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NUPESDD UEMS Web-Revista SOCIODIALETO Mestrado Letras UEMS/Campo Grande, v. 6, nº 16, jul. 2015 371
UM RECORTE DA VARIAÇÃO LINGUÍSTICA NAS REDES
SOCIAIS DIGITAIS: O DIALETO NORDESTINO DO BODE
GAIATO E O GAUCHÊS DA PÁGINA @_RioGrandedoSul
Mateus Henrique do Amaral (FCH - UNIMEP)1
Danielle Máximo Plens Pinelli (FCH – UNIMEP)2
RESUMO: O presente artigo visa a analisar as variações linguísticas, provenientes de duas diferentes
comunidades regionais, em uma página da rede social Facebook intitulada Bode Gaiato e em um perfil da
rede social Twitter, @_RioGrandedoSul. Para isso, fundamentamo-nos na perspectiva teórica e
metodológica da corrente Sociolinguística Variacionista, fixada no ano de 1964 por Willian Labov, e
verificamos diferentes publicações dessas duas páginas da web. A partir da análise desses dados, foi
possível verificar o modo como essas publicações ilustram as variações na língua dos dialetos regionais
do Nordeste e Sul brasileiro.
PALAVRAS-CHAVE: Variação linguística; Redes sociais digitais; Dialetos regionais.
ABSTRACT: The present article aims to analyze the linguistic variations that come from two different
regional communities by referencing a page called Bode Gaiato from the social network Facebook and a
profile named @_RioGrandedoSul from the social network Twitter. For that we base ourselves in a
theoretical perspective and methodology from the variationist sociolinguistics chain established in 1964
by Willian Labov and we researched different publications from those two pages on the Internet.
Analysing this data was possible to verify the way these publications illustrate the variation in the
language of the regional dialect from the Northeast and the South of Brazil.
KEYWORDS: Linguistic variation; Social network; Regional dialect.
1
Discente do 6º semestre em Letras Licenciatura em Língua Portuguesa (UNIMEP). Bolsista
PIBIC/CNPq no projeto de pesquisa de Iniciação Científica “Deficiência e linguagem cinematográfica:
contribuições para a formação do professor”. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/2228707672112861. 2
Mestre em Língua Portuguesa (PUC/SP). Professora na Universidade Metodista de Piracicaba
(UNIMEP) e nos colégios Cidade de Piracicaba e Absoluto Tietê (Sistema Anglo de Ensino). Currículo
Lattes: http://lattes.cnpq.br/5932556766152743.
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1 Introdução
Pautado na perspectiva teórico-metodológica da corrente Sociolinguística
Variacionista, este artigo tem como objetivo apresentar uma análise sobre a variação
linguística diatópica presente nas redes sociais da web, mais especificamente no
Facebook e no Twitter, tendo como objeto de estudo publicações das páginas Bode
Gaiato e @_RioGrandedoSul.
A escolha desse corpus se deu pela compreensão da crescente popularização
dessas redes nos últimos anos, que vem permitindo, cada vez mais, maior circulação de
dados e acessibilidade a pessoas de diferentes lugares e culturas, que, em grande
maioria, utilizam-se delas como forma de entretenimento e veículo de troca de
informações.
É relevante destacar, também, que a até então, não encontramos nenhuma
pesquisa e/ou análise linguística de publicações em redes sociais da web que se pautem
na teoria e metodologia da corrente Sociolinguística Variacionista e, por isso,
consideramos que esse estudo propõe, além de um recorte da presença da variação
linguística na web, uma reflexão sobre o modo como as variações na língua são
observáveis nessas redes sociais.
A variação linguística se firmou como objeto de estudo, principalmente, a partir
do desenvolvimento da corrente Sociolinguística, que tem como pressuposto
fundamental, conforme aponta Alkmin (2001), a língua como um fato de natureza
variável. A partir dos estudos dessa corrente linguística, é possível afirmar que as
diferenças no uso da língua podem ser observadas tanto nos aspectos fonéticos,
semânticos, sintáticos, como, até mesmo, no uso de termos e expressões próprias de um
determinado corpo social.
Diz-se, então, que se hoje parece ser tão nítido pensar nessa relação da
linguagem com a sociedade, é graças ao vasto número de estudos e teorias que se
desenvolveram, e ainda se desenvolvem, nessa área de pesquisa. Observa-se que, por
muitos anos, para a Linguística, foi um tremendo impasse estabelecer uma relação direta
entre a sociedade e a língua. Por muito tempo, os linguistas ficaram centrados na
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estrutura interna da língua, sem teorias que pudessem relacionar o externo e suas
influências na estrutura linguística.
A descoberta dos estudos do filósofo russo M. Bakthin foi um pertinente avanço
para o desenvolvimento das teorias interacionais, adotadas por correntes como a
Sociolinguística. Bakthin (2006) ao colocar que a interação verbal constitui a realidade
fundamental da língua, fez com que os estudos da língua pudessem partir de outro
rumo: não mais da língua fechada em si, mas sim do exterior, da interação, como
constituinte fundamental de sua realidade.
