Uma Etnologia Dos Índios Misturados

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Os povos indígenas do Nordeste não foram objeto de especial interesse para os etnólogos brasileiros. Nas bibliotecas e no mercado editorial são muito raros os trabalhos especializados disponíveis 1 . Apesar da grande expansão do sistema de pós-graduação nos últimos anos no Brasil, ainda no início desta década contava-se com poucas teses monográficas 2 e nenhuma interpretação mais abrangente formulada sobre o assunto. Tudo levava a crer tratar-se, em definitivo, de um objeto de interesse residual, estiolado na contracorrente das problemáticas destacadas pelos america- nistas europeus, e inteiramente deslocado dos grandes debates atuais da antropologia. Uma etnologia menor. Na década de 50, a relação de povos indígenas do Nordeste incluía dez etnias; quarenta anos depois, em 1994, essa lista montava a 23. Se lembrarmos da conceituação dos povos indígenas nas Américas como “pueblos únicos” (Bonfil 1995:10), ou da descrição dos direitos indíge- nas como “originários” (Carneiro da Cunha 1987), estaremos diante de uma contradição em termos absolutos: o surgimento recente (duas déca- das!) de povos que são pensados, e se pensam, como originários. Existem muitas outras conceituações similares espalhadas pelo mundo (como a de populações aborígines, encontrada na legislação na Austrália e Ocea- nia, no Canadá, na Argentina e em outros países da América Latina; populations autochtones ”, referência comum utilizada na etnologia fran- cesa, e pelos africanistas em especial; “ first nations ”, empregada por organizações indígenas nos Estados Unidos), o que torna ainda mais ampla a questão. Como podemos explicar esse paradoxo? Sem dúvida as lacunas etnográficas e os silêncios da historiografia — enquanto compo- UMA ETNOLOGIA DOS “ÍNDIOS MISTURADOS”? SITUAÇÃO COLONIAL, TERRITORIALIZAÇÃO E FLUXOS CULTURAIS* João Pacheco de Oliveira MANA 4(1):47-77, 1998 * Conferência realizada no concurso para professor-titular da disciplina Etnologia, Museu Na- cional/UFRJ, Rio de Janeiro, 11 de novembro de 1997.

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Retrata como os índios do nordeste são retratados na antropologia brasileira.

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O s p ovos in d íg e n a s d o N ord e ste n ã o fora m ob je to d e e sp e cia l in te re ssepa ra os e tnólogos b ra sile iros. Nas b ib liotecas e no mercado ed itoria l sãom u ito ra ros os tra b a lh os e sp e cia liza d os d isp on íve is1. Ap e sa r d a g ra n d eexpansão do sistema de pós-g raduação nos ú ltimos anos no Brasil, a indan o in ício d e sta d é ca d a con ta va -se com p ou ca s te se s m on og rá fica s 2 enenhuma in te rpre tação mais abrangente formulada sobre o assunto. Tudolevava a cre r tra ta r-se , em de fin itivo, de um ob je to de in te re sse re sidua l,e stiolado na con tracorren te das p rob lemáticas destacadas pe los america -n istas europeus, e in te iramente deslocado dos g randes deba tes a tua is daan tropolog ia . Uma e tnolog ia menor.

Na década de 50, a re lação de povos ind ígenas do Nordeste inclu íad e z e tn ia s; q u a re n ta a n os d e p ois, e m 1994, e ssa lista m on ta va a 23. Sele m b ra rm os d a con ce itu a çã o d os p ovos in d íg e n a s n a s Am é rica s com o“ p u e b los ú n icos” (Bon fil 1995:10), ou d a d e scriçã o d os d ire itos in d íg e -n a s com o “ orig in á rios” (C a rn e iro d a C u n h a 1987), e sta re m os d ia n te d euma con trad ição em te rmos absolu tos: o su rg imen to recen te (duas déca -das!) de povos que são pensados, e se pensam, como orig inários. Existemm u ita s ou tra s con ce itu a çõe s sim ila re s e sp a lh a d a s p e lo m u n d o (com o ade populações aboríg ines, encontrada na leg islação na Austrá lia e Ocea -n ia , n o C a n a d á , n a Arg e n tin a e e m ou tros p a íse s d a Am é rica La tin a ;“populations au tochtones” , re fe rência comum utilizada na e tnologia fran-ce sa , e p e los a frica n ista s e m e sp e cia l; “ first n ation s” , e m p re g a d a p ororg a n iza çõe s in d íg e n a s n os Esta d os Un id os), o q u e torn a a in d a m a isampla a questão. Como podemos exp lica r e sse pa radoxo? Sem dúvida aslacunas e tnográ fica s e os silêncios da h istoriog ra fia — enquan to compo-

UMA ETN OLOGIA DOS “ÍN DIOS MISTURADOS”? SITUAÇÃO COLON IAL,

TERRITORIALIZAÇÃO E FLUXOS CULTURAIS*

J oã o Pa ch e co d e O live ira

M AN A 4(1):47-77, 1998

* C on fe rê n cia re a liza d a n o con cu rso p a ra p rofe ssor-titu la r d a d iscip lin a Etn olog ia , M u se u N a -ciona l/UFRJ, Rio de Jane iro, 11 de novembro de 1997.

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n e n te s d e u m d iscu rso d o p od e r (vid e Trou illot 1995) — con stitu e m fon-te s ge radora s de sse en igma , mas não re solvem o p rob lema , tornando-senecessário d iscu tir também as teoria s sobre e tn icidade e os mode los ana -líticos u tilizados.

Minha in tenção aqu i é fornece r subsíd ios pa ra se re fle tir sob re e ssepa radoxo. Pa ra tan to a minha exposição segue trê s movimen tos. No p ri-me iro p rocu ro mostra r como ocorre u a forma çã o d o ob je to d e in ve stig a -ção e re flexão in titu lado “ índ ios do Nordeste” , partindo dos cânones cien-tíficos n a cion a is e in te rn a cion a is a té a s in stitu içõe s loca is, m ostra n d ocomo concre tamen te se in te r-re laciona ram mode los cogn itivos e deman-das políticas. Em um segundo movimento d iscu to conce itos pa ra a aná li-se da e tn icidade e , baseando-me em a lgumas e tnogra fias, p rocuro forne-ce r uma chave in te rp re ta tiva pa ra os fa tos da chamada “emergência” denovas identidades. Fina lmente deba to com o american ismo e re flito sobreas pe rspectivas pa ra o e studo de popu lações tidas como de pouca d istin -tividade cu ltu ra l (ou se ja , cu ltu ra lmente “mistu radas” ).

Uma etnologia das perdas e das ausências culturais

Em seu traba lho de cla ssificação das á reas cu ltu ra is ind ígenas existen tesno pa ís, Eduardo Galvão (1979 [1957]:225-226) manifesta dúvidas quantoà ú ltima delas — a XI, in titu lada “nordeste” 3 — possuir, e fe tivamente , umaunidade e consistência igual às demais. O autor destaca desde logo os e fe i-tos da acu ltu ração e o seu d iagnóstico sobre as dez e tn ias dessa á rea cu l-tu ra l é o segu in te : “A maior parte vive in tegrada no meio reg iona l, reg is-tra n d o-se con sid e rá ve l m e scla g e m e p e rd a d os e le m e n tos tra d icion a is,inclusive a língua” 4. Ao mencionar os Pa taxó, o au tor agrega (sem aspas)o ad je tivo “mestiçados” . É importan te lembra r que o a rtigo de Ga lvão —p or se u ca rá te r in trod u tório e cla ssifica tório — con stitu i u m d os te xtosmais consultados não só por estudantes de an tropologia , mas também pormuseólogos, b ib liotecários, educadores e comunicadores socia is em gera l.

Para o público mais especia lizado o cenário não é d iverso. No Hand -book of Sou th A m erican Ind ians, ob ra de re fe rência cap ita l pa ra os e stu -d os e tn ológ icos, os p ovos in d íg e n a s d o N ord e ste sã o foca liza d os e mp e q u e n os a rtig os (q u a se ve rb e te s) e scritos p or Rob e r t Low ie (1946) eAlfred Mé traux (1946), um de le s com a colaboração de Curt N imuenda -ju . Em ambos os textos são u tilizadas fon tes h istóricas e , p rimord ia lmen-te , re la tos d e cron ista s q u in h e n tista s e se isce n tista s ou n a tu ra lista s via-ja n te s d os sé cu los XVIII e XIX. O u se ja , ta is p ovos e cu ltu ra s p a ssa m a

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se r d e scritos a p e n a s p e lo q u e fora m (ou p e lo q u e , su p õe -se , e le s fora m )há sécu los a trás, mas sabe-se nada (ou muito pouco) sobre o que e les sãoh oje e m d ia . O q u e , p or su p osto, p ou ca con trib u içã o tra ria à e tn olog iaenquan to estudo compara tivo das cu ltu ras.

Em uma famosa me tá fora , Lévi-Strauss nos ensina que “ O an tropó-log o é o astrôn om o d as ciê n cias sociais: e le e stá e n ca rre g a d o d e d e sco-b rir u m se n tid o p a ra con fig u ra çõe s m u ito d ife re n te s, p or su a ord e m d eg ra n d e za e se u a fa sta m e n to, d a s q u e e stã o im e d ia ta m e n te p róxim a s d oobservador.” (1967:422; ênfases no orig ina l) Não se tra ta de uma associa-çã o a cid e n ta l ou p ou co re p re se n ta tiva d e su a ob ra , m a s d e u m e n sin a -me n to con e cta d o com p re ssu p ostos fu n d a me n ta is d o “ mé tod o e tn ológ i-co” por e le de lineado5.

A re levância do au tor e de sua metá fora para os estudos american is-ta s não pode se r medida por citações ou re fe rências exp lícita s em a rtigose monogra fia s, mas por situa r-se como uma imagem simples e sugestiva ,com p a rtilh a d a p e la m a ioria d os e tn ólog os q u e e stu d a a s p op u la çõe sa u tócton e s su l-a m e rica n a s (in clu sive os n ã o vin cu la d os d ir e ta m e n te aesse quadro teórico). Esquadrinhando os céus, o astrônomo lembra o via -jan te /e tnógra fo de que nos fa la Dégérando, cu jas viagens no espaço cor-re sp on d e m ta m b é m a e n orm e s d e sloca m e n tos n o te m p o, e xp lora n d o opassado e cruzando d ife ren tes e ras (vide Stocking J r. 1982; Fabian 1983).Cabe lembra r os comen tá rios de Anne-Christine Taylor, sob re o “a rca ís-mo” ca racte rístico do “american ismo trop ica l” (1984:232).

A metá fora da astronomia é , no en tan to, in te iramente inap licáve l aoe stu d o d a s cu ltu ra s a u tócton e s d o N ord e ste e , n o m á xim o, p od e ria a ju -da r a en tende r a s razões de sua ba ixa a tra tividade pa ra os e tnólogos. Seé a d istin tividade cu ltu ra l que possib ilita o d istanciamento e a ob je tivida-d e , in sta u ra n d o a n ã o con te m p ora n e id a d e e n tre o n a tivo e o e tn ólog o,como é possíve l p roceder com as cu lturas ind ígenas do Nordeste , que nãose apresen tam como en tidades descontínuas e d iscre tas? Para colocar emprá tica o mé todo e tnológ ico ta l como de fin ido por Lé vi-Stra uss de ve ría-mos supor que o momento p rivileg iado de obse rvação daque la s cu ltu ra sse ria logo após os p rime iros con ta tos dos ind ígenas com os portugueses,isto é , n os p rimórd ios d a colon iza çã o, n os sé cu los XVI e XVII. Ultra p a s-sados esses marcos, ta is cu ltu ras fica riam expostas em demasia ao campoma gné tico do Ociden te , ve rificando-se uma in te rfe rê ncia ca da ve z ma isforte deste nos reg istros e , por conseqüência , nas h ipóteses avançadas. Ap e sq u isa d e ca m p o p od e ria con tin u a r a se r p ra tica d a , d e p re fe rê n ciaassociada a um con jun to de técn icas (e tnoh istória ) que reconstitu i o pas-sado e busca seus vestíg ios no p resen te . Mas o rend imen to dessas cu ltu -

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ra s pa ra a e tnog ra fia e a e tnolog ia se ria sempre in fe rior ao do e studo deou tras situadas em uma fa ixa ma is favoráve l de obse rvação.

