Uma película celulósica no tratamento de queimaduras do ll...

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Uma película celulósica no tratamento de queimaduras do ll e lll graus A cellulose pellicle in the treatment of second and third degree burns O objetivo do tratamento local de urna queimadura extensa e profonda é restaurar a integridade da pele lesada o mais rápido possível. sem qualquer perda funcional, evitando-se retrações e/ou hipertrofìas cicatriciais. Quando o paciente é pediátrico o tratamento é cercado de cuidados especiais, visto que este tipo de paciente é muito suseptível a situações que geram ansiedade e est resse, principalmente pela separação do meio familiar (no caso, a necessidade de internação hospitalar) e pouca resistência a dor. A sobrevivéncia não è um problema e a ênfase deve ser dada a protecão da ferida, ao conforto do paciente e a rápida reabilitação 1 . O curativo oclusivo seco voltou ao uso durante a Segunda Guerra Mun-dial, onde a importância de técnicas estéreis e assépticas, na limpeza e curativo da queimadura, foi enfatiza-da nesta època por Harvey Alkn e Summer Koch 2 . Esses resumiram sua expenência e afirnaram que as principios cirúrgicos envolvidos nos tratamentos das queimaduras foram frequentemente esquecidos e algumas vexes ignorados no constante esforço para encontrar novos e melhoros métodos de tratamento 1 . Indicaram que esses prìncipios fundamentais são muito simples e estabeleceram os objetivos da sua terapia 4 : I) converter uma ferida aberta e contaminada em urna ferida limpa; 2) cobrir uma ferida aberta com o curativo mais simples possível que: a - a proteja do risco coostante de reinfecção. b-não fixe ou destrua qualquer parte da pele ou tecido subcutâneo que ainda é viável quando o paciente é visto pela primeira vez; c - permita a drenagem do serosi- dade que axauda da superficie quei- mada até que ela seja controlada pela pressão ou pelo processo normal da coagulação; d-exerça uma pressão moderada uniforme sobre a área queimada; e - possa aer facilmente removido se a infeccão se deseenvolve sob o curativo ou se a queimadura compromete toda a espessura da pele. 3) manter a superfície lesada em repouso; 4) assegurar a cicatrização no minimo período de tempo com a minima perda da função. O cuidado local deve iniciar-ae no momento da admissão do doente, po- rem sempre será considerado em pla- no inferior aquele dedicado ao estado geral do doente. Em última análise, o tratamento local da área queimada visa: a - a atenuar ou impedir a dor, a perda de líquida, a destruição de tecídos e a infecção; b - a isolar a lesão do resto do organismo até que ela complete sua reparação; c - a não acrescentar fatores agra- vantes. Desde 1972, mais de 800 vítimas BRASILEIRA DE GATTAZ SOBR1NHO A - Uma película cclulósica no tratamento das queimaduras do II e III graus, Rev bras Cir, 1989; 79(1): 45-51. KESUMO Descrição de dois caso: de queimadrasi do 2 e 3 graus em membros inferìor e superior, tratados com película celulósica denominada B1OF1LL Observe-se resultado mutio satisfatório t visto que a área do primeiro caso deveria receber enxerto de pele tipo laminar e foi tratada única e exclusivamente com uso da película de celulose. Como único tratamento paralelo foi usada a câmara luperbárica. a firn de diminuir as secreções e acelerar a desidratação da película. UNII LRMOS: curativo biológico; substituto temperário da pela; película celulósica.

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Uma película celulósica no tratamento de queimaduras

do ll e lll graus

A cellulose pellicle in the treatment of second and third degree burns

O objetivo do tratamento local de urna queimadura extensa e profonda é restaurar a integridade da pele lesada o mais rápido possível. sem qualquer perda funcional, evitando-se retrações e/ou hipertrofìas cicatriciais. Quando o paciente é pediátrico o tratamento é cercado de cuidados especiais, visto que este tipo de paciente é muito suseptível a situações que geram ansiedade e est resse, principalmente pela separação do meio familiar (no caso, a necessidade de internação hospitalar) e pouca resistência a dor. A sobrevivéncia não è um problema e a ênfase deve ser dada a protecão da ferida, ao conforto do paciente e a rápida reabilitação1. O curativo oclusivo seco voltou ao uso durante a Segunda Guerra Mun-dial, onde a importância de técnicas estéreis e assépticas, na limpeza e curativo da queimadura, foi enfatiza-da nesta època

por Harvey Alkn e Summer Koch2. Esses resumiram sua expenência e afirnaram que as principios cirúrgicos envolvidos nos tratamentos das queimaduras foram frequentemente esquecidos e algumas vexes ignorados no constante esforço para encontrar novos e melhoros métodos de tratamento1. Indicaram que esses prìncipios fundamentais são muito simples e estabeleceram os objetivos da sua terapia4 :

