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REGINA RODRIGUES DE MORAIS
UM OLHAR SOBRE A FEMINIZAÇÃO DA AIDS NO BRASIL
Goiânia, 2006
REGINA RODRIGUES DE MORAIS
UM OLHAR SOBRE A FEMINIZAÇÃO DA AIDS NO BRASIL
Dissertação apresentada ao Programa Multiinstitucional de Pós-Graduação em Ciências da Saúde, Convênio Rede Centro-Oeste (UnB,UFG,UFMS), como requisito parcial para a obtenção do título de mestre em Ciências da Saúde. Orientadora: Profa. Dra. Ana Luíza Lima Sousa.
Goiânia, 2006
M 827 MORAIS, Regina Rodrigues.
Um Olhar sobre a Feminização da AIDS no Brasil / Regina Rodrigues Morais. Goiânia, 2006. 99.:il.; 30 cm. Dissertação (Mestrado em Ciências da Saúde) - Programa Multidisciplinar de Pós-Graduação em Ciências da Saúde – Rede Centro-Oeste (UnB/UFG/UFMS), 2006. 1.AIDS 2.Feminização 3.Gênero. I. Título. CDU 616.98-056.263
II
REGINA RODRIGUES DE MORAIS
UM OLHAR SOBRE A FEMINIZAÇÃO DA AIDS NO BRASIL
Dissertação apresentada e aprovada em 22/06/2006 pela Banca Examinadora constituída por :
____________________________________________________ Profª Drª. Ana Luíza Lima Sousa
Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal de Goiás Presidente e Orientadora
____________________________________________________ Profª Drª. Maria Alves Barbosa
Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal de Goiás Membro Efetivo
____________________________________________________ Profª Drª. Dais Gonçalves Rocha
Faculdade de Odontologia da Universidade Federal de Goiás
____________________________________________________ Prof. Dr. Marcelo Medeiros
Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal de Goiás Membro Suplente
III
À minha mãe, Rosinda da Silva Morais, mulher sábia que, por sua
conduta, me ensinou a ter resistência ante as adversidades da vida,
pela paciência com que cuidou de tantos ao seu redor e pela sabedoria
transparente em seus gestos que só com o tempo pude apreender.
Ao meu filho, João Paulo Rodrigues Macedo, companheiro do dia-a-
dia, que, com sua pouca idade, me fortalece quando as forças parecem
se esgotar e me ensina a ter esperança no futuro.
IV
MUITO OBRIGADA.
À Coordenação do Programa Multidisciplinar de Pós-Graduação em Ciências da
Saúde UnB/UFG/UFMS, nas pessoas do Dr. Celmo Celeno Porto e Valdecina Rodrigues.
À minha orientadora, Dra. Ana Luíza Lima Sousa, pelo acolhimento da proposta, pela
compreensão e solidariedade constantes ante as circunstâncias de uma dinâmica de estudo
atropelada pelas responsabilidades da vida doméstica e da luta pela sobrevivência cotidiana.
À Dra. Dais, por aceitar participar da banca e pelo cuidado e elegância com que teceu
suas observações sobre o trabalho.
À Dra. Maria Alves, pelas críticas oportunas.
À minha mãe, às minhas irmãs, Rosa e Márcia, e a meus irmãos Rafael, Odilon e
Reginaldo.
Aos meus queridos tios João e Liu, que me deram carinho, apoio e suporte necessários
no dia-a-dia.
Ao meu sobrinho Pedro Paulo, sempre alegre e solidário, pronto para atender a
quaisquer de meus chamados.
Às amigas e amigos que em momentos distintos foram singulares com suas presenças:
Zilah, pela força impulsora; Kemle, pelo exemplo e inspiração; Elô, pelo companheirismo e
alegria; Marta Alves, querida Martinha, pelo envolvimento prático, solidariedade e
entusiasmo; Maria Cláudia, pela cumplicidade e amizade.
Às amigas Gelva, Mona, Irene e minha prima Lena, pela torcida sincera
V
Ao Dr. Libânio e à Dra. Eleusa, que foram meus padrinhos no início desse desafio.
Aos colegas e professores do Mestrado em Goiânia e Brasília, pela oportunidade da
convivência e do aprendizado.
E a Estelizabel, por acreditar no meu saber e me encorajar a encontrar a direção tantas
vezes perdida, pela confiança revelada com amor, amizade, solidariedade e carinho, e por ser
minha companheira em todo esse trajeto.
VI
No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.
Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
Tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra.
No meio do caminho - Carlos Drummond de Andrade
VII
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
FIGURA 1 – Número estimado de adultos e crianças vivendo com HIV em 2005, em todos os
continentes.UNAIDS/2004.................................................................................................... 17
FIGURA 2 - Distribuição do número de preservativos consumidos no país, no período de
2000 a 2003, por comercialização e distribuição pública...................................................... 52
FIGURA 3 - Estimativa da proporção de gestantes infectadas pelo HIV segundo a
macrorregião. Brasil 1988..................................................................................................... 69
VIII
LISTA DE TABELAS
TABELA 1 - Casos de AIDS segundo UF e região de residência por ano de diagnóstico. Brasil,1980-2004...................................................................................................................... 57 TABELA 2 - Casos de AIDS (número e percentual) em indivíduos com 19 anos de idade ou mais, segundo escolaridade por sexo e ano de diagnóstico. Brasil,1980-2004....................... 59 TABELA 3- Casos de AIDS (número e taxa por 100.000 hab.), segundo ano de diagnóstico por sexo. Brasil,1980-2004...................................................................................................... 61 TABELA 4 - Óbitos por AIDS ( número e taxa por 100.000 hab. ) segundo o ano do óbito e sexo. Brasil 1983-2003............................................................................................................ 63 TABELA 5 – Casos de AIDS ( número e percentual) na categoria de exposição transmissão vertical, segundo idade, por ano de diagnóstico. Brasil 1983-2004........................................ 68
IX
LISTA DE SIGLAS
AIDS- Acquired immune deficiency syndrome (Síndrome da Imunodeficiência Adquirida)
AZT- Azidothymidime
ACT UP:AIDS Coalition to Unleash Power
ARV- Antiretroviral
BIRD- Banco Mundial
CDC- Centers for Disease Control and Prevention
CNAIDS – Comissão Nacional de AIDS
HIV- Human immunodeficience virus (Vírus da Imunodeficiência Humana)
MS – Ministério da Saúde
ONU- Organização das Nações Unidas
ONG- Organização Não-Governamental
OPAS- Organização Pan-Americana da Saúde
OMC- Organização Mundial do Comércio
OMS- Organização Mundial de Saúde
PN/DST/AIDS- Programa Nacional de DST/AIDS
SINAN- Sistema Nacional de Notificação
SISCEL- Sistema de Controle de Exames Laboratoriais
SIM- Sistema de Informação sobre Mortalidade
SUS - Sistema Único de Saúde
TRIPS - Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights
UNAIDS-Joint United Nations Programme on HIV/AIDS/Programa Conjunto das Nações
Unidas em HIV/AIDS
X
RESUMO
No Brasil, a AIDS completa vinte e cinco anos desde a descrição dos primeiros casos
e continua a ser um tema contemporâneo e de extrema relevância. Os primeiros casos de
AIDS estavam associados a homossexuais masculinos e usuários de drogas injetáveis. Esse
perfil vem sofrendo mudanças. A transmissão por via heterossexual cresceu e é entre a
população feminina que ela mais cresce. Este estudo tem como objetivo identificar e analisar
as respostas do Programa Nacional de DST/AIDS do Ministério da Saúde ante a feminização
da epidemia no Brasil. Trata-se de uma pesquisa documental, realizada através de documentos
oficiais, publicações de agências mundiais e produções científicas. O resultado do estudo
aponta que, efetivamente, o Programa Nacional de DST/AIDS vem desenvolvendo iniciativas
para estruturar ações que inibam a transmissão vertical, ou seja, da mulher gestante para a
criança. Ao analisar os dados referentes ao crescimento da epidemia entre as mulheres,
conclui-se que não têm sido estruturadas respostas coordenadas, articuladas e sustentáveis que
incorporem uma perspectiva de gênero. O perfil da epidemia sugere que as iniciativas
dirigidas à proteção contra o risco de HIV/AIDS, na população feminina, precisam considerar
a feminização da AIDS, no contexto das relações de gênero e das políticas públicas, como
desafio central para seu redimensionamento.
Palavras-chave: AIDS, feminização, gênero.
XI
ABSTRACT
In Brazil, AIDS completes twenty and five years since the description of the first cases
and continues to be a contemporary subject and of extreme relevance. The first cases of AIDS
were associate to masculine homosexuals and injectable drugs users. This profile comes
suffering changes. The transmission by heterosexual relation increased and it increases much
more between the feminine population. This study aims to identify and to analyze the answers
of the National Program of STD/AIDS of the Health Department front the feminization of the
epidemic in Brazil. It is a documentary research, carried out through official documents,
publications of world-wide agencies and scientific productions. The result of the study points
that, effectively, the National Program of STD/AIDS comes developing initiatives to
structuralize actions that inhibit the vertical transmission, that is, of the pregnant woman for
the child. When analyzing the referring data to the increase of the epidemic between the
women, conclude that don't have been structuralized co-ordinated, articulated and sustainable
answers that incorporate a gender perspective. The profile of the epidemic suggests that the
initiatives directed to the protection against the HIV/AIDS risk, in the feminine population,
need to consider the feminization of the AIDS in the context of the gender relations and the
public politics as central challenge for review this question.
Word-keys: AIDS, feminization, gender.
XII
SUMÁRIO LISTA DE FIGURAS
LISTA DE TABELAS
LISTA DE SIGLAS
RESUMO
ABSTRACT
1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................. 01
2 OBJETIVO .................................................................................................................... 04
3 PERCURSO METODOLÓGICO................................................................................ 05
4 RESGATE HISTÓRICO.............................................................................................. 08
4.1 A origem da AIDS........................................................................................................ 08
4.2 A AIDS no mundo ....................................................................................................... 12
5 POLÍTICAS PÚBLICAS GLOBAIS RELATIVAS À AIDS.................................... 18
5.1 Política de gênero.......................................................................................................... 27
6 A AIDS no Brasil ........................................................................................................... 37
6.1 Políticas públicas relativas à AIDS no Brasil .............................................................. 41
6.2 O perfil da epidemia no Brasil ..................................................................................... 54
7 FEMINIZAÇÃO DA AIDS NO BRASIL..................................................................... 65
8 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................ 77
REFERÊNCIAS................................................................................................................. 80
ANEXOS ............................................................................................................................ 86
1
1 INTRODUÇÃO
No Brasil, a descrição dos primeiros casos da Acquired immune deficiency
syndrome (AIDS), em português Síndrome de Imunodeficiência Adquirida, completou
vinte e cinco anos. Este continua sendo um tema contemporâneo e relevante, que tem
ocupado lugar de destaque nas revistas e nos jornais mais importantes do país. É uma
realidade mundial que vem se alastrando de modo expressivo nas regiões mais pobres do
planeta e contribui para o agravamento da pobreza.
Diferentemente dos primeiros anos, quando a população homossexual/bissexual
masculina constituía quase a totalidade dos casos, observou-se, na última década, uma
mudança na dinâmica da epidemia no Brasil. A via heterossexual passou a ser o principal
modo de transmissão do Human Immunodeficience Virus (HIV), na denominação
portuguesa Vírus da Imunodeficiência Humana. Conseqüentemente, a freqüência de casos
entre mulheres cresceu consideravelmente e a feminização da AIDS, como alguns autores
denominam o crescimento da epidemia entre as mulheres, vai se consolidando.
A oportunidade de desenvolver este estudo teórico veio proporcionar não apenas
uma viagem ao mundo fascinante do conhecimento, mas também reflexões profundas sobre
o tema pesquisado, com o qual tenho desenvolvido grande identificação.
Vários foram os motivos que me incentivaram a ter uma maior aproximação com as
questões relativas à AIDS e à feminização da epidemia, não somente no exercício da
profissão, mas também na trajetória pessoal. O interesse foi despertado nos tempos da
Graduação e se fortaleceu na Especialização em Saúde Pública, propiciando minha
inserção nos serviços públicos de saúde. Neste sentido, foi importante a oportunidade de
participar de experiências inovadoras no trabalho desenvolvido no Programa de Saúde da
Mulher, da Prefeitura Municipal de São Paulo, no período de 1989 a 1993. Estive presente
em todo o processo de estruturação e implantação das ações na área da saúde da mulher.
Na Secretaria de Saúde do Município de Goiânia, participei da gestão da
Coordenação de Doenças Sexualmente Transmissíveis/AIDS (DST/AIDS), no período de
2001 a 2004. Integrei também a equipe técnica da Unidade Desenvolvimento Humano e
2
Institucional do Programa Nacional de DST/AIDS do Ministério da Saúde
(PN/DST/AIDS/MS), em 2005.
A experiência na área da saúde da mulher veio de minha participação como
educadora em saúde no Coletivo Feminista Sexualidade e Saúde (CFSS)1. E o meu primeiro
contato com a AIDS foi em 1988, quando ela ainda não parecia ameaçar a vida das
mulheres. Buscávamos, então, maiores informações sobre medidas de prevenção contra as
doenças sexualmente transmissíveis e a AIDS, que fossem capazes de dar mais eficiência às
atividades ambulatoriais e educativas desenvolvidas. Esse movimento nos fez encontrar os
limites das ações educativas e informativas e, ao mesmo tempo, alargou-nos a visão sobre a
epidemia e, especialmente, sobre a forma como ela estava configurada no imaginário
social. Assim, a nova visão sobre a AIDS surgiu de uma atuação política no campo
feminista e na sociedade civil organizada para o enfrentamento da epidemia.
Em 1990, na Argentina, foi promovido pela Organização Pan-Americana de Saúde
(OPAS) o primeiro encontro com feministas que trabalhavam com saúde para discutir a
importância do envolvimento dos grupos de mulheres na luta contra a AIDS.
Em 1991, em São Paulo, numa parceria entre o Instituto de Saúde da Secretaria de
Estado da Saúdo do Estado de São Paulo (SES/SP) e a organização não-governamental
(ONG) Coletivo Feminista Sexualidade e Saúde foi realizado o primeiro Seminário Mulher
e AIDS2. O objetivo do Seminário era estabelecer uma estratégia política e de saúde
pública para o enfrentamento da epidemia. Embora em 1991 os números ainda não fossem
alarmantes, já havia evidência epidemiológica suficiente para prever que a AIDS
caminharia muito rapidamente em direção às mulheres.
As motivações geradas por questões pessoais foram fortalecidas pela realidade
encontrada na atuação profissional, despertando em mim o interesse em estudar e melhor
compreender a feminização da AIDS.
1 Organização não governamental, fundada em 1981, na cidade de São Paulo, voltada para a defesa dos direitos da mulher com foco no desenvolvimento de ações educativas e ambulatórias de prevenção e assistência à saúde da mulher. O CFSS tornou-se uma importante referência para grupos de mulheres, profissionais de saúde e pesquisadores atuantes na área da saúde da mulher. 2 Em São Paulo, no ano de 1991, foi realizado o primeiro seminário sobre Mulher e AIDS, por iniciativa de Regina Maria Barbosa (médica ligada ao Núcleo de Investigação em Saúde da Mulher, do Instituto de Saúde) e Regina Rodrigues de Morais (nutricionista e militante do Coletivo Feminista Sexualidade Saúde), com apoio da Prefeitura Municipal. No mesmo ano, por iniciativa das mesmas feministas, foi realizada uma oficina sobre sexo seguro durante o Encontro Nacional Feminista em Caldas Novas-Go. (VILELA, 1996).
3
O recorte da feminização da epidemia foi se configurando como uma espécie de
síntese de uma trajetória profissional e de participação política. Portanto, as inquietações
acerca do fenômeno emergiram desses lugares e aqui está refletido o olhar de quem se
percebe compartilhando da construção da política de enfrentamento ao processo de
feminização da AIDS no âmbito da sociedade civil organizada e no campo da gestão
pública governamental.
É dessa perspectiva que ouso problematizar as respostas e ações de saúde pública
que o Programa Nacional de DST/AIDS vem dando à feminização da epidemia da AIDS no
Brasil.
O que se coloca como desafio neste estudo é a compreensão da forma como a AIDS
foi assumida como problema de saúde pública e o modo como evoluíram as estratégias
oficiais para o enfrentamento da epidemia e, mais particularmente, ao seu processo de
feminização.
Quanto à estrutura, essa dissertação apresenta, no primeiro momento, as motivações
para a realização deste estudo e o que nele se coloca como desafio. Em seguida, explicitam-
se o objetivo do trabalho e o percurso metodológico realizado no processo investigativo.
No momento seguinte, para fazer um resgate histórico da origem da AIDS e de sua
configuração no mundo, foi feita uma revisão da literatura, especialmente dos documentos
oficiais e estudos sobre o tema objeto desta investigação.
Finalmente, nas considerações finais, foram apresentados, a título de conclusão,
elementos para a reflexão sobre o redimensionamento das estratégias utilizadas no
desenvolvimento das políticas públicas voltadas para o enfrentamento do processo de
feminização da AIDS.
4
2 OBJETIVO
Este estudo tem como objetivo identificar e analisar as respostas do Programa
Nacional de DST/AIDS (PN/DST/AIDS) à feminização da epidemia no Brasil.
Partiu-se do pressuposto de que o Programa não tem respondido de forma eficaz às
urgências e às especificidades do processo de feminização da AIDS, mesmo sendo
reconhecido em fóruns internacionais como exemplo no combate à epidemia.
5
3 PERCURSO METODOLÓGICO
O objeto deste estudo exigiu uma abordagem qualitativa, uma vez que esta
modalidade permite uma maior aproximação com as situações cotidianas e com as
experiências vividas pelos próprios sujeitos (MINAYO, 1993).
Desenvolveu-se, então, uma pesquisa documental que, segundo Gil (2002, p.45),
“[...] vale-se de materiais que não receberam ainda um tratamento analítico, ou que ainda
podem ser reelaborados de acordo com os objetos da pesquisa”. Para este autor, a pesquisa
documental apresenta uma série de vantagens: os documentos constituem fonte rica e
estável de dados e, como subsistem ao longo do tempo, tornam-se a mais importante fonte
de dados em qualquer pesquisa de natureza histórica, além de ser de baixo custo.
Este tipo de pesquisa também apresenta limitações como a não-representatividade e
a subjetividade dos documentos. Por isso é importante que o pesquisador considere as mais
diversas implicações antes de formular uma conclusão definitiva. Em relação a essa
questão, vale lembrar ainda que pesquisas elaboradas com base em documentos são
importantes não porque respondem definitivamente a um problema, mas porque
proporcionam melhor visão desse problema ou, então, formulam hipóteses que conduzem
sua verificação por outros meios (GIL, 2002).
Este estudo foi realizado com base em levantamento de informações,
prioritariamente, nos documentos elaborados e divulgados pelo Ministério da Saúde, tais
como: portarias, leis, normas técnicas, boletins epidemiológicos, diretrizes e estudos
pertinentes ao tema pesquisado. Foram utilizadas também publicações das agências das
Nações Unidas, sobretudo aquelas com atividades direcionadas para HIV/AIDS.
Dentre os documentos do Ministério da Saúde recorreu-se mais freqüentemente ao
Boletim Epidemiológico de AIDS do período de 1998 a 2004. Esta é uma publicação
produzida a partir de dados transferidos das secretarias estaduais de saúde ao Setor de
Produção do DATASUS do Ministério da Saúde. No Boletim são demonstrados os casos
notificados de AIDS e sífilis congênita no Brasil e os resultados são apresentados por
6
estado e região, considerando variáveis como sexo, idade e categorias de exposição.
Mereceu destaque o Boletim da Semana Epidemiológica (49/99 a 22/00 – Dezembro /1999
a junho de 2000). A forma de enxergar a realidade vai sendo expressa nas suas várias
edições e é sobre esses olhares que este estudo se debruça para apreender a feminização da
epidemia e como ela figura nas análises dos indicadores referentes ao período de 1998 a
2004.
Destacam-se também as seguintes portarias e leis como documentos relevantes para
o processo de construção da política nacional de AIDS:
• Portaria nº 236, de 2 de maio de 1985 – Estabelece as diretrizes para o
programa de controle da Síndrome de Imunodeficiência Adquirida (AIDS)
no âmbito do território nacional (ANEXO B).
• Portaria nº 726, de 5 de novembro de 1985 – Credencia o Centro de
Referência Nacional para AIDS (ANEXO C).
• Portaria nº 199, de 25 de abril de 1986 - Cria a Comissão de Assessoramento
em AIDS, cujo caráter é técnico-consultivo (ANEXO D).
• Portaria nº 542, de 22 de dezembro de 1986 – Dispõe sobre o Sistema de
Vigilância Epidemiológica e dá outras providências, ficando incluídas na
relação de notificação compulsória a AIDS e a Sífilis Congênita (ANEXO
E).
• Portaria nº 721, de 9 de agosto de 1989 – Aprova normas técnicas para a
coleta, processamento e transfusão de sangue, componentes e derivados
(ANEXO F).
• Portaria nº 1.376, de 19 de novembro de 1993 - Aprova alterações na
Portaria nº 721/GM, de 9 de agosto de 1989 (ANEXO G).
• Lei nº 9.263, de 12 de janeiro de 1996 - regula o § 7º do art. 226 da
Constituição Federal, que trata do planejamento familiar, estabelece
penalidades e dá outras providências (ANEXO H).
• Portaria nº 1.100, de 24 de maio de 1996 – Constitui objeto de notificação
compulsória a AIDS (ANEXO I).
