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UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS CENTRO DE CIÊNCIAS EM COMUNICAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO DOUTORADO EM CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO INTERAÇÕES COM A COMUNICAÇÃO VISUAL URBANA – PESQUISA QUALITATIVA EM PORTO ALEGRE E NA BR-116, TRECHO PORTO ALEGRE-CANOAS LARA REGINA MORALLES ESPINOSA Orientador: Prof. Dr. José Luiz Braga São Leopoldo, novembro de 2003.

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UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS

CENTRO DE CIÊNCIAS EM COMUNICAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO

DOUTORADO EM CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO

INTERAÇÕES COM A COMUNICAÇÃO VISUAL URBANA –

PESQUISA QUALITATIVA EM PORTO ALEGRE E NA BR-116,

TRECHO PORTO ALEGRE-CANOAS

LARA REGINA MORALLES ESPINOSA

Orientador: Prof. Dr. José Luiz Braga

São Leopoldo, novembro de 2003.

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Para Lúcia e Francisco.

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Muito obrigada,

À UNISINOS, por apoiar minha capacitação, ao Prof. Dr. José Luís Braga, pela incansável, constante e valiosa orientação, à Profª Ms. Vera Helena de Mello pela criteriosa revisão textual, ao Prof. Dr. Élvio Funck pela versão em inglês do resumo, às fontes que emprestaram suas falas e a todos aqueles que colaboraram direta ou indiretamente para esta pesquisa.

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RESUMO

O acúmulo de materiais da Comunicação Visual Urbana no espaço das cidades dá

origem ao fenômeno da poluição visual, com o qual os agentes sociais interagem de formas

variadas. Esta tese é uma pesquisa qualitativa com agentes sociais que se relacionam com a

Comunicação Visual Urbana. As áreas da pesquisa foram a cidade de Porto Alegre e o trecho

da rodovia BR-116, compreendido entre as cidades de Porto Alegre e Canoas. As interações

são observadas através das falas dos agentes. Foram ouvidos: publicitários, fornecedores,

locadores de espaços publicitários, administradores, legisladores, artistas que utilizam o

espaço urbano como suporte e pessoas que circulam pelas áreas em observação, que falaram

sobre suas interações com os elementos da Comunicação Visual Urbana em entrevistas

particulares ou em grupos de discussão (grupos focais).

Palavras chave: Interações; Comunicação Visual Urbana; Publicidade ao Ar Livre;

Poluição Visual.

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ABSTRACT

Accumulation in city spaces of Urban Visual Communication materials entails the

phenomenon known as visual pollution, which social agents interact variously with. This

doctoral dissertation is centered on a qualitative research focusing on the social agents

involved in Urban Visual Communication.

The research corpus is both the city of Porto Alegre, in South Brazil, and the 15-km

stretch of Highway 116 between Porto Alegre and Canoas, a city in the Greater Porto Alegre.

Interactions observed resulted from the discourse of the various agents interviewed, namely,

publicity agents, caterers, lease-holders of publicity spaces, administrators, law-makers, artists

who seek support in such spaces, and people in general who circulate in the areas under

observation and who, either in private interviews or in groups (focal groups), commented on

how they interacted with the elements of Urban Visual Communication.

Key-words: Interactions; Visual Urban Communication; Open-Air Publicity; Visual

Pollution.

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COMISSÃO EXAMINADORA

Prof. Dr. Micael Maiolino Herschmann (UFRJ)

Profª.Drª. Ângela Prysthon (UFPE)

Profª.Drª. Suely Fragoso (UNISINOS)

Profª. Drª,Elisabeth Bastos Duarte (UNISINOS)

Prof.Dr. José Luiz Braga (UNISINOS)

Defesa em 8 de março de 2004.

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ÍNDICE

INTRODUÇÃO ......................................................................................................................10

CAPÍTULO I: O PROBLEMA DE PESQUISA −−−− INTERAÇÕES COM A COMUNICAÇÃO VISUAL URBANA ................................................................................15

1 COMUNICAÇÃO VISUAL URBANA ............................................................................. 16

1.1 Compósitos intensivos de comunicação visual...............................................................17

1.2 Os compósitos na cena urbana........................................................................................20

2 INTERESSE QUE ORIENTA A PESQUISA .................................................................. 23

2.1 Interesse da pesquisa para a região................................................................................24

2.2 Relevância deste estudo para o campo da Comunicação..............................................26

3 FALAS E INTERAÇÕES ................................................................................................... 28

3.1 Observação das falas........................................................................................................28

3.2 Observação das interações...............................................................................................29

CAPÍTULO II: A LÓGICA DA VISIBILIDADE COMO EXIGÊNCI A DO CONTEXTO ATUAL ............................................................................................................32

1 A EVOLUÇÃO DA VISIBILIDADE E DA VISUALIDADE ......................................... 34

2 OS TIPOS DE VISIBILIDADE ......................................................................................... 34

CAPÍTULO III: A ABORDAGEM METODOLÓGICA ...................................................45

1 A ORGANIZAÇÃO DA COLETA DE DADOS .............................................................. 49

1.1 Coleta dos dados necessários à pesquisa........................................................................49 1.1.1 Coleta de dados em Porto Alegre ....................................................................................49 1.1.2 Coleta de dados em Canoas.............................................................................................51

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1.1.3 Outros registros ...............................................................................................................52

1.2 Primeiros registros: constatações e definições..............................................................52

1.3 Os agentes da produção...................................................................................................53

1.4 O apelo comunicacional...................................................................................................54

2 OS AGENTES ENTREVISTADOS .................................................................................. 54

2.1 Agentes de fala marcada..................................................................................................55 2.1.1 Agentes que têm um interesse direto na normatização, proteção, administração ou uso do espaço visual público...........................................................................................................56 2.1.2 Agentes que interagem com objetos da C.V.U. com autorização das instituições..........58

2.2 Agentes de fala não-marcada..........................................................................................59

3 OBTENÇÃO DAS FALAS ................................................................................................. 62

3.1 Falas marcadas.................................................................................................................64

3.2 Falas não-marcadas..........................................................................................................65

4 AS INTERAÇÕES............................................................................................................... 67

4.1 A localização das interações............................................................................................67

4.2 Tipos de interações observados.......................................................................................68

CAPÍTULO IV: A ORGANIZAÇÃO E ANÁLISE DAS FALAS ....................................72

1 FALAS MARCADAS .......................................................................................................... 73

1.1 Aspectos das falas dos responsáveis pelo processo de normatização do espaço visual público de Porto Alegre..........................................................................................................75 1.1.1 O fenômeno da “poluição visual”....................................................................................76 1.1.2 A publicidade...................................................................................................................82 1.1.3 A Lei ................................................................................................................................86 1.1.4 Os constrangimentos econômicos ...................................................................................97 1.1.5 As relações de mercado da publicidade ao ar livre .......................................................104

1.2 Aspectos da fala de um agente da Prefeitura Municipal de Canoas..........................106

1.3 Aspectos da fala de um empresário do setor de publicidade ao ar livre ...................110 1.3.1 A publicidade - a questão do impacto publicitário ........................................................111 1.3.2 O uso dos equipamentos urbanos pelas empresas locadoras.........................................115 1.3.3 A participação da empresa nos assuntos da comunidade ..............................................116

1.4 Aspectos da fala da publicitária Rosângela Rios - Top de Mídia 2003.......................117 1.4.1 Para ser um Top de Mídia..............................................................................................117 1.4.2 A eficácia da mídia externa ...........................................................................................120 1.4.3 Publicidade e meio ambiente.........................................................................................120 1.4.4 Os pontos de exposição e a legislação...........................................................................122

1.5 Aspectos das falas dos artistas que intervêm no espaço urbano................................124

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2 FALAS NÃO-MARCADAS .............................................................................................. 132

2.1 Lúcia e Matilde - “poluição é sujeira”..........................................................................133

2.2 Motoboy - percorrendo a cidade....................................................................................136

2.3 Personal trainer...............................................................................................................138

2.4 Motoristas........................................................................................................................141

2.5 Passageiras da van..........................................................................................................144

2.6 Os grupos focais..............................................................................................................149 2.6.1 Grupo focal 1 - feminino ...............................................................................................150 2.6.2 Grupo focal 2 - masculino .............................................................................................156 2.6.3 Grupo focal 3 - feminino ...............................................................................................160 2.6.4 Grupo focal 4 - masculino .............................................................................................162

2.7 Duas enquetes rápidas....................................................................................................170

CAPÍTULO V: CONCLUSÕES .........................................................................................177

1 ASPECTOS GERAIS DA OBSERVAÇÃO E ANÁLISE DAS FALAS ...................... 179

2 AS INTERAÇÕES............................................................................................................. 191

3 O SUJEITO DAS INTERAÇÕES ................................................................................... 195

BIBLIOGRAFIA E OUTRAS FONTES ............................................................................199

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INTRODUÇÃO

Esta tese é um estudo das interações dos agentes sociais com a comunicação visual

urbana (CVU), feito em um tempo e local determinados. A partir do primeiro capítulo, o leitor

entrará em contato com a construção de um arcabouço que estruturou e estabeleceu os limites

do desenvolvimento desse estudo. Limites necessários, pois o tema − Comunicação Visual

Urbana − é complexo nas suas várias facetas e pode exigir tanto o aporte de estudos de

urbanismo, de legislação ou de meio ambiente, quanto os de Comunicação. O conjunto de

objetos se mostra extenso, ainda que tenha sido determinada a angulação dada pela área da

Comunicação. O tema poderia ser abordado, por exemplo, no nível das linguagens da sedução

ou da estética publicitárias, no nível de planejamento de mídia, tendo em vista a participação

da mídia externa no mercado publicitário, no nível dos estudos quantitativos de audiência, etc.

A decisão de relacioná-lo com os processos sócio-culturais conduziu a pesquisa para a

observação das interações entre os elementos da comunicação visual urbana e agentes sociais

que, de algum modo, participam desses processos. Sejam eles representantes de instituições,

engajados na discussão da ocupação do espaço visual público, ou passantes que conhecem as

áreas pesquisadas e circulam por elas, que colaboram com a pesquisa falando sobre suas

interações com os objetos da Comunicação Visual Urbana.

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O percurso adotado teve por base o processo de qualificação da tese e a definição por

uma linha de pesquisa. Contemplou também as dúvidas da pesquisadora quanto às

possibilidades de, observando falas de agentes sociais sobre a Comunicação Visual Urbana e

relacionando suas falas aos diversos tipos de interação que os mesmos têm para com ela,

organizar uma metodologia possível para avaliação de situações de comunicação, presentes

no dia-a-dia dos cidadãos que circulam pelas cidades ou que se engajam em políticas relativas

à exploração do espaço visual público urbano.

Espera-se, também, contribuir para os estudantes de Comunicação, com um modo de

relacionar os produtos da comunicação com seus públicos, através da pesquisa qualitativa. O

trabalho aqui apresentado pode colaborar para uma visão menos estereotipada dos produtos

comunicacionais, uma vez que, ouvindo as diversas falas dos agentes, pode-se projetar

desdobramentos possíveis das questões.

O primeiro capítulo trata exatamente do problema de pesquisa, seu interesse para a

pesquisadora, para a região e sua inserção no campo da Comunicação e define os marcos

teóricos para este estudo.

Trata-se, neste segmento da tese, a questão visual urbana como expressão formal da

relação do homem com seu habitat e a forma como ela será aqui abordada. A ocupação do

espaço visual urbano articula-se com processos da organização social em relações que têm

antecedentes históricos e que perpassam ações do homem atual, influindo nos seus processos

cognitivos, podendo-se até pensar numa nova natureza, traduzida pelas imagens da história

humana da era da mercadoria e do consumo.

Os conjuntos resultantes do acúmulo de materiais de comunicação visual no espaço

urbano normalmente são tratados por poluição visual. Decidiu-se apresentar o fenômeno da

poluição visual como algo passível de interpretações não-coincidentes, embora próximas, que

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alteram a ação dos agentes frente ao problema. A relação dos agentes com o espaço visual

urbano, além de refletir modos de cidadania, reflete necessidades, dependências, imposições,

constrangimentos e, principalmente, a relação do cidadão urbano com os processos de

simulação e com o exacerbamento da visibilidade.

Procura-se observar como os agentes sociais interpretam as diversas formas de

ocupação do espaço visual urbano conforme interações construídas no convívio com os

objetos dessa ocupação.

Explica-se, no primeiro capítulo, o porquê da abordagem através das falas dos agentes

e como cada fala foi considerada uma potência de ação. Sendo essa observação comprometida

com um sentido hermenêutico, apoiado em Vattimo (1998; 1999), procurou-se considerar

cada fala como verdade dada pelo entrevistado, tendo em vista os horizontes dessas verdades.

No segundo capítulo, o leitor encontrará um texto sobre a relação entre as lógicas da

visibilidade e a Comunicação Visual Urbana. Ao se resgatarem, resumidamente, os

condicionantes históricos do fenômeno, o conceito de visibilidade é voltado diretamente aos

interesses da pesquisa − as lógicas da visibilidade aplicadas à Comunicação Visual Urbana. O

fenômeno da visibilidade reflete-se nas mitologias do imaginário expostas e analisadas por

Benjamin, autor que está na base do viés histórico-cultural da pesquisa. Ao explorar o

fenômeno da visibilidade, são recuperadas as importantes conseqüências do desenvolvimento

das tecnologias da comunicação, apregoadas por McLuhan (1996).

Ainda neste capítulo, considera-se a forma como o conceito de enquadres de Goffman

(1986) pode ser aplicado ao estudo das interações pela observação das falas. No entanto,

contrariamente aos estudos do Interacionismo Simbólico, esta tese não leva em conta, para a

análise, apenas os sistemas internos às falas, mas considera também o sistema social geral, ao

qual estão expostos todos os entrevistados. Nas entrevistas, em trechos das falas dos agentes,

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o leitor poderá observar as formas com que as mesmas são impregnadas por lógicas locais e

globais.

No terceiro capítulo, descreve-se como foi estruturada a abordagem metodológica. As

escolhas que conformaram essa estrutura colaboraram para que os dados obtidos através das

falas pudessem colocar em diálogo diversas lógicas, que permitiram descortinar uma situação

de comunicação.

Explica-se a decisão de adotar métodos qualitativos para a coleta dos dados, de forma

que, ao final, a pesquisadora pudesse obter uma síntese de posições possíveis em relação às

interações com a Comunicação Visual Urbana. Neste capítulo, são definidos e detalhados os

contextos da observação, a forma de coletar os dados, os agentes a serem ouvidos e a forma

de ouvi-los.

O quarto capítulo trata da observação e da análise das falas dos agentes. É uma

condensação de todas as entrevistas com observações e apontamentos da pesquisadora, para

contribuir com uma visão o mais ampla possível da situação observada. É evidente que, nessa

visão, estarão sempre as escolhas da pesquisadora, que não são subjetivas, mas definem um

eixo processual e rigoroso para a pesquisa.

As falas foram agrupadas em falas marcadas e não-marcadas. As falas marcadas

correspondem àquelas que trazem em si marcas de instituições comprometidas com a

produção, controle ou administração da Comunicação Visual Urbana. No grupo de falas não-

marcadas, estão os agentes não comprometidos com essas instituições, que constroem suas

interações a partir de suas experiências diárias de percepção direta dos objetos da

Comunicação Visual Urbana.

Nas falas consideradas marcadas, foram destacados aspectos que pudessem fornecer

dados relevantes para compreender a posição dos agentes nos processos de produção,

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administração e controle da CVU. Eles pautam as ações institucionais dos agentes na sua

relação com os elementos da cena visual urbana.

Nas falas não-marcadas, foram destacados aspectos que pudessem colaborar com uma

visão tão ampla quanto possível das possibilidades de interação dos passantes com a CVU.

São falas de grupos distintos de entrevistados, escolhidos de acordo com as características: ser

habitante da Grande Porto Alegre, circular pelos espaços em estudo, ser capaz de expressar a

sua relação com os elementos da CVU. A observação desses grupos permitiu distinguir

possibilidades de interação de passantes com os compósitos. Neste segmento, foram

observados: primeiramente, pessoas que, por razões de trabalho, deslocam-se por diversos

ambientes da cidade; quatro grupos focais aos quais compareceram pessoas que circulam

pelos espaços em estudo; e, por último, há uma enquete.

No último capítulo, conclusivo, faz-se uma síntese da abordagem das falas,

procurando organizar o modo como elas conduzem às interações e à reflexão da situação de

comunicação que envolve os sujeitos. Faz-se aqui uma generalização para os sujeitos locais,

que é extensiva ao homem deste momento, imerso em situações e ambientes afetados pelos

sistemas globais.

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CAPÍTULO I: O PROBLEMA DE PESQUISA −−−− INTERAÇÕES COM A

COMUNICAÇÃO VISUAL URBANA

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1 COMUNICAÇÃO VISUAL URBANA

Consideram-se comunicação visual urbana (CVU) os elementos visuais e textuais que

têm por suporte os espaços urbanos: os outdoors, as fachadas promocionais, os painéis

luminosos, a sinalização viária, os graffitis, enfim, o conjunto das manifestações gráficas que

cobrem os espaços da cidade e conformam ambientes de comunicação. Alguns desses objetos

têm relações estreitas com os mídia tradicionais através da publicidade, e, junto com outros

materiais da comunicação urbana, constituem uma forma particular de expressão, produto da

sociedade industrial, que se constitui em um fenômeno − freqüentemente referido como

“poluição visual” −, que dá origem a diversas interações sociais.

Nos sítios urbanos nos quais proliferam os objetos descritos acima, as imagens

invadem os espaços de circulação, de modo que todos os ângulos da visão são ocupados pelo

excesso. A cor, as luzes, o movimento das chamadas para lojas e serviços são como uma pele

para os prédios, que muda a cada nova loja que é inaugurada ou a cada nova campanha

publicitária que ali se instala. Esses conjuntos visuais ocorrem em vias de alta densidade de

fluxo e em áreas urbanas centrais ou polarizantes. Eles se transformam num movimento visual

urbano que atinge diversas sensibilidades.

A CVU é considerada, aqui, como a expressão formal de um processo de apropriação

do habitat humano pelo crescimento dos meios técnicos de expansão da visualidade e da

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visibilidade na sociedade. O crescimento das cidades e a imersão do cidadão no conjunto de

matérias visuais que se acumulam nos ambientes instigam o exame de questões de

comunicação entre esses materiais e a sociedade que os produz.

A forma que os objetos da comunicação visual adquirem no espaço da cidade torna-se

um fenômeno nos ambientes urbanos. Manuel Casttels (1991) define os ambientes urbanos

como um quadro ecológico. Um quadro específico de um sistema de relações sociais nas

quais a cultura urbana possui uma história e uma lógica de transformação e organização, em

que atuam subsistemas que interagem através de normas e relações desenvolvidas no próprio

meio.

O mesmo autor, quando investiga a relação entre sociedade e espaço (1984, p.73-80),

coloca o espaço urbano como corpo material, real. Para ele, a sociedade não “se reflete” no

espaço, visto que não se situa como algo exterior ao próprio espaço; ao contrário, existe uma

articulação entre espaço e os elementos materiais do quadro de processos da organização

social, que deve ser explicada quando do estudo do espaço urbano. No caso da ocupação dos

espaços urbanos pela comunicação visual, ocorrem interações no processo da sua evolução

que concorrem para o estado dessas produções.

Refiro-me nesta pesquisa, especificamente aos ambientes urbanos, pois, embora

alguns dos elementos examinados estejam inseridos também nas paisagens rurais, é no urbano

que está a sua origem e a sua maior concentração.

1.1 Compósitos Intensivos de Comunicação Visual

O conceito de poluição visual de um ambiente não tem para a sua interpretação um

código dominante, como é, por exemplo, o caso da poluição química das águas ou do ar. Os

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agentes ouvidos pela pesquisa apresentaram desvios na interpretação do termo, os quais

alteram a interação entre o fenômeno e o agente.

Se considerarmos a poluição visual como uma relação entre a ordem ou a desordem no

uso do espaço, veremos que a discussão pode ser desdobrada em modos de leitura. Na leitura

discreta, ordem ou desordem podem ser tomados como termos limites de uma escala que vai:

a) da categoria “ordem” − em que há níveis de mais ou menos ordem, onde, a leitura ou

apreensão de uma informação tende ao máximo de legibilidade; para b) a categoria

“desordem”, na qual a possibilidade de seleção tenderia a zero e, neste caso, o problema seria

descobrir o nível no qual a capacidade de seleção ou leitura se reduz a zero. De outra forma,

se pensarmos em uma leitura analógica de padrões (modos de agrupar elementos visuais) com

as categorias de “ordenados” e “desordenados” ou poluídos, a questão de leitura desloca-se

para fatores como aceitação ou rejeição, empatia ou entropia, inclusão ou exclusão. Ou seja,

variam os modos de interação com o padrão apresentado.

A fim de deslocar o fenômeno para um foco de interpretação o mais neutro possível,

proponho a denominação compósitos intensivos de comunicação visual (CI) para os conjuntos

de objetos de comunicação visual e textual que se encontram nas áreas urbanas. Deslocar a

interpretação do fenômeno, certamente, não altera sua configuração − acúmulo de material de

comunicação visual no meio urbano −, mas possibilita examinar a forma como as oscilações

de interpretação podem alterar a ação dos agentes sociais frente ao problema.

Chamei-os de compósitos devido à característica do conjunto dos objetos observados:

eles formam um composto ou grupamento de produções que buscam, cada uma, a

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comunicação através da visibilidade; intensivos1 por suas características de excesso

(intensividade) no uso de recursos de linguagem visual como, por exemplo, as grandes

proporções e o colorido; e, de comunicação visual porque, embora sejam em grande parte

compostos de textos, estes se apresentam utilizando o visual como recurso primeiro, na sua

intenção de exposição. Se considerarmos a dimensão e o horizonte no qual os objetos se

apresentam na cena urbana e, ainda, os deslocamentos do olhar (de um objeto a outro, assim

como o movimento do passante), tudo se oferece ao olhar antes de mais nada como imagem,

mesmo o texto, que, antes de ser lido, deve ser visto e, nessa leitura, se oferece como forma

plástica, com ritmo e desenho próprios à sua intenção de comunicação visual.

Considero os compósitos, a partir do campo da comunicação, como media, observando

as interações que ocorrem com a sua presença no meio social. Diferentemente dos mass

media, que atingem uma grande audiência, os media enfocados neste estudo tanto podem ser

dirigidos a e sensibilizar uma massa de passantes, quanto podem sensibilizar pequenos

grupos interessados na sua comunicação. Embora existam grupos com interesse econômico no

planejamento global da exploração do espaço visual público e que atuam na relação entre

mercado e produtos mass midiáticos, em alguns dos espaços, nos quais há ocorrência de CI,

ainda é possível observar a participação direta dos habitantes e lojistas locais.

Embora a área visual dos CI seja ocupada em grande parte por peças publicitárias

(outdoors, painéis e cartazes), não é esse o aspecto mais importante para a pesquisa. É fato

que a forma de ocupação dos espaços, o desenho das letras e o uso de imagens têm origem nas

técnicas desenvolvidas pela publicidade e pelo design. Porém, nos CI, categorias próprias do

material publicitário são consideradas parte da composição e não seu foco principal.

1 Há aqui uma apropriação do termo inspirada nos estudos de Caiafa (1999, p.65) quando ela examina o excesso (exemplificado através da redundância: “vermelho como sangue fresco”) com base em Vidal Sephila que, indo além das teorias estruturalistas, coloca o excesso como um instrumento lingüístico de intensificação, que permite um movimento na direção limite de uma noção ou mesmo de sua ultrapassagem.

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1.2 Os compósitos na cena urbana

Os CI são um movimento visual urbano porque sua presença, além de alterar

continuamente o aspecto visual da paisagem, ocasiona um movimento, que é também social,

ao gerar interações com diferentes públicos que os observam sob diversos ângulos. Para

Casttels, “movimentos sociais” são “ações coletivas com um determinado propósito, cujo

resultado, tanto em caso de sucesso como de fracasso, transforma os valores institucionais da

sociedade” (1999, p.20). A ocorrência dos compósitos concorre para a promoção de

interações na sociedade sendo que o espaço mais geral dessas interações é aqui definido como

o ambiente urbano. Nele, as produções visuais são resultado de uma ação social ou são, em si,

a própria ação. Dessa forma, os objetos ali encontrados, na prática, são os documentos de uma

ação contextualizada. Isto é, cada ação é determinada por um motivo ou problema que se

apresenta no momento em que a ação é decidida.

O controle do uso do espaço visual público tornou-se uma necessidade quando o

espaço da cidade − espaço de trocas, centro de poderes, onde funções são organizadas de

forma hierárquica, distribuídas nas edificações, nos bairros, nos subúrbios, se expandiu nos

espaços de relações propiciados pelas tecnologias da comunicação. Primeiramente as vias de

transporte e, mais tarde, as telecomunicações, afetaram os habitantes urbanos. Os últimos

transformaram o espaço midiático em uma extensão entre a casa e a rua. Pode-se aferir um

acontecimento do outro lado da cidade pelo telejornal, pode-se conversar ao telefone com um

grupo de amigos, pode-se trazer o restaurante até a casa ou fazer compras pela Internet.

O produto que é anunciado no jornal, na TV ou Internet quer estar ao lado do

consumidor vinte e quatro horas por dia na luta pela visibilidade. Para ser lembrado, ele está

diante da porta da casa, acompanha o transeunte nos seus percursos e, à noite, ilumina sua

janela.

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No ambiente urbano, os CI são uma identidade. A identidade urbana inserida em um

sistema comunicacional pode ser dada por singularidades2 encontradas no espaço da cidade

ou por um imaginário que se constrói sobre esse espaço. Aparentemente, os compósitos são

espaços singulares. Diferentemente da paisagem cinza construída com concreto, que se

contrapõe às poucas áreas verdes, eles são uma paisagem colorida. Uma paisagem feita de

fotos de modelos sorridentes, luzes, cores e movimento.

Armando Silva defende que a geografia urbana pode ser feita a partir de narrativas de

“pontos de vista cidadãos” e que, através dessas narrativas, pode-se pesquisar enquadramentos

culturais pois, para o autor, a soma imaginável de cada ponto de vista dos cidadãos integra

uma leitura simbólica que se faz da cidade (2000, p.39-41). Walter Benjamin observou a Paris

do século XIX analisando a obra de Baudelaire3. Tal como nos escritos de Benjamin, as falas

dos entrevistados, apresentadas nesta pesquisa, destacam a beleza e o drama que os CI

comportam, e, principalmente, as falas são relatos de relações sócio-culturais que ocorrem

pela presença desses objetos no meio.

Além da publicidade, a rua é o local onde se expõem todos aqueles que, de alguma

forma, têm algo a comunicar ao habitante da cidade. Em seus muros, colocam cartazes

anunciando produtos, eventos, manifestações artísticas, grafittis e pichações. A rua tornou-se

o grande mural de todos, o espaço da comunicação através do visual, que transforma e, ao

mesmo tempo, caracteriza a vida nas cidades. Caracteriza, porque o modo de exposição

pública qualifica a relação do visual da cidade com seus habitantes.

Armando Silva chama a atenção para o olhar voltado ao que é exposto, que não é o de

uma audiência ou de um assistente, mas o de um cidadão (2000, p.45). Tira-se daí uma

2 Kevin Linch (1960) define a identidade do espaço urbano, segundo a singularidade desse espaço, como uma função de comunicação que estrutura e organiza o deslocamento do indivíduo na cidade. 3 Ver Benjamin. Charles Baudelaire, um lírico no auge do capitalismo. São Paulo: Brasiliense, 1995.

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conseqüência importante, que é a de que os conjuntos de comunicação expostos na cidade não

só cumprem a função de exibir-se, mas configuram e também definem a própria cidade, uma

vez que se constroem no uso dos espaços visuais públicos e este uso define-se na cidadania.

A comunicação visual ocupa lugar de destaque na cena urbana, e a qualidade das

interações pode ser observada a partir da relação entre os cidadãos e esses conjuntos. Essa

observação é o fio condutor da pesquisa para a tese. Nela há um enfoque que relaciona a

configuração do espaço urbano visual, que é público, com os tipos de interações que a

comunidade estabelece com os objetos ali expostos.

Para avaliar e comparar ocorrências, foram observados os CI que se formam na cidade

de Porto Alegre e na BR-116, no trecho Porto Alegre – Canoas. O controle do uso dos

espaços visuais urbanos das áreas visitadas para observação em Porto Alegre e Canoas é feito

de forma institucional, pelos administradores e funcionários das prefeituras, com base em leis

municipais.

A cidade de Porto Alegre, em 27 de janeiro de 1999, teve aprovada e sancionada a Lei

n. 8279, que “disciplina o uso do mobiliário urbano e veículos publicitários no município e dá

outras providências”4. Em torno do debate da implantação da Lei e de modificações propostas

no texto original, foram feitas diversas reuniões, das quais participaram representantes da

sociedade além de responsáveis pelo legislativo. Registros dessas discussões e dos processos

relativos à publicidade, que estão em arquivo na Câmara de Vereadores de Porto Alegre,

serviram de documentos de partida para a organização desta pesquisa.

O estudo do problema em Porto Alegre e a escolha dos agentes que lideraram o

processo de implantação da Lei no município tem como base: a) o processo da Câmara

Municipal 1761/92 de 31/07/92, que “define normas para regulamentação da propaganda ao

4 Do texto da Lei n. 8279 de 27/01/1999 (Anexo A).

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ar livre no Município de Porto Alegre e dá outras providências”; b) o processo da Câmara

Municipal 3098/98, de 29/10/98, que “disciplina o uso do mobiliário urbano e veículos

publicitários no Município e dá outras providências”; c) anais de reuniões da CUTHAB5.

No sentido oposto, o município de Canoas, limítrofe com Porto Alegre, ainda não

possui legislação específica sobre o assunto e tem na rodovia BR-116, que atravessa o

município, um de seus pontos mais ocupados pela CVU. Esse tipo de situação permite colocar

em relação dois modos de tratamento dado ao espaço visual urbano pelas comunidades. Ao

observar a relação entre agentes e media através de questões de comunicação, espera-se

contribuir para esclarecer aspectos das interações entre CI e os agentes sociais dessa região.

No município de Canoas, as informações sobre a BR-116, no trecho que atravessa a cidade,

foram obtidas através de funcionários da Secretaria de Preservação do Meio Ambiente e da

Secretaria de Desenvolvimento do município.

2 INTERESSE QUE ORIENTA A PESQUISA

A decisão em construir o objeto de pesquisa a partir da presença dos CI no meio

urbano deve-se aos seguintes motivos:

- o fato de haver encontrado poucos textos publicados sobre essas manifestações e

constatado que há uma lacuna nos estudos de comunicação que as coloquem em

relação com a sociedade, pois, normalmente, são tratadas por seu aspecto

meramente publicitário;

- a constatação de que o crescimento da mídia exterior observado no mercado

publicitário nacional nos últimos anos aumentou o número de elementos da CVU e,

5 Comissão de Urbanização, Transporte e Habitação da Câmara Municipal de Porto Alegre.

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conseqüentemente, ampliou as possibilidades de convivência do cidadão com os

mesmos;

- a percepção de que diferentes agentes sociais produzem diferentes interações e que

as variações das mesmas se refletem nas ações dos agentes quanto à ocupação do

espaço visual público.

Interessaram à pesquisa: a) as interações que, de forma institucional, determinam o uso

do espaço visual urbano; para isso, foram definidos como fonte a ser ouvida, os agentes mais

comprometidos com o processo de criação e implantação da Lei em Porto Alegre, agentes da

Prefeitura Municipal de Canoas, agentes de empresas locadoras de espaços visuais urbanos e

da área da publicidade e agentes produtores da chamada “arte urbana”; e b) interações não

institucionalizadas com agentes que pudessem contribuir para a compreensão da situação

local.

2.1 Interesse da pesquisa para a região

Espera-se que o estudo dessas interações possa produzir efeitos de reflexividade no

meio. Tal consideração é feita a partir da avaliação da proposta “emancipatória” de

Boaventura Santos (2000). Esse autor trata os processos discriminatórios da sociedade global

como intertextualidades que poderão tornar-se auto-reflexivas por um processo de

conscientização globalizado e assim poderão transformar-se em “projetos emancipatórios”.

Talvez, num processo global, a proposta do sociólogo português só possa ser viável a longo

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prazo6. No entanto, considerando-se a situação local, pode-se pensar numa possível

articulação entre agentes que conduza a uma solução socialmente construída para o problema.

Appadurai aproxima-se da linha de Souza Santos quando defende:

...el eje de mi teoría no es un proyecto de ingeniería social a gran escala (ya sea organizado por Estados, agencias internacionales o cualquier otra elite tecnocratica) sino las practicas culturales cotidianas a través de las que el trabajo de la imaginación se va transformando. (2001, p.25)

Na cidade de Porto Alegre, há uma vocação da população residente para a política,

principalmente a camada mais instruída. Vocação que parece ter encontrado eco na política do

partido governante, o Partido dos Trabalhadores, que está no governo do município há doze

anos e que propõe a participação da comunidade na gerência de seus atos administrativos.

Através dessa política, Porto Alegre tem se constituído em uma cidade exemplo, em nível

internacional, por uma gestão participativa.

Porto Alegre é uma das poucas cidades do Brasil na qual há um movimento e uma

legislação no sentido de organizar o uso do espaço visual urbano há mais de dez anos7.

Embora ainda seja visível a desorganização visual da cidade, pode-se dizer que, após a

implantação da Lei n. 8279, de 1999, houve uma ampliação do debate público em relação ao

problema, fato que, permitindo alguns avanços na participação dos cidadãos em reuniões

institucionalizadas, produziu registros que foram fontes para a pesquisa.

6 O Prof. L.C. Lopes, da Universidade Federal Fluminense (2002), considera problemático adotar essa postura a curto e médio prazo. Ela exigiria uma persuasão negociada que atingisse um maior número de pessoas, em um processo no qual a consciência crítica e o senso comum pudessem se articular. Para isso, haveria necessidade de uma ruptura epistemológica que adaptasse crenças das mais diversas naturezas, através da qual pudessem coexistir afirmações e negações. Para o professor Lopes, para que essas idéias atinjam um público maior, é necessário um longo processo de acomodação. 7 O IAB-RS divulga os seguintes projetos mais importantes na área de programação visual, acessibilidade e equipamentos urbanos: no Rio de Janeiro, o projeto Rio Cidade, de 1994; em Ribeirão Preto, 1995; em Natal, 1995; em Brasília, 1997 e em Curitiba, 1992.

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2.2 Relevância deste estudo para o campo da Comunicação

Através de teóricos como Benjamin, Barthes, Eco, Molles e Baudrillard, o estudo dos

objetos produzidos pelo homem vem sendo sistematizado no campo da comunicação.

Cannevacci e Appadurai dedicam sua observação aos objetos do ponto de vista antropológico

e, na arquitetura, Venturi relacionou as produções encontradas nas vias de Las Vegas com a

comunicação. Entre os teóricos da Comunicação no Brasil, Muniz Sodré (1996) fala-nos

sobre a “tecnocultura” como sendo a universalização sígnica da aliança entre comunicação e

tecnologia. Mas, ressalta, é também uma aliança entre esses dois termos e uma economia de

mercado. Uma economia que se impõe no processo de globalização das culturas, afirmando-

se como uma doutrina do consumo8. Em entrevista recente, Sodré defende que a sociedade

inteira, mesmo nas zonas de pobreza, está atravessada por essas tecnologias e que há uma

geração “em contato com o mundo das simulações” 9.

Os objetos dos CI situam-se, como materiais pertinentes aos estudos do campo da

Comunicação, no espaço onde estão os produtos gráficos10, na relação entre mídia e

sociedade. Há uma construção a ser feita para abordar os CI como objetos da pesquisa em

Comunicação, já que poderiam ser abordados em outros âmbitos: no âmbito dos problemas

urbanos, no âmbito dos problemas ambientais ou mesmo no âmbito da estética. O que os

caracteriza como objetos de comunicação são os processos de interação que ocorrem na sua

relação com diversos agentes sociais. Eles não são apenas os públicos-alvo dos elementos do

8 O autor refere-se especificamente ao espaço criado pelas redes telemáticas que imprimem novos contornos reflexivos nas políticas de comunicação (1996, p.8-9). 9 Entrevista concedida a Rosane da Conceição Pereira e Christiane Rangel Sauerbronn dos Santos. Edição final: Prof. Dênis de Moraes e Prof. Luís Carlos Lopes, Programa de Pós-Graduação em Comunicação Imagem e Informação, Universidade Federal Fluminense. Referência na Internet. www.sites.uol.com.br/denisdemoraes. 10 Incluo aqui não só o design gráfico aplicado aos produtos da informação mas a todos os produtos sociais relativos à publicidade e ao comércio, especialmente à gráfica urbana, da qual me ocupo no presente trabalho.

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compósito − os passantes aos quais interpelam, mas todos aqueles que, movidos pelo seu

interesse, interferem no uso, na normatização e na comercialização do bem público (tomado

como o espaço ocupado no visual da cidade).

As construções aqui elaboradas procuram atender aos modos de observação do campo

da comunicação, isto é, apesar de estabelecer interface com os estudos da sociologia, da

antropologia e da linguagem, o objeto é problematizado segundo as práticas de pesquisa de

uma comunidade de pesquisadores. Tais práticas, embora tendo sofrido diversas clivagens,

apontadas por Armand e Michèle Mattelart (1997), vêm sendo desenvolvidas através de erros

e acertos do campo, na observação e interpretação de objetos que se inscrevem no espaço

criado pelas relações do simbólico com a sociedade11.

Nesta tese, há inspiração nos estudos de recepção da América Latina,12 sem considerar

no entanto as interações como modos de resistência mas como espaços de circulação e de

produção de cultura.13

Em função da caracterização dos compósitos como objeto de comunicação, o ambiente

visual urbano também passa a ser observado através de relações próprias ao campo, no quadro

de um sistema de relações sociais que dão origem a termos como “sociedade da

comunicação” e “sociedade de consumo”. É foco desta tese o estudo das relações entre os

objetos da comunicação visual urbana e o ambiente social que os produz. Este estudo se faz

com base nas falas dos agentes sobre suas interações com os elementos dos compósitos.

11 Destaco os trabalhos de Gabriel Tarde, descritos por Mattelart (1997), que superou o conceito de “massa” voltando-se para o exame de públicos; os estudos com enfoques microssociológicos dos modos de comunicação, na vertente dos pesquisadores da Escola de Chicago (Giddens; Turner, 1996); os estudos da linguagem que consideram as situações de comunicação (Récanati, 1981 e Deleuze; Guattari, 1996); a sócio-semiótica de Eliseo Verón (1996) e, os seguidores dos chamados estudos culturais (Escosteguy, 2001; Hall, 2001). 12 Ver Barbero, 1997. 13 Ver Canclini, 1998.

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3 FALAS E INTERAÇÕES

As interações são observadas a partir das falas14 dos agentes, colhidas em entrevistas

ou pesquisadas em registros publicados. Nas falas, são obtidos os dados concretos que

oferecem um panorama das estruturas que concorrem para as relações e negociações que os

CI promovem no meio urbano.

O principal movimento de pesquisa nessa direção foi perguntar-se: “Quais as situações

nas quais ocorrem essas interações e quais os fatores que predominam nas interações? E, na

análise: de que maneira esses fatores se relacionam, quais as lógicas que organizam essa

relação para determinar uma situação de interação?

3.1 Observação das falas

As falas aqui analisadas apresentam índices, que foram relacionados uns aos outros e

aos documentos e registros coletados. Essas relações, entendidas segundo o momento

histórico da evolução dos CI, tanto em nível mundial quanto em nível local, servem de auxílio

para a compreensão e a avaliação dos tipos de interação encontrados e da situação na qual se

produzem.

Cada fala expressa pontos de vista que correspondem a espaços ocupados pelos

agentes na sociedade. Estão ligados ao seu contexto, aos seus enquadres e aos seus interesses.

Cada ponto de vista constitui um espaço no qual a lógica explicitada na fala faz sentido.

14 Procuro observar o que Coulon aponta como o conceito de account de Garfinkel que corresponde à descrição de uma situação na qual “fazer” uma interação é o mesmo que “dizer” a interação (aspas do autor, 1995, p.42).

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As falas produzem descrições15 que permitem o entendimento e a avaliação de uma

situação. As descrições permitiram organizá-las por eixos norteadores para a compreensão da

situação da qual a fala participa. Embora representem idéias, imagens internas de cada

entrevistado, são também potências de ação. Uma fala não é organizada segundo regras

rígidas, como em um jogo. É considerada, aqui, como potência de ação − tem força e

características que podem entrar na cena social de forma inesperada, pois os movimentos

entre os enquadramentos que os agentes utilizam nem sempre se apresentam de forma

coerente e são altamente subjetivos.

Observou-se que mesmo as falas institucionalizadas, quando os desempenhos são

organizados por agentes que se apóiam numa lei ou num certo número de regras, quando

ouvidas em profundidade, apresentam oscilações que podem alterar o rumo das ações de

negociação16.

3.2 Observação das interações

Definidos os primeiros fatores mediadores à apreensão da realidade − espaço e tempo

determinados −, a pesquisa das falas é comprometida e desenvolvida no conceito de

“sociedade da comunicação” do mesmo modo como a entende Vattimo (1998). Para Vattimo,

essa é uma sociedade que tem seu contato com a realidade mediado pelas imagens:

Realidad, para nosotros, es más bien el resultado del entrecruzar-se, del “contaminar-se” (en el sentido latino) de las múltiples imágenes, interpretaciones y reconstrucciones que compiten entre sí, o que, de cualquier manera, sin coordinación “central” alguna, distribuyen los media. (1998, p.81)

15 Garfinkel tratou essas descrições por “accountability”. Louis Quèré sublinha duas características importantes da accountability. Ela é reflexiva, é racional. Dizer que ela é reflexiva é o mesmo que sublinhar que a accountability de uma atividade e de suas circunstâncias é “um elemento constitutivo dessas atividades” (Coulon, 1995, p.42). 16 Nos relatos das situações de negociação entre agentes, observou-se que ocorreram alterações das ações dos agentes por razões comportamentais incidentais do sujeito. Tais alterações causaram deformações nas negociações, que só poderão ser organizadas novamente após um longo trabalho da sociedade.

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Para o filósofo, a ciência hoje oferece uma descrição daquilo que o homem fez de si

através de suas instituições. E, se, nessa limitação, perde-se o sentido de realidade pela

multiplicidade de imagens, emancipa-se a capacidade de compreensão não centralizada da

história. É uma perspectiva hermenêutica que dá espaço ao diálogo, à diferença.

Nessa perspectiva, ao considerar cada fala, na qual o entrevistado busca as suas razões

e vivências, inserindo figuras de sua experiência, o movimento interpretativo em relação à

história contada pelo entrevistado procura, dentro do possível, manter a regra dada por ele. Ao

buscar as falas que expressam as interações entre os compósitos e os agentes sociais, esta tese

se inspira em Goffman, que, escrevendo sobre a organização da experiência, descreve essa

organização como um desenho que serve aos propósitos de argumentação ou de atenção a um

ponto de análise.

As diversas falas representam, entre si, universos interpretativos de lógicas

conflitantes, mas que, em alguns pontos, podem convergir. Variam em relação ao grau de

organização dos “enquadres”, na forma definida por Goffman (1986)17. Algumas se

apresentam como sistemas de instituições, postulados e regras, outras não têm uma forma

articulada, sendo a resposta uma aproximação ao que é questionado. As falas dos

entrevistados foram utilizadas como observáveis que permitem estudar o fenômeno como

elemento ativo na vida do habitante das grandes cidades, para além do seu aspecto físico. A

visibilidade exacerbada nos locais onde os compósitos são o cenário visual urbano e a busca

histórica das origens da comunicação visual urbana resultaram em estudo sobre a visibilidade

que será apresentado no capítulo a seguir.

17 Para Goffman, a definição de enquadre é: “Frame is the word I use to refer to such of these basic elements as I am able to identify. That is my definition of frame” (1986, p.11).

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Observar aspectos dos produtos de uma cultura através das expressões produzidas

pelos sujeitos dessa mesma cultura tem sua inspiração nos trabalhos de Walter Benjamin

(1985; 1994; 1995; 1999) e acompanha os recentes estudos de Suzan Buck-Morss (2002),

Willi Bolle (2000) e Sandra Pesavento (1999).

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CAPÍTULO II: A LÓGICA DA VISIBILIDADE COMO EXIGÊNCI A DO

CONTEXTO ATUAL

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Ao reconhecer que, no contexto social contemporâneo, as representações encontradas

nos compósitos são produzidas segundo uma lógica presente nos meios de comunicação, é

preciso refletir e buscar as origens desse contexto. Com base nas tecnologias de exposição

tanto de objetos, de acontecimentos como de indivíduos, essa lógica tem como regra a

visibilidade. Nela os imperativos de “ser visto para ser lembrado”, apresentar-se de modo

esteticamente correto para “construir uma imagem” e, principalmente, levar em conta o dito

“ver para crer” se impõem como exigência condicional para existência concreta e contínua em

um espaço e em um tempo. A constatação de que a lógica da visibilidade já é parte do

universo cognitivo daqueles que foram ouvidos para fins de pesquisa direcionou a observação

e o tratamento dos dados obtidos.

O visível como consciência social, a possibilidade de composição, a velocidade, o

mosaico, a colagem emergem com a força da imprensa e principalmente da fotografia. A

partir do século XIX essas tecnologias alteraram a consciência do homem. Benjamin refere-

se, no trabalho das Passages, às formas materiais da cultura industrial. Segundo Mattelart,

encontra-se nos trabalhos de Kracauer e Benjamin, a influência da fenomenologia de Husserl

e as premissas metodológicas de Georg Simmel, que fizeram com que ambos estivessem

atentos às manifestações de superfície para ter acesso “à essência de uma época” (2000, p.80).

Assim são, ao meu ver, os compósitos: superfícies que são essências de uma época.

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Essa “essência” também se torna visível na forma dos compósitos. Sua ordem e

racionalidade vêm do interior, do interior do seu corpo social. Das origens da necessidade de

visibilidade e de formas de negociações no uso do espaço público que se desenvolvem e se

projetam com e nos media. Utilizando uma metáfora das ciências naturais, poder-se-ia dizer

que os compósitos são erupções fisiológicas de um corpo (o social) afetado por determinados

agentes. Mudaram os meios. Hoje, do cartaz impresso passa-se ao painel eletrônico, ao

outdoor em movimento − as origens e a necessidade persistiram.

1 A EVOLUÇÃO DA VISIBILIDADE E DA VISUALIDADE

A evolução da comunicação visual coincide com a proliferação da visualidade e

também da visibilidade, que marcaram a transição do século XIX para o século XX, e perdura

até nossos dias. Ela manifesta-se em formas cada vez mais sofisticadas, principalmente nos

produtos midiáticos. Desde o Renascimento, os processos de leitura discreta, alfabética, foram

aos poucos sendo substituídos ou associados aos processos públicos e analógicos da imprensa.

