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Universidade do Estado do Rio de Janeiro Centro Biomédico Faculdade de Enfermagem Karla Gonçalves Camacho A enfermeira obstétrica frente às transformações de sua prática consequente ao movimento de humanização do campo obstétrico hospitalar Rio de Janeiro 2010

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Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Centro Biomédico

Faculdade de Enfermagem

Karla Gonçalves Camacho

A enfermeira obstétrica frente às transformações de sua prática

consequente ao movimento de humanização do campo obstétrico hospitalar

Rio de Janeiro

2010

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Karla Gonçalves Camacho

A enfermeira obstétrica frente às transformações de sua prática consequente ao

movimento de humanização do campo obstétrico hospitalar

Dissertação apresentada, como requisito parcial

para obtenção do título de Mestre, ao Programa

de Pós-Graduação em Enfermagem, da

Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Área

de concentração: Enfermagem, Saúde e

Sociedade.

Orientadora: Profa. Dr

a. Jane Márcia Progianti

Rio de Janeiro

2010

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CATALOGAÇÃO NA FONTE

UERJ/REDE SIRIUS/CBB

Autorizo, apenas para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial

desta dissertação.

________________________________________ _________________________

Assinatura Data

C172 Camacho, Karla Gonçalves.

A enfermeira obstétrica frente às transformações de sua prática

consequente ao movimento de humanização do campo obstétrico hospitalar

/ Karla Gonçalves Camacho. - 2010.

129 f.

Orientadora: Jane Márcia Progianti.

Dissertação (mestrado) – Universidade do Estado do Rio de Janeiro,

Faculdade de Enfermagem.

1. Humanização do parto. 2. Enfermagem obstétrica 3. Mulheres - Saúde

e higiene. I. Progianti, Jane Márcia. II. Universidade do Estado do Rio de

Janeiro. Faculdade de Enfermagem. III. Título.

CDU

614.253.5

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Karla Gonçalves Camacho

A enfermeira obstétrica frente às transformações de sua prática consequente ao

movimento de humanização do campo obstétrico hospitalar

Dissertação apresentada, como requisito parcial

para obtenção do título de Mestre, ao Programa

de Pós-Graduação em Enfermagem, da

Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Área

de concentração: Enfermagem, Saúde e

Sociedade.

Aprovada em 05 de março de 2010.

Banca Examinadora:

_________________________________________

Profª. Drª. Jane Márcia Progianti (Orientadora)

Faculdade de Enfermagem da UERJ

_________________________________________

Profª. Drª. Adriana Lenho de Figueiredo Pereira

Faculdade de Enfermagem da UERJ

_________________________________________

Profª. Drª. Ana Beatriz Azevedo Queiroz

Faculdade de Enfermagem da UFRJ

Rio de Janeiro

2010

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DEDICATÓRIA

Dedico esta dissertação à minha família razão do meu existir. Com vocês eu sei que posso dar

voos mais altos, pois tenho a certeza de que eu sempre terei meu porto seguro. Todas as

minhas alegrias e conquistas só foram possíveis por vocês existirem. Amor, respeito e

carinho.

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AGRADECIMENTOS

Meu Deus e meu Senhor, a Ti todos os louvores e honras. Obrigada por mais esta

conquista. Obrigada por iluminar e conduzir meus passos em todas as situações. E a ti

Mãezinha, pelo abraço acolhedor e fonte intercessora nos momentos de dificuldade.

Agradeço a minha orientadora, Jane Márcia Progianti, pelo carinho, paciência e

doação. Obrigada por dividir um pouquinho do seu conhecimento comigo e principalmente

por não desistir de me orientar e acreditar no meu potencial. Muito obrigada!

À minha mãe, Maria José Gonçalves Camacho, pelo amor mais doce e delicado que eu

poderia receber.

Ao meu pai, Crisóstomo Nunes Camacho, pelo incentivo.

Agradeço à minha tia Marivane Gonçalves, pela acolhida e amor incondicional, pelos

mimos e paciência. Minha mãezinha carioca. Meu respeito e gratidão.

Ao meu vovô, Amabílio Gonçalves, gratidão e respeito pela vida de dedicação.

À minha irmã Patrícia Gonçalves Camacho, meu grande apoio nos delírios e nos voos

da vida.

À minha sobrinha linda, Maria Eduarda Camacho Baptista, fonte de alegria e carinho

puro e sincero.

Ao meu namorado, Fabiano Fernandes Dias, pelo carinho, incentivo e amor. Obrigada

por me ajudar a construir e desconstruir a cada dia em busca da perfeição e da felicidade.

À tia Gilzete Baptista, pelas conversas descontraídas, por conseguir me tirar do sério

sem grande dificuldade.

Aos meus amigos de turma, em especial à Ana Paula Salgado, Raquel Fonseca, Maria

da Glória Nunes, Fernanda Gorgulho, Andrea Lopatko e José Antônio, pela força e por

compartilharem comigo os desafios desta trajetória.

Ao amigo Ricardo José Oliveira Mouta, por compartilhar comigo seus pensamentos

Bourdianos na reta final da dissertação.

Às amigas e irmãs Márcia Araújo e Adriana Carla Feques, pelas ajudas nos momentos

de dificuldade. Tenho muito orgulho de nossa amizade.

Aos amigos da Escola Nacional de Saúde Pública, pela força desde o momento de

submissão do projeto para a seleção do mestrado, vocês foram especiais, em particular

Marcinha, Renata, Nice, Amanda, Daniele Aguiar, Jussara e em especial Maria Rosa grandes

amigas e incentivadoras.

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Aos funcionários da secretaria da pós-graduação: Marcelo, Renan e Fabíola, pela

paciência e ajuda nos obstáculos burocráticos.

Aos funcionários do NIEP/INCA Alexandre e Kátia Magalhães, pelo apoio nesta

difícil dupla jornada.

Às amigas e companheiras da pediatria do Hospital do Andaraí, Débora, Gisele, Maria

da Glória, Márcia e Rosângela, pelo apoio, carinho, incentivo e paciência nos momentos de

tensão. Vocês foram especiais.

Ao Grupo de Pesquisa sobre Gênero, Poder e Violência da Enfermagem da Faculdade

de Enfermagem da UERJ, onde sempre fui muito bem recebida e acolhida em minhas

inquietudes. Em especial ao Prof. Dr. Octávio Muniz da Costa Vargem e Profª Drª Lucia

Helena Garcia Pena, pelos conhecimentos acadêmicos compartilhados e o incentivo em

prosseguir nesta árdua jornada.

Às enfermeiras entrevistadas por compartilharem comigo um pouco das suas vidas e

histórias da enfermagem obstétrica.

Aos meus amigos, pelo incentivo e paciência.

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Esquecer o passado é negar toda efetiva experiência de vida, negar o futuro é abolir a

possibilidade do novo a cada instante.

Adauto Novaes

Não quero ser notícia depois de morto, porque o tema deve ser a vida e não a morte.

Nelson Rodrigues

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RESUMO

CAMACHO, Karla Gonçalves. A enfermeira obstétrica frente às transformações de sua

prática consequente ao movimento de humanização do campo obstétrico hospitalar. 2010.

129f. Dissertação (Mestrado em Enfermagem) – Faculdade de Enfermagem, Universidade do

Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2010.

Este estudo de perspectiva histórico-social estuda as transformações das práticas das

enfermeiras obstétricas consequente ao movimento de humanização do campo obstétrico

hospitalar. Tem por objetivos: identificar o capital global das enfermeiras obstétricas; analisar

as concepções das enfermeiras sobre a prática profissional no campo obstétrico hospitalar no

contexto do movimento de humanização; discutir as transformações percebidas pelas

enfermeiras obstétricas sobre sua prática. Utilizei como método a história oral. Os sujeitos

foram 25 enfermeiras que vivenciaram no campo obstétrico hospitalar, antes e após a

implementação do movimento de humanização. Os cenários foram seis maternidades

municipais do Rio de Janeiro. A técnica de coleta de dados foi a entrevista semiestruturada. À

luz da perspectiva histórica realizarei a análise dos dados, tendo como base os pressupostos de

Pierre Bourdieu. A conjuntura obstétrica do nascimento das entrevistadas era a de transição

do parto domiciliar para o ambiente hospitalar. O cenário do parto e nascimento de muitas

delas foi uma instituição pública de saúde ou conveniada. As agentes são oriundas de famílias

humildes, com pouco capital econômico e cultural. Ressalta-se que as condições de

acumulação de capital destas enfermeiras, à época, foram proporcionais às oportunidades que

tiveram no campo social em que se encontravam e do processo de socialização. Algumas,

após o curso de graduação em enfermagem, buscaram a especialização para adquirir um

certificado, que lhes aumentasse o volume de capital e as legitimasse para a realização da

assistência ao parto normal. O contexto político onde muitas adquiriram o título de

especialista era o de implementação do modelo humanizado no campo obstétrico do

município do Rio de Janeiro, favorável para a redução de práticas intervencionistas à

parturiente com o incentivo ao parto normal focado na autonomia e no empoderamento

feminino. Desse modo, as enfermeiras perceberam que as lutas dos agentes no campo

obstétrico para a implantação de um novo modo de agir na obstetrícia foram importantes no

processo de mudança de suas práticas. Especificamente sobre as transformações de sua

práticas elas evidenciaram que, com esse movimento social e político elas passaram a ver e a

assistir a mulher, de forma mais próxima, mais humanizada através da aquisição de capital

cultural eficiente, outra evidência destacada foi quanto à questão das lutas, houve o

reconhecimento de que as lutas foram importantes no processo de mudança, pois com estas

foi possível adquirir lucros simbólicos significativos que permitiram gerar mudanças de

posição e de práticas obstétricas no campo hospitalar.

Palavras-chave: Parto humanizado. História da enfermagem. Enfermagem obstétrica.

Humanização do nascimento. Saúde da mulher

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ABSTRACT

This historical prospective study of social studies the changing practices of Obstetric

Nurses (midwives) to the consequent movement of the humanization of obstetric field

hospital. Its goals: to identify the global capital of midwives, to analyze the opinions of nurses

on the practice field obstetric hospital in the context of humanization movement, to discuss

the changes seen by the midwives on the practice. I used as a method of oral history. The

subjects were twenty-five nurses who experienced obstetric hospital in the field before and

after the implementation of humanization movement. The scenarios were six maternity

hospitals in Rio de Janeiro. The technique of data collection was a semi-structured interview.

In the light of historical perspective will perform data analysis, based on the assumptions of

Pierre Bourdieu. The situation obstetric birth of the interviewees was the transition from home

birth to hospital. The scene of childbirth for many of them was a public health institution or

outsourced. The agents are from poor families, with little economic and cultural capital. It is

emphasized that the conditions of capital accumulation of these nurses at the time were

proportional to the opportunities they had in the social field they were in and the process of

socialization. Some, after the undergraduate course in nursing have sought to acquire a

specialization certificate, they increase the amount of capital and to legitimize the

performance of normal delivery assistance. The political context where many have acquired

the specialist title was the implementation of a humanized model in the field of obstetric Rio

de Janeiro, favorable for the reduction of interventionist practices for women during childbirth

to the promotion of normal birth focus on autonomy and female empowerment. Thus, the

nurses realized that the struggles of workers in the field ward for the deployment of a new

way of acting in obstetrics were in the process of changing their practices. Specifically on the

transformation of their practice they showed that with this social and political movement they

began to see and watch women as a closer, more human through the acquisition of cultural

capital efficient, other evidence has highlighted the question of fighting, there was the

recognition that the fights were in the process of change, because these could be acquired

symbolic profits that have produced significant changes in position and obstetrical practices in

hospitals.

Keywords: Humanized birth. Nurse history. Obstretics Nursing. Humanization of birth.

Women's health.

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SUMÁRIO

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2.6

2.7

2.8

2.9

3

4

5

5.1

5.2

5.3

6

6.1

6.2

7

CONSIDERAÇÕES INICIAIS............................................................................

ABORDAGEM TEÓRICA...................................................................................

Conceitos Teóricos ................................................................................................

METODOLOGIA .................................................................................................

Tipo de estudo........................................................................................................

Método....................................................................................................................

Sujeitos da pesquisa...............................................................................................

Cenários..................................................................................................................

Recorte Temporal..................................................................................................

Técnica de coleta de dados....................................................................................

Coleta de dados......................................................................................................

Método de análise e interpretação dos dados......................................................

Aspectos Éticos e Legais do estudo .....................................................................

O CAPITAL GLOBAL DAS ENFERMEIRAS................................................

A AQUISIÇÃO E ATUALIZAÇÃO DO HABITUS PROFISSIONAL..........

AS TRANSFORMAÇÕES PERCEBIDAS PELAS ENFERMEIRAS

OBSTÉTRICAS NO CAMPO OBSTÉTRICO HOSPITALAR......................

Contexto internacional e nacional da saúde da mulher...................................

Incentivo à enfermagem obstétrica....................................................................

Transformação da visão em relação à mulher....................................................

AS PRÁTICAS DESENVOLVIDAS PELAS ENFERMEIRAS E SUA

ARTICULAÇÃO COM O MOVIMENTO DE HUMANIZAÇÃO.................

Mudança na prática assistencial no processo do nascimento...........................

As lutas simbólicas .............................................................................................

CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................................

REFERÊNCIAS.....................................................................................................

APÊNDICE A - Solicitação para utilização dos nomes e acesso às Instituições

Hospitalares.............................................................................................................

APÊNDICE B - Termo de Cessão de Direitos sobre Depoimento Oral................

APÊNDICE C - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido............................

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APÊNDICE D - Instrumento de Coleta de Dados..................................................

APÊNDICE E - Quadro de Caracterização dos Sujeitos.......................................

ANEXO A - Protocolo de Aprovação do estudo pelo Comitê de Ética da

SMS/RJ....................................................................................................................

ANEXO B - Solicitação para realização de Pesquisa à Direção do Hospital

Maternidade Alexander Fleming.............................................................................

ANEXO C - Solicitação para realização de Pesquisa à Direção do Hospital

Maternidade Carmela Dutra....................................................................................

ANEXO D - Solicitação para realização de Pesquisa à Direção do Hospital

Maternidade Herculano Pinheiro............................................................................

ANEXO E - Solicitação para realização de Pesquisa à Direção do Instituto

Municipal da Mulher Fernando Magalhães............................................................

ANEXO F - Solicitação para realização de Pesquisa à Direção da Maternidade

Leila Diniz...............................................................................................................

ANEXO G - Solicitação para realização de Pesquisa à Direção da Maternidade

Osvaldo Nazareth....................................................................................................

ANEXO H - Carta de apresentação da orientadora................................................

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CONSIDERAÇÕES INICIAIS

O objeto deste estudo é as transformações das práticas das enfermeiras obstétricas

consequente ao movimento de humanização do campo obstétrico hospitalar; no município do

Rio de Janeiro, no período de 1998 até os dias atuais.

É um estudo com fundo histórico, cujos marcos de mudanças da história da saúde do

país e até mesmo em nível internacional serão destacados, assim como a conjuntura de

implementação de práticas obstétricas humanizadas no ambiente hospitalar serão relembradas.

haverá registro dos macros acontecimentos, porém destaca-se que o foco deste estudo será o

micro universo das maternidades municipais do Rio de Janeiro.

No Brasil, na década de 70, os grupos de resistência ao autoritarismo político do

período da ditadura militar lutavam pela melhoria das condições de vida e de trabalho da

população brasileira, principalmente a feminina, com enfrentamento e superação das

privações, discriminações e opressões vivenciadas pelas mulheres (NAÇÕES UNIDAS,

1996).

Observamos também que foi nessa década que ocorreu o auge da hospitalização do

parto, num contexto histórico da reforma universitária de 1968, quando as escolas de

enfermagem do país auferiram o monopólio de formar os profissionais não médicos e

qualificá-los na assistência ao parto normal no hospital (MOUTA, 2008).

À década de 70, a política de saúde vigente encontrava-se polarizada entre as ações de

caráter coletivo, a cargo do Ministério da Saúde e a assistência médica individual centrada no

Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), órgão do Ministério da Previdência e

Assistência Social (MPAS). A partir do governo do Presidente Jucelino Kubitscheck de

Oliveira privilegiou-se a privatização dos serviços e a hospitalização, ações que ganharam

força pelo acelerado processo de industrialização (PAULUS JÚNIOR; CORDONI JÚNIOR,

2006; BRAGA, 1981). Observou-se que em 1972, no Brasil, ―iniciou-se a ampliação da

abrangência previdenciária. As empregadas domésticas e os trabalhadores rurais foram

beneficiados pela cobertura de assistência médica no sistema de saúde e, em 1973

incorporaram-se os trabalhadores autônomos‖ (PAULUS JÚNIOR; CORDONI JÚNIOR, p.

15, 2006).

E no mundo, mais precisamente em Santiago do Chile, em outubro de 1972, realizava-

se a Reunião dos Ministros de Saúde das Américas, que teve como objetivo avaliar os

avanços alcançados no período 1961-70, nas terminações objetivadas pela Carta de Punta del

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Este, e ainda delimitar novas para o período 1971-80. As recomendações propostas foram:

desenvolver nos países membros um processo de planificação de recursos humanos integrados

a planificação da saúde; em cada país desenvolver pessoal de saúde de todo nível, incluindo

pesquisadores (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 1996).

No ano seguinte, em 1973, aconteceu a Conferência Pan-Americana sobre

Planificação de Recursos Humanos em Saúde que se realizou em Ottawa, no Canadá, onde se

discutiu estratégias determinantes para o avanço do tema recursos humanos como foco para a

discussão dos avanços considerados necessários à saúde pública no continente, também

apontados pela Carta de Punta del Este (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 1996).

E foi no início da década de 70, em pleno autoritarismo da ditadura militar, que o

processo de hospitalização do parto atingiu seu ápice (OSAVA, 1997). Nesse período, as

enfermeiras não se destacavam na implementação das práticas obstétricas hospitalares, mas

sim com trabalhos voltados para atividades administrativas nos cenários hospitalares

(PROGIANTI, 2001).

Somente a partir de 1972, após a reforma universitária de 1968, foi que as escolas de

enfermagem brasileiras conseguiram ganhar o monopólio legal para formação de profissionais

não médicos para atuarem na assistência ao parto normal. Para tal, criaram os cursos de

habilitação e de especialização em enfermagem obstétrica (PROGIANTI, 2001). Nessa época,

nos hospitais, ainda não era possível a inserção das enfermeiras na assistência ao parto,

devido à dominação da corporação médica vigente no campo hospitalar, o que gerava uma

verdadeira luta das professoras para que as atividades práticas de ensino do parto fossem

viabilizadas nos espaços que não tinham tantos profissionais.

Muitas mudanças ocorreram nas determinações programáticas na área da saúde da

mulher e da criança, todas elas inseridas no contexto das políticas públicas, e nas necessidades

da população alvo e dos profissionais de saúde. Tais mudanças foram importantes para

respeitar as metas propostas na Conferência de Alma Ata de melhoria gradual da saúde da

sociedade, e não a consideração da saúde como ausência de enfermidade (TYRRELL, 1994).

De acordo com os diferentes estágios dos movimentos socioeconômicos, torna-se necessário

discutir e ampliar o repensar do papel do enfermeiro obstetra para ajustar ao máximo a

profissão à sociedade (SILVA, 1995). E os principais focos naturais dessas discussões são as

entidades de classe em que a enfermeira obstetra participa, e esses debates ocorrem em duas

instâncias: uma em caráter de especialidade representada pelos Sindicatos e Associações

Profissionais do Enfermeiro; Conselho Federal de Enfermagem e outra instância são

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caracterizados pelas outras categorias afins que seriam, por exemplo: as Associações de

Docentes, de funcionários e de estudantes (SILVA, 1995).

No ano de 1972, ocorreu, em Washington, a I Reunião do Comitê da OPS/OMS em

Ensino de Enfermagem Materno-infantil, com a participação de representantes de várias

Escolas da América Latina. Segundo Silva (1995, p. 6), nessa reunião foram apresentadas

características dos programas de ensino de enfermagem obstétrica, objetivos e funções do

enfermeiro obstetra (nas áreas de: assistência, educação, administração e pesquisa). Ou seja,

foram apresentadas ferramentas de estruturação dos programas das escolas de enfermagem,

permitindo dessa forma ajudar a padronização dos conteúdos essenciais aos cursos de

formação em enfermagem.

E o alicerce dessas discussões está, em muitos casos, nos seminários estaduais,

regionais e nacionais que sinalizam a necessidade de se questionar a formação do enfermeiro

e sua atuação no campo de forma a ajustar o profissional ao contexto social, político e

econômico vigente (SILVA, 1995), e esse ajustamento sinaliza a constante necessidade de

reformulação e reestruturação curricular dos programas de enfermagem.

Nesse mesmo contexto de mudanças em muitos aspectos político-sociais, percebe-se

também um efervescer do movimento de mulheres, no Brasil, que desde o início era

representativo de vários grupos femininos diferenciados, houve expressão de posições nem

sempre convergentes, tanto no contexto social, racial, ou espacial, mas que configuravam uma

força política importante de contestação e enfrentamento à política vigente. Seu alto nível de

organização e o contexto social favorável ajudaram na consolidação da participação feminina

na luta pela redemocratização do país (FERREIRA; BONAN, 2005; BOREATTO, 2003).

Com o reconhecimento da participação feminina nas lutas políticas, em 1975 ocorreu

o intitulado 1º ano internacional da mulher, ano de consagração deste título. E realizou-se a I

Conferência Mundial da Mulher, promovida pela Organização das Nações Unidas – ONU.

Nesse evento foi instituída a década da mulher (1975 a 1985), um momento de destaque para

discutir uma série de questões relacionadas com a mulher. Nessa conferência discutiu-se

igualdade entre os sexos, integração da mulher no desenvolvimento e na promoção da paz

(BOREATTO, 2003).

Em 1977 o governo cria o SINPAS-Sistema Nacional de Previdência e Assistência

Social através da Lei 6.439/77, porém, apesar desta lei objetivar a regulamentação do Sistema

Nacional de Saúde, é fato considerar que este sistema efetivamente não existia, observava-se à

época que as ações de saúde eram desenvolvidas de maneira muito partida e sem nenhuma

integração com seus componentes. E por sua vez, a saúde coletiva era considerada um direito

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de todos e a assistência médica hospitalar de forma individualizada direito apenas dos

trabalhadores que eram contribuintes do Sistema Nacional de Previdência Social (PAULUS

JÚNIOR; CORDONI JÚNIOR; 2006; BRAGA, 1981). Nessa época, o Ministério da Saúde

era responsável, pelo menos formalmente, por formular as políticas e desenvolver ações

coletivas, ao Ministério da Previdência e Assistência Social cabia a responsabilidade de

realizar a assistência médica através do INAMPS - Instituto Nacional de Assistência Médica e

de Previdência Social e a formação de recursos humanos para saúde e a prestação de serviços

nos hospitais universitários ficou a cargo do Ministério da Educação, restando ao Ministério

do Interior às incumbências sobre as ações de saneamento e por fim ao Ministério direcionar o

cuidar da higiene e segurança do trabalho (SANTOS, 1994).

Ainda em 1977, o Ministério da Saúde reconhecia o papel primordial da esfera

municipal de governo na estruturação de uma rede de serviços básicos, mas a princípio nada

tinha sido concretizado. Somente em 1978, em um encontro realizado em Campinas, rematou-

se pela atenção primária à saúde como prioridade dos municípios, restando à União e aos

Estados a responsabilidade pelos casos mais complexos - atendimentos secundários e

terciários (ALMEIDA, 1979).

Assim, as discussões pelas causas femininas evoluíram e na década de 80, no Brasil,

ocorreu um grande debate no setor saúde envolvendo pesquisadores, feministas, profissionais

de saúde e órgãos governamentais. Foi uma década de significativas mudanças, período em

que o país começou a reorganizar-se com base no diálogo com a sociedade civil. Assim, a

partir de 1983, o Movimento Sanitário ampliou a proposta de reformulação do sistema de

saúde com o objetivo de produzir mudanças na política de saúde (BOREATTO, 2003).

E com este pensamento de mudanças, criou-se um amplo movimento de oposição ao

modelo de saúde vigente que era excludente, a Reforma Sanitária Brasileira, baseado nos

princípios de universalidade, equidade e integralidade da atenção (ESCOREL, 1999) que

lutava principalmente por um projeto alternativo ao modelo médico-assistencial (MOUTA,

2008). Este movimento, aliado ao movimento feminista e somado ao processo de

redemocratização, organizou o I Encontro Nacional de Saúde da Mulher, em 1984, em

Itapecerica da Serra – SP. Nesse evento estiveram presentes mais de 70 grupos de mulheres e

entre outros aspectos, discutiram as reivindicações de atendimento à saúde em todas as faixas

etárias. As mulheres estavam tentando recuperar o corpo social de conhecimentos teóricos e

posição político-social que as refletissem (LIMA, 1993).

A partir dessa década, o movimento de mulheres aprofundou dois temas básicos:

saúde-sexualidade e violência. Para trabalhar tais temáticas, vários programas e medidas

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foram idealizados pelo governo federal, entre elas o Programa de Assistência Integral à Saúde

da Mulher (PAISM), Delegacia de Defesa da Mulher (1982), Centros de Orientação Jurídica à

Mulher e para vítimas de violência de gênero (NAÇÕES UNIDAS, 1996).

Em plena discussão dos movimentos feministas, foi criado, no ano de 1984, o

Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher – PAISM (BRASIL, 1984), pelo

Ministério da Saúde (MS), em parceria com o Ministério da Previdência e Assistência Social

e as Secretarias Estaduais de Saúde. O PAISM concebia a assistência integral à saúde da

mulher como oferta de ações globalmente dirigidas para assistência de todas as necessidades

de saúde desse grupo, ressaltava também que todo contato que a mulher tivesse com o sistema

de saúde deveria ser direcionado para ofertar benefícios à promoção, proteção e recuperação

de sua saúde (BRASIL, 1984; PROGIANTI, 2001).

Outro marco importante ocorreu no ano seguinte, 1985, quando os gestores públicos

abriram concursos públicos para a Secretaria Municipal e Estadual de Saúde, após 30 anos.

Nessa época, pela primeira vez, no município do Rio de Janeiro, enfermeiras especializadas

em obstetrícia foram lotadas em maternidades1 (PROGIANTI, 2001). Tal fato demonstrou

que essa especialidade da enfermagem estava recebendo reconhecimento social, pois foi

inserida, ainda que de forma incipiente, no espaço hospitalar.

O avanço das discussões na saúde pública brasileira adquiriu sua mais completa

expressão com a VIII Conferência Nacional de Saúde, um evento incomum para a sociedade

civil, pois esta nunca havia sido chamada para um debate, cujas deliberações contribuíram

para a fundação do Sistema Único de Saúde – SUS, com o preceito constitucional de saúde

como direito de todos e dever do Estado e da I Conferência Nacional de Saúde da Mulher, no

ano de 1986, que conduziu para mudanças no setor saúde de forma a torná-lo democrático,

acessível e socialmente equitativo (GERSCHMAN, 2004).

No mesmo ano, 1986, sancionou-se a Lei do Exercício Profissional da Enfermagem nº.

7498/86, que veio ratificar os registros anteriores que já garantiam aos profissionais titulares

de diploma ou certificado de obstetriz ou enfermeira obstétrica, além das atividades de que

trata o artigo precedente das atribuições do enfermeiro generalista, prestar assistência direta à

parturiente e ao parto normal, assim como identificar distócias e tomar providências imediatas

até chegada do médico, além de realizar episiotomia e episiorrafia e aplicar anestesia local

quando necessária (CONSELHO FEDERAL DE ENFERMAGEM, 2007).

1 Pela legislação brasileira que rege o exercício profissional da enfermagem (lei nº 7498, de 25 de junho de 1986, lei 94.406

de 08 de junho de 1987 e resolução COFEN 240), apenas a enfermeira obstétrica ou a obstetriz podem realizar assistência de

enfermagem direta à gestante, parturiente, puérpera e ao recém-nascido no parto normal.

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E no ano seguinte, 1987, ocorreu a Conferência Internacional sobre Maternidade

Segura, realizada em Nairobi, no Quênia, quando se colocou mais uma vez, em nível

internacional, a discussão sobre o problema da mortalidade materna por complicações ligadas

à gestação, parto e puerpério, ou seja, ao processo de nascimento, ressaltando-se nesse

contexto a saúde materna como preocupação mundial.

No Rio de Janeiro, ainda em 1987, ocorre a reabertura da antiga Maternidade

Fernando Magalhães com o nome de Instituto Municipal da Mulher Fernando Magalhães–

IMMFM, vinculado à Secretaria Municipal de Saúde. Essa instituição hospitalar, no contexto

de implementação dos princípios do SUS, recebeu o status de Instituto para que pudesse ser

referência para capacitação de recursos humanos da rede e de assistência às gestantes de alto

risco, e teve nesse período, pela primeira vez em sua história, na direção da instituição uma

mulher-médica (SANTOS, 2006), fato significativo e favorável às mudanças na área materno-

infantil.

Já no contexto nacional, no Brasil, em 1988, promulgou-se a Constituição Federal,

chamada de cidadã, proclamada com igualdade jurídica entre homens e mulheres, com

ampliação dos direitos civis, sociais e econômicos das mulheres, onde o princípio de

integralidade à saúde da mulher passou a ser abordado e respeitado como direito e dever do

Estado. Com essa Constituição, a saúde estabeleceu-se como direito universal, passando a ser

dever constitucional de todas as esferas de Governo. E ampliou-se o conceito de saúde

vinculando-o às políticas sociais e econômicas (PAULUS JÚNIOR; CORDONI JÚNIOR,

2006; BRAGA, 1981).

Simultaneamente, em meio a essa efervescência política nacional, no Rio de Janeiro,

houve a inserção e o início da participação da enfermeira obstétrica na assistência direta ao

parto hospitalar. Tal fato aconteceu no já citado Instituto da Mulher Fernando Magalhães

onde, à época, o objetivo dessa inserção era, pelo menos no discurso médico, de diminuir o

índice de asfixia perinatal. Nesse caso, os agentes seriam estratégicos na assistência ao pré-

parto, centrada no controle e na vigilância ao parto (SANTOS, 2006).

No entanto, a participação da enfermeira na assistência ao parto dessa maternidade,

que tinha como perfil o alto grau de complexidade assistencial e a medicalização no período

reprodutivo, não propiciou grandes mudanças nos procedimentos intervencionistas na

assistência obstétrica, mas iniciou uma nova abordagem de assistência à mulher, isto é, a

abordagem não médica centrada no cuidado integrado e na mulher, capital incorporado no

habitus profissional da enfermeira. Podemos considerar que esse foi um primeiro passo para

que o grupo de enfermeiras obstétricas pudesse acumular capital para lutas futuras na

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transformação do campo obstétrico hospitalar medicalizado no município do Rio de Janeiro

(SANTOS, 2006).

Nessa ocasião, as discussões sobre a saúde da mulher era assunto de quase todas as

nações do mundo, mas também estava em alta a temática sobre meio ambiente. Assim foi

realizada a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (RIO-

92 ou ECO-92), em 1992, na cidade do Rio de Janeiro, onde foram discutidos, entre outros

aspectos, recomendações, mecanismos e metas para integrar as mulheres e a questão de

gênero em todos os níveis de governo (bases do documento intitulado Agenda 21); esses

temas foram enriquecedores para o futuro das discussões sobre o parto e nascimento,

concebendo aos poucos a visão de que o feminismo e ecologia estavam ligados

intrinsecamente (MOUTA, 2008). Esse registro histórico da interação da questão da mulher

ao meio ambiente foi importante, pois mais tarde se refletiu no movimento de humanização e

na enfermagem. Um resgate das discussões e decisões ocorridas nessa conferência ocorreu no

ano de 2002 quando foi realizado I Congresso Internacional de Ecologia do Parto e

Nascimento, na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).

Decorrente desses movimentos, em 1993, foi criada a Rede de Humanização do

Nascimento (REHUNA), composta de profissionais de saúde da rede pública, organizações

não governamentais (ONGS) e outros. A REHUNA tornou-se uma parceira da OMS

propondo como objetivo apoiar iniciativas de humanização do nascimento em serviços

públicos e privados. Nesse mesmo ano, começou a ser elaborado o Projeto Curicica: uma

maternidade amiga da mulher e da criança, que previa a inauguração de uma maternidade na

zona oeste do Rio de Janeiro – Maternidade Leila Diniz, com a missão institucional de

implementar práticas obstétricas em uma estrutura acolhedora que facilitassem o

protagonismo da mulher e da criança (LIMA, 1997). Essa foi a primeira maternidade do

município do Rio de Janeiro a organizar normas técnicas que incluísse a regulamentação de

aspectos relativos ao acolhimento, humanização e autonomia da mulher (BOARETTO, 2003).

E, em 1993, também ocorreu um fato significativo para a enfermagem obstétrica em

uma reunião realizada em Salvador-BA, pela Federação Brasileira das Sociedades de

Ginecologia e Obstetrícia, onde se discutiu a problemática da questão das cesarianas, e como

recomendação estipulou-se que fossem introduzidas a obstetriz e as enfermeiras obstétricas

nas maternidades públicas e privadas, como uma estratégia de redução das altas taxas de

cesariana no país (OSAVA, 1997).

E outro fato histórico datado deste ano foi a Reunião Interinstitucional sobre

Assistência ao Parto, que ocorreu em Brasília-DF, promovida pelo Ministério da Saúde e a

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Organização Pan-Americana de Saúde, quando ficou registrada a discussão sobre a legislação

do exercício profissional de enfermagem, assim como a normatização técnica das atividades

das obstetrizes e das enfermeiras obstétricas, fato que avalizou a essas profissionais o direito

legitimado de exercerem as atribuições para qual estão habilitadas e respaldadas. Foi um

resgate da enfermeira obstétrica dentro de seu campo de atuação, tendo como instrumento de

barganha as altas taxas de cesariana no ambiente hospitalar de assistência ao parto e

nascimento (OSAVA, 1997). No sentido de reduzir as taxas de cesárea houve, entre um

conjunto de iniciativas, o apoio a que o parto sem complicações fosse atendido pela

enfermeira obstetriz (DINIZ, 2001).

