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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI PRÓ-REITORIA DE PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO, EXTENSÃO E CULTURA - PROPPEC CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS - CEJURPS CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM CIÊNCIA JURÍDICA – CPCJ PROGRAMA DE MESTRADO ACADÊMICO EM CIÊNCIA JURÍDICA – PMCJ
ANÁLISE DA PROPRIEDADE INTELECTUAL COMO DIREITO (NÃO) FUNDAMENTAL NA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA
DANIELE CRISTINA ROSSETTO
Itajaí (SC), junho de 2006.
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI PRÓ-REITORIA DE PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO, EXTENSÃO E CULTURA - PROPPEC CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS - CEJURPS CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM CIÊNCIA JURÍDICA – CPCJ PROGRAMA DE MESTRADO ACADÊMICO EM CIÊNCIA JURÍDICA – PMCJ
ANÁLISE DA PROPRIEDADE INTELECTUAL COMO DIREITO (NÃO) FUNDAMENTAL NA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA
Daniele Cristina Rossetto
Dissertação submetida à Universidade do Vale
do Itajaí – UNIVALI , como requisito à obtenção
do grau de Mestre em Ciência Jurídica.
Orientador: Prof. Dr. Álvaro Borges de Oliveira
Itajaí (SC), junho de 2006.
ii
Meus Agradecimentos:
A Deus, por ter sido fiel em todas as horas;
Aos meus pais que me permitiram desfrutar
desse maravilhoso momento.
Às minhas irmãs por terem sido mães nos
momentos de minhas ausências.
Ao meu orientador e amigo, Prof. Álvaro, pelas
importantes contribuições, paciência e por
dividir seu conhecimento.
iii
Este trabalho dedico:
Ao Fernando Callfass, companheiro nos
objetivos de vida.
Meu filho Lucas, pelos momentos subtraídos da
nossa convivência na esperança de um mundo
melhor.
iv
Não pensem sempre que tudo está perdido
quando não se pode descobrir, no fundo de uma
obra, alguma idéia ou pensamento abstrato.
Perguntam-me que idéia eu procurei encarnar
no meu Fausto!
Como se eu soubesse, como se eu mesmo o
pudesse dizer!
Goethe
v
DECLARAÇÃO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE
Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total
responsabilidade pelo aporte ideológico conferido ao presente trabalho,
isentando a Universidade do Vale do Itajaí - UNIVALI, a Coordenação do
Curso de Direito, a Banca Examinadora e o Orientador de toda e qualquer
responsabilidade acerca do mesmo.
Itajaí (SC), 17 de julho de 2006.
Daniele Cristina Rossetto Mestranda
vi
ROL DE ABREVIATURAS E SIGLAS
CRFB/88 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988
CC/02 Código Civil Brasileiro de 2002
UNIVALI Universidade do Vale do Itajaí
PMCJ Programa de Mestrado em Ciência Jurídica
vii
ROL DE CATEGORIAS
Rol de categorias que o Autor considera estratégicas à
compreensão do seu trabalho, com seus respectivos conceitos
operacionais.
Constituição:
É um sistema de normas jurídicas que organizam os poderes do Estado e
protegem os direitos da pessoa humana.1
Direito Autoral:
O direito autoral compreende o direito do autor e os direitos conexos. Pois cuida a
lei de amparar não somente o criador da obra intelectual, mas também aqueles
que auxiliam e servem de veículo para sua divulgação.2
Direito de Autor:
O direito de autor é um poder de senhorio de um bem intelectual, poder esse que,
em razão, da sua natureza especial, abraça no seu conteúdo faculdades de
ordem pessoal e faculdades de ordem patrimonial.3
Direito Privado:
Direito privado é o que regula as relações entre particulares naquilo que de seu
peculiar interesse.4
Direito Público:
[...] o direito que tem por finalidade regular as relações do Estado, dos estados
entre si, do Estado com relação a seus súditos, quando procede com seu poder
de soberania, isto é, poder de império. 5
1 Formulado a partir de CRUZ, Paulo Márcio. Fundamentos do Direito Constitucional , p. 81. 2 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: direitos reais, p. 592. 3 CHAVES, Antonio. Direito de Autor , v. I – Princípios Fundamentais, p. 7. 4 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil , p. 90. 5 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil , p. 90.
viii
Direitos Fundamentais:
[...] aquelas posições jurídicas concernentes às pessoas, que, do ponto de vista
do direito constitucional positivo, foram, por seu conteúdo e importância
(fundamentalidade em sentido material), integradas ao texto da Constituição e,
portanto, retiradas da esfera de disponibilidade dos poderes constituídos
(fundamentalidade formal), bem como as que, por seu conteúdo e significado,
possam lhes ser equiparados, agregando-se à Constituição material, tendo, ou
não, assento na Constituição formal (aqui considerada a abertura material do
catálogo).6
Estado:
[...] complexo político, social e jurídico, que envolve a administração de uma
sociedade estabelecida em caráter permanente em um território e dotado de
poder autônomo.7
Estado contemporâneo :
[...] o Estado Contemporâneo é caracterizado pela disparidade de condições entre
os homens, deve perseguir o respeito aos Valores Fundamentais da Pessoa
Humana, e em sua condição de instrumentalidade objetivar o alcance da efetiva
democracia.8
Função Social da Propriedade:
[...] consiste em que a propriedade deve cumprir um destino economicamente útil,
produtivo, de maneira a satisfazer as necessidades sociais preenchíveis pela
espécie tipológica do bem, cumprindo sua vocação natural, de modo a canalizar
as potencialidades residentes no bem em proveito da coletividade ou pelo menos,
não poderá ser utilizada de modo a adversá-las .9
Jus-naturalistas:
[...] os pensadores que buscavam conciliar uma ordem legal e uma origem divina
(natural), através da fundamentação dos direitos a partir da natureza humana.
6 SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais ,p. 85. 7 NADER, Paulo. Introdução ao Estudo do Direito , p. 153. 8 PASOLD, César Luiz. Função Social do Estado Contemporâneo , p. 76. 9 MELO, Celso Antonio Bandeira de. Novos aspectos da função social da propriedade , p. 43.
ix
Princípio:
[...] são normas que ordenam a realização de determinado direito na maior
medida possível, dentro das possibilidades jurídicas e reais existentes, são
"mandamentos de otimização". 10
Propriedade:
[...] é o instituto jurídico que atribui o vinculo de subordinação de uma coisa ou
direito identificável à uma pessoa, em nome próprio ou em conjunto com outras
pessoas, conferindo-lhe o direito de uso, domínio, fruição e gozo, dentro das
regras que o respectivo sistema jurídico sustenta, admitindo a exclusão dos
demais.11
Propriedade Industrial:
[...] é a soma dos direitos que incidem sobre as concepções ou as produções da
inteligência, trazidas à indústria para sua exploração ou para o proveito
econômico de quem as inventou ou as imaginou.12
Propriedade Intelectual:
[...] é toda a criação do espírito humano capaz de proporcionar utilidade,
benefício, gozo, lazer ou alguma espécie de satisfação interior.13
10 ALEXY, Robert. Teoría de los Derechos Fundamentales , p. 86-87. 11 KICH, Bruno Canísio. A propriedade na ordem jurídica econômica e ideológ ica , p. 45. 12 DEL NERO, Patrícia Aurélia. Propriedade Intelectual: a tutela jurídica da biotecnologia, p. 47. 13 KICH, Bruno Canísio. A Propriedade na Ordem Jurídica Econômica e Ideológ ica , p. 48.
x
SUMÁRIO
RESUMO ............................................................................................................. XII
ABSTRACT ........................................... ............................................................. XIII
INTRODUÇÃO........................................................................................................1
Capítulo 1
FUNDAMENTOS DA PROPRIEDADE
1.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS ......................... ..................................................6
1.2 O DIREITO DE PROPRIEDADE NA ANTIGUIDADE........ ...............................8
1.3 O SENTIDO DA PROPRIEDADE NA IDADE MÉDIA ............ ........................16
1.4 A PROPRIEDADE PARA OS JUS-NATURALISTAS MODERNOS ..............22
1.5 A CONCEPÇÃO CONTEMPORÂNEA DE PROPRIEDADE ...... ...................28
1.5.1 CONCEITO DE PROPRIEDADE NO CÓDIGO CIVIL BRASI LEIRO ..........34
1.5.2 O CONCEITO DE PROPRIEDADE NA CRFB/88 ......... ..............................39
1.5.3 A PROPRIEDADE INTELECTUAL .................... .........................................47
1.5.3.1 A PROPRIEDADE INDUSTRIAL................... ...........................................51
1.5.3.2 O DIREITO AUTORAL .......................... ...................................................52
xi
Capítulo 2
O ESTADO CONTEMPORÂNEO COMO GARANTIDOR DA FUNÇÃO SO CIAL DA PROPRIEDADE
2.1 LIMITES DA PROPRIEDADE......................... ................................................54
2.2 A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE ................. ....................................58
2.3 LIMITES E FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE INTELECT UAL.............67
2.4 A DICOTOMIA PÚBLICO/PRIVADO.................... ..........................................71
2.5 A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO PRIVADO...... ..........................78
2.6 CONCEITO CONTEMPORÂNEO DE ESTADO............... ..............................83
Capítulo 3
A PROPRIEDADE COMO DIREITO FUNDAMENTAL
3.1 AS NORMAS COMO PRINCÍPIOS E REGRAS............. ................................91
3.2 COLISÃO ENTRE PRINCÍPIOS: PROPRIEDADE X FUNÇÃO SOCIAL.......97
3.3 DIREITOS FUNDAMENTAIS.......................... ..............................................107
3.4 A PROPRIEDADE COMO DIREITO FUNDAMENTAL ......... .......................122
3.5 A PROPRIEDADE INTELECTUAL COMO DIREITO FUNDAMEN TAL.......135
CONSIDERAÇÕES FINAIS............................... .................................................140
REFERÊNCIAS DAS FONTES CITADAS ..................... ....................................145
RESUMO
A presente dissertação tem por objeto a análise, sob o
enfoque constitucional, do Direito de Propriedade Intelectual, verificando sua
abrangência como Direito Fundamental frente ao Estado Contemporâneo Brasileiro.
Para encetar este trabalho trata-se no primeiro capítulo de apresentar o conceito e
os fundamentos da propriedade ao longo de sua evolução histórica, e de investigar
o conteúdo do direito de propriedade contemporaneamente incluindo a propriedade
intelectual. Demonstra-se que ocorre a superação da dicotomia público/privado com
a publicização do direito, e com a publicização do direito de propriedade o Estado
passa a ser o garantidor da função social da propriedade. Daí a importância de se
estudar no terceiro capítulo a possibilidade de compatibilização entre o exercício do
direito de propriedade e outros direitos fundamentais e, por último analisar se diante
das limitações impostas e do condicionamento da propriedade à função social, a
propriedade ainda pode ser considerada um direito fundamental. As Considerações
Finais trazem em seu bojo as respostas às hipóteses levantadas, onde se verifica
que não existem direitos fundamentais absolutos.
xiii
ABSTRACT
The present essay has for its object the analysis, under
the constitucional approach, of the right of intellectual property, verifying its
enclosure as a fundamental right before the contemporary brazilian State.
To begin this work the first chapter presents the concept and the
fundamentals of the property throughout its historical evolution, and to
investigate the content of the property contemporarily including the
intellectual property. It demonstrates that occurs the overcoming of the
public/private dichotomy with the publicizing of the property right, the State
turns to be the guarantor of the social function of the property. Then, the
significance of studying in the third chapter the compatibilization between
the exercise of the property right and other fundamental rights and, finally to
analyze if, before the imposed limitations and of the conditioning of the
property to the social function, the property still can be considered a
fundamental right. The final considerations bring in its bulge the answers to
raised hypotheses, where it is verified that there are no absolute
fundamental rights.
INTRODUÇÃO
A presente Dissertação14 tem como objeto 15 a análise
da propriedade intelectual como direito (não) fundamental na Constituição
brasileira.
O objetivo institucional 16 é a obtenção do Título de
Mestre em Ciência Jurídica pelo Programa de Mestrado em Ciência
Jurídica do Curso de Pós-Graduação Stricto Sensu em Ciência Jurídica-
CPCJ/UNIVALI, enquanto que o objetivo geral 17 é discutir o aspecto
fundamental do direito de propriedade intelectual na constituição brasileira.
Os objetivos específicos 18 serão distribuídos por capítulos da seguinte
forma: primeiro capítulo: discutir acerca dos fundamentos da propriedade;
definir o conceito contemporâneo da propriedade; segundo capítulo:
analisar o Estado contemporâneo como garantidor da função social da
propriedade; terceiro capítulo: circunscrever a Propriedade Intelectual
dentro do Direito de Propriedade; analisar o aspecto fundamental do direito
de propriedade e da propriedade intelectual.
14 “[...] é o produto científico com o qual se conclui o Curso de Pós-Graduação Stricto sensu no
nível de Mestrado”. PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa Jurídica : idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do Direito. 8 ed. rev. Florianópolis: OAB/SC Editora - co-edição OAB Editora, 2003. p. 170.
15 “[...] é o motivo temático (ou a causa cognitiva, vale dizer, o conhecimento que se deseja suprir e/ou aprofundar) determinador da realização da investigaçao”. PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa Jurídica: idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do Direito. 8 ed. rev. Florianópolis: OAB/SC Editora - co-edição OAB Editora, 2003. p. 170.
16 PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa Jurídica : idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do Direito. 8 ed. rev. Florianópolis: OAB/SC Editora - co-edição OAB Editora, 2003. p. 161.
17 “[...] meta que se deseja alcançar como desiderato da investigação”. PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa Jurídica : idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do Direito. 8 ed. rev. Florianópolis: OAB/SC Editora - co-edição OAB Editora, 2003. p. 162
18 PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa Jurídica : idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do Direito. 8 ed. rev. Florianópolis: OAB/SC Editora - co-edição OAB Editora, 2003. p. 162.
2
Quanto à Metodologia 19 empregada, registra-se que na
Fase de Investigação utilizar-se-á o Método Indutivo20, na Fase de
Tratamento de Dados o Método Cartesiano, e o Relatório dos Resultados,
expresso na presente Dissertação, é composto na base lógica Indutiva21.
Nas diversas fases da Pesquisa, foram acionadas as
Técnicas, do Referente, da Categoria, do Conceito Operacional e da
Pesquisa Bibliográfica22.
A delimitação 23 do tema proposto nesta dissertação se
dá pelo Referente 24 da Pesquisa 25: análise da propriedade intelectual
como direito (não) fundamental na constituição brasileira.
A idéia que anima o trabalho é a atualidade e
19 “[...] postura lógica adotada bem como os procedimentos que devem ser sistematicamente
cumpridos no trabalho investigatório e que [...] requer compatibilidade quer com o Objeto quanto com o Objetivo”. PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa Jurídica : idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do Direito. 8 ed. rev. Florianópolis: OAB/SC Editora - co-edição OAB Editora, 2003. p. 69.
20 Forma de “[...] pesquisar e identificar as partes de um fenômeno e colecioná-las de modo a ter uma percepção ou conclusão geral [...]”.PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa Jurídica : idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do Direito. 8 ed. rev. Florianópolis: OAB/SC Editora - co-edição OAB Editora, 2003. p. 87.
21 Sobre os Métodos e Técnicas nas diversas Fases da Pesquisa Científica, vide PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa Jurídica : idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do Direito. 8 ed. rev. Florianópolis: OAB/SC Editora - co-edição OAB Editora, 2003. p. 86-106.
22 Quanto às Técnicas mencionadas, vide PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa Jurídica. cit.- especialmente p. 61 a 71,31 a 41, 45 a 58, e 99 125, nesta ordem.
23 “[..] apresentar o Referente para a pesquisa, tecendo objetivas considerações quanto as razoes da escolha deste Referente; especificar em destaque, a delimitação do temática e/ou o marco teórico, apresentando as devidas Justificativas, bem como fundamentar objetivamente a validade da Pesquisa a ser efetuada”. PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa Jurídica : idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do Direito. 8 ed. rev. Florianópolis: OAB/SC Editora - co-edição OAB Editora, 2003. p. 160.
24 “[...] a explicitação prévia do(s) motivo(s), do(s) objetivo(s) e do produto desejado, delimitando o alcance temático e de abordagem para uma atividade intelectual, especialmente para uma pesquisa”. PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa Jurídica : idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do Direito. 8 ed. rev. Florianópolis: OAB/SC Editora - co-edição OAB Editora, 2003. p. 62.
25 “[...] atividade investigatória, conduzida conforme padrões metodológicos, buscando a obtenção da cultura geral ou específica de uma determinada área, e na qual são vivenciadas cinco fases: Decisão; Investigação; Tratamento dos Dados Colhidos; Relatório; e, Avaliação”. PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa Jurídica : idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do Direito. 8 ed. rev. Florianópolis: OAB/SC Editora - co-edição OAB Editora, 2003. p. 77.
3
relevância do tema, pois a propriedade que sempre foi considerada viga
mestra do direito privado, ganha contornos sociais e conseqüentemente
caráter público. No contexto brasileiro, as desigualdades sócio-econômicas
passaram a encontrar oposição expressa na Constituição Federal de 1988,
quando se inicia a intervenção do Poder Público na relação do titular do
direito de propriedade com os bens, estabelecendo o princípio da função
social como norteador dessa relação, reflexo do princípio fundante da
República Federativa do Brasil: o princípio da dignidade da pessoa
humana. Assim, o direito de propriedade, sob a ótica da Constituição
Federal de 1988, passa a ser instrumento para realização da dignidade da
pessoa humana.
Sob a luz da doutrina atual, resulta a constatação de
que a propriedade se revela um direito individual fundamental, pois é assim
assegurado no artigo 5º da Constituição da república federativa do Brasil.
Todavia, cabe uma analise doutrinaria para verificar se efetivamente este
instituto pode ser assim considerado, levando em consideração as suas
limitação e a própria imposição do cumprimento da sua função social da
propriedade.
Com este trabalho, pretende-se destacar a nova
dimensão do direito de propriedade, ou seja, perdendo ele seu caráter
individualista e sendo submetido ao atendimento da função social da
propriedade, que poderia acarretar uma mudança na sua característica de
direito fundamental.
O Tema será desenvolvido na linha de pesquisa 26
Investigação principiológica da Ciência Jurídica nas áreas temáticas: Direito
26 “[...] são as especificações dos assuntos sobre os quais seus alunos podem realizar suas
pesquisas conducentes ao trabalho de conclusão do curso”. PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa Jurídica : idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do Direito. 8 ed. rev. Florianópolis: OAB/SC Editora - co-edição OAB Editora, 2003. p. 135, nota de rodapé nº 72.
4
Civil e Direito Comercial/Empresarial, dentro da área de concentração
Fundamentos do Direito Positivo27.
Os problemas que de início se apresentam no
desenvolver do trabalho consubstanciam-se nas seguintes indagações:
a) qual o conteúdo do direito de propriedade no estado
contemporâneo?
b) sendo a propriedade um direito que pode ser limitado
frente à outros direitos fundamentais, como o seu
condicionamento à uma função social, pode ainda ser
considerado um direito de cunho fundamental?
c) a propriedade intelectual é um direito fundamental?
Diante de tais problemas elegeu-se, no projeto, as
seguintes hipóteses 28:
a) Hodiernamente, a propriedade é um direito
condicionado ao cumprimento de uma função social, é
um poder-dever do proprietário.
b) Entende-se que mesmo com os limites impostos à
propriedade ela ainda pode ser considerada um direito
fundamental.
c) ao passo que os direitos morais do autor podem ser
considerados direitos fundamentais do indivíduo, os
27 Circunscrição temática dentro da qual atuam cientificamente os cursos de pós-graduação.
PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa Jurídica : idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do Direito. 8 ed. rev. Florianópolis: OAB/SC Editora - co-edição OAB Editora, 2003. 135, nota de rodapé nº 72.
28 Define PASOLD como a “[...] suposição [...] que o investigador tem quanto ao tema escolhido e ao equacionamento do problema apresentado”. PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa Jurídica : idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do Direito. 8 ed. rev. Florianópolis: OAB/SC Editora - co-edição OAB Editora, 2003. p. 138.
5
direitos autorais patrimoniais e os direitos de
propriedade industrial estão mais vinculados à ordem
econômica e financeira.
Estabelecendo, destarte, o desenvolvimento da
presente pesquisa, delineamos que essa fosse dividida em três capítulos
dispostos, de maneira descritiva.
O primeiro cuidará de apresentar as bases introdutórias
à compreensão do direito de propriedade como viga mestra do direito
privado e sua evolução histórica, desde Roma até os dias atuais, onde a
propriedade intelectual ganha relevância.
O segundo, abordará o Estado contemporâneo,
trazendo esclarecimentos acerca da dicotomia público/privado através do
processo de constitucionalização do direito privado. E posteriormente, se
analisará, sob o prisma constitucional, o direito de propriedade
condicionado à função social, como preocupação de assegurar o uso da
coisa em consonância com os ditames do bem comum, concedendo ao
direito de propriedade um caráter publicista.
O terceiro, apresentará a distinção das normas em
princípios e regras, tratará da propriedade como princípio, da colisão entre
a propriedade e a função social da propriedade, e principalmente verificará
se a propriedade ainda pode ser caracterizada como um direito
fundamental frente ao Estado contemporâneo.
Nas considerações finais serão apresentadas breves
sínteses de cada capítulo e será demonstrado se as hipóteses básicas da
pesquisa foram ou não confirmadas.
6
Capítulo 1
FUNDAMENTOS DA PROPRIEDADE
1.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
A propriedade se caracteriza pela necessidade do
homem de possuir objetos essenciais para sua existência. Contudo, para se
verificar o significado do termo é necessário investigar a etimologia da
palavra.
Analisando o termo Propriedade Norberto Bobbio afirma
que “[...] deriva do adjetivo latino proprius e significa que é de um indivíduo
específico ou de um objeto específico, sendo apenas seu”.29
O termo propriedade “deriva do latim proprietate que
informa a qualidade de próprio, ou seja, que pertence a alguém por direito e
que, ao mesmo tempo, pode fazer uso do bem, objeto do citado direito, da
forma que melhor lhe convier”.30
Do sentido etimológico decorre o sentido jurídico de que
propriedade é o direito de dispor de alguma coisa de modo pleno, podendo
fazer com o seu objeto tudo que não está vedado por lei. Verifica-se, desta
forma, a idéia de poder implícita na propriedade, entendida como
capacidade de controlar e impor a própria vontade.
Por essas e outras razões, a propriedade sempre foi
foco de conflitos sociais, medindo a riqueza e o poder dos indivíduos e se
constituindo na base do direito privado. Portanto faz-se uma análise
29 BOBBIO, Norberto . Dicionário de Política , p . 1021. 30 SILVA, Volney Zamenhof de Oliveira. Propriedade em face da Ordem Constitucional
Brasileira. Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política. São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 25, 1998.
7
histórica do instituto.
A utilização das terras nos primeiros tempos de Roma se dá, pela comunhão agrária, em que a utilização do solo ou se promove por exploração comum, com divisão dos frutos, ou o cultivo se faz por famílias, em lotes. Noutro estágio, o chefe de família cultiva por tempo vitalício a terra que recebe e passa-a, por sucessão causa mortis, aos filhos masculinos. Finalmente, sob o regime da propriedade individual, o proprietário pode, livremente, dispor de seu bem.31
A primeira forma de propriedade, pelo que se
depreende do estudo de Engels32, foi coletiva, onde todos usavam a terra
para seu sustento e sobrevivência, mais tarde a propriedade passou a ser
familiar. Já a propriedade privada, aparece com o surgimento da agricultura
e da pecuária, nessa fase estão os gregos da época heróica, as tribos
itálicas anteriores à fundação de Roma e os nórdicos.33
A história das sociedades primitivas demonstra que estas geralmente passam por três fases distintas, sendo a primeira a agrária, quando a propriedade é comum a todos os membros de uma gens, depois a familiar em que cada família é proprietária de uma porção de terras, transmitidas por sucessão hereditária, e por fim a propriedade individual, exclusiva de cada cidadão. 34
Entretanto, sabe-se terem existido raças que nunca
instituíram a propriedade privada entre si, e outras só demorada e
penosamente a estabeleceram.35
Determinar a origem da propriedade sempre foi um
desafio para filósofos e teóricos, que se dividiam, principalmente, em dois
grupos: os que afirmavam ser a propriedade um direito natural e
31 MOREIRA, Aroldo. A propriedade sob diferentes conceitos , p.37. 32 ENGELS, Friedrich. A origem da família, da propriedade privada e do es tado ,p. 22-26-46. 33 LOUREIRO, Francisco Eduardo. A propriedade como relação jurídica complexa , p. 08. 34 PETIT, Eugene. Tratado elemental de derecho romano , p. 245. 35 COULANGES, Fustel de. A Cidade Antiga , p. 63.
8
independente do surgimento do Estado36 e os que sustentavam que o
direito de propriedade nasce somente como conseqüência do Estado37.
Além dessa dificuldade, constata-se que o processo
histórico de evolução da propriedade teve contornos sociais e econômicos
de acordo com o momento histórico vivido.
1.2 O DIREITO DE PROPRIEDADE NA ANTIGUIDADE
A idéia de propriedade estava implícita na raiz da
humanidade, assim como a religião e a família. A família e o solo eram
protegidos pelos deuses.
Há três coisas que desde a mais remota antiguidade, se
encontram fundadas e solidamente estabelecidas: a religião, a família e a
propriedade. Três instituições que tiveram entre si, em sua origem, uma
relação manifesta e que parece terem sido inseparáveis. 38
Na Antiguidade a propriedade tinha caráter divino, ela
integrava a religião doméstica, era vinculada aos bens da família (gens) e
usada para adorar os deuses domésticos, pessoas da família que já tinham
falecido.
A família apropriou-se da terra, sepultando nela os seus
mortos, fixando-se lá para sempre. A sepultura estabelecia o vínculo
36 Dentre eles: John Locke que nasceu em Wrington, Somerset, no sudoeste da Inglaterra, em 29
de agosto de 1632, e faleceu com 72 anos, em 1704. John Locke está entre os filósofos chamados empiristas, por compatibilizarem a ciência junto à filosofia, valorizando a experiência como fonte de conhecimento.
37 Dentre eles: Thomas Hobbes que nasceu em Westport, hoje parte de Malmesbury, cerca de 140 Km a oeste de Londres, em 5 de abril de 1588, e veio a falecer em 4 de dezembro de 1679 com 91 anos. Jean-Jacques Rousseau que nasceu em Genebra, na Suíça, em 28 de junho de 1712, e faleceu em Ermenonville, nordeste de Paris, França, em 2 de julho de 1778 aos 66 anos.
38 COULANGES, Fustel de. A Cidade Antiga , p. 64.
9
indissolúvel da família com a terra; isto é a propriedade.39
Fixada a família no solo, instalava-se ali o lar e os seus
respectivos deuses, conferindo um caráter sagrado à posse e à
propriedade.40
A família está vinculada ao lar, e este, fortemente ligado à terra; estabeleceu-se, portanto, uma estreita relação entre o solo e a família. Aí deve se fixar a sua residência permanente, a que ele jamais abandonará, a não ser quando for a isso obrigado por alguma força superior. Assim como o lar, a família ocupará sempre esse lugar. O lugar lhe pertence; é sua propriedade, e não de um só homem, mas de uma família, cujos diferentes membros devem, um após os outros, nascer e morrer ali.41
Nesse contexto, a propriedade apresentava-se como
um direito absoluto, não existiam limites ou restrições, irrenunciável e
inalienável. A propriedade daquela época era constituída de três faces:
usus (o poder de usar das coisas), o fructus (o poder de perceber frutos ou
produtos do bem) e o abusus (o poder de consumir a coisa).
No período pré-clássico, das origens de Roma, entre
754 a.C e 126 a.C, a única espécie reconhecida de propriedade era a
quiritária – aquela decorrente da constituição da cidade de Roma, típica dos
patrícios, bem como a propriedade sobre as terras conquistadas.
Entre os romanos, como de um modo geral em toda a Antiguidade, a propriedade não ultrapassava o quadro (pessoal e territorial) da cidade. Só os Quirites tinham a possibilidade de serem titulares da propriedade quiritária. Os latinos, neste ponto, assemelhavam-se a eles. Houve tratados (como o Commercium) que, excepcionalmente, outorgavam a alguns raros peregrinos o acesso à propriedade romana. [...] Fora do território romano(ager romanus), onde o direito romano não era aplicado, a propriedade
39 COULANGES, Fustel de. A Cidade Antiga: estudos sobre o culto, o direito, as instituições da
Grécia e de Roma, p. 54. 40 COULANGES, Fustel de. A Cidade Antiga , p. 94. 41 COULANGES, Fustel de. A Cidade Antiga , p. 67.
10
imobiliária era também ignorada por ele. 42
A propriedade quiritária (dominium ex iure quirintum),
era subjetivamente restrita aos civitas (cidadãos romanos) e objetivamente
restrita aos fundos itálicos, e se regulava pelas normas rígidas e formais do
direito civil ou de um direito herdado (Ius Quiritium).43
Esta espécie de propriedade era condicionada à
natureza do objeto, à nacionalidade do titular e ao modo de transmissão,
sendo aquela inerente ao cidadão romano, que decorria do estatus civitatis,
com base no Ius Civile ou Ius Quiritum.44
Conforme Costa o Ius Quiritium era uma forma de
transferência de Terras do Estado romano a um conjunto de pessoas que
pela linha masculina descendiam de um antepassado comum (gens), era
uma espécie de propriedade sobre as terras a eles arrendadas. Essa
transferência requeria utilização de formas solenes de aquisição da
propriedade. 45
Quanto às condições estritas de forma, significa que a
transmissão entre vivos deve seguir os modos de aquisição do ius civile: a
mancipatio e ou a in iure cessio. A mancipatio é uma cerimônia com gestos
e palavras solenes, na presença de testemunhas, utilizando-se do bronze e
da balança [...]. A in iure cessio era um ato solene, de cessão, feito na
presença de um magistrado.46
Num primeiro momento, o proprietário exercia poder
absoluto e total sobre o bem, podendo empregar qualquer ação ou até
mesmo não dar a ele uma destinação, sem sofrer conseqüências. O pater 42 MALUF, Carlos Alberto Dabus. Limitações ao Direito de Propriedade , p. 7. 43 COSTA, Cássia Celina Paulo Moreira da. A Constitucionalização do Direito de Propriedade
Privada , p. 06. 44 MOREIRA, Aroldo. A propriedade sob diferentes conceitos , p.38. 45 COSTA, Cássia Celina Paulo Moreira da. A Constitucionalização do Direito de Propriedade
Privada , p. 06. 46 MALUF, Carlos Alberto Dabus. Limitações ao Direito de Propriedade , p. 7.
11
do grupo familiar exercia sua autoridade sobre a terra sem qualquer
interferência do Estado.
Pouco importava que do uso resultasse prejuízo para
outrem, o abuso estava compreendido no direito do proprietário. O dominus
romano agia à vontade, discricionariamente, sem limitações, sem que lhe
pudessem exigir contas do seu ato.47
A proteção conferida pelo Estado à propriedade
quiritária era tanta que ela gozava de imunidade fiscal, posto que a
cobrança tributária representaria diminuição à onipotência do pater familiae
exercendo este, então, um poder político e jurisdicional sobre o seu núcleo
familiar.48
A concessão de terras por parte do Estado às famílias
resultou na formação de pequenos núcleos rurais, ou seja, uma grande
área de terra passou ao poder de famílias patrícias (gens) que eram
propriedades coletivas e poderiam ser divididas em saltus (bosques e
pastos) e fundus ou villa (utilizada para agricultura).49
Os Romanos conheceram o poder mais absoluto que
uma pessoa podia ter sobre uma coisa, a propriedade quiritária, o direito de
a utilizar como quiser, de desfrutar e de receber os seus frutos, de dispor
livremente.50
Em Roma, diferentemente do que sucedeu entre outros povos como o grego, a propriedade individual constitui-se sob um aspecto muito forte, e o gênio jurídico da raça mais energicamente o reforçou. Os juristas deram ao conceito de propriedade o sentido mais rigoroso do mundo, porquanto foi tida como um direito
47 MOREIRA, Aroldo. A propriedade sob diferentes conceitos , p.41. 48 COSTA, Cássia Celina Paulo Moreira da. A Constitucionalização do Direito de Propriedade
Privada , p. 07. 49 COSTA, Cássia Celina Paulo Moreira da. A Constitucionalização do Direito de Propriedade
Privada , p. 08. 50 GILISSEN, John. Introdução Histórica ao Direito , p. 638.
12
absoluto, armada dos meios de defesa mais eficientes. 51
Com o advento das Leis das Doze Tábuas52 verifica-se
a evolução para sua utilização conforme as razões de Direito, respeitando o
direito de vizinhança, servidão e limitação aos poderes do senhor sobre os
escravos.
