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A CIDADE COMO BEM CULTURAL Áreas envoltórias e outros dilemas, equívocos e alcance na preservação do patrimônio ambiental urbano Ulpiano Toledo Bezerra de Meneses Professor Titular do DH-FFLCH/USP Membro do Conselho Consultivo do IPHAN

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A CIDADE COMO BEM CULTURALÁreas envoltórias e outros dilemas, equívocos e alcancena preservação do patrimônio ambiental urbano

Ulpiano Toledo Bezerra de Meneses

Professor Titular do DH-FFLCH/USPMembro do Conselho Consultivo do IPHAN

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Fotografia tirada do alto do Edifício do Bancodo Estado na cidade de São Paulo -

no primeiro plano o Mosteiro de São Bentoe ao fundo a Serra da Cantareira

Foto Victor Mori

Ulpiano Toledo Bezerra de Meneses

É professor Titular da USP - Universidade de SãoPaulo, Faculdade de Filosofia Letras e CiênciasHumanas - Departamento de História, Doutor pelaUniversidade de Paris e Livre-Docente pela USP. Autorde inúmeros trabalhos publicados na área dePatrimônio Cultural, História, Arqueologia, Filosofia eTeoria de História, é membro fundador do ComitêBrasileiro de História da Arte e membro fundador doComitê Brasileiro do ICOMOS – International Councilon Monuments and Sites e Conselheiro do IPHAN –Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacionaldesde 2005. Foi Conselheiro, Vice-Presidente ePresidente interino do CONDEPHAAT – Conselho deDefesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico,Artístico e Turístico do Estado de São Paulo e Vice-Presidente do Comitê Brasileiro do ICOM -International Council of Museums/ UNESCO.

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35Patrimônio: Atualizando o Debate

Ulpiano Toledo Bezerra de Meneses

A CIDADE COMO BEM CULTURAL - Áreas envoltórias e outros dilemas,equívocos e alcance da preservação do patrimônio ambiental urbano

APRESENTAÇÃO

O tema deste texto e o enfoque de muitas questõesdelicadas pressupõem o interesse de um debate. Emoutras palavras, embora acredite na consistência ecoerência dos argumentos de que me valho, acreditotambém que certas questões podem acolhertratamento alternativo, luzes diversas das que projeteie aspectos que subestimei. No fundo, porém, o caráterprovocador que acentua a tonalidade de alguns dessestópicos deve-se, antes de mais nada, a uma certararidade de discussões, entre nós, que tomem aproblemática do patrimônio cultural no seu nervopróprio: o de fato social.

Tal perspectiva exigiria uma moldura de conceitos ecategorias para, dentro dela, balizar o tratamento dasinúmeras facetas envolvidas e articuladas. Estapretensão de summa, todavia, não está no meuhorizonte. Pelo contrário, procedi a vários cortes eselecionei questões, referenciado por minhaexperiência no órgão encarregado da preservação dopatrimônio cultural no Estado de São Paulo, oCONDEPHAAT.

O eixo de articulação foi, sempre, o dos conflitos entrepreservação1 e ordenação urbana. Daí, por exemplo, oespaço aparentemente excessivo dedicado à questãodas “áreas envoltórias” de bens tombados, ao lado doquase silêncio no exame do tombamento, em si, e deinstitutos introduzidos pela Constituição Federal de1988 ou pelo Estatuto da Cidade (Lei Federal 10.257de 10.07.2001). Por sua relevância, complexidade eparticularidades, estas questões merecem umtratamento à parte, que fica para outra ocasião. Impõe-se reconhecer, portanto, o caráter parcial do presentetrabalho quanto às expectativas presumidas pelo títuloescolhido. Seja como for, dentre os alvos prioritáriosdo texto não estava chegar a proposições concretas

para os problemas que serão apresentados, masidentificá-los e definir as premissas para umareflexão mais aprofundada, sem o que qualquerencaminhamento seria frágil e enganoso.

A experiência do CONDEPHAAT serviu, como sedisse, de referência primeira para todas as reflexões.Não que o alcance delas limite-se às fronteiras doórgão de preservação do Estado de São Paulo; mutatismutandis, o alcance vale para o país em geral.

Uma observação indispensável diz respeito ao partidode evitar, como foi dito, o modelo da summa quecompendiasse as regras e as cartas que integravammeu jogo. Não teria sentido apresentá-las todas aqui.Mas a necessidade de lastrear entendimentos quenem sempre coincidem com o expresso pelo sensocomum e pelas opiniões correntes obrigou-me a umnúmero considerável de citações de outros trabalhos,inclusive meus. Quanto ao propósito da auto-referência não foi o de aproveitar a oportunidade paramerchandising acadêmico, mas o de abrir pistas paraa identificação precisamente das cartas que orientammeu jogo e das regras a que me submeto, semcomprometer, tanto quanto possível, a legibilidadedo texto.

A inspiração que sustentou a redação do trabalho foi acrença de que, apesar de tudo, a cidade pode servivida como um bem cultural. Além disso, permanecea esperança de que a agenda proposta dos temaspara discussão possa efetivar-se em breve e contribuirpara orientar a atuação dos profissionais do campo dopatrimônio cultural.

BEM CULTURAL

Como pode a cidade ser considerada um “bem”?“Bem” quer dizer coisa boa, aprazível, benéfica,gratificante, confiável. É o sentido vulgar, mas não hárazão para descartá-lo e ele nos bastará, aqui. Trata-se sempre de um valor positivo – ao menos no singularjá que, por exemplo, a expressão “homem de bens”tem mais desdobramentos e ambigüidades que“homem de bem”. Seja como for, cidade, assim comofamília, universidade, museu, política, economia, etc.,são conceitos que, hoje, parecem imersos em crise

1 A palavra preservação está aqui empregada no sentidomais amplo, que inclui não só diversas modalidades deproteção legal e física do patrimônio cultural(tombamento, desapropriação etc.etc.etc., mas aindaconservação, restauração, reabilitação etc.etc.), como,também, as operações de identificação (pesquisa,documentação, análise) e valorização (principalmentepelo uso e garantias de fruição social).

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permanente. Cidade, então, parece ser um casoagravado, e desde o século XIX dificilmente vemdesacoplada da noção de “problema urbano”. Oadjetivo urbano, aliás, como que acrescenta dosemaior de problema àquilo que deve qualificar: violênciaurbana, marginalidade urbana etc. soam muito maisgraves que os substantivos desadjetivados. E se, defato, olharmos em torno, na cidade, o espetáculoobservado em nada desmente estas primeirasimpressões.

Não seria melhor dizer, então, “bens culturais nacidade”, pois haverá, por certo, descontinuidade nosproblemas, bolsões de tranqüilidade e ilhas decompensação? Ocorre, porém, que o caráterproblemático da cidade não se encontra nela –entendida como uma forma espacial de assentamentohumano – mas na sociedade, no tipo de relações entreos homens que a institui e organiza. É possível, pois,que a cidade, a cidade ela própria (de maneiradiferencial, é claro, com escalas variadas e pelos maisdiversificados atores) seja qualificável positivamente,apesar dos problemas que estejam a infestá-la.

No entanto, para melhor compreender esta atribuiçãode qualidades à cidade (no seu todo, como síntese,ou a partes dela), é necessário examinar trêsdimensões em que toda cidade se realiza. Sãodimensões intimamente imbricadas e que agemsolidariamente: a dimensão do artefato, a do campode forças e a das significações.

Dimensões da cidade: artefato, campo deforças, representações sociais

Não se trata de estratos, segmentos ou compar-timentos, nem de propriedades diferentes, formasdiferentes, efeitos diferentes — mas de focosdiferentes para a observação da natureza, estrutura,funcionamento e transformação de uma realidadealtamente complexa e dinâmica.

A primeira dimensão é a da cidade como artefato.A cidade é coisa feita, fabricada. Artefato, no sentidomais genérico, é um segmento da natureza físicasocialmente apropriado, isto é, ao qual se impôs,segundo padrões sociais, uma forma ou uma funçãoou um sentido (seja conjuntamente, seja isoladamenteou em diversas combinações). Foi na condição deartefato que a cidade mereceu maior atenção dosestudiosos. Grande parte da literatura de históriaurbana, por exemplo, diz respeito à cidade tratadacomo artefato complexo: é a história dos padrõeslocacionais, das configurações topográficas, dos

traçados urbanos e das formas arquitetônicas, dosarranjos espaciais, das estruturas, equipamentos,infinitos objetos.

Mas tal artefato não se gerou numa atmosferaabstrata: foi produzido no interior de relações que oshomens desenvolvem uns com os outros. A segundadimensão, assim, é a do campo de forças. A expressãoé tomada de empréstimo à Física, para ilustrar umespaço definível de tensões, conflitos, de interessese energias em confronto constante, de naturezaterritorial econômica, política, social, cultural e assimpor diante. O artefato, em última instância, é o produtodeste campo de forças, mas também é seu vetor epermite sua reprodução. Nesta perspectiva, porexemplo, é que se têm desenvolvido estudos deprocessos de formação e transformação – aurbanização, seus fatores e contingências, seus efeitos.

No entanto, a cidade não é apenas um artefatosocialmente produzido, nesse campo de forças, comonuma máquina. As práticas que dão forma e função aoespaço e o instituem como artefato, também lhe dãosentido e inteligibilidade e, por sua vez, alimentam-se, elas próprias, de sentido. Por isso, a cidade étambém representação, imagem. A imagem que oshabitantes se fazem da cidade ou de fragmentos seusé fundamental para a prática da cidade. Apesar davoga recente do imaginário urbano como tema deestudo, é raro encontrá-lo inserido entre as demaisdimensões e tratado adequadamente como fenômenosocial2.

Ora, para compreender a cidade como bem cultural, épreciso enfrentá-la simultaneamente nas trêsdimensões. O bem cultural tem matrizes no universodos sentidos, da percepção e da cognição, dos valores,da memória e das identidades, das ideologias,expectativas, mentalidades, etc. Todavia, asrepresentações, para deixarem de ser mero fato mentalou psíquico e integrarem a vida social, precisam passarpelo mundo sensorial, do universo físico: o patrimônioambiental urbano tem matrizes na dimensão física da

2 Ao falar de imaginário urbano – que entendo comomodalidade específica do fenômeno mais amplo dasrepresentações sociais – suponho imagens estruturadase operadas a partir de grupos sociais e práticas espaciaisespecíficas e não simples conjuntos de imagens,refugiadas nas mentes ou na consciência dos indivíduos(Meneses 1997).

3 Trata-se de um conjunto no Bexiga, extraordinária obrade bricolage, hoje degradada e servindo de habitaçãoem condições precárias.

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cidade, pois é por meio de elementos empíricos doambiente urbano que os significados são instituídos,criados, circulam, produzem efeitos, reciclam-se e sedescartam. Afinal, a corporalidade é base de nossacondição humana. Além disso, não sendo ossignificados derivados de nossa constituição genética,nem tendo natureza estável, mas sendo produto deescolha e, portanto, historicamente instituídos,mutáveis e diversificáveis, não são nas coisasselecionadas elas próprias que devemos buscarcritérios conclusivos para identificar o que compõeesse sistema de referências e guias. São nas forçasque geram os interesses e nos conflitos que podemopô-los uns aos outros e nos jogos variados deproposição, imposição ou negociação queencontraremos as chaves pelas quais certos atributosgeométricos e físico-químicos (os únicos imanentes)das coisas permitem sua mobilização a serviço dosentido. Sem as práticas sociais, não há significadossociais. Mas também não há significados sociais semvetores materiais. É, portanto, apenas dentro do campode forças e dos padrões segundo os quais elas agem(e valendo-se de suportes materiais de sentidos evalores), que se pode compreender a gênese e aprática do patrimônio.

Usos da cidade como bem cultural: usosculturais?

Em 1976 a Coordenadoria de Ação Regional daSecretaria de Economia e Planejamento do Estado deSão Paulo organizou um concurso de fotografias queteve como mote “A cidade é também sua casa”, sob acoordenação de Maria Adélia de Souza e EduardoYázigi. A idéia, muito oportuna, era induzir oshabitantes a identificar aquilo que, em suas cidades,lhes parecesse “significativo” – capaz, diríamos nós,de gerar sentido, de servir como referencial cognitivo,afetivo, estético, sígnico, pragmático, ético. Solicitava-se que, além de fotografar espaços, edifícios e outroselementos do ambiente urbano, os concorrentespreenchessem um formulário justificando suasescolhas e propondo usos adequados para elas.

A participação foi numerosa e os resultadosinstigantes, vindos de todos os pontos do Estado. Umfato, porém, me pareceu preocupante. Convidado aselecionar dentre as 5.300 fotos enviadas as 640 queintegrariam uma exposição, descobri que, se oscritérios e motivos para eleger os monumentos, lugarese coisas eram bastante diversificados, os usospropostos se canalizavam todos para um mesmo funil,de caráter exclusiva ou predominantementecontemplativo, “usos culturais”. Para exemplificar, emSão Paulo, bens tão diferentes entre si como o MercadoVelho, ou o Mercado de Santo Amaro ou a Vila Itororó3

tiveram adesão consistente, com múltiplosfundamentos. Mas as propostas (mesmo no caso depotencial funcional presente) eram todas deAntigo Mercado de Santo Amaro na capital paulista,

convertido em Centro Cultural

Foto João Bacellar (acervo IPHAN- 9a SR)

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preservação com vistas à sua transformação emmuseus, “centros de criatividade”, espaços de lazer,bares, ateliês de artistas... (O Mercado Velho de SantoAmaro é, hoje, um centro cultural). É como se asqualidades reconhecidas nesses edifícios nãopudessem ser contaminadas por usos “menos nobres”atribuídos ao trabalho e ao cotidiano. Compreende-se(embora não se justifique) a desvalorização dotrabalho, associada a um alto padrão de desperdício,numa sociedade que ainda tem muito que fazer parasuperar sua herança escravocrata. O desprezo pelafunção de habitar tem a ver com a exclusão da culturano horizonte do cotidiano e se agrava em relação aotrabalho: toda publicidade imobiliária de alto padrão,hoje em dia, insiste em exilar do espaço de habitação,com rigorosa assepsia, qualquer ameaça de presençavisível do trabalho. Quanto ao cotidiano, observe-se,ainda, o desconforto inconsciente que ele provoca, jáque, muito mais do que uma inofensiva repetição de simesmo no dia-a-dia, ele é por excelência a instânciaem que concretamente se instituem as relaçõessociais, em que as práticas sociais dão corpo e efeitoaos interesses em jogo.

Em relação a ambos os referenciais, porém, a culturaé concebida como um segmento da vida à parte,embora nobilitado e nobilitante, e que, por isso, devereceber atenção e uso “compatível”. Universoautônomo, seccionado dos circuitos em que a vidasegue seu curso – salvo em ações, momentos e lugaresprivilegiados – tal cultura gera seu universo próprio,que inclui os produtos e os produtores culturais, osconsumidores culturais, os equipamentos culturais,os órgãos culturais e assim por diante mas, acima detudo, os usos culturais4. Tem-se, assim, uma pirâmidesem base (que seria precisamente o universo do

trabalho e do cotidiano), apenas com o topo isolado,concentrado fora do alcance dos espaços vitais, quepoderiam irrigá-lo.

Não é, aqui, o lugar para questionar o que alimenta talnoção espasmódica de cultura, cultura-cólica, que serealiza em instantes privilegiados e, depois se relaxa,preferencialmente sem deixar sementes ou marcas.Basta apontarmos para o mercado de bens simbólicos(que, aliás, é apenas uma modalidade operacional demercado), cuja lógica dá sustentação a essaesquizofrênica delimitação de fronteiras. Ésintomático, a esse respeito, como tal conceito decultura e o de lazer se entrelaçam para excluírem otrabalho – que não pode ser julgado passível de virqualificado pela cultura! Se o Mercado Velho de SãoPaulo é uma verdadeira jóia arquitetônica, éconsiderado incompatível, por isso mesmo, com aatividade de comerciar alimentos! É tambémsintomático que o poder público, com freqüência alémdo aceitável, recorra, com mecânico comodismo, àidéia de museu, sempre que busca um uso para edifícioseu de valor cultural reconhecido.

Seria banal denunciar que tal atitude, ao circunscrevera cultura a objetos e ações marcados pela “ação doespírito”, é visceralmente elitista. Esta crítica vemsendo feita há muito tempo pelas ciências sociais ede maneira multiforme. Lembro apenas, comoreferência, Paul-Henry Chombart de Lauwe (1983),por causa de sua preocupação ao verificar asexclusões relativas à “cultura no trabalho”: esta, dizele, “engloba ao mesmo tempo os saberes e o saberfazer, os conhecimentos técnicos e as relações sociaisno trabalho, os sistemas de representação e dosvalores que lhe estão articulados, nas práticascotidianas” (ib: 7 ) – e jamais poderia ser ignorada.Porém, mais grave que a elitização, encontra-se nosdesvios a que se presta o conceito de cultura (e depolíticas culturais), quando se parte de produtos,consumo e acesso: está-se, subjacentemente, abrindocaminho ao mercado e lhe fornecendo poderoso álibi:a “legitimação cultural”. O termo final para a expansãodo sistema de produção de commodities, aliás, comodiagnosticou com precisão Mike Featherstone (1992:270), “é o triunfo da cultura do significado e a mortedo social: uma configuração de pós-sociedade queescapa à classificação e explanação sociológica, umciclo infindável de reduplicação e superprodução designos, imagens e simulações, que leva a uma implosãodo significado”.

Não há, todavia, oposição entre valor cultural e valoreconômico5. Se valor, em decorrência de nosso

4 Para uma discussão mais sistematizada deste conceitodeformado de cultura e dos conseqüentes “usosculturais”, assim como das possibilidades de superaçãodestes arraigados preconceitos, ver Meneses (1996).Por outro lado, para melhor entender a cultura comopertinente à ordem do simbólico e, ao mesmo tempo,apreender os riscos de tudo remeter à vala comum dapan-semiose, vale a pena consultar Clifford Geertz (1978)ou Marshall Sahlins (2000), assim como algumascoletâneas capazes de fornecer moldura adequada parao debate que atualmente se trava em torno da cultura edo cultural, assim como de um cultural turn que estariacegando as ciências sociais: Alexander & Seidman (eds.,1990), Münch & Smelser (eds. 1992) ou Paiva e Moreira(1996).

5 Resumo aqui os principais argumentos presentes numtexto sobre valor cultural e valor econômico (Meneses,2000).

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39Patrimônio: Atualizando o Debate

enfoque, deve dizer respeito à escala de capacidadeque reconhecemos em certas pessoas, coisas,instituições, etc., de atender a uma necessidadehumana (qualquer necessidade), valor cultural seriaessa mesma capacidade (reconhecida) de dar conta,em escala, de uma necessidade (qualquernecessidade, inclusive as de natureza econômica), pelamediação preponderante do significado. Não podehaver qualquer sinal negativo, portanto, a priori,quando se trata da dimensão econômica do bemcultural. A oposição se fere é entre a lógica cultural e alógica de mercado. Para evitar confusões, assinaloque por mercado entendo aqui, simplesmente aqueleconjunto de mecanismos, critérios e normas,instituições, agentes ou condições, historicamenteinstituído e que regularmente atende às opções deprodução, circulação e representação de bens eserviços, constituindo um espaço de articulação dademanda anônima e da oferta.

