True - A Verdade - Hilary Duff
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L E A
Nunca f iquei to apavorada em toda a minha vida.
Eu corria tanto e to depressa, que minha respirao chegava a arranhar a garganta. Ne
ei por quanto tempo eu estava correndo. A cada passo que eu dava, sentia fisgadas terrveis nernas. Mas no podia parar. Nem me atreveria.
Estava escuro, mas eu no queria enxergar. Tambm no queria ouvir, mas no conseg
vitar.
Gritos. Gritos altos e estridentes. Uma menininha... torturada! E a alma, dilacerada... E
orrvel, e no terminava nunca! Meu Deus, quando que isso ia parar? Aquilo tinha que parar
Outro grito. Um homem. Eu conhecia aquela voz, mas no queria reconhecer. Recusei-m
uvir. Melhor assim. Continuei correndo.
Um rosto surgiu de repente em meio escurido, bloqueando meu caminho. O tamanho n
ra real tinha a minha estatura. A pele plida contrastava com os olhos vermelhos de sang
a boca estava to escancarada que era capaz de me engolir. Gritei, mas no saiu som algu
ecuei, mas no consegui me virar. Os olhos apticos fixaram-se nos meus, e lgrimas
angue comearam a escorrer por suas bochechas.
Dei um passo para trs e despenquei de costas em direo ao nada. A ltima coisa que vi cabea explodir, formando uma bruma escarlate.
Enquanto eu caa, agitei os braos e as pernas, mas no consegui me agarrar a nada.
aredes de barro daquele poo estavam fora do meu alcance, mas eu podia ver os ros
torcidos, tremulando logo abaixo da superfcie. Seus dedos esquelticos, com garras imens
ntavam me alcanar desesperadamente. E vozes sussurrantes clamavam por mim em um
ngua que eu no conseguia entender. Mas o significado era claro.
Eles eram meus mortos, e estavam vidos da minha companhia.
As lamentaes foram ficando cada vez mais altas medida que fui despencando. Ten
par os ouvidos e fechar os olhos, mas era impossvel bloque-los. Com os sentid
ompletamente tomados, sofri, de repente, uma dor lancinante, algo perfurando minha espinh
rgui a cabea e constatei: uma haste de metal gigantesca, fincada bem no meio do meu corp
egurei-a, tentando arranc-la de mim, enquanto eu via as almas mortas saindo de seus caixe
e rastejando em minha direo, para se apossar do meu corpo...
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NO! gritei.
Clea disse uma voz. Clea, est tudo bem. Foi s um pesadelo. Voc est s e salv
st tudo bem.
Embora eu pudesse ouvi-lo, estava zonza demais para entender. A dor nas minhas cos
stava passando, mas agora meu rosto doa como se estivesse sendo dilacerado por dentro. Um
nda gelada se abateu sobre mim, e eu no queria abrir os olhos. Estava com mais medo ago
o que quando me vi cercada pelos mortos, mas eu no sabia dizer por qu. Minha m ente esta
onsumida pela dor que corroa minha testa, meus olhos, meu nariz...
Um cinto de segurana. Sim, era um cinto de segurana. Eu estava dentro de um carro
aro que estava dentro de um carro agora eu percebia: a vibrao, o movimento, o som
otor. Devo ter cochilado toda torta por causa do cinto de segurana.
Endireitei as costas e o incmodo melhorou. A dor no rosto tambm tinha diminudo, m
omecei a sentir um ardor se espalhando por todo o meu corpo. Abri os olhos......e vi Nico, namorado de Rayna, me encarando. J era noite, mas constatei que era e
raas s luzes dos faris de carros que vinham na direo oposta. Ele era to alto e largo q
stava todo espremido no banco de trs. Parecia um adulto em um carro de brinquedo. Esta
em o cinto de segurana e se apoiava quase em cima de mim; uma mo segurava o banco
assageiro, e a outra, o banco detrs da minha cabea, form ando uma muralha ao meu redor
abelo loiro tinha um emaranhado de folhas e galhos, e o rosto estava todo sujo de terra, m
oram os olhos castanhos que atraram minha ateno. Pareciam to cheios de preocupao e.
Olhos castanhos?
Nico tinha olhos azuis!
