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UNIVERSIDADE DA FORÇA AÉREA
MESTRADO EM CIÊNCIAS AEROESPACIAIS
MARIA CLÁUDIA DE JESUS MACHADO
Ensino de Espanhol e suas Implicações para a Integração e a Cooperação
Militar na América do Sul: Percepções, Cultura e Identidade
Rio de Janeiro
2016
MARIA CLÁUDIA DE JESUS MACHADO
Ensino de Espanhol e suas Implicações para a Cooperação Militar na América
do Sul: Percepções, Cultura e Identidade
D isser tação ap resen tada ao
P rograma de Pós -Graduação
em C iênc ias Ae roespac ia i s da
Un ive rs idade da Fo rça Aérea ,
como requ is i to pa rc ia l pa ra
ob tenção do t í tu lo de Mest re
em C iênc ias Ae roespac ia is .
O r ien tado ra : P ro f ª Dra . Mar ia
Cé l ia Ba rbosa Re is da S i l va
Rio de Janeiro
2016
MARIA CLÁUDIA DE JESUS MACHADO
Ensino de Espanhol e suas Implicações para a Cooperação Militar na América
do Sul: Percepções, Cultura e Identidade
D isser tação ap resen tada ao
P rograma de Pós -Graduação
em C iênc ias Ae roespac ia i s da
Un ive rs idade da Fo rça Aé rea
Aprovado por:
_______________________________________________________________
Presidente, Professora Doutora Titular Maria Célia Barbosa Reis da Silva-
UNIFA/ESG
_______________________________________________________________
Professor Doutor Guilherme Sandoval Góes - ESG
______________________________________________________________
Professora Doutora Andréa Costa da Silva - UNIFA
_______________________________________________________________
Professora Doutora Jaqueline Santos Barradas - ESG
Rio de Janeiro
Março de 2016
Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca da UNIFA
M149
Machado, Maria Cláudia de Jesus.
Ensino de espanhol e suas implicações para a integração e a
cooperação militar na América do Sul: percepções, cultura e
identidade / Maria Cláudia de Jesus Machado. – Rio de Janeiro:
Universidade da Força Aérea, 2016.
139 f.: il., enc.
Orientadora: Maria Célia Barbosa Reis da Silva.
Dissertação (mestrado) – Universidade da Força Aérea, Rio
de Janeiro, 2016.
Referências: f. 126-132
1. Língua espanhola. 2. Identidade cultural. 3. Integração
regional. 4. Defesa. I. Título. II. Silva, Maria Célia Barbosa Reis da.
III. Universidade da Força Aérea.
CDU:
811.134.2:37
Esta dissertação é dedicada a todos que
nutrem um carinho especial pela América
Latina.
AGRADECIMENTOS
A Deus, pela sabedoria.
À querida orientadora Profª Drª Maria Célia Barbosa Reis da Silva e aos membros
da banca examinadora, Prof. Dr. Guilherme Sandoval Góes, Profª Drª Andréa Costa
da Silva e Profª Drª Jaqueline Santos Barradas pelas leituras atentas e pelos
valiosos comentários.
A todos os professores que passaram pela minha vida, especialmente aos
professores de espanhol, na universidade, que tanto me incentivaram e
despertaram o amor pela língua espanhola e pela cultura hispânica.
À Universidade da Força Aérea pela acolhida.
Aos queridos colegas e amigos da turma do Mestrado pelas alegrias compartilhadas.
À minha mãe, que sempre apoiou as minhas escolhas, e à Manuela, minha filhinha
de estimação, sempre ao meu lado nas horas de estudo.
Aos cadetes Jucélio Álvaro Garcia do Nascimento e Matheus Augusto de Andrade,
da Turma Tupã, pelo auxílio com os Formulários Google e com a formatação.
À Força Aérea Brasileira.
Aunque el término haya sido inventado por otros, a los
latinoamericanos nos corresponde “inventar” su contenido y darle
nuestra propia significación. Si la intención de quienes lo crearon fue
subrayar nuestra dependencia y definirla como zona neocolonial del
continente, nuestro desafío consiste en utilizar el concepto como
expresión de un nuevo nacionalismo que venga a fortalecer la unidad
de nuestros pueblos.
Carlos Tünner Bernheim
RESUMO
Este estudo, de natureza qualitativa e quantitativa, tem como objetivo verificar nos cadetes da Academia da Força Aérea a existência ou não do sentimento de pertencimento, de identificação com a língua e cultura dos povos hispânicos da América do Sul, bem como uma sensibilidade efetiva por parte deles aos usos da Língua Espanhola no contexto militar como instrumento de comunicação e como elemento integrador e colaborador para a construção de uma possível identidade compartilhada Brasil – Nações Sul-Americanas, principalmente no âmbito da Defesa. Para tanto, foi utilizado um questionário em uma escala de concordância em cinco níveis com o intuito de analisar as percepções dos sujeitos com relação aos seguintes eixos: apreço pela língua espanhola e pela cultura hispânica, fortalecimento da identidade sul-americana, integração regional e cooperação militar na América do Sul. Parte-se da premissa de que não existe uma sensibilidade efetiva por parte dos cadetes da AFA ao componente linguístico-cultural-identitário compartilhado, mesmo que este possa agregar poder geopolítico e militar à região. Concluiu-se que a sensibilidade existe, mas que não está estruturada em bases sólidas. Palavras-chave: Língua espanhola. Identidade cultural. Integração regional. Defesa.
ABSTRACT
This study of qualitative and quantitative nature aims to verify the cadets at the Air Force Academy to whether or not the feeling of belonging, identification with the language and culture of the Hispanic peoples of South America, as well as an effective sensitivity by them to use the Spanish language in the military context as a communication tool and as integrator and developer for the construction of a possible shared identity Brazil - South American Nations, especially in the context of Defense. For that a questionnaire in a concordance scale of five levels was used in order to analize the perceptions of individuals with regard to the following axes: appreciation of the Spanish language and the Hispanic culture, strengthening of South American identity, regional integration and military cooperation in South America. It starts with the premise that there is no effective sensitivity by the cadets of the AFA to the linguistic, cultural and identity shared component, even if it can add geopolitical and military power in the region. It was concluded that the sensitivity is there, but that is not structured on solid foundations.
Keywords: Spanish language. Cultural identity.Regional integration. Defense.
RESUMEN
Este estudio de naturaleza cualitativa y cuantitativa, tiene como objetivo verificar en los cadetes de la Academia de la Fuerza Aérea la existencia o no del sentimiento de pertenencia, de identificación con la lengua y la cultura de los pueblos de América del Sur, así como una sensibilidad efectiva por parte de ellos al uso del idioma español en el contexto militar como una herramienta de comunicación y como integrador y desarrollador para la construcción de una posible identidad compartida Brasil - Naciones de América del Sur, especialmente en el contexto de la Defensa. Para ello se utilizó un cuestionario en una escala de cinco niveles de concordancia, con el fin de analizar las percepciones de los individuos en relación con los siguientes ejes: aprecio por la lengua española y la cultura hispana, el fortalecimiento de la identidad suramericana, la integración regional y la cooperación militar en América del Sur. Se parte de la premisa de que no existe una sensibilidad efectiva por los cadetes de la AFA para el componente lingüístico, cultural e identitario compartido, incluso si se puede añadir poder geopolítico y militar en la región. Se concluyó que la sensibilidad está presente; sin embargo, no está estructurada sobre bases sólidas. Palabras clave: Lengua española. Identidad cultural. Integración regional. Defensa.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1 - Entrelaçamento entre defesa, geopolítica sul-americana, identidade
cultural e língua espanhola .......................................................................................83
Figura 2 - Países sul-americanos megadiversos ......................................................90
Figura 3 - Minerais estratégicos na América do Sul ................................................. 91
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
AFA – Academia da Força Aérea
ALADI - Associação Latino-Americana de Integração
ALCA - Associação de Livre Comércio das Américas
BOLBRA - Bolívia-Brasil
CAN - Comunidade Andina de Nações
CDS - Conselho de Defesa Sul-Americano
CELAC - Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos
CFO - Curso de Formação de Oficiais
COLBRA - Colômbia-Brasil
CRUZEX - Cruzeiro do Sul
DOMREP -Missão de Paz na República Dominicana
END - Estratégia Nacional de Defesa
EUA - Estados Unidos da América
FAB - Força Aérea Brasileira
IBEU - Instituto Brasil-Estados Unidos
ICA - Instrução do Comando da Aeronáutica
KFC - Kentucky FriedChicken
MAPP - Missão de Apoio ao Processo de Paz na Colômbia
MERCOSUL - Mercado Comum do Sul
OEA - Organização dos Estados Americanos
ONU - Organização das Nações Unidas
OTAN - Organização do Tratado do Atlântico Norte
OTCA - Organização do Tratado de Cooperação Amazônica
PARBRA - Paraguai-Brasil
SICOFAA - Sistema de Cooperação entre as Forças Aéreas Americanas
UNASUL- União das Nações Sul-americanas
UNESCO - United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization
URUBRA - Uruguai-Brasil
VAS - Visual Analogue Scales
VENBRA - Venezuela-Brasil
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.........................................................................................................15
1 CONTEXTO HISTÓRICO E ATUAL DE ORDENAMENTOS GEOPOLÍTICOS
............................................................................................................................... ...21
1.1 De Westfália à Segunda Guerra Mundial ....................................................... ...21
1.2 Do Pós-Guerra ao término da Guerra Fria .........................................................26
1.3 A globalização das relações entre Estados .................................................... ...28
1.4 A política expansionista norte-americana na América Latina nos séculos XIX e
XX ......................................................................................................................... ...35
1.5 Geopolítica sul-americana .............................................................................. ...44
2 LÍNGUA E IDENTIDADE CULTURAL .............................................................. ...57
2.1 Cultura e imperialismo cultural ...........................................................................57
2.2 A questão da identidade .....................................................................................66
2.3 Língua e poder ...................................................................................................74
3 COOPERAÇÃO MILITAR REGIONAL ................................................................. 83
3.1 A cooperação militar na América do Sul e a formação de uma comunidade de
segurança .................................................................................................................83
3.2 A cooperação militar regional com ênfase no âmbito da Força Aérea ...............89
4 METODOLOGIADA PESQUISA ............................................................................96
4.1 Conhecendo o contexto da pesquisa ..................................................................97
4.2 Conhecendo os participantes da pesquisa .......................................................100
4.3 Instrumentos de coleta e procedimentos de análise dos dados .......................102
5 ANÁLISE DOS DADOS .......................................................................................105
CONCLUSÃO .........................................................................................................123
REFERÊNCIAS .......................................................................................................127
APÊNDICES E ANEXOS.........................................................................................134
APÊNDICE A: Carta de informação ........................................................................134
APÊNDICE B: Questionário aplicado aos cadetes ..................................................135
ANEXO A: Espanhol para todos e já........................................................................140
15
INTRODUÇÃO
Em 2009, assumíamos as aulas de língua espanhola no Curso de Formação
de Oficiais na Academia da Força Aérea, na cidade de Pirassununga, estado de São
Paulo.
Aos poucos, percebíamos que estávamos inseridos em um contexto
diferenciado por se tratar de um contexto militar com uma cultura peculiar, pois as
necessidades de aprendizagem transcendiam as necessidades do meio civil.
Começamos a participar dos Encontros Pedagógicos do Ensino Superior Militar, dos
Congressos Acadêmicos de Defesa, das palestras proferidas na Academia da Força
Aérea (AFA) e a ler notícias e textos científicos relacionados à área militar. As
conversas informais com cadetes e com colegas mais antigos também aportaram e
aportam informações para compreender a conjuntura em que o ensino está inserido
e, consequentemente, conformar a ideia do “ser professor no contexto militar”, mais
especificamente, professor de Língua Espanhola.
Com relação ao objetivo primeiro do Curso de Formação de Oficiais: formar
líderes para atuar tanto em tempos de paz como de conflitos, pressupõe-se que o
conhecimento de idiomas é uma das habilidades requeridas ao futuro líder e oficial,
tanto na sua perspectiva instrumental como integracionista, pois ser líder implica não
ter apenas a formação militar para ser um guerreiro, ou um piloto, ou um piloto-
guerreiro no caso do Curso de Formação de Oficiais Aviadores, mas uma formação
humanística e multidisciplinar também, pois esta propicia uma visão de mundo mais
ampla, relacionada ao ambiente em que vai atuar. Nesse sentido, o conhecimento
da língua espanhola e da cultura hispânica1 pode atuar como um elemento facilitador
do processo de integração regional, como uma ponte entre culturas, dado que o
Brasil pode ser considerado o epicentro da América do Sul; não nos referimos a uma
liderança hegemônica, mas sim a uma liderança moderadora 2 , que promova a
cooperação mútua nas áreas de interesse da região, considerando que são Estados
dentro de um espaço contíguo e que as fronteiras geográficas, geopolíticas e
culturais da língua portuguesa e da língua espanhola são fluidas e permeáveis, e
1 Referimo-nos ao núcleo comum das culturas dos países de língua espanhola, especialmente aqueles situados na América do Sul, mas lembrando que cada país possui suas peculiaridades. Como núcleo comum, entendemos a língua, os aspectos políticos, econômicos e sociais compartilhados ao longo da história. 2 Considerando ageoestratégia brasileira na América do Sul, o Brasil assumiria as funções de estabilizador político, dinamizador econômico, coordenador da integração e intermediador de conflitos.
16
tenderão a aumentar na medida que defendamos nosso espaço como um bloco com
interesses afins.(SILVA, 2014).
Entendemos que para haver uma cooperação efetiva em matéria de defesa, a
região deve estar integrada, unida, interdependente, com convergência de
interesses e objetivos, com confiança recíproca, pois a integração implica a
interligação e o aprofundamento das relações entre os países da região no âmbito
político, econômico, social, cultural e da defesa, com o objetivo de proporcionar-lhe
poder e competitividade internacional. Cooperar, por sua vez, é agir conjuntamente
com o outro ou interagir em vista à realização de um objetivo comum com a
participação ativa de todos os atores, com base em um conjunto de regras e em um
acordo sobre o modo de coordenação das ações. Portanto, integração e cooperação
são conceitos interdependentes.
Diante do exposto, seria desejável que os cadetes desenvolvessem o
sentimento de pertencimento, de identificação com a língua e a cultura dos nossos
vizinhos, sentimento que amenizasse preconceitos, eliminasse estereótipos e
promovesse a aproximação a um universo tão distante sentimentalmente, mas ao
mesmo tempo tão próximo geograficamente e socialmente.
Propõe-se nesta pesquisa verificar nos cadetes da Academia da Força Aérea
a existência ou não do sentimento de pertencimento, de identificação com a língua e
cultura dos povos hispânicos da América do Sul, bem como, a existência ou não de
uma sensibilidade efetiva aos usos da Língua Espanhola no contexto militar como
instrumento de comunicação e como elemento integrador e colaborador para a
construção de uma possível identidade compartilhada Brasil – Nações Sul-
Americanas, principalmente no âmbito da Defesa.
Parte-se da premissa de que não existe uma sensibilidade efetiva por parte
dos cadetes da AFA ao componente linguístico-cultural-identitário compartilhado,
mesmo que este possa agregar poder geopolítico e militar à região.
Percebe-se que o aprendizado de línguas estrangeiras, mais especificamente
da Língua Espanhola, é significativo para a formação dos oficiais da Força Aérea
Brasileira (FAB) considerando o contexto geográfico no qual o Brasil está inserido e
o estreitamento das relações tanto no âmbito político como militar com as nações da
América do Sul e a sua posição de líder moderador.
A concentração de Estados dentro de um espaço contíguo e a atual
conjuntura política e econômica possibilitam a circulação entre os países da região –
17
as fronteiras terrestres brasileiras se estendem por 16,5 mil quilômetros e são
partilhadas com 10 países, sendo 7 hispano-americanos; a criação da União de
Nações Sul-Americanas (UNASUL), tratado formado pelos doze países da América
do Sul , que tem como objetivo construir, de maneira participativa e consensual, um
espaço de articulação no âmbito cultural, social, econômico e político entre seus
povos; o Conselho de Defesa Sul-Americano é um dos integrantes da UNASUL, que
visa construir uma doutrina de defesa própria da região, que implica o fomento ao
intercâmbio em matéria de formação e acapacitação militar, o treinamento entre as
Forças Armadas da região, a cooperação acadêmica dos centros de estudo de
defesa, o intercâmbio de experiências em operações conjuntas tais como ações
humanitárias, operações de manutenção da paz, defesa da região, entre outras.
Além disso, a Estratégia Nacional de Defesa, documento elaborado pelo
Ministério da Defesa, em sua diretriz 18, expõe a importância do estímulo à
integração e à cooperação militar regional.
Somando-se a isso, o Sistema de Cooperação entre Forças Aéreas
Americanas (SICOFAA) foi criado para promover o intercâmbio de experiências,
conhecimento e treinamento entre as Forças Aéreas do continente.
Comitivas das Forças Aéreas das nações amigas fazem constantes visitas à
AFA. Esta também é responsável pela formação de cadetes dessas mesmas nações
há 40 anos.
Pode-se inferir que o conhecimento de línguas estrangeiras, bem como de
sua respectiva cultura ou culturas revela um oficial proativo, e lhe permite maior
adaptabilidade, interatividade e que se comunique de uma maneira mais eficiente
com seus pares de outras nações, no âmbito diplomático, em cursos de formação,
missões de paz e em operações conjuntas, e com os próprios habitantes dos países
onde o espanhol é falado, já que o Brasil é o único país de Língua Portuguesa na
América Latina.
Segundo as Orientações Curriculares para o Ensino Médio – Linguagens,
Códigos e suas Tecnologias3, documento elaborado pelo Ministério da Educação,
documento elaborado pelo Ministério da Educação, além da capacitação do aprendiz
para usar uma determinada língua estrangeira para fins comunicativos, é um meio
3 2006. No que se refere ao aspecto educacional do ensino de línguas estrangeiras, entendemos que os princípios apresentados no documento citado se aplicam também ao ensino superior, além de que a Força Aérea carece de um documento norteador.
18
de ampliar a formação do indivíduo e fazer com que dialogue com outras culturas e
se constitua cidadão do mundo. No caso da FAB, além de cidadão, um oficial do
mundo. No que se refere à Língua Espanhola, um cidadão nos países vizinhos, pois
a língua aproxima, reunifica, cria laços, compromete, facilita o entendimento, permite
dialogar, comunicar, negociar, ações vitais para a manutenção da paz entre os
povos.
Os resultados desta investigação, portanto, poderão auxiliar os docentes de
Língua Espanhola, inseridos nesse contexto, a desenvolverem uma prática mais
eficaz e reflexiva enovas pesquisas relacionados ao tema, contribuindo, desse
modo, para o processo de formação do cadete e futuro oficial. Somando-se a isso,
os resultados obtidos e os encaminhamentos propostos poderão ser utilizados para
elaborar um plano de ação mais efetivo para o ensino de espanhol na AFA, bem
como para esclarecer questões em outros contextos de ensino e aprendizagem de
línguas.
Quanto à metodologia adotada, trabalhamos com a abordagem qualitativa e
quantitativa, pois, por meio das análises das percepçõesdos cadetes do 3º e 4º
esquadrões da AFA do ano de 2015 com respeito aos quatro eixos que compuseram
o questionário que lhes foi aplicado: apreço pela língua espanhola e pela cultura
hispânica, fortalecimento da identidade sul-americana, integração regional e
cooperação militar na América do Sul, objetivou-se verificar a existência ou não do
sentimento de identificação dos cadetes com a língua espanhola e a cultura
hispânica e o seu entrelaçamento com geopolítica sul-americana, cultura e defesa.
Apoiamo-nos, também, em fontes bibliográficas, uma vez que livros e
periódicos sobre Geopolítica e questões culturais e identitárias constituíram base de
dados; o Tratado Constitutivo da UNASUL, a Política Nacional de Defesa, a
Estratégia Nacional de Defesa e o Livro Branco de Defesa Nacional também foram
consultados para verificar as informações a respeito da cooperação militar regional.
A pesquisa foi realizada na Academia da Força Aérea durante os anos de
2014 e 2015 por ser nessa Organização que os futuros oficiais recebem a formação
básica. A pesquisadora é docente civil de Língua Espanhola na comunidade
pesquisada. Os participantes foram cadetes do 3º e do 4º anos por possuírem maior
experiência no contexto militar e de aprendizagem de Língua Espanhola, o que
confere maior riqueza de informações e, portanto, maior credibilidade à pesquisa.
19
Para desenvolver o tema de nosso trabalho, que entrelaça Geopolítica,
Língua Espanhola, Identidade Cultural e Defesa, no âmbito da Geopolítica e das
Relações Internacionais, recorremos a Santos (2014), Castro, T. (2012), Visentini
(2012), Santos, M. (2006), Guimarães (2005), Magnoli (2004),Mattos (2002), Correa
(2000) e Raffestin (1993)para esclarecer questões relacionadas à quebra de
ordenamentos no sistema internacional e para tratar de questões relacionadas ao
espaço e ao poder. Para discutir a teoria construtivista nas Relações Internacionais,
que norteia nossa pesquisa, nos apoiamos em Wendt (1999), segundo o qual, o
sistema internacional é uma construção social e não determinado pela natureza.
Ainda no que se refere à teoria construtivista, utilizamos Adler e Barnett (1998) para
discutir a formação das comunidades de segurança, que emergem quando alguns
Estados se integram para criar uma ordem estável e para defender-se de ameaças
externas. Hall (2006), Bauman (2001), Laraia (2001) e Ferreira (1995) ofereceram
suporte para abordar a questão do dinamismo dos sistemas culturais, e da
construção e desconstrução da identidade do sujeito pós-moderno; García Canclini
(2008) para tratar da economia cultural latino-americana; Castro, C. (1990), para
abordar a construção da identidade militar, e Moura (1986), para abordar o
imperialismo cultural e suas consequências. Tivemos em Fiorin (2013), (2014),
Coracini (2007), (2003) e Revuz (1998) o apoio para tratar a dimensão psíquica
inerente ao processo de ensino e aprendizagem de uma língua estrangeira que
inclui, entre outros, a identidade e a proximidade com a língua e sua cultura, o
preconceito, os estereótipos, a integração e o sentimento de pertencimento ao
universo linguístico e cultural, que podem acionar ou não o fator motivação para o
estudo da língua estrangeira. Finalmente, nos apoiamos na Política Nacional de
Defesa (2012), na Estratégia Nacional de Defesa (2012), no Livro Branco de Defesa
Nacional (2012) e no Tratado Constitutivo da UNASUL (2008), para abordar as
questões relacionadas à cooperação militar regional, uma vez que se alinham à
perspectiva construtivista.
Dessa forma, este trabalho estruturou-se em cinco capítulos.
No primeiro capítulo, apresentamos um percurso que mostra a constante
quebra de ordenamentos no sistema internacional, e que a geopolítica é o resultado
da interação entre Geografia, História e Política. Iniciamos no século XVII com os
Tratados de Westfália, dos quais se originou o Estado Nação, passamos pela
Segunda Guerra Mundial, pelo período pós-guerra, marcado pela bipolaridade,
20
caracterizada pela confrontação russo-americana para chegar à globalização das
relações entre os Estados, colocando ênfase nas questões relacionadas à
geopolítica sul-americana.
No segundo capítulo, tratamos do componente linguístico-cultural-identitário
compartilhado como requisito à integração e como fator agregador de poder
geopolítico à região, mais precisamente, à América do Sul. Para tanto, discorremos
sobre o imperialismo cultural na América Latina; discutimos a existência de uma
identidade ibero-americana e, numa dimensão menor, sul-americana. Tratamos,
também, do poder de uma língua como elemento de coesão de uma nação ou
região, que contribui para o fortalecimento da identidade.
No terceiro capítulo, abordamos a cooperação militar na América do Sul e a
formação de uma comunidade de segurança, pois esta implica a resolução pacífica
dos conflitos internos e, ao mesmo tempo, um mecanismo de disuasão das ameaças
externas. Mencionamos, ainda, as iniciativas para promover o intercâmbio de
experiências, conhecimento e treinamento entre a FAB e demais Forças Aéreas sul-
americanas, considerando, ao mesmo tempo, a questão do uso da língua como
instrumento de comunicação para a realização desses intercâmbios, assim como
elemento colaborador à construção de uma identidade compartilhada no âmbito da
Defesa.
No quarto capítulo, oferecemos, primeiramente, um panorama sobre o
contexto da pesquisa e o perfil de seus participantes, para que se tenha uma ideia
sobre as suas características. Logo, esclarecemos os procedimentos de coleta de
dados e os instrumentos para analisá-los.
No último capítulo procedemos à análise dos dados.
Concluímos a pesquisa ressaltando os resultados, posicionando-nos a
respeito do ensino de espanhol no contexto pesquisado e propondo alguns
encaminhamentos.
Salientamos que a teoria construtivista nas Relações Internacionais norteou
todo o nosso trabalho.
21
1 CONTEXTO HISTÓRICO E ATUAL DE ORDENAMENTOS GEOPOLÍTICOS
1.1 De Westfália à Segunda Guerra Mundial
A formação e a dissolução das ordens mundiais, que estão atreladas ao
momento histórico e ao espaço geográfico, fazem com que novos atores emirjam,
acarretando mudanças na política internacional, no padrão de comportamento dos
Estados e, inclusive, nas relações militares entre eles. Essa sucessão de ordens
mundiais, caracterizadas pela configuração de novas lideranças também se
encontra apoiada nos paradigmas econômicos, sociais, políticos, culturais e
tecnológicos de cada momento.
A construção dos sistemas internacionais não é um fenômeno que emergiu do
mundo atual, mas que remonta à passagem da Idade Média para a Moderna com o
início das grandes navegações, que dão início à revolução comercial e à
consequente construção do capitalismo. É o início da expansão comercial dos reinos
europeus.
Conforme afiança Visentini (2012, p.16):
As monarquias dinásticas, legitimadas como atores principais das relações internacionais pela Paz de Westfália (1648) e apoiadas no capitalismo comercial, protagonizaram a estruturação de um sistema mundial liderado sucessivamente por Portugal, Espanha, Holanda e França. Tratava-se de uma “globalização” que ocidentalizava ou europeizava o mundo. (grifo do autor)
A partir deste ponto, julgamos conveniente abordar o conceito de Geopolítica,
pois a palavra está associada aos assuntos que envolvem relações internacionais,
acordos diplomáticos e todo tipo de conflito entre países, culturas ou disputas
territoriais4.
O conceito de Geopolítica formulado por Mattos (2002, p. 33) resume o
pensamento: “Geopolítica é a Política aplicada aos espaços geográficos sob a
inspiração da experiência histórica”.
Ainda, segundo Mattos (2002, p. 6):
Estando a Geopolítica fundamentada na aplicação do Poder do Estado ao espaço geográfico que ocupa, isto é, ao seu território, não se pode ignorar que as mudanças ocorridas no instrumental de ação do agente político e
4 Segundo José Willian Vesentini, o termo geopolítica foi criado no início do século XX, mais precisamente em 1905, num artigo denominado "As grandes potências", escrito pelo jurista sueco Rudolf Kjllén. No entanto, a temática é bem mais antiga.
22
nas condições de aproveitamento deste mesmo espaço e sua correlação com os espaços externos inferem na sua importância política, para mais ou para menos.
Infere-se, portanto, que a Geopolítica tem caráter dinâmico, pois considera-se
a operacionalidade do homem no espaço geográfico para o seu uso político, cujo
objetivo é a geração de poder, que, por sua vez, pode dar um novo direcionamento
ao destino das nações, contribuindo para a construção ou reconstrução da história.
Para dissertar a respeito do entrelaçamento entre Geopolítica, Defesa, Língua
Estrangeira e Identidade Cultural, faz-se necessário remeter às origens do Estado,
pois este tem relação com cada um desses componentes, além de ser o elo e o
elemento comum entre eles. Segundo Castro (2012, p. 99), “o Estado é o principal
componente do amplo fenômeno personificado da interação internacional”.“É o ente
principal e norteador em termos de estática e dinâmica das Relações Internacionais
e é produto de um largo momento de transição do medievalismo para o
renascimento humanista dos séculos XVI e XVII” (CASTRO, 2012, p. 100).
Se a criação do Estado Nacional foi um marco na transição do mundo
medieval para o renascentista, entende-se que foi o resultado de um processo de
mudança social, político, histórico e cultural. Durante esse processo, as crenças e os
valores religiosos tradicionais foram perdendo a sua influência sobre as variadas
esferas da sociedade.
No século XVII, quando, basicamente, quase todas as potências europeias
viviam sob o regime das monarquias absolutistas com muita concorrência entre elas,
disputas religiosas, dinásticas, territoriais e comerciais, com o interesse de ampliar
poderes, desencadearam uma série de conflitos na Europa, cujo conjunto foi
denominado Guerra dos Trinta Anos (1618-1648).
Os Tratados de Paz de Westfália, no século XVII, colocaram fim à Guerra e
tiveram como antecedente o Tratado de Augsburgo de 1555, que garantiu liberdade
de culto no interior do Sacro Império Romano, pois cada príncipe definia a religião
local, protestante ou católica. A partir dos Tratados de Westfália ocorreu o início do
sistema moderno do Estado-Nação, reconhecendo pela primeira vez a soberania de
cada Estado inserido em um sistema internacional. Segundo Castro (2012, p. 449),
“o pilar do cujus regio, ejus religio5 do Tratado de Augsburgo teria sido a semente
5 De tal região, (segue) a sua religião. Tradução disponível em:<www.dicionariodelatim.com.br>. Acesso em: 07/12/2015.
23
plantada para o reconhecimento da soberania estatal com exercício de poder
autônomo no seu território delimitado”. É a partir dosTratados de Westfália, também,
que os conflitos posteriores não teriam como motivo principal a religião e, sim, as
questões que giravam em torno do Estado, pois tais Tratados tinham um caráter
estritamente político, e manifestavam a existência de uma consciência internacional.
De acordo com Gomes (2012), a maior importância de Westfália está em seus
pressupostos ideológicos, pelo fato de admitir, oficialmente, a ideia de uma
comunidade internacional integrada por Estados iguais e soberanos.
Magnoli descreve a visão de Paul Kennedy quanto ao aspecto da soberania
dos Estados:
O aspecto mais significativo do cenário das grandes potências, depois de 1660, foi o amadurecimento de um sistema realmente multipolar de Estados europeus, cada qual com a tendência cada vez mais acentuada de tomar decisões sobre a guerra e a paz à base dos “interesses nacionais”, e não por motivos transnacionais, religiosos. (KENNEDY, 1989 apud MAGNOLI, 2004, p. 35, grifo do autor).
A citação anterior dá margem a inferir que os Estados estão vulneráveis a
situações de guerra, uma vez que são autônomos, focam os próprios interesses,
mas formam parte de um sistema internacional, resultando na impossibilidade de
assumirem uma posição isolacionista. Ainda, considerando a possibilidade de
geração de conflitos, desde uma perspectiva realista, para defender os interesses
nacionais é preciso, muitas vezes, violar a soberania do outro. Por outro lado, pode-
se pensar nos Estados formando parte de uma comunidade internacional e
respeitando os direitos uns dos outros. As escolas realista e idealista, surgidas a
partir de Westfália, expressam bem as duas posições. Para a primeira, o sistema
internacional tem potencial conflitivo e o Estado tem legitimidade para agir de acordo
com seus interesses; este enxerga o mundo a partir de sua perspectiva. Para a
segunda, oriunda do pensamento iluminista, os Estados formam uma comunidade
internacional a qual compartilha valores, propensa à cooperação e assentada sobre
um contrato moral baseado na noção de justiça.