Sendo assim, esse estudo se realizará a partir das teorias e estudos da língua e da
corrente Sociolinguística Variacionista presentes em Bakthin (2006), Labov (2008),
Gnerre (1989), Faraco (1991, 2008), Camacho (2001), Bagno (2004) e Alkmin (2001).
Além disso, há, também, aqui, a necessidade de refletir sobre a interação verbal na web.
Para isso, pautamo-nos nos estudos de Marcuschi & Xavier (2010), Couto Junior (2013)
e Lé (2010).
É pertinente enfatizar que não pretendemos, por isso, relacionar duas diferentes
correntes de estudos da língua, no caso a Sociolinguística Variacionista e o Hipertexto
da Linguística textual. Quem sabe, possíveis relações dessas duas correntes, poderão
surgir posteriormente em outros estudos mais aprofundados. Aqui, como já dito, o
intuito é, a partir da análise de algumas publicações, trazer reflexões primárias sobre a
variação linguística presente nas redes sociais da internet.
2 A Teoria da Variação
A linguagem, mais especificamente a verbal, exerceu, e ainda exerce, grande
interesse ao homem, que em diversos momentos históricos buscou estudá-la e
compreendê-la. Desde a antiguidade, em que a língua era estudada por questões
religiosas, até a divulgação dos primeiros estudos científicos sobre ela, a humanidade
tenta refletir e entender os fenômenos linguísticos.
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No campo científico, a área que se estabeleceu como principal detentora na
investigação da linguagem verbal humana, isto é, da língua, foi a Linguística, que,
segundo Petter (2004), estuda toda e qualquer expressão linguística como um fator
merecedor de descrição e explicação.
O enfoque da interação trazido para o campo linguístico na segunda metade do
século XX vem, principalmente, da influência das reflexões de Bakthin sobre a
linguagem. As ideias do filósofo russo, datadas da segunda e terceira década do século
XX, apontam para a importância do exterior nos estudos da língua. Nesse sentido,
Bakthin (2006, p. 125) coloca que
A verdadeira substância da língua não é constituída por um sistema
abstrato de formas linguísticas, nem pela enunciação monológica,
isolada, nem pelo ato psicofisiológico de sua produção, mas pelo
fenômeno social da interação verbal realizada através da enunciação
ou das enunciações. A interação verbal constitui assim a realidade
fundamental da língua
Há, portanto, aqui, e em outras reflexões do teórico, um enfoque na interação
interpessoal como realidade constitutiva da língua. As colocações de Bakthin, nesse
contexto, foram um pressuposto fundamental para os estudos ditos interacionais da
língua, dentre esses aqueles fundamentados em correntes como a Sociolinguística,
Análise do Discurso e Linguística Textual.
Vale enfatizar que foi a partir dessas ideais de Bakthin que os estudos sobre a
relação da sociedade com a língua começaram a tomar rumos concisos. Assim, na
década de 1960, mais especificamente em 1964, com a publicação do estudo The
stratification of English in New York city, que W. Labov, linguista americano, fixou a
perspectiva teórico-metodológica da corrente Sociolinguística Variacionista ou, como é
chamada também, Teoria da Variação.
A Teoria da Variação trouxe ao campo de estudos linguísticos uma relação
concisa entre os fatos sociais e a língua. Uma das grandes contribuições dessa corrente
foi afirmar que a língua é uma realidade heterogênea, um conjunto de variações, que
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está em constante processo de mudança. Através disso, foi possível ultrapassar a visão
de língua como algo homogêneo e considerar os seus estudos em interação aos estudos
da sociedade. Esse princípio é postulado por Labov (2008, p. 140) da seguinte forma:
Os procedimentos da linguística descritiva se baseiam no
entendimento de que a língua é um conjunto estruturado de normas
sociais. No passado, era natural considerar essas normas como
invariantes, compartilhadas por todos os membros da comunidade de
fala. No entanto, estudos mais detalhados do contexto social em que a
língua é usada mostram que muitos elementos da estrutura linguística
estão envolvidos em variação sistemática que reflete tanto a mudança
temporal quanto os processos sociais extralinguísticos.
É nesse sentido que, segundo Bagno (2004, p. 43), a Sociolinguística, com a
configuração teórica e metodológica atual, surge para mostrar que toda língua muda no
tempo, varia no espaço e na situação social do falante. Pode-se dizer, assim, que faz
parte dos estudos sociolinguísticos, então, a descrição e observação da mudança e da
variação da língua.