• Portaria nº 993, de 4 de setembro de 2000 – Altera a lista de doenças de
notificação compulsória e dá outras providências (ANEXO J).
7
• Portaria nº 2.104, de 19 de novembro de 2002 – Institui, no âmbito do
Sistema Único de Saúde (SUS), o Projeto Nascer-Maternidades (ANEXO
L).
• Portaria nº 822 de 27/06/2003 – Inclui na tabela de procedimentos do
Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIH/SUS) testes rápidos para
triagem de Sífilis e/ou HIV.
Foram analisadas também as Estratégias e Diretrizes para a Prevenção das
DST/AIDS entre Mulheres (ANEXO N) do Programa Nacional de DST/AIDS.
A consulta aos documentos governamentais e artigos que apresentam dados sobre o
tema da AIDS representou um grande desafio para a realização deste estudo, pois há um
grande volume de informações não homogêneas e que por vezes se contradizem. Essas
fontes e alguns autores que há muito vêm se dedicando ao estudo desta temática
subsidiaram a construção da narrativa dos fatos históricos. Colaboraram, assim, para uma
remontagem do cenário sociocultural e político no qual se desenvolvem as respostas do
PN/DST/AIDS à feminização da epidemia, que são relevantes para a contextualização do
questionamento proposto neste trabalho.
8
4 RESGATE HISTÓRICO
Nesta seção, procurou-se recuperar, de modo sucinto, a história da origem da AIDS
e examinar a forma como a epidemia tem se configurado no mundo. Serviram como fontes
de informação documentos oficiais e estudos de pesquisadores que há muito vêm se
dedicando ao tema da AIDS.
4.1 A origem da AIDS
As primeiras notícias sobre a AIDS vieram dos Estados Unidos da América (EUA),
onde homens jovens morriam de forma inusitada, combinando raros cânceres com
pneumonias comuns. Eram descritos em estado de diminuição dos recursos orgânicos,
mobilizados para manter o corpo imune às infecções. Chamou-se a esse agravo Acquired
Immune Deficiency Syndrome (AIDS), aqui Síndrome de Imunodeficiência Adquirida.
Enquanto se procurava uma explicação para seu surto, a epidemiologia da doença apontava
para uma quase exclusiva incidência entre os homossexuais masculinos. Esse dado seria
fundamental para a busca de uma ligação intrínseca entre a homossexualidade e a AIDS.
Antes mesmo de ser fixada a sigla AIDS, foi proposta a sigla GRID, imunodeficiência de
caráter gay, tal era a percepção do vínculo entre homossexualismo e AIDS (PARKER,
1994).
Os primeiros casos conhecidos de AIDS ocorreram nos EUA, no Haiti e na África
Central. Em 1981, foi identificado o primeiro caso de AIDS nos EUA. Na ocasião, os
segmentos da população atingidos se concentravam nos grandes centros urbanos e eram
constituídos principalmente de homossexuais. Nesse período a mídia era a única fonte de
informação e chamava a nova doença de Câncer Gay ou Peste Gay. Gradativamente a
população afetada pela doença foi se ampliando: usuários de drogas injetáveis e indivíduos
expostos a sangue e hemoderivados contaminados. Em 1982, os Centers for Diseases
Control and Prevention – Centros de Controle de Doenças (CDC), dos EUA, denominaram
a nova doença de Acquired immune deficency syndrome (AIDS) (PINEL; INGLESI, 1996).
9
A primeira definição da doença, elaborada no CDC em l982, enfatizava a sua
letalidade e incluía doenças indicativas de AIDS, pois ainda não se conhecia a etiologia da
doença. Na mesma definição já aparece o termo grupo de risco3, conhecido como os 4H –
homossexuais, haitianos, heroinômanos, hemofílicos. Eis a definição preliminar de um caso
de AIDS feita pelo CDC: [...] doença, pelo menos moderadamente preditiva de defeito da imunidade
celular, ocorrendo em pessoa sem causa conhecida para uma resistência
diminuída a essa doença. Essas doenças são o sarcoma de Kaposi (SK) e a
pneumocistose “Pneumocystis carinii pneumonia (PCP)”. (CAMARGO Jr., 1994,
p. 87).
Sem o conhecimento da causa da doença, pertencer a um grupo de risco era o
critério central para que um caso clínico parecido com AIDS fosse ou não classificado
como tal. No caso dos homossexuais esse padrão causou um acirramento da homofobia.4
Sobre isso reflete Rovery (1994): Assim como a lepra, a tuberculose, a gripe espanhola, o genocídio de Judeus,
surge a AIDS. Uma doença, a princípio, conhecida como peste gay que carregava
em seu bojo o símbolo da marginalidade, da vergonha, do castigo, da
promiscuidade e da morte. Além se sua história natural enquanto doença
epidêmica, a AIDS tem se caracterizado como uma síndrome do preconceito,
excluindo todos aqueles que foram atingidos pelo vírus [...] um perverso vírus
ideológico, que criam além da doença um vasto conjunto de reações sociais de
pânico, ignorância, preconceito, violência e discriminação. (ROVERY, 1994, p.
332).
A emergência do preconceito dirigido aos grupos de risco e seu conseqüente
isolamento produziram reações. Nos Estados Unidos, onde o movimento gay tinha uma
tradição de luta política, o impacto da ação ativista anti-AIDS se fez sentir desde o 3 Grupo de risco - termo clássico que se refere a grupos específicos. Com relação à AIDS foram definidos: homossexuais masculinos, prostitutas, usuários de drogas endovenosas e receptores de transfusões ou hemoderivados. Como se verá no estudo, o termo produziu preconceito em relação a estas populações e retardou a efetivação das políticas públicas (CAMARGO Jr., 1994). 4 Repúdio e preconceito velado ou explícito pela homossexualidade. Na história ocidental a homossexualidade foi sempre considerada crime, pecado e doença e só recentemente foi retirada do catálogo de doenças mentais. A discriminação, às vezes expressa também com violência física, a incompreensão e a dificuldade de tratar o assunto são algumas das variedades da homofobia (PARKER, 1994).
10
momento inicial. Grupos soropositivos fizeram substituir a equação AIDS=a Morte por
Silêncio=a Morte e Ação=a Vida. Através do ativismo pressionaram os laboratórios por
mais pesquisas e pela liberação de drogas terapêuticas (PARKER, 1994).
O isolamento do vírus causador da doença era uma informação importante para o
enfrentamento da epidemia e provocou uma disputa entre pesquisadores americanos e
franceses, que se acirrou em l984. O pesquisador Luc Montagnier, em 1983, na França,
isolou o agente etiológico da AIDS e o denominou de LAV (Lyphadenopathy Associed
Vírus). Meses depois, nos EUA, Robert Gallo anunciava a mesma descoberta, nomeando o
agente etiológico de HTLV-III (Human T-linphoma Vírus). Em 1985, se concluiu que a
AIDS é a fase final da doença causada por um retrovírus e que o LAV e o HTLV III são o
mesmo vírus, que passou a ser chamado de HIV.5 Em 1988, ocorreu a primeira publicação
consensual de Gallo e Montaigner acerca do agente etiológico, agora denominado Vírus da
Imunodeficiência Humana (HIV) (LIMA,2002). Em todos os momentos da história da AIDS o elo entre a homossexualidade e a
doença aparecerá e em vários campos na epidemiologia, na clínica, no julgamento
moral, na opinião pública, nas pesquisas [...] Este elo, porém, não liga índices
estatísticos a objetos passivos, mas antes a comunidades vivas que se
organizaram para reagir à AIDS e descobriram formas novas de atuar
multiplamente diante da epidemia; em face da transmissão, da progressão da
doença, do luto, das perdas, da pressão para mais pesquisas e liberação de drogas
terapêuticas. (PARKER, 1994, p. 15).
Com a definição e o isolamento do HIV como agente etiológico da AIDS, a prova
laboratorial passou a ser fundamental para a definição do caso, diminuindo, assim, a
importância do critério epidemiológico do grupo de risco (PARKER, 1997).
Duas décadas após a explosão da epidemia, sua origem permanece uma incógnita
para a ciência. Embora existam suposições acerca de seu surgimento, o consenso é que as
informações processadas não são suficientes para determinar sua gênese. Admitindo-se a
5 “HIV é um lentivírus composto de genoma de RNA envolto em, proteína viral e membrana celular. Infecta células portadoras da membrana de superfície CD4. Isso significa primordialmente o subconjunto de células do sistema imunitário que ajudam as outras em suas tarefas, incluem ainda uma grande variedade de outras células, dos sistema imune ou intestino e cérebro. Uma vez dentro da célula o vírus transcreve os seus genes de RNA em DNA que se podem então ligar o genes da própria célula. Em dado momento, fará cópia do seu genes, dirige a célula a fazer as proteína de que precisa e replica-se a si mesmo” (OLIVER apud PARKER, 1994, p. 49).
11
hipótese de que o vírus precursor tenha passado de primatas para o ser humano, permanece
sem explicação o mecanismo pelo qual isso teria ocorrido. No que concerne à AIDS, há que se considerar mais de um agente viral HIV,
muito semelhantes aos vírus da imunodeficiência simiana. Assim sendo, embora
os primeiros óbitos atribuíveis a essa causa possam ter ocorrido nos anos 1950,
acredita-se que a infecção tenha surgido nas regiões africanas central e oriental,
uma vez que ali teve início sua maior freqüência e onde a infecção de primatas
ocorre na natureza. [...] O mecanismo graças ao qual isso possa ter ocorrido, não
está ainda esclarecido. [...] a aparente benignidade da infecção por SIV entre
primatas, contrastando com a extrema virulência da AIDS humana.
(FORATTINI, 1993, p. 77).
Segundo Gallo (1991), a epidemia teria começado pela passagem do vírus simiano
para o homem nas condições habituais de vida na África. Outra explicação é apresentada
por Montagnier (1994), para quem a epidemia atual poderia resultar de aliança entre os
HIV africanos, pouco virulentos, e micoplasmas americanos selecionados pelo uso dos
antibióticos. Para o médico e pesquisador francês, Mirko Grmek (1995), não existe vírus
patogênico totalmente novo. Ele vem de um ancestral que devia ter características genéticas
vizinhas e perpetuou-se em algum lugar, numa população humana ou animal. Esse ancestral
não era, necessariamente, patogênico ou era muito pouco em relação à população animal ou
humana original. A pandemia, que hoje grassa, resulta da sobreposição de, pelo menos,
duas epidemias diferentes, provocadas por dois germes distintos: HIV-1 e HIV-2.
São parentes colaterais, pois as seqüências de seus genomas são tais que um não
pode ser descendente do outro. A epidemia causada pelo HIV-2 teria, com
certeza, passado despercebida se a gravidade da primeira não tivesse aguçado o
olho clínico dos médicos e orientado as pesquisas dos virologistas. Essa segunda
epidemia esteve, no início, circunscrita a um foco apenas, na África oriental,
enquanto a disseminação mundial do HIV-1 partiu de três focos identificados: um
na África central e outros dois no litoral da América do Norte. A origem do HIV-
2 é, com certeza, africana. O problema da origem do HIV-1 continua ainda
indefinido. As pesquisas recentes na África não trazem qualquer fato que
demonstre, de maneira irrefutável, o caráter antigo da infecção por cepas
virulentas do HIV-1 naquele continente. (GRMEK, 1995, p. 88).
12
Para Grmek (1995), o big bang da AIDS, situado em meados do século passado, não
foi um evento de curta duração, ao contrário, trata-se de um processo que se desenvolveu
ao longo do tempo e, nos anos 70, ultrapassou um limiar crítico. Neste sentido, considera
que o aparecimento da AIDS é um acontecimento cuja explicação não pode ser nem
exclusivamente biológica, nem exclusivamente social. Os dois grupos de fatores atuaram e
a epidemia resulta, justamente, da interação entre ambos. A origem da AIDS ainda desperta
interesse e continua a ser objeto de investigação nos grandes centros de pesquisa de países
desenvolvidos.
O mito da origem da AIDS revela muito mais que o esforço em descobrir a causa de
seu surgimento. Uma epidemia, entendida como fenômeno social, mobiliza comunidades a
revelar comportamentos que, ao mesmo tempo, são produtos dos valores sociais e modos
de compreensão do evento e ainda os reproduzem. Seu caráter público e sua intensidade
dramática fazem com que as epidemias, antigas e modernas, constituam um espaço de
entendimento das relações entre ideologia, estrutura social e a construção de respostas ao
fenômeno.
4.1 A AIDS no mundo
A AIDS se caracteriza como uma epidemia, em que a via sexual, mesmo a
heterossexual sem proteção, é a sua forma mais importante de transmissão, atingindo em
especial os países em desenvolvimento. Esse quadro altera profundamente o panorama
inicial da doença, quando a transmissão se dava, predominantemente, por relações
homossexuais sem proteção e pelo uso de drogas endovenosas.
A doença configura um dos principais problemas de saúde pública para as próximas
décadas. Estimativas globais fundamentadas em recentes pesquisas mostram que cerca de
40 milhões de pessoas no mundo vivem com HIV, o vírus da AIDS. A epidemia continua a
se expandir em países densamente povoados como Índia, China, Indonésia e os do Leste
Europeu, mas a região mais dramaticamente afetada do mundo é a África. O continente tem
10% de toda a população infectada, principalmente a subsaariana, com cerca de 3,2 milhões
13
de novas infecções e onde, no ano de 2003, morreram 2,3 milhões de pessoas. A AIDS é a
epidemia mais globalizada da história e estamos testemunhando sua progressiva
feminização (UNAIDS, 2004).
Os dados aqui apresentados têm como base o relatório de análise do Programa
Conjunto das Nações Unidas para HIV/AIDS (UNAIDS) de 2004 e se referem a
informações sistematizadas em 78 países nos quais a AIDS se propaga. Segundo este
relatório, em 2003, quase 5 milhões de pessoas foram infectadas pelo HIV, cerca de 3
milhões de pessoas morreram por causa da AIDS e, desde que se identificaram os primeiros
casos, em 1981, foram registrados mais de 20 milhões de mortes.
Até dezembro de 2003 as mulheres constituíam cerca de 50% de todas as pessoas
que viviam com o HIV em todo o mundo, das quais 57% estavam na África subsaariana. A
metade de todas as novas infecções pelo HIV ocorridas no mundo atinge jovens de 15 a 24
anos. É a geração de jovens mais infectada da história. Outro dado importante é que só 7%
das pessoas que necessitam de tratamento anti-retroviral, nos países de baixo e médio
desenvolvimento, têm acesso à medicação. Isso representou 400 mil pessoas ao final de
2003 (UNAIDS, 2004).
Os dados revelados em 2004 sobre a feminização da epidemia já eram percebidos há
mais de uma década e encontram-se explicitados na fala do então diretor do Programa
Global de AIDS, Jonathan Mann, que, como um visionário, afirmou: Há uma década, as autoridades de saúde pública e o público em geral
praticamente igualavam a transmissão da AIDS à atividade homossexual
masculina. Entretanto, da estimativa de 18 milhões de adultos infectados pelo
HIV no mundo inteiro atualmente, mais de 8 milhões são mulheres. E os números
estão aumentando: a proporção de mulheres entre os adultos infectados pelo HIV
aumentou cerca de um terço em meados da década de 80, passou para 40% em
1992 e prevê-se que supere os 45% em 1995. Até o ano 2000, metade de todos os
adultos com HIV serão mulheres e 90% delas provavelmente terão sido
infectadas através de relações heterossexuais. (MANN, 1993, p. 24).
No continente africano, onde se julga ter originado a doença e desde o início o perfil
epidemiológico não associa a AIDS a homossexuais, se observam grandes diferenças de
níveis e tendências da infecção pelo HIV. Em seis países, a prevalência do HIV em adultos
é inferior a 2%, em outros está acima de 20%. Os sete países da África meridional
14
apresentam níveis de prevalência do HIV superior a 17%, com taxas para Botswana e
Swazilandia acima de 35%. Na África ocidental, a prevalência do HIV é muito mais baixa;
nenhum país dessa região tem uma prevalência superior a 10%, em sua maioria essa taxa
oscila entre 1% e 5%. A prevalência em adultos nos países da África central e oriental
situa-se nos parâmetros das zonas ocidental e meridional do continente, com valores entre
4% e 13% (UNAIDS, 2004). As mulheres africanas correm maiores riscos de contrair o HIV e se infectam mais
jovens que os homens. No momento atual, na África subsaariana, a média é de 13 mulheres
HIV-positivas para cada 10 homens HIV- positivos. Em 2002, a diferença era de 12
mulheres infectadas para cada 10 homens. A diferença dos níveis de infecção entre homens
e mulheres está mais presente na faixa etária de 15 a 24 anos. Em um estudo comparativo, a
proporção de mulheres jovens que vivem com o HIV em relação aos homens jovens na
mesma situação oscilou entre 20 mulheres para cada 10 homens, no Sul da África, e 45
mulheres jovens para cada 10 homens jovens no Kenya e Malí. Na África do Norte e
Oriente Médio, cerca de 480 mil pessoas estão vivendo com o HIV. Nesta região a
vigilância sistemática da epidemia não está bem desenvolvida, em particular entre os
grupos de alto risco como os consumidores de drogas intravenosas, grupo que concentra a
maior parte da infecção. O vírus também se propaga silenciosamente entre os homens que
fazem sexo com homens, o que, em muitos lugares, é uma prática condenada e ilegal
(UNAIDS, 2004).
Na Ásia, região com 60% da população mundial, a epidemia se propaga rapidamente.
Isso se observa mais fortemente na China, na Indonésia e no Vietnã. Estima-se que na
região existam 7,4 milhões de pessoas vivendo com HIV. Só em 2003 se registrou 1,1
milhão de novas infecções. A epidemia se manifesta principalmente entre os homens que
fazem sexo com homens, profissionais do sexo, seus clientes e seus pares sexuais imediatos
(UNAIDS, 2004).
Na Europa oriental e na Ásia central, a epidemia prossegue avançando, impulsionada
principalmente pelo consumo de drogas intravenosas. Estônia, Letônia e Federação da
Rússia são os países mais afetados, porém a AIDS se propaga também em Belarús,
Kazajstán e Moldova. Cerca de 1,3 milhão de pessoas vivem com HIV na região, enquanto,
em 1995, eram aproximadamente 160 mil pessoas. Chama a atenção o fato de que 80%
15
dessas pessoas não chegam aos 30 anos de idade. O consumo de drogas intravenosas
aparece como a maior fonte de propagação; no entanto, em alguns países a transmissão
sexual é cada vez mais comum. As mulheres representam uma parte crescente dos novos
casos. Em 2001, levando-se em conta o sexo, a razão era de uma mulher para cada quatro
homens e, em 2003, de uma mulher para cada três homens (UNAIDS, 2004).
No Caribe, três países (Bahamas, Haiti e Trinidad Tobago) apresentam taxas
nacionais de prevalência de AIDS de 3%. Na região, cerca de 430 mil pessoas vivem com
HIV. A epidemia é principalmente transmitida por via heterossexual e, em muitas partes,
concentrada na população de trabalhadoras do sexo. O país mais afetado é o Haiti, com
uma prevalência nacional de aproximadamente 5,6%, a mais elevada fora do continente
africano. Na América Latina, outra região de expansão da epidemia, cerca de l,6 milhão de
pessoas vivem com HIV. No Brasil, até o ano de 2004, foram notificados 362.364 casos de
AIDS. A taxa de mortalidade de 2003 foi de 6,4/100.000, com uma taxa de incidência de
18,2/100.000, cerca de 25.000 novos casos por ano (BRASIL, 2004b).
Nos países desenvolvidos, estima-se que 1,6 milhão de pessoas vivam com HIV. A
diferença em relação a outras regiões é que a grande maioria das pessoas infectadas tem
acesso à terapia anti-retroviral e, em conseqüência, se mantêm com boa saúde e sobrevivem
durante mais tempo. As infecções vêm aumentando nos Estados Unidos e Europa
Ocidental. Em 2001, 900 mil pessoas viviam com HIV e 950 mil em 2003. A metade das
novas infecções tem ocorrido na população afro-americana. Na Europa, eram 540 mil em
2001 e 580 mil em 2003 (UNAIDS, 2004).
As novas estimativas sobre os recursos mundiais necessários para obter mais eficácia
contra o desenvolvimento da epidemia também constam do relatório da UNAIDS/2004.
Apesar de ter multiplicado 15 vezes o investimento, ou seja, de 300 milhões de dólares em
1996 para 5 bilhões em 2003, avaliou-se que esta quantia não chegaria à metade do que
seria necessário investir em 2005 nos países em desenvolvimento. De acordo com os
cálculos, seriam necessários investimentos no valor de 12 bilhões para as atividades de
prevenção e atenção nos países de baixo e médio desenvolvimento, estimando-se que para
2007 este valor ultrapasse os 20 bilhões de dólares (UNAIDS, 2004).
Estes 20 bilhões seriam destinados ao tratamento com anti-retroviral para um pouco
mais de 6 milhões de pessoas, das quais mais de 4 milhões da África subsaariana. Outras
16
destinações seriam: prestar apoio a 22 milhões de órfãos e proporcionar assessoramento e
exames voluntários de HIV a 100 milhões de adultos, assegurar educação escolar sobre
AIDS para 900 milhões de estudantes e oferecer serviços de assessoramento para 60
milhões de jovens que freqüentam escolas. Cerca de 43% desses recursos serão necessários
para a África subsaariana, 28% para a Ásia, 17% para a América Latina e Caribe, 9% para a
Europa Oriental e 1% para a África do Norte e Oriente Médio (UNAIDS, 2004).
