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A OFICINA DE SÃO JOSÉ NA CIDADE DO PORTO (1880-1909)
PAULA FERREIRA
UNIVERSIDADE DO PORTO
FACULDADE DE LETRAS
A OFICINA DE SÃO JOSÉ NA CIDADE DO PORTO
1880-1909
PAULA ALEXANDRA DE FARIA FERREIRA
Dissertação de Mestrado em História e Educação apresentada à FLUP sob
orientação da Professora Doutora Maria José Moutinho.
PORTO
2009
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A OFICINA DE SÃO JOSÉ NA CIDADE DO PORTO (1880-1909)
PAULA FERREIRA
Ao Carlos, à Cláudia e ao João
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A OFICINA DE SÃO JOSÉ NA CIDADE DO PORTO (1880-1909)
PAULA FERREIRA
AGRADECIMENTOS
Um agradecimento especial à nossa orientadora pelo seu acompanhamento
científico.
Para a Ana, registamos aqui um enorme “obrigada” pelo seu companheirismo e
pela sua amizade.
Agradecemos a todos aqueles que trabalham na Oficina de São José, Lar de
Infância e Juventude, o bom acolhimento que tivemos.
Dirigimos também agradecimentos particulares aos funcionários do Arquivo
Distrital do Porto e do Arquivo Histórico Municipal do Porto.
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A OFICINA DE SÃO JOSÉ NA CIDADE DO PORTO (1880-1909)
PAULA FERREIRA
ÍNDICE
INTRODUÇÃO ......................................................................................................................... 5
ORIENTAÇÃO METODOLÓGICA .................................................................................... 8
O ACESSO AOS ARQUIVOS DA OFICINA: A RECOLHA E O TRATAMENTO
DOS DADOS ............................................................................................................................ 8
CAPÍTULO I – CONTEXTUALIZAÇÃO ........................................................................ 11
I.1. O APOIO AOS MENORES DESVALIDOS – BREVE RESENHA ............. 11
I.2. ALGUMAS QUESTÕES SOCIAIS NA PERSPECTIVA DE RODRIGUES
DE FREITAS .................................................................................................... 13
I.3. MISÉRIA, MENDICIDADE, PREVIDÊNCIA, ENSINO TÉCNICO,
“SOCORROS MÚTUOS” NA ÓPTICA DE UM CONTEMPORÂNEO ............. 18
I.4. CRIMINALIDADE E MARGINALIDADE INFANTIS, SUA PREVENÇÃO OU
REMEDIAÇÃO – A VISÃO DE MENDES CORREIA ...................................... 22
I.5. OUTROS MECANISMOS DE CORRECÇÃO DE MENORES DE “MAU
PROCEDER” ................................................................................................... 28
CAPÍTULO II - A OFICINA DE SÃO JOSÉ NO PORTO ......................................... 32
II.1. A FUNDAÇÃO DA OFICINA .................................................................... 32
II.2. OS ESTATUTOS DA OFICINA ................................................................. 34
II.3. O PADRE SEBASTIÃO LEITE DE VASCONCELOS, FIGURA POLÉMICA
......................................................................................................................... 50
II.4. A RECEPTIVIDADE SOCIAL DA OFICINA DE SÃO JOSÉ NA CIDADE
DO PORTO ...................................................................................................... 56
CAPÍTULO III – TRATAMENTO ESTATÍSTICO ....................................................... 68
CAPÍTULO IV - CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................. 87
FONTES E BIBLIOGRAFIA ............................................................................................. 92
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A OFICINA DE SÃO JOSÉ NA CIDADE DO PORTO (1880-1909)
PAULA FERREIRA
INTRODUÇÃO
Quando nos propusemos fazer este trabalho, a intenção era pesquisar a
actividade educativa e de inserção social de jovens em risco desenvolvida pela
Oficina de São José do Porto, na actualidade. No entanto, houve razões que
contribuíram para a mudança do plano de trabalho. A razão mais relevante foi a
de consideramos mais oportuno e esclarecedor, começar pelo estudo dos
primeiros anos de história desta instituição, beneficiando da vantagem de não
efectuarmos, à época, uma abordagem aos seus jovens alunos, numa altura
em que o “Caso Gisberta” ainda alimentava as “especulações” dos mass
media.
Sendo assim, optamos por estudar esta instituição ao longo do período que
medeia entre 1880 e 1909, baseando-nos nas fontes documentais existentes
no Arquivo da Oficina de São José do Porto e nos Arquivo Distrital do Porto e
Arquivo Histórico Municipal do Porto.
Podemos justificar a escolha deste tema pela importância humanitária e pela
relevância social da instituição em estudo. Numa época marcada pela
necessidade de “regeneração da juventude pelo trabalho e pela religião”,
conforme foi escrito pelo padre Sebastião Leite de Vasconcelos, fundador da
casa, sentiu-se a grande necessidade de criar esta Oficina na cidade do Porto.
A importância do seu surgimento é atestada pelo apoio dos poderes públicos a
esta instituição humanitária bem como, pelo reconhecimento da opinião pública
que foi sensível a esta obra, realidade bem evidente nas impressões registadas
ao longo dos anos, por centenas de pessoas, no livro dos visitantes da Oficina
(inclusivamente, pelos membros da família real).
Sendo assim, é oportuno reflectirmos sobre o que o escreveu acerca da Oficina
de São José, o Dr. Padre Manoel Antonio Monteiro Limão, a 21 de Janeiro de
1886:
“As creanças de hoje serão os homens de amanhã e por isso nada mais util do
que a educação moral, civil e religiosa e os que com ella se sacrificam, prestam
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grandes serviços à sociedade e à religião, e é também grande o premio que
hão-de receber dos sagrados corações de Jesus, Maria e José”.
A partir da nossa experiência profissional, assistimos frequentemente ao
abandono escolar por parte de crianças e de adolescentes, sem que a escola
dê uma resposta interna à resolução dos problemas ou pelo menos, ao seu
controlo, evitando assim que cresça o número de jovens entregues a si
próprios e/ou a famílias completamente desagregadas e marcadas pela
violência, prostituição, alcoolismo, toxicodependência, mendicidade e outras
situações geradoras de marginalidade.
Não podemos ser ingénuos no sentido de pretendermos mudar o mundo ou
resolver todos os males que afectam os alunos/jovens de hoje, quando já
existem inúmeras pesquisas e trabalhos publicados que versam sobre esta
temática, sendo que os problemas relacionados com a delinquência juvenil
permanecem no nosso quotidiano.
No entanto, o interesse por estas questões e o estudo particular de uma
instituição centenária (neste caso, a Oficina de São José), poderá alertar-nos
para problemas sociais que, com outros contornos, são perfeitamente actuais.
Conhecendo o historial de “crianças problema” e a forma como os
responsáveis de determinada instituição tentaram e tentam salvá-las do mundo
da marginalidade, será possível orientar a actuação dos interessados nesta
problemática no sentido de auxiliar aqueles que procuram um futuro mais
estável e promissor para estes jovens.
Mesmo correndo o risco de fracassarmos em muitas tentativas de ajuda a
menores em risco, aqueles que desviarmos do mundo da marginalidade, já
representarão uma forte motivação para continuarmos a nossa “missão”.
Já no século XIX, o padre Sebastião Leite de Vasconcelos, na linha de São
João Bosco, fundador da Sociedade de S. Francisco de Sales, enveredou por
um sistema educativo orientado no sentido da preparação para a vida da
população juvenil portuguesa, numa perspectiva profissionalizante.
A intenção do padre Sebastião, como a de D. Bosco, era a de contribuir para a
formação dos jovens portugueses, ajudando-os a tornarem-se cidadãos
honestos e bons cristãos.
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Também estes religiosos acreditavam na prevenção ou minimização dos
efeitos nefastos de contextos familiares adversos no que diz respeito aos
jovens que acolhiam mas a sua acção assumiu uma vertente caritativa e
evangelizadora, perfeitamente compreensíveis numa sociedade de finais do
século XIX e inícios do século XX. Essa acção privilegiou uma infância
desvalida e particularmente, os menores que já haviam caído nas malhas da
criminalidade. D. Bosco e o padre Sebastião conseguiram obter alguns
resultados positivos e ainda que estes resultados constituíssem uma ínfima
contribuição num grande universo de jovens delinquentes, não os podemos
ignorar.
É nesta linha de pensamento que nos propomos debruçar sobre as questões
que se seguem, como demonstramos nos capítulos II e III:
Quais as principais razões que estiveram na origem da fundação da
Oficina de São José, na cidade do Porto?
Como foi interpretada a intervenção social da figura do padre Sebastião
Leite de Vasconcelos no período estudado?
Qual a relação entre o padre Sebastião Leite de Vasconcelos e São
João Bosco?
Como foi a receptividade social no Porto a esta Oficina de Artes e
Ofícios?
Que tipo de jovens constituíam a população maioritária da Oficina de
São José?
Quais as ilações que podemos retirar da análise dos casos de sucesso
e/ou fracasso pessoal e profissional dos jovens acolhidos por esta
instituição?...
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ORIENTAÇÃO METODOLÓGICA
O ACESSO AOS ARQUIVOS DA OFICINA: A RECOLHA E O TRATAMENTO DOS DADOS
Da documentação a que tivemos acesso na instituição privilegiamos o Livro de
Registo de Matrículas, desde o ano de 1883 até ao ano de 1933 e um Livro de
Legados de benfeitores. Tendo a verdadeira noção de que os ficheiros sobre
estudantes são particularmente importantes, enveredamos pela utilização do
computador na introdução, classificação e tratamento de dados respeitantes
aos educandos desta oficina, desde a sua fundação. Usamos um programa de
uma empresa cujo software foi adaptado às necessidades da nossa pesquisa e
ao tratamento dos dados recolhidos.
Naturalmente que a antiguidade das fontes, o seu difícil manuseamento e a
própria ausência de certos dados sobre os educandos, nos obrigaram a
recorrer a todas as informações anexas (observações que incluímos em blocos
de notas “encriptadas”) para podermos tirar conclusões sólidas sobre estes
alunos e a organização da própria instituição.
Criamos assim uma base de dados com 497 fichas de registo de matrícula com
os seguintes elementos:
Número do educando.
Alcunha (no caso desta existir).
Nome próprio.
Filiação (Pai e Mãe).
Data de Nascimento.
Naturalidade (País estrangeiro ou Distrito de Portugal).
Data de admissão.
Data de saída.
Comportamento (Insubordinação/Actos criminosos).
Ofício.
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Na sequência do tratamento estatístico destes dados, teremos que salientar a
impossibilidade do programa em assumir a gravação de fichas com falta de
certos elementos, o que nos forçou a adoptar estratégias de superação dessas
limitações, sem com isso falsear os resultados.
Assim, podemos destacar os seguintes procedimentos:
Quando não existe qualquer referência ao nome do pai, mãe ou de
ambos, colocámos a designação de incógnito, incógnita ou incógnitos.
Quando não existe registo da data de nascimento do educando,
optamos por criar a data de referência 01-01-1800.
No respeitante à naturalidade, decidimos privilegiar a análise das fichas
dos educandos oriundos das Freguesias do Concelho do Porto, espaço
principal do objecto do nosso estudo, quer pelo facto de ser o espaço de
implantação da própria Oficina, quer pelo facto de grande parte dos
registos de matrícula analisados dizerem respeito a jovens do Distrito do
Porto.
A propósito dos restantes dados:
--» Os educandos naturais do “Grande Porto” foram registados como
fazendo parte do Distrito do Porto mas com a expressão “Não se Aplica”
relativamente às Freguesias;
--» Os educandos do resto do país foram registados nos restantes
Distritos de Portugal mas com a expressão “Não se Aplica”
relativamente às Freguesias, com excepção dos naturais da Freguesia
da Sé desses Distritos;
--» Os educandos expostos ou que surgem sem qualquer referência ao
local onde nasceram, foram registados com a expressão “Não se Aplica”
relativamente ao Distrito e à Freguesia.
--» No caso de educandos nascidos no estrangeiro, repetiu-se o
procedimento anterior.
No que concerne à data de saída, o algarismo 0 significa que não existe
qualquer referência a essa data.
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Relativamente ao comportamento, apenas destacámos os educandos
com indicações sobre insubordinação, actos criminosos ou com um
comportamento referido como louvável ou até premiado.
O percurso do educando após a saída da Oficina também é indicador de
um excelente, bom, regular, mau ou péssimo comportamento.
Os casos que não apresentam qualquer referência ao comportamento
antes, durante ou após a permanência na Oficina, foram registados
como jovens de comportamento regular ainda que existam casos de um
comportamento regular mencionado no próprio Livro de Matrículas.
Relativamente aos Ofícios, nas situações em que o ofício não é referido,
aparece a expressão “não mencionado”.
Finalmente, com base na análise das observações das fichas de Registo de
Matrícula, pudemos chegar a importantes conclusões sobre:
--» A relação entre alguns educandos e os mestres, protectores e familiares.
--» A actuação dos mestres e médicos para com os educandos.
--» A opinião dos responsáveis da Oficina sobre as capacidades intelectuais
e habilidades motoras dos educandos.
--» Algumas das regras fundamentais a cumprir pelos membros da Oficina.
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CAPÍTULO I – CONTEXTUALIZAÇÃO
Partindo do facto do nosso trabalho de pesquisa se circunscrever ao período
decorrente entre finais do século XIX e inícios do século XX, centraremos a sua
contextualização histórica e socioeconómica neste intervalo de tempo e
fazendo referência às organizações com relevância social nascidas na época e
aos apoios económicos provenientes, quer da cidade do Porto, quer de outras
localidades.
I.1. O APOIO AOS MENORES DESVALIDOS – BREVE RESENHA
A Casa Pia, inaugurada a 3 de Julho de 1780, procurava regenerar os vadios
adultos de ambos os sexos e internava crianças abandonadas ou desvalidas
que pudessem converter-se em “perigosos malfeitores”.
Após ter sofrido um processo de decadência (para o qual contribuíram a morte
de Pina Manique e as Invasões Francesas), a Casa Pia foi reinaugurada no
Convento do Desterro, em 31 de Agosto de 1811, mas as suas competências
cingiam-se à assistência e educação de menores desamparados.
Mais tarde, já no período de consolidação do liberalismo, pelos decretos de 6
de Abril de 1836 e de 14 de Abril de 1836, inaugurava-se no ex-convento de
Santo António dos Capuchos, o Asilo de Mendicidade de Lisboa, consagrado à
detenção e recolhimento de mendigos e indigentes, de qualquer idade e de
ambos os sexos, residentes há mais de dois anos na cidade, criando-se
paralelamente um Conselho Geral de Beneficência em Lisboa e comissões
filiais nas capitais de distrito e ilhas, no intuito de atenuar a mendicidade.
Apesar dos asilos de mendicidade se terem instalado posteriormente em várias
cidades (Porto-1846), o internamento nestas instituições não era forçado ou
involuntário. Paralelamente a tais instituições asilares, o século XIX
caracterizou-se por um aumento do número de irmandades, de comissões de
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beneficência paroquiais e municipais, de grupos particulares em áreas
circunscritas.
O Asilo D. Maria Pia, criado por decreto de 14 de Março de 1867, para além de
receber internados inválidos e velhos, acolhia menores para lhes dar educação
nas suas aulas e oficinas. Esta tese da regeneração pelo trabalho relacionava-
se com a criação de uma nova instituição para menores, em 1871, a Casa de
Correcção estabelecida no extinto Convento das Mónicas. Nove anos depois, o
Governo instituía no Concelho de Elvas (através da lei de 22 de Junho de
1880), a Escola Agrícola.
Na cidade do Porto, em finais do século XIX, existiam vários estabelecimentos
que acolhiam crianças mas que deveriam ter uma maior capacidade de
acolhimento. Todavia, por falta de recursos, estes estabelecimentos não
conseguiram inserir todas as crianças. Além disso, eram “organismos” que
beneficiavam de donativos particulares. Eles eram:
“Estabelecimento Humanitário do Barão de Nova Cintra”;
“Oficina de São José”;
“Asilo profissional do Terço”;
“O Colégio das Órfãs”;
“O Asilo de São João”;
“O Colégio dos Meninos Órfãos”;
“O Seminário dos Meninos Desamparados”;
“O Asilo Escola Municipal”;
“O Recolhimento das Meninas Abandonadas”;
“O Asilo de Vilar”;
“O Instituto de Surdos-Mudos”;
“O Recolhimento de Nossa Senhora das Dores e São José”.
A intensificação da moralização da sociedade portuguesa em torno do valor-
trabalho dos finais do século XIX, exercia uma influência apreciável no
fenómeno da repressão da mendicidade e da vadiagem.
No decurso do século XIX, podemos realçar a importância da acção benfeitora
de várias instituições como a Oficina de São José, o Asilo do Terço, o Asilo de
São João, numa altura em que a iniciativa privada e em particular, a
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intervenção da Igreja Católica procuravam minorar os efeitos sociais nefastos
provocados pelo abandono de jovens.
Na verdade, a Oficina de São José na cidade do Porto, não só recolhia órfãos e
desamparados como também, alguns jovens de “mau proceder” que tivessem
estado na cadeia dando-lhes educação, instrução e ensino profissional.
I.2. ALGUMAS QUESTÕES SOCIAIS NA PERSPECTIVA DE
RODRIGUES DE FREITAS
José Joaquim Rodrigues de Freitas (1840-1896) foi uma figura de grande
relevo na história da ideologia republicana em Portugal. Primeiro deputado
republicano (entre 1870 e 1874), pela perfeita dignidade da sua vida e pelas
suas qualidades intelectuais, adquiriu um enorme prestígio entre os seus
contemporâneos. Na condição de escritor e de jornalista, deixou obras de
grande interesse histórico e registos dispersos que nos ajudaram a reflectir
sobre os problemas sociais de finais do século XIX, na cidade do Porto.
No artigo que redigiu no periódico, “O Comércio do Porto”, a 17 de Setembro
de 1879, respeitante à mortalidade e à habitação, este político da oposição,
atento aos problemas sociais coevos, realçou a importância da casa, sob o
ponto de vista higiénico e moral, na vida quotidiana das populações de então.
No seu entender havia um limite de alimento, de luz, de ar, de abrigo, e
também de amor, abaixo do qual a existência humana em geral, era
impossível.
Nesta linha de pensamento, Rodrigues de Freitas valorizava a questão da
habitação, sobretudo nos grandes centros populacionais, onde o aluguer de
uma casa constituía uma das maiores despesas anuais. Os habitantes mais
pobres que se refugiavam em espaços exíguos, insalubres, sujos e
degradados, estavam muito perto do ponto, além do qual “só reinavam os gelos
da morte”. Na realidade, as doenças pulmonares desenvolviam-se
preferencialmente em aposentos estreitos e mal arejados.
A propósito da situação dos habitantes de grandes cidades, como as cidades
de Lisboa e do Porto, no seu artigo publicado no “Comércio do Porto”, a 7 de
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Agosto de 1880, sobre a beneficência pública, Rodrigues de Freitas constatou
que foram muitas as disposições legislativas acerca da beneficência pública em
Portugal.
Algumas destas disposições, ainda que antigas, mostraram o cuidado que
merecia este importantíssimo ramo da administração. No entanto, na sua
opinião e na qualidade de homem da oposição, considerava as nossas
instituições públicas de caridade, praticamente inoperantes. Na realidade, elas
não se notabilizaram, nem pelo número, nem pela qualidade.
Rodrigues de Freitas partiu da ideia de que o país se podia dividir em duas
regiões distintas: a região norte, fortemente marcada pela filantropia particular
e a região sul, nitidamente assinalada pela intervenção estatal.
Como político interveniente e crítico que era, ele não deixou de questionar a
forma como o dinheiro público era gasto em casas de filantropia, nem sempre
funcionais nem de grande utilidade. Tomando como exemplo, o Asilo de D.
Maria Pia, em Lisboa, considerou aí, duas faltas essenciais: a falta de ar puro e
a falta de pão para a sobrevivência humana. A seu ver, prolongar a vida pelo
martírio lento da subsistência insuficiente, da alimentação má, do ar viciado,
não pode ser o destino das instituições mantidas pelo Estado. Sendo assim,
não poderíamos falar de beneficência mas sim, de maleficência.
Para remediar estes males, procurou-se na caridade dos particulares o que
faltava ao Estado.
Rodrigues de Freitas considerava ser necessária e indispensável, a
beneficência tornada função do Estado, embora fosse importante torná-la
fecunda, empregando honradamente os fundos que lhe eram destinados.
No artigo que escreveu no periódico “O Comércio do Porto” em 22 de Maio de
1884, sobre a Associação da Creche de S. Vicente de Paulo, referindo-se
especificamente às instituições destinadas à recolha, educação e instrução de
crianças, Rodrigues de Freitas considerava que estas não deviam ser
simultaneamente recolhimento de inválidos do trabalho ou do hospital. Na
verdade, variando tanto as regras de vida com as idades extremas, seria
“transgredi-las”, reunir crianças e idosos no mesmo asilo.