No século XIX, através do uso das novas técnicas da fotografia e do design gráfico, o visual

amplia a sua participação na leitura e as rupturas artísticas da modernidade encarregam-se de

transformá-lo em instrumento à crítica social.

2 OS TIPOS DE VISIBILIDADE

Procura-se, a seguir, caracterizar três tipos de manifestação da visibilidade: a) Algo

que é imaginado por alguém e se concretiza em uma narração. A visibilidade, neste caso, dá-

se na passagem do abstrato ao concreto através de um texto impresso a ser compartilhado e,

ao mesmo tempo, o concreto ganha visibilidade pela linguagem literária; b) Algo que, em não

estando presente, é representado visualmente e, nesta representação, adquire formas que

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podem multiplicar-se ao infinito; c) Algo que é concreto e, estando presente, é salientado ou

indicado através de estratégias visuais para que sua forma se destaque no todo e possa atrair

os olhares.

a) O primeiro tipo de visibilidade é tratado por Ítalo Calvino18. O escritor refere-se a

esse valor como uma das qualidades do “objeto livro” (1985, p.9), como um valor a ser

preservado na literatura. Uma qualidade que a técnica literária possui de trazer à tona imagens

e situações imaginadas da forma mais clara possível.

Se incluí a Visibilidade em minha lista de valores a preservar foi para advertir que estamos correndo o perigo de perder uma faculdade humana fundamental: a capacidade de pôr em foco visões de olhos fechados, de fazer brotar cores e formas de um alinhamento de caracteres alfabéticos negros sobre uma página branca. (1985, p.108)

É justamente esse objeto que é gestado a partir de uma página em branco − o livro −

que McLuhan19 descreve como sendo a forma de exteriorizar o interior humano e que,

transformado em objeto industrial, desde Gutenberg, vai exigir a alfabetização da

humanidade. Para ele, há uma civilização que se erigiu sobre a capacidade de ler e escrever,

organizando as culturas para a compreensão do alfabeto pelo sentido da visão. Para McLuhan,

a leitura do livro é uma forma confessional que cria um “efeito de interioridade”, um efeito

que é ampliado no compartilhamento de algo que a narrativa torna visível.

É interessante notar que, enquanto Calvino destaca a interiorização da experiência

visual, McLuhan, ao contrário, destaca a experiência visual do leitor que ocorre na relação

entre a experiência exteriorizada pelo livro e o ato de leitura. Calvino descreve o seu processo

de criação literária a partir da intimidade com a imagem visual desde garoto, mostrando como

18 CALVINO, Ítalo. Seis propostas para o próximo milênio. São Paulo: Companhia das Letras, 1985, p.97-114. 19 Ver McLuhan, 1977; 1996.

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conseguiu estabelecer uma iconologia fantástica com as figuras do tarô e com quadros da

pintura italiana. É o escritor quem diz:

Digamos que diversos elementos concorrem para formar a parte visual da imaginação literária: a observação direta do mundo real, a transfiguração fantasmática e onírica, o mundo figurativo transmitido pela cultura em seus vários níveis e um processo de abstração, condensação e interiorização da experiência sensível, de importância decisiva tanto na visualização quanto na verbalização do pensamento. (1985, p.110)

Já Benjamin escolheu a imagem literária como método para dar visibilidade aos

fenômenos do seu tempo e interpretar a história da modernidade. Para Susan Buck-Morss

(2002), o alegórico em Benjamin e sua concepção dialética das imagens coloca em evidência

a face tentadora e a face ameaçadora da ordem capitalista e identifica aquilo que era novo na

natureza das mercadorias − sua natureza material contém um “outro” do sujeito que se torna

visível através dessa mercadoria. A nova natureza é inorgânica, industrializada, em contraste

com a velha, que é orgânica e perecível. A nova natureza exige ser compreendida e domada

pelas novas gerações. Segundo a autora, Benjamin teria buscado inspiração nos escritos de

Goethe20 sobre a morfologia da natureza ao tentar compreender o “ur-fenômeno” através das

“ur-formas” − resíduos arcaicos de um passado que se manteve nas passages. O modo de

observação legado por Benjamin desvela as raízes da visibilidade no nosso tempo. Embora o

crescimento da visibilidade tenha origens que remontam às civilizações antigas, a dimensão e

a inflação que ela apresenta atualmente tem origem na cultura e na expansão dos meios

tecnológicos na sociedade e no crescimento da urbe.

As metrópoles modernas assumem um papel mitológico no imaginário coletivo21.

Benjamin, ao escrever sobre a experiência de Baudelaire, remete às visões de mundo

20 Para Goethe, o ato de “observação irredutível”, nas ciências biológicas, mostrava aquilo que era imediatamente percebido (BUCK-MORSS, 2002, p.102). 21 BOLLE, Willi. Fisiognomia da metrópole moderna: representação da história em Walter Benjamin. São Paulo: EDUSP, 2000, p.65.

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exteriorizadas pelo poeta que eram a expressão do real. Baudelaire tornou visível a

perplexidade, o estranhamento das populações urbanas frente à realidade da sociedade no

auge do capitalismo. Em Fisiognomia da metrópole moderna, Willi Bolle comenta:

O fato histórico novo é que na modernidade se estabelece um mercado de imagens que interage com o imaginário coletivo. Estudando esse espaço, o crítico (o autor refere-se a Benjamin) mede o grau de consciência histórica das diferentes classes sociais. (2000, p.68)

Os compósitos fazem parte do mercado de imagens. Se hoje eles estão espalhados por

toda parte, seja no rural seja no urbano, é na cidade que têm sua origem e sua maior

expressão. Sua representação nas instalações comerciais, nos anúncios publicitários, nos

grafittis e cartazes colocados eventualmente sobre as paredes, é semelhante às “ur-formas” −

eles persistem, só que mutantes, novos a cada semana, mas cada novidade traz em si o outro −

o velho sonho do novo que Benjamin já observara no trabalho das passages.

b) O segundo tipo de visibilidade ocorre quando algo que, em não estando presente, é

representado visualmente. A fotografia, no seu modo de representação pela confrontação com

a realidade, influenciou os processos de desvendamento, de revelação. McLuhan diz que

houve um imenso reajuste de nossas vidas interiores a partir da fotografia, que através dela se

afetaram as posturas exteriores e os diálogos interiores − é a época de Freud e Jung. Foi esse o

período no qual os poetas Baudelaire e Rimbaud deram nova dimensão à introspecção com

sua paisagem interior.

No início do século XX, através de uma fotomontagem em pôster, John Hartfield

critica a ascensão de Hitler, mostrando que a imagem podia servir, tanto quanto os signos

lingüísticos, para transmitir e para criticar idéias. Benjamin foi contemporâneo de Hartfield e,

para Susan Buck-Morss, o filósofo teria sido influenciado por essa montagem ao escrever o

trabalho das Passages (2002, p.89-95). Na montagem ocorre, como em Kafka, a metamorfose

do humano para o animal numa alegoria da alteração da natureza do homem no III Reich.

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Benjamin trabalhou com imagens verbais que propõem uma “nova natureza” (uma

metamorfose?), traduzida nas imagens da história humana da era capitalista voltada para a

mercadoria. A nova era industrial representava para ele um potencial construtivo e pode-se

encontrar otimismo e crença nesse potencial no seu artigo de 1936 intitulado A obra de arte

na era de sua reprodutibilidade técnica. Mas sua crítica mordaz ao sonho coletivo do

consumo, já expressos em Rua de mão única, de 1928, desemboca no trabalho das Passages,

onde a dialética benjaminiana transforma as experiências sensoriais e intelectuais das cidades

no labirinto do inconsciente coletivo que ele expõe.

McLuhan, por sua vez, destaca que, através dos jornais, a interioridade passa a ser da

ordem do coletivo. A imprensa revela as interioridades de uma “comunidade em ação e

interação” (1996, p.215). As interioridades visibilizadas pelos media, desde então, pautam

comportamentos e ações de uma sociedade.

No urbano, cada objeto assume o estatuto de forma (linguagem) de comunicação

caracterizado numa tipologia. Essa tipologia expressa a posse de um valor adquirido no uso

das linguagens e dos símbolos visuais e destaca níveis de competências em um sistema,

criando estilos canônicos de produção. As variações entre esses níveis podem ser percebidas

no ambiente urbano, em termos técnicos/construtivos, ao comparar-se uma produção

industrializada, executada por agências de publicidade ou órgãos oficiais, e uma produção

feita sem o conhecimento tipográfico ou mesmo lingüístico das primeiras. É evidente que,

entre uma produção industrializada − que segue a linguagem canônica do mercado

publicitário e as técnicas do design − e outra, que procura imitar tais técnicas, existem

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infinitas possibilidades22 as quais também tornam visíveis esquemas e estratégias de

produção.

A forma de organização dos compósitos também pode ser observada como padrão de

comunicação, um modelo de diagramação originado em uma matriz cultural, que está

presente em outras mídias e que é comparável a um mosaico, que admite múltiplas escolhas.

McLuhan defendeu que a velocidade dos meios fez com que o mosaico mundial se

tornasse visível (1996, p.196). Através dela, a descentralização sofre um processo de

implosão e permite a interação simultânea. Mas é o jornal, com “sua capacidade de anunciar

toda a sorte de artigos em uma mesma página”, que inaugura essa técnica que, para o autor, se

estende às lojas de departamentos quando apresentam as mais diversas mercadorias sob o

mesmo teto (1996, p.209). Há aqui um paralelo possível entre os compósitos e as páginas dos

jornais, com seus inúmeros anúncios, e os shopping centers, com sua infinidade de lojas e

produtos.

c) O terceiro tipo de visibilidade é também um fator de exposição. Um destaque para o

chamamento, a orientação ou encontro com o público em um determinado espaço − um apelo.

É uma representação que, no urbano, busca a identidade e tem sua origem em diversas

manifestações canônicas da arquitetura, como os palácios e as catedrais. A busca da

visibilidade do objeto através de sua forma visual também pode ser encontrada nos retratos do

Renascimento, que destacam essa ou aquela personalidade. Com o advento da fotografia, essa

busca atinge seu maior grau nas técnicas de decifração que procuraram estabelecer vínculos

22 Há um poder das constantes, que ocorre nas produções unificadas, mas há também uma potência nas variações. A potência é dada pela riqueza comunicacional das formas eventualmente inusitadas, por suas possibilidades de variação. Pode-se concluir que ambas são tratamentos possíveis da mesma linguagem gráfica na qual a imitação insere alterações que formam “híbridos” e que potencializa as formas do design gráfico. Sobre o conceito de “potência”, ver Deleuze (1995) e sobre o conceito de “híbrido”, ver Canclini (1998).

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entre a personalidade (interior) dos indivíduos e a sua imagem (exterior), através da

fotografia ou da configuração do seu crânio23.

A necessidade de evidenciar a procedência e a qualidade de produtos determina, desde

a primeira revolução industrial, que cada negócio seja diferenciado do outro por suas

características formais. Tal representação através do visual coincide com o desenvolvimento

das técnicas de sedução e persuasão adotadas pela publicidade, resultado de apropriações de

linguagem entre classes, através de trocas simbólicas que ocorreram e ainda ocorrem nos

vários media. Tais apropriações foram reveladas e criticadas pelos marxistas24 através da

crítica ao “fetiche da mercadoria”.

Fritz Haug, traduzido pela UNESP em 1996, adota a crítica marxista e abre seu livro

Crítica da estética da mercadoria com a frase de Brecht: “Vocês não reconhecerão mais as

frutas pelo sabor”. Mesmo criticando sua visão determinista, há que reconhecer o exame

crítico brilhante que Haug faz nesse livro da função estética do produto, que é valorizado ou

mesmo transformado através da publicidade, com o uso das novas técnicas do design e da

fotografia.

O design acentua o caráter icônico da escrita dos cartazes, painéis e comunicações

urbanas. O metrô de Paris, na tipografia art nouveau das suas estações, traz ícones da natureza

para o texto. McLuhan afirmou que, na idade da fotografia, a linguagem escrita assumiu um

caráter gráfico ou icônico, cujo “significado” muito pouco tem a ver com o universo

semântico, e “nada em absoluto com a república das letras” (1996, p.206). Embora considere

a expressão “nada em absoluto” um exagero do autor, concordo com ele que, a partir da

23 Técnicas de Le Brun e Lavater no século XVII, a antropolgia criminal de César Lombroso no século XVIII e, na mesma época, os sistemas de identificação antropométrica de Bertillon. Ver Nelson Brissac Peixoto, 1998, p.106-107. 24 Marx criticou as trocas simbólicas através do “valor de uso” fundado na estética das mercadorias e, nessa esteira, Fritz Haug (1996) elaborou a crítica ao design como produtor dos aspectos fetichistas da mercadoria.

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fotografia, as formas gráficas passaram a ser lidas por seus valores de movimento − “como

uma mímica”, já que as palavras adquirem força pela forma como são escritas e pelo local em

que são colocadas na página. As técnicas gráficas, mesmo quando os media privilegiam o

texto, contemplam regras para leitura que são da ordem do visual, “a letra de corpo grande

criou o atrevimento da expressão” (1996, p.190).

3 AS INTERAÇÕES SOB A LÓGICA DA VISIBILIDADE - O US O DO CONCEITO DE ENQUADRES

Tendo examinado as lógicas da representação visual que busca a visibilidade,

organiza-se o cenário para a análise do problema, ou seja, a observação das interações entre os

agentes analisados e os elementos dos compósitos. As falas dos agentes entrevistados são

permeadas pelas lógicas da visibilidade e a observação dos enquadres que utilizam para

manifestar-se é feita com base nas teorias de Goffman. As questões colocadas na análise das

falas são:

Sob que aspectos manifesta-se nas falas a lógica da visibilidade?

Segundo essa lógica, o que é visível e o que não é?

Quais as conseqüências dessas interações para a compreensão da Comunicação Visual

Urbana na região examinada?

Ao analisar os enquadres, Goffman reconhece que seu trabalho não é sobre a

organização das estruturas da sociedade e não se dispõe a discutir os propósitos políticos ou

sociais de seus atores. Propõe um enfoque dramático da interação, uma vez que, para ele, os

indivíduos mantêm um controle expressivo e cuidam dos detalhes de suas atuações e das

impressões por elas produzidas.

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Nesta tese, há diferenças em relação aos estudos de Goffman. Aqui, o caráter

dramático das interações é principalmente contemplado, ao entrevistar-se agentes

representantes de instituições sobre a discussão dos propósitos políticos e sociais dos agentes.

Em relação aos demais agentes entrevistados, observou-se que o nível de teatralização (no

sentido goffmaniano) foi menor, embora, algumas vezes, tenha se manifestado de forma

bastante evidente.

O controle expressivo, valorizado nas dramatizações analisadas por Goffman, não foi

observado em todos os momentos das falas, mesmo na atuação pública dos entrevistados,

quando por vezes surgem contradições em relação ao que é dito. Nas entrevistas individuais e

nos encontros com os grupos focais, o caráter dramático não se manifestou claramente. As

falas contêm aspectos da cultura e da subjetividade de cada entrevistado. Observou-se, em

cada grupo, a preferência por determinadas questões.

Goffman defende que o grau de organização do enquadre, na sua função primária, é

definido nos termos segundo os quais o seu usuário é levado a localizar, perceber, identificar e

rotular semelhantemente um infinito número de ocorrências concretas. Algumas funções

primárias são naturais, como, por exemplo, compreender os fenômenos meteorológicos que o

narrador do tempo nos traz. Os eventos sociais, por outro lado, necessitam de backgrounds25

para entendê-los e incorporam a consciência e os objetivos das ações. Envolvem esforços de

controle de uma inteligência, de uma agência viva, de uma decisão mental.

A idéia de um enquadre primário é, então, o primeiro conceito do autor aplicado às

representações através de falas. Procura-se entender a palavra dentro do contexto da conversa

com o agente, sem planificar o seu sentido. Mesmo para Goffman, o enquadre primário não é

25 Watslawick e Jackson relacionam a experiência humana da realidade a pontos de referência e defendem que a mesma está envolvida num processo de exploração do cérebro, que traduz a experiência em representação interna de um padrão de relações de referência (1993, p.24).

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satisfatório, porque é fato que, durante cada momento da ação de um indivíduo, normalmente,

são aplicados muitos enquadres, e há momentos nos quais ele coloca os enquadres como se

fossem formados por “laminações”. As “laminações” foram consideradas ao comparar as

falas dos atores, de modo a chegar às formas de como os consensos implicados são reunidos

nos entendimentos que determinam as ações.

Goffman propõe que, se um eixo “x” e um eixo “y” forem colocados como sendo o

enquadre dentro do qual se identifica um ponto dado, ou ainda se um limite é trazido como

matriz dentro da qual pode-se localizar um movimento, a noção de enquadre primário pode

ser suficientemente clara. Para processar esse conceito, o autor recomenda que se aceite uma

ficção operativa26 ao menos temporariamente, isto é, sabendo-se que os atos da vida diária são

ininteligíveis através de enquadres primários que os modelem, tratá-los dentro desse esquema,

compreendê-los não é uma tarefa fácil se bem que não é impossível (1986, p.26). Há então

uma abertura no conceito de enquadre, que pode ser observada constantemente na interação

com os entrevistados. Os enquadres aplicados pelos indivíduos mostram-se contaminados

entre si em diversas “laminações”. A representação em dois eixos cartesianos não seria então

a ideal para esse tipo de relação. Talvez, se fosse possível representá-la espacialmente,

teríamos gráficos espaciais, em forma de nuvens que eventualmente se integram.

Goffman limita a atenção para aqueles enquadres que são supostos (explicitamente ou

em efeito de) pelos indivíduos para decidir o que está acontecendo, colocando seu particular

interesse. Para ele, o indivíduo pode estar “errado” em sua interpretação, isto é, desorientado,

sem tato, inadequado e assim por diante. Uma interpretação “errada” é considerada em todas

as partes na crença que, em muitos casos, o indivíduo em nossa sociedade está efetivamente

usando seus enquadres. Os elementos e os processos que o analista pressupõe na sua leitura da

26 Nas palavras do autor “operating fiction” (1986, p.26).

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fala são aqueles que a própria fala manifesta e que, enquanto vida social, é, muitas vezes,

organizada como alguma coisa que os indivíduos podem entender e negociar. Goffman vê

uma correspondência ou isomorfismo entre percepção e a organização do que é percebido

(1986, p.26).

O enquadre primário de uma sociedade particular é constituído dos elementos centrais

de sua cultura, especialmente os entendimentos que emergem como categorias principais de

esquemas, relações de categorias entre si e a soma total de forças e agentes através dos quais

esses desenhos interpretativos são conhecidos e dispersos no ambiente social (1986, p.27).

Nesse sentido, em cada grupo entrevistado para a tese, tentou-se formar a imagem dos

enquadres do grupo − seu sistema de crenças, seus hábitos culturais.

Contrariamente aos estudos do interacionismo simbólico, as interações examinadas

através dos agentes entrevistados para a tese não podem ser observadas unicamente por suas

relações internas, como unidades de análise completas, senão que, neste caso, devem ser

considerados constrangimentos de sistema externos aos enquadres dos entrevistados, que

estão implícitos ou são explicitados nos registros das falas. A própria origem do problema

leva a considerar o sistema social geral como matriz, a fim de poder observar as atividades

comprometidas com a visibilidade para melhor entender as ações e as falas dos agentes.

O sistema social geral, aí entendido como uma ordem internacional, ao menos do

ponto de vista da cultura ocidental, como uma das lógicas que marca os enquadres dos

agentes: a lógica da sociedade de consumo, debatida por vários autores atuais e que tem

características de acordo com culturas locais e globais.27

27 Ver Canclini (1997;1998), Featherstone (1995) e Appadurai (2001).

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CAPÍTULO III: A ABORDAGEM METODOLÓGICA

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No primeiro momento, a organização metodológica da pesquisa contou com o

instrumental teórico das discussões dos seminários efetuadas no Programa de Pós-graduação

em Comunicação da UNISINOS28, do qual faziam parte os professores do corpo docente do

programa e os alunos que haviam apresentado os seus projetos de pesquisa no ano de 2000.

Aquele foi um período importante, no qual as propostas para construção dos problemas de

pesquisa foram discutidas em grupo e avaliadas segundo as teorias do campo da comunicação

e as teorias sobre métodos de pesquisa em ciências sociais. As teorias forneceram apoio às

aproximações e interpretações que interessavam às pesquisas, voltadas ao enfoque

comunicacional. Foram, principalmente, considerados, nesse processo de construção do

problema de pesquisa, os recortes necessários às possibilidades de análise do objeto.

De acordo com essas primeiras aproximações, os produtos da CVU foram

considerados num espaço que permitiu organizar as diversas percepções, ocorrências e

documentos, que surgiram nos levantamentos e que concorreram para cartografar relações, de

modo a permitir a observação das interações aqui examinadas.

A metodologia adotada apoiou a intenção de realizar uma interpretação com base na

hermenêutica defendida por Vattimo (1998), que contemplasse as lógicas implicadas na

construção dos sentidos que subjazem às interações entre os CI e os agentes sociais

28 Universidade do Vale do Rio dos Sinos, em São Leopoldo, RS.

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entrevistados. O plano de abordagem definiu-se tendo por objetivo colocar em diálogo essas

diversas lógicas, para a compreensão de uma situação de comunicação.

Partiu-se da decisão de que a pesquisa seria tratada como uma síntese de posições e

relações que se estabelecem nos e entre os diferentes níveis de interação de agentes com os

CI, contemplando-se relações individuais e relações institucionais de forma focalizada,

escolhendo-se os agentes a serem entrevistados. Para contemplar as necessidades desse tipo

de observação, foram utilizadas técnicas de pesquisa qualitativa para a coleta de dados.

A decisão de observar as interações a partir das falas dos agentes definiu os modos de

ouvi-los. Procurou-se extrair, das suas expressões de linguagem, conteúdos simbólicos que

pudessem apontar para o estudo da forma como determinados conceitos são desenvolvidos no

meio social, em determinadas situações de comunicação. O que interessou na interpretação

das interações, expressas nas falas, foi a praxis dos agentes e não propriamente o sistema

abstrato da língua. Dessa forma, o que o agente expressa é tomado como uma representação

que pode ser, conforme a ocorrência, individual ou social, embora as representações

individuais possam estar carregadas de marcas que são sociais e essa divisão se torne bastante

abstrata, fazendo com que, na prática, seja difícil distingui-las objetivamente.

Pode-se dizer que a representação é individual quando expressa conceitos próprios do

indivíduo. Essa representação faz interface com a representação social, mas difere da mesma

porque inclui no seu repertório lingüístico aspectos que dizem respeito à experiência

individual. A representação é dita social quando apresenta um sistema de valores, idéias e

práticas comuns a um grupo.

As representações individuais manifestaram-se nas falas dos agentes entrevistados em

conversas informais, como, por exemplo, observou-se no caso dos passageiros e condutores

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da van. As representações sociais se definem melhor quando as falas são ouvidas em situação

de grupo, como nos casos dos grupos focais ou reuniões organizadas por instituições.

Nas entrevistas com representantes institucionais de grupos, legisladores diretamente

responsáveis pela Lei em Porto Alegre ou administradores responsáveis pelos espaços visuais

públicos, surgem conceitos apresentados através de uma face institucional, mas que são

contaminados pela experiência pessoal do entrevistado, que, por sua vez, contamina a face

institucional.

Embora o contexto da observação deva ser limitado, histórico e concreto, ele é

abrangente, no sentido de que a amostragem aqui exposta sistematiza ações comunicativas de

uma comunidade, as quais não são quantificáveis estatisticamente, mas tratadas por relações

de empatia daquele que investiga as práticas de sentido das suas fontes e que, no momento da

pesquisa, negocia com esses sentidos.

Trata-se de uma observação analógica sobre algo que apresenta contornos e fronteiras

pouco definidos, mas que ajuda a tornar inteligível uma realidade local. Tanto nas entrevistas

quanto nas participações de reuniões nas quais foi discutida a Lei da Propaganda29 no

município de Porto Alegre, pode-se dizer que houve a observação participativa da

pesquisadora. Foi sua efetiva participação que permitiu descortinar, através das interações,

que passaram a fazer parte do corpus da pesquisa, os elos entre as representações apresentadas

pelos agentes e os CI.

Pré-conceitos e tradições instituídas permitiram à pesquisadora ter uma pré-

compreensão comprometida com o sentido do todo e descobrir as faces do objeto que

procurou iluminar para análise. As observações in loco, as participações nas discussões do

problema de Porto Alegre, a busca das origens e o estudo das relações entre os processos

29 Lei n. 8279 (Anexo A).

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sociais e o desenvolvimento do espaço urbano foram os pontos de partida necessários para

compreender, além do fenômeno, os atores sociais e seus movimentos.

1 A ORGANIZAÇÃO DA COLETA DE DADOS

O plano de abordagem contemplou os seguintes níveis: o nível da coleta de dados; o

nível da observação dos dados e o nível da análise dos dados. Os níveis de observação e

análise são tratados nos próximos capítulos (Capítulos IV e V).

1.1 Coleta dos dados necessários à pesquisa

A coleta de dados partiu do princípio básico de que as regras que orientam a definição

do uso do espaço visual público são geradas no âmbito do social e que, geralmente, existem

registros públicos dessas negociações. Os registros serviram para definir as situações das

interações a serem observadas e os agentes que seriam entrevistados e, ainda, complementar

as informações contidas nas falas dos agentes que atuam nos processos de produção e controle

da Comunicação Visual Urbana.

Para observar as interações entre a CVU e os passantes em geral, foram organizadas

entrevistas com agentes que circulam pela cidade e rodovia, bem como grupos de discussão

(grupos focais).

1.1.1 Coleta de dados em Porto Alegre

Em Porto Alegre, o palco das discussões referentes ao assunto tem sido a Câmara

Municipal, que registra o trâmite dos processos de projetos de lei e os autos das reuniões e

debates. Nesses registros, buscaram-se os dados referentes ao comprometimento dos agentes

com as ações de legislação e regramento do uso dos espaços e, de forma mais geral, o

comparecimento às reuniões e assembléias de discussão do tema no período de 2001/2002.

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Para organizar o processo de pesquisa nas instituições públicas, o levantamento de

dados e a definição de quais agentes deveriam ser ouvidos, procedeu-se a consultas aos

seguintes documentos da Câmara de Vereadores de Porto Alegre: a) Processo n. 1761/92, de

31/07/92, que “define normas para regulamentação da propaganda ao ar livre no Município de

Porto Alegre e dá outras providências”. O processo foi apresentado pelo vereador Antônio

Hohlfeldt; b) Processo n. 3098/98, de 29/10/98, que “disciplina o uso do mobiliário urbano e

veículos publicitários no Município e dá outras providências”. O processo foi apresentado

pelo então vereador Arq. Clóvis Ilgenfritz da Silva; c) Processo n. 1372, de 23/03/2001, “que

altera os dispositivos da lei 8279”. O processo foi apresentado pelo vereador Calos Alberto

Garcia. d) Anais de reuniões da CUTHAB30.

Além disso, no município de Porto Alegre, foram colhidos dados para a pesquisa

através da participação nas seguintes reuniões de debate:

- reunião de 05/07/01, entre técnicos da SMAM31, promovida pela APDESIGN32.

Estavam presentes: dois técnicos da Prefeitura de Porto Alegre e o substituto do

Secretário Municipal, que apresentaram esclarecimentos sobre a aplicação da Lei

Municipal 8279/99, que disciplina o uso de mobiliário urbano e veículos

publicitários no município de Porto Alegre; um escritório de design, que apresentou

projetos de adaptação de prédios aos requisitos da lei, designers, fornecedores e

urbanistas. Os técnicos da Prefeitura procuraram esclarecer a forma de implantação

da lei, e os participantes debateram sobre as conseqüências da sua implantação na

visão de cada representante de segmento profissional que ali compareceu;

30 Comissão de Urbanização, Transporte e Habitação da Câmara Municipal de Porto Alegre. 31 Secretaria do Meio Ambiente do Município de Porto Alegre. 32 Associação de Profissionais em Design do RS.

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- reunião de 17/07/01, entre o vereador Carlos Garcia, representante da Câmara

Municipal, que propôs a alteração da Lei Municipal 8279/1999, e as empresas

responsáveis pela publicidade de rua no Prédio da Associação Comercial do RS,

promovida pela FEDERASUL33. Estavam presentes: o então vereador Carlos

Garcia, da Câmara Municipal de Porto Alegre, e seus assessores, empresas

fornecedoras de mídia externa, empresas que patrocinam a execução de fachadas

comerciais e nelas colocam sua publicidade, além dos representantes da

FEDERASUL e APDESIGN. Foram debatidas as formas de aplicação da Lei n.

8279/1999 e propostas ações de negociação junto à Câmara quando da assembléia

para aprovação das alterações propostas pelo vereador Garcia na Lei acima citada,

principalmente no sentido de contemplar os objetivos das empresas fornecedoras de

propaganda externa e fachadas;

- seminário (junho/2002) promovido pelo IAB34 de Porto Alegre, na Câmara

Municipal de Porto Alegre. Estavam na mesa: o Secretário de Planejamento do

Município de Porto Alegre, o Presidente do IAB para o Rio Grande do Sul, a

representante da ABNT35 para assuntos de acessibilidade, o Diretor Presidente da

APDESIGN, o Diretor da Associação dos Escritórios de Arquitetura.

1.1.2 Coleta de dados em Canoas

No município de Canoas, as informações foram obtidas através de funcionário da

Secretaria Municipal de Preservação do Meio Ambiente, que forneceu a legislação vigente e

concedeu entrevista para esclarecimentos.

33 Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul. 34 Instituto de Arquitetos do Brasil. 35 Associação Brasileira de Normas Técnicas.

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1.1.3 Outros registros

Para observar interações entre artistas e entre grafiteiros, foram utilizados, além de

entrevista, registros impressos36, como jornais e publicações.

1.2 Primeiros registros: constatações e definições

O registro dos compósitos foi iniciado a partir das suas características principais: a) a

sua morfologia − isto é, a forma como se apresenta a visão dos públicos; b) a sua função

primeira − a de apelo visual comunicacional; c) o fato de que a sua presença no espaço urbano

produz interações naquele meio que podem ser observadas através das falas dos agentes.

Foram feitos registros, através de vídeo e fotografia, das ocorrências de CI na rodovia

BR-116, trecho Porto Alegre-Canoas, em estações do TRENSURB e em ruas de Porto Alegre.

Os registros serviram de material de imersão da pesquisadora no espaço visual público

ocupado pelos compósitos. Através deles, procurou-se ver sem planificar, considerando os

elementos que, nas cenas observadas, oferecessem pontos de vista possíveis. Procurou-se

fugir do olhar matematizado pela perspectiva que corresponde a um modo renascentista de ver

− uma tecnologia do ponto de vista para o qual todas as proporções ficam na dimensão do

quadro.

O fato de direcionar o olhar para vários contextos e eventos, bem como para as várias

situações de comunicação que pudessem alterar tais contextos, descortinou cenários de

interação e, através deles, os agentes que poderiam ser pesquisados.

Do ponto de vista morfológico, os compósitos adquirem suas formas a partir da ação

dos agentes que intervêm diretamente no planejamento e na execução dos elementos unitários

dos compósitos.

36 Ver bibliografia.

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1.3 Os agentes da produção

São definidos como agentes da produção aqueles agentes diretamente comprometidos

com a confecção material dos objetos dos CI e como agentes de administração e controle,

aqueles agentes que estabelecem e os que implantam as leis que determinam a administração

e a ocupação dos espaços visuais públicos.

Desses dois grupos, foram entrevistados os agentes que tiveram participação direta nas

negociações sobre a implantação das normas reguladoras da publicidade de rua no município

de Porto Alegre. Foram seis agentes selecionados a partir de registros oficiais.

Foi definido, dentre os seguintes agentes da produção, quais seriam de interesse da

pesquisa: a) empresas locadoras de painéis publicitários que instalam outdoors − painéis de

papel colado em módulos e sem iluminação, front lights − painéis de chapa metálica pintada

ou adesivada com iluminação frontal, back lights − painéis de lona translúcida com

iluminação interna e elementos em três dimensões estruturados como painéis, com ou sem

iluminação; b) empresas produtoras de fachadas e painéis − produzem fachadas que são

tratadas com pinturas que cobrem parcial ou totalmente suas superfícies, com ou sem

luminosos de identificação ou promocionais; c) empresas ou instituições que produzem

cartazes e faixas de espetáculos ou de propaganda política; d) instituições públicas que

instalam elementos de sinalização ou equipamentos urbanos; e) pichadores; f) grafiteiros; g)

artistas; h) produtores eventuais que colocam placas artesanais de venda ou divulgação de

eventos e serviços.

Optou-se por entrevistar o dono de uma grande empresa locadora, para ter acesso às

lógicas de oferta dos espaços; uma profissional de mídia de uma agência de publicidade; e um

artista, com a finalidade de observar o uso do espaço visual urbano por uma lógica diferente

da comercial.

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1.4 O apelo comunicacional

Os aspectos comunicacionais foram examinados a partir da morfologia dos elementos

que compõem os CI quanto a sua condição de apelo ao público passante nas ruas. Na

observação dos aspectos comunicacionais, levou-se em conta a tipologia dos componentes

dos CI e, em cada um, quais os aspectos que poderiam ser destacados nas questões feitas aos

entrevistados. Foram salientados aspectos como orientação, apelos publicitários, o papel dos

pequenos anunciantes, da propaganda política, dos pichadores, grafiteiros e artistas e dos

lojistas. Características específicas de performatividade, de linguagem, somente foram

salientadas se o entrevistado ou o grupo fizesse alguma menção ou sugestão. Por exemplo, o

uso de apelos sexuais nas propagandas, exagero de tamanho nos outdoors, recursos de

movimento, forma e cor.

2 OS AGENTES ENTREVISTADOS

De um modo geral, pode-se dizer que as interações que ocorrem entre os elementos

dos compósitos e os agentes sociais correspondem ao que José Luiz Braga e Regina Calazans

tratam como interações diferidas e/ou difusas nas quais se dispõe de:

...uma produção objetivada e durável, que viabiliza uma comunicação no tempo e no espaço e permite a ampliação numérica e a diversificação dos interlocutores. Esta caracterização central, mesma, é que exige ultrapassar o recorte simplista de considerar interações apenas as “ações mútuas entre produtor e receptor.” (2001, p.27)

Diferentes tipos de agentes sociais ocasionam modos diferentes de leitura, de

negociação de sentido, da mesma forma que diferentes formações de compósitos dão origem a

modos diferentes de produção e controle dos processos, porque diferem em modos de

avaliação, administração e direcionamento das ações. Os agentes, cujas falas são examinadas

nesta tese, são indivíduos que reagem a uma situação, e a situação não é apenas a local mas a

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da sua época. São contextos que, ao longo do trabalho, são comentados e avaliados de forma a

constituir uma genealogia da situação examinada.

Procurou-se determinar as interações que ocorrem entre compósitos e agentes

específicos, definindo-se que agentes, situações e cenários da ocorrência das interações

interessavam à pesquisa. Foram considerados:

2.1 Agentes de fala marcada

Há os agentes que têm a fala marcada por relações institucionais. Nesse grupo, estão

os agentes que atuam com base em um conhecimento racionalmente acumulado ou com

normas bastante estruturadas por um saber institucionalizado37. Nas entrevistas com esses

agentes, buscaram-se as lógicas que estruturam as falas dos atores sociais para refletir sobre

suas posições nos processos de significação que ocorrem no quadro da sociedade local.

A concepção de ator é utilizada no sentido de Goffman − um personagem que

distingue entre quem representa e aquilo que é representado. No caso desses entrevistados, os

mesmos foram tratados como atores sociais porque efetivamente representam,

institucionalmente, determinados segmentos da sociedade. Eles atuam a partir de um campo,

frente ao problema do espaço visual público e constroem um cenário para a sua valorização.

Cada cenário é emoldurado pelo quadro de experiência desses agentes cujos juízos

interpretativos têm por base um saber profissional ou científico e um tipo de responsabilidade

moral, diretamente ligados aos seus interesses como indivíduos e aos interesses do campo que

representam.

37 Conforme Heritage, a pesquisa procura desvendar o que é sistemático nas interações que envolvem instituições, por exemplo, as especialidades da escola ou hospital ou as assimetrias de status, gênero, etnicidade, etc, que possam mostrar diferenças ou restrições sobre formas de ação relativas às interações (1999, p.370-371).

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O critério para seleção dos entrevistados foi o de colocar em interação agentes que

estivessem comprometidos com a constituição dos compósitos e que houvessem definido,

através de negociações, as regras da sua produção e localização.

Nesse grupo foram considerados:

2.1.1 Agentes que têm um interesse direto na normatização, proteção, administração

ou uso do espaço visual público

Há os agentes em situações institucionalizadas que criam o espaço da sua ação,

buscando alterar conscientemente, a partir da ação, as regras que estruturam as lógicas de

utilização do espaço visual público, produzindo tensões nos diversos campos envolvidos no

processo.

Visto que a participação da comunidade em relação à presença dos compósitos, tanto

no município de Porto Alegre como no de Canoas, se dá principalmente por via institucional,

através de ações nas Câmaras de Vereadores, e os processos com reclamatórias ou

solicitações em relação ao uso do espaço visual público são encaminhados às secretarias

municipais, que, por sua vez, emitem um parecer com base na legislação vigente, decidiu-se

que, para esse tipo de agentes, o enfoque principal deveria ser voltado para interações

determinadas − aquelas que ocorrem entre os CI e agentes que têm um interesse direto na

normatização, proteção, administração ou uso do espaço visual público. São eles os

vereadores, gestores ou funcionários das Prefeituras e dirigentes de órgãos de classe ligados

ao problema.

Por interesse direto entenda-se a participação ativa em assembléias e reuniões de

discussão do assunto. O exame dos registros dessas participações definiu a seleção do

primeiro grupo de agentes a ser entrevistado. Por exemplo, ao tratar da Lei implantada em

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Porto Alegre e dos agentes com ela comprometidos, busquei falas de agentes com posições

estabelecidas e que pertencem a campos institucionalizados bem delimitados.

Para entrevistar os agentes envolvidos na normatização da ocupação dos espaços, a

investigação qualitativa iniciou pela observação de microprocessos interacionais que ocorrem

no pequeno grupo que, atuando de forma ora direta, ora indireta, organizou, desenvolveu e

busca implantar a Lei n. 8279, que regula a publicidade no município de Porto Alegre. Foram

os agentes desse grupo que agendaram as discussões sobre os problemas da ocupação visual

do espaço público urbano de Porto Alegre e seu regramento. Os processos daí desencadeados

influenciaram, de forma institucionalizada ou não, a conformação atual do espaço visual

público ocupado pela publicidade e pela comunicação visual em geral na cidade.

Fazem parte do grupo de entrevistados que produzem falas que envolvem diretamente

as instituições públicas de Porto Alegre: a) vereadores que lideraram e discutiram a aprovação

da Lei nas suas edições; b) técnicos, funcionários da Prefeitura Municipal, da Secretaria do

Meio Ambiente (SMAM); c) representantes das entidades: Empresas de Publicidade ao Ar

Livre − a AGEPAL, Sindicato das Indústrias de Painéis − SINDIPAINÉIS; e empresário de

empresa locadora. Os agentes deste grupo não foram citados nominalmente por sua situação

de exposição pública, sendo decidido de comum acordo que seus nomes não seriam

publicados.

Na observação da CVU da BR-116, no trecho Porto Alegre-Canoas, foi entrevistado

Alexandre Witt, engenheiro agrônomo, chefe do Serviço de Licenciamento Ambiental na

Secretaria de Preservação do Meio Ambiente do município de Canoas (SEMPA). A SEMPA é

o órgão municipal que trata desse assunto há quatro meses. Anteriormente, o assunto era

tratado na Secretaria de Desenvolvimento do município.

Para observar a situação em relação à comercialização dos espaços, ou seja, a relação

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entre as empresas locadoras de espaços e a sociedade na qual está inserida, foi entrevistado o

empresário Régis Dubin, que não participou diretamente das reuniões que definiram a

legislação, mas que é um dos diretores da ATIVA, empresa que se destaca no mercado da

locação de espaços de mídia externa. A ATIVA tem painéis em Porto Alegre e também na

BR-116, em Canoas.

As interações relativas aos profissionais da publicidade, em mídia externa, foram

observadas através da entrevista à publicitária Rosângela Rios, da Agência de Comunicação

DCS, vencedora no ano de 2003 do Grand Prix do Prêmio Top de Mídia.38

2.1.2 Agentes que interagem com objetos da C.V.U. com autorização das instituições

Há os agentes que interagem com o objeto através das instituições (embora não

pertençam diretamente às mesmas) ou com a sua autorização. A interação, nesses casos,

ocorre conforme o contexto da ação, onde ação e posição do agente se determinam

mutuamente39. Nesse grupo, foi tratada a fala dos artistas.

Embora também exista nessas falas o caráter marcado, busca-se em cada uma aquilo

que é individual na interação e que, de alguma forma, pode ser gênese de uma ação

transformadora. Portanto, o interesse que comandou a busca de quais agentes deveriam ser

entrevistados foi o registro de sua participação relevante em ações que negociam o uso do

espaço visual público. Nesse grupo, coloquei a fala de artistas que, no espaço urbano, utilizam

meios que são próprios da publicidade ao ar livre.

Foi entrevistado Leandro Selister, artista que executou uma intervenção nas estações

do TRENSURB, o trem que liga a Cidade de Porto Alegre aos municípios vizinhos. Além

38 O Grupo de Mídia do RS, com esse prêmio, destaca o profissional de mídia do ano. Em 2003, venceu a categoria de mídia externa − outdoor/extensiva da Claro Digital (Jornal Zero Hora, 27 jun. 2003. Caderno de Economia, p.27). 39 Ao estudar as interações a partir das entrevistas, procuro observar o que Coulon aponta como o conceito de acount de Garfinkel, que corresponde à descrição de uma situação na qual “‘fazer’ uma interação é o mesmo que ‘dizer’ a interação” (aspas do autor, Coulon, 1995, p.42).

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dele, a observação reporta-se à intervenção urbana40 do grupo de artistas denominado Clube

da Lata, de Porto Alegre, para avaliar a interação dos artistas com os elementos dos CI.

O grupo de artistas tem a sua fala marcada pela instituição do campo das artes, e suas

intervenções foram permitidas pelas instituições públicas (TRENSURB e Prefeitura

Municipal de Porto Alegre).

Há ainda os grafiteiros, que pretendem fazer arte nas paredes das cidades, o que

também vem sendo permitido, ou mesmo estimulado pela Prefeitura. Essa atividade é

comentada, pois aparece em algumas das falas dos entrevistados.

2.2 Agentes de fala não-marcada

Nesse grupo, são entrevistados agentes que circulam pela cidade de Porto Alegre ou

pela BR-116 entre Porto Alegre e Canoas. Ao contrário da primeira escolha, procurou-se nas

falas seu caráter individual, não-marcado, relacionando essas expressões ao que é

estruturalmente marcante no seu contexto41. Para as entrevistas desse grupo, procurei pessoas

40 Intervenção O lado de dentro de um outdoor, registrada em publicação do programa FUMPROARTE, financiado pela Prefeitura Municipal de Porto Alegre, 2001. 41 Nos etnométodos desenvolvidos por Garfinkel, são os contextos dos eventos que fornecem os recursos para sua interpretação (Heritage, 1999, p.324).

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que, além de circularem pelos espaços examinados, tivessem competência para se expressar

sobre o espaço visual.

São agentes que, embora participem do ambiente, produzem ações que pertencem ao

senso comum, em geral, desvinculadas de uma posição participatória do ponto de vista

político. Desse modo, as regras introjetadas por eles para interpretação e ajuste dos seus

comportamentos não têm uma motivação clara, mas são construídas pela situação prática

vivida, têm uma visão pessoal do uso do espaço público. Nessas situações de interação,

encontradas entre agentes que não se enquadram em um campo institucional específico, pude

constatar o fato, destacado por Braga e Calazans quando tratam das interações face a face, de

que nelas ocorre a “predominância de ‘fatores locais’ e de experiências vividas pelos

interlocutores” (2001, p.24).

Embora as ações dos agentes entrevistados sejam pautadas por lógicas diversas,

considerou-se o momento histórico para fazer a clássica pergunta de Goffman “O que é que

está ocorrendo aqui?”42 (1986, p.25) De acordo com os estudos desse autor, existem relações

sintáticas que unem as ações de diversas pessoas em presença. Se considerarmos como

presença a convivência num determinado espaço geográfico e as negociações de sentido que

ocorrem em torno de um mesmo objeto, por exemplo, na comunicação visual na cidade de

Porto Alegre, podemos observar o modo com que ações de indivíduos isolados ordenam um

estado de coisas.

O grupo de agentes de fala não-marcada foi entrevistado em quatro momentos:

- no primeiro momento foram entrevistadas, individualmente, pessoas que se

deslocam pela cidade de Porto Alegre. Esse grupo de entrevistados tem como

característica comum o fato de deslocar-se diariamente nos espaços da cidade por

42 “What is that is going on here?”

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motivos profissionais ou por serem estudantes. Freqüentemente, eles precisam de

serviços de orientação para seus deslocamentos. Foram entrevistados: Vitor

Rodrigues, motoboy que entrega medicamentos para a empresa MEDEX, Lúcia e

Matilde Almeida, faxineiras, e Alan Bichinho, personal trainer;

- no segundo momento, foram realizadas entrevistas durante duas viagens de uma

van que faz o transporte coletivo entre Porto Alegre e São Leopoldo. As entrevistas

foram individuais, e as pessoas estavam em presença umas das outras. Foram

entrevistados os motoristas Marco Aurélio Santos e Cilena Brito Cunha, os

passageiros Cláudia Sepé, Cristine Barreño Etges, Beatriz Fontana, Clarisse Salete

Traversini e Daniela Horta;

- no terceiro momento, foi feita uma enquete na entrada da Universidade para avaliar

a relação entre o volume de publicidade utilizado na campanha política de 2002 e a

lembrança dos nomes dos candidatos. Foi tomada essa decisão na pesquisa porque a

maioria dos entrevistados, nos dois grupos anteriores, referiu-se às propagandas

políticas colocadas nos espaços urbanos com veemente repúdio. A enquete

pretendia uma avaliação, ainda que de forma não exaustiva, da eficácia em termos

de lembrança dos nomes dos candidatos das propagandas colocadas na rodovia;

- No quarto momento, foram ouvidos quatro grupo focais.

Os grupos focais foram organizados com o auxílio da UNICOM43. A seleção foi feita

entre pessoas que tivessem completado o segundo grau e que tivessem boa capacidade de

expressar suas percepções. Foram definidos quatro grupos de entrevistados: a) mulheres

jovens, na faixa etária de 18 a 25 anos de idade. Foram convidadas dez mulheres e

compareceram quatro; b) mulheres adultas, na faixa etária de 25 a 35 anos de idade. Foram

43 Empresa Júnior de Comunicação da UNISINOS.

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convidadas dez mulheres e compareceram quatro; c) homens jovens, na faixa etária de 18 a 25

anos de idade. Foram convidados dez homens e compareceram cinco; d) homens adultos, na

faixa etária de 25 a 35 anos de idade. Foram convidados dez homens e compareceram cinco.