Os dados refletidos no relatório da UNAIDS/2004 mostram que a AIDS continua a se
alastrar pelo globo, atingindo todas as regiões e se constituindo, como afirma o diretor da
UNAIDS, a epidemia mais globalizada da história. A constatação expressa um desafio de
igual proporção para a humanidade e para as políticas públicas que têm como finalidade seu
enfrentamento. A isso se refere o Diretor Executivo da UNAIDS, Peter Piot, em seu
discurso de abertura da 14ª Conferência Internacional de AIDS (ANEXO A), em julho de
2002: A epidemia mundial de AIDS é um dos grandes desafios que afrontam nossa
geração. A AIDS é um novo tipo de emergência mundial: uma ameaça sem
precedentes para o desenvolvimento humano que requer uma ação e um
compromisso sustentado a longo prazo [...] A AIDS está entre nos há mais de
vinte anos e continuará por mais décadas [...] Mesmo não existindo um remédio,
a mobilização massiva de todos os setores da sociedade segue sendo nossa única
arma. (ANEXO A).
17
FONTE: UNAIDS 2004 Report on the global HIV / AIDS epidemic: 4th
FIGURA 1 – Número estimado de adultos e crianças vivendo com o HIV, em 2005, em
todos os continentes.
18
5 POLÍTICAS PÚBLICAS GLOBAIS RELATIVAS À AIDS
O contexto político global no qual a AIDS surgiu remete-nos à última década do
período denominado como Guerra Fria.6 O mundo foi dividido em dois grandes blocos e as
hostilidades produziam uma profunda cisão entre o Oriente e Ocidente. O tempo da
informação e sua acessibilidade tornavam as distâncias maiores do que como elas são
percebidas hoje; os movimentos sociais ganhavam expansão nos países em
desenvolvimento e o medo de uma crise econômica ou de uma guerra de âmbito global
pautava as relações diplomáticas internacionais.
A Guerra Fria permeou os principais fatos políticos no mundo inteiro desde o
término da Segunda Guerra até o final dos anos 80. O complexo jogo das superpotências
envolveu todos os continentes, inclusive a África, onde o fim do colonialismo português
abriu caminho para o surgimento de regimes comunistas em Angola e Moçambique e para a
deflagração de conflitos tribais em diversos países do continente. As disputas internas e
regionais estimularam os governantes a investir em armas poderosas, apesar da situação de
miséria de suas populações. No Oriente Médio, região com a maior reserva de petróleo, a
criação do Estado de Israel, em 1949, com o apoio das superpotências, foi seguida por um
longo período de conflitos árabes-israelitas (MUNDO EDUCAÇÃO, 2006).
Na América Latina, a revolução cubana, em 1959, motivou os Estados Unidos a
imprimir sua força de intervenção para impedir a expansão do regime socialista na região.
Neste sentido, tanto promoveu as ditaduras, cujo declínio se deu fortemente nos anos 80,
como as políticas de controle de natalidade (MUNDO EDUCAÇÃO, 2006).
Na Europa, a década foi marcada pelo processo de abertura iniciado por
Gorbatchev, que instituiu a Perestroika, ou Reconstrução, buscando novas formas de
conduzir a economia soviética. No plano político, retomou negociações para pôr fim à
6 Com o fim da Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos e a União Soviética, as duas grandes potências bélicas, polarizaram posições ideológicas e influências políticas no globo, o que constituiu uma disputa de poder denominada Guerra Fria.
19
corrida armamentista. Internamente, libertou opositores do regime, viabilizou o
abrandamento da censura e permitiu que os problemas fossem discutidos abertamente pela
população. As reformas iniciadas em Moscou logo se refletiram na Europa socialista, onde
os movimentos democráticos ganharam força para mudar todo o panorama político do
antigo bloco soviético. Esse processo culminou na queda do muro de Berlim, em 1989, e no
fim da própria União Soviética, em 1991, marcas simbólicas do final de uma era (MUNDO
EDUCAÇÃO, 2006).
Para nossa história interessa a criação da Organização das Nações Unidas (ONU)7
que, durante este período, se esforçou para representar um instrumento global, buscando
uma via multilateral para a identificação e a resolução das ameaças à sobrevivência e ao
desenvolvimento da espécie humana.
É nesse contexto que a AIDS se insere, produzindo algumas reflexões sobre a
articulação do modelo de desenvolvimento versus pobreza e sua relação com a expansão da
epidemia no mundo. De modo mais amplo, políticas internacionais e intergovernamentais
de desenvolvimento têm sido associadas à desintegração de estruturas socioeconômicas
tradicionais e à acentuação de desigualdades socioeconômicas, o que, por sua vez, tem
contribuído de forma significativa para a severidade da epidemia em todos os países em
desenvolvimento. Com efeito, a própria pobreza tem sido identificada como a provável
força socioeconômica essencial para a determinação da epidemia. Tem-se evidenciado a
interação entre a pobreza e outras formas de desigualdade, instabilidade e discriminação
social na disseminação do HIV (PARKER; GALVÃO, 1996; SINGER, 1998).
Neste sentido, o debate internacional sobre a epidemia se desenvolve em interação
com o debate mais amplo sobre o modelo de desenvolvimento em disputa no mundo. E
exige um posicionamento tanto sobre o sentido da epidemia quanto sobre o modelo de
desenvolvimento, que são fatores determinantes para a definição das políticas públicas a
serem implementadas. Sobre essas questões discorrem Rocha (2003) e Corrêa (2003): Nos últimos 60 anos, o conceito do que é desenvolvimento mudou, foi ampliado,
revisado e fortemente disputado pelos governos, pelas instituições multilaterais,
pela academia e pelos movimentos sociais. Na última década, a ONU, nesse
cenário de disputa, liderou o chamado Ciclo de Conferências das Nações Unidas,
colocando em pauta a agenda social do planeta na busca da consolidação e da
7 Criada em l948, após a Segunda Guerra Mundial, como espaço de diálogo multilateral.
20
efetivação de direitos e dos compromissos de chefes de Estado com políticas
públicas mais eficazes. No entanto, ainda perguntamos: quais são os caminhos
para um projeto de desenvolvimento que garanta o usufruto dos direitos humanos,
diminuindo assim as vulnerabilidades para a AIDS? (ROCHA, 2003, p. 84).
Exercícios no sentido de articular AIDS e desenvolvimento exigem que nos
posicionemos, de alguma maneira, frente às várias definições e interpretações
acerca desses dois termos. Para ilustrar: é possível conceber a AIDS como uma
patologia - ou um problema de comportamento individual desregrado - que pode
ser resolvida pelo avanço tecnológico, acesso a serviços e estratégias moralistas
de prevenção. Isso se desdobrará num tipo de política. Os resultados serão
radicalmente diferentes se pensarmos a AIDS como um fato social e
epidemiológico complexo que tem efeitos deletérios sobre os indicadores de
desenvolvimento humano. Nesse caso, vamos conceber políticas que equilibrem a
ação do Estado e do mercado, sejam orientadas para a superação da desigualdade
nas suas várias manifestações (entre países, entre grupos sociais, entre raças e
etnia, entre homens e mulheres) e adotem uma perspectiva de empoderamento e
direitos humanos. Quando fazemos essa segunda escolha, estamos nos situando
no terreno da disputa quanto aos significados de desenvolvimento. (CORRÊA,
2003, p. 129).
Para Corrêa (2003), o debate sobre AIDS no contexto do desenvolvimento deve
remontar a uma perspectiva histórica mais longa, como oposição à noção economicista: É importante lembrar que, no Ocidente, a noção de desenvolvimento foi
precedida pela concepção de progresso humano do Iluminismo. Segue-se Marx, o
inventor do desenvolvimento na sua acepção moderna, isto é, o desenvolvimento
das forças produtivas como determinante econômico daquilo que tanto Marx
quanto antes dele os iluministas haviam idealizado como progresso humano.
Segundo Marx, o desenvolvimento das forças produtivas por um lado libera a
criatividade humana, por outro resulta em acumulação de riquezas, alienação e
exploração. Hoje, assim como no século 19, o debate sobre desenvolvimento
envolve disputas acirradas que dizem respeito a interesses concretos, materiais
[...] È também muito significativo que, a partir do final da década de 1940,
tomando como ponto de partida a criação das Nações Unidas, prevaleceu no
debate global (e nacional) uma interpretação economicista do desenvolvimento.
Num certo sentido, é como que se ao longo da segunda metade do século 20 o
debate tivesse sido impregnado pelas idéias de Marx, mas um Marx despojado
das premissas filosóficas do Iluminismo. (CORRÊA, 2003, p. 132).
21
A AIDS surgiu numa época em que as autoridades sanitárias mundiais acreditavam
que as doenças infecciosas estavam controladas pela tecnologia e pelo saber médico
moderno. Essa crença suscitou comportamentos coletivos e respostas nos quais estão
inseridas as estratégias políticas oficiais (MARQUES, 2002).
No âmbito global, essas estratégias políticas têm a realização das grandes
Conferências Internacionais como um dos eixos que promovem visibilidade e debate
ampliado entre os vários atores envolvidos no processo: pacientes portadores do HIV,
governos, sociedade civil, cientistas e mercado farmacológico.
A necessidade de uma resposta global para a AIDS, debatida na 1ª Conferência
Internacional de AIDS, realizada nos EUA, em l985, materializou-se durante a 2ª
Conferência Internacional de AIDS, em Paris, no ano de l986, com a criação do Programa
Especial de AIDS da Organização Mundial da Saúde (OMS).8 O referido programa. surgiu
motivado pela rápida disseminação do HIV na população mundial, principalmente nos
países em desenvolvimento, e tem por finalidades promover o debate público qualificado e
desenvolver políticas globais de enfrentamento da epidemia (PARKER, 1999).
Na década de 1980 ocorreram fatos decisivos para o desenvolvimento de uma
resposta global à AIDS. A visibilidade, a mobilização pública e o conhecimento sobre a
doença (notificação, vigilância e produção de estudos epidemiológicos) ampliaram-se,
assim como as iniciativas de prevenção e controle e as políticas de planejamento.
Em 1987, foram discutidas as repercussões tanto do uso de técnicas de detecção de
anticorpos anti-HIV (Ensaio Imunoenzimático – ELISA e Western-blot) no diagnóstico
quanto do enfraquecimento da tese de grupos de risco e do surgimento da tese de
comportamento de risco.
O conceito de comportamento de risco operou uma mudança importante nos
procedimentos clássicos da epidemiologia. O alvo das ações deixou de ser o contato entre o
suscetível e o infectado e passou a ser o desenvolvimento de estratégias capazes de isolar o
agente infeccioso e impedir sua movimentação no ambiente humano. Em vez de criar
barreiras entre as pessoas, começaram a ser propostas mudanças nas ações das pessoas que
poderiam reduzir suas chances de exposição ao vírus (AYRES et al.,1997).
8 Transformado um ano depois no Programa Global de AIDS e dirigido por Jonnathan Mann.
22
Ainda em 1987, foi criada, nos Estados Unidos, a AIDS Coalition to Unleash Power
(Act-Up), uma das maiores organizações mundiais de informação e ajuda aos portadores
do vírus e uma das mais influentes na luta contra a AIDS. A Act-up, fundada em Nova
York, foi responsável pelas primeiras e barulhentas passeatas em busca de apoio, respeito
e, principalmente, de mudança nas políticas de governo naquele país. Protestos, como a
histórica marcha de 24 de março de 1987, em Wall Street, reivindicavam tratamento de
saúde digno para as vítimas e liberação de medicamentos para todos os doentes. No campo
da definição de caso, ainda em 1987 foram elaborados os primeiros sistemas
classificatórios que incorporavam dados laboratoriais (sorologia anti-HIV e contagem de
linfócitos T CD4) e clínicos (critérios Walter-Reed e CDC) com objetivos relacionados
com a saúde pública (CAMARGO Jr., 1994).
Em 1988, a OMS instituiu o dia 1º de dezembro como o Dia Mundial de Luta
contra a AIDS e surgiu, no cenário internacional, a zidovudina (AZT) para o tratamento da
infecção pelo HIV, passando a ser indicado o uso do antibiótico sulfametoxazol-
trimetoprim para a profilaxia primária da pneumocistose .
No final da década de 1980 foi decisivo o reconhecimento mundial da epidemia na
população de mulheres. Marge Berer (1997) refere-se ao fato como um reconhecimento
tardio: A AIDS já matava mulheres antes que tivesse um nome e que fosse conhecida a
causa da doença. Na segunda metade da década de 80, transformou-se na
principal causa de mortalidade de mulheres em idade reprodutiva em várias partes
do mundo. Mas só em novembro de 1989 o HIV/AIDS é relacionado à mulher
fazendo-se reconhecido por várias agências envolvidas com o tema. No 1º de
dezembro de 1990, Dia Internacional da Luta contra a AIDS, chamou-se a
atenção do mundo para a dimensão do problema da feminização gerando
publicações a respeito que expressavam a necessidade de mais informações.
(BERER, 1997, p. 27).
A década de 1990 foi marcada pelo ciclo das grandes Conferências Internacionais
promovidas pela ONU, pelo aprimoramento da tecnologia para diagnóstico e tratamento da
epidemia e pelo avanço proposto por Jonnathan Mann, com a inclusão, no início da década,
23
do conceito de vulnerabilidade.9 Construiu-se, então, um conceito que relacionava um
conjunto de ações para o enfrentamento da AIDS, considerando: vulnerabilidades
individuais, vulnerabilidades do contexto social e vulnerabilidades institucionais. O
paradigma da vulnerabilidade tornou-se a base de muitas das ações e estratégias nos
campos governamentais, acadêmicos e da sociedade civil organizada (MANN, 1992).
Sobre a importância deste conceito refletem Parker e Galvão (1996), Ayres et al. (1997) e
Rocha (2003): Talvez a mais importante transformação isolada em nossa maneira de pensar
sobre HIV/AIDS no início dos anos 90 tenha sido o esforço de superar essa
contradição “entre grupo de risco e população geral” pela passagem da noção de
risco individual a uma nova compreensão de vulnerabilidade social, passagem
crucial não só para nossa compreensão da epidemia, mas para qualquer estratégia
capaz de conter seu avanço. (PARKER; GALVÃO, 1996, p. 58).
O novo conceito surge no campo das respostas à epidemia de HIV/AIDS e traz
uma contribuição relevante para as propostas de renovação das práticas de saúde,
de um modo geral, e da prevenção e promoção da saúde, em particular. No campo
da AIDS esse conceito considera que a epidemia respondia a determinantes cujos
alcances iam além da ação patogênica de um agente viral. (AYRES et al., 1997,
p. 66)
Na década de 90, o conceito de vulnerabilidade tira dos indivíduos a
responsabilidade pela infecção e põe as diretrizes para o enfrentamento da
epidemia da AIDS numa relação mais complexa que visibiliza desigualdades e
clama por construção de cidadania [...].Mudam os paradigmas do debate sobre
saúde pública, deslocando a discussão de um campo biologizado e medicalizado
para o campo político e do direito. (ROCHA, 2003, p. 88).
O conceito de vulnerabilidade é constructo e construtor dessa percepção ampliada,
que identifica as razões últimas da epidemia e seus impactos nos aspectos
comportamentais, culturais, econômicos e políticos. Portanto, ele nos será útil no exame do
tema da feminização da epidemia (AYRES, et al., 1997).
Em 1991, a Organização Mundial de Saúde (OMS) divulgou a informação de que
pelo menos 10 milhões de pessoas no mundo tinham o vírus da AIDS. Foram difundidos os 9 Originário da área de advocacia internacional pelos Direitos Universais do homem, o termo vulnerabilidade designa, em sua origem, grupos ou indivíduos fragilizados, jurídica ou politicamente em relação à promoção, proteção ou garantia de seus direitos de cidadania (Ayres et al 1997)
24
avanços nos recursos para diagnósticos clínicos e laboratoriais que influíram na definição
de casos. Em 1992, divulgou-se a classificação da infecção pelo HIV – categoria
clínica/CDC - e, no ano seguinte, foi feita a revisão dos critérios do CDC para a definição
de casos de AIDS em adolescentes e adultos, com a inclusão de condições clínicas e da
contagem de linfócitos T CD4+ < 200 células/mm (BRASIL, 1999).
As opções consolidadas para o tratamento anti-retroviral (AZT, didanosina-ddI e
zalcitabina-ddC) apareceram em 1995, assim como os primeiros anti-retrovirais inibidores
de protease, que reduzem drasticamente o número de vírus no organismo do paciente. Estes
representavam uma nova classe de medicamentos aprovada nos EUA. Colocada em prática
pela primeira vez pelo virologista americano David Ho, a combinação do tratamento com
esses remédios, mais o AZT, foi batizada de coquetel (BRASIL, 1999).
No mesmo ano, o Programa Global de AIDS da Organização Mundial de Saúde
(OMS) passou ser o Programa Conjunto das Nações Unidas sobre o HIV/AIDS (UNAIDS).
Essa mudança implicou a inclusão das ações e recursos de outras agências do Sistema das
Nações Unidas na política de enfrentamento da AIDS. A UNAIDS agregou as ações que
estavam sendo desenvolvidas pela OMS e passou a atuar por meio de Grupos Temáticos
(GT), capacitando os países a fazer melhor uso do Sistema Nações Unidas para apoiar seus
Programas Nacionais sobre HIV/AIDS (CASTRO; SILVA, 2005).
Em 1996, a OMS anunciou que 22,6 milhões de pessoas estavam contaminadas no
mundo. Na Conferência Internacional de AIDS, realizada em 1996, em Vancouver
(Canadá), foram anunciados os benefícios da terapia combinada de anti-retrovirais como
um grande avanço, tanto pelo aumento da sobrevida como pela melhora da qualidade de
vida dos portadores (CASTRO; SILVA, 2005).
Em 1998, 11 medicamentos anti-retrovirais de diferentes classes já eram
comercializados. Ante a complexidade da terapia, iniciaram-se os debates sobre aderência e
resistência viral e, paralelamente, foram iniciados os exames de genotipagem e
fenotipagem. Nessa fase foram impulsionadas as pesquisas iniciais de vacinas em vários
locais do mundo. Nesse ano, estudos detectaram (UNAIDS, 2004) que o número de
contaminados saltara de 20 milhões para 30 milhões. Na Ásia, a taxa havia dobrado em
praticamente todos os países; na Europa Oriental, havia crescido seis vezes em vários
países; em Botswana e no Zimbábue (África) 25% da população adulta estava contaminada.
25
Na África do Sul, eram 3 milhões de pessoas; na Índia, chegava a 4 milhões; a América
Latina tornara-se a terceira região do mundo com maior número de casos. A AIDS se
convertera na doença infecciosa mais letal do mundo, superando a tuberculose, e ocupava
para o quarto lugar entre todas as causas de mortalidade (UNAIDS, 2004).
O Ciclo de Conferências10 organizado pelas Nações Unidas marcou a década de
1990 e influiu na construção de uma nova agenda de cooperação internacional,
considerando as estruturas estabelecidas dos países em desenvolvimento, bem como as
possibilidades de assistência, transferência de tecnologia e cooperação técnica dos países
desenvolvidos (CASTRO; SILVA, 2005; ROCHA, 2003).
Foram especialmente as conferências sobre População e Desenvolvimento
(Conferência do Cairo) e a da Mulher, em Beijing, que trataram mais diretamente da
epidemia de AIDS. Tanto as plataformas de ação do Cairo quanto as de Beijing destacaram
a importância das questões da epidemia de AIDS e a necessidade de seu enfrentamento,
devendo merecer atenção especial dos governos e da sociedade civil organizada (ROCHA,
2003).
Em 2000, por causa da Conferência Internacional de AIDS, em Durban, na África
do Sul, o mundo voltou sua atenção para o avanço da epidemia na África subsaariana, onde
se estima que, em alguns países, mais de um terço da população seja soropositiva. No
continente, 17 milhões de pessoas já morreram vitimadas pela AIDS e 3,7 milhões eram
crianças. Organizações médicas e ativistas denunciavam o alto preço dos remédios contra
AIDS. Muitos laboratórios foram obrigados a baixar o preço das drogas nos países em
desenvolvimento, criando-se o Fundo Internacional de Medicamentos. Foi criado o Fundo
Global para o Combate à AIDS, à Tuberculose e à Malária, uma nova instituição das
Nações Unidas para lutar contra as três doenças infecciosas que mais matam no mundo.
Em relatório elaborado pela UNAIDS, se afirma que a AIDS vai matar 70 milhões de
pessoas nos próximos vinte anos, a maior parte na África, a não ser que as nações ricas
aumentem seus esforços para conter a doença (CASTRO; SILVA, 2005). 10 Conferência Mundial da Criança (Nova York, 1990); Conferência Mundial sobre Educação para Todos (Jontiem, 1990); Desenvolvimento Sustentável (Rio, 1992); Conferência Mundial das Nações Unidas sobre Direitos Humanos (Viena, 1993); Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento (Cairo, 1994); Conferência Mundial para o Desenvolvimento Social (Copenhagen, 1995); Conferência Mundial das Nações Unidas sobre as Mulheres (Pequim, 1995); Conferência das Nações Unidas sobre os Assentamentos Humanos - Habitat II (Istambul, 1996) Conferência das Nações sobre Comércio e Desenvolvimento (Midrand, 1996).
26
Em 2001, cerca de vinte anos após o registro do primeiro caso com evidências
clínicas do que se considera AIDS, ocorreu, em Nova York, a Sessão Especial das Nações
Unidas sobre HIV/AIDS (UNGASS), na qual estiveram reunidos chefes de Estado,
representantes de Estados e de Organizações da Sociedade Civil, para discutir os graves
problemas e as repercussões da epidemia, e estabelecer consensos para a intensificação dos
esforços na busca de respostas globais para as questões relativas ao HIV e à AIDS. Foi a
primeira vez que a Assembléia Geral das Nações Unidas se reuniu para discutir um tema de
saúde, passando, assim, a plataforma internacional a ter relevância para os Estados
nacionais signatários das Nações Unidas e entre eles significar um compromisso (ROCHA,
2003).
