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UNIVERSIDADE ESTÁCIO DE SÁ Raquel Fagundes Moreira DIREITO FUNDAMENTAL À MORADIA: INOVAÇÕES A PARTIR DA LEI 10.931/04 Rio de Janeiro 2006

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UNIVERSIDADE ESTÁCIO DE SÁ

Raquel Fagundes Moreira

DIREITO FUNDAMENTAL À MORADIA: INOVAÇÕES A PARTIR DA LEI 10.931/04

Rio de Janeiro 2006

Raquel Fagundes Moreira

DIREITO FUNDAMENTAL À MORADIA: INOVAÇÕES A PARTIR DA LEI 10.931/04

Dissertação de Mestrado apresentada à

Universidade Estácio de Sá como requisito

parcial para obtenção do título de Mestre em

Direito.

Orientador: Prof. Dr. Theóphilo de Azeredo Santos

Rio de Janeiro 2006

VICE­REITORIA DE PÓS­GRADUAÇÃO E PESQUISA

A dissertação

DIREITO FUNDAMENTAL À MORADIA: INOVAÇÕES A PARTIR DA LEI 10.931/04

Elaborada por

RAQUEL FAGUNDES MOREIRA

Foi aprovada por todos os membros da Banca Examinadora do Curso de Mestrado em Direito como requisito parcial à obtenção do título de

MESTRE EM DIREITO

Rio de Janeiro, ___ de _____________ de 2006.

BANCA EXAMINADORA

_____________________________________________

Prof. Dra. Rosangela Maria de Azevedo Gomes Universidade Estácio de Sá

_____________________________________________ Prof. Dr. Theóphilo de Azeredo Santos

Universidade Estácio de Sá

_____________________________________________ Prof. Dr. Flávio Bellini de Oliveira Sales

Universidade São Paulo

Aos meus pais e familiares, por tudo que me têm

proporcionado e pelo ambiente do meu lar, onde

encontrei o clima propício ao trabalho intelectual

aqui desenvolvido.

AGRADECIMENTO

Ao Professor Dr. Theóphilo de Azeredo Santos

pela disposição e dedicação.

RESUMO

A dissertação ocupou­se do direito fundamental à moradia e, especificamente, do estudo da

Lei 10.931, de 02 de agosto de 2004, que dispõe sobre o patrimônio de Afetação Imobiliária,

Letras de Crédito Imobiliário, Cédula de Crédito Imobiliário, Cédula de Crédito Bancário e

altera o Decreto­Lei 911/69, as Leis 4.591/64, 4.728/65 e 10.406/02, além de dar outras

providências. Tudo à luz da Constituição Federal de 1988. Para se verificar se o referido

Diploma Legal assegura os Direitos do Consumidor, pelos componentes do direito à moradia

– entre eles, especialmente, a segurança jurídica ­ , uma vez que esta constitui a essência do

indivíduo e de modo que, sem ela, a existência digna de outros direitos não é exercida plena e

satisfatoriamente. Para tanto, o objetivo é analisar se a referida Lei, realmente, proporcionou

maior segurança jurídica, transparência e credibilidade aos adquirentes de imóveis ­

atendendo a um dos componentes do direito à moradia ­ e se os consumidores foram,

realmente, beneficiados, sem deixar de verificar as inovações trazidas pelo novo Diploma

Legal. Além disso, procurou­se observar se a novel Legislação veio incentivar a retomada da

economia brasileira e constatar quais foram as alterações e inovações trazidas por ela no que

diz respeito não só às incorporações imobiliárias, como também aos instrumentos de

financiamento e captação de recursos para tal. Procurou­se, ainda, verificar os aspectos

positivos e negativos das matérias dispostas na referida Lei, observando se os direitos

fundamentais dos consumidores foram respeitados, visto que são garantidos pela Carta

Magna. Pretende­se concluir sobre os benefícios que o novo instituto poderá ou deverá trazer

ao crescimento e desenvolvimento do país, através das novas e complexas relações ali

tratadas.

ABSTRACT

The present dissertation intended to study the Law number 10.931, from august 02, 2004, that

disposes about the patrimony of Real State’s Affectation, Real State’s Bill of Credit, and

modify the Law Decree number 911/69, and the following Laws 4.591/64, 4.728/65 and

10.406/02, giving other providences beyond that. All this according to the Federal

Constitution of 1988, to verify whether the referred Law assures, through the components of

real state rights ­ among them, especially, the law security ­ , once it constitutes the essence of

the individual, and so much that, without it, the decent existence of other rights would never

happen plainly and pleasantly. So, the aim is to analyze whether the referred Law actually

provided a bigger legal security, transparency and credibility to the properties acquirers –

contemplating one of the components of real state rights ­, and if the consumers were really

benefited, and besides, to verify the innovations brought by the new Law. Furthermore, there

was a strive to observe if the novel Legislation came to encourage the resumption of the

brazilian economy and to establish which were the alterations and innovations brought by the

new Law not only on the matters of real state’s incorporations, but also on the financing

instruments and the resources capitalizing for such intent. On top of it all, the focus was to

verify the positive and negative aspects of the subjects disposed in the referred Law,

observing if the consumer’s fundamental rights were respected, since they are guaranteed by

the Constitution. The purpose is to conclude about the benefits that the new institute can or

will bring to the growth and development of the country, through the new and complex

relations there treated.

SIGLAS

ABNT – Associação Brasileira de Normas Técnicas

CC/02 – Código Civil de 2002

CDC – Código de Defesa do Consumidor

DL­ Decreto­Lei

EMERJ – Escola de Magistratura do Estado do Rio de Janeiro

HTML – Hypertext Markup Language

IAB – Instituto dos Advogados Brasileiros

IRIB – Instituto de Registro Imobiliário do Brasil

LRP ­ Lei de Registros Públicos

MP – Medida provisória

OAB – Ordem dos Advogados do Brasil

SERJUS – Associação dos Serventuários da Justiça do Estado de Minas Gerais

SFH ­ Sistema Financeiro de Habitação

SFI ­ Sistema Financeiro Imobiliário

TR­ Taxa Referencial

UFF – Universidade Federal Fluminense

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO......................................................................................................................11

CAPÍTULO I – A EFETIVAÇÃO DO ACESSO À MORADIA ATRAVÉS DA LEI

10.931/04 ................................................................................................................................16

CAPÍTULO II ­ CONTEXTUALIZAÇÃO DA LEI 10.931/04 NO TEMPO E NO

ESPAÇO...................................................................................................................................24

CAPÍTULO III – EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA LEI 10.931/04..........................................29

CAPÍTULO IV – O SISTEMA DE PROTEÇÃO DO ADQUIRENTE NO REGIME DAS

INCORPORAÇÕES IMOBILIÁRIAS....................................................................................34

CAPÍTULO V – INCORPORAÇÕES IMOBILIÁRIAS E O REGIME DE AFETAÇÃO DO

PATRIMÔNIO.........................................................................................................................40

V.1. – Do Regime Especial Tributário do Patrimônio de Afetação..................49

CAPÍTULO VI – INSTRUMENTOS DE FINANCIAMENTO E CAPTAÇÃO DE

RECURSOS..............................................................................................................................53

VI.1­ Da Letra de Crédito Imobiliário..........................................................................56

VI.2­ Da Cédula de Crédito Imobiliário .......................................................................60

VI.3­Da Cédula de Crédito Bancário ...........................................................................64

VI.4­ Dos Contratos de Financiamento de Imóveis .....................................................72

CAPÍTULO VII – INSTITUTOS AFINS ALCANÇADOS PELA LEI 10.931/04.................77

VII.1. – Condomínios em Edificações e Incorporações Imobiliárias...........................77

VII.2. – Alienação Fiduciária........................................................................................79

VII.3. ­ Alienação Fiduciária de Móvel........................................................................84

VII.4.­ Alienação Fiduciária de coisa imóvel...............................................................90

VII.5.­Alterações no Código Civil ...............................................................................93

VII.5.1. ­ Condomínios.....................................................................................93

VII.5.2. – Propriedade Fiduciária......................................................................96

VII.5.3. – Hipoteca............................................................................................98

VII.5.4. – Registros Públicos ............................................................................99

VII.5.5 – Outras alterações .............................................................................106

VIII ­ CONCLUSÃO .............................................................................................................108

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................................119

Introdução

O presente trabalho, destinado à conclusão do curso de Mestrado em Direito Público e

Evolução Social ­ linha de pesquisa Direitos Fundamentais e Novos Direitos, na UNESA,

Universidade Estácio de Sá, tem por objeto de estudo a Lei 10.931/04, com o propósito de

verificar se os objetivos iniciais que justificaram sua promulgação foram, de fato, cumpridos,

entre eles a transparência, a segurança e credibilidade aos adquirentes de imóveis.

Pretende­se verificar, ainda, se a referida Lei propiciou o desenvolvimento do país,

como era seu objetivo. E, por fim, verificar se os direitos fundamentais do consumidores

foram respeitados, analisando se estes se encontram em harmonia com a dignidade da pessoa

humana.

A Relevância Social do tema se deve ao fato de a possibilidade da Lei 10.931/04 ter

contribuído para o desenvolvimento do país através da criação de instrumentos mais

modernos que asseguram o desenvolvimento da economia e, também, pelo fato de possibilitar

maior segurança, transparência e credibilidade para os adquirentes de imóveis, já que a citada

Lei traz diversos assuntos de grande importância ao desenvolvimento econômico do país.

A economia brasileira, nos últimos anos, apresentou crescimento inferior em relação

ao seu real potencial, não só pela queda média da renda da população, das elevadas cargas

tributárias e dos juros, como também da baixa performance do mercado imobiliário, o que fez

com que o legislador apresentasse a nova legislação para impulsionar o crescimento

econômico e social do país.

Assim, projetou­se a Lei 10.931/04, que dispõe sobre o Patrimônio de Afetação de

Incorporações Imobiliárias, a Letra de Crédito Imobiliário, a Cédula de Crédito Imobiliário, a

Cédula de Crédito Bancário e alterou o Decreto­Lei n o 911, de 1 o de outubro de 1969, as Leis

n o 4.591, de 16 de dezembro de 1964, n o 4.728, de 14 de julho de 1965, e n o 10.406, de 10 de

janeiro de 2002, além de outras providências, com aprovação e promulgação em 04 de agosto

de 2004.

A Lei em estudo dispõe sobre assuntos diversos e todos de grande importância no que

tange ao desenvolvimento econômico do país, uma vez que traz, como questões principais,

assuntos relacionados às Incorporações Imobiliárias, ao Direito Bancário, à Alienação

Fiduciária, ao Registro de Imóveis, entre outros.

O presente estudo, porém, limita­se às inovações da Lei 10.931/04, não só abranger os

aspectos positivos e negativos das matérias ali dispostas, bem como verificar se os objetivos,

apontados na justificativa do seu projeto inicial, foram, de fato, cumpridos, propiciando um

maior nível de segurança e credibilidade e, conseqüentemente, mais transparência aos

adquirentes, resguardando­lhes com isso os direitos fundamentais de consumidores.

Cumpre lembrar que a defesa do consumidor é direito fundamental amplamente

garantido pela Magna Carta, ou seja, tais direitos são princípios constitucionais e, por isso,

devem ser assegurados em qualquer situação.

Não obstante, é importante lembrar se os interesses dos fornecedores foram

igualmente preservados, porque, também, são personagens importantes na relação

consumeirista, já que sem eles, certamente, não haveria a disponibilização da mercadoria para

o consumo.

Pretende­se, assim, verificar quais as contribuições que o novo instituto poderá ou

deverá trazer ao desenvolvimento do país, através das novas e complexas relações ali tratadas.

Nesse sentido, verifica­se a relevância social e a importância de se analisar a Lei

10.931/04 que quer aparelhar o país de instrumentos mais modernos que possam assegurar o

desenvolvimento da economia brasileira com maior transparência, segurança e credibilidade

aos consumidores.

Não se pretende realizar um estudo extensivo sobre todas as matérias enumeradas na

Lei 10.931/04, já que, como se verá adiante, a novel legislação faz referências a diversas

matérias.

Também não se almeja esgotar os assuntos referentes à própria Lei, uma vez que esta

relaciona­se a diversos temas de Direito, mas expor o mecanismo de funcionamento do novo

Instituto e seus efeitos no mercado imobiliário e financeiro.

E, ainda, pensando não só no crescimento econômico e social do país como, também,

na valoração atribuída ao Homem pelo Direito Moderno, optou­se por analisar a referida Lei

na tentativa de verificar se esta encontra­se em harmonia com a tutela da dignidade da pessoa

humana e, conseqüentemente, se os direitos do consumidor são respeitados em seu texto, visto

que o desenvolvimento econômico e o crescimento social devem estar amparados por tais

princípios constitucionais.

Ademais, levando­se em consideração que a matéria abordada é recente, há de se

deixar consignada a escassez considerável da doutrina e da jurisprudência sobre o tema.

Utiliza­se, para tanto, a pesquisa bibliográfica, elaborando­se um texto estruturado em

sete capítulos, de acordo com os assuntos trazidos pela Lei 10.931/04, alguns divididos em

itens, conforme o grau de afinidade entre estes.

Desse modo, segue­se à Introdução, o capítulo primeiro, no qual se realizou um breve

esboço contextualizando a Lei 10.931/04 no tempo e no espaço, em conformidade com as

transformações da sociedade e a necessária evolução do Direito.

No capítulo segundo, cuidou­se de proporcionar uma visão geral acerca da evolução

histórica da Lei 10.931/04.

Analisam­se, no capítulo terceiro, os sistemas de proteção do adquirente no regime das

incorporações imobiliárias, trazidas pela Lei 4.591/64, bem como o mais novo fundamento de

proteção ao adquirente através da Afetação do Patrimônio das incorporações imobiliárias.

Estudam­se os requisitos mínimos que, hodiernamente, regulamentam os contratos, além de

temas como os relativos às cláusulas gerais, à boa­fé e à função social, com destaque para a

equiparação do contrato de incorporação imobiliária ao de consumo.

No capítulo quarto, analisam­se as alterações feitas à Lei 4.591, de 16 de dezembro de

1964, que trata das incorporações imobiliárias, procurando­se detectar as inovações trazidas

pela Lei 10.931/04, bem como suas repercussões no universo jurídico.

No capítulo quinto, verifica­se o regime especial de tributação do Patrimônio de

Afetação e as vantagens tributárias trazidas ao incorporador optante por tal regime. Analisa­

se, ainda, o regime especial de tributação simplificada com alíquota única de 7% para as

incorporadoras imobiliárias.

Analisam­se, no capítulo sexto, os instrumentos de captação de recursos para

aumentar o desenvolvimento do país, verificando as inovações trazidas pelas Letras e as

Cédulas de Crédito Imobiliário e as Cédulas de Crédito Bancário e, ainda, em relação ao

pagamento dos valores incontroversos e controversos referentes a contratos de financiamento

imobiliário, objetivando tornar mais fácil, flexível e seguro do ponto de vista operacional e

jurídico.

No mesmo capítulo, verificam­se as modificações trazidas pela Lei 10.931/04 ao

Decreto­Lei 911/64, que trata da Alienação Fiduciária de bens móveis, em face da dificuldade

de recuperação do bem e do crédito após a apreensão judicial pelas Instituições Financeiras,

verificando­se, ainda, se tal diretriz preservou os princípios constitucionais garantidores da

defesa do consumidor, conforme assegurado na Magna Carta.

Ainda, no capítulo sexto, estudam­se as alterações feitas no Código Civil de 2002, na

tentativa de compatibilizar o instituto da propriedade fiduciária com o disposto na legislação

específica, que trata da Alienação Fiduciária de bens móveis e imóveis (Lei 9.514/97) e de

alterações atuais no mesmo Diploma Legal.

No capítulo sete, estão diversas questões pertinentes às “Disposições Finais” trazidas

pela Lei 10.931/04.

E, por derradeiro, a conclusão no oitavo e último capítulo.

O presente trabalho é investigatório e não parte de uma posição definida. Ao contrário,

acredita­se que essa posição será construída ao longo do processo, por meio da tentativa de

integrar diferentes abordagens e determinar se as lacunas da Lei 10.931/04 serão preenchidas

pelas regras do Código de Defesa do Consumidor (CDC), da Lei de Incorporações ou do

Código Civil.

Capítulo I­ A efetivação do acesso à moradia através da Lei 10.931/04.

Antes de adentrar nas inovações trazidas pela Lei 10.931/04, é importante destacar que

a Constituição Federal de 1988 deve figurar no centro do sistema do Direito Privado, uma vez

que está voltada para a promoção da dignidade da pessoa humana, da justiça material e da

igualdade substantiva.

Hodiernamente, não se pode olvidar da incidência dos direitos fundamentais nas

relações privadas e nem na inserção da pessoa como centro das preocupações do ordenamento

jurídico, “de modo que todo o sistema, que tem na Constituição sua orientação e seu

fundamento, se direciona para sua proteção”. 1

No contexto da economia capitalista, com o crescimento de grandes empresas e

associações, os direitos do Homem ficaram ameaçados quando as injustiças e opressões

surgiram, também, nas relações privadas travadas no mercado, na sociedade civil, nas

relações laborais e em tantos outros aspectos. E, por isso, o raio de incidência dos direitos

fundamentais foi ampliado para o campo das relações privadas.

O reconhecimento da força normativa da Magna Carta de 1998 e do caráter vinculante

de seus princípios contribuíram para o desencadeamento do processo de constitucionalização

do Direito Privado, onde a Constituição deve ser aplicada direta e imediatamente nas relações

privadas.

Esse fenômeno de aplicação imediata da Constituição nas relações privadas acarreta

mudança de perspectivas no Direito através do enfoque da “despatrimonialização” 2 e

personalização 3 do direito.

1 FACHIN, Luiz Edson. Sobre o projeto do Código Civil brasileiro: crítica à racionalidade patrimonialista e conceitualista. Boletim da Faculdade de Direito, Vol LXXVI. Coimbra, 2000. 2 Maior valorização do ser sobre o ter. 3 Percepção do sujeito no Direito como sujeito concreto portador de necessidades.

Por conta de tal fenômeno, tem­se a introdução/penetração do principio da dignidade

da pessoa humana na seara do Direito Privado, coma consagração da primazia dos valores

existenciais da pessoa humana sobre os patrimoniais no Direito Privado.

Segundo SARMENTO(2004): “Os direitos fundamentais existem para a proteção e

promoção da dignidade da pessoa humana, e esta é ameaçada tanto pela afronta às liberdades

públicas, como pela negação das condições mínimas de subsistência ao indivíduo.” 4

Nesse sentido, fala­se na “despatrimonizlização” 5 do Direito Privado, reconhecendo

que os bens e direitos patrimoniais não constituem fins em si mesmos e devem ser tratados

pela ordem jurídica como meios para a realização da pessoa humana 6 , devendo prevalecer o

“ser” sobre o “ter”.

Com isso, há uma necessidade de redefinição dos próprios direitos patrimoniais e

institutos correlatos como a propriedade, a posse e o contrato cuja tutela passará a sujeitar­se a

novos condicionamentos ligados a valores extrapatrimonias sediados na Constituição

conforme relata SARMENTO (2004).

Segundo o autor anteriormente mencionado, “a autonomia privada continua sendo

valorizada como emanação da liberdade humana, mas a ordem jurídica vai temperá­la com

preocupações sociais.” 7 , em que o intervencionismo estatal se justifica basicamente quando

da proteção da parte mais fraca da relação e, ainda, da promoção dos interesses gerais da

coletividade.

Cabe dizer que cresce a preocupação com a boa­fé objetiva, com o equilíbrio

contratual e se reconhece a função social dos contratos.

4 SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas. Editora Lúmen Júris: Rio de Janeiro, 2004. p. 36. 5 Op. Cit. 6 MATTIETTO, Leonardo de Andrade. Citado por SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas. Editora Lúmen Júris: Rio de Janeiro, 2004. 7 SARMENTO, Daniel . Direitos Fundamentais e Relações Privadas. Editora Lúmen Júris: Rio de Janeiro, 2004.

Nesse cenário de mudanças, no campo dos direitos reais, a função social da

propriedade e da posse são remodeladas na ânsia de compatibilizá­las com outros vetores

constitucionais como o direito à moradia e à proteção do meio ambiente.

Assim, o fenômeno da personalização se espalha por todos os campos do ordenamento

privado, confiando­lhe novo arranjo em harmonia com os valores sociais emergentes e com os

Princípios da Constituição da República. Tal constitucionalização conjuga mudanças

significativas na ordem jurídico­privada, que passa a girar em torno da pessoa humana e dos

seus valores existenciais. E os direitos patrimoniais “passaram a ser valorados como simples

meios para o desenvolvimento da pessoa humana”. 8

Prevalecem, portanto, os Princípios Constitucionais que têm função vital e que se

consubstanciam no próprio fundamento da norma jurídica, segundo informa SILVA (2005) 9 .

Para o autor, “os princípios possibilitam a integração de valores como os da liberdade,

igualdade, equidade, democracia, inviolabilidade da vida, integridade corporal e patrimonial,

no momento da feitura, interpretação e aplicação da lei”. 10

Os direitos fundamentais devem, então, ser assegurados, inclusive em Leis esparsas e

prevalecer em todos os ordenamentos jurídicos, inclusive no Direito Privado, porque oriundos

de Princípios Constitucionais.

O marco central da Constitucionalização do Direito acontece quando os princípios e

valores são esculpidos na Constituição, com a dignidade da pessoa humana e da solidariedade

social.

A Constituição Federal de 1988 deixa de apenas organizar o Estado e passa a ter valor

operativo nas relações privadas, servindo de diretriz dessas relações e tendo uma função

principiológica de valor operativo da hermenêutica e, ainda de resolução de antinomias à luz

8 SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas. Editora Lúmen Juris: Rio de Janeiro, 2004, p. 129. 9 SILVA, Roberto de Abreu. A Falta contra a Legalidade Constitucional. Editora Lúmen Iuris: Rio de Janeiro, 2005, p. 69. 10 SILVA. Op. Cit. p. 71.

de tais princípios. Conseqüentemente, há uma relativização da concepção tradicional dos

contratos e das obrigações.

Velhos institutos como a propriedade, contrato, casamento e sucessão cedem espaço

para novos valores trazidos pela brisa segura e agradável do modelo social estabelecido pela

Constituição: a propriedade e o contrato, por exemplo, têm de exercer função social.

Durante o VIII Congresso Brasiliense de Direito Constitucional Estado Constitucional,

Democracia e Direitos Fundamentais, o professor Ingo Wolfgang Sarlet iniciou sua

exposição, afirmando ser o direito à moradia um direito fundamental, sustentando que tal

direito não se confunde com o direito de propriedade, e o que se deve proteger é a dignidade

do indivíduo e o respeito a uma “moradia mínima”. 11

No entanto, essa não é a realidade, já que para haver o respeito à moradia mínima é

necessário considerar vários fatores e, entre eles, a melhoria das regras de financiamento

imobiliário e habitacional, visto que a moradia digna constitui­se um direito humano

positivado na Constituição Federal brasileira de 1988, sendo este um direito fundamental do

cidadão, revestido de um direito inerente à personalidade humana.

Tendo em vista que o direito à moradia é um direito fundamental, as normas

constitucionais que se referem a ela são de aplicabilidade imediata e de eficácia plena. Nos

termos do art. 5º, § 1º da Constituição Federal de 1988 “as normas definidoras dos direitos e

garantias fundamentais têm aplicação imediata”, ou seja, não é necessário que uma lei

posterior venha regulamentar o assunto para que o direito seja exigível, porque a própria

norma constitucional impõe ao Estado o dever de prover as condições necessárias ao pleno

exercício da moradia, bem como de abster­se de todo ato que possa colocá­la em risco.

11 SARLET, Ingo Wolfgang. Palestra proferida no VIII Congresso Brasiliense de Direito Constitucional Estado Constitucional, Democracia e Direitos Fundamentais, Brasília, setembro de 2005. Disponível em http://www.idp.org.br/ler_noticia.asp?txt=20. Acesso em 19/12/05.

O Título II da Constituição Federal de 1988, que disciplina os direitos fundamentais é

subdividido em cinco capítulos: “Dos direitos individuais e coletivos”, “Dos direitos sociais”,

“Da nacionalidade”, “Dos direitos políticos” e, por fim, “Dos partidos políticos”.

Cumpre dizer que a não­efetivação desse direito propicia a violação de inúmeros

direitos e valores que visam assegurar a dignidade do ser humano, tais como: direito à

qualidade de vida, à segurança, à inclusão social, à cidadania, entre outros.

O direito à moradia é consolidado como um dos direitos humanos fundamentais,

previsto expressamente como um direito social no artigo 6° da Constituição Brasileira,

introduzido pela Emenda Constitucional número 26 de 2000, e tem como núcleo básico o

direito de viver com segurança, paz e dignidade. O direto à moradia é um direito social. Os

direitos sociais exigem uma prestação positiva do Estado, independente das possibilidades

financeiras do indivíduo. Assim, a moradia é um direito social porque exige uma conduta

positiva do Estado e está inserido nos direitos fundamentais.

Para que tal aconteça é necessário que se observem alguns, entre muitos, fatores tais

como (i) a Segurança Jurídica da Posse; (ii) a Disponibilidade de Serviços e Infra­estrutura

que a garantam; (iii) o Custo da Moradia Acessível; (iv) a Habitabilidade; (v) a

Acessibilidade; (vi) a Localização e (vii) a Adequação Cultural.

No que diz respeito ao direito à moradia, no âmbito da Constituição Federal, devem,

ainda, ser consideradas as normas sobre a política urbana, o direito à moradia em áreas rurais,

a proteção do direito à moradia das populações indígenas nos termos do artigo 231, entre

outros.

Os direitos sociais estão intimamente ligados ao direito de igualdade social e têm por

objetivo proporcionar a melhoria das condições de vida dos hipossuficientes.

Em relação às Leis esparsas, pode­se citar algumas das seguintes legislações: a Lei

8.245/1991 (locações de imóveis urbanos), a Lei 10.931/2004, a Lei 6.015/1973 (Registros

Públicos) o Código Civil (Lei 10.406/2002) e o Estatuto da Cidade.