Se a s d u a s m a iore s ve rte n te s d os e stu d os e tn ológ icos d a s p op u la -çõe s a u tócton e s d a Am é rica d o Su l — o e volu cion ism o cu ltu ra l n or te -americano e o e stru tu ra lismo francês — pa recem conflu ir pa ra uma ava -liação nega tiva quanto às perspectivas de uma e tnologia dos povos e cu l-tu ras ind ígenas do Nordeste , o mesmo ocorre com o ind igen ismo. Em umtexto de g rande d ifusão, Darcy Ribe iro é a inda ma is incisivo. Utilizando-se d e im a g e n s forte s, fa la e m “ re síd u os d a p op u la çã o in d íg e n a d o n or-deste” , ou a inda em “magotes de índ ios desa justados” , vistos nas ilhas eb a rra n cos d o Sã o Fra n cisco (Rib e iro 1970:56). Re cord a com triste za q u ea té m e sm o “ os sím b olos d e su a orig e m in d íg e n a , h a via m sid o a d ota d osno p rocesso de acu ltu ração” (Ribe iro 1970:53), o que exemplifica com osPotiguara , que em suas danças u tilizavam instrumentos a fricanos — zam-bé e pu itã — “acred itando se rem tip icamen te triba is” (Ribe iro 1970:53).Descrevendo os Xucuru de modo simila r, o au tor obse rva que e stão a lta -mente mestiçados com a população se rtane ja loca l, tendo perd ido “o id io-m a e tod a s a s p rá tica s trib a is, e xce to o cu lto d o J u a ze iro Sa g ra d o, se éque este ce rimonia l fora orig ina lmente de les” (Ribe iro 1970:54).

Ao amargor vêm jun ta r-se a suspe ição e , logo, o descréd ito, inclusi-ve , como possíve is su je itos h istóricos: “Por todos os se rtõe s do nordeste ,a o longo dos ca minhos da s boia da s, toda a te rra já é pa cifica me n te pos-su íd a p e la socie d a d e n a cion a l; e os re m a n e sce n te s trib a is, q u e a in d are siste m a o a va ssa la m e n to só tê m sig n ifica d o com o a con te cim e n tosloca is, imponderáve is” (Ribe iro 1970:57). Os índ ios do Nordeste não pos-su iriam ma is importância enquan to ob je to de ação política (ind igen ista ),nem permitiriam visua liza r pe rspectivas pa ra os e studos e tnológ icos.

A construção do objeto “índios do nordeste”

Em a lgumas cap ita is da reg ião se consolida ram núcleos de pesqu isa queviriam, de algum modo, a desembocar em iniciativas destacadas e re levan-tes6. No entanto, a e tnologia indígena não possuía o mesmo poder de a tra-ção das investigações sobre as re lig iões a fro-brasile iras, a a rqueolog ia ouo folclore , e mesmo as incursões dos ca tedrá ticos que estavam re fe ridos àlin g ü ística ou à a n trop olog ia socia l7, n ã o d e ixa ra m d e a b ord a r e m su a ste ses e comunicações a s temá ticas ind ígenas a través do vié s do passado.Isso se re fle tia a inda com mais cla reza nos museus, onde as cu ltu ras ind í-g e n a s e ra m re p re se n ta d a s se ja p or m e io d e p e ça s a rq u e ológ ica s e re la -

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ções h istóricas de populações que viveram no Nordeste , se ja por coleçõese tnográficas trazidas de populações a tua is do Xingu ou da Amazônia .

É a partir de fa tos de na tureza política — demandas quanto à te rra ea ssistência formu ladas ao órgão ind igen ista — que os a tua is povos ind í-genas do Nordeste são colocados como ob je to de a tenção pa ra os an tro-pólogos sed iados nas un iversidades da reg ião. O que a í ocorre exemplifi-ca u m a tra je tória p ossíve l d e in stitu cion a liza çã o p a ra u m a a n trop olog iape rifé rica , ta l como obse rvado por Pe irano (1995:24): em luga r de de fin irsuas p rá ticas por d iá logos teóricos, ope ram mais com ob je tos políticos oua inda com a d imensão política dos conce itos da an tropolog ia .

Em 1975, como um desdobramen to da Reun ião Brasile ira de An tro-p olog ia , re a liza d a e m Sa lva d or, e sta b e le ce -se u m te rm o d e coop e ra çã oen tre a Funa i e a UFBA no sen tido de que e sta pudesse vir a ge ra r e stu -d os q u e su b sid ia sse m p rog ra m a s d e a ssistê n cia e d e se n volvim e n to a osp ovos in d íg e n a s d o e sta d o. Em b ora e ssa a r ticu la çã o te n h a tid o cu r taduração, estimulou o aparecimento de um primeiro “grupo de traba lhos”(Carva lho 1977; Bande ira s/d , en tre ou tros) sobre a lguns povos ind ígenasd a Ba h ia — com o os Pa ta xó e os Kiriri, q u e , e m b ora re con h e cid os com o“ ín d ios” p e lo órg ã o in d ig e n ista e p e la lite ra tu ra e tn ológ ica , n ã o d isp u -nham de te rras demarcadas e p roteg idas.

O rg a n iza d os e m ob iliza d os m a is ta rd e p e la cria çã o d a AN AI e d oPINEB (vide Agostinho 1995), os an tropólogos p roduzem uma quan tida -de expressiva de a rtigos, re la tórios e laudos que ampliam o conhecimen -to e m p írico sob re a s con d içõe s d e e xistê n cia d a p op u la çã o in d íg e n a d oestado (vide Carva lho 1984; Agostinho 1988), ge rando dados e a rgumen-tos que forta lecem suas demandas.

É como uma re su ltan te desse con texto que su rge a p rime ira ten ta ti-va d e d e fin içã o d os “ ín d ios d o n ord e ste ” com o u m a u n id a d e , isto é , u m“conjunto é tn ico e h istórico” in tegrado pe los “d iversos povos adapta tiva-mente re lacionados à caa tinga e h istoricamente associados às fren tes pas-toris e ao padrão missionário dos sécu los XVII e XVIII” (Dantas, Sampaioe Carva lho 1992:433).

Em ve z d e op ta r p or u m e ixo ord e n a d or ce n tra l (com o a h istória eas formas de colon ização, ou os n ichos ecológ icos e sua capacidade d ife -re n cia d a d e a te n d e r à s d e m a n d a s d a s cu ltu ra s e g e ra r p roce ssos a d a p -ta tivos), q u e lh e s p ossib ilita ria d e se n volve r u m d iscu rso te órico e in te r-p re ta tivo, os a u tore s a ssocia m va riá ve is d e n a tu re za te órica m u ito d is-tin ta s den tro de uma moldura que tem um ca rá te r reg iona l e pa rticu la ri-za n te . A u n id a d e d os “ ín d ios d o n ord e ste ” é d a d a n ã o p or su a s in stitu i-çõe s, n e m p or su a h istória , ou p or su a con e xã o com o m e io a m b ie n te ,

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m a s p or p e rte n ce re m a o N ord e ste , e n q u a n to con g lom e ra d o h istórico egeográ fico.

Ao lon g o d o e n sa io, con tu d o, e sse s a u tore s m e n cion a m , a títu lo d eu m e stig m a , u m a ca ra cte riza çã o sociológ ica q u e p od e ria a p lica r-se atodas aque las populações: “a partir da segunda metade do sécu lo, sobre -tu d o, os ín d ios d os a ld e a m e n tos p a ssa m a se r re fe rid os, com cre sce n tefre q ü ê n cia , com o ín d ios ‘m istu rad os’, a g re g a n d o-se -lh e s u m a sé rie d ea trib u tos n e g a tivos q u e os d e sq u a lifica m e os op õe m a os ín d ios ‘p u ros’d o p a ssa d o, id e a liza d os e a p re se n ta d os com o a n te p a ssa d os m íticos”(Da n ta s, Sa m p a io e C a rva lh o 1992:451). Ta l ob se rva çã o, n o e n ta n to, éin te g ra d a a u m a ca d e ia p u ra m e n te cron ológ ica d e fa tos h istóricos, se mvir a se r incorporada a um esforço de conce ituação.

A e xp re ssã o “ ín d ios m istu rad os” — fre q ü e n te m e n te e n con tra d an os Re la tórios d e Pre sid e n te s d e Provín cia e e m ou tros d ocu m e n tos ofi-cia is — merece uma outra ordem de a tenção, pois permite explicita r va lo-res, estra tég ias de ação e expecta tivas dos múltip los a tores presen tes nes-sa situação in te ré tn ica . Em luga r de e stabe le ce r um d iá logo com a s te n-ta tiva s d e cria r in stru m e n tos te óricos p a ra o e stu d o d e sse fe n ôm e n o —como a noção de “ fricção in te ré tn ica (Cardoso de Olive ira 1964), a s críti-ca s à s n oçõe s d e trib a lism o e a cu ltu ra çã o (C a rd oso d e O live ira 1960 e1968), ou a n oçã o d e “ situ a çã o h istórica ” (O live ira 1988) — a te n d ê n ciados estudos foi re string ir-se aos traba lhos sobre a reg ião (ta l como a de fi-nem) e d iscu tir a “m istura” como uma fabricação ideológica e d istorcida .

O órgã o ind ige n ista , igua lme n te , se mpre ma n ife stou se u incômodoe hesitação em a tua r jun to aos “ índ ios do nordeste” , ju stamen te por seua lto g ra u d e in corp ora çã o n a e con om ia e n a socie d a d e re g ion a is. O p a -d rã o h a b itu a l d e a çã o in d ig e n ista ocorria e m situ a çõe s d e fron te ira e mexpansão, com povos ind ígenas que mantinham sob seu con trole amplosespaços te rritoria is (ou , inve rsamente , ameaçavam o con trole das fren tessob re e ste s) e q u e p ossu ía m u m a cu ltu ra m a n ife sta m e n te d ife r e n tedaque la dos não-índ ios. Estabe lece r a tu te la sob re os “ índ ios” e ra exe r-ce r u m a fu n çã o d e m e d ia çã o in te rcu ltu ra l e p olítica , d iscip lin a d ora en e ce ssá ria p a ra a con vivê n cia e n tre os d ois la d os, p a cifica n d o a re g iã ocomo um todo, regu la rizando min imamente o mercado de te rra s e crian -do cond ições pa ra o chamado desenvolvimento econômico (vide Olive ira1983 e 1988; Lima 1995 pa ra aprofundamento desse pon to).

N o N ord e ste , con tu d o, os “ ín d ios” e ra m se r ta n e jos p ob re s e se ma ce sso à te rra , b e m com o d e sp rovid os d e forte con tra stivid a d e cu ltu ra l.Em uma área de colonização an tiga , com as formas econômicas e a malhafu n d iá ria d e fin id a s h á m a is d e d ois sé cu los, o órg ã o in d ig e n ista a tu a va

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a p e n a s d e m a n e ira e sp orá d ica , re sp on d e n d o tã o-som e n te à s d e m a n d a sm a is in cisiva s q u e re ce b ia . M e sm o n e ssa s p ou ca s e p on tu a is in te rve n -ções, o órgão ind igenista tinha de justifica r para si mesmo e para os pode-res estadua is que o ob je to de sua a tuação e ra e fe tivamente composto por“ índ ios” , e não por meros “ remanescen tes” .

