UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO … · 1. MUDANÇA DE PARADIGMA NO MUNDO DO...
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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
INSTITUTO A VEZ DO MESTRE
MUDANÇA DE PARADIGMA NA ORGANIZAÇÃO
E NA GESTÃO DA ESCOLA PÚBLICA ESTADUAL
Por: Sonia Pereira Lessa
Orientadora
Prof.ª Ma. Flávia Martins de Carvalho
Rio de Janeiro
2012
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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
INSTITUTO A VEZ DO MESTRE
MUDANÇA DE PARADIGMA NA ORGANIZAÇÃO
E NA GESTÃO DA ESCOLA PÚBLICA ESTADUAL
Apresentação de monografia à AVM Faculdade
Integrada como requisito parcial para obtenção do
grau de Especialista em Gestão Pública.
Por. Sonia Pereira Lessa
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AGRADECIMENTOS
Aos professores e aos amigos da AVM e
em especial ao Prof.º Paulo Costa.
Por fim a todas as pessoas que
dedicando um minuto de seu tempo,
meus sinceros agradecimentos.
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RESUMO
Esta monografia pretende apresentar o desafio imposto ao Gestor
Educacional Público Estadual na implantação de um processo de mudança na
organização escolar, de forma que sua atuação seja aquela voltada ao foco em
resultados. Busca-se também conhecer o contexto histórico da mudança de
paradigma no mundo do trabalho e o processo de implantação do PDE-Escola,
como ferramenta gerencial na educação publica estadual identificando e
analisando as mudanças que vêm ocorrendo para um ensino de qualidade para
todos.
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METODOLOGIA
Este trabalho baseou-se em dois tipos de levantamentos. No primeiro,
de caráter bibliográfico e documental, foram consultados estudos e pesquisas
que tratam da temática e o desafio imposto ao Gestor Educacional Público
Estadual na implantação de um processo de mudança na organização escolar.
O segundo levantamento, de caráter empírico, envolveu informações,
experiências e relatos do (OG) Orientador de Gestão quanto a sua contribuição
na universalização da implantação do PDE-Escola como primeira ferramenta
gerencial nas unidades escolares estaduais no Estado do Rio de Janeiro.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 08
CAPÍTULO I
1. MUDANÇA DE PARADIGMA NO MUNDO DO TRABALHO 10
CAPÍTULO II
2. O MODELO DE COMPETÊNCIAS 19
CAPÍTULO III
3. DESAFIOS A EDUCAÇÃO 31
CONCLUSÃO 49
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 50
ÍNDICE 54
FOLHA DE AVALIAÇÃO 55
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INTRODUÇÃO
As grandes alterações na organização e administração do trabalho vêm
sendo acompanhadas de um intenso debate, no qual ganham relevância as
propostas de administração democrática, descentralizada e participativa.
Fundamentadas predominantemente em aspectos políticos, tais propostas
combatem o centralismo burocrático, inflexível e ineficaz. Sem desconsiderar
sua validade, para apreender os novos rumos da gestão da educação, é
imprescindível ampliar o foco de análise, abrangendo as mudanças ocorridas
no mundo do trabalho e da produção.
Tendo em vista refletir sobre as motivações sociais e históricas que
desencadearam esse processo, o objetivo deste trabalho é analisar o
movimento de substituição do modelo de administração burocrático-racional do
trabalho escolar por novas práticas organizacionais consideradas mais
democráticas.
O primeiro capítulo foi planejado para abordar o movimento de
passagem de uma forma de acumulação de capital para outra, ou seja, da
indústria da produção de massa sob a regulação taylorista/fordista para a
produção flexível/enxuta, procuramos demonstrar que é esse novo paradigma,
que não se restringiu aos muros da empresa. E, entre outros campos, foi
importado pela administração pública, que vem condicionando a forma de gerir
as organizações e instituições, inclusive a educacional.
O segundo capítulo procura debater a respeito do modelo de
competências que nasceu nos anos 70 justamente do questionamento do
conceito de qualificação e do processo de formação profissional,
principalmente técnica. Pelo descompasso que se observava nas necessidades
das indústrias, os franceses procuravam aproximar o ensino às reais
necessidades das empresas, visando aumentar o nível de qualificação dos
trabalhadores e as oportunidades de emprego. Buscava-se estabelecer a
relação entre competências e os saberes – o saber agir – no referencial do
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diploma e do emprego. Do campo educacional, o conceito de competências
passou a ser utilizado em outras áreas como o das relações trabalhistas, cujo
conceito foi empregado para avaliar as qualificações necessárias ao posto de
trabalho, surgindo daí, o inventário de competências, bilan de compétences
(FLEURY, 2002).
O terceiro capítulo dedica-se a apresentar a experiência do processo de
implantação e consolidação do Plano de Desenvolvimento da Escola (PDE-
escola), criado para atender os objetivos do programa FUNDESCOLA, pelos
Orientadores de Gestão, quando este é executado nas Escolas Estaduais do
Estado do Rio de Janeiro.
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CAPÍTULO I
1. MUDANÇA DE PARADIGMA NO MUNDO DO
TRABALHO
A transição da economia feudal de subsistência e auto-suficiência para
uma economia monetária e de mercado. A sociedade rural e de estamentos
para uma sociedade urbana e de classes, do Estado feudal fragmentado para
os Estados racionais centralizados assinalou, na ordem econômica, social e
política, a passagem da Idade Média aos Tempos Modernos. O século XIX, em
todas as suas manifestações, é filho legítimo da dupla revolução que se deu na
Europa Ocidental no final do século XVIII: a revolução política francesa e a
revolução industrial inglesa. Ambas vêm coroar o surgimento de relações de
produção inéditas na história, no seio das quais se elaboram justificativas para
uma nova maneira de organizar a vida social (PATTO, 1996). A expressão
Revolução Industrial foi difundida a partir de 1845 por Engels, um dos
fundadores do socialismo científico, para designar o conjunto de
transformações técnicas e econômicas que caracterizam a substituição da
energia física pela energia mecânica, da ferramenta pela máquina e da
manufatura pela fábrica no processo de produção capitalista. A produção de
bens manufaturados em quantidades cada vez maiores e a redução dos custos
de produção possibilitam a obtenção de lucros consideráveis. O interesse em
ampliar a margem de lucros combinados com o crescimento da exportação de
produtos manufaturados provocou uma verdadeira explosão de inovações
tecnológicas no final do século XVIII e no principio do século XIX (HUNT &
SHERMAN, 2001).
Os avanços tecnológicos têm uma larga história atrás de si, e a
expressão Revolução Industriais adquiriu entre nós uma conotação e uma
importância, que dizem respeito muito mais às lutas geradas pela introdução da
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máquina no processo produtivo, do que considerado os inventos então criados.
Mas a passagem do modo de produção feudal para o modo de produção
capitalista não se fez sem grandes convulsões sociais. O advento do
capitalismo mudou gradual, mas inexoravelmente a fece do mundo: até o final
do século XIX praticamente varreu da face da terra a monarquia como regime
político dominante, destituiu a nobreza e o clero do poder econômico e político,
inviabilizou a relação servo-senhor feudal enquanto relação de produção
dominante empurrou grandes contingentes das populações rurais para os
centros industriais. Gerou os grandes centros urbanos com seus contrastes,
veio coroar o processo constituição dos estados nacionais modernos, isto é,
nascem as formas de governo eleitas pelo voto e regidas por uma constituição
e engendrou uma nova classe dominante a burguesia e uma nova classe
dominada o proletariado (HOBSBAWN apud PATTO, 1996). A primeira detinha
capital, ferramentas e máquinas chamadas meio de produção, e visava
primordialmente ao lucro; os representantes da segunda possuíam apenas a
própria força de trabalho, que eram obrigados a ceder aos industriais em troca
de salário.
Esse modo de produção, que se originou do comércio e da manufatura,
foi o responsável pelo desenvolvimento de novas invenções, técnicas, aumento
das atividades. O trabalho manual foi substituído pelo trabalho mecânico das
máquinas a vapor. Os artigos deixaram de ser criados por artesãos, que
dominavam todas as etapas da produção, para serem feitos por legiões de
operários, que só conheciam uma etapa de sua elaboração, conforme a divisão
do trabalho estabelecida. Dessa forma, na transição do modo feudal para o
capitalista, os antigos artesões e camponeses vão perdendo suas condições
anteriores de produtores independentes, sendo destituídos de seus
instrumentos de produção, da matéria-prima e da terra para cultivar (PATTO,
1996).
Há uma relação de exploração entre a classe dos proprietários, a
burguesia, a dos trabalhadores, o proletariado. Porque a posse dos meios de
produção, sob a forma legal de propriedade privada, faz com que os
trabalhadores para assegurar a sobrevivência, tenham de vencer sua força de
trabalho ao empresário capitalista, ao qual se apropria do produto do trabalho
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de seus operários. As conseqüências drásticas refletem-se nas condições de
vida dos trabalhadores, nas precárias condições de higiene e na proliferação
de epidemias, que de tempos em tempos, assolavam a população.
“No sistema capitalista, todos os métodos destinados a elevar a
produtividade social do trabalho implicam prejuízo para o trabalhador individual.
Todos os meios destinados a promover o desenvolvimento da produção
transformaram-se em meios de dominação e exploração dos produtores,
mutilam o trabalho ao ponto de convertê-lo num fragmento de homem,
degradam-no à condição de apêndice de uma máquina, destroem todos os
vestígios de encanto que havia no trabalho e o transformam numa labuta
detestável; alienam dele as potencialidades intelectuais do processo de
trabalho, na mesma proporção em que a ciência é incorporada ao processo de
trabalho como um poder independente, distorcem as condições sob as quais
ele trabalha (...) transformam seu tempo de vida em tempo de trabalho e
lançam sua mulher e seu filho sob as rodas do Jaganata do capital (Max, 1961,
p.645 apud Hunt & Sherman, 2001).
1.1 O PROCESSO DE ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO
As mudanças que vêm ocorrendo no mundo do trabalho e na sociedade,
ao longo das últimas décadas, estão acontecendo em decorrência de novos
processos de trabalho. O relógio-ponto, o trabalho fracionado em tarefas
estabelecidas rigidamente, a produção em série, a aceleração do ritmo de
produção ditado pela máquina, a separação entre concepção e execução ─
próprios da organização taylorista/fordista ─ têm sido substituídos por formas
mais flexíveis de trabalho, por novos princípios de gestão, o toyotismo.
O taylorismo, organização do trabalho sistematizada pelo engenheiro
norte-americano Frederic Winslow Taylor (1856-1915), consiste na rígida
separação do trabalho por tarefas dispostas em níveis hierárquicos. Existe um
controle sobre os movimentos e o tempo gasto em cada tarefa, num constante
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esforço de racionalização, de forma que a tarefa seja executada com os
melhores e mais rápidos gestos, num tempo mínimo. Os movimentos de cada
trabalhador passam a ser vigiados e o tempo cronometrado. Aqueles que
produzem mais em menos tempo recebem prêmios como incentivo. O
propósito é compelir a produzirem, num tempo mínimo, certa quantidade de
peças ou produtos. Esse sistema de produção aumentou a produtividade da
fábrica, mas também a exploração do trabalhador, que passou a produzir mais
em menos tempo; elevou-se, portanto, a extração de mais-valia relativa.