Entre essas, interessa­nos, em particular, a Lei 10.931/04, cujas inovações, à luz da

Constituição de 1988, serão verificadas ao longo deste trabalho.

O “Direito à Moradia” (art. 6º da CF/88) não deve ser confundido com o “Direito à

Propriedade” (art. 5º, XXII, da CF/88) e, assim sendo, a constitucionalização desse direito não

assegura ao cidadão o efetivo acesso à propriedade, mas visa efetivar o acesso à moradia.

O Direito à Moradia está diretamente ligado à solução de dois problemas: o do acesso

à moradia e também o resultante da inadequação das moradias existentes, ou seja, do elevado

número de moradias ilegais e irregulares, precárias e insalubres.

Neste trabalho, interessam, em particular, as questões que dizem respeito ao acesso à

moradia e à legalização e regularização desta, através de Leis esparsas que tratem do assunto,

sabendo­se que a moradia é um direito fundamental de segunda dimensão e considerado como

direito social em que estão inclusos os direitos sociais, culturais e econômicos.

Os direitos sociais são caracterizados por sua dimensão positiva, devendo ser

efetivados e assegurados pelo Estado, propiciando melhores condições de vida ao cidadão,

visando à igualdade material entre todos.

Assegurar a moradia é assegurar dignidade, cidadania, melhores condições de saúde,

inserção social, trabalho, conhecimento e identidade.

Neste sentido, DE SOUZA (2004) destaca que a moradia constitui­se como essência

do indivíduo, de modo que sem ela a existência digna de outros direitos, como o direito à vida

e à própria liberdade, não é exercida satisfatória e plenamente. 12

12 SOUZA, Sérgio Iglesias Nunes de. Direito à Moradia e de Habitação. Análise comparativa e suas implicações teóricas e práticas com os direitos da personalidade. São Paulo:RT, 2004. P. 159 E 160

A dignidade, a segurança e a paz dependem da garantia na ordem jurídica brasileira do

cumprimento dos componentes do direito à moradia para que ela seja, de fato, adequada.

Entre os componentes do direito à moradia destacam­se: (i) a Segurança Jurídica da Posse (ii)

a Disponibilidade de Serviços e Infra­estrutura, (iii) o Custo da Moradia Acessível, (iv) a

Habitabilidade, (v) a Acessibilidade, (vi) a Localização e (vii) a Adequação Cultural.

No que diz respeito à Segurança Jurídica, entende­se que todas as pessoas devem

possuir um grau de segurança de posse que lhes garanta a proteção legal contra despejos

forçados, expropriação, deslocamentos e outros tipos de ameaças.

Quanto à disponibilidade de serviços e infra­estrutura, deve ser observado o acesso ao

fornecimento de água potável, fornecimento de energia, serviço de saneamento e tratamento

de resíduos, transporte e iluminação pública.

O custo da moradia acessível diz respeito à proporcionalidade entre os gastos com

habitação e a renda das pessoas, criação de subsídios e financiamentos para os grupos sociais

de baixa renda e proteção dos inquilinos contra aumentos abusivos dos aluguéis.

Quanto à habitabilidade, entende­se que a moradia deve ter condições físicas e de

salubridade adequadas, e a acessibilidade diz respeito aos grupos vulneráveis, como os grupos

sociais empobrecidos, mulheres, portadores de direitos especiais, vítimas de desastres naturais

ou de violência urbana.

A localização implica acesso às opções de emprego, transporte público eficiente,

serviços de saúde, escolas, cultura e lazer.

E, por fim, a adequação cultural diz respeito à diversidade cultural e aos padrões

habitacionais oriundos dos usos e costumes das comunidades e grupos sociais.

No presente trabalho, interessa verificar a segurança jurídica da posse, a

disponibilidade de serviços e infra­estrutura para tal e o custo da moradia acessível, por meio

dos dispositivos do novo instrumento jurídico (Lei 10.931/2004) utilizado para a promoção do

acesso à moradia urbana. Verificar, também, se o referido Diploma Legal contribui para a

redução do déficit habitacional brasileiro e a melhoria das condições das moradias urbanas e,

mais, os valores e direitos conexos com a imprescindível efetivação do direito à moradia.

Capítulo II ­ Contextualização da Lei 10.931/04 no tempo e no espaço

O crescimento econômico do Brasil está, também, ligado às inovações do sistema de

produção, distribuição, comercialização de produtos, serviços e às novas e complexas relações

comerciais que diversificam as formas de se operar o crédito.

A Lei 10.931/04 trouxe inúmeras alterações a questões direcionadas à comercialização

de produtos e serviços do mercado imobiliário e financeiro, respectivamente, com o objetivo,

a priori, de proporcionar maior segurança e credibilidade aos adquirentes e consumidores.

A regulamentação de tais atividades, através da referida Lei, deve ser estudada à luz

do Moderno Direito, um fenômeno absolutamente social que acompanha as transformações e

evoluções da sociedade.

STRECK (2003) afirmou haver uma “crise do Direito” que “não é originariamente,

dele, senão de quem o produz, o Estado”. 13 E, segundo o autor, a crise ocorre porque o velho

modelo de Direito (de feição liberal – individualista – normativista) não morreu e o novo

modelo (forjado a partir do Estado Democrático de Direito) não nasceu ainda. Deixar vir o

novo à presença: esse é o desafio.

Também, a Constituição Brasileira de 1988 teve como norte os valores existenciais do

homem, afastando­se do individualismo reinante até então. Tais valores jurídicos estão postos

e amparados na Carta Magna, exemplificadamente, no art. 5º e seus incisos. Por isso, a leitura

constitucional de práticas civis e consumeiristas passa a ser de extrema relevância, uma vez

que trata de valores existenciais do homem.

Nesse ínterim, o que se verifica é a “despatrimonialização” do Direito Privado em

razão da prioridade atribuída pela Constituição à pessoa humana, à sua dignidade, à

13 STRECK, Lenio Luiz. A Constitucionalização do Direito. A Constituição como lócus da hermenêutica jurídica. Rio de Janeiro: Editora Lumens Juri, 2003. p.3.

personalidade e ao livre desenvolvimento, porquento é na Lei Maior que se localiza o

arcabouço fundamental de amparo ao homem e aos seus valores.

Assim, percebe­se que é a partir dos Princípios Constitucionais e da contextualização

histórica é que deve ser estudada a Lei 10.931/04. Isso porque há uma nova concepção do

sujeito em relação àquele outro do sistema clássico. Hodiernamente, percebe­se uma tentativa

de superação do sujeito abstrato pelo concreto, com direitos constitucionais garantidos, tais

como a vida, o patrimônio mínimo e a sobrevivência (com qualidade e dignidade) 14 , a defesa

do consumidor.

Com o advento da Constituição de 1988, foram inseridos novos valores e conceitos no

moderno Direito Brasileiro, valorando o ser humano não como um indivíduo, mas como

pessoa, o que culmina na constitucionalização do Direito Civil. 15

Tais valores advindos da Carta Magna foram inseridos também no Código de Defesa

do Consumidor (CDC) e, posteriormente, no Código Civil de 2002, e devem nortear o

ordenamento jurídico através de leis como a Lei 10.931/04. O CDC, de 1990, é amplamente

embasado em princípios constitucionais garantidores da dignidade da pessoa humana que

amparam as relações consumeiristas.

O Código trouxe para o Direito positivo, de forma concentrada e expressa, os

princípios fundamentais amparados pela Constituição de 1988, anunciando as bases

fundamentais da defesa do consumidor. Dentre elas, a vulnerabilidade do indivíduo no

mercado de consumo, a harmonização de interesses dos participantes das relações de consumo

e, também, a compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de

14 MARTINS­COSTA, Judith; BRANCO, Gerson Luiz Carlos. Diretrizes teóricas do novo Código Civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 79. 15 O fenômeno da incidência da Constituição nas relações interprivadas suscita diferentes modos de olhar sobre esse novo horizonte. Um modo de ver, por exemplo, confere força mitigada ao texto constitucional: “Los Códigos de derecho privado (Civil y Comercio) manrienem su fuerza reguladora em lãs relaciones personales y patrimoniales entre particulares. Aquelles assuntos que se encuentram em la esfer privada, que no trascienden el interes público y no tienen impacto imediato em la coletividad social, permanecem bajo el amparo de lãs normas privadas, lãs cuales suministram elementos técnicos para el desenvolvimento ordenado de los mismos”, nas palavras de Marcela Castro Cifuentes (Constituicion y derecho privado. Revista de Derecho Privado, Andes, n. 18, v. 10, p. 9, jun. 1996), citado por FACHIN.

desenvolvimento econômico e tecnológico sustentado nos princípios da boa­fé e do equilíbrio

das relações entre os participantes do contrato.

O Código Civil de 2002, também embasado em Princípios Constitucionais, como a da

dignidade da pessoa humana, trouxe, de forma expressa, Princípios como o da Socialidade, da

Eticidade, da Operacionalidade, da Função Social do Contrato e da Propriedade, da Boa­fé

Objetiva. 16

Cumpre destacar que o processo de transformação, pelo qual passou não só a

sociedade, como também o Estado Social do Século XX, fez com que a noção clássica de

contrato sofresse algumas transformações, ao seguir “processo de contínua adaptação às

constantes transformações da ordem social e econômica”. 17

Tais transformações atingiram os conceitos de autonomia da vontade e da força

obrigatória dos contratos em função de uma sociedade que apresentava imperiosa necessidade

de aquisição de bens e serviços em larga escala e que precisava ser atendida em uma dinâmica

de contratação simplificada e célere, compatível com as características da sociedade industrial

– isso marca o surgimento dos contratos de adesão.

Assim, o Direito mais uma vez acompanhou a evolução social e hoje privilegia a boa­

fé objetiva, na qual prepondera a idéia de que a liberdade de contratar deve ser exercida

conjuntamente com a função social do contrato, de forma a viabilizar a realização da operação

econômica e do interesse das partes contratantes em harmonia com o interesse social.

Atualmente, a realidade contratual submete a liberdade a critérios restritivos,

positivados no Código Civil e em Leis Especiais, como é o caso da Legislação das

Incorporações Imobiliárias, mas sempre levando em conta a harmonia e o interesse social.

16 MARTINS­COSTA, Judith; BRANCO, Gerson Luiz Carlos. Diretrizes teóricas do novo Código Civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 55. 17 CHALHUB, Melhim Namem. Da Incorporação Imobiliária. 2ª Edição Revista e Atualizada. Rio de Janeiro: Renovar, 2005.

O Código Civil subordinou a liberdade de contratar à função social, ao princípio da

boa­fé, da probidade, prescrevendo a interpretação mais favorável ao aderente. Dessa forma, o

conceito de autonomia da vontade assumiu novos contornos, como também o fez o princípio

da força obrigatória dos contratos, que vêm sendo relativizados de acordo com o caso em

questão.

Nesse contexto, o CDC projetou­se para além de seus limites, quando equiparou o

consumidor a toda pessoa sujeita às práticas da oferta em massa, à publicidade, às práticas

abusivas, até aos contratos de adesão, conforme o art. 29 do referido Diploma Legal.

A lei consumeirista torna, também, explícita, para as relações de consumo, os

comandos constitucionais, pois o caráter principiológico do CDC é apenas, e tão­somente,

garantir a concretização dos princípios e garantias constitucionais vigentes desde a

promulgação da Constituição de 1988, o que, entretanto, guarda harmonia com as diretrizes

basilares da Lei de Incorporações Imobiliárias.

Destaca­se, ainda, que a Lei das Incorporações Imobiliárias – Lei 4.591/64 – ,embora

anterior à Constituição, sustentou­se nos mesmos princípios do sistema de proteção do

consumidor em geral, consagrados na Magna Carta. Isso porque ambos concentram­se,

fundamentalmente, nos princípios constitucionais da isonomia, do devido processo legal e da

garantia da propriedade privada. Observa­se, também, a Função Social dos contratos

inspirados em valores sociais do trabalho, da livre iniciativa, fundamentada no

desenvolvimento humano e na dignidade da pessoa humana na Lei 4.591/64.

Em relação à Lei das Incorporações Imobiliárias, e, conseqüentemente, à Lei

10.931/04, CHALHUB (2005) afirma que “há que se ter sempre presente que o interesse

comum é a harmonia e o equilíbrio do mercado, que recomenda o fortalecimento do

consumidor mas não o enfraquecimento ou o desestímulo das atividades produtivas.” 18

18 CHALHUB, Idem, 2005.

Segundo o autor, no atual estágio do processo evolutivo da teoria contratual, que

substitui a antiga visão individualista por uma concepção social do contrato, o Direito, como

instrumento de garantia do equilíbrio das relações contratuais, mostra­se presente, seja na

fixação do balizamento fundamental das relações obrigacionais em geral, seja mediante

intervenção legislativa em determinadas espécies de contrato. 25

Se o CDC, a Lei 4.591/64 e Código Civil de 2002 estiveram amparados por princípios

constitucionais, valorizando o homem e atentos para a Dignidade da Pessoa Humana, não

pode ser diferente em relação à Lei 10.931/04.

Assim, as inovações às antigas legislações de modo que acompanhem e contribuam

para o desenvolvimento social e a evolução do Direito não podem se afastar dos princípios

constitucionais que norteiam, atualmente, o ordenamento jurídico vigente.

Capítulo III ­ Evolução Histórica da Lei 10.931/04

A atividade da Incorporação Imobiliária estruturou­se a partir da Revolução Industrial

que culminou na concentração humana nos grandes centros urbanos com inquestionável

aumento da procura de áreas em localidades próximas a esses centros. Tudo isso, “em face

das instalações industriais e comerciais”. 26 Com o desenvolvimento industrial a propriedade

mobiliária experimentou extraordinário avanço apoiada em estrutura mais e mais complexa.

Tais acontecimentos aceleraram a idéia de “superposição de unidades imobiliárias em

planos horizontais, seja para melhor aproveitamento econômico da terra, seja para

implantação de processo de produção em escala”. 19 Assim, modelou­se a incorporação

imobiliária que, sempre mais, se desenvolve, exercendo papel cada vez maior no processo de

urbanização do país.

Nesse caminho, é importante lembrar a participação do extinto Banco Nacional de

Habitação – o BNH que tinha como função orientar, disciplinar e controlar o Sistema

Financeiro da Habitação –SFH – que visava à implantação de uma política habitacional com

prioridade para a habitação de interesse social.

Segundo CHALHUB (2005) o Sistema Financeiro Habitacional, na sua formação

original

“era integrado pelo BNH, tendo como seus agentes financeiros órgãos federais, estaduais, inclusive sociedades de economia mista que operassem no financiamento habitacional, sociedades de crédito imobiliário, associações de poupança e empréstimo, fundações, cooperativas e outras associações organizadas com a finalidade de construção ou aquisição de casa própria para seus associados.” 20

26 CHALHUB, Melhim Namem. Propriedade imobiliária: função social e outros aspectos. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, pág. 40. 19 Idem, 2000, pág.40. 20 Idem, 2000, pág.40.

O extinto BNH estabelecia a política habitacional e fixava diretrizes das operações dos

órgãos e agentes do SFH, além de prestar assistência financeira, como banco de segunda

linha, aos agentes financeiros, refinanciando determinadas operações de financiamento

habitacional. O BNH tinha, ainda, a competência para orientar e controlar o sistema

Financeiro do Saneamento SFS e o Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo, o SBPE.

Porém, em 1986, o DECRETO­Lei 2291 de 1986 extinguiu o BNH e transferiu suas

funções para o Banco Central do Brasil.

Em 1997 foi criado o Sistema de Financiamento Imobiliário – SFI, através da Lei

9.514 de 20 de novembro de 1997, introduzindo importantes modificações nas condições dos

negócios imobiliários ligados à produção e à comercialização de imóveis com o objetivo de

criar condições para o desenvolvimento do livre mercado de financiamento imobiliário em

geral.

O processo de incorporação imobiliária é complexo e envolve uma série de variados

fatores de produção. Nele podem estar envolvidos o proprietário do terreno, para o qual o

edifício será projetado; o corretor, que faz a aproximação do proprietário do terreno com o

futuro incorporador ou construtor; o arquiteto, que formula o projeto arquitetônico; as

autoridades que aprovam tal projeto; os engenheiros responsáveis pela obra; outros

profissionais envolvidos como advogados e demais profissionais do direito que promovem

registro dos mais variados atos da incorporação e, por fim, os adquirentes/consumidores das

unidades mobiliárias.

Portanto, antes de adentrar ao tema, imperioso se faz tecer algumas considerações

sobre a distinção entre construtor e incorporador.

O construtor, segundo definição de DINIZ (1998) é “aquele que constrói ou que

conhece e pratica as regras de construção”, 21 ou seja, é aquele que se encarrega de executar a

obra de acordo com o projeto realizado por um engenheiro ou arquiteto.

Já o incorporador é aquele que organiza uma incorporação imobiliária para construir e

vender edifícios de apartamentos. O incorporador pode ser uma pessoa física ou jurídica,

comerciante ou não, que se comprometa a construir um edifício e entregar, a cada adquirente,

a sua unidade respectiva, dentro de um prazo determinado e de algumas condições. O

incorporador, além de planejar o empreendimento, é o responsável pela inscrição da

incorporação no registro imobiliário competente.

A conceituação da atividade de incorporação imobiliária aparece no parágrafo único

do art. 28 da Lei 4.591/64 e os contornos de tais atividades, no art. 29 da mesma Lei.

Segundo CHALHUB (2005):

“O texto legal fornece elementos para a caracterização da atividade de

incorporação, permitindo conceitua­la como a atividade de coordenação e

consecução de empreendimento imobiliário, compreendendo a alienação das

unidades imobiliárias em construção e sua entrega aos adquirentes, depois

de concluídas, com a adequada regularização no Registro de Imóveis

competente (art. 44).” 22

Desse modo, vale dizer que a atividade de construção só estará interligada com o

conceito de incorporação, se estiver articulada com alienação de frações ideais do terreno e

acessões que a elas haverão de se vincular

No ano de 1996, o Professor Melhin Namem CHALHUB apresentou o seu projeto de

monografia, na Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF), sobre a

21 DINIZ, Maria Helena. Dicionário Jurídico. vol. I. São Paulo: Saraiva. 1998 22 CHALHUB, Melhim Namem. Da incorporação imobiliária. 2ª edição revista e atualizada. Rio de Janeiro: RENOVAR, 2005.

Afetação Patrimonial como forma de adaptação do trust 26 ao Direito Brasileiro. No ano

seguinte, defendeu a sua monografia contendo sugestão de anteprojeto de lei sobre a Afetação

como forma de proteção patrimonial. Um ano após a sua defesa, CHALHUB (2000)

apresentou o anteprojeto ao Instituto dos Advogados Brasileiros­ IAB, no qual ele destacava:

a) O acervo das incorporações imobiliárias é caracterizado como patrimônio de

afetação, incomunicável em relação aos demais negócios da empresa incorporadora e

responsável somente pelas dívidas da obra respectiva;

b) A criação de um regime de vinculação de receitas, pelo qual as prestações pagas

pelos adquirentes, até o limite do orçamento da obra, ficam afetadas à construção do

edifício;

c) A delegação de poderes a uma Comissão de Representantes dos adquirentes para

fiscalizar a incorporação e;

d) O estabelecimento que a falência da empresa incorporadora não atinge os bens,

direitos e as obrigações da incorporação afetada, autorizando a Comissão de

Representantes a prosseguir a obra com os recursos do seu próprio orçamento, livre

dos efeitos da falência.

Em 04 de Setembro de 2001, foi editada a Medida Provisória nº 2.221,

regulamentando o Patrimônio de Afetação, cujos termos alteraram o anteprojeto do IAB em

dois aspectos:

a) Retirou o caráter obrigatório do patrimônio de afetação, tornando­o uma faculdade da

empresa incorporadora;

26 Reunião de Empresas que perdem seu poder individual e o submetem ao controle de um conselho de trustes. Surge uma nova empresa com poder maior de influência sobre o mercado. Geralmente, tais organizações formam monopólio. Os trustes surgiram nos EUA, em 1882, e o temor de que adquirissem poder muito grande e impusessem monopólio muito extensos fez com que logo fossem adotadas leis antitrustes, como a Lei Sherman, aprovada pelos norte­americanos, em 1890.

b) Acrescentou disposições de natureza tributária que, ao invés de proteger os

adquirentes, agravavam sua situação, tornando­os responsáveis solidários por todas as

dívidas da empresa incorporadora. 24

Desse modo, desde 04 de setembro de 2001 até a edição da Lei 10.931/04, o que se

observou foram discussões acerca da Medida Provisória 2.221/01 por parte dos órgãos

públicos e das entidades representativas dos setores interessados.

Visando eliminar as distorções da referida Medida Provisória e recompor as

características originais do projeto apresentado, no que concerne à natureza da afetação,

assegurando a incomunicabilidade de cada patrimônio de afetação sem que isso diminuísse os

privilégios dos créditos fiscais e previdenciários, pensou­se na Lei 10.931/04.

No início de 2004, o Poder Executivo enviou à Câmara dos Deputados o Projeto de

Lei nº 3.065/2004 para ser anexado ao Projeto de Lei 2.109/99, adotando a estrutura do

anteprojeto encaminhado pelo IAB e acrescentando a regulamentação de um regime tributário

especial, opcional, com alíquota de 7% (sete por cento). Posteriormente, é instalada uma

Comissão Especial para apresentação e discussão de 66 (sessenta e seis) emendas.

Em 7 de julho de 2004, a Câmara dos Deputados aprovou o substitutivo proposto pelo

Deputado Ricardo Izar, Relator do Projeto de Lei nº 2.109/99, ao qual foi anexado o Projeto

de Lei do Executivo nº 3.065/04.

Finalmente, o Senado Federal aprovou, em 08 de julho de 2004, o Substitutivo do

Relator do Projeto de Lei 2.109/99 e 3.065/04, sem alteração, promulgando­se, então, a Lei

10.931/04.

A evolução histórica da Lei 10.931/04 é importante para que se verifique se as

disposições atuais da legislação em vigor contêm, realmente, os mecanismos de proteção ao

adquirente de imóveis, como era a idéia e o objetivo do Projeto de Lei que a originou.

24 CHALHUB, Melhim Namem. Da Incorporação Imobiliária. 2ª Edição Revista e Atualizada. Rio de Janeiro: Renovar, 2005.

Capítulo IV­ O sistema de proteção do adquirente no regime das incorporações

imobiliárias

A justificativa do Projeto de Lei que originou a Lei 10.931/04 foi proporcionar maior

nível de segurança, credibilidade e transparência aos adquirentes.

O contrato de incorporação imobiliária deve atender à nova concepção do Direito,

submetendo seu controle à manifestação da vontade para ajustá­lo às atuais exigências sociais

e econômicas, assegurando, dessa forma, o cumprimento da função social, conforme

disposição constitucional e, também, do novel Código Civil e do Código de Defesa do

Consumidor e, ainda, da Lei Especial das Incorporações Imobiliárias.

Todavia a própria Lei de Incorporações Imobiliárias, embora datada de 1964, já

estabelecia requisitos mínimos, fixava diretrizes materiais e normas de conduta específicas de

tal atividade de acordo com o princípio da boa­fé objetiva, do equilíbrio das relações

contratuais e da função social do contrato – mediante realização de sua finalidade.

Entre os requisitos mínimos dispostos na Lei de Incorporação Imobiliária estão o

dever de informação, que evidencia a boa­fé objetiva (já presentes na regulamentação de tais

contratos) e a realização da função social, através da fixação de limites impostos ao

incorporador.

Quanto às normas de conduta imperativas, contidas na referida Lei, elas traduzem a

noção contemporânea do contrato em que a intervenção legislativa aparece com o fito de

assegurar o cumprimento da função social.

O que se verifica é que a própria Lei de Incorporações Imobiliárias trouxe, em seu

texto legal, regras para proteger os adquirentes de imóveis. No entanto, com o passar do

tempo e com as transformações sociais, surgiram novos dispositivo legais, como é o caso do

CDC, que serviu para complementar algumas normas e regras já contidas na referida Lei.

Recentemente, através da Lei 10.931/04, o Direito Positivo acrescentou o novo

fundamento de proteção ao adquirente ao regulamentar a criação do Patrimônio de Afetação.

Porém, tal proteção se daria de forma absoluta e efetiva se a Afetação do Patrimônio das

incorporações imobiliárias fosse obrigatória a todas as incorporações.

Segundo CHALHUB (2005), “a afetação põe a incorporação imobiliária em sintonia

com o conceito contemporâneo do direito de propriedade, enfatizando a relativização desse

direito e dando efetividade à sua função social” 28 , na medida que atribui ao direito de

propriedade do incorporador um poder dever, pelo qual o incorporador tem que conjugar seu

interesse de proprietário com o interesse social dos adquirentes de unidades imobiliárias.

Mas, independente de considerar­se os princípios constitucionais que compõem o

regime jurídico das incorporações, importa destacar o sistema geral de defesa do consumidor,

instituído pela Lei 8.078/90, para compará­lo com o contrato de incorporação.

O CDC enuncia as bases fundamentais da defesa do consumidor, sustentadas, também,

nos princípios da boa­fé objetiva e do equilíbrio das relações entre consumidores e

fornecedores, uma vez que transpôs para o Direito Positivo, de forma concentrada e expressa,

alguns princípios da moderna teoria contratual.

É importante ressaltar que os princípios da boa­fé estão consagrados tanto no CDC,

quanto no CC de 2002 e, ainda, na própria Lei de Incorporações Imobiliárias, mesmo que

anterior à Constituição de 1988.

O CDC, bem como a Lei das Incorporações Imobiliárias, teve a mesma fonte de

inspiração e a mesma base de sustentação e, ainda, a mesma identidade de princípios no que

tange ao regime dos contratos, que também orientam o novo Código Civil.

28 CHALHUB, Melhim Namem. Da Incorporação Imobiliária. 2ª Edição Revista e Atualizada. Rio de Janeiro: Renovar, 2005.

Por isso, pode­se dizer que os adquirentes estão amplamente protegidos pela Lei

4.591/64 com a priorização da função social do contrato, com o acréscimo de mecanismos

também peculiares de proteção patrimonial que o CDC, entretanto, não contemplou.

