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UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA – UNB
INSTITUTO DE LETRAS - IL
DEPARTAMENTO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS E TRADUÇÃO –
LET
CURSO DE LETRAS – TRADUÇÃO FRANCÊS
TRADUÇÃO ACRÓSTICA E LUCIFERINA DE
O SEGREDO DA AMIZADE: DA INFÂNCIA AO INFERNO
DANIEL DE SOUZA FERREIRA
Brasília
2016
DANIEL DE SOUZA FERREIRA
TRADUÇÃO ACRÓSTICA E LUCIFERINA DE
O SEGREDO DA AMIZADE: DA INFÂNCIA AO INFERNO
Trabalho apresentado como requisito parcial à obtenção de
menção na disciplina Projeto Final de Curso Letras -
Tradução/Francês, sob a orientação da Professora Doutora
Ana Helena Rossi, do curso de Letras-Tradução da
Universidade de Brasília.
Brasília
2016
DANIEL DE SOUZA FERREIRA
TRADUÇÃO ACRÓSTICA E LUCIFERINA DE
O SEGREDO DA AMIZADE: DA INFÂNCIA AO INFERNO
Trabalho de conclusão de curso apresentado junto ao
Curso de Tradução – Francês do Departamento de Línguas
Estramgeiras e Tradução, na área de Tradução Literária,
como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel.
Profa. Dra. Ana Helena Rossi, Orientadora.
COMISSÃO EXAMINADORA
____________________________________________
Profa. Dra. Mara Lucia Mourão Silva França.
______________________________________________
Prof. Dr. Eclair Antonio Almeida Filho.
Brasília, 01 de dezembro de 2016
DEDICATÓRIA
A caminha da vida é muito árdua, mas se bem trilhada, sempre recompensadora.
Dedico este trabalho a todos que me apoiaram desde minha infância, este trabalho é um
resultado não só acadêmico, mas pessoal também. Logo, todos que me apoiaram nessa lida
são importantes para minha realização. Em especial, dedico a minha mãe que sempre
meapoiou e me acompanhou de perto.
AGRADECIMENTOS
Em primeiro lugar, me sinto inteiramente grato à minha mãe que sempre me apoiou e
me deu oportunidades e valores necessários para trilhar o caminho acadêmico e o caminho da
vida em si. Agradeço aos meus familiares e amigos pela compreensão e auxílio no dia-a-dia,
sem seus esforços esse trabalho não seria possível. À minha orientadora Ana Helena Rossi,
por acompanhar meu crescimento como pessoa e como acadêmico e, além de tudo, ter o
cuidado e firmeza de uma mãe; o meu muito obrigado.
“Os autores fazem as literaturas nacionais, mas
são os tradutores que fazem a literatura
universal.”
José Saramago
RESUMO
Neste artigo proponho a tradução poética do conto de fadas O Segredo da Amizade
para a língua francesa. Nesse tipo de tradução a compreensão das origens do canône da
literatura infantil é vital, assim como a sua importância para a inserção social da criança, visto
que apresenta situações de dificuldade comuns ao meio social que podem ser novas para a
criança. Por intermédio da produção de 9 versões de tradução, e da construção de tabelas
contendo as palavras e expressões problemáticas no ato tradutório, foi possível identificar que
a organização poética da obra encontra-se na simbologia do número sete que se reflete no
acróstico que organiza o conto. Por conseguinte, verificou-se a possibilidade da transcriação
dessa obra transgredindo a tradução apenas do conteúdo. Este trabalho coopera no âmbito da
reafirmação da tradução literária como arte e da visibilidade do tradutor enquanto autor-
recriador.
Palavras-chave: Tradução Poética; Transcriação; Conto de fadas; Arte.
RESUMÉ
Dans cet article, je propose une traduction poétique du conte de fées O Segredo da
Amizade en langue française. Dans ce type de traduction la compréhension des origines du
canon de la littérature infantile est essentielle, ainsi que son importance pour l'inclusion
sociale de l'enfant, car il présente des situations de difficulté courantes à l'environnement
social qui peut être nouveau pour l'enfant. Grâce à la production de 9 versions de traduction,
et à la construction de tableaux contenant les mots et expressions problème dans l’act de la
traduction, il fut possible d'identifier que l’organization poétique de l’œuvre est au
symbolisme du chiffre sept qui se reflète dans l’acrostiche qui organise le conte. Par
conséquent, on constatala possibilité de la transcréer en transgressant la traduction seulement
du contenu. Ce travail coopèra au sein de la réaffirmation de la traduction littéraire comme art
et de la visibilité du traducteur comme un auteur-recreateur.
Mots-clés: Traduction Poétique; Transcréation; Contes des fees; Art.
SUMÁRIO
P.
INTRODUÇÃO .......................................................................................................................9
CAPÍTULO I – Toco de Enxurrada, diz-se Wagner Costa: Projeto de Escritura
1. Biografia de Wagner de Costa .................................................................................... 12
2. Projeto de escritura de Wagner Costa ......................................................................... 14
2.1 Influências do Modernismo Brasileiro em O Segredo da Amizade ............................ 15
2.2 Contos Infantis ............................................................................................................ 17
2.2.1 Resumo de O Segredo da Amizade ..............................................................................17
2.2.2 Gênero Textual: Conto ................................................................................................ 18
2.2.3 A Tradição dos Contos de Fadas ................................................................................. 19
2.2.4 Simbologia do Número Sete ....................................................................................... 24
2.2.5 Reflexão benjaminiana acerca da alegoria em O Segredo da Amizade .......................27
CAPÍTULO II – Tradução Acróstica e Luciferina de O Segredo da Amizade
3. Tradução Acróstica ..................................................................................................... 31
4. Tradução Poética ......................................................................................................... 35
5. Tradução Luciferina .................................................................................................... 40
CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................................. 47
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
6. Referências Teóricas ................................................................................................... 49
7. Dicionários on-line e Blogs Consultados .................................................................... 51
APÊNDICES
1. Tradução em Espelhamento ........................................................................................ 52
2. Tabelas
2.1 Acróstico ..................................................................................................................... 71
2.2 Expressões Idiomáticas ............................................................................................... 71
2.3 Gírias ........................................................................................................................... 80
2.4 Interjeições .................................................................................................................. 81
2.5 Nomes Próprios ........................................................................................................... 85
2.6 Onomatopeias .............................................................................................................. 85
2.7 Palavras Idiomáticas .................................................................................................... 87
2.8 Poema .......................................................................................................................... 89
9
INTRODUÇÃO
Minha escolha para tradução foi um conto que muito me tocou: O Segredo da
Amizade de Wagner Costa. Desde a minha infância tive contato com contos, inicialmente com
a minha família, por meio dos livros e filmes baseados nos contos majoritariamente da
Disney, e graças a isso meu senso imaginário e sonhador é demasiado desenvolvido. Quando
ainda tinha 10 anos e estava na terceira série do ensino fundamental I, a coordenação
pedagógica sugeriu esse livro como literatura obrigatória do ano letivo. No primeiro contato,
ele muito me impressionou e por isso o guardei como uma espécie de lembrança. Entretanto,
sempre que podia, voltava ao seu universo inocente e singular, independente do momento ou
da idade em que me encontrava. O mais curioso dessas releituras é que em cada vez apreendia
e apreendo um fragmento diferente da obra, seja de cunho moral, estilístico ou de significado.
Até nesse processo, vejo a conexão dessa obra como uma “completude pura”, em outras
palavras, a obra possui um conjunto de fragmentos que compõe o todo de sua complexidade, e
a cada leitura consigo enxergar um fragmento novo desse conjunto.
Em virtude do elo construído com essa obra e de minha conexão com as histórias
fantásticas assim como a influência que estas tiveram para o desenvolvimento dos meus
valores, não pude pensar em melhor escolha para um trabalho de final de curso (TCC). Pois,
proporciona problemáticas suficientes para a produção de um artigo e se caracteriza como
uma herança pessoal que pretendo levar comigo. Se eu ainda tenho tantas culturas para
conhecer e línguas para aprender, por que não posso levar uma de minhas heranças para essas
línguas e culturas?
Além do mais, os contos infantis fazem parte do arquétipo das experiências
compartilhadas pelos seres humanos, então, ao mesmo tempo em que traduzo essa obra,
translado sua carga de realidade com o fim de instruir os “iniciandos” da vida humana. Assim
como eu, enquanto leitor, absorvi as experiências vividas pela rosa sem cor, outros leitores de
outras línguas poderão fazer o mesmo.
Logo, foi pensando nisso que retomei um projeto iniciado no meu terceiro semestre
do curso de Letras – Tradução Francês, no curso de Teoria da Tradução 2 lecionado pela
professora doutora Ana Helena Rossi. No dito semestre, traduzi metade dessa obra para a
língua inglesa, pois a estudo há 9 anos devido à minha paixão pela língua, então é minha
segunda língua. Porém, a escolha desse livro não foi tão simples à primeira vista, porque
havia escolhido traduzir Cinderela uma tradução da língua alemã para a língua inglesa, ou
10
seja, eu iria fazer a tradução de uma tradução. Tal fato não faria sentido dentro do meu projeto
de tradução, visto que uma tradução aborda uma de diversas “faces”, logo o tradutor não teria
contato com a completude da obra, apenas com um fragmento dela (BENJAMIN, 2008).
Logo, pelo motivo de se encontrar na mesma vertente da minha escolha anterior, ser outro
livro que muito simpatizo e ter uma afetividade que se deu quando tive que fazer uma
releitura dessa obra em forma de uma pintura em tela, percebi que não poderia ter feito uma
escolha melhor.
Na tradução da obra, a problemática trabalhada foi o desafio e questionamentos
originados de traduzir uma obra de arte no campo da literatura, na tentiva de manter os
aspectos mais relevantes a partir da leitura e análise do texto traduzido. Como Benjamin
(2008) bem afirma, a obra original possui uma essência que jamais poderá ser completamente
transladada para outra cultura, mas cabe ao tradutor alcançar pelo menos um de seus
fragmentos que seja em sua tradução. No decorrer da tradução várias dúvidas surgiram, tais
como a tradução de expressões e palavras idiomáticas, interjeições, onomatopeias, poesias e
acrósticos - composição poética em que as letras iniciais, mediais ou finais de cada palavra, reunidas,
formam um nome de pessoa ou coisa, tomado como tema 1 . Ademas de dúvidas linguísticas, os
aspectos culturais e a composição artística da obra foram problemáticas bastante pertinentes.
Frente a essas problemáticas, decidi adotar três modelos de tradução, dentre as quais
se pode encontrar a tradução acróstica que propõe uma tradução da obra ligada ao acróstico, a
tradução poética que trata o texto poético como um composto semiótico e um construto de
fragmentos que se organizam entre si e a tradução luciferina que visa a transgressão da
tradução do conteúdo essencialmente. A discussão teórica tem como referências as discussões
propostas por Walter Benjamin, Haroldo de Campos, Boris Schnaiderman e Paulo Rónai,
autores do campo da tradução e que tratam da tradução literária como produção artística e
dialogam ideologicamente entre si.
Por conseguinte, tento fomentar o discurso de que a tradução literária faz parte do
campo das produções artísticas. Pois, segundo o ensaísta de Benjamin, Lauro Junkes (1994),
um autor literário “arranca ou desenraíza seus materiais do contexto em que têm função e
significado, fragmenta-os e os usa como signos vazios, sendo ele o detentor do direito de
atribuir-lhe significado”, então a tarefa do tradutor no processo tradutório de uma obra
literária não seria bastante similar? Se alteraria ao ponto de usar os materiais como “signos
vazios”, porque o tradutor tem um ponto referencial – a obra original. O tradutor “utiliza-se de
1 Fonte: michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php?lingua=português-portugues&palavra=acróstico. Acesso em 27/10/2013.
11
discursos já povoados pelas intenções sociais de outrem, obrigando-se a servir às suas novas
intenções, a servir ao seu segundo senhor”, como bem ressaltado por Benjamin (1984).
A metodologia adotada para a análise da criação e sua recriação condiz com a forma
da professora doutora Ana Helena Rossi estudar a tradução, pois adota autores que têm uma
abordagem da tradução como recriação e não somente uma transcrição de outra língua. A
partir desse embasamento teórico, pede pela produção de versões de tradução – quando uma
alteração é feita, não é apagada, mas uma nova versão criada – a fim de que o tradutor
encontre a relação na língua original entre o modo de visar, por exemplo, a palavra pain e
pão, e o visado, a imagem que vem a mente quando o falante da língua portuguesa tem com
pão, que com certeza é diferente imagem dos falantes da língua francesa, mas que se
assemelham no que diz respeito a um alimento feito de trigo para a alimentação humana. Tal
similaridade entre as línguas do visado reflete um estado anterior de todas as línguas, a pura
língua, quando todas elas eram uma só e todos os falantes se compreendiam perfeitamente
sem a multiplicidade de sentidos que gera a confusão. Então, cabe ao tradutor encontrar na
sua língua o fragmento de pura língua presente na obra original. (BENJAMIN, 2008)
Quando delimitei o par linguístico com o qual eu trabalharia – versão do português
para o francês – iniciei a tradução e os estudos para a solução dos problemas mais eminentes
em dificuldades linguísticas e culturais; além da análise dos aspectos estilísticos do autor. Tal
postura metodológica me fez entrever questões relacionadas à poética do texto, características
da pura língua presente no original. Dentre tais questões, pude notar a presença da
coloquialidade, gírias, expressões e palavras idiomáticas. Algo que me chamou a atenção no
processo de tradução foi a presença de um poema inicial que situa a obra dentro da lógica do
número sete, e o acróstico presente no final da obra que guia a organização da metade dos
capítulos do livro. Então, com posse dessas informações da obra e das problemáticas do
processo tradutório, busquei justificar as minhas escolhas usando dos teóricos citados com o
fim de tornar o processo tradutório mais consciente e menos instintivo, visto que algumas
escolhas são feitas por meio do senso comum.
Os resultados da análise foram divididos em dois capítulos, no primeiro capítulo –
Toco de Enxurrada, diz-se Wagner Costa: Projeto de Escritura - estão as pesquisas baseadas
nos aspectos pertinenetes da obra original, como a importância da tradução dos contos de
fadas, a influência da escola literária modernista brasileira e a alegorização da realidade. No
segundo capítulo – Tradução Acróstica e Luciferina de O Segredo da Amizade - estão os
12
resultados da tradução, assim como suas justificativas frente ao referencial de conceitos dos
estudiosos do campo da tradução.
Visto que se trata de uma herança que pretendo levar comigo por ser parte não só da
minha infância, mas da minha vida, decidi traduzi-la para o francês que é uma língua que não
tenho tanta liberdade como tenho no inglês, mas a partir do auxílio da orientação e, a tradução
foi possível. No papel de tradutor, busquei transgredir o sentido do original para recriá-lo,
apesar das diversas dificuldades que encontro não só como um estudante de línguas, mas
também como um transplantador, transcriador, ou como é mais comum de denominar: um
tradutor.
13
CAPÍTULO I
TOCO DE ENXURRADA, DIZ-SE WAGNER COSTA:
PROJETO DE ESCRITURA
Este capítulo apresenta a biografia do autor Wagner Costa (LAKTIN, 2010) 2 e
discorre sobre o projeto de escritura do livro O Segredo da Amizade, caracterizando o conto
infantil maravilhoso e discutindo as técnicas estilísticas e linguísticas utilizadas pelo autor
para apresentar o mundo fantasioso da amizade entre uma rosa sem cor e um raio de sol quase
apagado.
1. Biografia de Wagner Costa
Wagner Costa é jornalista nascido em São Paulo, Lapa de Baixo, em 1950. Durante
muito tempo atuou como repórter policial em grandes jornais diários de São Paulo. Hoje em
dia atua como escritor, percorrendo escolas em todo o Brasil, fazendo palestras e conversando
com alunos e professores.
O autor se compara a um “toco de enxurrada”, pois, de acordo com o próprio, “é
aquele tronco de árvore que, nos rios da vida, apesar de toda a pressa da água, navega
devagar: para aqui, enrosca ali, dá um tempo mais adiante. Proseia, bate papo, emociona-se de
riso, de choro, de sonhos. E, ao seguir, de novo, nas águas, parte renovado de esperanças,
deixando e levando frutos da amizade”. (COSTA, 1994)
O autor faz essa comparação, pois enquanto trabalhava com jornalismo para
sustentar a família, estudou Psicologia, Pedagogia e Psicanálise. E vivendo várias situações
como um “toco de enxurrada” descobriu que realmente gosta de escrever para crianças e
adolescentes.
No final da obra traduzida, no final da biografia do autor feita por ele, desenvolve um
diálogo com o leitor, envolvendo-o e chamando-o para continuá-la por meio de uma
correspondência. Isso revela uma pessoa carismática e engraçada por essas e outras
brincadeiras desenvolvidas com o leitor.
2 Fonte: LAKTIN, João Pedro. Biografia Wagner Costa. http://joaopedrolaktin.blogspot.com.br/2013/04/biografia-wagner-costa.html. Acesso em: 05/06/2015 às 15:00.
14
2. Projeto de escritura de Wagner Costa
Os laços sociais – como o desenvolvido entre a rosa, o vento, o sol e raiozito - e a
ficção – no âmbito de caracterizar uma vivência humana em específico por meio de seres
inanimados - são pontos marcantes no projeto de Wagner Costa, projeto este que se constitui
através das relações que o texto do autor desenvolve com o público infantil e infanto-juvenil
por meio do uso de coloquialismo e gírias, isto é, uma linguagem voltada para esse. Essas
características são percebidas através do arcabouço do texto literário em estudo que serão
explicadas no decorrer do desenvolvimento da pesquisa.
O autor nasceu e cresceu em São Paulo. O que lhe proporcionou crescer numa
cultura de megalópole que sofreu várias influências nos campos literário, musical e culinário,
devido às várias ondas migratórias e imigratórias que se dirigiram ao estado nos séculos XX e
XXI (PEREIRA, Luiz Carlos Soares; PIRES, Luana de Paiva)3. Wagner Costa, por sua vez,
propõe um conto infantil incrustrado de formulas métricas que se relacionam com os
componentes da natureza (rosa, raio, sol, vento, arco-íris,...) junto de várias marcas coloquiais
presentes em suas obras:
Gírias Definições
Boniteza, pg. 16 Característica daquele ou daquilo que é bonito; do
mesmo significado de beldade, formosura ou
lindeza.4
Gostosão, pg. 8 Que ou o que é muito convencido por se achar
fisicamente irresistível.5
Pimba! (pg. 37) O finalizar de um ato; o realizar de uma ação.6
© Criada por Daniel Ferreira, em 08/9/2016.
Essas marcas revelam aspectos trazidos pelo rompimento com a tradição da escrita
brasileira quebrada pelo movimento literário Modernista. Movimento do qual a obra
compartilha muitas características.
3 Fonte: PEREIRA, Luiz Carlos Soares; PIRES, Luana de Paiva. São Paulo: O Nascimento de uma Metrópole. In: Revista Historiador, nº 1, ano 1. Dez, 2008. 4 Fonte: http://dicionarioportugues.org/pt/boniteza; http://www.lexico.pt/boniteza/. Acesso em 01/11/2016 às 16:00. 5 Fonte: http://www.priberam.pt/dlpo/gostos%C3%A3o; http://dicionarioportugues.org/pt/gostosao. Acesso em 01/11/2016 às 16:05. 6 Fonte: http://www.dicionarioinformal.com.br/pimba/; http://www.priberam.pt/dlpo/pimba. Acesso em 01/11/2016 às 16:07.
15
2.1 Influências do Modernismo Brasileiro em O Segredo da Amizade7
O Modernismo brasileiro foi um movimento artístico e literário que visou a liberdade
da criação e expressão emancipatória dos moldes europeus. Assim, autores, como Mário de
Andrade, Manuel Bandeira, Oswald de Andrade, Carlos Drummond, Cecília Meireles,
Vinícius de Morais e etc., promoveram a valorização diferenciada do léxico, o uso de
coloquialismo e do falar brasileiro, além da retratação da realidade nacional, integrando a
cultura de maneira antropofágica. A linguagem culta e rebuscada já não era mais o foco dos
escritores, dando lugar ao prosaico, ao bom humor, à ironia e à linguagem oral.
O movimento foi dividido em três fases, são elas:
1ª Fase: É marcada pela Semana de Arte Moderna em 1922, e pelo rompimento do
nacional com a tradição europeia, por meio da necessidade de chocar o público e divulgar
novas ideias de forma radical, incentivando o intercâmbio de ideias e técnicas. Seu objetivo
era de romper, também, com os movimentos antecessores (Naturalismo, Parnasianismo e
Simbolismo). Oswald de Andrade foi um grande expoente dessa fase inicial.
2ª Fase: Se caracteriza pelo amadurecimento do que foi iniciado na primeira fase,
quando os autores questionam não só a realidade, mas o seu fazer literário, assim como o
estar-no-mundo. As profundas mudanças sociais são abordadas numa temática mais madura e
politizada.
3ª Fase: Nesta fase, a exploração do psicológico, o realismo fantástico e os conflitos
entre o homem e a modernidade ganham foco. Vinicius de Morais foi um dos expoentes desta
fase.8
Muitas características desse movimento são encontradas nessa obra, tais como a
liberdade da formalidade, a incorporação da linguagem coloquial e da temática universalista,
e uma volta ao rigor expressional, valorizando o verso metrificado presente no poema que dá
início à obra, características que diferenciam a obra em questão das demais consideradas
contos de fadas. Tal fase modernista foi também influenciada pelo Parnasianismo, pela
preocupação do “fazer poético” e pela busca da perfeição estética.
7 Fonte: MONTEIRO, Luciano. O movimento modernista e a construção de uma identidade nacional sob a égide do Estado Novo. In: Enciclopédia Itaú Cultural – Artes Visuais, disponível em http://www.sbhc.org.br/resources/anais/10/1345085694_ARQUIVO_ArtigoLucianoMonteiroSBHC.pdf. Acesso em: 05/09/2016, às 15:00. 8 Fonte: MONTEIRO, Luciano. O movimento modernista e a construção de uma identidade nacional sob a égide do Estado Novo. In: Enciclopédia Itaú Cultural – Artes Visuais, disponível em http://www.sbhc.org.br/resources/anais/10/1345085694_ARQUIVO_ArtigoLucianoMonteiroSBHC.pdf. Acesso em: 05/09/2016, às 15:00.
