UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE DIREITO … · Nos primeiros tempos do direito romano, a...
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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
FACULDADE DE DIREITO DE RIBEIRÃO PRETO
Milena Muradian
Orientadora: Marta Rodrigues Maffeis Moreira
Responsabilidade pelo fato do serviço no
Código de Defesa do Consumidor
Ribeirão Preto
2013
MILENA MURADIAN
RESPONSABILIDADE PELO FATO DO SERVIÇO NO
CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
Trabalho de Conclusão de Curso,
apresentado ao Departamento de
Direito Privado da Faculdade de
Direito de Ribeirão Preto da
Universidade de São Paulo para a
obtenção do título de bacharel em
Direito.
Orientadora: Professora Doutora Marta
Rodrigues Maffeis Moreira
Ribeirão Preto
2013
Nome: MURADIAN, Milena.
Título: Responsabilidade pelo fato do serviço no Código de Defesa do Consumidor.
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da
Universidade de São Paulo para a obtenção do título de bacharel em Direito.
Aprovada em:
Banca Examinadora:
Prof. Dr. ____________________________________________________________________
Instituição:__________________________ Julgamento:______________________________
Assinatura:__________________________________________________________________
Prof. Dr. ____________________________________________________________________
Instituição:__________________________ Julgamento:______________________________
Assinatura:__________________________________________________________________
Prof. Dr. ____________________________________________________________________
Instituição:__________________________ Julgamento:______________________________
Assinatura:__________________________________________________________________
Dedico este trabalho aos meus pais, pelo
apoio irrestrito em todos os momentos de
minha vida.
Agradeço a minha orientadora, Professora
Marta Rodrigues Maffeis Moreira, pelas
orientações precisas em todos os momentos
solicitados.
RESUMO
Sustenta-se, atualmente, que o sistema da responsabilidade
civil subjetiva está em crise, por não ser suficiente para solucionar diversas
situações de dano, em que a vítima ficaria irreparada. Embora essa
responsabilidade continue a ser a regra que fundamenta a responsabilidade civil
no Código Civil, conforme se verifica na noção de ato ilícito insculpido no art.
186, não é ela mais a única forma de responsabilidade admitida. Em inúmeras
passagens, de forma expressa, o Código dispõe acerca de outras hipóteses, ainda
que pontuais, de responsabilidade sem culpa. Ademais, a legislação
extravagante aponta a responsabilidade civil objetiva como regra, como ocorre
no Código de Defesa do Consumidor e em outras leis especiais. Trata-se de uma
tendência progressiva. Desse modo, importa analisar em que contexto surge
essa responsabilidade e as hipóteses em que pode ser invocada, sempre com a
finalidade de ressarcir a vítima pelos danos sofridos.
Palavras-chave: Direitos, Responsabilidade civil subjetiva, Responsabilidade civil
objetiva.
ABSTRACT
It is sustained, nowadays, that the subjective liability system it is
in crisis, once it is not enough to solve several damage situations where the victim remains
irreparable. Although this liability is still the rule which bases the Civil Code liability,
according to what is verified on illicit act notion inscribed in 186 Article, this is not the
unique form of admitted liability. In numberless expressed passages, the Civil Code assorts
among other hypothesis of blameless liability, nevertheless punctual situations. In addition,
the extravagant legislation makes objective civil liability as a rule, just as it occurs with the
Consumers Protection Code as well as in other special laws. It is a matter of progressive
tendency. Therefore, it is required to analyze in which context this liability comes from and
the hypothesis that can be invoked, always with the purpose of indemnifying the victim by
the suffered damages.
Key words: Rights, Subjective civil liability, Objective civil liability.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................................................... 7
2 BREVE EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA RESPONSABILIDADE CIVIL .............................................................. 9
2.1 Contraposição entre Responsabilidade Subjetiva e Responsabilidade Objetiva ........................ 10
2.2 Atual panorama da responsabilidade civil no Código Civil.......................................................... 11
3 ORIGENS E FINALIDADES DO DIREITO DO CONSUMIDOR .................................................................. 14
3.1 Origem do Direito do Consumidor ............................................................................................. 15
3.1.1 A Revolução Industrial .......................................................................................................... 16
3.1.2 A evolução tecnológica e científica ...................................................................................... 17
3.1.3 Primeiros movimentos pró-consumidor ............................................................................... 18
3.2 Movimentos Consumeristas no Brasil ......................................................................................... 20
3.2.1 Origem constitucional do Código de Defesa do Consumidor ............................................... 20
3.3 Objetivos do Código de Defesa do Consumidor.......................................................................... 23
4 O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR NO CONTEXTO DA RESPONSABILIDADE CIVIL ................. 25
4.1 A relação jurídica de consumo .................................................................................................... 27
4.2 Conceito de Consumidor ............................................................................................................. 31
4.2.1 Doutrina finalista ................................................................................................................. 31
4.2.2 Doutrina maximalista .......................................................................................................... 33
4.2.3 Doutrina finalista temperada ............................................................................................... 34
4.2.4 Entendimento jurisprudencial .............................................................................................. 34
4.3 Conceito de Fornecedor .............................................................................................................. 36
4.4 Conceito de Produto ................................................................................................................... 39
4.5 Conceito de Serviço ..................................................................................................................... 40
5 A RESPONSABILIDADE PELO FATO DO SERVIÇO ................................................................................ 43
6 CAUSAS EXCLUDENTES DA RESPONSABILIDADE PELO FATO DO SERVIÇO ........................................ 50
6.1 Análise Jurisprudencial ................................................................................................................ 52
6.1.1 Culpa Concorrente do Consumidor ....................................................................................... 52
6.1.2 Caso fortuito e Força maior .................................................................................................. 55
7 CONCLUSÃO ........................................................................................................................................ 58
BIBLIOGRAFIA ........................................................................................................................................ 60
7
1 INTRODUÇÃO
Esta monografia é o resultado da pesquisa de iniciação científica realizada entre
março de 2010 e março de 2011, com o fomento do Programa Ensinar com Pesquisa, da
Universidade de São Paulo, e foi posteriormente complementada, conforme estabelece a
regulamentação dos trabalhos de conclusão de curso da graduação em direito da Faculdade
de Direito de Ribeirão Preto.
Este trabalho busca estabelecer um panorama da responsabilidade civil e do
relevante papel da defesa do consumidor no mundo moderno, abordando a responsabilidade
que independe da noção de culpa, ou seja, a objetiva.
O estudo da responsabilidade civil objetiva impõe-se pela sua atualidade e
tendência nas codificações e legislações contemporâneas. Observa-se um contínuo processo
de evolução, de modo a sempre assegurar à vítima a obtenção de uma reparação, ainda que
para isso seja necessário deslocar o centro da responsabilidade, na sua dimensão mais
significativa, qual seja, o da culpa do causador do dano, para o imperativo de seu
ressarcimento.
Não se pode esquecer que o risco tornou-se integrante da sociedade
contemporânea, de modo a dinamizar e influenciar essa evolução. Nesse contexto, é de grande
relevância o papel das relações de consumo, que tiveram uma grande evolução nos últimos
cinquenta anos, tornando-se complexas e multifacetadas. Houve o surgimento do grande
comércio, com a produção em série de infindáveis marcas e versões, além do surgimento do
consumidor anônimo nas relações de consumo, que ocupou o lugar daquele consumidor
identificado do passado.
Isso fez com que aumentasse a potencialidade danosa dos produtos e serviços,
sendo que a legislação existente não era adequada para lidar com a informalidade e a
despersonalização que surgiam no ato de consumo, constituindo um quadro de insuficiência
da defesa do consumidor em face do poderio do fornecedor.
Dessa forma, nas relações de consumo, as soluções do direito comum, de
orientação privatística, e com a pressuposta igualdade das partes, mostraram-se inadequadas.
A exigência da demonstração de culpa do fornecedor fazia com que fosse inviável o
ressarcimento do dano causado ao consumidor por um produto ou serviço danoso. Além
disso, era necessário estender a cadeia de responsabilidade até o fornecedor originário,
ligando-o ao defeito apresentado e estabelecendo o dever de reparação, pois nas relações de
consumo o dano é causado pelo próprio produto ou serviço, diferentemente do que ocorre na
8
estrutura do direito comum, que liga o dano ao agente causador. Em decorrência disso, o
consumidor não possuía ação direta contra os fornecedores em geral, podendo acionar
somente o comerciante vendedor.
Outra dificuldade encontrada era a brevidade dos curtos prazos de prescrição e
decadência, contados a partir da tradição da coisa, que prejudicava o consumidor nas
reclamações por vícios redibitórios e não abrangiam os serviços.
Dentre outros problemas, a regra do ônus da prova (artigo 333 do Código de
Processo Civil) prejudicava a ação judicial do consumidor, reduzindo-lhe as possibilidades de
êxito.
Com a edição do Código de Defesa do Consumidor positivou-se o tema da
responsabilidade civil do fornecedor, com tratamento moderno e atualizado. Objetivou-se
superar as insuficiências apontadas, oferecendo uma maior proteção ao consumidor, para
restabelecer o equilíbrio nas relações de consumo. Além disso, para solucionar os problemas
encontrados pelo consumidor, a lei consumerista trata da responsabilidade pelo fato do
produto e do serviço, a responsabilidade pelo vício do produto e do serviço, a
responsabilidade nos serviços públicos, além de outras garantias oferecidas, como a
desconsideração da personalidade jurídica.
Dessa forma, a responsabilidade objetiva tem grande destaque no Código de
Defesa do Consumidor, apesar de a responsabilidade subjetiva continuar a ser a regra que
fundamenta a responsabilidade civil no Código Civil.
Ao longo do trabalho, será feita uma análise dos elementos constituintes da
relação de consumo e do Fato do Serviço, presente no Código de Defesa do Consumidor, que
adota como regra a responsabilidade objetiva do fornecedor, tendo por fundamento o dever de
segurança.
9
2 BREVE EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA RESPONSABILIDADE CIVIL
Nos primeiros tempos do direito romano, a responsabilidade era objetiva. No
entanto, ela não se pautava na ideia de risco, como hoje a concebemos, mas sim na ideia de
vingança pessoal.
Além disso, se o devedor deixava de solver sua obrigação, o credor tinha uma
actio in personam contra ele para forçá-lo à execução. Tal execução, nas origens, era pessoal,
ou seja, o devedor respondia com sua pessoa, e até com seu corpo.1 Mais tarde, a
responsabilidade do devedor passou a ser patrimonial, respondendo ele com seus bens.2
Houve também um progresso em que a vingança fora abandonada e passou-se a
reflexão quanto à culpa do autor do dano.
Hodiernamente, ocorre a volta ao objetivismo, porém este não é vinculado à
noção de vingança, mas sim ao entendimento de que a culpa é insuficiente para regular todos
os casos de responsabilidade.3
A responsabilidade objetiva aparece como um sistema autônomo a partir da
segunda metade do século XIX. Surgem importantes trabalhos em diversos países, como Itália
e Bélgica, sendo a França o mais propício campo de expansão e consolidação da tese de
responsabilidade objetiva.4
Destacam-se as contribuições de autores como Saleilles, Ripert, Demogue,
Savatier e outros. No Brasil são conhecidas as contribuições de Agostinho Alvim, Orlando
Gomes, Washington de Barros Monteiro, Clóvis Beviláqua, Gonçalves de Oliveira, entre
outros.
1O devedor podia, por exemplo, ser retalhado em pedaços pelos credores, conforme disposição da Lei das XII
Tábuas. 2MARKY, Thomas. Curso elementar de direito romano. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 59.
3ALVIM, Agostinho. Da inexecução das obrigações e suas conseqüências. 3. ed. Rio de Janeiro: Ed. Jurídica e
Universitária, 1966, p. 238. 4SILVA, Wilson Melo da. Responsabilidade sem culpa e socialização do risco. Belo Horizonte: Ed. Bernardo
Álvares, 1962, p. 93.
10
2.1 Contraposição entre Responsabilidade Subjetiva e Responsabilidade Objetiva
Segundo a teoria clássica, também chamada de “teoria da culpa” ou “subjetiva”, a
culpa é o fundamento da responsabilidade civil. Dessa forma, a responsabilidade subjetiva
está ligada à idéia de culpa, sendo que a prova da culpa do agente passa a ser pressuposto
necessário do dano indenizável. Nesse contexto, a responsabilidade do causador do dano
somente se configura se ele agiu com dolo ou culpa.5
No entanto, em face da teoria objetiva, ou “do risco”, pode haver reparação de um
dano cometido sem culpa, pois, segundo ela, todo dano é indenizável e deve ser reparado por
quem a ele se liga por um nexo de causalidade, independentemente de culpa6. Assim, na
responsabilidade objetiva não é exigida a prova da culpa do agente, sendo necessários apenas
o dano e o nexo de causalidade.
Há casos em que a culpa do agente é presumida pela lei, como por exemplo, o art.
936 do Código Civil, que presume a culpa do dono de animal que venha a causar dano a
outrem. Nesses casos, inverte-se o ônus da prova, sendo que o autor fica encarregado de
provar a ação ou omissão do réu, e o dano resultante de tal conduta. De outro lado, o réu
poderá provar a existência das excludentes mencionadas, para não ser considerado culpado.7
Os casos de culpa presumida são considerados hipóteses de responsabilidade
subjetiva, pois se fundam ainda na culpa e segundo a classificação corrente e tradicional,
determina-se responsabilidade objetiva aquela que independe de culpa.
Em face de tal classificação, a culpa pode ou não existir, mas será sempre
irrelevante para configurar a obrigação de reparar o dano. Nessa classificação, é
imprescindível a relação de causalidade entre a ação e o dano, sendo vedada a acusação de
quem não tenha dado causa ao evento.
A Teoria do risco busca justificar a responsabilidade objetiva. Segundo ela, é
criado um risco de dano para terceiros por qualquer pessoa que exerce alguma atividade. Tal
pessoa, ainda que tenha uma conduta isenta de culpa, deve ser obrigada a reparar tal dano.
Nesse contexto, a responsabilidade civil desloca-se da noção de culpa para a idéia de risco.
5GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. 4. ed. v.4. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 30.
6ALVIM, Agostinho. Da inexecução das obrigações e suas conseqüências. 3. ed. Rio de Janeiro: Ed. Jurídica e
Universitária, 1966, p. 237.
11
O risco pode ser encarado como “risco-proveito”, ou seja, aquele que estabelece
que o dano causado a outrem, consequente de uma atividade realizada em benefício do
responsável, é reparável. Também se pode encará-lo como “risco-criado”, em que numa
concepção mais genérica, todo aquele que expuser alguém a suportar tal risco está
subordinado, independentemente da indagação de culpa.
2.2 Atual panorama da responsabilidade civil no Código Civil
No Código Civil brasileiro, a regra vigente é a da responsabilidade subjetiva. Isso
pode ser comprovado no artigo 186, que aponta o dolo e a culpa como fundamentos para que
o agente do dano seja obrigado a repará-lo. No entanto, o Código trouxe vários artigos que
disciplinam a responsabilidade objetiva.
