Um caso médico - Tchekhov

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7/17/2019 Um caso médico - Tchekhov http://slidepdf.com/reader/full/um-caso-medico-tchekhov 1/8 UM CASO MÉDICO por Anton Tchekhov Um telegrama enviado da fábrica dos Lialikov pedia ao professor qe viesse o mais depressa poss!vel" A fil#a da Sen#ora Lialikov$ qe devia ser a proprietária da fábrica$ estava doente% era tdo o qe se podia perceber nm longo telegrama mal redigido" &or isso o professor n'o esteve para se incomodar% contento(se em enviar$ para o sbstitir$ o se a)dante *oroliov" +in#a qe se descer na terceira esta,'o para lá de Moscovo e andar em segida$ de carro$ qatro -verstas./01" 2a esta,'o$ esperava o a)dante m carro de tr3s cavalos" O coc#eiro tin#a m c#ap4 de penas de pav'o e$ com vo5 vibrante$ como m soldado$ respondia sempre a todas as pergntas6 -De modo algm7. o -89actamente7." 8ra nm sábado de tarde" &n#a(se o Sol" Da fábrica para a esta,'o vin#am grpos de operários qe cmprimentavam para o carro onde segia o m4dico" Aqele fim de dia$ os palacetes sen#oriais e as casas de ver'o$ dos dois lados da estrada$ os amieiros$ a calma impress'o qe de tdo se e9alava$ na #ora em qe$ )á qase a reposarem$ os campos$ os bosqes e o Sol pareciam preparar(se para descansar e talve5 at4 para re5ar ao mesmo tempo qe os operários ( tdo isto encantava *oroliov" 2ascido e edcado em Moscovo$ o m4dico n'o con#ecia o campo e nnca se tin#a interessado pelas fábricas% nnca tin#a visitado nen#ma% mas$ depois do qe tin#a lido sobre este assnto$ tin#a(l#e acontecido estar em casa de proprietários e falar com eles" 8$ qando via de longe o de perto ma fábrica$ pensava qe por fora tdo parecia calmo e pac!fico$ mas qe lá dentro deviam reinar a impenetrável ignor:ncia e o ego!smo obtso dos proprietários$ o trabal#o aborrecido e insalbre dos operários$ e as intrigas$ e o -vodka. e a bic#aria""" 8 agora$ ; medida qe se afastavam do carro com respeito e medo$ lia no rosto do operário$ nos bon4s$ no andar$ a porcaria$ o alcoolismo$ o enervamento$ o atordoamento em qe viviam" 8ntro pelo port'o grande da fábrica" Apareceram de ambos os lados as peqenas casas dos operários$ figras de ml#er$ e$ ;s cancelas da entrada$ ro pa branca e mantas" O coc#eiro$ sem seg rar os cavalos$ gritava6 -Cidado7." 2m pátio grande$ sem o m!nimo sinal de erva$ levantavam(se cinco grandes corpos de edif!cios com altas c#amin4s$ afastados ns dos otros$ com arma54ns e alpendres$ t do mergl#ado n ma esp4cie de neblina cin5enta$ como ma flor de poeira" Aqi e al4m$ como os oásis no deserto$ #avia ns )ardin5itos enfe5ados e os tel#ados verdes e vermel#os das casas da Administra,'o" O coc#eiro$ sofreando de repente os cavalos$ paro diante dma casa qe fora #á poco pintada de cin5ento" Os lilases do )ardim estavam cobertos de poeira$ e o p<rtico$ pintado de amarelo$ c#eirava fortemente a tinta" ( =a,a favor de entrar$ Sen#or Dotor ( disseram vo5es de ml#er ; porta da entrada e no limiar da antec:mara" Oviram(se depois sspiros e mrm>rios" ( =a,a favor de entrar""" 8stamos ; sa espera )á #á tanto tempo""" =oi mesmo ma desgra,a" &or aqi$ fa,a favor"""

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UM CASO MÉDICOpor Anton Tchekhov

Um telegrama enviado da fábrica dos Lialikov pedia ao professor q eviesse o mais depressa poss!vel"