3 OBTENÇÃO DAS FALAS

As falas foram coletadas por conjuntos, organizados de acordo com os grupos de

entrevistados, em: falas marcadas − agentes institucionalizados; e falas não-marcadas −

grupos não inseridos em instituições de produção ou de controle dos CI.

Ao observar as interações entre os agentes da sociedade e os CI através de suas falas,

destacou-se em cada fala a forma como a experiência de vida de cada entrevistado, sua visão

de mundo, seus pré-conceitos constroem significados culturais nas interações de um modo

geral e concorrem, de um modo particular, quando o entrevistado é comprometido com o uso

do espaço, para a conformação dos compósitos.

As falas foram colhidas na forma de entrevistas em profundidade, entrevistas rápidas,

enquetes, grupos focais e registros impressos, conforme o agente e a compreensão necessária

para estabelecer referências para o estudo das interações. Nas entrevistas, há uma interação

face a face. Há uma influência recíproca da fala de um indivíduo para com a do outro quando

na presença física imediata. Há, nesses casos, uma performance de ambas as partes que não é

totalmente controlável porque nem sempre os agentes seguem scripts preestabelecidos.

Da parte do entrevistador, existiram questões que foram constantes, mas, de modo

geral, as entrevistas apresentaram um nível baixo de estruturação. Foi mais uma conversa do

que uma entrevista organizada em perguntas pré-construídas, embora o eixo do roteiro fosse

comum a todas as entrevistas e algumas questões fossem recorrentes a todos os entrevistados.

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O entrevistador foi um ouvinte no sentido de mostrar que recebeu cada uma das

mensagens e que tinha condições de reconhecer toda a cena descrita bem como seus

protagonistas. Houve um esforço do entrevistador para mostrar entendimento, utilizando-se,

para isso, além das perguntas, algumas formas culturais regradas para as conversações, tais

como acenos com a cabeça, expressões faciais, pequenos comentários ou exclamações44.

Durante as entrevistas, as negociações de conversação ocorreram internamente aos

enquadres dos entrevistados, com as suas regras. Aceitou-se sua catalogação dos personagens,

adaptando-se, em cada caso, expressões de estímulo às declarações e às regras de cada um.

Dessa forma, a fonte foi a condutora da conversação, e suas expressões foram tomadas de

acordo com situações criadas que correspondem a laminações no enquadre: a fonte podia ser

um narrador cuja transmissão é inteiramente situada − aquele que opera o processo de

transmissão e de criação da ação dos demais personagens − ou podia ser um dos

protagonistas da cena ao qual a fonte se refere, como se estivesse dirigindo o próprio papel.

Nesse sentido, cada entrevistado foi visto como o diretor de uma cena teatral através

da qual se pudesse ter acesso a representações do que estava acontecendo. Não se considerou,

no entanto, que essa teatralização não fosse verdadeira; ao contrário, ela foi vista como uma

dramatização da realidade conforme o enquadre de cada entrevistado.

Ocorreram então diferentes formas de significar que alteram a precisão dos modos

como os eventos são apresentados, mas, de alguma forma, as falas dos entrevistados

configuraram a situação. A representação da situação de comunicação pode estar presente no

momento da pesquisa ou deve ser encontrada através de uma busca histórica. Pode-se

observar que o modo como a situação é representada depende do interesse e da distância de

observação do indivíduo que a representa.

44 Ver Goffmann, Forms of talk In: GOFFMAN, Frame Analysis, 1986.

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No caso de uma grande proximidade, na qual o interesse na cena seja a própria

sobrevivência do indivíduo, este pode estar tão imerso na teatralidade do evento que é

absorvido por ela. Houve, então, de parte do entrevistador, o propósito de um afastamento

através do qual pudessem ser analisadas as faces que se apresentaram e a situação que

conformou os elementos dramáticos das entrevistas.

Em cada conjunto, selecionaram-se aspectos tratados pelos agentes. O modo como

esses aspectos comparecem nas interações formatou o texto para análise, como uma

montagem composta pelos fragmentos recolhidos em cada grupo de falas. Essa composição

permitiu, através de superposições e contrastes, perceber os quadros das situações analisadas.

3.1 Falas marcadas

As falas institucionais são consideradas marcadas porque todas contêm, em maior ou

menor grau, uma relação direta com um campo social fortemente estruturado, seja por razões

de conhecimento técnico-científico, ideológicas, político-partidárias ou econômicas. Todas

carregam “marcas”45 culturais desses campos que se manifestam na materialidade da fala.

Segundo o arcabouço teórico que inspirou e orientou a pesquisa de campo neste

segmento, pude observar que todos os entrevistados possuem o que Goffman46 trata por

“caráter” e sobretudo o “caráter forte”, ou seja, qualidades dos indivíduos que se manifestam

45 O termo é utilizado no sentido dado por Verón, para quem as regras que compõem as “gramáticas de produção e reconhecimento” descrevem operações (relações entre as condições de produção ou de reconhecimento) que se reconstroem através de “marcas” que são propriedades significantes das matérias (1996, p.129). 46 Goffman define caráter da seguinte forma: “On the one hand, it refers to what is essencial and unchanging about the individuals. On the other, it refers to attributes that can be generated and destroyed during fateful moments. (…) Thus a paradox. Character is both unchanging and changeable. And yet that is how we conceive of it.” (1982, p.238).

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quando, usando uma expressão do autor, “os dados são jogados”47, que lhes permite, acima de

tudo, avaliar objetivamente as chances de sucesso de uma situação-limite, para que suas ações

sejam devidamente calculadas. Nesse caso, considerando-se as qualidades dos atores, é de se

esperar uma atuação em busca de soluções que possam contemplar adequadamente os

interesses e conflitos em jogo em um projeto social mais amplo.

Cada um dos atores procede em sua ação segundo motivações próprias, que são ora

individuais ora atribuídas a um campo que pode ser de estudos (formação técnica, estética ou

filosófica) ou de interesse (mercadológico ou político). As afirmações colhidas nas entrevistas

em profundidade acerca do fenômeno da poluição visual são ambivalentes, contraditórias, e a

coerência do argumento de cada uma se faz sobre construções idiossincráticas que dependem

da formação e da posição de cada ator no meio social. No entanto, como veremos, podem

existir fatores de ordem econômica ou identitária que coloquem os indivíduos em um mesmo

campo.

Nas entrevistas com falas marcadas, o que é contado é a dramatização da interação

entre figuras das narrativas e o fenômeno. Cada narrativa é constituída por enquadres que

definem os modos de aproximação de cada indivíduo ao problema.

3.2 Falas não-marcadas

As falas não-marcadas, ao contrário das anteriores, não contêm uma relação direta

com um campo social fortemente estruturado. Correspondem a opiniões com base no senso

comum, e os modos com que cada entrevistado ou grupo de entrevistados interage com os

47 Para Goffman, “The quick consciouness of what his principles are costing him at the moment may cause his wonted decency to falter, and in the heat and haste of the moment, naked self-interest may obstrude. Or, conterwise, the sudden high cost of correct behavior may serve only to confirm his principledness.” Mais adiante, o autor agrega: “Evidence of marked capacity to maintain full self control when the chips are down-whether exert in regard to moral temptation or task performance – is sign of a strong character” (1982, p.216-217).

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compósitos referem-se às suas vivências e usos dos espaços da cidade. Foram ouvidos os

seguintes agentes:

- falas de agentes que circulam pela BR-116, no trecho entre Porto Alegre e Canoas.

Para ouvir pessoas que circulam pela BR-116, acompanhou-se o trajeto dos

passageiros de uma van que transporta professores e alunos para as universidades

de Canoas e para a UNISINOS. Foram ouvidos passageiros durante duas viagens e

a cada uma correspondeu um motorista. Os motoristas foram ouvidos de forma

particular, com perguntas específicas a cada um. Nesse caso, apesar de não haver

compartilhamento de opiniões entre os participantes, como no caso dos grupos

focais, os passageiros ouviram o que era perguntado a cada um dos seus

acompanhantes e, quando chegava a vez de cada um ser ouvido, já havia tempo

para elaboração da resposta;

- falas de agentes que circulam pelo espaço da cidade. O critério para escolha dos

entrevistados foi ouvir pessoas que, por profissão ou necessidade, circulam

constantemente no meio urbano. Os entrevistados fazem parte de um universo de

profissionais que gira em torno da vida de consumidores e suas profissões são

produtos desse modo de vida;

- falas recolhidas em grupos focais. Nesses casos, embora os roteiros fossem os

mesmos, a conversa com cada grupo desenrolou-se de maneira diferente, pela

sinergia que ocorreu entre os participantes durante a conversa. As questões básicas

eram colocadas, e a conversação ficava livre até que o assunto fugisse do foco

principal e fosse retomado pelo entrevistador;

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- enquete. A enquete foi feita de forma rápida, no portão de acesso da UNISINOS,

em horários de entrada dos estudantes e funcionários na Universidade. As respostas

foram quase sempre sim ou não.

4 AS INTERAÇÕES

Para organizar o exame das interações entre os diversos agentes entrevistados pela

pesquisa e os elementos da Comunicação Visual Urbana, observou-se, nas falas dos

entrevistados, que as interações de um mesmo agente podem diferir conforme a situação da

interação ou mesmo se alterar, durante os vários momentos da fala. Pode-se notar que as

alterações se processam conforme o agente ou grupo de agentes relaciona os objetos da CVU

com fatos da cultura e da sociedade, bem como com as necessidades de cada indivíduo. As

classificações por tipo de interação servem, portanto, a uma organização geral, mas não

correspondem a uma estratificação, uma vez que os objetos ora são tomados como

representações de algo que lhes é externo, como o sistema publicitário ou o sistema

capitalista, e, nesse caso, sugerem um tipo de interação; ora são tomados como objetos de

simples uso ou informação e, nesse caso, a interação ocorre de forma menos abstrata. Através

das falas, foi possível detectar algumas dessas relações e conflitos que fazem parte da análise.

4.1 A localização das interações

As interações podem ocorrer na mesma cidade ou na mesma região geográfica do

entrevistado (que, neste caso, é a região metropolitana da Grande Porto Alegre). As interações

podem ser observadas em presença dos agentes com os CI ou em não-presença. Da mesma

forma, há interações que podem ser observadas por registros impressos, nas quais o agente

não foi entrevistado, mas sua participação nos processos pode ser observada através desses

registros.

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A localização da interação, além de ser geográfica, também depende dos espaços de

relações48 ou espaços de sociabilidade nos quais ela ocorre. São espaços que podem ser o

meio profissional, a escola ou mesmo os espaços dos meios de comunicação que os agentes

costumam freqüentar. Esses espaços se inserem no espaço geográfico e alteram as relações

sociais que neles ocorrem.

As posições dos agentes adquirem valor ou poder nesses espaços, em cenários que se

organizam como resultado das interações entre agentes e entre agentes e seu meio. Em tais

espaços, pode-se criar um cenário que é principalmente administrativo, político, profissional,

econômico ou pode-se criar uma situação midiática que sensibilize a opinião pública.

4.2 Tipos de interações observados

Se o termo interlocutor ou agente social for generalizado para toda a população em

contato com os compósitos, o fato de termos diferentes agentes, em diferentes posições no

quadro social, ocasiona tipos diferentes de interação entre os agentes e os CI, bem como entre

os sistemas envolvidos na sua produção e leitura.

As interações observadas variam: a) conforme o tipo de uso que os agentes (passantes)

fazem dos elementos expostos nos CI; ou b) conforme os interesses envolvidos na sua

produção e controle. Isso não impede o fato de que um agente que se encontra em uma

posição institucionalizada utilize sua experiência de cidadão comum nas suas interações com

os elementos do compósito e, também, que um agente que se encontre em uma posição não

institucionalizada compareça a assembléias que discutem questões institucionalizadas.

a) Conforme o tipo de uso dos passantes, destacam-se: 1) uso para obter informações

sobre um produto ou serviço; 2) uso para orientação de deslocamentos; ou 3) uso para

48 A noção de espaços de relação relaciona-se aos espaços sociais tratados por Bourdieu (1989), ampliando o espaço geográfico para aquele da circulação dos bens culturais.

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formação de juízo estético ou mesmo ético. As falas que refletem essas interações não são

marcadas por interesses institucionais ou profissionais e são detalhadas da seguinte forma:

- interações entre mensagens e agentes nas quais são considerados aspectos

publicitários da mídia ou aspectos expressivos. É o caso dos cartazes e peças

publicitárias que têm por objetivo a publicização ou a venda de produtos e serviços.

Nesses casos, podem ocorrer situações de comunicação diversas que dependem do

interesse ou necessidade dos receptores − os elementos podem apenas chamar a

atenção ou cumprir uma função informativa. É importante frisar que mesmo os

meios mais avançados de medida de recepção dessas mensagens não conseguem

atingir a real dimensão do processo, uma vez que o fato de uma mensagem estar

presente em um local e chamar a atenção ou ser vista por um número (que pode ser

dimensionado) de cidadãos com hábitos que também podem ser especificados pelas

pesquisas não significa que a interação ocorre no sentido em que o produtor da

mensagem espera. No entanto, sempre há que considerar a presença dos elementos

no ambiente urbano que, conforme as necessidades ou interesses dos transeuntes,

são mais ou menos percebidos;

- interações em que os elementos da comunicação visual urbana atendem a aspectos

de orientação, utilizando elementos de sinalização, seja essa sinalização viária ou

de identificação de logradouro, praça ou mesmo sinalização de local de venda ou

prestação de serviços. Nesses casos, o agente é orientado, no seu deslocamento na

cidade, pela informação;

- interações que provocam juízo estético do agente para com os elementos expostos,

sejam eles produzidos pela indústria publicitária, por grafiteiros ou, ainda, por

pichadores;

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- interações que despertam aspectos éticos na consciência social dos agentes.

b) As interações que ocorrem conforme os interesses envolvidos na produção e

controle dos CI são produzidas por agentes sociais organizados49 cujas falas são marcadas por

sua inserção na instituição. A presença dos CI no ambiente urbano mobiliza agentes sociais

que se engajam em negociações pelo uso do espaço como num jogo, no qual as posições são

marcadas, mas os jogadores negociam as regras do resultado final a partir de suas posições.

Ao considerar-se as negociações de agentes engajados em uma ou outra posição, pode-se

deparar com a situação na qual o agente traz para sua interação posições opostas que se

contaminam entre si. Ou ainda, um agente pode ocupar, simultaneamente, mais de uma

posição. Por exemplo, no caso de um legislador, que pode também agir por motivos político-

partidários, ou de um administrador que tenha interesse em comercializar espaços para

viabilizar a economia do município.

As negociações e o comprometimento dos agentes com os campos em atuação nas

negociações podem determinar a forma que a ocupação do espaço visual urbano adquire. As

interações entre os CI e esses agentes podem ocorrer por interesse: 1) político; 2)

administrativo; 3) técnico profissional; 4) legal; 5) comercial; e 6) artístico/expressivo.

1) A interação por interesse político ocorre quando o agente organiza sua interação em

função de um comprometimento com um grupo ou idéia.

2) A interação por interesse administrativo ocorre quando o agente controlador dos

processos de desenvolvimento dos CI negocia o uso do espaço visual urbano com

objetivos administrativos e de gestão.

49 Consideram-se aqui as organizações não-clandestinas, ou seja, não é estudada a organização de grupos de pichadores porque diz respeito à pesquisa específica dedicada às ações desses grupos. Ver Pedro Russi Duarte. As pichações: paredes que falam. In: Cadernos de Comunicação, v. 10, São Leopoldo: PPG em Ciências da Comunicação, UNISINOS, 2002.

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3) A interação por interesse técnico-profissional tem por base a formação técnica do

agente de controle e as crenças investidas nessa formação.

4) A interação por interesse legal diz respeito às ações dos agentes para elaboração e

implantação de normas que estabelecem o uso dos espaços visuais públicos.

5) A interação por interesse comercial ocorre quando os agentes envolvidos organizam

suas ações, visando ampliar o mercado da exploração do espaço visual público.

6) A interação por interesse artístico se dá quando os produtores de manifestações

visuais em espaços públicos são organizados de forma reconhecida pelos agentes

controladores e produzem suas manifestações com uma finalidade

estético/expressiva.

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CAPÍTULO IV: A ORGANIZAÇÃO E ANÁLISE DAS FALAS

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Ao organizar as falas para observação, foram considerados grupos de agentes

entrevistados. Em cada grupo, destacaram-se aspectos da conversa que são comentados, para

posterior procedimentos de análise.

No primeiro grupo, dos agentes com falas marcadas, as entrevistas foram realizadas

em profundidade. O fato de abrangerem vários assuntos relacionados com os compósitos fez

com que os comentários fossem divididos em itens. Em cada fala, destacaram-se aspectos

indicadores das posições dos agentes no processo de ocupação do espaço visual público, que

foram relacionados ora à posição do agente no grupo como representante institucional, ora a

manifestações particulares que poderiam alterar sua posição.

No segundo grupo, dos agentes de falas não-marcadas, os dados foram obtidos de

forma menos estruturada, a fim de compreender e analisar várias possibilidades de interação.

1 FALAS MARCADAS

As respostas dos entrevistados deste segmento se desenvolvem ora apoiadas sobre

modos de ver ligados a fatores ideológicos, conformando uma responsabilidade social, ora se

deslocam para o engajamento em jogos agonísticos50, ou mesmo podem ser referidas a um

50 Para uma maior compreensão das teorias dos jogos, ver Huzinga (1971) e Caillois (1967).

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imaginário próximo ao literário. Pode-se dizer que o entrevistador torna-se a “audiência” e

que o entrevistado passa a falar não a ele mas para ele51 (Goffman, 1986, p.540).

Foi constatado em algumas entrevistas o que Goffman chama de “teatralização”52. Por

exemplo, quando os legisladores, vereadores da Câmara Municipal, na condição de políticos,

buscam estratégias para que sua face possa estar em sintonia com a sua imagem pública. A

teatralização ocorre quando o político cria sua face segundo a aprovação do segmento que

procura representar, construindo seus argumentos segundo as lógicas para aprovação de

conduta praticadas por esse segmento. Voltando ao exemplo, na ação dos legisladores,

vereadores da Câmara Municipal, pode haver constrangimentos de ordem política que atuem

sobre a linha de conduta dos atores e que os coloquem diante de mais de uma linha de conduta

segundo a situação política do momento, fazendo-os atuar com mais de uma face. Os gestores

do espaço público organizam a manifestação das suas interações através da figura pública que

assumem nos seus cargos, e os empresários utilizam como face a representatividade de um

setor produtivo. Todas essas faces correspondem a lugares definidos na sociedade e, embora

possa haver o argumento de que se trata de uma fala marcada por esse lugar, ela é a fala de

um sujeito único e traz para esse lugar a carga subjetiva do ator.

Para Goffman, os indivíduos tendem a utilizar uma linha de conduta ao exteriorizar

seus atos e para se comportar diante de uma situação, seja essa linha intencional ou não. Ele

designa por face aquele valor social positivo reivindicado por uma pessoa através de sua linha

de conduta quando esta é vista pelos outros. A “face” é uma imagem de si mesmo que é

delineada em termos de atributos de aprovação social compartilhada pelos outros. A “linha de

51 No original “not to them but for them”. 52 “Stage play”, para Goffman.

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conduta” de uma pessoa diante de outras é de natureza legítima e institucionalizada (1982,

p.5-6).

1.1 Aspectos das falas dos responsáveis pelo processo de normatização do espaço

visual público de Porto Alegre

Nas entrevistas ao primeiro grupo (responsável pela normatização do espaço visual

público de Porto Alegre), balizaram ou foram destacadas questões que estavam diretamente

ligadas: 1.1.1 Ao fenômeno da poluição visual; 1.1.2 À publicidade; 1.1.3 À Lei 8.279, de

20/01/99, que disciplina o uso do mobiliário urbano e veículos publicitários no município de

Porto Alegre; 1.1.4 Aos constrangimentos econômicos; e 1.1.5 Às relações de mercado.

Os três primeiros tópicos: o fenômeno da “poluição visual”; a publicidade; e a Lei,

direta e claramente ligados ao problema de pesquisa, foram incluídos nas entrevistas em

forma de questões, relacionadas ao conhecimento prévio da pesquisadora pelos seguintes

fatores: a) por sua vivência, como profissional desse mercado, que lhe forneceu quais seriam

as marcas mais previsíveis das falas; b) pela participação nas reuniões de grupos de discussão

e por consultas à documentação oficial.

As questões abordadas foram consideradas relevantes porque pautam as interações dos

atores com os CI, e essas interações alteram a forma que os mesmos adquirem na cena urbana.

As demais questões: os constrangimentos econômicos e as relações de mercado da

publicidade ao ar livre, surgiram nas entrevistas quando o entrevistador, à medida que

conversava com os entrevistados, encontrava oportunidades de organizar pautas recorrentes

nas falas. Embora cada entrevista tenha sido feita de forma individual, isto é, apenas com a

participação do agente e do entrevistado, elas foram relacionadas entre si por meio de cada

questão considerada relevante. Essas questões são detalhadas no próximo item, que apresenta

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a fala do entrevistado com comentários sobre algumas posições marcadas e, eventualmente,

indicações de pessoalidade que departem do institucional.

Para facilitar a leitura dos comentários das entrevistas, foi elaborado o quadro abaixo,

com a função dos entrevistados no período da pesquisa correspondendo a uma letra.

Entrevistados - representantes de instituições

Item entrevistado Função no processo

1 A

2 B

Vereadores da Câmara de Porto Alegre

3 C

4 D

Funcionários da SMAM de Porto Alegre

5 F

6 G

7 H

Empresários de empresas locadoras que atuam como representantes de classe

1.1.1 O fenômeno da “poluição visual”

Questionados sobre a poluição visual, os entrevistados do Quadro I interagem com o

problema de modos diversos e nem sempre expressam essa interação de forma clara ou

coerente com sua posição no quadro social. No entanto, é importante frisar, todos

demonstraram interesse social no problema. O primeiro entrevistado coloca em sua resposta

seu conhecimento técnico na área da comunicação utilizando o termo “entropia” para definir o

que chama de “campo da poluição visual”.

Sempre que você tem um conjunto de informações desorganizado e que, por conseqüência, acaba sendo um excesso, ele provoca aquilo que nós chamamos de entropia. A partir daí, você está no campo da poluição visual. ( A.)

Os entrevistados tendem a corresponder às faces públicas que projetam. Na próxima

resposta, (B) explicita suas idéias políticas e a sua estética do belo, para organizar uma postura

perante a questão.

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O mundo joga as pessoas nessa selva do capital, da bolsa de valores, da estatística, da inflação... a maioria das pessoas vive, inconscientemente, sofrendo o efeito perverso dessas políticas e esse efeito ocorre no visual urbano. No espaço visual das pessoas, ele ocorre de forma bastante agressiva, quer nas áreas tomadas pelo comércio onde há uma disputa de quem tapa mais a fachada do seu prédio para botar o maior nome possível.

...Então eu quero te dizer que todas essas coisas deixam feia a cidade, porque o homem procura o belo e o belo se dá através da harmonia entre forma e função. Tinha um professor meu que dizia que a visão pura, limpa de uma coisa, é que é arte. (B)

Dentro de um enfoque mais amplo, (C) extrapola sua visão de poluição para outros

espaços da convivência humana.

Esse termo foi uma boa invenção porque ele descreve um problema. Problema que é o caos visual que ocorre quando existe comunicação visual deficiente, excessiva, de má qualidade, mal-colocada ou que esteja interferindo em valores paisagísticos maiores. Eu acho que, de fato, poderíamos discutir até onde nós vamos considerar a poluição visual. Poderíamos dizer que permitir a construção de malocas sobre os edifícios e chamar de coberturas é poluição visual, pois altera as linhas arquitetônicas de um prédio. Mas, para tudo o que formos fazer, precisamos encontrar o limite da nossa atuação. E a nossa atuação é em relação à poluição visual causada pela comunicação. Então vamos restringir a nossa poluição visual para aquela gerada pelo excesso de comunicação. (C)

Há entrevistados que acham razoável que existam interpretações diversas ao se aplicar

o conceito de “poluição visual”, conforme o local em que o fenômeno é encontrado. Para eles,

é como se esses locais, onde a poluição é aceitável e até desejável, definissem uma situação

particular do problema não aplicável ao caso de Porto Alegre.

....há cidades, por exemplo Las Vegas, que eu não imagino sem aquele frenesi. Tu vais lá para jogar, estás em outra situação.” (D)

Qual é a imagem de referência que você tem de Nova York? É Times Square. (A)

***

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Aqui se pode introduzir mais um dos conceitos de Goffman, que é o de chave ou

clave53. O autor descreve, por exemplo, como a representação de determinados atos em

espaços particulares (em casa, no teatro ou no cinema) são aceitos e em outros não. Goffman

apresenta um estudo de Clor54 que trata a obscenidade como o fazer público daquilo que é

privado. Para esse autor, a obscenidade consiste numa intrusão aos atos e processos físicos

íntimos da existência humana. Ele diz que, assim como é obscena a visão do sexo, deve ser

também a visão da morte, da solidão e de fatos tais como comer ou defecar. Em tal sentido,

as obscenidades são tão presentes nos contextos humanos que se perdem ou são depreciadas.

O autor faz uma conexão entre duas definições preliminares de obscenidade: quando a

intimidade da vida é exposta às vistas públicas e aí o seu valor pode ser depreciado ou as

intimidades são expostas às vistas públicas com a intenção de depreciar o público e os

homens. A questão da obscenidade é aí vista por Goffman como um limite do enquadre, “o

contexto”, que trata como uma das chaves de interpretação. Nele é preciso definir qual é o

“foco” de atenção ao objeto exposto. Histórias podem conter e expor de forma muito próxima

o amor, a fome ou a tortura como parte da vida humana mas esses detalhes não podem ser

dispostos de forma isolada, como matéria de interesse que possa ser examinada de perto

(1986, p.56).

***

Ora, a publicidade tem comparecido aos jornais, à televisão, às revistas e é como se

nesses materiais ela estivesse restrita a um ambiente privado, que o indivíduo pode ou não

53 Goffman utiliza o conceito de “key”, aproximadamente como uma chave ou clave musical. No capítulo Keys and keying do livro Frame analysis, o autor liga experiências pessoais e de cunho social, como, por exemplo, o assassinato do presidente Kennedy, aos scripts dramáticos de uma sociedade − os filmes e o teatro. Nesse capítulo, há vários exemplos de como (Goffman nos remete até à Grécia e ao Império Romano) os materiais culturais sociais servem de “maquetes em escala natural” (mock-ups) dos fazeres sociais (1996, p.53). 54 CLOR, Harry M. Obscenity and public morality. Chicago: University of Chicago Press, 1970. In: Goffman, 1986, p.225.

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freqüentar. Segundo esse ponto de vista, ou ao modo goffmaniano, utilizando-se essa clave,

pode-se pensar que é obscena e vexatória a atual situação de visibilidade urbana dos

subprodutos publicitários das mercadorias de consumo. Compreendem-se então descrições de

“agressão” daqueles que se sentem por elas afetados nos espaços comuns. A ela devem ser

reservados “espaços especiais” como Vegas, Times Square, Piccadilly Circus, etc. Mais

adiante, nas falas não-marcadas, pode-se pensar que, quando o mesmo termo “agressão” é

colocado, o agente constata sua situação de vulnerabilidade, que pode ser conseqüência de

uma não-participação em assuntos comunitários.

Tanto quanto a localização, a configuração do conjunto de comunicação visual

também é discutida:

Numa cidade como Porto Alegre, todos os bairros têm residências, a própria Azenha... Tu vês o seguinte: a região do Moinhos de Vento é uma das regiões que está se reconfigurando de forma mais rápida na cidade. Era um lugar de mansões, de casas, residências, prédios baixos, que agora está se verticalizando e está virando um eixo noturno da cidade. Então tu vês, a cidade muda. A perimetral também vai acelerar isso. Vai aquecer a movimentação imobiliária em bairros como a Glória e o Partenon. Se isso já causa um certo desconforto, imagina então aquela pessoa que tem um outdoor na frente da sua casa, que muda de configuração a cada quinze dias. Se isso for tão intenso em algumas áreas da cidade, estaremos condenando o cidadão que mora ali a não ter sossego. Então eu prefiro algo meio parelho na cidade, que não seja agressivo para ninguém e que permita a exploração da publicidade. Mas algumas empresas têm uma idéia predadora. Querem ganhar muito, em espaços muito curtos de tempo...”

(D)

Nessa resposta, há uma definição do que seja a poluição “aceitável” ou aquela

“inaceitável”, uma tolerância com limites estabelecidos, uma forma de poluição “desejável”

para a cidade. Abaixo, um empresário contrapõe lógicas que se excluem.

Bom, poluição visual é muito parecido com o vizinho ecológico. O vizinho ecológico que mora aqui no bairro e tem uma árvore no terreno dele. Há uma árvore no terreno do vizinho ao lado. Se ele quiser construir no terreno dele, ele corta a árvore, cheio de razão. Mas, se o vizinho do lado quiser cortar a árvore, ele faz um piquete, chama todos os ecologistas de Porto Alegre, pois estão derrubando a árvore com tantos passarinhos bonitos. Então, a gente tem que ter também nisso um equilíbrio. Onde é que

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eu vejo esse equilíbrio? Nós, quando fizemos a legislação, estabelecemos um máximo de tamanho, estabelecemos um distanciamento entre painéis, não foi a Prefeitura. (E)

Nota-se na fala uma superposição de enquadres. Para o entrevistado, é a situação do

interessado que define se a publicidade urbana é desejável ou não. Pode-se inferir que a fonte

refere-se à relação existente entre os entrevistados que, nesse caso, são os interessados. Sua

maneira de ver essa relação particulariza interesses. O pronome “nós” refere-se à entidade

empresarial, representada junto aos legisladores, que se responsabiliza pela ação, assumindo

que muitas das ações são lideradas pela entidade.

Em outra resposta, a descrição do que é entendido por poluição, de um modo formal,

pode se referir à quantidade ou a ordenação de elementos.

Queres ver um exemplo prático? Olha essa mesa, está tudo desordenado. Agora, olha aquela prateleira, tem muito mais coisas só que estão ordenadas. Então não é a quantidade que traz a poluição visual, é o ordenamento das coisas. Então, é só se criar um ordenamento na legislação: para uma área X todo mundo tem o direito de ocupar X%, e ponto final, e vamos trabalhar dentro disso. (G)

Aqui a fonte reconhece a necessidade de ordenamento, discordando de que poluição

visual seja obra do excesso, mas sim da desordem. Essa compreensão do fenômeno ocorre de

forma diferente da resposta transcrita abaixo e que contém critérios adotados pela fonte para a

definição do que seja a poluição visual do ponto de vista formal.

É exagero. Por exemplo, Nilo Peçanha: a poluição visual é um exagero. É falta de critério. Por exemplo, na Free Way, o leito da estrada tem 100m de largura, e o painel é o mesmo estabelecido para uma rua de 7m. Isso é falta de critério. Tem que haver proporcionalidade. O Shopping Iguatemi, que tem uma regra própria, estabelece 30% de fachada para uso com identificação, é um critério inteligente. Se eu tenho uma âncora, com uma grande fachada, eu preciso de um espaço maior. (F)

Determinados critérios são defendidos como parte da negociação para obtenção de

maior disponibilidade de espaço − estratégias de negociação que podem dar novos contornos

ao visual da cidade. Os critérios podem mudar segundo ocasião na qual ocorrem as

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negociações. Há divergências também em definir quais são os materiais “poluentes”. Para

uns, a organização dos espaços publicitários e a inexistência de outros elementos de

comunicação poderiam até embelezar o ambiente urbano. Para outros, a presença de pequenos

anunciantes é democraticamente aceitável. Observe-se uma das declarações:

Porque o outdoor é publicidade limpa. Eu digo isso se eu comparar faixinhas, plaquinhas, essas coisas que tu tens, poluindo a cidade inteira. (A)

E outra declaração no mesmo tom:

Se nós temos a Nilo Peçanha que, aqui, é uma zona poluída. Se nós temos uma distância entre painéis de oitenta metros, não poderia haver poluição. O que acontece realmente? É que aqui tem setenta e tantas porcariazinhas... Nós fizemos uma experiência. Colocamos uma foto da Nilo, que é um horror, no computador, e retiramos tudo o que estava lá. Só deixamos os painéis das empresas. Ficou uma beleza! (E)

Há quem entenda que outras manifestações, que não a publicitária, podem ser

regradas:

Eu entendo que a imagem da cidade deve ser de propriedade dos seus cidadãos. Eu acho que a imagem da cidade não deve ser controlada de forma volúvel por interesses de mercado. Mas, independente disso, acho que é importante que haja uma sinalização e uma comunicação de boa qualidade. O que vemos é uma comunicação apropriada ou monopolizada por grupos econômicos fortes, em detrimento de uma comunicação que poderia ser talvez até mais suja, mas mais democrática, de grupos menores. A nossa lei, por exemplo, não permite a colocação de cartazes pequenos de papel, que até geram uma poluição visual, entre aspas, maior, são mais ‘feinhos’ às vezes. Depende, depende dos lugares onde estão colocados. Porém são uma forma mais espontânea e mais democrática de manifestação do que um grande painel luminoso que é caro de produzir, caro de comprar ou alugar e que só vai dar acesso à comunicação de grandes empresas. É uma comunicação monopolizada e que tem grande impacto sobre a cidade. (C)

Outros vêem a comunicação visual dos pequenos anunciantes como atividades

alternativas, não regráveis a não ser por um processo de auto-regulação:

Acho que faltam na cidade locais para esse tipo de propaganda mais cultural, bandas etc. Mas eu acho que esses cartazetes do tipo “consertam-se gaitas”, o município jamais vai poder regular. Eles, por definição, são algo à margem. O cidadão, grupo organizado ou indivíduo que faz isso não coloca coisas em locais autorizados. Faz parte da sua relação a “não-

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regra”. É exatamente o inusitado e a colocação em lugares impróprios que acabam por chamar a atenção. Eu acho que essa é a coisa que está à margem, como muitas atividades. E até umas são mais ou menos permitidas. A Prefeitura tem feito programas com garotos de Hip Hop e faz uma pintura em muros. Mas o cara que pichava vai continuar pichando, exceto se ele mudar sua relação com a cidade. Então eu tenho a impressão de que essa manifestação é não-regulável. Mas eu acho que é uma relação da cidade com isso. Acho que, se houver uma indignação muito grande da cidade, ela pode, como sociedade, agir em relação a isso. É um processo de auto-regulação da sociedade. A sujeira como a limpeza tem um efeito multiplicador. (D)

Com exceção de um dos técnicos da SMAM, para os entrevistados, aquilo que não é

canônico, não é publicidade ou comunicação visual urbana institucionalizada é considerado

poluente. No entanto, na área do design gráfico, há correntes que admitem uma função

estética para esses materiais. Para André Villas Boas (1998), a produção de objetos “não

canônicos” esteve articulada com os momentos de transgressão da modernidade mas, hoje, no

design gráfico, assume uma nova lógica afirmativa, criadora e não necessariamente

transgressora (1998, p.128). Tais conceitos, se transpostos aos materiais que se encontram no

ambiente urbano, podem dar uma nova dimensão à leitura estética desses produtos.

1.1.2 A publicidade

Mesmo sendo uma tecnologia incorporada pelo homem atual, a presença da

publicidade na sociedade continua a envolver interações conflitantes. Para alguns teóricos,

como Baudrillard, é a expressão da sedução e do consumo na sociedade pós-moderna. O

exercício desse poder na sociedade é discutido pelos teóricos que se opõem a essas críticas,

com base nos estudos culturais. Consideram a grande parcela dos não-consumidores e refutam

o alcance da publicidade. Limitam esse alcance a uma parcela pequena da população que é o

público-alvo dos anúncios55.

55 Ver Canclini, 2001.

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No que diz respeito aos discursos oficiais, estes reconhecem a publicidade como

atividade econômica legítima que necessita ser regulada. O problema surge quando se

estabelece uma regulamentação. Uma das fontes declarou:

A publicidade faz parte da nossa vida, eu não morro de amores, mas faz parte do jogo...

Essa expressão contradiz em parte outra afirmação da mesma fonte:

Eu sou absolutamente a favor de outdoors. (A)

Os conflitos, para além das questões de gosto, surgem entre aqueles que propõem

normas (Lei) para o uso do espaço urbano pelos mídia e os que administram esse uso, entre os

que exploram a atividade econômica, entre os produtores e designers e mesmo entre a

comunidade em geral, que pouco comparece ao debate. No entanto, parece haver um pacto

social de que todos devem usufruir de benefícios oriundos de negociações entre as partes

envolvidas ou, para usarmos um termo de Goffman, “o montante das apostas”56.

Em relação à publicidade, um técnico do Meio Ambiente do Município faz a seguinte

declaração, expressando que, no nível institucional, reconhece a legitimidade da atividade

publicitária:

A Prefeitura sempre se preocupou em ter normas que regulassem essa atividade econômica na cidade, que partissem de conceitos elementares, isto é, legitimidade da atividade econômica mas também a necessidade de estar articulada com o plano de organização da cidade e bem-estar da comunidade, que entenda a paisagem urbana como patrimônio da comunidade que não pode ser apropriado por ninguém especialmente. (D)

Ele entende assim a inserção da publicidade na sociedade atual:

Eu não sou contra a publicidade ao ar livre. Sou contra a que ela se sobreponha aos demais interesses da cidade e se imponha desequilibrando esses interesses. Eu não imagino, hoje, uma cidade contemporânea sem nenhum tipo de publicidade. (Idem)

56 Para o autor, devemos interessar-nos pela variação da importância que diferentes pessoas, ou mesmo indivíduos, em diversos momentos e em diversas situações, se lançam numa aposta ou prêmio. Deve-se falar do valor subjetivo ou utilidade deste lance ou deste prêmio (1982, p.156).

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Esclarecendo a necessidade de regulamentar a atividade em relação às questões

urbanas, ele também oferece um histórico da Lei e de suas implicações que coincide com o

dos outros entrevistados:

...A partir dessas premissas, a Câmara de Vereadores... porque essa é uma questão polêmica com interesses díspares. A Câmara tem uma lei, já tinha uma lei do Vereador Antônio Hohlfeldt, que era um avanço em relação ao que tinha, mas que, ao passar do tempo, se mostrou muito genérica, que, dependendo da interpretação, poderia ser aplicada de forma tanto restritiva quanto permissiva. Então ela efetivamente se mostrou inadequada para a gestão dessa área. Por isso, foi gerada uma nova lei que levou cerca de oito anos para ser aprovada, de autoria do vereador Clóvis Ilgenfritz, que foi votada com três dezenas de emendas. (D)

Um dos vereadores evidenciou a convicção no poder da propaganda política através de

outdoors e o fato de haver declinado desse recurso por razões de foro político e pessoal.

Expressa, assim, sua identidade política, sua face, centrada no coletivo: um administrador

com tendências comunitárias e que se encontra confrontado ao mercado atual da publicidade

em seus objetivos de vida.

Na opinião dos técnicos do meio ambiente, houve uma discussão ampla da lei através

dos representantes da sociedade:

Isso significa que ela passou por uma série de acordos políticos e foi votada por quase a unanimidade de vereadores, foi um longo processo de discussão. Naturalmente, então, ela representa o acordo possível. A própria lei, ao ser votada, previa um prazo de dezoito meses para a sua aplicação. Começamos então a mapear as situações existentes que estivessem irregulares e, uns três meses antes de concluir o prazo de dezoito meses, avisávamos que o prazo se esgotaria e que a lei deveria ser cumprida. Mas já esperávamos que seria um período de conflitos porque entendíamos que a lei deveria ser cumprida rigorosamente. Porque nós entendemos que Porto Alegre precisa da lei, apesar de não ter uma situação de poluição visual tão grande como outras metrópoles. Mas estamos longe de dizer que a situação está sob controle. Entendíamos que essa lei, com todas as suas debilidades e lacunas, poderia ser um bom instrumento de organização. (D)

Todos os entrevistados deste segmento concordam que a publicidade urbana deve ser

regulamentada. As diferenças surgem quando se fala que houve um amplo debate sobre as

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normas contidas na lei municipal e que os acordos têm sido consensuais. Ao dizer que a Lei

foi amplamente debatida, o funcionário coloca um enquadre para sua atuação, tendo em vista

sanções aplicadas que geraram conflito entre empresários e definiram a formação de lobbies

para a alteração da Lei na Câmara de Vereadores.

A providência da SMAM foi notificar os empresários do setor que colocaram

equipamentos em desacordo com a lei aprovada e autuar aqueles que não cumpriram as

normas. Isso foi feito com base em legislação ambiental existente, responsabilizando as

empresas anunciantes como “responsável solidário” da ocupação dos espaços. Na aplicação

dessa lei, houve conflito porque, nas palavras de um funcionário da SMAM:

...com as empresas que exploram publicidade ao ar livre, sem generalizar para todo o segmento no seu conjunto, o processo foi bem mais difícil. Porque a rigor, o que me pareceu, a despeito de informações e outras falas, é que esse setor era reticente a qualquer tipo de controle e regulação que não fosse o da completa liberação − poder colocar cartazes onde e como quer. (D)

Isso é afirmado também por um dos técnico encarregados de examinar os processos

que liberam o uso do espaço visual público:

Eu falo como protagonista de um episódio, nesses últimos dois anos, de uma longa novela. Nos últimos dois anos,uma equipe nova de arquitetos dispostos a trabalhar nesta área entrou aqui na Secretaria e tentou implantar a lei tal como estava escrita. Nos foi dada uma lei para ser lida, decorada e implantada. (...) Tentamos implantá-la apesar de uma certa resistência, inércia que havia em relação à lei. Na verdade, temos documentação nesta equipe que mostra que, desde que surgiram essas empresas de mídia externa, há muito tempo, elas vêm numa constante luta para violar todas as leis e conseguir implantar, na marra, um tipo de comunicação publicitária nesta cidade. (C)

O fato de acreditar que a técnica pode resolver problemas políticos que, a própria fonte

reconhece, são históricos, coloca o ator numa situação-limite que, na ausência de discussões,

só pode ser resolvida através do conflito ou da ficção, pois as variáveis são complexas e

envolvem um tecido social no qual existem práticas de difícil regramento. Note-se a

declaração abaixo:

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As grandes empresas de mídia exterior pretendem manter o seu status quo. Para eles, não importaria muito não ocupar todos os espaços da cidade mas sim manter seu monopólio. Para elas, poderia haver um acordo entre a sociedade no sentido de que se manteriam certos limites. Mas existe a concorrência, o livre mercado. As pequenas empresas começam a ocupar os espaços e há a concorrência pela ocupação dos espaços. Se o Estado não tem poder de disciplina, não consegue impor a lei, o que vale é a lei da quantidade. Há relatos de que havia a prática de uma empresa destruir os outdoors dos outros. Ainda hoje a prática desleal funciona num nível mais sofisticado. Há roubo de clientes entre concorrentes, suborno de funcionários, e ainda funciona assim. Se não houver um disciplinamento quanto à ocupação da paisagem, eles vão agir da mesma forma. Nós temos aqui o exemplo de uma empresa que esperou até a autorização sair e, quando saiu a autorização, embora nós tenhamos sido ágeis, uma empresa concorrente já tinha pago a mais pelo contrato, e eles ficaram sem a autorização, pois a concorrência já tinha corrido na frente. Então, de certa maneira, é compreensível. Um grande empresário já nos disse: “nós somos comerciantes, eu quero obedecer à lei. Mas, da maneira como as coisas são..., se o poder público não for eficiente, nós não vamos poder obedecer à lei também. (C)

1.1.3 A Lei

(A) fornece os aspectos históricos e sociais da evolução do processo de regramento da

comunicação visual urbana:

A legislação que se tinha até então era um decreto municipal, ainda do tempo do Prefeito Villela, que dava certo norteamento, e acho que foi a primeira legislação de Porto Alegre e, provavelmente, de boa parte das capitais brasileiras. O que me preocupava naquele momento é que, na verdade, a SMAM não cumpria coisas que estavam ali postas e, se valendo disso como desculpa, as empresas que trabalhavam na área acabavam também não cumprindo. Então nós tínhamos uma situação muito curiosa de dois tipos de avestruz − cada um botava a cabeça num buraco diferente, nenhum enxergava o que não queria enxergar, e Porto Alegre que se danasse. Em última análise, era essa a situação que se tinha. Porque a Prefeitura desrespeitava aquilo que estava escrito no decreto, dizendo que era ultrapassado, e os empresários, por seu lado, colocavam (os outdoors) e pagavam para ver. A Prefeitura era extremamente deficiente em fiscalização, enfim para fazer os processos até retirar... como o ciclo dos outdoors é de quinze dias, basicamente, eles acabavam cumprindo a sua função. (A)

É também (A)quem fala dos condicionantes iniciais do problema:

Fizemos um substitutivo com uma condição: ninguém podia apresentar nenhuma ementa. Ou seja, aquilo que nós tivéssemos acertado iria para o executivo e valeria. E o pessoal representado, sobretudo, pelo José Dubin

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da Ativa, mas que era da AGEPAL (naquela época, o grupo era menor), aceitou e cumpriu rigidamente. Nós votamos a legislação e, a partir daí, surgiu um trabalho conjunto, Prefeitura, e eu penso sobretudo no gabinete do Prefeito, que toda a veiculação de outdoor da Prefeitura, na verdade compensa essa taxa. Na verdade, eles nunca pagaram a taxa que compensam pela produção dos outdoors que eles fazem. Então daí começou uma boa negociação, e eu imaginei que com isso se iniciaria também uma boa negociação com a SMAM. Mas, infelizmente, isso não foi possível e, na minha avaliação, por vários motivos. Eu diria:

− Um anterior ao PT, era muita corrupção dos fiscais. Falando português bem claro, a gente tinha dezenas de citações por parte das empresas. Então, na verdade, não estavam exercendo legislação nenhuma. Eles estavam querendo é se locupletar. Vamos deixar claro: fiscais concursados, portanto difíceis de você tirar fora, sem fazer todos aqueles procedimentos legais.

− Quando entrou o PT, o que a gente passou a enfrentar foi um outro tipo de situação que era a mania do discurso. Quer dizer, uma postura radical e ideológica...Porque tudo o que se pedia era não, não, não, em nome da defesa do meio ambiente. Só que, na prática, não era isso o que acontecia. Na prática, as empresas acabavam negociando com particulares e colocavam os backlights dentro da cidade de qualquer maneira. Quer dizer, ao final da gestão Olívio Dutra, nós tínhamos tido um crescimento fantástico de backlights, absolutamente sem nenhum controle, sem nenhuma regra. E aí, te confesso, que eu fiquei apavorado, comecei a me dar conta, eu estou toda a hora indo a São Paulo e em São Paulo tem backlights fantásticos.

