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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
PROJETO A VEZ DO MESTRE
PAULO FREIRE : A TRAJETÓRIO DE UM MITO DA EDUCAÇÃO NO BRASIL
Por : Frutuoso Medeiros Gutierrez
Orientadora
Profª. Mary Sue
Rio de Janeiro
2003
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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
PROJETO A VEZ DO MESTRE
PAULO FREIRE: A TRAJETÓRIA DE UM MITO DA EDUCAÇÃO NO BRASIL
Apresentação de monografia à Universidade Candido Mendes como condição prévia para a conclusão do Curso de Pós-Graduação “Lato Sensu” em Docência do Ensino Superior. Por: . Frutuoso Medeiros Gutierrez
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AGRADECIMENTOS
Aos professores do Projeto a Vez do Mestre ( Docência Superior ) , por terem, de forma dinâmica, fervorosa e democrática, colocado em debate os grandes temas da Educação.
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DEDICATÓRIA
a Lúcia, Anderson, Bárbara e Leandro querida esposa, e amados filhos.
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RESUMO Basicamente, a presente monografia mostra o caminhar do professor Paulo Freire, enquanto pessoa e também, os aspectos que são considerados mais importantes de sua teoria pedagógica. Realizada a partir de extensa pesquisa teórica, em livros, bem como, em textos disponibilizados na Internet, mescla informações, tanto de sua vida pessoal, como também, de sua prática educacional, com depoimentos do próprio Paulo Freire, a respeito dos assuntos tratados. Dessa forma, foi possível agrupar muitos dados biográficos de Freire que se encontravam dispersos em muitas publicações diferentes. Bem como, "escutar" o testemunho do próprio Paulo Freire, nas entrevistas transcritas, que revelam, com detalhes, o talento, o amor e as virtudes que nortearam a vida deste grande brasileiro, cidadão da humanidade. Assim, foi possível, reunir neste trabalho, detalhes da formação educacional do jovem Paulo Freire, como o seu depoimento emocionado à respeito de sua primeira professora, bem como, relatos de suas caminhadas internacionais, durante o exílio forçado à que foi submetido pela ditadura militar em 1964, o seu retorno ao Brasil, com o processo de anistia, bem como, o seu depoimento à respeito de sua passagem pela Secretaria de Educação da cidade de São Paulo. Enfim, procurou-se conhecer ( e divulgar ), um pouco mais, da vida e do pensamento do magnifico educador Paulo Reglus Neves Freire, filho do militar nordestino Joaquim Temístocles Freire e de Edeltrudes Neves Freire, que gostaria de ser lembrado "como alguém que amou o mundo, as pessoas, os bichos, as arvores, a água, a vida".
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METODOLOGIA
Para a realização deste trabalho, foi utilizado basicamente a pesquisa
bibliográfica, com destaque para as obras publicadas do grande professor Paulo
Freire e outros livros e textos de outros autores, bem como, pesquisa efetivada junto
à Internet.
Procuramos levantar dados significativos de sua biografia pessoal e os
elementos teóricos mais importantes de seu pensamento pedagógico, utilizando
depoimento e textos pessoais de Paulo Freire , para enriquecer o conteúdo desta
proposta.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 08 CAPÍTULO I - De Pernambuco para o mundo, a trajetória do mito 09 CAPÍTULO II - O Método Paulo Freire 22 CAPÍTULO III- A Pedagogia do oprimido e "demais pensares" 26 CONCLUSÃO 35 ANEXOS 37 BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 38 ÍNDICE 40 FOLHA DE AVALIAÇÃO 42
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INTRODUÇÃO
Se Paulo Freire estivesse vivo, completaria 82 anos em 19 de setembro. Morto
em maio de 1997, seu pensamento continua vivo e as suas idéias estão
definitivamente estampadas na pedagogia praticada nas últimas décadas no Brasil e
em muitas outras partes do mundo.
Poucos brasileiros, tiveram o prestigio e a consagração que ele teve ainda vivo.
Mais do que o reconhecimento pelo grande trabalho teórico e prático que ele
desenvolveu durante toda a sua vida, assistimos o ilustre professor Paulo Freire se
transformar num verdadeiro “mito” , com todos os méritos possíveis, tendo em vista
a fecundidade de sua produção de conhecimentos na área da educação e também,
porque não dizer, na esfera da política, pois o seu método implica um caminhar lado
a lado do processo educativo com o processo de conscientização social e política das
camadas mais oprimidas da população.
A vida e a obra de Paulo Freire foram marcadas pela sua nítida opção a favor
dos pobres e oprimidos. Desde menino, em Recife, sua terra natal, ele deve ter
observado as dificuldades de vida das classes mais desfavorecida e dessa convivência
deve ter germinado, toda a indignação contra as injustiças e o sua grande vontade de
transformação da sociedade, onde não teria lugar para o autoritarismo , a
discriminação e as desigualdades.
Inspirador de um método revolucionário que alfabetizava em 40 horas, sem
cartilha ou material didático convencional, Paulo Freire, talvez seja o educador
brasileiro mais estudado ainda nos dia de hoje. Também teve o reconhecimento
internacional, tendo recebido dentro outros, o Prêmio Rei Balduíno para o
Desenvolvimento, em 1980 na Bélgica, e o Prêmio UNESCO da Educação para a
Paz em 1986.
E é dentro deste contexto que surge o objetivo da presente monografia, no
sentido de enaltecer a figura de Paulo Freire, este grande brasileiro, procurando
descrever , de forma bem resumida, a sua trajetória como homem teórico/prático da
educação , a sua atuação política , bem como, reunir ponderações em torno de sua
produção teórica.
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CAPÍTULO I
De Pernambuco para o mundo: a trajetória do mito
“ Quanto mais investigo o pensar do povo
com ele, tanto mais nos educamos juntos. Quanto
mais nos educamos, tanto mais continuamos
investigando.”(Paulo Freire)
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1.1 - INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA
Paulo Reglus Neves Freire, popularmente conhecido pôr Paulo Freire, nasceu
em Recife em 19 de setembro de 1921, filho de Joaquim Temístocles Freire e
Edeltrudes Neves Freire. Seu pai era riograndense do norte que, para ganhar a vida,
terminou entrando para o Exército. Foi primeiro-sargento do Exército e
posteriormente chegou ao posto de capitão da Policia Militar.
A mãe de Paulo Freire escreveu no livro de bebê dele: “Paulo nasceu numa
segunda-feira de tristeza e aflições, pois o seu Papá estava muito mal, sem
esperanças de restabelecer-se, quase que o Paulinho seria órfão ao nascer, porém, o
bom Jesus livrou-o dessa desaventura, presenteou-o restituindo a saúde ao seu Papá”.
Em outro trecho ela diz: “ ele é naturalmente carrancudo, porém muito amável.
brinca pouco, fica sempre apreciando os irmãos brincarem”. Paulo Freire , diz sua
mãe, não se conformava em ir à aula sem as lições prontas, chorava demais;
enquanto não tinha certeza que sabia, não comparecia à aula. Começou sua leitura
iniciado pôr sua mãe escrevendo palavras com gravetos de mangueiras, à sombra
delas.
Aos 10 anos de idade foi morar em Jaboatão, cidade vizinha de Recife. Nela,
aos 13 anos ele perde o pai, nessa época, sentiu o sofrimento quando viu a mãe, lutar
para sustentar a família formada pôr ele e mais três irmãos. Sofreu a angustia devido
às coisas perdidas e às provações materiais.