Soltei um longo suspiro, recordando de tudo. As imagens foram pouco a pouco se forman
a minha cabea: o caos na floresta, tiros e galhos para todos os lados; Nico o verdadeiro
egurando a adaga e hesitando ao apont-la para o peito de Sage; Ben indo para cima de Nico
cando horrorizado ao ver a adaga fincada no estmago de Nico; e, por fim, Sloane dando ualto para pegar a adaga, cravando no corao de Sage e matando-o. Matando-o para sempre.
Baixei o olhar para m inhas mos e vi manchas escuras de sangue seco de segurar o corpo
age. Senti uma pontada na boca do estmago quando me lembrei daquele rosto inexpressivo
o corpo sem vida nos meus braos...
Clea disse Nico. Preste ateno. Est tudo bem.
Olhei para ele, mas apenas para os olhos. Castanhos.
Sage? perguntei.
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Ele sorriu e vi tudo duplicado. Era o rosto de Nico, sem dvida. Mas era o sorriso tranqui
eio de lado, de Sage. E tambm os olhos de Sage, e a almade Sage.
Senti um alvio to grande que mal conseguia respirar. Tentei colocar meus braos em vo
ele, mas o cinto de segurana travou e me j ogou de volta para trs.
Pronto disse ele, estendendo o brao para afrouxar delicadamente o meu cinto. Dep
proximou o rosto para a frente, de modo que, por um breve momento, seu pescoo e s
ochecha ficaram bem perto dos meus lbios. Meu corao disparou e respirei fundo para sen
cheiro dele.
Mas aquele no era o cheiro dele. Era um aroma de almscar, meio doce e artificial
uando ele afrouxou o cinto mais ainda, para que eu pudesse facilmente me acomodar n
raos dele... fiquei imvel.
Obrigada foi tudo o que eu disse. Sem tocar na mo dele, peguei o cinto de volta
oloquei sobre o meu peito. Estou bem assim.Ele sorriu, mas seus olhos o traram. Ele parecia ferido, o que em mim doa como um so
o estmago. De repente, outra imagem me veio cabea: Sage nos braos de outra mulh
eijando-a e arrancando suas roupas.
Ele sacrificara a nossa ligao de alma para estar com outra mulher... Ento por que olha
ara mim como se me am asse?
Clea?
Era a voz de Ben, to tensa quanto suas mos agarradas ao volante.
Voc est bem ? Pelo espelho retrovisor, vi o olhar dele se desviar para Sage. E
st bem?
Estou respondi. No era exatamente a verdade, m as no havia palavras para explic
omo eu estava me sentindo. O que aconteceu? A ltima coisa que me lembro...
A ltima coisa que eu me lembrava era do corpo devastado de Nico se curando bem
inha frente. Mas como sa de l e vim parar aqui? Voc desmaiou disse Ben. Carregam os voc de volta para o carro. Nico... Sa
ouxe voc.
Eu desmaiei?
Sage deu uma risada baixinha, produzindo uma sensao deliciosa no meu estmago.
Viu s como eu tinha razo? disse ele.
Fiquei totalmente por fora da piada e no gostei nem um pouco.
Voc tinha razo sobre o qu? perguntei.
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Ben estava preocupado com voc. Eu disse a ele que voc ia ficar bem ... e furio
onsigo mesma.
No sei se fiquei irritada com ele porque eu estava ofendida ou porque ele tinha razo.
No sou do tipo que desm aia.
Voc hum ana, Clea disse Sage. assim mesmo. Ele ps a m o no meu rosto
inha pele estremeceu quando senti o seu toque. S me dei conta de que eu estava pressionan
cabea contra a mo dele quando ele a tirou dali para empurrar meu cabelo para trs. Ele
so com todo cuidado, evitando encostar nos meus machucados.
Aqueles olhos. Pensei que nunca mais voltaria a v-los, e agora eles estavam olhando pa
im com tanto amor, que tive vontade de chorar .
Humana uma forma simplista de colocar as coisas soltou Ben, cortando o clim
le se dirigia precisamente para Sage, entre uma olhada e outra para o para-brisa. Clea no
ma espcie de Blanche DuBois[1], que vive tendo crises nervosas. O que aconteceu foi umncope vasovagal continuou ele, desviando o olhar para mim. uma forma que
rganismo tem de reagir ao estresse. A frequncia cardaca e a presso arterial diminuem, o q
duz o fluxo de sangue para o crebro. Tenho a mesma reao quando tomo injees.
mesmo? disse Sage, em tom irnico.