16
O autor se encontra em um movimento literário em que as influências estrangeiras
são incorporadas, logo, suas obras retratam traços comuns à tradição literária dos contos (a
estrutura do conto, por exemplo) e traços singulares à cultura brasileira (expressões e palavras
idiomáticas, por exemplo), como característica do movimento antropofágico do qual fazia
parte. Em outras palavras, o autor recriava o que já existia, o tornando novo. Assim como os
artistas do Modernismo, o autor imprime intencionalmente não só marcas comuns à
sociedade, mas marcas linguísticas próprias e revela que “a literatura “fala dessa língua nessa
língua”, fixando sua originalidade, seus traços particulares, seus sons, sua sintaxe; [...]”
(BENJAMIN, 2008).
O autor explora ainda os problemas sociais das protagonistas da obra, demonstrando
a exclusão e o problema das pessoas que sofrem bullying e suas consequências através da
vivência dos personagens. Assim, o desenvolvimento da história deságua numa epifania, ou
seja, no sentido literário, um momento de revelação quando o personagem principal – a rosa -
passa por um evento que “ilumina” sua vida e a leva a fazer uma mudança radical em sua
vida9. Deste modo, explora a descrição dos sentimentos dos personagens e do estado de
espírito deles, e explora, também, a linguagem conotativa por meio das figuras de linguagem,
tais como:
- Metáforas10 são figuras de palavras que consistem em adotar um uso diferente
daquele usual, havendo alguma relação entre o sentido próprio e o sentido figurado. No texto
em questão, essa figura tem o papel de tornar o texto mais expressivo e mais imaginativo
estimulando a sensação de proximidade em seus leitores.
- Antíteses11 são figuras de pensamento que opõem palavras de sentidos diferentes, o
que faz com que o leitor leve em consideração que os opostos podem estar em um lugar
comum, não só somente em extremos como lhes é ensinado.
- Prosopopeias12 são figuras de pensamentos que atribuem predicativos humanos a
seres inanimados. Essa figura tem a função duma “válvula de escape” da realidade, pois trata
de um assunto sério e real, por intermédio de personagens irreais.
9 NOGUEIRA, Heitor. Clarice Lispector – Estilo. In: Estética Literária, disponível em http://esteticaliteraria.blogspot.com.br/2009/01/clarice-lispector-estilo.html. Acesso em 08/11/2016, às 18:00. 10 Fonte: GARCIA, Afrânio da Silva. Principais Figuras de Linguagem Semântica. Cadernos do CNFL, vol. XV, nº 4. Rio de Janeiro: CiFEFiL, 2011. 11Idem. 12Idem.
17
Metáforas Antíteses Prosopopeias “... subiu parecendo um
foguete.” Pg. 17
“... raiozito de sol quase
apagado.” Pg. 23
“o vento pulava de felicidade”
Pg. 28
“... parecendo uma barata
descascada.” Pg.8
“... diferentes na semelhança!”
Pg. 25
“A rosa solitária chorou.” Pg.8
© Criada por Daniel Ferreira, em 08/9/2016.
Através dos aspectos usados para dar expressividade à língua, como as figuras de
linguagem, o autor enriquece sua obra com a diversidade gramatical presente na língua
portuguesa. Assim, as figuras de linguagem e de pensamento são exploradas de modo a
estimular a imaginação e a curiosidade do leitor, de modo a considerar os moldes estrangeiros
junto às características da sua própria língua por intermédio do uso de coloquialismo, de
diferenciação do léxico e do falar brasileiro.
2.2 Contos Infantis
Os contos infantis fazem parte da literatura oral tradicional, eles caracterizam as
formas com que a sociedade se identifica culturalmente. Antigamente, os contos eram
passados de geração a geração por meios orais, perdurando no imaginário e nas concepções
mentais de quem os leu ou ouviu, mas sempre tiveram as finalidades de entreter, moralizar e
ensinar, além de funcionar como um revitalizador das raízes populares através da adaptação
dos contos orais para a escrita e da escrita para o meio cinematográfico (BETTELHEIM,
2002)13. Em uma visão junguiana os contos são uma representação simbólica dos problemas
gerais da humanidade e suas possíveis soluções, ou seja, os contos apresentam em seu
conteúdo os arquétipos, entendidos como um conjunto de “imagens primordiais” que são
repetidas por todas gerações independente de sua localização no globo (JUNG, 2011)14.
2.2.1 Resumo de O Segredo da Amizade
O Segredo da Amizade apresenta características da tradição dos contos infantis. Por
esse motivo, nessa parte do trabalho, proponho desenvolver um resumo de tal obra para sua
melhor compreensão:
Uma rosa branca, pelo azar, cresceu em meio a muitas pedras, sozinha e desolada.
Um dia, durante as lamentações doídas da rosa, o vento passava por ali, e não pôde deixar de
escutar o choro da rosa. Percebendo sua solidão, o novo amigo da rosa sem cor, a levou para
um passeio, e lhe apresentou várias rosas, cada uma de uma cor diferente. Entretanto, as rosas
13 Fonte: BETTELHEIM, Bruno. A Psicanálise dos Contos de Fadas. Tradução de Arlene Caetano. 16ª Edição – PAZ E TERRA – 2002. 14 Fonte: JUNG, Carl Gustav. 9/1 Os arquétipos e o insconsciente coletivo. 10ª Edição. Editora Vozes, 2011.
18
coloridas não aceitaram a presença de uma rosa branca e sem cor, então a rosa branca
começou a chorar novamente, até que seu amigo a levou de volta ao seu lar em meio às
pedras.
O vento pediu ajuda do sol, pois eles eram velhos amigos, então o sol decidiu que um
de seus raios ajudaria a rosa a “pegar uma cor”. Mas o raio que decidiu ajudar a rosa era um
raio de sol quase apagado. Por mais de seu brilho quase apagado, o raio de sol decidiu passar
a noite conversando com a rosa, o que contribuiu para a intimidade entre os dois. Ao se dar
conta de que a amizade do raio quase apagado e da rosa sem cor era algo muito especial, o
vento começou a soprar gotas de orvalho sob as pétalas da rosa. Quando a luz do raio se
encontrava com a gota de orvalho, refletia-se uma cor diferente, e a cada cor os dois amigos
encontravam um sentimento diferente, somando sete cores e sete sentimentos que eles sentiam
um pelo outro.
2.2.2 Gênero Textual: Conto15
A rosa e o raio são protagonistas de um gênero chamado de conto que é uma obra de
ficção que cria um universo próprio, seja ele de fantasia, de imaginação ou de realidade. As
histórias são geralmente de formato curto e de estrutura fechada, em outros termos, apenas
uma história é desenvolvida e apresenta apenas um clímax. Além dessas características, o
conto tem uma grande flexibilidade que é percebida pelos seus antepassados: mito, anedota,
contos de fadas, lenda e parábola.
Os contos têm o poder de revolver a mundividência infantil, isto é, o ensino de
vivências implícito do qual a criança não tem consciência, mas que ainda assim fornece
elementos fundamentais na formação dessa criança. Esse ensino e moral contidos nos contos
são produzidos por meio de uma linguagem simbólica, de duplo sentido, de imagens, e de
uma linguagem para crianças; através dessa linguagem a criança entrará em contato com um
mundo de sonho e fantasia, um mundo no qual os adultos não podem anular a imaginação
com a realidade, como a personificação em O Segredo da Amizade em que a rosa e raiozito –
um raio de sol – dançam uma valsa soprada pelo vento. Em outros termos, o fascínio da
criança com o mundo mágico dos contos se deve à preocupação com o desejável e não com o
possível, isto é, as crianças visam o mundo da magia, do misticismo e do irreal na leitura de
15Fonte: DA SILVA, Alessandro. Do conto maravilhoso ao conto de fadas. VI Seminário de Iniciação Científica – SóLetras – 2009; PROPP I.,Vladimir. Morfologia do Conto Maravilhoso. Forense Universitária. Editora CopyMarket.com, 2001.
19
um conto, não necessariamente a realidade usada como base para dar vida aos seres
inanimados e retratar seus grandes feitos.
Consoante a Bettelheim (2002), os contos de fadas são essenciais para o crescimento
e maturidade da criança, pois retratam uma realidade fictícia. Embora os adultos considerem
que os contos sejam apenas um mundo de fantasia, as histórias mostram a realidade de um
ponto de vista semelhante ao da criança. Quando a criança entra em contato com esta
realidade das histórias, descobre uma espécie de refúgio mental onde pode se esconder
quando tem medo e receio dos acontecimentos que a rodeiam.
Além de atuar como um refúgio, os contos também são destinados a ensinar a
criança a lidar com as dificuldades da vida, mas não só as dificuldades, mas também com os
momentos felizes. Bettelheim (2002) ilustra essa situação com a ausência da mãe na maioria
dos contos: a criança é exposta à ideia de que poderia perder sua mãe ou ente querido. Isto é,
por mais que a criança se sinta assustada com o mundo e seus acontecimentos, saberá que
existe alguém a quem recorrer, e por mais dos momentos negativos, o final feliz a aguarda.
O final feliz é uma característica adotada com a finalidade de suavizar a violência ou
imoralidade contidas na versão original, porém, Bettelheim (2002) salienta a importância de
ler as histórias originais para as crianças, mesmo que o final não seja feliz, porque,
atualmente, estão em contato apenas com versões adaptadas e suavizadas dos contos. Muitas
vezes os pais têm medo de lê-los às crianças por acreditarem que têm características violentas
ou imorais, mas ao expor crianças a esses tipos de reflexões, podemos ajudá-los a lidar com a
adversidade com mais sabedoria e maturidade.
2.2.3 A Tradição dos Contos de Fadas
Desde a antiguidade, o homem dá ouvidos à sua imaginação e à consequente
fantasia, com isso seres extraordinários dotados de habilidades excepcionais ganharam vida
como seres mágicos e heróicos. No decorrer das gerações, histórias com tais seres foram
disseminadas oralmente nos contos populares, e ultrapassaram as fronteiras entre países e
continentes se adaptando à cultura que esses receptores estavam inseridos e à sua experiência
individual, às vezes ganhando qualidade literária em novas formas, às vezes, se perdendo nas
adaptações com a intenção de serem ajustados às matrizes populares.
Na Europa, os contos foram coletados antes da literatura infantil ser reconhecida
como um campo de estudo, a partir do século XVII até o século XIX com Charles Perrault,
irmãos Grimm e Hans Christian Andersen. Nesses séculos, os maiores coletores e criadores de
20
contos infantis tiveram espaço para publicar obras com diversos contos, disseminando a
cultura tradicional oral.16
No final do século XVII, em meio à grande sociedade materialista, pessimista e
sombria da época, Charles Perrault viu-se na posição de trazer um olhar nostálgico de um
passado mítico de volta. Então, iniciou a coleta de contos da classe menos favorecida da
época, governantas, empregadas, comerciantes, etc, seguida de adaptação dessa narrativa
popular para que não chocasse a frívola e galante aristocracia francesa17.
Em meados do século XIX, o romantismo despertou o amor à nação e o resgaste de
suas origens na Alemanha. Os irmãos Grimm – Jacob e Wilhel Grimm – inspirados pelo
ufanismo - iniciaram seus estudos para as histórias populares que envolviam seres místicos e
heróicos com o fim de realizar um tratado acadêmico que preservasse as histórias registradas
como haviam sido transmitidas de geração a geração, fator que foi e é dificultado pelo
aumento da industrialização. Diferentemente ao que Charles Perrault fez, os irmãos Grimm
buscaram reunir contos sem que esses fossem alterados independentemente da finalidade.
Cerca de vinte anos após a compilação de contos dos irmãos Grimm, Hans Christian
Andersen inicia sua coleta de contos na Dinamarca. Assim como seus antecessores, Andersen
recorre à tradição oral das narrativas populares, porém diferentemente dos seus precessores
escreve diversos contos e os publica junto aos contos que já havia coletado. Outro fator que
diferencia o autor-coletor de contos de Perrault e dos Grimm é que seus contos não
apresentam uma atmosfera de alegria e leveza, mas de dor e tristeza compensada por uma
ternura mais humana.18
As obras desses três representantes da literatura infantil apresentam contos de fadas,
tal termo surgiu na França como Conte de Fée, e por mais que a palavra fada denote uma
mulher bela dotata de poderes sobrenaturais, não há a presença de fadas em todos os contos
que levam esse nome. Tal fenômeno se deve ao fato da palavra ter origem na palavra latina
fatum que denota destino, fatalidade e oráculo, o protagonista à mercê ou não do seu destino.
Assim, os contos de fadas são a expressão do mundo psicológico profundo humano,
retratado através de uma percepção intuitiva da estrutura elementar do homem (MESQUITA,
16 Fonte: FALCONI, Isabela Mendes; FARAGO, Alessandra Corrêa. Contos de Fadas: origem e contribuições para o desenvolvimento da criança. Cadernos de Educação: Ensino e Sociedade, Bebedouro-SP, 2 (1): 85-111, 2015.
17Fonte: PONTES, Maria do Rosário. Charles Perrault e o seu Tempo: A Subversão Simbólica nos Contes ou Histoires Du Temps Passé. Revista da Faculdade de Letras “Línguas e Literaturas”. Porto, XIV,1997, PP. 443-466.
18Fonte: GONGORA, Ana Paula Sversuti; MARTHA , Alice Áurea Penteado. Temas e Imagens Polêmicas nos Contos de Hans Christian Andersen. In: CELLI – COLÓQUIO DE ESTUDOS LINGUÍSTICOS E LITERÁRIOS. 3, 2007, Maringá. Anais: Maringá, 2009, p. 118-128.
21
2012) 19 . São o retrato de experiências cotidianas que facilitam o envolvimento e a
identificação do leitor. Como destacado no tópico anterior, as crianças depreendem as lições
morais dos contos de acordo com o momento em que se encontra num processo insconsciente.
É importante ressaltar que tais contos suscitam enigmas da existência para a
compreensão dos sentimentos por intermédio de um destino pré-estabelecido no conto. A
partir desse ponto em comum da história com a realidade, a criança consegue fazer uma
conexão, mesmo que inconscientemente, entre o mundo mágico e a realidade por meio dos
relatos míticos e religiosos que deram origem àquele conto. Nesse âmbito, a literatura canaliza
informações sobre o amadurecimento sentimental e psicológico por intermédio de uma
linguagem voltada para crianças e de uma situação real alegorizada por uma história mística e
héroica.
O Segredo da Amizade faz parte da tradição dos contos de fadas, porque, segundo
Vladimir Propp (2001) 20 , tais contos são caracterizados pela existência de um herói ou
heroína que deve passar por uma série de provações e aventuras, que envolvem muitas vezes
o seu estado ou sua existência. Tais provações se fazem necessárias com o intuito que o herói
ou heroína chegue a uma nova situação estável e feliz, seja pelo casamento ou o
estabelecimento de uma nova vida.
Nessa obra prima de Wagner Moura, por exemplo, quando a rosa sem cor, excluída,
faz o melhor amigo que já teve em sua vida, o conto nos mostra que por mais que existam
dificuldades, podemos nos surpreender com o rumo com que as coisas podem tomar nos
trazendo novos amigos, novos lugares ou novas experiências. Por mais da desolação e tristeza
que a rosa sentiu antes – aspecto que pode ser impactante para uma criança – ao deixar outros
se aproximarem, ela pôde alcançar a felicidade provando de experiências que não havia
vivido antes.
A rosa excluída, o raiozito como melhor amigo e o vento como um pai exercem
funções que são comuns aos contos, segundo Propp (2001) há uma maneira de classificar
essas funções, em razão das ações e da importância de tais ações no desenrolar da trama
(PROPP, 2001). Desse modo, 31 funções foram definidas, sempre idênticas, divididas entre
os diferentes personagens. As principais são:
• A distância dos pais: o autor não cita a existência de pais, o que pode ter sido a
causa da solidão da rosa sem cor;
19 Fonte: MESQUITA, Armindo Teixeira. A simbologia dos números três e sete em contos maravilhosos. Álabe, [S.l.], n. 6, dic. 2012. 20 PROPP I.,Vladimir. Morfologia do Conto Maravilhoso. Forense Universitária. Editora CopyMarket.com, 2001.
22
• uma maldade ou a falta: a falta de cor da rosa a fazia ser a mais triste rosa das
redondezas;
• a tarefa difícil ou luta: o momento em que a rosa foi excluída pelas rosas coloridas.
Essas funções podem, ainda, ser agrupadas em sete esferas de ação cada uma
correspondendo a um padrão de caracteres:
• o agressor: as rosas coloridas;
• o doador ou fornecedor: o vento e o sol;
• o auxiliar: o raio de sol;
• o caractere desejado: uma cor para as pétalas;
• o mandante: o vento;
• o herói: a rosa
• e o falso herói: as rosas que deveriam fazer sua semelhante se sentir incluída,
tiveram o papel contrário.21
Ao propor reelaborar a “lógica dos contos”, Claude Brémond (1976) reagrupa as
funções de Propp em um pequeno número de sequências narrativas, caracterizadas por uma
unidade de ação, cujas estruturas podem se multiplicar ao infinito ao se estruturar em torno de
três momentos-chave (BRÉMOND, 1976) 22:
Lógica dos Contos
Unidade de Ação Exemplificação em O Segredo da
Amizade
A abertura da ação, ou situação inicial "O vento ventava pela montanha, todo belo e
folgado, quando escutou um longo “Uuuoooaaa...”
Achou engraçado e pensou lá com seus botões de
vento: “Deve ser alguém acordando, bocejando e
se espreguiçando. Que tenha um bom dia!”
Mas aquele “Uuuoooaaa...” se transformou num
triste “Ai, ai, ai!”
“Epa! Alguém está reclamando da vida logo de
manhã. Quem sabe eu posso ajudar.”
[...]
O vento chegou mais perto e viu: não era uma
coisa, era uma rosa.
[...]
-É uma barra esta minha vida aqui sozinha. E,
além de tudo, olhe para mim: uma rosa sem cor,
parecendo uma barata descacada.";
21 Fonte: PROPP I.,Vladimir. Morfologia do Conto Maravilhoso. Forense Universitária. Editora CopyMarket.com, 2001. 22 Fonte: BREMOND, Claude. Análise estrutural da narrativa. Petrópolis: Vozes, 1976.
23
Momento que mostra o herói enfrentando
dificuldades
"As rosas explodiram na maior gargalhada.
Começaram a girar em torno da rosa sem cor e a
falar com caras de diabinhas:
- Sai pra lá, sua vigarista! – disse a rosa amarela.
- Feia!
- Monstrenga!
[...]
- Ela não é nossa irmã nem aqui nem na China! –
gritou a rosa azul, a mais metida e histérica de
todas.
A rosa sem cor nada dizia, só chorava.";
Clímax ou situação final (marcada pela
vitória do herói e a punição de seus
adversários)
"E, ao contar esta história sobre os sete
sentimentos do segredo da amizade, que
transformaram uma rosa sem cor numa rosa
colorida e que deram a um raiozito de sol quase
apagado as sete cores do arco-íris, minha
esperança é de que a amizade seja uma rosa amiga
no coração de todos nós.
Salve, amigos!"
© Criada por Daniel Ferreira em 15/10/2016.
As causas da ação psicológica representam a justaposição de um número de
sequências que se sobrepõem, se formam, se cruzam, se comunicam como as fibras
musculares. Ou seja, assim como os arquétipos suscitam fatores elementares comuns a toda
humanidade, os contos têm seu ponto de encontro que são as características destacadas por
Propp e reformuladas por Claude Brémond.
Essas funções e unidades de ação situam a obra tratada na tradição dos contos de
fadas, da mesma forma que o fato do leitor ser confrontado com uma história que traz
adversidades e a atribuição de problemas humanos aos personagens, que nesse caso são
objetos, também o fazem. Segundo a psicanálise dos contos (BETTELHEIM, 2002), a
percepção e os efeitos estimulados por um conto são apreendidos pelo leitor, logo são
aplicáveis a situações corriqueiras na vida de um indivíduo; na análise da obra abordada, a
imagem de uma rosa que sofria atrair um bom amigo, como o vento, para ajudá-la e ao se
encontrar em apuros, ter um amigo para defendê-la. Temos também a imagem do raio de sol
quase apagado, que se dispõe para ajudar a rosa desolada, ou seja, em momentos de
dificuldade, pessoas que menos esperamos podem nos ajudar mesmo que seja com uma
contribuição pequena. E quando a rosa sofre bullying por não possuir cor, temos a imagem de
que o diferente muitas vezes é excluído e que as pessoas têm dificuldades para aceitar o que
lhes é diferente.
O conto de fadas tem muitas qualidades, como a universalidade e a sua proximidade
com a infância, que não estão impressas no texto em si. Ao ler um conto, a criança se sente
24
próxima e se identifica com o personagem principal, entendendo algumas situações da vida
real a partir do conto, atribuindo uma carga emocional real à ficção presente na história.
Então, quando a criança entra em contato com os contos de fadas, ela começa a construir um
arsenal de ferramentas para lidar com conflitos internos e intelectuais. Ademas, elas mudam
suas percepções de mundo, pois quando as dificuldades surgem, estará mais bem preparada, e
no caso de uma situação difícil, terá em mente que os bons tempos virão.
Essas histórias são parte de uma herança comum de todos nós, por isso tornaram-se
um tesouro que a humanidade tem preservado, porque se tratam de referências culturais que
são comuns a todos nós. Além do valor de rito de iniciação – porque mostra à criança o que
ela pode vir a enfrentar em sua vida e lhe proporciona maneiras de lidar com essas
adversidades, assim como um rito de iniciação em uma tribo que tem a finalidade de dar ao
iniciando uma noção inicial do que estar por vir -, os contos de fadas têm qualidades literárias
artísticas, devido à sua suscetibilidade à criação de um mundo novo por intermédio de uma
linguagem direcionada a crianças, mas nem por isso é pobre ou simples.
