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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO
DIRETORIA DE PROJETOS ESPECIAIS CURSO DE PÓS – GRADUAÇÃO LATU SENSU
EM PSICOPEDAGOGIA PROJETO ”A VEZ DO MESTRE”
O ESPAÇO DO DESENHO E SUAS IMPLICAÇÕES
NO DESENVOLVIMENTO INFANTIL
por
ANA PAULA LEMOS DA CUNHA
PROF. ORIENTADORA: DIVA NEREIDA M.M.MARANHÃO
RIO DE JANEIRO
fevereiro/2003
UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO E
DESENVOLVIMENTO DIRETORIA DE PROJETOS ESPECIAIS
CURSO DE PÓS – GRADUAÇÃO LATU SENSU EM PSICOPEDAGOGIA
PROJETO ”A VEZ DO MESTRE”
O ESPAÇO DO DESENHO E SUAS IMPLICAÇÕES NO
DESENVOLVIMENTO INFANTIL
Monografia apresentada com requisito parcial para conclusão do curso de Pós-graduação Lato Sensu em Psicopedagogia para a disciplina de Metodologia de Pesquisa. Por: Ana Paula Lemos da Cunha Prof. Orientadora: Diva Nereida M. M. Maranhão
RIO DE JANEIRO
fevereiro/2003
AGRADECIMENTOS
• À orientadora Diva Nereida M. M. Maranhão, que colaborou com sua
experiência, dedicação e paciência para a realização deste trabalho. A minha
gratidão é procurar manter acesa a chama da sabedoria que me foi transmitida e,
desta forma, perpetuá-la.
• Agradeço à Deus pela oportunidade de estar alcançando mais um objetivo
da minha vida e à minha família, principalmente minha mãe, procuro entre as
palavras aquelas que eu gostaria que seu coração ouvisse do meu. E só encontro
uma simples palavra sincera: Obrigada!, pela força que incentivou a livre escolha
profissional.
ii
DEDICATÓRIA
• Dedico este trabalho a meu esposo Marcus, pelo seu companheirismo e
respeito mútuo, pois pelas horas dedicadas a este trabalho deixei de estar com
ele. Sempre me apoiando para que completasse este percurso, realizando mais
uma conquista, não bastaria um muitíssimo obrigado.
• E assim, dedico à todos que diretamente ou indiretamente acreditaram no
meu esforço e na minha formação.
iii
“O ser humano é o mais complexo, o mais variado e
o mais inesperado entre todos os seres do universo.
Relacionar-se com ele, lidar com ele, haver-se com
ele é, por isso, a mais emocionante das aventuras.
Em nenhuma outra, assumimos tanto o risco de nos
envolver, de nos deixar seduzir, arrastar, dominar,
encantar...”
(J. A. Gaiarsa)
iv
METODOLOGIA
Considerando a finalidade desse trabalho pode-se afirmar, trata-se de uma
pesquisa bibliográfica, já que serão feitas consultas de livros e artigos científicos,
sendo vantajoso pelo fato da pesquisadora ter acesso a diversas fontes
diretamente ligadas ao assunto trabalhado. A abordagem dos dados será,
portanto, qualitativa.
Também será feita uma pesquisa descritiva através de observações e
entrevistas, correlacionando fatos sobre o assunto a ser estudado.
v
RESUMO
O presente trabalho tem como objetivo a reflexão sobre espaço do desenho
no universo escolar e nas suas relações com o desenvolvimento infantil.
Para se alcançar tal objetivo, foi necessário um embasamento teórico sobre
o assunto com diferentes enfoques de autores e a dinâmica entre teoria-prática,
analisando a relação professor-desenho-aluno, observando nos desenhos das
crianças as características descritas.
Trabalhou-se a todo instante a relevância do desenho na educação infantil,
onde o papel do educador é fundamental, desde que se empenhe fazendo com
que suas aulas sejam descontraídas e mais atraentes, num clima de respeito,
liberdade e afeto, para que a criança se sinta completamente à vontade para se
expressar e representar da forma que melhor achar.
O desenho infantil é pouco valorizado no campo educacional, sendo
confundido como uma recreação escolar, por isso, são apresentadas formas de o
educador entender seu real valor para que se possa realizar um excelente
trabalho com seus alunos.
Ressalta-se a extrema importância do desenho infantil, pois a criança
desenvolve sua coordenação motora, externaliza através deste todos seus
sentimentos, sua criatividade, sua imaginação e aprende a se relacionar com o
mundo.
O trabalho destaca sempre a fundamental contribuição do desenho na
educação infantil e no ensino fundamental.
vi
SUMÁRIO
• Introdução ............................................................................................. 01
• Capítulo I – O desenho infantil, por quê? ............................................. 04
• Capítulo II – O desenvolvimento cognitivo ........................................... 10
• Capítulo III – A criança e o desenho ................................................... 22
• Capítulo IV – O desenho na escola ..................................................... 41
• Conclusão .............................................................................................58
• Referências Bibliográficas..................................................................... 60
• Índices....................................................................................................62
• Anexos ................................................................................................. 64
vii
INTRODUÇÃO
Não tive dúvidas em optar pelo grafismo, pois no decorrer de minha prática
pedagógica, percebi o quanto o desenho infantil é importante no desenvolvimento
cognitivo e intelectual na formação da escrita e leitura de uma criança.
O trabalho com o desenho deve ter início nos primeiros anos de vida de uma
criança e ter continuidade mais abrangente e diversificada na educação infantil.
O desenho infantil desperta, quando bem trabalhado, a criatividade, a
imaginação, a fantasia e, ajuda na formação da personalidade de uma criança.
Atualmente, pais e professores bloqueiam todos os aspectos relacionados ao
desenho infantil, seja conscientemente ou inconscientemente. Os pais, que na
maioria estão ocupados se dedicando ao trabalho, alegam não terem tempo para
observarem os desenhos de seus filhos. Através deste aspecto, destaco que os
pais acabam deixando de lado os desenhos infantis e tentam suprir esta falta de
tempo com jogos eletrônicos, televisão, babás... para que seus filhos possam se
distrair.
Já a maioria dos professores, que é lamentável, não procuram diversificar
suas atividades relacionadas à leitura, por já estarem condicionados a atividades
repetitivas e menos trabalhosas. Por outro lado, temos também o grave problema
que atinge a maioria dos professores: a falta de interesse pela leitura sobre o
assunto abordado, ou seja, a evolução do grafismo infantil fica em segundo plano.
Os professores precisam a todo momento se fazerem leitores para melhor
desenvolverem seu trabalho com as crianças. Muitos alegam falta de tempo, de
recursos financeiros para adquirirem novos livros... E com isso fica nítido que o
trabalho desenvolvido não é de boa qualidade.
Os professores deverão ser assíduos leitores e buscarem sempre novos
caminhos para aperfeiçoarem seu trabalho. E só através de muita leitura é que o
melhor poderá acontecer.
O que pretendo abordar nessa monografia são temas importantes e
reflexivos para nós, educadores, pensarmos e tornarmos o nosso trabalho mais
comprometido e contextualizado. Citarei alguns tópicos que são de extrema
importância, tais como: o desenho infantil como meio de expressão;
desenvolvimento cognitivo; a infância e suas relações; as características dos
desenhos infantis; as relações dos desenhos e a personalidade infantil; o desenho
na escola; desenho x linguagem entre outros.
O desenho infantil tem uma tarefa fundamental a cumprir na sociedade atual,
a de servir como agente de formação, seja espontâneo convívio “criança / papel”,
estimulado pela escola. A escola é o espaço privilegiado, onde deverão ser
lançadas as bases para a formação do indivíduo.
Assim, o objetivo do presente trabalho é ressaltar a
importância do desenho infantil nas séries iniciais contribuindo no
desenvolvimento cognitivo e intelectual do aluno no cotidiano
escolar bem como a necessidade da conscientização do professor
de estar preparado para utilizar este instrumento no processo
ensino-aprendizagem de seus alunos, conceituando a forma de
como o desenho infantil se apresenta como recurso didático,
esclarecendo o grafismo como meio de expressão.
Para perseguir este objetivo, focalizei a realidade em que trabalho, como
professora de crianças com idade entre três e seis anos.
As observações e coleta de dados incidiram sobre as atividades
desenvolvidas pelas crianças de dois a seis anos que frequentam os dois turnos
(manhã e tarde) na escola.
Gostaria de finalizar a monografia deixando claro que ainda existe muitos
aspectos a serem repensados, certamente objetos de outros trabalhos, visto o
desenho infantil ser um assunto extremamente amplo.
Acredito que à partir destes estudos, será possível caminhar para outras
trajetórias que visem o desenho como algo produtivo e apaixonante!
CAPÍTULO I
O desenho infantil, por quê?
Todo indivíduo possui uma força criadora que se revela através de diferentes
meios de expressão, dentre as quais destaco os desenhos infantis, pelos quais me
apaixonei desde o início da minha carreira como professora.
Fui percebendo que o desenho era uma das manifestações preferidas das
crianças, não só dentro da escola como em sua casa, no play ou em qualquer
lugar que se relacione com o seu meio. Hoje em dia, até nos shoppings há um
lugar reservado para o desenho infantil e se vê grande procura, pena que é visto
como uma simples recreação.
O desenho não é somente um momento de contato entre lápis e papel, se
entende desde um rabisco na areia do parquinho, um contorno no ar, uma pintura
no cavalete, na criatividade com diferentes materiais até um desenho livre com
lápis, ou seja, o desenho é a forma de expressão livre onde a criança revela suas
vivências e algo significativo para ela.
Desenhando, a criança está conquistando seu espaço,
descobrindo materiais, usando novos traços e cores e
principalmente criando com base na emoção e sentimento.
1.1 – Experimentando e desenhando...
Como principal meio de expor seus desenhos, a criança não poderia deixar
de fazê-lo dentro da escola, onde suas descobertas e relações entram na sua
forma de representação. Para isso, é importante a presença do professor, de
como se deve encarar o desenho, não sendo utilizado como passatempo e ser
levado mais a sério e como algo importante para o desenvolvimento infantil.
Conversando com diferentes professores e crianças de diversas faixas
etárias (desde dois a seis anos), fui analisando seus temas nos desenhos e o que
aparece com mais freqüência é a figura humana (principalmente pai e mãe),
bichinhos de estimação, casa e flores, sol e nuvens, árvores, heróis, brinquedos e
tudo que cerca sua relação com o meio. Os desenhos vão se desenvolvendo
conforme os interesses e habilidades motoras.
A imaginação pode ser considerada fator primordial na manifestação
criadora, pois o que acontece em muitas escolas é a visão do desenho como
“modelo” para novas etapas na aprendizagem, utilizando folhas mimeografadas ou
xerografadas simplesmente para pintura e técnicas, limitando e acomodando a
criança.
Em minha sala de aula, passei a encarar o desenho como fonte criadora e
realizando atividades diversificadas para que eu pudesse conhecer mais os alunos
e suas preferências. Iniciei com um trabalho livre, utilizando tinta ou hidrocor em
uma folha ampla onde a criança era o sujeito da atividade. Após um tempo fui
adaptando essas atividades com as noções trabalhadas. Algumas situações
ficaram marcadas em minha memória. Lembro de um aluno que não gostava de
desenhar, mas em um dado momento pegou um lápis preto e rabiscou bastante a
sua folha, dirigiu-se a mim com seu desenho; perguntei-lhe o que era, ele
respondeu-me: é a escuridão. Então, valorizei seu desenho e apaguei a luz da
sala e pedi para que todos fechassem os olhos e imaginassem coisas. Daí em
diante, esse aluno interessou-se mais pelas atividades e em demonstrar seus
desejos e expectativas. Percebo que o desenho pode ser trabalhado em muitas
situações de sala de aula, como: na representação de histórias, em brincadeiras,
em fatos ou notícias de interesse da turma. Não deve ser utilizado somente como
relação lápis/papel e sim possibilitar diferentes materiais e como manuseá-los no
decorrer de sua criação (sejam sucata, retalhos, lápis coloridos, massinha, tintas,
colas ou papéis diversos).