O artigo 159 do Código Civil de 1916 correspondia ao mencionado 186 do
Código atual. Espínola teceu pertinente comentário àquele dispositivo ao dizer que: “O
Código, obedecendo à tradição do nosso direito e à orientação das legislações estrangeira,
ainda as mais recentes, abraçou, em princípio, o sistema da responsabilidade subjetiva.”8
A adoção da responsabilidade subjetiva como regra do Código Civil não causa
prejuízo à responsabilidade objetiva. Esta pode ser encontrada em vários e esparsos
dispositivos, como os artigos que tratam da responsabilidade do dono do prédio em ruína e do
habitante da casa da qual caem objetos.9
Também podem-se citar os artigos 929 e 930 do mesmo Código, que abordam a
responsabilidade por ato ilícito; os artigos 939 e 940 que prevêem a responsabilidade do
credor que demanda o devedor antes de vencida a sua dívida, ou por dívidas já pagas; o artigo
933, segundo o qual os pais, tutores, curadores, empregadores, donos de hotéis e de escolas
respondem, independentemente da existência de culpa, por atos danosos causados por seus
filhos, pupilos, curatelados, prepostos, empregados, hóspedes, moradores e educandos e o
artigo 927, que em seu parágrafo único prevê a obrigação de reparar o dano,
independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade
8ESPÍNOLA, Eduardo. Breves anotações ao código civil brasileiro. v. 1. Rio de Janeiro: [s.n.], 1918, p. 231.
9Arts. 937 e 938 do Código Civil.
12
desenvolvida normalmente pelo autor do dano implicar em risco para outrem, devido a sua
natureza.
Além disso, há diversas leis que adotam a responsabilidade objetiva, como a Lei
de Acidentes do Trabalho, o Código Brasileiro de Aeronáutica, o Código de Defesa do
Consumidor, entre outras.
Acerca do assunto, Caio Mário da Silva Pereira adverte:
“... a regra geral, que deve presidir à responsabilidade civil, é a sua fundamentação
na idéia de culpa; mas, sendo insuficiente esta para atender às imposições do
progresso, cumpre ao legislador fixar especialmente os casos em que deverá ocorrer
a obrigação de reparar, independentemente daquela noção. Não será sempre que a
reparação do dano se abstrairá do conceito de culpa, porém quando o autorizar a
ordem jurídica positiva. É neste sentido que os sistemas modernos se encaminham,
como, por exemplo, o italiano, reconhecendo em casos particulares e em matéria
especial a responsabilidade objetiva, mas conservando o princípio tradicional da
imputabilidade do fato lesivo. Insurgir-se contra a idéia tradicional da culpa é criar
uma dogmática desafinada de todos os sistemas jurídicos. Ficar somente com ela é
entravar o progresso.”10
Esta também é a orientação seguida por Miguel Reale na elaboração do Projeto de
Lei n. 634-B/75, que se transformou no atual Código Civil.
Segundo o autor, as duas formas de responsabilidade se conjugam e se
dinamizam:
“... quando a estrutura ou natureza de um negócio jurídico - como o de transporte, ou
de trabalho, só para lembrar os exemplos mais conhecidos – implica a existência de
riscos inerentes à atividade desenvolvida, impõe-se a responsabilidade objetiva de
quem dela tira proveito, haja ou não culpa. Ao reconhecê-lo, todavia, leva-se em
conta a participação culposa da vítima, a natureza gratuita ou não de sua
participação no evento, bem como o fato de terem sido tomadas as necessárias
cautelas, fundadas em critérios de ordem técnica. Eis aí como o problema é posto,
com a devida cautela, o que quer dizer, com a preocupação de considerar a
totalidade dos fatores operantes, numa visão integral e orgânica, num balanceamento
prudente de motivos e valores.”11
10
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. 12. ed. v. 3. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p.
507. 11
Diretrizes gerais sobre o Projeto do Código Civil, Estudos de filosofia e ciência do direito, p. 177.
13
Perante o exposto, é possível afirmar que a inovação trazida pelo parágrafo único
do artigo 927 do Código Civil representa um avanço, pois permite ao Judiciário ampliar os
casos de dano indenizável, através da admissão da responsabilidade, independentemente da
culpa, pelo exercício de atividade que, dada sua natureza, representa riscos aos direitos de
outrem.
Isso também se estende aos demais dispositivos que adotam a responsabilidade
objetiva, como o Código de Defesa do Consumidor, que surge num contexto em que as
relações humanas, perante a evolução das relações sociais e o surgimento do consumo em
massa e dos conglomerados econômicos, já não conseguem mais ser satisfeitas pelos
princípios tradicionais da nossa legislação privada.12
12
GRINOVER, Ada Pellegrini et. alli. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do
anteprojeto. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007, p. 109.
14
3 ORIGENS E FINALIDADES DO DIREITO DO CONSUMIDOR
As relações de consumo tiveram uma grande evolução nos últimos tempos. Os
simples mecanismos de troca de mercadorias e as incipientes operações mercantis deram
lugar a sofisticadas operações de compra e venda, importação, arrendamento, leasing, etc.,
envolvendo vultosas quantias em dinheiro.13
Além disso, as relações de consumo deixaram de ser pessoais e diretas, tornando-
se irrelevante o fato de não se ver ou conhecer o fornecedor. Houve o surgimento de grandes
estabelecimentos comerciais e industriais, como hipermercados e shopping centers.
O número de consumidores tornou-se cada vez maior, e os bens de consumo
passaram a ser produzidos em série. Os serviços também se ampliaram largamente. Iniciou-se
o amplo uso da publicidade como meio de divulgação de produtos e atração de novos
consumidores.
Assim, o comércio experimentou grande desenvolvimento, sendo que a produção
e o consumo em massa geraram a complexa sociedade de massa.
A evolução das relações de consumo teve reflexo nas relações sociais, econômicas
e jurídicas. O consumidor encontrava-se desprotegido frente à nova realidade decorrente do
desenvolvimento, e necessitava, portanto, de uma resposta legal protetiva. Desse modo, pode-
se afirmar que a proteção do consumidor é consequência direta das modificações ocorridas
nos últimos tempos nas relações de consumo.14
Nesse contexto, Camargo Ferraz, Édis Milaré e Nelson Nery Junior afirmam que a
tutela dos interesses difusos em geral e do consumidor em particular derivam das
modificações das relações de consumo e evidenciam que:
“O surgimento dos grandes conglomerados urbanos, das metrópoles, a explosão
demográfica, a revolução industrial, o desmesurado desenvolvimento das relações
econômicas, com a produção e consumo de massa, o nascimento dos cartéis,
holdings, multinacionais e das atividades monopolísticas, a hipertrofia da
intervenção do Estado na esfera social e econômica, o aparecimento dos meios de
comunicação em massa, e, com eles, o fenômeno da propaganda maciça, entre
13
ALMEIDA, João Batista de. Manual de direito do consumidor, 1. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 2. 14
FILOMENO, José Geraldo Brito. Manual de direitos do consumidor. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2010, p. 10.
15
outras coisas, por terem escapado do controle do homem, muitas vezes voltaram-se
contra ele próprio, repercutindo de forma negativa sobre a qualidade de vida e
atingindo inevitavelmente os interesses difusos. Todos esses fenômenos, que se
precipitaram num espaço de tempo relativamente pequeno, trouxeram a lime a
própria realidade dos interesses coletivos, até então existentes de forma ‘latente’,
despercebidos.”15
Acerca do assunto, Othon Sidou ressalta que:
“O que deu dimensão enormíssima ao imperativo cogente de proteção ao
consumidor, a ponto de impor-se como tema de segurança do Estado no mundo
moderno, em razão dos atritos sociais que o problema pode gerar e ao Estado
incumbe delir, foi o extraordinário desenvolvimento do comércio e a consequente
ampliação da publicidade, do que igualmente resultou, isto sim, o fenômeno
conhecido dos economistas do passado – a sociedade do consumo, ou o desfrute
pelo simples desfrute, a aplicação da riqueza por mera sugestão consciente ou
inconsciente.”16
Pode-se dizer que o consenso internacional em relação à vulnerabilidade do
consumidor no mercado de consumo foi de extrema importância para o surgimento da tutela
em cada país. Dessa forma, o reconhecimento da hipossuficiência do consumidor e do fato de
ele estar desprotegido em termos educacionais, informativos, materiais e legislativo
determinou maior atenção para o problema e o aparecimento de legislação protetiva em
diversos países.
3.1 Origem do Direito do Consumidor
O século XX foi o século dos novos direitos. A partir do antigo tronco do Direito
Civil surgiram diversos novos ramos, como o direito ambiental, o direito espacial, o direito do
consumidor, etc. Tal surgimento decorreu do grande desenvolvimento tecnológico e científico
do século passado, abrangendo novas áreas do conhecimento humano. Todos esses novos
direitos tinham como objetivo a satisfação de uma sociedade que se encontrava em mudança.
15
A ação civil pública e a tutela jurisdicional dos interesses difusos, São Paulo: Saraiva, 1984, p. 54-55. 16
Proteção ao consumidor, Rio de Janeiro: Forense, 1977, p. 5.
16
Verdadeiras revoluções científicas e tecnológicas ocorreram ao longo do século
XX, gerando, consequentemente, transformações sociais, econômicas e políticas profundas no
mundo contemporâneo. Entretanto, o arcabouço jurídico existente não acompanhou tais
transformações. Ele tornou-se ultrapassado, resultando num grande descompasso entre o fato
social e o jurídico. Desse modo, sabe-se que quando o direito não é adequado e conexo com a
sociedade que lhe incumbe regular, ele torna-se mera abstração, não tendo interesse concreto
e nem utilidade. Acerca do assunto, Ihering afirma que “não lhe basta uma pretensão
normativa, é preciso que se lhe dê efetividade social.”17
Nesse contexto, surgem os novos
direitos, que vieram cumprir tal papel.
No âmbito desses direitos que passaram a existir, o Direito do Consumidor é o
principal, devido a sua finalidade e a amplitude do seu campo de incidência.18
Para
compreender sua origem, é necessário analisar alguns eventos.
3.1.1 A Revolução Industrial
A Revolução Industrial gerou um grande aumento na capacidade produtiva do ser
humano. Com ela, a produção manual, artesanal e circunscrita a um pequeno número de
pessoas foi substituída pelo processo de produção em massa, em grande quantidade, que fazia
frente ao aumento da demanda, decorrente da explosão demográfica. Além disso, houve uma
modificação no processo de distribuição, causando a cisão entre a produção e a
comercialização. Esta também passou a ser feita em massa, em grandes quantidades pelos
mega-atacadistas, sendo que o comerciante e o consumidor passaram a receber os produtos
embalados e lacrados, não tendo condições para conhecer seu real conteúdo.19
O processo de contratação também teve que se adequar ao cenário imposto pelo
novo mecanismo de produção e distribuição, surgindo novos instrumentos jurídicos, como os
contratos coletivos, contatos de massa e os contratos de adesão, com cláusulas gerais
estabelecidas previamente e de maneira unilateral pelo fornecedor.
17
REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 37. 18
FILHO, Sergio Cavalieri. Programa de direito do consumidor. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2011, p. 3. 19
DE LUCCA, Newton. Direito do Consumidor. 2. ed. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 46.
17
No entanto, os remédios contratuais clássicos não acompanharam tal evolução,
tornando-se ineficazes na proteção do consumidor. O direito material tradicional revelou-se
ultrapassado, assim como o direito privado da época, que possuía grande influência de
princípios romanistas, como a autonomia da vontade e a responsabilidade fundada na culpa.
Assim, com a falta de uma disciplina jurídica eficiente, houve a proliferação de
práticas abusivas de toda a ordem, como as cláusulas limitativas de responsabilidade ou as
cláusulas de não indenizar. Isso resultou em uma notável desigualdade econômica e jurídica
entre o consumidor e o fornecedor.
Acerca do assunto, o autor português João Calvão da Silva afirma que o “ideário
liberal individualista era hostil ao consumidor; erguia-se como verdadeiro dique à proteção
dos seus interesses.”20
Vicent Pizzaro assinala que a culpa atuava como uma espécie de “couraça
intransponível” que protegia o fornecedor, tornando-o praticamente irresponsável pelos danos
causados ao consumidor.21
3.1.2 A evolução tecnológica e científica
O desenvolvimento tecnológico e científico alcançado no século XX trouxe
inúmeros benefícios à sociedade. No entanto, ele fez com que os riscos ao consumidor
aumentassem exponencialmente, pois com a produção em série, qualquer defeito de
fabricação é capaz de gerar riscos e danos efetivos para inúmeros de consumidores. Esses são
riscos de consumo, em série e coletivos.
Como exemplo, pode-se citar o caso da Talidomida Contergam, sedativo muito
utilizado por gestantes na década de 1960, que acabou provocando deformidades em milhares
de nascituros. Há também o caso do talco Morhange, que causou intoxicação em centenas de
crianças, provocando a morte de algumas delas, devido a defeitos de fabricação. Pode-se citar
ainda o caso dos vinhos italianos, que continham excesso de metanol e acabaram por causar a
intoxicação em milhares de consumidores.
20
Responsabilidade civil do produtor, Coimbra: Almedina, 1990, p. 31-32 21
FILHO, Sergio Cavalieri. Programa de direito do consumidor. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2011, p. 6.
18
Esses são apenas alguns casos que ilustram o grande problema dos acidentes de
consumo, que acabam por atingir milhares de pessoas.
Desse modo, percebeu-se a magnitude da questão, constatando-se que a
reestruturação da ordem jurídica nas relações de consumo passava por algo que incluía muito
mais do que uma mera atualização pontual na lei. Era necessária uma nova postura jurídica,
capaz de permitir o delineamento de um novo direito, que estivesse fundado em princípios
modernos e eficazes. Assim, nos principais países do mundo, foram editadas leis específicas
para disciplinar as relações de consumo, entre os quais o Brasil.
3.1.3 Primeiros movimentos pró-consumidor
No final do século XIX e início do século XX, surgiram os primeiros movimentos
pró-consumidor nos países que estavam em franco desenvolvimento industrial, como a
França, a Inglaterra e, principalmente, os Estados Unidos.22
Em Nova York foi criada a New York Consumers League, e posteriormente,
houve a criação da National Consumers League, em 1899, com a reunião das associações de
Nova York, Boston, Chicago e Filadélfia.
Já no século XX, houve a publicação do romance The Jungle, em que Upton
Sinclair descreve de maneira realista as precárias condições de higiene das fábricas de
embutidos de carne e o trabalho dos operários nos matadouros de Chicago, que afetavam tanto
os trabalhadores, como o produto final destinado aos consumidores. O romance teve tamanha
repercussão que culminou com a sanção, pelo Presidente Roosevelt, da primeira lei de
alimentação e medicamentos (Pure Food and Drug Act - PFDA), em 1906, e da lei de
inspeção da carne (Meet Inspection Act), em 1907.
