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UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE CIÊNCIAS DEPARTAMENTO DE BIOLOGIA ANIMAL VARIABILIDADE TEMPORAL NA DISPONIBILIDADE DE PRESAS E DIETA DA LONTRA EM RIBEIRAS INTERMITENTES NA SERRA DE GRÂNDOLA: IMPLICAÇÕES DE CONSERVAÇÃO VÂNIA FILIPA MARTINS SALGUEIRO MESTRADO EM BIOLOGIA DA CONSERVAÇÃO 2009

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UNIVERSIDADE DE LISBOA

FACULDADE DE CIÊNCIAS

DEPARTAMENTO DE BIOLOGIA ANIMAL

VARIABILIDADE TEMPORAL NA DISPONIBILIDADE DE PRESAS E DIETA DA

LONTRA EM RIBEIRAS INTERMITENTES NA SERRA DE GRÂNDOLA:

IMPLICAÇÕES DE CONSERVAÇÃO

VÂNIA FILIPA MARTINS SALGUEIRO

MESTRADO EM BIOLOGIA DA CONSERVAÇÃO

2009

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UNIVERSIDADE DE LISBOA

FACULDADE DE CIÊNCIAS

DEPARTAMENTO DE BIOLOGIA ANIMAL

VARIABILIDADE TEMPORAL NA DISPONIBILIDADE DE PRESAS E DIETA DA

LONTRA EM RIBEIRAS INTERMITENTES NA SERRA DE GRÂNDOLA:

IMPLICAÇÕES DE CONSERVAÇÃO

ORIENTADORA CIENTÍFICA: PROF. DOUTORA MARGARIDA SANTOS-REIS

VÂNIA FILIPA MARTINS SALGUEIRO

DISSERTAÇÃO PARA OBTENÇÃO DO GRAU DE MESTRE EM BIOLOGIA DA

CONSERVAÇÃO

2009

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AGRADECIMENTOS

À Prof. Dr.ª Margarida Santos-Reis pela orientação desta dissertação, pelas sugestões e críticas, pelo apoio bibliográfico e pela revisão final do texto. Pela forma amável e concentrada com que sempre me recebia mesmo nos dias mais caóticos! Pelas palavras de confiança e de motivação quando começou a parecer impossível e o pânico se instalou em mim… no fundo um obrigada muito especial não só pela orientação mas pelo profissionalismo brilhante que faz com que consiga dar conta de “todos os recados”; À Dália Freitas, por tudo aquilo que me ensinou na identificação das estruturas ósseas dos peixes e pela simpatia e boa vontade com que sempre o fez. Se não fossem as horas que perdeste comigo no laboratório sem dúvida não teria conseguido… Obrigada; Ao Hugo Matos, pela visita aos locais de amostragem, pela aprendizagem inicial na procura de indícios e pela cedência dos seus dados para comparação. Pelas sempre amáveis respostas às minhas dúvidas (por vezes quase existenciais!), e por, apesar de na maioria das vezes estares muito ocupado, acabares quase sempre por me dar as luzes necessárias; Ao Prof. Dr. Rui Rebelo pela sua amabilidade e disponibilidade para passar umas horas no laboratório para me ajudar na identificação dos anfíbios “mais complicados”; Ao Prof. Dr. Eduardo Crespo pelas dicas e pela disponibilização da colecção de referência que me ajudou a confirmar algumas estruturas ósseas de répteis e anfíbios; Ao Prof. Dr. Artur Serrano, pela identificação de alguns insectos “que a lontra teima em comer!”; Ao Prof. Dr. Henrique Cabral pelas dicas de “qual o melhor caminho estatístico possível” e pela paciência e simpatia com que sempre me recebe e me responde aos e-mails; Não esquecendo ainda de agradecer pelo empréstimo inicial do fato de borracha e pelo esforço para conseguir arranjar o meu número…e conseguiu!; Ao Filipe Ribeiro, por tudo aquilo que me ensinou sobre pesca eléctrica e sobre identificação de peixes. E ainda pela forma prestável e rápida com que me arranjou artigos de um dia para o outro quando o tempo já estava “apertado”; À Teresa Sales-Luís, pelas dicas e preocupação demonstrada sempre que nos cruzávamos, pelo empréstimo do fato de borracha com o qual cai e mergulhei por me ser um pouco grande…; Ao Nuno Pedroso, por aquele dia em que me “pôs à prova” no laboratório, usando-me como “cobaia” para explicar o processo de triagem e identificação de presas. Fez-me sentir mais confiante naquilo que já tinha aprendido neste “mundo da lontra” onde ainda sou tão novinha. Também pelas sugestões e críticas a esta tese; Ao Pedro Andrade, pela sempre enorme boa disposição que nos proporcionou quando estava na Herdade (mesmo que com alguns momentos assustadores…) e ainda pelas dicas sobre o comportamento e ciclo de vida dos lagostins;

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À colega e amiga Filipa Martins, pela ajuda inicial a “aparar as malditas silvas” para ser possível a execução deste trabalho. Pelos inúmeros meses que me fizeste companhia no laboratório e pela pessoa maravilhosa que és e me deste oportunidade de conhecer. Sem dúvida que sem ti teriam parecido meses ainda mais compridos…; E ainda por todas as outras pequenas (GRANDES) ajudas ☺;

À voluntária e amiga Mariana Lã, pelo interesse demonstrado em aprender algo sobre o meu trabalho e pela atenção, cuidado e motivação com que me ajudou na triagem de alguns dejectos. Obrigada pela simpatia, paciência e por nunca teres desistido mesmo quando já estavas de férias!;

Ao colega e amigo brasuca (Pedro Leitão), não só pela ajuda e companhia no primeiro

mês de campo, como também pelos aparecimentos esporádicos no laboratório e pelas risadas que sem dúvida faziam quebrar a monotonia…;

À colega e amiga Andreia Penado, pelo esforço feito para me acompanhar ao campo em

Janeiro, mês em que não só ia sozinha como ia ficando barricada na Herdade… assististe à primeira vez que o meu carro fez de “submarino”, obrigada por estares presente nesse momento e com tão boa disposição!;

Ao colega e amigo Jorge Henriques, pela companhia no laboratório, pela amizade,

confiança e pelas muitas partilhas de frustrações!; Ao colega e amigo João Cruz, por querer estar sempre presente nas alegrias e nas

tristezas. Pela oportunidade de ser amiga de alguém com uma personalidade tão maravilhosa e que soube sempre o que me dizer nos momentos mais difíceis, tanto enquanto colega de Licenciatura como agora nesta nova etapa das nossas vidas…;

Aos colegas e amigos Hugo Zina, Sasha Vasconcelos, Dulce Cardadeiro, Joana Santos e

Marina Duarte simplesmente por serem meus amigos e acreditarem em mim; Ao meu namorado Paulo Rocha, pela enorme compreensão em passarmos menos tempo

e aventuras juntos este ano, não só por causa da execução do trabalho de campo e de laboratório mas principalmente durante os meses de “clausura” para a escrita da tese!;

Aos meus pais, irmã, namorado e ao meu gato por toda a compreensão e paciência

(embora por vezes nem sempre instantâneas…). Vocês são, sem dúvida, os alicerces emocionais que me ajudaram, mais uma vez, a ultrapassar mais uma “batalha”…esta “batalha difícil mas que como tantas outras vais conseguir ultrapassar com sucesso”. Obrigada por me ajudarem a ter uma visão mais positiva das coisas nos momentos mais complicados, e a ter mais confiança em mim, no meu trabalho e no seu resultado final.

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RESUMO O elevado crescimento humano e a maior pressão exercida nos recursos naturais,

estão a provocar alterações nos sistemas aquáticos. Avaliar os efeitos na composição e

estrutura das comunidades, e no funcionamento dos sistemas, é uma prioridade de

conservação. A lontra, como predador aquático cuja sobrevivência depende da capacidade

de resposta às alterações de origem antropogénica, é um bom modelo. Partindo de um

estudo de 1999 em três ribeiras Mediterrânicas (Bacia do Sado, SO Portugal), pretendeu-

se avaliar as alterações sofridas nas comunidades de presas aquáticas (riqueza específica e

abundância relativa), e a forma como a lontra respondeu a essas alterações (dieta).

A riqueza e abundância das espécies piscícolas foram avaliadas através de pesca

eléctrica, a abundância de lagostins com armadilhas de funil, e a dieta da lontra por análise

de dejectos.

Nos 10 anos que medeiam os dois estudos, a comunidade piscícola sofreu alterações

na riqueza específica e na abundância. O ciprinídeo endémico Iberochondrostoma

lusitanicum diminuiu significativamente e o Complexo Squalius alburnoides aumentou

proporcionalmente. Foram ainda detectadas duas espécies exóticas (Australoheros facetus

e Gambusia holbrooki) não presentes anteriormente. Os resultados dos lagostins foram

inconclusivos devido à impossibilidade de replicar o método de captura de 1999.

A lontra respondeu positivamente às alterações observadas na diversidade e

abundância das presas, alterando a sua dieta em concordância com as mesmas (redução

significativa no consumo de I. lusitanicum e aumento significativo no de C.S.alburnoides),

registando-se ainda a predação de G. holbrooki e A. facetus.

Apesar desta resposta positiva da lontra às alterações do sistema, a sua persistência

futura poderá estar comprometida dado o cenário que prevê reduções drásticas da

disponibilidade hídrica, e consequentemente da comunidade piscícola, e uma

intensificação da destruição do habitat. A previsível perda de capacidade de suporte

destes ecossistemas, sobretudo os de regime intermitente, torna-os prioritários na

aplicação de medidas de gestão/conservação.

PALAVRAS-CHAVE: Lutra lutra, acção antropogénica, alterações ambientais, alterações dos

sistemas e das comunidades aquáticas

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ABSTRACT

The high human growth and the increased pressure on natural resources are causing

changes in aquatic systems. Evaluating the effects on the composition and structure of

communities, and on system operation, is a conservation priority. The otter, as aquatic

predator whose survival depends on the ability to respond to changes of anthropogenic

origin, is a good model. Based on a 1999 study in three Mediterranean streams (Sado

Basin, SW Portugal), the aim of this study was to assess the changes made in the

communities of aquatic prey (species richness and relative abundance), and the otter’s

response to these changes (diet).

Fish species richness and abundance were evaluated by electrofishing, red swamp

crayfish abundance by using funnel traps, and the otter diet by spraint analysis.

In the 10 years that mediate both studies, the fish community has changed in both

species richness and abundance. The endemic cyprinid Iberochondrostoma lusitanicum

decreased significantly and the Squalius alburnoides complex increased proportionally.

Two exotic species (Australoheros facetus and Gambusia holbrooki) which were not

present previously, were also detected. The red swamp crayfish results were inconclusive

due to the inability to replicate the capture method used in 1999.

The otter responded positively to the changes observed in prey diversity and

abundance, changing its diet in accordance with them (significant reduction in the

consumption of I. lusitanicum and significant increase in the S.alburnoides complex). A.

facetus and G. holbrooki predation was also registered.

Despite the otter’s positive response to system changes, its future persistence may

be compromised given the scenario predicting dramatic reductions in water availability,

and consequently in the fish community, and the intensification of habitat destruction.

The predictable loss of the carrying capacity of these ecosystems, especially the

intermittent regimes, makes them a priority in the research and application of

management/conservation measures.

Keywords: Lutra lutra, anthropogenic activity, environmental changes, changes in systems

and in aquatic communities.

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ÍNDICE

1. INTRODUÇÃO …………………………………………………………………………………………………….…… 1

2. ÁREA DE ESTUDO

2.1 – Localização ……………………………………………………………………………………………………….. 7

2.2 – Caracterização das Ribeiras ………………………………………………………………………………. 8

3. METODOLOGIA

3.1 – Metodologia de Campo

3.1.1 Disponibilidade de presas …………………………………………..…………………………. 9

3.1.2 Quantificação de indícios de presença de lontra e recolha de

dejectos ………………………………………………………………………………………………..10

3.2 – Metodologia de Laboratório

3.2.1 Análise de dejectos de lontra …………..………………………………………………….. 10

3.3 – Análise de dados ……….……………………………………………………………………………………. 11

4. RESULTADOS

4.1 – Disponibilidade de Presas e Dieta actual da Lontra

4.1.1 Riqueza específica e abundância de presas ………………………………………….. 14

4.1.2 Dieta da lontra

4.1.2.1 Espectro alimentar ……………………………………………………………..…. 18

4.1.2.2 Variação espacial ………………………………..………………………………… 21

4.1.2.3 Variação sazonal …………………………………..………………………………. 24

4.1.2.4 Consumo vs Disponibilidade ………………………………………………..… 27

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4.2 – Análise comparativa com os resultados obtidos 10 anos antes

4.2.1 Indícios de presença da lontra ………………………………………………….…………. 29

4.2.2 Disponibilidade de presas ………………………………………………………….………… 30

4.2.3 Dieta da lontra

4.2.3.1 Espectro alimentar …………………………………………..……………………. 31

4.2.3.2 Variação espacial ………………………..………………………………………… 34

4.2.3.3 Variação sazonal …………...…………..…………………………………………. 35

5. DISCUSSÃO ………………………………………………………………………………………………….………. 37

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS .……………………………..………………………………………………………. 45

7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ….………………………………………………………………………….. 48

8. ANEXOS …………………………………………………………………………………………………………….… 54

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1. INTRODUÇÃO

���� CAUSAS E CONSEQUÊNCIAS DE ALTERAÇÕES NOS SISTEMAS HÍDRICOS

É unanimemente reconhecido que a acção humana sobre os recursos hídricos

está a provocar alterações nestes sistemas, quer de uma forma directa, através da

remoção de grandes quantidades de água para uso doméstico e agricultura, quer de

uma forma indirecta, ao contribuir com a sua acção para alterações climáticas que

levam ao aumento da temperatura e à diminuição da precipitação e

consequentemente à perda de capacidade de recarga destes sistemas (e.g. Alcamo et

al., 2003; Miranda e Santos, 2006).

A construção de modelos que estimam a perda de água disponível nos rios e que

analisam a evolução da temperatura e da precipitação tem sido uma área bastante

explorada actualmente (Miranda e Santos, 2006). Desde o início do século XX que se

observa que a precipitação global tem vindo a diminuir e a temperatura global a

aumentar e, com base nos referidos modelos, é previsível que esta tendência se

mantenha no futuro (IPCC, 2001). Para além disso, é ainda perceptível uma alteração

do regime hidrológico, com maior irregularidade entre situações de cheia e de seca.

Estas alterações são particularmente notórias no sul da Europa (Climate Research Unit,

2003 in Miranda e Santos, 2006).

No entanto, há outras acções antropogénicas que estão a provocar a alteração

dos sistemas aquáticos, sendo importante referir as alterações nos usos do solo, a

poluição aquática e a introdução de espécies exóticas (e.g. Collares-Pereira et al.,

2000).

