UNIVERSIDADE DE CAXIAS DO SUL ALANA MICHELLI BOF O...
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UNIVERSIDADE DE CAXIAS DO SUL
ALANA MICHELLI BOF
O VALOR DO JORNALISMO CULTURAL NO BRASIL – O CASE DA REVISTA BRAVO!
Caxias do Sul 2015
ALANA MICHELLI BOF
O VALOR DO JORNALISMO CULTURAL NO BRASIL – O CASE DA REVISTA BRAVO!
Trabalho de Conclusão de Curso para obtenção do grau de bacharel em Comunicação Social – Habilitação em Jornalismo da Universidade de Caxias do Sul.
Orientador: Paulo Ribeiro
Caxias do Sul 2015
ALANA MICHELLI BOF
O VALOR DO JORNALISMO CULTURAL NO BRASIL – O CASE DA REVISTA BRAVO!
Trabalho de Conclusão de Curso para obtenção do grau de bacharel em Comunicação Social – Habilitação em Jornalismo da Universidade de Caxias do Sul. Aprovado em ___/12/2015
Banca Examinadora ________________________________ Prof. Dr. Paulo Ricardo Ribeiro Universidade de Caxias do Sul - UCS ________________________________ Prof. Dra. Alessandra Paula Rech Universidade de Caxias do Sul – UCS _________________________________ Prof. Dra. Ivana Almeida da Silva Universidade de Caxias do Sul - UCS
AGRADECIMENTOS
Agradeço primeiramente aos meus pais, Angela Maria Michelli e Alvaro
Antônio Bof, por terem desde sempre me incentivado a ter um apreço especial pela
cultura de uma maneira geral. Um agradecimento especial à minha mãe por ter ido
até Porto Alegre comigo para peregrinar em diversos sebos as edições de Bravo!
que faltavam para a realização deste trabalho. Agradeço também a minha tia,
Alvana Maria Bof por, mesmo de longe, ter me incentivado a conhecer as culturas de
diversos países, por meio dos cartões postais enviados de diferentes lugares,
quando eu era criança, e também por me levar em algumas dessas viagens.
Agradeço aos meus amigos, em especial à Luisa Biondo por ter dividido
comigo as aflições, dúvidas e realizações no período de execução da monografia, à
Andressa Lima pelo auxílio e à Maiara Calgaro pelas dicas de uma monografia nota
10.
Agradeço também aos ex editores de Bravo!, Armando Antenore e Luiz
Felipe D’Avila, pelas entrevistas concedidas que contribuíram muito e foram
essenciais para a execução desse trabalho de pesquisa.
E por fim, agradeço a todos os meus professores, desde o período escolar
até o acadêmico, que foram essenciais para que eu chegasse até aqui, transmitindo
conhecimentos e sua própria cultura. Nesse trajeto, se destacam as professoras
Adriana Schleder e Roberta Mânica, e é claro, o professor Paulo Ribeiro, meu
orientador nesse trabalho. A ele, agradeço pelo auxílio, pelas dicas, pela paciência e
pelo apoio durante todo esse período monográfico.
Cultura não é patrimônio de guetos intelectuais, nem o refinamento
supérfluo das elites. A cultura transcende barreiras geográficas,
políticas, sociais e econômicas, e é um dos instrumentos mais
eficazes na formação da cidadania.
Luiz Felipe D’Avila
RESUMO
A presente monografia é uma pesquisa sobre o valor dado ao jornalismo cultural Brasileiro. Para isso se fará um panorama desde a disseminação das artes por meio da indústria cultural até a chegada ao Brasil do jornalismo focado na cultura. Para ilustrar o estudo será feita uma análise da revista Bravo!, que foi a maior revista de temática cultural já produzida em território brasileiro. As entrevistas exclusivas com os ex-editores da publicação Armando Antenore e Luiz Felipe D'Avila também servirão de alicerce para compreender a importância da revista no contexto do jornalismo cultural e os problemas por ela enfrentados. A história das revistas no Brasil e sua posterior segmentação também serão abordadas para contextualizar o estudo, além das características do texto jornalístico de revista, que é mais analítico e tem a reportagem como principal modelo. Tendo como metodologia a análise de conteúdo serão respondidas as hipóteses previamente formuladas para este estudo. Palavras-chave: jornalismo cultural, revista, Bravo!, artes, cultura, indústria cultural
ABSTRACT
The following monograph is a research about the value of the brazilian's cultural
journalism. For this, it will be done a panorama since the dissemination of the arts
through the culture industry until the arrival in Brazil of the journalism focused in
culture. To exemplify the study, it will be done an analysis of Bravo! magazine, that
was the biggest cultural magazine produced in brazilian territory.
The exclusives interviews with the ex editors of the publication, Armando
Antenore and Luiz Felipe D'Avila also will be used to understand the importance of
this magazine in the journalism cultural's context and the problems faced by it. The
magazine's history in Brazil and its segmentation will be addressed to contextualize
the study, and also the characteristics of the magazine's journalist text, that is more
analytic and has the reportage how the main model. With the content
analysis methodology, the assumptions listed for this study will be answered.
Key words: cultural journalism; Bravo!; magazine, arts, culture, culture industry
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 – Capa revista Bravo! n. 1 (1997)................................................................55
Figura 2 – Capa revista Bravo! n.50 (2001)...............................................................55
Figura 3 – Sumário revista Bravo! n. 1 (1997)............................................................66
Figura 4 – Sumário revista Bravo! n.192 (2013).........................................................66
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ..........................................................................................................10
2 A INDÚSTRIA CULTURAL ....................................................................................13
3 O JORNALISMO CULTURAL NO BRASIL...........................................................22
4 A REVISTA NO BRASIL........................................................................................34
4.1 REVISTAS CULTURAIS......................................................................................40
4.2 A REVISTA BRAVO!............................................................................................43
5 BRAVA BRAVO! ...................................................................................................49
5.1 PRÉ ANÁLISE......................................................................................................49
5.2 JORNALISMO DE QUALIDADE..........................................................................52
5.2.1 O aniversário do Masp e o nascimento de Bravo!.......................................52
5.2.2 O Nobel de Saramago.....................................................................................53
5.2.3 Bravo! é arte – na forma e no conteúdo........................................................54
5.2.4 O alcance da arte contemporânea.................................................................56
5.2.5 A popularidade das sinfônicas......................................................................57
5.2.6 O perfil de Nelson Rodrigues.........................................................................58
5.2.7 Dédale – entre a crítica e a resenha...............................................................60
5.2.8 Contos célebres...............................................................................................61
5.2.9 Adeus em metáfora.........................................................................................62
5.2.10 Os melhores da cultura.................................................................................63
5.3 ESTRUTURA CLÁSSICA, CULTURA CONTEMPORÂNEA................................65
5.4 A (FALTA DE) CULTURA ARTÍSTICA – ENTRE LEITORES, EDITORAS E
ANUNCIANTES..........................................................................................................69
5.5 INFERÊNCIAS.....................................................................................................73
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................................76
REFERÊNCIAS..........................................................................................................79
ANEXOS....................................................................................................................83
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1 INTRODUÇÃO
Se o trabalho dignifica o homem, como afirmou Max Weber, pode-se dizer
que a cultura enobrece a humanidade. Ter cultura é ter consciência do seu tempo e
espaço e buscar conhecer os demais. É procurar, por meio das mais variadas artes
que são expressões do pensamento e da criatividade humana, refletir não só sobre
o mundo em que vivemos, mas também sobre o que sonhamos, criamos ou
desejamos. O jornalismo que divulga, debate, explica e coloca a produção artística
como personagem principal é chamado de jornalismo cultural.
Tendo em vista a importância desse ramo jornalístico, que atualmente é
pouco valorizado, a presente monografia tem como tema o valor do jornalismo
cultural no Brasil focando especialmente no case da revista Bravo!, que foi a maior
revista cultural brasileira. A questão norteadora deste trabalho é: por que as
publicações de jornalismo cultural não têm sucesso duradouro no Brasil a ponto de a
maior revista da área, a Bravo!, ter deixado de ser publicada em 2013?
O objetivo geral desta pesquisa é comprovar a importância do jornalismo
cultural brasileiro como disseminador das artes, criando espectadores e leitores
interessados, além de refletir sobre a produção cultural. Dentro dessa ideia, há
alguns objetivos mais específicos como verificar a qualidade do jornalismo cultural
produzido pela revista Bravo!, constatar como a revista auxiliou na divulgação de
eventos e trabalhos artísticos no Brasil, assim demonstrando a importância desse
segmento jornalístico para criar interesse público na área artística. Outro objetivo é
descobrir os erros e acertos de Bravo!, que apesar de ter durado 16 anos, foi
encerrada em 2013.
Entre as hipóteses formuladas para o desenvolvimento do trabalho está o
fato de a revista ter produzido conteúdo jornalístico de qualidade, mas também de
não ter se modernizado com o passar dos anos. A cultura não ser um assunto
vendável no Brasil e o jornalismo cultural não ser valorizado pelas grandes editoras
jornalísticas são as demais hipóteses.
Para que os objetivos sejam alcançados e as hipóteses sejam colocadas à
prova, se percorrerá o seguinte caminho.
No capítulo 2, o assunto abordado será a indústria cultural, considerando
sua íntima relação com a popularização das artes e a criação de produtos culturais.
Serão abordados aspectos históricos do surgimento da indústria cultural como
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fenômeno da Revolução Industrial, além do surgimento do termo, na escola de
Frankfurt, e os sucessivos efeitos da indústria cultural no meio das artes, seus
aspectos positivos, negativos e a inserção da cultura na lógica mercantil. Para tal,
serão utilizados como referências desde autores mais clássicos como Theodor
Adorno e Walter Benjamin até os mais contemporâneos como Teixeira Coelho e
Muníz Sodré.
O jornalismo cultural no Brasil, um dos assuntos centrais deste trabalho, terá
lugar especialmente no capítulo 3, que vai apresentar desde os primórdios do
jornalismo cultural, com a revista The Spectator, na Inglaterra, até sua vinda para o
Brasil, passando pela sua disseminação nos Estados Unidos com a criação da
revista New Yorker, que serviu de inspiração para grande parte das publicações
brasileiras. As dicotomias que atingem o jornalismo cultural no Brasil também serão
abordadas. A presença de escritores e da literatura nos primórdios dos jornais
impressos e o posterior surgimento dos cadernos culturais também ganham lugar
neste capítulo, que usará como base autores como Daniel Piza, Arthur Dapieve,
Humberto Werneck e András Szantó.
No capítulo 4 entrará em cena a história das revistas no Brasil, que surgiram
como publicações que, por terem uma periodicidade maior, davam mais espaço à
reportagem, à investigação. A partir daí, ganha espaço a corrente do jornalismo que
não apenas transmite informações, mas também analisa os fatos e estimula a
reflexão sobre eles. Na parte histórica, o capítulo irá abordar desde revistas que
foram referências mundiais, como a Life, até as nacionais como Realidade, O
Cruzeiro e Veja. O fenômeno das revistas segmentadas, nos anos 1960, também
será abordado. Textos de Marília Scalzo e Maria Celeste Mira serão utilizados como
principais referências.
O subcapítulo 4.1 terá como temática as revistas culturais, focando
especialmente no histórico das revistas culturais brasileiras, sua inovação em termos
de diagramação e seu papel de divulgar as vanguardas artísticas nacionais. Um livro
de Sérgio Cohn e outro da própria editora Abril serão as principais referências
teóricas.
A revista Bravo!, protagonista desse trabalho, terá sua história contada no
subcapítulo 4.2, desde seus primórdios na editora D’Avila até seus últimos anos,
passando pela transferência do título para a editora Abril e a mudança no estilo
textual. As principais referências serão as entrevistas feitas com o ex-editor da
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publicação Armando Antenore e com o ex proprietário da editora D’Avila, Luiz Felipe
D’Avila.
A análise em si começará no capítulo 5. Serão os objetos de análise dez
edições da revista Bravo! além de duas entrevistas exclusivas com Armando
Antenore e Luiz Felipe D’Avila. Cada uma das hipóteses vai ser debatida em um
subcapítulo da análise, dialogando com o referencial teórico de autores utilizados
nos capítulos anteriores.
A metodologia utilizada será hipotético dedutiva com aferições qualitativas.
Segundo Bauer, esse método é o mais apropriado para analisar textos e suas
respectivas mensagens. Autores como Laurance Bardin e Fonseca Junior também
serão utilizados para fundamentar a análise de conteúdo. Para Bardin, o método
qualitativo é o ideal para a compreensão de conteúdos específicos, como é o caso
do jornalismo cultural inserido na revista Bravo! Assim, a análise buscará inferências
que irão validar as hipóteses previamente formuladas.
Por fim, se pretenderá responder à questão norteadora e assim
compreender os fatores que levaram ao fechamento da revista Bravo!, além de
apontar o que é necessário para que o jornalismo cultural no Brasil seja valorizado e
ganhe a importância, a notoriedade e o espaço que lhe são devidos.
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2 A INDÚSTRIA CULTURAL
Apesar de ser um fenômeno intrínseco à Revolução Industrial do século
XVIII, o termo indústria cultural só passou a ser utilizado, teorizado e criticado a
partir dos pensadores da Escola de Frankfurt. A escola, entendida como um instituto
de filosofia social, foi fundada na Alemanha em 1923, tendo sido transferida para a
Suíça em 1933, só retornando a Frankfurt após a Segunda Guerra Mundial, em
1950.
Nesta instituição, reuniram-se pensadores como Theodor Adorno, Walter
Benjamin e Herbert Marcuse para discutir a filosofia social, que está entre a reflexão
filosófica e a investigação científica. É uma aproximação sociológica que, segundo
Paul-Laurent Assoun “dá lugar a uma imensa literatura em que se misturam
sociologia, reflexão sobre a civilização e a história, vasto rio alimentado por
correntes tão diversas como as ideias sociais, a ética noeokantiana ou a filosofia dos
valores.” (1989, p.9).
Resumidamente, segundo Assoun (1989), a escola de Frankfurt é, antes de
tudo, um fenômeno ideológico que marca a criação de um instituto de filosofia social
que motivou movimentações teóricas diversas.
Dentro da Escola de Frankfurt, a indústria cultural foi um dos assuntos
abordados. O termo foi utilizado para designar o processo que envolve a
transformação de cultura em mercadoria e da mercadoria em matriz da cultura.
Adorno foi um dos primeiros estudiosos a escrever sobre a crítica da
indústria cultural. Para ele, a indústria cultural é uma forma de expressão de
movimentos de massa que procura tornar aceitável, em nível subjetivo, a situações
de vida precária de grande parte da população, estimulando a passividade diante
dos sistemas (políticos, educacionais, econômicos etc.) vigentes.
Para Benjamin, a problemática principal da indústria cultural é a incansável
reprodutibilidade técnica, que faz com que as obras de arte percam sua aura.
Segundo ele, essa aura era resultado da singularidade da produção desta obra,
gerando uma rede de sentido “sacralizada”. É o “aqui e agora” da obra que se perde,
a tradição presente no contexto em que ela estava inicialmente inserida.
A autenticidade de uma coisa é a suma de tudo o que desde a origem nela é transmissível, desde a sua duração material ao seu testemunho histórico. Uma vez que este testemunho assenta naquela duração, na reprodução ele acaba por vacilar, quando a primeira, a autenticidade escapa ao homem e o
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mesmo sucede ao segundo; ao testemunho histórico da coisa. Apenas este é certo; mas o que assim vacila é exatamente a autoridade da coisa. (BENJAMIN, p.4, 1955).
.
Ou seja, segundo esta corrente de pensamento, mesmo que a indústria não
modifique o conteúdo da obra de arte, ela perde a sua unicidade. Na modernidade, a
necessidade da posse da obra como produto prevalece sobre a capacidade de
fruição e reflexão. Como explica Assoun
A obra de arte reprodutível perde seu valor como “objeto cultural” em proveito do seu valor como “realidade a expor”. Como a fotografia, ela é dada a ver em série: função da exposição que se dá livre curso com o cinema, que impõe uma mediação técnica a selar definitivamente o destino tecnológico da obra de arte moderna. (ASSOUN, 1989, p.93).
A experiência, assim como os produtos, não é mais pessoal e observa-se
uma separação entre o espírito crítico e a busca do prazer por meio do consumo dos
produtos culturais e de arte.
Já o doutor em Ciências Sociais Francisco Rüdiger (1998) explica que, para
Dieter Prokop, que lançou o livro Sociologia do Filme em 1970, as experiências
proporcionadas pelos produtos culturais não são necessariamente padronizadas, no
caso de produções alternativas que também podem ser de massa. Segundo ele, no
caso de produtos menos estereotipados, a tecnologia estimula uma espécie de
reflexão espontânea.
Essas contradições entre a função e as consequências da indústria cultural,
seus efeitos positivos e negativos e até sua validade como propulsora ou destruidora
da arte propriamente dita, rondam o tema desde seu surgimento como fenômeno
discutível.
Dicotomias que são abordadas por Teixeira Coelho (1980), em uma tentativa
de criar um panorama sobre o que é, como surgiu e quais os prós e contras da
indústria cultural. Para ele, são características intrínsecas a ela o capitalismo, o
liberalismo econômico e a sociedade de consumo.
O autor aponta as principais consequências da indústria cultural que são
alvo de críticas: a alienação e a reificação (ou coisificação). Nesse processo, a
própria cultura é vista não mais como um instrumento de expressão e libertação,
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mas como produto que desperta desejo e deve ser trocado por dinheiro, passando
assim a ser regida pelas leis de mercado.
Assim, os produtos culturais e artísticos são comercializados como qualquer
outro produto. O público não tem tempo nem interesse em questionar aquilo que
consome nem o porquê deste consumo. E é daí que provem uma das críticas
centrais feitas à indústria cultural, colocando-a como instrumento alienante.
Segundo Coelho (1980), sob essa visão, a cultura de massa é oferecida
como produto de divertimento para mascarar realidades inaceitáveis, promovendo o
conformismo e a ausência de senso crítico.
Seria como o circo daquela política instaurada pelo Império Romano na
antiguidade apelidada pelo poeta Juvenal (100 d.C) de política do Pão e Circo, que
fornecia à plebe comida e entretenimento com o objetivo de desestimular qualquer
tipo de movimentos ou reivindicações sociais. Agora, porém, o circo estaria
disfarçado de produto cultural simplificado ou entretenimento. Para Adorno, a
indústria cultural é o embasamento do totalitarismo moderno.
A indústria cultural como divertimento e a ausência de senso crítico é ainda
mais notória quando se fala em indústria cultural no Brasil, segundo Coelho. A
dependência extrema de verbas publicitárias, nos veículos propagadores da cultura,
faz com que os traços do comercialismo sejam exacerbados. No universo de
estímulo constante ao consumo, não há nenhum interesse em incentivar o senso
crítico.
Na corrente que defende a indústria cultural, estão argumentos como o de
que, por mais rasa que seja a abordagem feita por ela e pelos meios de
comunicação de massa, com relação à cultura, isso contribui para a compreensão
do mundo. Seguindo a dialética proposta por Engels, o acúmulo de informações
pode constituir uma forma, ainda que primária, de conhecimento. Há também a ideia
de que ela democratiza a cultura ao colocá-la ao acesso da massa populacional, não
ficando restrita apenas a uma minoria de letrados.
Coelho (1980) apresenta dois modos de análise para determinar a validade
positiva ou negativa da indústria cultural: o quê (conteúdo) e o como (meio e modo
de operar). Considerando que o foco desta pesquisa é o jornalismo cultural, a
análise irá se deter ao aspecto do conteúdo e dos elementos de significação
utilizados para apresentá-lo.
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Sob o viés do conteúdo, o autor explica: “Deste ponto de vista os produtos
da indústria cultural serão bons ou maus, alienantes ou reveladores conforme a
mensagem por eles eventualmente veiculada.” (1980, p.29).
A dificuldade desse tipo de análise, porém, reside no fato de que a qualidade
ou relevância do conteúdo, em alguns casos, é subjetiva e depende da ideologia
pessoal. Em termos de ideologia de esquerda e de direita, ao analisar um conteúdo
cultural, ambas têm em comum a crítica ao prazer, porém por motivos diferentes.
Enquanto a direita incentiva o controle do prazer em benefício do trabalho, a
esquerda defende que a diversão é alienante e por isso deve ser combatida. Nesta
visão ideológica, a cultura de qualidade não tem relação com o prazer, pois deve ser
compromissada e combativa.
Porém, a exigência por seriedade é muito mais intensa em relação à cultura
dita de massa do que em relação à alta cultura. Ou seja, é um duplo preconceito,
segundo Coelho (1980), pois se condena o prazer desconsiderando o seu papel
importante na psicologia humana e avalia-se a indústria de massa de forma mais
rígida. Para uma análise fidedigna da indústria cultural, preconceitos como este
devem ser superados.
Uma das primeiras observações que o autor faz sobre o assunto da indústria
cultural é a existência de três níveis de cultura comumente aceitos. Baseado em
Dwight MacDonald, ele aborda as manifestações culturais superior, média e de
massa.
A cultura superior é entendida como a conhecida cultura erudita, as formas
de arte já consagradas, mais tradicionais e ditas clássicas, que em alguns aspectos
dependem de um conhecimento prévio para uma fruição mais completa e reflexiva.
A cultura média ou midcult é aquela que tem como inspiração a cultura superior,
porém acrescentando elementos populares ou simplificadores. Já a baixa cultura ou
masscult é aquela que provém das massas e a elas se direciona, de assimilação
mais fácil, consumo compulsivo.
Ele ressalva que a catalogação dos produtos ou obras em uma dessas
culturas é uma tarefa nem sempre simplória, dependendo também do período
histórico e das características que se busca analisar. Para Coelho (1980), a
passagem de um produto cultural de uma categoria inferior para uma superior,
muitas vezes, só depende do tempo, como no caso do jazz e de escritores como
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Dostoiévski. Além disso, ele critica a ideia de que a cultura superior só desperta o
interesse das classes dominantes.
Isso significa que as formas culturais atravessam as classes sociais com uma intensidade e uma frequência maiores do que se costuma pensar. Maiakoviski sempre acreditou que o povo podia ser um consumidor da arte de experimentação vulgarmente chamada de elite – e acreditou nisso até que a burocracia stalinista levou-o a morte. (COELHO, 1980, p.17).
O poeto russo Maiakosvski acreditava que a cultura do povo deveria ser
elevada. Como explica o historiador Célio Turino (2003), sob essa visão, a cultura
crítica deveria ampliar seu raio de alcance, porém sem enfraquecer seu conteúdo.
Estimular a consciência quebrando os processos hierarquizantes da cultura e
impedindo a alienação do sujeito com relação ao objeto e ao mundo.
Outro esclarecimento feito por Coelho (1980), seguindo a ideia de
MacDonald, é que diferente do que se costuma afirmar, os produtos da indústria
cultural não têm como subproduto principal a cultura de massa, e sim a midcult. Ele
explica que, mesmo banal e pouco profunda, a cultura de massa tem bases
históricas concretas e é autêntica. Enquanto isso, a midcult apenas dá nova
roupagem a ideias e estereótipos da cultura superior, fazendo o público acreditar
que não há diferenciação entre esta cultura mediana e aquela de valores reais já
consagrados.
Em grande parte dos países onde a indústria cultural se faz presente, ela
exerce também um papel de homogeneização das classes de cultura, de modo que
os produtos de cultura superior, média e inferior se confundem e se mesclam.
Porém, Coelho observa que no Brasil esse fenômeno é enfraquecido, pois
as diferenças grotescas em níveis sociais e educacionais obriga a indústria cultural a
oferecer vertentes diversas para atingir os diferentes nichos de mercado.
A masscult, no entanto, prevalece, pois a cultura superior nunca foi forte no
Brasil. Historicamente, o desenvolvimento brasileiro como nação não estimulou a
fruição ou o consumo de obras eruditas. A parcela da população nelas interessadas
é insignificante se comparada ao consumo de masscult e midcult. Isso se deve a um
desenvolvimento incompleto da cultura brasileira, que faz com que veículos como a
televisão, que tem o apelo da imagem e do entretenimento, prevaleçam sobre outros
meios como o jornal ou o livro.
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Surge assim uma cultura de massa heterogênea e firmada em ampla estilização de forma e conteúdos da cultura popular. Milanesi nota ainda que “passa-se de uma cultura oral (...) para uma cultura onde prevalece a imagem, saltando sobre uma cultura letrada.” No Brasil, uma etapa foi queimada e as possibilidades de retorno são mínimas. (COELHO, 1980, p. 83).
Neste aspecto que trata da arte e da cultura das diferentes classes sociais,
cabe ressaltar a observação feita por Muníz Sodré (2001) de que a arte, mesmo que
seja de usufruto majoritário das elites burguesas, faz registros históricos e sociais
tendo como inspiração as realidades das diversas classes, gerando “efeitos
potencialmente universais de conhecimento”. “Assim, a obra literária do aristocrata
Tolstoi é fundamental para a compreensão da alma do camponês russo ou mesmo
de qualquer sujeito humano colocado em situação de miséria ou de opressão”.