− Estavam entrando novas peças, novas tecnologias oriundas do oriente.

Bom, então a idéia surgiu: promover um seminário. O pessoal de Porto Alegre, leia-se sobretudo o pessoal da AGEPAL, que reunia aí a ATIVA, a LZ mais uma ou duas tradicionais, a Heliolux, as mais tradicionais da cidade, começou a entrar em pânico. Por quê? Porque as empresas de São Paulo começaram a vir para dentro (do mercado). E aí o jogo era bem mais pesado. Então passou a haver um interesse, teoricamente, de todo o mundo, em a gente parar para sentar e fazer uma negociação. Então daí surgiu a idéia desse seminário. (A)

A cidade conta com um Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano. Esse plano é

aceito e freqüentemente debatido na suas alterações. Para o uso do espaço visual, no entanto,

há dificuldades em estabelecer-se esse debate. Um dos vereadores que desenvolveu o

substituto para a primeira lei, argumenta, com base na história, sua preocupação com o espaço

visual público:

Nos últimos quarenta ou cinqüenta anos, houve uma mudança radical desse comportamento (a urbanização da população), com as pessoas saindo do

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seu local de origem e partindo para a cidade. E nós temos um processo de 80% de urbanização. Nesse processo, as grandes regiões metropolitanas... destacaria que as nove maiores do país acumulam mais de 42% da população. Então eu vejo que as dimensões, os critérios para organização do espaço variam de acordo com a política nacional, que é completamente inconstante, muda a toda hora. No nosso país, nós não temos uma noção clara do que seja nação, estado e governo. Então, a cada governo, muda a idéia de estado e a idéia de nação... e nação não muda, é um povo que projeta uma vida... E dentro disso que estou te falando, isso que parece não ter nada a ver com o teu interesse direto... porque nós temos algumas regras para a organização do espaço, desde as capitanias hereditárias, conforme o tipo de dominação. Desde a divisão das colônias para os imigrantes, que eram bem claras, como era doada a terra para as pessoas que vinham cultivar a uva e o fumo... alemães, italianos e outros. Mas, quanto à organização do espaço, rebatendo isso numa cidade como Porto Alegre, que tem uma tradição de planejamento desde 1913, com Planos Diretores que organizam a ocupação do solo e o tipo de edificação. Cada plano que tem sido feito em Porto Alegre tem sido mais complexo e abrangente. O penúltimo que foi aprovado tinha um da década de 50 e que depois foi mudado pelo plano que é a Lei 43 de 1979, que estabelecia a organização do espaço físico para ocupação e edificação. Mas nunca teve uma preocupação com o espaço aéreo, o espaço visual. (B)

Conforme a sua visão de história, o ator terá um comportamento frente a uma

concepção de Estado e de Nação. Há o paradigma no qual as regras parecem fixas e para o

qual determinados comportamentos e regulamentos funcionam.57 Ao reportar-se às Capitanias

Hereditárias e acreditar que “...nação não muda, é um povo que projeta uma vida...”, o

planejador fica atônito diante da complexidade das mudanças. No caso de Porto Alegre, a

crise do atual paradigma reflete-se no comportamento dos atores que organizam as regras e

constatam que, ao mesmo tempo, existem fatores sociais externos que não são controláveis

pelos mecanismos tradicionais. A dificuldade em fazer com que o indivíduo atue em

consonância com os interesses da comunidade surge quando a esses interesses se antepõem

situações de negociação as quais envolvem apostas em jogos. As situações podem causar

57 Para Boaventura Santos, uma das representações que a modernidade deixou mais inacabadas e abertas no domínio da regulação foi o princípio da comunidade. Para ele, o princípio da comunidade, nos últimos duzentos anos, foi o mais negligenciado (2001, p.75).

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constrangimentos e frustrar ações.

Há constrangimentos relatados pelas fontes:

...Os melhores aliados... acabaram por aceitar em determinados momentos que o projeto não fosse votado, passasse sempre para o ano seguinte.

...No início, eu houve dificuldades muito grandes, inclusive com vereadores, que mudavam a lei que, aí tínhamos que retirar...Vereadores que se dizem defensores mas que, na hora das campanhas, aceitaram barganhas.... É um problema do ser humano se entregar para uma coisa mais fácil. (B)

A visão utópica moderna do ser humano colaborou para a idéia de que a este ser

humano poderiam ser aplicados modelos, de forma que a sociedade como um todo pudesse

ser racionalizada através de um projeto58.

No caso da normatização do uso do espaço visual público de Porto Alegre, há falas

dissonantes não só sobre a escritura da Lei como da sua implantação. Abaixo, a expressão do

entrevistado contém uma interpretação que duvida da eficácia da Lei aplicada às necessidades

urbanas.

Vamos dizer que exista um espaço legítimo para se colocar a publicidade. Existe um espaço legítimo para a sinalização de lojas e estabelecimentos definido pela lei. Será o melhor? Muitas vezes não. Aquilo que é legal nem sempre é o melhor para a paisagem da cidade. (C)

Para Boaventura Santos, o horizonte que regula o movimento das opções técnicas do

direito não está nem técnica nem organizacionalmente determinado. Para o sociólogo, trata-se

de um produto político que vai se alterando ao sabor das transformações do processo político

(2001, p.61).

Se existe uma compreensão por parte dos administradores de que há uma

impossibilidade social na imposição da Lei, também há um descompasso nas negociações

pela dificuldade de interação entre as lógicas dos atores. Quando o técnico que aplica a Lei é

58 Ver Zygmunt Bauman, 1991; 1997; 2001.

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questionado sobre a sua abrangência e as condições de sua aplicação a todos os grupos

sociais, apresentam-se problemas que necessitam de uma reflexão num nível menos genérico.

Eu acho muito difícil impor a obediência a uma legislação de cima para baixo. Nunca se conseguirá uma limpeza (no ambiente da cidade) perfeita, acho que não é mesmo desejável, até por uma questão democrática. Enfim, nenhuma legislação será tão abrangente. Mas acho que esse tipo de manifestação poderia ser objeto de um aperfeiçoamento da lei. Os cartazes poderiam ter um tipo de licenciamento diferenciado, espaços determinados para eles. A lei, ao mesmo tempo que é extremamente liberal para com os grandes empreendimentos, ou seja, grandes veículos de divulgação, é extremamente restritiva, eu diria até draconiana, com os pequenos lojistas, com as manifestações menores da comunicação. Por quê? Porque nós temos procedido dentro de uma concepção idealizada do que seria uma cidade, no sentido da limpeza e da ordem, que eu não sei se algum dia existiu. Nós temos no Brasil uma realidade caótica se formando. É muito engraçado: nós querermos tirar tabuletas da frente de prédios restaurados e, ao mesmo tempo, os camelôs tomam conta das ruas. O estado no Brasil, a ordem estabelecida é questionada a todo momento por uma desobediência civil generalizada, tanto por parte do grande empresário quanto do camelô. (C)

A questão também é confusa para quem propõe a lei, como vereador:

...E a própria lei, ela foi até o ponto..., mas não chegou a prever o que poderia ser feito por setores com menor poder aquisitivo. Aí também é uma dificuldade enorme, as pessoas também podem alegar que têm direito de encher as ruas de plaquetas e coisas. Agora, eu acho que deveria ser permitido... e a lei não proíbe, a lei pode ser regulamentada nesse sentido, condições para o pequeno comércio, pequena indústria, o pequeno investidor. Mas isto não está na lei especificamente, porque seria uma lei para pobres e para ricos. Não − tem que ser uma lei só. É uma lei para o tecido social que hoje no Brasil é: mais rico é mais rico e mais pobre é mais pobre. A classe média está se proletarizando. Mas, cada vez mais dependente desses favores, cada vez mais submetida às suas lógicas. Mas, mesmo assim, eu acho que a legislação sendo exercida, sendo colocada em prática como ela foi feita... Eu não tenho notícias de cidades no Brasil que tenham uma legislação tão complexa com relação ao uso do espaço visual urbano. (B)

Quando se coloca aos empresários a situação na qual a Lei foi discutida e aprovada e

quando se questionam as razões pelas quais ela ainda não foi assimilada socialmente, há

divergências em relação à interpretação porque as lógicas que concorrem para essa

interpretação ainda não encontraram pontos de convergência. Os próprios empresários locais

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concordam que há áreas que devem ser preservadas, mas discordam da forma como a

legislação é interpretada:

Não há consenso. Mas a posição da Associação é que algumas áreas devem ser preservadas. E o zoneamento era uma coisa que nós apoiaríamos sempre, desde que discutido num fórum aberto. Num fórum tipo uma comissão do município com os representantes legais do povo de Porto Alegre, os vereadores, não meia dúzia de pessoas que fazem agitação. Só que algumas pessoas do município não querem isso, porque perdem o poder. No momento em que tu perdes o poder de interpretar, tu só podes homologar quando vem certo. Então a posição da Associação é de apoiar um Plano Diretor desde que construído com os representantes da população, com os representantes do município e com os representantes das empresas de publicidade. (E)

A proposta de um Plano Diretor para a ocupação do espaço visual para a cidade vem

sendo debatida sem, no entanto, produzir nenhum avanço concreto. Não há menção de

zoneamento na legislação, e quando isso é apontado, por exemplo, na entrevista com um dos

vereadores, o problema é tratado em nível de poder municipal:

Pesquisa: − O pessoal se queixa muito que não existe, por exemplo, como no Plano Diretor, não existe um zoneamento. Que a cidade foi tratada como um todo...

Resposta: − Exatamente. Mas eu te diria assim: se isso é uma falha nossa, e eu assumo... Não..., eu assumo o que nos compete. Bom, eu não sou especialista nisso. Essa é uma responsabilidade absoluta da Prefeitura. É a Prefeitura quem tem o controle da coisa e pode propor. Eu posso até discordar, posso até propor emendas. Posso até propor modificações. Mas quem tem que trazer uma primeira proposta, evidentemente é a Prefeitura. E o que é que a Prefeitura tem feito nesses anos? (A)

Quanto aos empresários, quando se faz referência a um Plano Diretor, que trataria

diferentemente o dimensionamento da publicidade no meio urbano por região conforme a

ocupação exigisse maior ou menor preservação do visual da cidade, também surgem

controvérsias em relação a sua adequabilidade. Há uma dificuldade em aceitar que a

Prefeitura possa administrar sem levar em consideração os interesses econômicos envolvidos.

No caso abaixo, a partir de uma sugestão sobre a possibilidade de implantar um Plano Diretor,

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a fala de um empresário expressa um entendimento desse instrumento como fator de

manipulação por parte do poder público.

Mas não vai ter eficácia nenhuma, pois vão licitar os próprios municipais. E aí? Uma empresa só vai ter todos os espaços públicos.

O caso da Nilo Peçanha é um exemplo. Como vais direcionar isso? Vais pegar a avenida e lotear pelas empresas? O poder público não pode manipular isso. O que o PT está fazendo (na campanha política)? Anunciando nas grandes avenidas, porque ali passa o maior número de pessoas. O que acontece? O máximo de fixação de imagem com o mínimo investimento possível. Não se expõe na periferia porque o mercado está super-restritivo e quem consome é só a classe A, a propaganda concentra-se nessas áreas. (F)

Por essa afirmação, o espaço ideal para a locação publicitária é o das grandes

avenidas, por onde transita o maior público e, dentre essas, as que se encontram no caminho

dos que detêm o poder de consumir. Também aparece nesta fala o constrangimento que o

próprio mercado publicitário impõe. As diferenças de consumo determinam, no uso do

mobiliário urbano pela publicidade, as áreas que irão ser contempladas com alguma espécie

de patrocínio.

Abaixo, um empresário coloca em dúvida as práticas profissionais daqueles que

elaboram as leis e que determinam a ocupação do espaço urbano. Cada campo do saber,

situando aqui o saber empírico em um campo, define prerrogativas para sua atuação, sem

considerar as implicações políticas do outro. O desconhecimento das atividades de cada

campo gera desconfianças que só poderão ser reduzidas através de negociações.

Eu acho que, se o nosso segmento for participativo nessa discussão, ela terá legitimidade. Agora, se pegarem IAB, CREA e não sei quem mais para discutir isso, me desculpa... na Faculdade de Arquitetura e de Engenharia, não se aprende nada, ou quase nada, de programação visual. E nós estamos aí há vinte e cinco, trinta anos, outros colegas estão há dez anos só fazendo isso. (G.)

O empresário, ao considerar que o problema não é elaborado nas escolas de

Engenharia e Arquitetura, ignora as disciplinas de planejamento urbano e de estudos viários

que integram esses cursos. Nota-se por parte dos atores uma tendência em justificar suas

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ações defendendo interesses de seu campo sem considerar os interesses do outro campo.

Goffman acreditava que há situações em que um tipo de “cegueira” (1999, p.51) para com a

situação real pode favorecer um interesse e que essa atitude pode ser ou não uma encenação

“sincera”59.

Há acusações ao poder público de que o mesmo atenderia mais às questões ideológicas

e mesmo mercadológicas, do interesse das prefeituras, do que às questões próprias ao visual

da cidade.

A legislação restringe o uso do mobiliário particular. No meu módulo, eu sou obrigado a anunciar pelo que restringe o artigo, que estabelece que o nome do estabelecimento deve ser 70% e o do anunciante 30%. Qual é a diferença em termos de poluição? Isso ocasiona um efeito que é: o anunciante deixa de anunciar na fachada do comerciante para anunciar na locação. Acreditamos que isso foi uma coisa manipulada... Então o pequeno comerciante ficou prejudicado porque perdeu o seu patrocinador que foi anunciar nos painéis da locadora. O pessoal da SMAM aprovou iss,o e o bar do Zé ficou sem o luminoso da Coca Cola.

...Mas a desculpa sempre foi a poluição. Qual é a diferença de colocar o nome do bar ou o da Coca Cola? Isso é ideológico. E aí a restrição reduzindo o luminoso do anunciante direcionou esse mesmo anunciante para a locação. Isso foi uma das manipulações. A segunda é a chegada das multinacionais, porque a Prolix já foi comprada pelos americanos, representados por um administrador uruguaio. Tudo isso já foi armado para, restringindo a propaganda no privado, abrir um espaço nos equipamentos públicos, que passam a ser loteados pelas prefeituras. Como no Rio e na Bahia. (G)

No entanto, o vereador que explica as origens da proposta da lei, deixa claro que

houve o compromisso do corpo técnico de discutir publicamente, amplamente, as regras de

um Plano Diretor e que não entende a dificuldade em incluir neste plano um regramento sobre

o uso do espaço visual.

Nós fizemos um seminário. Foram feitas discussões intermináveis lá na Câmara, com audiências públicas. Nas categorias, secundárias porque a categoria dos arquitetos estava interessada no Plano Diretor. Mesmo no governo do PT, de que eu participo, de que eu participei. O governo não aceitou... e depois, numa situação bem mais aberta e transparente,

59 Goffman denomina de “sinceros” aqueles atores que acreditam na impressão criada por sua representação e de “cínicos” aqueles que agem de forma a dissimular algum interesse e que acreditam que seu modo de agir, mesmo quando não é em interesse próprio, pode ajudar alguém ou uma comunidade (1991, p.25-26).

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aceitaram as minhas teses, as teses que nós defendíamos no primeiro governo do Olívio em 89/90, que nós chamávamos “Plano de ação do governo”. Nós prevíamos um trabalho maior de interação. Até que no governo do Tarso, ele resolveu aceitar. Antes, também ele, tinha enormes dificuldades. Ele queria planejar só para seis meses, planos semestrais... Esse negócio de planejar era coisa para botar camisa de força na sociedade... Só que não se aceitou também incluir no Plano Diretor um capítulo sobre o visual urbano. Tem (o capítulo) do parcelamento de solo, tem da edificação...tem não sei o quê, não sei o quê... (B)

Há dúvidas em relação à eficácia de um plano, pois, segundo os empresários, a lei

depende de interpretações administrativas. Quando o empresário é questionado sobre sua

forma de relação com o poder público, é explicitada a qualificação “ideológica” para a

interpretação administrativa da Lei:

Ela é uma relação muito difícil, ela praticamente inexiste, em termos de qualidade, porque o poder público, hoje, está atuando de uma forma ideológica. Onde o padrão é um padrão verticalizado, ele vem de cima para baixo, atuando de uma forma vertical, num padrão ideológico, que eu não discuto se é certo ou errado, mas discuto que ele esquece a flexibilidade das questões e age de forma rígida em função desse sistema ideológico e acaba, nessa rigidez, perdendo toda a possibilidade de qualidade na decisão das coisas. Isso acontece na legislação de propaganda ao ar livre. Vejamos o seguinte: na SMAM, que é o órgão regulador, não se tem a menor possibilidade de discutir nada, absolutamente nada. Porque a própria lei é muito fraca. A nossa legislação deixa margem a muitas interpretações, mas as interpretações só valem segundo a ótica e a ideologia da SMAM. A empresa, o empresário, os clientes do empresário, que são o comércio, a indústria que se utilizam da propaganda, ficam à mercê de um funcionário da SMAM, de seu humor, de seu estado de espírito, de sua disposição de despachar ou não, segundo a interpretação do dia dele, do momento dele. Isso é incrível, é um absurdo, mas é assim que funciona. Por sua vez, o poder legislativo é um poder político e também vive o momento e o interesse. Dependendo do número de projetos que têm para serem votados, dos acordos que se têm, segundo os interesses para aprovar tal ou qual projeto, tem-se que aprovar ou não tal ou qual mudança na legislação da propaganda. (E)

Esta última afirmação envolve o Legislativo em questões de interesse político. Um

vereador, tem outra ótica, na qualidade de membro da Câmara:

Então o que eu defendo é uma legislação absolutamente clara, com participação de todas as partes interessadas, inclusive, evidentemente, os moradores. Como é que os moradores vão se representar? Teoricamente, nós temos a UAMPA, nós temos os conselhos do Plano Diretor, teoricamente, nós temos que... eu acho que é bem viável... que IAB e CREA façam a defesa... porque, afinal de contas, são pessoas preparadas para

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isso. E a própria Câmara, que eu acho que a gente tem aqui a comissão, que vem... tem sido... sempre trabalha... E acho que a Câmara não tem sido irresponsável nessa discussão. (A)

Mas há acusações de parcialidade na escritura da lei:

As distorções eu atribuo à falta de discussão, foram seis pessoas na elaboração da lei. Há também distorções legais, geradas pela lei, que trata empresas de forma diferente. (F)

E há declarações nas quais fica explícito o caráter agonístico de algumas interações

com os legisladores. O pronome “nós” inclui o vereador em um time, um campo que disputa

poder.

Inclusive, este projeto60 e a derrubada de vetos que nós fizemos, eu diria que foi muito mais na posição política de obrigar o executivo a se sentir constrangido e ter que legislar do que propriamente uma idéia que nós queremos assim. Aí, na verdade, foi muito mais uma queda de braço. (A)

A emenda referida pelo vereador foi defendida pelos empresários:

Nós temos um sindicato representativo que pensa como nós, a gente tem certeza de que ele nos representa à altura. Ele foi ativo nessa legislação. Mas o que eu tenho a dizer sobre a legislação e a alteração que foi feita é que ela trouxe para nós a condição de trabalhar um pouco mais aliviados pela Prefeitura, porque a pressão era muito grande. A Prefeitura estava multando os nossos clientes, inibindo o mercado, e conseqüentemente reduzindo nossos trabalhos, causando desemprego aos nossos funcionários e aos dos nossos fornecedores. (G)

Na plenária que aprovou as emendas, ocorreram disparidades de opinião, mesmo entre

aqueles que tinham consenso de que certas medidas são prejudiciais ao visual urbano.

Algumas emendas são criticadas por seu efeito negativo, mas foram aprovadas mais por uma

questão de emoção do jogo do que por motivos racionais. Nas palavras de um dos vereadores:

Eu acho que as empenas cegas..., e por isso votei com o vereador Garcia. Não concordei depois com uma enxurrada de emendas que vieram de última hora. (A)

60 O vereador refere-se a emendas que o projeto original sofreu em 2002, através do processo n. 1372/01, PLL n. 60/01.

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O trecho de entrevista, transcrito abaixo, ilustra como um empresário do ramo

observou a situação:

Queres ver uma coisa, um exemplo prático: eu vou numa empresa que tem 200m de frente e eles querem colocar lá um luminoso identificando. Tem duzentos metros de frente. Pela lei anterior, eu só podia colocar um luminoso que tivesse três metros por um, numa fachada de duzentos metros, queríamos colocar uma proporção. Por exemplo, para duzentos metros, queríamos, por exemplo, trinta por dez. É? Então levamos uma proposta que admite para qualquer prédio uma área de três metros por cinco. Essa foi minha, essa eu passei na corrida. Na última hora, passou de três por um para três por cinco, de três metros quadrados para quinze. (G)

Pesquisa: − Mas para qualquer fachada? É um absurdo!

Resposta: − Certo, é um absurdo. Eu posso, num prediozinho lingüiça, com seis metros de frente, colocar quinze metros de painel. Eu, que sou empresário, que estou faturando em cima disso, acho um absurdo. Mas eles que permitiram o absurdo. Agora eles estão escandalizados, dizendo que nós fizemos esse absurdo. Mas não fomos nós que fizemos, eles nos embretaram. (G)

Pesquisa: − Não houve diálogo ?

Resposta: − Não houve negociação. Se eles concordassem com a proporcionalidade, nesses prédios que têm só seis metros de frente nem um três por um (metro) caberia. Ali tinha que se fazer um por um (metro). (G)

É o mesmo empresário, que acima lastima os erros, quem comemora a aparente

vitória:

Eles não me olhavam, eles me engoliam, lá na Câmara. Eu que lutei tanto e na hora da votação estava no telefone. Só fiquei sabendo que havíamos ganhado porque vi os colegas empresários vibrando, pulando... Bom... desculpa o entusiasmo. (G)

Encontra-se aqui uma discrepância entre a pessoa e o papel que ela interpreta. Essa

atitude pode denotar uma falta de confiança interna no próprio papel, ou mais precisamente

uma falta de confiança do indivíduo na impressão de realidade que tenta engendrar naqueles

entre os quais se encontra (Goffman, 1981, p.29). Mas, ao observar-se numa manifestação a

superposição e a contradição entre as faces do cidadão e do empresário, é possível remeter

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essa observação aos vários estudos da subjetividade atual nos quais é apontada uma

esquizofrenia nas representações que partem dos sujeitos61.

Esse tipo de conduta tem suas conseqüências ou ainda pode-se dizer que é uma

conseqüência do sistema. As condutas do momento podem alterar os resultados de uma

negociação, independente do quanto se possa planejar para tentar controlar as ações de

negociação. Para Boaventura Santos, as conseqüências não ocorrem na mesma escala dos

efeitos e das causas. Não é possível partir do pressuposto de que o controle das causas possa

acarretar o controle das conseqüências.

Pelo contrário, a falta de controle sobre as conseqüências significa que as ações

empreendidas como causa têm não apenas as conseqüências intencionais (lineares) da ação,

mas uma multiplicidade imprevisível (potencialmente infinita) de conseqüências. O controle

das causas, sendo absoluto, é absolutamente precário (2001, p.79-80).

1.1.4 Os constrangimentos econômicos

A transformação das cidades em espaços de disseminação e venda de imagem fez com

que o espaço visual público se transformasse em mercadoria. Conforme os índices de

exposição dos locais, que são calculados pelo fluxo de pessoas e veículos, pelas condições de

visibilidade do ponto e pela classificação do poder aquisitivo do público que por eles circula,

os espaços públicos são mais ou menos ocupados pela publicidade ao ar livre.

Nas entrevistas, ficam implícitos constrangimentos que a valorização econômica dos

espaços visuais públicos introduz na relação entre os atores e, ao relacionar o problema no

nível dos processos globais, precisamos refletir sobre seus reflexos nas linhas de conduta dos

atores locais.

61 Sobre capitalismo e esquizofrenia, ver Deleuze e Guattari,1995.

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Se, em um primeiro momento da sua atividade, quando os fatores externos ainda não

se manifestavam, os empresários locais se debatiam com as normas impostas pelo município,

no momento atual, quando capitais estrangeiros ameaçam ocupar espaços conquistados por

esses empresários, há uma necessidade de negociação entre empresas e poder administrativo

para que o capital local seja protegido na exploração desses serviços. Há fatores que devem

ser considerados nessa avaliação:

- a existência de um segmento econômico reconhecido pela sociedade − o das

empresas locadoras de espaço para publicidade ao ar livre;

- a presença, cada vez mais próxima, de capitais externos62 que concorrem com as

empresas locais na exploração de serviços de comunicação visual urbana,

compreendidas aqui as empresas locadoras de espaços publicitários e as indústrias

de sinalização e de fachadas;

- a existência de taxas para uso do espaço público que são utilizadas na manutenção

de serviços que a Prefeitura presta à população. Com esta mesma finalidade, são

negociados espaços para a publicidade em equipamentos urbanos e, com isso, a

Prefeitura é apoiada pela atividade publicitária;

- a paulatina conscientização de empresários do setor, que são habitantes da cidade,

da necessidade de preservar e valorizar o espaço urbano onde residem e do qual

vivem economicamente.

Um dos empresários comentou:

Não se pode fazer coisas de qualquer tamanho, senão nós enfeiamos (sic!) a cidade. Além de colocar em risco o cidadão... Além da qualidade visual, o risco é muito grande.(G)

62 Conforme citação do Sr. Otávio Correa da Silva do SINDIPAINÉIS e matéria do Jornal Zero Hora, 7 dez. 2001. Caderno de Economia, p.32.

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A Prefeitura tenta, através da cobrança de taxas, manter a fiscalização dos espaços,

mas as taxas são contestadas pelos empresários e as negociações são difíceis.

Para melhor entender a inserção dos atores no processo, é preciso retomar os passos

das negociações. Inicialmente, os vereadores procuraram atender às necessidades econômicas

do município, criando taxas para a exploração do espaço visual público, e, por outro lado,

foram pressionados pelos empresários para a limitação das mesmas.

Bom... aí aconteceu de nós criarmos um imposto, exatamente em 1982... tinha havido uma proposta de nós criarmos uma taxa sobre os outdoors, logo no início da gestão Olívio Dutra.

...A partir disso, a gente fez um substitutivo ao texto original, que o pessoal das empresas criticava por criar taxas muito altas. (A.)

Para a Prefeitura, o maior problema não são as taxas cobradas. O problema é o da

burla freqüente às determinações legais. As multas, no entender do poder municipal, são

irrisórias, diante do montante das campanhas publicitárias, porque não atingem diretamente o

anunciante já que, através de emenda sofrida pela lei, o município não pode mais

responsabilizar o cliente anunciante pelas infrações.

Não temos poder de coerção... Nosso poder de coerção é uma piada. Eu posso aplicar uma multa de trezentos reais sobre um veículo de divulgação que rende mais de cinco mil por mês.

A emenda à Lei reduziu o valor da multa, que era significativo, para uma cifra irrisória. Por outro lado, impede que o executivo responsabilize os co-responsáveis pela ação, ou seja, os proprietários de terrenos, os anunciantes...Isso transforma a empresa locadora em testa de ferro profissional de grandes empresas anunciantes, isto é, a locadora recebe a responsabilidade pela publicidade que instala à revelia do poder público, invade a privacidade do cidadão, torna o ambiente insalubre, tapa janelas de habitações, tudo sem maiores sanções. (C)

A Associação das Empresas de Publicidade ao Ar Livre (AGEPAL) transfere o

descumprimento da lei para as dificuldades de mercado. Leve-se em conta o diálogo abaixo

com o presidente da AGEPAL:

Pesquisa: − O senhor tem idéia de quantas empresas atuam no mercado de publicidade ao ar livre?

Resposta: − São poucas, umas quinze, às vezes baixa para doze.

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Pesquisa: − Poucas que se associam ou são poucas empresas?

Resposta: − É que as empresas abrem e fecham muito rapidamente.

Pesquisa: − Não chegam a participar da Associação?

Resposta: − É, desorganizam algumas coisas e vão embora. Isso é muito ruim.

Pesquisa: − Por quê? Não profissionaliza o mercado...

Resposta: − E é assim: quando o sujeito precisa de dinheiro para pagar suas contas ou para comer, ele acaba fazendo bobagens. E, se um faz bobagem, não é o fulano, é o segmento todo.

O segmento das empresas locais, há algum tempo, tenta se organizar por categorias. A

falta de diálogo dentro do próprio segmento também é responsável por sua imagem negativa

perante o poder público.

A questão de participação no capital movimentado pela publicidade foi colocada a um

técnico do meio ambiente:

Pesquisa: − Uma das coisas que tem ocorrido, e não é só em Porto Alegre, acontece em todos os lugares do mundo, é uma parceria entre poder público e empresas de publicidade. Muitas de nossas prefeituras têm aderido a esse recurso, a gente vê publicidade em bancos de praças, em jardins, com o fim de poder manter os custos de manutenção dos mesmos. No meu entendimento, essa é uma relação ambivalente, porque a gente fala em conflitos com o capital da publicidade e ao mesmo tempo usa esses recursos para fins públicos. Como é que o senhor vê isso?

Resposta: − Eu acho que é “natural”(grifo nosso)63 que o poder público se associe à iniciativa privada, ao setor econômico, a organizações civis, comunitárias, com vistas a produzir melhor a cidade. No nosso caso, temos o programa “Adote uma praça”. Acho que o desafio é que essa relação seja equilibrada e que nela prepondere o interesse público. Aí, o interesse público não visto como a opinião do Estado, mas o interesse público da sociedade. Ou seja, se uma empresa se dispõe a dar manutenção qualificada e adequada para um espaço público, eu vejo isso como uma boa forma de se relacionar com a comunidade, transformando isso num aspecto positivo da sua mercadoria, do seu negócio. Eu vejo isso como um benefício para a população. Agora, se a adoção da praça significar a transformação dessa praça em um outdoor dessa empresa, aí há o desequilíbrio com o interesse público. No caso de Porto Alegre, as empresas têm o direito a uma pequena placa de “adotei esta praça”. Eu acho que isso é uma relação boa. O problema é quando essa suposta parceria se torna subordinação a uma atividade econômica supostamente parceira. O termo parceria então até fica meio fora... tem que se chamar de outra coisa. Porto Alegre tem tradição de estimular que o cidadão organizado assuma responsabilidades públicas, e

63 Se naturalização for interpretada no sentido de Barthes (1987), transfere-se aí a função primeira (a prática mercadológica do patrocínio) para uma função conotada, como, por exemplo, o sentido comunitário da ação.

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isso se estende à atividade econômica. Eu não sou contra a publicidade ao ar livre. Sou contra a que ela se sobreponha aos demais interesses da cidade e se imponha desequilibrando esses interesses. (D)

Essa também parece ser a opinião de outro técnico da SMAM:

Pesquisa: − Há críticas em relação a essa parceria que o poder público mantém com as empresas para manter os equipamentos urbanos. Fica um pouco confuso, porque há alguns teóricos que criticam esse modelo.

Resposta: − Isso é exploração do mobiliário urbano. Isso é discutido. Ainda não se chegou a uma conclusão sobre esse assunto. O que nós estamos falando é de um segmento possível de mídia exterior e que é explorado, não apenas aqui no Brasil. Aqui em Porto Alegre nós temos uma situação caótica. Isso depende de bons contratos que sejam vantajosos para o município e que também sejam vantajosos para os concessionários. Seria a concessão de parte dos equipamentos urbanos necessários à cidade para algumas empresas responsáveis pela manutenção, instalação e exploração de publicidade visando ao lucro. A publicidade regulada é uma possibilidade, eu não vejo isso como um problema. Adota-se isso em diversas cidades. É uma forma de se dar vazão à necessidade de fazer publicidade por parte dos anunciantes que poderia substituir, um pouco, a pressão econômica em favor da instalação de painéis gigantes e poderia auxiliar num problema grave que é a instalação e manutenção do mobiliário urbano, que é muito cara, é complexa. Seria bom no momento em que o mobiliário tivesse um mantenedor que tivesse interesse em mantê-lo em bom estado de conservação por causa da publicidade. No Brasil, o poder público está falido e em relação a diversos aspectos tem-se que entregar parte dos espaços.

Pesquisa: − Deve-se procurar uma solução...

Resposta: − Poderia ser. Depende do contrato, obviamente. Se vamos vender a nossa casa... se eu vender por cinco reais é péssimo. (C)

No diálogo a seguir, um dos vereadores opina sobre a mesma questão:

Pesquisa: − Hoje, por exemplo, as instituições públicas, as Prefeituras, elas têm feito negociações com as agências publicitárias. Por exemplo, existem companhias que preservam praças e botam ali sua plaquinha. O Sr. acha...

Resposta: − Exatamente, eu acho que o princípio é esse. E eu sou favorável a isso. Veja, a própria Prefeitura acabou negociando com o Santander, aqui, a ciclovia, à revelia de todo o mundo, e a própria Prefeitura, no Fórum Mundial, se achou com licença de botar um desses painéis no prédio. Então há contradições. Eu acho que, se você tem uma regra, você tem que fazer valer para todo o mundo. Então, a minha posição tem sido esta. Veja este quadro aqui, por exemplo (uma montagem com paisagens da cidade). Foi criado por um artista plástico para atender à minha campanha de vereador, no qual se pega imagens básicas (da cidade). Poderia pegar coisas de publicidade, sem nenhum problema. (A.)

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No exemplo da união da Prefeitura Municipal de Porto Alegre com o Banco

Santander, o presidente do SINDIPAINÉIS fornece, no seguinte diálogo, uma versão para o

problema que envolve tanto os interesses do Banco quanto os do Município:

Pesquisa: − (falando sobre o valor dos próprios municipais): ...eu penso numa distribuição real pelas empresas. Se, em uma praça, um Banco como o Santander coloca seu logotipo e várias placas pequenas, isso dá um grande retorno de imagem.

Resposta: − O Santander comprou o Meridional, e todos os luminosos estavam irregulares. Foi feita então uma negociação com a Prefeitura, com a SMAM, que o Santander faria uma benfeitoria para a comunidade para reparar a poluição que suas agências estavam causando em Porto Alegre. Então o “Caminho dos parques” foi criado.

Pesquisa: − Tu não achas que, reduzindo o espaço de publicidade, este espaço, por ser limitado, se torna mais nobre, e, conseqüentemente, mais valorizado? É a lei da oferta e da procura...

Resposta: − O caso da Nilo Peçanha é um exemplo. Como vais direcionar isso? Vais pegar a avenida e lotear pelas empresas? O poder público não pode manipular isso.

Não parece muito claro para nenhuma das partes que tipo de situação é enfrentada ou

talvez as estratégias para resolver o problema ainda não sejam aparentes.

Em reunião promovida pela CUTHAB, foi apresentado o projeto de uma companhia

multinacional que atuou na restauração urbana do Rio de Janeiro. Os empresários locais que

têm explorado o mobiliário urbano com fins publicitários expressaram nessa reunião a

possível perda desses espaços, fator que também tem reflexos na relação das empresas com o

poder público.

Há um descompasso entre a compreensão do modo como o espaço de patrocínio é

ocupado:

Pesquisa: (falando sobre desconhecimentos de mercado por parte do poder público) − Tu não achas que é porque os técnicos estão dissociados dessa política de mercado, de patrocínio, em que o anunciante quer o maior espaço para sua marca?

Resposta: − Mas a desculpa sempre foi a poluição. Qual é a diferença de

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colocar o nome do bar ou o da Coca Cola64? Isso é ideológico. E aí a restrição reduzindo o luminoso do anunciante direcionou esse mesmo anunciante para a locação. Isso foi uma das manipulações. A segunda é a chegada das multinacionais, porque a Prolix já foi comprada pelos americanos, representada por um administrador uruguaio. Tudo isso já foi armado para, restringindo a propaganda no privado, abrir um espaço nos equipamentos públicos, que passam a ser loteados pelas prefeituras. Como no Rio e na Bahia. (F)

Pesquisa: − Na apresentação do Seminário do Mobiliário Urbano, realizado pela CUTHAB, pode-se observar a facilidade que as grandes empresas multinacionais têm para anunciar numa corporação desse tipo. Ou seja, a matriz de distribuição da publicidade está mais próxima dos escritórios centrais das empresas.

Resposta: − Sim, mas são ramificações. As empresas vão criando subsidiárias, vão transferindo verbas das mídias e distribuem por todo o Brasil. Por exemplo: se eu quero uma campanha em todo o Brasil...Então, mais uma vez, eu coloco que quanto mais eles restringirem o uso das mídias locais para os anunciantes, menos dinheiro vai ser gerado para a nossa comunidade. É muito mais fácil anunciar lá na Globo, na revista Veja... uma mídia eletrônica, do que vir para Porto Alegre para empresas locais, com escritórios locais, locando espaços de residências locais, produzindo equipamentos aqui. A imagem é feita aqui, os impostos são recolhidos aqui, as agências locais que manipulam as verbas nacionais o fazem e no nosso mercado há ainda o consumo de energia elétrica. Enfim, toda a verba é gasta aqui dentro da cidade de P. Alegre. Do jeito que estão fazendo, a verba vem via Globo, via jornal e nem aparece. Isso eu coloquei para a Prefeitura. Várias empresas de Porto Alegre quebraram porque, pela lei, os painéis estão diminuindo de área, houve recessão de material e mão-de-obra. Então a lei foi montada para restringir o mercado e agora está sendo montada em Porto Alegre a licitação desses espaços urbanos. Se tu falares com o pessoal lá, eles já estão providenciando isso. Se eles quiserem manipular isso, eles fixam o capital da empresa em um milhão de dólares, e todas as empresas nacionais ou gaúchas ou porto-alegrenses estarão fora da licitação. (F)

Pesquisa: − Mas os técnicos da Prefeitura dizem que o capital será estabelecido em um padrão médio, de forma que as empresas locais possam se qualificar para esse edital.

Resposta: − Está bem! Então hoje eu não posso colocar um painel em frente de uma árvore, mas eles vão locar em uma praça, em um Parcão, em um Marinha. E aí isso vai dar onde, ideologicamente falando, agora? Independente de partido político, se eu tiver todos os postes do município numa empresa que é minha concessionária na cidade de Porto Alegre, eu chego numa campanha política (que utiliza esses postes)... e que acesso eu vou ter com essa empresa para denunciar este uso ilícito? (F)

A falta de confiança em uma possibilidade de aliança clara com o poder público, além

64 A lei limita o uso de patrocínio para um percentual da área da fachada.

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da sua sabida vulnerabilidade, leva as empresas a se defenderem contra esse poder local.

1.1.5 As relações de mercado da publicidade ao ar livre

A AGEPAL foi das primeiras associações a procurar estreitar laços com o poder

público. O segmento dos locadores, ao qual estão filiados seus associados, é acusado pelo

segmento das indústrias produtoras de suportes para sinalização e fachadas de ser favorecido

pela lei. As indústrias produtoras de painéis e fachadas, por sua vez, trataram de organizar um

sindicato para defender seus interesses. Em função disso há, além da AGEPAL, dois

sindicatos que atendem a interesses muito próximos: o SINDIPAINÉIS e o SEPEX. O

primeiro funciona no mesmo local em que está a AGEPAL. Para o presidente da AGEPAL, o

sindicato legítimo é o SEPEX:

O SEPEX está no país inteiro já. O nosso sindicato está em formação. Existe um outro sindicato sendo formado na mesma área e há um conflito. Estamos acertando isso porque o pessoal de São Paulo quer que a gente seja o sindicato representante.

O presidente do SINDIPAINÉIS tem outra opinião:

Pesquisa: − Qual é a data de fundação do SINDIPAINÉIS?

Resposta: − O sindicato foi fundado no fim do ano passado (2001) e homologado agora (2002).

Pesquisa: − E o sindicato que funciona junto com a AGEPAL?

Resposta: − Depois que nós lançamos o SINDIPAINÉIS, a AGEPAL tentou fazer o seu sindicato, mas, como é na nossa mesma área de atuação, este sindicato não deverá ser homologado. Inclusive há associados nas duas entidades.

O associado filia-se às duas entidades, pois ainda não existem garantias oficiais e

políticas que o façam saber qual delas será a representante de seus interesses. Os

representantes das empresas também se organizaram na Câmara, com a finalidade de verem

seus interesses contemplados na lei. Na declaração do empresário (G), transcrita abaixo, fica

clara essa organização:

Pesquisa: − Por exemplo, agora, houve uma mudança na lei. A SMAM foi

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contra e acredita que houve pressão aos vereadores.

Resposta: − Eles eram, radicalmente, contra. Aliás, eles são contra tudo, isso é ideologia. Eles são contra, eles têm o princípio anterior, de quando não eram governo, se hay govierno soy contra, e hoje são governo e são contra quem não é governo, eles têm que ser contra alguma coisa. Até fica difícil a gente prestar um depoimento que saia do ideologismo contrário ao ideologismo deles, porque é tão contra os princípios de qualquer sociedade. Porque a gente quer organizar a coisa. A gente propôs até mesmo antes dessa votação um seminário, nos reunimos. O que foi que aconteceu? Eles reuniram classes, reuniram grupos anti-mudança e levaram para lá para fazer um barulho, para fazer um lobby barulhento, para não alterar a legislação.

Pesquisa: − Essa foi a reunião do Hotel Continental?

Resposta: − Não, essa do Hotel Continental já foi um pouco...quando eles já sentiram que a legislação seria modificada mesmo então eles resolveram reunir grupos para ver se pressionavam os vereadores. Mas aí a votação já estava assegurada, já estava definida a votação. (G)

Nem sempre os interesses de um segmento de fornecedores do mercado coincidem

com os do outro:

O sindicato teve essa preocupação de reunir os dois lados, de um lado os empresários de indústrias...Porque no Rio Grande do Sul há uma característica: ou a empresa é indústria ou é locadora. De Santa Catarina para cima, as empresas atuam nos dois mercados.

...Então temos a visão dos dois lados, porque a legislação que existe hoje foi idealizada por pessoas da Prefeitura, é super-restritiva. Houve considerações da AGEPAL, mas sempre pensando no lado dos locadores, nunca dos empresários da indústria. Tanto que tem um item que caracteriza bem isso aí , ou seja, a atuação da AGEPAL, que diz assim: “uma empresa estabelecida no local pode botar um luminoso com cinco metros de altura e três metros quadrados”, enquanto uma locadora pode, no mesmo terreno, locando o terreno do mesmo proprietário do imóvel, colocar um painel de trinta metros quadrados com um poste de doze metros de altura. Então isso escancara que a AGEPAL tratou sempre dos interesses das locadoras, deixando de lado o interesse das indústrias.

O presidente da AGEPAL afirma que, quando foi debatida a lei, todos foram

convidados e nem todos compareceram:

Pesquisa: − E toda essa movimentação em função da alteração que a lei sofreu? Eu já entrevistei algumas pessoas, li os autos da reunião da CUTHAB de que o senhor participou, e ali há empresários da área que se queixaram que não foram consultados, que não foram ouvidos pela Prefeitura nem pela Câmara. A Prefeitura alega que todos os empresários foram chamados. O senhor acha possível que não tenha havido uma discussão real entre todos os interessados, ou seja, que essa discussão que

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houve não representou realmente o interesse de toda a área que trabalha com publicidade ao ar livre?

Resposta: − Isso eu não sei. O que eu posso te transmitir é uma experiência, como presidente da AGEPAL e de trinta anos como empresário da área. Como presidente da AGEPAL, eu quero te dizer o seguinte: as pessoas não se interessam, não se movimentam e ficam absolutamente ausentes de tudo. Por quê? Porque estar presente quer dizer que tu vais deixar de fazer coisas tuas para fazer coisas para um grupo. Depois que está tudo pronto, daí a pessoa senta e fala: Ah, porque não sei o que, tê tê tê e tê tê tê... Daí, se pergunta: Sim, mas tu foste convidado dez vezes e não vieste. Foste convidado a colaborar para contratar o advogado e não colaboraste. Por que que tu achas que, estando ausente, não perdendo o teu tempo, não gastando o teu dinheiro, tu tens o direito de reclamar hoje? E as pessoas fazem isso, isso, aqui , acontece sempre.

Há quem discorde da representatividade da AGEPAL:

Mas eu te pergunto, por que associação, por que não sindicato, se nós temos sindicato?

Entretanto, é reconhecido pelo presidente do SINDIPAINÉIS que, até a sua fundação,

os empresários não eram participativos porque não se organizavam:

O SINDIPAINÉIS não existia, por isso não foi ouvido. Mas legislação de Propaganda existe há mais de vinte anos. Teve um funcionário da Prefeitura que, há uns quatro anos atrás, me disse: “Meu sonho era transformar Porto Alegre em Milão.” Então a legislação foi utópica, tanto que conseguiu passar na Câmara e a culpa foi dos empresários que não se mobilizaram. A AGEPAL se mobilizou e conseguiu vantagens para eles.

1.2 Aspectos da fala de um agente da Prefeitura Municipal de Canoas

Na prefeitura de Canoas, foi entrevistado o senhor Alexandre Witt, Engenheiro

Agrônomo, chefe do Serviço de Licenciamento Ambiental da Secretaria de Preservação do

Meio Ambiente do Município de Canoas (SEMPA). A SEMPA é o órgão municipal que trata

desse assunto há quatro meses (desde junho de 2003). Anteriormente, o assunto era tratado na

Secretaria de Desenvolvimento do município.

As avenidas Getúlio Vargas e Guilherme Shell são vias paralelas à BR-116 (vias

laterais) e a legislação que regra a comunicação visual no município é aplicada a essas duas

avenidas, independente da legislação do DNER, que regulamenta a sinalização das rodovias

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federais. As leis que regram a colocação de elementos de comunicação visual nas vias são o

Código de Posturas do Município e a Lei 4328 – de Preservação do Meio Ambiente, que é a

mais aplicada (Anexo B).

Como técnico e responsável pelo meio ambiente do município, Alexandre não tem

uma postura rígida em relação ao problema da poluição visual.

Pesquisa: O que é “poluição visual”?

Resposta: No meu entender, a questão da poluição visual é até certo ponto subjetiva. Ou seja, o que pode ser poluição visual para mim é uma coisa e para ti é outra. Então é uma questão que deve ser vista com cuidado. A gente está procurando outras legislações, ver o que está sendo aplicado, estudar o nosso caso. Tentar formular um regramento mais específico para a lei.

Alexandre faz diferença entre a poluição visual da área urbana (falando

especificamente das vias laterais da BR em Canoas e da área rural, especialmente a turística).

Alexandre: Esse fato é uma questão delicada e o que pode ser para mim pode não ser para ti. Então é difícil codificar o que agride, o que é poluição. Dimensionar o que é aceitável.

Pesquisa: Exatamente, é complicado porque, embora todos saibam o que é poluição visual, há pequenas alterações na compreensão do termo que fazem a diferença para cada pessoa. O nosso objetivo é saber como é que as pessoas interagem com esses objetos.

