UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO … · CAPEZ, FERNANDO, (“Curso de direito Penal,...
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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
AVM FACULDADE INTEGRADA
ABORTO
Por: Eliomar Coelho Cardoso
Orientador
Prof. Francis Rajzman
Rio de Janeiro
2012
2
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
AVM FACULDADE INTEGRADA
ABORTO
Apresentação de monografia à AVM Faculdade
Integrada como requisito parcial para obtenção do
grau de especialista em Direito Penal e Processo
Penal
Por: Eliomar Coelho Cardoso
3
AGRADECIMENTOS
A Deus, aos meus parentes e amigos, que
tanto colaboraram para a minha vitória.
4
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho à memória de meu pai
e de minha mãe, e também à minha esposa e
às minhas filhas.
5
RESUMO
Este trabalho tem como objetivo focalizar as várias formas e métodos de aborto existentes no Brasil, assim como contribuir para um melhor conhecimento e desenvolvimento da abordagem das características mais discutidas sobre o tema com intuito de facilitar-lhe o aprendizado. Existe uma legislação que coíbe a prática do aborto de forma taxativa, na maioria dos casos sem obter sucesso. Temos também a Igreja, que vem pregando com toda a força que o aborto é um crime contra a vida, e, numa outra vertente, pessoas que o justificam em virtude de fatores como a falta de condições financeiras e nível de instrução das famílias. Apesar de ilegal, o aborto pode ser realizado em qualquer lugar a qualquer momento, pois sempre haverá locais clandestinos com a manobra de pessoas irresponsáveis para realizar este crime. Muitos destes defendem a legalização do aborto, justificando que desta forma a mulher poderia praticá-lo de forma segura, evitando, assim, sua morte. A pesquisa bibliográfica mostrou que neste fato esta o ponto crucial da discussão, tão polemizada em nosso país como a segurança da mulher quando pratica este tipo de delito e a situação da criança, que neste momento é um óvulo e não pode se defender. Para esse tipo de questionamento ainda não temos resposta conhecida, os entendidos no assunto discutem as várias nuances da situação, geralmente as mais faladas são a questão financeira e a falta de assistência médica adequada. A única certeza que temos até o momento é que se precisa achar a solução definitiva para a situação o mais rápido possível, porque os números de mortes provenientes do aborto é assustador. Para um melhor entendimento do tema, também demos ênfase à realização de uma análise sobre uma conceituação para aborto. Tentou-se construir uma evolução histórica sobre o assunto que trouxesse a trajetória do aborto desde os tempos antigos até os dias de hoje, trazendo os enfoques mais modernos existentes atualmente na legislação. Mesmo assim, constatou-se que tudo continua discutível. Abordamos o conteúdo das obras e textos jurídicos iniciando a trajetória do tema com o objeto jurídico no auto-aborto, elementos do tipo, sujeito ativo e passivo, passando por consumação, exame de corpo de delito, nexo causal, concurso de crimes e etc. Procuramos trabalhar com referências que abordassem o tema de maneira objetiva para facilitar o entendimento relativo aos tópicos apresentados na monografia, abordando todas as espécies, meios e manobras abortivas. Procuramos ser fiéis às citações de artigos e leis, com o intuito de facilitar o conhecimento do conteúdo disponível acerca do tema. A partir da pesquisa do assunto, concluímos que o tema aborto é amplo por possuir características diversas e pensamentos contrários e, às vezes, até conflitantes, mas fascinantes e atrativos. A apresentação dessas divergências certamente contribuem para novas perspectivas sobre o tema, bem como o enriquecimento da formação do profissional da área de Direito. Palavras-chave: Aborto; Legislação; Feto; Crime.
6
MEDODOLOGIA
Inicialmente a bibliografia usada para ter uma base para criar uma
redação da monografia possibilitou a condição de elaboração do tema e o
desenvolvimento do trabalho. Tendo como praticas as leituras de livros sobre
tema anotações pesquisas na internet. E, também, nos deu um melhor
entendimento sobre aborto em relação a sua tipificação no Código Penal.
Para a construção do estudo foi adotada com principal a obra á de
CAPEZ, FERNANDO, (“Curso de direito Penal, volume 2 parte especial” editora
saraiva são Paulo 2004), que viabilizou realização do estudo chegando a
conclusão para finalização.
Considerando como objetivo principal do trabalho é tentar demonstrar o
que se faz entender sobre a problemática que é o crime de aborto e quando é
crime.
Assim, todos os métodos usados para realização do trabalho, como
também leituras de texto e artigos das abras usadas onde não tivemos muitas
dificuldades, pois os autores usam filosofias parecidas que falam a mesma
coisa de forma diferente, mesmo assim são opiniões que enriquece o
aprendizado quem se interessar pelo tema.
O tema é polemico por se tratar da vida bem jurídico tutelado pelo
ordenamento jurídico tipificado no Código Penal bem de valor inestimável por
todo e qualquer ser humano em qualquer parte do mundo.
7
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 08
CAPÍTULO I – Dos crimes contra a vida 10
CAPÍTULO II – Elementos do tipo 17
CAPÍTULO III – Consumação 23
CAPÍTULO IV – Formas 30
CAPÍTULO V – Forma majorada 35
CAPÍTULO VI – Outras espécies de aborto 41
CONCLUSÃO 44
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 45
ÍNDICE 47
8
INTRODUÇÃO
A proposta dos capítulos que se seguem é discutir e dar foco às partes
consideradas mais importantes e discutidas do tema aborto, escolhido
exatamente por ser considerado, na mesma proporção, polêmico e atual.
Apesar do tratamento jurídico, o conteúdo provavelmente não trará
novidades consideradas mais modernas com relação ao tema e às suas
características, e nem possuímos a intenção de buscar estratégias
mirabolantes nesse sentido.
A ideia dessa pesquisa foi instigada por vontade de refletir mais sobre
alguns tópicos considerados importantes e mais discutíveis sobre o tema, como
também apresentar os tópicos escolhidos através de um tratamento leve e
linguagem simples.
Tentaremos ressaltar a origem do aborto e apelar para a definição de
alguns conceitos mais polemizados, seus objetos e a análise de sua origem
histórica.
Buscaremos dar maior ênfase ao tratamento jurídico de suas partes,
ressaltando as mais usadas e questionadas pelo povo, principalmente as que
fazem parte das dúvidas cotidianas sobre o assunto.
o estudo teórico foi realizado através da consulta a várias obras. Entre
elas, se destacaram CAPEZ, Fernando (2004) e GRECO, Rogério (2006). Essa
pesquisa bibliográfica contribuiu de forma considerável para iniciar a
composição da espinha dorsal deste trabalho, como também a leitura de
alguns textos jurídicos, pesquisados na Internet e em livros, que divulgaram o
interesse e a polêmica sobre o aborto na atualidade, evidenciando a
preocupação dos doutrinadores do mundo jurídico com a explicação minuciosa
de todos os tópicos abordados, inclusive mostrando diferenças entre a
legislação brasileira e a de outros países.
Começaremos com uma conceituação sobre o aborto que tem como
objetivo nos aproximar da vertente do tema com a qual nos afinamos. Nos
antecedentes históricos, procuramos mostrar, desde a antiguidade, como teve
início e como vem sendo tratado o assunto aborto, culminando com um
panorama de como é abordado hoje, quando recebe um tratamento mais
9
moderno da legislação mas ainda permanece sendo um tema muito discutível.
A pesquisa no âmbito jurídico que compõe este trabalho começa no tópico
objeto jurídico e vai até o tópico Lei dos Juizados Especiais.
10
CAPITULO I
DOS CRIMES CONTRA A VIDA
1.1. Conceito de aborto
Inicialmente, encontramos certa dificuldade para trazer uma
conceituação sobre aborto diferente da tradicional, pois, com base na literatura
disponível para pesquisa, não foi fácil fugir do foco que envolvia a criação de
seu contexto original, o que não nos deixou muita alternativa para elaboração
de um conceito mais original.
De acordo com a explicação de Fernando Capez, de uma forma geral o
“aborto” é considerado a “interrupção da gravidez”, com a consequente
extinção da vida “intra-uterina” ou produto da concepção.
A lei não vê diferença entre o óvulo fecundado, ainda em estado
embrionário ou já sendo considerado feto. Ou seja, em qualquer das situações
citadas estará configurado o crime1.
Rogério Greco explica que talvez seja essa uma das infrações penais
mais discutidas atualmente e que toda essa polêmica que gira em torno do
aborto não deixa muito claro o que é mais importante: “a punibilidade ou o
aborto”2.
O autor continua enfatizando que o aborto não é definido claramente
em nosso Código Penal, usa-se hoje apenas a expressão “provocar aborto” e
fica aos cuidados da doutrina e da jurisprudência o esclarecimento dessa
expressão3.