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Segundo este político, nas classes inferiores colocava-se o problema da
sobrevivência das crianças. Nestes meios, as mães costumavam ter o trabalho
de amamentar os filhos, pois a própria pobreza, a escassez de recursos e o
hábito estimulavam-lhes esse procedimento. No entanto, situações como uma
péssima alimentação da mãe ou o seu emprego numa fábrica, arrastavam as
crianças para o abandono ou a sua entrega a pessoas pouco responsáveis.
Neste contexto e para obviar estas dolorosas consequências, o moderno
espírito filantrópico instituiu as creches.
A primeira creche aberta na cidade do Porto, foi em 21 de Novembro de 1852,
tendo sido seu benemérito fundador, João Vicente Martins, que na capital de
França tinha estudado os efeitos salutares da obra de Marbeau.1
Em 25 de Agosto de 1854 instalou-se nesta cidade, a Associação Protectora
das Creches de S. Vicente de Paulo que integrou esta primeira creche
portuense. A associação portuense, que manteve e dirigiu a primeira Creche
estabelecida em Portugal, construiu casa própria onde era maior o número de
berços e todas as condições higiénicas eram observadas. As crianças podiam
permanecer aí até aos seis anos de idade e beneficiavam da criação de uma
escola onde recebiam os rudimentos da educação maternal.
Partindo das informações fornecidas por Rodrigues de Freitas num artigo que
integrou “O Comércio do Porto”, em Janeiro de 1881, respeitante à casa de
correcção, ficamos a saber que se divulgou a ideia da necessidade urgente da
fundação de asilos nocturnos na cidade do Porto, na qualidade de institutos de
beneficência.
No entanto, para Rodrigues de Freitas, era mais premente canalizar os
esforços da beneficência particular para a criação de uma casa de correcção.
Foi neste contexto de opinião, que este deputado nos relembrou a história de
um cidadão que viveu na cidade do Porto, cidadão benemérito preocupado
com a melhoria da situação dos desvalidos e fundador de um estabelecimento
humanitário. Referimo-nos ao barão de Nova Cintra que faleceu sem ter
1 Jean Firmin Marbeau nasceu em Brive-la-Gaillard e foi advogado em Paris. Ficou
particularmente conhecido pela fundação da primeira creche em Paris, a 14 de Novembro de 1844. Esta creche destinava-se a filhos de mães trabalhadoras e serviu de modelo à criação de outras creches por toda a França. Faleceu em Saint-Cloud, em 1875.
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conseguido ver completar o Estabelecimento Humanitário que fez nascer e que
viria a ser dirigido pela Santa Casa da Misericórdia.
Este estabelecimento humanitário era uma verdadeira casa de correcção e um
asilo para rapazes e raparigas; o seu fundador pretendia que as meninas ali
recolhidas se tornassem hábeis para as tarefas domésticas e para a vida
independente e que os rapazes se convertessem em bons agricultores ou
operários. Para este efeito, as partes características deste Estabelecimento
Humanitário do Barão de Nova Cintra eram casas para aulas, um campo de
trabalho, algumas oficinas, espaços para experiências agrícolas e uma fábrica
de fiação de seda. A par do asilo industrial e agrícola, deveria existir uma casa
de correcção destinada a jovens, cujo proceder fosse repreensível para que a
educação moral e a benéfica acção do trabalho os transformassem em
cidadãos honestos e úteis.
Rodrigues de Freitas justificava a urgência do surgimento deste asilo/casa de
correcção pela frequência das notícias diárias respeitantes a crimes praticados
por menores, sem família conhecida, sem domicílio certo, sem ocupação
definida! Por vezes, eram recebidos na cadeia ou deportados para África.
Ora, a seu ver, a sociedade procederia melhor se corrigisse em vez de punir
pois, enquanto a punição geralmente piorava o indivíduo, a correcção
transformava o vício em actividade sã e fazia de um parasita, um produtor!
Na perspectiva de Rodrigues de Freitas, se o norte de Portugal já possuía
muitos estabelecimentos de beneficência provenientes da iniciativa particular e
praticamente sustentados sem o auxílio estatal, nenhum deles era
verdadeiramente uma casa correccional! A título de exemplo podemos citar o
caso da Oficina de São José que recebia jovens com cadastro mas que estava
longe de ser um estabelecimento correccional. A implantação de uma casa de
correcção, só glorificaria a cidade do Porto que passaria a beneficiar de uma
instituição capaz de contribuir para o melhoramento moral dos menores vadios,
mendigos e criminosos, havendo o cuidado de não se misturarem menores e
adultos num estabelecimento prisional. Além disso, na opinião de Rodrigues de
Freitas, se a existência de crianças incapazes de aprender não era motivo
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contra a fundação de escolas, também a existência de incorrigíveis não poderia
servir de pretexto para a não exigência de casas de correcção!
Por outro lado, as investigações sobre as causas da delinquência, remetem-
nos geralmente para factores abordados por Rodrigues de Freitas num artigo
sobre o melhoramento das classes laboriosas, elaborado para “O Comércio do
Porto”, em 16 de Maio de 1884.
Estes factores passavam por uma existência desgraçada, pela falta de carinho
e acompanhamento, pelo desleixo ou pelo vício dos pais. Neste ensejo, o
combate ao desenvolvimento do crime entre os menores e ao crescente
número de crianças doentes, ignorantes e delinquentes teria que passar
inevitavelmente, pela melhoria da situação económica das classes laboriosas.
A partir da leitura do artigo sobre a miséria no Porto, inserido na publicação “A
Folha Nova”, de 27 de Julho de 1885, constatamos que as investigações feitas
pelas autoridades e pelas comissões da imprensa mostraram que na cidade do
Porto existiam muitíssimas pessoas a viver na miséria, em casas sem as mais
elementares condições recomendadas pela higiene.
Na realidade, a par do progresso material coexistia a cidade da indigência, com
as suas ilhas lôbregas, com as suas estreitas e infectadas moradas, com os
seus habitantes cujos organismos se deterioravam, se atrofiavam, se
depravavam num meio verdadeiramente mórbido. A fome era uma realidade, à
qual não escapavam as cidades conotadas como desenvolvidas.
Noutro artigo sobre casas para operários, inserido na publicação “A Folha
Nova”, de 2 de Outubro de 1885, Rodrigues de Freitas fez referência a um
projecto apresentado pelo governador civil do Porto, no sentido de se contribuir
para a construção de mil casas para operários que custariam, em média,
300$000 reis, cada uma. Os operários, não só as arrendariam, mas poderiam
gradualmente comprá-las. É de notar que, se o inquilino se pudesse converter
em proprietário, mais zeloso seria relativamente à conservação do seu prédio.
Além disso, destinada aos moradores paupérrimos das ilhas, que sofriam com
a falta de pão e de água potável, surgiu uma proposta no sentido de se
efectuarem obras de beneficiação nessas ilhas como forma de combate à
degradação física e moral das classes laboriosas.
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Num artigo posterior de 6 de Outubro de 1885, na mesma publicação,
Rodrigues de Freitas, abordava novamente o problema dos prédios
degradados e os problemas das pessoas que os habitavam. De facto, ou por
falta de recursos, ou por ignorância, cerca de um sexto da população portuense
de 1885 vivia em péssimas condições físicas e morais. Em 22 de Setembro de
1894, no “Comércio do Porto”, este deputado falava-nos da importância da
criação de habitações limpas, livres de fumo, livres de humidade e de mau
cheiro, bem iluminadas, abundantes de ar puro e divididas de modo a
proporcionarem ordem e asseio àqueles que mais precisavam de recuperar
forças para trabalhar. Finalmente, a 4 de Outubro de 1894, também no
“Comércio do Porto”, Rodrigues de Freitas concluiu que, ainda que estes
empreendimentos, apenas beneficiassem uma parte da população operária,
eles serviriam de exemplo a outras propostas/ projectos similares e desviariam
dos caminhos do vício, cada vez maiores somas de um trabalho penosamente
produzido.
I.3. MISÉRIA, MENDICIDADE, PREVIDÊNCIA, ENSINO TÉCNICO,
“SOCORROS MÚTUOS” NA ÓPTICA DE UM CONTEMPORÂNEO
Torna-se imprescindível, neste contexto, esclarecer o conteúdo de conceitos
como miséria, mendicidade, previdência, ensino técnico e “socorros mútuos”,
no sentido em que eram aplicados na época em estudo.
Pareceu-nos útil colher em Forbes de Magalhães, membro do Conselho
Científico do Instituto Portuense, alguns conteúdos sobre esses conceitos, uma
vez que se tratou de uma figura portuense bastante interessada nas questões
sociais relacionadas com a pobreza. Em 1897, no Boletim do Instituto
Portuense, este contemporâneo fez uma abordagem à problemática da miséria.
Na sua opinião, a palavra miséria podia ser usada com dois significados: a
miséria física (fome, frio, doença) e a miséria moral (ignorância, perversão,
crime). Estes dois tipos de miséria podiam coexistir quando procediam da
mesma causa mas geralmente derivavam uma da outra.
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A OFICINA DE SÃO JOSÉ NA CIDADE DO PORTO (1880-1909)
PAULA FERREIRA
Além disso, a miséria podia ser recatada ou ostensiva. Num sentido mais lato,
o “pauperismo” designava a miséria colectiva, amplificada, geral, que reduzia
categorias inteiras de indivíduos ao estado de indigentes socorridos.
A própria Revolução Industrial produziu o aumento da riqueza por parte de
alguns elementos da sociedade mas também provocou o “pauperismo” de
muitos. Ainda existiam os falsos mendigos que, por vício, eram os terríveis
inimigos dos verdadeiros pobres porque lhes roubavam os socorros.
Forbes de Magalhães fez uma breve descrição do que se assistia no nosso
país. Daquilo que observava, considerava que em Portugal, a “doença social”
da mendicidade parecia endémica.
Citando dados concretos referia que, no ano de 1896 haviam sido detidos pela
polícia civil do Porto, por andar a mendigar, 176 homens, 361 mulheres e 29
crianças, ao todo, 566 pessoas das quais 214 eram reincidentes. Dos 566
mendigos referidos, 224 haviam sido libertos, 153 haviam sido remetidos ao
asilo, 70 haviam sido entregues a familiares, 37 haviam sido enviados para as
terras da sua naturalidade e 4 haviam sido internados no Hospital. Do total, 178
eram falsos mendigos. Neste número, entravam ainda os exploradores da
caridade pública que recebiam crianças “alugadas” para andarem a mendigar
de terra em terra, de feira em feira, de romaria em romaria. O autor denunciou
situações graves como a “indústria vil” de aleijar, estropiar e até cegar crianças
para as “alugar” a exploradores por quantias que rondavam os 4$800 reis e os
5$000 reis, bem como a pressão a que a polícia era sujeita quando intervinha
na detenção de mendigos para irem a tribunal ou serem internados no Asilo da
Mendicidade. O número de pobres inscritos nos registos do “Commercio do
Porto” era de 1250 e em 1896 foram distribuídos 4: 767$050 reis em 3913
esmolas.
Na opinião de Forbes de Magalhães, a “previdência” surgia como o melhor
meio de evitar a miséria, ocasionada pela falta de saúde, pela ausência de
ordem pública, pela invenção de novos processos industriais, pelo desvio das
correntes comerciais ou pelo desaparecimento da necessidade de serviços
prestados pela sua profissão. No entanto, este autor alerta-nos para o facto de
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A OFICINA DE SÃO JOSÉ NA CIDADE DO PORTO (1880-1909)
PAULA FERREIRA
nos podermos deparar com “o reverso da medalha” ou seja, a beneficência
também poderia proporcionar situações de miséria!
Na realidade, as pessoas, sabendo da existência de instituições de
beneficência, poderiam não evitar cair na miséria.
Segundo Forbes de Magalhães, os economistas eram avessos ao sistema de
beneficência oficial ou legal uma vez que este comportava gastos excessivos
com o aparelho burocrático que o sustentava, sendo que o pobre passava a
exigir a esmola como um direito que convidava à preguiça.
A beneficência particular ou individual tinha a grande vantagem de purificar as
almas daquele que socorria e daquele que era socorrido mas também podia
gerar a imprevidência. Em suma, o ideal era o recurso a associações de
carácter particular espontâneo com uma certa fiscalização estatal.
Como exemplo de um tipo de beneficência mais frutífera, Forbes de Magalhães
referia instituições genuinamente portuguesas e seculares, as Misericórdias.
Grande parte dos rapazes que adoeciam na Oficina de São José com
tuberculose, acabavam por falecer no Hospital da Misericórdia.
Na opinião de Forbes de Magalhães, no ano de comemoração do quarto
centenário da Misericórdia do Porto (fundada em 14 de Março de 1499) seria
importante a criação de um asilo para cegos com atribuições de
encaminhamento profissional. Este cidadão sublinhou o seu desagrado em se
atribuírem funções de beneficência às Câmaras Municipais, sobretudo
relativamente a expostos, crianças desvalidas ou abandonadas
Forbes de Magalhães procedeu à distinção entre os indigentes, inválidos ou
doentes que deveriam beneficiar da assistência pública até se recuperarem, os
mendigos ou vagabundos acidentais que deveriam ser recebidos em
estabelecimentos onde o trabalho era obrigatório e os mendigos de profissão
que deveriam ser severamente punidos.
Outra das instituições citadas por Forbes de Magalhães era o “Seminário dos
Meninos Desamparados”2, instituição essa que acolhia muitos dos jovens
posteriormente encaminhados para a Oficina de São José.
2 Em 1814, uma dama portuense recolheu em sua própria casa, as crianças que ficaram órfãs
depois da funesta invasão de Soult, lançando a pedra basilar de um Asilo que seria conhecido
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A OFICINA DE SÃO JOSÉ NA CIDADE DO PORTO (1880-1909)
PAULA FERREIRA
É importante salientar que Forbes de Magalhães frisou bem a ideia da
necessidade em se dar uma instrução profissional às “classes” mais pobres ou
seja, a habilitação para ganhar meios de subsistência, educação, amor ao
trabalho, hábitos de economia, regras, bons costumes e amor à família.
É nesta linha de pensamento que o ensino comercial e industrial será
cuidadosamente tratado em alguns estabelecimentos de beneficência. A título
de exemplo podemos referir o Internato Municipal e o Colégio dos Órfãos onde
se administrava o ensino comercial e industrial; a Escola da Ordem Terceira do
Carmo que preferia o ensino comercial; o Instituto dos Cegos; o Asilo do Terço;
o Asilo do Barão de Nova Cintra e a Oficina de São José ou “Escola de artes e
ofícios para crianças pobres e abandonadas” (documento de 1887) que
optaram pelo ensino industrial. Todavia, no seu parecer, as Associações de
Socorros Mútuos garantiriam (com poucas despesas), benefícios na doença,
invalidez, acidente, velhice…Deste modo, seria a beneficência particular
associada a uma fiscalização estatal, a melhor forma de “socorrer a miséria”.
Forbes de Magalhães apresentou as seguintes propostas de socorro à miséria
na cidade do Porto, em finais do século XIX:
Criação de um Asilo e Escola Profissional para cegos como forma de
comemorar a fundação da sua Misericórdia;
Criação de Socorros Domiciliários pela Misericórdia;
Criação de Casas de Convalescença fora do Porto (Província);
Criação de Misericórdias em todas as cidades, vilas e povoações mais
importantes do país;
Implementação de estudos para Socorros Domiciliários;
Implementação de Socorros adequados às circunstâncias/necessidades
de cada caso, a partir da recolha de informações sobre os possíveis
beneficiários.
Numa referência final à abordagem do pensamento deste cidadão, podemos
realçar que numa altura de elevada taxa de menores desvalidos na cidade do
pelo “Recolhimento das Meninas Desamparadas” instituindo-se posteriormente outro Asilo com
o nome de “Seminário dos Meninos Desamparados”.
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A OFICINA DE SÃO JOSÉ NA CIDADE DO PORTO (1880-1909)
PAULA FERREIRA
Porto, a beneficência particular supervisionada pelo Estado e o
encaminhamento destes jovens para a aprendizagem de uma arte ou ofício,
seriam, no seu entendimento, as formas mais eficazes para se minorar o
problema da miséria e da mendicidade.
I.4. CRIMINALIDADE E MARGINALIDADE INFANTIS, SUA
PREVENÇÃO OU REMEDIAÇÃO – A VISÃO DE MENDES CORREIA
Na realidade, os menores do nosso país que eram arrastados por chefes de
bandos para a prática de delitos, poderiam transformar-se em jovens honestos
e dóceis quando colocados em oficinas, numa situação de liberdade vigiada.
Antes do Decreto de 27 de Maio de 1911, existiam já no Porto, embora com
sede fora da cidade, duas instituições destinadas à educação preventiva e
reformadora das crianças delinquentes: “Casa de Detenção e Correcção” que
funcionava em Vila do Conde e que fora criada por lei de 17 de Abril de 1902 e
a “Colónia Agrícola de Vila Fernando” criada em 22 de Julho de 1880, aberta
em 1895 e regulamentada em 17 de Agosto de 1901.
Mendes Correia, nos estudos que efectuou sobre crianças delinquentes, em
1915, fornece-nos informações relevantes sobre as ideias vigentes na época.
Na sua opinião, o senso moral, as noções de altruísmo, as noções de
probidade e de justiça não entravam no espírito humano logo no alvorecer da
existência mas o crime não era também uma manifestação habitual na criança.
O adulto refreava muito dos seus ímpetos anti-sociais porque receava as
consequências dos seus actos que já conhecia bem. Uma verdade
incontestável a que Mendes Correia se referia era a de que a luta contra a
criminalidade infantil seria a melhor profilaxia contra a criminalidade adulta.
Na sua óptica, a grande maioria dos menores considerados delinquentes,
criminosos e marginais, não tinham um meio familiar que lhes incutisse
normas/regras salutares. Daí a importância e/ou determinismo das condições
familiares e sociais na ocorrência da criminalidade. A título de exemplo,
Mendes Correia referia a noção de propriedade que não era inata nas crianças
mas sim, uma aquisição educativa. Os furtos em tenras idades não revelavam
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A OFICINA DE SÃO JOSÉ NA CIDADE DO PORTO (1880-1909)
PAULA FERREIRA
anomalias graves mas deveriam ser oportunamente combatidos no seio da
família por uma educação moralizadora e vigilante.
As estatísticas portuguesas da época em estudo, salvaguardando as possíveis
margens de erro, dão-nos, em diferentes períodos, as seguintes médias anuais
de criminosos com menos de vinte anos de idade, no continente e ilhas:
De 1878 a 1880 1092
De 1891 a 1895 3384
De 1903 a 1910 3392
Além dos dados visíveis na tabela, podemos utilizar as seguintes conclusões,
apuradas pelo autor:
!ª A criminalidade precoce triplicou em Portugal, de 1878 a 1895.
2ª A criminalidade precoce em 1909 e 1910 apresentou uma notável tendência
para descer.
3ª A média de 1903 a 1908 era de 3417 enquanto que em 1909 e 1910 era de
3317.
Ainda a este propósito, subtraindo às médias do quadro anterior as quotas que
correspondem aos menores de 18 a 20 anos, obtivemos as seguintes médias
para a criminalidade dos menores até dezoito anos:
De 1891 a 1895 1463
De 1903 a 1910 1315
Além dos dados visíveis na tabela, também aqui nos podemos servir das
seguintes conclusões apuradas pelo autor:
1ª No período de 1903 a 1910, a criminalidade de indivíduos com menos de 18
anos era bastante inferior à de 1891-1895.
2ª A criminalidade de rapazes com menos de 18 anos era 5 a 6 vezes superior
à das raparigas da mesma idade.
3ª A diminuição da criminalidade precoce referia-se sobretudo ao sexo
masculino.
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Os dados estatísticos da época, recolhidos por Mendes Correia, permitiram-lhe
concluir que nos menores, a percentagem de delitos contra a propriedade era
muito mais alta.
Segundo este estudioso, a criminalidade infantil em Portugal (finais do século
XIX e inícios do século XX) era motivada por condições de ordem social.
A seu ver, os principais factores de delinquência infantil, resumiam-se aos
seguintes:
a) Hereditariedade
Tuberculose
Alcoolismo
Prostituição
Sífilis
Neuroses
Psicopatias
b) Factores individuais
Debilidade física e psíquica
Instabilidade Mental
Astenia
Atraso mental ou pedagógico
Epilepsia/Histeria
Doenças mentais
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PAULA FERREIRA
c) Factores “mesológicos”
Educação viciosa
Falta de pais (sobretudo da mãe) por falecimento, emigração, profissão
ambulante, abandono ou separação…
Filiação ilegítima
Maus exemplos
Desarmonia
Maus tratos
Pobreza
Escola de rua (sobretudo nos meios urbanos)
Propaganda do vício e crime nos meios de comunicação social da época
Certas profissões (criadas de servir, costureiras, vendedores ambulantes…)
Más camaradagens
Antigo Regime Penal (cadeias, multas…)
Na sequência da apresentação destes factores (por Mendes Correia) como
propiciadores da delinquência/criminalidade/marginalidade infantil, surgiu a
necessidade de investir na prevenção e na luta contra este mal social.