Essa forma de gestão que começava a ser experienciada visava
rebaixar os salários e desqualificar as profissões através de uma nova
composição entre trabalho vivo e o trabalho morto. Cada trabalhador passaria a
operar máquinas e ferramentas desenhadas e organizadas com o objetivo de
serem mais produtivas, acelerando o projeto capitalista de pôr fim à influência
dos trabalhadores de ofício, especialmente, sobre os recém-contratados. Em
meados da década de 1910, surge o fordismo, que consiste num conjunto de
métodos voltados para produção em massa, em quantidades nunca vistas
anteriormente. O fordismo absorveu algumas técnicas do taylorismo, mas foi
além: tratou de organizar a linha de montagem de cada fábrica de forma a
produzir mais, inclusive controlando melhor os movimentos dos trabalhadores
que, passaram a ser fixados ao lado da esteira por onde passa o produto em
processo de montagem; controlando melhor as fontes de matérias-primas e de
energia, a formação da mão de obra, os transportes, o aperfeiçoamento das
máquinas para ampliar a produção e o consumo (BRAVERMAN, 1987).
No período posterior à II Guerra Mundial, aumentou o repúdio da classe
operária pela ortodoxia do trabalho de corte taylorista/fordista, devido a formas
de produção mais plásticas experimentadas durante a Guerra. Esse fato,
associado à queda do poder aquisitivo dos países consumidores que se
envolveram na Guerra e à necessidade de produzir em lotes menores para
atender demandas personalizadas, desencadeou a crise dessa forma de
organização do trabalho (HARVEY, 1992). Em resposta, à custa de um
investimento maciço em ciência e tecnologia, o capital engendrou uma
progressiva mudança nos métodos de produção e de trabalho. No consumo,
nas relações entre as empresas e seus funcionários e entre as empresas e os
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consumidores, donde surgiu uma nova gestão de trabalho e produção, o
toyotismo. Esse novo método de produzir em parte convive e em parte substitui
a linha de montagem por outra forma de produção mais flexível. Isso se tornou
possível e facilitado pelo emprego da informática, pela robotização e pelo uso
de uma força de trabalho “mais qualificada” 1, que substitui a mão de obra
técnica e repetitiva predominante no fordismo.
Até a primeira Revolução Industrial, a força de trabalho de uma
sociedade não precisava de nenhuma escolaridade. As pessoas aprendiam as
profissões observando e auxiliando os mais velhos e experientes. No período
em que predominou o artesanato, a estrutura de corporação que lhe servia de
apoio era suficiente para suprir as necessidades de comércio, à época apenas
local. Já o sistema de manufatura implica a reunião de um número
relativamente grande de trabalhadores sob um mesmo teto, empregados pelo
proprietário dos meios de produção, executando um trabalho coordenado, num
mesmo processo produtivo. Com relação à organização do trabalho, cada
trabalhador realiza apenas parte do trabalho necessário à elaboração de um
determinado produto. Este, para estar completo, depende do trabalho do
conjunto de indivíduos no processo produtivo. Nesse sistema, os trabalhadores
perdem os meios de produção e passam a vender sua força de trabalho em
troca de um salário (MARX, 1989). O parcelamento do trabalho unitário leva à
sua desqualificação, exigindo, por conseguinte, menor qualificação do
trabalhador e menor tempo de aprendizado do que no artesanato, com a
conseqüente redução do valor da força de trabalho e a especialização das
ferramentas, que vão se adaptando às funções parcelares. Nesse sistema
produtivo, mesmo o trabalhador sendo transformado em trabalhador parcial,
ainda era ele, com sua habilidade e rapidez, quem comandava o processo de
trabalho e determinava o ritmo e o tempo de trabalho socialmente necessários
para a produção de uma mercadoria. Embora o trabalho estivesse em processo
de desqualificação, ainda era o trabalhador, com a ferramenta, quem elaborava
1 Vale lembrar que, como bem demonstra Ferreti (1996), apesar de a automação
flexível requerer do trabalhador uma formação mais elevada do ponto de vista técnico ─ em relação à automação rígida ─ no âmbito geral, essa formação não ultrapassa o marcos e possibilidades definidas pelo trabalho nos moldes capitalistas.
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o produto. Esse trabalhador especializado necessitava de um longo período de
aprendizagem, o que lhe dava força ante o capital ─ residindo aí os limites da
manufatura, uma vez que sua base está calcada num elemento subjetivo, no
trabalhador. Isto é, ela estava restrita pelo limite físico e orgânico, que impedia
que a produtividade do trabalho aumentasse incessantemente, constituindo-se
em sérios entraves ao desenvolvimento do capital. Mesmo diante desse quadro
socioeconômico apontado, a escolaridade ainda não se colocava como uma
necessidade essencial, dado o modelo societário em que viviam os homens. É
a partir da segunda metade do século XVIII, com o advento da primeira
Revolução Industrial, que surge a necessidade de um mínimo de escolaridade.
As populações expropriadas do campo foram se concentrando nas cidades e
tornou-se imprescindível falar e escrever um idioma comum ─ a língua oficial
da pátria, isto é, do Estado-nação ─ bem como saber, no mínimo, noções
básicas de matemática para trabalhar com o dinheiro e com a economia de
mercado. É a partir do final do século que, pouco a pouco, a instrução pública
foi sendo institucionalizada e, com isso, a educação primária passou a ser
obrigatória, inicialmente nos países desenvolvidos, no decorrer do século XIX,
e depois, já no século XX, praticamente, no resto do mundo (LOPES, 1981).
Com a segunda Revolução Industrial, a necessidade de escolarização para a
força de trabalho aumentou e tornou-se importante saber mais do que ler,
escrever e contar. O advento da grande indústria engendrou necessidades
educacionais e exigências da expansão do ensino. Desde a segunda metade
do século XIX, analisa Romanelli (1998 p59),
[...] os países mais desenvolvidos vinham cuidando da implantação definitiva da escola pública, universal e gratuita. [...] as exigências da sociedade industrial impunham modificações profundas na forma de se encarar a educação e, em consequência, na atuação do Estado, como responsável pela educação do povo. [...] o capitalismo industrial engendra a necessidade de fornecer conhecimentos a camadas cada vez mais numerosas, seja pelas exigências da própria produção, seja pelas necessidades do consumo que essa produção acarreta. Ampliar a área social de atuação do sistema capitalista industrial é condição de sobrevivência deste. [...] isso é possível na medida em que as populações
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possuam condições mínimas de concorrer no mercado de trabalho e de consumir. Onde, pois, se desenvolvem relações capitalistas, nasce a necessidade da leitura e da escrita, como pré-requisito de uma melhor condição para concorrência no mercado de trabalho.
A terceira Revolução Industrial utiliza muito mais a ciência e a tecnologia
do que as duas anteriores. Tecnologia é aplicação da ciência e pode ser
definida como uma técnica avançada, resultante do conhecimento científico.
Uma técnica é uma maneira de se fazer algo com base em um instrumento
capaz de ampliar o domínio da humanidade sobre a natureza, desde um
simples porrete até um moderno computador. Por esse motivo, isto é, pelo
intenso uso da ciência e da tecnologia, a terceira Revolução Industrial vem
sendo denominada de “revolução técnico-científica”. A produção econômica ao
longo do processo histórico de desenvolvimento das sociedades humanas, de
fato, sempre utilizou a técnica. Dentre os exemplos, a título de maior
elucidação, pode-se citar o controle do fogo, a invenção da roda, a
domesticação de animais e o domínio de técnicas para cultivo de plantas a
milhares de anos, que nada mais foram do que etapas da evolução técnica da
humanidade. É importante aqui lembrar que, durante quase toda a história, foi
muito comum que primeiro se conhecesse algo na prática e depois viesse a
teoria e a ciência. Esta não se apropriou e nem se incorporou à empresa
capitalista, mas o inverso (BRAVERMAN, 1987). A sociedade industrial
engendrou mudanças nessa forma de ser. De modo que no século XX,
sobretudo nas últimas quatro décadas, os novos setores de ponta na
tecnologia e na indústria representam aplicações de conhecimentos científicos
─ de teorias avançadas da matemática, química, física, mecânica, genética,
ecologia, etc. ─ que durante algum tempo na história foram considerados
“inúteis”, ou seja, conhecimento puro sem aplicação. Desde 1970, a ciência e
a tecnologia avançada passaram a serem elementos centrais, aqueles que
comandam o ritmo e os rumos das mudanças, socioeconômicas. Hoje, as
novas regiões industriais, aquelas de tecnologia de ponta ou de vanguarda,
localizam-se não mais nas áreas onde existem matérias-primas ─ carvão e
minérios ─, como ocorria nas velhas regiões industriais, mas principalmente
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nas proximidades de importantes centros de pesquisas e de ensino
universitário (VESENTINI, 2000). A despeito de haver certa continuidade entre
as velhas e as novas regiões industriais ─ tais como os casos de Paris,
Londres, Tóquio ou Milão, por exemplo, o importante, lembra o geógrafo José
William Vesentini (2000, p. 142), é ter claro que
[...] não é mais a existência de recursos naturais nem mesmo o mercado consumidor local, e sim as universidades e os institutos de pesquisas que existem nessas áreas. [...] O grande exemplo disso é o Vale do Silício (Silicon Vallery), a 48 km ao sul de São Francisco, no condado de Santa Clara, entre Palo Alto (onde há a Universidade de Stanford, que muitos consideram como impulsionadora desse pólo tecnológico) e San José, na costa oeste dos Estados Unidos.
Portanto, diante dessa realidade, o ensino e a escolaridade da mão de
obra assumem um novo papel, tornando-se elemento importante no processo
de manutenção do modelo produtivo posto pela terceira Revolução Industrial.
Na conjuntura dessa reconversão produtiva, o mercado passa a exigir
formação em nível superior ─ terceiro grau ─ relegando a um segundo plano
a profissionalização das pessoas em cursos de nível médio e de cursos
técnicos. Ainda no raciocínio do geógrafo, aliás, traz discussões contributivas
no que concerne às implicações sociais das mudanças que se verificam no
mundo do trabalho, parece que, ao resgatar o papel da escolaridade, não se
rompe com as perspectivas do capital. Diz ele: As atividades repetitivas, que só
exigem o ensino primário,
[...] e mesmo aqueles de nível médio técnico (ferramenteiro, torneiro mecânico, arquivista, pintos industrial, etc.). São substituídos por máquinas, por robôs, e as tarefas que sobram para os seres humanos exigem alta escolaridade com criatividade e capacidade de pesquisas, de aprender, de ser virar sozinho. [...] O mais importante hoje não é uma formação técnica, e sim uma formação ampla, um conhecimento geral sobre o mundo, uma capacidade de aprender e de inventar outras coisas. Mais importante que saber informações é aprender a aprender, saber pesquisar ou encontrar as informações. Como se vê, o caminho atual de
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desenvolvimento no sentido das indústrias avançadas ou de ponta passa necessariamente por uma mudança e uma maior valorização do ensino. (VESENTINI, 2000, p. 143).