Mas, apesar da existência desse regime peculiar de proteção da Lei 4.591/64, o CDC

equiparou, de forma indireta, o contrato de incorporação imobiliária com o de consumo, ao

classificar o imóvel como produto e, ainda, ao incluir a construção e a comercialização de

produtos como atividade caracterizadora da figura do fornecedor. 25

Desse modo, fica evidente a equiparação do contrato de incorporação imobiliária ao

contrato de consumo. 26 Segundo CHALHUB (2005), porém, deve­se ressaltar que a eventual

aplicação da regra do CDC, sem atenção para a estrutura econômica do contrato, pode

importar em disfunção deste e, eventualmente, em prejuízo para a comunidade dos

adquirentes.

Para o autor, as modalidades de contrato de incorporação e de consumo são distintas

em sua substância, com estruturas peculiares e conteúdo próprio, merecendo, destacadamente,

tratamento especial que considere suas peculiaridades. Não derroga ao CDC o regime jurídico

próprio do contrato de incorporações, até porque também está alicerçado nos mesmos

princípios da boa­fé objetiva e da eqüidade, “dispensando, pelo menos, a princípio, o

empréstimo de normas relativas a aspectos já adequadamente regulamentados na Lei de

Incorporações”. 27

25 Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços. § 1° Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial. § 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.

26 CHALUB, no Congresso Brasileiro de Direito do Consumidor, realizado em Gramado (RS) em março de 1998, destacou que foi aprovada uma Conclusão no Painel II (Serviços imobiliários, educacionais, de transporte e de turismo, item 2.2 – Incorporações Imobiliárias), com o seguinte teor: “O contrato de incorporação, embora regido pelas normas e princípios que lhe são próprios (Lei 4.591/64) fica também subordinado à disciplina do CDC sempre que as unidades imobiliárias forem destinadas ao usuário final. (Jacira Xavier de Sá, A cláusula de decaimento e o Código de Defesa do Consumidor, Revista de Direito do Consumidor, n.31, p. 56, jul/set 1999). 27 Op. Cit. 2005.

Eventuais lacunas na Lei de Incorporação, de acordo com CHALHUB (2005), podem

ser preenchidas “pela aplicação de cláusulas gerais cuja incidência no contrato de

incorporação se faz naturalmente, independente do CDC, já que muito antes da vigência da

referida Lei a prestação jurisdicional vinha se efetivando na defesa dos adquirentes, com

ressalva apenas quanto aos problemas decorrentes da insolvência do incorporador”. 28

Algumas normas constantes da Lei 4.591/64 são precursoras do sistema de proteção e

defesa do consumidor preconizados pela Carta Magna de 1988 e introduzidos em nosso

sistema pela Lei 8.078/90.

Destaca­se que quase trinta anos antes do Código de Defesa do Consumidor entrar em

vigor, a Lei 4.591/64 já estabelecia mecanismos de proteção ao adquirente de unidades

imobiliárias em construção e contemplava a responsabilidade civil e penal do incorporador

imobiliário e demais profissionais que atuassem na implementação do negócio.

Para CHALHUB (2005), a incidência das cláusulas gerais expressas no CDC aos

contratos de Incorporação Imobiliária se farão por força da aplicação do Código Civil de 2002

por tratarem de Princípios comuns a toda espécie de contratos.

Tivesse ou não o CDC equiparado a relação jurídica das incorporações imobiliárias à

relação de consumo, o Código Civil de 2002, por força dos artigos 421 e seguintes,

submeteria os contratos de incorporação às cláusulas gerais que traduzissem os princípios da

boa­fé objetiva e do equilíbrio das relações obrigacionais.

É admissível que esses princípios gerais, que dizem respeito a toda matéria contratual,

tenham sido inseridos em legislações relativas a um microssistema como o CDC para

suprimirem a lacuna deixada pela demora na atualização do atual Código Civil.

28 “Mas, a despeito de qualquer controvérsia que se possa suscitar, a verdade é que essas cláusulas gerais encontravam­se condensadas no Capítulo VI do CDC, intitulado “Da Proteção Contratual”, antes da promulgação do Código Civil de 2002 e, sendo comum à generalidade dos contratos, sobretudo havendo desnível entre os contratantes, haveriam de se espraiar por todas as áreas do direito.” Sergio Cavalieri Filho, O direito do consumidor no limiar do século XXI citado por CHALHUB, Melhim Namem. Idem, 2005, p. 291.

Por isso, a aplicação do CDC aos contratos de incorporação imobiliária não deve ser

feita de forma irrestrita, visto que existe regime jurídico especial que regula tal atividade. Esse

é o entendimento de CHALHUB:

“Esses e outros problemas decorrentes de eventual aplicação irrestrita do CDC ao

contrato de incorporações recomendam seja a equiparação contida no art. 3º desse

Código objeto de detida reflexão, de modo a evitar que o desprezo ao regime

jurídico próprio do contrato de incorporação leve a distorções que acabem por

frustrar a função social dessa modalidade de contrato.” 29

Assim, o contrato de incorporação deve ser regido pela lei que lhe é própria, mas os

princípios gerais serão os mesmos do sistema civil, entre eles os do CDC, inclusive para o

caso de responsabilidade do fornecedor na extinta relação contratual.

Se a aplicação da materialização do espírito protetor do CDC vier incidir para suprir

lacunas da Lei 4.951/64, haverá de se fazer pela atuação de cláusulas gerais, “ressalvado que

sua eventual aplicação à situação específica da incorporação dispensaria a eventual

equiparação do adquirente de imóvel ao consumidor”. 30

Dessa forma, em atenção à atual realidade contratual, fica evidente que a aplicação da

conduta de boa­fé objetiva deve ser feita independentemente se está explicitamente referida

na legislação especial, uma vez que integra o ordenamento jurídico que exprime os princípios

gerais de direito contratual.

Cumpre ressaltar que os princípios gerais orientadores do Direito das Obrigações não

surgiram com o artigo 53, do CDC, por que já estava anunciado no artigo 924 do Código Civil

de 1916, conforme esclarece Ruy Rosado de Aguiar Júnior. 31

Por isso, se tais princípios já estavam presentes no Código Civil de 1916 e se são

Princípios Constitucionais, devem ser aplicados nos contratos das incorporações imobiliárias,

29 CHALHUB, op. cit. 30 CHALHUB, Idem, 2005. 31 CHALHUB, op. cit.

independente de constarem da Lei 4.951/64 ou do CDC, pois se fazem pela atuação de

cláusulas gerais comuns a todos os contratos.

Capítulo V – Incorporações Imobiliárias e o Regime de Afetação do Patrimônio

A Incorporação Imobiliária, de acordo com a noção concebida pela Lei 4.591 de 1964,

é negócio jurídico com finalidade de proporcionar a administração, construção e venda de

unidades imobiliárias. Segundo Silvio de Salvo VENOSA:

“É um negócio jurídico que tem por finalidade promover, administrar e realizar a

construção para a alienação total ou parcial de unidades autônomas, as quais

podem ser constituídas de apartamentos, escritórios, garagens, shopping center

etc.” 32

A atividade das incorporações imobiliárias é regulamentada pela Lei 4.591/64 que,

embora anterior ao CDC, contém importantes mecanismos de proteção contratual dos

adquirentes, baseados nos princípios da boa­fé objetiva e do equilíbrio das relações

obrigacionais.

Ocorre que, do ponto de vista patrimonial, a Lei das Incorporações Imobiliárias (Lei

4.591/64) apresentava algumas lacunas às quais os adquirentes de imóveis se viam expostos,

correndo o risco de perder as economias aplicadas na incorporação, fosse pela má

administração dos recursos captados pelo incorporador, do desvio das verbas recebidas, do

atraso da entrega da obra, ou fosse quando da falência 33 do incorporador.

Com isso, a proteção patrimonial dos adquirentes de imóveis em construção foi

insistentemente reclamada pela sociedade, sobretudo após a falência da Construtora Encol 34

32 Venosa, Silvio de Sávio. A lei 10.931 e o patrimônio de afetação. Imóvelnaweb, Fortaleza, 01/12/05. Disponível em http://www.imovelnaweb.com.br/artigos.php?codart=93. Acesso em 20/12/2004. 33 No momento da promulgação da Lei 10.931/04 a nova Lei de Falências, que dispõe sobre a recuperação de empresas (Lei 11.101/05), ainda não havia sido publicada. 34 “Certamente o caso Encol não é isolado. Há muitas construtoras com situação similar, no entanto, a visibilidade da situação da Encol se deu, acredita­se pelo porte da incorporadora/ construtora, que, em conseqüência da magnitude das suas transações imobiliárias e de toda ordem, acarretou maior proporção de prejuízos no mercado imobiliário.” TUTIKIAN, Claudia Fonseca. Patrimônio de Afetação na incorporação imobiliária. Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil, Porto Alegre: Síntese, v. 1, nº 1, jul 1999.

que provocou a paralisação de quase setecentas obras, em todo o país, deixando desprotegidas

mais de quarenta e oito mil famílias de adquirentes.

Ciente de que o problema era socialmente relevante e se agravara nos últimos anos, em

razão do aumento do risco nos negócios em geral, é que se dispôs, através da Lei 10.931/04, a

Afetação do Patrimônio das incorporadoras, na tentativa de resguardar e proteger os

adquirentes. “Afetar”, no sentido que a Lei emprega, significa destinar, ligar um determinado

patrimônio a alguma coisa.

O Patrimônio de Afetação, segundo a Lei 10.931/04, é constituído do patrimônio

próprio de cada empreendimento imobiliário, não se confundindo com o restante do

patrimônio da empresa:

“Nesses termos, esse diploma legal cria a possibilidade de um

empreendimento, isto é, o objeto de uma incorporação imobiliária ficar

afetado, isto é separado do patrimônio geral do incorporador. O sentido

desse novo fenômeno jurídico fica bem claro nos dizeres da lei: proteger os

adquirentes das unidades imobiliárias de um lado e as entidades

financeiras que proporcionam meios para o empreendimento de outro.” 35

O objetivo inicial da Afetação do Patrimônio seria a proteção da incorporação em

benefício dos adquirentes de modo que, em caso de falência, o acervo das incorporações não

integre a massa concursal, ficando os adquirentes livres para prosseguirem a obra. Ou seja, o

incorporador não poderá utilizar os recursos de um empreendimento em outro, visando

resguardar o andamento do empreendimento em questão.

Assim, os valores desembolsados pelo adquirente de determinado empreendimento

imobiliário, na planta ou em fase de construção, ficam, obrigatoriamente, vinculados apenas à

própria edificação, não havendo possibilidade de desvio desses recursos para outras obras ou

despesas. Há, ainda, garantia de que os valores pagos serão efetivamente aplicados na

35 TUTIKIAN, Op. Cit.

construção do imóvel, salvo os recursos que excederem a importância necessária à conclusão

da obra.

Todas essas considerações serão levadas em conta para que não se repitam as situações

calamitosas de falência de construtoras que paralisaram inúmeras construções, deixando

centenas de famílias em situação de extrema dificuldade.

Segundo o autor da proposta do Projeto que deu origem à Lei 10.931/04, o advogado

Melhim Namem Chalhub, membro efetivo do IAB­ Instituto dos Advogados Brasileiros, em

palestra proferida em novembro de 2000, em Guarujá/ SP, Patrimônio de Afetação é:

“Um conjunto de direitos e obrigações (um patrimônio, enfim) para o qual a lei define uma destinação especial em razão de alguma função relevante do ponto de vista social ou econômico. Para esse fim a lei determina que, embora essa massa continue integrando o patrimônio do sujeito, deve receber tratamento especial, separado dos seus demais direitos e obrigações, para que se afastem obstáculos que impeçam ou dificultem o cumprimento da destinação especial definida pela lei, especialmente evitando que essa massa patrimonial seja contaminada por dívidas gerais do sujeito. Esse patrimônio, assim, está afetado a uma finalidade específica, daí ser denominado patrimônio de afetação.” 36

A Lei 10.931/04 cria uma série de obrigações para o incorporador além daquelas já

especificadas na Lei 4.591/64. A grande novidade, entretanto, é a permissão dada aos próprios

adquirentes para que fiscalizem as contas do empreendimento por meio das comissões de

representantes dos compradores, pela nomeação de uma pessoa física ou jurídica, para

acompanhar o patrimônio de afetação.

A afetação do patrimônio funciona assim: o acervo de cada incorporadora imobiliária

constitui um patrimônio de afetação, separado do restante da Empresa Incorporadora e

destinado à conclusão da construção de uma determinada obra a ser entregue aos respectivos

adquirentes.

36 CHALHUB, Melhim Namem. Patrimônio de Afetação – Proteção dos adquirentes de imóveis em construção. 2001. Palestra realizada em Guarujá/SP em novembro de 2001.

Cada patrimônio afetado terá contabilidade própria, separada da empresa

incorporadora, com conta corrente específica para movimentação de seus recursos

financeiros. Não se comunicará com o patrimônio geral do incorporador, nem com os

demais patrimônios de afetação do mesmo incorporador, só respondendo por dívidas e

obrigações vinculadas à determinada incorporação, estando fora da afetação os recursos

financeiros que, embora captados na incorporação, excederem o custo da construção. Será

possível, assim, a incorporadora apropriar­se daquilo que for excedente no essencial à

construção do imóvel afetado, até porque são recursos necessários à sua atividade

empresarial.

De acordo com a Lei 10.931/04, no caso de atraso ou paralisação da obra, ou até na

insolvência do incorporador, uma comissão de representantes assumirá imediatamente a

administração da incorporação, convocando assembléia geral dos adquirentes para deliberar

pela continuação da obra ou liqüidação do patrimônio de afetação.

A falência do incorporador não atingirá os patrimônios de afetação cujos acervos não

serão arrecadados à massa concursal. Nesse caso, a comissão de representantes assumirá a

administração da incorporação podendo, até mesmo, promover a venda, em leilão, das

unidades imobiliárias que o incorporador ainda não tiver vendido e o valor apurado será

utilizado no pagamento de débitos fiscais, do condomínio e do proprietário devedor, e o

restante, se houver, será arrecadado à massa.

CHALHUB destaca que, no tocante ao patrimônio de afetação, o sistema de proteção

dos adquirentes de imóveis inspira­se, fundamentalmente, no princípio constitucional da

isonomia e nos mecanismos de proteção da parte mais fraca na relação contratual,

devidamente amparado na Carta Magna.

É na linha desses princípios, portanto, que o patrimônio de afetação deverá atuar na

proteção dos adquirentes de imóveis em construção. Todavia, a realidade, infelizmente, é bem

diferente, como se constata da não­obrigatoriedade da afetação do patrimônio trazida pela Lei

10.931/04.

A Lei 10.931/04, à luz dos princípios que orientam a proteção da economia popular e

da segurança jurídica e consideram a lógica da teoria da afetação, permissa venia, apresenta

grave impropriedade. Isso porque a afetação não alcança toda a comunidade dos adquirentes

de imóveis em incorporação imobiliária, pois o art. 31A da Lei 4.591/64 (com redação

atribuída pela Lei 10.931/04) prevê a adoção da afetação a critério do incorporador.

A Afetação deveria ser uma regra geral, não só em conformidade com a idéia inicial

do projeto que deu origem à Lei 10.931/04, mas também de acordo com o Princípio da

Isonomia Substancial, para que se garantisse a aplicação automática (e não facultativa) a todas

as incorporações desde o momento em que o incorporador registra o Memorial da

Incorporação como forma de proteger toda a comunidade de adquirentes e não apenas àqueles

que fizerem negócio com Incorporadoras que, por sua livre vontade, optaram por afetar o

patrimônio.

Ademais, vista sob o ângulo do adquirente, a afetação deveria ser instrumento de

proteção da economia popular e não poderia ser opcional. Dever­se­ia ser concebida como

regra geral, já que o bem jurídico é inegociável.

Se isso não bastasse, a experiência demonstra que o adquirente já pactua o negócio,

correndo o risco da própria atividade construtiva e é, assim, totalmente desprotegido, o que

configura uma situação de desvantagem que deveria ser compensada para que pudesse haver

um reeqüilíbrio da relação econômica e jurídica. Um dos mecanismos de compensação dessa

vulnerabilidade seria a afetação, se fosse regra geral incidente, automaticamente, sobre todas

as incorporações. Contudo, a Lei prevê a adoção da afetação a critério do incorporador.

Um outro ponto que deve ser abordado quanto à impropriedade da Lei 10.931/04 é o

que dispõe seu art. 9º, que impede os adquirentes de darem continuidade à obra quando da

falência da construtora, perdendo os efeitos do regime de afetação, caso não paguem as

obrigações tributárias, previdenciárias e trabalhistas vinculadas ao respectivo patrimônio de

afetação, que o incorporador tiver deixado de honrar e cujos fatos geradores sejam anteriores

à data da decretação da falência ou insolvência:

“Art. 9 o Perde eficácia a deliberação pela continuação da obra a que se refere o § 1o do art. 31­F da Lei no 4.591, de 1964, bem como os efeitos do regime de afetação instituídos por esta Lei, caso não se verifique o pagamento das obrigações tributárias, previdenciárias e trabalhistas, vinculadas ao respectivo patrimônio de afetação, cujos fatos geradores tenham ocorrido até a data da decretação da falência, ou insolvência do incorporador, as quais deverão ser pagas pelos adquirentes em até um ano daquela deliberação, ou até a data da concessão do habite­se, se esta ocorrer em prazo inferior.” 37

Em um primeiro momento, a idéia que se tem da leitura desse artigo é que caso não se

verifique o pagamento das obrigações tributárias, previdenciárias e trabalhistas vinculadas ao

referido patrimônio de afetação as quais tenham tido fato gerador anterior ao da decretação da

falência ou da insolvência, essas obrigações devem ser cumpridas pelo adquirente, sob pena

de não poderem prosseguir a obra e perder os benefícios da afetação do patrimônio.

Antes de fazer qualquer interpretação do referido artigo, destaca­se outro artigo ­ o 5º,

inciso LIV, da Carta Magna. A Cláusula Pétrea garante aos adquirentes o direito de

prosseguirem a administração do seu próprio patrimônio de afetação, mesmo que existam

dívidas pendentes de pagamento, uma vez que “ninguém será privado da liberdade ou de

seus bens sem o devido processo legal”. 38 Essa afirmação evidencia a impropriedade da

redação do referido artigo.

Se não bastasse o texto constitucional dispor sobre a liberdade e privação dos bens de

cada um, cumpre dizer que, se o objetivo da referida Lei é, realmente, acrescentar maior

transparência e segurança jurídica ao comprador do imóvel, conforme exposição de motivos

37 BRASIL. Leis, Decretos. Lei 10.931 de 08 de agosto de 2004. Presidência da República Federativa do Brasil. Disponível em https://www.planalto.gov.br/. Acesso em 20/20/2004. 38 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil/ Organização Cláudio Brandão de Oliveira –3ª ed. – Rio de Janeiro: Roma Victor, 2003.

do anteprojeto da Lei, concessa venia, não será essa a melhor interpretação a se fazer sobre o

assunto.

Nesse sentido, há o entendimento da Câmara Brasileira da Indústria da Construção

em recente cartilha publicada, intitulada “Lei nº 10.931/2004 – Um marco para o Mercado

Imobiliário” que declara à fl. 22:

“O art. 9º da Lei 10.931/2004 pode dar a impressão de que, em caso de falência, seriam de responsabilidade dos compradores as dívidas fiscais, previdenciárias e trabalhistas vencidas e não pagas até a data da falência. Entretanto, essa responsabilidade aos compradores, apenas atribui a eles o pagamento, mas os recursos para esse fim serão extraídos das receitas do próprio patrimônio de afetação.” 39

Essa, permissa venia, parece ser a melhor interpretação, já que o intuito da Lei é

proteger o comprador. Assim, fica evidente que os adquirentes ou consumidores não deverão

arcar com pagamento de impostos vinculados ao respectivo patrimônio de afetação, até

porque o parágrafo 3º do art. 31F da própria Lei 10.931/04 exclui a responsabilidade dos

adquirentes quanto às obrigações relativas ao imposto de renda e à contribuição social sobre

o lucro, devidas pela pessoa jurídica do incorporador.

Se o objetivo da Lei 10.931/04 foi realmente aumentar a transparência e a segurança

jurídica, o artigo 9º deve ser interpretado de forma mais ampla, de modo que, mesmo estando

expresso que os adquirentes devem pagar dívidas fiscais, previdenciárias e trabalhistas da

incorporadora, tais pagamentos poderão ser feitos pelos adquirentes, mas com a receita do

próprio patrimônio de afetação.

Isso não só porque se objetivam maior segurança jurídica, transparência e

credibilidade, como proposta da referida Lei, mas também porque o sistema de proteção dos

adquirentes inspira­se, fundamentalmente, no princípio constitucional da isonomia e nos

mecanismos de proteção da parte mais fraca na relação contratual.

39 Construção ­ Cartilha. Câmara Brasileira da Industria da Construção Civil. Lei 10.931/04 – Um Marco para o Mercado Imobiliário – Câmara Brasileira da Industria da Construção (CBIC), 2004. [S.L.: s. n]

Tal interpretação deve­se ao fato da possibilidade de se estabelecer a compensação do

mais fraco, recolocando a relação jurídica em posição de equilíbrio para buscar a igualdade

substancial, tornando realidade a isonomia tão almejada pelo Direito.

Cumpre ressaltar, ainda, que o Código Civil de 2002, através do art. 420, restringiu a

liberdade de contratar submetendo a atuação das partes à função social do contrato, que se

dará através da efetiva realização deste. O CDC dedicou todo um capítulo ao sistema de

proteção contratual, fixando critérios fundamentais para o equilíbrio das relações

obrigacionais, em que repele normas que “coloquem o consumidor em desvantagem

exagerada”, 40 privilegiando normas ou critérios de compensação da vulnerabilidade do mais

fraco.

Por isso, a Lei 10.931/04 não pode se orientar na contramão do Direito e em oposição

à evolução conceitual da terminologia da contratação e do consumidor, in casu, adquirente do

imóvel, devendo o art. 9º da referida Lei ser interpretado em seu benefício.

Ademais, as responsabilidades subsidiárias devem ter como teto as obrigações

vinculadas à sua própria incorporação, afastado o risco de virem os adquirentes sofrerem

cobranças de valores que superem o preço pactuado no contrato de aquisição de suas

unidades.

Como exemplo de patrimônios afetados, CHALHUB (2005) 41 cita o caso da proteção

da moradia, que, em conformidade com a Lei 8.009/90, resguarda o imóvel que é patrimônio

de família, proibindo que tal bem possa ser penhorado por dívidas em geral, salvo as exceções

enumeradas na lei.

Nesse caso, o que se constata é que, embora o bem faça parte do patrimônio do

devedor, ele ficará separado do restante do patrimônio para atender à destinação de moradia

40 (art. 52, IV) 41 CHALHUB, Op. Cit.

da família e, portanto, não poderá ser alcançado por outros credores, salvo aqueles que a lei

assim permitir.

Ainda, a título meramente ilustrativo e comparativo, o professor Melhim Namem

Chalhub afirma que outros devedores, como, por exemplo, os subscritores de quotas de

fundos de investimentos, também são protegidos por um patrimônio de afetação. Segundo a

legislação aplicável ao exemplo acima mencionado, o acervo formado com o dinheiro das

pessoas subscritoras dessas quotas de fundos de investimentos não se incorporam ao

patrimônio das empresas administradoras, sendo destinados à formação de um patrimônio de

afetação que não se comunica com o patrimônio geral da empresa administradora.

Dessa maneira, se a empresa falir, o patrimônio dos subscritores não sofrerá os efeitos

da falência continuando a se desenvolver normalmente, administrado por outra empresa que

os subscritores escolherem.

Isso reforça que são várias as hipóteses nas quais não só o CDC, mas as próprias leis

esparsas protegem a parte contratante que se encontre em posição vulnerável em relação à

outra parte ou em relação ao negócio, embasadas nos princípios fundamentais constitucionais,

tais como a boa­fé objetiva, a função social do contrato, entre outros. Assim, deverá ser

também com os adquirentes de imóveis através da obrigatoriedade da afetação do patrimônio.

Cumpre lembrar que a afetação do patrimônio deve ser explicitamente estabelecida em

Lei, já que, caso contrário, a separação de um bem específico do patrimônio do indivíduo

desfalcaria seu próprio patrimônio em relação a terceiros, podendo daí resultar até mesmo

fraude contra credores.

V.1­ Do Regime Especial Tributário do Patrimônio de Afetação

A Lei 10.931/04 acrescentou à Lei 4.591/04, que dispõe sobre o condomínio em

edificações e as incorporações imobiliárias, um capítulo que trata do patrimônio de afetação e

do qual fazem parte algumas novas regras e possíveis vantagens para o construtor.

Como a afetação do patrimônio das incorporadoras não é regra geral e, sim, uma

opção que o incorporador pode fazer, a própria lei criou um incentivo, e até uma vantagem,

para as incorporadoras que optarem por afetar seu patrimônio. Elas serão submetidas a um

regime especial de tributação da incorporação imobiliária respectiva, devendo, para tanto,

entregar termo de opção pelo regime especial de tributação na unidade competente da

Secretaria da Receita Federal.

De acordo com a Lei 10.931/04, o patrimônio da incorporadora responderá pelas

dívidas tributárias da incorporação afetada, mas os terrenos e acessões, objetos da

incorporação imobiliária sujeitas ao regime especial de tributação, como também os demais

bens e direitos a ela vinculados, não responderão por dívidas tributárias relativas ao Imposto

de Renda das Pessoas Jurídicas ­ IRPJ, à Contribuição Social sobre o Lucro Líquido ­ CSLL,

à Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social ­ COFINS e à Contribuição para

os Programas de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público ­

PIS/PASEP.

As despesas tributárias constantes do art. 4 o da referida Lei, qual seja o pagamento

unificado dos impostos acima mencionados, se dar­se­ão no percentual de sete por cento, da

seguinte forma: três por cento como COFINS; 0,65% (zero vírgula sessenta e cinco por cento)

como Contribuição para o PIS/PASEP; 2,2% (dois vírgula dois por cento) como IRPJ e 1,15%

(um vírgula quinze por cento) como CSLL.