A fil#a da Sen#ora Lialikov$ q e devia ser a proprietária da fábrica$ estavadoente% era t do o q e se podia perceber n m longo telegrama mal redigido"&or isso o professor n'o esteve para se incomodar% contento (se em enviar$para o s bstit ir$ o se a) dante *oroliov"

+in#a q e se descer na terceira esta,'o para lá de Moscovo e andar emseg ida$ de carro$ q atro -verstas./01" 2a esta,'o$ esperava o a) dante mcarro de tr3s cavalos" O coc#eiro tin#a m c#ap4 de penas de pav'o e$ comvo5 vibrante$ como m soldado$ respondia sempre a todas as perg ntas6 -Demodo alg m7. o -89actamente7."

8ra n m sábado de tarde" & n#a(se o Sol" Da fábrica para a esta,'ovin#am gr pos de operários q e c mprimentavam para o carro onde seg ia om4dico" Aq ele fim de dia$ os palacetes sen#oriais e as casas de ver'o$ dosdois lados da estrada$ os amieiros$ a calma impress'o q e de t do se e9alava$na #ora em q e$ )á q ase a repo sarem$ os campos$ os bosq es e o Solpareciam preparar(se para descansar e talve5 at4 para re5ar ao mesmo tempoq e os operários ( t do isto encantava *oroliov"

2ascido e ed cado em Moscovo$ o m4dico n'o con#ecia o campo en nca se tin#a interessado pelas fábricas% n nca tin#a visitado nen# ma% mas$depois do q e tin#a lido sobre este ass nto$ tin#a(l#e acontecido estar em casade proprietários e falar com eles" 8$ q ando via de longe o de perto mafábrica$ pensava q e por fora t do parecia calmo e pac!fico$ mas q e lá dentrodeviam reinar a impenetrável ignor:ncia e o ego!smo obt so dos proprietários$o trabal#o aborrecido e insal bre dos operários$ e as intrigas$ e o -vodka. e abic#aria"""

8 agora$ ; medida q e se afastavam do carro com respeito e medo$ lia norosto do operário$ nos bon4s$ no andar$ a porcaria$ o alcoolismo$ oenervamento$ o atordoamento em q e viviam"

8ntro pelo port'o grande da fábrica" Apareceram de ambos os lados aspeq enas casas dos operários$ fig ras de m l#er$ e$ ;s cancelas da entrada$ro pa branca e mantas" O coc#eiro$ sem seg rar os cavalos$ gritava6-C idado7."

2 m pátio grande$ sem o m!nimo sinal de erva$ levantavam(se cinco

grandes corpos de edif!cios com altas c#amin4s$ afastados ns dos o tros$com arma54ns e alpendres$ t do merg l#ado n ma esp4cie de neblinacin5enta$ como ma flor de poeira" Aq i e al4m$ como os oásis no deserto$#avia ns )ardin5itos enfe5ados e os tel#ados verdes e vermel#os das casas da Administra,'o" O coc#eiro$ sofreando de repente os cavalos$ paro dianted ma casa q e fora #á po co pintada de cin5ento" Os lilases do )ardimestavam cobertos de poeira$ e o p<rtico$ pintado de amarelo$ c#eiravafortemente a tinta"

( =a,a favor de entrar$ Sen#or Do tor ( disseram vo5es de m l#er ; portada entrada e no limiar da antec:mara"

O viram(se depois s spiros e m rm>rios"

( =a,a favor de entrar""" 8stamos ; s a espera )á #á tanto tempo""" =oimesmo ma desgra,a" &or aq i$ fa,a favor"""

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A Sen#ora Lialikov$ )á de idade e corp lenta$ vestida de seda negra e commangas ; moda$ mas$ pelo q e parecia$ simples e po co instr !da$ ol#ava parao do tor com receio$ sem se atrever a estender(l#e a m'o% n'o o sava fa53(lo"