Resposta: Uma visão prática que eu tenho é quando estou na estrada para a praia, na Free Way, por exemplo, naqueles morros de Osório, perto da Lagoa, não deveria haver nada. Aquilo é poluição visual, tira o aspecto de uma paisagem natural. Em um meio urbano, onde tu não tens a interferência na paisagem natural, é difícil quantificar o que deve ficar.

Na resposta acima, o entrevistado separa claramente o espaço da natureza do espaço

urbano, mas, na próxima resposta, questionado sobre o uso do espaço visual público por

grafiteiros e pichadores, Alexandre coloca o espaço urbano no mesmo patamar do espaço da

natureza.

Pesquisa: E as pessoas que usam a via pública para se expressar? Há quem defenda que a rua também é delas.

Resposta: É, de certa forma. É uma questão controversa. Porque, se a

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pessoa plantou uma árvore em um parque ou uma calçada e ela pensa “a árvore é minha e eu posso cortar”. Não, não pode. Essa árvore agora é de um contexto, de uma comunidade. A gente fala nas palestras que o homem é que está inserido no contexto do meio ambiente, ele não tem a posse desse espaço, não é o espaço dele.

Referindo-se à Lei que é utilizada no município:

Pesquisa: Qual a Lei mais aplicada aos casos locais?

Resposta: A Lei de Preservação do Meio Ambiente é a mais utilizada. Mas, porque estamos bastante preocupados com a questão de poluição visual, consideramos a legislação existente muito genérica. Então estamos procurando estudar uma forma de regulamentar isso melhor.

Em relação à participação dos agentes do município na elaboração da lei:

Pesquisa: Este estudo será feito por quem?

Resposta: Por nós da SEMPA. Nós vamos montar um projeto de lei que vai passar pela análise da procuradoria do município e será, posteriormente, enviado aos vereadores, na Câmara.

Sendo ele o responsável pela função de coordenar este trabalho na secretaria, ao

colocar a SEMPA como autora do projeto, define também uma forma de trabalho e de

enfoque. Informado sobre outros modos possíveis, demonstra interesse.

Pesquisa: Tu deves saber, no caso de Porto Alegre, há muitos conflitos na questão. Por isso, foram feitas reuniões com segmentos da sociedade para discutir a lei. Vocês pretendem fazer algo assim?

Resposta: Estamos na fase de procurar material para tentar trabalhar de uma forma mais específica e melhor. Não se pensou ainda em fazer esse tipo de reunião, mas é possível que se faça. Primeiro, vamos estudar toda a situação de Canoas, que é atravessada pela BR, e a propaganda aqui é intensa. Deveremos questionar, analisar dados para fazer tudo da melhor forma possível.

As ações atuais da SEMPA são licenciar a veiculação da comunicação visual com

apoio da legislação existente, que é pouco específica, e fiscalizar os elementos que não foram

licenciados. O município ainda não possui dados concretos sobre a ocupação da área e sobre

seus usuários.

Pesquisa: Quais são os pedidos de licenciamento mais freqüentes?

Resposta: O mais freqüente é a procura para colocar faixas de eventos e

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também têm uma boa procura para backlights.

Pesquisa: De uns anos para cá, aumentou muito o número de back lights na BR. Existe algum parâmetro aceitável, um número de back lights ou uma distância entre eles?

Resposta: Exatamente é isso que não existe, então nós estamos preocupados com essa questão. Estamos tentando levantar dados para melhorar.

Pesquisa: As empresas que colocam painéis em áreas privadas também precisam da licença e são fiscalizadas?

Resposta: Sim, na verdade, eles não podem colocar em áreas públicas. Tem que ser em áreas privadas, com a autorização do proprietário e da nossa. Podem colocar com recuo do prédio, projetado para via pública.

Pesquisa: Vocês têm condições de fiscalizar a área?

Resposta: Nós temos aqui um dia por semana que o pessoal sai só para fazer este tipo de fiscalização. As faixas, os cartazes ou outdoors que não estão licenciados estão sendo retirados e nós estamos fazendo um trabalho de conscientização dizendo que não pode e por quê. A partir daí, nós vamos começar a autuar. Isso faz uns quatro meses, retiramos das calçadas, dos meio-fios e das entrevias.

Pesquisa: Tu sabes qual é a empresa que mais anuncia na BR?

Resposta: Não, eu não tenho essa quantificação.

Segundo Alexandre, não há a participação da população em debates sobre o

regramento, e algumas percepções, que foram levantadas pela pesquisa com os grupos focais,

são desconhecidas.

Pesquisa: Há algum levantamento de percepção, da população em geral, sobre isso?

Resposta: Não, não temos nada neste sentido ainda.

Pesquisa: Nós fizemos escuta com grupos focais, e algumas pessoas falam na BR. Por exemplo, essas coisas que a Prefeitura colocou no gard rail sobre a copa, pinturas nas passarelas ou aquele painel eletrônico lá no início.

Resposta: Eu não tenho informações sobre esses casos. As pessoas reclamam do painel?

Pesquisa: Eles gostam das informações, mas acham que pode atrapalhar o trânsito.

Resposta: Também nunca ouvi reclamações sobre isto.

Pesquisa: Não é que eles reclamem, a gente não induz a conversa, as falas surgem.

Resposta: Mas, vocês têm algum percentual?

Pesquisa: Não. Esta é uma pesquisa qualitativa em que se procura observar o que as pessoas falam.

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A partir daqui, houve um interesse do técnico na pesquisa e ficou claro como a

pesquisa pode colaborar com as comunidades para conhecer melhor o tema das interações

com a CVU.

1.3 Aspectos da fala de um empresário do setor de publicidade ao ar livre

Na entrevista examinada nesta seção, foi ouvido o Sr. Régis Dubin, que é publicitário

e exerce a função de diretor comercial das empresas da ATIVA. A ATIVA é um grupo de

empresas que atua no segmento da publicidade ao ar livre nos estados do Rio Grande do Sul,

Santa Catarina e Paraná. No estado de São Paulo, a empresa vende espaços a clientes que têm

interesse em anunciar nos mercados do sul.

A empresa trabalha com publicidade aplicada ao mobiliário urbano, através do qual

presta algum serviço à comunidade atendida, pois é quem faz a manutenção dos equipamentos

explorados. Encontram-se nesse grupo de materiais os relógios de rua, que dão informações

sobre hora e temperatura, as cabines telefônicas fechadas e as placas de rua. A empresa

trabalha também com o que o empresário chama de mídia exterior pura. É uma mídia que não

se destina à prestação de serviços para a comunidade, sendo apenas locais de exposição de

publicidade. São os painéis front light (painéis com iluminação noturna frontal), os outdoors

(para campanhas rápidas, de no máximo quinze dias) e os busdoor (propagandas adesivadas

na traseira dos ônibus urbanos).

Régis Dubin demonstra uma clara preocupação com a saúde financeira da sua

empresa, mas, como homem de marketing que é e cidadão que apresenta uma “face”

preocupada com os problemas comunitários, consegue propor saídas técnicas para participar

de forma mais racional na relação entre o mercado da exploração do espaço visual público e a

comunidade.

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Na fala de Dubin, destacam-se dois tipos de interesse: o interesse comercial e o

interesse em um marketing social que, em última análise, está estreitamente ligado ao

primeiro, embora fique difícil separar o cidadão, que quer a evolução de sua comunidade, do

empresário preocupado com as finanças da empresa.

Em decorrência dos assuntos destacados nas falas das seções anteriores, pôde-se eleger

aspectos abordados na entrevista do empresário, que foram importantes na medida em que se

tratavam de subsídios para entender as relações entre os agentes que são administradores e

controladores do espaço público e os agentes locadores desses espaços.

Essas relações podem interferir na interação desses setores com os compósitos e,

conseqüentemente, na sua conformação no ambiente urbano. Os aspectos destacados são os

seguintes: a questão do impacto publicitário, o uso dos equipamentos urbanos pelas empresas

locadoras e a participação da empresa nos assuntos da comunidade.

Eles permitem aproximar pontos tratados no item anterior assim como desvendam

algumas possibilidades de atuação entre empresa e sociedade para benefício de ambos.

1.3.1 A publicidade - a questão do impacto publicitário

A questão do impacto publicitário é relevante na medida em que o crescimento da

exploração do espaço visual público faz com que a concorrência por esse espaço multiplique a

necessidade de eficácia dos apelos publicitários. As falas dos agentes ouvidos em grupos

focais permitem lançar dúvidas quanto à eficácia da maioria dos elementos de comunicação

que se encontram no espaço urbano.

Segundo Régis Dubin, a empresa busca essa eficácia através de pesquisas:

Hoje nós trabalhamos a mídia exterior em cima de um conceito de venda que é a eficácia do ponto. Toda e qualquer proposta comercial da nossa empresa vai agregada à informação. Nós realizamos todo o ano uma pesquisa, que o mercado publicitário conhece bastante, chamada “Caminhos do consumidor”. Através dessa pesquisa, feita com o Instituto Letti de Carvalho, nós conseguimos traçar exatamente quem são as pessoas

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que passam na frente de pontos estratégicos no caso que eu estou te oferecendo. Vou pegar um exemplo: na frente do Shopping Praia de Belas, na Borges, nosso instituto de pesquisa foi lá, fez quinhentas entrevistas com os três perfis de público, nas situações a pé, dentro do transporte coletivo e nas sinaleiras, no caso dentro dos carros, para saber, exatamente, quem são essas pessoas, qual a reação delas à mídia exterior e para poder caracterizar um pouco o seu target, a sua classe social. E para a gente poder acertar a comunicação visual em mídia exterior para o público que o nosso anunciante deseja. Então hoje a gente vende a eficácia através de pesquisa de informação que a gente fornece até para profissionalizar o nosso setor que ainda carece de um IVC, que a mídia impressa possui, um IBOPE, uma MARPLAN, institutos de pesquisa que avalizam. (Dubin, R.)

Questionado sobre como as pessoas são realmente atingidas pelo meio, a resposta é:

Pesquisa: − Existe uma pesquisa nesse sentido que seja qualitativa, que diga “eu realmente vejo”, que diga para o anunciante quantas pessoas foram realmente atingidas pelo meio?

Resposta: − Não, não existe uma aferição exata. Nessa própria pesquisa que a gente desenvolve, a gente pergunta “qual é a sensação que a pessoa tem sobre mídia exterior”. Está no nosso site. Desde 93/94 nós desenvolvemos esse conceito de ter que alimentar nossas propostas comerciais com informação.

As pesquisas dão suporte à oferta de locais para exposição, oferecendo a indicação de

onde há maior público com o perfil desejado pelo anunciante, por sexo, idade, ocupação e

interesse. Há, então, por parte do anunciante, uma aproximação com o público-alvo que é

quase aleatória, exceto pela concentração desse tipo de público em determinados espaços. Os

fornecedores de mecanismos de pesquisa e controle de audiências desenvolvem métodos cada

vez mais sofisticados de dimensionamentos de público-alvo, o que, mesmo assim, não garante

como a mensagem é recebida.

Resposta: − Uma das coisas que a gente faz com freqüência é que todo o ano a gente vai a uma feira internacional para nos atualizarmos no que há de mais moderno. Vamos à ISA, que é a International Sign Association, a maior feira do setor de mídia exterior do mundo. Um ano é em Las Vegas e no outro é em Orlando, alternados, ano sim, ano não. Há uma empresa em Nova York, a gente viu recentemente, que apresentou o que há de mais moderno no que tange a aferir o número de impactos. Porque passam pelo local 100000 pessoas, mas quantas olharam ou olham para...etc... Então a empresa fez um software com raio laser que atinge até uma distância de uns duzentos metros. O aferidor vai no painel, abaixo, e capta a retina. Então, no final do dia, ele te dá exatamente:“durante o dia, tivemos 50 000 pares de olhos voltados para o painel”.

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Pesquisa: − Então a gente não está muito longe do filme Minority report?!

Resposta: − Realmente. É uma tendência, extremamente moderna, muito longe da nossa realidade, mas é importante conhecer.

Neste ponto da fala, destacam-se duas afirmações importantes, além da exposição do

mecanismo de controle. A primeira é que o empresário local, em geral, busca suas soluções

em outras culturas, distantes, como Régis Dubin reconhece, da nossa realidade. Além disso,

note-se a admiração pelo fato de um mecanismo de controle ser considerado “moderno”, ou

seja, avançado. Há aqui não só a vontade de controle dos impactos da publicidade sobre o

mercado mas também o fascínio pelo uso da tecnologia, de forma bastante sofisticada, para

acessar esse controle e poder cobrar por ele. No entanto, há por parte do empresário um

reconhecimento do limite dessa intervenção quando se trata da subjetividade do público.

Pesquisa: − E eles apresentam resultado com isso?

Resposta: − Sim! E o preço que o anunciante te paga é pela freqüência. Tem uma escala. Vamos dizer, até cinqüenta mil impactos, ele paga X mil dólares; acima de cinqüenta mil impactos, mais X mil; então, no final do mês, somam-se todos os impactos e ele paga um fixo.

Pesquisa: − Há como medir isso como, por exemplo, como hoje já se mede a audiência?

Resposta: − Mesmo assim... estima-se que a cada televisor tenha três pessoas olhando. Então, apesar dos dados, existem subjetividades... a cada três, não é nenhum... mas às vezes são cinco. Mas não se chega no detalhe do que é que os caras estão fazendo ali. No caso, são pares de olhos que foram detectados pelo sensor. Isso é preciso e então é muito legal!

O número de “pares de olhos” voltados para o que é exposto não garante o alcance da

mensagem, mas estimula o empresário, que, combinando essa pesquisa à outra que a empresa

já faz (de levantamento do tipo de público que passa pelo local de exposição), pode pensar em

aproximações estatísticas do anúncio do seu cliente ao olhar dos consumidores. Mas, pode-se

pensar também que as pesquisas, da forma como são aplicadas, servem como suporte de

vendas para os espaços de mídia exterior, ou, como dizem os profissionais do marketing,

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agregam valor à mercadoria que é o painel locado, pois o uso da pesquisa passa a ser para o

empresário “um conceito”.

Pesquisa: − Uma das coisas que eu pergunto para as pessoas que circulam pela BR-116, e conforme a pessoa a quem eu pergunto, “o que é que tu achas?”: O motorista da van me diz “eu acho horrível, me distrai”, um passageiro da van me diz eu me desligo, “eu desligo, não vejo nada”. Então eu te pergunto: existe uma pesquisa nesse sentido que seja mais qualitativa, que diga “eu realmente vejo”, que diga para o anunciante quantas pessoas foram realmente atingidas pelo meio?

Resposta: − Não, não existe uma aferição exata. Nessa própria pesquisa que a gente desenvolve, a gente pergunta “qual é a sensação que a pessoa tem sobre mídia exterior”. Está no nosso site. Desde 93/94, nós desenvolvemos esse conceito de ter que alimentar nossas propostas comerciais com informação.

O uso dos resultados da pesquisa permite ao empresário dirigir sua clientela aos

pontos onde há maiores probabilidades de sensibilização do público. Para isso, a empresa

produz um material gráfico de excelente qualidade onde constam as informações sobre cada

ponto levantado.

Pesquisa: − E esses gráficos aqui? Representam a participação da ATIVA no mercado?

Resposta: − Não. Neste caso, estamos falando da mídia metrô e eu estou te dando um perfil de usuário. Então tu vês em vermelhinho que é a predominância da classe C, tendo uma boa participação de B, devido às universidades da região metropolitana. A presença do sexo feminino é um pouco maior do que a do masculino, e tem também a faixa etária que predomina de 20 a 40 anos.

Pesquisa: − E essas informações? Tu podes dar tranqüilo para o cliente?

Resposta: − Ah! É claro.

Pesquisa: − Para cada mídia que a ATIVA oferece ela tem todas essas informações?

Resposta: − Eu vou pedir uma cópia para ti da pesquisa “Caminhos do consumidor”. A gente está lançando agora a segunda etapa da “Caminhos do consumidor”, que mapeia mais sete pontos estratégicos de Porto Alegre e nos dá condições de chegar para o cliente e dizer que, “segundo as pesquisas da Letti de Carvalho, esses são os locais onde tem o maior fluxo do perfil de consumidor que lhe interessa. Então, através disso, a gente pode dirigir a mídia dele para o melhor espaço, um relógio, um táxi, uma cabine telefônica.

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1.3.2 O uso dos equipamentos urbanos pelas empresas locadoras

A crítica ao uso dos equipamentos urbanos pela publicidade, com a finalidade de

angariar fundos para sua viabilidade e manutenção, refere-se ao seguinte fato: se os

anunciantes precisam estar em espaços freqüentados pelos seus públicos-alvo, há um excesso

de publicidade e procura por esses pontos, enquanto que outros pontos, não valorizados

comercialmente, ficam excluídos dos benefícios desse tipo de contrato entre município e

publicidade.

Sobre isso o empresário expressa seu modo de ver, estabelecido numa relação

benefício/custo que prevê a atenção ao interesse do anunciante, mas que é administrada em

contrato pela Prefeitura para que possa contemplar também o interesse de áreas menos

procuradas comercialmente.

Pesquisa: − Mas essas localizações geram críticas, me desculpa te falar nesse assunto delicado, do ponto de vista da Prefeitura, destaca-se que só nas áreas onde há interesse comercial é que os equipamentos urbanos são colocados. Por exemplo, a Prefeitura cede a exploração das placas de rua, mas as ruas que não têm nenhum interesse comercial dificilmente são sinalizadas.

Resposta: − É, justamente. Infelizmente, hoje o único cliente que nós temos e que faz um trabalho na periferia da região metropolitana é o Diário Gaúcho, que tem um target totalmente a ver. Por isso é que normalmente os anunciantes não querem esses pontos. Então, na nossa relação com a Prefeitura, existe nossa obrigação de fazer um certo número de placas esmaltadas, aquelas que vão nas paredes das casas e que não têm propaganda justamente para suprir essas necessidades das regiões menos... que o anunciante não viabiliza. Então, sabendo disso, a gente já sabia porque isso não é só em Porto Alegre, é no Brasil inteiro, que nessas regiões de menor poder aquisitivo é muito difícil encontrar anunciantes que queiram anunciar nessas áreas. Então a forma que se encontra de dar essa informação também às pessoas de regiões menos privilegiadas,(afinal de contas, são pessoas como nós) é através de uma produção de uma quantidade por mês de placas esmaltadas. Eu não sei exatamente o número, mas está em contrato, fornecemos à Prefeitura e ela coloca nos locais onde é solicitado.

Fica então muito apropriado o título Caminhos do consumidor que a empresa deu às

pesquisas, uma vez que quem não é consumidor não interessa ao anunciante.

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1.3.3 A participação da empresa nos assuntos da comunidade

Pode-se pensar que a empresa compareça aos assuntos da comunidade como uma

forma de construção positiva da sua imagem ou pode-se pensar também numa nova inserção

do empresário local na sociedade como um todo.

Pesquisa: − Outra coisa que eu tenho notado é o apoio que a ATIVA vem dando a eventos da sociedade, por exemplo, aquele de fotografias no TRENSURB.

Resposta: − Na verdade, nós, da segunda geração, eu, que tenho a responsabilidade de fazer o marketing da minha empresa, estamos conscientes de que, se cada empresa fizer um pouquinho de uma ação social a gente iria ter uma redução das diferenças que existem no nosso país, na nossa região. Para nós, é uma obrigação. Um exemplo prático, para sair do discurso bonito, foi uma campanha que a gente fez logo na minha chegada aqui na empresa. Nós chamamos o delegado de polícia e disponibilizamos um produto que nós estávamos lançando, o busdoor, e colocamos fotos de pessoas desaparecidas em 120 ônibus. Foram expostas doze pessoas e, dessas, cinco foram localizadas, direta ou indiretamente, através dessa campanha. Aí nós fomos em uma entrevista no Zambiazi, eu acho, eu e o comissário Renato, o Renatão. E tu não sabes o que é a satisfação de ver uma mãe, agradecendo tua ajuda por ter encontrado a filha. Então isso foi muito gratificante, nos deu uma satisfação, e falando, agora, como um cara de marketing, certamente, nos deu um destaque, sim, nos deu uma posição privilegiada. Mas, em compensação, nós absorvemos todas as despesas, com todos os custos, não vendemos essa ação para nenhum cliente patrocinar, nós arcamos com tudo isso e ligamos o útil ao agradável.

A citação de um radialista, que é um político com orientação bastante conhecida e

marcada para o populismo, dá uma visão da ordem de visibilidade desejada pela empresa.

Mas também é verdade que um benefício social está atrelado a esse desejo de visibilidade.

Pesquisa: − Em que época foi isso?

Resposta: No fim de 1999 para o ano 2000. Por essa campanha nós fomos premiados em Brasília. Foi muito legal. Nós somos da ANEPO, que é a Associação Nacional de Empresas de Publicidade em Ônibus, que é a instituição que cuida disso em nível de Brasil, e nós fomos premiados em Brasília pela ANEPO como a ação social mais bem vista no ano de 2000.

Pesquisa: − Sob esse ponto de vista, eu acho legal o marketing que dá esse suporte. Claro que é uma troca. Claro que ninguém dá sem receber nada. Tu, que és empresário, sabes que a troca é evidente, mas eu tenho notado uma participação social maior por parte do empresário.

Resposta: − Eu também, sim, eu acredito que sim. Mas quanto mais jovem é o empresário... eu também.

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Pesquisa: − Eu vi, por exemplo, o Dannie (refiro-me a outro diretor da empresa o Sr. Dannie Dubin) falando no evento do TRENSURB, e a forma como ele falou me parece muito sincera.

Resposta: − É sim. Prá te dar uma idéia: há quatro anos, nós apoiamos todas as ações do MARGS65. Na verdade, nunca ninguém chegou pra mim e disse: “Pô que legal! A ATIVA patrocina o MARGS, apóia o MARGS”. Não tenho esse feedback. Eu não vendo mais produtos da empresa pelo apoio ao MARGS, mas a gente entende que é um compromisso social e que, no ano de 2002, nós adotamos o MARGS como projeto de ação social. Então todas as ações do MARGS têm nosso apoio não só financeiro como de produtos. Trazer a arte para a rua é uma coisa...

Pesquisa: − E a Bienal do Mercosul...?

Resposta: − ...é a gente que faz. Aqueles banners gigantes da frente do museu é a gente que faz. As campanhas trazendo pessoas de outras camadas sociais para dentro do Museu é a gente que faz. Porque a gente entende que a arte é uma coisa boa para todas as pessoas, principalmente para os menos privilegiados, porque traz cultura, traz vida. A gente está com um projeto com a Bolsa de Arte que é nas cabines telefônicas da ATIVA com projetos de arte. Então tem uma na frente do Colégio Anchieta revestida de grama sintética...

...Então isso já faz parte das nossas raízes, do nosso trabalho, para nós é gratificante. Independente de ter receita. Até não se tem receita comercial, mas essas ações são feitas com esse propósito social, única e exclusivamente social.

Pode-se duvidar da veracidade da afirmação de que o propósito da empresa é

unicamente social, mas deve-se concordar que, do ponto de vista cultural, a cidade teve alguns

ganhos. Resta-nos questionar se esses recursos não deveriam ser providos por outras fontes.

1.4 Aspectos da fala da publicitária Rosângela Rios - Top de Mídia 2003

1.4.1 Para ser um Top de Mídia

Rosângela Rios é profissional de mídia da Agência DCS-Comunicações. Ela ganhou o

Prêmio Top de Mídia de 2003, na categoria mídia externa. Ao ser questionada sobre o Top de

Mídia, Rosângela expõe como a categoria dos profissionais das agências procuram relacionar-

se com os veículos que utilizam de forma a otimizar o seu uso.

Pesquisa: Em que consiste o Prêmio Top de Mídia?

65 Museu de Arte do Rio Grande do Sul.

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Rosângela Rios: É um prêmio organizado pelo Grupo de Mídia do RS, é um prêmio validado por profissionais de veículos de todas as áreas. A definição do modelo e dos critérios estabelecidos para fazer valer este prêmio teve o envolvimento de todos os veículos de comunicação, todos têm oportunidade de avaliar os trabalhos que estão sendo expostos. Os mídias, as agências inscrevem seus trabalhos, a banca analisa caso a caso, e depois tem um prêmio para cada segmento: para rádio, TV, revista, jornal...Depois é dado o destaque (top). Este ano foi para a mídia externa, eu ganhei com um projeto da Claro, que, de todos os cases apresentados, foi o que se destacou.

Pesquisa: Tu poderias relatar esse trabalho?

Rosângela: O trabalho foi um projeto de verão de mídia externa para a Claro. Nós tínhamos necessidade de lembrar às pessoas que a Claro está junto no seu processo de deslocamento...Aqui no Rio Grande do Sul é debandada total no verão, todos vão para o litoral. O estado inteiro se desloca para o litoral. E a gente tinha necessidade de mostrar para as pessoas que a Claro está sempre junto. Que tu não precisas te preocupar, que tu vais continuar tendo o mesmo serviço, a mesma qualidade que tu tens na tua cidade de origem. (Rios, R.)

É importante salientar a expressão “estar junto”. Essa preocupação do publicitário de

colocar o produto junto ao consumidor é resgatada sempre na fala de Rosângela. A seguir, ela

esclarece que é um “estar junto” com estratégias, que se definem no uso ou na interação com

o próprio material que é exposto. Em cada plano de mídia, é levada em conta a situação de

comunicação, bem como as necessidades do consumidor naquele momento: a) o cliente está

se deslocando para a praia, precisa ser acompanhado de um bom atendimento telefônico, que

também deverá ser simpático (como a figura do gimick); e b) o cliente precisa de algumas

informações (hora e temperatura) para regular sua permanência no sol.

O que nós fizemos então? Instalamos um painel rodoviário na Free Way, quase chegando em Osório, no km 9. É a imagem do gimick da Claro, o papagaio, com a prancha embaixo do braço. Inclusive a face dele, a frente, fica voltada para o fluxo Porto Alegre-Litoral, ou seja, ele realmente estava indo para a praia junto contigo. A sensação que a gente queria passar - e eu tenho certeza de que chegou a ser percebido pela população − exatamente era assim: o papagaio estava indo para a praia também, de chinelo de dedo, prancha embaixo do braço, caminhando em direção ao litoral.

Além disso, foram instalados relógios digitais, que informam temperatura e hora. Um total de vinte relógios nas principais praias: Torres, Capão, Xangrilá, Tramandaí, Pinhal, Cidreira... Todos esses equipamentos tinham a imagem do papagaio,ou segurando o guarda-sol, ou com máscara de mergulho, ou com óculos de sol, a maioria desses equipamentos estava instalado na própria Beira-Mar. Uma coisa é certa: que as pessoas estão

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precisando e estão querendo ver quantos graus está e qual é a hora, se já está na hora de ir para casa, chega de sol por hoje. Então a gente sabe que esse tipo de equipamento é um prestador de serviços e, além do equipamento ser útil, nós tivemos sorte. (Rios, R.)

Rosângela dá então sua receita de profissional de sucesso. A figura do gimick ajudou

muito neste caso. Os comportamentos de simpatia e afetividade são projetados nos gimick

que, em geral, têm uma penetração grande junto ao público, principalmente a partir das

crianças. No entanto, a sedução é parte de todo um projeto elaborado meticulosamente para

cativar a atenção do público.

Porque, na mídia externa, não adianta tu teres um belo produto, tu teres um ponto fantástico, se a criação não tiver a competência necessária para ele ser visto, para ele sobressair. Neste caso, fomos felizes porque o gimick da Claro, o papagaio, é uma figura extremamente carismática, nós temos isso bem claro pelas pesquisas. As pessoas chegam a desenvolver uma relação de carinho com ele. Uma afetividade muito grande, muito densa até. Então a criação foi extremamente feliz para a proposta de mídia que eu tinha.

As imagens do papagaio estão em situações muito queridas, com guarda-solzinho na mão, muito bonitas e coloridas, coisas que tu gostarias de ver na rua em qualquer momento. E nada melhor do que tu seres impactado na rua por algo que te agrada visualmente. Pois, se eu não tivesse contado com esse resultado da criação, se eu tivesse trabalhado só com a logomarca, não teria tido toda a repercussão que teve.

Quando a gente fala de mídia externa, tu tens que conseguir juntar, unificar diversos fatores: o ponto, o produto − que tanto pode ser a placa rodoviária como o relógio − ou, como aqui em Porto Alegre, eu já tinha equipamento instalado com o papagaio. Independente do produto que a gente está falando, do canal de mídia, a criação deve estar muito afinada e responder exatamente dentro das características daquele veículo.

A percepção do profissional considerado Top é, acima das pesquisas, o indicador mais

valioso. É um conhecimento elaborado na vivência das situações profissionais e na extrema

sensibilidade para com as necessidades do outro (o consumidor).

Pesquisa: Como é que tu escolheste, por exemplo, os relógios da campanha do litoral, tu tinhas alguma pesquisa?

Rosângela: Foi só percepção.

Pesquisa: Uma das nossas fontes disse que só olha para a mídia externa quando dá a hora...

Rosângela: Um trabalho mais elaborado, assim de pesquisa, não existe.

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Pesquisa: Porque a função da mídia externa é esta: estar junto com o possível consumidor...

Rosângela: Estar sendo lembrada... Tem os exemplos clássicos da Coca-Cola e outras grandes marcas. É lembrança de marca, fixação de marca.

1.4.2 A eficácia da mídia externa

Como já havia sido destacado por Régis Dubin, da ATIVA, Rosângela afirma que não

há pesquisas sobre a recepção da mídia externa.

Pesquisa: Como é que tu aferes a eficácia da mídia externa? Há pesquisas?

Rosângela: Na prática, não existe, assim como existe para a televisão, o Ibope, que mede a audiência, ou a Marplan para a mídia impressa, na qual as pessoas são realmente pesquisadas para hábitos de leitura, comportamentos de leitura. Na mídia externa, não existe nenhuma pesquisa regular e efetiva. O que muitas vezes a gente faz são pesquisas próprias, bem na linha do recall e da percepção. São pesquisas encomendadas. A gente (a agência) contrata empresas que trabalham nessa área de check’in e recall e busca os relatórios para análise. Mas, de certa forma, é fácil porque as pessoas comentam. Muitas vezes até o próprio cliente recebe e-mails, através das centrais de atendimento, recebe elogios... Se as pessoas estão se motivando ao ponto de buscar automaticamente, espontaneamente, uma forma de expressar o que sentiram com a campanha, isso para nós valida qualquer ação, valida muito mais que as próprias pesquisas. Fora isso, o resultado do trabalho feito, existem nas empresas de mídia externa filtros com os fluxos, o tipo de pessoas que circulam naquela região. Tem uma série de critérios que são avaliados para definir a contratação de um ponto. Só para teres uma idéia: agora a Claro está em um processo de alteração de marca, nós compramos cinco painéis seqüenciais na Castelo Branco. Quando tu sais da rodoviária, passas por dois da concorrência e depois vêm cinco dos nossos, porque já estamos em temporada de verão e de deslocamentos por essa região.

Críticas à mídia externa, apontadas adiante, nas falas dos grupos focais, são destacadas

por Rosângela:

Muitas vezes, a gente vê situações como o busdoor, que, para determinado tipo de anunciante, funciona muito bem, algumas vezes colocam quase que uma página de um livro ali e as pessoas não conseguem ler, e ele deixa de cumprir com uma função em função do mau uso. Isso é bem comum de se ver em mídia externa. (Rios, R.)

1.4.3 Publicidade e meio ambiente

Rosângela defende que a publicidade bem feita, ao mudar o aspecto visual de um

local, está colaborando para a valorização da área.

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Quando a gente sai de Porto Alegre, em direção à ponte, a região é muito feia, tudo é cinza, e as pessoas passam ali numa velocidade imensa. E, neste nosso seqüencial, as telas são todas azuis, com a nova logomarca vermelha... ele dá uma sensação boa na região, uma coisa iluminada, colorida, o azul do céu, a logomarca vermelha. Então nesse ponto, que é estratégico para nós, porque agora vem a temporada de praia e as pessoas, há um deslocamento intenso das pessoas por ali e ainda o fluxo de rotina que também é grande. Esses cinco pontos dão um impacto bastante grande e, por sorte, o motivo da campanha também valorizou o ambiente.

Segundo a publicitária, a poluição visual ocorre por uma soma de fatores, que nem

sempre são os elementos publicitários.

Pesquisa: O que é para ti poluição visual?

Rosângela: Eu acho que é um conjunto de tudo. Eu já te citei o exemplo da Castelo Branco, que é um ambiente muito cinza, muito feio, e que a publicidade que temos ali hoje a gente sabe que está, de certa forma, valorizando o ambiente. Como poluição visual, eu não vejo só como excesso de propaganda, só excesso de tabuletas. Porto Alegre tem muito ainda, pois já tem algumas praças em que foram feitos projetos de reordenação de mobiliário urbano, onde se está tentando melhorar isto: Salvador, Rio, Curitiba...uma série de cidades que já estão com esses projetos de mobiliário urbano. Se tu fores pensar em poluição, é todo um contexto: desde as fachadas dos prédios, a parte de arquitetura, as próprias placas de identificação dos pontos de venda. Às vezes, fica tudo muito misturado, muito confuso, e isso, sem dúvida, cansa. Em Porto Alegre, tem determinados trechos que chegam a ser sufocantes: a Assis Brasil, a Azenha, a Bento... eu acho pesado, é muito carro, é corredor de ônibus, é parada, é táxi... é gente circulando demais, é tumulto, é tudo...

Rosângela acredita que, se existe poluição por publicidade, esta deve-se ao mau uso da

mídia externa.

Daí é que entra o aspecto que eu comentei contigo na questão do uso. As pessoas querem repassar informações em excesso e acabam usando incorretamente o meio. Ele não cumpre com o papel e acaba sendo queimado: o anunciante não encontrou retorno; o consumidor acha que aquilo está incomodando, eles não sabem exatamente bem, de que jeito ou por quê, mas não bate e tu podes ter certeza, na minha percepção, na maior parte das vezes, é o uso incorreto do meio. E, sem dúvida nenhuma, o excesso. Aqui em Porto Alegre a gente tem um sério problema de excesso. A publicidade é muito misturada, muito diversificada, isto também dificulta, cansa as pessoas visualmente. (Rios, R.)

Em relação ao que nesta tese é tratado como relação figura/fundo, Rosângela expressa

o fundo como “paisagem”.

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Pesquisa: As pessoas dizem que desligam...

Rosângela: Uma das coisas que a gente usa é isso. Cuidar para não ficar muito tempo em um local com um mesmo material, porque a gente sabe que vira paisagem. Isso dá um desperdício imenso. Muitas vezes, o anunciante fica relutante em produzir um novo material, porque isto incide em custos. A tela fica ali seis meses, e a agência sugere novas opções, mas, em função dos investimentos, o anunciante acaba não aprovando.

Lembro de um painel da Claro que já está há muito tempo em um mesmo local.

Rosângela me explica de que forma os publicitários “renovam” essa paisagem.

Pesquisa: E aquele papagaio, ali na descida da Mostardeiro, que no Natal ganha um gorrinho... como é que vocês sabem qual é o momento de trocar, para não “virar paisagem”...?

Rosângela: Esse ponto aqui da Mostardeiro a gente sabe que é um ponto privilegiado, e que, se a gente abrir mão, possivelmente no outro dia a concorrência está ali. Então a gente usa artifícios: na copa, quando o Brasil ganhou, estava ele vestidinho com a camiseta da seleção, com a faixa de tetra no peito; no Natal, colocamos o gorro; eventualmente, quando tem uma campanha, como, por exemplo, quando a Claro fechou um milhão de assinantes no estado, ele estava com uma placa de 1.000.000. Então a gente vai tentando encontrar artifícios para renovar visualmente o ambiente e chamar a atenção das pessoas.

Pesquisa: Isso de quanto em quanto tempo?

Rosângela: Na verdade, não tem um prazo. Neste caso, o que a gente faz é muito mais aproveitar as oportunidades. Dependendo do que está acontecendo com o cliente ou com o momento que o estado está passando, a gente trabalha aquela situação.

Como já foi observado em outros meios, por exemplo, nas telenovelas da televisão,

uma das estratégias para estar presente na mente do público é utilizar situações do seu

cotidiano como apelo. As comunidades também são envolvidas, através dos equipamentos

urbanos. Rosângela conta que, depois da campanha do Litoral, muitas prefeituras de praia

solicitaram o relógio com o papagaio.

1.4.4 Os pontos de exposição e a legislação

Embora a oferta de pontos para exposição parta das locadoras, é a demanda que define

os pontos mais procurados.

Na verdade, a pesquisa por novos pontos ocorre de forma quase paralela. As empresas que trabalham com mídia externa estão constantemente

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observando a cidade, tentando entender comportamentos, vendo onde vai virar um centro, onde é interessante, importante abrir novas opções. Então essas empresas estão em constante negociação com os proprietários de terrenos, em pontos determinados. Então, quando a gente compra mídia externa, a gente considera primeiro o que eles já têm de oportunidade na mão. Muitas vezes, até nem tem equipamentos instalados, mas já há um pré-acerto com o proprietário do espaço. Aí, se a gente julga que o ponto é o que nós precisamos, o equipamento é colocado. Se, por um acaso, tudo o que foi apresentado não for exatamente o que se quer, a empresa locadora vai em busca e abre um novo ponto. (Rios, R.)

Como foi tratado, tanto pelos agentes da Prefeitura de Porto Alegre quanto pelos

donos de empresas, nem todas as agências de publicidade procuram locadoras com a infra-

estrutura necessária para atender às exigências da legislação.

Pesquisa: A questão de envolvimento com legislação é toda assumida pela empresa locadora?

Rosângela: Isso, no nosso caso aqui na DCS, com os nossos clientes. Porque existem alguns anunciantes que contratam direto com os proprietários dos terrenos. Nós aqui trabalhamos só com as empresas de mídia externa, exatamente em função de toda essa preocupação, essa segurança que a gente tem que ter com relação a: serviços de engenharia, autorizações legais, liberações de uso por parte da Prefeitura, pagamento de luz, nós não nos envolvemos e nem repassamos isso para os nossos anunciantes. A gente sempre procura trabalhar através de mídia externa porque toda esta parte burocrática e legal é feita por eles. É uma segurança que nós definimos como formato de trabalho.

É consensual que, nesse segmento de prestadores de serviço, existem empresas que

não cumprem com as regras determinadas pela lei e comprometem o mercado que, segundo a

publicitária, não apresentará uma mudança a curto prazo.

Porque a gente vê situações completamente absurdas, processos jurídicos rolando anos a fio, às vezes involuntariamente a gente é envolvido por empresas das quais a gente acaba abrindo mão e não dando continuidade ao trabalho, porque existe uma infinidade de empresas de mídia externa e algumas não são tão corretas como deveriam. (Rios, R.)

Quando se fala de tendências, surge a questão da Grande Porto Alegre, onde se

encontra o município de Canoas, e onde o problema é mais visível.

Pesquisa: Qual é a tendência, para essas empresas, no mercado?

Rosângela: Acho que ainda vai um pouquinho longe, por enquanto o mercado ainda não suporta só as empresas grandes, com clientelas bem

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estabelecidas. Todos os dias estão surgindo novas empresas, e o mercado não consegue regular isto. Há muitas pequenas empresas que se multiplicam, principalmente na Grande Porto Alegre e interior do estado.

1.5 Aspectos das falas dos artistas que intervêm no espaço urbano

Os artistas, por vocação e por formação, interagem com os compósitos através de

lógicas que, nas intervenções urbanas aqui examinadas, subvertem os modos de viver os

espaços visuais públicos da cidade.

A primeira intervenção examinada foi o projeto, do grupo de artistas denominado

Clube da Lata, O lado de dentro de um outdoor que, a partir de um espaço já reconhecido no

meio porto-alegrense − um outdoor colocado na frente do Centro Municipal de Cultura a fim

de servir de suporte para trabalhos colados por artistas locais − propõe que o espectador,

através de uma câmera obscura66, observe um fragmento da cidade captado por este processo.

A “câmera” foi instalada dentro de uma caixa de metal e, vistos de fora, os espectadores

parecem fotógrafos lambe-lambe imersos, lado a lado, na sua câmera coletiva, através da qual

o espectador vê a cidade e seu movimento de maneira invertida. Para Maria Ivone dos

Santos67, que apresenta o catálogo do projeto dos artistas Adriana Boff, Juliana Angeli e

Tiago Rivaldo, a intervenção questiona o suporte outdoor: “O que é um outdoor? Como ele se

mostra?”.

Ao inverter a função signo68 da mídia outdoor, a função de veicular publicidade no

espaço urbano é alterada para a função de veicular imagens da cidade através do outdoor.

Nessa instalação, os artistas quebraram a regra que institui o símbolo midiático. Na primeira

66 Dispositivo que constituiu a gênese da moderna fotografia, derivado dos estudos da ótica medieval renascentista. Tais dispositivos permitiam desenhar ou pintar a imagem que se projetava invertida sobre a tela ou suporte do desenho ou pintura. In: DUBOIS, Philippe. O ato fotográfico. Paris: Papirus, 1995, p.129 apud SANTOS, Maria Ivone, In: BOFF, Adriana (org), O lado de dentro de um outdoor: Clube da Lata, Porto Alegre: Fumproarte, 2002. 67 Artista plástica e professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. 68 Sobre a “função signo” − relação entre o plano de expressão e o plano do conteúdo, ver HJESMSLEV, L.

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Prolegômenos a uma teoria da linguagem. São Paulo: Perspectiva, 1975.

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função, o referente é representado no espaço do outdoor para o passante da cidade; na

segunda, o mesmo espaço traz uma outra representação da cidade para o mesmo público. A

imagem fotográfica, assim como a função do signo, é invertida e a percepção do espaço

alterada.

Se observarmos essa ação segundo o modelo de Goffman, poderemos dizer que foi

feita uma “fabricação” dos artistas (1986, p.83). O engodo que Goffman estuda nas

fabricações, neste caso, é utilizado para chamar a atenção para alguma coisa que o artista

considera importante. Ele produz uma quebra no enquadre dos observadores, sabendo que os

mesmos envolvem, em maior ou menor escala, expectativas normatizadas que, quando não

correspondidas produzem desvios nas suas percepções (1986, p.345). O texto de Maria Ivone

dos Santos destaca este fazer, no catálogo organizado pela artista Adriana Boff:

O aspecto central dessa intervenção talvez resida na subversão do espírito midiático que caracteriza o outdoor, dada por esse duplo olhar: o inverso é a duplicação do espaço externo (do qual somos também olhados). O enquadramento aqui aparece como uma operação intrínseca ao próprio suporte da imagem captada. ...O aspecto impressionista da imagem obtida é apenas uma miragem... é tão somente luz capturada. (Boff, 2002)

Maria Ivone relata que as intervenções urbanas através da fotografia têm sua origem

na Land Art dos anos setenta. A busca pelas interações dos artistas no espaço público de Porto

Alegre leva a outro texto, o livro Cotidiano, que se refere ao trabalho do também artista

plástico Leandro Selister. Nesse livro, Blanca Brites69 comenta que é prática corrente nas

grandes metrópoles a intervenção em espaços públicos com finalidades artísticas,

exemplificando com o uso do metrô. Leandro Selister foi o artista vencedor do Prêmio Sérgio

Motta, um concurso que ocorre em São Paulo, através do Instituto Sérgio Motta, destinado a

trabalhos em arte e tecnologia.

69 Co-autora do texto do livro Cotidiano, Brites apresenta o trabalho de Leandro Selister no TRENSURB. Doutora em História da Arte e professora de História da Arte no Programa de Pós-graduação em Artes Visuais do Instituto de Artes da Universidade Federal do Rio grande do Sul.

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Selister apresentou nesse concurso um trabalho que era decorrente de sua experiência

como fornecedor de material para comunicação visual recortado em plotter. O trabalho havia

sido feito para a disciplina de xilogravura, no Instituto de Artes. Tendo ganhado a bolsa do

Instituto Sérgio Motta, instalou-o pessoalmente nas estações do TRENSURB com a

autorização da administração do trem70. Perguntou-se a Leandro até que ponto o seu trabalho

tinha alguma relação com o mercado publicitário. Em princípio, o trabalho não teve nenhum

patrocínio:

Como eu tinha ganho a bolsa para isso, negociei com os meus fornecedores o adesivo e eu mesmo instalei, porque, se eu tivesse que pagar uma empresa para executar, o dinheiro da bolsa não seria suficiente. Houve patrocínio para o livro, que foi pago pelo TRENSURB. (Selister, L.)

Mesmo apoiado por organismos, que, através de seus administradores, sensibilizam-se

com suas obras, os artistas precisam contar com recursos oficiais para suas intervenções. No

caso do artista, esta é sua primeira intervenção, pois, antes disso, só havia utilizado o plotter

como fornecedor para trabalhos de terceiros.

O meu interesse vem em função do site, o ArtWebBrasil, que eu faço há três anos. Eu me dei conta da troca entre artista e público... essa relação direta, mesmo que virtual com o público. (Selister, L.)

Esse interesse já vem de outro projeto, chamado Identidades, com o qual o artista

ganhou o prêmio do Salão de Artes de Porto Alegre. Nesse trabalho, o artista propôs ao

público colocar a sua foto numa urna. Leandro escanerizava as fotos do público para fundir,

num adesivo transparente, com a sua própria imagem impressa numa caixinha de CD,

formando um grande painel.

70 Selister fotografou as pessoas que habitualmente se deslocam pelas estações, transformou as fotos em grandes figuras em alto-contraste (como silhuetas ou sombras), recortou essas figuras em filme auto-adesivo, com plotter eletrônico, que é uma ferramenta muito usada em materiais de sinalização e mídia externa, e colou essas figuras nos espaços do trem, nas estações, escadas e interior dos vagões. Na época, o trabalho foi muito elogiado e comentado pelos jornais.

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Então fundia as duas imagens e já não era mais eu e já não era nem a pessoa que tinha me doado a foto. Era uma outra pessoa. E foi incrível! Porque eram cento e trinta caixinhas e eu consegui preencher cento e dez. (Selister, L.)

Mas, para ele, o trabalho do trem foi o mais importante desse tipo de participação,

pois, durante as instalações, ocorreram interações que ele relata:

Houve manifestações boas e ruins, um senhor, na Estação UNISINOS, disse: “Para que isso?”.

...Pessoas curiosas com o material; pessoas chegavam para tocar, para ver se era pintado o que era aquilo afinal de contas; outros perguntavam quem eram aquelas pessoas e eu dizia que eram eles mesmos e que podia até ser ele. ...Se, hoje, eu fizer outro trabalho, sempre será tendo em vista o público. (Selister, L.)

Trabalhar tendo em vista o público é da praxis do artista. Mas a frase parece dizer

mais. Parece contaminada pela atividade dos meios de comunicação: trabalhar

especificamente para um público, provocar interações em determinado público-alvo.