Para cada incorporação submetida ao regime especial de tributação, cuja escrituração

contábil é segregada, calcula­se o imposto de 7% sobre a totalidade das receitas mensais

auferidas na venda das unidades imobiliárias, correspondendo ao pagamento unificado do

IRPJ, PIS/PASEP, CSLL e COFINS, conforme dispõe o art. 4º da Lei 10.931/04:

“Art. 4 o Para cada incorporação submetida ao regime especial de tributação, a incorporadora ficará sujeita ao pagamento equivalente a sete por cento da receita mensal recebida, o qual corresponderá ao pagamento mensal unificado dos seguintes impostos e contribuições: I ­ Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas ­ IRPJ; II ­ Contribuição para os Programas de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público ­ PIS/PASEP; III ­ Contribuição Social sobre o Lucro Líquido ­ CSLL; e IV ­ Contribuição para Financiamento da Seguridade Social ­ COFINS.” 42

Cabe ressaltar, entretanto, que o terreno e suas acessões responderão pelos débitos

tributários não recolhidos nessa forma especial, sendo essa a exceção à regra retro citada.

O que se percebe, porém, é que não há grandes vantagens tributárias para as

Incorporadoras. Ao se comparar com uma situação normal, de lucro presumido, por exemplo,

a diferença de arrecadação será menor que 1% no caso das empresas que optarem pela

afetação do patrimônio, o que não parece ser nenhum incentivo para que Incorporadoras

sejam motivadas a afetar seus patrimônios para que os adquirentes possam ser beneficiados.

Nesse regime especial, o patrimônio da incorporadora responderá pelas dívidas

tributárias da incorporação afetada, mas o terreno e suas acessões devem manter­se apartados

do patrimônio do incorporador, porque não respondem por tais dívidas.

O terreno e suas acessões constituem patrimônio de afetação, destinado à consecução

da incorporação correspondente à entrega das unidades imobiliárias aos respectivos

adquirentes, não respondendo por dívidas tributárias da incorporadora relativas ao Imposto de

Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ), Contribuição para Financiamento da Seguridade Social

sobre o lucro líquido (CSLL), Contribuição para Financiamento da Seguridade Social

(COFINS) e, ainda, Contribuição para Programas de Integração Social e Formação do

Patrimônio do Servidor Público (PIS/PASEP), conforme disposição legal.

42 BRASIL. Leis, Decretos. Lei 10.931 de 08 de agosto de 2004. Presidência da República Federativa do Brasil. Disponível em https://www.planalto.gov.br/. Acesso em 20/20/2004.

Destaca­se que o art. 10 da Lei 10.931/04 afasta expressamente a previsão do disposto

no art. 76 da Medida Provisória n o 2.158­35, de 24 de agosto de 2001:

“Art. 76. As normas que estabeleçam a afetação ou a separação, a qualquer título, de patrimônio de pessoa física ou jurídica não produzem efeitos em relação aos débitos de natureza fiscal, previdenciária ou trabalhista, em especial quanto às garantias e aos privilégios que lhes são atribuídos. Parágrafo único. Para os fins do disposto no caput, permanecem respondendo pelos débitos ali referidos a totalidade dos bens e das rendas do sujeito passivo, seu espólio ou sua massa falida, inclusive os que tenham sido objeto de separação ou afetação.” 43

Mesmo com a previsão legal do artigo acima mencionado da MP 2.158­35, de 24 de

agosto de 2001, tal regra não serve para o presente caso em face do novo dispositivo do artigo

10 da Lei 10.931/04, que é taxativo ao afirmar que tal enunciado não se aplica ao patrimônio

de afetação de incorporações imobiliárias.

Cumpre dizer que o patrimônio da incorporadora é que irá responder por tais débitos

tributários, com exceção do terreno e das acessões, objeto da incorporação imobiliária.

O art. 31­A da Lei 4.591/04, alterado pela Lei 10.931/04, estabelece que, a critério do

incorporador, a incorporação poderá ser submetida ao regime de afetação, não sendo

caracterizada a obrigatoriedade da afetação do patrimônio pela incorporadora, pois é apenas

uma opção conferida a este.

Assim, novamente a crítica que se faz à Lei 10.931/04 é quanto à não­obrigatoriedade

da afetação do patrimônio, ao contrário do que se pretendia com o Projeto de Lei que deu

origem ao referido Diploma Legal.

A afetação compulsória do patrimônio do incorporador, conforme presente

originariamente no Projeto de Lei, passou a ser facultativo, o que modificou a filosofia que

norteava toda a idéia da afetação patrimonial, em evidente prejuízo aos adquirentes.

43 BRASIL. Leis, Decretos. Medida Provisória n o 2.158­35, de 24 de agosto de 2001.Presidência da República Federativa do Brasil. Disponível em https://www.planalto.gov.br/. Acesso em 20/20/2004.

Outra questão trazida pela Lei 10.931/04 é quanto ao parcelamento dos créditos

tributários devidos pelas incorporadoras que não poderão mais ser objetos de concessões,

segundo dispõe o art. 6º da referida Norma Legal.

De acordo com o texto legal, o incorporador ficará obrigado a manter escrituração

contábil separada para cada incorporação submetida ao regime especial de tributação.

No que tange à utilização das faculdades do regime de tributação aplicável às

incorporadoras que tiverem seu patrimônio afetado, estabelecidas pela Lei 10.931/04, cumpre

ressaltar ainda que, segundo informou Adriano Savi, no Jornal do Comércio de 29/08/05. 44 a

utilização destas vinha sendo inibida em razão de aspectos controvertidos quanto ao regime de

tributação aplicável.

Entende­se que o pagamento da alíquota única de 7 % sobre a receita mensal recebida,

abrangendo IRPJ, PIS/PASEP, CSLL e COFINS era considerado pela Secretaria da Receita

Federal (Instrução Normativa 474/2004) como mera antecipação desses impostos.

“Todavia tal controvérsia veio a ser definitivamente sanada com a edição da MP 252

de 15 de fevereiro de 2005” 45 que, no artigo 66, elaborou nova redação ao parágrafo 2º do

artigo 4º da Lei 10.931/04, e considerado como definitivo, não gerando direito a qualquer

restituição ou compensação pelo pagamento dos tributos e contribuições efetuados no âmbito

do regime especial de tributação em tela.

44 SAVI, Adriano. A Lei 10.931/04 e o crédito imobiliário. JORNAL DO COMÉRCIO, [S.L.] 29/08/05. 45 SAVI, Idem, 2005.

Capítulo VI­ Instrumentos de Financiamento e Captação de Recursos

Um dos objetivos da Lei 10.931/04, segundo a justificativa do anteprojeto, é o

incentivo ao desenvolvimento econômico do país e, para isso, foi necessário tratar, também,

na própria Lei, de instrumentos relacionados à captação de recursos para o desenvolvimento

do mercado imobiliário.

A Lei 9.514/97, que dispõe sobre o Sistema de Financiamento Imobiliário, institui a

alienação fiduciária de coisa imóvel e dá outras providências, criando novas fontes de

recursos para o financiamento imobiliário e estabelecendo­se condições para o

desenvolvimento de um mercado secundário de créditos imobiliários.

Nesse mercado são colocados alguns títulos lastreados em créditos imobiliários e

constituídos originalmente pelo construtor e incorporador, podendo, então, gerar fonte de

recurso compatível com as características e necessidades do setor.

A lei de 1997 criou o Certificado de Recebíveis Imobiliários (CRI) 46 destinados a

exprimir créditos no mercado imobiliário e, ainda, uma nova espécie de companhia

securitizadora cuja função é adquirir créditos imobiliários, emitir títulos lastreados em tais

créditos e colocá­los no mercado financeiro e de capitais, funcionando, segundo CHALHUB

(2005), como catalisadoras, “abrindo canais de negociação de créditos entre o mercado

produtor e o mercado investidor”. 47

A dinâmica da operação dá­se deste modo: o construtor ou incorporador firma com o

adquirente um contrato de venda de imóvel de qualquer modalidade, de forma parcelada,

garantindo­se o crédito do construtor ou do incorporador com o próprio imóvel objeto da

operação. Sendo titular desse crédito com garantia imobiliária, o construtor ou incorporador,

necessitando de recursos para prosseguir a obra e as vendas, busca negociar tais créditos com

46 É um título de crédito nominativo, de emissão exclusiva das companhias securitizadoras, de livre negociação lastreado em créditos imobiliários e que constitui promessa de pagamento em dinheiro, conforme dispõe o art. 6º da Lei 9.514/97. 47 CHALHUB, Idem, 2005.

uma companhia securitizadora ou com uma entidade financeira através da cessão de

créditos 48 , ou seja, aquele cede a esta os créditos a que terá direito de receber pela venda do

imóvel.

Adquirido o crédito pela companhia securitizadora, esta emite títulos vinculados aos

créditos que adquiriu e promove a colocação destes no mercado de capitais. Esses créditos

imobiliários vinculados à emissão de títulos são colocados no mercado por meio de um

“termo de securitização” 49 lavrado por uma companhia securitizadora, tudo em conformidade

com o art. 8º da Lei 9.514/97.

A securitização, que é a operação pela qual créditos imobiliários são vinculados à

emissão de títulos de crédito, pelo termo de securitização lavrado por um companhia

securitizadora, constitui um mecanismo básico de funcionamento do mercado secundário e,

por isso, mereceu ser abordada, também, na Lei 10.931/04.

A Lei 9.514/97 estendeu ao mercado imobiliário em geral a utilização dos índices de

reajuste do mercado financeiro, mas a Lei 10.931/04, cujo art. 46 autoriza qualquer pessoa

natural ou jurídica, nos contratos de comercialização de imóveis com prazo igual ou superior

a trinta e seis meses, a contratar reajustes com índices de preços gerais ou setoriais, ou com o

índice de remuneração básica dos depósitos de poupança 50 , facultou as entidades financeiras à

contratação com base em outros índices, além daqueles que atualizam a poupança que são os

de reajuste do mercado financeiro.

Os recursos financeiros de que necessita o setor imobiliário devem advir das

negociações dos créditos oriundos da comercialização de imóveis e dos títulos lastreados

nesses créditos, que serão colocados no mercado secundário.

48 Cessão de crédito: Direito Civil. É o negócio jurídico bilateral, gratuito ou oneroso, pelo qual o credor de uma obrigação (cedente) transfere, no todo ou em parte, a terceiro (cessionário) independente de consentimento do devedor (cedido), sua posição na relação obrigacional, com todos os acessórios e garantias, salvo disposição em contrário, sem que se opere a extinção do vínculo obrigacional (Diniz. Maria Helena. Dicionário Jurídico. 2ª ed. ver. atual. São Paulo: Saraiva, 2005). 49 Segundo CHALHUB (2005), é o ato pelo qual são identificados os títulos emitidos e os créditos vinculados à emissão. 50 A remuneração da poupança é igual à TR ou Taxa Referencial.

Embora a Lei 9.514/97 tenha dado acesso ao mercado secundário de crédito a qualquer

pessoa natural ou jurídica, tais créditos devem seguir uma padronização em termos

operacionais de garantia para que exista sintonia entre as condições estabelecidas na

formação do crédito e as condições praticadas no mercado secundário, conforme

determinação da própria Lei de Incorporação Imobiliária.

A securitização de créditos 51 é, desse modo, um negócio que atende aos interesses das

empresas incorporadoras e do mercado investidor, podendo constituir importante fonte de

recurso para manter em funcionamento o sistema contínuo de produção, financiamento e

comercialização capaz de abranger a crescente demanda do mercado imobiliário.

Entre esses instrumentos de financiamento e captação de recursos estão as Letras de

Crédito Imobiliário, a Cédula de Crédito Bancário e os Contratos de Financiamento

Imobiliário.

51 A Lei 9.514/97, em seu art. 8º, define a securitização de créditos imobiliários como “a operação pela qual tais créditos são expressamente vinculados à emissão de uma série de títulos de crédito, mediante Termo de Securitização de Créditos, lavrado por uma companhia securitizadora (...)”.

VI.1­ Da Letra de Crédito Imobiliário

A Letra de Crédito Imobiliário – LCI – é um título de crédito instituído pela Lei

10.931/04, embora a Medida Provisória nº 2.223/01 já dispusesse sobre aquela. Sua emissão

é restrita às Instituições expressamente autorizadas pelo Banco Central do Brasil a operar com

carteira de créditos imobiliários (bancos comercias, bancos múltiplos com carteira de crédito

imobiliário, Caixa Econômica Federal, sociedades de crédito imobiliário, associações de

poupança e empréstimo, companhias hipotecárias) lastreadas em créditos Imobiliários,

garantidos por hipoteca ou por alienação fiduciária de coisa imóvel.

Segundo a definição do professor Gladston MAMEDE (2005):

“A letra de crédito imobiliário é um título de crédito de contexto específico, não experimentando o mercado amplo dos cheques ou das notas promissórias. Sua emissão é restrita às instituições financeiras autorizadas pelo Banco Central a operar com carteira de créditos imobiliários, sendo oferecida a investidores de perfil conservador, configurando­se como título de renda fixa.” 52

O objetivo da Lei 10.931/04 é aquecer o mercado imobiliário, no entanto, com a

criação da Letra de Crédito Imobiliário, quem acaba ganhando com a emissão e especulação

dos títulos é o agente financeiro quando recebe as dívidas, já que os títulos são garantidos por

hipoteca ou alienação fiduciária de coisa imóvel.

MAMEDE assim discorre sobre a Letra de Crédito Imobiliário:

“Foi criada para permitir a captação de recursos para financiamento da construção civil, tendendo a substituir a letra imobiliária prevista na Lei nº 4.380/64. As instituições financeiras emitentes, de um lado, concedem o crédito a incorporadores ou adquirentes de unidades imobiliárias e, de outro lado, buscam no mercado investidores que, recebendo letras de crédito imobiliário, suprem o numerário daquelas operações, antecipando a respectiva receita.” 53

Ou seja, quem acaba ganhando com a emissão da Letra de Crédito Imobiliário são os

próprios agentes financeiros.

52 MAMEDE, Gladston. Estabilização da letra de crédito imobiliário. Disponível em http://www.imovelnaweb.com.br/artigos.php?codart=98. Acesso em 06/04/05. 53 MAMEDE, Idem, (2005)

De acordo com a Lei 10.931/04, a LCI será emitida sob forma nominativa, podendo

ser transferível mediante endosso, e deve conter as especificações dos incisos I, II, III do

artigo 12 da referida legislação, quais sejam: nome da Instituição emitente e as assinaturas de

seus representantes, o número de ordem, o local e a data de emissão, a denominação “Letra de

Crédito Imobiliário”, valor nominal e a data do vencimento, a forma, a periodicidade e o local

do pagamento do principal, dos juros e, se for o caso, da atualização monetária. E, ainda, os

juros fixos ou flutuantes que poderão ser negociáveis a critério das partes, a identificação dos

créditos caucionados e seu valor, o nome do titular e a cláusula à ordem, se endossável.

A viabilização da existência da LCI, como se vê do § 2º do artigo 12 da Lei 10.931/04,

se faz tanto pela forma escritural, quando esta deverá ser registrada em sistemas de registro e

liquidação financeira de títulos privados autorizados pelo Banco Central do Brasil, ou, ainda,

quando da conservação do título em depósito na Instituição Financeira, com ou sem a emissão

de certificado de depósito. “No entanto, havendo a criação da letra, o papel será emitido sob

forma nominativa, comportando endosso que mencione aquele a quem é transferida,

permitindo sua negociação no mercado secundário.” 54

Cumpre destacar que, segundo dispõe o art. 16 da referida Lei, “o endossante da LCI

responderá pela veracidade do título, mas contra ele não será admitido direito de cobrança

regressiva”, ou seja, o titular da Letra, quando a transfere, responde por sua veracidade, mas

não pelo seu pagamento, devendo a Instituição Financeira fazê­lo. O atual titular não poderá,

portanto, exigir o pagamento daquele que transferiu, conforme disposição legal.

De acordo com a Lei 10.931/04, em seu art. 13, § único, a LCI poderá ser atualizada

mensalmente por índices de preços, desde que emitida com prazo mínimo de trinta e seis

meses. É vedado o pagamento dos valores relativos à atualização monetária apropriada desde

54 MAMEDE, Op. Cit.

a emissão, quando ocorrer o resgate antecipado, total ou parcial, em prazo inferior aos trinta e

seis meses. De acordo com MAMEDE:

“Poderá haver previsão de correção monetária por índices de preços, desde que a emissão seja com prazo mínimo de trinta e seis meses. Nessas hipóteses, havendo resgate antecipado, o titular perde o direito a correção monetária até então cumulada. Tais pagamentos são caucionados por um conjunto de contratos de financiamento imobiliário, garantidos por hipoteca ou por alienação fiduciária de bens imóveis. Esses contratos (e suas garantias reais) caucionarão o pagamento da letra, no vencimento, bem como de seus acessórios, embora seja possível o oferecimento de garantia extra (fiança ou aval) por parte da instituição financeira.” 55

A LCI poderá contar com garantia fidejussória 56 adicional de Instituição Financeira,

conforme preceitua o art. 14 e, ainda, será garantida por um ou mais créditos imobiliários,

sendo que a soma do principal das LCI emitidas não pode exceder o valor total dos créditos

imobiliários em poder da Instituição emitente.

Para MAMEDE (2004), a norma do § 2º, do art. 15, da Lei 10.931/04, que dispõe

sobre a solicitação justificada pelo credor, para substituição do crédito caucionado da Letra,

“insere­se no princípio de que o crédito tem vencimento antecipado sempre que há desfalque na garantia (artigo 1.425, inciso I do Novo Código Civil). Assim, se a instituição financeira se recusa a trocar um contrato de recebimento duvidoso por outro, haverá o vencimento antecipado do título por culpa da instituição devedora, permitindo sua execução imediata.” 57

Por fim, não poderá ter prazo de vencimento superior ao prazo de quaisquer dos

créditos imobiliários que lhe servem de lastro, podendo tal crédito imobiliário caucionado ser

substituído por outro crédito da mesma natureza por iniciativa do emitente da Letra, nos casos

de liquidação ou vencimento antecipado do crédito por solicitação justificada do credor da

Letra (art.15, §1º).

Os titulares das Letras não são credores hipotecários ou fiduciários dos devedores dos

contratos de financiamento, sendo esse credor a própria Instituição Financeira:

55 MAMEDE, Idem, 2005. 56 Garantia fidejussória: caução pessoal, fiança. 57 MAMEDE, Idem, 2005.

“Os titulares das letras são credores dessa instituição financeira, estando garantidos pelo penhor dos créditos daquela sobre os devedores­ financiados e respectivos direitos hipotecários ou fiduciários. Por isso, o legislador teve a preocupação de assegurar a efetividade da garantia: a letra deve trazer a identificação dos créditos caucionados e respectivos valores, podendo referir­se a contratos diversos, desde que a soma do valor dos contratos caucionados não seja inferior ao valor total das letras emitidas, nem haja letra com prazo de vencimento superior ao prazo de quaisquer dos créditos imobiliários que lhe servem de lastro. Se um crédito imobiliário caucionado tiver liquidação ou vencimento antecipados, será substituído por outro crédito da mesma natureza, permitindo a manutenção da letra sem igual liquidação antecipada.” 58

As Cédulas de Crédito Imobiliário Fracionárias poderão ser emitidas, simultaneamente

ou não, a qualquer momento antes do vencimento do crédito que elas representam, com ou

sem garantia real ou fidejussória, sob forma escritural ou cartular.

Por derradeiro, no que diz respeito à Letra de Crédito Imobiliário, cumpre dizer que o

Banco Central poderá estabelecer o prazo mínimo, entre outras condições para emissão e

resgate da LCI, observando a atualização mensal por índice de preços, conforme artigos 17 e

13 da Lei 10.931/04.

58 MAMDE, Idem. 2005.

VI.2­ Da Cédula de Crédito Imobiliário

A Cédula de Crédito Imobiliário (CCI) é instrumento que exerce função semelhante à

da Cédula Hipotecária 59 , tendo sido instituída pela Lei 10.931/04, nos artigos 18 a 25 60 que

representa a cessão de créditos vinculados a negócios imobiliários.

É o documento representativo do crédito originado pela compra e venda de imóvel e,

ainda, de toda espécie de crédito imobiliário com pagamento parcelado. É emitida por

qualquer credor, com a finalidade de facilitar e simplificar a cessão de crédito, abrangendo

toda a espécie de crédito imobiliário, seja hipotecário, fiduciário, oriundo de promessa de

compra e venda, ou qualquer outro tipo de crédito vinculado à negociação de imóveis, emitida

em favor de qualquer pessoa.

Para CHALUB (2005):

“É instrumento de representação e de cessão de créditos vinculados a negócios imobiliários, notadamente os créditos decorrentes de comercialização de unidades imobiliárias componentes de incorporações imobiliárias realizadas nos termos da Lei 4.591/64.” 61

A CCI deverá, como as Cédulas Hipotecárias, reproduzir, de forma resumida, todas as

características do contrato imobiliário que representa, identificando as partes, o objeto do

contrato, valores e condições de pagamento. Fixa o perfil do crédito, sintetizando o teor do

contrato de financiamento imobiliário que representa, de forma a agilizar a circulação do

crédito, reduzindo e simplificando o custo das operações de captação de recursos para o

mercado imobiliário.

59 Cédula Hipotecária é instrumento de representação e de cessão de créditos hipotecários e foi instituída pelo Decreto Lei nº 70 de 1966. 60 Anteriormente era regulamentada pela Medida Provisória nº 2.223 de 04/09/2001, até sua revogação pela Lei 10.931/04 em agosto do mesmo ano. 61 CHALHUB, 2005.

A CCI atende ao mercado da securitização, agilizando a negociação de créditos, pois a

cessão se faz mediante o endosso no próprio título, sem necessidade de formalização do

contrato de cessão.

Além disso, ela reduz os custos das operações de captação de recursos para o mercado

imobiliário, notadamente, para a operação de securitização de créditos, que se realiza

mediante cessão de créditos a uma companhia securitizadora e subseqüente emissão de títulos

lastreados em créditos imobiliários.

A CCI será emitida, com ou sem garantia real (§ 3º, do mesmo artigo), pelo credor do

crédito imobiliário, conforme o art. 18, § 1º da Lei 10.931/04 e, quando garantida por direito

real, deverá ser registrada no Registro de Imóveis.

Poderá ser emitida por qualquer credor (pessoa física que tenha vendido seu imóvel,

entidade financeira titular de um crédito imobiliário, incorporador que tenha comercializado

as unidades imobiliárias de uma incorporação) e terá como beneficiário qualquer pessoa física

ou jurídica (entidade financeira ou não, sociedade securitizadora ou não):

“É de se presumir que venha a cédula ser emitida com maior freqüência em favor de sociedade securitizadora, pois é essa a espécie de sociedade vocacionada para impulsionar o mercado secundário de créditos imobiliários comprando créditos e emitindo títulos para colocação no mercado.” 62

A principal virtude das cédulas, em geral, é a possibilidade de emissão independente

da prévia existência de endossatário. Além disso, sua negociação também se faz independente

de autorização do devedor. Tais características são indispensáveis para adequar o crédito

imobiliário às condições de negociação no mercado financeiro e de capitais, já que a cessão

de crédito se faz mediante o endosso da CCI.

A emissão da CCI, além da sua forma tradicional cartular, também se fará sob a forma

escritural mediante escritura pública ou instrumento particular, devendo tal instrumento

62 CHALHUB, Op. Cit.

permanecer custodiado em Instituição Financeira, conforme disposição do § 4º do artigo 18

da referida Lei 10.931/04.

A operação da cessão de crédito representado por CCI é realizada no sistema

financeiro já que, quando emitida sob forma cartular, a cessão se faz mediante endosso no

próprio título. Cumpre ressaltar que a cessão do crédito representado pela CCI implica,

automaticamente, transmissão da garantia a ela vinculada, sendo proibida a emissão de tal

cédula “com garantia real quando houver prenotação ou registro de qualquer ônus real sobre

os direitos imobiliários respectivos, inclusive, penhora ou averbação de qualquer mandado

judicial”, conforme dispõe o art. 25 da Lei estudada.

Com o objetivo de incrementar o mercado secundário de créditos imobiliários,

agilizando­o e simplificando­o, a Lei 10.931/04 introduziu importante alteração no processo

de securitização ao dispor que “quando adotado o regime fiduciário, a segregação e afetação

dos créditos será feita mediante registro na instituição custodiante” 63 , dispensando­se a

averbação do Termo de Securitização no Registro de Imóveis, sendo, ainda, tal Termo

simplificado, bastando que nele sejam indicados o valor, número e a série das CCI´s e a

Instituição Custodiante.

Para CHALHUB (2005), porém, a grande inovação da referida Lei, no que tange à

circulação do crédito, é a criação da CCI escritural por meio eletrônico, que se ajusta

plenamente às modernas condições de utilização de meios eletrônicos para realização de

negócios, uma vez que se trata de título emitido por escritura pública ou particular, que

permanece custodiada em instituição financeira, sendo registrada em sistema de registro e

liquidação financeira de títulos privados, autorizados pelo Banco Central do Brasil. Para o

autor:

“A forma escritural e a circulação por meio eletrônico não chegam a constituir inovação no direito brasileiro. São percussores desses

63 CHALHUB, Idem, 2005.

mecanismos o SELIC (1972), as ações escriturais (Lei 6.404/76), e a CETIP (1986). Mais recentemente, o Código Civil de 2002 veio a consagrar a possibilidade de emissão de títulos de crédito em forma de caracteres criados em computador (art. 889, § 3º), consolidando a perspectiva de modernização dos meios de circulação de riquezas, em temos compatíveis com as características e necessidades da sociedade contemporânea”. 64

CHALHUB (2005) defende, também, que a necessidade da permanência da escritura

de emissão de CCI em Instituição Financeira está relacionada à necessidade de se verificar o

cumprimento de alguns requisitos pelo emitente da cédula, que pode não estar sujeito à

regulamentação e à fiscalização das autoridades monetárias ou à agência reguladora do

Mercado de Capitais. Por isso, deverá o emitente da CCI, que não for Instituição Financeira,

atribuir a uma delas a função de registradora ou custodiante.