Em a rtig o q u e in te g ra u m a p u b lica çã o volta d a p a ra u m p ú b licoa m p lo (O live ira 1994), com p a ro os p ovos in d íg e n a s q u e e stã o n a re g iã oN ord e ste com a q u e le s d a Am a zôn ia e m te rm os d os te rritórios q u e ocu -p a m ou re ivin d ica m 8. Da d a s a s ca ra cte rística s e a cron olog ia d a e xp a n -são da s fron te ira s na Amazôn ia , os povos ind íge na s de tê m pa rte sign ifi-ca tiva de seus te rritórios e n ichos ecológ icos, enquan to no Nordeste ta isá re a s fora m in corp ora d a s p or flu xos colon iza d ore s a n te riore s, n ã o d ife -rin d o m u ito a s su a s p osse s a tu a is d o p a d rã o ca m p on ê s e e sta n d o e n tre -meadas à popu lação reg iona l9.

Essa desproporção dá aos p rob lemas e mobilizações dos povos ind í-g e n a s n a Am a zôn ia u m a im p orta n te d im e n sã o a m b ie n ta l e g e op olítica ,enquan to no Nordeste a s questões se mantêm primord ia lmente nas esfe -ra s fund iá ria e de in te rvenção a ssistencia l. Se , na Amazôn ia , a ma is g ra -ve a m e a ça é a in va sã o d os te rritórios in d íg e n a s e a d e g ra d a çã o d e se u srecu rsos ambien ta is, no caso do Nordeste , o desa fio à ação ind igen ista ére stab e le ce r os te rritórios in d íg e n as , p rom ove n d o a re tira d a d os n ã o-índ ios das á reas ind ígenas, desnaturalizando a “m istura” como ún ica viade sobrevivência e cidadan ia .

É por isso que o fa to socia l que nos ú ltimos vin te anos vem se impon-do como característico do lado indígena do Nordeste é o chamado proces-so de e tnogênese , ab rangendo tan to a emergência de novas iden tidadescomo a re invenção de e tn ias já reconhecidas. Como aponte i naque la oca-siã o (O live ira 1994), é isso q u e p od e se r tom a d o com o b a se p a ra d istin -guir os povos e as culturas indígenas do Nordeste daqueles da Amazônia .

A “ e tn olog ia d a s p e rd a s” d e ixou d e p ossu ir u m a p e lo d e scritivo ouin te rpre ta tivo e a potencia lidade da á rea do ponto de vista téorico passoua se r o deba te sobre a problemática das emergências é tn icas e da recons-tru çã o cu ltu ra l. E é orie n ta d o p or e ssa s p re ocu p a çõe s te órica s, q u e secon stitu iu d o in ício d os a n os 90 p a ra cá u m sig n ifica tivo con ju n to d econhecimen tos sob re os povos e cu ltu ra s ind ígenas do Nordeste 10, anco-rado na b ib liog ra fia ing le sa e norte -americana sobre e tn icidade e an tro-polog ia política , e — é importan te acre scen ta r — nos e studos b ra sile irossobre con ta to in te ré tn ico.

Apoiando-me nessa sign ifica tiva acumulação de dados e tnográ ficose nas in te rp re tações a í conduzidas, pa rece -me possíve l e necessá rio ten-

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paulo anchieta
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ta r u m a re fle xã o m a is siste m á tica e e la b ora d a sob re o lu g a r e a con tri-b u içã o q u e p od e m a p orta r e sse s e stu d os p a ra a e tn olog ia in d íg e n a . É oque p rocura re i faze r a segu ir.

Situação colonial e territorialização

C a b e re cord a r q u e a n oçã o d e te rritório n ã o é d e m a n e ira a lg u m a n ovan a a n trop olog ia , se n d o u tiliza d a p or M org a n (1973) com o crité rio p a rad istingu ir a s formas de gove rno (socie tas e civ itas, ba seadas, re spectiva -m e n te , n os g ru p os d e p a re n te sco ou n o te rritório e n a p rop rie d a d e ), ere tom a d a com a m e sm a fu n çã o p or Forte s e Eva n s-Pritch a rd (1975) n acla ssifica çã o d os siste m a s p olíticos a frica n os. Em u m a r tig o p oste rior,Bohanan (1967) fornece uma g rande quan tidade de exemplos em que osprincíp ios ordenadores de uma sociedade estão loca lizados em um pontoespecífico da estru tura socia l — o sistema de linhagem, as classes de ida -de , a organização milita r, o sistema ritua l, a s formações re lig iosas —, semq u e a s a çõe s socia is p ossu a m q u a lq u e r con e xã o m a is sig n ifica tiva coma lguma base te rritoria l fixa . À d ife rença dessa s, ou tra s sociedades ap re -se n ta m u m a te n d ê n cia a con stitu ir form a çõe s e sta ta is (a in d a q u e ru d i-m e n ta re s) e costu m a m tom a r o te rritório com o u m fa tor re g u la d or d a sre lações en tre os seus membros.

Se m u itos fa tore s (in te rn os e e xte rn os) p od e m se r in d ica d os p a rae xp lica r a p a ssa g e m d e u m a socie d a d e se g m e n ta r à con d içã o d e socie -d a d e ce n tra liza d a , o e le m e n to m a is re p e titivo e con sta n te re sp on sá ve lpor ta l transformação é a sua incorporação den tro de uma situação colo-n ia l, su je ita , portan to, a um apara to político-admin istra tivo que in tegra erep resen ta um Estado (se ja politicamen te sobe rano ou somen te com sta-tu s colon ia l). O q u e im p orta re te r d e ssa d iscu ssã o (q u e e m ou tro tra b a -lho — Olive ira 1993 — procure i exp lora r ma is sistema ticamente ) é que éu m fa to h istórico — a p re se n ça colon ia l — q u e in sta u ra u m a n ova re la -ção da sociedade com o te rritório, de flag rando transformações em múlti-p los n íve is de sua existência sociocu ltu ra l.

Foi pa ra de sta ca r a a mp litude e a ra d ica lida de de ta l muda nça — aqua l Henry Maine (1861), em uma linguagem cla ramente evolucion ista esem se re fe rir ao quadro colonia l, ce lebrava como “a revolução mais rad i-ca l ocorrida no domín io da política” — que foi formulada a noção de te r-ritorializ ação. C om o a rg u m e n te i a n te riorm e n te (O live ira 1993), “ a a tri-b u içã o a u m a socie d a d e d e u m a b a se te rritoria l fixa se con stitu i e m u mponto-chave pa ra a apreensão das mudanças por que e la passa , isso a fe -

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ta n d o p rofu n d a m e n te o fu n cion a m e n to d a s su a s in stitu içõe s e a sig n ifi-ca çã o de sua s man ife stações cu ltu ra is” . Nesse se n tido, a noçã o de te rri-torializ ação é d e fin id a com o u m p roce sso d e re org an iz ação social q u eimplica : 1) a criação de uma nova un idade sociocu ltu ra l median te o esta -b e le cim e n to d e u m a id e n tid a d e é tn ica d ife re n cia d ora ; 2) a con stitu içã ode mecanismos políticos especia lizados; 3) a redefin ição do controle socia lsob re os re cu rsos a m b ie n ta is; 4) a re e la b ora çã o d a cu ltu ra e d a re la çã ocom o passado.

Ta l form u la çã o p re te n d e a cre sce n ta r u m e le m e n to n ovo à clá ssicaa n á lise d e Ba rth (1969) sob re os g ru p os é tn icos e su a s fron te ira s. Afa s-ta ndo-se da s postu ra s cu ltu ra lista s, Ba rth de fin ia um g rupo é tn ico comou m tip o org a n iza cion a l, on d e u m a socie d a d e se u tiliza va d e d ife re n ça scu ltu ra is p a ra fa b rica r e re fa b rica r su a in d ivid u a lid a d e d ia n te d e ou tra scom que estava em um processo de in te ração socia l permanente . Do pon-to de vista heu rístico, portan to, se ria um equ ívoco p re tende r reporta r-sea uma condição de isolamento (loca lizada no passado) pa ra vir a exp lica ros e lemen tos de fin idore s de um g rupo é tn ico, cu jos lim ite s (boundarie s)se riam constru ídos — e sempre situaciona lmente — pe los p róprios mem-b ros d a q u e la socie d a d e . Isso o le va a p rop or o d e sloca m e n to d o foco d ea te n çã o d a s cu ltu ra s (e n q u a n to isola d os) p a ra os p roce ssos id e n titá riosq u e d e ve m se r e stu d a d os e m con te xtos p re cisos e p e rce b id os ta m b é mcomo a tos políticos (recuperando assim a defin ição weberiana de “comu-nidades é tn icas” — vide Weber 1983).

A e laboração teórica de Ba rth va i ju stamen te a té e sse pon to, qua n -do, en tão, cede a vez à investigação empírica . Quando a p rime ira é re to-mada ma is ta rde (Barth 1984; 1988), o p risma adotado já é d ive rso (comom e n cion a re i a d ia n te ). C re io, n o e n ta n to, q u e é im p orta n te re fle tir m a isd e tid a m e n te sob re o con te xto in te rsocie tá rio n o q u a l se con stitu e m osgrupos é tn icos. Não se tra ta de mane ira a lguma de um con texto abstra toe genérico, que possa absorve r todas a s sociedades e suas d ife ren tes for-m a s d e g ove rn o, m a s d e u m a in te ra çã o q u e é p roce ssa d a d e n tro d e u mquadro político p reciso, cu jos pa râmetros e stão dados pe lo Estado-nação(Williams 1989). Para dar mais a tua lidade h istórica a ta l contexto, caberiafa ze r d ois re p a ros à form u la çã o a n te rior: q u e a lg u m a s ve ze s o e xe rcíciodo manda to político pode se r transfe rido de um Estado-nação para ou tro;e q u e e xiste m re g u la m e n ta çõe s in te rn a cion a is q u e g a n h a m a ca d a d iama is força e que vêm a in stitu ir novos d inamismos na re lação en tre g ru -po é tn ico e Estado-nação.

A d im e n sã o e stra té g ica p a ra se p e n sa r a in corp ora çã o d e p op u la -ções e tn icamente d ife renciadas den tro de um Estado-nação é , a meu ver,

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a te rritoria l. Da pe rspectiva das organ izações esta ta is — das qua is os re i-nos se riam a p rime ira moda lidade conhecida —, admin istra r é rea liza r ag e stã o d o te rritório, é d ivid ir a su a p op u la çã o e m u n id a d e s g e og rá fica smenores e h ie ra rqu icamente re lacionadas (vide Reve l 1990), de fin ir limi-tes e demarca r fron te ira s (Bourd ieu 1980).

A noção de territorialização tem a mesma função heurística que a desituação colonia l — trabalhada por Balandier (1951), ree laborada por Car-doso de Olive ira (1964), pe los a frican ista s franceses e , ma is recen temen-te , por Stock ing J r. (1991) —, da qua l descende e é cauda tá ria em te rmoste óricos. É u m a in te rve n çã o d a e sfe ra p olítica q u e a ssocia — d e form apre scritiva e in sofismá ve l — um con jun to de ind ivíduos e g rupos a lim i-te s ge og rá ficos be m de te rmina dos. É e sse a to político — constitu idor deobje tos é tn icos a través de mecanismos arbitrários e de arbitragem (no sen-tido de exte riore s à p op u la çã o con sid e ra d a e re su lta n te d a s re la çõe s d eforça en tre os d ife ren tes grupos que in tegram o Estado) — que estou pro-pondo tomar como fio condu tor da investigação an tropológ ica .