Damásio de Jesus enfatiza que o vocábulo “abortamento” tem maior
acepção técnica do que aborto. Embora esse termo pareça melhor para
expressar o sentido da ação abortiva, deixou de ser utilizado, ficando
consolidado o vocábulo “aborto”. E no sentido etimológico, aborto quer dizer
“privação do nascimento”4.
1 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal, volume 2: parte especial. 3. ed., rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2004, p.108 2 GRECO, Rogério. Curso Direito Penal: parte especial. v. 2. Niterói: Impetus, 2006, p. 262. 3 Loc. cit. 4 JESUS, Damásio E. de. Direito Penal. v. 2. São Paulo: Saraiva, 2005, p.119
11
Ele diz ainda que o aborto só terá relevância penal se atingir o feto com
vida, não importando se a fecundação ocorreu por meio natural ou por meio de
inseminação artificial. O autor informa que embora nosso Código Penal
mantenha uma conduta conservadora em relação ao aborto, ele prevê duas
hipóteses em caso de interrupção da gravidez e, consequentemente,
eliminação da vida intra-uterina5. Nesse caso, o aborto se torna um ato lícito:
aborto necessário e aborto para eliminar gravidez resultante de estupro, como
estabelece o Art. 128.
1.2. Precedentes históricos
Para um melhor entendimento do tema escolhido, faremos
primeiramente uma abordagem referente à formação da problemática do
aborto, tentando tecer uma cronologia desde sua origem, nos tempos antigos,
até os dias de hoje.
Embora o aborto seja proibido por lei penal e seja um dos crimes que
mais têm despertado a crítica dos conhecedores, assim como a opinião pública
e instituições, inclusive religiosas, mesmo assim ele vem sendo realizado em
larga escala sem o menor pudor por parte de profissionais ambiciosos e
suspeitos em locais inadequados e clandestinos6.
De acordo com João José Leal, a realização do aborto não passou
despercebida pelos povos antigos. Ainda no século XXVIII antes de Cristo, na
China já se ouvia remotas notícias sobre métodos abortivos, mostrando que os
povos da antiguidade já discutiam sobre esse assunto, a exemplo dos
Mesopotâmicos, Gregos e Romanos, que em sua época se limitaram a focar o
problema apenas no âmbito moral7.
Na verdade, os povos antigos não tinham uma previsão sobre o aborto,
mas se ele acontecesse eram atribuídas severas punições8.
5 Loc. cit. 6 CAPEZ, Fernando. Op. cit. p. 108. 7 LEAL, João José. Incriminação do Aborto: divórcio entre o rigor da lei positiva e a prática judiciária discriminalizadora do autor. Disponível na Internet. http://www.mundojuridico.adv.br. Acesso em: 09 de julho de. 2012. 8 CAPEZ, Fernando. Op. cit. p. 108.
12
Frediano Momesso Teodoro ressalta o fato de que em Roma, por
exemplo, à prática do aborto era comum, mas estava sujeita a julgamento do
Paterfamília, o poder absoluto do homem sobre a mulher, seus filhos e seus
escravos, poder esse que chegava a delegar ao homem decisão sobre a vida e
a morte de todos os seus9.
Rogério Greco explica que no livro de Jeremias, constante do Antigo
Testamento da Bíblia, capitulo 1, versículos 5 e 6, diz a palavra de Deus que
Ele já nos conhecia antes mesmo de haver fecundação do óvulo materno, pelo
espermatozóide do homem. Segundo Greco, essa afirmação indica que
Jeremias já havia sido consagrado profeta às nações pelo Senhor mesmo
antes de nascer ou ter sido formado no ventre materno. Assim, o autor conclui
dizendo que isso significa que, mesmo sem sabermos, Deus tem um propósito
na vida de cada um de nós, razão pela qual, a não ser por situações
excepcionais, não podemos tirar a vida de um semelhante, não importando o
seu tamanho10.
Segundo Eliana Descovi Pacheco, a Bíblia também traz em suas
escrituras sagradas punições impostas a quem praticar ou for complacente
com a prática do aborto, conforme consta no livro Êxodo, de Moisés (capítulo
21, versículos 22 e 25)11.
Fernando Capez explica que a Lei das XII Tábuas e as leis da
República não cuidavam do aborto pois consideravam a concepção como parte
do corpo da gestante, de modo que a mulher que abortava nada mais fazia do
que dispor do seu corpo. Mais tarde, o aborto passou a ser considerado uma
lesão ao direito do marido à prole, sendo sua prática castigada12.
Segundo João José Leal, com o cristianismo o aborto passou a ser
definitivamente reprovado no meio social, pois os homens demonstraram estar
mais preocupados em reforçar seus pontos de vista pessoais do que com as
divergências13.
9 TEODORO, Frediano Momesso. A Evolução do Aborto na História. Curitiba: Juruá, 2008, p. 70. Disponível na Internet. http://www.scielo.br. Acesso em 9 de julho .2012. 10 GRECO, Rogério. op. cit. p. 263. 11 PACHECO, Eliana Descovi. O aborto e sua evolução histórica. Disponível na Internet. http://www.mundo juridico.adv.br. Acesso em 09 de julho. 2012. 12 CAPEZ, Fernando. Op. cit. p. 108. 13 LEAL, João José. Op. cit.
13
Frediano Momesso Teodoro explica que a partir do ano 450 d.c. o
aborto e a contracepção foram enquadrados entre os pecados da lascívia e
contra a união matrimonial, já que, na maioria das vezes, eram praticados para
ocultar o adultério e práticas libidinosas. Os Imperadores da época
consideravam o aborto criminoso e reformaram o direito, passando a classificá-
lo como homicídio e impondo-o severas penas14.
Aníbal Bruno nos mostra através do Direito Canônico que essa
discussão somente foi encerrada no final do século XXVIII a.c., indicando que o
entendimento prevalece só a partir do momento da concepção, pois é a partir
desse momento que passa a existir vida humana, havendo a necessidade de
proteção jurídica O aborto passa, então, a ser veementemente condenado,
aplicando-se lei penal à mulher, inclusive de forma mais dura ao co-autor e ao
partícipe15.
Santo Agostinho, com base na doutrina de Aristóteles e Platão, só
considerava o aborto crime quando o feto já tivesse recebido alma, o que os
dois filósofos julgavam acontecer quarenta ou oitenta dias após a concepção.
Ou seja, faziam distinção entre o feto animado (com alma) e o feto não
animado16.
Frediano Momesso Teodoro explica que Platão também defendia o
aborto em mulheres com mais de quarenta anos de idade, porque acreditava
que podiam correr algum risco de vida em virtude da idade avançada. De
acordo com esse autor, fica evidenciado que o aborto sempre foi praticado em
todo mundo, embora reprovado pelas grandes maiorias. Inclusive, os
estudiosos cogitam que em tempos remotos o aborto também existia como
pretexto para controlar o crescimento populacional.
Teodoro diz ainda que a partir do século XIX o aborto foi desvinculado
do crime de homicídio, tornando-se um delito autônomo e recebendo penas
próprias17.
14 TEODORO, Frediano Momesso. Op. cit. 15 ANIBAL, Bruno. Crimes contra a pessoa. 5. ed. Rio de Janeiro: Editora Rio, 1979, apud CAPEZ, Fernando. Op. cit. p. 109. 16 CAPEZ, Fernando. Op. cit. p. 109. 17 TEODORO, Frediano Momesso. Op. cit.
14
Fernando Capez enfatiza dizendo que, no Brasil, o Código Criminal do
Império, em 1830, não previa o crime de aborto praticado pela própria gestante,
apenas pelos que o realizavam com ou sem o consentimento da mesma18.
Voltando a Teodoro, vemos que o Código Penal de 1890 passou a
prever a figura do aborto provocado pela própria gestante e que somente em
1940, com a promulgação do atual Código Penal Brasileiro, houve a tipificação
do aborto — inclusive sendo incluído no seu Capitulo I – Dos crimes contra a
vida —, que passa a crime em todas as hipóteses.
O autor explica que quando não há outro meio de salvar a vida da
gestante, a punibilidade do aborto necessário será excluída. Assim também
ocorre quando o aborto é praticado em virtude de gravidez resultante de
estupro, desde que precedido de consentimento da gestante ou de seu
representante legal.
Teodoro informa ainda que o atual projeto de Código Penal propõe
substanciais mudanças na Parte Especial do CP, chegando mesmo a realizar
um número considerável de censura penal ao aborto, colocando-o como
infração de pequeno potencial ofensivo, com procedimento regulado pela Lei
9.099/95, que institui os Juizados Especiais criminais, onde se julgam crimes
punidos com detenção de um a nove meses19.