E no final da década de 90, emergida por este processo de reformulações e discussões

sobre o parto, começou a ser apresentada a expressão humanização que remete a ―uma forma

de cuidar mais atenta tanto para os direitos de cidadania quanto para as questões

intersubjetivas entre pacientes e profissionais, visando uma modificação de cultura do

atendimento‖ (DIAS, 2006, p. 8). A atenção humanizada na assistência ao parto envolve a

aplicabilidade de um conjunto de conhecimentos, somados às práticas e às atitudes que visam

à promoção do parto e do nascimento de forma saudável e à prevenção da morbimortalidade

materna e perinatal através de tecnologias não-intervencionistas (DINIZ, 2005). E para

completar a compreensão sobre humanização, mas na obstetrícia, ressalto o registro de Mouta

(2008, p. 21) quando ele diz que ―o termo humanização da assistência obstétrica expressa uma

mudança na compreensão do parto como experiência humana‖. Essa concepção e

incorporação da humanização na assistência obstétrica interferem diretamente no parto e

nascimento.

Um marco importante que registra a implantação deste modelo de atenção humanizada

na assistência obstétrica ocorreu em 1994 com a inauguração da Maternidade Leila Diniz.

Neste cenário as enfermeiras obstétricas tiveram uma relevante participação como agente

estratégico na divulgação das práticas obstétricas que estimulassem o parto ativo, autonomia e

acolhimento da parturiente (MOUTA, 2008).

No Rio de Janeiro, graças ao processo de implementação do SUS e da descentralização

de ações e serviços, o Município ganhou maior autonomia e status decisório em iniciativas locais.

Dessa forma, passou a realizar investimentos pautados na qualificação e humanização da

assistência à saúde da mulher e da criança, entre eles seminários, encontros e diagnósticos

situacionais que proporcionavam evidenciar deficiências no panorama das necessidades

municipais na assistência à saúde da mulher e da família (BOARETTO, 2003).

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Em 15 de setembro de 1995 foi realizada a IV Conferência Mundial sobre a Mulher,

que ocorreu no momento em que mundialmente se discutiam os direitos humanos e de

liberdade fundamentais para emancipação e exercício do poder da mulher. Nessa conferência

objetivava-se discutir a igualdade, desenvolvimento e paz para todas as mulheres, em todos os

lugares e em toda a humanidade. Incluía-se a promoção, progresso, direito de liberdade de

pensamento, consciência, necessidades existenciais individuais ou em associação com outros.

Este pensamento visava estimular a participação da mulher nos processos decisórios e acesso

ao poder, como pré-requisito para a igualdade social (NAÇÕES UNIDAS, 1996).

Neste mesmo ano, embebido deste pensamento sobre melhor observância da mulher, o

Ministério da Saúde, a Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO), o

Fundo das Nações para a Infância (UNICEF), a Organização Pan-Americana de Saúde (OPS),

Organização Mundial de Saúde (OMS) e o Fundo das Nações Unidas (FNUAP) lançam o

Projeto Maternidade Segura2, no Brasil. Conjunto de parâmetros e procedimentos técnicos e

de avaliação de serviços denominados ―Oito Passos para a Maternidade Segura‖

(VALLADARES, 1999).

Em 1996, a Organização Mundial de Saúde (OMS) preconiza que a taxa de cesariana

não deve ultrapassar 15%. Essa intervenção cirúrgica tem sido apontada como um dos fatores

que têm colaborado para as altas taxas de mortalidade materna. A mulher que faz cesariana

pode ser exposta a riscos desnecessariamente, tanto durante a operação quanto no pós-

operatório, se sua indicação não for precisa (VALLADARES, 1999).

E na esfera municipal, em paralelo com esse momento nacional e mundial de

mudanças na saúde materna, na Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro, houve a

absorção de três grandes maternidades que eram do Ministério da Saúde, ou seja, a

municipalização das antigas maternidades do INAMPS: Hospital Maternidade Alexander

Fleming, Hospital Maternidade Carmela Dutra e Hospital Maternidade Osvaldo Nazaré

(conhecida como Maternidade da Praça XV) transformando-as em cenários municipais de

assistência ao parto e nascimento dentro da perspectiva da humanização e integralidade da

mulher (PROGIANTI, 2001).

Ou seja, seria necessário melhorar o acesso ampliando a cobertura e implantar um modelo

de atenção que fosse mais centrado nas necessidades das mulheres. Um dos maiores desafios seria

exigir da equipe de saúde não só competência técnica, mas atenção e respeito às necessidades da

mulher e sua família.

2 O Projeto Maternidade Segura consiste num esforço interinstitucional cujo objetivo é reduzir as taxas de mortalidade

materna e infantil (perinatal) nos cinco continentes. A humanização no atendimento ao parto é a grande tônica deste projeto,

ou seja, a valorização do indivíduo e do nascimento (PEREIRA, 2001).

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Porém, mesmo com a expansão das novas políticas direcionadas para a saúde da

mulher, as enfermeiras obstétricas só foram inseridas na assistência direta ao parto

humanizado na Maternidade Leila Diniz, no ano de 1996, e a partir do desenvolvimento de

várias estratégias de luta nessa instituição que permitiram assim ocupação e permanência

nesse espaço; entre essas estratégias destacam-se: a realização pelas enfermeiras de curso de

especialização em Enfermagem Obstétrica para aquisição de capital institucionalizado

eficiente para o campo obstétrico; implementação do Projeto de Assistência ao Parto e

Nascimento por Enfermeiros Obstetras (PAPNEO), com a sistematização da assistência

humanizada de enfermagem obstétrica; divulgação do capital institucionalizado incorporado;

contabilização dos partos assistidos pelas enfermeiras obstétricas e inculcação do parto

humanizado nas gestantes através do grupo de gestantes (MOUTA, 2008).

E com este mesmo intuito de expandir a assistência humanizada ao parto, em 1998, a

Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro resolve lançar o Projeto de Implantação da

Assistência de Enfermagem à Gestante e à Parturiente na Área Programática 3.3, que

corresponde a quatro regiões administrativas: Irajá, Madureira, Anchieta e Pavuna

(PEREIRA, 2006), fato que incorporou as maternidades Alexander Fleming e Herculano

Pinheiro.

Nesse mesmo ano, foram estabelecidas parcerias para melhorar ainda mais a

qualificação da assistência perinatal, entre elas com a Universidade do Estado do Rio de

Janeiro para capacitação de enfermeiras no modelo humanizado (PROGIANTI, 2001),

objetivando-se com isso garantir adequação técnico-científica aos profissionais para dessa

forma oferecer à mulher possibilidade de vivenciar o parto e o nascimento de seu filho de

forma mais humanizada. Elemento essencial para as enfermeiras adquirirem o capital

institucionalizado e criarem estratégias de inserção e permanência nestes campos. É

importante salientar que havia enfermeiras obstetras atuando diretamente na atenção ao parto

num período anterior, em duas maternidades municipais do Rio de Janeiro: Instituto

Municipal da Mulher Fernando Magalhães (desde 1988), e a Maternidade Municipal Leila

Diniz (desde 1994) (PEREIRA, 2006).

No ano seguinte, o Ministério da Saúde publicou a Portaria 985/1999, que criou os

Centros de Parto Normal no SUS com incentivo ao atendimento à mulher no ciclo gravídico

puerperal. O estímulo à criação de Casas de Parto foi, entre outros aspectos, baseada na

evidência de que este poderia se tornar um recurso também seguro para o nascimento e com

boa aceitação pelas mulheres, em um contexto de uma rede de referência hierarquizada de

assistência (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAUDE, 1996a).

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E em 2000, foi criado o Programa de Humanização do Pré-natal e Nascimento (PHPN)

que veio para complementar e estabelecer ações para a assistência à saúde materna. Esse

programa teve como objetivo primordial ―assegurar a melhoria do acesso, da cobertura e da

qualidade do acompanhamento pré-natal, da assistência ao parto e puerpério às gestantes e ao

recém-nascido, na perspectiva dos direitos de cidadania‖ (BRASIL, 2002, p.5). Seus

fundamentos ressaltam que é dever da unidade receber, com acolhimento e dignidade, a

mulher e seus familiares, além de investir na adoção de medidas benéficas ao

acompanhamento do parto e nascimento (BRASIL, 2002). Esse conceito de humanização

passou a ser inserido nas práticas em saúde, e quando se fala em nascimento, nas práticas

obstétricas. Prática em saúde remete modos de fazer que impliquem estratégias e táticas de

pessoas e grupos desenvolvidos, em determinados contextos (CERTEAUD, 2007).

Em 18 de janeiro de 2002, foi publicado no Diário Oficial do Município do Rio de

Janeiro um decreto da prefeitura dispondo sobre a aprovação do Programa de Qualificação da

Assistência Perinatal da cidade do Rio de Janeiro. A publicação reafirma o compromisso com

a qualificação da assistência perinatal, com o aumento da cobertura e da qualidade da

assistência pré-natal, com a implantação de sistema hierarquizado de atenção ao pré-natal e

parto, com a garantia de assistência ao parto em maternidades preestabelecidas, com a

redução da mortalidade materna e perinatal e com o aumento da oferta de leitos obstétricos e

neonatais (BOREATTO, 2003).

Outra iniciativa governamental foi realizada em 2004 pelo presidente em exercício

Luiz Inácio Lula da Silva, que sancionou a Lei nº 10.745, que instituiu o ano da mulher e,

como complementar a essa lei, estabeleceu que o poder público devesse, neste mesmo ano,

incentivar e promover programas e atividades voltadas para a saúde da mulher. Sendo assim,

foi elaborado pelo Ministério da Saúde o documento Política Nacional de Atenção Integral à

Saúde da Mulher – Princípios e Diretrizes, cuja política enfoca o compromisso com a

implementação de ações de saúde que favoreçam e garantam aos cidadãos o direito mínimo à

saúde visando reduzir morbimortalidade por causas previsíveis e evitáveis (BRASIL, 2006).

A nova proposta lançada pelo Ministério da Saúde na Política Nacional de Atenção Integral à

Saúde da Mulher é mais abrangente e visa ampliar e qualificar a atenção à saúde da mulher,

inclusive para as portadoras da infecção pelo HIV e outras DSTs, assim como à saúde da

mulher na terceira idade, negras, mulheres no climatério, trabalhadoras do campo e da cidade,

indígena, lésbicas e em situação de prisão, incluindo também a promoção das ações de

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prevenção e controle de doenças sexualmente transmissíveis e da infecção pelo HIV/AIDS

(BRASIL, 2007).

Ainda em 2004, na cidade do Rio de Janeiro, foi inaugurada a primeira Casa de Parto,

denominada David Capistrano Filho, situada no bairro de Realengo, zona oeste da cidade. A

criação dessa Casa de Parto se deu em meio a muitas lutas de gestores e enfermeiras com a

corporação médica. E o fato desse campo obstétrico não ter médicos foi considerado uma

vitória para os defensores do modelo humanizado e desmedicalizado (COSTA, 2007).

Com tudo isso, observamos que o movimento de humanização ao nascimento

promoveu ferramentas para a reconfiguração do campo obstétrico hospitalar na esfera

municipal de saúde do Rio de Janeiro em vários aspectos e também nível nacional. A

dinâmica dos agentes nesse campo de lutas pela implementação das ações sociopolíticas vem

proporcionando às enfermeiras obstétricas a incorporação em seu habitus profissional de um

capital novo, e isto vem gerando transformações de suas práticas. Ao mesmo tempo, essas

transformações contribuíram para viabilizar a implementação do modelo humanizado.

A Política de Humanização no Pré-natal e Nascimento – PHPN, que veio para

complementar a assistência à saúde materna, tem como objetivo primordial ―assegurar a

melhoria do acesso, da cobertura e da qualidade do acompanhamento pré-natal, da assistência

ao parto e puerpério às gestantes e ao recém-nascido, na perspectiva dos direitos de

cidadania‖ (BRASIL, 2002, p.5). E os principais preceitos do PHPN baseiam-se nos

fundamentos de que é dever de todas as unidades receber com acolhimento e dignidade a

mulher e seus familiares, além de investir em adoções de medidas benéficas ao

acompanhamento do parto e nascimento (BRASIL, 2002); estes preceitos ofertam uma

atenção obstétrica integrada, qualificada e humanizada.

Emerso desse contexto histórico de mudanças políticosociais comecei a me ver como

enfermeira vivenciando todas as transformações, mas, apesar de ser profissional obstétrica eu

não fiz parte dessa história tão significativa da enfermagem obstétrica brasileira e não sei se as

enfermeiras que foram personagens dessa história conseguem perceber tais transformações, e

dessa forma passei a me fazer alguns questionamentos:

As enfermeiras obstétricas observam transformações em sua prática no

campo obstétrico hospitalar?

As enfermeiras obstétricas percebem transformações em sua prática em

decorrência do movimento de humanização?

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Que transformações no campo obstétrico hospitalar as enfermeiras

obstétricas atribuem a sua participação?

Depois desses questionamentos, percebi que teria que ter um marco para o estudo, e

por se tratar de um estudo com fundo histórico no período de transição da atuação da

enfermeira no campo obstétrico, considerei como o grande marco do meu estudo 1998, ano de

inserção destas profissionais de forma atuante no campo hospitalar. Mas mesmo assim ainda

fiquei com uma inquietação, queria registrar a história, mas articulada com o presente, e assim

decidir resgatar as falas dos agentes desta já escrita história não interrompida, ou seja, as

enfermeiras obstétricas que vivenciaram o contexto de 1998 e que permanecem no campo

obstétrico hospitalar continuando a construir o presente em articulação com o passado por elas

vivenciado.

E sendo assim, delimitei os seguintes objetivos:

Identificar o capital global das enfermeiras obstétricas pesquisadas;

Analisar as concepções das enfermeiras sobre a prática profissional no

campo obstétrico hospitalar no contexto do movimento de humanização;

Discutir as transformações percebidas pelas enfermeiras obstétricas sobre

sua prática no campo obstétrico hospitalar no contexto do movimento de

humanização.

Meu interesse em estudar a temática iniciou em 2006, quando eu cursava a pós-

graduação em enfermagem obstétrica; neste período identificava que a política de

humanização havia sido uma estratégia positiva de mudança de algumas práticas obstétricas.

No ano de 2007, quando trabalhava na Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação

Oswaldo Cruz, acompanhei consultas de pré-natal na Maternidade Alexander Fleming e neste

campo hospitalar percebi que os princípios da humanização eram um diferencial para a

assistência obstétrica das enfermeiras no campo hospitalar. Sendo assim, quando submeti o

projeto para a prova de mestrado tentei registrar meu interesse nessa área. Ao ser selecionada

para o mestrado, recebi o convite de minha orientadora para fazer parte de seu projeto

intitulado: O processo de humanização da assistência ao parto: a participação da enfermeira

na reconfiguração do campo obstétrico hospitalar, inscrito no Programa de Pró-ciência da

UERJ/ 2008, onde eu poderia trabalhar a questão da humanização dentro da perspectiva da

história da enfermagem obstétrica, considerei uma excelente oportunidade de desenvolver um

estudo aprofundado na área obstétrica.

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Aos poucos fui amadurecendo a idéia, e nas discussões sobre o assunto, percebemos

que seria significativo estudar de forma articulada as práticas obstétricas, a história da

enfermagem obstétrica e a questão da humanização, e neste momento decidimos estudar

também as transformações das práticas das enfermeiras como um articulador dessas variáveis,

por considerar que as contribuições para a enfermagem obstétrica seriam mais significativas.

O estudo sobre as transformações ocorridas nas práticas das enfermeiras obstétricas no

campo obstétrico hospitalar consequente ao movimento de humanização contribuirá para o

resgate da memória dessas profissionais, que é fundamental para a história da enfermagem e

da participação das mulheres no campo obstétrico. Contribuirá também para o fortalecimento

da identidade dessa especialidade e servirá de indicativo para futuras pesquisas que visem

conhecer o impacto do movimento de humanização no campo obstétrico hospitalar.

Sendo assim, entendo ser relevante a realização deste estudo, pois acredito que os

elementos aqui identificados podem promover reflexões e contribuições para a construção da

história da enfermagem obstétrica no campo hospitalar no contexto da humanização.

O presente estudo insere-se no Núcleo de Estudos e Pesquisas Enfermagem, Mulher,

Saúde e Sociedade (NEPEN - MUSAS), do Departamento de Enfermagem Materno-infantil

da Faculdade de Enfermagem da UERJ.

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1 ABORDAGEM TEÓRICA

1.1 Conceitos Teóricos

Na busca de melhor compreender e explorar o objeto da pesquisa, utilizarei os

conceitos do francês Pierre Bourdieu3 que retrata conceitos fundamentais, para discutir as

lutas simbólicas que se travam na reconfiguração de diferentes campos, como, por exemplo,

o poder simbólico, espaço social, campo, habitus, lutas simbólicas e capital cultural, pois

estes conceitos se qualificam como uma possibilidade para o entendimento das dinâmicas de

organização do espaço social, considerado neste trabalho.

É interessante observar o cuidado do autor na descrição desses conceitos e na

consideração de possíveis associações dos mesmos, ou seja, ao desenvolver um conceito

buscam-se compreender os outros. Dessa forma, destaca-se a preocupação do autor em

demonstrar esse vínculo entre os conceitos, pois Bourdieu (2000, p. 99) afirma:

Debido a que no puede dar razón de las prácticas si no es sacando sucesivamente a la luz la

serie de efectos que se encuentran en su origen, el análisis hace desaparecer en primer lugar la

estructura del estilo de vida característico de un agente o de una clase de agentes, es dicer, la

unidad que disimula bajo la diversidad y la multiplicidad del conjunto de unas prácticas

realizadas em campos dotados de lógicas diferentes, luego capaces de imponer unas formas de

realización diferentes (de acuerdo con lá fórmula: [(habitus) (capital)] + campo = práctica): el

análisis hace desaparecer también la estructura del espacio simbólico que resalta el conjunto

de estas práticas estructuradas, de todos estos estilos de vida distintos y distintivos que se

definem siempre objetivamente, y a veces subjetivamente, en y por sus relaciones mutuas.

Com este ponto de vista, não é possível pensar de forma independente um determinado

campo sem idealizar como se manifesta o habitus e o capital acumulado ou em potencial, para

assim possibilitar certas práticas. Dessa forma, a concepção desses conceitos possibilita conhecer

o processo de organização da sociedade e de seus agentes – o indivíduo, os grupos e as

instituições entre outros. Esses conceitos ajudaram na sustentação da análise sobre as

percepções das enfermeiras obstétricas sobre as transformações ocorridas em sua prática

hospitalar consequente ao movimento de humanização.

Os agentes sociais são destacados por seu habitus, que, por sua vez, constitui um

conjunto de esquemas de percepção, de aprendizagem e de ação. Eles percorrem uma

trajetória social desde sua socialização primária até os cumes das carreiras de nível superior,

3 Pierre Bourdieu nasceu no sul da França, na cidade de Denguin. Responsável por um conjunto de obras em áreas sociais.

Morreu em 23 de janeiro de 2002, em Paris (BOURDIEU, 2002).

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em busca de um acúmulo de capital (simbólico, econômico, cultural, entre outros). Remetem

a um conjunto de conhecimentos adquiridos e as disposições incorporadas, duradouras e

transferíveis que perpassa por uma trajetória vivenciada de aprendizado ao longo da vida, pelo

contato com diferentes estruturas sociais que permitem perceber, agir e evoluir com

naturalidade no universo social, ao tempo em que se vincula a posição hierarquizada que cada

um ocupa mediante o capital incorporado (BOURDIEU, 2006; BOURDIEU, 2002;

BOURDIEU, 1996).

Um conceito destacado de habitus que será ressaltado e utilizado ao longo desta

dissertação é o habitus científico que, segundo Bourdieu (2006, p. 23):

É uma regra feita homem ou, melhor, um modus operandi científico que funciona em estado

prático segundo as normas da ciência, sem ter essas normas em sua origem : é esta espécie de

sentido do jogo científico que faz com que se faça o que é preciso fazer no momento próprio,

sem ter havido necessidade de tematizar o que havia que fazer, e menos ainda a regra que

permite gerar a conduta adequada.

Esse tipo de habitus pode ser renovado, e interfere diretamente na questão do poder

simbólico de um ator dentro de um campo social. O habitus tende à sua própria conservação,

mas pode ser alterado na medida em que se alteram os contatos sociais do indivíduo.

Para Bourdieu (2006), o habitus caracteriza-se através de dois componentes: o ethos,

correspondente aos valores interiorizados que direcionarão a conduta do agente, e a hexis,

ligada à linguagem e à postura corporal. Estes dois, a hexis e o ethos, são constituídos dentro

de determinado contexto social, de contexto histórico, que revelam, respectivamente, as

especificidades de cada do indivíduo e as especificidades da classe social a que pertence.

Sendo assim, a formação e a manutenção do habitus é fundamental no processo de reprodução

social, de socialização. Cada família transmite a seus filhos, mais por vias indiretas que por

via direta, certo capital cultural e certo ethos.

O poder simbólico é o poder implementado nas relações sociais, onde um dominante

impõe, induz, exerce, em cumplicidade, um poder sobre o outro, o dominado. O poder

simbólico equivale a um poder quase mágico, que consegue ser exercido por não ser

associado ao uso da força arbitrária física, é um poder que mobiliza, desconstrói e constrói por

ser reconhecido como natural. Trata-se de um poder irreconhecível, transfigurado e

legitimado. Diretamente está relacionado às posições ocupadas pelos agentes sociais, onde um

exerce um poder sobre outro que não quer exercê-lo no espaço social (BOURDIEU, 1998).

O espaço social é um espaço multidimensional, que não pode ser remetido a uma

única lógica social, seja do capitalismo, da modernidade ou da pós-modernidade. É composto

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por muitos campos abertos em conjunto e relativamente autônomos, ou seja, relativamente

subordinados ao campo econômico (BOURDIEU, 2002).

Os indivíduos que atuam no espaço social segundo seus interesses, mas isto não é

exclusivo, agem também em busca de um destaque, pela vontade de que os outros

reconheçam seu prestígio, posicionando-se em uma escala de poder, posição hierarquizada

que cada um ocupa mediante o capital incorporado (BOURDIEU, 1998). E quando estão na

mesma posição dessa hierarquia ocupam o mesmo grupo de status, ou seja, a mesma posição

na hierarquia da honra e do prestígio (BOURDIEU, 1998). Segundo o mesmo autor:

Os grupos de status se definem menos por um ter do que por um ser, irredutível a seu ter,

menos pela posse pura e simples de bens, pois a busca da distinção pode introduzir uma forma

inimitável de raridade, a raridade da arte de bem consumação capaz de tornar raro o bem de

consumo mais trivial.

Este grupo sofre influência do lugar e da evolução de cada indivíduo, no espaço social,

além e principalmente do volume de capital acumulado e também tem relação direta com a

posição por ele ocupada nos diferentes campos, de acordo com a distribuição dos diferentes

tipos de capital econômico, cultural, social e simbólico. E dependendo da posição ocupada,

ele poderá criar estratégias que o permitam manter ou galgar novas posições (BOURDIEU,

2002). E esta busca pode ser de forma individual, visando conquista individual de ocupação

por um espaço social, ou de forma coletiva por uma causa de nível macro, em nível nacional

em torno, por exemplo, das políticas nacionais.

De acordo com Bourdieu (2001), a posição ocupada por cada agente no espaço social

tem relação direta com a posição por ele ocupada nos diferentes campos, de acordo com a

distribuição dos diferentes tipos de capital econômico, cultural, social e simbólico - de seus

agentes, ao tempo em que se vincula à posição hierarquizada que cada um ocupa mediante o

capital incorporado. Essa disposição dos agentes corresponde ao campo social, ou seja, um

espaço multidimensional de posições.

Campo é um espaço de relações em movimento onde permanentemente deve-se

construir e reconstruir com relação de força que depende de sua posição social (BOURDIEU,

1987). E o campo social, nesse contexto, é o local onde os diferentes níveis de poder são

exercidos pelos agentes sociais.

Segundo Bourdieu (2006, p. 135), campo social é:

Um espaço multidimensional de posições tal que qualquer posição atual pode ser definida em

função de um sistema multidimensional de coordenadas cujos valores correspondem aos

valores das diferentes variáveis pertinentes: os agentes distribuem-se assim nele, na primeira

dimensão, segundo o volume global do capital que possuem e, na segunda dimensão, segundo

a composição do seu capital – quer dizer, segundo o peso relativo das diferentes espécies no

conjunto das suas posses.

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Capital cultural corresponde a um conglomerado de três formas: um estado

incorporado que se destaca por disposições duráveis acumuladas, incorporadas, pelo

organismo, ligada ao corpo, que demanda tempo de investimento para sua assimilação

(inculcação e incorporação). Outra forma é o estado objetivado, que remete a bens culturais,

acumulados e materiais apropriados (livros, equipamentos, máquinas para fazer uso do estado

incorporado). E a última forma é o estado institucional que se relaciona a bens de títulos e

certificados, os quais guardam relativa independência em relação ao portador do título

(BOURDIEU, 1998, p. 10). E o capital social refere-se a ―um conjunto de recursos (atuais ou

potenciais) que estão ligados à posse de uma rede durável de relações mais ou menos

institucionalizadas, em que os agentes se reconhecem como pares ou como vínculos a

determinados grupos‖ (BOURDIEU, 1998, p. 10). A quantidade de capital social acumulado

por um indivíduo depende do nível ou de rede de relação que consegue estabelecer e do

capital acumulado com as interações. Depende da vinculação a um grupo de agentes com

propriedades comuns e unidas por ligações permanentes e úteis.

Segundo Bourdieu (2002, p. 69) ―o espaço social é construído segundo a equação

habitus + capital + campo = prática que permite interpretar e mapear as estratégias de

distinção‖, e esta equação permite-nos melhor explicar a realidade de interação entre os

grupos sociais e suas práticas. As práticas e tomadas de decisão poderão ser influenciadas pela

posição ocupada pelo agente, pelas condições a que estão expostos e conhecimento da posição

que ocupa no espaço (BOURDIEU, 1998).

E a estes conceitos de habitus, capital, campo e prática precisam ser percebidos com a

concepção de que sofrem influência da teoria científica, a qual se diferencia da teoria teórica.

Esta ―é o discurso profético ou programático que tem em si mesmo o seu próprio fim e que

nasce e vive da defrontação com outras teorias‖ (BOURDIEU, 1998, p. 59). E por sua vez a

teoria científica ―apresenta-se como um programa de percepção e de ação só revelado no

trabalho empírico em que se realiza‖ (BOURDIEU, 1998, p. 59). Ou seja, a prática resultante

do somatório do habitus, do capital e do campo é formada com a experiência, na observação

do mundo, em vez da intuição ou da fé.

O habitus, assim como a prática, tende a passar pelo processo de incorporação das

experiências do mundo, transmutando-se numa política incorporada pelo ator social

(WACQUANT, 2002).

Segundo Pinto (2000, p. 41):

A noção de habitus originada de pesquisas conduzidas em terrenos muito diferentes, não é

produto de uma definição inaugural. As diferentes dimensões – disposicional, distribucional,

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econômica e categorial – que se deveriam distinguir para fins da exposição, de modo a

explicar aspectos determinados do objeto de conhecimento, se acham, é claro, estreitamente

associadas no trabalho empírico. Constata-se, por exemplo, que as classificações efetuadas

por um agente são condicionadas pela posição ocupada no espaço social e que, em função

dessa posição, por definição relativa, elas têm um valor determinado.

Este habitus é constituído de um sistema de dimensões duráveis, de estruturas e

estruturadas predispostas a funcionar como princípio gerador e estruturador das práticas que

podem ser reguladas e regulares sem necessariamente ser um mero produto da obediência as

regras dos sistemas aos quais os agentes sociais estão expostos (BOUDIEU, 1983, p. 60-61).

A dimensão disposicional está relacionada à relação do indivíduo com a sociedade, na

implementação, como agente de seu senso prático, com ações coerentes com o mundo em que

vive. Neste mundo é possível escolher, e no caso desta dissertação, é possível escolher pela

humanização ou não. A dimensão distribucional refere-se às relações do indivíduo entre si e

com a sociedade, é resultado de uma dominação objetiva, traduzida para interiorização das

desigualdades. A econômica diz respeita ao capital econômico, os bens simbólicos. E a

disposição categorial faz menção às categorias de apreensão e classificação do mundo, modo

de olhar, da ordenação lógica, da consciência dos atos.

A prática pode ser considerada como ―produto da relação dialética entre uma situação

e um habitus, isto é, o habitus como sistema de disposições duráveis é a matriz de percepção,

de apreciação e de ação, que se realiza em determinadas condições sociais‖ (BOURDIEU,

p.65, 1994).

Prática representa o fazer com estratégias que permite implementar todo o

conhecimento adquirido dentro de um fenômeno. Nas práticas em saúde, é possível

implementar tecnologias, conhecimentos e habilidades que favoreçam a ampliação e melhoria

do cuidado em saúde (MARTINS; SASSO, 2008).

E o cenário de realização da prática geralmente é o campo. O conceito de campo

obstétrico destacado neste trabalho caracteriza-se como sendo um espaço social

institucionalizado onde diferentes agentes, sejam eles médicos ou enfermeiras, interagem com

suas particularidades e diferenças de habitus e capitais culturais adquiridos e desempenhados

nas lutas simbólicas (PROGIANTI; BARREIRA, 2001). Campo, segundo Bourdieu (1998, p.

150), é ―lugar de uma luta mais ou menos declarada pela definição dos princípios legítimos de

divisão do campo‖

Nesse sentido, ao refletir sobre o campo obstétrico e práticas, emergem questões de

gênero, no cuidado. O cuidado neste aspecto é caracterizado por uma acumulação de saberes

no âmbito essencialmente feminino. Os primeiros conhecimentos compartilhados sobre

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gênero e parturição foram de mulheres parteiras, ou seja, de origem e princípios culturalmente

concebidos como de base feminina (WEI, 2007).

E este conhecimento foi aos poucos sendo modificado e incorporado. E como

consequência, na hospitalização do parto, mudou-se a prática de assistência ao nascimento,

percebe-se a mudança de um modelo feminino por um masculino. Além disso, observou-se o

desabrochar do processo de medicalização do parto com muitas tecnologias, entre elas drogas,

exames, técnicas cirúrgicas. Configurou transformação do modelo imaginado repleto de

significados incorporados pela mulher sobre o parto e nascimento (DIAS, 2001).

Outra questão que também surge quando se fala de campo obstétrico e hospitalização

do nascimento é a medicalização do parto, pois, após a implementação do processo de

nascimento em ambiente hospitalar e sobre a influência de muitas intervenções, passou-se a

impor normas e rotinas biomédicas, retirando o caráter de processo fisiológico do evento

(WEI, 2007).

Esse evento fisiológico, ao ser observado sob a ótica da história da saúde da mulher,

permite discutir e recordar questões fundamentais como os direitos das mulheres, os direitos

reprodutivos e os direitos humanos, dentro da idéia de saúde. O conceito de saúde em

discussão é o de saúde reprodutiva, o qual se amplia na medida em que a reprodução feminina

não é contemplada somente como um dever ou destino próprio do ser mulher, e sim como um

direito humano básico, devendo ser garantido pelos governos (FERNANDES, 2004).

Por último, destaca-se o conceito de luta simbólica onde diretamente são observados

os conceitos já apresentados de campo, habitus e capital. Essas lutas caracterizam-se por

impor aos agentes sociais uma determinada visão, sempre com pontos de vista, interesses e

referenciais predeterminados de acordo com a posição dos agentes dentro do seu campo de

atuação que pretende transformar ou conservar. As lutas simbólicas têm como resultado

geralmente uma violência simbólica; isto é, uma imposição ou mesmo a legitimação da

dominação, contribuindo para assegurar a dominação de uma classe sobre a outra,

potencializando sua força dentro do campo social (BOURDIEU, 2006).

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2 METODOLOGIA

2.1 Tipo de estudo

Trata-se de um estudo qualitativo com a perspectiva histórico-social. Ressaltaremos de

forma articulada a narrativa dos fatos, a memória dos sujeitos do estudo e a história, pois os

fatos se circunscrevem para o estabelecimento de um habitus.

Minayo (2000, p. 70) descreve a pesquisa de natureza qualitativa caracterizando-a por

―trabalhar com o universo de significados, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que

corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e fenômenos que não

podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis‖.

A pesquisa qualitativa exige como primordial para seu desenvolvimento a abertura, a

flexibilidade, a capacidade de observação e de interação com o grupo de investigação e com

os agentes sociais envolvidos (MINAYO, 2000). Preocupa-se com a compreensão, com a

interpretação do fenômeno, destacando o significado que os outros dão às suas práticas

(GONSALVES, 2003).

As narrativas que retomam a história desenvolvem-se sobre o modelo da

rememoração, da anamnese e da memorização dos grandes historiadores. Estes, por sua vez,

dão a fórmula das grandes mitologias, indo da história à memória coletiva e individual

(PADILHA; BORENSTEIN, 2005). A forma de contar, a narrativa, é um exercício de

avaliação constante do passado revisitado. Quando se relata a memória, narra-se alguma

experiência, não se furta a oferta de uma descrição minuciosa de um fato, os detalhes são

preservados e rememorizados na fala (COSTA; MAGALHAES, 1999).

Nesta dissertação a memória é considerada uma matéria-prima mutável, rica em fontes

de dados que possivelmente permite reconstruir momentos históricos fundamentais junto às

entrevistadas, de modo que se torna propício refletir o presente com toques do passado.

E com a memória reconstrói-se a trajetória do grupo de enfermeiras obstétricas e de

suas trajetórias individuais, num processo de constante interação dessas duas instâncias.

Ferreira (1996, p.15) relata que com a memória é possível construir outra versão de um

período da história e ao mesmo tempo fazer emergir pela primeira vez o agente, que até então,

poderia estar sistematicamente ausente dos registros históricos. Para ele, toda memória é

socialmente construída e a trajetória de vida quando recuperada ganha espessura e vitalidade

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na fala de quem a viveu, sobretudo pela interação que se estabelece entre o entrevistado e o

entrevistador – entre quem fala e quem faz a fala. E assim é possível recriar a trajetória

coletiva de um grupo historicamente datado (FERREIRA, 1996, p.16), dando voz aos

sujeitos, registrando e transformando palavras ditas em registros documentais de grande

significado. No caso desta dissertação o marco datado de investigação do estudo foi 1998, ano

de inserção participativa das enfermeiras obstétricas no campo obstétrico hospitalar do

município do Rio de Janeiro.