&erto dela$ encontrava(se ma criat ra de cabelos c rtos$ magra e )ánada nova$ q e tra5ia ma bl sa colorida e sava l neta" Os criados

c#amavam(l#e Cristina Dmitrievna e *oroliov adivin#o ser a governante"Como era a >nica pessoa instr !da da casa$ tin#am(na sem d>vidaencarregado de receber o m4dico$ porq e logo se apresso a e9por$ compormenores de todo in>teis$ as ca sas da doen,a$ mas sem di5er q em estavadoente nem de q e se tratava" *oroliov e a governante falavam sentados$enq anto a dona da casa esperava$ Im<vel$ ) nto da porta" 2o dec rso daconversa,'o$ veio *oroliov a saber q e a doente era ma rapariga de vinteanos$ Lisa$ fil#a >nica da Sen#ora Lialikov" 8stava enferma #á m ito tempo e )áa tin#am tratado vários m4dicos" 2a noite anterior$ sentira$ desde a tarde$ taispalpita,?es q e ning 4m em casa tin#a dormido% c#egara(se a recear q emorresse"

( 8la$ na verdade$ tem sido doentin#a desde crian,a ( contava CristinaDmitrievna com ma vo5 cantada e limpando ininterr ptamente os lábios com am'o" ( Os m4dicos di5em q e s'o nervos$ mas ainda em peq ena meteram(l#epara dentro os # mores frios$ e da! 4 q e vem todo o mal$ ac#o e "

&assaram ao q arto da doente" @á m l#er$ alta$ bem feita$ mas feia$parecida com a m'e$ com os mesmos ol#itos e a parte inferior do rosto larga ee9ageradamente desenvolvida$ despenteada$ os cobertores p 9ados at4 aoq ei9o$ a rapariga de de princ!pio a *oroliov a impress'o de ma pobrecriat ra$ enferma$ recol#ida por piedade" 2ing 4m acreditaria q e fosse a#erdeira dos cinco enormes edif!cios da fábrica"

( en#o tratar de si ( disse *oroliov" ( Bom dia$ Menina"Disse o nome e aperto (l#e a m'o$ m'o grande$ feia e fria" 8la soerg e (

se e$ )á m ito acost mada aos m4dicos$ indiferente ; n de5 das espád as edos bra,os$ dei9o (se a sc ltar"

( Sinto mas palpita,?es ( disse ela" ( +oda a noite""" foi ma coisaterr!vel""" ) lg ei q e morria de medo" D3(me q alq er coisa$ a ver se istoacaba"

( 2'o ten#a receio$ vo )á receitar"*oroliov e9amino (a e encol#e os ombros"( O cora,'o está bom ( disse ele% ( t do vai bem$ está t do em ordem" Os

nervos talve5 m po co abalados""" mas 4 tamb4m coisa v lgar" A crise )á

passo $ parece" Deite(se e ve)a se dorme"""2este momento tro 9eram m candeeiro" A doente pisco os ol#os e$ derepente$ po sando a cabe,a nas m'os$ p s(se a c#orar"

8 a impress'o d m ser infeli5 e feio desaparece " *oroliov )á n'o davapelos ol#os peq eninos nem pela parte do rosto anormalmente desenvolvida"

ia ma s ave e9press'o de sofrimento$ m ito comovedora e espirit al$ e arapariga$ no con) nto$ aparece (l#e elegante$ feminina e simples" 8 )á a q eriaacalmar$ n'o por medicamentos o consel#os$ mas por ma simples palavragraciosa" A m'e p 9o a si a fil#a e bei)o (l#e a testa" 8 na e9press'o da face$q anta triste5a$ q anto desgosto7

+in#a criado e ed cado a fil#a sem se po par a nada% tin#a posto todo o

c idado em l#e mandar ensinar franc3s$ m>sica e dan,a" +in#a(l#e dado mad>5ia de mestres$ tin#a c#amado os mel#ores m4dicos$ tomado ma gover(

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nante ( e n'o compreendia donde vin#am aq elas lágrimas e tantossofrimentos7 2'o compreendia$ atrapal#ava(se e tin#a ma e9press'o dec lpabilidade% e andava desolada$ inq ieta$ como se tivesse esq ecido alg macoisa de m ito rgente$ como se tivesse tido alg ma neglig3ncia$ como se n'otivesse c#amado alg 4m" emE 2'o sabia"""

( Lisa nka ( disse ela$ apertando a fil#a ao peito ($ min#a q erida$ min#apomba$ min#a fil#in#a$ q e tens t E Di5 ; m'e5in#a""" +em pena de mim"""Di5"""