Álvaro Mayrink da Costa explica que em nosso Código Penal de 1969
adotava-se a honoris causa (Art. 127), circunstância especial só reconhecida à
mulher honesta, isto é, inaplicável à prostituta ou à adultera, podendo ser
reconhecida às casadas e viúvas. O autor mostra que no CP existe uma
previsão para o auto-aborto com ou sem o consentimento da gestante, o aborto
preterdoloso.
Ele cita que um projeto de 1984 manteve a incriminação do aborto
consensual, apenas moderando a “realidade brasileira” no que tange a
cominação da pena privativa de liberdade, que passa para detenção de três
meses a um ano20.
Segundo João José Leal, nos dias de hoje o Brasil faz parte da relação
dos países que mantém posição contrária à realização do aborto. Com essa
18 CAPEZ, Fernando. Op. cit. p. 108. 19 TEODORO, Frediano Momesso. Op. cit. 20 COSTA, Álvaro Mayrink da. Direito Penal: parte especial. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 178.
15
informação pode-se constatar que são poucos os países onde o aborto é
terminantemente proibido, legislações brandas surgem com rapidez, embora na
maioria dos países considerados desenvolvidos essa prática seja considerada
legal21.
Alguns autores alegam que o principal motivo para a não legalização
do aborto é a falta de recursos financeiros para realização do atendimento
médico. O Brasil, através do seu Direito Penal, tenta coibir a realização desta
prática que é comum em todos os meios e classes sociais e coloca em risco a
vida da gestante. No delito do aborto, como não podemos enxergar ou ouvir o
que acontece internamente, não se pode perceber a dor sofrida pelo óvulo,
embrião ou mesmo pelo feto22.
1.3. Objeto jurídico
De acordo com Fernando Capez, a preservação da vida intra-uterina é
um bem jurídico tutelado, que nada mais é do que o “direito à vida do feto”23.
De acordo com Frediano Momesso Teodoro, o objeto jurídico no crime
de aborto pode ser definido como sendo a vida irrelevante à sua denominação,
vida intra-uterina ou vida em formação, uma vez que a palavra vida se
autodefine24.
Voltando a Fernando Capez, o autor ressalta que a provocação do
aborto por meio de terceiro é caracterizada como bem jurídico relativo à
integridade física ou psíquica na pessoa da gestante ou intencional como
processo de sofrimento moral. O autor continua enfatizando que se a mulher
vier a sofrer um aborto, ou mesmo causar um auto-aborto, o feto ou embrião
será o titular do único bem jurídico protegido pela norma penal, cujo objeto é a
vida humana. Ele também explica porque para o Direito o feto ainda não é
considerado pessoa humana em seu sentido jurídico. Para que haja efetiva
formação da personalidade tem que haver a vida com o efetivo nascimento25.
21 LEAL, João José. Op. cit. 22 JESUS, Damásio E. de. Op. cit. p. 119. 23 CAPEZ, Fernando. Op. cit. p. 109. 24 TEODORO, Frediano Momesso. Op. cit. 25 CAPEZ, Fernando. Op. cit. p. 109.
16
Damásio de Jesus informa que a vida do feto é atingida. Pode-se dizer
que nesse caso ocorre uma duplicidade de objetos jurídicos. No caso dos
embriões que são utilizados pelo casal que se submete à inseminação artificial,
se houve sua eliminação não chega a se caracterizar o aborto, porque o fato
esta fora do útero. O autor diz que o Direito Penal nestes casos não enquadra
essa norma como crime ou homicídio, porque o embrião não pode ser
considerado pessoa humana. Assim, o aborto não pode ser considerado crime
de dano simplesmente porque não se trata de coisa, sendo classificado nesse
caso como fato atípico26.
Para Capez, o aborto terá relevância penal, ou seja, só pode ser
considerado como crime, se atingir o nascituro (embrião ou feto) com vida.
Nesse caso, não importa se a fecundação ocorreu por meio artificial ou
natural27.
26 JESUS, Damásio E. de. Op. cit. p. 120. 27 CAPEZ, Fernando. Op. cit. p. 109.
17
CAPÍTULO II
ELEMENTOS DO TIPO
2.1. Ação nuclear
De acordo com Fernando Capez, para denominar a forma objetiva de
realização do aborto a lei utiliza o verbo provocar (que significa originar,
promover o aborto). Ele diz que essa ação física é crime com forma livre de
cometimento, porque toda ação humana apta a causar interrupção da gravidez
se enquadra na descrição objetiva do tipo penal em questão e deve visar o ovo,
embrião ou o feto, pois dado início ao parto o crime passa a ser outro:
homicídio ou infanticídio28.
2.2. Meios de execução
Álvaro Mayrink da Costa ressalta que o aborto é classificado como
crime de ação livre e pode ser provocado de várias formas: ação ou omissão29.
Os meios podem ser diretos ou indiretos. Desde que sejam idôneos
para causar o aborto, a ação provocadora será executada através dos
seguintes meios:
2.2.1. Meio químico
Julio Fabrini Mirabete informa que através desse meio são
utilizadas substâncias que provocam a intoxicação no organismo da
gestante e o consequente aborto. Exemplos são o fósforo, o chumbo, o
mercúrio e o arsênico, indicados como substâncias químicas; e a
quinina, a estricnina, o ópio e a beladona, como substâncias orgânicas30.
28 Ibid. p. 110. 29 COSTA, Álvaro Mayrink da. Op. cit. p. 188. 30 MIRABETE, Julio Fabrini. Manual de direito penal. 17. ed. rev. atual. São Paulo: Atlas, 2001, p. 18.
18
2.2.2. Meio psíquico
Fernando Capez explica que esse meio é o que funciona através
do psiquismo da gestante: sugestões, susto, terror, choque moral, etc31.
2.2.3. Meios físicos
Fernando Capez explica que esses são indicados como os
mecânicos exemplificados pelo traumatismo sofrido pelo ovo com
punção, dilatação do colo do útero, curetagem do útero, microcesária,
térmicos (bolsa de água quente, escalda pés etc.), ou elétricos (choque
elétrico por máquina-estática)32.
Damásio de Jesus observa que qualquer um dos meios citados
deverá produzir bom resultado para que não seja evidenciado um crime.
Na utilização de meios idôneos como rezas, injeções sem efeito
abortivo e também quando há impossibilidade absoluta do objeto, ou
seja, quando a gravidez não existe ou o feto já está morto, é
caracterizado o chamado crime impossível do art. 17 do CP33.
2.2.4. Omissão
Luiz Régis Prado explica que o delito pode ser praticado por
conduta omissiva nas hipóteses em que o sujeito ativo tem a posição de
garantidor. Isso ocorre quando os responsáveis em resguardar a
gestante e o feto (ou seja, médicos e enfermeiras), percebendo que irá
ocorrer à eminência de um aborto natural ou acidental não tomam as
medidas cabíveis para evitá-lo. Nesse caso respondem pela prática
omissiva do delito34.
31 CAPEZ, Fernando. Op. cit. p.110. 32 Loc. cit. 33 JESUS, Damásio E. de. Op. cit, p. 123. 34 PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro, volume 2: parte especial. 4. ed., rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 112.
19
2.3. Sujeito ativo
2.3.1. No auto-aborto ou aborto consentido
Damásio de Jesus ressalta que consta do CP, Art. 124 (1a.
Parte), o seguinte: provocar aborto em si mesma, podendo a gestante
por intermédio de meios químicos, físicos ou mecânicos provocar em si
mesma a interrupção da gravidez, com a consequente morte do feto.
Nesse caso, a pena prevista é a detenção de um a três anos para a
gestante que provoca aborto em si própria utilizando-se de um dos
meios disponíveis para eliminar a vida do feto. Faz a prática do crime de
mão própria ou de autoria assinalada, porque ao praticar essa forma de
aborto estará na condição de autora35.
O autor indica que há a hipótese de um terceiro intervir como
partícipe, incentivando ou prestando auxílio, embora exista uma exceção
a essa regra de haver um terceiro como autor envolvido no crime de
mão própria36.
Se o terceiro executou o ato de provocação do aborto, não será
partícipe do crime, mas sim autor do crime de aborto, constante do CP,
Art. 126. Ou seja, será provocação do aborto com o consentimento da
gestante37.
Consta do CP, Art.124 (2a. Parte): “ou consentir que outrem lho
provoque” (o aborto), partindo do principio que a gestante seja
juridicamente capaz, e ela dê seu consentimento para que um terceiro
pratique o aborto. Assim, o crime será atribuído a gestante, porque ela
permitiu o fato, por isso denomina-se “aborto consentido”. É como se o
aborto tivesse sido praticado por ela mesma através de uma terceira
pessoa38.
35 JESUS, Damásio E. de. Op. cit. p. 124. 36 Loc. cit. 37 Loc. cit. 38 Loc. cit.
20
2.3.2. No aborto provocado por terceiro com ou sem consentimento da
gestante
Damásio de Jesus explica que consta do CP, Art. 125, que
qualquer pessoa pode praticar o aborto independente de qualidade ou
condição social. Ele informa que o artigo “provocar aborto, sem o
consentimento da gestante” prevê delito penal, com reclusão de três a
dez anos. O Código Penal o específica como aborto sofrido39.