O q u e e stou ch a m a n d o a q u i d e p roce sso d e te rritorializ ação é , ju s-tamente , o movimento pe lo qua l um ob je to político-admin istra tivo — nascolôn ia s fra n ce sa s se ria a “ e tn ia ” , n a Am é rica e sp a n h ola a s “ re d u ccio-nes” e “ re sgua rdos” , no Brasil a s “comun idades ind ígenas” — vem a setransformar em uma cole tividade organ izada , formulando uma iden tida -de p rópria , in stitu indo mecan ismos de tomada de decisão e de rep resen-tação, e ree stru tu rando a s suas formas cu ltu ra is (inclusive a s que o re la -cion a m com o m e io a m b ie n te e com o u n ive rso re lig ioso)11. E a í volto areencontra r Barth , mas sem restring ir-me à d imensão iden titá ria , vendo ad istinção e a ind ividua lização como ve tores de organização socia l. As a fi-n idades cu ltu ra is ou lingü ística s, bem como os víncu los a fe tivos e h istó-ricos p orve n tu ra e xiste n te s e n tre os m e m b ros d e ssa u n id a d e p olít ico-administra tiva (a rb itrá ria e circunstancia l), se rão re traba lhados pe los pró-p rios su je itos em um con texto h istórico de te rminado e con tra stados comca racte rística s a tribu ída s aos membros de ou tra s un ida de s, de flag ra n d oum processo de reorgan ização sociocu ltu ra l de amplas p roporções.

O q u e su ce d e u a os p ovos e cu ltu ra s in d íg e n a s d o N ord e ste ? Aspopu lações ind ígenas que hoje hab itam o Nordeste p rovêm das cu ltu ra sa u tócton e s q u e fora m e n volvid a s e m d ois p roce ssos d e te rritorializ açãocom ca ra cte rística s b e m d istin ta s: u m ve rifica d o n a se g u n d a m e ta d e d osécu lo XVII e nas p rime ira s décadas do XVIII, a ssociado à s missões re li-g iosa s; o ou tro ocorrid o n e ste sé cu lo e a rticu la d o com a a g ê n cia in d ig e -n ista oficia l. Embora possa surpreender que a construção de ob je tos é tn i-cos n ã o ocorra q u a n d o d a con q u ista n e m n a fa ixa d o litora l, isso n ã o é

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ra ro, com o d e m on stra Wa ch te l (1992:46-48) a o ob se rva r q u e , e n tre osC h ip a ya e se u s vizin h os n o a ltip la n o b olivia n o, a crista liza çã o d os e le -m e n tos q u e p od e m se r d itos com o con stitu tivos d a s id e n tid a d e s é tn ica sa tua is só se e fe tuou no curso do sécu lo XVIII.

Pe lo primeiro movimento, famílias de na tivos de d ife ren tes línguas ecu ltu ra s fora m a tra ída s pa ra os a lde a me n tos missioná rios, se ndo se de n-ta riza d a s e ca te q u iza d a s. De sse con tin g e n te é q u e p roce d e m a s a tu a isdenominações ind ígenas do Nordeste , cole tividades que pe rmanece ramnos a ldeamen tos sob o con trole dos missioná rios, e d istan te s dos dema iscolon os e d os p rin cip a is e m p re e n d im e n tos (com o a s la vou ra s d e ca n a -de -açúca r, a s fazendas de gado e a s cidades do litora l). Nesse sen tido, are la çã o d e a ld e a m e n tos m ission á rios (vid e Da n ta s, Sa m p a io e C a rva lh o1992:445-446) pode se r lida como uma complexa á rvore genea lógica , con-tendo cade ias sucessória s e demandas te rritoria is.

Mas a s missões re lig iosas foram instrumen tos importan te s da políti-ca colon ia l, e m p re e n d im e n tos d e e xp a n sã o te rritoria l e d a s fin a n ça s d aC oroa , loca liza d a s p rin cip a lm e n te n o se rtã o d o Sã o Fra n cisco. Pa ra issoin corp ora va m a o Esta d o colon ia l p ortu g u ê s u m con tin g e n te d e “ ín d iosm a n sos” e q u e já e ra p rod u to d e u m a p rim e ira “ m istu ra” . De ve m osob se rva r q u e o p roce sso d e te rritorializ ação vive n cia d o p e la p op u la çã oautóctone é rad ica lmente d iverso daque le gerado pe la política ind igen is-ta d o sé cu lo XX q u e , e m te rmos d e p rop ositu ra , p re te n d e in te rromp e r op roce sso d e a ssim ila çã o com p u lsória , d e ixa n d o o p rog re sso m a te ria l d areg ião como uma ta re fa pa ra os não-ind ígenas. No caso das missões, quesã o u n id a d e s b á sica s d e ocu p a çã o te rritoria l e d e p rod u çã o e con ôm ica ,h á u m a in te n çã o in icia l e xp lícita d e p rom ove r u m a a com od a çã o e n tred ife re n te s cu ltu ra s, h om og e n e iza d a s p e lo p roce sso d e ca te q u e se e p e lod iscip linamen to do traba lho. A “ m istura” e a a rticu lação com o mercadosão fa tores constitu tivos dessa situação in te ré tn ica .

Se a s missõe s — e nqua n to p rodu to de política s e sta ta is — con juga-vam aspectos que podemos chamar de assimilacionistas e preservacionis-tas, o seu sucedâneo h istórico — o “d ire tório de índ ios” — pendeu decisi-va m e n te p a ra a p rim e ira d ire çã o, e stim u la n d o os ca sa m e n tos in te ré tn i-cos e a fixa çã o d e colon os b ra n cos d e n tro d os lim ite s d os a n tig os a ld e a-mentos. Essa foi a segunda “m istura” , cu jos e fe itos só não foram maioresp e lo ca rá te r e xte n sivo e ra re fe ito d a p re se n ça h u m a n a n a s fa ze n d a s d eg a d o, ú n ico e m p re e n d im e n to q u e te ve re la tivo su ce sso n a re g iã o. Se mexistir fluxos migra tórios sign ifica tivos para o se rtão, as an tigas te rras dosa ldeamentos permaneceram sob o controle de uma população de descen-dentes dos índ ios das missões, que as mantinham como de posse comum,

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ao mesmo tempo que se iden tificavam cole tivamen te med ian te re fe rên -cias às missões orig ina is, a san tos padroe iros ou a aciden tes geográ ficos.

Mas a política a ssimilacion ista va i recrudesce r, apoiada em mudan -ça s d e m og rá fica s e e con ôm ica s. C om a Le i d e Te rra s d e 1850 in icia -sep or tod o o Im p é rio u m m ovim e n to d e re g u la riza çã o d a s p rop rie d a d e sru ra is. As an tigas vila s, p rogressivamente , expandem o seu núcleo u rba -no e família s vindas das g randes p ropriedades do litora l ou das fazendasde gado buscam estabe lece r-se nas ce rcan ias como produ toras agrícolas.Os governos provincia is vão, sucessivamente , decla rando extin tos os an ti-gos a ldeamentos ind ígenas e incorporando os seus te rrenos a comarcas emun icíp ios em formação. Pa ra le lamen te , pequenos ag ricu ltore s e fazen -d e iros n ã o-in d íg e n a s con solid a m a s su a s g le b a s ou , p or a rre n d a m e n to,e sta b e le ce m con trole sob re p a rce la s im p orta n te s d a s te rra s q u e , n aa u sê n cia d e ou tros p ostu la n te s, a in d a su b sistia m n a p osse d os a n tig osmoradores. Essa foi a te rce ira “m istura” , a mais rad ica l, que limitou se ria-m e n te a s su a s p osse s, d e ixa n d o im p re ssa s m a rca s e m su a s m e m ória s enarra tivas. É o que sucedeu , por exemplo, com os Pankararu do Bre jo dosPa d re s, q u e d e scre ve m a e xtin çã o d o a n tig o a ld e a m e n to fa ze n d o re fe -rência ao “ tempo das linhas” , quando ocorre ram os traba lhos de demar-cação e d istribu ição de lotes (Arru ti 1996).

Antes do fina l do sécu lo XIX já não se fa lava mais em povos e cu ltu-ra s in d íg e n a s n o N ord e ste . De stitu íd os d e se u s a n tig os te rritórios, n ã osão ma is reconhecidos como cole tividades, mas re fe ridos ind ividua lmen-te como “remanescentes” ou “descendentes” . São os “ índ ios m isturados”d e q u e fa la m a s a u torid a d e s, a p op u la çã o re g ion a l e e le s p róp rios, osreg istros de suas fe sta s e crenças sendo rea lizados sob o títu lo de “ trad i-çõe s p op u la re s” . Foi n e ssa con d içã o, p or e xe m p lo, q u e u m a e q u ip e d oa n tig o In stitu to N a cion a l d o Folclore , n a d é ca d a d e 70, visitou o a n tig oa ld e a m e n to d e Almofa la , filma n d o e g ra va n d o a re a liza çã o d o “ toré m” ,ritua l ma is importan te dos índ ios Tremembé (Va lle 1993).

O se g u n d o m ovim e n to d e te rritoria liza çã o te m in ício n a d é ca d a d e20, quando o governo de Pernambuco reconheceu (embora consolidandoocupações poste riore s) a s te rra s doadas ao an tigo a ldeamen to missioná -rio d e Ip a n e m a (1705), p a ssa n d o-a s a o con trole d o órg ã o in d ig e n ista“ p a ra q u e n e la re sid a [isse m ] os d e sce n d e n te s d os C a rn ijos” a té q u epudessem se r libe rados dessa tu te la (vide Pe re s 1992). Os Fu ln i-ô, comopassam a se r chamados de sde a imp lan tação de um Posto Ind ígena comesse nome, mantêm a sua língua (ya tê ) e um período de reclusão ritua l (o“ ou ricou ri” ), con stitu in d o-se a ssim com o os m a is cla ra m e n te “ ín d ios”en tre a popu lação ind ígena do Nordeste . O p rocesso de te rritoria lização

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op e rou com o u m m e ca n ism o a n tia ssim ila cion ista (vid e C a rd oso d e O li-ve ira 1972), criando cond ições supostamen te “na tu ra is” e adequadas deafirmação de uma cu ltura d ife renciadora , e instaurando a população tu te-la d a com o u m ob je to d e m a rca d o cu ltu ra l e te rritoria lm e n te . Ap e sa r d aú ltima ressa lva do decre to, que fazia pa rte das fina lidades decla radas dapolítica ind igen ista oficia l, a in tenção de tu tor es e tu te lados nunca cami-nhou na d ireção da tota l a ssimilação e da e liminação da tu te la .

N a s d é ca d a s se g u in te s fora m im p la n ta d os Postos In d íg e n a s e md ive rsa s á re a s d o N ord e ste , visa n d o a te n d e r a s p op u la çõe s a li situ a d a s.Em 1937 isso ocorreu com os Pankara ru (Bre jo dos Padres, PE) e os Pa ta -xó, da Fazenda Paraguassu /Caramuru (Ilhéus, BA); em 1944 com os Kari-ri-Xocó, d a ilh a d e Sã o Pe d ro (AL); e m m e a d os d a d é ca d a d e 40 com osTru k á , d a ilh a d e Assu n çã o (BA); e m 1949 com os Atik u m , d a se r ra d oUmã (PE), e os Kiriri, de Mirande la (BA); em 1952 com os Xukuru-Kariri,d a Fa ze n d a C a n to (AL); e m 1954 com os Ka m b iw á (PE); e e m 1957 comos Xu k u ru , d e Pe sq u e ira (PE). N a m a ior p a rte d e sse s ca sos te rra s fora mdemarcadas e destinadas à s popu lações a tend idas.