2.2.4 Simbologia do Número Sete (7)
Um aspecto que inclui o autor Wagner Costa no conjunto de autores influenciados
pela era pós-modernista é o uso da métrica que gira em torno do número 7 (sete), número
incubido de grande tradição, misticidade e mistério, não só na literatura, mas também na
história da evolução humana. Os substantivos do título do livro possuem 7 letras (“Segredo” e
“Amizade”), assim como a métrica que mantém no poema que introduz o primeiro capítulo da
obra (Imagem 1) e no acróstico23 que monta no último capítulo (Imagem 2). Este acróstico é
relacionado aos sete sentimentos da amizade que é a palavra a ser desconstruída no acróstico,
que por sua vez tem cada letra e respectivo sentimento relacionado a cada cor do arco-íris, que
na cultura brasileira possui sete cores como na cultura francesa. Isto é, um dos principais
componentes da poética de Wagner Costa é a matemática, o gosto pela fórmula que é
consagrado em sua corrente poética, feita de invenção e de liberdade:
23 “Tipo de texto em que as primeiras letras de cada linha ou parágrafo formam verticalmente uma ou mais pala
vras.” – Fonte: https://www.priberam.pt/dlpo/acrostico. Acesso em 08/09/2016 às 15:12.
25
© Imagem 1: Poema que apresenta a métrica do número sete. (Wagner Costa, pg. 5)
A, de alegria Vermelho
M, de magia Alaranjado
I, de imaginação Amarelo
Z, de zelo Verde
A, de amor Azul
D, de divisão Anil
E, de esperança Violeta
© Imagem 2: Criada por Daniel Ferreira, em 18/10/2015. Acróstico e suas respectivas cores
Na antiguidade, as sociedades que possuíam algo semelhante à filosofia mantinham
uma relação intrínseca com os números, em específico com o número sete. Mãe de todos os
campos de reflexão, a filosofia se disseminou e com ela levou os mistérios do número sete
que perpassa várias civilizações e, logo, várias eras. Na religião, esse número se destacou
entre os egípcios, porque representava a vida após a morte, perfeição e vida eterna. Os gregos
e romanos, assim como os egípcios, relacionavam o mistério envolto nesse número à vida
eterna. Os budistas desenvolveram uma teoria em que existem sete emblemas que juntos dão
origem à totalidade espiritual. Já para o Islão, os céus, as terras, os mares, as portas do paraíso
e as divisões do inferno se dividem em sete. (BLAVATSKY, 1981) Pode-se ter um exemplo
mais próximo da realidade brasileira, na qual o cristianismo é a religião predominante, na qual
existem sete sacramentos, assim como sete pecados capitais. Quando Moisés interpreta os
sonhos do faraó e nesse sonho há sete vacas magras e sete vacas gordas, mas a “coincidência”
não se encerra apenas nesses exemplos. No livro do novo testamento, tem-se a presença desse
número mágico no livro de gênesis e no livro do apocalipse, quando o mundo é criado em seis
dias e encerra-se com mais um dia para o descanso do criador, somando sete dias; ou quando
sete anjos tocam as sete trombetas sagradas no último livro do novo testamento. 24
24 Fonte: “The Number Seven and Our Society”, em “Theosophical Articles”, H. P. Blavatsky, Theosophy Company, Los Angeles, 1981, volume I, pp. 351-352.
26
Entretanto, as diversas significações não se restringem apenas ao campo religioso,
mas também a acontecimentos belos e considerados mágicos pela humanidade, como a
mudança das fases da lua de sete em sete dias, as sete cores do arco-íris, as sete notas
musicais, as sete maravilhas do mundo, ou o cinema como a sétima arte, por exemplo. A
ciência também o encontra em meio a seus estudos, na psicologia a consciência não consegue
lidar com mais de sete entidades, na biologia, a renovação celular ocorre de sete em sete anos
e os orifícios na cabeça de um homem normal são sete também, assim como na física é
possível identificar sete estados da matéria.
Esse número foi um símbolo religioso e místico em diversos contextos,
principalmente aqueles que envolvem a fé, a imaginação e a superstição, portanto, os contos
infantis também se aproveitaram do mistério que esse número representa. Desde antes de
Cristo, há algo inexplicável até mesmo para cientistas sobre a frequência com que o número
sete se apresenta ao longo da passagem da humanidade na Terra, talvez se pode denominá-lo
“a chave do verdadeiro misticismo” (Soveral, 2003).
Em um campo rico em imaginação e criação, esse número adquiriu mais
significância e misticismo, porque nos contos reunidos pelos irmãos Grimm percebe-se na
história da Branca de Neve que aos sete anos de idade a princesa é considerada a mais bela no
reino de seu pai. Após a morte do rei, a rainha toma o poder do reino e Branca de Neve
precisa fugir para se manter viva. Em sua fuga, encontra uma casa pequena e ao entrar se
depara com sete utensílios que descobre ser de sete anões que a ajudam em sua jornada. Os
sete anões representam os sete comportamentos humanos a serem superados para a felicidade,
porém, mesmo com o auxílio de seus amigos, Branca de Neve não está a salvo da rainha má
que precisa atravessar sete colinas para poder realizar a sua maldição final que dá cabo à vida
da princesa da cor da neve.
Nos contos reunidos por Perrault, se encontra a história de uma família de sete filhos
e dentre eles o sétimo, pequeno Polegar, é escolhido para protagonizar feitos heróicos, mesmo
sendo o menor e mais frágil dentre os irmãos. Em sua jornada, encontra sete irmãs que
ajudam os sete irmãos, porém um ogro encontra a casa das irmãs e as assassina, atraindo para
si uma maldição, pois quebrou a perfeita harmonia existente no número de irmãs o que o leva
a perder seus poderes. O herói vive seu “feliz para sempre” quando ganha botas mágicas de
sete léguas que fizeram que ele se destacasse e fosse notado por um rei que lhe deu um
trabalho, e assim, pequeno Polegar juntou muito dinheiro e retornou para a casa de sua
familía.
27
No folclore brasileiro25 não é diferente, porque os contos de lobisomens e bruxas são
ligados ao número da perfeição, sete. Se uma família tiver oito filhos, sete do sexo feminino e
um do sexo masculino, e o último nascimento trouxer um menino, este será amaldiçoado a
virar lobisomem em noites de lua cheia. Ou se uma família tiver sete filhos do sexo
masculino, o sétimo será amaldiçoado, assim como uma mulher que dê luz a um filho de um
padre. A cada noite de lua cheia em que a maldição domina o indivíduo, este percorre sete
partes da região à qual pertence, sete pátios de igrejas, sete vilas e sete encruzilhadas antes do
nascer do sol. Da mesma forma, caso uma família tenha sete filhas, a sétima será amaldiçoada
e estará condenada a ser uma bruxa para o resto de seus dias.
Logo, não se pode negar a tradição que envolve o número sete, já que tal número
percorre não só a ciência – psicologia, biologia, física –, como, também, os contos infantis
presentes nos arquétipos sociais de cada país. Assim, como na tradição dos contos de fadas,
Wagner Costa imprimiu em seu texto o misticismo presente nesse número no poema que dá
início à obra, no acróstico da palavra amizade e na escolha das sete cores do arco-íris para
relacionar aos sete sentimentos da amizade.
2.2.5 Reflexão benjaminiana acerca da alegoria em O Segredo da
Amizade26
Além de respeitar uma tradição que o precede, Wagner Costa situa sua obra na
modernidade através da alegorização da problemática social minudenciada entre uma rosa que
é excluída pelo restante de suas iguais por não possuir cor, e a aceitação que essa mesma rosa
conquista no decorrer do conto. Através da teoria desenvolvida por Benjamin nos estudos
sobre o Barroco Alemão e nas obras de Baudelaire, busco explicar o conceito de alegoria, seu
processo de formação e consequente origem.
De acordo com o Dicionário Online de Português, alegoria é “Expressão figurada,
não real, de um pensamento ou de um sentimento, através da qual um objeto pode significar
outro.” 27 , todavia há um processo que precede esse conceito e um entendimento que é
necessário para compreender a produção de uma “coisa” com mais de um “sentido”.
Para Benjamin (JUNKES, 1994), a ideia não é alheia à linguagem, mas dela faz
parte, pois se apresenta na essência da palavra. Deus é o possuidor do Logos, a ideia pura e
25Fonte: http://sitededicas.ne10.uol.com.br/folk_lobisomem.htm. Acesso em 15/10/2016 às 12:00. 26 Fonte: JUNKES, Lauro. O Processo de Alegorização em Walter Benjamin. Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil. 27 Fonte: https://www.dicio.com.br/alegoria/. Acesso em 30/10/2016, às 08:46.
28
objetiva para nomear, e ao criar o homem, este iniciou a nomeação no paraíso. Entretanto o
pecado original fez com que o homem fosse expulso do paraíso, da harmonia e da nomeação.
Então, o homem perdeu a transparência entre nome e coisa, também conhecida como a
arbitrariedade do signo para o linguista francês Ferdinand Sausurre28.
A relação unívoca entre nome e coisa foi quebrada, logo se iniciou a separação entre
o sentido da palavra e o sentido da coisa na língua, deixando a mercê da subjetividade humana
a nomeação. Tal subjetividade é arbitrária, ou seja, no campo da linguagem, fez e faz com que
o homem dê diversos significados, não só às coisas, mas também às palavras. Assim, as
palavras não estão ligadas diretamente às coisas que denominam, pois com a “queda” do
homem essa relação - subjetivamente estabelecida entre coisa e palavra - é determinada pela
linguagem histórica e subjetiva da humanidade. Linguagem histórica, aqui, entende-se como o
direcionamento ao passado, ou seja, a história da sociedade à qual esse intérprete pertence,
fazendo dele um herdeiro da língua diariamente construída durante milênios e linguagem
subjetiva como a origem da união de três fatores: a coisa, a palavra e o intérprete que
relaciona as duas primeiras entre si dando seu valor subjetivamente arbitrário (BENJAMIN,
1984).29
Por conseguinte, a alegoria busca seu sentido na linguagem histórica e subjetiva. Isso
é percebido em seu efeito de diversas significações para uma mesma palavra, ou seja, uma
nomeação para diversas coisas. A relação entre coisa e palavra não é mais intrínseca como no
verbo divino antes da queda do homem. Conforme Lauro Junkes (1994):
Se a alegoria, no mundo histórico, revela subjetividade como princípio fundamental
de constituição de sentido, refere-se também expressamente a historicidade do
mundo, pois [...] não existe na história nenhuma liberdade simbólica de expressão,
nenhuma harmonia clássica da forma, em suma, nada de humano, essa figura, de
todas a mais sujeita a natureza, exprime, não somente a existência humana em geral,
mas, de modo altamente expressivo, e sob a forma de urn enigma, a história
biográfica de urn indivíduo. (JUNKES, Lauro, 1994)
A alegoria é dependente do meio em que o alegorista a contextualizar, pois existe
dentro do meio do seu criador e da época em que esse alegorista se encontra. Nesse sentido, o
alegorista dá origem a coisas insignificantes (pois o significado não será aquele que é
comumente atribuído à coisa) e significantes (pois o alegorista as insere em um novo mundo e
tal coisa adquiri um novo significado). Ou seja, a alegoria liberta a coisa do seu meio ao ser
descontextualizada e recontextualizada ganhando um novo significado dentro daquele dado
contexto, o que dá ao leitor o entendimento de que aquela coisa fora dotada de um sentido
28 Fonte: CARVALHO, C. Para compreender Saussure. Petrópolis: Vozes, 1998. 29 Fonte: BENJAMIN, Walter. Origem do Drama Barroco Alemão. Tradução, apresentação e notas por Sergio Paulo Rouanet. Editora Brasiliense, 1984.
29
arbitrário, porque fora daquele contexto não terá o mesmo sentido. No momento em que
Wagner Costa opta por dar o sentimento de isolamento e exclusão característico da raça
humana a uma rosa, por exemplo, uma vez que tira esses sentimentos do contexto humano e
os insere ao contexto de objetos inanimados. Segundo Benjamin:
O alegorista a coloca dentro de si, e se apropria dela, não num sentido psicológico,
mas ontológico. Em suas mãos, a coisa se transforma em algo de diferente, através
da coisa o alegorista fala de algo diferente, ela se converte na chave de um saber
oculto, e como emblema desse saber ele a venera. (BENJAMIN, 1984.)
Quando o alegorista precisa arrancar as coisas de seu contexto e lhes atribui um novo
sentido, o processo ao qual ele participa é determinado pela coisa ser um fragmento dentro do
novo contexto, revelando que a língua não é totalidade, mas um meio composto de vários
outros fragmentos isolados de sua realidade e dependentes da subjetividade do intérprete e da
historicidade da época em que se encontra. Pode-se denominar esse processo como um
“resgate” no qual o alegorista salva a coisa da condenação da transietoriedade muda.
Transietoriedade reconhecida pelo alegorista e resignificada. Quando representada
alegoricamente em seu novo contexto, se torna significante novamente. Tal como a nuvem
que ajuda a rosa, a imagem da nuvem foi retirada do meio em que é considerada um
aglomerado de partículas de água ou gelo, isolada, e, então, recontextualizada para um ser que
sente pena e outros sentimentos humanos, alegorizando a imagem de alguém com quem a rosa
pode confiar por mais de suas angústias e medos.
No processo de transição do fragmento a ser alegorizado, a coisa isolada do seu
campo sintático é automaticamente isolada do seu meio semântico, perdendo o valor de signo.
Entretanto, esse valor é recuperado ao ser inserido dentro de um novo meio sintático e
semântico, não somente se deixando alterar pelo novo contexto, mas tal contexto se
restituindo também para receber um novo fragmento, estabelecendo a intertextualidade entre
o contexto de onde esse fragmento foi retirado e o novo contexto em que foi inserido. Pode-se
ter como exemplo, raiozito ter uma luz fraca comparada aos seus irmãos e isso fazer que ele
se sinta diferente e inferior: um sentimento humano que foi isolado de seu contexto para ser
adicionado ao novo contexto de um conto de objetos inanimados.
Em Benjamin (1984), o processo de alegorização leva em conta não só a produção,
mas também a recepção, porque ao retirar o fragmento de seu contexto, o alegorista também o
retira de seu curso homogêneo da história. Se esse fragmento pertencer a um contexto de
tradição, seu receptor será capaz de reconhecer o lugar de onde esse fragmento foi arrancado,
bem como a relação que a criança faz entre o contoe o meio ao qual faz parte. Assim, quando
Wagner Costa mostra o isolamento da rosa sem cor e do raio de sol quase apagado, estabelece
30
uma ligação entre a criança que sofre desse mal com a história alegorizada. A criança enxerga
aquele conto, como um momento de entretenimento, porém, por se tratar de uma alegoria,
conversa com a vivência da criança para quando passar por algo semelhante, saiba como lidar.
Por exemplo, no seguinte trecho o autor trata do bullying através do contexto
simplista e maravilhoso do conto para fazer a ligação com o leitor, note que o problema é
vivido pelo personagem do conto, mas a vivência será apreendida pelo leitor:
Diálogo que demonstra um exemplo de bullying - Antes, diga-me uma coisa: você tem certeza de que é uma rosa mesmo?... – a pergunta saiu da boca
de uma rosa muito desconfiada.
- Ué! Claro que sou uma rosa! Não tenho cor, mas vocês, num papo de rosa para rosa, vão me ajudar
a escolher uma cor bem bacana pra mim.
As rosas explodiram na maior gargalhada. Começaram a girar em torno da rosa sem cor e a falar com
caras de diabinhas:
- Sai pra lá, sua vigarista! – disse a rosa amarela.
- Feia!
- Monstrenga!
(O segredo da amizade, Pg.13)
© Criada por Daniel Ferreira, em 18/10/2016.
Em suma, a alegoria é um processo originado na crise do homem que afogado no
tempo, se encontra em constante crise com a sua limitada condição histórica. Em sua busca
pela significação total encontrada no Logos divino, se encontra no paradoxo da harmonia
divina coisa-nome e a transietoriedade dessa mesma relação. Esse conflito é impresso na
fragmentada efemeridade histórica que tenta calar a mudança dessa transição entre coisa e
nome. Desse conflito e produção sobre a relação conjunta, e não mais dicotômica entre
harmonia e confusão, totalidade e fragmentação, o alegorista dá luz à alegoria como figura
expressiva da relação não só linguística e filosófica dos nomes, mas da relação do homem
consigo também. Nos contos infantis, esse conflito é expresso de maneira a auxiliar seus
leitores a encararem as dificuldades da vida de uma forma sadia.
Com essa análise dentro da obra de Wagner Costa, tentei destacar as características
mais essenciais para a obra O Segredo da Amizade, a fim de dar atenção a essas características
em minha tradução e trabalhar os problemas das características principais com mais cuidado e
atenção.
31
CAPÍTULO II
TRADUÇÃO ACRÓSTICA E LUCIFERANA
Neste capítulo tratarei dos aspectos da forma do original no âmbito dos Estudos da
Tradução sob o viés de Haroldo de Campos, Walter Benjamin e Boris Schnaiderman. As
características únicas desse conto diante do cânone dos contos infantis também serão tratadas
com fins tradutológicos, tais como a transcriação/tradução de poemas, expressões e palavras
idiomáticas, gírias, interjeições, onomatopeias e acrósticos. O estudo dessas características
servirá de embasamento para a união da teoria com os dados pontuados no processo
tradutório.
3. Tradução Acróstica
A discussão aqui proposta parte do capítulo “Caleidoscópio de Tradutor” da obra
Tradução, ato desmedido de Boris Schnaiderman. O autor aborda neste capítulo o
intraduzível e sua tradução, pois de acordo com o teórico devemos traduzir “justamente aquilo
que se considera impossível na língua de chegada” (SCHANAIDERMAN, 2015) 30, e isso se
torna mais do que traduzir o intraduzível, mas recriá-lo. O intraduzível se expressana
ineficiência da tradução semanticamente exata, para Schnaiderman, a sonoridade, a métrica, e
outros aspectos são tão ou mais importantes que o sentido. A partir da tradução acróstica da
obra O Segredo da Amizade de Wagner Costa, tento propor uma transcriação da obra.
Na produção da minha transcriação, percebi que toda minha tradução girava em
torno da ordem do acróstico e das alegorias presentes na obra. Isso exigiu uma recriação da
obra na língua francesa, recriação tanto no campo semântico, como no campo métrico e
sonoro. Logo, meu objetivo foi manter os aspectos da forma do original, e manter a mesma
informação estética presente na obra original. Acredito que o meu objetivo foi alcançado
nesta tradução, pois de acordo com Schnaiderman o que importa para a tradução não é apenas
o que é semanticamente exato, mas também como o signo se apresenta - propriedades
sonoras, de imagética visual, etc. (SCHNAIDERMAN, 2015).
A obra O Segredo da Amizade trata da relação entre uma rosa e um raio de sol - que
representam aspectos humanos - e faz o leitor pensar sobre o valor da amizade e da
solidariedade e sobre os preconceitos daqueles que não toleram as diferenças individuais. A
30 Fonte: SCHNAIDERMAN, Boris. Tradução, Ato Desmedido. São Paulo, Perspectiva, 2015.
32
linguagem poética e as ilustrações são recursos utilizados para criar um ambiente propício a
uma reflexão sobre os sentimentos, através de alegorias que resultam num acróstico.
Este acróstico é uma característica chave da forma que a informação estética
(BENSE, 1991) 31- modo como os signos são organizados na construção de um conteúdo
semântico - pode tomar e da intraduzibilidade 32 caracterizada por ela, pois sua tradução
semanticamente exata se mostrou ineficiente. A ineficiência desse tipo de tradução se origina
do fato que a transmissão de informação não é o aspecto mais importante nesse acróstico, mas
a ordem que propõe ao desenvolvimento da trama da história e a relação de cada palavra com
um sentimento e cor diferentes, em outras palavras, a realização da informação estética
(GERONIMO, 2014) 33 construída na obra original. Partindo dessa análise, procurei imprimir
essa relação entre palavras e informação estética que há no acróstico, e conseguintemente na
ordem ehistória dos capítulos.
A realização da poeticidade da obra se expressa através dos últimos seis capítulos do
livro que são intitulados com nomes de sentimentos (Alegria, Magia, Imaginação, Zelo,
Amor e Divisão). No último capítulo, o autor constrói um acróstico da palavra amizade,
usando cada palavra do acróstico como título e tema principal desses capítulos. Os capítulos
são dispostos seguindo a organização do acróstico, e cada capítulo possui uma cor do arco-
íris. No último capítulo, além da apresentação, há também as duas últimas letras do acróstico
(D de divisão e E de esperança), e logo possui duas cores do arco-íris.
Refletindo sobre esta problemática, me inspirei no processo tradutório de Haroldo de
Campos, chamado de Transcriação, no qual o tradutor não tem a tarefa de levar o texto de
uma língua-fonte para uma língua-alvo, mas criar estruturas, dar sonoridade e reformular a
métrica do original. A transcriação parte de um texto criativo ou de um texto estético, como a
poesia. Esses textos propõem desafios aos tradutores e desses desafios se originam a
impossibilidade de tradução, ou intraduzibilidade. A recriação do original surge da
necessidade de solucionar a intraduzibilidade na língua de chegada, levando em conta o
conteúdo e a forma. Por sua vez, o conteúdo e a forma estão relacionados à realização da
informação estética.
A primeira tentativa ao pensar na tradução foi traduzir amizade por amitié, porém, a
palavra no francês possui seis letras e a tradução de algumas palavras do acróstico em
31 Fonte: BENSE, Max. Pequena Estética. São Paulo, Perspectiva, 1971. 32 De acordo com as inferências feitas a partir da leitura da obra de Boris Schnaiderman da obra Tradução, Ato desmedido, o intraduzível é aquilo que foge à tradução semanticamente exata. 33 Fonte: GERONIMO, Vanessa. A Teoria da Transcriação de Haroldo de Campos: O Tradutor como Recriador. Qorpus, v. 1, p. 1, 2014.
33
português não possuía as letras iniciais presente no acróstico da palavra traduzida para o
francês:
Original Versão A, de alegria
M, de magia
I, de imaginação
Z, de zelo
A, de amor
D, de divisão
E, de esperança
A, de gaieté
M, de magie
I, d’imagination
T, de zèle
I, d’amour
- , de division
É, de l'espoir
© Criada por Daniel Ferreira em 15/10/2016.
Ou seja, a tradução da construção do conteúdo semântico não foi satisfatória. A partir
dessa primeira tentativa falha, percebi que seria necessário recorrer à transcriação do
acróstico, levando em conta a informação estética e a realização dela, na tentativa de traduzir
o intraduzível.