Nesse quadro de transformações sociais, a educação se apresenta
como um campo de disputa hegemônica, na perspectiva de manipular os
processos e os conteúdos educativos, de forma mais ampla, de acordo com os
interesses das classes dominantes. Na visão do poder econômico, a educação
dos trabalhadores deve apenas habilitá-los técnica e ideologicamente para o
trabalho, de forma a atender às demandas de mercado e, ao mesmo tempo,
constituindo-se em verdadeiros nichos de (re)produção das relações
capitalistas. Nessa conjuntura, a educação escolar ─ principalmente a Superior
─ se vê na contingência de se colocar como uma das alternativas voltadas para
atender às demandas de mercado e garantir a qualificação do trabalhador.
Dessa forma, a educação e a qualificação, condições imprescindíveis
para que o ser humano seja constituído como tal, desenvolva a capacidade de
trabalho e, com base nela, satisfaça suas múltiplas necessidades, saem do
plano dos direitos e entram no plano da mercantilização. É preciso, também,
atentar para o fato de que, juntamente com o fetiche do valor, vive-se o fetiche
do conhecimento. A essência do primeiro, de acordo com a análise de Marx
(1989), reside no acobertamento da origem da exploração e do lucro, da
extração da mais-valia. Como a produção não está descolada das outras
relações necessárias à (re) produção da vida nos moldes estabelecidos,
engendra-se, nessas mesmas relações, o fetiche do conhecimento, do saber,
que o reduz à verdade da classe proprietária dos meios de produção, a
burguesia. Nesse contexto, que tem por base a reconversão produtiva, quer
dizer, a passagem da produção baseada na automação rígida para a produção
flexível, é que o mercado faz novos apelos em termos de formação profissional.
É preciso ser polivalente para assumir qualquer posto que se faça necessário.
Baseado neste princípio de multifuncionalidade é deflagrado nas últimas
décadas a teoria das competências, onde o indivíduo precisa desenvolver uma
série de capacidades para se inserir ou se manter no mercado de trabalho.
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2. Modelo das Competências
A partir da década de 80, assistimos surgir um termo que vem ganhando
espaço na fala de agentes de governo e cientistas sociais e que vem, também,
ganhando ressonância nos sistemas de ensino. Ganhou tal força este termo
que se estruturam mudanças e reformas nos sistemas de formação e ensino de
modo a adaptá-los a esta noção que representaria o que há de “moderno” em
formação e educação.
A origem do termo pode estar vinculada às Ciências da Organização
(Deluiz, 1996) ou às Ciências da Cognição (Stroobants, 1997). Associa-se,
ainda, a uma conjuntura de crise do modelo fordista, de globalização da
economia, de contração de empregos e de avanço das políticas neoliberais no
mundo. Surge como fenômeno dependente e associado à precarização e
intensificação do trabalho em escala mundial (Hirata, 1996).
Para Ropé & Tanguy (1997a), a noção de competência não se
caracteriza por um simples modismo, ela constitui-se numa noção “testemunho
de nossa época”, pois ocupa um lugar central na sociedade. A noção surge
associada à de formação, depois a de instrução e educação, mas agora tende
a englobar estes termos (Ropé & Tanguy, 1997a).
Para Deluiz (2001) o modelo das competências profissionais começa a
ser discutido no mundo empresarial a partir dos anos oitenta, no contexto da
crise estrutural do capitalismo que se configura, nos países centrais, no início
da década de setenta. Esta crise se expressa pelo esgotamento do padrão de
acumulação taylorista/fordista; pela hipertrofia da esfera financeira na nova
fase do processo de internacionalização do capital; por uma acirrada
concorrência intercapitalista, com tendência crescente à concentração de
capitais devido às fusões entre as empresas monopolistas e oligopolistas; e
pela desregulamentação dos mercados e da força de trabalho, resultantes da
crise da organização assalariada do trabalho e do contrato social.
As respostas do capital à sua crise estrutural podem ser dimensionadas
pelas reestruturações empreendidas no próprio processo produtivo, por meio
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da constituição das formas de produção flexíveis, da inovação científico-
tecnológica aplicada aos processos produtivos, e de novos modos de
gerenciamento da organização do trabalho e do saber dos trabalhadores. Este
amplo processo de reestruturação teve como objetivos não só reorganizar em
termos capitalistas o processo produtivo tendo em vista a retomada de seu
patamar de acumulação, mas gestar um projeto de recuperação da hegemonia
do capital não só na esfera da produção, mas nas diversas esferas da
sociabilidade, que se confrontasse ao contra-poder que emergira das lutas
sociais e sindicais dos anos sessenta e setenta (Deluiz, 2001).
As novas concepções gerenciais que surgem no bojo desse processo de
reestruturação empresarial estão ancoradas, assim, numa lógica de
recomposição da hegemonia capitalista e das relações capital-trabalho e têm
como objetivos racionalizar, aperfeiçoar e adequar à força de trabalho face às
demandas do sistema produtivo. Na década de 90, o aprofundamento da
globalização das atividades capitalistas e a crescente busca de competitividade
levaram ao "alinhamento definitivo das políticas de recursos humanos às
estratégias empresariais. Incorporando à prática organizacional o conceito de
competência, como base do modelo para se gerenciarem pessoas", apontando
para novos elementos na gestão do trabalho (Ibidem).
O dado “novo” mais visível e importante é o apelo que se faz à
subjetividade do trabalhador, seja sob a denominação de “competência”, ou
seja, como “qualificação social”. Não que o capital não buscasse anteriormente
desenvolver uma ação sobre a subjetividade do trabalhador, a diferença é que
hoje esta busca se coloca no centro das intenções do capital, que busca
desenvolver saberes operacionais e um conjunto de habilidades necessárias
para o trabalho.
A noção de competência não pode estar dissociada de uma situação
real. As formas de uso das competências não permitem que se faça uma
definição a priori, pois elas se apresentam opaca, poliforme e plástica. A
competência está, assim, inseparável da ação e, portanto só pode ser
apreciada e avaliada em uma situação dada (Ropé & Tanguy,1994). Apenas
suas características gerais podem ser buscadas em uma análise que não se
apoie em uma realidade concreta.
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A discussão sobre o enfoque das competências invade o mundo da
educação no quadro de questionamentos feitos ao sistema educacional diante
das exigências de competitividade, produtividade e de inovação do sistema
produtivo. Diante da crise econômica e do triunfo de políticas que restringem os
gastos sociais, a pressão eficientista passa a exigir melhor utilização dos
recursos limitados e a controlar os sistemas educacionais para ajustar os seus
objetivos, conteúdos e produto final às demandas dominantes do mundo do
emprego.
A legislação educacional produzida a partir da Lei nº 9.394/96 – Decreto
n° 2.208/97, Parecer CNE/CEB n° 16/99 (que trata das Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educação Profissional de Nível Técnico) e a Resolução
CNE/CEB n° 04/99 ( que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Educação Profissional de nível Técnico), está calcada no modelo de
Competências. Este é o aspecto central da reforma da educação, presente nos
diferentes níveis de ensino, cujo objetivo foi o de estreitar a relação entre a
escola e o mundo do trabalho.
No Brasil, a matriz teórica do modelo de competência está baseada nas
reflexões de Philippe Perrenoud, que define a noção de competência como “a
capacidade de agir eficazmente em um determinado tipo de situação, e requer
a sinergia de vários recursos cognitivos, entre os quais estão os
conhecimentos” (Perrenoud, 1999, p.7).
As críticas dos educadores à adoção do modelo de competências estão
focadas no caráter ideológico da articulação entre escolaridade básica,
competências e empregabilidade (Machado, 1996); nos riscos da adoção das
competências em oposição à construção da qualificação, tais como:
atendimento exclusivo às necessidades do mercado, a preocupação com o
produto e não com o processo de construção de competência e a ênfase na
individualidade (Deluiz, 1996; 2001) e na concepção de competência cognitivo-
construtivista presente nos documentos curriculares do ensino fundamental,
exteriorizados a partir de uma lista de objetivos comportamentais (Macedo,
2002).
Os currículos baseados em competências valorizam aquelas que são
indispensáveis ao exercício pro9fissional, ou seja, uma formação atrelada de
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tarefas e desempenhos específicos, prescritos e observáveis. Considerando
que existem diferentes matrizes teórico-conceituais que orientam a elaboração
dos currículos (condutivista/behaviorista, funcionalista, construtivista e crítico-
dialética), os Referenciais Curriculares são, por um lado, conceitualmente
construtivista e, por outro, operacionalmente funcionalista (Deluiz, 2001).
No rol dessas contradições conceituais, acontece a reforma educacional
brasileira, sendo a Educação Profissional a mais atingida, uma vez que há uma
mudança de foco. Se antes a ênfase estava na qualificação específica, a partir
de 1996, a ênfase está na laboralidade, justificada pela escassez das formas
tradicionais de emprego, cabendo aos próprios indivíduos outras formas de
trabalho para a sua própria subsistência.
A laboralidade ou a trabalidade, entendida como componente da
dimensão produtiva da vida social e, portanto, da cidadania, é objetivo
primordial da educação profissional. No núcleo dessa modalidade de
educação, está o processo de apropriação da condição ou do conjunto de
condições para produzir benefícios – produtos e serviços – compartilhados
socialmente, e para o acesso desses benefícios em situações
permanentemente mutáveis e instáveis. (MEC, 2000, p. 11)
Muda também o perfil dos trabalhadores impulsionados pelo eixo da
competência. Sendo assim, os Referenciais Curriculares, elaborados para cada
área da educação profissional, oferecem subsídios para a elaboração de
propostas curriculares, a partir dos seguintes itens: delimitação e interfaces;
cenários, tendências e desafios; panorama da oferta de educação profissional;
processo de produção na área; matrizes de referência e indicações para
itinerários formativos. As matrizes de referência – competências, habilidades e
bases tecnológicas gerais da área profissional – foram definidas por
empresários e trabalhadores da área, subsidiando-as em funções e
subfunções.
A formulação deste modelo e sua implementação nos planos e
programas de educação profissional têm, entretanto, ocorrido de forma
diferenciada em função de vários fatores: da ênfase atribuída ao foco no
mercado de trabalho ou no indivíduo; da articulação ou desarticulação entre
formação geral e formação profissional; dos distintos modelos epistemológicos
23
que orientam a identificação, definição e construção de competências
condutivista, funcionalista, construtivista ou crítico; e dos diferentes enfoques
conceituais de competências adotados: centrados no indivíduo e na
subjetividade do trabalhador ou no coletivo de trabalhadores e no contexto em
que se insere o trabalho e o trabalhador. As políticas de educação profissional
do Ministério da Educação (MEC), do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE)
e, mais recentemente, do Ministério da Saúde (MS) são exemplos destas
diferenciações na concepção e na forma de implementação do modelo das
competências para a formação do trabalhador.