É importante ter a visão de desenho como algo produtivo dentro da
escola, e passar para os alunos como atividade significativa
conforme outras que são feitas tanto dentro como fora de sala.
Sendo o desenho um fator indispensável no desenvolvimento infantil, a
evolução do desenho depende também da evolução da linguagem da criança e
para isso é preciso que haja uma visão do desenho como algo produtivo no
processo ensino-aprendizagem.
Raramente uma criança irá dizer que não gosta de desenhar, pois a grande
maioria tem a satisfação em deixar a sua marca. É necessário que haja uma
valorização e interpretação do desenho que foi feito. A conquista do espaço
gráfico é longa e progressiva e se inicia com rabiscos e vai evoluindo aos poucos
através de sua realização em diferentes oportunidades e situações, com influência
de sua imaginação e criatividade com o objetivo de imitar o real.
1.2 – Desenho infantil: Passatempo ou atividade comprometida?
A escola precisa valorizar o desenho através de uma diversidade de
atividades. Proponho através da monografia uma reflexão sobre como é encarado
o momento do desenho no espaço escolar. É uma atividade feita nas sobras de
tempo sem finalidade? É vista com inferioridade com relação as demais
atividades?
A escola deve priorizar os desenhos infantis como uma das formas de
conhecer a realidade infantil, os sonhos, desejos, etc. A criança está sendo
bastante influenciada pelas imagens que o mundo moderno lhe propõe
constantemente através da mídia, seja pela televisão, cinema, fitas de vídeo,
revistas em quadrinhos ou álbuns de figurinhas. Animadas por um pensamento
concreto, direto e sugestivo, não se contentam em dar uma simples reprodução do
produto, representam graficamente o seu objeto predileto numa situação precisa
que o torne afetivamente indispensável. Cito o exemplo de uma aluna que só
desenhava a Xuxa com suas bonecas e muitos corações, por isso, emoção e
sentimento andam juntos no ato de desenhar.
O desenho também reflete o acontecimento, a atualidade, e o lugar onde a
criança tem oportunidades de conversar, criticar e avaliar situações do seu
cotidiano é na escola. As crianças sentem-se atraídas pelo que acontece no
presente, mesmo sendo um fato positivo ou negativo. A época do ataque aéreo as
Torres gêmeas (World Trade Center) e as manchetes sobre a violência e tráfico de
drogas na cidade, suscitaram situações contraditórias (tristeza e saudade x medo
e realidade) mas bastante enfatizadas nos desenhos de crianças em diferentes
faixas etárias.
O desenho pode ser considerado como um vínculo entre a criança e suas
vivências, descobertas... que devem participar das atividades feitas em sala de
aula, desenvolvendo a criatividade e produtividade de tarefas.
1.3 – O desenho na infância.
Retorno a minha infância, conversando com minha mãe. Contou-me que na
fase pré-escolar os meus desenhos enfocavam a representação familiar, sempre a
presença da mãe, pai e irmão representavam os meus brinquedos preferidos:
desde bonecas até patins, petecas, corda de pular, sempre espontaneamente.
Lembro-me mais da faixa dos seis anos de idade quando já alfabetizada e
cursando a C.A (Classe de Alfabetização), eu tinha um caderno de redações e
uma vez na semana a professora escolhia um tema para que os alunos
elaborassem um texto. Após concluído, havia um espaço destinado ao desenho
sobre o fato principal da redação. Esta valia nota e me empenhava ao máximo,
gostava de colorir bastante meus desenhos e de representar uma cena com
muitas coisas. Nesta época um fato foi marcante para mim: houve um concurso e
eu fui a vencedora da minha turma, a minha redação com ilustração e a minha foto
saíram no jornalzinho do colégio. Foi aquela alegria!
Por outro lado, não só nas tarefas escolares o desenho estava presente.
Adorava fazer cartinhas, bilhetes, todos coloridos e enfeitados com mensagens
carinhosas para a minha mãe, professora, colegas e tias. Em meu quarto havia
um mini quadro-negro e passava horas desenhando e estudando. Morava em uma
vila, e junto com as outras crianças da vizinhança pegávamos giz e
desenhávamos na calçada várias coisas, entre as quais a “amarelinha” que era
nossa brincadeira predileta.
Todos os dias, minha tia me contava histórias e eu pedia para desenhar o
que eu mais gostava e davá-lhe de presente. Adorava as histórias sobre “O Sítio
do Pica-pau Amarelo”, a imaginação me ajudava nas representações do desenho.
Desenhar a Emília, o Saci, a Tia Anastácia, a Cuca, o Pedrinho, a Narizinho, a
Dona Benta e outros personagens, era como se eu entrasse naquele mundo
encantado. Ah! Que saudade...
Sabendo que o desenho é fundamental dentro e fora da escola,
pretendo através da monografia mostrar sua importância e como
pode ser valorizado e percebido como uma atividade séria e
interligada com todos os conteúdos desenvolvidos.
O desenho está sempre presente no cotidiano das crianças e revela suas
vivências, sentimentos, curiosidades refletindo seu pensamento lógico.
Há uma grande influência do desenho sobre o pensamento infantil,
ampliando a imaginação, raciocínio e incentivação à expressão livre. A partir do
desenho e progressos em sua iniciativa, confiança, segurança e liberdade, a
criança estará bem mais desenvolvida nas demais atividades.
Por outro lado, o desenho contribui no desenvolvimento dos
movimentos dos pequenos músculos possibilitando a descoberta
de diversos materiais e conquista de espaço, sendo no papel ou
em outra área em que a criança esteja realizando o ato de
desenhar.
Cabe ao professor e aos pais valorizarem o desenho infantil como as outras
atividades e passar esta forma de pensar para quem está desenhando e
ressaltando sua importância dentro do processo de aprendizagem.
CAPÍTULO II
O Desenvolvimento Cognitivo
De acordo com KRAMER a tendência cognitiva inspira-se nos estudos de
Jean Piaget (1896-1980) que investiga o processo de construção do conhecimento
e realiza inúmeras pesquisas sobre o desenvolvimento psicogenético, centrando-
se no pensamento lógico-matemático.
Para PIAGET é através de um equilíbrio dinâmico com o meio ambiente que
desenvolvemos a inteligência. Essa interação ocorre em dois processos: a
organização interna e a adaptação do meio. A adaptação é definida por Piaget
como o desenvolvimento da inteligência que ocorre através da assimilação e
acomodação. Na assimilação, o indivíduo usa as estruturas psíquicas que já
possui. Se elas não forem suficientes é preciso construir novas estruturas, isso
refere-se à acomodação. Os esquemas de acomodação modificam-se,
progressivamente através dos estágios de desenvolvimento que descrevem a
evolução do raciocínio.
2.1 – A evolução dos estágios do desenvolvimento infantil.
PIAGET considera que os estágios a seguir, se dividem com formas
específicas de inteligência, ocorrendo numa seqüência constante em que cada
estágio engloba o anterior e o amplia. Inicia-se pelo sensório-motor (do
nascimento aos dois anos) que à partir de reflexos neurológicos básicos, o bebê
começa a construir esquemas de ação para assimilar mentalmente o meio. A
inteligência é prática, as noções de espaço e tempo são construídas pela ação. O
contato como meio é direto e imediato, sem representação ou pensamento. Isto
acontece quando o bebê ao ver um objeto, é capaz de pegá-lo e levá-lo à boca.
Após, este estágio, surge o pré-operatório ou simbólico (de dois anos a sete
anos) tornando-se a criança capaz de representar mentalmente pessoas e
situações. Sua percepção é global, sem discriminar detalhes, deixa-se levar pela
aparência, sem relacionar aspectos. Ao mostrar-se duas bolinhas de massa iguais
e dá-se a uma delas a forma de salsicha, a criança nega que a quantidade de
massa continue a mesma, pois as formas são diferentes e assim, não relaciona as
situações.
Em seguida deve ser considerado o operatório-concreto (dos sete anos aos
onze anos) em que, a criança já é capaz de relacionar diferentes aspectos e
abstrair dados da realidade. Desenvolve também a capacidade de refazer um
trajeto mental, voltando ao ponto inicial de uma situação.
Ao despejarmos a água de dois copos em outros de formatos diferentes,
para que a criança diga se as quantidades continuam iguais, a resposta é positiva.
Ela diferencia aspectos e é capaz de “refazer” a ação.
Surge a seguir, o lógico-formal ou operatório-abstrato (dos doze anos em
diante) em que a representação agora permite a abstração total. A criança é capaz
de pensar em todas as relações possíveis logicamente. Se lhe pedem para
analisar um provérbio como “de grão em grão, a galinha enche o papo”, a criança
trabalha com a lógica da idéia (metáfora) e não com a imagem real de uma
galinha comendo grãos.
Para PIAGET, o processo de desenvolvimento desses estágios são
influenciados pelos fatores: maturação (crescimento biológico dos
órgãos); exercitação (funcionamento dos órgãos que implica
formação dos hábitos); aprendizagem social (aquisição de valores,
linguagem, costumes e padrões culturais e sociais); e equilibração
(processo interno do organismo que se constitui na busca de
reequilíbrio).
A escola deve considerar os esquemas de assimilação da criança,
favorecendo atividades desafiadoras que resultem o desequilíbrio (conflitos
cognitivos) e reequilibrações sucessivas, dando oportunidades de descoberta e
construção de conhecimento, como fator central está a interdisciplinaridade.
Segundo KRAMER, há alguns princípios básicos que orientam a prática
pedagógica de uma pré-escola fundamentada na teoria de Piaget: Tudo se dá
através da ação; as atividades devem ser representadas, permitindo a
manifestação do simbolismo infantil; propor atividades em grupo; a organização se
dá no processo da atividade; o professor deve criar “dificuldades” e “problemas”
diversificando e ampliando as experiências infantis buscando sua autonomia;
atribuir um clima de “expectativas positivas” em relação às crianças, sempre
estimulando-as; e integração das diferentes áreas do conhecimento (linguagem,
matemática, ciências naturais e sociais), como eixo central das atividades.
2.2 – As etapas de adaptação do indivíduo.
PIAGET relata as etapas de adaptação do indivíduo à realidade: Quanto ao
recém-nascido e o lactente (do nascimento até aquisição da linguagem mais ou
menos até dois anos), o período é marcado pelo desenvolvimento mental que
conquista através da percepção e movimentos. O recém-nascido traz tudo para o
seu corpo, quando começa a linguagem e o pensamento, coloca-se como um
elemento ou corpo entre os outros. Sua vida mental reduz-se ao exercício de
aparelhos reflexos, isto é, coordenações sensorias e motoras de fundo hereditário
que correspondem a tendências instintivas, como exemplo, a nutrição.
Os reflexos da sucção progridem através de exercícios, levando o
lactente a uma generalização da atividade; ele não se contenta de
sugar quando mama, sugando também no vazio (os seus dedos ou
objetos). Aos poucos estes exercícios tornam-se mais complexos,
tendo novas condutas com a ajuda da experiência, o lactente vira a
cabeça na direção de um ruído ou segue o objeto em movimento.
Na quinta semana, começa a sorrir e reconhece algumas pessoas.
Entre três e seis meses, começa a pegar o que vê aumentando seu
poder de formar hábitos novos.