O autor diz que essa forma de aborto ocorre quando a gestante
possui conhecimento da intenção de terceiro e mostra-se contrária ao
aborto. Nesse caso, entende-se que o consentimento deve ter existido
de alguma forma, tendo em vista ser uma ação realizada contra a
vontade da gestante. A pena nesse caso será severa porque não está
em risco somente a vida do feto, mas a liberdade de escolha e a
integridade física da gestante40.
A recusa ou a falta de consentimento para o aborto constitui
elemento do tipo e deve ser demonstrada para que o causador do aborto
seja incluso em delito do CP, Art.125. Esse aspecto implicará na
necessidade de comprovação jurídica da gestante em relação ao aborto
que foi realizado contra sua vontade e sobre graves ameaças41.
Conforme João José Leal, enquadra-se no parágrafo único do
Art.126. Caput, do CP, uma outra forma de Falta de Consentimento para
prática abortiva. Nesse caso, para gestante não maior de 14 anos,
“alienada ou débil mental”, expressão essa que deve ser entendida com
o mesmo sentido da expressão doença mental ou deficiência mental42.
O autor explica que, se por outro lado, o consentimento for
obtido por meio de fraude, grave ameaça ou violência, à previsão da
pena é a mesma do artigo anterior. Nesses tipos de casos temos ainda a
forma qualificada prevista no CP, Art.127, que prevê o aumento da pena
em um terço, se entre os meios empregados para provocação do aborto
39 Ibid. p. 125. 40 Loc. cit. 41 Loc. cit. 42 LEAL, João José. Op. cit.
21
a gestante sofrer lesão corporal de natureza grave; e serão duplicadas
se por qualquer desses meios ocorrer a morte43.
Segundo ele, embora os aumentos de pena constantes do artigo
127 só sejam aplicáveis aos delitos previstos nos artigos 125 e 126 do
Código Penal e no CP, Art.128, não se pune o aborto praticado por
médico44.
2.3.3. No aborto provocado por terceiro com o consentimento da
gestante
De acordo com Damásio de Jesus, consta do CP, Art. 126, que
para esse delito é previsto como pena reclusão de um a quatro anos. O
Código Penal a específica como
aborto consentido. Nesse caso, a gestante não provoca o
aborto, mas consente que o terceiro o realize45.
É descrita nesse artigo a conduta do terceiro em relação a um
único fato delituoso, que tem outro lado da tipicidade sempre na autoria
delituosa da gestante. O mesmo fato consta da lei para punir o terceiro
provocador, pelo crime do Art.126, e a gestante autorizadora do aborto,
pelo crime descrito no Art. 124 (2a. parte)46.
2.4. Sujeito passivo
2.4.1. Auto-aborto ou aborto consentido
Segundo Fernando Capez, no auto-aborto ou aborto consentido
(CP, Art. 124): o sujeito passivo pode ser produto direto da concepção, o
feto detem para si os direitos civis do nascituro (CC, Art. 4o.), ou seja, é
o titular do bem jurídico da vida47.
43 Loc. cit. 44 Loc. cit. 45 JESUS, Damásio E. de. Op. cit. p. 124. 46 Loc. cit. 47 CAPEZ, Fernando. Op. cit. p. 111.
22
O autor enfatiza que há uma certa divergência doutrinária nessa
espécie de aborto, porque inicialmente é passada a impressão de que a
gestante também seria o sujeito ativo do delito citado, mas essa
possibilidade não existe, porque ninguém pode ser ao mesmo tempo
sujeito ativo e passivo de um crime48.
Luiz Regis Prado afirma que no caso de serem vários os fetos, a
morte deles conduz ao concurso de delitos. O nascituro é dependente e
portador do bem jurídico, vida humana. Ele ressalta ainda que a mãe só
aparecerá como sujeito passivo do delito quando sua liberdade for
ameaçada (aborto não consentido) ou contra sua vida ou integridade
pessoal (aborto qualificado pelo resultado) como bens jurídicos
mediatos49.
2.4.2. Aborto provocado por terceiro
Nesse tipo de aborto, provocado sem o consentimento da
gestante, tratar-se de crime de dupla subjetividade passiva. Os sujeitos
passivos são a gestante e o feto50.
48 Loc. cit. 49 PRADO, Luiz Regis. Op. cit. p. 107. 50 CAPEZ, Fernando. Op. cit. p. 111.
23
CAPÍTULO III
CONSUMAÇÃO
3.1. Exame de corpo de delito
De acordo com Fernando Capez, entendemos que o Exame de Corpo
de Delito é o meio de provar como se deu a consumação da conduta do delito,
praticado pela gestante ou por terceiros. A consumação se dá com o resultado
da lesão à integridade física ou psíquica da vitima. A lesão corporal que tem
como resultado o aborto diferencia-se do próprio delito de aborto pela intenção
do agente51.
Segundo Damásio de Jesus, deverá ser analisado em cada caso
concreto o intuito volitivo do causador do ato e também se havia ou não o
conhecimento dessa circunstância pelo agente. Deve ser comprovado que o
feto estava vivo no momento da ação ou da omissão do agente, dirigida no
sentido de causar-lhe a morte, pois, caso contrário, já estando morto o feto no
momento da prática da conduta pelo agente, o caso será o de crime
impossível, em virtude de absoluta impropriedade do objeto52.
A partir dessa informação entendemos que o objetivo do ato delituoso
tem como resultado a morte do feto e, consequentemente, a interrupção da
gravidez.
Frediano Momesso Teodoro explica, porém, que a ação física deve ser
realizada contra a vida humana intra-uterina, onde o delito será consumado
após a expulsão do feto das entranhas da gestante. No entanto, pode esse
feto, após emprego de meios abortivos, ser expelido pela mãe ainda vivo, vindo
a falecer posteriormente53.
Luiz Regis Prado ressalta ainda que a expulsão do feto do corpo da
mãe é irrelevante para a consumação do crime, pois, de acordo com a
medicina, há diversos casos em que o feto morto não é expelido, mantendo-se
no organismo da gestante. O autor comenta ainda que daí vem à necessidade
51 Loc. cit. 52 JESUS, Damásio E. de. Op. cit. p. 123. 53 TEODORO, Frediano Momesso. Op. cit.
24
de provar que o feto se encontrava vivo quando do emprego dos meios
abortivos, ou seja, é necessária uma relação de causa e efeito entre a ação e o
resultado produzido. Caso isso não tenha como ser comprovado, poderá
incorrer no crime impossível pela absoluta improbidade do objeto (Art.17, CP.
Tentativa Idônea)54.
Nesse caso, não é necessário comprovar a validade do feto, ou seja, a
capacidade de atingir a maturação; exige então que esteja vivo e também não
pode ser produto patológico. Exemplo: a gravidez extra-uterina55.
De acordo como Capez, a comprovação do aborto virá pelo exame de
corpo de delito efetuado no útero da mulher. Na impossibilidade deste, pode
ser utilizada prova testemunhal ou documental56.
Damásio de Jesus informa que somente o emprego de meios abortivos
é insuficiente para atestar o crime de aborto. A prova é indispensável para a
confirmação de que o aborto é consequência do meio abortivo utilizado. A
prova por testemunho é insuficiente nesse caso57.
3.2. Nexo causal
Para Fernando Capez, entende-se como nexo de causalidade a
interrupção da gravidez que em sua decorrência apresente como consequência
a morte do feto, com a utilização de meios abortivos58.
O autor informa que quando há o nascimento do feto com vida e, logo
após, esse vem a morrer, fora do útero, apresentando como causas lesões
provocadas pelo agente causador, este responderá por sua conduta ilícita
praticada no aborto consumado. Ele diz que se a morte do feto acontecer após
seu nascimento tendo como consequência essa agressão contra sua vida
ainda no útero materno, houve violação desse bem jurídico59.
Caso haja o emprego de um meio abortivo idôneo que provoque a
morte do feto e mesmo assim ele venha a falecer devido a outras situações
54 PRADO, Luiz Regis. Op. cit. p. 112. 55 Loc. cit. 56 CAPEZ, Fernando. Op. cit. p. 111. 57 JESUS, Damásio E. de. Op. cit. p. 123. 58 CAPEZ, Fernando. Op. cit. p. 112. 59 Loc. cit.
25
completamente independente desta, o responsável irá responder pela forma
indicada do delito em questão.