Nesse contexto, é preciso levar em conta que a lógicado mercado, que pressupõe, por exemplo, a obtençãode lucros, tende a instrumentalizar a cultura; esta, porsua vez, age segundo uma lógica de finalidade, emque a produção do sentido e da comunicação é queconstitui prioridade, gerando consciência e respostacrítica, transcendência e enraizamento, reforço etransformação, prazer espiritual e necessidadematerial – sempre banhados na seiva que mantém avida. Cálculos de investimento/retorno/custo/benefício só são legítimos, no campo da cultura, seestes termos todos forem determinados segundohierarquia fundamentada na lógica cultural. Por certo,não se trata nem de ignorar os efeitos econômicos daação cultural, nem de excluir do campo da cultura agestão de tipo empresarial: não há por que, nessecampo, eximir-se da obrigação de eficácia eracionalidade operacional. O que estará sempre emcausa, porém, são os objetivos explícitos ousubjacentes que tais procedimentos implicam. Destaagudeza na identificação de suas finalidades comomatriz das prioridades e direcionamentos é quedepende a alternativa preferencial da cultura, inseridasempre no mercado: servir-se dele ou servir a ele.Finalmente, reconheça-se que, se essa visão da culturacomo produtos ou segmentos definidos a partir deatributos que lhes seriam intrínsecos não dá conta dofenômeno cultural, tais produtos podem, contudo, seraceitos como “encarnações saturadas” da matrizcultural. Não devem ser excluídos, portanto,obviamente, mas também não devem por si só definirhierarquias e prioridades. Mais que tudo, não devemexcluir ou minimizar as áreas seminais da cultura: ocotidiano e o mundo do trabalho.

Município: o lugar da fruição

Na linha até agora traçada, a cidade, como bemcultural, é aquela marcada diferencialmente porsentidos e valores, instituídos nas práticas sociais enecessários para que estas se revistam da marcaespecífica da condição humana. Assim, a cidadeculturalmente qualificada é boa para ser conhecida(pelo habitante, pelo turista, pelo que tem aí negóciosa tratar, pelo técnico, etc.), boa para ser contemplada,esteticamente fruída, analisada, apropriada pelamemória, consumida afetiva e identitariamente, mastambém, e acima de tudo, é boa para ser praticada, naplenitude de seu potencial. Em outras palavras, paraser culturalmente qualificada como cidade, ela precisaser boa como cidade, precisa de condições deviabilidade econômica, infra-estrutura, políticasadequadas de habitação, transporte, saúde, educação,etc.

Nessa ordem de idéias, o principal sujeito da cultura éo habitante local. A palavra “habitante” vem do latimhabeo, que quer dizer “ter”, manter uma relaçãoconstante com algo; o sufixo “it” (habito) aprofunda ereitera esta relação. Hábito, habitar, portanto,expressam um grau superior e constante deapropriação. Essa relação contínua, permanente,cotidiana, demorada e que o tempo adensa, é que criaas condições mais favoráveis para a fruição dopatrimônio ambiental urbano.

Há quem pense numa escala de valor cultural, cujoparâmetro parece ser espacial, indo do localizado aouniversal: daí se inferir um patrimônio municipal, oestadual, o nacional, enfim, o patrimônio do planetainteiro. Para preencher as diversas ordens de espaço,procura-se aferir a intensidade do “valor cultural” queseria inerente a um bem. E tais aferidores dequintessência detectam bens de valor intrinsecamenteuniversal, às vezes em contextos nos quais seusatributos “não podiam ser apreciados pelosautóctones que não disporiam de critérios técnicos”.Já se vê que tal postura deriva normalmente de umaraiz essencialista, em que se pressupõem os atributoscomo imanentes; por conseqüência, as representaçõesdeveriam comportar-se como estáveis no tempo e noespaço. Trata-se de um caminho tortuoso e,freqüentemente enganador, e que ignora ahistoricidade do gosto ou de quaisquer outros critériostécnicos de medição idealista de valores. Fatosrecentes de vandalismo no Afeganistão dos Talebansou no desmoronamento do ex-império soviético(principalmente na Confederação Russa e ex-Iugoslávia) alertariam para a importância de centrar aatenção não nas coisas em si, fetichizadas, reificadas,ou numa deficiência de formação ou suposta má-fé

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congênita de certas sociedades, mas nas relaçõessociais e afetivas, pois são elas as matrizes de valores.Com isto se compreenderia que os padrõesconvergentes que hoje parecem universais navaloração de paisagens, espaços, estruturas e objetos,derivam de um lento mas recente processo demundialização pelo Ocidente. Tais padrões não sãopartilhados por todos os estratos das sociedadescontemporâneas e, no passado, correspondiam aconcepções muito diversificadas e, em vários casos,polarmente opostas às atuais. Com o deslocamentode atenção proposto também se evitariam situaçõesparadoxais em que bens declarados de valor universalnão são percebidos como tais pelos habitantes, paraquem eles podem constituir apenas ônus e, na maiorparte das vezes, mera oportunidade de negócio.Cidades “patrimônio da humanidade”, como Venezaou Ouro Preto, ao se transformarem em mercadoriapara o turismo cultural, alienaram o habitante, cujafruição é totalmente instrumentalizada. Alcântara, noMaranhão, talvez seja o caso mais dramático, entrenós. Tombada como núcleo urbano, por seu “valornacional”, hoje é uma cidade fantasma, sem condiçõesde viabilidade: estas se transferiram para a vizinhabase de lançamento de satélites para cujos técnicos(acrescidos dos turistas), Alcântara constitui meracasca cênica de fruição estética. Como pode algo queé bom para a “humanidade” não ser bom para aquelesque, como habitantes, teriam as condições ideais parafruí-lo integralmente (isto é, a contigüidade, a

6 Dada a importância social do uso, seria oportuno tomarcomo referência o instituto da edificação compulsória(Estatuto da Cidade, art 5°) para pensar em prazos esanções para o poder público, em casos de bens imóveistombados, de sua propriedade, e que permaneçamindevidamente por longo prazo sem projeto de usodefinido (os exemplos desse desperdício e dessedesrespeito ao interesse público são mais numerosos doque se poderia imaginar).

possibilidade de reiteração, de continuidade, deintegração de apropriações multiformes e deenraizamento pessoal e comunitário nos demaistraçados da vida corrente)?

Conviria, por isso, sem estabelecer monopólios,barreiras ou escalas, iniciar sempre qualquer projetode intervenção pela base, centrando as preocupaçõesno habitante pois ele é que deve ser o fruidor prioritárioda “coisa boa”. E se, como vimos, uma conceituaçãode valor deve embasar-se numa teoria dasnecessidades, conviria também reconhecer que,quando se excluem do universo da cultura o cotidianoe o trabalho, não há como mascarar que é o mercadoque está dando as cartas, caucionado pelas bênçãosdos “usos culturais”.

Estas considerações, acredito, são suficientes pararessaltar o município – e não o estado, a região, o país,o mundo - como o locus privilegiado da fruiçãoconcreta, aprofundada e diversificada da cidade comobem cultural.

Desenhos de Ouro Preto - MG,de Antonio Luiz Dias de Andrade

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PRESERVAÇÃO E ORDENAÇÃO URBANA

Todo o anteriormente exposto permite pressupor que,para orientar as responsabilidades do poder públicoem relação ao patrimônio ambiental urbano, alegislação, as instituições e as práticas deveriamoperar tendo como quadro o território da cidade e seusatributos diferenciais e, como alvo, criar condiçõesfavoráveis para qualificar as práticas de seuscidadãos. A realidade, porém, obedece a outrascoordenadas que tornam dificilmente comunicáveisas tarefas de preservação e de ordenação urbana.

A Constituição Federal, em seu art.31, inciso VIII,atribui ao município competência exclusiva para“promover, no que couber, adequado ordenamentoterritorial, mediante planejamento e controle do uso,do parcelamento e da ocupação do solo urbano”. Poroutro lado, é de entendimento tranqüilo entre osespecialistas (sirva de exemplo José Afonso da Silva,2000: 240) que as normas e critérios de zoneamento(de densidade populacional, de volume de edificaçõese de uso) constituem matéria típica do interessepeculiar dos municípios, cuja competência para fixar,com exclusividade, normas e critérios é prevista noinciso I do mesmo art. 31 da Constituição.

Assim, por exemplo, os órgãos estaduais depreservação, a rigor, não teriam competência paradeliberar sobre usos de bens imóveis tombados. Noentanto, é também consenso que o uso dos bensculturais constitui uma das principais justificativasda proteção que o poder público (nos três níveis) éobrigado a fomentar. O uso e a efetividade das funçõesem benefício da coletividade é mesmo o que legitima,em última instância, a própria preservação6.

Além disso, num sentido diverso, certos usos podemconstituir risco ou dano efetivo à proteção de um bem.Assim, o uso igualmente entra na competência dosórgãos de patrimônio. Mas fica patente que o espaçode manobra é restrito e o território pouco delineado e

que, como em outros casos, não se dispensa aarticulação com as instâncias próprias do município.

As contradições e as fronteiras tênues entrepreservação e, por exemplo, o zoneamento, deixamclaro um descompasso essencial: a problemática dopatrimônio ambiental urbano – por natureza,urbanística - nunca poderia ser resolvida a contentopor uma legislação de patrimônio cultural autônoma eindependente de uma legislação de uso e ocupaçãodo solo. Enquanto se espera realizar-se a utopia deuma legislação e práticas unificadas, os respectivosinstrumentos, sistemática e instâncias hojedisponíveis, é óbvio, teriam que ter uma atuaçãodiferenciada mas tão solidária quanto possível.

Em suma, a diretriz (principalmente para orientar asolidariedade proposta) é considerar o cultural umadimensão do social – e não o inverso.

Esse entendimento do patrimônio ambiental urbanoem seu caráter de problemática urbana (e, portanto,social), levou tempo para ser aceito entre técnicosespecialistas. Na década heróica de 1930 (quando setem, no país, a primeira legislação e o primeiro órgãode patrimônio), era a noção de monumento queimperava e ela perdurou até o final da década de 1960(o CONDEPHAAT foi criado em 1968). Ainda nasdécadas de 1970 e 1980, mesmo com a circulaçãode documentos programáticos mais progressistas,como a Carta de Amsterdã, causava repulsa, em várioscírculos técnicos, chamar a atenção para a naturezasocial do patrimônio ambiental urbano – expressãoaliás reveladora de mudanças e que, então, começavaa difundir-se. Hoje, até instituições internacionais umtanto conservadoras como o ICOMOS, reconhecemformalmente que o patrimônio ambiental urbano fazparte do processo normal do planejamento nacional,regional e local (v. art.18 da emenda apresentada àCarta de Veneza pela delegação francesa àV Assembléia do ICOMOS, Moscou, já em 1978).

São Luiz do Paraitinga, cidade tombada pelo CONDEPHAAT no Vale do Paraíba: necessidade de integração dasnormas do tombamento com as do ordenamento urbanístico da cidade - Foto Victor Mori

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Área envoltória7

Na legislação estadual8 vigente em São Paulo, é o art.137 do Decreto 13.426/79 que prevê:

“Nenhuma obra poderá ser executada na áreacompreendendo um raio de 300 (trezentos)metros, em torno de qualquer edificação ou sítiotombado, sem que o respectivo projeto sejapreviamente aprovado pelo Conselho, para evitarprejuízo à visibilidade ou destaque do referidosítio ou edificação”.

Cabe, de início, examinar os principais aspectos quecaracterizam as restrições impostas pelo tombamentoestadual:

Tombamento como pré-requisito. A lei estadual,reproduzindo sua congênere federal, faz derivar dotombamento já plenamente consumado asobrigações impostas aos interessados em obrasno entorno. Na legislação paulista, existe a figurainepta da “abertura de processo para estudos detombamento”, que já garante algumas medidasde proteção do bem, mas nenhuma intervençãoem seu entorno.

Visualidade. A visualidade implica acessonecessário para a fruição do bem, em particulardos diversos valores que especificamente tenhamsido declarados como razão para a ação protetorado estado. O acesso visual, portanto, significa,antes de mais nada, ponte perceptiva, assim comoa maior disponibilidade possível de fruição (emgrande parte visual). O beneficiário daobservação/fruição visual, por certo, não pode sercircunscrito ao morador local, mas deve ampliar-se para todo cidadão que pratique o espaço emcausa: é, portanto, prioritariamente o passante, opedestre.

A preservação, nessa linha, deveria ser parte essencialdo planejamento. O inverso, porém, é o que acontececom nossos órgãos de preservação. Veja-se o caso doCONDEPHAAT: não conta nem com mandato legal,nem com legitimidade política, nem com qualquerforma de articulação institucional ou operacional, nem,enfim, com quadros – e nem deveria ser o caso – paraatuar como órgão de ordenação, planejamento edesenvolvimento urbano (ainda que orientado para aproteção e, sobretudo, mobilização e potenciação dosatributos culturais em benefício da cidade doscidadãos). Há países, como a Itália (Cervelati & Miliari,1977), que conseguiram integrar os dois campos.Enquanto não houver tal integração legal, institucionalou operacional, entre nós, é necessário, de um lado,que a intervenção urbanística dos órgãos depatrimônio cultural se faça nos limites estritos dohorizonte da preservação dos bens a proteger e, deoutro, que se procure ativamente contribuir para oobjetivo maior, introduzindo sua perspectiva próprianas diversas instâncias de tratamento dos problemasurbanísticos. Este é um ponto crucial, pois fornecealternativa às atitudes extremas de intervençãoindevida ou, ao contrário, ao cômodo isolacionismo eauto-satisfação burocrática de repartição pública.Competência e responsabilidade não são excludentes.Se o objeto é complexo e a solução de seus problemasexige consideração do todo, a falta de competênciapara atuar em todas as suas múltiplas facetas nãojustifica a usurpação de competências alheias, nemdesobriga da responsabilidade de colaborar para que,em conjunto, se obtenham as respostas satisfatórias.A prática internacional tem demonstrado que énecessário reconhecer com maior clareza essa naturezaintrinsecamente social do objeto de proteção, e, aomesmo tempo, a impossibilidade de atendê-loisolando esferas de competência e responsabilidade.

Mais que no tombamento de cidades, núcleos emanchas urbanas, bairros e, mesmo estruturasarquitetônicas isoladas, é talvez na concepção eaplicação das normas relativas à proteção do entornode um bem tombado que mais se aguçam os conflitosentre preservação e ordenação urbana. Refiro-me sejaa diferenças de opinião encontradas nos própriosórgãos técnicos, seja em reivindicações populares ena atuação de autoridades judiciárias ou do MinistérioPúblico. Por isso, convém dedicar à área envoltóriaespaço privilegiado. Ainda mais que a questão envolvepontos de doutrina geral do patrimônio cultural, queseria oportuno sistematizar, em contraposição aoentendimento vulgar.

7 Estas reflexões ampliam e aprofundam o que consta dorelatório de 26.11.96, subscrito pelos Conselheiros doCONDEPHAAT, Augusto H.Vairo Titarelli, Haroldo Gallo,Maria Hermínia Tavares de Almeida e Ulpiano T. Bezerrade Meneses (relator).

8 Na legislação federal, estatui o art. 18 do DL 25/37:“Sem prévia autorização do Serviço do PatrimônioHistórico e Artístico Nacional, não se poderá, navizinhança de coisa tombada, fazer construção queimpeça ou reduza a visibilidade, nem nela colocaranúncios ou cartazes, sob pena de ser mandada destruira obra ou retirar o objeto, impondo-se neste caso amulta de cinqüenta por cento do valor do mesmo objeto”.

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Destaque. Destaque implica hierarquia,subordinação. O bem tombado é que é o objeto deinteresse e de proteção; se há controle do entorno,é em função do bem tombado. Portanto, valorsubstantivo é o do bem tombado; o entorno temvalor adjetivo. Se o entorno tivesse valorsubstantivo, seria irresponsabilidade do órgão deproteção não o ter incluído na ação protetoraadequada, que é o tombamento. (Obviamente, nocaso de inclusão – isto é, tombamento - é o conjuntoespacial todo que se transforma em objeto deproteção e requer controle de um outro entorno).Enfim, se se fala de hierarquia, isto também deveter implicações na hierarquia de gravames quetodo tombamento acarreta.

Delimitação. A legislação federal (DL 25/1937) éomissa quanto à área máxima de proteção, falandoapenas de “vizinhança”. Já a estadual paulista (DE13.426/79) é precisa e estabelece um limiteespacial de 300 m a partir do (contorno do) bemtombado. Portanto, a competência, no âmbitoestadual, para autorizar ou impedir intervenções érestrita. Note-se, porém, como a lei federal é muitomais inteligente e eficaz, pois a cifra de 300m étotalmente arbitrária (Adroaldo da Costa, 1968:381). Por que não 200m? Ou 400m, 500m? E porque teria a ambiência que coincidir sempre comuma área circular, quando a realidade aponta paraa heterogeneidade e não a regularidadegeométrica? (Até mesmo as teorias de “lugarcentral” na Geografia trabalham com polígonos enão círculos!). E quando a forma do bem forgeometricamente irregular? E quando a inserçãodo bem no espaço implicar outra triangulação(isolado em espaço livre, esquina, miolo de trama,etc.)? E quando houver descontinuidade espacial,embora continuidade conceitual, histórica,estilística etc.?

Para acentuar as conseqüências da confusão, valhaum exemplo cautelar: utilizado o critério daobrigatoriedade de examinar restrições àtotalidade da área determinada pelo raio de 300me consideradas as dezenas de bens tombadosexistentes na área nuclear do município de SãoPaulo, com suas superposições e contigüidadesde áreas envoltórias, ter-se-ia quase todo o centrourbano (centro velho e expandido, Luz, Paulista)sob controle urbanístico total do CONDEPHAAT –

com base num instrumento de ordenação urbanatão débil e inadequado como a consideração doentorno (circularmente delimitado) de proteção deum bem tombado!

Ambientação. Decisão do Tribunal Federal deRecursos, derivada do julgamento de um caso deaplicação da lei federal9 abriu caminho para ampliaro conceito de visibilidade. Tal extensão é de todojustificada, pois a fruição visual – a fruição maisgenérica de um bem cultural físico, como acima seassinalou – jamais se realiza como uma operaçãoóptica tópica. As teorias correntes da percepção,aliás, como as de Gibson ou as de naturezasemiótica, deixam bem clara uma operação maiscomplexa e rica (perceptiva/cognitiva/mnemônica/afetiva, etc) do que a pressuposta nalinearidade com que se costuma apresentar emnosso campo o conceito de visibilidade. Mastambém o próprio conceito de ambientação, maisapropriado para designar a ampliação davisibilidade, é ainda sujeito a muita indefinição.Valeria a pena, assim, dedicar-lhe atenção e tentardirimir algumas dúvidas.

Tomemos como amostra texto de um ilustre jurista,Hely Lopes Meirelles, transcrito com significativafreqüência, entre especialistas em DireitoAdministrativo, Urbanístico ou Ambiental e, também,entre arquitetos e outros especialistas do patrimônio.Todavia – e sem qualquer desmerecimento para anotável obra do jurista em causa - é necessária umaleitura crítica desse texto e recalibrar alguns critériosà luz de um pensamento mais próprio das ciênciassociais:

“Na vizinhança dos imóveis tombados não sepoderá fazer qualquer construção que lhe impeçaou reduza a visibilidade. (...) O conceito deredução de visibilidade, para fins da Lei detombamento, é amplo, abrangendo não só atirada da vista da coisa tombada, como amodificação do ambiente ou da paisagemadjacente, a diferença de estilo arquitetônico, etudo mais que contraste ou afronte a harmoniado conjunto, tirando o valor histórico ou a belezaoriginal da obra ou sítio protegido” (Meirelles,2000: 127).