64 Idem, 2005, p.52.

VI. 3­ Da Cédula de Crédito Bancário

Em artigo intitulado “Cédula de Crédito Bancário” 65 , o professor Theophilo de

Azeredo Santos já afirmava sobre a necessidade do mercado de instituir um instrumento

jurídico que modelasse as diversas atividades creditícias com mais segurança, na tentativa de

preservar a rentabilidade e a liquidez destas.

Foi editada, originariamente, sob o número 1.925, em 14 de outubro de 1999, a

Medida Provisória criadora de um novo título de crédito ­ Cédula de Crédito Bancário (CCB)

­ representante de promessa de pagamento em dinheiro que viria substituir as notas

promissórias. Posteriormente, a MP mencionada sofreu várias alterações, passando por

diversas edições até chegar à MP 2160­25/01, revogada pela Lei 10.931/04 que passou a

regulá­la em seus artigos 26 ao 45.

A CCB, necessariamente, é lastreada em operação de crédito que pode vir de um

variado universo de financiamentos, mas que tem seu débito “inequivocamente declarado

neste documento”. 66 Poderá ser emitida com ou sem garantia real ou fidejussória, ou seja,

documento que contém garantia cedular, alcançando as diversas garantias pessoais, inclusive,

do terceiro prestador da garantia.

O emitente será sempre o devedor, todavia o credor também deverá assinar o título.

Conforme dispõe o artigo 26 da Lei 10.931/04, a CCB é título de crédito emitido por pessoa

física ou pessoa jurídica, em favor de Instituição Financeira ou entidade a esta equiparada,

representando promessa de pagamento em dinheiro, decorrente de operação de crédito de

qualquer natureza.

A Instituição devedora deverá integrar o Sistema Financeiro Nacional, sendo admitida

a emissão da CCB em favor de instituição domiciliada no exterior, desde que a obrigação

65 SANTOS, Theóphilo de Azeredo. Cédula de crédito bancário. Jurispoiesis: Rio de Janeiro: Universidade Estácio de Sá, Ano I, p.55 a 61, Nº 2, Out/dez. 1999. 66 Idem, 1999.

esteja sujeita exclusivamente à Lei e ao foro brasileiros, podendo ser emitida em moeda

estrangeira, com ou sem garantia ­ que deverá ser especificada na própria cédula, se não

conflitantes com a legislação comum ou especial aplicável – real ou fidejussória ­

cedularmente constituída.

De acordo com o artigo 28 da referida Lei, a CCB deverá ser considerada um título

executivo extrajudicial, representante de dívida em dinheiro, líquida, certa e exigível, pela

soma nela indicada ou pelo saldo devedor demonstrado em extratos de conta corrente ou

planilha de cálculo que devem ser elaborados pelo credor e integrar a referida Cédula.

Quanto aos cálculos que deverão ser realizados pelo credor, dispõe a Lei 10.931/04

que eles deverão evidenciar de modo claro, preciso e de fácil entendimento e compreensão o

valor, não só do principal da dívida, como também dos encargos e despesas contratuais

devidos, a parcela de juros e os critérios de sua incidência, a parcela de atualização monetária

ou cambial, a parcela correspondente a multas e demais penalidades contratuais e, também, as

despesas de cobrança de honorários advocatícios até a data do cálculo da dívida.

Quando a CCB for relacionada a contrato de abertura de crédito bancário em conta

corrente, o valor da dívida será o valor total do crédito posto à disposição do emitente,

cabendo ao credor discriminar nos extratos de conta corrente ou nas planilhas de cálculo

apresentadas – e anexadas à Cédula de Crédito Bancário – as parcelas utilizadas do crédito

aberto, os aumentos do limite inicialmente concedido ao correntista, com as eventuais

amortizações da dívida e, ainda, a incidência dos encargos nos períodos de utilização do

crédito concedido.

Dispõe o § 3º do multicitado artigo 28, da Lei 10.931/04, que o credor, que em ação

judicial cobrar o crédito exeqüendo em desacordo com o expresso na Cédula de Crédito

Bancário, ficará obrigado a pagar ao devedor o dobro daquilo que for cobrado a maior,

podendo ser compensado na própria ação sem prejuízo da responsabilização por perdas e

danos.

Além disso, a Lei 10.931/04 estabelece, em seu artigo 28, § 1º, que na Cédula de

Crédito Bancário poderão ser pactuados os juros da dívida, capitalizados ou não; os créditos

de sua incidência e, se for o caso, a periodicidade de sua capitalização; as despesas e os

demais encargos decorrentes da obrigação; os critérios de atualização monetária ou de

variação cambial (conforme permitidos em Lei); os casos de ocorrência de mora e incidência

de multas e penalidades contratuais; as hipóteses de vencimento antecipado da dívida; os

critérios de apuração e ressarcimento pelo emitente ou por terceiro das despesas de cobrança

da dívida, dos honorários advocatícios, judiciais ou extrajudiciais que não poderão superar o

limite de dez por cento do valor total devido.

Quando for o caso, devem constar das CCBs as modalidades de garantia da dívida, sua

extensão e as hipóteses de substituição de tal garantia, as obrigações a serem cumpridas pelo

credor, as do devedor (de emitir extratos da conta corrente ou planilhas de cálculo da dívida

ou de seu saldo devedor) e outras condições da concessão do crédito, de suas garantias ou

liquidação e obrigações adicionais do emitente ou terceiro garantidor da obrigação, desde que

não contrariem as disposições da referida Lei.

O artigo 29 da Lei 10.931/04 informa o que deverá conter no título, como, por

exemplo, a denominação “Cédula de Crédito Bancário”; a especificação do nome da

instituição credora; a data e o lugar da emissão; a assinatura do emitente (se for o caso, de

terceiros garantidores da obrigação ou de seus respectivos mandatários); a promessa do

emitente de pagar a dívida em dinheiro, líquida, certa e exigível no seu vencimento

correspondente ao crédito utilizado. No caso de abertura de crédito em conta corrente, será

exigida a data e o lugar do pagamento da dívida e, se o pagamento for parcelado, as datas e os

valores de cada prestação ou os critérios para essa determinação.

A CCB, de acordo com a disposição legal, será transferida mediante endosso em preto,

ao qual se aplicarão, no que couberem, as normas do direito cambiário, caso em que seu

endossatário, mesmo não sendo instituição financeira ou entidade a ela equiparada, poderá

exercer todos os direitos por ela conferidos, inclusive cobrar os juros e demais encargos na

forma pactuada na cédula. Tal determinação, sem dúvida, abre margem para que outros

credores possam se valer de benefícios da cobrança da capitalização de juros comum às

Instituições Financeiras.

Ainda deverá ser emitida por escrito, em tantas vias quantas forem as partes que nela

vierem, assinadas pelo emitente e pelo terceiro garantidor, se houver, ou por seus respectivos

mandatários, devendo cada parte receber uma via desta, sendo que somente a via do credor

será negociável, devendo constar nas demais vias a expressão “não negociável”.

A CCB poderá ser aditada, retificada e ratificada mediante documento escrito e

datado, passando tal documento a fazer parte da Cédula.

As garantias de obrigação representadas pela CCB são disciplinadas pela Lei

10.931/04, sendo aplicáveis as disposições da legislação em comum ou especial que não

forem conflitantes com ela.

A garantia da CCB poderá ser fidejussória ou real e será feita na própria cédula ou em

documento separado, e deverá, caso a garantia seja real, ser constituída por bem patrimonial

de qualquer espécie, disponível e alienável, móvel ou imóvel, material ou imaterial, presente

ou futuro, fungível ou infungível, consumível ou não, e cuja titularidade pertença ao próprio

emitente ou a terceiro garantidor da obrigação principal, que deverá ser escrito e

individualizado de modo a permitir sua identificação.

A garantia da obrigação abrangerá, além do principal constitutivo da garantia, todos os

seus acessórios, benfeitorias de qualquer espécie, valorização de qualquer título, frutos e bens

vinculados ao bem principal por acessão física, intelectual, industrial ou natural.

O credor deverá averbar no órgão competente para o registro do bem constitutivo da

garantia a existência de qualquer outro bem por ele abrangido, sendo que, até a efetiva

liquidação da obrigação, os bens abrangidos pela garantia não poderão, sem prévia

autorização escrita do credor, serem alterados, retirados, deslocados, nem poderão ter sua

destinação modificada, exceto quando a garantia for por semoventes ou veículos e a remoção

ou deslocamento desses bens for inerente à atividade do emitente da CCB ou do terceiro

prestador da garantia.

De acordo com o artigo 35 da Lei 10.931/04, os bens constitutivos de garantia

pignoratícia ou objeto de alienação fiduciária poderão, a critério do credor, permanecer sob a

posse direta do emitente ou de terceiro prestador da garantia, nos termos da cláusula do

constituto possessório 67 , caso em que as partes deverão especificar o local em que o bem

ficará guardado e conservado até a efetiva liquidação da obrigação, o qual é garantidor,

respondendo o emitente ou o terceiro prestador da garantia, solidariamente, pela guarda e

conservação do bem constitutivo da garantia.

Cumpre destacar que, no caso de pessoa jurídica prestadora de garantia, será indicado

um representante para responder solidariamente pela guarda e conservação da coisa

garantidora da obrigação, conforme § 2º do artigo 35 da Lei 10.931/04.

O credor poderá exigir que o bem garantidor da dívida seja coberto por seguro até a

efetiva liquidação da obrigação garantida, em que será indicado como exclusivo beneficiário

da apólice securitária, estando autorizado a receber a indenização para liquidar ou amortizar a

referida obrigação, de acordo com o artigo 36 da referida Lei.

Quanto à desapropriação, danificação ou perecimento do bem constitutivo da garantia,

dispõe o artigo 37, da Lei 10.931/04 que “(...) por fato imputável a terceiro, o credor sub­

67 Constituto Possessório: modalidade de transferência convencional da posse, ou, ainda, o modo aquisitivo derivado da posse que ocorre quando possuidor de um bem, que o possui em nome próprio, passa a possui­lo em nome alheio. Meio de perda da posse, o possuidor, em razão da cláusula constituti, altera a relação possessória, passando para o seu próprio nome. (DINIZ, Maria Helena. Dicionário Jurídico. 2ª ed. ver. atual. São Paulo: Saraiva, 2005.

rogar­se­á no direito à indenização devida pelo expropriante ou pelo terceiro causador do

dano, até o montante necessário para liquidar ou amortizar a obrigação garantida.” 68

Em tais casos, será facultado ao credor exigir a substituição ou reforço do bem para

garantir a dívida, notificando, por escrito, o emitente ou o terceiro garantidor, para que estes

providenciem a substituição ou reforcem a garantia no prazo de quinze dias, sob pena de

vencimento antecipado desta, conforme preceitua o artigo 39 da Lei.

Nas operações de crédito rotativo, o limite de crédito concedido será recomposto

automaticamente durante o prazo de vigência da CCB e, sempre que o devedor, não estando

em mora ou inadimplente, amortizar ou liquidar a dívida. De acordo com o artigo 41, a CCB

poderá ser protestada por indicação – em que a apresentação do título é dispensada desde que

o credor apresente declaração de posse de sua única via negociável.

Cumpre dizer que a Lei 10.931/04 dispõe de que a validade e eficácia da CCB não

dependem de registro, o que não acontece com as garantias reais que devem ser registradas ou

averbadas para valerem contra terceiros. O artigo 43 da multicitada Lei dispõe, ainda, que as

Instituições Financeiras podem emitir títulos representativos da CCB.

De acordo com o artigo 43, § 2º, da Lei 10.931/04, emitido o certificado, as Cédulas

de Crédito Bancário e as importâncias recebidas pela Instituição Financeira, a título de

pagamento do principal e de encargos, não poderão ser objeto de penhora, arresto, seqüestro,

busca e apreensão ou qualquer outro embaraço que impeça a sua entrega ao titular do

certificado.

Mas, o certificado poderá ser objeto de penhora (ou qualquer outra medida cautelar)

por obrigação de seu titular. O que, mais uma vez, evidencia o favorecimento das Instituições

Financeiras. E poderá ser transferido mediante endosso ou termo de transferência, se

escritural, devendo, em qualquer caso, a transferência ser datada e assinada pelo seu titular ou

68 BRASIL. Leis, Decretos. Lei 10.931 de 08 de agosto de 2004..Presidência da República Federativa do Brasil. Disponível em https://www.planalto.gov.br/. Acesso em 20/20/2004.

mandatário com poderes especiais e averbada junto à Instituição Financeira emitente, no

prazo máximo de dois dias, e as despesas e encargos decorrentes da transferência e averbação

do certificado serão suportados pelo endossatário ou cessionário, salvo convenção em

contrario, de acordo com a nova legislação e seus artigos.

O artigo 49 dispõe que serão aplicadas às CCBs, no que não contrariar o disposto na

Lei 10.931/04, a legislação cambial, dispensando o protesto para garantir o direito de

cobrança contra endossantes, seus avalistas e terceiros garantidores.

Acrescenta­se que pelo artigo 45 os títulos de crédito e os direitos creditórios, que

tenham sido objeto de desconto, poderão ser admitidos a redesconto junto ao Banco Central

do Brasil, observando­se as normas e instruções baixadas pelo Conselho Monetário Nacional.

Sendo essas as características da CCB, cumpre dizer que a principal inovação trazida

pela Lei, segundo AMENDOLARA (2004), referente à Cédula de Crédito Bancário da Lei

10.931/04 relaciona­se à possibilidade de compensação na própria Ação de Cobrança da

importância cobrada a maior, em dobro.

“Foi incluso no § 3º no artigo 28 da Lei 10.931/04, artigo 3º da MP 2.160/01­25 a previsão de que o credor, que na ação judicial cobrar valor do crédito em desacordo com o expresso na CCB, ficará obrigado a pagar o dobro do cobrado a maior, o que poderá ser compensado na própria ação, sem prejuízo da responsabilidade por perdas e danos”. 69

Informa, ainda, que a previsão disposta no parágrafo único do artigo 6º da antiga MP

determinava que o penhor de direitos seria constituído pela mera notificação ao devedor do

direito apenhado, o que, hoje, não está contemplado no artigo 31 da Lei 10.931/04.

Expostas as disposições da Lei 10.931/04 em relação às Cédulas de Crédito Bancário,

fica evidente que a maioria das alterações e inovações trazidas pela referida legislação vieram

para beneficiar as Instituições Financeiras, como se verifica no artigo 28, § 1º, no qual os

juros sobre a dívida poderão ser livremente pactuados, capitalizados ou não.

69 AMENDOLARA, Cesar. Novo Conceito e Regime especial Tributário do Patrimônio de Afetação. Disponível em http://www.vellozaegirotto.com.br/noticias/Noticia_lei_10931.pdf. Acesso em 15/03/2005.

O mesmo ocorre quando da obrigatoriedade de elaboração da planilha de débito da

dívida a ser preparada e apresentada pelo credor. Tal fato, a princípio, prejudica o devedor,

também considerado consumidor, já que o documento comprobatório de sua dívida será

elaborado de forma unilateral pelo credor. Em que pese o princípio do contraditório e da

ampla defesa, o devedor só poderá se defender apresentando sua memória de cálculo. Tal

situação já o coloca em desvantagem, uma vez que terá que contar com especialista, em sua

contestação, antes mesmo da perícia.

Em relação ao § 3º, do artigo 28, da referida Lei 10.931/04, que dispõe que o valor do

crédito exeqüendo cobrado a maior pelo credor, em desacordo com o expresso na CCB, será

exigido pelo devedor no dobro do cobrado a maior, podendo ser compensado na própria ação

sem prejuízo da responsabilidade por perdas e danos, cabendo salientar que tal fato já ocorria

quando das ações de repetição de indébito. A novidade se deve apenas ao fato de que,

atualmente, poderá ser feito na própria ação de cobrança, o que evidencia o princípio da

economia processual.

Outro aspecto a ser considerado é o fato de que as importâncias recebidas pela

Instituição Financeira com a emissão dos certificados das Cédulas de Crédito Bancário não

podem ser objeto de penhora, arresto, seqüestro e busca e apreensão, podendo, todavia, ser

objeto de penhora ou de qualquer outra medida por obrigação de seu titular, conforme dispõe

o artigo 43, § 2º, da referida Lei.

VI. 4 ­ Dos Contratos de Financiamento de Imóveis

Dispõe a Lei 10.931/04, em seu artigo 46, que nos contratos de comercialização de

imóveis e de financiamento mobiliário em geral e nos de arrendamento mercantil de imóveis,

bem como nos títulos e valores imobiliários por eles originados, com prazo mínimo de trinta e

seis meses, será admitida a estipulação de cláusulas de reajuste com periodicidade mensal, por

índices de preços setoriais 70 ou gerais, ou pelo índice de remuneração básica dos depósitos de

poupança. 71

Em relação ao índice de remuneração básica dos depósitos de poupança, cumpre

destacar que se trata da conhecida TR, que se admite de forma expressa de acordo com a

referida Lei, mesmo não sendo considerada como índice de correção monetária.

Cumpre ressaltar que a ADI 493, do STF, reconheceu que a TR não é índice de

correção monetária possível de ser aplicado nos casos de contratos de financiamento

imobiliário celebrados antes da criação desta:

“Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 493­0 – Distrito Federal. Requerente:Procurador Geral da República Requeridos: Presidente da República e Congresso Nacional Ementa: Ação Direta de Inconstitucionalidade

a. Se a Lei alcançar os efeitos futuros de contratos celebrados anteriormente a ela, será essa lei retroativa (retroatividade mínima) porque vai interferir na causa, que é um ato ou fato ocorrido no passado.

b. O disposto no artigo 5º, XXXVI, da Constituição Federal se aplica a toda e qualquer lei infraconstitucional, sem qualquer distinção entre lei de direito público e lei de direito privado, ou entre lei de ordem pública e lei dispositiva. Precedente do S.T.F.

c. Ocorrência, no caso, de violação de direito adquirido. A taxa referencial (TR) não é índice de correção monetária, pois, refletindo as variações do custo primário da captação dos depósitos a prazo fixo, não constitui índice que reflita a variação do poder aquisitivo da moeda. Por isso, não há necessidade de se examinar a questão de saber se as normas que alteram índice de correção monetária se aplicam imediatamente, alcançando, pois, as prestações futuras de contratos celebrados no passado, sem violarem o disposto no artigo 5º, XXXVI, da Carta Magna.

70 Inflação em um setor específico. 71 Remuneração da poupança.

d. Também ofendem o ato jurídico perfeito os dispositivos impugnados que alteram o critério de reajuste das prestações nos contratos já celebrados pelo sistema do Plano de Equivalência Salarial por Categoria Profissional (PES/CP). Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente, para declarar a inconstitucionalidade dos artigos 18, “caput” e parágrafos 1º e 4º; 20; 21 e parágrafo único; 23 e parágrafos, e 24 e parágrafos, todos da Lei n.8.177, de 1º de Março de 1991.” 72

De acordo com a Lei 10.931/04, pode­se verificar que os índices de reajuste são

praticamente abertos quando a Lei dispõe: “ou índices de preços setoriais, ou gerais, ou pelo

índice de remuneração básica dos depósitos de poupança”, só sendo proibidos os contratos

com “cláusula de equivalência salarial ou de comprometimento de renda”, conforme preceitua

o artigo 48 da multicitada Lei 10.931/04.

Nesse sentido, o que se percebe é que a Lei parece beneficiar, na sua maior parte, as

Instituições Financeiras e, exemplo disso, está também a proibição da cláusula de

equivalência salarial ou de comprometimento de renda, visto que, se são os próprios

financiadores que escolhem os índices de reajuste, pouco importa para aqueles, se no decorrer

do contrato, os adquirentes/devedores tenham ou não condições e capacidade para quitá­los,

já que a cláusula de equivalência salarial ou comprometimento de renda é vetada. Ressalta­se

que o salário mínimo não é indexado por índices medidores da inflação.

A proibição da equivalência salarial ou de comprometimento de renda trazida pela Lei

não beneficia os adquirentes/consumidores, porque podem ter suas prestações reajustadas

independentemente de sua renda salarial. Ou seja, os contratos podem sofrer reajustes sem

que os adquirentes tenham seus salários reajustados, o que irá onerá­los sobremaneira.

72 JURISDIÇÃO. Superior Tribunal de Justiça. O Tribunal da Cidadania. REsp 33421 / SP; RECURSO ESPECIAL 1993/0008024­5. Relator: Ministro DEMÓCRITO REINALDO (1095), T1­ Primeira Turma, 01/06/1994. DJ 27.06.1994 p. 16902, RJM vol. 113 p. 69, RSTJ vol. 64 p. 193. Disponível em http://www.stj.gov.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?i=13&livre=RJM.font.+ou+RJM.suce. Acesso em 05/10/05.

Nos títulos e valores imobiliários, quando ocorrer o resgate antecipado, total ou

parcial, em prazo inferior a trinta e seis meses, será vedado o pagamento de valores relativos à

atualização monetária, conforme dispõe o § 1º, do artigo 46, da Lei 10.931/04.

Já no caso de quitação ou vencimento antecipado dos créditos imobiliários que

lastream ou tenham originado a emissão dos títulos e valores imobiliários, não caberá a regra

do § 1º, qual seja, a vedação do pagamento dos valores relativos à atualização monetária

apropriados nos títulos e valores imobiliários, ou quando ocorrer o resgate antecipado em

prazo inferior a 36 meses, conforme dispõe o § 2º, do mesmo artigo acima mencionado. 73

Dispõe o artigo 47, da referida Lei, que são nulos de pleno direito quaisquer

expedientes que, de forma direta ou indireta, resultem em efeitos equivalentes à redução do

prazo mínimo de trinta e seis meses dos contratos de comercialização de imóveis.

Outra questão importante quanto aos contratos de financiamento de imóveis é

destacado no artigo 49 que informa que, se o devedor não pagar de forma tempestiva os

tributos e taxas condominiais incidentes sobre o imóvel objeto do crédito imobiliário

respectivo, bem como as parcelas mensais incontroversas de encargos estabelecidas no

contrato e quaisquer outros encargos que a lei imponha ao proprietário ou ao ocupante do

imóvel, o juiz poderá, a requerimento do credor, determinar a cassação de medida liminar,

cautelar ou de antecipação de tutela que tenha interferido na eficiência de cláusula do

Contrato de Crédito Imobiliário correspondente, ou suspendido os encargos dele decorrentes.

Ao restringir, a Lei 10.931/04 está não só criando pressupostos processuais, como

também cerceando o direito constitucionalmente garantido do comprador de postular em

juízo, quando do seu interesse. Quanto aos magistrados, a Lei apenas cria uma faculdade à

qual sempre tiveram direito ­ a cassação de liminares e cautelares.

73 Art. 46, §§ 1º e 2º da Lei 10.931/04.

Além disso, cumpre realçar que, se o mutuário for, por exemplo, discutir sobre juros

em uma Ação Ordinária, poderá ter sua liminar cassada por motivo totalmente diverso do

objeto da lide. Por exemplo, se deixar de pagar as cotas condominiais, o que, concessa venia,

é inadmissível.

E, se não bastasse, no artigo 50, a referida Lei 10.931/04 dispõe que:

“Art. 50 ­ Nas ações judiciais que tenham por objeto obrigação decorrente de empréstimo, financiamento ou alienação imobiliários, o autor deverá discriminar na petição inicial, dentre as obrigações contratuais, aquelas que pretende controverter, quantificando o valor incontroverso, sob pena de inépcia.” 74

Assim, ressoa claro que o autor deverá discriminar na inicial as parcelas que pretende

controverter, como também as parcelas que são incontroversas sob pena de inépcia da Inicial

e, ainda, continuar pagando o valor incontroverso, conforme o § 1º do artigo supra, que

dispõe: “O valor incontroverso deverá continuar sendo pago no tempo e modo contratados.” 75

Quanto à parte a ser discutida – a controversa ­ dispõe a lei no artigo 50, § 4º, que esta

poderá ser depositada, ou o juiz poderá dispensar o depósito no caso de “relevante razão de

direito e risco de dano irreparável ao autor, por decisão fundamentada na qual serão

detalhadas as razões jurídicas e fáticas da ilegitimidade da cobrança no caso concreto”. 76

Vale ressaltar, todavia, que o § 5º, do artigo 50, proíbe ao juiz de suspender a

exigibilidade da obrigação principal com base na compensação de valores pagos a maior sem

o depósito do valor integral deste. Ou seja, mesmo que o devedor tenha, anteriormente, feito

pagamentos indevidos a maior, deverá continuar depositando o valor da dívida que vai ser

discutida judicialmente, o que, também, é um evidente prejuízo para o devedor.

74 BRASIL. Leis, Decretos. Lei 10.931 de 08 de agosto de 2004..Presidência da República Federativa do Brasil. Disponível em https://www.planalto.gov.br/. Acesso em 20/20/2004. 75 Idem, 2004. 76 Idem, 2004.

Merece crítica o parágrafo acima mencionado que proíbe o magistrado de suspender a

exigibilidade de uma obrigação principal, por ser esse um direito de atuação do juiz,

assegurado pela Magna Carta, e que não pode ser vedado por nenhuma Lei inferior.

Capítulo VII ­ Institutos afins alcançados pela Lei 10.931/04.

As disposições finais das Leis, muitas vezes, são deixadas de lado pelos mais

desavisados, porém cumpre ressaltar que, in casu, as matérias dispostas pela Lei 10.931/04

são muitas e trazem alterações importantes em diversas legislações, como se confirmará

adiante.

Nas disposições finais, da Lei 10.931/04, estão as alterações da Lei de Incorporações

trazidas pelo artigo 53 já tratadas em capítulo próprio, bem como as inovações referentes ao

condomínio em edificações e incorporações imobiliárias, alienação fiduciária de móvel e

imóvel, nos condomínios, no Código Civil, na propriedade fiduciária, hipoteca, registros

públicos e locações e recursos do Sistema Financeiro de Habitação e Sistema Financeiro

Imobiliário, e no Conselho Monetário Nacional.