Ainda que este autor manifeste pressupostos bastante questionados na
actualidade, ele consegue sugerir propostas mais adequadas à faixa etária dos
jovens com um comportamento marginal.
Assim, a seu ver, ao invés de se tratar de uma vingança ou de um castigo, a
pena deveria representar um meio de defesa social, de correcção do
delinquente e de reparação do crime e os meios de prevenção deveriam
assumir uma maior importância do que os meios correctores, reparadores ou
punitivos.
A partir de uma reflexão atenta sobre o objecto do nosso estudo, a Oficina de
São José, verificamos que os jovens acolhidos, provenientes de famílias
humildes, se inseriam numa situação de “prevenção” ao passo que, os jovens
que já haviam estado presos se integravam numa situação de “reparação” de
comportamentos marginais.
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A OFICINA DE SÃO JOSÉ NA CIDADE DO PORTO (1880-1909)
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O próprio Mendes Correia propôs algumas medidas preventivas da
criminalidade e marginalidade infantis, tais como a luta contra a tuberculose, a
luta contra o alcoolismo, a repressão da prostituição para se evitar a difusão de
doenças venéreas, a proibição do casamento entre indivíduos atingidos por
certas psicoses e taras transmissíveis por herança, a esterilização dos
“criminosos natos” e dos “maiores degenerados”.
Para Mendes Correia, eram igualmente importantes as medidas profilácticas,
psíquicas e “mesológicas” das crianças pobres, desamparadas, abandonadas e
em perigo moral!
As medidas que poderiam ser uma tentativa de salvação destes menores
deveriam passar pelo auxílio económico aos pobres, pelo estabelecimento de
instituições de patronato e de serviços públicos de assistência infantil. Esta
“salvação” teria que passar inevitavelmente pela proibição da permanência de
crianças em certos estabelecimentos (como casas de jogo, casas de
prostituição e locais de venda de bebidas alcoólicas), pela repressão da
propaganda ao vício e ao crime através de jornais, teatros, cinemas e pela
punição da negligência, maus exemplos e maus tratos, sobretudo por parte de
pais e tutores. O favorecimento da boa organização familiar, a implementação
de medidas de protecção dos filhos ilegítimos, evitando o abandono de
crianças, o apoio aos serviços destinados aos menores de idade (inserção em
internatos, semi-internatos e outros institutos de crianças em perigo moral,
desamparados e delinquentes; entrega de crianças em perigo moral a famílias
honestas; estabelecimento de institutos pedagógicos para crianças “anormais”;
criação de instituições de educação correccional para menores delinquentes,
vadios, gatunos, libertinos) poderiam constituir meios eficazes de protecção a
menores em situação de risco. Também a criação de tribunais especiais para a
infância, a proibição da presença de crianças em julgamentos criminais e em
tribunais comuns, bem como a eliminação da pena de prisão para menores de
dezasseis anos seriam formas de pôr fim à mistura perniciosa de menores e
adultos em questões judiciais.
Na realidade, a cidade do Porto possuía alguns estabelecimentos de
assistência e educação para menores abandonados e delinquentes devido à
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A OFICINA DE SÃO JOSÉ NA CIDADE DO PORTO (1880-1909)
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iniciativa de particulares filantropos mas reclamava-se a sua diferenciação
pedagógica, adaptando-os a funções específicas.
Na verdade, em alguns destes estabelecimentos, não se distinguia entre a
escola maternal, preparatória e profissional bem como se misturavam as mais
distantes idades.
Sendo assim, a Oficina de São José surgiria como uma instituição pioneira que
acolhia alunos de uma faixa etária delimitada e que eram inseridos na
aprendizagem de um ofício (ensino profissional) com vista à preparação para a
vida activa.
Para Mendes Correia, os meios repressivos que poderiam ser utilizados seriam
as repreensões, a liberdade vigiada, a liberdade condicional, o internamento ou
a detenção em estabelecimentos de educação reformadora ou convencional e
até penas corporais, quando inevitáveis.
Numa abordagem final ao pensamento de Mendes Correia, convém salientar a
ideia por ele defendida de que a criança não poderia ser tratada como um
adulto, sobretudo a nível jurídico. Na realidade, se Mendes Correia já revelava
uma perspectiva educacional “avançada,” pedagogicamente falando, quando
propunha um tratamento diferenciado para crianças delinquentes relativamente
aos adultos, o seu pensamento ainda admitia a “agressão física” como medida
correctiva. O seu contacto com países estrangeiros (nomeadamente com os
E.U.A. e os países mais desenvolvidos da Europa) alertou-o para um dos
graves problemas sociais em Portugal. Referimo-nos ao tratamento jurídico dos
menores, sujeitos a tribunais ordinários e a cadeias civis.
Somente por Decreto de 27 de Maio de 1911, foi criada no Porto uma Tutoria
Central, uma tutoria da infância, regulamentando-se também a “Casa de
Detenção e Correcção”, que passou a ter o nome de “Escola Industrial da
Reforma do Porto”.
Deste modo, Portugal, através deste decreto com força de lei de 27 de Maio de
1911 do ministro Afonso Costa, colocou-se ao lado dos países mais evoluídos,
num honroso lugar. Este decreto veio retirar as crianças aos tribunais
ordinários e às cadeias civis, confiando-as a tribunais especiais e a refúgios
que funcionavam junto desses tribunais e substituíam as cadeias.
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A OFICINA DE SÃO JOSÉ NA CIDADE DO PORTO (1880-1909)
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I.5. OUTROS MECANISMOS DE CORRECÇÃO DE MENORES DE
“MAU PROCEDER”
Em 26 de Maio de 1880, foi apresentada na Câmara dos Deputados, uma
proposta de lei para a criação no Porto, da Casa de Detenção e Correcção,
tantas vezes solicitada devido àquilo que se considerava serem os “excelentes
resultados” da sua congénere em Lisboa. Na criação deste estabelecimento,
deveria ser gasta a verba de 4000$000 reis destinada ao Teatro Lírico da
cidade (orçamento de 1879/1880). Como a solução tardava, a imprensa da
cidade do Porto ia fazendo referência à miséria e ao abandono das crianças e
à sua situação nas cadeias onde cumpriam penas correccionais.3
Entretanto, já se procedera à fundação da Oficina de São José, que, longe de
ser uma Casa de Detenção e de Correcção, não deixou de dar entrada, desde
4 de Outubro de 1883, a menores miseráveis, abandonados e alguns
cadastrados.
Sabemos que em Portugal, a lei previa que o menor detido por vadiagem fosse
entregue à Câmara Municipal do seu Concelho (Código Civil, artigo 284) mas
por falta de verbas nos orçamentos municipais, as crianças eram postas em
liberdade. Perante a incapacidade do regime liberal em resolver os problemas
dos “menores delinquentes”, estes apresentavam uma elevada taxa de
3 Maria José Moutinho, na sua publicação A Sombra e a Luz, fala-nos destes menores:
“Agrupados em pequenos bandos, dormindo pelos bancos dos jardins, em casas
abandonadas, imundos, esfarrapados, juntavam-se à entrada do Mercado do Anjo, do Mercado
do Bolhão, saídas das missas… para furtar uma carteira, um relógio, um lenço”… Actuavam
em grupo como o do Bulldog, Meu Pão, Catraio, Marroquino, Velhinho ou Planeta. Na cadeia,
eram “hóspedes” passageiros e “mensageiros” de chefes de quadrilha ali encarcerados que
lhes encomendavam mercadorias: um “grilo” (relógio), um “tirante” (cordão de ouro), um “arco
de tarrachas” (pulseira) que depois de introduzidos na cadeia, eram transaccionados.
Ao lermos este “excerto”, certamente relembramos o clássico de Charles Dickens, “Oliver
Twist”, adaptado ao cinema por Roman Polanski e que tem tocado a sensibilidade dos mais
pequenos, nos países onde tem sido divulgado. Também este filme nos remete para uma
sociedade do século XIX, a sociedade inglesa, marcada pela exploração de menores
abandonados apanhados pelas “malhas” da criminalidade.
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A OFICINA DE SÃO JOSÉ NA CIDADE DO PORTO (1880-1909)
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reincidência. Além disso, as penas impostas aos menores delinquentes eram
de curta duração como se pode comprovar através das fichas de matrícula da
Oficina de São José que nos fornecem informações sobre o “cadastro” dos
menores acolhidos nesta instituição, tendo sido estes alvo de prisões
consecutivas antes de darem entrada na referida Oficina. É evidente que a
situação familiar destes jovens favorecia o seu comportamento: expostos, filhos
de pais incógnitos, pais falecidos, pais emigrados, pais doentes ou
delinquentes… Ainda a agravar a sua situação, já por si dramática, existiam os
“protectores” que exploravam os jovens e esse crime passou a ser punido por
Decreto-Lei de 15 de Dezembro de 1894 que no artigo 4º determinava “Aquele
que manter ou consentir que uma pessoa menor de quatorze anos, que esteja
sob a sua autoridade paternal ou tutelar, ou confiada à sua educação, direcção,
guarda ou vigilância, se dê habitualmente à mendicidade ou que outra pessoa
a contrate ou torne o seu serviço para o efeito de mendigar, incorrerá na pena
de prisão correccional até seis meses e multa correspondente”.
Estas realidades levaram o magistrado Augusto Maria de Castro, Procurador
Régio junto da cadeia da Relação do Porto, a insistir na criação urgente de
uma “modesta” Casa de Correcção na cidade que poderia ser instalada numa
parte do edifício abandonado do Convento da Serra do Pilar. A crescente
criminalidade entre os menores e a falta de estabelecimentos para a sua
correcção e recuperação explicam a decisão do Governo na sequência da Lei
de 21 de Abril de 1892, em deportar para África menores de onze anos, apesar
do parecer contrário da Procuradoria-geral da Coroa de 14 de Dezembro de
1893.
Das iniciativas particulares na cidade do Porto, destacam-se a de Augusto
Maria de Castro, com a criação, em 1894, do Instituto Penitenciário de
Beneficência e Caridade destinado ao acolhimento dos presos pobres e suas
famílias. Este instituto recolhia sobretudo os filhos menores de presos da
Cadeia da Relação, evitando que estes caíssem nas malhas da delinquência.
Concluindo, a falta de instituições adequadas e a ausência de meios
financeiros à disposição das autoridades locais, traduziram-se num grave
problema social: os pequenos delinquentes só encontravam abrigo na
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promiscuidade e corrupção das cadeias. Para termos bem a noção da situação
de “impasse” que se viveu a este nível, relembremos que, depois da criação da
Casa de Detenção e Correcção de Lisboa, em 1872, sem capacidade
regeneradora dos menores, a Primeira Colónia Agrícola só surgiria no final do
século XIX (1895- Colónia Agrícola de Vila Fernando).
Foi já no século XX que se estabeleceram outros mecanismos de correcção,
educação e protecção aos menores. Temos como exemplo, a Casa de
Correcção e Educação do Distrito do Porto, criada por Lei de 17 de Abril de
1902 para jovens do sexo masculino e, no ano seguinte, por Lei de 27 de Abril,
um estabelecimento congénere para a educação e regeneração de menores do
sexo feminino, instalado no Convento das Mónicas, depois da transferência
para Caxias da Casa de Detenção para menores do sexo masculino. Foi
igualmente em 1902 que se criaram as Comissões de Patronato em Lisboa e
no Porto, com o fim de ministrarem amparo moral aos jovens saídos daquelas
instituições.
Somente depois da implantação da República (período posterior ao âmbito
cronológico do nosso trabalho) foram criadas Tutorias da Infância e a
Federação Nacional dos Amigos e Defensores das Crianças.
As Tutorias surgiram como tribunais colectivos especiais destinados a guardar,
defender e proteger os menores em perigo moral, desamparados e
delinquentes. Estas eram constituídas por um juiz de direito, dois juízes
adjuntos, um presidente, um professor e um médico. Existiam delegados de
vigilância incumbidos do policiamento e da realização de inquéritos sobre as
crianças a cargo da Tutoria e formas de inibição do poder paternal ou tutelar
em caso de negligência, maus tratos, especulação, crueldade, incapacidade,
pobreza, crime de pais ou de tutores.
Foram designadas penas para aqueles que favorecessem ou estimulassem a
delinquência, a vadiagem, a mendicidade, a ociosidade ou a libertinagem de
crianças e para pais e tutores que as maltratassem ou abandonassem. Junto
de cada Tutoria funcionava um refúgio para menores até deliberação do
tribunal sobre os seus destinos.
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Todavia, nem tudo era perfeito! Estas medidas de protecção aos menores
restringiam-se às cidades de Lisboa, Porto e Coimbra e a jovens do sexo
masculino.
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CAPÍTULO II - A OFICINA DE SÃO JOSÉ NO PORTO
II.1. A FUNDAÇÃO DA OFICINA
Torna-se agora fundamental realizar uma resenha histórica da instituição que
nos propusemos estudar, a Oficina de São José no Porto.
Comecemos por observar o seguinte quadro:
Fundador Padre Sebastião Leite de Vasconcelos
Fundação: 18 de Abril de 1880
Abertura: 4 de Outubro de 1883
Aprovação dos Estatutos: 8 de Setembro de 1887
Concessão do Título Real: 8 de Maio de 1890 por El-Rei D. Carlos
Inauguração do Colégio: 1 de Novembro de 1890
Reconhecimento de utilidade pública por portaria de 18 de Abril de 1993.
A Oficina de São José do Porto foi fundada pelo padre Sebastião Leite de
Vasconcelos, nascido a 3 de Maio de 1852, na freguesia da Sé, cidade do
Porto, onde viveu até à sua ida para Beja, em Fevereiro de 1908. Na cidade de
Beja desempenhou as funções de Bispo até 1910.
Na pura convicção daqueles que alimentaram a sua obra, “as qualidades que
exortavam o seu coração de apóstolo” levaram-no a consagrar-se totalmente
aos jovens mais desprotegidos e marginalizados e, assim, esmolando de porta
em porta, conseguiu dádivas que juntas aos seus parcos recursos, lhe
permitiram arrendar uma casa no Monte Pedral em 18 de Abril de 1880. Estava
assim fundada a Oficina de São José. Mas, pouco tempo decorrido,
apercebendo-se da impossibilidade de desenvolver a sua obra longe do centro
da cidade, arrendava uma casa mais ampla na Rua de Trás da Sé, cuja
inauguração solene se realizou a 4 de Outubro de 1883.
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Graças às muitas ajudas e à generosidade de Manuel Esteves Ribeiro, que só
por si custeou todas as obras, em 19 de Março de 1889, foi possível proceder-
se à bênção da primeira pedra das actuais instalações na Rua Alexandre
Herculano, que foram inauguradas em 1 de Novembro de 1890.
O pedido de aprovação da obra dirigido pelo Padre Sebastião Leite de
Vasconcelos à Câmara Municipal do Porto foi efectuado em 1887.
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II.2. OS ESTATUTOS DA OFICINA
O estudo da Oficina de São José tornou-se mais completo pela análise dos
respectivos estatutos. Sendo assim, optamos pela sua transcrição com
anotações sobre as principais ilações que retiramos da referida análise.
No Governo Civil do Porto, sob o selo do mesmo, tendo ouvido o Tribunal
Administrativo e usando da faculdade conferida pelo artigo 217º nº 13º do
Código Administrativo, Albino Pinto de Miranda Montenegro, bacharel
formado em Direito pela Universidade de Coimbra, Governador Civil do
Distrito do Porto, aprovou os estatutos da Oficina de São José no Porto, a
8 de Setembro de 1887.
“Os estatutos constam de vinte e quatro artigos escriptos em quatro
meias folhas de papel, devidamente selladas, e numeradas e rubricadas
pelo pelo official maior, servindo de Secretario Geral deste Governo
Civil”.
“Não pagou direitos de mercê nem sêllos por os não dever em vista das
respectivas leis”.
Passemos à transcrição e à análise dos referidos estatutos:
Artigo 1º- A Oficina de São José, fundada pelo presbítero Sebastião Leite de
Vasconcelos, tem por fim primário o ensino profissional de artes e ofícios,
juntamente com a educação moral e religiosa, de expostos e menores
abandonados; e, quando haja lugar, o de filhos menores de pessoas
miseráveis, precedendo autorização de seus legítimos representantes.
O primeiro artigo destes estatutos remete-nos para a importância coeva
do ensino profissional e religioso dos menores em risco, numa sociedade
que se debatia com os problemas decorrentes de um elevado número de
jovens ao abandono. Assim, só a preparação moral e laboral para a vida
activa poderia funcionar como um “travão” ao crescente número de
jovens marginais.
Artigo 2º- Estabelecer-se-ão na Oficina as artes e ofícios que suas forças e
recursos permitirem; desde já, porém, são ensinados, pela sua ordem de
antiguidade, os de sapateiro, alfaiate, carpinteiro, encadernador e serralheiro.
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A OFICINA DE SÃO JOSÉ NA CIDADE DO PORTO (1880-1909)
PAULA FERREIRA
Todos os jovens da Oficina, além de uma arte ou ofício, aprenderão desenho
que lhes for apropriado e a instrução primária elementar.
O segundo artigo dos estatutos especifica o tipo de instrução/preparação
profissional facultada aos jovens acolhidos na oficina. As profissões para
as quais eram encaminhados os jovens que estudavam na oficina eram
profissões bastante usuais na época. Esta realidade pode ser explicada,
quer pela não exigência de grandes investimentos em máquinas e
ferramentas, quer pela não obrigatoriedade de uma aptidão específica
pelos educandos, facilitando-se a própria empregabilidade.
Artigo 3º- Propondo-se esta instituição educar e regenerar os menores, para
que de futuro cada um deles seja homem temente a Deus, dedicado à sua
família e ao trabalho, e proveitoso à sociedade e a si próprio, haverá sempre a
mais assídua vigilância pela boa moral dos educandos, e o mais constante
cuidado pela sua educação religiosa.
O terceiro artigo dos estatutos realça a importância de um rigoroso
regime disciplinar nesta instituição de modo a salvaguardarem-se os
princípios morais básicos de uma educação religiosa.
Artigo 4º- Todos os alunos serão internos; poderá haver externos, quando a
Oficina tiver casa apropriada, de modo que uma das classes fique inteiramente
isolada da outra, e em ambas se mantenha sua respectiva disciplina.
O quarto artigo dos estatutos estipula o regime de internato dos alunos
apontando como principal causa o espaço físico disponível para o
funcionamento desta instituição, evitando-se o contacto entre alunos
internos e alunos externos.
Artigo 5º- Somente serão admitidos como internos, os expostos e menores
abandonados, que não tenham família, nem protecção alguma; e, quando haja
lugar, os filhos menores de pessoas miseráveis.
1º Na concorrência de dois menores, dos quais um seja pervertido e
totalmente abandonado, e o outro filho de família muito pobre, terá o
primeiro a preferência na admissão.
2º Pela mesma razão de maior necessidade moral, os jovens de mau
proceder, que tenham tido a infelicidade de haver estado na cadeia,
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A OFICINA DE SÃO JOSÉ NA CIDADE DO PORTO (1880-1909)
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serão preferidos para admissão a outros quaisquer, salvo sempre o bom
credito da Oficina, e sua regular disciplina e andamento.
Este quinto artigo revela a preocupação prioritária com a prevenção de
situações de marginalidade/criminalidade dos menores em risco pelo que
se dá prioridade à admissão dos menores mais abandonados e
vulneráveis a comportamentos de risco.
Artigo 6º- Nunca serão admitidos alunos pensionistas, por isso que esta casa,
pela sua instituição, não pertence a outrem, senão ao jovem pobre, o qual
procura salvaguardar do vício, ou regenerá-lo quando infelizmente caído.
O sexto artigo reporta-se aos jovens pobres, muito mais susceptíveis de
cair nas malhas da marginalidade/criminalidade.
Artigo 7º- A admissão dos alunos será feita mediante requerimento em papel
não selado, dirigido ao Presidente, que, ouvido o parecer e informação por
escrito do Visitador, deferirá como for de justiça.
Artigo 8º- Para a admissão, porém, de algum, que tenha estado preso na
cadeia, bastará simples proposta informada do Visitador apresentada ao
Presidente.
Comparando os artigos número 7 e 8, confirmamos a ideia já referida de
uma preocupação prioritária com a regeneração de jovens caídos nas
“teias” da delinquência, preocupação essa evidente na desburocratização
das condições de admissão de jovens com cadastro (…simples proposta
ao Presidente, sem requerimento em papel…).