Ao me deparar com este problema, pensei na possibilidade de retirar um dos
sentimentos e unir dois capítulos, porém ao realizar os estudos sobre a importância do número
sete para a tradição dos contos e para a humanidade em si, percebi que se tratava de uma
característica da informação estética da obra e por esse motivo deveria ser mantida. Então
busquei por sinônimos da palavra amitié com sete letras e encontrei a palavra entente que
segundo o dicionário online Larousse 34 significa “Fait de s'entendre, de s'accorder;
compréhension mutuelle, harmonie, concorde”. Entente também é um sentimento relacionado
à amizade, além de ser uma das características dela. Entretanto, as traduções dos sentimentos
do acróstico não apresentavam a letra inicial da nova escolha:
E, de gaieté
N, de magie
T, d’imagination
E, de zèle
N, d’amour
T, de division
E, de l'espoir
34 Fonte: http://www.larousse.fr/dictionnaires/francais/entente/29884?q=entente#29784. Acesso em 25/10/2016 às 06:48.
34
Então, optei pela mudança na forma de montar o acróstico, não usando mais a
primeira letra da palavra como referência, mas qualquer letra, contanto que ela esteja na
palavra. Entretanto, ainda com essa alteração as palavras traduzidas não tinham a letra
correspondente no acróstico. Logo, escolhi pesquisar por sinônimos dessas palavras. Como
por exemplo, a palavra enchantement é sinônima de magie em determinados contextos, assim
como tendresse de amour e partage de division:
E, de gaiétE ........................................... E, d’Espoir
N, de magie ........................N, d’enchantemeNt
T de imaginaTion ..................... T, d’imaginaTion
E, d’zélE ......................................... E, de zélE
N, d’amour .......................................N, de teNdresse
T, de division ..................................T, de parTage
E, de l'Espoir ................................ E, de gaiétE
Tendo em vista o meu objetivo de manter a quantidade de sete sentimentos, foi
preciso realizar uma pesquisa linguística sobre as sinonímias e a métrica do posicionamento
das letras do acróstico nas denominações desses sentimentos, para compreender a informação
estética construída na obra original, para então, pesquisar o conteúdo semântico. A partir da
transcriação da informação estética e sua realização, solucionei este problema recriando as
estruturas e a métrica do original.
Ao utilizar essas estratégias tradutórias de Boris Schnaiderman e Haroldo de Campos
para a solução do problema anteriormente apresentado, notei que a maneira com que tratei a
obra e solucionei os problemas de tradução exigiu que eu fosse crítico como um leitor-
tradutor. Em um primeiro momento fui leitor, aquele que consumiu a obra como o público
alvo na língua de partida. Em um segundo momento, fui tradutor, e a partir desse ponto,
precisei fazer uma pesquisa e análise crítica da obra para transcriá-la.
No processo de recriação foi preciso que eu analisasse minhas escolhas e as tornasse
conscientes, ou seja, que eu tivesse um olhar crítico enquanto leitor e tradutor,
simultaneamente. De acordo com Haroldo de Campos:
A tradução de poesia (ou prosa que a ela equivalha em problematicidade) é antes de
tudo uma vivência interior do mundo e da técnica do traduzido. Como que se
desmonta e se remonta a máquina da criação, aquela fragílima beleza aparentemente
intangível que nos oferece o produto acabado numa língua estranha. E que, no
entanto, se revela suscetível de uma vivissecção implacável, que lhe revolve as
entranhas, para trazê-la novamente a luz num corpo linguístico diverso. Por isso
mesmo a tradução é critica. (CAMPOS, 2010a, p. 43)
35
Por conseguinte, ao transcriar a obra não dando atenção somente ao conteúdo
semântico, mas como esse dialoga com o contexto em que está inserido, o tradutor não
responde apenas por esta nomenclatura, mas também responde por transcriador, ao passo que
se liberta da tradução literal, ou “ao pé da letra”. Na transcriação em questão, tive como
objetivo não levar em conta o valor semântico unicamente, fator que facilitou a compreensão
da completitude da obra para que essa pudesse ser transladada para o francês não apagando a
métrica acróstica.
4. Tradução Poética
A tradução acróstica, diferencia-se da tradução em questão no que diz respeito ao
referencial para a tradução, a tradução acróstica tem como referencial o acróstico e a tradução
poética se baseia em sete tabelas foram montadas com os aspectos mais problemáticos. Para a
tradução de alguns desses aspectos foi preciso usar da transcriação de Haroldo de Campos. A
partir da teoria de transcriação e tradução poética, ilustrarei e discutirei algumas escolhas
feitas no decorrer do processo tradutório.
A tradução poética – éstética, literária ou criativa – proposta por Campos (CAMPOS,
1972)35 se atenta ao modo de construção do texto poético, ao aspecto fono-semântico e à sua
configuração semiótica, contrariamente à tradução literal que se utiliza da dicotomia
significante-significado, que visa a “transmissão do conteúdo”. Em outros termos, segundo
Walter Benjamin, a “transmissão inexata de um conteúdo inessencial” (BENJAMIN, 2008)36:
PT FR Solidão tem sete, letras
Mas a alegria
Tem sete letras, também
Segredo tem sete letras
Amizade sete letras tem
Amizade mora no coração
Que tem sete letras, também
La solitude a sept lettres
Mais la joie
A sept lettres, aussi
Le secret a sept lettres
L'amitié sept lettres a
L’amitié vit dans le cœur
Qui a sept lettres, aussi
© Criada por Daniel Ferreira em 15/10/2016.
A tabela acima se trata da poesia apresentada pelo autor no início da obra antes do
conto. O poema se caracteriza pela repetição das palavras sete,letras, também e tem e a
quantidade de letras que as palavras segredo, solidão, amizade, coração e alegria têm: sete
letras. Com base na tradução literal, levei em conta o conteúdo, e a métrica do número sete foi
perdida, apesar da repetição ter sido mantida.
35 Fonte: CAMPOS, Haroldo de. A arte no horizonte do provável. São Paulo: Perspectiva, 1972. 36 Fonte: BENJAMIN, Walter. A Tarefa do Tradutor. Tradução de Susana Kampff Lages. Fale/UFMG, Belo Horizonte, 2008.
36
Realizado o teste da tradução literal com uma poesia, confirmei o que Campos
afirma quando diz que a tradução literal não serve à tradução de textos poéticos (CAMPOS,
1972). Segundo o autor, cada texto poético tem uma organicidade estrutural, em outras
palavras, a maneira com que os elementos poéticos são estruturados no texto, portanto a
forma e o conteúdo em si não devem ser levados em conta, mas a maneira com que se
organizam no plano total do texto. Quando aplicada na tabela acima, a análise da organicidade
estrutural me guiou a manter a métrica e a repetição simultaneamente, pois não somente a
informação semântica e a forma foram levadas em conta, mas a completitude do texto. Da
mesma forma que na tradução do acróstico, busquei por sinônimos das traduções das palavras
de sete letras que mantivesem o valor negativo ou positivo do sentimento, como solidão por
égoïsme, alegria por bonheur e amizade por entente:
PT FR Solidão tem sete, letras
Mas a alegria
Tem sete letras, também
Segredo tem sete letras
Amizade sete letras tem
Amizade mora no coração
Que tem sete letras, também.
L’égoïsme a sept lettres
Mais le bonheur
A sept lettres, aussi.
Le mystère a sept lettres
L’entente, sept lettres aussi
L’entente habite sous la mamelle
Qui a sept lettres, aussi.
© Criada por Daniel Ferreira em 15/10/2016.
A tradução de coração por mamelle se afasta semanticamente do original, pois é
demasiado anatômico e remete a animais, segundo o dicionário online de língua francesa
Larousse. A recriação proposta acima é caracterizada como tal, porque não leva em conta o
nível básico lexical do poema, devido ao fato de se tratar de uma tradução dum texto poético.
Portanto, não se deve tentar entender a estrutura semântica de um texto poético sem apreender
a poética do plano total do texto, ainda que as partes que o compõem sejam igualmente
importantes. De acordo com Gustavo Louro (2003) “o transcriador, quando faz uma decisão
tradutória que aparentemente se distancia do texto, fá-lo, tendo em vista o plano total da obra,
uma vez que não se pode conceber as partes sem um todo.” 37
Ainda consoante a Benjamin (2008), a tradução poética não se resume à
comunicação, mas ao que a obra tem de incomunicável, como uma obra de arte. Paulo Rónai
dialoga com Benjamin quando afirma que o objetivo da obra de arte é o impossível, da mesma
forma que “o poeta exprime (ou quer exprimir) o inexprimível, o pintor reproduz o
irreproduzível, o estatuário fixa o infixável. Não é surpreendente, pois, que o tradutor se
37 Fonte: LOURO, Gustavo Reis. Trans-criar: a poética da tradução de Haroldo de Campos. – Revista Eletrônica de Comologia e Cultura – Cosmos e contexto N. 14, jan, 2003.
37
empenhe em traduzir o intraduzível” (RÓNAI, 1987)38 . Portanto, o tradutor precisará se
atentar à organicidade estrutural para, então, a recriar.
O texto poético é tautológico, isto é, sua “mensagem” e sua estrutura são repetidas da
mesma maneira de diferentes formas, contudo, se uma mudança, mesmo que mínima, é feita
no texto poético, o sentido é completamente alterado. Assim, o texto é um plano total
costituído de estruturas interligadas e isoladas, não têm significado em si, porque dependem
do contexto ao qual pertencem (RÓNAI, 1987). A organicidade estrutural que comporta e é
comportada por essa estrutura textual oferece diversos meios de recriação na impossibilidade
da tradução do incomunicável que reside na forma do texto original, de acordo com Benjamin
(2008), “A tradução é uma forma. Para apreendê-la como tal, é preciso retornar ao original.
Pois nele reside a lei dessa forma, enquanto encerrada em sua traduzibilidade” (BENJAMIN,
2008). Pode-se depreender, então, que as leis que regem a forma do original podem ter dois
nomes, informação estética e organicidade estrutural, ambos conceitos similares e
complementares.
PT FR Maior baixaria, pg. 13 Une bassesse des plus grandes
Sabe que até que é muito bom nós sermos
diferentes na própria semelhança, pg. 25
Tu sais que c’est vraiment bon que nous soyons
différents dans notre propre ressemblance ?
© Criada por Daniel Ferreira em 15/10/2016.
A informação estética nos dois exemplos acima é a antítese de grandeza entre maior
e baixaria, e a antítese de ideia entre diferente e semelhança. Portanto, para transladar esse
objeto estético em específico do original, busquei manter as antíteses na tradução.
Haroldo propõe ainda a tradução hiperliteral (CAMPOS, 1972), que não leva em
conta o sentido literal, mas as estruturas formais do objeto estético. Essas estruturas se
encontram em nível microestético e macroestético, isto é, se leva em conta a palavra em si
(significante x significado) e a relação da palavra com o contexto (parte x todo):
PT FR folgado, pg. 7 léger
gostosão, pg. 8 galant
© Criada por Daniel Ferreira em 15/10/2016.
A informação estética dos exemplos nesse quadro são os traços culturais impressos
por intermédio de gírias. De acordo Dino Preti 39, “gíria é um tipo de linguagem empregada
em um determinado grupo social, mas que pode se estender à sociedade em razão do grau de
38 Fonte: RÓNAI, Paulo. Escola de tradutores. 6ª ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, INL, 1987. 39Fonte: PRETI, Dino. O léxico na Linguagem Popular: A gíria. Revista Matrizes, São Paulo. 2013.
38
aceitação”, isto é, por mais que a gíria empregue uma palavra já existente na língua, o
referente pode ser completamente diferente. Logo, a pesquisa a ser feita diz respeito ao uso
coloquial dessas palavras, ao invés do uso formal, assim como suas traduções. De acordo com
os dicionários online Infopédia e Léxico, a palavra significa despreocupado e em francês de
acordo com o dicionário Larousse “qui se sent libre de toute préoccupation”. Pelo motivo de
não ser uma definição formal no francês optei por mante-lâ. Já na tradução de gostosão tive
perdas, pois a palavra francesa não traz a coloquialidade expressa pela palavra no original,
apenas o sentido de galanteador e convencido.
Na análise dum texto poético e na procura pela informação estética, o tradutor
participa criticamente do processo tradutório, pois precisa fazer escolhas do que deve ou não
ser considerado como parte das leis que organizam tal texto. Usando dessa lei poética de
recriação, o translador recria o abalo que o original causou na língua de partida na língua de
chegada por meio da recriação. Por exemplo, as expressões “Pelas asas da rosa voadora que
sou eu!”, pg. 11, e “barata descascada”, pg. 8, são imagens criadas pelo autor nessa obra em
específico, logo terão de ser mantidas (RÓNAI, 1987); o resultado da tradução foi
respectivamente “Par les ailes de la rose volante, que c’est à dire moi !” e “cafard décortiqué”.
Por outro lado, quando uma construção é enraizada no patrimônio da língua, o
tradutor “terá de substituí-la por outro modismo do idioma para o qual traduz [...]” (RÓNAI,
1987). Por exemplo, a interjeição, que é uma ideia expressa por uma palavra ou conjunto de
palavras que poderia ser colocada em termos de uma sentença40, faz parte do conjunto de
modismos da língua portuguesa, então, pesquisei o que cada interjeição ou locução interjetiva
expressa na língua portuguesa e com o auxílio de um dicionário de interjeições francês-
português a substituição de um modismo pelo outro foi possível por meio da correspondência
dos usos:
PT Definição FR Definição minha nossa, pg. 11 “Essa expressão está
ligada à imagem de
nossa senhora que é
usada pela igreja
católica. Usa-se para
dar ênfase no que é
dito.” 41
Dame ! Exclamação ligada à
imagem de nossa
senhora usada para dar
ênfase ao que se diz. 42
Ai, ai, ai!,pg. 7 “Exprime dor,
lamento, queixume
Aïe, aïe, aïe ! Exclamação usada em
sinal de dor, remorso,
40 Fonte: http://www.soportugues.com.br/secoes/morf/morf89.php. Acesso em 25/10/2016 às 13:21. 41 Fonte: http://robertodedeus.com/portal/?p=46. Acesso em 25/10/2016 às 13:25. 42 MONTEIRO, Tamiris; XATARA, Claudia. Dicionário de Interjeições Francês-Português. Plano Editora, São Paulo, 2010.
39
e, por vezes,
alegria.” 43
lamento.44
Bravo!,pg. 37 “Exclamação que
exprime aplauso ou
aprovação.”45
Bravo! Exclamação usada em
sinal de grande
aprovação.46
Pimba!,pg. 37 “Exprime um
acontecimento
rápido, inesperado
ou o fim de uma
ação.” 47
Pan !48 “Onomatopeia que
traduz o barulho
ocasionado pela queda,
choque ou explosão de
um corpo. Pode
simbolizar também
uma ação repentina e
rápida.”
© Criada por Daniel Ferreira em 19/10/2016.
Dessa maneira, assim como as obras de arte criam seu próprio modo de fazer que
desobede aos parâmetros impostos pela tradição, o transcriador cria o modo de fazer próprio
da recriação, desobedecendo à tradução tradicional, que afirma que devemos fidelidade no
nível lexical e semântico. Consequentemente, a tradução poética busca manter o modo de
fazer da obra original, recriando-a numa língua diferente.
A seguir, na tradução exemplificada, o modo de fazer do original é caracterizado
pelo uso de seres inanimados como protagonistas de uma história que retrata a realidade de
humanos. Os nomes desses personagens não são tratados como substantivos próprios pelo
autor na obra original, pois não são iniciados com letra maiúscula, característica que foi
mantida na tradução. Outra característica importante é o diminutivo de um dos nomes na
língua portuguesa que foi transladada para a língua francesa:
PT FR A rosa (pg. 7) La rose
O sol (pg. 19) Le soleil
O vento (pg. 7) Le vent
Raiozito, p. 18 Rayonnet
© Criada por Daniel Ferreira em 19/10/2016.
Enfim, a tradução poética ou recriação não respeita os parâmetros impostos pela
tradução literal, pelo contrário, rompe com a tradição da fidelidade ao léxico e ao conteúdo.
Meu objetivo, assim com o da tradução poética, é de compreender a microestrutura e a
macroestrutura do texto, dado que a tradução literal é insuficiente para a tradução desse tipo
43 Fonte: http://www.priberam.pt/dlpo/ai. Acesso em 25/10/2016 às 13:28. 44 Fonte: http://www.larousse.fr/dictionnaires/francais/a%C3%AFe%C2%A0_/1853. Acesso em 25/10/2016 às 13:32. 45 Fonte: http://www.priberam.pt/. Acesso em 25/10/2016 às 13:35. 46(MONTEIRO; XATARA, 2010) 47 Fonte: http://www.priberam.pt/dlpo/pimba. Acesso em 25/10/2016 às 13:40. 48(MONTEIRO; XATARA, 2010)
40
de obra. Enquanto transcriador, busquei usar a informação estética – o modo de fazer – do
original e o recriar na língua alvo.
5. Tradução Luciferina
O referencial que diferencia essa tradução das outras é o papel de destaque do
tradutor como um traidor, visto que o ato tradutório é um processo que se encontra entre duas
culturas diferentes, logo, não é possível transladar todos os aspectos do original na tradução.
Por isso, a tradução é um jogo interminável de perdas e ganhos, segundo Schnaiderman
(2003), cabe ao tradutor acrescentar esses aspectos em outras passagens, aspectos esses
inerentes ao projeto de escritura do autor (SCHNAIDERMAN, 2003) 49. Neste tópico, a lei
das compensações em poesia será contrastada com os exemplos retirados da minha tradução,
e com a transcriação luciferina segundo Haroldo de Campos (CAMPO, 1972).
Haroldo de Campos afirma que como a filosofia, a tradução não tem uma musa, mas
um anjo: Lúcifer ou Satan. Segundo Haroldo (1972) a partir da análise e tradução da obra
dantesca Paradiso, Lúcifer é responsável por superar o signo, quebrando o tradicionalismo
que somente o significado deve ser traduzido. Ao privilegiar o significado de uma obra, o
considerando uma característica-chave para a tradução, o inessencial da obra é privilegiado.
Entretanto, tal anjo da tradução tem a responsabilidade, não só de transladar uma mensagem
inteligivél, mas também o fazer poético da transcriação integramente à língua alvo, como se
nela tivesse sido escrito (CAMPO, 1972).50 Schnaiderman não discorda desse fato haroldiano
ao afirmar que “torna-se imperativo conseguir na língua alvo aquilo que se realizara na língua
de partida e que estava tão claramente exposto pelo artista criador”. (SCHNAIDERMAN,
2003)
Retomando Haroldo (1972), Schnaiderman (2003) afirma que cada texto poético
possui um tom exato que deve ser percebido e encontrado pelo tradutor e transladado para a
língua alvo a partir do repertório de tal língua, o processo chamado de realização poética. O
translador deve transgredir o conteúdo e recusar traduzir qualquer elemento considerado
inessencial, no caso da tradução literal, a mensagem, assim, pode compreender o abalo que o
original causou em sua língua e transcriar esse abalo na língua da tradução ao perceber o tom
exato do texto poético, segundo Rudolf Pannwitz, “O erro fundamental de quem traduz é
49 SCHNAIDERMAN, Boris. Haroldo de Campos e a transcriação da poesia russa moderna. Fragmentos: Revista de Língua e Literatura Estrangeiras, Santa Catarina, v. 25, p. 9-18 , 2003. 50 Fonte: CAMPOS, Haroldo de. A arte no horizonte do provável. São Paulo: Perspectiva, 1972.
41
apegar-se ao estado fortuito da própria língua, ao invés de deixar-se abalar violentamente pela
língua estrangeira.” (BENJAMIN, 2008)
A criação poética de uma obra se dá dentro de um dado contexto cultural, linguístico
e temporal, portanto, há frutos da criação poética que são intrínsecos ao original. No processo
tradutório, alguns desses frutos podem ser recriados, consoante à sua informação estética ou
tom exato, mas outros não usufruem dessa possibilidade pelo fato de estarem em outra
cultura, outra língua e outro tempo, então cabe ao anjo traídor da língua acrescentar, em
outras partes, “os procedimentos que são inerentes ao trabalho criador do original”
(SCHNAIDERMAN, 2003). Por exemplo:
PT FR Deu uma de desentendido, pg. 41 prétendit qu’il ne savait rien
Aí a coisa se complica, pg. 19 nous sommes assis entre deux chaises
© Criada por Daniel Ferreira em 30/10/2016.
A obra de Wagner Costa se caracteriza pela presença de expressões idiomáticas e
rimas, na tradução do primeiro exemplo o valor de expressão idiomática foi perdido, o que fez
com que se tornasse uma tradução explicativa por não ser possível encontrar uma expressão
correspondente na língua francesa. Então, compensei essa perda na tradução do segundo
exemplo em que o original trata de forma coloquial uma expressão simples da língua, porém
na tradução optei por uma expressão idiomática correspondente.
Na tabela seguinte, fiz o papel do anjo da tradução, o papel de Lúcifer - ou Satan -,
que transgride, não somente o conteúdo da obra original, mas também os entraves impostos
pela tradução literal. Esse processo, por sua vez, exigiu que eu retornasse ao original para
analisar sua base estética e identificar seus processos estéticos. No primeiro exemplo temos a
repetição da palavra procura e da repetição do som /ai/ em daqui e dali, porém não consegui
transladar essas características para a língua francesa. À vista disso, optei por traduções
expressões que apresentassem rimas, como no segundo e terceiro exemplo em que as
expressões originais não têm rimas, na segunda tradução pas, quoi e soit rimam, assim como
no terceiro exemplo a repetição da letra E e das consoantes oclusivas orais linguodentais /t/ e
/d/:
PT FR Procura daqui, procura dali, pg. 7 Il chercha ici et là
O vento nem esperou a rosa falar qualquer coisa,
pg. 17
Le vent n’attendit même pas que la rose dise quoi
que ce soit
Abraço carinhoso, pg. 8 Tendre étreinte
© Criada por Daniel Ferreira em 31/10/2016.