(SODRÉ, 2001, p.112).
A indústria cultural possibilitou, porém, que o contingente de pessoas
abrangidas pelas culturas e artes diversas fosse ampliado, ainda que com formatos
e linguagens mais banais. Sodré (2001) observa, por exemplo, que os folhetins
veiculados pelos jornais no século XIX incentivaram o hábito da leitura e o gosto
pela literatura, ainda que simplificada.
Há também casos de culturas regionais populares tornarem-se inspiração ou
fontes para a renovação estética de correntes artísticas universais e de bens
culturais consagrados e de amplo consumo. Como exemplifica Sodré “foi a partir das
máscaras africanas que Picasso criou o cubismo; a partir da pintura de areia dos
índios Navajor, o norte-americano Jackson Pollock rejeitou o cubismo e criou o
expressionismo abstrato”. (2001, p.121).
Ou seja, a indústria cultural colaborou para a amplificação do acesso e do
intercâmbio da cultura. No entanto, aqui cabe uma ressalva para apresentar a
segunda forma de análise apresentado por Coelho (1980), o ‘como’ da indústria
cultural, ou seja, a linguagem significante utilizada nos produtos dessa indústria.
É a perspectiva semiótica, que apresenta a maneira como os veículos de
indústria cultural operam as significações. Como explica Coelho, baseado em
Peirce, são três os tipos de signos existentes: ícone, índice e símbolo.
O ícone é uma analogia do objeto apresentado, como uma fotografia, e
desperta uma consciência intuitiva.
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O índice faz referência ao objeto, sem ser semelhante a ele. Não é
autônomo e precisa estar próximo do seu objeto para existir, é efêmero. Além disso,
ele não dá informações precisas sobre o objeto ao qual faz referência e exige um
esforço mental para ser interpretado.
Já o símbolo representa o objeto por meio de uma convenção, como é o
caso da palavra. Também não dá detalhes sobre o objeto representado, sendo uma
representação mais genérica. Traz na sua representação o despertar de uma
consciência lógica.
A maneira mais utilizada de significação da indústria cultural é, segundo
Coelho, a consciência indicial. Ou seja, utiliza signos passageiros e rápidos, sem
tempo para intuir ou interpretar logicamente. Há uma constatação superficial.
Na verdade, o que temos nesses veículos da indústria cultural realmente são ícones, porém ícones sufocados numa operação indicial com os signos. Os ícones existem superficialmente, mas o modo pelo qual são dispostos é indicial, formando-se no indivíduo receptor uma consciência na forma de mosaico. (COELHO, 1980, p.65).
Ou seja, nos veículos como a televisão, as imagens passam rapidamente e
sem conexão, não permitindo nenhum tipo de interpretação mais profunda,
estimulando assim o processo de alienação.
Coelho (1980) acredita que se faz necessária a utilização de processos
icônicos ou simbólicos para libertar o homem deste círculo vicioso da consciência
indicial, de interpretações rasas. Enquanto não é feita uma revolução radical neste
sentido da significação, pequenas modificações podem ser feitas.
(...) Lucien Goldmann destaca que a sociedade tecnocrática não pode e não quer imbecilizar completamente o indivíduo, por maior que seja o número dos diplomados analfabetos. Essa sociedade só existe enquanto houver a promoção de um saber, de algum saber (...). E já tivemos exemplos dessas possibilidade de utilização dos meios de comunicação num sentido favorável ao homem – embora nesse caso deixem de ser de massa para tornarem-se meios de indivíduos e grupos organizados. (COELHO, 1980, p.93).
Para além do fator da significação, a grande problemática trazida pela
indústria cultural não é exatamente o fato de ser produzida e consumida em massa,
mas sim a colocação da cultura na lógica mercantil, a ponto de a produção ser
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guiada pelas leis do mercado, pela demanda, deixando a função de expressão
criativa e manifestação reflexiva em segundo plano. Como explica Jayme Paviani:
“O erro está em considerar a arte só mercadoria, desvirtuando-lhe a função estética
e social. Função, aliás, que a crítica tem a missão de constantemente revelar”.
(1987, p.70).
Nesta observação, Paviani (1987) traz à tona outro quesito importante no
estudo sobre a indústria cultural: o papel dos meios de comunicação, dos críticos e
do próprio jornalismo cultural. Ainda segundo ele “a indústria da cultura pode usar a
crítica e os críticos como apoio mercadológico, como modalidade de promoção das
obras de arte.” (PAVIANI, 1987, p.70). Centra-se aqui no aspecto de divulgar a arte,
expandi-la, democratizá-la.
Com uma análise objetiva e embasada, a função atual da crítica é
justamente refletir sobre a produção cultural. Segundo Sodré, o poder consagrador,
até então pertencente às universidades, foi transferido majoritariamente para a
mídia, na figura dos críticos. “Nada impede, assim, que um material ou um produto
antes considerado ‘menor’ seja de repente alçado a condição de ‘obra de arte’ por
efeito da legitimação de um grupo especializado”. (SODRÉ, 2001, p.123).
Daí a responsabilidade do crítico, pois esse poder a ele entregue pode tanto
causar a banalização da obra de arte, por meio de uma crítica paternalista e mal
fundamentada, quanto pode ajudar a quebrar preconceitos e universalizar a ideia de
arte. Paviani (1987) ressalta, porém, que o tom da crítica não pode ser de um juízo
absoluto, mas sim de uma opinião apresentada de maneira objetiva, embasada por
conhecimentos prévios.
Por fim, sendo a indústria cultural um processo aparentemente irreversível, é
possível tomar proveito de suas estruturas para promover uma verdadeira
democratização das artes. Como observa Coelho
(...) se desejarem caminhar de fato para uma democracia em todos os domínios (incluindo o cultural), talvez não possam pôr de lado a ideia de que a cultura, hoje, como produto e enquanto produto, não pode evitar ou não precisa evitar o modelo industrial, pelo menos sob algumas de suas formas - e com algumas de suas inconveniências. (COELHO, 1980, p. 19).
Uma das funções primordiais do jornalismo e da crítica cultural na
modernidade parece ser promover a reflexão, os questionamentos sobre a arte e a
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cultura, impedindo dessa forma aquele fenômeno tão criticado da alienação, em que
o consumidor não pensa sobre o produto cultural consumido. É uma tentativa de
devolver à arte e ao processo artístico uma atividade simbólica definida assim por
Tolstoi: “Não é uma atividade lúdica em que o homem despende o excedente de
energia; não é a produção de objetos agradáveis; não é um prazer; é um meio de
reunir os homens, angariando-os pela unidade de sentimentos”. (TOLSTOI apud
SODRÉ, 2001, p.127).
A cultura e a arte, mesmo na era da indústria cultural, devem ser propulsoras
de movimentos, de criatividade, de expressão e de reflexão, e não paralisantes ou
passivas. O valor subjetivo da obra como manifestação do conhecimento precisa se
sobrepor à lógica de mercado e utilizar o aparato tecnológico para difundir ideias.
22
3 O JORNALISMO CULTURAL NO BRASIL
Entre as definições da palavra cultura, no dicionário Houaiss (2008, p.204)
está “conjunto de padrões de comportamento, crenças, costumes, atividades etc. de
um grupo social”. Quando se fala em jornalismo cultural, o foco recai especialmente
sobre os costumes e as atividades de um grupo. E, para além desta definição, é
quando estes costumes e atividades se transformam em conhecimento, que é
colocado em prática, registrado, exposto, consumido e usufruído em forma de arte.
Por arte aqui se entende as sete formas primordiais de manifestação artística e o
intercâmbio entre elas: pintura, escultura, literatura, dança, teatro, música e, mais
recentemente, cinema.
Portanto, o jornalismo cultural é aquele que possibilita divulgar, debater,
refletir e propagar as manifestações artísticas, para disseminar as diferentes formas
de cultura e arte, mostrando a sua importância para o desenvolvimento das
civilizações. A arte é uma forma de manifestação do pensamento. O jornalismo é um
meio de expressão e comunicação. Portanto, o jornalismo cultural é a forma de
comunicar, informar e debater as manifestações de pensamento, expressas pela
arte, de diferentes grupos sociais.
Como explica Moacyr Scliar, o jornalismo que aborda a cultura é mais do
que a divulgação de obras e espetáculos. É o retrato das manifestações de uma
época e as relações com as tradições passadas.
Ao contrário do que se poderia pensar, jornalismo cultural não é uma
coleção de anedotas sobre o qual o leitor passa os olhos depois de
percorrer as seções de política, polícia e futebol. Jornalismo cultural é coisa
séria porque cultura, seja no sentido antropológico de cultura popular ou de
cultura erudita, é coisa séria. Na verdade, trata-se de interpretar o espírito
de uma época, de um lugar, por meio de manifestações diversas no campo
das artes, da literatura, do intelecto em geral. (SCLIAR, in apresentação
AUGUSTO, 2006).
A importância do jornalismo cultural mostra-se iminente também no contexto
histórico do jornalismo. A imprensa e a literatura tiveram laços estreitos desde seus
primórdios. O costume de publicar contos, novelas, romances e críticas literárias em
jornais e revistas marcou a historia do jornalismo e pode ser considerada uma forma
primordial de jornalismo cultural. Segundo Daniel Piza (2003), um dos marcos neste
sentido foi o lançamento, em 1711 na Inglaterra, de uma revista nomeada The
23
Spectator, criada pelos ensaístas Richard Steele e Joseph Addison. Publicada
diariamente, a revista tinha como objetivo tornar públicos e mais abrangentes os
debates culturais e filosóficos, até então restritos à academia. “A revista falava de
tudo – livros, óperas, costumes, festivais de música e teatro, política – num tom de
conversação espirituosa, culta sem ser formal, reflexiva sem se inacessível”. (PIZA,
2003, p. 12).
O jornalismo cultural, nessa época, além de falar das artes e produtos
oriundos das manifestações artísticas, discutia as ideias e valores embutidos na
produção cultural. Segundo Piza, a liberdade de expressão presente no século XVIII
na Inglaterra, tendo o jornalismo cultural como uma de suas formas mais incisivas,
foi um dos fatores que impulsionaram o Iluminismo. Questionamentos filosóficos e
culturais sobre a racionalidade e o papel do homem na sociedade davam luz a
novos ideais e encontravam na literatura e no jornalismo cultural um meio de
expansão e disseminação destas ideias.
Neste período de questionamento e crítica com relação aos valores
tradicionais vigentes até então (como o teocentrismo) ganha evidência a figura do
crítico cultural. Piza cita Samuel Johnson como o primeiro grande crítico cultural,
definido como “o homem de letras mais lido e temido de seu tempo”. Nesta época,
os críticos culturais eram responsáveis por influenciar preferências, determinar o
sucesso ou o fracasso de uma obra ou exposição e colocar artistas até então
desconhecidos em evidência. Era comum escritores e poetas também exercerem o
papel de críticos, como foi o caso, conforme Piza, de Charles Baudelaire e Heinrich
Heine.
No século XIX, o jornalismo cultural chegou ao novo mundo em países como
EUA e Brasil. Em 1925, foi fundada nos EUA uma das principais representantes do
jornalismo cultural e literário, a revista New Yorker, que serviu de inspiração para
publicações de todo o mundo. A publicação revelou escritores e cartunistas.
No território brasileiro, a ligação entre jornalismo cultural e literatura tornou-
se ainda mais estreita, com ilustres escritores desempenhando o papel de contistas,
ensaístas e críticos literários na imprensa. Foi no jornalismo que talentos como o
escritor Machado de Assis foram revelados. Sendo os jornais mais ensaísticos do
que noticiosos nesta época, os escritores viam na imprensa, segundo Nelson
Werneck Sodré (1999), uma maneira de ganhar notoriedade e dinheiro. Isso resultou
numa intensa relação entre literatura e jornalismo, já que, como explicou Félix
24
Pacheco em inquérito realizado no início do século XX, “toda a melhor literatura
brasileira dos últimos trinta e cinco anos fez escala pela imprensa”. (PACHECO apud
SODRÉ, 1999, p.292).
A partir dessa época, porém, literatura e jornalismo começam a se separar
de maneira mais nítida e incisiva. Como explica Sodré (1999), é assim que começam
a nascer os suplementos literários, que mais tarde se tornariam importantes veículos
de expressão para o jornalismo cultural brasileiro.
As colaborações literárias, aliás, começam a ser separadas, na paginação
dos jornais: constituem matéria à parte, pois o jornal não pretende mais ser,
todo ele, literário. Aparecem seções de crítica de rodapé, e o esboço do
que, mais tarde, serão os famigerados suplementos literários. (SODRÉ,
1999, p. 297).
Por um lado, essa busca pela objetividade deixou o jornal mais informativo e
até democrático, já que a simplificação da linguagem e formato textual, tendo o lead
1como principal característica, tornou o conteúdo mais acessível à população, não
ficando restrito apenas à compreensão dos mais letrados. Segundo Humberto
Werneck (2012), isso se deu, também, numa tentativa de aumentar o número de
vendas para agradar o mercado publicitário, que passou a ter na imprensa, a partir
do final do século XIX, umas das principais formas de divulgação de produtos.
Entretanto, essas transformações tiveram também reflexos negativos quanto
à qualidade textual, à profundidade do conteúdo e à tentativa de estimular reflexões,
como explica Werneck.
O modo de ver, o olhar jornalístico, passou por uma simplificação, para alcançar mais gente e para não inquietar essa gente ao ponto de que ela pudesse desistir de comprar o jornal. Caminhou-se para uma simplificação grosseira na qual os fatos, as coisas e as pessoas necessariamente perderam as nuances, os meios-tons. Passou a imperar o maniqueísmo do bom e do mau, do belo e do feio. Tudo, até mesmo as emoções, tornou-se mais ou menos estereotipado. (WERNECK, 2012, p. 16).
Segundo Piza (2008), o próprio jornalismo cultural passa por
transformações, colocando a reportagem e as entrevistas em evidência, e tornando
a crítica mais resumida.
1 Primeiro parágrafo dos textos jornalísticos em formato de notícia, que deve responder as questões básicas sobre o fato (quem?; o quê?; quando?; onde?; como?; por quê?.)
25
Neste cenário em que o jornal impresso torna-se mais noticioso e factual, os
textos literários, profundos e reflexivos ganham campo nas revistas ilustradas, que
contam também com designs inovadores e originalidade na diagramação.
Na área da cultura, especificamente, uma das primeiras revistas brasileiras
do gênero, a Nytheroy, foi lançada muito antes, em 1836, como esclarece Sérgio
Augusto em entrevista concedida a Fabrício Marques (2012, p.04). Porém, ela não
era editada no Brasil, e sim em Paris, pelo poeta Gonçalves de Magalhães.
Uma das primeiras publicações culturais editadas e publicadas no Brasil foi,
segundo Sodré (1999), a revista Kosmos. Fundada em 1904, incluía desenhos e
fotografias e abordava assuntos como o teatro, os livros e as artes em geral.
Em termos de revista cultural, uma das publicações que mais marcaram
época foi a revista Klaxon. Assim como na Inglaterra o jornalismo cultural contribui
para aflorar o Iluminismo, no Brasil ajudou a divulgar as ideias do movimento
Modernista. A revista Klaxon foi lançada três meses depois da Semana de Arte
Moderna, em 1922, tendo Mario de Andrade e Oswald de Andrade entre seus
fundadores.
Sendo uma revista modernista, a Klaxon decidiu inovar até mesmo na
maneira de dispor os anúncios. Em sua curta duração seria possível perceber uma
característica que se repetiria nos anos seguintes em grande parte das publicações
culturais no Brasil: apesar do conteúdo inovador e reflexivo, falhas na administração
e o conservadorismo dos anunciantes determinariam sua brevidade.
Para o primeiro e o segundo número da revista, os ‘Klaxistas’ conseguiram anúncios de quarta capa – dos chocolates Lacta e do refrigerante Guaraná. Decidiram, porém, criar eles mesmos os anúncios, dentro do espírito de renovação estética em que estavam exaltadamente embarcados. O resultado é que os anunciantes, assustados com a modernidade gráfica, retiraram o patrocínio (...). (ABRIL, 2000, p. 118).
Foram publicadas nove edições da Klaxon. Apesar de fazer barulho, os ecos
dessa revista de vanguarda se limitaram aos meios intelectuais. Houve também a
Revista da Antropofagia, fundada por Oswald de Andrade em 1928, que publicou o
Manifesto Antropofágico e o famoso Poema da Pedra, de Oswald de Andrade.
Os versos de Drumond publicados na revista podem resumir o que
aconteceria com o jornalismo cultural brasileiro três décadas depois: “no meio do
caminho tinha uma pedra, tinha uma pedra no meio do caminho”. Em 1964, o golpe
26
militar levaria o Brasil a 21 anos de ditadura, em que qualquer forma de expressão
era veementemente censurada, o que inclui o jornalismo e a cultura de uma forma
geral.
De acordo com Werneck, o comandante do 10º contingente do batalhão
Suez, coronel Darcy Lázaro, já sabia o perigo que a cultura representava para um
regime ditatorial quando ameaçou: “se essa história de cultura vai-nos atrapalhar a
endireitar o Brasil, vamos acabar com a cultura durante trinta anos”.
Certamente, a censura atrapalhou o desenvolvimento pleno da cultura no
Brasil, porém passou longe de destruí-la. A cultura foi uma forma de resistência e
oposição durante esse período. Como explica o jornalista Marcos Augusto
Gonçalves (2015), enquanto o poder político era de direita, a hegemonia na cultura
era de esquerda, era uma cultura ideológica e politizante (informação verbal). 2
O jornalismo cultural no período ditatorial ajudou a expandir e refletir sobre
esta cultura de resistência da época, como corrobora o professor da PUC-SP José
Salvador Faro.
Vale a pena relembrar, neste caso, a importância que o Jornalismo Cultural teve na crítica teatral, na crítica cinematográfica, na musical e também na literária: as avaliações que eram feitas na imprensa em geral sobre as manifestações artísticas nesses setores, em diversas ocasiões, adquiriam o perfil de um embate entre tendências estéticas e conceituais democráticas e as restrições do Estado autoritário. (FARO, 2012, p. 14).
O período da ditadura unido ao desenvolvimento tardio do Brasil na área
educacional, e até mesmo a mentalidade de colônia de exploração, fizeram com que
parte da população ficasse prejudicada no sentido de ter acesso e interesse pelas
artes de uma forma geral, como explica Otávio Frias Filho
É como se o Brasil tivesse saltado diretamente do fogão a lenha para a televisão, para a internet, sem que tenha havido, 200, 300, 400 anos mediando esses dois processos, para que uma camada da população possa ter sido treinada para o hábito de ir ao ballet, de assistir concerto, de
ir à ópera, de ir ao teatro. (informação verbal).¹
Apesar de tais limitações, o jornalismo cultural se desenvolveu no Brasil,
mesmo que sem um interesse majoritário da população pelo assunto, como
acontece com outras áreas, como o jornalismo esportivo.
2 Conforme palestras proferidas no curso de Jornalismo Cultural (SP) em 22 de abril de 2015
27
Tendo as revistas culturais problemas para se manter por um período mais
prolongado, e um acesso (ou procura) restrito aos intelectuais, o jornal diário foi o
meio encontrado para desenvolver de maneira mais plena o jornalismo cultural.
Mesmo em cadernos a parte ou suplementos, seu alcance seria maior do
que em publicações exclusivas do gênero.
O Jornal do Brasil lançou, em 1956, segundo Piza, aquele que seria o
primeiro caderno de jornalismo cultural nos modelos contemporâneos, intitulado
Caderno B, com crônicas de Clarice Lispector e crítica literária de Bárbara Heliodora.
Nos anos 1960, o Estado de S. Paulo lançou o Suplemento Literário, dirigido
por Décio de Almeida Prado. Havia uma luta, neste caderno, contra a mediocridade
dos textos jornalísticos, que em busca da objetividade e imparcialidade, já não
estimulavam a reflexão. Sobre essa postura, Prado declarou:
Não exigiremos que ninguém desça até se pôr à altura do chamado leitor
comum, eufemismo que esconde geralmente a pessoa sem interesse real
pela arte e pelo pensamento (...) Uma publicação que se intitula literária
nunca poderia transigir com a preguiça mental, com a incapacidade de
pensar, devendo partir, ao contrário, do princípio de que não há vida
intelectual sem um mínimo de esforço e disciplina. (PRADO apud PIZA,
2008, p. 37).
Este modelo foi seguido pelos cadernos literários dos demais grandes
jornais. Nesta época surgiu um movimento de combate à extrema objetividade e
superficialidade a que o jornalismo estava se entregando, numa corrente que se
convencionou chamar de New Journalism, ou no Brasil, Jornalismo Literário.
Na verdade, segundo Piza, o Jornalismo Literário já era praticado pelos
romancistas dos séculos XVIII e XIX, na Inglaterra. Porém, foi entre os anos 1950 e
1960 que ele foi resgatado, com uma linguagem mais moderna, tendo na revista
New Yorker um dos seus principais meios de divulgação, com a publicação de textos
emblemáticos como o perfil de Ernest Hemingway, escrito por Lilian Ross, e o relato
de não-ficção A Sangue Frio, de autoria de Truman Capote.
Werneck define este gênero como um resgate do jornalismo mais
aprofundado.
O New Journalism procurou devolver ao jornalismo, aperfeiçoando-as, algumas ferramentas da literatura, como o uso de diálogos, a descrição de cenas e ambientes, e, sobretudo, quebrando a assepsia, a secura, a pobreza de um texto raso, de uma visão rasa da realidade. Basta não
28
esquecer que as palavras saber e sabor, tendo a mesma raiz, não precisam andar separadas. (WERNECK, 2012, p. 16).
No Brasil, o gênero teve como principais representantes Antônio Callado,
Joel Silveira e Zuenir Ventura. Os suplementos literários e as críticas dos cadernos
culturais também se beneficiaram desta corrente, que permitia textos mais longos e
reflexões.
Nos anos 1980, os jornais como O Estado de S. Paulo e a Folha de S. Paulo
lançaram seus cadernos diários de cultura, Ilustrada e Caderno 2, respectivamente.
Os cadernos também se valeram do período de redemocratização para tirar a
cultura da ‘clandestinidade’, colocando as discussões em pauta sem a “mão pesada”
da censura.
Segundo Arthur Dapieve (2002), a presença de cadernos diários de cultura é
uma característica do jornalismo cultural brasileiro. Na Europa e nos Estados
Unidos, apesar das múltiplas publicações voltadas à cultura, no jornal diário as
notícias culturais são publicadas soltas, sem uma editoria exclusiva.
Outro caderno de destaque no jornalismo cultural brasileiro é o Suplemento
Literário do Minas Gerais. Ele teve como base uma publicação chamada A Revista,
fundada em 1925 pelos modernistas mineiros. Conforme Werneck, o diferencial da
revista era abrir espaços para escritores e artistas de diferentes idades e estilos, e
não apenas para nomes já consagrados. Este modelo seria seguido pelo
Suplemento quatro décadas depois (1968), sob o comando de Murilo Rubião,
abrindo espaço também para pessoas de outros estados, superando a barreira local.
Apesar de nomeado Suplemento Literário, a publicação abordava outras artes além
da literatura, como o cinema e o teatro.
Apesar de não ter tanto prestígio em Minas Gerais, o Suplemento, que existe
até hoje, era reconhecido internacionalmente. Em Paris, Cortázar comentava que
em Minas Gerais tinha um suplemento literário muito bom, onde saíram impressas
as primeiras traduções do próprio Cortázar e de García Márquez no Brasil.
(WERNECK, 2007).
Nos anos 1990 o cenário voltou a se alterar. Os cadernos ditos
anteriormente de cultura passaram a se tornar cadernos de variedades, incluindo
assuntos como gastronomia, turismo, celebridades etc. Volta-se, novamente, à
busca incansável pela objetividade em detrimento da reflexão. Os motivos que
29
levam a esta mudança tem relação, especialmente, com as pressões do mercado
(da publicidade à assessoria de imprensa) e ao advento da internet.
Existe, atualmente, uma busca por identidade nos veículos de jornalismo
impressos no geral, que se questionam entre aproximar-se das características dos
veículos online ou criar uma identidade própria, na busca por diferenciação. No
jornalismo cultural, essas problemáticas ficam ainda mais exacerbadas, como
comenta Israel do Vale
Para sobreviver como área autônoma, o jornalismo cultural carece reinventar-se. Pressionado, de um lado, pelos cadernos de ideias (que lhes subtraíram o caráter reflexivo e sufocaram a crítica) e, de outro, pelos guias de fim-de-semana (capazes de cumprir com maior eficiência o papel de catálogo de produtos e serviços), o jornalismo praticado nos cadernos ditos de cultura (ou variedades) vive hoje um não-lugar, como sintoma da crise de
identidade que assola os veículos de comunicação. (VALE, 2012, p. 28).