Ambas c#oravam amargamente" *oroliov$ sentando(se na borda da cama$pego na m'o de Lisa"

( amos$ n'o c#ore mais ( disse(l#e ele com m tom de car!cia (" Fá lára5'o para isso""" 2'o #á nada no m ndo q e se)a digno dessas lágrimas" á$n'o c#ore mais" Assim n'o pode ser"""

8 penso 6( @á era tempo de a casar"""( O m4dico da fábrica dava(l#e brometos ( disse a governante ( mas notei

q e s< l#e fa5iam mal" 8 ac#o q e para o cora,'o o bom s'o mas gotas""" ai$esq ece(me o nome""" @ nq il#o$ #emE

8 recome,o com os se s pormenores" Interrompia *oroliov$ impedia(ode falar e lia(se(l#e no rosto o tormento q e l#e ca sava pensar q e$ sendo am l#er mais instr !da da casa$ devia falar sem interr p,'o com o m4dico ( efalar de medicina$ claro"

*oroliov estava embara,ado"( 2'o ac#o nada de especial ( disse ele ; m'e ao sair do q arto" ( Como

o m4dico da fábrica trato s a fil#a$ pode contin ar" O tratamento q e l#e deat4 aq i foi bom% n'o ve)o q e se)a preciso m dar" &ara q 3E É ma doen,av lgar% n'o tem nada de grave"""

=alava sem pressa e ia cal,ando as l vas% a Sen#ora Lialikov ol#ava(o delágrimas nos ol#os$ im<vel"

( Ainda ten#o meia #ora at4 o comboio das de5% terei tempo de apan#á(lo$n'o"""E

( O Sen#or Do tor n'o dese)aria ficarE ( perg nto a m'e$ e de novo aslágrimas l#e correram pela cara

C sta(me tanto incomodá(lo% mas$ pelo amor de De s ( contin o $ a meiavo5 e voltando(se para a porta ($ fa,a(me esse favor" S< ten#o esta fil#a""" Ass sto (nos tanto a noite passada""" 2em esto ainda em mim""" &elo amor de De s$ n'o se vá embora7

*oroliov ainda q is di5er q e tin#a m ito q e fa5er em Moscovo$ q e afam!lia estava ; espera$ q e l#e era m ito dif!cil passar ma tarde e ma noitefora da cl!nica% ol#o para ela6 s spiro e p s(se a descal,ar as l vas$silencioso"

Acenderam todas as velas e todos os candeeiros da sala e da saleta%sentado ) nto do piano de ca da$ *oroliov fol#eo a m>sica$ depois foicontemplar os q adros e os retratos" Os q adros$ com s as mold rasdo radas$ eram vistas da Crimeia$ m mar encapelado com m barq ito$ mmonge cat<lico com m cálice de licor ( t do pobre$ lambido$ sem talento""" 2osretratos$ nen# ma fig ra bela$ interessante6 faces largas$ ol#os espantados"Lialikov$ o pai de Lisa$ tin#a a testa bai9a e m ar satisfeito% o niforme ficava(

l#e como ma esp4cie de saco sobre o corpo grande e v lgar% no peito mamedal#a e a ins!gnia da Cr 5 ermel#a" C lt ra estreita$ l 9o de ocasi'o$ m

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l 9o q e n'o tin#a motivos nem vin#a a prop<sito ( como aq ele niforme" Obril#o dos soal#os irrita$ o l stre tamb4m% e pensa(se$ nem se sabe porq 3$ na#ist<ria do comerciante q e ia tomar ban#o de medal#a de #onra ao pesco,o"""2a antec:mara #avia m rm>rios e alg 4m ressonava s avemente" De s>bito$no pátio$ ressoaram ns sons ag dos$ sac didos$ metálicos$ q e *oroliov

n nca tin#a o vido e n'o so be e9plicar" 8coaram na s a alma d m modo bemdesagradável e estran#o"( Ac#o q e n'o ficava aq i por nada deste m ndo ( penso ele"8 torno a fol#ear a m>sica" A governante entro e c#amo a meia vo56( Sen#or Do tor$ pode vir )antar"""E*oroliov seg i (a" A mesa$ grande$ estava coberta de aperitivos e de vin#os% mas s< #avia

d as pessoas6 ele e Cristina Dmitrievna" 8la bebia madeira$ comia depressa efalava contemplando(o pela l neta"