Acerca da Lei das Doze Tábuas, temos que:
Esta Lei deve sua existência a uma proposta do tribuno Gaius Terentilio Arsa em 462 a.C., e razão da qual é nomeada uma comissão encarregada de estudar as leis gregas em vigor na Itália Meridional e redigi-la. O resultado foi um conjunto de 10 tábuas, de direito público e privado, gravadas em bronze ou carvalho e expostas no comitium (lugar no forum reservado à justiça), no ano seguinte mais duas tábuas foram acrescentadas às primeiras.53
Os dispositivos da Tábua VII “De jure et agrorum” – Do
direito relativo aos edifícios e às terras, estabeleciam imposições relativas
às plantações, construções e escavações em terrenos limítrofes.54
O direito de propriedade romano dos primeiros tempos, absoluto, em princípio, permitindo tudo ao proprietário, relativamente aos seus bens, vai com o decorrer dos tempos sofrendo limitações legais, inspiradas em motivos de ordem pública, privada, ética, higiênica ou prática [...]55
Na fase do direito clássico, de 126 a.C à 305 d.C, os
romanos reconheceram mais três espécies de propriedade: a bonitária ou
pretoriana, a provincial e a peregrina.
Desenvolveu-se pela jurisdição do pretor, que
51 SERPA LOPES, Miguel Maria. Curso de Direito Civil ,p. 234. 52Considerada como o corpo de todo o direito, querendo significar que ela enfeixara toda a
experiência do passado [...] o direito havia perdido o seu mistério, deixara de ser frustradamente sagrado; saíra da escuridão conveniente dos templos; poderia ser agora consultado e invocado por patrícios e plebeus [...] (ALTAVILA, Jayme de. Origem dos Direitos dos Povos. 9 ed. São Paulo: Ícone, 2001. p. 85-86.
53 KLABIN, Aracy Augusta Leme. História Geral do Direito , p.197-198. 54 ALTAVILA, Jayme de. Origem dos Direitos dos Povos , p. 99-101. 55 CRETELLA JÚNIOR, José. Curso de Direito Romano , p. 174.
13
protegeria o adquirente de uma res mancipi contra quem não a tinha
transferido mediante o ato formal, hábil a operar a transferência
reconhecida pelo ius civile. 56
Mais tarde a propriedade bonitária ou pretoriana,
conferia proteção pretoriana ao adquirente de propriedade, nas aquisições
que não obedecessem aos requisitos do jus civile.
Tal proteção, no entanto, não tornava o comprador
proprietário quiritário da res mancipi, o que só se verificava quando decorria
o lapso de tempo necessário para que o comprador adquirisse a
propriedade quiritária por usucapião.57
A propriedade bonitária ou pretoriana, surgiu quando o pretor passou a intervir, garantindo proteção àquele que adquiria uma res mancipi, recebendo-a do vendedor através da traditio, sem o formalismo necessário. A proteção pretoriana não tornava o adquirente proprietário, o que ocorria com o decurso do tempo
necessário à aquisição do bem, mediante usucapião. 58
Como conseqüência das relações entre peregrinos e
romanos, os modos de aquisição da propriedade de ius gentium (tradição e
ocupação) passaram a permitir que os bens desses estrangeiros fossem
objeto de uma verdadeira propriedade, embora distinta da quiritária.
Podendo ser provincial ou peregrina, dependendo de quem fossem os
sujeitos a negociá-las e da localização do solo. 59
Quanto à propriedade provincial, esta compreendia as
terras localizadas nas províncias romanas, e somente o Estado tinha o
domínio sobre as terras, podendo dá-las em arrendamento, mediante um
56 MALUF, Carlos Alberto Dabus. Limitações ao Direito de Propriedade , p. 8. 57 MOREIRA ALVES, José Carlos. Direito Romano , p. 283. 58 COSTA, Cássia Celina Paulo Moreira da. A Constitucionalização do Direito de Propriedade
Privada , p. 08. 59 MALUF, Carlos Alberto Dabus. Limitações ao Direito de Propriedade , p. 9.
14
tributo chamado vectigal.60
As terras localizadas nas províncias pertenciam ao
Estado, porém eram ocupadas e usadas por particulares, esse uso e gozo,
quase sem limitações importava no pagamento de um tributo anual
(vectigal) ao Estado.61
A propriedade provincial constituía no uso de terras do
Estado romano situadas nas províncias romanas, onde o particular o
particular tinha a posse da terra e pagava uma contribuição anual ao
Estado.
Outra espécie de propriedade, a provincial, destinava-se apenas aos bens imóveis situados nas províncias romanas, às quais o ius Italicum não tivesse abrangido. O Estado romano era o proprietário do solo dessas províncias, mas os ocupantes dessas terras eram particulares possuidores, que poderiam alienar, transmitir aos herdeiros e defender seu direito por ação real concedida pelos magistrados provinciais. Este direito possessio
era adquirido através do pagamento de tributos.62
Finalmente, a propriedade peregrina fundada no Ius
Gentium, era a inerente ao estrangeiro livre, que também se pode tornar
proprietário em Roma.63
Nem todos os povos conquistados perdiam a liberdade,
assim sendo, quando da derrota não eram saqueados pelos romanos,
permanecendo os estrangeiros com seus próprios bens, e suas terras não
faziam parte do ager romanus, não lhes aplicando o direito romano.64
A propriedade peregrina era uma espécie de
propriedade de fato, na qual o peregrino impossibilitado de ter propriedade
60 MOREIRA, Aroldo. A propriedade sob diferentes conceitos , p.38. 61 MALUF, Carlos Alberto Dabus. Limitações ao Direito de Propriedade , p. 10. 62 COSTA, Cássia Celina Paulo Moreira da. A Constitucionalização do Direito de Propriedade
Privada , p. 09. 63 MOREIRA, Aroldo. A propriedade sob diferentes conceitos , p.38. 64 MALUF, Carlos Alberto Dabus. Limitações ao Direito de Propriedade , p. 9.
15
quirinária dos bens, os tinha como mero possuidor. Era a propriedade
fundada nos Ius Gentium, restrita ao estrangeiro livre que em solo italiano
adquiriu bens.65
A crise do Império Romano no século III, proporcionou a
ocorrência de invasões bárbaras, resultando no surgimento de
desconhecidas espécies de propriedade.66
Já na Época Pós-Clássica, de 305 d.C até 565 d.C,
houve uma unificação das espécies de propriedade, resultando uma
categoria única de propriedade privada consolidada com a codificação de
Justiniano, que era transferida pela traditio, estava submetida ao
pagamento de impostos e sujeitava-se a inúmeras limitações de ordem
pública.
Justiniano unificou a propriedade romana. Desapareceram, antes dele, a propriedade itálica e a provincial. A propriedade pretoriana perdera a sua razão de ser, em virtude da extinção de todas as suas aplicações e da diferença entre res mancipi e nec mancipi. Agora, há somente um dominium ou proprietas, e que recai sobre qualquer coisa, acessível a todo cidadão.67
Convergiram os distintos conceitos anteriores para a
dominiu ou proprietas, como sinônimos, próximos do conceito da
propriedade plena atual. Surge então no direito pós-clássico um novo
conceito unitário de domínio, caracterizado por sua exclusividade.68
Em função da supressão da imunidade fiscal das terras
itálicas e a ampliação de seus limites, as quatro categorias existentes são
65 COSTA, Cássia Celina Paulo Moreira da. A Constitucionalização do Direito de Propriedade
Privada , p. 09. 66 COSTA, Cássia Celina Paulo Moreira da. A Constitucionalização do Direito de Propriedade
Privada , p. 11. 67 CHAMOUN, Ebert. Instituições de Direito Romano , p. 237. 68 WALD, Arnold. Direito Civil Brasileiro , direito das coisas, p. 107.
16
oficialmente extintas por Justiniano, ao ordenar a unificação do domínio.69
Esta propriedade é o símbolo da propriedade livre, dos
textos compilados por Justiniano (Corpus júris civilis) no Direito Romano, e
questionada por alguns autores que acreditam estar em confronto com as
realidades sociais da época.
Com o advento do feudalismo, entre os séculos IX e
XVI, houve uma nova forma de relação intersubjetiva denominada servidão
ou vassalagem, sistema pelo qual o servo, apesar de proprietário da terra
submete-se ao poder do senhor feudal, a quem deve tributos e prestações
pessoais.
1.3 O SENTIDO DA PROPRIEDADE NA IDADE MÉDIA
Com o regime feudal na Idade Média, a propriedade
volta a se caracterizar por contornos religiosos, familiares e coletivistas.
Os pequenos proprietários colocavam-se sob a guarda de um grande senhor, tornando-se assim vassalos. Cediam a terra a este, que, por seu lado, lhes transmitia o seu gozo, a sua fruição. [...] No começo, o sistema era passageiro, cessava com a morte do senhor ou do vassalo, embora pudesse ser instituído novamente. Depois tornou-se hereditário. Eram chamados de feodum, de onde veio a palavra feudal. 70
Na Idade Média a manifestação de propriedade foi
desmembrada, ou seja, o suserano (titular do directum) cedia a posse de
parte de seu domínio ao vassalo (que exercia o utile) e este poderia
transferir parte da sua utile a outro, formando uma sobreposição de
69 MALUF, Carlos Alberto Dabus. Limitações ao Direito de Propriedade , p. 11. 70 MALUF, Carlos Alberto Dabus. Limitações ao Direito de Propriedade , p. 18.
17
relações jurídicas.71
Essa cadeia de poderes sobre a terra era determinada
de acordo com a classe social a que pertencia o sujeito, ou seja, o regime
dos bens era conforme o estamento da pessoa no feudo.
A Idade Média contrariou o modelo exclusivista da
propriedade romana, instituindo um sucessório enfitêutico ao qual
correspondia uma superposição de titularidades dominiais, fundamentadas
na hierarquia dos feudos que, a seu turno, identificava-se com a hierarquia
das pessoas.72
A propriedade feudal caracterizava-se por uma
duplicidade de domínio, que implica na quebra da unidade que tinha pelo
Direito Romano e pela existência de múltiplos vínculos, ônus e encargos
predominantemente sobre a terra. 73
A sociedade medieval era uma sociedade de ordens e
estamentos, os homens dividiam-se em oratores, bellatores, laboratores,
isto é, os clérigos, os senhores e os servos. 74
O regime dos bens, ou antes dos imóveis territoriais, durante o feudalismo, correspondeu exatamente ao estado das pessoas que nele figuravam como elementos de grupo feudal; os terrenos e respectivos direitos possessórios eram nobres, vilões e servis. A propriedade de nobre era o feudo, a terra dada ao vassalo pelo grande senhor; o feudo surgiu como um direito imóvel vitalício, intransmissível e inalienável.75
O regime de propriedade feudal fundamentava-se na
unidade de produção, chamada feudo, na qual existiam três partes 71 GILISSEN, John. Introdução Histórica ao Direito , p. 642. 72 COSTA, Cássia Celina Paulo Moreira da. A Constitucionalização do Direito de Propriedade
Privada , p. 13. 73 MOREIRA, Aroldo. A propriedade sob diferentes conceitos , p.63. 74 COSTA, Cássia Celina Paulo Moreira da. A Constitucionalização do Direito de Propriedade
Privada ,p. 13. 75 MARTINS, JR, J.I. Compêndio de história geral do direito . Apud MALUF, C.A.D. Limitações
ao direito de propriedade, p. 20-21.
18
distintas: os bosques e pastos de posse coletiva, onde os servos colhiam
frutos, cortavam madeira e os senhores caçavam; a reserva manso
senhoral, que era a metade da terra cultivada, uma propriedade privada; e
manso servil ou tenência, uma propriedade onde o servo e não mais o
escravo, usava a terra, mas o dono era o senhor.76
O feudo a princípio, por ser vitalício e decorrer da
personalidade do contrato entre senhor e vassalo, era inalienável, porém,
com a prevalência do princípio da patrimonialidade se tornou hereditário e
alienável, com o pagamento ao senhor de indenização pecuniária quando
da transmissão.
Nesse contexto, o conceito de propriedade abandona o
caráter unitário para consagrar uma superposição de direitos sobre o
mesmo bem, dando a cada um deles a mesma natureza, mas uma
densidade diferente.77
A exploração da terra tomou a forma de vínculo entre os
que a possuíam mas não a cultivavam, e os que a trabalhavam mas dela
não eram donos. Havia duas classes de proprietários sobre o mesmo bem,
ainda que um deles, o que utilizava economicamente, não tivesse
propriamente a propriedade. 78
A decomposição do domínio na Idade Média, resultou
na divisão entre domínio direto e domínio útil, este era do vassalo ou
feudatário que usava a terra para seu sustento e pagava um valor ao
senhorio que detinha o domínio direto.
Se no início o domínio útil era tido como título precário,
com a transformação ocorrida passou a ser considerado a verdadeira
76 COSTA, Cássia Celina Paulo Moreira da. A Constitucionalização do Direito de Propriedade
Privada , p. 13. 77 WALD, Arnold. Novas Dimensões do Direito de Propriedade , p.11. 78 MALUF, Carlos Alberto Dabus. Limitações ao Direito de Propriedade , p. 19.
19
propriedade e o domínio direto simples encargo ou jus in re aliena,
acabando por ser extinto, como na França após a revolução francesa de
1789.79
O direito de propriedade era como uma pirâmide, os
direitos do senhor feudal se sobrepunham ao direito dos servos, com
variadas formas de propriedade: a comunal, a alodial, a beneficiária, a
censura e a servil.
A comunal, sucessora da antiga mark germânica; a alodial, tida como livre; a beneficiária,surgida da concessão feita pelos reis ou nobres aos plebeus; a censural, que era modalidade intermediária entre a beneficiária e a servil e que implicava a fruição dos imóveis mediante o pagamento de valores determinados; e a servil, atribuída aos servos que possuíam a terra, porém, se mantinham vinculados a ela como seu acessório.80
Os pequenos proprietários submetiam-se à guarda de
um grande senhor, tornando-se, desse modo, vassalos. Os primeiros
cediam a terra aos últimos e lhes concediam o seu gozo, a sua fruição.81
Existia um vínculo jurídico entre os possuidores da terra
e os que nela cultivavam, sendo os primeiros apenas donos do bem, sem
que exercessem nele qualquer atividade agrícola; quanto aos segundos,
por sua vez, era o contrário. Mais tarde, concedeu-se aos que trabalhavam
na terra, o direito de possuí-la com algum ônus obrigacional perpétuo, logo
não tinham a propriedade que era mantida no domínio eminente das
famílias nobres, mas um direito real sobre coisa alheia.82
Esse domínio paralelo do senhor feudal, na verdade,
era resultante de uma confusão existente na época entre direitos civis e 79 CUNHA GONÇALVES, Luiz da. Tratado de direito civil , p. 183. 80 LEAL, Rogério Gesta. A função social da propriedade e da cidade no Brasi l: aspectos
jurídicos e políticos, p.43. 81 COSTA, Cássia Celina Paulo Moreira da. A Constitucionalização do Direito de Propriedade
Privada , p. 13. 82 COSTA, Cássia Celina Paulo Moreira da. A Constitucionalização do Direito de Propriedade
Privada , p. 14.
20
direitos políticos, era um tipo de soberania que o senhor feudal exercia
sobre a propriedade.
A confusão criada pela Idade Média entre a soberania e o dominium, introduzindo um elemento político no direito de usar, gozar e dispor, levou à criação do famoso anfiteatro enfitêutico a que se refere a doutrina. Entendia-se que o soberano era proprietário latente de todo o território nacional, tendo ele uma espécie de domínio eminente [...]83
A propriedade civil, à época do feudalismo, trazia ainda
em seu bojo um poder político (efetivo), que dava aos senhores feudais a
capacidade de julgar, tributar e legislar, inerentes a sua condição de
detentor do domínio eminente, harmonizados com o domínio civil do
respectivo soberano.84
No Direito Medieval a Propriedade ganha traços
característicos que a diferem da Propriedade no Direito Romano, como
expõe Leal:
a Idade Média, por sua vez, elaborou um conceito todo próprio de propriedade, indo de encontro ao exclusivismo dos romanistas e introduzindo uma superposição de titulares de domínio, de densidades diferentes, que se mantinham paralelas umas às outras. A valorização do solo e a estreita dependência entre o poder político e a propriedade de terras criaram uma identificação entre o tema da soberania e o da propriedade, que é do senhor feudal, e o domínio útil do vassalo. Em outras palavras, havia uma delegação de poderes do suserano ao vassalo e a criação de certas obrigações de caráter financeiro e militar do vassalo em relação ao suserano. 85
Porém, apesar desta nova concepção de propriedade a
propriedade absoluta não se extingue, conforme segue:
83 MALUF, Carlos Alberto Dabus. Limitações ao Direito de Propriedade ,p. 19. 84 ARONNE, Ricardo. Propriedade e Domínio: Reexame Sistemático das Noções Nucleares de
Direitos Reais, p. 153. 85 LEAL, Rogério Gesta. A função social da propriedade e da cidade no Brasi l: aspectos
jurídicos e políticos, p. 42-43.
21
Mas não se deduz daí que a plena propriedade individual e livre estivesse banida em absoluto da sociedade ocidental: aqui e ali aparecia, como, o franc-alleu ou francum allodium, que se distinguia do regime territorial do feudalismo por estes traços, altamente expressivos: pertencia integralmente ao seu proprietário e este, não devendo serviço nem prestação a pessoa alguma, podia transmiti-lo, livremente, a seus herdeiros ou aliená-lo.86
Com a crise do feudalismo, ocasionada pelas
epidemias, exploração agrícola predatória e extensiva, lutas da burguesia
contra nobreza, ocorreram profundas transformações nas estruturas
feudais, começou-se a quebrar a rigidez social de ordens ou estamentos, e
a burguesia se aproximou do poder.
Em todo o ocidente cristão, opera-se uma transformação de natureza do poder: os laços pessoais organizados em torno da idéia de soberania são progressivamente substituídos por uma hierarquia jurídico-administrativa centrada num princípio que anuncia a própria noção moderna de soberania. A autoridade real não mais se exerce sobre um patrimônio povoado por populações protegidas ou assistidas, mas sobre um território cujos habitantes possuem cada vez mais direitos e deveres bem definidos; o próprio monarca, que comanda os seus súditos de modo absoluto, não pode infringir as regras que editou ou com as quais concordou.87
A Idade Média foi um período marcado por conflitos que
envolveram a nobreza e os campesinos, sendo estes severamente
reprimidos e excluídos. O que ocasionou uma preocupação com um novo
sistema de justiça atrelada ao valor moral do indivíduo e não suas posses.
Esta busca pela eliminação das prerrogativas do senhor
e os encargos sobre o uso da terra pagos pelos vassalos, buscava a
consolidação da Propriedade livre, que marca o Direito Moderno.
86 GASSEN, V. A natureza histórica da instituição do direito de p ropriedade , in Fundamentos
da história do direito, p. 84. 87 SHIERA, P. O Estado Moderno , in Curso de Introdução à Ciência Política, p.80.
22
1.4 A PROPRIEDADE PARA OS JUSNATURALISTAS MODERNOS
A propriedade moderna desvincula-se da dimensão
religiosa e passa a ter uma utilidade econômica, em função de seu valor de
uso ou de troca, e figura como instituto central do Direito privado.
Na modernidade há uma secularização da sociedade e
de suas instituições e a razão e a natureza serão utilizadas para fazer
construir uma justificação do Direito.88
No campo intelectual, surge o iluminismo, caracterizado
pela importância da razão para felicidade do homem, atacavam a injustiça e
defendiam a liberdade individual, a livre posse dos bens, tolerância das
divergências e garantia dos direitos individuais.89
A doutrina dos direitos do homem nasceu da filosofia jusnaturalista, a qual – para justificar a existência de direitos pertencentes ao homem enquanto tal, independentemente do Estado – partiria da hipótese de um estado de natureza, onde os direitos do homem são poucos e essenciais: o direito à vida e à sobrevivência, que inclui também o direito à propriedade; e o direito à liberdade, que compreende algumas liberdades essencialmente negativas. 90
Os jusnaturalistas deram a propriedade um aspecto
individualista ao fundamentarem a propriedade na exigência natural de
subsistência do indivíduo através de seu trabalho, enquanto força que
emana do corpo, representando o que há de mais próprio em cada pessoa.
Enquanto na estrutura econômica feudal, a propriedade fundiária assume um caráter fragmentário (instrumento do servilismo),
88 MARTÍNEZ, Gregório Peces-Barba. Tránsito a la modernidade y Derechos Fundamentales.
In História de los Derechos Fundamentales, tomo I: Tránsito a la Modernidad Siglos XVI y XVII, p. 140.
89 COSTA, Cássia Celina Paulo Moreira da. A Constitucionalização do Direito de Propriedade Privada , p. 21.
90 BOBBIO, Norberto. A era dos Direitos , p. 73.
23
porquanto a mesma porção de terra dividia-se entre vários proprietários, subordinados uns aos outros (contraprestação), na ordem sócio-econômico capitalista , o regime adquire um aspecto unitário e exclusivo, principalmente nos grandes textos burgueses-individualistas, como o Código Civil Francês.91
A idéia central do pensamento de Hobbes, está calcada
na expressão homo homini lupus, os homens competem uns contra os
outros pelo poder, riquezas e pela propriedade.
No estado de natureza, os homens são livres pois não
há limites na busca de seus desejos, somente a instituição de um poder
civil é capaz de obrigar os homens a respeitarem os pactos, garantindo paz
e segurança.
O fim último, causa final e desígnio dos homens (que amam naturalmente a liberdade e o domínio sobre os outros), ao introduzir aquela restrição sobre si mesmos sob a qual os vemos viver nos Estados, é o cuidado com sua própria conservação e com uma vida mais satisfeita. 92
Hobbes sustentava que para que o direito de
propriedade seja assegurado, imprescindível se faz a tutela estatal, pois os
homens em seu estado de natureza tinham a posse coletiva sobre todos os
bens.93
O direito de natureza, isto é, a liberdade natural do homem, pode ser limitado e restringido pela lei civil; mais, a finalidade das leis não é outra senão essa restrição, sem a qual não será possível haver paz. E a lei não foi trazida ao mundo para nada mais senão para limitar a liberdade natural dos indivíduos, de maneira tal que eles sejam impedidos de causar dano uns aos outros, e em vez
91 WOLKMER, Antônio Carlos. Idéias e Instituições na Modernidade Jurídica . Revista
Seqüência n. 26, ano 14 - julho de 1993.p. 19. 92 HOBBES, Thomas. Leviatã ou matéria, forma e poder de um Estado ecle siástico e civil ,
p.103. 93 HOBBES, Thomas. Leviatã ou matéria, forma e poder de um Estado ecle siástico e civil ,
p.150.
24
disso se ajudem e unam contra o inimigo comum. 94
John Locke considera o direito de propriedade a base
da liberdade humana, e assevera que este direito só existe a partir da
formação do Estado pois este tem como finalidade sua proteção.
No Estado de Natureza os homens vivem segundo os
ditames da razão, sem uma autoridade na Terra que julgue as disputas, a
justiça é a própria força, estabelecendo um desequilíbrio e constatando-se
que as necessidades do homem são ilimitadas enquanto os bens são
limitados.95
O estado natural de Locke baseia-se na total liberdade
dos homens sobre todas as coisas. Desta forma, os homens se guiariam
pela razão e pela liberdade, tendo como destino a preservação da paz.
O homem abandona o estado natural, através de um
contrato entre os homens, para garantir a propriedade das ameaças de
terceiros. Considerando, portanto, a propriedade anterior ao pacto.
Locke distinguia a propriedade em dois sentidos, um
bastante amplo no qual inseria o direito de vida, de liberdade e de
propriedade, outro restrito, e acreditava que a propriedade era um direito
natural do indivíduo, fundamentada em seu trabalho.
[...] apesar de natureza se oferecer a nós em comum, por ser o homem senhor de si próprio e dono de si mesmo, das suas ações e do trabalho que executa, tem ainda em si mesmo os fundamentos da propriedade; e tudo aquilo que se aplica ao próprio sustento ou conforto, quando as invenções e as artes aperfeiçoa as conveniências da vida, é totalmente propriedade
sua, não pertencendo a mais ninguém. 96
94 HOBBES, Thomas. Leviatã ou matéria, forma e poder de um Estado ecle siástico e civil ,
p.163. 95 MOREIRA, Aroldo. A propriedade sob diferentes conceitos , p.7. 96 LOCKE, John. Segundo Tratado sobre o Governo , p. 47.
25
A teoria desenvolvida por Locke, pode ser considerada
como o principal embasamento teórico do Liberalismo e da concepção
individualista da propriedade – a propriedade como condição essencial e
verdadeira da liberdade. Porém a legitimidade da propriedade parece definir
uma preocupação com a justiça social.
A natureza determinou bem o tamanho da propriedade pela quantidade de trabalho do homem e necessidades da vida. Nenhum trabalho podia dominar tudo ou de tudo apropriar-se [...] de modo que era impossível para qualquer homem usurpar o direito de outro ou adquirir para si uma propriedade com prejuízo
do vizinho [...]. 97
Jean Jacques Rousseau analisou a formação do Estado
através da perda das liberdades naturais e ilimitadas existentes no estado
de natureza para aquisição das liberdades civis reguladas e limitadas pela
vontade geral.
O que o homem perde pelo contrato social é a liberdade natural e um direito ilimitado a tudo quanto aventura e pode alcançar. O que com ele ganha é a liberdade civil e a propriedade de tudo que possui. A fim de não fazer um julgamento errado dessas compensações, impõe-se distinguir entre a liberdade natural, que só conhece limites nas forças do individuo, e a liberdade civil, que se limita pela vontade geral, e, mais, distinguir a posse, que não é senão o efeito da força ou o direito do primeiro ocupante, da propriedade, que só pode fundar-se num título positivo. 98
Afirmou que o direito de propriedade é o mais sagrado
de todos os direitos dos cidadãos e mais importante que a própria
liberdade, pois todos os direitos civis fundam-se na propriedade, assim se
abolir este último nenhum outro pode subsistir.
E assim como na concepção de Locke, tem-se
novamente o trabalho realizado pelo homem sobre a terra como elemento
97 LOCKE, John. Segundo Tratado sobre o Governo , p. 42. 98 ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do Contrato Social , p. 42-43.
26
caracterizador da propriedade.
Para Rousseau o direito de cada homem à propriedade
decorre do direito natural de sobrevivência, mas com o ato de apropriação
da terra houve sua divisão e validação do direito de propriedade ao primeiro
ocupante.99
Quanto à origem da propriedade Rousseau partilha da
idéia de Thomas Hobbes, somente o ato positivo (Estado) torna o indivíduo
proprietário de qualquer bem.100
Onde não há o seu, isto é, não há propriedade, não pode haver injustiça. E onde não foi estabelecido um poder coercitivo, isto é, onde não há Estado, não há propriedade, pois todos os homens têm direito a todas as coisas. 101
Disso decorre a noção de propriedade como liberdade
natural podendo ser limitada pelas leis civis do Estado na manutenção da
paz e dos interesses do próprio Estado.
A liberdade é uma forma de subordinação e integração
do indivíduo às condições de existência da sociedade, fora dessa disciplina,
a liberdade deixa de ser um ato moral ou um direito, para ser um ato imoral
ou um delito.102
Percebe-se que o direito de propriedade é uma
condição para o exercício da liberdade, não se caracterizando uma relação
entre o sujeito e o objeto mas sim entre sujeitos, proprietários e não-
proprietários.
A partir desta fundamentação, tornou-se garantia
fundamental da liberdade do cidadão contra as imposições do Estado, 99 MOREIRA, Aroldo. A propriedade sob diferentes conceitos , p.15. 100 ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do Contrato Social , p. 44. 101 HOBBES, Thomas. Leviatã ou matéria, forma e poder de um Estado ecle siástico e civil ,
p.86. 102 MOREIRA, Aroldo. A propriedade sob diferentes conceitos , p.49.
27
como direito natural e imprescritível do homem a propriedade era instituto
exclusivamente do Direito privado, estranho à organização do Estado.
O marco desta transformação deu-se com os
documentos políticos do final do século103, tanto o Bill of Rights de Virgínia,
de 12 de junho de 1776 quanto a Declaração dos Direitos do Homem e do
Cidadão, em 1789, que apresentam a propriedade, assim como a liberdade
e a segurança, como direito inerente a toda pessoa.
Artigo XVII da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão:
1. Toda pessoa tem direito à propriedade, só ou em sociedade com outro.
2. Ninguém será arbitrariamente privado de sua propriedade.
A propriedade nascida da Revolução Francesa,
reunifica a propriedade, passando a vigorar a concepção unitária segundo a
doutrina romana, vale dizer, como direito natural do homem, liberta de
todos aqueles ônus e encargos da época Medieval.104
A Revolução Francesa procurou dar um caráter
democrático à propriedade, cancelando direitos perpétuos e abolindo
privilégios, porém conforme leciona Fachin, a propriedade mudava suas
concepções tradicionais para servir a uma nova classe social em busca de
poder: a burguesia. 105
Assim, a propriedade tinha um fim em si mesma,
servindo de capital para gerar mais capital, como conseqüência de um
período marcado pelo advento da Revolução Industrial, quando o ciclo
103 ALMEIDA, G. de A. de; MOISÉS, C.P. Direito Internacional dos Direitos Humanos:
instrumentos básicos. São Paulo: Atlas, 2002. 104 MOREIRA, Aroldo. A propriedade sob diferentes conceitos , p.63. 105 FACHIN, Luiz Edson. A função social da posse e a propriedade contemporâ nea (uma
perspectiva da usucapião imobiliária rural), p. 16.
28
manufatureiro evoluía para o ciclo do maquinismo. O capitalismo ascendia
vertiginosamente.106
Com o crescimento do capitalismo, a classe dos
camponeses foi sendo oprimida e marginalizada, gerando muita
insatisfação, e resultando na busca de proteção estatal contra o abuso
econômico.
1.5 A CONCEPÇÃO CONTEMPORÂNEA DE PROPRIEDADE
A propriedade privada sofreu reações por parte de
autores que consideravam a propriedade individual uma forma de
exploração do homem pelo homem e que só através da destruição da
propriedade privada seria possível uma distribuição da justiça social.
Nas idéias de Marx verifica-se que a terra não é produto
do trabalho humano, é fruto do envelhecimento da crosta terrestre, é um
bem finito, então não pode ser capital acumulado. O trabalho na terra deve
visar os frutos e não mais capital, o acúmulo de terras se caracteriza pela
passagem do poderio social que é o trabalho para o poderio privado de
alguns.107
Proudhon108, não entendia ser a propriedade um direito
natural, pois era um direito de exclusão e não de igualdade, além disso os
direitos naturais nascem, vivem e morrem conosco, enquanto a propriedade
106 COSTA, Cássia Celina Paulo Moreira da. A Constitucionalização do Direito de Propriedade
Privada , p. 21. 107 MARX, Karl. O Capital , vol. 1, Livro primeiro, p.149-225. 108 PROUDHON, Pierre-Joseph. A Propriedade é um Roubo: e Outros Escritos Anarquistas. São
Paulo: Editora L&PM, 1998.
29
existe até mesmo sem proprietário, e fora da sociedade. 109
No mesmo contexto, de comprometimento com a classe
economicamente espoliada, Engels110 [...] faz ligação do desenvolvimento
das condições materiais com as mudanças na estrutura das famílias, bem
como com as mudanças do conceito de propriedade, ou seja, a propriedade
privada ganha, como instituição, uma definição a partir de todo um
processo socioeconômico-cultural.111
[...] desde o advento da civilização, o crescimento da propriedade tem sido tão imenso, as suas formas tão diversificadas, os seus usos tão expandidos e a sua administração tão inteligente no interesse dos seus proprietários que se tornou, em relação ao povo, um poder inadmistrável. O espírito humano fica desconcertado na presença de sua própria criação. 112
Importante, também foi a contribuição da Igreja neste
debate, São Tomás de Aquino113 que continuou a obra de Santo
Agostinho114, ensinava que só a Deus corresponde um dominium absoluto,
secundário e relativo é por conseqüência o dominium do homem .115
Com as Encíclicas116 Rerum Novarum em 1891,
Quadragésimo Anno em 1931 e Mater et Magistra em 1961, ressaltou-se a
importância da inclusão social através do trabalho e da distribuição de
109 COSTA, Cássia Celina Paulo Moreira da. A Constitucionalização do Direito de Propriedade
Privada , p. 34. 110 ENGELS, Friedrich. A origem da família, da propriedade privada e do es tado. Obras
escolhidas de Karl Marx e Friedrich Engels, Trad. Leandro Konder, V.3. Rio de Janeiro, sem data. 111 GASSEN, Valcir. A Natureza Histórica da Instituição do Direito de P ropriedade .
Fundamentos de História do Direito, p. 174. 112 ENGELS, Friedrich. A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Es tado , p. 373-374. 113 AQUINO, Santo Tomás de. Suma teológica. III Parte II-II. Questões 1-79. Trad. De Alexandre
Corrêa. Porto Alegre: Sulina, 1980. 114 SANTO AGOSTINHO. Sermões para a Páscoa , p. 196. 115 MOREIRA, Aroldo. A propriedade sob diferentes conceitos , p.39. 116 A origem do termo são cartas que os príncipes e magistrados enviavam ao maior número
possível de destinatários para anunciar leis, regras, normas, etc. As Cartas Encíclicas são os documentos pontifícios mais solenes, são assinadas pelo papa e enviadas a todos os bispos para lembrar à comunidade católica sobre a posição da Igreja em relação a um tema atual.