Segundo Magnoli (2004, p. 29), “as divergências entre os autores realistas a
respeito das condicionantes do comportamento dos Estados originaram a corrente
neorealista”. Os neorealistas preferiram identificara busca da segurança como causa
última da prática política no sistema internacional e não tanto do poder, que se
alinhava mais à escola realista.
24
Dentro do sistema internacional, como nos mostra a realidade, há Estados,
que se projetam devido à riqueza de sua economia e também ao seu poderio militar,
e convertem-se em potências hegemônicas, cujas ações têm como base os
interesses nacionais e defendem, portanto, a manutenção do status quo.
Dado que o sistema internacional é dinâmico, desde Westfália, observa-se
uma constante quebra de ordenamentos. Inicia-se com uma estrutura multipolar,
pois cada Estado-Nação, mais especificamente europeu, orientava-se pelos
interesses nacionais.
No século XVIII, com a Revolução Industrial, o capitalismo alcança a sua
maturidade e assiste-se ao domínio do sistema mundial pela Inglaterra, potência
econômica internacional com um crescente império colonial, grandes somas de
capital e hegemonia naval. Segundo Visentini (2012), o pioneirismo da Inglaterra
neste processo propiciou a construção deuma hegemonia internacional que
perdurou até o fim do século XIX e se transformou, gradativamente,num sistema
mundial liderado pelos anglo-saxões em seu conjunto.
No final do século XVIII e início do XIX,a paz de Westfália foi abalada pelas
guerras napoleônicas. Como resultado, os Estados perceberam a sua
vulnerabilidade aos conflitos e passaram a enxergar-se como potenciais aliados ou
inimigos, e coalizões foram se formando: Inglaterra com a Áustria, Prússia e Rússia,
por exemplo. Ao término das Guerras, o próprio Congresso de Viena teve uma
orientação geopolítica porque seu objetivo era reorganizar a Europa e assegurar o
equilíbrio de poder entre aspotências.
Ainda no século XVIII, uma nova e significativa reconfiguração acontece: a
independência das colônias norte-americanas e, no século XIX, as colônias da
América Espanhola e Portuguesa também se tornam independentes, com o apoio
norte-americano, que tinha interesse no território. A Doutrina Monroe, formulada em
1823, apresentava osEstados Unidos como uma possível liderança hemisférica após
a independência dos países ibero-americanos6 . Segundo Visentini (2012), entre
1865 e 1889, após a Guerra Civil, os EUA passaram poruma rápida e profunda
modernização de sua economia,com altos níveis de crescimento e de produção.
Ainda, conforme o autor supracitado:
A emergência dos Estados Unidos na política mundial representa uma nova etapa do capitalismo norte-americano, constituindo a necessidade e o
6 Sobre o expansionismo norte-americano na América Latina, ver seção 1.4 deste capítulo.
25
desejo de participar ativamente dos assuntos políticos e de assumir um papel decisivo nas relações internacionais. (VISENTINI, 2012, p. 69)
Era o início de sua expansão para além das fronteiras do continente
americano. Dessa forma, a liderança da ordem mundial anglo-saxônica, que se
iniciou com a Revolução Industrial, estava,na passagem do século, gradativamente
passando das mãos da Grã-Bretanha para as dos Estados Unidos. Conforme
Visentini (2012), assistia-se ao advento de uma Segunda Revolução Industrial, pois
O planeta parecia integrar-se econômica e culturalmente, sob o impulso do desenvolvimento das comunicações (telégrafo, cinema), dos transportes de longa distância (ferrovias e navios a vapor), dos fluxos comerciais e financeiros, da urbanização e da adoção quase universal de padrões culturais ocidentais.(VISENTINI, 2012, p. 113).
Além disso, havia grande circulação de mão de obra, com milhões de
imigrantes se estabelecendo nas Américas.
No entanto, no século XX, o capitalismo entrou na fase imperialista ou
neocolonialista: as potências europeias expandiram suas áreas de dominação
política e econômica na África e na Ásia, criando impérios econômicos. O processo
de unificação da Alemanha, junto com o italiano, que fez surgir potências
economicamente fortes, contribuiu para o acirramento das disputas entre as
economias europeias. Essas disputas imperialistas geraram tensões políticas que
acabaram deflagrando a Primeira Guerra Mundial, que terminou com a Alemanha
derrotada.
Outro acontecimento marcante que contribuiu ao reordenamento geopolítico
no século XX foi a Revolução Russa de 1917 orientada pela doutrina comunista, que
derrubou o Czar Nicolau II, impôs um governo socialista e criou a União das
Repúblicas Socialistas Soviéticas.
Com as penalidades impostas pelo Tratado de Versalhes aos países
derrotados na Primeira Guerra Mundial, a Alemanha, o país mais atingido, entrou em
uma crise social, política e econômica. O mundo vivia um período de grandes
instabilidades políticas e diplomáticas. Surgiram ditaduras implantadas na Alemanha
e Itália, representadas nas figuras de Hitler e Mussolini, respectivamente, e a
consequente onda de imperialismo. Estava aberto o caminho para a eclosão da
Segunda Guerra Mundial.
As duas grandes guerras mundiais marcaram as relaçõesinternacionais como
um período de disputa estratégica entre potências e contribuíram para a queda do
26
ordenamento multipolar e para a ascensão do sistema bipolar, vigente de 1945 até o
final dos anos 80. Este período representou, principalmente, o declínio da Europa
como centro do sistema mundial e a emergência dos Estados Unidos e da União
Soviética como grandes potências mundiais.
1.2 Do Pós-Guerra ao término da Guerra Fria
A Segunda Guerra Mundial terminou com a derrota do nazifascismo e com a
Europa materialmente e economicamente devastada.
Com relação aos Estados Unidos, estes tiveram a oportunidade de expandir
seu parque industrial. Sua economia tornou-se mundialmente dominante,
respondendo por quase 60% da produção industrial de 1945, posição reforçada pela
semidestruição de seus rivais (Alemanha, Itália e Japão) e pelo enfraquecimento dos
aliados capitalistas (França e Grã-Bretanha), que se tornavam devedores dos
Estados Unidos (VISENTINI, 2012). No plano político-militar, os EUA detinham o
poder aéreo, naval e terrestre, bem como a bomba atômica. Em termos financeiros e
comerciais, o dólar começou a ser utilizado como moeda principal do comércio
mundial. No que se refere à União Soviética, esta terminou a guerra com prestígio
diplomático e militar, e com influência junto as suas fronteiras europeias. O poderio
soviético também foi reforçado pelo fortalecimento da esquerda e pelo crescimento
do comunismo, visto pelos norte-americanos como uma ameaça ao capitalismo.
A ordem bipolar foi caracterizada pela confrontação russo-americana em
termos ideológicos, econômicos e militares, portanto, por dois polos de poder: o
socialista e o capitalista, cada um com suas zonas de influência, e centrado em uma
política expansionista. Lembrando que a Conferência de Yalta em fevereiro de 1945,
com a participação dos Estados Unidos, Inglaterra e Rússia, ocorreu para decidir o
fim da Segunda Guerra Mundial e a repartição das zonas de influência entre o Oeste
e o Leste. As diretrizes afirmadas nesta reunião determinaram boa parte da ordem
durante a Guerra Fria, precisando as zonas de influência e a ação dos blocos
antagônicos, capitalista e socialista. Posteriormente, o Acordo de Potsdam, ocorrido
no mesmo ano, com os mesmos participantes da Conferência de Yalta, os vitoriosos
aliados da Segunda Guerra Mundial, estabeleceu a divisão da Alemanha e da
Áustria em zonas de ocupação e a similar divisão de Berlim e Viena em quatro
zonas (americana, britânica, francesa e soviética). Posteriormente, em 1961, a zona
27
aliada (americana, britânica, francesa) em Berlim seria isolada do resto da Alemanha
Oriental pelo Muro de Berlim, que completou a fronteira interna alemã.
A transição para a Guerra Fria fora assinalada pela Doutrina Truman,
enunciada no início de 1947, centrada numa política de defesa da Europa do pós-
guerra contra o avanço do comunismo (MAGNOLI, 2004). Somando-se a isso, o
Plano Marshall, também de 1947, e proposto pelos Estados Unidos, possibilitou a
reconstrução econômica da Europa devastada pela guerra e plantou a semente para
a formação de um bloco econômico e político europeu, com o intuito de criar regimes
políticos baseados no liberalismo e, portanto, aliados aos Estados Unidos na luta
contra os comunistas, que exerciam influência sobre a Europa do Leste, liderados
pela União Soviética.
Com relação à criação de um bloco econômico e político europeu, o Tratado
de Roma, assinado em 1957,institui a Comunidade Econômica Europeia (CEE) ou
Mercado Comum. Com a queda do Muro de Berlim (1989)e o fim da Guerra Fria
(1991), o confronto entre o comunismo e o capitalismo praticamente chegou ao fim,
resultando na vitória do segundo, o que permitiu uma maior aproximação dos países
integrantes do continente europeu como um todo. Em 1992, então, foi assinado o
Tratado de Maastricht, que representou um marco na união da Europa fixando a
integração econômica e a consequente unificação política. O novo bloco que se
formou no continente, a União Europeia, substituiu a Comunidade Econômica
Europeia.No que tange as suas relações com os Estados Unidos em matéria de
política externa, segundo o Parlamento Europeu:
Os EUA são os aliados mais próximos da União Europeia em matéria de política externa. Os parceiros cooperam de forma estreita, consultando-se mutuamente sobre as respectivas prioridades internacionais e envidando frequentemente esforços para promover os seus interesses coincidentes em
fóruns multilaterais. (PARLAMENTO EUROPEU, 2016)
Pelo exposto, está claro que a ideologia norte-americana vai ao encontro da
abordagem realista do sistema internacional devido a sua visão pragmatista,
utilitária, em que seus interesses predominam, considerando a Europa como seu
potencial aliado, na qual pretende exercer certo controle, mostrado através das
medidas protecionistas citadas: Doutrina Truman e Plano Marshall. Aplica-se,
portanto, a concepção de poder como a capacidade de produzir efeitos no sujeito,
falhando o poder falha o controle. Os Estados com maior poder bélico, econômico e
cultural acabam se projetando. A mesma situação faz remeter à obra Leviatã, de
28
Thomas Hobbes em que o governo central seria uma espécie de monstro - o Leviatã
- que concentraria todo o poder em torno de si, e propiciaria o ordenamento de todas
as decisões da sociedade. A eterna luta de todos contra todos só poderia ser evitada
por um governo central forte.
A Guerra Fria, caracterizada por um clima de tensão militar, acabou
favorecendo os Estados Unidos, pois a ideia da ameaça comunista lhes permitia
manter a unidade do mundo capitalista e o controle político e econômico tanto sobre
seus aliados industriais europeus como sobrea periferia, sobretudo latino-americana,
ao mesmo tempo que lhes conferia uma posição privilegiada para consolidar sua
expansão econômica.
No final da década de 80 e início dos anos 90, os regimes socialistas
encontravam-se em decadência devido a sérias dificuldades no plano econômico, à
estagnação interna, à incapacidade de responder aos desafios externos, aos
protestos gerados pela insatisfação popular pela falta de democracia. Esses fatores
levaram à queda desses regimes: cai o Muro de Berlim e a Alemanha se reunifica, a
Glasnost (1985), reforma política, e a Perestroika (1985), reestruturação econômica,
são implementadas na União Soviética, que começa a trilhar o caminho da
desintegração, seguida por outros países do bloco, que passaram a implementar
mudanças políticas e econômicas com o objetivo de sair de uma posição de
isolamento, retornar à democracia e engajar-se na economia de mercado.
1.3 A globalização das relações entre Estados
O deslocamento dos eixos mundiais de poderapós a Segunda Guerra
Mundial, ocupados pelos Estados Unidos e União Soviética, destruiu os pilares de
sustentação do colonialismo. Durante a Guerra Fria surgiram os nacionalismos
asiáticos e africanos anti-imperialistas, pois esta funcionou como moldura para o
processo de descolonização, que dissolveu os impérios coloniais erguidos entre os
séculos XVI e XIX. Emergiu, também, o Terceiro Mundo, que reclamava influência
na ONU e não aceitava subordinar-se às superpotências nucleares (MAGNOLI,
2004). Com relação à União Soviética, esta se encontrava estagnada
economicamente. Conforme mencionado na seção anterior, a abertura política e
econômica no final da década de 80 foi inevitável, bem como a queda do muro de
29
Berlim em 1989. Como consequência, o bloco soviético no leste Europeu se desfez,
e a Guerra Fria chegava ao fim.
Após esse período, a bipolaridade cede lugar a uma distribuição unipolar do
poder, sob a liderança estratégica dos Estados Unidos, marcada por uma tendência
à ruptura de diversos tratados e acordos internacionais, em nome da guerra
preventiva contra o terror, adotando a política do hard power, que coloca a defesa do
Estado em primeiro lugar.
No entanto, segundo Magnoli (2004, p. 200), “a reconstrução da economia
capitalista mundial produziu uma redistribuição geográfica da riqueza”. A identidade
entre poder e armas começou a perder força em detrimento da identidade entre
poder e desenvolvimento econômico e tecnológico.
Um novo ordenamento começa a surgir, marcado pelos polos de poder
emergentes: países em desenvolvimento e prováveis protagonistas no cenário
internacional, bem como potências economicamente fortes que começam a afirmar
seus interesses nacionais, como Japão e Alemanha, e o surgimento de blocos
geoeconômicos macrorregionais. No entanto, o novo ordenamento não elimina a
liderança estratégica dos Estados Unidos.
Huntington (1997 apud MAGNOLI, 2004, p. 202) sugere que o sistema
internacional atual parece funcionar segundo a dinâmica “unimultipolar”, “uni”
referindo-se ao poder militar da superpotência e “multipolar” ao poder econômico
das várias grandes potências, membros de blocos geoeconômicos macrorregionais:
Existe, agora, apenas uma superpotência. Mas isso não significa que o mundo é unipolar. Um sistema unipolar teria uma superpotência, nenhuma grande potência e diversas potências menores. Como resultado, a superpotência poderia, de modo efetivo, resolver sozinha importantes assuntos internacionais e nenhuma coalizão entre outros Estados teria o poder de impedi-la de agir assim. Durante diversos séculos, o mundo clássico sob Roma [...] aproximou-se desse modelo. Um sistema bipolar como o da Guerra Fria tem duas superpotências, e as relações entre elas são centrais para a política internacional. [...] Um sistema multipolar tem várias grandes potências de força comparável que cooperam e competem entre si, segundo padrões cambiantes. [...] A política internacional contemporânea não se ajusta em qualquer desses três modelos. Ela consiste num estranho híbrido, um sistema uni/multipolar, com uma superpotência e várias grandes potências. A solução para assuntos internacionais cruciais requer a ação da única superpotência, mas sempre em alguma combinação com outras grandes potências; a superpotência pode, contudo, em assuntos cruciais, vetar a ação pretendida por uma coalizão dos outros Estados.
A nova geopolítica resultante da mudança de ordenamento trará à luz
questões relacionadas à estrutura do sistema internacional, às condições básicas
30
para a paz, aos fatores condicionantes da política exterior e às decisões que a
afetam, aos conflitos e às crises, aos processos de integração regional e às
organizações internacionais (CASTRO, 2012). Nessa nova ordem, poder e espaço
estão imbricados, pois países pertencentes a uma mesma região geográfica se
unem com o objetivo de se fortalecerem econômica e militarmente, pois os conflitos
não estão descartados. Juntam-se também com o objetivo de se projetarem no
concerto internacional, como é o caso de países do sudeste asiático, do Brasil e
demais países sul-americanos, países árabes e Europa.
Inclusive, a dinâmica de integração comercial tem profundas repercussões
sobre a política externa e sobre as relações sociais entre as diferentes culturas, pois
o indivíduo passa a viver em um mundo no qual a necessidade de se relacionar com
pessoas de outras culturas torna-se mais evidente. A sociedade passa a ser cada
vez mais multicultural. Os deslocamentos por questões profissionais, políticas e
comerciais aumentam dia a dia em uma sociedade aberta ao intercâmbio
internacional7. O desenvolvimento da tecnologia associado ao desenvolvimento dos
meios de comunicação e o desejo do ser humano de conquistar novos espaços e
novos mercados para os seus produtos, de se relacionar com outros seres humanos
em âmbito pessoal e profissional tornaram possível a formação deste mundo
globalizado, em que as barreiras físicas, em muitos casos, são facilmente rompidas.
No entanto, ainda existem barreiras culturais e linguísticas, que podem ser
amenizadas à medida que o indivíduo se conscientizar a respeito da diversidade
cultural e linguística e se abrir ao conhecimento de novos sistemas culturais e
linguísticos.
Portanto, a exploração do espaço geográfico é a base de sustentação da
geopolítica, uma vez que esta resulta da interação da geografia, da história e da
política, que está relacionada ao poder do Estado.
Citamos a criação dos espaços econômicos, culturais e de defesa
fundamentados nas características comuns de uma região, como a União Europeia
(EU), o mercado Comum do Sul (MERCOSUL), a União das Nações Sul-Americanas
(UNASUL) e a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN).
7 Com relação às questões sociais, nota-se, atualmente, um fechamento da sociedade e, consequentemente, a imposição de barreiras que impedem a mobilidade de habitantes de países subdesenvolvidos aos países desenvolvidos, como mostra o fenômeno da imigração.
31
A união fundamentada em características geográficas comuns ou pela
contiguidade do território carrega, muitas vezes, implícita ou explicitamente um
ideário de caráter histórico-cultural-nacionalista. Os objetivos específicos 9 e 15 da
UNASUL expressam a necessidade da consolidação de uma identidade sul-
americana ao mesmo tempo que promovem a valorização das diversas identidades
que compõem o território:
9- A consolidação de uma identidade sul-americana através do reconhecimento progressivo dos direitos aos nacionais de um Estado Membro residentes em qualquer outro Estado Membro, com o objetivo de alcançar uma cidadania sul-americana. (tradução nossa) 15- A promoção da diversidade cultural e das expressões da memória e dos conhecimentos e saberes dos povos da Região, para o fortalecimento de suas identidades. (UNASUR, 2008, tradução nossa)
Associado ao fator espaço, está o fator tempo, pois a exploração do espaço
geográfico com fins políticos foi intensificada pelo uso de recursos resultantes do
avanço científico e tecnológico, tais como as comunicações, a informática, a
eletrônica, os satélites, as armas poderosas, os transportes e, dentro dessa
modalidade, os aviões, utilizados como arma de guerra e para o transporte de
passageiros, permitindo o domínio do espaço aéreo. Como consequência, as
mudanças passaram a ocorrer em uma velocidade muito maior devido à redução do
tempo de operação. Outra questão resultante da revolução tecnológica associada ao
fator espacial e temporal é a que envolve o conceito de fronteira e soberania que,
por sua vez, está associada ao fator político do qual não se pode desvincular o
poder extraterritorial exercido por Estados poderosos no âmbito militar, econômico,
político e tecnológico no território de outros países.
Não estamos considerando apenas a invasão física, como a perpetrada pelas
tropas norte-americanas no Oriente Médio, mas também a invasão do território
através das redes de comunicação, gerando episódios de espionagem, por parte do
governo norte-americano, por exemplo, como o ocorrido no Brasil em 2013 e em
outros países que se projetam no cenário internacional. Somando-se a isso, é
preciso considerar a invasão cultural, política e econômica por parte dos mesmos
Estados poderosos nos países menos desenvolvidos. Nessa nova conjuntura, como
reação, os Estados recorrem ao reagrupamento regional com o objetivo de se
fortalecerem e defenderem seus interesses comuns, sejam eles econômicos,
políticos, culturais ou militares. Vale lembrar que a defesa dos interesses culturais
32
está relacionada com a preservação, a consolidação ou o fortalecimento de uma
identidade ou identidades.
O espaço, conforme Raffestin (1993), tem duas faces: uma é o plano da
expressão, constituída por superfícies, distâncias e propriedades, e a outra é o plano
do conteúdo, constituído pelas superfícies, pelas distâncias e propriedades
reorganizadas, que têm seu significado dado pelos atores sociais, posto que estes
constituem a fonte do poder, o próprio fundamento do poder, por sua capacidade de
inovação ligada ao seu potencial de trabalho.
Pode-se falar, então, de espaço e território que, para Raffestin (1993), não
são termos equivalentes. O território se forma a partir do espaço, como resultado da
ação do homem, entendida como apropriação, que pode ocorrer tanto no plano
concreto como abstrato. Em ambos os planos, existem relações marcadas pelo
poder, pois é uma nova realidade construída intencionalmente.
Se fizermos um recorrido pela história, veremos que está inteiramente
marcada pela apoderação de espaços que foram transformados em territórios pela
ação dos conquistadores: romanos, celtas, iberos, bárbaros, árabes, espanhóis,
portugueses, ingleses, franceses, holandeses. Podemos considerar também os
espaços que já haviam sido convertidos em territórios pela população local antes da
chegada dos conquistadores, como os impérios inca, maia e azteca. Nesses casos,
os feudos e, posteriormente, as urbanizações e a criação do Estado-Nação são
outros exemplos da territorialização de espaços no plano concreto. Segundo
Raffestin (1993), é preciso lembrar que o fato de delimitar parcelas, de marcá-las,
cercá-las não é uma simples relação com o território, pois a questão da alteridade
também deve ser considerada, ou seja, as relações com os indivíduos ou grupos
que aí se inserem. Essa interação procura modificar tanto as relações com a
natureza como as relações sociais, e os atores se automodificam também. Como
exemplo, citamos a conquista muçulmana da Península Ibérica. Após sua ocupação,
os muçulmanos permaneceram na região por oito séculos, foram ampliando suas
conquistas territoriais e foram influentes com sua cultura. Os moçárabes, cristãos
ibéricos que viviam sob o governo muçulmano no Al-Andalus, adotaram elementos
da língua e cultura árabe.
A territorialidade também funciona como um instrumento para comunicar um
ideário: a preservação oua construção de uma identidade, a proteção ou dissuasão
de ameaças extraterritoriais, por exemplo.
33
Por outro lado, a emergência de um meio técnico-científico-informacional
acabou definindo uma nova realidade espacial: a territorialização do espaço no
plano abstrato. Através das redes de comunicação, a cultura, a ideologia de um país
pode penetrar em outros países e territorializar o seu espaço, principalmente quando
se trata de um país ou países que ocupam uma posição hegemônica no cenário
internacional.
Conforme Raffestin (1993), o poder é parte intrínseca de toda relação. Uma
das proposições de Foucault (1988 apud Raffestin, 1993) é que as relações de
poder não estão em posição de exterioridade no que diz respeito a outros tipos de
relações (econômicas, de conhecimento, sociais, sexuais etc.), mas lhes são
imanentes.
No que se refere à Geopolítica, a população, o território e os recursos são os
três elementos chave nas relações de poder, pois o conflito de dois Estados pela
posse de uma região não é apenas um conflito pela aquisição de uma parcela de um
território, mas também pelo que ele contém de população e de recursos. Na
população residem as capacidades virtuais e reais de transformação; ela constitui o
elemento dinâmico de onde procede a ação. O território é a cena do poder e o lugar
de todas as relações. Os recursos determinam os horizontes possíveis da ação.
Segundo Lapierre (1968 apud RAFFESTIN, 1993, p. 56):
[...] o que fundamenta o poder não é a necessidade natural, mas a capacidade que os homens têm de transformar, por seu trabalho e, ao mesmo tempo, a natureza que os circunda e suas próprias relações sociais. Pela inovação técnica e econômica, os homens transformam seu meio natural. Pela inovação social e cultural, transformam seu meio social.
Essa perspectiva vai ao encontro da teoria construtivista nas Relações
Internacionais, um dos fundamentos de nossa pesquisa 8 , cujo foco está na
construção social da política internacional; o poder é constituído principalmente por
ideias e contextos culturais, uma vez que, dentro dessa ótica, a convivência social
modifica os agentes e as ideias.
Com relação aos arranjos espaciais, Santos, M. (2006) considera, na atual
conjuntura, as horizontalidades e as verticalidades. As primeiras dizem respeito às
relações entre pontos inseridos em extensões contínuas, que formam uma região.
Como exemplo, citamos a América do Sul e, por conseguinte, a UNASUL, tratado já
mencionado. Por outro lado, as verticalidades se referem às relações entre pontos
8 Para detalhes da teoria construtivista nas Relações Internacionais, ver 1.5.
34
inseridos em espaços descontínuos, facilitadas pela tecnologia, sendo elas as
responsáveis pelo funcionamento da sociedade e da economia em nível global, pois
as redes são globais e, desse modo, transportam o universal ao local. Cada lugar é,
ao mesmo tempo, objeto de uma razão global e de uma razão local, convivendo
dialeticamente.
Ainda no que se refere às horizontalidades, Santos, M. (2006) pondera:
[...] os mesmos interesses criam uma solidariedade ativa, manifestada em formas de expressão comum, gerando, desse modo, uma ação política”. “Na escala do globo, o motor implacável de tantas reorganizações, sociais, econômicas, políticas e, também, geográficas, é essa mais-valia global, cujo braço armado é a competitividade, que neste nosso mundo belicoso, é a mais guerreira de todas as ações. (SANTOS, M., 2006, p. 226)
As ações locais, ou seja, horizontais, constituem uma forma de reagir à
verticalização das relações espaciais, que tendem a ser dominadas pelas forças
econômicas hegemônicas, pois outras formas de aproximação “podem criar a
solidariedade, laços culturais e, desse modo, a identidade”. (GUIGOU, 1995 apud
SANTOS, M., 2006, p. 216). Os Conselhos Ministeriais e Setoriais da UNASUL, que
são Conselhos temáticos, respondem à demanda de aproximação entre os países
da região não apenas no que se refere ao âmbito econômico, mas também ao
cultural, ao social, ao da saúde, da educação, da segurança, da defesa, por
exemplo.
Compreende a integração como uma totalidade e não só através de uma
perspectiva puramente econômica. Ao mesmo tempo, infere-se que a aproximação
dos países sul-americanos no âmbito da defesa foi articulada com o objetivo de
proteção das ações geradas pela competitividade no espaço vertical. A aproximação
entre países inseridos em espaços contínuos também nos remete ao conceito de
região que, segundo Correa (2000, p.12), está ligado “à noção fundamental de
diferenciação de área, quer dizer, à aceitação da ideia de que a superfície da Terra é
constituída por áreas diferentes entre si”. Tais diferenças podem ser vistas por uma
perspectiva naturalista, ou seja, seus elementos: clima, relevo, vegetação, geologia
caracterizam-se pela uniformidade e encontram-se integrados e em interação. A
segunda perspectiva agrega o elemento humano entrelaçado com a natureza,
modelando-a pela influência de sua cultura. Na terceira perspectiva, a região é
definida como “um conjunto de lugares onde as diferenças internas entre esses
lugares são menores que as existentes entre eles e qualquer elemento de outro
35
conjunto de lugares” (CORREA, 2000, p. 17), sendo as diferenças mensuradas
estatisticamente.
A divisão da superfície terrestre em regiões implica complexidade, uma vez
que múltiplos critérios ou dimensões podem ser considerados. Claval(2004 apud
CORREA, 2000, p. 17), por sua vez, lembra o fato de que, “por não haver um critério
sistemático para se identificar regiões, os resultados obtidos indicam a sua
diversidade, às vezes constituindo uma realidade natural, mas na maioria dos casos
condicionada histórica e economicamente”.
Conclui-se que o cenário geopolítico evolui paralelamente ao curso da
história, e tendo esta um caráter dinâmico e sendo protagonizada por atores sociais,
usando a terminologia de Raffestin (1993), ou por agentes sociais, empregando a
terminologia de Castro (2012), o palco em que atuam está em constante
transformação: os espaços são reorganizados, consequentemente, polos de poder
são criados ou deslocados, surgem novas estruturas e novos sentidos localmente
constituídos. A ordem local é associada a uma população contínua de objetos,
reunidos pelo território e como território, regidos pela interação.
1.4 A política expansionista norte-americana na América Latina nos séculos
XIX e XX
Julgamos pertinente, neste momento, fazer algumas ponderações a respeito
da política expansionista norte-americana na América Latina, pois não é possível
tratar o tema do presente trabalho sem fazer-lhe referência, pois grande foi a sua
influência na região fazendo, inclusive, com que cidadãos latino-americanos
passassem a desprezar suas próprias pátrias e, por conseguinte, suas culturas e
admirar o ideal americano de progresso e superioridade, bem como o modo de vida
americano 9 , progresso alcançado, em grande parte, devido a essa política
expansionista.
Quando os norte-americanos sereferem a si mesmos como americanos
somente repetem a famosa frase do presidente James Monroe, proferida no
congresso dos Estados Unidos em 1823: "A América para os americanos". O
contexto se referia à interferência europeia nas então colônias em fase de
9 Tradução da expressão inglesa american way of life, comumente usada em inglês em textos em língua portuguesa.
36
independência nas Américas. Era a origem do pan-americanismo, numa perspectiva
norte-americana, fundado na supremacia dos Estados Unidos sobre os demais
Estados americanos.
A Doutrina Monroe colocou em prática a sua hegemonia sobre os países da
América Latina, usando recursos doutrinários como “cooperação”, “boa vizinhança” e
marcou as relações do tipo imperialista desenvolvidas entre ambos, relações estas
de caráter econômico, político, militar e cultural assimiladas pelos governos desses
países.
Em 1901, início da gestão do presidente Theodore Roosevelt, adotou-se a
política do big stick, que fazia referência ao tipo de diplomacia empregada como
corolário da Doutrina Monroe, que consistia no papel de polícia internacional que os
Estados Unidos deveriam assumir na América Latina. As intenções desta diplomacia
eram proteger os interesses econômicos dos Estados Unidos,mantendo um ar
amistoso e cordial nas negociações, e ao mesmo tempo deixando evidente a
possibilidade de usar a força para alcançar seus objetivos. Dessa forma, os países
latino-americanos passavam da condição colonial para neocolonial.
Turner, na obra The frontier in americanhistory (1893), assenta a fronteira
como o ponto de encontro entre a barbárie e a civilização, fazendo referência ao
processo de expansão territorial estadunidense comumente denominado de "Marcha
para o Oeste", que contribuiu para expandir consideravelmente o território do país no
século XIX. Soma-se a isso, o "Destino Manifesto", ideologia surgida na imprensa
norte-americana no início do século XIX, que acabou sendo apropriada pelas
autoridades políticas como argumento de defesa para a marcha para o oeste. É uma
filosofia que expressa a crença de que o povo dos Estados Unidos foi eleito por
Deus para comandar o mundo, sendo o expansionismo geopolítico norte-americano
apenas uma expressão desta vontade divina. O sentimento de superioridade racial
sobre outros povos americanos descendentes de indígenas, hispânicos e escravos
negros pode explicar também a política expansionista norte-americana até a
América do Sul, que estabeleceu uma relação de subserviência aos norte-
americanos, observada até hoje, embora com alguma resistência por parte de
alguns governos latino-americanos. Citamos, como exemplo, a Área de Livre
Comércio das Américas (ALCA), ideia lançada pelos Estados Unidos em 1994,
durante a Cúpula das Américas, que gerou resistência por parte do Brasil e outros
países da América Latina, por temerem o controle de toda a economia da região
37
pelos norte-americanos (CONGRESSO NACIONAL. COMISSÃO PARLAMENTAR
CONJUNTA DO MERCOSUL, [200-?]).
O discurso político passado e presente refletem claramente a ideologia
expansionista norte-americana. O presidente James Buchanan, no discurso de sua
posse em 1857, deixou bem claro a determinação do domínio norte-americano: "A
expansão dos Estados Unidos sobre o continente americano, desde o Ártico até a
América do Sul, é o destino de nossa raça [...] e nada pode detê-la” (JAMES
BUCHANAN, 2015).
Da mesma forma, o candidato à presidência daquele país, Mitt Romney, no
discurso de abertura de sua campanha, em 2012, disse: "Deus não criou este país
para que fosse uma nação de seguidores. Os Estados Unidos não estão destinados
a ser apenas um dos vários poderes globais em equilíbrio. Os Estados Unidos
devem conduzir o mundo ou outros o farão" (SANTAYANA, 2012).
Pode-se dizer que o início do expansionismo norte-americano na América
Latina iniciou-se com a agitada formação do Estado mexicano que, pelo Tratado de
Guadalupe-Hidalgo de 1848, que pôs fim à Guerra Mexicano-Americana, o México
cedeu aos norte-americanos os territórios do Novo México, Arizona, Alta Califórnia,
Nevada e Colorado (QUESADA, 2005). Somou-se a isso a forte pressão dos
Estados Unidos pela independência das últimas colônias espanholas na América:
Cuba e Porto Rico, com a intervenção direta no conflito em 1898, que ficou
conhecido como Guerra Hispano-Americana, com a vitória dos Estados Unidos
sobre a Espanha. A luta contra a Espanha foi feita sob o pretexto de defender o
povo cubano da repressão espanhola, mas, os seus motivos reais estavam na
importância econômica e estratégica em exercer o controle efetivo dos mais
relevantes territórios espanhóis. Cuba tornou-se independente da Espanha em 1902,
mas permaneceu ligada à política e aos interesses dos EUA, o que fazia da ilha, na
prática, uma colônia, situação que continuou por várias décadas. Porto Rico até hoje
forma um estado associado aos EUA. Ainda, como consequência do pan-
americanismo, criaram o Estado do Panamá com o objetivo de construir e controlar
um canal de comunicação entre os oceanos Atlântico e Pacífico, interviram na
política das repúblicas da América Central através da companhia United Fruit10,
10A United Fruitfoi uma companhia que constituiu um instrumento valioso a serviço do intervencionismo norte-americano nas chamadas “repúblicas bananeiras”. Impôs o monocultivo de bananas e café, sobretudo, em latifúndios que comandava e administrava à margem do ordenamento legal; fixava o preço dos produtos no
38
criada em 1899, e seu exército também participou em algumas ações bélicas no
continente (QUESADA, 2005).
Vale lembrar que, em 1890, aconteceu a primeira Conferência Pan-
americana, que propunha uma moeda comum no continente americano, o dólar,
uma união aduaneira, um conselho de arbitragem de conflitos militares e
econômicos em Washington, além de cobrança de tributos de “proteção”. O Brasil e
a Argentina opuseram-see receberam retaliações econômicas do bloco liderado
pelos norte-americanos. Ainda com relação ao Brasil, também houve o domínio e a
compra de muitas terras, gerando gigantescos oligopólios, e a compra de
companhias brasileiras por muitos empresários norte-americanos do início do século
XX até a década de cinquenta do mesmo século. Grande parte das atividades
extrativistas, construção de estradas de ferro, rodovias, mineração, geração de
energia elétrica, águas e esgotos, transportes, indústrias de papel, metalúrgicas,
mecânicas, navais entre outras, pertenciam a aqueles grupos.
Na sequência, após a Segunda Guerra Mundial, com o Plano Marshall, que
visava à reconstrução e à recuperação econômica dos países europeus aliados,
objetivando o fortalecimento do sistema capitalista, os países periféricos acabaram
se convertendo, paradoxalmente, em exportadores de matérias-primas e em
mercados consumidores dos produtos industrializados dos países centrais, seguindo
na condição de subdesenvolvimento e subordinação. Esta situação vai ao encontro
da abordagem realista das Relações Internacionais, pois não era interessante aos
Estados Unidos colocar os países periféricos no mesmo patamar de
desenvolvimento que o seu e dos demais países europeus, pois isso iria conferir-
lhes autonomia política e econômica, tirando-lhes da posição de provedores de
matérias-primas e espaço para a inversão de capitais. Conforme Romanova (1968),
foi o capital estrangeiro que destruiu os embriões da independência econômica
latino-americana, e os primeiros grandes investimentos dos Estados Unidos na
América Latina foram dedicados à agricultura, ou mais exatamente, às plantações
de açúcar, cacau, café, banana e algodão; mais adiante, quando a sua indústria teve
necessidade de grande quantidade de matérias-primas minerais, foram descobertos
enormes recursos na região, focalizando sua atenção nos ramos extrativos da
exterior, opunha-se a qualquer projeto reformista contrário aos seus interesses e intervinha diretamente na política interna dos Estados (QUESADA, 2005).
39
indústria. O Brasil, até hoje, continua exportando produtos agrícolas e minerais aos
países industrializados.
Outro fato apresentado por Romanova (1968) está relacionado ao fechamento
da primeira usina de fundição de ferro em fornos elétricos, estabelecida no Brasil na
segunda década do século XX em Ribeirão Preto, estado de São Paulo, cujo método
teria fornecido grandes vantagens econômicas ao país. No entanto, começou a
funcionar com interrupções, devidas em grande parte ao fato de que as centrais
elétricas, pertencentes aos Estados Unidos, negaram-se a lhe fornecer energia.
Alegando-se o esgotamento de minério de ferro naquela região, esta usina foi
fechada em 1929. Também no Brasil, já durante a Segunda Guerra Mundial, os
monopólios norte-americanos estabeleceram seu controle sobre a extração de
nióbio, mineral estratégico utilizado na indústria aeronáutica, inclusive, pouco tempo
depois,com uma concessão do governo brasileiro para explorar as jazidas.
A indústria automobilística norte-americana, bem como de aparelhos
eletrodomésticos, através de seus monopólios, também se apoderaram do mercado
interno brasileiro e de demais países latino-americanos.
Conforme assinala Romanova (1968), com o tempo, as companhias norte-
americanas foram abertas para a participação de investidores nacionais, os
capitalistas locais, transformando-as em empresas mistas. Além disso, começaram a
incorporar mais amplamente empregados latino-americanos, pretendendo criar uma
aparência de “cooperação”, mas com o intuito de assegurar a exportação de capital
e o funcionamento das empresas existentes, inculcando-lhes o “modo de vida
americano” e ganhando sua adesão.
Segundo Ianni (1974), estas relações podem ser colocadas em termos de
dependência estrutural, dado que as nações latino-americanas são histórica e
constitutivamente dependentes, pois foram criadas como colônias pelas metrópoles
europeias surgidas com a expansão do mercantilismo. Portanto, nestas sociedades,
muitas instituições (econômicas, políticas, jurídicas, educacionais, militares,
religiosas) se organizaram de modo a atender às exigências do próprio
funcionamento e expansão do colonialismo mercantilista. Isso significa que a
dependênciaem relação às antigas metrópoles apenas mudou de mãos. Passaram a
ser sociedades capitalistas “subdesenvolvidas”, dependentes estruturalmente das
sociedades capitalistas desenvolvidas, dependência esta que transcende o plano
econômico, revelando-se também nos acordos políticos, militares, culturais e de
40
assistência técnica, pois os países subordinados não são detentores do
conhecimento tecnológico, e que começa a tornar-se prática cotidiana no
pensamento e nas ações da sociedade dependente.
O Office of Inter-American Affairs, criado em 1940, foi o órgão utilizado pelo
governo dos Estados Unidos com o objetivo de formular e executar programas nas
áreas comercial, econômica, cultural, educacional para estreitar os laços entre as
nações americanas. Na verdade, seu real objetivo era implantar o modo de vida
desse país na América Latina como um meio de diminuir a influência do Eixo nesse
continente, além de visar à consolidação do domínio político e benefícios
econômicos. Pode-se dizer que atuou como instrumento de poder brando, que é a
capacidade de obter os resultados desejados mais pela via da atração do que da
coerção.11
O intervencionismo político e econômico na América Latina resultou no
empobrecimento e endividamento dos países e na consequente dependência
econômica dos Estados Unidos, bem como no caos político, marcado por conflitos,
golpes e o surgimento de ditaduras, fatos observados até nossos dias. Ficou claro
que o capital privado estrangeiro nunca se interessou em investimentos destinados a
formar o capital social dos povos latino-americanos, como investimentos em saúde,
educação, aumento do bem-estar.
Como bem disse Eduardo Galeano em As veias abertas da América Latina
(1970, p. 14):
É a América Latina, a região das veias abertas. Desde o descobrimento até nossos dias, tudo se transformou em capital europeu ou, mais tarde, norte-americano, e como tal tem-se acumulado e se acumula até hoje nos distantes centros de poder.
Com base no exposto e nas palavras de Galeano, julgamos conveniente fazer
o seguinte questionamento: Por que as veias abertas da América Latina não se
fecharam após a declaração de sua independência dos países colonizadores?
Interesses particulares locais estavam acima dos interesses nacionais; faltou
patriotismo, sentido de unidade e valorização do território latino-americano com sua
abundância de recursos naturais e humanos, e de seus traços culturais peculiares. A
famosa frase de James Monroe, já citada, “A América para os americanos”, que faz
referência à soberania do território americano como um todo, visando aos interesses
11 O capítulo Língua e Identidade Cultural tratará a questão mais detalhadamente.
41
norte-americanos, deveria ter sido repensada e adaptada ao contexto latino-
americano pelos seus próprios habitantes: a “América Latina para os latino-
americanos” como forma de valorizar e de defender a sua soberania.
Simón Bolívar almejou a construção de uma nação única, mas apesar de todo
seu empenho, o desejo ficou apenas em sua imaginação, pois o território estava
dividido pelas deformações do sistema colonial: não existia um sistema econômico
forte e unificado; existiam polos de poder que atendiam às necessidades europeias.
Segundo Galeano (1970, p. 279), “qualquer das corporações multinacionais opera
com maior coerência e sentido de unidade do que este conjunto de ilhas que é a
América Latina, desgarrada por tantas fronteiras e tantas incomunicações”.
Podemos interpretar os termos “fronteiras” e “incomunicações” não apenas
por uma perspectiva geográfica, expressando a carência de conexões terrestres
entre os países latino-americanos 12 , mas também por uma perspectiva
integracionista, que ultrapassa a dimensão física. Ao mesmo tempo, é preciso
considerar a falta de integração interna desses países, marcada por disputas
políticas, governos corruptos e desníveis sociais e econômicos, bem como pela
incapacidade e falta de disposição dos governos para sanar tais problemas, dado
que a dificuldade de integração interna pode constituir uma barreira à integração
regional.
Cuba se rebelou contra a presença norte-americana em seu território. No
entanto, seguiu por caminhos tortuosos, o que impediu o seu desenvolvimento. A
Venezuela também pode ser citada como exemplo de país reacionário ao
intervencionismo norte-americano, levantando a bandeira do bolivarianismo, mas um
bolivarianismo um tanto desvinculado daqueles ideais propostos por Simón Bolívar,
mais direcionado a resgatar a figura do herói nacional e justificar as ações do
governo.
O contexto brasileiro e de demais países latino-americanos, hoje, pouco difere
do contexto inicial da neocolonização, passamos da condição de subdesenvolvidos
para emergentes, mas uma emergência que se estagnou. Nenhum país latino-
americano conseguiu converter-se em uma potência industrial desenvolvida. A
colocação de Ianni (1974, p.123) resume o passado e o presente dos países latino-
americanos: “O problema é que o poder político nos países da América Latina nunca
12 As ferrovias e as estradas eram construídas para transportar a produção ao exterior por rotas mais diretas. Ver Galeano (1970).
42
conseguiu libertar-se ou superar a contradição entre sociedade nacional, por um
lado, e economia dependente, por outro”. Ainda, segundo o mesmo autor:
Os governantes dos países da América Latina rejeitam o “jogo democrático” sempre que os instrumentos de mando e decisão sobre diretrizes econômicas e políticas (internas e externas) começam a ser disputadas pelas classes assalariadas. Sempre que se configura a possibilidade de uma reformulação real (ainda que reduzida) das estruturas de poder, devido à participação das massas assalariadas no processo político, então ocorre o golpe de estado. (IANNI, 1974, p. 123).
A transição do governo de Salvador Allende para o de Augusto Pinochet no
Chile (1973) e de João Goulart para o de Castelo Branco no Brasil (1964) ilustram a
citação anterior.
Conforme Galeano (1970, p. 281), “para que a América Latina possa
renascer, terá de começar por derrubar seus donos, país por país”. A frase pode ser
interpretada tanto sob a perspectiva do intervencionismo estrangeiro como dos
governos locais desleais à pátria que atuam privilegiando seus interesses
particulares e de membros de seu partido ou aliados, constituindo entraves para que
os países superem a condição de emergentes.
Julgamos conveniente acrescentar as contribuições de García Canclini (2008)
com respeito à projeção da América Latina no cenário global. Para ele, a indústria
cultural é significativa para promover a expansão econômica na região e fomentar a
integração, pois favorece o desenvolvimento de outras áreas como transporte,
turismo e investimentos. O autor indaga “por que a América Latina não soma sua
criatividade e variedade literária, musical e comunicacional para converter-se em
uma economia cultural de escala, mais interconectada e com maior capacidade
exportadora” (GARCÍA CANCLINI, 2008, p. 34). Alerta que essa economia cultural
de escala deve ser inclusiva, possibilitando que os países periféricos, indígenas e
pobres urbanos também comuniquem suas vozes e suas imagens. Ele ainda
apresenta, seguindo pela via cultural, algumas medidas que poderiam contribuir para
recolocar a América Latina no mundo.
Em primeiro lugar, sugere identificar na região as áreas estratégicas do
desenvolvimento, verificando quais produtos materiais e simbólicos próprios podem
melhorar as condições de vida das populações latino-americanas e potencializar a
comunicação com os demais: a consolidação do patrimônio histórico tangível e
intangível, da produção audiovisual, do turismo, com o apoio dos ministérios da
cultura.
43
Em segundo lugar, sugere o desenvolvimento de práticas socioculturais que
promovam o avanço tecnológico e a expressão multicultural das sociedades latino-
americanas, centradas no crescimento da participação democrática dos cidadãos.
Em terceiro lugar, voltar a situar as políticas culturais nas áreas estratégicas
de desenvolvimento endógeno e de cooperação internacional.
Por último, cultivar e proteger legalmente a diversidade latino-americana
situando-a na variedade de tendências que contém a globalização, assim como criar
instrumentos internacionais de conhecimento e avaliação do desenvolvimento
sociocultural.
Observa-se que García Canclini (2008) enfatiza em seu discurso a construção
cultural da cidadania latino-americana, ou seja, que a recolocação da América Latina
no cenário global se dê pela via cultural com participação cidadã, abrangendo todos
os seguimentos populacionais, cujos benefícios retornem para a própria população
da América Latina.
Entende-se que, a partir do momento em que os países latino-americanos
começarem a ver a si mesmos como nações e a desenvolver um sentimento
nacional e de pertencimento, a pensar no seu potencial econômico e cultural, em
suas raízes, em sua identidade real, como colocaram em suas obras o escritor
cubano José Martí e o nicaraguense Rubén Darío, expoentes do modernismo
hispano-americano, outros escritores e artistas no século XIX, e músicos
participantes do movimento da Nueva Canción13, na década de 60, como Mercedes
Sosa, Violeta Parra, e a tomar medidas para que se abra o caminho para o
fortalecimento da região e que lhe confiram de fato a soberania, esta começará a
abandonar a posição periférica em que se encontra, o que poderá contribuir,
inclusive, com o processo de integração e cooperação militar na América do Sul,
nosso objeto de estudo.
13 Movimento nascido na Argentina e no Uruguay na década de 1960, que encontrou eco em iniciativas da mesma natureza em países vizinhos, cujo objetivo era produzir música em diálogo com as raízes culturais folclóricas e populares (PRADO, 2014).
44
1.5 Geopolítica sul-americana
Antes de abordar a geopolítica sul-americana, julgamos conveniente tecer
algumas considerações a respeito de toda Ibero-América14.
No final do século XV, a Espanha havia restabelecido a unidade, os reinos
medievais hispânicos se uniram em uma organização política que resultou na
formação da Monarquia Hispânica. A necessidade de procurar metais preciosos,
base da doutrina mercantilista, predispôs a Espanha e Portugal a empreender
expedições marítimas, que se realizaram sob o signo da rivalidade. Por outro lado,
vale lembrar o fator cultural, que também motivou tal empreendimento: o ideal
cavalheiresco medieval que animou os espanhois e portugueses a imitar as
façanhas dos heróis clássicos e medievais, que pareciam irrealizáveis. Tudo isso
resultou no descobrimento e na conquista do Novo Mundo, bem como na criação do
extenso império hispano-americano e português na América, o primeiro grande
império colonial dos tempos modernos.
A partir da chegada dos povos ibéricos no continente americano, uma nova
geopolítica começou a ser configurada, pois o Tratado de Tordesilhas e,
posteriormente, o Tratado de Madri demarcaram as fronteiras entre terras
espanholas e portuguesas.
Os espanhóis criaram um império que se estendia desde o sul dos Estados
Unidos até a Terra do Fogo. Pacificaram e colonizaram territórios extensos,
fundaram cidades, dividiram terras, construíram vias de comunicação, pontes e
portos; desenvolveram a agricultura, a produção de manufaturas e o comércio e
exploraram os recursos minerais; obrigaram os índios a trabalhar e importaram
escravos africanos. Nota-se a divisão tripartida a serviço do poder: a população, o
território e os recursos, o que não foi diferente no Brasil, considerando que o poder é
parte intrínseca de toda relação.
Diante da exploração e injustiças adotas pela Espanha na América, a partir do
século XVIII começa a brotar um movimento de resistência nas colônias, liderado
pelos descendentes de espanhóis nascidos na América. Além dos laços culturais
que tinham com o continente americano, viam na independência uma forma de
14 A denominação “Ibero-América” foi escolhida porque os países envolvidos na pesquisa são apenas os colonizados por portugueses e espanhóis e, além disso, formam parte de um território contínuo. Consideramos, também, o território insular: Cuba, República Dominicana e Porto Rico.
45
obtenção de poder político. Muitos eram comerciantes e proprietários de terras e,
por meio da independência, poderiam obter liberdade para seus negócios,
aumentando assim seus lucros. Vale lembrar também que muitos descendentes
estudaram na Europa, onde tomaram contato com os ideais de liberdade
propagados pelos iluministas, o que contribuiu para que o movimento se
transformasse em ideologia.
O grau de insatisfação e revolta da população americana com o domínio
espanhol havia atingido o ponto máximo no começo do século XIX. Foi nesta época
também que os aristocratas conseguiram organizar movimentos emancipacionistas
em todos os vice-reinos.
Após o processo de independência, os vice-reinos foram divididos, tornaram-
se Estados e adotaram o sistema republicano de governo, ao contrário do Brasil
que, após sua independência em 1822, adotou a monarquia constitucional. Uma vez
mais se observa a reconfiguração da geopolítica no território iberoa-mericano.
A independência da América Hispânica, por um lado, favoreceu
financeiramente e politicamente a aristocracia, formada pelos descendentes de
espanhóis nascidos na América, que se perpetuavam no poder. Por outro, não
contribuiu para a diminuição das desigualdades e injustiças sociais.
Simón Bolívar, militar, político e intelectual venezuelano,foi um dos principais
líderes das lutas pela independência nos países da América Hispânica, fato que lhe
outorgou o título honorífico de “El Libertador”. Idealizou a América Hispânica como
uma grande nação. O desejo de articulação de uma confederação hispano-
americana foi proposto no Congresso do Panamá em 1826, sendo um de seus
princípios a formação de uma aliança, uma confederação das repúblicas hispânicas,
com o objetivo de defesa comum, solução pacífica de conflitos e preservação da
integridade dos territórios dos estados-membros. Vale mencionar que na Carta da
Jamaica (1815), Simón Bolívar já havia demonstrado seu desejo de formar uma
confederação hispano-americana com as regiões que anteriormente pertenciam ao
Império Espanhol, baseado no fato de elas terem um passado histórico em comum,
essas instituições, professarem idêntica religião, a católica, e terem o espanhol
como a sua língua dominante.
Na carta, Bolívar analisa os acontecimentos históricos no continente
americano relacionados à luta pela independência até aquele momento, expõe as
razões da luta e termina sua reflexão com a crença na necessidade da união entre
46
os países ibero-americanos, constante que atravessa todo o texto da Carta da
Jamaica. Abaixo transcrevemos um fragmento:
É uma ideia grandiosa pretender formar do novo mundo uma só nação com um único vínculo que ligue suas partes entre si e com o todo. Como tem uma origem, uma língua, costumes e uma religião deveria, por conseguinte, ter um só governo que confederasse os diferentes Estados que hão de formar-se, mas não é possível porque climas remotos, situações diversas, interesses opostos, caracteres diferentes dividem a América. (QUESADA, 2005, p. 83, tradução nossa).
Outra grande figura da independência foi o líder militar argentino José de San
Martín cujas lutas foram decisivas para a declaração da independência da Argentina,
Chile e Peru.
No entanto, as aspirações regionalistas não tardaram em promover a
desagregação da grande nação. Desse modo, a divisão política da América Ibérica
se consumou.
Hoje são dezenove países ibero-americanos que têm o espanhol como língua
materna. Se consideramos, de uma maneira especial, a América do Sul, dos dez
países iberoamericanos que a formam, um tem o português como língua materna, e
os demais, o espanhol. Trata-se de países, cuja história se parece muito à brasileira,
que compartilham aspectos como a conquista, a colonização, a política, o
desenvolvimento, a proximidade geográfica, a abundância de recursos naturais. No
entanto, dois séculos se passaram e o ideal de integração ainda não se concretizou.
A Ibero América ou, em uma dimensão menor, a América do Sul, parecem formar
um grande quebra-cabeça cujas peças ainda não se encaixaram efetivamente,
apesar das tentativas já ocorridas de integração, principalmente no plano econômico
com a formação de blocos.
Infere-se que apenas a aproximação econômica não é suficiente para criar
laços fortes e estáveis entre os países de um bloco. A complexidade é muito maior
quando se fala em integração regional, pois, conforme Claval (2004 apud CORREA,
2000, p. 17) mencionado anteriormente, não há um único critério para identificar
regiões, podendo estas constituírem uma realidade natural ou serem condicionadas
histórica e economicamente. No caso da América do Sul, nosso objeto de pesquisa,
os três fatores estão imbricados. Não obstante, a constituição de uma região não
implica necessariamente que seus territórios estejam integrados, pois a integração
está relacionada com entrosamento, construção de um todo, coordenação de
esforços, planificação conjunta e a convivência pacífica entre as partes que
47
conformam o grupo, sem perder a sua individualidade. No âmbito da Geopolítica, o
fato de territórios estarem incorporados a uma unidade maior sem o estreitamento
de laços, considerando apenas suas características geográficas, econômicas,
históricas e sociais comuns ou análogas não confere à região um significado pleno.
Cabe questionar quão comuns são essas características e o seu teor de contribuição
à construção de uma identidade sul-americana.15
Na visão de Richard (2014, parágrafo 46), a integração regional é definida
como “o processo pelo qual uma parcela do espaço, pouco importa seu tamanho, é
pouco a pouco ‘preenchida’ por bastante substância social, econômica, institucional
política, cultural, identitária, etc. para tornar um sistema distinto dos outros e ser
finalmente percebido como tal”.
A globalização fortaleceu a tendência à integração regional mais como
estratégia para fortalecer os países frente ao novo cenário econômico. Com relação
ao cenário cultural, notam-se as seguintes vertentes: por um lado, a assimilação de
elementos culturais como comportamentos, formas de pensamento e ideias
advindos de centros economicamente dominantes em detrimento dos valores locais
e tradicionais, por outro, a valorização dos elementos locais frente à interposição dos
globais. No entanto, se nos distanciarmos um pouco dessa visão maniqueísta do
processo de globalização, podemos considerá-lo como uma oportunidade de
aproximação entre os povos e, assim, conhecer a diferença, compreendê-la e
aprender com ela. Desse modo, a alteridade é uma condição que pode ser verificada
quando há interação entre o “eu” e o “outro”, ao reconhecermos que somos uma
cultura possível entre tantas outras, mas não a única, constituindo, inclusive, uma
forma de amenizar preconceitos.
Portanto, os componentes social e cultural devem ser considerados quando
se trata o tema da integração, podendo contribuir ao fortalecimento dos laços
políticos, econômicos e militares entre os países de uma região.
Se considerarmos a participação do Brasil em iniciativas para fortalecer a
América do Sul e a América Latina como um todo no cenário internacional,
verificamos a formação dos seguintes blocos regionais (BRASIL. MINISTÉRIO DAS
RELAÇÕES EXTERIORES, 2015):
15 As questões identitárias serão tratadas no capítulo 3.
48
ALADI: associação criadapara promover o desenvolvimento econômico
e social da região, que visa ao estabelecimento, de forma gradual e
progressiva, de um mercado comum latino-americano.
MERCOSUL: à dimensão econômica e comercial do bloco, somam-se
outras iniciativas no âmbito das telecomunicações, da ciência e
tecnologia, infraestrutura, educação, agricultura, cooperação
fronteiriça, do meio ambiente, entre outras. Todos os países da
América do Sul estão vinculados ao bloco, seja como Estado Parte
(Brasil, Argentina, Paraguai, Uruguai e Venezuela), seja como
Associado (Bolívia, Chile, Peru, Colômbia, Equador, Guiana e
Suriname).
OTCA: bloco formado pelos Estados que partilham o território
Amazônico: Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Peru,
Suriname e Venezuela, cujos programas se centram nas áreas
ambiental, social, de ciência e tecnologia, saúde, turismo, segurança e
defesa.
CELAC: Comunidade criada com o objetivo de estabelecer um
processo de cooperação que abrangesse toda a região latino-
americana e caribenha. Os programas giram em torno de 19 eixos,
entre eles: educação, cultura, infraestrutura, ciência e tecnologia,
desenvolvimento industrial, comércio, assistência humanitária,
narcotráfico.
UNASUL: tratado mais recente aprovado em 2008 entre 12 países da
América do Sul: Argentina, Bolívia, Brasil, Colômbia, Chile, Equador,
Guiana, Paraguai, Peru, Suriname, Uruguai e Venezuela com o
objetivo de construir um espaço de integração no âmbito cultural,
econômico, social e político dos povos sul-americanos, privilegiando o
diálogo entre eles e um modelo de “desenvolvimento para dentro”, bem
como o relacionamento com o resto do mundo de forma integrada.
Panamá e México são membros associados. O Tratado uniu o
MERCOSUL à CAN formada por Bolívia, Colômbia, Equador e Peru.
Vale lembrar que o “desenvolvimento desde fora”, durante o século XIX e
parte do século XX, apoiado pela Inglaterra e pelos Estados Unidos provocou um
49
distanciamento entre os Estados latino-americanos. Em contraposição, os Tratados
condensam interesses comuns e proporcionam uma moldura para o gerenciamento
de conflitos entre Estados que são parceiros antigos. Nessa moldura, o exercício de
influência substitui em grande medida o exercício do poder.
O “desenvolvimento desde fora” está relacionado à dependência e à
subordinação a ambas aspotências, fruto de um processo histórico que se organizou
em torno de estruturas hegemônicas de poder, questão já comentada na seção
anterior. Com relação a esse tema, Guimarães (2005) coloca que os grandes
Estados periféricos, em cuja categoria o Brasil se insere, ainda hoje enfrentam um
cenário internacional semelhante, pois ainda estão sujeitos ao impacto das ideias,
dos costumes e das políticas geradas pelos Estados centrais, difundidas pelos
meios globais de comunicação. O autor esclarece que “grandes Estados periféricos”
são aqueles países não desenvolvidos, com grande população e extenso território,
não inóspito, razoavelmente capaz de exploração econômica e onde se formaram
estruturas industriais e mercados internos significativos. Pode-se vincular, portanto,
uma população numerosa, em um território extenso, com um grande potencial
econômico, científico-tecnológico, militar e político. O território extenso, por um lado,
implica a presença de uma grande variedade de recursos naturais, produção
agrícola diversificada, assim como a necessidade de pesquisa em áreas que
alavanquem o desenvolvimento do país. A exploração dessas potencialidades,
segundo Guimarães (2005), resultaria em menor dependência externa, o que
reduziria a vulnerabilidade a pressões políticas e militares das potências centrais.
Além disso, os Estados periféricos ganhariam capacidade de exercer influência
política nas esferas regional e mundial.
Não obstante, para alcançar a autonomia, há obstáculos a serem superados:
disparidades internas, vulnerabilidades externas, baixo nível de escolaridade da
população, instabilidade social, política e econômica, e o enfrentamento com as
potências hegemônicas e suas estratégias de preservação e de expansão de poder,
como a criação de organizações internacionais sob seu controle, como o Fundo
Monetário Internacional, a Organização Mundial do Comércio, geradores de
ideologias. As tentativas de enfraquecimento de programas de fortalecimento
político, econômico, militar ou tecnológico de caráter nacional ou regional, como os
blocos geoeconômicos; as elites políticas, intelectuais formadores de opinião,
latifundiários e grandes empresários simpatizantes dos ideais e das políticas das
50
potências hegemônicas também constituem obstáculos a serem superados se os
Estados periféricos quiserem trilhar o caminho da autonomia.
Guimarães (2005, p. 169) aponta os Estados Unidos como o grande desafio
para a política externa brasileira, devido à situação geopolítica do Brasil na América
do Sul, o que pode levar a situações conflitivas:
[...] tem fronteira com dez países; sua capacidade para articular iniciativas em defesa dos interesses da região, interesses que os Estados Unidos nem sempre compartilham; os exercícios militares norte-americanos realizados em regiões próximas às fronteiras com o Brasil; as operações contra o narcotráfico e o terrorismo, com a participação de assessores norte-americanos nos países vizinhos; as constantes insinuações sobre a internacionalização da Amazônia por razões ambientais e com o pretexto da futura escassez de água; e a visão norte-americana de que as forças armadas dos países da América do Sul devem reduzir-se ao mínimo e cumprir funções apenas de polícia interna.
Nesse cenário, no que se refere ao âmbito militar brasileiro, o autor
supracitado também apresenta como desafio da política externa brasileira, a
construção da capacidade militar para ser usada com o objetivo de defender o
território, caso os Estados hegemônicos usem a força para controlar a periferia.
Os Estados Unidos têm a sua grande estratégia muito clara desde os tempos
da Doutrina Monroe, e continua bem atuante, pois seu objetivo ainda está focado na
expansão de poder hegemônico. O Brasil e demais países da América do Sul
precisam encontrar o caminho para o desenvolvimento por meio de um projeto
consistente, e o seu consequente fortalecimento como nações culturalmente,
politicamente, economicamente independentes e democraticamente fortes. Com o
fortalecimento político, econômico e cultural, o fortalecimento da capacidade militar
seria imprescindível. Dessa forma, o Brasil, na condição de grande Estado periférico
sul-americano, poderia desempenhar o papel de líder regional pró-ativo, de
elemento de coesão entre os Estados da América do Sul para formar um
agrupamento forte, com interesses convergentes, e dessa forma, reduzir a
vulnerabilidade da região, já que a política externa brasileira optou por um modelo
de inserção internacional alicerçado no regionalismo e no multilateralismo.
Como bem expõe Góes (2008), o Brasil precisa de uma grande estratégia, um
projeto de engrandecimento que transforme potencial em poder e lhe confira uma
soberania de fato, com voz ativa no processo decisório internacional, pois “um país
sem estratégia é um país sem rumo, à deriva, facilmente atraído por concepções
51
alienígenas, que nada mais fazem senão projetar seus próprios interesses sobre o
espaço jurídico de suas vítimas” (GÓES, 2008, p. 42).
Pensamos que todas as nações sul-americanas, principalmente as signatárias
do Tratado Constitutivo da UNASUL, precisam de uma grande estratégia que lhes
possibilite construir uma política de desenvolvimento soberana e eficaz que as faça
deixar a sua condição de periféricas. Guimarães (2005), com muita sensibilidade,
cita a tríade “esforço, confiança, autoestima” como elementos necessários para
avançar no caminho do desenvolvimento e, dessa maneira, usufruir dos benefícios
de um progresso econômico sustentável, de uma justiça social crescente e do
exercício da democracia real.
Pensamos que a UNASUL pode ser parte dessa tão necessária estratégia de
desenvolvimento regional, pois o projeto de integração e união abrange os âmbitos
cultural, social, econômico, político e militar.
A UNASUL é estruturada por Conselhos formados por Chefes de Estado, por
Chanceleres e por Delegados, por uma Secretaria-Geral – que passa por uma fase
de consolidação e fortalecimento – e por doze Conselhos Setoriais, que tratam de
temas específicos: energia, defesa, saúde, desenvolvimento social,infraestrutura,
problema mundial das drogas,economia e finanças, eleições, educação, cultura,
ciência, tecnologia e inovação, segurança cidadã, justiça e coordenação de ações
contra a delinquência organizada transnacional.
Segundo o Ministério de Relações Exteriores brasileiro:
A integração regional é prioridade para a diplomacia brasileira. O Brasil incentiva esse projeto não apenas por estar convicto dos benefícios para a inserção e a projeção do país e da região em um mundo cada vez mais multipolar, mas também porque se trata de objetivo determinado pela Constituição Federal à nossa política externa. Em seu artigo 4º, parágrafo único, estabelece que "a República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações". (BRASIL. MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES, 2015).
Pensar no desenvolvimento brasileiro requer pensar em seus vizinhos, todos
países sul-americanos.
Barrios (2011) tece algumas considerações a respeito da posição privilegiada
e estratégica do Brasil na América do Sul: está no centro do subcontinente, situação
que lhe permite desempenhar o papel de articulador interno entre o norte e o sul,
pois ao norte estão a Amazônia, Colômbia e Venezuela, e estes são a articulação
com a zona caribenha, mexicana e centro-americana. A oeste está o Peru, também
52
na fronteira da Amazônia, e é a conexão entre o norte e o sul hispano-americano,
entre a Comunidade Andina e o Cone Sul hispano-americano. A região corresponde
ao enlace entre a Comunidade Andina e o MERCOSUL e associados, que,
posteriormente, originou a UNASUL. Ainda, para Barrios (2011), na América Latina,
é a América do Sul, seu grande corpo, que proporciona solidez geopolítica. Para
tanto, é preciso que haja uma estratégia bem delineada para contribuirà formação de
um Estado Continental Industrial no cenário internacional, que inclua a
industrialização e a integração. Outros requisitos que também contribuem a viabilizar
a sua formação são: o poder alimentar, o poder aquífero, o poder energético e o
poder demográfico, recursos abundantes na região. Sua legitimidade dependerá da
criação de um pensamento unitário e deve sustentar-se em função de um poder
multidimensional que, segundo Barrios (2011), abrange ideias e crenças, população,
espaço, recursos e tecnologia, e organização.
Prestaremos atenção especial às ideias e crenças porque são consideradas
elementos mobilizadores da comunidade, que interagem com a realidade política,
social e econômica. Ideias implicam possibilidade de transformação, que é motivada
por uma ação que, por sua vez, é motivada por um pensamento advindo de um
agente. As transformações estão relacionadas a mudanças em padrões culturais.
Portanto, o processo de integração sul-americano deverá passar,
imprescindivelmente, em maior ou menor grau, por uma quebra de paradigmas no
âmbito cultural. Qual o significado de ser latino-americano ou, em uma dimensão
menor, sul-americano para um brasileiro, argentino ou para outros cidadãos dos
demais países sul-americanos?
Analisando o Tratado Constitutivo da UNASUL, percebe-se que está
fundamentado na teoria construtivista das Relações Internacionais, ou seja, na
construção social da política internacional, uma vez que os construtivistas analisam
as relações internacionais sob a ótica social mais que estritamente material, dado
que o mundo é socialmente e historicamente construído; as Relações Internacionais
consistem primariamente em fatos sociais. Estamos cientes de que o construtivismo
é uma subcorrente do idealismo kantiano, do final do século XVIII, que busca a
democracia em nível global. No entanto, notamos que alguns princípios podem ser
aplicados à América do Sul para então desenvolver o tema do nosso trabalho: a
integração e a cooperação militar na região.
53
O projeto de Kant (1795) visava estabelecer uma paz perpétua entre os povos
europeus, e depois espalhá-la pelo mundo inteiro. Tratou-se de um manifesto
iluminista a favor do entendimento permanente entre os homens, elaborado após a
Revolução Francesa, retomando uma ideia anterior de consegui-la através da
formação de uma sociedade das nações, defendida pelo padre Saint-Pierre. A sua
constituição está fundamentada nos princípios da liberdade de todos os membros da
sociedade, no princípio de dependência em que todos estão submetidos a uma única
legislação em comum e, finalmente, no princípio da igualdade de todos os cidadãos
(SCHILLING, 2002). Para ele, a moral e a política devem atuar juntas, e o princípio
da amizade sólida deve nortear as relações entre os Estados. No entanto, a cultura
Kantiana não nega a possibilidade de existência de conflitos, quando coloca que
estes devem ser resolvidos sem guerra ou ameaça desta – a regra da não violência
- e que os Estados deverão lutar como uma equipe caso a segurança de qualquer
um seja ameaçada por um terceiro – a regra da ajuda mútua (WENDT, 1999).
Segundo Wendt (1999), o construtivismo pode ser visto como um tipo de
idealismo estrutural, pois encontra-se no meio termo entre a abordagem idealista e a
holista ou estruturalista. A primeira coloca ênfase no compartilhamento de ideias,
mais do que nas forças materiais que agem na constituição da estrutura profunda da
sociedade, e que a identidade e os interesses dos atores são construídos por essas
ideias compartilhadas e não determinados por tais forças. A segunda enfatiza os
poderes que emergem das estruturas sociais quando se compartilham ideias e
conhecimento, em oposição à visão individualista relacionada a essas estruturas.
Porém, isto não significa que o construtivismo desconsidere a importância das forças
materiais, é que, para esta subcorrente, o que imprime significado a estas forças é o
conhecimento e valores compartilhados. Ao mesmo tempo, os construtivistas
acreditam que o mundo material oferece resistência quando agimos sobre ele.
Na verdade, tanto construtivistas como materialistas reconhecem o papel das
ideias e das forças materiais na estrutura social. O que diferencia é a crença de
cada um no teor dos efeitos na estrutura. Para os materialistas, as forças materiais
predominam no direcionamento das forças sociais.
Sobre a organização das forças materiais, Wendt (1999, p. 23) pondera:
Os materialistas acreditam que o fato mais fundamental sobre a sociedade é a natureza e organização das forças materiais. Ao menos cinco fatores materiais estão presentes no discurso materialista: (1) natureza humana; (2) recursos naturais; (3) geografia; (4) forças de produção; e (5) forças de
54
destruição. Tais forças têm importância: permitindo a manipulação do mundo, conferindo poder a alguns atores sobre outros, conduzindo pessoas à agressão, criando ameaças, e assim por diante. Essas possibilidades não descartam as ideias, mas creem que os efeitos das forças não materiais são secundários. (tradução nossa)
No âmbito da política internacional, a principal questão dentro da teoria
construtivista reside na incógnita: Como são formados os interesses dos Estados?
Dentro das perspectivas tradicionais, os Estados, assim como as pessoas, teriam
uma natureza pré-social, ou seja, a vida em sociedade não modifica as pessoas e os
Estados. O construtivismo, em contraste, como acredita que a convivência social
modifica os agentes, os Estados não podem ser considerados como verdades
exógenas. No caso, as ideias e normas possuem um papel fundamental tanto na
constituição da realidade e dos agentes, quanto na definição de identidades e
interesses, pois exercem um efeito constitutivo nos atores.
Para Wendt (1999), o poder é construído por ideias e contextos culturais. Se
os Estados compartilham ideias e valores através da interação social e cultural,
pode-se conduzir à produção de novos conhecimentos, novas subjetividades, novas
identidades, novos interesses, provocando efeito constitutivo, o que mostra que a
cultura foi internalizada. Tal fato poderá levar à formação de uma identidade coletiva,
o que permitiria aos atores encontrar soluções comuns aos problemas, o que, por
sua vez, pode definir a estrutura do sistema internacional. O fato dos Estados
compartilharem ideias implica que não se veem como inimigos – passa-se da
estratégia de confrontação à cooperação, que implica processos de comunicação,
interação, e, posteriormente, ação.
A teoria construtivista é indissociável da questão da alteridade: o homem,
como ser social, existe a partir da visão e do contato com o outro ou outros, a
coletividade. Estabelece-se entre eles uma relação de interação e dependência. E
se a alteridade implica em enxergar o outro, interagir com ele e entendê-lo, a língua
é um meio que facilita a compreensão mútua e propicia a comunhão de
pensamentos.
Wendt (1999, p. 354) chama a atenção para as consequências derivadas do
individualismo no que se refere à relação entre os Estados de uma Comunidade:
As diferenças internas podem ser fonte de conflitos externos. A redução dessas diferenças aumentará o grau de coincidência dos interesses dos Estados e promoverá a formação de uma identidade coletiva reduzindo a lógica para a existência das identidades individuais. (tradução nossa).
55
A teoria construtivista mostra que os entendimentos coletivos constituem o
caminho para a formação de uma identidade coletiva. No caso do presente trabalho,
essa identidade coletiva restringe-se à América do Sul e não à totalidade do sistema
internacional.
Como exemplo, citamos o Tratado Constitutivo da UNASUL, cujo objetivo
geral e termos presentes no preâmbulo e nos objetivos específicos sinalizam um
forte embasamento na teoria construtivista, uma vez que os agentes ou atores
sociais interagem entre si e com seus contextos políticos e socioculturais,
propiciando novas aprendizagens e, como consequência, mudança de
comportamento e transformação de sua realidade:
A União da Nações Sul-americanas tem como objetivo construir, de maneira participativa e consensual, um espaço de integração e união no âmbito cultural, social, econômico e político entre seus povos, priorizando o diálogo político, as políticas sociais, a educação, a energia, a infraestrutura, o financiamento e o meio ambiente, entre outros, com vistas a eliminar a desigualdade socioeconômica, alcançar a inclusão social e a participação cidadã, fortalecer a democracia e reduzir as assimetrias no marco do fortalecimento da soberania e independência dos Estados. (Objetivo geral) Construção de um futuro comum. (Preâmbulo) Construção de uma identidade e cidadania sul-americanas. (Preâmbulo) Desenvolvimento de um espaço regional integrado. (Preâmbulo) Cultura de paz. (Preâmbulo) Solidariedade; cooperação; democracia; pluralismo; direitos humanos universais; redução de assimetrias; harmonia com a natureza para o desenvolvimento sustentável. (Preâmbulo) Integração. (Preâmbulo) Diálogo político. (Objetivos Específicos) Acesso universal à educação de qualidade. (Objetivos Específicos) Desenvolvimento social e humano. (Objetivos Específicos) Cooperação econômica e comercial. (Objetivos Específicos) Integração industrial e produtiva. (Objetivos Específicos) Promoção da diversidade cultural. (Objetivos Específicos) Participação cidadã através de mecanismos de interação e diálogo entre a UNASUL e os diversos atores sociais na formulação de políticas de integração sul-americana. (Objetivos Específicos) Intercâmbio de informação e de experiências em matéria de defesa (Objetivos Específicos). (UNASUR, 2015, tradução nossa).
56
Palavras-chave como união, integração, cooperação, intercâmbio, construção,
diálogo, solidariedade, cultura de paz, direitos humanos universais vão ao encontro
da teoria construtivista nas Relações Internacionais.
Na prática, observam-se iniciativas, por parte da UNASUL, que contribuem
para a concretização da proposta integração: reuniões anuais com os Chefes de
Estado dos países membros; ações e projetos promovidos pelos Conselhos
Ministeriais e Setoriais; reuniões com ministros e embaixadores; conferências,
participação em fóruns latino-americanos; criação dos Centros de Estudos
Estratégicos de Defesa e da Escola Sul-Americana de Defesa, que funcionará como
um centro de altos estudos, articulado para a formação de civis e militares, com
cursos compartilhados e troca de experiências na área da defesa regional; criação
do Café UNASUL, que procura construir uma consciência sul-americana a partir do
diálogo com jovens das universidades dos países membros para tratar de temas
relacionados aos direitos humanos, ao meio ambiente, ao emprego, à educação.
Com essa atividade, pretende-se abrir a visão estratégica e as políticas da UNASUL
a diferentes setores da sociedade que permita, mediante o diálogo, construir uma
consciência sul-americana. Encontra-se em debate a livre circulação de seus
cidadãos na região, em um modelo similar ao adotado pelo MERCOSUL (UNASUR,
2015). A quebra de barreiras no plano físicopropiciará uma maior aproximação e a
consequente quebra de barreiras no plano cultural.
Conclui-se que as ações, nos mais diversos âmbitos, são necessárias para
gerar a aproximação e a interação entre os países membros da UNASUL e para o
despertar da consciência sul-americana e, posteriormente, o sentimento de
cidadania sul-americana. O processo poderá ser lento e enfrentar uma série de
obstáculos, pois os atores sociais já são detentores de suas próprias visões de
mundo e já têm conformada uma identidade. No entanto, estes mesmos atores não
são passivos e estão em constante processo de interação com o seu meio, o que
lhes possibilita adquirir novas experiências, novas visões de mundo e reconstruir sua
identidade.
57
2 LÍNGUA E IDENTIDADE CULTURAL
2.1 Cultura e imperialismo cultural
Cada indivíduo nasce em um contexto cultural marcado por características
peculiares que assimila, em maior ou menor grau, ao longo de um processo de
socialização.
Claude Lévi-Strauss, (1976 apud LARAIA, 2001), antropólogo francês,
considera que a cultura surgiu no momento em que o homem convencionou a
primeira regra, a primeira norma.
Leslie White (1955 apud LARAIA, 2001), antropólogo norte-americano
contemporâneo, considera que a passagem do estado animal para o humano
ocorreu quando o cérebro do homem foi capaz de gerar símbolos, que não são
perceptíveis pelos sentidos, mas sim pela cultura que os criou.
Para Santos, J. L. (1996, p. 7),
Cultura é uma preocupação contemporânea, bem viva nos tempos atuais. É uma preocupação em entender os muitos caminhos que conduziram os grupos humanos às suas relações presentes e suas perspectivas de futuro. O desenvolvimento da humanidade está marcado por contatos e conflitos entre modos diferentes de organizar a vida social, de se apropriar dos recursos naturais e transformá-los, de conceber a realidade e expressá-la.
Desde as ponderações dos antropólogos citadose de Santos, J. L. (1996),
infere-se que o homem é produtor e produto da cultura e que esta se manifesta na
heterogeneidade: na linguagem, no pensamento, na concepção e expressão da
realidade e na maneira pela qual o indivíduo se comporta em situações sociais
concretas. A sociedade, através de uma série de signos, símbolos, transmite um
sistema de valores amplo que acaba por caracterizar e diferenciar as culturas.
Na definição de cultura, intervém uma série de fatores: “o meio ambiente; a
psique projetada, formada por mitos, contos, crenças, superstições, ritos; os
elementos de conduta, como cerimônias, práticas, crenças mágico-religiosas; o nível
de desenvolvimento; as relações familiares; a língua; etc.” (GARCÍA, 1999, p. 113).
As definições são variadas. Algumas se baseiam em conteúdos: costumes,
crenças, normas artísticas, hábitos, adquiridos mediante educação formal e informal.
Outras se baseiam na herança social, transmitida de geração em geração. Outras,
nas normas, conhecimento, valores e ideias, o que se aprende e é necessário para
58
saber cumprir as normas dos demais. Há definições que colocam ênfase nos
símbolos: linguagem, instrumentos, utensílios, instituições, sentimentos.
Seguindo uma perspectiva antropológica, Laraia (2001) elucida que os
antropólogos estão totalmente convencidos de que as diferenças genéticas não são
determinantes das diferenças culturais, ou seja, não existe correlação significativa
entre a distribuição dos caracteres genéticos e a distribuição dos comportamentos
culturais, mas que essas diferenças se explicam, antes de tudo, pela história cultural
de cada grupo, pelo tipo de aprendizado de cada um em oposição à ideia de
aquisição inata, transmitida por mecanismos biológicos16. Do mesmo modo, não é
possível admitir a ideia do determinismo geográfico para tratar de questões culturais,
ou seja, que o indivíduo é um ser passivo frente à ação das forças naturais. As
forças decisivas estão na própria cultura e na história da cultura e, sendo a cultura
um processo acumulativo resultante de toda experiência histórica das gerações
anteriores, tem um caráter dinâmico; o mundo, protagonizado por atores sociais,
está em constante evolução, as transformações no ambiente ocorrem provocando
um processo de mudanças adaptativas. Os indivíduos têm a capacidade de
questionar os seus próprios hábitos e modificá-los; portanto, os sistemas culturais
estão em processo contínuo de modificação devido às forças internas e ao contato
com outros sistemas culturais, pois os povos não estão isolados. Isso nos leva a
pensar que a compreensão da cultura exige que se penseos diversos povos,
nações, sociedades e grupos humanos, que hoje, mais do que em qualquer outro
momento, estão em constante processo de interação, seja pelo contato físico ou
pelos meios de comunicação social.
No entanto, Laraia (2001, p. 51) faz o seguinte comentário a respeito das
mudanças ocasionadas pelo processo de interação:
Cada mudança, por menor que seja, representa o desenlace de numerosos conflitos. Isto porque em cada momento as sociedades humanas são palco do embate entre as tendências conservadoras e as inovadoras. As primeiras pretendem manter os hábitos inalterados, muitas vezes atribuindo aos mesmos uma legitimidade de ordem sobrenatural. As segundas contestam a sua permanência e pretendem substituí-los por novos procedimentos.
Nesse sentido, infere-se que a cultura é um processo permanente de
construção, desconstrução e reconstrução, uma produção histórica no marco das
16 O autor faz ressalva com relação a certos instintos, por exemplo, o ato de um bebê buscar e sugar o seio materno ao nascer.
59
relações dos grupos sociais entre si, sendo o homem o produtor e o seu produto.
Essa perspectiva está de acordo com a teoria construtivista, que norteia o nosso
trabalho.
Dado que a cultura expressa o mundo em que vivemos e, com ela,
interpretamos os fatos que nele acontecem, condicionados por nossas próprias
experiências e expectativas que os membros de nosso grupo nos depositam, com
respeito a nossos comportamentos e atitudes, delimitando o que é correto ou não,
positivo e negativo e o que é indiferente, os códigos culturais em contato com outros
códigos culturais dão origem a situações de coexistência, assimilação, rejeição e/ou
marginalização. Com respeito às duas últimas situações mencionadas, observa-se,
por parte de algumas culturas, a adoção de uma postura etnocêntrica ou
centralizadora, o que faz acreditar que elas próprias são superiores à cultura do
outro ou que existe uma cultura dominante de onde emana um modelo de valores.
Segundo Santos, J. L. (1996, p. 14), essa é uma visão hierarquizada de cultura,
uma visão que utilizava concepções europeias para construir a escala
evolutiva, e que, além do mais, servia aos propósitos de legitimar o
processo que se vivia de expansão e consolidação do domínio dos
principais países capitalistas sobre os demais povos do mundo.
Se falamos de cultura dominante, temos que falar em relação de poder entre
um dominador e um dominado, em desigualdades de poder que hierarquizam os
povos e nações, o que, inevitavelmente, acaba envolvendo outros tipos de questões
como a intolerância, o preconceito, a discriminação, o racismo. Por parte do
dominado, pode ocorrer a perda da crença nos valores de sua cultura e, em casos
extremos, conforme Ianni (1974), há o comprometimento da própria personalidade
de pessoas e grupos de pessoas da cultura subordinada.
Com relação aos paradigmas culturais ao longo da história, é preciso
considerar, de acordo com Santos, J. L. (1996), surgimentos e rompimentos: o
cristianismo, por exemplo, teve força para se impor na definição de práticas e
comportamentos; a visão de mundo cristã medieval oferecia à Europa os modelos
principais que ordenavam o conhecimento e a interpretação do mundo e das
relações sociais. Em contraponto, com o advento do antropocentrismo, tornou-se
dominante uma visão menos teocêntrica do mundo social e da vida humana.
60
Ainda no que se refere às quebras de paradigmas e aos contatos entre
sistemas culturais e a sua consequente coexistência e “imposição”, remetemos às
conquistas de territórios e poder durante a Idade Antiga, Idade Média e Idade
Moderna. Os conquistadores providos de seus sistemas culturais chegavam e
subjugavam os povos autóctones, submetendo-os a um processo de aculturação.
Exemplo marcante na América Ibérica foi a catequese dos índios pelos religiosos
europeus.
Desse momento em diante, passamos a tecer algumas críticas a respeito do
longo período de imperialismo cultural pelo qual a Ibero-América atravessou e ainda
atravessa, que se iniciou com a chegada dos espanhóis e portugueses ao continente
e resultou na marginalização das minorias étnico-culturais, principalmente das
populações indígenas e negras, na exclusão social, no caudilhismo, na violência
política. Somou-se, posteriormente, aos abusos históricos cometidos pelas potências
colonizadoras, o intervencionismo norte-americano no território. Em todos os casos,
houve a “imposição” das concepções culturais do colonizador e interventor aos
povos sob domínio e controle, pelo fato de considerarem a sua cultura superior, a
marca da civilização, em oposição ao estado de selvageria e barbárie no qual
acreditavam viver os povos que habitavam o território. A crença na suposta
superioridade cultural era uma forma de legitimar a dominação colonial, conforme
colocado por Santos, J. L. (1996).
A partir do exposto, observa-se uma estreita relação entre cultura e poder.
Segundo Santos, J. L. (1996), a cultura faz parte tanto da história do
desenvolvimento científico quanto da história das relações internacionais de poder.
Portanto, na sociedade capitalista moderna, as nações política e economicamente
dominantes, de grande âmbito de influência e detentoras do conhecimento científico
e tecnológico são vistas como nações culturalmente ricas, o que vai ao encontro de
seus interesses de afirmação de poder. Estas mesmas nações trabalham no sentido
de fazerem as demais nações acreditarem, principalmente as emergentes, em cujo
grupo se inserem as nações que formam parte do nosso objeto de pesquisa
(signatárias do Tratado Constitutivo da UNASUL), que a cultura deve ser tratada
como uma realidade imutável, de características acabadas, para justificar a crença
na sua superioridade cultural e manter o status quo.
Conforme o conteúdo abordado no capítulo 1 do presente trabalho, a
proposta de integração sul-americana e de cooperação no âmbito militar
61
apresentada pelo Ministério da Defesa deve ser vista como uma quebra de
paradigmas na história das relações internacionais. É a tomada de consciência da
necessidade de cooperação para o desenvolvimento como meio de contribuir para a
paz e a segurança regional. Mais ainda, é a tomada de consciência de que os vários
países falantes da língua espanhola nas Américas e o Brasil, apesar das diferenças
encontradas antes da chegada do colonizador e dos fatores histórico-sociais que
marcaram e marcam suas trajetórias, apresentam, na própria condição de ex
colônias, fator unificador na construção de identidade, de autoafirmação e de
legitimação dos países formadores da Comunidade Linguística Ibero-americana,
além de compartilhar paisagens naturais – hidrografia, relevo, clima e vegetação –,
ter interesses geopolíticos comuns e fazer parte de blocos econômicos da região. Ao
mesmo tempo, é o desejo e a necessidade de tomar posse verdadeiramente do que
lhes é próprio, específico, em relação às nações política e economicamente
dominantes após tantas décadas de intervenção.
Apesar de não ser objeto da pesquisa, cabe indagar se o desejo de maior
aproximação entre as nações sul-americanas e a consequente integração é um
desejo compartilhado por muitos e como será o acesso da grande parcela da
população à proposta.
É preciso considerar que o processo de dissolução das fronteiras culturais
resulta mais complexo que o processo de dissolução das fronteiras físicas. A
almejada integração econômica, política, social, a cooperação em matéria de
defesa, a construção da unidade sul-americana, a consolidação da identidade,
dificilmente alcançarão a sua plenitude se atenção especial não for dispensada ao
componente cultural, pois o homem conhece o outro por meio das trocas culturais e
são elas que fomentam as aproximações.
Conforme abordado no capítulo anterior, embora o Brasil e os países hispano-
americanos compartilhem uma trajetória bastante parecida ao longo da história, com
uma pluralidade de culturas sobre a base comum, ameríndia e ibérica e tenham
formado um sistema cultural com características próprias e isso se traduza em uma
riqueza cultural valiosa, tanto do ponto de vista estético como do patrimônio histórico
e social, algumas marcas forjadas no passado e que se mantém vivas até o
presente acabam constituindo óbices à valorização dessa riqueza cultural e ao
processo de integração. Valoriza-se mais a cultura exógena, europeia e norte-
americana, pela crença em sua suposta superioridade, crença esta inculcada pelos
62
próprios colonizadores europeus e pelos norte-americanos aos povos latino-
americanos como estratégia de dominação, conforme já mencionado. Muitos
brasileiros expressam, inclusive, uma visão pejorativa a respeito dos países
hispanoamericanos, o que pode estar associado ao preconceito étnico; não estariam
os mesmos negando suas próprias origens já que tanto hispanoamericanos como
brasileiros compartilham uma base ameríndia e ibérica comum? Formadores de
opinião brasileiros dos diversos âmbitos e setores conservadores da sociedade
acreditam nas vantagens de uma política de alinhamento aos Estados Unidos, país
cuja penetração cultural e ideológica, ao longo de décadas, contribuiu a relegar à
periferia a valorização do nosso patrimônio cultural17.
Como defendemos a importância da consciência cultural como requisitoao
fortalecimento do poder geopolítico da região, julgamos conveniente comentar os
métodos utilizados para que a cultura norte-americana penetrasse na América Latina
visivelmente a partir da década de 40, adquirisse raízes tão profundas e servisse de
suporte à política externa dos Estados Unidos na região, entendendo-se cultura,
segundo Moura (1986, p. 8) “no sentido amplo dos padrões de comportamento, da
substância dos veículos de comunicação social, das expressões artísticas e dos
modelos de conhecimento técnico e saber científico”. Segundo o mesmo autor, era a
influência do american way of life para promover a política da boa vizinhança entre
os Estados Unidos e os demais países americanos, que, na teoria, se apresentava
como uma política de intercâmbio de valores culturais e de cooperação entre as
duas partes, alternativa à política do big stick. Trocava-se o hard power pelo soft
power18. No entanto, a influência ocorreu mais de lá para cá devido à abundância de
recursos de difusão por parte dos Estados Unidos, que pretendiam projetar-se no
cenário internacional como uma grande potência imperialista, corrida iniciada com a
guerra contra a Espanha em 1898, conforme exposto no capítulo 1.
Como primeira medida, em 1940 criou-se o Birô Interamericano19 destinado a
coordenar os esforços dos Estados Unidos no plano das relações econômicas e
culturais com a América Latina. Na verdade, segundo Moura (1986), era uma
17 Tema tratado nas próximas páginas. 18Termo usado na teoria de relações internacionais para descrever a habilidade de um corpo político, como um Estado, para influenciar indiretamente o comportamento ou interesses de outros corpos políticos por meios culturais ou ideológicos. O conceito foi desenvolvido pelo professor de Harvard Joseph Nye em seu livro Soft Power: The Means to Success in World Politics. 19 Decidimos usar o mesmo termo usado por Moura (1986). No capítulo 1 usamos o termo inglês Office of Inter-American Affairs.
63
agência ligada à segurança nacional norte-americana, portanto, subordinada ao
Conselho de Defesa Nacional dos Estados Unidos, cujas ações visavam ao
interesse da defesa nacional através do apoio dos governos e das sociedades latino-
americanas para a causa daquele país, já que a Segunda Guerra Mundial estava em
curso. Para isso, vendiam a imagem da colaboração hemisférica para ganhar os
corações e mentes tanto dos líderes políticos e militares como também dos grupos
sociais infuentes na formulação de políticas, e da massa da população também
politicamente significativa.
Hoje é possível compreender com clareza a eficácia do plano de penetração
econômica e cultural na América Latina, pois o Birô estava muito bem-estruturado:
comportava as divisões de comunicações, relações culturais, saúdee
comercial/financeira. Segundo Moura (1986, p. 23):
Comunicações abrangia rádio, cinema, imprensa, viagens e esportes; relações culturais incluía arte, música, literatura, publicações, intercâmbio e educação. Saúde trabalhava com problemas sanitários em geral. A Divisão comercial/financeira lidava com prioridades de exportação, transporte, finanças e desenvolvimento.
O Birô tinha o apoio das embaixadas em 20 países latino-americanos e
contava também com comitês de coordenação compostos por empresários norte-
americanos, representantes de multinacionais norte-americanas nesses países. Os
programas foram aplicados no Brasil nas áreas de informação, saúde e alimentação.
A primeira foi a mais importante pela capacidade de penetração cultural e ideológica,
e abrangia as seções de imprensa, cinema, rádio, ciência/educação e análise de
opinião pública 20.
A seção de imprensa colocava ênfase nas relações interamericanas e
publicava notícias favoráveis aos Estados Unidos e sobre a América Latina, bem
como folhetos, panfletos e posters com propaganda anti-Eixo, bandeiras e retratos
dos presidentes norte-americanos. Os profissionais brasileiros da área viajavam até
os Estados Unidos para aprender novas técnicas jornalísticas e editoriais.
Com relação ao cinema, o acordo do Birô com Hollywood consistia na
exibição de filmes “politicamente corretos”, ou seja, que não ferissem a imagem de
qualquer instituição norte-americana ou as susceptibilidades dos latino-americanos.
Foram patrocinadas viagens de astros e estrelas de Hollywood à América Latina e
20 As informações a respeito de cada área foram elaboradas com base no livro Tio Sam chega ao Brasil: a penetração cultural americana, de Gerson Moura.
64
de artistas latino-americanos aos Estados Unidos, como Carmen Miranda. Filmes de
Walt Disney que promoviam a solidariedade hemisférica eram exibidos; o mesmo
criou o personagem Zé Carioca e sua amizade com o Pato Donald para simbolizar
as boas relações entre Brasil e Estados Unidos. Milhares de sessões de cinema
foram patrocinadas no Brasil. Documentários sobre a América Latina que mostravam
paisagens tropicais, festas, folclore, sítios arqueológicos, artesanato e produção de
bens primários eram exibidos nos Estados Unidos enquanto de lá eram mostradas
as indústrias bélica, aeronáutica, cinematográfica, siderúrgica, ótica e os avanços
técnico-científicos, além de suas belezas naturais, o sistema educacional e a cultura
em geral.
No que se refere ao rádio, a política do Birô consistiu em atingir o público
latino-americano a partir de transmissões diretas dos Estados Unidose de emissoras
locais. Eram transmitidos noticiários, programas sobre o estilo de vida americano,
sobre a guerra privilegiando os Aliados, programas esportivos e musicais. O rádio
funcionou como um importante instrumento ideológico a serviço da propaganda
norte-americana.
No âmbito da ciência e educação, o Birô proporcionava programas de
assistência na forma de treinamentos a estudantes e técnicos brasileiros levados
aos Estados Unidos, assim como assessoria para a criação de escolas e
implantação de cursos na América Latina com fornecimento dos materiais
necessários nas áreas de interesse dos norte-americanos para que pudessem
implantar seus modelos institucionais, como na área das ciências agrárias, por
exemplo. Não se pode deixar de mencionar o impulso dado ao IBEU (Instituto Brasil-
Estados Unidos), órgão promotor da língua inglesa e cultura norte-americana no
Brasil, assim como ao fortalecimento e ampliação das escolas americanas em
território brasileiro frequentadas pelas elites. Os programas de intercâmbio
funcionaram mais como via de mão única, pois poucos brasileiros foram aos
Estados Unidos comparando como o número de norte americanos, das mais
variadas profissões, que vieram ao Brasil com o propósito de exploração, inseridos
em “missões de boa vontade”.
A seção de análise de opinião pública encarregava-se da elaboração de
enquetes para coletar informações a respeito das ações do Birô.
Os programas implantados em pontos estratégicos do território brasileiro, nos
âmbitos da saúde e da alimentação, tiveram um propósito utilitarista velado. No
65
primeiro caso, com o objetivo de melhorar as condições sanitárias locais para
receber as forças militares norte-americanas que provavelmente iriam ser enviadas
para alguns locais da América Latina, e também para assegurar as melhores
condições de trabalho nas regiões produtoras de matéria-prima. No segundo caso,
prover alimentos às unidades militares norte-americanas e brasileiras no Nordeste e
na Amazônia, regiões estrategicamente importantes.
Conclui-se que as ações do Birô visavam angariar aliados para ajudar os
Estados Unidos a vencer a guerra contra o fascismo e o nazismo e a concretizar o
seu projeto hegemônico.
Os Estados Unidos foram eficazes na conquista das mentes e dos corações
latino-americanos de todas as classes sociais com efeitos a longo prazo, produzindo
algumas incoerências no Brasil com relação aos países hispânicos observadas
atualmente: nos cinemas brasileiros raramente são exibidos filmes hispano-
americanos; as emissoras de rádio divulgam pouco a música em espanhol e notícias
de nossos vizinhos; consulta-se pouca bibliografia em língua espanhola, embora sua
indústria editorial seja forte; há pouco interesse pelo estudo da língua espanhola e
da cultura hispânica, fato que pode ser comprovado pela enorme demanda por
cursos de inglês comparada à de espanhol. O patrimônio histórico e cultural
hispano-americano, com suas cidades declaradas patrimônio da humanidade pela
UNESCO, é pouco visitado pelos brasileiros se comparado com as visitas aos
Estados Unidos e à Europa (PORTAL BRASIL, 2015), o que contrasta com os dados
apresentados pelo Anuário Estatístico de Turismo 2015, que coloca a América do
Sul como a região do globo que mais enviou turistas ao Brasil em 2013 e 2014
(BRASIL. MINISTÉRIO DO TURISMO, 2016).
Outros efeitos observados nos dias atuais, entre tantos, é o vasto número de
palavras de origem inglesa incorporadas ao léxico da língua portuguesa, que
passaram a fazer parte da comunicação; frases em língua inglesa estampadas em
camisetas; a presença de restaurantes de fastfood como Bob’s, Mac Donald’s,
Burguer King, KFC, Outback, Subway; as calças jeans da tradicional marca Levi’s; a
Coca-Cola com o seu poder de substituir o suco na mesa dos brasileiros; as viagens
à Disney que se tornaram quase uma regra entre as famílias brasileiras de classe
média e alta; a comemoração do Halloween.
Entende-se que há, de forma geral, uma cultura colonizada no Brasil que
valoriza cegamente quase tudo que provêm dos EUA e da Europa.
66
Se considerarmos a pluralidade étnica e cultural, as afinidades geográficas,
históricas e linguísticas, a herança colonial compartilhada, as múltiplas experiências
sociais, políticas, econômicas pelas quais passou a região, a influência das redes
globais de comunicação, é pertinente indagar, nesse ponto, como se afigura a
identidade latino-americana ou identidades latino-americanas, ou numa dimensão
um pouco menor, ibero-americana e, posteriormente, sul-americana.
2.2 A questão da identidade
A Ibero-América já nasceu com uma identidade quando foi descoberta e
transformada em uma grande colônia?
Há uma única América Ibérica ou diversasAméricas Ibéricas?
Do ponto de vista geográfico, uma grande extensão encontra-se sob a
influência do clima tropical. No entanto, a diversidade também se faz presente pelas
florestas, desertos, pradarias e picos nevados da Cordilheira dos Andes.
Do ponto de vista étnico, compartilha uma base ameríndia e ibérica,
somando-se aos dois grupos, os negros e imigrantes de outras nacionalidades
europeias, e asiáticos que aqui também chegaram. Com relação à base ibérica,
temos a base espanhola e a portuguesa. Alguns grupos de ameríndios como os
incas, maias e aztecas na América Hispânica alcançaram níveis de progresso
incomparáveis enquanto outros viviam em estado primitivo. Os imigrantes europeus,
apesar da denominação comum, procediam de diferentes culturas, principalmente
italiana, portuguesa, espanhola e alemã. O mesmo se aplica aos asiáticos:
japoneses, sírios, libaneses e, atualmente, no Brasil, considera-se também o grande
contingente de chineses e coreanos (MUSEU DA IMIGRAÇÃO DO ESTADO DE
SÃO PAULO, 2016).
No plano socioeconômico, observa-se o contraste entre desenvolvimento e
subdesenvolvimento em todos os países da Ibero-América.
No que se refere à política, o período após a independência foi conturbado na
América Hispânica, pois o território se fragmentou em pequenas e frágeis repúblicas,
o que favorecia a intervenção estrangeira. Na segunda metade do século XX, a vida
política na América Ibérica caracterizou-se pela falta de democracia, guerrilhas,
revoluções, golpes de Estado e intervenção estrangeira. Com a recuperação da
democracia e o fim da Guerra Fria, começou-se a pensar em um modelo político
67
mais autônomo voltado para os interesses da região (QUESADA, 2005). Portanto, a
formação dos blocos geoeconômicos e, mais recentemente, a firma do Tratado
Constitutivo da UNASUL, no contexto sul-americano, são iniciativas representativas
do novo modelo político para a região.
Seria, então, a identidade ibero-americana polifacética ou estaria associada a
um conjunto de traços comuns, de algum modo a se perpetuarem através do tempo
ou mesmo a se transformarem juntos, constituindo um amálgama de caracteres
próprios e comuns que se diferenciam do que quer que não seja latino-americano ao
longo do devenir histórico? Ou estaria a América Ibérica e o seu subconjunto, a
América do Sul, à procura de uma identidade?
Os teóricos nos quais nos apoiamos para tratar a questão identitária
concordam com o seu alto grau de complexidade.
Considerando os atores sociais, Castells (1999, p. 22) entende por identidade
“o processo de construção de significado com base em um atributo cultural, ou
ainda, um conjunto de atributos culturais inter- relacionados, [...]”.
Nas palavras de Calhoun (1994 apud Castells, 1999, p. 22), “Não temos
conhecimento de um povo que não tenha nomes, idiomas ou culturas em que
alguma forma de distinção entre o eu e o outro, nós e eles, não seja estabelecida
[...]”.
No caso da Ibero-América, o idioma, entre outros atributos, constitui uma das
bases para o processo de construção de significado proposto por Castells. Dos 20
países que a formam, 19 têm o espanhol como idioma comum e 1 o português, que,
por sua vez, compartilha a mesma origem do espanhol.
Com relação às concepções de identidade, Hall (2006) distingue três ao longo
da história: a do sujeito do iluminismo, a do sujeito sociológico e a do sujeito pós-
moderno. A primeira é uma identidade estável, e o sujeito racional, centrado e
unificado, possui um núcleo interior sólido. A segunda começa a refletir a
complexidade do mundo moderno e resulta da interação do sujeito, mais
especificamente de seu núcleo interior, com o seu meio, pois os demais sujeitos que
o habitam são mediadores de um sistema de valores, sentidos e símbolos que
caracterizam uma cultura e fazem com que sua identidade seja formada. Esta, por
sua vez, prende o sujeito à estrutura social e cultural. O sujeito pós-moderno é um
ser fragmentado, portanto possuidor de várias identidades definidas historicamente,
transitórias, não unificadas ao redor de um núcleo, devido à multiplicidade de
68
sistemas de significação e representação cultural com os quais tem contato e pode
se identificar. Segundo Hall (2006, p. 13), “a identidade plenamente unificada,
completa, segura e coerente é uma fantasia”.
Se as identidades do sujeito pós-moderno são múltiplas, fugazes e definidas
historicamente é porque são frutos das mudanças constantes e rápidas ocorridas na
sociedade modernanos âmbitos econômico, social e cultural, relacionadas ao
processo de globalização. Giddens (1990 apud HALL, 2006, p. 15) sintetiza o ritmo e
o alcance das mudanças: “à medida em que as áreas diferentes do globo são postas
em interconexão umas com as outras, ondas de transformação social atingem
virtualmente toda a superfície da terra”.
Bauman (2001) define essa época de tranformações como “modernidade
líquida” caracterizada pela fluidez, volatilidade, incerteza e insegurança. É, nesta
época, que toda a solidez, rigidez e todos os referenciais morais da época anterior,
denominada pelo autor como modernidade sólida, são substituídos pela lógicado
consumo, da exclusão, das desconexões; inclusive os humanos são transformados
em mercadorias que podem ser consumidas e descartadas a qualquer momento.
No que se refere à desconstrução da identidade, para Bauman (2005), esta
está ligada ao colapso do Estado de bem-estar social, insegurança, corrosão do
caráter, manifestação da profunda ansiedade que caracteriza o comportamento, a
tomada de decisões e os projetos de vida na sociedade ocidental na era da
modernidade líquida. Como consequência, “as identidades ganharam livre curso, e
agora cabe a cada indivíduo capturá-las em pleno voo, usando os seus próprios
recursos e ferramentas” (BAUMAN, 2005, p. 35). Para o autor, no entanto, algumas
identidades ainda são de nossa própria escolha, e é preciso estar em alerta
constante para defendê-las.
Para Ferreira (1995), a perda de referências é mais visível nas sociedades
dependentes, cujas populações estão mais expostas à ação da nova mídia como
expressão cultural e como educadora. A nova mídia acabou criando uma “cultura
planetária” 21 , expressa pela tecnologia, a qual atua sobre a sensibilidade, o
imaginário social, modificado atitudes e comportamentos, interferindo no cotidiano
da sociedade e tranformando a relação entre cultura e comunicação, provocando
efeitos desestruturadores sobre a identidade cultural. A autora parte da premissa de
21 Termo usado por Ferreira (1995).
69
que não existe sujeito individual ou coletivo que não tenha identidade própria, por
ser esta uma espécie de guia através da realidade instável em que vive, e é
justamente esta identidade o alvo do doutrinamento cultural da mídia.
Uma vez mais na história estamos assistindo ao poder da mídia como
instrumento de penetração cultural e ideológica, atingindo a sensibilidade das
populações, mas de uma maneira mais sofisticada, abrangente e poderosa, fruto
dos avanços tecnológicos.
Além disso, segundo a autora supracitada, no modelo neoliberal, que defende
a liberdade de mercado, o sistema comunicacional já não representa um serviço de
caráter público oferecido pelo Estado, transformou-se em mercadoria, sujeita às leis
desse mercado. Portanto, o sistema de informação e comunicação está alinhado à
cultura hegemônica e torna-se o seu reprodutor.
Julgamos conveniente, nesse momento, tecer alguns comentários sobre a
identidade nacional. Segundo Ferreira (1995), a discussão sobre a identidade de um
povo, de uma cultura passa pela construção da identidade nacional, antes da análise
do que vem a ser identidade cultural, pois, a necessidade de situar-se no espaço, no
tempo e no movimento do Universo é uma necessidade exclusiva do homem entre
todas as espécies, e é essencial para ele. É situando-se em determinado espaço
que o homem inicia a construção de seu espaço individual e, mais amplamente, o
nacional.
Para Hall (2006, p. 47), “as culturas nacionais em que nascemos se
constituem em uma das principais fontes de identidade cultural”; estão relacionadas
às nossas origens. Se estamos em outro país, por exemplo, é inevitável que não nos
definamos pela nacionalidade, como se esta fosse parte de nossa natureza, pois o
sentimento de pertencimento é inerente ao homem, pertencimento a uma sociedade,
Estado, nação. Esta última “não é apenas uma entidade política mas algo que
produz sentidos – um sistema de representação cultural. As pessoas não são
apenas cidadãos/ãs legais de uma nação; elas participam da ideia da nação tal
como representada em sua cultura nacional” (HALL, 2006, p. 49). A nação, então,
está relacionada à ideia de sentimento de lugar, portanto, de identidade nacional.
No que se refere à identidade nacional, citamos Thiesse (1999 apud Fiorin,
2013, p. 149):
A identidade nacional é o conjunto de traços que unifica um povo e, ao mesmo tempo, o distingue de todos os outros. Uma nação deve apresentar um conjunto de elementos simbólicos e materiais: uma história, que
70
estabelece uma continuidade com os ancestrais mais antigos; uma série de heróis, modelos das virtudes nacionais; uma língua; monumentos culturais; um folclore; lugares importantes e uma paisagem típica; representações oficiais, como hino, bandeira, escudo; identificações pitorescas, como costumes, especialidades culinárias, animais e árvores-símbolo.
Segundo Ernest Renan (1990 apud HALL, 2006, p. 58), há três coisas que
constituem o princípio espiritual da unidade de uma nação: “a posse em comum de
um rico legado de memórias, o desejo de viver em conjunto e a vontade de
perpetuar, de uma forma indivisiva, a herança que se recebeu”.
Pensando em termos regionais, por um lado, a construção da identidade
ligada ao território e às origens é mais forte na América Hispânica, pois um dos
elementos que modernamente aparece como identitário são as culturas pré-
colombianas: Incas, Maias, Astecas, fundadores míticos dos países da região. No
Brasil, segundo Ferreira (1995), o elemento autóctone não se sustenta na
construção de uma identidade porque não existia em quantidades suficientes ou foi
substituído pelos africanos. Nesse sentido, a discussão das identidades culturais
não será igual para cada região. Por outro lado, apoiando-nos em Canclini (2008),
podemos dizer que o latino-americano resulta de uma construção híbrida, na qual
contribuíram, inicialmente, europeus, indígenas e africanos, e esse hibridismo inicial,
posteriormente, recebeu a influência cultural norte-americana,que foi uma constante
em todo o território.
Segundo as historiadoras Prado e Pellegrino (2014, p. 87):
Desde muito cedo, ainda durante as lutas pela independência, já se indagava sobre ‘nossas diferenças’ em relação ao Velho Mundo e sobre a “originalidade” das Américas. Afirmava-se que aqui as sociedades não eram como as europeias, pois havia índios, negros e mestiços.
Podemos concluir, então, que há uma unidade dentro da diversidade, ou seja,
que há uma base partilhada, uma essência, a mestiçagem, que nos permite falar em
uma identidade comum latino-americana dentro de um espaço multiétnico e
multicultural?
Segundo Bernheim (2007, p. 5), “el mestizaje es lo que define nuestro ser y
quehacer como latinoamericanos. Define nuestra personalidad y, a la vez, define
nuestras posibilidades como pueblos, nuestra originalidad y poder creador”. Para o
autor, a afirmação da identidade e da unidade da região será fruto de um processo
que está em curso, pois não se pode negar a existência da Nação latino-americana
subjacente na raíz dos Estados:
71
A pesar de más de siglo y medio que llevan nuestros países en ensayar, aislados los unos de los otros, su propia vida independiente, la Nación latinoamericana, “subyacente en la raíz de nuestros Estados Modernos, persiste como fuerza vital y realidad profunda”. Aun reconociendo las diferencias, a veces abismales, que se dan entre nuestros países, no cabe hoy día negar la existencia de América Latina como entidad ni las
posibilidades que encierra su unidad esencial. (BERNHEIM, 2007, p. 3).
Podemos vincular a existência da Nação latino-americana, mencionada por
Bernheim, às palavras de Fiorin (2013) e à ideia da unidade dentro da diversidade,
pois para haver uma nação, deve haver elementos identificadores que conduzam à
unidade. No caso da América Latina, há uma unidade essencial, mas ao mesmo
tempo, como são várias nações compondo a grande nação, há diferenças entre
elas, então, a consciência da alteridade faz-se necessária:
A nação é vista como uma comunidade de destino, acima das classes, acima das regiões, acima das raças. Para isso, é preciso adquirir uma consciência de unidade, a identidade, e, ao mesmo tempo, é necessário ter consciência da diferença em relação aos outros, a alteridade. (FIORIN, 2013, p. 149).
Com relação ao isolamento entre os países da região, mencionado por
Bernheim, citamos Ferreira (1995), que coloca que o fator decisivo foi a barreira
ideológica e política construída pelas elites locais estimulando o regionalismo, o ódio
ao vizinho e rivalidades dentro de um mesmo país; não se incentivou a ideia de
pátria. Daí que um dos elementos que pode funcionar como instrumento unificador,
segundo a autora, é o resgate da memória histórica das culturas que tem a sua base
nas lutas pela independência e que, ao longo de vários séculos de dominação,
construíram um imaginário histórico que ontem e hoje continua a integrar amplos
setores das populações latino-americanas, dentro e fora das fronteiras geográficas.
Concluímos que a UNASUL, que surge com o objetivo de promover a
integração da região, com um discurso identitário de base histórico-cultural, constitui
um apoio significativo para o fortalecimento das identidades, desde que se atue
efetivamente através de seus conselhos setoriais e que a diplomacia de cada país
se envolva de fato na concretização dos objetivos propostos. Quanto mais fortes
forem as identidades, maior será a resistência e menor a dependência cultural.
Acreditamos que um verdadeiro processo de integração sul-americana passa
pela construção de uma rede de comunicação que ajude a diminuir as distâncias
entre nossos povos e culturas: acesso recíproco aos canais de rádio e de televisão
dos países sul-americanos, mais acesso por parte dos brasileiros aos fimes e ao
72
mercado editorial em espanhol e vice-versa, incentivo ao turismo na região, bem
como ao intercâmbio de estudantes e pesquisadores. A aproximação e o
estabelecimento de diálogos interculturais, ou seja, de uma troca de ideias aberta,
respeitadora e baseada na compreensão mútua, são formas de promover
conhecimento, eliminar estereótipos, amenizar preconceitos e gerar aceitação, o que
resultaria em maior coesão social e na consequente criação de uma consciência
integracionista.
O Livro Branco do Conselho da Europa sobre o Diálogo Intercultural22 (2008)
coloca que esse tipo de interação favorece o sentimento de objetivos comuns e
contribui para a integração política, social, cultural e económica. No entanto, há
barreiras que entravam esse diálogo. O desconhecimento da língua do outro, a
discriminação, o racismo, os grupos que apregoam o ódio ao estrangeiro são
exemplos de entraves citados no documento. Deve-se considerar, então, a questão
da alteridade, o reconhecimento da existência do outro, de que somos uma cultura
entre tantas outras, que há pessoas diferentes que habitam territórios diferentes com
bagagens culturais peculiares, forjadas ao longo da história. E que os valores de
uma cultura não podem ser considerados como únicos, como um modelo a ser
seguido pelos demais. É preciso, portanto, olhar o próprio sistema cultural do ponto
de vista do outro e perguntar-se “Como os outros nos vêem?” e perceber que a
diversidade é fonte de riquezas de informações e de experiências.
O Livro Branco sobre o Diálogo Intercultural propõe cinco abordagens de
ação política para promover o diálogo intercultural: governança democrática da
diversidade cultural, cidadania democrática e participação, ensino e aprendizagem
das competências interculturais, criação de espaços de diálogo intercultural e o
diálogo intercultural nas relações internacionais.
O documento elucida que uma cultura política que valoriza a diversidade deve
estar assentada sobre valores democráticos, direitos humanos e liberdades
fundamentais.
A cidadania é colocada como elemento essencial para o diálogo intercultural
por promover o sentimento de igualdade entre os cidadãos, e o seu acesso se faz
através da adoção de medidas legislativas e educativas.
22 Os princípios contidos nesse documento podem ser aplicados a outros contextos culturais.
73
Com relação ao ensino e aprendizagem das competências interculturais, a
educação cívica, histórica, política e relativa aos direitos humanos, a educação
sobre o contexto mundial das sociedades e sobre o património cultural são
essenciais, assim como a aprendizagem de línguas, pois “ajuda os estudantes a
evitar a criação de uma imagem estereotipada dos outros, a desenvolver a
curiosidade e a abertura à alteridade, assim como a descobrir outras culturas
(CONSELHO DA EUROPA, 2008, p.37)”. Acrescenta que “a aprendizagem de
línguas ajuda a perceber que a interação com pessoas com uma identidade social e
uma cultura diferentes é enriquecedora” (CONSELHO DA EUROPA, 2008, p. 37). O
ensino de História, com base em uma abordagem crítica, contribuirá para elucidar
fatos que foram omitidos ou falsificados, o que é importante para a eliminação de
preconceitos e estereótipos. Conclui que os estabelecimentos de ensino
desempenham, em todos os níveis, um papel essencial na promoção do diálogo
intercultural.
No que se refere aos espaços interculturais, o âmbito cultural pode favorecer
o respeito pela alteridade: “as artes perpassam fronteiras, estabelecem conexões e
falam diretamente às emoções das pessoas” (CONSELHO DA EUROPA, 2008, p.
41). Os âmbitos profissional, esportivo e da comunicação social também prestam
uma grande contribuição aos diálogos entre culturas. Exposições, estudo do
patrimônio cultural, criação de itinerários culturais e de fóruns de diálogo intercultural
são exemplos de iniciativas nesse sentido.
O engajamento dos Estados em programas de cooperação internacional
promove o diálogo no âmbito das relações internacionais, segundo o documento.
No Brasil, a Fundação Memorial da América Latina, instituída em 1989 pela
Lei Estadual 6.472, com sede na cidade de São Paulo, foi uma grande iniciativa para
promover o estreitamento das relações culturais, políticas e sociais do Brasil com os
demais países da América Latina. Os artigos 3º e 4º da citada lei esclarecem os
objetivos da Fundação e os meios para alcançá-los:
Artigo 3º – A Fundação terá por finalidade a divulgação e o intercâmbio da cultura brasileira e latino-americana e sua integração às atividades intelectuais do Estado. Artigo 4º – Para a consecução de seus fins, compete à Fundação: I – promover cursos, seminários e congressos sobre temas de interesse brasileiro e latino-americano; II – promover eventos culturais e artísticos com personalidades brasileiras e latino-americanas; III – organizar e manter biblioteca, discoteca, cinemateca, videoteca e centro de documentação contemplando o que de mais importante se produz
74
no Brasil e na América Latina, nos mais variados campos das ciências, da literatura e das artes; IV – promover periodicamente a publicação da “Revista Nossa Nuestra América”; V – manter centro de criatividade para divulgar e incentivar as artes brasileiras e latino-americanas; VI – promover o intercâmbio e o desenvolvimento de pesquisadores, artistas e escritores nacionais e estrangeiros, por meio da concessão ou complementação de bolsas de estudo ou pesquisas no País ou no exterior; VII – promover a publicação e a divulgação de obras relacionadas com suas atividades e finalidades; VIII – outorgar os “Prêmios Estado de São Paulo” para artes, literatura, ciências humanas e desenvolvimento científico; IX – realizar outros atos relacionados com suas finalidades.
No âmbito da FAB, as visitas das Forças Aéreas das Nações Amigas à AFA,
a formação de oficiais estrangeiros também das nações amigas na AFA, a
cooperação na área de instrução de voo, as operações conjuntas entre as Forças
Aéreas da América do Sul, a participação de militares nas missões de ajuda
humanitária e de manutenção da paz, a presença de cadetes em competições
esportivas em países sul-americanos também constituem espaços para o diálogo
intercultural.
2.3 Língua e poder
Julgamos pertinente iniciar a exposição com a definição de “língua”. Para
Saussure (1987, p. 17), a língua é , ao mesmo tempo, “um produto social da
faculdade de linguagem e um conjunto de convenções necessárias, adotadas pelo
corpo social para permitir o exercício dessa faculdade nos indivíduos”. É um sistema
de signos que exprime ideias que refletem os traços próprios de uma comunidade.
Os costumes de uma nação têm repercussão na língua, e é em grande parte a
língua que constitui a nação, que também está associada ao sentimento e à
consciência coletiva, aos valores, costumes e tradições culturais compartilhados por
um grupo de pessoas organizado em sociedade.
Conforme o Relatório Mundial da Unesco: Investir na Diversidade Cultural e
no Diálogo Intercultural (2009, p. 12):
As línguas são os vetores das nossas experiências, dos nossos contextos intelectuais e culturais, dos nossos modos de relacionamento com os grupos humanos, com os nossos sistemas de valores, com os nossos códigos sociais e sentimentos de pertencimento, tanto no plano coletivo como individual.[...] as línguas não são somente um meio de comunicação, mas representam a própria estrutura das expressões culturais e são portadoras de identidade, valores e concepções de mundo.
75
Fiorin (2013, p. 147) acrescenta:
[...] um idioma é a condensação da história de um povo, das influências que ele sofreu, dos seus desejos, de suas expectativas, de seus preconceitos, do modo de ser sua gente, de sua música, de sua literatura.
Saussure (1987, p. 261) estabelece também uma relação de reciprocidade
entre língua e etnismo, sendo este definido pelo autor como “unidade que repousa
em relações múltiplas de religião, de civilização, de defesa comum etc., as quais se
podem estabelecer mesmo entre povos de raças diferentes e na ausência de todo
vínculo político”. O etnismo, caracterizado pelo vínculo ou filiação social, tende a
criar a comunidade linguística e imprime, talvez, ao idioma determinados caracteres;
inversamente é a comunidade linguística que constitui, em certa medida, a unidade
étnica. Ter uma língua como própria de um país funciona como um elemento de sua
identidade política e cultural. Nesse sentido, a língua nacional caracteriza-se como
uma em virtude de uma relação de unidade imaginária da língua que é atribuída à
Nação. No entanto, cada país pode ter mais de uma língua oficial em virtude de ter
na sua história e constituição povos diferentes. Citamos como exemplo a Espanha,
que além do espanhol ou castelhano, em nível nacional, tem o galego, o basco e o
catalão como línguas oficiais em suas respectivas comunidades. A preservação
destas línguas está relacionada ao desejo de preservação das identidades destes
povos. Com relação à questão identitária, acrescentamos que na Espanha, durante
o franquismo, estava proibido usar outro idioma que não fosse o castelhano,
justamente, pela crença de Franco na língua como elemento de poder para a
manutenção da coesão, da unidade e da identidade do povo espanhol.
Ao mesmo tempo em que a língua tem uma estreita relação com a nação e
etnia por integrar os indivíduos num mesmo universo, contribuindo, desse modo, à
criação de um sentimento de identidade nacional, ela é usada como meio de
persuasão porque age sobre o pensamento. Borba (1984) cita o exemplo da
liderança cujo requisito, entre outros também essenciais, é a destreza para o uso do
idioma. Usar bem o idioma implica não apenas empregá-lo com eficiência para agir
sobre o outro, mas também não se deixar levar pelo outro. Por outro lado, é a língua
que permite a cooperação entre os homens e a troca de informações e de
experiências, pois, praticamente, a totalidade dos principais aspectos da cultura
humana depende da linguagem para ser transmitida.
76
Outra manifestação do poder de uma língua, mais precisamente de uma
língua estrangeira, é a que tem a ver com as línguas de prestígio internacional
definidas pelo poder político, econômicoe cultural atribuído ao país ou países onde
são faladas, e também por sua abrangência.
Uma questão preocupante a ser considerada quando se trata da relação entre
língua e poder é a imposição direta ou indireta de uma língua falada por grupos
majoritáriosou de prestígio a grupos minoritários considerados subalternos, como foi
o caso da relação entre colonizador e colonizado no antigo sistema colonial, e
também de missionários estrangeiros que se propõem a passar os valores dos
“civilizados”. As ONGs estrangeiras na Amazônia que atuam na defesa dos direitos
dos indígenas, cujas reservas se situam sobre algumas das mais ricas reservas
minerais do planeta também merecem ser citadas. Se uma língua sempre traduz um
universo peculiar, esses contatos trouxeram e trazem mudanças culturais profundas
no sistema de crenças, hábitos, valores morais e materiais dos grupos em contato
com o sistema linguístico dos grupos mais influentes.
Infere-se que a língua, além de instrumento de comunicação para transmitir
significados, tem também uma função integradora e agregadora de poder e, por
conseguinte, de formação de uma identidade.
Para Fiorin (2014), as relações de poder perpassam as relações entre as
línguas e o seu uso é acompanhado de uma dimensão política. O mesmo cita o
exemplo da Indonésia, que impôs sua língua aos timorenses depois de ter invadido
o país. Em contrapartida, o português ficou sendo a língua da resistência à
ocupação indonésia, durante a luta pela independência.
Considerando a questão de poder, cabe indagar se há línguas superiores a
outras. O poder de influência de uma língua não está relacionado às suas
características linguísticas, mas sim ao grupo que a fala, como reflexo do poder que
ele tem, sobre tudo, nas relações econômicas. Portanto, o grupo dominante que
impõe seu modo de produção impõe também a sua língua, como meio para
mediatizar relações políticas, econômicas, sociais e culturais num espaço e num
tempo. Portanto, a língua manifesta poder.
Com relação ao grupo dominante, que acaba ditando também um modelo
cultural além do linguístico, não lhe interessa que os modelos culturais locais ou
periféricos se fortaleçam, pois estes se opõem à ideia do homogêneo. Conforme
Raffestin (1993), se a periferia ganha poder, ganha também espaço. Para o autor,
77
isso justifica o aparecimento de movimentos regionalistas que tentam resgatar o
domínio e a utilização de sua língua.
Com base no exposto, conclui-se que, no contexto sul-americano, o
componente linguístico também contribuiria a agregar poder geopolítico à região. A
língua espanhola veicula uma cultura rica e própria, pois peculiaridades advindas
dos povos que habitavam cada região colonizada foram somadas à cultura trazida
pelos colonizadores, semelhante ao ocorrido no Brasil. Não há como negar o traço
de latinidade que une brasileiros e hispano-americanos em termos linguísticos e
culturais e, portanto, na composição da memória que delineia identidades (SILVA,
2014).
Entretanto, observa-se uma aproximação mais efetiva entre o Brasil e demais
países sul-americanos que têm o espanhol como língua materna no plano político e
econômico, ao contrário do que se observa no plano linguístico-cultural-identitário,
pois nesse plano a aproximação se mostra muito frágil e pouco concreta. Tal fato
constitui um paradoxo: fala-se em integração econômica, política, social e cultural,
cooperação em matéria de defesa, construção da unidade sul-americana,
consolidação da identidade, sem priorizar o componente linguístico e cultural, pois é
através do seu fortalecimento que os intercâmbios nos âmbitos citados poderão ser
mais favoráveis.
Cabe mencionar o relato de Bagno (2013) sobre uma viagem de trabalho que
fez ao México e à Colômbia. O linguista observa e critica a falta de sensibilidade
linguística dos brasileiros em terras hispano falantes, por se comunicarem em inglês
ou em um portunhol imcompreensível com os nativos. Critica, também, a falta de
prestígio da língua espanhola no sistema educacional brasileiro e o distanciamento
entre o Brasil e os países hispano-americanos.
Um fato citado por Fiorin (2014) corrobora a posição de Bagno: na fronteira do
Brasil e do Paraguai, os paraguaios falam espanhol, guarani e português, enquanto
os brasileiros falam apenas o português. O autor coloca a questão como uma
demonstração da relação de forças entre essas línguas, o que remete à questão da
hierarquia. Infere-se que, para o brasileiro, a língua portuguesa está acima da
espanhola e, talvez, até da cultura veiculada por ela, enquanto o paraguaio coloca o
português em uma relação de equivalência com o espanhol e o guarani.
Se a língua é um dos mais poderosos meios de identidade e de coesão de
que dispõe uma população, constituindo, assim, instrumento de poder, e se ocupa
78
um lugar fundamental na cultura, desempenhando um papel educativo e formador,
por ser um meio de conhecer o outro e seu universo, de expressar-se, de produzir o
próprio discurso, de conceder a ele a sua voz, seria importante que houvesse mais
intercâmbio linguístico entre o Brasil e os países sul-americanos, bem como ações
culturais de mão dupla.
Acreditamos que se não houver uma quebra de paradigma no âmbito
linguístico e cultural, motivado pela tomada de consciência da valorização do ibero-
americano23, principalmente, por parte dos brasileiros, de forma a contrabalançar o
poder da língua inglesa, esta e a cultura norte-americana continuarão a ocupar uma
posição hegemônica no contexto sul-americano, ofuscando as nossas línguas e
culturas.
Embora a língua portuguesa e a espanhola tenham a mesma origem e
convivam neste continente com identidades geopolíticas em sintonia, e isso possa
gerar a construção de um espaço simbólico de identificação cultural em que as
línguas se tocam, se influenciam e se ressignificam, vale lembrar que são duas
línguas estrangeiras, e todo processo de aprendizagem de uma língua estrangeira24
envolve uma dimensão psíquica, a do sujeito com a língua e a cultura estrangeira.
Coracini (2003) coloca a importância de se considerar as representações que
os sujeitos têm da língua e da cultura estrangeira para a compreensão da identidade
dos mesmos e das implicações para o processo de ensino-aprendizagem. Como os
sujeitos veem a língua e a cultura estrangeira, que imagens têm da língua, do país
ou países onde é falada, dos povos que a falam, e quais são as consequências para
a constituição da identidade do sujeito?
A diferença, segundo Fiorin (2014), muitas vezes, é convertida em
inferioridade, sendo a língua do outro classificada como ridícula, feia e grosseira, o
mesmo ocorrendo com a cultura ou culturas dos povos que a falam.
Dessa forma, a visão que um sujeito tem de uma língua estrangeira está
condicionada, em grande parte, pelo seu posicionamento perante a cultura veiculada
por ela.
Conforme Coracini (2007, p. 152),
[...] a língua estrangeira traz sempre consigo consequências profundas e indeléveis para a constituição do sujeito: serão sempre outras vozes, outras culturas, outra maneira de organizar o pensamento, outro modo de ver o
23 Referimo-nos ao conjunto das características que configuram a América Ibérica. 24 O processo de aprendizagem foi citado por estar relacionado ao contexto da pesquisa.
79
mundo e o outro, vozes que se cruzam e se entrelaçam no inconsciente do sujeito, provocando reconfigurações identitárias, rearranjos subjetivos, novos saberes [...].
Para Revuz (1998, p. 217), “toda tentativa para aprender uma outra língua
vem perturbar, questionar, modificar aquilo que está inscrito em nós com as palavras
dessa primeira língua”.
Deriva-se daí que aprender uma língua estrangeira e interagir nessa língua
envolve uma segunda dimensão psíquica – a do sujeito com a sua língua e cultura -,
pois não se pode ignorar a história do aprendiz com a sua língua materna, com o
seu país, com os membros de sua comunidade, e o contato com o mundo do outro
implica, muitas vezes, a necessidade do rompimento de barreiras, de mudanças de
paradigmas, o que gera desconforto e resistência.
Os seres humanos são seres complexos, na sua totalidade, considerando
suas crenças, valores, preferências, relacionamento com o outro, consigo mesmo ou
com o seu meio, e, por sua vez, estão inseridos em contextos diversos. Portanto, o
processo de aprendizagem de uma língua estrangeira é um processo complexo e
não poderia ser diferente, pois há uma gama enorme de fatores intervenientes e
imbricados. Nessa perspectiva, a aprendizagem de uma língua estrangeira pode ser
melhor compreendida sob a ótica da teoria dos sistemas complexos, pois estes não
são lineares, nem previsíveis, são compostos por partes que se relacionam de
maneira intrincada.
Conclui-se que, no caso do nosso objeto de pesquisa, que envolve a questão
linguística, cultural e identitária, as quebras de ordenamentos resultam mais
complexas, menos tangíveis e não ocorrem paralelamente à quebra de
ordenamentos no sistema internacional, mesmo que ambas as questões estejam
estreitamente vinculadas, como é o caso do processo de integração regional na
América do Sul e a sua vinculação com a questão línguística.
A respeito desta questão, julgamos necessário tecer alguns comentários a
respeito das políticas linguísticas para o ensino de espanhol no Brasil a partir da
primeira metade do século XX, que podem ajudar a compreender melhor a a posição
atual ocupada por esta língua.
Rodrigues (2010) assinala que no início do século XX, as línguas latina,
portuguesa, francesa, inglesa e alemã estavam presentes na grade curricular das
escolas brasileiras. O Decreto de 1942 incorporou o espanhol no primeiro ano do
80
curso clássico e científico com uma carga horária simbólica se comparada ao inglês
e ao francês, línguas que já estavam inseridas na grade curricular do ginasial com
uma carga horária de quatro anos cada uma. Segundo a autora, a presença da
língua espanhola estava associada apenas ao saber atribuído aos grandes
escritores, pois sobre ela incidia a visão de uma língua parecida e fácil, por sua
proximidade com o português.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1961, no tocante às
línguas estrangeiras, não considerou nenhuma de caráter obrigatório, deixando a
escolha ao centro docente. A esse respeito, Morales e Porto (1964 apud Rodrigues,
2010, p. 89) explicam que:
[...] a pesar de la igualdad legal, dado que la enseñanza de español no estaba definitivamente consolidada, se produjo su casi total extinción, ya que no podia competir con el interés inmediato de una lengua comercial y de fundamental literatura científica y técnica, como el ínglés, ni con la arraigada tradición del francés, siempre viva gracias a um trabajo cultural continuo y eficiente de Francia.
Pouco a pouco, o inglês se transforrmou em sinônimo de língua estrangeira.
Crescia o número de professores de inglês e de materiais de ensino, fato que pode
estar associado ao apoio norte-americano à difusão de sua cultura no Brasil,
conforme tratado neste capítulo.
A LDB de 1971, segundo Rodrigues (2010) desvinculou a língua estrangeira
da situação cotidiana de sala de aula, convertendo-a em componente extracurricular,
não obrigatório. A Resolução de 1976 determinou a inclusão de língua estrangeira
moderna no currículo do 2º grau se hovesse condições que o permitissem, mas não
determinou qual língua.
A LDB de 1996 colocou ênfase na educação como instrumento preparador
para o trabalho e determinou a presença obrigatória de pelo menos uma língua
estrangeira nos quatro últimos anos do ensino fundamental, uma no ensino médio e
uma segunda de caráter optativo.
Observa-se que as políticas linguísticas começaram a se movimentar em
função das demandas da economia.
A autora informa que dezenove Projetos de Lei foram encaminhados à
Câmara dos Deputados entre 1958 e 2007, que propunham a inclusão do espanhol
nas escolas brasileiras, mas apenas um se transformou em norma jurídica, que deu
81
origem à Lei 11.161/2005. Sete Projetos de Lei também foram apresentados ao
Senado Federal entre 1987 e 2003, também referentes à questão do espanhol.
As justificativas para a inclusão do espanhol apresentadas nos Projetos de
Lei, conforme Rodrigues (2010) estavam relacionadas à necessidade de dar novos
rumos ao pan-americanismo (PL 1958), ao fortalecimento da integração latino-
americana que passa, necessariamente, pelo conhecimento do idioma falado nas
demais nações irmãs (PL 1987), à importância à consolidação das relações entre os
países americanos de origem ibérica (PL 1993), e à difusão de uma língua com mais
de 400 milhões de falantes, importante para a integração econômica, social e
cultural do Brasil com os demais países, considerando que a integração passa pela
compreensão recíproca (PL 2000).
Infere-se, pelas justificativas dos PL’s que a integração é um fato político-
linguístico, ou seja, algo a que se pode chegar por meio do conhecimento da língua
espanhola. Vale lembrar que a questão da integração já havia sido colocada na
Constituição de 1988, que dispõe, em seu artigo 4º, que “A República Federativa do
Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da
América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de
nações”.
No que se refere às circunstâncias em que os PL´s citados foram criados,
Rodrigues (2010), para o PL 1958, aponta o projeto Operação Pan-Americana, que
visava à cooperação econômica interamericana para erradicar o
subdesenvolvimento latino-americano. Para o PL 1987, foi significativo o processo
de redemocratização pós ditadura militar, período marcado por tentativas de
aproximação, declarações de intenções e tratados de cooperação. A oposição ao
regime militar exaltava a integração cultural, política e econômica do Brasil com a
América Latina. Para o PL 1993, as visitas do presidente e encontros com
mandatários dos países sul-americanos, a IV Reunião do conselho do MERCOSUL
no Paraguai, a III Conferência Ibero-americana de Chefes de Estado e de Governo
na Bahia, no ano de 1993, e a criação do MERCOSUL, em 1991, foram
determinantes para a sua gênese. Para o PL 2000, as Conferências Ibero-
americanas, na sua 10ª edição, a abertura para o mercado global com os
investimentos espanhóis no Brasil, na segunda metade da década de 90,
influenciaram a sua criação.
82
Conclui-se, pelo exposto, que a inclusão do espanhol nas escolas brasileiras
está vinculada a motivos políticos, ao desejo do Brasil de deixar a sua situação de
isolamento com relação aos demais países sul-americanos, situação de auto-
exclusão que se produziu entre o Brasil e os demais países da América do Sul
desde a época colonial, pelas demarcações territoriais, por ter o português como
língua materna, fatos que, no imaginário, lhe conferiram uma identidade diferente. A
noção de alteridade também se faz presente nos discursos das justificativas, pois à
medida que o Brasil reconhece a sua situação de isolamento, reconhece a
existência de um outro e a necessidade e os benefícios da aproximação.
O ensino da língua espanhola, apesar das inúmeras tentativas de
consolidação, continua enfrentando muitas barreiras, como a carga horária reduzida
se comparada à de língua inglesa, sendo preterido por esta em muitos centros de
ensino; a falta de prestígio; a crença na facilidade e na semelhança com o
português, bem como a crença na superioridade da língua inglesa e da cultura
veiculada por ela.
Muito tempo se passou desde o Decreto de 1942 e os paradigmas ainda não
se romperam. No entanto, o discurso da integração latino-americana ou sul-
americana continua em evidência. Discurso este, fundamentado na teoria
construtivista que permeia todo o nosso trabalho.
83
3 COOPERAÇÃO MILITAR REGIONAL
3.1 A cooperação militar na América do Sul e a formação de uma comunidade
de segurança
No presente trabalho, a Geopolítica Sul-Americana, a Língua Espanhola, a
Identidade Cultural e a Defesa estão sendo tratadas de forma entrelaçada, pois
acreditamos que para alcançar a cooperação em matéria de defesa naAmérica do
Sul, conforme proposto pela Estratégia Nacional de Defesa e pelo Tratado
Constitutivo da UNASUL, por meio do Conselho de Defesa Sul-americano, e demais
documentos citados elaborados pelo Ministério da Defesa, a interdependência dos
quatro componentes deve ser considerada.
Figura 1 – Entrelaçamento entre defesa, geopolítica sul-americana, identidade cultural e língua espanhola
Fonte: O autor.
Para tanto, abordamos questões relacionadas à geopolítica, sobre tudo à
geopolítica sul-americana, que começou a ser configurada com a chegada dos
portugueses e espanhóis no território, passando pela demarcação das fronteiras
entre terras portuguesas e espanholas; pelo processo de independência e formação
dos Estados hispano-americanos, que, juntamente com o Brasil, ocupam um espaço
contiguo; pelo fracasso do sonho de Simón Bolívar de formar a “Pátria Grande”; pela
Defesa
Língua Espanhola
Identidade Cultural
Geopolítica Sul-
americana
84
formação dos blocos geoeconômicos, bem como dos blocos com objetivos mais
holísticos, que contemplam a região nos aspectos social, político, cultural e militar,
além do econômico, todos deixando transparecer uma fundamentação na
perspectiva construtivista.
Posteriormente, abordamos as questões culturais, identitárias e linguísticas,
pois a questão territorial – espacial implica a presença de recursos naturais, muitos
considerados estratégicos, de atores sociais, no caso, brasileiros e de dezenove
nacionalidades hispano-americanas habitando esses espaços e agindo sobre eles,
com identidades próprias, mas em processo permanente de construção,
desconstrução e reconstrução, e idiomas também próprios, mas, ao mesmo tempo,
unidos por uma base ibérica, ameríndia e africana e uma multiplicidade de aspectos
históricos comuns. Com relação às questões linguísticas, tratamos das funções
integradora e instrumental do idioma.
A cooperação em matéria de defesa, por sua vez, remete à ideia de uma
coletividade, de atores sociais dentro de um território formado por dois ou mais
Estados e detentores de uma identidade ou identidades, ou de uma cultura comum,
que falam o mesmo idioma ou idiomas diferentes. Esta é a razão pela qual
consideramos o entrelaçamento dos quatro componentes anteriormente
mencionados.
Mais especificamente, a cooperação em defesa consiste na coordenação e no
ajuste recíproco das políticas de dois ou mais Estados com relação à ameaça, ao
uso e ao controle da força nas relações interestatais. Pressupõe que cada parte
modifique seu comportamento em função de mudanças no comportamento do outro.
(TAMS, 1999 apud ABDUL HAK, 2013, p. 25). Infere-se que envolve, também, a
criação de uma identidade em matéria de defesa.
Nessa concepção, os membros do grupo se veem como unidade e se ajudam
mutuamente, pois a força é usada com propósito coletivo porque se sentem
coletivamente ameaçados, e a unidade não se desfaz acabada a ameaça. Essa
perspectiva se alinha à cultura kantiana no âmbito das Relações Internacionais
porque esta se baseia no companheirismo entre os Estados, pois há um propósito
de identificação amplo entre eles – estes esperam que cada um observe as
seguintes regras: que os conflitos endógenos sejam solucionados sem guerra - pela
negociação, arbitragem - ou sem ameaça, e que lutem como uma equipe caso sua
segurança seja ameaçada por Estados alheios ao grupo. Tais regras se referem,
85
respectivamente, a dois princípios: ao da não violência e ao da ajuda mútua
(WENDT, 1999).
No contraponto da cultura kantiana, está a cultura hobbesiana, segundo a
qual, cada Estado vê o outro como inimigo e age segundo seus próprios interesses.
Em situações de conflito ou ameaça, tenta destruir o inimigo ou conquistá-lo, sem
observar limite para a violência (WENDT, 1999).
Entre a cultura kantiana e a hobbesiana situa-se a cultura lockeana. Para o
autor, nessa cultura, os Estados se veem como rivais, mas esperam que cada um
reconheça a sua soberania e a vida e a liberdade como um direito e, que, portanto,
não tente conquistar ou dominar um ao outro. Os conflitos devem ser contidos. No
entanto, se ocorrerem, a violência não é descartada e, geralmente, estão associados
a disputas territoriais.
No tocante à identificação grupal ou internalização das normas, Wendt (1999)
aponta três níveis: o primeiro diz respeito ao desejo dos Estados de violarem as
regras, estes se comportam de forma egoísta e calculista visando os próprios
interesses; no segundo nível, os Estados seguem as regras por razões de interesse
individual; e no terceiro, os membros da comunidade se identificam e veem a
segurança do outro como sendo a sua segurança, ou seja, uma ameaça a um
membro é considerada uma ameaça coletiva, o bem-estar de um inclui o bem-estar
do outro; os Estados devem ser amigos de verdade e não apenas agir como se
fossem.
Comparando o fator “amizade” nas três culturas, pode-se dizer que até o
segundo nível, esta é uma estratégia que os Estados escolhem para obter
benefícios para si mesmos como indivíduos, recorrendo aos demais Estados quando
a sua segurança é ameaçada; não há a identificação do eu com o outro, nem a
equiparação dos interesses nacionais com os internacionais, e a suposta amizade
pode transformar-se em rivalidade ou inimizade conforme a dinâmica da política
internacional.
Com base nas três visões de cultura presentes no sistema internacional -
hobbesiana, lockeana e kantiana - pode-se considerar o processo de cooperação
militar na América do Sul alinhado à cultura kantiana, por um lado, e lockeana, por
outro. A primeira, por sua vez, está alinhada à teoria construtivista nas Relações
Internacionais, tema discutido no capítulo 1. O alinhamento à cultura lockeana é
explicado com base nas relações da América do Sul, como comunidade, com os
86
Estados alheios a ela. Como exemplo, citamos a sua relação com os Estados
Unidos, tema também discutido no capítulo 1.
Ilustramos a afirmação acima transcrevendo os objetivos do Conselho de
Defesa Sul-Americano, um dos conselhos temáticos da UNASUL, e a Diretriz 18 da
Estratégia Nacional de Defesa que coloca a importância do estímulo à integração e
à cooperação militar regional na América do Sul, respectivamente:
Objetivos do Conselho de Defesa Sul-Americano: 1- Consolidaruma zona de paz sul-americana. 2- Construir uma visão comum em matéria de defesa. 3- Articular posições regionais em foros multilaterais sobre defesa. 4- Cooperar regionalmente em matéria de defesa. 5- Apoiar ações para eliminação de minas, prevenção, mitigação eassistência a vítimas de desastres naturais. (CONSEJO DE DEFENSA SURAMERICANO, 2008, tradução nossa)
Essa integração não somente contribui para a defesa do Brasil, como possibilita fomentar a cooperação militar regional e a integração das bases industriais de defesa. Afasta a sombra de conflitos dentro da região. Com todos os países, avança-se rumo à construção da unidade sul-americana. O Conselho de Defesa Sul-Americano é um mecanismo consultivo que se destina a prevenir conflitos e fomentar a cooperação militar regional e a integração das bases industriais de defesa, sem que dele participe país alheio à região. Orienta-se pelo princípio da cooperação entre seus membros (ESTRATÉGIA NACIONAL DE DEFESA, 2012, p. 58).
Ambos os discursos mostram traços tanto da teoria construtivista como da
realista, pois, por um lado, o foco é colocado tanto na cooperação militar coletiva
como na integração sul-americana; por outro, infere-se que a força será utilizada
caso haja a necessidade de defesa. Tal perspectiva também se alinha aos princípios
das Comunidades de Segurança propostos por Adler e Barnett (1998). Os autores
definem essas comunidades como “um grupo de pessoas que se tornou integrado
ao ponto de haver a certeza de que os membros da comunidade não resolverão
suas controvérsias pela violência, e sim por outros meios” (ADLER; BARNETT,
1998, p. 6., tradução nossa).
Ainda, segundo os autores:
Associando segurança e comunidade, os Estados estão revendo os significados convencionais de segurança e poder. Alguns Estados estão revendo o conceito de poder para incluir a capacidade de uma comunidade para defender os seus valores e expectativas de comportamento adequado contra uma ameaça externa e para atrair novos estados com ideias que transmitem uma sensação de segurança nacional e do progresso material. (ADLER; BARNETT, 1998, p. 4, tradução nossa).
87
As comunidades de segurança podem se amalgamadas, onde haveria um
governo comum, ou pluralísticas, com governos diferentes.
Considerando o contexto sul-americano, as comunidades pluralísticas seriam
mais viáveis, pois pressupõem integração, e esta pressupõe comunicação, que torna
imprescindível o uso de um código linguístico comum. Nesse caso, a língua
desempenharia uma dupla função: de instrumento para a realização da
comunicação, bem como de instrumento de aproximação e de identificação entre os
interlocutores25.
Deustch (1966 apud ADLER; BARNETT, 1998, p. 7) aponta a importância da
comunicação em uma comunidade de segurança: a “comunicação permite ao grupo
pensar junto, enxergar junto, e agir junto”. Adler e Barnett acrescentam que:
Os processos de comunicação e fluxos de trocas entre os povos tornam-se não apenas “meios para atenção”, mas também fábricas de identificação partilhada. Através das trocas como o comércio, a migração, o turismo, os intercâmbios culturais e educacionais, bem como a utilização de meios de comunicação físicos, constrói-se um tecido social, não apenas entre as elites, mas também entre as massas, incutindo-lhes um sentido de comunidade. (ADLER; BARNETT, 1998, p. 7, grifo do autor, tradução nossa).
Para os autores, uma comunidade é definida por três características: os
membros compartilham identidades, valores e propósitos; as interações são diretas,
cara a cara, e frequentes entre os membros; a manifestação de reciprocidade nas
relações entre os membrosexpressa interesses de longo prazo, que derivam do
conhecimento mútuo,e até altruísmo, que pode ser compreendido como o senso de
obrigação e responsabilidade (ADLER;BARNETT, 1998). O respeito às normas
deriva do senso de comunidade que gera simpatias, lealdades, confiança e
consideração mútua.
Os processos de comunicação e os fluxos de troca entre os povos como
requisitos para a formação de um tecido social, citados pelos autores, nos remetem
à proposta dos diálogos interculturais tratada no capítulo 2.
Somando-se à END (2012) e ao CDS (2008), o Livro Branco de Defesa
Nacional (BRASIL, 2012), segundo o então Ministro de Defesa Celso Amorim, foi
elaborado também com o objetivo de fortalecer a cooperação com os países da
América do Sul.
Segundo o Livro Branco de Defesa Nacional:
25 Tema tratado no capítulo 2.
88
Na América do Sul, delineia-se uma clara tendência de cooperação em matéria de defesa. Essa tendência tem sido constantemente reforçada desde a criação da União de Nações Sul-Americanas (UNASUL) e, especialmente, de seu Conselho de Defesa (CDS). Vê-se surgir na América do Sul uma “comunidade de segurança”, motivada pelo fato de os países vizinhos compartilharem experiências históricas comuns, desafios de desenvolvimento semelhantes e regimes democráticos, que facilitam a compreensão recíproca e propiciam uma acomodação pacífica dos diversos interesses nacionais. (LIVRO BRANCO DE DEFESA NACIONAL, 2012, p. 29).
Com relação ao intercâmbio e à cooperação com outros países, no mesmo
documento consta que a Força Aérea mantém uma série de atividades de
intercâmbio e de cooperação com outras Nações, especialmente com os países da
América do Sul e África, pois, na relação com outros países, o Brasil dá ênfase a seu
entorno geopolítico imediato, constituído pela América do Sul, o Atlântico Sul e a
costa ocidental da África.
A cooperação militar na América do Sul, que visa contribuir para a
manutenção da paz na região e para a sua defesa, é parte do processo de
integração que começou a ganhar destaque na região com os processos de
redemocratização a partir do final da década de 1980, quando começa a emergir um
novo ordenamento no sistema internacional. Esse novo ambiente caracteriza-se pela
ampliação de redes de interdependência e fluxos de toda ordem e o consequente
crescimento da circulação entre os países da região.
Segundo Abdul Hak (2013), além dos processos de redemocratização,
podemos citar outros fatores que impulsionaram a cooperação militar na América do
Sul, mais precisamente no Cone Sul: a Guerra das Malvinas, que contribuiu para a
reorganização dos padrões de defesa regionais; a retomada do intervencionismo
americano durante a Administração Reagan (1981-89), o que fez com que a política
externa brasileira promovesse a criação de confiança com a Argentina, mediante a
assinatura do Acordo de Cooperação para o Desenvolvimento e a Aplicação dos
Usos Pacíficos da Energia Nuclear. A criação do MERCOSUL que, embora tenha
sido criado com fins comerciais, buscava um duplo objetivo: promover a estabilidade
sub-regional após a redemocratização e fortalecer a inserção internacional de seus
Estados-membros. Houve também, durante a década de 90, o aumento do número
de exercícios combinados e o intercâmbio de pessoal para treinamento e formação.
Acordos bilaterais foram negociados pelo Brasil ao longo da década de 2000 com
todos os países da América do Sul, com exceção da Venezuela.
89
Todos os documentos citados reforçam a importância da integração regional
para alcançar os objetivos da defesa nacional fixados pela Política Nacional de
Defesa, dado que a confiança, o desenvolvimento social, econômico e ambiental,
easegurança caminham juntos.
Portanto, os documentos mostram que a questão da defesa nacional
transcende as fronteiras brasileiras e alcança os demais países da América do Sul,
já que a segurança de um país é afetada pelo grau de estabilidade da região em que
ele está inserido, fazendo-se necessário uma atuação coletiva, conforme proposto
pelas comunidades de segurança. Além disso, a cooperação tende a gerar maior
poder de dissuasão frente às intervenções externas.
Para concluir, fazemos referência a Castells (1999), que menciona a criação
das identidades de resistência e de projeto. A primeira é criada por atores que se
encontram em posições desvalorizadas pela lógica da dominação, e a segunda,
quando os atores sociais, utilizando qualquer tipo de material cultural26, constroem
uma nova identidade capaz de redefinirsua posição na sociedade27 e, assim, buscar
a transformação de toda a estrutura social.
Percebe-se que a assinatura do Tratado Constitutivo da UNASUL tem fortes
motivações em ambas as identidades. No entanto, no que se refere à segunda,
busca-se o caminho para a sua concretização.
3.2 A Cooperação militar regional com ênfase no âmbito da Força Aérea
Julgamos conveniente fazer algumas considerações estratégicas sobre os
países ibero-americanos situados na América do Sul, que justifiquem a necessidade
de integração e de cooperação em matéria de defesa como proposto nos
documentos já citados.
Esses países ocupam um território de 18.346.630 km² e têm uma população
de 370.715.890 habitantes (ANUARIO IBEROAMERICANO 2012).
A região possui vastos recursos naturais (hídricos, minerais, energéticos),
uma grande biodiversidade que abriga uma imensa variedade de ecossistemas.
26 No caso da UNASUL, o material cultural poderia ser o discurso de base histórico – cultural que compõe o texto do Tratado. 27 No caso da América do Sul, fazemos referência à sociedade internacional.
90
Brasil, Colômbia, Equador, Peru e Venezuela estão entre os 17 países mais diversos
do mundo.
Figura 2 – Países sul-americanosmegadiversos
Fonte: Forti (2013, p.7).
Caso consideremos os recursos hídricos, a região possui a Bacia Amazônica,
que é a maior do mundo e abrange Brasil, Bolívia, Peru, Equador, Colômbia,
Venezuela e Guiana, bem como a Bacia do Prata, que corresponde à união de três
sub-bacias: Paraná, Paraguai e Uruguai. O Aquífero Guarani está entre as maiores
reservas subterrâneas de água doce do mundo e estende-se, em cerca de 70% de
sua totalidade, pelo território brasileiro (840 mil km2). Com um reservatório de água
subterrânea de capacidade estimada em 45 mil km3, representa uma fonte
importante de abastecimento da população, bem como de desenvolvimento de
atividades econômicas.
Forti (2013) faz algumas considerações a respeito da necessidade de
proteção dos recursos naturais da região. Considerando a sua carência, se um
recurso é escasso para um país, este se converte em estratégico para quem o
possui, o que configura cenários de conflitos, sempre no território de abundância; o
seu valor econômico também representa uma fonte potencial de conflito, assim
91
como seu valor como ativo-estratégico, ou seja, quando a sua aplicação tanto no
âmbito militar como civil seja de vital importância e não possua substitutos
disponíveis. Para o mesmo autor, a América do Sul, por suas reservas e produção,
constitui uma região de extrema relevância em nível global em matéria de minerais
estratégicos, somando-se a eles os recursos não renováveis como os minerais
energéticos.
Figura 3 – Minerais estratégicos na América do Sul
Fonte: Forti (2013, p. 10).
As características da região trazem desafios e oportunidades, que requerem
tratamento coordenado e diferenciado – o que é proposto pela Organização do
Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), bloco socioambiental formado pelos
Estados que partilham o território Amazônico: Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador,
Guiana, Peru, Suriname e Venezuela. Atualmente, estão em execução mais de 20
iniciativas, projetos e programas, em áreas como meio ambiente, assuntos
indígenas, ciência e tecnologia, saúde, turismo e inclusão social. Entre eles,
destaca-se o Projeto Monitoramento da Cobertura Florestal na Região Amazônica,
cujo objetivo é contribuir para o desenvolvimento regional da capacidade de
92
monitoramento da Floresta Amazônica, por meio de instalação de salas de
observação nos países-membros e de capacitação e intercâmbio de experiências
em sistemas de monitoramento (BRASIL. MINISTÉRIO DE RELAÇÕES
EXTERIORES, 2015).
Passando ao tema da participação brasileira nas forças de paz da ONU,
citamos a Missão de Paz na República Dominicana – DOMREP, de 1965 a 1966, o
Grupo de Observação das Nações Unidas na América Central – ONUCA,de 1989 a
1992; Missão de Observação das Nações Unidas em El Salvador – ONUSAL, de
1991 a 1995; a Missão de Verificação das Nações Unidas de Guatemala –
MINUGUA, em 1997; a Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti –
MINUSTAH, iniciada em 2004, e outras não lideradas pela ONU, como a Missão de
Observadores Militares do Equador – Peru – MOMEP, de 1995 à 1999, e a Missão
de Auxílio à Remoção de Minas na América Central – MARMINCA, bem como a
Missão de Apoio ao Processo de Paz na Colômbia – MAPP, implementada em
2004, sob a égide da OEA (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DAS FORÇAS
INTERNACIONAIS DE PAZ DA ONU, 2009).
No tocante à ajuda humanitária,militares da FAB participaram levando ajuda
ao Chile, por ocasião do terremoto em 2010, ao México e a El Salvador pelos
terremotos nos anos 80, e à Bolívia, por ocasião das inundações ocorridas em 2008.
Soma-se a essas missões, a atuação em combate a incêndios no Chile em 2014.
Com relação às operações militares conjuntas entre a Força Aérea Brasileira
e as Forças Aéreas dos países sul-americanos citamos: Cruzeiro do Sul (CRUZEX),
Paraguai-Brasil (PARBRA), Bolívia-Brasil (BOLBRA), Venezuela-Brasil (VENBRA),
Uruguai-Brasil (URUBRA) e Colômbia-Brasil (COLBRA).
A cooperação na área de instrução de voo na AFA também é frequente entre
a FAB e as Forças Aéreas dos países sul-americanos.
No que se refere às visitas das Forças Aéreas das Nações Amigas à AFA,
apenas em 2014, foram recepcionadas comitivas da Força Aérea da Bolívia, Peru,
Chile, Colômbia, Paraguai e Argentina, algumas incluíam oficiais e cadetes. Além
disso, a formação de oficiais estrangeiros das nações amigas na AFA vem
acontecendo desde 1975, contabilizando, até 2016, 92 cadetes de nações hispano-
americanas.
Somando-se a isso, o Sistema de Cooperação entre Forças Aéreas
Americanas (SICOFAA), cuja primeira Carta Constitutiva data de 7 de maio de 1965:
93
[...] tem como finalidade principal conseguir que todas as Forças Armadas que integram o sistema, afiancem os laços de amizade que as unem, e poder conseguir assim os procedimentos que garantam a eficiência para quando tenham que agir em conjunto, em obediência aos compromissos internacionais assumidos pelos respectivos governos na Carta da OEA (SICOFAA, 1965).
O mesmo tem como missão “promover o intercâmbio de experiências,
conhecimento e treinamento que permita o fortalecimento das capacidades das
Forças Aéreas e seus equivalentes, a fim de oferecer apoio aos requerimentos de
seus membros”. A orientação geral do SICOFAA está dirigida à troca de
experiências, meios, treinamento e instrução de pessoal, e tudo aquilo que facilite a
elaboração de procedimentos para atuar de forma integrada, no cumprimento do
disposto pelos respectivos governos. O artigo 5 da Carta Constitutiva de julho de
2007 trata dos temas de interesse para o sistema, tais como: operações aéreas;
recursos humanos, educação e treinamento; busca e salvamento e assistência em
casos de desastres; controle de voos não identificados; informática e
telecomunicações; logística; medicina aeroespacial; meteorologia; prevenção de
acidentes aéreos; desenvolvimento científico e tecnológico; direito aeronáutico;
doutrina do SICOFAA.
O SICOFAA está composto pelos seguintes membros: Argentina, Bolívia,
Brasil, Canadá, Chile, Colômbia, Equador, El Salvador, Estados Unidos, Guatemala,
Guiana, Honduras, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, República
Dominicana, Uruguai e Venezuela. Seu lema “UNIDOS-ALIADOS” resume a sua
filosofia.
Cabe, nesse momento, fazer algumas ponderações a respeito da relação
entre as operações que demandam cooperação entre as Forças Armadas Brasileiras
e as Forças Armadas dos países hispânicos envolvidos nas operações. Tais
ponderações estão relacionadas à questão linguística. Se a língua é nosso
instrumento básico de comunicação, é pertinente perguntar qual é o código
linguístico usado nessas operações. Conforme colocado no capítulo 2, a língua,
além de instrumento de comunicação para a transmissão de significados, tem
também uma função integradora e agregadora de poder e, por conseguinte, de
formação de uma identidade. Essas operações conjuntas constituem a grande
oportunidade para concretizar todo o discurso presente nos documentos citados ao
longo do trabalho. Ao falarmos em integração sul-americana, temos que falar no uso
94
de uma língua ou línguas comuns – no caso, o espanhol e/ou o português. Embora
na região existam dois países cujas línguas maternas são o inglês e o holandês, nos
referimos ao espanhol e ao português pela questão identitária mencionada no
capítulo 2.
Mencionamos, também, a importância de haver mais intercâmbio linguístico
entre o Brasil e os países sul-americanos, nesse caso, intercâmbios linguísticos de
mão dupla, envolvendo tanto o espanhol como o português, adequando ambas as
línguas às situações de comunicação. Por exemplo, segundo o artigo 7 da Carta
Constitutiva de 2007 do SICOFAA, que trata do idioma oficial, todas as atividades e
documentos serão realizados no idioma espanhol, sendo facultativo à força aérea
anfitriã de uma atividade, oferecer serviços de interpretação ou tradução em outro
idioma. Em situações nas quais o número de falantes de espanhol for superior ao de
falantes de português, é natural que o primeiro seja usado, principalmente em terras
hispânicas. Outra situação, delicada, é aquela relacionada à ajuda humanitária, cujo
principal objetivo é salvar vidas, aliviar o sofrimento, e manter a dignidade humana, e
aquela relacionada às missões para a manutenção da paz, pois é importante que o
militar consiga se comunicar tanto com a população local em seu idioma para
conseguir compreendê-la e ajudá-la de uma maneira mais eficiente, como com os
militares de outras nações durante a missão.
Falar a língua do outro aproxima, cria laços e confiança, gera aprendizagem e
compreensão sobre ele e seu mundo, sobre suas perspectivas, colabora para a
eliminação de barreiras, sendo possível, a partir daí, falar em formação de uma
identidade.
Cabe retomar algumas considerações sobre a questão linguística, mais
precisamente sobre língua e poder. A importância de uma língua mede-se levando
em conta, entre outros fatores, seu número de falantes, sua extensão geográfica, o
número de países nos quais é tida como oficial, a capacidade comercial dos países
onde essa língua é oficial, seu papel na diplomacia multilateral. Atualmente, o inglês
se destaca em todos esses critérios, mas tanto o espanhol como o português
também preenchem esses requisitos.
O espanhol é a segunda língua mais falada do mundo, como língua nativa,
segunda ou estrangeira com 500 milhões de falantes, e a segunda língua de
comunicação internacional. Na América do Sul a população hispânica é de
194.515.552 de pessoas (ANUARIO 2013). O Brasil conta com quase 191 milhões
95
de habitantes e o português é a quinta língua mais falada do mundo com quase 240
milhões de pessoas (BRASIL. MINISTÉRIO DE RELAÇÕES EXTERIORES). O país
possui cerca de 8,5 milhões de km2de área terrestre, 4,5 milhões de km2 de área
marítima e faz fronteira com 9 países sul-americanos, sendo 7 hispano-americanos
(LIVRO BRANCO DE DEFESA NACIONAL, 2012, p.13).
Conclui-se que o âmbito militar oferece aos oficiais brasileiros muitas
oportunidades de comunicação em língua estrangeira, mais precisamente em língua
espanhola se consideramos a constante interação entre os membros das Forças
Armadas sul-americanas. Esse contato pode gerar um efeito construtivo e constituir
um fator motivador e sensibilizador a uma maior aproximação entre as culturas.
96
4 METODOLOGIA DA PESQUISA
Esta pesquisa tem como proposta verificar nos cadetes da Academia da
Força Aérea a existência ou não do sentimento de pertencimento, de identificação
com a língua e cultura dos povos hispânicos da América do Sul, bem como uma
sensibilidade efetiva por parte dos mesmos aos usos da Língua Espanhola no
contexto militar como instrumento de comunicação e como elemento integrador e
colaborador para a construção de uma possível identidade compartilhada Brasil –
Nações Sul-Americanas, principalmente no âmbito da Defesa.
Parte-se da premissa de que não existe uma sensibilidade efetiva por parte
dos cadetes da AFA ao componente linguístico-cultural-identitário compartilhado,
mesmo que este seja fator agregador de poder geopolítico e militar à região.
No decorrer da investigação, observamos que desde a assinatura do Tratado
Constitutivo da UNASUL, um número crescente de pesquisas passou a considerar a
integração regional como tema de investigação. A maioria se insere na área de
Ciência Política. A seguir, destacamos algumas.
Magalhães (2010) estudou a integração e a segurança na América do Sul sob
o marco teórico do conceito de comunidade de segurança. Colocou ênfase nas
relações do Brasil com o Chile e com a Venezuela, no processo de construção da
América do Sul e nas dinâmicas de segurança regional, com o objetivo de saber se
há condições para o desenvolvimento de comunidades de segurança na região.
Ferraz (2012) investigou como a identidade sul-americana é construída ou
reproduzida por diferentes atores estatais, empregando estratégias discursivas
diversas para estabelecer uma identidade coerente com interesses e objetivos
particulares. Essas estratégias fazem uso de símbolos sul- americanos, memórias
históricas e valores culturais e políticos, os quais são analisados em relação com as
distintas percepções da integração regional.
Saraiva (2012) apresenta uma perspectiva de integração que vai além de
uma agenda comercial, mostrando a convergência entre a cultura, o poder e a
informação na América do Sul do século XXI. Para tanto, apresenta um
mapeamento das iniciativas que promovem o processo de integração cultural da
América do Sul, baseado nas discussões sobre poder, informação e cultura nas
relações internacionais. Sua pesquisa também se apoia na teoria construtivista.
97
O volume 1 (julho/dezembro 2014) da Revista Brasileira de Estudos de
Defesa apresenta artigos que exploram aspectos da defesa conjunta na América do
Sul. Citamos Tibiletti (2014) que examina a busca de uma identidade de defesa sul-
americana com base nas identidades estratégicas dos países da UNASUL.
Trabalhos apresentados em conferências e mesas-redondas nos Encontros
da Associação Brasileira de Estudos de Defesa também enfocam a questão da
construção da segurança na América do Sul, com destaque para a UNASUL e seu
Conselho de Segurança. Celi (2014), por exemplo, destaca a recuperação do papel
dos Estados e de suas inter-relações como ferramenta para o seu posicionamento
estratégico visando uma gestão mais autônoma dos interesses da região.
Duarte (2012), em uma pesquisa realizada no Curso de Altos Estudos de
Política Estratégica da Escola Superior de Guerra, realizou um estudo sobre os
embasamentos teóricos encontrados nas teorias das relações internacionais que
fundamentaram as motivações da criação do Conselho de Defesa Sul-Americano.
Tema que permeia a problemática da pesquisa proposta, orientada pelo objetivo de
investigar a possibilidade de evolução do atual estágio de cooperação regional para
um nível mais avançado de integração em matéria de Defesa.
Apesar do crescente número de pesquisas que discorrem sobre a questão da
integração regional seja com ênfase na construção de uma identidade sul-
americana, na formação de uma comunidade de segurança ou na integração
cultural, desconhecemos trabalhos que enfocam o entrelaçamento entre Defesa,
Geopolítica Sul-americana, Identidade Cultural e Língua Espanhola.
4.1 Conhecendo o contexto da pesquisa
Esta pesquisa foi realizada durante os anos de 2014 e 2015 na Academia da
Força Aérea, estabelecimento de ensino superior, responsável pela formação básica
dos oficiais da Força Aérea Brasileira, localizado na cidade de Pirassununga, interior
do estado de São Paulo.
O Curso de Formação de Oficiais tem a duração de quatro anos e está
formado pelos quadros da Aviação, Intendência e Infantaria. Ao final do quarto ano,
o cadete aviador recebe o grau de bacharel em Administração Pública e em Ciências
Aeronáuticas, o intendente, em Administração Pública e em Ciências da Logística, e
o infante, em Administração Pública e em Ciências Militares.
98
Na grade curricular dos três quadros há a presença de duas línguas
estrangeiras – espanhol e inglês -, de caráter obrigatório, durante os quatro anos do
curso; o espanhol com uma carga horária de 180 tempos para cada quadro, e o
inglês com 320 tempos para a Aviação, 280 para a Intendência e 280 para a
Infantaria, incluindo provas e exames28.
O restante da grade do CFO é composto por 78 disciplinas para o quadro da
Aviação, 72 para o da Intendência e 82 para o da Infantaria, distribuídas entre os
campos geral, técnico-especializado e militar. Não há disciplinas eletivas, todas são
obrigatórias.
As disciplinas do Campo Geral têm por objetivo a formação científico e
cultural do cadete, com ênfase aos conteúdos de Administração Pública; as
disciplinas do Campo Técnico-Especializado têm por objetivo a sua formação teórica
e prática que varia conforme o quadro ao qual pertence; e as disciplinas do Campo
Militar têm por objetivo a formação militar e moral do combatente, envolvendo
permanentes treinamentos e constante doutrinamento.
A vida militar depende dos graus obtidos em todas as provas, os conceitos
militares e graus de voo que recebeu, sendo que tudo isso compõe sua nota final.
As ICAs 37-113/2014, 37-66/2014 e 37-89/2014, referentes aos quadros da
Aviação, Intendência e Infantaria, respectivamente, documento elaborado pelo
Departamento de Ensino da Aeronáutica, que define o perfil profissional dos oficiais
e cadetes, no que se refere às línguas estrangeiras, estabelece que:
[...] após o curso de formação, o oficial seja capaz de entender e comunicar-
se, oralmente e por escrito, no mínimo em nível intermediário, nos idiomas
inglês e espanhol, com ênfase na fraseologia técnico-especializada,
inerentes à sua área de atuação. (COMANDO DA AERONÁUTICA, ICA 37-
113/2014)
No que tange ao desenvolvimento de competências, no mesmo documento,
consta que o oficial deve estar apto a “participar de treinamentos e operações
militares no Brasil e no exterior, podendo atuar em Operações de Paz e outras
missões em apoio à política externa brasileira”.
28 A carga horária apresentada, tanto de inglês como de espanhol, corresponde à carga horária total durante os quatro anos do curso para cada quadro. Cada tempo corresponde a 45 minutos de aula.
99
A AFA abriga uma média de 700 cadetes do sexo masculino e do feminino,
sendo o primeiro grupo muito mais numeroso que o segundo, e forma, anualmente,
uma média de 170 aspirantes.
É importante destacar, conforme pondera Castro, C. (1990), em seu estudo
de Antropologia Social realizado na Academia Militar das Agulhas Negras, que a
formação de oficiais não se resume aos quatro anos de Academia; ao contrário,
consiste de várias etapas. Na Aeronáutica, o aspirante aviador realiza o Curso de
Tática Aérea. Quando oficial, cursará, no posto de capitão, a Escola de
Aperfeiçoamento dos Oficiais da Aeronáutica e, alguns anos mais tarde, realizará o
Curso de Comando e Estado Maior na Escola de Comando do Estado Maior da
Aeronáutica, que tem por objetivo capacitar os Oficiais Superiores nos postos de
Major e Tenente-Coronel para o exercício das funções de Comandantes, Chefes,
Diretores e Oficiais de Estado-Maior. Posteriormente, o oficial poderá tentar o
ingresso na Escola de Comando do Estado Maior da Aeronáutica, para realizar o
Curso de Política e Estratégias Aeroespaciais, destinado aos Oficiais Superiores do
posto de Coronel, que tem por objetivo fornecer conhecimentos que os capacitem a
formular e conduzir a Política Militar da Aeronáutica, considerando a Política de
Defesa Nacional, estabelecendo a correlata Estratégia Militar da Aeronáutica.
Retomando o contexto AFA, com relação ao seu corpo docente, este é
composto por civis concursados, militares de carreira e militares do quadro
temporário, ou seja, com permanência máxima de oito anos na instituição. As
línguas estrangeiras são ministradas por docentes civis e militares temporários, fator
que impossibilita a formação de um corpo docente sólido, pois, muitas vezes, a
saída de um docente militar não é compensada pela chegada de outro, causando
prejuízo ao curso. Se não há um número satisfatório de docentes, as aulas não
podem ser ministradas nas salas de aulas menores, exclusivas para o ensino de
línguas, equipadas com multimídia, dado que comportam no máximo 22 cadetes.
Nesse caso, as aulas são ministradas nas salas convencionais com uma média de
40 cadetes, o que dificulta o emprego da metodologia comunicativa no seu sentido
pleno.
100
4.2 Conhecendo os participantes da pesquisa
Neste estudo contamos com a participação de 136 cadetes brasileiros do 3º e
4º esquadrões do ano de 2015. A escolha por estes esquadrões se justifica por
possuírem maior experiência de aprendizagem de Língua Espanhola, bem como das
disciplinas do campo militar, o que confere maior confiabilidade à pesquisa.
Discorreremos com maior detalhe sobre o perfil dos participantes, buscando
revelar alguns traços de sua identidade e focar alguns momentos de sua história
como aprendizes de língua espanhola.
A Academia da Força Aérea é um contexto diferenciado e complexo por ser
um contexto militar com uma cultura peculiar. Os cadetes, jovens de 18 a 23 anos,
procedem das mais diversas regiões do Brasil e das mais diversas classes sociais,
com histórias de vida, histórias de aprendizagem, personalidades, sentimentos e
processos cognitivos diferentes, cada um com seus valores e crenças e,
consequentemente, com sua própria identidade, ou melhor, identidades. São
recrutados na Escola Preparatória de Cadetes do Ar, localizada em Barbacena, nos
colégios militares e nos colégios do meio civil.
O espaço que os abriga é hierárquico, regrado, cerceador, punitivo, o que vai
de encontro ao espaço exterior à AFA que os abriga nos finais de semana, quando
não há atividade prevista, pois vivem em regime de internato, fato que, segundo
Castro, C (1990), contribui para uma grande coesão ou homogeneidade interna. Tal
homogeneidade acaba se refletindo no pensamento e comportamento do cadete.
Para Dornsbuch (1955 apud CASTRO, C. 1990, p. 32), “a academia isola os cadetes
do mundo de fora, ajuda-os a identificar-se com um novo papel, e assim muda sua
autoconcepção”. Nesse sentido, Mills (1975 apud CASTRO, C. 1990, p. 32) afirma
que a iniciação severa nas academias militares “revela a tentativa de romper com os
antigos valores e sensibilidades civis, para implantar mais facilmente uma estrutura
de caráter o mais nova possível”.
No tocante as suas atividades diárias, estas começam às 6 horas e terminam
por volta das 20 horas. O curso de Ciências da Administração que lhes confere o
grau de bacharel recebe muitas críticas dos cadetes, principalmente do quadro da
aviação e infantaria. Os primeiros acreditam que o curso não vai ao encontro de
suas necessidades e que saber pilotar um avião é suficiente para ser oficial da FAB.
Dessa maneira, o cadete aviador dá prioridade à instrução de voo, fundamentada
101
em princípios rígidos, devido ao alto grau de periculosidade e reprovação. As
atividades do curso de infantaria demandam rusticidade por parte do cadete. Os
cadetes que pertencem ao quadro de intendência aceitam melhor o curso de
Ciências da Administração, pois suas atividades como futuro oficial estarão
relacionadas à logística da FAB. A sua vida militar ao deixar a AFA dependerá dos
graus obtidos em todas as provas, os conceitos militares e graus de voo que
recebeu, porque esse conjunto comporá sua nota final.
De acordo com o exposto, entende-se que o cadete é um ser fragmentado
dentro do todo, com identidades conflitantes, assumidas após o seu ingresso na
AFA, que se agregam àquelas já existentes ou as transformam. A grande questão
gira em torno de dar mais atenção às disciplinas relacionadas ao curso de
Administração ou às disciplinas relacionadas ao âmbito militar, pois os momentos
que podem ser destinados ao estudo fora de sala de aula são poucos. Portanto, o
estabelecimento de prioridades faz parte da cultura do cadete, embora a demanda
por um alto grau de desempenho em todas as atividades que realizam é muito
grande.
A pesquisadora é docente civil de Língua Espanhola na comunidade
pesquisada e ministra aulas a 50% dos cadetes do3º e 4º esquadrões, fato que
possibilitou o estreito contato entre ambos. As aulas correspondentes à porcentagem
de cadetes restantes são ministradas por docentes militares do quadro temporário.
Durante os anos de docência na instituição militar, a pesquisadora observou
um comportamento padrão entre os cadetes com relação à língua espanhola: há um
grupo relativamente pequeno que manifesta muito interesse pela sua aprendizagem,
outros que não se identificam e um grupo maior que expressa certa neutralidade.
Quando questionados pela docente, durante as aulas, a respeito da sua
identificação ou não com a língua em questão e a cultura ou culturas veiculadas por
ela, os cadetes que têm o hábito de viajar pela América do Sul durante as férias ou
que já estiveram em algum país hispânico por outro motivo, uma competição
esportiva, por exemplo, respondem que se sentem muito motivados para aprendê-la.
Outro grupo responde que prefere a língua inglesa, principalmente, pela história de
aprendizagem com esta língua. Uma grande parcela responde que tem ciência da
importância do conhecimento da língua espanhola na atual conjuntura, que gosta de
ter aulas de espanhol porque são aulas mais interativas, mas que não tem tempo de
dedicar-se a ela além da sala de aula. Nota-se, com frequência, que os cadetes
102
chegam às aulas cansados, por dormirem pouco, por um acionamento durante a
noite, por permanecerem estudando para provas ou fazendo algum trabalho
solicitado. Outra observação feita com regularidade pela pesquisadora é que quanto
mais comunicativa é a aula com variedade de atividades e materiais, maior é a
motivação, especialmente quando a atividade envolve o componente cultural e as
aulas ocorrem nas salas com equipamento multimídia. Somando-se a isso, a
participação do cadete estrangeiro durante as aulas também constitui um fator
motivador à aprendizagem, uma vez que o docente saiba envolvê-lo na aula. No
entanto, nem todas as classes contam com a presença de um, devido ao número
reduzido de cadetes das nações amigas, que realizam o Curso de Formação de
Oficiais no Brasil.
Os cadetes que participam da viagem de estudos à Espanha, oferecida
anualmente pelo Banco Santander 29 , voltam muito motivados, inclusive para
participar mais das aulas, com uma mentalidade mais cosmopolita. Os comentários
são unânimes: “ampliação da visão de mundo”, “importância do contato com a
diversidade”, “quebra de estereótipos”, “olhar crítico para a própria cultura”.
Vale salientar que a língua inglesa também está presente na grade curricular,
com uma carga horária alta, conforme mencionado, à qual, por razões históricas,
sempre foi atribuída uma grande importância. No contexto AFA, acrescenta-se a
necessidade do conhecimento de inglês técnico pelos cadetes aviadores, o status
atribuído ao poderio aéreo norte-americano e a sua histórica participação em
guerras, lembrando, também, que os cadetes são preparados para elas. Estes
fatores também podem fazer com que o espanhol fique um pouco ofuscado no
contexto em questão.
4.3 Instrumento de coleta e procedimentos de análise dos dados
Para a realização desta pesquisa apoiamo-nos em fontes bibliográficas e em
um levantamento de dados, pois recorremos à literatura especializada para nos
fornecer uma base teórica com o objetivo de elucidar questões geopolíticas,
linguísticas, culturais e identitárias. Recorremos, também, à solicitação de
29 Anualmente, um grupo de dez cadetes líderes do 4º ano são contemplados com uma bolsa de estudos na Univerdidade de Salamanca oferecida pelo Banco Santander com a duração de 24 dias, em média.
103
informações aos participantes, cujas percepções relacionadas ao objeto da pesquisa
se desejava conhecer.
Para a coleta dos dados foi utilizado um questionário fechado na forma de
uma escala de Likert com 22 afirmações30 e quatro questões introdutórias. A escala
de Likert nos permite medir a intensidade dos sentimentos, das atitudes e opiniões
dos sujeitos com relação às afirmações propostas. Segundo Ospina et al (2003) , é
uma das mais usadas para medir atitudes, definidas como o conjunto de crenças,
sentimentos e tendências de um indivíduo, que produz um determinado
comportamento.
O método aqui considerado consistiu em escrever uma afirmação e pedir
respostas em uma escala de concordância em cinco níveis. Quanto mais próximo do
1, menor era o grau de concordância com a afirmação. Quanto mais próximo do 5,
maior era o grau de concordância. Ressaltamos que não havia resposta correta ou
incorreta. O questionário teve por objetivo obter informações relacionadas aos
seguintes eixos: apreço pela língua espanhola e pela cultura hispânica,
fortalecimento da identidade sul-americana, integração regional e cooperação militar
na América do Sul.
No final do questionário, foi reservado um espaço para comentários caso o
cadete quisesse fazê-los. Inserimos um pequeno texto informativo no início para
esclarecer o seu objetivo, bem como a importância de respondê-lo com
autenticidade 31 . Antes de ser aplicado, foi testado com um pequeno grupo de
cadetes com o objetivo de verificar possíveis problemas.
Optamos pela aplicação eletrônica do questionário; para isso, contamos com
o auxílio da ferramenta Formulários Google.
A tabulação dos dados foi feita pela própria ferramenta. A distribuição das
respostas (porcentagens que estão de acordo, em desacordo com a afirmação etc.)
pode ser visualizada num gráfico em colunas, que expressa uma relação de
proporcionalidade, em que todos os dados somados compõem o todo do aspecto
que se deseja verificar.
Pelo fato de estarmos trabalhando com percepções, além do tratamento
quantitativo, demos, também, um tratamento qualitativo aos dados, apoiando-nos na
teoria construtivista, que permeia nosso trabalho, e nas informações levantadas, por
30 Ver Apêndice B. 31 Ver Apêndice A.
104
meio das fontes bibliográficas, a respeito de questões relacionadas à geopolítica, à
defesa e às questões linguísticas, culturais e identitárias para, desse modo, verificar
o grau de identificação dos cadetes com a língua espanhola e a cultura hispânica e
as suas percepções a respeito do entrelaçamento entre Geopolítica, Língua
Espanhola, Identidade Cultural e Defesa, objetivo da pesquisa. Apoiamo-nos,
também nas observações da pesquisadora, fruto de sua experiência como docente
na Instituição pesquisada.
Passaremos, no capítulo seguinte, à apresentação dos resultados e à análise
dos dados.
105
5 ANÁLISE DOS DADOS
Este capítulo tem como finalidade analisar quali-quantitativamente os dados
coletados. Possibilitará uma melhor compreensão da postura do cadete perante a
língua espanhola e a cultura veiculada por ela com base nas suas respostas ao
questionário aplicado.
Questionário32
Você já esteve em algum(ns) país(es) de língua espanhola?
Caso tenha respondido "Sim" na questão anterior, para qual região?
32 Os números em negrito e os percentuais à direita dos gráficos correspondem ao número de cadetes que responderam a questão, num total de 136. Nas afirmações, a sequência de números de 1 a 5 corresponde aos níveis da escala de concordância.
106
Qual o motivo de sua viagem?
Por quanto tempo permaneceu no país?
Com relação às quatro perguntas anteriores, comentaremos em um mesmo
bloco por se apresentarem em uma relação de dependência.
Observa-se que a porcentagem de cadetes que já viajaram é visivelmente
menor que a porcentagem daqueles que ainda não empreenderam viagens a algum
país hispânico. Observa-se, também, uma estreita relação entre destino, motivo da
viagem e tempo de permanência. Como já havíamos comentado no capítulo
anterior, a América do Sul é o destino escolhido para férias, e as competições
esportivas também ocorrem na região. Segundo relatos de sala de aula, as viagens
de lazer duram, em média, uma semana. As viagens à Espanha se justificam pela
bolsa de estudos concedida, com a duração de 24 dias, fato também comentado no
capítulo anterior.
Verifica-se que a América do Sul se sobrepõe como destino com relação às
demais regiões onde o espanhol é o idioma materno. Fundamentando-nos na teoria
construtivista, este fator é positivo, uma vez que promove o contato dos cadetes com
o contexto dos países vizinhos, o que pode colaborar para uma maior aproximação
entre as culturas, para o estabelecimento do diálogo intercultural, para o despertar
do sentimento de pertencimento, de alteridade e para uma consequente
reconfiguração identitária.
107
1- As línguas e culturas estrangeiras me atraem.
Nesta questão, nota-se que os maiores percentuais se aproximam do nível 5,
que indica concordância. A discrepância é grande em relação aos demais níveis.
O resultados mostra que conhecer o outro, falar a sua língua é um desejo
manifestado pela maioria dos participantes. Pensamos que a atração por línguas e
culturas estrangeiras é um construto inerente ao ser humano, fator colaborador para
a aceitação da diversidade.
2- Sinto uma grande vontade de conhecer muitos aspectos da língua
espanhola e da cultura hispânica e/ou dos países que falam espanhol.
Observa-se, pelas porcentagens, uma atitude positiva dos cadetes com
relação à língua espanhola, à cultura e aos países hispânicos, pois a somatória das
porcentagens dos que concordam e concordam parcialmente é bastante superior à
porcentagem dos que discordam e discordam parcialmente. Pensamos que este
fator deveria estar diretamente relacionado com a motivação em sala de aula. No
entanto, pelas observações da pesquisadora, estes dados vão de encontro ao
contexto sala de aula. Infere-se que existem outras variáveis que podem interferir no
108
seu comportamento, como o cansaço gerado pelo excesso de atividades de sua
rotina, característica observada pela pesquisadora durante as aulas.
3- Estudar espanhol é importante porque vou precisar dele na minha profissão.
A somatória da porcentagem dos cadetes que concordam e concordam
parcialmente com a afirmação é ostensivamente maior que a somatória dos que
discordam, discordam parcialmente e dos que são indiferentes. Este fato mostra
conscientização por parte do cadete. No entanto, reconhecer que um idioma é
significativo para a carreira não implica, necessariamente, motivação e dedicação ao
seu estudo.
4- Preferiria passar mais tempo nas aulas de espanhol do que nas outras
aulas.
Para esta questão, o resultado mostra-se mais equilibrado, a diferença do
percentual da somatória dos que discordam e discordam parcialmente é 5,2% mais
alta que a somatória dos que concordam e concordam parcialmente com a
afirmação. É justamente esse quase equilíbrio que revela certa desmotivação ao
109
estudo da língua, contradizendo, parcialmente, o resultado da segunda questão.
Ressaltamos que a desmotivação pode estar relacionada à má utilização da
metodologia em sala de aula por parte de algum professor ou professores que
ministram aulas nos esquadrões pesquisados.
5- Tenho uma imagem positiva dos países onde o espanhol é falado, bem
como dos povos hispânicos.
Apesar de 34,6% dos cadetes serem indiferentes, 42,6% têm uma imagem
positiva dos países hispânicos e de seus povos, contra 22,8% que manifestam uma
visão negativa. Infere-se que os cadetes que manifestam tal visão fazem parte do
grupo de brasileiros que nutre certo preconceito e uma visão estereotipada sobre os
países e os povos em questão.
6- Saber espanhol é um dos objetivos na minha vida.
Comparando o percentual dos cadetes que discordam com os que
concordam, a diferença é de 3,7% a mais para os primeiros. No entanto, se
compararmos aqueles que discordam parcialmente com os que concordam
110
parcialmente, verifica-se uma vantagem de 16,9% para os últimos. O resultado
mostra uma atitude positiva para com a língua espanhola.
7- Sinto que o meu país e a minha cultura são um pouco melhores que os
países hispano-americanos e suas culturas.
Para esta questão, 41,2% optaram pela neutralidade. No entanto, os que
concordam ou concordam parcialmente somam 33,9% contra 25% dos que
discordam ou discordam parcialmente. Aqui, observa-se a anulação da noção de
alteridade, de igualdade entre culturas, somados ao esquecimento, por parte dos
primeiros, que o Brasil e demais países hispano-americanos compartilham uma base
ameríndia e ibérica e muito aspectos históricos. Este fato é preocupante, pois a
parcela dos 33,9% entende a cultura como algo passível de hierarquização e de
manifestação de poder, o que constitui uma barreira para o estabelecimento do
diálogo intercultural e à integração regional e ao fortalecimento de uma identidade
sul-americana proposta pela UNASUL.
8- Os projetos políticos conjuntos como a UNASUL, que surgem com o
objetivo de promover a integração da região, constituem um apoio para o
fortalecimento de uma identidade sul-americana.
111
Nota-se a manifestação de uma imagem de muita confiançanos projetos
políticos que visam à integração regional, pois a somatória dos que concordam ou
concordam parcialmente superou em 55% a somatória dos níveis 1 e 2. Não
obstante, comparando com o resultado da questão anterior, conclui-se que os
cadetes, cujas respostas fazem parte dos níveis 4 e 5, não estão cientes dos
requisitos para o fortalecimento de uma identidade sul-americana.
9- As potências dominantes exercem influência cultural sobre o Brasil e
demais países sul-americanos, dificultando a formação de uma identidade
regional.
O resultado da somatória dos níveis 4 e 5 foi significativamente mais alto se
compararmos com o resultado da somatória dos níveis 1 e 2, o que mostra que os
cadetes reconhecem a influência cultural por parte das nações consideradas
hegemônicas.
112
10- Se eu me comunicar em espanhol com falantes nativos, vou ser mais
valorizado e respeitado.
O grau de concordância com esta afirmação é muito alto. Os cadetes, cujas
respostas se inserem nos níveis 4 e 5, manifestaram que as noções de valor e de
respeito são muito fortes. A pesquisadora observa, no contexto em que atua, que
estes atributos são muito cultivados ao longo do processo de formação do cadete.
No tocante à língua estrangeira, transparece a necessidade de mostrar o
conhecimento da língua e da cultura do outro, ou seja, além de não se deixar colocar
em uma posição inferior ao outro, pelo desconhecimento, ao mesmo tempo é uma
forma de abertura ao estrangeiro, no caso, os países hispânicos, sobre tudo os da
América do Sul de onde parte a maioria das comitivas que visitam a AFA.
11- Há um traço de latinidade que une brasileiros e hispano-americanos em
termos linguísticos e culturais, sendo este fator importante para a constituição
de uma identidade regional.
Para esta afirmação o grau de concordância também é muito alto,
considerando a somatória dos níveis 4 e 5. No entanto, este resultado contradiz, em
113
parte, o da questão 7, pois o reconhecimento de que há um traço de latinidade que
une hispano-americanos e brasileiros é incompatível com a crença, por parte de
33,9% dos cadetes, na superioridade cultural dos brasileiros.
12- Sinto que o Brasil tem pouco em comum com os países hispano-
americanos.
O resultado para esta afirmação foi bem equilibrado, o que também contradiz,
em parte, o resultados da questão anterior. Infere-se que o traço de latinidade que
une brasileiros e hispano-americanos, que 66,2% acreditam existir, não é suficiente
para criar um elo entre estes países.
13- Tenho orgulho de ser sul-americano.
A disparidade é bem marcada entre os que se orgulham de ser sul-
americanos e aqueles que não se orgulham. O percentual de vantagem do nível 5
para o nível 1 é de 38,9%, e se somadas e comparadas as porcentagens dos níveis
1 e 2 com as dos níveis 4 e 5, a vantagem dos últimos passa a ser de 54,4%. O
114
resultado revela um forte sentimento de pertencimento ao território, fator colaborador
à criação de uma identidade sul-americana, sobre tudo, no âmbito da defesa.
14- A questão da defesa nacional vai além das fronteiras brasileiras e alcança
os demais países da América do Sul.
Nesta questão, a disparidade entre os níveis 1 e 5 também é bem marcada, e
mais discrepante ainda é o resultado da comparação da somatória dos níveis 1 e 2 e
dos níveis 4 e 5. O mesmo comentário tecido para a questão anterior aplica-se a
esta questão: a consciência da noção de cooperação, fator colaborador à criação de
uma identidade sul-americana, sobretudo, no âmbito da defesa.
15- Se falamos em integração sul-americana, temos que falar no uso de uma
língua ou línguas comuns – no caso, o espanhol e/ou o português.
O grau de concordância com esta afirmação é alto, o que mostra, por parte
dos cadetes, cujas respostas se inserem nos níveis 4 e 5, a consciência da
necessidade do uso de uma língua ou línguas regionais, fator favorável ao
115
estabelecimento do diálogo intercultural, à aproximação, à coesão, ao fortalecimento
da identidade regional e à agregação de poder geopolítico à região.
16- Se um cadete ou oficial brasileiro viaja a um país hispano-americano, ou se
um cadete ou oficial hispano-americano vem ao Brasil e se comunica em
inglês em vez de português ou espanhol, tal fato mostra falta de sensibilidade
linguística de ambas as partes.
O grau de concordância com esta afirmação também é alto e os mesmos
comentários da questão anterior podem ser aplicados, acrescentando que o uso do
inglês poderia ficar mais restrito à situação de voo, caso haja necessidade, dado que
é o código linguístico da aviação.
17- É importante que haja mais intercâmbio linguístico e cultural entre o Brasil
e demais países sul-americanos.
O grau de concordância com esta afirmação é extremamente alto, 90,4% e
reflete nitidamente a opinião dos cadetes manifestadas em sala de aula e
observadas pela pesquisadora: a necessidade de um contato maior com o mundo
116
hispânico, pois a aproximação gera conhecimento, elemento necessário à
identificação com o outro, com a sua cultura.
Pensamos que a sala de aula funciona como um laboratório de experiências,
mas o resultado do processo de aprendizagem de uma língua estrangeira é
perceptível quando os aprendizes interagem com falantes da língua alvo, o que os
torna mais motivados.
18- Há pouca conexão entre línguas e culturas estrangeiras, geopolítica e
defesa.
As porcentagens revelam um resultado muito equilibrado. A somatória das
porcentagens daqueles cadetes que concordam ou concordam parcialmente é de
42,6% contra 41,9% daqueles que discordam ou discordam parcialmente. A
percepção da pesquisadora é que o entrelaçamento dos quatro elementos não está
claro na mente dos cadetes. Não há uma disciplina na grade curricular do CFO que
trate de questões geopolíticas para que os docentes de língua espanhola pudessem
realizar um trabalho interdisciplinar.
19- É melhor para o Brasil se alinhar a uma grande potência que aos países da
América do Sul.
117
Nesta questão a disparidade entre os níveis 1 e 5 também é bem marcada, e
mais discrepante ainda é o resultado da comparação da somatória dos níveis 1 e 2 e
dos níveis 4 e 5, fato que contradiz fortemente os resultados da questão seguinte.
20- O Conselho de Defesa Sul-Americano, um dos conselhos que compõem a
UNASUL, bem como a Diretriz 18 da Estratégia Nacional de Defesa e o Livro
Branco de Defesa Nacional, que colocam a importância do estímulo à
integração e à cooperação militar na América do Sul, constituem um passo
importante para o avanço do pensamento em defesa na região, uma vez que os
países sul-americanos precisam uns dos outros para se defenderem de
ameaças internas e externas.
Comparando os resultados desta questão com os resultados da questão
anterior, conforme já comentamos, a disparidade é evidente. Cabe questionar se os
cadetes, em matéria de defesa, consideram o alinhamento com os demais países
sul-americanos, e em matéria de economia, o alinhamento com as grandes
potências. Pensamos que é uma incoerência, pois no capítulo 3 foi apresentada a
relação entre defesa e necessidade de proteção dos recursos estratégicos de um
território, que são recursos econômicos, visados pelas grandes potências.
118
21- A língua, além de instrumento de comunicação para transmitir significados,
tem também uma função integradora e agregadora de poder a uma nação ou
região e, por conseguinte, de formação de uma identidade. Considerando a
América do Sul, a língua espanhola pode ser vista como um meio comum de
comunicação, bem como de aproximação e integração de todos os países sul-
americanos.
Se compararmos os resultados desta questão com os resultados das
questões 11, 15 e 17, que são questões afins, observamos que a as porcentagens
resultantes da somatória dos níveis 4 e 5 destas questões, são bem altas: 72,8%,
66,2%, 66% e 90,4%, respectivamente. Nota-se que, quando se toca na questão da
integração regional associada às questões linguísticas e/ou às questões culturais e
identitárias, há uma maior sensibilização por parte dos cadetes. O conjunto dos
elementos – integração, língua e identidade cultural – remete à ideia de posse, de
pertencimento a um território, de nação, no caso a nação latino-americana ou sul-
americana. São traços unificadores, que contribuem para a construção do sujeito e
que lhe mostram as suas origens.
22- Tenho conhecimento sobre as operações militares conjuntas e a troca de
experiências entre a Força Aérea Brasileira e as Forças Aéreas dos países sul-
americanos.
119
Nesta questão, as porcentagens mostram que os cadetes não têm
conhecimento total do intercâmbio entre as Forças Aéreas Sul-Americanas. O seu
conhecimento constituiria um fator sensibilizador para o estudo da língua espanhola
e fortalecedor da identidade sul-americana em matéria de defesa conforme proposto
pelo Conselho de Defesa Sul-Americano e pela Estratégia Nacional de Defesa.
Comentários dos cadetes33
– O maior elemento formador da cultura espanhola no aluno é poder estar
entre hispânicos e falar com nativos. Muitíssimo importante proporcionar
intercâmbio aos cadetes (verdadeiros objetivos da formação).
– Em minha opinião, o Brasil desempenha e deve desempenhar um papel de
nação hegemônica, que detém maior poder geopolítico em relação aos seus
vizinhos. Tal fato é resultado das características geográficas nacionais, no que
diz respeito à extensão territorial e disponibilidade de recursos, além do
desenvolvimento econômico e tecnológico aqui encontrado, se comparado
com outras nações. Dessa forma, creio que o Brasil deve ser responsável por
ter capacidade de decisão efetiva nas questões político-econômicas regionais,
utilizando de seu poder dissuasório para, além de impor seus interesses, gerar
integração e boas relações entre o Brasil e outros países sul-americanos.
Tendo em vista as diferenças culturais/linguísticas entre o Brasil e os países
latinos, torna-se muito difícil gerar laços diplomáticos harmoniosos entre estas
nações. Assim sendo, faz-se necessário que tanto civis e militares que
33 Os comentários foram transcritos sem quaisquer alterações.
120
estejam envolvidos em questões diplomáticas referentes ao contexto sul-
americano, procurem maneiras de romper estas barreiras culturais naturais,
com o intuito de estreitar laços entre os países da América do Sul.
Informamos que apenas dois cadetes se propuseram a tecer comentários a
respeito das afirmações.
O primeiro enfatiza a importância do contato intercultural, como forma de
aperfeiçoar o idioma e promover as trocas culturais, o que mostra a consciência da
importância do contato com a diversidade como papel formador.
O segundo menciona o papel do Brasil como nação hegemônica na América
do Sul e justifica pela assimetria com as demais nações da região. No entanto,
foram observadas ideias contrastantes: uma nação hegemônica que “impõe seus
interesses”, mas que, ao mesmo tempo, promova a integração e “as boas relações”
com os demais países sul-americanos. Outro ponto que nos chamou a atenção diz
respeito à menção ao papel de mediadores das relações entre os países sul-
americanos atribuído a civis e militares do âmbito diplomático, pois, segundo o
cadete, as diferenças culturais e linguísticas entre o Brasil e os demais países da
região dificultam a aproximação.
Pensamos que as diferenças culturais e linguísticas não devem ser vistas
como barreiras de difícil transposição, e que o papel da diplomacia é essencial na
promoção da integração regional, mas que a abertura ao diálogo intercultural
também deve partir de setores e indivíduos conscientes e simpatizantes da proposta
apresentada no Tratado Constitutivo da UNASUL.
Concluímos o capítulo fazendo uma síntese dos resultados.
As 22 afirmações que compõem o questionário giram em torno de 4 eixos:
apreço pela língua espanhola e pela cultura hispânica, fortalecimento da identidade
sul-americana, integração regional e cooperação militar na América do Sul.
Com relação à integração destes eixos, retomamos os comentários que
tecemos para a afirmação 22: “quando se toca na questão da integração regional
associada às questões linguísticas e/ou às questões culturais e identitárias, há uma
maior sensibilização por parte dos cadetes. O conjunto dos elementos – integração,
língua e identidade cultural – remete à ideia de posse, de pertencimento a um
território, de nação, no caso a nação latino-americana ou sul-americana. São traços
unificadores, que contribuem para a construção do sujeito e que lhe mostram as
121
suas origens”. Voltamos a recorrer a Hall (2006, p. 47) para corroborar o
pensamento citado: “as culturas nacionais em que nascemos se constituem em uma
das principais fontes de identidade cultural”.
Define-se, pelos resultados auferidos, que o cadete sente que pertence a este
território, que sua essência está conectada com ele e, inclusive, tem orgulho de ser
sul-americano porque estas são as suas origens. Retomamos Ferreira (1995), que
acrescenta que não existe sujeito individual ou coletivo que não tenha identidade
própria, por ser esta uma espécie de guia através da realidade instável em que vive.
Os resultados também informam que os projetos políticos de integração
regional, incluindo a cooperação em matéria de defesa, são apoiados pelos cadetes,
o que vai ao encontro da teoria construtivista, segundo a qual os entendimentos
coletivos constituem o caminho para a formação de uma identidade coletiva. A teoria
construtivista é indissociável da questão da alteridade: o homem, como ser social,
existe a partir da visão e do contato com o outro ou outros, a coletividade. No
entanto, algumas atitudes reveladas pelos resultados, como a preferência pelo
alinhamento do Brasil a uma grande potência e não aos países da região, e a crença
na superioridade do Brasil e da cultura brasileira em relação aos países hispano-
americanos contradizem o apoio manifestado aos projetos de integração.
Na prática, não estaria a cultura militar assentada, ainda, em sólidas bases
realistas? Não seria uma cultura conservadora, que enxerga o mundo a partir de sua
perspectiva e da perspectiva das potências hegemônicas?
Por outro lado, se considerarmos que o sujeito pós-moderno é um ser
fragmentado, possuidor de várias identidades definidas historicamente, transitórias,
não unificadas ao redor de um núcleo, devido à multiplicidade de sistemas de
significação e representação cultural com os quais tem contato e pode se identificar,
as atitudes que acabamos de mencionar são justificadas. Ao longo do nosso
trabalho, fizemos referência à influência cultural norte-americana sobre a América
Latina, assim como à comunicação em nível global, facilitada pela tecnologia, que
permite transportar o universal ao local. Pode-se inferir que o cadete, jovem, sofre
influência dessa cultura colonizadora. Nesse sentido, as suas atitudes também são
justificadas. Segundo Hall (2006, p. 13), “a identidade plenamente unificada,
completa, segura e coerente é uma fantasia.” Essa teoria também contribui para
explicar as oscilações verificadas no questionário.
122
Com relação às questões linguísticas, a língua espanhola é vista sob uma
perspectiva positiva, como instrumento de comunicação, necessário à profissão, e
como elemento de aproximação e integração. No entanto, o seu conhecimento não
constitui um dos objetivos da vida do cadete.
Partimos da premissa de que não existe uma sensibilidade efetiva por parte
dos cadetes da AFA ao componente linguístico-cultural-identitário compartilhado,
mesmo que este seja fator agregador de poder geopolítico à região. Os resultados
do questionário nos mostraram o contrário, que existe, mas que não está estruturada
em bases sólidas.
123
CONCLUSÃO
Tendo como base a premissa da qual partimos, apresentada na introdução, o
propósito desta dissertação foi verificar nos cadetes da Academia da Força Aérea a
existência ou não do sentimento de pertencimento, de identificação com a língua e
cultura dos povos hispânicos da América do Sul, bem como uma sensibilidade
efetiva por parte dos mesmos aos usos da Língua Espanhola no contexto militar
como instrumento de comunicação e como elemento integrador e colaborador para a
construção de uma possível identidade compartilhada Brasil – Nações Sul-
Americanas, principalmente no âmbito da Defesa.
Para elucidar o entrelaçamento entre a defesa, a geopolítica sul-americana, a
identidade cultural e a língua espanhola como fator colaborador à construção da
citada identidade, discorremos sobre as sucessivas quebras de ordenamento no
sistema internacional. Iniciamos pelos Tratados de Paz de Westfália e chegamos à
globalização das relações entre Estados. Demos ênfase especial à geopolítica sul-
americana mostrando os percalços enfrentados pela região desde a chegada do
colonizador, bem como os diversos blocos formados na região na tentativa de
aproximar os países, principalmente no âmbito econômico, para alavancar as suas
economias. Ressaltamos a importância da via cultural como forma de projetar a
região em nível global, e do estabelecimento do diálogo intercultural como
instrumento de aproximação e de criação de uma identidade compartilhada.
Traçamos esse percurso para expor que, atualmente, no âmbito da defesa, as
ações estão direcionadas à cooperação militar e à possível criação de uma
comunidade de segurança na América do Sul. A cooperação implica interação e o
uso de um código linguístico comum, no caso, o espanhol e o português, que além
de instrumento de comunicação podem exercer o papel de elemento de
aproximação entre as respectivas culturas. Visto que a pesquisadora atua como
docente de língua espanhola no contexto pesquisado, a ênfase foi colocada na
língua espanhola.
Nesse ponto, retomamos a premissa de que não existe uma sensibilidade
efetiva por parte dos cadetes da AFA ao componente linguístico-cultural-identitário
compartilhado, mesmo que este possa agregar poder geopolítico à região. Os
resultados, conforme relatamos, mostram o contrário, que existe, mas que não está
estruturada em bases sólidas. Pensamos que faltam maturidade e conhecimento ao
124
cadete para tratar de temas relacionados à geopolítica e à integração e cooperação
militar regional,
Uma visão menos realista, voltada à América do Sul, a inserção na grade
curricular do Curso de Formação de Oficiais de uma disciplina da área de Relações
Internacionais proporcionaria ao cadete conhecimentos sobre geopolítica, bem como
palestras periódicas que abordassem o tema da integração e da cooperação militar
na região.
O conhecimento por parte de todos os professores de espanhol de questões
relacionadas à geopolítica sul-americana e à defesa e o tratamento desses temas
em sala de aula também contribuiriam a despertar o interesse do cadete pelo seu
estudo.
No que tange ao ensino das línguas estrangeiras e mais especificamente ao
ensino de espanhol na AFA, julgamos pertinente retomar os seguintes comentários:
que os seres humanos, no caso, os cadetes, são seres complexos devido à
diferença de crenças, percepções, valores, preferências, de maneiras de se
relacionar com o outro, consigo mesmo ou com o seu meio. Além disso,provêm de
contextos diversos para se inserir em um contexto diferenciado com uma cultura
peculiar. No entanto, se considerarmos o atual cenário geopolítico no qual o Brasil
está inserido e se estivéssemos trabalhando com um sistema linear, previsível, as
evidências que mostram a necessidade do conhecimento da língua e da cultura
hispânica no contexto em questão seriam suficientes para que os cadetes se
sensibilizassem um pouco mais à importância de sua aprendizagem.
Embora uma parcela dos cadetes ainda não se identifique com a língua, com
os seus sons, suas estruturas, pela suposta semelhança com o português como
muitas vezes relatado, e não se sinta integrada ao processo de aprendizagem,
pequenas mudanças começam a surgir, observadas em sala de aula, como uma
maior sensibilidade e abertura ao estudo do espanhol, seja por alguma característica
de personalidade, por alguma viagem a algum país hispânico ou por algum estímulo
oferecido pelo professor.
Uma das causas que dificulta um maior envolvimento pode estar relacionada
ao fato de que a aprendizagem ocorre dentro de um contexto institucional, artificial,
onde não se nota uma necessidade comunicativa autêntica, com poucas horas de
aula ao ano, insumo restrito à sala de aula e uma agenda diária lotada que não lhes
permite ampliar de maneira satisfatória o seu conhecimento. A má formação de
125
alguns professores, a prioridade dada às atividades militares, a crença de que não é
possível aprender língua estrangeira nesse contexto podem constituir obstáculos
que impedem que uma chama se acenda.
Além dos fatores relacionados ao ambiente, é preciso considerar os fatores
bio-cognitivo-afetivos que também podem interferir na motivação, como os estilos
cognitivos, a personalidade de cada cadete, aliados às particularidades culturais, à
identidade ou identidades de cada um. Mais uma questão deve ser considerada:
cada cadete é mais um elemento dentro de um coletivo ou é um indivíduo
considerado quanto às suas características particulares? Ou ambos? Vale ressaltar
que são seres humanos, portanto, seres complexos inseridos num sistema
complexo, e numa dimensão mais ampla, num mundo complexo.
Refletimos que uma história de aprendizagem positiva, viagens, mas,
sobretudo, uma relação de empatia entre professor e cadete, o empenho do primeiro
em criar um ambiente acolhedor e motivador, através da diversificação do material
didático e das atividades, da abordagem do componente cultural bem como da
realização de um trabalho desde uma perspectiva intercultural, incluindo temas de
geopolítica,contribuirão para sensibilizar o cadete. Afinal, são seres humanos
dotados de vontade, de sensibilidade e, portanto, passíveis à motivação e à
transformação.
Ressalte-se que a ação do professor é significativa, mas este deveria poder
contar com alguma forma de apoio por parte da Academia, como a criação de um
projeto intercultural que envolvesse os cadetes brasileiros e os cadetes estrangeiros,
ou a realização de uma semana cultural, com exibição de filmes, apresentações
artísticas e palestras proferidas por membros dos consulados dos países hispânicos.
Em suma, que se criassem projetos que fomentassem uma maior
aproximação ao universo hispânico, um universo distante sentimentalmente,
conforme já mencionamos, mas, ao mesmo tempo, tão próximo, não apenas em
termos geográficos, mas culturais e históricos também.
Os resultados desta investigação mostram a interdisciplinaridade existente
entre Língua Espanhola, Identidade Cultural, Geopolítica e Defesa. Portanto,
poderão auxiliar os docentes de Língua Espanhola inseridos no contexto militar, a
desenvolverem uma prática mais eficaz e reflexiva, fazendo com que trabalhem em
sala de aula conteúdos que vão além daqueles apresentados pelo livro didático,
como questões relacionadas à integração sul-americana e à defesa da região.
126
Com relação às futuras pesquisas relacionados ao tema, sugere-se a
elaboração de uma proposta didática, que tenha como base o eixo temático, para
ser aplicada nas aulas de língua espanhola nos cursos de formação de oficiais das
Forças Armadas, o que constituirá um fator motivador e sensibilizador à
aprendizagem, uma vez que o docente trabalhará, principalmente, com temas
diretamente relacionados aos interesses e necessidades do âmbito militar, tais
como: defesa, geopolítica, história e cultura ibero-americana. O docente poderá,
inclusive, utilizar conteúdos de outras disciplinas. Desse modo, os esforços não
ficarão concentrados apenas no conteúdo lingüístico, ou seja, a língua estrangeira
não será apenas uma ferramenta ou um instrumento de comunicação, mas também
um meio de ampliar a formação do indivíduo.
Somando-se a isso, os resultados obtidos poderão ser utilizados em outros
contextos de ensino e aprendizagem de língua espanhola para sensibilizar docentes
e discentes à importância da aproximação aos povos dos países vizinhos e do
estabelecimento do diálogo intercultural com vistas ao fortalecimento da cidadania e
da identidade sul-americana, o que vem a ser uma justificativa para a inserção deste
idioma na grade curricular das escolas brasileiras.
127
REFERÊNCIAS
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134
APÊNDICES E ANEXOS
APÊNDICE A - CARTA DE INFORMAÇÃO AOS PARTICIPANTES
Caro(a) cadete,
O Sr.(a) está sendo solicitado(a) a responder um questionário que tem por
objetivo coletar dados para a pesquisa sobre a relação entre Defesa, Geopolítica,
Língua Espanhola e Identidade Cultural que integrará a dissertação de Mestrado da
Profª Maria Cláudia Machado, desta Academia, sob a orientação da Profª. Dra.
Maria Célia Barbosa Reis da Silva.
A autenticidade das respostas será de fundamental importância para o
alcance dos objetivos e a confiabilidade dos resultados, visto que o tratamento dos
dados ocorrerá sobre essas respostas.
Os questionários preenchidos serão mantidos sob a guarda do pesquisador e
de seu orientador e manuseados exclusivamente por eles.
Não há necessidade de identificação do participante.
Agradecemos a sua valiosa contribuição.
Rio de Janeiro, Campo dos Afonsos, 06 de outubro de 2015.
Maria Célia Barbosa Reis da Silva - Orientadora
Maria Cláudia de Jesus Machado - Orientanda
135
APÊNDICE B – QUESTIONÁRIO DE PESQUISA
*Obrigatório
Você já esteve em algum(ns) país(es) de língua espanhola? *
Sim
Não
Caso tenha respondido "Sim" na questão anterior, para qual região?
América do Sul
América Central
Europa (Espanha)
Qual o motivo de sua viagem?
Estudo
Passeio
Competição
Outros
Por quanto tempo permaneceu no país?
Menos de 2 semanas
2 semanas a um mês
Mais de um mês
Para cada afirmação,marque o número que indique o seu grau de
concordância na escala de 1 a 5. Quanto mais próximo do 1, menor é o grau de
concordância com a afirmação. Quanto mais próximo do 5, maior é o grau de
concordância. Não há resposta correta ou incorreta.
1 Em desacordo
2 Parcialmente em desacordo (discordo mais do que concordo)
3 Indiferente
4 Parcialmente de acordo (concordo mais do que discordo)
136
5 De acordo
As línguas e culturas estrangeiras me atraem.
1 2 3 4 5
Sinto uma grande vontade de conhecer muitos aspectos da língua espanhola e da
cultura hispânica e/ou dos países que falam espanhol.
1 2 3 4 5
Estudar espanhol é importante porque vou precisar dele na minha profissão.
1 2 3 4 5
Preferiria passar mais tempo nas aulas de espanhol do que nas outras aulas.
1 2 3 4 5
Tenho uma imagem positiva dos países onde o espanhol é falado, bem como dos
povos hispânicos.
1 2 3 4 5
Saber espanhol é um dos objetivos na minha vida.
1 2 3 4 5
Sinto que o meu país e a minha cultura são um pouco melhores que os países
hispano-americanos e suas culturas.
1 2 3 4 5
Os projetos políticos conjuntos como a UNASUL, que surgem com o objetivo de
promover a integração da região, constituem um apoio para o fortalecimento de uma
identidade sul-americana.
137
1 2 3 4 5
As potências dominantes exercem influência cultural sobre o Brasil e demais países
sul-americanos, dificultando a formação de uma identidade regional.
1 2 3 4 5
Se eu me comunicar em espanhol com falantes nativos vou ser mais valorizado e
respeitado.
1 2 3 4 5
Há um traço de latinidade que une brasileiros e hispano-americanos em termos
linguísticos e culturais, sendo este fator importante para a constituição de uma
identidade regional.
1 2 3 4 5
Sinto que o Brasil tem pouco em comum com os países hispano-americanos.
1 2 3 4 5
Tenho orgulho de ser sul-americano.
1 2 3 4 5
A questão da defesa nacional vai além das fronteiras brasileiras e alcança os demais
países da América do Sul.
1 2 3 4 5
Se falamos em integração sul-americana, temos que falar no uso de uma língua ou
línguas comuns – no caso, o espanhol e/ou o português.
1 2 3 4 5
138
Se um cadete ou oficial brasileiro viaja a um país hispano-americano ou se um
cadete ou oficial hispano-americano vem ao Brasil e se comunicam em inglês em
vez de português ou espanhol, tal fato mostra falta de sensibilidade linguística de
ambas as partes.
1 2 3 4 5
É importante que haja mais intercâmbio linguístico e cultural entre o Brasil e demais
países sul-americanos.
1 2 3 4 5
Há pouca conexão entre línguas e culturas estrangeiras, geopolítica e defesa.
1 2 3 4 5
É melhor para o Brasil se alinhar a uma grande potência que aos países da América
do Sul.
1 2 3 4 5
O Conselho de Defesa Sul-Americano, um dos conselhos que compõem a UNASUL,
bem como a Diretriz 18 da Estratégia Nacional de Defesa e o Livro Branco de
Defesa Nacional, que colocam a importância do estímulo à integração e à
cooperação militar na América do Sul, constituem um passo importante para o
avanço do pensamento em defesa na região, uma vez que os países sul-americanos
precisam uns dos outros para se defenderem de ameaças internas e externas.
1 2 3 4 5
A língua, além de instrumento de comunicação para transmitir significados, tem
também uma função integradora e agregadora de poder a uma nação ou região e,
por conseguinte, de formação de uma identidade. Considerando a América do Sul, a
139
língua espanhola pode ser vista como um meio comum de comunicação, bem como
de aproximação e integração de todos os países sul-americanos.
1 2 3 4 5
Tenho conhecimento sobre as operações militares conjuntas e a troca de
experiências entre a Força Aérea Brasileira e as Forças Aéreas dos países sul-
americanos.
1 2 3 4 5
Acrescente comentários se desejar.
140
ANEXO A – ESPANHOL PARA TODOS E JÁ
Como não sou cristão, não temo ser castigado pelo pecado da vaidade, é bom logo avisar. É que estive há pouco tempo na Colômbia e no México, a trabalho, e pude me envaidecer, sim, com os diversos elogios que recebi pela qualidade do espanhol que usava para interagir com as pessoas, fosse no âmbito acadêmico, na rua, nas lojas etc. Ao mesmo tempo, me deixava (e sempre me deixa) espantado a total falta de sensibilidade lingüística dos nossos conterrâneos quando estão em terras hispanofalantes. Uma brasileira, na recepção do hotel em Bogotá, repetia insistentemente para o atendente que o número de seu quarto era “dois meia meia”, sem se dar conta que “meia” como equivalente de 6 só se usa em português. Outro colega perguntava se era possível localizar o professor “Jamón”, e só pôde receber a resposta de que no hotel não estava hospedado nenhum professor “Presunto” (jamón em espanhol), já que o nome próprio é “Ramón”, com um R- muito vibrado, que os brasileiros, por injustificada vergonha, se recusam a produzir. Mas o ápice do espanto foi ver brasileiros falando em inglês com colombianos nas lojas e nos museus.
Durante mais de mil anos de sua história, Portugal sempre se viu ameaçado pela vizinha Espanha, maior e mais poderosa. Uma das maneiras que os portugueses encontraram de reforçar sua autonomia foi o isolamento lingüístico, a recusa de qualquer ação que representasse uma aproximação com o espanhol. Por isso, na grafia, adotaram o LH e o NH do provençal e não o Ñ e o LL do espanhol. Enquanto os espanhóis sempre adotaram uma política de adaptação ou criação de termos próprios em sua língua, os portugueses se vincularam umbilicalmente à França durante séculos, importando centenas de palavras e até construções sintáticas do francês, para não falar de nomes próprios como Alexandre (que deveria ser Alexandro, pois é com O que terminam os nomes masculinos em português).
Assim, a língua espanhola sempre foi desprezada nos nossos sistemas educacionais. Primeiro foi o domínio quase exclusivo do francês. Em seguida, e até hoje, a transformação do inglês em sonho de consumo. Só muito recentemente é que o espanhol se tornou matéria presente nas escolas. Agora, temos que correr para recuperar séculos de atraso. Na minha opinião, todo brasileiro razoavelmente letrado deveria ser de um bilinguismo fluente em português e em espanhol, para que a integração latino-americana se realizasse. Quando estou em algum país da América Latina e ligo a televisão, fico sabendo de coisas que acontecem no México, na Guatemala, no Chile, na Venezuela, na República Dominicana e por aí vai. Os quase vinte países dé língua espanhola do continente, apesar das muitas divergências, se reconhecem numa comunidade maior, graças à língua. Só poderemos realmente nos reconhecer como latino-americanos quando abandonarmos certos preconceitos (como o de considerar o espanhol “cafona” ou “ridículo”) e nos esforçarmos com vigor para falar e entender o muito que nossos vizinhos têm a nos dizer.
Marcos bagno é linguista, escritor e professor da UNB.