A indústria cultural também teve participação nesse processo, como explica
Piza, com o aumento das produções de entretenimento para consumo. Com mais
produções para serem divulgadas, o espaço para os textos profundos diminuiu.
Os cadernos e revistas culturais têm dado cada vez menos espaço para a
crítica. Juremir Machado (2001) observa a ausência de senso crítico nos textos
culturais. Segundo ele, a crítica transformou-se inicialmente em resenha, para então
converter-se em release.
Além disso, a reportagem cultural foi, aos poucos, ocupando o lugar da
crítica, o que é considerada uma característica positiva por András Szantó (2007). É
um produto jornalístico que não deixa de ser analítico, porém é menos hierarquizado
que a crítica em si. Mais adiante, em muitos veículos, a própria reportagem perdeu o
espaço que permitia que fosse mais interpretativa e até literária, sendo substituída
pela agenda, ou seja, um texto que oferece apenas o serviço, sem nenhum tipo de
reflexão, como corrobora o professor Teixeira Coelho.
A maior parte do jornalismo cultural, sobretudo em jornais impressos, não é nem curatorial, nem crítico: simplesmente se limita a descrever um objeto (por exemplo, uma montagem teatral) e não raro informa mal o leitor sobre o que está em jogo. O que fazem é “serviço cultural”, nada mais. (FONSECA apud COELHO, 2011, p. 10).
30
O jornalismo cultural ficou voltado exclusivamente para a agenda de
eventos. Sem mais refletir sobre a realidade e dela retirar pautas, hoje predomina a
ideologia de que só deve se falar do que é atual, do novo espetáculo, da exposição
que estreou, sem delegar importância para a qualidade das obras e para a
profundidade das discussões.
Essa característica também se deve a possibilidade que se tem nos dias
atuais de conhecer quem é o leitor e oferecer a ele exatamente o que ele deseja
encontrar. Isso desestimula novos olhares e a apresentação de conteúdos
alternativos. É o que o Werneck chama de “ditadura dos best-sellers”. Segundo ele,
antes dos anos 1980, não havia ferramentas para identificar as preferências dos
leitores, o que era benéfico para o pleno exercício da profissão de jornalista.
(...) havia espaço para falar também daquilo que vendia menos, mas era bom. Havia espaço para o jornalista cumprir o papel, hoje meio esquecido, de garimpar coisas importantes, preciosas, que correm o risco de passar despercebidas do público na massa cada vez mais volumosa da produção cultural. (WERNECK, 2007, p.66).
Para Piza, algumas dicotomias que rondam o jornalismo cultural na
atualidade acabam prejudicando sua qualidade. Com essa variedade de produção
na área das artes, unida à modernização do jornalismo, começou-se a questionar a
polarização entre arte pop e arte erudita. Segundo o autor, o erro está nos
preconceitos, como o que determina que arte erudita não tem apelo popular ou que
arte pop não exige conhecimentos prévios. Grande parte das artes hoje ditas de elite
foram populares em suas respectivas épocas, e até serviram de inspiração para as
correntes contemporâneas, seja na música, dança, ou literatura. Enquanto isso, a
arte pop tem uma linguagem muito própria e possui suas segmentações,
Arte erudita e popular estão em constante troca e possuem interessados em
todas as classes sociais. Vê-las como antagônicas é um erro para Szantó. Segundo
ele, o mais importante é o modo como o conteúdo é apresentando, a relevância da
discussão, a qualidade do discurso.
Apenas uma distinção deveria ser relevante sobre o jornalismo cultural: é inteligente? Pode-se escrever sobre ópera e ser estúpido. Pode-se escrever sobre hip hop e ser brilhante. O jornalismo deve considerar seus assuntos com extrema seriedade e comunicar essa importância numa linguagem que seja atraente aos leitores. (SZANTÓ, 2007, p. 43)
31
Outra polarização existente, segundo Piza (2008), é entre as produções
nacionais e internacionais. Enquanto não se deve manter um nacionalismo
exacerbado como na época da ditadura, como se o Brasil fosse uma ilha sem
influências externas, também é errôneo pensar que tudo o que é produzido no
exterior é consequentemente melhor do que as produções nacionais. Para Piza,
jornalismo é dosagem. É preciso uma constante alternância de temas, sem esquecer
que cultura é diversidade.
“Ser culto é pertencer a todos os tempos e lugares” disse Octávio Paz, “sem deixar de pertencer a seu tempo e lugar”. Note que ele não disse que ser culto é pertencer a seu tempo e lugar, sem deixar de pertencer aos outros; cultura é expandir horizontes até mesmo para enxergar melhor o seu entorno. O jornalismo cultural deve se nutrir disso. (PIZA, 2008, p. 62).
Na contemporaneidade, a diversidade cultural e a mistura entre as artes e
suas referências estão presentes em diversos segmentos. Mescla-se dança e teatro,
musica clássica e samba, grafite e aquarela. Assim como existe, na política, na
economia e no âmbito social, um constante combate para extrapolar as fronteiras
que separam ou dividem os seres humanos, na cultura existe o mesmo movimento.
Segundo Szantó (2007), os jornais e as universidades são os únicos que
trabalham em um movimento contrário, insistindo em categorizar as artes nas
divisões tradicionais do século XIX. A consequência é que a os artistas e a
sociedade em geral não mais se reconhecem nas publicações. Pois até mesmo as
editorias ou revistas de cultura, que deveriam ser inovadoras e criativas, mostram-se
presas ao conservadorismo.
Ao mesmo tempo, em algumas publicações, existe um movimento de
inclusão de assuntos alternativos nesses cadernos. Assuntos como a moda e o
design passam a ser vistos também como manifestações culturais, pois demandam
criatividade e criações. Para Piza (2008), isso representa um ganho para o
jornalismo cultural, pois reflete novos hábitos e comportamentos sociais e abre
fronteiras.
É importante lembrar, no entanto, que as artes tradicionais não podem
perder seu espaço, que já é reduzido. O jornalismo cultural não pode se reduzir a
entretenimento, nem se limitar aos assuntos ditados pela indústria cultural. A
reflexão trazida pelo jornalismo cultural, acompanhada de informações e análises
sociológicas e históricas, são funções primordiais do segmento.
32
Sobre a inclusão de assuntos diversos nos cadernos de cultura, Piza (2008,
p.57) comenta “não que não seja possível uma coabitação equilibrada e fértil, mas o
jornalismo cultural sai perdendo quando os critérios passam a ser resumidos ao de
afastar o leitor de abordagens que considera erroneamente ‘muito sérias’ ou
críticas”.
O leitor não deve ser menosprezado. O jornalismo cultural também possui
uma função social de democratizar o acesso e o conhecimento das artes. Ainda que
a função primordial do jornalismo seja informar, e não educar, a informação bem
trabalhada pode levar a construção ou a busca pelo conhecimento.
É um pouco da ideia inicial das primeiras publicações de jornalismo cultural,
na Inglaterra, que pretendiam, por meio da imprensa, ampliar a discussão de ideias
e filosofias. Hoje, essa democratização deve ser ainda mais ampla, não apenas para
atingir um contingente maior da população, mas também diversas classes sociais,
em um movimento de inclusão.
Um saudável jornalismo cultural – significando crítica e reportagem sobre artes – é absolutamente essencial para um ambiente saudável para as artes. E se quisermos ter uma cultura democrática, na qual a arte não seja apenas uma brincadeira da elite, devemos ter canais de comunicação para alcançar audiências mais amplas. (SZANTÓ, 2007, p.36).
Neste processo de democratização da cultura, a internet pode ser um meio
interessante, pela sua abrangência e baixo custo de acesso. No entanto, é preciso
tomar cuidado com a proliferação de informações errôneas e para não confundir
opinião pessoal com análise crítica. No jornalismo de uma maneira geral, a
credibilidade ainda é um fator relevante.
A pesquisadora Geane Alzamora (2012) observa a quantidade considerável
de sites que divulgam agendas culturais, o serviço cultural de diferentes cidades e
regiões. Talvez essa função possa ser preferencialmente delegada para os sites, ao
invés dos jornais impressos, considerando a característica da web de leituras mais
dinâmicas e textos objetivos.
Assim, ao retirar dos jornais impressos a responsabilidade de divulgar todos
os eventos culturais das cidades, especialmente nas capitais, fica disponível mais
espaço para textos aprofundados, unindo informação e análise.
Afinal, como afirmou Dapieve, o texto do caderno de cultura é diferenciado
das demais seções do jornal, existe maior liberdade no estilo, é permitido utilizar-se
33
da criatividade tão comum no campo das artes. O jornalista do caderno de cultura
deve mediar subjetividades, sem deixar e ser informativo.
(...) cabe a ele, profissional do uso das palavras, transformar seu texto em algo atraente (no primeiro momento) e recompensador (no saldo final). Com esse objetivo, ele pode contar histórias ou anedotas, recorrer a metáforas futebolísticas, buscar analogias com a situação política nacional, emular o próprio estilo da obra em pauta, conversar com o leitor, provocá-lo, pô-lo para pensar. Sem detrimento da missão primordial de todo o jornalista, qual seja, a de informar (DAPIEVE, 2002, p.104).
Ou seja, as matérias e reportagens de cultura não devem ignorar o lead,
mas também não devem ser “escravas” dele. Como afirmou Ricardo Noblat (2001,
p.99), “o lead é inimigo do prazer que a leitura de um texto pode proporcionar.
Porque inibe a imaginação e a criatividade dos jornalistas. E estimula a preguiça”. A
seis questões primordiais (quem? o quê?, onde? quando? como? e por quê?) devem
ser respondidas ao longo do texto, mas, no caso do jornalismo cultural, não
necessariamente no primeiro parágrafo.
Se diferenciar dos sites e blogs de cultura por meio da qualidade textual,
aprofundamento dos temas e credibilidade é uma alternativa para o jornalismo
cultural dos veículos impressos sobreviver no mundo conectado.
Talvez a substituição periódica do impresso pelo online seja inevitável. O
mais importante é que o jornalismo cultural sobreviva, especialmente em um país
como o Brasil.
O jornalismo cultural só deveria desaparecer, e ter menos espaço nos jornais e meios de comunicação, quando todos tivessem um nível cultural minimamente satisfatório. Aqui, para não dizer que esse nível é vergonhoso e aviltante, como de fato é, vamos dizer que ele está longe de ser o mais minimamente satisfatório possível. (COELHO, 2007, p.28).
Ou seja, divulgar e discutir a cultura, de maneira ampla e democrática, é
necessário e urgente. É preciso criar interesse, pois a demanda nunca deixou de
existir. As empresas de comunicação precisam acreditar na potência do gênero e
superar o preconceito de que cultura não é, nem nunca será, um assunto vendável
ou de interesse popular no Brasil.
34
4 A REVISTA NO BRASIL
As revistas são veículos de comunicação de massa, assim como os jornais,
porém mais segmentadas e aprofundadas. Segundo Patrícia Ceolin Nascimento
(2002), as principais diferenciações das revistas com relação aos jornais diários são
o aspecto visual (papel, diagramação, fotos ampliadas) e o textual (informações
mais aprofundadas e interpretativas).
Segundo Marília Scalzo (2004), foi na Alemanha que surgiu a primeira
revista, em 1663, nomeada Edificantes Discussões Mensais. Ela era, na verdade,
uma reunião de artigos, muito semelhante a um livro, porém sendo periódica e
voltada para um público específico. Com o passar do tempo, as revistas foram se
diferenciando, sendo intermediárias entre os jornais e os livros.
O termo revista só começou a ser empregado em 1704, na Inglaterra.
Segundo Scalzo (2004), também foi em terras inglesas que, em 1731, foi fundada a
primeira revista semelhante às publicações de hoje, denominada The Gentleman’s
Magazine.
Porém, é apenas a partir do século XIX que as revistas começam a ganhar o
mercado mundial, efetivamente. Nos Estados Unidos, elas progrediram juntamente
com o crescimento da população alfabetizada, que passou a se interessar em
propagar suas ideias e em ler conteúdos variados. Como explica Scalzo “(...) as
revistas acabam tomando para si um papel importante na complementação da
educação, relacionando-se intimamente com a ciência e a cultura”. (2004, p.21). As
primeiras revistas costumavam tratar de um único assunto, mas com o tempo
expandiram o leque de abordagens.
Nos anos 1930 surge o grande fenômeno editorial norte-americano, a revista
Life, que mais tarde inspiraria grande parte das publicações brasileiras. Conforme
explica Maria Celeste Mira (2001), seu estilo, que valorizava especialmente as
fotografias, fez sucesso na mesma época em que o apelo imagético era forte,
também graças ao cinema. Os principais acontecimentos do século XX, como a
Segunda Guerra Mundial, foram registrados nas páginas da revista, até o seu
fechamento em 1972. Mesmo tendo chegado à gigantesca tiragem de oito milhões
de exemplares, segundo Scalzo, a revista não resistiu aos seus próprios custos de
produção e postais, que aumentaram muito com o passar do tempo.
35
No Brasil, conforme Scalzo (2004), as primeiras revistas tiveram vida curta.
A primeira publicação do gênero, a Variedades ou Ensaios de Literatura (1812), teve
apenas duas edições. De caráter mais erudito, as primeiras revistas brasileiras não
seguiam uma linha noticiosa.
No início do século XX, os jornais começaram a abandonar seu caráter
literário para abordar temas mais factuais, como política e economia, criando
cadernos específicos para a literatura e a cultura, separados da paginação normal.
Assim, como explica Sodré (1999), os escritores e contistas que até então tinham o
jornal como meio de divulgar seus trabalhos, começam a se refugiar nas revistas.
Como relata a Mestre em Comunicação Ranielle Moura (2011), nesta época se
disseminaram as revistas ilustradas, com ampla utilização da fotografia, charges,
crônica, caricaturas, manifestações artísticas etc.
Então, em 1928 é fundada, pelo jornalista Assis Chateaubriand, a publicação
brasileira que marcaria uma transição no modo como as revistas apresentavam seus
conteúdos: O Cruzeiro. A revista tinha influencia da Paris Match, que por sua vez
seguia a linha Life. De caráter mais noticioso, O Cruzeiro trazia temas atuais e
relevantes, apresentados com grandes reportagens e séries de fotografias.
Foi com a reportagem fotográfica de O Cruzeiro que surgiram as duplas de repórteres (um repórter e um repórter fotográfico). A mais conhecida e considerada a grande estrela do semanário era formada pelo jornalista David Nasser e o fotógrafo francês, Jean Manzon. O Cruzeiro, mais que informar, passou a interferir nos hábitos e costumes de uma sociedade, ou seja, passou a transformá-la. E, com isso adquiriu um grande prestígio, fazendo que outras revistas passassem a ingressar numa nova era, a da reportagem. (MOURA, 2011, p.10).
O Cruzeiro inspirou e foi modelo para diversas publicações subsequentes,
que teriam o gênero reportagem como estilo textual e a realidade brasileira como
temática central, diversificando os assuntos abordados.
A revista Manchete, por exemplo, de 1952, valorizou ainda mais os aspectos
visuais, como explica Scalzo. Foi em 1966 que surgiu outra revista que marcou
época, muito bem vista tanto por leitores quanto pelos estudiosos e acadêmicos: a
Realidade. Diferente das outras revistas que eram semanais, Realidade era mensal,
o que permitia, segundo Mira, que os textos fossem mais aprofundados. Outro
diferencial da revista era a diversidade de assuntos e a habilidade de abordar temas
de considerável interesse popular.
36
Os assuntos que interessam em uma boa revista variam consideravelmente de acordo com a classe social, o sexo e a idade do leitor. São de interesse mais geral, matérias sobre ciência e progresso, grandes problemas brasileiros e assuntos relativos ao sexo e educação sexual. (MIRA, 2001, p.70).
Após a implementação do AI-5, no entanto, a revista polêmica que abordava
assuntos tabus passou por reformulações, e aos poucos foi perdendo leitores, até
encerrar em 1976. Entre as revistas de notícias variadas de grande circulação, a
mais recente que é hoje a mais vendida do Brasil é a revista Veja. Envolvida em
polêmicas desde sua criação, Veja foi fundada em 1968 e mudou consideravelmente
sua linha editorial, especialmente após a demissão de Mino Carta, em 1975.
Durante os anos de ditadura, a revista foi amplamente censurada por seu
caráter combativo. No entanto, segundo Mira (2001), com a saída de Carta e o fim
da ditadura, a publicação adotou uma linha regrada especialmente pelo liberalismo
econômico e pelo conservadorismo. Conforme Raimundo Pereira, que foi
colaborador de Veja na primeira fase, “salvo um período de resistência aos aspectos
mais nocivos do regime, quando era editada por Mino Carta, ela tem sido uma
revista a serviço de grupos palacianos, com um estilo de jornalismo que tem se
deteriorado em função disso”. (PEREIRA apud MIRA, 2001, p.79).
Em comum, as revistas Cruzeiro, Realidade e Veja tinham o estilo textual,
com a reportagem como principal gênero. Isso faz com que o texto das revistas não
esteja preso à extrema objetividade e brevidade dos jornais impressos. Nas
reportagens, a pirâmide invertida e o lead não são obrigatórios e o texto torna-se
mais leve, interessante, dando ao jornalista liberdade para empregar criatividade no
estilo textual. Segundo Vilas Boas (2002), baseado em Muniz Sodré, a narrativa, a
humanização do relato e a clareza da objetividade são imprescindíveis em uma
reportagem.
Vilas Boas (2002) também cita outras características presentes nas boas
reportagens. A abertura envolvente é uma delas, de modo a fisgar a atenção do
leitor nas primeiras linhas, podendo ser descritiva ou por meio de citação.
Sendo um texto mais longo, a reportagem também precisa, em seu
andamento, manter vivo o interesse do leitor. Para isso, são usados recursos da
própria literatura, descrevendo aparências, cenários e trejeitos, porém sempre tendo
a realidade como base sólida.
37
No entanto, Vilas Boas lembra que, apesar da liberdade estilística permitida
pela reportagem, especialmente nas revistas, o estilo jornalístico não pode ser
esquecido. O texto deve ser criativo, mas apresentado de maneira clara e acessível.
Apesar de também estar presente em alguns jornais, a reportagem é
explorada de maneira muito mais ampla nas revistas, tanto devido à periodicidade
prolongada, que oferece mais tempo para a apuração dos fatos, quanto porque os
leitores têm o costume de disponibilizar mais tempo para a leitura de revistas.
Apesar de seu estilo mais autoral e interpretativo, Ana Arruda Callado (2002)
lembra que reportagem não é um gênero opinativo. “A reportagem não é matéria
opinativa nem seu texto segue a estrutura da notícia. Porque a reportagem não é o
relato de um fato, mas o levantamento de um problema ou o balanço de uma
situação”. (CALADO apud CALDAS, 2002, p.52).
O jornalismo de revista é, portanto, menos factual e mais interpretativo. É o
que Luiz Beltrão chama de jornalismo intensivo, em que as informações são
transmitidas da maneira mais completa possível, estimulando a reflexão sobre o
fato. O jornalista é responsável por fazer o diagnóstico do acontecimento.
Esse tipo de jornalismo mais aprofundado até pode existir em outros meios
de comunicação, como o rádio e a televisão, mas é no jornalismo impresso que ele
pode e é explorado de maneira mais ampla, pois não é tão fugaz quanto à imagem
em sequência ou o som, permitindo que o leitor assimile as informações de maneira
mais eficaz, como corrobora Scalzo
Ainda hoje, a palavra é o meio mais eficaz para transmitir informações complexas. Quem quer informações com profundidade deve, obrigatoriamente, buscá-las em letras de forma. Jornais, folhetos, apostilas, revistas, livros, não interessa o quê. Quem quer saber mais tem que ler. (SCALZO, 2004, p.13).
Considerando que o livro, apesar de oferecer um conhecimento mais
aprofundado, não é um objeto muito popular no Brasil (a média de leitura por ano é
de dois livros inteiros, segundo pesquisa realizada em 2012 pelo instituto Pró-Livro)
parte do papel educacional conferido aos livros é transferido para o jornalismo,
especialmente o de revista. Nestas publicações, o entretenimento unido à
informação e uma maneira ainda que superficial de conhecimento contam com uma
adesão maior de leitores do que os livros, e são mais aprofundadas do que o jornal
diário.
38
Revista une e funde entretenimento, educação, serviço e interpretação dos acontecimentos. Possui menos informação no sentido clássico (as “notícias quentes”) e mais informação pessoal (aquela que vai ajudar o leitor em seu cotidiano, em sua vida prática). Isso não quer dizer que as revistas não busquem exclusividades no que vão apresentar a seus leitores. Ou que não façam jornalismo (SCALZO, 2004, p. 14).
As revistas tornam-se, então, objetos queridos pelos leitores, de fácil acesso
e transporte, com conteúdos atuais, interessantes e até colecionáveis.
Vilas Boas (2002) explica que as revistas podem ser divididas em três
gêneros: ilustradas, especializadas e de informação geral. Para Roberto Civita, um
dos fundadores da editora Abril, saber definir o público é o que faz o sucesso de
uma revista.
A infinidade de assuntos que podem ser abordados nas revistas e a
diversidade de gostos e estilos de leitores fez com que voltassem a existir, além das
revistas noticiosas semanais, periódicos mensais voltados para um assunto ou
público mais específicos.
Há então uma explosão de títulos de revistas segmentadas. Um exemplo
que fez grande sucesso no Brasil foi a revista Cláudia, voltada para o público
feminino. Claudia foi fundada nos anos 1960. Nesta época, com explica Mira, a
sociedade de consumo brasileira estava em pleno desenvolvimento, especialmente
devido ao “milagre econômico”. Além disso, o sucesso da revista se deve também
por ela tratar de assuntos mais polêmicos justamente na época em que a sociedade
passava por consideráveis mudanças no padrão de comportamento, ajudando a
quebrar alguns tabus.
Já a revista Quatro Rodas, fundada na mesma época, era voltada a
assuntos relacionados a carros. Mira também explica que, não por acaso, ela
nasceu juntamente com a implantação da indústria automobilística no Brasil. Foram
títulos que refletiram os interesses de uma época, focalizando em públicos
específicos.
As revistas de sucesso buscam sempre criar identificação com o seu leitor,
seja na linha editorial, na diagramação, no estilo fotográfico, na distribuição das
seções. Scalzo (2004) observa que a variedade deve estar presente em cada
edição, mas as revistas precisam ter marcas de identidade, que crie um sentimento
de familiaridade com o leitor, em aspectos pessoais e visuais, e ao mesmo tempo a
diferencie em meio à extrema variedade de títulos existentes nas bancas.
39
A partir dos anos 1990, segundo Scalzo, a segmentação passou a ser ainda
mais discutida e surgiram títulos sobre os mais variados assuntos, de história às
revistas de novela, música e preparação para o vestibular.
Para Scalzo (2004), apesar disso, as revistas não são tão individualistas
quanto a internet, que é criticada por oferecer aos internautas apenas aquilo que
eles querem ler, deixando-os dentro de uma “bolha” de ideologias, sem promover o
debate e a diversidade. “Para as revistas, fica o meio termo: não falar com todo
mundo (como fazem a televisão ou os jornais) e não individualizar seu leitor (como a
internet)”. (SCALZO, 2004, p.49).
Uma revista que merece destaque por seu formato inovador, textos
extensos e bem escritos, com reportagens no estilo do new journalism é a revista
piauí. Ela foi fundada em 2006 por João Moreira Salles, durante a Festa Literária de
Parati, evento que combina muito com o caráter literário da publicação. A revista
mensal trata especialmente de política e problemas sociais, mas também tem a
cultura entre suas pautas. A publicação tem um público fiel, mesmo com seus textos
longos em total contrapartida com a era digital do jornalismo.
Apesar da segmentação intensa nos assuntos das publicações, Scalzo
aponta que, enquanto alguns assuntos são amplamente abordados pelo mercado
editorial das revistas, outros permanecem na penumbra, com pouca ou nenhuma
exploração.
Há publicações generalistas demais: todas falando das mesmas coisas e concorrendo pela atenção das mesmas pessoas. É como se apenas alguns focos estivessem iluminados e todas as publicações se voltassem para eles, enquanto todo o resto permanece inexplorado, mergulhado na mais absoluta escuridão. (SCALZO, 2004, p.50).
Um exemplo disso são as revistas de cultura. Apesar da abundância de
títulos criados no século XX, que divulgaram movimentos artísticos, críticas e
poesias, hoje títulos que tenham a arte como tema central e que explorem o
jornalismo cultural são cada vez mais raros.
4.1 REVISTAS CULTURAIS
Desde o início do século XX, os mais importantes movimentos culturais e
correntes artísticas brasileiras tiveram revistas que representassem suas ideias. Os
40
períodos de maior efervescência cultural na sociedade brasileira tiveram, nas
revistas desse gênero, um meio de debater ideias, divulgar talentos e espetáculos. A
crítica e a reportagem culturais foram de extrema importância nesse processo de
democratizar o acesso e os debates sobre as artes e os produtos culturais.