Segundo Capez, podemos dar como exemplo o caso de uma gestante
que ingira qualquer substância abortiva receitada pelo médico e, logo após,
venha a sofrer uma queda. Mesmo que o feto venha a falecer em
consequência da queda, a gestante e o médico responderão pela forma
tentada. Inclusive, o autor aponta que ainda é denominada tentativa se o feto
nascer vivo e vir a falecer em decorrência de outras causas sem relação com
os meios abortivos. Nesse caso, a gestante e o médico responderão pelo meio
tentado. O nexo casual é elemento necessário para se configurar a
responsabilidade civil do agente causador do dano60.
3.3. Tentativa
Para Fernando Capez, tentativa está relacionada com o crime de
aborto. Como crime material, admite a figura da tentativa, desde que seja
utilizada com eficácia e idoneidade dos meios abortivos61. A tentativa também
será possível quando da manobra ou meio abortivo empregado, mesmo com
sua idoneidade e eficiência não desencadeará a interrupção da gravidez, por
condições alheias à vontade do agente62.
Conforme exemplifica Luiz Regis Prado, a política criminal sustenta a
impunibilidade da tentativa do auto-aborto, porque o ordenamento jurídico
brasileiro não pune autolesão, ou seja, a tentativa do auto-aborto está mais
para desistência voluntária ou arrependimento do que para tentativa punível63.
O autor diz que o próprio Código Penal desestimula esta punição, a
declara impunível por razão política criminal, querendo não estimular o agente
a prosseguir no propósito de consumar o crime. Ressalta ainda que caso
ocorram eventuais lesões em decorrência das tentativas de auto-aborto, ou
seja, instituir crime em si mesmo e como afirmação impunível, é endossada a
não punibilidade da referida tentativa64.
60 Loc. cit. 61 CAPEZ, Fernando. Op. cit. p. 112. 62 PRADO, Luiz Regis. Op. cit. p. 115 63 Loc. cit. 64 Loc. cit.
26
3.4. Crime impossível
3.4..1. Emprego de meio absolutamente idôneo
Luiz Regis Prado explica que pode ocorrer através da absoluta
ineficácia do meio ou da impropriedade do objeto.Como exemplo
podemos citar o meio absolutamente idôneo e alguns dos meios idôneos
na provocação do aborto, como a ingestão de medicamentos sem
qualquer prevenção médica, que não causam a morte do feto, ou seja, a
realização de rezas, práticas supersticiosas, etc, meios considerados
absolutamente ineficazes65.
Com este meio não poderá ser responsabilizada penalmente
pelo seu comportamento e ineficácia absoluta do meio empregado (CP,
Art. 17) – Tentativa Inadequada.
3.4.2. Emprego de meio relativamente idôneo
Luiz Regis Prado ressalta que empregando o meio relativamente
idôneo é indicada a ingestão de substância química em pouca
quantidade, de forma que não chegue a provocar o aborto. Nesse caso,
o que pode acontecer por uma circunstância acidental é que a
substância química ingerida não produza o efeito letal esperado, por ter
sido ministrada em ínfima quantidade, e por este motivo não foi
realizada a intenção criminosa. O responsável responderá pela forma
tentada do aborto. Neste caso é afastado o crime impossível66.
3.4.3. Absoluta impropriedade do objeto
Segundo Fernando Capez, haverá crime impossível pela
absoluta impropriedade do objeto quando o agente responsável do meio
abortivo desconhece que o feto já está morto67.
65 Ibid. p. 112. 66 Loc. cit. 67 CAPEZ, Fernando. Op. cit. p. 112.
27
3.5. Elemento subjetivo
Explica Fernando Capez que o elemento subjetivo do aborto é
classificado como crime próprio e punível a título de dolo, que consiste na
vontade de interromper a gravidez, onde o objetivo é de causar a morte do
produto da concepção. Ressalta também que não existe aborto culposo.
Portanto, o dolo pode ser direto e eventual68.
O autor explica que o dolo direto ocorre quando há vontade de
interromper a gravidez e de causar a morte do feto. E o dolo eventual é
caracterizado quando o agente assume o risco do resultado. O aborto é crime
quando apresenta resultado qualificado (CP, Art. 127)69.
Álvaro Mayrink da Costa diz que dessa forma não há desvalor culposo
no tipo de aborto se o autor age visando lesionar a mulher, desconhecendo a
gravidez; se ocorrer o aborto, responderá pela incidência do art. 129, Parágrafo
2o., V, CP, pois inexiste o aborto preteritencional. O autor explica que para
alguns autores haverá aborto culposo na hipótese de o agente ignorar o estado
de gravidez da mulher. Contudo, a hipótese só poderá ser aventada no campo
do dolo eventual, pois o tipo requer como pressuposto o conhecimento da
gravidez70.
Neste ponto, Damásio de Jesus exemplifica que no caso daquele que
agride uma mulher sabidamente grávida, provocando o aborto e a consequente
morte do feto, tem-se que verificar o seu elemento subjetivo, a fim de que
possa imputar-lhe corretamente o resultado por ele produzido71.
Nesta situação, se o agente agir com dolo e causar lesão na gestante e
por este motivo esta vier a abortar, será responsabilizado pelo delito de lesão
corporal também qualificado no art.129, Parágrafo 2o.,V,CP, porque sabendo
da gravidez, era-lhe previsível que, agredindo uma mulher naquele estado, ela
poderia abortar. Ressaltou também que há dolo quanto às lesões corporais, e
culpa no que diz respeito ao resultado agravador (aborto), caracterizando-se
um delito nitidamente preterdoloso72.
68 Ibid. pp. 113 e 114. 69 Ibid. p. 114. 70 COSTA, Álvaro Mayrink da. Op. cit. p. 190. 71 JESUS, Damásio E. de. Op. cit. p. 123. 72 Loc. cit.
28
Damásio de Jesus explica também que se a conduta for dirigida
especificamente com a intenção de causar o aborto sem o consentimento da
gestante, responderá pelo delito de aborto, tipificado no art.125 do CP, agindo,
outrossim, com dolo direto. Também poderá o agente atuar com o dolo
eventual, uma vez que, ao agredir uma mulher sabidamente grávida, não se
importa que esta venha a abortar, o que realmente acontece73.
O autor finaliza dizendo que o agente deverá responder por lesões
corporais produzidas na gestante em concurso formal impróprio com o delito de
aborto, pois que agia com desígnios autônomos, sendo aplicado em caso de
exame a regra do cúmulo material de penas74.
3.6. Concurso de crimes
3.6.1. Crimes de aborto e homicídio. Concurso formal.
De acordo com a explicação de Fernando Capez, em caso de
crimes de aborto e homicídio há concurso formal se o elemento
causador eliminar a vida da gestante sabedor de seu estado, ou
assumindo o risco da ocorrência do aborto em concurso formal, estando
ele dotado de vontade própria, ou seja, com uma só ação, mas seu
objetivo é atingir duplo resultado (o homicídio e o aborto).
Nesta situação, as penas serão aplicadas de forma cumulativa,
com a hipótese de haver o concurso formal próprio e a exasperação da
pena.75
3.6.2. Crimes de aborto e constrangimento. Concurso formal.
Fernando Capes esclarece que em caso de crimes de aborto e
constrangimento há concurso formal, pois há a hipótese de se empregar
ameaça ou violência como meios para executar o aborto, existem dois
crimes em curso formal: aborto sem consentimento e constrangimento
73 Ibid. p. 125. 74 CAPEZ, Fernando. Op. cit. p. 114. 75 Loc. cit.
29
ilegal (CP, Art. 146). Podemos então exemplificar que o marido mediante
força física ministra substância abortiva em sua esposa76.
3.6.3. Crime de aborto. Sujeito passivo: gêmeos. Concurso formal ou
crime único?
Segundo Capez, o crime de aborto é efetuado pelo sujeito
passivo conforme o conhecimento desta circunstância. No caso do
conhecimento de que se trata de gêmeos, responderá pelo concurso
formal homogêneo, quando a ação dá causa a dois resultados idênticos.
Entretanto, se o agente não tiver conhecimento da circunstância
responderá por crime único, sob pena de responder pelo fato
criminoso77.
3.6.4. Crimes de aborto e comunicação falsa de crime. Concurso
material.
Fernando Capes menciona em caso de crimes de aborto e
comunicação falsa de crime. Concurso material. Neste caso, é a
hipótese do aborto sentimental, humanitário ou ético, havendo por parte
da gestante o fornecimento ao médico de boletim médico falso de crime
de estupro, responderá pelo crime de aborto (CP, Art.124). A gestante
será enquadrada no delito de falsa comunicação de crime (CP, Art.340)
e o médico não responderá por crime algum, em face da discriminante
putativa78.
76 Loc. cit 77 Ibid. p. 115. 78 Loc. cit.
30
CAPÍTULO IV
FORMAS
4.1. Aborto provocado pela própria gestante. Aborto
consentido (CP, art. 128). E a exceção legal à teoria monística
da ação.
Noronha explica que são duas as hipóteses consideradas pelo art.