30
riquezas.117
Por via do Socialismo e do Catolicismo Social inseriu-se
na reflexão jurídica a concepção de propriedade privada individual
condicionada ao interesse social.
Esta tendência socialista não resistiu ao capitalismo.
Todavia, a queda do socialismo não representou a volta ao sistema liberal
clássico, no qual a propriedade figurava como direito absoluto, pois já havia
previsão de limitações ao Direito de Propriedade na Declaração dos
Direitos do Homem e do Cidadão, decorrentes da Revolução Francesa de
1789.
Inicialmente, o importante documento trazia em seu
bojo os termos “inviolable et sacré”, inviolável e sagrado, constituindo o
núcleo ideológico de uma concepção de propriedade que,
progressivamente, se incorporaria aos textos constitucionais dos sécs. XIX
e XX, convertendo-se em peça essencial da retórica e do pensamento
jurídico burguês.118
O século XIX é o momento em que se reconhece o
primado da economia, aceita-se como axioma social, a afirmativa de que
cabe à iniciativa do indivíduo fazer o progresso da sociedade. 119
A evolução sócio-econômica do século XIX, com a
concentração capitalista, tornou cada vez mais precária a situação dos que
não possuem propriedade. E, contra os excessos no uso do direito de
propriedade, foi preciso reconhecer que a subsistência individual merecia
uma proteção constitucional semelhante à dispensada tradicionalmente à
propriedade.
117 Podem ser encontradas na página:www.vatican.mondosearch.com. 118 COSTA, Cássia Celina Paulo Moreira da. A Constitucionalização do Direito de Propriedade
Privada , p. 31. 119 MOREIRA, Aroldo. A propriedade sob diferentes conceitos , p.57.
31
Com a Revolução Industrial120 houve uma revisão da
postura não intervencionista do Estado e da concepção individualista da
sociedade, o que eclodiu na proteção dos chamados direitos sociais, que
além de exigir uma atitude positiva do Estado, impõe limites às liberdades
abusivas.
É a partir do momento em que o homem compõe sua vontade para agir em harmonia com o meio em que se agita, isto é, quando estabelece a intenção de usar as vias legais capazes de fazê-lo colher uma boa convivência, ou se o exercício dos seus direitos esbarra no dever de respeitar os direitos de outrem, desperta nele a força dominante dos impulsos da liberdade anárquica, força que se pode denominar de responsabilidade, expressa no conjunto de condições mediante as quais o alvedrio de cada um pode se acordar com o de todos, segundo um sentimento geral de liberdade. 121
Hoje a concepção de propriedade é privada, um direito
individual, mas a sua proteção encontra-se subordinada à ideologia
socialista, deve cumprir uma função social.
No estágio contemporâneo, a propriedade vem
perdendo a sua expressão tradicional e o domínio das coisas assume papel
secundário e retoma preeminência o controle do Estado sobre o modo de
se utilizarem as coisas, em particular o modo por que a propriedade se
exerce.122
Mesmo após estudo de suas características e
fundamentação, difícil é traçar um conceito de propriedade abstrato,
principalmente pela influência que sofre das diversas ideologias.
Não se observa harmonia em relação ao conceito de
propriedade, cuja tonalidade varia em conformidade com o ponto de vista 120 Conjunto de transformações técnicas e econômicas que caracterizam a substituição de energia
física pela energia mecânica, da ferramenta pela máquina e da manufatura pela fábrica no processo de produção capitalista.
121 MOREIRA, Aroldo. A propriedade sob diferentes conceitos , p.55. 122 MOREIRA, Aroldo. A propriedade sob diferentes conceitos , p.64.
32
de quem se propõe a defini-la.123
Conceituar a propriedade é tarefa difícil, pois além de
inexistir conceituação legal, existem diversas faculdades do proprietário que
mesmo não estando presente em algumas situações não descaracterizam
a propriedade.124
Ademais, cumpre abordar, apenas de modo
exemplificativo, algumas posições doutrinárias acerca do conceito de
propriedade.
O direito de propriedade, em sentido genérico abrange todos os direitos que formam o nosso patrimônio, isto é, todos os direitos que podem ser reduzidos a valor pecuniário. Em sentido restrito, ao qual se dá geralmente o nome de domínio e que compreende apenas as coisas corpóreas, é o direito real que vincula e legalmente submete ao poder absoluto de nossa vontade a coisa corpórea, na substância, acidente e acessórios.125
Existe a proposição de definição da propriedade ligada
à idéia de domínio, onde a propriedade seria o conjunto de faculdades em
que se desdobra o domínio, ou seja, direito de usar, gozar, dispor e
reivindicar.
A propriedade é o mais amplo dos direitos reais,
abrangendo a coisa em todos os seus aspectos. É o direito perpétuo de
usar, gozar e dispor de determinado bem, excluindo todos os terceiros de
qualquer ingerência no mesmo. Esta plenitude do direito de propriedade
distingue-o dos outros direitos reais, denominados direitos reais limitados.126
Para Cunha Gonçalves, o direito de propriedade é
aquele que uma pessoa singular ou coletiva efetivamente exerce numa
coisa certa e determinada, em regra perpetuamente, de modo normalmente 123 SERPA LOPES, Miguel Maria de. Curso de Direito Civil , v. 6, p. 276. 124 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro , v.4, p. 104. 125 PEREIRA, Lafayette Rodrigues. Direito das Coisas .v.I, p.97-98. 126 WALD, Arnoldo. Direito das Coisas , p.98.
33
absoluto, sempre exclusivo, e que todas as outras pessoas são obrigadas a
respeitar.127
Por outro vértice, há o entendimento de que a
propriedade é sobretudo a faculdade de dispor, ou seja, a exteriorização da
vontade do proprietário em relação à coisa. Existindo também,
posicionamento que reduz a propriedade a um dos atributos de direitos de
ordem real.128
Gomes conceitua o direito de propriedade à luz de três
critérios, e termina por afirmar que isoladamente nem um dos critérios
satisfaz, mas a análise dos três permite tornar seus traços mais nítidos.
Sinteticamente, é a submissão de uma coisa, em todas as suas relações, a uma pessoa; Analiticamente, é o direito de usar, fruir, e dispor de um bem, e de reavê-lo de quem o injustamente o possua; Descritivamente, é um direito complexo, absoluto, perpétuo, e exclusivo, pelo qual uma coisa fica submetida à vontade de uma pessoa, com as limitações da lei. 129
A propriedade não é o somatório de seus elementos
constitutivos, mas o poder garantido pelo grupo social à utilização dos bens
da vida psíquica e moral, podendo ser pleno ou desmembrado.130
A partir do século XIX, começou-se a desenvolver uma
concepção de direito de propriedade bipartido.
Devemos distinguir no direito de propriedade a estrutura interna da estrutura externa. A primeira abrange os poderes que o titular do direito pode exercer sobre a coisa, e a segunda as relações entre o proprietário e os terceiros. A estrutura interna apresenta-se como poder complexo e exclusivo do proprietário sobre a coisa, abrangendo o uso, gozo e a disposição. A estrutura externa importa o direito de exigir a abstenção dos terceiros em relação ao
127 CUNHA GONÇALVES, Luiz da. Tratado de direito civil , tomo I, v. XI, p. 207-208. 128 ARONNE, Ricardo. Propriedade e Domínio: Reexame Sistemático das Noções Nucleares de
Direitos Reais, p. 148. 129 GOMES, Orlando. Direitos Reais , p. 97. 130 BEVILÁQUA, Clóvis. Direito das Coisas , v. 1, p.111
34
objeto de propriedade do titular.131
Afirma-se que hoje não existe propriedade, mas várias
formas de propriedade. Pois cada categoria de bens comporta uma forma
de apropriação privativa dela.132
Entretanto, apesar do Direito Positivo admitir a
pluralidade das propriedades, esse fato não compromete a unidade
conceitual do instituto.
Não raro observar-se diferenciadas formas de
tratamento às propriedades civil, agrária, constitucional, coletiva, familiar, e
demais, em âmbito conceitual, cumpre salientar que perfazem o mesmo
instituto, que possui diferenciações em algumas ramificações, que
decorrem de balanceamento axiológico do conceito que, por isso mesmo,
deverá ser um conceito aberto, justamente para sua preservação e
mobilidade no sistema.133
Desta feita, a propriedade não se restringe às normas
de direito civil, compreendendo normas administrativas, ambientais,
urbanísticas, empresariais, e este complexo é orientado pelas normas
constitucionais.
1.5.1 CONCEITO DE PROPRIEDADE NO CÓDIGO CIVIL BRASI LEIRO
Cabe ao direito civil disciplinar as relações jurídicas
decorrentes do direito de propriedade, restrito ao seu tempo e ao seu
espaço, observando o ordenamento jurídico como um todo.
131 WALD, Arnoldo. Direito das Coisas , p.99. 132 MALUF, Carlos Alberto Dabus. Limitações ao direito de propriedade , p. 65-66. 133 ARONNE, Ricardo. Propriedade e Domínio: Reexame Sistemático das Noções Nucleares de
Direitos Reais, p. 144.
35
O Código Civil brasileiro, Lei 10.406 de 10 de janeiro de
2002, vigência a partir de 11 de janeiro de 2003, assegura a propriedade
como direito real, também regula as formas de aquisição, perda, uso e
limites da propriedade, abarcando os parâmetros constitucionais.
Hoje, é imperioso que, antes de mais nada, acatemos a necessária preponderância de nossas normas constitucionais sobre o regramento infraconstitucional. É necessário que interpretemos as disposições do Código Civil, lembrando-nos, sempre, que anteriores e superiores à lei ordinária (Código Civil) são os prescritivos constitucionais.134
A propriedade é o direito real por excelência, pois
abrange a coisa em todos os seus aspectos, sujeitando-a totalmente ao seu
titular, é a unicidade das modalidades de direitos reais sejam os de gozo,
garantia ou de aquisição.135
O direito de propriedade tem como objeto, os bens
corpóreos, sejam eles móveis, imóveis ou semoventes e os bens
incorpóreos como a propriedade intelectual.136
Concebe-se no direito civil brasileiro o caráter absoluto
da propriedade, demonstrado na sua oponibilidade erga omnes e por ser
dos direitos reais o que mais oferece amplitude ao titular.137
O caráter absoluto que ainda se pode divisar no direito
de propriedade deve ser entendido paradoxalmente, dentro do âmbito em
que a lei o deixa movimentar-se e desenvolver-se.138
Gomes leciona que a oponibilidade erga omnes não é
134 RABAHIE, Marina Mariani de Macedo. Função Social da Proprie dade, in DALLARI, Adilson
Abreu & FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Temas de Direito Urbanístico , p. 223. 135 COSTA, Cássia Celina Paulo Moreira da. A Constitucionalização do Direito de Propriedade
Privada , p. 125. 136 COSTA, Cássia Celina Paulo Moreira da. A Constitucionalização do Direito de Propriedade
Privada , p. 127. 137 GOMES, Orlando. Direitos Reais , p. 99. 138 SERPA LOPES, Miguel Maria. Curso de Direito Ci vil, v. VI, p.253.
36
peculiar ao direito de propriedade. O que lhe é próprio é esse poder jurídico
de dominação da coisa, que fica ileso em sua substancialidade ainda
quando sofre certas limitações.139
[...] a lei pode por e de fato põe limites ao absolutismo do domínio, que apenas abstratamente se pode conceber ilimitado. Quanto mais avança o conceito de solidariedade social, tanto maiores são as restrições e os vínculos que, no interesse geral e para utilização da riqueza a propriedade está sujeita.140
O artigo 1.231 do Código Civil brasileiro prescreve o
atributo da exclusividade, ou seja, o direito do titular sobre o bem impede o
exercício de direito de terceiros sobre o mesmo bem. Contudo, a prova de
interesse público e social pode limitá-lo.
A exclusividade, que é característica do direito real, e
fundamental à propriedade, determina que dois direitos de propriedade
sobre o mesmo bem não podem ocorrer simultaneamente.
O atributo de perpetuidade da propriedade garante que
o domínio não se extingue sem que seja por causa legal ou vontade do
titular do bem.141
A perpetuidade não significa que uma coisa deve
pertencer, sempre ao mesmo titular, o que seria impossível, visto que os
homens duram, em regra, menos do que as coisas de que são
proprietários.142
O conceito de domínio é unitário, não varia conforme as
coisas [...] a estrutura jurídica é uma só; o seu conteúdo econômico social é
que, sendo diferente, diferentemente se expõe às regras jurídicas sobre as
139 GOMES, Orlando. Direitos Reais , p. 97. 140 RUGGIERO, Roberto de. Instituições de Direito Civil , v.2, p.302. 141 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil , p. 96. 142 CUNHA GONÇALVES, Luiz da. Tratado de direito civil , tomo I, v. XI, p. 213.
37
limitações de conteúdo.143
A propriedade não é uma soma de faculdades, mas a unidade de todos os poderes conferidos ao titular, não é uma série de faculdade determinadas ‘a priori’, mas um poder geral, do qual todos os poderes imagináveis fazem parte, não sendo senão exteriorizações da sua plenitude.144
Corroborando este pensamento a definição da
característica da elasticidade, se referindo ao exercício dos atributos da
propriedade, ampliando ou reduzindo o domínio.145
Os elementos constitutivos da propriedade podem ser
repartidos entre diversas pessoas sem que o proprietário perca o direto de
propriedade sobre a coisa pois o direito de propriedade é o direito
exercitável atualmente ou não, sobre o bem.146
Quanto aos poderes de usar, fruir e dispor, estão
contidos no direito de propriedade, mas a propriedade persiste se o limite
ou restrição atinge alguns desse poderes.147
Cabe ao proprietário a defesa do direito de propriedade
através dos interditos possessórios, para assegurar sua posse, e das ações
negatória, reivindicatória, declaratória, de divisão, de demarcação entre
outras.
A personificação do direito de propriedade consiste na
aquisição da propriedade pelo titular. A aquisição da propriedade, de
acordo com o Código Civil de 2002, ocorre através do registro do título no
Cartório de Registro de Imóveis, pelo usucapião, pela acessão e pelo direito
143 PONTES DE MIRANDA. Tratado de Direito Privado . V. 12, p. 31. 144 RUGGIERO, Roberto de. Instituições de Direito Civil , v.2, p.298-299. 145 GOMES, Orlando. Direitos Reais , p. 100. 146 ALVES, Vilson Rodrigues. Uso nocivo da propriedade , p.52. 147 PONTES DE MIRANDA. Tratado de Direito Privado , V. 12, p. 16.
38
hereditário.148
Os critérios observados nos modos de aquisição que
garantem uma distinção são: o originário e o derivado, entre bens móveis e
imóveis e se a aquisição foi a título universal ou singular.
Tem-se a aquisição originária quando o indivíduo faz
seu o bem sem que este lhe tenha sido transmitido por alguém, não
havendo qualquer relação entre o domínio atual e o anterior.149
Diz-se derivada a aquisição quando houver
transmissibilidade de domínio, por ato causa mortis ou inter vivos.150
Os modos terminativos de propriedade imobiliária
elencados no Código Civil são os seguintes: alienação, renúncia,
abandono, por perecimento da coisa, desapropriação por necessidade
pública ou por interesse social, direito de requisição da propriedade
particular, posse-trabalho, usucapião, acessão, pela dissolução da
sociedade conjugal em regime de comunhão universal de bem, por confisco
quando o imóvel é utilizado para cultura de plantas psicotrópicas.151
Todo o explicitado, refere-se a propriedade material
imóvel, porém, a evolução da humanidade determina a passagem da
concepção de propriedade, exclusivamente material para uma outra
imaterial, nascendo uma problemática que exigirá novas análises e novas
sínteses.
148 COSTA, Cássia Celina Paulo Moreira da. A Constitucionalização do Direito de Propriedade
Privada , p. 136. 149 MONTEIRO, Washigton de Barros. Curso de Direito Civil , p. 101. 150 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro , vol.4, p. 119. 151 COSTA, Cássia Celina Paulo Moreira da. A Constitucionalização do Direito de Propriedade
Privada , p. 142.
39
1.5.2 O CONCEITO DE PROPRIEDADE NA CRFB/88
Antes de analisar o direito de propriedade no
constitucionalismo brasileiro, cabe definir o significado do vocábulo
Constituição para assegurar o seu entendimento.
Constituição lato sensu, é o ato de construir, de
estabelecer, de firmar; ou ainda, o modo pelo qual se constitui uma coisa,
um ser vivo, um grupo de pessoas; organização, formação.152
Para a concepção jurídica do termo Constituição segue
o entendimento de José Afonso da Silva:
[...] um sistema de normas jurídicas, escritas ou costumeiras, que regula a forma do estado, a forma de seu governo, o modo de aquisição e o exercício do poder, o estabelecimento de seus órgãos e os limites de sua ação. Em sínteses, a constituição é o conjunto de normas que organiza os elementos constitutivos do Estado”.153
A Constituição ao mesmo tempo em que é uma garantia
contra os abusos do Estado é também um programa para o futuro.
É uma ordenação sistemática e racional da comunidade
política, plasmada num documento escrito, mediante o qual se garantem os
direitos fundamentais e se organiza, de acordo com o princípio da divisão
dos poderes, o poder político. 154
Diante do exposto, passa-se a verificar a evolução da
propriedade no Constitucionalismo brasileiro.
Há entendimento doutrinário155 que as Constituições
152 MORAES, Alexandre. Direito Constitucional , p. 36. 153 SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro , p. 39-40. 154 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional , p. 43 155 MALUF, Carlos Alberto Dabus. Limitações ao Direito de Propriedade , p. 70.
40
brasileiras, desde 1824 até 1969, consagraram a propriedade como direito
individual inviolável, na linha do art. 17 da Declaração dos Direitos do
Homem e do Cidadão:
Artigo 17 - Como a propriedade é um direito inviolável e sagrado, ninguém dela pode ser privado, a não ser quando a necessidade pública legalmente comprovada o exigir evidentemente e sob condição de justa e prévia indenização.
A Carta Imperial de 1824 se distanciou da realidade
social, tendo em vista o regime absolutista e liberal, e a concepção da
sociedade escravocrata, tornando-se incompatível com os direitos
individuais elencados. Foi uma Carta outorgada quanto à sistemática,
escrita quanto à forma e semiflexível quanto à consistência.156
A soberania ao Império, foi trazida pela Constituição de
1824, em virtude da inauguração de um novo regime que, pela ótica
jurídica, extinguiu a detenção do direito de propriedade sobre o território
brasileiro pelo Reino de Portugal.157
A Constituição da República dos Estados Unidos do
Brasil de 1891 destacou a propriedade em sua plenitude.
artigo 179, inciso XXII - É garantido o Direito de Propriedade em toda a sua plenitude. Se o bem público legalmente verificado exigir o uso e emprego da propriedade do cidadão, será ele previamente indenizado do valor dela. A lei marcará os casos em que terá lugar esta única exceção e dará as regras para se determinar a indenização.158
Face ao aumento dos movimentos republicanos e
federalistas, e as necessidades sociais que ultrapassavam as
possibilidades da Carta do Império, houve o enfraquecimento do poder
156 COSTA, Cássia Celina Paulo Moreira da. A Constitucionalização do Direito de Propriedade
Privada , p. 168. 157 BASTOS, Celso Ribeiro &MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil.
V.1, p. 117. 158 MALUF, Carlos Alberto Dabus. Limitações ao Direito de Propriedade , p. 70.
41
imperial e o início de uma nova era político-constitucional com a
promulgação da Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil
em 24 de fevereiro de 1891, que assegurou a inviolabilidade de alguns
direitos fundamentais, entre eles o de propriedade.
O sistema constitucional instaurado em 1891, espelhou-
se na Constituição norte-americana, completado com algumas disposições
das Constituições da Suíça e Argentina, e sem refletir a realidade pátria,
não respaldou a cumplicidade social, resultando num aumento dos conflitos
de poder.159
Sem maiores alterações formais, a primeira
Constituição Republicana de 1891 tratou da matéria no art. 72, § 17: “O
direito de propriedade mantem-se em toda sua plenitude, salvo a
desapropriação por necessidade ou utilidade pública, mediante indenização
prévia”.160
A propriedade na Constituição pátria da República em
1891, apresentavam um caráter individualista e este direito era assegurado
de forma plena e absoluta, com exceção da desapropriação ou
expropriação por necessidade pública ou utilidade social, a exemplo da
anterior.
A primeira Constituição brasileira a vincular o exercício
do direito de propriedade ao interesse social, seguindo orientação da
Constituição de Weimar de 1919, foi a Constituição da República dos
Estados Unidos do Brasil de 16 de julho de 1934.
Na verdade, são inúmeras as disposições161, quer de
direito civil, quer de direito administrativo, estabelecidas antes mesmo da
Constituição de 1934, que atingem frontalmente noções e conceitos 159 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo , p.80. 160 CAMPANHOLE, Adriano & CAMPANHOLE, Hilton Lobo. Constituições do Brasil , p. 705 -769. 161 Códigos de Caça e Pesca, Código Florestal, Código de Minas, Código das Águas, entre outros.
42
fundamentais atinentes ao direito de propriedade, mas que expressam
claramente os novos propósitos da ordem político-jurídica que se estava a
iniciar.162
Inovando em relação às anteriores, a Constituição de
1934 teve como preocupação central a questão social, era representativa
do intervencionismo estatal na propriedade para assegurar uma conciliação
de interesses opostos163.
Artigo 113, inciso XVII – É garantido o direito de propriedade, que não poderá ser exercido contra o interesse social ou coletivo, na forma que a lei determinar. A desapropriação por necessidade ou utilidade pública far-se-á nos termos da lei, mediante prévia e justa indenização. Em caso de perigo iminente, como guerra ou comoção intestina, poderão as autoridades competentes usar da propriedade particular até onde o bem público o exija, ressalvado o direito a indenização ulterior.164
Assegurava-se, assim, de maneira completa e radical, a
prevalência do interesse público sobre o individual, e modificava-se
explicitamente o conceito de propriedade do Código, cujo conteúdo e limites
passariam, daí por diante, a ser definidos nas leis que lhe regulassem o
exercício.165
A Constituição da Ditadura de 1937, foi um retrocesso
na evolução da propriedade no sistema constitucional brasileiro, suprimindo
a vinculação ao interesse social ou coletivo. Apenas garante o direito de
propriedade salvo desapropriação por necessidade e utilidade pública
mediante indenização.
Em 10 de novembro de 1937 a Constituição consagrou
em seu art. 122, § 14 “o direito de propriedade, salvo a desapropriação por
162 MALUF, Carlos Alberto Dabus. Limitações ao Direito de Propriedade , p. 71. 163 COSTA, Cássia Celina Paulo Moreira da. A Constitucionalização do Direito de Propriedade
Privada , p. 175-176. 164 CAMPANHOLE, Adriano & CAMPANHOLE, Hilton Lobo. Constituições do Brasil , p. 653. 165 MALUF, Carlos Alberto Dabus. Limitações ao Direito de Propriedade , p. 72.
43
necessidade ou utilidade pública, mediante indenização prévia”, mas
estabelecendo que “o seu conteúdo e os seus limites serão os definidos
nas leis que lhe regularem o exercício”.166
Após o término da Segunda Guerra Mundial, em 1945,
com a vitória dos países democráticos, o Brasil clamava pela
redemocratização, e assim, surge a Carta de 1946, que amplia os direitos
sociais, restabelecendo o uso da propriedade vinculado ao bem-estar
social, que fora mantido em 1967.
Artigo 147 - O uso da propriedade será condicionado ao bem-estar social. A lei poderá, com observância do disposto no artigo 141, § 16, promover a justa distribuição da propriedade, com igual oportunidade para todos.167
Artigo 141, § 16 – É garantido o direito de propriedade, salvo o caso de desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante prévia e justa indenização em dinheiro.168
É a partir da Constituição de 1967 que o termo Função
Social da Propriedade passa a fazer parte do Ordenamento Jurídico
Brasileiro, como princípio da ordem econômica.169
A Constituição de 1967 ressalvou, entre os princípios
fundamentais da ordem econômica e social, cuja finalidade é a de realizar o
desenvolvimento nacional e a justiça social, a “função social da
propriedade”, mantida ipisis litteris pela Constituição de 17 de outubro de
1969, art. 60.170
A Constituição da República Federativa do Brasil de
1988, além de manter a Função Social da Propriedade entre os princípios
166 MALUF, Carlos Alberto Dabus. Limitações ao Direito de Propriedade , p. 72. 167 CAMPANHOLE, Adriano & CAMPANHOLE, Hilton Lobo. Constituições do Brasil , p. 449. 168 MALUF, Carlos Alberto Dabus. Limitações ao Direito de Propriedade , p. 74. 169 CAMPANHOLE, Adriano & CAMPANHOLE, Hilton Lobo. Constituições do Brasil , p. 370. 170 MALUF, Carlos Alberto Dabus. Limitações ao Direito de Propriedade , p. 75.
44
gerais da atividade econômica, inseriu também este princípio no rol dos
Direitos e Deveres Individuais e Coletivos.
O alcance econômico da propriedade, reflete a sua
função social, na medida em que o seu aproveitamento produtivo pode e
deve ocorrer ao encontro do interesse da sociedade. 171
Nessa área, revela-se coerente com o estágio atual da
civilização, porque se de um lado reconhece e assegura os direitos reais,
com ênfase para o de propriedade, de outro, realça a respectiva função
social, harmonizando, pois, os interesses envolvidos no complexo mundo
das relações jurídicas.172
A propriedade é tratada pela Constituição em duas
acepções, como direito fundamental do indivíduo em seu artigo 5º,
caracterizando sua importância foi disposta no mesmo plano do direito à
vida, à liberdade e à igualdade; e como elemento da ordem econômica no
artigo 170, II e III.
A introdução, no conceito geral de propriedade, da
função social da propriedade modifica radicalmente o sentido tradicional de
direito natural ou de direito subjetivo exclusivo e ilimitado. [...] o bem deve
estar vinculado a um interesse econômico voltado para o bem comum.173
Na visão de Orlando Gomes, a propriedade estática
cede diante da propriedade dinâmica, baseada no trabalho, ou na utilização
das coisas. 174
Assim, o constituinte consagrou o direito de
propriedade, mas fez ressalvas quanto ao modo de utilização e exploração
da terra, condicionando-a a uma função social. Tal medida, de cunho 171 MOREIRA, Aroldo. A propriedade sob diferentes conceitos , p.65. 172 BITTAR, Carlos Alberto. A Propriedade e os Direitos Reais na Constituição d e 1988, p. 2. 173 MOREIRA, Aroldo. A propriedade sob diferentes conceitos , p.65. 174 Apud MALUF, Carlos Alberto Dabus. Limitações ao direito de propriedade , p. 64.
45
socializador, objetivou diminuir os conflitos sociais gerados pela
acumulação da propriedade como riqueza.
O direito de propriedade está, portanto, plenamente
assegurado na atual Constituição, continuando nosso país situado na linha
filosófica do mundo ocidental, coerente com as tradições romanísticas.
Recebe, no entanto, quanto ao seu exercício, novos contornos, que a
evolução fática e doutrinária exigiu, expressos ajustes às suas finalidades
sociais. 175
A importância do asseguramento, em nível
constitucional, do direito de propriedade é profunda, na medida em que o
legislador ordinário acha-se totalmente coartado pelo princípio, não
podendo destarte, expedir leis desbordantes desse vetor constitucional.176
A Constituição confere à propriedade uma concepção
mais ampla, além de limitar a incursão de terceiros sobre a propriedade,
determina o seu conteúdo de forma a orientá-la para o bem-estar social.
A propriedade pode ser estudada em dois aspectos, o estrutural e o funcional. [...] O primeiro aspecto, interno ou econômico, é composto pelas faculdades de usar, fruir e dispor. O segundo, o jurídico, traduz-se na faculdade de exclusão de ingerências alheias. Estes dois aspectos, o interno e o externo, compõem a estrutura da propriedade, o seu aspecto estático. Já o segundo aspecto, mais polêmico, é alvo de disputa ideológica, refere-se ao aspecto dinâmico da propriedade, a função que desempenha no mundo jurídico e econômico a chamada função social da propriedade. 177
Criou-se para o proprietário, um dever em relação ao
bem imóvel, com o caráter de obrigação propter rem, o que desloca a
concepção do direito de propriedade de exclusivo feixe de poderes, sobre a
coisa, para compreendê-lo também como ônus de atender ao interesse 175 BITTAR, Carlos Alberto. A Propriedade e os Direitos Reais na Constituição d e 1988, p. 8. 176 FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Disciplina Urbanística da Propriedade , p. 3. 177 TEPEDINO, Gustavo. Contornos Constitucionais da Propriedade Privada , p. 311.
46
social da comunidade178.
Sendo o homem um ser social, é preciso limitar a
liberdade de ação de cada um até o ponto em que possam ser prejudicados
os interesses dos outros associados.
Dentro desta perspectiva, sendo a propriedade privada
um direito de usar um bem ou destiná-lo a um fim, excluindo todos os
outros, quando esta propriedade confronta com interesses alheios deve ser
limitada.179
Esse novo aspecto da propriedade, desvirtuou-a da
idéia de direito subjetivo situado na esfera do interesse individual e
configurando-a na complexidade dos poderes, faculdades, limites e
obrigações que reúne.180
A teoria econômica dos direitos de propriedade pode
apenas fazer lembrar aos leitores a justificação utilitarista da propriedade
privada. O utilitarismo justifica a propriedade privada sempre que ela
contribua para a felicidade geral, e portanto encara os seus méritos e
defeitos em termos da sua “eficiência” total.181
Entretanto, o direito de propriedade é o traçado pelo
ordenamento constitucional vigente, que o denota, e cuja conotação será
dada pelas normas infraconstitucionais, a par das interpretações
jurisprudencial e doutrinária que, não desbordando da “moldura”, irão,
paulatinamente, enriquecendo-lhe o conteúdo.182
A teoria econômica ou utilitarista da propriedade,
considera a questão da propriedade instrumental para proteção dos
178 MALUF, Carlos Alberto Dabus. Limitações ao direito de propriedade , p. 78-79. 179 MOREIRA, Aroldo. A propriedade sob diferentes conceitos , p.33. 180 MOREIRA, Aroldo. A propriedade sob diferentes conceitos , p. 15. 181 RYAN, Alan. A Propriedade , p. 167. 182 FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Disciplina Urbanística da Propriedade , p. 4.
47
direitos individuais assim como para criação do bem-estar material.183
Destarte, a propriedade não pode mais ser considerada
absoluta frente às novas concepções do direito civil vinculado à
Constituição, está cada vez mais submetida à uma função social.
1.5.3 A PROPRIEDADE INTELECTUAL
Inicialmente o trabalho intelectual não interessava ao
capitalismo, sua importância surge a partir da sua utilização no processo
produtivo de bens materiais auxiliando na geração de riquezas.
Enquanto nas sociedades pré-capitalista economicamente não havia diferença entre a produção e o consumo, visto que toda a produção era destinada para o consumo imediato, o capitalismo se caracteriza por esta distinção, produzindo para a troca e acumulação do capital, consegue diferenciar o trabalho útil, do produtivo. [...] A apropriação imaterial tem origem nos trabalhos tecnológicos, ou seja, em trabalhos intelectuais destinados a desenhar um processo ou um produto de utilidade para a produção capitalista, trabalhos considerados produtivos. 184
Com a invenção dos caracteres tipográficos no séc. XV,
que permitia a impressão por meio de tipos metálicos, o conhecimento
passou a atingir escalas industriais. Surge então a necessidade de proteger
os direitos do autor.
Porém, a tutela do autor surge com o estatuto da rainha
Ana da Inglaterra, em 10 abril de 1710. Neste primeiro texto que se
reconhecia um direito, o autor apodera-se do privilégio de reprodução, o
183 RYAN, Alan. A Propriedade , p. 105. 184 BARBOSA, Antonio Luiz Figueira. Sobre a propriedade do trabalho intelectual : uma perspectiva crítica. Rio de Janeiro: UFRJ, 1999.
48
que seria o copyright, que tem como base à materialidade do exemplar.185
O direito do criador intelectual sobre suas obras só foi
sentido integralmente quando o homem se tornou capaz de reproduzir e
difundir em escala ampla as obras do espírito.186
Na sociedade contemporânea, há uma crescente
importância da propriedade imaterial, pois os meios de produção não são
mais o capital e sim o conhecimento.
Hoje, em plena era da informação, a incorporação da tecnologia às atividades econômicas produz impacto na sociedade, devido aos avanços tecnológicos das últimas décadas – esses superaram tudo o que o homem havia acumulado ao longo da sua existência no planeta em termos de conhecimentos, com toda a gama de conseqüências que transformam cotidianamente as vidas e o comportamento das pessoas.187
Os rendimentos econômicos derivados dos privilégios
da chamada propriedade intelectual, podem, em muitos casos, ser
superiores aos rendimentos da propriedade material.188
A relação com o conhecimento que experimentamos
desde a Segunda Guerra mundial, e sobretudo depois dos anos setenta, é
radicalmente nova, na medida em que as informações e o conhecimento
passaram a constar entre os bens econômicos primordiais.189
Ao se perceber que o conhecimento proporciona
riqueza e poder, o homem cria formas de protegê-lo, surgindo a idéia de
propriedade intelectual, que visa dar proteção às expressões criativas do
homem, sobretudo aquelas pertinentes ao campo industrial e comercial.