Nesse contexto, cada variante é, segundo aponta Faraco (1999, p. 18),
[...] resultado das peculiaridades das experiências históricas e
socioculturais do grupo que a usa: como ele se constituiu, qual é a sua
posição socioeconômica, como ele se organiza socialmente, quais seus
valores e visões de mundo
Sendo assim, compreende-se que a variação linguística nos leva a refletir a
língua como um componente do sistema cultural. E é daí, dessa reflexão sobre
sociedade, língua e variação, que surge, agora, a seguinte questão para nosso estudo: em
que níveis a língua pode variar? Como resposta, afirmarmos que hoje os estudos da
Sociolinguística Variacionista classificam quatro diferentes níveis de variação: as
mudanças linguísticas, as variações diafásicas, as variações diastráticas e as variações
diatópicas.
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2.1 A mudança linguística
Partindo das mudanças linguísticas, conhecidas também como variações
históricas, a partir desse momento, falaremos sobre cada um dos níveis de variação.
Contudo, apesar de optarmos em discorrer sobre cada nível separadamente, não há
como colocá-las como realidades distintas e que ocorrem independentemente uma da
outra. A própria mudança linguística, como coloca Faraco (1991, p. 13), parte de uma
variação, “embora de nem todo fato heterogêneo resulte necessariamente mudança”.
Postula-se, nesse sentido, que a variação histórica não ocorre como uma
realidade independente de outro nível de variação na língua. É a partir de variações
sincrônicas, como as de natureza socioeconômica e regional, que a língua entra em
processo de mudança. Se hoje, por exemplo, no Português do Brasil utilizamos
predominantemente o você, e não o vosmecê como antigamente, é porque em dado
momento histórico surgiram variantes sociais do pronome vosmecê que, através de
tempo, foram sendo adotadas predominantemente pelos falantes mais jovens, o que, aos
poucos, resultou na mudança dessa palavra.
Sendo assim, concordamos com Alkmin (2001, p. 33) ao colocar que
Todas as línguas do mundo são sempre continuações históricas.
Em outras palavras, as gerações sucessivas de indivíduos legam
a seus descendentes o domínio de uma língua particular. As
mudanças temporais são parte da história das línguas
Como continuações históricas, as línguas, então, não se estabilizam. Isto
significa que, por exemplo, ao observar o modo que se estruturam hoje, comparado com
15, 40, 50 anos atrás, é perceptível mudanças de diferentes níveis, desde fonéticos a
semânticos. Esse fato se dá, porque as sociedades mudam, transformam-se ao decorrer
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do tempo e as visões e o modo de compreender o mundo também, refletindo
diretamente na realidade linguística.
Quanto aos níveis de mudança, e consequentemente de variação, Faraco (1991)
destaca os seguintes aspectos: fonético-fonológicas, que correspondem às mudanças na
realidade sonora das línguas; morfológicas, que correspondem às mudanças na estrutura
interna das palavras; sintáticas, que correspondem às mudanças na organização das
sentenças linguísticas; semânticas, correspondentes às mudanças do significado das
palavras; pragmáticas, correspondente ao uso dos elementos linguísticos; e, por fim,
lexicais, correspondentes à origem e incorporação das palavras em uma língua. O autor,
a respeito deste último nível de mudança, ainda afirma que o estudo do léxico3 é,
normalmente, um dos mais amplos da história cultural das comunidades linguísticas,
uma vez que ele “é um dos pontos em que mais claramente se percebe a intimidade das
relações entre língua e cultura” (FARACO, 1991, p. 25).
2.2 Tipos de Variação
2.2.1 A variação diafásica
A variação linguística diafásica, comumente chamada de variação estilista ou
variação de registro, corresponde às adaptações feitas na língua pelo próprio sujeito,
decorrente da situação extralinguística. Camacho (2001, p. 60), sobre esse nível de
variação, afirma que ela “[...] é resultado da adequação da expressão às finalidades
especificas de interação verbal com base no grau de reflexão do falante sobre as formas
que seleciona para compor seu enunciado”.
Pensa-se, assim, que em situações como uma entrevista de emprego ou uma
conferência, entendidas como situações formais, o indivíduo, normalmente, tem a
preocupação de utilizar um padrão linguístico mais formal. Já em outras situações,
3 Entende-se o léxico aqui, assim como em Faraco (1991), como um conjunto de unidades significativas
de uma língua, isto é, como um conjunto de palavras.
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como uma conversação espontânea com velhos amigos, o sujeito falante não tem a
mesma preocupação em adequar a língua mais formalmente, tendendo, assim, para a
utilização de padrões tidos como coloquiais.
A situação de interação é, assim, a definição para a formalidade ou
informalidade da adequação linguística feita pelos próprios sujeitos. Sobre isso, Alkmin
(2001) aponta, ainda, que nós, como participantes de um corpo social, não apenas
somos influenciados verbalmente pelos contextos extralinguísticos, como também
criamos esses contextos, quer dizer, a partir de nossas interações estabelecemos
socialmente contextos mais ou menos formais.