“Mas foi também em Jaboatão que sentiu, aprendeu e viveu a alegria no jogar
futebol e no nadar pelo rio Jaboatão vendo as mulheres, de cócoras, lavando e
batendo nas pedras a roupa que lavavam para si, para a própria família, e para as
famílias mais abastadas. Foi lá também que aprendeu a cantar e assobiar, coisas que
até hoje tanto gosta de fazer, para se aliviar do cansaço de pensar e das tensões da
vida do dia-a-dia aprendeu a dialogar na roda de amigos e aprendeu a valorizar
sexualmente, a namorar e a amar as mulheres e pôr fim foi lá em Jaboatão que
aprendeu a tomar para si, com paixão, os estudos da sintaxes popular e erudita da
língua portuguesa. Assim Jaboatão foi um espaço-tempo de aprendizagem, de
dificuldades e de alegrias vividas intensamente, que lhe ensinaram a harmonizar o
equilíbrio entre o ter e o não ter, o ser e não ser, o poder e não poder, o querer e não
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querer. Assim forjou-se Freire na disciplina da esperança”. (Pedagogia da Esperança,
p.222).
Foi em Jaboatão que Paulo Freire concluiu a escola primária. Em seguida, fez o
primeiro ano ginasial no Colégio 14 de Julho. Após este primeiro ano de estudos
secundários, ingressou no Colégio Oswaldo Cruz, também em Recife. Neste
educandário, completou os sete anos dos estudos secundários - curso fundamental e
pré-jurídico.
A seguir, transcrevemos texto de Paulo Freire para ilustrar com mais detalhes
este período de sua vida:
”MINHA PRIMEIRA PROFESSORA
A primeira presença em meu aprendizado escolar que me causou impacto, e causa
até hoje, foi uma jovem professorinha. É claro que eu uso esse termo, professorinha,
com muito afeto. Chamava-se Eunice Vasconcelos (1909-1977), e foi com ela que eu
aprendi a fazer o que ela chamava de "setenças".
Eu já sabia ler e escrever quando cheguei à escolinha particular de Eunice, aos 6
anos. Era, portanto, a década de 20. Eu havia sido alfabetizado em casa, por minha
mãe e meu pai, durante uma infância marcada por dificuldades financeiras, mas
também por muita harmonia familiar. Minha alfabetização não me foi nada
enfadonha, porque partiu de palavras e frases ligadas à minha experiência, escritas
com gravetos no chão de terra do quintal.
Não houve ruptura alguma entre o novo mundo que era a escolinha de Eunice e o
mundo das minhas primeiras experiências - o de minha velha casa do Recife, onde
nasci, com suas salas, seu terraço, seu quintal cheio de árvores frondosas. A minha
alegria de viver, que me marca até hoje, se transferia de casa para a escola, ainda que
cada uma tivesse suas características especiais. Isso porque a escola de Eunice não
me amedrontava, não tolhia minha curiosidade.
Quando Eunice me ensinou era uma meninota, uma jovenzinha de seus 16, 17 anos.
Sem que eu ainda percebesse, ela me fez o primeiro chamamento com relação a uma
indiscutível amorosidade que eu tenho hoje, e desde há muito tempo, pelos
problemas da linguagem e particularmente os da linguagem brasileira, a chamada
língua portuguesa no Brasil. Ela com certeza não me disse, mas é como se tivesse
dito a mim, ainda criança pequena: "Paulo, repara bem como é bonita a maneira que
a gente tem de falar!..." É como se ela me tivesse chamado.
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Eu me entregava com prazer à tarefa de "formar sentenças". Era assim que ela
costumava dizer. Eunice me pedia que colocasse numa folha de papel tantas palavras
quantas eu conhecesse. Eu ia dando forma às sentenças com essas palavras que eu
escolhia e escrevia. Então, Eunice debatia comigo o sentido, a significação de cada
uma.
Fui criando naturalmente uma intimidade e um gosto com as ocorrências da língua -
os verbos, seus modos, seus tempos... A professorinha só intervinha quando eu me
via em dificuldade, mas nunca teve a preocupação de me fazer decorar regras
gramaticais.
Mais tarde ficamos amigos. Mantive um contato próximo com ela, sua família, sua
irmã Débora, até o golpe de 1964. Eu fui para o exílio e, de lá, me correspondia com
Eunice. Tenho impressão de que durante dois anos ou três mandei cartas para ela.
Eunice ficava muito contente.
Não se casou. Talvez isso tenha alguma relação com a abnegação, a amorosidade que
a gente tem pela docência. E talvez ela tenha agido um pouco como eu: ao fazer a
docência o meio da minha vida, eu termino transformando a docência no fim da
minha vida.
Eunice foi professora do Estado, se aposentou, levou uma vida bem normal. Depois
morreu, em 1977, eu ainda no exílio. Hoje, a presença dela são saudades, são
lembranças vivas. Me faz até lembrar daquela música antiga, do Ataulfo Alves: "Ai,
que saudade da professorinha, que me ensinou o bê-á-bá'" (Paulo Freire, publicado
pela Revista Nova Escola em dezembro de 1994).
Completa Paulo Freire: “Eu fiz a escola primária exatamente no período mais duro
da fome. Não da "fome" intensa, mas de uma fome suficiente para atrapalhar o
aprendizado. Quando terminei meu exame de admissão, era alto, grande, anguloso,
feio. Já tinha esse tamnho e pesava 47 quilos. Usava calças curtas, porque minha mãe
não tinha condições de comprar calça comprida. E as calças curtas, enormes,
sublinhavam a altura do adolescente. Eu consegui fazer, Deus sabe como, o primeiro
ano de ginásio com 16 anos. Idade com que os meus colegas de geração, cujos pais
tinham dinheiro, já estavam entrando na faculdade. Fiz esse primeiro ano de ginásio
num desses colégios privados, em Recife; em Jaboatão só havia escola primária.
Mas, minha mãe não tinha condições de continuar pagando a mensalidade e, então,
foi uma verdadeira maratona para conseguir um colégio que me recebesse com uma
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bolsa de estudos. Finalmente ela encontrou o Colégio Oswaldo Cruz e o
dono desse colégio, Aluízio Araújo, que fora antes seminarista, casado com uma
senhora extraordinária, a quem eu quero um imenso bem, resolveu atender o pedido
de minha mãe. Eu me lembro que ela chegou em casa radiante e disse: "Olha, a única
exigência que o Dr. Aluízio fez é que você fosse estudioso". Eu, poxa, eu gostava
muito de estudar e fui então para o Colégio Oswaldo Cruz, onde me tornei, mais
adiante, professor. Aluízio Araújo já morreu, mas Elza e eu tivemos a grande
satisfação de recebê-lo e à mulher, durante 15 dias, em nossa casa em Genebra, em
1977. E, em 1979, depois de quase 16 anos de exílio, quando viemos visitar o Brasil,
estavam os dois, Aluízio e Genove, no aeroporto em Recife, nos esperando. Ele já
bem acabado, velhinho, e jantamos juntos depois. Na nossa volta para Genebra ele
faleceu. E eu não tenho dúvida de dizer aqui, nesta entrevista, que se não fossem
eles, possivelmente esta entrevista não estaria sendo realizada. Foram eles que
criaram as condições para o meu desenvolvimento... É evidente que eles não
poderiam ter-me fabricado, as pessoas não são fabricadas, mas a dimensão de minha
experiência individual tem a ver muito com eles (In: Revista Ensaio, nº 4, 1985,p. 5).
1.2 - DA UNIVERSIDADE PARA O MUNDO
Aos 22 anos de idade, Paulo Freire ingressou na Faculdade de Direito do Recife,
fez esta opção por ser o único curso que a Universidade oferecia na área de ciências
humanas, na época. Não havia em Pernambuco curso superior de formação de
educador.
Antes de ter concluído seus estudos universitários, casou-se, em 1944, com a
professora primária Elza Maia Costa Oliveira, com quem teve cinco filhos. Nessa
época, também tornou-se professor de língua portuguesa do Colégio Oswaldo Cruz.
Com relação a sua formação de advogado, Paulo Freire, em entrevista
encontrada no site da Fundação Perseu Abramo (vide anexos) responde da seguinte
forma, quando indagado se chegou a exercer a profissão de professor:
“Todo jovem tem sua turma, seus colegas mais próximos. Dois ou três de nós
nos reunimos, alugamos um escritório e começamos a tentar trabalhar. Estudávamos,
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líamos, e claro que passamos todo um 5º ano sem Ter nenhum cliente. Depois nos
formamos, nos diplomamos e, um dia, apareceu um cliente para mim. A pessoa que
me procurou era um credor. Era o secretário do dono de uma loja que tinha vendido
um equipamento para o consultório de jovem dentista. O cara comprou e não pagou e
cabia a mim então chamá-lo para discutir as possibilidades de pagamento e acioná-lo.