Apesar da escurido, vi o rosto de Ben ficar ultravermelho. Mas a voz dele permanec
ria:
S estou querendo dizer que isso no um sinal de fraqueza nem nada. norm al.
Ah, que bom! eu disse. Eu ia odiar se alguma coisa dessa nossa situao no fo
ormal.
Sage soltou uma gargalhada:
No falei? Ela est tima.
Depois se esticou para trs, o mximo que pde naquele espao apertado, e fechou os olho
Eu o observei, enquanto os postes de luz deixavam cair sobre ele um brilho momentneMinutos atrs, eu no queria sequer me acomodar em seus braos. Agora, estava louca para m
entar ao seu lado e encostar a cabea em seu peito.
Mas o que aconteceria se eu fizesse isso? Apesar de todo o amor que vi em seus olh
inutos atrs, isso no mudava o que ele tinha feito. Sage rompera o vnculo que havia entre n
ara sempre. Ser?
Outro carro passou por ns, e pelo brilho do farol, vi Sage se contorcer. Ele parecia plid
as eu no tinha certeza mesmo bronzeada, a pele de Nico era to clara que era difcil diz
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m seguida, Sage inspirou bem fundo e comprimiu os lbios. Ao tentar se concentrar, o mscu
e sua mandbula se contraiu.
Sage? perguntei. Est tudo bem?
Ele fez que sim, com um aceno quase imperceptvel.
Ele est tendo uns problem inhas revelou Ben. Foi assim durante quase toda
agem. Ele s ficou mais animado quando voc comeou a falar, mas a maior parte do tem
oi desse jeito. Quer dizer, isso quando ele no estava gritando comigo, pedindo para eu encos
carro para que ele pudesse colocar tudo para fora.
Como assim? O que h de errado com ele?
Pelo retrovisor do carro, Ben me lanou o olhar m ais seco do mundo:
Sinceramente, nem sei como com ear a responder essa pergunta.
Tudo bem . Mas... isso normal?
Normal para um cara cuja alma foi arrancada de um corpo e introduzida no de ouessoa que eu havia acabado de matar? Nossa, sei l... Isso no o tipo de coisa que vejo todos
as.
Havia um qu de histeria na voz dele, e percebi que Ben estava fazendo um esforo enorm
ara manter a compostura.
Voc no matou Nico. E no queria que isso tivesse acontecido. Voc s estava tentan
alvar Sage.
Bom, isso com certeza eu consegui, n?
Ele riu, mas de forma sarcstica. No gostei nem um pouco.
Ben...
Fui interrompida pelo gem ido de Sage.
Ben! Agora! gritou ele.
Droga resmungou Ben, olhando por cima do om bro e cruzando a pista em direo
costamento. O carro comeou a trepidar sobre as pedras da beira da estrada, e Sage sambaleando do veculo. Com o corpo todo encurvado, avanou para a barreira de proteo
costamento e se arrastou por cima dela. Sa do carro e s tive tem po de v-lo tropear, rolar p
ma encosta ngrem e coberta por um m atagal e desaparecer na escurido.
Sage! gritei. Tentei pular a barreira de proteo para ir atrs dele, mas Ben m
egurou pelo brao. Doeu mais do que deveria, e conclui que meu brao devia estar be
achucado.
Ele no quer que voc vej a. Das ltimas vezes, no foi to longe. disse Ben.
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Isso ridculo! Posso muito bem ver algum vomitando!
Tentei me soltar, mas Ben me segurou com mais fora ainda.
Ridculo ver vocs doiscorrendo l para baixo nessa escurido.
Arranquei meu celular do bolso e acionei o teclado, para que Ben visse a luz da tela.
Assim est melhor?
No. Isso no uma lanterna, Clea. O Sage est bem. Ele vai voltar quando estiver pron
De repente, ouvimos um grito.
Sage! berrei, conseguindo me desvencilhar de Ben. Pulei a barreira de proteo e, se
nxergar nada, desci correndo a ladeira, esmagando o matagal espinhento. At que, finalmen
ei de cara com o peito slido de Sage. Ele passou o brao no meu ombro, mas aquilo no e
m abrao. Percebi que ele s estava se apoiando em mim para conseguir manter o equilbrio
Estou bem ele avisou. S pisei de mal jeito e acabei levando um tombo. Acho q
a em cima de alguma coisa. Meu brao...Ativei o teclado do celular, que, embora no fosse uma lanterna, era mais do que suficien
ara mostrar o que Sage estava sentindo: um pedao de vidro bem grosso, talvez o fundo de um
arrafa de cerveja, enfiado no brao esquerdo, logo acima do pulso.