VII. 1 – Condomínios em edificações e incorporações imobiliárias

O artigo 54 da Lei 10.931/04 traz algumas modificações na Lei 4.591, de 1964, em

relação aos condomínios em edificações e incorporações imobiliárias.

Tal artigo acrescenta um § 2º ao artigo 32, da Lei 4.591/64, que dispõe sobre a

autonomia e irretratabilidade dos contratos de compra e venda, promessa de venda, cessão ou

promessa de cessão de unidades autônomas que, quando registrados, conferem direitos reais

oponíveis a terceiros, atribuindo direito de adjudicação compulsória perante o incorporador ou

a quem o suceder, inclusive nas hipóteses de insolvência posterior ao término da obra.

Acrescenta, ainda, no artigo 43, da Lei 4.591/64, o inciso VII afirmando, que em caso

de insolvência do incorporador que tiver optado pelo regime da afetação e não sendo possível

a maioria prosseguir na construção, a assembléia geral poderá, pelo voto de 2/3 (dois terços)

dos adquirentes, deliberar pela venda do terreno, das acessões 77 e demais bens e direitos que

integram o patrimônio de afetação, mediante leilão ou outra forma que estabelecer,

distribuindo entre si, na proporção dos recursos que comprovadamente tiverem aportado, o

resultado líquido da venda, depois de quitadas as dívidas do Patrimônio de Afetação e

deduzido e entregue ao proprietário do terreno a quantia que lhe couber.

Não obtendo na venda a reposição dos aportes reajustados na forma da lei e de acordo

com os critérios do contrato celebrado com o incorporador, os adquirentes serão credores

privilegiados pelos valores da diferença não reembolsada, respondendo subsidiariamente os

bens pessoais do incorporador.

Altera, também, o artigo 50, da mesma Lei 4.591/64, que informa será designado em

Assembléia Geral, e não mais Especial, a eleição da concessão de Representantes dos

adquirentes perante o construtor ou incorporador e, ainda, a terceiros.

Passa, então, o referido artigo a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 50­ Será designada no contrato de construção ou eleita em assembléia geral uma comissão de Representantes composta de três membros, pelo menos, escolhidos entre os adquirentes, para representá­los perante o construtor ou, no caso do art. 43, ao incorporador, em tudo o que interessar ao bom andamento da incorporação, e, em especial, perante terceiros, para praticar os atos resultantes da aplicação dos arts. 31­A a 31­F.” 78

E, por fim, modifica o § 2º do mesmo artigo, dispondo que a Assembléia Geral

poderá, através da maioria absoluta dos votos dos adquirentes, alterar a composição da

Comissão de Representantes e revogar qualquer de suas decisões, ressalvando os direitos de

terceiros quanto aos efeitos já produzidos.

77 Aumento do valor da coisa. 78 BRASIL. Leis, Decretos. Lei 10.931 de 08 de agosto de 2004..Presidência da República Federativa do Brasil. Disponível em https://www.planalto.gov.br/. Acesso em 20/20/2004.

VII.2­ Alienação Fiduciária

Em definição doutrinária, Alienação Fiduciária é o “negócio jurídico pelo qual uma das

partes adquire, em confiança, a propriedade de um bem, obrigando­se a devolvê­lo quando se

verifique o acontecimento a que se tenha subordinado tal obrigação.” 79

Segundo Giuliano COLOMBO (2005) 80 , a Alienação Fiduciária consagrou­se no Brasil

como negócio jurídico contratado entre as partes para garantia de financiamentos concedidos,

geralmente, com o objetivo de promover o progresso da produção e aquisição de bens móveis

duráveis.

Desse modo, a Lei nº 4.728/65, que, inicialmente, regulou o mercado de capitais no

Brasil, foi a primeira a tratar da alienação fiduciária em garantia e foi modificada pelo

Decreto­Lei 911/65. De forma resumida, a Lei 4.728/65 dispunha que, através do contrato de

Alienação Fiduciária, seria transmitido, em garantia, ao credor fiduciário o domínio resolúvel

e a posse indireta do bem móvel, alienado fiduciariamente, permanecendo o devedor

fiduciante com a posse direta do bem, com todas as responsabilidades e encargos que lhe eram

impostos por lei e pelo contrato.

Depois, a Alienação Fiduciária em garantia foi estendida, nos mesmos padrões, a

ações e debêntures, através da “Lei das S. A.” (Lei 6.404 de 15.12.1976, art. 40) e aos bens

imóveis, nos moldes da Lei 9.514/97 (Dispõe sobre o Sistema de Financiamento Imobiliário,

institui a Alienação Fiduciária de coisa imóvel) e aos bens móveis fungíveis de acordo com a

MP 2.160­25/01.

Assim, quando a MP trouxe a possibilidade dos bens móveis fungíveis serem dados

em garantia através da Alienação Fiduciária, criou­se a expectativa de que fosse dirimida a

79 GOMES, Orlando, citado por VENOSA, Silvio de Sálvio. Código Civil comentado. Coordenador Álvaro Villaça de Azevedo. São Paulo: Atlas, 2003. 80 COLOMBO, Giuliano. Lei 10.931/04 – Alterações na Legislação sobre Alienação Fiduciária.. Rio de Janeiro. Memorando elaborado por Pinheiro Neto Advogados. Anexo BI, Nº 1.822,2005.

controvérsia estabelecida pela doutrina acerca da espécie de bens passíveis de serem alienados

fiduciariamente em garantia. Tal expectativa não se consolidou, contudo.

Pouco tempo depois da edição da referida MP, o CC, pelo art. 1361, definiu a

propriedade fiduciária como a propriedade resolúvel de coisa móvel infungível que o devedor

fiduciante, com escopo de garantia, transfere ao credor fiduciário, e, com isso, restringindo a

possibilidade de constituição de propriedade fiduciária com escopo de garantia somente a bens

móveis infungíveis.

Por esse motivo, alguns doutrinadores, segundo Giuliano Colombo 81 , sustentaram a

tese de que a restrição atribuída pelo Código Civil quanto aos bens passíveis de serem

alienados fiduciariamente em garantia derrogariam disposições de direito material existentes

em sentido contrário constante das legislações esparsas anteriores como a Lei 4.728/65, o

Decreto­Lei 911/65 e a MP 2.160­25/01.

A Lei 10.931/04, no entanto, veio para pôr fim a tais controvérsias, na medida em que

estabelece novas e específicas regras para a contratação dessa modalidade de garantia,

conferindo­lhe a segurança jurídica necessária para a futura utilização pelos interessados,

notadamente no âmbito do mercado financeiro e de capitais.

O artigo 55, da Lei 10.931/04, dispõe sobre a Seção XIV, da Lei 4.728, de 14 de julho

de 1965, que disciplina o Mercado de Capitais e estabelece medidas para seu

desenvolvimento. Já o artigo 66­B reza:

“O contrato de alienação fiduciária celebrado no âmbito do mercado financeiro e de capitais, bem como em garantia de créditos fiscais e previdenciários, deverá conter, além dos requisitos definidos na Lei n o 10.406, de 10 de janeiro de 2002 ­ Código Civil, a taxa de juros, a cláusula penal, o índice de atualização monetária, se houver, e as demais comissões e encargos.” 82

Assim, a Lei 10.931/04 estabelece que o contrato de Alienação Fiduciária celebrado

no âmbito do mercado financeiro e de capitais deverá mencionar, além dos requisitos

81 Op., CIT. COLOMBO. 82 Op. Cit. BRASIL. Leis, Decretos.

genéricos declinados no art, 1362 do CC, a taxa de juros, a cláusula penal, o índice de

atualização monetária e comissões e encargos eventualmente contratados.

Dispõe, também, que caberá ao proprietário fiduciário o ônus da prova da

identificação dos bens do seu domínio que se encontram em poder do devedor, se a coisa

objeto de propriedade fiduciária não se identificar por números, marcas e sinais no contrato de

alienação fiduciária, de acordo com o § 1º, do artigo 66­B.

Determina a referida Lei 10.931/04, no § 2º, do artigo anteriormente mencionado, que

o devedor, que alienar ou der em garantia a terceiros coisa que já alienara fiduciariamente em

garantia, ficará sujeito à pena prevista no art. 171, § 2 o , I, do Código Penal. No entanto, o § 3º,

do artigo 55, da referida Lei, que, talvez, seja um dos mais importantes, dispõe que é admitida

a Alienação Fiduciária de coisa fungível 83 e a cessão fiduciária de direitos sobre coisas

móveis, bem como de títulos de crédito.

Dessa forma, passou­se a admitir a cessão fiduciária também de direitos sobre coisas

móveis e títulos de crédito, sendo que a essa nova espécie de cessão fiduciária aplicam­se as

regras materiais e procedimentais previstas nos artigos 18 a 20, da Lei 9.514/97.

Por meio do artigo 55, da Lei 10.931/04, espera­se encerrar a controvérsia que durante

muito tempo permeou a doutrina e a jurisprudência, acerca dos bens passíveis de serem

alienados fiduciariamente em garantia, visto que este admite expressamente a contratação de

Alienação Fiduciária de coisa fungível, ao contrário do que diz o artigo 1.361 do CC que

considera fiduciária a propriedade resolúvel de coisa móvel infungível que o devedor

transfere ao credor com o escopo de garantia.

Por isso, a Lei de Mercado Financeiro e de Capitais (Lei 4.728/65/65) novamente

admite que as operações celebradas no âmbito daqueles mercados possam ser garantidas por

alienação fiduciária de bens moveis fungíveis. Segundo COLOMBO (2005):

83 Coisa fungível é todo bem móvel que pode ser substituído por outros da mesma espécie, qualidade e quantidade.

“Esses bens, como é sabido, são de liquidação mais simples, o que torna essa modalidade de garantia mais atrativa, na medida em que o credor tem maiores chances de pagar com o produto de alienação dos bens em caso de inadimplemento da obrigação principal garantida.” 84

Em tais hipóteses, salvo disposição em contrário, a posse direta e indireta do bem

objeto da propriedade fiduciária ou do título representativo do direito ou do crédito é atribuída

ao credor, que, em caso de inadimplemento ou mora da obrigação garantida, poderá vender a

terceiros o bem objeto da propriedade fiduciária independente de leilão, hasta pública ou

qualquer outra medida judicial ou extrajudicial, conforme preceitua o § 3º, do artigo 55, da

Lei 10.931/04.

Continua, então, assegurado ao credor fiduciário o direito de vender a terceiros o bem

objeto da propriedade fiduciária, independente de leilão, hasta pública ou qualquer outra

medida judicial ou extrajudicial, devendo aplicar o preço da venda no pagamento do seu

crédito e nas despesas decorrentes da realização da garantia, entregando ao devedor o saldo,

se houver, acompanhado do demonstrativo da operação realizada.

O § 4º desse mesmo dispositivo legal reza que “no tocante à cessão fiduciária de

direitos sobre coisas móveis ou sobre títulos de crédito aplica­se, também, o disposto nos arts.

18 a 20 da Lei n o 9.514, de 20 de novembro de 1997”, que trata da Alienação Fiduciária de

coisa imóvel, representando importante avanço no sistema das chamadas garantias “auto­

liquidáveis”, conforme termo usado por COLOMBO (2005). Para o autor, a flexibilização da

norma tende a dar maior utilidade ao instituto da cessão fiduciária que até então, na prática,

era tão pouco utilizada em razão da aplicação restrita a financiamentos imobiliários.

E, ainda, no § 5º, do referido artigo, informa que os arts. 1.421, 1.425, 1.426, 1.435 e

1.436 do Código Civil devem ser aplicados à Alienação Fiduciária e à cessão fiduciária de

que trata a referida Lei 10.931/04.

84 Op. Cit. COLOMBO.

Por fim, § 6º informa que “não se aplica à alienação fiduciária e à cessão fiduciária de

que trata esta Lei o disposto no art. 644 da Lei n o 10.406, de 10 de janeiro de 2002”. 85

85 Código Civil: “Art. 644. O depositário poderá reter o depósito até que se lhe pague a retribuição devida, o líquido valor das despesas, ou dos prejuízos a que se refere o artigo anterior, provando imediatamente esses prejuízos ou essas despesas.”

VII.3 ­ Alienação Fiduciária de Móvel

O artigo 56, da Lei 10.931/04, traz alterações nos artigos 3º e 8º do Decreto­Lei 911,

de 1º de outubro de 1969, que dispõe sobre a Alienação Fiduciária de Móvel.

O caput do artigo 3º do Decreto­Lei 911/69, cujos parágrafos foram alterados pela

redação da mencionada Lei 10.931/04, trata da busca e apreensão dos bens móveis que foram

alienados fiduciariamente e dispõe: “O Proprietário Fiduciário ou credor, poderá requerer

contra o devedor ou terceiro a busca e apreensão do bem alienado fiduciariamente, a qual será

concedida liminarmente, desde que comprovada a mora ou o inadimplemento do devedor”. 86

Dispõe o § 1º, do artigo 3º, do Decreto­Lei 911/64, com a redação dada pela Lei

10.931/04, que, cinco dias após executada a liminar de busca e apreensão de bens objeto de

alienação fiduciária, consolidar­se­ão a propriedade e a posse plena e exclusiva do bem no

patrimônio do credor fiduciário, cabendo às repartições competentes, quando for o caso,

expedir novo certificado de registro de propriedade em nome do credor, ou de terceiro por ele

indicado, livre do ônus da propriedade fiduciária.

A primeira modificação que se pode notar na redação do § 3º relaciona­se à falta de

menção à citação do devedor uma vez que o novo artigo dispõe que a propriedade e posse

plena serão consolidadas no patrimônio do credor fiduciário cinco dias após a liminar

executada.

Outro ponto importante é quanto ao prazo para que a consolidação da posse e

propriedade se façam no patrimônio do credor fiduciário que antes era de três, passando a ser

de cinco dias, porém, independente da citação do devedor.

86 BRASIL. Leis, Decretos. Lei 10.931 de 08 de agosto de 2004..Presidência da República Federativa do Brasil. Disponível em https://www.planalto.gov.br/. Acesso em 20/20/2004.

No que diz respeito ao pagamento da dívida, COLOMBO (2005) destaca que

diferentemente do que acorria até a presente alteração, em que o devedor fiduciário somente

podia purgar a mora se houvesse pago no mínimo 40% da dívida,

“no prazo de 5 (cinco) dias após executada a liminar concedida em favor do credor fiduciário no âmbito da ação de busca e apreensão de que trata o artigo 3º do DL 911/65, o devedor fiduciante poderá pagar a integralidade da dívida, consoante os valores apresentados pelo credor fiduciário.” 87

Tendo em vista o § 2º, do artigo 3º, do Decreto Lei 911/69, percebe­se que o devedor

fiduciante poderá pagar a integralidade da dívida pendente, segundo os valores apresentados

pelo credor fiduciário em sua inicial, hipótese na qual o bem lhe será restituído livre de ônus.

Ele tem essa opção, mesmo que não tenha pago, ainda, o mínimo de 40%.

A EMERJ, por meio do fórum permanente dos Juízes Cíveis, elaborou proposta de

enunciados que resultaram em aprovação unânime, onde o item 4 reza:

“4­ A purga da mora independe da verificação dos cálculos pelo contador judicial, devendo ser implementada no prazo de 5 dias (art. 3º, § 1º, do Decreto­lei nº 911/69, com as alterações da Lei 10.931/04) ou no prazo da resposta de 15 dias (art. 3º, § 3º, do Decreto­lei 911/69), a contar da juntada do mandado de citação (art. 241, II, do CPC) situação que se afigura razoável, assumindo o devedor o eventual ônus desta opção.” 88

Assim, fica evidente que, embora não exista mais a exigência de o devedor pagar no

mínimo quarenta por cento da dívida, este só terá o bem restituído de ônus se pagar a

integralidade da dívida de acordo com os valores apresentados pelo credor fiduciário na

inicial e, não mais, apenas, pelas parcelas vencidas e não pagas.

De acordo com a nova redação do § 1º, do artigo 3º, do Decreto­Lei 911/69, o que se

percebe, também, é que o devedor fiduciário não mais será citado para que tenha a

oportunidade de purgar a mora, como acontecia antes, o que, concessa venia, vai de encontro

87 Op. Cit. COLOMBO. 88 Proposta de Enunciados que resultaram em aprovação unânime do Fórum Permanente dos Juizes Cíveis da EMERJ. Rio de Janeiro, 28 de setembro de 2005.

a Princípios Constitucionais garantidores da ampla defesa, cerceando o direito do devedor e

prejudicando­o sobremaneira.

Cumpre destacar que a OAB, Secção do Estado do Rio de Janeiro, encaminhou

propostas de emendas no sentido de aperfeiçoar tal dispositivo, com o fito de resguardar os

direitos do consumidor. Mas, das quinze emendas encaminhadas, doze foram aprovadas,

porém a mesma sorte não teve a emenda nº 22, relativa à ação de busca e apreensão de bens

objeto de alienação fiduciária. 89

É de se ressaltar que até o Decreto­Lei 911/69 – que foi editado pela junta militar de

1969 90 – previa não só a citação do devedor, como também assegurava a este a possibilidade

de purgar a mora, mediante pagamento das prestações atrasadas, e não da integralidade da

dívida, como agora acontece, em conformidade com o disposto no parágrafo 2º do art. 3º do

Decreto­Lei 911/64.

Tal situação, certamente, dificultará sobretudo o devedor fiduciante que, para não

perder o bem, terá que pagar a dívida na sua integralidade e, ainda, de acordo com os valores

apresentados pelo credor fiduciário na inicial de sua Ação de Busca e Apreensão.

Observa­se, porém, nova proposta de enunciados elaborados pela EMERJ através do

Fórum permanente dos Juizes Cíveis do Rio de Janeiro, onde: “Faculta­se ao devedor

fiducinate, ainda que não tenha purgada a mora, a defesa no prazo legal, objetivando a

discussão em relação ao crédito.” 91

Desse modo, há que se fazer uma crítica ao referido dispositivo legal, pois a novel

legislação vai de encontro aos modernos princípios do Direito porque sobrecarrega,

sobremodo, uma das partes, gerando um desequilíbrio contratual capaz de ensejar o seu

89 CHALHUB, Melhim Namem. Uma indispensável correção de rumo. Tribuna do Advogado, Rio de Janeiro. Out/2004. 90 “Mas, mesmo corrigindo o rumo, uma pergunta continuará reverberando: “O que teria levado o legislador de 2004 a retirar do cidadão um direito que até mesmo a Junta Militar de 1969 respeitou?” (Chalhub, Melhin Namen. Uma indispensável correção de rumo.Tribuna do Advogado. Out/2004) 91 Proposta de Enunciados que resultaram em aprovação unânime do Fórum Permanente dos Juizes Cíveis da EMERJ. Rio de Janeiro, 28 de setembro de 2005.

desfazimento. De acordo com tal redação, o objetivo de preservação do contrato para que

atinja seu fim social não é observado.

Quando o § 2º exige a purgação da mora na integralidade da dívida, dificulta bastante

o cumprimento do contrato por parte do devedor, dando ensejo à resolução deste com a

apreensão e venda do bem para a liquidação da dívida. Tal fato vai de encontro à preservação

do contrato e, conseqüentemente, ao fim social deste.

Nota­se no § 2º que fica mais uma vez evidenciada a tendência da Lei 10.931/04 em

beneficiar as Instituições Financeiras, esquecendo­se dos adquirentes ou consumidores e seus

direitos constitucionalmente garantidos, como o da função social que só se dará ao preservar o

contrato celebrado entre as partes.

Vale destacar que o sistema judiciário vigente prioriza a manutenção do contrato e são

essas as diretrizes, não só do Código de Defesa do Consumidor, como também do Código

Civil de 2002 e, assim, deverá ser o da Lei 10.931/04 e do Direito atual.

É importante ressaltar que tanto o CDC como o CC/02 oferecem meios necessários

para evitar a resolução do contrato. Até mesmo nos casos de oneração excessiva dos pactos,

só se admite a resolução quando não houver nenhuma possibilidade de se restaurar o curso

normal deste. 92

Para CHALHUB (2004), a possibilidade de resolução do contrato pelo

descumprimento do pagamento pelo devedor não deveria ser vista como regra, mas, sim,

como acontecimento excepcional, só ocorrendo depois que exaustivamente se tivesse tentado

“todos os meios de recomposição da programação financeira do contrato”. 93

Outra modificação feita pela Lei 10.931/04, no Decreto­Lei, relaciona­se ao § 3º, do

artigo 3º, no qual o devedor fiduciante passa a ter o prazo de quinze dias, da execução da

92 Melhin Namem Chalhub, em artigo publicado, na Tribuna do Advogado, assim, dispõe: “Ao exigir o pagamento integral do saldo devedor e, portanto, priorizar a resolução do contrato, o novo Decreto­Lei 911/69 entra na contramão da moderna teoria do contrato.” (CHALHUB, Melhim Namem. Uma indispensável correção de rumo. Tribuna do Advogado, Rio de Janeiro. Out/2004.) 93 Op. Cit. CHALHUB.

liminar, para apresentar sua resposta, contestando o pedido de busca e apreensão e, não mais,

de três dias, como era estabelecido. A resposta do devedor poderá ser apresentada ainda que

tenha pago integralmente a sua dívida, caso entenda ter havido pagamento a maior e deseje

restituição de tais valores.

O § 5 o dispõe, ainda, que da sentença que julgar ação de busca e apreensão de que trata

o DL 911/69, “cabe apelação apenas no efeito devolutivo” e não mais agravo de instrumento.

No caso de improcedência da ação de busca e apreensão, se o bem alienado

fiduciariamente em garantia já tiver sido alienado, o credor fiduciário será condenado, na

sentença, ao pagamento de multa em favor do devedor fiduciante, equivalente a cinqüenta por

cento do valor originalmente financiado e atualizado. A multa, no entanto, não excluirá o

credor fiduciário da responsabilidade por perdas e danos, conforme preceitua o § 7º, do

referido Decreto­Lei.

O § 8º não traz novidades porque apenas transcreve o antigo § 6º, do Decreto­Lei

911/69, estabelecendo que a Busca e Apreensão constitui processo autônomo e independente

de qualquer procedimento posterior, sendo que o enunciado de número 6 (seis) do Fórum

Permanente dos Juízes Cíveis da EMERJ é claro ao informar que

“a despeito da ação de busca e apreensão consistir em processo autônomo (art. 3º, § 8º, do Decreto­lei nº 911, acrescido pelo art. 56 da Lei nº 10.931/04), afigura­se possível a execução de eventual crédito, nos próprios autos.” 94

E, por fim, a Lei 10.931/04 acrescenta o artigo 8 o A que dispõe dos procedimentos

judiciais dispostos no Decreto­Lei 911/69 que se aplicam, exclusivamente, às hipóteses da

Seção XIV, da Lei n o 4.728, de 14 de julho de 1965. Ou seja, no âmbito do mercado

financeiro e de capitais ou, mais, quando o ônus da propriedade fiduciária tiver sido

constituído para fins de garantia de débito fiscal ou previdenciário. Para COLOMBO (2005):

94 Proposta de Enunciados que resultaram em aprovação unânime do Fórum Permanente dos Juízes Cíveis da EMERJ. Rio de Janeiro, 28 de setembro de 2005.

“Muito se discute na doutrina e jurisprudência sobre quem tem legitimidade para lançar mão do procedimento de busca e apreensão de que trata o DL 911/69. Dada a severidade do procedimento, a posição dominante é de que somente as instituições financeiras têm o direito de utilizá­lo para recuperar o bem objeto de garantia fiduciária.” 95

95 Op. Cit. COLOMBO.

VII. 4 – Alienação Fiduciária de coisa imóvel

O próximo artigo da Lei 10.931/04 – o 57 ­ trata da Lei 9.514 de 1997 que dispõe

sobre o Sistema Financeiro Imobiliário, instituindo a Alienação Fiduciária de coisa imóvel e,

ainda, com algumas alterações.

O artigo 5º da Lei do Sistema Financeiro Imobiliário (SFI) e Alienação Fiduciária de

coisa imóvel dispõe sobre as operações de financiamento imobiliário em geral, no âmbito do

SFI, as quais serão livremente pactuadas pelas partes, observadas algumas condições

essenciais.

De acordo com a redação do § 2º, do artigo 5º, as “operações de comercialização de

imóveis, com pagamento parcelado, de arrendamento mercantil de imóveis e de

financiamento imobiliário em geral poderão ser pactuadas nas mesmas condições permitidas

para as entidades autorizadas a operar no SFI”. Assim, não mais se utilizará, em caso de

reajuste, dos índices e da periodicidade de incidência e cobrança do SFI como dispunha a

antiga redação.

O artigo 8º, da mesma Lei, dispõe sobre a securitização de créditos imobiliários, e seus

parágrafos informam o que deve constar deste, com o inciso I modificado e com a

identificação do devedor e o valor nominal de cada crédito que lastreie a emissão, a

individuação do imóvel a que esteja vinculado, a indicação do Cartório de Registro de

Imóveis em que esteja registrado e respectiva matrícula e a indicação do ato pelo qual o

crédito foi cedido e não mais o número de registro do ato pelo qual o crédito foi cedido.

Ao artigo 16 94 da Lei 9.514/97 foi acrescentado o § 3 o que informa que “os

emolumentos devidos aos Cartórios de Registros de Imóveis para cancelamento do regime

fiduciário e das garantias reais existentes serão cobrados como ato único”.

94 “Art. 16. Extinguir­se­á o regime fiduciário de que trata esta seção pelo implemento das condições a que esteja submetido, na conformidade do Termo de Securitização de Créditos que o tenha instituído.”

O artigo 22, 95 que dispõe sobre o conceito e o objeto de alienação fiduciária regulada

pela referida Lei 10.931/04, teve acrescido o parágrafo único, que já foi alterado pela Lei

11.076 de 2004.

Além disso, quanto à Alienação Fiduciária, dispõe o art. 26, da Lei 9.514/97, que

vencida e não paga a dívida, no todo ou em parte, e constituído em mora o fiduciante,

consolidar­se­á, nos termos de tal artigo, a propriedade do imóvel em nome do fiduciário.