A seguir, quaisquer movimentos do lactente tornam-se interessantes e sendo
esses movimentos assimiláveis aos anteriores, são definidos como “reação
circular” que desempenha um papel importante no desenvolvimento senso-motor e
representa a forma mais evoluída de assimilação.
Surge após, o desenvolvimento da inteligência prática ou senso-
motora que refere-se a manipulação de objetos. No ponto inicial da
evolução mental, não há nenhuma diferença entre o eu e o mundo
exterior, ou seja, é através dos progressos da inteligência senso-
motora que o lactente vai ser levado a um universo objetivo.
Nesses dois primeiros anos de vida, há quatro processos
fundamentais que caracterizam o desenvolvimento intelectual: as
construções de categorias do objeto e do espaço, da causalidade e
do tempo.
O esquema prático do objeto é a permanência atribuída aos
quadros sensoriais. Durante os primeiros meses o lactente não
percebe objetos, reconhece certos quadros sensoriais familiares,
quando presentes. Ocorre quando o bebê reage com choro ao
perceber a ausência da mãe.
Em seguida, o lactente procurará objetos escondidos sem se dar
conta dos deslocamentos. Só no final do primeiro ano é que os
objetos são procurados depois que saem do campo de percepção,
iniciando-se a exteriorização do mundo material.
A evolução do espaço prático é relacionada com a construção dos
objetos. Somente no final do segundo ano, que está concluído um
espaço geral que compreende os outros, caracterizando as
relações dos objetos entre si e sua totalidade, inclusive o próprio
corpo. A elaboração do espaço se dá pela coordenação de
movimentos do lactente.
PIAGET destaca que a casualidade está ligada à atividade e seu
egocentrismo, como exemplo: quando o lactente, puxando os
cordões que prendem no alto de seu berço, descobre a agitação de
todos os brinquedos suspensos na cobertura e fará repetir a ação.
No segundo ano, a criança reconhece as relações de causalidade
dos objetos entre si, objetivando saber as causas. A objetivação
das séries temporais é paralela à causalidade.
Durante os dois primeiros anos, existe uma relação entre a vida
afetiva e intelectual.
Toda conduta supõe instrumentos ou técnicas: são os movimentos
e a inteligência. Porém, toda conduta implica em modificações e
valores finais: são os sentimentos. Então, dizemos que afetividade
e inteligência são inseparáveis.
Os sentimentos elementares de alegria e tristeza, de sucessos e
fracassos serão experimentados em função desta objetivação das
coisas e das pessoas, originando os sentimentos interindividuais.
Segundo PIAGET, pode-se falar do período senso-motor, anterior à
linguagem, onde ainda não existem nem operações nem lógicas,
mas as ações se organizam. Isso ocorre quando aos seis meses, o
bebê não apresenta nenhuma conduta de busca do objeto que
desapareceu do seu campo visual, ou seja, ele não irá levantar um
lenço que se colocou sobre o brinquedo que ia pegar. Só por volta
de um ano e meio que irá comportar-se com buscas sistemáticas.
NICOLAS refere-se a Piaget que diz:
“O desenho não é realista, já que a criança, não é idealista. Começa a desenhar o que sabe de um personagem ou de um objeto bem antes de exprimir graficamente o que vê. Para ele, há algumas fases, começando pelo realismo fortuito que ocorre quando o desenho é descoberto por acaso. Depois, surge o realismo defeituoso, onde no desenho se vêem os elementos de um objeto, justapostos sem contato, sem coordenação. Em seguida, vem o realismo intelectual onde o desenho superou as dificuldades, onde se formam essencialmente atributos conceituais do modelo sem preocupações de perspectiva visual. Ocorre quando a criança faz um boneco com três olhos e, consequentemente aparece o realismo visual que leva em conta apenas aquilo que é visto e a disposição dos objetos uns em relações aos outros. (1998: p. 71)”
2.3 – A infância e suas relações (linguagem x pensamento).
A primeira infância compreende o período de dois a sete anos e inicia-se
com o aparecimento da linguagem e as condutas são modificadas no aspecto
afetivo e intelectual. A criança reconstitui suas ações passadas sob forma de
narrativas e antecipa suas ações futuras pela representação verbal.
PIAGET entende que a socialização da ação é a troca e a
comunicação entre os indivíduos que constituem os principais
fatores para o aparecimento da linguagem.
Quando os sons são associados a ações determinadas, a imitação
prolonga-se como aquisição de linguagem. Enquanto a linguagem
se estabelece sob forma definida, as relações interindividuais se
limitam a gestos corporais e exteriores, e a uma relação afetiva
sem comunicações diferenciadas. Com a linguagem, a criança
descobre as riquezas do mundo real superior a ela, sendo seus
pais e adultos, fontes de atividades imprevistas e misteriosas.
Existe uma troca entre adulto e criança.
Até os sete anos, as crianças não sabem discutir entre elas e se
limitam a apresentar suas afirmações contrárias. As características
desta linguagem entre crianças são encontradas nas brincadeiras
coletivas ou de regra, em partidas de bola de gude por exemplo.
Os grandes se submetem às mesmas regras e ajustam seus jogos
individuais aos dos outros, enquanto as crianças jogam cada uma
por si, sem se ocuparem das regras do companheiro. A criança
não fala somente às outras, fala a si própria. Em lugar de sair de
seu próprio ponto de vista para coordená-lo com o dos outros, o
indivíduo permanece centralizado em si mesmo.
Quanto à gênese do pensamento, o autor diz que a inteligência se
transforma devido a dupla influência da linguagem e da
socialização. A linguagem conduz à socialização das ações, que
dão lugar aos atos de pensamento que pertencem a um plano de
comunicação.
Durante a idade de dois a sete anos, encontram-se entre duas formas de
pensamento: O pensamento egocêntrico aparece como forma de jogo, chamado
jogo simbólico. É a assimilação da realidade ao eu em função dos desejos.
Quando a criança brinca de boneca, de comidinha, por exemplo, ela refaz sua
própria vida à sua maneira, revivendo toda sua vivência através da ficção sendo o
pensamento intuitivo mais adaptado ao real que a criança conhece. Para se saber
como a criança pensa espontaneamente basta analisar as perguntas que ela faz,
geralmente a partir dos três anos, surgindo os famosos “porquês”, em que os
adultos tantas vezes têm dificuldade em responder. A criança tem necessidade de
saber a causa e o fim das coisas.
Outra característica apresentada nesta época é o animismo infantil, a
tendência a conceber as coisas como vivas e dotadas de atividade própria.
PIAGET refere-se à intuição que no pensamento da criança: o
sujeito afirma todo o tempo, sem nunca demonstrar. A criança de
quatro a sete anos não define conceitos, não possui um domínio
verbal como possui na ação e manipulação.
Existe uma “inteligência prática”, que entre dois e sete anos,
que por um lado prolonga a inteligência senso-motora do período
pré-verbal e por outro lado prepara as noções técnicas que se
desenvolverão até quando adultos. Através de estudos
piagetianos, constata-se que a criança está mais adiantada nas
ações do que nas palavras. Até os sete anos, a criança permanece
pré-lógica e faz-se pelo mecanismo da intuição. É normal que o
pensam e desenvolvimento, três novidades afetivas são
essenciais: o desenvolvimento dos sentimentos interindividuais
(afeições, simpatia e antipatia) que estão ligados à socialização
das ações, a aparição de sentimentos morais intuitivos que são
provenientes das relações entre adultos e crianças e as
regularizações de interesses e valores que estão ligados ao
pensamento intuitivo em geral.
O interesse é o prolongamento das necessidades, ou seja, o objeto
torna-se interessante na medida que corresponde às
necessidades, tornando o interesse como orientação para todo ato
de assimilação mental.
Durante a primeira infância há um grande interesse pelas palavras,
desenhos, imagens, ritmos, exercícios físicos. Todas essas
realidades vão adquirindo um valor conforme as necessidades do
indivíduo. Aos interesses à própria atividade estão ligados os
sentimentos de “inferioridade” ou de “superioridade”.
Desde que se torne possível a comunicação entre a criança e o
seu ambiente, desenvolver-se-ão sentimentos de simpatia e
antipatia, certamente a criança sentirá simpatia em relação as
pessoas que respondem aos seus interesses e que o valorizam.
Os valores interindividuais assumidos pelas crianças são aqueles
manifestados por seus pais e por pessoas mais velhas.
Interesses, autovalorizações, valores interindividuais são as
principais fontes da vida afetiva dentro deste nível de
desenvolvimento.
PIAGET diz que a lógica inicia a relação do pensamento com
linguagem, o jogo simbólico, a imitação diferenciada, a imagem
mental e outras formas de função simbólica. Consiste numa
interiorização das ações, mas não atinge o nível das operações
reversíveis. Pois, no plano da representação inverter as ações é
mais difícil do que parece. Ou seja, ao imaginar a ordem dos
pontos de referência no caminho de volta, quando acabaram de ser
enumerados em ordem exata no caminho de ida.
PIAGET estudou o pensamento da criança, detendo-se em três
aspectos: a criança e o adulto, o pensamento egocêntrico e a
Psicologia Genética. A criança e o adulto que estudando seus
próprios filhos, compreendeu melhor o papel da ação, e que estas
ações constituem o ponto de partida de futuras operações da
inteligência. O pensamento da criança é egocêntrico, no sentido de
centralização do pensamento sobre seu ponto de vista. Uma
característica que difere a criança do adulto é a irreversibilidade,
ou seja, a criança atua por meio de ações simples, de sentido
único, sem descentralização que permite atingir as transformações.
Daí surge a não conservação de objetos, conjuntos, quantidades.
Referindo-se às estruturas cognitivas, entende que são as
operações lógico-matemáticas que derivam das próprias ações,
sendo o produto da coordenação das ações e não dos objetos.
Estas operações não são interiorizadas. Vê-se, assim, que a
Psicologia Genética não nos ensina apenas aquilo que a criança
difere do adulto, mas, igualmente como se constroem certas
estruturas lógica-matemáticas, que fazem parte de todas as formas
do pensamento adulto. O autor destaca a Psicologia e
Epistemologia Genética que em alguns casos, o estudo genético
da construção das ações e das operações permitem responder
algumas perguntas feitas pela ciência, no que diz respeito aos
métodos de conhecimento. Neste caso, a psicologia da criança se
prolonga de modo natural em “Epistemologia Genético”. Assim,
percebemos que o pensamento da criança apresenta atividades
consideráveis, às vezes originais e imprevistas, é rico em aspectos
notáveis, não somente por diferir do adulto, mas por resultados
positivos que nos ensinam o modo de construção das estruturas
racionais, permitindo esclarecer certos aspectos obscuros do
pensamento científico.
PIAGET formula algumas reflexões sobre a linguagem e o
pensamento sob seu ponto de vista, isto é, o da formação da
inteligência e das operações lógicas.
Tenta-se comparar a criança antes e depois da linguagem, isto é, de concluir
que a linguagem é a fonte do pensamento. Mas, quando são examinadas
mais de perto as mudanças da inteligência produzidas no momento da aquisição
da linguagem, percebe-se que esta não é a única responsável por tais
transformações.
A linguagem é interindividual, sendo constituída por um sistema de
signos, mas tem necessidades de outro sistema de significantes,
mais individual que são os símbolos, cujas formas mais correntes
na criança se encontram no jogo simbólico ou na imaginação.
Pode-se dizer então, que a origem do pensamento deve ser
procurada na função simbólica. Porém, sustenta-se que a função
simbólica se explica pela formação das representações. Como a
linguagem só é uma forma de função simbólica, conclui-se que o
pensamento precede a linguagem e que esta se limita a
transformá-lo profundamente, ajudando-o a atingir suas formas de
equilíbrio através de uma esquematização mais desenvolvida.