Na década de 1960 o consumidor começou a ser reconhecido como sujeito de
direitos específicos tutelados pelo Estado, pois em 15 de março de 1962, o Presidente
Kennedy encaminhou a Mensagem Especial ao Congresso dos Estados Unidos sobre
Proteção e Interesses dos Consumidores, na qual afirma:
22
FILHO, Sergio Cavalieri. Programa de direito do consumidor. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2011, p. 16.
19
“Consumidores, por definição, somos todos nós. Os consumidores são o maior
grupo econômico na economia, afetando e sendo afetado por quase todas as decisões
econômicas, públicas e privadas [...]. Mas são o único grupo importante da
economia não eficazmente organizado e cujos posicionamentos quase nunca são
ouvidos.”23
Desse modo, partindo do pressuposto de que os consumidores constituíam o mais
importante grupo econômico e o único não efetivamente organizado, o Presidente defendeu
que eles deveriam ser considerados nas decisões econômicas e, de maneira sintética,
enumerou os direitos básicos dos consumidores: à saúde, à segurança, à informação, à escolha
e a serem ouvidos.
Desta forma, estavam lançadas as bases do movimento consumerista
internacional, tendo o dia 15 de março entrado para a história como o “Dia Mundial dos
Direitos dos Consumidores.”24
Em 1973, a Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas reconheceu como
direitos básicos ao consumidor: a segurança, a integridade física, a intimidade, a honra, a
informação e o respeito à dignidade humana dos consumidores. No mesmo ano, a Assembleia
Consultiva do Conselho da Europa elaborou a Carta de Proteção ao Consumidor, na qual
foram traçadas as diretrizes básicas para a prevenção e reparação dos danos dos
consumidores.25
Em 1985, a Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas adotou uma
série de normas internacionais para a proteção do consumidor. Tais normas visavam ao
oferecimento de diretrizes para os países, especialmente os em desenvolvimento, a fim de que
as utilizassem na elaboração ou aperfeiçoamento das legislações de proteção ao consumidor,
bem como ao encorajamento da cooperação internacional na matéria, ressaltando a
importância da participação dos governos na implantação de políticas de defesa dos
consumidores.26
23
FILOMENO, José Geraldo Brito. Manual de direitos do consumidor. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2010, p. 15. 24
ALMEIDA, João Batista de. Manual de direito do consumidor. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 19. 25
FILHO, Sergio Cavalieri. Programa de direito do consumidor. 1. ed. São Paulo: Atlas, 2009, p. 8. 26
NUNES, Luiz Antonio Rizzatto, Curso de direito do consumidor. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 20.
20
3.2 Movimentos Consumeristas no Brasil
No Brasil, a questão da defesa do consumidor começou a ser discutida no início
dos anos 70, com a criação das primeiras associações civis e entidades governamentais
voltadas para esse fim. Dessa forma, em 1974 foi criado, no Rio de Janeiro, o Conselho de
Defesa do Consumidor (CONDECON); em 1976 foi criada, em Curitiba, a Associação de
Defesa e Orientação do Consumidor (ADOC) e, em Porto Alegre, a Associação de Proteção
ao Consumidor (APC).
Em maio de 1976, através do Decreto nº 7.890, o Governo de São Paulo criou o
Sistema Estadual de Proteção ao Consumidor, que previa em sua estrutura, como órgãos
centrais, o Conselho Estadual de Proteção ao Consumidor e o Grupo Executivo de Proteção
ao Consumidor, posteriormente denominado de PROCON. 27
Já na segunda metade da década de 80 houve o real despertar do direito
consumerista brasileiro. A Constituição de 1988 estabeleceu como dever do Estado promover
a defesa do consumidor, determinando um prazo para a elaboração de um Código para esse
fim.
3.2.1 Origem constitucional do Código de Defesa do Consumidor
O Código de Defesa do Consumidor é o resultado da longa evolução ocorrida no
mercado e de todos os movimentos consumeristas que se desenvolveram no Brasil e no
mundo. Além disso, esse Código é o instrumento legal de realização dos valores
constitucionais de proteção e defesa dos consumidores, destinando-se a efetivar, no plano
infraconstitucional, princípios previstos na Constituição, especialmente os princípios da
isonomia substancial e da defesa do consumidor.28
Acerca do assunto, o jurista português Mario Ferreira Monte afirma que:
27
DE LUCCA, Newton. Direito do Consumidor. 2. ed. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 15. 28
NUNES, Luiz Antonio Rizzatto, Curso de direito do consumidor. São Paulo: Saraiva, 2004, p.30.
21
“Na verdade, o Código Brasileiro de Defesa do Consumidor foi o culminar de um
movimento, já que, como confessadamente dizem os autores de seu anteprojeto, ele
se inspirou em outras leis advindas de outros países [...]. Por outro lado, significa o
primeiro passo para a codificação, no resto do mundo, porque, na verdade, foi o
primeiro Código a surgir, principalmente se atendermos à sua ambiciosa estrutura,
bem como à quantidade de normas que regulamentam todas as matérias atinentes ao
consumidor e onde tem lugar mesmo um conjunto de normas sancionatórias,
administrativas e penais.”29
Na década de 80, já existia no Brasil uma forte conscientização jurídica quanto à
necessidade de elaboração de uma lei específica de defesa do consumidor, já que o Código
Civil de 1916 e as demais normas do regime privatista não conseguiam solucionar os
problemas decorrentes de situações tipicamente de massa. Essa conscientização foi levada à
Assembleia Nacional Constituinte, que optou pela elaboração de uma codificação das normas
de consumo. Desse modo, ao cuidar dos Direitos e Garantias Fundamentais, a Constituição,
em seu artigo 5º, inciso XXXII, estabeleceu que: “O Estado promoverá, na forma da lei, a
defesa do consumidor.”30
Desse modo, o Estado possui o dever de promover a defesa do consumidor, que
advém de um imperativo constitucional, e configura uma garantia fundamental. Nesse
sentido, o professor José Afonso da Silva afirma que:
“Com a inserção dessa cláusula de tutela entre os direitos fundamentais, os
consumidores foram erigidos à categoria de titulares de direitos constitucionais
fundamentais.”31
Assim, diferentemente das leis ordinárias em geral, o Código de Defesa do
Consumidor tem origem constitucional, e versa sobre um direito fundamental (a defesa do
consumidor). Acerca do assunto, o Ministro Cezar Peluso concluiu em seu voto no Recurso
Extraordinário nº 351.750:
“A defesa do consumidor, além de objeto de norma constitucional, é direito
fundamental (artigo 5º, XXXII), de modo que não pode ser restringida por regra
29
MONTE, Mario Ferreira, Da proteção penal do consumidor: o problema da (des) criminalização no
incitamento ao consumo. Almedina, 1996, p. 82. 30
FILHO, Sergio Cavalieri, Programa de direito do consumidor. 1. ed. São Paulo: Atlas, 2009, p. 10. 31
SILVA, José Afondo da, Curso de Direito Constitucional Positivo. 20. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 261-
262.
22
subalterna, nem sequer por Emenda Constitucional, enquanto inserta em cláusula
pétrea (artigo 60, § 4º, IV).”
Além de direito fundamental, a defesa do consumidor é também princípio geral de
toda a atividade econômica, pois a Constituição a incluiu entre os princípios da ordem
econômica, em seu artigo 170, inciso V, devendo ser aplicada a todo o capítulo que rege a
matéria. Nesse sentido, o Ministro Celso Mello afirma que:
“Cumpre reiterar, bem por isso, a afirmação de que a função tutelar resultante da
cláusula constitucional de proteção aos direitos do consumidor projeta-se, também,
na esfera relativa à ordem econômica e financeira, na medida em que essa diretriz
básica apresenta-se como um insuprimível princípio conformador da atividade
econômica (CF, artigo 170, V). Dentro dessa perspectiva, a edição do Código de
Defesa do Consumidor – considerados os valores básicos concernentes à proteção da
vida, da saúde e da segurança, e relativos à liberdade de escolha, à igualdade nas
contratações, ao direito à informação e à proteção contra publicidade enganosa,
dentre outros – representou a materialização e a efetivação dos compromissos
assumidos, em tema de relações de consumo, pelo Estado brasileiro.”32
Desse modo, o Código de Defesa do Consumidor é um sistema de regras de
direito logicamente unidas, compreendendo todos os princípios cardinais, conceitos
fundamentais, cláusulas e normas referentes à matéria. Acerca do assunto, Ada Pellegrini
Grinover relata que:
“Na tramitação do Código no Congresso, o lobby dos empresários, notadamente o
da construção civil, dos consórcios e dos supermercados, prevendo sua derrota nos
plenários das duas Casas, buscou, por meio de uma manobra procedimental, impedir
a votação do texto ainda naquela legislatura, sob o argumento de que, por se tratar
de Código, necessário era respeitar um iter legislativo extremamente formal, o que,
naquele caso, não tinha sido observado. A artimanha foi superada rapidamente com
o contra-argumento de que aquilo que a Constituição chamava de Código assim não
era. E, dessa forma, o Código foi votado com outra qualidade, transformando-se na
Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Mas, repita-se, não obstante a nova
denominação, estamos, verdadeiramente, diante de um Código, seja pelo
mandamento constitucional, seja pelo seu caráter sistemático. Tanto isso é certo que
o Congresso Nacional sequer se deu o trabalho de extirpar do corpo legal as
menções ao vocábulo Código – artigos 1º, 7º, 28, 37, 44, 51, etc.”33
32
Julgamento da Adin nº 2.591/2001. 33
GRINOVER, Ada Pellegrini et alli. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do
anteprojeto. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007, p. 9.
23
Por fim, pode-se observar que a defesa do consumidor também encontra
embasamento no artigo 24, inciso III da Constituição, que atribui à União, aos Estados e ao
Distrito Federal competência para legislar concorrentemente sobre responsabilidade por dano
ao consumidor; e no artigo 150, §5º, que dispõe que a lei determinará medidas para que os
consumidores sejam esclarecidos acerca dos impostos que incidam cobre mercadorias e
serviços.
Diante do exposto, é possível concluir que a defesa do consumidor ganhou status
de princípio constitucional no Brasil, de acordo com os artigos 5º, inciso XXXII e 170, inciso
V, da Constituição, sendo que a Lei nº 8.078 foi editada por expressa determinação
constitucional.
3.3 Objetivos do Código de Defesa do Consumidor
O objetivo do Código de Defesa do Consumidor, expresso em seu artigo 4º, foi
implantar uma Política Nacional de Consumo, que consiste em uma disciplina jurídica única e
uniforme, destinada a tutelar os interesse patrimoniais e morais de todos os consumidores,
conforme segue:
Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o
atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e
segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de
vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo [...].
Vale ressaltar que essa Política, embora seja inspirada na necessidade de tutelar a
parte mais vulnerável da relação de consumo, não possui caráter paternalista ou de
favoritismo em relação ao consumidor. A política normativa traçada pelo Código de Defesa
do Consumidor visa ao alcance da harmonia nas relações de consumo, conforme se observa
na parte final do artigo 4º supra citado.
Além disso, o inciso III desse artigo enfatiza o objetivo do Código:
III - harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e
compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento
24
econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a
ordem econômica, sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre
consumidores e fornecedores.
Desse modo, a defesa do consumidor não pode ser encarada como instrumento de
confronto entre produção e consumo, mas como um meio de compatibilizar e harmonizar os
interesses envolvidos.
Nesse sentido, vale observar a lição de Humberto Theodoro Junior:
“O jurista, portanto, ao interpretar o Código de Defesa do Consumidor não pode
deixar de enfocá-lo em todas as suas dimensões: não pode tê-lo como se fosse
somente uma declaração paternalista em prol de contratantes incapazes de
autogerirem seus próprios negócios. Da boa e correta aplicação das leis de consumo
depende o desenvolvimento econômico e social que está por trás das relações de
mercado e de cujo êxito pressupõe o progresso da sociedade brasileira como um
todo.”34
Assim, a Política Nacional de Consumo deve ter como objetivo o atendimento das
necessidades dos consumidores, mas deve também se preocupar com a transparência e a
harmonia das relações de consumo, de modo a pacificar e compatibilizar eventuais interesses
conflituosos. A finalidade do Estado, ao legislar sobre o assunto, deve ser a eliminação ou
redução de conflitos, impondo-se como mediador e sinalizando para a seriedade do assunto.35
Outro importante objetivo dessa Política é a garantia, por parte do Estado, da
melhoria da qualidade de vida da população consumidora, quer exigindo respeito à sua
dignidade, quer assegurando a presença no mercado de produtos e serviços não nocivos, à
vida, à saúde e à segurança dos adquirentes e usuários, coibindo abusos praticados e dando
garantias de ressarcimento.
34
JUNIOR, Humberto Theodoro, O contrato imobiliário e a legislação tutelar do consumo. São Paulo: Forense,
2002, p.2. 35
ALMEIDA, João Batista de. A proteção jurídica do consumidor. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p.15.
25
4 O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR NO CONTEXTO DA
RESPONSABILIDADE CIVIL
Conforme exposto no capítulo anterior, a Constituição Federal de 1988
contemplou pela primeira vez em nossa ordem jurídica, os direitos do consumidor.
Tal diploma tornou a defesa do consumidor um princípio geral da ordem
econômica (artigo 170, V). Além disso, no artigo 48 de suas Disposições Transitórias, foi
determinado que o Congresso Nacional, dentro de cento e vinte dias da promulgação da
Constituição, elaborasse o Código de Defesa do Consumidor.
Assim, foi promulgada a Lei no 8.078 de 11/09/1990, Código de Defesa do
Consumidor, que entrou em vigor cento e oitenta dias a contar da publicação, ocorrida no
Diário Oficial da União, de 12/09/1990.
Esse diploma veio proteger a contratação em massa e colocou nosso país como
um dos detentores das mais modernas legislações protetivas dessa negociação. Antes dessa
lei, os mecanismos de proteção do consumidor eram baseados na velha lei civil e no estatuto
processual de inspiração clássica, que se mostravam obsoletos e ultrapassados. Assim, pode-
se afirmar que até o advento do Código de Defesa do Consumidor, o consumidor ficava
desamparado perante a economia de massa e o poder econômico, público e privado.36
Vários temas são inovadores na lei consumerista, destacando-se a
responsabilidade objetiva pelo fato do produto ou do serviço, as práticas abusivas e a proteção
contratual.
No campo dos contratos, foram trazidos instrumentos eficazes em favor do
consumidor, no tocante à responsabilidade objetiva do fornecedor e possibilidade de inversão
do ônus da prova carreada para o fornecedor, princípios de direito contratual que a doutrina
tradicional já adotava há muito tempo, no que remete à proteção do contratante mais fraco.