I) converter uma ferida aberta e contaminada em urna ferida limpa; 2) cobrir uma ferida aberta com o curativo mais simples possível que: a - a proteja do risco coostante de reinfecção.

b-não fixe ou destrua qualquer parte da pele ou tecido subcutâneo que ainda é viável quando o paciente

é visto pela primeira vez; c - permita a drenagem do serosi-

dade que axauda da superficie quei- mada até que ela seja controlada pela pressão ou pelo processo normal da coagulação;

d-exerça uma pressão moderada uniforme sobre a área queimada;

e - possa aer facilmente removido se a infeccão se deseenvolve sob o curativo ou se a queimadura compromete toda a espessura da pele.

3) manter a superfície lesada em repouso;

4) assegurar a cicatrização no minimo período de tempo com a minima perda da função.

O cuidado local deve iniciar-ae no

momento da admissão do doente, po- rem sempre será considerado em pla-no inferior aquele dedicado ao estado geral do doente. Em última análise, o tratamento local da área queimada visa:

a - a atenuar ou impedir a dor, a perda de líquida, a destruição de tecídos e a infecção;

b - a isolar a lesão do resto do organismo até que ela complete sua reparação;

c - a não acrescentar fatores agra-vantes.

Desde 1972, mais de 800 vítimas

BRASILEIRA DE

GATTAZ SOBR1NHO A - Uma película cclulósica no tratamento das queimaduras do II e III graus, Rev bras Cir, 1989; 79(1): 45-51.

KESUMO

Descrição de dois caso: de queimadrasi do 2 e 3 graus em membros inferìor e superior, tratados com película celulósica denominada B1OF1LL Observe-se resultado mutio satisfatóriot visto que a área do primeiro caso deveria receber enxerto de pele tipo laminar e foi tratada única e exclusivamente com uso da película de celulose. Como único tratamento paralelo foi usada a câmara luperbárica. a firn de diminuir as secreções e acelerar a desidratação da película.

UNII LRMOS: curativo biológico; substituto temperário da pela; película celulósica.

de queimaduras foram tratadas no Burn Center do Slherman Oaks Comunity hospital de Los Angeles. A câmata de oxigénio hiperbárica (HBO) é usada somente como umo apoio aos procedimentos padronizados de Tratamento, e não é utilizada para substituir terapias de aceitação corrente. Os resultados do primeiro programa de estudos de três anos mostram modificações definitivas nas aplicação dos cuidados às queimaduras. Houve um decréscimo definitivo na mortalidade em comparação oom nossas previsões e estatíticas e com aquelas do NB1E.

Os resultados de estudos in vivo, por Ketchum e associados, indicam que o oxigênio hiperbárico pode meIhorar a taxa de mortalidade de queimaduras térmicas pela redução do choque da queimadura, infecção e a aceleração da cicatrização dos ferimentos. Procedimentos de enxertos são benefìciados por exposições ao oxigênio hiperbárico, sob tempo con- trolado 7.

A associação da película da celulose7 com HRO demonstrou ser de excelente importancia por um com-plementar o outro; a película de celulose protegendo o paciente de novas infecções e o HBO secando as secreções e acelerando a epitelização.

Relato dos Casos

Caso 1 — Paciente feminina, branca, nove anos de idade, não apresentou outras patologias associadas, procurou nosso serviço no dia 31.12.87, com quadro de queimadura extensa de membro infeior direito, comprometendo faces interni, exter-na e posterior da perna, causada por àlcool, no dia anterior.

Iniciou-se o tratamente oclusivo com gaze furacinada (Nitrofurazona Jefforoft, 1957)5 sendo feito acompa- nhamento imbulatorial e trocas dia-rias do curativo, até que a lesão se encontrasse sem necrose e pronta para enxertia. No 13º dia (13.01.88) a área apresentava-se com excelente tecido de granulação (Fig. 1).

Foi feito um desbridamento cirúrgi-co de restos de tecidos desvitalizados no dia 18.01.88, sob anestesia geral e rigorosa assepsia, sendo colocadas as primeiras películas de celulose. Estas foram retiradas das embalagens

Flg, I –Após debridamento da lesão.

e imediatamente colocadas sobre as lesões, conforme normas do fabricante, sendo deixidas sem oclusão, para maior desidratação das mesmas e consequente formação de crosta.