No campo internacional, a AIDS assumiu especial relevância nas relações com as
instituições financeiras multilaterais e com a Organização Mundial do Comércio (OMC).
Nos últimos anos, a OMC tem assumido a vanguarda dessa discussão, pela importância das
relações comerciais nos processos de desenvolvimento. Isso ocorre, sobretudo, em relação
aos contornos que a epidemia tem assumido com o debate sobre o direito de acesso a
medicamentos se sobrepor a acordos de ordem econômica. E, assim, o debate internacional
sobre desenvolvimento tecnológico e propriedade intelectual busca brechas no Acordo
TRIPS (Trade Related Aspects of Intellectual Property Rights) que possibilitem a quebra de
patentes sempre que houver emergência de saúde pública (ROCHA, 2003).
A declaração de compromisso assinada por 189 países, durante a Assembléia Geral
da ONU, incorporou a proposta brasileira de vincular a prevenção e o tratamento como
pilares para um controle da epidemia de AIDS. Isso significa assegurar às pessoas que
vivem com HIV/AIDS o direito de acesso aos medicamentos existentes (TEIXEIRA,
2003).
A OMC reuniu-se em Genebra (Suíça) na semana anterior à Assembléia Geral da
ONU quando, pela primeira vez, a Organização Mundial do Comércio tratou de um tema
não exclusivamente comercial. A proposta brasileira recebeu apoio de inúmeros países,
inclusive da União Européia. Os EUA e a Suíça, grandes produtores de medicamentos,
mantiveram sua posição conservadora. A posição da OMC, mesmo sem ter caráter
deliberativo, abriu espaço para uma negociação acerca da flexibilização das patentes de
medicamentos destinados ao tratamento da AIDS. Também foi aprovada na ONU resolução
27
que estabelece que, para o controle da epidemia de AIDS, a prevenção e o tratamento são
indissociáveis e, ainda, que todos os esforços devem ser feitos para garantir o acesso aos
anti-retrovirais, tais como a produção de genéricos e o estabelecimento de preços mais
justos. Essa proposta, apresentada pelo Brasil, resultou de uma ampla negociação entre
Brasil, EUA, Comunidade Européia, África do Sul e Tailândia e foi aprovada por todos os
países que compõem a Comissão, com exceção dos EUA que se abstiveram de votar
(TEIXEIRA, 2003).
Na 14ª Conferência Internacional de AIDS, no ano 2002, em Barcelona, o Dr. Peter
Piot lembrou aos líderes políticos que deveriam manter suas promessas em relação ao
investimento financeiro necessário para combater a AIDS no mundo. Isso significaria
fornecer a prevenção e o tratamento em grande escala, atacar a estigmatização causada pela
doença e reforçar os meios para a obtenção de uma vacina. Em sua fala de abertura, Piot
declarou que os recursos não são negociáveis ( ANEXO A).
5.1 Política de Gênero
Neste estudo, gênero é entendido como categoria de análise das relações sociais que
conceitua a construção social dos papéis femininos e masculinos. Estes papéis estão
edificados sobre as diferenças sexuais que normatizam condutas diferenciadas para homens
e mulheres e estabelecem um conjunto de privilégios e de hierarquias nos quais a mulher
figura como subalterna em contraposição ao homem dominador. Gênero é um elemento constitutivo das relações sociais, baseado nas diferenças
percebidas entre os sexos. É uma forma primeira de significar as relações de
poder e se expressam por meio de quatro dimensões que constituem e mantêm as
relações de gênero: simbólica, normativa, organizativa e subjetiva. (SCOTT,
1990, p. 36).
A reflexão sobre as políticas de AIDS ante a feminização se situa em um campo
mais amplo, que é o da incorporação das questões de gênero na afirmação da cidadania, dos
direitos humanos e das políticas públicas no Brasil e no mundo. Pensar a situação das
mulheres, sua participação política e o impacto das políticas públicas sobre suas vidas é
uma iniciativa recente, que resulta das demandas colocadas pelo movimento feminista e
28
pelos organismos internacionais, sobretudo nas Conferências Mundiais de Mulheres,
realizadas nos seguintes locais: México, 1975; Copenhague, 1980; Nairob, 1985 e Beijing,
1995 (UNIFEM, 2006).
A principal referência no debate internacional sobre direitos humanos é a
Declaração Universal dos Direitos Humanos, de l948, que, como reflexo da situação
política do pós-guerra ante o horror do holocausto estabeleceu um patamar básico dos
direitos universais. A declaração foi formulada numa época em que as mulheres ocupavam
um papel secundário na vida econômica, política e legal. Assim, a idéia de humanidade
traduzida na declaração se constitui a partir da figura abstrata do homem branco e adulto e
reflete a desigualdade entre homens e mulheres existente nos países signatários
(PITANGUY, 2002).
Nos últimos cinqüenta anos, a emergência de um novo conceito de humanidade, no
qual a diversidade ocupe lugar central, vem se consolidando através de uma dinâmica de
disputas de âmbito internacional e nacional, em que os movimentos sociais e, em particular,
o movimento de defesa dos direitos das mulheres, se apresentam como protagonistas. A
noção de Direitos Humanos vem, ao mesmo tempo, se universalizando e adquirindo maior
especificidade ao reconhecer a diversidade da condição humana manifesta em
características como: gênero, etnia, idade e orientação sexual (PITANGUY, 2002).
Para Ávila (1992), direitos humanos, na sua origem, significam uma passagem do
dever do súdito para o direito do cidadão. Os marcos dessa conquista foram a Declaração
de Direitos dos Estados Norte-Americanos e a Revolução Francesa, quando foram
estabelecidas as bases para uma nova concepção de Estado. Os direitos, no entanto, eram
protegidos apenas no âmbito do Estado que os reconhecia. A declaração de l948 inaugurou
uma nova fase da afirmação dos direitos, que é ao mesmo tempo universal e positiva.
O conceito de cidadania, por sua vez, vem variando ao longo do tempo e se forjando
historicamente a partir de conflitos sociais que buscam alargar seu exercício com a inclusão
de novos sujeitos de direitos (AVILA, 2002). Ele é demarcado pela ação política e está
sujeito a avanços e retrocessos. Assim, o acesso dos recém-chegados implica a redefinição
do espaço político-social e do próprio conceito de cidadania, que adquire existência social
na medida em que é enunciado em normas, legislações e tratados, configurando o espaço de
cidadania formal (PITANGUY, 2002).
29
É nesse cenário de arenas políticas nacionais e internacionais, de alargamento da
cidadania e de definição do modelo de Estado onde se inscrevem os processos de
reivindicação e formulação de políticas dirigidas às mulheres, partindo do reconhecimento
da assimetria entre homens e mulheres e do baixo status destas no exercício de seus direitos
e de sua cidadania. Essa condição das mulheres e o processo de luta pela igualdade de
direitos inauguram o debate sobre vários temas (violência contra a mulher, direitos sexuais
e direitos reprodutivos) que não eram pautados na esfera pública, nem estavam presentes
nos tratados ou legislações que normatizam a vida social.
A ONU reconheceu o ano de 1975 como o ano das mulheres. Como conseqüência,
as décadas de 1980 e 1990 foram determinantes para a emergência das mulheres no debate
político sobre desenvolvimento, direitos humanos e cidadania. Tanto na esfera internacional
quanto na esfera nacional (no Brasil) alguns tratados e leis, que passaram a vigorar,
garantiram visibilidade e reconhecimento à luta das mulheres por eqüidade (PITANGUY,
2002).
No mundo, as conferências internacionais sobre mulher têm sido eventos
importantes e, nessa trajetória histórica, têm construído um panorama variado do que
seriam as discriminações sofridas pelas mulheres (VIANNA; LACERDA, 2004). A
Conferência do México, em 1975, deu visibilidade a uma realidade global de desigualdade
entre mulheres e homens, revelando os péssimos indicadores de participação política,
segurança e autonomia das mulheres em todo o mundo. Como resultado, obteve
reconhecimento global e, em 1976, aconteceu a criação do Fundo das Nações Unidas para
as Mulheres (UNIFEM). Esse organismo tem a missão de prover assistência técnica e
financeira a programas inovadores e estratégias que contribuam para assegurar os direitos
das mulheres, sua participação na política e sua segurança econômica. Após a Conferência
do México, outro instrumento significativo para as mulheres foi criado em 1979, durante a
Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher
(CEDAW), que em seu primeiro artigo define: Discriminação, toda distinção, exclusão ou restrição baseada no sexo e que tenha
por objeto ou resultado prejudicar ou anular o, reconhecimento, gozo ou exercício
pela mulher, independente de seu estado civil, com base na igualdade do homem
e da mulher, dos direitos humanos e das liberdades fundamentais no campo
30
político, econômico social, cultural e civil ou me qualquer outro campo.
(UNIFEM, 2006, p. 162).
Os países signatários11 da CEDAW se comprometeram a: Empenharem-se em modificar os padrões socioculturais12 de conduta de homens
e mulheres, com vistas a alcançar a eliminação de preconceitos e práticas
consuetudinárias e de qualquer outra índole que estejam baseadas na idéia da
inferioridade ou superioridade de qualquer dos sexos em funções estereotipadas
de qualquer dos sexos. (UNIFEM 2006, p. 165). Nas Conferências de Copenhague, em 1980, e Nairob, em 1985, foi feito o balanço
da condição da mulher a partir de 1975 e foram aprovadas as estratégias orientadas para o
seu desenvolvimento. Em Nairob, se declarou, pela primeira vez, que todos os problemas
humanos são problemas das mulheres, resultando disso um plano de ação para o
fortalecimento das mulheres nas áreas de saúde, educação, violência e trabalho (UNIFEM,
2006).
A presença das mulheres na Conferência sobre Direitos Humanos de Viena, em
l993, e Sobre População de Desenvolvimento, no Cairo em l994, resultou na reafirmação,
por parte dos Estados participantes, de que os direitos humanos são adquiridos desde o
nascimento por todos os seres humanos e que sua proteção deve ser a prioridade dos
governos. Também foram reconhecidas as especificidades dos direitos humanos das
mulheres e as obrigações dos Estados de promover e proteger esses direitos, incluindo o
direito de viver sem violência. Na Conferência do Cairo ocorreu também a consolidação do
conceito de Direitos reprodutivos13 e um amplo debate em torno dos direitos sexuais,
ambos com forte resistência dos países sob influência das religiões islâmicas e cristãs.
11 O Brasil assinou o texto da CEDAW em 1984, mas apenas parcialmente, uma vez que havia controvérsia em torno do conceito de família, e só veio a ratificá-la plenamente dez anos depois. E só apresentou seu primeiro relatório sobre a situação da mulher em 2002. Os artigos que não foram aceitos diziam respeito à igualdade de direitos entre homens e mulheres no que tange à escolha da residência (art. 15) e no âmbito do casamento e das relações familiares (art. 16). Só após a incorporação dos direitos humanos como princípio constitucional em 1988, o Brasil subscreveu integralmente a CEDAW (VIANNA; LACERDA, 2004). 12 A busca por modificar padrões socioculturais atinge a questão da família e da reprodução, destacada em outros artigos, como os que sublinham o acesso a meios de planejamento familiar e o direito de decidir livre e responsavelmente sobre o número de filhos e sobre o intervalo entre os nascimentos. Esses pontos foram retomados nas conferências do Cairo/1994 e de Beijing/1995 (VIANNA; LACERDA, 2004). 13 No texto final da Conferência, a saúde reprodutiva é caracterizada como um “estado geral de bem-estar físico, mental e social em todos os aspectos relacionados ao sistema reprodutivo” (VIANNA; LACERDA, 2004, p. 28). Portanto, traz implícito o direito de homens e mulheres obterem informações sobre meios
31
O conceito de direitos reprodutivos nasceu no início dos anos 80 como estratégia
discursiva das feministas na prática política para reivindicar garantias de igualdade,
liberdade, justiça social e dignidade no exercício da sexualidade e da função reprodutiva
(VENTURA, 2002).
No Brasil, essa idéia coincide com o início da abertura política e esteve presente na
discussão sobre as reformas necessárias para a redemocratização do país. No campo da
saúde, um dos resultados da ampla mobilização das feministas e sanitaristas na transição
democrática foi o Programa de Atenção Integral à Saúde da Mulher (PAISM), aprovado
pelo governo federal em l983. Essa proposta buscava ampliar a visão e a abordagem da
saúde da mulher para além do binômio materno-infantil, introduzindo um plano de atenção
integral à saúde da mulher em todas as fases de sua vida, incluindo o livre exercício da
sexualidade e a autonomia reprodutiva (COSTA; AQUINO, 2000).
O PAISM trouxe significativas inovações com destaque para o atendimento integral
à saúde da mulher e a inter-relação entre os níveis de governo (municipal, estadual e
federal) na sua implementação. Até então a política de atendimento centrava-se no pré-
natal, parto e puerpério, como era preconizado pelo Programa Saúde Materno-infantil
(PSMI), então estruturado de forma verticalizada e centralizada, não havendo articulação
entre os diferentes programas e os atendimentos. Essa experiência foi de grande valor para
a reforma do sistema de saúde que se consolidaria nos anos seguintes e para a introdução
dos princípios dos direitos reprodutivos que seriam incorporados na Constituição de l988 e
em leis posteriores (VIANNA; LACERDA, 2004).
No plano nacional, a década de 1980 foi significativa para a mobilização das
mulheres e suas conquistas no campo das políticas públicas. Além do PAISM, foi criado o
Conselho Nacional dos Direitos das Mulheres e abertas as primeiras delegacias especiais de
atendimento a elas, como resposta à grande pressão e às denúncias públicas sobre a
violência e a impunidade de crimes contra a mulher (VIANNA; LACERDA, 2004).
A Constituição de 1988 simboliza um marco fundamental que institui a cidadania e
os Direitos Humanos das Mulheres. O texto inaugura os princípios democráticos, rompendo
com o regime militar em vigor na época, e expressa a presença das mulheres no processo de
seguros de regulação da fecundidade e a eles terem acesso. A atenção à saúde, por sua vez, incluiria a saúde sexual, introduzindo, desse modo, a sexualidade no conjunto dos direitos humanos.
32
redemocratização e suas reivindicações de igualdade e de políticas públicas que atendessem
às suas necessidades. Como afirma Pitanguy: A constituição de 88 é o marco político-institucional e jurídico que reordenou
todo o sistema brasileiro e impôs a adequação das normas legais aos parâmetros
dos direitos humanos e vai representar um importante instrumento de expressão
das mulheres enquanto sujeito de direito que resulta da sua presença como
segmento importante do movimento pela redemocratização e de um intenso
diálogo do movimento feminista e do Conselho Nacional dos Direitos das
Mulheres junto aos deputados e deputadas da comissão constituinte. Nela está
estabelecida a igualdade entre homens e mulheres como direito fundamental e o
princípio da igualdade na sociedade conjugal que, entre outras mudanças, vai
alterar o Código Civil (Lei 10.406, de 10/01/2002). (PITANGUY, 2006, p. 46).
O conceito de direito à saúde também é ampliado no texto constitucional. Além de
definir a saúde como direito de todos e dever do Estado, a Constituição afirma os
princípios de igualdade de gênero presentes em leis que a sucederam, visando coibir a
discriminação relacionada com o sexo ou a reprodução. As premissas básicas que vêm
permitindo avanços no campo dos direitos reprodutivos estão expressas nos dispositivos
constitucionais que dizem respeito à vida digna, à integridade física e psicológica e à
igualdade de direitos e deveres entre homens e mulheres (PITANGUY, 2006).
As Leis 8.212/91 e 8.861/91 ampliaram a proteção à maternidade; a primeira
assegurando o salário maternidade às beneficiárias da previdência; a segunda ampliando os
benefícios às mulheres que ainda não haviam sido contempladas e garantindo a licença
paternidade fixada em cinco dias e sem direitos previdenciários.
No que concerne aos direitos reprodutivos muitos avanços têm sido alcançados,
como a Lei 9.029/95, que proíbe a exigência de atestado de gravidez e esterilização para
efeitos de admissão ou permanência no trabalho, ou a indução de esterilização, ou controle
da maternidade, inclusive estabelecendo pena. Outra conquista importante foi a Lei 9.263
de 1996 (ANEXO H), que estabelece a obrigatoriedade de o Estado proporcionar recursos
educacionais e científicos para o exercício da regulação da fertilidade livre de coerção,
conhecida como direito ao planejamento familiar. Ela também estabelece um elenco de
obrigações do Estado no atendimento à gestante e à criança no Sistema Único de Saúde.
Nela figuram ainda o controle das DST, a prevenção dos cânceres de colo de útero, de
33
mama e de pênis. Esta lei tem importância estratégica para a política de prevenção das
DST/AIDS.
No plano regional a ratificação, em l995, da Convenção Interamericana para
Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (Convenção de Belém do
Pará/1994) representou importante avanço para a conceituação do que é violência contra a
mulher com a politização da dicotomia público/privado. Em seu primeiro artigo define: [...] se deve entender sobre violência contra a mulher qualquer ação ou conduta,
baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou
psicológico a mulher, tanto no âmbito público quanto no privado. (VIANNA;
LACERDA, 2004, p. 38).
No artigo seguinte define que é violência mesmo aquela [...] ocorrida dentro da família, ou unidade doméstica, ou em qualquer outra
relação interpessoal, compreendendo, entre outros, estupro, violação, maus tratos
e abuso sexual. (VIANNA; LACERDA, 2004, p. 39).
Ou ainda, se for [..] perpetrada por qualquer pessoa e que compreenda entre outros, violação,
abuso sexual, tortura, maus tratos, trafico de mulheres, prostituição forçada,
seqüestro e assedio sexual no lugar de trabalho [...] instituições educacionais,
estabelecimento de saúde (§2) [...] que seja perpetrado ou tolerado pelo Estado ou
seus agentes (§3). (VIANNA; LACERDA, 2004, p. 41).
A 4ª Conferência Mundial sobre a Mulher, realizada em Beijing, construiu um
panorama situacional das mulheres no mundo, mapeando as áreas de saúde, direitos
reprodutivos e sexuais, pobreza, acesso à educação, violência, poder e participação política,
caracterizadas como de grande vulnerabilidade para as mulheres. Expressando situações
variadas relacionadas com os aspectos culturais religiosos e econômicos de cada país, os
relatórios levantados pelos Estados participantes da Conferência revelavam a assimetria
persistente em razão de gênero. Foram questões ali debatidas: os altos índices tanto de
violação dos direitos das mulheres quanto de mortalidade materna e sua relação com o
aborto clandestino, a disseminação da AIDS nas mulheres e sua relação com as
desigualdades de poder, a desvalorização do trabalho das mulheres, a baixa representação
34
nas instâncias de poder, o baixo acesso à educação formal e, por fim, a vulnerabilidade das
mulheres jovens.14
A Conferência de Beijing deu prosseguimento aos avanços conquistados nas
conferências anteriores. Entre outros consagrou a relação entre direitos e sexualidade
incluída no texto final: Os direitos humanos das mulheres incluem seu direito a ter controle sobre
aspectos relativos à sexualidade, incluída sua saúde sexual e reprodutiva, e
decidir livremente a respeito dessas questões, sem estarem sujeitas à coerção,
discriminação ou violência. (VIANNA; LACERDA, 2004, p. 18).
.As Conferências do Cairo e de Beijing formalizaram uma posição sobre o aborto,
afirmando que “[...] em nenhuma circunstância o aborto deve ser tomado como um método
de planejamento familiar” e o definem “[...] como um problema crucial da saúde pública”
(VIANNA; LACERDA, 2004, p. 19) cuja redução se dará com a ampliação da melhoria
dos serviços de planejamento familiar e com o tratamento humanizado às mulheres que
abortam.
O texto final da 4ª Conferência recomenda que os países signatários revisem suas
legislações punitivas das mulheres que interrompem voluntariamente a gravidez. Tanto na
Conferência do Cairo quanto na de Beijing a educação mereceu consideração destacada por
seu papel no processo de capacitação das pessoas, sobretudo das mulheres, para decidirem
livremente sobre as condições em que a reprodução pode ou não se realizar e por sua
função formadora no combate à AIDS. A preocupação com “[...] o acesso à informação e
orientação sobre uma conduta sexual responsável” (VIANNA; LACERDA, 2004, p. 30)
aparece como um dos compromissos a serem assumidos pelos programas de saúde, assim
como o acesso a tratamentos para os casos de AIDS e de outros que envolvam a saúde
reprodutiva.
No plano nacional, embora desde os anos 90 o tema da epidemia da AIDS e seu
impacto sobre as mulheres venha sendo incorporado ao debate das organizações do
movimento de mulheres e sendo utilizado como lema de campanhas de prevenção, as
iniciativas mais diretas só foram tomadas recentemente. Em 2003, a Portaria nº 822
(ANEXO M) determinou a inclusão do preservativo feminino nos programas e que o SUS
14 Nos países mulçumanos as mulheres ocupam uma posição de grande inferioridade. Em alguns países admite- prática da mutilação clitoriana e a pena de morte por infidelidade ou homossexualidade.
35
passasse a cobrir os custos da redução da transmissão do HIV da gestante para o nascituro
(VIANNA; LACERDA, 2004).