Assim, é possível encontrar nessa lei, entre outros, o princípio geral da boa-fé, da
obrigatoriedade da proposta e da intangibilidade das convenções, conforme vem expresso:
Art. 51 – São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas
ao fornecimento de produtos e serviços que:
36
GRINOVER, Ada Pellegrini. Ações coletivas para a defesa do ambiente e dos consumidores. Rio de Janeiro:
Forense Universitária, 1990, p. 76.
26
IV – estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o
consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam
incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade;
VIII – imponham representante para concluir ou realizar outro negócio jurídico pelo
consumidor;
X – permitam ao fornecedor, direta ou indiretamente, variação do preço de maneira
unilateral;
XI – autorizem o fornecedor a cancelar o contrato unilateralmente,sem que igual
direito seja conferido ao consumidor;
XIII – autorizem o fornecedor a modificar unilateralmente o conteúdo ou a
qualidade do contrato, após sua celebração.
O Código de Defesa do Consumidor também reaviventa os princípios tradicionais
da lesão nos contratos e da excessiva onerosidade, pois coíbe a vantagem exagerada do
fornecedor, em seu artigo 51 §1°:
Art. 51, § 1º – Presume-se exagerada, entre outros casos, a vantagem que:
I – ofende os princípios fundamentais do sistema jurídico a que pertence;
II – restringe direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato
de modo a ameaçar seu objeto ou o equilíbrio contratual;
III – mostra-se excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a
natureza e o conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias
peculiares ao caso.
Tais princípios também foram reativados pelo Código Civil de 2002. Vale
ressaltar que o rol presente no referido artigo apresenta ainda, de forma objetiva, algumas
cláusulas abusivas que devem ser removidas da relação de consumo. Esse elenco de cláusulas
é exemplificativo, e cabe a Secretaria de Direito Econômico editar anualmente uma lista
complementar de cláusulas consideradas abusivas. No entanto, no caso concreto, cabe ao juiz
definir a abusividade da cláusula, independentemente de descrição legal específica.
Dessa forma, em qualquer exame contratual que seja feito, o intérprete não ficará
mais restrito aos princípios tradicionais de direito privado, já que deve considerar os novos
princípios. Na realidade, tais princípios de direito material nada apresentam de novo, pois não
afirmam nada que a doutrina já não conhecesse. Mas, uma vez presentes na lei, oferecem um
caminho mais seguro para o julgador, em qualquer exame que faça no universo contratual, e
não apenas no campo do consumidor. Esses princípios devem ser aplicados em todos os
27
contratos, sempre que oportunos e convenientes, não estando restritos às relações de consumo.
Assim, na aferição do caso concreto, o juiz deverá sempre considerar a boa-fé dos
contratantes, a excessiva onerosidade, etc., como regras gerais e abertas de todos os contratos.
As grandes inovações trazidas pelo Código de Defesa do Consumidor residem
verdadeiramente no campo processual, na criação de novos mecanismos de defesa da parte
mais frágil e no tocante à responsabilidade objetiva do fornecedor de produtos ou serviços.37
4.1 A relação jurídica de consumo
O Código de Defesa do Consumidor surgiu para regulamentar situações em que
haja uma relação jurídica de consumo. Tal lei não é completa e se socorre especialmente dos
conceitos do Código Civil, desde que não sejam contrários a ela, para uma melhor
interpretação e aplicação.
Ao contrário do que ocorreu com o conceito de relação jurídica, não houve o
esboço de uma construção científica da relação jurídica de consumo, sendo poucas as noções
existentes a respeito dela.
Relação jurídica é o liame de direito estabelecido entre duas partes, através do
qual se viabiliza a transmissão provisória ou permanente de algum bem.38
Segundo Savigny39
,
a relação jurídica é:
“Um vínculo entre pessoas, em virtude do que uma delas pode algo a que a outra
está obrigada. Toda relação jurídica apresenta um elemento material, constituído
pela relação social, e outro formal, que é a determinação jurídica do fato, mediante
regras do Direito.”
O próprio Código de Defesa do Consumidor, que tanto se esmerou em fornecer
numerosas definições ao longo de seu texto, como as noções de consumidor, fornecedor,
produto e serviço, não formulou uma noção de relação jurídica de consumo.40
37
NUNES, Luiz Antonio Rizzato. Curso de direito do consumidor. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 25. 38
ANDRADE, Manuel A. Domingues de. Teoria Geral da Relação Jurídica. v. 1. Coimbra: Livraria Almedina,
1992, p. 4. 39
SAVIGNY, Friedrich Carl von. Das Recht des Besitzes, 1803. 40
DE LUCCA, Newton. Direito do Consumidor. 2. ed. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 99.
28
Diversos autores não se detiveram na tentativa de conceituar uma fórmula precisa
de tal relação jurídica. Na maioria dos casos, trata-se da relação jurídica de consumo como se
fosse uma noção absolutamente concretizada, sem uma investigação das possíveis
conseqüências de sua adoção.41
No âmbito do direito brasileiro, Nelson Nery Júnior já formulara, desde a primeira
edição dos comentários à obra Código de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do
anteprojeto, o seguinte ensinamento a respeito:
“Objeto de regulamentação pelo Código de Defesa do Consumidor é a relação de
consumo, assim entendida a relação jurídica existente entre fornecedor e consumidor
tendo como objeto a aquisição de produtos ou utilização de serviços pelo
consumidor.”42
O autor aduz ainda que:
“O Código de Defesa do Consumidor não fala em contrato de consumo, ato de
consumo, negócio jurídico de consumo, mas de relação de consumo, termo que tem
sentido mais amplo do que aquelas expressões. São elementos da relação de
consumo, segundo o CDC: como sujeitos, o fornecedor e o consumidor; como
objeto, os produtos e serviços; como finalidade, caracterizando-se como elemento
teleológico das relações de consumo, serem elas celebradas para que o consumidor
adquira o produto ou se utilize de serviço como destinatário final (artigo 2, caput,
última parte, CDC).”43
A classificação da relação de consumo elaborada por Alcides Tomasetti44
não
difere, na essência, da proposta por Nelson Nery Júnior. Ela apresenta, igualmente, como
elementos: como sujeitos, o fornecedor e o consumidor; como objeto, os produtos e os
serviços; como finalidade, a aquisição ou utilização de produto ou serviço como destinatário
final.
41
É corriqueiro verificar-se, em sede doutrinária, o uso de afirmações “tout court” no sentido de haver ou não
uma relação jurídica de consumo, sem que o seu autor esclareça o que exatamente entende por esse conceito. 42
GRINOVER, Ada Pellegrini et alli. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do
anteprojeto: 9. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007, p. 283. 43
Idem, ibidem. 44
TOMASETTI JÚNIOR, Alcides. Defesa do Consumidor. Revista do Consumidor. São Paulo. n. 1, 1995, p. 18.
29
Em outro estudo45
, Tomasetti aprofundou suas reflexões acerca da relação jurídica
de consumo, distinguindo, de um lado, a relação jurídica de consumo lato sensu e, de outro, a
relação jurídica de consumo stricto sensu. Segundo ele:
“A fundamentação dogmática da condução daqueles contactos de consumo
antecontratuais – travados entre consumidor potencial e fornecedor oferente ao
público – para o âmbito das relações jurídicas de consumo, pode ser encaminhada
pelo intermédio do pensamento de uma relação jurídica de consumo em sentido
amplo, por oposição à relação jurídica de consumo em sentido estrito, gerada, esta
última, apenas a partir da conclusão de um contrato. No Núcleo do conteúdo da
relação jurídica de consumo em sentido estrito encontram-se assentados os deveres
contratuais de prestação, e as decorrentes pretensos, ações e exceções contratuais.”
A técnica de distinguir, ora um sentido mais amplo, ora um sentido estrito,
constitui uma poderosa ferramenta para a compreensão dos institutos existentes no mundo
jurídico. Eros Roberto Grau46
afirma, apoiado em Alf Ross47
, ser próprio da Ciência Jurídica
trabalhar com conceitos que não encerram idéias ou reflexões sobre a essência das coisas,
“mas ferramentas que forjamos para descrever a realidade, tendo em vista a realização de
determinadas finalidades.”
A dicotomia proposta por Tomasetti torna clara a diferença entra a relação jurídica
tradicional e a relação jurídica de consumo. Considerada esta última em seu sentido estrito, ou
seja, entendida como derivada de um contrato, não existiria diferença ontológica a ser
investigada relativamente à relação jurídica clássica.
Porém, no que se refere à relação jurídica de consumo lato sensu (em sentido
amplo), observamos princípios e valores peculiares. Acerca dessa nova concepção da relação
jurídica, pondera Tomasetti:
“Os contratos de consumo antecontratuais seriam constitutivos da relação jurídica
obrigacional de consumo em sentido amplo. Seriam estímulos periféricos, dotados
de eficácia jurígena obrigacional própria e diversa, que se irradiaria, tendencial e
progressivamente, em direção ao centro da relação obrigacional de consumo em
sentido amplo. Neste centro estaria propriamente a relação obrigacional de consumo
em sentido estrito, ou relação contratual de consumo, cujo conteúdo, como se disse,
45
TOMASETTI JÚNIOR, Alcides. “As relações de consumo em sentido amplo na dogmática das obrigações e
dos contratos”, Revista Direito do Consumidor. São Paulo. n. 13, 1996, p. 12. 46
Lucratividade e função social nas empresas sob controle do Estado, Revista de Direito Mercantil n. 55, 1997,
p. 42. 47
El concepto de Validez y Otros Ensayos, trad. De Genaro Carrió y Osvaldo Pacheco, Centro-Editor de América
Latina, Buenos Aires, p. 86.
30
implicaria direitos, pretensões, ações e exceções de natureza contratual.
Diversamente, a eficácia jurígena particular aos contratos antecontratuais de
consumo corresponderia aos deveres colaterais de comportamento (Nebenflichten),
profusamente estudados na dogmática tradicional alemã e tratados, também, na
dogmática privatística argentina, nos trabalhos de Jorge Mosset Iturraspe, Justicia
contractual, Buenos Aires, Ediar, 1977, pp. 119-164; e de Rubén S. Stiglitz,
Contractos, teoria general, Buenos Aires, Depalma, 1990, p. 457- 490.”
O trabalho do professor Roberto Senise Lisboa, apresentado à Faculdade de
Direito da Universidade de São Paulo como Tese de Doutoramento48
, também merece
destaque nesse contexto. Após assinalar a inexistência da noção de relação jurídica de
consumo no direito positivo brasileiro, já que o legislador pátrio apenas se limitou a
estabelecer os elementos integrantes desse vínculo jurídico, afirma o autor:
“Somente haverá relação jurídica de consumo se, de forma cumulativa:
a) Em um dos pólos da relação se encontrar sujeito de direito ou ente
despersonalizado que venha a se enquadrar na situação jurídica de fornecedor;
b) No outro pólo da relação se encontrar sujeito de direito que venha a se enquadrar
na situação jurídica de consumidor;
c) O objeto mediato da relação jurídica for um produto ou um serviço.”
Conclui o referido professor que, na ausência de qualquer um desses requisitos, a
relação jurídica estabelecida poderá ser considerada de natureza civil, comercial,
administrativa, tributária, etc. Mas jamais haverá a configuração de uma relação de consumo,
pois é necessária a presença simultânea de todos os elementos essenciais.
Assim, analisando as disposições retro mencionadas, pode-se considerar que a
relação jurídica de consumo “é aquela que se estabelece necessariamente entre fornecedores e
consumidores, tendo por objeto a oferta de produtos ou serviços no mercado de consumo.”49
Dessa forma, é possível afirmar que a relação de consumo pode ser efetiva ou
presumida, e possui três elementos. O primeiro deles é o subjetivo, que remete ao consumidor
e ao fornecedor, ou seja, às partes envolvidas na relação jurídica. Outro elemento é o objetivo,
que é o objeto sobre o qual recai a relação jurídica, sendo que para a relação de consumo ele é
denominado produto ou serviço. O último elemento é o finalístico, que traduz a idéia de que o
48
Contratos Difusos e Coletivos. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997, p. 292. 49
DE LUCCA, Newton. Direito do Consumidor. 2. ed. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 108.
31
consumidor deve adquirir ou fazer uso do produto ou serviço como destinatário final.
Passemos então à analise dos elementos constitutivos dessa relação.50
4.2 Conceito de Consumidor
Segundo o artigo 2º do Código de Defesa do Consumidor, consumidor é “toda
pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”.
O parágrafo único de tal artigo traz a figura do consumidor por equiparação, o
que está de acordo com o que expressam os artigos 17 e 29 do Código de Defesa do
Consumidor. O consumidor por equiparação é a “coletividade de pessoas, ainda que
indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo.”
Assim, consumidor pode ser pessoa física, jurídica ou coletividade de pessoas.51
Isso abrange todas as vítimas do fato do produto ou serviço, e todas as pessoas determináveis
ou não, expostas às práticas comerciais e à disciplina contratual.
Embora o Código tenha trazido o conceito de consumidor, sua aplicação ao caso
concreto tem-se mostrado complexa. Há discussão doutrinária e jurisprudencial acerca da
expressão destinatário final, objetivando explicar o elemento finalístico da relação de
consumo. Desse modo, devemos refletir, quem é o destinatário final de um bem de consumo.
Nesse contexto, a doutrina desenvolveu três correntes possíveis para identificar o
destinatário final de um bem de consumo: a finalista (minimalista ou subjetiva), a
maximalista e a finalista temperada (ou finalista aprofundada).
4.2.1 Doutrina finalista
Segundo a corrente finalista, o consumidor é aquele que retira definitivamente de
circulação o produto ou serviço do mercado. Dessa forma, o consumidor adquire o produto ou
se utiliza do serviço para suprir uma necessidade eminentemente pessoal, e não para o
desenvolvimento de outra atividade de cunho empresarial ou profissional.52
50
MARQUES, Cláudia Lima. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2003, p. 57. 51
DENSA, Roberta. Direito do Consumidor. 4. ed. São Paulo: Atlas S.S., 2008, p. 8. 52
MARQUES, Cláudia Lima. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2003, p. 83.
32
Os seguidores dessa doutrina acreditam que, ao outorgar o Código de Defesa do
Consumidor, o legislador tinha a intenção de tutelar, de maneira especial, determinado grupo
da sociedade mais vulnerável, e em alguns casos, hipossuficiente.
A aquisição ou uso de bem ou serviço para o exercício de atividade econômica,
civil ou empresária descaracterizam o requisito essencial da formação da relação de consumo,
que é o fato de o consumidor ser o destinatário final do bem.
Para os defensores desta corrente, é irrelevante se o bem ou serviço adquirido será
revendido ao consumidor diretamente ou por transformação, ou simplesmente agregado ao
estabelecimento empresarial. Dessa forma, temos, por exemplo, que os programas de
computador utilizados em um escritório não caracterizam a destinação final do bem, pois
ingressam na atividade econômica sendo utilizados como instrumento do ciclo produtivo de
outros bens ou serviços.