Bosi (2003, p. 37) complementa a reflexão sobre a memória afirmando que ―pela

memória, o passado não só vem à tona das águas presentes, misturando com as percepções

imediatas, como também empurra, descola estas últimas, ocupando o espaço todo da

consciência‖.

Com a memória é possível reviver o passado, que pode ser comum para um grupo, o

qual fornece fundamentos para que os homens interpretem o presente, modifiquem ou

preservem, e projetem o futuro. Esse processo é sempre desenvolvido em um campo socio-

político historicamente datado, o que confere especificidade e provisoriedade à rememoração

das representações e dos fatos (FERREIRA, 1996; VISCARDI; DELGADO, 2006).

O desconhecimento das várias histórias que compõem em conjunto a ampla história de

um dado grupo subtrai-lhe a possibilidade de melhor compreender os processos sociais em

que está envolvido no presente, cerceando sua capacidade de escolha e de autodeterminação

(FERREIRA, 1996). Então, a história a ser revivida nesta dissertação é a história do grupo das

enfermeiras obstétricas atuantes no campo obstétrico hospitalar.

A memória deve ser concebida como um elemento de identidade, tanto individual

como coletivo, de um grupo, que se institui marcando territórios de diferença em relação aos

outros. Segundo Alberti (2004, p. 27), ―a memória é resultado de um trabalho de organização

e de seleção daquilo que é importante para o sentimento de unidade, de continuidade e de

coerência - isto e de identidade‖. É um fenômeno no qual o passado pode tornar a ser

vivenciado, ou seja, reconstruído e reinterpretado correlacionado com o presente

(VISCARDI; DELGADO, 2006).

Halbwachs apud Sá, 2005 comunga com o pensamento de Ferreira (1996), pois afirma

que a memória é uma propriedade de um grupo. Outros autores, porém, não aceitam na

íntegra esta idéia, apostam que a memória é um processo que ocorre no grupo. Em ambos,

independentemente, o adjetivo social se faz presente, tornando-se legitimamente ressaltado.

Essas reflexões são hoje percebidas e concebidas com naturalidade quando se fala sobre a

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construção social da realidade (SA, 2005). E estas cogitações sobre a prática obstétrica serão

discutidas nesta pesquisa.

Sá (2005) também contempla essa discussão ao referir que a memória do homem não é

simplesmente uma reprodução das experiências passadas, mas sim uma construção que se faz

a partir daquelas, por certo, mas em função da realidade presente e com o apoio de recursos

proporcionados pela sociedade e pela cultura.

A memória experimentou um processo histórico-sócio de progressiva exteriorização,

através da invenção dos calendários, do desenvolvimento de uma arte da memória, do advento

da escrita, da imprensa, da fotografia, do computador, enfim de toda uma tecnologia que

permite registrar fatos e momentos marcantes de grupos sociais (SÁ, 2005, p. 67).

Trabalhar com a memória da trajetória profissional das enfermeiras obstétricas

atuantes no campo hospitalar no município do Rio de Janeiro, da década de 90, no contexto de

implementação de políticas de assistência à saúde materna e de humanização do parto e

nascimento, foi um desafio.

Ferreira (1996, p.16) considera que com a memória é possível conceber que ―a

trajetória de vida recuperada ganha espessura e vitalidade na fala de quem o viveu [...] recria a

trajetória coletiva de um grupo historicamente datado‖. O fato de desconhecer ou não

valorizar vários componentes das histórias individuais que compõem a ampla história de um

dado grupo subtrai-lhe por consequência a real possibilidade de melhor compreender os

processos sociais atuais (FERREIRA, 1996).

Sá (2007, p. 291) ao expressar sua ideia sobre memória, relata que esta ―não é uma

reprodução das experiências passadas, e sim uma construção, que se faz a partir daquelas, por

certo, mas em função da realidade presente e com o apoio de recursos proporcionados pela

sociedade e pela cultura‖.

A memória como matéria-prima permite reconstruir identidades, deixa de ter um

caráter de restauração e passa a ser memória geradora do futuro. A rememoração envolve o

passado, o sujeito que o lembra e o ―outro‖, neste triângulo formado, permite-se transformar

lembranças subjetivas partilhadas em restituição de identidades individuais de um grupo

(FERREIRA, 1996).

Toda e qualquer lembrança é por essência seletiva, e o fato de não sabermos por que

retemos determinados fatos na memória e não outro se deve a uma falha de nosso

conhecimento, e não às manifestações casuais de nossos comportamentos, sem propósito,

individual. A memória coletiva, por sua vez, é a reprodução de um grupo sobre uma

lembrança, ou seja, uma lembrança de uma pessoa ou de um grupo é repetida muitas e muitas

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vezes pela comunicação, pela transmissão e pela preservação em um homem ou vários

homens que reproduzem com a fala um acontecimento que é repassado a outro e assim por

diante. Não é espontâneo e inconsciente, e sim deliberado, com a intenção de servir a um fim

conhecido pelo homem que o executa (FINLEY, 1989).

A memória articula-se com a história, pois permite reviver os fatos. A história tem por

foco o homem, é uma ciência social e humana que tem por preferência o coletivo. É uma arte,

uma forma literária que, para ser executada, também precisa de técnica, de método e de ser

ensinada. Para Mendes (1993, p. 09), a história ―é a memória do gênero humano, o que

lhe dá consciência de si mesmo, isto é, da sua identidade no tempo, desde a sua

origem; é por consequência o relato do que, no passado deixou marca na recordação dos

homens‖.

A história sempre pode ser considerada não concluída, pois sua matéria-prima, a

realidade, está sendo construída no dia a dia, ou seja, há sempre novos assuntos a investigar.

Com a história cada geração é capaz ou se capacita para refazer ou reescrever sua história.

Nesse contexto, teremos atores e expectadores, ambos personagens fundamentais na

elaboração da história escrita e narrada, vivida (MENDES, 1993).

Então, segundo Bourdieu (1999, p. 101), a história não pode limitar-se a descrever as

transformações no decorrer dos tempos, mas ressaltar as mudanças dos sistemas (com a

implementação de políticas publicas mais direcionadas a área da saúde da mulher), nas

instituições e nos agentes sobre o contexto histórico da época com suas repercussões. Nesta

dissertação destacaremos as mudanças nas práticas das enfermeiras obstétricas no campo

hospitalar.

É importante concebermos que sem o passado e sem o futuro ficaremos sem memória,

sem pensamento e principalmente sem história. A história permite que retomemos fatos e

acontecimentos que ocorreram antes de nós e que foram trilhados por diferentes maneiras.

Com a memória as pessoas que não foram vistas como protagonistas, que se ausentaram,

podem fazer-se presentes. A memória é uma das condições de possibilidade do tempo

reversível (NOVAES, 1992). Reminiscência de memória transita de um nível para outro - do

geral para o particular e vice-versa (SÁ, 2007).

Quando se fala em memória remete-se também à questão de campos de disputas.

Segundo Simson (1997, p. 25), há disputa ―entre uma memória oficial instalada e outra que

queremos resgatar [...] é necessário resgatar do esquecimento aquilo que poderia fazer de

nossa história outra história‖. É importante sentir que a memória é uma matéria-prima, e um

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instrumento de mudanças, com ela é possível tirar do silêncio ou do anonimato um passado

que não foi percebido.

2.2 Método

Utilizou-se como método de pesquisa a história oral4. Esta é tão antiga quanto à

própria história. É uma denominação que perpassou períodos históricos importante até

começar a ser utilizada como método, pois a princípio somente os dados registrados tinham

seu valor reconhecido, enquanto que o falado, ou seja, o apenas sonoro precisou acompanhar

a evolução tecnológica para ser considerado dado científico (THOMPSON, 1999).

Trata-se de um método de pesquisa cujas fontes somente começaram a ser

reconhecidas quando a palavra passou a ser gravada, quando o documento sonoro tornou-se

fonte de história5 (AMADO; FERREIRA, 2005; PINSKY, 2005). Mas, para a concretude

deste método foi necessário que os pesquisadores contestassem a exclusividade da letra

escrita como documento, e dessa forma a história oral emergiu. Considera-se dessa forma que

a palavra gravada tornou-se fonte de história a partir de documentos sonoros (MEIHY, 1998;

AMADO; FERREIRA, 2005).

A história oral ―consiste na realização de entrevistas gravadas com indivíduos que

participaram de, ou testemunharam, acontecimentos e conjunturas do passado e do presente‖

(PINSKY, p. 155, 2005). Sendo assim, é possível, além de conhecer uma nova versão da

história, aprender algo sobre a realidade (ALBERTI, 2004).

Segundo Amado e Ferreira (2005), a história oral caracteriza-se por planejamento das

atividades, levantamento de dados para o preparo das entrevistas, elaboração de um

instrumento de coleta de dados para o processo detalhado e preciso da oralidade. Pelo método

estabelecem e ordenam-se procedimentos de trabalho, é necessário ter disciplina para alcançar

4 A designação história oral surgiu em um período em que as incipientes pesquisas históricas com fontes orais eram alvo de

severas críticas acadêmicas que, por conseguinte recusavam em reconhecê-las como produção científica respeitável

(AMADO, FERREIRA, 2005; MEIHY, 2007). 5 Em meados da década de 1970, precisamente em 1975, a história oral chegou ao Brasil. De 7 de julho a 1º de agosto

daquele ano, foi realizado o I Curso Nacional de História Oral. A partir daí este método foi difundido e cada vez mais

utilizado por pesquisadores (PINSKY, 2005). Embora sua introdução no Brasil date dos anos 70, apenas no início dos anos

90 a história oral experimentou uma expansão significativa no país, com a realização de seminários e incorporações pelos

cursos de pós-graduação. Outro marco para sua solidificação aqui, foi a criação da Associação Brasileira de História Oral no

ano de 1994 (AMADO, FERREIRA, 2005).

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o objeto primário e proporcionar a revelação de informações. Mas o grande foco da historia

oral é o indivíduo.

Com a história oral é possível produzir o essencial para a pesquisa, a partir dos

materiais de investigação que são os depoimentos, as entrevistas. Este método remete a um

dos caminhos metodológicos oferecidos pela história, e não a um enfoque, a um caminho

teórico ou a um caminho temático (BARROS, 2002).

Pinsky (2005, p. 164) discorre sobre a utilização da história oral nos tempos

modernos:

A história oral é hoje um caminho interessante para se reconhecer e registrar múltiplas

possibilidades que se manifestam e dão sentido a formas, em todas as camadas da sociedade.

Nesse sentido, ela está afinada com as novas tendências de pesquisa nas ciências humanas,

que reconhecem as múltiplas influências a que estão submetidos os diferentes grupos no

mundo globalizado.

A história oral foi trabalhada com a memória, pois ambas estão intimamente ligadas.

Quando apresento a questão da memória penso na reconstrução de fatos, reconstrução da

trajetória coletiva de um determinado grupo e de suas trajetórias individuais. Nesse processo,

faz-se constante a interação dessas duas instâncias, e assim permite a construção de outra

versão do período da história, onde muitas vezes os sujeitos emergiram pela primeira vez

como agentes da história, já que, até então, podem ter vivido, porém sistematicamente

imperceptíveis nos registros históricos (SIMSON, 1997; FERREIRA, 1994).

Dentro ou fora da história oral, a ―memória é o elo entre o passado e o presente que

atesta a continuidade temporal do próprio indivíduo e do grupo no qual ele está inserido e

possibilita a compreensão da passagem do próprio tempo‖ (AZEVEDO, p. 140, 2007). Esta é

uma construção social e um fenômeno coletivo submetido, moldado, influenciável pelas

circunstâncias sociais e transformações temporais.

Este método da história oral exige do pesquisador atenção para alguns pontos cruciais

para a qualidade da produção científica, entre elas: definição criteriosa do projeto,

estabelecimento de um grupo de pessoas a serem entrevistado, planejamento da condução das

gravações, definição de locais, estipulação de tempo de duração das entrevistas, consideração

de fatores externos ambientais à pesquisa, transcrição e estabelecimento de textos, conferência

do produto escrito, autorização para o uso, arquivamento e publicação dos resultados

(MEIHY, 2007).

Thompson (1992, p.137), em seu livro A voz do passado - História Oral, dedica um de

seus capítulos aos historiadores e à história oral e conclui este capítulo com palavras que

resumem plenamente o pensamento sobre a história oral:

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A evidência oral pode conseguir algo mais penetrante e mais fundamental para a história.

Enquanto os historiadores estudam os atores da história à distância, a caracterização que

fazem de suas vidas, opiniões e ações sempre estarão sujeito a serem descrições defeituosas,

projeções da experiência e da imaginação do próprio historiador: uma forma erudita de ficção.

A evidência oral, transformando os objetos de estudo em sujeitos, contribui para uma história

que não só é mais rica mais viva e mais comovente, mas também mais verdadeira.

Bosi (2003) também comunga desse pensamento e afirma que há grande mérito na

historia oral, pois nesta encontram-se revelações inesperadas, com desníveis assustadores de

experiência vivida nos seres que compartilharam a mesma época, que vivenciaram os mesmos

momentos e sentimentos, como, por exemplo, os militantes que penetraram na história e da

memória daqueles que sobreviveram.

A história oral combina o pensamento e sua origem, de acordo com o modo através do

qual uma sociedade se compreende, remete a uma prática, à realidade (CERTEAU, 2007;

PROGIANTI; SANNA, 2002). A reconstrução do passado pela memória e pela história oral

das entrevistadas oferecerá, além de um painel sobre a questão política de uma época, um

possível panorama sobre os espaços de luta e conquistas.

A história oral pode ser um meio de transformação do conteúdo da história. Há uma

variedade de informações e dados a serem registrados com a história oral, e com isso é

possível emergir dela uma visão de mundo mais ampliada e aprofundada. O historiador oral

tem que ser um bom ouvinte e o informante, um auxiliar ativo. O pesquisador deve criar

oportunidades de obter evidências críticas para a estrutura do debate e da interpretação

histórica.

Esse método permite uma maior flexibilidade nas discussões proposta sobre um tema

central, o que favorece aprofundar redes mutáveis de relacionamentos sociais, com

preservação da memória como matéria-prima na produção de fontes para a história.

2.3 Sujeitos da pesquisa

Enfermeiras obstétricas que atuam no campo obstétrico hospitalar, vinculadas à

Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro, porém cuja inserção neste campo tenha

perpassado pelo ano de 1998, período de implementação e desenvolvimento do modelo

humanizado nos cenários do estudo. Situei as enfermeiras entrevistadas no tempo e no espaço

dos acontecimentos, do recorte temporal do estudo.

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Selecionaram-se enfermeiras que tinham até o momento da entrevista concluído a pós-

graduação em enfermagem obstétrica, pois deseja-se com isso avaliar a mudança de habitus

destas entrevistadas.

Foram entrevistadas enfermeiras atuantes em sala de parto para caracterizar o retrato

das práticas atuais da enfermagem obstétrica. Destacam-se como fatores de exclusão do

estudo: enfermeiras que atuam em Casas de Parto por considerar-se que o campo de atuação

assim como o habitus dessas enfermeiras é bem diferenciado, próprio da filosofia destas

instituições; enfermeiras que, apesar de atuarem na sala de parto, tiveram sua inserção neste

campo após o ano de 1998 e licenças médicas de algumas entrevistadas, caso em que se

respeitou a necessidade de recuperação da saúde das mesmas. Sendo assim, há mais de vinte

25 enfermeiras atuantes e com especialização nas maternidades municipais, porém, que não

corresponderam aos critérios de seleção do estudo. Ressalto que as enfermeiras apresentam

tempo de atuação no campo obstétrico hospitalar oscilante, assim como tempo de formação

em obstetrícia diferenciado, mas destaco que o ponto de ênfase deste estudo é o momento de

inserção no campo obstétrico hospitalar.

O estudo contou com 25 depoimentos orais, obtidos pela pesquisadora, em seis

maternidades municipais do Rio de Janeiro.

2.4 Cenários

Foram seis maternidades municipais do Rio de Janeiro: Hospital Maternidade Carmela

Dutra, Hospital Maternidade Alexander Fleming, Hospital Maternidade Herculano Pinheiro,

Hospital Maternidade Leila Diniz, Hospital Maternidade Oswaldo Nazaré, Instituto Municipal

da Mulher Fernando Magalhães e cenários onde hoje se encontram as enfermeiras do recorte

temporal a ser estudado.

A restrição às maternidades municipais deve-se ao fato de ser nestes cenários que

ocorreram as lutas iniciais de inserção das enfermeiras obstétricas no campo obstétrico

hospitalar e também foi nestas unidades que as políticas de humanização foram

implementadas.

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2.5 Recorte Temporal

O recorte temporal desde estudo compreende o período histórico de 1998 até os dias

atuais. O marco inicial é a inserção participativa da enfermeira obstétrica no cuidado direto ao

parto hospitalar em instituição pública governamental, com condutas pautadas na

humanização.

Justifico este recorte temporal ao fato de este período compreender grande marcos de

implementação e desenvolvimento da assistência ao parto por enfermeiras obstétricas nas

últimas décadas, o que proporcionou terreno propício a mudanças do campo obstétrico a partir

de transformações de habitus e aquisição de novos capitais culturais.

2.6 Técnica de coleta de dados

Foram eleitas como técnica de coleta de dados para este estudo entrevistas semi-

estruturadas e gravadas. Para Gil (1999), a entrevista é a técnica de interrogação que apresenta

uma maior flexibilidade, podendo incorporar as mais diversas formas de abordagem e o

entrevistador guia-se por um roteiro de questões.

A entrevista semiestruturada combina perguntas abertas e fechadas, pois há construção

de um roteiro que irá orientar ou servir de guia para o andamento da interlocução (MINAYO,

2002). Os roteiros das entrevistas são elaborados com base no cruzamento de dados

biográficos referente à trajetória profissional dos depoentes. Esse modelo de entrevista facilita

a abordagem e assegura que as hipóteses ou pressupostos da pesquisa serão cobertos e

explorados em sua estrutura de relevância. Minayo (2000) refere que um roteiro permite

flexibilidade aos temas e conversas trazidas pelo entrevistador – interlocutor.

A entrevista permite tratar de temas complexos que, segundo Alves-Mazzotti e Najder

(1998), dificilmente poderiam ser investigados adequadamente através de outra técnica. Nesta

dissertação evocaram-se as lembranças das mulheres e com elas sua história profissional e

pessoal.

A entrevista na história oral permite ao entrevistador ter contato com o passado de

forma mais concreta, a partir da experiência efetivamente vivida pelo entrevistado, sujeito

único que consegue colorir o passado de forma atraente de tal maneira que dá vida ao seu

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relato permitindo a divulgação do conhecimento. É como se fosse um filme que vai revelando

aos poucos os pedaços do passado, encadeados em um único sentido do momento em que

relatados e questionados (ALBERTI, 2004). A memória será trazida pelo relato das

entrevistadas sobre fatos marcantes em sua história, além de documentos oficiais, agora

reconhecidos pela representatividade de uma fase de suas histórias de vida.

Segundo Azevedo (2007), este tipo de entrevista permite uma ação interativa entre o

entrevistado e o entrevistador, que estabelecem um diálogo que é de fundamental importância

para conformar as características da entrevista. Além disso, exige do entrevistador

sensibilidade para interpretar o passado a partir do diálogo estabelecido na entrevista que

emerge da constituição da memória.

Esse tipo de entrevista registra versões do passado sob o ponto de vista do entrevistado

que ao ser comparado a outras versões, permite analisar os motivos que direcionaram o

entrevistado a conceber o passado de modo particular e quais os motivos que levaram sua

versão ser diferente ou similar a dos outros depoentes.

Para a realização dessas entrevistas semiestruturadas foi elaborado um instrumento de

coleta de dados (Apêndice D) dividido em seis partes, acrescido da sessão de identificação.

Além das perguntas delimitadas para atingir os objetivos do estudo, havia tópicos de

orientação que direcionavam melhor a entrevista e permitia um resgate dos hiatos das falas.

Na parte de identificação das enfermeiras, foram coletadas informações sobre:

formação de base, ano de início e conclusão da graduação em enfermagem, especialidade,

tempo de atuação na enfermagem, tempo de atuação na enfermagem obstétrica e o local da

entrevista, que seria o campo de atuação.

Na primeira parte propriamente dita foi realizado o agradecimento às entrevistadas

pela participação e orientações sobre a pesquisa.

Na segunda, explorou-se o capital global das enfermeiras, enfocando-se a família de

origem, infância e adolescência. Foram trabalhadas questões sobre o nascimento e as relações

que as enfermeiras estabeleceram com sua família.

A terceira parte centralizava a formação profissional. Questionou-se sobre a formação

profissional, a universidade, o período de graduação, o motivo da escolha por esta profissão e

pela especialidade em enfermagem obstétrica. Objetivou-se estudar o habitus profissional das

enfermeiras e sua reconfiguração.

Em seguida, na quarta sessão, concentraram-se as transformações percebidas pelas

enfermeiras obstétricas no campo obstétrico hospitalar. Levantaram-se questionamentos

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sobre a visão das enfermeiras sobre a obstetrícia ao longo dos anos, a participação na

enfermagem obstétrica e as mudanças percebidas na trajetória profissional.

Na quinta parte, indagou-se sobre as práticas desenvolvidas pelas enfermeiras e sua

articulação com o movimento de humanização.

E na última parte da entrevista, as depoentes tiveram a oportunidade de reconsiderar

sua trajetória de vida. Nesse espaço, elas falaram como se sentem hoje, diante de sua escolha

profissional, e fizeram uma reflexão e uma avaliação de seu passado.

As entrevistas serão doadas ao Centro de Memória Nalva Pereira Caldas da Faculdade

de Enfermagem da UERJ com a autorização dos depoentes, através de um termo de cessão de

direitos sobre depoimento oral (Apêndice B).

2.7 Coleta de dados

O processo de captação destes sujeitos ocorreu com muitas idas e vindas às

maternidades do estudo. Inicialmente a pesquisadora foi à maternidade, apresentou a carta de

aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Secretaria Municipal de Saúde, assim como

uma cópia do projeto de dissertação. Depois de aceite do centro de estudo e das chefias da

unidade para realização do estudo, a pesquisadora conversava com as enfermeiras do centro

obstétrico, registrava nomes e contatos daquelas que estavam inseridas no campo por volta do

ano de 1998 e que eram especializadas em obstetrícia.

Depois disso havia o contato telefônico com cada uma das entrevistadas, no qual era

explicado o propósito da dissertação e era feito o convite para participar do estudo. Neste

contato telefônico agendava-se o dia e a hora para realização da entrevista, porém em alguns

casos não foi possível realizá-la no dia agendado em virtude da demanda do serviço dentro do

centro obstétrico. O local de escolha para realização da entrevista foi unânime a maternidade,

no centro obstétrico e no dia do plantão. É importante destacar que houve uma recusa em uma

das maternidades.

Para realização das entrevistas, era dispensada uma sala ou uma enfermaria desativada

na qual fosse possível realizar a coleta de dados sem interrupções e de forma a preservar as

questões éticas do estudo.

As entrevistas foram gravadas em MP3 (mídia player), nos meses de janeiro a março

de 2009, após assinatura pelas entrevistadas do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

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(TCLE), Apêndice C. Em seguida, foram imediatamente transcritas na íntegra. Na transcrição

apenas corrigi os erros e vícios de linguagem dos sujeitos do estudo. Pedi aos sujeitos do

estudo que também assinassem, por livre vontade, uma declaração de doação da entrevista ao

Centro de Memória Profª. Drª. Nalva Pereira Caldas da Faculdade de Enfermagem / UERJ

(Apêndice C). Trabalhei com a memória dos entrevistados como matéria-prima da

reconstrução da história das enfermeiras obstétricas, a partir da trajetória coletiva desse grupo

e de suas trajetórias individuais, num processo de constante interação dessas duas instâncias, e

assim permitir que as mesmas construíssem uma nova versão do período da história.

Ao início da gravação, a pesquisadora falava o número da entrevista, data, local e hora

onde estava sendo realizada.

Antes da coleta oficial dos dados, foi realizado um teste-piloto, em dezembro de 2008,

para verificar se o instrumento a ser utilizado tinha potencial para atingir os objetivos

propostos pelo estudo. Essa etapa da pesquisa foi importante, pois permitiu fazer

modificações no instrumento de coleta de dados antes da coleta original para a dissertação. O

sujeito escolhido para a testagem do instrumento não atendia a todos os pré-requisitos do

estudo, pois o ano de inserção dessa enfermeira ultrapassava em poucos anos o recorte

temporal do estudo.

2.8 Método de análise e interpretação dos dados

As entrevistas foram transcritas individualmente e na íntegra pela pesquisadora. A

transcrição é o processo no qual se repasse para o papel as falas dos entrevistados, corrigindo

os erros e vícios de linguagem sem alterar o sentido dos depoimentos. As transcrições dos

discursos foram utilizadas no momento da inserção das falas no corpo do trabalho.

Objetiva-se com a análise dos dados ―organizar e sumarizar os dados de forma tal que

possibilite o fornecimento de respostas ao problema proposto para investigação‖ (GIL, 1999,

p. 168). Essa fase da pesquisa requer uma familiaridade com os conceitos, problemática e

contextualização do problema. É necessário que o pesquisador tenha cautela para que os

dados coletados sejam bem compreendidos para que dessa forma possa ampliar o

conhecimento sobre o assunto pesquisado (MINAYO, 2002).

A interpretação dos dados tem por objetivo, segundo Gil (1999, p.168) dar sentido às

respostas encontradas, criando conexões com os conhecimentos anteriores obtidos.

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À luz da perspectiva histórica, realizei a análise dos dados, tendo como base os

pressupostos de Pierre Bourdieu.

Segui os passos propostos para pesquisas qualitativas: ordenação, classificação e

análise final (GIL, 1999; MINAYO, 2002). Ordenação dos dados encontrados consiste em

mapear os dados, transcrever todas as entrevistas, em sua íntegra, permitindo assim gerar

dados preliminares, pensamentos, ideias que foram a princípio apenas postas no papel e

organizadas de forma a permitir manipulação e alocação de acordo com seus significados

direcionando operações subsequentes. Nesta etapa recomenda-se ainda ler e reler o material

produzido antes de passar para a fase seguinte. Na classificação, os dados, elementos,

significados, ideias ou expressões foram agrupadas e organizados em torno de um conceito

capaz de abranger tudo isso. Formei as categorias a partir das ideias centrais sobre o tema. As

categorias devem ter origem em um mesmo princípio de classificação e devem ser exclusivas

mutuamente, dando ênfase aos dados mais relevantes. A etapa seguinte é a análise final onde

os dados são articulados ao referencial teórico proposto pelo estudo tentando responder aos

questionamentos iniciais da pesquisa.

2.9 Aspectos éticos e legais do estudo

Este projeto foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Secretaria

Municipal de Saúde do Rio de Janeiro, Parecer nº 273A/ 2008 (Anexo A), datado de 03 de

novembro de 2008. Busquei respeitar e atender às exigências regulatórias relevantes da

resolução 196/96, do Ministério da Saúde, por se tratar de uma pesquisa que envolve seres

humanos. Somente após a avaliação e recebimento da aprovação/parecer favorável, por

escrito, dessas instâncias regulatórias, ou seja, encontrando-se em conformidade com os

padrões éticos da pesquisa, iniciei a coleta dos dados. Considerei como pré-requisito para

realização do estudo a aceitação dos sujeitos em assinar o Termo de Consentimento Livre e

Esclarecido (TCLE) que garante o anonimato das informações do estudo. Também foi

fornecida aos entrevistados uma cópia do TCLE. O entrevistado e a pesquisadora assinaram

duas cópias do TCLE, uma cópia permaneceu com o entrevistado e a outra com o

entrevistador, assinada e datada por ambos.

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3 O CAPITAL GLOBAL DAS ENFERMEIRAS

Para discutirmos o capital global das enfermeiras pesquisadas investigou-se o contexto

de seu nascimento e sua socialização primária com o objetivo de evidenciarmos o volume de

seus diversos capitais (econômico, social, cultural) e o habitus destes agentes sociais.

Objetivamos também discutir os valores adquiridos durante seu processo de socialização.

As enfermeiras entrevistadas apresentaram uma média de idade de 50 anos, ou seja,

correspondente aos nascimentos ocorridos na década de 50. Observamos que a grande maioria

(82%) das enfermeiras entrevistadas nasceu de parto normal. Entre esses nascimentos ainda

conseguimos destacar alguns partos domiciliares, assistidos por parteiras:

O meu nascimento foi em residência, em casa, que na época ainda era uma prática, já não

acontecia com tanta frequência, já existiam os partos institucionais, hospitalares. Dos meus

irmãos eu fui o único que nasceu em casa. (ENTREVISTA 1)

Observamos pelo relato acima que à época, nos grandes centros urbanos, o parto

domiciliar ainda era praticado, porém com menos frequência. Numa mesma família foi

possível observar a transição do parto domiciliar para o parto hospitalar.

Identificamos nas falas dos agentes que eles são procedentes de famílias numerosas e

que a transição do tipo de parto foi percebida até mesmo dentro de casa:

Minha mãe teve seis filhos, todos de partos normais, inclusive dois nasceram em casa [...] O

parto antes de mim foi em casa, o meu foi no hospital. (ENTREVISTA 21)

Isso reforça que foi por volta dos anos cinquenta que ocorreu mais forte o processo de

transição do parto domiciliar realizado por pessoas não médicas, em ambiente familiar, para o

parto hospitalar. As mulheres, principalmente aquelas que moravam nas grandes cidades,

deixaram de parir em seus lares com a ajuda de outras mulheres e passaram a parir em

instituições de saúde, com a presença de profissionais médicos, transformando e

medicalizando o cenário do parto e nascimento (SILVA; CHRISTOFFEL; SANTOS, 2005).

Caracteriza-se historicamente pelo processo de implementação dos Institutos de

Aposentadorias e Pensões (IAP), entidades de grande porte que abrangiam somente os

trabalhadores, cujo modelo inicial da assistência médica não era universal e baseava-se nos

vínculos trabalhistas, ou seja, apenas os trabalhadores que contribuíam para a Previdência

poderiam ter acesso aos benefícios, mas foi o início do processo de hospitalização.

O cenário resgatado ainda por algumas enfermeiras, em seus depoimentos, sobre seus

partos domiciliares, traz a lembrança da figura da parteira, que, em muitos casos, era uma

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mulher da família: a madrinha, a tia ou a avó. Os partos eram realizados por mulheres de

confiança da gestante ou de experiência reconhecida pela comunidade:

Meu parto foi normal em casa, minha madrinha foi a parteira. (ENTREVISTA 12)

Suas tias todas são parteiras [...] Suas avós parteiras, quer dizer eu acho que deve estar no

sangue, sem querer escolher uma coisa que eu nem sabia que tinha isso na família, parteiras.

(ENTREVISTA 19)

As mães destas enfermeiras apresentavam até o momento uma reprodução do parto de

suas antecessoras, em ambiente domiciliar, respeitando as tradições familiares, cujos partos

eram compartilhados pelas pessoas do ciclo íntimo de onde muitas vezes emergiam as suas

parteiras.

Nessa perspectiva, percebemos que as mulheres eram destaque no cenário do parto,

tanto as parturientes quanto as mulheres que assistiam o parto. Nesse ambiente domiciliar a

mulher era protagonista da cena e com a institucionalização do parto foram relegadas em

muitos lugares ao papel de coadjuvantes. Consequentemente, a mulher deixa de ser sujeito da

ação para tornar-se objeto.

As depoentes quando se reportavam para seu nascimento domiciliar ou de algum

familiar os associavam também com sensações positivas:

Meu parto foi realizado na casa da minha tia Cecília, e com parteira, houve aquele

envolvimento, aquilo ali era um pouco de humanização. (ENTREVISTA 7)

Minha mãe engravidou 16 vezes [...]13 partos, a parteira morava do lado da casa dela e depois

de mim ela teve 5 ou 6 filhos, e eu pude ver, depois de mim, esses partos em casa[...]E

quando acontecia um parto, todas as irmãs davam cobertura e morávamos em cidade pequena

era mais fácil, a minha família sempre foi muito unida (ENTREVISTA 14).

É interessante observar que houve uma associação do seu próprio parto com o parto

assistido no modelo das Casas de Parto. Essa percepção traz embutida uma aproximação

simbólica da figura da enfermeira obstétrica que atua na Casa de Parto com a da parteira, fato

contrário ao que aconteceu no processo de medicalização do parto:

Eu nasci de parto normal, com parteira, na residência, ou seja, é esse parto que é colocado

agora na casa de parto, quase que idêntico, a família participando. (ENTREVISTA 7)

São campos diferentes e constituições de habitus também diferentes, porém que se

assemelham na prática com as filosofias de assistência, cujo paradigma diferencia-se do

modelo hospitalocêntrico vigente, por dar à mulher a opção de escolha por práticas não-

invasivas durante o processo do parto (MOURA, 2009).

Durante o processo de medicalização e hospitalização do parto, houve a aproximação

da parteira com a da enfermeira. Nessa época, a parteira estava sendo desvalorizada e associá-

la com a imagem da enfermeira poderia lhe conferir maior capital e visibilidade. À época,

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muitas parteiras que foram diplomadas pelas escolas médicas, denominavam-se de

enfermeiras, o que poderia aumentar seu capital e posição. Tal fato resultou em uma grande

luta entre as duas categorias, resultando no aumento do poder do médico. Observamos que, na

transição do ambiente domiciliar feminino de realização do parto para o contexto hospitalar,

instalou-se a dominação masculina no campo obstétrico, onde parteiras foram eliminadas e

enfermeiras não ocuparam espaços na assistência ao parto diante do capital médico masculino

eficiente para o contexto histórico do campo (PROGIANTI, 2001, p.91,105).

Nesta época as enfermeiras obstétricas eram imparciais, apresentavam uma postura de

reação ao poder médico de forma sutil e manipulativa, característica própria de quem está em

posição de desvantagem na luta instaurada no campo, reproduzindo de fato dentro deste

campo as peculiaridades típicas das relações de gênero incorporadas na esfera da vida privada

(PROGIANTI, 1995, p.103). Com o crescente envolvimento dos médicos no parto, ocorreu a

consolidação da dominação masculina no processo do nascimento, a medicalização e a

hospitalização da assistência ao parto, permitindo com isso controlar o campo e seus agentes

(AZEVEDO, 2008, p.13).