Segundo a avaliação feita pelo Programa Nacional de DST/AIDS do Ministério da
Saúde, o alto custo do preservativo feminino impossibilita sua inclusão como recurso de
prevenção a ser usado amplamente pela população de mulheres. Para distribuir o
preservativo feminino, o programa definiu alguns critérios: priorizar mulheres mais
vulneráveis a pressões dos parceiros por estarem sujeitas a situações de desigualdade social,
de gênero, de distribuição e de acesso a recursos, além de situações de violência sexual e/ou
doméstica e dificuldades de acesso aos meios de prevenção. Assim, o preservativo feminino
passou a ser distribuído para profissionais do sexo, mulheres em situação de violência,
portadoras de HIV, usuárias de drogas e parceiras de usuários de drogas, nos Serviços de
Assistência Especializada (SAE), Serviços de Saúde da Mulher, Programas de Atenção à
Mulher Vítima de Violência e Organizações da Sociedade Civil (OSC), conforme definiu o
documento Estratégias e diretrizes para a prevenção das DST/AIDS entre as mulheres
(ANEXO N).
Em relação à transmissão vertical do HIV, até o ano de 2001 somente 40% das
17.000 gestantes infectadas pelo HIV, estimadas no Brasil, haviam sido detectadas, as quais
tiveram seu tratamento garantido embora ainda de forma muito heterogênea nas várias
regiões. Considerando-se que os maiores obstáculos para ampliar essa cobertura têm sido a
dificuldade de acesso a um pré-natal de qualidade e a falta de infra-estrutura de saúde local,
iniciou-se o planejamento de atividades emergenciais.
Em 2002, foi implantado o Projeto Nascer-Maternidades, conforme a Portaria nº
2.104 (ANEXO L), como uma das estratégias para reduzir a transmissão vertical. As
parturientes passaram a ser testadas em maternidades dos 166 municípios brasileiros nos
quais é maior essa prevalência (BRASIL, 2003).
A trajetória das regulações internacionais relativas aos direitos das mulheres parece
caminhar, inicialmente, na direção de garantir os direitos reprodutivos relativos à
maternidade, os direitos políticos e direito ao casamento sem coação. Em sua evolução
deve caminhar para um plano mais abrangente que inclua a sexualidade, considerada a
partir da reprodução mas não integralmente vinculada a ela, e uma variedade de
36
preocupações relativas à violação de direitos e a constrangimentos motivados por
discriminação de gênero (VIANNA; LACERDA, 2004).
Os avanços na legalização dos direitos humanos das mulheres acontecem em
disputa com os valores morais mais conservadores, entre os quais o modelo de família,
usualmente representada como base da sociedade, e os tabus em torno da sexualidade. Sua
articulação com a epidemia da AIDS, cuja política também se desenvolve no âmbito dos
direitos humanos, parece apontar para questões similares que são estruturantes das relações
desiguais de poder.
A vulnerabilidade ao HIV e à AIDS, compreendida como social, política e
economicamente estruturada, mantida e organizada, cada vez mais é vista de forma
conectada às questões de desigualdade e injustiças sociais e econômicas. Essa compreensão
tem nos levado a reexaminar a dinâmica do poder, seja no nível das relações sexuais e de
gênero, seja no nível das estruturas e processos globais. Onde quer que a epidemia se
manifeste ela revela estruturas de divisão e desigualdades sociais. Quer sejam as formas de
opressão sexual e de discriminação associadas a gays, profissionais do sexo e usuários de
drogas, quer sejam as relações desiguais de poder entre homens e mulheres que têm sido
associadas à expansão da infecção pelo HIV entre mulheres ou, ainda, as injustiças
econômicas associadas à expansão da epidemia entre os pobres. Tanto nos países
desenvolvidos quanto nos subdesenvolvidos opressão e desigualdade têm sido a força mais
poderosa na definição da epidemia (FARMER, 1999; FARMER; CONNORS; SIMMONS,
1992; PARKER; GALVÃO, 1996; SINGER, 1997).
6 A AIDS NO BRASIL
A remontagem do cenário da chegada da AIDS no Brasil nos remete ao período
compreendido entre meados da década de 1970 até 1982, ano em que foi identificado o
primeiro caso de AIDS no Brasil. Naquele momento o conhecimento público e
institucional sobre a AIDS se inseriu numa nova realidade política e social do país,
conforme observa Marques (2002):
37
Em meados da década de 1970, o fortalecimento e a intensificação de uma
pressão social por mudanças políticas no país, representada no campo da saúde
pelo movimento de reforma sanitária, e as articulações de forças democráticas
que ocuparam posteriormente importantes posições de poder, essenciais na
configuração da mudança da assistência à saúde no Brasil, foram os fatores que,
ao se articularem nesse período, estabeleceram o cenário inicial para a construção
das respostas políticas à epidemia. (MARQUES, 2002, p. 66).
Entre 1979 e 1982, a divisão interna do bloco político de apoio ao regime militar
abriu uma espaço para o avanço das forças políticas de oposição. Nesse período, a crise
econômica transformou-se, qualitativamente, na crise política do regime militar no Brasil
(FIORI; KORNIS, 1994).
Depois de anos de apatia, a sociedade brasileira retornava às ruas para o exercício
da mobilização pública. O movimento sindical que daria origem ao Partido dos
Trabalhadores (PT) vivia seus anos áureos. O dia do trabalhador era celebrado pelas
organizações sindicais e reunia multidões em shows que resgatavam o hino contra a
ditadura Para não dizer que não falei das flores. As greves de operários paulistas
repercutiram nacional e internacionalmente, a mobilização contra a carestia também
ganhou as ruas e o movimento pelas “diretas já” levou multidões às praças para reivindicar
o voto direto para a escolha do presidente. Enfim, inúmeras forças sociais empreenderam
uma luta política, formando um bloco expressivo para exigir do governo militar mudanças
estruturais importantes. A sociedade brasileira mobilizou-se em vários grupos a favor da
democratização (GERSCHMAN, 1995).
No início da década de 1980, alguns costumes e temas tabus começaram a ser
tratados na mídia. Dois programas televisivos sintetizaram esta fase. O primeiro, Malu
Mulher, tratava de temas referentes às discriminações sofridas pelas mulheres. O segundo,
TV Mulher, era composto de dois quadros revolucionários: um sobre sexualidade,
apresentado pela sexóloga Marta Suplicy, e o quadro de humor feito pelo cartunista Henfil,
que fazia uma crítica permanente ao regime militar.
O final da ditadura militar e o retorno do regime civil, no início da década de 1980,
foram marcados por um aumento importante do número de organizações não-
governamentais, com objetivos diversos: a reforma agrária, a igualdade racial, a saúde da
mulher e a ecologia. Essas questões diversas estavam interligadas, acima de tudo, por uma
38
preocupação compartilhada com o papel da sociedade civil na defesa do processo
democrático, dos valores da cidadania e da preservação dos direitos humanos básicos
(PARKER, 1994).
É nesse cenário que a AIDS chega ao Brasil. O primeiro caso, oficialmente
registrado, ocorreu em julho de 1982. Outros foram surgindo e sempre identificados em
homens com práticas homo e bissexuais, com nível de escolaridade superior e médio. Em
1983, registrou-se o primeiro óbito por AIDS e o primeiro caso de AIDS em uma mulher.15
Mais tarde, um estudo retrospectivo indicou uma ocorrência de AIDS em São Paulo, ainda
em 1980, ano que passou a ser referido em todas as análises epidemiológicas sobre o HIV
no Brasil como o marco inicial (GRANGEIRO, 1994).
No Brasil, como nos Estados Unidos, ocorria a associação da AIDS com os grupos
de risco (homossexuais, usuários de drogas injetáveis e prostitutas). Perpetuava-se no
imaginário social a incompreensão de quem estava em risco e quem não estava, como se
uma doença pudesse ter preferência sexual, social ou étnica (MARTIN, 1994).
Esses grupos populacionais, tidos como minorias, já eram estigmatizados e sofriam
discriminações. Com a epidemia, acompanhada do conceito de grupo de risco, passaram a
ser vistos como principais responsáveis por sua disseminação. A epidemiologia foi um
pretexto para reforçar a divisão social e os maus-tratos aos referidos grupos
(MICHALIZEN, 1999).
Se por um lado a AIDS provocou os mais arbitrários julgamentos de valor, por outro
possibilitou as mais diversas respostas de pessoas, entidades e grupos organizados da
sociedade civil, que se mobilizaram em defesa dos direitos das pessoas infectadas pelo HIV
e com AIDS. Essa mobilização, gerada por diferentes atores sociais, reavivou conceitos e
expressões que se julgavam perdidos entre as décadas de 1960 e 1970: militante/militância;
ativista/ativismo (GALVÃO, 1994).
A relevância da mobilização da sociedade civil é reconhecida por Paulo Roberto
Teixeira em 2004, quando afirma: “As ONGs foram o primeiro passo para a criação dos
programas e a organização da resposta nacional” (TEIXEIRA, 2004 apud CASTRO;
SILVA, 2005, p. 54).
15 Já se observava ocorrência precoce de casos dissociados do padrão social epidemiológico dominante e não eram relevados. (op. Cit.:97 in Lima 2002).
39
A mobilização e a organização social foram determinantes para a definição das
estratégias de enfrentamento da AIDS, estruturadas sobretudo para a construção dos
princípios éticos e políticos de solidariedade, diversidade, direitos e cidadania de forma
articulada. Embora a mídia e os noticiários internacionais dêem ênfase ao Programa
Nacional de DST/AIDS, quando se trata da resposta brasileira à AIDS, qualquer pessoa
mais envolvida na construção coletiva sabe claramente que o programa é resultado de uma
mobilização muito mais ampla da sociedade brasileira (CASTRO; SILVA, 2005).
Merece registro como marco dessa mobilização o surgimento de Organizações Não-
Governamentais (ONG) direcionadas, prioritariamente, ao trabalho com AIDS. Em l985,
surgiu, em São Paulo, o Grupo de Apoio e Prevenção à AIDS, cujo principal objetivo era
atendimento e apoio ao portador e orientação aos familiares. Em 1986, nasceu, no Rio de
Janeiro, a Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS, com o fim de desenvolver
estudos pesquisas e intervenções relevantes. Em 2003, a estimativa era de que já existiam
cerca de 2.000 organizações com atuação voltada para a AIDS (TEIXEIRA, 1997).
Nos primeiros anos, a epidemia se expandia velozmente. Em São Paulo, no Rio de
Janeiro e no Rio Grande do Sul, os casos já atingiam o dobro; em outros estados da
federação também eram registrados casos da doença. A partir do final da década de 1980,
observou-se a disseminação da doença para várias regiões. Apesar de ter registro em todos
os estados, dados do Boletim Epidemiológico AIDS (BRASIL, 1999) mostram que a
epidemia não se distribuiu de forma homogênea, observando-se maior concentração de
casos nas regiões Sudeste e Sul.
Conforme reflexão de Szwarcwald, Hoje o que denominamos de epidemia de AIDS no Brasil é de fato o somatório
de subepidemias microrregionais em interação permanente, devido aos
movimentos migratórios, aos fluxos comerciais e de transporte, aos
deslocamentos de mão-de- obra, ao turismo, ou seja, de forma mais geral à
mobilidade da população. (BRASIL, 2004a, p. 21) .
No final dos anos 80 e início dos anos 90, embora ainda atingisse, basicamente, as
regiões metropolitanas e cidades de tamanho médio (200 a 500 mil habitantes), a epidemia
se expandiu para todos os estados brasileiros e o número de casos notificados aumentou
rapidamente. Segundo dados do Ministério da Saúde, a velocidade de crescimento da
epidemia no país foi de, aproximadamente, 36% ao ano, no período de 1987 a 1996. Apesar
40
de apresentar as maiores taxas de incidência, a região Sudeste é a que, atualmente,
evidencia o menor ritmo de crescimento e a maior tendência à estabilidade (BRASIL,
2000).
Ficou evidente que o maior ritmo de crescimento ocorria em municípios pequenos,
com menos de 50.000 habitantes. O fato indica que, nesses municípios, a epidemia estava
ainda na fase inicial da expansão (BRASIL, 2004a).
Em l987, alterou-se o perfil epidemiológico da AIDS. Entre as ocorrências
notificadas, dois terços foram em mulheres com baixa ou nenhuma escolaridade, em
contraposição ao início da epidemia quando predominavam os casos em pacientes
masculinos de nível superior ou segundo grau. Já então se percebia a interiorização, a
feminização e a pauperização que hoje marca o perfil epidemiológico da AIDS no Brasil
(LIMA, 2002).
No entanto, foi apenas no início dos anos 90 que a mudança de perfil da epidemia e o
crescimento da transmissão por via heterossexual ganharam visibilidade,
concomitantemente ao reconhecimento internacional. Sobre essa distância entre os dados
epidemiológicos e o reconhecimento de sua existência, alguns autores refletem que a
caracterização científica e a construção simbólica sobre a epidemia foram marcadas por
representações errôneas e preconceituosas, tanto em relação aos homossexuais quanto em
relação às mulheres. Mesmo com as evidências acumuladas de que a transmissão do HIV
podia ser heterossexual, os discursos científico e popular continuaram, até recentemente, a
excluir as mulheres da epidemia, apesar da dramática situação da África, onde as taxas de
infecção de mulheres já era igual à de homens (CAROVANO, 1991; GUIMARÃES,1992;
RAMOS, 1992; TREICHLER, 1988).
Como importante conseqüência da disseminação entre as mulheres, o número de
crianças infectadas pela transmissão vertical do HIV aumentou substancialmente. Merecem
estudos as conseqüências da expansão da feminização da epidemia nas regiões Norte e
Nordeste.
41
6.1 Políticas públicas relativas à AIDS no Brasil
O conhecimento público da AIDS no Brasil chegou pela imprensa, que repercutiu
quase imediatamente os noticiários veiculados nos EUA em 1981. Antes que se registrasse
qualquer caso da nova doença em solo brasileiro, a epidemia de significados já se alastrava
em nosso meio.
Na esteira de uma crise econômica que lhe minava cada vez mais a legitimidade, o
regime militar abrandava progressivamente seu controle sobre o processo político e
organizações da sociedade civil começavam a emergir e a ocupar importantes espaços
políticos (CHEQUER, 2005).
Em 1982, nas eleições diretas para os governos estaduais, a vitória da oposição nos
principais estados brasileiros abriu espaço para que representações das forças sociais
ocupassem posições estratégicas nos setores decisórios do cenário político do país. Embora
essa nova realidade ainda estivesse circunscrita a alguns estados brasileiros, esse fato foi
fundamental para a discussão e implantação de políticas públicas reformadoras. Também
foi decisivo para a implantação de programas de saúde com base nos princípios norteadores
do projeto já então delineado pelo movimento sanitário brasileiro. Tais princípios eram:
eqüidade, universalidade e saúde como um direito de todos e dever do Estado (MARQUES,
2002).
Marques (2002) e Chequer (2005) comentam aquele momento: Ao se articularem, os crescentes movimentos sociais, os princípios e diretrizes
que marcaram, ainda que com dificuldade de implantação, uma mudança de
sistema de saúde no Brasil, e o início do processo de redemocratização, formaram
o pano de fundo para que os sujeitos dessa história dessem início à construção da
política de enfrentamento à AIDS/HIV no país. (MARQUES, 2002, p. 68).
Em 1982, na primeira eleição direta para governador em anos, a oposição
conquista estados significativos da Federação; em alguns destes, guindados às
secretarias estaduais de saúde, participantes do movimento da reforma sanitária
iniciam experiências institucionais de integração entre as várias esferas da
atenção à saúde, à época separada entre secretarias estaduais e municipais de
saúde, e no nível federal divididas entre a assistência ligada à previdência e
42
assistência social e o Ministério da Saúde. Surgem as Ações Integradas em
Saúde, ensaio do que viria a ser futuramente o SUS. (CHEQUER, 2005, p. 5). As primeiras estratégias de enfrentamento da AIDS no Brasil - que ajudaram a
estruturar a política nacional de combate à AIDS - ocorreram concomitantemente à
efervescência do movimento sanitarista brasileiro, cujo marco é a 8ª Conferência Nacional
de Saúde, realizada em 1986. Nesta conferência foi consolidada a proposta do Sistema
Único de Saúde, com uma política voltada para os interesses populares, tendo como
princípios a universalidade, a integralidade, a eqüidade, a regionalização e a hierarquização.
O Sistema Único de Saúde, universal no acesso, igualitário no atendimento
assistencial e equânime na distribuição dos recursos, foi estruturado na Constituição
Federal de l988, que contempla a saúde como um direito social e dever do Estado. Assim
determina a Carta Magna: Art.196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante
políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros
agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua
promoção, proteção e recuperação.
Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede
regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de
acordo com as seguintes diretrizes:
I – descentralização, com direção única em cada esfera de governo;
II – atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem
prejuízo dos serviços assistenciais;
II - participação da comunidade.
Parágrafo único. O sistema único de saúde será financiado, nos termos do art.
195, com recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes. (BRASIL, 1988, p.
133). Segundo o texto legal, a organização do SUS deve obedecer às seguintes diretrizes:
descentralização com a fixação das direções pelas três esferas de governo (federal, estadual
e municipal); atendimento integral que compatibilize as atividades preventivas com as
assistenciais e participação da comunidade, definida como controle social (no sentido
daquele controle exercido pela sociedade) (COHN; ELIAS, 2001).
No estado de São Paulo, durante o governo de Franco Montoro em l982, foram
identificados os primeiros casos de AIDS. Também lá tiveram início as primeiras ações de
43
governo com o fim de enfrentar a nova doença. Os motivos desse pioneirismo são referidos
na historiografia da epidemia como sendo: o surgimento dos primeiros casos e o
significante crescimento do número deles; a presença de profissionais identificados com os
princípios da reforma sanitária na Secretaria da Saúde e em outros cargos estratégicos no
âmbito da saúde pública; as pressões sociais exercidas pelos grupos classificados como os
mais vulneráveis à contaminação (CAMARGO, 1999; GALVÃO, 2000; TEIXEIRA,
1997).
No ano de 1983, militantes do movimento pelos direitos dos homossexuais do
estado de São Paulo cobraram uma posição da Secretaria de Estado da Saúde (SES) diante
da ocorrência dos casos de AIDS que eram veiculados pela mídia e que geravam
preocupação e inquietação. Em resposta, a Secretaria constituiu um grupo de trabalho
formado por técnicos de diferente áreas da instituição, dentre eles médicos sanitaristas,
infectologistas, especialistas em laboratório e técnicos da área social sob a coordenação da
Divisão de Hansenologia e Dermatologia Sanitária do Instituto de Saúde (DHDS), que na
época era responsável pela estruturação de um serviço de doenças sexualmente
transmissíveis (TEIXEIRA, 1997).
As principais conclusões e propostas de atuação16 sugeridas por esse grupo de
trabalho foram todas acatadas e postas em prática pela Secretaria de Estado da Saúde,
constituindo-se no primeiro marco político adotado pelo Estado brasileiro, que mais tarde
iria influenciar decisivamente a maioria das posições públicas assumidas pelo país. Naquele
16 Segue os trechos mais importantes do documento: Em nossas atividades pudemos constatar que, apesar de termos recebido oficialmente apenas duas notificações, a existência de diversos casos diagnosticados em nosso estado foi intensamente veiculada pela imprensa, ocasionando um clima de inquietação a até mesmo de pânico em determinados grupos da população, Desta forma, para que a Secretaria de Saúde possa dar uma resposta imediata ao problema, ... , propomos os seguintes procedimentos: 1- Designar a Divisão de Hanseníase e Dermatologia Sanitária do Instituto de Saúde para coordenar as atividades de diagnostico, controle, orientação e tratamento dos casos de AIDS; 2-Estabelecer como Centro para diagnóstico, controle e conduta dos casos de AIDS a Seção de Elucidação Diagnostica da Divisão de Hanseníase e Dermatologia Sanitária , que já inclui em suas atividades o diagnostico e tratamento de Doenças Sexualmente Transmissíveis;3-Com base na lei 6959, estabelecer a Notificação Compulsória, pelos serviços e profissionais de saúde, com investigação epidemiológica, dos casos suspeitos e diagnosticados , conforme procedimento em anexo, uma vez que a AIDS se constitui em agravo inusitado à saúde em nosso estado;4-Envio de Informe Técnico, a classe médica e aos Serviços de Saúde; 5- Distribuição de Informativo á população em geral, através dos serviços de saúde e, com o objetivo de atingir os grupos considerados de maior risco, contar com a participação de elementos desta comunidade; 6- instalação de uma linha telefônica, para informações e orientações ao público; 7 – divulgação da providencias tomadas à imprensa em geral e especializada; 12 – Estudar a possibilidade de estabelecer um convenio entre a Secretaria de saúde e a OPAS, visando um estudo colaborativo através da troca de material e intercambio. (Teixeira, 1997).
44
momento se constituíram os referenciais éticos e políticos predominantes no discurso
oficial brasileiro (TEIXEIRA, 1997).
Sobre isso escreve Marques (2002): É importante ressaltar que o papel pioneiro do estado de São Paulo nas respostas
à AIDS/HIV vai além do fato de ter sido o primeiro a ter um programa estadual
oficializado contra a epidemia. Ao serem definidos os referenciais éticos e
políticos comprometidos com um pensamento social em saúde e que foram
norteadores do discurso e de diretrizes do programa contra a AIDS/HIV, estava
referendado o caminho para a pressão política no encaminhamento desses
referenciais, entre os quais a participação popular, que foi fundamental no alcance
progressivo das conquistas nesse enfrentamento. Este pode ter sido o efetivo
avanço no estabelecimento do primeiro referencial político para uma ação contra
a AIDS no período inicial: garantir que o ideário político do direito à saúde
estivesse instalado, ao menos nas propostas oficializadas nos programas
estaduais. (MARQUES, 2002, p. 55).