A orientação do texto e o rumo almejado não poderiamser mais adequados; no percurso, porém, há algunsproblemas que é imperioso considerar:

9 Apelação Cível 1.515-PB de 05.12.52, Revista dosTribunais, v. 222, p.559.

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qualificadores do bem tombado que nele se insere,assume natureza adjetiva, isto é, embora não tenhasua natureza dependente em relação ao principal,não é detentor exclusivo de sua própria identidade,autonomamente, mas se realiza ao explicitar umacontingência do bem substantivo. Não seria inútillembrar como é comum, aliás, em legislaçõesestrangeiras (cf., entre muitos outros: Audrerie,2000; Frier, 1997; Coppola, 2000) a acentuaçãodo papel instrumental das áreas de entorno de bensimóveis protegidos (abords, environing belts,etc.), assim como a proteção de conjuntos formadospor certas estruturas individuadas integrando umespaço, não meramente “de entorno”, mas comotecido orgânico, formando uma unidade. Esteúltimo caso, entre nós, exigiria o tombamento comoconjunto espacial. Nesta lógica não vejofundamento indiscutível na identificação de um“novo direito de vizinhança” (de que fala, porexemplo, Pontes de Miranda, apud Machado,1982: 19), que pressupõe um “direito público devizinhança”, não previsto no Direito das Coisas.Com efeito, não se trata de “tutela da vizinhança”,mas de tutela de um bem tombado preciso, pelaordenação da vizinhança, adjetivamente. Não é,portanto, a proteção de um objeto espacial,merecedor de atenção, mas de um objeto discreto(simples ou complexo, não importa), protegidotambém por seu invólucro espacial que não faz jusà mesma atenção10.

b) Modificação do ambiente. No caso do próprioobjeto tombado (móvel ou imóvel), são aceitáveis,sim, modificações necessárias, desde que nãocomprometam aqueles valores declaradosmerecedores da proteção do poder público. Pelocontrário, certas modificações às vezes podem serconsideradas indispensáveis, em função dessesmesmos valores. Com maior razão, portanto,poderá haver, no entorno, modificações que sejamimperiosas ou recomendáveis. Ainda mais que, aocontrário do bem tombado, como se viu, seu valornão é substantivo, mas adjetivo: é seu efeitoqualificador que conta, em relação ao bemtombado. Além disso, como de praxe ocorre entrenós, a condição da área envoltória pode ser dedegradação, caso em que exigir-se o congelamentodo ambiente, interditando qualquer modificação,seria um absurdo sem par. Portanto deve-sesubstituir o conceito de ‘não modificação’ pelo de‘adequação’ ou “compatibilidade”, para assegurara preservação daquilo que o poder públicoconsiderou digno de ser protegido.

a) Ambiente / paisagem adjacente. Ambiente, nosentido aqui pertinente de ambiência, deve serentendido como o espaço arquitetonicamenteorganizado e animado, que constitui um meio físicoe, ao mesmo tempo, estético, psicológico ou social,especialmente agenciado para o exercício deatividades humanas. A materialidade do ambienteestá expressa pelas particulares constituição físicae distribuição espacial dos elementosarquitetônicos, produzidos natural ou culturalmente.Não se trata, portanto, de todo e qualquer espaçoenvolvente. Obviamente, não há objeto que não sesitue no espaço, mas uma concepção do espaçocomo a priori kantiano por certo não nos levariaalém da verificação desta obviedade e daconsideração automática de um envoltórioempírico. Ora, o espaço que nos interessa só podeser o espaço como fato cultural (e não como meraextensão ou entidade empírica), o que implica umtratamento obrigatoriamente qualitativo de suaconfiguração, para avaliar sua capacidadeprecisamente de qualificar o bem protegido. Emsuma, os critérios se embaralham quando seconfundem, como tem ocorrido freqüentemente,as categorias jurídicas de principal/acessório comfunções substantivas/adjetivas. Bens acessórios,lembre-se, “é a denominação que se dá a todos osbens ou coisas cuja existência e natureza sejamdeterminadas em relação a outros bens, que sedizem principais” (De Plácido e Silva, 2001: 122).Disto se conclui que o entorno pode, ou não, seracessório de um bem principal. No primeiro caso,deve integrar-se ao objeto do tombamento – oprincipal - e, portanto, ser tratado substan-tivamente. (Lembre-se que, num conjunto de bensintegrados, podem existir diferenças hierárquicas).No segundo caso, se preencher requisitos

10 Paulo Affonso Leme Machado (1982: 19-20) oferece,a propósito deste tema, exemplos de legislaçõesestrangeiras, nas quais a distinção entre a proteção deum objeto espacial e a proteção de um objeto porintermédio de seu invólucro espacial não estãoclaramente delineadas. Pode-se dizer, contudo, que taldistinção está implícita: na legislação francesa,estabelece-se claramente uma zona de proteção paraa visibilidade de um bem tombado; na espanhola, asconstruções terão que se adaptar ao ambiente(confusamente contempla-se também a possibilidadede essas construções fazerem parte de um conjuntode interesse cultural) e, além disso, impõem-se limitaçõesdo campo visual para contemplar as “belezas naturais”;finalmente, da legislação italiana constam restriçõespara a tutela de um bem tombado. Em nenhum doscasos se delineia com nitidez uma tutela de vizinhança.

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c) Modificação de estilo arquitetônico. O problema ésemelhante ao anterior e requer tratamento paralelo.A unidade de estilo arquitetônico é ocorrência tãoexcepcional entre nós que, vindo a existir, deveria,em tese, merecer tombamento como bem espacial.Isto é, a identificação do que deve ser preservadoteria aí como referência estruturas cujos atributosdetêm uma qualificação espacial particular.Podem, é claro, ocorrer no interior do tecido urbanotombado hierarquias secundárias, mas se elas nãoestabelecerem descontinuidades, aplica-se oprincípio jurídico de que o acessório segue oprincipal. É o caso das cidades impropriamenteditas ‘históricas’ ou dos centros ‘históricos’, ou deáreas e manchas urbanas tombadas, assim comode áreas naturais. Quando, no entanto, a unidadedo estilo que porventura ocorra não tiver valorsubstantivo (aquele, repita-se sempre, quefundamenta o tombamento), tem-se que admitirou, mesmo, induzir a possibilidade de substituiçãoque não comprometa o efeito qualificador dessamesma massa de estilo unitário tratada comoambiência. De novo, é caso de adequação,compatibilização, ao invés de não modificação,engessamento.

Por outra parte, é preciso declarar alto e bom somque a diversidade de estilos é que pode ser, àsvezes, altamente desejável e, em certascircunstâncias, muitíssimo mais desejável do quea homogeneidade estilística. Nem cabe expor, aqui,exemplos da espécie, mas talvez valha a penamencionar o da pirâmide de Pei no pátio interno doLouvre, em Paris, concebida explicitamente comocontraponto estilístico ao vetusto palácio; ou, aindaem Paris, o Centro Beaubourg, que introduziuruptura altamente satisfatória num contextotradicional; ou então, já que estamos falando decidade, o caso de Roma, paradigmático para seperceber que não é a unidade de estilo, mas suaarticulação em contraponto, que alimenta valoresda maior significação: mais uma vez, está-sefalando de adequação, em lugar de não modificação.Ou, para reproduzir o que propõe Goldstone (1983:378), a percepção gratificante do equilíbrio nãodepende da uniformidade de estilo, mas daqualidade do bom desenho urbano. Em suma, nema unidade de estilo pode ser tomada comoreferência determinante para caracterizar os valoresa serem preservados num entorno de bemtombado, nem a diversidade de estilo pode serrejeitada, a priori.

d) Afronta à harmonia do conjunto. Conjunto deveriaser entendido como reunião de partes que formamum todo complexo, ou ainda, no sentido matemáticode coleção de seres. Não se trata de uma somatóriade elementos, mas do resultado de elementosorganizados: é preciso que haja relação entre aspartes assinaladas para que se possa falar emconjunto. Harmonia deveria ser entendida comodisposição ordenada entre as partes de um todo.Em sua vertente clássica, significava proporção,ordem e simetria, tendo como atributo aregularidade, a coerência e a proporção que, doponto de vista formal, deveriam ser contínuos ehomogêneos. Por certo, conjunto e harmoniaconstituem, embora não redutoramente,pressuposto importante de valores espaciais deáreas urbanas, embora, entre nós, constituamocorrência de certa raridade - o que já os habilitaria,em princípio, de novo, a uma proteção substantivae não à consideração como mero entorno. Alémdisso, mais que critérios flexíveis e abstratos comoharmonia e conjunto, valeria a pena levar em contacritérios operacionais e solidamente funda-mentados na prática internacional, a respeito, comoos propostos pelo já mencionado Goldstone (1983:146-51): compatibilidade de volumes, cor, escala,textura, ritmo de fachadas, etc., etc.

e) Retirada de valor histórico. A expressão “tirar ovalor histórico” é problemática para a Teoria daHistória hoje corrente, na medida em que reproduzum conceito de documento histórico combatido háum século e que, além de fetichizar os suportes deinformação histórica, reduz esta última a umconteúdo fechado, imanente, à espera dohistoriador – cartesianamente instituído como pólo

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f) Retirada de beleza original. As mesmas ressalvasque acabamos de fazer à noção de retirada de valorhistórico aplicam-se novamente. Acresce que anoção de beleza diz respeito a sistemas de valor epadrões de gosto social e historicamente mutáveise de complicadíssima operacionalidade em nossocampo. Ao contrário de “padrão de beleza”, maisvale buscar o critério estético, que é menossubjetivo. Ele diz respeito a problemas depercepção, via essencial de comunicação entre osujeito e o mundo externo. Mais enredado torna-seo problema com a implicação de uma “belezaoriginal” que, por exemplo, já foi utilizada no campoda História da Arte e da conservação de obras dearte, mas que há muito perdeu sua consistência(cf. Van de Wettering, 1996).

g) Entorno e qualidade de vida. Uma última questão,mas não de menor importância, precisa ser aquirepassada. Trata-se do uso da proteçãoassegurada pela área envoltória como instrumentoque deva suprir deficiências da legislação sobreuso e ocupação do solo, planejamento edesenvolvimento urbano. A premissa é correta,mas as implicações correntes carecem de basemais sólida. Esta premissa é a de que o valorcultural, como se expõe reiteradamente acima, nãose aninha num segmento à parte da vida social,mas é uma dimensão que pode qualificar toda equalquer área da vida social. Portanto, o campocrítico entre nós, que é o do patrimônio ambientalurbano, por certo envolve questões como a daqualidade de vida. Num primeiro momento, pois,conviria esclarecer melhor a noção. Qualidade devida é mais facilmente definida pelo que ela não é,do que pelos atributos que a constituem. Comefeito, de um lado, seus contornos são imprecisos,uma vez que não é uma grandeza discreta, masantes um conjunto de pontos em um contínuo desituações possíveis. De outro lado, seu conteúdo,além de ser histórica e culturalmente condicionado,pode-se alterar, em uma mesma sociedade e emdado momento, em função tanto de variáveismacro-sociais – por exemplo, níveis de renda e deeducação - como de percepções, expectativas evalores individuais ancorados em princípios éticos,estéticos ou de outra natureza. De toda forma, nasgrandes cidades brasileiras, a noção de qualidadede vida tem sido associada, centralmente, a umelenco de condições que incidem, ainda que comintensidades diferentes, sobre o cotidiano de todos

oposto do objeto observado. Da amplitude desteconteúdo, que teria em si sua própria referência,em grande parte determinada pela integridade oudesgaste do suporte, resultaria uma escala de valor.É claro que não estou minimizando problemabastante diverso deste, que é o do estado físicode um suporte de informações, mas a produção deconhecimento histórico e o valor histórico dedocumentos se dão num quadro muito maiscomplexo do que este, sem que haja a relação deco-variação sugerida. Aliás, na visão de Alois Riegl,que marcou profundamente a visão do problemado “monumento histórico” na primeira metade doséculo passado, as lacunas, os desgastes, antesque “retirada” de valor histórico são, precisamente,fundamento psicológico desse mesmo valor e daconsciência histórica... Ora, se algum sentido sedeve dar à expressão utilizada pelo Prof. HelyMeirelles, pode-se imaginar que ele tenha queridofalar de um valor de contemporaneidade, que,certamente, não se confunde com o valor históricocognitivo, embora possa ser um de seus vetores;ou, mesmo, de integração funcional. Ora, o quecaracteriza aqui a historicidade é precisamente adiversidade daquelas temporalidades urbanas deque tanto fala Lepetit (Lepetit & Pumain, 1993),decorrente do fato de se tratar de um organismovivo e em transformação; por sua vez, os urbanistas,como Kevin Lynch (1972: 57), já começam amanifestar sensibilidade para este aspecto,ressaltando que é nessa heterogeneidadefragmentária que se pode ter, no tecido urbano,um “sentido do passado” e não num ilusóriocongelamento do documento num estadoirrealizável de integridade original – só encontradonos simulacros dos living museums (comoColonial Williamsburg) ou das disneylândiashistóricas (Wallace, 1996). Finalmente, convémacentuar que o valor histórico é um valor cognitivo:diz respeito a atributos capazes de permitir oconhecimento de aspectos da formação,funcionamento e transformação de uma sociedade.Na maior parte das vezes, entretanto, o quevulgarmente se chama de valor histórico estáimbricado nos valores afetivos – aqueles queexpressam relações de subjetividade, como a“pertença”, a identidade, a memória (cf. Lowenthal,1997, passim) – valores a que o texto citado nãodá nenhum espaço. Quanto a esses valores, sim, éque seria mais próprio pensar-se em “monumento”histórico, antes que em documento histórico, paraembasar o “valor histórico” no campo dopatrimônio11. 11 Para uma distinção entre monumento (objeto) histórico

e documento histórico, ver Meneses, 1994: 17-22.

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os seus moradores, qualquer que seja a sua posiçãosocial ou local de residência. São elas: infra-estrutura de serviços básicos, segurança, tempode deslocamento nos trajetos habituais, ruído epoluição atmosférica. Contudo, se a premissa deassociar patrimônio ambiental urbano e qualidadede vida é correta, é problemático imaginar que amelhor plataforma para ação seja a regulamentaçãodo entorno destinado a proteger um bem tombado.Nem por isso cessa a responsabilidade, comoatrás já se propôs, dos órgãos de preservação: oscaminhos, porém, são outros.

EXCLUSÃO/INCLUSÃO SOCIAL EPOLÍTICAS DE PATRIMÔNIO AMBIENTALURBANO

Preliminares

A Constituição Federal (art.182, §2º) deixou a cargodos municípios a responsabilidade de definir oscritérios de implementação da função social dapropriedade privada urbana. Este princípioconstitucional constitui alavanca fundamental paraintervir no processo de exclusão social e anular oureduzir os índices de injustiça social que se agravamem nossas cidades. O Estatuto da Cidade e os PlanosDiretores dele derivados procuram calibrarinstrumentos capazes de promover condições deinclusão social, por estratégias de uso e ocupação desolo e investimentos públicos, diretrizes e instrumentosde manejo do solo urbano. Assim, a outorga onerosa(solo criado), as operações consorciadas urbanas, aedificação compulsória, o IPTU progressivo no tempo,as Zonas Especiais de Proteção Ambiental ou Cultural

e assim por diante. Paralelamente, a elaboração dosnovos Planos Diretores também constitui a melhoroportunidade de buscar mecanismos de participaçãocomunitária, igualmente exigidos por preceitosconstitucionais na proteção do patrimônio cultural edo planejamento urbano.

Qual o papel do patrimônio cultural e, maisespecificamente, do patrimônio ambiental urbano, notocante ao problema crucial da inclusão/exclusãosocial? Não me parece que haja idéias claras esolidamente decantadas, a respeito12. No corte quefoi necessário impor à amplitude e multiplicidade deaspectos envolvidos pelo tema deste texto, váriasquestões precisam aguardar oportunidade maisconveniente para discussão: os próprios conceitos deinclusão e exclusão, a problemática da identidade eda memória, ou da cidadania (muitas vezes reduzida aseu nível mais superficial e retórico), a importância e opapel renovador e fiscalizador, mas também asambigüidades dos movimentos sociais e das ONGs,da ação do Ministério Público e do Judiciário e assimpor diante. Também não há como iniciar aqui umadiscussão pertinente e fértil sobre os diversosinstitutos disponíveis, a começar pelo própriotombamento.

É possível, porém, estabelecer algumas balizas parauma reflexão ainda irrealizada e cujo início não mais épossível adiar. Infelizmente, só cabe, nesta instância,propor as questões, não ainda discutí-las para jásugerir encaminhamentos.

Entretanto, há uma questão prévia que deve serexposta e resolvida: procurar o papel do patrimôniocultural junto aos mecanismos de inclusão social nãoseria uma instrumentalização inaceitável da cultura?

Três rápidas observações, acredito, podem clarear ocaminho. Primeiro, a intervenção sobre bens culturaispor órgãos de preservação repercute intensamente nacultura, mas não é, com certeza, uma intervenção nacultura. Como amplamente exposto, acima, trata-sede suportes materiais cujos significados e valores nãosão intrínsecos (não são fetiches), mas cujos atributosempíricos são diferencialmente mobilizados para darinteligibilidade, significação e valoração às relaçõesentre os homens, dos homens com a natureza e comoutras instâncias de ser. A seguir, o exposto até agoratambém deixou patente que é necessário, comoestratégia, não politizar a cultura, mas, sim, politizara sociedade. Finalmente, o caráter naturalmentepolítico da cultura deriva de todas as premissasexplicitadas, particularmente de seu caráter comoescolha.

12 O estudo de Maria Coeli Simões Pires é dos poucos, demeu conhecimento, que trazem propostas inovadorase merecedoras de atenção – aqui, porém, impossívelde conceder. Em particular, retenho suas observaçõesrelativas à desapropriação (quando houverincompatibilidade ou restrição a direito com afetaçãosignificativa do equilíbrio dominial suficientes parajustificar compensações ao proprietário): ela entendeque tal indenização deveria provir de um “fundo deequalização da propriedade privada para fins decumprimento da função social, em cujo bojo se enquadraa cultural”. Trata-se da previsão de “uma espécietributária que incluísse em sua sistemática a lógica dessefinanciamento [pelo conjunto das propriedades, e nãodos contribuintes não proprietários em geral] comoencargo delas” (Pires, 2002: 154). Imagino que reflexãosemelhante poderia transpor-se, também, a casos, nãode indenizações, mas, ao inverso, de benefíciosexcepcionais auferidos pelos proprietários (ver maisadiante, o que se diz sobre tombamento de bairros).

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É impossível deixar de concordar com as boasintenções expressas em tais palavras. Ao mesmotempo, contudo é preciso ver sua irrealidade. A cidade,hoje, só pode ser abordada como um todo fragmentado.O território urbano se decompõe em pontos múltiplosde apropriação desigual e é nesse quadro que o próprioplanejamento produziu a segregação (Roncayolo,1990: 256; Souza, 2001: 250-74). Por isso mesmonunca se falou tanto em “lugar” (Magnani, 1998,Hayden, 1995), ou nos efeitos de desterritorialização(Arantes, org. 2000), com que os processos docapitalismo avançado aprofundam a fragmentação.Nem nos deixemos iludir pela sobrevivência deespaços que possam ainda ter grande densidade designificação, ou que estejam associados a eventos demassa (comemoração de vitórias eleitorais ouesportivas, música popular, manifestações políticasetc.).