Este processo de hospitalização do parto estava associado também ao crescimento do

capitalismo no país, com as inovações tecnológicas, fato histórico de muitas mudanças nas

conduções das políticas públicas, nas esferas de governo e na condução de ações no país, e

com isso observou-se então que a figura da parteira aos poucos foi perdendo a visualização no

cenário do nascimento e o da parteira emerge:

Apesar de as parteiras serem formadas pelas Escolas de Medicina desde 1832 no século XX

sua imagem estava associada à de uma profissional de pouco conhecimento científico e de

uma época passada, contrastando com a fase de desenvolvimento tecnológico da assistência

médico-hospitalar. [...] Paralelamente, a enfermagem acadêmica e científica está em expansão

no país. Esta expansão é explicada pelo crescente mercado de trabalho da enfermagem gerado

pela ampliação de hospitais vinculados à rede previdenciária, decorrente do processo de

urbanização, industrialização e crescimento da população operariada do país no século XX

(PEREIRA, 2006, p. 234).

Pelo relato acima se ressalta então uma inversão de papeis e de valorização dos

agentes no contexto da assistência médico-hospitalar. Observou-se também que, com o

crescente desinteresse pela formação de parteiras e com a Reforma Universitária de 1968, que

proibia a duplicação de cursos com finalidades semelhantes, como, por exemplo, formação de

parteiras e de enfermeiras obstétricas, as Escolas de Enfermagem tornam-se a única via de

formação de profissionais não-médicos na obstetrícia (RIESCO, 1998). Já no contexto atual

do movimento de humanização do parto e nascimento, existiu uma valorização da figura da

parteira e do parto domiciliar, o parto social, que impulsiona algumas enfermeiras obstétricas

a utilizarem como estratégia de luta simbólica para melhorar sua posição no campo e no

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mercado de trabalho, a autodenominação de parteiras. Entende-se que essa estratégia

confunde a identidade da enfermeira obstétrica que atua nas Casas de Parto e nos próprios

hospitais e poderá favorecer a criação de outras profissões afins, como a de obstetrizes.

Estes agentes, ou seja, as enfermeiras e as parteiras estavam inseridas em um campo,

com disputas de poder, onde as lutas travadas faziam parte do jogo pela disputa de posições e

ocupação deste campo. Estas lutas dependiam do volume e da estrutura global do capital

acumulado em suas experiências anteriores nos diferentes campos articulados com o capital

específico de cada grupo a que estes agentes sociais pertenciam. E a movimentação destes

agentes no espaço social é evidenciada por suas trajetórias e estratégias, o que repercute na

modificação da estrutura e do volume de capitais dos diferentes agentes. Dessa forma

percebe-se que, pelo acúmulo de maior capital neste campo, as enfermeiras, utilizando suas

estratégias de luta, ocuparam espaços anteriormente ocupados pelas parteiras. Isso tudo é

reflexo da transformação dos habitus destes agentes a partir da movimentação deles no

campo, pelas lutas travadas dentro do próprio campo ou por uma análise reflexiva (racional)

sobre as próprias disposições (BOURDIEU, 1995; BRANDÃO; ALTMAN, 2007).

Retornando ao tipo de parto destas enfermeiras, ressaltamos que a grande maioria das

pesquisadas relatou que nasceram nos hospitais e de parto normal:

Meu parto foi parto normal [...] foi parto hospitalar. ( ENTREVISTA 9)

Nasci de parto normal, no hospital. (ENTREVISTA 13)

Eu nasci de parto normal [...] Foi tudo bem, foi no hospital o parto. (ENTREVISTA 23)

Observou-se que, com o advento do capitalismo industrial, a prática da assistência ao

parto hospitalar por médicos se consolidou como exercício monopolizado desses profissionais

e, assim, foi legitimado e reconhecido.

Apesar da grande maioria dos entrevistados terem relatado seu nascimento de parto

normal, também identificamos duas enfermeiras que tiveram o parto em hospital e por

cesariana.

Eu sei que foi cesariana, mas assim, não tenho que falar de gestação porque na verdade eu não

sei. (ENTREVISTA 4)

Este fato ressalta que o parto hospitalar ainda estava em transição, e apesar da

institucionalização, a prática do parto normal ainda era maioria, mas que foi aos poucos sendo

transformada e cada vez reduzida, a ponto de com o passar dos anos observarmos que houve

um aumento do número de cesáreas. Nas últimas décadas tem ocorrido em todo o mundo uma

crescente incidência de operações cesarianas e infelizmente, hoje, o Brasil ainda tem lugar de

destaque nesse cenário, pois apresenta taxas elevadas de cesariana (QUEIROZ, 2005).

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O fato de essas enfermeiras terem nascido nos hospitais e de parto normal demonstra

que nos primórdios a missão dos hospitais era de ser seguro para qualquer tipo de parto:

normal ou cesariana, a institucionalização tinha como propósito a melhoria dos indicadores do

nível de saúde do grupo materno-infantil. Esse período condiz com a história da assistência ao

parto e nascimento, em que a partir nos anos 70 culminou com a consolidação da

hospitalização do parto. Observa-se neste contexto histórico que principalmente as mulheres

moradoras dos grandes centros metropolitanos deixaram de parir em seus domicílios para

parir nos hospitais com profissionais (CHRISTOFFEL; SANTOS, 2003, p.586; KNUPP;

MELO; OLIVEIRA, 2008, p.40).

A imposição do sistema, quanto à institucionalização do parto pode ser percebida com

a manipulação através do poder simbólico imposto pelas políticas públicas que implementam

com seu poder de direção o que deve ficar em vigor. Observa-se uma relação de dominador e

dominado, ao disseminar a concepção de parto hospitalar, dito ser mais seguro, adequado,

científico, considerado na verdade como uma violência simbólica em que o agente social é

prisioneiro dos determinismos impostos pela sociedade e políticas públicas.

Em menor proporção encontramos duas enfermeiras que relataram ter nascido de

cesariana associada à realização de laqueadura tubária, no mesmo tempo cirúrgico.

Historicamente, no Brasil, ainda vivenciavam-se reflexos remotos do autoritarismo da época

do pós-golpe militar de 1964, período em que se iniciaram os debates sobre controle da

natalidade, em que veio à tona a questão do antinatalismo, discutiam-se questões de

planejamento familiar, assistência à saúde da mulher, direitos sexuais e reprodutivos,

inclusive aborto e esterilização. Muitas transformações iniciaram-se na área da reprodução,

nesta fase política, principalmente no que diz respeito aos métodos contraceptivos, a ponto de

não haver o livre arbítrio em questões tão íntimas, correspondendo neste caso a uma violência

simbólica dos dominantes em impor condutas às usuárias do serviço de saúde (ARAUJO,

2000, p. 33).

Nasci de cesariana, fui a única, acho que fui a única filha de parto hospitalar, o que eu sei é

somente isso, foi parto hospitalar e foi cesariana por causa da laqueadura tubária.

(ENTREVISTA 18)

E o meu último irmão nasceu quando ela (mãe) tinha 22 anos, mas ela já estava desesperada,

já era o quarto filho dela, ela tava desesperada para fazer uma laqueadura, portanto ele nasceu

de parto cesáreo para que ela pudesse fazer a laqueadura.( ENTREVISTA 23)

Ao longo dos anos este pensamento foi incorporado e observou-se um aumento nas

regiões mais pobres do país de mulheres esterilizadas, superando o número das que usavam

métodos contraceptivos hormonais, isto mais marcante a partir de 1984 quando foi adotada

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uma política oficial de planejamento familiar, em virtude da implementação do PAISM. Há

uma questão a ser ressaltada, nesta época dicotomicamente as mulheres pobres passam nesta

fase a ter ―acesso a tecnologias avançadas, como a laqueadura tubária, ao mesmo tempo em

que não tem outros direitos mais elementares, como saneamento básico e educação‖.

(ARAUJO, 2000, p. 37).

O uso que se faz do corpo é resultado da socialização dos agentes. Quando a mulher

não tem o direito preservado de decidir a forma de parir ela perde seu direito de ser dona de

seu corpo e de sua sexualidade. Percebemos com isso que há uma relação de poder, onde estas

mulheres passam a ocupar uma posição de dominadas, onde há uma dominação masculina no

campo da obstetrícia.

Voltando a destacar a questão do tipo de parto, ressaltamos que a grande maioria dos

partos foi em instituições públicas ou filantrópicas.

Eu nasci no mês de fevereiro, em uma maternidade é a Alexander Fleming [...] Foi parto

normal, todos nossos partos foram normais, eu e minhas irmãs. (ENTREVISTA 10)

Os partos foram em unidades públicas, e assim, especificamente o meu parto aconteceu na

Pró-Matre. (ENTREVISTA 3)

E apesar da grande maioria relatar parto em hospital público, também se identificou

casos em que os partos foram em hospital particular conveniado com o sistema público de

saúde.

Eu nasci na cidade do Rio de Janeiro, em uma maternidade privada. (ENTREVISTA 2)

Foi um parto normal, eu nasci na Pró-Matre. (ENTREVISTA 6)

Também identificamos pontualmente partos em hospital particular não conveniado ao

sistema público de saúde.

O meu nascimento se deu por parto normal, [...] O parto foi normal, no hospital, em uma

clínica particular. (ENTREVISTA 8)

Destacamos que, de um total de 25 enfermeiras entrevistadas, apenas três tiveram

parto em hospitais particulares. O nascimento das enfermeiras pesquisadas em hospitais da

rede pública ou em clínicas conveniadas indica como estava configurada a rede hospitalar de

assistência ao parto no Rio de Janeiro. Reflete-se com isso que o indivíduo é situado em um

universo social e por consequente o contexto social da década de 50 e 60 também estava

inscrito nele.

O contexto social da década de 60, período em que ocorreu a grande maioria dos

partos das entrevistadas, era a época da Ditadura Militar no Brasil, no qual o Sistema de

Saúde brasileiro era centralizado e excludente (PEREIRA, 2007, p. 8). Segundo Barros, Piola

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e Vianna (1996, p. 31), o sistema de saúde nessa época era fragmentado em dois grandes

segmentos: a parte previdenciária caracterizada pelas atividades médico-hospitalares

individuais, e por outro lado a assistência à saúde publica coletiva.

Havia ainda uma subdivisão da população dentro deste sistema: os que possuíam

condições financeiras de custear suas necessidades de serviço diretamente, outros que eram os

trabalhadores formais e seus respectivos dependentes cuja assistência era prestada pelo

Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS) e a terceira

parcela da população que não tinha nenhum direito à assistência, ou seja, os excluídos

(SOUZA, 2002, p.446). Havia imensas disparidades que impossibilitavam a assistência

integral às mulheres, pois o sistema era segregado entre classes e excludentes, o que

caracterizava a assistência do vigente INAMPs.

E além dessa divisão problemática na saúde do Brasil à época, a saúde da mulher

estava centrada na função reprodutiva, voltada para o ciclo gravídico-puerperal através do

Programa de Saúde Materno-Infantil (PSMI), as outras necessidades da saúde da mulher

estavam sob a responsabilidade dos outros programas de saúde que não se articulavam de tal

forma que permitisse ver a mulher de forma integral, não apenas um ser capaz de se

reproduzir (PEREIRA, 2007, p. 8).

Então, para a mulher ser assistida de forma adequada, ela teria que estar com alguma

demanda do ciclo gravídico-puerperal, ser trabalhadora ou dependente de seu parceiro para ter

acesso aos benefícios dos IAPs e INAMPS, ou ter condições financeiras para custear suas

necessidades de saúde.

E infelizmente, entre as enfermeiras que relataram sobre sua condição financeira,

observou-se que a maioria foi socializada em famílias simples, humildes, de classe social

menos privilegiada, com recursos financeiros precários:

Viemos de uma família de origem pobre, em que os recursos eram muito precários.

(ENTREVISTA 21)

Percebe-se que esta condição econômica desfavorável, acrescida de fatores como

cultura, etnia, idade e raça constituem-se em fatores de exclusão social que está intimamente

ligado à figura feminina e à questão de gênero claramente percebida nesta dissertação. Esta

questão interferirá no habitus destas enfermeiras, pois, para Bourdieu (2006), isso retrata a

exterioridades interiorizadas pelo indivíduo de acordo com sua trajetória social, ou seja, sua

socialização, considerando também a socialização primária concebida em seu relacionamento

familiar, na primeira educação, passando pela escola, relações com a religião, trabalho, ou

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seja, o conjunto de todos os meios que contribuem para a formação do indivíduo em

determinado contexto social.

Para Bourdieu (1992), o indivíduo é um ator socialmente configurado em seus

mínimos detalhes, tudo é socialmente constituído, desde os gostos mais íntimos, as

preferências e as aspirações de futuro. Dessa forma, a origem social deste ator repercute no

direcionamento de sua vida, pois esta é sua formação inicial, a constituição de seu habitus

familiar ou de classe, que reflete onde ele está inserido, no ambiente social e familiar que

diretamente corresponde a uma posição específica ocupada na estrutura social.

O fato de possuir uma origem pobre reflete sua condição econômica inicial,

caracterizando poucos bens e serviços a que ele tinha acesso. Os capitais adquiridos nessa fase

da vida repercutirão em suas tomadas de decisão, escolhas e oportunidades, o que interferirá

na condução de sua vida ao longo do tempo e nos mais variados ambientes e ações

(NOGUEIRA; NOGUEIRA, 2002, p.21). A condição econômica e social influi na tendência

para um determinado ato, por meio da consciência que os agentes adquirem de cada situação

vivenciada (BOUDIEU, 2006).

Nas falas, observamos que algumas enfermeira, além de possuírem uma origem pobre,

mencionaram ter uma criação privilegiada por não passarem fome:

Fui criado no morro do Cantagalo, lá eu passei minha infância toda [...] apesar de ser em uma

comunidade pobre, eu tive uma criação privilegiada para a época. Tinha dificuldades, mas não

tinha dificuldade de alimentação, apesar de pobre nunca tive estas dificuldades.

(ENTREVISTA 2)

Uma família pobre poderia até chamar de pobre, mas não se passava fome não, éramos

pobres, porém decente, e bom, foi uma infância normal. (ENTREVISTA 10)

O capital cultural destas enfermeiras, nesta fase da vida, era pequeno, o que as fazia

valorizar ao máximo o que era necessário à sobrevivência, não as permitindo dessa forma

perceber que o alimento era o básico, que isso era um dever do Estado, apenas isso. O capital

econômico era baixo para manter as necessidades fundamentais como: alimentação, moradia,

educação e acesso à infra-estrutura doméstica. Observamos um capital econômico e cultural

pequeno, pouco enriquecido, eficaz, o que repercutia na posição social destes agentes, assim

como na forma de ver a vida e de interagir com os outros agentes, em sua socialização

primária.

Essas falas evidenciam que, na infância, o valorizado por algumas enfermeiras como

essencial para a sobrevivência era a comida. Tal fato nos revela o pouco volume de capital

que estas agentes adquiriram em sua socialização primária e sua posição na estrutura social.

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Nas famílias mais humildes, as enfermeiras apontaram que, quando a questão

financeira tornava-se crítica a ponto das necessidades básicas de seus membros não ser

suprida com os recursos dos progenitores, a tendência era de que os filhos começassem

trabalhar ainda jovens, característica de um grupo cujo capital econômico é menor:

Assim vida difícil, muitos filhos [...] família de origem humilde que os filhos iam trabalhar

muito cedo. (ENTREVISTA 18)

Segundo Bourdieu (1992), os pobres têm pouco capital cultural eficiente, que varia de

acordo com o campo em que se situam. No campo social existe uma estrutura desigual dos

capitais em jogo, o que dificulta aos menos privilegiados a terem acesso aos bens culturais e

simbólicos. Num determinado campo, as hierarquias mudam de posição de acordo com os

diferentes tipos de capital adquiridos pelos agentes. Também o maior volume de capital pode

ser considerado como um trunfo para que os agentes adquiram em suas relações melhores

posições no campo.

Nesses casos a demanda pela sobrevivência torna-se fator determinante para que os

jovens pobres busquem emprego precocemente (SPOSITO, 2008, p.85; FALEIROS, 2008,

p.62), o que pode comprometer a renovação do habitus dos agentes no ensino oficial de sua

profissão, o que pode nem mesmo acontecer.

A origem socioeconômica das enfermeiras pode ser considerada um componente do

habitus primário desta classe. Este se torna um elemento básico constitutivo do conhecimento,

pois, segundo Bourdieu (2001, p.169), os agentes sociais, neste caso as enfermeiras, são

dotados de habitus, inscritos nos corpos pelas experiências passadas, presentes nas

percepções, apreciações e ações.

E apesar da questão financeira ser desfavorável, e dessa forma permitir aos sujeitos

ocupar a posição de dominados, é possível que os agentes, em sua luta no campo, venham

empregar estratégias objetivamente orientadas para uma finalidade que os permita mudança

de posição social da classe menos favorecida para uma mais privilegiada (Bourdieu, 2001, p.

168).

Em apenas um relato, dentre 25, recortamos uma fala, cujo agente manifestou que

tinha uma condição financeira porque reconheceu na presença feminina de uma empregada

para ajudar nos serviços domésticos o status de sua família. A fala é esclarecedora quando nos

aponta que nos serviços domésticos contratados não estavam incluídos os cuidados com os

filhos:

Minha mãe tinha condição (financeira) e tinha uma pessoa pra fazer todo o serviço de casa,

podia ter esse repouso e ela sempre criou os filhos assim. (ENTREVISTA 14)

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Segundo Bourdieu, as mulheres eram vistas como sujeitos reduzidos à condição de

objeto, de instrumento simbólico da política masculina, de produção e reprodução do capital

simbólico e social (BOURDIEU, 1999, p.56). A posição dentro do espaço social ocupada por

esta mulher sofre influência dos seus esquemas de relação, assim como da relação entre

dominantes e dominados. Quando esta mulher assume uma posição de destaque, de liderança

dentro de seu lar, ela deixa de ser uma coisa feita apenas para ser olhada, e converte-se de

corpo para o outro em corpo para si mesmo, deixa de ser passiva e torna-se ativa, rompendo

dessa forma com a imagem de submissão e tornando-se figura ativa, mudando de posição

dentro de seu lar.

Identificamos na maioria das falas que a educação era um elemento valorizado pelas

famílias, havia o estímulo e ao mesmo tempo cobrança dos familiares para que os filhos

estudassem, havia um incentivo para a aquisição de capital cultural:

A cobrança em relação ao estudo sempre existiu, eu sempre fui um aluno aplicado, nunca tive

problemas em relação a isso. (ENTREVISTA 22)

Tinha aquela cobrança de avós, de estudo, meus avôs eram quem tomavam realmente

tomavam conta da minha educação, então tudo muito rígido, de acordo com a época deles.

(ENTREVISTA 17)

Meu pai se preocupava muito com os meus estudos [...] (ENTREVISTA 14)

Para Bourdieu (1996), os membros de cada grupo social tendem a investir uma parcela

maior ou menor dos seus esforços na carreira escolar dos seus filhos, conforme percebam

maiores ou menores as probabilidades de êxito. Com este pensamento resgata-se aquela

fórmula apresentada no início do trabalho: posição social + capital cultural + campo, ou seja,

a posição social deste agente depende diretamente da posição que ele ocupa, assim como de

sua família, pois corresponde à base constituinte de seu habitus primário, seguido do capital

cultural que pode existir de três formas (estado incorporado, objetivado e institucionalizado)

que repercute na sua inserção no campo local de ação. Este investimento retratado no

parágrafo anterior está relacionado a estes fatores dentro do grupo social, fato que interfere no

sucesso ou no fracasso escolar.

Nesse sentido, a década de 50 e 60, período em que estas enfermeiras estavam vivendo

sua infância, caracterizou-se pela democratização político-social e crescimento econômico

nacional, em virtude dos investimentos internacionais com a ampliação do parque industrial.

Foi um período de transição econômica que repercutiu diretamente nas classes sociais, com

um aumento das desigualdades sociais.

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Estas desigualdades refletem na educação dos agentes sociais, pois dependem da

rentabilidade das despesas com educação. O rendimento escolar dos agentes depende do

capital cultural investido pela família, cujo rendimento do certificado escolar depende

também do capital social também herdado, ou seja, há uma dependência de vários fatores

indiretamente interligados para que haja uma captação de novos capitais rendáveis e eficazes.

Nesse contexto, observou-se a ampliação da necessidade de investimento na educação

escolar, a população vivenciou uma fase em que era importante se qualificar para ser inserido

no mercado de trabalho (MOURA; CARVALHO, 2008, p.21). Desse modo, com a

promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira – LDB 4.024 / 61, houve

expansão de instituições públicas e privadas no período de 1946 a 1961. As políticas

econômicas e educacionais do país levaram as famílias a incentivarem os agentes aos estudos.

Assim, ainda que se autodenominem de tímidas e retraídas, conseguiram assumir que foram

estudiosas e obedientes na adolescência:

A adolescência foi tranquila, eu sempre fui assim muito tímida como você esta observando, e

não tenho assim, nada de mais a relatar, foi tranquila, gostava de estudar. (ENTREVISTA 7)

Eu sempre fui muito retraída, [...] Sempre fui muito estudiosa, obediente. (ENTREVISTA

18).

Pode ser percebida que no fundo destas falas há uma questão forte de gênero, na qual a

figura feminina sofre uma violência simbólica, mesmo em ambiente doméstico com a

interação familiar, podendo implicar em algumas consequências para a saúde física e mental

das mulheres (DINIZ, 1997).

Nas primeiras décadas do século XX, o ensino das instituições públicas era de alta

qualidade, primorosa na formação dos indivíduos, teoricamente acessível a todos, mas uma

vaga na escola pública era muito disputada (VEIGA, 2008, p. 502). Um diagnóstico feito

sobre a educação brasileira, mas restritamente enfocando o ensino público, demonstrou que há

mais de trinta anos esta educação era de qualidade, acreditava-se, na época, que a educação

devesse ser de qualidade para todos, inclusive para os mais pobres (CARVALHO; MOURA,

2004, p.1). No entanto, nas últimas décadas desse século observou-se precarização do ensino

público e aumento de escolas privadas para a classe média.

É possível destacar os fatores determinantes de mudança de posição social da mulher,

e entre eles estão: o aumento do acesso das mulheres aos estudos, a independência econômica

e a transformação das estruturas familiares, com surgimentos de novos tipos de família,

acarretando na aquisição de posições sexualmente diferenciadas no seio familiar (FERREIRA,

2006).

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Assim, a grande maioria das enfermeiras pesquisadas, pertencentes à classe menos

favorecida, estudaram em colégios públicos:

Sempre estudei em colégio público na infância. (ENTREVISTA 2)

O fato de algumas não necessitarem de fazer cursinhos pré-vestibulares para

ingressaram na universidade denota o esforço pessoal e a qualidade do ensino público

reconhecido pelas agentes;

Eu era uma menina muito esforçada, sempre estudei em colégio publico, nunca fiz cursinho

pré-vestibular. (ENTREVISTA 19)

No entanto, nesse mesmo contexto também identificamos uma fala em que a

enfermeira estudou também em colégio particular.

Estudei em colégio público, no primário, e na adolescência estudei em colégio particular.

(ENTREVISTA 5)

A educação é um recurso que permite ao indivíduo adquirir conhecimentos que

possam se tornar recursos para alcançar objetivos, ideais, planos e proporcionar mudança de

vida. É capaz de operar mudanças duráveis, permanentes, no corpo e na maneira de ser de um

indivíduo, ou seja, o habitus que se constitui (BOURDIEU, 2001, p.169).

As disposições atualizadas pelo corpo muitas vezes não são percebidas de imediato,

apenas quando se convertem em atos, refletidos pela aquisição de conhecimento, de capital.

A escola também tem a função de integração cultural, levando-se em conta a sociedade

dividida em classes, nessa é possível identificar as desigualdades sociais; mas ela não é a

única geradora de capital cultural, apesar disso é capaz de transformar legado coletivo em um

inconsciente individual e comum (CALLEJA; MONTEIRO, 2003, p. 1).

O investimento na educação faz parte da constituição do capital cultural

institucionalizado. Do ponto de vista de Bourdieu, o capital cultural constituído pelo elemento

da bagagem familiar tem impacto na definição do destino escolar e a aquisição do capital

escolar também tem dependência da socialização primária deste indivíduo, neste caso é

importante destacar o capital social como um instrumento de acumulação do capital cultural.

(NOGUEIRA; NOGUEIRA, 2002, p. 21).

Desse modo, identificamos que, na socialização primária de algumas enfermeiras, a

figura materna foi relevante e associada com o acolhimento.

Nós sempre fomos de uma família muito humilde, minha mãe sempre foi humilde, a base

familiar humilde, mas bem acolhedora então nós fomos criadas muito bem, pela minha mãe.

(ENTREVISTA 3)

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Outras reconheceram na figura materna a autoridade.

Minha mãe era muito brava, acho que ela era quem tomava conta da gente. Meu pai

trabalhava fora. Família tradicional, onde o pai tem que manter a família. Minha mãe era

costureira, mas era aquela que dava dura na criançada. [...] (ENTREVISTA 2)

Até mesmo rigidez:

Hoje eu entendo a dureza e a rispidez da minha mãe, até por conta do local onde a gente vivia.

(ENTREVISTA 2)

No contexto do pensamento sobre o gênero feminino, observa-se que a sempre houve

as desigualdades e opressão ao sexo feminino, isso repercute também nas atribuições, ou

melhor, nas funções que a mulher assume do contexto social, uma delas está relacionada com

o cuidar, com a educação dos filhos, com a disciplina, condições próprias de um agente que

ocupa uma posição de dominado, de imposição de uma violência simbólica muitas vezes

vivida, mas não percebida como tal, ou seja, uma violência que é produzida dentro do

contexto familiar. A instituição familiar muitas vezes torna-se um local de reprodução de

desigualdades entre os sexos, com anteposição do homem sobre as mulheres, com privilégios

e respeito dispostos de forma desigual (FERREIRA, 2006).

A posição ocupada pela mãe dentro destas famílias lhe confere autoridade sobre seus

filhos, fato que permite produzir um discurso adequado para cada situação (BOURDIEU,

1983) e ser ouvida pelos seus filhos. Suas atitudes, sua decisão de falar, calar ou usar essa ou

aquela linguagem produzem trocas simbólicas com seus filhos.

Desse modo, as mães demonstravam sua autoridade sobre os filhos, pois eram as

figuras centrais do lar, acolhendo, tomando conta e até mesmo sendo duras no processo de

socialização primária de seus filhos. Apesar de serem intensos os debates sobre os direitos

trabalhistas das mulheres assim como os direitos de reprodução, o fator criação muitas vezes

não era ressaltado, pois, mesmo conquistando muitos ideais, sempre o papel da criação era

quase que obrigatório socialmente destinado à mulher, fator este que repercute diretamente

nos aspectos anteriormente citados, ou seja, cabe à mulher que consegue ocupar mesmas

posições que o homem, cuidar dos filhos e dos afazeres domésticos, tarefas extras às

atribuições paternas, ficando em muitas situações a figura masculina invisível no processo de

educação e socialização primária. Segundo Hoffmann e Leone (2004), os indicadores revelam

que a pobreza manifesta-se desigualmente para homens e mulheres, assim como se percebe

desigualdades entre a distribuição de riqueza e de poder.

Observamos na socialização primária que algumas agentes apresentaram um sistema

de descendência matriarcal, na qual a figura paterna não foi mencionada. Nessas

circunstâncias uma enfermeira pesquisada percebeu o medo de sua mãe em deixá-la sozinha.

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Agora com relação à infância eu filha única da minha mãe pelo menos, a gente já vem de uma

família que todas são criadas por mulheres. [...]Eu achava duro, mas ao mesmo tempo eu

percebia o medo dela se ela faltasse, por sermos só as mulheres, se faltasse um dia, eu tinha

que estar preparada para isso.( ENTREVISTA 6)

Outra enfermeira pontuou que, por sua mãe ser arrimo de família, foi cuidada por seus

irmãos mais velhos:

Eu sou da geração em que a mulher que tomava as rédeas da casa, ela sempre trabalhou, e

agente foi criado, meio que por irmão mais velho, porque minha mãe tinha que trabalhar pra

sustentar, tinha uma irmã que era a mais velha que cuidava de mim. (ENTREVISTA 12)

Uma característica ressaltada por este grupo está no destaque da figura materna, o que

pode repercutir na reprodução do papel materno em suas ações. A bagagem por elas herdada

dentro do núcleo familiar não é apenas um conjunto mais ou menos rentável de capitais, mas

sim fonte de capital. Neste caso o discurso é como um bem simbólico.

Consideramos que, apesar da questão financeira das enfermeiras ser desfavorável, e

dessa forma permitir aos sujeitos ocupar uma posição de dominados, é possível que estes

agentes em sua luta venham a empregar estratégias objetivamente orientadas que permitam

mudanças na posição social ocupada. A educação foi uma destas estratégias que permitiu a

estes agentes adquirirem conhecimentos que aumentou o volume de seu capital e reconfigurou

seu habitus.

Esta estratégia, de aplicação da educação, permitiu aos agentes ganharem lucros

simbólicos, que são a melhor forma de identificar quem ocupa uma posição dominante dentro

do sistema das relações sociais, mas principalmente consentiu também a aquisição de lucros

materiais.

Algumas famílias, na década de 60, eram tradicionalistas, com costumes e regras

rígidas, de controle e disciplina. Isto interferia direta e indiretamente na educação aplicada aos

filhos.

Meu pai e minha mãe eram muito cuidadosos, de não sair e chegar tarde, [...] era uma família

mais rígida mesmo. (ENTREVISTA 1)

Minha relação com meus pais é muito boa, eu tive uma educação rígida, principalmente para

os tempos atuais (ENTREVISTA 23)

Esta rigidez acabará sendo incorporada por este indivíduo, uma vez que este indivíduo

é caracterizado por uma bagagem herdada socialmente (BOURDIEU, 1987). Como

consequência as depoentes se reconhecem pessoas retraídas e obedientes:

Eu sempre fui muito retraída, [...] muito moldada mesmo, no sentido de moldada que eu me

refiro o sentido de enquadrada. [...] Sempre fui muito estudiosa, obediente. (ENTREVISTA

18).

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Há nesta fala um elemento que é ressaltado, o gênero. A enfermeira destaca que foi

retraída, moldada, enquadrada, fortes elementos de violência simbólica, associada neste caso

com a questão de gênero. Gênero é um conceito tão debatido nas últimas décadas, que muito

se agrega à consideração de dominação simbólica. As relações de gênero são relações de

poder em que "o princípio masculino é tomado como medida de todas as coisas"

(BOURDIEU, 1999, p. 23). Percebe-se que neste caso a mulher, a enfermeira, desde a

infância já sofria, mesmo dentro de seu lar, uma violência simbólica, muitas vezes não

percebida de imediato. Segundo Bourdieu (1999, p. 41):

As divisões constitutivas da ordem social e, mais precisamente, as relações sociais de

dominação e de exploração que estão instituídas entre os gêneros, se inscrevem, assim,

progressivamente em duas classes de habitus diferentes, sob a forma de hexis corporais

opostos e complementares e de princípios de visão e de divisão, que levam a classificar todas

as coisas do mundo e todas a práticas segundo distinções redutíveis à oposição entre o

masculino e o feminino.

Quando esta rigidez é exercida de forma autoritária, com relações de força e poder,

pode-se considerar violência simbólica, sem violência física, com atos de submissão. Dessa

maneira, observa-se a socialização de gênero, onde para as mulheres se impõe um padrão

moral de repressão à sua sexualidade;

Tinha aquela cobrança de avós, [...] eu não ficava no portão após as 22h, não podia brincar

com menino, essas coisas. (ENTREVISTA 17)

Apesar da educação rígida, muitas enfermeiras reconheceram os laços afetivos dos

familiares manifestados pelo carinho, amor, amizade apesar das adversidades:

E com a minha mãe sempre foi de muito carinho, muito amor, muita amizade, colo sempre

aberto, apesar de ela ter vício do alcoolismo (ENTREVISTA 16)

É uma família muito junta, muito unida que costuma se reunir sempre, os tios, uma ligação

assim muito forte da família com os tios e primos, muito presente tanto quanto os pais, todos

muito juntos. (ENTREVISTA 1)

é uma família muito junto, muito unida que costuma se reunir sempre, os tios, uma ligação

assim muito forte da família com os tios e primos, muito presente tanto quanto os pais, todos

muito juntos (ENTREVISTA 1)

Os laços familiares criados ainda na base de formação, de crescimento e

desenvolvimento de um ser permitem somar aos seus habitus primários mais valores. E os

esquemas de habitus, como produto da incorporação das estruturas e tendências do mundo a

que se ajustam, também permitem adaptações aos contextos parcialmente modificados em que

estes sujeitos estarão futuramente inseridos. E quando este indivíduo fica exposto, ou seja, sai

do seu nicho, de sua base familiar, são estes elementos adquiridos que lhe permitem aos

poucos ficar apto a adquirir mais disposições, que elas mesmas se constituem abertura para o

mundo. É o habitus do indivíduo, ou seja, um sistema de disposições duráveis e transponíveis

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que por integração de suas experiências passadas e atuais permitem realizar tarefas

infinitamente diferenciadas na vivência no mundo social (BOURDIEU, 1983, p. 65).

Destacamos também nas falas que os membros da família também interagiam com

outros elementos, por exemplo, com os primos, tios e avós e nesse sentido aumentava-se a

possibilidade de expandir a socialização primária incorporando novos habitus e capitais.

É uma família muito junta, muito unida que costuma se reunir sempre, os tios, uma ligação

assim muito forte da família com os tios e primos, muito presente tanto quanto os pais, todos

muito juntos. (ENTREVISTA 1)

Fui criado no morro do Cantagalo, lá eu passei minha infância toda, junto com meus irmãos,

meus primos, a família era muito extensa. (ENTREVISTA 2)

Tive uma convivência bastante próxima dos meus avós, porque principalmente com meus

avós materno, nós morávamos próximos, então nossa convivência sempre foi bastante estreita

[...] uma relação próxima e bastante calorosa, eu tinha meus tios também, a família era

grande, principalmente a família da minha mãe, é uma família muito grande, muito festeira.

(ENTREVISTA 8)

A interação com minha família foi boa [...] Então era assim muitos primos, muitos tios,

também com os pais da minha mãe que são família de seis filhos, também muito primo, muito

tio. (ENTREVISTA 24)

A expansão da aquisição do habitus pode começar dentro da própria família com a

interação com os demais membros, apenas ao extrapolar os muros do lar e permitir contato e

interação com primos, tios, avôs. Permitindo aos sujeitos estarem mais abertos ao mundo real,

ou seja, as próprias estruturas do mundo social que constituem a forma incorporada deste

habitus e capital (BOURDIEU, 2001, p. 171).

O habitus primário repercute diretamente no direcionamento das ações dos agentes e a

forma como ele é reconfigurado permite aos mesmos ocuparem diferentes espaços e posições

no campo a partir da expansão de sua socialização primária.

As enfermeiras entrevistadas encontravam-se em um espaço social de exclusão,

mesmo que não relatados, mas percebidos e vivenciados, fato que foi evidenciado pelas

condições de vida socioeconômicas apresentadas e pelo limitado capital social adquirido

durante a formação de seu habitus primário. Observamos que estas reconfiguraram seu

habitus primário a partir da socialização e das lutas travadas de busca por novos captais,

sejam eles culturais ou econômicos, como consequência para galgarem melhor posição social

e aquisição de capitais eficientes.

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4 A AQUISIÇÃO E ATUALIZAÇÃO DO HABITUS PROFISSIONAL

Ao discutir o habitus profissional de um agente social devemos considerar que ele está

dentro de um contexto dinâmico e instável e também temos que ressaltar sua história

individual de vida, assim como suas vontades, seus desejos e suas aptidões

(ZIMMERMANN, 2007, p.33). O momento da escolha pela profissão está condicionado aos

seus antecedentes, principalmente ao habitus primário e ao capital cultural, além da

determinação do gênero (habitus sexuado) e da imposição cultural (BOURDIEU, 2001).

O habitus profissional é diretamente influenciado pelo habitus primário, pois fatores

determinantes da infância, da adolescência, da família, assim como das oportunidades ao

longo da vida ajudarão na reconfiguração do mesmo e no direcionamento do indivíduo no

mundo (BOURDIEU, 2001).

O habitus incorporado leva o indivíduo a agir como um membro típico de um grupo,

ocupante de uma posição dentro do campo, de tal forma que este agente sente-se ajustado a

fazer com naturalidade suas ações. Quando este agente está bem ajustado ao campo, sua

prática é feita sem necessidade de pensar conscientemente sobre o que fazer e como fazer

(BOURDIEU, 1999).

As relações sociais entre os familiares podem ser determinantes na escolha

profissional dos agentes. Assim, algumas enfermeiras pesquisadas tiveram influência de

familiares médicos e apesar de aspirarem medicina, a enfermagem foi a escolha possível:

Eu sempre me identifiquei muito com a enfermagem, mas na época eu tinha um tio médico

que também me influenciava fortemente (ENTREVISTA 1)

Evidenciamos que o contato com membros da família que já eram profissionais de

enfermagem proporcionou uma aproximação com a profissão, o que também influenciou

nesta escolha:

A minha avó era enfermeira dos Servidores [...] E sempre tive muito contato com muita gente

da enfermagem.( ENTREVISTA 13).

Neste caso ressaltamos que o indivíduo é situado em um universo social particular,

mas este universo social também é inscrito nele, e as relações estabelecidas com seus

familiares constituem-se em fatores determinantes de escolhas (DORTIER, 2002, p.56-7).

Identificamos que a grande maioria das entrevistadas escolheu a enfermagem por

influência de familiares que eram técnicos e auxiliares de enfermagem:

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Eu optei pela enfermagem por eu já ter experiência em casa com a enfermagem, porque a

minha tia é técnica de enfermagem, eu acho que foi o mais próximo da enfermagem que eu

tinha chegado. (ENTREVISTA 9)

Na enfermagem observamos que há uma divisão social do trabalho, encontramos os

auxiliares de enfermagem cuja formação exigida é o ensino fundamental, seguido pelos

técnicos de enfermagem que se formam pelo segundo grau técnico e as enfermeiras que

apresentam nível superior, identificando uma hierarquia de capital cultural, de poder e de

posição social. Entre as entrevistadas a grande maioria teve influência para a escolha da

profissão de auxiliares e técnicos, pode ser uma forma de incentivo desta classe para que as

entrevistadas adquiram capital maior que elas possuem, e de tal forma ocupem uma posição

social melhor que elas ocupam no mundo social.

Consideramos que a escolha profissional é algo individual, que a decisão por uma

ocupação corresponde aos interesses, aptidões e possibilidades dos agentes no campo.

Percebemos que muitas depoentes tinham fascínio pela empolgação do outro no que diz

respeito ao paciente, medicação e hospital. Esta fascinação pode estar associada às

disposições incorporadas durante sua socialização que valorizem na saúde a cultura

hospitalocêntrica, pois o hospital é o berço da enfermagem profissional no mundo:

A minha irmã, ela fez o curso técnico de enfermagem, eu gostava da minha irmã, da

empolgação da minha irmã com os pacientes, da empolgação da minha irmã com o hospital.

(ENTREVISTA3)

Eu tive a influência que de um tio que era profissional de enfermagem, que trabalhava no

Pedro Ernesto, como técnico de enfermagem, e as questões às vezes, as situações que ele

contava; os cuidados com o paciente, das medicações, aquilo realmentente causava uma

fascinação. (ENTREVISTA 8)

Percebe-se com esta fala que houve uma absorção pelas entrevistadas de estruturas

incorporadas e estruturas objetivas, dentro de sua socialização primária, pelas relações

familiares, e quando a percepção destas duas estruturas está de acordo, tudo parece evidente,

tudo parece natural, neste caso, as enfermeiras acharam natural seguir o mesmo caminho de

seus familiares.

Os relatos das enfermeiras quanto à escolha pela enfermagem foram muito

diversificados. Observamos também as que optaram por esta profissão em virtude de sua

proximidade com a doença de algum membro da família e com o cuidado exigido por esta

situação no hospital:

Eu ainda adolescente, devia ter uns quinze anos na época, a minha avó adoeceu, teve um AVE

e ai eu cuidava dela, ai eu acho que despertou a questão de frequentar o ambiente hospitalar,

quando eu ia fazer visita e também depois quando ela foi para casa eu ajudei muito no

cuidado dela, foi por ai mesmo que despertou. ( ENTREVISTA 22)

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A opção pela saúde foi assim, mais pelo fato da minha mãe ter sido, ela teve problemas

ortopédicos na infância, ela teve poliomielite, então ela vem assim de uma caminhada de

cirurgia, eu cresci no meio das cirurgias que minha mãe fazia, [...] eu tava sempre ali

ajudando a fazer um curativo, ajudando ao cuidar, desde aquela coisa do cuidar e ai foi

virando uma paixão, e era uma coisa super natural, o cuidar para mim já era natural e durante

o período de formação eu acabei optando pela saúde, por ter mais facilidade no aprendizado. (

ENTREVISTA 6)

Esta aproximação com a doença, ou com outros fatores que foram determinantes na

escolha da profissão, é reconhecido como fatores que contribuem para aquisição de capital.

Neste caso, trata-se de capital cultural, que, segundo Bourdieu (2006), começa a ser

acumulado inconscientemente desde a origem, pelos membros das famílias que possuem

capital cultural, compreendendo dessa forma todo o período do processo de socialização.

Dessa forma, ressaltamos que as condições de acumulação de capital destas

enfermeiras à época foram proporcionais às oportunidades que estas agentes tiveram, dentro

do campo social em que se encontravam. E aos poucos foram adquirindo capital não

institucionalizado de cuidado ao outro.

Encontramos também que a opção pela enfermagem feita pelas agentes pesquisadas

está associada com a necessidade de cuidarem de algum familiar de maneira contínua em seus

próprios lares.

Eu fiz enfermagem porque eu gostava de cuidar, eu aprendi a cuidar desde pequena, o bebê

(irmão mais novo) aspirava cuidados e eu fui aprendendo a administrar medicações desde

pequena e as medicações eram psicotrópicas, eu aprendi daí a fazer, trocar, dar banho, essas

coisas que são feitas dentro do hospital, eu aprendi a fazer dentro de casa. (ENTREVISTA 11)

Por não ter aprendido a cuidar numa escola oficial de enfermeiras denominou sua

aptidão apreendida no lar como dom, que na verdade trata-se de um investimento em tempo e

em capital cultural. Fato que é generalizado como sendo um papel social da mulher, e até hoje

nas famílias o cuidar é uma característica própria do feminino:

Acabei descobrindo que aquele era meu dom que era cuidar do outro que era o que eu sabia

fazer desde pequena, era o que eu sabia fazer de melhor. (ENTREVISTA 12)

Observa-se que nestas trocas de bens simbólicos o fato que permitiu criar condições

sociais de legitimidade e reconhecimento das ações destas enfermeiras o se processo de

socialização (BOURDIEU, 1987).

Assim, mesmo que o aprendizado não seja institucionalizado, as enfermeiras tinham

possibilidade de transformação dos seus habitus, a partir da movimentação dentro do campo e

em sua socialização (DORTIER, 2002, p. 56).

Algumas enfermeiras optaram pelo curso superior em enfermagem após contato prévio

com a enfermagem através do curso técnico. Nesta situação podemos considerar o curso

técnico como uma iniciação ao acúmulo de capital cultural relacionado com a profissão:

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Bom, primeiro eu fui técnico, fiz curso técnico de enfermagem que na época houve um bum

no curso técnico, na época de 70, era valorizado isso teoricamente, coisa que na pratica

mesmo isso não aconteceu, essa valorização do curso técnico quanto eu pensava.

(ENTREVISTA 10)

Eu conheci a enfermagem no curso técnico.( ENTREVISTA 17)

Eu fiz o curso de técnico de enfermagem e logo a seguir eu fiz o vestibular. (ENTREVISTA

18)

Este relato traz a questão da posição social dentro do campo, ou seja, nessa fala a

enfermeira havia feito o curso de técnico de enfermagem, mas foi em busca de mais capital

que lhe conferisse melhor posição social, ou seja, ocupação de campo. A busca pelo curso

técnico pode ser visto como estratégia de aquisição de capital cultural, como forma de

transformação do habitus e da posição social ocupada.

O curso técnico de enfermagem em algumas ocasiões refletia uma possibilidade de

trabalho, uma porta de entrada para o mercado de trabalho, esta aquisição de capital era vista

como uma mudança de posição social, de inserção em outro universo, outro cenário, também

como instrumento de aquisição de capital econômico, principalmente se levarmos em conta a

posição econômica da grande maioria das enfermeiras entrevistadas.

Ai eu queria trabalhar logo, eu sempre estudei em escola publica, ai eu fui fazer o técnico de

enfermagem, para poder começar a trabalhar, e fiz todo o técnico de enfermagem.

(ENTREVISTA 16)

Outras, porém, fizeram curso técnico, mas nunca o exerceram, foram em busca de

novos capitais, buscando mais estudo, buscando mais capital cultural institucionalizado, na

universidade.

Nós não trabalhamos como técnica, nós fomos direto para a faculdade, do segundo grau eu já

ingressei na faculdade (ENTREVISTA 3)

Identificamos que algumas enfermeiras não se conformavam com a posição social

ocupada e queriam mudar de papel, de posição social, indiretamente havia o interesse de

mudança da posição de dominado para dominador, elas não se conformavam com a violência

simbólica que eram submetidas.

Vamos dizer assim, mais de 15 anos técnica de enfermagem [...] Aí, sei lá, não gostava de ver

como as técnicas e auxiliares éramos assim, é coordenados, eu não me sentia bem com aquela

posição, eu me sentia revoltada com aquela situação. (ENTREVISTA 7)

Esta entrevistada conseguia perceber sua posição desvantajosa na estrutura do campo

de forças em que estava inserida. Ou seja, ela tinha illusio, ou seja, o reconhecimento do jogo

e da utilidade do jogo, além da concepção do individual (hexis) parte constituinte do habitus

deste agente (BOURDIEU, 2006).

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A conquista do diploma na grande maioria destas enfermeiras ocorreu em

universidade pública, principalmente pela questão social deste grupo. Observamos nos

cenários de nossas maternidades municipais, enfermeiras formadas nas quatro universidades

públicas do grande Rio:

Passei para enfermagem, para a escola que eu queria, para o período que eu queria, para a

UNIRIO.( ENTREVISTA 10)

Eu fiz na UFRJ, na Ana Nery.( ENTREVISTA 11)

Eu sou formado pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. (ENTREVISTA 8)

Encontramos falas em que as enfermeiras relatam que não havia opção para adquirir o

tão sonhado diploma, teriam que passar para uma universidade pública, pois a condição

financeira da família não permitia custear uma faculdade particular.

Eu tinha que passar para a UNIRIO ou para a UERJ ou para a UFRJ, porque meu pai não

tinha condições de pagar [...] e graças a Deus eu consegui UNIRIO.( ENTREVISTA 3)

Porém, havia uma condição que dificultava ainda mais o alcance deste objetivo, o fato

de estudar em colégio que não preparava para aprovação em faculdade, cuja formação era

deficiente, fato que implicava na necessidade de fazer um pré-vestibular para obter a

aprovação.

Como eu vou fazer uma faculdade pública, se eu estudei em um CIEP, aquele até do

Sambódromo, até existia uma escola ―Maria de Lurdes‖, fazia o segundo grau ali [...] eu tinha

que fazer um pré-vestibular.( ENTREVISTA 16)

Nessa perspectiva, tornava-se difícil para algumas enfermeiras adquirirem o tão

sonhado diploma e consequentemente novos capitais institucionalizados, uma vez que as

posições relativas destes agentes naquele campo específico não as colocavam em vantagens,

porque eram desiguais. Para que ocorresse a aquisição e acumulação de capitais específicos,

sejam eles econômico, linguístico, científico, exigia-se condições objetivas de estabelecer

relações com os demais agentes neste campo. Com isso algumas enfermeiras precisavam fazer

trabalhos manuais para obter renda e custear um pré-vestibular.

Mas faculdade particular eu não podia pagar. E pública, como eu vou fazer uma faculdade

pública? Eu tenho que passar para uma escola pública, uma faculdade pública[...]Ai eu

trabalhava fazendo paninho de prato para vender, crochê para vender, cuidava de criança para

ter dinheiro e pagar um pré-vestibular.( ENTREVISTA 16)

Nessa concepção de jogo, a entrevistada percebia que precisava fazer algo que lhe

permitisse continuar na busca por melhor posição social, ou seja, ela tinha a concepção de

illusio: ―Ela é tanto a condição como o produto do funcionamento de qualquer campo‖

(BOURDIEU, 2006).

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Outras, por não possuírem capital eficiente suficiente para conseguir aprovação em

universidade pública, estudaram em faculdades particulares:

Eu fiz faculdade, eu fiz na Gama Filho, eu fiz cursinho pré-vestibular e tal. (ENTREVISTA

17)

Outras enfermeiras trabalhavam durante todo seu período de graduação para custear a

faculdade particular.

Eu passei para uma universidade privada, [...] fiz meus anos de graduação, trabalhando como

técnica.( ENTREVISTA 18)

Manter um emprego em paralelo com a aquisição do capital institucionalizado durante

a graduação, por um lado pode ser analisado como uma estratégia dos agentes na luta pela

melhoria de sua posição. Por outro, indica perfeitamente a posição desvantajosa de seu capital

cultural e econômico. E quando um agente, neste caso as enfermeiras, em pleno processo de

aquisição de capital tem que dividir o tempo entre o trabalho e o estudo, acabam ficando em

posição de desvantagem nesta luta, pois o tempo dispensado para o trabalho poderia ter sido

empregado na aquisição de novos capitais e dessa forma sempre ficaram em posição inferior

na disputa por capital que consequentemente repercute na busca por posição. E neste campo,

do ensino, os dominantes são aqueles que detêm um maior capital especifico.

Observa-se que, dentro de um campo, os detentores da posição dominante, ou seja, os

que têm maior capital específico, se opõem por uma série de meios aos demais agentes com

pouco capital específico. Os antigos possuem estratégias de conservação que têm por objetivo

obter lucro do capital progressivamente acumulado (BOURDIEU, 1983). Dessa forma,

quando há possibilidade de busca por capital de forma integral, de total dedicação aos

estudos, a luta travada é no mesmo nível de igualdade, quando não é possível, este ator social

sempre ficará em uma posição desfavorável, mas nada impede dele estar na luta, na disputa

por um lucro simbólico.

Este lucro simbólico pode ser a aquisição de um diploma que possibilite a mudança de

posição social, neste caso retratamos a questão da formação, educação. Durante a formação na

década de 70, reconhecemos nas falas que o primeiro contato com a obstetrícia foi na

graduação, que englobava as habilitações em enfermagem obstétrica, saúde pública ou

médico-cirúrgico. O ensino da obstetrícia para a enfermeira era no modelo biomédico:

O modelo biomédico a gente não entendia como tal na época, hoje a gente entende esse

modelo biomédico, [...] a gente aprendia e ensinava a obstetrícia no modelo tradicional

médico. (ENTREVISTA 2)

Antigamente a formação foi até com a episiotomia, não foi como a questão do projeto da

humanização, a não realização de episio, com toda essa humanização de hoje em dia.(

ENTREVISTA 3)

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Tal fato era o esperado, visto que as enfermeiras nessa época eram formadas para

atuarem no hospital, era a época da hospitalização.

Entre os pesquisados quatro eram enfermeiras obstétricas tituladas pelas antigas

habilitações:

É me formei em 96 pela UERJ, na minha época ainda tinha habilitação, fiz habilitação em

obstetrícia, depois eu fiz 2 anos de residência no Pedro Ernesto (ENTREVISTA 4)

Depois teve a habilitação, na época era a habilitação em enfermagem obstétrica, saúde pública

e médico cirúrgico. E ai quando fui estagiar na saúde da mulher, então eu fiquei apaixonado

por esta área materno-infantil e ai eu tentei caminhar por ela. (ENTREVISTA 2)

Eu ingressei na universidade, em janeiro de 86 e conclui a graduação em dezembro de 89,

ingressando na habilitação em enfermagem obstétrica em 90, e passei todo esse na fazendo a

habilitação. (ENTREVISTA 8)

Na hora de escolher a habilitação eu optei pela obstetrícia [...] durante o projeto de pesquisa

da habilitação eu escolhi pela estimulação essencial do prematuro, e na habilitação a gente era

obrigado, no mínimo a fazer 5 partos.( ENTREVISTA 14)

Fatores socioeconômicos influenciam na escolha da especialidade, assim como as

necessidades dos agentes de reflexão sobre o contexto social em que está inserido, estes

fatores e também os fatores pessoais podem aos poucos ser transformados, ao passo que estes

agentes amadurecem (FERRETTI, 1994):

Por ser uma coisa mais prática, mais ampla, mas globalizada eu resolvi fazer a residência em

enfermagem médico-cirúrgico, eu tinha mais chance de estar ingressando em uma área mais

ampla porque abrangia centro cirúrgico, CTI, Unidade Coronariana, centro de hemorragia

digestiva, essas coisas todas, então eu optei por estar fazendo a residência em médico

cirúrgica. (ENTREVISTA 3)

Desse modo, evidenciamos que cinco das entrevistadas foram trabalhar diretamente

com a obstetrícia imediatamente após o término da graduação. Notamos que a grande maioria

das enfermeiras pesquisadas teve sua inserção na obstetrícia no final da década de 90, antes

mesmo de cursarem a especialização em enfermagem obstétrica ou de terem alguma afinidade

com ela:

E passei para o município e a gente tinha que fazer uma opção de escolher qual o campo que a

gente queria ficar, e acabei optando em vir para a maternidade, na realidade eu não tinha

nenhuma afinidade com enfermagem obstétrica, com a obstetrícia e acabei quando entrei aqui

em 95 [...] me apaixonando. (ENTREVISTA 20)

Em 1998, eu passei para o município e escolhi aqui a maternidade e não tinha um por que.

(ENTREVISTA 5)

Isso demonstra que não havia um direcionamento das enfermeiras obstétricas para

trabalharem na sua especialização. Os concursos, quando realizados, eram para enfermeiras,

não específico por especialidade. Com isso, a otimização da assistência era prejudicada e

principalmente dentro do campo eram inseridos agentes que não faziam parte do jogo, não

estavam jogando, não possuíam capital específico para esta luta. Muitas das enfermeiras que

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entraram por concurso público nos centros obstétricos não possuíam especialização. E como

repercussão deste fato, para que se atingisse o objetivo de assistência obstétrica humanizada, o

Ministério da Saúde teve que investir em capacitações, ou seja, em especializações para

formação de enfermeiras obstétricas (PROGIANTI, 2001).

Depois que estavam atuando no campo obstétrico hospitalar, mesmo aquelas

enfermeiras que tiveram um contato prévio com outras especialidades, optaram por

permanecer na obstetrícia e por fazer a especialização em enfermagem obstétrica. Dessa

forma, retornaram à universidade para aquisição de novo capital necessário para produzir e

também reproduzir relações duráveis e úteis entre os diferentes agentes, permitindo dessa

forma produzir lucros materiais e simbólicos:

Eu fiz a especialização na UFF. (ENTREVISTA 5)

Eu fiz a especialização na UFRJ também foi em 2000, acho que eu terminei em 2001, foi uma

bolsa do Ministério. (ENTREVISTA 24)

Em março de 94 nós começamos na UERJ a fazer a especialização em obstetrícia, começou

em março e terminou em dezembro. (ENTREVISTA 7)

Para a maioria das enfermeiras pesquisadas o grande incentivador da aquisição do

certificado de enfermeira obstétrica através de um Curso de Especialização foi o próprio

Estado, através do Ministério da Saúde que financiou esses cursos em parceria com as

universidades de todo Brasil:

Em 2004, eu tive a oportunidade de fazer a especialização em enfermagem obstétrica, porque

a maternidade em conjunto com o município estava oferecendo estes cursos para as pessoas

que estavam trabalhando diretamente no campo e que tinham vontade de se especializar em

enfermagem obstétrica para estarem, atuando mais diretamente á mulher prestando assistência

obstétrica. (ENTREVISTA 3)

Porque havia um projeto do município de se abrir para parto feito por enfermeiro obstetra que

ate então não tinha assim, aqui na maternidade isso. E fui convidado a fazer e fiz (a pós).

(ENTREVISTA 5)

Os cursos de especialização, através do conhecimento que o profissional agrega em

seu habitus, aumentam o volume de capital do indivíduo e consequentemente o poder do

mesmo no campo. Nesse sentido, as enfermeiras com esses cursos buscavam também status

profissional:

Me interessei em fazer (a especialização em enfermagem obstétrica), até porque a habilitação

já era um título meio decadente, não dava o mesmo status, e em concurso não valia nada, ai eu

resolvi fazer curso de enfermagem obstétrica como especialização e fiz na UFRJ, isso um

curso bancado pelo Ministério da Saúde, e ai mais conhecimento, o Ministério bancava[...]

Quando eu quis melhorar a minha condição, assim, em termos de conhecimento, ai resolvi

fazer enfermagem obstétrica e na UERJ (ENTREVISTA 10)

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Há concepção de illusio:

Eu não queria [...] dar uma assistência aquela mulher sem saber ao fundo realmente o que ela

tinha, não é simplesmente ir lá colocar um soro com ocitocina, eu queria dar uma assistência

melhor para ela.(ENTREVISTA 17)

Esta mesma busca por capital eficiente institucionalizado ocorreu com a finalidade

deste novo conhecimento ser transmitido à outra pessoa, da melhor forma possível.

Eu fiz a especialização porque eu estava acompanhando é [...] o estágio de alunos técnico de

enfermagem. E como eu já havia me formado, já há muitos anos atrás, em alguns momentos

eles me faziam umas perguntas e eu me sentia insegura, eu respondia dentro da minha prática,

mas dentro da teoria eu sentia certa insegurança. Ai, eu fui fazer o curso de especialização por

isso, eu fui fazer o curso de obstetrícia, não para atuar diretamente em enfermagem obstétrica

no Centro obstétrico, partejando, não era essa a minha intenção, minha intenção era a

metodologia do ensino, foi com essa intenção que eu fui fazer. (ENTREVISTA 7)

E a aquisição de novo capital gera uma nova disposição dos sujeitos dentro do campo,

ou seja, este habitus disposicional é transitório, correspondente à aquisição de novos capitais

que geram reconfiguração de habitus (LAHIRE, 2004).

Com este mesmo raciocínio, percebe-se que algumas enfermeiras buscaram a

especialização para adquirirem um certificado, que lhes conferisse um acúmulo de capital

científico, um valor convencional, constante e juridicamente garantido, o que pode refletir

num reconhecimento dos dominantes concorrentes e também mudança de posição dentro do

campo (BOURDIEU, 1998).

Na verdade quando eu fui fazer o curso, eu atuava muito mais na sala de parto do que atuo

hoje sendo especialista. Quando eu fui fazer o curso eu já tinha um domínio muito bom do

assunto, eu tive um bom curso de enfermagem obstétrica e eu sempre fui estudioso, eu gosto

de ter um domínio do meu ambiente de trabalho, das coisas que eu trabalho. Então quando eu

fui fazer o curso, na verdade fui muito mais para ter o titulo, porque assim, eu aprendi muita

coisa no curso sim, mas eu acho que eu levei mais do que trouxe (ENTREVISTA 22)

A especialização em enfermagem obstétrica legitimou estas enfermeiras a realizarem a

assistência ao parto e nascimento, o que no contexto político favorável no final dos anos 90

viabilizou o Projeto da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro de humanizar o parto

e o nascimento e diminuir o número de intervenções no parto. A parceria da Universidade

(UERJ) com os gestores públicos causaram em muitas enfermeiras grandes mudanças

profissionais:

E a partir daí (da especialização) as minhas práticas melhoraram porque a gente tem uma

visão, depois que você faz a especialização em enfermagem obstétrica sua visão muda muito,

e sua pratica também modifica muito, melhora a qualidade, não que a sua pratica fosse uma

pratica é errada, mas era uma pratica pouco eficaz eu diria ( ENTREVISTA 1.)

Em 2004, surgiu a oportunidade de eu poder fazer a especialização, e foi um momento assim

bastante importante, bastante gratificante, porque gerou uma mudança profissional, que para

mim foi bastante importante, então para mim a especialização foi um marco de mudança,

realmente na minha vida profissional. ( ENTREVISTA 22)

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Observa-se que houve aquisição de novos capitais pelas enfermeiras demonstrando

uma convertibilidade das diferentes espécies de capital que é a condição para a redução do

espaço à unidimensionalidade. Neste caso as entrevistadas queriam fazer a especialização

gerando mudanças, ou seja, convergindo para um mesmo resultado, transformações dentro

das estruturas hierárquicas de capital cultural institucionalizado.

Muitos se sentiram plenos com a implementação na prática de suas habilidades

adquiridas que foram legitimadas pela Escola e pelo Estado, passaram a ter interesse na área

específica:

A minha vida mudou em 360 graus, tudo pra mim deu sentido, eu voltei a gostar do que eu

tava fazendo, tudo que eu estava fazendo deu certo, a minha vida mudou muito, mudou a

ponto de eu nunca mais querer voltar pra onde eu estava. Agora eu só quero fazer obstetrícia

e mais nada. (ENTREVISTA 14)

Mas para a enfermagem obstétrica conseguir ser inserida no campo, a princípio apenas

reproduzia, na íntegra, as práticas médicas. Podemos considerar esta reprodução de prática

como uma estratégia de inserção destas enfermeiras no campo obstétrico:

A prática era a mesma das médicas, se faziam episiotomia, as enfermeiras também faziam

episiotomia. As médicas faziam aminiotomia, as enfermeiras também faziam.

(ENTREVISTA 09)

A gente ia muito pelo que o médico falava [...] hoje a gente sabe que não é assim

(ENTREVISTA 05)

As meninas praticavam basicamente o mesmo modelo médico. Elas trabalhavam junto com os

médicos e a assistência era basicamente a mesma, tinha aquela questão da dieta zero, da

gestante ter que ficar no leito. O que os médicos faziam as enfermeiras faziam, lendo hoje

tudo e vendo, eu vejo que aquilo era uma estratégia até para elas poderem ocupar um espaço.

(ENTREVISTA 09)

Era muito intervencionista, somente as mulheres que já chegavam parindo ou que pariam na

beira do leito que nós não fazíamos episiotomia [...] a maioria a gente fazia[...] a gente fazia

episiotomia em todas, a gente não colocava o bebê direto na mãe [...] era uma briga assim

com os pediatras [...] a gente fazia assim muita briga muita luta, foi uma luta muito grande

[...] e a gente foi assim tentando cada vez humanizar, melhorar o nosso atendimento com as

mulheres (ENTREVISTA 13)

Constata-se que ocorreu a convertibilidade das ações dos agentes, através de seus

capitais acumulados e eficientes focados em um interesse em comum que permitiu

potencializar o conhecimento adquirido na prática.

Com a mera reprodução das práticas médicas, as enfermeiras até este momento não

haviam reconfigurado seu habitus profissional (BOURDIEU, 1997).

A maioria das enfermeiras entrevistadas foi formada no modelo biomédico,

intervencionista, medicalizado. Este modelo biomédico muitas vezes permitia ao

profissional de saúde impor sua opinião, seu poder decisório:

Quando eu comecei a obstetrícia, nós assistíamos parto [...] quando tinha uma equipe médica

por perto [...] fazia episiotomia [...]Fazer episiotomia era rotina em primípara [...] eu fazia

porque era uma cobrança, até mesmo do pediatra para fazer episiotomia, naquela época a

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gente fazia o parto mesmo, hoje a gente diz que assiste, porque naquela época a gente era

mais decisória mesmo, não perguntava a mulher se ela queria, só comunicava (ENTREVISTA

14)

Eu aprendi obstetrícia no livro que é médico e com o médico, quando eu fui fazer

enfermagem obstétrica, eu já tinha um conteúdo de obstetrícia muito vasto [...] a gente vem

de uma prática de prescrição de ocitocina, de indicação de análise peridural, de perineotomia

quase que em 100% das vezes (ENTREVISTA 22)

Eu vinha naquele modelo biomédico, saturado do poder, você decidia o que fazer, como fazer,

que horas fazer, sem ter a mulher como participante desse processo decisório.

(ENTREVISTA 08)

Mesmo sendo formada no modelo intervencionista, medicalizado, foi percebido pelas

falas das entrevistadas que é possível utilizar os conhecimentos tecnológicos e

intervencionistas de uma forma melhor aplicada. Neste caso, as enfermeiras tornavam-se

agentes estratégicos de transformação do modelo biomédico em humanizado, e isso é possível

através de sua mudança de habitus, com embasamento teórico:

Do que eu aprendi para o que eu faço considero que a tecnologia ela é bem-vinda desde que

bem aplicada. Então assim a episiotomia graças a Deus eu sei fazer, graças a Deus eu muitas

vezes não faço. (ENTREVISTA 18)

Observamos também que houve um investimento por parte da Secretaria Municipal de

Saúde do Rio de Janeiro na capacitação das enfermeiras obstétricas, pois os gestores tinham a

necessidade de ofertar capital cultural (institucionalizado), em virtude de reconhecerem que

estes profissionais não possuíam conhecimentos das práticas humanizadas necessárias para

atuarem nas maternidades municipais com este novo perfil de assistência humanizada, pois

este capital cultural não fazia parte do habitus profissional dessas enfermeiras, e isso

proporcionava aquisição de novo capital, além de promover um melhor assistir esta mulher

dentro do contexto do parto e nascimento, ou seja, na assistência obstétrica. A bagagem que o

agente social adquire pode ser uma forma mais ou menos rentável de capitais e o modo como

este ator a emprega depende da sua forma de vida, sua conduta, forma de agir e pensar.

E o grupo social a que pertence este ator é representado pelas condições que

caracterizam sua posição na estrutura, o que constitui um sistema específico de disposições

para a ação a ser realizada (NOGUEIRA, M.; NOGUEIRA, C., 2004). Algo interessante que

foi destacado das falas das entrevistadas foi o processo de treinamento e sensibilização a que

foram submetidas estas enfermeiras antes de iniciarem sua atuação no campo obstétrico após

a implementação do movimento de humanização:

Quando a gente começou, recebemos um treinamento fornecido pela Secretaria de Saúde, não

foi uma qualificação ou treinamento técnico [...] foi uma coisa vista pelo lado da

humanização, visto pelo lado do direito da mulher, mulher cidadã e uma forma diria

alternativa, uma forma menos agressiva de parir, menos manipulado, dando liberdade, dando

condições de a fisiologia agir, uma forma não medicalizada, mais natural (ENTREVISTA 10)

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Ficamos no treinamento de sensibilização naquela maternidade Fernando Magalhães, fazendo

sensibilização, treinamento, preparando a gente para um novo, uma nova era da obstetrícia

[...] na rede municipal (ENTREVISTA 13)

A estratégia de implementação destas atividades de sensibilização era atualizar o

habitus profissional destas enfermeiras através de um poder simbólico exercido por uma

atividade pedagógica de inculcação de um arbitrário cultural que persiste mesmo após o

término da atividade pedagógica (BOURDIEU; PASSERON, 1982).

Identificamos que as enfermeiras vieram de famílias com capital econômico pouco

eficiente. Muitas destas famílias investiram na educação de seus filhos, fato que permitiu a

renovação do habitus primário e aquisição de novos capitais. Estas enfermeiras, após a

aquisição do diploma, ou seja, do capital institucionalizado, entraram no campo hospitalar de

assistência, pois era uma época de investimento no cuidado intervencionista, hospitalar.

Muitas não tinham o interesse pela obstetrícia, trabalhavam em áreas diferenciadas, e

acabaram na obstetrícia por não haver uma política de direcionamento das enfermeiras para

atuação em suas especialidades. Isso exigiu do governo investimento em formação destas

entrevistadas em enfermagem obstétrica, para que houvesse a aquisição de novo capital e

consequentemente para que estes agentes sociais fossem reconhecidos como agentes

detentores de capital eficiente dentro do campo obstétrico. Percebemos que a renovação do

habitus primário destas enfermeiras e do habitus profissional foi possível pela aquisição de

capital, o qual também proporciona através das lutas simbólicas ocupação de campo e de

lucros simbólicos, como melhores posições sociais.

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5 AS TRANSFORMAÇÕES PERCEBIDAS PELAS ENFERMEIRAS OBSTÉTRICAS

NO CAMPO OBSTÉTRICO HOSPITALAR

Ao investigarmos as transformações percebidas pelas enfermeiras obstétricas sobre

suas práticas, evidenciamos a influência do movimento de humanização na atualização do seu

habitus profissional e certamente o capital que agregaram à sua vida profissional.

Consideramos que se pode perceber algo quando estamos em posições que nos permitam ver

e quando temos disposições para tal. Então, ao manifestar nossa percepção mesmo que não

tenhamos uma ação concreta de transformação da prática, manifestamos a forma como vemos

essa prática e isso ocorre dependendo do lugar, da posição que ocupamos e das condições que

este lugar nos proporciona.

5.1 Contexto internacional e nacional da saúde da mulher

O contexto internacional e nacional da época em que as enfermeiras foram inseridas

no campo obstétrico eram favoráveis ao investimento na saúde materno-infantil, pois muitos

índices relativos ao parto e nascimento não estavam próximos do ideal. As enfermeiras

pesquisadas perceberam a existência de uma política internacional que criticava os índices de

cesarianas e que desejava mudar o conceito do parto, mudar a forma de parir:

Havia uma política internacional que favorecia isso, vamos dizer, número excessivo de

cesárea, vamos mudar o conceito do parto, vamos humanizar o parto, essa era uma política

mundial. (ENTREVISTA 10)

E consequentemente a este contexto difuso intenacional, aqui no Brasil também houve

um investimento por parte do Ministério da Saúde no final da década de 1990, que passou a

dar mais ênfase e prioridade às políticas e ações voltadas para a saúde da mulher objetivando

reduzir os índices de morbimortalidade materna e perinatal, e enfocado também na

diminuição do número de cesáreas e na melhoria da qualidade dos serviços de assistência à

saúde, com um atendimento digno e de qualidade durante o período gravídico puerperal

(MOUTA, 2008, p. 18). Algumas enfermeiras perceberam que um dos grandes responsáveis

pela existência de incentivo do governo brasileiro à enfermagem obstétrica foi o alto índice de

morbimortalidade materna:

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O Ministério da Saúde investiu de certa maneira na enfermagem obstétrica por conta desses

índices (de mortalidade perinatal), porque ele não ia investir se tudo estivesse bem. Ele

investe nesta área, na enfermagem obstétrica, ou tem investido nestes últimos anos por conta

dos índices de morbimortalidade. (ENTREVISTA 02)

O campo obstétrico estava passando por transformações, muitas delas até mesmo de

legitimações das ações de seus agentes sociais na conjuntura dos altos índices de

morbimortalidade materna que exigia investimento em nível nacional e internacional.

Bourdieu explicita que o conceito de campo é o local de socialização do habitus adquirido,

cujo poder simbólico impõe significações que demandam legitimidades.

Observou-se que houve um investimento no campo obstétrico, aumentaram as

políticas do Ministério da Saúde no modelo Humanizado, fato que levou a mudança de

percepções sobre esse campo, podendo dessa forma alterar o habitus daqueles que nele

fossem atuar, pois os dois conceitos de habitus e campo encontram-se intimamente

interligados.

Era um movimento em nível internacional de mudança na forma de assistência que

acabou impregnando as políticas nacionais vigente, de tal forma que o Ministério da Saúde

começou a publicar programas voltados para a Humanização, ou seja, políticas para tornar o

parto mais humano, menos medicalizado, e inclusive permitiu a criação de casas de parto:

Nacionalmente o Ministério da Saúde adotou esta idéia e começou a fazer programas

relacionados a isso, ai houve a criação das casas de parto, liberação de verbas para formação e

verbas distribuídas a municípios para melhorar essa política de assistência ao parto.

(entrevista 10)

A criação das casas de parto trazia a argumentação fortemente científica para

naturalização do parto, ressaltavam-se os benefícios e as vantagens desse tipo de parto

(MOURA, 2009). Destacava-se também o incentivo ao parto vaginal, com o uso de

tecnologias não invasivas apropriadas, estimulando com isso a interação entre as mulheres e

os profissionais de saúde e a desmedicalização do parto (TORNQUIST, 2002).

Estas mudanças e investimentos, que passaram a ser implementados nas demais

esferas estaduais e municipais, foram mais bem recebidos, porque vieram da esfera central do

governo, ou seja, por parte do Ministério da Saúde. As enfermeiras obstétricas acreditavam

que sua inserção na assistência ao parto só foi operacionalizada porque a iniciativa veio de

cima. O pensamento vigente dessas entrevistadas era que somente conseguiriam atuar como

enfermeiras obstétricas a partir do momento que uma política pública fosse implementada, ou

seja, que se tornasse lei, que fosse registrada em papel, pois as lutas já aconteciam há algum

tempo, mas nada era registrado, oficializado, ou melhor, reconhecido:

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Eu acredito que se essa determinação (para inserção das enfermeiras obstétricas no parto) [...]

se não tivesse partido de cima, apoiada pelo governo aqui do município do Rio, teria sido

mais difícil essa prática da enfermagem obstétrica [...] mas se isso não tivesse escrito no papel

em forma de lei teria sido muito difícil, praticamente impossível. (ENTREVISTA 09)

Este reconhecimento de mudança deu-se em virtude da forma distribucional do

habitus, muito mais que a noção de capital, de capacitação. As entrevistadas, além de

destacarem a significativa participação do Ministério da Saúde, também reconhecem a

importância do papel dos gestores na mudança e reconhecimento do projeto de humanização:

Então eu acredito nisso: o apoio dos gestores, o material humano e a disposição são

necessários para que se faça a mudança dos paradigmas assistenciais. Isso é fundamental. [...]

Você sem apoio, você não consegue caminhar, você não consegue desenvolver o seu trabalho

por melhor que ele seja, por mais qualificado que você seja, por mais resultados que você

consiga obter. Se você não tiver apoio você não chega a lugar nenhum. (ENTREVISTA 08)

O apoio dos gestores foi fundamental, até porque as condições de acumulação de

capital são proporcionais às oportunidades de jogo que os agentes encontram nos campos

sociais, e neste caso os gestores estavam fornecendo novas oportunidades de jogo a estes

atores.

É necessário que os gestores estejam unidos em torno dessa proposta, [...] Você vê que a

questão é realmente de gestão, porque você vê outras unidades onde aqueles gestores que

estavam lá que foram para lá, você vê que nessas unidades o trabalho floresceu, o trabalho

cresceu, o trabalho fortaleceu e segue até hoje. Então, você tem de perceber que é uma

questão realmente política, não apenas de trabalho, de botar a mão na massa, é uma questão

política, uma questão de bancar. (ENTREVISTA 08)

Percebe-se que neste caso há uma dimensão disposicional do habitus, assim como

também se observa que as oportunidades geradas pelos gestores neste caso não poderiam ser

circunstanciais ou aleatórias, estavam balizadas pelo volume e estrutura de capital dos agentes

relacionadas com o volume e estrutura de capitais dos demais agentes envolvidos no jogo,

mas especificamente dentro do campo obstétrico hospitalar.

É importante destacar que o Ministério também teve outro papel extremamente

importante na inserção destas enfermeiras no campo obstétrico hospitalar, pois publicou, no

ano de 1998, duas portarias que regulamentavam a assistência obstétrica prestada por

enfermeiras. Uma portaria, a GM n°2815 de 29/05/1998 (BRASIL, 1998), que incluía na

tabela do Sistema de Informações Hospitalares (SIH/SUS) os procedimentos para o parto

normal sem distócia realizados por enfermeira obstétrica e por parteira. E a outra, Portaria

GM n° 163 de 22/09/1998 (BRASIL, 1998), regulamentando a realização do parto normal

sem distócia por enfermeira obstétrica nas organizações de saúde públicas do SUS. Ou seja,

permitia por lei que as enfermeiras que haviam acumulado capital institucionalizado poderiam

realizar partos, isso foi um lucro simbólico, um reconhecimento e conquista de novas posições

no espaço social institucionalizado.

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E com este lucro simbólico, que foi a aquisição de posição social no campo através do

reconhecimento do capital acumulado das enfermeiras, permitiu-se que estas enfermeiras

deixassem a posição de dominadas em que se encontravam e passassem a atuar mais direto na

assistência ao parto. Deixaram de assumir a parte burocrática da obstetrícia e se tornaram

agentes das lutas dentro do campo, passaram a ter uma relação social direta com os demais

agentes do campo obstétrico hospitalar. Dessa forma, passaram a fazer parte do jogo, a fazer

parte das trocas simbólicas e das lutas, para aquisição de lucros simbólicos (BOURDIEU,

2006):

A gente ficava muito com a parte burocrática mesmo, não fazia muita coisa com as pacientes

o enfermeiro aqui era só para fazer a burocracia mesmo, [...] de repente ia começar a fazer as

coisas, é foi muito bom, no começo assim teve muitas barreiras das pessoas e tudo, mas a

atuação mesmo nossa como enfermeiro obstétrico só melhorou [...] nós começamos a atuar,

no campo mesmo da obstetrícia (ENTREVISTA 05)

Deste modo, a prática profissional mudou, os agentes sociais inseridos neste campo

produziam um forma específica de illusio que era reconhecida por aqueles que possuem o

habitus predisposto para isso, ou seja, os enfermeiros.

Ainda nesse sentido, muitas enfermeiras evidenciaram que, além do incentivo vindo

do Ministério, em alguns cenários, reconheceram que o apoio da direção e das chefias das

unidades locais foi fundamental para que ocorressem mudanças:

A gente tinha o apoio muito grande da direção, tinha o apoio da secretaria, que é uma coisa

importantíssima, a enfermeira chefe era enfermeira obstétrica, que acreditava naquilo, era

militante na área, que foi um ponto importantíssimo (ENTREVISTA 15)

Trata-se do estado incorporado, objetivado, institucionalizado.

O diretor abraçou a idéia, e ele abraçava a idéia e como ele era diretor-médico você sabe

como funciona [...] não teve muita dificuldade, ou rejeição médica não. [...] A equipe acabava

concordando com a ideologia do diretor. (ENTREVISTA 06)

Então se você tem os dirigentes, sejam dirigentes médicos, sejam os dirigentes de

enfermagem, solidários na estruturação de um projeto assistencial, naquela unidade, dentro

das características que ela tem e que ela pode alcançar, você consegue, já tem um primeiro

passo bastante longo e bastante importante, porque a gente sabe que muita coisa depende da

vontade política. A vontade política é que dá, na maioria das vezes a ordenação para que algo

aconteça e floresça ou para que aconteça e esmoreça. (ENTREVISTA 08)

O apoio das direções das unidades na causa da prática das enfermeiras obstétricas

também representa um lucro simbólico, dentro do campo. Era um reconhecimento da inserção

das enfermeiras no campo obstétrico hospitalar, espaço de poder onde atuavam diferentes

agentes (enfermeiras obstétricas, médicos e outros profissionais), com diferentes posições no

campo, e quanto maior fosse o apoio, melhor seria, pois neste momento as enfermeiras ainda

estavam na busca de capital e de melhores posições sociais, neste campo quem tinha mais

capital acumulado possuía mais poder simbólico (PROGIANTI, 2001).

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No entanto, algumas enfermeiras não identificaram a implementação das novas

políticas como um apoio, mas como uma imposição do poder simbólico dos órgãos

governamentais, ou mesmo uma legitimação da dominação. A posição ocupada por algumas

enfermeiras permitia a elas reconhecer que nesta luta houve uma violência simbólica por parte

das políticas públicas que indiretamente acabou favorecendo a entrada no campo obstétrico

hospitalar:

Começou com uma imposição [...] elas (as enfermeiras) vão entrar no parto normal. Começou

com imposição, me parece que no início foi difícil, mas como foi uma imposição que veio de

cima para baixo eles (os médicos) engoliram aquilo a seco. (ENTREVISTA 09)

Esta imposição observada nas falas remete a questão da violência simbólica

(BOURDIEU, 2006) exercida pelas autoridades, onde se percebe o reconhecimento, por parte

dos membros dessa camada, da superioridade e legitimidade da cultura dominante.

Independente da forma como as enfermeiras reconheceram a participação da

Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro e do Ministério da Saúde na sua inserção no

campo, vale ressaltar que foi uma estratégia política, pois o direcionamento das iniciativas de

mudanças das políticas públicas nesta área foram implementadas de forma hierárquica, ou

seja, das instâncias superiores para as demais instâncias. Estas estratégias contribuíram de

certa forma para reduzir a dominação de uma classe sobre a outra, potencializando suas forças

(BOURDIEU, 2006).

5.2 Incentivo à enfermagem obstétrica

As entrevistadas perceberam também que houve transformação no campo obstétrico

pelo incentivo do governo brasileiro à enfermagem que ocorreu inicialmente na capacitação

da classe, ou seja, investiu-se na aquisição do habitus científico para as enfermeiras.

Reconhecem, além disso, o crescimento da especialidade em enfermagem obstétrica e o

envolvimento do ensino na implantação do modelo humanizado no campo obstétrico:

O Ministério estava empenhado nisso [...] por isso que lançou essas especializações na

obstetrícia [...] e isso se espalhou até nos ensinos para estar mudando esse modelo de

assistência na prática obstétrica [...] (ENTREVISTA 03)

Este incentivo do governo aconteceu mais exatamente no final da década de 1990,

através do financiamento pelo Ministério da Saúde de 55 cursos de especialização em

enfermagem obstétrica nas faculdades e escolas de enfermagem nas diferentes regiões do país,

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resultando na capacitação de 854 enfermeiros, que visava ampliar a participação das

enfermeiras obstétricas na rede do SUS (MOUTA, 2008). Com este investimento na

capacitação das enfermeiras, foi possível proporcionar renovação do habitus profissional

institucionalizado dessas profissionais e aquisição de novos capitais (BOURDIEU;

PASSERON, 1982).

E esta aquisição de capital, de conhecimento específico científico, alcançada através

da especialização em obstetrícia, nas instituições de ensino permitiu mudanças de habitus e na

assistência. Ao fazer os cursos de pós-graduação (especialização em enfermagem obstétrica),

as enfermeiras estavam aumentando seu capital, legitimando sua atuação e melhorando sua

posição dentro do campo. E, além disso, conseguiam renovar seu habitus de enfermeira

adquirindo conhecimento e novas forças para lutar. Este título, o diploma, caracteriza-se pelo

capital institucionalizado, o qual confere ao seu portador um valor convencional, constante e

juridicamente garantido no que diz respeito à sua cultura, o que repercute em sua posição

ocupada na estrutura social (BOURDIEU, 2004).

Identificamos também nas falas das entrevistadas que a especialização, além de ser

reconhecida como formadora e instrumento de aquisição de novos capitais, pode ser

considerada como uma incentivadora para o início da atuação de enfermeiras no campo

obstétrico de algumas unidades:

Em 2002 ou 2003, veio a especialização, todo mundo que era daqui do setor tinha que fazer

especialização, [...] a gente não atuava e de repente ia começar a fazer as coisas, e foi muito

bom, no começo assim teve muitas barreiras das pessoas e tudo. (ENTREVISTA 05)

Esta especialização em enfermagem obstétrica foi indiretamente utilizada como uma

ferramenta de aquisição de novo capital, mudança de prática, pois as enfermeiras deixaram de

ser neste caso passivas e passaram a atuar, o que gerou também uma mudança de posição

dentro do campo obstétrico hospitalar, a disposição destes agentes do campo foi

reconfigurada.

O contato estabelecido por estas enfermeiras com uma instituição de ensino com um

projeto político-pedagógico crítico, reflexivo e desmedicalizado favoreceu estas enfermeiras a

repensarem sua forma de pensar e agir e consequentemente renovar a visão de mundo que

possuíam (PROGIANTI; VARGENS, 2004).

E outro destaque dado à especialização feito pelas enfermeiras foi seu reconhecimento

como uma fonte de motivação e estímulo:

Eu vinha há muito tempo naquele modelo biomédico, naquela situação de [...] sempre ter

embate entre enfermeiro, obstetra e o médico obstetra. [...] A partir do momento que eu tive

contato com a especialização, com os saberes, com as novas práticas, eu pude ver e

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experimentar os resultados daquilo, eu ganhei um novo fôlego, esse fôlego foi recompensado

(ENTREVISTA 08)

Quando eu acabei a especialização, eu tinha uma motivação maior levada assim pelo período

que eu passei na especialização (ENTREVISTA 17)

Esta fala remete à questão do illusio das enfermeiras que, após a especialização,

adquiriram novas ferramentas de jogo para serem utilizadas dentro do campo obstétrico

hospitalar.

E a especialização do mesmo modo foi relacionada como marco de atuação

profissional no campo obstétrico hospitalar:

E foi um marco para mim (a especialização em enfermagem obstétrica) porque houve uma

mudança total dos meus paradigmas assistenciais. Houve uma mudança, onde eu comecei

durante a especialização a ter esse contato e a ter a prática (ENTREVISTA 08)

Fazer especialização representa que este agente adquiriu um novo capital, mas não se

trata de qualquer capital, mas do capital cultural, e esta aquisição pode gerar por acréscimo a

atualização do habitus. E além de promotora de mudanças e de fonte de motivação, a

especialização foi vista como um meio de contato de muitas enfermeiras obstétricas com a

questão da humanização:

Em 2004 eu tive um contato mais profundo com a questão da humanização através da

especialização que tem a humanização como o seu alicerce, então foi quando eu comecei a ter

um contato mais profundo com os princípios da humanização, com a assistência humanizada,

com a mulher retomando ao seu papel de protagonista do seu próprio trabalho de parto, do seu

próprio parir. (ENTREVISTA 08)

Esta especialização foi uma promotora de mudança de habitus, de transformação, de

reconfiguração e também de aquisição de capital cultural institucionalizado, basicamente sob

a forma de título escolar. Assim como a especialização foi ressaltada como responsável pela

promoção de capital, outro veículo reconhecido de aquisição deste capital são os encontros

promovidos pela própria enfermagem obstétrica. Estes encontros permitem a aquisição de

novos capitais culturais, pois os conhecimentos são socializados entre os agentes sociais:

Depois que a agente começa a fazer as coisas, a ler, a participar de grupos a gente se

contamina de algumas coisas, então a gente muda (ENTREVISTA 02)

Eu sentia que cada vez que a gente ia a um novo congresso, a um novo encontro, a uma nova

jornada, a gente voltava mais impregnada disso, e isso mudava até as nossas estatísticas, a

gente começou a fazer menos episiotomia, a partir de determinado encontro de enfermagem.

(ENTREVISTA 10)

Estas falas revelam que os encontros de enfermagem são reconhecidos como fontes de

capitais eficientes para a enfermagem obstétrica no exercício do poder simbólico no campo

obstétrico.

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5.3 Transformação da visão em relação à mulher

Observamos nas falas das enfermeiras que elas perceberam mudanças no modo como

o grupo via a mulher. A mulher deixa de ser vista apenas como um órgão reprodutor:

A gente via a mulher como um órgão, a atenção que se dava a mulher era como de um órgão

reprodutivo [...] basicamente ligada à parte da reprodução, ou nascimento ou controle da

natalidade. Hoje a gente não vê só a parte reprodutiva da mulher. (ENTREVISTA 02)

Trata-se da categorização do habitus, com influência do modelo humanizado. Foi uma

mudança gradativa de visão, pois as próprias políticas públicas, que existiam até o início dos

anos 80 relacionadas à área materno-infantil, somente associavam a mulher à figura de mãe, à

maternidade, à reprodução, até o surgimento da Política de Assistência Integral à Saúde da

Mulher que ajudou a mudar a concepção de saúde da mulher (OSIS, 1998, p. 18; FONSECA

SOBRINHO, 1993).

As enfermeiras reconheceram em suas falas que também viam a mulher em uma

posição de paciente, ser passivo, não atuante, sem desejos, sem vontades, não protagonista de

sua própria história no processo de parto e nascimento:

Antes eu via a mulher como uma paciente, e como paciente, ela tinha que fazer o que a gente

queria. Então hoje eu já não veja assim, vejo como um indivíduo que tem desejos, que tem

vontades [...] eu acho que eu só tive a ganhar quando tive contato com a nova obstetrícia em

enfermagem [...] A humanização é a parte de um pressuposto do respeito quanto ao outro

enquanto individuo seu espaço, seu querer, sua vontade, seu desejo de alguma coisa.

(ENTREVISTA 08)

Nesta fala é possível perceber que havia um poder simbólico eficiente imposto pelas

enfermeiras no exercício da profissão no campo obstétrico hospitalar.

Porém, com o tempo, com a aquisição de novos capitais, muitas enfermeiras passaram

a reconhecer a mulher como protagonista no parto e nascimento, a responsável pelas decisões,

não mais coadjuvante, mas ator principal da ação:

O primeiro ponto que eu exploro na minha prática é de ter aquela mulher como a real

mandatária, a real decididora, não sei se é essa a palavra, aquela que toma as decisões de

como fazer, o que fazer, que postura adotar. (ENTREVISTA 08)

E a partir do momento que as entrevistadas reconhecem que a parturiente é a

protagonista do parto, elas também reconheceram que é necessário articular os seus

conhecimentos com os das mulheres, porque agregaram com isso em seu habitus algo que

deveria valorizar o saber da clientela (BRASIL, 2001, p.10). E indiretamente estas

enfermeiras passaram a implementar princípios da humanização que prezam que o

profissional de saúde estabeleça relações menos desiguais e menos autoritárias:

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As pessoas não podem acreditar apenas naquilo que está no papel, [...] fazer sempre uma troca

de conhecimento, porque não sou eu que trago o conhecimento do parto, é a mulher que traz

para você. Então a gente tem que parar de ver tudo de dentro de um manual de assistência ao

parto e nascimento, quem vai trazer essa condição é a mulher. [...] Então a minha percepção

hoje na enfermagem obstétrica é que você não só tem que trazer seu conhecimento, mas

perceber o conhecimento do outro. E quando você faz o inverso desse processo, você

consegue de certa forma trazer propostas confortantes para esta cliente. (ENTREVISTA 20)

Quando estas enfermeiras se permitem reconhecer os conhecimentos do outro e suas

necessidades, elas favorecem a criação de um vínculo entre o profissional e a cliente, e dessa

forma implementam elementos da humanização que incentivam o profissional a constituir

com cada mulher um vínculo e perceber suas necessidades e capacidade de lidar com o

processo do nascimento ( BRASIL, 2001, p.10).

Com este pensamento, algumas enfermeiras começam a aprender a ouvir a parturiente

para transformar suas próprias ações de cuidado:

Hoje eu sou muito mais de ouvir do que de falar, então nesse cuidado a gente tem que

aprender a ouvir e a partir dessa escuta a gente transformar as ações (ENTREVISTA 20)

A proposta dos programas de humanização visa melhorar a qualidade e a humanização

na assistência ao parto nas maternidades brasileiras e esta melhoria não se refere apenas à

adequação da estrutura física, abrange principalmente a mudança de postura/atitude dos

profissionais (BRASIL, 2001). Há algumas condições consideradas básicas para que o saber

em saúde seja colocado de forma humanizada à disposição da mulher e da sua família, os

atores principais deste processo do nascimento, entre eles destaca-se o diálogo franco, a

sensibilidade e a capacidade de percepção por parte dos profissionais que os assiste.

Identificaram também que, além de ouvir, era importante saber falar. As enfermeiras

perceberam que mudaram sua maneira de falar e passaram a respeitar também o corpo da

mulher estimulando-a na participação em seu cuidado:

Comecei a conversar com as mulheres, a maneira como se fala com as mulheres, como você

recebe a mulher, explicar tudo. Explicar tudo o que vai fazer, pedir licença de tocar na

mulher, porque é muito invasivo tocar no corpo dela. Fazer com que ela participe daquilo, eu

acho importante e fundamental, para questão da humanização. (ENTREVISTA 15)

E consequentemente a maneira de assistir, de acolher estas mulheres, as enfermeiras

foram mudando suas ações como enfermeiras obstétricas. A humanização permitiu aos

poucos mudar a forma de ver a mulher e o agir das enfermeiras entrevistadas, ou seja,

mudando a prática desta enfermeira no campo obstétrico hospitalar, estimulando a confiança

da parturiente e seu empoderamento no processo do parto e nascimento:

Desde que começou essa história da humanização do parto, que a gente foi inserindo

tecnologias, podemos proporcionar conforto à mulher, confiança nela mesma,

empoderamento. Acho que tem muita relação com o processo da humanização, acho que

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ajudou muito, dentro do campo obstétrico, até nas práticas do enfermeiro. (ENTREVISTA

03)

Pelo projeto de humanização, preconiza-se o estabelecimento do diálogo com a mulher

e seu acompanhante, incentivando-os, orientando-os e esclarecendo-lhes todas as dúvidas e

amenizando os temores em relação às inquietações (BRASIL, 2001). Este processo instituído

chama-se de acolhimento o qual é um aspecto essencial constituinte da política de

humanização que implica em ―receber a mulher, desde sua chegada na unidade de saúde,

responsabilizando-se por ela, ouvindo suas queixas, permitindo que ela expresse suas

preocupações, angústias, garantindo atenção resolutiva e articulação com os outros serviços

de saúde para a continuidade da assistência, quando necessário‖ (BRASIL, 2005).

O Ministério da Saúde está investindo na assistência humanizada, enfatizando o

respeito à adoção de valores de autonomia e protagonismo das mulheres, estimulando a

concepção de corresponsabilidade entre os agentes atuantes no parto, no sentido de se

estabelecer vínculos entre os mesmos (BRASIL, 2005).

A prática não é produto da estrutura presente, mas antes uma relação dialética entre a

estrutura interiorizada pela história do grupo ou da classe social (habitus) e a estrutura social

presente (BOURDIEU, 1980, p. 166-167), ou seja, é a interação entre a estrutura passada e o

presente. Esta prática humanizada pode ser absorvida aos poucos pelos grupos sociais e

reproduzida.

Quando a enfermeira passa a ver a mulher de forma diferente, passa a ouvi-la e a falar

com ela e não para ela, muda também algo no interior destas enfermeiras. E dessa forma,

algumas entrevistadas se percebem mais humanas, conseguem se colocar no lugar do outro:

Sou muito mais humana hoje, entendo muito mais as mulheres [...] eu vejo o quanto que a

gente pode ajudar [...] me coloco ali no lugar daquela mulher [...] às vezes não precisa fazer

medicamento nenhum [...] só ficar ali do lado e direcionar o atendimento (ENTREVISTA 13)

Observamos muitas mudanças na forma da enfermeira ver a mulher que resulta em

uma reavaliação da enfermeira como mulher também, e traz repercussões na forma de

interagir com esta parturiente, passando a expressar a essência do cuidado da enfermagem

obstétrica.

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6 AS PRÁTICAS DESENVOLVIDAS PELAS ENFERMEIRAS E SUA

ARTICULAÇÃO COM O MOVIMENTO DE HUMANIZAÇÃO

6.1 Mudança na prática assistencial no processo do nascimento

O habitus não pode ser considerado como o princípio exclusivo responsável pela

explicação de toda a prática, pois os agentes se movimentam no campo. Estes indivíduos são

sempre determinados socialmente, são sempre agentes. A lógica da prática de que nos fala

Bourdieu permite uma adequação automática e improvisada do pensamento e da ação no

presente, para vencer as defasagens entre o habitus e as ocasiões, sem que a subjetividade do

agente social tenha que ser ativada, dado estar em primeiro lugar inscrita no corpo

(BOURDIEU, 1999, p. 164-165).

E esta prática, pela própria movimentação dos agentes dentro do campo, pode sofrer

mudanças. As entrevistadas perceberam que houve mudança na assistência prestada às

mulheres, pois no início a prática era muito intervencionista, com as mudanças passaram a

reduzir as intervenções desnecessárias, começaram a respeitar mais o processo fisiológico e

natural do parto e nascimento e a respeitar o direito reprodutivo da mulher, a integridade e

preservação de seu corpo:

A gente passou a atuar para diminuir as intervenções desnecessárias [...] tentando diminuir o

número de cesarianas desnecessárias e fazendo com que a gente adotasse outras práticas não

medicamentosas (ENTREVISTA 03)

Hoje o meu nível de intervenção é mínimo, eu acho que esse foi um ganho, foi uma evolução,

compreender o processo fisiológico que é o parto e hoje me faz mal eu ver tanta intervenção

no parto. (ENTREVISTA 22)

Constata-se que houve uma convertibilidade das ações e dos agentes pelo capital

acumulado, direcionando práticas menos intervencionistas, destacando a mulher como

protagonista das ações, como sujeito, não, mas como objeto.

Identificamos ainda nos relatos que, antes da proposta de humanização da assistência

ao nascimento, as práticas obstétricas eram muito medicalizadas, intervencionistas. Com a

humanização e com a aquisição de novos capitais, as enfermeiras conseguiram avaliar o nível

de intervenção em suas práticas e consequentemente a ter consciência de sua prática e mais

confiança em executá-la e planejar a assistência:

Quando eu comecei na enfermagem obstétrica não tinha muita essa coisa de humanização, era

medicalização, era soro em todo mundo, sem critério, isso mudou, eu hoje já consigo pensar:

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será que precisa? Será que não precisa? O que seria melhor fazer para esta mulher? Será que

de repente mudando de posição? Então, criando confiança, para ela, acho que isso mudou

muito, mudou minha vivência. (ENTREVISTA 04)

Esta confiança adquirida direcionou a convertibilidade das ações e das práticas das

enfermeiras.

Relatos ressaltam a mudança de conduta e de influência dentro da equipe de

enfermagem, com as práticas obstétricas humanizadas; anterior a estas, a mulher era privada

de muitas coisas e era contida no leito:

A gente fez com que a equipe deixasse de prender a mulher no leito com soro [...] Antes a

mulher estava com fome, com sede e a gente já não podia dar nada [...] hoje em dia chega

suco para a gestante [...] a gente oferece água (ENTREVISTA 03)

Com a implementação das práticas pautadas nos princípios da humanização, como, por

exemplo, a presença do acompanhante no processo do nascimento, a liberdade de

deambulação e a possibilidade de ingerir líquidos, são resgatados aspectos fundamentais do

subjetivo da gestante que favorecem o andamento do parto e nascimento (ORGANIZAÇÃO

MUNDIAL DA SAÚDE, 1996; ENKIN, 2000; HOFMEYR, 2005).

Houve também o reconhecimento de que existiu mudança na forma de interagir com a

parturiente, mas também se reconhece mudança no ambiente em que esta mulher está inserida

para ter seu filho que se tornam favoráveis a este evento. Percebe-se que o ambiente ficou

mais tranquilo, calmo e acolhedor, como por exemplo, houve a inserção do acompanhante no

cenário do parto e nascimento:

A assistência ao parto, com acompanhante [...] um ambiente mais tranquilo [...] a mulher não

precisava ficar sozinha, [...] o pré-parto não precisava ser uma sucursal do inferno, [...] a

mulher não precisava ficar despida de nome, de roupa, de tudo (ENTREVISTA 15).

Teve a inserção do acompanhante em sala de parto na política de humanização, teve depois o

acompanhante, teve a questão da inserção da oferta de líquido à gestante no pré-parto, a

inserção das tecnologias para o parto: bola, cavalinho, banqueta. Na inserção dessas

tecnologias e a episiotomia, assim o marco foi o acompanhante, a dieta e a episiotomia.

(ENTREVISTA 09)

Estas mudanças no ambiente físico, da infra-estrutura e até mesmo das ações dentro do

campo obstétrico que compreendem a forma de acolher a gestante desde sua chegada a uma

das unidades hospitalares até a assistência ao parto propriamente dito, proporcionaram

elementos para reconfiguração do campo através da movimentação dos agentes nele inserido.

Estas mudanças têm demonstrado melhoria da assistência materna e perinatal com tecnologias

apropriadas ao nascimento (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 1996b; ENKIN,

2000; HOFMEYR, 2005).

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Então as mudanças acontecem, já tem alguns plantões que já mandam a paciente para cá sem

soro, sem ocitocina, ou pelo menos quando vem só vem com sorinho puro. (ENTREVISTA

11)

A mulher quando chegava à maternidade, quando ela não era cortada por baixo ela era cortada

por cima. [...] Ela era sempre cortada com episiotomia, toda primípara entrava e fazia

episiotomia, então cortava por baixo, e quando não era episiotomia era cesárea, cortava por

cima. Então a gente já vê que isso mudou que é possível você fazer sem cortar todas as

mulheres. (ENTREVISTA 02)

Porém, em alguns registros, percebemos que a enfermeira não identifica mudanças

positivas, mas a permanência de práticas invasivas tão questionadas e discutidas, como a

episiotomia:

Aqui para você fazer, ser enfermeiro de sala de parto, você tem que fazer episiotomia em

todas as mulheres. Isso para mim é agressivo como pessoa, eu acho que é uma prática muito

agressiva para a mulher e quanto maior melhor. Então você ver a mulher com aquele períneo

todo cortado, muitos pontos, isso pra mim é agressivo. (ENTREVISTA 24)

Aqui destacamos o desrespeito ao corpo feminino, ao direito reprodutivo desta mulher,

pois a partir do momento que ela sofre uma episiotomia haverá uma repercussão no seu corpo,

na sua imagem,na sua concepção de autonomia sobre seu corpo, de sua integridade (BRASIL,

2006).

O uso do poder simbólico imposto nas situações em que o corpo feminino era

desrespeitado, muitas vezes ocorria pela falta de conhecimento dos profissionais, ou mesmo

de experiência, inclusive da enfermeira, pois saber avaliar uma parturiente está relacionada à

aquisição de capital cultural. Um lucro deste processo da especialização, da luta constante

destas enfermeiras para atuar no campo permitiu aquisição de capital também através das

interações sociais e com a experiência, a vivência no campo:

Vejo mudanças sim, até pelo conhecimento, pelo próprio trabalho de parto da mulher, a gente

ia muito pelo que o médico falava, [...] hoje a gente sabe que não é assim (ENTREVISTA 05)

Eu acho que o tempo deixa a gente mais segura, deixa a gente com mais competência para

poder estar analisando. Tenho muito que aprender ainda. (ENTREVISTA 18)

O resgate feito nesta fala remete à questão da filosofia da ação ou disposicional,

trabalhada por Bourdieu, na qual o autor tem como ponto central a relação de mão-dupla

estabelecida nas interações sociais, entre as estruturas objetivas referentes ao campo social e

as estruturas incorporadas ao habitus (PINTO, 2000).

A possibilidade de avaliar a mulher poderia ser considerada como um lucro, pois, a

partir do momento que a enfermeira passa a ter a capacidade de avaliar uma mulher em

trabalho de parto sozinha, ela ganha autonomia, e dessa forma ela não precisa mais depender

de um médico para conduzir suas ações, pois seu próprio conhecimento, seu capital

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institucionalizado acumulado lhe permite tomar decisões sozinha, assumindo com isso uma

identidade legítima do exercício profissional que a habilita como agente naquele campo.

Pode-se destacar que aos poucos a autonomia da enfermeira foi instalada, ou seja,

criando uma posição paradoxal de dominante e dominado ao mesmo tempo, passa de posição

de dominado, cumpridor de ordem por não ter capital eficiente, e passa a ser dominante com

autonomia a partir do momento que acumula capital cultural (BOURDIEU, 2005). Bourdieu

ressalta que a autonomia é frágil e está em perigo, mesmo inscrita em um campo cultural, pois

os obstáculos são incessantemente renovados, e dessa forma a busca pela autonomia também

deve ser continuamente buscada.

E a aquisição do conhecimento ao longo dos anos, também permite reduzir a

insegurança das enfermeiras. Observamos que houve mudanças de prática e que o fator

experiência prática também gerou mudanças:

Eu me percebo melhor do que no passado. Há 11 anos eu era extremamente insegura

obviamente estava começando, ninguém começa sabendo. A linha do tempo te ensina muitas

coisas ou não [...] Eu aprendi inclusive a ter um pouco mais de paciência porque tudo foi ao

longo do tempo. (ENTREVISTA 18)

Eu acho que o tempo deixa a gente mais segura, deixa a gente com mais competência para

poder estar analisando a prática. (ENTREVISTA 18)

Não foi só a questão da insegurança que pode ser destacado nestas falas, ressaltamos

também que estas enfermeiras buscaram autonomia em suas práticas dentro do campo, e isso

é reflexo de uma independência. Considera-se que agente social assume o completo poder em

suas ações, em suas práticas, e, além disso, acaba se posicionando de forma oposta e

controlando o poder opositor (BARROSO, 1996, p.17). A aquisição de conhecimento atuou

como instrumento de aceitação e confiança da equipe, pois os resultados positivos alcançados

demonstravam que as enfermeiras faziam o trabalho com responsabilidade e competência:

Faço o meu trabalho [...] e quando o trabalho mostra resultado [...] as pessoas passam a

confiar em você [...] hoje estou em uma equipe de confiança [...] onde todos confiam em mim,

(ENTREVISTA 03)

Então se está todo mundo operando e tem outro ali fora e eu estou ali dentro (do pré-parto)

eles estão tranquilos porque se precisar eu vou fazer (o parto). (ENTREVISTA 22)

As poucas enfermeiras que ficaram acabaram conquistando a confiança dos médicos [...] a

gente procurava fazer um trabalho com muita responsabilidade e então algumas conquistaram

a confiança desses médicos (ENTREVISTA 16)

Infelizmente também identificamos que algumas enfermeiras somente passam a

assumir o parto, em algumas maternidades; a partir da implementação das novas políticas

públicas, passa a ter mais responsabilidade:

Ficava na assistência e ficava na assistência, de fora, ele (o enfermeiro) não era responsável, a

responsabilidade de assumir os erros aumentou muito, no momento que você vai fazer outra

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atividade, sua responsabilidade aumenta muito [...] é chamar uma responsabilidade para si

muito grande. (ENTREVISTA 02)

Quando se fala que passam a ter mais responsabilidade, percebe-se que a partir deste

momento o agente se torna atuante, ativo, participativo, em outras palavras, passa a fazer

parte do jogo dentro do campo social, passa a participar das lutas simbólicas, concebe o que

se chama de illusio, ciência do jogo. Identifica-se uma transformação com detenção da

responsabilidade pelo parto e pelo nascimento.

O ideal seria que esta responsabilidade aumentasse em todas as classes, pois estas

mudanças precisam ocorrer com todos os profissionais, pois o campo obstétrico é formado

pela atuação e lutas simbólicas entre diferentes classes profissionais:

Seria o ideal, não ser só a enfermagem, seria a questão de a assistência obstétrica mudar como

um todo [...] A gente conseguiu mudar algumas coisas, porque alguns profissionais que vêem

a gente trabalhando conseguem perceber que a gente não veio aqui pra dividir, a gente veio

para somar, o sol nasce pra todos. (ENTREVISTA 12)

É preciso, digamos assim, ter uma mudança, e não pode ser uma mudança apenas de um perfil

profissional, todos os profissionais têm que se juntar com maior consciência da importância,

mais consciente da necessidade, da qualidade da assistência da abordagem dentro da

humanização (ENTREVISTA 01)

A enfermeira passa a ter autonomia, mesmo que transitória, uma autonomia dentro do

contexto da hegemonia médica, e dentro do campo de atuação de uma equipe multidisciplinar.

é necessário que haja a concepção de responsabilidade e autonomia por parte todos destes

agentes que disputam posições dentro do campo obstétrico hospitalar. a aquisição neste caso

de todos os integrantes da concepção de illusio.

É necessário mudança e reconfiguração do habitus dos profissionais que atuam no

campo obstétrico hospitalar para o modelo humanizado, pois com a mudança do habitus é

possível mudar o comportamento. O comportamento humano é modelado por habitus, e estes

movem ajudam seus agentes sociais na disputa por posição dentro do campo.

É fundamental que todos pensem e atuem da mesma forma, que todos tenham a

mesma visão de assistência humanizada, mesmo que reconheçamos que são muitos

profissionais de categorias diferentes que atuam de forma diferente, mas se o habitus de todos

os grupos for reconfigurado haverá melhoria da assistência à mulher, será um grande ganho

para esta:

Sempre, no trabalho em equipe com todos tendo a mesma responsabilidade, tendo a mesma

visão, o mesmo olhar, o olhar da mulher, a visão tem que ser para ela, não importa o que você

seja, médico, enfermeiro, pediatra. (ENTREVISTA 14)

E a gente tenta fazer com que façamos o mesmo trabalho, a mesma atuação, só que cada um é

diferente, cada um com seu jeito de atuar, de interagir, a gente sente que alguns são mais

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fechados, outros são mais abertos, uns são muito naturebas, outros são poucos, mas cada um

da sua maneira, mas a gente percebe que algumas mudanças a gente tenta fazer, mas não

consegue e aí depois você acaba se acomodando (ENTREVISTA 11)

Estas diferentes categorias profissionais que atuam no mesmo campo tende a manter

uma contínua disputa de posição e de poder, principalmente se estiver imbuída em todos os

agentes a concepção de illusio. Mas se a disputa visar à melhoria da assistência, o principal

lucro será destinado para as mulheres assistidas.

Esta mudança de habitus tem que ser individual e no coletivo. É importante que haja

mudanças, comprometimento e responsabilidade, tanto em nível de interação com a cliente

quando em nível pessoal, pois estas tornam a prática humanizada diferente, estas são

fundamentais para a melhoria da assistência:

E acho que as mudanças são fundamentais [...] você consegue aliar o conhecimento, os novos

conhecimentos, as novas teorias com essa prática humanizada, aplicando esses conhecimentos

dentro da humanização, utilizando em favor da gestante, do parto mais natural, do parto mais

tranquilo. (ENTREVISTA 08)

E você se permitir mudar, acho que o grande pulo do gato foi eu me permitir depois de 50 e

poucos anos me reciclar, ver que é possível fazer as coisas com o conhecimento que eu tinha,

mas com um olhar diferente, com um olhar diferente (ENTREVISTA 02)

Pode acontecer uma mudança de habitus, e é importante destacar que este habitus se

estabelece a partir da exposição repetida a condições sociais definidas, gerando com isso um

conjunto de disposições duráveis e transponíveis que se adequam às necessidades do meio

social.

E o que realmente permitiu que estas mudanças acontecessem foram os resultados

positivos que os passos iniciais destas mudanças proporcionaram:

O que mudou, mudou pelos resultados, pelo que está acontecendo, pela mudança de

paradigma [...] Acho que a confiança e a credibilidade melhoraram. (ENTREVISTA 04)

As mudanças ocorreram por a gente mesmo, mostrando para os médicos, para os obstetras

que a gente era capaz de fazer, de fazer uma coisa que era correta, sem invenção, não era

empírico. (ENTREVISTA 05)

Há principio poderia parecer uma brincadeira, mas mostrava que as coisas funcionavam que

as pacientes que estavam indicadas para parto cesárea, de repente viram parto normal, e eles

vendo isto, vendo que a gente fazia as coisas com seriedade, as barreiras vão caindo mesmo.

(ENTREVISTA 05)

Nestas falas é possível resgatar a mudanças de prática, de habitus, de capital e de

campo. E estes resultados positivos são os lucros simbólicos. E a partir do momento que as

enfermeiras obstétricas obtiveram lucros simbólicos elas puderam mudar a posição delas no

campo. Os lucros simbólicos são ótimos indicadores da hierarquia cultural, e a melhor forma

de identificar quem ocupa uma posição dominante dentro do sistema é observar as relações

sociais (BOURDIEU, 1996; BOURDIEU, 1999).

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Destacamos alguns lucros percebidos pelas enfermeiras obstétricas:

Acho que cada vez mais a gente faz a diferença [...] quando tem enfermeiro atuando a gente

quase não tem criança grave chegando à unidade neonatal, a não ser que ele tenha alguma

anomalia congênita [...] mas não tem um asfixio grave, sabe, é mais difícil [...] e isso é

constatado até pela equipe médica [...] (ENTREVISTA 13)

Do primeiro trabalho que eu fiz, sobre episiotomia, a gente tinha quase 40% de episiotomia,

hoje em dia, fazendo estatística dos meus partos, a gente tem 2,3%, fazendo estatística da

maternidade a gente tem 5,6%, então assim são mudanças que aconteceram ao longo do

tempo (ENTREVISTA 11)

Estes lucros podem ser mantidos através de estratégias de luta. As enfermeiras

obstétricas precisam desenvolver e manter as estratégias de sobrevivência à opressão médica,

mesmo em um campo adverso para viabilizar sua inserção e ocupação nos espaços da

assistência direta ao parto hospitalar (PROGIANTI, 1995; PEREIRA, 2001).

E para que estas mudanças continuem, não dá para parar as iniciativas que geram

mudanças, pois dessa forma tudo que foi conquistado será perdido, é fundamental continuar

com os cursos de formação, de capacitação, de sensibilização. O treinamento em serviço e as

oficinas de sensibilização são estratégia de aquisição do capital humanizado (MOUTA, 2008).

Pois estes lucros podem ser perdidos se não houver mais atualização e a continuidade de

alguns investimentos em algumas unidades:

Não fazem mais nenhum curso, não vai a nenhuma aula, não fazem um curso de humanização

(ENTREVISTA 02)

Muita gente entrou e não foi feita a reciclagem, a sensibilização para a humanização, a

desmedicalização do parto, essas coisas [...] e isso é triste, para quem aprendeu tudo de

humanização ter que retroceder dessa maneira, é triste. E ver tanta gente ainda pensando dessa

maneira (ENTREVISTA 13)

Com a capacitação foi possível perceber um processo de conversão, de

convertibilidade pela humanização, com incentivo às práticas dentro dos princípios de

humanização. Não que as práticas só passaram a ser humanas após a implementação destes

princípios, mas estes ajudaram na sensibilização das ações, da assistência ao parto e

nascimento. Dessa forma, observaram-se mudanças na forma de interagir e de ouvir a mulher,

as práticas passaram a ser mais embasadas pelo capital cultural institucionalizado e eficiente

das enfermeiras, fatores que ajudam na transformação do habitus e do campo social.

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6.2 As lutas simbólicas

As lutas simbólicas são disputas que ocorrem dentro do campo social, que dependem

da posição dos agentes no campo que pretendem transformar ou conservar. Essas lutas

simbólicas geralmente trazem uma violência simbólica; ou seja, uma imposição ou mesmo a

legitimação da dominação, contribuindo para assegurar a dominação de uma classe sobre a

outra, potencializando sua força (BOURDIEU, 2006).

Identificamos nas falas das entrevistadas destaque para as lutas travadas pelas

enfermeiras obstétricas para conseguirem atuar no campo obstétrico hospitalar:

No começo foi uma luta danada para a gente fazer, para atuar mesmo, [...] muito difícil, muita

briga, mas hoje está mais tranquilo, não tem tanto assim (briga). (ENTREVISTA 05)

Os primeiros que foram os pioneiros houve uma rejeição muito grande da equipe obstétrica, a

ponto deles não deixarem em alguns momentos elas (as enfermeiras obstétricas) atuarem

(ENTREVISTA 07)

Houve uma richa e tipo uma guerra mesma, a gente não podia se aproximar da paciente, nem

sequer auscultar um BCF, chegou a esse ponto, mas a gente viu que eram coisas assim,

pessoais, de médicos com determinadas enfermeiras. (ENTREVISTA 19)

Vale ressaltar que um dos principais alvos das lutas entre os agentes está relacionado à

quantidade de capital eficiente ou especifico (econômico ou cultural, especialmente)

suficiente do agente para ocupar posições dominantes no interior de seus campos

(BOURDIEU, 1997).

No entanto, devido às lutas dos agentes e pela dinâmica de construção e reconstrução

do espaço social, as enfermeiras obtiveram como lucro a ocupação do espaço social. Percebe-

se que a transformação se dá pelas lutas simbólicas instaladas dentro do campo.

Percebemos que o campo era hierarquizado e nele os agentes sociais (médicos e

enfermeiras obstétricas) iniciaram as lutas simbólicas para sua ocupação. Este campo em

questão, o obstétrico, funciona como censura, como certa estrutura da distribuição de certa

espécie de capital. Esse capital visualizado pode ser a autoridade universitária, o prestígio

intelectual, o poder político, a força física, dependendo do campo considerado (BOURDIEU,

1983).

E com estas lutas foi possível mudar a posição da enfermeira dentro de campo, elas

deixaram a posição de não agente das práticas obstétricas, ou seja, deixaram de atuar na parte

administrativa e começaram a atuar com a prática obstétrica junto à mulher no processo do

nascimento:

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Ele (o enfermeiro) era basicamente administrativo, tinha um enfermeiro para o conjunto

obstétrico todo, não tinha enfermeiros em sala de parto em quase todos os hospitais

maternidade, não tinham enfermeiros assistenciais, hoje vemos um número bastante

significativo de enfermeiros em todas as maternidades, enfermeiros especializados, com

grande conhecimento na área, vejo assim que cresceu muito nestas últimas três décadas o

enfermeiro na sala de parto. (ENTREVISTA 02)

Na maioria dos locais o campo foi reconfigurado para melhor, mas assim permitindo que o

enfermeiro obstetra atue que ele realmente acompanhe o trabalho de parto, que ele possa

realizar o parto [...] que ele possa prestar assistência humanizada. (ENTREVISTA 08)

Neste caso, as enfermeiras passaram a fazer parte do jogo, a assumir a illusio. Com a

capacitação e legitimação de sua prática passaram a ser ativas, atuantes. Segundo Bourdieu,

os agentes sociais só conseguem participar do jogo específico de cada campo se estiverem

dotados de um mínimo de capital específico, e neste caso eficiente (BOURDIEU, 2000). Isso

indiretamente gera uma tendência de apropriação dos agentes para a produção de

conhecimento e dessa forma assumem práticas semelhantes dentro da mesma posição social

de um determinado campo específico.

E consequentemente podemos observar lucros da ocupação do espaço, da aquisição de

capital de mudança de habitus e também o reconhecimento das lutas das pioneiras, de todos

os embates, de todas as conquistas:

A gente já teve uma inserção, lutou tanto para conseguir um espaço, a aceitação do

enfermeiro, a gente conseguiu que isso fosse estendido a outras maternidades do município, o

apoio aos colegas que atuam nas casas de parto, mostrando que a gente pode fazer diferente,

não é a questão de se fazer melhor ou pior, é fazer diferente, a gente pode fazer com que essa

mulher tenha uma recordação mais positivamente do parto. (ENTREVISTA 15)

Estes lucros estão associados também ao habitus modificado, o qual refere-se a uma

capacidade cognitiva socialmente constituída, constituído de um sistema de esquemas de

percepção, pensamento, apreciação e ação, fruto da introjeção dos princípios de um arbitrário

cultural (BOURDIEU, 1986).

As lutas, mecanismos de aquisição dos lucros, sempre continuarão a existir, pois a

busca por posição, por capital é uma constância dentro do campo, já que de contínuo haverá

dominado e dominantes, ou seja, continuamente teremos um reflexo no acúmulo do capital

dos agentes sociais. Sendo assim, é necessário que a enfermeira obstétrica continue na luta

diária. As lutas atuais, em sua maioria são mais pacíficas, pois os embates maiores já foram

enfrentados pelas enfermeiras pioneiras, mas é preciso continuar o embate:

A gente briga, a gente fala, a gente aponta, claro que hoje mais maduro, a gente briga de outra

maneira, mais centrada, [...] visando mais a capacitação dos alunos, a capacitação dos colegas

que vem aqui fazer os cursos de especialização, acompanhando os cursos de especialização.

(ENTREVISTA 02)

Não dá para dizer que daqui para frente vai ser uma maravilha[...] a gente ainda mata um leão

por dia [...] só que a diferença é que o leão hoje não está com todos os dentes [...] mas ainda

está lá, e se der bobeira com ele, ele te morde [...] ainda tem essa situação, não está tanto

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pisando em areia movediça, mas o cimento ainda não secou. [...] estamos aqui na luta, mas

sem muito apoio [...] a sensação que a gente tem é que nós somos o primo pobre, e muito

pobre. (ENTREVISTA 12)

Os embates são novos, são diferentes, principalmente porque está havendo mudanças

dos agentes dentro do campo, mas o interesse sempre será o mesmo, o poder:

O momento atual, agora, é este, estamos lutando, mas infelizmente agora, a gente está

esbarrando em outro problema, que a equipe médica também está mudando. Então os antigos

têm esta confiança na gente, mas infelizmente os novos não, então a gente está tentando que

voltar àquela fase de provar nossa capacidade, buscar confiança, mas até que está indo

(ENTREVISTA 16)

Nunca serão sempre os mesmos, você tem a saída de uns porque se aposentam, você tem a

saída de uns porque vão para outra maternidade, ai vem uma leva nova de médicos obstetras e

você tem que começar sempre do zero e mostrar que você detém de um algum

conhecimento[...](ENTREVISTA 20)

E como estas lutas são diárias, às vezes se constrói em um dia e se perde no outro,

muitas construções não são permanentes e dessa forma gera-se na enfermeira obstétrica um

certo desânimo, desgaste com a causa obstétrica por ela ser contínua, estressante:

A gente acaba ficando na retaguarda, uma questão de não se indispor de não ter que brigar, eu

acho que naquela época eu atuava muito mais, porque eu botava a minha cara pra bater [...]

Então muitas vezes de tanto a gente bater, de tanto dar o murro na ponta da faca e às vezes o

movimento hora cresce, hora esvazia, hora cresce e hora esvazia e tem hora que você espera

que cheguem outros para brigar também que se o movimento encher novamente você adere e

some. Mas às vezes você está na linha de frente para brigar por isso, acaba se tornando um

pouco cansativo. (ENTREVISTA 22)

Essa briga constante é que faz com que a gente tenha um desgaste, e a própria posição política

atual da maternidade fez com que essa degradação aumentasse essa insatisfação de toda hora

retomando um processo, toda hora retomando um processo que às vezes cansa, ou a gente se

cala e se passa a aceitar essa limitação do que você pode ou não pode fazer, ou você parte

para uma questão política de aceitação daquilo que você pode ou que você não pode fazer,

para justamente você ganhar, acho que você tem que ceder algumas vezes para ganhar lá na

frente. (ENTREVISTA 20)

Neste registro percebe-se então que a humanização não foi reconhecida como

elemento de convertibilidade de ações, de habitus, convertibilidade no sentido de conhecer e

adquirir.

Em alguns casos esta convertibilidade pode não acontecer porque muitas vezes as

enfermeiras percebem que estão solitárias nesta causa, como que perderam a força política e o

poder simbólico. Identificam que a luta continua, mas que os agentes desta luta são elas, sem

um apoio institucional vigente. As enfermeiras indicam que as alianças estabelecidas, as

estratégias implementadas não foram mantidas, ou seja, o reflexo da luta: os lucros e as perdas

já foram vivenciados, ganhos e perdas pela movimentação dos agentes do campo social.

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Desse modo, as estratégias de luta utilizadas pelas enfermeiras obstétricas, que foram

eficientes para que elas conquistassem o espaço institucional e político no campo hospitalar,

foram aos poucos perdidas e com isso, hoje, identificam que a luta está muito desgastante:

Não quero me desgasta mais, não quero me estressa, porque eu vou me estressa sozinha.

(ENTREVISTA 17)

Hoje eu me sinto ao léu, sabe, sem ter pra quem pedir ajuda, porque a secretaria não é mais

aquela, a direção nem sabe mais como é o nosso projeto, então quer dizer, nós estamos

sozinhas. (ENTREVISTA 13)

Assim, o valor do capital (poder) do campo conquistado, acumulado passa a ser

questionado, as lutas que deveriam ser intensificadas nesse momento estão esmorecendo. E

com isso percebe-se que há uma ameaça ao equilíbrio entre as forças de poder, no interior do

campo e, consequentemente, as posições dos agentes detentores desse capital (poder) dentro

do campo (BOURDIEU, 1996) estão ameaçadas de perder suas conquistas, seus lucros

simbólicos porque as enfermeiras obstétricas, que ainda atuam neste espaço social, sentem-se

sozinhas na causa obstétrica.

Para Bourdieu (2001), as lutas simbólicas acontecem dentro de um espaço social cujos

lucros podem ser a aquisição de espaço, posição ou classe, ou de ocupação. E estas lutas

também podem ser individuais na busca de um objetivo pessoal, para si, ou coletivas em prol

de uma causa em nível maior. No caso destas enfermeiras, o que percebemos é que a luta

travada, cujo princípio era uma luta coletiva, hoje é percebida por muitas enfermeiras, dentro

do campo obstétrico hospitalar, como uma luta quase que individual, pois os agentes não

estão mais atuantes como eram no início da inserção da enfermeira neste novo espaço.

E mesmo assim, as enfermeiras percebem que as lutas precisam continuar para que os

espaços conquistados sejam mantidos, para que as posições também sejam preservadas. No

entanto, há muitos obstáculos inesperados, as dificuldades atuais são muitas, e que se tornam

barreira para a continuidade do trabalho:

A gente não consegue colocar a mulher na banheira, porque sempre tem defeito, [...] o que

mais incomoda aqui é esse ar condicionado que parece uma geladeira então a gente não

consegue ter a desenvoltura aqui, não consigo mesmo trabalhar aqui direito [...] eu acho que a

mulher também não se sente porque é muito frio aqui. [...] A gente não consegue colocar uma

penumbra, porque a luz fica acesa 24 horas. (ENTREVISTA 13)

Hoje em dia a gente tem poucos enfermeiros obstétricos, vieram alguns enfermeiros de outras

unidades [...] que não tem a prática, não tem conhecimento, então não tem nem como interagir

bem com os pacientes. (ENTREVISTA 23)

Hoje, algumas destas enfermeiras entrevistadas emersas nestas dificuldades aos

poucos podem acabar perdendo posições dentro deste campo:

Você tem um enfermeiro na sala de parto, atuando apenas como enfermeiro, não como um

agente de humanização, não como um agente de parto natural não como um agente facilitador

da mulher enquanto protagonista do seu próprio trabalho de parto, do seu parir. Isso me causa

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muita tristeza, porque quando eu ingressei na Fernando Magalhães eu tinha um grande

orgulho de pertencer ao quadro daquela unidade, de pertencer àquele projeto e é muita tristeza

que eu tenho hoje por ver que isso caiu por terra[...]por motivos que não sei enumerar quais

são. (ENTREVISTA 23)

É sua presença que te deixa ocupando aquele espaço, eu acredito que bastar [...] sair um

pouquinho do espaço para ele ser totalmente manipulado de novo pela equipe médica. A

presença que vai fazer a continuidade da enfermagem obstétrica continuar existindo no meio

hospitalar [...] a enfermagem obstétrica já ocupou um espaço e que hoje não ocupa mais.

(ENTREVISTA 09)

Dessa forma, as enfermeiras reconhecem que, caso não haja a continuidade de todo o

trabalho já construído é possível que retrocedamos, que os espaços sejam perdidos. Observa-

se nas falas das entrevistadas que, com as perdas relatadas, as enfermeiras percebem certo

retroceder de posição, de ocupação de espaço. O principal ponto destacado para que

ocorressem as perdas no campo obstétrico foi a redução do número de enfermeiras obstétricas

atuantes no campo obstétrico hospitalar:

Hoje a gente não tem uma dupla de enfermeiras todo dia aqui, já não tem a noite a muito

tempo, de dia já não tem e tem dias que não tem enfermeiras. Considero que ao longo do

tempo a gente piorou nesse sentido, a gente não conseguiu manter. Nós tivemos muitas

enfermeiras que saíram, (ENTREVISTA 18)

E a própria política da casa não ajudava muito. Então a gente foi regredindo, parando, cada

vez mais parando [...] Depois começou a faltar pessoas, enfermeiros começaram a sair. Eram

três plantões, no início, eram duas enfermeiras por plantão, diurno e noturno, passou para um

enfermeiro para cada plantão e tem época que em alguns plantões não tem enfermeiro, então

isso diminuiu muito nossa atuação, o numero de profissionais está reduzido, (ENTREVISTA

16)

Das três enfermeiras que foram pra casa de parto ninguém veio pro lugar, das enfermeiras que

ao longo do tempo foram para outros ambientes, para academia e tudo mais não teve

reposição [...] se você tem menos enfermeiros, menor fica a possibilidade de assistir

diretamente. (ENTREVISTA 18)

A diminuição do número de agentes sociais pode tornar-se um agravante para as

dificuldades já enfrentadas no campo, pois deve haver a redução do volume do capital

acumulado. Enquanto os agentes sociais participarem das lutas simbólicas pela legitimação de

práticas e obras no quadro de relações de força e poder, estabelecidas através da história do

campo em análise, é necessário ter aquisição de capital (PINTO, 2000, p. 65-124).

Outro agravante identificado hoje, também destacado pelas enfermeiras, está no fato

de que, quando há concurso, não há incentivo para a assistência obstétrica como

especialidade, o que desestimula as enfermeiras a desejarem atuar no campo obstétrico

hospitalar:

Teve concurso e não entrou nenhum enfermeiro, e os que entraram que são enfermeiros

obstetras chegaram a verbalizar que não queriam atuar na sala de parto, porque chegaram num

contexto em que a assistência de enfermagem para eles [...] vai ser ruim, porque tem que se

dedicar, não pode ser de qualquer maneira, tem ser quase uma doação mesmo, não só com a

mão, é com o corpo, com a alma toda [...] você tem que estar presente, acompanhando [...] é

doação e no momento nem todo mundo quer isso, (ENTREVISTA 14)

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Essa falta de incentivo exige cada vez mais capacitação para que as enfermeiras

atinjam seus objetivos, para que possam ser inseridas no jogo, uma vez qu sentem dificuldade

de inserção direta no campo através dos concursos, fato que compromete o processo de

mudança. É necessário, para continuar a ação das mudanças, que as enfermeiras demonstrem

competência, conhecimento e segurança no que fazem. Com isso, há o empoderamento, elas

deixam a posição de dominadas e passam a ser também dominantes:

A gente tem mudança em termos de ganho por ter mostrado trabalho, a gente tem mostrado

competência, a gente tem a diferença de que a gente consegue ter o poder de certas coisas que

antigamente a gente não tinha, mas ainda é uma coisa muito tênue. (ENTREVISTA 12)

Mostrando competência, fazendo a diferença e conquistando eles (médicos) para nosso lado,

que a gente sabe que a resistência é muito grande, então acontece muitos embates.

(ENTREVISTA 11)

Quem tem competência se estabelece. Você não precisa mudar todo dia, vai mostrando seu

serviço, vai mostrando o que você faz, vai mostrando que aquilo é bom, e ai as pessoas vão

vendo. (ENTREVISTA 02)

Estas falas retratam o processo distribucional do habitus, no qual há a interação do

agente com a sociedade, ou melhor, com os demais constituintes do campo ao qual pertence.

Nesta interação social, para haver a manutenção das posições ocupadas, exige-se, além

de conhecimento, estratégias de luta. E muitas das enfermeiras entrevistadas reconheceram o

mérito da humanização como estratégia nestas mudanças:

Se não houvesse a humanização talvez fosse um processo estéril, a mudança dentro da

enfermagem obstetra. (ENTREVISTA 08)

O movimento (de humanização) ele deu força para a enfermagem obstétrica, para abrir o

campo de atuação, ele abriu esse horizonte (ENTREVISTA 22)

A humanização pode ser vista, dependendo do ponto de vista como uma estratégia de

ocupação de campo, pois quem implementou as práticas humanizadas dentro do campo

obstétricos hospitalar foi praticamente a enfermeira, e com o respaldo da política vigente de

que era necessário implementar tais práticas ela foi aos poucos aumentando a ocupação do

campo.

E muitas destas ocupações estão atreladas à humanização do parto. E geram mudanças

de prática e de inserção de novas tecnologias não invasivas no processo de parturição do

campo obstétrico hospitalar:

As massagens, o uso do banho de aspersão, a bola são coisas que dá para a gente trabalhar a

mulher dentro do pré-parto sem mover a mulher daquele ambiente. (ENTREVISTA 05)

Houve a inserção dessas tecnologias que antes não tinha o uso do fisiobol, massagem com

óleo, banho [...] chuveiro com água quente, a gente tem cavalinho [...] Esses apetrechos nós

facilitam a prática e são muito úteis. (ENTREVISTA 09)

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A humanização e as tecnologias não invasivas de assistência ao parto e nascimento

podem ser vistas como estratégia de manutenção ter no campo. E sendo assim, é necessário

abraçar a questão da humanização como uma estratégia eficiente de ocupação e manutenção

de espaço, de lucro simbólico:

Todos deviam ter o desejo da humanização [...] todos deveriam abraçassem essa causa. Essa

causa, que não é nossa, mas eu diria que é da própria humanidade, da história de que tudo que

se fizer de melhor, melhor qualidade, melhor em todos os sentidos (ENTREVISTA 01)

E as práticas humanizadas precisam estar presentes em todas as fases do processo de

parto e no nascimento, em todos os espaços em que haja luta simbólica:

Não adianta humanizar só no parto, tem que ser no antes e depois, não adianta só ser

humanizado na sala de parto [...] eu acho que dentro dessa questão da humanização, passa

pela própria característica da pessoa, do emocional, eu acho que a gente tem que ter uma

paciência muito grande, estar aberta a mudanças, essa questão da inserção das tecnologias não

farmacológicas, buscar materiais pra estar sempre atualizados, aquela coisa de incentivar o

aleitamento materno mesmo ainda na sala de parto, então são coisas interessantes nesse

processo de humanização. (ENTREVISTA 15)

E consequentemente à implementação dos princípios do movimento de humanização,

muitas enfermeiras perceberam que houve mudanças em suas práticas. Algumas não têm

consciência de mudanças, mas suas falas as denunciam, pode ocorrer que a mesma fala não

traga relato de mudança, mas que o registro de suas falas confirme mudanças em algum

aspecto dentro da prática, mesmo que reconheçam que a mudança ocorreu em algum

momento, mas que não persistiu até o presente, ou ainda mudanças negativas. As mudanças

são percebidas desde a forma de olhar e perceber esta mulher como protagonista do processo

do parto e nascimento até nas práticas obstétricas destas enfermeiras. Estas passaram a ser

menos intervencionistas, pois adquiriram novos capitais, inclusive institucionalizados, que lhe

permitiram ter segurança em suas ações, ou seja, autonomia e poder simbólico que

proporcionaram uma prática menos intervencionista e mais humanizada. Outro ganho

promovido pela aquisição de novos capitais foi a ocupação de espaço no campo obstétrico

hospitalar e consequentemente a aceitação pela equipe de suas práticas. Com esta aquisição as

enfermeiras tiveram transformação também de seu habitus profissional.

A vontade de lutar pela permanência das novas práticas e dos espaços ocupados é uma

constância em grande parcela das entrevistadas, mas outra parcela encontra-se desestimulada

pela necessidade constante e quase que diária de mostrar o que é capaz de fazer e o que os

resultados mostram sobre a atuação das enfermeiras no campo obstétrico. Observou-se que o

movimento está a cada dia menos expressivo, menos vigoroso, até mesmo pelo desgaste das

enfermeiras, pela perda de recursos humanos e de apoio das chefias atuais nas maternidades.

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Com os lucros das lutas simbólicas, as conquistas e posições no campo permanecem.

Mas estas lutas precisam ser constantes, pois as dificuldades são contínuas e as posições

ocupadas precisam ser mantidas.

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7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O propósito deste estudo foi estudar as transformações das práticas das enfermeiras

obstétricas consequente ao movimento de humanização do campo obstétrico hospitalar. Para

atingir este objetivo, estudei o habitus primário destas enfermeiras no intuito de identificar o

volume de capital global adquirido em sua socialização primária e o contexto em que estavam

inseridas. Ao estudar as transformações dessas agentes sobre a transformação de sua prática,

identificou-se também a influência do movimento de humanização na atualização do habitus

dessas agentes bem como a história de lutas dessas enfermeiras na construção da obstetrícia

hospitalar.

Em toda a trajetória do estudo a questão do habitus e do habitus atualizado esteve

presente, ele perpassou por todos os conceitos e esteve presente nas conclusões. Os conceitos

teóricos do sociólogo francês Pierre Bourdieu permitiram-me trabalhar a transformação das

enfermeiras obstétricas em um campo dinâmico, onde muitas lutas simbólicas foram traçadas

pelos agentes sociais; onde o habitus primário e o habitus profissional, o capital cultural,

capital insticicionalizado, as lutas simbólicas, o illusio e as estratégias adotadas pelos agentes

foram determinantes na tomada de posição e na ocupação dos espaços.

O habitus incorporado em decorrência das condições de nascimento pode ser

reproduzido nas ações cotidianas e profissionais do indivíduo ou também reconfigurado,

principalmente porque o individuo foi exposto a múltiplos quadros de socialização ao longo

de sua vida, tanto no ambiente familiar, quanto no trabalho, em suas interações. Este habitus

sofreu transformações e pode ser reconfigurado através da aquisição de novos capitais e na

interação social.

Percebe-se que o habitus profissional das enfermeiras foi reconfigurado, e em

decorrência desta reconfiguração elas passaram a ocupar novos espaços no campo obstétrico

hospitalar. Esta ocupação por sua vez começou passiva para que houvesse a aceitação da

figura deste profissional não médico dentro deste campo. Aos poucos as enfermeiras foram

adquirindo capital e principalmente o capital institucionalizado que lhes proporcionou

mudança de posição social. Neste aspecto, as enfermeiras que perceberam que faziam parte do

jogo (illusio) tiveram melhor desempenho dentro do campo e na busca por capital eficiente.

Com a mudança de posição social, ou seja, de indivíduo não atuante para agente, a

enfermeira foi mudando também a sua prática, passando a pensar e agir embasada no seu

capital eficiente acumulado, deixou de apenas reproduzir as ações médicas e passou a

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implementar uma prática própria da enfermagem. Transpôs as práticas medicalizadas

totalmente intervencionistas e abraçou as práticas humanizadas.

A incorporação dos princípios do movimento de humanização nas práticas obstétricas

das enfermeiras podem ser vistas como uma estratégia eficiente de ocupação e manutenção no

espaço social, pois as políticas públicas implementadas durante o recorte do estudo foram

favoráveis para a aceitação da inserção da enfermeira obstétrica, assim como sua capacitação

para efetivar uma assistência humanizada no parto e nascimento.

Mas para que acontecesse a aceitação, o reconhecimento e a ocupação dos espaços,

muitas lutas foram realizadas dentro do campo obstétrico hospitalar, obtiveram muitos lucros,

assim como também tiveram muitas perdas, podemos considerar que houve perdas e ganhos.

E nesta trajetória as enfermeiras obstétricas perceberam que no início da inserção no

campo obstétrico havia um contexto internacional e nacional favorável à sua inserção. Houve

um incentivo governamental para capacitação, então perceberam a importância do ensino

neste contexto de mudança. Perceberam também que suas práticas mudaram, as mudanças

ocorreram desde a forma de ver a mulher até na forma de interagir com a mesma. E este

processo de mudança também repercutiu na sua própria percepção da mulher, na forma mais

humanizada de olhar o outro, de se colocar na posição do outro.

E outra percepção destacada foi quanto à questão das lutas, houve o reconhecimento

de que as lutas foram importantes no processo de mudança, pois com estas foi possível

adquirir lucros simbólicos significativos.

Identifica-se com esta dissertação que houve transformações das práticas das

enfermeiras obstétricas consequente ao movimento de humanização do campo obstétrico

hospitalar; no município do Rio de Janeiro, estas mudanças ocorreram em decorrência do

momento favaorável durante o processo de sua implementação em 1998. A partir do referido

ano muitas transformações ocorreram e muitas delas devem-se às lutas travadas pelas

enfermeiras pela ocupação do campo e pela busca por seu reconhecimento legitimado de seu

capital cultural e institucionalizado. Percebe-se que muitas destas mudanças foram lucros,

mas que atualmente estão sendo perdidos por falta de apoio institucional pelo desgaste destas

agentes no campo obstétrico hospitalar.

Esta dissertação permitiu destacar a história de inserção destas enfermeiras no campo

obstétrico hospitalar e as dificuldades vivenciadas por estas enfermeiras desde o inicio, até os

dias atuais para manter os lucros e a ocupação neste espaço social dinâmico.

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O estudo também me mostrou o presente à luz do passado, o quanto estas enfermeiras

foram e são importantes para a história da enfermagem obstétrica, é a história viva,

reconstruída e construída a cada dia.

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112

APÊNDICE A - Solicitação para utilização dos nomes e acesso às Instituições Hospitalares

Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Centro Biomédico

Faculdade de Enfermagem

Solicitação para utilização dos nomes e acesso às Instituições Hospitalares

Essa pesquisa é qualitativa descritiva com abordagem histórica e tem por objetivos

Descrever as transformações percebidas pelas enfermeiras obstétricas no campo obstétrico

hospitalar, analisar que transformações foram percebidas em sua prática no campo obstétrico

hospitalar e analisar a participação das enfermeiras na reconfiguração do campo obstétrico

consequente ao movimento de humanização bem como as mudanças na assistência á mulher

no ciclo gravídico-puerperal impulsionadas por esta agente.

Para desenvolver esta pesquisa, que faz parte do Projeto O processo de humanização

da assistência ao parto: a participação da enfermeira na reconfiguração do campo

obstétrico hospitalar torna-se necessário o acesso às enfermeiras obstétricas das unidades

hospitalares e a utilização do nome das Instituições que pertencem à Secretaria de Saúde desta

Prefeitura e que serão mencionadas no estudo. Solicitamos, portanto, desta chefia a

autorização para que a autora do projeto de pesquisa Karla Gonçalves Camacho, mestranda da

Faculdade de Enfermagem da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), possa ter

acesso ás enfermeiras obstétricas e utilizar os nomes das instituições hospitalares na

elaboração e divulgação dos resultados desta pesquisa.

________________ ______________________________________

Local e Data Assinatura da Chefia autorizando o solicitado

Matrícula:

Autor:

_______________________________________

Karla Gonçalves Camacho

Diretora da faculdade de Enfermagem UERJ:

____________________________________

Drª Sonia Acioli de Oliveira

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113

APÊNDICE B - Termo de Cessão de Direitos Sobre Depoimento Oral

TERMO DE CESSÃO DE DIREITOS SOBRE DEPOIMENTO ORAL

PARA O CENTRO DE MEMÓRIA NALVA PEREIRA CALDAS

DA FACULDADE E ENFERMAGEM DA UERJ

1. Pelo presente documento,

Nome:..........................................................................

Naturalidade:..............................................................

Estado civil:...............................................................

Profissão:..................................................................

RG:............................................. Órgão Emissor:......................... Emissão em...............

CPF:.................................................

Residente e domiciliado à................................................................................................

Cede e transfere neste ato, gratuitamente, em caráter universal e definitivo ao Centro de

Memória Nalva Pereira Caldas da Faculdade de Enfermagem da UERJ a totalidade dos seus

direitos patrimoniais de autor sobre o depoimento oral prestado no dia............................... na

cidade ................................., perante a pesquisadora.................................................

2. Na forma preconizada pela legislação nacional e pelas convenções internacionais de que o

Brasil é signatário,............................................, proprietária originária do depoimento de que

trata este termo, terá, indefinidamente, o direito ao exercício pleno dos seus direitos morais

sobre o referido depoimento, de sorte que sempre terá seu nome citado por ocasião de

qualquer utilização.

3. Fica, pois o Centro de Memória Nalva Pereira Caldas da Escola de Enfermagem da UERJ

plenamente autorizado a utilizar o referido depoimento, no todo ou em parte, editado ou

integral, inclusive cedendo seus direitos a terceiros, no Brasil e/ou no exterior.

Sendo esta a forma legítima e eficaz que representa legalmente os nossos interesses, assinam

o presente documento em 02(duas) vias de igual teor e para um só efeito.

Local: Data:

Centro de Memória Nalva Pereira Caldas da Escola de Enfermagem da UERJ

Nome da entrevistada: _____________________________________________

TESTEMUNHAS:

______________________________ _____________________________

Nome legível Nome legível

CPF: CPF:

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114

APÊNDICE C - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

CENTRO BIOMÉDICO

FACULDADE DE ENFERMAGEM

TÍTULO DO PROJETO PRINCIPAL (PROCIÊNCIA):

O processo de humanização da assistência ao parto: a participação da enfermeira na

reconfiguração do campo obstétrico hospitalar

Pesquisador Responsável: Jane Márcia Progianti

SUB-PROJETO (DISSERTAÇÃO DE MESTRADO): Percepções de enfermeiras sobre as transformações de sua prática obstétrica consequente ao

movimento de humanização do campo obstétrico hospitalar

Pesquisador Responsável: Karla Gonçalves Camacho

Orientadora: Jane Márcia Progianti

PROPÓSITO E HISTÓRICO DO ESTUDO

Estamos realizando uma Pesquisa que tem como finalidade analisar a participação das

enfermeiras na reconfiguração do campo obstétrico consequente ao movimento de

humanização bem como as mudanças na assistência à mulher no ciclo gravídico-puerperal

impulsionadas por esta agente. Para tal necessitaremos de sua colaboração como informante

privilegiado por ter vivenciado à época da pesquisa. Este estudo contribuirá para a história da

obstetrícia, para a preservação da memória das enfermeiras e das mulheres.

DESCRIÇÃO DA PESQUISA:

Se quiser nos ajudar neste estudo, nós vamos fazer a você algumas perguntas. A entrevista

deverá levar de 45 a 60 minutos. As questões são sobre suas experiências, suas lutas e sua

prática assistencial no modelo humanizado de assistência ao parto. Esta entrevista será feita

em um lugar reservado, onde ninguém poderá ouvir suas respostas.

PARTICIPAÇÃO VOLUNTÁRIA

Sua participação no estudo é completamente voluntária e você pode parar a qualquer

momento e por qualquer razão. Você também pode se recusar a responder qualquer uma das

perguntas.

RISCOS/DESCONFORTOS

Algumas perguntas podem fazer você se sentir triste ou desconfortável. Você pode se recusar

a responder qualquer pergunta.

As entrevistas serão realizadas em um lugar privado onde ninguém pode ouvir suas respostas.

CONFIDENCIALIDADE

Por ser um estudo histórico estou lhe pedindo a autorização para a divulgação de seu nome.

Caso você não autorize esta divulgação, a autora da pesquisa garantirá seu anonimato.

Suas respostas às questões serão gravadas e as fitas serão guardadas nos arquivos orais do

Centro de Memória Nalva Pereira Caldas e disponibilizadas para consultas públicas.

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115

Caso você não autorize a doação de seu depoimento para o Centro de Memória, a fita cassete

será identificada pelo pesquisador apenas com um código. Após a transcrição dos dados serão

destruídas. Todos os dados coletados serão guardados em lugar seguro durante todo o curso

do estudo. Somente os pesquisadores do grupo terão acesso a eles. Nos trabalhos e encontros

científicos somente serão mencionados os códigos ou dados agrupados. Nomes ou iniciais não

serão identificados.

BENEFÍCIOS

Não há benefícios pessoais diretos para você. Contudo, você oferecerá informações que

contribuirá para a preservação da memória das enfermeiras. Ainda, experiências passadas

demonstram que entrevistas com adultos podem levar a sua satisfação pois é uma forma de

fazer sua voz ser ouvida.

CUSTOS:

Você não terá gastos ao participar deste estudo.

PAGAMENTO:

As entrevistas não serão remuneradas.

PERGUNTAS:

Se você tiver alguma pergunta ou dúvida relacionada ao estudo, pode entrar em contato

com:

Karla Gonçalves Camacho, no endereço: FACULDADE DE ENFERMAGEM DA UERJ,

AV. 28 DE SETEMBRO Nº 157, 7º ANDAR – VILA ISABEL

Tel./Fax: (21) 88133127 E-mail: [email protected]

Ou

Jane Márcia Progianti no Endereço: FACULDADE DE ENFERMAGEM DA UERJ, AV. 28

DE SETEMBRO Nº 157, 7º ANDAR – VILA ISABEL

Tel./Fax: (21) 25876335 / (21) 25678177 E-mail: [email protected]

Caso você tenha dificuldade em entrar em contato com o pesquisador responsável, comunique

o fato ao Comitê de Ética em Pesquisa da SMS/RJ. End.:Rua Afonso Cavalcanti, 455 sala

701 - Cidade Nova. Tel.: 2503-2024 / 2503-2026. E-mail: [email protected]. Horário de

Atendimento: 9h às 13h, de segunda a sexta.

CONSENTIMENTO:

A pesquisa me foi explicada. Qualquer problema que tive ao ler ou compreender foi

esclarecido. Eu tive a chance de fazer as perguntas que desejei e elas foram respondidas. Eu

compreendo os meus direitos como participante desta pesquisa.

Eu concordo em participar. (Você receberá uma cópia deste termo de consentimento

esclarecido)

_________________ _____________________________________

Data Assinatura do Participante

_________________ _____________________________________

Data Assinatura do Pesquisador

Karla Gonçalves Camacho

Agradeço sua disponibilidade, tempo e apoio.

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116

APÊNDICE D - Instrumento de Coleta de Dados

UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

CENTRO BIOMÉDICO

FACULDADE DE ENFERMAGEM

Roteiro da Entrevista

Título do projeto principal:

Percepções de enfermeiras sobre as transformações de sua prática obstétrica consequente ao

movimento de humanização do campo obstétrico hospitalar

Pesquisador Responsável: Karla Gonçalves Camacho

Orientadora: Drª Jane Márcia Progianti

Dados de Identificação:

Nome: ________________________________________ e-mail:____________________

Endereço: __________________________________________________________________

Celular: _____________________________ Telefone:____________________

Formação de Base:______________________ Ano inicio/conclusão:____ / ____

Especialidade: ___________________________

Tempo de atuação na enfermagem:___________

Tempo de atuação na enfermagem obstétrica:___________

Local da Entrevista: ________________________

Hora início da entrevista:________ Hora término da entrevista: ________

Duração da entrevistas:__________ Dia:___/___/___ Nº da entrevista:_________

Roteiro da entrevista:

Parte I. Introdução (Já com o gravador ligado)

Agradecer à depoente pela participação e pedir autorização para a utilização da entrevista

na dissertação de mestrado;

Esclarecer acerca do assunto da entrevista;

Garantir o retorno do resultado da pesquisa.

Pedir para a depoente doar a fita ou arquivo em MP3 para o Centro de Memória Nalva

Pereira Caldas da Faculdade de Enfermagem da UERJ;

Parte II. Família de origem, infância e adolescência

Fale-me sobre seu nascimento e as relações que estabeleceu com sua família na infância e

adolescência.

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117

Tópicos de orientação: Nesta parte, espera-se que sejam abordados aspectos sobre os avôs

paternos, maternos e sobre seus pais. As depoentes devem lembrar-se das condições em que

viveram na infância e adolescência. Fazer perguntas e orientar para a questão de sua

concepção, sobre o gestar, parir e nascer, sobre as questões de gênero e influência do modelo

medicalizado do parto e assistência a saúde.

Parte III. Formação Profissional

Fale-me sobre sua formação profissional, a universidade em que estudou, em que período

(contexto histórico/político) você fez o curso de enfermagem e o motivo da escolha por esta

profissão e pela especialidade em enfermagem obstétrica

Tópicos de orientação: Onde se formou e fez sua especialização em enfermagem obstétrica?

Como decidiu ir trabalhar com a enfermagem obstétrica? Como foi sua ida para esta área?

Que inserção você tinha na Enfermagem e na Enfermagem Obstétrica? O que você fez para

estar no setor em que atua? Como eram suas ações no início de sua atuação na área obstétrica?

Como você se percebe, hoje, como enfermeira obstétrica?

Parte IV. As transformações percebidas pelas enfermeiras obstétricas no campo obstétrico

hospitalar

Fale-me como você vê a obstetrícia ao longo dos anos.

Fale-me sobre sua participação na enfermagem obstétrica ao longo dos anos que sucederam

sua trajetória profissional.

Conte-me como você se percebe, hoje, como enfermeira obstétrica. O que mudou na sua

trajetória profissional?

Tópicos de orientação: Nesta parte, espera-se que as depoentes relatem sobre a configuração

do campo obstétrico hospitalar, lembrem de suas relações com outros profissionais e apontem

que posições ocupam no campo da obstetrícia atualmente, assim como as transformações

percebidas no campo obstétrico hospitalar em geral.

Parte V: As práticas desenvolvidas pelas enfermeiras e sua articulação com o movimento

de humanização

Fale-me sobre sua prática obstétrica, sobre o que faz na enfermagem obstétrica hospitalar, no

cuidado às mulheres no ciclo gravídico-puerperal. Você percebe mudanças em suas ações ao

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118

longo do tempo? Fale-me como você vê a obstetrícia ao longo dos anos e sobre sua

participação na enfermagem obstétrica em sua trajetória profissional. Fale-me sobre elas.

Tópicos de orientação: Nesta parte, espera-se que as depoentes relatem sobre como exercem

a profissão de enfermeira obstétrica no campo hospitalar, se percebem que mudou algo neste

cenário, como mudou e por que mudou? Quais transformações conseguem perceber? Que

efeitos desta transformação percebem? Explorar a influência do movimento de humanização

que a enfermeira incorporou. Explorar emoções, relações humanas.

PARTE VI – Reconsideração de uma trajetória

Na última parte da entrevista, as depoentes terão a oportunidade de reconsiderar sua trajetória

de vida. Neste espaço, elas falaram como se sentem hoje, diante de sua escolha profissional, e

fizeram uma reflexão e uma avaliação de seu passado.

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119

APÊNDICE E - Caracterização dos Sujeitos

Número

da

Entrevista

Formação

de Base

Especialidade Período de

graduação

Tempo de

atuação na

enfermagem

Tempo de

atuação na

enfermagem

obstétrica

Local da

entrevista

Entrevista

01

Enfermagem Enfermagem

Obstétrica

1978 a 1982 Desde 1983 Desde 1984 Hospital

Maternidade

Carmela

Dutra

Entrevista

02

Enfermagem Enfermagem

Obstétrica e

Neonatal

1975 a 1979 Desde 1979 Desde 1992 Hospital

Maternidade

Carmela

Dutra

Entrevista

03

Enfermagem Enfermagem

Obstétrica

1991 a 1995 Desde 1996 Desde 1998 Hospital

Maternidade

Carmela

Dutra

Entrevista

04

Enfermagem Enfermagem

Obstétrica

1992 a 1996 Desde 1996 Desde 1996 Hospital

Maternidade

Carmela

Dutra

Entrevista

05

Enfermagem Enfermagem

Obstétrica

1990 a 1994 Desde 1994 Desde 1998 Hospital

Maternidade

Carmela

Dutra

Entrevista

06

Enfermagem Enfermagem

Obstétrica e

Neonatal

1994 a 1998 Desde 1998 Desde 1998 Hospital

Maternidade

Alexander

Fleming

Entrevista

07

Enfermagem Enfermagem

Obstétrica

1992 a 1996 Desde 1992 Desde 1994 Hospital

Maternidade

Alexander

Fleming

Entrevista

08

Enfermagem Enfermagem

Obstétrica

1986 a 1990 Desde 1992 Desde 1995 Hospital

Maternidade

Alexander

Fleming

Entrevista

09

Enfermagem Enfermagem

Obstétrica

1994 a 1998 Desde 1999 Desde 1999 Hospital

Maternidade

Alexander

Fleming

Entrevista

10

Enfermagem Enfermagem

Obstétrica e

Acupuntura

1979 a 1983 Desde 1982 Desde 1998 Hospital

Maternidade

Herculano

Pinheiro

Entrevista

11

Enfermagem Enfermagem

Obstétrica e

Acupuntura

1981 a 1985 Desde 1985 Desde 1998 Hospital

Maternidade

Herculano

Pinheiro

Número

da

Formação

de Base

Especialidade Período de

graduação

Tempo de

atuação na

Tempo de

atuação na

Local da

entrevista

Page 122: Universidade do Estado do Rio de Janeirolivros01.livrosgratis.com.br/cp121781.pdf · À minha mãe, Maria José Gonçalves Camacho, pelo amor mais doce e delicado que eu poderia receber.

120

Entrevista enfermagem enfermagem

obstétrica

Entrevista

12

Enfermagem Enfermagem

Obstétrica

1988 a 1992 Desde 1992 Desde 1998 Hospital

Maternidade

Herculano

Pinheiro

Entrevista

13

Enfermagem Enfermagem

Obstétrica

1987 a 1991 Desde 1992 Desde 1993 Hospital

Maternidade

Leila Diniz

Entrevista

14

Enfermagem Enfermagem

Obstétrica

1981 a 1985 Desde 1985 Desde 1988 Hospital

Maternidade

Leila Diniz

Entrevista

15

Enfermagem Enfermagem

Obstétrica

1981 a 1985 Desde 1986 Desde 1990 Hospital

Maternidade

Leila Diniz

Entrevista

16

Enfermagem Enfermagem

Obstétrica e

Oncologia

1992 a 1996 Desde 1996 Desde 1998 Instituto

Municipal da

Mulher

Fernando

Magalhães

Entrevista

17

Enfermagem Enfermagem

Obstétrica

1989 a 1993 Desde 1993 Desde 1998 Instituto

Municipal da

Mulher

Fernando

Magalhães

Entrevista

18

Enfermagem Enfermagem

Obstétrica

1988 a 1991 Desde 1992 Desde 1998 Instituto

Municipal da

Mulher

Fernando

Magalhães

Entrevista

19

Enfermagem Enfermagem

Obstétrica

1979 a 1982 Desde 1984 Desde 1986 Instituto

Municipal da

Mulher

Fernando

Magalhães

Entrevista

20

Enfermagem Enfermagem

Obstétrica

1986 a 1990 Desde 1990 Desde 1995 Instituto

Municipal da

Mulher

Fernando

Magalhães

Entrevista

21

Enfermagem Enfermagem

Obstétrica

1979 a 1983 Desde 1985 Desde 1985 Hospital

Maternidade

Oswaldo

Nazaré

Entrevista

22

Enfermagem Enfermagem

Obstétrica

1979 a 1983 Desde1983 Desde 1998 Hospital

Maternidade

Oswaldo

Nazaré

Entrevista

23

Enfermagem Enfermagem

Obstétrica

1994 a 1998 Desde 1998 Desde 1999 Hospital

Maternidade

Oswaldo

Nazaré

Page 123: Universidade do Estado do Rio de Janeirolivros01.livrosgratis.com.br/cp121781.pdf · À minha mãe, Maria José Gonçalves Camacho, pelo amor mais doce e delicado que eu poderia receber.

121

Número

da

Entrevista

Formação

de Base

Especialidade Período de

graduação

Tempo de

atuação na

enfermagem

Tempo de

atuação na

enfermagem

obstétrica

Local da

entrevista

Entrevista

24

Enfermagem Enfermagem

Obstétrica

1993 a 1997 Desde 1998 Desde 1999 Hospital

Maternidade

Oswaldo

Nazaré

Entrevista

25

Enfermagem Enfermagem

Obstétrica

1994 a 1998 Desde 1998 Desde 1999 Hospital

Maternidade

Oswaldo

Nazaré

Page 124: Universidade do Estado do Rio de Janeirolivros01.livrosgratis.com.br/cp121781.pdf · À minha mãe, Maria José Gonçalves Camacho, pelo amor mais doce e delicado que eu poderia receber.

122

ANEXO A - Protocolo de Aprovação do estudo pelo Comitê de Ética da SMS/RJ

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123

ANEXO B - Solicitação para realização de Pesquisa

UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

CENTRO BIOMÉDICO

FACULDADE DE ENFERMAGEM

Rio de Janeiro, 29 de agosto de 2008.

Of – 234/ FENF/2008

À Direção do Hospital Maternidade Alexander Fleming

Assunto: Solicitação para realização de Pesquisa

Prezados senhores,

Solicitamos autorização para que a enfermeira Karla Gonçalves Camacho, aluna regulamente

matriculada no Curso de Mestrado em Enfermagem desta Faculdade, possa coletar dados, no

âmbito desta instituição, conforme informações abaixo, a fim de realizar o trabalho científico

previsto para a conclusão do curso.

Informamos que o projeto foi encaminhado ao Comitê de Ética em Pesquisa da Secretaria

Municipal de Saúde do Rio de Janeiro, e que o parecer emitido será apresentado

oportunamente.

Título do projeto

―Percepções de enfermeiras sobre as transformações de sua prática obstétrica consequente ao

movimento de humanização do campo obstétrico hospitalar‖

Método utilizado: História Oral

Tipo de pesquisa: Qualitativa

Período: 09/2008 a 12/2009

Orientadora: Jane Márcia Progianti

Certos da colaboração de V. S ª, apresento protestos de estima e consideração.

Boulevard 28 de setembro, 157-7º andar – Vila Isabel – Rio de Janeiro – CEP.:20551-030 -

Telefone(55-21) 2587-6356–Fax.: 568-8177 e-mail: [email protected]

Page 126: Universidade do Estado do Rio de Janeirolivros01.livrosgratis.com.br/cp121781.pdf · À minha mãe, Maria José Gonçalves Camacho, pelo amor mais doce e delicado que eu poderia receber.

124

ANEXO C - Solicitação para realização de Pesquisa

UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

CENTRO BIOMÉDICO

FACULDADE DE ENFERMAGEM

Rio de Janeiro, 29 de agosto de 2008.

Of – 234/ FENF/2008

À Direção do Hospital Maternidade Carmela Dutra

Assunto: Solicitação para realização de Pesquisa

Prezados senhores,

Solicitamos autorização para que a enfermeira Karla Gonçalves Camacho, aluna regulamente

matriculada no Curso de Mestrado em Enfermagem desta Faculdade, possa coletar dados, no

âmbito desta instituição, conforme informações abaixo, a fim de realizar o trabalho científico

previsto para a conclusão do curso.

Informamos que o projeto foi encaminhado ao Comitê de Ética em Pesquisa da Secretaria

Municipal de Saúde do Rio de Janeiro, e que o parecer emitido será apresentado

oportunamente.

Título do projeto

―Percepções de enfermeiras sobre as transformações de sua prática obstétrica consequente ao

movimento de humanização do campo obstétrico hospitalar‖

Método utilizado: História Oral

Tipo de pesquisa: Qualitativa

Período: 09/2008 a 12/2009

Orientadora: Jane Márcia Progianti

Certos da colaboração de V. S ª, apresento protestos de estima e consideração.

Boulevard 28 de setembro, 157-7º andar – Vila Isabel – Rio de Janeiro – CEP.:20551-030 -

Telefone(55-21) 2587-6356–Fax.: 568-8177 e-mail: [email protected]

Page 127: Universidade do Estado do Rio de Janeirolivros01.livrosgratis.com.br/cp121781.pdf · À minha mãe, Maria José Gonçalves Camacho, pelo amor mais doce e delicado que eu poderia receber.

125

ANEXO D - Solicitação para realização de Pesquisa

UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

CENTRO BIOMÉDICO

FACULDADE DE ENFERMAGEM

Rio de Janeiro, 29 de agosto de 2008.

Of – 234/ FENF/2008

À Direção do Hospital Maternidade Herculano Pinheiro

Assunto: Solicitação para realização de Pesquisa

Prezados senhores,

Solicitamos autorização para que a enfermeira Karla Gonçalves Camacho, aluna regulamente

matriculada no Curso de Mestrado em Enfermagem desta Faculdade, possa coletar dados, no

âmbito desta instituição, conforme informações abaixo, a fim de realizar o trabalho científico

previsto para a conclusão do curso.

Informamos que o projeto foi encaminhado ao Comitê de Ética em Pesquisa da Secretaria

Municipal de Saúde do Rio de Janeiro, e que o parecer emitido será apresentado

oportunamente.

Título do projeto

―Percepções de enfermeiras sobre as transformações de sua prática obstétrica consequente ao

movimento de humanização do campo obstétrico hospitalar‖

Método utilizado: História Oral

Tipo de pesquisa: Qualitativa

Período: 09/2008 a 12/2009

Orientadora: Jane Márcia Progianti

Certos da colaboração de V. S ª, apresento protestos de estima e consideração.

Boulevard 28 de setembro, 157-7º andar – Vila Isabel – Rio de Janeiro – CEP.:20551-030 -

Telefone(55-21) 2587-6356–Fax.: 568-8177 e-mail: [email protected]

Page 128: Universidade do Estado do Rio de Janeirolivros01.livrosgratis.com.br/cp121781.pdf · À minha mãe, Maria José Gonçalves Camacho, pelo amor mais doce e delicado que eu poderia receber.

126

ANEXO E - Solicitação para realização de Pesquisa

UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

CENTRO BIOMÉDICO

FACULDADE DE ENFERMAGEM

Rio de Janeiro, 29 de agosto de 2008.

Of – 234/ FENF/2008

À Direção do Instituto Municipal da Mulher Fernando Magalhães

Assunto: Solicitação para realização de Pesquisa

Prezados senhores,

Solicitamos autorização para que a enfermeira Karla Gonçalves Camacho, aluna regulamente

matriculada no Curso de Mestrado em Enfermagem desta Faculdade, possa coletar dados, no

âmbito desta instituição, conforme informações abaixo, a fim de realizar o trabalho científico

previsto para a conclusão do curso.

Informamos que o projeto foi encaminhado ao Comitê de Ética em Pesquisa da Secretaria

Municipal de Saúde do Rio de Janeiro, e que o parecer emitido será apresentado

oportunamente.

Título do projeto

―Percepções de enfermeiras sobre as transformações de sua prática obstétrica consequente ao

movimento de humanização do campo obstétrico hospitalar‖

Método utilizado: História Oral

Tipo de pesquisa: Qualitativa

Período: 09/2008 a 12/2009

Orientadora: Jane Márcia Progianti

Certos da colaboração de V. S ª, apresento protestos de estima e consideração.

Boulevard 28 de setembro, 157-7º andar – Vila Isabel – Rio de Janeiro – CEP.:20551-030 -

Telefone(55-21) 2587-6356–Fax.: 568-8177 e-mail: [email protected]

Page 129: Universidade do Estado do Rio de Janeirolivros01.livrosgratis.com.br/cp121781.pdf · À minha mãe, Maria José Gonçalves Camacho, pelo amor mais doce e delicado que eu poderia receber.

127

ANEXO F - Solicitação para realização de Pesquisa

UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

CENTRO BIOMÉDICO

FACULDADE DE ENFERMAGEM

Rio de Janeiro, 29 de agosto de 2008.

Of – 234/ FENF/2008

À Direção do Maternidade Leila Diniz

Assunto: Solicitação para realização de Pesquisa

Prezados senhores,

Solicitamos autorização para que a enfermeira Karla Gonçalves Camacho, aluna regulamente

matriculada no Curso de Mestrado em Enfermagem desta Faculdade, possa coletar dados, no

âmbito desta instituição, conforme informações abaixo, a fim de realizar o trabalho científico

previsto para a conclusão do curso.

Informamos que o projeto foi encaminhado ao Comitê de Ética em Pesquisa da Secretaria

Municipal de Saúde do Rio de Janeiro, e que o parecer emitido será apresentado

oportunamente.

Título do projeto

―Percepções de enfermeiras sobre as transformações de sua prática obstétrica consequente ao

movimento de humanização do campo obstétrico hospitalar‖

Método utilizado: História Oral

Tipo de pesquisa: Qualitativa

Período: 09/2008 a 12/2009

Orientadora: Jane Márcia Progianti

Certos da colaboração de V. S ª, apresento protestos de estima e consideração.

Boulevard 28 de setembro, 157-7º andar – Vila Isabel – Rio de Janeiro – CEP.:20551-030 -

Telefone(55-21) 2587-6356–Fax.: 568-8177 e-mail: [email protected]

Page 130: Universidade do Estado do Rio de Janeirolivros01.livrosgratis.com.br/cp121781.pdf · À minha mãe, Maria José Gonçalves Camacho, pelo amor mais doce e delicado que eu poderia receber.

128

ANEXO G - Solicitação para realização de Pesquisa

UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

CENTRO BIOMÉDICO

FACULDADE DE ENFERMAGEM

Rio de Janeiro, 29 de agosto de 2008.

Of – 234/ FENF/2008

À Direção do Maternidade Osvaldo Nazareth

Assunto: Solicitação para realização de Pesquisa

Prezados senhores,

Solicitamos autorização para que a enfermeira Karla Gonçalves Camacho, aluna regulamente

matriculada no Curso de Mestrado em Enfermagem desta Faculdade, possa coletar dados, no

âmbito desta instituição, conforme informações abaixo, a fim de realizar o trabalho científico

previsto para a conclusão do curso.

Informamos que o projeto foi encaminhado ao Comitê de Ética em Pesquisa da Secretaria

Municipal de Saúde do Rio de Janeiro, e que o parecer emitido será apresentado

oportunamente.

Título do projeto

―Percepções de enfermeiras sobre as transformações de sua prática obstétrica consequente ao

movimento de humanização do campo obstétrico hospitalar‖

Método utilizado: História Oral

Tipo de pesquisa: Qualitativa

Período: 09/2008 a 12/2009

Orientadora: Jane Márcia Progianti

Certos da colaboração de V. S ª, apresento protestos de estima e consideração.

Boulevard 28 de setembro, 157-7º andar – Vila Isabel – Rio de Janeiro – CEP.:20551-030 -

Telefone(55-21) 2587-6356–Fax.: 568-8177 e-mail: [email protected]

Page 131: Universidade do Estado do Rio de Janeirolivros01.livrosgratis.com.br/cp121781.pdf · À minha mãe, Maria José Gonçalves Camacho, pelo amor mais doce e delicado que eu poderia receber.

129

ANEXO H - Carta de apresentação da orientadora

UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

CENTRO BIOMÉDICO

FACULDADE DE ENFERMAGEM

Rio de janeiro, 15 de setembro de 2008.

Ao Comitê de Ética da Secretaria Municipal de Saúde – SMS/RJ

Assunto: Apresentação da Mestranda em Enfermagem

Prezados senhores,

Apresento o projeto de dissertação de mestrado, para apreciação do Comitê de Ética da

Secretaria Municipal de Saúde, em cujas maternidades a ela vinculadas a Mestranda da

Faculdade de Enfermagem da UERJ, Karla Gonçalves Camacho, que irá coletar dados a fim

de realizar a sua pesquisa.

Título do projeto:

―Percepções de enfermeiras sobre as transformações de sua prática obstétrica consequente ao

movimento de humanização do campo obstétrico hospitalar‖

Tipo de pesquisa: Histórico Social

Técnica utilizada: História Oral

Período: 2008 a 2009

Certos da colaboração de V. S ª, apresento protestos de estima e consideração.

Orientadora: Jane Márcia Progianti

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