124.
A primeira é a do auto-aborto. É a própria gestante quem o pratica
em si mesma. Tal requisito é de essência do delito. Se um terceiro a auxilia,
será co-autor do crime, ex vi do art.2979.
A segunda hipótese é a do aborto consentido, quando outrem o
executa com aquiescência da mulher. Nesse caso, a atuação desta é
secundária, como pode parecer a alguns, razão tendo Maggiore80 para
observar que a gestante não é inerte, mas coopera, consentindo nas
práticas abortivas, isto é, sujeitando-se a estas com movimentos corpóreos
(ao menos pondo-se em posição obstétrica): não omite age81.
Aliás, nossa lei considera a gestante ainda aqui autora do crime de
aborto consentido.
Noronha menciona ainda que nessa última hipótese o terceiro que
materialmente provoca o aborto devia ser co-autor, porém, em face da
disposição expressa do art.126, comete este crime. Cada um responde por
um título de delito82.
Fernando Capez complementa dizendo que neste caso existe
previsão separada de dois crimes: um para a gestante que consente na
prática abortiva (CP, art. 124); e outro para o terceiro que executou
79 NORONHA, E. Magalhães. Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 61. 80 MAGGIORE, apud NORONHA, 2000, p. 61. 81 NORONHA, E. Magalhães. Op. cit. p. 61. 82 Loc. cit.
31
materialmente a ação provocadora do aborto (CP, Art.126 - aborto com o
consentimento da gestante)83.
Percebe-se mais uma exceção à teoria monística adotada pelo
Código Penal em seu art.29, que prevê:
“Quem de qualquer modo, concorre para o crime incide
nas penas a este cominadas, na medida de sua
culpabilidade, ou seja, todos os participantes (co-autor e
partícipe) de uma infração incidem nas penas de um único
e mesmo crime (não devemos esquecer que a teoria
dualista também constitui uma exceção a essa regra).
Assim, o Código dispensou tratamento penal diverso
àquele que executa materialmente a ação provocadora do
aborto, cuja sanção penal, inclusive, é mais gravosa
(reclusão de 1 a 4 anos), e àquela que consente que
terceiro lho provoque, cuja pena cominada é idêntica ao
delito de auto-aborto, ou seja, menos grave (detenção, de
1 a 3 anos)”84.
4.2. Aborto provocado por terceiro, sem o consentimento da
gestante (CP, art. 126)
Segundo a explicação de Noronha, nesta espécie de aborto,
conforme consta no art. 125, a pena é sensivelmente aumentada na
qualidade e na quantidade. É o aborto praticado em mulher dissenciente. Ele
ocorre quer seja feito contra sua vontade, quer à sua revelia. É ela sujeito
passivo de delito, conquanto seja também tutelada a spes hominis85.
83 CAPES, Fernando. Op. cit. p. 115. 84 Loc. cit. 85 NORONHA, E. Magalhães. Op. cit. p. 62.
32
Álvaro Mayrink da Costa concorda com Noronha dizendo que o
art.125, CP, é a reprovação mais severa, pois a pena privativa de liberdade
é de reclusão de três a dez anos86.
Segundo o autor, a falta de consentimento equipara-se ao
consentimento viciado. É elemento constitutivo a ausência do
consentimento, ou seja como já foi citada, a modalidade delitiva compreende
duas hipóteses:
a) quando provocada por terceiro sem consentimento
expresso ou tácito;
b) quando o consentimento é dado por menos de
catorze anos, alienada ou débil mental, ou obtido
mediante fraude, grave ameaça ou violência.87
Costa diz ainda que quando o sujeito ativo for médico aplica-se a
pena restritiva de direitos, in casu, a interdição temporária, que se constitui
na proibição de exercício de profissão, atividade ou oficio que dependam de
habilitação especial, de licença ou autorização do poder público88.
4.3. Aborto provocado por terceiro, com o consentimento da
gestante (CP, art.126).
Na explicação de Noronha, o aborto com o consentimento da
gestante é a hipótese configurada no art. 126. Como se disse linhas atrás,
devia o praticante do aborto ser co-autor do crime do art. 124 (aborto
consentido pela mulher), porém, a lei fez um tipo à parte, que é abordado no
art. 12689.
Entretanto, o autor afirma também que o aborto deixa de ser com o
consentimento da gestante quando ela é menor de quatorze anos, alienada
ou débil mental, casos em que o consentimento não é válido.
86 COSTA, Álvaro Mayrink da. Op. cit. p. 193. 87 Loc. cit. 88 Loc. cit. 89 NORONHA, E. Magalhães. Op. cit. p. 62.
33
Noronha contribui mais uma vez dizendo que também é sem o
assentimento da gestante quando o aborto é obtido mediante fraude, grave
ameaça ou violência. É à custa desses meios que o agente consegue
anuência que, então, é como se não existisse90.
Fernando Capez contribui com o tema dizendo que o fato gera a
incidência de duas figuras típicas, uma para a consenciente (CP, art. 124, 2a.
parte) e outra para o provocador (CP, art. 126). Afirma que é possível o
concurso de pessoas, na hipótese em que há auxílio à conduta do terceiro
que provoca o aborto. Por exemplo, a enfermeira que auxilia o médico em
um clinica de aborto91.
O autor comenta que para que se caracterize a figura do aborto
consentido (CP, art. 126) é necessário que o consentimento da gestante seja
válido, isto é, que ela tenha capacidade para consentir. Ausente essa
capacidade, o delito poderá ser outro (CP, art. 125). Assim, temos o seguinte
quadro:
a) Consentimento válido: é necessário que a gestante
tenha capacidade para consentir, não se tratando de
capacidade civil. Neste campo, o Direito Penal é menos
formal e mais realístico, não se aplicando as normas do
Direito Privado. Leva-se em conta a vontade real da
gestante, desde de que juridicamente relevante. O terceiro
que praticar manobras abortivas na gestante, que
consentiu validamente responderá pelo delito do art.126
do CP.
b) Consentimento inválido: consiste nas hipóteses
elencadas no parágrafo único do art.126, em que o
dissentimento é real (emprego de fraude, grave ameaça
ou violência contra a gestante) ou presumido (se a
gestante não é maior de 14 anos, ou é alienada ou débil
mental)92.
90 Loc. cit. 91 Loc. cit. 92 Loc. cit.
34
Capez enfatiza ainda que o consentimento da gestante deve
perdurar durante toda a execução do aborto, de modo que se houver
revogação por parte dela em momento prévio ou intermediário e, a despeito
disso, prosseguir o terceiro na manobra, haverá, para este, o cometimento
de delito mais grave (CP, art.125). A gestante, por sua vez, não responderá
por delito algum93.
93 Loc. cit.
35
CAPÍTULO V
FORMA MAJORADA (CP, ART. 127)
De acordo com a explicação de Fernando Capez, o art. 127 do CP
prevê as formas majoradas do crime de aborto, quais sejam: a) ocorrendo
lesão grave, é aumentada de um terço; b) ocorrendo morte, a pena é
duplicada94.
Para Rogério Greco, por uma impropriedade técnica, a rubrica
constante no art. 127 do Código Penal anuncia: forma qualificada. Na verdade,
percebe-se que no mencionado artigo não existem qualificadoras, mas sim
causas especiais de aumento de pena, ou majorantes95, conforme se verifica
na sua redação, que diz:
“Art. 127. As penas cominadas nos dois artigos anteriores
são aumentadas de um terço, se, em consequência do
aborto ou dos meios empregados para provocá-lo, a
gestante sofre lesão corporal de natureza grave; e são
duplicadas, se, por qualquer dessas causas lhe sobrevém
à morte”96.
Rogério Grego afirma que, dessa forma, somente no terceiro momento
do critério trifásico de aplicação da pena é que o julgador, verificadas as lesões
corporais graves ou a morte da gestante, fará incidir o aumento de um terço, ou
mesmo duplicar a pena até então encontrada. O autor diz que merece
destaque na redação do art. 127 do Código Penal o fato de que somente terá
aplicação a majorante nas hipóteses de aborto provocado por terceiro, com ou
sem o consentimento da gestante97.
94 CAPEZ, Fernando. Op. cit. p. 118. 95 GRECO, Rogério. Op. cit, p. 274. 96 Código Penal brasileiro. In: Vade Mecum Compacto. Obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Antonio Luiz de Toledo Pinto, Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Lívia Céspedes. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 522. 97 GRECO, Rogério. Op. cit, p. 274.
36
Greco menciona que a autolesão não é punível a gestante que,
realizando o auto-aborto, vier a causar em si mesma lesão corporal de
natureza grave, não se aplicando a causa de aumento de pena. Expõe que
dados sobre os resultados apontados no art. 127 do Código Penal (lesão
corporal grave e morte) somente podem ter sido produzidos culposamente,
tratando-se, na espécie, de crime preterdoloso. Ou seja, o dolo do agente era o
de produzir tão somente o aborto, mas, além da morte do feto, produz lesão
corporal grave na gestante ou lhe causa a morte98.
