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UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA
KENYA SIMAS TRIDAPALLI
CONQUISTAS, DESAFIOS E PERSPECTIVAS DO ENSINO INTERCULTURAL NA
EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA: ESTUDOS EM ALDEIAS GUARANI DE
SANTA CATARINA E RIO GRANDE DO SUL
Palhoça / SC
2011
KENYA SIMAS TRIDAPALLI
CONQUISTAS, DESAFIOS E PERSPECTIVAS DO ENSINO INTERCULTURAL NA
EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA: ESTUDOS EM ALDEIAS GUARANI DE
SANTA CATARINA E RIO GRANDE DO SUL
Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em Ciências da Linguagem da Universidade do Sul de Santa Catarina como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Ciências da Linguagem.
Orientador: Prof. Dr. Aldo Litaiff
Palhoça - SC 2011
KENYA SIMAS TRIDAPALLI
CONQUISTAS, DESAFIOS E PERSPECTIVAS DO ENSINO INTERCULTURAL NA
EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA: ESTUDOS EM ALDEIAS GUARANI DE
SANTA CATARINA E RIO GRANDE DO SUL
Esta dissertação foi julgada adequada à obtenção do título de Mestre em Ciências da Linguagem e aprovada em sua forma final pelo Curso de Mestrado em Ciências da Linguagem da Universidade do Sul de Santa Catarina.
Palhoça, 30 de setembro de 2011.
______________________________________________________ Professor e orientador Aldo Litaiff, Dr.
Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL)
______________________________________________________ Professora e avaliadora Maria Dorothea Post Darella, Dra.
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)
______________________________________________________ Professora e avaliadora Solange Maria Leda Gallo, Dra.
Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL)
Aos meus pais que sempre me apoiam e me
incentivam a estudar: Lane e José Luis.
Aos meus irmãos: Kassiano e Kristiano.
AGRADECIMENTOS
A todos que colaboraram na realização desse trabalho, dando sugestões, oferecendo
material, proporcionando dados:
Ana Paula Seiffert, Bárbara Robertson, Joana Mongelo, Karina Mendes Thomas,
Márcia Sagaz, Professora Marci Fileti Martins, Professora Rosângela Morello, Professora
Solange Leda Gallo, Professor Aldo Litaiff e Professor Gilvan Müller de Oliveira.
Aos professores que ministraram e conduziram de forma exemplar as aulas no Ppgcl,
discutindo saberes e construindo conhecimento.
Aos meus amigos, meus colegas de sala de aula e familiares que contribuíram para que
este trabalho fosse finalizado.
À minha amiga Helena Iracy Cerquiz Santos Neto.
À Edna Mazon e a Layla Antunes de Oliveira sempre muito atenciosas e eficientes.
Ao meu amigo e professor de informática Juliano Kazapi.
“Uma sociedade só é democrática quando
ninguém for tão rico que possa comprar
alguém e ninguém seja tão pobre que tenha de
se vender a alguém.”
Rousseau
RESUMO
O presente trabalho tem como objetivo investigar a diversidade linguística no Brasil, focalizando as línguas indígenas, sobretudo a língua Guarani-Mbyá (um subgrupo do Guarani, assim como Kaiowa e o Ñandeva ou Xiripá), tomando como base territorial nove comunidades do estado de Santa Catarina e cinco comunidades no Rio Grande do Sul. Essa etnia foi investigada com o intento de conhecer sua geografia, história, cultura e língua. A escolha pelo tema foi motivada pela percepção da necessidade de reflexões e debates voltados ao fomento e valorização da discussão sobre a diversidade étnica e linguística do país. Parte-se da premissa de que a preservação dos hábitos e da língua dessas comunidades é de suma importância, visto que constitui uma enorme riqueza antropológica, que corresponde à história e ao patrimônio cultural da nação brasileira. Considera-se que para o desenvolvimento sustentável de um país democrático é necessário que haja uma consciência coletiva de inclusão social de todas as etnias que compõem o país. Analisou-se o contexto escolar indígena em comunidades de Santa Catarina e Rio Grande do Sul, cuja proposta é de um ensino bilíngue e intercultural, isto é, as crianças indígenas têm a oportunidade, pela primeira vez na história (depois de terem sua língua proibida durante séculos por colonizadores e ditaduras), de se alfabetizar na sua língua materna, bem como na língua portuguesa, com professores indígenas e não indígenas. Com a Constituição de 1988, as políticas públicas iniciaram uma nova fase: proteger a diversidade linguística, reconhecendo, enfim, o caráter heterogêneo do país. Constatou-se que o linguista tem um papel fundamental na elaboração, no desenvolvimento e na efetivação dessas políticas. A pesquisa bibliográfica forneceu as bases necessárias para amparar o estudo, bem como as análises da pesquisa de campo.
Palavras-chave: Diversidade linguística. Educação Escolar Indígena. Instrumentos
linguísticos.
RESUMEN
El presente trabajo tiene como objetivo reflexionar sobre la cuestión de la diversidad linguística en Brasil, centrados en los idiomas indígenas, especialmente en el Mbyá-guaraní (un subgrupo del guaraní, así como Kaiowá y Ñandeva ou Xiripá), basado nueve comunidades del estado de Santa Catarina y cinco comunidades del estado del Rio Grande do Sul. Se ha investigado este grupo étnico con la intención de verificar su geografía, historia, cultura e lengua. La elección del tema estuvo motivada por la percepción de la necesidad de reflexionar y debatir acerca del aprecio de la diversidad étnica y linguística del país. Se parte de la premisa que la conservación de los hábitos y de la lengua de estas comunidades son de suma importancia, visto que son una enorme riqueza antropológica, que corresponde a la historia y al patrimonio cultural de la nación brasileña. Se considera que para el atento desarrollo sostenible de un país democrático es necesario que ocurra una conciencia colectiva de inclusión social de todas las etnias que componen el país. A partir de esto, se ha analizado el contexto escolar indígena en comunidades de Santa Catarina y Rio Grande do Sul, y se considera que la propuesta sería a partir de una educación bilingüe e intercultural. Es decir, por primera vez en la historia el niño indígena (por la razón de que ha tenido su lengua prohibida durante siglos por los colonizadores y dictadores), ahora puede ser alfabetizado en su lengua materna y en la lengua portuguesa, con profesores indígenas y no indígenas. Con la constitución de 1988, las políticas públicas han iniciado una nueva etapa: apoyar la diversidad linguística, reconociendo por fin, el carácter heterogéneo del país. Se observa que el lingüista tiene un rol clave en la elaboración, desarrollo e implementación de estas políticas. La literatura, por su parte, nos aportó las bases necesarias para respaldar la investigación, junto con el análisis de la investigación en campo.
Palabras-clave: Diversidad linguística. Educación Escolar Indígena. Instrumentos linguísticos.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Tupis-guaranis, provenientes da Amazônia desceram até a depressão do Pantanal.
..................................................................................................................................................26
Figura 2 - Tupis-guaranis atravessaram o planalto chegando aos litorais e então dividindo-se
entre norte e sul.........................................................................................................................26
Figura 3 - Desenvolvimento da língua Guarani segundo Rodrigues (1985) ............................28
Figura 4 - Mapa das aldeias visitadas em Santa Catarina ........................................................58
Figura 5 - Mapa das aldeias visitadas no Rio Grande do Sul ...................................................59
Figura 1 - Assunto do cotidiano em Guarani............................................................................80
Figura 7 - Assunto do cotidiano em Português.........................................................................80
Figura 8 - Varal do Alfabeto em Guarani.................................................................................80
Figura 9 - Exemplo da letra A...................................................................................................80
Figura 10 - Reinvindicações das mulheres indígenas para a educação escolar.......................82
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1- Número de habitantes da aldeia de Marangatu no município de Imaruí em Santa
Catarina.....................................................................................................................................61
Gráfico 2 - Número de habitantes da aldeia Morro dos Cavalos no município de Palhoça em
Santa Catarina...........................................................................................................................61
Gráfico 3 - Número de habitantes da Sepe Tiaraju no município de Araquari em Santa
Catarina.....................................................................................................................................62
Gráfico 4 - Número de habitantes na aldeia Yy Moroti Werá no município de Biguaçu em
Santa Catarina...........................................................................................................................62
Gráfico 5 - Número de habitantes da aldeia Cambirela no município de Palhoça em Santa
Catarina.....................................................................................................................................63
Gráfico 6 - Número de habitantes da aldeia de Itanhae no município de Biguaçu em Santa
Catarina.....................................................................................................................................64
Gráfico 7 - Número de habitantes da aldeia Feliz no município de Major Gercino em Santa
Catarina.....................................................................................................................................64
Gráfico 8 - Número de habitantes da aldeia Amaral (Mymba Roka) no município de Biguaçu
em Santa Catarina.....................................................................................................................65
Gráfico 9 - Número de habitantes da aldeia Limeira no município de Entre Rios em Santa
Catarina.....................................................................................................................................65
Gráfico 10 - Número de habitantes da aldeia Canta Galo no município de Viamão no estado
do Rio Grande do Sul ...............................................................................................................66
Gráfico 11 - Número de habitantes na aldeia Tekoá Porã ou Coxilha da Cruz no município de
Barra do Ribeiro no estado do Rio Grande do Sul ...................................................................67
Gráfico 12 - Número de habitantes na aldeia Nhupoty ou Flor do Campo no município de
Barra do Ribeiro no estado do Rio Grande do Sul ...................................................................67
Gráfico 13 - Número de habitantes na aldeia de Nhundy ou Estiva no município de Viamão
no Estado do Rio Grande do Sul ..............................................................................................68
Gráfico 14 - Número de habitantes na aldeia Nhum Porã ou Campo Bonito no município de
Torres no Estado do Rio Grande do Sul ...................................................................................68
Gráfico 15 - Quantidade de alunos nas escolas ........................................................................70
Gráfico 16 - Quantidade de escolas improvisas e com prédio próprio.....................................71
Gráfico 17 - Quantidade de professores indígenas e não indígenas .........................................72
Gráfico 18 - Quantidade de diretores na escola........................................................................73
Gráfico 19 - Material didático em Guarani, em Português, em Inglês e em Espanhol ............74
Gráfico 20 - Formação dos Professores....................................................................................75
Gráfico 21- Uso da língua Guarani pelos Professores..............................................................79
Gráfico 22 - Uso da Língua Guarani pelos alunos ...................................................................79
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 - Comparação de dados da pesquisa com o polo-base/ Funasa de Florianópolis e
Chapecó ....................................................................................................................................60
Quadro 2 - Nomes das escolas visitadas, localização, demografia e números de alunos.........69
Quadro 3 - Atividades propostas dentro de sala de aula nas escolas indígenas com o grau de
interesse ....................................................................................................................................76
Quadro 4 - Atividades complementares fora da sala de aula com o nível de interesse............77
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
CNPI Comissão Nacional de Políticas Indigenistas
FUNAI Fundação Nacional do Índio
FUNASA Fundação Nacional de Saúde
GTDL Grupo de Trabalho da Diversidade Linguística do Brasil
IES Instituições de Ensino Superior
IPHAN Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
INDL Inventário Nacional da Diversidade Linguística
INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
IPOL Instituto de Investigação e Desenvolvimento em Política Linguística
LDB Leis de Diretrizes e Bases
MEC Ministério da Educação
OEEI Observatório da Educação Escolar Indígena
OLEEI Observatório Linguístico da Educação Escolar Indígena
PROLIND Programa de Apoio à Formação Superior e Licenciaturas Indígenas
RCNE Indígena Referencial Curricular Nacional para Escolas Indígenas
SECAD Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade
SPU Secretaria de Patrimônio da União
UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO .................................................................................................................14
1 INTRODUÇÃO ...............................................................................................................16
2 SÍNTESE TEÓRICA ......................................................................................................19
2.1 A ANÁLISE DO DISCURSO E A EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA........................19
2.2 A IMPORTÂNCIA DO MITO PARA OS GUARANI-MBYÁ ..............................................21
2.3 A LÍNGUA COMO TEMA POLÍTICO E O GUARANI-MBYÁ..........................................22
3 HISTÓRIA, CULTURA E LÍNGUA DA ETNIA GUARANI-MBYÁ ......................26
3.1 BILINGUISMO E CONTEXTO .......................................................................................................33
3.2 CONCEITO DE INTERCULTURALIDADE ..............................................................................34
3.3 A PROBLEMÁTICA DA GRAMATIZAÇÃO............................................................................37
3.4 ESTUDOS ACADÊMICOS SOBRE A LÍNGUA GUARANI-MBYÁ................................38
3.5 DO DIREITO À LÍNGUA AO DIREITO À EDUCAÇÃO BILÍNGUE ..............................40
3.6 BRASIL: UM PAÍS PLURILÍNGUE ..............................................................................................49
3.7 A IMPORTÂNCIA DAS LÍNGUAS COMO PATRIMÔNIO CULTURAL DA HUMANIDADE .............................................................................................................................................54
4 PESQUISA EM ALDEIAS NOS ESTADOS DE SANTA CATARINA E RIO GRANDE DO SUL – CONSTITUINDO O CORPUS.........................................................56
4.1 DADOS DA POPULAÇÃO E ETNIAS .........................................................................................60
4.2 ANÁLISE E DISCUSSÃO DE DADOS DAS ESCOLAS INDÍGENAS ............................69
4.3 ANÁLISE DO NÍVEL DE INTERESSE DOS ALUNOS PARA AS ATIVIDADES PROPOSTAS DENTRO E FORA DE SALA DE AULA. ................................................................76
4.4 ANÁLISE DOS DADOS.....................................................................................................................82
4.5 REFLEXÃO SOBRE A RELAÇÃO ENTRE ORALIDADE E ESCRITA .........................85
5 AVANÇOS E DESAFIOS DAS POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A DIVERSIDADE LINGUÍSTICA NO BRASIL ................................................................................................91
CONCLUSÃO.........................................................................................................................94
REFERÊNCIAS .....................................................................................................................97
APÊNDICE A .......................................................................................................................104
APRESENTAÇÃO
A questão norteadora da pesquisa apresentou-se na seguinte forma: quais
instrumentos linguísticos e políticos estruturam o ensino da Língua Guarani nos estados
de Santa Catarina e Rio Grande do Sul?
O contato com o problema de pesquisa aconteceu no momento em que se iniciou o
presente trabalho. A escolha do tema se justifica pelo interesse gerado após a tomada de
conhecimento sobre a necessidade de reflexões e debates voltados ao fomento e
valorização da discussão sobre a diversidade étnica e linguística no Brasil. Além disso,
pela existência da possibilidade de aprofundar o estudo do bilinguismo, questão
recorrente na minha vida acadêmica e profissional. Com recomendações de material
bibliográfico informado (como livros, artigos e páginas on line específicas sobre o tema
diversidade linguística e pluriétnica) é que foi encontrado o alicerce para a abordagem do
problema a ser investigado. O contato real com os indígenas se deu primeiramente com
uma visita, em abril de 2010, à aldeia Guarani (predominantemente Mbyá), localizada no
Morro dos Cavalos em Palhoça-SC, durante as festividades da semana guarani. Era o
quinto ano do evento e em especial comemoravam um ano de demarcação dessa terra
indígena. Esta foi a primeira oportunidade que tive de conhecer a realidade de uma aldeia
indígena. Nesta situação observei a estrutura física da aldeia, abrangendo a Escola
Estadual Indígena de Ensino Fundamental Itaty e seus ambientes, além de um pouco de
cultura, com demonstrações de rituais religiosos, música, gastronomia, arte (pintura
corporal e artesanato), jogos, trilhas e palestras entre outros. Cabe ressaltar a produção de
materiais em foto e vídeo (com a devida autorização do cacique) contendo no filme
entrevistas realizadas com os moradores da aldeia, relatando um pouco de suas histórias,
incluindo a língua Guarani-Mbyá, bilinguismo e cultura. Além disso, nesta ocasião
ocorreu o registro audiovisual das atividades propostas para aquele dia, publicado no site:
www.vimeo.com/kenyatridapalli. Este primeiro contato foi de grande importância,
marcando indelevelmente a memória, o interesse e o anseio de aprimorar o conhecimento
desta cultura que era remota para mim e que se tornou mais evidente, mas não menos
fascinante.
Posteriormente, como pesquisadora do IPOL1 surgiu a oportunidade de trabalhar
como recenseadora do ILG2 (Inventário da Língua Guarani-Mbyá), um dos projetos
pilotos realizados para o INDL3 (Inventário Nacional da Diversidade Linguística) na
aldeia Marangatu no município de Imaruí, Santa Catarina.
O INDL é uma pesquisa sociolinguística das várias comunidades linguísticas do
Brasil. É um passo fundamental para o reconhecimento do Brasil como um país
plurilíngue, visto que só agora, começam a surgir documentos sobre as outras línguas.
1 Instituto de Investigação e Desenvolvimento em Política Linguística que é uma sociedade civil de direito privado, sem fins lucrativos, de caráter privado e educacional, fundada em 1999 com sede em Florianópolis e constituída por profissionais de diversas áreas de conhecimento para realizar projetos de interesse político-linguístico em sentido amplo. Um dos objetivos desse instituto é apoiar tecnicamente os falantes das línguas minoritárias, indígenas ou de imigração.
2 O primeiro encontro sobre o Inventário da Língua Guarani ocorreu nos dia 26 e 27 de julho de 2011, em Florianópolis, SC. O evento foi promovido pelo IPOL (Instituto de Investigação e Desenvolvimento em Política Linguística) e reuniu lideranças indígenas, poder público e estudiosos envolvidos na questão indigenista e da língua com o objetivo de discutir o inventário para que as comunidades possam proteger e promover sua língua como patrimônio imaterial brasileiro.
3 No dia 09 de dezembro de 2010, o então presidente Luis Inácio Lula da Silva assinou o decreto que instituiu o INDL - Inventário Nacional da Diversidade Linguística por meio do Decreto 7387, publicado no Diário Oficial da União (DOU). O documento pressupõe um Brasil Multilíngue e promove as línguas existentes no país como riqueza do Estado brasileiro.
16
1 INTRODUÇÃO
A hipótese para a elaboração deste trabalho parte da premissa de que o estudo
aprofundado da Educação Escolar Guarani constitui um instrumento imprescindível para
a proposição de políticas públicas voltadas à qualificação da educação bilíngue. Uma
dessas políticas é o Inventário Nacional da Diversidade Linguística (INDL).
A criação do INDL ou Livro de Registro das Línguas, cujo articulador é o Grupo
de Trabalho da Diversidade Linguística do Brasil, é um motivador de grande importância
para a ampliação da língua Guarani-Mbyá, pois traz consigo a possibilidade de subsidiar
políticas linguísticas, partindo do pressuposto básico de que se deve conhecer a fundo a
amplitude do problema a ser resolvido. A língua Guarani-Mbyá foi inventariada por um
projeto piloto de ampla abrangência, coordenado pelo IPOL – incidiu sobre seis estados
das regiões sul e sudeste do Brasil: Espírito Santo, Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná,
Santa Catarina e Rio Grande do Sul, envolvendo 69 comunidades indígenas– envolvendo
apoio das lideranças Guarani e de instituições como os ministérios da Justiça, da Cultura
e da Educação, Secretarias de educação, a Funai e a Funasa, fato que a coloca no centro
dos debates políticos atuais. A metodologia para a escrita do inventário foi criada pelo
Grupo de Trabalho da Diversidade Linguística do Brasil (GTDL4). Esse grupo se
constituiu a partir do Seminário sobre a Criação do Livro de Registro das Línguas,
realizado no Congresso Nacional, em março de 2006, por iniciativa da Comissão de
Educação e Cultura da Câmara dos Deputados, do Instituto do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional (IPHAN) e do Instituto de Investigação e Desenvolvimento em
Política Linguística (BRASIL, 2007). Alguns dados da língua Guarani inventariados são:
Identificação da Língua (denominações, classificações e estatuto), Demografia e
distribuição geográfica, Caracterização Linguística e Histórico-Cultural, Distribuição
Geográfica, Usos na Sociedade, Ações sobre a Língua, entre muitos outros. Com dados
reais e atuais, promovidos pelo Inventário Nacional, a busca por soluções se torna
consistente. Tal conjectura pode ser considerada um diagnóstico de base para a promoção 4 O GTDL foi constituído por representantes de diversos órgãos públicos (Câmara dos Deputados, Ministério da Cultura, Ministério da Educação, Ministério da Justiça, Ministério da Ciência e Tecnologia e Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão), da sociedade civil (IPOL – Instituto de Investigação e Desenvolvimento em Política Linguística) e a UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura).
17
e estruturação de línguas indígenas tal como elas se apresentam na atualidade, incluindo a
escrita.
O IPOL também é parceiro do OLEEI - Observatório Linguístico de Educação
Escolar Indígena - no território Etnoeducacional leste, que compõem o projeto
interinstitucional “Práticas de Interculturalidade, plurilinguismo e aprendizagem nas
propostas de formação de professores nas escolas indígenas: explorando perspectivas
interdisciplinares”, apresentado ao edital do OEEI5- Observatório da Educação Escolar
Indígena, outro programa financiado pela CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal de Nível Superior em parceria com a SECAD - Secretaria de Educação
Continuada, Alfabetização e Diversidade - e o INEP - Instituto Nacional de Estudos e
Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira - que convidam as IES – Instituições de Ensino
Superior a apresentarem projetos de estudos e pesquisas em Educação Escolar Indígena.
Em suma, o OLEEI é um subprojeto do OEEI.
A pesquisa de campo que integra este trabalho foi realizada para o OLEEI. A
pesquisadora e professora indígena Joana Vangelista Mongelo6, tinha a função de ir a
campo, observar as aulas nas escolas indígenas e entrevistar professores indígenas e não
indígenas, portanto, seu trabalho foi coletar os dados. Para isso, foi preciso elaborar uma
grade de observação (apêndice A). A autora desta dissertação contribuiu com a
elaboração dessa grade, juntamente com as pesquisadoras e doutorandas do Programa de
Pós-graduação em Linguística da UFSC na área de Política Linguística Ana Paula Seiffert
e Karina Mendes Thomaz com a orientação da professora Dra. em Linguística e diretora
do IPOL Rosângela Morello e do professor Dr. em linguística Gilvan Müller de Oliveira
coordenador dos projetos supracitados e presidente do IPOL. Acompanhávamos o
desenvolvimento da pesquisa em reuniões periódicas com a pesquisadora Joana. Os dados
eram sistematizados quantitativamente e qualitativamente pela equipe de pesquisadores.