Eu fiz uma cartinha e uma tarde um rapaz, que era da minha idade, chegou ao
escritório, tímido, nervoso, e disse: “Realmente eu devo e não posso pagar. Sou
recém-casado e tenho os meus móveis. O senhor pode acionar os móveis etc. O
senhor não pode tomar nem os instrumentos de trabalho nem minha filhinha de um
ano e pouco” Era exatamente a idade da minha filha mais velha. Eu olhei para o
moço e disse: “Olha você e sua mulher vão Ter no máximo um mês de paz, porque
daqui a quinze dias eu vou devolver essa causa ao dono da loja que está lhe
acionando. Ele vai passar mais quinze dias para achar um outro jovem como eu,
porque isso não é causa para um advogado de renome. O sujeito lhe escreve e são
mais oito dias. É uma pausa que você Ter para a família”. Voltei para casa e Elza,
minha primeira mulher, perguntou: “Como foi hoje no escritório?”. Essa é uma
pergunta que, de modo geral. Se burocratiza nas relações marido e mulher. A Elza
não perguntava burocraticamente. Ela estava mesmo interessada em saber o que
ocorria no escritório. Contei a ela a história, e que tinha encerrado a minha carreira
de Advocacia. Ela riu, me beijou e disse: “Eu sabia que um dia isso ocorreria. O que
você tem que fazer é Educação”.
Paulo Freire, escapou de lutar com a F.E.B., na Itália, durante a II Guerra
Mundial, justamente pelo trabalho de professor de Português que já exercia e
também, pelo seu corpo franzino, incompatível para um soldado.
No começo de 1946 foi convidado para trabalhar no Sesi – Serviço Social da
Industria, como diretor da Divisão de Educação, responsável por toda a rede escolar,
na época, chamada primária. Diz Paulo Freire : “Tem gente que só me entende como
educador de adultos. Mas a minha experiência também foi com crianças em escola
primária. Eu aprendi a fazer seminários de formação para professoras. Estes
seminários procediam a realização dos círculos de pais e professores em que a gente
se preparava enquanto escola para receber as famílias e discutir como melhorar a
prática docente na escola e a prática pedagógica na família. Foi no Sesi que eu
comecei a aprender a reunir as professoras para discutir os obstáculos que elas
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encontravam no trato com as crianças. Foi lá que eu fiz uma primeira pesquisa entre
as famílias para saber como é que elas encaravam os castigos aplicados a seus filhos
e filhas. Depois, passei a fazer uma jornada por todas as escolas que o Sesi mantinha,
debatendo com as famílias a possibilidade de supressão dos castigos violentos”.
Nessa época, ele também trabalhou um período com os pescadores, num centro
social do Sesi na área pesqueira de Pernambuco, diz Paulo Freire: “...Eu observei que
nos meus primeiros encontros com os pescadores, nem os entendia bem. Então
aproveitei um tempo livre, consegui uma casinha na praia e fui para lá com a minha
familia. Ficamos lá um mês e eu com uma cadernetinha, repetindo, sem saber, O
Guimarães Rosa, tomando nota das frases, das palavras que os pescadores usavam.
Eu ouvia largas histórias dos pescadores e perguntava: o que quer dizer isso? Faz mal
que registre? E explicava por que precisava registrar. Muitas vezes eu explicava que
aquilo que eles diziam com tal palavra eu dizia de outra forma. Foi aí que se
colocaram diante de mim, concretamente, certos problemas de linguagem; o
problema da sintaxe, o da semântica. A estrutura do pensamento diferente e a
significação das palavras dentro do contexto do discurso. Antes eu “falava para” os
pescadores, depois esse falar virou “falar com” os pescadores, porque eu usava todas
as metáforas que tinha aprendido na praia com eles. A comunicação se fazia
facilmente e eu podia colocar para eles, como desafio, questões muito
sérias”.(entrevista no site da Fundação Perseu Abramo).
Foi nesse período que Freire percebeu, com mais clareza, o quanto o povo e a
nação precisavam enfrentar a questão da educação e mais particularmente, da
alfabetização. Paulo Freire, ocupou o cargo de Diretor desse setor do Sesi de 1947 a
1954 e foi Superintendente do mesmo de 1954 a 1957.
Ao lado de outros educadores e pessoas interessadas na educação escolarizada,
sob a liderança de Raquel Castro, fundou nos anos cinquenta o Instituto Capibaribe.
Instituição de ensino privado conhecida até hoje em Recife pelo seu alto nível de
ensino e de formação científica, ética e moral voltada para a consciência
democrática.
Em 9 de agosto de 1956 é nomeado pelo prefeito de Recife, Pelópidas Silveira
membro do Conselho Consultivo de Educação do Recife. Alguns anos mais tarde, foi
designado para o cargo de Diretor da Divisão de Cultura da Prefeitura Municipal do
Recife.
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Atuou pela primeira vez, com professor de nível superior, lecionando Filosofia
da Educação na Escola de Serviço Social, posteriormente, incorporada à então
Universidade do Recife.Em 1959, obteve o título de Doutor em Filosofia e História
da Educação, defendendo a tese “Educação e atualidade brasileira”, sendo nomeado
em seguida como professor efetivo de Filosofia e História da Educação da Faculdade
de Filosofia Ciências e Letras da Universidade do Recife, tendo tomado posse em 02
de janeiro de 1961. Também lhe foi conferido o certificado de Livre Docente da
cadeira de História e Filosofia da Educação da Escola de Belas Artes.
Paulo Freire foi também um dos "Conselheiros Pioneiros" do Conselho Estadual
de Educação de Pernambuco. "Conselheiros Pioneiros", conforme demonstram os
registros nos arquivos, foi a expressão com a qual os próprios integrantes se
autodenominaram. Esses primeiros conselheiros, em número de quinze, foram
escolhidos pelo governador Miguel Arraes, de acordo com a lei, dentre as "pessoas
de notório saber e experiência em matéria de educação e cultura" do Estado
pernambucano. Eles tomaram posse em novembro de 1963 e, conforme lei estadual
preconizada pelo artigo nº. 10 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº.
4024/61, foram responsáveis pela elaboração do Primeiro Regimento do Conselho o
qual foi aprovado pelo mesmo governador que os escolheu através do Decreto nº.
928, de 03 de março de 1964, publicado no Diário Oficial, em 06 de março
subseqüente.
No dia 31 de março de 1964, quando o cerco golpista já se avizinhava, treze
deles renunciaram coletivamente a seus mandatos. Paulo Freire, que se encontrava
em Brasília ativamente envolvido com os trabalhos do Programa Nacional de
Alfabetização e, por isso, não pôde assinar o pedido de exoneração coletiva, foi
destituído de suas funções de Conselheiro pelo Decreto nº. 942, de 20 de abril de
1964, assinado pelo Vice-Governador Paulo Guerra porque o Governador Miguel
Arraes já estava preso pelas novas forças que tomaram o poder.
Foi como Relator da Comissão Regional de Pernambuco e autor do relatório
intitulado "A Educação de Adultos e as Populações Marginais: O Problema dos
Mocambos", apresentado no II Congresso Nacional de Educação de Adultos em
julho de 1958, no Rio de Janeiro, que Paulo Freire firmou-se como educador
progressista. Com uma linguagem muito peculiar e com uma filosofia da educação
absolutamente renovadora, ele propunha, no relatório, que a educação de adultos das
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Zonas dos Mocambos existentes no Estado de Pernambuco teria que se fundamentar
na consciência da realidade da cotidianidade vivida pelos alfabetizandos para jamais
reduzir-se num simples conhecer de letras, palavras e frases. Afirmava também que
só se faria um trabalho educativo para a democracia se o processo de alfabetização
de adultos não fosse sobre - verticalmente - ou para - assistencialmente - o homem,
mas com o homem (nos anos 50 e até após a publicação , no início dos anos setenta
nos Estados Unidos, da Pedagogia do oprimido, Freire não nominava mulheres,
entendendo, erroneamente, que, ao dizer homem, incluía a mulher), com os
educandos e com a realidade. Propôs uma educação de adultos que estimulasse a
colaboração, a decisão, a participação e a responsabilidade social e política. Freire,
atento à categoria do saber que é apreendido existencialmente, pelo conhecimento
vivo de seus problemas e os de sua comunidade local, já explicitava o seu respeito ao
conhecimento popular, ao senso comum.