A Política de Educação Profissional do MEC objetiva "promover a
transição entre a escola e o mundo do trabalho, capacitando jovens e adultos
com conhecimentos e habilidades gerais e específicas para o exercício de
atividades produtivas". Apesar de entender "a educação profissional, integrada
às diferentes formas de educação, ao trabalho, à ciência e à tecnologia, com o
objetivo de... garantir ao cidadão o direito a permanente desenvolvimento de
aptidões para a vida produtiva e social". O foco da educação profissional são
as novas exigências do mundo do trabalho, explicitadas de acordo com as
áreas profissionais e os perfis de competências estabelecidos nas Diretrizes
Curriculares Nacionais da Educação Profissional de Nível Técnico. As
"aptidões para a vida social" ou a preocupação com a formação ampliada dos
sujeitos, que inclui a dimensão sociopolítica, não são detalhadas e
especificadas na legislação educacional.
Com relação à noção de competências proposta nos Referenciais
Curriculares Nacionais da Educação Profissional de Nível Técnico,
conceitualmente esta se aproxima de uma visão construtivista, compreendendo
as competências e...
...enquanto ações e operações mentais, (que) articulam os conhecimentos (o "saber", as informações articuladas operatoriamente). As habilidades (psicomotoras, ou seja, o "saber fazer" elaborado cognitivamente e socio-afetivamente) e os valores, as atitudes (o "saber ser", as predisposições para decisões e ações, construídas a partir de referenciais estéticos, políticos e éticos). Constituídos de forma articulada e mobilizada em realizações profissionais com padrões de qualidade
24
requeridos, normal ou distintivamente, das produções de uma área profissional. Nessa perspectiva as competências e habilidades são apresentadas como “modalidades estruturais da inteligência. São os esquemas mentais de que nos fala Piaget, constituindo antes um conjunto de potencialidades e possibilidades do que resultados ou desempenhos” (BRASIL/MEC, 2004, p. 3).
É importante ressaltarmos que segundo Piaget o desenvolvimento
cognitivo ocorre por meio da interação do sujeito com o mundo exterior, em um
processo de adaptação constituído por dois pólos: a assimilação e a
acomodação. A assimilação ocorre quando a criança aplica sobre os objetos os
esquemas de que já dispõe ou que já foram adquiridos. A acomodação ocorre
quando o ambiente força o aparecimento de uma nova resposta. Assim, o
sujeito precisa reorganizar os elementos de que dispõe, fazendo variar os
esquemas, ou seja, acomodá-los em função das exigências que o meio lhe faz
(PIAGET, 1976).
Segundo Deluiz, se faz necessário ressaltar a confusão conceitual entre
competências e habilidades. Se, por definição, as competências são operações
mentais que articulam e mobilizam os conhecimentos, as habilidades e os
valores, as habilidades seriam, então, elementos constitutivos das
competências. A identificação das competências, das habilidades e das bases
tecnológicas, feita de forma separada, fragmentada, nas matrizes de referência
das áreas profissionais, converte-se, portanto, em uma incoerência teórico-
metodológica.
Por fim, no que se refere ao enfoque conceitual de competências
adotado pelo MEC, ressalta-se que este está referenciado aos atributos
individuais dos trabalhadores, numa perspectiva subjetivista e cognitivista,
minimizando a dimensão das competências coletivas e sociais.
25
2.1. Mudanças na concepção de organização
escolar
As grandes alterações na organização e administração do trabalho
escolar vêm sendo acompanhadas de um intenso debate, no qual ganham
relevância as propostas de administração democrática, descentralizada e
participativa. Fundamentadas predominantemente em aspectos políticos, tais
propostas combatem o centralismo burocrático, inflexível e ineficaz. Sem
desconsiderar sua validade, o que ocorre na escola extrapola seu campo
específico, expressa desejos e necessidades originados da organização social.
Desta perspectiva, é impossível desvincular as transformações na educação
das alterações na base produtiva, ou seja, das exigências de reorganização do
capital.
Os princípios taylorista e fordista extrapolaram os domínios das fábricas
para invadir e estruturar todas as outras dimensões da vida social,
influenciando também as formas de organização e administração educativas,
caracterizando o que Lima (1994) denomina de “taylorização do trabalho
educativo institucionalizado”. Portanto, a organização escolar, ao responder às
demandas do mundo do trabalho e da vida social, apresenta elementos
comuns às grandes empresas burocráticas: rigidez das leis e dos
regulamentos escritos a serem adotados em todas as escolas; hierarquia
da autoridade; centralização do poder; racionalização; parcelamento do
trabalho pedagógico; especialização e divisão de funções entre planejamento
e execução. Incumbindo os especialistas do planejamento racional do
trabalho educacional, os quais “pensam, programam e supervisionam a
decodificação da programação preestabelecida” (Frigotto, 1984, p. 169), atribui-
se ao professor a tarefa de executar em sala de aula os planejamentos
previamente formulados, cujos conteúdos são selecionados e organizados
seqüencialmente e os critérios de avaliação definidos.
A crise do taylorismo/fordismo iniciada nos anos setenta é acompanhada
da necessidade de uma reestruturação produtiva. O pós-taylorismo/fordismo
caracteriza, então, uma nova forma de regulação (novas formas de gerência e
26
contrato de trabalho) e configuração das relações de trabalho, correspondendo
à globalização da economia e à reengenharia da produção, responsáveis pelo
novo padrão de acumulação capitalista – a acumulação flexível2.
A burocracia, que auxiliou o desenvolvimento da produção no
taylorismo/fordismo, tornou-se um empecilho para a viabilização de respostas
às rápidas mudanças científicas tecnológicas. Às exigências frenéticas do
mercado e, para que o sistema produtivo voltasse a funcionar de maneira
eficiente, foi necessário pensar em uma nova forma de administração. A
autoridade burocrática foi então substituída pela autonomia democrática e por
um novo perfil de gestor: alguém que coordena a tomada de decisões nas
próprias equipes de trabalho.
Em sua trajetória, ao alterar sua produção, o capitalismo altera também
as funções dos homens que dela participam. As exigências de globalização,
inovação e competitividade entre as empresas, ao invés do trabalhador parcial,
excessivamente especializado, com conhecimentos fragmentados e dirigidos
para ocupações bem definidas, compõem um novo perfil, cujas habilidades e
capacidades intelectuais lhe possibilitam adaptar-se à produção flexível. Dentre
as novas competências estão: capacidade de abstração, seleção, interpretação
e processamento de informações; autonomia intelectual, moral e ética; atenção
e responsabilidade; capacidade de comunicação; capacidade de identificar e
resolver com agilidade problemas decorrentes da própria variabilidade e dos
imprevistos produtivos; criatividade; inteligência, capacidade de adquirir visão
de conjunto do processo produtivo; capacidade de assumir múltiplos papéis;
flexibilidade para se adaptar às novas situações; capacidade de gerar
resultados; busca de aperfeiçoamento contínuo; autodisciplina; capacidade de
trabalho em equipe e de liderança.
Em relação à educação, com a descentralização operacional, aumentam
as responsabilidades da escola. A efetividade da administração escolar passa
a ser concebida como resultado da democratização dos processos
administrativos. Ou seja, quanto mais solidária, participativa e democrática,
mas eficiente é considerada a gestão. Na escola, do mesmo modo que na
2 Segundo Harvey (2000, p. 140), “ela se apóia na flexibilidade dos processos de
trabalho, dos mercados de trabalho, dos produtos e dos padrões de consumo”.
27
empresa, o administrador terá que assumir um novo papel, terá de coordenar
os diferentes componentes do sistema educacional na tomada de decisões
conjuntas. Ele torna-se o elemento fundamental do processo participativo no
interior da escola e na sua integração com a comunidade.
Um diretor de escola é um gestor da dinâmica social. Um mobilizador e
orquestrador de atores. Um articulador da diversidade para dar-lhe unidade e
consistência na construção do ambiente educacional e promoção segura da
formação de seus alunos, suas ações tenha em mente o conjunto todo da
escola e seu papel educacional. Não apenas imediato, mas de repercussão no
futuro, em acordo com visão estratégica e com amplas políticas educacionais
(Luck, 2000).
A gestão escolar cumpre um papel fundamental na transformação da
escola. Desde tempos remotos esta tem como finalidade decidir sobre os
rumos da instituição, zela pela mesma tanto no que diz respeito ao seu
patrimônio material como em relação ao imaterial. Defender a instituição junto a
órgãos governamentais ou não, buscar recursos, além de fazer a ponte entre
escola e comunidade, em nosso atual tempo é este sem duvida a maior
responsabilidade além do maior desafio da gestão escolar. Lembramos que por
trás desse valioso objetivos, está o verdadeiro papel da gestão que é favorecer
a aprendizagem dos alunos.
Desse modo é de extrema importância o papel desempenhado pelos
profissionais que a compõe. Nessa "nova ordem escolar", que está ao poucos
se estalando nas escolas brasileiras, denominada gestão participativa. Nessa
não cabe mais ao diretor e os demais gestores as clausuras de seus gabinetes
onde estes enxergavam tudo na vertical, como intocáveis, não se aproximavam
do dia-a-dia escolar e quando o faziam eram para arbitrar sobre questões, as
quais nem sempre tinham conhecimento. Com o advento da gestão
participativa esta realidade está aos poucos sendo alterada, a sociedade está
se voltando para a escola, e dividindo seus desafios e responsabilidades com
seus primeiros responsáveis: professores, alunos e gestores.
O gestor escolar deve atuar como líder, ou seja, formar pessoas que o
acompanhem em suas tarefas e prepará-las para serem abertas às
transformações. Nesse sentido, necessita ter motivação, responsabilidade,
28
dinamismo, criatividade e capacidade de atender às necessidades mais
urgentes. Isso requer um constante aprendizado, para atualizar-se e conhecer
as mais recentes contribuições dos educadores sobre os processos de
capacitação de lideranças educacionais. Sendo assim, “os gestores devem
conscientizar-se de que seu papel na escola de hoje é muito mais de um líder
que de um burocrata. Espera-se dele que assuma a direção como um membro
ativo da comunidade escolar”. (SANTOS, 2002, p. xvi).
É dessa forma que a escola deve ser administrada, uma vez que a
mesma tem que acompanhar a evolução da sociedade global. “As escolas
atuais necessitam de líderes capazes de trabalhar e facilitar a resolução de
problemas em grupo, capazes de trabalhar junto com professores e colegas,
ajudando-os a identificar suas necessidades de capacitação e a adquirir as
habilidades necessárias” (LÜCK et al., 2002, p. 34).