Em linhas ge ra is, e sse p rocesso de te rritoria lização trouxe consigo aim p osiçã o d e in stitu içõe s e cre n ça s ca ra cte rística s d e u m m od o d e vid ap róp rio a os ín d ios q u e h a b ita m a s re se rva s in d íg e n a s e sã o ob je to, comma ior g ra u d e com p u lsã o, d o e xe rcício p a te rn a lista d a tu te la (fa to in d e-pendente de sua d iversidade cu ltu ra l). Dentre os componentes p rincipa isdessa ind ian idade (O live ira 1988) cabe destaca r a e stru tu ra política e osritua is d ife renciadores.

A organ ização política de quase todas a s á rea s pa ssou a inclu ir trê spapé is d ife renciados — o cacique , o pa jé e o conse lhe iro (isto é , membrodo “conse lho triba l” ) —, tomados como “ trad iciona is” e “au ten ticamentein d íg e n a s” . A in d ica çã o ou ra tifica çã o d os ocu p a n te s d e sse s p a p é is e rarea lizada pe lo agente ind igenista loca l (o chefe do P.I.), que , de fa to, ocu-pava o topo dessa estru tura de poder e quem distribu ía os benefícios pro-ve n ie n te s d o Esta d o (d e a lim e n tos a e m p re g os, p a ssa n d o p or e m p ré sti-mos ou pe rmissões de uso de in strumen tos ag rícola s, me ios de transpor-te , cacimbas d ’água e tc.).

O pa trimônio cu ltura l dos povos ind ígenas do Nordeste , a fe tados poru m p roce sso d e te rritoria liza çã o h á m a is d e d ois sé cu los, e d e p ois su b -me tid os a forte s p re ssõe s n o se n tid o d e u ma a ssimila çã o q u a se comp u l-sória , e stá n e ce ssa ria m e n te m a rca d o p or d ife re n te s “ flu xos” e “ tra d i-çõe s” cu ltu ra is (H a n n e rz 1997; Ba rth 1988). Pa ra q u e se ja m le g ítim oscomponentes de sua cu ltura a tua l, não é preciso que ta is costumes e cren-ça s se ja m , p orta n to, tra ços e xclu sivos d a q u e la socie d a d e Ao con trá rio,

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freqüentemente , ta is e lementos de cu ltura são compartilhados com outrasp op u la çõe s in d íg e n a s ou re g ion a is, com o ocorre , p or e xe m p lo, com osínd ios Tremembé e seus vizinhos, que possuem em comum um con jun tode crenças e narra tivas sobre o passado e o mundo sobrena tura l, que são,n o e n ta n to, m u ito d istin ta s d a q u e la s d a p op u la çã o ru ra l d o in te rior d oCeará (vide Valle 1993).

M a s a p olítica in d ig e n ista oficia l e xig e d e m a rca r d e scon tin u id a d e scu ltu ra is e m fa ce d os re g ion a is, e a ssim o p roce sso d e te rritoria liza çã oganha características bem distin tas do que ocorreu nas missões re lig iosas.O ritu a l d o toré , p or e xe mp lo, p e rmite e xib ir a tod os os a tore s p re se n te snessa situação in te ré tn ica (reg iona is, ind igen istas e os p róprios índ ios) ossina is d iacríticos de uma ind ian idade (O live ira 1988) pecu lia r aos índ iosdo Nordeste . Transmitido de um grupo para outro por in te rmédio das visi-ta s d os p a jé s e d e ou tros coa d ju va n te s, o toré d ifu n d iu -se p or tod a s a sá re a s e se torn ou u m a in stitu içã o u n ifica d ora e com u m . Tra ta -se d e u mritua l político, p rotagon izado sempre que é necessá rio demarca r a s fron -te iras en tre “ índ ios” e “brancos” . Foi o que sucedeu com os Atikum, con-siderados como “ índios” pe lo SPI após — como re la tou um informante Ati-kum quase qua ren ta anos depois — um inspe tor te r ido a ssistir à pe rfor-mática rea lização de um toré . Ao ver que “dançavam um toré arroxado” ore p re se n ta n te oficia l d e u -se p or con ve n cid o, p a ssa n d o a e n ca m in h a r oprocesso de reconhecimento do g rupo (vide Grünewald 1993).

O p roce sso d e te rritorializ ação n ã o d e ve ja m a is se r e n te n d id o sim-p le sm e n te com o d e m ã o ú n ica , d irig id o e xte rn a m e n te e h om og e n e iza -dor, pois a sua a tua lização pe los ind ígenas conduz justamente ao con trá-rio, isto é , à construção de uma iden tidade é tn ica ind ividua lizada daque-la com u n id a d e e m fa ce d e tod o o con ju n to g e n é rico d e “ ín d ios d o N or-d e ste ” . O s p a jé s Pa n k a ra ru p od e m e n sin a r a com u n id a d e s d e p a re n te sdesgarrados como se faz um “pra iá” (cerimonia l em que as máscaras dan-çam represen tando os “encan tados” ), mas cada nova a lde ia (a ssim comoca d a g ru p o é tn ico d a li su rg id o — com o os Pa n k a ra ré , os Ka n ta ru ré e osJ e rip a n có) irá le va n ta r su a p róp ria “ ca sa d os p ra iá s” , in stitu in d o a su ap róp ria g a le ria d e “ e n ca n ta d os” e in sta u ra n d o u m a re la çã o e sp e cíficacom os “encan tados” mais an tigos (Arru ti 1996).

Cada grupo é tn ico repensa a “m istura” e a firma-se como uma cole ti-vid a d e p re cisa m e n te q u a n d o se a p rop ria d e la se g u n d o os in te re sse s ecrenças p riorizados. A idé ia da “m istura” e stá p resen te também en tre ospróprios índ ios, sendo acionada muitas vezes pa ra re força r clivagens fac-cionais. Assim é que os Xukuru e Xukuru-Kariri, dentre outros, fazem dis-tin çã o e n tre os “ ín d ios p u ros” (d e fa m ília s a n tig a s e re con h e cid a s com o

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in d íg e n a s) e os “ b ra ia d os” (p rod u to d e in te rca sa m e n to com b ra n cos ououtros já mestiçados) (vide , respectivamente , Fia lho 1992; Martins 1994)12.

Alg u m a s ve ze s e ra o p róp rio Posto In d íg e n a q u e id e n tifica va osm e m b ros d e u m a d e n om in a çã o in d íg e n a , m e d ia n te o forn e cim e n to d eca rte ira ind ividua l, que a te stava que “o portador desta e ra e fe tivamen teíndio” . Mas à imposição da norma segue-se a sua apropriação loca l, sem-pre específica e ind ividua lizadora . Assim, os Kiriri cria ram uma nova figu-ra p a ra lid a r com o fe n ôm e n o d a id e n tid a d e é tn ica , tã o sim p le s e cla racomo a lista , só que sob seu controle e , portan to, podendo se r usada situa-ciona lmente — para “ser índ io” não basta te r descendência ind ígena nemte r ca rte ira , é p re ciso ta m b é m , com o d ize m , “ p a ssa r n o coa d or” (isto é ,te r uma conduta mora l e política ju lgada adequada , mantendo-se em umalista que fica em mãos do cacique e que é a tua lizada de tempos em tem -pos em reun ião do “conse lho ind ígena”) (vide Brasile iro 1996).

Antes de fina lizar esta sumária apresentação de dados resultan tes depesquisas mais recen tes, caberia re tornar à d iscussão do in ício deste sub-títu lo sob re a na tu reza ú ltima dos g rupos é tn icos. Segu indo a aná lise deWeber sobre as comunidades é tn icas, Barth certamente d iria que é a polí-tica . Os dados apresentados em uma situação etnográfica bastante adversa— em que populações que se re ivindicam como indígenas estão a ltamentedependentes do Estado e muito afetadas por agências e instituições ociden -talizantes — parecem exigir uma maior complexificação. Cada comunidadeé imaginada como uma unidade re lig iosa e é isto que a mantém unificadae permite cria r as bases in te rnas para o exercício do poder. Uma metáforaacionada por diferentes grupos, em variados contextos, conecta as geraçõesdo passado e do p re sen te (Bap tista 1992; Ba rre to Filho 1993; Grünewa ld1993; Arru ti 1996). Os an tepassados se riam “os troncos ve lhos” e as gera -ções a tua is “a s pon tas de rama” . Quando a s cade ia s genea lóg icas foramp e rd id a s n a m e m ória e n ã o h á m a is vín cu los p a lp á ve is com os a n tig osa ldeamentos, as novas a lde ias têm de ape la r aos “encantados” para a fas-ta r-se da condição de “mistura” em que foram colocadas. Só assim podemre con stru ir p a ra si m e sm a s a re la çã o com os se u s a n te p a ssa d os (o se u“tronco velho”), podendo vir a redescobrir-se enquanto “pontas de rama”.

Diásporas e viagens

Um ou tro movime n to d e te rritorializ ação ocorre n os a n os 70/ 80, q u a n d ochegam ao conhecimento público re ivind icações e mobilizações de povosindígenas que não eram reconhecidos pelo órgão indigenista nem estavam

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descritos na lite ra tura e tnológica . Era o caso dos Tinguí-Botó, dos Karapo-tó, d os Ka n ta ru ré , d os J e rip a n có, d os Ta p e b a , d os Wa ssu , d e n tre ou tros,que passam a ser chamados de “novas etnias” ou de “índios emergentes”.

As metá foras u tilizadas, se ja pa ra descrever esse p rocesso, se ja pa radefin ir a e specificidade dessas sociedades, devem se r vista s com bastan -te re se rva e de scon forto, pois comprome te m a inve stiga çã o com p re ssu -postos a rb itrá rios e equivocados. É comum o uso de imagens na tura lizan-te s ligando a d inâmica da s sociedades ao ciclo b iológ ico dos ind ivíduos.Fa la -se e m n a scim e n to e m orte sob a s im a g e n s m a is sim p le s e d ire ta s,a lg u m a s ve ze s com a d e scu lp a d e u m a in te n çã o lite rá ria , m a s ta m b é mna e laboração ou ree laboração de conce itos com pre tensão exp lica tiva .

Assim aparece , por exemplo, o te rmo “e tnogênese” , empregado porGera ld Side r (1976), no con texto de uma oposição ao fenômeno do e tno-cíd io. N ã o ca b e ria tom á -la com o con ce ito ou m e sm o n oçã o, p ois e ste eou tros a u tore s, q u e ta m b é m a p lica m a m e sm a id é ia n a e tn og ra fia d ep op u la çõe s in d íg e n a s (com o G old ste in 1975), se q u e r se n te m a n e ce ssi-dade de melhor de fin i-la , tomando-a como eviden te . Em te rmos teóricos,a ap licação dessa noção — bem como de ou tras igua lmente singula rizan -tes — a um conjun to de povos e cu ltu ras pode acabar substan tivando umprocesso que é h istórico, dando a fa lsa impressão de que , nos ou tros casose m q u e n ã o se fa la d e “ e tn og ê n e se ” ou d e “ e m e rg ê n cia é tn ica ” , o p ro-cesso de formação de iden tidades e sta ria ausen te .

Também ou tra s noções que ocupam luga re s p recisos den tro de ce r-tos quadros teóricos podem vir a ser u tilizadas com significados muito des-locados e re fe ridos à me tá fora na tu ra lizan te acima criticada : é o caso doscon ce itos d e a ca m p on e sa m e n to/ p role ta riza çã o, cu jo p a r é a p lica d o p orAmorim (1975) com a in tenção de descreve r um ciclo evolu tivo marcadopela fa ta lidade (expansão do capita l e prole tarização) a tribuída à h istória .