Artigo 9º- A idade para admissão é desde os 12 anos até aos 17; e a saída não
deverá ser, em regra, antes dos 21 anos, guardadas as prescrições legais, e
salvo o caso de despedida por incorrigibilidade, ou de emancipação legal.
No respeitante ao artigo nono, foram encontradas várias excepções a este
artigo no livro de registo de matrículas analisado; ou se tratava de jovens
que eram admitidos precocemente pela situação de abandono total em
que se encontravam, ou se tratava de jovens que permaneciam na
Oficina, para além da idade limite definida pelos estatutos, uma vez que
não tinham colocação no exterior para poderem trabalhar (ganhar a vida).
Além destas excepções, também detectamos casos de jovens que saíam
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mais cedo para beneficiarem do surgimento de oportunidades de uma
“boa colocação” (emprego) ou de jovens que ficavam na Oficina a exercer
a função de monitores.
A título de exemplo, podemos referir alguns educandos. Armindo Dias
Baptista que se despediu para se estabelecer; José Lourenço Soares que,
com o dinheiro que juntou e um modesto enxoval, saiu para contrair
matrimónio com Felismina Rosa Soares, em 11 Abril de 1891; João Pinto
que foi colocado numa sapataria como “gaspiador”, a 10 de Julho de
1897; o caso de Bernardino Gomes da Silva que foi enviado para o lugar
de mestre sapateiro para a Oficina do Asilo do Menino Deus, em Barcelos;
o percurso de Viriato da Cunha Magalhães que não tinha idade
regulamentar mas foi para casa de Luíz de Azevedo, dono da “Soberania
do Povo”, em Águeda, como tipógrafo habilitado, em 7 de Março de 1904.
Artigo 10º- Quando a administração da Oficina julgar um educando já habilitado
antes da maioridade, ou emancipação legal, poderá colocá-lo em casas, onde
exerça a sua arte ou ofício, sem prejuízo dos direitos de seus legítimos
representantes.
O décimo artigo faculta à direcção da oficina, a possibilidade de empregar
menores já habilitados para exercer a profissão para que foram
preparados.
Artigo 11º- O número dos educandos não é fixo; mas será regulado segundo os
recursos da Oficina, a qual poderá no distrito abrir casas sucursais regidas
pelos mesmos estatutos, e com igual disciplina.
O décimo primeiro artigo revela uma tendência “expansionista” da Oficina
pelo distrito do Porto.
Artigo 12º- A oficina de São José toda se entrega à Divina Providência para
sua sustentação. Consiste, pois, sua dotação: nos parcos proventos de que o
seu fundador possa dispor, no “obolo” da caridade cristã voluntariamente
ofertado, nos legados com que seus benfeitores em testamento ou por outra
qualquer forma contemplarem esta obra de regeneração social, e no produto
dos artefactos provenientes do trabalho dos educandos.
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O artigo doze revela a proveniência dos rendimentos ou fontes de
sustento dos educandos desta instituição, destacando o recurso à
caridade pública e particular bem como o “lucro” resultante da
comercialização dos artefactos produzidos.
Artigo 13º- Este Instituto será administrado por uma comissão, que servirá por
tempo de dois anos, e será composta de cinco Vogais nomeados pelo Prelado
Diocesano, seu Presidente honorário perpétuo.
No caso de recusa ou falta de nomeação, por parte do Prelado, será
devolvida esta faculdade ao Governador Civil do Distrito.
Feita a nomeação, entrará a comissão em exercício no princípio do mês
de Julho do respectivo biénio, e o Prelado participará ao Governador
Civil o nome dos Vogais que a constituem, podendo reconduzir os
mesmos ou alguns mais do que uma vez.
O Prelado, como Presidente honorário, pode assistir às sessões da
comissão, e nesse caso tem voto deliberativo e outro de qualidade
quando necessário.
Nota: Este artigo destaca a importância da Diocese e do Governo Civil do
Porto na administração da Oficina. O presidente honorário perpétuo da
comissão administrativa da instituição era o Prelado Diocesano que
poderia ser substituído pelo Governador Civil do Distrito nas respectivas
atribuições.
Artigo 14º- A comissão será composta de um Director, que será Presidente
efectivo, de um Visitador, e mais três Vogais, um dos quais será o Secretário e
outro o Tesoureiro, e compete-lhe resolver todos os assuntos que não estejam
cometidos especialmente ao seu Presidente.
Artigo 15º - O Director será sempre um presbítero, e terá a seu cargo a
superintendência em todo o serviço da Oficina: representá-la-á em juízo ou fora
dele; assinará toda a correspondência, ordens e mandados de pagamentos ou
de cobrança de receita; e pertence-lhe a escolha dos mestres e de todo o mais
pessoal do estabelecimento, bem como resolver acerca da admissão ou
expulsão de quaisquer menores.
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Os artigos décimo quarto e décimo quinto estipulam a organização
administrativa da Oficina e o último artigo mencionado reforça a ideia
destacada no artigo 13º quando se reporta à obrigatoriedade do Director
ser um presbítero.
Artigo 16º- O Visitador terá a seu cargo fiscalizar a escrituração; verificar as
contas que “hão-de” ser pagas pelo tesoureiro; informar as admissões dos
alunos, e vigiar pelo seu progressivo aproveitamento e adiantamento moral,
civil e religioso.
Artigo 17º- Ao Secretário competirá fazer toda a escrituração, conservando-a
sempre em dia, com a máxima regularidade, e conforme as instruções
regulamentares.
Artigo 18º- Ao Tesoureiro pertencerá cobrar toda a receita e efectuar as
despesas, segundo as ordens e mandados escriturados pelo Secretário e
assinados pelo Director.
Artigo 19º- Enquanto Deus for servido conservar a vida e forças ao actual
fundador desta Oficina, propõe-se ele a ser o seu Director, assumindo nesta
qualidade toda a responsabilidade, e gozando de todos os direitos que como tal
lhe possam competir de presente ou de futuro.
Os artigos 16º, 17º, 18º e 19º definem as atribuições do visitador, do
secretário e do tesoureiro, legitimando a atribuição do cargo de direcção
desta instituição ao Padre Sebastião Leite de Vasconcelos, fundador da
Oficina, que assumiu tal função enquanto viveu em Portugal, não
obstante as polémicas geradas em torno da sua figura.
Artigo 20º- A gerência financeira da Oficina será feita por anos económicos, e a
eles serão referidos orçamentos ordinários e suplementares, e as respectivas
contas.
O vigésimo artigo reporta-se à gestão financeira da Oficina que era
efectuada por anos económicos e através de orçamentos ordinários e
suplementares.
Artigo 21º- Conquanto este Instituto, para sua conservação e prosperidade,
confie mais que tudo na Divina Providência movendo as almas caritativas a
beneficiá-lo; todavia, se Deus permitir que a Oficina de São José obtenha mais
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A OFICINA DE SÃO JOSÉ NA CIDADE DO PORTO (1880-1909)
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meios do que os actualmente possuídos, a comissão administrativa, na
aceitação de heranças ou legados, na aquisição de bens imobiliários
indispensáveis e desamortização dos outros, bem como em quaisquer
escrituras, empréstimos, ou alienações, conformar-se-á sempre em tudo com
as leis vigentes.
O artigo 21º procura legitimar a proveniência das receitas da Oficina e a
compra, arrendamento ou venda de bens, de acordo com as
necessidades do momento.
Artigo 22º- Se nalgum tempo, por falta de recursos ou outra qualquer
circunstância esta pia instituição, Oficina de São José - se não puder sustentar,
passarão todos os seus haveres e legados, salvo os direitos de terceiro, para o
“Asylo de Villar”, desta cidade, fundado pelo arcediago Ricardo Van-Zeller, de
saudosa memoria, com os encargos pios a eles anexos.
O artigo 22º refere-se à eventualidade da instituição encerrar e dos
respectivos bens transitarem para o Asilo de Vilar.4
Artigo 23º- A comissão administrativa poderá organizar os regulamentos que
entender necessários para o regime e desenvolvimento do estabelecimento, e
para a boa disciplina, educação e conservação do espírito religioso dos
menores, devendo esses regulamentos ser submetidos à aprovação do
Governador Civil do distrito.
Este 23º artigo reforça a importância do Governo Civil do Porto na
aprovação dos regulamentos da Oficina de São José deste distrito.
Artigo 24º- Sem essa aprovação não terá validade qualquer alteração que de
futuro se pretendia introduzir nestes Estatutos.
A 8 de Maio de 1908, Adolpho da Cunha Pimentel, bacharel formado em
Direito pela Universidade de Coimbra e Governador Civil do Distrito
Administrativo do Porto, aprovou novos estatutos pelo artigo 252nº8 do
código administrativo (…)
4 O Asilo de Vilar foi fundado por Ricardo Van-Zeller, tratando-se de um organismo que recolhia
crianças e que beneficiava de donativos particulares.
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Passaremos a transcrever os artigos mencionados, redigindo a itálico
negrito, os que apresentam uma nova redacção:
Artigo 1º- A Oficina de São José, fundada em 1880 pelo actual bispo de
Beja, Dom Sebastião Leite de Vasconcelos, tem por fim primário o ensino
profissional de artes e ofícios juntamente com a educação moral e religiosa de
expostos e menores abandonados; e quando haja lugar, o de filhos menores de
pessoas miseráveis, precedendo autorização de seus legítimos representantes.
Artigo 2º- Estabelecer-se-ão na Oficina as artes e ofícios, que suas forças e
recursos permitirem; desde já, porém, são ensinados, pela sua ordem de
antiguidade os de sapateiro, alfaiate, encadernador, marceneiro, torneiro,
tipógrafo e impressor.
Todos os internados, além de uma arte ou ofício, aprenderão o desenho que
lhes for apropriado, instrução primária e música.
Artigo 3º- Propondo-se esta instituição educar e regenerar os menores, para
que de futuro cada um deles seja homem temente a Deus, dedicado à sua
família e ao trabalho e proveitoso à sociedade e a si próprio, haverá sempre a
mais assídua vigilância pela boa moral dos educandos, e o mais constante
cuidado pela sua educação religiosa.
Artigo 4º- Todos os alunos serão internados; podê-los-á, porém, haver
externos quando a Oficina tiver casa apropriada, de modo que uma das classes
fique inteiramente isolada da outra, e em ambos se mantenham uma respectiva
disciplina.
Artigo 5º- Somente serão admitidos como internos os expostos e menores
abandonados, que não tenham família, nem protecção alguma, e quando haja
lugar, os filhos menores de pessoas miseráveis.
1º- Na concorrência de dois menores dos quais um seja pervertido e
totalmente abandonado, e o outro filho de família muito pobre, terá a
primeira preferência na admissão.
2º- Pela mesma razão de maior necessidade moral, os menores de mau
proceder, que tenham tido a infelicidade de haver estado na cadeia,
serão preferidos para admissão a outros quaisquer, salvo sempre o bom
crédito da Oficina e sua regular disciplina e andamento.
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A OFICINA DE SÃO JOSÉ NA CIDADE DO PORTO (1880-1909)
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Artigo 6º- Nunca serão admitidos alunos pensionistas, por isso que esta casa
pela sua instituição não pertence a outrem senão ao menor pobre, ao qual
procura salvaguardar do vício ou regenerá-lo, quando infelizmente caído.
Artigo 7º- A admissão dos alunos será feita mediante requerimento em
papel não selado, dirigido ao Presidente, acompanhado da certidão de
idade, certidão de óbito de pai e mãe, ou informação de completo
abandono, ou do estado miserável dos pais, atestado de um médico, que
mostre não ter doença contagiosa e não sofra enfermidade mental que o
torne incapaz para o trabalho. Entregue na Secretaria o requerimento será
despachado, mediante informação escrita do “Vice-Presidente-Visitador”,
pela comissão reunida em sessão ordinária. Os requerimentos serão
numerados pelo Secretário e conservados na repartição respectiva, não
havendo outra preferência para o despacho a não ser o número de ordem.
As únicas excepções à admissão pelo número de ordem só podem ser
motivadas pelas circunstâncias do menor já estar preso na cadeia, ficar
completamente abandonado e em extrema miséria, no caso de incêndio,
naufrágio, inundação, ou de ser a sua admissão indicada pelo fundador
desta instituição.
Artigo 8º- Os membros da Comissão Administrativa poderão afiançar nos
termos legais algum menor detido, recolhendo-o na Oficina até ao
julgamento, e conservando-o se for absolvido.
Artigo 9º- A idade para admissão é desde os 12 até aos 16, e a saída não
deverá ser em regra antes dos 18 anos; salvo o caso de despedida por
incorrigibilidade, ou de emancipação legal quando exposto.
1º- Poderão ser admitidos menores antes dos 12 anos mas só
depois dos 10, quando tiverem estado na Cadeia ou ficarem em
extrema miséria e abandono dos seus, no caso de incêndio,
naufrágio e inundação.
2º- Também poderão ser conservados além dos 19 anos os
menores que não tenham obtido a necessária instrução
profissional, e não sejam julgados, por informação do Director e
restante pessoal, moralmente regenerados até a obter; e bem assim
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poderá demorar-se mais algum tempo aquele que ainda não tenha
arranjado colocação certa.
Artigo 10º- Quando a comissão administrativa da Oficina julgar um
educando já habilitado antes de ter completado o tempo marcado por
estes estatutos para a sua educação poderá colocá-lo em casa onde exercer
a sua arte ou ofício sem prejuízo dos direitos dos seus legítimos representantes
ou tutores.
Artigo 11º- O número dos educandos não é fixo; mas será regulado segundo os
recursos da Oficina, a qual poderá no Distrito do Porto abrir casas sucursais
regidas pelos mesmos estatutos e com igual disciplina.
Artigo 12º- A Oficina de São José confia na Divina Providência para mais
larga e intensamente continuar ainda a exercer a sua acção. A sua
dotação consiste no seguinte:
1º- Nos bens imóveis que compreendem um edifício próprio e a capela
adjacente;
2º- Rendimentos provenientes do capital que possui;
3º- Produto dos artefactos manufacturados pelos educandos;
4º-As doações, legados ou heranças, com que esta obra seja contemplada
pelos seus benfeitores.
Artigo 13º- Este instituto será administrado por uma comissão que servirá
pelo tempo de três anos e que será composta além do seu Presidente de
três Vogais nomeados pelo seu fundador enquanto vivo for.
Artigo 14º- A comissão será composta de um Presidente, de um Vice-
Presidente que será Visitador, e de mais dois vogais, um dos quais será
Secretário e o outro o Tesoureiro, e compete-lhe resolver todos os
assuntos que não estejam especialmente cometidos ao Director do
estabelecimento.
Artigo 15º- O Director será sempre um presbítero e terá a seu cargo a
superintendência em todo o serviço da Oficina; assinará toda a
correspondência de expediente; escolherá os mestres e todo o mais
pessoal, devendo informar das suas resoluções a comissão.
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Artigo 16º- O Vice-Presidente como Visitador terá a seu cargo fiscalizar a
escrituração; verificar as contas que “hão-de” ser pagas pelo Tesoureiro;
informar as admissões dos alunos, e vigiar pelo seu progressivo
aproveitamento, e adiantamento moral, civil e religioso;
Artigo 17º- Ao Secretário competirá fazer toda a escrituração conservando-a
sempre em dia com a máxima regularidade e conforme as instruções
regulamentares.
Artigo 18º- Ao Tesoureiro pertencerá cobrar toda a receita e efectuar os
assinados pelo Presidente ou Vice-Presidente.
Artigo 19º- Enquanto Deus for servido conservar a vida ao seu fundador
propõe-se ele como Presidente efectivo nomear em sua vida os membros
da comissão, passando tal atribuição depois da sua morte para o
Presidente nato, que será o Prelado Diocesano.
O Presidente tem voto de qualidade nos casos de empate.
Artigo 20º- A gerência financeira da Oficina será feita por anos económicos e a
eles serão referidos os orçamentos ordinários e suplementares e as
respectivas contas.
Artigo 21º- Conquanto este instituto para sua conservação e prosperidade
confie mais que tudo na Divina Providência movendo as almas caritativas a
beneficia-lo; todavia, se Deus permitir que a Oficina de São José obtenha mais
meios do que os actualmente possuídos, a Comissão Administrativa, na
aceitação das heranças ou legados, aquisição de bens imobiliários
indispensáveis e desamortização de outros, bem como em quaisquer
escrituras, empréstimos, ou alienações, conformar-se-á sempre em tudo com
as leis regentes.
Artigo 22º- Se em algum tempo por falta de recursos ou outra qualquer
circunstância esta pia instituição se não puder sustentar, é verdadeiramente
desejo do seu Fundador, que passem todos os seus haveres e legados, salvo
os direitos de terceiro, para o Asilo de Vilar, desta cidade, fundado pelo
Arcediago Ricardo Van-zeller, de saudosa memória, com os encargos pios a
eles anexos.
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A OFICINA DE SÃO JOSÉ NA CIDADE DO PORTO (1880-1909)
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Artigo 23º- A Comissão Administrativa poderá organizar os regulamentos que
entender necessários para o regime e desenvolvimento do estabelecimento, e
para a boa disciplina, educação e conservação do espírito religioso dos
menores, devendo esses regulamentos ser submetidos à aprovação do
Governador Civil do distrito.
Em suma, comparando os estatutos de 1887 e os estatutos propostos à
aprovação em 1908 (aprovados em 8 de Maio), verificamos as seguintes
alterações:
No artigo 2º, aos ofícios de sapateiro, alfaiate, carpinteiro, encadernador e
serralheiro, acrescentam-se os ofícios de marceneiro, torneiro, tipógrafo e
impressor. Além disso, todos os alunos passariam a aprender música. Este
artigo procede a uma actualização dos ofícios ensinados na Oficina e
acrescenta a aprendizagem da música, evidenciando a importância dada a
uma formação integral do educando.
O artigo 4º remete-nos para a obrigatoriedade do internamento dos alunos,
salvo algumas excepções e em condições específicas. Convém salientarmos
que o internamento de todos os alunos permitiria uma melhor gestão disciplinar
da Oficina.
No artigo 7º dos estatutos de 1908, a admissão dos alunos exige mais
comprovativos da sua situação familiar e das suas reais necessidades.
Este artigo manifesta uma nítida preocupação com a prioridade na aceitação
de educandos, consoante o respectivo estado de abandono (a prioridade
deverá pertencer aos jovens em situação de grave desamparo) e ainda uma
notória atenção relativamente à preservação da saúde e integridade física dos
jovens e restantes membros da instituição (o jovem admitido deveria ter feito
prova de não ser portador de doença contagiosa ou de não ser portador de
qualquer doença mental).
Esta preocupação prende-se com as questões higienistas que estavam em
voga. O problema da proliferação de doenças como a tuberculose ou a sífilis,
teria estado na origem da definição destas novas regras.
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A aceitação de alunos internos seria feita por ordem do pedido de admissão,
salvo casos excepcionais como menores reclusos ou menores vítimas de
catástrofes naturais/acidentais ou de tragédias pessoais.
No artigo 8º dos estatutos de 1910, detecta-se uma atenção dirigida a
menores com problemas na justiça. Logo, o artigo revela uma profunda
preocupação dos responsáveis pela oficina relativamente à reabilitação de
jovens com cadastro.
Pelos artigos 9º e 10º, também verificamos alterações na idade de admissão e
saída dos rapazes. Estes poderão entrar com dez anos se existirem razões
válidas e sair mais cedo, quando forem considerados habilitados para
exercerem a profissão que aprenderam na Oficina.
O artigo 9º remete-nos para preocupações já manifestadas nos estatutos de
1887 (apesar da alteração das idades de admissão e saída da instituição) que
se prendem com a intenção de apenas deixar sair os jovens já devidamente
reabilitados e preparados para a vida activa. A alteração respeitante à idade de
admissão poderia estar relacionada com o facto de existirem outras instituições
mais adaptadas à recepção de crianças com menos de dez anos,
excessivamente jovens para aprender um ofício. Além disso, uma vez que só
existiam alunos internos nesta instituição, seria perigoso juntar num mesmo
espaço, crianças e adolescentes.
No respeitante a saídas precoces, estas também se podem justificar pela
doença/morte ou fuga dos educandos em causa.
Os casos de morte prematura eram frequentes, nomeadamente por doença
pulmonar e, em menor número, por doença cardíaca.
Contabilizamos vinte e cinco casos de alunos falecidos entre os nove anos e os
vinte e um anos. Encontramos trinta e dois casos de fugas, entre eles o de
António da Cunha Patrício que “…fugiu pela retrete…” e José Francisco da
Silva, “O Refilão”.
As fugas ocorriam geralmente nas ausências do director da oficina ou durante
as saídas dos educandos com a banda de música ou ainda, durante as visitas
autorizadas aos educandos a familiares doentes ou em épocas festivas. Nestas
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épocas, seria mais fácil o educando misturar-se com a multidão e “simular” o
seu desaparecimento.