Assim, os bens ou serviços adquiridos por quem exerce atividade econômica,
ainda que utilizados para mera incorporação no estabelecimento empresarial, afastam a
caracterização da relação de consumo, já que estará sempre ausente a destinação final
econômica, dado que o bem ou serviço continuará inserido no processo produtivo.53
Logo, é adotado o conceito econômico de consumidor, levando-se em
consideração somente a pessoa que no mercado de consumo adquire bens como destinatário
final, deixando de ser analisada a vulnerabilidade no caso concreto, pois esta já está
presumida.54
Observa-se, então, que tal corrente entende que é imprescindível à conceituação
de consumidor que a destinação final seja entendida como econômica. Segundo Fábio Konder
Comparato:
“Quando se fala em proteção ao consumidor quer-se referir ao indivíduo ou grupo
de indivíduos, os quais, ainda que empresários, se apresentam no mercado como
simples adquirentes ou usuários de serviços, sem ligação com a sua atividade
empresarial própria.”55
Assim, conforme tal corrente, o conceito de consumidor restringe-se às pessoas,
físicas ou jurídicas, não profissionais, que não visam lucro em suas atividades e que contratam
com profissionais. Quando um profissional adquire um produto ou usufrui de um serviço com
53
Idem, ibidem. 54
DE LUCCA, Newton. Direito do Consumidor. 2. ed. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 129. 55
A proteção do consumidor: importante capitulo do direito econômico, Revista de Direito Mercantil- Industrial,
Econômico e Financeiro, v. 15, Revista dos Tribunais, 1974, p. 90.
33
o fim de dinamizar ou instrumentalizar seu próprio negócio lucrativo, deve-se falar em
consumo intermediário, e não final.
Assinale-se, ainda, que a pessoa jurídica poderá ser considerada consumidora,
desde que o produto ou serviço adquirido não tenha qualquer conexão, direta ou indireta, com
a atividade econômica por ela desenvolvida, e que esteja demonstrada a sua vulnerabilidade
perante o fornecedor. Consequentemente, a pessoa jurídica que não tem o intuito de lucro será
sempre considerada consumidora, tais como as associações, fundações, entidades religiosas e
partidos políticos.
4.2.2 Doutrina maximalista
Para a doutrina maximalista, para ser considerado consumidor, basta que este
utilize ou adquira produto ou serviço na condição de destinatário final, não interessando o uso
particular ou profissional do bem.56
Logo, não será considerado consumidor apenas quem adquirir ou utilizar produto
ou serviço que participe diretamente do processo de produção, transformação, montagem,
beneficiamento ou revenda.
Dessa forma, a definição do artigo 2º deve ser interpretada o mais extensamente
possível, para que as normas do Código de Defesa do Consumidor possam ser aplicadas a um
número cada vez maior de relações no mercado. Consideram que a definição desse artigo é
puramente objetiva, não importando se a pessoa física ou jurídica tem, ou não, fim de lucro
quando adquire um produto ou utiliza um serviço. Destinatário final seria o destinatário fático
do produto, aquele que o retira do mercado e o utiliza, o consome.57
Portanto, é necessário analisar a simples retirada do bem do mercado de consumo,
ou seja, o ato objetivo, sendo irrelevante o sujeito que adquiriu o bem, podendo ser este
profissional ou não.
Segundo a doutrina maximalista, a pessoa jurídica que exerce atividade
econômica será consumidora sempre que o bem ou serviço for adquirido ou utilizado para
destinação final. Porém, se o bem for matéria prima necessária ao desenvolvimento de sua
atividade, ela não será considerada consumidora.
56
MARQUES, Cláudia Lima. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2003, p. 85. 57
MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. 3. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1998, p. 142.
34
4.2.3 Doutrina finalista temperada
Essa corrente58
é um desdobramento da corrente finalista, pois considera
consumidor somente quem adquire produto ou serviço para uso próprio. Porém, dependendo
do caso concreto, será possível considerar destinatário final aquele que, mesmo fazendo uso
para fins profissionais ou econômicos, for dotado de vulnerabilidade naquela relação.
Como exemplo de destinatário final para tal doutrina, podemos citar o taxista que
compra um veículo com a finalidade de auferir lucro transportando passageiros. Nesse caso,
há o uso econômico, mas o taxista é tão vulnerável quanto qualquer outra pessoa que adquire
o veículo e, dessa forma, deve ser considerado consumidor.
Sob o prisma da doutrina finalista, se o veículo adquirido pelo taxista viesse a
apresentar defeitos de fabricação, ele não seria considerado consumidor e deveria utilizar o
sistema do Código Civil para reclamar indenização perante a montadora.59
Adotada a corrente finalista temperada, o taxista seria considerado consumidor,
nos termos do artigo 2º do Código de Defesa do Consumidor, e assim, poderia requerer a
indenização pelos vícios do produto, segundo o artigo 18 desse Código.
Assim, pode-se afirmar que a doutrina finalista temperada:
“É uma interpretação finalista mais aprofundada e madura, que deve ser saudada. De
um lado, a maioria maximalista e objetiva restringiu seu ímpeto; de outro, os
finalistas aumentaram o seu subjetivismo, mas revitalizaram o finalismo, permitindo
tratar casos difíceis de forma mais diferenciada.”60
4.2.4 Entendimento jurisprudencial
Acerca da aplicação do Código de Defesa do Consumidor e da configuração da
relação de consumo, a jurisprudência apresenta soluções que estão em sintonia tanto com a
corrente maximalista, como com a corrente finalista. Entretanto, há certa tendência no
Superior Tribunal de Justiça de manter a corrente finalista temperada com a análise da
vulnerabilidade do consumidor para o enquadramento da relação de consumo.
58
MARQUES, Cláudia Lima. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2003, p. 87. 59
DENSA, Roberta. Direito do Consumidor. 4. ed. São Paulo: Atlas S.S., 2008, p. 11. 60
MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. 3. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1998, p. 85.
35
Nesse sentido, pode-se observar:
Competência – Relação de Consumo – Utilização de equipamento e serviços de
crédito prestado por empresa administradora de cartão de crédito – Destinação final
inexistente. A aquisição de bens ou a utilização de serviços, por pessoa natural ou
jurídica, com o escopo de implementar ou incrementar a sua atividade negocial, não
se reputa como relação de consumo e sim, como uma atividade de consumo
intermediária. Recurso especial conhecido e provido para reconhecer a
incompetência absoluta da Vara Especializada de Defesa do Consumidor, para
decretar nulidade dos atos praticados e , por conseguinte, para determinar a remessa
do feito para uma das Varas Cíveis da Comarca. (STJ – 2 Seção - Resp 541867/BA
– Rel. Min. Barros Monteiro – j. 10.11.2004).
A relação jurídica qualificada por ser de consumo não se caracteriza pela presença
de pessoa física ou jurídica em seus pólos, mas pela presença de uma parte
vulnerável de um lado (consumidor), e de um fornecedor, de outro.- Mesmo nas
relações entre pessoas jurídicas, se da análise da hipótese concreta decorrer inegável
vulnerabilidade entre a pessoa-jurídica consumidora e a fornecedora, deve-se aplicar
o CDC na busca do equilíbrio entre as partes. Ao consagrar o critério finalista para
interpretação do conceito de consumidor, a jurisprudência deste STJ também
reconhece a necessidade de, em situações específicas, abrandar o rigor do critério
subjetivo do conceito de consumidor, para admitir a aplicabilidade do CDC nas
relações entre fornecedores e consumidores-empresários em que fique evidenciada a
relação de consumo. Recurso especial não conhecido.(STJ – 3 Turma – Resp
476428/SC – Rel. Min. Nancy Adrighi – j. 19.04.2005).
PROCESSO CIVIL E CONSUMIDOR. CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE
MÁQUINA DE BORDAR. FABRICANTE. ADQUIRENTE.
VULNERABILIDADE. RELAÇÃO DE CONSUMO. NULIDADE DE
CLÁUSULA ELETIVA DE FORO.
1. A Segunda Seção do STJ, ao julgar o REsp 541.867/BA, Rel. Min.
Pádua Ribeiro, Rel. p/ Acórdão o Min. Barros Monteiro, DJ de 16/05/2005,optou
pela concepção subjetiva ou finalista de consumidor.
2. Todavia, deve-se abrandar a teoria finalista, admitindo a aplicação das normas do
CDC a determinados consumidores profissionais, desde que seja demonstrada a
vulnerabilidade técnica, jurídica ou econômica.
3. Nos presentes autos, o que se verifica é o conflito entre uma empresa fabricante
de máquinas e fornecedora de softwares, suprimentos, peças e acessórios para a
atividade confeccionista e uma pessoa física que adquire uma máquina de bordar em
prol da sua sobrevivência e de sua família, ficando evidenciada a sua vulnerabilidade
econômica.
4. Nesta hipótese, está justificada a aplicação das regras de proteção ao consumidor,
notadamente a nulidade da cláusula eletiva de foro.
5. Negado provimento ao recurso especial. (STJ, Resp 684613/SP, 3 Turma, Rel.
Nancy Andrighi, Diário da Justiça, 1 jul.2005, p.530).
Assim, observamos que a jurisprudência caminha bem ao aplicar a doutrina
finalista temperada para identificar a relação de consumo, devendo o Código de Defesa do
36
Consumidor ser aplicado para o vulnerável, aquele que necessita de proteção do Estado, por
estar em relação de desigualdade com o fornecedor.61
4.3 Conceito de Fornecedor
Analisando a figura do fornecedor, observa-se que há pouca discrepância na
doutrina acerca de sua definição. Ele é definido como toda pessoa física ou jurídica, nacional
ou estrangeira, de direito público ou privado, que atua na cadeia produtiva, exercendo
atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação,
exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.62
Segundo essa conceituação, fornecedor é qualquer pessoa física, que a título
singular, mediante desempenho de atividade mercantil ou civil e de forma habitual, ofereça no
mercado produtos ou serviços; e a jurídica, da mesma forma, mas em associação mercantil ou
civil e de forma habitual.63
Observa-se que o legislador pretendeu classificar como fornecedor todos aqueles
que desenvolvem atividades tipicamente profissionais, com habitualidade e mediante
remuneração.
O conceito jurídico apresentado é bastante amplo, sendo fornecedor um gênero
(tanto no que diz respeito ao sujeito em si – pessoa física ou jurídica, pública ou privada,
nacional ou estrangeira - como no que se refere às atividades desenvolvidas).
A estratégia do legislador permite considerar fornecedor todos aqueles que,
mesmo sem personalidade jurídica, atuam nas diversas etapas do processo produtivo, antes da
chegada do produto ou serviço ao seu destino final.
Dessa forma, não só o fabricante ou produtor originário estão incluídos nesse
conceito, mas todos os intermediários (nas etapas de produção, transformação, distribuição,
comercialização, prestação) e ainda o comerciante. Assim, desde que façam disso suas
atividades principais ou profissões, serão tratados pela lei como fornecedores.
61
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. 4. ed. v. 4. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 129. 62
Art. 3º do Código de Defesa do Consumidor. 63
FILOMENO, José Geraldo Brito et alli. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores
do anteprojeto: 9. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007, p. 43.
37
Conforme se observa, permeiam o conceito de fornecedor, as ideias de atividades
profissionais, habituais e com finalidades econômicas. Sendo assim, não caracterizam relação
de consumo as relações jurídicas estabelecidas entre não profissionais, casuais e eventuais.64
As sociedades sem fins lucrativos, de caráter beneficente e filantrópico, também
podem ser consideradas fornecedoras, quando, por exemplo, prestam serviços médicos,
hospitalares, odontológicos e jurídicos a seus associados.
Para o fim de aplicação do Código de Defesa do Consumidor, o enquadramento
do fornecedor de serviços atende a critérios objetivos, sendo irrelevantes a natureza jurídica, a
espécie dos serviços prestados e até mesmo o fato de se tratar de uma sociedade civil, sem
fins lucrativos, de caráter beneficente e filantrópico, bastando que desempenhe determinada
atividade no mercado de consumo mediante remuneração.
Acerca do assunto, observa-se o recurso especial 519310/SP:
Processual civil. Recurso especial. Sociedade civil sem fins lucrativos de caráter
beneficente e filantrópico. Prestação de serviços médicos, hospitalares,
odontológicos e jurídicos a seus associados. Relação de consumo caracterizada.
Possibilidade de aplicação do código de defesa do consumidor.- Para o fim de
aplicação do Código de Defesa do Consumidor, o reconhecimento de uma pessoa
física ou jurídica ou de um ente despersonalizado como fornecedor de serviços
atende aos critérios puramente objetivos, sendo irrelevantes a sua natureza jurídica, a
espécie dos serviços que prestam e até mesmo o fato de se tratar de uma sociedade
civil, sem fins lucrativos, de caráter beneficente e filantrópico, bastando que
desempenhem determinada atividade no mercado de consumo mediante
remuneração. Recurso especial conhecido e provido. (STJ, Resp 519310/SP, 3
Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi – j. 20.04.2004).
Existe a discussão acerca da possibilidade de as sociedades cooperativas serem
incluídas no rol de fornecedores de produtos e serviços do Código de Defesa do
Consumidor.65
Nesse caso, não há que se falar em relação de consumo, pois a sociedade
cooperativa se caracteriza, principalmente, pela mutualidade e presença do próprio cooperado
nas decisões da cooperativa.
Vale ressaltar que é preciso saber se, de fato, o cooperado participa efetivamente
da cooperativa e se todos os requisitos necessários para a configuração desse tipo de
sociedade estão presentes, ou se a empresa se utiliza desse tipo de sociedade apenas com a
64
FILHO, Sergio Cavalieri. Programa de direito do consumidor. 1. ed. São Paulo: Atlas, 2009, p. 53. 65
MARQUES, Cláudia Lima. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2003, p. 95.
38
finalidade de ludibriar o consumidor e esquivar-se de suas obrigações enquanto fornecedor,
conforme estabelece o Código de Defesa do Consumidor.66
O Poder Público será enquadrado como fornecedor de serviço toda vez que, por si
ou por seus concessionários, atuar no mercado de consumo, prestando serviço mediante a
cobrança de preço.
Assim, quando o Estado fornece serviço público de tratamento de água e esgoto,
mediante pagamento de preço pelo consumidor, ele se enquadra no conceito de fornecedor de
serviços, nos termos do Código de Defesa do Consumidor.67
Vale ressaltar que a relação de consumo não guarda semelhança com a relação
tributária. Segundo o artigo 3° do Código Tributário Nacional:
“Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se
possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada
mediante atividade administrativa plenamente vinculada.”
O preço pago pelo consumidor pela prestação de serviços não pode ser
confundido com prestação pecuniária compulsória. Assim, deve haver manifestação de
vontade do consumidor, no sentido de adquirir o serviço prestado pelo Estado ou seus
concessionários, para que se configure a relação de consumo.