Assim, as lesões corporais graves e a morte somente podem ser
imputadas ao agente a título de culpa.
Sobre este mesmo tema, Fernando Capez ressalta também que o
enquadramento legal da conduta do partícipe no crime de auto-aborto, do qual
resulte lesão corporal ou morte da gestante, explica que as majorantes em
estudo não abrangem a conduta da mulher que pratica o aborto em si mesma,
também não incidirá sobre a conduta do partícipe desse mesmo delito. Fica a
questão: por qual delito responde o instigador ou auxiliador do crime de auto-
aborto99.
O autor questiona ainda se dos meios ou manobras abortivas advier
lesão corporal ou morte da gestante e explica:
a) Responderá por lesão corporal culposa ou homicídio
culposo. Segundo Capez, Fernando, esta é a posição de
Nelson Hungria, cit.,v.V,p.304.
b) Responderá tão-somente pela participação no delito
do art.124 do CP. É a posição de E. Magalhães Noronha,
Direito Penal, cit., v.2,p.58.
c) O partícipe ou co-autor do aborto, além de responder
por esse delito (art.124), prática homicídio culposo ou
lesão corporal de natureza culposa, sendo inaplicável o
art.127 do CP., uma vez que esta norma exclui os casos
98 Loc. cit. 99 CAPEZ, Fernando. Op. cit. p. 119.
37
do art.124. É a posição de Damásio E. de Jesus. Código
Penal anotada, cit., p.416100.
Segundo Capez, entendemos que o sujeito deve responder por
homicídio culposo ou lesão corporal culposa, conforme o caso, na qualidade do
autor mediato, pois a gestante funcionou como instrumento (longa manus) de
sua atuação imprudente. Além disso, responde por participação em auto-aborto
em concurso formal101.
5.1. Aborto legal, causa de exclusão da ilicitude (CP, Art. 128)
5.1.1. Natureza jurídica
Rogério Grego explica que o art. 128 do Código Penal prevê
duas modalidades de aborto legal, ou seja, o aborto que pode ser
realizado em virtude de autorização da lei penal:
a) aborto terapêutico (curativo) ou profilático (preventivo).
b) aborto sentimental, humanitário ou ético102.
Ressalta o autor que a primeira indagação que devemos fazer é
a seguinte: Qual a natureza jurídica dessas duas modalidades de
autorização legal para fins de realização de aborto?103. Sobre essa
indagação, diz que requer uma resposta mais detalhada. Ab initio, diz a
lei penal o seguinte:
“Art. 128: Não se pune o aborto praticado por médico:
Aborto necessário
I- se não há outro meio de salvar a vida da gestante;
Aborto no caso de gravidez resultante de estupro
100 Loc. cit. 101 Loc. cit. 102 GRECO, Rogério. Op. cit. p. 277. 103 Loc. cit.
38
II- se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido
de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu
representante legal”104.
Fernando Capes complementa a explicação sobre o tema
enfatizando:
“Á primeira vista tem-se a impressão de que o citado
dispositivo legal constituiria uma dirimente ou escusa
absolutória, pois o texto legal se inicia com a frase “não se
pune”. Tal conclusão, contudo, não prospera. Se tratasse
de hipótese de exclusão da pena, a enfermeira como
lembra E.Magalhães Noronha, que auxiliasse o médico,
no aborto, seria punida. Com razão, se realmente fosse
uma causa pessoal de exclusão da pena, somente o
médico por ela seria abrangido”105.
5.1.2. Aborto necessário ou terapêutico (CP, Art. 128, I)
Capez explica ainda que no caso de aborto necessário, também
conhecido por aborto terapêutico ou profilático, não temos dúvida de
afirmar que se trata de uma tipificação correspondente ao estado de
necessidade106.
Heleno Cláudio Fragoso, analisando o inciso em questão, diz: a
primeira hipótese é a do chamado aborto necessário ou terapêutico,
que, segundo a opinião dominante, constitui caso especial de estado de
necessidade107.
Frederico Marques, no mesmo sentido, afirma: Ao aborto
terapêutico, dá o Código Penal, na epígrafe do art. 128, nº I, o nomem
104 Código Penal brasileiro. In: Vade Mecum Compacto. Obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Antonio Luiz de Toledo Pinto, Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Lívia Céspedes. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 522. 105 CAPEZ, Fernando. Op. cit. pp. 120 e 121. 106 Loc. cit. 107 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de Direito Penal, parte especial: arts. 121 a 212 do CP. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, p. 124, 1983, apud GRECO, Rogério. Op. cit. p. 278.
39
júris de aborto necessário, talvez para ressaltar o ratio essendi da
impunidade, que outra não é que o estado de necessidade108.
De maneira ainda mais enfática, Paulo José da Costa Júnior
aduz: Despicienda a referência à presente exclusão da antijuridade,
diante do preceito genérico do art. 24 (estado de necessidade)109.
Rogério Greco conclui dizendo que não há como deixar de lado
o raciocínio relativo ao estado de necessidade no chamado aborto
necessário. Isso porque, segundo se dessume da redação do inciso I do
art. 128 do Código Penal, entre a vida da gestante e a vida do feto, a lei
optou por aquela. No caso, ambos os bens (vida da gestante e vida do
feto) são juridicamente protegidos. Um deve perecer para que outro
subsista. A lei penal, portanto, escolheu a vida da gestante ao invés da
vida do feto110.
Greco afirma que estamos diante do confronto de bens
protegidos pela lei penal. Estamos também, como regra, diante da
situação de estado de necessidade, desde que presentes todos os seus
requisitos, elencados no art. 24 do Código Penal111.
5.13. Aborto sentimental, humanitário ou ético (CP, art. 128, II)
Segundo Capez, esse tipo de aborto é o realizado pelos médicos
no caso em que a gravidez é fruto de um crime de estupro. Nesse caso,
o Estado não pode abrigar a mulher a gerar um filho que é consequência
de um coito vagínico violento, dados os danos maiores, principalmente
os psicológicos que isso pode lhe trazer. O art. 28, II, do CP, não faz
qualquer distinção entre o estupro com violência real ou presumida (CP,
art. 224), a partir do qual se conclui que esse último está abrangido pela
excludente da ilicitude em estudo112.
O autor afirma que a lei não exige autorização judicial, processo
judicial ou sentença condenatória contra o autor do crime de estupro 108 MARQUES, José Frederico. Tratado de direito penal, v. 2. Campinas: Milennium, 2002, p. 213. 109 COSTA JÚNIOR, Paulo José da. Curso de direito penal, v .2. p. 23. 110 GREGO, Rogério. Op. cit. p. 279. 111 Loc. cit. 112 CAPEZ, Fernando. Op. cit. p. 122.
40
para a prática do aborto, ficando a critério do médico, ao contrário do
que ocorre no aborto necessário ou terapêutico113.
113 Ibid. p. 123.
41
CAPÍTULO VI
OUTRAS ESPÉCIES DE ABORTO
6.1. Aborto natural ou espontâneo
Rogério Greco explica que esse é o tipo de aborto que ocorre quando o
próprio organismo se encarrega de expulsar o produto da concepção. Nessa
hipótese, não há crime114.
Odon Ramos Maranhão afirma que os abortos espontâneos são
atribuídos a causas mórbidas de várias categorias, que provocam a morte fetal
e a expulsão do produto da concepção115.
É importante salientar que o aborto natural ou espontâneo não constitui
crime. Alguns doutrinadores também classificam como aborto até 19 semanas
após a última menstruação. Depois disso é considerado infanticídio, pois á
medicina atual já consegue manter o feto vivo em incubadora: não está prevista
punição para essas espécies de aborto, ou seja, não constituem crime, porque
o primeiro ocorre de forma espontânea e o segundo em consequência de
traumatismos ou quando há um acidente com a gestante116.
6.2. Aborto acidental
Fernando Capez explica que esse tipo de aborto é aquele que decorre
de traumatismo ou outro acidente com a gestante. Não há crime também neste
caso117.
114 GREGO, Rogério. Op. cit. p. 268. 115 MARANHÃO, Odon Ramos. Curso Básico de Medicina Legal, p. 187, apud GRECO, Rogério. Op. cit. p. 268. 116 GREGO, Rogério. Op. cit. p. 268. 117 CAPEZ, Fernando. Op. cit. p.124
42
6.3. Aborto eugenésico
Noronha informa que essa espécie de aborto ocorre quando há sério e
grave risco para o filho, seja em virtude de predisposição hereditária, seja por
doenças da mãe durante a gravidez, seja ainda por efeito de drogas que ela
tenha feito uso nesse período, podendo acarretar para o feto enfermidades
psíquicas, corporais, deformidades, etc118.