185 ASCENSÃO, José de Oliveira, Direito autoral. 2 ed., Rio de Janeiro: Renovar, 1997. p. 4. 186 SILVEIRA, Newton. Curso de Propriedade Industrial , p. 11. 187 PIMENTEL, Luiz Otávio. Direito Industrial – As Funções do Direito de Paten tes , p. 26. 188 KICH, Bruno Canísio. A Propriedade na Ordem Jurídica Econômica e Ideológ ica , p. 186. 189 LÉVY, Pierre. O que é virtual , p. 54.
49
As diversas produções da inteligência humana e alguns institutos afins são denominadas genericamente de propriedade imaterial ou intelectual, dividida em dois grandes grupos, no domínio das artes e das ciências: a propriedade literária, científica e artística, abrangendo os direitos relativos às produções intelectuais na literatura, ciência e artes; e no campo da indústria: a propriedade industrial, abrangendo os direitos que têm por objeto as invenções e os desenhos e modelos industriais, pertencentes ao campo industrial.190
Todo o homem possui em maior ou menor grau
potencial criativo. Ao exercer sua criatividade, ele acresce ao mundo de
coisas novas, cujo surgimento se deve a ele, a uma operação de caráter
intelectual que resulta em uma nova realidade que vem enriquecer o mundo
dos homens, a ampliar seus limites.191
A propriedade imaterial ou propriedade intelectual é
toda a criação do espírito humano capaz de proporcionar utilidade,
benefício, gozo, lazer ou alguma espécie de satisfação interior.192
A Convenção da OMPI (Organização Mundial da Propriedade Intelectual) define como Propriedade Intelectual, a soma dos direitos relativos às obras literárias, artísticas e científicas, às interpretações dos artistas intérpretes e às execuções dos artistas executantes, aos fonogramas e às emissões de radiodifusão, às invenções em todos os domínios da atividade humana, às descobertas científicas, aos desenhos e modelos industriais, às marcas industriais, comerciais e de serviço, bem como às firmas comerciais e denominações comerciais, à proteção contra a concorrência desleal e todos os outros direitos inerentes à atividade intelectual nos domínios industrial, científico, literário e artístico.193
Com a concepção da propriedade intelectual e da
propriedade industrial, os chamados bens imateriais passaram a serem
190 PIMENTEL, Luiz Otávio. Direito Industrial – As Funções do Direito de Paten tes , p. 126. 191 SILVEIRA, Newton. Curso de Propriedade Industrial , p. 12-13. 192 KICH, Bruno Canísio. A Propriedade na Ordem Jurídica Econômica e Ideológ ica , p. 48. 193 De acordo com o artigo 2º da Convenção de Estocolmo de 1967, que estabeleceu a OMPI, e
alterada em 1979.
50
suscetíveis de direitos dominicais e de outros direitos reais.194
No sistema clássico os direitos privados eram
classificados em pessoais, obrigacionais e reais, porém hoje foram
inseridas mais duas categorias nesta divisão: os direitos da personalidade e
os direitos intelectuais.195
Por derradeiro, cabe salientar que a concepção de
propriedade intelectual, tem como principal atributo o fato de ser mais
abrangente, de ir além da mera apropriação ou controle sobre determinado
objeto, significando a valorização econômica das coisas intangíveis.
Os direitos intelectuais são aqueles referentes a
relações entre os homens e os produtos de seu intelecto, expressos sob
determinadas formas, a respeito dos quais detêm verdadeiro monopólio. 196
A noção de propriedade intelectual abrange o campo da
Propriedade Industrial, os direitos autorais e outros direitos sobre bens
imateriais de vários gêneros.197
É em função do grau da crise entre os direitos
individuais do criador e os interesses gerais da coletividade é que se
separaram as duas citadas ramificações, levando-se em conta que como os
bens de caráter utilitário são de interesse mais imediato para a vida comum,
menor é o prazo monopolístico do criador, em comparação com os de
cunho estético, em que de maior alcance são os seus direitos.198
Desse modo far-se-á uma breve exposição acerca das
espécies de propriedade intelectual: os direitos de autor e conexos (direitos
194 PONTES DE MIRANDA. Tratado de Direito Privado , parte especial, Tomo XVI, Direito das
Coisas: Propriedade mobiliária (bens incorpóreos). Propriedade intelectual. Propriedade Industrial. 2 ed. Rio de Janeiro: Editor Borsoi, 1956.
195 LISBOA, Roberto Senise. Manual Elementar de Direito Civil , vol. 4, p. 291. 196 BITTAR, Carlos Alberto. Direito de Autor , p. 2. 197 BARBOSA, Denis Borges. Uma Introdução à Propriedade Intelectual , p. 01. 198 BITTAR, Carlos Alberto. Direito de Autor , p. 4.
51
autorais) e a propriedade industrial.
1.5.3.1 A PROPRIEDADE INDUSTRIAL
A criação no campo da indústria objetiva produzir
efeitos no mundo material, obtendo um resultado utilitário.
A doutrina, de um modo geral, caracteriza a propriedade
industrial como sendo a soma dos direitos que incidem sobre as
concepções ou as produções da inteligência, trazidas à indústria para sua
exploração ou para o proveito econômico de quem as inventou ou as
imaginou.199
Entende-se por propriedade industrial o conjunto de direitos resultantes das concepções da inteligência humana que se manifestam ou produzem na esfera da indústria. Como um dos elementos incorpóreos do fundo de comércio, a propriedade industrial é protegida pela lei, efetuando-se mediante a concessão de privilégios de invenção, de modelos de utilidade, dos desenhos e modelos industriais e pela concessão do registro, dando ao seu titular a exclusividade de uso das marcas de indústria, de comércio e de serviço, além das expressões ou sinais de propaganda. Adquirindo, assim, o privilégio de qualquer um desses elementos, a lei assegura a sua propriedade, garantindo o uso exclusivo e reprimindo qualquer violação a esse direito.200
Na regulação dos direitos sobre a obra industrial, a
proteção fixada objetivou a aplicação do produto final na consecução de
utilidades, ou na solução de problemas técnicos, relacionado-se com o
processo de produção e de expansão da economia, sob a égide de um
regime de concorrência leal.201
A propriedade industrial compreende a concessão de:
199 DEL NERO, Patrícia Aurélia. Propriedade Intelectual: a tutela jurídica da biotecnologia, p. 47. 200 MARTINS, Fran. Curso de Direito Comercial , p. 503-504. 201 BITTAR, Carlos Alberto. Direito de Autor , p. 5.
52
patente de invenção, patente de modelo de utilidade, registro de desenho
industrial, registro de marca de produto ou serviço, marca de certificação,
marca coletiva, bem como se relaciona com repressão às falsas indicações
geográficas e à concorrência desleal.202
É a lei 9.279/96 que disciplina os direitos e obrigações
referentes à propriedade industrial, enquanto a lei 9.610/98 dispõe sobre
direitos autorais, que será analisado no próximo item.
1.5.3.2 O DIREITO AUTORAL
A obra intelectual é criação intelectual que tem como
fonte o íntimo do criador, é forma de expressão particular da personalidade
ou espírito do autor.
A obra artística produz um resultado no mundo interior
do homem, no mundo da percepção, atua no mundo da comunicação ou da
expressão.203
O direito de autor é um poder de senhorio de um bem
intelectual, poder esse que, em razão, da sua natureza especial, abraça no
seu conteúdo faculdades de ordem pessoal e faculdades de ordem
patrimonial.204
O direito autoral tem atributos de natureza patrimonial e
moral, estes correspondem ao aspecto pessoal do autor com relação à sua
criação, o direito de defendê-la como atributo de sua própria personalidade.
Já os direitos patrimoniais se referem à prerrogativa do autor em auferir
202 DEL NERO, Patrícia Aurélia. Propriedade Intelectual: a tutela jurídica da biotecnologia, p. 70. 203 SILVEIRA, Newton. Curso de Propriedade Industrial , p. 13. 204 CHAVES, Antonio. Direito de Autor , v. I – Princípios Fundamentais, p. 7.
53
vantagens pecuniárias com a utilização de sua obra.
Na regulamentação dos direitos sobre a obra intelectual,
o objetivo básico é o de proteger o autor e possibilitar-lhe, de um lado, a
defesa da paternidade e da integridade de sua criação e, de outro, a fruição
dos proventos econômicos, resultantes de sua utilização, dentro da linha
dos mecanismos de tutela dos direitos individuais. 205
Assim, enquanto a propriedade industrial e os direitos
patrimoniais do autor podem ser considerados direito de propriedade, a
rigor, a tutela dos direitos autorais morais é estranha à propriedade
intelectual, esta interpretação deriva da natureza personalíssima do direito.
205 BITTAR, Carlos Alberto. Direito de Autor , p. 4.
54
Capítulo 2
O ESTADO CONTEMPORÂNEO COMO GARANTIDOR DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE
2.1 LIMITES DA PROPRIEDADE
Como já analisado, o direito de propriedade não se
caracteriza mais por ser absoluto, seu conteúdo ou o seu exercício são
ditados pelas regras limitativas.
O direito de propriedade, que se assegura em toda sua
plenitude, para que possa o seu titular dispor da coisa livremente, fruindo-a
a seu bel-prazer ou alienando-a quando lhe aprouver, sofre restrições
advindas do respeito a direitos alheios ou fundadas no próprio interesse
coletivo.206
Não obstante a propriedade ser um direito individual que assegura a seu titular uma séria de poderes cujo conteúdo constitui objeto do direito civil; compreende os poderes de usar, gozar e dispor da coisa, de modo absoluto, exclusivo e perpétuo. Não podem, no entanto, esses poderes ser exercidos ilimitadamente, porque coexistem com direitos alheios, de igual natureza, e porque existem interesses públicos maiores, cuja tutela incumbe ao Poder Público exercer, ainda que em prejuízo de interesses individuais.207
O Direito, pela lei, pode limitar a liberdade de cada um
na medida necessária à proteção da liberdade de todos, porém, não a
suprime, porque precisamente ao limitá-la, a garante.208
Nas restrições gerais do direito de propriedade não se
sacrifica um direito subjetivo; diminuem-se algumas faculdades, que de
206 DE PLÁCIDO E SILVA. Vocabulário Jurídico, v ol. III, p.477. 207 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo , p.120. 208 MOREIRA, Aroldo. A propriedade sob diferentes conceitos , p. 15.
55
certo modo constituem expectativas jurídicas.209
As limitações ao direito de propriedade consistem nos
condicionamentos que atingem os caracteres tradicionais desse direito, que
era tido como absoluto, exclusivo e perpétuo.210
Desde que à comunidade se torne necessário o que ao
indivíduo pertence, ou o interesse social exija certas restrições a uma
prerrogativa individual, cede o homem compulsoriamente em proveito da
coletividade. 211
O primado do direito público ganhou ênfase, influindo no
próprio conceito de propriedade, e as limitações multiplicam-se dia a dia,
através de adoção de medidas restritivas do direito de propriedade pelo
Estado.212
A intervenção do Estado na propriedade privada
consiste em todo ato do Poder Público que, compulsoriamente, retira ou
restringe direitos dominiais privados, ou sujeita o uso de bens particulares a
uma destinação de interesse público.213
A intervenção do Estado na propriedade pode se dar de
várias formas, fundamentada em três diferentes tipos de interesses:
privado, público e o social.
As limitações de interesse privado, visam conciliar os
interesses do proprietário com os de outros particulares, e se subdividem
em limitações de mero interesse privado e limitações de interesse
semipúblico, como as relações entre vizinhos.214
209 GONÇALVES, Luiz da Cunha. Tratado de direito civil , vol. 11, t. 1, p. 214. 210 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo , p. 252. 211 MOREIRA, Aroldo. A propriedade sob diferentes conceitos , p. 82. 212 GOMES, Orlando. Direitos Reais , p. 119. 213 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro , p.500. 214 GONÇALVES, Luiz da Cunha. Tratado de direito civil , vol. 11, t. 1, p. 215.
56
Nas outras duas hipóteses, pode-se verificar a tutela de
interesses que estão acima dos individuais, a defesa dos interesses
direitos do Estado e a dos interesses direitos da coletividade.
As limitações de interesse público ou geral, ou de
utilidade pública, são destinadas a impedir que o interesse, o arbítrio ou o
egoísmo do proprietário prevaleça em absoluto sobre o interesse da
coletividade.215
Nessa esfera de atuação, o Estado pode limitar
propriamente o direito de propriedade (impondo um non facere - abstenção
ou um pati - tolerância), impor deveres aos titulares desse direito ou, enfim,
suprimi-lo.216
Gomes classifica as limitações ao direito de propriedade
baseado em três critérios: a fonte, que pode ser legal, jurídica ou voluntária;
a extensão, podendo atingir o direito em si ou algumas de suas faculdades;
e o fundamento, se de interesse público ou na coordenação de interesses
privados.217
Várias disposições, constitucionais, administrativas,
militares, penais e civis restringem o exercício do direito de propriedade,
tornando impossível uma completa enumeração de todas as restrições.218
Há controvérsias sobre a natureza jurídica das
limitações ao direito de propriedade, para alguns autores trata-se de
servidões legais, para outros representam o regime normal da propriedade.
Nesta definição a importância está relacionada com as
indenizações, pois as limitações administrativas não dão lugar à
indenização, diferentemente da servidão (restrição parcial) e da 215 GONÇALVES, Luiz da Cunha. Tratado de direito civil , vol. 11, t. 1, p. 215. 216 MALUF, Carlos Alberto Dabus. Limitações ao Direito de Propriedade , p. 60. 217 GOMES, Orlando. Direitos Reais , p. 121-122. 218 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil , Direito das Coisas, p.96.
57
desapropriação (restrição plena) que são específicas sobre determinado
bem, e ensejam indenizações.
Para situações particulares que conflitem com o interesse público a solução será encontrada na servidão administrativa ou na desapropriação, mediante justa indenização, nunca na limitação administrativa, cuja característica é a gratuidade e a generalidade da medida protetora dos interesses da comunidade.219
Neste sentido, Bielsa afirma que as limitações são uma
carga geral para todas as propriedades, e em virtude deste princípio não
dão lugar à indenização pelo que se trata de uma condição inerente ao
direito de propriedade, cujo conteúdo normal se limita pelas leis.220
As limitações administrativas impõem obrigações de
caráter geral a proprietários indeterminados, em benefícios do interesse
geral, afetando o caráter absoluto do direito de propriedade, ou seja,
atributo pelo qual o titular tem o poder de usar, gozar e dispor da coisa da
maneira que lhe aprouver.221
Os indivíduos têm diante das limitações um direito
subjetivo, podem exigir o seu cumprimento quando estiverem impostas pelo
direito objetivo.
O direito subjetivo é a relação, que vincula, direta ou indiretamente, um bem da vida a um sujeito, e que, reconhecida pela ordem jurídica, dá a esse poder de, pessoalmente ou representado, tirar toda a utilidade daquele bem, no seu próprio interesse, ou no alheio, com a iniciativa de fazer movimentar os órgãos da justiça pública para efetivar a plena proteção assegurada àquela relação.222
Na concepção de Nader o direito subjetivo consiste, na
possibilidade de agir e de exigir aquilo que as normas de Direito atribuem a 219 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro , p.533. 220 BIELSA, Rafael. Derecho Administrativo , v.III, p. 358. 221 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo , p.119. 222 ESPÍNOLA, Eduardo & ESPÍNOLA FILHO, Eduardo. Tratado de Direito Civil Brasileiro , Dos
Direitos Subjetivos, v. IX, p. 573.
58
alguém como próprio.223
As limitações tornaram-se mais numerosas a partir da
intervenção do Estado na vida econômica com o objetivo de realizar uma
justiça social.224
De forma a vedar o individualismo ganancioso de
alguns poucos homens, a função social da propriedade merece o respaldo
e a aplicação imediata.
Essas restrições destinadas a promover a integração
entre os valores individuais e sociais, são a consecução da justiça em
concreto.225
Apesar de aparentar um enfraquecimento da
propriedade, as limitações são responsáveis pelo seu aperfeiçoamento,
tornando-o menos criticável frente ao princípio da justiça social.
2.2 A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE
Tratando da função social da propriedade, importante é
a análise do termo função que integra a expressão.
O termo função apresenta-se sob vários significados,
entre eles a noção de um conjunto de atividades e papéis exercidos por
indivíduos ou grupos sociais, no sentido de atender a necessidades
específicas.226
O uso do conceito de função nas ciências tende a suplantar o do
223 NADER, Paulo. Indrodução ao Estudo do Direito , p. 358. 224 MOREIRA, Aroldo. A propriedade sob diferentes conceitos , p.59. 225 BITTAR, Carlos Alberto. A Propriedade e os Direitos Reais na Constituição d e 1988, p. 5. 226 MACEDO, Silvio. Enciclopédia Saraiva de Direito , v. 38, p. 482.
59
conceito de causa, podendo ser considerado eqüipolente ao uso do conceito de condição. Expressa a interdependência dos fenômenos e permite a determinação quantitativa dessa interdependência sem pressupor ou assumir nada sobre a produção de um fenômeno por parte de outro.227
Para Pasold, a concepção para a palavra função parte
de um significado comprometido com dois elementos semânticos distintos
entre si mas mutuamente complementares, quais sejam, a AÇÃO e o
DEVER AGIR [...]. A causa da Função Social é, pois, a necessária
interação continuada entre Sociedade e Estado.228
A doutrina da função social da propriedade tem por fim
dar sentido mais amplo ao conceito econômico individual que lhe é
característico, transformando-a em fonte geradora de riqueza que
satisfaçam a necessidade social e não só do proprietário.
Socialmente funcional será a propriedade que, desde
que respeitada a dignidade da pessoa humana, contribua para o
desenvolvimento nacional e para diminuir a pobreza e as desigualdades
sociais.229
A propriedade além de propiciar gozo e fruição para seu
titular deve gerar utilidade coletiva fruível, Celso Ribeiro de Bastos define a
função social como conjunto de normas da Constituição que visa recolocar
a propriedade na sua trilha normal. 230
A função social de um bem não é algo abstrato e
hipoteticamente aferível, nem está sujeito a padrões indeterminados e
genéricos, mas, ao revés só é perceptível no caso concreto, em razão das
227 ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia , p. 473-474. 228 PASOLD, César Luiz. Função Social do Estado Contemporâneo , p.92. 229 GONDINHO, André Osório. Função Social da Propriedade , p. 413. 230 BASTOS, Celso Ribeiro &MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Br asil.
V.1, p. 125.
60
peculiaridades de cada situação.231
Três atributos da Função Social são considerados
estratégicos para sua destinação: não tem o seu conteúdo fixado a priori e
imutavelmente; não se exerce com paternalismo ou protecionismo, e é
resultado de uma solidária responsabilidade. 232
Diante do regime jurídico constitucional, o direito de
propriedade não aparece mais como um direito subjetivo individual, que
assegurava ao proprietário o poder legal de usar, gozar e dispor de seus
bens, essa faculdade se transforma em direito objetivo de dar um uso social
à propriedade ou ao menos não utilizá-la em desarmonia com a justiça
social.
O aperfeiçoamento de função social se revela quando o legislador impõe, não apenas uma ‘limitação dimensional’ à propriedade, cujo titular ‘sofre’ as conseqüências da redução quantitativa de seu patrimônio, mas quando passa a exigir do proprietário uma utilização do imóvel conforme aos princípios da função social. De sujeito ‘passivo’ da intervenção do Estado, o proprietário passa a ser ‘co-participe’ da ação estatal na realização dos fins da Ordem Econômica e Financeira.233
A função social da propriedade apresenta-se como
uma tentativa de dar um sentimento de igualdade e de justiça social e
legitimar o direito de propriedade.
Conforme esta concepção, a propriedade é uma
situação jurídica puramente objetiva, ensina Leal que o ordenamento não
protege o direito subjetivo de usar a coisa segundo a sua vontade, mas
garante, tão-somente, a liberdade do possuidor da mesma de satisfazer a
231 MOREIRA, Aroldo. A propriedade sob diferentes conceitos , p.68. 232 PASOLD, César Luiz. Função Social do Estado Contemporâneo , p. 98. 233 VAZ, Isabel. Direito Econômico das Propriedades , p.328.
61
função social que lhe compete pelo fato de ser o detentor da riqueza. 234
A referência constitucional à função social como elemento estrutural da definição do direito à propriedade privada e da limitação legal de seu conteúdo demonstra a substituição de uma concepção abstrata de âmbito meramente subjetivo de livre domínio e disposição da propriedade por uma concepção social de propriedade privada, reforçada pela existência de um conjunto de obrigações para com os interesses da coletividade.235
Se é crível que todo direito sempre está revestido de um
caráter teleológico, então o de propriedade só atingirá seus fins à medida
que estiver em perfeita consonância com o bem-estar social.236
A propriedade atingirá seus fins quando o uso dos bens
imóveis estiver em consonância com os princípios de ordem econômica e
com as diretrizes traçadas pelo ordenamento jurídico.
[...] a observação da evolução da propriedade - que da plena in re potestas de Justiniano, da propriedade como expressão do direito natural vai desembocar, modernamente, na idéia de propriedade- função social - apresenta momentos e matizes realmente encantadores, bastantes para desviar o estudioso da senda que tencione explorar. Tal evolução consubstancia, como afirmou André Piettre, a revanche da Grécia sobre Roma, da filosofia sobre o direito: a concepção romana, que justifica a propriedade por sua origem (família, dote, estabilidade de patrimônios), sucumbe diante da concepção aristotélica, finalista, que a justifica por seu fim, seus serviços, sua função.237
Reconhecendo na propriedade uma faculdade
individual, Josserand entende-a limitada, porque seu exercício há de estar
condicionado à observância dos interesses alheios. Exercendo-a contra
esses interesses, o titular estaria a praticar o abuso, porque seus atos
234 LEAL, Rogério Gesta. A função social da propriedade e da cidade no Brasi l: aspectos
jurídicos e políticos, p. 51. 235 MORAES, Alexandre. Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Co nstitucional , p.
266. 236 SILVA, Volney Zamenhof de Oliveira. Propriedade em Face da Ordem Constitucional
Brasileira . Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política, p. 122. 237 GRAU, Eros Roberto. Direito Urbano , p. 63.
62
excederiam os limites pelos quais o direito lhe foi reconhecido pela
coletividade. 238
O princípio da função social é um elemento do regime
jurídico da propriedade, é pois, princípio ordenador da propriedade privada,
logo, incide no conteúdo do direito de propriedade.
Leon Duguit239, criador da teoria da propriedade como
função social, nega ser a propriedade um direito subjetivo individual,
entendendo que se trata de uma função social a ser exercida pelo detentor
da riqueza.240
Tal hipótese, de propriedade - função, talvez fosse
ventilável sob um regime socialista ou comunista, no qual o princípio da
igualdade prevalece sobre o princípio da liberdade, e não se observa o
direito à propriedade privada.241
A teoria de Duguit pode ser vista como um marco na
evolução do Direito Civil, pois despertou o interesse dos juristas para a
transformação do direito de propriedade. Mas é passível de crítica quando
afirma que o direito de propriedade "é" uma função social. O direito de
propriedade é e dificilmente deixará de ser uma faculdade individual.
[...] o direito não se converte em função social, seja no todo, seja em parte, pelo fato de que esteja limitado ou condicionado ao interesse social. Essa suavização não modifica sua natureza nem a função do direito, que continua em todo o demais, ao serviço de seu titular exclusivamente. A extensão será menos ampla: isto é tudo.242
Nosso regime há de primar pelo equilíbrio evocado pelo
238 JOSSERAND, Louis. Derecho Civil . Trad. MANTEROLLA, S.C. Tomo I, Vol. 3, p. 105. 239 DUGUIT, Leon. Fundamentos do Direito , 1996. 240 MALUF, Carlos Alberto Dabus. Limitações ao direito de propriedade , p. 52. 241 ARONNE, Ricardo. Propriedade e Domínio : Reexame Sistemático das Noções Nucleares de
Direitos Reais, p. 186. 242 DABIN, Jean. El Derecho Subjetivo , p.273-274.
63
conteúdo social positivado no Estado Democrático de Direito moldado na
Constituição Brasileira. Liberdade e Igualdade concorrem, relativizando-se
tópica e axiologicamente, em prol do princípio da dignidade da pessoa
humana.243
A função social da propriedade não se confunde com os
sistemas de limitação da propriedade, estes dizem respeito ao exercício do
direito, aquela à estrutura do próprio direito.244
Para compreensão do conteúdo material do princípio da
função social, há de ser compreendido a sua origem no princípio da
igualdade. Mas não da igualdade formal, garantida pelo Estado Liberal, e
sim a igualdade material que comporta o Estado Social.
A igualdade formal é importante, mas haverá de sucumbir perante a igualdade material, sob pena de não restar respondido, por ela, quem haveriam de ser os iguais e os desiguais.[...] Nesse passo, o princípio da igualdade alcança o sentido de igualdade de oportunidades e condições reais de vida. Em tal ponto, o princípio da igualdade traduz princípio impositivo de uma política de justiça social. 245
O poder-dever do proprietário em cumprir a função
social da sua propriedade, poderia ser comparada ao dever-poder familiar,
mas no caso do poder familiar o elemento central é o dever, e no caso da
propriedade o elemento central é o poder, a obrigação é reflexo dele.246
É claro que tanto o dever alimentar quanto o dever de abstenção do não proprietário hão de ser lidos à luz da dignidade da pessoa humana, pelo esclarecimento recíproco das normas, bem como princípio da função social, relativizador da propriedade, se esclarece pelo princípio da cidadania, dando congruência e
243 ARONNE, Ricardo. Propriedade e Domínio : Reexame Sistemático das Noções Nucleares de
Direitos Reais, p. 187. 244 GOMES, Orlando. Direitos Reais , p. 254. 245 ARONNE, Ricardo. Propriedade e Domínio : Reexame Sistemático das Noções Nucleares de
Direitos Reais, p. 204. 246 MALUF, Carlos Alberto Dabus. Limitações ao Direito de Propriedade , p. 68.
64
unidade material ao ordenamento. 247
Seria uma mudança do paradigma individualista da
modernidade para um paradigma embasado na noção de funções que o
individuo deve desempenhar enquanto membro da sociedade.
Essa afetação dos bens de produção a uma finalidade
produtiva é a carga desta propriedade - função social, significando
subordinação dos interesses individuais aos interesses sociais, e não
supressão da propriedade dos bens de produção.248
A função social da propriedade representaria uma
obrigação do proprietário com relação aos demais membros da sociedade,
podendo ele ter o domínio do bem tem, também, a obrigação de não
realizar ato algum contrário ao bem da comunidade.
Na sociedade moderna, onde impera a consciência da solidariedade entre os entes sociais, a liberdade implica o dever de os indivíduos empregarem sua atividade e talento no desenvolvimento dessa interdependência. Isso também deve ocorrer no exercício da propriedade, que, embora consistindo uma expressão da liberdade do homem, impõe ao detentor da riqueza a obrigação de manter e aumentar a solidariedade no tecido social.249
O Estado garante o direito de propriedade que respeite
a sua função social, mas tem também a possibilidade de intervenção na
propriedade privada que desrespeite este princípio social.
Reconhecendo a função social da propriedade, a Constituição não nega o direito exclusivo do dono sobre a coisa, mas exige que o seu uso seja condicionado ao bem-estar geral. Não ficou, portanto, o constituinte longe da concepção tomista, segundo a qual o proprietário é um procurador da comunidade para a gestão de bens destinados a servir a todos, embora pertençam a um
247 ARONNE, Ricardo. Propriedade e Domínio : Reexame Sistemático das Noções Nucleares de
Direitos Reais, p. 178. 248 MALUF, Carlos Alberto Dabus. Limitações ao Direito de Propriedade , p. 60. 249 LOPES, Miguel Maria de Serpa. Curso de Direito Civil , p. 243.
65
só.250
Assim, a função social pode ser entendida como um
balizamento de Direito Público quanto à utilização, por parte do titular, de
imóveis urbanos ou rurais.
A função social da propriedade consiste em que a propriedade deve cumprir um destino economicamente útil, produtivo, de maneira a satisfazer as necessidades sociais preenchíveis pela espécie tipológica do bem, cumprindo sua vocação natural, de modo a canalizar as potencialidades residentes no bem em proveito da coletividade ou pelo menos, não poderá ser utilizada de modo a adversá-las.251
Com efeito, a função social compreende, na
propriedade urbana, o atendimento das exigências fundamentais de
ordenação da cidade no plano diretor (artigo 182, §2º da CRFB 88) e na
propriedade rural, o aproveitamento racional e adequado, preservação do
meio ambiente, observação das disposições que regulam as relações de
trabalho e exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos
trabalhadores (artigo 186 da CRFB 88).
No que se refere às questões relacionadas á Função
Social da Propriedade urbana, a maior parcela de responsabilidade recaiu
sobre os municípios.
Desenvolvimento urbano se constitui no processo de expansão de cada cidade. Ele é também processo, porém difere da urbanização no sentido de que esta é uma categoria global e o desenvolvimento urbano, uma subcategoria daquela. Ele diz respeito a cada cidade, enquanto que urbanização diz respeito a um processo de todas as cidades.252
Será através da Política de Desenvolvimento Urbano
que o Poder Público poderá concretizar a Função Social da Propriedade 250 MALUF, Carlos Alberto Dabus. Limitações ao Direito de Propriedade , p. 76. 251 MELO, Celso Antonio Bandeira de. Novos aspectos da função social da propriedade , in
Revista de Direito Público, p. 43. 252 SOUZA, Maria Adélia. Governo Urbano , p. 56.
66
Urbana. O instrumento utilizado para essa Política de Desenvolvimento
Urbano é o Plano Diretor.
O plano diretor ou plano diretor de desenvolvimento integrado, como modernamente se diz, é o complexo de normas legais e diretrizes técnicas para o desenvolvimento global e constante do Município, sob os aspectos físico, social, econômico e administrativo, desejado pela comunidade local. Deve ser a expressão das aspirações dos munícipes quanto ao progresso do território municipal no seu conjunto cidade-campo. É o instrumento técnico-legal definidor dos objetivos de cada Municipalidade, e por isso mesmo com supremacia sobre os outros, para orientar toda a atividade da Administração e dos administradores nas realizações públicas e particulares que interessem ou afetem a coletividade.253
A norma atinente à matéria urbanística, que dispõe sobre as
diretrizes de política urbana a serem seguidas pelos municípios na elaboração do
Plano Diretor, é o Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257 de 10 de julho de 2001).
O objeto do Estatuto da Cidade é a ordenação da
propriedade imobiliária urbana, por meio da sua conformação a uma função social
que garanta o pleno exercício do direito à cidade por todos os seus habitantes.254
Acerca da função social da propriedade rural, tem-se
que a utilização adequada dos recursos naturais disponíveis é quando se
faz a exploração respeitando a vocação natural da terra, de modo a manter
o potencial produtivo da propriedade.255
Quanto à preservação do meio ambiente, entende-se a
manutenção das características próprias do meio natural e da qualidade
dos recursos ambientais, na medida adequada à manutenção do equilíbrio
ecológico da propriedade e da saúde e qualidade de vida das comunidades
253 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro , p. 383. 254 MATTOS, Liana Portilho. A Efetividade da Função Social da Propriedade Urban a à Luz do Estatuto da Cidade . Rio de Janeiro: Temas e Idéias, 2002. Disponível em: <http://www.temas.com.br/liana%20no%20prelo.html>. Acesso em: 28 ago 2006. 255 LEI 8.629 de 1993. Art 9º, § 2º.
67
vizinhas.256
Por fim, pode-se afirmar que a propriedade assume,
nesse contexto, uma importância fundamental, pois a dependência
intersubjetiva moderna, impõe restrições ao uso das coisas como forma de
atender às necessidades coletivas.
2.3 LIMITES E FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE INTELECT UAL
Com o passar dos tempos, a propriedade se transforma
em propriedades e cada qual recebe disciplina jurídica autônoma, com
convergência na afetação que todas tem pela função social.
Toda e qualquer propriedade portanto, deixa de vincular-se exclusivamente aos interesses de seu titular para cumprir sua função social. A expressão de valor da propriedade, diretamente ligada à terra, em detrimento da propriedade móvel, vista até como vil, sofre nos dias atuais sensível modificação. Os valores alcançáveis pela propriedade móvel podem ser extremamente significativos, como nos casos das ações de uma sociedade anônima ou de bens incorpóreos como as marcas e patentes.257
Não só a propriedade imóvel, mas também a
propriedade intelectual deve cumprir sua função social, diminuindo
desigualdades. E a função social da propriedade intelectual seriam os
limites impostos a essa propriedade em prol de interesses coletivos maiores
como a saúde, a cultura e o meio ambiente.258
[...] todo bem, móvel ou imóvel, deve ter uma função social. Vale dizer, deve ser usado pelo proprietário, direta ou indiretamente, de modo a gerar utilidades. Se o dono abandona esse bem; se descuida no tocante à sua utilização, deixando-o sem uma
256 LEI 8.629 de 1993. Art 9º, § 3º. 257 CARVALHO, Bruno Vaz de. CARVALHO, Bruno Vaz de. Declínio do individualismo e propriedade. Orientadora: Edila Vianna da Silva. www.emerj.rj.gov.br. 258 PILATI, Isaac. Propriedade intelectual e globalização . Disponível em: <http: www.revistanexus.com.br. Acesso em 10 jan 2006.