Uma ou tra cla ssifica çã o fre qüe n te é a do a tribu to da invisib ilida de .Re toma uma trad ição p re sen te no Ociden te de e stabe lece r uma iden tifi-ca çã o e n tre a visã o e o con h e cim e n to, con sid e ra n d o a q u e la com o u m afacu ldade p rivileg iada 13. Embora possa se r de u tilida de e nqua n to a rtifí-cio descritivo, no p lano da aná lise compara tiva con tinua a se r cauda tá riade uma e tnolog ia das pe rdas e das ausências cu ltu ra is.

A caracte rização de “ índ ios emergentes” não de ixa de se r igua lmen-te incômoda . Por um lado, suge re a ssociações de na tu reza física e mecâ -n ica quan to ao estudo da d inâmica dos corpos, o que pode traze r p ressu-p ostos e e xp e cta tiva s d istorcid os q u a n d o a p lica d a a o d omín io d os fe n ô-menos humanos. Como imagem lite rá ria , a o con trá rio, reporta -se a umaapa rição imprevista , en fa tizando o fa tor su rp re sa . Por sua ambigü idade ,

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p od e se r su sce tíve l d e u sos va ria d os se m , n o e n ta n to, con trib u ir p a ra oen tend imento de aspectos re levan tes do fenômeno que designa .

Um ou tro con ju n to d e im a g e n s a d ota com o e stra té g ia sin g u la riza rta is sociedades, de forma a pode r con trapô-la s e d istingu i-la s dos mode-los sociológ icos u su a is. O m a is p op u la riza d o é o costu m e d e fa la r e m“ n ova s e tn icid a d e s” (Be n n e tt 1975), e n g lob a n d o u m e xte n so a rco d efe n ôm e n os (m ig ra n te s, m in oria s re con h e cid a s, a fro-a m e rica n os, ín d iosem cidades e tc.) que , em si mesmos, pouco têm em comum. Mas, a fina l,e xiste u m a “ ve lh a ” e tn icid a d e ? O u os a u tore s q u e u tiliza m ta l e xp re s-sã o e sta riam constru indo uma un idade fan ta smá tica a pa rtir de d ife ren -te s e n foq u e s p e los q u a is os a n trop ólog os e stu d a ra m ou tra s u n id a d e ssocia is? Em lu g a r d e p e rd e r-se n a lin g u a g e m d o e m p iricism o, se ria oca so d e p a rtir p a ra u ma e xp licita çã o d e p re ssu p ostos te óricos, mostra n-do aque le s que não se riam cab íve is na s novas circunstância s, bem comoa p on ta n d o os q u e p od e ria m a b rir ca m in h os a lte rn a tivos p a ra a a n á lise .A n oçã o d e socié té s fractale s (vid e Be rn a n d e G ru zin sk i 1992:32) e la -b ora d a p a ra in d ica r socie d a d e s cu ja s form a s d e socia b ilid a d e sã o irre -g u la re s e in te rrom p id a s, ta m b é m p a re ce -m e sofre r d e u m a lim ita çã osimila r.

Em u m a rtig o re ce n te , J . C lifford (1997) p rocu ra d a r u m statu s d ein stru m e n to a n a lítico a o te rm o “ d iá sp ora ” , a m p la m e n te d ifu n d id o n a sd iscu ssõe s a tu a is sob re g lob a liza çã o, m ig ra çõe s e e tn icid a d e . Emb ora oautor não se encaminhe para uma defin ição, poderíamos d izer que a d iás-pora reme te àque la s situações em que o ind ivíduo e labora sua iden tida -d e p e ssoa l com b a se n o se n tim e n to d e e sta r d ivid id o e n tre d u a s le a ld a -des con trad itória s, a de sua te rra de origem (hom e ) e do luga r onde e stáa tua lmen te , onde vive e constrói sua inse rção socia l (o que Bhabha 1995ch a ma d e locations). Ap e sa r d a mu ltip licid a d e d e forma s d e q u e a d iá s-p ora se re ve ste , C lifford in siste e m q u e a su a u n id a d e só p od e se r a fir-m a d a p or op osiçã o a os p roce ssos q u e a fe ta m a s n a çõe s e os p ovos in d í-genas (exclu ídos este s da noção de d iáspora porque jamais de ixa riam deesta r re fe ridos à sua p rópria origem).

A razão da exclusão dos povos ind ígenas do conce ito gua rda -chuvade d iá spora pa re ce -me va za da e m um uso e sque má tico da s pola rida de scu ltu ra is e m u m a situ a çã o in te ré tn ica , o q u e a m e u ve r, in clu sive , com -p rom e te o e sforço d e C lifford n a con stru çã o re la cion a l d o con ce ito d ed iáspora . Mas o que in te ressa aqu i é ou tro a specto: fe ita s a s devidas re s-sa lva s, p od e ria d ize r q u e C lifford , im p licita m e n te , e sta ria sin a liza n d o aimportância da re lação com a origem como caracte rística das iden tidadesin d íg e n a s. Por q u e os p ovos in d íg e n a s n u n ca ch e g a ria m à con d içã o d e

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unhom ed (Bhabha 1995:9), tão típ ica das popu lações que sofrem proces-sos migra tórios?

É isso q u e m e e stim u la a re tom a r u m a im a g e m — a d a “ via g e m d avolta” (Olive ira 1994) — por mim u tilizada em uma publicação destinadaa u m p ú b lico h e te rog ê n e o d e p e ssoa s in te re ssa d a s n os “ ín d ios d o N or-d e ste ” (in clu sive a s su a s p róp ria s “ lid e ra n ça s” ), e a n te rior a o a rtig o d eC lifford . N o se n tid o u sa d o n a q u e le con te xto, a via g e m é a e n u n cia çã o,au to-re flexiva , da experiência de um migran te , transposta pa ra os ve rsosde Torqua to Ne to: “desde que sa í de casa , trouxe a viagem da volta g ra -va d a n a m in h a m ã o, e n te rra d a n o u m b ig o, d e n tro e fora a ssim com ig o,minha própria condução” .

O s d e b a te s te óricos sob re e tn icid a d e a p on ta m se m p re p a ra u m ab ifu rca çã o d e p ostu ra s: d e u m la d o, os in stru m e n ta lista s (Ba rth 1969;Cohen 1969; 1974; e muitos ou tros), que a exp licam por p rocessos políti-cos que devem se r ana lisados em circunstância s e specíficas; de ou tro, osp rim ord ia lista s, q u e a id e n tifica m com le a ld a d e s p rim ord ia is (G e e rtz1963; Keyes 1976; Ben tley 1987). A imagem figu ra tiva por mim u tilizadatem, justamente , como fina lidade supera r e ssa pola ridade , também ob je-to de re flexão de Carne iro da Cunha (1987), mostrando que ambas as cor-ren te s apon tam pa ra d imensões constitu tiva s, sem a s qua is a e tn icidadenão poderia se r pensada . A e tn icidade supõe , necessa riamente , uma tra-je tória (q u e é h istórica e d e te rm in a d a p or m ú ltip los fa tore s) e u m a ori-gem (que é uma expe riência p rimária , ind ividua l, mas que também estátra d u zid a e m sa b e re s e n a rra tiva s a os q u a is ve m a se a cop la r). O q u ese ria p róp rio da s ide n tida de s é tn ica s é que ne la s a a tua liza çã o h istóricanão anula o sen timento de re fe rência à origem, mas a té mesmo o re força .É da resolução simbólica e cole tiva dessa contrad ição que decorre a forçapolítica e emociona l da e tn icidade .

N a im a g e m d e “ via g e m d a volta ” h á d ois a sp e ctos q u e e xp licita m ,re spectivamen te , a re lação en tre e tn icidade e te rritório e en tre e tn icida -de e ca racte rísticas físicas dos ind ivíduos, que é p reciso e scla rece r e e la -bora r me lhor. A expressão “en te rrada no umbigo” traz pa ra os nordesti-nos uma associação muito pa rticu la r. Nas á reas ru ra is há um costume deas mães en te rra rem o umbigo dos recém-nascidos pa ra que e le s se man -te n h a m e m ocion a lm e n te lig a d os a e la e à su a te rra d e orig e m . C om o éfreqüen te ne ssa s reg iõe s a mig ração em busca de me lhore s oportun ida -des de traba lho, ta l a to mág ico (uma “ simpa tia” ) aumen ta ria a s chancesd e a cria n ça re torn a r u m d ia à su a te rra n a ta l. O q u e a fig u ra p oé ticasu g e re é u m a p od e rosa con e xã o e n tre o se n tim e n to d e p e rte n cim e n toé tn ico e um luga r de orige m e spe cífico, onde o ind ivíduo e se us compo-

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n e n te s m á g icos se u n e m e id e n tifica m com a p róp ria te rra , p a ssa n d o ain te g ra r u m d e stin o com u m . A re la çã o e n tre a p e ssoa e o g ru p o é tn icose ria me d ia da pe lo te rritório e a sua re p re se n ta çã o pode ria re me te r nã osó a u m a re cu p e ra çã o m a is p rim á ria d a m e m ória , m a s ta m b é m à s im a -gens ma is expressivas da autocton ia.

O ou tro p on to é a re la çã o e n tre e tn icid a d e e ca ra cte rística s física s.Ao d izer que sua na tureza está “gravada” na própria mão, o narrador criaum vínculo primário inextirpáve l, transmitido b iolog icamente , en tre e le ea cole tividade ma ior. Tra ta -se de a lgo mu ito ma is forte do que uma lea l-da de , a qua l re me te ria a fe nôme nos sociocu ltu ra is e a con te xtos e opor-tun idades de a tua lização h istórica (ou não). Inscrita em seu próprio corpoe sempre p resen te (“den tro e fora , a ssim comigo”), a re lação com a cole -tividade de origem remete ao domín io da fa ta lidade , do irrevogáve l, quee sta b e le ce o n orte e os p a râ m e tros d e u m a tra je tória socia l con cre ta .En q u a n to o p e rcu rso d os a n trop ólog os foi o d e d e sm istifica r a n oçã o d e“raça” e desconstru ir a de “e tn ia” , os membros de um grupo é tn ico enca-m in h a m -se , fre q ü e n te m e n te , n a d ire çã o op osta , re a firm a n d o a su a u n i-dade e situando as conexões com a origem em p lanos que não podem sera travessados ou a rb itrados pe los de fora . Sabem que e stão muito d istan -te s das origens em te rmos de organ ização política , bem como na d imen -são cu ltu ra l e cogn itiva . A “viagem da volta” não é um exe rcício nostá l-g ico d e re torn o a o p a ssa d o e d e scon e cta d o d o p re se n te (p or isso n ã o éuma viagem de volta ).

Na minha e scolha da imagem de “viagem da volta” também estevepresen te uma ou tra razão, quase , d iria , de fide lidade e tnográ fica . DesdeV. Turner (1974), os an tropólogos sabem que as pe regrinações podem se rimportan tes me ios pa ra a construção de uma un idade sociocu ltu ra l en trep e ssoa s com in te re sse s e p a d rõe s com p orta m e n ta is va ria d os. N ã o sã op ou cos n e m in e xp re ssivos os a u tore s q u e con sid e ra m a s via g e n s com ofa tor im p orta n te n a p róp ria con stitu içã o d a s socie d a d e s (Fa b ia n 1983;Anderson 1983; Pra tt 1992 e , ma is recen temente , C lifford 1997).