42
Após a identificação dos processos estéticos de Wagner Costa, pude transcrever o
texto poético, mesmo que esses processos não estivessem na respectiva tradução que
apresentou tais objetos estéticos. A realização poética poderá ser percebida em outras
expressões, conforme a lei de compensação em poesia de Boris Schnaiderman. Os resultados
dessa tradução se constrastam com o original, de forma que são dois textos diferentes com a
mesma forma, diz-se realização poética, em outras palavras, usei o mesmo método criativo e
poético da obra original, mas transcriado em outra língua. Nas palavras de Maria Luiza
Berwanger, “a angústia de exprimir o inexprimível, atenuada pela própria nomeação deste
conflito do dizer pelo recurso à transcriação, garante a retratação do intraduzível do texto
original.” (SILVA, 2006) 51
Na produção do que eu acreditava ser a última versão da obra, me vi frente a mais
um “dragão-de-sete-cabeças” e parecia que eu estava traduzindo tudo novamente, devido ao
nível de dificuldade da problemática que se apresentava. Entretanto, após “derrotar o gigante”
pude não só vislumbrar a complementação das línguas numa pura língua (BENJAMIN,
2008), como trazer para minha tradução um fragmento dela, segundo Maria Luiza Berwanger,
investir:
[...] no gesto de “atravessar” o ato de transcriar para “medir el infinito”,
representando através deste ato, não só a figura do tradutor-ressimbolizador ou “le
maître secret de la différence des langues” [...], mas, sobretudo, como aquele que, ao
emprestar seus “cinco sentidos” à visualidade da paisagem transiderada pela dança
de estrelas como dança de palavras : “O tradutor de poesia é um coreógrafo de dança
interna das línguas tendo o sentido [...] não como meta linear de uma corrida termo-
a-termo, [...] mas como um bastidor, semântico ou cenário pluridesdobravél dessa
coreografia móvel” [...], dá a ver [...] no texto transcriado ou transubstanciado, o
lugar de transfêrencias estéticas e culturais. (SILVA, 2006)
No décimo-terceiro capítulo – Amor – percebi que havia um jogo entre sentimento e
cor no seguinte diálogo entre a rosa e raiozito:
Capítulo Amor ─ Descobriu o quê, raiozito?
─ O seguinte: qual é a cor do amor?
─ Dizem que é vermelha.
─ Descobri que o amor de amizade é azul.
(COSTA, 1994)
© Criada por Daniel Ferreira em 03/11/2016.
Logo, a relação do sentimento amor com a cor vermelha era o tom exato no capítulo
em questão. No entanto, havia chegado à conclusão de traduzir amor por affection, devido à
problemática do número sete dentro do acróstico. Porém, o sentimento affection não é
51 Fonte: SILVA, Maria Luiza Berwanger. Transcriar, transubstanciar: a homenagem dos “cinco sentidos” de Haroldo de Campos a Giuseppe Ungaretti, Revista Brasileira de Literatura Comparada, Rio de Janeiro. Volume9, p. 269 – 282, Abralic – Associação Brasileira de Literatura Comparada, 2006.
43
relacionado à cor alguma no francês ou no português. Visto que o acróstico se organizava da
seguinte forma:
E, de gaiétE
N, de enchantemeNt
T, d’imaginaTion
E, de zélE
N, d’affectioN
T, de parTage
E, d’Espoir
O capítulo que trata da cor do amor é o correspondente ao segundo N do acróstico de
affection. Fiz uma pesquisa sobre a relação desses sentimentos e das cores e encontrei apenas
um sentimento que tinha uma relação tão notável como a de amor e vermelho: espoir que se
relaciona com a cor verde, assim como na língua portuguesa. Então, fiz uma análise da
maneira com que os capítulos se organizam – como eram iniciados, como eram continuados e
como eram finalizados – e percebi que o início e o fim de cada capítulo funcionam como uma
“casca” - parte em negrito - que envolve o “miolo” semelhante a um abacate:
Representação da “Casca” e do “Miolo” - Capítulos 9 e 13
Início do capítulo - Casca Meio do capítulo –
Miolo
Fim do capítulo - Casca
9. Alegria
Raiozito de sol quase apagado e a
rosa sem cor, mas de pétalas abertas,
miravam-se no fundo dos olhos.
O vento soprou e fez com que uma
gotinha de orvalho da manhã caísse
bem no rosto da rosa.
A luz branca do olhar de raiozito
refletiu-se na gotícula.
Então, aconteceu…
O vermelho ocupou as pétalas da
rosa e vermelho também ficou o
feixe de luz de raiozito.
─ Você esta vermelha!
─ Você esta vermelho!
─ É de alegria pela nossa
amizade, rosa!
─ Alegria é coisa que vejo
em seus olhos, amigo…
─ Alegria que estava
guardada dentro de mim,
prontinha para oferecer a
você, amiga…
─ Alegria que acaba de dar
um pontapé no traseiro da
minha tristeza…
─ Alegria que está me
fazendo sentir de bem com a
vida…
─ Alegria de podermos
dizer: amigos!
─ Achamos!
Alegria é a primeira coisa
que chega com a amizade.
E, dando pulos de alegria, o vento
jogou a segunda gotinha de
orvalho no rosto da rosa…
13. Amor
Raiozito, que já estava azul, não se
conteve ao ver a rosa azulada:
─ Você é um amor, rosa!
─ Você também, amigo. ─
Descobri!
─ [...] que tal uma valsa, senhor
príncipe raiozito azul ?!
─ Só se for agora, rosa
44
─ Descobriu o quê,
raiozito?
─ O seguinte: qual é a cor
do amor?
─ Dizem que é vermelha.
─ Descobri que o amor de
amizade é azul.
─ Amor de amizade!
É isso!
Amizade é uma forma de
amor.
─ Somos diferentes,
mesmo.
princesinha azulada.
O vento assobiou uma valsa.
Dançaram até o cansaço.
Aí, então, o vento jogou a sexta
gotícula no rosto da rosa, que a
luz do olhar de raiozito
transformou em…
© Criada por Daniel Ferreira em 03/11/2016.
Busquei uma possibilidade de troca entre os sentimentos baseada na presença das
letras da palavra central do acróstico nos sentimentos. Assim, vi a possibilidade de trocar os
sentimentos e adaptar o miolo do capítulo ao sentimento inserido: espoir por zéle ou gaiéte já
que essas palavras apresentam a letra E em sua construção e não apresentavam uma relação
entre sentimento e temática tão intrínsecos como os outros sentimentos, o que facilitaria uma
possível mudança no miolo desses capítulos:
Sentimento Temática
E, de gaiétE O sentimento alegria se relaciona às sensações
momentâneas sentidas pela rosa e por raiozito.
N, d’enchantemeNt A magia se relaciona aos sentimentos que um
personagem desperta no outro.
T, d’imaginaTion A imaginação se relaciona à vontade dos
personagens de dar longevidade à recente amizade.
E, de zele O zelo está relacionado às palavras “zelador” e
“zeladora”, que é um compromisso que os
personagens firmam de cuidar da amizade.
N, d’affection O amor se relaciona a cor vermelha para que
raiozito quebre essa imagem, chegando à
descoberta que o amor tem outra cor.
T, de parTage A divisão é o clímax da obra, o momento no qual o
acróstico será apresentado por intermédio da
divisão da palavra “amizade”.
E, d’Espoir A esperança é apresentada na esperança do
narrador de que a amizade floresça como a rosa na
vida de seus leitores.
© Criada por Daniel Ferreira em 04/11/2016.
À vista de que espoir tem uma relação com a cor verde e a problemática a ser
resolvida era a do capítulo em que o amor se relaciona com o vermelho, escolhi colocar espoir
no miolo do capítulo sobre o amor. Entretanto, a letra do capítulo de acordo com a palavra
central do acróstico - entente - é a letra “N, d’affectioN”, e espoir não apresenta essa letra.
Então, levando em conta a análise sobre sentimento x temática e a primeira letra do acróstico
que deve estar presente na palavra do sentimento, optei por colocar espoir com o miolo do
45
capítulo “amor” na casca do capítulo “alegria” e colocar a tradução desse sentimento, gaiéte,
na última letra do acróstico, visto que “gaiétE” apresenta a primeira letra proposta pela
palavra central do acróstico E, seguindo a lei das compensações em poesia.
(SCHNAIDERMAN, 2003)
Nessa situação, os resultados contrastados foram os seguintes:
Original Versão 7 Versão 8
9. Alegria
[...]
─ Você esta vermelha!
─ Você esta vermelho!
─ É de alegria pela nossa
amizade, rosa!
─ Alegria é coisa que vejo em
seus olhos, amigo…
─ Alegria que estava guardada
dentro de mim, prontinha para
oferecer a você, amiga…
─ Alegria que acaba de dar um
pontapé no traseiro da minha
tristeza…
─ Alegria que está me fazendo
sentir de bem com a vida…
─ Alegria de podermos dizer:
amigos!
─ Achamos!
Alegria é a primeira coisa que
chega com a amizade.
[...]
9. Gaieté
[...]
─ T’es rouge!
─ T’es rouge !
─ C’est de gaieté pour notre
amitié, rose !
─ La gaieté est quelque chose
que je vois dans tes yeux, ami …
─ Gaieté qui était gardée en moi,
toute prête pour te l’offrir, amie
…
─ Gaieté qui vient de botter le
train de ma tristesse …
─ Gaieté qui me fait me sentir
bien dans la vie …
─ Gaieté de pouvoir nous dire :
amis !
─ On a trouvé !
Gaieté est la première chose qui
vient avec l’entente.
[...]
9. Espoir
[...]
─ T’es rouge !
─ T’es rouge !
─ C’est d’un sentiment que tu
vas jamais deviner !
─ Qu’est-ce que c’est? ! Qu’est-
ce que tu as découvert, rayonnet
?
-
─ Le suivant: quelle est la
couleur de l'espoir ?
─ On dit qu'il est vert. ─ J’ai
découvert que l'espoir de
l’entente est rouge. ─ Espoir
d’entente !Eurêka ! L’entente est
une forme d'espoir.
─ Nous sommes différents, c’est
vrai.
Ils vont dire que nous sommes
cinglés quand nous dirons que
l'espoir de l’entente est rouge !
─ On a trouvé !
Espoir est la première chose qui
vient avec l’entente. [...]
© Criada por Daniel Ferreira em 04/11/2016.
Diante do fato da impossibilidade de encontrar a correspondência entre affection e
uma cor como no original, transportei “os procedimentos inerentes ao trabalho criador do
original” (SCHNAIDERMAN, 2003) para outra passagem. Para isso, foi preciso realizar
algumas adaptações ao sentimento inserido para que a história mantivesse o sentido, mas a cor
referente ao capítulo original foi mantida – frisando que as partes em negrito se referem ao
miolo do capítulo – assim como no capítulo “amor”:
Original Versão 7 Versão 8
13. Amor
[...]
─ Você é um amor, rosa!
─ Você também, amigo. ─
Descobri!
13. Affection
[...]
─ T’es un amour, rose !
─ Toi aussi, mon ami.
─ J’ai découvert quelque chose !
13. Tendresse
[...]
─ T’es bleu!
─ T’es bleue !
─ C’est de tendresse pour notre
46
─ Descobriu o quê, raiozito?
─ O seguinte: qual é a cor do
amor?
─ Dizem que é vermelha.
─ Descobri que o amor de
amizade é azul.
─ Amor de amizade!
É isso!
Amizade é uma forma de amor.
─ Somos diferentes, mesmo.
Vão pensar que estávamos
pirados quando dissermos por aí
que o amor de amizade é azul!
[...]
─ Qu’est-ce que tu as découvert,
rayonnet ?
─ Le suivant: quelle est la
couleur de l'amour ?
─ On dit qu'il est rouge.
─ J’ai découvert que l'amour de
l’entente est bleu.
─ Amour d’entente !
Voilà !
L’entente est une forme d'amour.
─ Nous sommes différents, c’est
vrai.
Ils vont dire que nous sommes
cinglés quand nous dirons que
l'amour de l’entente est bleu !
[...]
amitié, rose !
─ La tendresse est quelque
chose que je vois dans tes yeux,
ami …
─ Tendresse qui était gardée en
moi, toute prête pour te l’offrir,
amie …
─ Tendresse qui vient de botter
le train de ma tristesse …
─ Tendresse qui me fait me
sentir bien dans la vie …
─ Tendresse en t’appeler : amis !
[...]
© Criada por Daniel Ferreira em 04/11/2016.
Devido às adaptações entre sentimento e temática, escolhi trocar affection por
tendresse que também é um sinônimo de amour. Assim sendo, a transcriação se mostrou
possível graças à complementaridade entre as línguas, pura língua (BENJAMIN, 2008). A
intraduzibilidade da obra se expressou de forma que transgredir o conteúdo não foi apenas
uma escolha, mas uma necessidade.
Por conseguinte, ao transgredir o conteúdo de um texto poético, o tradutor se liberta
da tradução literal, podendo buscar o tom exata do texto e fazer com que a aquela obra se
realize poeticamente na nova língua como se tivesse sido escrita nela. Nesse processo, meu
objetivo foi de dessimbolizar ou denscontruir a informação estética para ressimbolizá-la ou
reconstrui-la, transgredindo o sentido para expandir os horizontes de possibilidades de
recriação.Me tornei“um território do imaginário” (SILVA, 2006) em que duas poéticas se
revitalizam, revitalizando o original com minha recriação, e o original permitindo ser tocado
por um traidor da língua, um anjo caído.
47
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante da dificuldade em proficiência da língua francesa, o processo de tradução foi
realizado de maneira a respeitar a completude da obra artística O Segredo da Amizade. Após a
tradução, uma análise acerca dos apectos linguísticos, estilísticos, semióticos e fono-
semânticos foi realizada para a caracterização do projeto de escritura do autor, com a
finalidade de compreender o modo com que esses aspectos se relacionam entre si e sua
hierarquia de importância. As alterações na tradução posteriores à pesquisa do projeto de
escritura do autor foram inevitáveis, visto que na produção da primeira versão o tradutor tende
a apagar as características do original, além dos erros de língua – especificamente um tradutor
graduando e iniciante. Entretanto, as alterações continuaram no projeto de tradução, já que
nele foram justificadas as escolhas de tradução dos aspectos mais pertinentes da obra.
A pesquisa sobre a vida e obra do autor foi o guia para que eu pudesse inferir a
relação da obra traduzida com o movimento modernista, que busca integrar a cultura de
maneira antropofágica, aspecto que pode ser percebido com as características da tradição dos
contos de fadas presentes na obra de Wagner de Costa de uma nova forma, diante da mistura
da narração com diálogos e a ausência de humanos, por mais que os personagens não-
humanos tivessem vivências humanas. Raiozito e a rosa descobrem juntos o prazer dos sete
sentimentos da amizade que aqui se torna entente, que carregam consigo as sete cores do
arco-íris, assim como as diversas tradições orais que carregam os mistérios escondidos no
número sete.
O bullying tratado sob o viés da métrica do número sete e sofrido por uma rosa por
não ter cor e por um raio de sol por ser quase apagado reflete os fragmentos das vivências
humanas esvaziados pelo autor e repreenchidos duma nova significação num novo contexto.
Experiência que guia toda a trama da história para o seu “heureux pour toujours”.
Acompanhando todo esse processo temos um traidor da língua e de sua cultura, que busca não
só transpor uma vivência, mas também o modo como ela foi transcriada para outras.
A transcriação proposta nesse artigo teve como objetivo reafirmar a tradução literária
como arte. Para alcançar tal objetivo, foi preciso trabalhar com características além do
sentido, como a organização formal. A partir de um texto poético dito intraduzível, pude
propor uma transcriação - ou recriação – por intermédio da trangressão do conteúdo. Como
um agente angelical luciferino, fui o trangressor da significação – o demônio que transgrediu
o inessencial representado pela mensagem – a fim relevar poeticamente na minha transcriação
48
luciferina o casulo alegórico que é o texto original. Assim, acredito que não só interpretei
como também fui Satan, como um transcriador da tradução, porque procurei respeitar a
informação estética, a idenficando e a reproduzindo na língua alvo, deixando que minha
recriação abale a língua francesa como a obra original abalou a língua brasileira, ao mesmo
tempo, que levei a obra a dois extremos: da infância – ao tratar de um conto infantil - ao
inferno – no papel de traidor da língua, Lúcifer.
49
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JUNKES, Lauro. O Processo de Alegorização em Walter Benjamin.
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52
APÊNDICES
1. Tradução em Espelhamento
O segredo da amizade Le mystère de l’entente
Solidão tem sete, letras L’égoïsme a sept lettres
Mas a alegria Mais le bonheur
Tem sete letras, também A sept lettres, aussi.
Segredo tem sete letras Le mystère a sept lettres
Amizade sete letras tem L’entente, sept lettres aussi
Amizade mora no coração L’entente habite sous la mamelle
Que tem sete letras, também Qui a sept lettres, aussi.
1. Um lamento entre as pedras 1. Une complainte parmi les roches
O vento ventava pela montanha, todo belo e
folgado, quando escutou um longo
“Uuuoooaaa…”
Le vent ventait dans la montagne, tout beau et
léger, quand il entendit un long «
Oouuhoooaaa ».
Achou engraçado e pensou lá com seus
botões de vento: “Deve ser alguém
acordando, bocejando e se espreguiçando.
Il trouva cela drôle et il pensa à son bonnet de
vent : « Ce doit être quelqu'un qui se réveille,
bâille et s’étire les membres.
Que tenha um bom dia!” Passe une bonne journée ! »
Mas aquele “Uuuoooaaa …” se transformou
num triste “Ai, ai, ai!”
Mais ce « Oouuhoooaaa » devint un triste «
Aïe, aïe, aïe ! »
“Epa! « Holà !
Alguém esta reclamando da vida logo de
manhã.
Quelqu'un se plaint de la vie dès le matin.
Quem sabe eu posso ajudar.” Peut-être que je peux l’aider. »
Então o vento passou a seguir o som daquele
lamento.
Puis le vent commença à suivre le son de
cette complainte.
Procura daqui, procura dali, até que avistou
entre as pedras uma estranha coisa, que
repetia o “Ai, ai, ai”, suspirando de tristeza.
Il chercha ici et là, jusqu'à ce qu’il trouve
parmi les roches une étrange chose qui
répétait le « Aïe, aïe, aïe », en soupirant de
tristesse.
O vento chegou mais perto e viu: não era uma
coisa, era uma rosa.
Le vent se rapprocha et vit : ce n’était pas une
chose, c’était une rose.
Uma rosa com as pétalas fechadas, secas. Une rose avec des pétales fermés, secs.
53
Uma rosa sem cor. Une rose sans couleur.
Transformando-se em brisa para não assustá-
la, o vento se aproximou.
Le vent devint brise pour ne pas l'effrayer et il
se rapprocha.
─ Oi, bom dia, rosa! ─ Salut, bonjour, rose !
A flor se espantou com aquela presença
inesperada, mas disse:
La fleur s’effraya de cette présence
inattendue, mais déclara :
─ Bom dia só se for pra você. ─ Bonjour seulement si c’est pour toi.
Pra mim será um péssimo dia; aliás como
todos os dias! ─ a rosa estava de muito mau
humor.
Pour moi, ce sera une mauvaise journée ;
d’ailleurs comme tous les jours ! - la rose
était de très mauvaise humeur.
─ Espera aí, rosa, também não é assim… ─ Attends, rose, ce n'est pas comme ça non
plus…
─ Não é pra você, que pode ventar todo
gostosão por aí.
─ Ça ne l’est pas pour toi, qui peut venter
tout galant là.
Eu tenho de ficar aqui, presa nestas pedras,
esquecida do mundo.
Je dois rester ici, prisonnière dans ces roches,
oubliée du monde.
─ Puxa! ─ Oh la la !
Você esta amarga, heim, menina? T’es amère, hein, petite fille !
Vamos conversar ─ o vento envolveu a rosa
sem cor num abraço carinhoso.
Allons discuter - le vent enveloppa la rose
sans couleur dans une tendre étreinte.
O gesto de afeto funcionou e a flor pôs para
fora o que sentia:
Le geste d'affection marcha et la fleur cracha
ce qu’elle avait dans son coeur :
─ É uma barra esta minha vida aqui sozinha. ─ Elle est dure, ma vie ici, toute seule.
E, além de tudo, olhe para mim: uma rosa
sem cor, parecendo uma barata descascada.
Et en plus, regarde-moi : une rose sans
couleur comme un cafard décortiqué.
A rosa solitária chorou. La rose solitaire pleura.
O vento se comoveu com a solidão da nova
amiga.
Le vent était ému par la solitude de la
nouvelle amie.
De novo, pensou com seus botões e… teve
uma ideia.
Encore une fois, il parla avec son bonnet …
Et il eut une idée.
─ Não seja por isso! ─ T’en fais pas !
Venha comigo! ─ delicadamente, o vento
suspendeu a rosa no ar e saiu voando com ela.
Viens avec moi ! – délicatement le vent
souleva la rose dans l'air et s’envola au loin
avec elle.
2. A rosa voadora 2. La rose volante
54
A rosa esperneava e gritava com medo da
altura.
La rose gigotait et criait de peur de la hauteur.
─ Me põe no chão! ─ Pose-moi par terre !
Quero descer! Je veux descendre !
O que você está fazendo, seu maluco? Qu’est-ce que tu es en train de faire ? T’es
dingo ?
─ Fica fria. ─ Garde ton sang-froid.
Não tem perigo. Y a aucun risque.
Você vai conhecer uma turma muito legal. Tu vas connaître un groupe très chouette.
A flor percebeu que o vento seria incapaz de
qualquer maldade.
La fleur se rendit compte que le vent serait
incapable de lui faire du mal.
Sentiu firmeza e foi se encantando com a
paisagem lá embaixo.
Elle sentait de la fermeté et était enchantée
avec le paysage là en bas.
─ Uau! ─ Ho ho !
Que maravilha! C’est si merveilleux !
Eu jamais imaginei que a terra fosse tão
grande, minha nossa!
Je n’ai jamais imaginé que la terre était si
grande, Dame !
Olha como as pedras da minha montanha
ficaram tão pequenininhas.
Regarde comme les pierres de ma montagne
sont devenues si petites.
─ Você, agora, é uma rosa voadora ─ o vento
brincou para deixa-la mais à vontade.
─ T’es maintenant une rose, une rose volante
– le vent plaisanta pour la laisser plus à l'aise.
Ela já estava mais do que à vontade e pediu: Elle se sentait plus que bien et demanda :
─ Vamos até as estrelas e fazer, também uma
visitinha à lua?
─ Allons jusqu’aux étoiles et rendons
également une petite visite à la lune ?
─ Hoje não. ─ Pas aujourd'hui.
Outro dia levo você. Un autre jour, je t’emmène là-bas.
Prometo. Promis.
Agora vamos aterrissar na floresta. Nous allons atterrir maintenant dans la forêt.
─ Genial! ─ Génial!
Sempre tive uma bruta vontade de conhecer
as plantas, flores, todo o pessoal da floresta.
J'ai toujours eu une forte volonté de connaître
les plantes, les fleurs, tout le monde de la
forêt.