Diferente do que muitos pensam o papel do gestor escolar, não tende a
desaparecer ou a perder seu valor como alguns chegaram a profetizar, pelo
contrario o papel do gestor tende a se ampliar, gerindo novos desafios, novas
responsabilidades alem de uma consolidação dos já existentes. Como Ressalta
Luck (2000; p. 09) "diante dos novos desafios, ganha corpo e importância da
gestão da escola e a atuação dos profissionais que a promovem. Subsidiar a
realização desse trabalho e refletir sobre o mesmo é, portanto, uma tarefa
aberta a contribuições". Outro importante desafio encontrado pela gestão
escolar diz respeito à confecção e implantação do Projeto Político pedagógico
da Escola. Inicialmente de mero caráter político burocrático, para o
reconhecimento da escola, esse que tem por finalidade promover e integrar a
educação e está aos poucos abandonando as gavetas e adentrando no dia-a-
dia da escola. Importante instrumento pedagógico este é considerado por
muitos "o caderno de atividades" do colegiado, já que ele não tem por
finalidade apenas regularizar e oficializar as diretrizes e metas pedagógicas a
serem utilizadas e alcançadas durante o período que abrange. Mas é, este
papel vai mais além, configura-se como um guiar das diferentes estâncias que
funcionam dentro do perímetro escolar. Desde sua confecção o PPP requer a
participação das mais diversas entidades, já que segundo o Ministério da
Educação o mesmo só pode ser validado se contar com a participação dos
29
diversos grupos educacionais seja os formais ou informais. Após o PPP ser
confeccionado sua implantação e desenvolvimentos devem contar com a
participação de todos estes grupos. Acreditamos ser também papel desses
mesmos grupos fiscalizarem a implantação, o desenvolvimento, e os resultados
obtidos pelo PPP, lembrando que após cada ciclo, esses devem se reunir para
avaliar, consolidando os resultados que deram certos e alterando os que não
trouxeram resultados satisfatórios. “Toda essa agitação” serve para
ressaltamos a importância da introdução de pais, professores, alunos e
movimentos organizados dentro da gestão escolar. Cada vez mais pesquisas
confirmam que são fundamentais para a consolidação de uma escola eficiente
as diversas participações. E como já relatamos em nada desvaloriza e
empobrecem o papel dos profissionais que trabalham no gerenciamento
escolar, pelo contrario este profissional tende a se valorizar e se aprimorar, daí
a importância de uma nova postura dos mesmos. Para isso acreditamos ser
necessário a implantações de cursos de extensão para esses agentes alem da
ampliação dos já existentes como o PROGESTÃO (Programa de Capacitação
à Distância de Gestores Escolares). Uma das primeiras mudanças de postura a
qual acreditamos ser indispensável diz respeito à redução da burocracia como
nos relata
Xavier (1996; p. 01) “ a experiência tem demostrado que” uma educação de qualidade não pode ser obtida em sistemas educacionais e escolas envoltos em burocracias lentas e centralizadoras, preocupados expressivamente com normas e regulamentos e com uma estrutura hierárquica que não lhes confere agilidade na solução dos problemas.
Sabe-se hoje, que a escola faz diferença, sim, no desempenho dos
alunos, e que sua adequada gestão é indiscutível para o adequado
atendimento de seus objetivos. “Há provas de que a gestão é uma competência
decisiva da eficácia escolar”. A queda dessa e de diversas outras barreiras
será a nosso ver um grande desafio, para os gestores escola nos próximos
anos. Ainda como afirma
30
Xavier (1996; p.01) "Considerando a gestão dos sistemas educacionais, os fatores que têm sido apontados como essenciais para a qualidade do ensino são: o comprometimento político do dirigente; a busca por alianças e parcerias; a valorização dos profissionais da educação; a gestão democrática; o fortalecimento e a modernização da gestão escolar; e a racionalização e a produtividade do sistema educacional".
Frente a tudo isso a gestão escolar não pode se mantiver estática,
parada no tempo, mais sim atuante, mantendo-se próxima das salas de aulas,
sempre mantendo a ética e a distinção parta interferindo o mínimo possível na
didática dos professores.
31
3. Desafios a Educação
A Educação é um subsistema subordinado e articulado ao
macrossistema social. Sendo assim, as concepções e práticas educativas não
possuem uma realidade autônoma, mas se subordinam a um contexto histórico
mais amplo que condiciona seu caráter e sua direção pedagógica e política. O
processo educativo não é neutro e objetivo, destituído de valores, interesses e
ideologias (FREIRE, 1980). Ao contrário, a educação é uma construção social
repleta de subjetividade, de escolhas valorativas e de vontades políticas,
datada de uma especial singularidade, que reside em sua capacidade
reprodutiva dentro da sociedade. Ela significa, portanto, uma construção social
estratégica por estar diretamente envolvida na socialização e formação dos
indivíduos e de sua identidade social e cultural. Mészários (2002) aponta que a
educação, nesse sentido, pode assumir tanto um papel de conservação de
ordem social, produzindo valores, ideologias e interesses dominantes
socialmente, como um papel emancipatório, comprometido com a renovação
cultural, política e ética da sociedade e com o pleno desenvolvimento das
potencialidades dos indivíduos que a compõe. De fato, a educação, em sentido
mais amplo, enfrenta acentuados problemas de qualidade e não alcançou
patamares desejáveis de democratização. Mészários (2002) destaca que, a
educação institucionalizada que poderia ser uma alavanca para a mudança
tornou-se instrumento do processo de acumulação do capital, servindo tanto ao
propósito de fornecer os conhecimentos. E o pessoal necessário à máquina
produtiva em expansão, só sistema capitalista, mas também gerar e transmitir
um quadro de valores que legitima os interesses dominantes. Em lugar de
instrumento de emancipação humana, agora é mecanismo de perpetuação e
reprodução desse sistema. Na visão neoliberal a crise de qualidade que invade
as instituições escolares deve-se a ausência de um verdadeiro mercado
educacional. Só esse mercado, cujo dinamismo e flexibilidade expressam o
avanço de um sistema escolar rígido e incapaz, pode promover os mecanismos
fundamentais que garantam a eficácia dos serviços oferecidos. A escola vai
mal as pessoas não reconhecem o valor do conhecimento. A critica que precisa
32
ser feita ao contexto atual remete-se a essa estreita vinculação entre educação
e mundo produtivo. Visando preparar o sujeito para viver em um mundo cada
vez mais competitivo, onde o desenvolvimento da “empregabilidade” torna-se
vital e a educação (como bem privado). É vista como um bem de consumo
(passa a ser tratada como um valor de troca) que o cliente, consumidor, irá
adquirir na convicção de que investindo em si mesmo, na sua ascensão social.
A educação é vista como uma mercadoria a ser adquirida proporcionando
acesso a outras mercadorias vendidas no mercado. Nesse sentido, Mészários
(2002, p.47) considera que no âmbito educacional as soluções não podem ser
formais, elas devem ser essenciais:
“o precisa ser confrontado e alterado fundamentalmente é todo o sistema de internalização, com todas as suas dimensões, visíveis e ocultas. Romper com a lógica do capital na área da educação equivale, portanto, a substituir as formas onipresentes e profundamente enraizadas de internalização mistificadora por uma alternativa concreta abrangente”.
O resgate do valor social da escola passa pela recuperação de sua
cidadania no espaço público, por sua inter-relação com outras instituições
sociais e pela profissionalização docente. Ao longo da história, já houve quem
pedisse uma sociedade sem escola, mas, na atualidade, parece que temos
escolas sem sociedade. Situada no âmbito do mercado, a escola perde o seu
referencial de coisa pública e de bem comum, socialmente produzido e que
também deve ser coletivamente desfrutado. Não é sem razão que a escola
passou a ser vista como empresa, o estudante veio a ser compreendido como
cliente e os profissionais da educação foram trazidos à equiparação a
quaisquer outros trabalhadores da iniciativa privada. O slogan “O aluno está
pagando, ele tem direito” evidencia essa operação que se encerra na ênfase ao
mercado e na desfocalização da educação como bem de cidadania. Direitos de
cidadania implicam valorização do bem comum, da coisa pública; direitos cuja
gênese está no ato de pagar levam ao individualismo e à não valorização da
convivialidade em processos de sociabilidade, os quais têm como coração os
33
processos educacionais. Diante do exposto, o desafio apresentado a nós,
profissionais da educação, e à sociedade é o de resgatarmos a cidadania da
escola como uma instituição pública. A iniciativa privada, livre para prestar
serviços educacionais, deveria compreender a educação como uma concessão
que a sociedade lhe faz por meio do Estado, mas que ela, educação escolar,
não pode e não deve ser tratada como as demais mercadorias. Isso implica
menos ênfase no mercado educacional e mais destaque para a escola como
instituição social.
A par do resgate da cidadania da escola no espaço público, outro
desafio que ela tem de enfrentar é o que diz respeito à inter-relação da escola
com a ampla rede de instituições sociais que a circunda. Relacionar-se apenas
com empresas não nos parece saudável, uma vez que ao lado das
organizações privadas existem as igrejas, os sindicatos, a família, os diversos
órgãos estatais, entre tantos outros que poderia lembrar aqui. Se a escola vir a
si mesma como uma instituição social e se articular-se com outras instituições
sociais, então ela terá o que oferecer e receber das esferas econômicas,
política e cultural de nossa sociedade. Essa inter-relação poderá acarretar
ganhos que potencializem a emancipação da sociedade brasileira, e não a sua
subjugação ao mercado voraz e individualizante que parece prevalecer em
nossos dias. É o caso de ver a escola menos como empresa entre empresas e
mais como instituição social entre instituições sociais. Por fim, resta à escola
implementar programas socialmente referenciados no sentido de viabilizar a
profissionalização do magistério. Aí, valem a autonomia funcional, a auto-
regulação e o monopólio na prestação dos serviços educacionais. Sem que os
professores sejam concebidos como profissionais. Mas, fica difícil empreender
uma educação emancipatória e que nos encaminhe rumo à consolidação de
uma sociedade verdadeiramente cidadã, assentada em mecanismos sociais
que garantam mais liberdade, mais justiça, mais igualdade e mais humanidade
a todos que fazemos e sofremos a educação. Em síntese: a escola precisa ter
referencial público, estar institucionalmente articulada e ser conduzida por
profissionais realmente comprometidos com os destinos da nação brasileira
rumo ao desenvolvimento humano, científico, filosófico, tecnológico e cultural,
com vistas para o alcance da soberania nacional.