2.2.2 A variação diastrática
A variação diastrática, ou variação sociocultural, corresponde ao nível de
variação relacionada aos diferentes setores culturais e socioeconômicos de um mesmo
corpo social. Enquadra-se nessas variações, por exemplo, as diferenças do léxico
influenciadas por ordens como o grau de escolaridade, gênero sexual e ocupação
profissional.
É a partir desse nível de variação que, constantemente, constroem-se relações de
poder e autoridade no meio social. Sobre isso, Gnerre (1985, p. 04) coloca, com
precisão, que “[...] uma variedade linguística ‘vale’ o que ‘valem’ na sociedade os seus
falantes, isto é, como reflexo do poder e da autoridade que eles têm nas relações
econômicas e sociais”. Cria-se assim, portanto, por razões políticas, culturais e sociais,
variedades linguísticas de prestígio, e colocamos variedades, no plural, pois
concordamos com Bagno (2004) ao afirmar que não há uma única norma dita culta, mas
diferentes modos de falar ditos cultos em diferentes localizações.
Essas variedades cultas são aquelas preferencialmente adotadas em situações
formais, ensinadas no âmbito escolar e que mais se assemelham da norma presente
comumente nas gramáticas. Isso, de acordo com Faraco (2008), tem como principal
objetivo estimular o processo de uniformização da língua. Fato esse que corresponderia
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a um retrocesso nos estudos linguísticos, já que, como visto anteriormente, uma das
grandes contribuições da Sociolinguística Variacionista foi apresentar a noção de língua
como uma realidade heterogênea, estritamente ligada aos fatores culturais e históricos, e
não como uma realidade homogênea que deve ser ‘transferida’ para o indivíduo.
No entanto, esse ideal de uniformização linguística está enraizado culturalmente
e, por isso, constantemente, confere-se status de superioridade para tais variações de
prestígio e, normalmente, de inferioridade a outras variedades adotadas por grupos
menos favoritos economicamente e, em muitos casos, a outras variedades regionais
também. O preconceito linguístico deriva, assim, principalmente deste pensamento, que
constantemente faz com que os indivíduos discriminem e, até mesmo, inferiorizem
variações linguísticas utilizadas por um determinado grupo social.
2.2.3 A variação diatópica
A variação diatópica, conhecida também como variação regional e variação
geográfica, ilustra o caráter adaptativo da língua ao ser compartilhada por um grupo de
indivíduos inseridos em um mesmo meio geográfico. Esse nível de variação, então,
confere aos seus falantes uma identidade linguística que o difere de outras regiões.
Sobre isso, Camacho (2001, p. 58) afirma que
[...] a maior semelhança entre os atos verbais dos membros de uma
mesma comunidade resulta a variação geográfica [...] Mediante a
atração geográfica e a contigüidade física é que se desenvolve um
comportamento cultural específico que identifica os membros de uma
comunidade e os distingue dos membros de outra.
É, por isso, que, muitas vezes, a nível linguístico, identificamos a origem
regional de uma pessoa. Sabemos, por exemplo, distinguir, a partir do sotaque e do
léxico utilizado, falantes da região sul do Brasil de falantes da região nordeste. Isso se
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dá, pois, culturalmente, há nessas regiões variações, que como constituintes da
composição social, influenciam diretamente na estrutura linguística.
A variação, assim, é um meio de identificação, de identidade, desses sujeitos.
Pensar na manifestação verbal dessa identidade nas redes sociais da web é, então, o
objetivo aqui colocado por nós. Nesse sentido, antes de analisarmos e refletirmos sobre
as publicações selecionadas das duas diferentes páginas da web, buscaremos, nos
próximos tópicos, pensar, brevemente, sobre a produção textual online e a constituição
de sentido nessas redes sociais.
3 A produção textual e a construção de sentido na web
Como colocado anteriormente aqui, a partir das reflexões de Bakthin (2006), é
possível postular hoje que a língua não é somente um mero meio de comunicação, é
interação, isto é, uma ação conjunta, utilizada como forma de dominação e produção de
sentido em uma dada esfera social, histórica e ideológica.
Nesse sentido, conforme coloca Marcuschi e Xavier (2010, p. 11), a linguagem
[...] é uma das faculdades mais flexíveis e plásticas adaptáveis às
mudanças de comportamentais e a responsável pela disseminação das
constantes transformações sociais, políticas, culturais geradas pela
criatividade do ser humano.
E, por isso, ela se encontra em constante processo de adaptação. As
possibilidades de modificação na linguagem em geral e na língua, como colocam os
autores, são reflexos incontestáveis das mudanças tecnológicas emergentes, que tem
contribuído constantemente para “[...] tornar as sociedades letradas cada vez mais
complexas” (MARCUSCHI e XAVIER, 2010, p. 11).