Todavia, o § 7º foi alterado:

“§ 7 o Decorrido o prazo de que trata o § 1 o sem a purgação da mora, o oficial do competente Registro de Imóveis, certificando esse fato, promoverá a averbação, na matrícula do imóvel, da consolidação da propriedade em nome do fiduciário, à vista da prova do pagamento por este, do imposto de transmissão inter vivos e, se for o caso, do laudêmio”. 96

A alteração das redações relaciona­se à promoção da averbação, na matricula do

imóvel e não mais o registro e ao pagamento do laudêmio, 97 se for o caso. Poderá o

fiduciante, com a anuência do fiduciário, dar seu eventual direito ao imóvel em pagamento da

dívida, dispensados os procedimentos previstos no art. 27, que são o leilão público para a

alienação do imóvel.

O artigo 27 dispõe que “uma vez consolidada a propriedade em seu nome, o fiduciário,

no prazo de trinta dias, contados da data do registro de que trata o § 7º do artigo 27,

promoverá público leilão para a alienação do imóvel”, e afirma que, se o imóvel estiver

locado, a locação poderá ser denunciada com o prazo de trinta dias para desocupação, salvo se

houver aquiescência por escrito do fiduciário.

95 Art. 22. A Alienação Fiduciária regulada por esta Lei é o negócio jurídico pelo qual o devedor, ou fiduciante, com o escopo de garantia, contrata a transferência ao credor, ou fiduciário, da propriedade resolúvel de coisa imóvel. 96 BRASIL. Leis, Decretos. Lei 10.931 de 08 de agosto de 2004..Presidência da República Federativa do Brasil. Disponível em https://www.planalto.gov.br/. Acesso em 20/20/2004. 97 Laudêmio: taxa a ser paga a união quando de uma transação de escritura de compra e venda definitiva , em terrenos de marinha.

Deverá a denúncia ser realizada no prazo de noventa dias a contar da data da

consolidação da propriedade do fiduciário, devendo essa condição constar expressamente em

cláusula contratual específica, destacando­se das demais por sua apresentação gráfica.

O fiduciante responde pelo pagamento dos impostos, taxas, contribuições

condominiais e quaisquer outros encargos que recaiam ou venham recair sobre o imóvel, cuja

posse tenha sido transferida para o fiduciário até a data em que vier a ser emitido na posse,

conforme dispõe o § 8º, do artigo 27, da Lei anteriormente mencionada.

Pagará ao fiduciário, ou a quem vier sucedê­lo, a título de taxa de ocupação do imóvel,

por mês ou fração, no valor correspondente a um por cento do valor do imóvel computado e

exigível desde a data da alienação em leilão até a data em que o fiduciário, ou seus sucessores

vier a ser emitido na posse do imóvel, conforme preceitua o artigo 37­A.

Reza o artigo 37­B, da Lei 9.514/97, que será considerada ineficaz e sem qualquer

efeito perante o fiduciário ou os seus sucessores, a contratação ou a prorrogação de locação de

imóvel alienado fiduciariamente por prazo superior a um ano, sem concordância por escrito

do fiduciário.

A Lei 10.931/04 deu nova redação ao artigo 38, da Lei 9514/97, porém, a Lei

11.076/2004 revogou tal redação, para dispor que:

“Os atos e contratos referidos nesta Lei ou resultantes da sua aplicação, mesmo aqueles que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis, poderão ser celebrados por escritura pública ou por instrumento particular com efeitos de escritura pública”. 97

97 BRASIL. Leis, Decretos. Lei 10.931 de 08 de agosto de 2004..Presidência da República Federativa do Brasil. Disponível em https://www.planalto.gov.br/. Acesso em 20/20/2004.

VII.5 ­ Alterações no Código Civil

E mais, nas Disposições Finais, a Lei 10.931/04, em seu artigo 56, traz algumas

alterações no Código Civil que serão verificadas a seguir.

VII.5.1­ Condomínios

O artigo 1.331, do Código Civil, dispõe que pode haver, em edificações, partes que

são propriedade exclusiva e partes que são propriedades comuns dos condôminos.

Antes da redação da Lei 10.931/04, o Código Civil em seu § 3º, do art. 1.331,

dispunha de que a fração ideal no solo e nas outras partes comuns eram proporcionais ao valor

da unidade imobiliária e que seria calculada em relação ao conjunto da edificação.

Posteriormente, com a nova redação da Lei 10.931/04, a cada unidade imobiliária

caberá, como parte inseparável, uma fração ideal no solo e nas outras partes comuns, que será

identificada em forma decimal ou ordinária no instrumento de instituição do condomínio.

Conforme dispõe Paulo Eduardo FUCCI 98 , o Código Civil 2002 modificou a redação

da Lei 4.591/64 e, posteriormente, a Lei 10.931/04 trouxe de volta a redação praticamente

idêntica àquela de 1964.

Abandonou­se o critério da área privativa proporcional à área total da edificação,

contrapondo ao critério do valor que é menos justo, uma vez que nem sempre as unidades

imobiliárias com a mesma área privativa possuem o mesmo valor de mercado. Isso se dá em

função de inúmeros fatores, tais como destinação residencial ou comercial, posição em

relação aos diversos pavimentos do edifício, entre outros. 99

98 FUCCI, Paulo Eduardo. Condomínio, Estatuto da Cidade e o Novo Código Civil. Editora Juarez de Oliveira, 2003. 99 FUCCI, Idem, 2003.

Após a Lei 10.931/04, “sob o aspecto do cálculo da fração ideal de terreno e coisas

comuns, da unidade imobiliária em relação ao conjunto de edificações, tudo voltou como era

pelo menos desde 1964”, já que se exige apenas que a fração seja identificada em forma

decimal ou ordinária, não se impondo o critério de cálculo; tanto o critério do valor quanto o

da área podem ser usados no cálculo da fração ideal. A adoção do critério do valor não mais

pode existir como cogente.

Dessa forma, percebe­se que a Lei 10.931/04 retirou a referência de que a fração ideal

no solo e nas coisas comuns se calcularia de acordo com o valor da unidade autônoma

considerada em relação ao conjunto da edificação, sendo que, atualmente, somente se nota

que a fração ideal no solo e nas outras partes comuns será identificada em forma decimal ou

ordinária no instrumento de instituição do condomínio.

Ainda quanto ao condomínio, o artigo 1.336, do CC/02, dispunha que era dever do

condômino contribuir para as despesas, na proporção de sua fração ideal e, hoje, há a ressalva

­ “salvo disposição em contrário” ­ acrescida pela redação da Lei 10.931/04: “Contribuir para

as despesas do condomínio na proporção das suas frações ideais, salvo disposição em

contrário na convenção”. 100

Assim, se for disposto em convenção condominial de forma diversa, a contribuição do

condômino poderá não ser feita na proporção de sua fração ideal. Novamente volta­se ao que

era no tempo da Lei 4.591/64.

Ao modificar a redação do art. 1336, I, percebe­se que a intenção da Lei 10.931/04 foi

corrigir um lapso do Código Civil, retornando ao sistema da Lei 4.591/64, explicitando­se que

a fração ideal de custeio de uma unidade autônoma equivalerá à sua fração ideal de

propriedade, salvo disposto em contrário em convenção.

100 Legislação. Brasil. FIUZA, Ricardo. Novo Código Civil comentado. Coordenação Ricardo Fiúza. 2ª ed. Ver. E aum. São Paulo: Saraiva, 2004.

Quanto à administração do condomínio, a Lei 10.931/04 também foi modificada. A

redação do artigo 1.351 aponta que a alteração do regimento interno não depende mais da

aprovação de 2/3 dos votos dos condôminos: “Depende da aprovação de 2/3 (dois terços) dos

votos dos condôminos a alteração da convenção, a mudança da destinação do edifício, ou da

unidade imobiliária (...)”. 101 O artigo não discorre mais sobre o regimento interno como na

redação anterior, e não há mais que se falar em aprovação de 2/3 dos votos dos condôminos

para alteração do regimento interno.

Andou bem a Lei 10.931/04,ao instituir tal modificação pois se sabe ser o regimento

interno um instrumento hierarquicamente inferior às leis e à própria convenção do

condomínio, não precisando ser tão rígido quanto ao quorum para sua modificação, visto que

este irá tratar, de um modo geral, de horários de uso de piscina, sauna, sala de ginástica,

funcionamento do elevador, caso de obra nos apartamentos, entre outras questões de menor

importância.

Quanto à mudança da destinação do edifício, ou da unidade imobiliária, continuam

dependendo da aprovação pela unanimidade dos condôminos, conforme informa o artigo

anteriormente mencionado.

Por essa modificação também parece que a Lei 10.931/04 pretendeu, novamente,

corrigir outro deslize do Código Civil, e, a partir de agora, o artigo 1351 não mais exige a

unanimidade, nem a maioria de 2/3 para alteração do regimento interno. Assim, a convenção

do condomínio poderá disciplinar a alteração do regimento interno por outro quorum como,

por exemplo, o da maioria simples dos presentes em assembléia.

101 Op. Cit BRASIL. Leis, Decretos.

VII.5.2 – Propriedade Fiduciária

Quanto à Propriedade Fiduciária, a Lei 10.931/04 acrescentou ao dispositivo do artigo

1.368 do Código Civil, um novo artigo, o 1.368­A.

O artigo 1361 do Código Civil explica que Propriedade Fiduciária é aquela resolúvel

de coisa móvel infungível que o devedor, com escopo de garantia, transfere ao credor. Como

bem ilustra o Professor José Fernando SIMÃO (2005), “nota­se que o Código, portanto, só

trata da Propriedade Fiduciária de bens móveis”. 102

A matéria da Propriedade Fiduciária, antes da vigência do Código Civil de 2002, era

tratada pelo Decreto­Lei 911/69, que cuidava da alienação de bens móveis e da Lei 9.514/97,

que tratava da alienação de bens imóveis.

Com o advento do novo Codex, a grande questão a ser solucionada era se os diplomas

legais supramencionados estariam revogados pelo Código Civil de 2002 e, em caso negativo,

se as disposições deste alterariam normas especiais, como as das Leis em questão.

A conclusão 103 é que, no caso da Lei 9.514/97, por tratar de matéria diversa daquela

estipulada pelo CC/02 (alienação de coisa imóvel), não estaria revogada. Não havendo, ainda,

qualquer reflexo na órbita da alienação de imóveis.

Porttanto, o artigo 1.368­ A, do Código Civil, inserido pela Lei 10.931/04, em parte,

confirma a posição da doutrina.

Já em relação ao Decreto­Lei 911/69, não haveria tanta certeza. Washington de Barros

Monteiro, citado pelo professor SIMÃO (2005), entendia que toda a parte de direito material

do referido diploma havia sido revogada pelo Código Civil de 2002, aplicando­se apenas às

questões de ordem instrumental, afastando, dessa maneira, a idéia de revogação do referido

Decreto­Lei 911/69 que continua produzindo seus efeitos.

102 SIMÃO, José Fernando. As alterações do Código Civil de 2002 – Hipoteca e Propriedade Fiduciária. Disponível em http://www.professorsimao.com.br/meus_artigos.htm. Acesso em 26/02/2005. 103 MONTEIRO, Washington de Barros, citado por SIMÃO, José Fernando. Op. cit.

Assim, cumpre retomar os ensinamentos de SIMÃO (2005):

“Os artigos 1361 a 1368 do Código Civil de 2002 aplicar­se­ão às hipóteses de propriedade fiduciária que estão fora da lei de mercados e capitais, nº 4.728/65, que restringia o uso do instituto às instituições financeiras, tais como bancos e consórcios. Assim, com a promulgação do Código Civil, qualquer pessoa física ou jurídica pode se valer do instituto como forma de garantia que recai sobre um bem móvel.” 104

Cumpre ressaltar que os meios processuais previstos no Decreto 911/69 só poderão ser

utilizados pelas instituições financeiras, porque tal norma especial apenas a elas se aplica,

conforme Sílvio de Salvo VENOSA, citado por SIMÃO (2005). VENOSA orienta que as

demais espécies de propriedade fiduciária ou de titularidade fiduciária submetem­se à

disciplina específica das respectivas leis especiais, somente se aplicando as disposições do

Código Civil naquilo que não for incompatível com a legislação especial.

Para Giuliano COLOMBO (2005), o legislador instituiu o artigo 1.368­ A no CC

servindo para as demais espécies de Propriedade Fiduciária como se vê:

“Do ponto de vista estritamente técnico, o legislador ainda tratou de instituir o artigo 1.368­A no CC, segundo o qual as demais espécies de propriedade fiduciária ou de titularidade submetem­se à disciplina específica das respectivas leis especiais, somente se aplicando as disposições do CC naquilo que não for incompatível com a referida lei especial.” 105

Desse modo, o referido artigo 1.368­A, no que diz respeito à alienação e à

Propriedade Fiduciária, encerra as regras gerais do instituto que terão aplicação restrita aos

casos em que não conflitarem com a regulação específica tratada em leis especiais, ou

quando essas forem silentes.

104 SIMÃO, José Fernando. Op. cit. 105 Op. Cit. COLOMBO

VII.5.3 – Hipoteca

A Lei 10.931/04 trouxe outra modificação no Código Civil no que se refere à hipoteca.

Cumpre ressaltar, inicialmente, que “hipoteca é um direito real sobre a coisa alheia de

garantia, ou seja, alguém garante dívida de terceiro por meio de um bem imóvel”. 106

A duração da hipoteca está, em regra, condicionada à existência de uma dívida,

extinguindo­se quando da quitação dessa, por novação 107 e, ainda, por perempção. 108

O Código Civil, de 1916, previa no artigo 817 a necessidade de nova averbação no

Registro de Imóveis da Hipoteca após decorridos trinta anos. O Código Civil de 2002 reduziu

esse prazo de trinta para vinte anos, conforme se vê no artigo 1485.

Ocorre que, conforme SIMÃO (2005), quando tal prazo se esgota, as partes devem

constituir novo registro, nova especialização sob pena de caducidade, o que independe do

prazo de vencimento da obrigação principal garantida. Ou seja, se a inscrição não for

renovada, ocorre a extinção da hipoteca e a dívida passa a ser quirografária 109 , desprovida de

garantia real, 110 como se vê:

"Hipoteca ­ Prazo ­ Garantia constituída por escritura pública, com validade de 10 anos, não renovada ­ Direito real extinto, com o conseqüente cancelamento do registro, passando o crédito subsistente a ser quirografário ­ Perempção caracterizada ­ reforma da decisão judicial que assinalou a validade da garantia até o seu cancelamento no registro de imóveis ­ Recurso improvido.” 111

Assim, com o advento da Lei 10.931/04, o prazo de perempção volta a ser como no

Código Civil de 1916 – de 30 trinta anos.

106 SIMÃO, José Fernando. Op. cit. 107 Especial meio extintivo de obrigação por ser ato que cria uma nova obrigação, destinada a pôr fim à precedente, substituindo­a. 108 Modo extintivo da relação processual fundado na desídia e inação do autor. 109 Crédito destituído de preferência ou privilégio. 110 Caução real que garante o exato adimplemento dos devedores oriundos de relação obrigacional, recaindo direta e imediatamente sobre os bens móveis ou imóveis especificados ou determinados que reforçam a obrigação. 111 JURISDIÇÃO. 1º TACSP ­ Processo 765720­6/00 ­ proc. princ. 9­ agravo de instrumento ­ Angatuba ­ 3ª câmara ­ Rel. Itamar Gaino, 3­2­98, MF 36/NP ­ unânime ­Ed. Atlas, vol. V, p. 536.

A razão de ser de tal alteração se deve ao fato de que a hipoteca, de um modo geral,

garante dívidas por um longo período de tempo, mormente em se tratando de financiamento

para a aquisição de bens imóveis.

Anteriormente, a redação do Código Civil dispunha que, mediante a simples

averbação requerida por ambas as partes, poderia se prorrogar a hipoteca até perfazer vinte

anos, da data do contrato.

Hoje, a prorrogação da hipoteca poderá ser feita até 30 anos da data do contrato, desde

que perfaça esse prazo e só poderá subsistir o contrato de hipoteca reconstituindo­se por novo

título e novo registro e, nesse caso, lhe será mantida a precedência que lhe competir,

conforme nova redação do artigo 1.485, do Código Civil, alterada pela Lei 10.931/04.

Assim, conforme simples requerimento de averbação feito pelas partes, o prazo da

hipoteca poderá ser prorrogado não mais até perfazer 20 anos como era no Código Civil de

2002, mas, sim, até perfazer 30 anos conforme redação da Lei 10.931/04.

VII.5.4 – Registros Públicos

Outra alteração proporcionada pela Lei 10.931/04 foi em relação aos Registros

Públicos, especificamente aos procedimentos para retificação de áreas, tanto na esfera judicial

como administrativa, e que receberam tratamentos e enfoques novos.

A lei 6.015/73, que dispõe sobre os registros públicos, teve seus artigos 212, 213 e 214

alterados pela Lei 10.931/04, dispondo sobre a retificação por procedimento administrativo,

interposto perante o Oficial de Registro de Imóveis, no registro ou averbação omissa,

imprecisa ou que não exprima a verdade.

O artigo 59, da Lei 10.931/04, trata das alterações feitas sobre a Lei de Registros

Públicos, Lei 6.015, de 31 de dezembro de 1973.

De acordo com a nova redação do artigo 212, da Lei 6015/73 – LRP ­ atribuída pela

Lei 10.931/04, se o registro ou a averbação forem omissos ou imprecisos, ou, ainda, não

exprimirem a verdade, a ratificação será feita pelo próprio Oficial do Registro de Imóveis

competente, a requerimento do interessado, por meio de procedimento administrativo sendo,

todavia, facultado ao interessado requerer a retificação por meio de procedimento judicial.

Assim, a tarefa primeira no aprimoramento de dados registrais será do Oficial do

Registro Imobiliário para que se possibilite uma quebra nos morosos procedimentos

retificatórios até então desenvolvidos pela via da jurisdição administrativa.

Percebe­se que a Lei 10.931/04, ao atribuir tal redação ao artigo 212 da Lei de

Registro de Imóveis, mostra que a reforma do judiciário não se faz somente através de regras

do processo judicial, mas, sim, da criação de formas alternativas de solução de conflitos que

possam desafogar o judiciário de tarefas que o sobrecarregam desnecessariamente e que

podem, muito bem, ser resolvidas por outros meios.

Entre esses mecanismos de solução de conflito estão não só a arbitragem, a nova

forma de recuperação de empresas, como também a de garantir a continuidade das

incorporações imobiliárias.

Para CHALHUB (2000), esse novo mecanismo permite às partes interessadas agirem

diretamente com simplicidade e rapidez visando à continuação do negócio, de forma a

assegurar a circulação de riquezas, a manutenção da fonte de renda dos trabalhadores e o

cumprimento da função social do contrato e do crédito.

Segundo Cláudio TAVEIRA (2005) 112

“Originalmente, o artigo 213 da Lei de Registros Públicos e seus parágrafos determinavam que a retificação, ressalvados os casos de erro evidente e que não resultassem em prejuízo a terceiros, deveria ser feita mediante despacho judicial, ou seja, mediante ação de retificação de área. Deveriam então ser citados todos os confrontantes, bem como ouvido o

112 TAVEIRA, Cláudio. A Lei nº 10.931/04 e as alterações no regime registral Imobiliário. Rio de Janeiro. Memorando elaborado por Pinheiro Neto Advogados. Anexo BI, Nº 1.825,2005.

Ministério Público, e havendo impugnação, o juiz determinaria a remessa do processo às vias ordinárias.”

Dessa forma, pode­se verificar que tal procedimento era lento, o que, por vezes,

inviabilizava a realização de projetos de empreendimentos de imóveis caso as descrições não

fossem compatíveis com realidade, visto que tais defeitos têm que ser sanados para que o

registro da incorporação possa se dar.

Com o passar dos anos, multiplicavam­se os números de ações de retificação judicial

que resultavam no entrave ao desenvolvimento e fomento do mercado imobiliário, tendo em

vista essa morosidade dos processos judiciais.

O começo da mudança aconteceu, primeiramente, com imóveis rurais, pela publicação

da Lei nº 10.267/2001 e do Decreto que a regulamentou, nº 4.449, de 30 de outubro de 2002.

Segundo TAVEIRA (2005), tal mudança começa a acontecer quando passa a haver

previsão legal, no sentido de possibilitar a retificação de área pela via administrativa,

mediante a apresentação de memorial descritivo, planta e requerimento contendo declaração

de inexistência de alteração nas divisas do imóvel, bem como informações de que foram

respeitados os direitos dos confrontantes, os quais ainda deviam apresentar sua anuência

expressa, além de outras exigências legais.

Com o advento da Lei 10.931/04, porém, o procedimento administrativo foi previsto

também para imóveis não rurais e “já vem sendo chamado de retificação consensual”. 113

A referida possibilidade traz para o Cartório de Registro de Imóveis a competência

para realizar as retificações de registro ou averbação, a requerimento do interessado, no caso

de inserção ou alteração da medida perimetral de que resulte ou não alteração da área,

instruído com planta e memorial descritivo assinado pelo técnico responsável e pelos

confrontantes.

113 TAVEIRA.Op. Cit.

O inciso I, do artigo 213, da referida Lei de Registros Imobiliários, informa que o

Oficial retificará o registro ou a averbação de oficio ou o requerimento do interessado nos

casos das alíneas “a” a “g”. Porém cumpre ressaltar que o entendimento do Departamento de

Registro de imóveis da SERJUS é o de que somente na alínea “a”, nos casos de omissão ou

erro cometido na transposição de qualquer elemento do título é que o Oficial do Registro de

Imóveis poderá proceder à ratificação de ofício. 114

Quanto à retificação de área, a Lei 10.931/04 também trouxe significativas

modificações. O procedimento submetia­se à jurisdição voluntária e era reservado à superação

de imperfeições descritivas constantes do ato do registro capazes de determinar alterações nas

medidas perimetrais do imóvel. Assim, envolvendo “potencialidade de dano” ou risco para

terceiros confrontantes, o procedimento de “retificação de área” exigia não só a citação de

todos os confinantes, mas também o antigo titular do domínio, somente sendo dispensada esta

última citação caso a transação tivesse ocorrido há mais de quinze anos.

Tal procedimento tinha tramitação lenta, não em razão da instrução documental ou

técnica, mas em função da necessidade do chamamento dos interessados e possíveis afetados.

Como se verifica, a Lei 10.931/04 possibilitou três caminhos processuais para a

obtenção da retificação do registro imobiliário: (1) a retificação de ofício, ou mediante

requerimento; (2) a retificação consensual e, por fim, (3) a retificação judicial.

Cumpre destacar que a retificação consensual foi a grande inovação introduzida pela

Lei 10.931/04, propiciando a correção das informações tabulares sem a necessidade de

procedimento judicial, realizada diretamente pelo Oficial do Registro Imobiliário. Tal

inovação foi aberta para todas as formas de “correção de medidas perimetrais”, seja pela mera

inserção ou alteração de tais medidas.

114 IRIB­ Instituto de Registros Imobiliários do Brasil. Boletim Eletrônico nº 1262, Audiência Pública VII – Lei 10.931, de 02 de agosto de 2004. 27/08/04. Disponível em http://www.irib.org.br/notas_noti/boletimel1262.asp. Acesso em 03/10/04.

O oficial retificará o registro ou averbação no caso de inserção ou alteração de medida

perimetral, a requerimento do interessado, que resulte, ou não, na alteração de área, instruído

com planta e memorial descritivo assinado por profissional legalmente habilitado, com prova

de anotação de responsabilidade técnica no competente Conselho Regional de Engenharia e

Arquitetura ­ CREA, bem assim pelos confrontantes, conforme inciso II, do artigo 213, da

LRP.

Caso a planta não contenha a assinatura de algum confrontante, este será notificado

pelo Oficial de Registro de Imóveis competente, a requerimento do interessado, para se

manifestar em quinze dias, promovendo­se a notificação pessoalmente ou pelo correio, com

aviso de recebimento, ou, ainda, por solicitação do Oficial de Registro de Imóveis, pelo

Oficial de Registro de Títulos e Documentos da comarca da situação do imóvel ou do

domicílio de quem deva recebê­la.

A notificação será dirigida ao endereço do confrontante constante do Registro de

Imóveis, podendo ser dirigida ao próprio imóvel contíguo ou àquele fornecido pelo

requerente. Caso não seja encontrado o confrontante ou esteja em lugar incerto e não sabido,

tal fato será certificado pelo oficial encarregado da diligência, promovendo­se a notificação

do confrontante mediante edital, com o mesmo prazo fixado no § 2 o , publicado por duas vezes

em jornal local de grande circulação.

A anuência do confrontante que deixar de apresentar impugnação no prazo da

notificação será presumida, de acordo com o § 4, do artigo 213, da LRP. Findo tal prazo, sem

a impugnação, o oficial averbará a retificação requerida e, se houver impugnação

fundamentada por parte de algum confrontante, o oficial intimará o requerente e o profissional

que houverem assinado a planta e o memorial a fim de que, no prazo de cinco dias, se

manifestem sobre esta.

Dispõe o § 6º, do artigo 213, da mesma Lei, todavia, que se houver impugnação e as

partes não formalizarem a transação amigável para solucioná­la, o oficial remeterá o processo

ao juiz competente, que decidirá de plano ou após instrução sumária, salvo se a controvérsia

versar sobre o direito de propriedade de alguma das partes, hipótese em que remeterá o

interessado para as vias ordinárias.

Cabe ressaltar que, se constatado não serem verdadeiros os fatos constantes do

memorial descritivo, responderão o requerente e o responsável técnico pelos prejuízos

causados, independente de outras sanções penais.

Poderão ser apurados pelo mesmo procedimento os remanescentes de áreas

parcialmente alienadas, caso em que serão considerados como confrontantes, tão­somente, os

confinantes das áreas remanescentes.

Quanto às áreas públicas, também, poderão ser demarcadas ou ter seus registros

demarcados retificados pelo mesmo procedimento previsto no artigo 213, desde que constem

do registro ou sejam logradouros devidamente averbados.

Independente de retificação, dois ou mais confrontantes poderão, por meio de escritura

pública, alterar ou estabelecer as dívidas entre si, se houver transferência de área, com o

recolhimento do imposto de transmissão e desde que preservada, se rural o imóvel, a fração

mínima de parcelamento e, se urbano, a legislação urbanística, conforme dispõe o § 9º, do

multicitado artigo 213, da LRP.