34
O pressuposto central da educação em Paulo Freire está relacionado à
humanização do ser humano e da sociedade em sentido amplo. O ser humano
é o resultado do processo educativo. A educação é em primeiro lugar processo
permanente de humanização. A humanidade, o ser mais, está essencialmente
relacionada à educação. Educar é lutar contra todas as formas de negação da
vocação ontológica do ser humano: o ser mais e sua humanização. A
educação libertadora está essencialmente comprometida com a mudança
estrutural da sociedade opressiva. A educação autêntica é a que mantém a
reflexão questionadora e a vontade de interferir, transformar este mundo injusto
e desumano. Conscientização, humanização, formação ética e emancipação
perpassam toda a pedagogia de Paulo Freire. Enquanto espaço de formação
humana a educação é essencialmente um processo de conquista e
desenvolvimento da dimensão ética. A razão última de ser do processo
educativo é possibilitar a emancipação pela mediação de uma reflexão crítica
sem perder a vinculação com o ético. Quando a ética é concebida como uma
reflexão crítica destinada a tematizar os critérios que possibilitam superar o mal
e conquistar a humanidade do homem enquanto ser livre.3 Os vínculos entre
educação e ética tornam-se fortíssimos a ponto de podermos dizer que educar
é formar sujeitos éticos tendo em vista a humanização do humano e das
relações sociais. Partimos da idéia que a globalização atual coloca uma série
de desafios a educação de caráter humanista. Principalmente no que se refere
à questão da justiça, o respeito à vida e os direitos humanos. Temos também a
problemática envolvendo o meio ambiente, pois o modelo de desenvolvimento
capitalista de produção e consumo ilimitado de bens materiais, mercadorias
ameaçam o futuro da vida. Presenciamos em termos de convivência humana
um aumento assustador da indiferença, da insensibilidade em relação aos
acontecimentos do cotidiano. Estamos nos acostumando a tudo sem reagir.
Perdemos a capacidade de indignação. Vivemos a cultura do contentamento,
da apatia, da resignação passiva, da submissão a crítica. O fracasso das
grandes utopias criou um sentimento de desencanto. A cidadania é confundida
com a capacidade de consumo. Globaliza-se desejos vendidos como
3 - Cf, Manfredo Araújo de Oliveira. Desafios éticos da Globalização. P. 10.
35
necessidades. A ética não resiste aos nossos desejos de sucesso e nossas
ambições materiais. Cresce a intolerância e a incompreensão. A solidariedade,
a cooperação entre as pessoas é uma espécie de desvio de conduta. Vivemos
em um mundo agonizante, decadente, marcado pela violência e pelo horror.
Frente a tal quadro é possível produzir encantamento, esperança; falar em
humanismo; pensar um futuro diferente? A globalização não só incentiva como
julga ser natural a competitividade (eliminar o concorrente). A competitividade
tem a guerra como norma. Isto produz não só a violência sem limites como
também a ausência de compaixão, de solidariedade. Valoriza-se muito o ato de
consumir através de uma publicidade que manipula e oculta a verdade sobre
os fatos, a realidade.
Talvez, a dimensão mais perversa do atual modelo de globalização,
além do assustador aumento da pobreza e da exclusão, seja o discurso que o
legitima como o melhor dos mundos, o único caminho possível frente ao qual é
impossível buscar alternativas. Fala-se da morte da História, do
desaparecimento das utopias, das ideologias. O que se pretende na verdade é
domesticar o futuro; negar qualquer possibilidade de mudança, de esperança.
É contra esta ideologia ou visão de mundo fatalista, determinista que nos
é apresentada pelo discurso hegemônico dominante que Paulo Freire irá tomar
firme posição no sentido de condenar o que ele chama de “ética do mercado” e
propor a “ética universal do ser humano”. A verdadeira humanização só é
possível a partir da ética do ser humano. Não podemos aderir ao discurso
sedutor e manipulador da globalização causadora de tantos sofrimentos a
diferentes pessoas em todas as partes do mundo. “O discurso ideológico da
globalização procura disfarçar que ela vem robustecendo a riqueza de uns
poucos e verticalizando a pobreza e a miséria de milhões. O sistema capitalista
alcança no neoliberalismo globalizante o máximo de eficácia de sua malvadez
intrínseca”.4
A educação humanista-libertadora deve posicionar-se radicalmente
contra a ditadura do mercado, fundada na perversidade de sua ética do lucro.
O capitalismo e sua lógica de acúmulo ilimitado de riquezas e o conseqüente
4 - FREIRE, Paulo. Globalização Ética E Solidariedade. In. Desafios da Globalização.
P. 248.
36
aumento da exclusão, do empobrecimento está gerando um sentimento de
revolta e mal-estar em vários setores da sociedade. “A minha luta contra o
capitalismo se funda aí, na sua perversidade intrínseca, na sua natureza anti-
solidária”. 5
A sensação que temos é de algo muito errado, equivocado em nossa
trajetória. Percebemos em meio a tanto progresso e produção de riqueza (e
pobreza) um mundo agonizante, caótico. O aspecto positivo de tudo isto é que
cada vez mais (apesar de toda a manipulação que sofremos diariamente),
cresce a consciência da incompatibilidade do sistema capitalista com a idéia de
uma humanidade solidária, inclusiva e humana. Mas para que esta mudança
aconteça se faz necessário a “união e a rebelião das gentes contra a ameaça
que nos atinge, a da negação de nós mesmos como seres humanos,
submetidos à ferocidade da ética do mercado”. 6
O compromisso da educação é a defesa permanente dos interesses
humanos. Não podemos ser educadores humanistas e ao mesmo tempo
aceitar ou nos submeter a uma economia que explora que coisifica as pessoas
e personaliza o dinheiro. A defesa da dignidade humana só é possível se nos
mantiverem fiéis à ética universal do ser humano que carrega no seu cerne a
incondicional valorização da justiça, da solidariedade, da democracia. O valor
do ser humano é absoluto. Devemos organizar a sociedade, a economia, o
comércio partindo do ser humano e não o contrário. “A liberdade do comércio
não pode estar acima da liberdade do ser humano”.7 O que se vê na
globalização pautada pelos interesses do lucro é uma absoluta liberdade para
as mercadorias (principalmente se elas são produzidas pelos países ricos) e
muitas restrições à liberdade das pessoas. Como as pessoas que migram dos
países pobres são tratadas nos países ricos?
A educação libertadora deve renunciar criticar e mostrar a falácia de
todos os discursos deterministas ou fatalistas que procuram justificar a
realidade histórica (produzida pelos seres humanos). A história, os
acontecimentos, o que se passa no mundo das relações humanas, é o
5 - FREIRE, Paulo. À Sombra Desta Mangueira. P. 70. 6 - Idem, ibidem. P. 249. 7 -Idem, ibidem. P. 249.
37
resultado das nossas ações. Portanto, podem ser alteradas, transformadas.
Basta para que isso aconteça vontade, consciência e força política. “O
desemprego no mundo não é uma fatalidade. É antes o resultado de uma
globalização da economia e de avanços tecnológicos a que vem faltando o
dever ser de uma ética realmente a serviço do ser humano e não do lucro e da
gulodice irrefreada das minorias que comandam o mundo”.8
Só há progresso autêntico quando os interesses humanos são
preservados. Quando há um desenvolvimento humano que culmina em
relações pautadas pela justiça, solidariedade e respeito à vida. Os avanços
tecnológicos que trazem conseguem o desemprego representa, numa ótica
humanitária, um tremendo retrocesso, pois não geram bem estar, felicidade,
mas desesperança e sofrimento. Não podemos ficar acomodados diante de um
sistema que produz cada vez mais riqueza sem a necessidade de trabalho vivo
(força humana). No sistema capitalista estamos percebendo que cresce a
riqueza produzida, mas aumenta o desemprego e a exclusão social. “A
aplicação de avanços tecnológicos com o sacrifício de milhares de pessoas é
um exemplo a mais de quanto podemos ser transgressores da ética universal
do ser humano e o fazemos a favor de uma ética pequena, a do mercado, a do
lucro. Entre as transgressões à ética universal do ser humano, sujeitas à
penalidade, deveria estar a que implicasse a falta de trabalho a um sem-
número de gentes, a sua desesperação e a sua morte em vida”.9 A tecnologia
não deve ser vista como a redentora da humanidade nem como a culpada por
todos os males. Precisamos adotar o critério da ética do humano em termos
práticos e ver quando ela é usada para nos beneficiar (a todos) e quando ela
atende aos interesses financeiros (lucro) de uma minoria. A partir da ética
devemos repensar a finalidade do conhecimento científico e seu sentido para a
vida humana. Precisamos caminhar em direção a um desenvolvimento
socialmente justo, economicamente viável e ambientalmente sustentável.
Em um mundo globalizado, a educação com a marca do humano,
orienta-se no sentido de ampliar, fortalecer e aprofundar as vivências
democráticas nas diferentes sociedades. A democracia só é efetiva quando se
8 -Idem, ibidem. P. 249, 250. 9 -Idem, ibidem. P. 250.
38
realiza em um clima de respeito, reconhecimento e promoção dos direitos
fundamentais. Democracia sem justiça é uma grande falácia. Por isso, nossa
luta contra todas as formas de injustiças deve ser permanente. Além disso,
deve-se despertar o senso de justiça. É necessário ter coragem de denunciar
as injustiças do atual sistema. Não é permitido que a educação com o caráter
libertador sonegue o debate em torno do tema da justiça. Formar pessoas
apaixonadas pela política e pelas causas coletivas (sem abandonar a ética e os
princípios que devem acompanhar a pessoa pública). Lutar contra a ideologia
fatalista que procura justificar o que esta aí. “Sociedades não são, estão sendo
o que delas fazemos na História, como possibilidade”.10
Acreditar nas possibilidades do ser humano e na sua capacidade de
construir espaços éticos e justos. “O ser humano se revela como
permanentemente para além do simplesmente dado, na direção de um
horizonte mais vasto. Ele está sempre em um mundo, mas não está preso a
ele, e a pergunta o situa na esfera do aberto, da tarefa constante de sua
autoconstrução. Por essa razão, nenhuma realidade sócio-histórica pode, em
princípio, levantar a pretensão de ser o espaço definitivo da vida humana, pois
tudo pode ser ultrapassado pela crítica. O verdadeiro chão da vida humana é o
espaço da possibilidade de um futuro a ser construído a partir do mundo
histórico que o gerou: o ser humano é, sempre, dado e tarefa, necessidade e
liberdade”.11
A globalização atual com todos seus efeitos negativos pode ser
substituída por outra globalização onde o ser humano e não o capital seja a
prioridade. Precisamos lutar pela globalização dos valores éticos, dos direitos
das crianças, dos direitos humanos, da paz, da justiça, do respeito à diferença.
Globalizar a compreensão, a ciência, os benefícios da modernidade; globalizar
a democracia, o acesso à cultura e a educação, pois ser analfabeto numa
sociedade sob a era da informação reforça a exclusão. A educação libertadora
é incompatível com a submissão a crítica da realidade e a negação efetiva dos
direitos elementares. “Uma educação para a liberdade só poderá ser radical
quando for capaz de unificar na diferença a conquista da justiça social e a
10 -FREIRE, Paulo. À Sombra Desta Mangueira. P. 39. 11 - OLIVEIRA, Manfredo Araújo De. Desafios Éticos da Globalização. P. 280.
39
conquista da justiça ecológica”.12 É urgente humanizar a globalização. É
necessário afirmar que a dignidade das pessoas, o respeito a vida, sua
preservação é anterior ao capital. Deve-se sacrificar o capital em nome do
humano e não o contrário.
3.1. PDE COMO FERRAMENTA GERENCIAL
A principal qualidade da escola pública é o seu caráter democrático.