Leandro relata que, nas plataformas do trem, foram entrevistados alguns usuários e

alguns diziam não se sentir mais “sozinhos”. Houve um funcionário que, correspondendo à

compreensão da fabricação como engodo, relatou como foi “enganado”, quando pensou que,

no vagão que devia ser recolhido, havia ficado um passageiro.

Blanca Brites explica que:

Leandro, entre tantos gestos e sinais, captou aqueles que se constituíam em “códigos para os usuários” e que, desta forma, “estabeleceu-se uma dupla relação: uma a partir do olhar do artista e outra, pela projeção, ainda que de forma velada, dos desejos dos usuários. (2002, p.29)

Não houve, nas palavras de Leandro, “uma inauguração do trabalho”. Tampouco

foram colocados avisos de “não toque” ou que aquilo era uma obra de arte. No entanto,

quando os recortes representavam pessoas nos bancos do trem, os usuários não sentavam

sobre as fotos caso houvesse assentos vagos. Brites diz que, através dessas imagens, em

gestos do cotidiano, muitas vezes não percebidos, “permanece subjacente o forte poder

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simbólico da imagem humana. Mesmo sem ter identificação com qualquer personagem, esta

guarda o lugar de uma presença” (2002, p.40). Leandro diz que:

...houve, por parte do público, uma descoberta crescente e as pessoas, e isso foi dito em depoimentos de jornais e entrevistas de TV, aos poucos foram se dando conta de que existia uma coisa nova, e que isso aí não era uma propaganda.

Eu não tenho este dado, mas eu acho que as pessoas conseguem diferenciar aquilo da propaganda, embora o trabalho tenha sido muito divulgado pela imprensa. (Selister, L.)

Perguntado sobre as interferências do público no seu trabalho, Leandro diz que é isso

que quer, isto é, faz parte de sua expectativa, ou do enquadramento fabricado: que o público

altere seu trabalho.

Alguns tiram um pedaço. O meu lado romântico gosta de pensar que é para levar como lembrança, mas... ficar ali esperando o trem, sem ter nada o que fazer, leva o usuário a tentar descolar as imagens. Faz parte da proposta, ela tem um tempo de duração.

Leandro tem outros projetos, um está diretamente ligado ao urbano e se chama

Paisagem em trânsito. Nesse projeto, o artista gostaria de utilizar os busdoor. Colocando na

traseira dos ônibus imagens da natureza de Porto Alegre, ele quer lembrar ao usuário como a

paisagem da cidade é encoberta pela publicidade − ele lembra a beleza dos ipês amarelos que

florescem na primavera.

Buscou essa relação de interação com o público em outra instalação sua, desta vez na

Usina do Gasômetro, na galeria Lunara, tendo exposto um grande back light, que era um

trompe l’oeil instalado sobre o buraco de uma das antigas tremonhas da usina que conforma a

estranha galeria. Nessa exposição, Leandro teve a surpresa de ver dois adolescentes jogarem-

se sobre a fotografia que era seu retrato dentro da tremonha, arriscando ferir-se.

Desde que eu visitei a galeria, pensei num trabalho que usasse o espaço da tremonha ao invés das paredes. A sensação que eu tinha era de cair lá dentro. Nos meus trabalhos, a primeira sensação é sempre o que vai ser: Uma amiga fez uma foto minha dentro do buraco, vestido de preto para não

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haver interferências, e eu fiz uma impressão gigante da foto71 e tapei o buraco iluminando por baixo e escureci a galeria. Bom, e aí os adolescentes se jogaram. Poderiam ter morrido porque aquilo era amarrado nas extremidades com cordas. Acho que eles pensaram que era uma cama elástica. O guarda viu o que ocorrera por um circuito de TV, veio ao local e disse aos meninos: “Escuta! Isso é uma obra de arte”. Tu vês, eu nem pensei nisso. Quando me disseram, eu gelei, pensando que alguém pudesse ter se ferido. (Selister, L.)

Nessa passagem da entrevista, Leandro, na observação da interação do público com

sua obra, relata como vários enquadres são utilizados para um mesmo objeto. Primeiramente,

o autor faz a obra de arte como uma fabricação, um trompe l’oeil, que, além de imitar um

artefato publicitário urbano (um painel back light), imita o espaço da tremonha. Sua obra é

interpretada pelo guarda como “uma obra de arte” por se encontrar numa situação de

exposição, em uma galeria, e, pelos meninos, como um desafio, uma cama elástica, um jogo

de vertigem72, que os projetou para o fundo do buraco. Na seqüência, com o susto, Leandro

abandona a “fabricação” inicial da obra de arte, revelada aos meninos pela frase do guarda,

para concentrar-se no possível perigo que ela poderia ter representado.

A sensação de vertigem em relação à foto também foi observada por Leandro em

outros espectadores que paravam na porta, com medo, ao entrar na sala. Há outras

interpretações como o caso de uma senhora que disse aos amigos: “pois é, aqui geralmente

tem exposições, mas eu não sei por que agora eles taparam este buraco”.

O artista se diverte com essas interações:

Para ver o que é a visão das pessoas do que é arte ou fotografia. Um amigo meu que é crítico disse que vai ser complicado ocupar aquela galeria depois do meu trabalho. (Selister, L.)

Leandro fez um ano do curso de Arquitetura porque, quando era criança, brincava de

construir plantas baixas e guarda os desenhos até hoje. Essa vocação inicial parece ter

71 Este tipo de impressão em lona é utilizado nos backlights publicitários. 72 Sobre os jogos de vertigem, ver Caillois, 1971.

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definido a orientação espacial dos seus projetos artísticos, que “sem ser no espaço, não têm

graça”. Nessa parte da entrevista ele faz uma afirmação que leva a questioná-lo sobre o

problema da ocupação do espaço urbano:

Leandro: − É que hoje é tanta imagem, que eu não vejo mais sentido em fazer um trabalho para se colocar numa parede. Uma das coisas legais que uma jornalista escreveu é que eu acabo fazendo trabalhos que se incorporam à paisagem onde eles estão. E isso é muito legal. É difícil prá caramba. (Selister L.)

Pesquisa: − E por falar em paisagem, sem falar nos objetos de arte, a comunicação visual urbana é uma alteração da paisagem. O que tu achas disso?

Leandro: − Eu acho um problema seríssimo. É uma coisa que me incomoda muito. Desde que eu comecei a fazer o trabalho do trem, a cada vez que eu volto para fotografar aquele ambiente, eu vejo que ele está sendo invadido pela publicidade. É uma coisa absurda! Esse trabalho do trem tinha um grande objetivo, que era as pessoas se darem conta do espaço que elas ocupam. Isso era fundamental, e eu procurei mostrar a rotina das pessoas através das fotografias. As pessoas sentam no banco, vão até a outra estação e acabou. As pessoas não olham a paisagem, o entorno. E não se dão conta de que elas estão ocupando aquele espaço, todo o dia, e nem se dão conta da poluição visual. Não sei se há algum controle para isso.

Pode-se inferir daí, que, para Leandro, o uso do espaço visual público é admissível no

caso de uma performance artística, mas é inadmissível quando feito pela publicidade.

***

Além dos artistas que pertencem ao campo institucionalizado das artes, que

freqüentam a Escola de Artes, há os grafiteiros. Os grafiteiros têm com o espaço urbano uma

relação diferente dos pichadores, que sempre agem na clandestinidade e não têm objetivos

artísticos senão os de rebeldia.

Recolheu-se a seguinte notícia no caderno Comunidade do jornal Zero Hora:

Aproximadamente 20 grafiteiros deram um novo sentido a um muro do prédio da Cia Estadual de Energia Elétrica (CEEE), no centro da Capital. A pintura Mural da diversidade − um outro mundo aqui mesmo, fez parte da Primeira semana da juventude, realizada no final de outubro.

...Um muro que não está dizendo nada, servindo para nada, passa a dizer algo de positivo para as pessoas, sejam elas jovens, adultos ou velhos, diz o grafiteiro Luis Flávio Trabalho.

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...O trabalho no muro da CEEE traz diversos segmentos do grafite, explica Trabalho. Segundo o grupo, ainda há muito espaço para o grafite crescer na Capital, principalmente se as pessoas não confundirem arte com vandalismo. (Zero Hora, 4 nov. 2002,Comunidade, p.6)

Quando Trabalho especifica que pode haver confusão entre arte e vandalismo,

demonstra consciência do lugar ocupado pelas artes plásticas na sociedade, que é

institucionalizado, diferente do lugar do grafiteiro, principalmente, do pichador.

2 FALAS NÃO-MARCADAS

As falas não-marcadas correspondem a grupos de entrevistados distintos e permitem

observar várias possibilidades de interação dos passantes com os compósitos. Neste segmento

foram entrevistadas, primeiramente, pessoas que, por razões de trabalho, deslocam-se por

diversos ambientes da cidade; foram observados quatro grupos focais aos quais

compareceram pessoas que circulam pelos espaços em estudo; e, por último, há uma enquete.

***

A cada novo movimento da sociedade, adaptam-se a cidade e seus habitantes.

Atualmente, o tempo é uma das mercadorias mais exploradas comercialmente. Desde os

primórdios da era industrial, o tempo passou a ser contabilizado e passa a ser gasto.

Thompson (1991, p.44) descreve a forma como a relação do corpo com o tempo vem sendo

disciplinada pela produção na sociedade capitalista moderna, e como essa relação é

demarcada no espaço do trabalho e da vida particular.

A partir do desenvolvimento das telecomunicações, as relações entre o homem urbano

e o seu espaço se alteram. Para alguns habitantes da cidade, o trabalho está longe da moradia e

os meios de transporte públicos adaptam-se às suas necessidades. É o caso das passageiras das

van. Para outros, o trabalho desloca-se para o interior do privado e se estabelecem novos

estilos de vida adaptados a esta realidade. Uma rede de novos serviços é criada para aqueles

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que não querem ou não podem se deslocar da sua casa. Nesse cenário, os profissionais

disponíveis ao atendimento a domicílio ganham espaço. São indivíduos que se deslocam pela

cidade e trazem o espaço da rua para o privado. Nessa rede de serviços, estão incluídos os

motoboys, as faxineiras e os personal trainers.

Os entrevistados caracterizam-se por apresentarem nas suas falas um baixo grau de

“teatralização” (no sentido de Goffman) e por explicarem suas interações com os compósitos

utilizando “enquadres primários”, “laminados” a partir de suas vivências particulares. A

pergunta sobre a poluição visual suscita-lhes dúvidas quanto ao seu significado, que muda

conforme o interesse de cada um. Acrescentam enquadres, ligados às suas experiências de

vida e ao tipo de trabalho que executam. Descrevem o que lhes é perguntado segundo suas

razões práticas.

2.1 Lúcia e Matilde - “poluição é sujeira”

Lúcia e sua irmã Matilde Almeida são domésticas e fazem limpeza em casas de

famílias da classe A/B em Porto Alegre como diaristas73. Residem no município vizinho de

Viamão, e seus deslocamentos, são feitos a pé ou de ônibus. Sua postura na entrevista é

diferente de atores mais preparados para o jogo social74. Na sua fala, o índice de teatralidade é

praticamente nulo. Descendem de uma família do meio rural e os seus valores expressos

condizem com a percepção que se tem de agentes provenientes dessa área do estado do Rio

Grande do Sul.

Pesquisa: A tua família é daqui de Porto Alegre?

Resposta: Não, é de Passo Fundo, do interior de Passo Fundo.

Pesquisa: Há quanto tempo tu moras aqui?

Resposta: Dez anos que eu moro aqui.

73 Sua ocupação tem um nome – faxineiras –, e o fato de serem diaristas não lhes confere os mesmos direitos trabalhistas dados aos outros trabalhadores. 74 Suas percepções são expressas de modo muito próximo ao que Goffman chama de “back stage”.

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Pesquisa: É uma família de ruralistas?

Resposta: É, é isso mesmo.

A população do interior do RS corresponde, em sua maioria, a indivíduos para os

quais os valores de família e honestidade são muito importantes, e o caso de Lúcia e Matilde

parece ser este.

Lúcia gosta de ver as propagandas na rua. “Acho bonito”, ela diz. Percebe-se que

Lúcia é uma das passantes que se sente atraída pelas mitologias da publicidade.

A beleza, a limpeza e organização que traz às casas dos outros como faxineira Lúcia

também quer para sua casa. Michel de Certeau questiona se aquilo que mais vemos não é

aquilo que mais nos falta (1995, p.43).

Para isso, todos da família ajudam, e, como todos trabalham durante a semana, sobram

os fins de semana para essas tarefas. Lúcia é uma pessoa alegre, e sua positividade pode estar

na sua capacidade de fantasiar. A publicidade nos oferece uma ficção: belos corpos, belos

sorrisos, belas cores. No entanto, o espaço de compras de Lúcia é bem limitado − lojas que

oferecem produtos de baixo custo:

Pesquisa: Tu chegas a comprar alguma coisa que vês anunciado na rua?

Resposta: Não. Hum, hum.

Pesquisa: O que é que tu compras, quando tens que comprar, com o teu dinheiro? O que é que tu compras (repito), onde é que tu gastas o teu dinheiro?

Resposta: O que é que eu escolho? Eu gasto nas lojas Renner, na Paquetá, na Ughini e na C&A.

Perguntada novamente sobre o que ela compra nessas lojas, ela responde: “roupas,

para mim, para minha família”. Não é à toa que sua primeira lembrança é o vestuário, não

lembra da comida, que garante sua sobrevivência, mas a roupa. Na sociedade da moda, desde

o século XIX, a roupa representa o sujeito. A publicidade atual vende estilos para todos, e

Lúcia esforça-se para andar bem vestida. Mesmo não fazendo parte dos públicos A e B, alvo

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das campanhas publicitárias, as casas das classes consumidoras para as quais trabalha fazem-

na conhecedora dos códigos da moda que constituem capitais simbólicos.

Para Matilde, a primeira lembrança de propaganda de rua é da propaganda política.

Quanto a esta é incisiva: “Não gosto de propaganda política, só faz sujeira, eles prometem e

não fazem nada, as outras (propagandas) eu nem vejo”. Lúcia também concorda com a irmã:

Pesquisa: Tu me disseste que olhas para as propagandas na rua. O que é que te chama mais atenção? O que é que tu gostas de olhar?

Resposta: Ah, todas as propagandas. Só a propaganda de política é que eu não gosto.

Pesquisa: E por que é que tu não gostas das propagandas de política?

Resposta: Ah! Porque eles prometem um mundo e um fundo e não fazem nada.

Ao falar de propaganda política, Matilde e Lúcia demonstram uma revolta com um

sistema político frágil, em que promessas ao eleitor não são cumpridas, mais do que com o

aspecto visual propriamente dito. A expressão “não gosto de propaganda na rua” refere-se

especificamente à propaganda política, revelando a relação da percepção ao interesse.

Quanto ao “nem olhar” para outro tipo de publicidade, pode estar marcado por um

forte sentido de “interdição”. Appadurai relata que:

Las sociedades pequeñas en lugares como Melanésia parecen haberse caracterizado por la presencia de flujos de larga distancia maritmos y terrestres de, al menos ciertas classes de bienes. En tales sociedades, parece que estructuras de interdicción de diverso tipo resolvieran de manera satisfactoria la adaptación de mercancias nuevas en el seno de las estructuras de intercambio y de poder. (2001, p.86)

Do ponto de vista da Gestalt, a seletividade de “figuras” se dá a partir do contato

permitido pelo eu, conforme suas fronteiras. Erving e Miriam Polster explicam que:

A seletividade para o contato, determinado pela fronteira do eu do indivíduo, irá governar o estilo de sua vida, incluindo sua escolha de amigos, o trabalho, a geografia, a fantasia, o fazer amor e todas as outras experiências que sejam psicologicamente relevantes para sua existência. O modo como uma pessoa bloqueia ou permite a awareness75 e a ação na

75 O termo não foi traduzido no texto do livro. É compreendido aqui como o fato de adquirir consciência de algo.

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fronteira de contato é a forma de manter o senso de seus próprios limites seguros. (2001, p.122)

As duas irmãs mantêm os seus limites seguros substituindo valores distantes,

interditados pela sociedade de consumo, por um valor forte na família: o da solidariedade.

Elas estavam juntas na entrevista porque Matilde acompanhou Lúcia para auxiliá-la no

trabalho, pois a irmã havia se machucado em uma queda. Alguns dos valores de Lúcia e

Matilde estão fora daqueles propagados pela publicidade, suas trocas de solidariedade é que

permitem a sobrevivência do grupo familiar.

Quando falo em poluição visual, as duas irmãs não parecem ter em mente o que esta

expressão significa. Registram apenas o termo poluição, e sua percepção de poluição é de

sujeira. Sujeira no sentido de dejetos, talvez por seu olhar ser educado para isso − é sua

profissão. Para Lúcia, “poluição visual é sujeira”; para Matilde, a área mais poluída da cidade

é o Centro: “as paredes são sujas, cheias de papel rasgado no chão, e, quando chove, sai um

monte de lixo dos esgotos, sai até rato.”

No meu entender, a questão do visual na poluição, para elas, se resume naquilo que

vêem, e o que vêem é sujeira. Gostariam de ver tudo limpo e organizado como as casas nas

quais trabalham. Higiene ou neurose adquirida?

2.2 Motoboy - percorrendo a cidade

O aumento do número de motoboys (entregadores a domicílio que andam de moto pela

cidade) cresce à medida que decresce a disponibilidade de tempo de deslocamento do cidadão

que busca mercadorias e serviços na lista telefônica ou na Internet, a fim de administrar seu

tempo da melhor maneira possível.

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Vitor é um jovem de vinte e quatro anos que é motoboy. Seu trabalho é fazer entregas

em sua moto para os clientes de uma empresa de medicamentos. Informa que está “há quatro

anos neste ramo” e circula muito pela cidade: “Muito, de ponta a ponta”.

Vitor costuma ver muitos outdoors e cartazes pela cidade. Perguntado sobre o que

acha disso, ele responde: “É... eu acho interessante. Há bastante placas informando, lojas...

alguma coisa assim... tem bastante”. A palavra “informando” resume aqui o que há de mais

importante para Vítor na comunicação visual urbana. A informação que orienta seus

deslocamentos. Já sobre a poluição visual ele tem outras percepções:

Pesquisa: O que tu achas da poluição visual?

Resposta: Poluição visual? É, tem alguns cartazes que tão ficando muito ridículos que... assim..., como é que eu vou te explicar. É horrível, né? Sujam toda a cidade. Cartazes nos muros,... isso aí eu acho muito horrível.

Vitor é bastante consciente, e seu juízo não é limitado por sua condição social. Sua

compreensão e raciocínio estão presentes e são importantes na construção concreta da

situação para o enfoque analítico. Como Lúcia, ele orienta sua ação de compra para as suas

necessidades:

Pesquisa: Tem alguma coisa nessas propagandas que te chama a atenção?

Resposta: É... alguma coisa me chama, algumas lojas...

Pesquisa: Já compraste alguma coisa por alguma propaganda que viste na rua?

Resposta: Já. Já comprei tênis em loja, já sim.

Pesquisa: Era promoção?

Resposta: Era. Era a promoção de um tênis que tinha na loja.

Nos compósitos, a sinalização viária é fundamental para a profissão de Vitor.

Pesquisa: Tu costumas te orientar por placas de sinalização quando tens que procurar um endereço?

Resposta: Eu me oriento mais pelo mapa, mas, se tiver placa com o nome da rua, nos ajuda bastante porque ninguém conhece rua. Mesmo quem mora na rua. A gente pergunta para as pessoas onde fica a rua, e elas não sabem. Não sei se ficam com medo de te falar...ou é outra coisa.

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A dificuldade de comunicação na urbe, principalmente no nosso meio, onde todos têm

medo, é declarada pela fonte. A situação de medo da população em informar, atendendo à

abordagem de desconhecidos, requer que o poder público forneça ao cidadão meios para que

ele possa se orientar na cidade.

2.3 Personal trainer

Alan tem formação universitária, é professor de Educação Física. Sua profissão está

em crescimento devido aos apelos publicizados de um modelo de corpo, bem como à

conscientização da população da necessidade do exercício físico como forma de manutenção

da saúde.

Alan costuma circular muito pela cidade devido aos vários deslocamentos que tem que

fazer como personal trainer e como árbitro de basquete. Mora na zona sul e se desloca,

diariamente, para a zona norte. Seus alunos pertencem, na maioria, às chamadas classes A e B

de consumidores, que compram produtos sofisticados e caros. Conforme o diálogo abaixo,

eventualmente, Alan se inclui nessa classe por motivos profissionais.

Pesquisa: Tu te consideras um consumidor?

Resposta: Com certeza.

Pesquisa: O que, preferencialmente, tu consomes?

Resposta: O meu consumo maior está relacionado a artigos esportivos, livros para a parte cultural e lá para casa eu vou no supermercado.

Pesquisa: Tu te consideras um consumidor de classe A, B, C ou D?

Resposta: (ri) Bah! Eu atualmente estou da D para baixo.

Pesquisa: Mas, de vez em quando, tu consomes artigos da classe A?

Resposta: Exatamente, por trabalhar com pessoas que são de classes A e B, o meu artigo esportivo tem que ser no mínimo um B, para poder acompanhar e porque a minha profissão também tem muito a ver com o visual. E, bem ou mal, o visual funciona, a imagem influencia....

Em relação aos compósitos, foi-lhe perguntado:

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Pesquisa: Qual é a área da cidade que tu consideras que tem mais informações na rua do tipo cartaz, outdoor, grafitti, sinalização.... tudo junto?

Resposta: Eu tenho observado um tipo desta poluição que é no centro, um outro gênero é o Bonfim, tem muito cartaz de show e uma parte da zona norte, acho bem poluída.

Pesquisa: Alguma coisa nesses conjuntos de materiais te chama mais atenção?

Resposta: Eu costumo ler os outdoors, eu costumo observar. O que tem me chamado a atenção é que eles, em geral... são muito poucos os que são criativos, que surpreendem pela boa qualidade. Os demais ficam simplesmente na apresentação do produto ou do serviço, com alguma chamada para alguma determinada promoção, acho muito pobre isso.

Questionado em relação ao que chama de “criativo”, demora alguns segundos para dar

um exemplo:

Pesquisa: O que é que tu chamas de mais criativo, tens um exemplo?

Resposta: Eu tenho que puxar da memória... Por exemplo, eu achei legal a Veja usar outdoors para divulgar as revistas. No domingo, eles já têm o outdoor lançado. Como normalmente a Veja já tem uma boa qualidade nas suas capas, eles fazem uma pergunta relacionada com a capa da revista. Eu me lembro que a última era sobre a volta da inflação e aí então eles faziam uma chamada: “Hei! Psiu! Tem um dragão piscando para você!” Que era a respeito do dragão da inflação e etc.

Com uma formação diferenciada e o interesse voltado para a notícia e para programas

de TV bastante selecionados, como demonstra o trecho a seguir, Alan considera “criativos” o

texto e a estratégia de divulgação da Revista Veja.

Pesquisa: Tu tens o hábito de ler essas revistas de notícias, de ler jornal?

Resposta: Sempre que possível, sim.

Pesquisa: Em relação à televisão, quais são os programas que te atraem?

Resposta: Bem, ainda com relação à pergunta anterior, eu vejo tele-jornal. Como eu não estou assinando nenhum jornal, eu procuro ler no trabalho, na casa dos alunos. Na televisão, eu gosto dos filmes, sou um pouco cinéfilo. Gosto dos telejornais e programas de entrevistas. Na TVE, tem algumas coisas interessantes.

Se tomarmos o trecho abaixo da entrevista, a comunicação visual urbana seria

dispensável para alguém como Alan. Ele não costuma ser influenciado por outdoors,

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seleciona o que, onde e como comprar e, para os deslocamentos, consulta primeiramente o

mapa da cidade.

Pesquisa: Alan, tu já compraste alguma coisa que viste anunciada em outdoor?

Resposta: Acredito que não, não.

Pesquisa: Quando tu andas na rua, alguma coisa te ajuda a encontrar o que tu queres, eu falo da sinalização, ou isso te atrapalha?

Resposta: Não, porque eu sou muito objetivo. Eu seleciono, eu sei qual o produto que eu vou comprar, sei onde vou encontrar, então eu normalmente faço esta pesquisa.

Pesquisa: E quando tu te deslocas para encontrar a casa de alguém?

Resposta: Ah! A sinalização das ruas acredito que melhorou bastante. Era muito mais deficiente. Mas, outra coisa que eu faço também, quando eu tenho que encontrar algum lugar diferente... Por exemplo, eu tinha um jantar da Federação de Basquete, na rua Ernesto da Fontoura. Eu não sabia onde era nem em que altura era a galeteria. Eu então procurei num mapa da lista telefônica, encontrei a altura da rua, qual o cruzamento, e isso me facilitou o deslocamento.

...O que me chama atenção é um tipo de divulgação que não funciona: são os panfletos. Para mim, é inócua porque as pessoas acabam jogando no lixinho do carro ou no chão e acaba não funcionando.

Em relação aos grafittis e pichações, ele manifesta a evolução do seu juízo: de início,

simpatizava com essas expressões e mais tarde passou a não gostar. Lembra inclusive um

pichador que fez sua história através da mídia, o “Toniollo”.

Pesquisa: Eu queria te perguntar em relação a grafites, as pessoas que pintam os muros, o que é que tu pensas?

Resposta: Em primeiro lugar, esses grafites mais modernos eu não entendo nada do que está escrito. A gente também não se detém para decifrar o que está escrito. Acho que isso generalizou demais, tem gente demais. Quando era uma ou outra coisa, aquilo até aparentava ser uma coisa diferente. A gente até dizia: “Pôxa, que legal!”. Só que agora é em cada muro, em cada esquina, em cada casa... chegam a subir na sacada dos prédios para conseguir pichar... Ou tem avisos do gênero: “em breve estarei no seu muro”. Então eu acho um pouquinho de exagero.

Pesquisa: Uma pesquisa sobre o assunto mostra que eles se classificam de modos diferentes: há os grafiteiros, que se consideram artistas, e há os pichadores, que são transgressores.

Resposta: É...Um que anda meio sumido e é conhecidíssimo é o Toniollo. Eu acho ruim porque a Comunidade... por exemplo, a Prefeitura é a representação da Comunidade, constrói uma coisa nova e em uma semana tem alguma coisa ali escrita. Eu me sinto agredido, como participante dessa comunidade. Será que o carro dele também pode ser pichado?

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2.4 Motoristas

O aumento das distâncias incrementou o crescimento dos transportes coletivos nas

cidades. Dentre esses, o coletivo “porta a porta” destaca-se entre as novas facilidades de

deslocamento da casa para o trabalho. Professores e alunos aproveitam o seu trajeto entre casa

e universidade para preparar lições, discutir problemas profissionais em comum ou mesmo

como uma pausa para descanso entre um turno de trabalho e outro.

Marco é motorista do transporte coletivo que leva alunos e professores para a

UNISINOS. Faz este trabalho juntamente com a mulher, Cylena, há três semestres.

Pesquisa: Há alguma coisa na BR-116, no trecho Porto Alegre-Canoas, que atrapalhe tua visão da estrada?

Resposta: Bom, entrando na BR, hoje o que mais atrapalha é uma falta de sinalização adequada. Falta, como motorista, falta um acostamento maior, uma área de escape e o muro de concreto, no meio da BR-116, é um causador de acidente. A prova está ali, é só olhar os registros de ocorrências.

Sua primeira lembrança refere-se ao aspecto funcional da estrada propriamente dita −

a sinalização e a área de acostamento. A próxima pergunta induz à associação com o aspecto

visual:

Pesquisa: Pintaram aquele muro (o gard rail da rodovia) de verde e amarelo, quando ganhou o Brasil, aquilo ajudou ou atrapalhou?

Resposta: A quantidade de publicidade ao longo da pista, tentando chamar a atenção do provável consumidor, é causador de acidentes bem como multas. Eu tenho multas no trevo de Charqueadas, onde a sinalização avisando a redução de velocidade e o aviso do “pardal” estão escondidos pelo mato e no meio de uma publicidade. Eu tenho duas multas de “pardal” por excesso de velocidade por não reduzir a velocidade nessa área.

Marco liga a pintura comemorativa feita no muro com seu aspecto publicitário. Nessa

associação, culpa a publicidade pela dificuldade de visualização da sinalização, pela sua

distração do objetivo principal.

Pesquisa: Tem alguma coisa na BR que te chame a atenção? Que tu penses: Ah! aquilo ali me chama a atenção.

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Resposta: Aqui na Castelo Branco, as propagandas da Telefônica, os outdoors que se colocam hoje, da Claro, enfim do comércio, a cor, a letra, a fotografia te chamam a atenção. Mas eu acho que não devia ter nada disso ao longo da rodovia, de uma BR, uma estrada federal, ou de uma pista com uma velocidade superior a quarenta quilômetros por hora. É uma poluição visual.

A interpretação de Marco continua ligada ao seu interesse mais direto, que é o

deslocamento na estrada. Questionado sobre o que significa a expressão que utilizou −

poluição visual −, responde:

Resposta: Eu acho que toda a propaganda que se encontra fora do local adequado, apropriado para atingir o consumidor, ela se torna uma poluição visual. Por exemplo, a propaganda política é essencial, mas da maneira como ela é feita, ao longo da pista, nos postes, ela se torna uma poluição visual, e, num comício, num local apropriado, eu acho que ela atinge o eleitor ou o consumidor de uma forma mais adequada. Eu, como motorista, não presto muita atenção em propaganda no meio da pista.

Marco concorda que exista a propaganda de rua, mas define espaços para sua

exposição; quando está fora desse espaço, “se torna” poluição. Na estrada, que é o seu

domínio, é contra. Como outras fontes, também refere-se à propaganda política que cobriu os

postes da estrada na última eleição. Marco se distrai com a propaganda.

Pesquisa: Quando tu estás dirigindo, a propaganda distrai tua atenção?

Resposta: Muito, distrai muito, causando acidente e erro no dirigir na pista. A poluição te chama a atenção. Já não é fácil hoje tu dirigires concentrado somente no trânsito e, sem dúvida, se você for prestando atenção na cor, na foto ou na propaganda, ao longo da pista, tu vais cometer uma imprudência ou um erro de trânsito.

Cylena, ao contrário de Marco, não vê a propaganda na estrada. Para ela, poluídas são

as ruas de Porto Alegre. Há uma alteração da fala de Cylena, à medida que efetuamos nosso

deslocamento pela estrada.

Cylena: A comunicação visual? Bem, Porto Alegre eu acho muito poluída, na estrada não, na estrada eu acho tranqüilo, até acho relaxante.

Pesquisa: Qual é a estrada a que tu estás te referindo? (pergunto novamente para ter certeza de que estamos falando da mesma coisa)

Resposta: A 116, a Tabaí-Canoas (mais uma vez, a resposta é confusa pois a Tabaí-Canoas é outra estrada).

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Pesquisa: Não, eu te falo da BR-116, naquele espaço que vai de Porto Alegre, do aeroporto, até Canoas.

Resposta: Ah! Até Canoas. Ali é tranqüilo. (depois, mudando de idéia) Ali está poluído sim, está poluído. Muita placa, muito cone, porque está em obras também ali, não é?

Nesta última fala, Cylena, como ocorreu com Marcos, referiu-se a problemas da

estrada, que não são aqueles sobre os quais a questão se refere. O trecho que ela considera

poluído é um trecho no qual a sinalização pertence a obras na rodovia e está aquém do trecho

em exame. No entanto, o excesso de comunicação não parece incomodar tanto Cylena quanto

os cones de sinalização e o afunilamento da estrada.

Pesquisa: E a sinalização da rodovia? Tu achas que ela colabora com teu trabalho ou a propaganda e a sinalização juntas interferem no teu desempenho?

Resposta: Tem uma propaganda eletrônica ali no aeroporto que atrapalha bastante. Porque a gente sempre fica olhando para ver o que é que vai aparecer e quando está preto (ela quer dizer apagado) aí é que tu ficas olhando mais, mesmo. E isso distrai demais.

No local citado por Cylena, não existem propagandas eletrônicas. Faz-se então uma

série de perguntas para ver se ela lembra de outras coisas. Fala-se novamente sobre se ela

lembra de alguma coisa que marque o percurso na BR-116, e ela lembra de um “funil” de

tráfego, no acesso à rodovia: “Aquilo dá uma tranqueira!” ela diz, e, novamente sua referência

é o fluxo da estrada “...que é muito estressante”, finaliza. Insiste-se na pergunta:

Pesquisa: Mas do ponto de vista visual, lembras de alguma coisa?

Resposta: Naquele trecho ali não. Eu realmente fico muito atenta no trânsito. Mas a placa do aeroporto é que me incomoda, ela é bonita e chama a atenção.

Pede-se que Cylena mostre a placa quando passar por ela, e, como era previsto, a placa

não estava lá. Cylena dá outra explicação:

Cylena: Acho que eu lembro dela porque, quando vim de Florianópolis para Porto Alegre, fiquei impressionada com essa placa. Lá não tinha disso. Isso foi há seis anos! (admira-se)

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A imagem da placa eletrônica luminosa ficou congelada na memória de Cylena. A

memória de alguma coisa que já não existe e que, no entanto, foi parte de uma experiência

marcante. Aconteceu com Cylena, no momento da entrevista, um dar-se conta da existência

dos painéis de propaganda na via. Objetos que só passam a existir quando alguém ou algo lhes

soma algum interesse. À medida que a van se deslocava para a área mais poluída da estrada,

ela exclamava:

Cylena: Gente, eu nunca tinha visto isso! Sinceramente, agora que tu me chamaste a atenção, é que eu estou vendo e estou achando esta estrada superpoluída. Eu passo aqui, vejo, mas não vejo.

Quando Cylena diz “vejo mas não vejo”, lembra a fala de Matilde, irmã de Lúcia, que

não vê os painéis publicitários. Nesse caso, a interdição à percepção pode ocorrer pela

responsabilidade que a motorista sente ao dirigir, tendo a estrada e o tráfego como objetivos

únicos da sua atenção. Há o apagamento de uma ação em detrimento de outra porque, neste

caso, há um “envolvimento”76 tal que o agente fica voltado apenas para o foco da ação em

execução (Goffman, 1986, p.34).

Uma outra ocorrência desses apagamentos aparece na fala da Professora Cláudia,

reproduzida no próximo item, que diz que, ao estar na van, ela “desliga” do que está lá fora.

No entanto, neste caso, parece que a entrevistada isola o mundo que deixa, para entrar em

outro, profissional, representado pelos colegas de trabalho. Essa inferência é feita com base na

sua explicação sobre a lembrança de um dos painéis.

2.5 Passageiras da van

As passageiras de uma van que faz o percurso entre Porto Alegre e a UNISINOS são

quase todas professoras. A decisão em entrevistá-las deve-se ao fato de que elas fazem o seu

76 “Involvement is a psychobiological process in whitch the subject becomes at least partly unaware of the direction of his feelings and his cognitive attention” (Goffman, 1986, p.346).

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percurso para o trabalho pela BR-116 e trafegam pelo trecho em observação. À primeira vista,

o grupo parece homogêneo mas, nas entrevistas, ocorreram pequenas diferenças de percepção

que estão relacionadas com os seus hábitos, estilos de vida e trabalho. Todas têm

familiaridade com a comunicação visual urbana, tanto de Porto Alegre, quanto do trajeto da

BR-116, entre Porto Alegre e Canoas. A seguir faz-se um relato da primeira entrevista com as

passageiras da van, pois a gravação das falas, com exceção da fala da Professora Cláudia, foi

apagada ou nem gravou.

Cristine é professora de língua inglesa. Veio há pouco tempo da cidade de Pelotas, no

sul do Estado, para Porto Alegre. É adepta da proteção à natureza e vegetariana. Segundo ela,

vir de uma cidade menor dá a quem chega e se depara com a poluição visual uma percepção

de desorganização. Diz que, como ainda tem certa dificuldade para se orientar na cidade, a

poluição visual atrapalha quando tem que encontrar algum ponto na rua. É fotofóbica, e os

painéis luminosos lhe são agressivos. “É muito difícil dirigir à noite por causa deles”. Nesses

pontos, o olhar de Cristine é voltado aos seus interesses mais próximos, deslocar-se numa

cidade desconhecida e estar confortável, sem seu problema de fotofobia.

Cristine é uma das presas dos apelos dos compósitos. Diz que, ao dirigir, olha para as

propagandas, “para ver os produtos mesmo”. Perguntada sobre se este é um olhar de

consumidora, responde: “sim, é isso”. Uma vez ficou surpresa com uma favela que

“descobriu” (apesar de passar diariamente pelo local) quando teve que ficar parada num

engarrafamento na BR-116. Nesse dia, a van parou em frente a um grupamento de casas

pobres existente às margens da BR-116, em Esteio. “Isso sim é que é poluição, essa miséria”,

reforça.

Os consumidores têm, geralmente, uma visão distante da miséria, ela pode ser um

espaço poluído da cidade. Como todos que desfrutam algumas benesses do sistema, Cristine

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consome um estilo de vida leve e lhe é pesado conviver com este tipo de poluição. Quando

Cristine “descobre” a vila miserável, observa-se novamente o fato de “ver não vendo”. Ao

passar várias vezes pelo problema na estrada, ele lhe é interditado. Para os teóricos de Gestalt,

seu eu não destaca essa informação do fundo.

Beatriz, que também é professora de língua inglesa, vê como poluição “tudo o que está

em desarmonia com o meio”. Costuma fazer caminhadas, e a desarmonia causada pelos

cartazes na rua a deixa incomodada. Um dia, encontrou uma expressão em um artigo que

traduziu. Nesse artigo o autor dizia que a publicidade seria tão sofisticada no futuro que iria

“agarrar” o cliente. É o que ela sente: “Há coisas que te agarram”. Acha bonitos os painéis

luminosos “principalmente aqueles perto do aeroporto”, salienta o da Claro Digital, que

contém o gimick da empresa, um imenso papagaio que “diz” Bem vindo! Aqui a expressão

“presa”, anteriormente utilizada para Cristine, é explicitada na fala de Beatriz.

Clarice é pedagoga e faz doutorado na área da Educação. Para ela, a poluição visual

“fala”. Perguntada sobre se leu Benjamin, ela responde que sim, leu um ou dois livros. Na

BR-116, tem sua atenção despertada para o trem adesivado com publicidade: “Não sei bem se

é a cor ou o movimento, talvez sejam as duas coisas. Acho que é o movimento”. A etologia

ensina que o movimento ativa nosso instinto animal de defesa e que nos tornamos, em função

disso, mais atentos. Este é o mais sofisticado recurso utilizado na publicidade urbana na

atualidade. O movimento passou a ser adotado como mais um forte elemento de atração.

Daniela é publicitária. Trabalha na Agência de Comunicação do Centro de Ciências da

Comunicação da UNISINOS. Diz que, como publicitária, não é contra a poluição visual, gosta

da comunicação visual urbana. Poluição visual, para ela, é a falta de ordem que cria a

desarmonia e a dificuldade de leitura. Lembra que a legislação rígida de Porto Alegre

“obrigou” (grifo meu) os empresários a recorrer à utilização do equipamento urbano para

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divulgar sua marca. Considera essas negociações, entre empresas e poder público, lucrativas

para a cidade, que tem seus espaços mais cuidados. Sobre a BR-116 ela afirma: “só não gosto

das coisas mal feitas, de mau gosto, e aqui há muito disso”.

Daniela faz uma leitura técnica. O publicitário explica e argumenta com as verdades

da sua profissão, assim como o produtor e locador dos painéis. Há associações de bairro que

são contra o uso do equipamento urbano como fonte de recursos para a Prefeitura, no entanto,

para o mercado publicitário, este é mais um nicho de negócios.

Cláudia é professora de Português para a Comunicação. Ao responder sobre sua

percepção do ambiente visual do trajeto da BR-116, Porto Alegre-Canoas, ela respondeu:

“Olha, é complicado responder isso para ti porque, à medida que a gente fica familiarizada

com o lugar, parece que a imagem se apaga”. Repete-se o fator de esquecimento, mas, no caso

de Cláudia, as explicações são dadas a seguir.

Cláudia: É... eu não sei se é porque eu sou uma pessoa um tanto distraída. Na verdade, eu viajo mentalmente quando eu estou indo para a UNISINOS, eu descanso mentalmente. Eu acho que desde que, depois do primeiro momento, que as imagens ficam familiares, elas já não... elas perdem de certa forma o significado. É como se fosse um vazio de sentido para mim.

Entre as usuárias da van, Cláudia parece ser a que menos racionaliza uma face, ou que,

sendo comunicativa, deixa transparecer essa sua qualidade. Dentre as entrevistadas, foi a que

apresentou falas mais abertas ao seu backstage, ou seja, permitindo-se racionalizar sobre suas

construções.

Pesquisa: Tu lembras alguma coisa que tenha te marcado, alguma peça que está ali entre aqueles objetos, que tu tenhas prestado atenção alguma vez?

Resposta: Com certeza, não sei se é porque são as primeiras, se eu não estou enganada... as da Telefônica. Eu acho que são outdoors da Telefônica Celular. É uma seqüência, tem pouco intervalo entre uma e outra e as cores são bem chamativas...tem um tom de azul assim que é bem perceptível, que chama a atenção. E, mais adiante, a da Margarina. Que tem um menino com um potinho de Margarina.

Numa segunda entrevista, Cláudia explica a lembrança:

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Pesquisa: Cláudia, tu me disseste que te chama a atenção a propaganda do gurizinho com a Margarina. Podes me dizer por quê?

Resposta: É, na verdade essa propaganda já me chamou muito a atenção. Logo que eu vim trabalhar na UNISINOS, eu vinha dirigindo e, no momento em que eu estava para chegar na Universidade, eu me deparava com aquela propaganda. Parece até que tinha uma fumacinha no pão. Mas aí tu me perguntas por quê... Acho que tem uma coisa bem afetiva e bem simbólica. É como se, eu ao passar daquela propaganda, rompesse com o meu universo familiar, conhecido, protegido, e entrava num universo novo que era a UNISINOS. Então, nos primeiros dias de trabalho, aquela propaganda era um apoio, um consolo. Uma promessa de voltar para casa e comer um pãozinho com margarina.

Cláudia se utiliza do recurso ficcional que lhe é oferecido pela publicidade para suprir

a segurança, encontrada no lar e negada pelo desconhecido. Essa é uma das faces perversas da

publicidade − o uso das emoções, mesmo as dolorosas. A associação com o idílico também

surge em outra fala:

Cláudia: É... realmente... a cor, e as fotos das pessoas. São bem chamativas. As pessoas bonitas, sorridentes, em contraste com aquele fundo azul é... Acho que é uma associação mental, já vi. A Telefônica é bem conhecida, talvez seja por isso.

Pesquisa: E o que tu achas, assim, do ponto de vista estético, alguma qualificação que tu atribuas àqueles objetos...

Cláudia: Olha, eu não sei se eu diria bonito, eu acho que é como eu te disse, talvez porque elas estejam muito próximas umas das outras, essas das quais eu me lembro, eu tenha fixado mais. E, claro, por ser uma marca conhecida. Esteticamente, a primeira coisa que me veio à cabeça foi a cor azul. E o sorriso das pessoas que aparecem nas fotos. É o que eu me lembro em primeira mão.

Quanto à poluição visual, Cláudia associa com aspectos da sua experiência de

professora:

Cláudia: Caramba! O que é poluição visual? Acho que é um mural cheio de avisos. Assim, como a gente tem lá na UNISINOS, no corredor. Não na nossa aula, mas nos corredores, um mural lotado.

Pesquisa: E na cidade, o que é poluição visual?

Resposta: Tudo o que é feio prá mim. Um prédio sujo, manchado, pichado... É tudo o que é feio, na minha avaliação.

Há um interesse da pesquisa sobre o que pode estar contido nesse aspecto estético

destacado por sua fala. Insiste-se:

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Pesquisa: Então o que é bonito não é poluição? Uma propaganda bem feita, um cartaz, uma sinalização, um posto de gasolina como aquele ali?

Resposta: Eu acho que tudo é uma questão de harmonia. Acho que se há muitos elementos mas, se eles são agrupados de maneira harmônica... também... o que é harmônico? ...mas eu acho que, se existe um equilíbrio entre as figuras, entre a imagem, entre o texto... se, no caso, tiver texto esse material, eu acho que não é poluído, não. Eu nunca tinha parado para pensar nisso, assim... mais profundamente.

2.6 Os grupos focais

Os grupos focais foram organizados pela UNICOM77 a partir do perfil definido pela

pesquisa. A seleção foi feita entre pessoas que tivessem completado o segundo grau e que

tivessem boa capacidade de expressar suas percepções. A partir daí, definiram-se quatro

grupos de entrevistados: a) mulheres jovens, na faixa etária dos 18 a 25 anos de idade. Foram

convidadas dez mulheres e compareceram quatro; b) Mulheres adultas, na faixa etária dos 25

aos 35 anos de idade. Foram convidadas dez mulheres e compareceram quatro. Homens

jovens, na faixa etária de 18 a 25 anos de idade. Foram convidados dez homens e

compareceram cinco. Homens adultos, na faixa etária de 25 a 35 anos de idade. Foram,

convidados dez homens e compareceram seis.

Os encontros com os grupos focais ocorreram na sede da UNISINOS, em fins de tarde,

pois todos os entrevistados trabalhavam e não poderiam colaborar em horário comercial. O

clima entre os participantes foi cordial e, embora tenha havido grupos que foram mais

colaboradores, houve sempre uma boa participação de todos.

Inicialmente, a cada encontro, foram distribuídos formulários para preenchimento,

com a finalidade de iniciar a conversação a partir de questões já elaboradas. O conteúdo dos

formulários era o seguinte:

77 Empresa Júnior de Comunicação da UNISINOS.

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Pesquisa sobre comunicação visual - Grupo Focal

Esta pesquisa refere-se aos conjuntos de materiais da comunicação visual urbana, tais

como: placas de informação, sinais de trânsito, identificação de lojas e serviços, cartazes,

outdoors e painéis publicitários, grafittis e pichações.

Data: Nome: Idade:

Sexo: Ocupação principal:

1.Qual a sua percepção, no espaço da cidade, sobre o conjunto dos materiais acima?

2. E, no espaço da BR-116, entre Porto Alegre e Canoas? O que chama mais sua

atenção? Por quê?

A expressão “poluição visual”, propositalmente, não foi incluída no questionário.

Aparecia nas falas quando tratada por um participante ou quando feita a questão “No seu

entender, o que é poluição visual”?

Ao iniciar o trabalho com os grupos, cada um dos componentes lia sua resposta e a

conversa tomava naturalmente o rumo que o grupo definia. Eventualmente, foram feitas

correções de rumo para manter o foco no assunto. Não houve liderança observada nos grupos,

a conversa se desenrolou com alternâncias de pontos de vista. A seguir, comentam-se os

pontos destacados em cada encontro.

2.6.1 Grupo focal 1 - feminino

As quatro mulheres que compareceram foram: Priscila Kunle Rieger, estudante de 19

anos; Lisiane dos Santos, auxiliar administrativo de 24 anos; Andreza Sonder, professora de

20 anos; Micheli Cássia Farias, estudante de 25 anos. As participantes deste grupo eram

falantes e bem desinibidas.