( Os operários est'o m ito satisfeitos connosco" +odos os invernos d'onesta fábrica espectác los em q e eles pr<prios representam" Fá tamb4m$nat ralmente$ confer3ncias com pro)ec,?es$ ma sala de c#á magn!fica% e t doo mais""" +3m m ita dedica,'o por n<s% q ando so beram q e a Lisa nkaestava pior$ mandaram fa5er mas re5as" S'o po co instr !dos mas t3m m itobons sentimentos"

( &arece q e n'o #á nen# m #omem em casa$ n'oE( 2en# m" &iotre 2ikanorGtc# morre #á ano e meio e ficámos so5in#as"

ivemos as tr3s$ no er'o aq i$ no Inverno em Moscovo" @á esto nesta casa#á on5e anos" É como se estivesse em min#a casa"

Serviram est r)'o$ croq etes de frango e ma compota" Os vin#os eramcaros$ vin#os de =ran,a"

( =a,a favor$ Sen#or Do tor""" 2'o fa,a cerim<nias""" Coma ( di5ia CristinaDmitrievna comendo e limpando a boca ; m'o /via(se q e estava realmente ;vontade1" =a,a favor de comer"

Depois do )antar$ levo o m4dico a m q arto onde l#e tin#am preparadoma cama" Mas n'o tin#a sono% o q arto era q ent!ssimo e c#eirava a tintas%

vesti o sobret do e sai "=ora$ #avia fresco" @á #avia m pren>ncio de alvorada e$ no ar #>mido$

desen#avam(se os cinco edif!cios$ com as c#amin4s$ os barrac?es e osarma54ns" Como era domingo$ n'o se trabal#ava% as )anelas estavam esc rase s< d as$ n m dos edif!cios onde ainda estava aceso m forno$ pareciam

incendiadas% de q ando em q ando$ sa!a l me pela c#amin4$ de mist ra com of mo" Ao longe$ para lá do pátio$ coa9avam r's e m ro 9inol cantava" Ao ol#ar os casar?es da fábrica e as barracas dos operários$ *oroliov

volto aos se s pensamentos do cost me" +in#am(se instit !do espectác lospara os operários$ pro)ec,?es$ m4dicos privativos$ toda a esp4cie de mel#ora(mentos6 mas os operários q e ele vira de tarde$ na estrada$ em nada diferiamdos q e tin#a visto na s a inf:ncia$ q ando n'o #avia para eles nemespectác los$ nem mel#oramentos"

8ra m4dico e tin#a sido obrigado a fa5er ma ideia e9acta das doen,ascr<nicas$ c )a ca sa inicial 4 incompreens!vel e inc rável% considerava domesmo modo as fábricas como m eq !voco c )as ca sas s'o tamb4m

obsc ras e inel táveis" +odos os mel#oramentos da sorte dos operários n'o l#e

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apareciam$ claro$ como s p4rfl os$ mas comparava(os ao tratamento dasdoen,as inc ráveis"

( Fá certamente m engano nesta coisa toda""" ( penso ol#ando as )anelas p rp>reas" Mil e q in#entos o dois mil operários trabal#am semdescanso$ n m ambiente insal bre$ para fabricarem p4ssima c#ita" ivem na

fome e s< de tempos a tempos a taberna os liberta do pesadelo" Uma centenade pessoas vigia(l#es o trabal#o e a vida destes contramestres passa(se aaplicar m ltas$ a proferir in)>rias e a cometer in) sti,as" 8 s< d as o tr3spessoas$ c#amadas patr?es$ aproveitam com os l cros$ apesar de n'otrabal#arem e de terem despre5o pela c#ita ordinária" Mas q e l cros7 8 de q emaneira os aproveitam7 A Lialikov e a fil#a s'o mas infeli5es e mete pena v3(las" S< a solteirona$ a est>pida Cristina Dmitrievna vive ; vontade7 8 trabal#a(se n ma fábrica destas$ com cinco oficinas$ e vende(se má c#ita nos mercadosdo Oriente$ para q e ma Cristina Dmitrievna possa comer est r)'o e beber madeira"