Meu Deus! A gente tem que ir para o hospital!
Nada disso. Est doendo muito, mas no tem importncia.
Antes que eu tivesse tempo de perceber o que ele estava prestes a fazer, Sage pegou
edao de vidro com a mo direita, arrancou-o do brao e o jogou no cho. Um forte esguic
e sangue comeou a jorrar e a escorrer pelo brao.
O que voc fez?
Tirei o pedao de vidro para o ferimento sarar ele respondeu. Mas a voz de Sage so
m pouco chapada, e notei que e le estava olhando para a enxurrada de sangue como algo curio
fascinante, no como uma ameaa sua vida. Tentei desviar a ateno dele.
Sage. Sage!Ele no estava me ouvindo. Continuava hipnotizado pelo prprio ferimento. Era bem poss
ue estivesse entrando em estado de choque. Tirei o casaco e gritei na direo da estrada:
Ben! Preciso de ajuda! Chame uma ambulncia! Procure no carro alguma toalha ou u
edao de pano e traga aqui! AGORA!
Enrolei o casaco no brao ensanguentado de Sage e apertei o mximo que pude. Ele olh
ara mim, com a expresso de uma criana perdida.
Um cortezinho desse...? Isso no nada. Vai sarar j , j ...
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Minhas mos ficaram meladas com aquele lquido viscoso. Era a segunda vez naquela no
ue elas ficavam encharcadas com o sangue de Sage. Eu no conseguia parar de lembrar do q
avia acontecido mais cedo, nem da sensao de segurar o seu corpo sem vida. O pnico insis
m martelar minha cabea, mas eu no podia me deixar dominar. Eu no ia perd-lo outra v
z um esforo para me acalmar e falar de um jeito firme e gentil.
No diga mais nada. Preciso que voc se deite aqui, bem devagar. No quero te v
aindo em cima de outra coisa de novo.
No sei se ele realmente entendia o que estava acontecendo, m as assentiu com a cabea e
gachou.
timo. Muito bem. Agora vou levantar seu brao para c ima da sua cabea.
Fiquei de joelhos e coloquei todo o meu peso sobre o pulso machucado. O casaco esguich
angue por entre meus dedos como se fosse uma esponja.
Eles esto a cam inho! gritou Ben, deslizando pela encosta. As luzes dos carros strada mal iluminavam o local onde Sage e eu estvamos, mas consegui ver a silhueta de B
eio borrada, e parecia que ele estava trazendo alguma coisa. timo.
O que aconteceu? perguntou Ben.
Achou uma toalha?
Eu tinha uma na minha bolsa de ginstica. S no deve estar muito cheirosa... que es
egando muito peso ultimam ente, e correndo quase dez quilmetros na esteir...
Srio? Puxei a toalha esfarrapada da m o dele e pressionei contra a ferida de Sage.
Foi mal... Espera, deixa que eu fao isso.
Pode deixar.
Para, eu tenho mais fora . Tem que pressionar mais forte. No trs a gente troca
gar: um... dois... trs!
Recuei e Ben assumiu o meu posto. Agora que minha assistncia tinha sido dispensa
ensamentos terrveis rondavam minha mente sobre todas as bactrias m edonhas e devoradoe carne que podiam viver naquela toalha suada e entrar na corrente sangunea de Sage. Se
m em brulho no estmago.
Eu precisava me concentrar. Rastejei at o rosto de Sage e tirei o cabelo da sua testa. S
ele estava mida e fria. Curvei o corpo para ficar mais prxima, de modo que ele pudesse m
er. Ele estava com um meio sorriso no rosto, como se ainda no estivesse entendendo o q
contecia.
Estou me sentindo to... estranho murmurou.
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Pois falei baixinho. isso que acontece quando algum sangra at quase morre
Sage sacudiu a cabea:
Eu no posso sangrar at morrer.
Eles drenaram o Elixir de voc. Agora, voc no vai mais se curar sozinho. No com
ntes.
Mas... meu estmago... Vi quando ele se curou. Voctambm viu.
Aquilo no foi o Elixir revelou Ben, esforando-se para falar, por causa da presso q
e fazia no pulso de Sage. Foi a troca de almas. No sei exatamente como ela funciona, s
ue ela cura o corpo do hospedeiro.