Face a este cenário, torna-se perceptível o aumento da vulnerabilidade dos

sistemas hidrológicos e comunidades aquáticas a eles associadas. Muitos estudos

sugerem que a redução do fluxo de água dos rios tem efeitos marcantes na

composição, tamanho e estrutura das populações de peixes (e.g. Lake, 2003), e que

futuras reduções da água disponível poderão afectar negativamente a biodiversidade

aquática, sendo mesmo previsíveis extinções globais ou regionais (Xenopoulos et al.,

2005). De facto, foram já construídos modelos que combinam cenários hidrológicos de

perda de água com cenários de biodiversidade piscícola e os resultados sugerem que,

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INTRODUÇÃO

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até ao final de 2070, 75% das espécies piscícolas estarão extintas devido à combinação

de alterações no clima e no consumo de água (Xenopoulos et al., 2005).

Para além da perda física de habitat, as espécies aquáticas enfrentam também

perda de conectividade dos rios, deterioração da qualidade da água (podendo

enfrentar hipoxia e hipertermia), alteração dos recursos alimentares e alterações na

estrutura e magnitude das interacções interespecíficas, sobretudo aumento da

competição pelos recursos limitados e aumento da predação por predadores aquáticos

e terrestres (Lake, 2003; Pires et al., 1999).

As já mencionadas alterações nos sistemas hídricos são ainda mais pronunciadas

nos de regime intermitente. Estes, ao serem caracterizados por uma acentuada

variação sazonal da quantidade de água disponível, são ainda mais afectados pelas

acções antropogénicas (Collares-Pereira et al., 2000), tendo uma maior vulnerabilidade

à perturbação, incluindo a dessecação total, e consequentemente uma maior

probabilidade de disrupção de todo o ecossistema aquático.

���� A LONTRA COMO CASO DE ESTUDO

A lontra europeia (Lutra lutra Linnaeus, 1758), por ser um predador totalmente

dependente da presença de água e dos recursos aquáticos (e.g. Kruuk, 2006), surge

como um excelente modelo no contexto da resposta a alterações induzidas neste tipo

de sistemas. São condições necessárias à sua ocorrência a presença de recursos

alimentares abundantes e não contaminados (essencialmente peixes e crustáceos), a

que acresce um coberto vegetal denso que propicie abrigo e locais adequados à

reprodução, e reduzida perturbação humana (Trindade, 1996; Kruuk, 2006).

Apesar da recuperação actualmente observada (e.g. White et al., 2003), a lontra

europeia sofreu nas últimas décadas uma regressão das suas populações em

Inglaterra, França, Holanda, Bélgica, Dinamarca, Alemanha e Espanha oriental, tendo

estado perto da extinção em Itália (Mason e MacDonald, 1994; Kruuk, 1995). Já nessa

altura, a causa desse amplo e rápido declínio foi atribuída à contaminação,

perturbação e/ou destruição das condições necessárias à sua ocorrência (Mason e

Macdonald, 1986a; Kruuk, 1995).

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INTRODUÇÃO

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Apesar de em Portugal ser considerada uma espécie abundante, de distribuição

generalizada (Trindade et al., 1998) e com estatuto Pouco Preocupante (LC - Cabral et

al., 2005), a nível europeu no ano 2000 era classificada como espécie vulnerável (VU) e

actualmente, apesar da recuperação observada, ainda permanece como Quase

Ameaçada (NT) (IUCN, 2008). Assim, a sua resposta num cenário de perda de habitats

sustentáveis à sua permanência, sobretudo em consequência da perda de espécies

que são as suas presas base, é algo que preocupa a comunidade científica pois existe a

possibilidade de se inverter a situação a qualquer momento.

Para além da perda de água, também a poluição aquática tem efeitos directos

(e.g. alterações ao nível do isolamento térmico do pêlo e da fisiologia da reprodução) e

indirectos (e.g. distrofia dos sistemas naturais, eutrofização, alterações da cadeia

alimentar) na lontra (Trindade et al., 1998; Kruuk, 2006). A poluição é adicionada

directamente no meio aquático por descargas industriais, escorrência de terras

agrícolas e chuvas ácidas, podendo contaminar e reduzir as fontes de alimento da

lontra. Preocupante também é o facto de estarem envolvidos organoclorados, PCB’s e

metais pesados que podem ter efeitos graves para a lontra, tais como mortalidade

directa e redução da taxa de reprodução, ou redução da abundância das suas presas

(Mason e Macdonald, 1986b; Ruiz-Olmo et al., 2000). O facto de ser um predador

aquático de topo resulta num efeito cumulativo destes compostos, quer por

contaminação directa (bioacumulação), quer por contaminação através das presas que

consome (biomagnificação) (López-Martín e Ruiz-Olmo, 1996). Este é também um

aspecto importante na capacidade de persistência da espécie num cenário futuro, pois

tendo em conta os seus requisitos ecológicos, não pode evitar o contacto com a água

nem diminuir as quantidades diárias de alimento que necessita para sobreviver.

Sendo um animal que necessita de elevadas quantidades diárias de alimento

(cerca de 13% da sua massa corporal, representando na Península Ibérica entre 0,6 e

1,4kg/indivíduo/dia), o factor de habitat indispensável à sua permanência numa

determinada área é a presença de presas e em densidades elevadas para que as

lontras consigam suprir as suas necessidades diárias rapidamente (Kruuk, 2006; Ruiz-

Olmo e Jiménez, 2008). Sabendo que os cenários actuais e futuros são de perda destes

habitats, a sobrevivência da lontra, pelo menos em alguns tipos de ambientes, poderá

estar comprometida uma vez que a escassez de recursos tróficos pode ser a causa de

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INTRODUÇÃO

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um significativo aumento da taxa de mortalidade natural (doença e/ou debilidade

física) (Kruuk et al., 1987). Embora a lontra tenha aproveitado de forma generalizada e

intensa a introdução do lagostim-vermelho-americano (Procambarus clarkii) em

muitas áreas da sua distribuição (e.g. Delibes e Adrián, 1987), incluindo Portugal (e.g.

Beja, 1996), esta presa alternativa é pouco energética e está disponível em maiores

densidades apenas entre a Primavera e o Outono, continuando a lontra a depender

das espécies piscícolas para sobreviver (Beja, 1996).

���� ALIMENTO COMO FACTOR PRINCIPAL DE REGULAÇÃO DE POPULAÇÕES

Conhecer as necessidades alimentares das espécies é uma das questões

fundamentais da ecologia; isto porque o alimento é o principal factor de regulação das

populações e, por isso, através do estudo da disponibilidade de recursos alimentares e

da forma como as espécies tiram partido dos mesmos, é possível perceber até que

ponto este factor estará ou não a limitar a(s) espécie(s). Conhecer qual a importância

de alimentos específicos para a ‘fitness’ da espécie (sobretudo sobrevivência e sucesso

reprodutor) é um dos principais objectivos dos estudos sobre hábitos alimentares

(Litvaitis, 2000).

Os predadores, pela posição que ocupam nas teias tróficas, são animais que

habitualmente vivem em reduzidas densidades, tornando-se ainda mais relevante

conhecer as suas necessidades alimentares, sobretudo para aqueles que têm

requisitos energéticos mais elevados e que dependem de recursos que flutuam

espacial e temporalmente, como é o caso da lontra (Kruuk, 2006) nos ambientes

Mediterrânicos.

���� COMUNIDADES PISCÍCOLAS E LONTRA EM SISTEMAS DE REGIME INTERMITENTE

Os rios mediterrânicos, caracterizados pela escassez de água, são dominados por

peixes da Família Ciprinidae, e podem ser mais produtivos do que outros ecossistemas

de maiores dimensões. No entanto, são muito mais instáveis sofrendo habitualmente

secas, secas crónicas e inundações (e.g. Beja, 1995; Prenda et al., 2001; Ruiz-Olmo et

al., 2007). Nestas circunstâncias o estudo da lontra em ambientes mediterrânicos tem

um duplo interesse. Por um lado, abordar a capacidade da espécie para enfrentar

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INTRODUÇÃO

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condições ambientais extremas e muito diferentes das habituais na maior parte da sua

área de distribuição, sobretudo numa altura em que essas condições tendem a

agravar-se (cenário de alterações globais). Por outro lado, proporcionar uma gestão

mais eficaz para a espécie já que se tem em conta os conhecimentos adquiridos em

condições muito distintas.

Neste sentido, o tema mais relevante no contexto da viabilidade futura da lontra,

será perceber qual a resposta da espécie às alterações que têm vindo a ser induzidas

nas comunidades piscícolas, existindo já em Portugal casos de perda de espécies de

peixes dulciaquícolas. Por exemplo, a distribuição e abundância de 23 espécies de

peixes nativas do rio Guadiana decresceu marcadamente nos últimos 20 anos

(Collares-Pereira et al., 2000), padrão este generalizado a outras regiões e

comunidades já que nos últimos 30 anos a biodiversidade de água doce tem

decrescido mais rapidamente do que a terrestre e marinha (Jenkins, 2003).

No cenário actual de alterações climáticas, as bacias hidrográficas do Sul do país

integram-se numa região muito vulnerável em termos hídricos, uma vez que estão

sujeitas a uma maior redução de precipitação e/ou maior encurtamento do período de

chuvas e a um maior aumento da evapotranspiração (Miranda e Santos, 2006). Em

termos de biodiversidade, a região mediterrânica é sede de uma das mais importantes

zonas húmidas da Europa, tanto do ponto de vista ictiológico, como malacológico e

ornitológico (Miranda e Santos, 2006). Num cenário de mudança climática

caracterizado por aquecimento, redução da disponibilidade hídrica e/ou aumento da

variabilidade interanual da precipitação, são assim de esperar dificuldades acrescidas

na manutenção da vegetação e consequentemente da fauna naturais (Miranda e

Santos, 2006).

Apesar das comunidades de peixes nativos, em particular as endémicas, estarem

bem adaptadas à forte sazonalidade que caracteriza historicamente este tipo de

ambientes aquáticos de regime intermitente (Collares-Pereira et al., 2000), é difícil

prever o modo como aquelas respondem às alterações que estão a ocorrer no actual

cenário de intensificação das actividades antropogénicas (Lake, 2003). De facto, em

locais onde há uma grande variação na quantidade e fluxo de água disponível, os

sistemas ficam mesmo reduzidos a pequenos pegos no fim da Primavera e no Verão.

Embora os pegos constituam um importante refúgio para as populações aquáticas

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INTRODUÇÃO

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(Collares-Pereira et al., 2000; Magalhães et al., 2007) impõem constrangimentos

ambientais com impacto na sobrevivência das populações a longo prazo, tais como, a

fraca qualidade da água (eutrofização, anoxia), a maior competição com espécies

exóticas por espaço e alimento (Collares-Pereira et al., 2000) e a maior probabilidade

de predação (Magalhães et al., 2002). Nalguns locais, acresce ainda a alteração e

destruição do habitat.

Assim, muitas espécies aquáticas mediterrâneas estão já a viver no seu limite de

tolerância (Cowx e Collares-Pereira, 2000), e mostram-se agora particularmente

vulneráveis a factores de stress como o aumento da temperatura e da frequência de

episódios de seca, sobretudo nos sistemas de regime intermitente, sendo os seus

efeitos cumulativos em anos seguidos de seca (Magalhães et al., 2007).

���� OBJECTIVOS

Sabendo que o Sul do país é a zona mais vulnerável a algumas das alterações nos

sistemas hidrológicos provocadas pelas actividades humanas, e tendo por base um

estudo realizado há 10 anos em ribeiras intermitentes da bacia do Sado (Matos, 1999),

o presente estudo pretendeu:

1 – Avaliar quais as alterações sofridas nas comunidades aquáticas daquela região

(composição e abundância das presas) decorrido um intervalo considerável de tempo.

2 – Avaliar a resposta da lontra a essas alterações (consumo versus disponibilidade).

3 – Prever quais as implicações dessas alterações para a conservação da lontra naquela

região e em sistemas similares.

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2. ÁREA DE ESTUDO

2.1 – LOCALIZAÇÃO

A área de estudo situa-se no sudoeste alentejano português e inclui a Herdade

da Ribeira Abaixo – Estação de Campo do Centro de Biologia Ambiental (CBA) da

Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.

A região apresenta uma topografia que varia entre os 150 e os 270 m de altitude

e é atravessada por várias linhas de água de regime intermitente pertencentes à Bacia

Hidrográfica do Rio Sado.

Os locais de amostragem prospectados neste trabalho foram os seleccionados

por H. Matos em 1999 (Matos, 1999) e incluem três ribeiras interligadas entre si:

Ribeira dos Castelhanos, Ribeira da Fonte dos Narizes e Ribeira de Grândola.

Dois percursos situaram-se na Ribeira dos Castelhanos: um a montante (HRA1)

abrangendo uma zona de nascente e o segundo mais a jusante (HRA2); outro percurso

abrangeu a secção terminal da Ribeira dos Castelhanos e a secção inicial da Ribeira da

Fonte dos Narizes (FN) e o restante situou-se na Ribeira de Grândola (G) (Fig. 1).

Fig. 1. Localização da área de estudo na Bacia Hidrográfica do Rio Sado e dos respectivos sectores de amostragem.

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ÁREA DE ESTUDO

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2.2 – CARACTERIZAÇÃO DAS RIBEIRAS

A Ribeira dos Castelhanos flui entre uma área de montado de sobro (Quercus

suber L.) e as suas margens são densamente ocupadas por vegetação arbustiva e

arbórea. As espécies predominantes nas margens são as silvas (Rubus sp.) e os

amieiros (Alnus glutinosa (L.) Gaertn), existindo no entanto outras espécies menos

abundantes como os choupos (Populus sp.) e os freixos-de-folhas-pequenas (Fraxinus

angustifolia Vahl). Esta ribeira caracteriza-se ainda por ter uma variação de caudal

pouco acentuada devido ao contributo de uma nascente de água que existe na secção

mais a montante. Foi assim possível encontrar, nesta ribeira, uma quantidade razoável

de água durante todo o período em que decorreu este estudo. Actualmente, esta

ribeira apresenta as margens visivelmente alteradas em alguns locais, por desbaste de

vegetação nalgumas alturas do ano e pisoteio pelo gado, características que não

estavam presentes no período do estudo de Matos (1999).

A Ribeira da Fonte dos Narizes flui também entre uma área de montado de

sobro mas as suas margens são ocupadas sobretudo por vegetação do estrato

arbustivo e herbáceo. Possui apenas alguns exemplares do estrato arbóreo sobretudo

os freixos-de-folhas-pequenas. A variação do caudal desta ribeira foi a mais marcada,

uma vez que se encontrou seca quase na sua totalidade de Novembro a Janeiro e

novamente em Junho. Esta ribeira caracteriza-se ainda pela frequente utilização pelo

gado ovino e bovino, apresentando as suas margens severas alterações (e.g. pisoteio,

desbaste de vegetação), características já presentes no período do estudo de Matos

(1999).

A Ribeira de Grândola caracteriza-se pela forte intervenção humana a que está

sujeita, pois ambas as margens são exploradas por agricultores. A margem direita é

ocupada por um extenso olival (Olea europaea L.), enquanto na margem esquerda é

praticada agricultura de subsistência. As variações de caudal desta ribeira não foram

significativas ao longo deste estudo e não houve grandes alterações na intensidade e

no número de perturbações, relativamente ao que já sucedia há 10 anos atrás.