68
destinação e se comportando desinteressadamente como se não fosse proprietário, pode, com tal procedimento, proporcionar a outrem a oportunidade de se apossar da aludida coisa.259
O conteúdo essencialmente industrial (patentes,
marcas, etc.), é submetido explicitamente, pela CRFB, à condições
especialíssimas de funcionalidade, compatíveis com sua importância
econômica, estratégica e social, o que não se verifica nos direitos autorais.
Artigo 5°, XXIX - a lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio temporário para sua utilização, bem como proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País; (grifos nossos)
O preceito constitucional determina a finalidade do
mecanismo jurídico de proteção aos direitos intelectuais a ser criado, ou
seja, tal lei só será constitucional na medida que vise ao interesse social do
País e favoreça o desenvolvimento tecnológico e econômico do País.260
Portanto, a proteção estatal ao desenvolvimento de
novas tecnologias se justifica na medida em que favoreça toda a sociedade,
mas isso só ocorrerá se todos tiverem acesso a elas; a questão é como
fazer isto, sem violar a propriedade intelectual.
Certo é que, ao se considerar propriedade os direitos
patrimoniais do autor, o direito autoral também está sujeito às limitações
constitucionalmente impostas aquele instituto pela Constituição em seu
artigo 5°, XXIII, ou seja, os direitos patrimoniais do autor devem atender à
função social da propriedade.
Desta maneira, as coisas incorpóreas apropriadas
mediante o direito intelectual devem gerar as utilidades que delas se
259 MORAES SALLES, José Carlos. Usucapição de bens imóveis e móveis , p 554. 260 BARBOSA, Denis Borges. Uma Introdução à Propriedade Intelectual , p. 118.
69
esperam, ou contribuir para o maior numero de pessoas possível, sob pena
de serem transferidas a outro possuidor.
Nesse sentido, o acúmulo de poder econômico tornar-
se-ia nocivo ao público em geral e o Estado se moveria para contrapor-se,
com a soberania, aos anseios do “imperium” privado na área econômica.261
De um lado, é preciso assegurar ao autor a exploração
econômica de sua criação de forma a incentivar o desenvolvimento de
novas tecnologias; de outro vértice porém, é necessário avaliar sobre os
limites da propriedade sobre as novas criações, de forma a não
prejudicarem toda a sociedade.
Assim, na obra intelectual resguardam-se mais os
interesses do autor, com os reflexos econômicos e sociais daí decorrentes,
enquanto que na obra industrial o objetivo último é o aproveitamento, pela
coletividade, da utilidade resultante – através de sua multiplicação ou de
sua inserção no processo produtivo – ou o impedimento da prática da
concorrência desleal.262
Poder-se-ia asseverar que o alcance da proteção
autoral no domínio das ciências é vinculado à forma, enquanto o seu
conteúdo seria livre, posto que as idéias que a integrariam pertencem ao
patrimônio comum da humanidade. Destarte, dessa forma o plágio não
poderia ser considerado crime contra propriedade intelectual.
Percebe-se que a ideologia agregada a idéia de
propriedade intelectual, que diz respeito a um direito pessoal, haja vista ser
afeto à sua própria capacidade pensante, reflexo de sua própria natureza, é
extremamente individualista - capitalista. Sendo as ciências e a criação
humana fruto do intelecto deveriam servir a toda coletividade, pois a
261 BARBOSA, Denis Borges. Uma Introdução à Propriedade Intelectual , p. 82. 262 BITTAR, Carlos Alberto. Direito de Autor , p. 5.
70
invenção sem disseminação do conhecimento não gera os resultados a que
foi destinado, e a disseminação em troca de valor pecuniário acaba
prejudicando os menos favorecidos.
A criação legal de uma propriedade sobre os bens
intelectuais não afeta apenas os valores da liberdade de concorrência;
também restringe o livre fluxo de informação – o poder de expressar-se e o
de receber conhecimento.263
Demonstra-se, assim, a preocupação de se fazer
cumprir a função social da propriedade intelectual como espécie do gênero
propriedade.
Dessa forma, é que a liberdade de criação começa a
ser discutida pela sociedade, face a preceitos éticos sobre os verdadeiros
efeitos que novas tecnologias podem causar ao ser humano, em como a
impossibilidade de uso dessas tecnologias para o bem estar da sociedade
para garantir um direito individual do criador.
Na verdade, estamos diante de uma opção que deverá
ser feita pela sociedade como um todo. A questão é se queremos nos
permitir fazer o uso liberal ou o uso restrito da informação e do
conhecimento. Provavelmente, prevalecerá alguma alternativa intermediária
que leve em conta, além do interesse individual, os valores éticos que
devem limitá-lo.
A proteção dos direitos intelectuais gera uma tensão
entre os interesses público e privado.
263 BARBOSA, Denis Borges. Uma Introdução à Propriedade Intelectual , p. 99.
71
2.4 A DICOTOMIA PÚBLICO/PRIVADO
É antiga a distinção entre Direito Público e Privado,
resultante do Direito Romano que utilizava método antitético para definir
institutos ou termos, e tais concepções sempre percorreram caminhos
divergentes. Porém a noção de dicotomia entre os termos é recente, surge
com o constitucionalismo moderno.
O que importa fixar é que a partir de então, ingressaram as expressões direito público e direito privado na história do pensamento político e social do mundo ocidental, e sua utilização, ao longo dos tempos, sem substanciais modificações, acabou por superar o campo da mera distinção para tornar-se uma daquelas “grandes dicotomias” que servem para delimitar e ordenar o próprio campo de investigação no âmbito de uma ciência.264
A dicotomia decorre da existência de uma Carta
Constitucional, encarregada de estabelecer limites aos poderes do Estado
perante o cidadão (direito público), e o que não prestasse a normatizar tais
limitações era direito privado.265
A distinção entre direito público e direito privado se apóia numa idéia que parece evidente aos olhos dos juristas da família romano-germânica: as relações entre governantes e governados geram problemas específicos, de natureza absolutamente diversa daqueles oriundos das relações de pessoas privadas entre si, quando mais não seja porque o interesse geral e os interesses particulares não podem ser pesados na mesma balança.266
Nas palavras de Bobbio dicotomia é quando nos
encontramos diante de uma distinção da qual se pode dividir um universo
264 SILVEIRA, Michele Costa da. As Grandes Metáforas da Bipolaridade in Reconstrução do
direito Privado, p. 22-23. 265 FRANZONI, Denise Paulus de Campos. Público e Privado: Divisão, Dicotomia e realidade in
Teoria Jurídica das Relações Interpessoais, p. 90. 266 DAVID, René. Os Grandes Sistemas do Direito Contemporâneo , p. 67.
72
em duas esferas conjuntamente exaustivas e reciprocamente exclusivas.267
Então, podemos afirmar a existência da dicotomia
Público/Privado, pois a esfera de um acaba quando começa a de outro,
sem deixar espaço para uma terceira esfera.
A repercussão histórica dessa divisão foi tamanha que
Gustav Radbruch, apesar de reconhecer que nem todos os sistemas
jurídicos apresentam conteúdo de classe privada e classe pública, e que
não há uma fronteira uniforme entre os termos, acredita que a idéia de
Direito necessita da compreensão do Direito Público e do Direito Privado,
por serem conceitos jurídicos a priori.268
Na antiguidade, cada termo da dicotomia
público/privado tinha seu espaço bem definido. Os assuntos políticos e
jurídicos referentes ao interesse de toda população nacional eram
discutidos publicamente enquanto os assuntos privados eram
exclusivamente tratados na casa dos indivíduos. Conforme conhecida
passagem do Digesto (533 d.C), publicum jus est quod ad statum rei
romanae spectat, privatum, quod ad singolorum utilitatem.
Aos tempos de Ulpiano, face à situação jurídica do próprio Estado, diversa da atualidade e superior a dos indivíduos, não havia como confundir, então, os dois domínios. [...] Porém, em momentos posteriores, tal divisão tornou-se questionável e os critérios oferecidos como justificativa não se mostraram suficientemente eficientes para embasá-la. 269
Direito Público é aquele que diz respeito ao Estado ou
coisa romana, e o princípio fundante é a subordinação. Resultando na regra
constante no Digesto, jus publicum privatorum pactis mutari non potest (não
267 BOBBIO, Norberto. Estado, Governo, Sociedade : por uma teoria geral da política, p.13. 268 RADBRUCH, Gustav. Filosofia do Direito , p. 182. 269 FRANZONI, Denise Paulus de Campos. Público e Privado : Divisão, Dicotomia e realidade in
Teoria Jurídica das Relações Interpessoais, p. 85.
73
pode o direito público ser alterado pelas convenções particulares)270. Direito
Privado, são relações que se fundam no princípio da autonomia da vontade,
liberdade do indivíduo e não ingerência do Estado, tais como a família e a
propriedade.
No Direito Romano o direito público é aquele que se
refere aos interesses do Estado, e o direito privado como sendo o referente
aos interesses particulares; relações de direito público seriam, então,
aquelas em que o Estado intervém, e as de direito privado, aquelas
travadas entre particulares.271
Porém, a divisão baseada no critério do “interesse”
acabou por ser criticada, em função do interesse do Estado abranger
também os interesses dos indivíduos, há uma impossibilidade de se
determinar qual o interesse protegido.272
No entender de Lima a dificuldade desta distinção entre
Público e Privado reside na determinação do que pode e deve ter-se como
respeitante à essência do Estado. [...] Nem tudo que respeita à essência do
Estado, respeita à pessoa do Estado, pois nem todos os atos do Estado,
como pessoa, são, na verdade, essencialmente estatais.273
Como a determinação do que é essência do Estado vai
depender do momento histórico-social vivido, não há como se falar em
categorias estanques e autoexcludentes.
Em complementação à teoria romana, Reale determina
outros elementos que são passíveis de distinção na relação publico/privado.
[...] quanto ao conteúdo, quando é visado imediatamente e
270 LIMA, Ruy Cirne. Direito Público e Direito Privado . Revista Jurídica, n.1, p.7. 271 WALD, Arnold. Novas Dimensões do Direito de Propriedade , v.665, p.03. 272 FRANZONI, Denise Paulus de Campos. Público e Privado: Divisão, Dicotomia e realidade in
Teoria Jurídica das Relações Interpessoais, p. 86. 273 LIMA, Ruy Cirne. Direito Público e Direito Privado . Revista Jurídica, n.1, p.8.
74
prevalentemente ao interesse geral, o direito é público, ao passo que, quando é imediato e prevalece o interesse particular, entra-se na esfera do direito privado. Já quanto ao elemento formal, se a relação jurídica for de coordenação, entre partes iguais (no mesmo patamar jurídico) trata-se de direito privado, se for relação de subordinação, na qual o Estado encontra-se em posição hierarquicamente superior, tem-se uma relação de direito público. 274
Quando o Estado se despe de sua soberania política e,
em condições de igualdade, trata com os indivíduos, a matéria é de
competência do direito privado.275
Visão corroborada pelo pensamento de Bobbio, o direito
privado regula as relações entre sociedades iguais, diante de contrato, e
resulta numa justiça comutativa, já o direito público regula as relações entre
sociedades desiguais, mediante lei e resulta numa justiça distributiva.276
Faria enfatiza que a corrente que trata do direito público
com desigualdade nas relações e com o primado da justiça distributiva, e
do direito privado com partes iguais e subordinadas ao princípio da justiça
comutativa, seria imprópria, tendo em vista excluir alguns ramos do direito,
por exemplo, o direito internacional que é entre iguais mas trata-se de
direito público.277
Na lição de Venosa, melhor será considerar como
direito público o direito que tem por finalidade regular as relações do
Estado, dos estados entre si, do Estado com relação a seus súditos,
quando procede com seu poder de soberania, isto é, poder de império.
Direito privado é o que regula as relações entre particulares naquilo que de
274 REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito , 2003. 275 LIMA, Hermes. Introdução à Ciência do Direito , p. 100-101. 276 BOBBIO, Norberto. Estado, Governo, Sociedade : por uma teoria geral da política., p.15-20. 277 FARIA, Anacleto de Oliveira. Instituições de Direito , p.22.
75
seu peculiar interesse.278
Na busca de um critério formal de distinção, surgiram
várias construções, como aquela que identifica o direito público à
obrigatoriedade (limitadora do arbítrio individual) e o direito privado à
liberdade, proporciona ao sujeito um espaço de licitude.279
A Idade Média representou um retrocesso ao que as
Civilizações da Antiguidade haviam conquistado, os conceitos
estabelecidos padeceram frente às obscuridades do feudalismo. Com a
descentralização do poder político houve prevalência do interesse pessoal
do senhor feudal em detrimento do interesse coletivo, descaracterizando o
público e tornando inútil a distinção entre público e privado.
Durante a Idade Média, a perspectiva dicotômica seria impossível, verificada a ausência de um poder político centralizado, com características estatais. [...] Assim, a idéia de um ente público perdeu contato com a realidade da época – e só retornaria após o chamado renascimento comercial -, dissolvendo-se, por decorrência, a antiga divisão estabelecida pelo direito romano.280
Contudo, no Início da Modernidade, com as relações
humanas bem definidas e a necessidade de fortalecer o papel do Estado,
ressurge a necessidade de separação e entendimento distinto entre o
público e o privado.
No trânsito à Modernidade, a sociedade concebe o
Direito Público como aquele que organiza o Estado e defende os Direitos
Privados, como a propriedade, a segurança e a liberdade.281
278 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil , p. 90. 279 SILVEIRA, Michele Costa da. As Grandes Metáforas da Bipolaridade in Reconstrução do
direito Privado, p. 23. 280 LUDWIG, Marcos de Campos. Direito Público e Direito Privado: A Superação da D icotomia
in Reconstrução do direito Privado, p. 95. 281 MARTÍNEZ, Gregório Peces-Barba. Tránsito a la modernidade y Derechos Fundamentales.
In História de los Derechos Fundamentales, tomo I: Tránsito a la Modernidad Siglos XVI y XVII, p. 244.
76
O jusnaturalismo impulsionou a distinção entre Direito
Público e Direito Privado, colocando este último em situação de
superioridade.
A dialética Direito Público/Direito Privado será um
reflexo da dialética geral do mundo moderno entre indivíduo, por um lado e
poder político ou estado por outro.282
Foi devido aos movimentos oitocentistas de codificação
e constitucionalismo – bem como à laboriosa tarefa de sistematização da
ciência jurídica que se fez necessária – que se originou, na qualidade de
verdadeiro axioma, a concepção dicotômica da relação entre direito público
e direito privado.283
Hoje, na visão de Bobbio, o Direito Público é
considerado o termo forte, ao passo que o Direito Privado é definido,
mediante exclusão, como aquilo que não é público. E esta diferenciação
surge para deixar sobressair a tese da supremacia da esfera do público
sobre o privado, fortalecendo o Estado.284
Dessa forma a divisão em Direito Público e Direito
Privado não mais significa exclusividade, mas predominância e
coexistência. Porém, para compreender o fenômeno de complementaridade
das duas esferas deve-se ter em mente os limites de cada uma, ou seja,
deve-se aceitar a dicotomia conceitual para se reconhecer a invasão,
interferência ou algo semelhante entre os termos.
O surgimento das liberdades individuais positivas frente
ao Estado, proporcionou uma publicização do privado, e uma relativização
282 MARTÍNEZ, Gregório Peces-Barba. Tránsito a la modernidade y Derechos Fundamentales.
In História de los Derechos Fundamentales, tomo I: Tránsito a la Modernidad Siglos XVI y XVII, p. 246-247.
283 LUDWIG, Marcos de Campos. Direito Público e Direito Privado: A Superação da D icotomia in Reconstrução do direito Privado, p. 96.
284 BOBBIO, Norberto. Estado, Governo, Sociedade : por uma teoria geral da política, p.15-20.
77
ou superação da dicotomia Público/Privado, pois não há como escapar da
Constituição.285
O nascimento do Estado Social, que contempla as
liberdades positivas, ocorreu fundamentalmente por razões de ordem
econômica, tornando cada vez mais complexa a definição de essência do
Estado, e a perspectiva dicotômica esculpida nos moldes liberais do século
XIX, já começava a mostrar-se ineficiente – ou, pelo menos, insuficiente.286
Verifica-se que não se poder definir apenas um critério
para distinguir os termos público e privado, as barreiras que dividiam a
dicotomia clássica caem e surgem espaços de entrelaçamento e interação,
os termos não se afastam, mas coexistem para regular todas as relações
jurídicas de maneira a preservar a dignidade da pessoa humana.
A dicotomia tradicional está superada, pois é
insuficiente para retratar a realidade complexa da sociedade
contemporânea.
A noção contemporânea de ordem pública é
amplíssima, permeia todo o ordenamento jurídico restringindo-o ou
controlando-o, introduzindo-se num campo que pertence às relações
privadas.287
Atualmente não é razoável conceber a idéia de
antagonismo entre Direito Público e Direito Privado, mas a classificação
ainda se justifica, pois o Direito é uma ciência e precisa ser estudado em
suas várias manifestações.
Para Nader, a distinção entre o Direito Público e o 285 FRANZONI, Denise Paulus de Campos. Público e Privado: Divisão, Dicotomia e realidade in
Teoria Jurídica das Relações Interpessoais, p. 91-92. 286 LUDWIG, Marcos de Campos. Direito Público e Direito Privado: A Superação da D icotomia
in Reconstrução do direito Privado, p. 98. 287 LUDWIG, Marcos de Campos. Direito Público e Direito Privado: A Superação da D icotomia
in Reconstrução do direito Privado, p. 100.
78
Direito Privado é útil no plano didático e benéfica do ponto de vista prático,
pois favorece a pesquisa, o aperfeiçoamento e a sistematização de
princípios de um gênero e outro.288
Se, com o intuito de conferir coerência aos conceitos, optarmos por tomar os dois termos em seus significados admissíveis, isto é, direito público como o direito que se refere ao status das autoridades públicas e direito privado como o direito que pode ser assegurado por processos civis entre pessoas particulares, enfrentaremos, então, a dificuldade de que os termos privado e público sugerem uma divisão exaustiva que inexiste. Se conservarmos a terminologia - e é difícil não fazê-lo - temos que frisar que os dois termos não implicam uma divisão fundamental em duas partes da totalidade do material direito.289
Bobbio destaca que ocorrem simultaneamente dois
processos paralelos: a privatização do público e a publicização do privado,
que estão sempre em confluência.290 Toda vez que se tratar da primazia do
público sobre o privado, fala-se em publicização do privado, quando
valorizada a supremacia do privado sobre o público, estaríamos diante da
privatização do público.
Diante da realidade social contemporânea, é
necessário, para proteger uns e desarmar outros, chamar o Estado para
intervir nas relações privadas entre os homens, o direito privado cede
espaço às regras de direito público.
2.5 A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO PRIVADO
A era das codificações, assinalou uma forma de
limitação ao poder estatal e conferiu ao indivíduo grande raio de liberdade,
288 NADER, Paulo. Indrodução ao Estudo do Direito , p. 119. 289 ROSS, Alf. Direito e Justiça , p. 245. 290 BOBBIO, Norberto. Estado, Governo, Sociedade : por uma teoria geral da política, p.20.
79
e decorrência disso é a noção do código como centro do sistema privado.
Mas tal abordagem começa ruir no Século XIX, quando se inicia o
fenômeno da constitucionalização e conseqüentemente a possibilidade de
ingerência do Estado nas relações privadas.
Com a migração das bases axiológicas do Direito para a
pessoa humana, sucumbe o sistema jurídico do Estado Liberal, para a
conseqüente construção de um novo, cujos valores correspondessem aos
que emergiam da sociedade.291
Através da constatação de que a igualdade dos homens
não existe, inicia-se uma releitura do conceito de liberdade292 pelo Estado
Social, se existir liberdade nas relações entre os homens desiguais isso
gerará injustiças, é razoável portanto a intervenção Estatal para equilibrar a
relação, e a forma de intervenção é o Direito.
Com efeito, as liberdades positivas iniciam o que se
costuma denominar processo de “publicização do privado”. Este tem como
marca a intervenção do Estado, dos poderes públicos na regulação da
atividade econômica, onde o interesse geral, político, deve se sobrepor ao
interesse privado, econômico.293
Trata-se de uma transição do Estado, desde sua
concepção até seus objetivos, nessa migração para o Estado Social,
promocional, retirado de um estado de inércia em frente das relações
interprivadas, para passar a intervir nas mesmas.294
[...] o velho liberalismo, na estreiteza de sua formulação habitual,
291 ARONNE, Ricardo. Propriedade e Domínio: Reexame Sistemático das Noções Nucleares de
Direitos Reais, p. 42. 292 Sobre o assunto ver: MILL, John Stuart. Sobre a Liberdade . Petrópolis: Vozes, 1991. e MILL,
John Stuart. Da Liberdade . São Paulo: Ibrasa, 1963. 293 FRANZONI, Denise Paulus de Campos. Público e Privado: Divisão, Dicotomia e realidade in
Teoria Jurídica das Relações Interpessoais, p. 91. 294 ARONNE, Ricardo. Propriedade e Domínio: Reexame Sistemático das Noções Nucleares de
Direitos Reais, p. 37.
80
não pôde resolver o problema essencial de ordem econômica das vastas camadas proletárias da sociedade, e por isso entrou irremediavelmente em crise. A liberdade política como liberdade restrita era inoperante. Não dava nenhuma solução às contradições sociais, mormente daqueles que se achavam à margem da vida, despossados de quase todos os bens.295
O sistema social do mundo moderno, principalmente no
período do pós-guerra, operou uma completa guinada na concepção de
propriedade, visando desatrelar do liberalismo individualista que o orientava
desde o nascimento do Estado Liberal burguês, decorrente da Revolução
Francesa.296
A partir da disposição do Direito de Propriedade
condicionado a função social, esta passou a integrar o conteúdo daquele
direito. Este novo conceito é constituído através da crescente
desprivatização ou publicização da propriedade.
Os pilares do Direito positivado no seio do Estado
Liberal (contrato e propriedade) passam a ser desfocados para a pessoa
humana, em todo o seu contexto social, havendo uma ‘repersonalização’ ou
‘transpersonalização’ do Direito.297
Desse contexto, decorre a previsão constitucional de
relações antes reguladas apenas pelo Direito Civil, os interesses individuais
são também disciplinados pelas normas públicas. Os institutos continuam
sendo de Direito Privado mas impregnados de caráter público, tornando os
portadores de uma função social. Nascendo o que se convencionou chamar
de direitos de segunda geração298, os direitos sociais.
295 BONAVIDES, Paulo. Do Estado Liberal ao Estado Social , p. 188. 296 ARONNE, Ricardo. Propriedade e Domínio: Reexame Sistemático das Noções Nucleares de
Direitos Reais, p. 37. 297 ARONNE, Ricardo. Propriedade e Domínio: Reexame Sistemático das Noções Nucleares de
Direitos Reais, p. 40. 298 BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos . Tradução de Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro:
Campus, 1992.
81
Assim, os direitos sociais, como designação genérica, entreabrem novo horizonte na universidade de conceitos, definições, mandamentos e de leis político-jurídicas, de ordem pública e de ordem privada, cujo desiderativo não é outro que a satisfação imediata das necessidades sociais, tendo em vista o bem comum, através do equilíbrio entre ambos os elementos: o individual e o social, enquanto aquele não contraria este.299
Essa nova técnica de interpretação do sistema jurídico,
permite uma melhor visão, pois não substitui o Código pela Constituição,
mas conserva o papel disciplinador da essência das relações jurídicas
privadas que tem o Código mas permite uma relação interdisciplinar com o
texto constitucional, fundamento material do direito privado.
A releitura de estatutos fundamentais do Direito Privado,
nessa perspectiva, é útil e necessária para compreender a crise e a
superação do sistema clássico que se projetou para instituições e funções
da vida privada, especialmente para a propriedade.300
Entende-se que a atual organização política e jurídica
caminha para esta tarefa básica de harmonização dos interesses públicos e
privados.
[...] harmonização dos interesses de seus membros, individualmente considerados, com aqueles interesses de toda a comunidade, ou de parte dela, donde se ter a possibilidade de individualizar três ordens distintas desses interesses: interesses individuais, interesses coletivos (ou ‘supra-individuais’, onde se incluem os chamados ‘interesses difusos’) e interesses gerais ou públicos. Note-se que apenas a harmonização das três ordens de interesse possibilita o melhor atendimento dos interesses situados em cada uma, já que o excessivo favorecimento dos interesses situados em alguma delas, em detrimento daquelas situados nas demais, termina, no fundo, sendo em desserviço para a consagração desses mesmos interesses, que se pretendia
299 MOREIRA, Aroldo. A propriedade sob diferentes conceitos , p.95. 300 ARONNE, Ricardo. Propriedade e Domínio: Reexame Sistemático das Noções Nucleares de
Direitos Reais, p. 46.
82
satisfazer mais que aos outros.301
Não se vislumbra uma crise no Direito Civil, em
nenhuma de suas searas, e sim uma crise na dogmática civilística, fundada
na pandectista, que, estupefata, assiste a necessidade da evolução deste
ramo do Direito, para acompanhar o desenvolvimento da sociedade na qual
se insere.302
Enquanto o Código dá prevalência e precedência às
situações patrimoniais, no novo sistema de Direito Civil fundado na
Constituição a prevalência é de ser atribuída às situações existenciais, ou
não patrimoniais, porque à pessoa deve o ordenamento jurídico inteiro, e o
ordenamento jurídico particular, dar a garantia e a tutela prioritárias. 303
Nesse sentido se reafirma a instrumentalidade do
próprio Direito, pois seu fim lhe é externo e existindo para a sociedade, não
tem um fim em si mesmo, não podendo, portanto, ter a pretensão de querer
que a sociedade caiba dentro de um Código, ou mesmo que este caiba
dentro de conceitos estanques, predefinidos.304
O Direito deve ter seus conceitos e institutos moldados
pela realidade social, sob pena de não atender a sua finalidade que é a paz
e a garantia da dignidade da pessoa humana.
Os conceitos produzidos pela pandectista, abstrações
lógicas, precediam aos fatos, o que gera uma abstração da realidade social
para conformar o sistema jurídico. 305
Porém, o Direito perfaz um sistema, sendo instrumental
301 GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo Constitucional e Direitos Fundamentais , p. 64. 302 ARONNE, Ricardo. Propriedade e Domínio: Reexame Sistemático das Noções Nucleares de
Direitos Reais, p. 47. 303 MORAES, Maria Celina Bodin de. Uma Década de Constituição 1988 - 1998 , p. 115. 304 ARONNE, Ricardo. Propriedade e Domínio: Reexame Sistemático das Noções Nucleares de
Direitos Reais, p. 45. 305 ARONNE, Ricardo. Propriedade e Domínio: Reexame Sistemático das Noções Nucleares de
Direitos Reais, p. 49.
83
em razão de sua interdependência positiva, axiológica e teleológica, e tal
interdependência se viabiliza pela abertura do mesmo. Através de seus
outputs, o Direito não só assegura integração social, como também, no seu
aspecto de controle é instrumento modificador da sociedade a qual tem por
objeto.306
Logo, tendo em vista que o Direito pressupõe um Poder
Político, necessário se faz, para uma análise completa do Direito, o estudo
sobre o Estado.
2.6 CONCEITO CONTEMPORÂNEO DE ESTADO
Antes de apresentar o conceito de Estado na
contemporaneidade é necessário o entendimento do uso da expressão na
evolução da história. Percebe-se que em muitas ocasiões o uso do termo
Estado denota qualquer forma de organização política.
A Cidade-Estado, característica da Antiguidade, era
uma forma de organização baseada em fatores comuns, de caráter
pessoal, normalmente religião, língua ou vínculo familiar. A comunidade,
assim definida, bastava-se em si própria e rejeitava os “estranhos” ou
“estrangeiros”.307
Os gregos designavam por polis a sua cidade-estado,
termo equivalente a civitas dos romanos. 308
Quanto às características do Estado Antigo, no qual se insere o Estado Romano, era um modelo social baseado na separação das classes no sistema de castas, governos marcados pela autocracia
306 NORONHA, Fernando. O Direito dos Contratos e seus Princípios Fundament ais , p. 22-24. 307 CRUZ, Paulo Márcio. Fundamentos do Direito Constitucional , p. 40-41. 308 NADER, Paulo. Indrodução ao Estudo do Direito , p. 152.
84
ou por monarquias despóticas com caráter autoritário e teocrático do poder político, sistema econômico baseado na escravidão, ampla extensão territorial, distinção de um poder público (Estado) e um poder privado (pater familias).309
Na Idade Média, os indivíduos deviam obediência a
diversas autoridades, segundo sua situação social, religiosa ou ocupacional
e, ainda, por laços de dependência ou lealdade pessoal. Desta forma, junto
a uma autoridade teoricamente geral – o Rei – se configuravam autoridades
paralelas, muitas vezes mais poderosas, como a da Igreja ou da nobreza.310
A existência de um Estado feudal representaria uma
multiplicidade de centros internos de poder político, um sistema jurídico
múltiplo e consuetudinário, hierarquia de privilégios e produção baseada na
posse da terra.311
Estas concepções (pré-modernas) [...] não respondem
ao significado técnico do termo (Estado) [...] a forma de organização política
da Sociedade humana, que corresponde ao Estado, surge num momento
histórico específico, entre os séculos XVI e XVII, e que se diferencia
claramente das formas anteriores de organização política [...]312
O Estado foi uma categoria nuclear da semântica
política de modernidade, que se difundiu através da obra O príncipe de
Maquiavel “Todos os Estados, todos os domínios que têm havido e que há
sobre os homens foram e são repúblicas ou principados.”313
Para Peces-Barba, o Estado é uma concepção histórica
que aparece através da unificação das instituições anteriores ao mundo
moderno, que adquirem uma nova significação e características como
soberania, racionalidade da administração, exército permanente e
309 WOLKMER, Antonio Carlos. Elementos para uma crítica do Estado , p.23-24. 310 CRUZ, Paulo Márcio. Fundamentos do Direito Constitucional , p. 41. 311 WOLKMER, Antonio Carlos. Elementos para uma crítica do Estado , p.24. 312 CRUZ, Paulo Márcio. Fundamentos do Direito Constitucional , p. 39-40. 313 MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe , Os Pensadores, v.IX, p.11.
85
neutralidade religiosa.314
O termo “Estado” deveria ser usado com cautela para as organizações políticas antigas e medievais, pois a constatação de existência de Estado antes da modernidade depende da escolha de definição feita ao Estado. Quem considera como elemento constitutivo do Estado certo aparato administrativo e o cumprimento de certas funções que apenas o Estado Moderno desempenhou, sustenta não existir Estado anteriormente. Já quem considera as analogias entre o Estado moderno e os ordenamentos políticos precedentes defende a continuidade do instituto político. 315
O Estado Moderno apresenta dois momentos: o Estado
Absolutista (soberano, monárquico e secularizado) e o Estado Liberal
(capitalista, constitucional e representativo).316
O Estado Liberal é formado sobre base individualista,
ou seja o indivíduo vem antes do Estado, o Estado é feito pelo indivíduo.
É intrínseco ao Estado Liberal a supremacia do
individual sobre o social, como berço onde surgiu o liberalismo em seu
legítimo objetivo de derrocada do absolutismo monárquico.317
[...] passou-se da prioridade dos deveres dos súditos à prioridade dos direitos do cidadão, emergindo um modo diferente de encarar a relação política, não mais predominantemente do ângulo do soberano, e sim daquele do cidadão, em correspondência com a afirmação da teoria individualista da sociedade em contraposição à concepção organicista tradicional. 318
O indivíduo era concebido como um átomo isolado, sem
qualquer traço de interdependência social sendo, portanto, causa e fim do
314 MARTÍNEZ, Gregório Peces-Barba. Tránsito a la modernidade y Derechos Fundamentales.
In História de los Derechos Fundamentales, tomo I: Tránsito a la Modernidad Siglos XVI y XVII, p. 40.
315 BOBBIO, Norberto. Estado, Governo, Sociedade : por uma teoria geral da política, p.68-69. 316 WOLKMER, Antonio Carlos. Elementos para uma crítica do Estado , p.24-25. 317 ARONNE, Ricardo. Propriedade e Domínio: Reexame Sistemático das Noções Nucleares de
Direitos Reais, p. 37. 318 BOBBIO, Norberto. A era dos Direitos , p.03.
86
Direito, cujo objetivo substancial seria o de assegurar a liberdade
descomedida e mais absoluta possível.319
Desde o século passado que o conceito de Estado é
relacionado aos seus elementos constitutivos, território, povo e soberania.
O Estado que se consolida no século XVII, e que em
alguns aspectos responde pelo conceito atual, aparece quando a
comunidade política se define, fundamentalmente, em função da sujeição
comum a um poder político, que exerce sua autoridade em um determinado
âmbito e sobre todos aqueles que se situem nele, fosse qual fosse sua
condição pessoal. 320
Na lição de Nader, Estado é um complexo político,
social e jurídico, que envolve a administração de uma sociedade
estabelecida em caráter permanente em um território e dotado de poder
autônomo.321
[...] a estadualidade, como forma soberana de domínio, interna e externa, territorialmente organizada, secularizadamente justificada, burocraticamente administrada, centralmente estruturada, plurisubjectivamente constituída, normativamente disciplinada e regularmente financiada por impostos, é considerada como um momento decisivo do processo de desenvolvimento político.322
O grande avanço do Estado Moderno foi o de
estabelecer um ordenamento constitucional, no qual os Direitos Individuais
estavam devidamente especificados e consagrados como “anteparos” aos
abusos do Estado anterior, no qual reinava o absolutismo e predominava a
vontade e os apetites do soberano, personificado no Rei ou no Imperador,
319 ARONNE, Ricardo. Propriedade e Domínio: Reexame Sistemático das Noções Nucleares de
Direitos Reais, p. 38. 320 CRUZ, Paulo Márcio. Fundamentos do Direito Constitucional , p. 41-42. 321 NADER, Paulo. Indrodução ao Estudo do Direito , p. 153. 322 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional , p. 39.
87
em detrimento dos legítimos anseios e necessidades do Povo.323
Outra conquista da era moderna foi a tripartição de
funções do Estado, que descentralizava o poder do Estado em três poderes
distintos e harmônicos entre si, conforme pretendia Montesquieu324: o
Legislativo, o Executivo e o Judiciário.
Todos os fatores que explicam o mundo moderno,
novas descobertas, progressos da ciência, nova mentalidade, aparecimento
do Estado e da filosofia dos Direitos Fundamentais, também influenciaram o
surgimento do capitalismo.325
Ao lado da teoria do estado Moderno, nasce a doutrina
da razão de Estado, estreitamente ligada à idéia de primazia do poder
político sobre os poderes ideológico e político, tornando independente o
juízo político do juízo moral.326
Também esse processo de separação da ética e da
política que se inicia com Maquiavel, está presente no processo geral de
secularização [...] esta como plenitude de naturalismo, individualismo e
racionalismo.327
Advém, nesse contexto, a Revolução Industrial com a
política liberalista vindo esmagar massas arrastadas ao proletariado,
fermentando a inquietação destas contra o individualismo, de modo a
questionar o mundo de então sobre a questão social, promovendo,
323 PASOLD, César Luiz. Função Social do Estado Contemporâneo , p. 57. 324 MONTESQUIEU. Espírito das Leis . Trad. Cristina Muracho. São Paulo:Martins Fontes, 1996. 325 MARTÍNEZ, Gregório Peces-Barba. Tránsito a la modernidade y Derechos Fundamentales.
In História de los Derechos Fundamentales, tomo I: Tránsito a la Modernidad Siglos XVI y XVII, p. 25.
326 BOBBIO, Norberto. Estado, Governo, Sociedade : por uma teoria geral da política, p.85. 327 MARTÍNEZ, Gregório Peces-Barba. Tránsito a la modernidade y Derechos Fundamentales.
In História de los Derechos Fundamentales, tomo I: Tránsito a la Modernidad Siglos XVI y XVII, p. 170.
88
conseqüentemente,uma reviravolta no sistema de então.328
O Estado continuou sofrendo transformações no curso
evolutivo da sociedade, e sua adequação a realidade resultou na
intervenção no direito de propriedade. O Estado liberal que assegurava
ampla liberdade aos indivíduos foi se transformando no Estado do bem-
estar social, que assumiu tarefas visando a proteção da sociedade como
um todo.
Da crítica das doutrinas igualitárias contra a concepção e a prática liberal do Estado é que nasceram as exigências de direitos sociais, que transformaram profundamente o sistema de relações entre o indivíduo e o Estado e a própria organização do Estado, até mesmo nos regimes que se consideram continuadores, sem alterações bruscas, da tradição liberal do século XIX.329
Após a propagação do Iluminismo, com o advento do
Constitucionalismo moderno e o direito de transparência pública no tocante
à organização e funcionamento do Estado, além da garantia de alguns
direitos fundamentais acabaram por limitar definitivamente o poder tirano do
rei, iniciando-se uma nova fase de evolução da civilização humana, a pós-
modernidade, onde os acontecimentos não possuem mais uma
repercussão local, mas sim mundial.
Finalmente, a crise e a falência do modelo político liberal, a eclosão da sociedade de massas, bem como as profundas transformações sócio-econômicas ocorridas em fins do século XIX e começos do século XX, possibilitaram a complexa experiência de uma estrutura que, por estar ainda em curso, assume diversas especificidades, cunhada por autores com as designações de Estado Social, estado Intervencionista, Estado Tecnocrático, Estado do bem-estar, Estado Providencial ou Assistencial (‘Welfare State’), etc. 330
Hoje, como Estado constitucional democrático, formado 328 ARONNE, Ricardo. Propriedade e Domínio: Reexame Sistemático das Noções Nucleares de
Direitos Reais, p. 39. 329 BOBBIO, Norberto. Igualdade e Liberdade , p. 42. 330 WOLKMER, Antonio Carlos. Elementos para uma crítica do Estado , p.25-26.
89
por uma lei fundamental escrita, o Estado pressupõe um modelo de
legitimação democrática. 331
O Estado é concebido assim nas normas constitucionais
não só como fenômeno político ou de poder (comunidade organizada em
um território, com uma autoridade soberana), mas também como um
fenômeno jurídico: como um ordenamento jurídico.332
Na Segunda década do Século XX, em 1917, com a
Constituição Mexicana, surge o Estado Contemporâneo, confirmando-se,
logo em seguida, em 1919, com a Constituição Alemã de Weimar.333
A problemática do Estado com o fenômeno da
globalização, é saber como se regularão os deveres e obrigações num
centro político estadual e se este ainda permanecerá.
As Constituições, embora continuem a ser pontos de legitimação, legitimidade e consenso autocentradas numa comunidade estadualmente organizada, devem abrir-se progressivamente a uma rede cooperativa de metanormas (’estratégias internacionais’, ‘pressões concentradas’) e de normas oriundas de outros ‘centros’ transnacionais e infranacionais (regionais e locais) ou de ordens institucionais intermédias (‘associações internacionais’, ‘programas internacionais’). 334
A constituição não pode mais ser analisada a partir de
critérios puramente lógico-formais, deve-se entendê-la como forma de
realização de conteúdos axiológicos, políticos, econômicos ou culturais,
considerando a realidade e os elementos formadores do Direito.
O Estado Contemporâneo deve comportar-se sob a
égide da primazia do humano, submetendo o econômico à força do social e
331 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional , p. 43. 332 CRUZ, Paulo Márcio. Fundamentos do Direito Constitucional , p. 52. 333 PASOLD, César Luiz. Função Social do Estado Contemporâneo , p. 57. 334 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional , p. 18.
90
cuja função principal deve ser a social.335
Há uma tendência socializadora e socializante de
Estado, que domina efetivamente a vida jurídica contemporânea, esta
tendência afeta profundamente o direito de propriedade.336
O Estado Contemporâneo, caracterizado pela
disparidade de condições entre os homens, deve perseguir o respeito aos
Valores Fundamentais da Pessoa Humana, e em sua condição de
instrumentalidade objetivar o alcance da efetiva democracia.337
Diante desta sociedade contemporânea, as decisões
políticas e jurídicas devem garantir os direitos fundamentais dos cidadãos,
pois qualquer tentativa de violação importaria em ilegitimidade das
instituições políticas.
335 PASOLD, César Luiz. Função Social do Estado Contemporâneo , p. 43-46. 336 MOREIRA, Aroldo. A propriedade sob diferentes conceitos , p.73. 337 PASOLD, César Luiz. Função Social do Estado Contemporâneo , p. 76.
91
Capítulo 3
A PROPRIEDADE COMO DIREITO FUNDAMENTAL
3.1 AS NORMAS COMO PRINCÍPIOS E REGRAS
O sistema normativo sustentáculo do Estado de Direito
é formado por normas. As normas, que são um juízo de dever ser, num
determinado espaço territorial e em dado momento histórico, se subdividem
em princípios e regras.
Para Nader, as normas jurídicas são o ponto culminante
do processo de elaboração do Direito e o ponto de partida operacional da
Dogmática Jurídica, cuja função é a de sistematizar e descrever a ordem
jurídica vigente.338
As normas jurídicas podem ser entendidas sob diversos
prismas, do ponto de vista sociológico são diretivas que norteiam o convívio
social sob valores eleitos pela sociedade, sob critério objetivo são o modelo
de comportamento determinado por uma regra social e em sentido
semântico são imperativos expressados mediante termos significativos.
Na linguagem vulgar, o vocábulo princípio é tratado
entre outros significados como causa primária, razão, base, norma,
preceito, início, começo339. Tecnicamente é um vocábulo polissêmico,
flutuante na forma de utilização.
É comum que se classifiquem as teorias sobre a distinção entre princípios e regras em três grandes categorias: (a) teorias que propõem uma distinção forte – cada tipo de norma tem uma estrutura lógica diversa; (b) teorias que propõem uma distinção
338 NADER, Paulo. Introdução ao Estudo do Direito , p. 99. 339XIMENES, Sérgio. Minidicionário Ediouro da língua portuguesa. rev.ampl. São
Paulo:Ediouro, 2000.
92
débil – entre princípios e regras haveria somente uma diferença de grau de generalidade e importância; (c) teorias que rejeitam a possibilidade de distinção – as qualidades lógico-deônticas presentes nos princípios estão também presentes nas regras.340
Cretella Júnior341 afirma que os princípios de uma
ciência são as proposições básicas, fundamentais, típicas que condicionam
todas as estruturações subseqüentes. Princípios, neste sentido, são
alicerces, os fundamentos da ciência. Na busca de um conceito, continua,
afirmando que “[...] no âmbito da filosofia, princípio é o fundamento ou a
razão para justificar porque é que as coisas são o que são. Não indicam a
coisa, mas a razão de ser da coisa”.
Bastos342 menciona que os princípios demandariam
medidas de concentração em comparação com a possibilidade de
aplicação direta das regras. Os princípios se colocam acima das regras
quando estas conflitarem com aqueles que a tornam inconstitucional.
Cabe ressaltar que, inicialmente, antes de se pacificar a
distinção entre regras e princípios, a distinção era formulada entre normas e
princípios considerando-as espécies diferentes.
A norma distingue-se do princípio porque contém uma regra, instrução, ou imposição imediatamente vinculante para certos tipos de questões. Todavia os princípios, que começam por ser a base de normas jurídicas, podem estar positivamente incorporados, transformando-se em normas-princípio, constituindo preceitos básicos da organização constitucional. Os princípios são núcleos de condensação nos quais confluem bens e valores constitucionais, i.é, são expressão do ordenamento constitucional e não fórmulas apriorísticas contraposta às normas. 343
Eros Grau afirma que os princípios são norma jurídica,
340 SILVA, Virgílio Afonso da. A Constitucionalização do Direito : os direitos fundamentais nas
relações entre particulares, p. 30-31. 341 CRETELLA JÚNIOR, José. Direito administrativo brasileiro , p.44. 342 BASTOS, Celso Ribeiro. Direito constitucional , p.54-55. 343 CANOTILHO, J.J.Gomes; Moreira, Vital. Fundamentos da constituição , p.49.
93
ao lado das regras – o que converte norma jurídica em gênero, do qual são
espécies os princípios e as regras jurídicas.344
[...] mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e
lhe dá sentido harmônico.345
No estudo sobre princípios e regras verifica-se a
superioridade dos princípios, pois são normas com um grau de abstração
relativamente elevado (generalidade), enquanto as regras são mais
específicas.
Tanto quanto as regras, os princípios integram o ordenamento jurídico, porém, estes contêm comandos de hierarquia superior à das regras, pois têm a função precípua de determinar o sentido e alcance das regras as quais, de maneira alguma, podem contrariá-los. 346
O ponto central da distinção entre regras e princípios, é
que estes são normas que ordenam a realização de determinado direito na
maior medida possível, dentro das possibilidades jurídicas e reais
existentes, enquanto aquelas somente podem ser cumpridas ou não. As
regras contêm "determinações" no âmbito do fático e do juridicamente
possível, ao passo que os princípios são "mandamentos de otimização". 347
Esta distinção, na qual os princípios são para Celso
Antônio Bandeira de Mello “mandamentos nucleares” e para Canotilho
“núcleos de condensação”, não se equivalem a distinção feita por Alexy,
este traça um conceito de princípio não referente à fundamentalidade da
norma em questão. 344 GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988 (interpre tação e
crítica) , p. 76. 345 MELO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo , p. 408. 346 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional , p.137. 347 ALEXY, Robert. Teoría de los Derechos Fundamentales , p. 86-87.
94
Na doutrina de Alexy, uma norma é um princípio não
por ser fundamental, mas por ter a estrutura de um mandamento de
otimização. Por isso um princípio pode ser um mandamento nuclear do
sistema, mas pode também não o ser, já que uma norma é um princípio
apenas em razão de sua estrutura normativa e não de sua
fundamentalidade.348
O mesmo princípio poderá ter diferente valoração na
resolução de situações fáticas diversas, sendo num caso predominante e
em outro caso tendo sua aplicação afastada. Já as regras jurídicas, devem
ser cumpridas sempre que válidas, não sendo gradual a sua aplicação.
Anote-se ainda que os princípios, de acordo com a mais moderna teoria jurídica, oferecem maior flexibilidade do que as normas na solução das antinomias normativas [...]. Enquanto os princípios postulam uma otimização recíproca, que é irreconduzível a soluções de “tudo ou nada” [...], as normas conflituantes podem exigir instrumentos mais radicais de solução (exemplos: “a lei posterior revoga a anterior”, “a lei superior prevalece sobre a lei inferior”). 349
Os princípios constituem a raiz de onde deriva a
validade material das normas jurídicas. Por isso, a violação de um princípio
jurídico é muito mais grave que a transgressão de uma regra qualquer, uma
vez que agride a todo o sistema normativo.
A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra.350
Os princípios constitucionais não somente servem de 348 SILVA, Virgílio Afonso da. A Constitucionalização do Direito : os direitos fundamentais nas
relações entre particulares, p. 36. 349 CANOTILHO, J.J.Gomes; Moreira, Vital. Fundamentos da constituição , p.50. 350 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo , p. 748.
95
estrutura organizadora da Constituição, mas se constituem em normas
constitucionais de eficácia vinculante para a proteção e garantia dos direitos
fundamentais.
[...] os princípios são multifuncionais. Podem desempenhar uma função argumentativa, permitindo, por exemplo denotar a ratio legis de uma disposição (cânones de interpretação) ou revelar normas que não são expressas por qualquer enunciado legislativo, possibilitando aos juristas, sobretudo os juízes, o desenvolvimento, integração e complementação do direito.351
A Constituição da República Federativa do Brasil de
1988, representa a norma fundamental de nosso ordenamento jurídico, e
nela elenca os princípios fundamentais, que são definidores da estrutura
do Estado, integrando o Direito Constitucional Positivo, com relevantes
funções.
linhas diretrizes que informam algumas normas e inspiram direta ou indiretamente uma série de soluções, pelo que podem servir para promover e embasar a aprovação de novas normas, orientar a interpretação das existentes e, sem os quais seria duvidoso afirmar-lhes a autonomia.352
Na definição de Gomes Canotilho e Vital Moreira,
princípios são ordenações que se irradiam e imantam os sistemas de
normas, são ‘núcleos de condensações’ nos quais confluem valores e bens
constitucionais. 353
Jose Afonso da Silva354 define princípios como a noção
de mandamento nuclear de um sistema, e classifica-os em duas categorias:
a) princípios político-constitucionais: constituem-se
351 ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Conceito de Princípios Constitucionais: elementos teóricos para
uma formulação dogmática constitucionalmente adequada, p. 66. 352 PLÁ RODRIGUES, Américo. Princípios de direito do trabalho , p. 36. 353 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo , p.96. 354 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo , p.96-97.
96
daquelas decisões políticas fundamentais concretizadas em normas
conformadoras do sistema constitucional positivo, e manifestam-se como
princípios constitucionais fundamentais da Constituição da República
Federativa do Brasil, elencados nos artigos 1º ao 4º do Título I.
b) princípios jurídico-constitucionais: são princípios
constitucionais gerais informadores da ordem jurídica nacional. Decorrem
de certas normas constitucionais e, não raro, constituem desdobramentos
(ou princípios derivados) dos fundamentais.
Os princípios, por serem as bases teóricas ou
pressupostos, são responsáveis por dar coerência geral ao sistema,
interferindo em sua formação, interpretação e integração.
o princípio, enquanto mandamento nuclear de um sistema, exerce a importante função de fundamentar a ordem jurídica em que se insere, fazendo com que todas as relações jurídicas que adentram ao sistema busquem na principiologia constitucional, o berço das estruturas e instituições jurídicas. 355
Não são os princípios constitucionais que se movem no
âmbito da lei, mas a lei que se move no âmbito dos princípios. Os princípios
servem, pois, de guia e orientação na busca de sentido e alcance das
normas.
Quando nos momentos revolucionários, resulta saliente
a função ordenadora dos princípios, extrair-se-ão os preceitos que mais
direta e concretamente regerão a sociedade e o Estado.356
Nas palavras de Paulo Bonavides, os princípios
constitucionais “são qualitativamente a viga mestra do sistema, o esteio da
355 ROCHA, José de Albuquerque. Teoria geral do processo , p.46. 356 BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil , v.1,
p. 379.
97
legitimidade constitucional, o penhor da constitucionalidade das regras de
uma constituição”.357
Se torna importante a distinção entre regras e princípios
quando da necessidade de resolução das tensões produzidas no sistema
normativo, tendo em vista que os métodos utilizados para se resolver a
colisão entre eles serão distintos.
3.2 COLISÃO ENTRE PRINCÍPIOS: PROPRIEDADE X FUNÇÃO SOCIAL
Num sistema de normas em constante e necessária
transformação, reflexo de uma sociedade dinâmica e heterogênea, são
inevitáveis os conflitos entre as espécies normativas, e essa situação
reclama adoção de critérios capazes de resolver o conflito salvaguardando
a unidade e a coerência do ordenamento jurídico.
Ocorre colisão de direitos fundamentais quando o
exercício de um direito fundamental por parte do seu titular colide com o
exercício do direito fundamental por parte de outro titular.358
Trata-se de um autêntico conflito de direitos na medida
em que duas normas – que outorguem a sujeitos diversos, direitos opostos
– podem conduzir a resultados incompatíveis, ou seja, a dois juízos de
dever-ser jurídico contraditórios.359
A distinção entre os conteúdos do dever-ser das regras
e dos princípios implica também uma importante diferença na forma de
aplicá-los. Alexy usa as figuras do “conflito entre regras” e da “colisão entre
357 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional , p. 265. 358 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional , p. 643. 359 ALEXY, Robert. Teoria de los Derechos Fundamentales , p. 87.
98
princípios” para deixar isso claro.360
O conflito entre regras suscita a idéia das antinomias
jurídicas próprias; a colisão entre princípios, as antinomias jurídicas
impróprias [...] não conduz à exclusão da ordem jurídica de uma das
normas conflitantes.361
Os critérios de resolução de conflitos entre regras jurídicas, são: hierárquico, a regra hierarquicamente superior derroga a inferior ("lex superior derogat legi inferiori"); cronológico, a regra posterior derroga a regra anterior ("lex porterior derogat legi priori"); e ainda, da especificidade, a prevalência da regra especial sobre a regra geral ("lex specialis derogat legi generali"). Há situações, entretanto, em que os presentes critérios de solução de antinomias restam insuficientes, como no caso de incompatibilidades entre dispositivos legais de um mesmo instrumento legislativo, bastante possível em codificações de leis.362
Em se tratando de conflitos entre regras jurídicas, sua
resolução requer a introdução em uma das regras de uma cláusula de
exceção que elimine o conflito ou a declaração de invalidade de uma delas,
pelo menos. Afasta-se, assim, a possibilidade de coexistência de duas
regras conflitivas. Pois esse conflito refere-se exclusivamente a um
problema de validade e, validade não é gradual.363
Desta forma, na resolução de um conflito entre regras
deve-se utilizar o raciocínio “tudo ou nada”, restando apenas uma das
regras que vai prevalecer no caso concreto, ou até mesmo no sistema
jurídico. Diferentemente do que ocorre na colisão entre princípios, que pode
ser revolvida fora do plano de validade.
360 SILVA, Virgílio Afonso da. A Constitucionalização do Direito : os direitos fundamentais nas
relações entre particulares, p. 32. 361 ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Conceito de Princípios Constitucionais: elementos teóricos para
uma formulação dogmática constitucionalmente adequada, p. 69. 362 BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico , p. 91-105. 363 ALEXY, Robert. Teoria de los Derechos Fundamentales , p. 88.
99
De outro modo, a solução de colisões entre princípios
não exige a declaração de invalidade de nenhum deles e também não é
possível que se fale que um princípio institui uma exceção a outro.364
Quando dois princípios entram em colisão, um deve
ceder em relação ao outro, sem que se lhe declare a invalidade ou se lhe
insira cláusula de exceção.365
Um princípio pode ser aplicado num caso concreto pela
sua precedência no ordenamento jurídico ou pela sua relevância diante da
situação fática apresentada.
Necessário será, um sopesamento entre os princípios
colidentes para que se decida qual deles terá preferência, que valerá,
enquanto precedência condicionada, apenas para aquele caso concreto.366
Na resolução da colisão entre princípios deve-se levar
em consideração as circunstâncias que cercam o caso concreto, para que,
pesados os aspectos específicos da situação, prepondere o preceito mais
adequado. A tensão se resolve mediante uma ponderação de interesses
opostos, determinando qual destes interesses, abstratamente, possui maior
peso no caso concreto.
Neste caso, há de se aplicar o que Alexy denomina de
"lei de colisão", a qual: "Las condiciones bajo las cuales um principio
precede a outro constituyen el supuesto de hecho de uma regla que
expresa la consecuencia jurídica del principio precedente".367
A colisão entre princípios se resolve no campo do valor, 364 SILVA, Virgílio Afonso da. A Constitucionalização do Direito : os direitos fundamentais nas
relações entre particulares, p. 34. 365 ALEXY, Robert. Teoria de los Derechos Fundamentales , p. 89. 366 SILVA, Virgílio Afonso da. A Constitucionalização do Direito : os direitos fundamentais nas
relações entre particulares, p. 34. 367 ALEXY, Robert. Teoria de los Derechos Fundamentales , p. 94-95. “As condições pelas quais um princípio precede a outro constituem uma suposta realidade de uma regra que expressa a conseqüência jurídica do princípio precedente."(tradução da autora)
100
não se podendo aceitar que um princípio reconhecido pelo ordenamento
constitucional possa ser declarado inválido, por não ter sido aplicável a uma
situação específica. Ele apenas recua frente a outro princípio que, naquele
caso, tem peso maior.
A seleção de princípios – explícita ou implícita – não se
pautará por critérios formais como ocorre no conflito entre regras (critério
temporal, critério da especificidade, critério hierárquico etc.). Na colisão de
princípios, o critério que informa a seletividade será material ou de
conteúdo, guiado pelos critérios de racionalidade adotado no caso
específico.368
Todavia, no caso das colisões entre princípios, não há
como se falar em um princípio que sempre tenha precedência em relação a
outro. Se isso ocorrer, não estaremos diante de um princípio – pelo menos
não na acepção usada por Alexy.369
Portanto, a denominada "lei de colisão" é a solução da
tensão de mandamentos de otimização com base na relação de
precedência condicionada ao caso fático.370 Não existem relações absolutas
de precedência, pois que sempre serão determinadas pelas circunstâncias
do caso concreto. Não existe um princípio que sempre se sobrepõe aos
demais, sem que sejam consideradas as situações específicas de cada
caso concreto.
Em última análise, não existem princípios
constitucionais absolutos que, em colisão com outros princípios,
prevalecerão independentemente da situação posta.
368 MARQUES NETO, Floriano. O Conflito entre Princípios Constitucionais : breves pautas para
uma solução. Revista dos Tribunais, Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política, p. 40-46.
369 SILVA, Virgílio Afonso da. A Constitucionalização do Direito : os direitos fundamentais nas relações entre particulares, p. 35.
370 ALEXY, Robert. Teoria de los Derechos Fundamentales , p. 95.
101
Os princípios são normas jurídicas impositivas de uma optimização, compatíveis com vários graus de concretização, consoante os condicionalismos fácticos e jurídicos; as regras são normas que prescrevem imperativamente uma exigência (impõe, permitem ou proíbem) que é ou não é cumprida [...]; a convivência dos princípios é conflitual (Zagrebelsky); a convivência de regras é antinômica; os princípios coexistem; as regras antonômicas excluem-se.371
Porém, não se pode negar, a existência de
mandamentos de otimização relativamente fortes, capazes de preceder aos
outros em praticamente todas as situações de colisão. Citam-se como
exemplos, os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da
cidadania, da proteção da ordem democrática, o direito à higidez do meio-
ambiente e etc..
O problema que aqui se põe já não é rigorosamente o
da identificação dos limites imanentes de cada módulo de direito
fundamental, mas sim o da conciliação entre os domínios normativos de
cada um deles, a fim de que não ocorra a supervalorização de uns com a
conseqüência do aniquilamento de outros.372
Um novo paradigma para a sociedade é estabelecido
pela Constituição de 1988, através do reconhecimento de conflitos sociais
latentes, se procura uma composição desses interesses, a exemplo da
previsão do princípio da propriedade privada e do princípio da função social
da propriedade previstos no art 170, inciso I e II e art 5º inciso XXII e XXIII.
O princípio da função social da propriedade,
exacerbador do pluralismo, informado pelo princípio da igualdade, faz
contraponto com o princípio da garantia da propriedade, como acesso e
defesa da propriedade privada e seu livre exercício, de valores
371 ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Conceito de Princípios Constitucionais: elementos teóricos para
uma formulação dogmática constitucionalmente adequada, p. 66. 372 CASTRO, Carlos Roberto Siqueira. A Constituição Aberta e os Direitos Fundamentais :
ensaios sobre o constitucionalismo pós-moderno e comunitário, p. 67.
102
individualistas, aceitos pelo princípio da liberdade, relativiza o
individualismo pelo interesse público e social.373
A propriedade privada é um princípio da ordem
econômica, que se submete aos ditames da justiça social. Isso equivale a
dizer que a propriedade se legitima enquanto cumpre sua função social.
A idéia de Justiça Social, na qual se insere a Função
Social da Propriedade, está ligada à Ideologia Socialista em contraposição
à Individualista. A partir desse conflito de ideologias e interesses é que se
deve considerar as cargas valorativas para as decisões dos casos
concretos.
O conflito de interesses surge quando as pessoas deixam de ser indiferentes à maneira pela qual o aumento da produtividade resultante de sua colaboração vier a ser distribuído, pois, para se atingir seus próprios objetivos, cada um dará preferência a partes maiores da partilha. Um conjunto de princípios é necessário para que haja uma opção entre os vários ajustes sociais que, por sua vez, determinará a divisão das vantagens e assegurará um acordo para uma partilha correta.374
Portanto, a ideologia deve ser usada como critério que
transcende os interesses e valores de cunho individual, deve-se se buscar
a realização do Bem Comum e dos valores sociais.
Ideologia é o conjunto de crenças e valores com que os
seres humanos procuram interpretar e justificar atitudes alheias ou próprias,
às vezes com objetivo de crítica e controle, mas em outras de orientar a
seleção de alternativas.375
Pasold aponta Ideologia como forma de encarar e
373 ARONNE, Ricardo. Propriedade e Domínio: Reexame Sistemático das Noções Nucleares de
Direitos Reais, p. 183. 374 RAWLS, John. Uma Teoria da Justiça . Trad. Vamirech Chacon. Brasília: Editora Universidade
de Brasília. p. 28. 375 MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da Política Jurídica , p.54.
103
conduzir as relações humanas sob a égide do poder.376
Estas idéias supra-citadas seriam o significado positivo
do termo ideologia, porém não se pode desconsiderar a Ideologia como
legitimadora da ordem dominante.377
A ideologia liberal, criada a partir do pensamento de
Adam Smith, sustentou o capitalismo clássico, depois de atravessado pelo
neoliberalismo que introduziu o macrocapitalismo ou capitalismo turbinado,
propugna um direito de propriedade absoluta.378
As economias prósperas e baseadas na propriedade
preservam a liberdade constitucional, e o papel da constituição é preservar
a nossa liberdade de fazermos o que nos apetecer com aquilo que é
nosso.379
De outro vértice, não se poderia supor que garantindo a
propriedade estaria se aumentando a liberdade, enquanto a propriedade é
garantida a um individuo, ela é retirada de outros tantos, que perdem sua
liberdade em favor daquele.380
Contudo, ao se garantir apenas a propriedade suficiente
para cada pessoa estaria assim aumentando as liberdades pois mais gente
teria liberdade e não apenas poucos teriam muita liberdade.
Tem-se na Constituição da República Federativa do
Brasil de 1988, a proteção explicita ao direito à propriedade, inclusa no rol
dos direitos e garantias individuais, bem como a previsão de preferência ao
aproveitamento desta em benefício da sociedade em geral. Conforme se
demonstra:
376 PASOLD, César Luiz. Função Social do Estado Contemporâneo , p. 26. 377 WOLKMER, Antonio Carlos. Ideologia, Estado e Direito , p. 192. 378 KICH, Bruno Canísio. A Propriedade na Ordem Jurídica Econômica e Ideológ ica , p. 191. 379 RYAN, Alan. A Propriedade , p. 64-65. 380 RYAN, Alan. A Propriedade , p. 129.
104
"Art. 5.º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade , nos
termos seguintes:
XXII - é garantido o direito de propriedade ;
XXIII - a propriedade atenderá a sua função social ;
Art. 170 - A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social , observados os seguintes princípios:
II - propriedade privada ;
III - função social da propriedade ". (grifos nossos)
A propriedade privada é aquela que pode ser atribuída a
uma pessoa de direito privado – pessoa física ou jurídica. Porém, a
propriedade privada pode ter dimensão individual ou coletiva.
A finalidade da instituição da propriedade é além de
propiciar benefícios ao proprietário, garantir a convivência pacífica dos
homens na sociedade. Sem a propriedade privada, todos os indivíduos que
compõem o Estado planejariam, diuturnamente, na disputa dos bens que
satisfazem suas necessidades.381
Ao se reconhecer a doutrina de Duguit que exclui o
direito individual diante da propriedade-função social, opta-se em colocar “a
função social da propriedade como princípio superior ao da propriedade
privada, já que é justamente aquela o núcleo de sustentação e estabilidade
da instituição da propriedade nos dias atuais, pelo seu caráter coletivo.”382
Neste diapasão, princípio fundamental da função social 381 KICH, Bruno Canísio. A Propriedade na Ordem Jurídica Econômica e Ideológ ica , p. 61. 382 FRANÇA, Vladimir da Rocha. Instituição da Propriedade e sua Função Social , p. 457/488
105
da propriedade constitui o alicerce constitucional do regime jurídico-
constitucional da propriedade, estando todos os demais princípios e regras
constitucionais a ele submetidos, inclusive o princípio da propriedade
privada estabelecido no art. 170, II, da Lei Maior.
o direito particular à propriedade, quando assegurado ao indivíduo, o é por uma concessão da sociedade- não necessariamente contratual ou natural- na qual ele vive, e só poderá subsistir, por conseguinte, enquanto essa mesma sociedade o tem por justo, razoável e digno de sua proteção, perdendo muito de sua força e de seu valor se a sociedade que o concede ou organiza sente necessidade de colocar acima dele o interesse geral, garantindo sua própria estabilidade.383
De outra forma, os que adotam a idéia de ser a função
social da propriedade um instrumento através do qual o poder discricionário
e sem limites decorrentes do direito de propriedade cede espaço para o seu
uso orientado para realização do bem comum, admitem que há conflito
entre princípios.
A propriedade privada e a função social da propriedade,
quando encarados como princípios de mesmo nível hierárquico, sem que
nenhum assuma caráter acessório, produzem um conflito abstrato. E na
análise de qual direito deve prevalecer, no caso concreto, deve-se usar o
princípio da proporcionalidade, prevalecendo o de maior relevância jurídica.
Quando houver conflito entre dois ou mais direitos ou garantias fundamentais, o intérprete deve utilizar-se do princípio da concordância prática ou da harmonização, de forma a coordenar e combinar os bens jurídicos em conflito, evitando o sacrifício total de uns em relação aos outros, realizando uma redução proporcional ao âmbito de alcance de cada qual (contradição dos princípios), sempre em busca do verdadeiro significado da norma e da harmonia do texto constitucional com a sua finalidade
383 LEAL, Rogério Gesta. A função social da propriedade e da cidade no Brasi l: aspectos
jurídicos e políticos, p.118.
106
precípua.384
Diante do fato que os interesses públicos se sobrepõem
a todos os cidadãos em nome do bem-estar da coletividade, e, sabendo
que a Constituição não deve ser passível de contradições e suas normas
devem ser harmonizadas no sentido de sanar quaisquer conflitos que
possam existir, concluímos que deve haver uma harmonização entre o
princípio da propriedade privada e da sua função social.