Nesse grupo, quanto à pergunta escrita “sobre a percepção dos ambientes”, o que

ocorreu foram descrições dos elementos que aparecem no ambiente, aquilo que é mais visto.

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Uma participante do grupo respondeu que esses conjuntos “são de muita importância para a

cidade”.

Destaca-se o seguinte diálogo, através do qual as participantes decidem, segundo sua

lógica, o que é feito para chamar a atenção:

Priscila: Esses materiais estão em todos os lugares, impossível não ver.

Lisiane: Eu acho que, no que se refere à identificação, os mais visíveis são os que estão na altura dos olhos, ou os que estão fora de padrão.

Pesquisa: Quais os que estão fora de padrão?

Lisiane: ...Tem um cartaz escrito BORRAXARIA com X, num posto de gasolina. Eu acho que foi feito de propósito porque é um posto de rede grande.

Priscila: Ah! Se não foi feito de propósito! ...É enorme, vermelho!

(as outras duas não haviam visto)

Na questão “quanto ao espaço da BR”, a resposta é que os painéis publicitários e

outdoors chamam mais a atenção em detrimento dos sinais de trânsito que estão depredados.

Houve destaque para os painéis eletrônicos e os com iluminação, porque têm luz e

movimento. Houve quem dissesse que a atenção se volta para os painéis publicitários por

terem referências que comparecem em outros mídia. Nas falas abaixo, nota-se que as

qualidades de “bem elaborada” ou “mal elaborada”, que são aplicadas aos materiais descritos

− “um carro pendurado por um guincho” e “um carro de cor rosa colocado sobre um prédio

todo verde” −, refletem posições particulares e não são um comentário técnico ou estético.

Micheli: Pode me chamar a atenção uma propaganda bem elaborada, ou uma muito mal elaborada.

Priscila: Tem um carro pendurado num guincho e também um outdoor.

Lisiane: Um prédio verde com um carro rosa em cima.

Micheli: O carro rosa me chamava a atenção, agora não tem mais, tiraram.

Perguntadas como olham para um material desses, se fazem algum juízo: “Feio ou

bonito”, se ele “ajuda ou não”, a primeira resposta é da ordem do interesse prático − é visto

aquilo que interessa.

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Micheli: Como eu falei, sempre procuro ler. Sempre me traz algum aprendizado... Então, tem coisas que são sem importância e tem coisas muito válidas. Deixa eu achar um exemplo: ...promoções, como as das redes de telefonia.

Para Micheli, por exemplo, promoções de empresas telefônicas são informações

“válidas”. Em geral, o grupo demonstra preocupação em ser informado pelas propagandas:

Priscila: Mas eu acho assim ó: essa propaganda faz com que tu vás atrás, porque, se tu vês o preço, o jeito que é, como é a qualidade, se tu aprovas o produto ou não.

As participantes dão a impressão de serem consumidoras atentas, que gostariam de ser

tratadas individualmente:

Andreza: ...os que me chamam mais atenção são os que vendem coisas femininas...sapatos e bolsas.

Pesquisa: e... dá vontade de comprar?

Andreza: Ah! Dá vontade de adquirir, com certeza.

Lisiane: Eu já olho e, se acho lindo, vou na loja comprar, mas, se vejo dez pares iguais, eu não compro. Não gosto de andar igual a todo mundo.

O grupo demonstra também ser fã de atores de televisão (este foi o grupo que mais

falou em propagandas televisivas, a ponto de haver interferência da pesquisadora para voltar

ao tema).

Lisiane: O que me chama mais atenção são os outdoors que trazem alguma coisa da mídia. Se na TV tu olhas uma propaganda e gostas do ator, depois quando vês aquele ator no outdoor, olhas por associação.

Priscila: Tem um da Débora Secco...

Micheli: ...e da Priscila Fantin.

Quando se pergunta novamente se têm alguma qualificação para o que é exposto na

rua, procuram expressar melhor:

Priscila: Acho que não é bonito ou feio, mas tem que chamar a atenção e ter uma mensagem por trás, ou para rir ou para pensar. Acho que chegar lá e colocar chocolate Nestlé, e não dizer nada do produto, para mim não é nada.

Lisiane: É, acho que tem que ter alguma coisa de bom. Às vezes, tu olhas e pensas: “Ai que coisa idiota!”

Andreza: A Coca-Cola só enfatiza a marca...

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Pesquisa: Interessa isso que a Priscila falou. Quer dizer que, se a propaganda está lançando um produto ou promoção, tudo bem, mas se for só a marca , assim como a Coca...

Priscila: Se for só a marca... Como aquela agência de publicidade, a Escala. A única coisa que eles colocam é isso, o nome deles. Mas, e se eu precisar de um telefone? Um contato?

Micheli: Para mim, “Scala” é o nome do creme que eu uso no cabelo.

Priscila: Ou então colocam a marca e dizem: “a primeira do ano”.

Andreza: Informação desnecessária, não quer dizer nada.

O público-alvo da Agência de Publicidade Escala certamente não é este, mas, ainda

assim, sabe-se que a mensagem não passou despercebida. O “dizer” pode ser uma associação:

Pesquisa: Então vocês acham que se deve dizer alguma coisa para as pessoas?

Priscila: Eu acho.

Andreza: Ou palavras que tu associes a algo.

No texto abaixo, parece que, se o símbolo é familiar, o mesmo pode vir sem uma

explicação textual; caso contrário, não. Observa-se uma contradição em relação ao trecho

acima.

Priscila: Nem precisa ser palavra, pode ser símbolo.

Andreza: É, acho símbolo bem lembrado.

Micheli: O próprio símbolo da UNISINOS, a gente vê e associa com a universidade.

Quando já havíamos conversado um pouco, pergunta-se: “o que é, para vocês,

poluição visual?” E as principais impressões são as seguintes:

Priscila: É um cartaz com um monte de coisa escrita e que tu, na verdade, não entendes nada. Ou porque está mal colocado, ou num lugar muito ruim, ou o cartaz é deste tamanho (grande) e tu não vais ter tempo para ler. Isso, para mim, é poluição visual.

Procurei traduzir as palavras de Priscila como excesso de informação, mal disposta no

espaço.

Andreza: Para mim, já é assim, propaganda política que eles colocam naqueles muros e tu te sentes suja ali no meio, dá uma sensação de sujeira. Essas pichações mal feitas, esses grafitados, mal elaborados e que deixam uma poluição. O que é muito colorido e te embaraça a visão. Às vezes dá um

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bloqueio, uma coisa muito colorida ou mal colocada, às vezes o espaço é pequeno e a placa muito grande.

Andreza destaca, como muitos entrevistados, o papel da propaganda política. As

pichações e os graffitis parecem também ser os mais lembrados e, ainda, o excesso, desta vez

pelo tamanho. A questão do excesso de cor é tratada no grupo focal 4-masculino, com uma

percepção semelhante. A relação entre poluição e sujeira também é recorrente em todos os

grupos. Micheli e Lisiane concordam com Andreza:

Lisiane: Principalmente a propaganda política e o grafitti, um em cima do outro. É muita coisa. Acho que, se tu vais votar, não sei se é por um monte de papel, às vezes ajuda. Às vezes tu pegas um quando vais entrar na urna, mas não precisava ser daquela maneira...

Micheli: Eu ía dizer que eram as pichações mas ela falou em propaganda política, realmente pichação e propaganda política é algo que fere os olhos, é uma agressão à tua pessoa. Porque a gente realmente se sente suja (grifo meu) olhando para aquilo ali e a cidade fica poluída diante de tantas pichações e de tanta propaganda política.

Enquanto Lisiane lembra a função social da propaganda política, Micheli associa o

excesso de propaganda com “sujeira”, a mesma das pichações e graffitis. Para ela, é uma

agressão. Quando se insiste na pergunta, a publicidade em outdoor não surge novamente entre

os materiais “poluentes”.

Pesquisa: Então, eu posso pensar que, para vocês, poluição é só propaganda política e pichações?

Priscila: Ah! Tem ainda aqueles cartazes de shows.

Micheli: Também depende do lugar. Em Porto Alegre, naquele Lago próximo à Igreja Pão dos Pobres, tem um muro. Eu acho que qualquer coisa naquele muro vai ficar feio, não vai chamar a atenção, não sei por quê. Eu não acho bonito propaganda em muro, independente de ser cartaz ou pichação.

Pesquisa: E se fosse em outro lugar?

Micheli: Eu acho mais bonito em outdoor, uma coisa mais organizada, mais higiênica. É grande e vai chamar a atenção.

A área citada por Micheli é contígua a uma praça, que contém um monumento

histórico de Porto Alegre − a “ponte de pedra”. A imagem dessa ponte é muito explorada por

fotógrafos, publicada em jornais e é um dos cartões postais da cidade. Ao declarar que “não

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sabe por quê”, Micheli deixa transparecer o quanto somos atravessados, “sem saber”, por

dados publicados e, através desses dados, construímos nossos valores culturais. Por outro,

lado demonstra também sua sensibilidade para a preservação do ambiente.

Foi questionado também o que as entrevistadas pensam do fato de que um espaço que

é público possa ser usado para fins privados. Para Micheli, parece não haver problema se o

uso é para informação:

Micheli: Eu penso assim: se a pessoa não tiver uma informação de um serviço, seja ele público ou privado, ela não vai ter como obter esse serviço, e a empresa não vai ter lucro algum, ela só vai ter prejuízo, bom, aí se não

houver propaganda, acho que não vai haver benefício nem para o consumidor nem para o empresário.

Priscila: Eu acho que o lugar é de todo o mundo. Se é da cidade, é de todos. Mas eu acho que tem coisas que tiram o nível da cidade, por exemplo, embaixo dos viadutos ter um monte de cartazes colados. Eu acho que não é legal colocar no lugar errado.

Micheli: Às vezes tu olhas para os lados e só vês propaganda, disso e propaganda daquilo. Acho que é preciso, mas não sei qual seria a forma correta de fazer... às vezes as pessoas exageram e tu te sentes sufocada quando vês tanta coisa junto. O outdoor eu acho uma opção boa, porque é limpo.

Lisiane: Uma coisa que me deixa em cima do muro é a tal “fábrica de calcinhas”, ali na Voluntários. Tem um monte de panfletos e eu sei que se alguém me perguntar pela “fábrica”, eu vou saber onde é. Eu não gosto, mas traz informação.

Já Andreza apresenta restrições:

Andreza: É uma invasão da privacidade, tu estás invadindo o que não é teu para colocar propaganda. Se tu estás construindo, colocas um tapume, vêm os outros e colam cartazes. Isto eu falo quanto ao meu terreno, mas com a Prefeitura é a mesma coisa, tem que haver publicidade, mas tem um nível para isso.

Quanto ao modo de ver as propagandas na estrada, em movimento, elas se

manifestam:

Andreza: Passa muito ligeiro. É uma coisa que tu vais lendo... o textinho vai passando e tu não lês por completo.

Lisiane: Dependendo do local onde é colocado, eu acho perigoso, porque distrai, tira a atenção. Além disso, a informação é muito rápida, aquilo nem chega ao cérebro.

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Quanto à lembrança do que é anunciado:

Pesquisa: E quando tu compras, lembras de ter visto aquela marca?

Priscila: Eu lembro.

Lisiane: Eu lembro, mas eu só confio se alguém me disser: “Essa marca é boa, eu já usei.” Porque propaganda tem muitas.

Priscila: Eletrodoméstico, carro, sapato, tudo tu lembras da marca. A Coca-Cola, às vezes, tu nem queres tomar uma, mas vais pedir algo para beber e diz: “me dá uma Coca”. Porque lembras automaticamente.

2.6.2 Grupo focal 2 - masculino

Compareceram cinco entrevistados à reunião. São eles: Gustavo Piardi dos Santos, 19

anos, vendedor e estudante de Administração de Empresas, Rodrigo Pereira Diaz, 25 anos,

estudante de Engenharia de Alimentos, Rodrigo Meazzi, 23 anos, estudante de Psicologia,

Martin De La Martinière Pettroll, 20 anos, estudante de Administração de Empresas, e Hugo

César Stéfano da Silva, 22 anos, estudante (não escreveu detalhes).

Nesse grupo, quanto à pergunta escrita “sobre a percepção dos ambientes”, o grupo

todo mostrou-se, no princípio, bastante crítico em relação aos compósitos. As críticas foram

feitas através de diferentes focos.

Em relação ao excesso e à má distribuição:

Rodrigo Diaz: Nos trazem desconforto e até um certo desinteresse, devido ao grande número de cartazes e informações. Às vezes, chamam a atenção pela inovação ou mesmo pelo apelo.

Martin: Há uma “guerra” pelo espaço e pela atenção. Há um acúmulo desse tipo de mídia até em locais onde não deveriam, estar como em cruzamentos e sinaleiras.

Em relação ao que é exposto:

Rodrigo Meazzi: O que me preocupa não é a quantidade, isso sempre existiu. O que me preocupa é que há uma propagação de valores, de modelos, graças ao consumismo capitalista. Se você não comprar tal produto, não estará cumprindo sua missão na terra. Esses novos modelos são novos deuses. É uma sociedade narcisista.

Em comparação a outras formas de comunicação:

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Gustavo: Acho tudo isso um “modismo” prestes a ser superado. Há um novo sentimento mundial de valorizar princípios éticos e o voluntariado. O excesso de imagens torna difícil a distinção de informação nos centros urbanos.

Hugo: Esta não é a melhor forma de marketing porque não acrescenta nada ao intelecto humano e não contribui com a evolução da sociedade. Atitudes como a ética e a ação social irão substituir essa forma de comunicação. Eu acredito que as pessoas vão se conscientizar e não comprar produtos apenas porque eles estão expostos em um grande prédio.

Quando falam daquilo que chama a atenção no espaço da BR-116, o grupo parece

esquecer a postura crítica inicial, ou seja, há um abandono da face mais correta e as falas são

mais entusiasmadas:

Rodrigo Diaz: O TRENSURB, eu já me peguei virando e olhando para o trem para ver a propaganda nova que foi colocada nele. Porque está em movimento, ele chama a atenção e, algumas vezes, é até inovador, interessante.

Martin: Por exemplo, a da Coca-cola. Se tu vais para a aula e vês uma propaganda da Coca, a garrafa gelada, eu chego na faculdade e obviamente o que compro é uma Coca-Cola. Dependendo da propaganda, eu compro.

Rodrigo Diaz: Tem também aquela seqüência de outdoors da Perdigão, hoje em dia todo o mundo faz seqüência de outdoor, mas é uma inovação. Quando eu falo inovação, não precisa ser tecnológica. Tinha um outdoor, acho que é da Danette. O cara deixou uma escada pendurada e escreveu: “fui tomar um Danette. Pô! Só essa idéia é superinovadora. Tu falas em tomar Coca-Cola, a Coca faz isso no mundo inteiro, dizem que é propaganda subliminar. Mas, se eu vejo um produto novo em outdoor, principalmente se for da área de alimentos, eu vou experimentar.

Rodrigo Measi: Claro, pode ter inovação. Como é que eu vou mostrar o meu produto para alguém analfabeto? Eu mostro uma banana... eu estou no sistema capitalista, eu tenho que vender.

Martin: Eu não sei bem qual é o lugar. Mas tem um prédio com um carro em cima. Bah! Aquilo me chama muita atenção.78

Há juízos em relação à publicidade, que não são exatamente contra a atividade

publicitária mas contra a forma como ela é traduzida, ou os meios de acesso dos empresários

locais às suas ferramentas:

Hugo: Eu sou contra isso, porque não é qualquer empresa que tiver um produto novo que vai conseguir mostrar o seu produto. Só se ela tiver muito dinheiro para fazer propaganda.

78 Trata-se do mesmo “carro rosa sobre o prédio verde”, destacado por Lisiane, no grupo focal 1.

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Gustavo: Para mim, isso é um “boom”, uma coisa que todo o mundo de uma hora para a outra resolveu fazer porque a concorrência te instiga a estares sempre melhorando. Só que o pessoal, em vez de pensar em outras saídas, não. A maioria das empresas pensa: “Ah! Ele fez tantos panfletos, ou ele fez tantos outdoors, então eu vou fazer o dobro. Então eu acho que isso deve ser superado por outra tendência, de repente vai se investir em qualidade. O mercado cria tendências, e as empresas vão atrás. E, como o Hugo falou, acho que a questão hoje é investir nos princípios: produzir um bom produto, prestar um bom serviço, de acordo com a ética, ter profissionais que se orgulhem de trabalhar na empresa.

Para isso, o grupo apresenta soluções:

Gustavo: Hoje está muito em voga o voluntariado, a ajuda a entidades. Daqui a pouco, isto vai estar valendo mais do que qualquer comunicação visual, porque é tanta coisa que a pessoa vê que não consegue mais filtrar, a

pessoa não tem noção de tudo o que enxerga, então as propagandas se tornam sem efeito para as empresas.

Hugo: O homem tem que começar a ser um bom consumidor, ele não pode ser perfeito de uma hora para a outra. Eu sempre tento comprar conforme as características da empresa que produz. Procurando saber se ela tem programas de qualidade, se ela tem programas que valorizam os funcionários. Ainda é meio difícil. ...Eu acredito em um novo modelo de sociedade. Uma nova maneira de comprar. Através de sites, revistas especializadas, a televisão poderia ajudar a mostrar como as empresas atuam.

Pergunta-se: o que é, para vocês, poluição visual?

Rodrigo Diaz: Um caso bem típico disso, por exemplo, são as eleições. Eu acho aquilo ridículo. Agora, tem um tempo para os caras limparem. Não tinha que ter tempo nenhum, não deveria ter aquilo. Já tem o horário político...

Rodrigo é contrário à propaganda política na rua, mas defende a propaganda de

produtos, esquecendo que o público que ele diz não ter outro meio de informação é o mesmo

que passa pelos cartazes dos políticos:

Rodrigo Diaz: Mas, se eu estou lançando um novo produto, eu trabalho com alimentos, como divulgar isso? É preciso discutir. O consumidor de baixa renda não lê jornal e talvez não veja televisão. O que ele vê é o que está na rua, quando passa no ônibus.

E, ao mesmo tempo que se admira, também critica os excessos das inovações deste

ramo:

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Rodrigo Diaz: E as inovações... tem outdoor que gira, perto do Iguatemi tem um elefante que anda, na Goethe tem um enorme globo da Balantines. Tu estás na praia e desce um paraquedista com propaganda, no futebol colocam aqueles dirigíveis... Eu acho que isso é demais, tem que ter, mas tem demais... Eu acho os painéis muito grandes e a luminosidade é muito forte.

Martin faz referência aos valores publicizados:

Martin: Na minha visão, essa propaganda exacerbada ocorre porque a concorrência é muito grande e as empresas procuram criar valores para diferenciar os seus produtos, para fazer com que as pessoas conheçam. Só que nesse tipo de mídia são tantos os anúncios que se cria a “poluição visual”. São tantos os anúncios que a pessoa até esquece o que vê. Também tem os problemas dos apelos. Estou fazendo o meu trabalho de conclusão sobre apelos sexuais, nos quais se utilizam modelos de pessoa e isso cria desejos. Hoje em dia está havendo um descontrole de valores que é perigoso. Como nos programas de televisão, quando dizem que mulher bonita tem que ser burra. A propaganda está massificada e é preciso criar novas formas de diferenciar os produtos.

Rodrigo Measi manifesta-se − referindo-se à sua formação em Psicologia − e defende

veementemente os grafiteiros e pichadores:

Rodrigo Measi: Bom, quanto às pichações, eu considero um meio de expressão das pessoas: “olhem, eu existo, eu estou aqui, eu quero ser diferente, eu sou diferente”. É uma reação ao sistema capitalista de massificação.

Quanto à questão do espaço público usado pela atividade privada, é Gustavo quem se

manifesta primeiro:

Gustavo: Primeiro, eu acho que isso é utilizado sem muito critério. Para mim, a propaganda de mulher nua não ofende, mas vamos que agrida outras pessoas, posso criar um conflito. Tem que pensar em todas as situações que podem ocorrer. Eu não tenho nada contra a comunicação visual, mas acho que a forma apelativa com que ela está sendo feita hoje é totalmente desrespeitosa.

Martin: Para mostrar um produto, é óbvio que tem que ser em espaços públicos. Mas com critérios e avaliações de que lugares comportam esses elementos. Por exemplo: Tu não vais colocar uma mulher seminua na frente de um colégio. Tem que fazer pesquisas... falar com a sociedade...não sei como.

Rodrigo Measi: Isso aí é uma questão ética bem difícil. Por um lado, há os que reclamam, por outro há os que botam.

Hugo: Acho que faltam critérios. Cada um tem uma opinião, uma radical, outra mais amena. Fica complicado.

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Pesquisa: Quem deveria ditar esses critérios?

Hugo: Eu acredito que uma pesquisa de opinião pública.

Rodrigo Diaz: Eu acho que um conselho, alguém da comunidade, alguém do conselho de ética publicitária, advogados, ou mesmo leigos representativos na comunidade.

Rodrigo Measi: Que seja feito um acordo em que uma parte ceda e ganhe ao mesmo tempo.

Embora o “caráter dramático”, descrito por Goffman, não se manifeste nos grupos

focais tanto quanto nos grupos institucionalizados, ocorreram no segundo grupo, no qual os

participantes tinham posições bastante claras, manifestações de cunho profissional de forma

mais marcante que nos demais. Em vários momentos referiram-se às suas formações como

apoio à idéia que era defendida. Aparece aqui, bem como no quarto grupo, masculino, uma

preocupação com a exposição da figura da mulher.

2.6.3 Grupo focal 3 - feminino

As entrevistadas no terceiro grupo focal foram: Carmen Lúcia da Cruz, 32 anos,

secretária executiva, Aline Fernanda dos Santos Brum, 27 anos, técnica em eletrônica,

Virgínia Dias, 27 anos, estudante de Engenharia de Alimentos e bolsista de iniciação

científica, Joice Knopp Silveira, 27 anos, estudante (não especificou a área).

Em relação à questão sobre a percepção dos compósitos, as expressões são as mais

variadas e não fica muito clara, de início, a distinção que o grupo faz entre a percepção de

sinalização, publicidade, graffitis e pichações, ou mesmo do conjunto.

Virgínia: Na minha percepção, Porto Alegre não chega a ser tão poluído, mas eu só presto atenção para aquilo que está onde eu passo várias vezes, porque, na maioria das vezes, eu estou dirigindo, daí eu não presto atenção. Às vezes me pego vendo algo que eu nunca tinha visto ou prestado atenção. Na BR, em Esteio, eu gosto da vassourinha da Bettanin.

Carmen: Eu gosto. Porque existem mil coisas e tu ficas sabendo de lançamento de uma coisa porque ela está lá. Eu peguei mais pelo lado da publicidade, porque em Porto Alegre predominam os outdoors e, na BR, eu acho pouca informação de utilidade pública. Faltam informações claras, não se sabe onde começa um município e termina o outro. Acho também que tem que se preservar alguns espaços.

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Joice: Eu não gosto e acho que ninguém gosta das pichações em locais públicos. Eu acho um desrespeito, está errado.

Aline: Propaganda perto de parques, eu acho que é uma coisa que estraga a paisagem. Ali na Osvaldo Aranha ...aquele monte de cartazes que eles colam...(ela refere-se aos cartazes de shows, colados nos tapumes) se eles colassem um só, ou tivessem um espaço para isso... Claro! A Osvaldo não é bonita, mas acaba se tornando muito mais feia do que já é.

Virgínia: (contradizendo a primeira impressão) Fica tudo uma escuridão, um sólido...

Carmen: É...Um lixo!

Aline: Exatamente, fica tudo pesado. Daí passa uma sensação de sujeira e pensas: “esse show deve ser uma porcaria”. Deixas de ver o cartaz do show como propaganda e vês como sujeira.

Nesse grupo, distingue-se a fala de Carmen, que deu muita importância à função de

orientação dos materiais, seja na estrada, seja no trem ou mesmo nas áreas urbanas. Ela

explica que morou na Europa, onde tudo é bem sinalizado. Dá o exemplo do campus da

UNISINOS como um local bem sinalizado. Para ela, orientação é uma referência forte para os

materiais da CVU. Nesse caso, a entrevistada compara sua experiência a outras culturas e

reage dessa forma ao ambiente. Já em relação à publicidade, a comparação é outra:

Carmen: Eu acho que o trem explora pouco a questão publicitária. Nas estações de trens europeus, há muita publicidade nas paredes, eles poderiam fazer o mesmo.

Virgínia acha que estamos acostumados a esse ambiente e até sua fala adapta-se, em

um dado momento, ao modo do texto publicitário: “é prático, é gostoso!”. Observem-se as

falas abaixo:

Virgínia: Eu acho que a gente acaba se acostumando, e é necessário, porque tu não vais procurar o que está em um outdoor se ele não estiver na tua frente.

Pesquisa: Tu já procuraste alguma coisa motivada por um outdoor?

Virgínia: Eu sou estudante de Engenharia de Alimentos. Se pensares, a bolachinha Club Social existe há bem pouco. No entanto, graças à propaganda, ela é superconsumida. A gente acostumou com aquilo, é prático, é gostoso.

Quanto à paisagem da estrada, parecem concordar:

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Carmen: Eu esqueci de observar que, quando a gente vai subindo a serra, se colocarem mais cartazes, daqui a pouco destoa. A pessoa vai deixar de ver a paisagem do trajeto. Trafegando por aqui (pela BR-116), é a mesma coisa. A gente não tem mais idéia de como são as cidades por onde se passa. Elas parecem tão feias olhando aqui da estrada. Eu tinha uma visão de Sapucaia...Daí eu vi umas fotos de uma colega que mora ali e achei a cidade bonita. Eu acho que essa imagem de sujeira passa para as cidades.

Virgínia: A gente só vê isso...o trem de um lado...

Carmen: Já tem o trem que corta as cidades, é o caos...

Virgínia: Eu moro em Canoas fazem dezessete anos. Antes nós nunca tínhamos entrado na cidade. Quando a gente veio para cá, não tinha noção de como era a cidade.

Aline: Quando eu venho de trem (P. Alegre – S. Leopoldo), com exceção da saída, que tem o rio Guaíba, o resto é muito poluído. Te dá a sensação de que a cidade é só aquilo, embora não seja... Tu só vês aquele monte de outdoors. Tem uns que até são interessantes, uma propaganda de evento ou coisa assim... conforme o que tu procuras.

Quanto ao uso do espaço público pela atividade privada, parece que cada opinião

depende sempre da questão do contexto: se o que é exposto contém informações de utilidade

pública ou sobre produtos, se o material em exposição (sinalização, cartazes, outdoors ou

pichações) e/ou o seu conteúdo é considerado “bom” ou “limpo”.

A última fala, de Virgínia, diz bem da lógica dos materiais de propaganda ao ar livre.

Eles são apoiados por outras mídias, de forma que, em geral, o que está no espaço da cidade já

é conhecido e, dificilmente, algo que não é conhecido ou procurado devido a algum interesse

será assimilado.

2.6.4 Grupo focal 4 - masculino

O quarto grupo focal era formado por: Edilson dos Santos Gracez, de 41 anos,

laboratorista de apoio ao ensino, Andrey Guidini, de 27 anos, supervisor de call center,

Leandro Borges Greff, de 28 anos, estudante, Alex Munhoz Rodrigues, de 28 anos, assessor

de recursos humanos, Márcio José Edmeider, de 25 anos, auxiliar administrativo, Olímpio

Louis Filho, de 31 anos, administrador de empresa de serviços.

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Sobre suas percepções em relação aos compósitos, eles falam de forma bastante coesa,

com exceção de Edilson, que diz que não é afetado, ou de Olímpio, que fala com um pouco

mais de entusiasmo:

Olímpio: Tenho uma impressão de modernidade, de agitação. Os graffitis parecem se comunicar com as pessoas. Os luminosos me dão a idéia de consumo.

Edilson: Essas coisas geralmente não me chamam a atenção.

Andrey: No meu ponto de vista, algumas placas são muito chamativas e atrapalham os motoristas, podendo até causar acidentes. Aquele painel luminoso ali na entrada de Canoas fica passando informação, e se tu quiseres ler, bates no carro da frente. Também falta padronização, em termos de forma de divulgação.

Leandro: Acho que tem vários tipos, uns bons, outros ruins, chegando aos dois extremos. Mas os bons são em menor quantidade. E tudo depende da localização, pois, quando passas muito rápido, não consegues ler tudo.

Alex: Como ele (Andrey) falou, muitas vezes eles causam uma poluição visual, e até mesmo se transformando em caos urbano, chamando mais a atenção para o emaranhado do que para o modelo ou a mensagem. As fachadas também, eles querem passar muita informação num curto espaço.

Márcio: Eu concordo, na maioria dos centros das cidades, eles formam uma poluição visual. Na publicidade, há uma disputa acirrada por cada centímetro de área com vista para o público.

Quanto ao que chama mais a atenção na BR-116, eles comentam:

Andrei: Para mim, é o painel eletrônico. Até o ano passado, tinha outro em cima de um edifício. Acho um desperdício colocar um painel desses para quem está passando de carro e não tem tempo de ler, só para quem está caminhando.

Leandro: Eu também concordo que o painel eletrônico chama muito a atenção. Eu venho normalmente de ônibus ou de trem e posso ter dois visuais. Já de carro, a gente fica muito baixo, e a pessoa tem dificuldade para ler por causa do ângulo de visão e da velocidade. É uma propaganda boa, mas a percepção fica ruim.

Alex: As cores chamam muito a atenção, os letreiros luminosos, as luzes de neon são muito fortes. Tu estás indo... quando vês, é aquele choque. Claro, é uma maneira de chamar a atenção, é para isso que existe, é para tu perceberes que há alguma coisa ali.

Para Edílson, é preciso mais para chamar a atenção:

Edilson: É que colocam uns cartazes que não chamam a atenção da gente. Agora eu me lembrei o que me chama a atenção: é quando tem a hora.

Pesquisa: Quando te dá uma informação?

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Edilson: É, mas, em geral, as informações que estão ali para mim não fazem sentido.

O interesse de Edilson é prático, como de resto parece ser o de todo o grupo. Em

relação ao que chama mais a atenção, há um diálogo com Márcio, que faz retornar à

afirmação de Blanca Brites, quanto ao trabalho de Leandro Selister, quando ela lembra o forte

poder simbólico da figura humana, que é o “lugar de uma presença” (2002, p.40). Além disso,

Márcio lembra de paisagens, uma presença que contrasta com a paisagem urbana.

Márcio: O que me chama a atenção são aqueles cartazes que usam figuras humanas ou paisagem.

Pesquisa: É? Por quê?

Márcio: Sei lá... Para mim chamam a atenção: a figura humana... Para mim, pessoas chamam a atenção ou paisagens, que é uma coisa que eu gosto, mas não os luminosos. Detesto luminosos, principalmente aqueles de neon. Eu uso óculos, e aquela luz vem contra as lentes e dá um reflexo. Então tenho que me cuidar antes de passar por esses luminosos.

Ao falar dos luminosos, que, para Alex, são como um choque, ele enfatiza essa

sensibilidade que lhe causa sofrimento e que foi descrito pela fala de Cristina, passageira da

van. Para Olímpio, os luminosos dão uma idéia de agitação, de cidade, mas também causam

perturbação. Ele explica:

Olímpio: Outra coisa é o consumo. Se tu vens de longe, já vês o símbolo do MC Donald’s. Se tu viajas para o interior, não vês tanto cartaz, então tu vês que há uma clara divisão entre Porto Alegre, que tem essa agitação. A hora, por exemplo. Chama a atenção de todo o mundo, eu me identifiquei com o Edilson, porque é uma comunicação rápida e tem efeito. Já com uma comunicação como aquela do painel eletrônico maior, onde querem te passar muitas informações, tu te frustras, porque não consegues ler o que está escrito e tua cabeça fica agitada, não consegues mais prestar atenção no trânsito.

Leandro, assim como Carmen, do grupo anterior, compara seu ambiente com o de

outro país:

Leandro: Eu concordo com o Andrey a respeito da padronização, mas eu acho que o visual das nossas construções também é pouco padronizado e isso influencia no conjunto. O planejamento urbano também é ruim, na BR e na maioria dos lugares. Eu faço a comparação com os Estados Unidos,

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onde morei. Lá tudo é muito padronizado e são bem definidos os lugares onde tu consegues visualizar melhor uma propaganda.

Para Alex, encontrar algo no caos urbano é mais uma questão de familiaridade do que

de informação ou leitura.

Alex: As coisas se sobrepõem e a gente nem lê o que está escrito, nem vê a imagem. As cores também ficam muito confusas. Pode causar um caos, porque, às vezes, numa rua tu tens umas trinta lojinhas de cores diferentes, e então fica difícil, nas fachadas principalmente.

Pesquisa: E quando tu queres achar uma, entre essas trinta lojinhas, como é que tu fazes?

Alex: Geralmente tu já conheces mais ou menos o local, mas quem vem de fora se atrapalha se tem uma fachada muito colorida ou muitos tipos de letras.

Márcio explica como é ser estranho em um ambiente desses:

Márcio: Eu tenho ido muito a Porto Alegre nos últimos dias, e como eu ainda não conheço direito a cidade, sou obrigado a ...é como se eu estivesse no meio de um mato, a ter que ir tirando os galhos da frente para conseguir encontrar as placas das ruas. Em Porto Alegre, tem uma vantagem, que às vezes a sinalização é grande. Tirando isso, é muita poluição visual.

Pesquisa: Tu tens dificuldade para te localizar na cidade?

Márcio: Sim, porque não há uma padronização. Tem muita invasão de calçadas pelas placas, elas vêm para cima da calçada! Muitos cartazes têm o pedestal dentro da propriedade, mas o cartaz, lá em cima, está dentro da calçada. No lugar que eu vou, lá no Moinhos de Vento, o trânsito é muito rápido em certos horários e tu não consegues ler as placas.

No caso de Edilson, ele “se motiva para ver”:

Edilson: É, digamos assim... se eu vou numa estrada regular, cheia de cartazes e neon, com um monte de informações que não me interessam, mas, se eu sei que em determinado ponto vão me informar a hora, eu me motivo para ver isso. Mas, se não tem informação...

Leandro e Márcio desenvolvem um diálogo sobre as formas de ver os elementos da

CVU.

Leandro: Teve uma época que eu circulava mais pela cidade, pelas ruas e aí... quando tu começas a olhar novamente as coisas, começas a prestar mais atenção. Mas, na primeira vez, se a gente só passa uma vez por dia ou duas, a gente não presta muita atenção. Isso eu percebi quanto a mim, é uma autopercepção. Quando eu passo mais vezes aí, eu vou olhando de novo, de novo, e vou pensando no que está ali. Se tem muita coisa escrita, a

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primeira vez tu não enxergas, na segunda, vês outra parte, na terceira tu completas todo o quebra-cabeça.

Márcio: O cérebro vai filtrando, na segunda vez que tu passas, aquilo que tu já tinhas visto na primeira vez ele deixa de lado e já começa a pegar outras coisas que tu deixaste para trás.

Leandro: Lá em Porto Alegre, na descida do viaduto, na saída do túnel que vai para a rodoviária, tem um cartaz das Lojas do Ponto Frio, tinha uma frase imensa que foi escolhida num concurso. Eu estava interessado e tive que passar umas dez vezes até conseguir ler toda a frase.

Márcio: O concurso tinha sido divulgado na TV e aí tu te interessas em ver quem ganhou.

Leandro: Eu fui até no site, mas não encontrei nada.

Márcio: Imagina se colocarem a lista de quem passou no vestibular num outdoor. Até tu leres o teu nome...

Pergunta-se sobre a atenção ao que é divulgado: produto, lançamentos, promoções...

Márcio: Quando dá tempo de ler ...sim.

Alex: A empresa em que eu trabalho tem um outdoor, eu não sei a localização agora, mas ela tem um outdoor. E aumentaram as vendas a partir disso. Alguns produtos da empresa saem mais porque estão no outdoor. Mas não é só no outdoor, também no site.

Leandro: Acho que é o conjunto. Tu és bombardeado. Tu vais assistir a uma televisão, tu vais ter aquela informação, se tu vais para a via urbana, tu vais ver aquela mensagem e vais começar a assimilar. Mas, para mim, a mensagem não passa diretamente, porque eu não consigo me focar.

Márcio: Eu sou mais... Se tu criares um símbolo, conseguires transmitir aquelas idéias dentro de um símbolo. A partir do momento que a marca está no lugar certo e através de uma outra forma de campanha se possa fazer a descrição do que traz o logo, as pessoas vão conseguir olhar de uma maneira menos agressiva, porque, na realidade, tu não precisas mais ler. Por exemplo, como o símbolo do MC Donald’s, que não precisa mais dizer que ali tem uma lancheria.

Andrey: Eu estou, há horas, querendo pegar o telefone do cartódromo de Tarumã. Eles têm um outdoor ali na BR-116, em Canoas. Eu passo por ali umas três vezes por semana e nunca consigo gravar o telefone, porque estou dirigindo, porque dirigindo não dá para escrever e eu não consigo gravar o telefone. Então tu tens que estudar bem o local para saber o tipo de informação que podes disponibilizar. Porque, se é um lugar de passagem rápida, não adianta colocar um monte de informações que a pessoa não vai conseguir ver, nem memorizar, ao passo que, num local onde as pessoas estão caminhando, podes colocar algo que a pessoa possa parar, anotar. E até hoje eu não consegui anotar meu telefone...

Sobre o uso do espaço visual público por meios privados, o grupo manifestou:

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Edilson: Eu acho que, quando colocam coisas na calçada, atrapalha um bocado. Se tu tens pressa, além do fluxo... tens que desviar das pessoas e dos cartazes.

Alex: Na minha empresa, eu conversei com o meu diretor e ele disse que tem toda uma questão jurídica atrás disso. A loja teve que adaptar o outdoor à legislação, porque a Prefeitura fiscaliza. O que eu também não gosto são essas placas que colocam nas ruas, na frente das lojas. Atrapalham as pessoas.

Andrei: É que depende, no caso desses que estão dentro da propriedade privada, se eles têm uma altura adequada, acho que não chega a ser uma invasão.

Alex: Eu concordo, acho que não interferem.

Andrei: Acho até que ajuda, quando eu quero encontrar algum estabelecimento, se eu tiver que olhar para dentro da fachada para ver, é ruim.

Leandro: Eu concordo com os colegas e acho que, se essa propaganda não fere a princípios éticos das pessoas que estão enxergando, está certo. Mas, se colocarem na frente da minha casa um cartaz com um homem ou uma mulher pelados, mesmo sendo num local privado como a fachada de uma loja, eu ficaria indignado. Porque toda vez que eu vou sair da minha casa, eu vou ver aquilo, a minha filha vai ver, e, por mais que a gente queira ou não, aquilo induz a alguma coisa.

Destaque-se na fala acima algo que chama a atenção nos dois grupos masculinos: há

sugestões sobre o uso da imagem do corpo feminino, o que não ocorreu nos grupos femininos.

Há outros momentos nos quais a presença feminina é destacada como, por exemplo, na fala

seguinte, com a qual todos concordaram:

Edilson: Também, por exemplo num outdoor, se tu vês uma mulher bonita, tu nem consegues saber de que é a propaganda. Quando tu descobres que é de calçado, tem ainda que saber qual é o calçado. Só na segunda vez é que tu sabes que é de calçado e não da mulher.

Em relação a outras interferências, como pichações e grafittis, o grupo manifestou o

seguinte:

Andrei: Quando é alguma coisa que tem uma finalidade, um padrão estético, quando passa uma mensagem, eu acho legal.

Alex: Existe um lado destrutivo e um construtivo. O destrutivo é colocarem coisas nos espaços públicos, vandalismo contra escolas, igrejas. O construtivo é, por exemplo, o muro da Mauá, uma coisa bonita.

Edilson: Quando passa uma mensagem, uma idéia, assim é bom, quando a gente passa com a família... A pichação em si estraga o visual, principalmente as torcidas organizadas, elas colocam muitos palavrões,

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escrevem um em cima do outro, vai ficando uma baixaria. Eu moro em Esteio, não sei se a Prefeitura está incentivando, mas estão fazendo vários desenhos nos muros e são bonitos, porque são desenhos e não tem bandalheira.

Andrei: É interessante que, quando os desenhos são bons, os pichadores respeitam e não escrevem em cima. Mas, se eles vêem uma parede limpinha...

Andrei: Eu vi na Internet que há uma tinta que não adere à pichação.

Pesquisa: Interessante ...é uma solução técnica para o problema.

Márcio: É. Só que é uma solução técnica para um problema social, que não precisaria ter.

Pesquisa: É um problema de educação?

Márcio: É um problema de educação na medida em que não é respeitado o espaço do outro. A pichação infringe o direito do outro.

Olímpio: É, mas a pichação tem uma herança lá do regime militar, quando ela era uma manifestação política. Então ela tem um pouco da rebeldia, de não ser permitida. Então isso atrai as pessoas. Hoje a segurança pública não vai se preocupar com o cara que está pichando.

Márcio: É, se colocarem um local onde é permitido pichar, ninguém vai pichar ali porque o bom é o proibido.

Andrei: Acho que o que move as pessoas é quebrar as regras.

Quando é feita a pergunta o que é para vocês “poluição visual”, comentam:

Andrei: Poluição visual eu acho que tem várias. Uma na propaganda em si. Se ela tem informação demais, ela é poluída, tu não consegues identificar a mensagem. É até um desrespeito às pessoas. Ofende, né? E outra é o acúmulo excessivo de propaganda, uma atrás da outra. Uma muito próxima à outra.

Márcio: Para mim, a poluição visual é a falta de padronização em termos de forma de divulgação. O acúmulo de informações em um local pequeno, o excesso de cores, coloca-se qualquer tipo de cor, em qualquer lugar, uma do lado da outra. E coisas que não são eticamente divulgáveis num ambiente público, coisas agressivas.

Olímpio: Acho que é um desrespeito não limpar depois que colocam a publicidade. Por exemplo, os políticos que deixam as suas imagens um monte de tempo na rua. Quando uma banda vem fazer shows e deixa seus cartazes colados, as pessoas passam e rasgam. Tudo isso dá uma estética feia para a cidade, uma estética de sujeira. Isso, para mim, é poluição visual − um aspecto de sujeira. Tu vês que a cidade fica suja. Ou então é o prédio da Prefeitura que está todo pichado, e já tem aquele ambiente... geralmente os mendigos, tu olhas para aquelas pessoas, uma imagem ruim que me atinge, a sujeira.

Assim como Cristine, passageira da van, Olímpio relaciona a sujeira com a miséria.

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Andrei: Em relação a isso, eu também concordo. Só que ultimamente parece que está mudando. Eles estão colocando os cartazes com arame, que fica mais fácil de tirar.

Edilson: O poder público tem que ir em cima dos partido, dos cabos eleitorais. Mas, para mim, a poluição visual é mais pelas cores. Os cartazes, as fachadas pretas, as letras pretas... ou as letras pequenas que tu nem consegues ler. A combinação das cores agride, quando elas são escuras.

Márcio: Poluição visual, para mim, é qualquer excesso ou desordem na forma que desagrade, que desinteresse o público. Uma coisa que te desagrada é que tu não consegues pegar uma mensagem inteira, no caso tu ficas filtrando pedaços de várias informações.

Pesquisa: Quando tu falas filtrar pedaços, qual o pedaço que tu vês primeiro?

Márcio: É a imagem e, se não tem foto, é a cor.

Andrei: Uma palavra em maior destaque.

Edilson: Por exemplo, tinha a foto de uma índia, indicando “Território selvagem”. Eu só vi a índia. Para mim, que não conhecia o contexto, precisei passar umas quatro vezes para saber que “Território selvagem” era uma marca.

Leandro propõe uma estratégia que relativiza a percepção da poluição ao tipo de

ambiente urbano e o sujeito que nele habita:

Leandro: Às vezes, o pessoal diz que a placa não atrapalha, mas isso é percepção de cada um. Se tu moras na cidade e já estás acostumado com aquela poluição, para ti é normal. Agora, se tu queres saber o que é poluição visual, deverias colocar alguém que é do interior e não conhece Porto Alegre e dizer: “agora tu te achas”.

Andrei: Mas aí é um exagero.

Leandro: Mas a tua percepção é diferente, pois já estás acostumado com a cidade grande.

Pesquisa: Esse já estar acostumado, como é que é? Como é que a gente se acha?

Edilson: é mais por reconhecimento. Quando tu passas várias vezes por um ponto, acabas te familiarizando com ele, ou, quando há diversos cartazes de um mesmo produto, por exemplo, sapatos, e por analogia tu já sabes que aquele é um cartaz de sapatos, embora tu só vejas uma mulher.

Andrei: Acho que tem que ter um nome bem expressivo para a gente associar a uma mensagem boa. Por exemplo, a VIVO só apresenta o nome VIVO, mais nada. Na traseira de um ônibus, um cara pulando e escrito VIVO, se tu não sabes, por outros meios, o que é, tu não entendes aquilo.

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A idéia de reconhecer o que já é conhecido volta a aparecer, bem como a importância

da associação com outros mídia. Alex dá uma explicação e propõe uma reflexão a partir do

absurdo que conduz o grupo a reflexões muito importantes:

Alex: O que tu podes fazer nesses casos é dimensionar por locais. Porque falar em poluição visual é muito complexo. O que, para uns, é poluição para outros, pode não ser. Cada um vai ver de uma maneira a poluição visual. E, quanto à cor, não dá para padronizar. Por exemplo, se houvesse uma lei que dissesse “na Cristóvão Colombo só pode ter placas vermelhas com letra amarelas”.

Pesquisa: O que é que vocês acham de uma rua assim: toda vermelha e com as letras amarelas?

(...confusão de vozes: todos ficaram impressionados com a imagem...)

Andrei: Não ia ficar nada...

Olímpio: É muito de experiência, é muito subjetivo. Foge um pouco do assunto, mas a gente pode fazer um paralelo com a própria Internet. Tudo o que te desagrada, quando tu recebes aquelas informações que não têm nada a ver contigo, tu recusas. Então, para cada um de nós, o contato com uma informação contida em um outdoor vai ser diferente. Para mim, pode ser legal, pois eu precisava daquela informação, mas, para outro, já não vai ser.

Leandro: Neste caso, cada um faz o filtro de acordo com a sua personalidade, com aquelas marcas com as quais tu te identificas ou pelo que tu estás interessado. Então tu te localizas pelo outdoor da Tim ou pelo do cartódromo.

Olímpio: Vira até referência. Pode-se dizer: “é na rua que tem o cartaz da índia”.

Alex: Fica mais fácil tu te localizares pelo cartaz do que pela própria rua.

2.7 Duas enquetes rápidas

Considerem-se eventos os acontecimentos não regulares, que possam alterar

significativamente a forma dos compósitos em função de sua ocorrência. Essas ocorrências

concorrem para interações de vários tipos, e esta seção refere-se, especificamente, ao evento

das eleições do ano de 2002 no Brasil.