PIAGET acredita que toda pesquisa em psicologia científica deve
partir do desenvolvimento e da formação dos mecanismos mentais
na criança, pois é o que melhor explica a natureza e o
funcionamento desses mecanismos no adulto.
2.4 – Desenvolvimento Infantil x Desenvolvimento Cognitivo Piagetiano.
DI LEO fez estudos sobre o desenho infantil, relacionando-o ao
desenvolvimento cognitivo piagetiano.
Ainda de acordo com DI LEO o desenvolvimento do desenho em relação aos
estágios do desenvolvimento cognitivo de Piaget apresenta-se da seguinte
forma: a criança de zero a um ano está no estágio sensório-motor, age por
reflexos e pensa pela atividade motora. Sua resposta reflexa aos estímulos
visuais, logo, o lápis é levado à boca e por isso não desenha. Entre um ano e
dois anos seus movimentos tornam-se direcionados a um objeto, à medida que o
controle cortical é estabelecido.
Ao completar treze meses aparece a primeira garatuja em forma de zigue-
zague. A criança observa seu movimento e deixa a sua marca na superfície.
De dois a quatro anos, a criança começa a funcionar simbolicamente.
Linguagem e outras formas de comunicação simbólicas desempenham maior
papel. A criança nesta fase, possui uma visão egocêntrica e suas brincadeiras são
um faz-de-conta. Nos desenhos surgem os círculos que vão predominante aos
poucos e tornando-se discretos. Um círculo casualmente desenhado significa para
a criança um objeto.
Entre os quatro e seis anos, a criança inicia o estágio pré-operacional, a fase
intuitiva. Predomina o egocentrismo, a criança tem uma visão subjetiva do mundo,
vive da imaginação, da fantasia, da curiosidade e é criativa. Funciona à base da
intuição e não como é visto realmente, o que sabe que deveria estar na superfície.
Mostra as pessoas através das paredes, onde há transparências, expressionismo
e subjetivismo.
Segundo o mencionado autor, as figuras humanas persistirão como o tema
preferido das crianças, em particular, sendo consideradas como valiosos
indicadores do crescimento cognitivo.
Através das afirmações dos autores apresentados, foi possível perceber a
importância dos estágios de desenvolvimento infantil e suas relações com a
evolução do desenho infantil. Ressalta-se a importância do professor conhecer
seu aluno, sua individualidade e seus interesses, buscando em sala de aula uma
relação de descobertas nas atividades de expressão gráfica.
CAPÍTULO III
A criança e o desenho
MOREIRA em seu livro afirma:
“Toda criança desenha”. (1997: p. 15)
De fato, a criança através do desenho se identifica transferindo a sua
realidade para o papel. Ao mesmo tempo que está desenhando, ela também está
brincando, seja num simples desenho na areia, ou no ar, ou num simples rabisco,
a que às vezes não damos importância, sem perceber o lado positivo. A criança,
no momento em que desenha, tenta conversar consigo, invadindo a sua
imaginação e procurando relacionar-se com os outros. Desta forma, o melhor para
conhecer a criança e sua forma de expressão é saber ouvi-la e saber falar-lhe.
Quando a criança desenha deixa a sua marca, fala de seus medos, suas alegrias
e tristezas, do que mais gosta, suas descobertas e, assim o desenho torna-se a
primeira escrita.
3.1 – O desenho infantil e as relações sociais.
Um aluno só desenhava pessoas num tiroteio. Isto acontecia porque perto da
casa onde morava, escutava o barulho dos tiros e tinha muito medo. Outra
criança da mesma idade (cinco anos) gostava de desenhar a cachorrinha de
estimação, em tamanho gigante, representando, talvez a grande afeição que
nutria pelo animal.
A criança desenha para contar uma história, porém às vezes, omite a sua
história. Um aluno sempre usava a cor preta e rabiscava bastante a folha e
nomeava como “escuridão”. Conversando com o responsável, descobriu-se
que ele reconhecia as outras cores mas não costumava usá-las nas atividades.
Foi revelado que toda vez que o aluno fazia “artes” em sua casa, era castigado,
ficando trancado no banheiro ou sem assistir televisão e outras coisas que toda a
criança deseja.
É preciso entender que no ato de desenhar, pensamento e sentimento estão
juntos.
Aos poucos o desenho-linguagem assume no desenvolvimento infantil um
caráter próprio, dependendo de cada estágio em que se situa conforme etapas
descritas por Piaget.
3.2 – As fases do grafismo.
De acordo com MOREIRA a criança pequena desenha pelo prazer do gesto,
é um jogo de exercício. Defini-se como garatuja, que se inicia longitudinal e
desordenada até adquirir curto ritmo. A criança está no período sensório-motor e
sua forma de interagir com o mundo é conquistando novas estruturas de
movimento. Nesta fase não há interesse pela preferência das cores. A criança
(dois a três anos) que está iniciando sua adaptação na escola e tem seus
primeiros contatos com o papel e cores, ao definir seu desenho, identifica como
“mamãe ou papai”, pois há uma forte ligação entre escola-família.
Ainda segundo MOREIRA a garatuja vai-se modificando, os movimentos
longitudinais vão-se arredondando, tornando-se circulares. Em seguida, esse
espiral-novelo começa a se destacar e surgem os círculos soltos, as “bolinhas”.
Inicia-se a fase da representação, pois a criança (três a quatro anos) tem por
finalidade, ao desenhar, dizer algo e as formas desenhadas variam muito em
curto espaço de tempo. É um jogo simbólico, o vínculo entre significante e
significado permanece subjetivo.
Com o tempo o desenho-jogo simbólico vai-se modificando e conquistando
novas formas. Aparecem figuras fechadas com inscrições dentro e fora. Surgem
os primeiros bonecos, quase girinos. A partir desta fase, crianças de quatro e
cinco anos, atribuem cores e formas às diferentes figuras.
Do jogo simbólico o desenho passa para o jogo regulado, existindo um
compromisso com o real. Há o uso real da cor do objeto representado e o espaço
se estrutura dentro de regras claras, ocorrendo com crianças de cinco a seis anos.
Ex: o que é céu e o que é jardim, tem seus lugares definidos.
Em outra etapa, surgem os heróis, fadas, princesas, viagens... e a criança (a
partir de seis anos) diverte-se criando seus personagens e histórias.
Já na fase da adolescência inicia-se o pensamento formal. E a autora diz:
“Se toda criança desenha, quando cresce diz: “Eu não sei desenhar” e, a partir
desse momento não tem mais estímulos para criar. Numa sociedade em que o
adulto perde suas possibilidades de expressão, o desenho passa a ser
considerado como manifestação infantil. Entre a certeza de não saber desenhar e
o pouco espaço destinado ao desenho está a escolarização.
Há uma grande importância do desenho na fase das séries iniciais. Depois
vai perdendo seu espaço, pois a preocupação maior no desenvolvimento
intelectual da criança está relacionada à matérias de estudos específicos.
3.3 – O estilo dos desenhos infantis.
Estudando característica do desenho infantil, DI LEO, afirma que na fase pré-
escolar a idéia original da criança pode ser desenhar um gato, porém, à medida
em que a figura vai surgindo, sofre mudanças e pode ser nomeada de carro ou
barco. No dia seguinte, a mesma criança mostra o seu desenho e insiste que é
uma casa. Assim, qualquer comentário que faça, quando revela seu desenho,
pode ser um indício de uma atitude, pensamento ou sentimento.
Em crianças bem pequenas (de mais ou menos dois a três anos) a
superioridade da fala sobre o desenho, como um meio de comunicação, é apenas
aparente. Pode ser citado o exemplo de Pedro (dois anos e dez meses) que ao
mostrar seu desenho ora diz: - É o meu pai! Em seguida diz: - É a minha mãe!
Sendo assim, o desenho torna-se uma expressão pessoal, assim como o seu
significado.
São destacados por DI LEO alguns aspectos importantes que devem ser
levados em consideração, como a idade do sujeito e o nível de desenvolvimento.
É essencial conhecer e o que se deve esperar no decorrer do amadurecimento da
criança. As teorias de fases ou estágios (Freud, Erikson, Piaget e Gesell) facilitam
a compreensão do processo de desenvolvimento.
Também os símbolos, consciente ou inconscientemente desenhados,
encontram significado quando vistos no contexto da história pessoal do
desenhista. Estes são considerados os mais gerais e efetivos meios de
comunicação. Um objeto pode significar uma entidade abstrata, como o gentil
pombo representando a paz, algo difundido e aceito.
É importante destacar que o conteúdo de um desenho diz algo sobre a
pessoa e a natureza da pessoa diz algo sobre o desenho, pois, o símbolo pode
não ter o mesmo significado para diferentes pessoas.
DI LEO se refere a Jung que enfatiza a diferença básica entre sinal e
símbolo. O sinal é convencionado pelo homem, sem significado em si mesmo,
representa um objeto ou instrução. Ex: os sinais de pare ou siga do trânsito. Um
símbolo é, basicamente, muito diferente. É um fenômeno espontâneo e natural,
cujo significado é subjacente à sua forma mais óbvia. Sonhos e pensamentos
inconscientes, sentimentos e ações são fontes de símbolos, que requerem
interpretação no contexto de uma única realidade: a da pessoa que sonha, atua ou
desenha.
Em seu estudo DI LEO refere-se ao uso do espaço onde o desenho de uma
pessoa ou outro significado pode ser dividido por uma linha transversal imaginária,
em uma parte superior e outra inferior, e por uma linha vertical, em um lado
esquerdo e outro direito.
Os desenhos são interpretados das formas mais variadas. É necessário levar
em consideração o direcionamento cultural para escrever, da esquerda para a
direita ou vice-versa, pois isto pode educar quanto ao lado onde alguém
habitualmente começa a escrever ou desenhar.
DI LEO apresenta características formais e estilísticas e comenta quanto à
qualidade de linha. Uma figura desenhada com linhas leves, indecisas e
quebradas, caracterizam uma criança insegura e deprimida. Ao contrário, uma
figura rigorosa, contínua e livremente desenhada, é expressão de auto-confiança e
sentimentos de segurança.
No que se refere a orientação no espaço, diz que as crianças pequenas que
não tenham ainda aprendido as regras da “correta” orientação espacial, podem
desenhar a figura humana de cabeça para baixo ou de lado, e ao fazer isto podem
estar revelando originalidade.
O sombreamento consiste no obscurecimento da figura fundamental, na sua
totalidade ou em partes específicas. Esta característica é interpretada como uma
expressão de ansiedade.
No que tange à integração, raramente a figura humana é desenhada de
forma desconectada, com as partes do corpo dispersas sobre a folha. Mesmo a
figura de girino, com as pernas e braços saindo da cabeça, representa uma
pessoa completa, cujas partes, apesar de poucas, são aquelas vistas como
representação essencial de uma pessoa.
O fracasso ao integrar a figura humana, requer atenção especial, como uma
projeção de desordens da personalidade, sua importância cresce como a idade da
pessoa.
A simetria e equilíbrio ocorrem quando a criança constrói cada figura
simetricamente, seu desenho é planejado, a organização das figuras começa
antes de desenhar e ao contrário da improvisação à medida que seguia o ato de
desenhar. Ao nomear seus desenhos, responde com clareza e objetivamente.
O estilo do desenho pode ser definido como uma forma de expressão que é
própria de uma pessoa ou período. Na arte infantil, formas individuais de
representação podem permitir a distinção de uma pintura de uma criança para a
de outra criança. O estilo pode ser: contido ou exuberante, impressivo ou
expressivo, realístico ou imaginativo. O exame de desenhos feitos em intervalos
de tempo pode revelar o estilo que expressa a tendência da criança.
