
A experiência narrada na abertura desta conclusão também me trouxe a
possibilidade de lapidação de uma série de reflexões que vinham se construindo
dentro de mim desde a minha chegada na região quando, ao conversar com o
operador de turismo na cidade de Mucugê, apresentado em um registro de
campo na página 130, este me disse: “entre o Pati e Mucugê tem lugar e
bonitezas para inventar outros dois Vale do Pati”.
Desde então, comecei a me questionar com mais afinco a respeito dos
elementos que podem ter ou tem contribuído para que os caminhos do Vale do
Pati sejam muito mais percorridos do que outros trekkings de duração de alguns
dias que são oferecidos pela região, como por exemplo os do Vale da Cachoeira
da Fumaça por baixo, no Vale do Capão, o da Fumacinha, em Ibicoara, ou
próprio passeio pelo Canion do Guariba, que fica numa região não habitada do
Vale do Pati de Baixo.
O caminho que me engajei serra acima, enfrentando o desconhecido e os
riscos de caminhar por um lugar pouco pisado – como se fala na região – , ou
157
menos percorrido, e portanto mais arriscado, me fizeram, ao conversar com o
turista indiano e contrastar as duas experiências, perceber com mais clareza, tal
como procurei explorar ao longo do quarto capítulo deste trabalho, a importância
daquilo que chamei de ruptura limitada para que cada vez mais pessoas se
desloquem ao Vale do Pati e se engajem em práticas de caminhada por sua
paisagem.
Acredito que a sugestão colocada por David Picard (2012) de imaginar os
lugares de natureza territorializada enquanto grandes jardins, cultivados de
acordo com a maneira como se imagina a wilderness, seja uma boa imagem
para se pensar a questão da ruptura limitada envolvida na prática do ecoturismo
que habita a paisagem do Vale do Pati.
Os Parques Nacionais parecem ter sua importância, para além da questão
da chamada preservação da biodiversidade, por se constituírem enquanto
lugares que tenham o poder de proporcionar a algumas pessoas, experiências
de auto-aprendizagem e de auto-superação e sentimentos de isolamento,
proporcionados pelo contato com a natureza, ou a wilderness – imaginada
enquanto a natureza em seu estado mais puro, ou pristino, tal como
apresentamos ao leitor em parte do caminho percorrido ao longo do terceiro
capítulo deste trabalho.
O Vale do Pati, ao longo das últimas três décadas, vem sendo cada vez
mais visitado por ter se transformado em uma paisagem propícia a oferecer às
pessoas experiências controladas e mediadas, as quais podem proporcionar
uma sensação de ruptura, acompanhada, ao mesmo tempo, de segurança e
conforto.
A presença dos Patizeiros e das Patizeiras no Vale, os serviços por eles
oferecidos e o contato proporcionado pela coabitação com os e as turistas
contribuem para a criação deste cenário de ruptura limitada: o lazer e o bem-
estar aliado a uma percepção de desconexão, isolamento, distanciamento e
contraste.
Sair da civilização, tal como a fala da motorista apresentada na introdução
e no título deste trabalho sugere, parece um sentimento bastante buscado pelas
158
pessoas que se engajam em práticas de ecoturismo. Observando a historicidade
pela qual o setor passou na região da Chapada Diamantina, podemos inferir que
quanto mais mediada a experiência e quanto menores forem os riscos envolvidos
na empreitada - mitigados pela presença de outras pessoas ou coisas que
habitam a paisagem do lugar - mais pessoas se dispõem a vivenciarem-na.
A criação de um Parque Nacional e o movimento de turistificação da
região, cujas possíveis relações foram exploradas ao longo do segundo capítulo
deste trabalho, fizeram com que o Vale do Pati e aqueles e aquelas que lá
residem vivessem uma situação bastante particular: ao mesmo tempo em que a
comunidade viu-se ameaçada pela criação de um Parque e pela insegurança
trazida com a possibilidade de demoção de seu território, a turistificação da
região lhes trouxe a possibilidade de permanência no Vale, o convite à
reinvenção de sua tradição, a positivação de sua memória social e de sua
identidade social enquanto Patizeiros e Patizeiras, produzindo um cenário de
empoderamento da comunidade frente às imposições e os riscos trazidos pela
presença de um Parque Nacional na região.
159
REFERÊNCIAS
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PATI. O que vale esse povo? Documentário, HD, 13`. Direção e Produção: Denise Santos e Sophia Midian, 2005.
PROGRAMA DA XUXA. Episódio 1. Transmitido em 07/09/2015. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=nH_uj6SC1b4>. Acesso em: 20/01/2017.
Trekking de 3 dias no Vale do Pati. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=Qx970AOygCQ>. Acesso em 22/01/2017.