Paulo Freire falava em educação social, falava na necessidade de o aluno, além
de se conhecer, conhecer também os problemas sociais que o afligiam. Ele não via a
educação simplesmente como meio para dominar os padrões acadêmicos de
escolarização ou para profissionalizar-se. Falava da necessidade de se estimular o
povo a participar do seu processo de emersão na vida pública engajando-se no todo
social.
Acrescentava o relator que aos próprios educandos caberia, em parte, programar
seus conteúdos de estudos e que se deveria estimular o trabalho pedagógico nos
mocambos para que a mulher superasse suas condições de miséria mudando a
natureza de suas próprias práticas domésticas.
Com o golpe militar de 1964, o projeto pedagógico de Paulo Freire , foi
abortado sob a alegação que o mesmo era subversivo, divulgadora da baderna e do
comunismo.
Ele então deixa o país para viver no Chile e vai trabalhar no ICIRA, um orgão
do governo, responsável pela extensão educacional no interior do programa de
reforma agrária.
Em 1970, Paulo freire, vai para Genebra para trabalhar como o principal
consultor para o Departamento de Educação a convite do Conselho Mundial de
Igrejas.
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Enquanto isso, a popularidade do método de Freire e de sua filosofia da educação
problematizadora cresceu e alcançou educadores progressistas na America Latina,
sendo adotada em quase todos os lugares, em experiências pequenas ou nacionais de
educação de adultos , tais como no Uruguai, Argentina, México, Chile, Peru e
Equador.
Como exemplo de todo seu prestigio internacional, abaixo, transcrevemos carta
endereço a Paulo Freire, do Presidente do Equador :
”Estimado Professor Freire,
Lamentei muito que as circunstâncias tenham impossibilitado nosso encontro durante
minha recente visita ao Brasil.Agradar-me-ia enormemente conversar com você por
ocasião do lançamento da edição brasileira de meu livro, a qual foi enriquecida
sobremaneira por seu acertado prólogo.
Acuso recebimento e agradeço sua amável carta, que me foi entregue por nosso
amigo e editor comum, Fernando Gasparian.
Desejo fazê-lo conhecer que o Plano de Alfabetização é um êxito já que ao término
de meu mandato teremos eliminado o analfabetismo no país. O processo de pós-
alfabetização está gerando, com a intervenção direta dos líderes das comunidades
rurais, um verdadeiro sentido de autêntica participação popular. Também são
positivos os resultados obtidos pela alfabetização nas comunidades bilíngues.
Oxalá tenha você, professor Freire, a oportunidade de regressar um dia ao Equador.
Será muito útil para nós realizar um seminário de avaliação do Programa de
Alfabetização e eu apreciarei sua inestimável participação.
Receba, com sua família, meu mais fraternal cumprimento."
Oswaldo Hurtado
Quito, Ecuador, 16/06/1982 (http://www.ppbr.com/ipf/bio/latino.html)
De 1969 a fevereiro de 1970 morou em Cambridge, Massachussetts, dando
aulas, como Professor Convidado, na Universidade de Harvard. Em seguida, mudou-
se para Genebra para ser Consultor Especial do Deparamento de Educação do
Conselho Mundial de Igrejas. Na Suiça, Paulo freire foi também professor da
Universidade de Genebra.
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Paulo Freire também perambulou pela África, Seu primeiro contato deu-se
através da sua participação na Campanha Tanzaniense de Alfabetização depois de
1970. Ele foi convidado para apresentar o seu método de alfabetização no Instituto
de Educação Adulta da Universidade de Dar es Salaam. Em seguida teve
participações mais significativas em Guiné-Bissau, Cabo Verde, São Tomé e
Príncipe.
1.3 - O REGRESSO DO MITO AO BRASIL
Até então, Paulo Freire exilado do país pelo regime militar, sem direito ao
passaporte brasileiro, finalmente recebe este documento pela primeira vez em junho
de 1979 e , em agosto, retorna ao Brasil, tendo sido recebido calorosamente, no
Aeroporto de Viracopos, Campinas, SP.
Aceitou ser professor da Puc-SP, pois ainda estava impedido pelo regime militar
de exercer qualquer atividade em Recife, sua terra natal. Em setembro de 1980,
tornou-se professor da Universidade de Campinas - UNICAMP.
Em outubro de 1986, Paulo freire ficou viuvo. Sendo que, em 27 de março de
1988, casa novamente, agora com amiga de infância Ana Maria Araujo, que ele
reencontrou no curso de mestrado da PUC-SP, ela era aluna-orientadora e ele
professor-orientador.
Em janeiro de 1989, foi empossado com Secretário da Educação do Município
de São Paulo, então governado pela primeira vez pelo Partido dos Trabalhadores, na
Administração de Luiza Erundina de Souza . Paulo Freire diz a respeito: "Foi uma
coisa realmente fantástica. Aceitei que a Erundina fez porque não tinha direito de
dizer não depois de toda a vida que tinha vivido, depois das denúncias que fiz, de Ter
escrito o que escrevi. Para dizer não ( ao convite para ser Secretario), teria que tirar
os livros que escrevi do prelo e não escrever mais. Eu precisava continuar
escrevendo e falando".(site fundação Perseu Abramo) .
Ana Maria Saul, professora da PUC-SP que trabalhou com freire nesse período
na Secretária, faz o seguinte depoimento : "Com a experiência dos seus 70 anos e
com a autoridade de um saber reconhecido por muitos povos do mundo, tinha sempre
algo novo a propor, na perspectiva de colocar em ação a política mais geral,
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avançando passo a passo rumo à construção de uma Escola pública, popular e
democrática".(Paulo Freire: Ética, Utopia e Educação, editora Vozes)
Tendo falecido em maio de 1997, seu pensamento continua vivo. Seu método de
alfabetização , seus livros, principalmente Pedagogia do Oprimido ( o mais
audacioso de todos e também o mais importante) e Pedagogia da Autonomia, o
preferido dos educadores, continuam sendo lidos e debatidos pelas novas gerações
de brasileiros.
1.4 - LIVROS E TEXTOS PUBLICADOS
- Educação e atualidade brasileira ( l959, Recife: mimeografo)
- Educação como prática da liberdade(1984 ,Paz e Terra)
- Pedagogia do oprimido (l982,Paz e Terra)
- Ação cultural para a liberdade e outros escritos (1984,Paz e Terra)
- Conscientização (l980,Edit.Moraes)
- Educação e Mudança (1979,Paz e Terra)
- Cartas à Guiné-Bissau (1980)
- A importância do ato de ler (1982, Cortez/Ass)
- Extensão ou comunicação? (1983, Paz e Terra)
- "Alfabetização de Adultos:um quefazer neutro"in educação e sociedade n° l
(1978,Cortez)
- Conscientização e Alfabetização, in revista Estudos Universitários IV
(1963,Recife:Mimeógrafo)
- Educação na Cidade (1991, Cortez)
- Pedagogia da Esperança (1992, Cortez)
- Política e educação (1993, Cortez)
- Pedagogia da Autonomia (1996,Cortez)
- Sobre educação (1982, Paz e Terra)
- Vivendo e aprendendo (1980,Brasiliense)
- Paulo Freire ao Vivo (1983,Loyola)
- Pedagogia: diálogo e conflito (1985,Cortez/Ass)
- Por uma pedagogia da pergunta (1985,Paz e Terra)
21
- Essa escola vida (1986, Ática)
- Medo e ousadia - o cotidiano do professor (1987, Paz e Terra)
- Aprendendo com a própria história (1987, Paz e Terra)
- Na escola que fazemos (1988,Vozes)
- O processo educativo segundo Paulo freire e Pichon Riviére ( 1987, Vozes)
- Documento interno do Partido dos Trabalhadores (s/data, Mimeógrafo N°4-
sobre educação)
É possível que existam outros textos , que não goram mencionados nesta lista,
principalmente aqueles que foram publicados( e escritos) fora de nosso país, durante
o seu exílio.