Curado, possvel. Mas naquele momento a respirao de Sage estava rpida e curta, e
abia que ele podia desmaiar em questo de minutos. Coloquei a mo em seu rosto e pedi que
casse acordado e vivo.
Voc vai ficar bem tentei anim-lo. S precisa se cuidar melhor de agora eante, est bem?
Sage soltou um risinho debochado:
Pelo jeito, no s voc que humana.
Ouvimos a sirene da am bulncia, e Ben disse:
V at a estrada para que eles nos vej am. Vou ficar aqui pressionando o ferimento.
Eu odiava ter de sair do lado de Sage, mas me curvei para beijar seu rosto e subi corrend
ncosta. Fiquei aos berros na frente do farol aceso do carro, pulando para cima e para baixo
alanando os braos.
Funcionou. Os paramdicos encostaram a ambulncia, e dois deles foram rpidos e
olocar Sage numa maca e lev-lo para o veculo. Ben e eu nem precisamos dizer nada um pa
outro; ns dois sabamos que eu ia dentro da ambulncia enquanto ele nos seguiria de carro.
Sage ficou desacordado durante todo o trajeto, ligado a uma mquina que media
equncia cardaca e a presso arterial. Eu estava sentada em um banco duro e gelado, que mermitia ficar perto dele o suficiente para segurar sua mo. Um dos paramdicos esta
onosco, mas no fez nenhuma pergunta. Acho que para ele no era to estranho encontrar t
essoas cobertas de terra e galhos, machucadas e sangrando, na beira de um a estrada.
Ele est to frgil...Eu nunca havia pensado em Sage daquele jeito, mas essa era a verda
ntre milhares de coisas que eu no entendia, havia algo que era indiscutvel: nosso tempo e
recioso. E eu no podia m ais desperdi-lo com dvidas.
Voc vai ficar bem sussurrei no ouvido dele. Vou ficar aqui com voc. Para o qu
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er e vier.
Cumpri minha promessa e fiquei perto de Sage, enquanto ele era transferido da ambulnc
ara o pronto-socorro. Os m dicos o encam inharam de maca para um quarto com duas cam
as uma delas estava encoberta por uma cortina. Sage permanecia desacordado, ento contei
nfermeiras (m ais ou menos) o que tinha acontecido. Elas ouviram tudo, pediram que eu fica
o corredor enquanto colocavam uma cortina em volta dele, e deixaram o quarto.
Depois de desabar na cadeira de plstico mais desconfortvel do planeta, me dei conta
ue no fazia a menor ideia de onde estvamos. Nossa viagem comeou em Vermont, disso
e lembrava. Mas no sabia por quanto tempo fiquei apagada. Ser que estvamos mais pe
e casa? Sondei o corredor procura de pistas, mas no havia nada alm de mdicos
nfermeiros andando de um lado para o outro entre uma porta e outra, e mais um monte
quipamentos indecifrveis.
Senti meu celular vibrar. Era Ben. Ele estava na sala de espera. No queriam deix-lo entrortanto ele ia ficar esperando l at que eu pudesse sair.
E no se esquea acrescentou ele , Sage Nico.
Ah, claro, com o se eu fosse apagar isso da minha mem ria.
Eu quis dizer oficialmente. No sentido burocrtico e tal. Ele est com a carteira do N
o bolso com todos os documentos dele.
Eu nem havia pensado nisso, mas esse o tipo de detalhe que Ben nunca deixaria passar.
Obrigada. Foi mal.
Sem problem as. Vou estar aqui. Se precisar de alguma coisa s me ligar ou me mand
ma mensagem.
Quando desliguei o telefone, vi um homem de jaleco branco entrando no quarto de Sage
ui atrs dele discretamente. Ele desapareceu atrs da cortina que envolvia a cama de Sage
ecidi rondar a porta. Fiquei uma eternidade olhando para um recipiente vermelho, escr
DESCARTE DE SERINGAS USADAS, at que o mdico reapareceu. Como ele est? perguntei.
Notei um lampej o nos olhos dele assim que me viu, e imaginei que ele tinha m
conhecido. Eu estava longe de ser famosa, mas minha famlia era repleta de algumas d
aiores personalidades polticas da dcada, uma das quais era minha me, a senadora Victo
Weston. No ramos os Kennedy nem os Clinton, mas minha foto j tinha sido publicada e
rios jornais e revistas, por isso, algumas pessoas sabiam quem eu era.