5 O Observatório Educação Escolar Indígena é um projeto da Capes (coordenação de Aperfeiçoamento do Pessoal de Ensino Superior) que pretende promover e implementar a formação inicial e continuada de professores, preferencialmente indígenas, a inserção e a contribuição destes profissionais nos projetos de pesquisa em educação e a produção e a disseminação de conhecimentos que priorizem atividades centradas como: cursos, oficinas, produção conjunta de material didático, paradidático e objetos de aprendizagem nos formatos impresso e digital (BRASIL, 2010).
6 Formada em Pedagogia, habilitação em Orientação Educacional pela UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina). Acadêmica do curso de Licenciatura Intercultural Indígena do Sul da Mata Atlântica e mestranda em Educação do curso de Pós-graduação da UFSC, na linha de pesquisa Educação e Infância Indígena Guarani. É professora bilíngue na Escola Estadual Indígena de Ensino Fundamental Itaty para séries iniciais, na terra indígena Morro dos Cavalos em Palhoça, Santa Catarina.
18
O objetivo principal foi de investigar como se dá a Educação Escolar Indígena nas
escolas observando principalmente as práticas linguísticas dentro dessa instituição. A
finalidade desta pesquisa foi de interagir com o OLEEI para subsidiar políticas públicas.
Dessa forma, os dados originários da pesquisa de campo contribuíram para ser parte
complementar desta dissertação, bem como integrar, com outro enfoque, a dissertação da
pesquisadora Joana Vangelista Mongelo.
Em virtude da própria natureza da investigação, faz-se necessário apresentar os
objetivos que norteiam o fazer científico nesta dissertação. O objetivo central foi
investigar as políticas para um ensino bilíngue, intercultural e de um modelo diferenciado,
proposto pela educação escolar indígena, especificamente dos Guarani-Mbyá, no estado
de Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Os objetivos específicos foram: apontar os
direitos dos indígenas como cidadãos brasileiros, considerando os seus direitos
linguísticos e culturais ao longo da história; avaliar o que tem sido feito para fazer valer
os direitos educacionais dos Guarani-Mbyá e quais os instrumentos utilizados neste
intento, bem como se realmente está sendo posto em prática o que já foi conquistado por
lei; considerar os desafios e as perspectivas para a promoção e reconhecimento da língua
Guarani-Mbyá; sistematizar e avaliar uma pesquisa etnográfica, antropológica de sala de
aula de escolas indígenas em aldeias Guarani-Mbyá e observar as condições históricas
que determinaram e determinam o funcionamento social da língua Guarani-Mbyá.
19
2 SÍNTESE TEÓRICA
O presente capítulo apresenta a literatura que se refere à área pesquisada servindo
de base para o desenvolvimento deste trabalho.
2.1 A ANÁLISE DO DISCURSO E A EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA
As formas institucionais de discurso, as formas de discurso lúdico e a questão da
educação escolar indígena são componentes de reflexão deste trabalho. Esses objetos se
inserem na área da Análise do Discurso de linha francesa (AD).
A análise do discurso (AD) se propõe a problematizar as formas de reflexões
estabelecidas pela linguística, em outras palavras é uma teoria crítica sobre a linguagem.
Segundo Orlandi (2009, p. 11): “Assim, ao mesmo tempo em que pressupõe a linguística,
a AD abre um campo de questões no interior da própria linguística e que refere o
conhecimento da linguagem ao conhecimento das formações sociais.” O contexto
histórico-social, a situação, os interlocutores, essas são as condições de produção. A
linguagem deve ser pensada vinculada ao social e ao histórico, em que se confrontam
sujeito e sistema: discurso. Não há discurso sem sujeito nem sujeito sem ideologia
(ORLANDI, 2009).
Para um maior entendimento do funcionamento do discurso Orlandi (2009, p.83)
ressalta:
Não falamos apenas para formar sentenças. As palavras mudam de sentido ao passarem de uma formação discursiva para outra: compara-se o sentido da palavra “nação” na formação discursiva ocidental e na do índio. Isso acontece porque, ao passar de uma formação discursiva para outra altera-se a relação com a formação ideológica.
Dado o exposto, sobre as perspectivas do discurso enfatiza ainda, (Orlandi 2009,
p.83): “[...] a linguagem não aparece apenas como instrumento de comunicação ou
transmissão de informação ou suporte de pensamento, mas como lugar de conflito, de
confronto ideológico, e em que a significação se apresenta em toda sua complexidade”.
Isso quer dizer que todo discurso deve ser referido às condições de sua produção. As
formas institucionais do discurso, segundo Orlandi (2009) são: religioso, politico,
jurídico, pedagógico, cotidiano entre outros. Como formas autoritárias de discurso, temos
os dizeres unilaterais (um interlocutor exclusivo, sem reversibilidade). Como formas de
20
discursos lúdicos: cantigas, humor, literatura, teatro, lendas e composições musicais.
Orlandi (2009) afirma que a polissemia (multiplicidade de sentidos) é um dos processos
fundamentais na linguagem.
O tipo de discurso que prevalece na educação escolar tradicional é o autoritário.
Esse discurso aparece como transmissor de informações. A escola que se distingue é
aquela que dá espaço ao aluno para questionar de forma crítica esse discurso autoritário.
Surge, então, um discurso polêmico, ou seja, aquele que dá lugar a novas descobertas. Os
vários textos que existem sobre a Educação Escolar Indígena, afirmam sempre que é
preciso “ouvir o índio”. Mas, ouvir o índio com a finalidade de modificá-lo e direcioná-
lo a um modelo de cultura ocidental ou ouvir o índio aceitando tanto quanto possível suas
diferenças como diferenças e não como desigualdades? Essa é uma questão crucial para a
Educação Escolar Indígena (ORLANDI, 2009).
Ainda sobre essa questão Orlandi (2009, p. 90) enfatiza: “Ouvir o índio é
reconhecer que ele tem hipóteses sobre a linguagem, é focalizar, na relação com a
linguagem suas atitudes. É reconhecer que se está diante de um sujeito intelectualmente
ativo, que procura adquirir conhecimento que se coloca problemas e que trata de resolvê-
los segundo sua própria metodologia”. Portanto, eles têm ideias, teorias, hipóteses
próprias sobre sua língua que se confronta com a realidade e com as ideias dos outros.
Então, se eles têm sua própria metodologia, há de se admitir que os processos de
aprendizagem da língua sejam diferentes.
Portanto, “grafar” pode não ser, em todos os casos, o melhor caminho de
legitimação da língua indígena, considerando o modelo oral e seus modos próprios de
legitimação.
Um contraste entre Educação ocidental e Educação Escolar Indígena é a diferença
evidente entre sociedades. O discurso do ponto de vista da educação ocidental é o
autoritário, em que apresenta uma polissemia contida. A cultura indígena escolhe o
lúdico, que oferece uma polissemia aberta, e é ruptura (ORLANDI, 2009). Pensar sobre
essa diferença de cultura, é o ponto inicial para construir-se uma metodologia apropriada
para a escola indígena e perceber a questão do mito é fundamental para este processo
como será exposto mais adiante.
Faz-se necessário salientar que a não existência da escola em uma comunidade
indígena não constitui a inexistência de Educação. Os Guarani têm a consciência de que
21
aprender é um ato espontâneo. A ideia do aprendizado ocorre naturalmente pela
convivência. A oralidade é o instrumento de transmissão do conhecimento, que é
materializado na memória humana, ou seja, a língua na cultura indígena é algo bastante
pragmático. O ato de dizer é o ato de ensinar. No entanto, a situação de aprendizagem da
escrita da língua se apresenta de outra forma. A problemática da escrita para essas
sociedades tem relação com a questão das condições de produção dessa escrita. Como
ressalta Ferreiro (apud ORLANDI, 2009, p. 93): “A escrita é um “substituto” e é preciso
estabelecer com clareza a natureza, o mecanismo da substituição”. Um exemplo
interessante é o da professora que se esforçava para ensinar a palavra borboleta (popo), a
professora desenhava e escrevia o nome ao lado, os índios tinham dificuldade em
aprender e repetiam mecanicamente. Num certo dia, uma borboleta entrou na sala de aula,
os alunos repetiam popo, popo. A professora aproveitou o momento e escreveu popo na
louça e fez o desenho, eles descobriram rapidamente qual era o procedimento e
generalizaram para outras palavras Montserrat (apud ORLANDI, 2009, p.92).
Desse modo, na visão da autora a cultura, as condições históricas, as relações
sociais, o meio-ambiente no qual o indivíduo está inserido, as habilidades desenvolvidas
são aspectos que influenciam a cognição humana.
A escrita passa pelo processo de formulação e circulação, portanto formular não
está desvinculado de circular: uma ação dá sentido à outra. Portnato, transportar o
conhecimento da formulação da língua portuguesa para a língua guarani, não resolve o
problema da circulação da língua.
É importante salientar, que o aprendizado da escrita como prática social tem que
ser experimentada pela comunidade, normalmente não é algo que vem de dentro para
fora, ainda que isso possa vir acontecer, se a comunidade não adere é inócuo.
2.2 A IMPORTÂNCIA DO MITO PARA OS GUARANI-MBYÁ
As narrativas mitológicas compõem a própria história da sociedade guarani. Para
Melià (apud ORLANDI, 2009, p. 93): “O mito é um lugar privilegiado para o índio se
entender a si mesmo. Esse lugar privilegiado que é o mito é também o lugar da
diferença”. Assim sendo, essa diferença é o que nos leva a entender a concepção que eles
têm de linguagem, diferente da ocidental. Para Pouillon (apud LITAIFF, 2002, p. 247):
22
“O mito tem uma importante função comunicacional. A comunicação se desenvolve entre
pessoas que compartilham uma forma semelhante ou comum de pensar”. Sobre a
importância do mito para os Mbyá Litaiff elucida (2002, p.251):
Os Mbyá interpretam os mitos de acordo com seus modelos de conduta, que são crenças efetivamente compartilhadas pela maioria destes índios, sem que, entretanto, sempre haja uma correspondência direta entre norma e ação. O mito tem um sentido estabelecido por um acordo entre indivíduos que têm a intenção de se comunicar em sua comunidade, em consonância com o contexto social e histórico.
O essencial da questão do mito para os Mbyá é apreender a mensagem transmitida
inseparável do contexto. A formação de mitos á algo inerente à cultura, eles fornecem as
crenças ao povo determinando seus hábitos e suas ações. É mais que história, é lição de
vida.
Para Litaiff (2002), para entender como pensam as sociedades indígenas é preciso
adotar um ponto de vista pragmatista7 e holista.
Segundo Weate (1999, p. 59): “Os pragmáticos julgam a verdade de uma ideia em
relação à sua utilidade na vida real”. Para as sociedades indígenas as ideias que não tem
valor concreto na experiência do dia-a-dia são sem significado.
Quanto ao pensamento holístico, ele é intrinsecamente ecológico, o indivíduo e a
natureza são um conjunto impossível de ser separado e a visão de mundo se contrapõe a
visão dualista, fragmentada e mecanicista do racionalismo exacerbado (TAVARES,
1993).
2.3 A LÍNGUA COMO TEMA POLÍTICO E O GUARANI-MBYÁ
A existência de uma língua depende da existência de seres humanos que a falem.
Sendo “o ser humano um animal político”, conforme filosofava Aristóteles, chegamos à
conclusão com Bagno (2009, p. 19): “que tratar da língua é tratar de um tema político”.
7 Charles Sanders Peirce (1839-1914) inventou o termo “Pragmatismo”. Com ele, queria designar um método que esclarecesse o relacionamento entre pensamento e ação. Willian James (1842-1910) foi influenciado por Peirce. Ele acreditava que a veracidade de uma ideia repousa em seu valor prático, significando que é verdadeiro se for útil (WEATE, 1999).
23
As línguas ao longo da história foram determinadas pelo poder político, conforme
seus interesses, privilegiando algumas em detrimento de outras, desmerecendo-as em seu
valor cultural. Entretanto, segundo Martins (comunicação pessoal, 2011): “Isso fica
“apagado” na maioria dos casos. Ora pelo próprio estudioso da língua que como cientista
se diz neutro e imparcial, ora pelo poder do Estado que ao exercer certo tipo de política
acaba por naturalizar os sentidos que se constrói sobre a língua”.
Dacanal (1987, p. 18): afirma que: “a língua é também uma imposição histórica
no sentido amplo quanto no sentido estrito da palavra”. De acordo com o autor, amplo
porque não se escolhe livremente uma língua, ao contrário, ela é condicionada de forma
rigorosa e inevitável. No sentido estrito porque a permanência e a continuidade e as
transformações sofridas ao longo do tempo de uma língua são fenômenos ligados às
estruturas de poder da referida comunidade.
Na metade do século XX, em 1964, ano em que surge a sociolinguística, torna-se
conhecido o termo planejamento linguístico. Este sintagma foi cunhado na pesquisa de
Einar Haugen sobre problemas linguísticos na Noruega (país que sofreu séculos de
dominação dinamarquesa). Foi definido mais tarde por Fishman (apud CALVET, 2007)
como sociolinguística aplicada. Esse mesmo autor definiu planejamento linguístico como
a aplicação de políticas linguísticas que estão baseadas em conhecimentos técnicos em
antropologia, sociologia, linguística, história, direito, todas essas áreas mobilizadas para
analisar situações linguísticas.
Para que exista um planejamento de políticas linguísticas é necessário pesquisas
no campo da sociolinguística. As políticas linguísticas têm como objetivo regularizar uma
língua ou, ainda, aperfeiçoar o funcionamento dela, criando espaços e retirando os fatores
que a inviabilizam para que seja disponibilizada em vários âmbitos de uso (rádio, jornal,
escolas, universidades, museus, bibliotecas, uso da língua para assuntos administrativos
em geral e, particularmente, para os procedimentos judiciais, entre outros).
Toda sociedade brasileira, à qual a etnia Guarani-Mbyá pertence, deve estar
envolvida para que o status (Calvet, 2007) das línguas autóctones atinja um patamar
desejável. Não basta falar Guarani somente nas aldeias, ela deve ocupar o seu espaço no
país. Portanto, em consonância com a afirmação de Costa (2009, p.64): “[...] essas línguas
precisam recuperar o seu espaço na sociedade, principalmente com esse “espaço
24
linguístico” virá um espaço social, tirando esses povos da incômoda posição de
anônimos”.
Na época atual, a Educação Escolar Indígena segue uma linha fundamentada nos
Direitos Humanos. As diversidades étnicas e linguísticas dos povos indígenas estão sendo
cada vez mais reconhecidas. Ideias como “civilizar” e “integrar” o indígena na sociedade
brasileira, como previa o contraditório Estatuto do Índio, criado em dezembro de 1973,
Lei no. 6.001, já estão altamente ultrapassadas. Esse estatuto recebeu muitas críticas, já
que visava à integração dos “silvícolas” e não o reconhecimento de suas diferenças,
política que já existia desde a época dos Jesuítas. Sampaio Silva (2010) afirma, o caráter
integracionista do primeiro estatuto visava agregar o índio na sociedade brasileira, porém
o incentivo era que, aos poucos, abandonassem as suas características tradicionais.
Atualmente, há uma proposta de um novo texto para o Estatuto dos Povos Indígenas
elaborado, em 2008, pela CNPI (Comissão Nacional de Políticas Indigenistas) foi enviado
ao congresso por meio do Ministério da Justiça em agosto de 2009. Contudo, ao invés de
apresentar um novo projeto de lei, optou-se por apresentar o texto como uma proposta de
alteração do primeiro Projeto de Lei 2.057 de 1991 para sua modificação, que já tramitava
no congresso e também propõe mudanças no Estatuto. Atualmente, o projeto se encontra
tramitando na Câmara e aguarda apreciação em plenário. O Capítulo V dedica-se a
Educação Escolar Indígena, no qual o artigo 180 expõe princípios como respeito à
diversidade étnica e culturas dos povos indígenas, interculturalidade, multilinguismo,
entre outros. A nova proposta (Brasil, 2011) assegura o reconhecimento dos indígenas
como grupos etnicamente diferenciados respeitando suas organizações sociais, usos,
costumes, línguas e tradições, seus modos de viver, criar e fazer, seus valores culturais e
artísticos e demais formas de expressão.
Há uma nova visão de respeito à cultura e afirmação étnica. O caminho do
combate à discriminação (que começou a existir quando os europeus passaram a
escravizar indígenas e negros) passa hoje em dia por uma visão antropológica de se
afirmar a diferença, valorizando-a e conservando-a. Como ressalta Morello (2009, p. 28):
“O foco na diversidade pretende, portanto, desinstalar a desigualdade social: a diferença
como diversidade não deve equivaler à diferença como desigualdade”.
Na preservação das línguas faz-se uma analogia com o que afirma Pêcheux (1988,
p.192) sobre as condições de produção em que há situações que: “[...] são puros
25
obstáculos, e outros constituem os pontos de apoio de uma transformação do campo”.
Obstáculos dentro de um contexto histórico que vem desde a época colonial: como
etnocentrismo, política da língua única para criação de uma língua nacional que domina a
nação, criação de leis que ignoram as diferenças, são entraves para o reconhecimento da
diversidade sociocultural. Os pontos de apoio são criações de políticas públicas que
façam valer os direitos educacionais e culturais de todos os cidadãos.
26
3 HISTÓRIA, CULTURA E LÍNGUA DA ETNIA GUARANI-MBYÁ
A seguir será realizado um breve relato sobre o desenvolvimento histórico,
cultural e linguístico da etnia Guarani-Mbyá, uma das etnias descendentes de um dos
grupos mais antigos do Brasil, os Tupi.
De acordo com o documentário “O Povo Brasileiro” (2000), baseado na obra-
prima do antropólogo Darcy Ribeiro (um dos maiores intelectuais brasileiros do século
XX), no ano 1000 existiam cartas que falavam de uma ilha Brasil, isso significa que o
nome Brasil não vem do Pau-brasil. Em 1500 os portugueses fizeram uma descoberta
oficial, mandando inclusive um escrivão para registrar a terra como propriedade da coroa
portuguesa. Certo é que o “Brasil” já existia há muito tempo, fisicamente, biologicamente
e humanamente, humanidade indígena, humanidade diferente.
Os “Brasis”, como eram chamados os antepassados indígenas, eram e ainda são
classificados de acordo com a língua. Em 1500, havia cerca de 1 a 8 milhões de pessoas,
distribuídos da Foz do Oiapoque ao sistema fluvial Paraná, Paraguai e Uruguai. Segundo
Aziz Ab’Saber no documentário supracitado, num certo momento, depois dos primeiros
povoadores, que eram de diversas procedências e falavam diferentes línguas, surgem os
Tupis-guaranis, que vieram provavelmente do oeste ou noroeste da Amazônia, desceram
até a depressão do Pantanal e, posteriormente, atravessaram o planalto brasileiro
chegando ao litoral e a partir daí se dividiram entre norte e sul.
Figura 2 - Tupis-guaranis, provenientes da Amazônia desceram até a depressão do Pantanal.
Figura 3 - Tupis-guaranis atravessaram o planalto chegando aos litorais e então dividindo-se entre
norte e sul.
27
Há um consenso entre os cientistas sobre um centro de origem comum dos Tupi: a
Amazónia, considerando-se fato e não mais hipótese. Porém segundo Noelli (1996, p.8):
“não há consenso quanto à localização geográfica desse centro e quanto à direção das
rotas”. Vestígios arqueológicos tupi mostram a Amazônia central como o cerne de
origem. Os dados linguísticos baseados nos estudos de Rodrigues, 1964, apresentam a
maior concentração de famílias e línguas tupi ao sul do Amazonas (NOELLI, 1996).
Antes da chegada dos europeus a palavra mais adequada para todos os
movimentos populacionais dos Tupi seria expansão, porque conforme estudos
arqueológicos, verificou-se que os Tupi mantinham a posse de seus domínios por longos
períodos, expandindo-se para novos territórios sem abandonar os antigos. O objetivo do
grupo era de ir conquistando novas áreas sem abandonar as anteriores. O termo migração
(saída de um lugar para o outro, abandonando seu lugar de origem) é apropriado após
1500 com a vinda dos europeus, que inclusive se caracterizavam, como movimentos de
fuga (NOELLI, 1996).
Considerando o desenvolvimento da língua Guarani, Noelli (1996, p.09) nos
esclarece:
Por Tupi designa-se um tronco linguístico que engloba aproximadamente 41 línguas que se expandiram, há vários milênios, pelo leste da América do Sul (Brasil, Peru, Bolívia, Paraguai, Argentina e Uruguai). Por Tupi são designados também os povos falantes dessas línguas. Das 41 línguas, as mais citadas desde a chegada dos europeus foram o guarani e o tupinambá.
Os Guarani pertencem à família linguística Tupi-Guarani, uma das mais extensas
da América do Sul (RODRIGUES, 1985). No Brasil, encontram-se os grupos: Mbyá,
Ñandeva também denominados de Xiripá e os Kaiowá, cujas línguas são variações
modernas da língua Guarani que derivada da família linguística Tupi-Guarani do tronco
Tupi como pode ser observado na figura 3.
28
Figura 4 - Desenvolvimento da língua Guarani segundo Rodrigues (1985)
De acordo com Cadogan (apud LITAIFF, 1996, p. 32): “na região do Guaíra, de
onde provem a maioria dos Mbyá” viviam cerca de 150 mil Guarani, que foram vítimas
da escravidão e de violentos assassinatos por homens brancos, que logo se apossavam de
suas terras. Os sobreviventes desse massacre se refugiavam junto aos jesuítas em
“missões” que, posteriormente, foram destruídas pelos bandeirantes. Os sobreviventes,
que não foram tantos, conseguindo escapar, dirigiam-se para a selva, conforme afirma
Pires (apud LITAIFF, 1996).
Os Guarani tinham um vasto conhecimento da floresta que, certamente,
possibilitou-lhes uma grande vantagem em relação ao colonizador, garantindo a
sobrevivência da etnia.
Sobre o significado da palavra Mbyá, Schaden dispõe (apud LADEIRA, 2008,
p.66) que: “Mbuá (gente) é a autodenominação mais usada pelos Guarani [...]”. Em
trabalhos anteriores (Ladeira, 1990; 1992), atém-se ao significado contido no termo, de
gente desconhecida e distante. Conforme seu locutor Guarani explicou há muitos anos,
Mbyá seria “estrangeiro, aquele que vem de fora, de longe” e que, todavia, identifica o
mesmo povo. Mbyá foi traduzido ainda por Dooley (1982, p. 112): como “muita gente
num só lugar”. De acordo com Ladeira (2008, p. 66): “Parece que o sentido duplo do
termo Mbyá – de coletivo e impessoal – sendo plural e independente do conhecimento
pessoal, identifica, não obstante, um mesmo povo, pois exclui os brancos e todos os
29
outros”. Segundo Schaden (apud LITAIFF, 1996, p.34): “a designação Guarani
(“guerreiros”) foi dada pelos jesuítas a um certo número de tribos da região platina”.