22
CAPÍTULO II
O Método Paulo Freire
" Hoje desaprendo o que tinha aprendido até ontem e que amanhã recomeçarei a aprender"
Cecília Meireles ]
23
Foi em Angicos, município de Pernambuco, que a equipe do Serviço de
Extensão Universitária as Universidade Federal de Pernambuco, coordenada pelo
Professor Paulo Freire, testou o denominado "o Método Paulo Freire de
Alfabetização de Adultos", nos 60.
Paulo Freire considera que, a aprendizagem da leitura e da escrita equivale a uma
releitura do mundo. Ele parte da visão de um mundo em aberto, isto é, a ser
transformado em diversas direções pela ação dos homens. Para ele, o diálogo é o
elemento chave onde o professor e aluno sejam sujeitos atuantes. Sendo estabelecido
o diálogo processar-se-á a conscientização porque:
1-é horizontalidade, igualdade em que todos procuram pensar e agir
criticamente ;
2-parte da linguagem comum que exprime o pensamento que é sempre um
pensar a partir de uma realidade concreta. A linguagem comum é captada no próprio
meio onde vai ser executada a sua ação pedagógica;
3-baseia-se no amor que busca a síntese das reflexões e das ações de opressores
versus oprimidos(povo) e não a conquista, a dominação de um pelo outro;
4-exige humildade, colocando-se elite em igualdade com o povo para aprender e
ensinar, porque percebe que todos os sujeitos do diálogo sabem e ignoram sempre,
sem nunca chegar ao ponto do saber absoluto, como jamais se encontram na absoluta
ignorãncia;
5-revela a crença na historicidade de todos os homens como construtores do
mundo;
6-implica na esperança de que nesse encontro pedagógico sejam vislumbrados
meios de tornar o amanhã melhor para todos e,
7-supõe paciência de amadurecer com o povo, de modo que a reflexão e a ação
sejam realmente sínteses elaboradas com o povo.
Tecnicamente o método implica nas seguintes fases:
- levantamento do universo vocabular dos grupos com quem se trabalha;
- escolha das palavras geradoras;
- criação de situações existenciais típicas do grupo que será alfabetizado;
- criação de ficha-roteiro e elaboração de ficha com a decomposição das
famílias fonéticas. Esta ficha é utilizada para a descoberta de novas palavras
com aquelas sílabas.
24
Tomemos a palavra TIJOLO, usada como a primeira palavra em Brasília, nos
anos 60, escolhida por ser uma cidade em construção, para facilitar o entendimento
do(a) leitor (a).
1º.) Apresenta-se a palavra geradora "tijolo" inserida na representação de uma
situação concreta: homens trabalhando numa construção;
2º.) Escreve-se simplesmente a palavra
TIJOLO
3º.) Escreve-se a mesma palavra com as sílabas separadas:
TI - JO - LO
4º.) Apresenta-se a "família fonêmica" da primeira sílaba:
TA - TE - TI - TO - TU
5º.) Apresenta-se a "família fonêmica" da segunda sílaba:
JA - JE - JI - JO - JU
6º.) Apresenta-se a "família fonêmica" da terceira sílaba :
LA - LE - LI - LO - LU
7º.) Apresentam-se as "famílias fonêmicas" da palavra que está sendo decodificada:
TA - TE - TI - TO - TU
JA - JE - JI - JO - JU
LA - LE - LI - LO - LU
Este conjunto das "famílias fonêmicas" da palavra geradora foi denominado de "ficha
de descoberta" pois ele propicia ao alfabetizando juntar os "pedaços", isto é, fazer
dessas sílabas novas combinações fonêmicas que necessariamente devem formar
palavras da língua portuguesa.
8º.) Apresentam-se as vogais :
A - E - I - O - U .
Em síntese, no momento em que o(a) alfabetizando(a) consegue, articulando as
sílabas, formar palavras, ele ou ela, está alfabetizado (a). O processo requer,
evidentemente, aprofundamento, ou seja, a pós-alfabetização.
25
A eficácia e validade do "Método" consistem em partir da realidade do
alfabetizando, do que ele já conhece, do valor pragmático das coisas e fatos de sua
vida cotidiana, de suas situações existenciais. Respeitando o senso comum e dele
partindo, Freire propõe a sua superação.
O "Método" obedece às normas metodológicas e lingüísticas, mas vai além
delas, porque desafia o homem e a mulher que se alfabetizam a se apropriarem do
código escrito e a se politizarem, tendo uma visão de totalidade da linguagem e do
mundo.
O "Método" nega a mera repetição alienada e alienante de frases, palavras e
sílabas, ao propor aos alfabetizandos "ler o mundo" e "ler a palavra", leituras, aliás,
como enfatiza Freire, indissociáveis. Daí ter vindo se posicionando contra as
cartilhas.
Em suma, o trabalho de Paulo Freire é mais do que um método que alfabetiza, é
uma ampla e profunda compreensão da educação que tem como cerne de suas
preocupações a sua natureza política.
Pode-se concluir esta abordagem sobre o "Método Paulo Freire" dizendo que a
alfabetização do povo brasileiro - porque quando o criou jamais pensava que ele se
expandiria pelo mundo - era então, no bom sentido da palavra uma tática educativa
para atingir a estratégia necessária: a politização do povo brasileiro. Nesse sentido, é
revolucionário porque ele pode tirar da situação de submissão, de imersão e de
passividade aqueles e aquelas que ainda não conhecem a palavra escrita. A revolução
pensada por Freire não pressupõe uma inversão nos polos oprimido-opressor, antes,
pretende re-inventar, em comunhão, uma sociedade onde não haja a exploração e a
verticalidade do mando, onde não haja a exclusão ou a interdição da leitura do
mundo aos segmentos desprivilegiados da sociedade.
Paulo Freire esteve no exílio por quase dezesseis anos, exatamente porque
compreendeu a educação desta maneira e lutou para que um grande número de
brasileiros e brasileiras tivesse acesso a esse bem a eles negado secularmente: o ato
de ler a palavra lendo o mundo.
26
CAPÍTULO III
PEDAGOGIA DO OPRIMIDO
E DEMAIS PENSARES
"Aos esfarrapados do mundo e aos
que neles se descobrem e, assim
descobrindo-se, com eles sofrem,
mas, sobretudo, com eles lutam".
Paulo Freire
27
1.1 - PEDAGOGIA DO OPRIMIDO
A Pedagogia do Oprimido, indubitavelmente, é a sua obra mais importante, foi
traduzida e vem sendo publicada em mais de 20 idiomas.
Segundo a visão "freiriana", colocada neste livro, vivemos em uma sociedade
dividida em classes ( oprimidos e opressores ), sendo que os privilégios de uns,
impedem que a maioria, usufrua
dos bens produzidos e, coloca como um desses bens produzidos e necessários para
concretizar a vocação humana de ser mais, a educação, da qual é excluída grande
parte da população do mundo. Refere-se então a dois tipos de pedagogia: a
pedagogia dos dominantes, onde a educação existe como prática da dominação, e a
pedagogia do oprimido, que precisa ser realizada, na qual a educação surgiria como
prática da liberdade, que só é possível acontecer com a participação "reflexiva" dos
oprimidos, dessa forma, conseguirá descobrir-se e conquistar-se como sujeito de sua
própria destinação histórica.
Verifica-se assim, que mais do que consciência crítica da opressão, o oprimido
deverá se dispor a querer a transformar essa realidade; trata-se de um trabalho de
conscientização e politização.