No que diz respeito às expulsões, podemos nomear Dimas de Castro Ribeiro,
João Domingos Manoel, Vicente da Silva Alves, João Teixeira e Thomaz da
Costa Godinho. Estas expulsões eram determinadas pelo desrespeito
relativamente às normas da Oficina.
Relativamente aos bens imóveis, o artigo 12º refere mais claramente a
proveniência dos recursos económicos para sustento da instituição.
Finalmente, os restantes artigos introduzem alterações na gestão
administrativa e contabilística da Oficina. A título de exemplo, podemos referir
que o artigo 19º reforça os poderes e atribuições do fundador da oficina
enquanto Presidente da Comissão Administrativa da instituição.
Como conclusão, podemos referir que numa época em que o Estado Português
não conseguia dar uma resposta eficaz à resolução do problema social da
criminalidade e marginalidade infanto-juvenil, a Oficina de São José propunha-
se reabilitar jovens totalmente abandonados e alguns casos de jovens de mau
proceder! Era evidente a preocupação com os jovens pobres, órfãos de pai,
mãe ou de ambos que eram admitidos na Oficina. A própria admissão precoce
dos jovens com idades inferiores à definida pelos estatutos, ou a permanência
na oficina de jovens que haviam ultrapassado a idade regulamentar, são
situações que resultavam da tentativa de os “salvar” das malhas da
marginalidade e de lhes garantir inserção no mercado de trabalho.
Finalmente, a análise dos estatutos (artigos 21º e 23º) remete-nos para o apoio
público e particular com vista à manutenção (sustento) da Oficina e a
importância da Diocese e do Governo Civil do Porto na administração desta
instituição.
A partir das notas retiradas das observações do Livro dos Registos de
Matrículas e do Livro de Memórias do Padre Sebastião Leite de Vasconcelos
pudemos apurar as seguintes normas vigentes na Oficina de São José do
Porto, no período tratado:
1ª A Oficina destinava-se a educar menores do sexo masculino, em regime de
internato.
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A OFICINA DE SÃO JOSÉ NA CIDADE DO PORTO (1880-1909)
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2ª Excepcionalmente, poderia ser autorizada a entrada de jovens sem
atingirem a idade regulamentar mínima e a permanência de jovens com mais
do que a idade regulamentar, sob proposta fundamentada à Direcção
(geralmente feita por familiares ou protectores).
3ª Os estudos, vestuário, calçado e alimentação eram fornecidos pela Oficina
que beneficiava de legados particulares e outros.
4ª Os educandos tinham que se vestir e cortar o cabelo de acordo com o que
era “usual” para as entidades que dirigiam a instituição.
5ª Os educandos não podiam sair nem manter contactos com o exterior
(incluindo familiares) sem autorização da Direcção.
6ª O educando que deixasse a Oficina, levaria consigo um enxoval (constituído
por meias, lenços, calças, camisas, casacos e fatos) e uma quantia para
despesas de viagem e/ou começo de vida, excepto se fosse expulso por
mau/péssimo comportamento ou saísse contra a vontade da Direcção e/ou do
protector.
7ª Os educandos que fossem expulsos ou saíssem contra vontade da Direcção
e/ou do protector apenas levariam a roupa do corpo ou algo mais se a Direcção
assim entendesse.
8ª Alguns educandos beneficiavam de apoios pecuniários por protectores com
um estatuto socioeconómico superior.
Nos escritos que precederam a apresentação dos estatutos da Oficina de São
José, o seu fundador referiu-se às atribuições dos mestres, seus direitos e suas
obrigações de que destacamos, os seguintes aspectos:
a) O mestre deveria ser um homem com uma conduta exemplar e crente
em Deus;
b) O mestre deveria ser preferencialmente um homem solteiro e com mais
de trinta anos;
c) O mestre deveria recitar uma oração conjuntamente com os seus
educandos, antes de iniciar e depois de terminar o trabalho.
d) O mestre deveria ensinar com perfeição, mantendo o silêncio, a
disciplina e incutindo o valor da assiduidade;
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A OFICINA DE SÃO JOSÉ NA CIDADE DO PORTO (1880-1909)
PAULA FERREIRA
e) O mestre não podia aplicar castigos corporais, mas antes recorrer ao
reverendo Director no caso de qualquer situação de desobediência e/ou
transgressão;
f) O mestre deveria cumprir o regulamento das horas do trabalho (afixado
nas salas de trabalho) e deveria acompanhar os seus alunos, em todos
os actos comunitários. Ex: nos Domingos e Dias Santos (alternadamente
com os outros mestres) deveria levar os alunos à missa e ao passeio ou
a outros actos determinados pelo reverendo Director.
g) O mestre não podia receber qualquer tipo de remuneração dos
fregueses, pela obra feita;
h) O mestre recebia um ordenado mensal de 13$500 reis, comida e cama,
perdendo o direito à dormida na Oficina se fosse casado.
Alguns mestres tinham sido alunos da Oficina e pelo seu comportamento
exemplar e dedicação ao ofício, aliados a uma opção pessoal, acabaram
por permanecer na instituição.
É de salientar a rigidez das normas de conduta e de vida impostas a todos
os que seguiam a função de ensinar, dentro da Oficina.
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A OFICINA DE SÃO JOSÉ NA CIDADE DO PORTO (1880-1909)
PAULA FERREIRA
II.3. O PADRE SEBASTIÃO LEITE DE VASCONCELOS, FIGURA
POLÉMICA
Ernesto Leite de Vasconcelos, primeiro director da Colónia Agrícola
Correccional de “Vila Fernando” durante vinte anos, foi convidado pelo
“Tripeiro”, em 1927, para falar do homem, padre e pedagogo, Sebastião Leite
de Vasconcelos, de quem era familiar.
Nesse artigo realça a influência e o elevado prestígio do fundador da Oficina de
São José. Na verdade, vivendo do seu trabalho de funcionário da Câmara
Eclesiástica e transitando para Escrivão do Auditório Eclesiástico, o Padre
Sebastião Vasconcelos exercia uma multifacetada acção religiosa no Norte do
País, pregando no púlpito, comunicando em conferências, discursando nos
meios operários, dirigindo preferencialmente a sua acção para os bairros
paupérrimos e recebendo frequentemente como herança os filhos dos pobres
operários. Este Padre subiu inúmeras vezes as escadas da Cadeia da Relação
do Porto onde a detenção em comum com os adultos “corrompia” um grande
número de rapazes, acabando por despertar o interesse dos poderes públicos
e da imprensa para esta triste realidade. Para demonstrar a sua influência,
Ernesto Leite de Vasconcelos cita dois casos: O primeiro era o espírito de
conciliação que o seu próprio nome abonava, cometendo-lhe o então
Comissário Geral Adriano Acácio de Moraes Carvalho, as soluções de muitos
casos disciplinares da corporação da polícia; o outro era a opinião que dele
tinha o Procurador Régio junto da Relação do Porto, que era um magistrado e
jurisconsulto notável, Ferreira Augusto, levando-o a escrever que o padre
Sebastião, pelas suas práticas religiosas e por toda a sua acção, punha mais
ordem e disciplina na cadeia que todo o seu pessoal reunido.
Ernesto Leite de Vasconcelos também nos deu a conhecer o fim de vida do
padre Sebastião que, “condenado” ao exílio na sequência da implantação da
República, morreu em Roma como Arcebispo de Damieta, o mesmo título que,
antes de ascender ao Papado, tivera Leão XIII.
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PAULA FERREIRA
O primeiro director da Colónia Agrícola Correccional de “Vila Fernando” deu-
nos a conhecer inúmeros comentários elogiosos à obra do padre Sebastião
Leite de Vasconcelos.
Se Mousinho d’Albuquerque reconheceu a obra patriótica do padre Sebastião,
Miguel Bombarda enalteceu a obra social da instituição por ele fundada. O
próprio escritor Camilo Castelo Branco correspondeu-se com o padre
Sebastião Leite de Vasconcelos, sinal da sua admiração por esta figura
religiosa e pela obra a ele associada.
Para percebermos o valor da acção deste padre, Ernesto de Vasconcelos
evoca a sociedade portuguesa dos últimos cinquenta anos do século XIX. No
seu entender, no campo político, estes anos caracterizaram-se por uma acção
estéril e comodista; no campo religioso, o clero não conseguia resistir à inércia
dos grandes centros. O espectro de uma reacção das forças anti-clericais
apavorava e inutilizava qualquer manifestação religiosa.
No entanto, a figura do padre Sebastião nem a todos despertou simpatia.
Figura polémica, o Padre Sebastião Leite de Vasconcelos foi acusado de
“utópico” por admitir a ideia da regeneração moral dos delinquentes numa
altura em que Cesar Lombroso e a Escola Antropológica lançavam no mundo
científico de então, quase sem refutação, a sua teoria do “criminoso nato”.
Outros irritavam-se com a insistência do seu Apostolado que atribuíam a um
desejo de exibicionismo, mas o povo simples e muitos espíritos de elite
contestavam tal ideia.
Exemplo disso foi António Cândido, um grande orador na sua época, que numa
conversa de intelectuais, entre os quais estava o crítico de arte, José
Figueiredo, disse: “Eu tenho sido bem recompensado pelos meus trabalhos nas
homenagens que de todos os lados tenho recebido, mas, ao morrer, não deixo
nada e este Padre, que eu admiro, deixa uma obra que o imortalizará”.
Ainda na mesma época, o decano dos cardeais, Vanuletti, sendo Nuncio em
Lisboa e vindo ao Porto, disse: “ Vi que o Fundador da Oficina de São José não
era um Padre qualquer mas um ministro de Deus, cheio de zêlo, conhecedor
do seu tempo, animado de piedade, prudência e de verdadeiro espírito
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evangélico”. Também o Cardeal Maffi, Arcebispo de Pisa, muito indicado para
suceder a Bento XV, escreveu, depois da morte do Arcebispo de Damieta:
“ Recordá-lo-ei sempre como uma das almas mais belas que tenho
encontrado”. Em 31 de Janeiro de 1891, a sua missão de paz foi notória
quando acompanhou o levantamento dos feridos na Batalha e na Rua de Santo
António e quando foi consolar os vencidos ao Hospital do Terço. Ainda no
tumulto do movimento patriótico que sucedeu ao Ultimato, Reis Santos, o mais
notável agitador da questão patriótica de 1890, afirmou que a adesão deste
Padre à primeira manifestação (com a banda da Oficina de São José) imprimiu
um importante cunho portuense ao movimento.
Segundo Ernesto Leite de Vasconcelos, o padre Sebastião nunca se negou a
ofícios religiosos fora de horas ou em locais infestados por epidemias. Todavia,
apesar da sua obra como Bispo, Arcebispo e Diplomata, morreu no exílio
depois da Implantação da República em Portugal. A este propósito, Carlos
Malheiro Dias criticou no “In Memoriam” de D. Sebastião Leite de Vasconcelos,
o procedimento dos republicanos portugueses relativamente a este
eclesiástico.
Em suma, a influência da Oficina de São José, inserida no quadro das
instituições preventivas da criminalidade dos menores, contribuiria para a
reabilitação desta personalidade. A recuperação de menores em risco e sua
integração na vida activa era considerada por muitos contemporâneos como
uma importante conquista do padre Sebastião. Ainda que referenciada em
demasia pelos seus admiradores contemporâneos, a instituição fundada pelo
padre Sebastião exerceu uma função mista de “quase” orfanato, “quase” Casa
de Correcção, de estabelecimento de caridade e de educação, não
compreendida por muitos censores.
Se no início do século XX, ainda era muito difícil resolver pedagogicamente os
problemas de jovens em risco, a obra do padre Sebastião serviu de exemplo
para a criação de outros estabelecimentos similares em Lisboa, Braga,
Funchal, Guimarães e Barcelos, inaugurados com a sua presença. Foi ele que
influenciou a criação da Colónia Agrícola Correccional de Vila Fernando no
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A OFICINA DE SÃO JOSÉ NA CIDADE DO PORTO (1880-1909)
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Alentejo, a criação do Asilo Profissional do Terço, a reforma da Casa de
Correcção das Mónicas, a fundação da Casa de Correcção do Distrito do Porto.
A Oficina de São José deu um importante contributo, pelo seu notório exemplo,
para a reabilitação dos menores portugueses em risco!
Porém, é evidente que todo este subcapítulo (III.1.) destaca um esforço de
reabilitação e quase “endeusamento” da figura do fundador da Oficina de São
José no Porto, numa altura em que muitos elementos do clero foram
perseguidos e “denegridos” pela mentalidade republicana que então triunfara.
Sendo assim, ele deve ser entendido neste contexto, sem se cair no exagero
de pensarmos que o referido padre conseguiu, só com a sua obra, pôr cobro às
vicissitudes que comprometiam o futuro de muitas crianças portuguesas!
Relembremos que a grande finalidade desta Obra era a educação de rapazes
órfãos e abandonados ou de famílias com fracos recursos económicos,
preparando-os para a vida pelo estudo e pela aprendizagem de uma arte.
Convém ainda salientar o facto do Padre Sebastião Leite de Vasconcelos ter
feito inúmeras solicitações a Dom Bosco com o intuito de o convencer a
beneficiar Portugal com a sua obra. A Oficina de São José, por ele fundada e
por ele entregue aos cuidados dos Salesianos em 1909, veio a tornar-se uma
das Obras mais significativas da presença salesiana no nosso país.
Os Salesianos entraram em Portugal em 1894, pelo que não nos parece
descabido um relancear de olhos sobre a vida portuguesa na última década do
século XIX, cujo pano de fundo, aflorado pelo padre Pedro Cogliolo, o segundo
provincial, apresentava características muito próprias. Do ponto de vista
político, as lutas entre partidos políticos sobrepunham-se ao empenhamento na
resolução dos problemas reais do país abrindo caminho à vitória republicana.
Do ponto de vista social, dois fenómenos marcavam a sociedade portuguesa: o
analfabetismo e a emigração. Em estreita ligação com o surto migratório
(externo - emigração para o Brasil e interno - êxodo rural) e a falta de instrução,
o “pauperismo” marcava fortemente os meios rurais e os bairros dos grandes
centros urbanos ocupados por trabalhadores vindos das aldeias em busca de
emprego e de melhores condições de vida. Foi nestes aglomerados urbanos
que o incipiente movimento socialista (que assustou muitos católicos da época)
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A OFICINA DE SÃO JOSÉ NA CIDADE DO PORTO (1880-1909)
PAULA FERREIRA
e o republicanismo (com maior expressão) foram introduzindo as suas ideias
com vista à criação de uma consciência de classe entre os operários capaz de
reivindicar o direito a uma vida mais digna. Era nestes bairros urbanos
assinalados pela miséria que se movimentavam bandos de “gaiatos” à deriva,
constituindo uma grave ameaça social. Daí a importância do contributo
específico dos Salesianos nestas áreas.
Do ponto de vista religioso, a mentalidade anticlerical, que caracterizou o
liberalismo oitocentista, manifestou-se contra as ordens e congregações
religiosas, cujo espírito e impacto na sociedade portuguesa eram
emblematicamente traduzidos pelo termo “jesuitismo”. Os institutos religiosos
foram entrando novamente em Portugal, a partir de meados do século XIX,
embora a legislação “anticlerical” continuasse em vigor sob o olhar tolerante
das autoridades governativas.
As medidas de compromisso tomadas por Hintze Ribeiro autorizaram, por
decreto de 18 de Abril de 1901, a presença e a acção dos institutos dedicados
à beneficência, educação e missões, banindo os demais. A sociedade
Salesiana, abrangida pelo decreto, veria os seus estatutos aprovados pela
portaria de 18 de Outubro de 1901 devido ao seu carácter beneficente e
educacional.
A imagem que a imprensa portuguesa de finais do século XIX e inícios do
século XX transmitia sobre Dom Bosco, era a de um homem inteiramente
voltado para os rapazes da rua, tal como viria a ser o padre Américo. O
condicionalismo particular do meio português em que a pobreza e o abandono
de crianças e jovens eram gritantes, deve ter levado o segundo provincial,
padre Pedro Cogliolo a manter-se na linha do ensino das artes e ofícios e não
do ensino liceal. Esta posição é perfeitamente visível numa carta de 1903
dirigida ao superior-geral, padre Miguel Rua: “Permito-me observar a
V.S.Rev.ma que o governo vê com bons olhos a nossa obra [...]. Não há motivo
para ter demasiado receio dos governos desde que, mesmo à custa de
sacrifícios, mantenhamos bem desfraldada a bandeira da beneficência. Importa
que as autoridades e o público possam dar-se conta de que as nossas casas
não são pensionatos […]. Por isso, especialmente aqui, não convém ir para o
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ensino liceal. Artes e Ofícios, escolas gratuitas para os pobres e nada mais”
(ASC, carta Cogliolo-Rua, 8.6.1903).
A mola que lança os Salesianos na acção apostólica é a caridade, entendida,
não no sentido limitado de socorrer os pobres, mas no sentido mais amplo e
nobre de promover as pessoas, neste caso, os jovens trabalhadores. Por isso,
as suas primeiras fundações apresentam uma feição marcadamente laboral,
assumindo o nome de “Oficinas”.
A primeira Oficina aberta em Portugal, a Oficina de São José no Porto (1883),
de que temos estado a falar, não foi fundada pelos Salesianos. Todavia, o seu
fundador, o Padre Sebastião Leite de Vasconcelos, era um homem animado
pelo genuíno espírito salesiano.
Foi o próprio Dom Bosco, com quem contactou perto de Turim, que o encorajou
a empreender esta obra, prometendo-lhe que mais tarde enviaria os seus
“filhos” para lhe darem garantia de continuidade e eficácia, o que só se
concretizou em 1909. O padre Vasconcelos quis imprimir à sua Oficina de São
José as características de uma verdadeira obra salesiana.
Convém relembrar que a postura política de São João Bosco se caracterizou
por uma atitude interventora mas isenta, por um opção pela via reformista, por
uma especial preocupação com as questões sociais, nomeadamente a
educação e o trabalho e, ainda, pela antecipação ecuménica operada através
da síntese entre o patriotismo e o universalismo.
Para reforçar a ideia da ligação do Padre Sebastião Leite de Vasconcelos a
São João Bosco recorremos à opinião de Abel Andrade (Presidente da
Comissão Monárquica de Coimbra) expressa em 21 de Novembro de 1891.
Para este político, como para outras personalidades da época, a regeneração
individual e social do Portugal moderno dependia principal e essencialmente da
educação intelectual, artística e moral das classes laboriosas. Se em Itália
apareceu D. Bosco, em Portugal destacou-se o Padre Sebastião Leite de
Vasconcelos com a fundação da Oficina de São José: Escola de artes e ofícios
para crianças pobres e abandonadas (documentos de 1887).
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II.4. A RECEPTIVIDADE SOCIAL DA OFICINA DE SÃO JOSÉ NA
CIDADE DO PORTO
A Oficina de São José da cidade do Porto teve uma grande aceitação da
população coeva, e como testemunhos desse facto temos os apoios de que
beneficiou por parte de entidades públicas e privadas e as visitas que lhe foram
feitas por importantes personalidades portuguesas e estrangeiras, bem como
pelos membros da realeza.
Nas suas “memórias”, o padre Sebastião Leite de Vasconcelos fez um enorme
agradecimento a todas as instituições hospitalares que trataram dos educandos
que, pela sua fraca compleição física, traziam certas enfermidades, cujo
tratamento era demorado e muito dispendioso (como o Hospital do Carmo).
Agradeceu igualmente à Direcção da Companhia Carril Americano do Porto à
Foz e Matosinhos que, nos primeiros quatro anos de existência da Oficina, deu
passagem gratuita nos seus carros em 840 viagens destinadas aos respectivos
educandos para estes irem tomar os seus banhos. O reverendo manifestou
também o seu reconhecimento ao Ministro das Obras Públicas (Emídio
Navarro) pelo passe concedido nas linhas do caminho de ferro do Minho e
Douro, proporcionando aos alunos desta instituição várias digressões, através
das linhas férreas, aos Domingos e em feriados religiosos (“dias santificados”).
Este padre fez ainda referência à admissão de um dos alunos da Oficina de
São José “na classe de gratuito” no Seminário de Nossa Senhora do Rosário
dos Carvalhos pelo Cardeal D. Américo, Bispo do Porto, em comemoração da
aprovação legal dos Estatutos desta instituição. Finalmente, agradeceu a todos
os benfeitores pelos seus donativos em géneros, peças de vestuário, dinheiro
ou trabalhos que mandaram executar na Oficina.
Estas informações fornecidas pelo padre Sebastião, além de nos transmitirem
uma ideia da receptividade social desta instituição, também nos dão a
conhecer o tipo de actuação do director da Oficina para com os respectivos
educandos. Ficamos a saber que este religioso possuía manifestas
preocupações relativamente à saúde dos jovens que acolhia, ministrando-lhes
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A OFICINA DE SÃO JOSÉ NA CIDADE DO PORTO (1880-1909)
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tratamentos hospitalares, preocupações no que dizia respeito ao seu bem-
estar, proporcionando-lhes banhos e preocupações com o preenchimento dos
seus tempos livres, facultando-lhes saídas aos Domingos e nos feriados
religiosos. Para além de todos estes cuidados, salvaguardava atentamente o
seu sustento.