Como relata Sérgio Cohn “a revista sempre exerceu um papel essencial na
cultura e no pensamento brasileiro. Por seu formato ágil, é o suporte ideal para
obras que unam reflexão, crítica e/ou criação artística com o desejo de intervenção
na cultura e sociedade”. (2011, p.11).
Conh (2011) também comenta sobre a difusão, por meio das revistas, de
contos e poesias de autores que mais tarde se tornariam grandes nomes da
literatura nacional. É o caso de Machado de Assis, que teve seus primeiros textos
divulgados em Periódico dos Pobres e O Espelho, além de Carlos Drumond e
Guimarães Rosa e a sua relação com a revista O Cruzeiro. Essa possibilidade de
difundir produtos literários pela imprensa fez com que inúmeros escritores
empreendessem na área para ganhar notoriedade, fato que também determinou a
brevidade da maioria das primeiras publicações do gênero.
Parece ser próprio dessas publicações ter vida breve, suficiente apenas para plantar novidades, deflagrar debates e, sobretudo, revelar talentos. (...) Criadas por grupos de jovens ávidos por abrir espaço na cena literária, é natural que tais revistas percam o valor de ser quando esses se emplumam e ganham segurança para voar sozinhos em seu livro de estreia. (ABRIL, 2000, p. 112)
É o caso, por exemplo, de Alguma Poesia, lançada em 1930.
Houve também aquelas revistas breves que ajudaram a difundir as ideias de
movimentos artísticos, como é o caso de Klaxon e Revista da Antropofagia, ligadas
intimamente ao movimento modernista de 1922 e já citadas no capítulo 3 da
presente monografia. A Revista da Antropofagia foi uma das mais marcantes do
período e foi dividida em duas fases, conforme livro da editora Abril. A primeira fez
críticas à cultura estrangeira. Já na segunda não ficaram livres das críticas nem os
próprios membros do movimento. O radicalismo foi tanto que Chateaubriand, dono
do Diário de São Paulo, ao qual a revista estava vinculada, encerrou a publicação.
Em 1941 surge a revista Clima, fundada pelos estudantes de Filosofia,
Ciências e Letras da Universidade de São Paulo. Ela era focada, segundo Cohn
(2011), na crítica cultural, com seções fixas de literatura, artes plásticas, cinema,
música, economia, ciências e direito. Diferente da linguagem cômica e satírica usado
41
pelos modernistas, estes acadêmicos tratavam a crítica cultural com extrema
seriedade. O conservadorismo da publicação também podia ser observado nos
aspectos visuais da revista, que se estendeu até 1944.
Dois anos depois do encerramento de Clima surge a revista paranaense
Joaquim, voltando a defender alguns princípios modernistas. Conforme Cohn, o
periódico motivou discussões nacionais sobre a renovação artística e cultural, com
colaboração de Mario e Oswald de Andrade e Vinícius de Moraes.
O compositor e cantor de alguns dos maiores sucessos da nossa MPB
também foi colaborador de outra publicação, a Revista da Música Popular, criada em
1954 por Lucio Rangel e Pérsio de Moraes. Conh (2011) explica que a publicação,
que durou 14 edições, tinha como objetivo estimular os debates sobre a música
nacional.
Mas foi em 1959 que nasceu, no Rio de Janeiro, uma das publicações mais
marcantes desse período, a revista Senhor, que mais tarde inspirou a revista
Dinners. Como explica Piza, “em ambas há uma mescla saborosa de reportagens
interpretativas, crítica cultural, inéditos literários, humor, roteiro e seções de moda e
comportamento” (2008, p.38). Senhor também foi notória por contar com
colaboradores de peso como Guimarães Rosa, Clarice Lispector e Jorge Amado.
Segundo Cohn, a publicação também inovou no projeto gráfico, comandado pelos
artistas plásticos Carlos Scliar e Glauco Rodrigues, que utilizaram gravuras,
desenhos e pinturas como inspiração. Era uma combinação de textos inteligentes
com design inovador. Como é citado no livro da editora Abril sobre as revistas:
“‘Nenhum de nós respondia pelo todo’ lembra Scliar. Já na época, sabia que ‘não há
diagramação brilhante que salve uma matéria chata’” (2000, p.132).
A partir do golpe militar de 1964, a imprensa se dividiu naqueles que
apoiavam a ditadura e nos que buscavam combater os militares. As revistas culturais
tornaram-se politicamente engajadas, e assim passa a predominar, como já citado
por Gonçalves (2015), uma cultura ideologicamente esquerdista.
A revista Pif Paf foi um exemplo desta imprensa combativa. Fundada por
Millôr Fernandes, utilizava-se do humor para bater de frente com os militares,
conforme Cohn. A brevidade da revista é explicada por Millôr mais tarde, na primeira
edição de O Pasquim: “se for independente, não durará três meses. Se durar três
meses, não é independente”. (COHN, 2011, p.100).
42
Outra revista que, segundo Cohn, foi marcante como publicação que
divulgava a contracultura brasileira foi a revista Navilouca, lançada em 1972. Ela
contava com a colaboração de personalidades como Duda Machado, Jorge Salomão
e Caetano Veloso. A publicação inspirou o surgimento de outras revistas
independentes de cultura e poesia.
Uma das mais duradouras publicações culturais brasileiras foi, segundo
Conh, a Revista de Cultura Vozes, com dez números anuais durante 90 anos.
Fundada em Petrópolis em 1907, nas décadas de 1960 e 1970 a revista se abriu
para as novas tendências da cultura brasileira, divulgando textos sobre os
movimentos artísticos da época.
Muitas das revistas culturais oriundas do século XX eram hiper
segmentadas, pois escolhiam apenas um dos assuntos dentro das artes para
abordar. Exemplo disso foi a versão brasileira revista Rolling Stone (1972), só sobre
música, e Sinopse (1997), abordando temas cinematográficos.
A grande maioria das revistas culturais, além de difundir ideias inovadoras e
contra-hegemônicas, também trouxeram muita criatividade na apresentação de seu
conteúdo. Não apenas falavam de arte, mas se inspiravam nela para criação de sua
identidade visual.
A arte não evolui – muda. Revistas mudam e fazem sentido quando se tornam uma fala poética, transcendem o óbvio. Lembra o poeta e crítico Ferreira Gullar que “para acrescentar à vida mais banalidade, não se faz necessário o artista”. Pois, nesses quase dois séculos de existência, os artistas gráficos se fizeram necessários. Sua função foi enaltecer o conteúdo das palavras. (ABRIL, 2000, p.136)
Os anos 1990 não foram fáceis para as publicações culturais, pelas
dificuldades financeiras enfrentadas. A experiência dos anos anteriores mostrou que
a dificuldade não estava em criar uma revista cultural, mas sim em arranjar meios
para mantê-la.
Da mesma forma, em 1997 é fundada a revista Cult, da editora Bregantini.
Voltada mais para artigos analíticos e reflexivos, a revista, que existe até hoje, trata
especialmente de temas literários e filosóficos, tem uma linguagem mais acadêmica
e também se aventura em outros temas culturais como o cinema e o teatro.
No Rio Grande do Sul, em 1998, uma notória publicação própria de
jornalismo cultural foi fundada graças ao financiamento da Lei Rouanet e de Lei
Estadual de Incentivo à Cultura. Com direção geral de Jorge Polydoro e edição de
43
Ricardo Lacerda, Aplauso abordava as áreas artísticas como teatro, música, dança,
literatura, cinema etc. de maneira abrangente. Conforme o site da revista, em seu
período de existência a publicação conquistou diversos prêmios como o Açorianos
de Literatura (1999, 2004, 2005, 2006 e 2007) e o Prêmio ARI de Reportagem
Cultural (2005 e 2007). Em 2012 Aplauso deixou de circular.
Um ano antes de Aplauso, em 1997, nasce de uma pequena editora paulista
intitulada D’Ávila a publicação que seria uma surpresa em termos gráficos e
editoriais, dando a todas as áreas artísticas o mesmo espaço: a revista Bravo!
4.2 A REVISTA BRAVO!
A Bravo! nasceu de uma pequena editora paulista nomeada D’Avila. Na
verdade, ela é 'filha' de outra publicação da editora, a República, que tinha como
subtítulo “o prazer da política e as políticas do prazer”. Segundo Wagner Carelli
(2004), jornalista que trabalhou em ambas as publicações, a seção que
representava “as políticas do prazer” foi a que deu origem ao que mais tarde viria a
ser a revista Bravo!.
A ideia do nome da revista foi de Luis Carta, que chegou a registrá-lo por
considerar um bom nome de periódico. Porém, ele nunca chegou a usá-lo e, na
época em que a D'Avila resolveu lançar sua revista cultural, pediram para Andrea
Carta, filho de Luis, autorização para utilizá-lo – que acabou sendo concedida.
A revista foi viabilizada graças a uma lei de incentivo a cultura, como explica
Luiz Felipe D'Avila, então proprietário da editora.
No início conseguimos fechar grandes pacotes publicitários antes do lançamento da revista, graças a utilização da Lei Rouanet. Isso nos permitiu ter acesso a uma publicidade que não disputávamos com a verba publicitária da "guerra cotidiana" nas agências de publicidade. A Bravo!
sempre deu uma pequena margem de lucro. (D’AVILA, 2015). 3
Conforme explica Carelli, Luiz Felipe D'Avila conseguiu arrecadar todo o
dinheiro para financiar a revista no mês de setembro de 1997, e só então a primeira
edição começou a ser projetada. Só que o lançamento da revista tinha sido
prometido para outubro do mesmo ano. Assim, ela foi toda projetada e montada,
2 Entrevista exclusiva conferida por e-mail em seis de agosto de 2015 (em anexo)
44
deste projeto editorial e matérias até fotos e diagramação, em 23 dias, com uma
equipe de seis pessoas, que anteriormente trabalhavam na República.
Ele explica que, no início, eles imaginaram que não haveria assuntos
culturais suficientes no Brasil para preencher todas as páginas da primeira edição, e
cidades como Nova York e Paris entraram na pauta. Porém, a equipe se
surpreendeu com a quantidade de eventos culturais relevantes que aconteciam no
Brasil, não só no Rio de Janeiro e em São Paulo, mas também em cidades como
Belo Horizonte, Salvador e Porto Alegre. Assim, nenhum assunto internacional
acabou sendo utilizado.
Carelli relata que o resultado alcançado na primeira edição surpreendeu
tanto os jornalistas que participaram do projeto quanto os jornaleiros e leitores.
A revista foi para as bancas numa segunda-feira. Na terça-feira as bancas da região dos Jardins ligaram para pedir reposição de muitas centenas de exemplares, que eram exibidos a frente de todas as outras revistas. Os jornaleiros eram unânimes em dizer que aquela era a revista mais bonita já feita no Brasil. Não tínhamos esquema de assinaturas montado, mas ao cabo da primeira semana já se somava quase 200 pedidos – o pessoal procurava o número do PBX lá em baixo do expediente, pequeninho, e ligava reservando a sua assinatura “pra quando tivesse”. (CARELLI, 2004)
Carelli, que foi diretor de redação da primeira edição, também comenta que
em novembro do mesmo ano a revista já ganhou o prêmio de melhor lançamento do
ano.
Com 162 páginas, a primeira edição de Bravo! teve como matéria de capa
os 50 anos do MASP (Museu de Arte de São Paulo), com um encarte que era uma
espécie de mapa mostrando as estruturas e o acervo do museu. Ela foi dividida
inicialmente em seis editorias: Artes Plásticas, Cinema, Livros, Teatro e Dança,
Música e Seções.
Na carta do editor Luiz Felipe D'Avila, publicada na primeira edição, ficava
claro que a revista estava longe de ser uma agenda cultural. Seriam ensaios,
reportagens e críticas, tratando a cultura de maneira aprofundada, porém com um
texto prazeroso. Desde o início, também, a ideia era ampliar o alcance das artes e
do debate sobre elas.
Cultura não é patrimônio de guetos intelectuais, nem o refinamento supérfluo das elites. A cultura transcende barreiras geográficas, políticas, sociais e econômicas, e é um dos instrumentos mais eficazes na formação da cidadania. (…) Para que se amplie o público, não é preciso vulgarizar o tratamento dos temas culturais. O bom texto, a ilustração apropriada e o
45
talento reconhecido dos profissionais permitem conciliar o conteúdo profundo com a leitura prazerosa. (D’AVILA, 1997, p.3).
A qualidade da revista foi confirmada por Piza, quando publicou seu livro
sobre jornalismo cultural.
A Bravo! também é uma publicação que quer comunicar o prazer da cultura, não só, em seu caso, pela qualidade dos textos (de autores como Sergio Augusto, Hugo Estenssoro, Sergio Augusto de Andrade, Michel Laub, Almir de Freitas e José Onofre), mas também pela produção visual. (PIZA, 2008 p.115).
Segundo Carelli, a revista chegou a ter 52 páginas de anúncio. No entanto,
isso não impediu que, com o fechamento da editora D’Avila, a Bravo! fosse vendida
para a editora Abril, no fim do ano de 2003. Luiz Felipe D’Avila explicou, em
entrevista, que foi convidado a trabalhar na Abril, mas não estava disposto a fechar
a maior revista de cultura do Brasil. Então, aceitou vendê-la para a editora Abril.
Na época, Carelli, que havia sido editor da Bravo! mas não trabalhava mais
na publicação, encarou a notícia com alguns receios quanto às mudanças que
poderiam ocorrer na qualidade do conteúdo e escreveu que “Bravo! não pode ser
‘apenas um rostinho bonito’. Foi seu conteúdo brilhante, seus textos longos e
abundantes em total contrapartida à tendência geral da imprensa, toda presa ao
dogma falacioso segundo o qual ‘ninguém lê nada’ que fez da revista um sucesso
(...)” (2004, p. 3).
Não se pode dizer que a qualidade da revista diminui com a transferência
para a Abril, mas a linha editorial e o estilo textual se modificaram
consideravelmente. Segundo Armando Antenore, que começou a trabalhar na
publicação nesta época como editor sênior, a revista passou a abandonar os longos
ensaios substituindo-os por reportagens. Além disso, por uma característica da
editora Abril de trabalhar com comunicação de massa e públicos amplos, buscou-se
simplificar a linguagem, torná-la menos intelectual e mais ‘pop’. As matérias se
tornaram menores e, segundo Antenore, ela perdeu 25% do seu número de páginas.
O perfil do público também mudou um pouco. Alguns leitores que gostavam do
antigo formato abandonaram a publicação, enquanto outros foram atraídos por esse
novo estilo.
O número de pessoas que trabalhavam na revista também diminui
consideravelmente. No início, havia um editor e um subeditor para cada área, além
46
do editor chefe. Nos últimos anos, a revista era executada por apenas três pessoas
na redação e duas na arte, além de alguns editores terceirizados.
Já a organização da revista não mudou tanto assim. Apesar da capa ter se
tornado um pouco mais “limpa” visualmente, com apenas uma foto grande e as
outras chamadas de matérias em títulos menores, as editorias permaneceram as
mesmas.
Segundo Luiz Felipe, enquanto permaneceu na editora D’Avila, a revista
chegou a vender 15 mil exemplares por mês. Na Abril, esse número aumentou,
porém não de forma estrondosa, chegando, segundo Antenore, a vender 30 mil
exemplares mensais, entre assinantes e compradores de banca. Considerando que
cada exemplar chegava em média a quatro leitores (segundo parâmetros do
mercado publicitário), cada edição alcançava 112 mil pessoas. O número não era
muito expressivo se comparado com outras publicações da Abril, como a Veja, mas
era considerável levando em conta que era uma publicação segmentada.
Em comparação com as revistas de massa, a maioria editada pela própria Abril, os números de Bravo! nem chegavam a fazer cócegas. Mas, considerando que o título voltava-se para um nicho relativamente restrito, o da cultura mais sofisticada, as cifras não parecem tão ruins. Em geral, Bravo! falava sobre manifestações artísticas que, embora se destacassem pela qualidade, não atraíam público quantitativamente significativo. (...) A publicação, por sua natureza, enfrentava o mesmo problema que amargaram todos os artistas do país dispostos a correr na contramão dos blockbusters. (ANTENORE, 2013, p.1).
Da mesma forma, muitos dos eventos, publicações, reflexões, espetáculos e
exposições divulgados na revista não chegariam nem perto de um número como 100
mil pessoas se não fosse a divulgação dada, nas páginas de Bravo!, a essas
manifestações culturais.
E esse era, justamente, o objetivo do publisher Roberto Civita, um dos donos
da editora Abril, ao resolver comprar e manter uma revista como a Bravo!: tornar as
manifestações artísticas mais relevantes do Brasil acessíveis a um número maior de
pessoas, ultrapassando barreiras geográficas e até sociais.
Segundo Antenore, Roberto Civita tinha um olhar renascentista sobre a arte
e até tinha dificuldade de entender algumas manifestações contemporâneas (2013).
O perfil do publisher se refletiu um pouco na revista. No entanto, Antenore afirma
que ele nunca impediu a divulgação de nada que a redação acreditasse ser
relevante no meio cultural.
47
Outra característica do periódico, principalmente após ser vendido para a
editora Abril, era não ter um caráter provocativo. Apesar de ter uma seção de crítica
em cada editoria, o texto se classificava mais como uma resenha, pois raramente
apontava aspectos negativos. Para o próprio Antenore, a Bravo! era uma revista
muito ‘boazinha’. Ele acreditava que ela devia “ser mais provocativa nas ideias
mesmo. Isso é uma coisa que se perdeu muito no jornalismo cultural, se é que
algum dia teve isso muito profundamente no Brasil”. (2015). 4
Além disso, o ex editor aponta algumas outras características que poderiam
ter se modificado na revista. Um exemplo disso era a divisão rígidas por áreas
artísticas. Para Antenore, a arte contemporânea misturou muito os tipos de arte
como música, teatro e artes visuais, e a revista não acompanhou essa
modernização. Nesse sentido, tinha um formato um tanto “quadrado”. Ele afirma que
havia muita resistência interna dentro da editora Abril quanto a qualquer modificação
mais drástica, pelo receio de perder leitores (2015).
Além disso, também se pensou em modificar outros aspectos da revista,
para barateá-la, como mudar o papel e o formato, que eram mais caros que os das
demais revistas, mas Civita não aceitava.
Antenore acredita que, apesar dos leitores da revista terem aumentado após
a transição de editora, o fato de ela pertencer a uma estrutura gigantesca como a
editora Abril acabou prejudicando a publicação. Um exemplo disso era a captação
de publicidade, que não era direcionada e acabava captando poucos anunciantes.
Ele explica que, dentro dos núcleos que a editora era dividida, a Bravo! estava no de
Celebridades, junto com a Contigo!. E era muito mais fácil vender anúncios para a
Contigo!, por ter um público mais abrangente. Então, os responsáveis pela venda de
anúncios nem se preocupavam em vender para a Bravo!
E aí, ela nunca direcionou, por exemplo, a publicidade para captar anúncios especificamente para a Bravo! Eu digo, captadores que tivessem uma expertise na área da cultura, que pudessem captar dinheiro junto a anunciantes que de fato pudessem se interessar pela revista. (...). Muitos dos caras que captavam anúncios para a Contigo! nunca tinham aberto a Bravo!. (ANTENORE, 2015). 5
4 Entrevista exclusiva conferida por telefone em 27 de abril de 2015 (em anexo) 5 Entrevista exclusiva conferida por telefone em 27 de abril de 2015 (em anexo)
48
A verdade é que a Bravo! não gerava um lucro significativo e às vezes
fechava no vermelho. Muitas pessoas dentro da Abril queriam encerrar o título, mas
Roberto Civita não deixava. Era um desejo pessoal dele ter uma revista como
aquela dentro da editora
No entanto, com a morte de Civita, em 2013, o primeiro título que foi
encerrado foi a Bravo! O fato ainda coincidiu com a fase mais intensa da crise do
impresso, em que a Abril começou a ser atingida, resultando em muitas demissões.
Segundo Antenore, não foram buscadas alternativas para manter a Bravo!, como
vender o título para outra editora ou mesmo mantê-la só online
A gente achava que poderia ter outras saídas, mas eles não discutiram isso com a gente, nada foi discutido com relação ao fechamento da revista com a redação, a gente sabia por boatos. (..) Eu acho que a Bravo! poderia inclusive continuar existindo, mas nunca dentro de uma estrutura como a Abril. (ANTENORE, 2015).
Apesar de alguns problemas administrativos e editoriais, em seu período de
existência Bravo! foi responsável por divulgar e refletir sobre os mais notórios
acontecimentos culturais e artísticos do Brasil. Mesmo aqueles que a criticavam, não
deixavam de admirar a publicação.
Com todos os defeitos que pudesse ter (...) Bravo! não perdeu o respeito do meio cultural. Uns o acusavam de ser conservador, outros de elitista, superficial ou condescendente demais. Mas havia também muita gente boa que gostava de nossas edições. O fato é que mesmo os opositores jamais recusaram sair nas páginas de Bravo! (...) Todos, de um modo geral, reconheciam que a publicação buscava primar pela seriedade. (ANTENORE, 2013).
Em agosto de 2013 chegou às bancas a última edição de Bravo! A capa era
toda em preto e branco e falava sobre José Saramago (que curiosamente também
apareceu na primeira edição da revista). A carta da redação, publicada na página
seis da última edição, falava sobre o avô de Saramago, mas se despedia, em forma
de metáfora. Após 16 anos, chegava ao fim a maior e uma das mais duradouras
revistas de cultura do Brasil.
49
5. BRAVA BRAVO!
5.1 PRÉ-ANÁLISE
Os lançamentos de revistas com temática cultural, abrangendo o mundo das
artes, seja de forma ampla ou segmentada, foram relativamente significativos no
século XX. Em livro sobre essa temática, intitulado Revistas de invenção, Sergio
Cohn cita cerca de cem revistas culturais, de 1922 aos anos 2000. Muitas delas
expressaram as ideias de movimentos artísticos, como o modernismo, ou foram
meios de expressão em tempos de censura.
A qualidade de tais publicações sempre esteve em evidência, tanto em
questões de conteúdo como em apresentação estética, a exemplo de Klaxon,
Senhor e Navilouca. Sua importância como meio de expressão e expansão das
ideias artísticas, ou mesmo divulgação de notórios escritores (vide Machado de
Assis e Clarisse Lispector) são incontestáveis.
A grande problemática que envolve as revistas culturais é, portanto, sua
manutenção. Encontrar maneiras de viabilizá-las a longo prazo, de financiá-las, de
captar anunciantes com perfil semelhante e, especialmente de conseguir leitores.
Não apenas manter os leitores já cativos do mundo das artes, mas também atrair
aqueles que não têm um interesse tão específico pelo assunto.
No histórico de revistas literárias ou de jornalismo cultural, mesmo
publicações de reconhecida qualidade e importância tiveram vida breve. Em Minas
Gerais, o periódico intitulado A Revista abria espaço para escritores de diferentes
estilos e idades, como relata Werneck, e durou apenas três edições. No entanto,
serviu de inspiração para o Suplemento Literário, que resite até hoje.
Já Clima, de São Paulo, teve duração de três anos (1941-1944). A revista
Senhor, de reconhecida importância, que contava com colaboradores como Jorge
Amado e Guimarães Rosa, foi lançada em 1959 e durou até 1964.
A maioria dessas publicações tinha caráter independente. Era essa
característica que, segundo Millôr Fernandes, determinava sua brevidade. Bravo!
também começou de maneira mais independente, como publicação da editora
D’Avila e financiamento da Lei Rouanet.
50
Aliás, algumas revistas tentaram se manter por meio de leis de incentivo a
cultura. É o caso, por exemplo, da revista Aplauso, de Porto Alegre, fundada um ano
antes de Bravo!. Apesar de ter circulado por 14 anos, a publicação saiu do mercado
em 2012. Tanto no caso de Aplauso, como na primeira fase de Bravo!, antes de ser
vendida para a Abril, apesar de as leis de incentivo terem ajudado a viabilizá-las, a
burocracia e complexidade de tais leis não facilitaram o processo de mantê-las, por
serem revistas periódicas com características próprias, muito diferente de livros.
Jorge Polydoro, em artigo sobre o assunto, explica:
Várias são as dificuldades, a começar pelo rotineiro descasamento entre a circulação que não pode ser interrompida, e os momentos em que ocorrem os aportes dos apoiadores culturais. Isso obriga muitas vezes o produtor cultural a adiantar recursos até receber os aportes para o projeto. Como os recursos chegam a partir da lógica das demonstrações contábeis das empresas, podem demorar. Quando não acontece o pior: não vêm. Nesse caso, a única solução é o produtor bancar a diferença com recursos do próprio bolso, o que ocorreu várias vezes na existência da Aplauso. (POLYDORO, 2013, p.1).
Como observa Polydoro, situação semelhante aconteceu com relação ao
início de Bravo! e a Lei Rouanet: os prazos da lei não acompanharam o processo de
circulação de um periódico.