De repente$ repetiram(se os sons estran#os q e *oroliov tin#a notadoantes do )antar" &erto de m dos edif!cios$ alg 4m batia n ma placa metálica elogo amortecia a resson:ncia$ de modo q e os sons eram breves$ ásperos$ maldefinidos$ q alq er coisa como -d3""" d3"" d3"""." Depois$ meio min to desil3ncio" 8$ perto do o tro edif!cio$ o tros sons sac didos$ mas mais bai9os$graves6 -dran""" dran""" dran"""." Hepetiram(nos on5e ve5es" 8ram$ eviden(temente$ os g ardas a darem as on5e #oras" @ nto do terceiro edif!cio$ o vi (se6 -)ak""" )ak""" )ak"""." A mesma coisa diante de cada m dos edif!cios$ depoispor detrás das barracas e ;s portas"

&arecia q e$ na calma da noite$ os sons eram prod 5idos por m monstrode ol#os de p>rp ra6 o pr<prio Diabo$ q e era aq i o sen#or de patr?es e deoperários e q e a ns e o tros enganava"

*oroliov sai para os campos"( em está a!E ( gritaram(l#e$ com vo5 grosseira"( 89actamente como n ma pris'o ( penso ele"8 n'o responde nada"=ora$ o viam(se mel#or os ro 9in<is e as r's" Sentia(se o c#eiro da noite

de Maio" Da esta,'o vin#am r !dos de comboios% para o tro lado$ cantavamgalos sonolentos% cont do$ a noite estava calma6 a nat re5a dormia pacifi(camente"

2o campo$ n'o longe da fábrica$ erg ia(se o esq eleto d ma casa detoros% ao lado$ encontravam(se materiais de constr ,'o" *oroliov sento (se

n mas táb as e contin o a pensar"( S< a governante vive aq i a se gosto e a fábrica trabal#a para asatisfa5er" Mas 4 apenas ma apar3ncia% 4 ma personagem imaginária6 opatr'o para q em t do se fa5 aq i 4 o Diabo"

8 pensava no Diabo em q e n'o acreditava" 8 voltava(se para as d as )anelas q e o l me il minava"

&arecia(l#e q e$ por estes ol#os de p>rp ra$ o pr<prio Diabo o ol#ava6n ma palavra$ a for,a descon#ecida q e estabelece as rela,?es entre osfracos e os fortes$ o erro grosseiro q e nada agora pode emendar" Énecessário q e o forte impe,a o fraco de viver6 tal 4 a lei da nat re5a" Mas iston'o 4 compreens!vel e n'o entra facilmente no esp!rito sen'o ; l 5 d m artigo

de )ornal o d m man al" 2o t m lt ar da vida q otidiana e no entrela,ar detodos os nadas de q e se entretecem as rela,?es # manas$ n'o parece ma

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lei% 4 m abs rdo l<gico$ no q al o forte e o fraco s'o v!timas das s as rela,?esm>t as e se s bmetem invol ntariamente a ma for,a cond toradescon#ecida$ q e reside fora da vida e 4 estran#a ao #omem"

Assim pensava *oroliov$ sentado sobre as táb as$ invadido po co apo co pela impress'o de q e essa for,a descon#ecida e misteriosa estava

realmente perto dele e o contemplava"8ntretanto$ o c4 a leste empalidecia% os min tos precipitavam(se" Oscinco edif!cios da fábrica e as c#amin4s tin#am$ sobre o f ndo cin5ento damadr gada$ nessa #ora em q e n'o se via alma viva$ em q e t do pareciamorto$ ( os edif!cios e as c#amin4s tin#am m aspecto especial$ diferente do dedia" 8sq ecia(se por completo q e #o vesse lá dentro motores a vapor$electricidade e telefones% mais depressa se pensava nas #abita,?es lac stres ena cidade de pedra% sentia(se a presen,a de ma for,a grosseira$inconsciente"""