Nesta nova pedagogia, Paulo Freire, procura dar ao homem ( oprimido ) a
oportunidade de re-descobrir-se através da retomada reflexiva do próprio processo
em que vai ele se descobrindo, manifestando e configurando, ou seja, vai adquirindo
consciência de si, consciência do mundo, enfim, consciência de toda a "praxis" que
ele está inserido.
A pedagogia do opressores é fundamentada em uma concepção bancária da
educação, em que a única ação oferecida aos educandos é a de receberem os
depósitos de conhecimento depositado pelo educador, para guardá-los e arquivá-los.
Dentro deste processo, a narração do educador transforma os educandos em vasilhas
a serem enchidas, e quanto mais consegue encher os recipientes mais será valorizado.
Predomina discurso e a prática, na qual, quem é o sujeito da educação é o educador,
cabendo aos educandos meros receptadores de comunicados que estes devem apenas,
memorizarem e repetirem, sem questionamento algum.
Dessa forma, o educando em sua passividade, torna-se um objeto para receber
paternalisticamente a doação do saber do educador, sujeito único de todo o processo.
28
esse tipo de educação pressupõe um mundo harmonioso, no qual não há
contradições, daí a conservação da ingenuidade do oprimido, que como tal se
acostuma e acomoda no mundo conhecido( o mundo da opressão), assim é a
educação exercida como uma prática da dominação.
Paulo Freire, perguntado pelo professor Carlos Alberto Torres (Internet-
file://A:\Entrevistas.htm) , a respeito da origem deste livro tão fecundo que foi a
Pegagogia do Oprimido, ele respondeu:
" – Bem, no Chile, eu comecei a criar um hábito que não tinha até então – isto é,
o de sempre carregar em minha pasta um caderno com folhas em branco. Sempre que
tinha uma idéia – seja lá qual fosse, pois tratava-se de algo que explodia em minha
cabeça repentinamente na rua – eu parava na esquina, abria minha pasta e tirava de lá
uma folha de papel e escrevia o que estava pensando. Quando chegava em casa à
noite, depois do jantar, eu ia para meu escritório e lá tirava os pedaços de papel da
pasta, relia-os, inspirava-me e então escrevia.
Contudo, havia noites em que eu não escrevia nada. Mesmo assim, com muita
paciência – eu sou muito paciente comigo mesmo – eu por vezes passava três horas
na biblioteca sem escrever um única palavra e sem me zangar comigo mesmo. No dia
seguinte escrevia. Às vezes escrevia oito páginas baseadas na idéia que eu havia
anotado na rua naquela manhã. Depois, colocava tudo em pequenas fichas com
títulos e as arquivava. Todas elas geralmente giravam em torno de um único tema. O
tema que me preocupava mais naquela época era o problema dos oprimidos e seus
opressores."
Perguntado como nasceu esse tema, responde o professor Freire:
" Esse tema nasceu em mim com a recordação de minha própria relação com os
oprimidos do Brasil e com a diferença que descobri com a história cultural da
sociedade chilena. Quanto mais eu me aprofundava no mundo do componês chileno,
quanto mais eu ouvia os camponeses falarem, mais clara ficava para mim a relação
de opressor e oprimido, de consciência opressora e consciência oprimida... e isso,
constituía-se num objeto de curiosidade para mim. E então veio esse dia em que
passei a acreditar que tinha que escrever o que me ocorria, mesmo como uma
tentativa de fazer uma contribuição para aqueles que trabalham nesse campo. E
também foi dessa forma que eu tive a idéia para o título. Pedagogia do Oprimido foi
uma tentativa de compreender essa relação. E quando ele foi publicado, muitas
29
pessoas, mais esquerdistas do que de esquerda, criticaram o livro dizendo que eu
falava e usava conceitos muito vagos, tais como a noção de opressão. Aí eu peguei o
livro e o li para contar quantas vezes eu havia falado de classe social. Você verá que
eu falei de classe social 33 vezes no livro. O que é que eles queriam? Eu estava, de
fato, mais aberto, uma vez que eu não concordava com algumas categorias marxistas.
Eu acho que, em relação a isso, Pedagogia do Oprimido tem algo a ver com a
Perestroika. É exatamente a possibilidade de negar as descobertas fundamentais de
Marx, ou pelo menos algumas delas, que lhe permite então não se tornar objeto das
mesmas."
Acrescenta Paulo Freire na mesma entrevista, falando sobre a forma concreta
com que redigiu este livro: "– Eu comecei Pedagogia do Oprimido pelo título.
Pedagogia do Oprimido é possivelmente o livro mais didaticamente bem organizado
que escrevi. Sua introdução consiste de três ou quatro páginas. Então eu comecei a
escrever o primeiro capítulo. Agora, eu preciso dizer uma coisa. Quando comecei,
quando decidi que iria trabalhar no livro, eu descobri que grande parte dele estava
escrito nas fichas sobre as quais eu falei antes. Assim, eu organizei essas fichas em
cima de minha mesa de acordo com os títulos e sempre descobria o seguinte: que
entre a ficha número quatro e número cinco –eu numerava todas elas – havia um
espaço vazio. Era um vazio que eu precisava preencher. Assim, eu às vezes escrevia
dez páginas, e quando terminava, eu colocava a ficha quatro e cinco juntas e elas
encaixavam perfeitamente – nada estava faltando. E nesse ponto, eu pegava a ficha
número seis e observava a ordem, de forma que foi um processo muito trabalhoso,,
eu as organizava de acordo com o dia em que as escrevia. Mas o que ocorria era o
seguinte: às vezes a ficha seis tinha continuidade com a ficha 30.
Eu estava obcecado. O tema era obsessivo. Imagine o seguinte – o caráter de
obsessão pelo tema era tal que nem mesmo um amigo meu poderia vir a minha casa
sem ter que ouvir sobre o assunto. Deixe-me contar uma história. Na véspera do
casamento de minha filha mais velha, Madalena, com Francisco Weffort, ele veio me
visitar em minha casa e eu comecei, com um pouco de autoridade de um pai, a impor
a conversa sobre a relação de opressor e oprimido ao noivo de minha filha. Também
percebi que quando um amigo chegava para conversar comigo, ele às vezes trazia o
assunto e dizia: "Mas Paulo, você realmente acha que é assim?", e uma pergunta
como essa já era o suficiente para me desafiar. Naquela noite, eu estava escrevendo e
30
lembro-me que Madalena até riu, com o sorriso complacente de uma filha, quando
disse: "Olha, pai, você está tão envolvido com isso que está desrespeitando seu
direito de conversar. Quem quer que venha aqui não pode sair sem levar consigo a
pedagogia do oprimido. Meu querido pai, você precisa se conter um pouco". Eu
fiquei mais reservado e daquele dia em diante comecei a me controlar mais.
Realmente eu tinha ficado obsessivo – e a obsessão em torno do assunto era tal que
explica uma certa sequência do meu trabalho.
Eu escrevi os primeiros três capítulos em 15 dias, e depois escrevi o quarto
capítulo em três ou quatro meses. Agora, todo o processo de concepção e escrita
levou mais tempo – possivelmente dois anos, de 1966 a 1968, sem incluir as fichas
de notas."
A densidade e a genialidade do livro A Pedagogia do Oprimido, faz com que o
mesmo, depois de passados mais de 30 anos ,ainda continue atual em muito de sus
aspectos e, com certeza, continua sendo tema de debates acalorados dentro da esfera
da educação no Brasil e no mundo.
1.2 - DEMAIS "PENSARES"
Paulo Freire, escreveu mais livros e textos, que também tiveram grande
repercussão no meio acadêmico, conforme bibliografia do mesmo, inserida na
Capítulo I . Dentre elas, "Pedagogia da Autonomia", uma de suas obras mais recente.