A informação axiológica do conceito, por si misterioso e
abstrato, é orientada pelos princípios fundamentais da República, que têm
na dignidade da pessoa humana regra basilar [...]385
O direito de propriedade incorpora elementos
obrigacionais que são aglutinados aos direitos reais, construindo um tertium
genus funcionalizador do instituto. 386
O direito fundamental à propriedade, consagrado no art.
5º, caput, da nossa Constituição preserva o acesso do indivíduo à
propriedade, como instrumento de manutenção de sua sobrevivência
mínima (trabalho, moradia, segurança e etc.). Porém, inexiste uma
inviolabilidade ao direito de propriedade, podendo seu exercício estar
limitado pelas leis do Estado, para se atingir a justiça social prevista no
artigo 170 da CRFB/88.
O desenvolvimento da idéia de justiça social conduzirá
a sociedade a uma redução significativa das desigualdades, através da
fusão entre o interesse individual e o comunitário.387
Embora haja a intervenção do Estado na propriedade 384 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional , p. 61. 385 TEPEDINO, Gustavo. A Nova Propriedade: o seu conteúdo mínimo, entre o código civil, a
legislação ordinária e a Constituição, p. 75-76. 386 PERLINGIERI, Pietro. Perfis do Direito Civil , p. 201-241. 387 NEDEL, José. A teoria ético-política de John Rawls: uma tentativa de integração de liberdade e
igualdade, p. 79.
107
privada em prol do bem-estar social, isto não significa socialização dos
meios de produção ou da propriedade privada.
O Direito de Propriedade apresenta-se como um direito
renovado, que passa por um processo de publicização para adequar-se às
demandas sociais da coletividade. Essa nova caracterização da
Propriedade se vincula ao cumprimento de uma Função Social, tornando-se
um instituto jurídico híbrido, que contempla a proteção de interesses
Públicos e Privados a ela inerentes.A propriedade não é garantida em si
mesma, mas como instrumento de proteção de valores fundamentais.
3.3 DIREITOS FUNDAMENTAIS
O poder político deve ser exercido com legitimidade, ou
seja, respeitando o homem tanto na sua individualidade como em sua
projeção social, e os instrumentos utilizados neste processo são os direitos
fundamentais.
A Antiguidade é considerada a pré-história dos direitos
fundamentais, pois é através da noção de dignidade da pessoa, da
liberdade e igualdade dos homens, encontrada na filosofia clássica que
surge a idéia de que o ser humano pelo simples fato de existir, é titular de
alguns direitos naturais e inalienáveis.388
A Antiguidade e a Idade Media, em função das grandes
dores que presenciaram, despertaram para necessidade de evolução da
condição do homem, como ser precário e ambivalente, através do respeito
388 SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais , p. 41.
108
à dignidade do homem.389
Na Idade Média, os direitos naturais eram assegurados
na ordem divina, que deveria ser observada pela ordem positiva, ou seja,
desenvolveu-se a idéia da existência de postulados de cunho suprapositivo
que, por orientarem e limitarem o poder, atuam como critérios de
legitimação de seu exercício.390
Existe uma realidade próxima aos direitos
fundamentais, que são os privilégios outorgados a pessoas de
determinados grupos sociais, e atuavam como ‘direitos’ que não são de
todos.391
Por outro lado, às cartas e foros medievais, faltava a perspectiva abstrata, geral e individualista das declarações modernas, pois definiam situações concretas, quase sempre encontradas nas práticas sociais consolidadas, e tinham como destinatários o homem inserido no seu grupo social ou nos estamentos – clérigo, nobre, comerciante, moradores da cidade - , deixando os demais súditos sem proteção jurídica contra os desmandos das autoridades públicas, e os servos entregues à sorte e ao arbítrio de seus donos.392
Embora alguns autores identifiquem manifestações de
direitos fundamentais na Antiguidade e na Idade Média, é somente no início
da Idade Moderna com a Magna Carta Inglesa (1215), pela qual o Rei João
Sem Terra reconhecia alguns direitos dos nobres, limitando o poder do
monarca, que surge a noção de igualdade, liberdade e dignidade que foram
positivadas a partir do Século XVIII.
Há de se descartar o caráter de autênticos direitos
fundamentais desses ‘direitos’ e privilégios reconhecidos através da Magna 389 SAMPAIO, José Adércio Leite. Direitos Fundamentais: Retórica e Historicidade, p. 135. 390 SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais , p. 41. 391 MARTÍNEZ, Gregório Peces-Barba. Tránsito a la modernidade y Derechos Fundamentales.
In História de los Derechos Fundamentales, tomo I: Tránsito a la Modernidad Siglos XVI y XVII, p. 20.
392 SAMPAIO, José Adércio Leite. Direitos Fundamentais: Retórica e Historicidade, p. 138.
109
Carta Inglesa, entre outros pactos da época, pois tratavam de direitos de
cunho estamental, atribuídos a certas castas da sociedade medieval,
excluindo grande parcela da população do seu gozo.393
O início da Idade Moderna é marcado por ser um
período profundamente revolucionário e transformador, onde os indivíduos
lutam pela conquista de liberdade religiosa, intelectual, política e
econômica.
Concretamente, a Reforma Protestante, com a ruptura
da unidade religiosa gerará o pluralismo religioso e a necessidade de uma
fórmula jurídica que evitasse as guerras, então a tolerância, precursora da
liberdade religiosa, será o primeiro direito fundamental que se formula com
caráter moderno.394
A Reforma Protestante, que levou ao gradativo
reconhecimento da liberdade de opção religiosa e de culto em diversos
países da Europa, foi de suma importância para o nascimento dos direitos
fundamentais.395
Constata-se que a aparição da filosofia dos Direitos
Fundamentais, derivou da ruptura da ordem econômica medieval e da
necessidade de se construir uma nova ordem política que tem como centro
o indivíduo.
Nesse momento, frente ao humanismo, se transformam
os privilégios de alguns grupos sociais em direitos de todos os indivíduos -
este despojado de qualquer condição social que não sua condição de ser
393 SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais , p. 45. 394 MARTÍNEZ, Gregório Peces-Barba. Tránsito a la modernidade y Derechos Fundamentales.
In História de los Derechos Fundamentales, tomo I: Tránsito a la Modernidad Siglos XVI y XVII, p. 22.
395 SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais , p. 46.
110
humano.396
Um dos objetivos dos direitos fundamentais é de
garantir que todos os homens lhes tenham acesso, num tratamento
isonômico que deve ser universal.
O conceito de direitos fundamentais varia de acordo
com a teoria na qual se embasa. Para uma concepção iuspositiva com
fundamentos históricos, vão ser considerados aqueles direitos positivados
pelo ordenamento como fundamentais, se for na concepção iusnaturalistas
com fundamentos axiológicos, serão considerados os direitos que
asseguram a dignidade da pessoa humana, ou a igualdade, a paz ou outros
valores éticos assumidos como fundamentais.397
Apesar da dificuldade em definir conceitualmente de
forma sintética e precisa os direitos fundamentais, em decorrência da
constante ampliação e transformação por que passaram em sua evolução
histórica398, analisar-se-ão alguns conceitos.
É o conjunto de faculdades e instituições que, em cada
momento histórico, concretizam as exigências de dignidade, liberdade e
igualdade humana, as quais devem ser reconhecidas positivamente pelos
ordenamentos jurídicos em nível nacional e internacional.399
Direitos fundamentais são os considerados
indispensáveis à pessoa humana, necessários para assegurar a todos uma
396 MARTÍNEZ, Gregório Peces-Barba. Tránsito a la modernidade y Derechos Fundamentales.
In História de los Derechos Fundamentales, tomo I: Tránsito a la Modernidad Siglos XVI y XVII, p. 81.
397 FERRAJOLI, Luigi. Los Fundamentos de Los Derechos Fundamentales . In Los Fundamentos de Los Derechos Fundamentales, p. 289.
398 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo , p.179. 399 CASTRO, J. L. Cascajo; LUÑO, Antonio-Enrique Pérez; CID, B. Castro; TORRES, C.Gomes.
Los Derechos Humanos: significación, estatuto jurídico y sistema, p. 43.
111
existência digna, livre e igual.400
O conjunto institucionalizado de direitos e garantias do ser humano, que tem por finalidade básica o respeito a sua dignidade, por meio de sua proteção contra o arbítrio do poder estatal e o estabelecimento de condições mínimas de vida e desenvolvimento da personalidade humana, pode ser definido como direitos humanos fundamentais.401
O asseguramento de um âmbito próprio da pessoa
humana, na qual não devem imiscuir instâncias estranhas a ela e ante a
qual devem deter-se os poderes do Estado, deu-se através da definição e
proteção de diversos direitos, além da instrumentalização de garantias
jurídicas para torná-los eficazes. 402
O termo ‘direitos fundamentais’ se aplica para aqueles direitos do ser humano reconhecidos e positivados na esfera do direito constitucional positivo de determinado Estado, ao passo que a expressão ‘direitos humanos’ guardaria relação com os documentos de direito internacional, por referir-se àquelas posições jurídicas que se reconhecem ao ser humano como tal, independentemente de sua vinculação com determinada ordem constitucional, e que, portanto, aspiram à validade universal, para todos os povos e tempos, de tal sorte que revelam um inequívoco caráter supranacional 403
Para Ferrajoli, são direitos fundamentais aqueles
direitos subjetivos que as normas de um determinado ordenamento jurídico
atribuem universalmente a todos enquanto pessoas, cidadãos e/ou
trabalhadores.404
Ao passo que os Direitos fundamentais são aqueles
direitos básicos do indivíduo e do cidadão, reconhecidos pelo direito 400 PINHO, Rodrigo César Rebello. Teoria Geral da Constituição e Direitos Fundamentais , p.
60. 401 MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Co nstitucional ,
p. 162. 402 CRUZ, Paulo Márcio. Fundamentos do Direito Constitucional , p. 153. 403 SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais , p. 33-34. 404 FERRAJOLI, Luigi. Los Fundamentos de Los Derechos Fundamentales . In Los
Fundamentos de Los Derechos Fundamentales, p. 291.
112
positivo do Estado, que exige deste ou uma abstenção ou uma atuação no
sentido de garanti-los. Os direitos humanos seriam os direitos referentes à
condição do indivíduo enquanto ser humano, que, portanto, se estendem à
toda humanidade, em todos os lugares, sem limitação temporal.
Los derechos fundamentales que se originan y se fundan em la moralidad y que desenbocan em el Derecho lo hacen a través Del Estado, que es punto de referencia de la realidad jurídica a partir del tránsito a l modernidad. Sin el apoyo Del Estado, esos valores Morales no se convierten en Derecho positivo, y por consiguiente, carecen de fuerza para orientar la vida social em um sentido que favorezca su finalidad moral.405
Todos os direitos fundamentais – direito à vida, à
liberdade e os direitos sociais – podem ser definidos, em plano axiológico,
como leis do mais fraco em substituição à lei do mais forte, seja fisicamente
como acontecia no estado de natureza, seja politicamente como era no
absolutismo ou seja econômico-socialmente como no capitalismo.406
Um direito fundamental como um todo é distinto de um
direito com apenas uma concepção definitiva, de caráter estático, pois ao
ser resultado de um processo de decisão, argumentação e confluência de
interesses e valores relevantes da comunidade se torna dinâmico.407
Os direitos fundamentais são resultados de uma lenta
evolução ao longo do processo histórico. Eles não nasceram em uma data
ou lugar específicos, embora alguns momentos da história e certos Estados
podem ser mencionados como relevantes para a sua origem e seu
fortalecimento.
405 MARTÍNEZ, Gregório Peces-Barba. Curso de Derechos Fundamentales: teoria general, p. 105. “Os direitos fundamentais que se originam e se fundam na moralidade e que desembocam no Direito, fazem isso através do Estado, que é o ponto de referencia da realidade jurídica desde a passagem a modernidade. Sem o apoio do Estado, esses valores morais não se convertem em direito positivo, e por conseguinte, carecem de força para orientar a vida social num sentido que favoreça sua finalidade moral.” (tradução da autora) 406 FERRAJOLI, Luigi. Los Fundamentos de Los Derechos Fundamentales . In Los
Fundamentos de Los Derechos Fundamentales, p. 316. 407 ALEXY, Robert. Teoria de los Derechos Fundamentales , p. 244.
113
A despeito do dissídio doutrinário sobre a paternidade
dos direitos fundamentais, disputada entre a Declaração de Direitos do
povo da Virgínia, de 1776, e a Declaração Francesa, de 1789, é a primeira
que marca a transição dos direitos de liberdades legais ingleses para os
direitos fundamentais constitucionais. 408
Apesar desta importante contribuição, os americanos
escreveram apenas para a comodidade e proveito de seus concidadãos
enquanto que os franceses escreveram para o mundo.409
Constatou-se então com irrecusável veracidade que as declarações antecedentes de ingleses e americanos podiam talvez ganhar em concretude, mas perdiam em espaço de abrangência, porquanto se dirigiam a uma camada social privilegiada (os barões feudais), quando muito a um povo ou a uma sociedade que se libertava politicamente, conforme era o caso das antigas colônias americanas, ao passo que a Declaração francesa de 1789 tinha por destinatário o gênero humano. Por isso mesmo, e pelas condições da época, foi a mais abstrata de todas as formulações solenes já feitas acerca da liberdade.410
A contribuição francesa foi decisiva para o processo de
constitucionalização e reconhecimento de direitos e liberdades
fundamentais nas Constituições do século XX. A concepção liberal-
burguesa do Estado de Direito determinou a concepção da primeira
dimensão (geração) dos direitos fundamentais. 411
A primeira geração de direitos dominou o século XIX e é
composta dos direitos de liberdade, que correspondem aos direitos civis e
políticos. Tendo como titular o indivíduo e eram oponíveis ao Estado, sendo
traduzidos como faculdades ou atributos da pessoa humana.
Tais direitos se fundam numa separação entre Estado e
408 SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais , p. 47. 409 SAMPAIO, José Adércio Leite. Direitos Fundamentais: Retórica e Historicidade, p. 203. 410 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional , p. 516. 411 SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais , p. 49.
114
sociedade, que permeia o contratualismo individualista dos séculos XVIII e
XIX. O Estado desempenha um papel de polícia administrativa por meio do
Poder Executivo e de controle, prevenção e repressão pelo Judiciário de
ameaça ou lesão.412
São os direitos de resistência face ao Estado,
resguardam a liberdade do cidadão diante do Estado ao mesmo tempo em
que o faz participar do poder político.
Uma vez que dirigidos a uma abstenção, e não a uma conduta positiva por parte dos poderes públicos, são apresentados como direitos de cunho ‘negativo’. Assumem relevo no rol desses direitos, o direito à vida, à liberdade, à propriedade e à igualdade perante a lei, complementados por um leque de liberdades, tais como, de expressão, de imprensa, de manifestação, de reunião e de associação, e os direitos de participação política, direito de voto e capacidade eleitoral passiva.413
A lista destas esferas (direitos civis e direitos políticos),
nos primórdios do constitucionalismo, era simples e reduzida, inspirada nos
termos de liberdade pessoal. [...] (a propriedade) por ser um elemento
instrumental indispensável para a realização da liberdade do cidadão,
passou a representar um ‘Direito inviolável e sagrado’.414
Na visão contemporânea, as liberdades públicas, ou,[...]
direitos individuais, constituem o núcleo dos direitos fundamentais. A eles
se agregaram primeiro os direitos econômicos e sociais, depois os direitos
de solidariedade, mas estes outros direitos não renega, essas liberdades,
visam antes a complementá-las.415
A partir do Século XIX, por influência da Igreja, dos
movimentos operários e da expansão do socialismo, houve a consciência
412 SAMPAIO, José Adércio Leite. Direitos Fundamentais: Retórica e Historicidade, p. 260. 413 SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais , p. 51-52. 414 CRUZ, Paulo Márcio. Fundamentos do Direito Constitucional , p. 158-159. 415 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos Humanos Fundamentais , p. 28.
115
de necessidade de modificação nas teorias acerca dos direitos e garantias
individuais, para superar a grande distância entre as declarações
constitucionais de dignidade, igualdade e liberdade e a realidade social que
as negava.
[...] atravessaram, a seguir uma crise de observância e execução, cujo fim parece estar perto, desde que recentes constituições, inclusive a do Brasil, formularam o preceito da aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais. De tal sorte, os direitos da segunda geração tendem a tornar-se tão justificáveis quanto os da primeira; pelo menos esta é a regra que já não poderá ser descumprida ou ter sua eficácia recusada com aquela facilidade de argumentação arrimada no caráter programático da norma.416
Surgiria, naquele momento histórico a segunda geração
dos direitos fundamentais, fundada no ideário da igualdade, significava uma
exigência ao poder público no sentido de que este atue em favor do
cidadão, e não mais para deixar de fazer alguma coisa.
Na esfera dos direitos de segunda dimensão, há que atentar para a circunstância de que estes não englobam apenas direitos de cunho positivo, mas também as assim denominadas ‘liberdades sociais’, do que dão conta os exemplos da liberdade de sindicalização, do direito de greve, bem como o reconhecimento de direitos fundamentais aos trabalhadores[...]417
Como as liberdades públicas, os direitos sociais são
direitos subjetivos. Entretanto, não são meros poderes de agir – como é
típico das liberdades públicas de modo geral – mas sim poderes de exigir.
São direitos “de crédito”. 418
Esses direitos de primeira e segunda gerações não são
estanques, mas complementares e "em constante dinâmica de interação".
416 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional , p. 518. 417 SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais , p. 53. 418 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos Humanos Fundamentais , p. 50.
116
São indivisíveis, pois a efetividade dos primeiros depende dos segundos e
vice-versa. 419
A vida social implica a co-existência e interrelação de numerosos indivíduos, com esferas próprias de autonomia constitucionalmente consagradas, fazendo necessário definir cada uma delas para que seja possível a co-existência de todas. [...] Cada um dos direitos de uma pessoa deve ser definido cevando em conta o direito das outras pessoas. 420
Ocorre na segunda metade do século XX, a superação
da concepção dos direitos fundamentais somente como direitos exigíveis
em face do Estado, seja a uma abstenção (liberdades públicas), seja a uma
prestação (sobretudo os direitos sociais). [...] eles expressariam um sistema
de valores, válido para todo o ordenamento jurídico.421
No final do século XX, surge a terceira geração de
direitos fundamentais que representavam a sua evolução no sentido de
proteger também os direitos decorrentes de uma sociedade organizada, e
correspondiam ao terceiro elemento preconizado na Revolução Francesa: a
fraternidade.
São a resposta à dominação cultural e reação ao
alarmante grau de exploração não mais da classe trabalhadora dos países
industrializados, mas das nações em desenvolvimento por aquelas
desenvolvidas, bem como dos quadros de injustiças e opressão no próprio
ambiente interno dessa e de outras noções [...].422
A consciência de novos desafios, não mais a vida e a
liberdade, mas especialmente a qualidade de vida e a solidariedade entre
os seres humanos de todas as raças ou nações, redundou no surgimento
419 PIOVESAN, Flávia. A Constituição brasileira de 1988 e os tratados int ernacionais de
proteção dos direitos humanos. Revista da AJURIS, p. 335. 420 CRUZ, Paulo Márcio. Fundamentos do Direito Constitucional , p. 52. 421 SILVA, Virgílio Afonso da. A Constitucionalização do Direito : os direitos fundamentais nas
relações entre particulares, p. 76. 422 SAMPAIO, José Adércio Leite. Direitos Fundamentais: Retórica e Historicidade, p. 293.
117
de uma nova geração – a terceira – dos direitos fundamentais.423
Enquanto os direitos de primeira geração (direitos civis e políticos) – que compreendem as liberdades clássicas, negativas ou formais – realçam o princípio da liberdade e os direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais) – que se identificam com as liberdades positivas, reais ou concretas – acentuam o princípio da igualdade, os direitos de terceira geração, que materializam poderes de titularidade coletiva atribuídos genericamente a todas as formações sociais, consagram o princípio da solidariedade e constituem um momento importante mo processo de desenvolvimento, expansão e reconhecimento dos direitos humanos, caracterizados, enquanto valores fundamentais indisponíveis, pela nota de uma essencial inexauribilidade.424
Cuida-se, na verdade, do resultado de novas
reivindicações fundamentais do ser humano, geradas, dentre outros fatores,
pelo impacto tecnológico, pelo estado crônico de beligerância, bem como
pelo processo de descolonização do segundo pós-guerra e suas
contundentes conseqüências [...]425
Já foram identificados pela doutrina cinco direitos de
terceira geração: direito ao desenvolvimento, à paz, ao meio ambiente, à
propriedade sobre o patrimônio comum da humanidade, à comunicação, os
direitos dos consumidores, de determinados grupos de pessoas mais
vulneráveis (criança, idoso, deficiente físico, etc) e outros podem estar
surgindo ou vir a surgir devido à expansão universalista dos direitos
fundamentais. "Este é um processo sem fim".426
Os direitos individuais passaram a ser vistos não mais
como valores absolutos, mas foi-lhe reconhecida uma função social. Sobre
a terceira geração de direitos, Bobbio , leciona como se tratando de direitos
423 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos Humanos Fundamentais , p. 57. 424 STF- Pleno – MS 22164 SP – Rel. Min. Celso de Mello, Diário da Justiça, Seção I, 17 de
novembro de 1995, p. 39. 425 SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais , p. 54. 426 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional , p. 2.
118
cujos sujeitos não são os indivíduos, mas sim, os grupos de indivíduos,
grupos humanos como a família, o povo, a nação e a própria
humanidade.427
Atuando como direitos de caráter preponderantemente defensivo, poderiam enquadrar-se, na verdade, na categoria dos direitos da primeira dimensão, evidenciando assim a permanente atualidade dos direitos de liberdade, ainda que com nova roupagem e adaptados às exigências do homem contemporâneo. 428
Bonavides 429, já reconhece a existência de direitos de
quarta geração, que decorreria da atual globalização econômica e política,
tais como a democracia, o direito à informação e ao pluralismo.
Os ditos direitos de quarta dimensão, que se referem à
informática e à manipulação genética lato sensu, ou biodireito, encontram-
se todavia em estágio ainda embrionário, quando analisados sob o prisma
do constitucionalismo contemporâneo.430
Há autores431 que já falam em direitos de quinta
geração, como aqueles a serem desenvolvidos e articulados para suprir o
sentimento de carência do ser humano quanto aos sentimentos de amor e
cuidado, e como forma de impedir a tirania dos preconceitos com raças ou
padrões reputados inferiores ou fisicamente imperfeitos.432
No que se refere à terminologia, o vocábulo ‘dimensão’
substitui, com vantagem lógica e qualitativa, o termo ‘geração’, caso este
último venha a induzir apenas sucessão cronológica e, portanto, suposta
caducidade dos direitos das gerações antecedentes, o que não é
427 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos , p. 13. 428 SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais , p. 55. 429 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 8.ed. rev. atual. e ampl. São Paulo:
Malheiros Editores, 1999. 430 CRUZ, Paulo Márcio. Fundamentos do Direito Constitucional , p. 164. 431 LAING, LEBECH, MARZOUKI e TEHRARIAN. 432 SAMPAIO, José Adércio Leite. Direitos Fundamentais: Retórica e Historicidade, p. 302.
119
verdade.433
Falar em “dimensões” é melhor do que “gerações” de
direitos fundamentais, tendo em vista as gerações anteriores não
desaparecem com o surgimento das mais novas.
É que os direitos gestados numa geração ganham outra
dimensão com o surgimento de uma geração sucessiva. Dessa forma,
temos que o direito individual de propriedade, num contexto em que se
reconhece a segunda dimensão dos direitos fundamentais, só pode ser
exercido observando-se sua função social, e com o aparecimento da
terceira dimensão, observando-se igualmente sua função ambiental.434
O reconhecimento progressivo de novos direitos fundamentais tem o caráter de um processo cumulativo, de complementaridade, e não de alternância, de tal sorte que o uso da expressão ‘gerações’ pode ensejar a falsa impressão da substituição gradativa de uma geração por outra, razão pela qual há quem prefira o termo ‘dimensões’ dos direitos fundamentais [...] 435
O estudo pode ainda ser feito em dimensões (analítica,
empírica e normativa) de acordo com a doutrina de Guerra Filho436:
A dimensão analítica, donde se tem um
aperfeiçoamento conceitual a ser utilizado na investigação, num trabalho de
diferenciação entre as várias figuras e institutos jurídicos localizados em
nossa área de estudo.
Na dimensão denominada empírica, toma-se como
instrumento de estudo, amostras palpáveis do direito, ou seja, como
determinadas manifestações concretas do direito, tal como se apresentam
nas leis, normas do gênero e principalmente na jurisprudência.
433 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional , p. 525. 434 GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo Constitucional e Direitos Fundamentais , p. 40. 435 SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais , p. 50. 436 GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo Constitucional e Direitos Fundamentais , p. 98.
120
Por fim, a dimensão normativa é aquela manifestação
de poder, apoiada em um saber, com o compromisso de complementar e
ampliar, de modo compatível com suas matrizes ideológicas, a ordem
jurídica estudada.
Considerando a maneira como os direitos fundamentais
nasceram, bem como os valores que busca garantir, eles podem ser
analisados sob várias óticas e deles serem extraídas algumas
características que lhe são comuns: historicidade, universalidade,
relatividade e irrenunciabilidade437.
Com base na sua definição, os direitos fundamentais se
distinguem dos demais pelas características de universalidade,
generalidade e abstração, indisponibilidade e inalienabilidade.438
Os direitos fundamentais não podem ser tidos como
absolutos, de aplicação ilimitada, uma vez que ao exercitá-los um deles
poderá conflitar com outro.
Os direitos e garantias fundamentais consagrados pela
Constituição Federal, portanto, não são ilimitados, uma vez que encontram
seus limites nos demais direitos igualmente consagrados pela Carta Magna
(Princípio da relatividade ou convivência das liberdades públicas).439
A própria Declaração dos Direitos Humanos das nações Unidas440, em seu artigo 29, assevera que toda pessoa tem deveres com a comunidade, posto que somente nela pode-se desenvolver livre e plenamente sua personalidade. No exercício de seus direitos e no desfrute de suas liberdades, todas as pessoas estarão sujeitas às limitações estabelecidas pela lei, com a única finalidade de
437 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo , p.185. 438 FERRAJOLI, Luigi. Los Fundamentos de Los Derechos Fundamentales . In Los
Fundamentos de Los Derechos Fundamentales, p. 292. 439 MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Co nstitucional ,
p. 169. 440 Adotada e proclamada pela resolução 217 A (III) da Assembléia Geral das Nações Unidas em
10 de dezembro de 1948.
121
assegurar o respeito dos direitos e liberdades dos demais, e de satisfazer as justas exigências da moral, da ordem pública e do bem-estar de uma sociedade democrática [...]441
Como já explicitado, os direitos fundamentais não são
apenas direitos individuais contra abusos estatais, mas elementos
fundantes da ordem democrática, portanto é compreensível que não
estejam à disposição de seus titulares.442
Decorre então que, no Brasil, sob teoria democrático-
funcional dos direito fundamentais, os destinatários desses direitos não
podem a eles renunciar, apesar de ter a faculdade de escolher o momento
de exercê-los.
Essa posição encontra resistência nos adeptos à teoria
liberal acerca dos direitos fundamentais, para os quais sendo esses direitos
conquistados para garantir a ingerência estatal em esferas estritamente
individuais, nada mais coerente do que aceitar a liberdade de não exercitá-
los.443
Atualmente, se procura desenvolver a superação do
restrito âmbito dos Estados nacionais e o seu reconhecimento e proteção
na esfera do Direito das Gentes. Segundo Bonavides, os direitos
fundamentais já não estão mais nas mãos dos indivíduos, e esses direitos
ganham um sentido novo de globalidade, de universalidade, em que não é
o Estado isolado que irá assegurá-los mas uma comunidade de Estados ou
toda a comunidade de Estados. 444
A proteção aos direitos fundamentais não pode ficar
reduzida apenas à jurisdição doméstica de cada Estado porque o tema é de
441 Declaração dos Direitos Humanos das nações Unidas , artigo 29 442 SILVA, Virgílio Afonso da. A Constitucionalização do Direito : os direitos fundamentais nas
relações entre particulares, p. 129. 443 SILVA, Virgílio Afonso da. A Constitucionalização do Direito : os direitos fundamentais nas
relações entre particulares, p. 128-129. 444 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional , p. 521.
122
interesse internacional. Para Piovesan,445 essa visão traz como
conseqüências: o enfraquecimento da noção de soberania do Estado e o
amadurecimento da idéia de que o indivíduo, na condição de sujeito de
Direito, deve tê-los protegidos na esfera internacional.
Certo é que, após a Segunda Guerra Mundial, sentindo
a necessidade de estreitar os laços de solidariedade internacional e de se
criarem mecanismos internacionais garantidores dos direitos fundamentais,
foram afirmados pela Declaração dos Direitos do Homem, em 1948, os
direitos individuais, sociais e políticos, ficando reconhecida, assim, uma
nova ordem social.
Essa nova ordem vai refletir também no direito
fundamental de propriedade, relativizando-o frente aos anseios de
solidariedade mundial.
3.4 A PROPRIEDADE COMO DIREITO FUNDAMENTAL
Atualmente, se entende a propriedade como um
instituto cujo conteúdo quem determina é o direito positivo, é um complexo
de normas jurídicas de direito privado e de direito público.
A propriedade contemporânea se encontra arrimada em dois princípios jurídicos que conduzem à sua compreensão como faculdade do sujeito ativo de exigir a abstenção dos sujeitos passivos na ingerência da coisa, para possibilitar suas faculdades reais na mesma, bem como do dever desse sujeito, agora na condição passiva do adimplemento, volver o domínio em prol do coletivo, funcionalizando-o, de modo que o bem atenda o fim
445 PIOVESAN, Flávia. A Constituição brasileira de 1988 e os tratados int ernacionais de
proteção dos direitos humanos. Revista da AJURIS, p. 02.
123
social que lhe é destinado.446
As normas de Direito Privado sobre a propriedade hão
que ser compreendidas em conformidade com a disciplina que a
Constituição lhe impõe. 447
O Direito de propriedade, assegurado pela Carta Magna
em seu artigo 5º, está estabelecido como norma positiva de nível
fundamental, contudo, sua dimensão deve ser proporcionalizada, não
podendo superar o interesse público.448
O direito à propriedade trata-se de um direito
constitucional visto com a mesma relevância do direito à vida, pois ambos
estão disciplinados no mesmo Título “Dos direitos e garantias
fundamentais”. Porém, diferentemente do que acontece com o Direito a
vida que não há óbice para seu exercício, o Direito à propriedade, tem seu
exercício condicionado à função social, ou seja a ordem jurídica confere ao
“proprietário” um poder que deve conjugar seu próprio interesse, o do
Estado e o da sociedade.
O respeito aos deveres fundamentais, ligados à
propriedade privada, são objeto de uma política pública, que está
implicitamente determinada quando a Constituição declara(em seu artigo
3º) como objetivos fundamentais do Estado brasileiro, a construção de uma
sociedade livre, justa e solidária, a promoção do desenvolvimento nacional,
bem como a erradicação da pobreza e da marginalização, com a redução
das desigualdades sociais e regionais.
Os instrumento clássico para a realização da política de
redistribuição de propriedades não representa o sacrifício de um direito
446 ARONNE, Ricardo. Propriedade e Domínio: Reexame Sistemático das Noções Nucleares de
Direitos Reais, p. 182. 447 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo , p.265. 448 KICH, Bruno Canísio. A Propriedade na Ordem Jurídica Econômica e Ideológ ica , p. 43.
124
individual, constitui, na verdade, a imputação de sanção, pelo
descumprimento do dever, a que todo proprietário tem, de dar aos bens
uma destinação social.
Abarcada a propriedade por esse âmbito, não se faz necessária a abstração ficcional de criação de contradireitos, para dar limites externos à propriedade, porque os limites passam ao seu interior, não sendo a mesma absoluta de modo algum, e tais limites vinculam materialmente o proprietário, configurando-se como obrigações, quando extraído o domínio de seu interior.449
Aquele que não cumpre a função social da propriedade,
que é um dever social do proprietário, perde suas garantias, pois está
impedindo o acesso a um direito fundamental do outro.
O sentido de poder exclusivo e absoluto, que se exerce
sobre determinada coisa, em caráter permanente, não se mostra arbitrário
e infinito; vai até onde não impeça a natural limitação, imposta pela
concorrência de outro direito igual ou superior a ele.450
Então, toda propriedade privada constitui um direito
fundamental do ser humano e por esta razão necessita de proteção
constitucional, ou seja a não utilização racional do direito fundamental da
propriedade gera um descumprimento do dever fundamental da função
social que deve ser cumprido, e causa dano aos direitos humanos do
próximo.
Ao mesmo tempo em que a propriedade prevê prestações jurídicas negativas por parte de todos os não proprietários, há em seu bojo, obrigações positivas, as quais tem como sujeito passivo o proprietário.[...] São obrigações de fazer que decorrem do princípio da função social, cuja abstenção do proprietário caracteriza inadimplemento podendo levar ao extremo da perda do bem da vida. Tais deveres não admitiriam jamais um rol exaustivo, eis decorrentes de uma norma de conteúdo aberto, que
449 ARONNE, Ricardo. Propriedade e Domínio: Reexame Sistemático das Noções Nucleares de
Direitos Reais, p. 181. 450 DE PLÁCIDO E SILVA. Vocabulário Jurídico, v ol. III, p. 477.