Vinte e quatro horas após a colocação da películi celulósica (Fig. 2), esta apresentava-se com boa aderência, pouca secreção serosa algunm pontos hemorrágjcos. A piciente sentia-se bem, não apresentava dor, podendo deambular normalmente. Foi feito acompanhamento diário e, no 8º dia, após a colocação da películi, notou-se secreção mais espessa de coloração amarelada, sem odor caracteistico. Foi feita drenagem com pequenas incisões sobre a películi, usando-se agulha estéril. Colhido material para cultura e intibiograma. Desde o início da queimadura não foi usada terapêutica antí bacteriana tòpica8, o que fez com que aparecesse, segundo o resultado da cultura, Sta»phylococcus aureus Concomitantemente iniciou-se cobertura com intibiótico por via sistêmica. No dia 01.02.88, 14°. dia após

colocação da película de celulose, esta foi retirada pela primeira vez, tendo feita assepsia rigorosa (Fig. 3).

Pode-se notar uma epitelização nos bordos da ferida.

Observações feitas 24 horas após a troca da pe~iculi mostrarm que a mesma apresentou completamente desidratação com pequenos pontos negrots hemorrágicos.

Em O9.02.88 foi feita uma segun- da troca somente na face externa da perna (Fig. 4) sendo que a face interna encontiava-se com boa epitelização (Fig. 5) com desprendimento da crosta formada com a película de celulose. A partir desse dia a piciente foi encaminhada para a câmara hiperbarica na tentativa de se conseguir urna melhora da àrea com secreção e cica- trização posterior (Fig.6). Após 4 dias do início do tratamento e 15 sessões na câmare hiperbarica, as queimaduras apresentavam-se comple- tamente epitelizadas, com algumas crostas(Fig. 7)

Na Fig. 8 vêem-se aspectos da área queimada 60 dias após a colocação da

pelicula de celulose, mostrando um tecido de aspecto rosado brilhante. Cinco meses após início do tratamento, a àrea tratada apresenta com boa elasticidade, coloração rosada, hipercrômica no centro da lesão e hipocrômica na parte extema, não

apresentando cicatrizes hipenróficas ou queloideanas.

Caio 2 - Paciente masculino, branco, 31 anos de idade, sem qualquer outra patologia associada. Sofreu queimaduras no braço, anterior e na mão esquerda, após explo-

são de material químico (ácido) Quinze por cento das queimaduras foram de 3 graut e 85% de 2 grau. No dia 07.06.88, o paciente foi socorrido logo após sofrer as queimaduras, relatando grande intensidade de dor. Feitos analgesia e curativo

Fig, 11

Fig. 12 - Um método após aplicação ùnica de pelécula de celulose.

oclusivo com gaze furacinada. Entretanto, o paciente não suportava as trocas diárias dos curativos (devido a dor), procurando então nossos serviços, onde foi indicado o uso de uma película de celulose denominada BIOFILL. Foi aplicada anestesia geral para a retirada destes curarativos oclusivos, além de avaliação das lesões

conforme a Fig. 9. Após antispsia rigorosa, foi feita retirada dos tecidos desvitalizados e colocadas películas de celulosec cobrindo toda a àrea queimada, de acordo com as normas do fabricante (Fig. 10). Após fazer-se o acompanhamento diário, não houve formação de secreções, exceto na àrea do III grau, onde a mesma foi

reabsorvida sem qualquer drenagem. O paciente refére que as dores dessa-pareceram em menps de 24 horas quando pode então regressar às suas atividades.

Por volta do 10°. dia podemoa notar a película em desidratação e a formação de crostas, sendo que estas soltaram-se nas àreas mais superficiais.

onde se nota umo tecido epitelizado (Fig. 11). Com 18 dias o paciente encontrava-se com todas as áreas epi-tetizadas. Nz Fig. 12 podemos notar, ao firn de um més, um tecido de boa qualidade sem secreções, e mostrando áreas hipercrômicas nos locais onde as queimaduras foram mais profundas; no restante das áreas, um tecido rosado e com boa elasticidade.

COMENTÁR10S E

CONCLUSÕES

Se analisarmos o traumatismo que seria causado para obter-se grande quantidadc de enxerto. o internamento hospitalar do paciente com dias de ocupação de um feito e os curativos que seriam necessarios, tanto para a

àrea doadora como receptora, veremos que a pelécula de celulose veio propriciar inumeras vantagens não so de comodidade ao paciente, pnncipalmente no aspecto dor, mas também para o hospital. no que se refere a custo-leito, além de abolir horas gastas com curativos, assepsia e anestesia a nível médico e do pessoal da enfermagem.

Sumary

The obiective of this paper is to describe the use of a cellulose pelitele, denominati BJOMLL. in the treatment of two second and third degree burns, in owerr und upper limbi The results obtamed were extremelly satisfactory. as seen the fìrst case, when the need for a tomiiuited skin grnft was eliminated withjht- cti'tuuvr use of thè celluiosi' pellìcle. A hyperbaric oxigen chamber was the ttly fvrallel treatment, ni ordcr lo decrease secrctvns and accelerate the dehydration of the pellùic.