No entanto, ao ser vendida para a Abril, as dificuldades de financiamento
pareciam ter sido superadas. Pertencendo a uma grande editora, a revista não era
mais totalmente dependente dos investimentos governamentais via Lei Rouanet
para conseguir dinheiro. No entanto, a estrutura gigantesca da Abril, apesar de ter
ajudado a Bravo! a se manter por 16 anos, acabou sendo sua algoz, como explicou
o ex –editor da revista, Armando Antenore.
A verdade é que Bravo! contou com um histórico de importantes revistas
culturais como inspiração. Os acertos e erros das publicações anteriores serviram de
base. Isso fez ela se tornar a mais abrangente revista de cultura do Brasil. No
entanto, alguns fatores intrínsecos à revista em si, e outros relacionados à cultura
brasileira, ao mercado editorial, ao jornalismo cultural no Brasil e à modernidade
fizeram com que ela fosse encerrada em 2013.
Para entender esse processo que envolve o jornalismo cultural e a cultura
das artes no Brasil, será feita uma análise da revista Bravo!, considerando que foi a
mais notória revista do gênero até o seu encerramento. Para uma análise mais
51
abrangente serão analisados diferentes itens de cada exemplar (reportagem, crítica,
editorial, capa etc.), além de duas entrevistas exclusivas com os ex-editores da
revista Armando Antenore e Luiz Felipe D’Avila, realizadas em 27 de abril e 6 de
agosto de 2015, respectivamente. Os dez exemplares a serem comentados foram
escolhidos a partir da primeira publicação, de 1997, até a última, de 2013,
respeitando um intervalo de dois anos, para um panorama mais amplo, além de uma
edição especial, que data de 2007. Portanto, servirão como objetos de análise os
seguintes exemplares: 1, 21, 50, 73, 95, 118, 143, 163, 192 e a edição especial nº 4
A metodologia utilizada para tal estudo será a análise de conteúdo hipotético
dedutiva com aferições qualitativas. Como explica Bauer (2011), esse tipo de análise
busca tornar iminente as qualidades e distinções de textos específicos,
especialmente na área das ciência sociais.
Um corpus de texto oferece diferentes leituras, dependendo dos vieses que ele contém. A AC não é exceção; contudo ela traça um meio caminho entre a leitura singular verídica e o 'vale tudo', e é, em última análise, uma categoria de procedimentos explícitos de análise textual para fins de pesquisa social. (BAUER, 2011, p.191).
Ela é utilizada principalmente para o estudo de textos impressos.
O objetivo principal da análise de conteúdo é a formulação de inferências.
Ou seja, formular deduções a partir da análise, utilizando-se, neste caso, do método
qualitativo, que busca significações nas mensagens apresentadas e observa a
presença ou ausência de determinada característica
(…) corresponde a um procedimento mais intuitivo, mas também mais maleável e mais adaptável, a índices não previstos, ou à evolução das hipóteses (...). A análise qualitativa apresenta certas características particulares: válida, sobretudo, na elaboração das deduções específicas sobre um acontecimento ou uma variável de inferência precisa, e não em inferências gerais. (BARDIN, 2004, p.106)
Por meio da análise de conteúdo é testada a veracidade das hipóteses
previamente formuladas. Segundo Bardin, a compreensão do pesquisador sobre o
assunto, durante o processo de análise, pode sofrer consideráveis modificações. As
inferências, portanto, apresentam o resultado, as conclusões da pesquisa, sendo as
hipóteses corroboradas ou invalidadas.
Passaremos então a dissertar sobre as hipóteses.
52
5.2 JORNALISMO DE QUALIDADE
5.2.1 O aniversário do Masp e o nascimento de Bravo!
Na primeira edição da revista Bravo!, datada de outubro de 1997 (ANEXO
A), a matéria de capa trouxe os 50 anos do Museu de Arte de São Paulo (Masp)
como temática, apresentando as quatro exposições comemorativas em cartaz no
museu: Michelangelo, Botero, Monet e Portinari. A matéria tem 19 páginas entre
fotos, reportagem, crítica, entrevistas, uma linha do tempo e até um mapa
apresentando as partes do museu. O texto traz todos os elementos citados por
Marília Scalzo (2004) como próprios das revistas, ou seja, entretenimento,
educação, serviço e interpretação.
Ao trazer o dado do número de peças do acervo do Masp, na página 26, o
texto, escrito por Jorge Caldeira, faz uma comparação com o Metropolitan Museum
para facilitar a interpretação do leitor. “A coleção é mínima para os padrões
mundiais: pouco mais de cinco mil peças (o Metropolitan de Nova York tem 2,2
milhões).” (CALDEIRA, 1997, p. 26).
Na mesma página, aparece a primeira retranca da matéria, intitulada
Coronel Macunaíma. A partir daí, o repórter traz uma retrospectiva da história do
museu, contextualizando com a história do país na época “O Masp foi fundado no
dia 2 de outubro de 1947, justo no tempo em que a São Paulo dos imigrantes
começava a dar lugar à São Paulo do migrantes nordestinos. Os italianos eram
substituídos pelos baianos como massa para moldar com carne o cimento da
cidade.” (CALDEIRA, 1997, p. 26).
Aqui entra a parte da educação citada por Scalzo. Trazendo personagens
emblemáticos que foram essenciais na história do museu, como Assis
Chateaubriand e Pietro Maria Bardi, a reportagem vai fazendo uma retrospectiva da
construção do museu concomitante com a modernização e as mudanças sociais da
cidade de São Paulo.
A linha do tempo, presente no rodapé da matéria, também facilita a
compreensão dos principais acontecimentos da história do Masp, em ordem
cronológica.
Já o serviço aparece unido à crítica. Na página 36, Teixeira Coelho
apresenta em seu texto as quatro exposições em cartaz no museu que são
53
comemorativas aos 50 anos do local. Porém, ao invés de simplesmente apresentar
ou descrever as obras, Coelho faz uma crítica em forma de reflexão, não
exatamente relacionadas às obra em questão, mas à arte como um todo, aos
artistas da exposição, à industria cultural e à inauguração de exposições como
eventos sociais. Coelho apresenta uma crítica da crítica.
É assim que o Masp, para seus 50 anos, programou quatro exposições para oferecer à cidade: Monet, Michelangelo, Portinari e Botero. As dúvidas e críticas emergem por toda a parte: não é muita arte comercial, não será muito heterogêneo, que imagem de arte o público fará através dessa coletânea? Para começar, já é hora de pôr de lado os clichês que dão o impressionismo de Monet como arte fácil, já aceita e, portanto, desnecessária num grande evento. Uma forma de arte não se torna menor porque seu público se ampliou. (COELHO, 1997, p. 38).
O texto de Coelho traz as características que Piza apresenta como as que
devem existir em uma boa crítica: fazer pensar em coisas que não tinha se pensado,
não adjetivar excessivamente, argumentar em defesa do seu ponto de vista e
demonstrar conhecimento, formação cultural para escrever sobre o assunto em
questão. Aqui começa-se a comprovar a hipótese número um, de que a revista
Bravo! produzia conteúdo jornalístico de qualidade.
5.2.2 O Nobel de Saramago
Apenas dois anos depois de sua criação, Bravo! já era um título respeitável e
notório no meio cultural. Isso pode ser comprovado na edição nº 21 de 1999
(ANEXO B), cuja matéria de capa apresenta uma entrevista com o escritor José
Saramago. Na verdade, foi a primeira entrevista exclusiva concedida à imprensa
brasileira logo após o escritor ter ganho o prêmio Nobel de Literatura.
Intitulada “A terceira palavra de Saramago” a entrevista estilo ping pong
ocupa 11 páginas da publicação e possui 24 perguntas/questionamentos. Em seu
livro sobre jornalismo cultural, Piza recomenda este estilo de entrevista quando o
entrevistado tem frases marcantes, argumentação sólida com declarações fortes e
inéditas. E por isso mesmo esse foi o estilo empregado na entrevista desta edição.
Isso pode ser observado quando Saramago declara, em uma de suas respostas:
“Cristo ressuscitou ao terceiro dia, eu ressuscito à terceira palavra. Porque a partir
do momento em que começo a falar, alguém tem de me dizer: cala-te”
54
(SARAMAGO, 1999, p. 62). A afirmação é tão emblemática que inspirou, inclusive, o
título da matéria.
Algumas páginas depois, o escritor faz mais uma afirmação forte que
justifica o uso de uma entrevista pingue pong. “No fundo, a palavra autêntica, a
palavra verdadeira é a palavra dita. A palavra escrita é apenas uma coisinha morta
que está ali, à espera de que a ressuscitem. E é no dizer da palavra que a palavra é
efetivamente palavra”. (SARAMAGO, 1999, p. 66).
Outra observação feita por Piza, se tratando de entrevistas na área da
cultura, é de que o jornalista deve ter um considerável conhecimento sobre a obra
do artista para fazer questionamentos que fujam do óbvio. Piza recomenda: “E,
claro, especialmente quando for, digamos, um grande escritor, procure ler seus
principais trabalhos e as entrevistas que deu antes, para chegar ao encontro com
perguntas pertinentes” (PIZZA, 2003, p.85).
Na entrevista feita pelos jornalistas de Bravo! com Saramago, este
conhecimento da obra é demonstrado em perguntas como “O Sr concorda que
Ensaio sobre a Cegueira tem muitas semelhanças com o universo da obra de
Kafka?” (RIOS, ALBUQUERQUE e LAUB, 1999, p. 65).
Além de questionar o escritor sobre suas obras passadas, seu estilo de
escrita e o prêmio Nobel, a entrevista não perde o espírito jornalístico da busca pela
novidade, quando, entre as últimas perguntas, surge o questionamento sobre o novo
romance do escritor. No final, a informação crítico jornalística aparece em um box
que indica os quatro melhores livros de Saramago na seleção de Bravo!
5.2.3 Bravo! é arte – na forma e no conteúdo
Desde sua primeira edição, Bravo! causou grande alvoroço nos meios
culturais e editoriais brasileiros. Além dos textos de qualidade, uma das
características que mais chamou atenção na revista foi a apresentação visual, o
projeto gráfico original e criativo. Como citou o ex- editor de Bravo!, Wagner Carelli,
“os jornaleiros eram unânimes em dizer que aquela era a revista mais bonita já feita
no Brasil” (2003).
Apesar de já ter nascido com um projeto editorial inovador, Bravo! não
deixou de buscar aprimoramento também em sua apresentação visual. Na edição nº
55
50, de 2001 (ANEXO C), a revista traz a capa mais “limpa” visualmente, com apenas
uma foto grande e ampla.
No editorial, a então diretora de redação Vera de Sá explica as mudanças.
“Bravo! muda por fidelidade a si mesma, para reafirmar sua recusa de ser apenas
uma bela embalagem da cultura produzida no Brasil, e permanecer ela própria como
um produto cultural de referência contemporânea.” (SÁ, 2001, p.17).
Isso vai ao encontro do que Scalzo cita como necessário em um bom design
e plano editorial: variedade e algumas marcas de identidade. Ou seja, Bravo!
manteve suas marcas mas buscou trazer uma apresentação inovadora em alguns
aspectos, como pode ser observado nas figuras 1 e 2, que comparam a capa da
primeira edição com a de número 50.
Figura 1 – Capa revista Bravo! n. 1 Figura 2 – Capa revista Bravo! n. 50
.
Fonte: Revista Bravo! (1997, n.1, p. 1) Fonte: Revista Bravo! (2001, n.50, p.1)
Scalzo também diz que a tipologia da revista deve ser regida conforme o
universo de interesse dos leitores. Sendo Bravo! uma revista de cultura e arte, sua
apresentação não poderia deixar a desejar no aspecto visual. As cores que
diferenciam as editorias, e a grande quantidade de fotografias e ilustrações casam
com a temática da revista.
56
Em livro da editora Abril sobre as revistas, nota-se a importância da
apresentação visual e edição para que os textos e a revista como um todo possam
se comunicar efetivamente com o leitor, atrair sua atenção e criar um sentimento de
identidade.
Essa mágica que dá expressão e personalidade ao que o repórter escreveu, o fotógrafo documentou e o diretor de redação imaginou chama-se editar. No caso das revistas, é dar a tudo uma identidade (com uma capa – que é a face), para torná-las um conjunto coerente e singular (as páginas – o miolo) buscando atrair o leitor e ganhar dele a lealdade eterna. (ABRIL, 2000, p.123).
Bravo! buscava, assim, uma combinação de apresentação visual agradável
aos olhos (com combinação harmoniosa de cores e fotografias) e comunicativa, de
modo a facilitar e ampliar a compreensão do leitor por meio de infográficos e box
informativo.
5.2.4 O alcance da arte contemporânea
As reflexões abrangentes sobre o mundo das artes permeavam as pautas de
Bravo!, especialmente nesta primeira etapa, antes de ser vendida para a editora
Abril. A revista utilizava-se de acontecimentos, novidades e lançamentos no mundo
das artes para refletir sobre assuntos que ultrapassavam a própria notícia.
Um exemplo disso é a reportagem/ensaio apresentada na edição 73,
publicada em 2003 (ANEXO D). O texto utiliza o mote da 4ª Bienal do Mercosul, que
estava em cartaz em Porto Alegre, para trazer reflexões sobre a arte contemporânea
como um todo. A abertura da matéria já traz um questionamento provocador,
seguida de uma resposta parcial que deixa brechas para interpretação do leitor.
A arte contemporânea está ultrapassada? Embora possa parecer um tanto capciosa, a pergunta procede. Há claros indícios de que a arte que assim se intitula está cada vez mais distanciada do grande público, mais à margem das preocupações da sociedade como um todo, enfim, cada vez menos atual. (CARDOSO, 2003, p. 72).
No segundo parágrafo, a matéria traz informações sobre a Bienal, como a
temática, os países dos artistas participantes e a curadoria. Em seguida, faz uma
relação com o evento e as reflexões a respeito da arte contemporânea. O texto
57
apresenta algumas características do que Vilas Boas (1996) define como jornalismo
interpretativo intensivo, ou seja, determinar o sentido de um fato, fazer reflexões
sobre ele e transmitir informações da maneira mais completa possível. No caso
dessa reportagem, intitulada “A Pergunta Incômoda”, o autor da matéria, Rafael
Cardoso, utiliza o fato da realização da Bienal para estimular reflexões sobre a arte
contemporânea, trazendo também dados e fatos para justificar seus
questionamentos e interpretações.
“A questão gira em torno da relação entre a arte e o público. Existe um
público para a arte contemporânea? Seria fácil demonstrar, a partir de estatísticas,
tanto que sim como que não.” (CARDOSO, 2003, p.74). Em seguida, ele cita os
casos da Bienal de São Paulo com seu amplo alcance e das mostras individuais e
seus públicos reduzidos. A interpretação, presente nesta matéria, é uma das
funções primordiais, segundo Vilas Boas, do jornalismo de revista.
5.2.5 A popularidade das sinfônicas
Em 2005, a publicação nº 95 (ANEXO E) trouxe, entre suas chamadas de
capa, a seguinte frase: sinfônicas, o público aumenta e as orquestras aparecem.
Mesmo não sendo a matéria principal da edição, a reportagem ganhou dez páginas,
com direito a amplas fotografias, três boxes informativos e um infográfico explicando
a localização e função de cada grupo de instrumentos dentro de uma orquestra.
Mais uma vez, a revista fez uso de informações mais factuais, como as
orquestras em cartaz nos teatros de Rio de Janeiro e São Paulo e a vinda de
renomados grupos internacionais para o Brasil, para debater temas mais
abrangentes como as causas do considerável aumento de público nos concertos de
música clássica.
A reportagem intitulada “Sinfônicas movimentam novas plateias” traz uma
característica bastante utilizada nos textos de revistas, denominada por Vilas Boas
(1996) de abertura envolvente. É aquela abertura que não apenas foge do lead
tradicional dos jornais impressos diários, mas também “fisga” a atenção do leitor.
Segundo Vilas Boas, a abertura pode ser descritiva ou começar por uma declaração
citação. No caso da matéria sobre as orquestras, a descrição foi a tática adotada
para chamar a atenção do leitor e, ao mesmo tempo, revelar o assunto que seria
abordado no texto.
58
Num dia do último mês de maio, a soprano búlgara Mariana Zvetkova saiu de seu camarim pouco antes de sua apresentação e foi conferir de perto uma cena inusitada: uma fila de mais de um quarteirão diante da bilheteria do Teatro Municipal do Rio de Janeiro. Zvetkova presenciara um fato incomum na história da música erudita brasileira, especialmente porque se tratava da apresentação de uma ópera sem grande popularidade por aqui, Macbeth, de Giuseppe Verdi. O que será que mudou? (TRINDADE, 2005, p. 72).
Em texto sobre jornalismo cultural, Arthur Dapieve (2002) fala sobre a
importância de fazer com que as informações sejam assimiladas pelo maior número
de pessoas sem, no entanto, tratar o leitor como imbecil. Ele diz que o jornalista
pode ser traído por seu próprio conhecimento e por isso é preciso otimizar a
comunicação. Na reportagem sobre as orquestras, esse quesito é atendido, tanto no
box que explica a origem das orquestras, sua formação e o início da cultura dos
concertos no Brasil, quanto no infográfico que, por meio de imagens, apresenta a
localização exata e a função de cada classe de instrumentos.
5.2.6 O perfil de Nelson Rodrigues
Apesar de já ser editada pela Abril desde o início de 2004, na edição de
2007 de Bravo! é possível perceber uma maior semelhança com o modelo adotado
nos últimos anos, em termos de diagramação e organização da revista. A capa, por
exemplo, apresenta no cabeçalho, acima do título, as seis principais áreas
abordadas pela revista (música, cinema, livros, artes plásticas, teatro e dança).
Além disso, na edição 118 (ANEXO F), a carta do editor fala de algumas
alterações, como a mudança de lugar da seção ensaio, que deixa de figurar entre as
primeiras páginas da revista e se desloca para depois da reportagem que trata do
assunto em questão no ensaio. Além disso, percebe-se o que Armando Antenore
afirmou em entrevista quando disse que, ao ser vendida para a Abril, a Bravo!
perdeu muito do seu caráter ensaístico, passando a trabalhar mais com reportagens.
Comparativamente, a edição 73 de 2003, aqui já citada, trazia um ensaio de nove
páginas enquanto essa, de 2007, o ensaio ocupa apenas uma página.
As indagações pertinentes e textos de qualidade, no entanto,
permaneceram. Na edição 118, a manchete traz a pergunta “Por que não temos
mais um cronista como ele?” com uma foto de Nelson Rodrigues ao fundo. No
59
interior, a edição apresenta, a partir da página 28, um perfil do escritor e cronista
brasileiro, com um total de oito páginas entre texto e fotos.
Piza (2005) fala sobre os elementos de um bom perfil em seu livro sobre
jornalismo cultural. Entre eles está contar passagens relevantes da vida e carreira do
entrevistado. No caso do perfil de um artista já falecido, como é o caso de Nelson
Rodrigues, fez-se uso de entrevistas com pessoas próximas e críticos.
A reportagem começa com o relato de um episódio do início da carreira do
escritor, que o consagrou como dramaturgo.
Na noite de 28 de dezembro de 1943, a nata da elite intelectual carioca – embaixadores, escritores, poetas e jornalistas – lotou o Teatro Municipal do Rio de Janeiro para assistir a estreia de Vestido de Noiva. O autor, o então jovem dramaturgo Nelson Rodrigues, de 31 anos, passou todo o tempo na antecâmera de um camarote apavorado, ora de frente, ora de costas para o palco, a úlcera pegando fogo. (PIMENTA, 2007, p.30).
Neste trecho, nota-se o uso de técnicas do new journalism com a descrição
miniciosa de uma cena, dando ao leitor a sensação de estar assistindo ao ocorrido.
O perfil também revela, no decorrer do texto, algumas curiosidades da vida
do autor, como o fato de fumar quatro maços de cigarro por dia, ter tuberculose aos
23 anos, ser cardíaco e enxergar mal. Isso demonstra uma intensa pesquisa do
jornalista que fez o perfil, não só a respeito da obra do escritor, mas de todo a sua
vida, o que é essencial em um perfil.
Piza também recomenda que, ao fazer um perfil, o jornalista recolha
depoimentos dos amigos e inimigos do artista em questão. Apesar de não seguir a
risca esta indicação, Edward Pimenta, autor do perfil de Nelson nesta edição de
Bravo!, mostra os dois lados do escritor. Apresenta, no lado positivo, a fala do
professor de literatura da USP Fabio de Souza Andrade. “Nelson Rodrigues tinha
alguma coisa de vitoriano deslocado, de Disckens da Pavuma, sem demérito para
nenhum dos dois. A atualização de arquétipos míticos e uma linguagem sensível às
imagens fazem de seu teatro coisa difícil de se igualar” (ANDRADE apud PIMENTA,
2007, p.32). Já no aspecto negativo, Pimenta decide trazer à tona o apoio de Nelson
Rodrigues com relação ao regime militar.
No final do perfil, são elencados alguns tópicos que podem responder, ainda
que parcialmente, a pergunta de por que não existe mais um cronista como Nelson
60
Rodrigues. O contexto histórico está entre os principais motivos. Assim, a revista traz
dados e costumes que permearam a história brasileira nos anos 1930.
5.2.7 Dédale – entre a crítica e a resenha
Sendo uma publicação sobre arte e cultura, Bravo! não poderia deixar de dar
espaço para a crítica, apesar de nunca ter sido o seu foco, seguindo uma tendência
do próprio jornalismo cultural moderno, de dar mais espaço para a reportagem do
que para a crítica (PIZA, 2003).
Desde sua primeira edição, no entanto, a revista apresentava um espaço
intitulado Crítica para cada uma das áreas abordadas. Apesar do espaço reduzido
(uma página) a crítica de Bravo! conseguia dar conta, ainda que de forma resumida,
aos itens que Artur Dapieve (2002) apresentou como essenciais em um bom texto
desse gênero.
Na edição 143, de 2009 (ANEXO G), a revista traz uma crítica escrita por
Renata Peppl intitulada “Encontro no Labirinto”. A obra em questão é o filme-
instalação Dédale, criado pelo cineasta francês Pierre Colibeuf, que estava em
exibição no Instituto Iberê Camargo, em Porto Alegre. O texto segue o roteiro básico
apresentado por Dapieve: fornecer um mínimo de informação sobre a obra (serviço),
contextualizar o trabalho dentro da obra do autor, contextualizar o autor dentro do
cenário artístico e opinar. Este último item é o que mais caracteriza a crítica, ou seja,
a tomada de posição sobre a qualidade ou os defeitos da obra em questão.
Trata-se de um pedido para também sentir – e não só pensar - o encontro de Colibeuf com Iberê. Além de oferecer uma nova ótica sobre o legado de um dos maiores nomes da arte moderna brasileira, Dédale pode ampliar ainda o alcance do trabalho dos dois artistas, estimulando não só o interesse brasileiro pelo cineasta francês, mas também a projeção internacional da obra de Iberê. (PEPPL, 2009, p.64).
Em suma, segundo Piza, a crítica deve informar o leitor sobre o que é a
obra, analisá-la e fazer o leitor refletir. Isso é parcialmente alcançado pela crítica de
Bravo!, ainda que, como afirmou o próprio editor da revista Armando Antenore, a
crítica na revista tivesse também alguns elementos de resenha. As características de
uma boa resenha são esclarecidas por Piza:
61
A boa resenha, portanto, e ainda que em pouco espaço, deve buscar uma combinação desses atributos: sinceridade, objetividade, preocupação com o autor e o tema. E deve ser em si uma “peça cultural”, um texto que traga novidade e reflexão para o leitor, que seja prazeroso ler por sua argúcia, humor e/ou beleza. (PIZA, 2003, p.71).
A crítica desta edição também apresenta uma foto que reproduz uma cena do
filme-instalação e um pequeno box com o serviço da exposição.
5.2.8 Contos célebres
Ainda em 2003, Bravo! começou a publicar, nas últimas páginas, uma seção
de contos de ficção de diversos autores. A ideia segue uma tradição de periódicos
culturais. Colaborações literárias já estiveram presentes até mesmo nos jornais
diários quando havia, no século XIX, uma relação muito próxima entre jornalismo e
literatura. Quando surgiram os cadernos culturais, estas colaborações foram
transferidas para lá. Como já foi visto no capítulo 4, as revistas culturais mais
importantes do século XX também contaram com seções literárias, com
colaboradores como Carlos Drumond de Andrade e Clarice Lispector.
Ou seja, a literatura de ficção foi separada do jornais no início do século XX,
passou a se refugiar nas revistas culturais e ilustradas e foi, gradativamente,
desaparecendo, sendo substituída por crônicas. Nas publicações culturais, a
reportagem passou a ser o principal estilo textual.
A revista Bravo!, portanto, buscou resgatar essa tradição de publicar contos
na imprensa e conseguiu unir, em uma mesma revista, além do jornalismo das
reportagens, perfis e críticas, a literatura presente nos contos.