Falar-se, hoje, de memória coletiva ou identidade derecorte mais largo (nacional, social, etc.) éproblemático ou, pelo menos, tem que se referir asituações específicas. Com efeito, o boom da memóriaa que estamos assistindo é um sintoma, antes, de suaatomização, da inexistência de focos estruturados deconvergência e do predomínio cada vez mais acentuadoda subjetivação – sintoma, em suma, de umaverdadeira crise da memória, como tem sido detectadoem várias frentes (cf. Candau, 1998, Meneses, 1999).Em paralelo, o direito à cultura cada vez mais seapresenta como direito à diferença – o que é normal elegítimo — mas quase sempre se exacerbando emtermos de absoluto relativismo cultural, imune aqualquer crivo ético. Ou, na melhor das hipóteses, comorejeição das identidades que têm a nação ou o estadocomo suporte, exemplificada no caso do anti-monumento, de que tratam os especialistas (p.ex.,Michalski, 1998: 204-10). O individualismo vai aindamais longe, no caso da “tribalização pós-moderna”(Lipovetsky, 1991: 114-5), com a fragmentaçãoheterogênea dos grupos que reivindicam signosétnicos, identitários e culturais: reforça-se, uma vezmais, a importância da cultura nos fenômenos deexclusão e resistência ou reapropriação da cidade.

Num contexto de alarmante exclusão social, como onosso, falar-se meramente de ampliar “o acesso àcultura” é concentrar o problema ilusoriamente naponta do iceberg. Já na década de 1970, motivadopelos acontecimentos do “Maio de 68” na França,Francis Jeanson chamava a atenção para a importânciade se considerar, no campo da cultura, o “não-público”e denunciava a “idéia simplista de uma partilha maisjusta, mais eqüitativa, da herança cultural, na medida

Ora, como ficou patente na discussão sobrecompetência e responsabilidade diante de um objetocomplexo – a cidade – e diante da autonomização daslegislações de patrimônio, manifesta-se cada vez maisagudamente, entre nós, a despolitização denunciadapor Monnet (1996: 220, 223), no campo dapreservação, ou o que ele chama de “desres-ponsabilização” dos responsáveis (gestores, peritos,técnicos), fundada numa “teoria da impotência” queinverte a antiga ideologia do progresso, num fatalismoacomodado pelo qual se impede o poder público – e,em particular, seus especialistas – de assumir a gestãodas contradições inerentes ao campo cultural. De suavez, Verena Stolcke (1995), ao estudar uma novaconstrução da exclusão, no “fundamentalismo cultural”que a imigração fez surgir na Europa contemporânea,nota a emergência da cultura como o terreno semânticochave do discurso político – para o qual, infelizmente,não estamos ainda preparados.

É essa dimensão política da cultura que é precisorecuperar, a todo custo e no menor prazo.

Para uma Agenda de Discussão

No objetivo de encaminhar com urgência essadiscussão sobre o patrimônio ambiental urbano comoterreno semântico chave do discurso político, julgopertinente a proposição de uma agenda dos temasmais relevantes. Todos eles poderiam ser englobadosnuma dentre várias modalidades de privatização, emúltima instância, da esfera pública pelo próprio poderpúblico – no caso, por intermédio de seus órgãos depreservação cultural. Os principais temas seriam ostrês seguintes:

Multiculturalismo

Num seminário recente sobre “A cidade e a cultura emdebate” (José Magalhães Jr. et alii, 2002: 21), umtécnico do Departamento do Patrimônio Histórico/PMSP, depois de informar que o centro de Santo Amaro,hoje, é utilizado quase exclusivamente pela populaçãomais pobre, da periferia sul de São Paulo, acrescenta:

“Nada temos a opor contra o caráter populardesse lugar, principalmente se considerarmosque a cidade pouco oferece para os mais pobres.Entretanto o centro do bairro será muito maisinteressante e representativo na medida que asua apropriação não seja exclusiva dedeterminadas classes sociais, mas que possaespelhar a diversidade social que a cidadepossui” (ib.: 21).

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49Patrimônio: Atualizando o Debate

em que o não-público se caracteriza precisamente poruma indiferença mais ou menos marcada para com osvalores culturais que não lhe parecem concernir dequalquer maneira os seus verdadeiros problemas deexistência” (Jeanson, 1973: 183). Com efeito, amemória alheia, a identidade do outro e o patrimôniocomo um dado apriorístico são problemas cruciais – etemas que o pensamento gerado nos órgãos depatrimônio não tem contribuído para iluminar.

Nessas condições, categorias como multiculturalismoou a sociedade policultural constituem expressõesatraentes, mas a consistência não esconde debilidadee falácia. Por exemplo, o tombamento de terreiros decandomblé, ao lado de templos católicos, pareceriadesmentir minha afirmação e, de fato, constitui avançosignificativo, mas insuficiente. Ao contrário, a meramultiplicação de diversidades confirma o julgamentocauteloso, pois se trata de caminho incipiente, em queainda é possível tolerar a presença inofensiva do outroe seus valores. Mas o multiculturalismo, como sabemos especialistas, “coloca questões mais fundamentais,relativas à capacidade de um sistema social integraruma diferença autêntica, que não seja comandada ‘porcima’, nem ‘pasteurizada’ para se tornar digerível. Osprincipais modelos de espaço social multiculturalparecem ter uma dificuldade intrínseca de integralizara diferença” (Semprini, 1999: 171): às vezes tem-seapenas um deslocamento do monoculturalismo – comefeitos anestésicos.

Sirva de contra-prova o padrão com que os órgãos depreservação têm enfrentado comumente uma temáticaque, até o presente, não recebeu tratamentosatisfatório: o da estética urbana. É certo que taltemática começou a ser objeto de preocupações deespecialistas. É saudável, por exemplo, que nossalegislação explicitamente cuide da proteção de bense direitos de valor estético e que os juristas se sintammotivados a discutir a natureza dessa proteção, o danoestético à paisagem, a poluição visual e assim pordiante (Guimarães Jr., 2000). Mas é necessário ir alémdo patamar constituído por uma semântica e conceitoscristalizados no século XVIII. Antes de mais nada, épreciso recuperar a própria origem etimológica dotermo “estética”, que diz respeito à percepçãosensorial (aísthesis, em grego). O que está em causa,portanto, é um fenômeno de suma importância e queultrapassa, de muito, quaisquer conceitos de “beleza”,“formosura”, “ornamentos” (“cidade ornamentada”),“harmonia nas formas”. Tais expressões esemelhantes, correntes nos estudos a que acima aludi,fazem crer que ainda estamos tratando do urbanismode “embelezamento” promovido pela elite brasileira,

sobretudo a partir de 1875. Trata-se, antes, seja daponte primeira que une o sujeito ao mundo empírico,seja, no caso da cidade, da possibilidade de sua formasignificar – e significar de modo diferencial para osdiversos segmentos sócio-culturais que, por suaspráticas sociais, produzem socialmente a cidade esemantizam ou ressemantizam suas formas. BernardLepetit (1993: 292), com bastante propriedade,retomou o tema do risco de redução semântica comoum dos fatores de desequilíbrio introduzido na cidadeapós a expansão do modelo hausmanniano, quando afuncionalização passa a ser o imperativo prioritário.

No entanto, os técnicos, na trilha de documentos comoa Carta Internacional das Cidades Históricas(Washington, 1987), raramente superam os juízos devalor estilístico na análise da forma urbana ou dasqualidades arquitetônicas e espaciais nas intervençõesdo poder público. Ora, se, como sugere Chaia (1991:63), em vez de utilizar a estética “no sentido conceitualde criação artística individual, ou de avaliação racionalda beleza e suas implicações sobre os usufruidores”se preferir a recuperação de temas que permitam aconstrução de um quadro de práticas urbanas,“resultante de um processo histórico, obra coletivaque não ilude, mas influencia ações, pensamentos,sentimentos e sonhos”, ter-se-ia a possibilidade deconsiderar as estéticas estranhas à esfera profissionale monopolizadora dos técnicos. E, com isso, tambémse levariam em conta as práticas sociaisdiferencialmente qualificadas por sentidos como eixoda cultura. E ainda se evitaria a forma sutil deprivatização da esfera pública que deriva do tecnicismodogmático dos órgãos de preservação13.

Seja como for, a carência mais aguda, neste domínio,não é a análise estética da cidade (afinal, isto osarquitetos, urbanistas e historiadores da arte têm feitocom competência, mesmo numa ótica insuficiente).

13 Giulio Carlo Argan, numa coletânea de ensaiossintomaticamente intitulada História da arte comohistória da cidade (1984: 143), depois de citar MarsílioFicino (“La città non è fatta di pietre ma di uomini”),conclui que o urbanismo é a ciência da administraçãodos valores urbanos, entre os quais os estéticos; nessascondições, é insuficiente a atenção dedicada apenas àforma urbana. Joseph King (2000), em direçãosemelhante, num texto em que procura recuperar opapel da estética na preservação urbana, propõe ir alémdas qualidades físicas e espaciais para abrigar valores,condições e critérios que influenciam a percepção dacidade (e que podem não ser todos de natureza visual),incorporando assim à estética urbana as práticas sociais(e socialmente diferenciadas).

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traçado viário, a cobertura vegetal, a inserção dasestruturas nos lotes, mereciam proteção do poderpúblico. Mas seria indispensável que os habitantesdesses bairros, já privilegiados por outros motivos,considerassem que a motivação do tombamento nãopoderia ser seu interesse privado, sim o da cidadetoda. Não é o que ocorre. Silvia Wolff, ao final de seutrabalho sobre o Jardim América, reconheceu que asgenerosas “dimensões utópicas e sociais que estavamem parte na origem de seu modelo urbanístico foiconsolidado com casas, frutos de uma posturadescomprometida, pragmática e pouco revolucionária,que permitiu a ocupação de um bairro de mais deseiscentos lotes em pouco mais de trinta anos” (Wolff,2001: 268-9). Os atributos protegidos pelotombamento (caráter estritamente residencial – salvocorredores – e unifamiliar, tamanhos amplos de lotes,taxas reduzidas de ocupação e aproveitamento,abundância de arborização, permeabilização do solo,etc.) constituem de fato qualidades positivas emerecedoras de tutela. O tombamento, porém, nãodeixa de ser um reforço de privilégios, por comportaragregação de valor por ação unilateral do poder público– para a qual deveria haver contrapartida dosproprietários. Mas não há razão para diminuir o papelimportante do tombamento para o restante da cidadee sua plena aceitabilidade. O problema mais grave,porém está em que privilégios não poderiam deixarde gerar comportamentos de exclusão – e estes sevêm multiplicando em manifestações e reivindicaçõesde moradores aos quais repugna a invasão de seusterritórios por estranhos que lhes perturbem a paz e o

É a definição de critérios para orientar as intervençõesdos órgãos de preservação urbana, na dimensãoestética e dentro de uma perspectiva efetivamentemulticultural. Nos esforços existentes, há tentativasde harmonizar o direito à diversidade com a unidadena heterogeneidade – mas os resultados continuamproblemáticos. Na raiz destes descaminhos eincertezas, está a desconsideração do problemaestético como problema cultural. Se a cultura – maisuma vez repetimos – é o universo do sentido e do valor(como combustível e produto das práticas), e se osentido e o valor não são pré-formados e naturalmenteinstituídos, a cultura só pode ser um universo deconflito. Ora, o caminho não é tanto harmonizar oconflito como submetê-lo a critérios éticos – o queestamos ainda longe de equacionar.

Tombamento de bairros

O tombamento de espaços urbanos (centros, núcleos,manchas, bairros), como já se disse acima, encerracomplexidades e especificidades que o fazemmerecedor de um tratamento à parte – reservado paraoutra oportunidade. Aqui cumpre apenas apontar osaspectos do tombamento de bairros que se referemao problema em causa: eventuais efeitos colateraissocialmente negativos.

Em São Paulo, o tombamento de bairros inteiros comoos Jardins foi uma iniciativa pioneira e de grandeimportância, seguido do tombamento de Pacaembu-Perdizes. Vários outros estão em estudo. Impossíveldeixar de reconhecer o papel histórico das propostasda cidade-jardim e de aceitar que atributos como o

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51Patrimônio: Atualizando o Debate

conforto. Sirva de exemplo contundente o volumosoabaixo-assinado de moradores, apresentado aoCONDEPHAAT em agosto de 2000, contra aorganização, pelo Museu Brasileiro da Escultura /MUBE, em sua proximidade, dentro do perímetrotombado, e nos fins de semana, em horários definidos,de uma feira de antiguidades. A alegação dosreclamantes era que os objetivos do tombamentoseriam frustrados pelo atentado à tranqüilidade dasruas tombadas – ruas, aliás, que constituem espaçospúblicos. Não há dúvida de que o uso em questãodesses espaços públicos tombados possaeventualmente trazer desconforto para os moradores,mas é inadmissível imaginar-se que o tombamento seteria feito em benefício apenas de seus fruidoresimediatos, quando a única motivação teria que ser obenefício da cidade inteira e, portanto, a fruição detodos os habitantes, guardadas, sem dúvida, asrestrições legais e que a ética e o bom sensorecomendam.

Medidas de proteção como recuos, tamanho de lotes,impossibilidade de organização de vilas, tratamentode edículas (em geral, áreas reservadas a serviçais,nos Jardins, sempre separadas da “casa grande”) eassim por diante, ao incidirem sobre áreas tombadasou seu entorno (veja-se igualmente como exemplo ocaso sintomático da Serra do Mar), também favorecema elitização e, portanto, a exclusão.

Outro caso, este relativo à área envoltória de bemtombado (o Instituto Biológico, em Vila Mariana)também é altamente sintomático. Na discussão sobre

os ângulos de visão para determinar critérios devisibilidade e destaque do bem protegido, muitoshabitantes da vizinhança, em audiência pública naAssembléia Legislativa em julho de 2002, insistiramna necessidade de garantir o panorama comodesfrutável a partir de seus apartamentos – pretensãoque seria legítima se não fosse a única defendida e,sobretudo se não excluísse, com desprezo manifesto,a possibilidade de visão do transeunte, do nãohabitante: “eles estão-se lixando com o InstitutoBiológico”, foi o argumento de um dos manifestantes.Como se vê, quando útil, reconhece-se a existência donão-público...

Seria demagogicamente absurdo tanto deixar detombar bairros de elite, quanto promover o tombamentode bairros da periferia ou favelas14. No entanto, jamaisse pensou na responsabilidade de proteger, em áreasde menor expressão urbana, qualidades efetivas aosolhos dos habitantes – e, eventualmente, também dostécnicos, por que não? Ocorre que, para tanto, osinstrumentos habituais da preservação (tombamento,listagem, desapropriação, documentação e similares)não são apropriados. É necessário, portanto, inventarrecursos para a promoção cultural das áreas pobres.

14 Há notícia, no interior do Estado (Piracicaba), dotombamento municipal, em favela, de um barraco depersonalidade que desempenhou papel relevante nacomunidade e se tornou referência espacial e afetivade grande importância.

Panorâmica dos Bairros Jardins na capital paulista - Foto Victor Mori

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52 IPHAN

A mercantilização da cidade15

Uma forma menos sutil de privatização é amercantilização da cidade, com o álibi de seu interessecultural. Sendo a cidade, por excelência, o centroparoxístico do consumo, a paisagem urbana nãopoderia deixar de sofrer os influxos de mecanismosque tudo transformam em commodity. Surge assim,no século passado, o marketing urbano (A.C.Ribeiro &F.S.García, 1996; García, 1997). Apresso-me aesclarecer que ele tem no turismo um foco importantede interesse, mas não único. Também se vende a cidadepara seus próprios habitantes (a principal motivaçãoseria então política, mas ela pode dirigir-se aempresários de todo tipo, investidores, emigrantesde perfil conveniente, estratégias geopolíticas, etc.).

O exame do conteúdo de duas obras recentes nosfacilitará um esboço desta questão que, pela suaimportância crescente, mereceria mais espaço do queaqui lhe cabe. São duas obras de títulos quaseidênticos. A primeira, de autoria de G.J.Ashworth eH.Voogd (1990), intitula-se A venda da cidade: aabordagem de marketing no planejamento urbanodo setor público. A segunda, uma coletâneaorganizada por Gerry Kearns e Chris Philo (1993) tempor título A venda de lugares e, por subtítulo, A cidadecomo capital cultural: passado e presente.

Ashworth (economista e geógrafo inglês, professorde planejamento urbano e regional) e Voogd (holandês,professor de planejamento urbano e geografia urbana)declaram dirigir-se a arquitetos, urbanistas e órgãosde planejamento para introduzi-los ao mercado e suasexigências. Com efeito, um corolário da competição éque as cidades se transformaram elas próprias emprodutos, que devem ser “marquetados” para atrairclientela: tem-se que passar, dizem, de uma políticade oferta para outra, de demanda. O cliente é rei. Porisso afirmam sem rodeios que o planejamento urbano,ao invés de partir de levantamentos sócio-econômicose de responsabilidades assumidas por um poderpúblico hoje substituído pelo empresariado, deveaproveitar-se de pesquisas de mercado para formularas imagens que venderão o novo espaço construído.O marketing da cidade se erige, então, em instrumentode planejamento. O primarismo dos argumentos e acompetência dos métodos e técnicas propostosjustificam alto nível de apreensão quanto ao custo socialde um planejamento desse teor.

Mais uma vez, no mínimo impõe-se como perspectivaresponsável uma atuação solidária com as demaisinstâncias que operam segundo políticas públicas deinclusão social.

Estas considerações ganhariam mais pertinência se,dentro da lógica do que até aqui se expôs, órgãospúblicos como Ministério ou Secretarias de Cultura,tivessem como responsabilidade não apenas aadministração de instituições e eventos “culturais”,mas, sobretudo, a identificação da dimensão culturalem todas as políticas públicas de um governo, seuaproveitamento e sua articulação. Nesse quadro, muitopouco sentido tem a formulação de políticas culturaispróprias: são as demais políticas que devem, todas,repita-se, levar em conta a dimensão cultural. Não setrata de utopia, mas de diretrizes que, para seefetivarem, teriam que implodir feudos e desfazerbarreiras, além de requerer pessoas dispostas a umenorme investimento intelectual e a uma sólida vontadepolítica.

Um último exemplo pode servir para demonstrar comosão infindáveis os recursos pelos quais a proteção dopatrimônio cultural pode acarretar, involuntariamente,desequilíbrio e, não, equilíbrio social. O tombamentodo Parque Burle Marx, em São Paulo, fez surgir emsua periferia, e de forma legal, uma muralha de prédiosrecém-construídos ou em construção, que se valemdos benefícios da proteção assegurada pela ação doEstado como instrumento de agregação de valor. Seespeculação é um retorno sem investimento, trata-se,aqui também, de um processo especulativo induzidopela ação protetora do poder público, que provocaprivatização de benefícios e favorecimento daexclusão.

Casos como estes mostram que é preciso buscarurgentemente alternativas para esses efeitossocialmente perversos – ainda que involuntários - dotombamento. Faz-se assim, imprescindível pensar, porexemplo, em políticas fiscais que não somente, nassituações respectivas, multipliquem as isenções, mastambém promovam compensações fiscais pelo valoragregado.

15 Retomo, aqui, argumentos já expostos num quadro maisamplo de problemas sobre a paisagem urbana e apaisagem em geral, como fato cultural (Meneses, 2002).