A internet, assim, para Marcuschi (2010), impulsionou em suas práticas textuais,
a incorporação simultânea de múltiplas semioses (texto, som, imagem, entre outros), a
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rapidez de veiculação e a flexibilidade linguística. Os gêneros textuais eletrônicos,
então, desenvolveram-se a partir dessas novas exigências e formas de relacionamento.
As relações estabelecidas a partir da produção textual na rede são mediadas pelo
Hipertexto, que pode ser entendido, de acordo com Xavier (2010, p. 208), como “[...]
uma forma híbrida, dinâmica e flexível de linguagem que dialoga com outras interfaces
semióticas, adiciona e acondiciona à sua superfície formas outras de textualidade”.
Portanto, como podemos perceber, a produção textual na web e a construção de
sentido se dão de modo diferente de outros veículos de interação, como o livro e a
conversação face a face, uma vez que as mídias digitais incorporam em suas práticas
interativas múltiplas semioses, o que exige outra forma de leitura.
Quanto a isso, Xavier (2010) ainda nos atenta para a importância de saber
conviver com esses textos produzidos na web, a fim de que não fiquemos a margem dos
avanços tecnológicos que tem mediado as interações dos sujeitos na Sociedade da
Informação.
3.1 O Facebook e o Twitter: o texto e a interação nas redes sociais da web
Vale colocar aqui, por fim, algumas especificidades do Twitter e do Facebook,
ao identificarmos e refletirmos, brevemente, acerca do formato deles e da maneira que
se constitui a produção textual e o sentindo nessas redes sociais.
Começando pelo Twitter, constatamos que ele é uma rede social e um servidor
microblog criado em 2006 por Jack Dorsey, pelo qual os usuários interagem através de
publicações feitas, em no máximo, 140 caracteres. Essas publicações espacialmente
limitadas correspondem aos textos publicados ali, que são denominados tweets e, além
do limite de caracteres, segundo afirma Lé (2010), apresentam outras peculiaridades,
como: 1) o uso de RT (retweet), ato de replicar uma determinada mensagem de outro
usuário para os seus seguidores; 2) a referenciação direta a outro usuário através do uso
de @; 3) o uso de hashtags através do sinal #, criando links que podem levar a outras
publicações com o mesmo formato; e, por fim, 4) os trendigs topics, mais conhecidos
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como TTs, que são listas atualizadas em tempo real com termos e expressões mais
postados no Twitter pelo mundo todo, em alguns países e até cidades.
Já o Facebook, é uma rede social criada em 2004 por Mark Zuckerberg, na qual
os usuários, de acordo com Couto Júnior (2013, p. 29)
[...] têm a possibilidade de estabelecer diálogo em tempo real através
do chat, compartilhar e discutir vídeos, sons, imagens e textos por
meio de links, criar e postar álbuns de fotos, utilizar inúmeros
aplicativos que propiciam ainda mais aproximação entre os sujeitos,
agendar encontros de aniversário ou qualquer outro tipo de
comemoração (eventos), dente outras.
A interação entre os sujeitos nessa rede se dá, principalmente, pelo conhecido
Feed de notícias, que é a página inicial da rede social, na qual aparecem as atualizações
feitas pelos outros usuários.
Uma das especificidades do Facebook é o uso constante da imagem, seja ela
fotografia ou em movimento, como nos vídeos. Sobre esse uso de imagens nas
publicações, Couto Júnior (2013) pontua, com grande precisão, sobre a importância das
imagens no ciberespaço, afirmando que nós, como seres produtos de imagens para
contar histórias, utilizamo-nos delas em contexto digital como forma de agregar sentido,
e completa dizendo que
[...] vivemos nitidamente marcados pela forte presença da imagem na
sociedade contemporânea, sendo as redes sociais da internet um
espaço oportuno para que sejamos capazes de interagir com tantos
outros internautas a partir delas (COUTO JUNIOR, 2013, p. 112)
Por fim, ainda sobre a constituição de sentido nas redes sociais da web, vale
colocar mais um posicionamento de Couto Júnior (2013, p. 121), no qual é enfatizado
que “Nas redes digitais, não há aquele que ‘ensina’ e aquele que ‘aprende’, mas há uma
troca constante de ideias, opiniões, inquietações, revelações etc.”. O sentido, assim,
nessas redes é construído de modo conjunto, derivado da troca instantânea de
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informações entre os usuários, isto é, se produz subitamente, momentaneamente, pela
opinião dada pelos sujeitos online.
4 Análise do corpus
O corpus da nossa análise consiste em publicações feitas entre Fevereiro e Abril
de 2015 pela página do Facebook Bode Gaiato e pelo usuário do Twitter
@_RioGrandedoSul. Através delas pretendemos observar variantes linguísticas
regionais do Nordeste e Sul brasileiro.