A criança insegura, entre as idades de dezoito a vinte e quatro meses,
encara a situação de desenhar de forma hesitante, toca o lápis cautelosamente
com a ponta dos dedos, aperta-o em seguida, fazendo poucas linhas, minúsculas
e parcamente visíveis, num canto da folha. Quando mais velha, desenha a figura
humana com linhas pequenas, trêmulas e quebradas, criando uma figura
pequena, afastada do centro. A criança segura revela a alegria de viver,
desenhando uma garatuja arrojada e vigorosa, com expressão forte por todo o
comprimento e largura do espaço disponível. Mais tarde, ao desenhar a figura
humana, esta será expressa no tamanho da figura e com boa pressão da linha,
que tende a ser contínua, sendo uma figura posicionada no centro da folha
obedecendo suas características pessoais, quando é alguém de sua vivência.
Segundo DI LEO:
“Desenhar é assunto muito pessoal, cada desenho é
reflexo da personalidade do indivíduo que o criou”.
(1995 : p. 38)
Reconhece-se que os desenhos infantis, especialmente os da figura humana,
expressam o nível da maturidade intelectual da criança.
3.4 – A personalidade infantil e suas relações com o grafismo.
Cada desenho é o reflexo da personalidade de seu autor, expressando
aspectos afetivos da personalidade tanto quanto cognitivos. A metodologia do
examinador deve, por necessidade, ser intuitiva tanto quanto analítica.
Ainda de acordo com DI LEO, as crianças podem fornecer expressão
deliberada estranho. A proximidade dos pais contrasta com a distância do
desconhecido. Nesta fase, as crianças se associam mais espontaneamente com
outras crianças da mesma idade.
À medida em que a criança se aproxima da idade escolar, a necessidade de
distância no relacionamento com seus pais está correlacionada com a sua auto-
imagem e sentimento de confiança.
A auto-estima da criança é influenciada pela interação entre as suas forças
intrínsecas e as atitudes e comportamento das pessoas significativas que
constituem o seu mundo. Evidência de auto-estima podem ser observadas em
desenhos de figura humana. Crianças inseguras tendem a desenhar figuras
pequenas, em contraste com as figuras grandes e ousadas de crianças seguras.
DI LEO apresenta algumas características globais quanto aos desenhos
infantis. No que se refere ao tamanho, comenta que as crianças costumam
desenhar figuras grandes para indicar a sua importância, em completa desarmonia
com suas reais dimensões.
Espontaneamente ou imitativamente, as crianças usam uma variedade de
expedientes no seu desejo de imprimir movimento às suas figuras. De uma forma
geral, os meninos gostam de retratar mais ação, enquanto as meninas são mais
delicadas, retratando os detalhes e acabamento em seus desenhos.
As crianças em idade pré-escolar não se satisfazem por muito tempo com
figuras frontais e estáticas, tentando desenhá-las em movimento, esperançosas de
criar uma ilusão de movimento sem existir.
Percebendo a dificuldade de indicar movimento em seus desenhos frontais,
as crianças por volta dos cinco anos, descobrem o perfil que oferece mais
alternativas para retratar o caminhar, o correr e o fazer.
DI LEO destaca que uma criança, quando solicitada a desenhar uma pessoa,
desenha primeiro o seu próprio sexo, fato este que numerosos estudos relacionam
com os diferentes papéis sexuais.
Ainda segundo DI LEO durante os primeiros três meses, os bebês deitados
de costas assumirão uma postura assimétrica, a cabeça vira para um lado, o
braço daquele lado fica estendido, enquanto o outro braço fica flexionado próximo
ao ombro. Isso leva a canalizar a visão na direção da mão esticada e, em
conseqüência, prepara o caminho para a coordenação olho-mão. Esse controle
contralateral do movimento é o resultado do cruzamento de ligações motoras na
base do cérebro, sendo que a área motora esquerda controla o movimento do lado
direito do corpo e vice-versa. Assim como outras características estruturais e
psicológicas do corpo, a dominância cerebral é geneticamente induzida.
A maioria das pessoas em nossa sociedade são destras. Em alguns
canhotos, a sinistralidade familiar fica demonstrada, em outros não.
De acordo com DI LEO primeiramente, considera-se a direcionalidade. É
essencial distinguir entre o desenho cinestésico (garatuja) que caracteriza o
primeiro período, durante o qual a criança de dois ou três anos executa círculos e
rabiscos, enquanto o olho se deleita em ver o que a mão está fazendo, e o período
posterior, do desenho representacional no qual a mão obedece o olho.
No desenho cinestésico, a direção dos círculos dependerá da mão que for
usada. Se for a direita, rotará na direção dos ponteiros do relógio e se usar a
esquerda seguirá a direção contrária. O observador deverá detectar isso,
observando o movimento, tanto que ao examinar a impressão no papel a pressão
do lápis tenderá a afinar-se, à medida que os círculos são completados. Neste
caso, o olho segue a mão.
Quando a criança amadurece, o desenho torna-se cada vez mais
representativo e agora o olho guia a mão. A mudança é mais evidente quando a
criança inicia o desenho de perfis. Ao desenhar um perfil, a mão direita se
movimenta de cima para baixo, na direção contrária aos ponteiros do relógio,
permitindo visão clara do que está sendo desenhado e do que já foi desenhado.
Quando utiliza a mão esquerda, desenhará um perfil de cima para baixo, mas na
direção dos ponteiros do relógio permitindo uma visão desobstruída do que foi e
está sendo desenhado.
Como resultado, os perfis desenhados pela mão direita estarão sempre
virados para o lado esquerdo e os desenhados pela mão esquerda virados para o
lado contrário.
Conclui-se que a lateralidade é o determinante principal na orientação do
perfil e dos desenhos infantis em geral.
3.5 – O surgimento do círculo.
DERDYK comenta que nas garatujas iniciais, a criança ainda não possui um
discernimento capaz de distinguir sentimentos e percepções, nem um instrumental
intelectual e perceptivo para efetuar comparações. Somente a partir dos dois
anos, passa a representar, detectando semelhanças e diferenças.
Surgem os rabiscos intermináveis que aos poucos vão se arredondando,
aparecem os espirais e os caracóis que nascem de dentro para fora e vice-versa,
até encontrar o caminho para o surgimento do primeiro círculo fechado.
O movimento circular possui um significado simbólico de integração,
constante em várias sociedades e culturas. O gesto circular é inerente ao homem.
DERDYK destaca:
“No momento em que há uma distinção entre o eu
e o outro, o círculo está pronto para surgir, o
aparecimento da palavra “eu” tem um significado
similar ao aparecimento do círculo no desenho. Em
termos psíquicos equivale à conquista da
consciência”. (1994: p. 89)
O aparecimento do círculo é o aparecimento da forma fechada, é o objeto, é
o corpo. A criança tem uma percepção inata das formas, mas seu sistema
fisiológico precisa estar amadurecido para tal conhecimento.
O círculo nasce de movimentos contínuos, caracterizado por um traçado
motor instintivo, biológico, inerente, que permite à criança conjugar novos
espaços, novas figuras, novas construções, fazendo assim um jogo de equilíbrio
entre a busca das representações do percebido com o real e o imaginário.
Para DERDYK os teóricos como Lowenfeld, Piaget, Luquet, Mèredieu,
Goodnow, Porcher, Freinet, Kellog, Winnicott, Wallon tiveram um papel
fundamental na construção de entendimento da produção gráfica infantil.
DERDYK acrescenta que para penetrarmos neste território, precisamos
primeiramente arranjar um passaporte, sendo que este é a nossa própria vivência
da linguagem: o ato de desenhar. Não dá para falar desse processo sem nunca
ter passado por ele.
Tanto os desenhos dos adultos quanto o das crianças são aquisição de
conhecimento, completando-se. A criança desenha para divertir-se, sendo dona
de suas próprias regras e decisões, aprendendo a ser só e a construir seu
universo particular.
3.6 – O desenho e o real.
O desenho é a manifestação de como a criança pode agir sobre o mundo
que a cerca. Toda criança deseja, mas nem toda criança necessariamente gosta
de desenhar, havendo outras preferências como pintar, cantar, ouvir e contar
histórias, sendo que em qualquer uma destas ações está presente o ato criativo e
expressivo, que envolve seu potencial imaginário, que passa por um processo
vivencial e existencial para o seu crescimento.
Para DERDYK o desenho é a memória visível do acontecido: fotografia
mental, emocional e psíquica. O desenho constitui para a criança uma atividade
total, englobando o conjunto de suas potencialidades e necessidades. Através do
ato de desenhar a criança expressa sua maneira pelo qual se sente existir.
DERDYK cita Mèredieu que diz:
“Pode-se partir o desenho em dois níveis de leitura: o
conteúdo manifesto do desenho que são as imagens
ali presentes no papel e o conteúdo latente que trata
das imagens subliminares, escondidinhas também no
papel. E completa: o primeiro espaço gráfico da
criança é a projeção do corpo sobre o papel”.
(1994: p. 54)
DERDYK concorda com Mèredieu, pois para ela o movimento corporal
acontece, embora o que ficam ali agrupados misteriosamente no papel são: a
linha, o ponto e a mancha.
É comum observar crianças que olham do outro lado do papel para ver o que
aconteceu ali, ou então, passam a mão pelo papel para se certificar se suas
marcas não desgrudam, ou fazem um círculo e terminam num ponto como se
estivessem amarrando-se para não se desfazer.
Quando a criança completa dezoito meses, pega ocasionalmente no lápis e
descobre os seus registros no papel. Vivência a ponta do lápis raspando na
superfície até que esta termine e pega consequentemente outro lápis. A criança
olha para o lápis e não sabe de onde nasceu a linha, se foi de sua mão, do lápis
ou do fundo do papel. A criança é um ser ativo que age impulsivamente para uma
aventura ousada e curiosa. A excitação motora conduz a outros gestos, que para
a criança além de ser uma conduta sensório-motora vem carregada de conteúdos
e significações simbólicas, pois o rabisco também é uma atividade mental,
cognitiva e simbólica.
DERDYK cita Kellog que diz:
“Quando a criança rabisca num papel em branco,
este produz estímulos visuais que vão se
transformando ao rabiscar. A relação entre o
branco do papel e as marcas, as manchas,
estabelecem relações figura/fundo, elemento/todo.
A criança todavia, vê o papel como uma unidade.
(1994: p. 61)
Ou seja, o prazer motor, aos poucos, vai se tornando aliado do prazer visual.
Seu instrumento é o prolongamento da mão, ou seja, o mundo é o prolongamento
do corpo. Esta relação física e sensorial que é estabelecida com o desenho
possibilita a experiência de novas realidades. O desenho torna-se então uma
brincadeira, experimentação, vivência, pois seu corpo está presente na ação,
concentrado na pontinha do lápis. Este funciona como ponte de comunicação
entre o corpo e o papel, sendo uma parte sensível, capaz de registrar todo e
qualquer impulso do sistema nervoso, motor e biológico. A pontinha do lápis é o
medidor das manifestações físicas e vivenciais da criança.
3.7 – O espaço físico e o desenho.
É muito interessante repensar o espaço físico que se proporciona à criança
no momento de desenhar, a fim de promover várias situações espaciais e
corporais: desenhar em pé, sentado, deitado, gerando a relação da criança com
as mãos, olhos, sentidos, instrumentos, suporte e especialmente espaço. E de
repente, o papel é maior que a criança ou a criança é maior que o papel, há
relações distintas de força.