─ Tudo bem. ─ Bien.
55
Você vai conhecer todo esse pessoal, mas
antes quero que conheça uma turma muito,
mas muito especial para você.
Tu vas connaître tous ces gens, mais je veux
avant que tu connaisses une troupe très, mais
très spéciale pour toi.
─ Quem? ─ Qui ?
─Elas! ─ o vento baixou a rosa sem cor bem
no meio de muitas rosas coloridas.
─ Elles ! – le vent baissa la rose incolore au
milieu de beaucoup de roses colorées.
─ Pelas asas da rosa voadora, que sou eu! ─ Par les ailes de la rose volante, que c’est à
dire moi !
Que lindas! Comme elles sont belles !
3. Maior baixaria 3. Une bassesse des plus grandes
─ Atenção, meninas. ─ Attention les filles.
Esta é irmã de vocês! ─ o vento bateu palmas
chamando a atenção.
Celle-ci est votre soeur ! - le vent tapa dans
les mains attirant leur attention.
As rosas olhavam admiradas a rosa sem cor,
que falava sem parar:
Les roses regardèrent étonnées la rose sans
couleur, qui parlait sans arrêt:
─ Você tem certeza de que ela é nossa irmã? ─ T’es sûr qu'elle est notre sœur ?
─ Claro. ─ Bien sûr.
Tá na cara. C’est clair comme de l’eau de roche.
Rosas são todas parecidas. Les roses sont toutes pareilles.
─ Eu parecida com isso aí?! ─ disse uma rosa
toda “atacada”.
─ Moi ! Je ressemble à ça ? - dit une rose
toute pétulante.
─ E o que ela veio fazer aqui? ─ perguntou
outra.
─ Qu’est-ce qu’elle est venue faire ici? –
demanda une autre rose.
─ Conhecê-las e quem sabe até morar com
vocês.
─ Pour vous connaître et peut-être même
vivre avec vous.
─ Eu adoraria! ─ disse a rosa visitante pondo
a mão no peito para segurar a emoção que
sentia.
─ Ce serait super ! - dit la rose en visite
mettant sa main sur sa poitrine pour retenir
l'émotion qu'elle ressentait.
─ Adoraria, é? ─ indagou uma rosa de
olhinhos redondos.
─ Ce serait super, hein ? – l’interpela une
rose aux yeux ronds
─ Adoraria de paixão. ─ Ce serait vraiment génial.
Agora que sei que vocês existem, que sei que
tenho uma família, não quero mais nada desta
vida!
Maintenant que je sais que vous existez, que
je sais que j’ai une famille, je ne veux rien
d’autre de cette vie !
Posso ficar? Je peux rester ?
56
─ Antes, diga-me uma coisa: você tem
certeza de que é uma rosa mesmo? … ─ a
pergunta saiu na boca de uma rosa muito
desconfiada.
─ Avant ça, dis-moi une chose : t’es sûre
d’être vraiment une rose ?… - la question
sortit de la bouche d'une rose très méfiante.
─ Ué! ─ Ben...
Claro que eu sou uma rosa! Bien sûr que je suis une rose !
Não tenho cor, mas vocês, num papo de rosa
para rosa, vão me ajudar a escolher uma cor
bem bacana pra mim.
J’ai pas de couleur, mais vous, dans une
discussion de rose à rose, vous m’aiderez à
choisir une couleur super géniale pour moi.
As rosas explodiram na maior gargalhada. Les roses explosèrent dans le plus grand éclat
de rire.
Começaram a girar em torno da rosa sem cor
e a falar com caras de diabinhas:
Elles commencèrent à tourner autour de la
rose sans couleur et à parler avec un visage de
malice :
─ Sai pra lá, sua vigarista! ─ disse a rosa
amarela.
─ Sors d’ici, escroc ! - dit la rose jaune.
─ Feia! ─ Moche !
─Mostrenga! ─ Gueniche!
─ Vai procurar tua turma sua… ─ Va chercher ta troupe, espèce de…
O vento não deixou a rosa vermelha
terminasse de falar.
Le vent ne laissa pas la rose rouge finir de
parler.
Soprou forte e entrou na conversa. Il souffla fort et entra dans la discussion.
─ Que baixaria é essa?! ─ Comme votre comportement est bas?!
É assim que recebem sua irmã?! C’est comme ça que vous recevez votre soeur
? !
─ Ela não é nossa irmã nem aqui nem na
china! ─ gritou a rosa azul, a mais metida e
histérica de todas.
─ Absolument pas ! Elle ne sera jamais notre
sœur ! - cria la rose bleue, la plus méprisante
et hystérique de toutes.
A rosa sem cor nada dizia, só chorava. La rose sans couleur ne disait rien, elle
pleurait seulement.
O vento estufou o peito com jeito de quem
daria um sopro tão forte que faria soprar rosas
e pétalas para todos os lados.
Le vent gonflait sa poitrine à la manière de
quelqu’un qui soufflerait si fort qu’il ferait
voler des roses et des pétales partout.
A sem cor colocou-se na frente dele e
implorou:
L'incolore se plaça en face de lui et supplia :
─ Não faça isso. ─ Ne fais pas ça.
57
Já vi tudo o que tinha de ver. J’ai déjà vu tout ce qu'il y avait à voir.
Prefiro ficar sozinha. Je préfère être seule.
As rosas aproveitaram-se daquela
interrupção, saíram de fininho e se
esconderam entre as folhagens.
Les roses profitèrent de cette interruption,
elles filèrent à l’anglaise et se cachèrent dans
le feuillage.
Ficaram com medo do vento. Elles avait eu peur du vent.
─ Por favor, me leva de volta para a
montanha.
─ S'il te plaît, ramène-moi à la montagne.
─ É pra já! ─ Tout de suite !
Os dois voaram sem mesmo olhar para trás. Les deux volèrent sans même regarder en
arrière.
A rosa soluçava. La rose sanglotait.
O vento também. Le vent aussi.
4. De volta ao lar 4. Retour au foyer
─ Não liga, não. ─ Fais pas attention.
Elas só têm beleza. Elles ont seulement la beauté.
Aliás, aquilo nem é beleza, é só boniteza ─ o
vento tentava confortar a rosa.
D’ailleurs, ce n’est même pas de la beauté,
c’est seulement de la jolité - le vent essaya
de réconforter la rose.
─ É … pena que sejam lindas só por fora. ─ Oui… C’est dommage qu’elles soient
jolies seulement à l'extérieur.
─ Você reparou na cara delas com inveja de
você?
─ Tu as vu leur tête, comme elles étaient
jalouses de toi ?
─ Elas com inveja de mim?! ─ Elles, jalouses de moi ?
Pára com isso… Arrête tes bêtises…
─ É sim. ─ Si, si.
Você é uma rosa voadora, pode conhecer o
mundo, enquanto elas ficam lá no mundinho
delas, só fofocando.
Tu es une rose volante, tu peux voir le monde
alors qu'elles sont là dans leur petit monde, ne
faisant que des ragots.
─ Pô, vento… ─ Zig, le vent …
Ter uma corzinha até que seria bem legal. Avoir un peu de couleur, ce serait quand
même cool.
─ Seguinte: você tem biquíni, maiô? Bon, tu as un bikini, un maillot de bain ?
58
─ Tenho, mas pra que? ─ J’en ai un, mais pourquoi ?
─ Vamos voar ate uma praia com um
solzinho da hora.
─ Volons jusqu'à une plage avec un petit
soleil trop chouette.
E mais: surfar, beber água de coco… Et aussi, surfer, boire de l'eau de coco …
─ Não, vento, muito obrigada. ─ Non, le vent, merci beaucoup.
A última vez que fui a praia tive de aguentar
a maior gozação por causa da minha cor sem
cor.
La dernière fois que je suis allée à la plage
j’ai dû supporter une de ces moqueries à
cause de ma couleur incolore.
O sol me faz mal, me queima muito. Le soleil me rend malade, il me brûle trop.
─ Que nada, o sol é meu amigo. ─ Nah, le soleil est mon ami.
Peço para ele ficar bem maneirinho… Je lui demande de rester bien nickel…
A rosa calou-se e pensou com seus botões:
“Puxa!
La rose se tut et pensa à son bonnet : « Oh la
la !
Até hoje ninguém me tratou com tanta
atenção e carinho.
Jusqu’à présent, personne ne m'avait traitée
avec tant d'attention et d'affection.
O vento foi o primeiro…” Le vent fut le premier… »
Chegaram. Ils arrivèrent.
O vento, zapt-zupt, recolocou a rosa em seu
lugar.
Le vent, zapt-zupt, remit la rose à sa place.
─ Você não gostaria de se mudar para outro
lugar mais alegre?
─ Tu veux pas changer pour un endroit plus
gai ?
─ Não. Prefiro ficar aqui porque, bem ou mal,
este é o meu lar.
─ Non, je préfère rester ici parce que, bonne
ou mauvaise, ceci est ma maison.
Agora, quero descansar um pouco. Maintenant, je veux me reposer un peu.
─ Tá certo. ─ Mais oui.
Descansa porque à noite eu volto e… tchan-
tchan-tchan-tchan!,vou levar você até a lua.
Reste parce que cette nuit je reviens et …
Tada! Je vais t’emmener jusqu'à la lune.
O vento nem esperou a rosa falar qualquer
coisa e subiu parecendo um foguete.
Le vent n’attendit même pas que la rose dise
quoi que ce soit et monta comme une fusée.
5. Desabafo ao compadre sol 5. Confidence au compère soleil
O vento ficou tão aborrecido com a situação
da rosa sem cor que ventou sem direção o
resto do dia.
Le vent était si ennuyé par la situation de la
rose sans couleur qu’il venta sans direction le
reste de la journée.
À tardinha foi conversar com sol. Le soir, il alla parler avec le soleil.
59
─ Qual é o problema, compadre? ─ Quel est le problème, compère ?
O vento desabafou e contou tudo ao amigo. Le vent s’épancha et raconta tout à son ami.
─ Eu não sabia que essa rosa não suporta um
solzinho nem para pegar uma cor ─ o sol
falou, também aborrecido.
─ Je ne savais pas que la rose ne supportait
pas un petit soleil , même pour prendre de la
couleur - le soleil dit, ennuyé aussi.
─ Na verdade, eu começo a achar que o
problema dela não é nem a cor, e sim a
solidão, a falta de amigos.
─ En fait, je commence à penser que son
problème n’est même pas la couleur, mais la
solitude, le manque d'amis.
─ Bem, de minha parte, vou ajudá-la. ─ Eh bien, pour ma part, je vais l'aider.
Coloco um filtro solar num dos meus filhos
raios de sol e amanhã mesmo ele vai banhar a
rosa com muito cuidado e ela pegará uma cor
lindona.
Je mets un écran solaire sur un de mes enfants
rayons de soleil et demain même, il baignera
la rose en faisant très attention et elle prendra
une très belle couleur.
─ Mas tem um probleminha, compadre. ─ Mais il y a un petit problème, compère.
Ela é uma rosa de pétalas fechadas. C’est une rose aux pétales fermés.
─ Bom, aí a coisa se complica. ─ Eh bien, maintenant, nous sommes assis
entre deux chaises.
Vamos lá que eu quero conhecer de perto
essa tal rosa.
Allons-y, je veux connaître de près cette rose.
Quando o sol e o vento chegaram às pedras
da montanha, a rosa arrumava as coisas que
levaria para a lua, inclusive uma filmadora.
Quand le soleil et le vent atteignirent les
pierres de la montagne, la rose arrangea les
choses qu’elle emmènerait à la lune, y
compris un caméscope.
Escondeu-se debaixo de uma pedra ao ver o
sol se aproximando.
Elle se cacha sous une roche quand elle vit le
soleil qui s’approchait.
Foi um custo o vento convencê-la de que o
sol vinha numa boa.
Il en coûta au vent pour la convaincre que le
soleil était quelqu’un de bien.
A rosa ouviu contente o que o sol faria por
ela e confessou:
La rose entendit heureuse ce que le soleil
allait faire pour elle et elle avoua:
─ Não abro minhas pétalas porque tenho
medo de ser machucada, magoada.
─ Je n’ouvre pas mes pétales parce que j’ai
peur d'être blessée, attristée.
─ Tudo bem. ─ Très bien.
Você vai conhecer primeiro o meu filho raio
de sol que vai banhá-la e, à medida que for
tendo confiança nele, abrirá suas pétalas.
Tu vas d'abord connaître mon fils rayon de
soleil qui te baignera et, à mesure que tu
auras confiance en lui, tu ouvriras tes pétales.
Começaremos amanhã. Nous commencerons demain.
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Topa? D’accord ?
A rosa topou e ate mudou de idéia. La rose fut d’accord et changa même d’avis.
─ Vento, deixa primeiro eu apanhar uma
corzinha e então vou visitar a lua.
─ Vent, laisse-moi d'abord prendre un peu de
couleur puis je visiterai la lune.
Sabe como é… não quero mais ouvir deboche
nem gozação.
Tu sais … Je ne veux pas entendre de
débauche ou de blague.
─ Tá bom. ─ D’accord.
Vamos à lua quando você quiser. Nous allons à la lune quand tu veux.
Estava anoitecendo e o sol foi se despedindo
da rosa quando se ouviu uma vozinha:
La nuit était en train de tomber et le soleil
disait au revoir à la rose quand il entendit une
petite voix basse :
─ Eu fico aqui com ela. ─ Je reste ici avec elle.
6. “Quem sabe pode dar certo” 6. « Peut-être que ça peut marcher »
O sol levou um susto ao ver sair de seu corpo
aquele pequenino raio de sol.
Le soleil s’étonna en voyant sortir de son
corps ce tout petit rayon de soleil.
─ Não. ─ Non.
Você não, meu filho. Pas toi, mon fils.
─ E por que não, pai? Eu ajudo a rosa a pegar
uma cor.
─ Pourquoi pas, papa ?J’aide la rose à
prendre de la couleur.
─Raiozito, nós já conversamos sobre isso e
ninguém melhor do que você sabe que não
conseguirá ajudar a rosa.
─ Rayonnet, nous avons déjà parlé et
personne mieux que toi sait que tu ne peux
pas aider la rose.
─ Mas posso tentar. ─ Mais je peux essayer.
Tudo tem a primeira vez. Il y a une première fois pourtout.
Com licença, papai. Excuse-moi, papa.
O tal raiozito pegou a rosa pela mão e foram
para um canto.
Ce rayonnet prit la rose par la main et ils
allèrent dans un coin.
O sol, não acreditando no que via e ouvia,
contou ao vento:
Le soleil, ne croyant pas ce qu'il vit et
entendit, dit au vent :
─ É meu filho. ─ C’est mon fils.
Como você vê, nem parece. Comme tu le vois, on ne dirait pas.
É um raiozito de sol quase apagado. C’est un rayonnet de soleil presque effacé.
Já fiz de tudo, mas ele não pega uma luz J’ai déjà fait de tout, mais il ne prend pas de
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forte, de jeito nenhum. lumière forte du tout.
Tem apenas essa luzinha fraca, que não
ilumina nem uma simples gota de orvalho.
Il a seulement cette petite lumière faible qui
n'allume même pas une simple goutte de
rosée.
─ Ah, compadre, mas o danado é bonitinho. ─ Ah, compère, mais le môme est mignon.
Deixa ele ficar. Laisse-le rester.
Quem sabe pode dar certo. Peut-être, que ça peut marcher.
Anoitecia. La nuit tombait.
O sol chamou raiozito para irem embora. Le soleil appela le rayonnet pour s’en aller.
Ele disse que ficaria conversando com a rosa
aquela noite.
Il dit qu'il resterait à parler avec la rose cette
nuit-là.
─ Mas onde é que já se viu, meu filho, um
raio de sol em plena noite?
─ Dites-moi, ça ne court pas les rues, mon
fils, un rayonnet de soleil en plein nuit ?
─ Onde? ─ Où ?
Aqui na montanha. Ici, sur la montagne.
Não teve jeito. Il n’y eut pas moyen.
Raiozito ficou. Rayonnet resta.
Anoiteceu. La nuit tomba.
7. Um papo cabeça 7. Une conversation fute-fute
Raiozito era tão apagado que quase
desaparecia na escuridão da noite.
Rayonnet était tellement faible qu’il
disparaissait presque dans l’obscurité de la
nuit.
Porém, sua luzinha era suficiente para
iluminar o rosto da rosa.
Toutefois, sa petite lumière était suffisante
pour éclairer le visage de la rose.
O papo entre os dois seguia animado. La conversation entre les deux se déroula
animée.
Ele ─ E eu que pensei que era o único
diferente no mundo: um raiozito de sol quase
apagado.
Lui ─ Et je pensais que j’étais le seul
différent dans le monde : un rayonnet de
soleil presque effacé.
Ela ─ Por isso, não. Elle ─ Pour ça, non.
Eu também sou diferente: uma rosa sem cor. Je suis également différente : une rose sans
couleur.
Ele ─ Essa diferença é que está fazendo nós
nos entendemos.
Lui ─ Cette différence, c’est ce qui fait que
nous nous comprenons.
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Ela ─ Somos parecidos. Elle ─ Nous sommes semblables.
Ele ─ Parecidos. Lui ─ Semblables.
Mas não iguais. Mais pas les mêmes.
Somos apenas parecidos. Nous sommes seulement semblables.
Ela ─ Uau! Elle ─ Ho ho !
Que papo cabeça! Quelle conversation fute-fute !
Ele ─ Sabe que até que é muito bom nós
sermos diferentes na própria semelhança?
Lui ─ Tu sais que c’est vraiment bon que
nous soyons différents dans notre propre
ressemblance ?
Ela ─ Pô, agora você foi fundo: diferentes na
semelhança!
Elle ─ Zig, maintenant tu as été profond:
différents dans notre ressemblance!
É mole? Tu le gobe?
Ele ─ Gostei. Lui ─ J’ai aimé.
Você tem senso de humor. Tu as un bon sens de l'humour.
Detesto mau humor. Je déteste la mauvaise humeur.
Ele ─ Agora é minha vez de caprichar! Elle ─ C’est maintenant mon tour de faire joli
!
Você me conta como é que um raiozito de sol
quase apagado vê e sente o mundo e a vida, e
eu conto tudo isso sob o ponto de vista de
uma rosa sem cor.
Tu me racontes comment un rayonnet de
soleil presque effacé voit et sent le monde et
la vie et je te raconte tout cela du point de vue
d'une rose sans couleur.
Gostou? Ça te dit ?
Ele ─ Agora sou eu que digo: que papo
cabeça!
Lui ─ Maintenant c’est mon tour de dire :
quelle conversation fute-fute !
E o papo não só cabeça, mas de coração
também, entrou pela madrugada.
Et la conversation non seulement fute-fute,
mais également émotive entra dans le coeur
de la nuit.
Quando adormeceram, o vento (olha ele aqui
de novo) disse com seus botões: “Tenho uma
surpresa para esses dois.
Quand ils s’endormirent, le vent (le revoilà)
dit à son bonnet : « J'ai une surprise pour ces
deux-là.
Me aguardem…” Attendez-moi… »
8. Amigos 8. Amis
A rosa despertou bem cedinho e sentiu um
calor no rosto.
La rose se réveilla très tôt et sentit la chaleur
sur son visage.
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Abriu os olhos e viu raiozito mirando-a com
um olhar carinhoso.
Elle ouvrit les yeux et vit le rayonnet qui
l’observait avec un regard tendre.
─ Bom dia! ─ disse ele. ─ Bonjour ! – dit-il.
─ Bom dia! ─ Bonjour !
Você tem certeza de que você é aquele
mesmo raiozito?
T’es sûr que tu es le même rayonnet?
─ Não entendi… ─ Je n’ai pas compris.
─ Olhe-se mire-se! ─ Regarde-toi! Observe-toi!
Você esta com uma luz mais forte. Tu as une lumière plus forte.
Ainda é um raiozito de sol apagado, mas não
tão apagado.
T’es encore un rayonnet de soleil effacé, mais
pas aussi effacé.
─ Que bom que você percebeu. ─ Comme c’est bon que tu aies remarqué.
Acho que foi o calor do nosso papo que me
iluminou.
Je pense que c’est la chaleur de notre
conversation qui m'a éclairé.
Fazia tanto tempo que não conversava assim. Il y avait si longtemps que je ne parlais pas
comme ça.
─ Raiozito fez uma carinha marota e
continuou:
– Rayonnet fit un visage malin et continua :
─ É pelo que vejo algo de bom também
aconteceu com você.
─ Bon, comme je vois, quelque chose de bon
t’est également arrivé.
Foi então que a rosa se deu conta de que
todas suas pétalas estavam abertas.
C’est alors que la rose se rendit compte que
tous ses pétales étaient ouverts.
─ Pelas asas da rosa voadora, que sou eu! ─ Par les ailes de la rose volante, que c’est à
dire moi !
Consegui abrir minhas pétalas!!! Je suis parvenu à ouvrir mes pétales ! !
A rosa pulou e pulou de felicidade. La rose sauta et sauta de joie.
Então… Alors...
─ Minha nossa! ─ Dame !
E você me vendo com esta cara?! Et tu me vois avec ce visage ?
Descabelada, com cara de travesseiro! Échevelée, avec le visage ensommeillé !
Com licença um pouquinho. Excuse-moi un peu.
Virou-se de costas, inclinou-se, lavou o rosto
nas gotas de orvalho de suas pétalas e
Elle tourna le dos, se courba, lava son visage
dans la rosée de ses pétales et l’essuya avec
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enxugou-o em outra. une autre.
─ Pronto! ─ Eurêka !
Agora sim estou com cara de rosa. Maintenant oui, j’ai le visage d’une rose.
Rosa descascada, sem cor, mas com cara de
rosa.
Rose dépouillée, sans couleur, mais avec le
visage d’une rose.
E mais: rosa com pétalas abertas! Et aussi: rose avec ses pétales ouverts !
Raiozito não esperou nada. Rayonnet n’attendit rien.
─ Quer ser minha amiga? ─ Veux-tu être mon amie ?
A rosa, pega de surpresa, fez um longo
silêncio que quase mata raiozito do coração.
La rose, prise par surprise, fit un long silence
qui rendit presque rayonnet malade.
─ Quero! ─ Oui ! Je le veux .
Um nó de falta de ar subiu ao gogó dos dois. Les deux tournèrent ses langues sept fois dans
ses bouches.