4.1 Bode Gaiato e as variantes linguísticas do Nordeste brasileiro
A primeira página analisada, Bode Gaiato, foi criada por um estudante de
Engenharia do Estado da Paraíba, Breno Melo, no primeiro semestre de 2013 e é
sucesso de público no Facebook, tendo mais de quatro milhões de seguidores. As
publicações da página são compostas por tirinhas que no plano verbal buscam
evidenciar a fala coloquial nordestina e no plano não verbal, normalmente, apresentam
fundos com imagens de galáxias e personagens com fisionomia de bode. Inicialmente, a
proposta dessas publicações eram relatar situações cotidianas da relação do filho Júnior
(Junin) com sua mãe. Hoje, com a crescente popularização da página, foram
acrescentados novos personagens nas publicações, como o pai de Júnior, alguns primos,
irmãos, entre outros.
Sobre a escolha do nome da página, Maia, Souza e Nobre (2013, p. 06) colocam
que
De acordo com o administrador da página, em entrevista informal
realizada virtualmente, a escolha do bode como personagem principal
das publicações foi feita de maneira aleatória, tendo o sido o primeiro
animal a ser lembrado quando pensou em uma representação para o
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nordeste. A lembrança, no entanto, pode não ter sido aleatória, uma
vez que o bode é um animal bastante festejado no nordeste e, um
representante da identidade cultural daquela região. São muitos ‘os
causo’ contados a respeito desse animal, além das histórias relatadas
através da literatura de cordel e no folclore nordestino. Após a escolha
do animal, o administrador da página escolheu acrescentar o adjetivo
‘gaiato’, muito utilizado na região para descrever alguém extrovertido
e engraçado
Nossa análise, assim, parte do próprio nome da página, no qual o moderador
utiliza a palavra “gaiato”, pouco usada em outras regiões do Brasil, para, como
apontado na citação acima, fazer referência a “engraçadinho” e “extrovertido”. Aqui,
então, já é observável o uso de uma variante lexical típica do Nordeste brasileiro.
Dentre as diversas publicações da página, selecionamos quatro delas, a fim de
ilustrar algumas variantes que fazem alusão a variação da língua utilizada
predominantemente no Nordeste brasileiro.
Imagem 01 – Publicação feita em 16 de fevereiro de 2015.
FONTE: Bode Gaiato. Disponível em:
https://www.facebook.com/ObodeGaiato/photos/pb.463932880336643.-
2207520000.1426394451./930635380333055/?type=3&theater. Acesso em 04/abril/2015.
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A imagem 01 corresponde a uma publicação feita na semana do carnaval e faz
referência a música “Muriçoca” do Rei da Cacimbinha, que fez sucesso no carnaval
brasileiro de 2015. O vídeo oficial da música no website Youtube
(http://www.youtube.com) tem cerca de 7 milhões de visualizações até o momento. A
palavra Muriçoca, que é uma variante lexical utilizada predominantemente na região
Nordeste do Brasil, significa pernilongo. Contudo, é nítido que na letra da música, esse
termo assume uma conotação sexual e, por isso, na publicação é ironizada essa questão.
É colocado, assim, que se em fevereiro, isto é, no carnaval, “os muriçoco soca”, em
outros termos, as pessoas tem relações sexuais, em novembro, nove meses depois, “as
muriçoca pari”, quer dizer, ficam grávidas e tem filhos.
É observável, portanto, nessa publicação uma variante do léxico nordestino,
Muriçoca. Além disso, nessa tirinha, observamos que a concordância nominal e verbal,
como nos sintagmas “os muriçocoØ socaØ” e “as muriçocaØ pari”, nas quais há marca
de plural apenas no artigo, são características de variantes na fala, e na escrita, não
apenas no nível das variações diatópicas, como também diastráticas de classes
socioeconômicas menos favorecidas.
Vale frisar que ao decorrer do tempo, no entanto, essa variante nas
concordâncias nominais e verbais, que tende a marcar o plural apenas no artigo, tem
sido adotada também por falantes mais cultos, tanto em momentos descontraídos, como
em contextos mais formais de fala. Contudo, o uso dessa variante ainda é colocado
como marca na oralidade de falantes de grupos sociais menos favorecidos
economicamente. Assim, ao marcar essa variante na fala da personagem Zefinha, mãe
de Júnior, essa publicação caracteriza ela como uma falante de um grupo desfavorecido
na estrutura social de poder e, pela variante lexical destacada, nordestina.
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Imagem 02 – Publicação feita em 18 de fevereiro de 2015.
FONTE: Bode Gaiato. Disponível em:
https://www.facebook.com/ObodeGaiato/photos/pb.463932880336643.-
2207520000.1426394451./931644126898847/?type=3&theater. Acesso em 04/abril/2015.
As primeiras evidências de variantes linguísticas diatópicas observadas na
imagem 02 são de aspecto fonético. A primeira é em relação aos os fechados em /dotô/
e /tô/. A outra, é quanto ao o abafado, representado por um u, em “duendo”, e o e
nasalado, /dwẽdo/, que nos referencia ao sotaque nordestino.