Como direito de todos e dever do Estado, ela possibilita as amplas camadas da
sociedade o acesso aos bens culturais acumulados ao longo da história,
socializando a cultura e democratizando a sociedade. A reforma educacional
brasileira traz como proposta do Banco Mundial para Gestão da escola o (PDE)
Plano de Desenvolvimento da Escola que visa: “aumentar o desenvolvimento
da escola por meio de um planejamento eficaz” (Brasil, MEC/PDE 1998).
Baseado em um modelo empresarial de administração, o manual do
PDE “foi concebido para com o objetivo de auxiliar a equipe escolar na tarefa
de transformação das escolas em escolas eficazes, de qualidade”. Uma vez
que apresenta sugestões de organizações e de operacionalização das
diferentes etapas propostas, pretendendo ser um guia das ações estratégicas
das instituições escolares para que se estabeleça:
“o patamar de desenvolvimento que pretendem alcançar, num determinado prazo, mediante um conjunto de objetivos estratégicos metas e planos de ação, com responsabilidade, prazos e custos definidos” (Brasil, MEC/PDE 1998).
Implementado nas escolas publicas estaduais o PDE apresenta-se como
“processo gerencial de planejamento estratégico, coordenado pela liderança da
12 - Ibidem. P. 290.
40
escola e elaborado de maneira participativa pela comunidade escolar” (Brasil,
MEC/PDE 1998).13
O Plano de Desenvolvimento da Escola, (PDE) foi criado para atender
objetivos do programa FUNDESCOLA (Fundo de Desenvolvimento da Escola),
de conformidade com o Acordo de Empréstimo número 4311BR com o Banco
Mundial, no âmbito do projeto BRA 98/011 do PNUD – Programa das Nações
Unidas Para o Desenvolvimento.
O PDE é entendido como o “carro-chefe” do Fundescola, uma vez que
assinala uma ênfase na “escola com foco no aluno”. Nesse processo, a escola
é tida como responsável pela melhoria da qualidade de ensino e o projeto visa
modernizar a gestão e fortalecer a autonomia da escola. O PDE define o que é
a escola, o que ela pretende fazer, onde ela pretende chegar, de que maneira e
com quais recursos.
O PDE compõe-se de duas partes: visão, que é uma estratégia onde a
escola expressa a percepção que ela tem do seu passado, do seu momento
atual e do direcionamento do futuro. Na visão estratégica a escola identificar os
valores, visão de futuro, missão e seus objetivos a serem alcançados num
período de 2 a 5 anos. O Plano de suporte definiu-se, a partir das metas e
planos de ação.
O PDE (Plano de Desenvolvimento da Escola) dá origem ao PME
(Projeto de Melhoria da Escola), que é o instrumento que viabiliza o repasse de
recursos diretos para a escola o financiamento de algumas metas e ações
contidas no PDE e previstas para execução no primeiro ano de vigência do
plano. As metas e ações selecionadas para serem financiadas com os recursos
do FUNDESCOLA, ou financiadas conjuntamente com recursos do
FUNDESCOLA e das Secretarias Estaduais ou Municipais de Educação,
constituem o PME. As metas e ações devem estar prioritariamente,
relacionadas a objetivos e estratégias que visem à melhoria dos processos
pedagógicos dentro da escola e, conseqüentemente, à melhoria do
desempenho dos alunos.
13 LIBÂNIO, José Carlos. Educação Escolar: Políticas, estrutura e organização
41
O PDE serve para auxiliar a escola a se organizar de maneira eficiente e
eficaz, com a melhor concentração de esforços e recursos para reverter:
• Os altos índices de repetência;
• Os altos índices de abandono;
• A má qualidade da aprendizagem;
Para a implantação do PDE nas escolas é necessário seguir algumas
normas, que são coletar e analisar dados sobre a escola e seu desempenho,
usando questionários que estabeleçam:
• Perfil de funcionamento da escola, análise e eficácia escolar.
Após a análise de dados que devem constar os seguintes
indicadores: índice de aprovação, reprovação e abandono,
disciplinas com baixo desempenho por série, turma e turno, faz-se
análise de fatores determinantes da eficácia escolar que são
efetividade do processo de ensino aprendizagem, envolvimento
dos pais e da comunidade, gestão participativa, instalações e
materiais, defini-se a visão estratégica e o plano de suporte
estratégico da escola, que constituem o corpo da PDE. É quando
a escola define não só o que vai fazer (objetivo) e para quem
(clientes ou beneficiários), mas também como vai fazer.
• A visão estratégica da escola expressa a percepção que ela tem
do seu passado, do seu momento atual e do direcionamento do
seu futuro, a visão estratégica serve para dá unidade aos
esforços que a escola realiza para melhorar a qualidade dos
serviços educacionais que presta. Cria condições para a
transformação de idéias em realidade. Permite que todos os
esforços que a escola realiza, em qualquer área administrativa,
pedagógica, de apóio aos alunos, de gestão, de relações com os
pais e com a comunidade, de infra-estrutura.
Ainda, os elaboradores do PDE contam o valor do recurso a ser repassado
para a escola é de acordo com o número de alunos matriculados no Ensino
Fundamental. A escola aplicará esses recursos distribuindo-os em 40% para
despesas de capital e 60% para custeio. Com o aporte direto e imediato
42
propiciado por atores situados na estrutura administrativa local do Programa.
As escolas ingressantes também formaram seus Grupos de Sistematização,
tendo estes recebidos capacitação dos Orientadores de Gestão. Na
Preparação, enfatizou-se o “Produto PDE”. Considerava-se importante que a
divulgação do PDE, para a comunidade escolar interna e externa, fosse
realizada de maneira criativa e atrativa, a fim de criar um clima de “motivação”
e “comprometimento” com o trabalho. Um planejamento diferente foi
apresentado à comunidade escolar e, ainda, acompanhado de recursos
financeiros que proporcionariam a viabilização de ações para a aquisição de
materiais. Nesse sentido, o comprometimento com o trabalho foi selado com a
assinatura da “Carta de Adesão” na qual a escola se comprometeu em elaborar
e executar o PDE, conforme orientações do FUNDESCOLA. A assinatura
dessa carta formalizou o compromisso e, por outro lado, implicou na aceitação
da ideologia que acompanha as políticas setoriais segundo diretrizes do Banco
Mundial. Convém ressaltar que, na capacitação, as concepções teóricas
metodológicas que fundamentam o “Produto PDE” não são postas para
discussão e análise. Na etapa de preparação, as escolas tiveram diferentes
procedimentos. Desde a divulgação com festas, faixas, camisetas, até a
inevitável necessidade de informar à comunidade escolar sobre o “Produto
PDE” e solicitar a participação de todos, através de reunião. A etapa de Análise
Situacional compreendeu três questionários. O questionário 1, Perfil e
Funcionamento da Escola, permitem o levantamento de dados numéricos e
estatísticos e a análise dos projetos desenvolvidos pela escola. Nessa análise,
as escolas chegaram a conclusões tais como: “não fazemos registros de
nossas ações”, “temos vários projetos, mas nenhum tem resultados
significativos”, “precisamos rever os objetivos dos projetos” ou “nossos projetos
têm dado bons resultados na aprendizagem”. O questionário 2, Análise dos
Fatores Determinantes da Eficácia Escolar, contempla os seguintes fatores:
efetividade do processo ensino aprendizagem; clima escolar; envolvimento dos
pais e da comunidade; desenvolvimento do patrimônio humano e gestão
participativa de processos. Nesse questionário, a equipe escolar discutiu e fez
auto-análise norteada pelos requisitos e características correspondentes a
cada fator, avaliando-se com pontuação numa escala de um a cinco. Dentro da
43
escala de um a cinco, as pontuações quatro e cinco significam que a escola
não tem problemas como reprovação e abandono, ou já possui ações
estratégicas para resolvê-los. Sendo assim, é considerada uma escola eficaz.
Cabe ressaltar que, segundo os autores do manual de orientação do “Produto
PDE”, estudos realizados no Brasil e no exterior apontam os fatores não-
reprovação e não-abandono como características principais de uma escola
eficaz e de qualidade. Na seqüência, no trabalho com o questionário 2, as
escolas tiveram procedimentos e reações diversas. Algumas delas envolveram
todos os segmentos da escola, principalmente, quando os fatores que
deveriam ser trabalhados para a melhoria da escola, estavam a estes
segmentos relacionados. Outras trabalharam entre professores, direção e
coordenação pedagógica. Em relação ao conteúdo de tal questionário, a maior
dificuldade estava em compreender o significado da pontuação sob a ótica da
metodologia do “Produto PDE”. Diversos foram os entendimentos das escolas:
uma pontuação baixa “prejudicaria o diretor ou perderiam o financiamento”;
pontuar-se baixo significava “desmerecer nosso trabalho” etc. Várias escolas
atribuíram-se quatro e cinco pontos, ignorando os dados estatísticos que
apontavam problemas de reprovação, abandono, distorção idade-série. As
reações manifestas de descontentamento vieram mais da parte dos
professores. Alguns demonstraram indignação diante dos dados estatísticos
insatisfatórios na série ou disciplina que trabalhavam e outros revelavam o
desejo e a disposição em buscar alternativas para melhorar. Também havia
aqueles que não se envolviam nas discussões. O questionário 3, Avaliação
Estratégica da Escola, foi respondido apenas pelo GS (Grupo de
Sistematização). Segundo os documentos do “Produto PDE”, esse instrumento
capta a percepção sobre as variáveis que afetam ou podem afetar o
desempenho da escola. Consiste na análise daquilo que o “Produto PDE”
denomina de variáveis, sendo variáveis do ambiente interno forças e fraquezas
e variável do ambiente externo oportunidades e ameaças (Matriz FOFA).
Estabelecidas as variáveis, o GS faz a interação entre elas na tentativa de
obter indicadores das possibilidades e dos limites para traçar as ações. No
geral, as escolas tiveram mais dificuldades em encontrar as forças e
oportunidades. As forças, definidas como aquilo que a escola executa bem, são
44
perpassados por certos princípios, valores, comportamentos que os GS tiveram
dificuldades em “extrair” do seu contexto escolar. Buscavam, então, “encaixar-
se” aos exemplos do manual. O mesmo aconteceu na definição das
oportunidades. Um item bastante utilizado foi o das parcerias, inclusive,
concretizadas na execução. Quanto às ameaças (ou riscos), o manual do
“Produto PDE” coloca que elas são situações externas que podem afetar ou
não a escola. Se detectadas a tempo, podem ter seus impactos minimizados.
Interessa destacar que foram consideradas como ameaças, a partir de
exemplos extraídos do manual do “Produto PDE”, situações como: baixa renda
familiar; desvalorização do magistério; greves; baixo nível de preparação dos
alunos que ingressam na escola etc.