Foi esta preocupação com a manutenção dos jovens que levou o director da
instituição a apresentar um balancete do movimento de cada uma das oficinas
(sapateiro, alfaiate, carpinteiro, encadernador, serralheiro…) e uma breve
descrição das missas e sufrágios a que era obrigada a Oficina de S. José, quer
por título de obrigação, quer de devoção.
Todas estas informações que nos são fornecidas pelo Director da Oficina de
São José convergem para a necessidade de se justificar a aplicação das
verbas angariadas através de donativos particulares e públicos no sentido de
se suportarem avultadas despesas com a instituição em causa.
Sebastião Leite de Vasconcelos justificava tais despesas com o sustento diário
de quarenta alunos, com o pagamento de salários a cinco mestres e dois
criados e com a gratificação a dois professores de instrução primária e
desenho. Apesar de possuir os seus próprios recursos resultantes das suas
funções eclesiásticas, mencionava o facto da mãe e da irmã contribuírem para
a sua alimentação diária, libertando esses proventos que auferia em benefício
da instituição. Além disso, acumulava as funções de director, capelão,
escriturário e até professor, sem a menor remuneração.
Nestes seus apontamentos podemos ainda aceder a um quadro com o registo
dos alunos e pessoal da oficina (em 1887) e respectivos vencimentos. Assim
se consegue ter a noção das despesas e das verbas movimentadas por esta
instituição, bem como das suas necessidades financeiras.
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Fazendo uma análise a este quadro, podemos concluir que num total de
quarenta alunos, em 1887, dezassete alunos aprendiam o ofício de sapateiro,
treze seguiam o ofício de alfaiate, cinco preparavam-se para carpintaria, três
foram encaminhados para o ofício de encadernador e finalmente dois optaram
pela aprendizagem de serralharia.
Existia um mestre por ofício (mestre sapateiro - Jacintho Monteiro Cardoso,
mestre alfaiate - Antonio Maria Salgado, mestre carpinteiro - José do Couto e
Silva, mestre serralheiro - Baldevinos Villela Pinto e mestre encadernador -
Gaspar de Souza Pinto). Nos ofícios de sapateiro, alfaiate e encadernador,
existia um 1º contra-mestre. Nos ofícios de sapateiro e alfaiate, também existia
um 2º contra-mestre.
O quadro de pessoal da Oficina também incluía um prefeito e professor de
instrução primária, reverendo Antonio Joaquim de Lemos Lobo, um professor
de desenho, Antonio de Souza Nogueira Junior, um cozinheiro, Antonio de
Souza, um criado, Joaquim Pinto da Affonseca e um facultativo, Dr. Manuel
Carvalho de Araujo Lima.
Os mestres de cada ofício, o prefeito e o professor de instrução primária
ganhavam 13$500 reis mensais, com direito a alimentação. No caso dos
mestres carpinteiro e serralheiro, tinham igualmente direito a casa. O prefeito e
o professor de instrução primária também tinham direito a casa e roupa lavada.
O professor de desenho apenas ganhava 4$500 reis mensais, quase tanto
como o criado que ganhava 4$000 reis mensais, com direito a alimentação e
casa. O cozinheiro ganhava 5$000 reis com direito a alimentação e casa. O
facultativo ganhava 1$500 reis, com direito a alimentação.
O direito a alimentação e casa estaria relacionado com as funções que
ocupavam mais tempo.
Os vencimentos mensais eram superiores no que diz respeito ao 1º contra-
mestre de sapateiro, 1º contra-mestre de alfaiate e 2º contra-mestre de
sapateiro (1$500 reis). O 2º contra-mestre de alfaiate apenas ganhava $900
reis mensais e o 1º contra-mestre de encadernador ainda ganhava menos
($450 reis mensais).
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A OFICINA DE SÃO JOSÉ NA CIDADE DO PORTO (1880-1909)
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Alguns aprendizes de sapateiro (dois) e de carpinteiro (três) já ganhavam $600
reis mensais. Um aprendiz de sapateiro e um aprendiz de encadernador
ganhavam $450 reis mensais.
Apesar da escassez de dados relativos à forma de diferenciar o valor dos
vencimentos mensais, os registos por nós analisados remetem-nos para uma
distinção remuneratória baseada na experiência e no grau de especialização
em cada ofício.
Retomando a questão do prestígio da instituição fundada pelo Padre Sebastião
Leite de Vasconcelos, constatamos que esta é testemunhada, não só pelos
donativos angariados, como pelas observações efectuadas pelos seus
visitantes. Esta Oficina foi visitada pelo rei D. Luís e Dª Maria Pia em 2 de
Outubro de 1887 e pela rainha D. Amélia a 23 de Novembro de 1891 e pelo
príncipe real D. Luís Filipe, a 26 de Novembro do mesmo ano.
No respeitante à primeira visita, o Commercio do Porto nº238 descreveu a
forma como esta se processou. Através deste periódico sabemos que o cortejo
chegou ao paço da Torre da Marca e muitas das pessoas que o formavam
subiram à sala da recepção do andar nobre, retirando-se após uma curta
demora. O Presidente do Conselho de Ministros apresentou a Sua Majestade,
o rei D. Luís, o reverendo Sebastião Leite de Vasconcelos, na qualidade de
fundador e director da Oficina de São José. Este apresentou à sua Majestade
dois educandos, sendo um carpinteiro e outro alfaiate. Estes educandos, em
nome dos seus companheiros da Oficina, felicitaram sua Majestade e a família
real pela sua feliz chegada. O rei agradeceu de forma afectuosa estes
cumprimentos, mostrando quão “simpática” lhe era uma instituição como a
Oficina de São José que não só educava o operário para o trabalho, como
também reabilitava um homem perdido.
Como podemos constatar, a visita de um membro da família real quebrava a
rotina diária da instituição, obrigando a todo um cerimonial que fazia desse dia
um dia de festa.
Neste contexto, outras notícias se seguiram a propósito desta visita de D. Luís.
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A OFICINA DE SÃO JOSÉ NA CIDADE DO PORTO (1880-1909)
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“Cerca das 5 horas e 30 minutos da tarde apeavam-se no largo da Sé, suas
Majestades e Altezas, seguindo pela rua de Traz da Sé para a Officina de S.
José (…)”.
Aguardavam os visitantes, o reverendo Sebastião Leite de Vasconcelos,
director da Oficina, Dª Margarida de Vasconcelos, sua mãe, D.ª Francisca dos
Santos, sua irmã, e seu cunhado Francisco dos Santos Pereira.
Os educandos, dispostos em alas, ajoelhavam-se beijando as mãos dos
membros da realeza que começaram a visita às oficinas pela seguinte ordem:
Primeiro, dirigiram-se à oficina de serralheiro onde a rainha foi presenteada
com um agulheiro de metal feito no torno. Seguidamente, encaminharam-se
para a oficina de carpinteiro, na qual se ofereceu à família real um paliteiro de
luxo cuidadosamente torneado. Num terceiro momento, foram até à oficina de
alfaiate onde receberam a oferta de um par de calças de “casimira ingleza”,
com forros de cetim azul e branco. Na parte interna da alça da carcela, podia
ler-se o seguinte dístico: “S.M.El. Rei D. Luiz”, correctamente pespontado à
máquina.
A visita prosseguiu com a ida ao dormitório, bastante limpo e asseado. Os
visitantes passaram pela oficina de encadernador onde receberam um
exemplar dos estatutos desta Oficina. Finalmente, chegaram à oficina de
sapateiro onde lhes ofereceram um par de sapatos
O Rei escreveu as seguintes linhas, que deverão ter constituído para o
benemérito director da Oficina, uma das melhores recompensas da sua obra
generosa: Estimei muito de ter occasião de visitar este util e benefico
estabelecimento, que faz grande honra ao seu instituidor. Prosiga sempre na
senda do bem e do trabalho, que Deus abençoará os seus esforços – Porto, 2
de Outubro de 1887- El Rei D. Luiz”.
No seguimento da intervenção régia, o Director da Oficina proferiu as seguintes
palavras: “… Não pelas honras de fundador, mas pela gloria de Deus, e bem
das almas d’estas pobres creanças repellidas pela sociedade e arrancadas por
mim aos ferros da cadeia, e levantadas da miseria e degradação moral em que
havia cahido, foi, real senhor, com este intuito que criei esta instituição que a
sociedade tantas vezes tem abençoado, depositando em minhas mãos o
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A OFICINA DE SÃO JOSÉ NA CIDADE DO PORTO (1880-1909)
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generoso obolo da caridade, que junto aos meus minguados recursos tem sido
sufficiente para sustentar e educar estes 40 jovens, aos quais appelido de
meus filhos adoptivos…Uma cousa se faz agora necessaria, e é que antes da
minha morte seja esta instituição, que vive ao abrigo da lei, e como tal
reconhecida pelos poderes publicos, dotada de casa propria a fim de poder
estender o seu beneficio a centenas de sêres perdidos, que vagueiam pelas
ruas d’esta cidade minados pela fome e consumidos pelo vicio, e onde se
extinguiu a noção de Deus e amor da patria. É só para este ponto que eu
imploro o alto valimento de Vossa Magestade, e para commemorar a régia
visita de tão augustos personagens, tomo a liberdade de offerecer a Vossa
Magestade desde já um lugar n’esta Officina, não obstante o seu
acanhamento, ao qual Vossa Magestade deseje aqui mandar educar”.
É de salientar, no discurso do reverendo, a tónica colocada na função
caritativa, regeneradora, católica e moralizadora da instituição, no sentido desta
continuar a beneficiar do reconhecimento público.
Ainda a propósito do prestígio desta instituição, podemos descrever alguns
pormenores da visita da rainha D. Amélia e de D. Luís Filipe a esta Oficina,
conforme notícias do Commercio do Porto, publicadas a 24 e a 26 de
Novembro de 1891.
Deste modo, cerca das 6 horas da tarde, a Rainha foi recebida na Oficina pelo
cardeal D. Américo e pelo director da instituição, Padre Sebastião Leite de
Vasconcelos e ainda por um grupo de senhoras da “alta sociedade” como a
Condessa de Samodães.
A entrada de Sua Majestade foi assinalada pelo Hino Nacional executado pela
banda dos educandos da oficina e por uma “chuva de flores” que cobriu a
rainha. Logo após os cumprimentos das pessoas presentes e, já na capela, a
rainha ouviu o orfeão da oficina acompanhado de piano-órgão entoando o
Domine Salvam fac Reginam Nostram Ameliam. A seguir à oração, Sua
Majestade visitou os dormitórios, a aula de desenho, as oficinas, a aula de
música, o refeitório, a cozinha e todas as restantes dependências do edifício,
elogiando o estado dos referidos espaços. Por fim, dirigiu-se ao escriptorio,
onde o Reverendo Director lhe leu um discurso que passamos a transcrever:
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A OFICINA DE SÃO JOSÉ NA CIDADE DO PORTO (1880-1909)
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«Senhora: - “ A honra que com a visita de Vossa Real Magestade acaba de ser
concedida a esta instituição, da qual disse um dia o sempre saudoso monarcha
o senhor D. Luiz I que não conhecia no paiz instituição mais digna de ser
auxiliada vem marcar nos seus dez annos de existencia umas das suas mais
brilhantes paginas, e tornar mais firme a esperança que nutre o seu fundador
de ver, em antes de morrer, construido o annexo a esta Officina n’aquelles
terrenos contiguos, para continuar a obra da regeneração social, recolhendo alli
os jovens, quasi incorrigiveis, que um dia, mediante os factores da religião e do
trabalho, serão a mais radiante corôa de quem os adoptou por filhos. Senhora:
Desde a abertura da Officina de São José, á qual Sua Magestade El-Rei se
dignou conceder o titulo de Real, jámais foi solicitado do publico o obolo da
caridade christã, porque a sociedade, sempre solicita no bem do seu
similhante, tem vindo expontaneamente socorre-la, e até com generosidade.
Pensou-se na edificação de um edificio apropriado: faltavam os terrenos; veio
logo o augusto rei D. Luiz, e por decreto de 30 de janeiro de 1889, a Real
Officina de S. José, passa a possuir tres chãos que eram da nação. Faltavam
meios para a construcção do edificio e o sempre benemerito Manoel Esteves
Ribeiro, ao qual o governo de Vossa Magestade desejou agraciar com o titulo
de Conde de S. José, promptificou-se a fazer a obra. Agora restam-me
aquelles terrenos para completar a planta do edifício; quando os tempos
corram prosperos, é então e só então que appelo para o magnanimo coração
de Vossa Real Magestade a esta cidade, onde encontra em cada peito de seus
filhos a mais devotada dedicação, e em todos os educandos e pessoal d’esta
instituição um amor filial e respeito de subditos gratos. Se algum valor podem
ter pelo que significam, estes productos dos meus jovens artistas, que ouso
offerecer a Vossas Magestades, seja-me ainda permìttido, para commemorar
dia tão solemne para esta casa, repetir o offerecimento que já tive occasião de
fazer a Vossa Magestade – dois lugares á disposição de Vossa Magestade
para dois pobresinhos orphãos de pae e mãe que se lembrem, n’esta ocasião
da visita de Vossas Magestades á cidade do Porto, de implorar a sua alta
protecção a fim de serem educados em qualquer das artes.” Neste discurso
podemos realçar o pedido do Director da Oficina à Rainha Dona Amélia no
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A OFICINA DE SÃO JOSÉ NA CIDADE DO PORTO (1880-1909)
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sentido de conseguir mais terrenos para ampliar e completar a sua obra. De
notar a forma habilidosa como este sustenta esse pedido, evocando a memória
de D. Luís e o respeito que todos os membros da Oficina de São José nutriam
pela família real. Também convém salientar o facto de que, era nestas alturas,
que se registavam admissões de novos educandos, sob proposta da rainha,
para relembrar o dia da sua visita. A partir dos registos do Livro de Matrículas,
podemos identificar os dois jovens admitidos sob proposta de Sua Majestade.
Foram eles: Jacome Antonio, nascido a 2 de Maio de 1880, no Porto, destinado
ao ofício de encadernador e Francisco Manoel Gomes Ferreira, nascido em 23
de Fevereiro de 1879, em Beja, destinado ao ofício de alfaiate.
A Rainha agradeceu todas as provas de respeito e de consideração e
prometeu mandar o príncipe real visitar a Oficina de São José para que este
conhecesse uma casa de regeneração. O Reverendo Sebastião de
Vasconcelos ofereceu a sua Majestade um volume, luxuosamente
encadernado, na respectiva oficina, do “Artista Instruído”; ofereceu, ainda, para
sua Majestade El-Rei, um par de calças de pano preto, confeccionado na
oficina de alfaiate e, finalmente, um par de sapatos de chevreau para o
príncipe real, confeccionado na oficina de sapateiro. A Rainha agradecendo de
novo, escreveu no livro dos Visitantes da Oficina de São José as seguintes
palavras: “Este estabelecimento, que é uma gloria para o paiz a que pertenço,
para esta cidade e para o fundador de tão sympathica Instituição, merece-me o
maior interesse, porque encaminha muitos para o bem e para o trabalho. – D.
Amélia, rainha – 23 de Novembro de 1891”. Seguidamente, a rainha retirou-se
ao som de entusiásticas “vivas”, sendo acompanhada, durante algum tempo,
pelos educandos da oficina e seu director.
O edifício achava-se singelamente decorado, vendo-se alguns troféus de
bandeiras com escudos, nos quais se liam as datas memoráveis da Oficina e o
nome dos principais benfeitores. A 26 de Novembro de 1891, o Commercio do
Porto noticiava a prometida visita do príncipe Luís Filipe, que após um percurso
idêntico ao da sua mãe, chegou à varanda do edifício e foi erguido ao colo,
pelo Reverendo Sebastião de Vasconcelos e acolhido pelo povo, com grande
entusiasmo. O príncipe trajava vestido azul, casaco de agasalho de lã branco,
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e gorro da mesma cor, trazendo calçados os sapatinhos que lhe tinham sido
oferecidos pelos educandos da Oficina de São José. A este respeito podemos
sublinhar a forma delicada como os membros da família real agradeciam as
ofertas. Neste caso concreto, o jovem príncipe vinha visitar a instituição,
usando já os sapatos que lhe haviam sido oferecidos.
A curiosidade, perspicácia e inteligência do jovem príncipe, que observou
atentamente o funcionamento de várias máquinas da oficina de encadernação,
provocou a admiração dos jovens da Oficina. Os marceneiros ofereceram-lhe
uma pequenina cómoda que muito lhe agradou; e dois sobrinhos do Director
ofereceram-lhe uma pomba branca e um pequeno gato branco de raça
francesa que muito apreciou. O príncipe mostrou particular interesse pelos
vários instrumentos da aula de música e entregou a um dos educandos três
cartuchos de doces para repartirem entre si, deixando a quantia de 20$000 réis
para melhorar a refeição do dia. A visita durou duas horas. Depois da
despedida (“os recolhidos beijaram-lhe a mão”), os educandos e a banda da
Oficina, tocando o hino nacional, seguiram o trem até à Batalha.
O Reverendo Director da Oficina, depois de beijar a mão do príncipe, “soltou
vivas” a sua Alteza e à família real. As pessoas da comitiva foram brindadas
com um álbum de fotografia da casa e com o livro “O Artista Instruído”. Durante
a tarde, um dos alfaiates, acompanhado do Reverendo Director, foi entregar a
sua Majestade El-Rei o par de calças que lhe oferecera e agradecer à rainha a
visita do príncipe!
É extremamente enriquecedor para a História Cultural e das Mentalidades,
conhecer todo este aparato que envolveu a visita a uma instituição de um
membro da casa real.
Além das visitas reais, existiram outras de personalidades ilustres da nossa
sociedade, que deixaram os seus comentários registados:
José Bonifácio Buleão, que visitou a Oficina a 20 de Julho de 1891, escreveu:
“Muito agradável foi a impressão que tive em visitar este modesto mas também
bem montado estabelecimento, onde a hygiene e todas as commodidades para
os futuros representantes das artes portuguesas são encontradas…”.
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O Cónego António Maria Ferreira (vindo dos Açores) conheceu a Oficina de
São José no dia 5 de Agosto de 1891, transmitindo-nos uma importante
mensagem sobre a figura do Padre Sebastião Leite de Vasconcelos: “Tive a
consolação immensa de visitar este Sympathico estabelecimento, e não posso
abafar em meu peito um brado da mais enthusiastica admiração pelo que aqui
presenciei. Esta casa é uma prova do que pôde a nossa Divina Religião para a
regeneração da sociedade. Gloria a Deus que inspirou a creação d’este
instituto, eterna gratidão ao benemerito fundador, ao Dom Bosco portuguez que
considera esta obra como a sua empreza mais querida, que lhe absorve todos
os affectos do seu coração bondoso todo inflammado em caridade pelas
creanças desamparadas. As bençãos de Deus nunca lhe faltarão”.
Monseñor Jasinos, no seu comentário reconhecia a importância social,
benemérita e religiosa da acção do padre Sebastião relativamente aos pobres
desvalidos: “He, tenido el justo y honor de visitar la casa asilo connocida com el
nombre de Officina de São José fundada por el Padre Sebastião Leite de
Vasconcellos y no he podido por menos que dar gracias a Dios Nuestro Sénor
al celebrar el santo sacrifício en su capilla porque nos depare varones justos
que inspirados en su caridade son el consuelo del pobre y del desvalido”.
Pontservez, professor da Universidade de Paris, reconhecia em 29 de
Setembro de 1891, o mérito do fundador da Oficina, em particular, pelo facto de
“salvar” jovens “perdidos” e convertê-los em forças úteis à sociedade: “Mês
voeux les plus vives pour la durée de l’ouvre excelente de l’Officina de Saint
Joseph du Porto, et pour le santé de son devoué fundateur, qui de la façon la
plus nobre, la plus simple et avec le plus beau courage sauve des âmes
individuelles et conserve des forces utiles a la societé. Jy ajoute léxpression de
mon admiration por le maitre educateur qui a conçu et appliqué le réglement de
la maison de Saint Josepht”.
Antonio, Bispo de Himeria, prelado de Moçambique, enaltecia a prática da
caridade pelo padre Sebastião. Foi nesta linha de pensamento que nos legou
as seguintes palavras: “Caridade! Seiva fecunda do Christianismo, só tu fazes
prodigios como os que hoje, com o coração transbordando d’alegria me foi
dado contemplar!”.