Outra característica que evidencia a variação regional nordestina nessa
publicação, é de aspecto lexical, o uso do termo “mingula”. Esse termo é utilizado em
diversas publicações da página e por causa do estranhamento para muitos seguidores,
que não estão habituados com o uso dessa variante, foi necessário que o moderador
fizesse uma publicação explicando o sentido dessa expressão.
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Imagem 03 – Publicação feita para explicar alguns aspectos da página.
FONTE: Bode Gaiato. Disponível em:
https://www.facebook.com/ObodeGaiato/photos/a.463935863669678.112226.46393288033664
3/948400741889852/?type=1&permPage=1. Acesso em 04/abril/2015.
Na imagem 03, vemos, portanto, que o dono da página, buscando esclarecer
dúvidas constantes que os usuários têm, no item 5 explica que “Mingula” significa “me
engula”, que é um termo utilizado, normalmente no Nordeste do Brasil, para responder
pessoas que lhe falam com grosseria.
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Imagem 04 – Publicação feita em 24 de fevereiro de 2015
FONTE: Bode Gaiato. Disponível em:
https://www.facebook.com/ObodeGaiato/photos/pb.463932880336643.-
2207520000.1426394451./934834413246485/?type=3&theater. Acesso em 04/abril/2015.
Na imagem 04, no plano fonético, vemos três características do dialeto da região
Nordeste: o a aberto em /pá/ e /tumá/, o o fechado e o i nasalado em /pôkĩ/. É
interessante que se falarmos da mesma forma que está escrito nas publicações, o som sai
semelhante ao sotaque característico daquela região. Em relação às variantes lexicais,
destaca-se nessa imagem o trocadilho feito com os termos homônimos Conosco e com
nosco.
A partir desse trocadilho, observamos nos comentários dessa publicação, que
quem não está habituado com as variantes na língua da região Nordeste do país, tem
dificuldade em compreendê-la.
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Imagem 05 – Comentários feitos pelos usuários que seguem a página.
FONTE: Bode Gaiato. Disponível em:
https://www.facebook.com/ObodeGaiato/photos/pb.463932880336643.-
2207520000.1426394451./934834413246485/?type=3&theater. Acesso em 04/abril/2015.
Como destacado anteriormente, na parte teórica, quando Couto Junior (2013)
destaca que nas redes sociais da web há uma troca constate de opiniões, ideias e etc., e
que, por isso, o sentido é construído conjuntamente, podemos observar que nos
comentários da publicação, há uma troca de informações entre os usuários que têm
acesso a página. Percebe-se, assim, que a maior interatividade que o Hipertexto traz
para as práticas comunicativas, auxilia na construção conjunta do sentido.
Nisso, observamos na imagem 05 que muitos tiveram dificuldade em
compreender o trocadilho, pois não entendiam o que seria com nosco, uma vez que esse
termo provavelmente não faz parte do léxico adotado pelo grupo social no qual
interagem. Um dos usuários, então, explica que “com nosco” é um termo que faz
referência a alguma comida, qualquer comida. Ao fazer isso, esse usuário auxilia na
constituição de sentido da publicação para outros usuários que não haviam entendido.
4.2 @_RidoGrandedoSul e as variantes linguísticas do extremo sul brasileiro
A página @_RioGrandedoSul é um perfil da rede social Twitter, com mais de
setenta e três mil seguidores, que explora expressões mais comuns no extremo sul do
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país. Nas publicações, observamos que é nítido o orgulho que o perfil dá para sua
identidade cultural, manifestando isso através da linguagem utilizada nos tweets e na
descrição do perfil, que diz “Errar é humano, acertar é gaúcho”.
Dentre os mais de 28 mil tweets da página, selecionamos apenas dois para
destacar o modo que as variantes linguísticas do extremo sul brasileiro são expostas na
página.
Imagem 06 – Tweet publicado no dia 30 de março de 2015.
FONTE: @_RioGrandedoSul. Disponível em:
https://twitter.com/_RioGrandeDoSul/status/582734064337219585. Acesso em 05/abril/2015.
Na imagem 06, é possível destacar duas variantes do léxico gaúcho, “Prenda” e
“Bergamota”. A palavra Prenda é utilizada em diversas publicações da página e faz
referência a menina/garota e é utilizada normalmente como forma de tratamento entre
casais de namorados. Já Bergamota faz referência à fruta que é conhecida,
predominantemente, em outras regiões do Brasil por Tangerina.
A partir dos estudos etimológicos, compreendemos que Bergamota vem do
italiano Bergamotta, que faz referência a essa mesma fruta. O termo Bergamota é
utilizado normalmente no extremo sul do Brasil, mais especificamente no estado do Rio
Grande do Sul. Se compreendermos que a região Sul foi uma das mais colonizadas por
italianos, entenderemos o porquê do uso dessa variante nessa região. Contudo, não cabe
aqui nos aprofundar no estudo etimológico dessa palavra, mas entender o uso dela como
uma variante no léxico dessa região.