Todas as ribeiras possuem uma granulometria do leito constituída por seixos e

calhaus.

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9

3. METODOLOGIA

Sendo objectivo deste estudo a comparação da disponibilidade de presas para a

lontra e o respectivo consumo, em dois momentos distanciados entre si 10 anos, os

métodos de campo e análise utilizados por Matos (1999) foram, sempre que possível,

aqui replicados tal como a seguir se descreve.

3.1 – METODOLOGIA DE CAMPO

3.1.1 – Disponibilidade de presas

Para a avaliação da abundância relativa de presas potenciais, foram adoptados

métodos distintos de amostragem de acordo com as diferentes categorias de presas

existentes na área de estudo.

Para amostrar as espécies piscícolas foram realizadas pescas eléctricas em

Fevereiro (época húmida) e Julho (época seca). Em cada sector de amostragem foi

seleccionado um subsector com aproximadamente 30 metros, que foi percorrido

durante 15 minutos com um aparelho fixo que funcionou a 300 Volts (3-4A, DC)

(Magalhães et al., 2007). Os exemplares capturados foram identificados, medidos e

devolvidos à água.

Para os lagostins, foram colocadas mensalmente armadilhas de funil com

abertura única de 43 mm (Beja, 1996; Cruz et al., 2004), seis por sector de amostragem

e distanciadas, quando possível, a 100 metros umas das outras. As armadilhas foram

iscadas com comida comercial para gato com sabor a peixe e deixadas durante uma

noite. O número médio de lagostins por armadilha por noite foi usado como um índice

de abundância em função do esforço de captura (Beja, 1996). Os indivíduos capturados

foram medidos para ser possível estimar as classes de comprimentos disponíveis para

a lontra.

Para as restantes presas potenciais (e.g. anfíbios, répteis), não foram utilizados

métodos sistemáticos de avaliação de presença e abundância. Foi feita uma pesquisa

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METODOLOGIA

10

bibliográfica sobre a fauna existente na área (Santos-Reis e Correia, 1999) e a fenologia

da sua ocorrência, foram registadas as observações directas e ainda registados outros

indícios de abundância como, por exemplo, o número de cantos produzidos pelos

anuros quando em reprodução.

3.1.2 – Quantificação de indícios de presença de lontra e recolha de

dejectos

Entre Novembro de 2008 e Junho de 2009 foram quantificados todos os indícios

de presença de lontra ao longo de 600 metros de margem nos quatro locais de

amostragem analisados por Matos (1999). A prospecção dos locais de amostragem

incluiu, sempre que possível, uma faixa de 5 metros perpendicular às margens a partir

do nível da água, metodologia já adoptada anteriormente por outros autores (e.g.

Pedroso, 1997; Sales-Luís, 1998; Matos, 1999; Pedrosa, 2000; Barrinha, 2001). Estes

indícios incluíram restos de presas, dejectos, jellies e smears (secreções de consistência

mucilaginosa que não contêm restos alimentares).

Os dejectos detectados foram recolhidos, guardados individualmente em sacos

de plástico, rotulados com a data e o percurso amostrado e analisados posteriormente

em laboratório para avaliação da dieta (ver ponto 3.2).

3.2 – METODOLOGIA DE LABORATÓRIO

3.2.1 – Análise de dejectos de lontra

Devido ao número elevado de amostras mensais e ao tempo necessário para o

seu processamento laboratorial optou-se por proceder a uma sub-amostragem e para

garantir uma homogeneidade do conjunto optou-se inicialmente por analisar um valor

mensal de 40 excrementos (ou todos quando o número de amostras não atingia esse

valor), valor superior à amostra mínima susceptível de ter significado estatístico, i.e. ≥

30 (Sokal e Rohlf, 1995). As sub-amostras mensais por estação de amostragem foram

seleccionadas recorrendo a processos aleatórios.

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METODOLOGIA

11

Cada dejecto foi colocado em água quente com algumas gotas de detergente e

agitado para dissolver as substâncias mucilaginosas que o envolvem, provocando deste

modo a desagregação dos vários elementos não digeridos (Jenkins et al., 1979). Os

elementos resultantes do procedimento anterior foram filtrados num crivo de 0,5 mm

de malha e posteriormente, com o auxílio de uma lupa binocular, identificadas as

presas consumidas ao nível das categorias mais abrangentes: insectos, crustáceos,

peixes, anfíbios, répteis, aves e mamíferos. As estruturas ósseas de peixes foram

identificadas recorrendo a colecções de referência e a bibliografia adequada (e.g.

Prenda et al., 2002). Os anfíbios da ordem Anura foram identificados recorrendo ao

trabalho de Ferreira (2002), enquanto os restantes, à semelhança dos insectos e

répteis, foram identificados com a ajuda de especialistas. Os pêlos de mamíferos foram

identificados utilizando os descritores apresentados por Valla-Pinto (1978), Keller

(1980) e Debrot et al. (1982) e as penas de aves os critérios descritos por Brom (1986).

O número e dimensões das estruturas diagnosticantes para a identificação das

presas consumidas serviram de base para a estimação do número mínimo de

indivíduos de cada categoria de presa por dejecto. Para algumas espécies de peixes e

para os lagostins consumidos, foram ainda estimados o peso e o comprimento totais

das presas ingeridas, recorrendo a uma ocular milimétrica e utilizando rectas de

regressão que relacionam as estruturas diagnosticantes e o comprimento total, e o

comprimento e o peso totais. As rectas de regressão utilizadas neste trabalho foram

obtidas por Matos (1999) e Prenda et al. (2002) (Anexo 1).

Aos indivíduos que possuíam peças ósseas partidas foram atribuídos tamanhos e

pesos médios obtidos, quando possível, primeiro fazendo a média da espécie dentro

da própria amostra, segundo fazendo a média dentro do mesmo transecto e no

mesmo mês, terceiro fazendo a média do mês ou por último fazendo a média da

estação do ano.

3.3 – ANÁLISE DE DADOS

Para comparar a dimensão da amostra de dejectos de lontra entre os anos

analisados, foi realizado um teste de Mann-Whitney (U), e para determinar a

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METODOLOGIA

12

disponibilidade de recursos tróficos no meio foi quantificada a riqueza específica e a

abundância relativa.

A composição do espectro alimentar foi expressa em termos qualitativos,

fazendo uma listagem das categorias de presas identificadas, e quantitativamente

através do cálculo de duas fórmulas percentuais: percentagem de ocorrência (P.O.) –

quociente entre o número de ocorrências (indivíduos) de uma determinada categoria

de presas e o número total de ocorrências de todas as categorias de presas x 100;

percentagem de biomassa (P.B.) – quociente entre o peso estimado de uma

determinada categoria de presas e o peso total estimado de todas as categorias de

presas x 100.

As várias categorias de presas foram classificadas de acordo com a sua

importância no espectro alimentar utilizando o critério usado por Skuratowick (1950 in

Farinha, 1995), i.e. com base nas percentagens de ocorrência: P.O.> 20% recurso

básico; 20%≤ P.O. ≥ 5% recurso constante; 5%≤ P.O. ≥ 1% recurso suplementar; P.O.

<1% recurso ocasional.

Para avaliar a amplitude de exploração dos recursos (amplitude do nicho trófico)

foi calculado o índice de Equitabilidade (Shannon-Weaver padronizado) (J’) (Krebs,

1989) que varia entre 0 (regime especialista – os recursos identificados não são

explorados de uma forma regular) e 1 (regime generalista – os recursos identificados

são explorados de uma forma regular).

Calculou-se ainda o índice de Pianka (α) (1975 in Santos-Reis, 1989) de forma a

conhecer qual o nível de sobreposição espacial e temporal do nicho alimentar. O valor

deste índice varia entre 0 e 1 e toma o seu valor máximo quando a sobreposição dos

nichos alimentares é total.

Para testar a significância das diferenças de consumo sazonal e espacial para

cada uma das categorias de presa recorreu-se a testes de Qui-quadrado para

proporções binomiais (Simpson et al., 1960), adequando o nível de significância de

acordo com o número de comparações a efectuar através da correcção de Bonferroni

(Legendre e Legendre, 1998). Apesar do elevado número de testes que este método

implica, revelou-se mais apropriado comparativamente ao cálculo de um valor único

de qui-quadrado que tenha em conta todas as categorias. Como as diferenças

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METODOLOGIA

13

significativas são quase sempre em mais do que uma categoria, a realização de testes

de qui-quadrado parciais (com remoção das categorias uma a uma) não permite

concluir qual o conjunto que está a provocar significância. Para além disso, as

proporções binomiais têm em conta tanto a presença como a ausência das presas em

cada amostra.

Para verificar se as classes de comprimento mais consumidas de lagostim e de

algumas espécies de peixe eram também as que apresentavam maior abundância

relativa, foram construídos gráficos e efectuadas correlações de Spearman (rs) entre as

classes de tamanho consumidas e capturadas para cada espécie.

Para testar a significância das diferenças entre os resultados obtidos neste

trabalho e no de Matos (1999) recorreu-se igualmente a testes de Qui-quadrado para

proporções binomiais com correcção de Bonferroni. Para as categorias que

apresentaram diferenças significativas nas proporções de captura e de consumo,

foram ainda calculados ranks para cada espécie dessa categoria para cada um dos anos

em comparação. Não foi possível comparar as capturas e consequente disponibilidade

dos lagostins pois, mesmo tendo o número total de indivíduos capturados por esforço

de amostragem, este valor continua a não ser comparável visto os métodos de captura

serem diferentes tanto em termos de tipo de armadilhas usadas como em número,

frequência de colocação e disposição das mesmas.

Os programas usados para a análise de dados foram o Microsoft® Office Excel

2003 e o Statistica 8.3 (© StatSoft Inc. 2008).

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14

4. RESULTADOS

4.1 – DISPONIBILIDADE DE PRESAS E DIETA ACTUAL DA LONTRA

4.1.1 – RIQUEZA ESPECÍFICA E ABUNDÂNCIA DE PRESAS

Foi possível confirmar a presença de 9 espécies de potenciais presas estritamente

aquáticas na área de estudo: um crustáceo e oito peixes, um dos quais um complexo

(Tabela 1). Para as restantes categorias identificaram-se 12 espécies como potenciais

presas: nove anfíbios, dois répteis e um mamífero (Tabela 1).

Tabela 1. Diversidade de espécies na área de estudo consideradas como potenciais presas para a lontra (NA – Não

Aplicável; EN – Em Perigo; LC – Pouco Preocupante; CR – Criticamente em Perigo; VU – Vulnerável; NT – Quase Ameaçada).

Espécie (Nome comum) Origem Endemismo

Ibérico Estatuto em

Portugal

Procambarus clarkii CRUSTÁCEOS

(Lagostim-vermelho-americano) Exótica NA

Anguilla anguilla (Enguia) Nativa EN

Barbus bocagei (Barbo) Nativa X LC

Iberochondrostoma lusitanicum

(Boga-portuguesa) Nativa X CR

PEIXES Complexo Squalius alburnoides (Bordalo) Nativa X VU

Squalius pyrenaicus (Escalo do Sul) Nativa X EN

Cobitis paludica (Verdemã) Nativa X LC

Gasterosteus gymnurus (Esgana-gata) Nativa EN

Australoheros facetus (Chanchito) Exótica NA

Alytes cisternasii (Sapo-parteiro-ibérico) Nativa X LC

Discoglossus galganoi

(Rã-de-focinho-pontiagudo) Nativa X NT

Bufo bufo (Sapo-comum) Nativa LC

Epidalea calamita (Sapo-corredor) Nativa LC

ANFÍBIOS Hyla meridionalis (Rela-meridional) Nativa LC

Pelophylax perezi (Rã-verde) Nativa LC

Salamandra salamandra

(Salamandra-de-pintas-amarelas) Nativa LC

Triturus marmoratus (Tritão-marmorado) Nativa LC

Lissotriton boscai (Tritão-de-ventre-laranja) Nativa X LC

RÉPTEIS Mauremys leprosa (Cágado-mediterrânico) Nativa LC

Natrix maura (Cobra-de-água-viperina) Nativa LC

MAMÍFEROS Arvicola sapidus (Rato-de-água) Nativa LC

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RESULTADOS – DISPONIBILIDADE DE PRESAS E DIETA ACTUAL DA LONTRA

15

O sector de amostragem onde se efectuou o maior número de capturas de

lagostim foi no HRA2, enquanto o sector de amostragem com menor número de

capturas foi o G (Fig. 2). Pode-se ainda observar que houve uma diminuição notável

das capturas na passagem do Outono (Novembro e Dezembro) para o Inverno (Janeiro,

Fevereiro e Março), à excepção de G, e posteriormente um aumento ainda mais

notável na passagem do Inverno para a Primavera (Abril, Maio e Junho) (Fig. 3). De

facto, a variação mensal de capturas está intimamente relacionada com a precipitação

mensal. Assim, nos meses em que choveu (Janeiro, Fevereiro e Março) houve uma

reduzida captura de lagostins, enquanto nos meses sem chuva (Novembro, Dezembro,

Abril, Maio e Junho) houve um número muito mais elevado de capturas. A captura de

lagostins de maiores dimensões verificou-se na Primavera, variando os comprimentos

nesta estação do ano entre 4,1 e 12,8 cm ( cm scm x 56,1;8,7 == ).

Fig. 2. Variação espacial do número de indivíduos de lagostim-vermelho-americano capturados mensalmente.

Fig. 3. Variação mensal e espacial da abundância relativa (por esforço de amostragem) do lagostim-vermelho-

americano.

Nov

Dez Jan Fev M

ar

Abr

Mai

Jun

GFN

HRA2HRA1 0,00

1,00

2,00

3,00

4,00

5,00

Nºm

édio

por

arm

adi

lha/n

oit

e

Abundância relativa de P. clarkii

Box Plot (Spreadsheet2 2v*32c)

Mean Mean±SE Mean±SD Outliers Extremes

HRA1 HRA2 FN G

Transecto

-10

-5

0

5

10

15

20

25

30

35

Ab.m

ensal

N

º in

div

ídu

os

cap

tura

do

s

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RESULTADOS – DISPONIBILIDADE DE PRESAS E DIETA ACTUAL DA LONTRA

16

Quanto aos peixes, pode observar-se na figura 4, que estes foram capturados em

número muito mais elevado na época seca (Julho) (N = 1166) do que na época húmida

(Fevereiro) (N = 360), e que o sector onde se capturou maior número de peixes foi no

FN (N = 527) e menor no G (N = 260) (Fig. 5).

Fig. 4. Variação temporal do número de indivíduos capturados das diferentes espécies de peixes durante as duas

pescas eléctricas realizadas (C.S.a. – Complexo Squalius alburnoides; I.l. – Iberochondrostoma lusitanicum; C.p. –

Cobitis paludica; A.f. – Australoheros facetus; A.a. – Anguilla anguilla; G.g. – Gasterosteus gymnurus; S.p. – Squalius

pyrenaicus; B.b. – Barbus bocagei).