Trata-se de um livro pequeno em tamanho, mas "gigante em esperança e
otimismo que condena as mentalidades fatalistas que se conformam com a ideologia
imobilizante de que a realidade é assim mesmo, que podemos fazer?Para Paulo
Freire, educar é construir, é libertar o ser humano das cadeias do determinismo
neoliberal, reconhecendo que a História é um tempo de possibilidades"., conforme
análise feita por Caetano Valadão Serpa, Ph.d and Maria de Lourdes B.Serpa, Ed D
em texto divulgado na Internet, que se encontra em sua íntrega na parte de anexos
desta monografia.
Em relação ao seu método, destaca Paulo Freire: " Num livro que publiquei há
alguns anos, argumentei que, como educador, eu dou muito mais ênfase à
compreensão de um método rigoroso de conhecimento. E é aí que falo de método. Eu
só falo de método para me referir a isso e não aos chamados métodos pedagógicos e
31
didáticos. Minha grande preocupação é o método enquanto meio de conhecimento.
Devemos ainda nos perguntar: saber a favor do que é, portanto, saber contra o quê;
saber em prol de quem e saber contra quem. Essas são as perguntas que devemos nos
fazer como educadores. Devemos também saber que é sempre a educação que nos
leva à confirmação de outro fato óbvio que é a natureza política da educação.
Eu me lembro de uma discussão com uma mulher que trabalhava na Secretaria de
Educação comigo quando ela me fez uma pergunta semelhante: "Qual é a situação
que permite que isso aconteça? Esse negócio é engraçado. O que é a ciência? A
compreensão da ciência não é somente para os positivistas, mas também para os
revolucionários. É uma consciência inocente, absolutamente ingênua. Os positivistas
acreditam que a ciência é neutra exatamente porque é objetiva. Para mim, ela não é
neutra, porque ela é subjetiva-objetiva. Isso significa dizer que toda descoberta
científica implica um relacionamento entre subjetividade e objetividade e
contradições entre os dois. De outra forma, não haveria descoberta científica. Agora,
os positivistas pensam que existe neutralidade na ciência exatamente por causa do
caráter objetivo da ciência. Os revolucionários temem que o pensamento científico
possa introduzir uma dimensão que irá despolitizar a educação. Isso só é assim do
ponto de vista de pessoas absolutamente ingênuas. Não é preciso dar atenção a isso.
Por exemplo, algumas pessoas alegam que a pesquisa científica de Emília Ferreiro
despolitiza. Eu não a vejo dessa maneira. Pelo contrário, o grau no qual nos
apropriamos das investigações psicológicas de Emília, contanto que compreedamos
as contribuições de Vygotsky e Piaget, permite que façamos política com mais
eficiência.
Sim, eu me preocupo com esse tipo de questionamento. Ele não me enraivece, mas
ele realmente me preocupa. Ele me preocupa científica e politicamente. Como você e
Gadotti uma vez disseram em seu trabalho, esse tipo de indagação relaciona-se com
as questões filosóficas muito antigas que Marx resolveu. Esse tipo de questão nem se
aproxima de Hegel. É uma indagação pré-hegeliana, que é a discussão da teoria e da
prática. É a discussão entre ciência e senso comum. É uma discussão sobre
subjetividade e objetividade, de natureza dialética porém resolvida, embora exista no
pensamento de Marx também um bom caminho para certas posições trágicas. Em
suma, essa distinção entre política e educação, no final, tem a ver com o basismo. Ela
tem a ver com uma posição basista da educação, da política. Uma premissa básica da
32
investigação é perguntar se ela significa uma despolitização ou negação da teoria
para introduzir a psicologia cognitiva. Trata-se da negação da teoria, da negação da
ciência, e não pode ser feita. Não podemos aceitá-la. Contudo, é trágico quando uma
pessoa ingenuamente desenvolve uma linha de investigação e ainda assume a pior e
mais autoritária das ideologias, a ideologia assume a pior e mais autoritária das
ideologias, a ideologia basista.
Analisando minha própria prática, mesmo a partir do momento em que escrevi
Educação como Prática da Liberdade, isso estava claro para mim, porque, para dizer
a verdade, eu sabia que estava me envolvendo numa prática política, só que não a
assumi como tal. Ao nível crítico, portanto, eu não assumi uma prática que poderia
ser considerada como eminentemente política. E como educadores, somos artistas e
políticos, mas nunca técnicos.
Como afirmei num pequeno artigo, "a questão do sonho possível tem precisamente a
ver com uma educação libertadora, e não com uma educação domesticante". A
questão dos sonhos possíveis, repito, tem a ver com uma educação libertadora à
medida que é uma prática utópica. Mas utópica não enquanto inatingível; não no
sentido de quem fala do impossível; de sonhos impossíveis. Utópica no sentido de
que é prática que vive a unidade dialética e dinâmica entre denunciação e
anunciação, entre a denúncia de uma sociedade injusta e exploradora e a anunciação
do sonho possível de uma sociedade que no mínimo seja menos exploradora, do
ponto de vista das grandes massas populares que constituem as classes sociais
dominadas".( file://A;\Entrevistas.htm -vide anexos).
Em outra entrevista dada ao educador Paulo Gadotti em l993, que mesmo
naquele momento difícil e desanimador da história brasileira, que bem que poderia
ser nos dias de hoje também, o professor Paulo Freire explica por que estava
esperançoso quanto ao futuro:
"Eu sou esperançoso porque não posso deixar de ser esperançoso como ser
humano. Esse ser que é finito e que se sabe finito, e porque é inacabado sabendo que
é inacabado, necessariamente é um ser que procura. Não importa que a maioria esteja
sem procurar. Estar sem procurar é o resultado, é o imobilismo imposto pelas
circunstâncias em que não pudemos procurar. Mas não é a natureza do ser. É por isso
que quando as grandes massas sofridas estão , como eu chamo em Pedagogia do
Oprimido, mais imersas do que emersas na realidade social, política e econômica,
33
estão sendo proibidas de ser. Por isso é que elas ficam apáticas. A esperança não
florece na apatia. Cabe ao pedagogo, ao filósofo, ao político, aos que estão
compreendendo a razão de ser da apatia das massas - a às vezes da apatia de si
mesmos - a briga pela esperança. Eu não posso desistir da esperança porque eu sei,
primeiro, que ela é ontológica. Eu sei que não posso continuar sendo humano se eu
faço desaparecer de mim a esperança e abriga por ela. A esperança não é uma
doação. Ela faz parte de mil como o ar que respiro. Se não houve ar, eu morro. Se
não houver esperança, não tem por que continuar o histórico. A esperança é a
história, entende? No momento em que você definitivamente perde a esperança, você
cai no imobilismo. E aí você é tão jabuticabeira quanto a jabuticabeira.A esperança é
uma invenção do ser humano que hoje faz parte da nossa natureza que se vem
constituindo histórica e socialmente. Ou seja, a esperança é um projeto do ser
humano e é também a viabilização do projeto. Por isso é que os ditadores, tanto
quanto podem, aniquilam a esperança das massas. Ora sob o susto, o medo, o pavor.
Ora sob o assistencialismo. Eu sou contra a assistência, porque não é possível você
ver um homem morrendo e dizer que não dá pão porque é assistencial. Isso está
errado, é um crime. O que não podemos ser é assistencialistas, quer dizer,
transformar a assistência em uma estratégia. Mas como tática é absolutamente
válida."
Em outro trecho da entrevista, Freire faz um alerta para os riscos que a gente vai
enfrentar no começo do novo milênio: "Primeiro, de uma minoria dessas pessoas
conseguir chegar ao poder e reativar em si, odientamente, o gosto stalinista. O
segundo risco é de alguns desses que estão impactadaos cairem num imobilismo tal
que passem a acreditar no discurso neoliberal de que a luta entre as classes sociais se
acabou, de que a ideologia se acabou, de que a "história" se acabou. Esse segundo
grupo constitui um perigo enorme para a própria progressividade, termina por dar
força à maioria da direita e à minoria da esquerda que pretende reativar o stalinismo.