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Outro aspecto presente nesse tweet que alude à variação regional do Sul
brasileiro é o uso do pronome pessoal do caso reto “tu”, que, como podemos notar
atualmente, foi substituído na maioria das regiões do Brasil pelo uso do você. O verbo
ser, que acompanha o tu nessa publicação, está conjugado em terceira pessoa. Isso se
caracteriza como um fenômeno, para a gramática normativa, ou, para a linguística, uma
variante que tem sido adotada por um número cada vez maior de sujeitos das regiões
que mantém o uso da segunda pessoa do singular.
Podemos notar, a partir desse exemplo, que essa variante do tu + o verbo
conjugado em terceira pessoa do singular representa uma variação a nível regional, pois
é utilizado predominantemente em algumas regiões, e a nível social, pois tem sido
adotada predominantemente pelos indivíduos mais jovens.
Assim, podemos dizer que essas variações a nível social e geográfico tem levado
a língua a um processo de mudança, pois, como colocado por Faraco (1991, p. 20) a
mudança “emerge [...] desse heterogêneo quadro linguístico, na medida em que duas ou
mais variedades passam a se confrontar dialeticamente no intrincado universo das
relações sócio-interacionais”.
Hoje, apesar de na escrita culta essa relação do tu + o verbo conjugado em
terceira pessoa do singular não se manifestar constante, é notável que na fala, até em
ambientes mais cultos, tem ocorrido em grande escala.
Imagem 07 – Tweet publicado no dia 02 de abril de 2015.
FONTE: @_RioGrandedoSul. Disponível em: https://twitter.com/_RioGrandeDoSul/status/583725862970855425. Acesso em 05/abril/2015.
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Nesse último tweet analisado, do dia 02 de abril de 2015, nota-se, logo de início,
o uso de um termo característico das comunidades de fala do Sul do Brasil, o “Tchê”.
Esse termo, típico gaúcho, é uma expressão utilizada, normalmente, na fala da região
para se referir a alguém pessoalmente.
Além do Tchê, notamos nessa publicação, também, o uso de duas palavras
utilizadas normalmente naquela região, “trago” e “biaba”. A primeira corresponde a
bebida alcóolica e a segunda a um tapa forte ou soco. Sendo assim, o tweet diz que se a
pessoa consumir bebida alcóolica no feriado, pelo contexto notamos que é o da Páscoa
de 2015, ele levará um tapa ou soco tão forte na orelha que até os seus netos irão nascer
surdos.
5 Considerações finais
O objetivo desse estudo foi apresentar um recorte das variações linguísticas
observáveis nas redes sociais da web, a partir de quatro publicações da página do
Facebook Bode Gaiato e duas publicações do perfil do Twitter @_RioGrandedoSul, a
fim de verificar as variantes linguísticas diatópicas das regiões Nordeste e Sul do Brasil.
Antes, porém, de realizar essa análise, consideramos necessária uma
pressuposição teórica no intuito de compreender a percepção dos estudos da corrente
Sociolinguística Variacionista, na qual a língua é uma realidade heterogênea, construída
na e pela interação verbal e em constante processo de mudança. Além disso,
acreditamos que era de suma importância, para uma análise mais rica, caracterizar,
brevemente, a produção textual e a constituição de sentido nas redes sociais da web,
mais especificamente no Facebook e no Twitter.
Verificando, então, inicialmente, as publicações da página Bode Gaiato,
pudemos notar que elas evidenciam o léxico e o sotaque característicos das variações
linguísticas populares do Nordeste do Brasil. Essas publicações, para isso, utilizam
recursos como acentos agudos e circunflexos em algumas vogais para enfatizar o uso
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oral da língua na região e variantes lexicais predominantemente utilizadas na região
Nordeste do Brasil.
Já as publicações do perfil do Twitter @_RioGrandedoSul, apesar de não fazer
tanta alusão ao modo oral característico do extremo sul do Brasil, evidenciam sua
identidade linguística a partir do léxico regional predominantemente usado no estado do
Rio Grande do Sul.
Sendo assim, através das publicações dessas duas páginas, verificamos o modo
que a Língua Portuguesa, falada em nosso país, é uma língua viva, que através do tempo
foi se desenvolvendo – e ainda se desenvolve – de maneiras diferentes para cada
cultura, que apresenta suas peculiaridades linguísticas através de variações no léxico, no
sotaque, nas organizações sintáticas, entre outros, chegando até a causar dificuldade no
entendimento para um falante que não faz parte daquela comunidade regional.
Vale considerar, por fim, que a existência dessas variedades só afirma as
riquezas da nossa língua e a grande diversidade de falantes e culturas do nosso país.
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Recebido Para Publicação em 29 de junho de 2015.
Aprovado Para Publicação em 30 de agosto de 2015.