Quase que paralelamente aos primeiros casos diagnosticados em São Paulo, a AIDS
também ocorria em outros estados brasileiros. O Rio de Janeiro, desde o início da epidemia
no Brasil, apresentava-se como o segundo estado em número de casos. Essa realidade
requeria uma resposta ao problema por parte do Estado. As respostas iniciais à epidemia
foram diferentes nos diversos estados brasileiros, conforme as possibilidades políticas
existente no período, no setor da saúde.
A partir de l985, surgiram as primeiras organizações não-governamentais dedicadas
especificamente a este tema: o Grupo de Apoio à Prevenção à AIDS (GAPA), criado em
São Paulo, em 1985, e a Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS (ABIA), fundada
no Rio de Janeiro por Herbert de Souza, o Betinho, que levou a luta contra a AIDS no
Brasil para um novo patamar (TEIXEIRA, 1997).
Somente em 1985, quando já haviam sido detectados centenas de casos de AIDS no
país, o Ministério da Saúde veio a público reconhecer a gravidade do problema para a saúde
pública brasileira. No dia 2 de maio daquele mesmo ano, o então Ministro da Saúde, Carlos
Corrêa de Meneses Sant'Anna, criou o Programa Nacional de DST/AIDS e estabeleceu as
primeiras diretrizes e normas para o enfrentamento da epidemia no país, assumindo a AIDS
como um problema emergente de saúde pública, através da Portaria nº 236 (ANEXO B).
45
O Programa Nacional de DST/AIDS estava subordinado à Divisão de Dermatologia
Sanitária do Ministério da Saúde e deveria promover a vigilância epidemiológica, a
assistência médica e a divulgação de mensagens de alerta e não-discriminação. Mas é em
1986 que, efetivamente, têm início suas ações com a elaboração de normas técnicas e a
formulação de políticas públicas, nas quais são incluídas as DST. O orçamento inicial
declarado era de U$ 30 milhões e a equipe era composta de 30 pessoas (LIMA, 2002).
Sob a coordenação da Dra. Lair Guerra de Macedo Rodrigues, o Programa Nacional
de DST/AIDS, segundo o que foi estabelecido na Portaria nº 726/1985 (ANEXO C), nasceu
articulado ao debate internacional e em diálogo com os segmentos sociais mobilizados pela
epidemia. Em l986, foi criada, através da Portaria nº 199 (ANEXO D), a Comissão
Nacional de AIDS (CN/AIDS), que reunia representantes da comunidade científica e da
sociedade civil organizada. Nesse ano, a AIDS foi incluída na relação de doenças de
notificação compulsória no país, pela Portaria nº 1.100 (ANEXO I).
No mesmo ano foi firmado o convênio entre o Sistema Único e Descentralizado de
Saúde (SUDS), hoje denominado Sistema Único de Saúde (SUS), e a Fundação Pró-
Sangue, que incluía a criação da Coordenadoria Estadual de Sangue (CES) no Rio de
Janeiro. O número de pacientes hemofílicos que contraíam o vírus se intensificara e o fato
exigia ação eficaz para promover a necessária redução. Nessa época 11 estados já haviam
organizado serviços para o enfrentamento da epidemia, nos moldes dos esforços
desenvolvidos pelo estado de São Paulo. Muitas das experiências daí derivadas serviriam
de substrato para a definição das estratégias nacionais nesse primeiro período. Seria
possível resumir assim essas estratégias: informação, testagem/aconselhamento e ações
focalizadas nos grupos considerados em maior risco de infecção por HIV/AIDS, visando à
mudança de comportamento (SPINK,1999).
Ante a gravidade da transmissão do HIV por via sanguínea, surgiram fortes pressões
políticas da sociedade civil organizada, as quais terminaram por determinar resposta
governamental. Estava à frente do movimento o sociólogo Herbert de Souza, o Betinho,
portador de hemofilia.
Ainda em l986, pressionada pela altíssima taxa de infecção entre hemofílicos (cerca
de 90%) e pessoas que haviam recebido transfusão de sangue contaminado, a Secretaria de
Estado da Saúde de São Paulo adotou uma medida fundamental para o controle da doença:
46
estabeleceu por lei a obrigatoriedade de testes sorológicos para detecção de HIV no sangue
e derivados em todos os hospitais, bancos de sangue, maternidades e centros
hemoterápicos. Contudo, foi apenas em l987 que o Ministério da Saúde elaborou o Plano
Nacional de Sangue e hemoderivados (PLANASHE), tornando obrigatória a testagem do
vírus HIV nos bancos de sangue de todo o país. Na introdução do documento, lê-se: A natureza pandêmica da AIDS e a conseqüente mobilização emocional que tem
provocado em todo o mundo reanimaram nas autoridades sanitárias brasileiras a
preocupação com as patologias transmitidas pelo sangue. (LIMA, 2002, p. 8)
Em 1987, o teste Elisa chegou ao Brasil e, logo depois, foram criados, em São Paulo
e no Rio Grande do Sul, os primeiros Centros de Orientação e Apoio Sorológico (COAS).
Nos anos seguintes foi estimulada a implantação desses serviços em todo o país. Os
Centros de Testagem e Aconselhamento (CTA) foram implementados no país em 1988,
dando continuidade às ações dos COAS e garantindo à população o acesso à sorologia para
o HIV, de modo confidencial, anônimo, gratuito e acompanhado de aconselhamento pré e
pós-teste.
A instituição do Dia Mundial de Luta contra a AIDS, pela Organização Mundial de
Saúde, fez parte de uma uma estratégia de mobilização, conscientização e prevenção em
escala global e a data passou a ser observada também no Brasil, tornando-se mote para o
lançamento de informações e campanhas educativas.
O ano de 1988 foi marcante para a saúde no país, em razão da promulgação da
Constituição e da criação do Sistema Único de Saúde (SUS). Consolidou-se o Programa
Nacional de DST/AIDS e teve início o fornecimento de medicamentos para profilaxia e
tratamento das infecções oportunistas. Nesse mesmo ano foi aprovada a Lei 7.670 que
extende às pessoas com AIDS os benefícios já previstos para os portadores de doenças
incapacitantes ou terminais: pensão especial, auxílio-doença, aposentadoria e retirada
integral do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) (TEIXEIRA, 1997).
Em 1988 a Constituição Federal proibiu a comercialização de sangue e produtos
derivados e, em 1989, o Congresso Nacional aprovou lei exigindo que todos os doadores de
sangue fossem registrados e que fosse feita a testagem anti-HIV obrigatoriamente.
Entretanto, a falta de poder das sanções legais em âmbito local e os fracassos da
47
implementação de qualquer tipo de aparato regulador oficial impediram a garantia de testes
eficazes (PARKER, l994).
Veio, em seguida, a lei normalizadora dos padrões técnicos adotados pelos bancos
de sangue (ANEXO F) em relação a coleta, processamento e transfusão de sangue,
componentes e derivados, pela qual passou a ser exigida, obrigatoriamente, a testagem do
sangue para a detecção de anticorpos anti-HIV. Sobre o controle dos suprimentos de
sangue, ainda hoje se suspeita da existência de municípios que não possuem aparato ou
organização suficiente para garantir um controle meticuloso.
Em 1988, a Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo firmou convênio com 32
laboratórios de sorologia para testagem obrigatória para HIV. Foram feitas as primeiras
propostas de intervenção entre usuários de drogas injetáveis (UDI), como a troca de
seringas, e no Rio de Janeiro foi criado o Programa Estadual de Sangue e Hemoderivados
(PROESAH).
O primeiro Boletim Epidemiológico de AIDS, editado em 1987, apontava um total
de 1.906 casos de 1982 a 1987. Entretanto, o número de casos foi sendo alterado por
análises retroativas, em razão de atualizações variadas e de mudanças no critério de
classificação de casos, por exemplo, a inclusão do critério óbito. Novas informações da
Unidade de Epidemiologia do Programa Nacional de DST/AIDS indicam para o período de
1982 a 1987, a notificação de 3.386 casos. Nesses anos iniciais não havia informações
precisas sobre o número de casos que estavam ocorrendo e as notícias ficavam por conta da
mídia que, na maioria das vezes, se mostrava preconceituosa e sensacionalista (BRASIL,
2000).
Em 1989, foi elaborado outro critério de definição de casos de AIDS, validado no
Rio de Janeiro e recomendado em reunião organizada pela OPAS em Caracas, na
Venezuela. Diferentemente da definição anterior, que considerava apenas os indivíduos
maiores de 15 anos de idade, esta passou a considerar indivíduos de 13 anos ou mais. Esse
novo critério, no entanto, só foi publicado em 1992, em documento intitulado Rio de
Janeiro/Caracas (BRASIL, 1999).
Na era Collor (1990 a 1992), as medidas tomadas revelaram-se ineficazes em
relação à contenção da epidemia e cruéis em relação ao tratamento. O governo rompeu com
as organizações da sociedade civil e os boletins epidemiológicos foram extintos. Com a
48
demissão da coordenadora Lair Guerra o substituto, nomeado pelo Ministro da Saúde
Alceni Guerra, foi o médico Eduardo Cortes.
A trajetória deste ministro merece destaque: pautou-se pelo total esvaziamento dos
fundos, dos meios de atuação da Divisão de DST e AIDS e por altos investimentos em
mídia. As campanhas de sensibilização eram fundamentadas em impactos agressivos contra
a AIDS. Invadiram televisão, rádio e outdoors frases como: Se você não se cuidar, a AIDS
vai te pegar. Quem vê cara não vê AIDS. Eu tenho AIDS, eu não tenho cura. Segundo o
Ministério da Saúde, as campanhas tiveram um custo de U$500 mil rateados entre dez
grandes empresas. Elas tiveram grande visibilidade e foram consideradas pelo público em
geral como o exemplo mais claro da resposta do governo à epidemia. Seu resultado, porém,
não poderia ter sido pior e suscitou diversas e intensas reações da sociedade civil e até
mesmo dos patrocinadores. (TEIXEIRA, 1997).
É importante destacar que o discurso governamental em relação à AIDS veiculado
nas campanhas, pela primeira vez na história brasileira da AIDS, estava totalmente
divorciado dos anseios dos movimentos organizados.
No pouco tempo que esteve no poder, o Governo Collor frustrou as negociações
para que o Brasil fosse incluído no projeto para testagem de vacinas anti-HIV, coordenado
pela OMS. O Ministério da Saúde afirmou que o país não seria cobaia e ignorou as
garantias técnicas e éticas contidas no projeto, colocando em dúvida a idoneidade da OMS
e contrariando as expectativas nacionais dos pesquisadores, dos movimentos sociais, das
instituições universitárias e órgãos governamentais. Essa postura levou ao isolamento dos
organismos internacionais. No entanto, uma medida tomada pelo governo Collor iria se
caracterizar como efetivo avanço das políticas públicas relativas à AIDS no país: a decisão
de adquirir e distribuir gratuitamente os medicamentos especiais para os pacientes de
AIDS. Essa medida, que reconhecia o direito das pessoas afetadas de ter acesso aos
recursos terapêuticos disponíveis nos países mais avançados, contrariava as diretrizes
adotadas pela OMS e OPAS para que nos países pobres os recursos disponíveis fossem
investidos em prevenção (TEIXEIRA, 1997).
Com a notícia de que o AZT (zidovudina), primeiro medicamento desenvolvido
para combater a multiplicação do HIV no organismo, seria distribuído gratuitamente,
verificou-se um aumento significativo do número de notificações. Fica evidente, assim, a
49
subnotificação da epidemia. Com as violentas reações das ONG denunciando a
insuficiência da quantidade adquirida de AZT em relação à demanda, bem como a
existência de grande quantidade de medicamentos com o prazo de validade vencido, criou-
se o cenário de conflitos entre as ONGs e até mesmo os próprios serviços oficiais de saúde
e o governo federal. Toda a direção da Divisão de DST e AIDS foi demitida, inclusive a
Dra. Lair Guerra. Depois do impeachment do presidente Collor, ocorreu a demissão do
ministro Alceni Guerra motivada por acusações de corrupção e clientelismo político em seu
Ministério. Ao final de 1991, o Programa Nacional de DST/AIDS já não tinha legitimidade
alguma (TEIXEIRA, 1997).
Na área de prevenção, em 1992 foi publicada a Portaria Interministerial nº 796,
editada pelo Ministério da Saúde (MS) e pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC),
que visava combater a discriminação nas escolas públicas e privadas e instituir a
implantação de programas de prevenção às DST/HIV/AIDS nas escolas. O Ministério da
Educação, porém, decididamente não se envolveu nas ações de enfrentamento da AIDS,
apesar do clamor popular para que essas ações fossem incluídas no currículo escolar
(TEIXEIRA, 1997).
Com o processo de impeachment do presidente Collor, assumiu o governo seu vice
Itamar Franco, que nomeou para Ministro da Saúde o Dr. Adib Jatene. O novo Ministro
remodelou o Ministério e reconduziu a Dra. Lair Guerra ao Programa Nacional de
DST/AIDS, dando-lhe a tarefa de restaurar o Programa. Em 1993, foi realizado, pelo
Ministério da Saúde através do Programa de Alternativas Assistenciais, o credenciamento
dos hospitais para o atendimento dos doentes. Foram criados diversos serviços como o
Serviço Ambulatorial Especializado (SAE), o Hospital-Dia (HD), a Assistência Domiciliar
Terapêutica (ADT), a Capacitação de Recursos Humanos para ações de controle das
DSTs/AIDS no país, os Centros de Referência Nacional para capacitação de profissionais e
os Centros de Treinamento em DST (TEIXEIRA,1997).
A entrada em cena do Banco Mundial como financiador de projetos na área da
saúde reconfigurou o cenário internacional e, em 1993, o Brasil assinou um primeiro
acordo com o Banco, fortalecendo, assim, o desenvolvimento do programa nacional. O
incentivo do acordo à participação das ONG no programa, apesar de alguns problemas,
50
aumentou a participação política das organizações na formulação e implementação das
políticas nacionais nesta área (CHEQUER, 2005).
No período de 1993 a junho de l998, a partir do primeiro acordo com o Banco
Mundial (BIRD), segundo o documento do Programa Nacional de DST/AIDS, foram
financiados 559 projetos de ONG. Tais projetos estavam voltados para diversos segmentos
populacionais e foram propostos por 174 instituições que investiriam em estratégias de
formação de multiplicadores de informação (CASTRO; SILVA, 2005).
O início dos anos 90 trouxe para a política da AIDS a construção dos princípios
norteadores da cooperação técnica. O Banco Mundial e outros doadores multilaterais
adotaram, nos anos recentes, a retórica do desenvolvimento “de baixo para cima” e de
“ajudarem os povos a ajudarem a si próprios”. Trata-se, portanto, de uma cooperação
horizontal na qual os próprios países identificam gargalos na implementação de suas
políticas públicas (CASTRO; SILVA, 2005).
Em 1993, o Brasil registrou 39.500 casos de AIDS até o mês de julho, sendo 60%
por transmissão sexual.
Em 1995, foi estruturada a cooperação com as universidades por meio do Projeto
UNIVERSAIDS. As articulações com as organizações da sociedade civil experimentaram
avanços e trouxeram várias e importantes contribuições para a estruturação de projetos de
prevenção. Uma delas foi a criação do calendário padrão anual de campanhas obrigatórias:
no período do Carnaval (fevereiro ou março), com ênfase no uso da camisinha e no Dia
Mundial de Luta Contra a AIDS, já definido pela OMS, com ênfase na solidariedade. As
primeiras campanhas, especificamente direcionadas para adolescentes e jovens, traduziam a
mudança de discurso e filosofia de prevenção. Em um dos filmes, tido como direcionado
para mulheres jovens, aparecia uma adolescente dizendo:
[...] fria, eu!?porque não deixei ele chegar aos finalmentes?
Sem camisinha, diga não.
E o slogan: Você precisa aprender a transar a existência da AIDS.
Em l996, foi determinado pela Portaria nº 9.313 o uso de terapia combinada. Nesse
ano, o custo médio anual ponderado da terapia anti-retroviral por paciente, no Brasil, ficou
em torno de US$ 3.810,00 (BRASIL, 1999).
51
Os resultados dos estudos realizados em 1998 apresentavam a estimativa de que, no
ano 2000, o Brasil teria 597 mil pessoas infectadas pelo HIV. Esse dado contrariava as
estimativas internacionais, elaboradas em 1992, que previam para 1,2 milhão de brasileiros
infectados em 2000. Esses dados revelam que, provavelmente, a atuação do Programa entre
1992 e 1998 alterou para menos a estimativa do número de pessoas infectadas.
Em l999 foi feita a revisão dos critérios de definição de caso de AIDS em crianças
implementados em 2000, quando foi elaborada nova ficha de notificação. Por determinação
da Portaria nº 993/2000 (ANEXO J), implantou-se a notificação universal e obrigatória das
gestantes soropositivas e crianças expostas ao HIV com inclusão desses agravos entre as
doenças de notificação compulsória no país.
Ainda em 1999 implantou-se a Rede Nacional de Estudos da Resistência de HIV
aos Anti-retrovirais, uma rede de laboratórios que realiza testes de sequenciamento de RNA
viral para fazer a vigilância de circulação de cepas de HIV resistentes aos anti-retrovirais.
Nesse mesmo ano, pesquisa nacional sobre sexualidade da população brasileira, feita pelo
Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEBRAP), revelou mudanças de
comportamento em relação ao uso de preservativos. Os dados mostravam que 48% das
pessoas usaram preservativo na primeira relação sexual. Vale estabelecer comparação com
o estudo da Sociedade Civil de Bem-Estar Familiar (BENFAM), de 1986, segundo o qual
o preservativo era usado por apenas 5% da população sexualmente ativa. A taxa obtida pelo
CEBRAP sobe para 71% entre a população de maior escolaridade, alcançando valores
equivalentes ou maiores do que aqueles encontrados em estudos realizados na Europa e
Estados Unidos. (CASTRO; SILVA, 2005).
52
FIGURA 2 – Distribuição do número de preservativos consumidos no Brasil, no período de
2000 a 2003, por comercialização e distribuição pública.
O período referente ao governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) foi
marcado por avanços e recuos. No fluxo do debate internacional e da expansão da epidemia
na população de mulheres, a primeira campanha realizada nesta gestão foi dirigida às
mulheres de 15 a 40 anos, com escolaridade até o ensino médio, cujo slogan - Quem se
ama, se cuida – abordava a transmissão perinatal de DST e enfatizava o sexo seguro
(CASTRO; SILVA, 2005).
Em 1996, Dra Lair Guerra, que havia sido reconduzida à Coordenação do Programa
em 1993, sofreu um acidente grave e seu assistente Dr. Pedro Chequer assumiu a
Coordenação Geral do Programa Nacional de DST/AIDS, dando continuidade às diretrizes
do programa que, em 1997, passou a ser denominado Coordenação Nacional de DST/AIDS
(CN/DST/AIDS). Mais que uma mudança semântica, a Coordenação passava a ter maior
autonomia que o Programa Nacional. Em julho desse mesmo ano foi implantado o
TELELAB: composto de uma rede de laboratórios para testagem de linfócitos CD4 e carga
viral. Esses dados foram fundamentais para a introdução da terapia combinada em
pacientes soropositivos ou doentes de AIDS. Foi criado o Disque-Saúde – pergunte AIDS,
serviço gratuito oferecido à população para tirar dúvidas e obter informações sobre a
doença .
53
Em 1998, foi assinado o segundo acordo de empréstimo com o Banco Mundial,
chamado AIDS II: desafios e propostas. Nesse ano também foram redefinidas as
responsabilidades pelo financiamento dos gastos em relação à AIDS: a União se incumbiria
do financiamento e aquisição dos anti-retrovirais, enquanto estados e municípios
assumiriam o tratamento das manifestações associadas à AIDS (infecções oportunistas). É
ainda desse período a lei que define como obrigatória a cobertura das despesas hospitalares
com AIDS pelos seguros-saúde privados. Nesses casos, no entanto, a lei não assegura
tratamento anti-retroviral (CASTRO; SILVA, 2005).
Desde o ano de 2001, o Programa Nacional de DST/AIDS vem recebendo maior
reconhecimento internacional por seu trabalho do qual fazem parte: a defesa da
indivisibilidade do tripé prevenção – assistência – direitos humanos; o acesso a
medicamentos anti-retrovirais de qualidade e baixo custo; a implantação de política
mundial de preços diferenciados de medicamentos e a flexibilização do acordo de
propriedade intelectual (patentes de medicamentos) na Organização Mundial de Comércio
(OMC) e na ONU (CASTRO; SILVA, 2005).
Nesse ano também o custo médio da terapia anti-retroviral por paciente/ano atingiu
o patamar de US$ 2.530,00. Isso se deveu à produção de vários medicamentos no Brasil e
ao sucesso na obtenção de redução dos preços das outras drogas não produzidas
nacionalmente, que atingiram níveis de 60% a 80%, o que representa uma redução de 33%
(CASTRO; SILVA, 2005).
Ainda em 2002, levantamentos mostraram que, a partir do início do funcionamento
da Rede Nacional de Laboratórios de Contagem de Linfócitos TCD4+ e carga viral, em
1998, foram realizados 600.000 testes em 73 laboratórios de contagem linfocitária e 65
laboratórios de quantificação de RNA do HIV. Foi implantada, no sistema de adesão, a
vigilância epidemiológica do HIV entre usuários dos Centros de Testagem e
Aconselhamento (CTA) em DST/AIDS e também no Sistema de Informação dos CTA (SI-
CTA) (CASTRO; SILVA, 2005).