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PAULA FERREIRA
Finalmente, numa perspectiva de disseminação da obra do padre Sebastião
Leite de Vasconcelos, João, Bispo de Cochim, deixou-nos as seguintes
palavras: “Muito gratamente impressionado por tudo o que vi e achei n’esta
Sympathica instituição faço votos, os mais ardentes e sinceros, pelo seu
desenvolvimento. Oxalá seja dado ao seu benemerito fundador ve-la em breve
em condições de occorrer ás necessidades de todo o paiz ramificando-se e
fructificando por toda a parte á similhança da immortal obra de D. Bosco”.
É com estas descrições e com estes comentários que encerramos este
capítulo, para que se fique com a real percepção do impacto interno e externo
da obra do reverendo Leite de Vasconcelos.
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CAPÍTULO III – TRATAMENTO ESTATÍSTICO
Chegamos finalmente ao tratamento do resultado dos dados recolhidos pelas
fichas de matrícula analisadas.
NATURALIDADE
De 498 fichas analisadas5 constatamos que 483 rapazes são de naturalidade
portuguesa e os restantes 15 nascidos nas colónias portuguesas e outros
países europeus. Do total, 235 rapazes são do distrito do Porto, 181 são da
cidade do Porto (distribuídos por treze freguesias), 18 são dos restantes
distritos do país, desconhecendo-se a proveniência de 64 jovens. Da amostra
analisada, a parte mais significativa incide no distrito do Porto, razão pela qual
privilegiamos o estudo do concelho do Porto.
Da freguesia de Nevogilde, apenas encontramos um registo. Esta freguesia
tinha uma natureza profundamente rural.
5 Uma ficha foi anulada pelo responsável pelo registo das matrículas.
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Da freguesia de Lordelo do Ouro (verdadeira “terra de mareantes”)
encontrámos dois registos e da freguesia de Ramalde também encontrámos
dois registos. Esta freguesia, ao longo dos tempos, foi perdendo o seu carácter
rural, tornando-se um importante centro de indústrias, com numerosas fábricas
e bairros operários.
Da freguesia da Foz do Douro encontrámos quatro registos. Esta freguesia foi
crescendo, tanto em população, como em praia de banhos, tendo sido muito
frequentada no Verão e tornando-se um bairro citadino preferido por muitas
famílias para sua residência permanente.
Da freguesia de Campanhã (arrabalde com muitas casas de campo de famílias
gradas do Porto), apurámos cinco registos e da freguesia de Paranhos,
apurámos, igualmente, cinco registos. Esta freguesia foi durante séculos uma
freguesia rural, muito longe dos muros da cidade. Da freguesia de São Nicolau,
apurámos apenas seis registos.
Da freguesia de Massarelos (povoada por homens do mar que se dedicaram à
extracção salineira) apurámos sete registos. Da freguesia de Vitória registámos
oito matrículas e da freguesia de Miragaia apurámos nove matrículas. Assim
sendo, as freguesias que nos proporcionaram mais registos foram:
a freguesia do Bonfim com dezasseis registos de matrícula; a freguesia da Sé
com trinta e quatro registos de matrícula e a freguesia de Santo Ildefonso com
trinta e nove registos de matrícula. Santo Ildefonso era uma freguesia com
bastantes espaços agrícolas mas que foi crescendo muito em termos de
actividade industrial e comercial.
Sobre a freguesia de Cedofeita trabalhámos em quarenta e três registos de
matrícula. Também foi uma freguesia que se desenvolveu com as actividades
industriais e comerciais.
Pelos dados recolhidos, é possível detectarmos quais as freguesias que mais
jovens “encaminhavam” para esta Oficina. A freguesia da Sé e as freguesias de
Santo Ildefonso e Cedofeita eram freguesias muito populosas e com inúmeros
casos de abandono/desamparo de menores pelo facto de possuírem zonas
habitacionais degradadas associadas aos problemas decorrentes da situação
de miséria que aí se vivia (alcoolismo, prostituição, doença, criminalidade).
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Neste sentido, podemos recorrer aos estudos estatísticos da época, publicados
por Mendes Correia e que nos confirmam o aumento da criminalidade de
menores em Portugal, sobretudo no período que decorreu entre 1878 e 1895.
Além disso, a maior incidência da criminalidade recaía nos rapazes com menos
de dezoito anos o que, por si só, justificava a criação de instituições destinadas
à recuperação de menores do sexo masculino, como a que estamos a estudar.
Mendes Correia também não esqueceu a procura de causas ou de possíveis
factores para este “fenómeno” de criminalidade e, a par de factores
hereditários, individuais e “mesológicos”, evidenciou a necessidade de investir
na prevenção e na luta contra este mal social. Foi nesta linha de pensamento,
e de uma forma algo perspicaz, que este estudioso propôs a pena de correcção
do delinquente e de reparação do castigo, como um meio de defesa social, ao
invés de a encarar como uma forma de vingança ou de castigo. Para ele, os
meios de prevenção deveriam assumir maior importância do que os meios
correctivos, reparadores ou punitivos.
Se as crianças recolhidas na Oficina de São José tivessem tido o apoio de uma
família equilibrada e tivessem vivido em zonas habitacionais “limpas”,
certamente teriam “escapado” a todo um conjunto de problemas decorrentes da
situação de miséria que os assolava, já anteriormente mencionados.
A propósito desta realidade, consideramos pertinente fazer uma abordagem ao
estudo efectuado por Gaspar Martins Pereira, publicado na “História da Cidade
do Porto”, respeitante à questão do alojamento. Este estudo remete-nos para
as zonas mais degradadas da cidade do Porto, onde se situavam as ilhas. Na
realidade, os processos de crescimento demográfico, de industrialização e de
renovação urbanística acentuaram a diferenciação social dos espaços citadinos
no decurso do século XIX. A par dos novos bairros e chalés que enchiam as
zonas chic da cidade – Boavista, Foz, Álvares Cabral, alastrava no “miolo” de
alguns quarteirões urbanos, e em zonas degradadas, a “cidade escondida” das
ilhas e da pobreza, onde se percebiam comportamentos e hábitos específicos,
onde uma sociabilidade intensa gerava e transmitia crenças e saberes, normas,
gestos e modos de dizer. Um espaço que as elites identificavam como
perigoso, não apenas fisicamente degradado, mas também imoral, associal,
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viveiro de doenças e de revoltas. No miolo da cidade antiga verificava-se uma
sobre ocupação habitacional marcada pela degradação desse espaço, se bem
que uma ou outra rua tenha sofrido obras de beneficiação. A demolição de
várias zonas, onde se concentravam os estratos sociais mais pobres, foi
também responsável pelo agravamento das condições habitacionais que se
fizeram sentir, com especial incidência, no último quartel do século XIX. A
supressão de muitas vielas do coração da cidade e bairros, como as que
deram origem à Rua Nova de São Francisco, Alfândega, Rua de São
Domingos, Mouzinho da Silveira e outras, provocou o despejo de muitas
famílias operárias. Acentuou-se, assim, o processo de apropriação burguesa
do solo urbano, paralelamente à centrifugação dos pobres, movimento
registado nas grandes cidades europeias da época. Este movimento na cidade
do Porto durou até aos nossos dias. O aumento da população e a maior
procura de alojamentos baratos iriam estimular diversas formas de
especulação imobiliária, fazendo alastrar a construção de novas ilhas e
promovendo a maximização de outros espaços de arrendamento. Deste modo,
no centro da cidade antiga acumularam-se as “colónias”, ilhas em altura, com
as piores condições de salubridade e fortes concentrações humanas,
sobretudo no Barredo, entre o Morro da Sé e a Ribeira. As “casas de malta”
eram o alojamento preferencial dos que vinham trabalhar para a cidade,
durante a semana, bem como dos aguadeiros galegos e outros serviçais.
Ainda assim, eram as ilhas que constituíam a forma de alojamento popular
mais vulgarizada na cidade do Porto, sobretudo nas zonas industrializadas
(Montebelo, São Vítor, Campo Pequeno, Salgueiros…). Normalmente, eram
grupos de casas separadas por um estreito corredor ao ar livre. Elas existiam
no Porto desde 1832 mas atingiram o seu maior número em finais do último
quartel do século XIX, albergando cerca de um terço da população do Porto,
por volta de 1900.
A partir dos anos oitenta, a opinião e os poderes públicos despertaram para a
questão do alojamento. A miséria da habitação parecia preocupar mais os bem
instalados do que os próprios habitantes das ilhas ou das habitações
degradadas. Estes habitantes reivindicavam mais o direito ao trabalho e ao pão
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do que à casa. Os casos frequentes de despejos por falta de pagamento das
rendas, a importância da assistência prestada pelos Albergues Nocturnos
(desde 1882 dispensavam alguns milhares de dormidas a pobres da cidade), a
degradação das “casas de malta”, fazem-nos reflectir sobre a frequência de
situações bem mais miseráveis que as dos habitantes das ilhas. A habitação da
ilha contrasta com os valores da ética familiar burguesa que associava a casa
ao espírito doméstico e à privacidade familiar. No caso específico das ilhas, o
espaço privado mal se distinguia do espaço público. A ilha era eminentemente
um espaço colectivo e, simultaneamente um espaço fechado sobre si mesmo.
O portal de entrada comum, bem como os espaços e equipamentos colectivos
(corredor, lavadouro, poço, retretes…) facilitavam a formação de um espírito de
comunidade, despertando intensas relações de vizinhança, onde o acesso a
estranhos, não sendo vedado, não deixava de ser inibido ou mesmo
hostilizado. A exiguidade do espaço doméstico, que raramente ultrapassava os
15-20 m2, reforçava a utilização dos espaços comuns como prolongamento do
espaço da casa, intensificando as relações de sociabilidade e de entreajuda, as
solidariedades e os conflitos.
Na sequência de tudo o que foi dito, não seria inoportuno escrevermos um
pouco sobre o crescimento populacional estreitamente ligado ao crescimento
económico da época. Nesta linha de pensamento começaremos por abordar a
situação da população urbana. Na realidade, a cidade integrava grupos muito
diferenciados na forma de ocupação do território, desde os que aí residiam
permanentemente, até aos vadios e vagabundos sem residência certa.
Os Albergues Nocturnos, cuja fundação data de 1881, dispensaram
anualmente alguns milhares de dormidas a pobres da cidade sem casa (3280
no ano económico de 1894-1895) e aos que temporariamente estavam na
cidade, por umas horas ou dias, por uns meses ou anos.
No respeitante às taxas de mortalidade, “morria-se mais na parte antiga” e em
locais habitados por população operária. Daí o facto dos jovens órfãos
recolhidos pela Oficina de São José, serem maioritariamente oriundos das
freguesias que integravam esta “parte antiga”. A taxa de mortalidade na Sé
atingiu cerca de 38% em 1895-1897, ao passo que em Aldoar e Nevogilde era
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inferior a 15%. Além disso, as freguesias com maior população operária e com
maiores índices de natalidade, como o Bonfim, apresentam taxas de
mortalidade elevadas.
Entre 1895 e 1897, a natalidade variava entre os 24% em Miragaia e os 43,8%
em Ramalde. Após meados do século XIX, a população do Porto reinicia uma
fase de recuperação. Assiste-se ao adensamento das freguesias centrais que
se traduzirá na degradação das condições habitacionais. Para lá do centro
histórico, as freguesias de Santo Ildefonso, Miragaia, Massarelos, Cedofeita e
Bonfim quase triplicam os seus moradores entre os anos quarenta do século
XIX e 1911.
O crescimento é particularmente intenso em Cedofeita e no Bonfim. Cedofeita
passa de menos de 9000 habitantes em 1841, para mais de 30000 habitantes,
em 1911. Bonfim, freguesia criada em 1841, por divisão de Campanhã e Santo
Ildefonso, passaria de menos de 8000 habitantes para cerca de 32000
habitantes. Foi sobretudo esta zona “pericentral” onde se verificou o maior
crescimento da actividade industrial e comercial, que atraía mais gente. Fora
dela ficavam os subúrbios que conservavam uma feição rural mas que foram
acompanhando o crescimento da cidade. Mais do que um crescimento
tentacular, o crescimento do Porto resultou do alastramento destes núcleos,
que mantinham uma identidade própria mas que permaneciam ligados à
cidade.
Paranhos, Ramalde, Foz, Campanhã, Lordelo, Aldoar e Nevogilde foram
freguesias que integraram o Concelho do Porto no decurso do século XIX.
Todavia, o desenvolvimento de cada uma delas resultou de circunstâncias
específicas.
A título de exemplo, podemos citar o caso de Campanhã que cresceu graças à
estação de caminho-de-ferro e estruturas hoteleiras conexas, e o caso da Foz
que beneficiou de uma área destinada a banhos de mar e passeios de Verão.
Estes subúrbios, definitivamente “integrados” na cidade em 1895, com a
estrada da Circunvalação, apresentaram um ritmo de crescimento superior a
todas as outras áreas da urbe, na segunda metade do século XIX. Com a
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urbanização dos subúrbios, o Porto abriu uma nova fase da sua história:
nasceu a “aglomeração contemporânea” (GUICHARD, 1992, 161-162).
No entanto, e ainda a respeito destas freguesias, registei alguns casos de
jovens que deram entrada na Oficina, no período em estudo, ainda que em
número menos significativo.
Ainda a respeito da mortalidade, o Porto era alvo de elevadas taxas. Doenças
como o tifo, a varíola e disenterias provocavam 10% dos óbitos, e doenças
como a tísica ou a tuberculose foram responsáveis por mais de 7% dos óbitos,
em 1888. Os meios operários foram os mais atacados. Ricardo Jorge escrevia:
“Vivemos ou antes, morremos a uma tarifa obituária intolerável; e isto num
clima ameno e paradisíaco, num país incomparável, sobre um solo granítico e
acidentado, sob um sol que nos acarinha. Há aqui os vícios da má educação e
da ignorância; há as mais revoltantes práticas de tratar de crianças numa
trucidação perene; há as habitações lôbregas e insalubérrimas onde se
amesendra mais dum terço da população; há o desgaste das moléstias
infecciosas pela licença do contágio; há enfim, uma rede de incapacíssimos
esgotos, rastilhando o solo e a água de imundície ” (JORGE, 1899, 322).
Apesar das advertências do médico municipal, Dr. Ricardo Jorge, a peste
“bubónica” atingiu a cidade do Porto, em 1899. A casa deste médico chegou a
ser apedrejada pelo facto da população ter sentido como uma verdadeira
humilhação, imposta por Lisboa, o cordão sanitário de Agosto que isolou a
cidade nortenha e trouxe graves consequências económicas.
No que respeita à população portuense, devemos realçar uma forte natalidade,
superior à média nacional (31,5 % em 1886/1896).
A propósito da natalidade na cidade do Porto, podemos referir o facto desta
elevada taxa de natalidade ser acompanhada por uma elevada taxa de
mortalidade, características próprias do quadro demográfico do Antigo Regime.
Na nossa pesquisa foram identificados casos de expostos ou de filhos
ilegítimos. Todavia, nem todos os expostos seriam ilegítimos e muitos eram
originários de fora da cidade. Por outro lado, o aumento da ilegitimidade que se
verificou na segunda metade do século XIX, paralelamente ao abandono
gradual da prática de “enjeitamento”, parece ocorrer num novo quadro de
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sexualidade. A ilegitimidade não traduziria o florescer de uma “sexualidade
vagabunda”, mas a “difusão de um modelo de vida familiar em que a formação
precoce do casal nos meios populares precede frequentemente o matrimónio”.6
Entre 1886 e 1897, a propagação de ilegítimos no Porto atinge cerca de um
quarto dos nascimentos (25,2%).
Além disso, existiam clivagens dentro da própria cidade. Em 1893-1897, as
proporções de ilegítimos oscilavam entre 32% em Lordelo e 27% no Bonfim.
Contudo, tais valores estão aquém da realidade por não contemplarem os
nascimentos no Hospital de Santo António (8% do total de nascimentos no
Porto, 80% de ilegítimos).
Por todas estas razões, não nos pareceu relevante abordar a questão da
ilegitimidade como factor determinante do futuro do jovem acolhido na Oficina.
Na realidade, neste trabalho, só consideramos que um jovem é proveniente de
uma família monoparental quando não existe qualquer referência à identidade
do progenitor. Além disso, os dados apurados nos registos de matrícula não
são muito esclarecedores. Mesmo em casos em que o nome do pai e/ou da
mãe não constam, nas observações redigidas pelo padre Sebastião são
evidentes as suspeitas sobre a identidade materna e/ou paterna (filhos de
jovens prostitutas ou de jovens solteiras da alta sociedade, bem como filhos de
homens casados ou de padres).
6 Maria do Carmo Serén e Gaspar Martins Pereira – “O Porto Oitocentista”, História do Porto (dir. Luís A.
de Oliveira Ramos), Porto, Porto Editora, 1994, p.412.
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HABILITAÇÕES
Do total de registos de matrículas, confirmamos o elevado grau de
analfabetismo da época que era de cerca de 82%, mais notório ainda quando
se trata de jovens provenientes de famílias “desestruturadas” ou de jovens
completamente ao abandono.
Na realidade, apenas 18% (89) dos rapazes que deram entrada na Oficina,
durante o período estudado, sabiam ler e escrever e frequentemente com
muitas deficiências.
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A OFICINA DE SÃO JOSÉ NA CIDADE DO PORTO (1880-1909)
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OUTROS DADOS PESSOAIS À ENTRADA NA OFICINA
A partir da análise das fichas de registo de matrícula, no que diz respeito a
outros dados pessoais como a 1ª comunhão, crisma, vacinação e proveniência
de outra instituição, podemos chegar às seguintes conclusões:
1ª Não existem indicações de jovens não baptizados, porque na época todos
eram baptizados, mesmo os que eram abandonados à nascença. Neste caso,
o baptismo era feito dentro da primeira instituição que os recolhia (asilo, cadeia
e outras…).
2ª À medida que os sacramentos exigiam maior acompanhamento religioso
diminuía a percentagem dos jovens com a primeira comunhão feita ou com o
crisma. Neste estudo específico 112 (cento e doze) dos rapazes tinham a
primeira comunhão, mas somente 66 possuíam o crisma.
3ª Relativamente à vacinação, 193 (cento e noventa e três) dos registos que
estudamos indicam a vacinação. Tratava-se da vacina contra a varíola e, pelo
que pudemos constatar, esta vacina era ministrada aos jovens recomendados
por personalidades influentes da cidade que já tinham sido objecto de um
tratamento diferenciado (mais protegido) e passou a ser feita com maior
regularidade a partir de 1895.
4ª Do total de registos analisados, 71 (setenta e um) casos dizem respeito a
jovens já internados previamente noutra instituição. A maioria destes casos
(quarenta e cinco) diz respeito a jovens que passaram pelo Seminário dos
Meninos Desamparados.
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COMPORTAMENTO/INSUBORDINAÇÃO/ACTOS CRIMINOSOS
COMPORTAMENTO
OO
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Com base na análise dos três gráficos respeitantes ao comportamento,
insubordinação ou actos criminosos dos rapazes que deram entrada na Oficina
e alicerçando os dados destes gráficos nas notas pessoais que fomos retirando
das observações respeitantes a cada jovem, podemos destacar as seguintes
conclusões do total de registos de matrícula analisados:
1ª Setenta e quatro por cento (74%) não contêm qualquer referência ao
comportamento global e não apresentam indícios de insubordinação ou a
descrição de actos criminosos, razão pela qual os incluímos no grupo dos
jovens de comportamento regular.
A dimensão deste grupo prende-se com o facto de muitos dos jovens admitidos
na Oficina serem provenientes de famílias que se “desagregaram” pelo
adoecimento e/ou falecimento de um ou de ambos os progenitores.
2ª Os dezoito por cento (18%) de jovens com mau comportamento são assim
descritos nas próprias observações ou apresentam indicações da prática de
alguns actos de insubordinação dentro da Oficina, ou a referência a alguns
actos criminosos antes de entrarem para a Oficina ou já lá dentro. A título de
exemplo podemos enumerar os seguintes casos:
Armindo Dias Baptista (registo de matrícula número 20), depois de ter
permanecido dois anos nos “Desamparados”, foi admitido no Asilo de Vilar e
posteriormente na Oficina de São José. Fugiu a 24 de Maio de 1888, tendo
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sido preso em Aveiro a 30 de Maio do mesmo ano. Mestre sapateiro nos
“Órfãos de São Caetano”, já ganhava 13500 reis em 1893. Despediu-se para
se estabelecer, mas teve que pagar uma dívida de 27000 reis até 1902.
Antonio José de Pinho (R.M. Nº68) perdera a mãe que fora deportada para
África por ter assassinado um filho, e na Oficina demonstrou um génio
orgulhoso, altivo e conflituoso. “Sentou praça” em Infantaria 18 onde foi
castigado, sendo impedido de prosseguir a carreira militar.
Custódio Joaquim d’Almeida Santos (R.M. Nº112) demonstrara um génio
insuportável e atrevido, um espírito insubordinado e pouco honesto.
António do Carmo Lobo (R.M. Nº121) fugiu da Oficina em Braga, em 1893.
“Sentou praça” mas saiu como idiota. Preso por vadiagem, foi deportado para
África em 29 de Agosto de 1896.