8 de novo se o vi 6( D3""" d3""" d3""" d3"""Do5e ve5es"Depois o sil3ncio ( meio min to de sil3ncio ($ e$ na o tra e9tremidade do

pátio6( Dran""" dran""" dran"""( É bem desagradável$ esta coisa""" ( penso *oroliov"8 logo o vi $ n m terceiro l gar6( @ak""" )ak""" )ak"""O r !do era sac dido$ áspero$ e9actamente como se estivesse aborrecido"( @ak""" )ak"""&ara dar a meia(noite foram precisos q atro min tos"Depois$ sil3ncio completo" 8$ de novo$ a impress'o de q e t do estava

morto ; volta"*oroliov$ depois de estar ainda alg m tempo sentado$ volto para casa"Mas fico ainda m ito tempo sem se deitar"2os q artos vi5in#os conversava(se" O via(se o perpassar de pant fas e

de p4s descal,os"( Será ma criseE ( penso o m4dico"Sai para ir ver a doente" 2o q arto #avia lá m ita claridade% na parede

da sala tremia m fraco raio de sol$ atrav4s do nevoeiro da man#'" A portaestava aberta e Lisa sentara(se n ma poltrona perto do leito$ de ro p'o$envolta n m 9ale e com os cabelos ca!dos" Os estores das )anelas estavam

corridos"( Como se senteE ( perg nto (l#e *oroliov"( Obrigada"""+omo (l#e o p lso$ depois arran)o (l#e os cabelos q e tin#a sobre a

testa"( 2'o dormeE 8stá m tempo limpo$ 4 a &rimavera""" Lá fora cantam os

ro 9in<is$ e a Menina fica a! sentada$ ;s esc ras$ a pensar n'o se sabe emq 3"""

8la esc tava(o e ol#ava(o" +in#a ns ol#os tristes$ inteligentes e via(seq e q eria di5er q alq er coisa"

( Isto dá(l#e m itas ve5esE ( perg nto ele"

8la me9e os lábios e responde 6( M itas ve5es""" ase todas as noites me sinto mal"

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2este momento$ os g ardas$ no pátio$ come,aram a dar as d as #oras"O vi (se6 -D3""" d3""". Lisa teve m sobressalto"

( 8stes sons incomodam(naE ( perg nto o m4dico"( 2'o sei""" ( responde ela$ reflectindo ( " " aq i t do me incomoda$ t do

me aborrece" Sinto compai9'o na s a vo5% parece (me desde o primeiro

min to$ n'o sei porq 3$ q e consigo podia falar de t do"""( =ale$ fa,a favor"( o dar(l#e a min#a opini'o" &arece(me q e n'o esto doente$ mas

atormento(me e ten#o medo porq e isto tem q e ser assim e n'o pode ser deo tra maneira" O ser mais sa dável n'o pode dei9ar de inq ietar(se q ando

m bandido l#e ronda a porta" +3m todos os c idados comigo ( contin obai9ando os ol#os e sorrindo timidamente" 8sto m ito recon#ecida e n'ocontesto a tilidade da medicina% mas dese)aria falar$ n'o com m m4dico$ mascom alg 4m q e estivesse perto do me esp!rito6 m amigo q e mecompreendesse e me demonstrasse q e ten#o o n'o ten#o ra5'o"

( 2'o tem amigosE( Sinto(me s<""" +en#o min#a m'e e gosto dela" Mas sinto(me s<" Cal#o

assim a min#a vida""" em está s< l3 m ito$ mas fala po co e o ve po cotamb4m% a vida 4(l#e misteriosa" É(se m!stico e v3(se o Diabo onde ele n'oestá% a +amara de Lermontov/ 1 era s< e via o Dem<nio"

( L3 m itoE( M ito" +en#o todo o tempo livre$ de man#' ; noite" De dia leio$ ; noite

ten#o a cabe,a va5ia% em l gar de ideias$ passam(me vagas sombras"""( 3 q alq er coisa de noiteE ( perg nto *oroliov"( 2'o""" mas sinto"Sorri de novo e levanto os ol#os para o m4dico" O se ol#ar era c#eio

de melancolia e c#eio de intelig3ncia" &arece a *oroliov q e Lisa tin#aconfian,a nele$ l#e q eria falar sinceramente e tin#a pensamentos semel#antesaos se s" Mas ela calara(se e esperava talve5 q e ele falasse"