Acerca do assunto, José Geraldo Brito Filomeno esclarece:
“Importante salientar-se, desde logo, que aí não se inserem os tributos, em
geral, ou taxas e contribuições de melhoria, especialmente, que se inserem no
âmbito das relações de natureza tributária. Não há que se confundir, por outro lado,
referidos tributos com as tarifas, estas, sim, inseridas no contexto dos serviços ou,
mais particularmente, preço público, pelos serviços prestados diretamente pelo
Poder Público, ou então mediante concessão ou permissão pela iniciativa privada.”68
Observa-se, assim, que o preço público ou tarifa é a contraprestação paga pelos
serviços pedidos pelos consumidores ao Estado. Logo, para haver preço, é necessário haver
contrato, que é justamente a manifestação de vontade das partes em criar, modificar ou
66
DE LUCCA, Newton. Direito do Consumidor. 2. ed. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 147. 67
MARQUES, Cláudia Lima. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2003, p. 97. 68
FILOMENO, José Geraldo Brito et alli. Ob. Cit., p. 49.
39
extinguir direitos.
Por fim, os entes despersonalizados também podem ser fornecedores de produtos
e serviços. O legislador previu que entes sem personalidade jurídica podem exercer atividades
produtivas no mercado de consumo.69
4.4 Conceito de Produto
Partindo para a análise do elemento objetivo da relação de consumo, passa-se a
analisar o objeto sobre o qual recai a relação jurídica, que é denominado pelo Código de
Defesa do Consumidor, produto ou serviço.
A definição de produto está no parágrafo 1º do artigo 3º, do Código de Defesa do
Consumidor: “Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial.” Dessa
forma, qualquer bem corpóreo ou incorpóreo, passível de apropriação e que possua valor
econômico é considerado produto.
José Geraldo Brito Filomeno critica essa definição legal, ponderando que seria
mais adequado falar-se em bens e não em produtos.70
O autor informa ainda que, na versão
original da Comissão Especial do Conselho Nacional de Defesa do Consumidor do Ministério
da Justiça71
constava o termo bens, que, por ser mais genérico e inequívoco, indicaria ao
aplicador do Código de Defesa do Consumidor “os reais objetos de interesse nas relações de
consumo.”72
Dessa forma, o autor conclui que, para efeitos práticos, produto, que deve ser
entendido como bens, “é qualquer objeto de interesse em dada relação de consumo, e
destinado a satisfazer uma necessidade do adquirente, como destinatário final.”73
Paulo Luiz Netto Lôbo parece concordar com a crítica de Filomeno, pois afirma
que “seria mais adequado o conceito de bem em lugar de produto, porque o conteúdo
conceptual daquele já se encontra inquestionavelmente assentado no direito brasileiro.”74
As observações feitas por tais autores podem parecer, à primeira vista, restritas ao
plano terminológico, sem maiores conseqüências jurídicas, já que a inclusão da expressão
bens, que possui caráter mais abrangente, na definição de produto, ainda que provocando uma
69
Exemplos disso são a massa falida, o espólio do comerciante individual e as pessoas jurídicas de fato, ou seja,
aquelas que não são regularizadas na forma da lei. 70
FILOMENO, José Geraldo Brito et alli. Ob. Cit., p. 37. 71
Órgão extinto, correspondente hoje ao Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC). 72
Ob. Cit., p. 37. 73
Idem, ibidem. 74
Responsabilidade por vício do produto ou do serviço. 1. ed. Brasília: Editora Brasília Jurídica,1996, p. 55.
40
inversão conceitual entre o que é gênero (bens) e o que é espécie (produto), não alteraria na
prática a amplitude da relação jurídica de consumo.
Acerca do assunto, Lobô afirma que:
“São produtos para os fins do Código de Defesa do Consumidor, apenas os bens
econômicos lançados no mercado por fornecedor, assim legalmente qualificado. Se
o bem adquirido ou utilizado não se inclui na atividade finalística do fornecedor, não
há relação de consumo, e portanto, não se converte em produto. Os equipamentos e
veículos vendidos por uma empresa agrícola, que deseja desfazer-se deles, são bens
mas não produtos, porque não se enquadravam na sua atividade-fim. Neste caso, a
relação contratual não é de consumo.”
Dessa forma, para considerar uma relação jurídica como sendo “de consumo”, é
possível perceber a importância da interpretação, que deve ir além do significado meramente
gramatical das palavras. Deve-se também considerar a existência de vulnerabilidade de uma
das partes da relação jurídica.
Nesse sentido, há quem afirme que se deve analisar o caso concreto, sendo
sedutora a idéia de uma justiça individualizada caso a caso. Porém, isso tornaria a aplicação
do direito do consumidor excessivamente assistemática.75
Dessa forma, parece acertada a solução preconizada por Lobô. Tratando-se de
atividade-fim do fornecedor, indubitável a caracterização da relação de consumo e,
conseqüentemente, a aplicação das normas do Código de Defesa do Consumidor e dos demais
princípios que regem o direito consumerista. Entretanto, tratando-se de ato jurídico não
enquadrável nessa atividade-fim do fornecedor, não haverá relação de consumo, mas apenas
uma relação jurídica comum, regida pelo direito civil ou pelo direito comercial, dependendo
do caso.
4.5 Conceito de Serviço
Segundo o parágrafo 2° do artigo 3° do Código de Defesa do consumidor:
75
DE LUCCA, Newton. Direito do Consumidor. 2. ed. São Paulo: Quartier Latin, 2008. p. 151.
41
Art.3 § 2º – Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo
mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e
securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.
Conforme é possível observar nessa abrangente definição de serviços, sua
característica marcante, para fins de proteção ao consumidor, é a de que devem ser prestados
mediante remuneração, com expressa ressalva daquela prestação de serviço decorrente de
contrato de trabalho, mediante vínculo de subordinação e dependência com o contratante, pois
nesse caso, é regida pelas leis trabalhistas. Assim, no que se refere à relação de consumo,
devem estar obrigatoriamente presentes a profissionalidade, a habitualidade e o recebimento
de contraprestação em dinheiro.76
O Código de Defesa do Consumidor afasta da incidência da lei os serviços não
remunerados. Isso dá ensejo a equivocadas interpretações, pois a remuneração pode se dar de
maneira direta (quando o fornecedor recebe diretamente do consumidor seu pagamento) ou
indireta, que ocorre quando são proporcionados benefícios comerciais indiretos ao fornecedor,
advindos da prestação de serviços aparentemente gratuitos, visto que a remuneração já está
diluída em outros custos.
Assim, não se confundem os serviços puramente gratuitos, que seriam aqueles
prestados no exclusivo interesse do beneficiário, sem nenhuma vantagem financeira para
quem os executa, e que estão fora da incidência do Código de Defesa do Consumidor; com
aqueles aparentemente gratuitos, que seriam aqueles em que o executor obtém, indiretamente,
vantagem patrimonial, e que estão submetidos à incidência da lei consumerista.
Vale ressaltar que os serviços remunerados por tributos (impostos, taxas ou
contribuições de melhoria) não estão submetidos ao Código de Defesa do Consumidor. Em
tais casos, a matéria é regida pela legislação tributária.77
Houve certa polêmica acerca da aplicação ou não do Código de Defesa do
Consumidor nas atividades bancárias, devido à existência da Lei 4.595/64, que sendo
específica, deveria ser a única aplicada à atividade.78
Porém, a Súmula nº 297 do Superior Tribunal de Justiça pacificou a questão,
estipulando que a legislação consumerista é aplicável às instituições financeiras.
Acerca do assunto, José Reinaldo da Lima Lopes acentua:
76
GRINOVER, Ada Pellegrini et alli. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do
anteprojeto: 9. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007, p. 171. 77
FILHO, Sergio Cavalieri. Programa de direito do consumidor. 1. ed. São Paulo: Atlas, 2009, p. 49. 78
GRINOVER, Ada Pellegrini et alli. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do
anteprojeto: 9. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007, p. 182.
42
“É fora de dúvida que os serviços financeiros, bancários e securitários encontram-se
sob as regras do Código de Defesa do Consumidor; não só existe disposição
expressa na Lei nº 8078/90 sobre o assunto (artigo 3), como a história da defesa do
consumidor confirma, quando verificamos que a proteção aos tomadores de crédito
ao consumo foi das primeiras a ser criada; de outro lado, nas relações das
instituições financeiras com seus clientes podem-se ver duas categorias de agentes:
os tomadores de empréstimos (mutuários) e os investidores (depositantes).”79
Da mesma forma houve discussão sobre a aplicação do Código nas relações das
entidades de previdência privada e seus consumidores, o que foi resolvido pela Súmula nº321
do Superior Tribunal de Justiça, que estabelece que apesar da existência da Lei Complementar
nº 108/01, o Código de Defesa do Consumidor é aplicável à relação.
Já no caso das locações de imóveis, a jurisprudência majoritária entende que a
legislação consumerista não é aplicável, pois não se tem a caracterização de consumidor e
fornecedor, sendo aplicável a Lei nº 8245/91.
Tendo visto alguns conceitos básicos, passaremos agora a analisar a
responsabilidade pela inserção de serviços defeituosos no mercado de consumo.
79
LOPES, José Reinaldo de Lima. Consumidor e sistema financeiro. Revista Direito do Consumidor, n. 19,
1997, p. 87.
43
5 A RESPONSABILIDADE PELO FATO DO SERVIÇO
A partir dos conceitos básicos apresentados, há que se analisar a responsabilidade
civil do fornecedor em razão da prestação de serviços defeituosos (fato do serviço), que está
disciplinada no artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor:
Art. 14 – O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de
culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à
prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas
sobre sua fruição e riscos.
§ 1º – O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele
pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as
quais:
I – o modo de seu fornecimento;
II – o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam;
III – a época em que foi fornecido.
§ 2º – O serviço não é considerado defeituoso pela adoção de novas técnicas.
§ 3º – O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar:
I – que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste;
II – a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.
§ 4º – A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a
verificação de culpa.
A responsabilidade do fornecedor se aperfeiçoa mediante o concurso de três
pressupostos, que são o defeito do serviço, o evento danoso e a relação de causalidade entre o
defeito do serviço e o dano.
O parágrafo 1º oferece critérios para a aferição do defeito do serviço prestado,
sendo a segurança do usuário o aspecto mais importante a ser considerado. Deve-se levar em
conta o modo do fornecimento do serviço, os riscos de fruição e a época em que foi fornecido
o serviço. Esse dispositivo é mera adaptação da norma que conceitua o “produto defeituoso”,
prevista no artigo 6º da Diretiva n º 374/85 da CEE e no parágrafo 1º do artigo 12 da lei
consumerista.
O serviço presume-se defeituoso quando é mal apresentado ao público
consumidor, quando sua fruição é capaz de suscitar riscos acima do nível de razoável
44
expectativa, e quando em razão do decurso do tempo, é de se supor que não ostente sinais de
envelhecimento.80
O caput do artigo 14 supratranscrito, consagra a responsabilidade civil objetiva do
fornecedor de serviço, o que pode ser observado através da expressão “independentemente da
existência de culpa”.
Assim, não é necessário que o consumidor prove a culpa do fornecedor no evento
danoso para que tenha seus prejuízos ressarcidos. Entretanto, se o agente causador do prejuízo
moral puro ou cumulado com o patrimonial for um profissional liberal, sua responsabilidade
poderá ser subjetiva, conforme dispõe o parágrafo 4º, acima transcrito.
Qualquer fornecedor de serviços, em princípio, responde objetivamente pelos
danos sofridos pelo consumidor, exceto o profissional liberal. Dessa forma, a pessoa física ou
jurídica, de direito público ou privado, que atua como fornecedor de serviços no mercado de
consumo, pode vir a responder sem culpa.
A adoção da responsabilidade objetiva facilita a defesa do consumidor em juízo e
a efetiva reparação dos danos, estando em consonância com os princípios trazidos pelo artigo
6º, incisos VI, VII e VIII do Código de Defesa do Consumidor:
Art. 6º – São direitos básicos do consumidor:
VI – a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais,
coletivos e difusos;
VII – o acesso aos órgãos judiciários e administrativos, com vistas à prevenção ou
reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou difusos,
assegurada a proteção jurídica, administrativa e técnica aos necessitados;
VIII – a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da
prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a
alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de
experiências.
Assim, mesmo o Estado pode ser responsabilizado, se a atividade que ele prestou
foi fornecida mediante pagamento de remuneração direta e o acidente de consumo teve sua
causa no exercício do serviço, seja como administração direta ou indireta.
80
GRINOVER, Ada Pellegrini et alli. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do
anteprojeto: 9. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007, p. 187.
45
As fornecedoras de transporte coletivo respondem objetivamente pelos danos
extrapatrimoniais causados aos seus passageiros e às demais vítimas do acidente de consumo,
mesmo aquelas que não adquiriram nem se utilizaram do serviço (art. 17 do Código de Defesa
do Consumidor).81
Evidentemente, não há que se falar em responsabilidade do fornecedor pelo fato
do serviço que acarretou dano por culpa exclusiva da vítima ou de terceiro.82
No que remete ao fornecimento de energia nuclear, o fornecedor responde
independentemente de culpa e também por risco exacerbado assumido pelo explorador da
atividade, consoante o ordenamento jurídico de casa Estado. A radioatividade liberada no
acidente nuclear tem efeitos devastadores no organismo humano e, dessa forma, não pode ser
ignorado na análise da relação de consumo.
Por fim, vale ressaltar que o fornecedor é trazido pelo artigo 14 do Código de
Defesa do Consumidor como o agente responsável pela reparação dos danos aos
consumidores pelo fato do serviço. Vale lembrar que tal expressão é bem abrangente, sendo
que as pessoas elencadas no artigo 3º, já citado, serão responsáveis pela reparação dos danos
causados pela inserção de serviços defeituosos no mercado de consumo.
5.1 Contraposição entre vício e fato do serviço
A responsabilidade pelo fato do produto e, a já abordada, responsabilidade pelo
fato do serviço, estão intimamente ligadas à ocorrência de defeitos. Tais defeitos ocasionam
danos e, conseqüentemente, conduzem à reparação.
Sendo assim, o legislador elencou em que hipóteses um produto ou serviço é
considerado defeituoso, determinando o campo de abrangência da obrigação de indenizar.
São três as modalidades dos defeitos que geram a responsabilização do
fornecedor.
Primeiramente, há os defeitos de fabricação, que são aqueles que decorrem de
fabricação, produção, montagem, manipulação, construção ou acondicionamento de
produtos. Também há os defeitos de concepção, que são aqueles de projeto ou de fórmula.
81
Jurisprudência Informatizada Saraiva 17, p.1, TARCRJ, 6ª Câm Civ. 32/95, rel Juiz Nilson Dião, j.21.02.95.