Toda criança adora ouvir a mesma história, rever um desenho animado,
repetir uma brincadeira, revivendo assim seus medos, suas surpresas, seus
conteúdos e sua forma, até se esgotarem e se transformarem, dando vazão a
outros interesses. Esse experimentar incansável é um dos fundamentos da
investigação científica.
DERDYK refere-se a Freinet que diz:
“A tentativa experimental é a técnica da vida,
operação natural de aquisição de conhecimento
através da experiência, da vivência”. (1994: p. 64)
Desenhar significa concretizar material e visivelmente a experiência de
existir.
A conjunção mão/olho/cérebro torna-se presente e evidente no ato de
desenhar. Mas, estes rabiscos não indicam um controle visual do movimento da
mão. Os rabiscos feitos espontaneamente, sem treinamento, são uma resposta
ao estímulo visual que advém do próprio ato de rabiscar.
Aos poucos surge a relação olho/cérebro/mão/instrumento/gesto/traço que
redimensiona o ato de desenhar e o jogo é acrescido de novas regras. A criança
passa a perceber os limites espaciais do papel: o dentro e o fora, o “eu” e o
“outro”, o campo da representação e o campo da realidade. O discernimento do
campo retangular do papel, onde tudo pode acontecer, inaugura a era do faz-de-
conta, enfim, nasce o jogo.
A autora destaca Winnicott que afirma:
“Desenhar é atividade lúdica, reunindo, como em
todo jogo, o aspecto operacional e o imaginário.
Todo o ato de brincar reúne esses dois aspectos
que sadiamente se correspondem. A
operacionalidade envolve o funcionamento físico,
temporal, espacial, material, as regras, enquanto o
imaginário envolve o projetar, o pensar, o idealizar,
o imaginar situações. Ao desenhar, o espaço do
papel se altera”. (1994: p. 73)
No jogo de desenho, o tempo e o espaço são transformados. O tempo
corresponde a um tempo mental e emocional onde prevalece o ritmo individual de
execução.
DERDYK refere-se a Kellog que afirma:
“Rabiscos que não sugerem formas não são
recordados. A criança tem uma percepção inata de
formas”. (1994: p. 74)
Ou seja, a mão e o olho estabelecem um diálogo: a mão sai e volta para o
papel, permanecendo o movimento da linha. Do traço contínuo, impulsivo e motor,
a criança passa para o traço descontínuo, em ritmo mais lento. Os olhos ajudam a
construir formas e a memorizam as mesmas. Sendo assim, as crianças
percebem, lembram e repetem seus rabiscos que surgem formas, desenvolvendo
a sua capacidade de discernir, distinguir, qualificar, percebendo semelhanças e
diferenças entre os objetos e os grupos de objetos.
As formas se relacionam, se justapõem, se sobrepõem, se repetem. Nesta
ocasião aparecem nos desenhos: bolinhas enfileiradas, cruzinhas que
sobrepõem, uma bola grande cheio de bolinhas dentro ou pontinhos que se
agrupam ocupando uma forma oval.
DERDYK refere-se a Mèredieu que destaca:
“O desenho vai da ação à representação na
medida em que evolui da sua forma de exercício
sensório-motor para sua forma segunda de jogo
simbólico. O desenho entra na categoria de jogo
simbólico ou imaginário quando permite à criança
exprimir um pensamento individual”. (1994: p. 76)
Num primeiro momento, o espaço gráfico da criança é o espaço do corpo e
do gesto, pois a criança expressa sua percepção espacial conforme o espelho de
sua percepção corporal. A criança não compreende a noções de tempo, espaço e
casualidade tal como nós, ela elabora hipóteses, estabelece referências para
poder situar-se no tempo e no espaço, identificando qualidades e estado no
objeto. Percebe as semelhanças, sejam elas de ordem físicas, emocional ou até
intelectual, organiza grupos, séries, coleções, famílias, aparecendo elementos
gráficos que se repetem, lado a lado.
Aproximadamente entre três e quatro anos, as crianças combinam os
elementos gráficos, tais como: a cruz diagonal, a cruz perpendicular, o círculo, o
quadrado, arcos, triângulos, gerando novas configurações gráficas: os diagramas.
Esta operação demonstra uma habilidade quanto ao uso da linha e da memória. O
ato de desenhar, até então, era fruto de uma ação e de uma percepção. Agora, ele
passa a processar a percepção, emitindo conceitos.
DERDYK cita Francastel:
“O mundo exterior é uma coleção de corpos
percebidos pela criança, que lhes atribui
qualidades e estados”. (1994: p. 84)
Assim, as correspondências formais e gráficas espelham a organização
interna do universo da criança. O desenho torna-se a projeção no espaço do papel
da percepção espacial vivida pela criança. Quando a criança diz: “- Eu sou muito
forte! Eu sou super grande!”, são manifestos da necessidade infantil de ser auto-
afirmar neste mundo.
3.8 – O desenho infantil como comunicação pessoal.
Para WIDLOCHER quando uma criança nos mostra o desenho que acaba de
fazer, após haver identificado o sentido da imagem, nós a interrogamos sobre
suas intenções e pedimos que nos “explique” seu desenho. Na verdade,
interessamo-nos mais pelo criador do que o próprio objeto. O desenho infantil tem
um grande valor de comunicação pessoal. O autor chama de valor expressivo do
desenho, quando o gesto gráfico, a maneira como a criança trata a superfície
branca e a escolha das formas e das cores exprimem elementos de seu estado
emocional.
WIDLOCHER destaca Aeschuler e Hattwick que através de estudos
mostraram que as crianças que manifestam um interesse particular pelas linhas
retas e pelos ângulos são realistas, quase sempre bastante agressivas e
revoltadas, dotadas de boa capacidade de organização e de iniciativa. Pelo
contrário, aquelas que preferem as linhas curvas são crianças sensíveis
preocupadas em conseguir aprovação dos adultos, são imaginativas e sem
confiança em si própria. A predominância das formas circulares seria sinal de
imaturidade e de feminilidade. O equilíbrio entre as formas circulares e as linhas
verticais seria o reflexo do controle da impulsividade. A predominância das
linhas horizontais, muito raras, seria o índice de conflitos psicológicos.
O autor comenta que a cor também tem valor expressivo, sendo que cada
que a cor também tem valor expressivo, sendo que cada uma tem seus efeitos
próprios e suas combinações. As cores frias, como o azul, tem tendência a
concentrar-se em si mesmo e a fugir diante do nosso olhar, enquanto o vermelho
irradia, difunde-se e tende a se aproximar de nós.
O uso das tonalidades e de suas combinações exprimem uma certa
tonalidade emocional, e o autor destaca novamente Alschuler e Hattwich em seus
estudos que demonstraram que crianças abertas e bem adaptadas ao grupo tem
preferência pelas cores quentes, enquanto as crianças fechadas, independentes e
agressivas utilizam mais as cores neutras. O vermelho é a cor preferida pela
maioria das crianças que exprime movimentos de hostilidade e disposições
combativas. O preto exprime a inibição, o medo e a ansiedade, aliando-se a um
comportamento depressivo. O laranja exprime um estado de espírito feliz e calmo,
o marrom, uma necessidade de fazer sujeira, o verde, uma reação contra a
disciplina e o violeta está ligado às tensões conflituais. Porém, as estudiosas
afirmam que não se pode levar em conta somente estes detalhes, é necessário
um estudo de outros fatores presentes no desenho.
O autor também destaca o valor narrativo do desenho, que está relacionado
ao tema do desenho e da preferência da criança e suas motivações.
Raramente a criança escolhe seu tema pela sugestão de terceiros,
freqüentemente e a situação que determina a escolha do objeto, como uma
temporada na praia ou em outra cidade, um passeio no Jardim Zoológico ou ao
circo, estes assuntos tendo sempre um grande valor evocativo. Lembra-se
também das grandes festas como: o Natal, a Páscoa, ou fatos e notícias que
estejam sendo destacados no cotidiano da criança, ou simplesmente uma
novidade como o avião a jato, foguetes, etc. Às vezes, não é o próprio objeto que
a estimula mas, uma fotografia ou uma imagem que o representa. Em geral, a
escolha do tema é determinada por duas motivações: primeiramente o desejo de
representar um determinado objeto e o prazer de reproduzir certos esquemas
gráficos habituais, depois a tentativa de aplica-los à representação de outros
objetos, que não seriam escolhidos por si mesmos. A imitação direta do objeto
percebido tem apenas um papel secundário. Ou seja, a escolha dos objetos e a
escolha dos temas se relacionam intimamente.
CAPÍTULO IV
O desenho na escola
Estudando o desenho como um todo e as partes do corpo humano, DI LEO
cita Machover que apresentou uma maneira pioneira de um método para
interpretação dos desenhos da figura humana.
Na suposição de que os desenhos sejam projeções da imagem corporal, a
estudiosa citada acima, identificou inúmeros indicadores específicos, em que
foram atribuídos significados à maneira em que as partes do corpo eram
enfatizadas ou emitidas.
Para pesquisadores, uma avaliação global dos desenhos é valiosa, não
negligenciando o significado de detalhes. Pois, deve-se ter uma atenção especial,
quando houver muitos elementos apontando na mesma direção. Assim como,
muitos itens são requeridos para avalidação, não se trata apenas de uma questão
de números, e sim de qualidade.
Acredita-se que uma primeira visão global dos desenhos deva preceder e
esboçar o contexto para avaliação de partes individuais. As partes são
significativas em sua inter-relação com o todo. Os elementos parciais afetam o
todo e reciprocamente, conseguem sua significância dentro do contexto global.
4.1 – As crianças são produtoras, criativas e descobridoras do mundo.
Dependendo da fase do desenho da criança, a presença ou ausência de
partes da figura humana pode ter um significado conceptual ou afetivo.
Admite-se que na evolução da figura humana, se encontra a importância com
a qual a criança vê as partes do corpo.
A primeira representação que a criança faz é um círculo, que identificará
espontaneamente como uma pessoa, e mais especificamente como uma cabeça.
Tipicamente, em crianças pré-escolares, a cabeça é desproporcionalmente maior,
dominando a figura. Conforme ela vai amadurecendo, seus desenhos se tornam
mais realistas e, a figura humana e suas partes assumem proporções mais
objetivas.
DI LEO acredita que existem características nos estilos dos desenhos e
conteúdos que são simbólicas dos sentimentos e atitudes da criança. Estas
podem ser expressas pela criança ao desenhar o grupo familiar. A omissão de si
mesmo no grupo é geralmente vista em desenhos de crianças que se sentem
rejeitadas. Os sentimentos de isolamento também podem ser expressos pela
distância, tal qual quando a criança em seu desenho separa a si mesmo dos pais
pela colocação de uma mobília ou aparelho de TV, como exemplo. A colocação do
sujeito perto ou longe de um dos pais ou irmãos indica preferência ou sentimentos
negativos. O genitor dominante provavelmente será desenhado maior que o outro,
sem serem levados em conta suas reais dimensões. A resistência para desenhar
a família tem sido notada em crianças cuja vida no lar é caracterizada por tumulto
e violência, e que adquiriram uma imagem intensamente negativa da família, ou
de crianças oriundas de lares desfeitos. Mesmo entre essas crianças
traumatizadas, a resistência na maioria das vezes é rara. Mais comumente,
desenham o grupo familiar, no qual incluem todos os seus irmãos e a si mesmos,
mas omitem seus pais, pois são de quem necessitam como um modelo de papel a
desempenhar.
Desenhando para sua própria satisfação, as crianças retratam pessoas,
casas, árvores e sol. Estes temas são vistos nos trabalhos de crianças de todas as
terras e culturas e atestam a universalidade básica da mente e dos sentimentos.
As crianças pequenas tendem a ignorar ou a transformar a realidade num mundo
subjetivo, rico em fantasias. Os desenhos são representações e não reproduções.
As crianças consideram pessoas, casas e árvores como influências
significativas em suas vidas. Ao desenhá-las, ignoram que estão comunicando
mais sobre si mesma do que sobre o que desenharam.
A escolha do tema expressa os interesses e necessidades da criança. A
casa simboliza o lugar onde são buscados afeto e segurança, necessidades
básicas que encontram preenchimento na vida familiar. Os animais são
seguidamente adicionados como parte da família. Árvores, flores e o sol aparecem
como expressão da crescente necessidade por luz, natureza e um mundo além
dos confins do lar.
Antes dos sete anos, a criança desenha o que sabe que deve estar lá,
ignorando como ou se realmente está visível.
Quando solicitadas a desenhar uma casa, as crianças, invariavelmente,
desenharão o exterior. Se a casa é percebida como um lar, com todas as suas
conotações de calor, proteção, segurança e amor, as crianças poderão vitalizá-la
com as pessoas significativas em suas vidas.
DI LEO também se refere a Hammer que encontra significância nos
desenhos de árvore, supõem que as três principais partes da árvore se referem
aos três maiores campos da personalidade: o tronco está relacionado a vida
emocional; as raízes à vida instintiva e a copa à vida intelectual e social.
A predominância da vida emocional é expressa em grandes troncos nos
desenhos infantis da árvore. Juntamente com pessoas, casas, animais e o sol, as
árvores são vistas freqüentemente nos desenhos espontâneos das crianças, em
que o tronco é mais enfatizado até perto dos sete anos.
4.2 – A criança e as mudanças sociais.
Em reportagem do jornal “O Globo” (Maio/2002) surge nos desenhos infantis
um novo perfil da mãe, aparecem: a mãe que trabalha fora, a que vive separada
do pai, ou a que tem namorado, a que usa computador, secretárias eletrônicas e
microondas, tudo em estilo moderno e atual. É raro encontrar nos desenhos
atuais, a mãe na cozinha ou em seus afazeres domésticos. As crianças refletem
no papel o que vivenciam em sua casa.
A psicóloga ANDRADE, L. diz que as crianças perderam hoje em tempo
disponível com a mãe, mas ganharam em qualidade. “- A ausência da mãe não é
prejudicial para a criança. Ao contrário, faz com que as crianças fiquem mais
independentes e criativas. Estou convencida de que assistência hoje dada aos
filhos é muito mais eficaz do que antes. As atribuições passaram a ser divididas
entre os pais e a escola, resultando em uma formação mais rica para a criança.”
Pode ser citado o exemplo de um aluno de quatro anos em atividade sobre o
dia das mães desenhou a si próprio com a mãe na academia. Quer dizer, a mãe
está mais ligada aos filhos quando sobra tempo para o lazer.
DERDYK em seu livro tem como objetivo: pensar o desenho de uma maneira
que possa enriquecer a criança e toda sua bagagem expressiva. Para a autora a
criança é um ser em contínuo movimento, em estado de eterna transformação
física, perceptiva, psíquica, emocional e cognitiva que promove um espírito
curioso, atento e experimental.
A criança está integralmente presente em tudo o que faz, principalmente
quando existe um espaço emocional que o permita. A criança vivência, organiza,
operacionaliza, elabora, projeta, constrói, destrói em busca de novas
configurações.
Não há dúvidas de que todas as pessoas são criadoras, independentes de
sua formação cultural, de sua atividade, de sua origem racial ou geográfica.
A autora refere-se à Ostrower que diz:
“O processo vivencial está diretamente ligado ao
processo criativo”. (1994: p. 12)
Ou seja, a escola funciona como um canal que operacionaliza dentro da
sociedade a passagem de conteúdos que representam e participam de uma visão
cultural, regional e universal do patrimônio humano de conhecimento.
A simples observação do vôo de uma borboleta no quintal, dos carros na
rua, a vontade de colecionar caixinhas, enfim, são interesses que focalizam áreas
de conhecimento. São percepções em busca de generalizações.
O ato de conhecer e o ato de criar estabelecem relações: ambos suscitam a
capacidade de compreender, relacionar, ordenar, configurar e significar. Na busca
do conhecimento reside a motivação humana para criar e o homem cria porque
necessita existencialmente.
Ainda citando Ostrower, que acrescenta:
“Pensamos que o criar, tal como o viver, é um processo
existencial”. (1994: p. 12)
4.3 – O papel do educador e suas relações na sala de aula.
Deve-se propor ao educador que haja um relacionamento sensível e integral
com o universo gráfico infantil. O educador a partir do reconhecimento da própria
capacidade de desenhar, terá um novo significado no encontro entre o adulto e a
criança.
Se o educador das séries iniciais não possuir uma vivência prática e efetiva
das linguagens expressivas; facilmente incorrerá em erros grosseiros na
avaliação das garatujas e rabiscos, sendo vistos por ele como uma atividade sem
valor.
Segundo ANGOTTI, Freinet dizia ao referir-se à tarefa do educador:
“Educar não é uma fórmula de escola, mas uma obra
de vida”. (2002: p. 67)
A vivência prática ocupa um papel fundamental e inegável: sendo fato vivido
o educador mantém um grau de verdade naquilo que acredita como processo, o
educador “ouve” melhor as crianças.
A criança é um ser global que mesclas suas manifestações expressivas:
canta ao desenhar, pinta o corpo ao representar, dança enquanto canta, desenha
enquanto houve histórias ou após a história, representa enquanto fala ou até
silencia. Para o educador da pré-escola é essencial absorver a inter-relação e
interdependência de todas as instâncias físicas, psíquicas, emocionais, culturais,
biológicas, simbólicas, enfim, de tudo o que contribui para o pleno
desenvolvimento da criança. O ato de desenhar impulsiona tais manifestações,
numa unidade indissolúvel, possibilitando uma grande caminhada para o mundo
do imaginário.
DERDYK cita Artegas que diz:
“O desenho é linguagem, também enquanto linguagem
é acessível a todos”. (1994: p. 18)
Assim sendo, o desenho possui uma natureza específica, particular em sua
forma de comunicar uma idéia, uma imagem, um signo, através de determinados
suportes como: papel, cartolina, lousa, muro, chão, areia, madeira, pano, lixa,
utilizando determinados instrumentos: giz, lápis de cor, lápis cera, pincel, tinta
gouache, cola colorida, carvão, hidrocor e outros.
Alguns professores ansiosamente descarregam técnicas para a criança
“aprender a desenhar”, inibindo, desta forma, qualquer tipo de exploração tanto ao
uso do material quanto à manifestação de elementos gráficos que expressem seu
imaginário pessoal.
Segundo NICOLAU:
“O professor deve ser apenas um estimulador da
atividade infantil. É preciso que ele respeite as
individualidades e não interfira no processo, na forma
ou no ritmo de modelar da criança. Cabe a ele ser um
conselheiro técnico, orientando os alunos nos
momentos necessários”. (1997: p. 135)
4.4 – O desenho x auto-avaliação.
Toda atividade, assim como o desenho, depois de terminada deve ser
apreciada e avaliada também pelas próprias crianças, para que elas desenvolvam
a auto-avaliação, a avaliação em grupos e que sejam críticas.
DERDYK destaca Andrade que diz:
“O verdadeiro limite do desenho não implica de
forma alguma o limite do papel, nem mesmo
pressupondo margens”. (1994: p. 23)
É muito natural para a criança de dezoito meses, se expandir para fora dos
limites do papel. Aos poucos, a criança vai percebendo as bordas, as pontas, a
existência do campo do papel.
DERDYK afirma:
“O desenho enquanto linguagem, requisita uma postura
global. Desenhar não é copiar formas, figuras, não é
simplesmente proporção, escala. A visão parcial de um
objeto nos revelará um conhecimento parcial desse
mesmo objeto. Desenhar objetos, pessoas, situações,
animais, emoções, idéias são tentativas de aproximação
com o mundo. Desenhar é conhecer, é apropriar-se”.
(1994: p. 24)
A linha, elemento essencial da linguagem gráfica, não se subordina a uma
forma que neutraliza suas possibilidades expressivas. A linha pode ser uniforme,
precisa e instrumentalizada, mas também pode ser ágil, densa, trepidante,
redonda, firme, reta, espessa, fina, permitindo infindáveis possibilidades
expressivas.
A linha revela a nossa percepção gráfica, quanto maior for o nosso campo
perceptivo, mais revelações gráficas iremos obter. A agilidade e a transitoriedade
natural do desenho acompanham a flexibilidade e a rapidez mental, numa
integração entre os sentidos, a percepção e o pensamento. Nos dicionários, a
linha é entendida como contorno, elemento configurador subordinado à forma.
Geralmente, entendemos o desenho como “coisa de lápis e papel” a
representação de algum objeto. Seja no significado mágico que o desenho
assumiu para o homem das cavernas, seja no desenvolvimento do desenho para
a construção de maquinários no início da era industrial, seja na sua aplicação
mais elaborada para o desenho industrial e arquitetura, seja na função de
comunicação que o desenho exerce na ilustração, nas histórias em quadrinhos,
o desenho reclama a sua autonomia e a sua capacidade de abrangência como
um meio de comunicação, expressão e conhecimento.
4.5 – Desenho é linguagem?
Enquanto a criança desenha, há um fato muito importante que se deve levar
em conta: a sua “fala” e a sua “escrita”. Alguns adoram desenhar cantando,
murmurando ou saltando gritos. Outras voltam a atenção somente para o papel,
atuam em silêncio. Seja qual for a forma, ao terminar o seu desenho, geralmente
a criança pára e olha o que fez, pois o resultado também é importante para si
mesma. Reage diversificadamente: gosta ou não gosta, quer guardar ou jogar
fora. A criança quer ter o poder de decisão quanto ao destino de seu trabalho. Ela
vai-se expressar diante do que foi concretizado, pois aquilo que foi desenhado é o
que se passava dentro de sua cabecinha e do seu coração. É a sua intimidade
sendo exposta e revelada.
A aquisição da fala propicia uma nova relação da criança com o universo,
com os objetos, situações e seres. Nos primeiros anos de vida, para a criança o
objeto só existe ao estar a sua frente, caso contrário, não há existência. Com o
surgimento da fala, este objeto é permanente para si, tanto exposto quanto
excluso. A palavra se torna um instrumento para a criança elaborar seus medos,
angústia e emoções.
A palavra representa o objeto, a pessoa ou o fato. Desenhar e falar são duas
linguagens que se interagem, são duas naturezas representativas que se
confrontam, exigindo novas operações de correspondência.
Por outro lado, a palavra pode transformar o rabisco ou signos gráficos num
personagem capaz de narrar uma “estória” ou “estórias”. A criança torna-se o
intérprete do seu próprio desenho, entra num jogo entre o real e o imaginário.
Conclui-se que desenhar e falar são duas maneiras de interpretar. A criança não
esquece nada, assimila tudo o que vê e o que vive. Às vezes, o resultado do
desenho não correspondeu ao grau de intensidade vivido no momento em que
estava desenhando. Mas, com certeza manifestam-se operações mentais como:
imaginar, lembrar, sonhar, observar, associar, relacionar, simbolizar e
reapresentar.
WIDLOCHER diz que o desenho e Pedagogia estão ligados. A importância
do desenho nas atividades espontâneas das crianças não podia deixar
indiferentes os pedagogos. Mas é preciso distinguir dois problemas: o uso dos
desenhos nos métodos gerais da educação e o papel da educação no progresso
da atividade gráfica.
Sem dúvida, o ensino e a educação procuram preparar a criança para as
tarefas do adulto. A criança que desenha não acredita que se entrega a um
divertimento gratuito, sem fins.
Uma das tarefas do ensino é desenvolver o sentido de observação e ajudar
a criança a recolher novos conhecimentos a partir de dados experimentais orais e
escritos que lhe são apresentados. Sobretudo com as crianças, o desenho é
neste particular de muita importância.
O autor destaca Luquet que não discorda:
“Um dos papéis universalmente e a justo título
reconhecido ao ensino do desenho é desenvolver o
sentido de observação. É certo que fazendo a criança
desenhar, ou seja, dando-lhe oportunidades,
chamamos sua atenção sobre alguns motivos, aos
quais provavelmente, ela não se interessaria por conta
própria”. (1991: p. 232)
Assim sendo, são os reconhecimentos que a criança projeta no desenho que
lhe servem para figurar a realidade. A criança antes de desenvolver suas aptidões
narrativas e descritivas pelas palavras, encontra no desenho um meio de exprimir
e de fixar suas descobertas.
Para DERDYK, o papel do educador e também orientar a investigação da
criança. Se a criança lhe pede um conselho ou se é incapaz de cumprir sua
tarefa, cabe a ele ajudá-la a investigar mais atentamente o objeto, a se recordar
dos detalhes expressivos negligenciados, mas sem lhe indicar as formas úteis
desta expressão. É a expressão gráfica que o educador deve encorajar, do
mesmo modo como desenvolve a expressão oral ou escrita. A criança que
desenha é a criança que aprende a ver.
4.6 – Repensando sobre o significado do desenho infantil.
WIDLOCHER comenta que atualmente, muitos pais e certos educadores,
interessados pelo desenho, exigem ansiosamente que a criança faça grandes
progressos. Já o ensino tradicional do desenho não se preocupa muito com um
trabalho crítico, pois a criança desenha como bem entende. A criança não procura
antes de tudo o “belo”, ela procura sobretudo o “significar”.
O educador deve permitir que a criança aproveite materiais e recursos que
postos á sua disposição, estimulem seu gosto pela própria matéria da pintura e do
desenho em si.
O desenho não é jamais uma atividade isolada. Como todo meio de
comunicação, inscreve-se num contexto: o da relação entre a criança que
desenha e seu público. Pois, conhecê-lo é tão necessário a quem deseja aprender
os sinais gráficos.
ANGOTTI refere-se à Freinet, que em uma das suas invariantes diz:
“Todos gostam de escolher seu próprio trabalho,
mesmo que essa escolha não seja a mais vantajosa”.
(2002: p. 52)
E ainda especifica que suas técnicas desejam a libertação do pensamento
infantil. Para Freinet, o desenho, a música, a pintura, entre outras, sob a
orientação do educador, permitem a expressão da criança dentro do período de
desenvolvimento em que se encontra.
Enfim, todos os pontos abordados são fundamentais para que se desenvolva
um excelente trabalho com o desenho no cotidiano escolar.
Concluindo este capítulo, foram selecionados três trabalhos de criança
realizados em sala de aula. Baseando-se nas características gráficas
apresentadas pelos diferentes estudiosos, fêz-se uma avaliação de cada um dos
desenhos. Foram feitos por crianças de três, quatro e cinco anos, que freqüentam
uma escola da rede particular, situada na zona norte. Pertencem a famílias de
classe média alta.
O primeiro desenho foi feito por uma criança de três anos, que o identificou
como: “Minha Cabeça”. É uma criança bastante tímida e calma.
Observa-se, baseando-se em Di Leo que a criança aperta o lápis com a
ponta dos dedos, fazendo poucas linhas, minúsculas e visíveis.
Está na fase da garatuja, executando o círculo. Percebe-se que usou a mão
direita, pois o movimento da linha seguiu a direção dos ponteiros de relógio até
fechar o círculo, o olho seguiu o movimento da mão.
Conforme Derdyk o aparecimento do círculo, é o aparecimento da forma
fechada, do corpo.
A autora do segundo desenho é uma criança de quatro anos, que identificou-
o como: “Meu Corpinho”. É uma criança bastante comunicativa e agitada.
O desenho manifestou expressão de auto-confiança e sentimentos de
segurança através da presença da figura vigorosa, contínua e livremente,
conforme coloca Di Leo, desenhou a figura do corpo humano grande para indicar
a sua importância.
A criança combinou seus elementos gráficos, havendo o aparecimento de
círculos enfileirados e contínuos (nos pés), traços contínuos (nos braços e pés),
traços verticais e horizontais (no tronco do corpo), gerando assim novas
configurações. Estas características estão de acordo com observações de Derdyk.
Houve preferências pelas linhas retas e ângulos, indicando uma criança
realista, agressiva e revoltada, mas dotada de iniciativa. Observa-se a combinação
e predominância de cores fortes, como o vermelho que exprime movimentos de
hostilidades e disposições combativas, o marrom que indica uma necessidade de
fazer sujeira, o verde está ligado à uma reação contra a disciplina, características
apresentadas por Widlocher.
O terceiro desenho pertence a uma criança de cinco anos, que o chamou de:
“Minha família”. É uma criança esperta, alegre e simpática.
Observa-se que o seu desenho foi planejado, ou seja, houve uma
organização das figuras quanto ao tamanho e espaço, ocorrendo simetria e
equilíbrio das figuras. Houve predominância de linhas curvas e verticais, que
apontam para uma criança bastante imaginativa.
Evidencia-se uma aproximação com o real, a presença do pai, da mãe, dela
própria e da irmã recém-nascida. Seus traços são firmes e contínuos, dando
formas e significados no papel. A análise baseia-se em Di Leo.
A predominância de cores fortes, indica ser uma criança segura, tal como se
verifica no trabalho apresentado, a preferência pela cor laranja indica alegria,
felicidade e paz, o que tem tudo haver com a tal situação presente. A avaliação
apoia-se em Widlocher.
CONCLUSÃO
Evidenciou-se no decorrer deste trabalho a grande importância do desenho
infantil em sala de aula. O desenho contribui para uma boa relação
professor/aluno e, sendo um instrumento indispensável no desenvolvimento de
conteúdos no cotidiano escolar.
Ficou bastante enfatizado que a visão do professor sobre o desenho infantil é
fundamental na sua utilização em sala de aula. Ressalta-se seu papel para o
desenvolvimento cognitivo, intelectual, emocional e social do indivíduo.
Constata-se, outrossim, que a escola é um lugar privilegiado onde o desenho
não é visto como uma recreação, e sim como uma atividade indispensável, em
que a criança é um ser ativo, buscando suas regras, sua imaginação e
concentração, havendo pelo professor um trabalho de estimulação que envolva
seu aluno como um todo, buscando suas emoções, angústias e principalmente
sua sinceridade.
O estudo realizado permite-me afirmar que grande número de crianças
adoram desenhar, entregando-se de corpo e alma, entrando no seu mundo
imaginativo, na busca de sonhos e realidades, demonstrando através do desenho
suas preferências, suas diferenças e o seu jeito de ser.
Muitas crianças valorizam o ato de desenhar, expressando seus
sentimentos, suas vontades, enfim, sua liberdade de representação.
Os diversos autores, que foram citados durante este trabalho, reforçam a
importância do desenho em sala de aula, demonstrando seus pontos e aspectos
relevantes.
Enfim, a criança precisa sentir que na pré-escola há um espaço para o
desenho e, que este faz parte das diversas áreas fundamentais de conhecimento,
no qual o papel do educador deve ser o de criar situações de complexidade
crescente e deixar as crianças elaborarem a solução segundo seu nível de
desenvolvimento.
Concluo este trabalho com Claparède:
“O DESENHO É UM PEDACINHO DA ALMA
DA CRIANÇA JOGADO NO PAPEL”.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
• ANGOTTI, Maristela. O trabalho docente na pré-escola. 2ª ed. São
Paulo: Afilada, 2002.
• DERDYK, Edith. Formas de pensar o desenho: desenvolvimento do
grafismo infantil. 2ª ed. Rio de Janeiro: Scipione, 1994.
• DI LEO, J. H. A interpretação do desenho infantil. 4ª ed. Porto Alegre: Artes
Médicas, 1995.
• FROÉS, L. Imagens de mãe: os desenhos das crianças entre quatro e sete
anos revelam o novo perfil das mães do século XX in: O GLOBO, Jornal
da Família, Rio de Janeiro: maio, 2002.
• LOPES, J. Jean Piaget: a lógica própria da criança como base de ensino in:
Revista Nova Escola, São Paulo: ANO XI - nº 95, agosto, 1996, p. 8-15.
• KRAMER, Sônia. Com a pré-escola nas mãos: uma alternativa curricular
para a educação infantil. 7ª ed. São Paulo: Ática, 1994.
• MERÈDIEU, Florence. O desenho infantil. 8ª ed. São Paulo: Cultrix, 2001.
• MOREIRA. Ana A. Albanão. O espaço do desenho: a educação do
educador. 4ª ed. São Paulo : Loyola, 1997.
• NICOLAS, A. Introdução ao pensamento de Jean Piaget. 6ª ed. Fahar
Editores, 1998.
• NICOLAU, Marieta Lúcia Machado. A educação artística da criança. 3ª ed.
São Paulo: Ática, 1997.
• PIAGET, Jean. Seis estudos de Psicologia. 24ª ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2002.
• WIDLOCHER, Daniel. Interpretação dos desenhos infantis. 3ª ed. Rio de
Janeiro: Vozes, 1991.
ÍNDICE
• Folha de rosto...................................................................................... i
• Agradecimentos................................................................................... ii
• Dedicatória .......................................................................................... iii
• Epígrafe .............................................................................................. iv
• Metodologia .................................................................................. ..... v
• Resumo .............................................................................................. vi
• Sumário .............................................................................................. vii
• Introdução ........................................................................................... 01
• Capítulo I – O desenho infantil, por quê? ........................................... 04
1.1 – Experimentando e desenhando ................................... 04
1.2 – Desenho infantil: Passatempo ou atividade
comprometida? ........................................................... .. 06
1.3 – O desenho na infância.................................................. 07
• Capítulo II – O desenvolvimento cognitivo ........................................ 10
2.1 – A evolução dos estágios do desenvolvimento infantil 10
2.2 – As etapas de adaptação do indivíduo ............................ 12
2.3 – A infância e suas relações (linguagem x pensamento)... 15
2.4 – Desenvolvimento Infantil x
Desenvolvimento Cognitivo Piagetiano
................................................................... 20
• Capítulo III – A criança e o desenho ................................................... 22
3.1 – O desenho infantil e as relações sociais ........................ 22
3.2 – As fases do grafismo ..................................................... 23
3.3 – O estilo dos desenhos infantis........................................ 24
3.4 – Personalidade infantil e suas relações com o grafismo. 28
3.5 – O surgimento do círculo.................................................. 31
3.6 – O desenho e o real ........................................................ 32
3.7 – O espaço físico e o desenho........................................... 34
3.8 – Desenho infantil como comunicação social.................... 38
• Capítulo IV – O desenho na escola ...................................................... 41
4.1 – As crianças são produtoras, criativas e descobridoras
do mundo....................................................................... 41
4.2 – As crianças e as mudanças sociais ................................ 44
4.3 – O papel do educador e suas relações na sala de aula.... 46
4.4 – O desenho x auto-avaliação............................................ 47
4.5 – Desenho é linguagem?.................................................... 49
4.6 – Repensando sobre o significado dos desenhos infantis.. 51
• Conclusão ...............................................................................................58
• Referências Bibliográficas...................................................................... 60
• Índices.....................................................................................................62
• Anexos .................................................................................................. 64
ANEXOS