Cadogan (apud LITAIFF, 1996, p.34) enfatiza: “Mbyá, ou Mbuá é igual a gente, povo”.
Dessa forma, conclui-se que uma interpretação mais apropriada seria “povo guerreiro”.
Em relação à localização atual dos Guarani-Mbyá, Ladeira (2003, p. 02), do
Centro de Trabalho Indigenista, com sede em São Paulo, informa:
Os Mbyá estão presentes em várias aldeias na região oriental do Paraguai, no nordeste da Argentina (província de Misiones) e no Uruguai8 (nas proximidades de Montevideo). No Brasil encontram-se em aldeias situadas no interior e no litoral dos estados do sul – Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul – e em São Paulo, Rio de Janeiro e Espírito Santo em várias aldeias junto à Mata Atlântica. Também na região norte do país encontra-se famílias Mbyá originárias de um mesmo grande grupo e que vieram ao Brasil após a Guerra do Paraguai, separam-se em grupos familiares e, atualmente, vivem no Pará (município de Jacundá), em Tocantins numa das áreas Karajá de Xambioá, além de poucas famílias dispersas na região centro-oeste. No litoral brasileiro suas comunidades são compostas por grupos familiares que, historicamente, procuram formar suas aldeias nas regiões montanhosas da Mata Atlântica - Serra do Mar, da Bocaina, do Tabuleiro, etc.
É importante salientar que o desapego à fixação em determinado lugar sempre foi
uma característica marcante dos Mbyá. Fato pertinente ao processo histórico vivenciado
pelos seus descendentes ao longo do tempo. Portanto, a mobilidade fez parte da cultura
desse povo.
Dificilmente um Guarani-Mbyá passa mais do que 5 anos morando em uma mesma aldeia. O comum é mudar frequentemente. Eles também costumam visitar seguidamente seus parentes e amigos que moram em outras aldeias em função de casamentos, mortes, atritos políticos e funções religiosas. Ikuta (Apud TEMPASS, 2007, p.177).
Cabe ressaltar que isso vem mudando. Há algumas famílias indígenas que moram
em aldeias há mais de 5 anos, em virtude do lugar oferecer terra boa para cultivar e ser
tranquilo, isto é sem conflitos sociais. Segundo Litaiff (2002, p. 227): “Sobre o litoral Sul
e Sudeste brasileiro encontra-se uma grande concentração de Mbyá9 e de Xiripá
8 Informações recentes dão conta de que atualmente não existem mais aldeias Guarani-Mbyá no Uruguai (ASSIS, 2006a).
9 Estima-se que a população de Guarani-Mbyá seja de 12.000 pessoas, distribuídos no centro oeste, sul e sudeste do Brasil, Paraguai e Argentina. É importante sublinhar que, devido aos constantes deslocamentos das populações, é bastante difícil precisar o número de Mbyá (LITAIFF, 2002). A população no Brasil é de cerca de 7.000 indivíduos (LADEIRA e MATTA, 2004).
30
(Ñandeva) habitando o território onde viveram os Carijós-guaranis, seus ancestrais, até o
desaparecimento no século XVII”.
Quanto à subsistência dos Guarani-Mbyá, de acordo com Bonamigo (2009, p.
180): “o plantio do milho, da mandioca, do feijão, da melancia, entre outros sempre foi
realizado pelos ancestrais para garantir sua dieta alimentar.” Para eles, atualmente, há
uma significativa distinção entre atividade e trabalho.
Entendem por atividades os atos de alimentar-se, pescar, caçar, plantar, fazer artesanato para o próprio uso, usar ferramentas, semear o que a família deseja plantar, fazer roça comunitária de acordo com o que a comunidade quer [...]. Ou seja, num sentido amplo, atividade é quase tudo o que não gera renda. Considerando trabalho o que é feito para vender ou é remunerado: dar aula, fazer artesanato para vender, ser agente de saúde indígena, ser agente de saneamento básico [...] (BONAMIGO, 2009, p.179).
A gravação de CDs e a venda das cópias é outra fonte importante de renda. As
letras das canções falam sobre religião e o “jeito de ser” (nhandereko) do Mbyá. Os
rituais e celebrações também estão presentes no cotidiano dos indígenas e envolvem outra
atividade que é a pintura corporal, com música e dança. Para eles, todas as
comemorações são religiosas, inclusive as festas para as colheitas.
A religião é um dos aspectos culturais mais importantes que caracterizam os
Guarani-Mbyá. A medicina está profundamente ligada à religião, pois se utilizam das
ervas medicinais que são consideradas divinas. A opy é o centro religioso da aldeia, onde
os Mbyá, rezam, para os Ñanderu, segundo Ladeira (2008, p. 150): “Nhamandu, Kuaray,
Tupã, Jakaira, Karai e as respectivas mães (xy) das almas”. O pajé é o líder espiritual e
responsável pela reza, batismo, cura, interpretação de sonhos e/ou presságios e
comunicação com o mundo dos espíritos (LITAIFF, 1996).
Para uma maior compreensão da cultura guarani é fundamental conhecer os
termos tekoá e teko. De acordo com Litaiff (1996, p.49): “Os guarani denominam a terra
onde vivem de tekohá (tekoá para os Mbyá), ou seja, a terra Guarani”. Por isso, muitas
aldeias trazem no seu nome o termo tekoá que significa terra, aldeia. Teko significa
segundo Montoya (apud LADEIRA 2008, p. 135): “ser, estado de vida, condición,
costumbre, ley, hábito”. Ainda sobre o conceito de teko Ladeira esclarece (2008, p. 135):
31
Além de um estado ou condição de ser, o conceito teko representa ou abrange todos os princípios éticos, morais que definem as normas do comportamento guarani. Nhandereko é traduzido pelos Guarani como “nosso sistema, nossa lei, nossos costumes e tradições. Teko é, pois, a referência padrão para atribuírem valor às suas relações, incluindo as normas de convivência e sociabilidade e o modo de produção e de consumo que, por sua vez, definem um modo de uso do espaço”.
Sendo assim, tekoá é o espaço físico para que os Guarani possam exercer o seu
teko, isto é, a sua cultura, o seu sistema, a sua lei. Como ressalta Melià (apud LITAIFF
1996, p. 49): “sem tekohá não há tekó”. ‘
Fato é que quase todos os autores concordam que os Mbyá circulam pelo litoral a
procura de um tipo de paraíso, definido como Yvy mara ey ou “terra sem mal ou sem
fim”. Na antiga tradição da terra sem mal o povo guarani viajava sempre por uma
necessidade constante de um espaço onde pudessem viver em seu “jeito de ser” com
segurança. Para os Mbyá se não se pode viver conforme tekó buscam encontrar a sagrada
tekoá, que seria Yvy Mara Ey ou Yvy Dju (Litaiff, 1996). Há hipóteses que a terra sem
mal mudou de caráter em contato com os jesuítas para adaptar-se a uma nova conjuntura
histórica e social, porém sem destruir a crença original. Segundo Litaiff (2002, p. 261):
“De fato, ela é o resultado da interpretação guarani, como, por exemplo, a fusão de um
conceito genuinamente cristão “paraíso” à estrutura ideológica autóctone já existente”.
Em sua obra, As Divinas Palavras: identidade étnica dos Guarani-Mbyá, o
antropólogo Litaiff (1996 p.53), mencionado anteriormente, relata sua experiência acerca
da língua com os Guarani-Mbyá na aldeia de Bracuí (litoral do estado do Rio de Janeiro):
“[...] todas as vezes que os Mbyá conversam entre si o fazem utilizando a língua nativa,
inclusive diante de estranhos, que desta forma são excluídos”. Isso expõe a função da
língua para os Mbyá que é a de garantir privacidade nas conversas, sem que informações
da comunidade sejam objeto de especulações para o não indígena. Todavia, isso gera a
exclusão dos estranhos em suas conversas.
Na obra Palavras do Xeramõi, o autor indígena Antunes (2008), cita a importância
de mostrar o que está desaparecendo e preservar o que ainda existe na cultura Guarani-
Mbyá, ressaltando o valor do projeto da escrita no processo de preservação da história de
um povo. Ele fala que a história escrita na obra não está completa, é somente uma parte
da história dos povos Guarani, a fim de mostrar o que está se perdendo e preservar o que
32
está vivo para que tudo fique escrito no papel, como o Juruá10 faz. Portanto, Antunes
concorda com a escrita, mas não nega a importância da transmissão oral do conhecimento
(que conta com a memória humana). A transmissão do conhecimento pela oralidade é um
fato milenar em muitas culturas, cujos valores e tradições são passados de geração a
geração por meio de histórias e lendas. O pesquisador Vansina (1980, p.160) expõe que:
“a tradição oral é tudo aquilo que é transmitido pela boca ou pela memória” ou “um
testemunho transmitido oralmente de uma geração à outra”. Portanto, julgar que culturas
ágrafas são povos sem história, que não detêm o saber, é um preconceito incrustado em
uma visão etnocêntrica, que tem dificuldade de pensar a diferença. Sabe-se que uma
cultura não é melhor do que a outra e que escrita não é sinônimo de saber. Como enfatiza
Hampaté Bá (1980, p. 181): “A escrita é apenas uma fotografia do saber, mas não o saber
em si”.
Felizmente, no Brasil há uma literatura indígena de qualidade, que se verifica em
autores como Daniel Munduruku (cujo sobrenome provém da sua etnia), Kaká Werá
Jecupé, Olívio Jecupé, Renê Kithãulu, Yaguarê Yamã, Tupã Tenondé, entre outros. Estes
escritores indígenas abordam a temática do índio na visão deles, não na perspectiva dos
Juruá, e tentam derrubar conceitos antiquados em relação as suas tradições e mostrar a
sua cultura de forma desmistificada. Muitos dos livros destes autores são adotados em
escolas indígenas e não indígenas de todo o país. Em uma entrevista postada no seu blog,
o autor de histórias indígenas e doutor em educação, Daniel Munduruku (apud GRANDE,
2009, p.01), assegura: “Já somos vistos e ouvidos por conta da literatura e não precisamos
levantar bandeiras políticas para isso. A literatura é nossa arma para nos fazermos ouvir”.
Também na mesma entrevista, comenta que a reação do seu povo sobre ele escrever
livros na Língua Portuguesa foi a melhor possível, isto é teve uma boa aceitação por parte
do seu povo, os munduruku. Afirma que eles gostaram, pois seus parentes mais próximos
foram testemunhas das dificuldades que ele passou em sua infância, já que
acompanharam sua luta para conseguir estudar e se formar. Segundo Munduruku (apud
GRANDE, 2009, p.01): “Quem tem este tipo de resistência são os não indígenas, que
acham que uma pessoa deixa de ser indígena quando perde a língua”. Daniel tem apenas
um livro escrito em munduruku, que foi traduzido com a ajuda de seu primo falante e
conhecedor da língua, já que o autor estudou em escola não indígena na cidade de Belém
10 Modo como os Guarani-Mbyá se referem aos não indígenas.
33
capital do estado do Pará, onde havia uma resistência muito forte aos indígenas e, por
conta disso, tinha vergonha de falar na língua. Consequentemente, o autor mesmo declara
na entrevista que perdeu quase totalmente o munduruku.
3.1 BILINGUISMO E CONTEXTO
O Bilinguismo é um tema amplo e existem múltiplas definições para ele. Mackey
(apud MELLO, 1999, p.46) considera o bilinguismo como algo relativo, pois não se sabe
exatamente em que ponto alguém se torna bilíngue, e acrescenta que é simplesmente uma
questão de alternância de duas ou mais línguas. O autor afirma que há quatro pontos
fundamentais que envolvem a questão do bilinguismo: grau (quanto alguém conhece as
línguas que usa?), função (para que ele usa suas línguas?), alternância (com que
frequência ele muda de uma língua para outra e sob quais circunstâncias?) e interferência
(até que ponto uma língua influencia a outra?). Mackey concluiu, após aplicar testes de
proficiência em indivíduos bilíngues, que nem sempre o bilíngue possui o mesmo grau de
domínio em todas as habilidades (fala, compreensão, leitura e escrita). Essa questão está
sendo cada vez mais debatida, sobretudo pelos profissionais que abordam assuntos
relacionados à linguagem, à sociedade e à psicologia. Após investigações desses
especialistas, o paradigma de que o bilíngue é alguém que domina duas ou mais línguas
perfeitamente em todas as suas habilidades como, fala “sem sotaque”, escrita, leitura e
compreensão foi quebrado. Atualmente, sabe-se que dificilmente um indivíduo é fluente
nas duas línguas e em todos os níveis, até porque a aquisição de uma segunda língua pode
ocorrer em diferentes fases da vida e em todas as faixas etárias (GROSJEAN apud
MELLO, 1999).
Muitas pessoas têm a necessidade de aprender uma segunda língua por diversos
motivos: conhecer outras culturas, migração, exigência profissional, viagens, interesses
econômicos, casamento intercultural, entre outros. Pode ser uma questão de escolha, uma
necessidade ou, até mesmo, uma imposição. As sociedades indígenas, no caso as
brasileiras, tendo suas línguas vistas como minoritárias, precisam também aprender a
língua oficial do país em que vivem. Fato que comprova que uma língua pode ser também
uma imposição social e histórica.
É certo que dependendo do momento, um bilíngue tem a vantagem de escolher
qual língua pode usar. Foi exposto anteriormente sobre a conveniência que os índios têm
34
de excluir estranhos com o objetivo de preservar suas conversas. De fato, normalmente o
português como segunda língua é utilizado por eles somente quando precisam interagir
com o não índio.
Geralmente, o bilíngue elege uma língua matriz (aquela que é a principal nas
enunciações), contudo essa nem sempre é a única língua utilizada em uma conversação.
Pode ocorrer que a outra língua do bilíngue surja na interação verbal. Tal fenômeno é
conhecido como mudança de código (codeswitching) Mello explica (1999 p. 85): “Ao
interagir com outros bilíngues, o individuo pode passar de uma língua para outra,
inserindo uma frase ou uma sentença na enunciação”. A autora também enfatiza que a
mudança de código pode funcionar como uma tática importante para o falante bilíngue.
Para Costa (2009, p.55): “O contexto da comunicação define a mudança de código, a
finalidade da interação explica as escolhas dos falantes”. Portanto, são as práticas sociais
que definem qual língua deve ser utilizada.
Para a perspectiva discursiva não se trata de “código” em stricto senso, mas de
língua em contexto. Nesse sentido, passar de “um código” para outro é compreendido
como uma possibilidade gerada em condições de produção estáveis, nas quais tanto um
“código” como o outro pode igualmente produzir sentido. Ou seja, o que permite a
produção de sentido são as condições de produção (condições contextuais) e não o código
isolado.
3.2 CONCEITO DE INTERCULTURALIDADE
Além de bilíngue, a educação escolar indígena almeja ser intercultural e
diferenciada. Mas, o que significa intercultural? Segundo Oliveira (2010, p.01): “Como
um programa da educação pública a interculturalidade é o reconhecimento de que, no
território controlado pelo Estado, vivem diferentes povos, etnias, grupos, nações, como
quer que as chamemos.” Para Oliveira (2010) o estado multicultural seria aquele que se
admite como tal e permite que os povos que o constituem representem suas diferentes
histórias, suas diferentes religiões e práticas sociais, seus diferentes heróis, tudo isso em
suas variadas línguas. O contrário dessa ideia é um estado monolíngue e monocultural
que foi a pretensão de todos os grupos gestores dos Estados Modernos, com raras
exceções.
35
No momento em que a diversidade linguística começa a ser reconhecida em um
país, gera uma transformação histórica para toda a sociedade, resultando numa melhoria
do desenvolvimento sócio sustentável, em que todos os cidadãos participam ativamente
do crescimento do país. A ideia do monolinguismo, no qual prevalece uma língua e
cultura dominante, leva a considerar que outras culturas são empecilhos para o
desenvolvimento dos estados, posição que causa enormes conflitos em muitas regiões do
mundo. Tal paradigma deve ser modificado. Um caminho alternativo para que os grupos
autóctones se desenvolvam seria adquirir conhecimentos necessários da cultura
dominante, sem que abandonem sua própria cultura (HAMEL, 1995).
Somente o ensino da língua indígena não resolve a problemática da Educação
Escolar Indígena. De acordo com Hamel, professor e investigador do Departamento de
Antropologia da Universidade Autônoma Metropolitana-Iztapalapa em México, DF
(1995, idem, p.84): “[...] una educación apropiada tendrá que adecuar sus métodos a la
realidad cultural de los alumnos; en otras palabras, tendrá que ser además de bilingüe,
intercultural.” Esta ideia de interculturalidade é fundamental para que a Educação Escolar
Bilíngue seja efetiva, por conseguinte foi adotada pelo México e outros diversos países
latino-americanos com população indígena expressiva, como no caso do Brasil. Essa ideia
de interculturalidade é fundamental para que a Educação Escolar Bilíngue seja efetiva, a
qual já foi adotada pelo México e por outros diversos países latino-americanos com
população indígena expressiva, como no caso do Brasil.
Entretanto Oliveira (2010), adverte que é estranho que no Brasil a educação
intercultural esteja destinada só aos indígenas que são a minoria, e não à maioria luso-
brasileira, exatamente aquela que se constitui nas ações de nation-building (construção de
nação) no caso monocultural e monolíngue.
A Educação Escolar Indígena no Brasil tem como prioridade ser uma escola
diferenciada, nos sentido de preservação da cultura indígena e do ensino bilíngue. O
objetivo é que o aluno aperfeiçoe sua língua materna e aprenda a língua portuguesa como
veículo de comunicação na cultura hegemônica. Esta educação não deve ser padronizada
num modelo rígido, ao contrário, deve ser adaptada às características sociolinguísticas de
cada comunidade.
Uma proposta interculturalista no ensino de línguas busca relacionar a
aprendizagem de língua à cultura, partindo sempre da cultura de origem para a cultura-
36
alvo, ou seja, é preciso estabelecer pontes culturais com outras sociedades e culturas. O
professor é o mediador dessa relação da língua de origem com as outras. Serrani (2005),
atribui o professor de línguas como um interculturalista, que deverá estar apto para
realizar práticas de mediação sócio-cultural, contemplando o tratamento de conflitos
identitários e contradições sociais na linguagem da sala de sala. Contudo, é fundamental
que o professor esteja capacitado para que o ensino da língua, tanto materna quanto
estrangeira, não seja simplesmente um mero instrumento a ser dominado pelo aluno. De
acordo com Serrani (2005, p. 18): “o perfil de um interculturalista, sensível aos processos
discursivos, requer que o profissional considere especialmente, em sua prática, os
processos de produção-compreensão do discursso, relacionados diretamente à identidade
sócio-cultural.” Para Serrani (2005), a interculturalidade enfatiza o componente cultural,
bem como o componente específico de linguagem. Portanto, a elaboração do projeto
didático não parte de elementos exclusivamente do sistema da língua; é fundamental
ressaltar na metodologia qual o contexto sócio-cultural e quais gêneros discursivos estão
em foco, para isso Serrani (2005) propõe três eixos temáticos a serem seguidos: 1.
Territórios, espaços e momentos, esse eixo considera o território como espaço social; 2.
Pessoa e grupos sociais, eixo que trata a identificação dos grupos sociais em diferentes
perspectivas discursivas sobre a diversidade étnica; 3. Legados socioculturais, que são as
peculiaridades de cada cultura, transmitidas de geração à geração, por exemplo a região
sul do Brasil pode estudar textos relacionados com a cultura nordestina e vice-vesa. As
sociedades indígenas podem estudar a cultura de outras etnias autóctones ou não-
indígenas e reciprocamente.
Além de mediar os estudos linguísticos, o professor precisa ter conhecimento de
várias áreas de ensino. Como ressalta Serrani (2005, p.21): “o domínio das concepções
teóricas fundamentais para um docente de línguas como interculturalista é
definitivamente transdisciplinar.” Para a Educação Escolar Indígena as lendas, as
histórias, contadas oralmente são instrumentos valiosos para se trabalhar a língua
concomitantemente com a cultura, sobretudo se trabalhado sob uma perspectiva não-
normativista, ou seja, é importante que aluno deixe transparecer suas opiniões e emoções.
37
3.3 A PROBLEMÁTICA DA GRAMATIZAÇÃO
Segundo Auroux (2009, p.65): “Por gramatização deve-se entender o processo que
conduz a descrever e a instrumentalizar uma língua na base de duas tecnologias, que são
ainda hoje os pilares de nosso saber metalinguístico: a gramática e o dicionário.”
Portanto, estes são os principais instrumentos linguísticos que legitimam a existência de
uma língua, na concepção da cultura ocidental.
Uma língua para fazer sua gramática se baseia em outras línguas. Como exemplo,
destaca-se o caso do latim em que houve uma endotransferência do grego, bem como para
as línguas vernáculas (espanhol, português, francês, italiano) houve uma
endotransferência do Latim. Segundo Auroux (1995): endotransferência é quando os
próprios falantes da língua fazem a transferência cultural. Já a exotransferência é quando
locutores de outras línguas realizam tal processo, como exemplo a gramática Tupi-
Guarani do padre jesuíta José de Anchieta, lançada no século XVI. Cabe lembrar que
essa gramática foi a primeira iniciativa de instrumento linguístico no Brasil com o
propósito da catequização. Por isso, ficou conhecida como tupi jesuítico ou tupi
catequético. A transcrição da língua brasileira oral, (o Tupi), foi feita a partir de um
modelo europeu de escrita, que segundo Gallo (1995, p.53): “é justamente por aí que
começa seu processo de disciplinação e não de legitimação”.
A gramatização de uma língua nesses moldes tradicionais é sem dúvida, um
instrumento linguístico e político que forma parte da história da própria língua e que
atribui a questão do ensino para as instituições. O modelo metodológico é continuamente
aquele tradicional europeu apresentando um levantamento sistematizado das normas que
dizem respeito à escrita (ortografia), aos sons (fonética), à forma das palavras
(morfologia), às ligações entre elas (sintaxe) e ao sentido das mesmas (semântica).
Segundo Agustini (2004, p.15): “A gramática é um discurso que se constitui na
base da língua (escrita) enquanto instrumento linguístico que constrói a existência
(imaginária) da língua nacional”. Produz-se, então, a falsa ideia de que todos os falantes
de uma mesma língua falam e escrevem da mesma forma. A língua nacional é uma língua
“correta” sustentada pela gramática e no caso do Brasil a língua nacional é a língua
portuguesa, imposta e dominante, que não abrange a língua dinâmica e contextualizada
que flui entre os falantes. De acordo com Gnerre (2009, p.15): “A língua dos gramáticos é
um produto elaborado que tem a função de ser uma norma imposta sobre a diversidade”.
38
Desse modo, não se pode conceber o ensino de uma língua utilizando somente a
gramática como instrumento linguístico. Ela é tão-somente uma parte de um todo. Como
sustenta Orlandi (2009, p. 92): “Além das regras, há os valores sociais atribuídos às
regras, há o contexto histório-social, há a situação constitutiva da linguagem”. Portanto, é
preciso levar em conta o contexto no qual o sujeito se inscreve.
3.4 ESTUDOS ACADÊMICOS SOBRE A LÍNGUA GUARANI-MBYÁ
A língua Guarani, já há muito tempo, não é mais uma língua ágrafa, porém não
tem uma escrita normatizada (aliás, até o final do século XX nem a língua portuguesa
apresentava uma escrita uniformizada), como é o caso de muitas línguas de tradição oral,
mas conta com um dicionário bilíngue Guarani-Mbyá-Português do autor Robert Dooley
e outro Guarani-Mbyá/Castelhano escrito por León Cadogan, além de trabalhos
acadêmicos. Há pouco mais de dez anos, os Guarani-Mbyá estão tendo contato com a
escrita, com uma proposta de ensino bilíngue dentro das suas escolas e nas universidades.
Com isso, há uma expectativa de que a escrita ganhe maiores proporções, tornando-se
uma prática nova nessa sociedade.
De acordo com Martins (2004, p. 28): “Apesar de vários trabalhos terem
contribuído para a documentação do Mbyá, este não conta com nenhuma gramática que
assegure a sua descrição completa”. A mesma autora explica que a bibliografia existente
trata mais comumente de Fonologia e que esta resulta ser a área mais desenvolvida. A
morfologia e a sintaxe foram pouco exploradas, apresentando alguns trabalhos feitos por
Dooley (1982) e Martins (1996).
Segundo Martins, 2004, p. 28: “O Mbyá conta com um vocabulário básico de
aproximadamente 2.500 verbetes e subverbetes produzido por Dooley (1989), baseado na
língua falada no estado do Paraná e que contém notas sobre aspectos gramaticais e alguns
dados sobre pronúncia e grafia”.
Dooley autor do dicionário bilíngue intitulado Vocabulário Guarani dialeto Mbyá
(1982), do Summer Institute of Linguistics (SIL) entidade religiosa, norte-americana de
caráter fundamentalista. O dicionário é apresentado sob duas versões: uma técnica,
voltada para o mundo acadêmico, e outra com a finalidade de auxiliar estudantes, que
39
contou com o apoio do MEC. Ambas as variações podem ser usadas por falantes do
Português que queiram conhecer o Guarani. Dooley proporciona em sua obra lexical o
acesso tanto à forma escrita comum quanto aos modelos para transcrições fonológicas e
fonéticas. Há no dicionário uma breve descrição sobre a fonologia Guarani, relacionada à
sua representação ortográfica, incluindo a influência da língua portuguesa sobre a
ortografia e a ordem alfabética.
Há nos trabalhos do SIL um valor significativo de investigação linguística,
entretanto, do ponto de vista social crítico é extremamente questionável a intenção de
evangelizar, de converter os indígenas à uma religião estranha à sua cultura, mesmo
porque estas sociedades já têm sua própria religião, ou melhor, suas próprias crenças.
Nesse sentido, a missão evangélica do SIL manifesta seu autoritarismo religioso, com um
pensamento totalitário de verdade universal, objetalizando o indígena e a sua língua, o
que, ao nosso ver compromete sua prática de pesquisa linguística.
O dicionário Guarani-Mbyá-Castelhano (1992) de Cadogan, como cita Melià no
prefácio da obra (1992, p. 13): “[...] conforta uma etnologia implícita dos Guarani-Mbyá
que [...] ajuda a compreender o significado de conceitos que são chaves nessa cultura e
[...] permite a compreensão melhor dos textos míticos dos Guarani-Mbyá do Guairá (Ayvu
Rapyta e Ywyra Ne’ery) também escrito por Cadogan.” O dicionário é um excelente
auxiliar na leitura dos textos. Não se trata de uma obra completa, e sim de uma parte da
língua dos Mbyá que foi falada ao autor em circunstâncias de tempo e lugar muito
determinadas. À medida que o corpus dos textos dos Mbyá ganhe amplitude e cubra uma
dimensão maior de falantes e formas de discurso, não há dúvidas de que novas palavras
irão incorporar-se ao dicionário, que, segundo Cadogan (1992), certamente seria
enriquecido, consciente, no entanto, que completá-lo inteiramente seria uma tarefa quase
que impossível, em virtude da riqueza linguística do Mbyá.
Em uma análise crítica sobre o modo de escrita e utilização dos dicionários
Guarani-Mbyá, Melià no apêndice da obra lexicográfica de Cadogan (1992, p. 210)
comenta:
Segundo nosso conhecimento só existe outro trabalho de lexicografia Mbyá: Dialeto Mbyá do Brasil de Robert Dooley, nele as palavras foram tratadas com quase absoluta abstração do contexto cultural, mas poderão ser utilizadas para traduções simples de textos coloquiais que não impliquem matizes semânticas específicas da cultura Guarani-Mbyá.
40
Convém evidenciar que os trabalhos supracitados são clássicos e relevantes para o
ensino da escrita da língua Guarani-Mbyá, pois quando houver necessidade de
verificação, de exemplos, essas pesquisas darão respaldo. Contudo, essa é uma
necessidade do pesquisador e não do indígena. É importante deixar que os falantes (no
caso os indígenas) conheçam os modelos de escrita existentes na cultura ocidental
(dicionários, gramáticas, trabalhos acadêmicos), porém necessário se faz incentivá-los a
propor outras possibilidades de registro.
As graduações que estão sendo criadas para os indígenas têm papel importante,
visto que a ideia agora é poder contar com os próprios falantes e suas intuições, desde que
sempre seja respeitada a cultura do outro.
3.5 DO DIREITO À LÍNGUA AO DIREITO À EDUCAÇÃO BILÍNGUE
As políticas públicas enfrentam o instigante desafio de fazer valer em nosso país
os direitos políticos, culturais e educacionais conquistados pelos povos indígenas (após
um longo período de lutas árduas e protestos) que resultaram na afirmação destes direitos
com a Constituição Federal de 1988. Tal desafio se dá visto que além de reverter séculos
de políticas e projetos de ideologias homogêneas com capacidade de anular identidades e
diferenças étnicas, é primordial a transformação de mentalidades, desnaturalizando
estereótipos, desconstruindo visões estabelecidas, quebrando paradigmas obsoletos para,
e somente desta maneira, viabilizar processos de democratização que reduzam
desigualdades produzidas pela desumana exclusão de segmentos sociais portadores de
identidades contrastantes. A sustentabilidade da diversidade étnica é exatamente combater
a ideia de que haja culturas superiores, etnocentrismo e hierarquias, visto que apesar da
pluralidade de culturas existentes no Brasil, ainda o preconceito convive com o nosso
cotidiano. Por isso, além de reconhecer as diferenças é preciso valorizá-las também e
pensar que quanto maior a interculturalidade maior a riqueza, já que um mundo diverso
produz uma humanidade melhor, com diferentes olhares e diferentes contribuições. O
cidadão que vive em um estado multicultural compreende e respeita as práticas culturais
dos diferentes povos que o Estado apresenta.
A complexidade da área dos direitos culturais inclui vários conjuntos de direitos e
garantias, entre eles, merecem devidos destaque e reflexão, como cita Guerrero (2009, p.
93), “o reconhecimento da diversidade, o exercício da identidade como povos, o uso
41
irrestrito da língua, uma educação própria e o respeito pelo patrimônio cultural”. O autor
supracitado, membro do Instituto Interamericano de Direitos Humanos, considera,
parafraseando Paulo Freire, que o direito à língua (que pertence ao campo dos direitos
culturais) é um direito gerador, ou seja, um direito fundamental para reivindicar os
demais.
A intenção de organizações e comunidades indígenas ao formularem demandas
pelo direito à língua abrange vários objetivos, considerados por Guerrero (2009) como o
reconhecimento formal de sua existência (colocá-la ao lado do idioma nacional) e, ao
mesmo tempo, o reconhecimento da existência dos povos falantes dela, em termos de
quantidade numérica e localização geográfica. Isso implica o direito de usar a língua na
vida cotidiana sem que este uso seja considerado uma ameaça à segurança nacional ou
mesmo como uma absurda evidência de uma possível atitude conspiratória, ou seja, estas
restrições impostas por autoridades locais, militares, empregadores do meio rural, entre
outros, que não vêm a ser restrições legais, porém não deixam de ser reais. Os indígenas
reivindicam, ao mesmo tempo aqui, o uso dos seus verdadeiros nomes e sobrenomes.
Segundo Guerrero (2009, p. 94), “O uso da língua materna para a educação é, sem
dúvida, a reivindicação mais generalizada e concreta que se desenvolveu até o momento”.
Ainda para o autor, seguindo um percurso de reivindicações, primeiramente, a luta era
para que as crianças pudessem usar suas línguas para fins não-educacionais, logo, a
demanda se estendeu para que alguns conteúdos educativos fossem ensinados em língua
indígena e, finalmente, que a própria educação se tornasse bilíngue. Além de bilíngue,
posteriormente, foi proposto que o ensino fosse bicultural ou intercultural (para fazer
referência aos próprios conteúdos, isto é, à realidade do contexto no qual os estudantes
estão inseridos). Hoje, esta modalidade de educação na América Latina se define como
Educação Intercultural Bilíngue e, no Brasil, exclusivamente, como Educação Escolar
Indígena. Ainda como reclamação mais avançada, foi solicitado que os processos
educacionais fossem controlados pelos próprios indígenas, sem seguir necessariamente o
modelo de ensino dos não indígenas.
Cabe ressaltar aqui a sugestão de que a língua portuguesa fosse aprendida como
uma segunda língua. E, ainda, que línguas indígenas, ou alguma dentre elas, fossem
ensinadas nas escolas dos não indígenas, como segunda língua a toda população do país.
Com outras palavras, as línguas minoritárias precisam chegar às escolas dos não
42
indígenas e também às universidades. Como enfatiza Costa (2009, p. 52): “Os cursos de
Letras oferecem habilitações em diferentes línguas, porém nenhuma indígena, isso em
locais habitados por indígenas e senão houver mobilização por parte das etnias
interessadas, o horizonte não é promissor”.
A reivindicação ao direito à língua trouxe à tona a inserção do ensino bilíngue nas
escolas indígenas, que evoluiu para que haja uma ideologia voltada verdadeiramente para
um intercâmbio entre culturas indígenas e não indígenas. Tal fato, seguramente, é uma
grande conquista para a valorização e o reconhecimento dos direitos indígenas.
Nesse sentido, algumas medidas foram e estão sendo tomadas pelo governo para
tornar real o direito destes brasileiros, como a criação e ampliação de leis que promovem
a questão da pluralidade cultural no Brasil. Um exemplo importante a ser citado é a
substituição da Lei no 10.639 de 2003 (BRASIL, 2003), que abordava apenas a questão
racial negra, pela Lei no 11.645 de 2008 (BRASIL, 2008), com o objetivo de abrangê-la e
assim preconiza o trabalho e a valorização das tradições negras e indígenas, incluindo no
currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-
Brasileira e Indígena”.
Além disso, o Ministério da Educação tem investido em ações para qualificar a
Educação Escolar Indígena, como formação de professores, produção de materiais
próprios e melhorias na infraestrutura. Em julho de 2004, criou sua mais nova secretaria,
a SECAD - Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade. Nesta
secretaria, além da educação escolar indígena e diversidade étnico-racial, estão reunidos
temas como alfabetização e educação de jovens e adultos, educação no campo, educação
ambiental e educação em direitos humanos, temas antes distribuídos em outras
secretarias.
A SECAD tem como objetivo contribuir para a redução das desigualdades
educacionais por meio da participação de todos os cidadãos em políticas públicas que
assegurem a ampliação do acesso à educação, tornando-se um instrumento de grande
importância para a estruturação do ensino da língua indígena.
A seguir, observam-se as principais ações da SECAD para garantir a oferta de
uma educação escolar indígena de qualidade. Tais ações se encontram no site oficial do
MEC (2010):
1. Formação inicial e continuada de professores indígenas em nível médio (Magistério Indígena). Esses cursos têm em média a duração de cinco anos e
43
são compostos, em sua maioria, por etapas intensivas de ensino presencial (quando os professores indígenas deixam suas aldeias e, durante um mês, participam de atividades conjuntas em um centro de formação) e etapas de estudos autônomos, pesquisas e reflexão sobre a prática pedagógica nas aldeias. O MEC oferece apoio técnico e financeiro à realização dos cursos.
2. Formação de Professores Indígenas em Nível Superior (licenciaturas interculturais). O objetivo principal é garantir educação escolar de qualidade e ampliar a oferta das quatro séries finais do ensino fundamental, além de implantar o ensino médio em terras indígenas. O Programa de Formação Superior e Licenciaturas Indígenas - Prolind é um programa de apoio à formação superior de professores que atuam em escolas indígenas de educação básica. Estimula o desenvolvimento de projetos de curso na área das Licenciaturas Interculturais em instituições de ensino superior, públicas federais e estaduais. O objetivo é formar professores para a docência no ensino médio e nos anos finais do ensino fundamental das comunidades indígenas.
3. Produção de material didático específico em línguas indígenas, bilíngues ou em português. Livros, cartazes, vídeos, CDs, DVDs e outros materiais produzidos pelos professores indígenas são editados com o apoio financeiro do MEC e distribuídos às escolas indígenas.
4. Apoio político-pedagógico aos sistemas de ensino para a ampliação da oferta de educação escolar em terras indígenas.
5. Promoção do Controle Social Indígena. O MEC desenvolve, em articulação com a Funai, cursos de formação para que professores e lideranças indígenas conheçam seus direitos e exerçam o controle social sobre os mecanismos de financiamento da educação pública, bem como sobre a execução das ações e programas em apoio à educação escolar indígena. Podemos contar ainda com a criação e publicação dos Cadernos Secad, concebidos para cumprir a função de documentar as políticas públicas desta secretaria. Os conteúdos destes cadernos são de caráter informativo e formativo para aqueles que precisam compreender as bases históricas, conceituais, organizacionais e legais.
6. Apoio financeiro à construção, reforma ou ampliação de escolas indígenas.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) reconhece a
diferenciação da escola indígena das demais escolas do sistema, respeitando, assim, a
diversidade cultural e a língua materna. Com isso, o Ministério da Educação criou o
Referencial Curricular Nacional para as escolas indígenas - RCNE Indígena. Este
documento integra a série Parâmetros Curriculares Nacionais e reúne os embasamentos
históricos, antropológicos, políticos e legais da proposta de Educação Escolar Indígena,
além de esclarecer e incentivar a pluralidade, a diversidade e respeitar a participação de
educadores índios e não-índios. O objetivo do material é orientar o trabalho dos
professores junto às comunidades indígenas, oferecendo ideias e sugestões de trabalho
nas diversas áreas do conhecimento para cada ciclo escolar das escolas indígenas
inseridas no Ensino Fundamental (BRASIL, 1998).
44
A alfabetização e a educação escolar sempre foram práticas de não indígenas, sua
forma de ensino veio ao encontro das suas necessidades e padrões e vêm evoluindo ao
longo de sua prática, dentro desta ideologia. Tal educação escolar foi inserida
arbitrariamente na cultura indígena através dos colonizadores, com seus padrões de
ensino voltados aos próprios interesses. Este modelo fixado avalia e reprova o que não faz
parte de padrões preestabelecidos, o que coloca em desvantagem tudo e todo aquele que
não pertence a esta realidade.
Entretanto, atualmente, notam-se progressos significativos que vem ocorrendo
desde a década de 70, com a estruturação de diferentes organizações indígenas, cujo
objetivo é lutar pelos seus direitos, inclusive no que diz respeito à legislação que regula a
Educação Escolar Indígena no Brasil. Também a presença das universidades nas aldeias,
com antropólogos indigenistas ocorreu nesse período. Contudo, os movimentos
indigenistas só conseguiram a criação de políticas públicas voltadas para um sistema
educacional diferenciado a partir da década de 80 (MACIEL, 2005).
Constata-se que somente após a constituição de 88, os índios conseguiram seu
primeiro curso oficial. Foi uma conquista após vários anos de lutas e reivindicações. De
acordo com Girotto, 2011, p.91:
A educação escolar indígena teve o primeiro curso oficial no estado de Mato Grosso do Sul direcionado para as etnias Guarani/Kaiowá no ano de 1993, isso para capacitação de professor para trabalhar com o Ensino Fundamental para indígenas, para tal o curso foi realizado numa parceria entre Universidade (UFMS), Estado (secretaria de Educação do Estado e Funai) e organizações não governamentais (CIMI e Missão Presbiteriana).
Como consta no RCNE Indígena (BRASIL, 1998), legalmente o caminho está
livre para a construção de currículos coerentes com a realidade e as novas demandas dos
povos indígenas, como reivindicam professores e pessoas envolvidas, conhecedores das
dificuldades encontradas naqueles modelos de educação impostos ao longo da história,
que nunca corresponderam aos interesses políticos e às pedagogias da cultura indígena.
A constituição de 88 e a LDB dão a garantia aos indígenas de colocarem em
exercício formas peculiares de organização escolar, como, por exemplo, o uso de um
calendário próprio e, ainda, autonomia para a criação, desenvolvimento e avaliação de
conteúdos. Porém, contradições e conflitos precisam ser superados, já que existem
entraves que dificultam a prática de tais propostas, como a falta de conhecimento na
45
operacionalização propriamente dita, práticas cotidianas, assim como os objetivos a serem
alcançados.
Desse modo, existe a necessidade de uma análise constante, crítica e informada da
participação do professor indígena. Felizmente essa participação é uma realidade nas
práticas curriculares em andamento em suas escolas, já que, como foi dito anteriormente,
o modelo de ensino criado para uma sociedade considerada homogênea não vinha ao
encontro da grande diversidade cultural e étnica dos povos indígenas no Brasil.
Conforme o RCNE Indígena (BRASIL, 1998, p. 12): “só uma (re)avaliação
contínua da atuação pedagógica pode assegurar que tal atuação esteja sendo capaz de
promover, junto aos alunos indígenas o exercício pleno da cidadania e da
interculturalidade, o respeito a suas particularidades linguístico-culturais.”
O RCNE Indígena com a participação do movimento indígena serve como um
instrumento auxiliar nesta análise, já que se propõe a distinguir escolas indígenas de
escolas não indígenas e refletir novas intenções educativas que deverão orientar políticas
públicas e educacionais para as escolas indígenas. E, ainda, propõe-se a apresentar os
princípios mínimos necessários para que se possa chegar aos objetivos a serem
alcançados nos procedimentos de sala de aula em cada área de estudo do currículo.
Professores indígenas, em reunião da Comissão dos Professores Indígenas,
Amazonas, Roraima e Acre – COPIAR chegaram a consonância de que na prática
(BRASIL, 1998, p.13): “A primeira coisa que a gente tem que fazer para produzir um
currículo é [...] discutir as ideias. E chegar na aldeia [...] e conversar com a comunidade,
com os outros professores. E mostrar que aquele currículo não está bom, que é preciso
mudar.” Isso mostra que a participação do indígena na construção do currículo é
indispensável e este deve ser adequado às necessidades de cada comunidade.
Foi realmente nas décadas de 80 e 90 que os direitos dos indígenas começaram a
entrar em vigor. A Constituição de 88 reconheceu aos povos indígenas brasileiros o
direito às suas línguas, pelo menos no aparato escolar, em dois artigos (Art. 210, 231),
fato que foi regulamentado pela nova lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de
1996, também em dois artigos (Art. 78, 79).
A alfabetização dos indígenas é algo recente e pressupõe uma conquista
linguística. Entretanto, é etnocêntrico pensar que para uma língua ser legitimada, ela
46
precisa ter escrita. Há várias línguas, mas cada uma deve ter sua própria forma material e
isso deve ser respeitado.
No Brasil, a conquista de leis nem sempre é a garantia da superação de
obstáculos. É necessário ultrapassar o etnocentrismo e a discriminação por meio de
comportamentos sociais e políticos que proporcionem o devido valor à igualdade de
direitos, independentemente da etnia ou língua do cidadão brasileiro.
Cabe mencionar o trabalho político sobre as línguas, nomeadamente as políticas
linguísticas, cujo objetivo principal é uma atuação junto às comunidades indígenas para
fazer valer a lei, garantindo que o índio possa usar sua língua materna e que o ensino
escolar a ele oferecido seja pautado pela interculturalidade (diálogo entre as duas
culturas) e adaptado às suas próprias características e necessidades.
O INDL (Inventário Nacional da Diversidade Linguística) vem a ser um livro de
registros das línguas e serve para possibilitar o reconhecimento das comunidades
linguísticas formadas por cidadãos brasileiros, sendo mais um passo na valorização do
direito à sua herança linguística e cultural. Portanto, trata-se de um instrumento de
salvaguarda pelo Estado porque a língua inventariada se torna um bem cultural imaterial
da nação. As línguas inventariadas já podem ser reconhecidas e, assim, mantêm-se e
valoriza-se a diversidade cultural, que é um patrimônio da humanidade.
Segundo o Relatório de atividades do grupo de trabalho da diversidade linguística
do Brasil (BRASIL, 2007, p. 16):
O inventário visa a dar visibilidade à pluralidade linguística brasileira e a permitir que as línguas sejam objeto de uma política patrimonial que colabore para sua manutenção e uso, portanto, visa a garantir às comunidades linguísticas que as utilizam, a legitimidade destes usos.
Conforme o Artigo 8 da Declaração dos Direitos Linguísticos, organizada pelo
linguista Oliveira (2003, p. 28): “Todas as comunidades linguísticas têm direito a
organizar e gerir os recursos próprios, com a finalidade de assegurar o uso de sua língua
em todas as funções sociais.” Ainda neste artigo: “Todas as comunidades linguísticas têm
direito a dispor dos meios necessários para assegurar a transmissão e a continuidade
futura de sua língua”. Dessa forma, somente com políticas que favoreçam a inclusão e a
participação de todos os cidadãos é que se tornará real o conceito de pluralismo cultural.
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É necessário criar condições para que esta pluralidade linguística continue existindo.
Portanto, o inventário é um trabalho de base para a criação destas políticas.
Com a virada político-linguística, conceito criado por Oliveira (2007), que são
movimentos de reconhecimento da diversidade linguística e cultural, pode-se afirmar que
o Brasil passa por um momento privilegiado para as políticas da diversidade, como nunca
tivemos na conformação do país.
Porém, há ainda grandes desafios como vencer o preconceito e garantir o espaço
linguístico, os direitos constitucionais, respeito às tradições dos cidadãos brasileiros que
não têm o português como língua mãe, independente de serem línguas indígenas, de
imigração, de sinais ou faladas por grupos quilombolas.
Recentemente, no dia 04.05.2010, uma juíza reacendeu o debate sobre a liberdade
de idiomas no Brasil num julgamento de assassinato de um cacique de setenta e dois anos,
em que fazendeiros, no estado do Mato Grosso do Sul, são os principais suspeitos. Os
índios, após darem os primeiros depoimentos em português, reivindicaram o direito de
darem os demais depoimentos em seu idioma nativo, levando, inclusive, um tradutor
oficial indicado pela FUNAI, nomeado pela justiça como intérprete oficial dos indígenas.
O pedido foi aceito pelo poder público e o julgamento foi marcado. Contudo, a juíza
responsável pelo julgamento se recusou a aceitar tal situação. Ela alegou que os primeiros
depoimentos foram feitos em língua portuguesa e não aceitou que houvesse um intérprete.
O procurador abandonou o júri para que os indígenas não fossem prejudicados no seu
direito de comunicar-se no julgamento, pois o Estado não pode impor um idioma às
minorias (sendo que tais minorias já adquiriram na Constituição de 88 o direito ao uso de
sua língua materna e, segundo o Ministério Público Federal, a Constituição Brasileira e
tratados internacionais garantem às etnias minoritárias de um país o direito de usar seu
idioma nativo).
Além disso, associa-se o fato de que tal atitude já lesou profundamente o Brasil
em sua diversidade cultural. Embora as vítimas e testemunhas já houvessem sido ouvidas
em português em outras fases do processo, o procurador Aras (apud FUHRMANN, 2010,
p.18) alega que: “Não é porque foi feito errado outras vezes que o problema pode repetir-
se. É como dizer que se eu invado a sua casa uma vez, posso invadi-la sempre.” O
julgamento teve de ser adiado e a discussão continua.
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O pesquisador e professor Bessa Freire (apud FUHRMANN, 2010) lembra que a
linguagem jurídica é de difícil compreensão por utilizar palavras técnicas e compara o
caso com os dos estrangeiros presos nos aeroportos brasileiros que têm o direito de
defender-se na sua língua materna, mesmo tendo algum conhecimento da língua
portuguesa e estando fora do seu território. Na opinião de Freire (apud FUHRMANN,
2010, p. 18): “aceitar que os indígenas se comuniquem em sua língua materna é uma
forma de fugir de um julgamento preconceituoso, pois reduz a impotência do índio
perante a justiça e lhe dá confiança. Isto é fundamental para quem está em busca da
verdade real.” Ou seja, é mais fácil as pessoas se comunicarem em sua língua materna na
qual pensam e sonham. Isto porque poucas pessoas alcançam um nível de bilinguismo
que lhes dá capacidade de raciocinar e defender seus direitos, de expor suas ideias num
segundo idioma. Também se deve considerar que há diversas tipologias de indivíduos
bilíngues. Ainda para Freire (apud FUHRMANN, 2010, p.18): “Seria necessário um
intérprete capaz de conhecer as nuances dos dois idiomas que estão sendo usados.” Entra
aqui não só a questão de que é preciso respeitar o bilinguismo como, também, há que se
levar em conta as nuances da interculturalidade. Assim sendo, o trabalho do intérprete
não é só fazer a mera tradução de palavras (literal), mas interpretar, pois deve existir um
elo entre culturas diferentes e em choque, neste caso.
É importante ressaltar aqui e levantar o questionamento que a própria cultura
jurídica Guarani é diferente da cultura dos não indígenas. O próprio fato de participar de
um júri já pode causar melindres, já que, para eles, a conversa é um encontro entre duas
almas e o falar alto pode assustar a alma do outro. Num julgamento, além do uso de um
gestual agressivo, grita-se muito. O intérprete nomeado para o caso, que vem a ser um
índio Guarani, doutorando em antropologia na UFRJ, de nome Tonico Benites (apud
FUHRMANN, 2010, p. 17) cita que: “[...] outras características de um julgamento são
incômodas para os índios, como o isolamento e a proibição de que testemunhas e vítimas
conversem entre si. [...] Para nós, quando falamos de alguém que morreu, a alma da
pessoa fica presente no lugar.” Por este motivo, torna-se difícil para eles relembrar a
história perante os companheiros e a alma da pessoa que foi assassinada, que crêem estar
presente. Além disso, ainda citando Benites (apud FUHRMANN, 2010, p. 17): “A
construção do discurso é diferente entre o português e o Guarani.” Além do desconforto
49
de um ambiente hostil, a arbitrariedade de ter que falar em português deixa o índio em
desvantagem.
3.6 BRASIL: UM PAÍS PLURILÍNGUE
O Brasil é um país multiétnico e plurilíngue, apesar de não serem reconhecidas
todas as línguas aqui faladas. Para compreender melhor a questão é necessária a
apresentação de alguns dados.
No Brasil de hoje são falados por volta de 200 idiomas. As nações indígenas do país falam cerca de 170 línguas (chamadas de autóctones), e as comunidades de descendentes de imigrantes outras 30 línguas (chamadas de alóctones). Somos, portanto, como a maioria dos países do mundo – em 94% dos países do mundo são faladas mais de uma língua – um país de muitas línguas, plurlíngue (OLIVEIRA, 2005, p.01)
Contudo, as estatísticas mostram uma situação preocupante. De acordo com uma
pesquisa feita pela UNESCO (2010), que divulgou nesse mesmo ano o mapa interativo
das línguas em perigo no mundo, o Brasil é o terceiro país do mundo com o maior
número de línguas ameaçadas de extinção. Segundo levantamento feito por 25 linguistas,
45 línguas indígenas, a maioria delas no Amazonas, foram classificadas na categoria de
risco mais elevado, ou seja, em situação crítica e 81 correm perigo porque as novas
gerações não aprendem mais o idioma materno.
Conforme Haboud (apud URIBE, 2009), especialista em línguas andinas: “O
êxodo rural e a instalação de grandes multinacionais na região amazônica e nos Andes são
os principais fatores externos que contribuem para o desaparecimento da língua
indígena”. Esse é o problema de uma visão exclusivamente linguística. Todavia, faz-se
necessário destacar que mais preocupante que o desaparecimento das línguas é o
desaparecimento das comunidades indígenas. Na visão discursiva, há sujeitos em relação.
O que deve ser preservado é o indígena (não somente sua língua) mas as comunidades.
Sabe-se que um indígena pode não mais falar a sua língua, todavia não vai deixar de ser
indígena por conta disso. O contrário seria acreditar que a língua é um critério sine qua
non de reconhecimento de identidade cultural, porém a língua não ultrapassa os limites da
cultura.
No século XVI, o europeu quando aqui chegou, impôs seu modelo hierárquico e
etnocêntrico, com o objetivo da conquista, da colonização e do domínio do chamado
50
Novo Mundo. Foi a época do extermínio do mais fraco. A política da língua única no
Brasil existe desde 1758, época em que Sebastião José de Carvalho e Melo, o Marquês de
Pombal (ministro todo-poderoso de Dom José I e com pleno domínio para governar
Portugal e suas colônias), decretou a língua portuguesa como língua oficial do Brasil,
justificando que governar um país com mais de uma língua se tornaria difícil. Nesse
momento, a ordem religiosa Companhia de Jesus, cujos membros eram os jesuítas,
notórios pelo trabalho missionário e educacional, é expulsa da colônia. O jesuíta mais
conhecido e atuante foi o Padre José de Anchieta que, em 1595, publica em Portugal a
“Arte da gramática mais usada na costa do Brasil”. Esse foi um dos primeiros
documentos sobre as línguas do Novo Mundo, que foi antecedido somente pela gramática
do quéchua, escrita pelo dominicano Domingo de Santo Tomás e publicada na Espanha
em 1560. Outra obra de teor igualmente importante que se tem conhecimento foi o
dicionário do jesuíta Antonio Ruiz de Montoya, intitulado “Arte, bocabulario, tesoro y
catecismo de la lengua Guarani”, publicado mais tarde na Espanha, em 1640. A
gramática do Tupi idealizada e escrita por Anchieta é um tema controverso: existem
aqueles que a consideram um magnífico trabalho de valor linguístico e filológico
indiscutível. E outros que a veem como uma deturpação da verdadeira língua indígena,
com o único propósito de ser um livro didático destinado aos jesuítas e à catequese dos
indígenas, logo não científico. Esses últimos ainda acreditam que ao empregar o modelo
latino, o jesuíta simplificou e criou categorias inexistentes para o legítimo Tupi (LEITE,
2003).
A respeito da contribuição das línguas indígenas, estima-se que foram
incorporadas à língua portuguesa do Brasil mais de dez mil palavras, porém este número
pode ser facilmente duplicado, pois, todas as denominações de lugares, de rios, de
montanhas, de plantas, de frutos pertencem ao tupi e ao guarani bem como a outros
falares de etnias ainda não bem conhecidas e estudadas até o momento (BUENO, 1987).
Certo é que, da língua tupi ou tupinambá, a língua portuguesa do Brasil
incorporou várias palavras referentes à flora, como abacaxi, buriti, mangabeira, carnaúba,
capim, pequi, jacarandá, jerivá, ipê, cipó, maracujá, jabuticaba, caju, caqui, entre outros; à
fauna, como capivara, tatu, jacaré, sucuri, piranha, urubu, quati, sabiá, maracanã, entre
outros; aos nomes geográficos: como Aracaju, Maceió, Guanabara, Iracema, Ipanema,
Tijuca, Niterói, Pindamonhangaba, Itapeva, Itaúna, Ipiranga, Chapecó, Itajaí, entre
51
outros; aos nomes próprios: como Jurandir, Jurema, Ubirajara, Juçara, Maíra, entre outros
(BUENO, 1987).
Segundo Bueno (1987, p.19): “O que muitos julgam ser criação da gíria reflete
influência indígena. Quem desconhece o modo de dizer: fazer peteca de alguém? Aí está
a palavra tupi peteca, propriamente, tapa, bofetada, porque no jogo da peteca, esta é
mantida no ar a poder de tapas”.
Após a expulsão dos jesuítas em 1759, a política de difusão do português é
deflagrada e o horizonte linguístico se comprime, já que se desenvolveu uma política
linguística direcionada ao monolinguísmo, centrada na língua portuguesa como língua
oficial e nacional, baseada na crença de que outras línguas levariam a outras identidades,
o que ameaçaria a “identidade nacional brasileira”, caso se reconhecesse o direito ao uso
de outros idiomas. Segundo a obra elaborada pela Consultoria Legislativa da Câmara dos
Deputados, Ensaios sobre impactos da Constituição Federal de 1988 na sociedade (2008,
p. 191):
O colonizador, com tudo o que essa postura traz a reboque, a fim de provar seu poder buscou imprimir sua identidade sobre a colônia não apenas pelo mérito da força da conquista, mas também pelo subjugar da(s) cultura(s) local(is) por meio da imposição de seu idioma como marca do conquistador.
De acordo com exposto, Oliveira e Morello (2004, p.02) afirmam que: “que 85%
das línguas desapareceram sem deixar vestígio, já que se tratava de línguas ágrafas, isto é,
sem escrita, como, aliás, a maioria das línguas no mundo”. Não só por isso, mas também
porque eram comunidades sem muito poder.
Na obra Palavras do Xeramõi, de Antunes (2008), autor descendente dos Guarani,
de nome indígena Karai Tataendy, pode-se encontrar e analisar o outro lado da história,
explícito em seu pensamento:
A nossa história está escrita em lugares sagrados, lugares que a natureza se encarregou de preservar para as futuras gerações. Mas um povo, que aqui chegou com olhos de reis e roupas de imperadores, tirou de nós o direito de continuarmos registrando nossa história. Esse povo destruiu, assim, os “livros” e registros que estão guardados na natureza, à medida que foram nos obrigando a uma maneira, sem nos pedir licença, de falar a nossa língua, de enterrar nossos mortos, de dançar nossas músicas, de praticar nossa religião, nossos rituais de cura (ANTUNES, 2008, p.42-43).
Seguindo essa linha de pensamento, no Relatório de atividades do grupo de
trabalho da diversidade linguística (BRASIL, 2007, p. 03) consta que “a política
52
linguística principal do estado sempre foi a de reduzir o número de línguas num processo
de glotocídio (eliminação de línguas) através de deslocamento linguístico, isto é, de sua
substituição pela língua portuguesa.” Segundo estimativas de Rodrigues (1986), há 500
anos falavam-se no país cerca de 1.200 línguas indígenas. Tal redução de línguas
indígenas nos últimos 500 anos se deu sob o efeito de um processo colonizador
extremamente violento e continuado. Segundo Funari e Noelli (2005, p. 66): “Nos
séculos seguintes à chegada de Cabral, teria havido uma drástica redução das línguas
indígenas no Brasil, principalmente em virtude da morte de muitos milhões de pessoas, na
ordem de mais de 80%, uma perda incomensurável de diversidade cultural”.
Do século XVI até o final do século XVIII houve grande migração portuguesa
para colonizar o Brasil de forma exploratória, seguindo o modelo de colonização ibérica.
Os lusitanos visavam enriquecimento rápido com intuito de retonar à metrópole. A
princípio, dedicaram-se sobretudo à agricultura, fundamentada no trabalho escravo,
inicialmente executado por indígenas, mas principalmente por escravos africanos. Cabe
lembrar que milhões de negros foram forçados a atravessar o oceano atlântico, ao longo
dos séculos XVI ao XIX, com destino ao Brasil, compondo a mão-de-obra escrava e
classificando, portanto, uma migração obrigatória. No século XVIII, os lusitanos vieram
atraídos pelo ouro no interior do Brasil. A partir do século XIX o Brasil passou a receber
imigrantes de outros países da europa, da ásia e do oriente médio. De acordo com
Dietrich (2011, p.28): “quase 5 milhões de pessoas migraram para o Brasil entre 1819 e
1940 e ajudaram a formar o que chamamos de nação brasileira. Os grupos mais
numerosos, em ordem decrescente, foram italianos, portugueses, espanhóis, alemães,
japoneses e árabes”. Essas populações foram atraídas pelas propagandas divulgadas em
seus países, que anunciavam uma vida melhor na América. Contudo, os imigrantes, os
africanos, assim como os indígenas também foram prejudicados pela política da língua
única.
A era Vargas é um exemplo clássico de ações violentas que fomentaram o
processo de glotocídio. Chegou-se ao ponto de considerar “crime idiomático” o fato de
falar outra língua que não fosse a língua portuguesa. Tal lei foi criada com a finalidade de
punir tanto índios como imigrantes que insistissem em usar seus idiomas maternos no
Brasil:
Durante o Estado Novo […] o governo […] perseguiu prendeu e torturou pessoas simplesmente por falarem suas línguas maternas em público ou mesmo
53
privadamente, dentro de suas casas, instaurando uma atmosfera de terror e vergonha […]. […] Mais grave que tudo isso a escola da “nacionalização” estimulou as crianças a denunciar os pais que falassem alemão ou italiano em casa, criando sequelas psicológicas insuperáveis para esses cidadãos […] (OLIVEIRA, 2005, p. 88).
Um dos primeiros movimentos do Estado em direção ao plurilinguismo e uma
perspectiva mais moderna de direitos linguísticos ocorreu com a Constituição Federal de
1988, que reconheceu pela primeira vez aos povos indígenas os direitos linguísticos e
culturais, da Educação (Art. 210), que afirma que o ensino fundamental será ministrado
em língua portuguesa, garantindo às comunidades indígenas também a utilização de suas
línguas maternas e processos próprios de aprendizagem, respeitando os valores culturais e
artísticos, nacionais e regionais, da Cultura (Art. 215), assegurando que o estado
protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras. Contudo,
foram excluídos os falantes das demais línguas existentes no território nacional, como as
línguas de imigração, as línguas crioulas e as línguas de sinais das comunidades surdas.
Depois de todo o tipo de humilhação, vilipêndio, desprezo e sacrifício de vidas,
línguas, culturas e até mesmo após a criação da Constituição de 1988, que foi um marco
para o reconhecimento de muitos direitos, inclusive linguísticos, somente nos dias atuais,
como uma tentativa de resgate da dignidade e da história de cidadãos brasileiros
(oriundos de etnias que não são aquela dos colonizadores oficiais que detinham o poder
na época) é que ocorre a criação de políticas linguísticas de grande valia para línguas
minoritárias. Países vizinhos ao Brasil também estão engajados em programas para
restaurar línguas e culturas ameaçadas, como exemplo, quéchua (falado no Peru, Bolívia
e Equador) e aimará (falado na Bolívia e Peru) com o quéchua.
Embora as Políticas Linguísticas para diversidade das línguas sejam um tema
recente no Brasil, já foi possível, no ano de 2002, a cooficialização de algumas línguas
autóctones (indígenas) como nheengatu, tukano e baniwa, no município amazonense de
São Gabriel da Cachoeira. Recentemente, no ano de 2010, o município de Tacuru, no
estado do Mato Grosso do Sul, adotou o idioma Guarani como segunda língua, já que
indígenas e descendentes de paraguaios são a maioria da população no município (caso
restrito nesses municípios). Isso demonstra que mesmo com a propagação da língua das
potências colonizadoras sobre as populações que ela dominava num processo de
modernização forçada, que foi a colonização propriamente dita, as línguas autóctones se
54
mantiveram em maior ou menor grau mesmo que a língua do ex-colonizador tenha
permanecido como oficial.
Línguas alóctones (de imigração) são, do mesmo modo que as autóctones,
consideradas línguas brasileiras, como exemplo, o pomerano, língua falada pelos
pomeranos que emigraram da região da Pomerânia (que deixou de existir após a segunda
guerra mundial) para o Brasil no século XIX. Atualmente, essa língua é falada somente
no Brasil, em alguns municípios dos estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e
Espírito Santo. No ano de 2009, no município de Santa Maria de Jetibá, no Espírito
Santo, o pomerano foi co-oficializado, fato que incidiu no mesmo ano em que se dava a
comemoração dos 150 anos da imigração pomerana naquele estado. Como cita a
coordenadora do PROEPO (Programa de Educação Escolar Pomerana), Kuster apud
ALMEIDA (2010, p. 01), “tal medida trouxe novo impulso ao programa que foi
fundamental para resgatar a cultura dos falantes, aumentando assim o interesse pela
língua entre os não falantes”. Afirma, também, que Santa Maria de Jetibá: “é o primeiro
município no Brasil a ter uma língua de imigrantes oficializada. Em geral, isso só
acontece com línguas indígenas.” E tal fato se justifica com o que já foi mencionado
anteriormente, já que a Constituição de 88, que foi o primeiro passo na direção de
reconhecimento de direitos linguísticos, favoreceu primeiramente e somente as línguas
autóctones.
3.7 A IMPORTÂNCIA DAS LÍNGUAS COMO PATRIMÔNIO CULTURAL DA HUMANIDADE
Conforme Steiner (2005) acredita-se que atualmente estão em uso corrente algo
em torno de quatro ou cinco mil línguas. Contudo, essa cifra está seguramente aquém do
total efetivo, já que não se dispõe de um atlas de línguas com a pretensão de estar
próximo de um levantamento exaustivo, visto que a cada ano se extinguem línguas ditas
raras, ou seja, aquelas faladas por comunidades étnicas muito isoladas ou em vias de
desaparecimento.
Ainda, para Steiner (2005, p. 14): “Cada língua mapeia o mundo diferentemente.
[...] Cada língua e não há línguas inferiores ou primitivas – constrói um conjunto de
mundos possíveis e cartografias de memória”. Quando línguas e culturas se extinguem,
55
um mundo possível morre também, já que toda uma riquíssima experiência humana é
perdida para sempre. A língua representa a forma de expressão de uma sociedade e,
conseguintemente, estará carregada de histórias, costumes e valores culturais. Pode haver
palavras em uma língua sem tradução literal. Em português, a palavra saudade é um
exemplo. É possível olhar no dicionário e encontrar o significado, porém os aspectos
culturais envolvendo as palavras é o que há de mais relevante e certamente um dos
maiores desafios para o tradutor.
As línguas afetam diferentemente a percepção de mundo, que nada mais é do que
a essência que faz humanos aos humanos e está intrinsecamente relacionada à forma
como o conhecimento é construído. É por meio da linguagem verbal humana que se
podem trocar experiências subjetivas, o que diferencia o ser humano das outras espécies
do planeta.
Sobre os efeitos do idioma na cognição, Boroditsky (2010, p.63) diz que: “Cada
língua oferece o seu próprio conjunto de ferramentas cognitivas e engloba o
conhecimento e a visão de mundo, desenvolvidos ao longo de milhares de anos dentro de
uma cultura.” Essa ideia remonta à década de 70, com Sapir-Worf, que pesquisou como
as línguas variam e conformam o pensamento diferentemente.
Por detrás da língua há toda a complexidade do patrimônio cultural e histórico
produzido pelo ser humano.
A língua é a chave para o coração de um povo. Se perdemos a chave, perdemos o povo. Se guardamos a chave em lugar seguro como um tesouro abriremos as portas para as riquezas incalculáveis, riquezas que jamais poderiam ser imaginadas do outro lado da porta (ENGHOLM apud MELLO,1999, p.07).
Em virtude dessas considerações, comprova-se a importância de uma política de
manutenção da língua e da escrita Guarani-Mbyá, a fim de reconhecê-la e salvaguardá-la
como Patrimônio Histórico e Cultural da Nação Brasileira.
56
4 PESQUISA EM ALDEIAS NOS ESTADOS DE SANTA CATARINA E RIO GRANDE DO SUL – CONSTITUINDO O CORPUS
O trabalho teve início com o estudo da história, cultura e língua da etnia Guarani-
Mbyá. Estudando os Mbyá foi possível verificar o caráter pluriétnico e plurilíngue do
Brasil, ou seja, constatou-se que o brasileiro é um dos povos mais heterogêneos
linguística e culturalmente e que a ideia de unidade linguística (que somente se fala a
língua portuguesa no Brasil) é completamente ilusória, pois não se pode recusar o caráter
multilíngue do nosso país. Em seguida, pesquisou-se sobre quais foram os direitos
adquiridos pelos indígenas e, também, imigrantes como cidadãos brasileiros,
principalmente a partir da Constituição de 1988 (BRASIL, 1988), marco do
reconhecimento da diversidade étnica brasileira. Dando prosseguimento, foi pesquisada e
considerada a importância do linguista na ação de fomentar as línguas e seus usos,
principalmente as minoritárias e ameaçadas de extinção, fato que se reflete diretamente na
realidade das línguas e culturas em geral. Embora não seja o caso do Guarani, língua de
grande expressão no Brasil, falada em muitos estados. O fato é que se faz necessário seu
devido reconhecimento, em razão de que línguas genuinamente brasileiras foram
depreciadas por conta da política da língua única adotada desde o período colonial no
país. A desvalorização chegou a um ponto que algumas etnias perderam suas línguas
maternas. Felizmente tal ideia vem sendo enfraquecida pela precisão e, sobretudo, pelo
afinco dos profissionais e estudiosos envolvidos na área social e linguística, que
direcionam os interesses e reivindicações dos falantes das línguas desprovidas de
legitimação. Nesse contexto, observa-se a língua como um tema político.
A fundamentação teórica que ancora a pesquisa foi aprofundada com a leitura
sobre as condições de produção da língua na perspectiva da Análise do Discurso, sempre
fazendo um elo com a Educação Escolar Indígena.
A segunda fase apresenta uma pesquisa mista: quantitativa (sistematização de
dados estatísticos) e qualitativa com observação contextual. As técnicas de coleta foram
questionários com perguntas fechadas e abertas, respondidas pela própria pesquisadora
através de entrevistas e observação de campo.
57
Utilizou-se uma escala Likert11 ou escala somada para quantificar os dados
obtidos sobre o nível de interesse dos alunos nas atividades propostas pelo professor
dentro e fora de sala de aula.
O ensino bilíngue (oralidade e escrita) e intercultural nas comunidades indígenas é
uma prerrogativa de exercício do direito à língua e à cultura, motivo pelo qual se coloca
essa questão no centro de nossa pesquisa.
A seguir, observar-se-á como caminha a Educação Escolar Indígena em
comunidades que foram pesquisadas in loco.
Os dados obtidos através de trabalho de campo foram coletados pela pesquisadora
e professora indígena Joana Vangelista Mongelo, que visitou nove aldeias em Santa
Catarina e cinco aldeias no Rio Grande do Sul. A autora desta dissertação fez a
sistematização que compõem os dados desta pesquisa, sob a sua interpretação através de
análise dos dados e reuniões periódicas com a pesquisadora de campo.
Na figura 1, observa-se a localização das aldeias visitadas nos municípios de
Santa Catarina.
11 Segundo Vieira (2009, p. 75): “A escala de Likert é o somatório dos escores conferidos aos vários itens de Likert que formam um conceito.” É uma escala de pesquisa bastante utilizada para medir conceitos. Foi o professor de sociologia e psicologia Rensis Likert (1903 - 1981) que em 1932, elaborou essa escala para medir opiniões. Likert foi também diretor do Instituto de Pesquisas Sociais da Universidade de Michigan nos Estados Unidos.
58
Figura 5 - Mapa das aldeias visitadas em Santa Catarina
Na figura 2, obtida do site MAPAS-RS, observam-se as cinco aldeias visitadas
nos municípios do Rio Grande do Sul, sendo uma em Torres, duas na Barra do Ribeiro e
duas em Viamão.
59
Figura 6 - Mapa das aldeias visitadas no Rio Grande do Sul
Esse trabalho, como já dito, foi realizado para o OLEEI - Observatório Linguístico
de Educação Escolar Indígena que é parceiro do IPOL – Instituto de Investigação e
Desenvolvimento em Política Linguística. A pesquisa de ida a campo teve um período de
aproximadamente três meses (do dia 28 de maio de 2010 até o dia 13 de agosto de 2010).
A seleção de algumas aldeias se deu pelo fato da proximidade e pela facilidade de contato
com o cacique, chefe da aldeia. O objetivo principal da pesquisa foi observar a Educação
Escolar Indígena através da interação com professores, diretores e observação de aulas. É
relevante salientar que, as conversas sobre os dados das aldeias (dados da população, por
exemplo) ocorriam sempre na presença do cacique, os professores normalmente
consultavam o cacique quanto às informações sobre as aldeias, por isso era fundamental
que o cacique estivesse presente no dia da visita.
Embora o levantamento tenha sido feito de maio a agosto de 2010, foram
utilizados parâmetros de comparação populacional entre cinco aldeias em Santa Catarina.
60
Os dados foram disponibilizados por comunicação pessoal (2011) com Polo-Base/Funasa
de Florianópolis e Chapecó, cuja fonte é da Associação Rondon Brasil (Relatório de
Execução física referente ao período de janeiro a março de 2011). Pode-se observar a
seguir no quadro 1, que há diferenças em todas as aldeias no número de indígenas
encontrado pela pesquisa de campo e o número repassado via e-mail pela Funasa.
Segundo a enfermeira da Funasa responsável pelo polo-base de Chapecó Machado,
comunicação pessoal (2011): “É realmente uma população que se mobiliza bastante, eles
se deslocam muito do litoral para Limeira e vice-versa”.
População Município Aldeia Etnia
Funasa Pesquisa %
Araquari Sepetiarajú Guarani 104 92 13,04%
Imarui Tekoa Marangatu Guarani 138 160 13,75%
Palhoça Morro dos Cavalos Guarani 111 123 9,76%
Biguaçu Itanhae Guarani 125 83 50,60%
Entre Rios Limeira Guarani 100 78 28,21%
Quadro 1 - Comparação de dados da pesquisa com o polo-base/ Funasa de Florianópolis e Chapecó
4.1 DADOS DA POPULAÇÃO E ETNIAS
Primeiramente, o intuito dessa pesquisa foi quantitativo, ou seja, obter números
sobre população e etnia. Foram coletados os seguintes dados nas comunidades visitadas:
Na aldeia Marangatu, localizada no município de Imaruí, Santa Catarina, em visita
realizada no dia 28 de maio de 2010, constatou-se a existência de 160 indígenas, todos da
etnia Mbyá, totalizando cem por cento dos habitantes.
61
Gráfico 1- Número de habitantes da aldeia de Marangatu no município de Imaruí em Santa Catarina
Na aldeia Morro dos Cavalos em Palhoça, Santa Catarina, em visita realizada no
dia 7 de junho de 2010, a pesquisadora de campo averiguou a existência de 123
indígenas, sendo 119 indígenas ou noventa e sete por cento da etnia Mbyá e outros 4
indígenas, ou três por cento, da etnia Kaingang.
Gráfico 2 - Número de habitantes da aldeia Morro dos Cavalos no município de Palhoça em Santa Catarina
Na aldeia Sepe Tiaraju, em Araquari, Santa Catarina, em visita realizada no dia 17
de junho de 2010, a pesquisadora de campo verificou a existência de 92 indígenas, sendo
62
84 indígenas ou noventa e um por cento da etnia Mbyá e os outros 8 indígenas, ou nove
por cento, da etnia Xiripá (Ñandeva).
Gráfico 3 - Número de habitantes da Sepe Tiaraju no município de Araquari em Santa Catarina
Na aldeia YY Moroti Werá, em Biguaçu, Santa Catarina, em visita realizada no dia
06 de julho de 2010, a pesquisadora de campo constatou a existência de cento e setenta e
nove indígenas, sendo 177 indígenas, ou noventa e nove por cento, da etnia Mbyá, 1
indígena da etnia Kaingang, ou meio por cento, além de um habitante não indígena, que
representa meio por cento do total de habitantes nessa aldeia.
Gráfico 4 - Número de habitantes na aldeia Yy Moroti Werá no município de Biguaçu em Santa Catarina
63
Na aldeia Cambirela, em Palhoça, Santa Catarina, em visita realizada no dia 22 de
julho de 2010, a pesquisadora de campo constatou a existência de uma família de 4
indígenas, sendo cem por cento da etnia Mbyá. As demais famílias que ali habitavam se
mudaram para a terra que receberam do governo, restando somente essas quatro pessoas
que não quiseram abandonar o local. Após o êxodo dos Mbyá, essa aldeia estava sofrendo
uma ameaça de invasão dos Kaingang, o que não seria bom para quem ficou, pois são
culturas diferenciadas.
Gráfico 5 - Número de habitantes da aldeia Cambirela no município de Palhoça em Santa Catarina
Na aldeia Itanhae, situada em Biguaçu, Santa Catarina, em visita realizada no dia
25 de julho de 2010, a pesquisadora de campo constatou a existência 84 indígenas, sendo
83 indígenas, ou noventa e nove por cento, da etnia Mbyá e apenas 1 indígena, ou um por
cento, da etnia Kaingang. Esse habitante que agora faz parte dessa comunidade passou
por um processo de perda de sua língua materna, o kaingang (que não pertence à família
linguística Guarani, mas à família jê do tronco macro-jê e possui algumas variações). O
indígena em questão fala bem o português e entende a língua Guarani-Mbyá, mas não
consegue falar.
64
Gráfico 6 - Número de habitantes da aldeia de Itanhae no município de Biguaçu em Santa Catarina
Na aldeia Feliz (Tekoá Vy’a), situada em Major Gercino, Santa Catarina, em visita
realizada no dia 25 de julho de 2010, a pesquisadora de campo constatou que é uma
aldeia nova, também verificou a existência de sessenta e seis indígenas, sendo 65
indígenas, ou noventa e oito por cento, da etnia Mbyá e apenas 1 habitante não indígena,
que equivale a um e meio por cento do total. Ele veio com o filho do cacique de São
Paulo, mas não fala Guarani, apesar de já ter se adaptado bem.
Gráfico 7 - Número de habitantes da aldeia Feliz no município de Major Gercino em Santa Catarina
65
Na aldeia Amaral antes denominada Kuri’y e hoje Mymba Roka, em Sorocaba de
Dentro, município de Biguaçu, Santa Catarina, em visita realizada no dia 29 de julho de
2010, a pesquisadora constatou a existência de trinta indígenas da etnia Mbyá, totalizando
cem por cento dos habitantes.
Gráfico 8 - Número de habitantes da aldeia Amaral (Mymba Roka) no município de Biguaçu em Santa
Catarina
Na aldeia Limeira, situada em Entre Rios, Santa Catarina, em visita realizada no
dia 31 de julho de 2010, a pesquisadora de campo constatou a existência de setenta e oito
indígenas da etnia Mbyá, totalizando cem por cento dos habitantes.
Gráfico 9 - Número de habitantes da aldeia Limeira no município de Entre Rios em Santa Catarina
66
Na aldeia Canta Galo em Viamão, Rio Grande do Sul, em visita realizada no dia
09 de agosto de 2010, a pesquisadora de campo constatou a existência de cento e trinta e
cinco indígenas, sendo 121 indígenas, ou noventa por cento, predominantemente da etnia
Xiripá (Ñandeva), que se autodesignam Guarani-Tambeó e 14 indígenas da etnia Mbyá,
totalizando dez por cento.
Gráfico 10 - Número de habitantes da aldeia Canta Galo no município de Viamão no estado do Rio Grande
do Sul
Na aldeia Tekoá Porá ou Coxilha da Cruz, em Barra do Ribeiro, Rio Grande do
Sul, em visita realizada no dia 11 de agosto de 2010, a pesquisadora de campo constatou a
existência de duzentos e nove indígenas da etnia Mbyá, totalizando cem por cento.
67
Gráfico 11 - Número de habitantes na aldeia Tekoá Porã ou Coxilha da Cruz no município de Barra do
Ribeiro no estado do Rio Grande do Sul
Na aldeia Nhupoty ou Flor do Campoo, em Barra do Ribeiro, Rio Grande do Sul,
em visita realizada no dia 11 de agosto de 2010, a pesquisadora de campo constatou a
existência de cinquenta e quatro indígenas da etnia Mbyá, totalizando cem por cento.
Gráfico 12 - Número de habitantes na aldeia Nhupoty ou Flor do Campo no município de Barra do Ribeiro
no estado do Rio Grande do Sul
Na aldeia Tekoá Nhundy (Aldeia Estiva), também não município de Viamão assim
com a aldeia de Canta Galo, Rio Grande do Sul, em visita realizada no dia 12 de agosto
de 2010, a pesquisadora de campo constatou a existência de cento e quarenta indígenas,
sendo cento e trinta e nove indígenas, ou noventa e nove por cento, da etnia Mbyá e 1
indígena da etnia Xiripá (Ñandeva), totalizando um por cento.
68
Gráfico 13 - Número de habitantes na aldeia de Nhundy ou Estiva no município de Viamão no Estado do
Rio Grande do Sul
Na aldeia Nhum Porã ou Campo Bonito em Torres no Rio Grande do Sul, em
visita realizada no dia 13 de agosto de 2010, a pesquisadora de campo constatou a
existência de sessenta indígenas, todos da etnia Mbyá, totalizando cem por cento do total.
Gráfico 14 - Número de habitantes na aldeia Nhum Porã ou Campo Bonito no município de Torres no
Estado do Rio Grande do Sul
69
4.2 ANÁLISE E DISCUSSÃO DE DADOS DAS ESCOLAS INDÍGENAS
Numa segunda análise, a pesquisa assume seu foco principal, o de ser um
instrumento de acompanhamento linguístico-cultural, com o objetivo de verificar a
proposta do governo federal para a educação escolar indígena está se realizando na
prática, isto é, se os direitos à educação bilíngue e intercultural dos indígenas estão sendo
cumpridos e a maneira como está ocorrendo.
No quadro 2, a seguir, apresenta-se o nome das aldeias visitadas pela
pesquisadora, com sua localização, incluindo demografia, suas respectivas escolas com o
número total de alunos:
Quadro 2 - Nomes das escolas visitadas, localização, demografia e números de alunos.
A Escola Básica Professor Néri Brasiliano Martins, localizada nas proximidades
da aldeia Cambirela, em Palhoça-SC, é uma escola não indígena. Nela estudam dois
indígenas (em idade escolar), dos quatro habitantes da aldeia Cambirela. Trata-se,
portanto, de uma exceção, por essa razão não está exposta no gráfico acerca da
quantidade de alunos que frequentam a escola. Inclusive, os alunos relataram que sofriam
preconceito na escola dos não-índios.
70
Gráfico 15 - Quantidade de alunos nas escolas
Apenas quatro escolas funcionam de forma improvisada, ou seja, não possuem
prédio próprio (construído pelo governo), como é o caso da EIEF Taguato (que, segundo
a pesquisadora de campo, a comunidade é nova e os alunos têm aula numa casinha, a 3ª e
4ª séries estão na mesma sala, a professora passa as atividades e direciona para cada
série), EIEF Nhemboea Vyá, EIEF Kaá Kupe e uma ainda sem nome em Torres - RS.
Entretanto, todas elas já haviam solicitado às secretárias de Educação dos estados a
construção das escolas e as comunidades estavam aguardando resposta, tal atitude
comprova o interesse deles em Educação Escolar, portanto, em questão de tempo
provavelmente o problema deverá ser solucionado.
Constatou-se no município de Barra do Ribeiro – RS uma escola com prédio
próprio, mas que ainda não apresentava nome porque estavam esperando a inauguração
por parte do Estado. Percebe-se que há toda uma burocracia para a implantação e o
funcionamento de uma escola.
Para serem criadas e reconhecidas como escolas diferenciadas, com gestão autônoma, currículos e regimentos próprios (PPPs) organizados de forma diferente, de acordo com o desejo e as necessidades das comunidades -, as escolas devem passar por algumas fases administrativas legais (KAHN;AZEVEDO, 2004, p. 67).
71
Inicialmente, as escolas têm um tempo de funcionamento provisório, que pode
prolongar-se até 3 anos. Nesse tempo, a comunidade, os professores, lideranças e
assessorias discutem seus projetos pedagógicos e os encaminha para o reconhecimento.
Sobre a demarcação das terras indígenas segue as leis da constituição federal (Art.
231 – reconhece as terras indígenas, o Decreto no 1.775 de 08 de janeiro de 1996 que
define os passos e os prazos da demarcação) e pela portaria MJ n.º 14 de 09 de janeiro de
1996, que institui normas para a elaboração do Relatório circunstanciado de identificação
e delimitação de terras indígenas, que deve ser feito por antropólogos.
A FUNAI tem um grupo técnico com antropólogos, biólogos, agrônomos para
estudar as terras e depois enviam um relatório para o Ministro da Justiça porque é ele
quem delibera a demarcação. Os pareceres da FUNAI e dos consultores do Ministro da
Justiça devem ser favoráveis à demarcação. Após essas medidas o Ministro tem 30 dias
para decidir (conforme Decreto no1775 /96). Somente como a aprovação do Ministro, a
FUNAI poderá realizar a demarcação física. Por último, o presidente faz a homologação e
é feito o registro como Terra Indígena. O registro deve ser feito em cartório imobiliário
do município em que está situada a terra indígena, além de ser providenciada a inscrição
na Secretaria de Patrimônio da União – SPU. Cabe ressaltar que em cada aldeia Guarani
há especifidades étnico-culturais e situações diferenciadas, o que requer do antropólogo
uma análise minuciosa de cada caso.
A seguir no gráfico 16, pode-se comparar a quantidade de aldeias com prédio
próprio para as escolas e aldeias ainda com espaços improvisados.
Gráfico 16 - Quantidade de escolas improvisas e com prédio próprio
72
Nas escolas visitadas há professores indígenas e não indígenas. Averiguou-se que
56% são indígenas e 44 % são não-indígenas, como nota-se no gráfico 17, a seguir.
Gráfico 17 - Quantidade de professores indígenas e não indígenas
Um índice satisfatório para um ensino bilíngue e intercultural, já que as escolas
precisam de profissionais de ambas as etnias, desde que os professores não indígenas
conheçam bem a cultura indígena. Observa-se que a porcentagem foi um pouco maior de
professores Guarani, isso é um ponto positivo, pois uma vez mais demonstram interesse
em Educação Escolar. No entanto, constatou-se que a maioria das escolas (oito delas),
não conta com diretor e as que têm diretor são não indígenas.
73
Gráfico 18 - Quantidade de diretores na escola
A não existência de um dirigente na escola é um ponto negativo porque é aquele
que faz cumprir as leis estaduais de funcionamento escolar, é responsável pela verificação
da qualidade do ensino, mediação entre pais, professores, alunos e a comunidade. Além
disso, o diretor da escola indígena deve ser um conhecedor das leis que regem essa
educação diferenciada, já que a diversidade linguística tem sido prioridade do governo.
Caso as escolas tivessem um diretor Guarani seriam beneficiadas com um conhecedor das
necessidades dos alunos porque ele vivencia os problemas da aldeia, além de conhecer a
língua. Como não há diretor indígena em nenhuma escola, constata-se essa problemática
em todas as escolas indígenas visitadas.
Quanto ao material escolar, convém salientar que a maioria dos livros didáticos e
gramáticas é em Língua Portuguesa. Há o referencial Curricular Nacional para as Escolas
Indígenas, porém é mais utilizado por professores não indígenas, que geralmente são os
que ensinam a Língua Portuguesa, justamente por estar escrito somente em português,
não existindo, uma versão multilíngue.
Em segundo lugar, em algumas escolas estão os materiais didáticos em Língua
inglesa. Em terceiro, em menor quantidade ainda, em língua Espanhola. O acesso a
Internet, em muitas aldeias, disponibiliza outra maneira de os alunos terem acesso a
textos, é no momento em que fazem os downloads de música, prática muito habitual entre
os adolescentes que, em muitos casos, trata-se de canções em inglês. Não foram
74
encontrados jogos com finalidade didática. Há muitos livros de historinhas, alguns filmes
sobre a história e a cultura Guarani, cartazes e folhetos de divulgação de aldeias.
Gráfico 19 - Material didático em Guarani, em Português, em Inglês e em Espanhol
A maioria dos professores entrevistados foi da etnia Guarani-Mbyá, o restante
foram professores não indígenas.
Sobre a formação dos 14 professores entrevistados, constatou-se que a maioria
possui formação escolar, totalizando 57% (8 professores, sendo 2 professores pós-
graduados em Educação, 4 professores com Magistério Guarani, um professor bacharel
em História e um professor licenciado em pedagogia), outros 29% (4 professores) não
tinham formação, pois ainda estavam cursando o Ensino fundamental ou o Ensino Médio.
Outros 14% estão com formação em andamento (um professor está cursando Artes e o
outro o magistério Guarani).
75
Gráfico 20 - Formação dos Professores
O Curso Superior de Magistério Indígena é algo bastante recente e certamente é
uma conquista da luta das comunidades indígenas, de professores e de pesquisadores da
área. A Universidade Federal de Santa Catarina iniciou a primeira graduação específica
em licenciatura indígena, cuja primeira etapa intensiva ocorreu em fevereiro de 2011, o
curso Licenciatura Intercultural Indígena do Sul da Mata Atlântica, projeto aprovado pelo
PROLIND (SECAD/MEC). Os 120 alunos, 40 de cada etnia (Guarani, Kaingang,
Xokleng) são de Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Paraná, São Paulo e Espírito Santo.
Segundo a coordenadora Ana Lúcia Vulfe Nötzold (apud WANDELLI, 2011), do
departamento de História, a graduação foi concebida pela Comissão Interinstitucional de
Educação Superior Indígena (CIESI) em conjunto com representantes indígenas, a partir
de projeto aprovado pelo Prolind do Ministério da Educação.
Muitos dos alunos já atuam em escolas de aldeias, mas há recém ingressados do
Ensino médio e lideranças comunitárias, bem como índios formados em faculdades não
específicas como Letras, História, Pedagogia, entre outros. O projeto cumpre a lei de
Diretrizes e Bases de 1996, que determina a formação de pessoal especializado, destinado
a Educação Escolar nas escolas indígenas.
76
4.3 ANÁLISE DO NÍVEL DE INTERESSE DOS ALUNOS PARA AS ATIVIDADES PROPOSTAS DENTRO E FORA DE SALA DE AULA.
A análise dos dados buscou identificação do nível de interesse dos alunos para as
atividades propostas dentro de sala de aula. Considerou-se para análise os valores que
foram significativos para mostrar o interesse dos alunos. Para tanto, a escala proposta
avaliou valores de 1 a 3 em ordem crescente de importância. A amostra total constituiu-se
de 137 alunos.
Quadro 3 - Atividades propostas dentro de sala de aula nas escolas indígenas com o grau de interesse
Pode-se afirmar que a maioria dos componentes da amostra evidenciou um grande
interesse nas atividades propostas pelos professores em sala de aula. Vale ressaltar que o
77
ensino da Gramática e da Matemática se prevalece do Discurso Pedagógico, no entanto as
próximas atividades são características de um Discurso Lúdico.
O seguinte quadro apresenta o nível de interesse para as atividades fora da sala de
aula:
Quadro 4 - Atividades complementares fora da sala de aula com o nível de interesse
Em vista dos resultados obtidos, observa-se que para as atividades fora de sala de
aula, o nível de interesse dos alunos foi altamente satisfatório. Todos os alunos têm
interesse, já que tais atividades fazem parte da cultura, ou seja, está presente no cotidiano
deles e são apresentadas de forma lúdica dentro de um ponto de vista pragmático e
holístico.
Dessa forma, é possível perceber que quando as atividades fazem parte das
tradições deles,. O aprendizado acontece naturalmente, de forma significativa e
contextualizada. Isso leva à reflexão não só sobre o ensino indígena, mas também o
regular. Convém relacionar a análise com a concepção humanista de aprendizagem
78
significativo-experiencial de Rogers (1977), em que considera o envolvimento do aluno
como fundamental para indicar a qualidade da aprendizagem. Conforme dispõe Rogers
(apud PEÑA, 2005, p. 35): “Uma pessoa aprende significativamente aquelas coisas que
percebe como vinculadas à sobrevivência ou ao desenvolvimento de si mesma”. Para o
psicólogo Rogers (1977), o processo de aprendizagem em classe deve ter como referente
o aluno-pessoa em sua totalidade e, além da cognição, agrega valores como afetividade e
sociabilidade.
Sendo assim, constatou-se que os alunos apresentam mais dificuldade e
consequentemente menos interesse nas aulas mais teóricas, em que o professor passa
muita informação num curto espaço de tempo, sem relacionar o conteúdo com a prática.
Cabe ressaltar a experiência relatada por Hamel (1996) de Escolas Indígenas no
México12, onde não existia uma alfabetização em língua materna, apesar de todos os
professores serem indígenas bilíngues. Foi a partir dos anos 1980 que ocorreu uma
mudança radical nas políticas públicas desse país fundamentadas em investigações
sociolinguísticas que apoiavam a alfabetização em língua materna. Como sustenta Hamel
(1996) a língua materna nas séries iniciais deve predominar no ensino na maior parte dos
conteúdos curriculares. Sobre a base de uma aquisição avançada da língua materna se
produz normalmente transferências de estratégias cognitivas muito eficazes para a
segunda língua, no caso a língua vernácula.
Sobre a questão do uso da Língua Guarani-Mbyá, dos 14 professores
entrevistados, nove professores indígenas fazem sempre uso do Guarani-Mbyá (língua
oral) com os alunos, apenas um professor não indígena às vezes fala Guarani para
explicar as atividades de língua portuguesa, para chamar atenção dos alunos e também
quando passa atividades em Guarani. Os outros quatro professores não indígenas nunca
fazem uso do Guarani-Mbyá em sala de aula, somente utilizam a língua portuguesa. Tais
dados estão explicitados no gráfico 21, a seguir:
12 De acordo com o Cátalogo das Línguas Indígenas Nacionais, realizado pelo Instituto Nacional de Línguas Indígenas (disponível em www.inali.gob.mx) no México existem mais de 364 variantes linguísticas.
79
Gráfico 21- Uso da língua Guarani pelos Professores
Como foram entrevistados mais professores indígenas (nove) do que não
indígenas (cinco), constatou-se que a língua Guarani é mais utilizada em sala de aula que
a língua portuguesa. Quando os alunos estão com um professor Guarani, fazem uso da
língua oral entre eles e com o professor. Quando estão em aula como o professor não
indígena, fazem uso do Guarani-Mbyá somente entre eles.
Gráfico 22 - Uso da Língua Guarani pelos alunos
Na maioria das escolas (69%) foram encontrados cartazes expostos nas paredes
com conteúdos que estavam sendo apresentados em sala de aula, como as letras do
80
alfabeto, alguns conteúdos de matemática como a tabuada e assuntos do cotidiano da
aldeia, como fauna, flora, culinária, agricultura, entre outros. Em 31% das escolas não
havia nenhum material relacionado à escrita exposto. Nas figuras 6, 7, 8 e 9 pode-se
observar cartazes dos alunos da escola de Itaty na comunidade Morro dos Cavalos em
Palhoça – SC.
Com a observação dos cartazes, pode-se destacar a alfabetização baseada no
modelo clássico, que utiliza o método sintético, o mais antigo de todos, que vai da “parte”
para o “todo”, ou seja, os alunos estudam primeiro as vogais, consoantes, sílabas e mais
além se acercam aos textos. É certo que o tempo do ba, be, bi, bo, bu ficou para trás, após
o surgimento do método global ou analítico, apresentado por Nicolas Adam, no século
XVIII, causando uma ruptura, pois ao contrário do sintético parte do “todo” para as
“partes”, porém as escolas brasileiras começaram a utilizar esse método somente no final
do século XX. Sendo assim, primeiro inicia-se por textos, depois vão se destacando
Figura 7 - Assunto do cotidiano em Guarani
Figura 8 - Varal do Alfabeto em Guarani
Figura 9 - Exemplo da letra A
Figura 7 - Assunto do cotidiano em Português
81
sentenças, palavras, silabas e por fim vogais e consoantes. No dia em que se visitou a
escola, presenciou-se um varal pedagógico, destacando palavras, sílabas e letras como
mostram as fotografias acima. Entretanto, constatou-se com o professor, que primeiro
oralmente conta-se uma historinha de um animal, planta ou objeto do cotidiano do aluno.
Após essa apresentação oral, é formulado um pequeno texto, do qual o professor destaca a
palavra chave, como exemplo: rato (anguja em guarani), depois as letras e sílabas. Na
conversa como o professor notou-se que ele prioriza que o aluno entenda o contexto em
que a palavra chave está inserida e não apenas decifre códigos.
O cartaz a seguir foi apresentado na Semana Cultural Guarani e 2ª Conferência
Indígena do Morro dos Cavalos em abril de 2011. Dentre as várias atividades da Semana
houve uma importante discussão sobre nas séries iniciais do Ensino Fundamental da
Escola de Itaty, juntamente com a Secretaria de Educação do Estado, cujo diretor da
GERED (Gerência Regional de Educação) estava presente. Foram tratados assuntos como
a Legislação na Educação Escolar Indígena e avaliadas as propostas da comunidade do
Morros dos Cavalos.
É importante observar que as mulheres indígenas no domínio da enunciação se
apropriaram da modalidade da escrita em língua vernácula com a finalidade de
conquistarem seus direitos de cidadãs brasileiras. Elas formularam uma série de
condições necessárias para o desenvolvimento de seus projetos. Tais condições são
reinvindicações que se expressam cada vez mais como direitos em termos legais e
afirmam a demanda da autonomia como forma de participação ativa em um novo Estado
democrático e pluricultural.
82
Figura 10 - Reinvindicações das mulheres indígenas para a educação escolar
Em outras comunidades uma particularidade percebida foi que os cartazes são, em
maioria, escritos em língua portuguesa. Isso ocorre em razão de a escrita ser mais
explorada pelos professores de português em relação aos professores de língua Guarani.
Como afirma Costa (2009), certo é que o uso da variante escrita para a sociedade indígena
é muito ligada ao português, tanto que é um hábito quase que exclusivo na escola, o que
ratifica o caráter oral da língua Guarani. Os textos escritos estão mais relacionados com
suas interações com o não índio que com suas interações na aldeia.
A escrita pode circular na comunidade em diversos gêneros, como: documentos,
cartas, jornais, livros, revistas, cartazes e não há dúvidas que o uso do computador, da
Internet é um grande aliado para inclusão dos povos indígenas na sociedade. Parece fácil,
todavia por que não acontece? É preciso analisar as condições de produção históricas e
ideológicas, que serão refletidas na análise qualitativa dessa pesquisa.
4.4 ANÁLISE DOS DADOS
Destacam-se neste trabalho pontos positivos, como, por exemplo, o conhecimento
da realidade de diversas comunidades em dois estados brasileiros, Santa Catarina e Rio
Grande do Sul. Assim como o fato da pesquisadora de campo ser de origem Guarani e
83
professora indígena facilitaram o acesso das informações. Como aspecto negativo, o uso
de uma grade de observação limitou as respostas. Ainda, há a questão da subjetividade, já
que a imparcialidade é muito difícil de mensurar. Como afirma Rauen (2002, p. 189): “O
ideal de um pesquisador neutro, um mero fotógrafo, é impossível porque ele possui
preferências, inclinações, interesses, sistema de valores”. Por isso quando se trata de
pesquisas na área das ciências humanas os resultados não são absolutos ou definitivos,
mas aproximativos (RAUEN, 2002). O pesquisador pode registrar as respostas e as
observações conforme o seu modo de pensar, pois não existe discurso fechado em si
mesmo, cada processo discursivo pode recortar e analisar estados diferentes. Por fazer uso
da linguagem e ao mesmo tempo observar o ensino em escolas indígenas, a pesquisa lida
com uma contradição que a estrutura, devido à característica da linguagem ser suscetível
a projeções que precedem o sujeito. Mas, por que ocorre esse fenômeno?
O contexto criado durante a aplicação do questionário pode produzir um discurso
politicamente correto por parte do entrevistado, que tende a responder o que acredita ser o
esperado como resposta pelo entrevistador. Esse fenômeno ocorre por ser a linguagem o
resultado de projeções imaginárias (PÊCHEUX, 1969). Tais projeções são representações
que são projetadas o tempo todo na posição sujeito que cada um assume. O que vou
dizer? Como vou dizer? O que ele (a) vai pensar do meu dizer? Por isso, o entrevistado
responde aquilo que pensa que o entrevistador quer como resposta. Esse fato ocorre
frequentemente nas pesquisas, contudo, nesta pesquisa, os professores indígenas foram
beneficiados com uma pesquisadora indígena, que tinha facilidade de acesso entre as
comunidades por ser da mesma origem, também apresenta os mesmos interesses,
preferências, sistema de valores que os indígenas. Contudo, vale lembrar que havia
professores não indígenas, que apresentaram respostas e métodos de ensino diferente,
próprio da sua formação acadêmica.
Foi evidenciado que a pesquisadora teve apenas um pequeno período de
permanência nas comunidades de estudo, impossibilitando, assim, um acompanhamento
maior das atividades.
No aspecto geral, a pesquisa pôde mostrar a situação das Escolas nas
comunidades. E, apesar da grade de observação ser limitada, foi necessária, já que a
pesquisa era direcionada totalmente para a educação escolar indígena e não para aspectos
como saúde, moradia, entre outros.
84
Do ponto de vista discursivo os quadros e o questionário levam a uma
determinada interpretação, ou seja, os dados corroboram com uma visão linguística.
Porém o que interessa para a análise do discurso é o que não foi dito (o que não foi
argumentado e respondido) mas, que poderia ter sido. Segundo Orlandi (1999) são os
efeitos da interpretação, que consiste em uma outra leitura que o analista pode produzir. O
interpretador se coloca numa posição que lhe permite observar o processo de produção de
sentidos da linguagem. Cada analista produz o seu gesto de interpretação, fazendo uma
mediação entre a teoria e a prática permanentemente em todos os passos da análise. O
corpus está intrinsecamente ligado à analise. Estabelecer o corpus, já faz parte da análise,
deliniando seus limites. Consultando a teoria a partir dos sinais quo o corpus deixa
permite ir mas longe a procura de uma nova interpretação. Nessa nova etapa, depois do
corpus delimitado, conhecendo seus limites, passa-se a uma segunda etapa que é a do
processo discursivo. Pode-se, então, relacionar os sentidos provenientes do corpus com a
ideologia, o que nos permite compreender como se organiza o discurso. Para
compreender como se propõe a análise do discurso, deve-ser levar em conta os diferentes
processos de significação (memória, história, ideologia, entre outros) que aparecem em
um texto, formando um conjunto de relações significativas.
Relacionando o nosso corpus com a história, constatou-se que os alunos dão
preferência as aulas em ambientes externos porque associam continuamente a teoria com
a prática. O aluno gosta de ver a multiplicidades de representações (tudo o que ele vê na
natureza, relacionado com a teoria) e o estudo da escrita, da gramática baseia-se em regra
e normas com muitas ressalvas. Para o indígena é ainda mais complicado porque sua
língua é oral, não precisa de grafia para legitimar-se.
A partir desse ponto de vista, concorda-se com Orlandi (1999, p. 95-96): “que a
linguagem é uma prática; não no sentido de efetuar atos mas porque pratica sentidos,
intervêm no real.”
Sendo assim, pressupõe-se que a linguagem não ocorre como evidência, mas
como um lugar de descoberta. É isso que o aluno quer, porém as escolas falham em
permanecer com o método autoritário, sem evoluir.
Ainda considerando os resultados coletados, é possível perceber que a própria
constituição de uma grade de questões prévias, determina o que é dizível para preenchê-
la. Como exemplo, cita-se a questão 7, da página 107 deste trabalho (apêndice A).
85
Quando se questiona “o que se sobressai na interação do professor com os alunos” já se
conta com uma série de sentidos pré-construídos, a saber, que há interação entre
professor/aluno, o que permite que se questione? O que é uma interação, neste caso?
Quem define interação? O aluno que responde ou o professor que pergunta? Há
coincidência, ou melhor, há negociação para o sentido de interação? Ou cada um
responde o seu lugar “imaginário” (formações imaginárias). Pode-se questionar ainda que
a pergunta permite conceber espaços de relação de interesse entre os interlocutores,
restando aos alunos localizar quais são esses momentos. Esse é um sentido que vem do
entrevistador e é imposto para o entrevistado, na pergunta, e assim sucessivamente. As
questões impõem um lugar discursivo que deverá ser ocupado pelo aluno, que deverá
ainda tomar posição nesse sentido, e não em outros, e daí, responder. Esse gesto de
interpretação imposto pela “grade” determina os resultados.
4.5 REFLEXÃO SOBRE A RELAÇÃO ENTRE ORALIDADE E ESCRITA
É preciso tecer considerações, ainda, a respeito da identidade étnica e linguística,
considerando o aspecto sócio-histórico de suas condições de produção. É fundamental
analisar o contexto histórico e social no qual os indígenas estão inseridos.
Ao longo da história vem-se assistindo a invasão das terras indígenas por diversos
interesses econômicos do não indígena. Houve muitas tentativas, sempre dentro de um
contexto violento de escravizar os indígenas em atividades como extração de matéria
prima e expansão da agropecuária. Sendo assim, tinham que fugir para o interior da mata,
que muito bem conheciam sendo a única maneira que tinham de sobreviver.
Como enfatiza Gallo (1996, p.102): o Discurso Escrito é um discurso sempre
institucional, não importa a época em que ele seja produzido: mudam-se as instituições
(igreja, corte, academia etc.), permanece o discurso.
Certo é que o povo indígena, mesmo com uma história de perseguições e
catequização, mantém sua língua e cultura vivas ao longo de séculos, sem precisar do
discurso. Acredita-se que a escrita do português é relevante para uma melhor integração
com a cultura dominante. Contudo, a escrita na língua indígena não se mostra
indispensável para essa integração. A propósito, há muitas controvérsias em relação ao
86
estudo da escrita em língua materna indígena. Ocorre atualmente um debate estendido a
respeito de política linguística entre os Guarani sobre o ensino de línguas e escrita.
Observa-se que as crianças que vêm sendo alfabetizadas em guarani muito novas (entre seis e dez anos de idade) perdem a fluência e a entonação da língua materna. Por outro lado, a alfabetização na língua guarani, até o momento, se constitui no argumento mais forte das instituições oficiais de que a Educação Escolar Indígena implantada é diferenciada (LADEIRA, 2003).
Cabe comentar aqui uma comprovação que os Guarani-Mbyá se mantêm firme na
preservação da língua e da cultura. Um caso significativo ocorreu na comunidade de
Sapucaí em Angra dos Reis, no Rio de Janeiro. De acordo com Alves (2007), em 2003, a
Internet chegou à escola da aldeia por meio de um projeto do Comitê para
Democratização da Informática (CDI) em parceria com a ONG Rede Povos da Floresta,
com o objetivo de defender a cultura. Os Mbyá são bastantes conservadores dos seus
hábitos e costumes. Preferem viver conforme suas tradições sem a modernidade do
mundo contemporâneo. Vivem em casa sem repartições com chão de terra, cozinham em
fogão de lenha, não possuem eletrodomésticos. Mas, em se tratando de informática,
aceitaram a Internet no seu cotidiano. Logo perceberam que o mundo virtual exige uma
linguagem própria. Por conta disso, o cacique Werá Mirim incorporou significados novos
à língua Guarani. Ou melhor, ele adaptou palavras do Guarani para a linguagem virtual.
Como exemplo, anguja (rato) para designar mouse. Esse fato evidencia que os Mbyá
podem fazer parte do mundo virtual, preservando e enriquecendo sua língua e, assim,
ocupando seu espaço na sociedade. Outra experiência semelhante foi a do professor
Nunes Jr. que foi convidado em 2004, pelo cacique Leonardo Werá Tupã para ensinar
informática na Escola Indígena de Ensino Fundamental de Itaty na terra indígena Morro
dos Cavalos. O professor conta que o cacique sempre buscava discutir antes das
atividades desde objetivos até a metodologia e concordou que era importante ensinar os
nomes utilizados fora da aldeia para que todos soubessem lidar com a máquina quando
estivessem na cidade e precisassem dialogar com os não-índios. Sendo assim, as
traduções eram feitas pela turma de jovens, que foi a escolhida pelo professor para
realizar sua experiência e posteriormente aplicar com todas as turmas. No início das aulas
ele contextualizava historicamente desde o surgimento dessa tecnologia até os dias atuais
e esclareceu que o equipamento foi inventado para armazenar informações e encontrar
dados. Segundo Nunes Jr. (2009, p. 26): “No esforço coletivo de traduzir o termo
computador à língua guarani, com muitas conversas entre eles e tempo para amadurecer
87
as ideias, a partir do primeiro mês de aulas o equipamento passou a ser chamado de
Arandu Omoĩ Porãa, ou “guardador de conhecimento”.” Também foram traduzidos os
equipamentos periféricos e alguns programas:
Assim, o mouse virou angujá, “rato” em guarani; o “teclado” virou omboparaa, ou seja, “escrevedor”, o” monitor”, ojexauka, “o que se deixa ver”. Entre os softwares, Windows se transformou em okẽ’i, literalmente “janela”. Como estudamos algum tempo com software livre, o Linux se transformou em guyra’i, tradução para “passarinho”, assim batizado por causa do pinguim símbolo do sistema operacional. A internet foi denominada de Nhandu kya, a teia de aranha e o e-mail virou ayu ogueraa, o “levador de palavras” (NUNES JR., 2009, p.26).
Deste modo, pode-se observar um modelo de ensino bilíngue e intercultural na
Educação Escolar indígena, já que o professor não indígena utiliza as duas línguas e
culturas em questão. Com esse trabalho o professor concluiu que é fundamental, na escola
indígena, uma metodologia que respeite o tempo de cada um e o seu interesse no
aprendizado.
Sob o ponto de vista da língua como forte elemento de preservação da identidade
do povo Guarani-Mbyá, Rodriguez (2003) afirma:
Os Guarani-Mbyá mantém sua língua viva e plena, sendo a transmissão oral o mais eficaz sistema na educação das crianças, na divulgação de conhecimentos e na comunicação inter e intra aldeias, constituindo-se a língua no mais forte elemento de sua identidade. [...]. A escrita em língua Guarani vem sendo introduzida em aldeias Mbyá com mais ênfase a partir de 1997, com a implantação de escolas bilíngues, a partir da criação dos NEIs - Núcleo de Educação Escolar Indígena, vinculados às Secretarias Estaduais de Educação ao MEC.[...].
Como bem lembra Costa (2009), para os indígenas, ser bilíngue não é meramente
uma questão de escolha; é uma necessidade, visto que estão em um ambiente em que uma
língua faz parte de sua cultura e a outra é a oficial do país. Portanto, se querem defender
seus direitos perante as autoridades brasileiras, das quais grande parte ou todas
desconhecem as línguas indígenas, os índios precisam dominar a língua dos não-índios.
Essa situação, certamente, revela uma posição de poder.
As sociedades autóctones evidenciam que o conhecimento não precisa da escrita
para se construir, isto é, a produção de conhecimento não se dá apenas através da escrita.
Em uma abordagem sobre a língua e a importância da palavra entre os Guarani, Melià
(apud LADEIRA, 2008, p. 32) expressa que: “A arte da palavra é a arte da vida. Assim
88
como alma e palavra possuem o mesmo significado, o portador de uma alma (nhee)
estrutura sua vida para ser suporte e fundamento de palavras verdadeiras”. As crianças
indígenas aprendem com os adultos e vão se formando através do convívio, em um
diferente processo pedagógico em que não se afirma fundamentalmente a obtenção de
valores pela construção de um aparato escolar como o não indígena idealiza.
Sem dúvida, do ponto de vista de uma posição sujeito academicista, (cada sujeito
tem uma visão de mundo que representa o lugar social que ocupa) a escrita é uma
estratégia importante de sobrevivência das línguas nas culturas, já que permite uma
duração concreta da palavra falada no tempo e no espaço. Em latim, verba volant, scripta
manent, significa: as palavras voam e a escrita permanece, assim diziam os primeiros
romanos, querendo, com isso, expressar que as palavras proferidas pela sua oralidade
voam, enquanto aquelas que se reduzem ao escrito ficam exaradas no seu suporte,
tendendo, assim, a ser mais duradouras. Os romanos eram influenciados pelos gregos,
pioneiros em literatura e gramática (palavra grega que significa exatamente “a arte de
escrever”) no ocidente e, para os romanos, a língua grega era ilustre, a sociedade
considerada culta era aquela bilíngue, ou seja, que falava grego e latim. Porém, oportuno
se torna lembrar, conforme aduz Chalita (2006), que a civilização grega aprendeu a
escrita através das relações com culturas letradas, especificamente com os fenícios, com
quem aprenderam a usar o alfabeto. Essa habilidade foi aplicada no registro escrito da
literatura oral, cujo exemplo maior é o dos poemas épicos da Ilíada e da Odisséia (que de
fato propagaram a língua grega), atribuídos a Homero, por razão de serem tão antigos que
até hoje não se sabe se realmente foram escritos por ele ou se este é apenas um nome
mítico para designar um grupo de autores anônimos.