Sobre as ações de prevenção levantamentos mostraram que em 2001 havia 2.486
municípios brasileiros que incorporaram temas sobre DST/AIDS e drogas no currículo
escolar, o que representou um total de 45% dos municípios brasileiros (CASTRO; SILVA,
2005).
54
A partir de 2002 as vendas de preservativos indicam um consumo de 600 milhões
de unidades por ano, sendo 250 milhões distribuídos gratuitamente e 350 milhões vendidos
em farmácias, supermercados ou distribuídos por ONG a preços reduzidos. Para aumentar o
uso é necessário baratear ainda mais os custos, diversificar os pontos de venda e ampliar a
divulgação nos meios de comunicação. Em 2002 o Programa Nacional adquiriu 4 milhões
de preservativos femininos.
No ano de 2003, foram realizadas várias revisões dos critérios de definição de casos
de AIDS em adultos e crianças, dos critérios de definição de casos de sífilis congênita e do
fluxograma para definição de infecção pelo HIV em adultos e crianças. As novas definições
entraram em vigor a partir de janeiro de 2004.
6.2 O perfil da epidemia no Brasil
No Brasil a notificação dos casos de AIDS passou a ser compulsória em 1986 por
determinação da Portaria nº 542 do Ministério da Saúde (ANEXO E). Ela deve ser feita por
meio do preenchimento de uma ficha de vigilância epidemiológica pelos clínicos. É com
base nessas notificações repassadas às autoridades de saúde municipais, estaduais e federais
que são feitas as contagens nacionais. A falta de infra-estrutura dos órgãos de saúde
municipais e estaduais para proceder à investigação dos dados dessas fichas leva à
defasagem de informação.
Podemos listar várias razões para a subnotificação. Em primeiro lugar, há uma
dificuldade de diagnóstico que se deve não apenas às dificuldades de classificação já
apontadas, mas também às dificuldades para realizar o teste de anticorpo para o HIV em
razão de escassez de centros de testagem anônima, demora na entrega de resultados, falta
de orientação e acompanhamento, etc. Em segundo, existe uma atitude comum de, mesmo
em casos de diagnóstico claro, dar pouca importância ao ato de notificá-lo às entidades
sanitárias, ou ainda, de não o fazer para proteger as pessoas das várias discriminações
associadas à AIDS (PARKER, 1994).
55
É importante, para melhor compreensão dos dados, fazer um breve relato das
mudanças ocorridas nesse período na vigilância epidemiológica da AIDS.
Em 1993, na vigilância epidemiológica, inicia-se a implantação do Sistema
Nacional de Agravos de Notificação (SINAN), pelo Centro Nacional de Epidemiologia
(CENEPI), Fundação Nacional de Saúde (FUNASA). No ano seguinte, este sistema passou
a ser utilizado para notificar casos de AIDS (SINAN-AIDS). Decidiu-se também pela
inclusão do critério de óbito para definição dos casos de AIDS, visando diminuir e corrigir
a subnotificação de casos.
Em 1998, ocorreu a revisão da definição nacional de casos de AIDS em indivíduos
com 13 anos ou mais e, em 1999, a revisão dos critérios de definição de caso de AIDS em
crianças. Tais alterações foram implementadas em 2000, quando foi elaborada nova ficha
de notificação. Nessa mesma época passou a vigorar a notificação universal e obrigatória
das gestantes soropositivas e crianças expostas ao HIV, com a inclusão desses agravos entre
as doenças de notificação compulsória do país, conforme a determinação da Portaria nº 993
de 2000 (ANEXO J).
No ano de 2003, foram realizadas as revisões dos critérios de definição de casos de
AIDS em adultos e crianças, dos critérios de definição de sífilis congênita e do
fluxuograma para definição da infecção pelo HIV em adultos e crianças. As novas
definições entraram em vigor a partir de janeiro de 2004 e têm como objetivos reduzir a
subnotificação e melhorar a qualidade dos dados oficiais (BRASIL, 2004a).
O Boletim Epidemiológico de janeiro a junho de 2004 (BRASIL, 2004a) apresentou
uma nova composição das informações, agora divididas em quatro grupos:
a) casos de AIDS com notificação transferida das secretarias estaduais de saúde ao setor
de produção do DATASUS17, do Ministério da Saúde, até 30 de junho de 2004;
b) casos de AIDS com contagem de linfócito T CD4+ menor que 350 mm3, de acordo
com a definição de caso de AIDS mais sensível para fins de vigilância
epidemiológica, registrados on line até 30 de junho de 2004, no Sistema de Controle
de Exames Laboratoriais (SISCEL), instalado na rede de 72 laboratórios em todo o
país;
c) óbitos, que tiveram como causa básica a AIDS (B20 a B24), registrados no Sistema
17 DATASUS- banco de dados do sistema único de saúde;
56
de Informação sobre Mortalidade (SIM), do Departamento de Análise da Situação
de Saúde (DASIS), também da Secretaria de Vigilância em Saúde;
d) casos de sífilis congênita notificados ao Ministério da Saúde até 30 de junho de 2004.
Um grande ganho obtido do inter-relacionamento dos bancos de dados foi a obtenção
da informação em tempo oportuno. Isso possibilitou melhor visualização das tendências da
epidemia até o ano de 2003, embora faltem aos casos registrados no SISCEL as
informações epidemiológicas e sociodemográ́ficas obtidas pela investigação dos casos,
utilizando-se a Ficha de Notificação/Investigação de Casos de AIDS em Adulto e Criança.
Entretanto, não se considera o processo de busca de casos subnotificados finalizado, mesmo
porque a variação de casos observada de 1998 a 2001 certamente é ainda explicada pela
falta de notificação de casos já identificados (BRASIL, 2004a).
Cabe destacar também a importância da notificação e da conseqüente formação do
banco de dados para o conhecimento do perfil da epidemia no Brasil.
A tendência de crescimento da epidemia também tem sido observada em todas as
regiões geográ́ficas, com exceção da região Sudeste, que, em 2003, apresentou taxa de
incidência de 24,6 por 100 mil habitantes, menor do que a observada em 1998, de 29,4
casos por 100 mil habitantes. Nas demais regiões, o crescimento da epidemia ainda é
acentuado (Tabela 1) (BRASIL, 2004a).
TABELA 1 - Casos de AIDS segundo a UF e região de residência por ano de diagnóstico.
Brasil, 1980-2004.
57
58
A escolaridade tem sido utilizada como variável para traçar o perfil socioeconômico
dos casos notificados, uma vez que a notificação não traz outras variáveis e ainda é alto o
percentual de casos ignorados. Portanto, quando se toma este aspecto como ponto de
partida, verifica-se que até 1982, em 100% dos casos com escolaridade conhecida, as
pessoas tinham nível superior ou até 11 anos de estudo. Nos anos seguintes o registro de
casos com menor escolaridade aumentou significativamente. De 1999 a 2000, entre os
casos com escolaridade conhecida, 74% eram pessoas analfabetas ou que tinham até 8 anos
de escolaridade, e apenas 26% tinham mais de 11 anos de escolaridade ou curso superior.
Essa tendência tem aumentado em relação a homens e mulheres (BRASIL, 2000).
Quando esta variável é tomada apenas em relação às mulheres, verifica-se que vem
ocorrendo desde 1987 a predominância de casos de baixa ou nenhuma escolaridade.
Naquele ano dois terços das ocorrências já pertenciam a esse grupo, tendo alcançado o
percentual de 78% em 1994. Observa-se, ainda, uma diferença significativa nas ocorrências
de analfabetos segundo o sexo: do total acumulado de notificações, apenas 3,5% são
homens, enquanto 6,1% são mulheres (CHEQUER; CASTILHO,1994).
TABELA 2 – Casos de AIDS (número e percentual) em indivíduos com 19 anos de
idade ou mais, segundo escolaridade, por sexo e ano de diagnóstico. Brasil, 1980-2004.
59
60
Quando se consideram os componentes da categoria sexual de exposição, constata-
se que o universo das notificações, até 1983, era composto por homo/bissexuais
masculinos. Progressivamente, a participação deste grupo vem reduzindo, enquanto a
categoria heterossexual aumenta, com destaque para as mulheres.
Os casos de transmissão pelo uso de drogas injetáveis continuam a decrescer no
grupo masculino, enquanto os casos de transmissão pela via sexual mantêm-se estabilizados
em 30% entre os homo/bissexuais e continuam a crescer entre os heterossexuais. A razão
homem/mulher expressa a distribuição dos casos notificados segundo o sexo. Ao longo do
tempo, tem se verificado que o número de casos masculinos tem sofrido redução, embora
seja possível perceber certa heterogeneidade na apresentação de dados por diferentes
pesquisadores. Segundo Chequer e Castilho (1994), de uma razão de 28:1, em 1985, passa
para 7:1 em 1988, tendo atingido 4:1 em 1992 e, a partir de 1995, passa a ser de 3:1, sendo
o total acumulado de 4:1.
A razão homem: mulher decresceu de 122: 1, em 1984, para 5:1, em 1991
(BRASIL,1992). A proporção de casos entre homens e mulheres tem se aproximado: de
18:1 casos em 1985 e 9:1 em 1989, passou para 5:1 em 1992.
A via heterossexual acompanha uma expressiva participação das mulheres no perfil
epidemiológico da AIDS, o que se constata na progressiva redução da razão de sexo entre
todas as categorias de exposição, de 24 homens: 1 mulher, em 1985, para 2 homens:1
mulher, em 1999/2000 (BRASIL, 2000).
TABELA 3 – Casos de AIDS (número e taxa por 100.000 hab.), segundo o ano do
diagnóstico por sexo. Brasil, 1980-2004.
61
62
As análises nos permitem afirmar que a epidemia de AIDS no Brasil encontra-se em
um patamar elevado, tendo atingido, em 2003, 18,4 casos por 100 mil habitantes. Observa-
se uma tendência de estabilização entre os homens. Neste grupo populacional foi registrada,
em 2003, uma taxa de 22,8 casos por 100 mil homens, menor do que a observada em 1998,
de 26,4 por 100 mil. Entretanto, observa-se o crescimento da epidemia em mulheres, com
maior taxa de incidência observada em 2003, 14,1 casos por 100 mil mulheres. (BRASIL,
2004a).
A mortalidade por AIDS registrada no Sistema de Informação de Mortalidade (SIM)
foi 2% maior em 2003 que a registrada em 2002, com 11.276 óbitos. A taxa de mortalidade
permaneceu estável em 6,4 óbitos por 100 mil habitantes e em 8,8 por 100 mil homens, mas
manteve a tendência crescente entre as mulheres nas regiões Sul, Norte e Nordeste.
(BRASIL, 2004).
Segundo pesquisa realizada nas capitais brasileiras e no Distrito Federal para analisar
óbitos em mulheres de 10 a 49 anos, ou seja, mulheres em idade fértil, as dez primeiras
causas de morte encontradas, em ordem decrescente, foram as seguintes: acidente vascular
cerebral, AIDS, homicídios, câncer de mama, acidente de transporte, neoplasias de órgãos
digestivos, doenças hipertensivas, doenças isquêmicas do coração e câncer de colo de útero.
A AIDS aparece, portanto, como segunda causa de morte neste grupo.
TABELA 4 – Óbitos por AIDS (número e taxa por 100.000 hab.), segundo o ano do óbito e sexo.
Brasil, 1983-2003.
63
64
7 FEMINIZAÇÃO DA AIDS NO BRASIL
O primeiro caso de AIDS em mulher, no Brasil, foi diagnosticado em 1983. Desde
então se observa a paulatina expansão da AIDS nesta população, como uma expressão do
aumento da via heterossexual de contágio claramente observável nos Boletins
Epidemiológicos. Cabe aqui destacar a reflexão de alguns autores sobre a feminização da
epidemia e suas possíveis causas: Como entram as mulheres nesta epidemia que se caracterizava como quase
inteiramente masculina, de homossexuais e hemofílicos? Eis mais um dos pontos
onde é nitidamente visível a relação entre o ideológico e o biológico, em que se
vê como as categorias sociais e representações moldam e influenciam não apenas
a nossa percepção da epidemia, mas também, pelo impacto das nossas atitudes, o
seu próprio percurso. (PARKER et al. 1994, p. 135).
Não deveria ser esperado pelo corpo médico especializado o aumento de casos de
AIDS entre as mulheres, pois, desde o primeiro caso identificado nos EUA, até
meados de 1990, a OMS (1990) estimou que entre oito a dez milhões de pessoas
estariam infectadas pelo vírus no mundo, e dessas três a quatro milhões seriam
mulheres entre 15 e 45 anos de idade. (GUIMARÃES, 1994, p. 222).
Sion (1990, p. 20) afirma: “É sensivelmente maior a transmissão do homem para a
mulher do que ao contrário, fatores sociais, econômicos e políticos concorrem para acirrar
essa eficiência”.
A pesquisadora Maria de Bruyn (1992) apresenta quatro razões principais para esse
processo de feminização: 1 - os estereótipos e preconceitos relacionados ao HIV/AIDS deixam
entrever que a mulher ora é culpada pela sua disseminação, ora não é
reconhecida como possível portadora do vírus;
2 - os encargos físicos, sociais e psicológicos são maiores para as
mulheres HIV-positivas ou com AIDS do que para homens em condição similar;
3 - dado o seu papel social de cuidar e assistir ao doente e diante da
carência de serviços públicos de saúde, a mulher, leiga ou profissional, é cada
vez mais solicitada a atender a demanda imposta pela epidemia;
4 - o baixo status social da maioria das mulheres em relação aos homens dificulta
a adoção por elas de medidas de prevenção adequadas. (BRUYN apud
GUIMARÃES 1992, p. 219).
65
No Brasil, como no mundo, o deslocamento do perfil da AIDS para as mulheres
mostra o não-reconhecimento ou o desconhecimento da vida sexual das mulheres, bem
como de suas características sexuais e fisiológicas fora da reprodução ou da prostituição
(GUIMARÃES, 1992).
Esse fato tem dificultado ou atrasado o diagnóstico da infecção pelo HIV/AIDS,
afetando sua qualidade de vida, sua saúde reprodutiva e seu tempo de sobrevida. Cabe frisar
que a infecção pelo HIV é medicamente tratável se o risco de contaminação for percebido e
diagnosticado a tempo (RACHID,1990).
Para Guimarães (1994): [...] é preciso que a mulher seja percebida e se perceba diante da AIDS sem viés
masculino. Esse viés, que historicamente classifica e hierarquiza os homens e as
mulheres em seus “devidos lugares”, é reproduzido na construção social da AIDS
da seguinte forma: há lugar para os homens nesta epidemia, porém para as
mulheres lugar nenhum. Exceção feita às mulheres que trabalham na prostituição
ou utilizam drogas endovenosas, ambas tidas como de alto risco para AIDS.
(GUIMARÃES, 1994, p. 223).
Inúmeros fatores influenciaram a demora na notificação dos casos entre mulheres. E
só tardiamente os critérios de definição de patologias da AIDS incluíram aquelas patologias
especificamente femininas, que hoje se reconhecem como associadas à alteração
imunológica provocada pelo HIV, a exemplo dos casos de Doença Inflamatória Pélvica.
Soma-se a isso a forte associação inicial da doença a grupos de risco, o que dificultou o
reconhecimento de casos de AIDS em mulheres não definidas como de risco em razão de
seu trabalho sexual, como é o caso das prostitutas. Os grupos não definidos como de risco,
portanto conceitualmente fora do problema, foram os que se colocaram fora das ações
preventivas e de seu enfrentamento (PARKER et al., 1994).
O autor vai ainda mais longe em sua reflexão ao afirmar:
As mulheres, principalmente as mulheres de parceiro único, que não podem
dialogar a respeito de sexo mais seguro com seus parceiros (que freqüentemente
têm mais parceiras/os fora do casamento) e ficam sujeitas à vontade destes em
relação ao uso de preservativo, são um dos grupos realmente mais vulneráveis.
Eis um caso com implicações sociais cujo enfrentamento transcende decisões
66
políticas simples, mas implica grandes mudanças sociais no que toca ao
relacionamento homem-mulher, a negociação de poderes, ao diálogo a respeito da
sexualidade. (PARKER et al., 1994, p. 83).
Por volta de 1985, muitas das informações relativas à trajetória da infecção pelo
HIV e os problemas provocados pela epidemia da AIDS entre as mulheres fundamentavam-
se em demorados estudos de casos registrados entre os homens. Mais tarde ficou evidente
que a infecção pelo HIV em mulheres tem algumas características diferentes.
A AIDS entre as mulheres acrescenta um conjunto de problemas à grande
complexidade que a doença já revela e exige que os saberes clínicos se adaptem às
situações especificamente femininas. Cabe averiguar que patologias eclodem nas mulheres
em situações de imunodeficiência associada à infecção por HIV. Segundo Guimarães
(1992), os códigos normativos para o diagnóstico e tratamento da AIDS divulgados pelo
Center of Diesease Control (CDC) para todo o mundo se pautaram na fisiologia do homem
do primeiro mundo, sendo apenas adaptados às mulheres.
Em l997, a Dra. Constance Wofsy, co-diretora do Hospital Geral de São Francisco
afirma: Nossa necessidade de informações relativa à mortalidade, à morbidez e aos
efeitos específicos da AIDS/HIV em mulheres é desesperadora. [...] é obvio que
determinadas questões relacionadas ao sexo, como, por exemplo, a da relação
entre a AIDS e o câncer cervical requerem uma atenção especial. Precisamos
começar a investigar seriamente essas questões. (BERER, 1997, p. 91).
Segundo o Programa de Aprimoramento das Informações de Mortalidade no
município de São Paulo (PRO-AIM), em 1995, a AIDS já era a primeira causa de morte de
mulheres na faixa de 20 a 35 anos e a segunda entre homens na mesma faixa etária, na
capital paulista, o que implica um considerável ônus pessoal, econômico e social .
Parece haver no Brasil, bem como em outros países da América Latina, uma
tendência ao crescimento da epidemia entre as mulheres e entre os estratos mais pobres da
população. Entre outros problemas isso tem gerado a banalização da epidemia, que, de
espetáculo mórbido de atores exóticos, vai se transformando em uma entre tantas outras
mazelas que atingem o pobres, em geral, e as mulheres pobres, em particular (BUCHALA,
1995).
Santos (1994) acrescenta:
67
De fato, quando se busca conhecer as mulheres atingidas pela epidemia, verifica-
se que a maioria dos casos em São Paulo tem ocorrido com mulheres de baixa
escolaridade, de ocupações não-qualificadas e não imediatamente identificadas
como pertencentes a “grupos de risco”. Embora até 1990 os casos associados ao
uso de drogas tenham sido os mais freqüentes, a partir de então a principal forma
de transmissão passou a ser a prática heterossexual. Dos casos notificados de
mulheres, entre 83% e 92,43% referem-se a mulheres com parceiros únicos e
37,2% mulheres que se identificavam como “donas de casa”. (SANTOS , 1994,
p. 34).
Em 1995, 66 mil óbitos já haviam sido notificados ao Ministério da Saúde, sendo 15
mil somente naquele ano. A AIDS apareceu como a segunda causa de óbito para ambos os
sexos na faixa etária de 20 a 49 anos. De modo geral, ela aparece como a oitava causa de
morte entre os homens e a segunda causa entre as mulheres (LIMA, 2002).
A primeira ocorrência de transmissão perinatal registrada no Brasil se deu em 1985.
Até 3 de junho de 2000 já haviam sido notificados 5.409 casos. Em 2004, estimava-se que
12.898 gestantes estavam infectadas pelo vírus HIV, com base nos estudos-sentinela18 da
infecção pelo HIV realizados no Brasil. Esse número correspondia a 0,4% do total de
gestantes e somente 2.512 receberam zidovudina injetável (AZT) no momento do parto, o
que corresponde apenas a 19,5% do número estimado de gestantes infectadas (BRASIL,
2000).
No início da epidemia, a transmissão em crianças era devida à transfusão de sangue
e ao consumo dos seus derivados, principalmente em crianças hemofílicas (cerca de 69%).
Estes casos, com o avançar da epidemia, tiveram seu percentual reduzido; por outro lado,
ocorreu um aumento progressivo da freqüência de transmissão perinatal (em 1997, cerca de
90% dos casos) (BRASIL, 1998).
O crescimento efetivo da transmissão vertical, as mudanças do perfil
epidemiológico e o aumento de casos do sexo feminino mostram claramente a tendência da
epidemia.
18 Estudos-sentinela conjunto de estudos transversais periódicos em uma determinada população, refere-se à coleta sistemática de dados para estabelecer as tendências espaço-temporais da infeção por HIV em subgrupos populacionais específicos, denominados de “população sentinela”(OMS).
68
TABELA 5 – Casos de AIDS (número e percentual) na categoria de exposição transmissão
vertical, segundo idade por ano de diagnóstico. Brasil, 1983-2004.
69
Diante desse quadro foi implantada em 2000, pelo Programa Nacional de
DST/AIDS, a Vigilância de Gestantes HIV+ e Crianças Expostas, que tem como objetivo o
rastreamento da infecção no pré-natal, condição inicial para o desencadeamento das ações
profiláticas, incluindo a mensuração da prevalência da infecção infantil, que é o indicador
de impacto das ações profiláticas desenvolvidas. O acompanhamento contínuo da
prevalência da infecção entre as gestantes fornece indicador mais representativo da
infecção entre as mulheres. Esse indicador, por ter base populacional, possibilita a detecção
precoce de flutuações da prevalência e/ou alterações da infecção (BRASIL, 2000).
FIGURA 3 – Estimativa da proporção de gestantes infectadas pelo HIV segundo a
macrorregião. Brasil, 1998.