O autor enfatiza ainda que não é o aborto eugenésico admitido por
nossa lei há algum tempo, foi ele debatido largamente na imprensa, devido ao
uso da droga talidomide pela mulher grávida, que ocasionava o nascimento de
crianças disformes em regra sem os membros superiores ou inferiores.
Tivemos, então, a oportunidade de encarar a questão pelas colunas do Diário
de São Paulo, terminando nossas considerações pela maneira que se segue.
Geralmente essas leis são pela inadmissibilidade do aborto eugenésico119.
Existem códigos, aliás, que não abrem exceção qualquer como soi
acontecer, como o da Noruega (art. 245) e o da Holanda (art. 296). O de
Portugal (art. 358) atenua a pena, no caso de a mulher querer ocultar a
desonra120.
6.4. Aborto eugênico ou piedoso
Julio Fabrini Mirabete destaca o aborto eugênico dizendo que é aquele
“executado ante a suspeita de que o filho virá ao mundo com anomalias
graves, por herança dos pais”. O autor destaca que as deformidades
consideradas mais graves e que mais incidem no pedido de interrupção de
gravidez são, principalmente, as falhas no fechamento do tubo neural, como
anencefalia e a acrania121.
Fernando Capez indica que esse tipo de aborto é permitido mediante
prova irrefutável de que o feto não dispõe de qualquer condição de sobrevida,
consubstanciada em laudos subscritos por juntas médicas122.
118 NORONHA, E. Magalhães. Op. cit. p. 67. 119 Loc. cit. 120 Loc. cit. 121 MIRABETE, Julio Fabrini. Op. cit. p. 18. 122 CAPEZ, Fernando. Op. cit. p. 124.
43
Mirabete alerta que o Poder Judiciário tem autorizado a prática do
aborto, embora os alvarás concedidos não se encontrem depois no direito
material nem no direito processual123.
6.5. Aborto social ou econômico
Luiz Regis Prado explica que esse tipo de aborto visa evitar a miséria
material da família, mas o procedimento não é admitido pela legislação penal
brasileira por motivos econômicos ou sociais124.
Fernando Capez afirma que o aborto costuma ser cometido por família
muito numerosa, para que o nascimento não agrave a crise financeira e social,
mas sua prática nesse caso é entendida como crime125.
123 MIRABETE, Julio Fabrini. Op. cit. p. 18. 124 PRADO, Luiz Regis. Op. cit. p.124. 125 CAPEZ, Fernando. Op. cit. p. 124.
44
CONCLUSÃO
O presente trabalho procurou abordar o direito à vida, assim como os
limites existentes entre este e o aborto. Procuramos ainda enxergar seus
limites, estabelecendo diferenças entre as várias espécies de aborto, por ser o
direito à vida um dos temas mais polêmicos do ordenamento jurídico brasileiro,
inclusive pela maneira como é desrespeitado entre nós, assim como sua
evolução, que aparece contraditória na história até os dias de hoje.
Constatamos através de nossa pesquisa que o aborto é um dos crimes
mais discutidos nos tribunais do país, ou seja, uma torcida querendo revogar tal
delito e outra querendo manter o código penal. Também muita discussão na
esfera religiosa.
O nosso código penal pune de maneira diversa e severa quem pratica
o delito de aborto porque ele fere intimamente todos os indivíduos por possuir
como preferências a discussão sobre a própria vida do homem.
Concluímos que, através do estudo realizado sobre o tema, o que ficou
fortemente evidenciado e que o nosso país possui um ordenamento jurídico
capaz, conhecedor do assunto e que mantém uma legislação que atinge boa
parte dos objetivos propostos sobre o aborto. O que falta em nosso parecer são
alguns acertos para ficar ideal. Talvez por problemas meramente políticos, não
vislumbramos prazo para que isso aconteça.
45
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
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2. 5. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006.
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal, volume 2: parte especial. 3. ed.,
rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2004.
Código Penal brasileiro. In: Vade Mecum Compacto. Obra coletiva de autoria
da Editora Saraiva com a colaboração de Antonio Luiz de Toledo Pinto, Márcia
Cristina Vaz dos Santos Windt e Lívia Céspedes. 18. ed. São Paulo: Saraiva,
2003.
COSTA, Álvaro Mayrink da. Direito Penal: parte especial. 5. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2001.
COSTA JÚNIOR, Paulo José da. Curso de direito penal, v .2.
CRETELLA JÚNIOR, José; CRETELLA NETO, José. 1.000 perguntas e
respostas de direito penal: para exames da OAB, Ordem dos advogados do
Brasil. Rio de Janeiro: Forense, 1998.
GRECO, Rogério. Curso Direito Penal: parte especial. v. 2. Niterói: Impetus,
2006.
JESUS, Damásio E. de. Direito Penal. v. 2. São Paulo: Saraiva, 2005.
LEAL, João José. Incriminação do Aborto: divórcio entre o rigor da lei positiva e
a prática judiciária discriminalizadora do autor. Disponível na Internet.
http://mundojurídico.adv.br. Acesso em 09 jul. 2012.
46
MARQUES, José Frederico. Tratado de direito penal, v. 2. Campinas:
Milennium, 2002.
PACHECO, Eliana Descovi. O aborto e sua evolução histórica. Disponível na
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PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro, volume 2: parte especial.
4. ed., rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.
MIRABETE, Julio Fabrini. Manual de direito penal. 17. ed. rev. atual. São
Paulo: Atlas, 2001.
NORONHA, E. Magalhães. Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 2000.
TEODORO, Frediano Momesso. A Evolução do Aborto na História. Curitiba:
Juruá, 2008. Disponível na Internet. http://www.scielo.br. Acesso em 9 jul.
2012.
47
ÍNDICE
FOLHA DE ROSTO 2
AGRADECIMENTO 3
DEDICATÓRIA 4
RESUMO 5
METODOLOGIA 6
SUMÁRIO 7
INTRODUÇÃO 8
CAPÍTULO I
DOS CRIMES CONTRA A VIDA 10
1.1 . Conceito de aborto 10
1.2. Precedentes históricos 11
1.3. Objeto jurídico 15
CAPÍTULO II
ELEMENTOS DO TIPO 17
2.1. Ação nuclear 17
2.2. Meios de execução 17
2.2.1. Meio químico 17
2.2.2. Meio psíquico 18
2.2.3. Meios físicos 18
2.2.4. Omissão 18
2.3. Sujeito ativo 19
2.3.1. No auto-aborto ou aborto consentido 19
2.3.2. No aborto provocado por terceiro com
ou sem consentimento da gestante 20
2.3.3. No aborto provocado por terceiro com
o consentimento da gestante 21
2.4. Sujeito passivo 21
48
2.4.1. Auto-aborto ou aborto consentido 21
2.4.2. Aborto provocado por terceiro 22
CAPÍTULO III
CONSUMAÇÃO 23
3.1. Exame de corpo de delito 23
3.2. Nexo casual 24
3.3. Tentativa 25
3.4. Crime impossível 26
3.4.1. Emprego de meio absolutamente
idôneo 26
3.4.2. Emprego de meio relativamente
idôneo 26
3.4.3. Absoluta improbidade do objeto 26
3.5. Elemento subjetivo 27
3.6. Concurso de crimes 28
3.6.1. Crimes de aborto e homicídio.
Concurso formal. 28
3.6.2. Crimes de aborto e constrangimento.
Concurso formal. 28
3.6.3. Crime de aborto sujeito passivo:
Gêmeos. Concurso formal ou crime
único. 29
3.6.4. Crimes de aborto e comunicação falsa
de crime. Concurso material. 29
CAPÍTULO IV
FORMAS 30
4.1. Aborto provocado pela própria gestante.
Aborto consentido (CP, art.128). E a exceção
legal à Teoria Monística da Ação. 30
4.2. Aborto provocado por terceiro, sem o
consentimento da gestante (CP, art. 125). 31
4.3. Aborto provocado por terceiro, com o
49
consentimento da gestante (CP, art. 126). 32
CAPÍTULO V
FORMA MAJORADA (CP, art. 127) 35
5.1. Aborto legal, causa de exclusão da ilicitude
(CP, art. 128). 37
5.1.1. Natureza jurídica. 37
5.1.2. Aborto necessário ou terapêutico
(CP, art. 128, I). 38
5.1.3. Aborto sentimental, humanitário ou ético
(CP, art. 128, II). 39
CAPÍTULO VI
OUTRAS ESPÉCIES DE ABORTO 41
6.1. Aborto natural ou espontâneo 41
6.2. Aborto acidental 41
6.3. Aborto eugenésico 42
6.4. Aborto eugênico ou piedoso 42
6.5. Aborto social ou econômico 43
CONCLUSÃO 44
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 45
ÍNDICE 47