Na hipótese houve o atropelamento de um menor. 82
Exemplo disso é o caso da culpa exclusiva da vítima de acidente, que se encontrava imprudentemente
pendurada no pára-choque traseiro do veículo de transporte coletivo, que trafegava com as portas fechadas.
46
Por fim, há os defeitos de comercialização, decorrentes da insuficiência ou
inadequação de informações sobre sua utilização em riscos. Os dois primeiros são defeitos
intrínsecos, já os últimos, extrínsecos.83
Assim, defeito é toda anomalia que, comprometendo a segurança que
legitimamente se espera da fruição dos produtos e serviços, termina por causar danos físicos
ou patrimoniais aos consumidores.84
Se tal anomalia apenas compromete o funcionamento do produto ou serviço, mas
não apresenta risco à saúde e à segurança do consumidor, não há que se falar em defeito, mas
em vício. Fato do produto está ligado a defeito, que, por sua vez, está ligado a dano.
Diante do exposto, conclui-se que vício e fato do produto ou serviço decorrem de
defeito. Porém, no fato do produto ou do serviço o defeito é tão grave que provoca um
acidente que atinge o consumidor, causando-lhe dano material ou moral.
Dessa forma, o defeito compromete a segurança do produto ou serviço. Vício,
por sua vez, é defeito menos grave, circunscrito ao produto ou serviço em si, configurando
um defeito que lhe é intrínseco, que apenas causa o mau funcionamento ou a ausência de
funcionamento.85
O termo “vício”, especialmente o relacionado a produto, lembra o vício
redibitório, instituto do direito civil, e tem com ele alguma semelhança, na condição de vício
oculto, mas com ele não se confunde.
São considerados vícios as características de qualidade de qualidade ou
quantidade que tornem os serviços, ou os produtos, impróprios ou inadequados ao consumo a
que se destinam e também que lhes diminuam o valor. Da mesma forma, são considerados
vícios os decorrentes da disparidade havida em relação às indicações constantes do
recipiente, embalagem, rotulagem, oferta ou mensagem publicitária.
Dessa forma, os vícios são problemas que, por exemplo, fazem com que o
produto não funcione adequadamente, como um ventilador que não gira; fazem com que o
produto funcione mal, como uma televisão sem som; os serviços que apresentem
características como funcionamento inadequado ou insuficiente, como um desentupimento
que faz com que o banheiro alague no dia seguinte, uma parede mal pintada, ou a colocação
de um carpete que descole rapidamente.86
83
GRINOVER, Ada Pellegrini et alli. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do
anteprojeto: 9. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007, p. 209. 84
ALMEIDA, João Batista de. A proteção jurídica do consumidor: 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 90. 85
FILHO, Sergio Cavalieri. Programa de responsabilidade civil. 8. ed. São Paulo. Atlas S.A., 2008, p. 242. 86
NUNES, Luiz Antonio Rizzatto, Curso de direito do consumidor. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 285.
47
Vale ressaltar que os vícios podem ser aparentes ou ocultos. Acerca do assunto,
bem observa Luiz Antônio Rizzatto Nunes:
“Há vício sem defeito, mas não há defeito sem vício; o defeito pressupõe o vício. O
defeito é o vício acrescido de um problema extra, alguma coisa extrínseca ao
produto ou ao serviço, que causa um dano maios que simplesmente o mau
funcionamento ou não-funcionamento.”87
Defeito, por sua vez pressupõe vício, pois há vício sem defeito, mas não há
defeito sem vício. O vício é uma característica inerente, intrínseca do produto ou serviço em
si.88
O defeito é o vício acrescido de um problema extra, algo extrínseco ao produto
ou serviço, que causa um dano maior que simplesmente o mal funcionamento, o não-
funcionamento, a quantidade errada, a perda do valor pago, já que o produto ou serviço não
cumprem o fim ao qual se destinam. O defeito causa, além desse dano do vício, outros danos
ao patrimônio jurídico material ou moral do consumidor, sendo mais devastador.89
Logo, o vício pertence ao próprio produto ou serviço, jamais atingindo o próprio
consumidor ou outros bens seus. O defeito vai além do produto ou serviço, para atingir o
consumidor em seu patrimônio jurídico, material e/ou moral. Assim, somente se fala
propriamente em acidente de consumo em caso de defeito.
Nessa linha, o Código de Defesa do Consumidor dispõe que o produto pode ser
considerado como defeituoso quando não oferecer a segurança que dele legitimamente se
espera, levando-se em conta circunstâncias como a apresentação, o seu uso normal e os
riscos que razoavelmente são esperados dele, já que o fabricante apenas se responsabilizará
pelos riscos anormais e imprevisíveis.
Deve-se considerar também a época em que foi colocado no mercado, pois
devido ao avanço tecnológico, os produtos atuais acabam sendo mais seguros e eficientes do
que os do passado, que apresentam um maior grau de risco. Dessa forma, a simples
colocação de um produto de melhor qualidade ou mais seguro no mercado não induz à
conclusão de que os mais antigos sejam defeituosos, pois se deve analisar o contexto da
87
Comentários ao Código de Defesa do Consumidor, Saraiva, 2000, p. 214. 88
GRINOVER, Ada Pellegrini et alli. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do
anteprojeto: 9. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007, p. 215. 89
MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. 3. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1998, p. 242.
48
época de lançamento. Nesse contexto, dispõe o artigo 12, parágrafos 1° e 2° do Código de
Defesa do Consumidor:
Art. 12 – O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o
importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação
dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto,
fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou
acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou
inadequadas sobre sua utilização e riscos.
§ 1º – O produto é defeituoso quando não oferece a segurança que dele
legitimamente se espera, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes,
entre as quais:
I – sua apresentação;
II – o uso e os riscos que razoavelmente dele se esperam;
III – a época em que foi colocado em circulação.
§ 2º – O produto não é considerado defeituoso pelo fato de outro de melhor
qualidade ter sido colocado no mercado.
No que se refere aos serviços, o fornecedor será obrigado à reparação de danos
causados aos consumidores, por defeitos relativos à prestação que foi realizada, sob qualquer
modalidade, exceto a de caráter trabalhista, em conformidade com o que dispõe o parágrafo
2º do artigo 3º do Código de Defesa do Consumidor:
Art. 3º – Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou
estrangeira, bem como os entes despersonalizados que desenvolvem atividades de
produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação,
distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.
§ 2º – Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo mediante
remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária,
salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.
O fornecedor também será responsável pela reparação dos danos causados aos
consumidores por insuficiência ou inadequação de informações sobre sua fruição e risco,
conforme dispõe o artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor.
Nesse artigo, considera-se defeituoso o serviço quando ele não fornece a
segurança que o consumidor dele pode esperar, considerando-se as circunstâncias relevantes,
49
como o modo de seu fornecimento, o resultado e os riscos que razoavelmente dele se
esperam e a época em que o serviço foi fornecido.90
Vale ressaltar que um serviço não será considerado defeituoso pelo simples fato
da adoção de novas técnicas.91
90
FILHO, Sergio Cavalieri. Programa de responsabilidade civil. 8. ed. São Paulo. Atlas S.A., 2008, p. 243. 91
MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. 3. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1998, p. 232.
50
6 CAUSAS EXCLUDENTES DA RESPONSABILIDADE PELO FATO
DO SERVIÇO
Mesmo na responsabilidade objetiva, é indispensável o nexo causal. Esta é a regra
universal, quase absoluta, só excepcionada em raríssimos casos em que a responsabilidade é
fundada no risco integral, o que não ocorre no Código de Defesa do Consumidor.92
Desse modo, inexistindo relação de causa e efeito, ocorre a exoneração da
responsabilidade. Essa é a razão da regra do artigo 14, parágrafo 3° do Código de Defesa do
Consumidor, sendo a inexistência do nexo causal o fundamento para as hipóteses de exclusão
de responsabilidade previstas.
Conforme dispõe tal artigo, o fornecedor de serviços só não será responsabilizado
quando provar que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste, a culpa exclusiva do
consumidor ou de terceiro.
Pode-se observar que o legislador, ao utilizar o advérbio “só”, não deixa margem
a dúvidas. Somente valem as excludentes expressamente previstas no parágrafo 3°, que são
taxativas.
Observa-se também que as tradicionais excludentes “caso fortuito” e “força
maior” não estão previstas e, dessa forma, não excluem a responsabilidade. Logo, o prestador
de serviços não poderá alegar em sua defesa essas duas excludentes.93
Há polêmica na doutrina acerca da possibilidade de aplicação dessas tradicionais
excludentes de responsabilidade nas relações de consumo. O assunto será abordado mais
detalhadamente no item seguinte.
Conforme mencionado no parágrafo 3° do artigo 14 do Código de Defesa do
Consumidor, uma das situações que exclui a responsabilidade do prestador de serviços é a
inexistência de defeito no serviço.
92
FILHO, Sergio Cavalieri. Programa de responsabilidade civil. 8. ed. São Paulo. Atlas S.A., 2008, p. 252. 93
Se, por exemplo, um raio gerar sobrecarga de energia em um condutor elétrico e isso acabar queimando os
equipamentos elétricos da residência do consumidor, o prestador de serviço de energia elétrica terá o dever de
indenizar os danos causados ao consumidor.
51
Assim, se o serviço não é defeituoso, sendo o ônus dessa prova do prestador, não
haverá relação de causalidade entre o dano e a atividade do fornecedor de serviços. O dano
terá decorrido então de outra causa, não imputável ao prestador do serviço.
Vale ressaltar que, nessa situação, o fornecedor é responsável pela colocação do
serviço no mercado, existindo um dano, mas não havendo o defeito apontado. Logo, se os
danos não decorrem do defeito, não há obrigação de indenizar, pois podem ter origem em
causas diversas, mas não em defeito que se lhe atribuiu.94
A culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro é, igualmente, causa de exclusão
da responsabilidade do fornecedor de serviços, prevista no inciso II, parágrafo 3°, do artigo 14
do Código de Defesa do Consumidor.
A primeira parte da oração desse inciso dispõe que o prestador do serviço não
responde se provar culpa exclusiva do consumidor. Deve-se ressaltar que a culpa deve ser
exclusiva. Se for caso de culpa concorrente do consumidor, por exemplo, o caso de um
serviço que não é bem executado e também há culpa do consumidor, ainda assim o prestador
do serviço tem a responsabilidade de reparar integralmente os danos causados. Apenas se
provar que o acidente de consumo se deu por culpa exclusiva do consumidor é que o
prestador do serviço não responde. O termo provar significa, assim, que o ônus de produzir
essa prova é do prestador do serviço.95
Assim, nos casos em que o comportamento do consumidor for a única causa do
acidente de consumo, não haverá como responsabilizar o produtor ou fornecedor do serviço,
por ausência de nexo de causalidade entre a sua atividade e o dano causado.
Na segunda parte do inciso II do parágrafo 3°, a irresponsabilização fica
possibilitada ao prestador do serviço, se ele provar que o acidente se deu por culpa de terceiro.
É necessário que esse seja um terceiro estranho à relação existente entre o consumidor e o
prestador do serviço. Tal relação é aquela estabelecida pela aquisição do serviço.
Se a pessoa que causou o dano pertencer ao ciclo de produção do serviço,
executado pelo prestador responsável, tal como seu empregado, preposto ou representante
autônomo, ele continua respondendo. Essa hipótese estabelecida por interpretação do sistema
94
ALMEIDA, João Batista de. A proteção jurídica do consumidor: 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 86. 95
NUNES, Luiz Antonio Rizzatto, Curso de direito do consumidor. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 304.
52
de responsabilidade, encontra respaldo também na regra do artigo 34, no parágrafo único do
artigo 7° e no parágrafo 1° do artigo 25, todos do Código de Defesa do Consumidor.96
Dessa forma, o prestador de serviço só não responde se o acidente for causado por
terceiro autêntico, sendo do prestador do serviço o ônus da prova.
Vale ressaltar que todos os participantes do ciclo de produção do serviço são
responsáveis solidários. Assim, se o consumidor sofrer dano por serviço que seja composto
por outros serviços, ele poderá acionar qualquer um deles. Nesse contexto, ninguém poderá
ser excluído dizendo-se terceiro, pois não o são.
Qualquer dos participantes do ciclo de produção que indenizar o consumidor
poderá posteriormente acionar os outros, para dividir com eles o ônus de sua solidariedade ou
para obter a integral devolução do que tiver pago, se entender e provar que a falha foi só de
um dos participantes do ciclo de produção do serviço.
6.1 Análise Jurisprudencial
Há grande discussão jurisprudencial acerca das excludentes de responsabilidade
do fornecedor de serviços. Dessa forma, serão analisados alguns casos relevantes.
6.1.1 Culpa Concorrente do Consumidor
Se o comportamento do consumidor não é a causa única do acidente de consumo,
mas concorre com ele, há divergência entre os autores ao admitir a culpa concorrente nas
relações de consumo.
Muitos autores não admitem a culpa concorrente97
, por considerarem
incompatível a concorrência de culpa na responsabilidade objetiva, que é prevista pelo Código
96
Art. 34: O fornecedor do produto ou serviço é solidariamente responsável pelos atos de seus prepostos ou
representantes autônomos.
Art. 7°, Parágrafo único: Tendo mais de um autor a ofensa, todos responderão solidariamente pela reparação dos
danos previstos nas normas de consumo.
Art. 25, § 1°: Havendo mais de um responsável pela causação do dano, todos responderão solidariamente pela
reparação prevista nesta e nas seções anteriores. 97
MARQUES, Cláudia Lima. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2003, p. 187.
53
de Defesa do Consumidor. Assim, não há que se falar em culpa concorrente onde não há
culpa.
Entretanto, por esse fundamento a tese é insustentável, pois na realidade o
problema é de concorrência de causas e não de culpas, sendo o nexo causal pressuposto
fundamental em qualquer espécie de responsabilidade.