Uma experiência significativa é aquela narrada pelo filósofo e antropólogo
francês, Claude Lévi-Strauss, em uma de suas várias expedições ao Brasil, que geraram o
livro: Tristes Trópicos (1955). Conta ele que, quando chegou ao Mato Grosso, foi ao
encontro dos Nambiquara ou Nambikwara (da família linguística de mesmo nome), etnia
ágrafa, como todas as outras, que fazia no máximo alguns pontilhados ou ziguezagues em
suas cuias. Propositalmente, presenteou aqueles indígenas com lápis e folhas de papel.
Observando a reação deles, Lévi-Strauss surpreendeu-se ao ver que mesmo sem saber
escrever ou desenhar, os indígenas se puseram a imitar a atitude dos franceses, que
tinham o hábito de anotar tudo em seus cadernos. Certamente, para a maioria dos
89
indígenas, tratava-se de uma brincadeira, mas não para a perspicácia do chefe daquela
aldeia, que intuiu que a escrita poderia ser um instrumento de dominação, antes mesmo de
saber quais eram as condições básicas para a eficácia desta, como, por exemplo, o acordo
sobre a significação das letras. O chefe dos Nambiquara percebeu o poder da escrita
quando alguém lia um papel à outra pessoa que o compreendia e esta aceitava tal
conteúdo como se fosse um chamado determinante dos deuses. Nesse momento, conta o
antropólogo, o dirigente indígena exigiu um caderno e deu início a uma nova forma de
comunicação: traços sinuosos exibidos ao interlocutor, ainda que sem significação entre
eles, mas encenados num contexto em que sugeria uma comunicação efetiva, embora
inexistente. A seguir, observamos um trecho da obra supracitada, em que o antropólogo
descreve sua experiência com o chefe dos Nambiquara:
[...] o chefe do bando enxergava mais longe. Era provável que só ele tivesse compreendido a função da escrita. Assim, exige de mim um bloco e nos equipamos da mesma forma quando trabalhamos juntos. Não me comunica verbalmente as informações que lhe peço, mas traça no seu papel linhas sinuosas e me mostra, como se ali eu devesse ler a sua resposta. Ele mesmo se deixa tapear um pouco com a sua encenação; toda vez que sua mão termina uma linha, examina-a ansioso como se dela devesse surgir algum significado, e a mesma desilusão se estampa no seu rosto. Mas, não a admite; e está tacitamente combinado entre nós que a sua garatuja tem um sentido que finjo decifrar; o comentário verbal segue-se quase de imediato e dispensa-me de exigir os esclarecimentos necessários (LÉVI-STRAUSS, 2005, p. 280).
Desse modo, argumenta-se que a escrita não é transcrição da oralidade e sim mera
aproximação dela. Segundo Cagliari (2009, p.101): “É uma ilusão pensar que a escrita é
um espelho da fala. A única forma de escrita que retrata a fala, de maneira a correlacionar
univocamente letra e som, é a transcrição fonética.”
Um dos períodos da história da humanidade mais criativo, situa-se no período
neolítico, época em que surgiu a agricultura, domesticação de animais, construção de
pequenas ferramentas, entre outros. Nesse período de 5.000 anos, não havia escrita, os
conhecimentos flutuavam, ou seja, passavam de geração a geração sem auxílio da escrita.
A escrista surge na formação das cidades e dos impérios e a criação de um sistema
político de clases sociais. Ela aparece para criar classes sociais, segundo hipóteses de
Strauss (2005, p.283):
“[...] a função primária da comunicação escrita foi facilitar a servidão. O emprego da escrita com fins desinteressados visando extrair-lhe satisfações
90
intelectuais e estéticas, é um resultado secundário, se é que não se resume, no mais das vezes, a um meio para reforçar, justificar ou dissimular o outro.
Portanto, constata-se que a escrita não bastou para consolidar os conhecimentos,
embora seja uma ferramenta que dá acesso ao saber acumulado nas bibliotecas, que não é
acessível a todos, e os que tem acesso, muitas vezes são enganados por documentos
mentirosos, tornando-se vulneráveis a dominação e submissão ao poder e controle do
Estado. Como exemplo, cita-se o que ocorreu no século XIX: a luta contra o
analfabetismo, que nada mais era que o fortalecimento do controle dos cidadãos pelo
poder do Estado, pois era necessário que todos soubessem ler para que o Estado pudesse
afirmar: ninguém deve afirmar que desconhece a lei (STRAUSS, 2005).
91
5 AVANÇOS E DESAFIOS DAS POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A DIVERSIDADE LINGUÍSTICA NO BRASIL
Retoma-se, de forma mais específica, o assunto da crescente necessidade das
políticas públicas para a diversidade linguística e cultural no Brasil, com destaque para os
avanços e desafios, em especial, para as sociedades indígenas.
A valorização dos diferentes falares do Brasil é de suma importância, pois
contribui para o desenvolvimento socioeconômico sustentável. Isto é, mantém-se uma
melhor relação entre os diversos setores da sociedade, pois facilita a comunicação entre as
distintas etnias, sem que exista exclusão social, sem que haja “estrangeiros na sua própria
terra”, pois como já foi dito, durante séculos, qualquer idioma que não fosse o português
era visto como estrangeiro. As línguas minoritárias (ou melhor, que não tenham o
português como língua mãe), necessitam ter políticas voltadas para o sua promoção, com
o propósito de fortificar suas próprias comunidades.
Vale enfatizar o que diz Clastres (1978) sobre o etnocentrismo, não podemos
olhar sobre as diferenças para identificá-las e finalmente aboli-las. É essencial assumir
como diferenças e não como desigualdades.
É bem verdade que, na atualidade, o estado Brasileiro está corroborando com essa
linha de pensamento. Pode-se comprovar com a iniciativa da criação do Grupo de
Trabalho da Diversidade Linguística do Brasil (GTDL, 2006-2007) com a missão de
analisar a situação linguística do país e sugerir políticas públicas para o fomento e
sustentação da diversidade linguística do Brasil e seu reconhecimento como patrimônio
cultural. Suas propostas são: a) o Inventário Nacional da Diversidade Linguística
(INDL); b) o Livro de Registro das Línguas; c) criação de um Sistema de Documentação
e Informação gerenciado pelo Ministério da Cultura que reunirá os dados sistematizados
pelo INDL e outros já existentes; d) propõe que a política nacional de reconhecimento e
valorização da diversidade linguística do Brasil seja integrada e constitua um
compromisso no âmbito governamental, bem como seja executada com a participação das
comunidades linguísticas e compartilhada com a sociedade.
Pode-se afirmar que a legitimação da diversidade linguística ocasiona mudanças
significativas nas políticas públicas, visto que são necessários mecanismos para sustentar
o uso das diversas línguas e culturas existentes no Brasil. Os programas de inclusão de
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segmentos minoritários devem ser cada vez mais discutidos e intensificados e realmente
postos em prática, isso certamente terá fortes efeitos sociais.
De acordo com Morello (2009, p. 30): “A promoção das línguas se articula a
ações que atingem, inevitavelmente, os meios e processos de produção de saberes nessas
línguas”. Esse ponto de vista sugere o espaço para práticas linguísticas, suscitando sua
ligação com as práticas políticas. Com isso, incentivam-se consequentemente a promoção
das tecnologias da informação e comunicação. Também são favorecidas as tecnologias
sociais de formulação e gestão de políticas, como exemplo, disponibilizar os documentos
sobre as línguas com os dados sistematizados pelo INDL, entre outros documentos, nas
redes de comunicação para que toda a população possa ter acesso.
Desse modo, será observado que os conhecimentos organizados sobre a língua
guarani em gramáticas, livros didáticos, CDs etc. – que configuram instrumentos
linguísticos na concepção proposta por Auroux – ao se articularem a uma política de
promoção dos usos da língua, podem se tornar dispositivos políticos de afirmação desta
língua em variados espaços linguísticos. Para Morello (2009, p.31): “a ancoragem política
para a produção de conhecimento nas línguas e sobre elas é fundamental para que os
instrumentos operem como dispositivos”. Então, haverá um dispositivo linguístico, ou
seja, o instrumento linguístico colocado em prática com a utilização da tecnologia.
O plurilinguismo está cada vez mais ganhando espaço no mundo contemporâneo,
a autora supracitada afirma ainda que: “a diversificação do uso das línguas amplia os
espaços de exercício do direito cultural, uma vez que demanda, promove e reconhece um
papel agentivo dos falantes” (MORELLO, 2009, p. 31) .
A atenção para outros aspectos das políticas públicas é a criação de um Estatuto
das línguas em toda sua diversidade que circulam no Brasil, em que estaria inserida toda
uma memória social. Com a criação desse documento se chegaria a um patamar
satisfatório de democratização, representado pelos diversos segmentos sociais. Isso é
desafio para as políticas públicas: enfocar as minorias, dar espaço e possibilidade de
participação política de cidadãos brasileiros falantes de outras línguas.
Na discussão proposta sobre o alcance da política linguística como política social,
Morello (2009), lembra que a organização política e administrativa é compartilhada por
meio de uma memória coletiva, que aparece desde sempre, e essa memória faz parte da
organização do mundo, que apresenta divisão nos mecanismos de representação dos
93
indivíduos nos diálogos políticos. Essa memória é que sustenta essa desigualdade de
representação dos indivíduos na participação das políticas sociais. Ou seja, mudar esse
quadro é um dos problemas-chave que as atuais políticas para a diversidade devem
enfrentar.
Outrora a escola era imposta aos índios, sem a menor preocupação com a sua
maneira de ser, com suas características étnicas. A escola fundamentada no
reconhecimento do plurilínguismo oferece autonomia para novos caminhos e para que os
indígenas se posicionem com os mesmos direitos de cidadãos brasileiros diante dos não
indígenas. A quebra do modelo escolar antigo é sinal de que a sociedade pode ser
transformada, com novos paradigmas que deem condições para que todos os brasileiros
tenham os mesmos direitos.
94
CONCLUSÃO
Para finalizar pode-se afirmar que a diversidade étnica e linguística vem ganhando
espaço de forma abrangente nos processos educacionais da atualidade. É certo que o seu
reconhecimento está sendo alvo de atenção das autoridades governamentais. O objetivo
das atuais políticas públicas relacionadas à língua e à cultura é gerar o desenvolvimento
autossustentável sem a perda da identidade étnica, invertendo o processo de deterioração
das culturas indígenas durante o predatório processo colonizador, com a consciência de
resgatar, ainda que uma parcela pequeníssima, da dívida com essa sociedade.
Com a chegada dos europeus os indígenas foram oprimidos, marginalizados,
massacrados e perderam por completo seus direitos como primeiros habitantes. Após
muitas lutas e reivindicações esses grupos vêm ganhando respeito e direito de terem suas
terras e manterem a sua cultura e língua. Um documento fundamental desse
reconhecimento foi a Constituição de 1988. Desde então, há uma preocupação por parte
das autoridades de incluírem esses povos no contexto nacional. Como consequência, foi
criada a Educação Escolar Indígena, que prioriza um ensino bilíngue, intercultural e
diferenciado.
Há um longo caminho a ser percorrido, com muitos desafios, mas o importante é
que ambas as partes estão se empenhando para que haja uma educação de qualidade que
suscite bons resultados. Os indígenas estão abertos para esse novo aprendizado que é a
Educação Escolar, não mais imposta como era no passado pelos jesuítas, e sim, é uma
reivindicação feita por eles mesmos, desde que respeitem a sua cultura.
A Educação Escolar Indígena é decorrente da nova proposta de política linguística
no Brasil (não é mais de subtração e sim de adição), que garante a sobrevivência das
culturas indígenas. O governo vem reconhecendo os diversos falares e as diversas
culturas presentes no país. O indígena tem a possibilidade de aprender o português como
segunda língua na escola, a partir da primeira série do Ensino Fundamental e também de
alfabetizar-se e aperfeiçoar-se na sua língua materna.
Pelo caminho da Educação Escolar Indígena propõe-se reverter à
descaracterização sociocultural e resguardar a língua dos povos indígenas brasileiros.
Além disso, é indispensável garantir autonomia para que esta sociedade possa traçar seu
95
próprio destino e defenda seus direitos como cidadãos brasileiros. Nota-se, também, o
empenho das universidades e de vários intelectuais nessa tarefa, em áreas do
conhecimento como antropologia, linguística, educação e outras.
Desse modo, buscou-se tomar conhecimento das diversas etnias e suas respectivas
línguas e culturas existentes em nosso país e que atualmente são consideradas Patrimônio
Cultural Nacional, entretanto, no passado sofreram repressão, sendo até mesmo proibido
pela política da língua única, no caso o português.
Conhecendo essa diversidade, escolheu-se estudar os Guarani-Mbyá pelo fato de
se apresentarem em grande maioria no estado de Santa Catarina e também pela razão de
manterem as origens de suas tradições, mesmo vivendo tão próximos do não indígena e à
cultura capitalista. Segundo especialistas, os Mbyá constituem um grupo de forte
identidade étnica com extrema capacidade de adaptação.
Optou-se por “língua Guarani-Mbyá”, ao invés de dialeto, porque acredita-se que
os dialetos são como línguas específicas, todavia muito semelhantes entre si. Isso ocorre
com o Guarani Mbyá, o Guarani Kaiowá e o Guarani Ñandeva, línguas semelhantes,
porém cada qual com suas peculiaridades linguísticas.
Pesquisou-se etnograficamente essa etnia com o intuito de compreender melhor
sua história, cultura, seu modo de ser ou, como se diz em Guarani o “Nhandereko”,
enfatizando, sobretudo, a cultura e a língua. A crença da Terra sem mal evidencia que o
povo guarani caminha sempre por uma necessidade constante de retorno ao ambiente
seguro, precedente à invasão europeia, onde possam viver em seu modo de ser.
Acredita-se que o objetivo principal da pesquisa foi contemplado, visto que foi
feito um levantamento de como está sendo ministrado o ensino bilíngue em comunidades
de Santa Catarina e Rio Grande do Sul e ainda se o Estado está atendendo às necessidades
dessas comunidades. Constatou-se que há ensino bilíngue em todas elas. Poucas escolas
funcionavam improvisadamente, porém já haviam solicitado à secretaria do Estado a
construção de prédio próprio, o que demonstra o interesse por parte deles também. Sobre
as atividades propostas, verificou-se que eram fundamentadas na cultura guarani e os
alunos tinham maior preferência quando se davam fora da sala de aula. Ressalta-se que os
instrumentos linguísticos eram poucos, apresentaram-se em maior número em português.
Essa situação deve ser revertida e tomada como prioridade, visto que as diretrizes
nacionais para o funcionamento das escolas indígenas afirmam que os instrumentos
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linguísticos devem ser produzidos de acordo com o contexto sociocultural de cada povo
indígena. Alguns professores tinham feito o magistério indígena ou estavam com a
formação em andamento, porém observou-se um índice significante de professores sem
formação, o que representa a necessidade de maior incentivo na formação destes, visto
que a amostra se demonstrou favorável à busca de qualificação.
Diante do exposto, conclui-se que foram respondidas as questões da pesquisa
voltadas para a realidade da Educação Escolar Indígena no universo pesquisado, tendo em
vista que os resultados obtidos foram relevantes para afirmar que esta é uma nova prática
inserida em seu cotidiano, assim como a amostra é favorável aos princípios das leis de
diretrizes e bases da Educação Escolar Indígena, manifestando fazer valer seus direitos
como cidadãos brasileiros.
No entanto, ficou também indicada a importância de, no caso dos Guarani,
desenvolver uma concepção clara de educação que se legitima em todos os atos
cotidianos. Essa legitimação implicaria o acolhimento de práticas de usos da língua não
pedagogizadas pelas atividades frequentes da escola. Além disso, ficou indicado à
necessidade de tornar plurilíngue também os espaços de gestão da educação e da língua,
de modo que os falantes do Guarani possam neles atuar com sua forma especifica de
olhar o processo educativo.
Pressupõe-se que a legitimação da escrita, conforme ela ocorre na língua
portuguesa, anula a legitimação oral na língua guarani e vice-versa. Há uma concorrência
do modo de legitimação. O modo de legitimação da língua portuguesa é diferente do
modo de legitimação da língua guarani. Um nunca se reduzirá ao outro. As línguas
indígenas não precisam ser grafadas para serem legitimadas. A língua materna indígena
pode e deve ser legitimada na sua especificidade que é a oralidade.
A Educação Escolar indígena deve funcionar de acordo com a cultura indígena,
nas formas do discurso polêmico e lúdico.
Conclui-se com base na análise do discurso que uma vez analisado o objeto ele
permanece para novas interpretações, dependendo do ponto de vista de cada analista.
97
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104
APÊNDICE A
Questionário para Trabalho de Campo
Trabalho de campo Data: _______________
Nome do pesquisador: _________________________________________________
Nome da Aldeia ou Comunidade:
Cacique: Contato (tel):
Localização da aldeia
População da aldeia:
Há não indígenas na aldeia? ( ) Sim ( ) Não.
Caso existam quantos são?____
O que fazem e há quanto tempo estão aqui? _________________________________
_____________________________________________________________________
Dos indígenas, são todos Guarani? ( ) Sim ( ) Não.
Há outras etnias presentes (que não Guarani)? ( ) Sim ( ) Não. Quais?
___________________________________________________________________
Quantos habitantes de outras etnias? _____________________________________
Dos Guarani, quantos são: Mbyá?____ Kaiowá? ______ Ñandeva? _____________
Outro? Qual? ________________ Quantos? ________ hab.
Escola na comunidade
Tem escola com prédio próprio na comunidade? ( ) Sim ( ) Não
Se sim, qual o nome da escola? __________________________________
____________________________________________________________
Diretor / Responsável: não tem___ Contato (tel)_________________
105
E-mail: _______________________________________________________________
O Diretor / Responsável é indígena? ( ) Sim ( ) Não.
Qual é a etnia do diretor? ________________________________________________
Endereço da escola para correspondência: __________________________________
_____________________________________________________________________
Número de alunos da escola_____________________________________________
Se não tem escola, tem aula na comunidade? ( ) Sim ( ) Não: Onde? ____________
A educação escolar é improvisada? ( ) Sim ( ) Não
Se sim, descreva: ______________________________________________________
A comunidade não possui nenhum tipo de educação escolar ( )
Sobre a escola
Número de professores da escola: _____ professores _______________________________________
Quantos professores são indígenas? _____
Há professores não indígenas? Sim ( ) Não ( ) Quantos são não indígenas? ______
Os indígenas são todos Guarani? ( ) Sim ( ) Não. Caso não, quantos são de outras etnias indígenas? ______ Quais etnias? ____________________________________
Descrição e sistematização do material usado para o ensino
a) material em Guarani
Tem livro ( ) Sim ( ) Não. Gramática? ( ) Sim ( ) Não.
Jogos? ( ) Sim ( ) Não. Livros de historinha? ( ) Sim ( ) Não. Outros. Quais? _____________________________________________________________________
b) Materiais em português, quais?. ________________________________________
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c) Materiais em outras línguas, tipos de materiais e em que línguas?
__________________________________________________________________________________________________________________________________
Em sala de aula
[Orientação para pesquisador: A interação se dá através de livros? Escrevem? Qual é a língua utilizada nas atividades propostas pelo professor? Que outras atividades fazem, como pintura, jogos etc. ? Como os alunos apresentam estas atividades? Em que língua se comunicam durante tais atividades? Como são avaliados? E, em que língua são avaliados? Usam livros de estórias infantis? Os livros são em Guarani?]
Série: Turm___ Turno: _matutino_________________
Professor:
O professor é indígena? ( ) Sim ( ) Não.
Fala Guarani-Mbyá? ( ) Sim ( ) Não.
Qual a formação do Professor?
1) Quais atividades são propostas pelo professor e qual é o interesse dos alunos nas atividades?
Atividade: ______________________________________________________
Interesse: ______________________________________________________
Atividade:______________________________________________________
Interesse: ______________________________________________________
Atividade:_______________________________________________________
Interesse:_______________________________________________________
107
Atividade:_______________________________________________________
Interesse: _______________________________________________________
Atividade:_______________________________________________________
Interesse: _______________________________________________________
Atividade: _______________________________________________________
Interesse: _______________________________________________________
2) Em que momento o professor faz uso de Guarani-Mbyá em sala de aula?
____________________________________________________________________
3) Em que momento os alunos fazem uso de Guarani-Mbyá em sala de aula?
_____________________________________________________________________
4) Em que momento o professor faz uso de outras línguas em sala de aula? Quais?
_____________________________________________________________________
5) Em que momento os alunos fazem uso de outras línguas em sala de aula? Quais?
_____________________________________________________________________
6) Presença escrita de que línguas em sala de aula? De que forma?
____________________________________________________________________
7) O que se sobressai na interação do professor com os alunos?
[Orientação para pesquisador: Se ele não fala a língua do aluno, como reage quando o aluno fala com ele? Quando não compreende o que está sendo dito, pede ajuda? A quem? Como conduz as dúvidas que o aluno tem sobre o conhecimento ministrado? Como a criança reage quando não compreende o que o professor diz? Pede ajuda? A quem?]
108
Fora da sala de aula
1) Em que momento(s) o professor faz uso de Guarani-Mbyá fora de sala de aula? Com quem?
2) Em que momento os alunos fazem uso de Guarani-Mbyá fora de sala sala de aula? Com quem?
3) Em que momento os professores fazem uso de outras línguas fora da sala de aula? Quais? Com quem? Professores indígenas e não indígenas conversam entre si? Em que língua? Conversam com as crianças, com os moradores?
4) Em que momento os alunos fazem uso de outras línguas fora da sala de aula? Quais? Com quem?
5) Observação do ambiente – presença escrita das línguas na escola. Quais línguas e onde estão (cartazes, placas, etc.). A escola tem nome? Está escrito em que língua
Observação Geral do processo de escolarização
Quais atitudes o aluno apresenta diante do ensino com o professor indígena e suas propostas de interação?
Quais atitudes o aluno apresenta diante do ensino com o professor não -indígena e suas propostas de interação?
109
Número de alunos por série e turma, mapeando línguas:
Série /
Ano e
Turma
Total
de
alunos
Monolíngues
em Guarani
Monolíngues
em outra
língua indígena
Qual
língua?
Monolíngues
em Português
Monolíngues
em Espanhol
Bilíngues Em quais
línguas?
1º
2º
3º
4º .
5º
6º
8º
9º
1º EM
2º EM
3º EM
EJA
110
Comente sobre cada aula assistida, considerando aspectos marcantes em cada uma (por exemplo, o conteúdo foi interessante, professor atencioso, utilização de materiais diversificados, etc.). Faça uma análise crítica.
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