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53Patrimônio: Atualizando o Debate

O livro de Kearns e Philo (ambos geógrafos ingleses),inclusive por sua natureza de coletânea, é mais flexívele diversificado na aparência, mas não menosfundamentalista no tributo que paga à religião domercado. Seu propósito é estudar o capital cultural delugares e cidades, e as formas pelas quais autoridadespúblicas e empresas “manipulam os recursos culturaispara ganhos de capital” (ib.: ix), seja convertendo-osem commodities que podem ser compradas evendidas, seja utilizando-as como iscas para captarinvestimentos de industriais, turistas e comerciantes.A isto se acrescenta a importância dos recursosculturais para arquitetar consenso entre os residenteslocais, “o sentimento de que, além das dificuldadesdiárias da vida urbana que muitos deles podemexperimentar, a cidade está basicamente fazendo oque deve por seus cidadãos”... O tripé cultura, históriae capital, se articula em harmoniosa solidariedade: osautores se preocupam com a história porque, localizadana paisagem, ela confere densidade à cultura e assimfacilita a “venda dos lugares”. Esta visão, sem sombrade dúvida, representa o fim da cidadania e oanacronismo da atividade política. Há mais, contudo,pois se chega a uma perspectiva especializada, quese dirige diretamente ao campo do patrimônio culturale está progressivamente ganhando terreno no mundotodo: a denominada gentrification. Literalmente apalavra quer dizer o processo de nobilitação (relativa,pois gentry, na Inglaterra, designa a pequena nobreza)de algo desprovido de títulos ou, mesmo, em situaçãode carência. Aqui, significa reabilitação urbana deáreas de interesse cultural mas degradadas, comoinvestimento em que se espera que o retorno reflita ovalor cultural agregado. O capítulo que introduz agentrification, de Reid & Smith (1993) tem um título acaráter: “John Wayne” (o caubói titular de Hollywood)“topa com Donald Trump” (o megaespeculadorimobiliário). Sem demonstrar adesão, mas com umaneutralidade suspeita, os autores descrevem projetosde reabilitação do Lower East Side de Nova Iorque,utilizando largamente a mitologia da fronteira comomeio para legitimar a presente “colonizaçãoeconômica” dessa zona “exótica, chique, perigosa eselvagem”. O empreendimento que assim transferepara Manhattan o imaginário histórico da conquistado Oeste, se transforma numa ação cultural,civilizatória, da sociedade branca contra a mentalidadede terceiro mundo (third worlding) que predominava.

A gentrification, tem provocado entusiástico furor naspolíticas oficiais de preservação de paisagem epatrimônio ambiental urbano. Deve-se acrescentarque, entre nós, o enobrecimento de áreas, com o fito

de assegurar ao patrimônio o estatuto de mercadoriarentável se tem feito com fundos (ou infra-estrutura)públicos em parceria com interesses privados.Exemplos sintomáticos são os casos da “reabilitação”urbana do Pelourinho, em Salvador (declarada“patrimônio da humanidade”, pela UNESCO) ou dobairro do Recife antigo (tombado pelo IPHAN),agudamente analisados por Rogério Proença Leite(2004).

A gentrification é dos mais eficazes e sorrateiroscaminhos para a exclusão social, com o beneplácitodo interesse cultural e a omissão dos órgãos depreservação.

UMA PALAVRA DE ORDEM:COTIDIANO E TRABALHO

Não seria mera busca de efeito retórico terminar estasreflexões realçando que o cotidiano e o universo dotrabalho são a melhor bússola para assegurar o rumolegítimo e eficaz nas ações governamentais no campodo patrimônio ambiental urbano – inclusive paracolaborar com as políticas públicas de inclusão social.Victor Hell (1989: 11-15), ao analisar o papelproblemático das casas de cultura, na França, mesmoem sua época áurea (quando Malraux as caracterizavacomo “as catedrais do século XX”), conclui que eranecessário focar a atenção no pólo inverso: “a culturanas casas”. Seria, entretanto, rigidez ideológicapretender a desativação das casas de cultura, parairrigação da cultura nas casas. As duas tarefas nãoprecisam se excluir, mas a primeira não pode serbeneficiada como prioritária, ou pior ainda, comoexclusiva.

Seja como for, o caminho mais seguro para criar, nocampo do patrimônio cultural, condições maisfavoráveis para a inclusão social é, sem qualquerdúvida, o reconhecimento da primazia do cotidiano edo universo do trabalho nas políticas de identificação,proteção e valorização, e, conseqüentemente, demaximização do potencial funcional.

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54 IPHAN

COMENTÁRIO 1:

O patrimônio cultural e seus usos nascidades contemporâneasAntonio Augusto Arantes Neto

Professor Titular de Antropologia / UNICAMP, ex-Presidente do IPHAN, ex-presidente do CONDEPHAATe da Associação Brasileira de Antropologia

A reflexão que venho desenvolvendo sobre opatrimônio cultural e minhas atividades de gestor nessaárea têm contribuído para sedimentar idéias quereencontro no amplo e competente ensaio que ancora opresente debate. Essa convergência é um fato que, desdelogo, merece destaque, pois além das afinidades pessoais,ela sugere que no Brasil possivelmente cristaliza-se umaagenda compartilhada no campo da preservação.Entretanto, a explicitação de algumas diferenças deperspectiva existentes entre nossas abordagens poderácontribuir para o aprofundamento da base teórica econceitual deste campo, como pretende esta oportunainiciativa do IPHAN/SP.

Nossas visões não se contrapõem no fundamental.Partimos, ambos, do pressuposto de que a cidade éproduto (e, eu acrescentaria, produtora) de processosculturais e, o patrimônio, um fato social. Deste pontode vista, é necessário considerar esses fenômenos (aprodução das cidades, a experiência urbana e opatrimônio ambiental urbano) no contexto das práticassociais que os criam e lhes conferem sentido. Asdiferenças decorrem, a meu ver, do posicionamento queadotamos em face de alguns aspectos importantes daproblemática daí decorrente.

Em termos sociológicos, o núcleo dessa diferenciaçãoencontra-se na importância que atribuo à interface dapreservação, enquanto prática exercida por agênciasgovernamentais, com os processos que configuramefetivamente a inserção do patrimônio ambiental urbanona produção das cidades contemporâneas e na formaçãoda experiência social que nelas se configura. Entendo,também, que a prática institucional da preservação(A.Arantes, 1989) acarreta necessariamente a consolidaçãode arenas políticas onde os diversos sujeitos envolvidosdesenvolvem estratégias e assumem posicionamentosconflitantes; essas arenas incluem, entre outros, osconselhos de patrimônio, as câmaras legislativas, asprefeituras municipais e os meios de comunicação. Na

reflexão, assim como na gestão, coloco no primeiroplano as tensões que se corporificam nessas arenas.Considero-as constitutivas do objeto aqui focalizado edelas decorre um conjunto de parâmetros para aformulação e implementação de políticas e programassetoriais.

Para explicitar o meu raciocínio afirmaria, inicialmente,que desse ponto de vista colocam-se questões em pelomenos três níveis de abstração, a saber: (1) quanto àscondições históricas e materiais de formação, em seuscontextos de origem, dos bens culturais focalizados pelaprática patrimonial e os valores a eles atribuídos nessescontextos sócio-culturais, (2) sobre os processos detransformação desses bens em objetos oficialmenteprotegidos, incluindo identificação, documentação,proteção e promoção (3) quanto à sua re-apropriação –prática e simbólica – por grupos sociais concretos emcircunstâncias determinadas.

Emerge, nesta perspectiva, a natureza ativa dapreservação, tanto em termos de sua produtividadesimbólica e econômica quanto reflexa, no que diz respeitoàs suas conseqüências sobre atitudes e valores,especificamente na esfera da política e da ideologia.Observa-se que esses efeitos ganham sentidosespecíficos, por vezes inesperados, no âmbito da vidalocal; portanto, este é um aspecto crucial para acompreensão e implementação das práticas patrimoniais.Destaca-se a dimensão de recurso material e simbólicodo patrimônio e, em decorrência disso, o fato delenecessariamente pertencer a determinados indivíduosou a coletividades, assim como questões relativas aosdireitos que lhe estão associados. Esses direitos não sereferem somente à propriedade imobiliária, mastambém, por exemplo, à condição de habitar áreas deinteresse patrimonial. Articulam-se necessariamente aesta problemática temas como a eficácia e asustentabilidade das políticas de preservação e suasarticulações com as políticas urbanas.

Essa concepção parte de uma visão necessariamenteintegrada do patrimônio. Tornam-se objetos relevantesà preservação não só as coisas tangíveis (móveis ouimóveis), mas também os conhecimentos e os modosde fazer contidos em sua produção, as formas deexpressão que nelas se manifestam, o trabalho e ascelebrações que se apropriam dos espaços urbanos,criando os lugares e realimentando a dinâmica dasidentidades. Uma tal concepção do patrimônio, que

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55Patrimônio: Atualizando o Debate

1. O patrimônio cultural resulta de um tipo particularde prática social, a “preservação”. Como toda prática,ela consiste em sistemas de ação simbólica17, quesão desenvolvidos por sujeitos (indivíduos einstituições) estruturalmente posicionados. Elasocorrem em determinados contextos (arenas ousituações sociais), a partir de motivações e estratégiasque são moldadas por sistemas de forças sociais (cf.M.Sahlins, 1981; A.Giddens, 1984; E.Archer, 1988;A.Bernstein, 1988). Cabe indagar, portanto, quaissão os objetos dessa prática, quais são os seusagentes, em que condições e quadro institucional elaé implementada, e que valores põe em movimento.

2. Enquanto atividade oficial, ela é implementada portécnicos e especialistas, a partir das diversas instânciasda esfera pública (municipal, estadual, nacional oumultilateral). Estes atores têm poder e legitimidadepara atribuir (ou não) valor patrimonial adeterminados bens culturais que, necessariamente,pré-existem a tais práticas.

3. Assim, a preservação instaura o seu próprio objeto- o patrimônio – sobrepondo sentidos públicosamplos e abrangentes a outros, previamenteatribuídos pela população no âmbito local. Torna-se constitutiva do bem patrimonial a tensão que seforma entre os sentidos enraizados nas práticas dosgrupos sociais que os detêm nos contextos deorigem, e os que são atribuídos pelas agênciasinstitucionais.

4. A preservação não reconhece e oficializa,simplesmente, significados e sentidos preexistentes.Ela põe em prática critérios, concepções e valoresque, por pertencerem a campos de conhecimentoespecializado (arquitetura, urbanismo, história,arqueologia, antropologia, museologia, entre outros)são com freqüência externos à cultura comum. Osparâmetros orientadores da atividade governamentalpodem validar valores e concepções próprios dedeterminadas classes ou segmentos sociais, ou quesejam mais amplamente compartilhados pela nação.Eles podem ser absorvidos pela população e se tornarparte da cultura comum.

5. Conseqüentemente, as decisões de preservar e decomo fazê-lo podem não estar de acordo com valoresvigentes no meio social a que os bens preservados

agrega e integra aspectos físicos e simbólicos, gente eterritório, permite entender, por exemplo, os processospelos quais certas edificações tornam-se indissociáveisdos usos e valores que lhes são associados (A. Arantese M.Andrade, 1981) ou pelos quais certos espaços(naturais ou edificados) transformam-se em paisagens,ambientes ou ambiências de valor social diferenciado(A. Arantes in Simbios, 2000).

Se, por um lado, a ampliação da abrangência daproblemática do patrimônio decorrente de umaabordagem como a que proponho, pode dificultar acompreensão das relações específicas entre patrimônioe ordenação urbana, tarefa que Bezerra de Menesesdesenvolve em seu ensaio com maestria, por outro, elacontribui para o entendimento dos efeitos dapreservação sobre importantes aspectos da economia,da política e da vida cotidiana nas áreas urbanaspreservadas. Estas são, também, dimensões essenciaisdo patrimônio ambiental urbano, enquanto artefatocultural.16

Para desenvolver o argumento, será conveniente retomaro ponto de partida. Apresentarei essas idéiasesquematicamente, como um conjunto encadeado deproposições, valendo-me da excelente agendaapresentada pelo texto de referência e recorrendo atrabalhos publicados anteriormente para indicaresclarecimentos e aprofundamentos que se mostremnecessários.

Então, retomando:

16 Utilizo a noção de experiência no sentido dado porE.P.Thompson, segundo o qual ela é vivenciada comosentimento e trabalhada na cultura como normas,obrigações, valores e reciprocidades, tal como nas artesou nas convicções religiosas, “podendo ser descritacomo consciência afetiva e moral”. (A miséria da teoria,p.189).

17 Este conceito, formulado pelo crítico Keneth Burke eextensamente utilizado por Clifford Geertz, aponta paraa articulação necessária entre os aspectos pragmáticose poéticos do real, permitindo compreender osmecanismos pelos quais os significados tornam-se partedas práticas que constituem a experiência humana.Entre outros ver C.Geertz (1980: p.123; 1983: p.31-31).

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inicialmente pertencem. De fato, inúmerosproblemas do campo decorrem desse fato; masalgumas soluções também. Há inúmerosindicadores da permeabilidade existente entre essesdiferentes planos da realidade, a saber, o processocultural e a prática profissional. Entre eles destacam-se certamente, por um lado, o fortalecimento noâmbito da opinião pública da ideologiapreservacionista, assim como a legitimação daprecedência do interesse público sobre o direitoprivado de propriedade. Vale lembrar mais uma vezque esse princípio foi implementado pela prática dotombamento, que hoje é entendida como legítimaperante a opinião pública e âncora do exercíciodemocrático da preservação, e foi instituído em 1937,no contexto autoritário e nacionalista do períodoVargas.

6. Para a população, o que vem a ser objeto da práticade preservação, apresenta-se com freqüência comorecurso material ou simbólico integrado à vidacorrente. Trata-se de processos e artefatos queincorporam sentidos simbólicos locais e apresentampotencialidades práticas de uso para os seusdetentores, usuários ou proprietários. Essaafirmação genérica vale também para as cidades.

7. A idéia de patrimônio foi inicialmente legitimada juntoà nação brasileira a partir da construção discursiva daimportância incontestável de monumentos artísticose documentos históricos de valor excepcional. Nosanos 1970, como indicam as cartas patrimoniais deBrasília (1970) e de Salvador (1971), um dosprincipais desafios da preservação passou a ser acriação de uma rede institucional - ainda no âmbitogovernamental – que possibilitasse o exercício dessaatividade como responsabilidade concorrente daUnião, Estados e Municípios. Dá-se efetivamenteinício, então, a uma ampliação das instâncias oficiaisque passarão a dar abrangência nacional ao campo.Na retomada do processo democrático, em fins dosanos 1970 e início dos 80, a preservação ganhouuma clara inflexão política e ambiental (no sentidoamplo do termo), passando a estar associada à defesada qualidade de vida urbana (considere-se, porexemplo, o tombamento de áreas naturais e de bairrosda cidade de São Paulo focalizado no artigo dereferência) e afirmação de identidades não-hegemônicas. Nesse período, a palavra de ordem

passou a ser “participação”, ou seja, tratava-se depromover a articulação dos órgãos de preservação(sobretudo o federal) com a população, que já começaa ser identificada em sua diversidade regional e sócio-ambiental (considere-se, por exemplo, os projetosdesenvolvidos pelo Centro Nacional de ReferênciaCultural, da SPHAN/Pró-memória em regiõesdistantes dos grande centros urbanos do país).

8. Mais recentemente, a questão passou a incluir outrasrealidades, pois a sociedade brasileira mudou muitonas duas últimas décadas. A concepção depatrimônio enquanto recurso, que tem sido tãoproblemática para os órgãos de preservação quantoamplamente difundida entre a população, torna-sehoje cada vez mais central para as políticas eprogramas do setor. O patrimônio épredominantemente interpretado, na ação e nodiscurso de amplos setores sociais, como valor detroca, no sentido comercial e político do termo. Estãoem curso, em contextos urbanos e outros,importantes processos de revalorização da diferença,sobretudo a que se associa ao patrimônio cultural.Tais processos se evidenciam tanto na crescenteagregação de valor simbólico a bens e serviços, quese tornam cada vez mais culturais, seja em açõesafirmativas promovidas por diferentes gruposétnicos, o que inclui a re-politização da noção deraça. No riquíssimo e freqüentemente conflituosoprocesso de formação de tradições reinventadas e deconstrução de novos sentidos de identidade e delugar (Arantes, 2000) em que vivemos, a nova palavrade ordem ou, talvez melhor, a reivindicação maisdestacada é “protagonismo” e, com freqüência, oobjetivo desejado é a geração de renda, senão lucro.Explicitaram-se, de modo pleno, os sentidos políticoe econômico da preservação.

9. Nesse contexto mais geral, situo o objeto específicodas reflexões de Bezerra de Menezes, o patrimônioambiental urbano, nos três planos propostos noartigo em debate: enquanto artefato, campo de forçase representações. E na interseção dos nossosinteresses vale destacar que a associação do conceitode ambiente ao de patrimônio urbano introduz essaimportante dimensão intangível à realidade de pedrae cal. E, reconhecendo no espaço urbano mais doque cenários exteriores da vida cotidiana, este pontode vista abre-se aos sentidos de lugar que os grupos

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de raridade, singularidade e de expressão do quepara determinado grupo social possa representar osagrado. Nessas circunstâncias, é muito provável quea inserção desses bens em programas de reabilitaçãourbana valorize suas potencialidades funcionais oucomunicativas, mais do que ou em detrimento desua importância para o habitante comum da cidade.Esta é uma tendência freqüente que, por seus efeitossobre os bens preservados (banalização) e sobre osprocessos culturais (expropriação) precisa sercontrolada.

14. Pensar o patrimônio enquanto recurso não énecessariamente vinculá-lo ao mundo da especulaçãoe dos grandes negócios. É certo que mega-empreendimentos imobiliários urbanísticos eturísticos valem-se dessa tendência e a estimulam.Mas é também verdade que programas de geraçãode renda, de consolidação da cultura pública e devalorização da cidadania nutrem-se e buscam eficáciano fortalecimento do que a população pode fazer,com os recursos de que dispõe e quetradicionalmente acumulou, nos lugares onde vivee em seu próprio modo de vida. O patrimônio servetambém – e principalmente, como a história mostra- para se desenvolver a cultura pública e, por isso, eledeve ser valorizado. Nesse sentido o patrimôniourbano mostra-se bom para o desenvolvimentosustentável e para a civilidade.

15. O modo de gestão do patrimônio é o que torna ounão viável habitar os sítios urbanos preservados eao mesmo tempo preservá-los segundo os critériostécnicos estabelecidos, não a circunstância dele tersido declarado patrimônio. Cidades históricas comoDiamantina e Goiás Velho têm sido exemplos deque os sentidos de mercado e de lugar podem seequilibrar de modo eficiente. Há vários outros,inclusive em situações de alto grau de urbanização,como é o caso de Olinda.

16. A diferença entre estas duas tendências, o uso dopatrimônio para a produção de valores de mercadoe para a geração de melhores condições de vida, é asustentabilidade. Este conceito foi consagrado pelaprática ambientalista e deve, com urgência, serincorporado pelos programas de preservação e depromoção do patrimônio cultural. Aliás, a exigência

sociais associam às estruturas materiais (naturais ouedificadas), articulando-as aos projetoscompartilhados e aos conflitos que nutrem oconstante refazer das identidades sociais (Arantes2000b).