Dessa forma, entende-se que mesmo em sede de responsabilidade objetiva, é
possível a participação da vítima (culpa concorrente) na produção do resultado, como, de
resto, tem admitido a jurisprudência em casos de responsabilidade civil do Estado.98
Tal questão não está pacificada, havendo autores que admitem a concorrência de
culpa nas relações de consumo como causa minorante da responsabilidade do fornecedor,
tendo como exemplo as legislações européias. Outros autores, como Zelmo Denari, sustentam
que, tendo a lei elegido a culpa exclusiva como causa extintiva da responsabilidade, conforme
expresso no Código de Defesa do Consumidor, no caso de caracterizada a concorrência de
culpa, persistirá a responsabilidade integral do fornecedor de produtos ou serviços.99
Acerca do assunto, observam-se os seguintes julgados do Tribunal de Justiça de
Minas Gerais, que consideram ser possível a possibilidade de culpa concorrente entre o
fornecedor de serviços e o consumidor:
INDENIZAÇÃO - CHEQUE FURTADO DO TALONÁRIO - GUARDA -
NEGLIGÊNCIA - ASSINATURA FALSIFICADA - PAGAMENTO PELA
INSTITUIÇÃO FINANCEIRA – CULPA CONCORRENTE - NEGATIVAÇÃO -
NECESSIDADE DE PROVA. Age com CULPA o banco que paga o cheque sem a
devida acuidade na conferência da assinatura do cheque, devendo restituir o valor
debitado indevidamente da conta corrente do cliente. O banco é responsável pelo
pagamento de cheque falso, por ter assumido o risco e a obrigação de vigilância,
garantia ou segurança sobre o objeto do contrato, só se eximindo se houver CULPA
exclusiva do CONSUMIDOR ou de terceiro (artigo 14, § 3º, inciso II,
do CÓDIGO de DEFESA do CONSUMIDOR). Para que se possa caracterizar a
responsabilidade pela negativação do nome do correntista, é necessária a prova da
referida inscrição junto aos órgãos de proteção ao crédito, sendo insuficiente a
juntada da correspondência de comunicação do pedido de inclusão. A guarda do
talonário de cheques é de responsabilidade de seu titular, agindo este com
negligência, não tendo a diligência necessária para evitar o furto do talão, assume o
risco de restar caracterizada a CULPA CONCORRENTE. Aquele que pretende
condenação em danos materiais deve demonstrar não só a ocorrência de um dano,
mas também o nexo de causalidade deste com a ação que o produziu' (Apelação
Cível 1.0024.05.703401-9/001, Relª. Desª. Eulina do Carmo Almeida, p. em
29.09.06).
98
FILHO, Sergio Cavalieri. Programa de direito do consumidor. 1. ed. São Paulo: Atlas, 2009, p. 254. 99
Art. 14, § 3°, II - A culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro. (grifo nosso)
54
AÇÃO DE INDENIZAÇÃO - DANOS MORAIS E MATERIAIS - FURTO DE
TALÃO DE CHEQUES - ASSINATURA FALSA - CONFERÊNCIA - FALTA DE
CAUTELA DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA - AUSÊNCIA DE
COMUNICAÇÃO DO CORRENTISTA QUANTO AO FURTO OCORRIDO -
NEGLIGÊNCIA DO CORRENTISTA - HIPÓTESE DE CULPA
CONCORRENTE - DEVER DE INDENIZAR. - O mau funcionamento dos
serviços bancários obriga a instituição financeira a ressarcir os prejuízos causados a
seus clientes. - Ao correntista também incumbe o dever de zelar, de bem guardar os
seus talonários, razão pela qual se lhe deve imputar parte da responsabilidade pelo
noticiado evento, se em tempo hábil, deixa de avisar a instituição financeira a
respeito do furto daqueles. Hipótese de concorrência de culpas' (Apelação Cível
1.0180.05.025219-6/001, Rel. Des. Antônio de Pádua, p. em 28.07.07).
O Superior Tribunal de Justiça, quando teve a oportunidade de enfrentar a
questão, inclinou-se pela admissão da culpa concorrente. No julgamento do REsp 287.849-
SP, do qual foi o relator o Ministro Ruy Rosado de Aguiar, a 4ª Turma decidiu:
CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR – RESPONSABILIDADE DO
FORNECEDOR– CULPA CONCORRENTE DA VÍTIMA –HOTEL – PISCINA –
AGÊNCIA DE VIAGENS.
Responsabilidade do hotel, que não sinaliza convenientemente a profundidade da
piscina, de acesso livre aos hóspedes – Art. 14 do Código de Defesa do Consumidor.
A culpa concorrente da vítima permite a redução da condenação imposta ao
fornecedor – Art. 12, parágrafo 2°,III, do Código de Defesa do Consumidor.
A agência de viagens responde pelo dano pessoal que decorreu do mau serviço do
hotel contratado por ela para a hospedagem durante o pacote de turismo.
Recursos conhecidos e providos em parte.
Assim, é possível sustentar que a concorrência de culpas pode ter lugar na
responsabilidade objetiva disciplinada pelo Código de Defesa do Consumidor desde que o
defeito no serviço não tenha sido a causa preponderante no acidente de consumo.
Dessa forma, se embora culposo, o fato da vítima é inócuo para a produção do
resultado, não pode ela atuar como minorante da responsabilidade do fornecedor. A culpa do
consumidor perde toda a expressão se for demonstrado que sem o defeito no serviço o dano
não teria ocorrido.
55
6.1.2 Caso fortuito e Força maior
O Código de Defesa do Consumidor, dando continuidade à normatização do
princípio da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo, preferiu que toda a
carga econômica advinda de defeito recaísse sobre o prestador do serviço. Sendo a hipótese de
caso fortuito ou força maior e havendo um acidente de consumo ao consumidor, o mal deverá
ser remediado pelo prestador do serviço.100
Essa ampla responsabilização tem como fundamentos o princípio da liberdade de
empreendimento, garantido na Constituição Federal, que acarreta o direito legítimo ao lucro e
responsabilidade pelo risco assumido; e o próprio Código de Defesa do Consumidor, que, em
decorrência desse princípio, estabeleceu o sistema da responsabilidade civil objetiva.
Em razão desse Código não ter elencado o caso fortuito e a força maior entre as
causas excludentes de responsabilidade, há divergência doutrinária acerca da aplicação destes
institutos nas relações de consumo.
Parte da doutrina, que configura uma posição minoritária101
, entende que por não
haver previsão expressa de tais excludentes, elas não devem ser consideradas causas de
exclusão de responsabilidade.
A posição majoritária, contudo, entende que se aplica tal exclusão quando não
decorre de ato do prestador de serviço (fortuito externo, sem qualquer relação com a atividade
desenvolvida pelo prestador).102
Neste sentido, temos a lição de Sílvio de Salvo Venosa:
“O fato de o caso fortuito ou a força maior não terem sido expressamente colocados
como excludentes da responsabilidade, no rol do parágrafo 3° aqui transcrito, pode
levar à apressada conclusão de que não exoneram indenização. A questão não pode,
porém, ser levada a este extremo sob pena de admitirmos o risco integral do
fornecedor, que não foi intenção do legislador. Os fatos imprevisíveis obstam que se
conclua pela existência de nexo causal. Essa matéria não apenas é de Lógica, mas
100
NUNES, Luiz Antonio Rizzatto, Curso de direito do consumidor. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 302. 101
GRINOVER, Ada Pellegrini et alli. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do
anteprojeto: 9. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007, p.183. 102
FILHO, Sergio Cavalieri. Programa de direito do consumidor. 1. ed. São Paulo: Atlas, 2009, p. 109.
56
decorre do sistema de responsabilidade civil. Impõe-se, pois, que o juiz avalie no
caso concreto se os danos ocorreram, ainda que parcialmente, em razão de defeito ou
vício do produto ou do serviço.”103
Tanto o fato de alguns autores afastarem o caso fortuito e a força maior por não
terem sido inseridos no rol das excludentes da responsabilidade do fornecedor, tanto aqueles
que dizem que o caso fortuito e a força maior excluem a responsabilidade do fornecedor por
ser uma regra tradicional do nosso Direito, configuram maneiras simplistas de resolver o
problema.
Dessa forma, a distinção entre fortuito interno e fortuito externo é totalmente
pertinente no que remete aos acidentes de consumo. O fortuito interno, que configura um fato
imprevisível e, assim, inevitável, ocorrido no momento da realização do serviço, não exclui a
responsabilidade do fornecedor, pois faz parte da sua atividade, liga-se aos riscos do
empreendimento, submetendo-se à noção geral de defeito de formulação do serviço.104
Assim, se o defeito ocorreu durante a prestação do serviço, é irrelevante saber o
motivo que o determinou, sendo o fornecedor sempre responsável pelas suas conseqüências,
ainda que decorrente de fato imprevisível e inevitável.105
Entretanto, o mesmo não ocorre com o fortuito externo, que remete a um fato que
não guarda nenhuma relação com a atividade do fornecedor, sendo absolutamente estranho ao
serviço, e que habitualmente ocorre em momento posterior ao da sua formulação.
Analisando a jurisprudência acerca do assunto, observamos que, no REsp 120.647
– SP, de relatoria do eminente Ministro Eduardo Ribeiro, a 3ª Turma do Superior Tribunal de
Justiça assim decidiu:
Automóvel. Roubo ocorrido em posto de lavagem. Força maior. Isenção de
responsabilidade. O fato de o artigo 14, § 3º do Código de Defesa do Consumidor
não se referir ao caso fortuito e à força maior, ao arrolar as causas de isenção de
103
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: parte geral. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2004, p. 163. 104
GRINOVER, Ada Pellegrini et alli. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do
anteprojeto: 9. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007, p. 189. 105
FILHO, Sergio Cavalieri. Programa de direito do consumidor. 1. ed. São Paulo: Atlas, 2009, p. 256.
57
responsabilidade do fornecedor de serviços, não significa que, no sistema por ele
instituído, não possam ser invocadas. Aplicação do artigo 1.058 do Código Civil (de
1916). Tratava-se de roubo de veículo ocorrido em posto de lavagem, tendo o
Tribunal entendido que houve quebra do vínculo de causalidade, exonerativa da
responsabilidade do fornecedor de serviço. Se a culpa exclusiva de terceiro é
bastante para fazer não-responsável tal fornecedor, seria verdadeiramente paradoxal
que subsistisse em caso de força maior.
Nesse sentido, podemos observar o REsp 330.523 – SP, de relatoria do
Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, no qual a 3ª turma decidiu o seguinte:
Ação de indenização. Estacionamento. Chuva de granizo. Vagas cobertas e
descobertas. Art. 1.277 do Código Civil. Código de Defesa do Consumidor.
Precedente da Corte.
1. Como assentado em precedente da Corte, o "fato de o artigo 14, §3° do Código de
Defesa do Consumidor não se referir ao caso fortuito e à força maior, ao arrolar as
causas de isenção de responsabilidade do fornecedor de serviços, não significa que,
no sistema por ele instituído, não possam ser invocadas. Aplicação do artigo 1.058
do Código Civil" (REsp n° 120.647-SP, Relator o Senhor Ministro Eduardo Ribeiro,
DJ de 15/05/00).
2. Havendo vagas cobertas e descobertas é incabível a presunção de que o
estacionamento seria feito em vaga coberta, ausente qualquer prova sobre o assunto.
3. Recurso especial conhecido e provido.
Dessa forma, é possível concluir que o fortuito externo, considerado verdadeira
força maior, não guarda nenhuma relação com o serviço, sendo lógico admiti-lo como
excludente da responsabilidade do fornecedor, sob pena de lhe impor uma responsabilidade
objetiva fundada no risco integral, da qual, conforme já foi dito, o Código não cogitou.106
106
FILHO, Sergio Cavalieri. Programa de direito do consumidor. 1. ed. São Paulo: Atlas, 2009, p. 257.
58
7 CONCLUSÃO
Pelos aspectos analisados, é possível concluir que esta pesquisa reflete um
trabalho de investigação sobre a responsabilidade do fornecedor pela inserção de serviços
defeituosos no mercado de consumo.
Ao se analisar o tipo de responsabilidade adotada pelo Código de Defesa do
Consumidor no que remete à responsabilidade pelo fato do serviço, constata-se que ela
diverge da responsabilidade subjetiva adotada pelo Código Civil.
Porém, deve-se entender que a responsabilidade subjetiva e a responsabilidade
objetiva coexistem, de forma que não há uma substituição de uma pela outra, mas apenas a
escolha mais precisa para determinado contexto.
Foi possível analisar os elementos constitutivos da relação de consumo,
abordando as teorias que existem acerca deles.
Posteriormente, com a definição de fato do serviço, foi possível identificar os
responsáveis pela reparação dos danos ocasionados, e os casos em que se exclui essa
responsabilização, sendo o fornecedor exonerado do dever de reparar apenas nas hipóteses
previstas.
Foi possível concluir que o Código de Defesa do Consumidor adotou a
responsabilidade objetiva, que responsabiliza o fornecedor de serviços pelos danos causados
ao consumidor, independentemente da existência de culpa, num contexto em que prima pela
proteção do consumidor.
O Código de Defesa do Consumidor possui um campo especial de aplicação, que
são as relações de consumo, e ainda regula relações entre desiguais: o fornecedor e o
consumidor, que é reconhecidamente mais fraco e vulnerável.
Tal Código busca a igualdade material (real), reconstruída por uma disciplina
jurídica voltada para o diferente, pois é preciso tratar desigualmente os desiguais para que eles
se igualem.107
Assim, se justifica a aplicação de uma lei protetiva quando ocorrer uma relação
jurídica entre partes desiguais, já que entre iguais não se pode tratar privilegiadamente um
deles, sob pena de atentar contra o princípio da igualdade.
O artigo 4° do Código de Defesa do Consumidor estabelece seu objetivo,
107
FILHO, Sergio Cavalieri. Programa de direito do consumidor. 1. ed. São Paulo: Atlas, 2009, p. 20.
59
destacando-se que “a Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o
atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e
segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de
vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo...” (grifo nosso).
Nesse contexto, Fábio Konder Comparato afirma que:
“A defesa do consumidor é ,indubitavelmente, um tipo de princípio-programa, tendo
por objeto uma ampla política pública (public policy). A expressão política nacional
designa um programa de ação de interesse público. Como todo programa de ação, a
política pública desenvolve uma atividade, isto é, uma série organizada de ações,
para a consecução de uma finalidade, imposta na lei ou na Constituição. A
imposição constitucional ou legal de políticas é feita, assim, por meio das chamadas
normas-objetivo.”108
Vale ressaltar que essa Política Nacional de Consumo, embora inspirada na
necessidade de tutelar a parte mais fraca e vulnerável das relações de consumo, não tem
caráter paternalista, tampouco de ilimitado favoritismo do consumidor. Exemplo disso é o
fato de haver a previsão de hipóteses em que o fornecedor é exonerado do dever de reparar o
dano causado ao consumidor.
Muitos possuem uma visão equivocada acerca do Código de Defesa do
Consumidor, e são levados a fazer infundadas críticas, considerando o Código um elemento
desestabilizador do mercado.
Na realidade, a política normativa traçada pelo Código de Defesa do Consumidor,
afinada com os ditames da ordem econômica definida na Constituição, desenvolve um projeto
de ação destinado a alcançar a harmonia das relações de consumo, conforme se pode observar
na parte final do citado artigo 4º.109
Desse modo, consumidores e fornecedores são os protagonistas das relações de
consumo, sendo o objetivo primordial do Código de Defesa do Consumidor harmonizar os
interesses de ambos, e não desequilibrar a balança em favor do consumidor.
108
COMPARATO, Fábio Konder. A proteção do consumidor: importante capítulo do direito econômico. Revista
de Direito Mercantil – Industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 15-16, 1974. 109
Art. 4: ”...bem como a transparência e harmonia das relações de consumo”.
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