No decorrer dos anos, a seção mudou de nome. Começou chamando-se
Inéditos, mudou para Saideira e, por último, para Ficção Inédita. Na edição 163 de
2011 (ANEXO H), é possível observar que Bravo! se preocupava com a qualidade
dos contos publicados, convidando autores de reconhecido talento, como é o caso,
nesta edição, de Fabrício Carpinejar. O conto, apesar de fictício, traz reflexões que
podem servir para situações reais. Ao apresentar uma carta supostamente escrita
por uma filha cuja mãe morreu em um acidente aéreo, Carpinejar traz à tona
debates sobre o relacionamento familiar e até mesmo sobre lembranças da ditadura
militar.
62
É estranho que você tenha sido sorteada pela tragédia após vencer azar, desgosto, privação. Logo você que brigou contra a ditadura, não é justo. (...) Não parei para ouvi-la, você enfrentou a prisão quando jovem, eu sofria um pavor de que tivesse sido maltratada. A vontade era gritar: Cala a boca, não pedi para saber! (CARPINEJAR, 2011, p. 96).
Assim, Bravo! buscou, por meio de suas páginas, não apenas retratar
eventos culturais, divulgá-los e debater sobre eles, mas também ser um pouco
dessa cultura.
5.2.9 Adeus em metáfora
Em agosto de 2013, após 16 anos de existência, chegava às bancas o 192º
e último número da revista Bravo! (ANEXO I). Na capa, José Saramago (que
também esteve presente na primeira edição). Apesar das informações sobre o fim
da revista já terem vazado nos sites de notícia, os leitores menos informados
poderiam não saber que aquela seria a última edição de Bravo!. Isso porque, de
maneira explícita, o exemplar 192 não deixava claro este fato.
Porém, algumas dicas foram dadas, de forma subjetiva. Uma delas era que
Bravo!, acostumada a apresentar, como uma revista de arte que era, capas
coloridas e obras de arte, nesta edição estava toda em preto e branco, podendo
indicar uma espécie de luto.
Mas a principal indicação estava no editorial, a chamada Carta de Redação.
Aparentemente, não era de despedida. Não falava dos melhores momentos da
revista, da importância que ela teve para o jornalismo cultural e nem sequer
apresentava motivos para o seu fechamento.
Em sua última edição, Bravo!, na verdade, utilizou-se de recursos que
caracterizam o bom texto de jornalismo cultural. Dapieve fala que é permitido o uso
de ambiguidade. Piza comenta que o texto desses veículos pode utilizar metáforas e
riqueza verbal.
Todos esses elementos estavam presentes no editorial da última edição de
Bravo! A primeira vista, o título “O melhor jeito de dizer Adeus” parecia indicar uma
carta de despedida da redação. Porém, na linha de apoio, o assunto apresentado
era outro: “Como o avô de Saramago se despediu de uma pequena floresta”.
No decorrer do texto, falou-se sobre quando, após um Acidente Vascular
Cerebral, o avô de Saramago teve que se despedir da vila e casa onde morava para
63
ficar sob cuidados no hospital. Ao invés de utilizar as palavras, tão queridas por seu
neto, o avô apenas abraçou as árvores plantadas no quintal.
Chegando então ao último parágrafo do texto, o redator-chefe, Armando
Antenore, explicou a metáfora utilizada:
Ocorre que, em determinadas circunstâncias, ações similares às do avô têm impacto maior que posturas como as do neto. Há despedidas que não encontram tradução. O que falar diante de um amigo que se muda pra bem longe, um amor que morre, um projeto querido que se interrompe? Às vezes, o melhor – o mais preciso e eloquente – é dar adeus em silêncio. (ANTENORE, 2013, p. 6).
Em 54 linhas e quatro parágrafos, a até então maior revista de cultura do
Brasil se despedia de seus leitores.
5.2.10 Os melhores da cultura
Além das revistas mensais que divulgavam, como dizia o próprio lema da
revista, o melhor da cultura no referido mês, algumas vezes Bravo! produzia edições
especiais. Entre essas edições esteve a série 100, que trazia o top 100 de assuntos
relacionados à cultura como os 100 livros essenciais da literatura brasileira, os 100
filmes essenciais ou os 100 livros essenciais da literatura mundial.
Na edição número quatro dessa linha de especiais (ANEXO J), Bravo trouxe
os 100 lugares essenciais da cultura, com os principais museus, teatros, bibliotecas
e monumentos do mundo, na área cultural. A seleção foi a partir de critérios que
ficam claros na carta do editor
Para a elaboração do ranking, nos guiamos, em primeiro lugar, pelos critérios mais objetivos para cada área - o acervo dos museus e das bibliotecas e a acústica das salas de concerto, por exemplo. Mas também pesaram a importância conferida pela história e pela tradição em alguns casos, porque os lugares, além dos destinos, têm uma carga simbólica. (FREITAS, 2007, p.5).
Em 111 páginas a edição trouxe os mais diversos pontos culturais do mundo
chegando a citar 49 cidades diferentes. Nesta edição, Bravo! mostra que não pecava
pelo nacionalismo exacerbado, que às vezes assola as publicações culturais. A
revista estava atenta à cultura em todo o mundo. Como ressalta Piza (2003) “cultura
64
é expandir horizontes, até mesmo para enxergar melhor o seu entorno. O jornalismo
cultural deve se nutrir disso”. (2003, p.62).
Mais uma vez, Bravo! se mostrou uma intermediária entre o jornal e o livro.
Nesta edição, o texto não é técnico como em um guia turístico e nem breve como
em um caderno de viagens do jornal de fim de semana. Apesar de não ser um texto
totalmente jornalístico, tendo em vista que não há entrevistas, a linguagem
jornalística não deixa de estar presente, sendo um texto informativo, claro e, ao
mesmo tempo, interessante. Isso pode ser observado, por exemplo, na matéria que
fala sobre o Museu Hermitage, nº 25 na lista, localizado em São Petesburgo.
Com 3 milhões de itens, o Museu Hermitage ocupa seis edifícios localizados à margem do rio Neva, no centro de São Petesburgo, na Rússia. Seu imenso acervo conta a história da arte mundial com peças que vão da Antiguidade ao século 20. Mesmo com mais de mil salas, somente 5% das obras do museu estão expostas atualmente. Estima-se que para ver apenas esse percentual, uma pessoa poderia levar cerca de nove anos andando pelos corredores dos edifícios. (BRAVO!, 2007, p.46).
Na edição, aparecem desde pontos mais conhecidos como o Museu do
Louvre, a Brodway, o teatro Bolshoi e o MOMA, até locais menos famosos como o
Mosteiro de Mafra, o Museu Nacional do Iraque e o Concertgebouw (Amsterdã).
A abertura envolvente citada por Vilas Boas (1996) também está presente
em grande parte dos textos dessa edição. No texto sobre o Museu Guggenheim
(Bilbao), mostra-se como a cultura pode salvar a economia de uma cidade. “Como
um museu pode mudar a vida de uma cidade inteira? O museu de Guggenheim, que
comemorou 10 anos em 2007, é o exemplo de que uma instituição museológica
pode impulsionar a economia e a cultura de uma região inteira.” (BRAVO!, 2007,
p.39).
Entre os lugares citados, cerca de 15 se localizavam nos Estados Unidos, 14
na França, 12 na Inglaterra, 10 na Itália e 5 na Rússia. O Brasil também aparece no
ranking, porém apenas uma vez. O MASP (Museu de Arte de São Paulo) aparece
em 63º lugar. A escassez de lugares brasileiros pode ser entendida até mesmo
como uma crítica relacionada à ausência de locais culturais de importância mundial
em terras brasileiras.
Tendo esses dez exemplares como amostra do conteúdo produzido pela
revista Bravo!, foi possível, a partir da leitura deles, comprovar a hipótese número
um: a revista Bravo! produzia conteúdo jornalísticos de qualidade
65
5.3 ESTRUTURA CLÁSSICA, CULTURA CONTEMPORÂNEA
Não se pode afirmar que a revista Bravo! permaneceu igual durante seus 16
anos. A linha editorial e as estrutura da revista sofreram algumas alterações. No
início, por exemplo, quando ainda pertencia à editora D’Avila, a revista era mais
ensaística, com textos longos e linguagem mais rebuscada. Quando foi vendida para
a Abril, a reportagem passou a ser o “carro chefe” e os ensaios diminuíram até
desaparecerem. A capa se tornou mais “limpa” visualmente. O ex redator-chefe
Armando Antenore, que começou a trabalhar na revista quando ela foi vendida para
a Abril, comenta sobre algumas dessas mudanças.
Perdeu muito do caráter ensaístico, ela passou a ser mais uma revista de reportagens, perdeu muito da linguagem mais rebuscada, acadêmica. Embora nunca tenha sido acadêmica, tinha uma linguagem intelectualizada e passou a ter uma linguagem mais pop, um pouco mais acessível a um público mais amplo. (ANTENORE, 2015).
Além disso, algumas editorias vieram e outras desapareceram, como é o
caso da “Primeira Fila”. Consistia nas seguintes seções: em ensaios fotográficos de
artistas ou bastidores de espetáculos, na seção ‘Nossa Aposta’ (que revelava
talentos) e em uma página que trazia um breve questionário com algum artista.
Apesar disso, de maneira geral, Bravo! não teve mudanças estruturais
significativas durante seus 16 anos de existência. É o que está dito na hipótese
número dois que afirma que o a revista não se modernizou com o passar dos anos.
Isso começa a ser comprovado quando se faz uma comparação entre os sumários
da primeira edição, de 1997, e a última, de 2013.
66
Fugura 3 – Sumário revista Bravo! n. 1
Fonte: Revista Bravo! (1997, n.1, p. 6 e 8)
Figura 4 – Sumário revista Bravo! n. 192
Fonte: Revista Bravo! (2013, n. 192, p. 4-5)
67
As editorias principais da revista permaneceram exatamente com a mesma
divisão: artes visuais, música, cinema, livros e teatro/dança, sendo que, nas edições
mais recentes, esta última seção passou a chamar-se somente teatro, apesar de
também divulgar eventos de dança.
Segundo Antenore, essa divisão tornava a revista um tanto engessada.
Por exemplo, eu achava que a divisão por editorias, como era quando ela nasceu, então tinha música, cinema, teatro, eu acho que isso não faz o menor sentido mais hoje em dia. Isso tudo se misturou muito. Mesmo na arte contemporânea, há tantas coisas que poderiam ser cinema ou que poderiam ser intervenções sonoras, enfim, ou a performance que se confunde com teatro. Eu achava que dividir desse jeito assim, cartesiano, engessava muito a revista. Havia meses que não tinha nada tão interessante para falar de teatro, então por que eu precisava ter a editoria de teatro? (ANTENORE, 2015).
Para Szantó, as universidades e os meios de comunicação são as únicas
instituições que ainda não eliminaram as barreiras de categorização das artes. “Nos
nossos dias as artes estão se mesclando como nunca antes. A maioria dos
desenvolvimentos vitais nas décadas recentes foi sobre como eliminar fronteiras”.
(2007, p. 43).
Ou seja, em 16 anos houve muitas mudanças, especialmente no campo da
comunicação, da cultura e das artes, mas a revista Bravo! não acompanhou essas
mudanças de maneira incisiva e continuou a seguir um modelo muito semelhante ao
adotado no século XX. Segundo Antenore, o que impedia que essas mudanças
fossem feitas era a própria editora Abril, que tinha resistência em inovar.
Para Antenore, a própria importância que a internet ganhou com o passar
dos anos deveria ter provocado mudanças substanciais na publicação. A agenda,
por exemplo, no final de cada editoria, já não era tão necessária. Transferindo-a
para o site, essas páginas poderiam ser utilizadas para o aprofundamento dos
assuntos. Aprofundamento esse que parece ser a principal função dos veículos
impressos na era digital.
Conforme Sergio Augusto, a agenda e o roteiro cultural passaram a dominar
os cadernos e publicações culturais
A crescente oferta de cultura no Brasil leva o jornalismo a ter uma preocupação frequente com o serviço, se vê pressionado a atender uma demanda de consumo de cultura de entretenimento. Não é mais o jornalismo cultural que está discutindo a literatura, o cinema. Você tem também uma pressão de orientação cultural e serviço cultural. Os cadernos
68
de cultura tinham uma parte considerável ocupada pelo roteiro cultural. (informação verbal) 6
Antenore acredita, no entanto, que esse papel de agenda e serviço já
poderia ter sido delegado para a internet, para os sites que falam de eventos
culturais. Assim, sobraria mais espaço para que os veículos impressos pudessem
produzir textos mais analíticos, que provoquem o leitor. “O jornalismo cultural tem
esse papel simultâneo de orientar e incomodar, de trazer novos ângulos para a
mentalidade do leitor-cidadão” (PIZA, 2003, p.117).
Outra característica da revista, segundo o próprio ex editor, era ter uma
visão mais clássica com relação à arte, deixando a arte contemporânea em segundo
plano. Isso não é, necessariamente, um fator negativo, mas esse tradicionalismo
pode ter levado a publicação a não conquistar novos leitores.
Se fizer uma comparação, por exemplo, com a revista Select, que existe até
hoje, percebe-se uma considerável diferença. A Select é focada em arte e cultura
contemporânea, mas deixa essa segmentação clara logo na capa. Quem lê a Select
não espera encontrar matérias sobre arte clássica na revista. As seções são muito
mais maleáveis, não existe uma divisão por áreas artísticas, já que, como já foi dito,
atualmente as áreas se misturam muito.
Bravo! também tinha resistência em divulgar assuntos que não estivessem
em evidência no meio cultural. Isso era uma resistência da Abril, que tinha receio de
perder público se desse destaque para o que não fosse mainstream, como explica
Antenore:
Os assuntos que iam para a capa eram sempre mainstream (...). Quando a gente percebeu que o Crioulo era um cara que estava despontando, a gente nunca poderia dar na capa o Crioulo. A gente deu matéria, mas não podia dar capa, porque a Abril não deixava. (ANTENORE, 2015).
Essa característica, segundo Werneck (2007), é uma tendência do
jornalismo cultural: o que não está em evidência não merece espaço. As
ferramentas, hoje, permitem que as publicações conheçam o seu público e
determinem exatamente o tipo de conteúdo que lhe interessa. Isso parece bom, mas
pode ser prejudicial se for o fator determinante, pois não sobra espaço para divulgar
o que é bom, mas aparentemente não é tão vendável. Não há espaço para o
6 Conforme palestra proferida no curso de Jornalismo Cultural (SP) em 22 de abril de 2015
69
jornalismo divulgar a novidade e oferecer ao público aquilo que nem ele próprio sabe
que gosta, pois desconhece.
O problema é que a certa altura, boa parte do jornalismo cultural passou a reservar todo o espaço para o mainstream, a corrente principal, da produção cultural. O que estiver fora disso quase fatalmente será ignorado. Mas não dá para ser escravo do mainstream! O que predomina é a postura elitista de falar apenas do que interessa à grande maioria. E na política das redações, é difícil e até arriscado tentar fugir disso. (WERNECK, 2007, p.67).
Ou seja, apesar de seu conteúdo relevante, com assuntos de interesse,
abrangência de todas as áreas da cultura, textos jornalísticos de qualidade e
apresentação gráfica atraente, Bravo! pecou por não acompanhar as mudanças,
tanto no modo de se fazer e estruturar a cultura, quanto no avanço tecnológico, que
ocasionou transformações significativas no modo de se comunicar. Acabou-se de
comprovar, portanto, a segunda hipótese: o formato e os assuntos abordados na
revista não se modernizaram com o passar dos anos.
A revista de arte e cultura foi vanguardista em seu lançamento, mas, com o
tempo, foi tomada pela inércia da grande estrutura em que estava inserida, no caso,
a editora Abril.
5.4 A (FALTA DE) CULTURA ARTÍSTICA – ENTRE LEITORES, EDITORAS E
ANUNCIANTES
Não restam dúvidas de que o Brasil já produziu inúmeras publicações de
qualidade na área do jornalismo cultural. Porém, a grande problemática encontrada
para esse tipo de publicação não é encontrar jornalistas ou escritores gabaritados
para delas fazer parte, e nem sequer eventos e assuntos relevantes no território
brasileiro para divulgar, mas sim encontrar uma maneira de se manter
financeiramente. O que determina o sucesso ou fracasso de uma publicação são,
essencialmente, três pontos: os leitores, as editoras e os anunciantes.
Como já foi visto no capítulo 3, o jornalismo cultural no Brasil nunca foi muito
popular. Isso porque as artes não chegam a despertar o interesse da massa
populacional brasileira. Isso se deve a diversos fatores. Como já foi citado, um deles
é o desenvolvimento tardio do Brasil na área educacional. Frias Filho explicou, em
70
palestra proferida em 2015, que etapas foram queimadas e isso prejudicou o
desenvolvimento do interesse dos brasileiros pela arte de uma forma geral.
Nos países que se tem um desenvolvimento capitalista mais maduro, mais profissional, passaram por um período de educação artística anterior aos adventos dessas formas mais imediatas como a televisão e a internet, o que permitiu que se criasse uma clientela, com uma parcela da população que tinha o hábito, o gosto e o discernimento em termos dessas formas de arte mais exigentes. (informação verbal) 7
Como explica Muníz Sodré (2001), as pessoas que estão na base da
pirâmide social não têm tempo nem instrução para dar à cultura a devida atenção.
“(...) os objetos e os bens ditos ‘culturais’ são praticamente ignorados pelas classes
trabalhadoras, ocupadas como sempre estiveram nas lutas em favor de melhores
condições materiais de vida (salários, redução do tempo de trabalho etc.).” (SODRÉ,
2001, p.167).
Sendo o Brasil um país subdesenvolvido, esse contingente da população é
ainda maior. Além disso, outros fatores podem ter colaborado para um gradual
desinteresse da população pela cultura. Um deles é o período da Ditadura Militar.
Apesar de a produção cultural ter sido intensa nesse período, sendo uma forma de
resistência, a censura impediu que essa produção chegasse a um contingente
significativo da população. Além disso, a retirada de disciplinas como filosofia e
sociologia da grade curricular escolar intensificou o processo da alienação dos
jovens.
O interesse reduzido pela cultura, consequentemente, diminuiu o número de
leitores das publicações voltadas exclusivamente para as artes (apesar do esforço
dos cadernos culturais). No caso da revista Bravo!, esse público se resumia a cerca
de 30 mil compradores mensais. Armando Antenore explica que o número não é tão
desprezível considerando que era uma revista segmentada, mas era extremamente
pequeno para o padrão da editora Abril, acostumada em trabalhar com a
comunicação de massa.
Era como se houvesse um choque entre a velha ordem e a nova ordem. A velha ordem pensa em números grandes, pensa em comunicação de massa mesmo. E a nova ordem começa a entender que existem as comunidades e que você pode trabalhar para um pequeno nicho e dentro desse nicho tentar fazer um negócio. Claro que esse negócio não vai dar o mesmo tipo de lucro, não vai remunerar da mesma maneira as pessoas que trabalham nele, enfim, mas é um negócio viável. (ANTENORE, 2015).
7 Conforme palestra proferida no curso de Jornalismo Cultural (SP) em 22 de abril de 2015
71
Ou seja, apesar de o público interessado em cultura ser relativamente
pequeno, ele existe e não deve ser ignorado. Além disso, um dos motivos que pode
ter levado este público a não aumentar consideravelmente é, justamente, o fato de
os grandes conglomerados de comunicação não darem a devida importância aos
assuntos culturais.
É muito clara e precisa a diminuição do espaço para a reflexão sobre a cultura. De maneira geral, há uma presunção tola dos meios de comunicação do Brasil, a de que o brasileiro não se interessa pelos assuntos, de que não há tempo para a leitura e que, portanto, deve-se reduzir os textos. A briga de muitos como eu é justamente para fazer o contrário, fazer com que o Brasil possa ter uma New York Review of Books, onde seja possível escrever um artigo com dez laudas, vinte, uma verdadeira reflexão sobre cultura. Mas a resposta, por parte dos empresários do jornalismo, é uma só: ‘Não há público para isso’. Vejo aí uma falta de espírito empreendedor muito grande. (COELHO, 2011, p.28).
Na França, por exemplo, como cita Ángeles García (2012), jornais como o
Le Monde trazem diariamente notícias sobre cultura na capa. No Brasil, isso é muito
raro. É um círculo vicioso: o público é reduzido e os meios de comunicação não dão
espaço para a cultura por causa do público reduzido, que não aumenta porque os
meios de comunicação não contribuem para isso. No caso da revista Bravo!, o fato
de ela pertencer a uma grande editora como a Abril até pode ter ajudado a revista a
sobreviver por mais tempo, com o fechamento da sua primeira editora, a D’Avila.
Porém, no fim das contas, a Abril acabou sendo a algoz de Bravo!. O ex editor da
revista, Armando Antenore, afirma que o fato de Bravo! pertencer a uma editora
como a Abril acabou prejudicando a publicação. Era uma megaestrutura
desnecessária e até prejudicial para o tipo de publicação segmentada que era a
Bravo!.
Então, por exemplo, a Abril ocupava um prédio de 24 andares. (...) E ela pagava um aluguel por esse prédio. Esse aluguel era rateado pelas redações. Então, a Bravo! pagava um aluguel para ocupar o espaço que ela ocupava, só que esse aluguel era super caro. A Bravo! poderia funcionar em uma casinha, pagando um aluguel dez vezes mais barato. (ANTENORE, 2015).
Outra problemática enfrentada pela publicação era relacionada com os
anunciantes. Quando o proprietário da editora D’Avila, Luiz Felipe D’Avila, vendeu a
Bravo! para a Abril, ele acreditava que a rentabilidade da publicação aumentaria
72
substancialmente. “A Abril poderia dar a Bravo! o que ela nunca teve: escala. E
imaginava que dobraríamos a circulação com a venda de assinaturas e que
conseguiríamos muito mais anúncios com a máquina de venda publicitária da Abril”.
(D’AVILA, 2015).
A circulação até aumentou, de 15 para 30 mil, mas como tempo esse
número estagnou. Além disso, a editora não direcionava a publicidade para o tipo de
anunciante que poderia realmente se interessar por uma revista voltada à cultura.
Antenore explica que a Abril era dividida em núcleos e cada um tinha um
departamento de publicidade responsável por captar anunciantes para esses
núcleos. Porém, Bravo! não estava no núcleo compatível com o seu perfil. Ela
estava inserida no núcleo de celebridades, o mesmo da revista Contigo!.
Então, o cara ficava preocupado em captar anúncio para a Contigo, porque eles ganhavam por comissão. Ele tinha que vender anúncio para a Bravo! também, mas ele não estava preocupado se ia vender para a Bravo! ou para a Contigo!, ele estava preocupado em fazer a grana dele. E era muito mai fácil vender para a Contigo!, até porque o tipo de anunciantes que vai para a Contigo!, muitas vezes, não se interessa pela Bravo!. Então ninguém ficava trabalhando ali especificamente para a Bravo! (ANTENORE, 2015).
Ou seja, não havia um real interesse da editora pela continuidade da revista.
Tanto é que, como afirmou o próprio Antenore, quando a Abril decidiu encerrar
algumas de suas publicações devido à crise econômica e à crise do impresso, a
revista Bravo! foi a primeira da lista, e não foram debatidas outras formas de
viabilizá-la nem sequer no meio online
Eles não cogitaram absolutamente nada. Não cogitaram vender, não cogitaram transformar em online, isso deixou a gente bem chateado, porque foi realmente a primeira revista que eles cortaram logo que começou essa onda de demissões (...) as outras revistas não foram simplesmente fechadas, elas foram transferidas para a editora da Caras e com a Bravo! não teve nenhuma possibilidade de negociação (...). (ANTENORE, 2015)
A crise do impresso também foi determinante. A internet mudou
completamente a lógica de se comunicar, o que abalou o jornalismo drasticamente.
As grandes empresas, acostumadas com o velho modelo comunicacional, não
souberam se reinventar. O grande erro da imprensa foi que, ao invés de tentar se
diferenciar da internet, ela resolveu imitá-la, trazendo mais do mesmo.
73
Na verdade, desde o surgimento da televisão, começou-se a acreditar que
todo o tipo de informação poderia ser simplificado, resumido, transformado em
imagem, e que a assimilação dos fatos por parte do público continuaria a ser o
mesmo. Porém, como explica Ignacio Ramonet (2004), a eficácia da palavra escrita
não é a mesma da imagem televisionada.
Muitos cidadãos acham que, confortavelmente sentados no sofá de sua sala de estar, vendo na telinha uma sensacional cascata de eventos com imagens muitas vezes fortes, violentas e espetaculares podem informar-se seriamente. É um erro total. (RAMONET, 2004, p.136).
O autor explica que para informar-se é preciso um esforço e mobilização
intelectual. A televisão e a internet, com seu imediatismo, ditaram algumas regras
como a de que as informações devem ser fáceis, rápidas e divertidas. E os veículos
impressos, ao invés de se apresentarem como uma alternativa a esse tipo de
comunicação, acabaram seguindo essas regras.
Assim, o jornalismo cultural, que já não era o mais popular, tornou-se, nos
meios impressos, ainda mais relegado ao esquecimento por não se diferenciar. As
decisões equivocadas das editoras e a falta de interesse em aprimorar uma área
que, aparentemente, não traz retorno financeiro satisfatório foram outros motivos
que levaram Bravo! a ser encerrada em 2013.
Assim, comprova-se a hipótese três: o jornalismo cultural não é valorizado
pelas grandes empresas jornalísticas. No entanto, a hipótese quatro, sobre o
jornalismo cultural não ser um assunto vendável no Brasil é comprovada apenas
parcialmente. Isso porque o fato de ser ou não vendável é relativo. Tendo a
comunicação de massa como parâmetro, os números são realmente pequenos.
Porém, se formos pensar na nova ordem e na comunicação segmentada, os 30 mil
compradores de Bravo! estão longe de ser um público irrisório.
5.5 INFERÊNCIAS
O jornalismo cultural brasileiro precisa ser valorizado. Como se pôde
perceber, por meio da análise de diferentes elementos dos 10 exemplares de Bravo!,
desde 1997 até 2013, muitas foram as contribuições da publicação para debates e
reflexões sobre a cultura e a produção artística no Brasil. Dos 50 anos do MASP até
74
o aumento do público das orquestras, das bienais de arte contemporânea até os
lugares mais importantes da cultura mundial, a maior parte dos assuntos mais
relevantes da área da cultura foram, nas páginas de Bravo!, registrados,
aprofundados e debatidos. Além disso, desde o seu lançamento ela tinha um grande
diferencial: o de ser multidisciplinar, como explica o fundador da editora que deu
origem à Bravo!, Luiz Felipe D’Avila:
A Bravo! se propôs, desde o início a ser uma revista para as pessoas que
desejavam ter um guia para mergulhar no mundo fascinante da cultura.(...)
A segunda característica importante da revista era tratar de todos os temas
culturais em uma única revista: artes plásticas, cinema, literatura, música e
teatro. (D’AVILA, 2015).
Mesmo que tenha perdido número de páginas e corpo de texto com o passar
dos anos, especialmente após a transição de editoras, a revista não perdeu sua
qualidade. Apesar de vender cerca de 30 mil exemplares por mês, ela foi encerrada
em 2013. O fechamento se deu alguns meses após a morte de um dos proprietários
da editora Abril, o publisher Roberto Civita. Segundo Armando Antenore, ex-editor
da publicação, nos últimos anos Bravo! passou a ser quase que um projeto pessoal
de Civita, já que muitos queriam encerrar a publicação, considerando o retorno
financeiro pouco satisfatório, se comparado com outras revistas da editora Abril. Por
isso, é impossível dissociar o fechamento da publicação da morte do publisher.
Porém, este foi apenas o estopim de um processo de desinteresse por parte
da editora de reavivar a publicação, que já estava se estendendo há anos. A
publicidade, por exemplo, não era direcionada para empresas que pudessem
realmente se interessar em anunciar na revista. Estando no núcleo de Celebridades,
junto com a revista Contigo!, Bravo! jamais conseguiria arrecadar um número
considerável de anunciantes. Assim como os jornalistas que escrevem sobre cultura
devem ter conhecimento sobre o assunto, os profissionais que vendem anúncios
para uma publicação cultural devem ter uma mínima noção sobre os temas
abordados na revista em questão, para que possam oferecer anúncios para
empresas cujos clientes se identifiquem com a temática cultural.
Além disso, a ideia de comunicação de massa seguida pela Abril foi
prejudicial à Bravo!, considerando ser uma revista segmentada. Os parâmetros da
editora ligados à velha ordem impossibilitaram que a revista se modernizasse de
75
maneira efetiva com o passar dos anos. Os assuntos da capa precisavam ser
mainstream, o que não permitia que a revista fosse de fato inovadora, como foram
grande parte das publicações culturais anteriores. Inclusive, essa "caretice” da
editora pode ter levado a revista a não conquistar novos públicos, especialmente os
jovens, interessados nas novidades.
Outro fator a ser levado em conta é que, ao considerarmos a segmentação
de interesses dos leitores, muito comum na modernidade, o público interessado pelo
jornalismo cultural existe e é expressivo, ainda que não seja de massa. A ampliação
desse público no Brasil poderia se dar se as editoras jornalísticas dessem mais
espaço para a cultura. Além disso, as deficiências educacionais do Brasil precisam
ser superadas. Ainda que se tenha melhorado muito nesse aspecto, com a
diminuição do número de analfabetos, por exemplo, ainda há muito para ser
aprimorado, especialmente na área da qualidade educacional. Como se pôde
perceber nas falas de Daniel Piza e Teixeira Coelho, cultura e educação estão
intimamente relacionadas, sendo uma alicerce da outra.
Por fim, para que o jornalismo cultural, tanto dos cadernos culturais quanto
das revistas no estilo de Bravo! se aproxime mais de seus leitores, ele precisa se
reinventar. Isso não quer dizer seguir o modelo comunicacional trazido pela web, de
informações objetivas e resumidas, até porque isso não combina com a natureza
profunda do jornalismo cultural, mas sim apresentar um modelo próprio de
comunicação, que possa unir interação e profundidade, despertar interesse e ser
relevante. Assim como a arte, o jornalismo cultural deve estar conectado com o seu
tempo, usar a tradição para criar novos modelos e nunca se entregar ao comodismo.
76
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Viu-se até aqui um apanhado não só da modernidade do jornalismo cultural,
mas também de publicações históricas. Os capítulos iniciais trataram da indústria
cultural, do jornalismo cultural, seu surgimento e as publicações de renome, da
história e características das revistas no Brasil e, especificamente, das revistas
culturais. Pretendeu-se, com isso, dar um panorama que elucidasse minimamente o
porquê de as revistas culturais não terem sucesso duradouro no Brasil, a ponto de a
maior revista do gênero, a Bravo!, ter fechado em 2013, questão norteadora dessa
monografia.
Para tanto, nos servimos de hipóteses que ajudaram a fazer a leitura desse
fenômeno. Três delas, que diziam respeito à qualidade do conteúdo produzido pela
revista Bravo!, o fato de ela não ter se modernizado com o passar dos anos e as
editoras não valorizarem o jornalismo cultural no Brasil foram comprovadas. No
entanto, uma delas, que afirmava que o jornalismo cultural não é um assunto
vendável no Brasil, foi comprovada apenas parcialmente.
Isso porque, considerando os parâmetros da comunicação de massa
pertencentes à velha ordem, a revista Bravo! e as publicações de jornalismo cultural
no geral não têm número de vendas expressivo. Porém, se formos pensar na nova
ordem, que segmenta a comunicação, entende-se que o público está dividido em
núcleos de interesse e que é possível criar um negócio rentável tendo a
comunicação segmentada como base. Neste cenário, o jornalismo cultural pode ser
considerado um assunto vendável, ainda que não se aproxime, no Brasil, do
interesse alcançado por assuntos como o futebol.
Assim, os objetivos centrais desse trabalho foram alcançados. Eles
consistiam em comprovar a importância do jornalismo cultural para disseminação
das artes, além de verificar a qualidade do jornalismo produzido pela revista Bravo!,
sua importância no meio cultural, e apresentar os erros e acertos da revista durante
seus 16 anos de duração
Tolstoi afirmou que as artes têm a função de reunir os homens, transmitindo
para o meio físico a unidade de sentimentos que representam a humanidade. É por
meio da arte e da cultura que as pessoas se manifestam, expressam pensamentos,
filosofias, críticas, criatividade. Toda a história da humanidade e suas criações estão
na arte registrados. Por isso, o jornalismo cultural, como aquele que divulga as
77
criações e eventos artísticos e amplia o debate sobre eles, é tão importante quanto o
jornalismo político, econômico ou social. É por meio dele que o alcance das artes e
da cultura pode se ampliar, assim formando uma sociedade mais consciente.
Alguns assuntos são super valorizados na mídia brasileira, enquanto outros
permanecem à margem do circuito midiático. Os esportes, por exemplo,
especialmente o futebol, ganham grande destaque, tanto na mídia impressa quanto
digital. Pode-se dizer que o apreço por esse assunto seja da tradição brasileira, e de
fato é.
Porém, isso provoca a desvalorização de outros assuntos de extrema
importância para o desenvolvimento de uma sociedade sadia. O público brasileiro
não é um apreciador nato de arte, mas também não é incentivado para que se torne.
E é a reflexão sobre essa problemática que esse trabalho buscou trazer à tona.
Autores como Daniel Piza, Teixeira Coelho e Szantó ajudaram a comprovar
o valor do jornalismo cultural e a importância a ele dada em outros países, enquanto
no Brasil ele é cada vez mais desvalorizado.
Com a ajuda desses autores, das entrevistas com Armando Antenore e Luiz
Felipe D’Avila e com a análise das revistas Bravo! também foi possível responder à
questão norteadora deste trabalho. O jornalismo cultural não tem sucesso duradouro
no Brasil devido ao contexto histórico, social e educacional do país, onde não há
uma predisposição do público para ter interesse por assuntos como as artes. Essa
situação se agrava ainda mais pois as grandes editoras jornalísticas não
demonstram um real interesse por tornar tais publicações mais abrangentes.
Preferem investir naquilo em que o lucro é garantido e dar cada vez mais espaço
para aquilo que já tem notoriedade suficiente.
No caso específico de Bravo! o seu fechamento foi provocado por uma soma
de fatores. Apesar dos esforços de Luiz Felipe D’Avila e Roberto Civita, a publicação
acabou sendo vítima da megaestrutura que estava inserida. A editora Abril foi falha
em questões administrativas e editoriais com relação à revista. Com a crise do
impresso, não conseguiu ser criativa, ou simplesmente não teve interesse de buscar
novas formas de viabilizar Bravo!, uma publicação tão admirada no meio cultural.
Apesar das perspectivas parecerem negativas, esse trabalho também
ajudou a relembrar que, apesar das dificuldades, diversas publicações de qualidade,
na área do jornalismo cultural, já foram produzidas em território brasileiro. O legado
78
deixado por todas elas, e especialmente pela Bravo! não pode ser esquecido. O país
pode e deve se desenvolver na área do jornalismo cultural.
O primeiro passo para tornar isso viável é superar preconceitos no que diz
respeito ao jornalismo cultural, tanto no quesito importância quanto no seu alcance.
E a mudança, nesse caso, teria que vir de cima, das editoras. Ou então, de mentes
empreendedoras e criativas dispostas a investir nesse segmento, como fez a editora
D’Avila quando lançou a Bravo!.
Este estudo acadêmico, portanto, contribui para os debates sobre a
valorização do jornalismo cultural, apresentando algumas respostas e certamente
estimulando novas perguntas. O trabalho de pesquisa é de valia tanto para o
jornalismo quanto para os interessados em comprovar a importância da inserção da
cultura e das artes no cotidiano, que são essenciais para a construção de uma
sociedade brasileira em que a democracia esteja presente não só na política, mas
também no acesso à educação e à cultura.
79
REFERÊNCIAS
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80
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81
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<http://www.fmauriciograbois.org.br/cultura/index.php?option=com_content&view=article&id=10:gestao>. Acesso em: 27 out. 2015
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83
ANEXOS
84
ANEXO A
85
ANEXO B
86
ANEXO C
87
ANEXO D
88
ANEXO E
89
ANEXO F
90
ANEXO G
91
ANEXO H
92
ANEXO I
93
ANEXO J
94
ENTREVISTAS
Entrevista com Luiz Felipe D’Avila (via e-mail)
ALANA BOF: Como foram os primeiros anos da revista? Quais as principais
dificuldades enfrentadas?
LUIZ FELIPE D’AVILA: A revista BRAVO teve ótima acolhida pelo mercado desde o
primeiro número. Não demorou para a revista criar um número de leitores fieis. A
venda da revista foi sempre muito constante e estável. Vendíamos uma média de 12
a 15 mil exemplares/mês. A Bravo! tornou-se rapidamente a referência do mercado
de cultura. Em mercados hiper-segmentados, ser o líder é vital para a sobrevivência
da revista. As dificuldades enfrentadas eram inerentes aos títulos de pequena
circulação: venda de publicidade para um mercado viciado em "custo por mil
exemplares"; conseguir aumentar a carteira de assinantes; ter dinheiro para investir
em outras mídias, como internet e eventos.
Ao contrário de publicações, nunca tivemos dificuldade em recrutar gente talentosa
para trabalhar na redação. A Bravo! se tornou um sucesso, graças à sua capacidade
de reunir muita gente talentosa na redação.
ALANA BOF: Qual era o objetivo central da publicação quando ela foi lançada?
LUIZ FELIPE D’AVILA: A Bravo! se propôs desde o início de ser uma revista para
as pessoas que desejavam ter um guia para mergulhar no mundo fascinante da
cultura. Nosso objetivo foi tratar de maneira douta a cultura popular e de maneira
popular a cultura erudita. Era uma forma de despertar o interesse e a curiosidade do
nosso público para os assuntos da revista. A segunda característica importante da
revista era tratar de todos os temas culturais numa única revista: artes plásticas,
cinema, literatura, música e teatro.
ALANA BOF: Era difícil conseguir anunciantes para a revista? Ela chegou a dar
lucro?
LUIZ FELIPE D’AVILA: No início, conseguimos fechar grandes pacotes publicitários
antes do lançamento da revista, graças a utilização da Lei Rouanet. Isso nos
permitiu ter acesso a uma publicidade que não disputávamos com a verba
publicitária da "guerra cotidiana" nas agências de publicidade. A Bravo! sempre deu
uma pequena margem de lucro.
Mas, a batalha mensal pelos anúncios avulsos sempre foi difícil, o que nos levava a
criar cadernos especiais, encartes e outros projetos, como meio de conseguir nos
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diferenciar na batalha do "custo por mil" nas agências. Ademais, tínhamos muitos fãs
da revista nas empresas e nas agências de publicidade. Isso ajudou.
ALANA BOF: O que levou a revista a ser vendida para a Abril?
LUIZ FELIPE D’AVILA: Fui convidado pelo Roberto Civita para trabalhar na editora
Abril. Eu não conseguiria trabalhar na Abril e tocar a Bravo!. Também não estava
disposto a fechar a maior revista de cultura do Brasil para trabalhar na Abril. Quando
a Abril fez uma oferta pela revista, aceitei vendê-la e trabalhar na Abril.
A Abril poderia dar a Bravo! o que ela nunca teve: escala. E imaginava que
dobraríamos a circulação com a venda de assinaturas e que conseguiríamos muito
mais anúncios com a máquina de venda publicitária da Abril.
ALANA BOF: Após a venda, você continuou acompanhando a publicação?
Percebeu muitas mudanças no conteúdo e na linha editorial?
LUIZ FELIPE D’AVILA: Durante o período da Abril, criou-se o Prêmio BRAVO de
Cultura, que se tornou um dos prêmios culturais mais importantes do país. Eu não
dirigi a BRAVO durante a minha passagem pela ABRIL. Durante um curto período,
ela ficou no meu grupo de revistas, mas eu não tratava mais da parte editorial.
A linha editorial da revista mudou. Faz parte do jogo quando você vende um título. A
orientação editorial mudou.
96
Entrevista com Armando Antenore (via telefone)
ALANA BOF: A primeira pergunta que eu queria fazer é se, antes da Bravo! ser
comprada pela editora Abril, se tu já acompanhava a publicação?
ARMANDO ANTENORE: Eu não era propriamente leitor da revista, mas eu tinha
trabalhado um tempo, justamente no momento em que a Bravo!, saiu da editora
D’Avila, que é a editora onde ela nasceu, eu trabalhava nesse momento em uma
revista também editada pela D’Avila chamada Revista da Jovem Pan, que a Jovem
Pan é uma rádio aqui de São Paulo, e a FM tinha uma revista, acho que ainda tem,
não tenho certeza se ainda tem. E naquele momento essa revista estava sendo
editada pela D’Avila editora, que fazia, além da Bravo!, revistas customizadas. E eu
tinha acabado de sair da Folha de São Paulo, onde eu tinha trabalho por onze anos,
e eu comecei a entrar no mercado das revistas aí. E a Jovem Pan dividia a redação
com o a redação da Bravo!. Foi mais ou menos de junho a dezembro de 2003. E no
fim de 2003, a D’Avila fechou e a Bravo! foi comprada pela Abril. Nesse momento,
em 2003, todo mundo que trabalhava na D’Avila foi demitido, com exceção da
redação da Bravo!, que foi para a editora Abril. Como eu não era da Bravo!, eu fiquei
sem emprego. Mas por coincidência, meses depois, eu fui trabalhar em uma outra
revista da Abril, chamada VIP, e só mais tarde é que eu fui cair na redação da
Bravo!. Eu não era leitor da revista, mas tinha contato com a revista, com os
jornalistas da revista, eu conhecia as pessoas.
ALANA BOF: Tu acha que teve muitas mudanças no perfil da revista depois que ela
mudou de editora ou ela permaneceu mais ou menos parecida com o que ela era?
ARMANDO ANTENORE: Teve mudanças grandes. Perdeu muito do caráter
ensaístico, ela passou a ser mais uma revista de reportagens do que de ensaios. Ela
perdeu muito da linguagem mais, não vou falar obscura, mas um pouco mais
rebuscada, um pouco mais acadêmica, embora a Bravo! nunca tenha sido uma
revista acadêmica, mas ela tinha uma linguagem mais intelectualizada. Eu não estou
encontrando o adjetivo melhor, mas acho que você está entendendo. E passou a ter
uma linguagem mais pop, um pouco mais acessível a um público mais amplo. A
linguagem da revista antes era uma linguagem voltada para pessoas que estavam
familiarizadas com o que a gente chama de alta cultura. E na Abril, por
características da própria editora, que busca sempre atingir um público mais amplo,
a primeira coisa que eles pediram foi que a gente simplificasse a linguagem da
97
revista e que a gente fosse aos poucos retirando o caráter ensaístico da revista, que
ela passasse a ser uma revista de reportagens. Também o tamanho das matérias
diminui, o corpo da revista aumentou, o corpo da tipografia, ela perdeu massa de
texto e com o tempo foi perdendo páginas também. Começou com o mesmo número
de páginas que ela tinha na editora D’Avila, eu não lembro exatamente quantas, e
depois esse número caiu talvez um quarto, uns 25%. Mas teve sim mudanças, e
houve muita chiadera de leitores e perda de leitores. A gente perdeu, não sei te
precisar quantos leitores em porcentagem, mas a gente perdeu um número
significativo de leitores, e depois ganhou outros que vinham atraídos por essas
novas características da revista.
ALANA BOF: Mas e o saldo final foi positivo ou negativo? Quando ela ganhou
novos leitores ela ganhou mais do que ela perdeu?
ARMANDO ANTENORE: Acho que acabou ficando mais ou menos no mesmo lugar.
A revista nunca teve um grande crescimento dentro da Abril. Se manteve mais ou
menos no mesmo lugar que ela estava quando pertencia a D’Avila mas mudou um
pouco o perfil do público.
ALANA BOF: E ela tinha uma redação fixa de jornalistas ou eram mais
colaboradores?
ARMANDO ANTENORE: Então, isso também variou com a passagem do tempo. De
início ela tinha uma redação até grande para um tipo de revista como essa.
ALANA BOF: Quantos jornalistas mais ou menos?
ARMANDO ANTENORE: Ah, não sei exatamente, você teria que pegar os primeiros
números pra olhar porque no expediente tem. Tinha um editor pra cada área, e
ainda tinha um sub de cada área, um diretor de redação, um redator chefe, todos
muito bem pagos. Era uma utopia na verdade, porque o cara que fundou a revista
tinha pretensões de criar um jornalismo de alta cultura no Brasil.
Ele começou com duas revistas, uma chamada República, mais voltada para
política, e outra era a Bravo!. Todas revistas muito bem acabadas do ponto de vista
gráfico, com esse olhar mais de elite mesmo, mais liberal, com caráter liberal, mais
do que com um olhar de esquerda, era um olhar liberal. Tanto que o Reinaldo
Azevedo trabalhava na revista, esse colunista hoje, tido como um dos principais
colunistas de direita do país que tá ligado à Veja, ele trabalhava na revista.
Tinha uma redação super bem paga e grande, mas isso foi se mostrando
comercialmente inviável e quando a D’Avila vende a revista ela já tinha uma redação
98
bem diminuída. E aí na Abril ela foi perdendo gente, de tal modo que no fim a revista
tinha eu como redator chefe, ela não tinha mais um diretor de redação, tinha uma
editora que trabalhava dentro da revista, que era a Lucia, tinha uma repórter, que
era a Nina, e o resto, tinha duas pessoas na arte, a revista era isso. Todas as
editorias perderam seus editores, então a gente terceirizava editores, trabalhava
com pessoas como freela que ganhavam um fixo pequeno por mês para serem
editores da área, eles editavam a distância. Mas quem fechava a revista éramos nós
três: eu, Nina e Lucia.
ALANA BOF: No texto que tu publicou quando a Bravo! fechou tu afirmou que ela
sempre operou no vermelho, e mesmo assim ela durou, permaneceu ativa por mais
de 15 anos. O que tu achas que fez com que ela durasse tanto tempo apesar de não
dar um lucro significativo?
ARMANDO ANTENORE: Pura e simplesmente a vontade dos publishers.
Primeiramente o Luiz Felipe D’Avila, quando ainda era da D’Avila, e depois o
Roberto Civita. Ele queria que a revista existisse. Ele me falou algumas vezes e
falou também pra alguns diretores da revista. Ele disse que não tinha interesse em
ganhar dinheiro com a revista. Se viesse dinheiro, melhor. Mas a meta dele era não
perder muito dinheiro ou no máximo empatar dinheiro, mas ele não tava preocupado
em fazer dinheiro, ele sabia que o mercado da cultura era um mercado difícil. Ele
acreditava que ela poderia ir um pouco mais longe do que foi, mas nunca acreditou
que ia fazer rios de dinheiro com a revista.
ALANA BOF: Então o fechamento, tu acha que existe um relação com a morte
dele?
ARMANDO ANTENORE: Sim, porque já havia dentro da empresa pessoas que
achavam que não fazia o menor sentido manter a Bravo!. Primeiramente porque
fugia muito do tipo de revista que a editora faz. Depois era uma revista cara, porque
ela tinha um formato diferente, um papel diferente. Isso tudo a tornava graficamente
muito cara. E ela não dava retorno dentro da editora. Então já tinha várias propostas,
ou de fechar a revista, ou de modificar a revista drasticamente, mudando o formato
dela, mudando o papel. Mas o Roberto resistia, ele não aceitava. Quando ele
morreu... Quer dizer, ninguém nunca me falou que foi por causa disso, da morte
dele, mas a primeira revista que foi fechada foi a Bravo!. Então a gente acredita que,
sim, que teve uma relação. Embora por uma dessas, sei lá, coincidências do
destino, o Roberto morre quando justamente a empresa começa a enfrentar o seu
99
pior momento da história da Abril, que é quando o mercado todo de impressos
começa a entrar em derrocada. Ele não chegou a ver... Ele já sabia que isso estava
acontecendo, mas ele não chegou a ver essa queda absurda, drástica de
publicidade, e aí o fechamento de tantas outras revistas, as demissões em massa e
tal. Ele morreu antes disso. A gente não sabe se ele estando lá poderia ter sido um
pouco diferente, porque ele tinha um certo prestígio e talvez ele conseguisse segurar
algumas coisas, conseguisse mais dinheiro, enfim, não sei. Então há uma
coincidência ente a morte dele e a crise no impresso motivada pela revolução digital.
Por isso fica difícil dizer: ah, foi a morte dele. Eu acho que a morte dele ajudou a
eles tomarem a decisão ou consolidarem uma decisão que na cabeça de muita
gente da empresa já estava tomada e que só não era levada adiante porque o
Roberto não queria.
ALANA BOF: Em algum momento foi cogitada a ideia de manter ela só on-line ao
invés de fechar por completo?
ARMANDO ANTENORE: Não. Se foi, eu não fiquei sabendo. Eles não cogitaram
absolutamente nada. Não cogitaram vender, não cogitaram transformar em on-line.
Isso foi uma coisa que deixou a gente bem chateado, porque foi realmente a
primeira revista que eles cortaram logo que começou essa onda de demissões, essa
última grande onda de demissões que ainda segue e de fechamento de revistas. As
outras revistas não foram simplesmente fechadas, elas foram transferidas para a
editora da Caras e tal... Não teve nenhuma possibilidade de negociação,
simplesmente fecharam a revista. A gente achava que poderia ter outras saídas,
mas eles nem discutiram isso com a gente. Nada foi discutido sobre o fechamento
da revista com a redação. Isso a gente sabia por boatos, sabia por informações de
inside information de pessoas que estavam dentro das discussões que às vezes
passavam alguma coisa para a gente, mas nunca foi perguntado nada,
simplesmente fecharam. Chegou um dia... Só que eu já estava preparado, a gente já
estava preparado. Eu já vinha avisando a redação e tudo, mas não que tivesse
alguém lá que chegou e falou: “Olha, o que você imagina? Será que teria outras
saídas e tal?” Não.
ALANA BOF: E tu achas que ela poderia ter se mantido no on-line, ou não era muito
o perfil da revista? Tinha uma quantidade boa de leitores on-line?
ARMANDO ANTENORE: Eu acho que a Bravo! poderia inclusive ter continuado
existindo, mas nunca dentro de uma estrutura como a Abril. Era impossível dentro
100
daquela estrutura uma revista como a Bravo! existir, porque a Bravo! é uma revista
de um nicho muito restrito, e a Abril não trabalha com esse tipo de... Ela é uma
empresa de revistas de circulação maior. E aí ela nunca direcionou, por exemplo, a
publicidade para captar anúncios especificamente para a Bravo!. Eu digo,
captadores que tivessem uma expertise na área de cultura que pudessem captar
dinheiro junto a anunciantes que de fato poderiam se interessar pela revista.
Entende? Ela tinha um público pequeno para o padrão Abril, mas não era tão
pequeno assim. Ela tinha, sei lá, não lembro agora. Na carta eu coloco, mais ou
menos, o que ela tinha. Sei lá, uns 35 mil compradores, entre assinantes e banca. E
mais, sei lá, 55 mil seguidores no Facebook. É pequeno? É pequeno para a ideia de
comunicação de massa, para essa ideia antiga da velha ordem, mas uma
comunidade de 55 mil pessoas e uma publicação que venda 30 mil exemplares por
mês não é uma coisa desprezível. Então o que doeu para a gente foi a empresa
não... Era como se houvesse um choque entre a velha ordem e a nova ordem. A
velha ordem pensa em números grandes, pensa em comunicação de massa
mesmo. E a nova ordem começa a entender que existem as comunidades e que
você pode trabalhar para um pequeno nicho e dentro desse nicho tentar fazer um
negócio. Claro que esse negócio não vai dar o mesmo tipo de lucro, não vai
remunerar da mesma maneira as pessoas que trabalham nele, enfim, mas é um
negócio viável. Então a gente tinha um público. E mais do que isso tinha um certo...
Era uma marca. Tanto é que você não é a primeira que faz um trabalho sobre a
Bravo!. Várias pessoas até hoje estudam a Bravo!, ou me escrevem lamentando o
fim da Bravo!, ou ainda acham que a Bravo! existe. Essa carta que eu escrevi na
época foi o maior compartilhamento que eu tive de texto em toda a minha carreira na
Internet. Então tinha uma galera. Só que a revista era cara, então o número de
pessoas que compravam não saía muito desse patamar de 30 mil. Mas poderia
haver outras formas de explorar isso na Internet. Não só na Internet, fazendo em
papel e na Internet, mas não podia ser dentro da Abril. Eu ainda Acho...
ALANA BOF: Então o fato de ela pertencer a uma editora grande como a Abril, tu
achas que acabou prejudicando ela?
ARMANDO ANTENORE: Eu tenho certeza.
ALANA BOF: Se fosse uma editora menor talvez ela tivesse...
ARMANDO ANTENORE: Uma editora que... Não sei se uma editora menor dessas
que já existem. O que eu acho, e isso a gente sentia lá dentro, é que ela brigava
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com uma estrutura que era muito grande para uma revista com aquela vocação.
Então, por exemplo, a Abril ocupava um prédio de 24 andares. Hoje ela ocupa o
mesmo prédio, só que 12 andares, a metade do prédio ela entregou. Naquela época
ela ocupava o prédio inteiro. É um baita prédio que tem aqui em São Paulo. E ela
pagava um aluguel por esse prédio. Esse aluguel era rateado pelas redações. Então
a Bravo! pagava um aluguel para ocupar o espaço que ela ocupava, só que esse
aluguel era super caro por exemplo. A Bravo! poderia funcionar numa casinha,
pagando um aluguel dez vezes mais barato. O sistema de captação de publicidade
naquela época era um sistema quase que centralizado. Eles ficavam captando… A
Bravo! estava ligada... Não coloca que era centralizada, porque na verdade tinha
uma publicidade, tinha um departamento de publicidade que ficava captando
anúncios nas grandes agências e nos grandes anunciantes. E esses anúncios iam
para as revistas de maior circulação. E aí tinha uma publicidade que era ligada aos
núcleos da editora, porque a editora era dividida em núcleos. Em cada núcleo ficava
um grupo de revistas. Então o núcleo das revistas femininas, o núcleo das revistas
masculinas, o núcleo da Veja, o núcleo da Exame e tal. Então, cada um desses
núcleos tinha uma publicidade, um departamento de publicidade que ficava
captando publicidade para esse núcleo específico. Mas, além disso, eles existia um
núcleo que eles chamavam de... Existia um outro departamento de publicidade que
chamavam de centralizadas, que captava anúncios para a empresa inteira. Só que
esses anúncios eram captados junto aos grandes anunciantes, e os grandes
anunciantes só punham anúncio nas revistas de maior circulação. Então esses
anúncios não chegavam na Bravo!. O núcleo é que tinha que captar anúncios para a
Bravo!. Só que o núcleo em que estava a Bravo! era o mesmo núcleo da revista
Contigo!, que era um núcleo que eles chamavam de núcleo de celebridades. Então
eles achavam que a Bravo! casava bem com esse lugar, porque falava de artistas e
tal. Agora imagina, o cara que ia captar anúncio para esse núcleo, ele vendia
anúncio para a Contigo!. Por quê? Porque a Contigo! é que tinha mais circulação,
era uma revista semanal, com muito mais páginas e tal. Então o cara ficava
preocupado em captar anúncio para a Contigo!, porque eles ganhavam por
comissão. Ele tinha que vender anúncio para a Bravo! também, mas ele não estava
preocupado se ele ia vender para a Bravo! ou para a Contigo!, ele estava
preocupado em fazer a grana dele. E era muito mais fácil vender para a Contigo!,
até porque o tipo de anunciantes que vai para a Contigo! muitas vezes não se
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interessa pela Bravo!. Então ninguém ficava trabalhando ali especificamente para a
Bravo!. E imagina também o perfil do cara que vai captar anúncios para a Contigo!
não é exatamente o perfil do cara que deveria captar anúncios para a Bravo!. Muitos
dos caras que captavam anúncios para a Contigo! nunca tinham aberto a Bravo!.
Eles não sabiam direito, não trafegavam por aquele mundo. Eles estavam ligados ao
mundo da Contigo!, do axé, da música sertaneja, das novelas e tal. Então eles eram
bastante competentes até para captar anúncio para esse tipo de público. Agora,
quando bota uma revista como a Bravo! dentro desse mesmo núcleo, começava a
ficar difícil porque o cara da publicidade está pensando em dinheiro, ele está
pensando em cumprir metas. Aí a publicidade toda se voltava para a Contigo!, não
se voltava para a Bravo!. Então essa era uma das questões. Nunca teve ali ninguém
trabalhando publicitariamente a revista Bravo!, ou quando teve era de maneira muito
marginal, muito lateral. Entendeu?
ALANA BOF: Sim. Tu citaste assim vários errinhos, digamos, os grandes erros, não
sei, de gestão. Mas se tu tivesses que elencar um erro principal, tu achas que tu
conseguirias dizer assim: eu acho que esse era o principal problema que levou ao
fechamento da revista.
ARMANDO ANTENORE: Então, é um erro de gestão, eu não sei te dizer. Do ponto
de vista da empresa, a Bravo! era uma titica, era uma revistinha. Então eles... Na
verdade era um capricho do dono da editora que queria ter uma revista como aquela
lá dentro. Então do ponto de vista de gestão, não sei se foi exatamente um erro da
editora, porque o tempo todo em que a Bravo! existiu até o ano em que ela foi
fechada, tirando esse ano, a Editora Abril batia recordes de faturamento, de
lucratividade. Foram inclusive anos muito bons. Eu trabalhei lá durante onze anos.
Tirando os dois últimos anos, os noves anos que eu estive lá foram anos de muita
fertilidade. A Abril só faturava, só ganhava dinheiro e batia recordes mesmo de
lucratividade. Teve um ano lá que eles bateram um faturamento anual de um bilhão.
Então a Bravo! dentro desse contexto era uma revista deficitária, mas que do ponto
de vista do negócio não atrapalhava. Agora, se a gente pensar isoladamente na
revista, sim, teve vários problemas de gestão que eram problemas motivados pelo
fato de ela estar dentro de uma estrutura maior. Agora, do ponto de vista editorial
tinha vários problemas. Eu, propriamente, não gostava exatamente do jeito que a
revista era feita. Eu fazia daquele jeito porque tinha as ingerências da própria Editora
Abril, ela queria que fosse feito de um determinado jeito, mas eu achava, às vezes, a
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Bravo! uma revista muito careta, muitos às vezes empolada, olhava só para um
determinado tipo de cultura. Ela tinha um olhar elitista sobre a cultura muitas vezes.
Claro que isso ia tendo nuances ao longo dos anos, dependendo de quem estava no
comando, mas de modo geral a Bravo! sempre me soou como uma revista careta.
ALANA BOF: O que tu achas que ela precisava ter e que não tinha?
ARMANDO ANTENORE: Ela precisava... Por exemplo, eu achava que a divisão por
editorias, como era quando ela nasceu, então tinha música, cinema, teatro, eu acho
que isso não faz o menor sentido mais hoje em dia. Isso tudo se misturou muito. Sei
lá. Mesmo na arte contemporânea há tantas coisas que poderiam ser cinema ou que
poderiam ser intervenções sonoras, enfim, ou a performance que se confunde com o
teatro. Eu achava que dividir desse jeito assim tão cartesiano engessava muito a
revista. Havia meses que não tinha nada tão interessante assim para falar em teatro,
então por que eu precisava ter a editoria de teatro? Deveria ser uma revista mais
solta, mais fluida nesse sentido, não ter essas divisões tão rígidas editoriais. Aí
eventualmente ter uma agenda mais no fim da revista que aí sim pudesse ser
dividida nessas áreas. As pessoas estão mais acostumadas a ver essas divisões
desse jeito. Mas essa era é uma das questões. A gente se perguntava: por que não
pode ser diferente? Por que a gente não pode criar uma revista que fosse uma
revista de arte, mas sem ter essa obrigação de todo mês ter cinema ou todo mês
ter... A gente achava também que podia ousar mais no projeto gráfico, que era um
tanto quadrado.
ALANA BOF: E o que impedia vocês de fazer essas mudanças?
ARMANDO ANTENORE: A Abril.
ALANA BOF: A editora mesmo.
ARMANDO ANTENORE: Eles não queriam, eles achavam que... Tinha muita
resistência interna. Eles tinham um jeito de fazer a revista que eles achavam que era
o jeito certo. E foi um jeito que deu certo por muitos anos, mas agora não dá mais.
Além do que quando a Bravo nasce, ela nasce antes da Internet. Quer dizer, tudo
bem, existia a Internet, mas a Internet não tinha o peso que tem hoje. Então você
fica pensando: será que realmente era necessário ter aquela agenda, uma revista de
serviço, sendo que hoje em dia tem tanta oferta na Internet para esse tipo de
serviço? Eram muitas questões que eram motivadas, questões que no fundo não
eram só da Bravo!, que passam a ser do próprio meio revista. E a gente tinha isso lá
dentro também. Mas podia fazer muito pouco para mudar, para arriscar. E a gente
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também achava que era uma revista tão pequena, que ela poderia ser um lugar de
mais experimentação. Porque é muito mais difícil você mexer com uma revista
grande, tipo a Veja, porque ela tem uma massa de leitores, se tiver uma rejeição...
Mas no caso da Bravo! era tão pequeno que a gente achava que poderia ter feito
mais tentativas. Também tinha uma obrigação de... Os assuntos que iam para a
capa eram sempre meainstream, você não podia botar... Sei lá, quando a gente
percebeu que o Criolo era um cara que estava despontando, a gente nunca poderia
dar a capa para o Criolo. A gente deu matéria, mas não poderia ser capa, porque a
Abril não deixava, falava: “Não, ninguém conhece, tem que ser meainstream, tem
que ser coisas que as pessoas conhecem muito”. Então acabava virando uma
espécie de contradição com o próprio espírito do jornalismo, que é também apontar
o novo. Mas eles achavam que... E de fato, como o público estava acostumado com
um determinado tipo de artista que aparecia na revista, quando a gente mudava um
pouquinho caíam as vendas. Mas a gente acreditava que isso era uma questão de ir
reeducando o público. Eu me lembro, por exemplo, que a gente acabou... Talvez o
maior furo da Bravo!, que não era uma revista de dar furos e tal, mas no tempo em
que estive lá foi quando o Laerte se declarou cross-dressing. O cartunista Laerte se
declarou cross-dressing, então ele fez isso na revista Bravo!, ele falou isso na revista
Bravo!. Ele contou essa história toda pela primeira vez na revista Bravo!. Isso mudou
a carreira dele, mudou a forma de se encarar esse tipo de coisa no Brasil, abriu uma
série de discussões, enfim. A gente tinha essa história e não pôs na capa. Quer
dizer, a gente fez uma pequena chamada de capa. Obviamente era a capa daquela
edição.
ALANA BOF: Por exemplo, quando vocês fizeram aquela edição que a capa era a
Regina Duarte, como foi o retorno dos leitores?
ARMANDO ANTENORE: Foi péssimo.
ALANA BOF: Foi ruim?
ARMANDO ANTENORE: Não, não é que foi péssimo, foi polêmico. Muita gente
reclamou, chiou para burro. Aquela ali foi uma tentativa de a gente fazer uma
provocação, mas eu achava que tinha que fazer isso. Tudo bem, não vendeu muito
bem aquela edição, mas causou um buzz. Falaram, o leitor se manifestou. Nunca a
revista recebeu tanta manifestação, enfim, teve uma discussão. E a Bravo! tinha
essa característica, assim como muito do jornalismo cultural que se faz hoje em dia.
É tudo meio morno. O leitor da Bravo! era um leitor que não falava com a revista e
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tal. Quando fechou, aí todo mundo começou a falar. Aí eu ficava pensando: pô, por
que não falavam antes? Por que ninguém se manifestava? Por que... Nem escrevia
para a revista. Também tinha a ver com o jeito que a gente conduzia aquilo. Sabe o
canal... Eu brinco que tem uma coisa assim, tem essa ideia de uma cultura meio...
Não digo provocativa, porque essa provocação também que às vezes se fazia na
Ilustrada de antigamente era quase pueril, era uma coisa muito... Um pouco mais
vibrante, uma revista um pouco mais polêmica num sentido mais consequente da
palavra polêmica e mais profundo da palavra polêmica. Não meramente o
polemismo para atrair clique, ou sensacionalista, eu estou falando de uma coisa
mais... Ser mais provocativa nas ideias mesmo. Isso é uma coisa que se perdeu
muito no jornalismo cultural, se é que algum dia teve isso muito profundamente no
Brasil. Antigamente havia ainda uma provocação, nem que fosse uma provocação
de superfície, uma coisa mais... Mas a Bravo! era uma revista anódina num certo
sentido, ela era muito boazinha, muito... Aí o leitor era assim também. E aí quando
você fazia uma travessurinha, ficava puto, ficava louco da vida e tal. Mas era um
pouco isso que a gente achava que tinha que mexer, que tinha que provocar mais,
mas de um jeito bacana, elegante, sem ir para a baixaria. Não era isso. Sem ir
também para a discussão vazia, não era isso. A gente achava que... Mas era difícil,
porque a Abril segurava muito, porque o leitor também estava muito acostumado e
tal. Mas eu achava que o leitor ia se acostumando, se a gente fosse mudando. Tem
aquela música do Gil que ele fala: o povo sabe o que quer, mas também quer o que
não sabe.
ALANA BOF: Tu achas que faltava talvez também um pouco espaço de crítica,
digamos, mais crítica? Porque tinha o espaço de crítica na revista, mas quase
sempre era uma crítica positiva.
ARMANDO ANTENORE: Eram resenhas também. Era mais resenha do que crítica.
Sim, acho que a revista era muito... Para usar uma expressão de hoje, muito
coxinha, muito boazinha, muito educadinha, boa menina. A gente sabia disso. Tinha
uma redação que nem sempre tinha esse perfil. Às vezes o perfil da redação era
assim também. Não foi sempre assim, mas, mesmo não sendo assim, sobretudo na
Abril, ela tinha que fazer esse papel. Então eu acho... Não sei, se ela tivesse outro
perfil, se poderia ter mais público? Talvez não, não sei. Eu estou dizendo o que eu
pensava do ponto de vista jornalístico e do ponto de vista assim das coisas que eu
acredito em relação ao jornalismo cultural, embora eu próprio seja um jornalista
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muito comedido num certo sentido. Eu não sou polemista, eu não tenho esse texto
provocativo e tal. Eu sou muito mais... Eu sou um cara muito pouco assertivo no que
eu faço no jornalismo. Eu sou muito mais a dúvida do que a afirmação convicta. Eu
sou mais de dúvida do que assertivo. Mas mesmo que isso fosse um pouco na
contramão do meu temperamento, eu achava que a Bravo! deveria ter um pouco
mais disso.
ALANA BOF: Apesar de a revista ter fechado e tal, tu achas que o Brasil comporta
bem o jornalismo cultural como gênero jornalístico? Existe um público considerável
de leitores para o jornalismo cultural? Às vezes eu tenho impressão de que não, que
as pessoas não se interessam muito por esse tipo de leitura do perfil da Bravo!, mas
ao mesmo tempo, agora que eu comecei a fazer pesquisas para o meu trabalho,
muitos autores dizem, por exemplo, que o segundo caderno dos jornais, esses
cadernos mais culturais, tem um público cativo, são bem vistos e bem quistos pela
sociedade. Daí eu fico com essa dúvida: existe um público para o jornalismo
cultural?
ARMANDO ANTENORE: Então, eu acho que hoje em dia está tudo suspeito. Eu já
não sei mais nada, se tem público... Já não sei se tem público para o jornalismo
político, econômico. Eu acho que a gente está vivendo uma grande crise de
identidade. Eu não tenho mesmo certeza se vai ter público para pagar o jornalismo.
Eu, às vezes, acho que não. Acho que vai ter cada vez menos, que é uma profissão
que está correndo sérios riscos mesmo do ponto de vista de profissão, ou seja, de
você ser remunerado para fazer um trabalho. Do ponto de vista da existência do
jornalismo, eu acho que ele pode até continuar existindo. Talvez hoje haja até mais
jornalismo em certo sentido do que antes, porque tem um monte de publicações
independentes, apesar de muitas delas serem mero opinionismo e tal, inclusive
publicações que fazem reportagem e tal. O problema é como sustenta isso, como
você vai viver disso. Por que não vive? A publicidade diminuiu porque não tem
público para comprar. É muito difícil. Essa ideia de que a Internet de graça... Eu
acho que é quase impossível trocar, mudar. Eu não tenho visto nenhum projeto
realmente sustentável. Tem os crowdfunding, a agência pública que faz reportagens
por crowdfunding, mas é isso. O cara ganha R$ 5.000,00 para fazer uma
reportagem. Isso não... Quanto tempo? Você não consegue construir uma carreira
assim, fazer dinheiro desse jeito, ter uma vida... Então, hoje, eu acho que o
jornalismo como um todo, sobretudo o jornalismo impresso, esse jornalismo em que
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você compra papel ou mesmo compra informação na Internet, esse jornalismo está
em xeque mesmo. Do ponto de vista de jornalismo cultural, ele que já era o patinho
feio agora é o patinho mais feio ainda. Nunca teve no Brasil uma revista de cultura
que tenha durado tantos anos quanto a Bravo!, que eu saiba, 15 anos. E ela
conseguiu, no máximo, 30 mil leitores e teve que fechar porque ficava no vermelho.
A questão dos cadernos de cultura, tudo bem, os cadernos de cultura estão dentro
dos jornais. E aí você vai falar: ah, a Revista Serafina, que sai na Folha. Tudo
também, mas ela está dentro do jornal. Se a pessoa tivesse que comprar a Serafina
mesmo, tivesse que comprar a Ilustrada e não a Folha? Acho que quando está
dentro de um outro veículo, isso fazia, de fato, a Ilustrada ter o seu papel. Mas era
outra época. A Ilustrada fez muito sucesso, os cadernos de cultura fizeram muito
sucesso numa época em que o Brasil era mais fechado, que você não tinha acesso
nem a publicações em papel de outros países. Tinha muito pouca publicação. Agora
com a Internet, eu não sei. E tem um monte de diletantes escrevendo sobre cultura.
Alguns até melhores do que os jornalistas. Gente que faz crítica de cinema, que
escreve sobre livros e que não vive disso. São professores, são, às vezes, jovens
que ainda nem entraram no mercado de trabalho direito e que produzem coisas
interessantes. Às vezes até melhor do que a imprensa, porque a imprensa também
vem perdendo muita qualidade porque não tem investimento. Eu acho que essa
pergunta que você fez tem que ser estendida para o jornalismo como um todo. Acho
que teve um tempo em que o jornalismo cultural teve o seu momento de boom e tal,
mas nunca foi um puta negócio. Se você fala assim: qual foi a revista que deu muito
dinheiro? Eu não sei, eu não conheço. A Cult é uma revista que vem se mantendo,
mas é uma revista voltada para uma cultura mais acadêmica. Então ela encontrou
um nicho muito específico que é a universidade. Eu não sei, eu não conheço as
contas da Cult, mas eu sei que a dona da Cult é dona de uma grande assessoria de
imprensa. Ela também tem os cursos, o Espaço Cult. Eu não sei se o dinheiro que
ela faz para manter a Cult é o dinheiro que vem da Cult. E assim mesmo é uma
revista muito pequena. Eu não sei se chega a Cult aí em Caxias do Sul. Chega?
ALANA MICHELLI BOF: Chega.
ARMANDO ANTENORE: Mas eu acho que ela não chega no Brasil inteiro. E é uma
revista, essa vem sobrevivendo. Ela tinha a mesma idade da Bravo!, agora deve ter
uns 17 anos. E vem sobrevivendo muito porque a dona quer. Ela tem o mesmo perfil
do Roberto, ela queria ter uma revista como essa. Agora me fala outra. Têm várias
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na Internet agora, algumas bem legais, mas tudo de graça. Você escreve de graça
para essas revistas. Jornalismo de graça deixa de ser profissão.
ALANA BOF: E uma revista, por exemplo, como a piauí?
ARMANDO ANTENORE: Mas a piauí, as pessoas lá na Abril também ficavam
falando: Ah, é uma revista de cultura. Não é uma revista de cultura.
ALANA BOF: Não, não é de cultura, mas é um perfil bem diferenciado, são textos
muito longos, enfim.
ARMANDO ANTENORE: Sim, é uma revista que fala de política, que fala de
economia. As coisas que mais repercutem naquela revista são relacionadas a esse
universo. E assim mesmo, até onde eu acompanhava, a piauí ficava no vermelho.
Ela é bancada pelo dono do Unibanco, do Itaú, os acionistas lá do Itaú. Então o
cara... Graças a Deus que existem alguns mecenas assim. O João Moreira Salles
põe dinheiro na revista, só que ele é bilionário, ele pode pôr. Aí ele faz uma ótima
revista. Eu acho que é a melhor revista que tem no Brasil. Adoro a revista, leio todo
mês. Fico impressionado como eles ainda conseguem investir em reportagem
pesada, que leva meses para fazer e tal. Mas é isso, é uma revista que fica no
vermelho, que paga bem quem está na redação. Quem não está, não ganha tão
bem assim, não. Se você for fazer um free lá para eles, você vai ganhar R$ 3.000,00
para fazer um free que vai te tomar quatro meses de trabalho. É um problema isso
tudo, é um grande dilema. E eu vejo muita coisa boa na Internet, tem coisas
bacanas, mas a questão é: cadê o dinheirinho? Como se faz dinheiro com isso?
Como paga? Como a pessoa se sustenta escrevendo? Esse é o grande problema,
na minha opinião, porque sem remunerar você não tem uma profissão, você tem
amadorismo. Amadorismo não no sentido pejorativo da palavra, mas é amador.
Chega uma hora que você tem que pagar as contas. Como faz? Então você não
consegue... Enfim, é um problema, é um problemão para todos os jornalistas. E a
gente que viveu várias fases, porque eu estou na profissão há 30 anos, é a pior. Não
tenho a menor dúvida. É ruim falar isso, porque você está na faculdade, mas isso é
uma coisa que você precisa ter em mente que o mercado, hoje, é muito, muito
incerto, não dá para saber o que vai acontecer.
ALANA BOF: Está bom, Armando. Queria te agradecer muito pelo tempo que
dedicou para responder as minhas perguntas. Muito obrigada mesmo. Quando eu
tiver concluído, eu te mando por e-mail, se tu quiseres dar uma olhada, enfim.
ARMANDO ANTENORE: Está bom.