10. É oportuno retomar, no contexto do patrimôniourbano, algumas questões relacionadas ao sentidode lugar construído nas cidades pela experiência dehabitá-la, sobretudo em uma conjuntura como aatual que é freqüentemente identificada comotempos de desterritorialização. A ruptura dos vínculospermanentes e supostamente necessários com oterritório de origem não significa necessariamentedesterro. Isto por que não se vive em abstrato, novácuo, mas efetivamente em determinado marcoespaço-temporal onde os vínculos de localização, osritos do lugar, são constantemente refeitos. Eis oque permite aos seres humanos reconstruírem, ondequer que eles vivam, como afirmou F. Guattari(1996), “um elo particular com o universo e com avida” e “se recomporem em sua singularidade,individual ou coletivamente”.

11. O conhecimento dos processos sociais deapropriação da natureza, espaços ou edificações éfundamental para o norteamento das políticas depreservação. É a partir desses processos, em seusaspectos simbólicos e práticos, que elas podemcontribuir para o fortalecimento da cidadania pois énos lugares apropriados ao espaço urbano pela vidacotidiana que brotam, florescem e frutificam as raízesdo pertencimento.

12. Os bens culturais encontram-se necessariamentesituados - e esta é mais uma concepção quecompartilho com o texto de Bezerra de Menezes -em contextos espaço-temporais reconhecíveis:localizam-se em territórios específicos, integramatividades de grupos sociais determinados e sãosuportes de significados e sentidos que sãoconstruídos e transformados por essas mesmasatividades e pelas estruturas de relacionamento socialque as ordenam.

13. A inserção do patrimônio no mercado reforça – e,em determinadas situações, pode levar ao limite – osentido alegórico e descartável dos bens patrimoniaismais do que o simbólico, associado à sua condição

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de sustentabilidade implica na explicitação daresponsabilidade social dos agentes individuais einstitucionais da preservação. Nesse sentido, torna-se oportuno recuperar - no caso específico dopatrimônio ambiental urbano - a perspectiva daconservação integrada, que vem sendo estimuladapela UNESCO e pela Organização das Cidades doPatrimônio Mundial.

17. Conforme argumentei em outro trabalho (Arantes,1999), partindo da definição formulada peloRelatório de Brundtland18, a sustentabilidade socialdas políticas de patrimônio deve considerar pelomenos os seguintes aspectos:Democracia. As políticas de preservação dopatrimônio, como as de desenvolvimento humanoe social de modo geral, têm importante interfacecom a formação e re-configuração de identidadessociais. Por essa razão, o modo como seimplementam as ações de proteção e salvaguarda,isto é, o modo de relacionamento que se estabelececom a sociedade, é tão importante quanto aqualidade das obras de restauração e reabilitaçãofeitas nas estruturas arquitetônicas e urbanísticas. Aidentificação e documentação dos bens preservados,se realizada em conjunto com a sociedade, podecontribuir para que as ações atendam as expectativase necessidades das agências de preservação e dapopulação local, criando condições para maiorabrangência, qualidade e continuidade dos resultados.

Responsabilidade social. A reabilitação de umaárea urbana pode gerar (e tem geradofreqüentemente) concentração de riqueza e, aomesmo tempo, exclusão19. Esta tendência deve sercombatida para a própria garantia e rentabilidadedos investimentos, assim como para o atendimentoda função social dos empreendimentos realizados.

Cidadania. É necessário enfrentar com isenção osconflitos de interesse e as tensões existentes nosmeios sociais afetados pela preservação, assim comoestimular a participação social diversificada nasdecisões e na execução das políticas do patrimônio.Será problemático motivar a população a aderir aosprogramas de preservação se não houver garantia desua condição de protagonista dessas ações e o acessoefetivo dos participantes aos direitos associados aopatrimônio (direito à diferença, de continuarresidindo em sítios preservados e áreas urbanas re-qualificadas etc). Para serem socialmentesustentados, os sentidos de lugar e de pertencimentonão podem ser realidades de vitrine, feitas para omercado.

18 Segundo a qual desenvolvimento sustentável é aqueleque atende as necessidades presentes, semcomprometer a habilidade das gerações futuras ematenderem as suas próprias necessidades.

19 Cf. trabalhos realizados pela linha de pesquisa “espaçoe poder” do Projeto Identidades: re-configurações decultura e política, sob a direção do autor no Centro deEstudos de Migrações Internacionais da UNICAMP.Especialmente Marcelo N. Oliveira, Avenida Paulista:a produção contemporânea de uma paisagem de poder.UNICAMP: Programa de Mestrado em Antropologia,1998 (293 páginas); Rogério Proença Leite, Espaçopúblico e política dos lugares. UNICAMP: Programade Doutorado em Ciências Sociais, 2001 (389 páginas);A. A. Arantes, org., O espaço da diferença. Campinas:Editora Papirus, 2000.

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59Patrimônio: Atualizando o Debate

Concordo com a questão da fruição (quem frui o que?),das cascas cênicas, do turismo-mercadoria a que Ulpianose refere. Ainda que a classificação de Patrimôniosculturais da humanidade represente um valorcosmopolita e universal, o problema reside em comoestendê-lo a todos. Basta presenciar o que ocorre emSão Luiz, Ouro Preto, Olinda, para identificar a ausênciade qualquer tipo de preocupação sócio-educativa paracom os habitantes locais. Se há inúmeros diagnósticospara a questão, o principal deles reside no design que osórgãos estatais apresentam. Integrantes do aparato deEstado, dividem-se em federais, estaduais, municipais.Por vezes, se associam, por outras não se entendem.

Resultado disso é que não conseguem religar parte etodo, definir o que deve ou não ser considerado comobem cultural municipal, estadual ou nacional. Pode-seargumentar que, caso não existissem, nossa história játeria sido varrida da memória de todos, dada a voracidadeexterminatória que comanda a ideologia do progressoglobalizado. É verdade. Se houvesse sintonia mínimaentre as três esferas, seria possível criar ações educativasconscientizadoras da prioridade e da urgênciapreservacionistas. Com isso, as gerações do futuropoderiam iniciar seu percurso educativo-pedagógicoimbuídas da prioridade da defesa biocultural, dasustentabilidade, da religação de conhecimentos, dasuperação das dualidades entre a natureza e a cultura.

O problema da representação nos Conselhos éilustrativo dessa dessintonia. Enquanto a sociedade civilnão tiver acento e voz em decisões que as afetam, opreservacionismo no Brasil soará como algo elitista,classista, imperial, prejudicial para os investimentosfinanceiros, como infelizmente ainda se constata emdiscursos oficiais messiânicos e populistas. Veja-se, porexemplo, o que ocorre com a Sala São Paulo, sede daorquestra sinfônica estadual e do próprioCONDEPHAAT. Gradativamente, seu uso como sedede festas de casamento, eventos midiáticos (moda,publicidade) vai afastando o local do conjunto dapopulação. Seria mais conveniente que a utilização dessebem tombado fosse redirecionada para as múltiplasmanifestações da musicalidade, aberta a todos, semdistinção do que ainda possa ser classificado comoerudito ou popular, mesmo que a letra da lei não definaexplicitamente a forma de uso de qualquer bemtombado.

COMENTÁRIO 2:

Edgard de Assis Carvalho

Professor Titular de Antropologia PUC/SP,coordenador do Núcleo COMPLEXUS, ex-presidentedo CONDEPHAAT

Uma das polêmicas questões do texto A cidade como bemcultural, de Ulpiano Bezerra de Meneses, reside noentendimento do conceito de cultura. Caro àAntropologia, o conceito foi e continua sendo entendidodo modo diferencial: no final do século XIX, constituio somatório de itens que abrange economia, tecnologia,relações sociais em sentido amplo; nas primeiras décadasdo século XX, passa a ser identificado à satisfação denecessidades básicas, concretizada em instituições. Navirada da primeira metade do século passado, constituium conjunto descritivo composto por ações objetivasconscientes, mas também por dimensões ocultasinconscientes. Por volta dos anos setenta, passa a sersuperestrutura determinada por esferastecnoeconômicas. Apenas em décadas recentes, entende-se a cultura como praxis cognitiva planetária, a partir daqual se concentram as ações de seres vivos, humanospreferencialmente, pois ao que tudo indica os macacostambém possuem cultura.

Identifico-me com essa última acepção. Esse registrofaz com que sejamos necessariamente atravessados pordois itinerários: um racional-lógico-dedutivo, outromítico-mágico-imaginário. Longe de serem consideradoscomo excludentes, os dois interagem mutuamente, nemsempre harmonicamente. A cultura se nutre, se expande,se retrai, se retroalimenta a partir desse diálogo nemsempre harmônico e funcional. Aqui reside umaprimeira observação ao texto. No meu entender, a cidadenão é apenas um bem cultural, mas uma expressãobiocultural, em que natureza e cultura se encontramnecessariamente imbricadas. Talvez por isso, as açõespreservacionistas aceitem acriticamente a distinção entrebens materiais e imateriais, tangíveis e intangíveis,concretos e abstratos e tantas outras dualidades queselam o paradigma car tesiano. Nesse contexto, aexistência de dois conselhos - CONDEPHAAT eCONSEMA - soa como algo ultrapassado, retrógrado,como se ainda estivéssemos vivendo no velhoparadigma.

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Ulpiano aponta, com razão, Os problemas das áreasenvoltórias. Embora o decreto 13.426/79 seja enfáticoquanto ao raio de 300 metros, podem-se contar nosdedos os locais em que isso acontece. É óbvio que apreservação do entorno é fundamental. Talvez fossenecessário estabelecer escalas envoltórias mínimas,inegociáveis, para tombamentos futuros. Veja-se, porexemplo, o caso do Masp, dentre tantos outros. Hádécadas que a remoção de painéis publicitários édiscutida. Negligência dos órgãos? Passividade docidadão? Sem vilanias, uma ação direta de retirada dospainéis, campanhas valorizadoras dos bens culturaisseriam começos saudáveis, pedagógicos, para tentarsolucionar a questão. Talvez seja essa a ênfase que Ulpianoempresta à expressão “politizar a sociedade”.

Concordo com a idéia de se entender a cidade como“objeto complexo”. O que é, porém, um objetocomplexo? Vejamos, em primeiro lugar, a etimologiada palavra. Complexo origina-se do latim complexus;significa juntar, religar, articular. Nesse contexto, adistinção patrimônio cultural x patrimônio natural cailiteralmente por terra. Planos diretores orientados poressa visão deveriam empenhar-se, antes de mais nada,em acionar a religação, para depois operacionalizá-la emleis, decretos, simpósios, conselhos e, não o contrário,como ocorre em políticas preservacionistasfragmentadoras e relativistas.

Vamos à Agenda proposta no texto.

1. MulticulturalismoO conceito é figura de proa em teorias das ciênciashumanas denominadas pós-modernas. Discordo deleintegralmente. Considero-o como um dos responsáveispela apologia da fragmentacão das idéias e conceitos. Aidéia é incompatível com o entendimento que defendoda cidade como objeto complexo. O simples direito àdiferença absolutiza. O relativismo, conforme afirmaçãodo autor, investe em conceitos frágeis, a-históricos comoos de lugar, tribo, etnia. Produz fragmentações defragmentações, diferenças de diferenças, proliferaidentidades intransigentes e regressivas, aumenta aentropia. O todo e a parte constituem unidadeindissolúvel, integram uma totalidade única entendidacomo praxis cultural planetária, na qual o universal e oparticular são aspectos de uma mesma e única realidade.Alimenta-se de ordens, desordens e reorganizações,como todo o mundo vivo, aliás.

2. Tombamento de bairrosMinha concordância é quase integral com a proposta.Gostaria de dimensionar a questão de outro ângulo. Otombamento dos Jardins, Pacaembu e outros que seencontram em estudo constituem medidas precautóriascontra o avanço desmesurado da especulação imobiliáriaque desconhece limites éticos e estéticos. Radicalizandoa questão, é forçoso constatar que São Paulo tornar-se-á uma megalópole inviável em décadas próximas dopresente século, se os níveis especulatórios continuaremno ritmo em que se encontram. Olhando-sedetidamente o decreto do Pacaembu, par exemplo, lá seencontra escrito que o tombamento objetiva tambémgarantir condições menos drásticas e aviltantes depoluição para a cidade como um todo, pois mantémáreas verdes, restringe gabaritos.

Nesse sentido, pode-se argumentar que o shoppingHigienópolis, área envoltória do Sion, foi um contra-senso aprovado pelo Conselho, ainda que não o fossepor unanimidade. Na ocasião, a argumentação doincorporador de que se tratava de um shopping devizinhança era, e continua sendo, uma falácia. OHigienópolis é igual a tantos outros que se espalhampela capital e pelo interior, locais por excelência em que omarketing explora pulsões incontroláveis do consumoconsiderando-as como a única forma de realização dosdesejos humanos.

É inegável que as maiores cidades brasileiras - Rio e SãoPaulo - vão se transformando em cidades-fortaleza,aquarteladas, vigiadas, inseguras. A fruição do flâneurconsagrada por Baudelaire se inviabiliza a cada dia. Nãose trata de culpabilizar apenas o capitalismo e aglobalização pela produção desses atos regressivos, masé forçoso reconhecer que o trinômio cultura-história-capital foi substituído pelo quadrinômio ciência-técnica-indústria-política. Esse é o fio condutor do mercado eda informação, convertidos em paradigmas do mundo.Discutí-lo é primordial, desde que a aceleração cotidianaseja substituída pela eco-alfabetização e pela eco-educacão. Trata-se de uma reversão do paradigmadominante que virou as costas para o sujeito, para amemória, para o imaginário. Se fosse possível introjetaro princípio máximo da ética kantiana — não faça aosoutros, aquilo que você não deseja que seja feito para

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61Patrimônio: Atualizando o Debate

COMENTÁRIO 3:

Os diferentes planos da cidade comobem culturalJosé Guilherme Cantor Magnani

Professor de Antropologia da FFLCH/USP

Ulpiano B. de Meneses começa o capítulo “A cidadecomo bem cultural” com duas observações preliminares:a de que seu texto, para suscitar debates, deveriaincorporar tópicos capazes de gerar controvérsias; e que,para colocar as questões nessa perspectiva, seria precisoapresentar uma série de conceitos e categorias sem quefossem, entretanto, tomados como uma tentativa desumma.

Começando por esta última questão, considero que aexposição dos conceitos, das premissas e do quadroonde discute questões referentes à preservação dopatrimônio em geral e do patrimônio ambiental urbanoem particular, constitui uma retomada da reflexão queo autor vem fazendo desde algum tempo, mas comnovos desdobramentos. Sua atuação noCONDEPHAAT, por outro lado, é uma garantia deque essa reflexão não é mero exercício intelectual, mas ésuscitada por problemas bastante concretos eprementes, vivenciados por quantos atuam em órgãosde preservação nos planos municipal, estadual oufederal: daí a atualidade e oportunidade do debate.

O texto aborda diferentes questões e desenvolve umasmais do que outras. Começando com o tema da cidadecomo bem cultural, o autor contrapõe essa noção à idéia,mais corrente, de “bens culturais na cidade” ou ainda, àde “usos culturais”, esta última difundida através daestratégia de se destinar bens tombados a uma finalidadesupostamente mais nobre, como espaços de cultura.Trata-se de uma estratégia que, segundo o autor, excluias dimensões do cotidiano e do universo do trabalho eaqui já aparece o foco para o qual convergem suasreflexões. Ainda neste tópico, o autor sustenta a idéiade que é o município o lócus da fruição do patrimônioe o habitante, seu usuário privilegiado.

Considerar a cidade como bem cultural é uma posturaque amplia o alcance das políticas de preservação: oprincípio (lógico, ao menos) não seria começar peloinventário de uma série discreta de elementos comodignos de proteção; na verdade, é a cidade (como artefato,

você — no dispositivo preservacionista, certamentepoderíamos garantir às gerações futuras o direito geral àfruição, condições de vida superiores às nossas, temavalorizado por Ulpiano em seu texto.

3. InstituiçõesUm último item poderia ser acrescido à agenda, referenteaos corpos técnicos dos órgãos preservacionistas. Emprimeiro lugar, caberia ampliá-los, incluindo dehistoriadores a arquitetos, de biólogos a antropólogos,de juristas a ecologistas. A memória doCONDEPHAAT sabe bem disso. À época em quecontava em seu corpo técnico com biólogos - a chamadaequipe de áreas naturais - a polêmica que sempre cerca aética da preservação e as próprias ações e decisõestombatórias foi agregada de novos significados epotenciações, chegando-se a redefinir e redirecionaralgumas delas. Por vezes, leis, decretos, artigos ajudampouco, por serem prosaicos demais. Precisam serredefinidos a todo instante, repensados, reformados.Um pouco de disposição paradigmática e políticapoderia redesenhar o perfil dos corpos técnicos, a partirdos quais são instruídos os processos, elaborados osprimeiros pareceres, ponto de partida para as decisões epareceres do Conselho. Um último item diz respeitoaos salários. Ao que consta, graduação e pós-graduaçãocontam pouco no sistema de remuneração atual doaparato regular do Estado. Com salários aviltados, fazemo que podem para tentar lutar pelo resgate da memóriavoluntária ou involuntária. É mais que urgente que selute por novas condições de trabalho, sem o que a culturacontinuará a ser considerada como adereço, espetáculo,fantasma e não como centro pulsante a partir do qualserá possível refundar o humanismo, dinamizar a razão,redirecionar a política, universalizar a ética.

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como campo de forças e representação) que sustenta ocomplexo jogo de significados, gestados ao longo deprocessos sociais (em que o conflito não está ausente) eque pode estar condensado e ser identificado, de maneiramais específica, neste ou naquele sítio, edificação, objeto.Não é a presença de algum monumento que torna acidade digna de contemplação, fruição ou conhecimentomas, ao contrário, é a rede de significados que torna talou qual “bem” merecedor de nota e, portanto, deproteção. Colocar a cidade em primeiro plano, comoum bem cultural (ao invés de atomizá-la nos “bensculturais” que a compõem), amplia o horizonte daspráticas preservacionistas; trata-se de posição que ofereceuma alternativa às decantadas análises dos “problemasurbanos”.

Nessa direção creio que cabe uma referência tirada deTristes Trópicos: em artigo recente (Magnani, 1999 b),retomo uma passagem em que Lévi-Strauss qualifica acidade como “a coisa humana por excelência”:

“Não é, portanto apenas de maneira metafórica que épossível comparar - como se fez muitas vezes - uma cidadea uma sinfonia ou a um poema; são objetos de naturezaidêntica. A cidade, talvez mais preciosa ainda, situa-se naconfluência da natureza e do artifício. Congregação deanimais que encerram a sua história biológica nos seuslimites, modelando-a ao mesmo tempo com todas as suasintenções de seres pensantes, a cidade provémsimultaneamente da procriação biológica, da evoluçãoorgânica e da criação estética. É ao mesmo tempo objetode natureza e sujeito de cultura; indivíduo e grupo; vividae sonhada; a coisa humana por excelência.” (Lévi-Strauss, [1955]1981:117)

Pode parecer extemporânea semelhante afirmação diantedas mazelas e problemas principalmente dasmegacidades contemporâneas. Tenha-se em conta,porém, o contexto em que aparece: Lévi-Strauss estáfalando de cidades brasileiras que conheceu na décadade 30 (São Paulo, as cidades novas do norte do Paraná,Goiânia), mas também de Karachi e Calcutá e das ruínasde 5.000 anos de Mohenjo-Daro e Harappa: para alémdas diferenças históricas e tipológicas o que interessa éidentificar princípios estruturantes, perceptíveis no planoda longa duração e é nesse sentido que a cidade constitui,ainda nas palavras do autor, “a forma mais completa erequintada de civilização” (id., ib., :116).