70
Até o ano de 2001, somente 40% das 17.000 gestantes infectadas pelo HIV,
estimadas no Brasil, haviam sido detectadas e tiveram seu tratamento garantido, embora
esse atendimento não haja acontecido de forma homogênea nas várias regiões do país.
Veloso (1999) faz uma reflexão crítica sobre a baixa identificação e o reduzido acesso ao
tratamento de gestantes:
A disponibilidade contínua da zidovudina injetável na maioria dos serviços
públicos de saúde, onde as gestantes, na sua maioria, aceitam se submeter ao
diagnóstico sorológico da infecção pelo HIV, se oferecido e, quando infectadas,
sendo rara a recusa em recebê-la, não era de se esperar tão pequeno percentual
recebendo o medicamento injetável durante o parto. (VELOSO et al. 1999, p. 19).
É possível observar em vários boletins epidemiológicos a preocupação com a
modalidade de transmissão vertical sem, contudo, associá-la explicitamente à propagação
da epidemia entre as mulheres. O crescimento efetivo da transmissão vertical é reflexo do
aumento de casos de AIDS no sexo feminino. Da mesma maneira se observam iniciativas
que visam inibir essa modalidade de contágio, reforçando a idéia de que as mulheres têm
acesso à política de saúde por seu papel de reprodutora e numa abordagem do binômio
materno-infantil, tendo como finalidade primeira beneficiar o recém-nascido (BARBOSA;
LAGO, 1997).
Para Barbosa e Lago (1997), a política de redução da transmissão vertical esbarra
na própria incapacidade dos serviços de saúde em incorporar estratégias de redução dos
risco, tais como: uso de AZT durante a gestação e o parto, lavagem do canal do parto e
orientação para o aleitamento artificial. E revela que: [...] a grande preocupação com a epidemia entre as mulheres se deve menos ao
crescente número de mulheres infectadas do que ao aumento dos casos
pediátricos, sendo esta preocupação um reflexo da percepção da mulher como
primariamente um ser reprodutivo, apesar da gravidez durar apenas poucos meses
e do fato das doenças relacionadas à AIDS ocorrerem, na sua grande maioria, fora
do período gestacional. (BARBOSA; LAGO, 1997, p. 164).
E acrescenta Pacheco (2002): Nos movimentos direcionados à saúde da mulher, mais especificamente, das
mulheres portadoras do vírus da AIDS, o assunto inevitável em pauta é o da
71
contaminação vertical. Este é abordado de forma exaustiva e profunda. Os
trabalhos que analisam o tema da contaminação feminina e suas decorrências de
imediato, tendem à analise da condição reprodutiva da mulher frente ao HIV.
Mas, lhes pergunto, em que momento vão ser analisados as peculiaridades físicas
da própria mulher e, não, a sua simples condição de reprodutora? é bem verdade
que o estudo reprodutivo da espécie diante da epidemia é muito importante. E isto
eu não contesto! O que eu questiono, e peço que pensem nisto,é porque não se
analisa um tratamento adequado à condição feminina? Poderão me dizer que,em
questões de HIV/AIDS, não há qualquer diferenciação. Ledo engano... E eu lhes
provo. Quem de vocês já leu alguma coisa sobre os efeitos do HIV/AIDS no
climatério? (PACHECO, 2002, p. 19).
É necessário reconhecer a existência de uma segunda epidemia, a das outras
doenças sexualmente transmissíveis, e fazer uma ligação entre as duas, para que qualquer
medida tomada tenha sucesso no controle da epidemia do HIV/AIDS. Do ponto de vista
biológico, as mulheres são mais vulneráveis à infecção pelo HIV. A superfície da mucosa
vaginal exposta ao sêmen é relativamente extensa, e o sêmen tem uma concentração de
HIV (livre e no interior das células) significativamente maior do que o líquido vaginal
(CHIRIBOGA, 1997).
Além disso, freqüentemente, as DST são mais assintomáticas na mulher do que no
homem, e o fato de não terem dimensão clínica evidente não significa que não determinem
uma fragilização das barreiras naturais à infecção pelo HIV. Estes riscos ampliados de
exposição à infecção pelo HIV se acentuam nas mulheres mais jovens, pré-puberes e
adolescentes jovens, nas quais a imaturidade do aparelho genital determina uma
fragilização adicional ante a infecção pelo HIV (CHIRIBOGA, 1997; COLL et al., 1999).
Apesar de informadas sobre as formas de transmissão, as mulheres não se vêem em
risco porque ele está relacionado com situações de conotação moralmente negativa que,
evidentemente, parecem estar distantes de sua realidade (VILELA, 1996).
As regras de pareamento entre os gêneros, vigentes na ampla maioria das sociedades
tanto dos países desenvolvidos como em desenvolvimento, têm óbvia determinação
socioeconômica e cultural e fazem com que mulheres mais jovens mantenham,
habitualmente, relações sexuais e estabeleçam parcerias com homens mais velhos. Desse
modo, as mulheres mais jovens estão sob risco ampliado de se infectarem como HIV (e
demais DST). Além das repercussões diretas sobre a população feminina, esta assimetria de
72
pareamento determina epidemias mais extensas e mais dilatadas no tempo (GUPTA;
WEISS, 1989).
As desigualdades de gênero permeiam não só o imaginário leigo, mas, infelizmente,
também o dos profissionais de saúde, a quem, supostamente, caberia orientar o tratamento
conjunto de parceiros e aconselhar indivíduos e casais a adotarem comportamentos seguros
(BRASIL , 1999).
Tais procedimentos não são feitos de forma adequada nem do ponto de vista
científico, nem da perspectiva de uma cultura que não queira ser sexista e paternalista e
incidem, preferencialmente, sobre as mulheres mais pobres, “infantilizadas” por orientações
e aconselhamentos incompletos e errôneos. Portanto, do ponto de vista das intervenções
preventivas desenvolvidas por profissionais, as mulheres pobres não se beneficiam, como
deveriam, das melhores práticas disponíveis, o que poderia, ao menos em parte, compensar
a maior vulnerabilidade dessa população ante a infecção pelo HIV e demais DST
(PARKER,1997).
Além dos fatores de aumento da vulnerabilidade propriamente ditos, uma questão
complementar diz respeito à pequena disponibilidade de métodos de prevenção controlados
pelas mulheres. Por um lado, os virocidas de utilização tópica no aparelho genital feminino
ainda são controversos, não representando, por ora, uma alternativa realmente efetiva em
termos populacionais (VAN DAMME; ROSENBERG, 1999).
Por outro, há um inquestionável incremento no uso do condom feminino19, embora,
em razão do preço, esteja basicamente restrito às camadas mais ricas que dispõem de maior
informação e vivem em parcerias e contextos culturais mais receptivos à inovação e à
iniciativa feminina. Isso equivale a dizer que, também em relação aos métodos preventivos,
existe uma assimetria de acesso e aceitabilidade que, quase invariavelmente, incide
negativamente sobre as camadas sociais mais pobres ( SZWARCWALD,1999).
A camisinha feminina, apesar de não ser tão popular quanto a camisinha masculina,
é uma opção para as mulheres se protegerem contra as doenças sexualmente transmissíveis,
19 A camisinha feminina surgiu nos anos 90 e foi criada e desenvolvida no Reino Unido. Comercializada em todo o mundo com os nomes de Reality ou Femidom, diferentemente da camisinha masculina, que é feita de látex, tem em sua composição o poliuretano e é lubrificada com óleo de silicone. Representa, ainda, uma alternativa para as pessoas que têm alergia ao látex, o que ocorre com cerca de 1% da população. O preservativo é patenteado e só é produzido pela empresa inglesa The Female Health Company e importado no Brasil pela DKY.
73
como sífilis, gonorréia, hepatite e AIDS, além de funcionar como método contraceptivo.
Embora seu uso proporcione maior autonomia às mulheres, uma vez que passam a não
depender exclusivamente da vontade do parceiro, o método é pouco adotado por
desinformação, desinteresse, preço elevado ou suposto desconforto na hora do uso.
Pesquisa realizada pelo Núcleo de Estudos de População da Unicamp e pelo Centro
Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) (CASTRO; SILVA, 2005), patrocinada pelo
Ministério da Saúde, revelou que 70% das mulheres aprovaram o preservativo feminino. O
estudo envolveu 2.453 mulheres usuárias do serviço público de saúde em seis cidades
brasileiras: Porto Alegre (RS), São Vicente (SP), Rio de Janeiro (RJ), Belo Horizonte
(MG), Goiânia (GO) e Cabo (PE). O índice de uso foi de 92% durante os três meses que
durou o estudo. As mulheres tinham em média 30 anos de idade, vida sexual ativa, parceria
fixa, um a dois filhos e 60% se consideravam pobres. Entre as que participaram do
levantamento, 97% viram alguma vantagem no preservativo feminino, como: proteger das
doenças sexualmente transmissíveis (62%), ser confortável (38%) e propiciar autonomia à
mulher (27%). Vale destacar que o dispositivo possibilita à mulher prevenir-se da gravidez
e de doenças como a AIDS, independentemente da decisão do parceiro que, muitas vezes,
se nega a utilizar preventivos. Os parceiros das mulheres pesquisadas apontaram como
maiores vantagens do preservativo feminino: não apertar (29%), ser confortável (18,4%),
ele não precisar se preocupar em usar (12%) e evitar as DST (11%) (CASTRO; SILVA,
2005).
Entre as desvantagens observadas, destacam-se a dificuldade no manuseio (queixa
feita por 10% das mulheres) e a estética (9% das mulheres acharam a camisinha feia). Já
para os homens, essa é a principal desvantagem (14% deles acharam o preservativo feio),
enquanto 4% disseram que o dispositivo feminino diminui a sensibilidade. Mesmo assim, a
maioria das mulheres (63%) preferiu o uso do preservativo feminino ao masculino. As
maiores taxas de aceitação foram verificadas nas cidades onde existe boa infra-estrutura nos
serviços públicos de saúde voltados para a mulher. As dificuldades no manuseio do método
foram superadas com a continuidade do uso, o que aponta para a importância do apoio
educativo e do acompanhamento das mulheres, especialmente no período inicial de uso. A
maior aceitação foi em Porto Alegre (80%), seguida pela cidade do Cabo (76%), Rio de
Janeiro (71%), Belo Horizonte (68%), Goiânia (65%) e São Vicente (54%) (IDEC, 2005).
74
Os questionamentos trazidos pela epidemia de AIDS ante a feminização colocam
em xeque a proposta de programas verticalizados, quer sejam relacionados ao planejamento
familiar, ao pré-natal, à prevenção do câncer cérvico-uterino ou às DST/AIDS. A visão que
vincula o planejamento familiar a uma demanda feminina e os serviços de DST a uma
demanda masculina só será alterada a partir de uma efetiva integração dessas atividades às
concepções básicas da saúde e dos direitos sexuais e reprodutivos, entendidos como direitos
sociais (BARBOSA; LAGO, 1997).
Sobre a articulação entre as concepções dos direitos reprodutivos e direitos sexuais
e as políticas de enfrentamento da epidemia se referem as autoras: Lamentavelmente essa não tem sido a diretriz norteadora das ações de controle da
epidemia de AIDS desenvolvidas pelos setores responsáveis pela política pública
de saúde no país. Caminhando no sentido oposto da horizontalidade e
integralidade, entendidas como um direito do cidadão/cidadã e garantidas na
constituição de 88, o PN/AIDS e a maioria do programas estaduais se
estruturaram como programas verticalizados nos moldes mais tradicionais, onde o
dever do Estado de empreender ações direcionadas ao controle da epidemia tem
sido, sistematicamente, repassado para os indivíduos e comunidades.
(BARBOSA; LAGO, 1997, p. 172). Perguntas e demandas provocadas pela feminização da epidemia da AIDS
permanecem sem respostas. Existem indicações de que o diagnóstico da AIDS entre as
mulheres ocorre em fases mais avançadas, resultando em uma intervenção tardia e em
diminuição do tempo de sobrevida. Isso acontece tanto porque as mulheres procuram o
serviço tardiamente quanto pelos diagnósticos errôneos ou mesmo pela ausência de
diagnóstico (NIH, 1996).
Em 88 estudos sobre a mortalidade feminina, realizados em São Paulo, verificou-se
que, dentre os 357 óbitos, quatro estavam relacionados com a AIDS. Além destes, em
outros três casos, informações colhidas com os familiares foram fortemente sugestivas de
AIDS. Em pelo menos um desses casos o diagnóstico foi confirmado após o óbito. Há
também indicação de que, com alguma freqüência, os casos de AIDS em mulheres sequer
são diagnosticados em vida (BARBOSA; LAGO, 1997).
O intervalo compreendido entre o diagnóstico da AIDS e a morte, conforme foi
observado entre os pacientes dos Centros de Referência e tratamento de AIDS em São
Paulo, foi menor nas mulheres heterossexuais (SANTOS, 1994).
75
Apesar de as mulheres estarem mais presentes nos serviços de saúde, suas
reclamações e sintomas, que poderiam ser associados à AIDS, são comumente entendidos
como alterações psicológicas ligadas a estados depressivos, portanto não são investigados.
Acresce a isso o fato de que o tratamento do corpo feminino é focalizado em sua função
reprodutiva em detrimento dos demais aspectos, o que produz a desqualificação de outras
queixas (BARBOSA; VILELA, l996).
Por fim, a dissociação entre os atendimentos ginecológicos, obstétricos e os das
doenças infecciosas torna comum um profissional tratar uma mulher com infecção vaginal
de repetição ou com displasia cervical sem considerar a possibilidade de contaminação por
HIV (NIH, l996; RODRIGUES; TRIAS; MARTE, l995).
Em 2003, o PN/DST/AIDS publicou o documento Estratégias e diretrizes para a
prevenção das DST/AIDS entre mulheres (ANEXO N). Esta publicação é fruto do trabalho
de um grupo assessor criado no Programa com o objetivo de assessorar na proposição e
acompanhamento de políticas, princípios e diretrizes para questões relativas às estratégias
de promoção à saúde e prevenção das DST/AIDS na população feminina.
Importantes avanços têm ocorrido nas políticas públicas referentes à saúde da
mulher. Em 2004, o Ministério da Saúde elaborou o documento Política Nacional de
Atenção Integral à Saúde da Mulher – Princípios e Diretrizes (BRASIL, 2004c), no qual
são apontados como objetivos específicos (em parceria com o PN-DST/AIDS) a prevenção
e o controle das doenças sexualmente transmissíveis e da infecção pelo HIV/AIDS na
população feminina. Antes, o texto do documento Plano Nacional de Políticas para as
Mulheres/2002 (BRASIL, 2004d) já destacava como prioridades: enfrentar as
desigualdades de gênero e raça em nosso país e promover a prevenção e o controle das
DST/HIV/AIDS na população feminina.
Apesar dos reconhecidos avanços, é necessário que se destinem mais recursos à
prevenção, à pesquisa e aos tratamentos dirigidos às mulheres, visto que o tempo de
sobrevivência da mulheres com AIDS é menor que o dos homens.
76
8 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Qualquer aspecto da AIDS estudado apresenta várias dificuldades que foram
construídas socialmente no decorrer das últimas duas décadas. A produção científica sobre
HIV/AIDS no mundo e no Brasil evidencia o volume de significações dessa epidemia.
A AIDS é um problema que se expande pelo globo e produz impactos diferenciados
na vida das pessoas e nas regiões onde ela chega. Esses impactos estão relacionados com as
desigualdades de ordens variadas que reforçam as vulnerabilidades. Estes tradicionais
sistemas de dominação, apesar de serem identificados separadamente, atuam em conjunto,
ou seja, as oportunidades sociais estão estruturadas de maneira que desfavoreçam as
mulheres, os não-brancos e os pobres em geral.
Ante a atual configuração da epidemia, a vulnerabilidade das mulheres torna-se
mais perceptível e aponta a necessidade de um novo olhar. Ela está intrinsecamente ligada
às condições estruturais de vida: pobreza, desigualdade de gênero, fatores emocionais, auto-
estima e posição simbólica na sociedade.
O reconhecimento do sexo, das classes sociais e das etnias como relações
hierarquizadas de poder constitui uma necessidade crucial para combater a epidemia entre
as mulheres não apenas no Brasil, mas também em outras regiões do mundo.
Cabe destacar que existem poucos dados sobre o Programa Nacional de DST/AIDS
em seu período inicial e mesmo os existentes não estão consolidados em um documento
específico. Essa realidade dificultou a obtenção de informações mais precisas sobre o
período anterior ao financiamento do Banco Mundial.
A pouca produção acadêmica sobre a política de AIDS no Brasil e as reduzidas
fontes para a sua recuperação histórica limitam a possibilidade de análise do processo de
feminização da epidemia, mas, por outro lado, representa um desafio para novos trabalhos .
O Programa Nacional de DST/AIDS recebe elogios por sua capacidade de
gerenciamento, de aprendizagem e por suas experiências positivas em relação ao
enfrentamento da epidemia da AIDS. Contudo, de uma perspectiva crítica, pode ser dito
que o Programa não tem conseguido estruturar uma resposta coordenada, articulada e
sustentável que incorpore uma perspectiva de gênero. Observando-se o perfil da epidemia,
77
é possível afirmar que as iniciativas dirigidas à população de mulheres vêm sendo
insuficientes para sua proteção contra o risco de HIV/AIDS.
Constata-se um atraso na incorporação de medidas específicas voltadas para as
mulheres. Tais medidas, que seriam fundamentais, aparecem de maneira discursiva, ainda
nos anos 90, nas campanhas oficiais veiculadas pela TV. Porém, a implementação de
medidas voltadas para o enfrentamento da feminização da epidemia começam a ser
observadas somente a partir do ano 2000. E chegam ainda caracterizadas pelo reforço do
binômio materno-infantil, isto é, com a preocupação de conter a transmissão vertical. Tais
medidas se deparam com limites, oportunidades e desafios que transitam no campo das
relações culturais e de poder, assim como na estruturação e organização do Sistema Único
de Saúde. Ou seja, se deparam com os tabus acerca da sexualidade e com as desigualdades
entre homens e mulheres na sociedade, limites estes articulados à garantia do direito à
saúde e ao aperfeiçoamento do princípio de eqüidade do SUS.
Apesar das dificuldades de construção de estratégias para mudanças de atitude ante
a proteção à infecção do HIV/DST, é possível observar esforços no sentido de ampliar o
acesso ao preservativo masculino, o que pode ser lido com uma oportunidade de
investimento na responsabilidade masculina quanto à prevenção da saúde sexual. Há
também a iniciativa de introdução de alternativas de proteção e ampliação da oferta de
preservativos femininos e de desenvolvimento de microbicidas.
No entanto, tais medidas que encontram limitações econômicas em razão do alto
custo, conforme já foi apontado neste estudo, somente se tornarão efetivas se ações
educativas e políticas públicas complementares estabelecerem seu foco no campo das
transformações sociais e culturais.
A utilização da categoria gênero é importante tanto para a compreensão do impacto
da AIDS nas mulheres como para a construção de políticas públicas que possibilitem a
ampliação do poder das mulheres no campo dos direitos sexuais e reprodutivos.
Enfrentar a feminização da epidemia é enfrentar o baixo status das mulheres nas
relações sociais e de poder, o que implica articular as ações de saúde com as políticas mais
amplas de promoção da cidadania.
78
O caso requer a elaboração de propostas inovadoras para a abordagem da saúde da
mulher, tanto na prevenção das DST e do HIV como no tratamento da doença de forma
integrada com as ações voltadas para a saúde reprodutiva.
Evidencia-se também a necessidade de que os gestores da área de saúde procurem
disseminar informação; confrontar o que há de comum entre AIDS, direitos sexuais e
direitos reprodutivos; implementar políticas públicas eficientes e eficazes; fortalecer a
participação e o controle social e assegurar o cumprimento das metas assinadas pelo país
nas várias conferências internacionais.
O Programa Nacional de DST/AIDS e o Programa de Atenção Integral à Saúde da
Mulher deveriam ser reavaliados de modo que a separação vertical seja eliminada do
sistema público. Considerando-se o impacto que a AIDS provoca na saúde sexual e
reprodutiva das mulheres, uma política pública integrada, no que diz respeito às ações e aos
recursos financeiros, daria respostas mais eficazes aos problemas causados pela
feminização da epidemia.
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85
ANEXOS
86
ANEXO A - XIVth INTERNATIONAL AIDS CONFERENCE, Barcelona 7-12 July
2002 - Speech at the Opening ceremony by Peter Piot, Executive Director, Joint United Nations Programme on HIV/AIDS (UNAIDS)
87
ANEXO B – Ministério da Saúde - Portaria nº 236, de 2 de maio de 1985.
88
ANEXO C – Ministério da Saúde – Portaria nº 726, de 5 de novembro de 1985.
89
ANEXO D – Ministério da Saúde – Portaria nº 199, de 25 de abril de 1986.
90
ANEXO E – Ministério da Saúde – Portaria nº 542, de 22 de dezembro de 1986.
91
ANEXO F – Ministério da Saúde – Portaria nº 721, de 9 de agosto de 1989.
92
ANEXO G – Ministério da Saúde – Portaria nº 1.376, de 19 de novembro de 1993.
93
ANEXO H – Lei 9.263, de 12 de janeiro de 1996.
94
ANEXO I – Ministério da Saúde – Portaria nº 1.100, de 24 de maio de 1996.
95
ANEXO J – Ministério da Saúde – Portaria nº 993, de 4 de setembro de 2000.
96
ANEXO L – Ministério da saúde – Portaria n º 2.104, de 19 de novembro de 2002.
97
ANEXO M – Ministério da Saúde – Portaria nº 822, de 27 de junho de 2003.
98
ANEXO N – Estratégias e diretrizes para a prevenção das DST/AIDS entre mulheres.