Na semana que antecedeu as eleições de 06 de outubro de 2002, na região

metropolitana de Porto Alegre, todos os postes das grandes avenidas estavam cobertos pela

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propaganda política. Na estrada que leva à Universidade do Vale do Rio dos Sinos (BR-116),

em São Leopoldo (aproximadamente 40 km), aconteceu o mesmo. Além dos postes, há as

passarelas, onde foram afixados grandes banners de plástico com os nomes e, às vezes, a foto

do candidato. Sobre elas movimentavam-se bandeiras dos partidos empunhadas por diversas

pessoas, os canteiros das rótulas eram cobertos por cartazetes afixados sobre frágeis suportes

de madeira, alguns já destroçados pelo vento.

Nas rótulas, em Porto Alegre, podia-se encontrar novas versões dos “homens-

sanduíches” de Benjamin segurando grandes fotos dos candidatos e, novamente, as bandeiras.

Na BR-116, somavam-se a este movimento as, já rotas, bandeiras comemorativas ao

pentacampeonato do Brasil na copa do mundo, pinturas verde e amarela nos gard rails e

pinturas, nas passarelas que atravessam a rodovia, saudando o técnico da seleção brasileira de

futebol, o Felipão (Luiz Felipe Escolari). Essas manifestações haviam sido colocadas meses

atrás pela Prefeitura do município de Canoas.

Formava-se um fundo79 que, de tão caótico, era homogêneo na sua textura. Ou seja,

nada se sobressaía. Haveria possibilidade de selecionar uma informação nesse conjunto?

Registre-se que houve nesse período falas, expressas através de rádio e jornais, sobre o

volume dessas manifestações e que podem ter influenciado as respostas dos entrevistados.

A presença da publicidade da campanha eleitoral é considerada um evento no

ambiente. Foi feito um teste para uma aproximação a essa questão: interessa à pesquisa saber

até que ponto as informações contidas na publicidade dos candidatos exposta na rua são

assimiladas pelo público.

Com quais mecanismos de pesquisa se poderia diferenciar os atos de percepção dos

objetos ali colocados e a lembrança de seu conteúdo informacional? Provavelmente todos

79 A palavra “fundo” é utilizada conforme as teorias da Gestalt (Kohler, 1980).

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reconheciam o evento que estava ocorrendo, mas as representações subjetivas poderiam ser as

mais diversas. Porém, a lembrança de conteúdos poderia indicar uma eficácia maior de um ou

outro veículo; por outro lado, a não lembrança poderia ser um índice em relação aos valores

comunicacionais dos objetos.

Para isso, fizeram-se duas rápidas enquetes, durante a manhã, no pedágio de entrada

da Universidade, portão A, no seu horário de maior pico, ou seja, no momento em que a

população universitária tem acesso ao campus. As enquetes foram feitas nos primeiros dez

minutos da hora de pico (das 8h às 8h 30min) de forma que a velocidade normal no fluxo de

veículos não fosse perturbada (após este horário, o fluxo é muito intenso, e as pessoas têm

muita pressa).

Na enquete, a pergunta − “Você lembra de algum candidato que tenha propaganda na

estrada?” foi feita de forma rápida para que o entrevistado, que se encontrava desavisado, não

tivesse tempo para ativar uma memória que não fosse recente. Eu queria saber se ele havia

gravado alguma das informações sobre os políticos nas placas com as quais deparou no

caminho, para testar, ao menos minimamente, a funcionalidade da propaganda política nas

ruas. Em outro estágio, para saber se havia uma fixação inconsciente, subliminar, o teste

deveria ser outro e certamente não naquelas condições. A primeira enquete foi feita oito dias

antes da eleição. Foram entrevistados somente carros com placa de Porto Alegre e descartados

os das localidades vizinhas. Obtive o seguinte resultado:

Dia: 27/09/2002

Local: Portão A UNISINOS

Horário: 8h até 8h 10min Nº de entrevistados: 21 condutores

Veículo: carro Origem: Porto Alegre

Pergunta: Você lembra de algum candidato que tenha propaganda na estrada (BR-116

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– trecho POA-São Leopoldo)?

Respostas: − Não – 18 carros (resposta rápida)

− “Só lembro de um amarelo” – 01 carro

− Sim – 03 carros (Britto, Rigotto, Berfran)

Proporção: 06 Não para 01 Sim

Em relação aos informantes que disseram sim, observou-se que os dois primeiros

sorriram de uma forma que eu inferi 80que o lembrado era o seu candidato. O terceiro, que

pareceu absolutamente sincero, disse: “não sei por que lembro de um, o Berfran”.

Obs.: não foi perguntado o nome do candidato do entrevistado.

Da mesma forma, foi feita a segunda enquete:

Dia: 02/10/2002

Local: Portão A UNISINOS

Horário: 8h até 8h 15min Nº de entrevistados: 25 condutores

Veículo: carro Origem: Porto Alegre

Pergunta: “Você lembra de algum candidato que tenha propaganda na estrada (BR-116

– trecho POA-São Leopoldo)?”

Respostas: Não – 19 carros (resposta rápida)

Sim – 01 carro (Serpa) – o carro tinha adesivo do candidato; 02 carros (Britto) – um

carro com adesivo do candidato; 02 carros (Rigotto); 01 carro (Zambiasi)

Proporção: 03 Não para 01 Sim

Obs: não foi perguntado o nome do candidato do entrevistado.

80 Sigo os comentários de Goffman (1986) na observação dos atores quanto a sinais que podem dizer alguma coisa.

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A diferença do tempo de duração entre as duas enquetes deve-se a um contratempo

havido no momento da segunda observação. As entrevistas foram feitas pela pesquisadora que

escolhia entre os carros aqueles que tinham chapa de Porto Alegre, visto que provavelmente

teriam atravessado o percurso mais poluído visualmente, que é o trecho da BR-116, Porto

Alegre-Canoas. Entrementes, um dos jovens responsáveis pela cobrança do pedágio resolveu

ajudar e passou a fazer a mesma pergunta aos carros que porventura passassem por seu

guichê. Ao constatar que as respostas que ele estava recolhendo eram todas (é importante

sublinhar) positivas enquanto as outras eram, na maioria, negativas, saí de meu posto de

observação por uns momentos. Ao me aproximar, pude ouvir que, além da questão proposta:

“Você lembra de algum candidato que...”, meu bem intencionado “entrevistador” perguntava

também: − “Não lembra mesmo? Nenhum?” Se o informante respondesse um nome, ele

insistia: − “Mais algum? Outro?”. Seu trabalho não foi aproveitado, porque, além de não ser

previamente treinado, o “auxiliar” construiu uma situação de memorização diferente da que

estava sendo utilizada. Essa observação paralela roubou os cinco minutos que foram

descontados, ficando então a primeira enquete em dez minutos e a segunda em quinze.

Faço questão de relatar esse episódio para refletir como pequenos incidentes podem

interferir no resultado da pesquisa de forma bastante desviante. As mesmas perguntas

poderiam ser aplicadas se houvesse um outro propósito de solicitação da memória dos

entrevistados. A resposta à pergunta também poderia ser diferente se o entrevistado naquele

momento não tivesse pressa em chegar ao seu destino. Ou seja, no momento da enquete, havia

nos entrevistados um interesse mais importante que deveria ser priorizado − chegar a tempo

em sala de aula.

Na segunda enquete, nota-se uma variação na proporção entre as respostas “sim” e

“não”, que pode ter ocorrido pelo fato de que com a proximidade das eleições, as pessoas já

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tinham escolhido o seu candidato e, tendo seu nome na lembrança, os tenham reconhecido

pelo caminho. De certa forma, confirmou-se a hipótese de que seria muito difícil destacar

alguma informação naquele meio porque, nos dois momentos, alguns entrevistados

acrescentaram ao “não” expressões como: “impossível” ou “é muito difícil”. Um dos

entrevistados disse: “Isto é bom. Sinal de que eu prestei atenção na estrada”.

Por que alguém colocaria um material num espaço no qual ele só parece ser lido por

aqueles que têm um real interesse na percepção da informação? Voltando à questão da

visibilidade, pode-se observar que, se em um primeiro momento da campanha política, houve,

nos materiais publicitários expostos, preponderância dos nomes dos candidatos do PT (o

Partido dos Trabalhadores), ao se aproximar a data das eleições, houve um crescimento de

comunicações de candidatos dos outros partidos. Essa constatação pode levar a algumas

inferências:

- as estratégias dos militantes do Partido dos Trabalhadores permitem inferir que a

presença das manifestações visuais dos candidatos nas ruas, assim como das

bandeiras do partido, são uma conclamação à militância política;

- se não há um propósito de informação, há um interesse de todos os partidos e

candidatos para que haja, por parte do público, a percepção de manifestações de

poder, dada pela maior quantidade de materiais expostos. Sendo assim, além da

função de conclamação, esses objetos demonstram poder através da quantidade, do

volume de materiais expostos na via pública. Esse poder pode significar: a) poder

de adesão − pela presença majoritária dos co-partidários na praça; ou b) poder

econômico − de quem tem possibilidade de colocar mais propaganda;

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- admitindo-se que a presença publicitária corresponde a um maior número de

adeptos, pode-se mascarar o “fato”81: dois importantes candidatos Rigotto (PMDB)

e Paulo Paim (PT), finalistas no primeiro turno das eleições, declararam que suas

campanhas não puderam ter gastos excessivos por falta de recursos (declarações à

Rádio Bandeirantes, AM, dia 07/10/2002). Rigotto (PMDB), chegou ao segundo

turno na eleição, quando foi eleito para o governo estadual, e Paulo Paim (PT) se

elegeu já no primeiro turno para o Senado. Das declarações dos candidatos, deduz-

se que o investimento maior se fez através de ações políticas em lugar das

publicitárias, o que colabora para as inferências acima elaboradas.

Para a pesquisa, é importante que o fato político tenha sido expresso, de forma não

induzida, na fala de entrevistados, meses após as eleições, os quais ressaltam a qualificação de

“sujeira” ou “lixo” para o excesso de materiais de campanha nas ruas. Essa qualificação

poderia vir do fato de que, ao menos aparentemente, pelas enquetes acima, ela não

corresponderia à primeira função que se propõe, que é a divulgação dos candidatos, mas sim

à de dar visibilidade ao poder dos partidos políticos. E, nas falas observadas, ela surge

como poluição, “lixo”, “falta de respeito”. Mas deve-se considerar a divulgação maciça que a

imprensa deu ao fato do excesso de propaganda política nas ruas.

81 “Fato”, aqui entendido no sentido bergsoniano: “uma adaptação do real aos interesses da prática e às exigências da vida social” (BERGSON, Henri. Matéria e memória. São Paulo: Martins Fontes, 1990, p.150).

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CAPÍTULO V: CONCLUSÕES

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Neste capítulo, procura-se fazer uma análise geral das interações observadas através

das falas. As falas dos agentes abordam aspectos relacionadas com a Comunicação Visual

Urbana e com os compósitos decorrentes dessa comunicação, apresentam pontos coincidentes

e, em alguns casos, apresentam-se de forma ambígua, ambivalente, ou mesmo paradoxal.

Além dos aspectos consensuais, são essas ambigüidades, ambivalências e paradoxos − que

alteram a homogeneidade aparente das interações entre agentes e compósitos −, que,

observados de forma muito próxima, em intervalos de tempo e espaço definidos, permitem

delinear micro-relações que se estabelecem entre os campos e que podem alterar as

negociações que ocorrem para a ocupação do espaço visual urbano.

Fala-se em tempo e espaço definidos, pois, se fossem outros os atores ou os locais de

observação, bem como outro o espaço de tempo determinado para a observação, a situação de

comunicação também seria outra. Na prática, o tipo de observação aqui elaborado deverá ser

acompanhado de constantes pesquisas, porque, sob este enfoque, os quadros e os espaços

sociais alteram-se para uma mesma cidade, bairro ou região urbana. A observação não é como

em um jogo de xadrez, em que, observando-se os lances, pode-se, gradativamente, conhecer

as regras do jogo através das suas redundâncias. As lógicas aqui observadas não são contínuas

e torna-se complicado trabalhar por categorias ou variáveis isoladas, uma vez que todos os

campos encontram-se em relação. A linguagem científica que poderia explicar essa relação

seria tão complexa, que, do ponto de vista prático, é saudável que os próprios sistemas

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construam suas explicações. Há, portanto, uma ecologia do meio, para o qual o estado de

adaptação dos organismos depende do estado de percepção dos seus agentes e da sua

interação com o mesmo.

Sem recusar a responsabilidade direta das equipes municipais sobre a administração e

a legislação do uso dos espaços visuais públicos, é importante que essas equipes promovam

discussões comunitárias e que essas ações possam contar com aportes de pesquisa qualitativa,

exemplificados nesta tese. A pesquisa pode colaborar para estabelecer as dimensões do

problema e os níveis nos quais ele deve ser observado e analisado, contemplando as lógicas

das interpretações e das ações dos agentes, para formular políticas coerentes com princípios

de emancipação social, para as quais os estudos de Comunicação têm muito a contribuir.

Esse exemplo não tem a pretensão de ser conclusivo ou de abordar todas as questões

necessárias a um exame mais detalhado da situação, mas aponta para métodos de trabalho que

envolvam as sociedades locais de forma mais comprometida com suas realidades.

1 ASPECTOS GERAIS DA OBSERVAÇÃO E ANÁLISE DAS FALAS

As falas dos agentes entrevistados pela pesquisa permitem a constatação de que, ao

interagir com os objetos da CVU, cada agente coloca em cena, conforme a situação da

interação, relações que mantém com espaços particularizados do seu contexto social ou

particular. É através dessas relações que ele enquadra suas percepções e organiza suas

interações. As diferenças encontradas nas falas revelam como, para um mesmo objeto, pode

haver inúmeras interações. E como, em cada uma, manifestam-se níveis, que devem ser

levados em conta no momento das análises.

Todos os entrevistados mostraram-se sensíveis ao problema − é importante que esse

fato seja evidenciado −, mas a sua sensibilidade varia conforme a ótica adotada e o padrão ao

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qual cada um relaciona o conceito de “poluição visual”. O conceito de “poluição visual”

depende das circunstâncias da sua interpretação, dos enquadres e das experiências do

indivíduo que interage com o fenômeno.

No grupo caracterizado por falas marcadas, a ótica de cada entrevistado tem por base

sua face pública e é orientada para objetivos práticos, que podem ser técnicos, comerciais,

políticos ou sociais, uma vez que, para definir suas avaliações, o agente utiliza enquadres

orientados por sua face institucional. As avaliações sobre os produtos da CVU se alteram

conforme o objetivo do agente que está sendo entrevistado. Em relação aos compósitos, para

explicar um padrão de avaliação, o entrevistado utiliza critérios que qualificam os graus de

poluição, que podem ser aceitáveis ou inaceitáveis. As qualificações dos padrões podem

expressar exagero, excesso ou desorganização, que também exigiriam uma definição de “grau

de...”. Assim como os padrões correspondem a interesses e objetivos, a cada padrão podem

corresponder um ou mais objetivos.

As diferenças quanto aos materiais que poluem e aqueles que são considerados como

não poluentes também revelam oscilações de critérios. Há os materiais considerados “sujos”,

“feios” e os “bonitos”. Feios ou bonitos são conceitos relacionados a uma estética que é

cultural e que pode encobrir posicionamentos mais ou menos elaborados na participação

social do agente.

As relações dos entrevistados com a atividade publicitária são ora de conflito, ora de

consenso. Aqueles que são “contra” a atividade apresentam razões que se opõem à idéia, tida

como básica dessa atividade, que é a sedução para a venda e a indução ao consumo de

produtos. Há relações de consenso. Uma delas é que a atividade publicitária é legítima, como

também é legítima a ocupação do meio urbano por essa atividade. O problema está em:

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quanto do espaço visual urbano pode ser ocupado pela atividade, quem deve ocupá-lo, o quê

deve ser exposto e quais os espaços que podem ser ocupados.

Em relação ao espaço (área ocupada), em Porto Alegre, as definições em lei

determinam essas proporções, enquanto em Canoas, a lei não é tão restritiva. Possivelmente

por isso, na BR-116, encontram-se painéis cada vez maiores. Há, nesse ponto, um grande

conflito de opiniões, principalmente pela crença (tanto dos que determinam as regras quanto

dos que têm que cumpri-las) de que quanto maior o espaço ocupado, mais visível está aquilo

que é anunciado. Ou seja, há uma crença na proporção direta entre tamanho e visibilidade.82

Isso leva a uma valorização para a venda dos espaços medida em área ocupada.

Área (m2) é um critério objetivo, objetividade que está distante dos conceitos

subjetivos envolvidos nessa mensuração que, caso sejam considerados na sua complexidade,

poderiam conduzir as negociações a outras unidades de medida, como, por exemplo, as

adotadas no sistema de valorização comercial das mercadorias, quando o valor é dado em

função da oferta e da procura. A planificação da valorização em conceitos unitários e estáveis

dificulta as negociações que são feitas para a regulamentação do uso dos espaços, uma vez

que as percepções em relação a esses dimensionamentos não são estáveis.

A regulamentação atual é feita sob bases formais que são objetivas, enquanto os

critérios para estabelecê-las são subjetivos, o que faz com que suas bases não sejam concretas,

pois esbarram nos “graus de...”, referidos acima, que respaldam diferenças de interpretação.

As disputas em torno da regulamentação encontram um ponto de equilíbrio no fato de que a

atividade é, reconhecidamente, uma atividade econômica legítima e rentável para os campos

envolvidos.

82 Além das teorias da Gestalt (Kohler, 1980; Katz, 1967), que relacionam percepção com interesse, poderiam ser citados os estudos de contrastes de cor entre superfícies de Itten (1986) para a Escola da Bauhaus, que apontam para outras soluções.

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Muitos impasses nas negociações e implantação da Lei decorrem da concepção de que

a Lei é um instrumento fixo e distante dos movimentos sociais. Ou seja, a Lei está aí para ser

cumprida. No entanto, é consenso, entre os entrevistados, de que há impossibilidade de

imposição da Lei e que nem sempre o que é legal é o melhor para a cidade. A concepção

rígida de Estado e Nação se defronta com as tendências internacionais globalizantes, que

conduzem à baixa valorização dos mercados locais, por parte daqueles que exploram esses

mercados e daqueles que administram. Essa baixa valorização reflete-se na situação caótica

das formas de exposição, no excesso e no agigantamento daquilo que é exposto. Além disso,

observa-se, no ambiente de negociação das regras, a presença de fatores que geram conflitos

entre os campos envolvidos:

- falta de confiança no poder público, prevendo a possibilidade de acordos ilícitos;

- desconhecimento, por parte dos que exploram comercialmente os espaços urbanos

de comunicação visual, das competências técnicas de urbanistas e planejadores;

- desconhecimento, por parte de quem planeja e administra os espaços urbanos de

comunicação visual, das atividades de produção;

- baixa ou quase nula representação da comunidade (Associações de moradores,

moradores) nas discussões e assembléias;

- caráter agonístico das negociações que leva alguns dos jogadores a esquecer as

prioridades sociais em detrimento do “jogo”.

O espaço visual urbano, na ótica de quem o explora, é uma mercadoria. Provoca

demandas, por parte dos clientes e disputas das empresas locadoras locais e, ultimamente,

internacionais. As empresas locais, cientes da concorrência global, procuram se atualizar e

desenvolver uma cultura local de cooperação, embora esse processo seja recente e difícil.

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A concorrência permite ao poder público valorizar as áreas de exposição nos

equipamentos urbanos, ao mesmo tempo que compromete as administrações com o apoio do

sistema publicitário. Essa relação atinge indiretamente a transparência de algumas ações do

poder público. O comprometimento indireto também ocorre no nível dos representantes legais

(vereadores) que precisam utilizar os métodos publicitários no período das eleições. A falta de

confiança no poder público, por parte dos agentes das negociações, impede alianças claras e

expõe a vulnerabilidade do sistema.

Do ponto de vista de mercado, as áreas urbanas para exposição têm maior ou menor

valor. O perfil do público-alvo que circula por essas áreas é fator determinante para a

hierarquização dos espaços. Embora existam áreas de maior ou menor valorização, em termos

de exposição, nos termos da Lei, em Porto Alegre, elas são consideradas de forma

homogênea, sem zoneamento ou plano diretor.

No Rio Grande do Sul, pela característica local de que as empresas de publicidade ao

ar livre ou são indústrias de fachadas e painéis ou são locadoras de espaços urbanos para

publicidade, ocorrem relações de mercado diferentes das de Santa Catarina para o norte, onde

as empresas atuam nos dois mercados ao mesmo tempo.

Em Porto Alegre, especificamente, as empresas de publicidade ao ar livre ainda não

estão devidamente organizadas para negociar como categoria. As três entidades que tratam do

problema (AGEPAL, SEPEX e SINDIPAINÉIS) não entram em acordo quanto aos seus

interesses e o segmento fica parcialmente representado. O associado, ou possível associado,

ainda não tem garantias oficiais e políticas para saber qual delas será a representante legal de

seus interesses.

A baixa participação das empresas do ramo em assuntos comunitários dificulta tanto

as negociações da categoria quanto as negociações, em nível de sociedade, com o poder

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público. Acredita-se (opinião da pesquisadora) que esse cenário poderá ser alterado com o

aumento da concorrência, que demandará do grupo de empresas locais, que atuam no mercado

de publicidade ao ar livre, uma conscientização da necessidade de valorizar seus produtos e

seus representantes, tanto em nível de categoria profissional quanto em nível social.

Quanto aos artistas, aparentemente, os artistas do Clube da Lata, Leandro e os

grafiteiros com suas intervenções, outorgam-se a licença de ocupar o espaço visual público.

Os projetos de Selister e dos artistas do Clube da Lata vão ao encontro da visão utópica dos

modernos sobre a função social da obra de arte. Assim como os grafiteiros, realizam um tipo

de expressão que pode ser considerado como uma prática híbrida, de uma cultura social que já

não se estabelece em campos estanques, mas em campos que se comunicam.83 Nessas

hibridações, pode-se encontrar tanto os códigos acadêmicos das Escolas de Arte, quanto os

códigos icônicos da publicidade e o imaginário da cultura dita popular.

Os códigos da publicidade são utilizados pelos artistas com a intenção de alteração da

percepção do público, e, se evoluírem suas pesquisas, pode-se pensar numa alteração nos

modos de ver a comunicação visual urbana através da arte. Com esse objetivo, procuram

sensibilizar seus públicos, pautando a mídia local com ações, para o uso mais democrático do

espaço visual urbano, transformando seu trabalho num movimento que, para além da disputa

de espaço, corresponde ao projeto defendido por Appadurai, para quem são as práticas

cotidianas do trabalho da imaginação que vão transformando o social (2001, p.25).

Recentemente, na Bienal de Arquitetura de São Paulo, dois arquitetos sugerem um prédio no

qual as paredes são cortinas metálicas móveis que servem de suporte para textos literários84.

83 Ver Canclini, 1998. 84 Arquitetos Alexandre Cafcalas e Guilherme Margara. In: Morar na metrópole, o olhar de 15 arquitetos.

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No seu dia-a-dia, as pessoas circulam pela cidade sem se questionar sobre aquilo que

conforma seu ambiente, até que algo lhes chame a atenção ou faça-os abandonar por instantes

seu pensamento para o que passa a ser percebido. Os psicólogos da Gestalt85 defenderam que

as percepções emergem de um fundo ou contexto, como uma figura que assume contornos

conforme se destaca nesse fundo, o qual realça suas características. A percepção de uma

figura pode distinguir entre um organismo e outro, entre um organismo e algo inanimado em

seu ambiente ou alterações qualificativas nessas entidades. O fundo sobre o qual é destacada a

figura é um ambiente que também é percebido conforme ajustes de cada indivíduo em

diferentes circunstâncias.

As pessoas geralmente têm sua atenção chamada por aquilo que lhes interessa, ou seja,

o que é permitido ou delimitado pelas fronteiras do seu eu. Os valores expressos pelas fontes

revelam a cultura de um grupo. A cultura e o interesse do passante se ajustam para fazer com

que algo se destaque e assuma contornos de maior ou menor importância para o contexto

desse agente, conforme as circunstâncias do momento da sua interação.

O grupo de agentes considerados de falas não-marcadas traduz os capitais simbólicos,

com os quais são organizados os discursos publicitários, de acordo com o contexto e a

vocação ou capacidade de consumo do agente. O que mais lhes chama a atenção é despertado

pelo seu interesse mais direto como cidadão e como consumidor. A relação com os afazeres e

com a circulação desperta o interesse pela sinalização e pela identidade dos pontos urbanos

caracterizada por materiais de comunicação, pois a orientação dos passantes parece ocorrer

mais por familiaridade ou reconhecimento do que pela própria sinalização.

É importante notar que os informantes do grupo de falas não-marcadas dizem que não

costumam ser influenciados por outdoors, mas, dependendo da propaganda, o produto é

85 Sobre as teorias da Gestalt, ver Köhler (1980); Katz (1967).

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comprado. Selecionam o que, onde e como comprar, mas gostariam que a comunicação de rua

pudesse oferecer-lhes mais serviços de informação, tais como promoções ou telefones para

localização de serviços. Esse desejo vai contra a função primeira da informação publicitária

ao ar livre, que é a presença da marca − pura e simples lembrança do produto, com o mínimo

de informações possível. Para o passante, a maioria daquilo que é colocado na rua é inútil, já

que não lhe traz informações. É muito clara para ele a relação de leitura que pode ter com os

materiais da CVU, de acordo com sua velocidade de deslocamento. A impossibilidade de ler

aquilo que lhe interessa o deixa impaciente ou desinteressado.

Sobre a definição do que é “poluição visual”, as opiniões concorrem quando a

avaliação é formal, mas diferem quando a avaliação é prática. Formalmente, concorda-se que

a poluição é um modo de exposição desordenado, de forma que a leitura e apreensão da

mensagem não ocorra ou seja feita por intervalos de tempo − como em um quebra-cabeças. É

também relativa ao indivíduo que interage com ela. Concorda-se que há acúmulo de

propagandas, que a poluição “massifica” e “impede a assimilação” e que o conjunto pode ser

uma agressão. Destacam-se expressões como “excesso de informação” em um mesmo lugar,

informações “mal dispostas”, o “mau uso do espaço”, o “mau uso da cor”.

Na prática, quanto à publicidade, considera-se “válido” o outdoor que “transmite uma

informação”, que também precisa ser “válida” para o consumidor (promoções, preço) e ter

“uma mensagem” explícita ou uma função clara (dizer a hora, por exemplo). O uso do

símbolo isolado, sem texto informativo (tomado como esclarecedor), só se for “familiar” e o

mais familiar para os informantes desta pesquisa é o da Coca Cola, empresa multinacional que

investe massivamente na propaganda pela televisão. As propagandas que chamam a atenção

têm, para os agentes, a qualidade de ser “bem elaboradas”. Os conceitos de “mal elaborado”

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ou “bem elaborado”, aplicados aos materiais da CVU, refletem posições particulares e nem

sempre correspondem aos cânones defendidos pelos publicitários.

Destaca-se, no espaço da BR-116, o que há de “novo”, como as propagandas em

“movimento” no TRENSURB, e aquilo que é “inovador”, “interessante”, embora se considere

que há um exagero de “inovações” e que os “apelos” causam um “descontrole de valores”.

Destacam-se a performance da Coca Cola; a seqüência de outdoors da Perdigão e das

prestadoras de serviço telefônico, consideradas uma “inovação”. O grotesco e o simpático

também chamam a atenção (“um prédio com um carro em cima”, “a vassourinha da

Bettanin”). O tamanho e a luminosidade dos painéis são ressaltados: os painéis são muito

grandes e a luminosidade muito forte, atrapalha ao dirigir.

O painel eletrônico foi destacado como algo que chama a atenção, suas cores e luzes

são um “choque”. Para um dos participantes, o painel luminoso só merece sua atenção quando

dá a hora, considerada uma informação útil.

A palavra “sujeira” é freqüentemente aplicada quando se fala em poluição visual. O

termo “sujeira” é relacionado mais às produções alternativas, como os cartazetes, colados nas

paredes e postes, e às pichações do que à publicidade em outdoors, de um modo geral. As

pichações são consideradas como “desrespeito”. Com exceção de poucas lembranças, o

caráter expressivo e revolucionário das pichações como “reação ao sistema de massificação”

foi pouco destacado. Há tolerância para os graffitis que, quando caem no gosto dos

espectadores, podem ser considerados “bonitos” ou “construtivos”.

Em geral, a opinião corrente é que as pichações sujam. O termo “sujeira” é

comparado, vez por outra, à pobreza, aos mendigos. Em alguns casos, a pobreza aparente nos

barracos que estão na paisagem é mais incômoda que a poluição visual e é tratada, num

sentido crítico, como verdadeira poluição. Para as pichações, também são explicitadas

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avaliações de conteúdo moral, tais como “trazem baixaria”, “têm muita bandalheira”. É

reconhecida como forma de transgressão porque “o bom é o proibido”.

O termo “sujeira” também foi muito utilizado para os resultados da ação da

propaganda política sobre os muros e postes da cidade, revelando uma grande preocupação

com a invasão do meio ambiente por elementos da publicidade e, ao mesmo tempo, uma baixa

tolerância para com as manifestações de cunho político, tratadas como “ridículas” e “sujas”.

Há uma predominância na opinião de que o uso do espaço público pela atividade

privada não é problema quando é com “fins informativos”. Há “benefício para o público e

para as empresas anunciantes”. No uso do espaço público pelo privado, os grupos

entrevistados concordam que depende do momento, da situação e do bom senso. O uso de

muros ou terrenos particulares é considerado “invasão” e só é admissível se for consentido e

regrado.

No trabalho com os grupos focais, houve algumas diferenças entre os grupos. Notam-

se alterações de acordo com a maturidade e o gênero do grupo. No entanto, mais que pelos

fatores gênero e faixa etária, essas alterações são marcadas pela cultura do grupo. Há

momentos em que a maturidade pode atrapalhar uma visão mais otimista. Nota-se que os

indivíduos parecem acomodar-se, de forma inexorável, ao sistema sem vislumbrar soluções

possíveis.

No grupo feminino de faixa etária mais baixa, chamou a atenção sua maior

preocupação com determinados aspectos do consumo − sapatos, produtos de beleza e lingerie

e a lembrança de outros mídia através dos atores de TV que atuam como modelos

publicitários. Nota-se, nesse grupo, uma forte relação com uma feminilidade construída nos

mídia e ressaltada pelas pesquisas de gênero.

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No grupo feminino de faixa etária mais alta, destacou-se a possibilidade de informação

que os compósitos oferecem, mas que não chamam a atenção quando se está dirigindo, uma

vez que, nessa faixa etária, tanto no grupo feminino quanto no masculino, as pessoas já

possuem veículo próprio para seus deslocamentos e se preocupam com aspectos que dizem

respeito à atenção para a condução do veículo. É um grupo onde há participantes que já

viveram em outros países e conviveram com outras realidades, com as quais podem

estabelecer comparações. Há uma preocupação maior com as informações de utilidade

pública, com a demarcação de fronteiras de municípios e sinalização em geral, com a

preservação do meio ambiente e com as identidades municipais que são “escondidas” pela

poluição da BR-116.

O grupo masculino de faixa etária mais baixa foi aquele que apresentou propostas

mais inovadoras para os pontos críticos apontados. Deu-se ênfase ao “desconforto” e

“desinteresse” causado pelo “acúmulo” de materiais e destacou-se que a “guerra” pelo espaço

e atenção “dificultam a informação” nos centros urbanos. Esse tipo de publicidade serve à

propagação de “valores e modelos narcisistas” e à exacerbação do “consumismo”. O excesso

de publicidade é um “modismo” que, acredita-se, será substituído por “novas formas de

consumo”, apoiadas na “ética” e em ações de “voluntariado”. Há expectativas de ações de

“voluntariado a favor do consumo” racional conforme as “características da empresa”. Note-

se que as expressões “guerra” e “voluntariado” ocuparam de forma notável os espaços

midiáticos durante o período da pesquisa.

Foi colocada por esse grupo a opinião de que a publicidade ao ar livre exclui as

empresas que não têm recursos financeiros e que o excesso de publicidade é um “boom”

motivado pela “concorrência”. As campanhas são movidas pela “competição” e pelas

“tendências” e não pela “qualidade”. Por outro lado, considera-se importante estar na rua para

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divulgar os produtos para quem passa. Aqui o horizonte romântico do jovem choca-se com

sua experiência de realidade.

Nos dois grupos masculinos, critica-se a propaganda desrespeitosa e as formas

apelativas, exemplificadas pelo uso do corpo. O uso do espaço público pela atividade privada

é encarado como “uma questão ética” pelo grupo. Defende-se que é preciso ter “critérios”,

evitar a propaganda desrespeitosa e formas apelativas (exposição do corpo feminino). Para

isso, na opinião desses jovens, é “preciso fazer pesquisa, falar com a sociedade”.

No grupo masculino de faixa etária mais alta, a poluição visual é vista como falta de

padronização, e, também aqui, surge a comparação com padrões correspondentes a outras

realidades. Sua experiência já lhes permite dizer que a percepção de poluição pode ser

relativizada pelo indivíduo e por isso deveria haver um dimensionamento por locais.

Quanto ao uso do espaço público pelo privado, considera-se que depende da forma do

material, do uso e do conteúdo. O conteúdo menos tolerado é aquele que atenta a princípios

morais dos participantes.

Foi travado um diálogo que tentou expressar o modo como o grupo conseguia captar o

todo de cada painel. No entender da pesquisadora, esse tipo de diálogo foi possível graças à

maturidade e empatia do grupo. Para eles, o modo de apreensão ou visualização é: motivado

(pela informação ou pela personalidade de quem vê); fragmentado, as imagens formam-se ao

longo do tempo “como um quebra-cabeça”; os fragmentos podem ser uma montagem que se

completa com o auxílio de outros mídia, mas, mesmo assim, em algumas peças “falta foco”.

Houve um participante desse grupo que vê os compósitos como ícones de modernidade, de

agitação.

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2 AS INTERAÇÕES

Observou-se que a interação pode ocorrer de várias formas, seja para determinado

agente ou para um grupo de agentes. O quadro abaixo resume em poucos itens as interações

observadas:

As interações

Tipo Finalidade Conteúdo dos elementos da CVU Forma de aproximação

Níveis de ocorrência

produto/consumo serviço

informação

utilidade (hora, temperatura)

deslocamento por carro, coletivo, trem ou a pé

indica um local indica um serviço

Uso

orientação

indica um comportamento

próximo/distante

descomprometida comprometida

Juízo (ético -estético)

cultural intuitivo técnico afetivo

relacionado à cultura relacionado à experiência particular com base em formação específica desinteressada

Interesse administrativo político técnico comercial artístico/expressivo expressivo

contribuição social interesse de gestão interesse político/partidário ou de classe formação e crenças mercado estético/expressivo resistência ao sistema

interessada

simultâneos isolados

A interação de um agente ou grupo com a CVU, além de alterar-se de acordo com o

tipo de uso e o interesse do agente, altera-se também conforme a situação de comunicação da

interação e conforme o agente esteja mais ou menos sensível à presença dos elementos. No

caso dos grupos de discussão, conforme interações que se processam entre os componentes do

grupo.

A análise das falas, em síntese comentada acima, apresenta diversas possibilidades.

Atualiza interesses, necessidades e padrões de avaliação dos agentes das interações. Esses

padrões, considerados no todo do trabalho de campo, destacam conjuntos mais ou menos

densos de contextos ou situações de interação. Ao observar as situações de interação,

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encontra-se um movimento contínuo nos e entre os padrões de avaliação, causados pelas

trocas e conflitos entre agentes no momento em que ocorre a interação bem como a influência

dos contextos nos quais os agentes estão imersos.

O estudo desses movimentos poderá organizar cursos mais apropriados para as ações

de agentes ou grupos. O fato de observar como ocorrem as relações estabelecidas pelos

falantes (entrevistados) pode evitar relações de impermeabilidade que venham a resultar em

impasses interacionais entre agentes ou entre agentes e seu meio.

Examinando o Quadro II, pode-se observar as situações nas quais ocorrem as

interações e destacar fatores predominantes no processo. Ao relacionar esses fatores com o

espaço sócio-cultural, para o qual é feita a pesquisa, emergem lógicas que organizam as

interações.

A seguir, ensaiam-se algumas reflexões para a situação em exame:

- a lógica da visibilidade, embora tenha aspectos explicitados nas falas, não é

suficiente para explicar o que é visível e o que não é. Através das falas, pode-se

observar que há coisas que são mais visíveis para uns e menos para outros, como o

fato de, nos grupos femininos, não surgirem reações contra a exposição do corpo.

Teria a mulher da nossa cultura se habituado a essa exposição, ou o uso do corpo

feminino só interessa às feministas? É a “moral masculina” de um grupo que

defende a “sua” mulher e a “sua” família? Teríamos aqui uma boa pesquisa de

gênero para a cultura examinada;

- já as interações por interesse comercial decorrem de um mercado que se expande,

calcado na lógica da visibilidade, mas também, neste caso, no pouco acesso que a

população em geral tem aos meios de informação e na baixa participação política

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do cidadão em relação aos aspectos relacionados ao seu entorno (entendido aqui

como figura − gestalt, que emerge da consciência).

- nas falas não-marcadas, as interações em forma de juízos estão carregadas de

qualificativos como “agressão”, que se opõe a “vulnerabilidade”. O cidadão

acredita na sua vulnerabilidade, mas não participa ativamente dos processos. Falar

sobre sua vulnerabilidade à “poluição” e à “sujeira” é mais cômodo do que agir de

forma cidadã sobre em relação a esses assuntos. A questão é: o que está na raiz

dessa não participação?;

- nas falas institucionalizadas, no campo político, administrativo ou legislativo, aos

quais é outorgado o direito de absorver as necessidades sociais, criam-se posições

antagônicas, mas essas atividades no nosso meio estão, de certa forma,

comprometidas com o sistema que legitima a CVU;

- os agentes locadores e produtores, incluindo-se aqui as Agências de Publicidade,

defendem suas posições em função da geração de mercado, empregos e receitas, ou

mesmo da colaboração com questões de melhorias ambientais, como é o caso dos

equipamentos urbanos ou até da publicidade considerada “boa”. Na luta pela

atenção do consumidor, a estratégia é estar na rua, e os espaços passam a ser

poucos. Por um lado, não há garantias de que o produto veiculado vai ser lembrado;

por outro, devido à alta concorrência e ao meio com baixo poder de consumo,

proliferam os produtos que colaboram para a deterioração do meio ambiente e do

mercado;

- as falas que destacam interações por uso ressaltam a necessidade de informação

sobre os produtos por parte da população. Acentuam o baixo interesse ou mesmo

pouca informação sobre a mudança de um paradigma publicitário que investe,

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principalmente, na sedução em detrimento da argumentação. Em relação a novas

propostas, apenas em uma das falas foi referida a possibilidade de novos modos de

consumo, já em desenvolvimento em outras culturas;

- a questão de que a “poluição visual” deve ou não deve ocorrer em determinadas

zonas é discutida mesmo por quem defende o Meio Ambiente, já que o conceito de

“poluição” é naturalizado para o urbano como o de mata o é para o rural. Nas

palavras de Rosângela Rios, o elemento do compósito, depois de um certo tempo,

“vira paisagem”;

- há uma acomodação do background aos ambientes urbanos poluídos em

determinadas áreas. Nesses casos, esses ambientes teriam a sua identidade referida

ao tipo de CI que neles se encontra;

- os passantes podem, em um determinado momento, não dispensar o uso das

informações que lhes são prestadas, pelo fato de desconhecerem outro tipo de

modalidade que lhes facilite o acesso às mesmas e, também, porque esses objetos

lhes são familiares ou simpáticos. Essa familiaridade é apoiada na redundância e

em outros meios de comunicação, principalmente a televisão. Assim não há como

não ver com simpatia (sem o distanciamento analítico) o papagaio da Claro, a

vassourinha da Bettanin ou o artista de TV da sua preferência, estampado nos

outdoors.

Esses são alguns dos aspectos pelos quais será preciso observar os sujeitos dessas

interações, mais atentamente, para a compreensão da Comunicação Visual Urbana na região

examinada, uma vez que serão eles os agentes que conduzirão as interpretações do ambiente

no qual estão imersos.

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3 O SUJEITO DAS INTERAÇÕES

Os movimentos interacionais influenciam seus contextos assim como são

influenciados por eles. O sujeito das interações enquadra suas percepções e organiza suas

interações conforme as relações que mantém nos espaços do seu contexto social ou particular,

conforme as situações de comunicação com as quais se depara.

Há um fundo cultural comum, que atua em todos os sujeitos observados. A cultura

envolve as relações dos sujeitos com seus espaços sociais e conta com as contribuições dos

produtos da indústria cultural e com as formas com que alguns desses produtos se apropriam

do seu cotidiano. Do mesmo modo, o cotidiano dos sujeitos pode pautar as ações dos agentes

produtores dessa indústria. Elementos centrais dessa cultura emergem através dos enquadres

dos agentes, de suas experiências e forças projetadas no meio social.

Do ponto de vista mercadológico, os agentes produtores defendem seus espaços de

atuação adaptando-se aos constrangimentos de mercado, em detrimento das suas ações

comunitárias. Se o agente pertence às instituições públicas administrativas, observa-se um

sujeito dividido entre a aceitação de um dado social, ou seja, a presença dos compósitos no

meio ambiente e a compatibilização desse dado com exigências da comunidade e da sua

própria ética.

A partir da situação exposta pelos agentes, pode-se refletir sobre a situação histórica

que é o contexto maior das interações. Este é um período no qual a sociedade não pode ser

pensada somente no seu nível local. Martin Barbero, ao chamar a atenção para as relações

entre linguagem e sociedade e para as condições de produção de significação, diz:

Y de lo que se trata em los procesos llamados de comunicación, de información, culturales o como si quiera, es de la producción histórica social de la significión y no de una mera reproducción. Significación que posee una materialidad histórica concreta y una forma no añadida, ni refleja, sino la que se produce desde una determinada racionalidad, la de la mercancia en nuestra sociedad que domina conformando tanto los objetos

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como los mensajes porque lo que codifica y domina son las relaciones sociales. (1988, p.35)

Com a expansão da visibilidade, o marketing tratou de criar estratégias para otimizar

espaços para a publicização e comercialização de produtos fora dos espaços dos mass media.

As grifes se transferiram para o corpo dos indivíduos, para seus espaços mais privados e

esparramaram-se pelo espaço urbano. Já há quem, consciente desse uso, se recuse a sair com

uma marca estampada na roupa ou quem denuncie o uso predatório dos espaços públicos

urbanos. A aparente inevitabilidade dessa expansão compromete toda a sociedade a valorizar

seus próprios espaços. A chamada globalização pode ser em parte responsabilizada por esses

problemas, por outro lado, também pode estar na reação à globalização a consciência para os

ajustes locais.

No tocante às várias dimensões da globalização, devem ser consideradas as dimensões

política, social e cultural, sem excluir a sua dimensão econômica. Os grupos sociais reúnem-

se para uma sobrevivência a esta onda do capitalismo tardio que, imaginária86 ou não, tem

demonstrado seus efeitos dramáticos.87

As disputas expressas nas falas dos agentes escancaram a baixa estima de um grupo

social e a dificuldade em valorizar, ainda que comercialmente, seus próprios espaços. Os

indivíduos absorveram o imaginário da dominação globalizada e aderem a negociações

contrárias aos seus reais interesses como comunidade, produtiva ou administrativa, sem

86 Ver Nestor García Canclini. La globalización imaginada, Buenos Ayres: Paidós, 2001. 87 Saskia Sassen (1994) defende que há centros de processamento globais da economia e Clarke (1996) demonstra “a enorme concentração de poder econômico por parte das empresas multinacionais: das 100 maiores economias do mundo, 47 são empresas multinacionais; 70% do comércio mundial é controlado por 500 empresas multinacionais; 1% das empresas multinacionais detém 50% do investimento direto estrangeiro” (Santos, 2001, p.31). Na esteira de desigualdades, os países pobres têm 90% das doenças e não gastam mais que 10% dos recursos alocados mundialmente para a saúde; 1/5 da população mundial não tem acesso a qualquer serviço de saúde e 50% da população não tem acesso a medicamentos essenciais (Santos, 2001, p.35).

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contabilizar que o interesse do capital que está sob os grandes projetos publicitários depende,

fundamentalmente, do seu público.

Tentando responder à questão: “O que está acontecendo aqui?”, pode-se responder,

num primeiro momento, que se observa o cenário de uma comunidade abatida, aparentemente

deprimida, pela dominação econômica e seus efeitos. A esperança é que, quando, nas palavras

de Sloterdjk, as superestruturas decadentes pouco ou o quase nada têm a dar aos indivíduos as

pessoas tendem a regenerar-se somente como unidades menores (1999, p.74). Isso pode nos

levar a crer em um novo tipo de relação entre empresários locais e comunidades, embora os

fatores econômicos se tornem cada vez mais preponderantes com suas sofisticadas tecnologias

para apreensão do olhar do consumidor.

Nas interações dos agentes de fala não-marcada, as trocas culturais com os compósitos

ocorrem nos espaços de sociabilidade freqüentados pelos sujeitos, e os campos são alterados

por micro-relações práticas ou porque o sujeito é motivado e altera seus modos de interação,

contaminando as posições de outros sujeitos.

No pequeno espaço de uma pesquisa, é possível notar o quanto uma provocação pode

contaminar a posição dos sujeitos e de suas faces. Isso pode ocorrer numa mesma entrevista,

em um grupo de discussão ou em outras ações. A ação política e a discussão seriam os

caminhos mais adequados para equilibrar as posições. De qualquer forma, seria um equilíbrio

instável, dependente de vários fatores, alguns já comentados.

Há agentes que antepõem apostas em jogos, às situações de negociação, dissonantes

dos interesses da comunidade. No paradigma atual, os agentes que organizam as regras

constatam que as mesmas não são suficientes para atender às demandas sociais. Nesse

cenário, seria importante a ampliação do debate, em todas as escalas sociais, tendo em vista o

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bem-estar comunitário e o apoio ao desenvolvimento de atividades que contribuam

efetivamente para isso.

A empatia que alguns produtos do setor da publicidade conseguem estabelecer com

seus públicos dá mostras de como, utilizando essas estratégias, o poder público poderia

interagir com camadas mais distantes da participação política e mesmo na educação dos

cidadãos.

O espaço visual urbano visto como espaço de comunicação pode promover ações

cidadãs, de educação, de politização, de sensibilização, como o fazem hoje os poucos artistas

que nele intervêm. Contribui, assim, para a imersão do sujeito em um ambiente

comunicacional que utiliza as lógicas da visibilidade a favor de interações conscientes e

harmônicas do sujeito com seu meio.

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ANEXOS

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ANEXO A

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ANEXO B