A visão de que o habitante, enquanto ator em relaçãomais imediata com a cidade, é o alvo privilegiado, reforçaa postura de privilegiar a cidade e introduz o segundoargumento: o de que a preservação se insere no quadroda ordenação urbana. Neste item, Ulpiano dedica-se auma análise mais detida e técnica sobre o problema daárea envoltória do bem tombado, pois é nessa relaçãoque mais se evidenciam os problemas entre apreservação e a ordenação urbana e é aí onde os órgãosde preservação se vêem particularmente desaparelhados,isolados e desprovidos de poder de intervenção.

No item a seguir é tratado um argumento que está naordem do dia e que muitas vezes é esgrimido comouma espécie de “abre-te sésamo”: o da inclusão social.Sem dúvida, colocar em discussão o tema a respeito dea quem serve ou interessa o patrimônio representouum avanço em relação a posturas mais conservadorasna prática institucional preservacionista: a proteção abens ligados a modos de vida de segmentos sociaisconsiderados excluídos ampliou a perspectiva dasmedidas e políticas de proteção. Mas isso não seria,pergunta Ulpiano, instrumentalizar a cultura? É umtema complexo e o autor propõe uma agenda específica,com o objetivo de não simplificar a discussão. Assim,distingue três tópicos: a questão do multiculturalismo,o do tombamento de bairros e a questão damercantilização da cidade.

Com relação ao primeiro deles, mais uma vez reflexõesrecentes no campo da antropologia vêm corroborar aspreocupações do autor.20 A questão domulticulturalismo, posta em evidência por autoresidentificados com a chamada corrente pós-moderna (oupós-estruturalista), passou por intensas críticas eencontrou refúgio na área dos Cultural Studies. Se numprimeiro momento o termo designou a emergência devozes dissonantes, dos direitos de minorias, dos modosde vida tradicionais de povos na periferia do mundoocidental, essa postura terminou servindo, em muitoscasos, para dissolver as diferenças na medida em que asequalizou por meio do denominador comum dopoliticamente correto. E como bem observa Ulpiano,não poucas vezes o direito à diferença termina numrelativismo exacerbado; trata-se, enfim, de politizar asociedade, não a cultura.

20 Para uma visão mais aprofundada sobre a atualdiscussão do tema do multiculturalismo, ver Sahlins,1997; Geertz, 2001; Kuper, 2002.

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freqüentadores específicos, com regras, pautas deconsumo, padrões de sociabilidade, calendário, espaçosetc. Note-se, a propósito, a conseqüência que esse tipode leitura teria sobre medidas de proteção realmentecomprometidas com práticas culturais significativas, combase numa rede viva e atuante de atores: pouco sentidoteria, por exemplo, o tombamento pontual e isoladode alguma sala de cinema, sem levar em consideraçãotodo o circuito.

A noção de totalidade – na linha do “fato social total”enunciado por Marcel Mauss ([1923]1971) e retomadopor Lévi-Strauss (1971) – aplicada, mutatis mutandis, àrealidade da dinâmica urbana contemporânea, permitesuperar a dicotomia que opõe, em muitos dos estudossobre os “problemas urbanos”, os indivíduos(atomizados) de um lado e, de outro, as grandesestruturas urbanas. Como mostrei em outro texto,

“Não se trata, evidentemente, daquela totalidade que evocaum todo orgânico, funcional, sem conflitos; tampouco setrata de uma totalidade que coincide, no caso da cidade,com os seus limites político-administrativos (...) Noentanto, renunciar a esse tipo de totalidade não significaembarcar no extremo oposto: um mergulho nafragmentação. Se não se pode delimitar uma única ordem,isso não significa que não há nenhuma; há ordenamentosparticularizados, setorizados; há ordenamentos,regularidades.” (Magnani, 2002:16)

Não afirmo que Ulpiano referende essa visão defragmentação; no entanto, o próprio cuidado que dedicaem analisar os problemas, na legislação, da áreaenvoltória – envoltória de bem tombado, frise-se – leva aprivilegiar a dimensão espacial e física, deixando outrosplanos de relação (de apropriação, uso, sentido) com acidade enquanto “bem cultural”, como é o caso doscircuitos.

Por último, uma observação a respeito do item comque Ulpiano encerra seu artigo. Dada a importância quecotidiano e trabalho ocupam na sua argumentação,mereceriam um tratamento mais elaborado, para alémda condição de “palavra de ordem”, expressão que dá otítulo à conclusão. O autor chega a considerá-los como“áreas seminais da cultura” quando discute acontraposição entre a lógica do mercado e a da cultura.Sem entrar no mérito do debate, levanto a necessidadede aprofundar a análise dos próprios termos cotidiano etrabalho, pois, da forma como aparecem no texto, sem

O multiculturalismo, passada a etapa em que permitiulevantar e nomear novas questões no campo da cultura,precisa ser analisado em sua complexidade. E se hádificuldades em implementar, na paisagem urbana,espaços realmente comprometidos com essa chave, emvirtude, entre outros fatores, da inexistência de focosestruturados de convergência e do predomínio acentuadoda subjetivação, como aponta o autor, não se podeconcluir, contudo, que “a cidade, hoje, só pode serabordada como um todo fragmentado”, nem que “oterritório urbano se decompõe em pontos múltiplosde apropriação desigual...”.

Penso que afirmações nessa linha não levamsuficientemente em conta certas formas coletivas deapropriação, inteligibilidade e uso do espaço eequipamentos urbanos que transcendem a contigüidadeespacial e simultaneidade temporal. É o caso, porexemplo, do que denominei de circuito (Magnani, 1999;2002). Esta categoria surgiu da necessidade de nomearuma modalidade de relação com a cidade que não seencaixava em formas de co-presença entre atores e espaço.Se nos limites do “pedaço” e da “mancha”, (idem,ibidem) é possível visualizar determinado recorte napaisagem juntamente com os seus usuários, o circuitoapresenta outra dinâmica de interação entre ambos.

Tome-se como exemplo um tipo de prática cultural quesupõe, para seu exercício, determinados equipamentose estabelece vínculos duradouros entre seus aficionados,fundamentando uma comunidade de interesses: oscinéfilos. Não se trata de consumidores individualizados:a própria natureza da atividade que os agrupa e caracterizasupõe uma rede construída com base na troca deinformações, comentários, controvérsias, busca eexibição de conhecimentos. E a base territorial de suaprática não forma uma mancha contínua, mas tambéminstaura uma rede: está espalhada pela cidade e não éconstituída apenas pelos chamados cinemas de arte, maspor livrarias, debates e exibições especiais em auditóriossituados em instituições públicas e fundações privadas,eventos como mostras, festivais, lançamentos, etc.

A categoria de circuito articula essas duas redes; aplique-se essa categoria a alguma outra prática – com atençãopara as passagens e links entre muitas delas – e o que seterá é menos a imagem de algo fragmentado e isoladona paisagem da cidade e sim a de uma totalidadearticulada (mas não necessariamente contígua) com

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maiores especificações, podem ser lidos na chave dosenso comum. Há, com efeito, alguns aspectos quemerecem ser analisados: em primeiro lugar, essas noçõesse sobrepõem.

Observando o campo semântico em que cada uma seinsere, tem-se que cotidiano, no contexto do artigo (e nocampo específico do discurso sobre patrimônio) opõe-se aos “usos culturais” que Ulpiano critica comoestratégia responsável por colocar a cultura como umadimensão à parte, mais “enobrecida”; opõe-se tambémà “excepcionalidade” e neste sentido a contraposição écom a visão do patrimônio enquanto monumento.

Ocorre que, no contexto mais geral da vida social,cotidiano se opõe àqueles momentos rituais quejustamente interrompem o fluxo do dia-a-dia, fluxoesse que inclui, entre outras práticas, o próprio trabalho.Esta é uma visão clássica – veja-se o estudo de Durkheimem As formas elementares da vida religiosa ([1912]1982)sobre os momentos de efervescência e intensa vivênciacoletiva nos rituais totêmicos. Por sua vez, o universodo trabalho tem como principal contraposição o tempolivre e as atividades de lazer e entretenimento. Não é ocaso, evidentemente, de privilegiar o universo dotrabalho em detrimento do lazer, pois este, ao estabelecerespaços e momentos de encontro e sociabilidade, podemuito bem constar da agenda da preservação, mas nãosob a rubrica de um “uso cultural”, mais nobre que otrabalho: de certa forma, esses momentos de encontroestão situados no plano do cotidiano por oposição, aísim, a eventos “culturais” excepcionais e espetaculares.

Por outro lado, o universo do trabalho apresenta talcomplexidade no mundo contemporâneo que não podeser enunciado de forma a suscitar algum entendimentounívoco, mais ainda no caso brasileiro, com o sub-emprego (e o desemprego) visível na paisagem dosgrandes centros urbanos. Como Ulpiano insiste (comrazão) na prioridade da cidade e de seus habitantes comousuários privilegiados do patrimônio, deixar essaquestão sem maiores especificações pode levar a umavisão nostálgica do mundo do trabalho identificadocom determinadas fases datadas do processo deprodução e circulação – visão sugerida pela evocação dealguns exemplos citados no texto, como o do MercadoVelho em São Paulo e o Mercado de Santo Amaro.

Estas observações têm o propósito de chamar a atençãopara a necessidade de delimitar com mais precisão ospontos de contato e os planos diferenciadores entrecotidiano e trabalho, de forma que possam firmar demaneira mais efetiva o necessário contraponto a versõesainda em voga no campo da preservação. Aliás, é nessadireção que o texto “A cidade como bem cultural”aponta, ao distinguir suas dimensões constitutivas, ade artefato, campo de forças e representações. Comobem nota Ulpiano, não é nas coisas que se deve buscar oscritérios para a construção de um sistema de referências,mas nas forças que geram interesses e nos conflitos quesuscitam oposições entre eles: em suma, “sem as práticassociais não há significados sociais”.

Eis uma linha argumentativa que, no campo específicoda preservação do patrimônio, ainda amarrado a velhasconcepções, é certamente capaz de gerar controvérsias,propósito claramente enunciado pelo autor no iníciodo artigo e conduzido com sólida fundamentação aolongo de todo o texto.

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A preservação da cidade ou parte dela não pode serestringir, portanto, ao artefato material, ignorando asduas outras dimensões urbanas, as práticas sociais e ossentidos associados. Sem essa integração, a cidade perdea sua vida, vira sítio arqueológico, ou pior, parquetemático. Ao contrário dos monumentos arquitetônicose objetos de arte, a cidade nunca é uma obra acabada,virtualmente perfeita, como na tradição clássica. Ocongelamento da cidade significaria sua morte. O quepodemos é conservar algumas partes ou componentesda cidade, como os monumentos, tendo em vista nãosó o passado, mas especialmente o futuro.

Posta a questão nestes termos, pode parecer quedefendemos uma postura neoliberal dedesregulamentação urbana. Não é bem assim. Normasde preservação, ao lado de leis de uso do solo e códigosde obras são necessários na medida em que o capitalismotransformou os valores de uso da cidade, terrenos(construídos ou baldios), áreas verdes, monumentos,casas e oficinas, em valores fundamentalmente de troca.A cidade, em especial seu centro histórico, é cada vezmais transformada em mercadoria. A intervenção dopoder público se justifica como defesa dos interesses dacomunidade frente ao individualismo e aos ardis domercado, que se rege por uma lógica diversa da práticasocial e da cultura.

O valor do casario de nossas cidades e bairros tombadosestá, ao nosso ver, menos nas suas paredes de adobe oupau-a-pique, que nas relações espaciais que viabilizamformas de sociabilidade tradicionais extremamente ricas,como aquelas analisadas com grande acuidade porRoberto Damatta, em A casa e a rua, e Carlos Nelsondos Santos, em Quando a rua vira casa. Sociabilidade quefoi perdida, ou na melhor hipótese substituída poroutras mais pobres, com o advento dos conjuntos deapartamentos. O mesmo se pode dizer de seus espaçospúblicos, cenário tradicional de procissões, desfilescívicos, reisados e footings, hoje transformados em merosestacionamentos e local de quiosques de todo tipo. Semo controle do tráfego e do uso do solo, seus elementosqualificadores - chafarizes, capelas, cruzeiros, passos dapaixão e pontes - perdem o seu significado. A eliminaçãoda habitação no Pelourinho e no bairro do Recife e acriação de pátios de pagode no âmago dos quarteirões,destruindo seus quintais e transformando a disposição

COMENTÁRIO 4:

A cidade como obra abertaArq. Paulo Ormindo de Azevedo

Professor na FAU / Universidade Federal da Bahia

A questão levantada por Ulpiano Bezerra de Meneses,A Cidade como Bem Cultural, é tema de enorme atualidade,tanto do ponto de vista de sua definição conceitual,quanto de seu tratamento prático, através de políticasde preservação. O texto em foco é a consolidação deuma longa reflexão sobre o tema desenvolvido ao longode um quartel de século e quase uma dezena de artigospublicados em diferentes periódicos. A questão defundo é como preservar uma cidade, integral ouparcialmente, ou mesmo um monumento avulsodentro dela, sem engessá-la ou, o que é pior, alienarseus habitantes e usuários. Para fundamentar seusargumentos, o autor recorda que a cidade, como outrascriações do homem, se realiza em três dimensões: ocampo de forças sociais, a representação simbólica e osuporte material, o artefato, onde tudo é plasmado. Nocaso das cidades o jogo de interesses e os conflitos, emoutras palavras, as práticas cotidianas e o trabalhoparecem ter um papel preponderante, determinando ossignificados sociais e a forma urbana. Na impossibilidadede discutir todas as interessantes facetas das questõeslevantadas pelo autor, nos concentraremos naquele nóque nos parece mais urgente desatar, o aparente conflitode competência entre órgãos patrimoniais e municipais,que dificultaria a harmonia entre preservação edesenvolvimento urbano.

Preservação de setores históricos

Embora constituído por outros bens culturais, comosão monumentos, praças, parques e coleções de bensmóveis, a cidade, enquanto bem cultural, se caracterizamais pela sintaxe que rege esses elementos, do que pelosomatório desses bens. Sintaxe que não é estática, poissalvo raras exceções, entre as quais se inclui Brasília, ascidades não são concebidas de uma só vez e por um sóautor, senão ao longo de séculos e por múltiplos esucessivos atores, que a cada geração se apropriam deelementos antigos, descartam outros, criam novos ereinterpretam tudo criando novos sentidos. Toda cidadeé, assim, ao mesmo tempo, histórica e contemporânea,uma obra aberta e permanentemente em transformação.

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interna das casas, têm um efeito mais devastador que oincêndio de quarteirões inteiros, ou as inundaçõesperiódicas que ameaçam a cidade de Goiás.

Se quisermos preservar a cidade temos que conservarnão apenas o traçado das suas ruas e sua arquitetura,mas também suas práticas sociais. Em outras palavras,temos que começar de baixo, como afirma o autor, donível local, através do ordenamento e planejamentourbano. O que tentaremos demonstrar é que estaconsciência, de forma explícita ou implícita, estavapresente e chegou a plasmar uma política culturalclaramente definida no Brasil, durante a década de 70,mas foi abandonada nos últimos 20 anos com a crisedo sistema de planejamento e preservação e o avançodo marketing urbano e da globalização.

Quem primeiro levantou a questão da cidade como bemcultural foi Camilo Sitte, com O urbanismo segundo os seusprincípios estéticos, em 1889, sob o impacto das reformasurbanas de Viena e Paris. Em 1913, GustavoGiovannoni incluía em sua Nuova antologia um artigosob o título “Vecchie città ed edilizia nuova”, tema quedesenvolveria amplamente em livro de igual títulopublicado em 1931. As primeiras propostas concretasnesse sentido datam de 1919 com o relatório Sistemazioneediizia del Quartiere del Rinascimento in Roma elaboradapor uma comissão municipal tendo como redatorGiovannoni. Mas só 13 anos mais tarde essa propostaseria incorporada ao plano regulador da cidade. Sob suaorientação foram elaborados planos diretores para Siena,em 1928, Bari, em 1930, e Bérgamo alta, em 1934. Porocasião da elaboração do plano de Siena, o ConselhoSuperior de Antiguidade e Belas Artes da Itália firmaum princípio que ainda hoje soa atual: “A cidade históricaé todo um monumento, no seu esquema topográfico,como no seu aspecto paisagístico, no caráter de suasruas, bem como nos conjuntos de seus edifícios maiorese menores; e de maneira semelhante a um monumentoisolado deve estar sujeito à lei de preservação ou àquelados critérios de restauração, de liberação, decomplementação, de inovação” (apud Ceschi, 1970, p.156).

A II Grande Guerra com os bombardeios aéreos deimportantes cidades históricas e subseqüentereconstrução colocou, de forma candente, a questão daconservação do centro histórico dentro do planejamentourbano. A preservação do centro histórico só poderiaser alcançada mediante a restauração de suas funções

urbanas. Mas superada a Reconstrução, os europeus sederam conta que a deterioração dos centros históricosnão resultava apenas de agressões externas, mastambém de problemas sociais internos e/ourelacionados com as migrações. André Malraux, Ministroda Cultura, coloca a França na vanguarda dessemovimento com a aprovação em 1962 de uma lei queleva seu nome. Delimitado um setor em conjunto como município é elaborado um Plano de Salvaguarda ePosta em Valor por especialistas do Ministério daCultura e urbanistas do Ministério da Infra-estrutura.Este plano, além de determinar os usos do solo, defineo que deve ser mantido, eliminado e construído. Paraque o plano seja implementado pelos dois ministériosé necessária a aprovação do município e da comunidadeenvolvida. Em 40 anos de aplicação nunca houveconflito.

A experiência mais inovadora, contudo, ocorreria naItália. Um plano de reabilitação do centro urbano deBolonha, de iniciativa exclusivamente municipal, foiiniciado no final da década de 60 e serviu de modelo anumerosas cidades italianas. Nesse particular, ressalte-se a contribuição metodológica aportada por LeonardoBenévolo e seus colaboradores, notadamente P. L.Cervellati, no sentido de adotar a tipologia arquitetônica,e não o zoneamento uniformizador e segregador, comochave para a definição do uso do solo e ocupação dosedifícios existentes. No plano internacional, oentendimento da importância do planejamento comoinstrumento de conservação e renovação dos centroshistóricos foi consagrado com a Declaração de Amsterdãe Carta Européia do Patrimônio Arquitetônico, de 1975,com a Recomendação de Nairobi, de 1976, e com a Cartade Washington, de 1987.

O que passa entre nós? Não dispomos de uma legislaçãoespecífica de proteção de cidades e centros históricos. ODecreto-lei nº 25 de 1937, não obstante sua especificidadevoltada para o patrimônio material, móvel e imóvel, foiaplicado, desde a década de 40, a setores urbanos, cidadese até municípios inteiros, como Porto Seguro. Nosprimeiros 20 anos de vigência da lei, quando o paísainda não enfrentava os desafios da urbanizaçãoacelerada, ela funcionou como um instrumento depreser vação passivo, impedindo demolições eadulterações volumétricas de setores urbanos, mas nãopropriamente como um instrumento de conservação.Sob sua vigência muitas famílias abandonaram os

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o IPHAN com o PCH e o CNRC, por ele criado noMinistério da Indústria e Comércio. Aloísio concentrasua ação nos bens referenciais. A questão urbana passa aum segundo plano e ficaria novamente órfã, com adesativação do PCH, poucos anos depois.As metas são mudadas, a página é virada e os antigoscolaboradores são promovidos a heróis do passado.

“Enquanto se espera realizar-se a utopia deuma legislação e práticas unificadas”Se não bastassem os argumentos acima para demonstrarque a questão da preservação das nossas cidades ecentros históricos é mais política que legal, basta lembrarque a Constituição de 88 criou todas as condições para aintegração das ações dos três níveis de poder aoestabelecer a figura da competência concorrente para aproteção dos bens culturais e naturais, a reabilitaçãourbana e a inclusão social:

Art. 23 – É competência comum da União, dos Estados,do Distrito Federal e dos Municípios: ...

II – proteger os documentos, as obras e outros bens de valorhistórico, artístico e cultural, os monumentos e paisagensnaturais notáveis e os sítios arqueológicos;IV – impedir a evasão, a destruição e a descaracterização deobras de arte e de outros bens de valor histórico artístico oucultural;...

VI – proteger o meio ambiente e combater a poluição emqualquer de suas formas;...IX – promover programas de construção de moradias e amelhoria das condições habitacionais e de saneamentobásico;...

X – combater as causas da pobreza e a os fatores demarginalização, promovendo a integração social dos setoresdesfavorecidos;

Não obstante o estabelecido na Constituição de 88 edecorridos 15 anos, nada se fez no sentido daregulamentação desse importante instrumento degestão de nosso patrimônio ambiental urbano. Quaispoderiam ser as razões do presente vazio de políticareferente aos nossos centros históricos? De uma parteseria o novo rumo dado por Aloísio Magalhães aoIPHAN e a crise institucional que se seguiu à sua morte.

centros históricos e foram substituídas por comerciantesinformais e migrantes do campo. Muitos donosabandonaram seus imóveis para resgatarem o solo paraestacionamentos.

Quando, porém, na década de 60 a pressão migratória eo crescimento vegetativo ameaçavam explodir as nossascidades, ficou patente que aquele instrumento legal,criado para preservar monumentos e imagens sacras,não dava conta das complexas transformações sócio-econômicas e da deterioração física de nossos centroshistóricos. A consciência de que só através doplanejamento seria possível conservar as nossas cidadeshistóricas não faltou aos fundadores do IPHAN. Paraimplementar uma nova política, Rodrigo de Melo Francode Andrade e Renato Soeiro, seu sucessor, promovem aincorporação da experiência européia com convites aespecialistas estrangeiros para discutir a questão eassessorar os primeiros planos urbanísticos de centroshistóricos no país. Graças à cooperação da Unesco e daOEA vêm ao Brasil os franceses Michel Parent e J. B.Perrin, o português Viana de Lima, o inglês Shanklande o mexicano Carlos Flores Marini (OEA). Com aassessoria desses especialistas e a participação de técnicosnacionais, entre os quais este escriba, foram elaboradosplanos diretores para Ouro Preto, São Luís do Maranhão,Alcântara, Parati, Salvador, São Cristóvão e Laranjeiras,entre outras cidades.

Muitos desses planos foram financiados eimplementados, através de convênios com estados emunicípios, pelo Programa das Cidades Históricas,criado em 1973 por um grupo interministerialconstituído por representantes do IPHAN, Ministériodo Planejamento e Embratur, seguindo o modelofrancês. Consciente de que a questão da conservação donosso patrimônio não poderia ser resolvidaexclusivamente a partir de Brasília, a geração fundadorado IPHAN promove a descentralização ehorizontalização do sistema preservação com osEncontros de Brasília (1970) e Salvador (1971),ensejando a criação de numerosas fundações estaduais ealgumas municipais de proteção ao patrimônio. Estepromissor processo de criação de uma política para osnossos centros históricos seria interrompido em 1979com a mudança de guarda no IPHAN. A novaadministração, capitaneada por Aloísio Magalhães,centraliza e verticaliza novamente o sistema, fundindo

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De outra, o sistema de financiamento da culturainstituído a partir da Lei Sarney baseado na renúnciafiscal, que transferiu para o setor privado a eleição dosprojetos culturais, o que implica na renúncia tambémde políticas de preservação. Indicador doenfraquecimento do IPHAN neste setor é a iniciativaarrebatada por estados como Bahia, Pernambuco e Pará,a partir dos anos 90, de realização de grandes projetosem centros históricos com objetivos puramente demarketing urbano, implementados praticamente à reveliado órgão federal.

Contudo, acreditamos que existem razões mais remotase profundas para esse vazio. Observe-se que salvo arecente Lei 3.551/2000 sobre o patrimônio imaterial, alegislação brasileira de preservação dos bens culturaisnão evoluiu praticamente nada desde 1937, em contrastecom a rápida evolução da legislação de proteção ao meionatural e gestão urbana. O aparente desinteresse doIPHAN no aperfeiçoamento e/ou complementação dalegislação de proteção aos bens culturais no país estaria,segundo alguns juristas, relacionado com a possívelperda de competências exclusivas do órgão frente aosestados e municípios. Esta hipótese parece confirmadana pressão exercida pelo órgão sobre os estados emunicípios, na transição da década de 60 para 70, paracriação de legislações à imagem e semelhança da federale com função exclusivamente complementar a ela.

Cria-se assim o mito, tanto no âmbito federal quantoestadual, de que o tombamento dos bens materiaispode tudo e que qualquer legislação complementarenfraqueceria tal instrumento. O aparente desinteressedo IPHAN e do governo federal em geral emregulamentar a competência concorrente (Art. 23) e osefeitos legais dos inventários (Art.216, V, p.1º), previstosna Constituição de 88, se inscreveria dentro dessa mesmalógica. De outra parte, pode-se compreender quetambém aos municípios não interessa compartircompetências exclusivas. Fecha-se deste modo o circuito,criando-se um impasse em que o maior prejudicado é onosso patrimônio ambiental urbano.

A questão da envoltória dos monumentosMuito da literatura que se criou sobre a envoltória dosmonumentos se deve à tentativa de transformar umalei específica de proteção de bens materiais singularesem um instrumento de proteção de setores urbanos eaté de cidades e municípios. Corretamente o Decreto-leinº 25/37 estabelece que “sem prévia autorização doSPHAN, não se poderá, na vizinhança da coisa tombada,fazer construção que lhe impeça ou reduza a visibilidade,nem nela colocar anúncios ou cartazes...”. Estamosinteiramente de acordo com a revisão crítica dainterpretação do Prof. Hely Lopes Meireles ao conceitode visibilidade contido no artigo 18 do Decreto-lei nº25, feita pelo autor. Vale ressaltar que tal extensão dadaao termo por Decisão do Tribunal Federal de Recursos,de 1952, e outros documentos legais, ainda queincompleta e discutível à luz da teoria da percepção e daconservação, foi resultado do persistente “lobby”realizado por Rodrigo de Melo Franco de Andrade,amigos e colaboradores do IPHAN, junto às mais altascortes do país para permitir a aplicação do Decreto-lei nº25/37 a contextos muito mais amplos que osoriginalmente pensados.

Do ponto de vista da teoria da conservação urbanadevemos distinguir duas situações. No que se refere àenvoltória de monumentos avulsos em contextosurbanos já descaracterizados, a experiência dareconstrução européia, após a II Grande Guerra, criouum paradigma que não pode ser ignorado. Na Itália ena Inglaterra, como na maioria dos países da EuropaOcidental, o critério seguido foi o estudo, caso a caso, deplanos de massa das envoltórias de monumentos, queforam incorporados aos planos diretores urbanos, ondese preservava a visibilidade dos monumentosremanescentes, sem, contudo, impor um caráter às novasconstruções. A falta, entre nós, de mecanismos legaisque promovam a sintonia da preservação do passadocom o planejamento urbano leva os órgãosprotecionistas à alternativa de “atitudes extremas deintervenção indevida ou, ao contrário, cômodoisolacionismo e auto satisfação burocrática”, no dizerdo autor. Essas disputas, que não raro comportamrecursos dos prejudicados, criam constrangimentos àJustiça e aos órgãos envolvidos em face da amplitude eimprecisão que o termo visibilidade assumiu najurisprudência brasileira.

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Comentário aos Comentários

Ulpiano T. Bezerra de Meneses

Sem retórica ou etiqueta corporativa, começo por dizerque os comentários de Antonio Augusto Arantes,Edgard de Assis Carvalho, José Guilherme Magnanie Paulo Ormindo trouxeram luz suficiente para melhorcompreensão de meu próprio texto e dos problemasaí tratados, revelando deficiências, áreas em branco,mas também as questões relevantes – pelo que lhessou muito grato. Além disso, trouxeram à tona não sócampos e estilos diferentes de abordagem, comotambém pontos de discordância significativos, apesarde, no geral, no que tange às premissas, a partilhasuperar as divergências. Estas não serão tratadas aqui,pois mobilizariam um espaço que não condiz com anatureza e objetivos desta publicação: nem todas sereferem ao recorte proposto ao tema, que não era umasumma teórica do patrimônio cultural, e sim, conformeexplicita o subtítulo, um estudo do problema doinstituto jurídico-administrativo das “áreasenvoltórias”. Em outras palavras, tratava-se deexaminar o confronto entre preservação cultural eordenação urbana. Por outro lado, como nem todas asdivergências interferem nas questões maissubstantivas do texto, preferi explorar os comentáriospara enriquecer apenas três pontos-chave que,acredito, ganhariam em ser realçados com acontribuição nova trazida.

Mais que tudo, cumpre reconhecer, a partir destescomentários, como é salutar o confronto de premissas,fundamentos e suas implicações e desdobramentos,no domínio que nos interessa. E como faltamoportunidades para tanto, como esta que o IPHAN/9ªSR está proporcionando.

No preenchimento de lacunas em setores históricosrazoavelmente conservados, o proposto por LeonardoBenévolo para Bolonha nos parece o mais sensato, ouseja, o respeito ao parcelamento urbano tradicional, àstipologias arquitetônicas e às texturas e corespreexistentes, embora permitindo uma expressãocontemporânea, como forma de diferenciar o autênticoda reposição. Este critério assegura a preservação daestrutura da cidade histórica, sem negar a contribuiçãoda arquitetura contemporânea. Colocada desta maneiraa coisa parece fácil, contudo a prática é muito maiscomplexa e exige a colaboração de arquitetos criativos enão burocratizados para evitarmos os simulacrospatrimoniais de que nossos centros e até periferias novasde cidades históricas estão cheios.

A conciliação da preservação dos valores culturais e dodesenvolvimento urbano não é uma utopia. É possível,necessária e urgente, mas só com a criação de uma leiespecífica. Não há nenhum impedimento legal ouconstitucional. Falta apenas vontade política e coragem.Este seria um bom desafio para a nova direção doIPHAN, herdeira direta dos fundadores do órgão.

Convento Franciscano de Itanhaém, que abriga hojeacervo de Arte Sacra da Diocese de Santos - SP

Foto Victor Mori

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2. Integração

Todavia, a inserção desse fato social num quadro maisamplo e a utilização pragmática de categorias delederivadas são deficiências pertinentementeapontadas, em ótica diversa, por Edgard e JoséGuilherme Magnani.

O primeiro, fundado na teoria da complexidade,postula uma “práxis cognitiva planetária” e afirma quea cidade não é apenas um bem cultural, mas expressãobio-cultural. Trata-se de uma perspectiva que poderiater provocado, de minha parte, melhor consideraçãodo caráter ambiental do patrimônio urbano. Por certo,não é indispensável aderir à teoria da complexidadein totum (por exemplo, na formulação de E. Morin ounuma versão precedente e de inspiração religiosa, deTeilhard de Chardin), para reconhecer a necessidadede contestar o grande paradigma ocidental, comocaracteriza Morin, da disjunção de sujeito/objeto,alma/corpo, espírito/matéria, qualidade/quantidade,finalidade/causalidade, sentimento/razão, liberdade/determinismo, existência/essência. Mas se temos quesuperar as dualidades – como a de patrimônio natural/patrimônio cultural ou patrimônio tangível/intangível(o que também José Guilherme e Arantes proclamam),ainda estamos longe de poder propor quais seriam osinstrumentos de ação requeridos. Mas é claro que alémde algumas inferências imediatas (por exemplo: acidade não pode ser separada de seus usos) muitos

1. O patrimônio como fato social

O entendimento do patrimônio cultural como fato sociale não um conjunto de coisas em si, dotadas designificados e valores imanentes, me parece ser oponto de partida de meu texto e dos comentários. Istorepresenta uma guinada que se vem lentamenteconsolidando, no campo profissional, mas que aindaestá longe de gerar conseqüências efetivas e amplasnas esferas operacionais, principalmente oficiais. Hajavista as implicações no tocante aos inventários elevantamentos de toda espécie - apesar de exceçõesdignas de menção e mérito. Seja como for, espero nãose tratar de mero wishful thinking reconhecer quesem práticas sociais não há sentidos sociais.Nessa ótica, a cidade como bem cultural é realidadetotalmente diversa da cidade “com” bens culturais.

Decorrentes deste entendimento, várias questõespoderiam ter sido tratadas se o objetivo do texto fossemais amplo. Arantes introduz algumas delas que,mesmo nas fronteiras que fixei, se beneficiariam setivessem sido desenvolvidas, em particular opatrimônio como recurso material e simbólico e aquestão da sustentabilidade — que são fundamentaispara analisar a inserção do patrimônio no mercado.Isto permitiria fundamentar mais apropriadamentepropostas que apresentei, como a de procurar no valoragregado gerado pelo tombamento, em certos casos(p.ex. valorização imobiliária trazida pelo tombamentode bairros ou pelo desfrute privado de paisagenspreservadas), compensação a ser auferida pelo poderpúblico.

Por fim, aceitar o patrimônio como fato social realça aimportância das ações educativas. Edgard Carvalhoacentua a importância da eco-alfabetização e da eco-educação. Por minha vez, para a educação,acrescentaria a necessidade de revitalizar noçõescristalizadas de cidadania, memória, identidade einclusão social numa perspectiva crítica e,principalmente, política, que privilegiasse osconteúdos republicanos, de bem comum, interessecoletivo, juntamente com as reivindicações dos direitosdevidos. Só assim é que se poderia levar a cabo opropósito de politizar a sociedade sem nãoinstrumentalizar a cultura.

Sítio do Capão ou do Regente Feijó em São Paulo:sem uso e desprovido de acesso aos logradourospúblicos que envolvem a quadra está cercado de

edificações de luxo, no Jardim Anália Franco

Foto Victor Mori

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71Patrimônio: Atualizando o Debate

políticas de preservação, o tratamento adequado dasvariáveis espaço-temporais (incluindo os diversostempos e temporalidades) é indispensável. Mas nãoera esse meu propósito imediato e sim, mais uma vez,contrapor-me aos “usos culturais da cultura”, que sãouma conseqüência do entendimento da cultura comosegmento, no pólo oposto da integração. Nessa ordemde coisas, cotidiano e trabalho representam umaalternativa da cultura como possibilidade dequalificação integradora de todo e qualquer“compartimento” da vida social, em contraposição àcultura espasmódica, à cultura cólica, à cultura-mercado. Nestes termos é que, julgo, questões comoos riscos de colonização do lazer, de alienação doturismo cultural e da equivalência entre cultura econsumo deveriam ser analisadas.

Algumas outras questões pouco desenvolvidas notexto teriam que ser repensadas à luz de princípioscomo o da complexidade/integração, a começar pelotratamento sumário dado ao problema dafragmentação e do multiculturalismo (que me parecena direção certa, mas sem a profundidade desejável).Além disso, o contraponto do lugar e do pertencimento(Arantes, José Guilherme) tem que merecerconsideração mais extensa do que aquela que lheconcedi.

caminhos incipientes já deveriam estar sendo testadosnas práticas de preservação. Um deles é o do“circuito”, de que fala José Guilherme e que me parecede grande fertilidade.

Edgard diz que “a cidade não é apenas um bem cultural,mas expressão biocultural” (itálico meu). Não estouseguro de que a formulação seja a mais adequada,pois, a aceitarmos a integração na consciência, acidade é bem cultural na sua expressão bio-cultural.O “apenas” e o “mas”, aqui, podem reintroduzir sub-repticiamente uma dualidade, quando, penso eu, o queestá em causa é uma questão de escala: dizer que acidade é bem cultural não é reconhecer um atributoimanente, homogêneo e estável, mas identificar aconsciência (diferencialmente) em ação. Seja comofor, conviria investir na reflexão sobre a natureza emeios de realização de uma conservação integrada.De meu ponto de vista, o marco de partida estratégicopara a conservação integrada, seria tomar a cultura,não como um domínio à parte da vida social, mas umadimensão potencial e diferencial sua, dela toda.

É, inclusive, nessa perspectiva, que falo do cotidianoe do mundo do trabalho. José Guilherme aponta, comrazão, que tomei cotidiano e trabalho como palavrasde ordem, como expressões de senso comum, semaclarar as múltiplas e espinhosas implicações queambos os conceitos têm, antropológica, sociológica ehistoricamente. Estou certo de que, para desenvolver

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3. Legislação, instituições

Arantes toca em uma questão visceral e que estáapenas tangenciada no texto: a transição das práticassociais de valoração para as práticas oficiais depreservação. Aprofundar esta questão é indispensávelpara propor novas formas de ação do poder público(foco prioritário em meu texto). Aqui se incluem osproblemas da legislação e dos órgãos de proteção.Edgar acredita no anacronismo dos modelos vigentes.Penso, sim, em anacronismo, mas também nanecessidade de aprimorarmos o modelo vigente, antesde passarmos a formas totalmente novas maiseficazes. Concebo essa transição como orientada pelanecessidade de superar o dualismo vigente entreórgãos de ordenação urbana e órgãos de preservaçãourbana (esta foi uma das linhas de força de minhaargumentação a propósito das áreas envoltórias).

Paulo Ormindo expressa o descompasso entre alegislação urbanística e ambiental – que sedesenvolveu satisfatoriamente – e a de patrimônio —que perdeu o pé na situação. E busca explicação natrajetória das instituições, que não acompanharam aexplosão de problemas novos no seio da sociedade eda cidade. Ressalta, também, a importância doplanejamento urbano para a proteção do patrimônio.Que nossa legislação e instituições estão fora desintonia com a realidade em curso, é fácil dereconhecer. E se há um bom número de tentativas bemsucedidas de superar o desnível, não é o padrãodominante. É importante, ainda, considerar queplanejamento e legislação são apenas instrumentosde ação, que a facilitam ou lhe dificultam certos efeitos,mas que pouco valem sem políticas públicaslegítimas, consistentes e integradas. Veja-se o casode São Paulo, que tem uma das legislações estaduaismais antigas, mas que nunca foi reformulada, e siminúmeras vezes retalhada e remendada, semrejuvenescer suas bases e fundamentos conceituais eoperacionais. O que me parece mais sintomático comoprevisão da manutenção do status quo é que umestudo do próprio CONDEPHAAT (para projeto de leique regulamentasse o artigo 261 da ConstituiçãoEstadual, criando novos contornos, novos horizontes enovos procedimentos) atravessou heroicamenteincólume três mandatos de conselheiros, sem sair doestágio de origem, mantendo-se virginalmente intactonas gavetas da burocracia. Pior, ainda: nas vezes emque veio à discussão no colegiado, por ocasião dasmudanças de gestão, o único problema que despertouatenção explícita e acalorada foi o da composiçãodesse mesmo colegiado...

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