António Pinto Carneiro (R.M. Nº143) revelava tendência para o furto. O próprio
irmão, mestre alfaiate da Oficina, levou-o para Vila Fernando como gatuno
incorrigível e de maus costumes. Tinha cúmplices como o Alcides, o Bahia, o
Barnabé e o Fernando. Foi expulso da banda por desrespeito ao contramestre
e castigado com repreensão.
Joaquim d’Araújo (R.M. Nº153) rejeitou o castigo que lhe fora aplicado por ter
esbofeteado um colega.
António Napoleão Malheiro (R.M. Nº176), depois de ter estado preso no Aljube,
foi recolhido na Oficina e seguidamente foi colocado na Casa “Araújo e
Sobrinho”, a 26 de Outubro de 1896, como caixeiro, a ganhar 10000 reis por
mês, acabando por ser despedido a 27 de Outubro de 1898.
Francisco Bahia (R.M. Nº219) foi recolhido no Asilo da Mendicidade e esteve
preso na Cadeia da Relação do Porto. Repreendido várias vezes, retirou-se da
Oficina a 31 de Julho de 1900 com a roupa do corpo.
António Ferreira Telles (R.M. Nº235) aparentava ser cândido e submisso mas
revelou mau génio e desonestidade, tendo roubado 5000 reis.
José Maria Porto (R.M. Nº239), triste e pouco expansivo, só depois de se ter
retirado da Oficina se soube de um roubo, que ali fez, de um par de botas.
Julio da Cruz (R.M. Nº241) roubara quantias no valor de 2000 reis.
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João Moreira (R.M. Nº270) foi punido por saídas não autorizadas e abusos de
autoridade como monitor e contramestre da banda.
António Serafim Madeira (R.M. Nº307) praticava roubos na Oficina, inclusive na
caixa de esmolas.
António José dos Santos (R.M. Nº308) esteve preso em Chaves.
Eugénio da Conceição (R.M. Nº312) era conhecido pelas fugas e bebedeiras.
Depois de se ter retirado a 2 de Fevereiro de 1904, foi preso e posteriormente
enviado para Vila Fernando.
Justiniano Pereira d’Almeida (R.M. Nº321) esteve encarcerado vinte e um dias
na cadeia de Vila da Feira.
Jorge Rodrigues da Silva (R.M. Nº322) foi preso três vezes no Calabouço em
Lisboa. Permaneceu quatro anos na Escola Agrícola de Vila Fernando até 2 de
Abril de 1900.
Augusto Roiz (R.M. Nº325) esteve preso três vezes em Ovar.
Francisco d’Assis Lopes (R.M. Nº347) deu entrada na cadeia seis vezes.
Luiz Gomes (R.M. Nº 386) foi preso três vezes.
António Augusto de Oliveira (R.M. Nº386) esteve preso quatro vezes.
José Corrêa (R.M. Nº 399) foi preso oito vezes.
Américo Moreira (R.M. Nº433) esteve preso quatro vezes.
António Candido Ferreira (R.M. Nº 481) foi preso duas vezes.
3ª Os três por cento (3%) de jovens com péssimo comportamento são assim
descritos nas próprias observações, ou apresentam indicações de muitos actos
de insubordinação dentro da Oficina ou referência a muitos actos criminosos
antes de entrarem na Oficina e até já lá dentro. Trata-se de jovens com
“cadastro” na polícia, que já contavam bastantes prisões por vadiagem, furto e,
num caso, por homicídio:
João da Costa (R.M. Nº 48) foi encarcerado três vezes. Todavia, o seu
percurso de vida evidencia uma mudança radical. A 21 de Agosto de 1887 foi
admitido no Asilo de Nova Cintra como mestre sapateiro, ganhando trezentos
reis diários. “Sentou praça” em Infantaria 10 e foi implicado, sem culpa própria,
nos acontecimentos de 31 de Janeiro de 1891. Foi para África e depois de ter
conseguido amnistia, regressou ao reino. Em 1895, casou em Santo Ildefonso.
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António de Sousa (R.M. 181) foi preso por homicídio. Já na Oficina, espetou
uma faca na perna do educando Vieira. Tinha um certo desequilíbrio mental
mas exercia o seu ofício regularmente e tocava cornetim.
Arthur Garcia Malheiro (R.M. Nº207) esteve preso catorze vezes (dez por furto
e quatro por vadiagem). Entrou na Oficina na altura da comunhão dos presos e
saiu à revelia com um fato novo.
João Domingos Manoel (R.M. Nº250) roubou na Casa Lipp 20000 reis. Tinha
má índole e mau feitio. Muito forte, era temido por todos os colegas. Chegou a
agredir o mestre Cunha e o monitor Moreira.
Manoel Victorino Coelho (R.M. Nº261) foi preso por ofensas corporais e julgado
por vadiagem. Saía à noite e era pouco sério com os menores.
Marciano Pinto (R.M. Nº275) esteve preso sete vezes por furto. Depois de ter
sido acolhido pela Oficina, saiu em 1900 e foi preso novamente em 1904.
Ernesto Fernando Rosário (R.M. Nº279), condenado como vadio, esteve em
Vila Fernando e já na Oficina, fugiu duas vezes. Era indolente e desonesto.
António Sérgio (R.M. Nº291) havia estado preso nas Mónicas e roubava a
caixa das esmolas com Serafim Madeira.
Domingos Povoas (R.M. Nº295) havia fugido do Asilo de Vila Real e praticava
furtos. A sua mãe esteve presa na Cadeia da Relação do Porto pela morte de
dois filhos.
José Francisco da Silva, “O refilão” (R.M. Nº298) foi preso nove vezes por furto
e vadiagem e fugiu três vezes da Oficina de São José.
Seraphin Gonçalves Moreira (R.M. Nº316), depois de sair da Oficina, “passou a
vida na cadeia” por furtos.
Ernesto Fernando Rosário (R.M. Nº319) esteve três meses no “Limoeiro”.
Fugiu três vezes da Oficina e acabou preso nas “Carmelitas”. Foi expulso da
Oficina descalço, “…em blusa e em cabelo…”.
João Teixeira (R.M. Nº358) foi preso na Cadeia e no Aljube pelo roubo de 7500
reis. Na Oficina, os seus roubos na caixa de esmolas atingiram os 9000 reis
tendo sido expulso da instituição com a roupa do corpo.
Após a leitura destes exemplos, convém realçar a ideia, já divulgada por alguns
pesquisadores, como Maria José Moutinho, de que esta reincidência de prisões
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se prende com o facto de os jovens serem detidos por um curto período de
tempo em estabelecimentos desadequados à sua faixa etária.
4ª Os quatro por cento (4%) de jovens com bom comportamento são assim
descritos nas observações dos registos de matrícula ou chegamos a essa
conclusão pelo seu percurso de vida após a saída da Oficina.
Foram exemplos de um bom comportamento, os seguintes alunos:
Carlos de São José (R.M. Nº104) tratava-se de um exposto, conforme
podemos verificar pelo apelido de São José. Tornou-se monitor. Adquiriu duas
obrigações de 4% de 22500 reis, uma gratificação de 10000 reis, um relógio e
uma corrente de ouro. Acabou por sair para casar levando um “rico” enxoval.
Joaquim Soares Ribeiro (R.M. Nº120) recebeu um prémio de bom
comportamento (um relógio em prata).
Cypriano Gil dos Santos (R.M. Nº175) revelou uma aptidão excepcional para a
música, pelo que obteve uma pensão anual de 650000 reis para estudar em
Paris durante três anos.
Victorino Gonçalves (R.M. Nº335), depois de ter passado pelo Colégio dos
Órfãos, revelou um carácter tímido mas de boa índole, tendo sido encaminhado
para uma tipografia onde passaria a ganhar 5000 reis, com direito a cama e
roupa lavada (29/11/1905).
Luiz da Silva (R.M. Nº431), depois de ter passado pelo Seminário dos Meninos
Desamparados, recebeu dois prémios de bom comportamento e acabou por
ser colocado como tipógrafo, em Braga, na “Ilustração Católica” (26/05/1914).
5ª Apenas um por cento (1%) dos jovens revelaram um excelente
comportamento, facto transmitido pelo próprio responsável pelos registos de
matrícula, ou constatação bem visível no sucesso profissional e na estabilidade
socioeconómica atingida pelo educando, que também nos é dado a conhecer
pelo percurso de vida “pós-internato”.
A título de exemplo podemos referir:
José Barros Nunes de Lima (R.M. Nº52), tendo revelado uma grande aptidão
para os estudos, foi estudar para o Colégio da Formiga a 15 de Agosto de
1893. Frequentou o Colégio do Espírito Santo em Braga onde concluiu os
estudos preparatórios. Cursou o primeiro ano de Teologia na Universidade de
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Coimbra, em 1896. Concluiu a formatura em Teologia, em 1901. Em 1903 já
era professor do liceu de Castelo Branco, no primeiro grupo.
Joaquim Duarte (R.M. Nº151), mostrando grande vocação para a vida religiosa,
conseguiu entrada na Congregação do Espírito Santo na Formiga. Em 1895
recebeu um prémio de bom comportamento e um bom enxoval. A 15 de
Dezembro de 1897 recebeu o hábito, e a Oficina deu-lhe batina, barrete e
cabeção.
Jorge Monteiro Pinto (R.M. Nº230), depois de ter permanecido três anos nos
“Desamparados”, foi para as missões de Cintra, mas regressou doente à
Formiga. Nomeado monitor, recebeu o prémio d’Assis Brazil no valor de 10000
reis a 20 de Setembro de 1899, e o prémio da Lembrança das Bodas de Prata
do Reverendo Director, no valor de 7000 reis. Comprou uma obrigação de
22500 reis e recebeu um anel de ouro na ida a Moncorvo, a 1901. Em 1903
recebeu um relógio. “Sentou praça” em 11 de Setembro de 1903 tendo
chegado a primeiro-sargento.
Finalmente, alguns alunos conotados como “mal comportados”, acabavam,
depois de vários percalços, por enveredar pelo “caminho do bem”. Exemplo
disso, podemos citar o de Pedro Farrixa (R.M. Nº208) que depois de ter saído
do Aljube, teve um comportamento regular na Oficina de São José e acabou
por tornar-se mestre sapateiro na Oficina de Barcelos (2 de Abril de 1905).
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OFÍCIOS
Finalmente, no que diz respeito aos ofícios, 180 jovens (36%) seguiram o ofício
de sapateiro, 135 jovens (27%) seguiram o ofício de alfaiate, 52 jovens (10%)
seguiram o ofício de marceneiro, 40 jovens seguiram o ofício de encadernador
e 39 jovens seguiram o ofício de tipógrafos (8% respectivamente). Apenas 8
jovens seguiram o ofício de carpinteiro e outros 8 de impressor (2%
respectivamente). Três jovens tornaram-se serralheiros mecânicos (1%), um
jovem tornou-se monitor e outro chegou a “sub-diácono” em França. Quando
os jovens manifestavam graves dificuldades de aprendizagem ou mesmo
indícios de atraso mental (os designados “idiotas”), eram encaminhados para
tarefas simples como serviçais de cozinha (temos dois exemplos). Do total de
498 registos de matrícula, 28 não mencionam o ofício seguido pelo rapaz
acolhido por esta instituição. É de salientar, que são frequentes os casos de
uma curta permanência nesta instituição (esta permanência não chegava à
duração de um ano).
Em suma, podemos concluir que os ofícios com melhor “colocação no mercado
de trabalho da altura” para jovens sem amparo familiar, eram os ofícios de
sapateiro, alfaiate e marceneiro. Também tinham “saída profissional” os
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encadernadores e tipógrafos, tratando-se de ofícios com um certo “prestígio”
social. Além disso, estes ofícios não requeriam uma mão-de-obra muito
qualificada/especializada.
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CAPÍTULO IV - CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Oficina de São José do Porto, na qualidade de Escola de Artes e de Ofícios,
foi fundada no final do século XIX (1880), num contexto social marcado pela
existência de um grande número de jovens ao abandono, que deambulavam
pelas ruas da cidade, praticando furtos e outros actos ilícitos.
Perante a incapacidade do Estado Português em conseguir recuperar
socialmente estes jovens, foi a iniciativa particular, nomeadamente de
organismos de carácter religioso, que procurou colmatar essa lacuna. Foi neste
contexto que nasceu a Oficina de São José, que tal como escreveu o seu
fundador, o padre Sebastião Leite de Vasconcelos, deveria impor-se como um
meio de recuperação de jovens pelo ensino profissional e pela educação moral
e religiosa.
A partir da análise dos estatutos desta instituição, ficamos inteirados da
preocupação do seu fundador relativamente à formação integral dos
educandos que a frequentaram. A sua aprendizagem não se circunscrevia
apenas a um ofício (sapateiro, alfaiate, carpinteiro, encadernador, serralheiro,
marceneiro, torneiro, tipógrafo ou impressor) mas abrangia a área da música.
Além disso, insistia-se na interiorização de regras comportamentais pautadas
por uma forte componente moral e religiosa. A este nível convém destacar a
figura do mestre cuja conduta teria que ser irrepreensível, pois serviria de
modelo aos seus alunos. A obrigatoriedade do internamento bem como a
delimitação das idades de admissão e de saída desses educandos, também
funcionavam como mecanismos de preservação de um “clima” disciplinar
salutar. Nunca é demais sublinhar a prioridade na aceitação de menores com
cadastro e/ou mais vulneráveis à delinquência/criminalidade, no intuito de os
proteger desses males sociais. Nesta linha de pensamento, a instrução, a
assistência e a própria educação religiosa seriam meios primordiais de
prevenção contra percursos marginais.
A Oficina de São José, estreitamente ligada à Diocese e ao Governo Civil do
Porto, beneficiou de um sólido apoio público e particular.
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O seu director, padre Sebastião, foi encarado de forma contraditória pelos seus
contemporâneos. Ora idolatrado por aqueles que respeitavam a sua obra, ora
questionado por aqueles que criticavam o seu “carácter exibicionista”, foi uma
figura polémica de relevo na sociedade oitocentista. Esta controvérsia é
perfeitamente compreensível numa sociedade dominada por um regime político
liberal e prestes a ver implantada a República. Todos sabemos que se tratavam
de contextos políticos marcadamente anticlericais. Apesar das adversidades, a
instituição que Sebastião Leite de Vasconcelos dirigia conseguiu angariar todo
o tipo de donativos particulares e despertou o interesse e reconhecimento da
família real e de outros nomes sonantes da sociedade portuguesa de então.
Nos registos de visitas à Oficina, encontramos rasgados elogios à figura do
reverendo e à sua obra da parte de personalidades que desenvolviam a sua
actividade em países estrangeiros. Torna-se então oportuno salientar, que o
“nascimento” da Oficina de São José na cidade do Porto foi influenciado pela
obra dos Salesianos em Itália, tendo havido contactos entre o padre Sebastião
e São João Bosco. Na mesma linha de pensamento/actuação de D. Bosco, o
fundador desta Oficina valorizou o investimento no ensino profissional em
detrimento do ensino liceal. Escolas gratuitas que proporcionassem aos mais
pobres a preparação para a vida activa, seriam a melhor opção.
A receptividade social a esta Oficina, na cidade do Porto, tornou-se bem
evidente no montante de donativos particulares e públicos com vista ao
pagamento das avultadas despesas ligadas à manutenção desta instituição.
Como já foi referido, esta instituição recebia jovens completamente
abandonados e ainda menores oriundos de famílias paupérrimas e/ou
monoparentais das zonas mais “degradadas” da cidade do Porto. Foi-nos
possível verificar que os jovens de comportamento regular eram provenientes,
na sua maioria, de famílias humildes que haviam sido “desagregadas” pela
doença e/ou morte de um ou de ambos os progenitores. Estes menores
beneficiavam da protecção de personalidades influentes na sociedade
portuense de finais do século XIX, inícios do século XX.
Da análise feita aos respectivos registos de matrícula, podemos concluir que
apesar dos casos de sucesso detectados através das observações feitas pelo
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próprio padre Sebastião, foi notória a incapacidade desta instituição em
regenerar jovens que já tinham um passado de delinquência marcado pela
vadiagem, pelo furto e por prisões sucessivas. No entanto, os “casos de
sucesso” no que respeita à recuperação de menores, constituíram um incentivo
e um argumento para se dar continuidade à função de prevenção/recuperação
de menores em risco. Não podemos deixar de pensar que, se estes jovens não
tivessem sido acolhidos e encaminhados profissionalmente por esta instituição,
teriam caído nas malhas da criminalidade/marginalidade.
Podemos então concluir que prevenção e recuperação são conceitos que
foram sendo problematizados e defendidos pelos observadores do
comportamento dos jovens, desde o século XIX até aos nossos dias.
Este trabalho é o testemunho da necessidade de instituições `não
governamentais, similares à Oficina de São José, aptas a contribuírem para a
protecção dos menores desvalidos.
Sem ter seleccionado uma citação ou uma frase tocante no respeitante ao
objecto do meu estudo, considerei oportuno terminar esta minha pesquisa com
a transcrição da letra do hino da Oficina de São José, letra essa destinada a
ser acompanhada por música tocada ao piano e que foi uma oferta de Costa
Mesquita aos jovens da Oficina de São José, Escola de Artes e Ofícios.
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Guarda e Mestre da nossa Oficina,
Salve, salve, bendito José,
Teu exemplo real nos ensina,
A seguir no trabalho com fé.
O trabalho pró Céu tem valia,
Não há dita nem honra maior,
Desde quando a Jesus e Maria,
Sustentou dum artista o suor.
Não erguemos pregões odientos,
Não sonhamos falaz redenção,
Nossa indústria com seus instrumentos,
Ergue um hino ao trabalho cristão.
Há quem olhe o trabalho a um prisma,
Que uma escola falseada lhe dá,
Nós não vamos buscar ao sofisma,
Soluções que no mundo não há.
Oferta de Costa Mesquita
aos artistas da Oficina de S. José.
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FONTES E BIBLIOGRAFIA
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L. De 3/4/1896 – Vadiagem e mendicidade.
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Livro de Legados.
Arquivo Distrital do Porto (Fundo do Governo Civil)
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Vasconcelos.
Estatutos da Oficina de 08 de Maio de 1908 - Padre Sebastião Leite de
Vasconcelos.
Memória sobre a Oficina de São José, 30 de Outubro de 1887 - Padre
Sebastião Leite de Vasconcelos.
Documentação avulsa - Padre Sebastião Leite de Vasconcelos.
Arquivo Histórico Municipal do Porto
Licença de construção do actual edifício da Oficina de São José do Porto (Rua
Alexandre Herculano) de 14 de Março de 1889.
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Alçado/frente do projecto de edificação da Oficina de São José do Porto (Rua
Alexandre Herculano) de 1889.
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A OFICINA DE SÃO JOSÉ NA CIDADE DO PORTO (1880-1909)
PAULA FERREIRA
RIBEIRO, Maria José, 2003, Ser Família, Construção, implementação e
avaliação de um programa de Educação Parental, Dissertação de
Mestrado em Psicologia, sob a orientação da Professora Doutora Helena
Marujo e co-orientação da Professora Doutora Teresa Freire, Instituto de
Educação e Psicologia, Universidade do Minho, Braga.
SAMPAIO Daniel, 1997, Indisciplina: Um signo geracional? Instituto de
Inovação Educacional, Lisboa.
SANTOS GUERRA, M. A., 2006, Arqueologia dos sentimentos –
Estratégias para uma educação de afectos, Edições ASA, Porto.
SOEIRO, Luís Navarro, 1960, A Vagabundagem e a Mendicidade.
Problema bio-psico-social, Separata do Jornal do Médico nº1645, Costa
Carregal, Porto.
Obras de referência
DICIONÁRIO de HISTÓRIA de PORTUGAL, direcção de Joel Serrão, Livraria
Figueirinhas, Porto, 1989, 6 VOL.
DICIONÁRIO ILUSTRADO da HISTÓRIA de PORTUGAL, Publicações Alfa,
Lisboa, 1985.
ENCICLOPÉDIA LUSO-BRASILEIRA DE CULTURA, Editorial Verbo, Lisboa –
São Paulo, 1963, 21 VOL.
HISTÓRIA COMPARADA de PORTUGAL, direcção de António Simões
Rodrigues, Círculo de Leitores, Lisboa, 1996, 10 VOL.
História da História em Portugal, sécs XIX/XX, Torgal, Luís Reis, Catroga,
Fernando e outros, Círculo de Leitores, Lisboa,1996.
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A OFICINA DE SÃO JOSÉ NA CIDADE DO PORTO (1880-1909)
PAULA FERREIRA
HISTÓRIA DE PORTUGAL, direcção de José Mattoso, Círculo de Leitores,
Lisboa, 1994, 9 VOL.
HISTÓRIA do PORTO, direcção de Luís A. de Oliveira Ramos, Porto Editora,
Porto, 1994.