─ Tenho de confessar algo, raiozito: eu não
entendo nada dessas coisas de amizade.
─ Je dois t’avouer quelque chose, rayonnet: je
ne comprends rien à toutes ces choses
d'amitié.
Já ouvi até dizer que amizade tem segredo… J’ai entendu dire que l'amitié a un mystère…
─ Sei que amizade tem segredo. ─ Je sais que l'amitié a un mystère.
Não sei qual é, mas nós descobriremos. Je ne sais pas ce que c’est, mais nous le
découvrirons.
Escondido atrás de uma pedra, o vento pulava
de felicidade.
Caché derrière un rocher, le vent sautait de
joie.
E, para variar, falou bem baixinho: Et pour un changer, il dit tout doucement :
─ Há, há! ─ Ha ha !
Está na hora de eu entrar em ação… Il est temps que j’entre en action …
9. Alegria 9. Espoir
Raiozito de sol quase apagado e a rosa sem
cor, mas de pétalas abertas, miravam-se no
fundo dos olhos.
Rayonnet de soleil presque effacé et la rose
sans couleur, mais aux pétales ouverts,
s’observaient au fond des yeux.
O vento soprou e fez com que uma gotinha de
orvalho da manhã caísse bem no rosto da
rosa.
Le vent souffla et fit en sorte qu’une
gouttelette de rosée du matin tombât en plein
visage de la rose.
A luz branca do olhar de raiozito refletiu-se
na gotícula.
La lumière blanche du regard de rayonnet
réfléchit dans la gouttelette.
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Então, aconteceu… Ensuite, quelque chose arriva …
O vermelho ocupou as pétalas da rosa e
vermelho também ficou o feixe de luz de
raiozito.
Le rouge teignit les pétales de la rose et rouge
fut aussi le faisceau lumineux de rayonnet.
─ Você esta vermelha! ─ T’es rouge !
─ Você esta vermelho! ─ T’es rouge !
─ É de alegria pela nossa amizade, rosa! ─ C’est d’un sentiment que tu vas jamais
deviner !
─ Alegria é coisa que vejo em seus olhos,
amigo…
─ Qu’est-ce que c’est? ! Qu’est-ce que tu as
découvert, rayonnet ?
─ Alegria que estava guardada dentro de
mim, prontinha para oferecer a você, amiga… -
─ Alegria que acaba de dar um pontapé no
traseiro da minha tristeza…
─ Le suivant: quelle est la couleur de l'espoir
?
-
─ On dit qu'il est vert. ─ J’ai découvert que
l'espoir de l’entente est rouge. ─ Espoir
d’entente !Eurêka ! L’entente est une forme
d'espoir.
─ Alegria que está me fazendo sentir de bem
com a vida… ─ Nous sommes différents, c’est vrai.
─ Alegria de podermos dizer: amigos!
Ils vont dire que nous sommes cinglés quand
nous dirons que l'espoir de l’entente est rouge
!
─ Achamos! ─ On a trouvé !
Alegria é a primeira coisa que chega com a
amizade.
Espoir est la première chose qui vient avec
l’entente.
E, dando pulos de alegria, o vento jogou a
segunda gotinha de orvalho no rosto da
rosa…
Et, en sautant de joie, le vent a jeté la
deuxième gouttelette de rosée au visage de la
rose …
10. Magia 10. Enchantement
Assim que o raio de luz do olhar de raiozito
bateu na gotícula, ele, raiozito, e a rosa
ficaram alaranjados.
Une fois que le faisceau lumineux du regard
de rayonnet frappa la gouttelette, lui,
rayonnet et la rose devinrent orange.
─ Que é isso, rosa?! ─ Qu’est-ce que c’est ça, rose ?!
─ Magia! ─ De l’enchantement!
─ É mesmo! ─ Oui !
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Magia que me faz capaz de iluminar seu
rosto com a magia da nossa amizade, rosa…
Enchantement qui me rend capable
d'illuminer ton visage avec l’enchantement de
notre entente, rose …
─ Magia que me faz sentir a rosa mais bonita
do mundo…
─ Enchantement qui me fait me sentir la rose
la plus belle du monde …
─ Magia que está nos mostrando que tudo,
tudo é possível…
─ Enchantement qui nous montre que tout,
tout est possible …
─ Ah, bendita e queria magia, segredo da
amizade!
─ Oh, béni et cher enchantement, le mystère
de l’entente !
─ Você já tinha se imaginado um raiozito
alaranjado?!
─ Avais-tu déjà t‘imaginé un rayonnet orange
? !
─ E você já tinha se imaginado uma rosa
alaranjada?! ─ Et avais-tu déjà imaginé une rose orange ?!
O vento repetia com seus botões: Le vent répétait à son bonnet:
“Imaginando… « Imaginant …
Imaginando… Imaginant …
É isso!! C’est ça !
Imaginação!!!” Imagination ! !
E fez a magica de jogar a terceira gotinha no
rosto da rosa…
Et il fit la magie de jeter la troisième
gouttelette sur la face de la rose …
11. Imaginação 11. Imagination
Quando perceberam, raiozito e a rosa
estavam amarelos!
Lorsqu’ils réalisèrent, rayonnet et la rose
étaient jaunes !
─ Um dia eu me imaginei uma rosa amarela! ─ Un jour, je me suis imaginé être une rose
jaune!
─ Imaginação é o primeiro passo para tomar
real nossa fantasia…
─ L'imagination est le premier pas pour
rendre réelle notre fantaisie …
─ Vou usar a imaginação, raiozito, para não
permitir que nossa amizade perca a graça.
─ J'utiliserai l’imagination, rayonnet, pour ne
pas permettre que notre amitié perde son
intérêt.
─ E eu, rosa, criarei com a imaginação as
coisas mais bonitas de uma amizade…
─ Et moi, rose, je créerai avec l'imagination
les plus belles choses d’une amitié …
─ Imaginação para ter certeza de que a
própria imaginação tornará o mundo e as
pessoas melhores…
─ Imagination pour être sûr que l’imagination
elle-même rendra le monde et les personnes
meilleurs …
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─ Será que a imaginação é uma parte do
segredo da amizade, dona rosa amarela?
─L’imagination serait-elle une partie du
mystère de l'entente, Madame rose jaune ?
─ Estou certíssima de que sim. ─ Je suis absolument certaine que oui.
Promete uma coisa, raiozito? Promets-moi une chose, rayonnet?
─Já está prometida! ─ C’est déjà promis !
O quê? Quoi ?
─ Cuidar da nossa amizade. ─ De prendre soin de notre entente.
─ Mundo, vasto mundo, conheça, agora, o
raiozito vermelho, alaranjado e amarelo: o
zelador da amizade!
─ Monde, vaste monde, découvre maintenant
rayonnet rouge, orange et jaune: le zélateur
de l'amitié !
“Zelo!!!” « Zèle ! !
E o vento soprou a quarta gotícula no rosto
da rosa…
Et le vent souffla la quatrième gouttelette sur
la face de la rose …
12. Zelo 12. Zèle
─ Muito bem, seu zelador. ─ Très bien, Monsieur zélateur.
Bravo! Bravo !
Mas pode me dizer o que esta fazendo com
essa listra verde no seu corpo?
Mais peux-tu me dire ce que tu fais avec cette
bande verte sur ton corps ?
─ O mesmo que a senhora, dona rosa verde. ─ La même chose que toi, Madame rose
verte.
─ Eu não sabia que a alegria da magia da
imaginação da amizade vestisse um zelador
de verde.
─ Je ne savais pas que la joie de la magie de
l’imagination de l'amitié habillait un zélateur
de vert.
─ Nem eu. ─ Ni moi.
Mas o que importa é que serei o mais fiel
zelador de uma amizade.
Mais ce qui importe, c’est que je serai le plus
fidèle zélateur d'une entente.
Estarei sempre alerta! Je serai toujours vigilant!
─ Eu também serei zeladora da nossa
amizade
─ Je serai également zélatrice de notre
entente.
─ Combinado! ─ Convenu !
Eu zelarei por você e você zelará por mim. Je veillerai à toi et tu veilleras à toi.
─ Amigos são pra essas coisas. ─ Les amis sont pour ces choses-là.
Um cuidar do outro. Prendre soin l’un de l’autre.
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─ Pensando bem, amizade é que nem uma
rosa: precisa de zelo, de cuidado, de afeto…
─ À bien y réfléchir, l’entente est comme une
rose : elle a besoin de zèle, de soins,
d'affection …
Pimba! Pan !
O vento jogou a quinta gotinha… Le vent jeta la cinquième gouttelette …
13. Amor 13. Tendresse
Raiozito, que já estava azul, não se conteve
ao ver a rosa azulada:
Rayonnet, qui était déjà bleu, ne se retint pas
quand il vit la rose bleutée :
─ Você é um amor, rosa! ─ T’es bleu!
─ Você também, amigo. ─ Descobri! ─ T’es bleue !
─ Descobriu o quê, raiozito? ─ C’est de tendresse pour notre amitié, rose !
─ O seguinte: qual é a cor do amor? ─ La tendresse est quelque chose que je vois
dans tes yeux, ami …
─ Dizem que é vermelha. ─ Tendresse qui était gardée en moi, toute
prête pour te l’offrir, amie…
─ Descobri que o amor de amizade é azul. ─ Tendresse qui vient de botter le train de ma
tristesse…
─ Amor de amizade! ─ Tendresse qui me fait me sentir bien dans
la vie…
É isso! ─ Tendresse de t’appeler : ami !
Amizade é uma forma de amor. ─ Au fait !
─ Somos diferentes, mesmo. je veux danser une valse.
Vão pensar que estávamos pirados quando
dissermos por aí que o amor de amizade é
azul! ─ E, por falar em amor, que tal uma
valsa, senhor príncipe raiozito azul ?!
Qu’est-ce que tu en penses, monsieur prince
rayonnet bleuâté?
─ Só se for agora, rosa princesinha azulada. ─ Il faut que ce soit tout de suite, petite rose
princesse bleutée.
O vento assobiou uma valsa. Le vent siffla une valse.
Dançaram até o cansaço. Ils dansèrent jusqu'à l'épuisement.
Aí, então, o vento jogou a sexta gotícula no
rosto da rosa, que a luz do olhar de raiozito
transformou em…
Voici donc que le vent jeta la sixième
gouttelette sur la face de la rose, que la
lumière du regard de rayonnet transforma en
…
14. Divisão 14. Partage
69
Assim que sentiu a gotícula cair sobre seu
rosto, a rosa fechou os olhos e gritou:
Dès qu’elle sentit la gouttelette tomber sur
son visage, la rose ferma les yeux et cria :
─ Não fala, não fala! ─ Ne parle pas, ne parle pas!
Quero ver se adivinho a próxima cor que virá
banhar nossos corpos, raiozito.
Je veux essayer de deviner la prochaine
couleur qui baignera notre corps, rayonnet.
Ele, que já se vestira com a cor que chegara,
deu uma de desentendido.
Lui, qui s’était déjà habillé avec la couleur
qui était arrivée, prétendit qu’il ne savait rien.
─ Como é que você sabe que temos mais uma
cor?…
─ Comment sais-tu que nous avons une autre
couleur? …
─ Ora, bobinho. ─ Voyons, petit chérichou.
Além de ser personagem eu também estou
lendo esta história sobre o segredo da
amizade.
En plus d'être un personnage, je suis aussi en
train de lire cette histoire sur le mystère de
l’entente.
Toda vez que a luz do seu olhar, raiozito, bate
sobre a gota de orvalho no meu rosto, nasce
uma nova cor ─ e abriu os olhos.
Chaque fois que la lumière de ton regard,
rayonnet, frappe sur goutte de rosée sur mon
visage, une nouvelle couleur naît ─ et elle
ouvrit les yeux.
─ Ok, você venceu, dona rosa de anil, por
falar nisso, rosa, quantas coisas já
descobrimos sobre o segredo da amizade?
─ D'accord, tu as gagné, Madame rose
indigo, au fait, rose, combien de choses nous
avons déjà découvert sur le mystère de
l’entente ?
Diz aí. Dis-moi.
─ Alegria, magia, imaginação, zelo, amor… ─ La gaieté, l’enchantement, l'imagination, le
zèle, l’amour …
─ Tudo nosso? ─ Tout ça à nous ?
─ Claro! ─ Bien sûr !
Meu e seu. À moi et à toi.
─ Divididos? ─ Partagés ?
─ Elementar, meu caro amigo. ─ Élémentaire, mon cher ami.
Amigos existem pra dividir. Les amis existent pour partager.
─ Então, vamos dividir a própria palavra
amizade para conferirmos os sentimentos do
segredo da amizade.
─ Donc, nous partagerons le mot entente lui-
même pour vérifier les sentiments du mystère
de l’entente.
Os dois soletraram juntos: Les deux épelèrent ensemble :
A, de alegria E, de Espoir
70
M, de magia N, d’enchantemeNt
I, de imaginação T de imaginaTion
Z, de zelo E, de zèlE
A, de amor N, de teNdresse
D, de divisão T, de parTage
O vento não aguentou tanta alegria. Le vent ne supporta pas tant de joie.
Saiu de seu esconderijo e abraçou os dois. Il sortit de sa cachette et les embrassa tous les
deux.
Dessa vez, a luz do raiozito não caiu sobre a
sétima gotícula de orvalho que deveria estar
no rosto da rosa.
Cette fois, la lumière de rayonnet ne tomba
pas sur la septième gouttelette de rosée qui
devrait être dans le visage de la rose.
A luz do raiozito atingiu em cheio a lágrima
encantada de alegria que surgiu no rosto do
vento.
La lumière de rayonnet frappa la larme
enchantée de joie qui apparut sur le visage du
vent.
E nossos dois amigos se vestiram com a cor
violeta.
Et nos deux amis s’habillèrent de la couleur
violette.
E o vento gritou: Et le vent cria :
E, de esperança! E, de gaiétE !
E, ao contar esta história et, en racontant cette histoire
sobre os sete sentimentos sur les sept sentiments
do segredo da amizade, du secret de l'entente,
que transformaram uma rosa qui transformèrent une rose
sem cor numa rosa colorida sans couleur en une rose colorée
e que deram a um raiozito et qui donnèrent à un rayonnet
de sol quase apagado as de soleil presque effacé les
sete, cores do arco-íris, sept couleurs de l'arc-en-ciel,
minha esperança é de que Ma gaiéte est de savoir que
a amizade l’entente
seja uma rosa amiga sera une rose amie
no coração de todos nós. dans le cœur de chacun d'entre nous
Salve, amigos! Salut, mes amis !
71
2. Tabelas
2.1 Acróstico
Original Versão 1 Versão 2 Comentários
A, de alegria
M, de magia
I, de imaginação
Z, de zelo
A, de amor
D, de divisão
E, de esperança Pg. 42 e 44
A, de gaieté
M, de magie
I, d’imagination
Z, de zèle
A, d’amour
D, de division
E, de l'espoir
E, de Espoir
N, d’enchantemeNt
T, de imaginaTion
E, d’zélE
N, de teNdresse
T, de parTage
E, de l’gaiétE
Frente ao problema numérico da
palavra “amizade” e “amitié”,
não traduzi a palavra central do
acróstico, apenas as palavras
dependentes. Já na segunda
versão, busquei por um sinônimo
de “amizade” com sete letras até
encontrar “entente”. Após isso,
busquei por sinônimos das
traduções que não apresentassem
a letra na palavra, não
necessariamente na posição
inicial da palavra.
2.2 Expressões Idiomáticas
Original Versão 1 Versão 2 Comentários
Adoraria de paixão, pg. 13 J'aimerais de passion Ce serait vraiment génial. Após fazer uma tradução que não satisfez o
contexto, ou que não fosse uma construção que
os nativos pudessem entender, optei por traduzir
por uma expressão recorrente, mas não tão forte
como a expressão no original. Aqui obtive uma
perda de valor enfático.
Aí a coisa se complica, pg. 19 nous sommes assis entre deux
chaises
nous sommes assis entre
deux chaises.
Após análise do significado expresso em
português, busquei por expressões idiomáticas
com esse mesmo significado, até encontrar uma
que satisfizesse o contexto.
Fonte: IMPALA, Sylvia. De bouche à oreille.
72
LAROUSSE, 2009.
Bruta vontade, pg. 11 le désir une forte volonté Na primeira versão empobreci a tradução
apagando o adjetivo de intensidade, então através
do método de verificação de ocorrências do
Google, inseri um asterisco entre “une” e
“volonté” e analisei os resultados até encontrar
um que satisfizesse o contexto.
Cara delas com inveja, pg. 16 visages d’envie Tu as vu leur tête, comme
elles étaint jalouse de toi ?
A primeira versão não se mostrou tão satisfatória
pelo motivo de não ser tão recorrente, então,
recorri a uma separação dos sentidos: o primeiro
sentido de “olhar para a cara das rosas” e o
segundo de “estar com inveja” e os traduzi.
Caracterizo como uma perda, já que não
consegui traduzir toda a ideia por uma só
expressão, mas por duas orações.
Cara de travesseiro, pg. 26 le visage ensommeillé visage ensommeillé Nesta tradução, perdi algumas características,
como o valor de expressão idiomática contida na
expressão original, porque no francês não
encontrei algo similar a “travesseiro” relacionado
à expressão, então optei por uma tradução
explicativa.
Dar um pontapé no traseiro da
minha tristeza, pg. 31
bottent le dos de ma tristesse de botter le train de ma
tristesse …
Tradução feita sem o auxílio de dicionários,
seguida de verificação do valor de expressão
idiomática e ocorrência.
Fonte:
http://dictionnaire.sensagent.leparisien.fr/botter%
20le%20train/fr-fr/
De jeito nenhum, pg. 23 du tout du tout Após análise do significado expresso em
português, busquei por expressões idiomáticas
com esse mesmo significado, até encontrar uma
que satisfizesse o contexto.
Fonte:
73
http://www.linternaute.com/dictionnaire/fr/defini
tion/du-tout/
Deu uma de desentendido, pg.
41
il prétendit qu’il ne savait rien prétendit qu’il ne savait rien Como não foi possível encontrar uma expressão
que similar em francês, traduzi o significado da
expressão original, perdendo o valor de
expressão idiomática do verbo “dar” no sentido
de “fingir”.
Diz aí, pg. 42 Dis-moi Dis-moi Tradução sem o auxílio de dicionários, seguida
de verificação pelas ocorrências do Google
(aproximadamente 3.300.000).
Elas ficam lá no mundinho
delas, pg. 16
le petit monde d'entre eux elles sont là dans leur petit
monde
Nenhuma das tentativas de tradução é tão
idiomática quanto o original, então optei por
manter a tradução mais próxima sintaticamente e
semanticamente.
Esquecida do mundo, pg. 8
oubliée par le monde oubliée du monde Tradução, seguida de análise de ocorrência no
Google (Aproximadamente 71.100).
Está na hora de eu entrar em
ação..., pg. 28
Il est temps que j’entre en action
...
Il est temps que j’entre en
action …
Após análise do significado expresso em
português, busquei por expressões idiomáticas
com esse mesmo significado, até encontrar uma
que satisfizesse o contexto.
Fonte:
http://dictionnaire.sensagent.leparisien.fr/entrer%
20en%20action/fr-fr/
É mole!?, pg. 25 Capillotracté (tiré par
lescheveux).
Tu le gobe? Na primeira versão encontrei uma expressão
idiomática que após pesquisa notei que ela
denotava um sentido diferente de “surpresa, algo
difícil de acreditar” denotado pelo original, então
recorri à pesquisa novamente, até encontrar a
expressão da versão 2.
Fonte: 1
.http://www.luneruge.org/spip/article.php3?id_art
icle=324; 2.
74
http://argotique.fracademic.com/2864/gober
É pra já!,pg.15 Tout de suite ! Tout de suite ! Tradução seguida de confirmação num dicionário
monolíngue.
http://www.linternaute.com/dictionnaire/fr/defini
tion/tout-de-suite/
É uma barra esta minha vida
aqui sozinha, pg. 8
Je suis assise entre deux chaises,
car
Elle est dure, ma vie ici,
toute seule (GANHO)
Substituição de uma expressão idiomática, por
outra que não é exatamente semelhante. Então,
pensei numa reformulação da frase, com um
sujeito retomado e pausas durante a frase.
Fonte: IMPALA, Sylvia. De bouche à oreille.
LAROUSSE, 2009.
Fica fria, pg. 11 Gardez vos sang-froid Gardes ton sang-froid
(MANTIVE)
Substituição de uma expressão idiomática por
outra semelhante.
Fonte: IMPALA, Sylvia. De bouche à oreille.
LAROUSSE, 2009.
Foi um custo, pg. 19 Le vent était sur la corde raide
pour
Il en coûta Na primeira tentativa de versão, já tentei analisar
o significado para encontrar uma expressão
similar na língua francesa, até encontrar a versão
1. Porém, ao realizar uma tradução sem
consultas, e encontrar a expressão num livro de
história e verificar as ocorrências, mantive a
versão 2.
Fonte: 1. IMPALA, Sylvia. De bouche à oreille.
LAROUSSE, 2009;
2. https://goo.gl/SFyli7
Já vi tudo o que tinha de ver.,
pg. 15
Je l'ai vu tout ce qu'il avait à voir J’ai déjà vu tout ce qu'il y
avait à voir.
Tradução da expressão seguida de uma revisão
gramatical.
Maior baixaria, pg. 13
Plus grand imbroglio Une bassesse des plus
grandes
Após muitas pesquisas para encontrar uma
tradução que satisfizesse o contexto para
“baixaria” e passar por muitas traduções erradas,
durante a revisão do texto percebi a antítese de
grandeza presente entre as duas palavras. Então,
75
busquei traduzir essa característica para o
francês, traduzindo “baixaria” por “bassesse” que
é uma pessoa de comportamento vil no sentido
moral e maior por “des plus grandes”.
Fonte: http://www.cnrtl.fr/definition/bassesse
Mas onde é que já se viu, pg. 23 Dites-moi, ça ne court pas les
rues
Dites-moi, ça ne court pas
les rues,
Como não foi possível encontrar uma expressão
similar na língua francesa, usei de um
coloquialismo e uma expressão idiomática, com
isso perdi a concisão de apenas uma expressão
para uma ideia, pois na tradução usei de duas
expressões para tentar expressar o que está no
original.
Fonte: IMPALA, Sylvia. De bouche à oreille.
LAROUSSE, 2009.
Não seja por isso!,pg. 8 Je ferai des pieds et des mains
pour vous aider !