É exa tamente isso que se verifica nos estudos mais recentes sobre osg rupos é tn icos do Nordeste . Foi absolu tamen te decisivo o pape l de líde -re s com o Acilon , e n tre os Tu rk á (vid e Ba p tista 1992), d e Pe rn a -d e -Pa u ,en tre os Tapeba (Ba rre to Filho 1993), de João-Cabeça -de -Pena , en tre osKa mbiw á (Ba rbosa 1991). Sua s via ge ns à s ca p ita is do N orde ste e a o Riod e J a n e iro p a ra ob te r o re con h e cim e n to d o SPI e a d e m a rca çã o d e su a ste rras configuraram verdade iras romarias políticas, que institu íram meca-n ism os d e re p re se n ta çã o, con stitu íra m a lia n ça s e xte rn a s, e la b ora ra m ed ivu lg a ra m p roje tos d e fu tu ro, crista liza ra m in te rn a m e n te os in te re sse s

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dispersos e fize ram nascer uma un idade política an tes inexisten te . É p re -ciso pe rcebe r que e ssa s viagens só a ssumiram ta l sign ificação porque oslíde re s também a tua ram em uma ou tra d imensão, rea lizando ou tra s via -gens, que foram pe reg rinações no sen tido re lig ioso, voltadas pa ra a rea -firm a çã o d e va lore s m ora is e d e cre n ça s fu n d a m e n ta is q u e forn e ce m a sbases de possib ilidade de uma existência cole tiva .

Acilon C iria co d a Lu z foi o p rim e iro “ ch e fe d a a ld e ia ” — con form ere la to fe ito q u a se cin q ü e n ta a n os d e p ois p or su a filh a à p e sq u isa d oraM é rcia Ba p tista — p orq u e foi e le q u e m via jou n o te m p o e n o e sp a ço ech e g ou a té a a n tig a “ a ld e ia ” on d e se u s a n te p a ssa d os (“ ín d ios p u ros” )lhe ensina ram coisa s mu ito importan te s e ú te is, que seus pa is já haviamd e sa p re n d id o. C on ta ra m -lh e o ve rd a d e iro, m a s e sq u e cid o n om e d aa lde ia , mostra ram-lhe os limites que e la deveria te r e mandaram “ levan -tá -la ou tra ve z” , e n sin a n d o a o “ se u p e ssoa l” com o d e ve ria m vive r. Essavia g e m — fe ita p or u m h om e m m a rca d o d e sd e a in fâ n cia p e la p a ra li-sia — criou o grupo é tn ico Turká (Bap tista 1992).

Da í a a firm a çã o d e q u e o su rg im e n to d e u m a n ova socie d a d e in d í-ge na nã o é a pe na s o a to de ou torga de te rritório, de “ e tn ifica çã o” pu ra-m e n te a d m in istra tiva , d e su b m issõe s, m a n d a tos p olíticos e im p osiçõe scu ltu ra is, é também aque le da comunhão de sen tidos e va lores, do ba tis-mo de cada um de seus membros, da obediência a uma au toridade simul-ta n e a m e n te re lig iosa e p olítica . Só a e la b ora çã o d e u top ia s (re lig iosa s/m ora is/ p olítica s) p e rm ite a su p e ra çã o d a con tra d içã o e n tre os ob je tivosh istóricos e o sen timen to de lea ldade às origens, transformando a iden ti-d a d e é tn ica e m u m a p rá tica socia l e fe tiva , cu lm in a d a p e lo p roce sso d ete rritoria lização.

Uma etnologia dos “índios misturados”?

Voltando à sugestiva me tá fora do an tropólogo como a strônomo, pode riad ize r q u e p e sou sob re a e tn olog ia d o N ord e ste u m a e stra n h a m a ld içã o:no momento mais adequado para a observação das d ife renças — ou se ja ,no in ício da colon ização — não existia a inda a d iscip lina (com seu instru -menta l teórico e metodológ ico); uma vez esta constitu ída , não havia maiscu ltu ra s que possib ilita ssem reg istros de a fa stamen tos sign ifica tivos. Ta lparadoxo, con tudo, não se ria específico do Nordeste b rasile iro, mas com-partilhado em grau maior ou menor pe las á reas de colonização mais an ti-g a s n a s Am é rica s (com o a costa le ste d a Am é rica d o N or te , o p la n a ltocentra l do México, a fa ixa en tre os Andes e o litora l do Pacífico, bem como

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a re g iã o p la tina ), que de ra m orige m a popu la çõe s forte me n te he te rogê -n e a s, com “ cu ltu ra s h íb rid a s” (C a n clin i 1995) e ín d ios m istu rad os , a osqua is os e tnólogos e e tnógra fos não ded ica ram maior in te resse .

Em um volume especia l da revista L’Hom m e , comemora tivo dos qu i-n h e n tos a n os d o d e scob rim e n to d a Am é rica , Be rn a n d e G ru zin sk i(1992:21) ind icam a lgumas lacunas sign ifica tivas na investigação e tnoló-g ica . Se g u n d o e le s, os m e stiços con stitu iria m o la d o ve rd a d e ira m e n tee sq u e cid o d a a n trop olog ia a m e rica n ista , cu jo m a ior d e fe ito se ria o d eopera r a s suas pesqu isas como se existisse uma “clivagem ep istemológ i-ca e n tre Ín d ios d e u m la d o e n ã o a u tócton e s d o ou tro” (Be rn a n d e G ru -zinsk i 1992:9).

Ta l cita çã o d e ixa -m e e m p osiçã o m a is con fortá ve l p a ra fa ze r u mcom e n tá rio. A a n trop olog ia b ra sile ira re g istrou n a s d é ca d a s d e 50 e 60preocupações inovadoras e re flexões bastan te orig ina is d ian te de p rob le -m á tica s e p a d rõe s d e tra b a lh o cie n tífico coloca d os e m p rá tica n a q u e lemomento nos centros metropolitanos de produção e consagração da d isci-p lin a . De n tre ou tra s, e u in d ica ria trê s q u e m e re ce m se r re e xa m in a d a s erevistas: a crítica aos estudos de aculturação e ao conce ito de assimilação;a ênfase no estudo da situação colonia l e suas repercussões sobre os dadose in te rp re tações; e a d imensão é tico-va lora tiva do exe rcício da ciência .

As sugestões contidas na metáfora da astronomia propicia ram impor-ta n te s a va n ços e m m u itos d om ín ios d a e tn olog ia , m a s ta m b é m in ib ira m(ou te n d e ra m a coloca r com o in visíve is e se cu n d á rios) a p e sq u isa e are flexão sobre fenômenos sociocu ltu ra is que não se enquadravam exa ta-m e n te e m su a ótica . Em u m m ovim e n to d e d ista n cia m e n to d os p re ssu -p ostos d o a m e rica n ism o, e u in d ica ria e sq u e m a tica m e n te q u a tro p on tosde rup tura .

O primeiro se ria o questionamento quan to à comple ta abstração doscontextos em que são gerados os dados e tnográ ficos. Se estes não via jamno espaço in te reste la r a través das len tes de um te lescóp io, nem resu ltamde condições idea is de labora tório, é necessário en tão descrever, de modocircu n sta n cia d o, a s con d içõe s con cre ta s d e fu n cion a m e n to d a s cu ltu ra sditas autóctones para poder desnaturalizar e compreender contextualmen-te os dados ob tidos (vide Rosa ldo 1980; 1989; Fabian 1983; Clifford e Mar-cu s 1986; C lifford 1988; 1997; O live ira 1988). Em u m re e xa me crítico d ea lgumas monografias clássicas dos africanistas ingleses, Owusu (1978) fazimportan tes re tificações e tnográficas e in te rpre ta tivas, a tribu indo os equí-vocos a í e ncon tra d os a o costume — que cha ma de “ a na cron ismo e sse n -cia l” — de ap re sen ta r os dados e tnog rá ficos como se re su lta ssem de umcontexto trad iciona l, quando de fa to foram cole tados no quadro colon ia l.

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O s p ovos in d íg e n a s h oje e stã o tã o d ista n te s d e cu ltu ra s n e olítica spré -colombianas quanto os brasile iros a tua is da sociedade portuguesa dosé cu lo XV, a inda que possa m e xistir, nos dois ca sos, pon tos de con tinu i-dade que p recisa riam se r me lhor examinados e d ife rencia lmen te ava lia -d os. As socie d a d e s in d íg e n a s sã o e fe tiva m e n te con te m p orâ n e a s à q u e lado e tnógrafo (Lara ia 1995), da qua l participam median te in te rações socio-cu ltu ra is q u e p re cisa m se r d e scrita s e a n a lisa d a s, p ois con stitu e m u m adimensão essencia l à compreensão dos dados ge rados.

Segundo, não é possíve l descreve r os fa tos e acon tecimen tos den trode uma cu ltu ra a pa rtir de uma tempora lidade ún ica e homogene izadora(a longa du ração). Caso os reg istros e tnog rá ficos e ste jam circunscritos au m a só te m p ora lid a d e , a te n d ê n cia se rá , n e ce ssa ria m e n te , d istor ce r,m in im iza r ou m e sm o om itir os fe n ôm e n os q u e n ã o se a ju sta m a u m ta lritm o, p rod u zin d o a n á lise s p a rcia is, e sq u e m á tica s e p ou co e xp lica tiva s.En tra em cena , en tão, uma h istória da con tingência e do aciden ta l, e nãouma h istória constitu tiva , que in tegre as d ife ren tes tempora lidades e per-mita compreender os fa tos e a s un idades obse rvadas (vide Thomas 1989;1994; Bensa 1996).

Te rce iro, os re la tos e tnográ ficos evidenciam que as sociedades ind í-g e n a s sã o com p le xa s e su a s cu ltu ra s h e te rog ê n e a s e d ive rsifica d a s. Atépara compreender as expressões mais emocionais e re ite radas de unidadee h a rmon ia , é p re ciso re sg a ta r a p olifon ia re a l (Ra mos 1988). As a çõe s eos conteúdos simbólicos que trazem não correspondem unicamente a umap roje çã o d e mod e los a te mp ora is e in con scie n te s, ma s re p re se n ta m u masolução a problemas (inclusive com uma dimensão é tico-va lora tiva) surgi-dos no cu rso da s in te rações socia is (vide Be llah 1983; Ve lho 1995). Se riaextremamen te empobrecedor de spoja r a s in te rvenções ve rba is dos na ti-vos de uma d imensão crítica e exp lica tiva , que e ste ja a ssociada à consti-tu içã o d e “ com u n id a d e s d e a rg u m e n ta çã o” (vid e C a rd oso d e O live ira1996) que podem operar em diferentes p lanos e com obje tivos d iversos.

Q u a rto, a s cu ltu ra s n ã o sã o coe xte n siva s à s socie d a d e s n a cion a isnem aos grupos é tn icos. O que as torna assim são, por um lado, as deman-d a s d os p róp rios g ru p os socia is (q u e a tra vé s d e se u s p orta -voze s in sti-tu e m a s su a s fron te ira s), e , p or ou tro, a comp le xa te má tica d a a u te n tici-da de (que a ca ba por con fe rir uma posiçã o de pode r a o a n tropólogo, de -m a rca n d o e sp a ços socia is com o le g ítim os ou ile g ítim os). Em te m p os d emulticu ltu ra lismo, va le lembra r a indagaçã o formu la da por Ra dha k rish-n a n : “ p or q u e e u n ã o p osso se r in d ia n o se m te r d e se r ‘a u te n tica m e n teind iano’? A au ten ticidade é um la r que constru ímos pa ra nós mesmos oué um gue to que hab itamos pa ra sa tisfaze r ao mundo dominan te?” (1996:

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210-211). Para escapar dessa a rmadilha , a lguns au tores (Barth 1984; 1988;Hannerz 1992; 1997) suge rem abandonar imagens a rqu ite tôn icas de sis-te m a s fe ch a d os e se p a ssa r a tra b a lh a r com p roce ssos d e circu la çã o d esign ificados, en fa tizando que o ca rá te r não estru tu ra l, d inâmico e virtua lé constitu tivo da cu ltu ra .