Uma lógica asséptica, preventiva, de minimização de custos, implícita na
mediação técnica, levou a escola pública situada em espaço urbano marcado
pela pobreza e miséria de toda ordem, a considerar a realidade de seu aluno
como uma “ameaça”, um “risco” para seus objetivos de (ou em prol do)
“desenvolvimento organizacional”. Induzida a perseguir eficiência e eficácia
como requisitos de qualidade organizacional, essa escola deixou de
reconhecer-se como sujeito político capaz de concorrer para a transformação
de tal realidade ao privilegiar valores de outra ordem. 14
Em lugar de perceber necessidades na inter-relação escola
(organização) e alunos concretos (obviamente não-clientes), os protagonistas
do PDE quedaram-se a soluções, com vistas a reduzir o impacto de uma dura
realidade sobre o induzido desenvolvimento organizacional a que se submetem
como esperança de melhoria no financiamento da escola.15
Com isso, os sujeitos que fazem a escola concreta, em seu cotidiano,
são afastados da idéia de que a qualificação dessa escola faz parte,
necessariamente, de um processo mais amplo e complexo de qualificação da
sociedade e da vida humana. Tudo se reduz ao poder da técnica de planejar
estrategicamente, a partir de um entendimento de que a qualidade da escola
14 FERNANDES, Maria Dilnéia Espíndola - UFMS/Campus Dourados/DED/CCHS
15 Ibidem
45
decorrerá da adoção de novos padrões de gestão da educação (FREITAS,
1997).
Ao final de cada questionário, há uma ficha-resumo que tem por objetivo
sintetizar suas informações, extraindo os pontos “críticos para o sucesso da
escola” e fazendo uma seleção daqueles pontos que deverão ser “atacados”. É
importante sublinhar que, para o preenchimento da ficha-resumo do
questionário 2, o manual do “Produto PDE” define o quantitativo de fatores,
requisitos e características que devem ser atacados prioritariamente (no
máximo três). Porém, mais interessante é a obrigatoriedade quanto à presença
dos fatores efetividade do processo ensino aprendizagem e resultados, ficando
o terceiro fator para a escola definir.
Realizado o diagnóstico da escola, o GS passou a trabalhar na terceira
etapa: Definição da Visão Estratégica e Plano de Suporte Estratégico da
escola. Conforme o manual do “Produto PDE”, através da Visão Estratégica a
escola “expressa o conhecimento que tem de si mesma: seus êxitos, seus
fracassos, suas potencialidades, suas limitações, suas certezas e os caminhos
que pode e quer percorrer” (p.122). Consiste na definição de Valores, Visão de
Futuro, Missão e Objetivos Estratégicos.
Aos moldes de uma empresa, o “Produto PDE” recomenda que a Visão
Estratégica seja exposta para o conhecimento de todos e também para criar o
propósito coletivo, em torno dos objetivos definidos. Diante disso, as ações das
escolas se voltam para onfecções de banners, murais, faixas, pinturas etc, com
o objetivo de divulgar amplamente sua Visão Estratégica. Estas ações de
divulgação da Visão Estratégica da escola, cabe ressaltar, foram financiadas
pelo “Produto PDE”. A elaboração do Plano de Suporte Estratégico foi um
momento de muito trabalho intelectual e técnico – ressalta-se, mais técnico do
que intelectual. Trata-se da definição, a partir dos Objetivos Estratégicos de
estratégias, metas e ações. Coube ao GS, acompanhados pelo Orientador de
Gestão, trabalhar na definição das estratégias e metas.
As estratégias são de natureza qualitativa, emanam dos objetivos
estratégicos e devem apontar os caminhos alternativos para alcançar tais
objetivos estratégicos.
46
As metas são de natureza operacional, quantitativa e passível de
mensuração através de indicadores que o “Produto PDE” define. Segundo o
manual do “Produto PDE”, as metas diferem das ações de rotina da escola.
Enquanto a rotina é normalmente realizada por um mesmo setor da escola,
num processo contínuo e com resultados diversos, as metas têm começo, fim e
resultados bem definidos e podem ir além de uma área ou setor.
Após a elaboração das metas foi concluída a estrutura gerencial do
âmbito escolar, com a definição dos nomes dos líderes de objetivos, gerentes
de metas e equipes dos planos de ação. Cada gerente de meta trabalhou com
uma equipe responsável em elaborar e executar as ações. Nesta perspectiva, o
Plano de ação é o desdobramento das metas em ações. Assim, as ações
devem ter um encadeamento lógico para o alcance da meta, que por sua vez
deve ser coerente com a estratégia a fim de alcançar o objetivo estratégico.
Uma observação importante nessa fase de elaboração dos planos de
ação foi a evidência de um maior desgaste das pessoas envolvidas no
processo, tendo em vista o grau de dificuldade imposto pelos aspectos técnico-
metodológicos, cuja qualidade cabe aos técnicos ligados ao PDE garantir.
No intuito de ilustrar a rigidez da técnica, transcreve-se, a seguir, trechos
das “Instruções para o preenchimento do quadro Desdobramento das Metas
em Plano de Ação”, contidas no manual do “Produto PDE” (p.159).
1. [...] As ações devem ser enunciadas com verbos no infinitivo e ter expressão
quantitativa. Assim, por exemplo, uma ação poderia ser “Treinar 05
professores em português”.
2. [...] para cada ação deve ser informada a data de início e de término da
execução.
3. [...] Para cada ação deve ser informado o nome do responsável. [...] O
responsável é a pessoa que responde pela execução da ação mas não
necessariamente é o executor direto da ação.
4. [...] informar o resultado que se espera da ação. Os resultados esperados devem
ser enunciados com verbos no particípio passado e ter conteúdo quantitativo. O
resultado esperado da ação acima seria “05 professores de português
treinados”.
5. [...] informar a medida utilizada para verificar o cumprimento de cada ação. No
exemplo acima [...] o indicador seria: [(Nº de professores de português
treinados/Nº de professores de português a serem treinados) x 100]. O
resultado dessa medida seria um percentual.
47
6. [...] deve-se informar o custo de cada ação. Os custos podem ser de capital ou
de custeio.
7. [... ] informar quem vai arcar com o custo da ação (escola, Secretaria,etc).
As etapas de Execução e Acompanhamento do plano são
concomitantes. À medida que as ações são executadas, uma série de reuniões
é realizada para monitorar o andamento do PDE. Conforme o manual do
“Produto PDE”, não é possível controlar sem informações que permitam
comparar o que foi previsto e o que está sendo feito. Para tanto, cada membro
da equipe e da estrutura gerencial deve ter controle sobre seu próprio trabalho.
Também devem informar aos superiores, na hierarquia estrutural, o andamento
dos trabalhos.
No manual do “Produto PDE”, também estão prescritas as orientações
quanto às reuniões e sua freqüência, apresentadas a seguir:
• Pelo menos uma reunião por mês do Grupo de sistematização; • Uma reunião por semana entre o coordenador do PDE e cada líder de objetivo; • Uma reunião por semana de cada líder de objetivo com os gerentes das metas de melhoria do
seu objetivo; • Pelo menos uma reunião por semana de cada gerente de meta de melhoria com a sua equipe; • Sempre que necessário entre os membros das equipes dos planos de ação (p.169).
Os registros das reuniões são feitos em ata e, ao final de cada mês, um
relatório com formulário específico é preenchido pelo gerente de meta e
entregue ao GS. Todos esses registros são verificados pelos orientadores de
gestão responsáveis pelo acompanhamento constante às escolas.
Na fase de execução, um dos motivos de reclamações e dificuldades,
por parte das escolas, está em realizar tantas reuniões e registros. Segundo
orientadores de gestão do PDE, isto acontece porque as escolas não
“incorporaram” a metodologia do Plano de Desenvolvimento da Escola e o
encaram como um trabalho a mais. Para as escolas, trata-se de muita
burocracia que exige dos profissionais trabalho extra, uma vez que não é
possível reunir as equipes em horário de aula, por exemplo.
Sobre o diagnóstico, lembrando que todas fazem seu diagnóstico a partir
de um mesmo referencial e a experiência mostrou que as conclusões são
semelhantes, algumas escolas afirmam que este contribuiu no sentido de
48
admitirem que análises mais pontuais sobre questões problemáticas da escola
precisam ser feitas e, também, definir com maior clareza o que deve ser feito.
Os recursos do PDE proporcionaram às escolas a aquisição de
materiais, necessários para subsidiar o trabalho pedagógico, como: livros de
literatura, materiais didático-pedagógicos, equipamentos audiovisuais,
realização de capacitações, entre outros. Em relação às capacitações, a
princípio, as escolas entenderam ser positivo o fato de poderem definir seu
conteúdo e de ser realizada no próprio ambiente de trabalho.
Cabe ressaltar, por último, que o modelo de gestão do PDE retira
aportes teóricos particularmente das teorias Neoclássica, da Administração por
Objetivos e do Desenvolvimento Organizacional.
49
CONCLUSÃO
Vivemos em um momento social e histórico marcados por uma notável
multiplicação de riscos naturais e tecnológicos e pela permanente sombra da
incerteza, ambos característicos da modernidade avançada.
Como vimos ao longo do texto, vivemos diante de opções por modelos e
de educação mais reprodutivistas ou mais emancipatória. Portanto, é
necessário, conhecer as opções de que dispomos e as implicações que cada
uma delas representa para o presente e para o futuro. Trabalhar para
conservar ou transformar a realidade é um arbítrio e um direito que a vida ainda
nos reserva, mas que seja uma escolha consciente do significado que cada
uma das alternativas representa. Por fim, resgataremos três pensamentos da
área da educação. “A educação é um ato político” (PAULO FREIRE), posto que
constrói por meio das relações sociais e pedagógicas a base instrumental, a
consciência política e a capacidade crítica, na busca permanente e dinâmica
da sociedade que desejamos; “Ninguém educa ninguém, ninguém educa a si
mesmo, os homens se educam entre si, em comunhão pelo mundo”. (PAULO
FREIRE), posta que a educação é um processo permanente que se dá ao
longo da vida de cada pessoa, realizando na interação os indivíduos que
permeiam as relações humanas e “A educação é um ato de amor” (RUBEM
ALVES), pois resulta do compromisso social e do respeito a si mesmo, ao outro
e a vida, movido que é pela paixão de viver e pelo sentimento de pertencimento
ao planeta.
50
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____.Como elaborar o Plano de Desenvolvimento da Escola;
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54
ÍNDICE
FOLHA DE ROSTO 2
AGRADECIMENTO 3
DEDICATÓRIA 4
RESUMO 5
METODOLOGIA 6
SUMÁRIO 7
INTRODUÇÃO 8
CAPÍTULO I
1. MUDANÇA DE PARADIGMA NO MUNDO DO TRABALHO 10
1.1. O PROCESSO DE ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO 12
CAPÍTULO II
2. O MODELO DE COMPETÊNCIAS 19
2.1. MUDANÇA DE CONCEPÇÃO DE ESCOLA 25
CAPÍTULO III
3. DESAFIOS À EDUCAÇÃO 31
3.1. PDE COMO FERRAMENTA GERENCIAL 39
CONCLUSÃO 49
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 50
ÍNDICE 54