T’en fais pas ! Substituição de uma expressão idiomática, por
outra que não é exatamente semelhante. Então,
ao buscar pelo significado da expressão e com o
auxílio de um fórum de língua inglesa, cheguei a
minha tradução final.
Fontes:
1) IMPALA, Sylvia. De bouche à oreille.
LAROUSSE, 2009.
2) http://www.wordreference.com/fren/Ne%20t'
en%20fais%20pas%20!
Não teve jeito, pg. 23 On n’était aucun issue Il n’y eut pas moyen. Após a tradução sem consulta da primeira versão,
busquei por ocorrências na língua francesa por
intermédio do Google, mas não obtive êxito.
Então, após uma pesquisa terminológica e de uso
coloquial das palavras da expressão consegui
chegar ao resultado da versão 2 (ocorrência de
aproximadamente 66.900).
Não liga, não., pg. 16 Ne t’ inquiétez pas. Fais pas attention Tradução seguida de revisão ortográfica e
76
coloquialidade da expressão.
Nem aqui nem na china!,pg. 14 jamais Absolument pas ! Elle ne
sera jamais notre sœur !
Após fazer uma tradução que não satisfez o
contexto, ou que não fosse uma construção que
os nativos pudessem entender, optei por traduzir
por uma expressão recorrente, mas não tão forte
como a expressão no original. Aqui obtive uma
perda de valor enfático.
Num papo de rosa para rosa,
pg.13
dans un chat de rose à rose dans une discussion de rose
à rose
A expressão em português retrata uma conversa
entre iguais, porém, o diferencial é o
coloquialismo presente na palavra “papo”. O
tempo não me permitiu encontrar uma gíria para
tal, então a traduzi por “discussion” que não
possui esse valor coloquial que a palavra tem no
original.
Fonte: http://www.cnrtl.fr/definition/discussion
O vento nem esperou a rosa
falar qualquer coisa, pg. 17
Le vent n'attenda pas la rose dit
quoi que ce soit
Le vent n’attendit même pas
que la rose dise quoi que ce
soit
Após analisar a expressão e chegar a conclusão
de que ela significa a impaciência, busquei na
língua francesa uma expressão similar no
significado e encontrei a expressão da segunda
versão. Nessa tradução, obtive êxito, porque na
língua francesa, além do valor de expressão
idiomática da expressão, esta apresenta uma rima
entre “pas” e “quoi”.
Fonte:
http://ledoigtsdanslenez.blogspot.com.br/2012/04
/expressions-idiomatiques.html
O sol vinha numa boa, pg. 19 était quelqu’un de bien le soleil était quelqu’un de
bien
Como não consegui encontrar uma expressão
idiomática similar à expressão original, optei por
traduzir o significado da expressão.
Para com isso, pg. 16 Arrête tes bêtises Arrête tes bêtises Após análise do significado da expresso em
português, busquei por expressões idiomáticas
com esse mesmo significado, até encontrar uma
77
que satisfizesse o contexto.
Fonte:
http://www.lunerouge.org/spip/article.php3?id_ar
ticle=324
Pelas asas da rosa voadora, que
sou eu, pg. 11
Par les ailes de la rose volante
que c’est moi !
Par les ailes de la rose
volante, que c’est à dire moi
!
Tradução seguida de verificação de fluência e de
gramática. A transição entre “c’est” e “moi”
aparentou ser brusca para o contexto infantil,
então acrescentei “c’est a dire” para solucionar
esse problema.
Pensou lá com meus botões, pg.
7
pensa à son bonnet pensa à son bonnet Pesquisa de correspondente no site Linguee,
seguida de confirmação no Dicionário de
Expressões Idiomáticas da lingual francesa.
Fonte: ASHRAF, Mahtab; MIANNAY, Denis.
Dictionnaire d’expression idiomatiques: Des
milliers de locutions. Poche, 1999.
Perca a graça, pg. 35 mange pas de la vache enragée perde son intérêt A primeira tentativa de tradução se caracterizou
pela substituição de uma expressão idiomática
por outra, no entanto, a minha escolha foi errada.
Então, traduzi a expressão sem o auxílio de
dicionários e consultei sua ocorrência no Google
(60.800).
Fonte:
http://www.linternaute.com/expression/langue-
francaise/6526/manger-de-la-vache-enragee/
Por falar nisso, pg. 42 au fait au fait Consulta no site Linguee, seguida de verificação
num dicionário monolíngüe.
Fonte:
http://www.linternaute.com/dictionnaire/fr/defini
tion/au-fait/
Pôs para fora o que sentia, pg. 8 parla d’abondance de coeur cracha ce qu’elle avait dans
son coeur
Tradução seguida de pesquisa no dicionário de
expressões. Verificação da estrutura grammatical
seguida de pesquisa no dicionário monolíngue.
78
Fontes:
1 - RICHARD. Daniel-Gillles.
Dictionnaired’expressionidiomatiques: Des
milliers de locutions. Lulu
2 - http://www.linternaute.com/dictionnaire/fr
Procura daqui, procura dali, pg.
7
Il chercha ici, en cherchant là Il chercha ici et là Tradução, seguida de análise de ocorrência da
ordem “ici et là” no Google (14.900.000).
Que maravilha!,pg. 11 C’est si merveilleux ! C’est si merveilleux ! Tradução seguida de verificação de ocorrências
no Google (Aproximadamente 33.900).
Quem sabe, pg. 7 Peut-être Peut-être Pesquisa de correspondente no site Linguee,
seguida de confirmação no site cnrtl.fr.
Fonte: http://www.cnrtl.fr/definition/Peut-
%C3%AAtre
Saíram de fininho, pg. 15 sortirent à la française elles filerent à l’anglaise Pela similaridade com a expressão “sair à
francesa”, busquei por uma tradução no Google
de “sortir à la française”, até encontrar um blog
francês que tratava de expressões do português,
após isso confirmei num site etimológico de
expressões.
Fontes: http://www.topito.com/top-expressions-
on-piquerait-bien-au-portugais (blog) e
http://www.expressio.fr/expressions/filer-a-l-
anglaise.php
Só se for agora, pg. 39 Allons-y prendre la poudre
d’escampette
Il faut que ce soit tout de
suite
Após pesquisa por expressão idiomática que
fosse similar, encontrei a expressão da versão 1,
mas após verificação, ela não satisfez o contexto.
Logo, procurei por algo que fosse mais próximo
do original e encontrei uma passagem em
pequenas histórias de Maupassant que
apresentava esse significado. Nessa tradução
obtive um ganho, pois a rima do som /s/ do
original foi mantido na tradução, e na tradução
79
houve o acréscimo de uma rima entre “soit” e
“suit”.
Fonte:
http://www.linternaute.com/expression/langue-
francaise/105/prendre-la-poudre-d-escampette/
Tá certo, pg. 17 Ok Mais oui. O original se trata de uma expressão coloquial
para a afirmação, então busquei por uma
expressão que fosse afirmativa e coloquial.
Fonte:
https://fr.islcollective.com/resources/printables/w
worksheet_doc_docx/accepter-
refuser/expression-orale-expressions/26416
Tá na cara, pg. 13 C’est clair comme l’eau de
roche.
C’est clair comme l’eau de
roche.
Após análise do significado da expresso em
português, busquei por expressões idiomáticas
com esse mesmo significado, até encontrar uma
que satisfizesse o contexto.
Fonte: IMPALA, Sylvia. De bouche à oreille.
LAROUSSE, 2009.
Ter uma corzinha, pg. 16 teint bronze Avoir un peu de couleur A primeira impressão ao traduzir essa expressão
foi que a língua francesa não apresentaria um
expressão com valor idiomático como essa, então
optei por pesquisar em sites de estéticas por qual
expressão era utilizada para bronzeamento.
Entretanto, após traduzir sem o auxílio de
consulta, percebi por meio da pesquisa de
ocorrência no Google que a opção feita na
segunda versão é mais comum. (Versão 1:
124.000, Versão 2: 335.000)
Fonte: http://www.aufeminin.com/info-solaire-
bronzage.html
Um nó de falta de ar subiu ao
gogó dos dois, pg. 28
Les deux tournèrent ses langues
sept fois dans ses bouches
Les deux tournèrent ses
langues sept fois dans ses
Após análise do significado expresso em
português, busquei por expressões idiomáticas
80
bouches. com esse mesmo significado, até encontrar uma
que satisfizesse o contexto.
Fonte: http://www.expressio.fr/expressions/il-
faut-tourner-sept-fois-sa-langue-dans-sa-bouche-
avant-de-parler.php
Um papo cabeça, pg. 24 Un chat super
Une conversation fute-fute Na primeira versão, houve o empobrecimento da
expressão, mas na segunda pesquisei por gírias
francesas que denotassem a inteligência.
Fonte:
http://www.linternaute.com/dictionnaire/fr/defini
tion/fute-fute/
Um solzinho da hora, pg. 16 un très bon soleil un petit soleil trop chouette O diminutivo e a expressão adjetiva “da hora”
dão o valor de expressão idiomática, então
busquei manter esse diminutive e busquei por
uma expressão que tivesse o significado de algo
“mais que legal”.
Fonte:
http://www.forumdeidiomas.com.br/como-dizer-
muito-legal-em-frances-t614.html
2.3 Gírias
Original Versão 1 Versão 2 Comentários
Bem maneirinho, pg. 17 bien cool bien nickel Na primeira versão, utilizei de um termo da língua
inglesa, porém, busquei não utilizar de termos de
outras línguas, então foquei na informação principal
da expressão que é a gíria presente em “maneirinho”
e busquei por gírias de “chouette” até encontrar
“nickel” que significa “parfait”, “impeccable” ou
“três bien”.
Fonte:
https://francebienvenue2.wordpress.com/expressions-
81
2/expressions-familieres-et-argotiques/
Bobinho, pg. 41 chérichou petit chérichou No original, os aspectos importantes são a
familiaridade e a coloquialidade que a palavra tem, o
que foi expresso pela tradução.
Fonte: http://migre.me/vpvDM
Pô, pg. 16 Ah, Zig O objetivo foi manter a função sintática de vocativo e
a ideia de proximidade. Mas na primeira versão o
segundo aspecto foi empobrecido.
Fontes: 1.
http://www.dicionarioinformal.com.br/p%C3%B4/; 2.
http://www.cnrtl.fr/definition/zig
Seguinte:, pg. 16 Vous êtes tout ouïes ? Bon, Bon A primeira tentativa foi caracterizada pela
substituição de uma interjeição por uma expressão
idiomática mais uma interjeição. No entanto, como
há uma interjeição similar à interjeição do original,
mantive somente a interjeição.
Fonte: http://forum.wordreference.com/threads/elle-
est-tout-e-ou%C3%AFe.370078/
Seu maluco, pg. 11 fou dingo O objetivo da tradução foi o de manter a função
sintática e a ideia de loucura.
Fonte: http://www.cnrtl.fr/definition/dingo
2.4 Interjeição
Original Versão 1 Versão 2 Comentários
Adoraria, é ?, pg. 13 Vous aimerais ? Ah ! Ah ! Ce serait super, hein ? Após tentativa de encontrar um
correspondente em francês, e essa
tentativa se mostrar falha, optei por
traduzir por uma expressão mais
recorrente, mas não tão enfática
como no original, logo, tive uma
perda na tradução.
82
Ai, ai, ai!,pg. 7 Hélas, hélas, hélas Aïe, aïe, aïe ! Análise sobre o significado da
expressão em português (nesse caso,
essa expressa a dor), e busca por uma
interjeição na língua francesa que
expressasse o mesmo sentimento,
seguida de pesquisa de ocorrências –
aproximadamente: Versão 1: 64.300;
Versão 2: 531.000).
Fonte:
http://www.espacefrancais.com/les-
interjections/
Atenção, pg. 13 Attention Attention Análise do significado da interjeição
seguido de tradução.
Bravo!,pg. 37 Bravo! Bravo! Após a análise do significado da
interjeição (admiração), busquei por
uma expressão que fosse
correspondente. Entretanto, por conta
da expressão ser de origem italiana, é
a mesma no português e no francês.
Fontes: 1. MONTEIRO, Tamiris;
XATARA, Claudia. Dicionário de
Interjeições Francês-Português.
Plano Editora, São Paulo, 2010.; 2.
https://pt.wiktionary.org/wiki/bravo.
Epa, pg. 7 Ho Holà ! Pesquisa em listas de interjeições na
internet me deu a solução da primeira
versão. No entanto, após consulta
dum dicionário de interjeições feito
por estudantes acadêmicas, troquei a
tradução.
Fontes:
1.http://www.espacefrancais.com/les-
83
interjections/; 2. MONTEIRO,
Tamiris; XATARA, Claudia.
Dicionário de Interjeições Francês-
Português. Plano Editora, São Paulo,
2010.
Minha nossa, pg. 11 mon Dieu Dame ! Após análise, notei que essa
interjeição expressa surpresa, mas a
dificuldade jaz no caráter religioso da
expressão no original. Então, busquei
manter essa característica na
tradução, porque a interjeição “minha
nossa” tem“senhora” subentendido.
Fonte: MONTEIRO, Tamiris;
XATARA, Claudia. Dicionário de
Interjeições Francês-Português.
Plano Editora, São Paulo, 2010.
Ora, pg. 41 Or Voyons A primeira tradução foi feita com
base na lista de interjeições 1, mas se
caracterizou como empobrecimento,
porque não expressa a familiaridade
entre os falantes.
Fontes: 1.
http://www.espacefrancais.com/les-
interjections/; 2.
https://fr.wiktionary.org/wiki/voyons.
Puxa, pg. 8 Miséricorde Oh la la ! Análise sobre o significado da
expressão em português (nesse caso,
essa expressa a surpresa), e busca por
uma interjeição na língua francesa
que expressasse o mesmo
sentimento. Entretanto, a tradução na
primeira versão pendeu para o lado
84
religioso por questão da deficiência
na língua, já na segunda versão,
busquei por um correspondente do
sentimento, sem o caráter religioso.
Fonte: http://migre.me/vpvyA
Que nada, pg. 17 Nah Nah O objetivo da tradução foi manter a
ideia de reprovação em um tom
coloquial.
Fonte:
https://fr.wiktionary.org/wiki/na
Ué!,pg. 13 Hum... Ben... O objetivo da tradução foi o de
manter a ideia de constatação de
algo.
Fonte:
https://fr.wikipedia.org/wiki/Ben.
Uau, pg. 11 Ho Ho ho ! Análise sobre o significado da
expressão em português (nesse caso,
essa expressa a surpresa). Pelo fato
da expressão ser característica da
língua brasileira, busquei uma
tradução que fosse tão idiomática
quanto a interjeição no original.
Fontes: 1.
http://www.espacefrancais.com/les-
interjections/; 2. MONTEIRO,
Tamiris; XATARA, Claudia.
Dicionário de Interjeições Francês-
Português. Plano Editora, São Paulo,
2010.
85
2.5 Nomes Próprios
Original Versão 1 Versão 2 Comentários
A rosa, pg. 7 La rose La rose Por mais que os nomes nessa
obra se refiram somente a um
personagem, o autor não trata
esses substantivos como
próprios, mas como comuns.
Logo, as primeiras letras desses
nomes não são maiúsculas,
característica que foi mantida na
tradução.
O sol, pg. 19 Le soleil Le soleil Idem.
O vento, pg. 7 Le vent Le vent Idem.
Raiozito, pg. 18 rayonet Rayonnet O original se caracteriza pelo
sufixo diminutivo da palavra
“raio” “zito”. Como proposta de
tradução, busquei manter a
característica do sufixo
diminutivo. Entretanto, a
deficiência na língua francesa
me levou ao erro ortográfico na
primeira versão.
2.6 Onomatopeias
Original Versão 1 Versão 2 Comentários
Há, há. pg. 28 Ha ha Ha ha Objetivo da tradução foi o de manter o
interesse expresso pela onomatopéia.
Fonte: http://migre.me/vpGES
86
Pimba! pg. 37 Bam ! Pan ! Por mais que essa onomatopeia possa ser
considerada uma interjeição, no contexto
abordado, tem valor de interjeição, por
exprimir algo prestes a ser realizado, e foi
esse o foco da tradução.
Fontes: 1.
http://www.dicionarioinformal.com.br/pimba/
; 2. MONTEIRO, Tamiris; XATARA,
Claudia. Dicionário de Interjeições Francês-
Português. Plano Editora, São Paulo, 2010.
Tchan-tchan-tchan-tchan, pg.
17
tchan-tchan-tchan-tchan Tada! Inicialmente, busquei por uma onomatopeia
que correspondesse ao original, mas não
obtive sucesso. Então, sugeri a substituição
por uma charada, mas fugiria muito do
projeto de escritura do autor. Após a dica de
uma colega de turma, fiz a escolha da versão
final e confirmei por meio da verificação.
Fontes: http://fr.buenodic.com/tada
Uuuoooaaa, pg. 7 uuuoooaaa Oouuhoooaaa Após muita pesquisa sobre uma interjeição
que correspondesse à interjeição brasileira em
dicionários de interjeições, roteiros de filmes
87
e consultas em quadrinhos que geralmente
apresentam bastantes interjeições, não foi
possível encontrar uma tradução. Então,
busquei por uma transcrição fonética deste
som que também está presente na língua
francesa.
2.7 Palavras Idiomáticas
Original Versão 1 Versão 2 Comentários
Bonitinho, pg. 23 mignon mignon O objetivo foi manter a coloquialidade e a característica
amável do personagem.
Fontes: 1. http://www.dicionarioinformal.com.br/bonitinho/;
2.
http://www.linternaute.com/dictionnaire/fr/definition/mignon/
Boniteza, pg. 16 très joliesse jolité O objetivo da tradução foi manter a coloquialidade da palavra
que se refere à “falsa beleza”.
Fontes: 1. https://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-
portuguesa/boniteza; 2.
http://www.cnrtl.fr/lexicographie/jolit%C3%A9
Carinha marota, pg. 26 visage malin visage malin Após análise do significado expresso em português, busquei
por palavras idiomáticas com esse mesmo significado, até
encontrar uma que satisfizesse o contexto.
Fonte:
http://www.linternaute.com/dictionnaire/fr/definition/malin/
Danado, pg. 23 dearie môme O sentido de impresso pela palavra original de “atrevido” e
“infantil” foi mantido, conforme o objetivo.
Fontes: 1. https://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-
portuguesa/danado; 2.
88
http://www.linternaute.com/dictionnaire/fr/definition/mome/
Folgado, pg. 7 insociant léger De acordo com o dicionário online Infopédia e com o
contexto, a palavra significa “despreocupado” e em francês
de acordo com o dicionário Larousse “qui se sent libre de
toute préoccupation”. Pelo motivo de não ser uma definição
formal no francês optei por mante-lâ.
Fontes: 1. https://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-
portuguesa/folgado; 2. http://migre.me/vpsTR
Gostosão, pg. 8 enchanteur galant Tradução que apresenta perdas, pois não traz a coloquialidade
expressa pela palavra no original, apenas o sentido de
“galanteador” e “convencido”.
Fontes:
1. https://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-
portuguesa/gostos%C3%A3o; 2.
http://migre.me/vpteD
Metida, pg. 14 envahissante méprisante Ao traduzir, consegui manter a ideia de perigo que alguém
metido oferece às pessoas ao seu redor, porém, não foi
possível manter o sentido de se vangloriar e a coloquialidade.
Fontes: 1. http://www.dicionarioinformal.com.br/metido/; 2.
http://migre.me/vptpJ
Mostrenga, pg. 14 Gueniche Gueniche Busquei por uma palavra que expressasse o valor negativo do
original e que fosse uma gíria.
Fontes:
1. https://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-
portuguesa/mostrengo; 2.
https://fr.wiktionary.org/wiki/gueniche
Pronto!,pg. 28
É isso!,pg. 39
Voilà ! Eurêka ! Nessa tradução, obtive um ganho, pois a tradução expressa
apalavra original e carrega um valor deidiomatismo maior.
Na primeira versão, tentei utilizar de uma palavra estrangeira
que é comum no português para quando algo está completo,
concluído, mas não encontrei fontes.
Fontes: 1. https://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-
89
portuguesa/pronto;
2.http://dictionnaire.sensagent.leparisien.fr/eureka/fr-fr/
Sua ..., pg. 14 face de ... espèce de ... Na língua brasileira, ao xingar alguém sem querer dizer
palavrões, usa-se “sua ...”, então busquei na língua francesa
algo que exprimisse esse mesmo valor de xingamento sem
falar palavrões.
Fonte: https://fr.wiktionary.org/wiki/esp%C3%A8ce_de
Topa?,pg. 20 Relevez-vous ? D’accord ? O caráter de coloquialidade e de sugestão afirmativa foi
mantido na tradução.
Fonte:
http://www.linternaute.com/dictionnaire/fr/definition/d-
accord/
2.8 Poema
Original Versão 1 Versão 2 Comentários
O segredo da amizade
Solidão tem sete, letras
Mas a alegria
Tem sete letras, também
Segredo tem sete, letras
Amizade sete letras tem
Amizade mora no coração
Que tem sete letras, também
Pg. 5
Le secret de l’amitié
Solitude a sept lettres
Mais la gaieté
A aussi sept lettres.
Secret a sept lettres
Amitié sept lettres a
Amitié habite au coeur
Qui a aussi sept lettres.
Le mystère de l’entente
L’égoïsme a sept lettres
Mais le bonheur
A sept lettres, aussi.
Le mystère a sept lettres
L’entente, sept lettres aussi
L’entente habite sous la
mamelle
Qui a sept lettres, aussi.
A primeira tradução feita foi com base do
significado das palavras no poema, porém, a
proposta do poema não é somente a carga
semântica, mas a forma em que o poema se
encontra que é a repetição das palavras “tem”,
“sete”, “letras” e “também”. Outra
característica muito importante do poema é o
número de letras – sete - nas palavras
“solidão”, “alegria”, “segredo”, “amizade” e
“coração”. Então, após a tradução dessas
palavras, busquei por sinônimos dessas
palavras com sete letras e mantive a repetição
das palavras que se repetem no original. Além
dessas alterações, acrescentei mais um “aussi”
para manter a repetição sonora depois do seu
aparecimento no poema: estrofe, sim, e estrofe,
90
não. Por mais que a tradução de “coração” por
“mamelle” tenha ficado mais anatômico e
remeter à animais, a forma do poema que gira
em torno do número sete foi mantida.
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