Entende­se como confrontantes não só os proprietários dos imóveis contíguos, mas

também seus eventuais ocupantes. O condomínio geral, de que tratam os arts. 1.314 e

seguintes do Código Civil, será representado por qualquer dos condôminos. E o condomínio

edilício, de que tratam os arts. 1.331 e seguintes do Código Civil, será representado, conforme

o caso, pelo síndico ou pela Comissão de Representantes.

A regularização fundiária de interesse social realizada em Zonas Especiais de Interesse

Social, nos termos da Lei n o 10.257, de 10 de julho de 2001, promovida por Município ou

pelo Distrito Federal, quando os lotes já estiverem cadastrados individualmente ou com

lançamento fiscal há mais de vinte anos, independe de retificação, bem como a adequação da

descrição de imóvel rural às exigências dos artigos 176, §§ 3 o e 4 o , e 225, § 3 o , dessa Lei.

O oficial poderá realizar diligências no imóvel para a constatação da situação em face

dos confrontantes e localização na quadra. Se não houver dúvida quanto à identificação do

imóvel, o título anterior à retificação poderá ser levado a registro, desde que requerido pelo

adquirente, promovendo­se o registro em conformidade com a nova descrição.

Verificados a qualquer tempo não serem verdadeiros os fatos constantes do memorial

descritivo, responderão os requerentes e o profissional que o elaborou pelos prejuízos

causados, independentemente das sanções disciplinares e penais, conforme preceitua o §14,

do artigo 213, da LRP.

Não são devidas as custas ou os emolumentos notariais ou de registro decorrentes de

regularização fundiária de interesse social a cargo da administração pública.

Dispunha a LRP, em seu artigo 214, que as nulidades de pleno direito do registro, uma

vez que provadas, invalidavam­no, independente de ação direta. Porém, a Lei 10.931/04

acrescentou quatro parágrafos no referido artigo, sendo que o § 1º informa que “a nulidade

será decretada depois de ouvidos os atingidos”.

O § 2º reza que da decisão tomada no caso da declaração da nulidade, caberá apelação

ou agravo conforme o caso. No entanto, se o juiz entender que a superveniência de novos

registros poderá causar danos de difícil reparação, ele poderá determinar de ofício, a qualquer

momento, ainda que sem oitiva das partes, o bloqueio da matrícula do imóvel.

Bloqueada a matrícula, o oficial não poderá mais nela praticar qualquer ato, salvo com

autorização judicial, permitindo­se, contudo, aos interessados a prenotação de seus títulos, que

ficarão com o prazo prorrogado até a solução do bloqueio.

Cumpre ressaltar, por derradeiro, que em conformidade como § 5º, do artigo 214 da

LRP, “a nulidade não será decretada se atingir terceiro de boa­fé que já tiver preenchido as

condições de usucapião do imóvel”. 115

VII.5.5 – Outras alterações

A Lei 10.931/04 traz também alteração na Lei do FGTS, em seu artigo 60, ao dispor

que as aplicações com recursos do FGTS poderão ser realizadas diretamente pela Caixa

Econômica Federal e pelos demais órgãos integrantes do Sistema Financeiro da Habitação,

exclusivamente, de acordo com os critérios fixados pelo Conselho Curador do FGTS, em

operações que preencham requisitos constantes do próprio artigo, não podendo mais ser feito

pelas entidades credenciadas para esse fim pelo Banco Central do Brasil, como os agentes

financeiros.

Dispõe, ainda, a Lei 10.931/04 sobre alterações na Lei 8.245, de 18 de outubro de

1991, Lei de Locações, em seu artigo 61, através do acréscimo do parágrafo único.

De acordo com o art. 32 da referida lei, “o direito de preferência não alcança os casos

de perda da propriedade ou venda por decisão judicial, permuta, doação, integralização de

capital, cisão, fusão e incorporação”. E após a inserção do parágrafo único, tem­se que nos

contratos firmados a partir de 1 o de outubro de 2001, o direito de preferência de que trata o

artigo supra não alcançará também os casos de constituição da Propriedade Fiduciária e de

115 Op. Cit. BRASIL. Leis. Lei 10.931 de 08 de agosto de 2004.

perda da propriedade ou venda por quaisquer formas de realização de garantia, inclusive,

mediante leilão extrajudicial.

Tal condição deverá constar expressamente em cláusula contratual específica,

destacando­se das demais por sua apresentação gráfica, conforme preceitua o referido

parágrafo único.

Nas normas complementares da Lei 10.931/04, o artigo 63 dispõe que, nas operações

envolvendo recursos do Sistema Financeiro da Habitação e do Sistema Financeiro Imobiliário

relacionadas à moradia, será vedado cobrar do mutuário a elaboração de instrumento

contratual particular, ainda que com força de escritura pública.

E, por derradeiro, dispõe no artigo 65 que “o Conselho Monetário Nacional e a

Secretaria da Receita Federal, no âmbito das suas respectivas atribuições, expedirão as

instruções que se fizerem necessárias à execução das disposições desta Lei”. 116

Com a Lei 10.931/04 ficam revogadas as seguintes Medidas Provisórias: 2.160­25, de

23 de agosto de 2001, 2.221, de 4 de setembro de 2001, e 2.223, de 4 de setembro de 2001 e,

ainda, os arts. 66 e 66­A da Lei no 4.728, de 14 de julho de 1965 que disciplinam o mercado

de capitais e estabelecem medidas para o seu desenvolvimento.

116 BRASIL. Leis. Lei 10.931 de 08 de agosto de 2004. Presidência da República Federativa do Brasil. Disponível em https://www.planalto.gov.br/. Acesso em 20/20/2004.

Capítulo VIII ­Conclusão

Inicialmente, a despeito de a proposta da Lei 10.931/04 ser sobre matérias ligadas e

relacionadas com o mercado imobiliário e a moradia, outros assuntos, também importantes,

foram abordados, como as alterações da redação de artigos do Código Civil de 2002 e, até

mesmo, sobre os procedimentos no processo de busca e apreensão de bens móveis tratados

pelo Decreto­Lei 911/64.

O caso da Construtora Encol, conforme citou­se, foi o estopim para que se pensasse

em resguardar mais os adquirentes de imóveis em construção, uma vez que logo depois surge

a idéia inicial do projeto que deu origem à Lei 10.931/04 que, inicialmente, trataria da questão

da afetação do patrimônio das incorporações imobiliárias com o objetivo de proporcionar

maior segurança, transparência e credibilidade aos adquirentes.

No entanto, o que se viu foi que a Lei 10.931/04 tratou de matérias diversas e não só

da afetação do patrimônio das incorporações imobiliárias, o que dificultou, sobretudo, que os

objetivos originários de seu projeto fossem cumpridos.

No que tange aos Princípios Norteadores da Lei 10.931/04, é importante observar que

com o advento da Constituição de 1988 novos valores e conceitos foram inseridos no

moderno Direito, inclusive, através do Código de Defesa do Consumidor e, posteriormente,

do Código Civil de 2002. Tais conceitos são, atualmente, os norteadores do ordenamento

jurídico vigente e, por isso, a referida Lei não deve se afastar de tais diretrizes.

Os princípios constitucionais são garantidores da dignidade da pessoa humana e

embasam as relações consumeiristas, com o objetivo de harmonizar os interesses dos

participantes das relações de consumo, compatibilizando­os com a necessidade de

desenvolvimento econômico e tecnológico, sustentados nos princípios da boa­fé e do

equilíbrio na relação entre os participantes de um contrato. E, por isso, cumpre dizer, mais

uma vez, que a Lei ora analisada deve, necessariamente, caminhar nesse sentido, qual seja

amparada no Princípio da boa fé e do equilíbrio das relações contratuais e do respeito ao

consumidor.

A boa­fé e a probidade devem anteceder quaisquer contratos, pois são princípios gerais

de Direito e devem valer para os contratos de incorporações imobiliárias e de financiamento.

O atual estágio do processo evolutivo da teoria contratual, que substitui a antiga visão

individualista por uma concepção social, mostra­se cada vez mais presente e, assim, também

deve acontecer com as questões trazidas pela Lei 10.931/04.

Então, com base nos modernos princípios contratuais devem prevalecer sempre a

harmonia e o equilíbrio do mercado através do fortalecimento do consumidor mas, também,

com crescimento e fortalecimento de áreas produtivas.

Como se constatou, tal legislação evoluiu e foi modificada até sua efetiva publicação

e, nesse percurso, sofreu algumas alterações que, de certa forma, desviaram­na de seu objetivo

primário que era a proteção dos adquirentes de imóveis, pela afetação do patrimônio das

Incorporações Imobiliárias. Foram inseridas outras matérias na legislação e a proteção aos

adquirentes acabou não sendo o foco principal da Lei que teve seu projeto inicial modificado.

No que diz respeito ao sistema de proteção dos adquirentes no regime das

incorporações imobiliárias, tornou­se explícito que, embora os contratos de Incorporação

imobiliária devam atender à nova concepção do Direito, submetendo seu controle à

manifestação de vontades para ajustá­lo às exigências sociais e econômicas, assegurando o

cumprimento da função social, objetivando proporcionar, ainda, maior transparência e

segurança jurídica aos adquirentes, não é bem isso que acontece, porque o projeto original foi

sendo modificado e a Lei foi publicada sem levar em consideração tais questões.

A própria lei de Incorporações imobiliárias traz no corpo de seu texto regras para

proteger os adquirentes de imóveis. Todavia a proposta da Lei 10.931/04 era acrescentar o

mais novo fundamento de proteção ao adquirente regulamentando a criação do patrimônio de

afetação das incorporações imobiliárias, o que, infelizmente, não aconteceu!

Isso se deu porque tal proteção não se fez de forma absoluta e efetiva, uma vez que

não é obrigatória a todas as incorporações e, sim, facultativa. Se a afetação do patrimônio

fosse feita, de acordo com sua proposta original, colocaria em sintonia o conceito

contemporâneo de direito de propriedade, enfatizando a relativização desse e dando

efetividade a sua função social, acabando por dar mais segurança aos seus adquirentes, bem

como os Princípios Constitucionais Garantidores da Proteção do Consumidor.

No que tange ao Código de Defesa do Consumidor e suas bases fundamentais de

defesa do consumidor, cumpre realçar que há muito os princípios sobre os quais se assenta o

referido Diploma Legal já orientavam a teoria contratual e, por isso, não derrogavam o

regime jurídico próprio dos contratos de incorporações, até porque ambos estão alicerçados

nos mesmos pilares da boa­fé e da eqüidade.

No entanto, há eventuais lacunas na Lei de Incorporações que podem ser preenchidas

pela aplicação de cláusulas gerais, cuja incidência no contrato de incorporações se faz

naturalmente, independentemente das regras do Código de Defesa do Consumidor .

Dessa forma, a incidência de cláusulas gerais expressas no Código de Defesa do

Consumidor aos contratos de incorporação imobiliária se fará por aplicação do Código Civil

por se tratar de princípios comuns a todas as espécies de contratos, mesmo que o Código de

Defesa do Consumidor tenha equiparado a relação jurídica das incorporações imobiliárias à

relação de consumo, já que o Código Civil submete os contratos de incorporação imobiliária

às cláusulas gerais dos contratos que traduzem a boa­fé e o equilíbrio das relações

obrigacionais (que já apareciam na Lei de Incorporações Imobiliárias de 1964).

Ademais, mesmo que se faça qualquer aplicação do Código de Defesa do Consumidor

aos contratos de Incorporações Imobiliárias, ela não deve ser feita de forma irrestrita, já que

existe regime jurídico próprio que regula as atividades, e sim por meio da atuação das

cláusulas gerais, dispensando, até mesmo, a equiparação do adquirente do imóvel ao

consumidor, por falta de necessidade, não só por conta da existência de regime próprio, como

também pela aplicabilidade das normas e princípios gerais dos contratos, constantes não só do

CC, como também da própria Constituição Federal.

Em relação à Afetação do Patrimônio, cumpre destacar que os já mencionados

objetivos se perderam no momento em que a Lei, de forma contrária à idéia inicial do projeto,

possibilitou aos construtores e Incorporadoras optarem (ou não) pelo regime de Afetação do

Patrimônio.

Tal faculdade atribuída aos incorporadores e construtores, por si só, já autoriza afirmar

que os objetivos de proporcionar maior segurança aos adquirentes não foram alcançados, já

que a afetação não sendo compulsória, não há que se falar em resguardo dos direitos dos

consumidores. Então, esse seria o primeiro aspecto negativo da Lei 10.931/04 que não torna

obrigatória a Afetação do Patrimônio a todos os construtores e incorporadores.

Se não bastasse tal fato, cumpre dizer que a redação do artigo 9º, da referida Lei, abre

margem para um interpretação que impede os adquirentes de darem continuidade à obra, no

caso de falência da construtora, perdendo os efeitos do regime de afetação, caso não paguem

obrigações tributárias, previdenciárias e trabalhistas vinculadas ao respectivo patrimônio de

afetação que o incorporador deixar de pagar.

No entando, o melhor cânone hermenêutico é de que os adquirentes têm direito de

prosseguirem na administração do seu próprio negócio, mesmo que haja dívidas pendentes,

em conformidade com o princípio constitucional de que ninguém será privado da liberdade de

seus bens sem o devido processo legal e, mais, porque, segundo exposição de motivos do

anteprojeto de lei, o objetivo da Lei 10.931/04 é dar maior transparência e segurança jurídica

aos compradores de imóveis.

Para incentivar que as incorporadoras afetem seu patrimônio, a Lei atribui algumas

pequenas vantagens financeiras possibilitando o pagamento de impostos unificados, porém, o

incentivo foi insuficiente e não fez valer a escolha pela afetação.

Ademais, a não­obrigatoriedade da afetação do patrimônio modificou a filosofia

norteadora da Lei 10.931/04 e em nada contribuiu para a idéia de segurança jurídica dos

adquirentes de imóveis.

No que diz respeito à captação de recursos para o desenvolvimento do mercado

imobiliário cumpre dizer que a Lei 10.931/04 trouxe algumas inovações quanto às fontes de

recurso para o financiamento imobiliário na tentativa de estabelecer condições para o

desenvolvimento de um mercado secundário de créditos imobiliários, com a colocação no

mercado de títulos lastreados em créditos imobiliários.

Algumas críticas, ainda, merecem ser feitas. Em primeiro lugar quanto ao fato de ter

autorizado qualquer pessoa natural ou jurídica, nos contratos de comercialização de imóveis,

com o prazo igual ou superior a trinta e seis meses, a contratar reajustes com índices de preço

geral ou setorial, além do índice de remuneração básica dos depósitos de poupança.

Quanto aos instrumentos de financiamento e captação de recursos, o que se verifica é

que com a LCI, por exemplo, os agentes financeiros é que acabaram saindo na vantagem

quanto ao recebimento das dívidas, já que os títulos são garantidos por hipoteca ou alienação

de coisa móvel, embora se tenha almejado a captação de recursos financeiros para a

construção civil.

Quanto à colocação das Cédulas de Crédito Imobiliário no mercado, o objetivo parece

claro relativamente à necessidade de agilizar a circulação do crédito, reduzindo e

simplificando o custo das operações de captação de recursos para o mercado imobiliário.

Já as Cédulas de Crédito Bancário, que foram consideradas título executivo

extrajudicial, representando dívida em dinheiro, líquida, certa e exigível, a novidade refere­se

ao fato de que, se o crédito cobrado estiver em desacordo com o expresso na Cédula, o credor

ficará obrigado a pagar, em dobro, ao devedor aquilo que foi cobrado a maior, podendo ser

compensado na própria ação de cobrança sem prejuízo da responsabilização por perdas e

danos. Tal situação já acontecia, porém, em ação própria.

Outra questão que merece destaque quanto à CCB é em relação às atualizações

monetárias, à variação cambial, às multas, às despesas, aos demais encargos e aos juros, que

poderão ser livremente pactuados, capitalizados ou não, bem como ocorrer à periodicidade da

capitalização.

Sendo assim, não há dúvida de que a Lei 10.931/04, no que diz respeito às CCBs, visa

beneficiar, mais uma vez, as Instituições Financeiras, porque os juros da dívida poderão ser

livremente pactuados, capitalizados ou não.

Percebe­se, assim, o favorecimento das Instituições Financeiras que terão nas

aberturas de contrato de conta corrente um título executivo extrajudicial. Se isso não bastasse,

os cálculos deverão ser apresentados por aquelas Instituições e, ainda, poderão ser pactuados

na referida cédula os juros capitalizados ou não, as atualizações monetárias, mora e multa.

O credor poderá exigir, também, que o bem garantidor da dívida seja coberto por

seguro até a liquidação desta, bem como substituí­lo.

Nesse caso, a única vantagem atribuída aos devedores é que, se o credor na ação

judicial cobrar valor do crédito em desacordo com o expresso na Cédula de Crédito Bancário,

ele ficará obrigado a pagar o dobro do cobrado a maior, podendo ser compensado na própria

ação. Mais uma vez, benefícios para as Instituições Financeiras.

Em relação aos Contratos de Financiamento de Imóveis, a novidade está no fato de

poderem sofrer reajuste com periodicidade mensal, tanto por índices de preços setoriais, como

também por índices de remuneração básica dos depósitos de poupança.

Também tem­se a possibilidade de utilização da “TR” de forma expressa e o

impedimento da cláusula de equivalência salarial ou de comprometimento de renda, o que,

mais uma vez, prejudica o devedor e favorece o agente financeiro.

Ademais, a parte incontroversa deverá ser depositada, em qualquer situação, pelo

devedor. Se este quiser compensar os valores pagos a maior, não poderá fazê­lo sem depositar

o valor incontroverso normalmente para discutir a dívida.

Portanto, o que se constata mais uma vez é que a lei parece beneficiar as Instituições

Financeiras, não só por abrir os índices de reajustes, mas também, por proibir a cláusula de

equivalência salarial ou de comprometimento de renda. Ou seja, os contratos poderão sofrer

reajustes sem que os adquirentes tenham seus salários reajustados.

Se isso não bastasse, cumpre dizer que a Lei 10.931/04 cerceia o direito do comprador

de postular em Juízo em relação ao seu interesse, quando dispõe que, se o devedor não pagar

de forma tempestiva os tributos, taxas condominiais e outros encargos impostos por lei ao

proprietário, incidentes sobre o imóvel objeto do crédito imobiliário, poderá o juiz, a

requerimento do credor, determinar a cassação da medida liminar, cautelar ou de antecipação

de tutela que tenha interferido na eficiência da cláusula do contrato de crédito imobiliário

correspondente ou suspendido os encargos dele decorrentes.

Outro ponto que merece destaque, no sentido de mostrar como a Lei 10.931/04 não

beneficia o credor, é o fato de que, mesmo se o devedor fizer pagamentos indevidos a maior,

deverá continuar depositando judicialmente o valor da dívida que irá ser discutida, uma vez

que a lei proíbe o Juiz de suspender a exigibilidade da obrigação principal com base na

compensação de valores pagos a maior, sem o depósito do valor integral deste.

Quanto às modificações feitas em relação à Lei de Condomínio em Edificações, vale

destacar que a Lei parece beneficiar o adquirente no caso de insolvência do incorporador que

optar pelo regime de afetação do patrimônio. Não sendo possível a maioria prosseguir na

construção, a assembléia poderá deliberar pela venda do terreno e acessões que integram o

patrimônio de afetação, distribuindo entre si o resultado líquido da venda, depois de pagas as

dívidas do patrimônio de afetação e entregue ao proprietário do terreno a quantia que lhe

couber. E, ainda, quando não houver a reposição dos aportes efetivados pelos adquirentes,

estes serão credores privilegiados pelos valores da diferença não reembolsada , respondendo

os bens pessoais do incorporador de forma subsidiária. Todavia, embora pareça ser esse um

beneficio oferecido ao adquirente, o procedimento de vendas, a distribuição de resultado e o

pagamento de dívidas não são atos simples como parecem ser.

Em relação à Alienação Fiduciária, constante do Código Civil a Lei 10.931/04, ela

veio para pôr fim às controvérsias a respeito da espécie de bens passíveis de serem alienados

fiduciariamente em garantia, visto que estabelece novas regras para a contratação dessa

modalidade de garantia no âmbito do mercado financeiro e de capitais, dispondo que serão

admitidas a alienação fiduciária de coisa fungível e a cessão fiduciária de direitos sobre coisas

moveis, bem como títulos de crédito.

Quanto às alterações feitas no Decreto 911/64 pela Lei 10.931/04, acrescenta­se que

quase todas as modificações foram prejudiciais aos devedores, a começar pela falta de

menção à citação do devedor para que purgue a mora e à impossibilidade do pagamento de

parte da dívida, só sendo possível pagar a integralidade desta, consoante os valores

apresentados pelo credor fiduciário. Ou seja, o devedor só terá o bem restituído de ônus se

pagar a integralidade da dívida pendente de acordo com os valores apresentados pelo credor

fiduciário e, não mais, apenas, as parcelas vencidas e não pagas.

Ressalta­se que as legislações atuais tendem para a conservação dos contratos, como

se confirma na revisão dos contratos que contêm cláusulas abusivas, mas a Lei 10.931/04 não

pareceu seguir os mesmos passos do Direito atual, quando não previu a preservação dos

contratos.

No entanto, em um aspecto, a Lei 10.931/04 parece ter favorecido o devedor que terá

prazo de quinze dias para apresentar sua resposta e, não mais de três dias, podendo responder,

mesmo que tenha pago toda a dívida.

Assim, fica mais uma vez evidenciada a tendência da Lei 10.931/04 em beneficiar as

Instituições Financeiras, esquecendo­se dos consumidores e de seus direitos

constitucionalmente garantidos, como o da função social que só acontecerá se os contratos

celebrados entre as partes forem preservados.

Já em relação à Alienação Fiduciária de coisa imóvel, vale destacar que não serão

mais usados os índices de incidência e cobrança do Sistema Financeiro Imobiliário em casos

de reajustes das operações de comercialização de imóveis, o que possibilita o uso de qualquer

outro índice.

Outra inovação trazida pela Lei 10.931/04 é que o fiduciante poderá dar seu eventual

direito ao imóvel em pagamento da dívida, com a anuência do fiduciário, dispensado o leilão

público para alienação do imóvel.

A Lei traz, ainda, outras alterações que não se relacionam com incorporações

imobiliárias ou com o incentivo ao crescimento econômico do país, como é o caso das

alterações nos condomínios, que serão realizadas para corrigir possíveis lapsos do Código

Civil, já que mantêm as redações em conformidade com as leis especiais que regulam as

matérias, como é o caso do condomínio.

Em outros artigos,a Lei 10.931/04 acrescenta e altera matérias do CC/02 no sentido de

tentar corrigir alguma falha do referido Diploma, como é o caso da averbação de hipoteca que

voltou a ser de 30 anos como era no Código Civil de 1916.

Quanto à hipoteca, a história não foi diferente. A Lei já mencionada Lei apenas fez

com que o prazo de perempção voltasse a ser como no Código Civil de 1916, de trinta anos e

não mais de vinte como era a redação do Novo Código Civil.

No que diz respeito às alterações trazidas pela Lei 10.931/04 ao Código Civil,

precisamente, aos Condomínios, cumpre destacar que a Lei apenas trouxe de volta a redação

da Lei 4591/64, abandonando o critério da área privativa proporcional à área total da

edificação.

Outra alteração feita pela referida Lei ao Código Civil é quanto à contribuição do

condômino nas despesas do condomínio que, anteriormente, era feita na proporção de sua

fração ideal e, atualmente, pode haver disposições em contrário na convenção, conforme

determinação legal.

Com essas e outras modificações feitas no Código Civil quanto aos Condomínios,

percebe­se que o objetivo da Lei 10.931/04 foi, apenas, o de corrigir um possível lapso do

Código Civil, retornando ao sistema da Lei 4.591/64.

A Lei altera, ainda, no Código Civil, questões que dizem respeito à propriedade

fiduciária na tentativa de solucionar se o Decreto­Lei 911/64, bem como a Lei 9.514/97

estariam revogadas pelo Novo Código Civil, já que este trata somente da propriedade

fiduciária de bens móveis infungíveis. No caso da Lei 9.514/97, por se tratar de matéria

diversa daquela estipulada no CC, ela não estaria revogada, não havendo qualquer reflexo na

alienação de imóveis e, no que diz respeito ao Decreto­Lei 911/64, este só poderá ser utilizado

pelas instituições financeiras, porque a referida norma se aplica apenas a elas.

Em relação aos registros públicos, a Lei 10.931/04 apenas possibilitou que algumas

retificações fossem feitas através de procedimentos administrativos com o fito de quebrar os

morosos procedimentos administrativos retificatórios até então desenvolvidos. Nesse aspecto,

a Lei favoreceu aos adquirentes que podem, atualmente, ver as realizações das retificações de

registros e averbações feitas no próprio cartório apenas com a instrução de plantas e

memoriais assinados por técnico responsável e confrontantes, sem ter que aguardar o

despacho judicial em ação de retificação de área e nem a citação de todos os confrontantes.

Desse modo, o que se percebe é que a Lei 10.931/04 não cumpriu com os objetivos

iniciais que justificaram sua promulgação, uma vez que a Lei, por si só, não serviu para

impulsionar o crescimento econômico financeiro e social do país, e, ainda, não protegeu de

forma suficiente os adquirentes de imóveis.

Assim, cumpre ressaltar que, infelizmente, os objetivos iniciais do projeto inicial da

Lei 10.931/04 de propiciar maior segurança, agilidade e transparência aos adquirentes não

foram alcançados. Ao contrário, a referida legislação parece ter beneficiado mais os agentes

financeiros e as Incorporadoras do que os adquirentes ou devedores como era, de fato, seu

objetivo inicial.

A Lei 10.931/04 foi projetada com o objetivo de proporcionar a retomada da economia

do país. Entretanto, a Lei, por si só, não foi suficiente para proporcionar o impulso econômico

do mercado imobiliário e proporcionar maior segurança ou credibilidade aos adquirentes de

imóveis, como se confirmou no decorrer do trabalho.

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