125
informa a conduta proprietária [...] 451
Cada um deve ter os bens não apenas como próprios,
mas como comuns, isto é, a propriedade privada não é ilimitada, mas deve
ter, em benefício comum, uma função social.452
O conteúdo a ser dado ao direito será definido com
base no contexto humano atual, embasado numa ética do bem em
benefício de todos, dando-se dessa forma um conteúdo específico ao
direito. Este conteúdo está presente na proteção integral do e garantia dos
direitos fundamentais, garantindo em último plano a dignidade do ser
humano.
Neste ponto, verifica-se o comprometimento do Estado
e da Sociedade em restabelecer um pacto renovado de compromissos de
preservação e plena realização da dignidade da pessoa humana, com base
em normas de conteúdo material que visam diminuir desigualdades e
reduzir conflitos.
[...] a dignidade da pessoa humana constitui um valor que atraia a realização dos direitos fundamentais do homem, em todas as suas dimensões, e, como a democracia é o único regime político capaz de propiciar a efetividade desses direitos, o que significa dignificar o homem, é ela que se revela como o seu valor supremo, o valor que a dimensiona e humaniza.453
Por ser um valor universal, a dignidade da pessoa
humana não depende do tipo de sociedade, de ideologia, de organização
político-social, devendo ser sempre preservada e permitindo uma
convivência social baseada no respeito e inclusão social.
451 ARONNE, Ricardo. Propriedade e Domínio: Reexame Sistemático das Noções Nucleares de
Direitos Reais, p. 180-181. 452 MOREIRA, Aroldo. A propriedade sob diferentes conceitos , p.81. 453 SILVA, José Afonso da. "A dignidade da pessoa humana como valor supremo da
democracia" . Revista de Direito Administrativo, vol. 212, p. 46.
126
Fundamental na preservação da dignidade da pessoa
humana é a realização plena da igualdade em sentido material, ou seja,
proporcionar a igualdade de oportunidades para que todos os seres
humanos possam se desenvolver de forma harmônica e coerente.
Não basta, porém, a liberdade formalmente reconhecida, pois a dignidade da pessoa humana, como fundamento do Estado Democrático de Direito, reclama condições mínimas de existência, existência digna conforme os ditames da justiça social como fim da ordem econômica. É de lembrar que constitui um desrespeito à dignidade da pessoa humana um sistema de profundas desigualdades, uma ordem econômica em que inumeráveis homens e mulheres são torturados pela fome, inúmeras crianças vivem na inanição, a ponto de milhares delas morrerem em tenra idade.454
A realização efetiva dos direitos fundamentais será uma
inesgotável tarefa a cumprir, um constante processo da democracia, um
estímulo ao envide de esforços; por mais que se avance no asseguramento
dos direitos fundamentais, haverá um novo estádio a galgar, rumo à
excelência.455
Inobstante todo este progresso técnico-científico, o
homem não evolui tanto no aspecto humanístico, em especial na esfera da
ética e no plano espiritual. O homem ainda tem muito do egoísmo primitivo,
não sendo muitas vezes guiado por um padrão mental de harmonia social
mais elevado.
Tratando da natureza jurídica da propriedade, Silva
afirma que o regime jurídico da propriedade tem o seu fundamento na
Constituição, não podendo mais ser considerada uma instituição de Direito
Privado nem um direito individual. Entende que deveria ser prevista apenas
454 SILVA, José Afonso da. A dignidade da pessoa humana como valor supremo da
democracia . Revista de Direito Administrativo, vol. 212, p. 93. 455 ROTHENBURG, Walter Claudius. Direitos fundamentais e suas características . Revista de
Direito Constitucional e Internacional, ano: 8, n. 30, p. 151.
127
como uma instituição da ordem econômica.456
Britto discorda do entendimento de que o regime
jurídico da propriedade, em sendo constitucional, não mais possa ser
considerado um direito individual, pois, o perfil constitucional da
propriedade é o individualista e não solidarista.457
O Texto Constitucional, ao dar independência à proteção da propriedade, tornando-a objeto de um inciso próprio e exclusivo, deixa claro que a propriedade é assegurada por si mesma, erigindo-se uma das opções fundamentais do Texto Constitucional, que assim repete modalidades outras de resolução da questão dominial como, por exemplo, a coletivização estatal.458
Decorre deste entendimento que a propriedade é
assegurada por si mesma, que a função social seria como uma restrição ao
direito fundamental de propriedade.
Mas esta concepção de direito fundamental como
proposições prima facie (chamada teoria externa) sugere a existência de
duas coisas – o direto e a restrição – e esta relação é criada apenas por
uma necessidade externa ao direito, para compatibilizar direitos individuais
e bens coletivos.459
Mas este entendimento não é aceito por muitos autores
que alegam que a função social está ligada ao próprio conceito de
propriedade, que esta sem aquele limite não é garantida pela Carta
Constitucional.
O Direito Civil resta constitucionalizado, “publicizado”,
por se alimentar de valores que fogem de sua regulação e o imbricam em
456 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo , p. 287. 457 BRITTO, Carlos Ayres. Direito de Propriedade : o novo e sempre velho perfil constitucional da
propriedade in Revista de Direito Público, ano 22, p.44-51. 458 BASTOS, Celso Ribeiro & MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil , v.
I, p.124. 459 ALEXY, Robert. Teoria de los Derechos Fundamentales , p. 268.
128
um sentido de coletividade e cidadania, classicamente inconcebíveis na
espécie.460
O processo de publicização do Direito Privado, trouxe
uma nova concepção aos direitos fundamentais, que não podem mais
atender de forma plena as liberdades individuais, senão interligando-as às
liberdades sociais.
Os Direitos Fundamentais exerciam preponderantemente funções limitativas (o exercício da liberdade individual só é limitado pelo exercício da liberdade de outro). Hoje, seu maior papel está em ações constitutivas operadas tanto pelo Estado como pelos agentes privados. Esta compreensão nova e inovadora dos Direitos Fundamentais está pautada numa premissa essencial que é a de que liberdades individuais são indissociáveis das liberdades sociais ou coletivas. A realização do indivíduo não é passível de ser alcançada sem a concreta difusão das liberdades pela sociedade como um todo. 461
A teoria interna462, que trata do direito fundamental como
concepção definitiva, sugere a impossibilidade de restrição à estes direitos,
pois eles já apresentam os limites em seu conteúdo.
É necessário salientar, que a garantia do Direito
Fundamental deve se dar em consonância com a delimitação imposta em
determinado sistema jurídico, no caso brasileiro da propriedade, o limite
está na sua função social, não fosse assim, ter-se-ia um direito absoluto
difícil de ser garantido em toda sua extensão.463
Para Friedrich Klein, de acordo com as leis da lógica
pura não pode existir uma relação de restrição às disposições
460 ARONNE, Ricardo. Propriedade e Domínio: Reexame Sistemático das Noções Nucleares de
Direitos Reais, p. 165. 461 DERANI, Cristiane. Direito Ambiental Econômico , p. 220-221. 462 ALEXY, Robert. Teoria de los Derechos Fundamentales , p. 269. 463 KICH, Bruno Canísio. A propriedade na Ordem Jurídica Econômica e Ideológ ica , p. 123.
129
fundamentais.464
No entender de Schmitt todos os direitos fundamentais
autênticos são direitos fundamentais absolutos. A propriedade teria sido
relativizada pela limitação de seu conteúdo em virtude da função social, não
podendo ser considerada como um direito fundamental, mas uma garantia
constitucional.465
A distinção entre direitos e garantias fundamentais, no direito brasileiro, remonta a Rui Barbosa, ao separar as disposições meramente declaratórias, que são as que imprimem existência legal aos direitos reconhecidos, e as disposições assecuratórias, que são as que, em defesa dos direitos, limitam o poder. Aquelas instituem os direitos; estas, as garantias; ocorrendo não raro juntar-se, na mesma disposição constitucional, ou legal, a fixação da garantia com a declaração do direito.466
A garantia constitucional é uma garantia que disciplina e
tutela o exercício dos direitos fundamentais, ao mesmo tempo que rege
com proteção adequada, nos limites da Constituição, o funcionamento de
todas as instituições existentes no Estado.467
Tem como função, dar proteção efetiva e concreta ao direito, abstrata e legalmente reconhecido. As garantias jurisdicionais das normas jurídicas são meios práticos ou remédios que o Estado prepara e utiliza, por iniciativa própria ou por provocação dos particulares, contra a inobservância do direito objetivo. Desse modo, as garantias processuais, inerentes à atuação da jurisdição operam nas relações humanas para, prescindindo da vontade do obrigado, conseguir o mesmo resultado prático (ou um resultado equivalente que se teria obtido caso a norma jurídica tivesse sido observada voluntariamente.468
Conceitualmente, as garantias são meios de proteção
oferecidos ao indivíduo, frente a outros indivíduos e frente ao legislador e
464 Apud ALEXY, Robert. Teoria de los Derechos Fundamentales , p. 268. 465 SCHMITT, Carl. Teoria de la Constitución, p. 171-176. 466 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional , p. 61. 467 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional , p. 493-503. 468 CAMBI, Eduardo. Direito Constitucional à Prova no Processo Civil , v.3, p. 94.
130
terceiros, para quando haja violação de seus direitos. Não são nítidas,
porém, as linhas divisórias entre direitos e garantias fundamentais.
Outros autores como Canotilho, entendem que as
clássicas garantias são também direitos do cidadão, para exigir dos
poderes públicos a proteção de seus direitos.469
Sendo as garantias próprios direitos, ressalta-se que há
compatibilidade entre relativização e direitos fundamentais, conforme já
apresentado.
Atualmente, o direito individual não pode mais ser
considerado isolado ou desvinculado do interesse público, é apenas um
instrumento para a realização do bem-estar coletivo.
Assim sendo, as liberdades individuais possuem limites internos, que respeitam a justa dimensão operacional do bem juridicamente protegido, ou dos valores da dignidade humana que os mesmos representam. Sujeitam-se, além disso, a limites externos, que advêm da necessidade lógica do sistema constitucional de garantir, em perspectiva global, a realização simultânea da grande série de direitos e correspondentes valores por ela patrocinados (a exemplo da ordem pública, da moral social, da privacidade, da autoridade do Estado e etc.), cuja conciliação pode ensejar, e não raro enseja, conflito prático entre valores ou colisões de direitos igualmente fundamentais.470
Os direitos fundamentais não só asseguram situações
de indivíduos particulares mas também servem para definir os valores e fins
da estrutura política constitucional. Tem, assim, os direitos fundamentais
uma finalidade individual e uma finalidade coletiva. 471
O Estado, e os homens que o compõe, deve ter como
objetivo o bem comum, jamais sacrificando os direitos considerados
469 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional , p. 520. 470 CASTRO, Carlos Roberto Siqueira. A Constituição Aberta e os Direitos Fundamentais :
ensaios sobre o constitucionalismo pós-moderno e comunitário, p. 65. 471 CRUZ, Paulo Márcio. Fundamentos do Direito Constitucional , p.156.
131
fundamentais ao ser humano.
Os direitos fundamentais nascem para reduzir a ação
do Estado aos limites impostos pela Constituição, sem contudo
desconhecerem a subordinação do individuo ao Estado,como garantia que
de que eles operem dentro dos limites impostos pelo direito. 472
Com efeito, diante dessa subordinação dos interesses
privados frente aos interesses da coletividade, representada pelo Estado,
não se pode mais conceber o direito privado como um feudo, dentro do qual
reina a vontade absoluta de seu senhor.473
Não raro, alguns interesses econômicos globalizantes,
impactam os Direitos Fundamentais, e segundo o Garantismo a
consistência desses direitos deve ser assegurada pela vinculação dos três
poderes do Estado à este Direitos.
En esta sujeción del juez a la Constitución, y, en consecuencia, en su papel de garante de los derechos fundamentales constitucionalmente establecidos, está el principal fundamento actual de la legitimación de la jursidicción y de la independencia del poder judicial de los demás poderes, legislativo y ejecutivo, aunque sean – o pricisamente porque son – poderes de mayória. Precisamente porque los derechos fundamentales sobre los que se asienta la democracia sustancial están garantizados a todos y a cada uno de manera incondicionada, incluso contra la mayoría(...)474
Para a noção da propriedade com justa distribuição de
benefícios e encargos garantindo uma cooperação social, o proprietário da
472 LAVIÉ, Quiroga. Derecho Constitucional , p. 123. 473 LUDWIG, Marcos de Campos. Direito Público e Direito Privado: A Superação da D icotomia
in Reconstrução do direito Privado, p. 99. 474 FERRAJOLI, Luigi. Derechos y Garantias , p.26. “Nesta sujeição do juiz à Constituição, e, em
conseqüência, no seu papel de garantidor dos direitos fundamentais constitucionalmente estabelecido, está o principal fundamento atual da legitimação da jurisdição e da independência do poder judicial dos demais poderes, legislativo e executivo, que seriam – ou precisamente porque são - poderes de maioria. Precisamente porque os direitos fundamentais sobre os quais se assenta a democracia substancial estão garantidos a todos e a cada um de maneira incondicionada, inclusive contra a maioria (...)”
132
terra que não lhe der ocupação para produção e destino econômico, estará
com sua conduta deixando de produzir bens necessários ao abastecimento
da comunidade. 475
O equilíbrio das forças sociais é resultado da constante harmonia entre direitos opostos. Em benefício do bem comum não prevalece nunca o interesse que consubstancia direito exclusivo, egoístico e particular (...) A comunhão social não seria possível sem a obrigação individual de sacrificar interesse privado em favor de interesse comum.476
Diante do exposto, poder-se-ia traçar uma analogia
entre a soberania dos Estados contemporâneos vinculada aos Tratados
internacionais, e a Propriedade condicionada à Função Social, ambas
submetidas aos direitos humanos.477
Toda essa argumentação não invalida, antes convalida,
a regra geral da propriedade privada. Diante do equilíbrio de interesses, é
conferida ao proprietário a garantia de inviolabilidade da propriedade
privada, quando este satisfaz os superiores interesses coletivos, inspirados
no mais alto sentido social.478
Esta nova concepção socializante da propriedade, não
quer exprimir o sentido empregado pelo Marxismo, que visava a
substituição do proprietário particular pelo Estado (estatização).
Em geral, as Constituições – inclusive no
constitucionalismo social – reconhecem expressamente o Direito de
Propriedade, que pode estar limitado, mas não radicalmente suprimido. 479
A propriedade individual pode e deve subsistir como
regra ao lado de bens diretamente administrados pelo Estado, isto é, na
475 KICH, Bruno Canísio. A propriedade na Ordem Jurídica Econômica e Ideológ ica , p. 115. 476 MOREIRA, Aroldo. A propriedade sob diferentes conceitos , p. 83-84. 477 KICH, Bruno Canísio. A propriedade na Ordem Jurídica Econômica e Ideológ ica , p. 116. 478 MOREIRA, Aroldo. A propriedade sob diferentes conceitos , p. 85. 479 CRUZ, Paulo Márcio. Fundamentos do Direito Constitucional , p.208.
133
compreensão solidária dos respectivos valores.480
A disponibilidade total sobre o bem, ou sua acumulação
para estoque de algumas pessoas, esbarra na necessidade do uso das
coisas em favor da comunidade.
A mesma teoria jurídica que protege e garante um valor
tem a obrigação de atribuir a delimitação desta garantia para que possa,
proteger e garantir os valores dos demais indivíduos que compõem a
população de seu território481.
Ademais, sendo assegurado o direito de uso e fruição
da coisa através da proteção da propriedade, e havendo inércia por parte
de seu titular, deixa de ser lógica a garantia da propriedade por quem a
abandonou enquanto outros a necessitam para subsistência.
O proprietário não pode negligenciar o bem da vida que
possui, sem aproveitá-lo razoavelmente, abandonando-o, sob pena de ter a
propriedade perdida por dominus negligente, mediante intervenção
estatal.482
Portanto, não é possível a defesa do direito subjetivo da
propriedade, previsto em lei sem considerar a sua legitimidade, derivada
do consenso da representatividade da comunidade onde se devem aplicar
as normas que dizem as liberdades e direitos subjetivos. 483
Em conclusão, o espírito humano vive em perpétuo
examinar-se, nada é definitivo no mundo, as próprias palavras que
exprimem conceitos de maior relevância assumem sentidos muito
480 MOREIRA, Aroldo. A propriedade sob diferentes conceitos , p. 84. 481 KICH, Bruno Canísio. A propriedade na Ordem Jurídica Econômica e Ideológ ica , p. 43. 482 ARONNE, Ricardo. Propriedade e Domínio: Reexame Sistemático das Noções Nucleares de
Direitos Reais, p. 181-182. 483 KICH, Bruno Canísio. A Propriedade na Ordem Jurídica Econômica e Ideológ ica , p. 189.
134
diferentes, conforme as diversas ideologias.484
E a evolução jurídica do liberalismo em busca de justiça
social, se faz necessária diante da perda de contato do mundo jurídico com
o mundo social.
À medida que se desce às particularidades da vida social e aos preceitos secundários (...) a universalidade deixa de ser tão ampla, surgem as exceções mais freqüentemente, a limitação dos direitos ocorre ante circunstâncias que a justificam (...) O direito de propriedade é limitado por exigências do bem comum e imperativos de justiça social.485
A função social de um direito subjetivo é que organiza e
legitima as relações de dominação.Nessa transformação de mentalidade,
certas posições tradicionais urgem revista, colocando-as em harmonia com
os valores emergentes.
Os direitos subjetivos perderam o cunho nitidamente
egoísta que os caracterizava; limitações mais ou menos extensas lhes
foram impostas em nome do interesse coletivo, da ordem pública, dos bons
costumes.486
O interesse comum deve prevalecer por ter como
componente da sua harmonização o interesse individual de cada um dos
membros da comunidade.
Deflagra-se, em verdade, uma ruptura significativa de
uma situação historicamente sedimentada, isto é, conceituação
individualista, para adotar-se outra dominantemente socialista, produzindo
até certo ponto uma fratura no campo ideológico do sistema jurídico,
484 MOREIRA, Aroldo. A propriedade sob diferentes conceitos , p. 87. 485 MOREIRA, Aroldo. A propriedade sob diferentes conceitos , p. 89. 486 LUNA, Everardo da Cunha. Abuso de Direito , p. 39.
135
levando praticamente à sucumbência o individualismo tradicional.487
O direito individual não pode ser exercido ou mesmo
concebido em prejuízo da coletividade. O pluralismo suplanta o
individualismo, axiologicamente considerado.488
O objetivo da sociedade, em sua trajetória e em todas as épocas, tem como pilar e perspectiva a medida possível de conceder felicidade e bem-estar às criaturas humanas, por via das instituições e dos remanejamentos políticos, econômicos e sociais, como por meio da lei e de sua aplicação. Tudo sempre repensado sincreticamente em razão das prerrogativas do homem, sob a égide do Direito voltado para a defesa e decantação dos objetivos superiores da justiça, da paz e do bem comum, aureolados segundo um imperativo ético.489
A função social da propriedade, não extingue com
característica de fundamental do direito de propriedade, apenas contribui,
na medida que se cada um puder apenas se apropriar dos bens que
consegue empregar destinação útil, haverá mais possibilidade de que
outros a conquistem e tenham assegurado seu direito fundamental de
propriedade, de vida, de trabalho e de dignidade.
3.5 A PROPRIEDADE INTELECTUAL COMO DIREITO FUNDAMEN TAL
A Constituição brasileira garante a propriedade em nível
de direito fundamental, transportando para o campo da propriedade
imaterial, o legislador constitucional também preconizou sua proteção,
dentro do capítulo dos direitos fundamentais.
Art. 5°, XXVII – aos autores pertence o direito ex clusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas obras, transmissível
487 MOREIRA, Aroldo. A propriedade sob diferentes conceitos , p. 90. 488 ARONNE, Ricardo. Propriedade e Domínio: Reexame Sistemático das Noções Nucleares de
Direitos Reais, p. 41. 489 MOREIRA, Aroldo. A propriedade sob diferentes conceitos , p. 100.
136
aos herdeiros pelo tempo que a lei fixar;
XXVIII – são assegurados, nos termos da lei: a proteção às participações individuais em obras coletivas e à reprodução da imagem e voz humanas, inclusive nas atividades desportivas; o direito de fiscalização do aproveitamento econômico das obras que criarem ou de que participarem aos criadores, aos intérpretes e às respectivas representações sindicais e associativas;
XXIX - a lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio temporário para sua utilização, bem como proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País;
Porém, numa análise do direito de propriedade
intelectual na Constituição, verifica-se que a norma pertenceria mais ao
campo da ordem econômica do que, propriamente, do campo dos Direitos e
Garantias Fundamentais do Homem.
Com efeito, tem-se que não há direito natural aos bens
intelectuais490, sendo garantidos apenas o que expressamente tem proteção
mediante as leis de propriedade intelectual, o que permanece fora do
escopo específico da proteção fica no domínio comum da humanidade.491
Quanto à inexistência de um direito natural egoístico e
exclusivo às criações intelectuais é de que o elemento de partida da criação
intelectual é sempre o repositório precedente, cultural e técnico, da
humanidade.492
A criação intelectual nunca é um labor egoísta, ela é
sempre relativa, pois envolve diversos agentes da sociedade. Portanto, a
tutela das criações encontra limites nas demais liberdades e garantias
constitucionais.
490 BARBOSA, Denis Borges. Uma Introdução à Propriedade Intelectual , p. 88. 491 GAMA CERQUEIRA, João da. Tratado de Propriedade Industrial , p. 379. 492 BARBOSA, Denis Borges. Uma Introdução à Propriedade Intelectual , p. 92.
137
A regulamentação positiva dos resultados da atividade
do intelecto resultou sempre de uma escolha e freqüentemente de um
compromisso entre duas exigências contrastantes: o interesse da
coletividade em utilizar livre e imediatamente o resultado, e o interesse do
autor em reservar para si o emprego econômico, ou ao menos em retirar
proveito do aproveitamento alheio.493
Do reconhecimento constitucional da propriedade
intelectual como direito fundamental não se pode concluir que ela deva ser
assim considerada na análise do caso concreto. Pois os direitos
fundamentais protegem a dignidade da pessoa humana e representam a
contraposição da justiça ao poder de forma a garantir a liberdade
humana.494
Provavelmente haveria alguma razão para listar entre
os direitos fundamentais o estrato moral dos direitos autorais e de
propriedade industrial [...] quanto ao aspecto patrimonial de tais direitos, ou
se adota a posição de que não tem natureza de direito fundamental ou que
estariam corretamente vinculados ao artigo 5°, mas integralmente
submetidos às limitações das propriedades em geral – especialmente a do
uso social [...]495
As disposições acerca da propriedade intelectual têm
antes o aspecto de comando constitucional dirigido ao legislador ordinário –
reprise-se: ‘a lei assegurará...’ – e não propriamente um reconhecimento
automático de um direito fundamental do autor intelectual.496
O direito aos bens intelectuais é dado de acordo com a
vontade e conveniência da sociedade, [...] é um movimento de política, e 493 CHAVES, Antonio. Direito de Autor , vol.I – Princípios Fundamentais, p. 8-9. 494 COMPARATO, Fábio Konder. Direitos e deveres fundamentais em matéria de propr iedade .
Revista do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, n. 7, p. 73-88. 495 BARBOSA, Denis Borges. Uma Introdução à Propriedade Intelectual , p. 92. 496 FURTADO, Lucas Rocha. Sistema de Propriedade Industrial no Direito Brasil eiro , p. 83.
138
política econômica mais do que tudo, e não um reconhecimento de um
estatuto fundamental do homem.497
O dispositivo que define e assegura a propriedade
intelectual está entre os direitos individuais, sem razão plausível para isso,
pois evidentemente não tem natureza de direito fundamental do homem.
Caberia entre as normas da ordem econômica.498
Destarte, a CRFB não só indica a tutela dos direitos
subjetivos, interesses individuais, à produção autoral, mas também aponta
para a existência de interesses coletivos ou societários no mesmo âmbito
temático, cometendo ao Estado o dever de garantir o acesso a tais objetos
culturais. Tais como os dispositivos:
Art. 215 – O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais.
(...)
Art. 216 – Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:
I – as formas de expressão;
II – os modos de criar, fazer e viver;
III – as criações científicas, artísticas e tecnológicas;
IV – as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais;
V – os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.
497 BARBOSA, Denis Borges. Uma Introdução à Propriedade Intelectual , p. 90. 498 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo , p. 245-246.
139
Enquanto aos autores de obras intelectuais de
predominância literária, artística e científica é enfatizado o aspecto privado
desse direito pessoal e exclusivo, como um direito fundamental da pessoa
humana garantida pela carta das Nações Unidas, a proteção aos inventos,
às marcas estará diretamente relacionada ao interesse social e ao
desenvolvimento econômico do país.499
A Ordem Econômica e Financeira no Brasil pugna pelo
princípio da livre concorrência (artigo 170, inciso IV), então visa a proteção
da propriedade intelectual, como forma de garantir a busca de novas
tecnologias e conseqüentemente produzir o desenvolvimento nacional.
Apesar dessa vinculação da propriedade intelectual à
preceitos de ordem econômica e financeira , e de suas limitações frente à
função social, assim como a propriedade lato sensu, a propriedade
intelectual também trata-se de um direito fundamental.
499 ABRÃO, Eliane Y. Direito autoral e propriedade industrial como espéc ies do gênero
propriedade intelectual. Suas relações com os demai s direitos intelectuais. Revista dos Tribunais, v. 739, p. 90.
140
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente trabalho teve como objetivo investigar a
propriedade, os aspectos intrínsecos e extrínsecos que afetam o instituto, à
luz da constituição brasileira e, em caráter específico verificar a
abrangência da propriedade intelectual como direito fundamental na
constituição brasileira.
O interesse pelo tema abordado deu-se em razão de
sua atualidade e pela diversidade de modo que o tema vem sendo
abordado no contexto nacional.
A dificuldade na elaboração do trabalho foi mediana em
razão de que muitas das bibliografias utilizadas são por demais antigas em
suas edições, embora atuais quanto ao tema abordado. Colaboraram
substancialmente para a obtenção das obras o acervo da biblioteca da
UNIVALI, a biblioteca do Tribunal de Justiça de Santa Catarina e sua
respectiva página na internet e também a estante operacional do Centro de
Pós-graduação em Direito - CPGD da Universidade Federal de Santa
Catarina.
Para seu desenvolvimento lógico o trabalho foi dividido
em três capítulos.
O primeiro, tratou de abordar a propriedade desde a
antiguidade até os dias atuais, analisando a sua evolução em busca de
legitimidade, os seus fundamentos e seu conceito.
Nele foi apresentada a propriedade, na antiguidade,
como direito divino, era o elo entre a família e a terra, por ser utilizada para
adorar os deuses domésticos, antepassados falecidos, não poderia ser
limitado, renunciável ou alienável.
141
Em seguida, analisamos o direito romano, fonte do
direito ocidental, e constatamos a existência de quatro espécies de
propriedade: a quiritária, a bonitária, a provincial e a peregrina.
Porém, o direito de propriedade vai sofrendo evoluções
em busca de sua utilização conforme as razões do direito, respeitando o
direito de vizinhança, servidão e limitações aos poderes do senhor sobre os
escravos.
Com o surgimento do feudalismo, na Idade Média, a
propriedade fundava-se numa unidade de produção chamada feudo, na
qual existia uma cadeia de poderes sobre a terra determinada pela
hierarquia social das pessoas. A propriedade reunia a idéia de poder civil e
poder político, o senhor feudal exercia um tipo de soberania sobre a
propriedade.
Os jusnaturalistas foram responsáveis pela
caracterização da propriedade como um direito individual, por
fundamentaram o direito de propriedade no trabalho da pessoa, que
enquanto força que emana do corpo do indivíduo.
Mas a propriedade privada sofreu reações que
buscavam uma distribuição da justiça social da propriedade, condicionando
a concepção individual da propriedade privada ao interesse social.
Hodiernamente, é essa concepção que subsiste, a idéia
de um direito de propriedade com conteúdo de direitos reais e
obrigacionais, ou seja, o proprietário pode usar, gozar, dispor e reaver
desde que cumpra o ônus de atribuir-lhe uma destinação útil.
Na sociedade contemporânea, há uma crescente
importância do conhecimento e da informação, fazendo surgir a
necessidade de protegê-los, e essa proteção se dá através da garantia da
142
propriedade intelectual abrangendo o campo da propriedade industrial e
dos direitos autorais.
O segundo capítulo, foi destinado a tratar do Estado
contemporâneo como garantidor da função social da propriedade,
intervindo através das suas normas de direito público no direito privado.
Iniciou-se apresentando os limites da propriedade e seu
condicionamento a função social da propriedade, como forma de fortalecer
o instituto da propriedade através de seu aperfeiçoamento, também no que
se refere às diversas espécies de propriedades, como a propriedade
intelectual que também deve cumprir uma função social.
Seguiu-se analisando a dicotomia público/privado, que
surgiu na modernidade quando com o advento da Constituição os assuntos
relacionados com o Estado eram de direito público e os restantes eram de
direito privado. Atualmente esta linha divisória não está mais definida, mas
a dicotomia é relevante como método para definir termos conceituais
distintos, porém há um entrelaçamento e interação dos termos na regulação
das relações jurídicas.
Relaciona esta superação da dicotomia com a
constitucionalização do direito privado, que migrou para a Constituição as
bases axiológicas do Direito positivo, e ocasionando uma releitura dos
institutos fundamentais do direito privado, como a propriedade. Essa
revisão dos institutos, através da moldura constitucional, é uma busca de
legitimação de conceitos estanques através da sua inserção na realidade
social.
Para encerrar o segundo capítulo, apresentou-se o
conceito contemporâneo de Estado como um fenômeno político e também
jurídico, que deve comportar-se sob a égide da primazia do humano sobre
a força econômica e, servindo de instrumento para realização do bem estar
143
comum.
No terceiro e último capítulo, tratou-se das normas
como princípios e regras, para viabilizar o estudo sobre formas de solução
de tensões entre direitos subjetivos divergentes consagrados na
Constituição, como a propriedade e a função social.
De acordo com o exposto a propriedade se relativiza
diretamente por outro princípio jurídico, que é o da função social da
propriedade, e ambos só se hierarquizam axiologicamente perante o caso
concreto, pois não há um princípio que sempre prevaleça.
Dessa forma, discorda-se da doutrina que defende
tratar-se de antinomia jurídica a distinção axiológica entre propriedade
privada e função social da propriedade.
A função social da propriedade privada, prevista
constitucionalmente em nosso ordenamento jurídico, representa um avanço
ideológico-social, determinando que a propriedade deva estar em contínua
mudança para se adaptar e responder às necessidades sociais.
Na doutrina estudada não ficou determinado se a
propriedade ao ter limitações perde sua abrangência como direito
fundamental.
Com efeito, houve a necessidade de estabelecer nesse
trabalho um estudo sobre os direitos fundamentais, desde seu conceito,
suas gerações e sua fundamentação nas teorias juspositivista e
jusnaturalista.
Direitos fundamentais são aqueles necessários para
assegurar a todos uma existência digna, livre e igual. Contudo não são
passíveis de uma concepção definitiva, têm conceito materialmente aberto,
são resultado da confluência de interesses e valores sociais.
144
Ao tratar das dimensões dos direitos fundamentais,
verificou-se que a essência dos referidos direitos eram as liberdades
públicas ou direitos individuais, e a elas, posteriormente, se agregaram
direitos econômicos, sociais e os direitos de solidariedade.
Apesar de doutrinadores entenderem que os legítimos
direitos fundamentais não são passíveis de limitação, verificou-se que
esses direitos não podem ser considerados absolutos, de aplicação
ilimitada, uma vez que ao exercitá-los poderá haver conflito entre eles.
O constitucionalismo brasileiro consagra a publicização
dos direitos individuais fundamentais, buscando resguardar valores sociais
intangíveis, sem suprimir poderes particulares, prevalecendo o sentimento
de solidariedade política, econômica e social.
E diante, desta constatação, finalmente encerrou-se o
capítulo apresentando a propriedade intelectual como direito fundamental,
apesar de suas limitações.
Por fim, retomam-se as três hipóteses básicas da
pesquisa: a) foi constatado que hodiernamente a propriedade é um direito
condicionado ao cumprimento de uma função social; b) com relação à
segunda hipótese pode-se afirmar que mesmo com os limites impostos a
propriedade é considerada direito fundamental; c) com relação à terceira
hipótese demonstrou-se que diferentemente do que se entendia
inicialmente, o direito intelectual também podem ser considerado direito
fundamental do indivíduo apesar de estar vinculado à Ordem Econômica e
Financeira.
Com a consciência de não se ter esgotado todos os
âmbitos de análise do tema, pretende-se que o estudo sirva de estímulo a
novas pesquisas e reflexões na área.
145
REFERÊNCIAS DAS FONTES CITADAS
ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia .Trad. Alfredo Bossi. 2 ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
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