8 sabia bem o q e tin#a a di5er(l#e" 8ra evidente q e se tornavanecessário q e ela abandonasse o mais depressa poss!vel os cinco edif!ciosda fábrica e o se mil#'o$ se acaso o tin#a$ e dei9asse aq ele Diabo q e denoite a ol#ava" 8ra ig almente claro para *oroliov q e ela tamb4m o pensava eq e esperava q e l#o dissesse alg 4m em q em ela tivesse confian,a"

Mas o m4dico n'o sabia por onde come,ar""" Como #avia de serE""" Édif!cil perg ntar aos condenados por q e ra5'o os condenaram% e 4 tamb4maborrecido perg ntar aos ricos por q e motivo t3m necessidade de tanto

din#eiro% por q e fa5em t'o ma so da s a riq e5a$ por q e n'o a dei9am$mesmo q ando v3em q e a! reside a s a infelicidade""" 8 se se come,a a falar disto a conversa,'o 4 geralmente embara,ada e longa"

( Como #ei(de di53(loE ( pensava *oroliov" ( 8 será precisoE8 disse o q e q eria$ n'o directamente$ mas com ns desvios6( A Menina está descontente da s a sit a,'o de proprietária de fábrica e

de #erdeira rica% n'o acredita nos se s direitos e n'o dorme" É seg ramentemel#or do q e se estivesse satisfeita e dormisse prof ndamente pensando q et do vai bem" A s a ins<nia 4 respeitável e$ se)a o q e for$ 4 bom sinal" Comse s pais seria imposs!vel ma conversa semel#ante ;q ela q e #o)e temosaq i" De noite$ n'o conversavam$ dormiam prof ndamente% mas n<s$ os desta

gera,'o$ dormimos mal" &reg i,amos$ falamos m ito$ e consideramoscontin amente se temos o n'o temos ra5'o" &ara os nossos fil#os e para os

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nossos netos )á essa q est'o estará resolvida" er'o mais claro do q e n<s"Dentro de cinq enta anos$ a vida será bela% 4 pena q e n'o possamos viver at4 lá" Devia ser bem interessante"""

( e far'o ent'o os nossos fil#os e os nossos netosE ( perg nto Lisa"( 2'o sei""" +alve5 dei9em t do e partam"""

( &ara ondeE( &ara ondeE Mas para onde q iserem ( disse *oroliov a rir(se" ( Fápo cos l gares para onde possa ir m #omem bom e inteligenteE

Ol#o para o rel<gio"( @á nasce o Sol" É tempo q e d rma" Dispa(se e repo se ; vontade"

+en#o m ito pra5er em a ter con#ecido ( disse(l#e ele$ apertando(l#e a m'o" (É interessante e simpática" Boa noite7

olto para o q arto e deito (se"2o dia seg inte de man#'$ q ando tro 9eram o carro$ toda a gente veio

acompan#ar o m4dico ; porta" Lisa$ de vestido branco como n m dia de festa$tin#a ma flor nos cabelos" &álida$ l:ng ida$ contemplava *oroliov$ como denoite$ com ar triste e inteligente" Sorria e falava sempre com a mesmae9press'o de l#e q erer di5er alg ma coisa de partic lar$ de grave$ alg macoisa q e fosse s< para ele" O viram(se as cotovias cantar$ os sinos tocavam" As )anelas da fábrica bril#avam alegremente" Ao atravessar o pátio e enq antoo cond 5iam ; esta,'o$ *oroliov )á n'o pensava nos operários nem nas#abita,?es lac stres$ nem no Diabo" &ensava no tempo$ )á talve5 pr<9imo$ emq e a vida seria t'o l minosa e alegre como essa man#' calma de Maio" 8pensava em como era agradável$ em semel#ante man#' de &rimavera$ via)ar n m bom carro$ com os se s tr3s cavalos$ e aq ecer(se ao sol"

Notas:0 A -versta. eq ivale a 0JK metros"

&oeta r sso da primeira metade do s4c" I $ bastante infl enciado por BGron% o poema a q e se fa5 al s'o 4O Demónio