Ta l a lte rna tiva de construção teórica pa rece -me mais p rofícua e un i-ve rsa l, p e rm itin d o u m a b a se m a is a m p la d e com p a ra çõe s, se m e xig ir aace itação de pressuposições quanto ao isolamento, ao d istanciamento e àob je tividade . Nesse sen tido, conside ro que as pesqu isas e in te rp re taçõessobre os “ índios misturados” tiveram o mérito de trazer para o debate entreos e tnólogos a lguns dos desafios presen tes na d iscip lina an tropologia .

Ao con clu ir, g osta ria d e e xp licita r com a m á xim a cla re za p ossíve lque a minha in tenção não é propor uma e tnologia dos “ índ ios do N ordes-te ” , ou m e sm o u m a e tn olog ia d os “ín d ios m istu rad os”, q u e fu n cion a ssecom o u m con tra p on to a o m od e lo d os a m e rica n ista s. C om o le m b ra Fa r-d on (1990), a re g ion a liza çã o d a a n trop olog ia le va à h om og e n e id a d e d em é tod os e p rob le m á tica s, à cria çã o d e u m a re d e d e in te rd e p e n d ê n cia sa ca d ê m ica s e in stitu cion a is q u e torn a d ifícil p e n sa r a re n ova çã o te óricacomo um movimento in te rno a essas virtua is subdiscip linas. Embora exis-tam sina is de insa tisfação, em face dos p ressupostos acima criticados, eme xp re ssivos a u tore s a m e rica n ista s (com o Ta ylor 1984:231-232; Tu rn e r1991; Overing 1994), a p reocupação em reafirmar uma continu idade in te -rior, bem como a tendência a evita r ab rir d iá logos ma is amplos, limitam,a m e u ve r, e ssa s in icia tiva s. Em vir tu d e d os m e sm os a rg u m e n tos n ã opode ria , de modo a lgum, postu la r a au tonomização de en foques ou p ro-b le m á tica s v is-à-v is os d e b a te s e d ile m a s q u e a fe ta m a d iscip lin a com ou m tod o. Se , p or m e ra n e ce ssid a d e d e com u n ica çã o tive sse d e a g re g a ra lg u m a d je tivo a o e xe rcício d e in ve stig a çã o e re fle xã o q u e p e sq u isa d o-re s d ive rsos re a liza ra m n o N ord e ste , m a s ta m b é m n a Am a zôn ia e e mou tra s re g iõe s d o m u n d o, ta lve z fosse op ortu n o d e sta ca r a p re ocu p a çã ode busca r caminhos pa ra uma possíve l “an tropolog ia h istórica” .

Recebido em 19 de novembro de 1997

Aprovado em 6 de jane iro de 1998

João Pacheco de Olive ira é professor-titu la r de Etnologia do Museu Naciona le leciona no PPGAS/UFRJ. Realizou pesquisa com os índios Ticuna, do que re -sultou sua tese de doutoramento, publicada em 1988. Orientou teses e d isser-tações sobre povos indígenas do Nordeste e da Amazônia , em programa com-para tivo de pesquisas em e tn icidade e te rritório. E-mail: [email protected]

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Notas

1 O s d e Este vã o Pin to, e d ita d os e m 1935 e 1938 n a C ole çã o Bra silia n a , eHohentha l, pub licado na Rev ista do M useu Pau lista em 1960.

2 Fora m q u a tro d isse rta çõe s n a Pós-G ra d u a çã o e m C iê n cia s Socia is d aUFBA, duas d isse rta ções e uma te se de dou tora do no PPGAS, e uma d isse rta çã ode mestrado na UnB.

3 Que iria do litora l da Pa ra íba ao su l da Bah ia , ab rangendo também o se r -tão de Pe rnambuco, Alagoas, Bah ia e Minas Gera is.

4 Se o te rm o m e scla g e m n os p a re ce e stra n h o, u m a con su lta a o d icion á riopode se r escla recedora : a lém de sign ificados gera is, como “mistura r, confundir” eou tros ma is e specíficos, in te rca la r, en tremear, incorpora r (também bastan te cab í-ve is), é re g istra d o e xp licita m e n te “ m istu ra r (o sa n g u e ) p e lo ca sa m e n to d e p e s-soas de raças d ive rsas” (Holanda 1975:915).

5 Por um lado, Lévi-Strauss chama a a tenção para a esca la de tempo em queo e tnólogo deve proceder aos seus reg istros e in te rpre tações: é a “ longa duração” ,onde as d isposições quanto ao tempo, como em Braude l, remetem aos parâmetroscom q u e op e ra a g e olog ia ; p or ou tro, e tn olog ia e h istória , p a rtilh a n d o o m e sm oob je to e m é tod o, d istin g u e m -se p or p e rsp e ctiva s com p le m e n ta re s, org a n iza n d oseus dados em re lação “às condições inconscien tes da vida socia l” ou , respectiva -men te , “ à s exp re ssões conscien te s” (Lévi-Strauss 1967:34). A noção de cu ltu ra ée q u ip a ra d a à d e “ isola d o” e m d e m og ra fia , se n d o d o m e sm o tip o e p ossu in d o om e sm o va lor h e u rístico. Ain d a q u e a su a a m p litu d e p ossa va ria r e m “ fu n çã o d otipo de pesqu isa conside rado” , não de ixa ria jama is, con tudo, de “corre sponde r au m a re a lid a d e ob je tiva ” (Lé vi-Stra u ss 1967:335). Se g u ir ta is re g ra s d e m é tod op e rmitiria d e fin ir o lu g a r d a a n trop olog ia e n tre a s d e ma is ciê n cia s socia is, comosendo “hoje a ún ica d iscip lina do d istanciamento socia l” (Lévi-Strauss 1967:423).

6 C om o o M u se u d e Arq u e olog ia e Etn olog ia e o C u rso d e Pós-G ra d u a çã oem Ciências Socia is da UFBA, os Cursos de Pós-Graduação em História e Arqueo-log ia da UFPE, o Museu Câmara Cascudo e a cu rta expe riência de um Mestradoem Ciências Socia is em Na ta l, e o Museu Théo Brandão em Mace ió.

7 Como o fize ram, respectivamente , Frederico Ede lweiss, que se ded icou aoestudo das línguas Tup is, ou a inda Tha les de Azevedo (1976), ao foca liza r a ca te-quese como processo de acu ltu ração.

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8 En q u a n to n a Am a zôn ia a m a ioria d a s á re a s u ltra p a ssa os 50.000 h a e a ste rras ind ígenas represen tam de 10% a 40% da superfície dos estados, no caso doN ord e ste , a s e xte n sõe s d e te rra s p le ite a d a s sã o p e q u e n a s (e m g e ra l in fe riore s a2.000 ha), correspondendo a fazendas de porte médio e jamais represen tando maisde 0,7% das te rra s do estado.

9 Se n a Am a zôn ia a p rop orçã o e n tre te rra / h om e m é d e m a is d e m il h a p orínd io, no Nordeste , onde a popu lação ind ígena é numerosa (porque já a travessouem ge rações passadas os desequ ilíb rios demográ ficos vividos nas p rime ira s fa sesdo con ta to), e ssa re lação corresponde a 7,2 ha pa ra cada índ io.

10 Em sua ma ioria são d isse rtações de mestrado (de fend idas p rincipa lmen teno PPGAS e na UFBA, mas a inda na UFPE e na UnB), mas tambem incluem impor-tan te s laudos pe ricia is, re la tórios de iden tificação e também proje tos de pesqu isa(notoriamente Sampa io 1986).

11 Caberia chamar a a tenção para a d ife rença en tre territorialização (um pro-cesso socia l de flag rado pe la in stância política ) e “ te rritoria lidade” (um estado ouqua lidade ineren te a cada cu ltu ra ). Esta ú ltima é uma noção u tilizada por geógra-fos france se s (Ra ffe stin , Ba re l) que de staca , na tu ra liza e coloca em te rmos a tem-pora is a re lação en tre cu ltu ra e me io ambien te (vide crítica conduzida em Olive i-ra 1994).

12 N ã o e n con tre i e xp lica çã o p a ra o te rm o “ b ra ia d o” . Tra ta n d o-se d e u m areg ião de cria tório, ta lvez possa haver a lguma associação com o te rmo “bragado”(a p lica d o a b ois e ca va los “ cu ja s p e rn a s tê m cor d ife re n te d o re sto d o corp o” )(Holanda 1975:224).

13 Não se tra ta de uma ap licação nova em face das popu lações ind ígenas daAmérica , existindo monografias — como a de Elizabe th Colson (1974 [1953]) sobreos M a k a h , e d e An th on y Stock s (1981) sob re os C oca m a — q u e a ssu m e m com oeixo ordenador de sua exposição a idé ia da invisib ilidade .

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Resumo

Até re ce n te m e n te os e stu d os sob re ospovos e culturas indígenas do Nordesteb ra sile iro n ã o con stitu íra m u m ob je toma is sistemá tico de investigações, pa -re ce n d o a p e n a s p rop icia r u ma e tn olo-gia secundária e menor. Na visão do au-tor, isso d e corre u d a d ificu ld a d e d eap licação àque la s cu ltu ra s dos p re ssu -postos da an tropolog ia american ista , aqual opera com modelos socie tários quee n fa tiza m a d e scon tin u id a d e cu ltu ra l,bem como a ob je tividade e a exte riori-dade do obse rvado em face do pesqu i-sa d or e d e su a socie d a d e . Dia log a n d ocom d ife ren tes pe rspectivas teóricas, oautor de line ia ou ree labora a lgumas no-ções como, respectivamente , as de “ ter-ritoria lização”, “situação colonial”, “diás-pora” e “viagem da volta” que lhe per-mitem rea liza r uma aná lise compreen-siva d o p roce sso h istórico q u e ve io atransformar ta is populações nos gruposé tn icos a tua is. Suge re , ao fina l, que ose stu d os q u e vê m se n d o re a liza d os n oBrasil e em diferentes partes do mundosobre “ índ ios mistu rados” (isto é , re la -ções in te ré tn icas em áreas de coloniza-ção muito antiga) podem contribuir pa-ra a con stru çã o d e u m a a n trop olog iamais articulada com a h istória .

Abstract

Un til q u ite re ce n tly, in d ig e n ou s p e o-p le s in th e Bra zilia n N orth e a st w e ren ot th e ob je ct of syste ma tic in ve stig a -tion , ra ther appearing to insp ire a k indof secondary, lesser e thnology. Accord-ing to the au thor, th is ove rsigh t re su lt-e d from a d ifficu lty in a p p lyin g th ep re mise s of Ame rica n ist a n th ropologyto su ch cu ltu re s, sin ce th e la tte r op e r-a te s w ith socie ta l mode ls emphasizingboth cu ltu ra l d iscon tinu ity and the ob-je ctivity a n d e xte rn a lity of th e ob -se rve d vis-à -vis th e re se a rch e r a n dh is/ h e r socie ty. By e sta b lish in g a d ia -log u e w ith d iffe re n t th e ore tica l p e r-sp e ctive s, th e a u th or d e lin e a te s or re -works severa l notions, such as “ te rrito-ria liza tion” , “colonia l situa tion” , “d ias-p ora ” , a n d “ re tu rn jou rn e y” , a llow in ghim to produce a comprehensive analy-sis of th e h istorica l p roce ss w h ichtu rn e d su ch p op u la tion s in to th e cu r-ren t e thn ic groups. Fina lly, he suggeststh a t stu d ie s on “ m ixe d In d ia n s” (i.e .,re la tions be tween e thn ic g roups in a r-e a s of ve ry old colon iza tion ) in Bra zila n d e lse w h e re ca n h e lp con stru ct a na n th ropology tha t is be tte r a rticu la te dwith h istory.