Um terceiro risco que estamos correndo no começo do milênio em face de todo esse
desarranjo histórico é exatamente o poder do neofacismo, que se assanha sobretudo
na Europa, mas também no Terceiro Mundo. É uma ameaça assustadora, que é de
natureza material mas sobretudo espiritual, ideológica - o que não se via
anteriormente. O educador não pode estar distante dessa preocupação. Isso tem que
estar sendo discutido nas classes primárias, com linguagem de menino."
34
Para finalizar, Paulo Freire, na mesma entrevista, faz a seguinte recomendação
aos professores: "Uma das coisas que a professora deveria fazer, por exemplo, para
compreender a cultura multiculturalmente, é comentar com os alunos as diferenças e
dizer que, quando você discute tal coisa do conteúdo do programa, essa coisa não é
universal, ela tem suas dimensões regionais, até a família, e entra aí o problema de
classes. A cultura de classe existe. A linguagem de classe existe. Há uma sintaxe que
é da classe trabalhadora e outra que não é. É preciso saber como você reinventa a
linguagem, compreendendo a diversidade dessas sintaxes, como, como consegue
recriar a linguagem de forma correta. E como professor você pode testemunhar
diariamente a sua postura e aí compreender muito bem a relação dialética entre tática
e estratégia. Quer dizer, você tem o sonho estratégico, que é o da multiculturalidade,
mas tem que ter táticas para falar dele, porque você pode cair nos exageros do
discurso - que são idealistas, voluntaristas - e você pode perder o emprego. E a
questão sua não é perder o seu emprego; é manter o emprego e ajudar o seu sonho.
Acho que não há fórmulas para isso. Você tem que recriar todo dia as suas táticas
para superar o exclusivismo de uma compreensão cultural estreita."
35
CONCLUSÃO
A pergunta que ainda se pode fazer é se a pratica educacional, proposta pelo
grande professor Paulo Freire, tem alguma função ou utilidade nos dias de hoje.
Afinal, o mundo deixou de viver perigosamente equilibrado no fio na navalha da
"guerra fria", da polarização de forças entre URSS e os EUA, em torno de
concepções diferentes de mundo. O ocidente venceu, o muro de Berlim foi
derrubado, vivemos numa economia globalizada, os avanços tecnológicos são
notáveis.
A resposta, com certeza, seria não, a pedagogia do educador Paulo Freire não
serve mais ( e no fundo, o mesmo ficaria feliz com este acontecimento ). Porém, não
é isto que está ocorrendo, pelo contrário, o pensar, a prática proposta por Freire, mais
do que nunca se faz necessário, pois, apesar dos avanços tecnológicos, da diminuição
das tensões políticas internacionais, em função do fim do império soviético , o que se
assiste é uma realidade social, cada vez mais degradada.
No Brasil, os mesmos dilemas sociais vivenciados por Paulo Freire em sua
infância, juventude , na década de 50/60, continuam presentes, agora, aguçados pelo
crescimento desordenado das grandes metrópoles, onde componentes novos se
fazem presentes, como a aglomeração de grandes populações marginalizadas ; do
desemprego; da questão das drogas e da violência urbana.
Alguns críticos de Paulo Freire, alegam que já não existe um contigente muito
grande de analfabetos, por isso, o seu método de alfabetização não se faz mais
necessário. O que não passa de uma afirmação eivada de bobagens, pois o processo
de alfabetização continua ocorrendo dentro de uma" visão bancária" da educação,
onde ,os educandos continuam sendo meros depósitos de" verdades" que lhes são
enxertadas pela classe social dominante.
36
Assim, o que temos, realmente, é um contingente maior da população que sabe
identificar as letras e até agrupá-las, porém , não sabem utilizar este conhecimento
para a tomada de consciência , através de uma prática reflexiva em torno de sua real
posição no contexto social, porque só assim, elas poderão descobrir-se e conquistar-
se como sujeito de sua própria destinação histórica.
E é por isso que o método proposto por Paulo Freire continua vivo, as
contradições continuam existindo, as classes sociais antagônicas não foram
suprimidas ,dessa forma, os oprimidos ,"os esfarrapados do mundo", continuam
precisando do apoio de todos aqueles que, como Paulo Freire, venham a contribuir
para a sua libertação, através de uma prática educacional libertadora.
Finalizando estas inflexões com chave de ouro, citamos abaixo, depoimento que
Paulo Freire fez em 1985(Paulo Freire, ética, utopia educação,pg.104):
"O Paulo Freire de ontem, um ontem que eu situaria entre os anos 50 e
início dos 60, não via com clareza algo que o Paulo Freire de hoje vê
com muita clareza. E é o que hoje denomino de "policidade da
educação". Isto é, a qualidade que tem a educação de ser política. Porque
a natureza da prática educativa é política em si mesma, e por isso não é
possível falar sequer de uma dimensão política da educação, pois toda
ela é política.
Por isso mesmo o Paulo freire de hoje - e situo este hoje desde fins dos
ano 60 e inícios dos 70 - vê claramente a questão das classes sociais. Por
isso é que, para Paulo Freire de hoje, a educação popular, qualquer que
seja a sociedade em que se dê, reflete os níveis da luta de classes dessa
sociedade".
37
ANEXOS
Índice de anexos
Anexo 1 >> Internet ( entrevista );
Anexo 2 >> Internet (entrevista );
Anexo 3 >> Internet ( entrevista );
Anexo 4 >> Internet ( texto );
Anexo 5 >> Internet ( texto );
Anexo 6 >> Internet ( texto ).
38
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
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FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia - Saberes necessários à prática educativa.
São Paulo: Editora Paz e Terra, l997
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Esperança. São Paulo: Editora Cortez, 1992
STRECK, R Danilo; REDIN, Euclides; MADCHE, C. Flávia; KEIL, Ivete
Manetzeder; GAIGER, Luiz Inácio ( organizadores ). Paulo Freire - Ética, Utopia, e
Educação . Rio de Janeiro, Editora Vozes, 1999.
BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que é o Método Paulo Freire: Editora Brasiliense,
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LIMA, Lauro de Oliveira. Tecnologia, educação e democracia. Rio de Janeiro:
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SERPA, Caetano Valadão e SERPA, Maria de Lourdes B.. Paulo Freire, Pedagogia
da Autonomia - Saberes necessários a prática educativa. Internet -
File://A:\Paulo%20Pedagogia%20da%20Autonomia%20-%20Saberes%20necess...2003
39
TORRES, Carlos Alberto. O HOMEM QUE AMAVA INTENSAMENTE -
Entrevista em data indefinida. Internet - file://A:\Entrevistas.htm. 2003
CORTELLA, Mario Sérgio e VENCESLAU, Paulo de Tarso. Homenagem a Paulo
Freire - Entrevista concedida em 1992 a revista "Teoria & Debate"- Internet -
http://www.fpa.org.br/td/xpaulofreire.htm .2003
GADOTTI, Moacir. "Nós podemos reinventar o mundo" - Entrevista concedida em
1993 - Internet - http://novaescola.abril.com.br/especiais/paulo¨freireëd71.htm . 2003
40
ÍNDICE
FOLHA DE ROSTO 02
AGRADECIMENTO 03
DEDICATÓRIA 04
RESUMO 05
METODOLOGIA 06
SUMÁRIO 07
INTRODUÇÃO 08
CAPÍTULO I
De Pernambuco para o mundo: a trajetória do mito 09
1.1 - Infância e adolescência 10
1.2 - Da universidade para o mundo 13
1.3 - O regresso do mito ao Brasil 19
1.4 - Livros e textos publicados 20
CAPÍTULO II
O MÉTODO Paulo Freire 22
CAPÍTULO III
Pedagogia do Oprimido e demais "pensares" 26
1.1 - Pedagogia do Oprimido 27
1.2 - Demais"pensares" 30
CONCLUSÃO 35
ANEXOS 37
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 38
ÍNDICE 40
41
FOLHA DE AVALIAÇÃO
Nome da Instituição:
Título da Monografia:
Autor:
Data da entrega:
Avaliado por: Conceito:
Avaliado por: Conceito:
Avaliado por: Conceito:
Conceito Final: