Turismo, Segregação Social e Sustentabilidade em Cuba · 2019. 4. 17. · 12º Fórum...
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12º Fórum Internacional de Turismo do Iguassu
20, 21 e 22 de junho de 2018 Foz do Iguaçu – Paraná - Brasil
Turismo, Segregação Social e Sustentabilidade em Cuba
Resumo: Conceituamos turismo como um fenômeno social que se dá pelo deslocamento de pessoas a
lugares, expressão da era moderna que envolve a oferta de serviços econômicos de hospitalidade,
racionalidade que impacta socialmente as comunidades hospedeiras. Merece ser construído como objeto de
estudos pelas suas próprias características, mas também enquanto elemento central de profundas mudanças
socioculturais e políticas na sociedade contemporânea. A pesquisa tem como objetivos a análise de
impactos econômicos, sociais e políticos do turismo internacional em Cuba, sua estratégica de política
pública de desenvolvimento após a derrocada do socialismo real na década de 1990. A metodologia foi
incursão exploratória e observação participante com princípios dialéticos e fenomenológicos para a coleta
de dados em campo, e, ao mesmo tempo, revisão e atualização bibliográfica. Defendemos que a política de
turismo estruturou um sistema sui generis de segregação social para a sustentabilidade de Cuba.
Palavras-chave: Turismo; Segregação Social; Sustentabilidade; Cuba.
Abstract: Tourism can be conceptualized as a social phenomenon thatoccurs by the displacement of people
to places, an expression of the modern times that involves the offer of services of hospitality, a rationality
that impacts socially the communities. Not only it deserves to be studied by its own characteristics, but also
as a central element of the deep sociocultural and political changes in our contemporary society. The aim
of this study is to analyze the economic, social and political impacts of international tourism in Cuba after
the collapse of socialism in the early 90s, and Cuba’s strategy of public development policy. Qualitative
methods of data collection included participant observation with dialectical and phenomenological
principles followed by a bibliographic update. We defend the thesis that the adopted policy has created a
sui generis system of social segregation for the economic sustainability of Cuba.
Keywords: Tourism; Social Segregation; Sustainability; Cuba.
1 Introdução
Conceituamos turismo como um fenômeno social que se dá pelo deslocamento de
pessoas a lugares, expressão da era moderna que envolve a oferta de serviços econômicos
e de hospitalidade, cuja racionalidade impacta socialmente as comunidades hospedeiras.
Compartilhamos a tese que o turismo merece a atenção pelas suas próprias características,
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mas também enquanto elemento central de diversas mudanças socioculturais e políticas
na sociedade contemporânea.
Em Cuba defendemos que o fenômeno turismo é estruturante de um sistema sui
generis de segregação social. A pesquisa tem como objetivos a análise de impactos
econômicos, sociais e políticos da opção do Estado em buscar o incremento do turismo
internacional como sua estratégia de política pública de desenvolvimento do país, após a
derrocada do socialismo real na década de 1990.
O artigo apresenta dados de uma incursão exploratória em regiões de Cuba, em
julho de 2004, e pesquisa posterior, apenas em Havana, em janeiro de 2005. Fazendo uso
da observação participante (BECKER, 1993) como técnica de coleta de dados e método
com princípios dialéticos (KOSIK, 1976) e fenomenológicos (HUSSERL, 1986),
apresentamos dados de nosso doutoramento. Acompanhando o desenvolvimento da
política pública de turismo em Cuba, fizemos uso de revisão e atualização bibliográfica.
Os principais impactos econômicos, sociais e políticos do desenvolvimento do
turismo na ilha podem ser percebidos nos contatos não-autorizados que nativos buscam
estabelecer com turistas, revelando a assimetria entre um socialismo de escassez e um
capitalismo turístico de fartura. Ocorrem frutos de um processo histórico, da opção do
Estado pelo incremento do turismo internacional, de uma conjuntura socioeconômica que
motiva transgressões, desafiando a lógica edificada pelo Estado como política pública de
desenvolvimento de um turismo capitalista num tecido social socialista. O governo vem
obtendo sucessos ao promover o turismo internacional na ilha e isso têm conferido ganhos
de sustentabilidade econômica, como demonstram indícios do aumento médio do salário
mínimo nos últimos 13 anos, ainda que, para tanto, uma segregação social sui generis
tenho sido implementada para tal fim no país por meio do fenômeno turismo.
2 A Incursão Exploratória
Em julho de 2004 desembarcamos em Havana. Para nossa surpresa, três moedas
circulavam/circulam: o dólar norte-americano (US$), o peso convertible (CUC) e o peso
cubano (CUP). O CUP é a moeda utilizada como referência para o comércio exterior, o
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CUC é válido internamente, com a paridade rígida com dólar estadunidense. O CUP vale
25 vezes menos que ambas. Estas moedas, quatorze anos depois, ainda têm a mesma
cotação: US$1/CUC1/CUP25; US$1/R$3,30 (METRIC CONVERSIONS, 2018).
No dia seguinte a nossa chegada, à porta do hotel, fomos abordados por um nativo
que vendia jornal do Partido Comunista Cubano – PCC e que nos “deu”, como souvenir,
moedas cubanas com a esfinge de Che Guevara e Jose Martí, de centavos de peso. Logo
começou a pedir qualquer coisa, como calçado, calça, camisa e um dólar. Tinha 64 anos
e três filhos, parecendo ou querendo parecer desesperado. Dissemos-lhe que estávamos
sem dinheiro, que este estava no quarto e ele, subitamente, nos mandou buscar.
Constrangidos, fomos advertidos pelos funcionários que nos apontaram o saguão interior.
Ao sair à rua fomos abordados por um cubano, jovem. Disse, talvez para nos
tranquilizar, que se alguém for preso por assaltar um turista fica de 15 a 20 anos na cadeia,
e que na ilha, de cerca de 11 milhões de habitantes (2004), “um milhão são de policiais”.
Revelou que trabalhava numa fábrica estatal de charutos e quis nos vender um deles.
Seguimos caminhando em direção ao Malecón, tradicional calçadão na orla
marítima, tão decantado nos encartes turísticos sobre o fim de tarde em Havana. Mais
adiante, uma mulher chamou-nos e disse: “queres?”; como recusamos, ofereceu: “queres
uma chica?” Recusamos novamente e no retorno mais prostitutas nos abordaram.
Partimos de Havana rumo ao sul, à ilha de Cayo Levisa, em Pinar Del Rio, e ao
povoado de Maria La Gorda, atravessando o Vale de Viñales, declarado Monumento
Nacional em 1978, Área Protegida em 1998, Paisagem Cultural da Humanidade em 1999
e categorizado como Parque Nacional em 2001 (CANIVELL, 2018).
Camilo, motorista do táxi estatal, afirmou que seu salário era o equivalente a US$
6. Perguntado se “dava para viver bem”, ele me respondeu “mais ou menos”, porque a
alimentação, racionada, era barata, subsidiada pelo Estado - ainda que ocasionalmente
faltassem vários gêneros alimentícios, como carne bovina - e ninguém pagava aluguel ou
tinha despesas com educação e saúde, à época. Segundo a Central de Inteligência
Americana – CIA (2012), apud Queiroz (2015), a expectativa de vida em Cuba é de 77,8
anos (2012), apresentando um índice de alfabetização de 99,8% da população e com um
IDH de 0,838, sendo um dos 44 países do mundo que ostentam um alto Índice de
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Desenvolvimento Humano (acima de 0,800). Na América Latina, só ficou aquém do
Chile, com a i ilha possuindo a maior cobertura de saúde de todo o Caribe.
A título de comparações, Camilo relatou que o menor salário do país era cerca de
US$ 5, que é o que ganhavam os funcionários de escritório; os professores recebiam em
torno de US$ 8; os médicos US$ 12; e os melhores salários pagos eram para os
militares/policiais: US$ 24. Perguntamos qual era o maior problema do país, pensou um
pouco e afirmou: os salários, são muito baixos. Criminalidade, praticamente, inexiste.
Cuba recebeu o Prêmio de Excelência como o país mais seguro para o turismo na
XXXVIII Feira Internacional de Comércio em 2018, na Espanha (CUBANACUR, 2018).
Paramos em um banco e os guardas informaram que não precisaríamos enfrentar
a fila. Não notamos qualquer reprovação dos nativos a esta política. Resolvemos nos
estender a 200 km ao norte de Havana, Varadero, o balneário de Cuba que ficou em
terceiro lugar na lista das melhores praias do mundo em 2018 (FERRER, 2018).
De volta a Havana, um senhor, que vendia jornais do PCC, aproximou-se e se pôs
a contar sua história de vida. Enrico narrou que tinha sido funcionário do Hotel Havana
Libre, o maior e mais imponente de Havana, por mais de 20 anos, e que agora se
encontrava em uma situação socioeconômica desfavorável, precária. Desculpando-nos
pela interrupção, adentramos a um restaurante fechado, com ar-condicionado, exclusivo
para turistas. Enrico demonstrava ansiedade, vontade de falar conosco. Subitamente,
entrou e dirigiu-se a nossa mesa. Estava nervoso, constrangido, e falava muito rápido,
quase incompreensível. Nisso um garçom aproximou-se e pediu-lhe que saísse. Mas o
senhor, grisalho, não deu ouvidos ao funcionário, resistiu em sair, pediu mais tempo e
continuou a falar, desabafar. Não pedia dinheiro, mas manifestava desespero com as suas
condições de existência. Ao sair oferecemos-lhe o equivalente a 1 US$.
No dia 28 de julho de 2004 embarcamos de volta ao Brasil. As implicações do
fenômeno turismo refere-se a sua dimensão enquanto elemento central de profundas
mudanças sociais e políticas na sociedade contemporânea. Em Cuba, como opção de uma
política pública, moldou-se um sistema misto: socialismo de escassez para os cubanos e
capitalismo de fartura para os turistas. Uma dimensão irriga a outra. Os aspectos positivos
de uma sociedade igualitária, como a garantia da segurança pessoal, somada à exposição
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cultural do povo e dos cenários naturais do país atraem turistas internacionais de alto
poder aquisitivo e, com eles, os dólares que o Estado, o governo e a população tão
necessitam para fazer a economia funcionar. Isso provoca impactos econômicos, sociais
e políticos e conduz a novos desafios de sustentabilidade.
3 Breve Histórico do Lugar e do Turismo
O hotel em que nos hospedamos em janeiro de 2005 foi nacionalizado em 1960
pelo governo revolucionário, quando foram confiscados todos os empreendimentos
capitalistas na ilha, em sua grande maioria estadunidense. O desenvolvimento do turismo
em Havana tem correspondência estreita com a história econômica e política social do
país. “El cuadro anterior a 1959 en cuanto al turismo foráneo resultaba indignamente,
Cuba era presentada como zona internacional de vicio y de lacras sociales, como si se
tratara de la Sodoma del siglo XX” (GARRIDO, 1993, p. 57).
A curta distância de Cuba dos EUA determinou que o fluxo turístico procedesse
majoritariamente deste país:
Em 1957, se alcanzó la cifra más alta de turismo extranjero: 272.265
visitantes, de los cuales el 85% eran norteamericanos atraídos en su gran
mayoría, por la publicidad denigrante que oferecía La Habana, como centro
de juegos y prostitución del Caribe. De esta forma, Cuba ocupó el primer lugar
como receptor del área caribenã, lo cual contrataba con la insignificante
cantidad de turistas nacionales, aplastado por una realidad de pobreza
caracterizada por: desempleo, discriminación racial, insalubridad y
subdesarrollo en general, que padecía la mayor parte de la población..
(CHÁVES, 2003, p. 224)
San Cristóbal de La Habana, fundada em 1519, foi a última das sete vilas
estabelecidas pelos espanhóis durante a conquista da ilha, iniciada em meados de 1510 (o
“descobrimento” de Cuba, por Cristóvão Colombo, ocorreu em sua primeira viagem, em
1492). No mesmo ano de sua fundação, foi descoberto “el paso del nordeste” entre a
Flórida e as Bahamas, que dá acesso às latitudes atlânticas donde sopram os ventos do
noroeste, que impulsionariam pela popa os veleiros hispânicos para seu regresso mais
rápido à Espanha. Havana está a poucas horas de navegação de tão importante via, e o
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povoado passou a concentrar, em seu porto, para o cruzamento do oceano, as grandes
frotas que levavam a bordo a riqueza do vasto império espanhol do Novo Mundo.
Ser punto de partida de estos nutridos convoyes de barcos trajo a la villa una
suerte de insólito “turismo” con los miles de marinos y pasajeros de estos
galeones, que esperaban por meses el momento de la partida. Cuenta la
historia que no pocas doncellas habaneras fueron inducidas a vestir los
hábitos conventuales ante la avalancha de aventureros que hacían tiempo en
las posadas y tabernas del puerto. (SPENGLER, 1997, p. 18)
Os corsários e piratas que infestavam o Caribe sempre se mantiveram atraídos
pelas riquezas que aportavam em Havana e sua estratégica posição geográfica. O assalto
e saque mais espetacular da cidade foram obra do francês Jacques de Sores, em 1555, e
outros se sucederam até que fossem erguidas numerosas fortificações, que hoje
conformam o patrimônio histórico e turístico de Havana. A prosperidade pôde-se ver em
séculos, principalmente pela extensão do cultivo da cana-de-açúcar, do tabaco e da
criação de gado, mas o comércio monopólico da Colônia com a Espanha, com o passar
dos anos, se mostrou incongruente em um mundo onde as ideias liberais estavam em
voga. Em consequência, a Inglaterra atacou e tomou Havana em 1762, e, nos poucos
meses de seu domínio, firmou um vantajoso e irreversível comércio que vinculou a ilha
a outros mercados. A ampliação dessas práticas comerciais foi a semente que promoveu
a gradual separação de interesses entre peninsulares e crioulos. O surgimento de uma
intelectualidade com pensamento próprio e crítico, em começos do século XIX, e a
emancipação de nações ibero-americanas, contribuíram para forjar a nacionalidade
cubana e o separatismo da Espanha.
As guerras pela independência explodem na porção oriental de Cuba em 1868 e
Havana, sede do governo colonial espanhol e em meio ao esplendor de seus novos
palácios neoclássicos e do iluminismo que chegava da Europa, foi também um fermento
ativo de uma luta sangrenta que iria durar cerca de três décadas. Fruto dessa intensa luta
pela independência é José Martí, herói da nação cubana, que logrou fundar o Partido que
uniria patriotas veteranos e novos na guerra de 1895, cuja sequência levará a Colônia
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praticamente até os limites da derrota. É então quando se produz a primeira intervenção
militar dos Estados Unidos, que impede o triunfo do Exército Libertador de Cuba:
Estalla en la bahía de La Habana su crucero-acorazado Maine y se achaca a
España su autoría, lo que propicia la guerra Hispano-Cubano-
Norteamericana, por la cual los estadounidenses se apoderan de Cuba y de
otras posesiones españolas. Los interventores militares de EE.UU. organizan
en la capital un gobierno neocolonial a su imagen y conveniencia y dejan
abierto y legalizado el camino para ulteriores injerencias políticas y por las
armas, al tiempo que poderosas compañías de ese país adquieren a precios
irrisorios grandes extensiones de las mejores tierras de la Isla y remunerativas
concesiones mineras y de servicios públicos.
Se suceden los gobiernos tiránicos y designados “de dedo” por esa diplomacia
intervensionista, cuyos episodios mayormente tienen lugar en La Habana,
donde también se hace ver un sentimiento de rebeldía y anti-imperialismo.
(SPENGLER, 1997, p. 18)
A historiografia revolucionária cubana não considera a data 20 de maio de 1902,
posse do primeiro presidente, Tomás Estrada Palma, escolhido e imposto pelo governo
dos Estados Unidos, como a da independência de Cuba. Esta foi meramente formal,
aparente, dado ao contexto da época. De fato, em 1906, em virtude do direito de
intervenção dos EUA, imposto como anexo à primeira Constituição da República de
Cuba, em 1901, a chamada Emenda Platt, tropas desse país realizaram uma segunda
intervenção militar. Na análise do historiador José Cantón Navarro,
Em su texto fundamental, la Constitución de 1901 daba formalmente a Cuba
uma república democrático-burguesa, respetuosa de la propiedad privada y
de los principales postulados de la gran Revolución Francesa de 1789, y con
un status jurídico superior al que había tenido hasta ese momento; mas, como
reconociera el propio Gobernador Wood [governador militar norte-americano
da Ilha], “a Cuba se le ha dejado muy poca o ninguna independencia con la
Enmienda Platt, y lo único indicado ahora es buscar la anexión”. Este último
propósito no lo lograrían nunca; pero lo cierto es que la isla dejaba de ser
colonia de España para convertirse en semicolonia de Estados Unidos.
(NAVARRO, 2000, p. 82)
A história por uma independência de fato é retomada quando um grupo de mal
armados revolucionários, comandado pelo jovem Fidel Castro, ataca uma das fortalezas
de horror e repressão da última das tiranias neocoloniais (o Assalto ao Quartel de
Moncada, em Santiago de Cuba, em 26 de julho de 1953). Dá-se início a um extenso
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processo insurrecional, de várias fases e que levaria ao triunfo da Revolução Cubana em
1ᵒ de janeiro de 1959, quando o último ditador, marionete da máfia dos cassinos e dos
interesses econômicos do governo norte-americano, Batista, foge da ilha como os antigos
piratas, saqueando os cofres públicos. Fidel Castro entra em Havana no dia 8 de janeiro,
a frente de suas hostes guerrilheiras, em meio à aclamação e ao júbilo popular, e o país
inteiro se converte a um projeto anti-imperialista, de corte reformista. Em 1961, às
vésperas da invasão da Baía dos Porcos, conduzida por mercenários armados e preparada
pela CIA, Fidel Castro declara o caráter comunista da Revolução Cubana. A Constituição
de 1967 reafirma o compromisso de Cuba com a “doutrina” do marxismo-leninismo, o
repúdio à propriedade privada e a estatização quase completa dos meios de produção.
A maior crise econômica da história da Revolução eclodiu no dia 21 de dezembro
de 1991, além mar. Líderes de onze das quinze repúblicas soviéticas haviam decidido
acompanhar as declarações de independência da Rússia, Ucrânia e Bielo-Rússia: estava
extinta a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas - URSS. Os impactos em Cuba
foram imediatos:
Quase da noite para o dia o Produto Interno Bruto (...) caiu de 23 bilhões para
11 bilhões de dólares, o comércio exterior desabou para 25% do volume
anterior, dois terços das empresas estatais revelaram-se deficitárias (...). Com
o fim do “socialismo real”, foram para o ralo o petróleo vendido por Moscou
a preços inferiores ao do mercado internacional e o açúcar comprado pelos
soviéticos a preços maiores que o praticado pela praça. O consumo anual do
país cairia de 13 para 3 milhões de toneladas de petróleo. Sem o fornecimento
soviético, não havia combustível para movimentar os caminhões e cortadeiras,
responsáveis pela colheita de 85% da cana cubana, a principal fonte de receitas
do país. A safra caiu de 8 para 6 milhões de toneladas no primeiro ano após o
fim da URSS, para chegar ao seu mais baixo patamar histórico em 1995,
quando o país produziu pouco mais de 3 milhões de toneladas.
(MORAIS, 2001, p. 23)
A primeira medida do governo foi baixar um duro racionamento de eletricidade,
que deixava a população dezesseis horas por dia sem energia. Nos hotéis, os apartamentos
dos andares mais baixos eram disputados avidamente pelos hóspedes. A coleta de lixo na
periferia de Havana passou a ser movida a tração animal. Quem chegasse a Cuba no auge
da crise, começo da década de 1990, tinha a impressão que estava em um país-fantasma.
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Não havia um só veículo circulando pelas ruas: táxis, ônibus, carros particulares, carros
oficiais - nada. Era o início do “período especial”, o de uma economia de guerra em
tempos de paz, agravada ainda mais pelos periódicos ciclones que assolam o país. A
Revolução encontrava-se diante de impasses que afetavam profundamente o os cubanos.
A penúria reclamava a fuga, por balsas improvisadas, daqueles que se dispunham
a atravessar um mar infestado de tubarões até a Flórida. O êxodo ilegal dos quase suicidas
balseros iniciou-se em 1991, com 2.203 fugitivos; em 1992, 2.557; em 1993, 3.656, até
atingir cerca de 30 mil, em 1994, quando um acordo migratório dos governos cubano e
norte-americano amainou o fenômeno (FURIATI, 2001, p. 372).
Essa conjuntura do início da década de 1990 é o contexto da decisão política de
Estado de impulsionar o turismo estrangeiro na ilha. Em 1994 se cria o Ministério do
Turismo, e a atividade passa a ser prioritária para a sustentabilidade econômica do país.
Em 1990, 340 mil turistas estrangeiros fizeram uso da rede hoteleira de então.
No entanto, o destino Cuba recebeu um milhão de visitantes internacionais de
primeiro de janeiro a 8 de março de 2018, com cerca de 67 mil quartos de hotel e mais de
21 mil quartos em acomodações familiares (CUBANACUR, 2018). Coma a privatização
dos aeroportos, o objetivo é alcançar a marca de 10 milhões ao ano (KNOBLOCH, 2016).
Os americanos já estão liberados para viajar a Cuba, apesar de ainda serem
obrigados a preencher um dos pré-requisitos das 12 categorias para a autorização das
viagens – como desportivas, culturais, universitárias ou religiosas. Segundo dados
oficiais, Cuba recebeu quase 620 mil visitantes norte-americanos em 2017, apesar das
atuais regulamentações e advertências da administração do presidente Donald Trump de
não viajar para a maior ilha das Antilhas (CUBADEBATE, 2018).
4 As Abordagens ao Turista e a Questão Socioeconômica e Política
A cidade de Havana, principal polo turístico do país, tem recebido cerca de metade
dos turistas que aportam em Cuba. Serafín Gonzáles Ávila ao comentar os benefícios que
recebem os havaneiros com o desenvolvimento do turismo internacional, cita os milhares
de empregos diretos que gera e o estímulo a outros setores nacionais dos que se nutre para
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seus insumos. De forma paralela - apontou - se faz evidente o melhoramento da imagem
e as condições de numerosas zonas da cidade que se tem favorecido com as remodelações
e novas construções que se tem feito para a indústria do ócio “y que sin dudas embellecen
el entorno y las condiciones de vida de la población” (ALLEN, 2003, p. 5).
Caminhando rumo ao Centro Histórico de Havana Velha, sítio cultural declarado
pela UNESCO como Patrimônio Mundial da Humanidade, adentramos alguns casarões.
O centro inteiro de Havana transformou-se numa imensa favela onde vivem
quase 80.000 pessoas, geralmente famílias de outras províncias que moram
abarrotadas em quartos de antigos casarões. Quando a família cresce, o negócio
é crescer o quarto construindo uma barbacoa, um mezanino rústico. A
prefeitura estima que metade das casas da cidade esteja em mau estado, e
60.000 são irreparáveis (BARTABURU, 2001, p. 55).
Fomos notados por um homem negro, 35 anos, Zeném, portando um guarda-chuva
branco e trajando roupas totalmente brancas, com guias espirituais da santeria. Puxa
assunto; estamos em pé, próximos à Praça Velha do Centro Histórico de Havana Velha.
Zeném retira do bolso sua carteira e me mostra seus documentos. Ele é vigia noturno de
um prédio próximo ao cemitério de Havana, longe dali. Está todo de branco cumprindo
um ritual religioso de iniciação a sua religião, cumprindo um dogma que estabelece a
obrigação de somente se vestir de branco, ao longo de um ano, para demonstrar fé,
persistência e identidade.
Zeném olha para os lados, baixa o tom de voz, e põe-se a explicar porque prefere
que conversemos caminhando. Diz que a polícia suspeita de cubanos que conversam com
turistas. O comportamento social que seria mais aceito, para que não ficássemos tão
expostos e a conversa se prolongasse, era que deveríamos seguir caminhando. Foi o que
fizemos e iríamos fazer, por cerca de 4 horas, por entre as vielas de Havana, que, apesar
do estado precário e do aspecto de pobreza das habitações, é seguro andar por entre elas.
5 O Contexto da Segregação entre Nativos e Turistas
Zeném se propõe a demonstrar o que até então era apenas uma hipótese de
pesquisa. Em Cuba existe uma segregação entre o modo de vida cotidiano do cubano e o
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“mundo-vida” disponibilizado ao turista estrangeiro. Zeném propõe que façamos a “prova
do café”. Nos conduz a um estabelecimento, uma cafeteria popular, frequentado por
cubanos. Pergunta o quanto costumávamos pagar por um cafezinho nas cafeterias e
restaurantes de Havana: US$ 1. Ele abre sua carteira, retira uma cédula de 1 CUP, vai ao
balcão e volta com uma xícara de café, sorridente. Desafia-nos a fazer a prova e atestar
por quanto ele nos custaria: 25 vezes mais. Perguntamos então se o povo cubano teria
poder aquisitivo para divertir-se num cinema, teatro, ou tomar uma cerveja, etc. “Sim”,
responde-me. Os cubanos podem ir ao cinema - e vão - pois, como o cafezinho, o mesmo
ingresso custa um preço quando o expectador é turista e outro, “25 vezes mais barato”,
quando é nativo. Quanto à cerveja, realmente, as boas marcas cubanas são
comercializadas somente em CUC, mas existem, acessíveis ao consumo dos nativos, em
CUP, uma versão das mesmas na forma de chope, bem mais barata, e uma outra marca
popular, em vasilhame, ambas comercializadas apenas entre os nativos, não disponíveis
nas cafeterias, tabernas e restaurantes destinados aos turistas em Havana.
O acesso dos cubanos a estes bens simbólicos - o café, o cinema e a cerveja -
acende uma luz de alerta na nossa investigação. Uma possibilidade era de que uma
profunda mudança sociocultural e política provocada pelo fenômeno turismo no tecido
social havaneiro se daria no plano dos valores, no estímulo à ideologia do consumo e da
distinção individual-social, à satisfação de necessidades de alto valor simbólico, mas
“supérfluas” no sentido material, restrito. No entanto, estávamos encontrando indícios
que a questão era mais profunda, que a motivação dos “cubanos que pedem” reside na
possível autenticidade do discurso que manifestam nas abordagens aos turistas: satisfação
de necessidades básicas, materiais, vitais. Bastavam-nos, portanto, retirar o véu da dúvida
e da suspeita para tomar as justificativas dos pedintes como indícios, evidências e/ou fatos
para sustentar essa hipótese.
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Percebo então o sentido do que estava portando, o CUC (Documento 1):
Essa moeda foi criada no contexto da formulação e execução da política do
Estado de fomento ao turismo internacional que, ao exigir a descriminalização do uso e
posse de dólares, viabilizou e legalizou as remessas de divisas de exilados e residentes,
principalmente nos EUA, aos seus familiares em Cuba.
O CUC adquire, assim, um sentido de estabelecer um divisor monetário e social
entre turistas e nativos. A diferenciação entre estabelecimentos comerciais que aceitam
somente CUP, em geral populares e precários aos olhos de turistas, que praticamente não
utilizam esta moeda, com outros ambientes que só aceitam CUC, mais asseados, de
melhor aspecto ou mesmo requintados, indicam que o uso desses espaços seja
diferenciado por nacionalidade: os primeiros, somente para os nativos; os criados ou
reformados pela política pública de turismo, para os estrangeiros, que deverão pagar 25
vezes mais pelo seu usufruto. Esse aspecto econômico e monetário demarca e materializa
minha tese de uma segregação social em Cuba, promovida pelo Estado, por um governo
Documento 1: Peso Convertible CUC
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socialista, entre nativos e turistas internacionais, como parte de sua política pública de
desenvolvimento do turismo no seio de uma sociedade igualitária, mas marcada pela
escassez de gêneros de necessidade básica.
Querermos saber como meu informante percebe a situação de penúria que
perpassa o cotidiano popular. Segundo o governo cubano, isso se deve ao bloqueio
econômico norte-americano sobre a economia da ilha. “Bloqueio? Tudo é culpa do
bloqueio?”, responde e pergunta: “será que os americanos são tão maus assim?”.
Para Tirso W. Saenz, antigo vice-ministro de Che Guevara no Ministério das
Indústrias, com a Revolução Cuba deixava de ser uma neocolônia norte-americana:
Produziram-se importantes medidas libertadoras com respeito à dependência
política com os Estados Unidos. Medidas duras, porém imprescindíveis, como
a reforma agrária e, posteriormente, a intervenção e nacionalização das
empresas norte-americanas e, depois, de todo o restante no setor privado.
Como parte da reação a estas medidas, os Estados Unidos decretaram o
bloqueio, pelo qual se quebrava toda relação econômica e comercial com Cuba,
inclusive o comércio com filiais norte-americanas radicadas fora dos Estados
Unidos. (SAENZ, 2004, pp. 55-56)
Considerando que os EUA eram o principal mercado para os produtos de Cuba,
dada à proximidade entre os países (140 km), podem-se imaginar as incontáveis
dificuldades com que a Revolução se deparou daí em diante:
O fornecimento tradicional de matérias-primas, equipamentos e peças de
reposição foi praticamente interrompido desde os primeiros momentos do
triunfo revolucionário. Se considerarmos a dependência para com os Estados
Unidos, isso criava uma situação de quase completa asfixia para a economia
cubana, à qual faltava praticamente tudo. Muitas fábricas tiveram que
interromper suas atividades, outras passaram a operar abaixo de sua capacidade
ou a produzir com qualidade deficiente. Graves problemas de qualidade
ocorreram em todo o setor industrial devido à falta de matérias-primas
adequadas para toda a indústria. (SAENZ, 2004, p. 56)
No dia 5 de fevereiro de 1992, pouco mais de um mês após o fim da URSS, o
deputado democrata norte-americano Robert Torricelli apresentou um projeto de lei
denominado “lei para a democracia em Cuba”, que seria aprovada pelo Congresso norte-
americano nove meses depois e ficaria conhecida como Lei Torricelli:
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Apertando ainda mais o bloqueio que os EUA haviam imposto a Cuba em
1962, a nova lei determinava, entre outras medidas, a redução de qualquer
ajuda econômica dos Estados Unidos a países que importassem açúcar de
Cuba; proibia qualquer relação comercial com Cuba por parte de empresas de
capital norte-americano [...] que se estendia as suas subsidiárias, não
importando em que país elas estivessem estabelecidas; instituía oficialmente
uma “lista negra” de empresas de países capitalistas que mantivessem relações
com Cuba, que passariam a ser objeto de restrições no comércio com os EUA;
impunha limites ainda maiores às remessas de dólares a Cuba pelos membros
da comunidade de cubanos residentes em Miami e, finalmente, determinava
que navios que atracassem em portos cubanos ficariam proibidos por seis
meses de entrar em águas territoriais norte-americanas. (MORAIS, 2001,
p. 26)
Em 1996 seria aprovada nos EUA a Lei Helms-Burton que, além da autorização
do Poder Executivo para apoiar grupos de dissidentes dentro do território cubano e o
aumento das dotações de recursos para a Radio e a TV Martí - instaladas na Flórida para
gerar programas anticastristas dirigida a Cuba -, o texto da lei, dentre outras medidas,
instava o impedimento do ingresso de Cuba em organizações internacionais, da concessão
de empréstimo por parte dos institutos multilaterais de financiamentos e de vistos a
pessoas ou representantes de firmas que lá tivessem se estabelecido.
6 Os Desafios do Turismo e a Sustentabilidade do Lugar
Desde a posse de Raúl Castro como presidente, em 2008, Cuba está em
transformação, a economia se abre para o capital estrangeiro, o setor público se reduz e
mais iniciativas privadas são aprovadas. Além disso, o governo permitiu a compra e venda
de carros e imóveis. Isso significa que, atualmente, casas e apartamentos voltaram a ser
investimento ou meio de produção, na forma de bares ou apartamentos para turistas.
Assim, na sequência da expansão das pequenas empresas – em Cuba, muitos proprietários
que antes alugavam seus imóveis às escondidas, como Zeném, legalizaram seu negócio.
Pelo menos desde o fim de 2014, quando Raúl Castro e o então presidente dos
EUA Barack Obama anunciaram o início de uma aproximação política cautelosa, Cuba é
um dos destinos turísticos mais procurados no mundo, atingindo, em 2016, 4 milhões de
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turistas (KNOBLOCH, 2017). A empresa norte-americana de cruzeiros NCLH notificou
que Cuba foi o destino preferido em 2017, em que 88% dos seus passageiros norte-
americanos chegaram a esta ilha (CUBADEBATE, 2018).
A organização norte-americana Cuba Educational Travel acaba de dar fortes
elementos sobre a questão da segurança na ilha, realizando uma pesquisa com aqueles
que, do norte do país, viajaram ao arquipélago nos últimos 14 meses, de janeiro de 2017
a fevereiro de 2018. Os entrevistados, cidadãos dos Estados Unidos, responderam
anonimamente a oito perguntas básicas relacionadas à permanência no país caribenho e
os resultados foram claros: 99,13% dos 462 entrevistados disseram que eram "muito
seguros" ou "seguros". " Apenas três disseram que se sentiam "inseguros" em sua viagem,
um relatou não ter sido claro sobre sua resposta e nenhum descreveu sua permanência
como "muito insegura" (GRILLO, 2018).
O sotaque americano é agora onipresente. Seja no Hotel Parque Central, um
dos mais populares da cidade, ou nos albergues de mochileiros, muito mais
baratos. A mudança é palpável e perceptível na cidade de três milhões de
habitantes, pelo menos nos lugares onde os turistas são bem-vindos. Também
existem cenários menos amigáveis. Os pedintes e "perdedores do socialismo"
consideram os gringos como uma nova fonte de dinheiro. Para desagrado dos
fiéis à velha linha do partido, irritados com o assédio aos visitantes dos EUA.
"Vocês são uma vergonha para o país", dizem para os pedintes que tentam
arrebatar na rua alguns dos cobiçados "pesos estrangeiros" cubanos. A pobreza
e a miséria ainda são tabu em Cuba. Havana está se preparando para invasão
de turistas ainda maior. Quando as companhias aéreas dos EUA começarem a
voar para Havana e as barcas entrarem em serviço, o número de visitantes
americanos continuará a aumentar. Ao mesmo tempo, também à noite os
trabalhadores estão ativos nas obras da capital cubana. São necessários hotéis
novos, adaptados especialmente aos americanos. Um dos projetos de maior
prestígio é o hotel Manzana, no coração da Cidade Velha, que, graças a sua
fachada histórica, poderá em breve se tornar a nova atração da cidade. O
câmbio do peso cubano conversível (CUC), que difere significativamente em
valor do "peso interno", traz milhões em divisas valiosas ao país, graças ao
novo fluxo de visitantes. Isso e a abertura do setor turístico a empresas privadas
alavancam um desenvolvimento impressionante em Havana. O odiado dólar e
seus proprietários tornam isso possível. (KAUFFER, 2015)
A sustentabilidade do turismo enquanto negócio, como empreendimento
econômico que visa lucro, é buscada vis a vis com a sustentabilidade do lugar, o que no
sistema socialista seria possível de ser atingida na medida em que a apropriação dos
rendimentos é coletiva, onde os interesses da sociedade se impõem sobre os particulares:
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El turismo sostenible, o sustentable, aspira a asegurar su vitalidad como
negocio, logrando también, y simultáneamente: 1) que las comunidades
receptoras se beneficien económicamente. 2) que se preserve el patrimonio
cultural, y 3) que se conserve el medio ambiente [..] La distribución social de
las utilidades está en el centro del proyecto socioeconómico cubano y de por
sí tiende a cumplimentar la primera parte de la definición, lo cual es difícil de
lograr en otros esquemas, y menos aún en los regidos por el neoliberalismo y
por el capitalismo “salvaje”. En nuestro turismo, las utilidades son del país y
éste las maneja en función de las necesidades sociales.
(MEDINA; SANTAMARINA, 2004, p. 95-96)
Esta é a lógica da política pública em turismo de Cuba. Busca-se o máximo de
lucratividade possível pelo mecanismo de segregação social via apartação monetária entre
turistas e nativos para que os lucros auferidos atendam a sociedade em seu conjunto:
El turismo tiene importantes compromisos con el presupuesto del Estado, que
se concentran en el financiamiento del combustible que necesita el país, y de
los alimentos que consume la población. Esto se logra por dos vías, la primera,
mediante la adquisición de bienes y servicios. En este caso el turismo paga
por adquirir bienes y servicios un recargo o precio por encima de lo
establecido y esa diferencia se destina a satisfacer necesidades de la población
y a financiar o desarrollo del sector prestatario. Un ejemplo de ellos es la
energía eléctrica, donde buena parte del recargo que se paga se destina a
financiar la mitad del consumo energético de la población y la otra parte se
destina a la modernización y el desarrollo del propio sector energético [...]La
segunda vía es a partir de las utilidades por concepto de impuestos y de
aportes a la balanza de pagos.
(MEDINA; SANTAMARINA, 2004, p. 98)
Osvaldo Martinez sintetizou a posição do governo cubano:
P - A principal fonte de ingresso de capitais na economia cubana é o turismo.
Ele traz consequências positivas e negativas. Como vocês estão lidando com
as características predatórias desta atividade?
Nós chegamos há anos a uma conclusão. Não podemos viver em um meio
quimicamente puro. A Revolução, sua ideologia, sua moral e o País têm que
defender-se, num desafio constante. Não podemos nos fechar numa cápsula e
pensar que isto é o melhor e que assim vamos nos manter como um povo com
uma ideologia absolutamente pura. Temos que lutar contra o que o turismo
possa ter de negativo, como são as tendências a se imitar o modelo de consumo
de países desenvolvidos, bem como os vícios desses tipos de sociedade, como
a prostituição, drogas etc. Penso que temos suficientes anticorpos para resistir.
Além disso, a qualidade e solidez da Revolução se demonstram justamente em
batalhas como estas. (MARTINEZ, 2003, p. 6)
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Segundo o Fundo Monetário Internacional, o fim do embargo poderá trazer até 10
milhões de turistas americanos por ano (WAINWRIGHT, 2018). Isso é muito
significativo pois o salário médio mensal em Cuba em 2016 foi de 740 CUP, equivalentes
a pouco mais de US$ 29, segundo a publicação Salário Médio em Cifras 2016, divulgada
pelo Escritório Nacional de Estatística e Informação da ilha.
Esse valor médio é maior que o salário máximo pago em Cuba em 2004 a militares
e policiais (US$ 24), como nos informou, extraoficialmente, o motorista Camilo em nossa
incursão exploratória, o que indica que os rendimentos do turismo internacional podem
estar sendo distribuídos, paulatinamente, à população cubana como um todo.
O Escritório calcula o salário médio mensal por províncias desde 2007 e o salário
médio mensal por categoria de atividade econômica desde 2014 (AGÊNCIA EFE, 2017).
Sem dúvida, o turismo continuou a ser o setor com maior expansão em 2017,
embora o aumento da eficiência de seu crescimento ainda seja uma questão
pendente, uma vez que, enquanto os visitantes aumentaram 16,5%, as receitas
aumentaram 10,5%, o que reflete uma diminuição na renda por turista, que
caiu de 760 dólares em 2016 para 722 em 2017, o que teria que adicionar um
nível de ocupação linear de quartos em hotéis que atingiu 60,7 % em 2016,
último número disponível. Nesse sentido, destaca a necessidade de
investimentos extras em hotéis, como parques de diversões, cabarés etc. que
eles permitem aumentar a renda de uma despesa maior dos turistas fora do
"tudo incluído" e que eles não são excessivamente caros.
(RODRÍGUEZ, 2018)
7 Conclusão
Em Cuba os impactos do fenômeno turismo são percebidos no âmbito do domínio
consentido a turistas estrangeiros a ambientes e meios de locomoção de usos exclusivos,
demarcados política e financeiramente por um meio monetário fictício, o peso
conversible. O turismo internacional em Cuba, ainda que capitalista, racionalizado
visando o lucro do olhar do turista sobre o lugar, ocorre, como um aparente paradoxo,
num tecido social socialista hospedeiro, de cunho comunista, portador de outra lógica e
racionalidade. Como uma engrenagem política, econômica, monetária e social, o Estado
edificou um mundo segregado e combinado entre turistas e nativos em Cuba.
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Essa segregação social sui generis é o principal impacto da política pública de
turismo em Cuba, e é indicativa de uma dimensão política explícita e implícita ao
fenômeno. Explícita porque a forma como o turismo internacional foi revitalizado na Ilha
se deu como uma política estratégica do Estado, em uma conjuntura geopolítica e
econômica muito específica e vital em termos sociais. Busca-se aperfeiçoar o significado
financeiro positivo da chamada indústria da hospitalidade - lucratividade, geração de
renda e empregos rentáveis, captação de divisas - em curto prazo, para que o país como
um todo tenha ganhado sustentabilidade econômica. A dimensão implícita oculta, do
fenômeno, ocorre num contexto em que o turismo e sua racionalidade capitalista se
realizam num tecido social socialista marcado pela escassez de gêneros básicos. Nesse
quadro, o principal impacto diretamente observável do turismo ocorre, primordialmente,
no plano dos valores, no potencial latente de incitação e estímulo à transgressão às
normas, a códigos aceitos de conduta e de comportamento de nativos diante de turistas.
Tais fatos, ao atentarem contra uma moral social, atentam, fundamentalmente, contra uma
moral socialista de Estado, daí um significado político ao sentido das abordagens dos
“cubanos que pedem” aos turistas. O que nos leva a refletir sobre poder e sustentabilidade.
Não existe outra revolução latino-americana como a cubana. Nenhuma figura que
tenha despertado tantas paixões e ódios como Fidel Castro, que passou de libertador de
Cuba da ditadura de Batista a instaurador de um regime ditatorial, preservado pelo irmão
Raúl. A saída deste, em abril de 2018, ainda que não deixe a liderança do Partido
Comunista, implica em um fim simbólico, com a presidência do país passando a Miguel
Díaz-Canel Bermúdez, primeiro líder nascido depois da Revolução.
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