Fig. 5. Variação espaciall do número de indivíduos capturados das diferentes espécies de peixes durante as duas

pescas eléctricas realizadas (C.S.a. – Complexo Squalius alburnoides; I.l. – Iberochondrostoma lusitanicum; C.p. –

Cobitis paludica; A.f. – Australoheros facetus; A.a. – Anguilla anguilla; G.g. – Gasterosteus gymnurus; S.p. – Squalius

pyrenaicus; B.b. – Barbus bocagei).

Também em termos de biomassa, a época húmida foi menos importante, bem

como o sector G (Fig. 6 e Tabela 2). As espécies que dominaram, em termos de

biomassa, foram diferentes nas duas épocas, sendo que a Anguilla anguilla dominou

B.b

.

S.p.

G.g

.

A.a

.

A.f

.

C.p

.

I.l.

C.S

.a.

FevereiroJulho

0

200

400

600

800

1000N

º in

diví

duo

s

cap

tura

dos

Espécies

Variação Temporal das capturas de Peixe

HR

A1

HR

A2

FN G

B.b.S.p.

G.g.A.a.

A.f.C.p.

I.l .C.S.a.

0

100

200

300

400

ind

ivíd

uo

s

cap

tura

do

s

Espécies

Variação Espacial das capturas de Peixe

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RESULTADOS – DISPONIBILIDADE DE PRESAS E DIETA ACTUAL DA LONTRA

17

na época húmida e o Complexo Squalius alburnoides na época seca (Fig. 6). Quanto ao

sector de amostragem mais importante relativamente à biomassa capturada, pode

observar-se na tabela 2 que foi FN, único onde se capturou a espécie exótica

Australoheros facetus (Fig. 5) mas que não foi contabilizada em termos de biomassa,

bem como Gasterosteus gymnurus devido à inexistência de rectas de regressão para

ambas.

Fig. 6. Variação da biomassa das espécies ícticas na época húmida (Fevereiro) e época seca (Julho) (C.S.a. –

Complexo Squalius alburnoides; I.l. – Iberochondrostoma lusitanicum; S.p. – Squalius pyrenaicus; B.b. – Barbus

bocagei; C.p. – Cobitis paludica; A.a. – Anguilla anguilla).

Tabela 2. Biomassa (em kg) das diferentes espécies de peixes capturadas nos vários sectores de amostragem.

Australoheros facetus e Gasterosteus gymnurus não foram incluídos por não ser possível chegar ao seu peso devido

à inexistência de rectas de regressão para estas 2 espécies.

HRA1 HRA2 FN G

Complexo Squalius alburnoides 0,320 0,255 0,488 0,224

Iberochondrostoma lusitanicum 0,156 0,143 0,463 0,049

Squalius pyrenaicus 0,022 0,000 0,000 0,007

Barbus bocagei 0,000 0,000 0,060 0,001

Cobitis paludica 0,007 0,009 0,129 0,037

Anguilla anguilla 0,430 0,794 0,190 0,000

Total 0,935 1,201 1,331 0,319

Quanto aos anfíbios foi perceptível um aumento significativo do seu número no

final do Inverno (Fevereiro/Março). É de referir o elevado número de observações de

Pelophylax perezi e de escutas de Hyla meridionalis. Foram também observadas, nesta

altura, posturas de Bufo bufo e indícios característicos da predação de anfíbios pela

lontra (Anexo 2).

0,0

0,2

0,4

0,6

0,8

1,0

Bio

mas

sa (

kg)

C.S.a. I.l . S.p. B.b. C.p. A.a.

Es pécies

Variação da Biomassa

Época Húmida Época Seca

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RESULTADOS – DISPONIBILIDADE DE PRESAS E DIETA ACTUAL DA LONTRA

18

Os répteis foram observados mais frequentemente a partir de Março,

destacando-se o elevado número de observações de Mauremys leprosa. As restantes

espécies observaram-se apenas esporadicamente ao longo do período de estudo.

4.1.2 – DIETA ACTUAL DA LONTRA

4.1.2.1 – Espectro alimentar

A caracterização da dieta baseou-se na análise de 441 dejectos. Desta análise

resultou a identificação de 2468 indivíduos distribuídos por 30 categorias de presas

(Tabela 3).

Tabela 3. Composição e caracterização do espectro alimentar da lontra na área de estudo.

Categorias de presa N P.O. (%) Peso (Kg) P.B. (%) Tipo de Recurso

FILO ARTHROPODA

Classe Crustacea 1156 46,84 10,279 77,18 Básico

Procambarus clarkii 1156 46,84 10,279 77,18 Básico

Classe Insecta 100 4,05 - - Suplementar

Ordem Coleoptera 25 1,01 - - Suplementar

Ordem Heteroptera 61 2,47 - - Suplementar

Ordem Mecoptera 1 0,04 - - Ocasional

Ordem Orthoptera 1 0,04 - - Ocasional

Insectos não identificados 12 0,49 - - Ocasional

FILO CHORDATA

Classe Osteichthyes 646 26,18 3,039 22,82 Básico

Complexo Squalius alburnoides 240 9,72 0,426 3,20 Constante

Iberochondrostoma lusitanicum 156 6,32 0,580 4,36 Constante

Squalius pyrenaicus 6 0,24 0,103 0,77 Ocasional

Barbus bocagei 4 0,16 0,043 0,32 Ocasional

Cobitis paludica 66 2,67 0,150 1,13 Suplementar

Anguilla anguilla 31 1,26 1,728 12,97 Suplementar

Gasterosteus gymnurus 35 1,42 - - Suplementar

Australoheros facetus 32 1,30 - - Suplementar

Gambusia holbrooki 24 0,97 0,010 0,08 Ocasional

Ciprinídeos não identificados 41 1,66 - - Suplementar

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RESULTADOS – DISPONIBILIDADE DE PRESAS E DIETA ACTUAL DA LONTRA

19

Peixes não identificados 11 0,45 - - Ocasional

Classe Amphibia 549 22,24 - - Básico

Lissotriton boscai/Triturus marmoratus 37 1,50 - - Ocasional

Salamandra salamandra 12 0,49 - - Ocasional

Hyla meridionalis 93 3,77 - - Suplementar

Pelophylax perezi 31 1,26 - - Suplementar

Bufo bufo/Epidalea calamita 16 0,65 - - Ocasional

Anuros não identificados 290 11,75 - - Constante

Caudatas não identificados 53 2,15 - - Constante

Anfíbios não identificados 17 0,69 - - Ocasional

Classe Reptilia 9 0,36 - - Ocasional

Natrix sp. 6 0,24 - - Ocasional

Répteis não identificados 3 0,12 - - Ocasional

Classe Aves 6 0,24 - - Ocasional

Ordem Passeriformes 6 0,24 - - Ocasional

Classe Mammalia 2 0,08 - - Ocasional

Ordem Lagomorpha 1 0,04 - - Ocasional

Mamíferos não identificados 1 0,04 - - Ocasional

TOTAIS 2468 100,00 13,318 100,00 -

Os crustáceos, apenas representados pela espécie Procambarus clarkii,

assumem-se como a presa mais importante na área estudada pois surgem como a

categoria com maior percentagem de ocorrência, 46,84% do total de ocorrências.

Segundo o critério de Skuratowicz (1950 in Farinha, 1995) esta categoria de presa é

considerada um recurso básico. Os peixes e os anfíbios são também presas básicas

com 26,18% e 22,24% de ocorrências, respectivamente. Estas três categorias em

conjunto representam um total de 95,26% das ocorrências. Para os crustáceos e os

peixes foi possível calcular a biomassa consumida através das rectas de regressão

existentes de modo a perceber qual a importância dessas categorias na dieta total.

Os insectos foram a quarta categoria identificada, ocorreram em 4,05% das

ocorrências sendo um recurso suplementar. As ordens Heteroptera e Coleoptera

foram as que mais contribuíram para este valor com 2,47% e 1,01%, respectivamente.

De referir que poderá haver uma sobrestimação destes valores pois poderão ser

resultado de ingestão involuntária (directa ou indirecta através de presas insectívoras).

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RESULTADOS – DISPONIBILIDADE DE PRESAS E DIETA ACTUAL DA LONTRA

20

Os répteis, as aves e os mamíferos ocorreram todos ocasionalmente com 0,36%,

0,24% e 0,08% respectivamente.

A caracterização da dieta da lontra permitiu identificar seis famílias de peixes:

Cyprinidae (Complexo S. alburnoides, I. lusitanicum, S. pyrenaicus, B. bocagei),

Cobitidae (Cobitis paludica), Anguillidae (Anguilla anguilla), Gasterosteidae

(Gasterosteus gymnurus), Cichlidae (Australoheros facetus) e Poecilidae (Gambusia

holbrooki). A família mais importante foi a dos ciprinídeos cuja P.O. referente ao total

de ocorrências é de 18,11%, assumindo o valor de 69,18% quando a P.O. diz respeito à

totalidade dos peixes consumidos. Contudo, esta família é apenas a segunda mais

importante em termos de biomassa, contribuindo apenas com 37,89% da biomassa de

entre as famílias de peixes, sendo a família Anguillidae a que apresenta um valor mais

elevado de P.B. com 56,85%.

Na figura 7 é perceptível que a contribuição do Complexo Squalius alburnoides é

a mais importante para a P.O. da categoria dos peixes, mas a contribuição mais

importante para a P.B. é a de Anguilla anguilla.

Fig. 7. Percentagens de ocorrência e de biomassa de algumas espécies ícticas identificadas (C.S.a. – Complexo

Squalius alburnoides; I.l. – Iberochondrostoma lusitanicum; S.p. – Squalius pyernaicus; B.b. – Barbus bocagei; C.p. –

Cobitis paludica; A.a. – Anguilla anguilla; G.h. – Gambusia holbrooki).

Apesar dos anfíbios terem apresentado uma importância relevante na dieta da

lontra, sendo as espécies mais consumidas Hyla meridionalis (3,77%), Pelophylax

perezi (1,26%) e Lissotriton boscai/Triturus marmoratus (1,50%), é de salientar as

elevadas P.O. de exemplares das ordens Anura (11,75%) e Caudata (2,15%) que não

foram possíveis de identificar (Fig. 8).

0

2

4

6

8

10

12

14

Perc

enta

gem

(%

)

C.S.a. I.l. S.p. B.b. C.p. A.a. G.h.

Espécies

Peixes

P.0.

P.B.

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RESULTADOS – DISPONIBILIDADE DE PRESAS E DIETA ACTUAL DA LONTRA

21

Fig. 8. Importância relativa dos anfíbios (em percentagem de ocorrência) (Lb/Tm – Lissotriton boscai/Triturus

marmoratus; S.s. – Salamandra salamandra; H.m. – Hyla meridionalis; P.p. – Pelophylax perezi; Bb/Ec – Bufo

bufo/Epidalea calamita; Anu. n.i. – Anuros não identificados; Caud. n.i. – Caudatas não identificados; Anfíb. n.i. –

Anfíbios não identificados).

4.1.2.2 – Variação Espacial

A análise da composição do espectro alimentar nos quatro sectores de

amostragem (Fig. 9) revelou a presença de crustáceos, peixes, anfíbios, insectos e

répteis em todos eles, com predominância dos crustáceos (P.O. a variar entre 58,00%

na HRA2 e 30,41% na FN) em todos, à excepção de FN onde apesar do elevado

consumo de crustáceos este é ultrapassado pelo consumo de anfíbios (P.O. = 37,28%).

A dominância dos anfíbios em FN deveu-se sobretudo ao elevado consumo de Hyla

meridionalis (Fig. 10).

Pode-se ainda observar que G foi o sector onde os peixes assumiram uma maior

importância, tendo mesmo um valor de P.O. muito próximo dos crustáceos (41,59% e

45,17%, respectivamente) (Fig. 9), e que foi o Complexo Squalius alburnoides que mais

contribuiu para esse valor (Fig. 11). Foi também neste sector que se obteve um

consumo de todas as espécies de peixes cuja presença foi comprovada na área de

estudo (Fig. 11). Contudo, repare-se que neste sector não foi detectado o consumo de

aves nem de mamíferos, o que o torna o menos diverso em termos de categorias de

presas (Fig. 9).

0

2

46

8

1012

P.O

. (%

)

Lb/T

m

S. s

.

H. m

.

P. p.

Bb/E

c

Anu

. n.i.

Caud. n

.i.

Anfí

b. n.i.

Espécies

Anfíbios

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RESULTADOS – DISPONIBILIDADE DE PRESAS E DIETA ACTUAL DA LONTRA

22

Fig. 9. Distribuição das várias categorias de presas pelos 4

locais amostrados, expressa em percentagem de ocorrência

(P.O.).

Fig. 11. Distribuição das várias espécies de peixe pelos 4 locais amostrados, expressa em percentagem de

ocorrência (P.O.) (C.S.a. – Complexo Squalius alburnoides; I.l. – Iberochondrostoma lusitanicum; C.p. – Cobitis

paludica; A.f. – Australoheros facetus; A.a. – Anguilla anguilla; G.g. – Gasterosteus gymnurus; G.h. – Gambusia

holbrooki; S.p. – Squalius pyrenaicus; B.b. – Barbus bocagei).

Pela análise das figuras anteriores, as diferenças mais evidentes no consumo das

categorias registaram-se relativamente aos peixes no sector G e aos anfíbios no sector

FN. Contudo, observaram-se outras diferenças na proporção de consumo das diversas

categorias de presas entre os sectores.

Fig. 10. Distribuição das várias espécies de anfíbios pelos 4

locais amostrados, expressa em percentagem de ocorrência

(P.O.) (H.m. – Hyla meridionalis; P.p. – Pelophylax perezi;

Lb/Tm – Lissotriton boscai/Triturus marmoratus; Bb/Ec – Bufo

bufo/Epidalea calamita; S.s. – Salamandra salamandra).

HR

A1

HR

A2

FN G

MamíferosAves

RépteisInsectos

AnfíbiosPeixes

Crustáceos

0

10

20

30

40

50

60

P.O

. (%

)Categorias

HR

A1

HR

A2

FN G

S.s.Bb/Ec

Lb/TmP.p.

H.m.

0

10

20

30

40

50

60

P.O

. (%

)

Anfíbios

HR

A1

HR

A2

FN G

B.b.S.p.

G.h.G.g.

A.a.A.f.

C.p.I.l.C.S.a.

0

10

20

30

40

50

60

P.O

. (%

)

Peixes

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RESULTADOS – DISPONIBILIDADE DE PRESAS E DIETA ACTUAL DA LONTRA

23

Estas diferenças foram significativas na proporção de consumo das 4 principais

categorias de presas, e foi nas 3 primeiras que se obtiveram valores mais elevados e

diferenças entre quase todos os sectores de amostragem (Tabela 4).

Tabela 4. Valores do teste do qui-quadrado e respectivas significâncias (corrigidas pelo método de Bonferroni) para

avaliação da variação espacial do consumo das diferentes categorias de presas.

HRA1/HRA2 HRA1/FN HRA1/G HRA2/FN HRA2/G FN/G

Crustáceos 0,063 93,441 18,021 94,848 19,510 30,773

Peixes 15,182 12,488 66,154 53,095 132,497 24,378

Anfíbios 10,414 73,155 6,175 27,189 32,595 122,810

Insectos 0,095 4,910 10,812 6,254 12,616 1,448

Répteis 1,083 3,307 3,020 0,594 0,510 0,002

Aves 0,282 0,497 2,172 1,504 3,511 0,939

Mamíferos - 1,734 - 1,611 - 1,880

Diferenças significativas (p ≤0,007)

Diferenças não significativas (p> 0,007)

- Valor nulo para as duas amostras

Apesar das diferenças detectadas entre locais de amostragem, as amplitudes do

nicho trófico mostraram-se muito semelhantes (Tabela 5) e, consequentemente, a

sobreposição do nicho trófico entre os sectores de amostragem foi bastante elevada

(Tabela 6).

Tabela 5. Variação espacial dos valores de amplitude do nicho trófico (índice de Equitabilidade).

HRA1 HRA2 FN G

Índice de Equitabilidade (J’) 0,593 0,579 0,633 0,543

Tabela 6. Sobreposição do nicho alimentar entre os sectores de amostragem (índice de Pianka).

HRA1/HRA2 HRA1/FN HRA1/G HRA2/FN HRA2/G FN/G

Índice de Pianka (α)

0,985 0,829 0,918 0,836 0,849 0,852

Os sectores mais semelhantes foram HRA1 e HRA2 com o valor 0,985, como já se

poderia verificar na Tabela 4 uma vez que estes dois sectores foram os que tiveram

menor número de diferenças significativas na proporção de consumo das categorias.

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RESULTADOS – DISPONIBILIDADE DE PRESAS E DIETA ACTUAL DA LONTRA

24

Por outro lado, os sectores menos semelhantes entre si foram HRA1 e FN com o valor

mais reduzido deste índice (α = 0,829).

4.1.2.3 – Variação Sazonal

Analisando a variação sazonal da composição do espectro (Fig. 12), verificou-se

que nem todas as categorias de presas foram consumidas nas três estações do ano

amostradas. Os mamíferos apenas foram registados na Primavera e as aves no Outono

e na Primavera. No entanto, não se verificaram diferenças significativas na proporção

de consumo destas categorias entre as estações do ano (Tabela 7).

Ao longo das três estações do ano analisadas as categorias que predominavam

foram sofrendo alterações. Os peixes, que predominavam no Outono (P.O. = 46,79%),

foram substituídos pelo lagostim e pelos anfíbios no Inverno (P.O. = 50,17% e 26,41%,

respectivamente) e na Primavera (P.O. = 49,50% e 35,01%, respectivamente),

tornando-se uma categoria com P.O. reduzidas nestas duas estações do ano (19,77%

no Inverno e 11,97% na Primavera) (Fig. 12). De facto, foram observadas diferenças

significativas no consumo de peixes e de anfíbios entre todas as estações do ano, e de

lagostim apenas entre o Outono e as outras estações do ano (Tabela 7).

Fig. 12. Distribuição das várias categorias de presas pelas 3 estações do ano amostradas, expressa em percentagem

de ocorrência (P.O.).

Ou

t

Inv

Pri

m

MamíferosAves

RépteisInsectos

AnfíbiosPeixes

Crustáceos

0

10

20

30

40

50

60

P.O

. (%

)

Categorias

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RESULTADOS – DISPONIBILIDADE DE PRESAS E DIETA ACTUAL DA LONTRA

25

Tabela 7. Valores do teste de qui-quadrado e respectivas significâncias (corrigidas pelo método de Bonferroni) para

avaliação da variação sazonal do consumo das várias categorias

Outono/Inverno Outono/Primavera Inverno/Primavera

Crustáceos 10,770 11,927 0,067

Peixes 113,206 277,850 17,957

Anfíbios 141,030 256,148 12,787

Insectos 6,571 16,279 0,891

Répteis 0,830 2,971 0,554

Aves 2,769 0,961 1,213

Mamíferos - 1,756 1,213

Diferenças significativas (p ≤0,007)

Diferenças não significativas (p> 0,007)

- Valor nulo para as duas amostras

No entanto, analisando a variação sazonal do consumo das espécies de peixe e

de anfíbios, verificou-se que, no caso dos peixes, as variações nas P.O. foram mais

ligeiras ao longo das estações do ano quando comparadas com as variações das

espécies de anfíbios (Fig. 13 e 14). Enquanto nos peixes apenas se observaram

flutuações importantes na P.O. da boga-portuguesa e da enguia (Fig. 13), no que toca

às espécies de anfíbios, todas as espécies sofreram variações acentuadas da P.O. ao

longo das estações do ano (Fig. 14). De facto, o maior consumo de Pelophylax perezi

foi no Outono (P.O. = 80,00%), decrescendo bastante nas outras estações do ano. Hyla

meridionalis apresentou uma tendência inversa sendo consumida em maior número

na Primavera (P.O. = 80,21%). As restantes (Lissotriton boscai/Triturus marmoratus,

Bufo bufo/Epidalea calamita e Salamandra salamandra) foram consumidas em maior

número no Inverno (Fig. 14).

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RESULTADOS – DISPONIBILIDADE DE PRESAS E DIETA ACTUAL DA LONTRA

26

As amplitudes do nicho trófico foram bastante semelhantes para as várias

estações do ano (Tabela 8), contudo o Outono surge como a estação menos diversa

enquanto o Inverno surge como a mais diversa.

Tabela 8. Variação sazonal dos valores de amplitude do nicho trófico (índice de Equitabilidade).

Outono Inverno Primavera

Índice de Equitabilidade (J’) 0,552 0,591 0,575

A sobreposição dos nichos alimentares entre as diferentes estações do ano foi

bastante elevada (Tabela 9). O valor mais reduzido obtém-se entre as estações onde

se verifica a diferença mais acentuada entre o número de peixes e de anfíbios

consumidos (Outono e Primavera).

Tabela 9. Sobreposição do nicho alimentar entre as estações do ano (índice de Pianka).

Outono/Inverno Outono/Primavera Inverno/Primavera

Índice de Pianka (α)

0,832 0,718 0,982

Fig. 14. Distribuição das várias espécies de anfíbios pelas

3 estações do ano amostradas, expressa em

percentagem de ocorrência (P.O.) (H.m. – Hyla

meridionalis; P.p. – Pelophylax perezi; Lb/Tm – Lissotriton

boscai/Triturus marmoratus; Bb/Ec – Bufo bufo/Epidalea

calamita; S.s. – Salamandra salamandra).

Ou

t

Inv

Pri

m

S.s.Bb/Ec

Lb/TmP.p.

H.m.

0

20

40

60

80

100

P.O

. (%

)

Anfíbios

Ou

t

Inv

Pri

m

B.b.S.p.

G.h.G.g.

A.a.A.f.

C.p.I.l.C.S.a.

0

10

20

30

40

50P.

O. (

%)

Peixes

Fig. 13. Distribuição das espécies de peixe pelas 3 estações

do ano, em percentagem de ocorrência (P.O.) (C.S.a. –

Complexo Squalius alburnoides; I.l. – Iberochondrostoma

lusitanicum; C.p. – Cobitis paludica; A.f. – Australoheros

facetus; A.a. – Anguilla anguilla; G.g. – Gasterosteus

gymnurus; G.h. – Gambusia holbrooki; S.p. – Squalius

pyrenaicus; B.b. – Barbus bocagei).

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RESULTADOS – DISPONIBILIDADE DE PRESAS E DIETA ACTUAL DA LONTRA

27

4.1.2.4 – Consumo vs Disponibilidade

Verificou-se que as espécies de peixes mais consumidas foram aquelas cuja

abundância relativa (sob a forma de percentagem de ocorrência) era mais elevada

(Fig. 15). Note-se que existem pequenas diferenças na importância relativa de G.

gymnurus, A. anguilla e A. facetus, e que G. holbrooki não foi capturada em nenhumas

das pescas eléctricas.

Fig. 15. Percentagens de ocorrência calculadas através da pesca eléctrica (P.E.) e através da dieta (P.O.), para as

diferentes espécies ícticas (C.S.a. – Complexo Squalius alburnoides; I.l. – Iberochondrostoma lusitanicum; C.p. –

Cobitis paludica; G.g. – Gasterosteus gymnurus; A.a. – Anguilla anguilla; A.f. – Australoheros facetus; G.h. –

Gambusia holbrooki; S.p. – Squalius pyrenaicus; B.b. – Barbus bocagei).

Nos peixes, as classes de comprimento mais consumidas foram também as mais

capturadas (Fig. 16a,b,c,d). De facto, existe uma correlação significativa entre as

classes de tamanho consumidas e capturadas de C. S. alburnoides (rs = 0,73; n = 9; p

<0,05), I. lusitanicum (rs = 0,81; n = 11; p <0,01), C. paludica (rs = 0,84; n = 7; p <0,05) e

A. anguilla (rs = 0,65; n = 11; p <0,05). No entanto, em todas estas espécies pode-se

observar que as classes mais consumidas tendem a ser ligeiramente superiores às

mais capturadas (Fig. 16a,b,c), à excepção da enguia (Fig. 16d).

No lagostim, as classes de comprimento de menores dimensões foram as mais

consumidas, mas estas não estão representadas nas capturas efectuadas (Fig. 16e). De

facto, não existe correlação entre as classes consumidas e capturadas de P. clarkii (rs =

0,20; n = 10; p> 0,05). O reduzido número de indivíduos capturados e/ou consumidos

das restantes espécies piscícolas identificadas não permitiu estabelecer estas relações.

0

10

20

30

40

50

60

70

80

Perc

enta

gem

(%

)

C.S

.a.

I.l.

C.p

.

G.g

.

A.a

.

A.f

.

G.h

.

S.p

.

B.b

Espécies

Consumo VS Captura

P.O. (P.E.)

P.O. (DIETA)

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RESULTADOS – DISPONIBILIDADE DE PRESAS E DIETA ACTUAL DA LONTRA

28

Fig. 16. Comparação das classes de comprimento (em mm) consumidas e capturadas de: a) Complexo Squalius

alburnoides, b) Iberochondrostoma lusitanicum, c) Cobitis paludica, d) Anguilla anguilla e e) Procambarus clarkii.

Ao analisar a disponibilidade destas duas categorias de presas, constatou-se que

as variações do consumo de crustáceos seguiram a tendência da sua disponibilidade;

no entanto, o mesmo não sucedeu no caso dos peixes uma vez que, apesar da sua

disponibilidade aumentar de forma muito acentuada na época seca, o seu consumo

manteve-se constante (Fig. 17).

a) C.S.alburnoides

0

100

200

300

400[2

0;3

0[

[30

;40

[

[40

;50

[

[50

;60

[

[60

;70

[

[70

;80

[

[80

;90

[

[90

;10

0[

[10

0;1

10

[

0

10

20

30

40Capt

Cons

N N

mm

b) I.lusitanicum

01020304050607080

[20;

30[

[30;

40[

[40;

50[

[50;

60[

[60;

70[

[70;

80[

[80;

90[

[90;

100[

[100

;110

[

[110

;120

[

[120

;130

[

0

5

10

15

20Capt

Cons

N N

mm

c) C.paludica

02468

10121416

[50

;60

[

[60

;70

[

[70

;80

[

[80

;90

[

[90

;10

0[

[100

;11

0[

[110

;12

0[

0

2

4

6

8

10

12Capt

Cons

N N

mm

d) A.anguilla

0123456

[10

0;1

50

[

[15

0;2

00

[

[20

0;2

50

[

[25

0;3

00

[

[30

0;3

50

[

[35

0;4

00

[

[40

0;4

50

[

[45

0;5

00

[

[50

0;5

50

[

[55

0;6

00

[

[60

0;6

50

[

0123456

Capt

Cons

mm

N N

P.clarkii

0

50

100

150

200

[30;

40[

[40;

50[

[50;

60[

[60;

70[

[70;

80[

[80;

90[

[90

;100

[

[100

;110

[

[110

;120

[

[120

;130

[

0102030405060

Cons Capt

e)

mm

N N

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RESULTADOS – DISPONIBILIDADE DE PRESAS E DIETA ACTUAL DA LONTRA

29

Fig. 17. Comparação da percentagem de crustáceos consumidos e capturados nas 3 estações do ano amostradas, e de peixes

capturados e consumidos na época húmida e na época seca.

4.2 – ANÁLISE COMPARATIVA COM OS RESULTADOS OBTIDOS 10 ANOS ANTES

4.2.1 – INDÍCIOS DE PRESENÇA DA LONTRA

No presente trabalho, o número total de indícios de presença de lontra

encontrados durante os 8 meses de estudo, foi significativamente mais reduzido do

que o obtido há 10 anos atrás (U = 3,00; n = 8; p <0,003). De facto, entre Novembro de

1998 e Junho de 1999 foram encontrados 1932 indícios de presença de lontra na área

estudada, enquanto que entre Novembro de 2008 e Junho de 2009 foram

encontrados apenas 591 indícios. Na figura 18 pode-se observar que as estações do

ano onde se obteve uma maior redução de indícios de presença foram no Inverno e na

Primavera.

Fig. 18. Comparação do número de indícios encontrados (N) por estação do ano nos dois estudos em análise

(1998/1999 e 2008/2009).

266207

521

120

1145

264

0

200

400

600

800

1000

1200

Outono Inverno Primavera

Nº indícios encontrados

98/99

08/09

N

Peixes

50,0 50,0

76,4

23,60,0

20,0

40,0

60,0

80,0

100,0

Época Húmi da Época Seca

%

Cons Capt

Crustáceos

31,326,1

42,6

73,4

17,6 9,00,0

20,0

40,0

60,0

80,0

Outono Inverno Primavera

%

Cons Capt

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RESULTADOS – ANÁLISE COMPARATIVA COM OS RESULTADOS OBTIDOS 10 ANOS ANTES

30

4.2.2 – DISPONIBILIDADE DE PRESAS

Verificou-se que a comunidade piscícola sofreu várias alterações nos últimos

anos, tanto em termos de abundância relativa das espécies como em termos de

diversidade específica. Todas as espécies de peixe, à excepção de G. gymnurus,

apresentaram diferenças significativas nas proporções de captura em pelo menos uma

das sessões (Tabela 10).

O sentido dessas alterações pode ser observado na tabela 11. Em ambos os anos

analisados I. lusitanicum e o C.S.alburnoides foram as espécies ícticas mais capturadas,

no entanto, a espécie que ocupava o rank 1 em 98/99 era I. lusitanicum e em 08/09

passou a ser o C.S.aburnoides. É de notar que I. lusitanicum foi capturado com um

valor quatro vezes inferior ao de 98/99, e que C.S.alburnoides foi capturado

precisamente quatro vezes mais do que em 98/99 (Tabela 11). Por outro lado,

também em 08/09 foi capturada a espécie Australoheros facetus, uma exótica que não

foi detectada em 98/99.

Tabela 10. Valores do teste de qui-quadrado e respectivas significâncias obtidos pela correcção de Bonferroni para

a avaliação da variação da captura das várias espécies de peixe, entre os dois anos em análise.

Fev.99/Fev.09 Jul.99/Jul.09

I.lusitanicum 666,861 10,444

C.S.alburnoides 706,184 27,559

A.anguilla 1,152 8,136

C.paludica 8,245 4,376

B.bocagei 0,423 17,847

G.gymnurus 4,214 2,435

Diferenças significativas (p ≤0,008) Diferenças não significativas (p> 0,008)

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RESULTADOS – ANÁLISE COMPARATIVA COM OS RESULTADOS OBTIDOS 10 ANOS ANTES

31

Tabela 11. Rankings de captura das espécies de peixe nos dois anos em análise (verde – manutenção da

importância de captura da espécie nos 2 anos; amarelo – troca de uma posição entre 2 espécies). Australoheros

facetus parece não estar presente em 1998/1999 e não foi capturada nesse ano.

Indivíduos capturados Ranks de abundância

Espécies PEIXES 98/99 08/09 98/99 08/09

Iberochondrostoma lusitanicum 982

(70,80%) 243

(15,98%) 1 2

Complexo Squalius alburnoides 300

(21,63%) 1191

(78,30%) 2 1

Cobitis paludica 47

(3,39%) 51

(3,35%) 3 3

Barbus bocagei 26

(1,87%) 11

(0,72%) 4 5

Anguilla anguilla 20

(1,44%) 16

(1,05%) 5 4

Gasterosteus gymnurus 12

(0,87%) 8

(0,53%) 6 6

Australoheros facetus - 1

(0,07%) - 7

No caso do lagostim, não foi possível estimar a forma como variou a sua

abundância entre os anos analisados devido à diferente metodologia usada.

4.2.3 – DIETA DA LONTRA

4.2.3.1 – Espectro alimentar

À semelhança do observado a nível da disponibilidade de presas, também na

composição do espectro alimentar da lontra se registaram diferenças relativamente ao

obtido por Matos (1999), tanto em termos das categorias e espécies mais consumidas

como também em termos da diversidade específica. As alterações na diversidade

específica da dieta ocorreram com espécies exóticas de peixes. Não foram consumidos

exemplares da espécie Lepomis gibbosus como sucedeu em 98/99 mas surgiram na

dieta da lontra outras duas exóticas: Gambusia holbrooki e Australoheros facetus.

Relativamente à importância que os peixes e os anfíbios assumiram na dieta da lontra,

registaram-se alterações bastante consideráveis. De facto, em 1998/1999 os peixes

ocuparam 32,07% da dieta e os anfíbios apenas 14,08%, enquanto em 2008/2009 a

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RESULTADOS – ANÁLISE COMPARATIVA COM OS RESULTADOS OBTIDOS 10 ANOS ANTES

32

ocorrência dos peixes na dieta diminuiu para 26,18% e a dos anfíbios aumentou para

22,24%, passando mesmo a ser considerado um recurso básico.

Na comparação da proporção de consumo das espécies entre os dois anos em

análise, observa-se que as que apresentaram diferenças significativas foram quase

todas as espécies de peixe, à excepção de A. anguilla e L. gibbosus, Lissotriton

boscai/Triturus marmoratus, Hyla meridionalis e Bufo bufo/Epidalea calamita nos

anfíbios, as ordens Coleoptera e Heteroptera nos insectos e Natrix sp. nos répteis

(Tabela 12).

Tabela 12. Valores do teste de qui-quadrado e respectivas significâncias obtidas com a correcção de Bonferroni

para a avaliação da variação do consumo das várias espécies de presas nos dois anos em análise.

98-99/08-09

Procambarus clarkii 1,549

Ordem Coleoptera 27,228

Ordem Heteroptera 45,995

Ordem Hymenoptera 0,669

Ordem Plecoptera 0,669

Ordem Mecoptera 1,496

Ordem Orthoptera 1,496

Complexo Squalius alburnoides 33,965

Iberochondrostoma lusitanicum 40,733

Squalius pyrenaicus 20,274

Barbus bocagei 59,841

Cobitis paludica 52,585

Anguilla anguilla 4,367

Gasterosteus gymnurus 46,093

Australoheros facetus 48,120

Gambusia holbrooki 36,043

Lepomis gibbosus 5,355

Lissotriton boscai/Triturus marmoratus 18,367

Salamandra salamandra 5,320

Hyla meridionalis 102,072

Pelophylax perezi 1,592

Bufo bufo/Epidalea calamita 15,468

Natrix sp. 9,383

Ordem Passeriformes 2,656

Ordem Lagomorpha 1,496

Mus spretus 0,669

(p ≤0,002)

Diferenças significativas

(p> 0,002)

Diferenças não significativas

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RESULTADOS – ANÁLISE COMPARATIVA COM OS RESULTADOS OBTIDOS 10 ANOS ANTES

33

Verificou-se que, entre os dois anos em análise, todas as espécies de peixes e de

anfíbios variaram no que toca à sua importância na dieta da lontra, à excepção de

Lissotriton boscai/Triturus marmoratus (Tabelas 13 e 14).

É de salientar o facto das espécies mais consumidas (rank 1) destas duas

categorias de presas, se terem alterado entre os dois anos em análise. À semelhança

do que sucedeu com as capturas, também no consumo a espécie de peixe mais

consumida deixou de ser Iberochondrostoma lusitanicum e passou a ser o C. Squalius

alburnoides. No caso dos anfíbios, a espécie mais consumida em 98/99 foi a

Pelophylax perezi mas, em 08/09 esta foi apenas a terceira espécie mais consumida,

sendo Hyla meridionalis sido a espécie mais consumida neste ano.

Tabela 13. Rankings de consumo das espécies de peixe nos dois anos em análise (amarelo – troca de uma posição

entre 2 espécies).

Indivíduos consumidos (Nº e %) Ranks de consumo

Espécies PEIXES 98/99 08/09 98/99 08/09

Iberochondrostoma lusitanicum 412 (49,46%) 156 (26,26%) 1 2

Complexo Squalius alburnoides 213 (25,57%) 240 (40,40%) 2 1

Barbus bocagei 103 (12,36%) 4 (0,67%) 3 9

Squalius pyrenaicus 50 (6,01%) 6 (1,01%) 4 8

Anguilla anguilla 27 (3,24%) 31 (5,23%) 5 6

Cobitis paludica 18 (2,16%) 66 (11,11%) 6 3

Lepomis gibbosus 8 (0,96%) 0 7 -

Gasterosteus gymnurus 2 (0,24%) 35 (5,89%) 8 4

Australoheros facetus 0 32 (5,39%) - 5

Gambusia holbrooki 0 24 (4,04%) - 7

Tabela 14. Rankings de consumo das espécies de anfíbios nos dois anos em análise (verde – manutenção da

importância de consumo da espécie nos 2 anos; amarelo – troca de uma posição entre 2 espécies; Bege – troca de

duas posições entre 2 espécies).

Indivíduos consumidos (Nº e %) Ranks de consumo

Espécies ANFÍBIOS 98/99 08/09 98/99 08/09

Pelophylax perezi 34 (46,57%) 31 (16,40%) 1 3

Lissotriton boscai/Triturus marmoratus 17 (23,29%) 37 (19,58%) 2 2

Hyla meridionalis 13 (17,81%) 93 (49,21%) 3 1

Salamandra salamandra 6 (8,22%) 12 (6,35%) 4 5

Bufo bufo/Epidalea calamita 3 (4,11%) 16 (8,47%) 5 4

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RESULTADOS – ANÁLISE COMPARATIVA COM OS RESULTADOS OBTIDOS 10 ANOS ANTES

34

4.2.3.2 – Variação espacial

A variação espacial da dieta para as várias categorias alterou-se entre 98/99 e

08/09. Em 98/99, os sectores com maior e menor P.O. de crustáceos e de peixes

foram, respectivamente, HRA1 (P.O. = 53,40%) e G (P.O. = 40,00%) para os crustáceos,

G (P.O. = 49,50%) e FN (P.O. = 19,60%) para os peixes. Em 08/09 os sectores com maior

e menor P.O. de crustáceos e de peixes foram, respectivamente, HRA2 (P.O. = 58,00%)

e FN (P.O. = 30,41%) para os crustáceos, G (P.O. = 41,59%) e HRA2 (P.O. = 11,64%) para

os peixes. Também o facto de, actualmente, o consumo de crustáceos ser ultrapassado

pelo consumo de anfíbios em FN difere do sucedido há 10 anos atrás, onde o consumo

de crustáceos só era ultrapassado pelo consumo de peixes em G.

Assim, pode-se observar que FN foi o sector onde houve maior número de

diferenças significativas no consumo entre os anos (Tabela 15). Apesar da elevada

sobreposição dos nichos alimentares neste sector entre os períodos de estudo (Tabela

16), apresentou o valor mais reduzido (α = 0, 868) relativamente aos outros sectores já

que apresentou o maior número de diferenças no consumo. Por outro lado, o sector

HRA1 foi o que apresentou um consumo mais semelhante entre os dois períodos

comparados. Embora tenha diferido de forma significativa para a categoria dos peixes

(Tabela 15), a sobreposição de nichos neste sector foi a mais elevada (α = 0,993)

(Tabela 16).

Para os restantes sectores, ocorreram diferenças significativas apenas no

consumo de uma ou duas categorias de presas (Tabela 15), no entanto a sobreposição

de nichos foi também muito elevada (Tabela 16).

Tabela 15. Valores do teste de qui-quadrado e significâncias (corrigidas pelo método de Bonferroni) para avaliação

da variação do consumo das categorias de presas em cada transecto entre os dois anos em análise (98/99 e 08/09).

HRA1(99)/HRA1(09) HRA2(99)/HRA2(09) FN(99)/FN(09) G(99)/G(09)

Crustáceos 2,291 5,282 77,260 4,624

Peixes 7,483 27,593 16,819 10,684

Anfíbios 0,060 4,553 55,804 9,055

Insectos 0,643 0,132 3,614 1,961

Répteis 2,141 2,555 12,173 0,442

Aves 1,090 1,455 0,204 -

Mamíferos - - 0,501 -

Diferenças significativas (p ≤0,007)

Diferenças não significativas (p> 0,007)

- Valor nulo para as duas amostras

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RESULTADOS – ANÁLISE COMPARATIVA COM OS RESULTADOS OBTIDOS 10 ANOS ANTES

35

Tabela 16. Sobreposição do nicho alimentar entre cada sector de amostragem nos dois anos em análise.

HRA1(99)/HRA1(09) HRA2(99)/HRA2(09) FN(99)/FN(09) G(99)/G(09)

Índice de Pianka 0,993 0,977 0,868 0,987

4.2.3.3 – Variação sazonal

A variação sazonal da dieta para as várias categorias alterou-se entre 98/99 e

08/09. Em 98/99, as estações do ano com maior e menor P.O. de crustáceos e de

peixes foram, respectivamente, a Primavera (P.O. = 65,30%) e o Outono/Inverno (P.O.

= 37,40%) para os crustáceos, e para os peixes o Outono (P.O. = 51,90%) e a Primavera

(P.O. = 11,00%). Por outro lado, em 08/09 as estações do ano com maior e menor P.O.

de crustáceos e de peixes foram, respectivamente, o Inverno (P.O. = 50,17%) e o

Outono (P.O. = 41,51%) embora todas com valores muito próximos para os crustáceos,

enquanto para os peixes se manteve a mesma tendência de há 10 anos: maior

consumo no Outono (P.O. = 46,79%) e menor na Primavera (P.O. = 11,97%). Também o

facto de, actualmente, o consumo de peixes ter sido ultrapassado pelo consumo de

anfíbios logo a partir do Inverno, difere do sucedido há 10 anos atrás, onde o consumo

de peixes só foi ultrapassado pelos anfíbios na Primavera.

Na Tabela 17 pode-se constatar que o Inverno foi a estação onde se registou um

maior número de categorias consumidas de forma significativamente diferente entre

os anos analisados. Apesar da elevada sobreposição dos nichos alimentares nesta

estação do ano (Tabela 18), esta apresentou o valor mais reduzido (α = 0, 893)

relativamente às outras estações já que foi a que apresentou maior número de

diferenças de consumo.

Por outro lado, o Outono foi a estação que apresentou um consumo mais

semelhante entre os dois anos comparados, não apresentando diferenças significativas

no consumo de nenhuma das categorias de presas (Tabela 17). Esta estação obteve

por isso o valor mais elevado de sobreposição dos nichos alimentares (α = 0,994)

(Tabela 18).

Para a restante estação do ano (Primavera), houve diferenças significativas no

consumo de duas categorias (Crustáceos e Anfíbios – Tabela 17), no entanto a

sobreposição de nichos foi também muito elevada (Tabela 18).

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RESULTADOS – ANÁLISE COMPARATIVA COM OS RESULTADOS OBTIDOS 10 ANOS ANTES

36

Tabela 17. Valores do teste de qui-quadrado e respectivas significâncias (corrigidas pelo método de Bonferroni)

para avaliação da variação do consumo das categorias de presas em cada estação do ano entre os dois anos em

análise (1998/1999 e 2008/2009).

OUT(99)/OUT(09) INV(99)/INV(09) PRIM(99)/PRIM(09)

Crustáceos 3,254 26,989 61,008

Peixes 4,953 80,041 0,531

Anfíbios 1,187 35,401 79,536

Insectos 3,135 7,070 0,114

Répteis 0,207 0,231 5,291

Aves 4,629 0,492 0,000

Mamíferos - - 0,854

Diferenças significativas (p ≤0,007)

Diferenças não significativas (p> 0,007)

- Valor nulo para as duas amostras

Tabela 18. Sobreposição do nicho alimentar entre cada estação do ano nos dois anos em análise.

Outono(99)/Outono(09) Inverno(99)/Inverno(09) Primavera(99)/Primavera(09)

Índice de Pianka 0,994 0,893 0,947

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37

5. DISCUSSÃO

Como o alimento é o principal factor que regula as populações de lontra (e.g.

Kruuk, 2006), este estudo focou-se na variação temporal da disponibilidade das suas

presas e da sua dieta para perceber de que forma as alterações de causa humana

nestes sistemas, já tão instáveis, comprometerão a permanência da lontra a longo

prazo naquela área.

A dieta da lontra varia de acordo com o tipo de habitat, a altitude, a estação do

ano, a biogeografia das espécies-presa, a estabilidade dos ecossistemas e as

modificações induzidas pelo homem na estrutura das comunidades de presas (Ruiz-

Olmo e Palazón, 1997; Ruiz-Olmo, 1997; Clavero, 2003; Clavero et al., 2003; 2005;

2008). Os resultados deste estudo comprovam que as alterações nas comunidades de

presas ao longo do tempo influenciaram a dieta da lontra da área estudada.

A disponibilidade de presas influencia a ecologia da lontra, regulando a sua

mortalidade e reprodução, sendo por isso considerada uma espécie limitada pelo

alimento (food-limited) (e.g. Ruiz-Olmo et al., 2001). Nos rios mediterrânicos existe

uma grande variabilidade do regime hídrico, sobretudo nos de regime intermitente,

sofrendo a disponibilidade de presas aquáticas importantes alterações sazonais e

interanuais (Ruiz-Olmo et al., 2001). Embora as lontras estejam bem adaptadas às

secas estivais dos rios mediterrânicos, a sua capacidade de recuperação será

seriamente comprometida se a seca passar a ser crónica (por falta de chuva e aumento

da temperatura), não havendo recuperação dos caudais e consequentemente não

havendo recolonização pelas suas presas (Jiménez et al., 2008).

Assim, numa altura em que se sabe que as crescentes actividades humanas sobre

estes sistemas estão a provocar uma elevada perda de água disponível, saber como

varia a disponibilidade de presas e como a lontra responde a essas variações tem uma

importância elevada. Só assim se poderá perceber se a espécie se está a adaptar às

alterações ocorridas na comunidade de presas e às condições ambientais cada vez

mais extremas, ou se estas alterações estão, ou poderão vir, a comprometer a

viabilidade da espécie (sobrevivência e reprodução).

Nestes sistemas, sabe-se que os peixes são menos frequentes na dieta da lontra

mas que há um maior número de espécies piscícolas consumidas bem como uma

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DISCUSSÃO

38

maior diversidade trófica (incluindo anfíbios, répteis, aves, mamíferos e insectos

aquáticos) (Clavero et al., 2003). Além disso, é conhecida a selecção positiva das

lontras pelas presas mais energéticas e de hábitos bentónicos (mais fáceis de capturar)

(Kruuk, 1995; 2006), como os barbos e as bogas, e que estas espécies (sobretudo

Barbus sp.) têm um papel importante no sucesso reprodutor da lontra pois contribuem

com uma maior quantidade de biomassa ingerida com um menor número de presas

capturadas (Ruiz-Olmo et al., 2001; 2002; 2009).

Tendo em conta que os resultados obtidos neste trabalho mostram que o barbo

comum (Barbus bocagei) e a boga-portuguesa (Iberochondrostroma lusitanicum)

diminuíram significativamente de abundância nos últimos 10 anos, o sucesso

reprodutor da lontra naquela área poderá estar comprometido.

���� ALTERAÇÕES SOFRIDAS NA COMUNIDADE DE PRESAS E RESPOSTA DA LONTRA

As alterações ocorridas na disponibilidade de presas estão-se a reflectir na dieta

da lontra. Os resultados obtidos mostram que as espécies mais consumidas são

aquelas cuja abundância relativa (em percentagem de ocorrência) é mais elevada.

As principais alterações sofridas na comunidade de presas e na dieta foram a

diminuição significativa da boga-portuguesa e do barbo comum, o aumento

significativo do bordalo (Complexo Squalius alburnoides), o aumento do número de

espécies-presa para a lontra (detectadas as exóticas Australoheros facetus e Gambusia

holbrooki) e o aumento significativo do consumo de anfíbios (sobretudo de Hyla

meridionalis).

Se a introdução de espécies pode ter um impacto positivo para a lontra, como foi

demonstrado por Delibes e Adrián (1987) no caso do lagostim vermelho (Procambarus

clarkii), também já foi demonstrado que a lontra selecciona negativamente algumas

espécies exóticas de peixe (Blanco-Garrido et al., 2007), ainda que estas sejam muito

consumidas pela lontra em ambientes artificiais como as barragens (Pedroso e Santos-

Reis, 2006) e em locais onde são nativas, sugerindo uma resposta de aprendizagem,

sobretudo quando os seus peixes nativos preferidos (ciprinídeos) desaparecem

precisamente devido à introdução de exóticas.

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DISCUSSÃO

39

Perante as pressões actuais a que os sistemas hídricos estão sujeitos, era de

esperar uma diminuição da abundância das espécies endémicas e um aumento do

número e abundância das espécies exóticas devido à maior vulnerabilidade das

primeiras e à maior resistência a condições extremas das segundas (Collares-Pereira et

al., 2000; Magalhães et al., 2007). Os resultados sugerem isso mesmo pois o consumo

das exóticas piscícolas é praticamente restrito ao Outono, demonstrando que a sua

elevada capacidade de resistência às condições adversas da época estival (falta de

água e temperaturas elevadas da água) lhes permite estarem disponíveis na época

imediatamente a seguir (Outono).

O aparecimento das espécies exóticas nos locais prospectados poder-se-á dever a

tentativas (com sucesso) de introdução destas espécies no local, ou à expansão da sua

distribuição durante estes 10 últimos anos, pois estas duas espécies estão presentes e

em maior abundância em ribeiras mais ou menos próximas à área amostrada (Ribeira

de Corona e Ribeira dos Cortilhões – obs.pess.).

A diminuição significativa de uma espécie endémica tão importante como a boga-

portuguesa parece dever-se ao que Magalhães et al. (2007) já tinham demonstrado,

i.e. que as comunidades piscícolas mediterrânicas são afectadas significativamente

pela seca, diminuindo a sua abundância relativa, e que essas diminuições são mais

acentuadas quando as comunidades enfrentam anos consecutivos de reduzida

disponibilidade hídrica (efeito cumulativo da seca). Assim, parecia inesperado e

inexplicável o elevado aumento do bordalo visto ser também uma espécie endémica

que deveria estar a sentir as mesmas dificuldades de sobrevivência que a boga-

portuguesa. Contudo, o significativo aumento da abundância do bordalo, perante as

condições actuais de perda de água, poderá ser explicado pela sua maior variabilidade

genética pois é um híbrido, o que lhe pode conferir uma vantagem adaptativa e

consequente maior resistência a alterações do meio. Também o facto de possuir uma

estratégia de reprodução fraccionada e uma maior taxa de fecundidade que a boga

aumenta a probabilidade de sobrevivência dos seus juvenis (Ribeiro et al., 2003).

Por fim, para o significativo aumento do consumo de anfíbios, sendo Hyla

meridionalis a espécie mais consumida, podem ser encontradas várias explicações.

Este resultado parece evidenciar necessidades adicionais de outras fontes de alimento

provavelmente devido à diminuição das presas preferenciais. Por outro lado, o elevado

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DISCUSSÃO

40

consumo de H. meridionalis pode dever-se a esta iniciar a reprodução bastante cedo

(Fevereiro/Março) e ser das espécies de anfíbios mais terrestres e piores nadadoras

(Javier e Escriva, 1987; Rebelo e Crespo, 1999), podendo ser alvo de captura mais fácil

pela lontra. Por outro lado, são espécies que passam muito pouco tempo na água,

indicando que devem ser capturadas nas margens e/ou em terra.

Contudo, as relas possuem uma biomassa bastante reduzida e são bastante mais

tóxicas, quando comparadas com outras espécies de anfíbios existentes na área de

estudo. Assim, embora as lontras consigam facilmente ultrapassar o problema da

toxicidade pela forma como consomem os anuros (Anexo 2), o elevado consumo de H.

meridionalis continua a não ser vantajoso em termos de biomassa ingerida. Este

resultado, algo contraditório, pode resultar de uma das limitações da utilização da

análise de dejectos para avaliação do regime trófico da lontra. Os dejectos não

constituem amostras independentes, podendo a mesma presa ser identificada em

mais do que um dejecto (Carss e Parkinson, 1996). Este erro pode ser minimizado pela

identificação de indivíduos através de estruturas únicas ou pares, procedimento que

nem sempre é possível.

De facto, nos meses em que as relas já não pareciam tão abundantes (Maio e

Junho), mas que os resultados continuaram a mostrar o seu elevado consumo, os

indivíduos foram maioritariamente identificados com base apenas em vértebras. Em

Maio, cerca de 81% das relas foram identificadas com base apenas em vértebras, e em

Junho 77%, sendo muito provável que o número total de relas consumidas esteja

bastante sobrestimado, sobretudo nestes dois meses.

���� VARIAÇÃO ESPACIAL E TEMPORAL (2009 VS 1999)

As variações mais significativas entre os dois anos em análise ocorreram entre o

sector de amostragem da Ribeira da Fonte dos Narizes (FN) e no período do Inverno.

Estes resultados parecem indicar que o sector de amostragem sujeito a maior

intensidade de perturbações e alterações nos últimos 10 anos foi a FN, e que a estação

em que as alterações observadas são mais significativas é o Inverno.

De facto, foi neste sector de amostragem que se presenciou o maior número de

fontes de perturbação sobre o sistema hidrológico, tais como presença constante de

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DISCUSSÃO

41

dispositivos de extracção de água, desbaste periódico da vegetação ripícola, poluição

aquática constante através das fezes de gado bovino e ovino. Esta ribeira, para além de

ser a que apresenta menor disponibilidade hídrica e a que sofre maiores variações

sazonais da quantidade de água disponível, possui uma vegetação maioritariamente

herbácea, com poucas árvores e pouco ensombramento, fazendo suspeitar que será a

que sofre taxas mais elevadas de evaporação da água.

As variações mais significativas entre os Invernos considerados devem-se à

elevada diminuição do número de presas identificadas, nesta estação do ano, na dieta

de 2008/2009. Este resultado deve-se, muito provavelmente, à maior precipitação

ocorrida no Inverno de 2008/2009, que fez com que muitos dejectos fossem perdidos

(sobretudo no mês de Janeiro). De facto, em 2008/2009 verificou-se uma correlação

negativa significativa entre o número total de indícios encontrados e a precipitação

(Anexo 3).

Algumas das variações obtidas na disponibilidade de presas e na dieta entre os

dois anos em estudo poderão dever-se meramente a flutuações interanuais às quais a

lontra, devido à sua elevada plasticidade ecológica, consegue responder e adaptar-se.

No entanto, parece haver uma tendência para episódios mais extremos (mais

inundações no Inverno e mais seca na Primavera) (Anexo 4a) e para uma diminuição da

precipitação anual total (Anexo 5a), o que provoca uma perda da quantidade e

qualidade da água disponível devido à sua menor entrada e renovação nestes

sistemas. Tais tendências, já provocaram alterações na comunidade de presas e na

dieta da lontra, como ficou provado pela comparação dos resultados obtidos em

ambos os anos em análise.

���� RESPOSTA DA LONTRA ÀS ALTERAÇÕES ESPACIAIS E TEMPORAIS

Segundo os resultados obtidos no ano 2008/2009, a lontra parece estar a

responder de um modo oportunista às alterações ocorridas na disponibilidade das suas

presas, consumindo o que está mais disponível, bem como os indivíduos de maiores

dimensões dentro das classes de tamanho mais disponíveis.

Contudo, em 2008/2009 observou-se uma diminuição significativa do número

total de indícios de presença de lontra na área prospectada, parecendo indicar que a

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DISCUSSÃO

42

lontra não manteve um nível semelhante de utilização da área. O número bastante

mais reduzido de indícios pode estar relacionado com a maior precipitação ocorrida no

Inverno deste ano (Anexo 4a), levando a uma maior perda de indícios. No entanto,

quando se compara o número de indícios encontrados por estação em cada um dos

anos em análise, fica claro que embora a precipitação possa ter influenciado o número

de indícios encontrados no Inverno, não é o único factor que justifica a elevada

redução do número de indícios ao longo dos oito meses de estudo. Por exemplo, na

Primavera continua a haver uma elevada redução do número de indícios encontrados

e esta estação até esteve sujeita a valores inferiores de precipitação em 2008/2009

(Anexo 4a).

���� IMPLICAÇÕES FUTURAS DA TENDÊNCIA OBSERVADA

Em função da tendência dos parâmetros climáticos (temperatura e precipitação)

pode-se prever se a lontra enfrentará problemas acrescidos de persistência a longo

prazo.

Os vários modelos construídos por Miranda e Santos (2006), acerca das

consequências das alterações climáticas sobre os sistemas hidrológicos, prevêem um

padrão dramático de perda de água disponível. Neste trabalho ficou provado que, na

área estudada, a precipitação apresentou uma tendência decrescente nos últimos 20

anos (Anexo 5a).

A tendência da temperatura é mais difícil de estimar, pois este é um parâmetro

mais difícil de prever (Miranda e Santos, 2006). Segundo os modelos de Miranda e

Santos (2006) a tendência global desta será para aumentar, no entanto, a tendência

observada para a região de Grândola nos últimos 20 anos (Anexo 5b) foi decrescente.

Este resultado revelou-se contrário ao esperado mas pode ser justificado pelo facto da

temperatura ser um parâmetro mais imprevisível do que a precipitação e por isso

necessitar de estudos que abranjam maiores intervalos de tempo (Miranda e Santos,

2006). É por essa razão que, para ambos os parâmetros climáticos, este tipo de

estudos costuma utilizar dados referentes a 100 anos.

A curto prazo, as alterações ocorridas nos sistemas aquáticos da área estudada

não parecem ser dramáticas para a persistência da lontra, já que a espécie continua a

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DISCUSSÃO

43

ocorrer naquela área e se mostra adaptada às alterações observadas, nomeadamente

ao alimento disponível. Contudo, a longo prazo, e mantendo-se a tendência observada,

haverá uma disponibilidade tão reduzida (ou mesmo nula) de água que estes sistemas

poderão deixar de ter capacidade de suporte para as espécies-presa e

consequentemente para a lontra.

���� LIMITAÇÕES DOS DADOS

Estimar a diversidade e abundância piscícolas através da pesca eléctrica tem

algumas fontes potenciais de erro, tal como descrito por Taastrom e Jacobsen (1999).

Esses erros podem dever-se ao facto dos peixes de maiores dimensões serem

influenciados a uma maior distância pelo campo eléctrico, aumentando a

probabilidade dos de pequenas dimensões não serem detectados ou da sua

abundância ser subestimada. Também as características e/ou hábitos de algumas

espécies são potenciais fontes de erro, pois aumentam a dificuldade de observação e

captura destas. Por exemplo, as enguias são extremamente rápidas a esconder-se,

estão envolvidas num muco escorregadio e ocorrem no fundo do rio. Para além disso,

as pescas foram efectuadas apenas numa pequena porção (30 metros x 4 transectos)

da área total utilizada pela lontra.

De facto, neste trabalho foi detectada a espécie Gambusia holbrooki na dieta da

lontra que não foi capturada em nenhuma das pescas, podendo este facto dever-se às

suas pequenas dimensões, reduzida densidade ou indicar que a área visitada pela

lontra poderá abranger outros locais onde esta está presente. Contudo, à excepção da

G. holbrooki, as pescas eléctricas realizadas na área de estudo foram capazes de

identificar as espécies existentes, bem como as suas importâncias em termos de

disponibilidade.

Também as armadilhas de funil, usadas na captura de lagostins, parecem

apresentar selectividade em relação ao número máximo e às dimensões dos indivíduos

capturados, favorecendo a entrada dos maiores. O problema da selectividade destas

armadilhas foi detectado neste estudo, tendo as classes de tamanho mais capturadas

sido diferentes das mais consumidas. De facto, a lontra consumiu em maior número

indivíduos entre os 50 e os 80 mm enquanto, segundo as armadilhas, os indivíduos

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DISCUSSÃO

44

mais abundantes seriam entre os 80 e os 100 mm. As únicas explicações para a lontra

consumir em maior número indivíduos de menores dimensões, que lhe conferem

menor biomassa por indivíduo, terão de prender-se ou com a sua maior

disponibilidade e acessibilidade e/ou com a sua maior facilidade de consumo.

A avaliação da dieta da lontra com base na análise de dejectos é um método com

algumas desvantagens, tais como a subestimação dos indivíduos constituídos

maioritariamente por partes moles (Mason e Macdonald, 1986a), o consumo parcial

das presas que invalida os valores de biomassa (Ruiz-Olmo et al., 1998), para além do

já referido problema da não independência das amostras.

As limitações metodológicas referidas anteriormente são potenciais fontes de

erro nos dados obtidos, no entanto, nada ou muito pouco se pode fazer para as

eliminar. Contudo, há mais limitações neste estudo que, embora não sejam de índole

metodológica, são importantes de referir.

Dever-se-ia incluir o Verão, por ser a estação do ano com maiores

constrangimentos em termos de disponibilidade hídrica, para perceber como responde

a lontra quando enfrenta as maiores dificuldades para se alimentar e sobreviver. Neste

estudo, o Verão não foi incluído devido a constrangimentos de tempo e à inexistência

de dados de 1998/1999 referentes a esta estação que permitissem uma comparação.

Seria também de extrema importância, neste tipo de estudos, uma quantificação

real da intensidade de uso da água pelo homem, particularmente nas áreas estudadas.

Este parâmetro é muito difícil de quantificar e não existem dados disponíveis para tal.

Por último, seria de elevado interesse confirmar se de facto houve uma

diminuição do número de lontras na área estudada, como sugere a acentuada

diminuição do número de indícios encontrados. Contudo, a identificação individual

através de extracção de DNA dos dejectos não coube no âmbito deste trabalho (por

constrangimentos logísticos e financeiros), para além de que, mais uma vez, não se

teriam dados de 98/99 para comparação.

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45

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A lontra é uma espécie que consome preferencialmente peixe e que se reproduz

com maior frequência e sucesso em ambientes estáveis (Ruiz-Olmo e Jiménez, 2009).

Contudo, é uma espécie aparentemente abundante em ambientes instáveis como os

Mediterrânicos (Trindade et al., 1998; López-Martín e Jiménez, 2008) e é nestes que

será mais importante perceber como se adapta e sobrevive.

Tal como os dados indicam, a lontra terá dificuldade em persistir na região em

estudo se as condições e alterações ambientais se mantiverem e sobretudo se

agravarem. Mas qual seria a consequência da extinção da lontra na área estudada e na

Bacia Hidrográfica do Rio Sado, para a persistência da espécie a nível nacional?

Segundo o estudo realizado por Trindade et al. (1998), a região do Sado é uma

zona importante para a espécie a nível nacional, sendo classificada como um dos

“sítios prioritários para a conservação da lontra”. A classificação dos Sítios Importantes

para a Conservação da Lontra baseia-se nos requisitos biológicos da espécie, na

naturalidade e/ou estado de conservação do Sítio (abundância de presas, qualidade e

quantidade de água e de coberto vegetal), na dimensão do Sítio (capacidade de

suporte de uma população viável), na sua importância como corredor entre ambientes

aquáticos, na inclusão de amostras representativas de toda a diversidade de

ambientes aquáticos em que a espécie ocorre e na abundância relativa da espécie no

local (Trindade et al., 1998).

A Bacia do Rio Sado possui assim características que lhe conferem uma elevada

importância na persistência de populações viáveis de lontra a nível nacional, tais como

a presença de cursos de água pouco poluídos, presas e vegetação com boas condições

de refúgio e tranquilidade (Trindade et al., 1998). Tais características devem-se a esta

região apresentar actividades industriais pouco numerosas e dispersas e reduzida

densidade populacional humana.

Assim, o presente trabalho deverá ser tido em especial consideração já que

deverá existir um interesse acrescido em tentar contrariar a tendência observada nas

condições ambientais que cada vez mais afectarão a área estudada e toda a região do

Sado, para que esta região não deixe de possuir as características necessárias à

manutenção de populações viáveis de lontra.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

46

Para planear estratégias de conservação da lontra devemos ter em consideração

que esta consegue persistir em áreas com limitações na quantidade de água, desde

que se mantenham presas abundantes e facilmente capturáveis. O problema mais

difícil de ultrapassar é a variabilidade desses recursos nos sistemas mediterrânicos,

sobretudo nos de regime intermitente. A sobrevivência deste mustelídeo está mais

relacionada com a estabilidade dos recursos do que com a quantidade. Assim, mais

importante do que avaliar a disponibilidade de água é estudar a sua variação (Ruiz-

Olmo e Jiménez, 2008). Neste sentido foi extremamente importante perceber de que

forma as actividades humanas estão a aumentar a instabilidade destes ambientes. É

fundamental perceber de que forma a continuação e/ou intensificação das suas

actividades e as tendências climáticas actuais estão a alterar a disponibilidade de

presas e a dieta da lontra para ser possível traçar o destino da espécie a longo prazo

naquela região.

Tendo em conta as condições actuais e as tendências esperadas a lontra terá

dificuldades em permanecer naquela área devido à perda de capacidade de suporte do

sistema. Assim, uma das primeiras acções de gestão da espécie deve ser assegurar um

regime suficiente e o mais natural possível onde persistam as populações de presas.

Nos sistemas de regime intermitente a existência de pegos com complexidade

suficiente para albergar espécies-presa durante a época seca é uma medida eficaz. A

manutenção de condições apropriadas da água (quantidade e qualidade), bem como

de características do habitat propícias à sobrevivência das presas, à reprodução da

lontra e ao cuidado das suas crias são medidas a ter em conta (Ruiz-Olmo e Jiménez,

2008).

Para além dos esforços de conservação direccionados para os aspectos que

determinam directamente a persistência da lontra (como a manutenção das

comunidades aquáticas e das características do habitat para repouso e reprodução),

podem também ser executadas outras acções que, embora mais indirectamente, irão

contribuir para a sua persistência. Devem ser desencorajadas todas as actividades que

afectem significativamente as populações aquáticas (como poluição e desbaste de

vegetação ripícola) (Kruuk, 2006) e deve ser implementado um plano de monitorização

regular da qualidade do habitat, de modo a possibilitar um acompanhamento

continuado das alterações e a detecção precoce dos efeitos de factores prejudiciais

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

47

(Trindade, 1996). Deve-se ainda promover campanhas de sensibilização ambiental que

envolvam os sectores da população mais directamente relacionados com os ambientes

aquáticos e ripícolas e deve ser feita uma quantificação e fiscalização eficiente das

utilizações que as populações humanas fazem dos recursos hídricos, sobretudo dos

mais vulneráveis (Trindade et al., 1998).

Partindo do princípio de que é à conservação de populações viáveis que deve ser

dada prioridade máxima, porque a recuperação tanto das populações como dos

habitats é um processo extremamente lento, dispendioso e nem sempre com êxito

(Foster-Turley et al., 1990), a conservação da lontra tem que ser desenvolvida nos

locais onde é ainda comum e apresenta uma distribuição generalizada. Portugal e a

região do Sado aparecem assim com responsabilidades acrescidas na conservação de

Lutra lutra no território europeu e nacional (Trindade et al., 1998).

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

53

Trindade, A., 1996. A lontra Lutra lutra na Reserva Natural do Estuário do Sado. Estudos de

Biologia e Conservação da Natureza. Instituto da Conservação da Natureza, Lisboa.

Trindade, A., Farinha, N., Florêncio, E., 1998. A distribuição da Lontra Lutra lutra em Portugal –

situação em 1995. Estudos de Biologia e Conservação da Natureza. Instituto da Conservação

da Natureza, Lisboa.

Valla-Pinto, M., 1978. A Raposa (Vulpes vulpes silacea Miller, 1907) no Parque Natural da

Peneda-Gerês e na Serra da Cabreira. Tese de Licenciatura, Universidade de Lisboa, Lisboa.

White, P.C.L., McClean, C.J., Woodroffe, G.L., 2003. Factors affecting the success of an otter

(Lutra lutra) reinforcement programme, as identified by post-translocation monitoring.

Biological Conservation 112, 363-371.

Xenopoulos, M.A., Lodge, D.M., Alcamo, J., Marker, M., Schulze, K., Van Vuuren, D.P., 2005.

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Change Biology 11, 1557-1564.

Zar, J.H., 1999. Biostatistical analysis. Prentice-Hall International Editions, New Jersey.

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54

ANEXO 1

Rectas de regressão usadas para a obtenção de comprimentos e pesos totais a partir da

medição de estruturas diagnosticantes (CT – comprimento total em mm; CE – comprimento da

estrutura diagnosticante em mm; PT – peso total em g).

Espécie

Estrutura

diagnosticante Recta usada Referência

Antenula CT = 39,292*CE+12,565 Matos (1999)

Dente gástrico CT = 18,779*CE+10,801 Matos (1999)

Urópode CT = 4,58+10,66*CE Prenda et al. (2002)

Telson CT = 4,97+15,45*CE Prenda et al. (2002)

Procambarus clarkii

Comprimento total PT = 2x10-6

*CT3,5891

Matos (1999)

Pré-maxilar CT = 24,155*CE-3,213 Matos (1999)

Maxilar CT = 22,630*CE-3,583 Matos (1999)

Dentário CT = 23,800*CE-15,347 Matos (1999)

Dente faríngeo CT = 14,122*CE+0,263 Matos (1999)

Iberochondrostoma lusitanicum

Comprimento total PT = 9x10-6

*CT3,0352

Matos (1999)

Pré-maxilar CT = 76,95+22,61*CE Prenda et al. (2002)

Dentário CT = 77,21+18,06*CE Prenda et al. (2002)

Vértebra CT = -24,48+126,36*CE Prenda et al. (2002)

Anguilla anguilla

Comprimento total PT = e-12,5339

*CT2,86420

Prenda et al. (2002)

Maxilar CT = 11,12+23,18*CE Prenda et al. (2002)

Dentário CT = 6,49+26,01*CE Prenda et al. (2002)

Dente faríngeo CT = 0,30+26,78*CE Prenda et al. (2002)

Vértebra CT = 1,33+62,10*CE Prenda et al. (2002)

Cobitis paludica

Comprimento total PT = 1x10-6*CT3,4307 Matos (1999)

Pré-maxilar CT = -10,93+27,01*CE Prenda et al. (2002)

Maxilar CT = -15,14+20,85*CE Prenda et al. (2002)

Barbus bocagei

Dentário CT = -15,78+24,05*CE Prenda et al. (2002)

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Dente faríngeo CT = -21,34+17,16*CE Prenda et al. (2002)

Vértebra CT = 0,62+76,22*CE Prenda et al. (2002)

Comprimento total PT = 9x10-6

*CT3,0056

Matos (1999)

Pré-maxilar CT = 10,29+16,22*CE Prenda et al. (2002)

Maxilar CT = 10,33+14,39*CE Prenda et al. (2002)

Dentário CT = 2,42+14,65*CE Prenda et al. (2002)

Dente faríngeo CT = 6,32+14,39*CE Prenda et al. (2002)

Vértebra CT = 5,61+54,54*CE Prenda et al. (2002)

Complexo Squalius alburnoides

Comprimento total PT = e-12,4021

*CT3,16723

Prenda et al. (2002)

Pré-maxilar CT = 5,16+18,25*CE Prenda et al. (2002)

Maxilar CT = 2,77+16,77*CE Prenda et al. (2002)

Dentário CT = -0,70+15,56*CE Prenda et al. (2002)

Dente faríngeo CT = 3,54+14,21*CE Prenda et al. (2002)

Vértebra CT = 5,24+60,52*CE Prenda et al. (2002)

Squalius pyrenaicus

Comprimento total PT = e-12,2008*CT3,17496 Prenda et al. (2002)

Pré-maxilar CT = -2,55+16,07*CE Prenda et al. (2002)

Maxilar CT = -3,13+19,53*CE Prenda et al. (2002)

Dentário CT = 0,33+17,84*CE Prenda et al. (2002)

Pterigoides CT = -3,77+17,38*CE Prenda et al. (2002)

Vértebra CT = -1,11+57,35*CE Prenda et al. (2002)

Gambusia holbrooki

Comprimento total PT = e-12,4559*CT3,25992 Prenda et al. (2002)

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56

ANEXO 2

Fotografia referente a um tipo de indício de presença de lontra (resto de presa): pele de

anfíbio (Bufo bufo) revirada do avesso.

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57

ANEXO 3

Variação mensal do número de indícios encontrados e dos valores de precipitação (valores do

Sistema Nacional de Informação dos Recursos Hídricos (SNIRH) do Instituto da Água (INAG)

para a estação de medição de Grândola).

0

20

40

60

80

100

120

140

160

No

vem

bro

Dez

emb

ro

Jan

e iro

Fev e

rei r

o

Ma

rço

Ab

ril

Ma

io

Jun

ho

N

0

20

40

60

80

100

120

140

mm

Nº indícios precipitação mensal (mm)

Correlação entre o número mensal de indícios encontrados e os valores mensais de

precipitação (Statistica 8.3 para um nível de significância de 0,05).

Valid Spearman p-level

Nºindícios & Precipitação 8 -0,755800 0,030000

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ANEXO 4

Variação mensal dos valores de precipitação (a) e média mensal dos valores de temperatura

(b) durante o período de estudo dos dois anos em análise (valores do Sistema Nacional de

Informação dos Recursos Hídricos (SNIRH) do Instituto da Água (INAG) para a estação de

medição de Grândola).

Precipitações mensais

0

20

40

60

80

100

120

140

No

vem

bro

De

zem

bro

Jan

eir

o

Feve

reir

o

Mar

ço

Ab

ril

Mai

o

Jun

ho

mm

98/99 (mm) 08/09 (mm)

Temperaturas médias mensais

0

5

10

15

20

25

No

vem

bro

De

zem

bro

Jan

eir

o

Feve

reir

o

Mar

ço

Ab

ril

Mai

o

Jun

ho

ºC

98/99 (ºC) 08/09 (ºC)

a)

b)

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ANEXO 5

Variação anual dos valores de precipitação e tendência dos últimos 20 anos (a) e média anual

dos valores de temperatura e tendência dos últimos 20 anos (b) de Novembro de um ano a

Setembro do ano seguinte (valores do Sistema Nacional de Informação dos Recursos Hídricos

(SNIRH) do Instituto da Água (INAG) para a estação de medição de Grândola).

Precipitação Total Anual

0

200

400

600

800

1000

1200

1400

20 19 18 17 16 15 14 13 12 11 10 9 8 7 6 5 4 3 2 1 0

Anos

Pre

cip

itaç

ão (

mm

)

Temperatura Média Anual

14,5

15

15,5

16

16,5

17

17,5

20 19 18 17 16 15 14 13 12 11 10 9 8 7 6 5 4 3 2 1 0

Anos

Tem

per

atu

ra (

ºC)

Legenda:

20 – 1988/1989; 19 – 1989/1990; 18 – 1990/1991; 17 – 1991/1992; 16 – 1992/1993; 15 – 1993/1994; 14 –

1994/1995; 13 – 1995/1996; 12 – 1996/1997; 11 – 1997/1998; 10 – 1998/1999; 9 – 1999/2000; 8 – 2000/2001; 7 –

2001/2002; 6 – 2002/2003; 5 – 2003/2004; 4 – 2004/2005; 3 – 2005/2006; 2 – 2006/2007; 1 – 2007/2008; 0 –

2008/2009.

a)

b)