O mdico foi profissional o bastante e no mencionou nada. Tampouco perguntou se eu tin
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utorizao para receber informaes pessoais sobre o estado de Sage, o que significava que
ato de ele ter me reconhecido foi at bom.
Ele teve que levar alguns pontos e receber sangue inform ou o mdico , mas vai fic
em . A m aior preocupao em casos como esse o paciente contrair uma infeco, e por i
ue ele est recebendo antibiticos intravenosos e um analgsico. Tam bm pretendemos aplic
vacina antitetnica, a no ser que ele j tenha tomado nos ltimos dez anos.
No tenho certeza.
No faz mal. Vam os vacin-lo como medida de precauo. Queremos que ele fique aq
or mais algumas horas, depois voc pode lev-lo para casa. Os pontos vo se dissolver sozinh
nto mantenha o ferimento limpo e seco e traga-o de volta emergncia caso ele tenha feb
u algum sinal de infeco.
Pode deixar.
timo disse ele, acenando com a cabea em direo cama de Sage. Pode entre quiser. Ele vai ficar dormindo e acordando, mas quando sa, ele estava acordado.
Eu nem respondi; passei varada pelo mdico e puxei a cortina da cama.
Sage estava acordado, mas parecia meio grogue. Ele olhou para a parte posterior da m
em ferimentos, onde a via intravenosa desaparecia sob sua pele. A outra mo estava enfaixa
ara esconder os pontos recentes. Por um instante, me concentrei at conseguir visualizar
ntigo corpo de Sage: cabelo escuro, rosto anguloso, barba rala por fazer em torno da boca,
ueixo e do pescoo, braos musculosos, pele bronzeada e olhos cor de chocolate.
Era impossvel reter essa imagem. Os olhos ainda estavam l, mas todas as outras par
ram de um menino robusto criado em fazenda.
Obrigado por me trazer aqui agradeceu Sage. A voz dele estava tranquila e suave.
Claro, voc estava machucado.
No... quero dizer obrigado por me deixar ver isso Sage levantou a mo, com o tu
reso a ela, depois apontou para o suporte do tubo e para o m onitor eletrnico que emitiam soe m edio de seus sinais vitais.
Sensacional! ele exclamou.
Sensacional?
Aquilo soou estranho, mas depois parei para pensar.
Para algum que nunca pisou num hospital em quinhentos anos, incrvel mesmo
oncordei.
Quinhentos anos? Eu imaginava que era muito tempo, mas... tudo isso?
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Como assim? Voc no se lembra?
Ele negou com a cabea.
Eu me recordo de Magda, aquela senhora no Japo, e das coisas que ela nos mostro
magens de muito tempo atrs. Lembro de algumas pessoas... de Ben, de voc, mas vocs n
nham essa aparncia de agora. Eu tambm estava l, mas sempre igual, ano aps ano...
Sua voz suave ressoou pela sala, e voltei o olhar para a cortina que nos separava da cama
do. Cheguei mais perto e sussurre i no ouvido dele:
Isso porque voc no m orreu. Voc bebeu o Elixir da Vida, lem bra?
Sim... Lembro de saber sobre o Elixir, e de ter uma vida longa... Mas no de comoa vi
so faz sentido?
Para falar a verdade, no.
Naquele dia em que conheci voc no Brasil... Assim que bati os olhos em voc, soube q
am ava. Naquele momento e desde sempre. Isso mesmo. porque voc j me conhecia.
Imagino que sim...
Voc imagina?
Sage franziu as sobrancelhas, como se estivesse tentando puxar alguma coisa da memr
as desistiu e deu de ombros.
No sei... No consigo m e lembrar. S me recordo de voc. Clea Raymond. No instan
m que voc e eu nos encontramos... aque minhas lembranas comeam.
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Logo depois, Sage ardormeceu. Ele tinha um sorriso no rosto e ainda segurava a minha m
or causa das ataduras, a presso involuntria que ele exercia contra a minha mo parecia
go no humano, e acabei me esquivando daquele contato.Pensando bem, talvez no tivessem sido as ataduras que me fizeram gelar. No instante
ue voc e eu nos encontramos... a que minhas lembranas comeam. Aquelas palavras era
o tipo que fariam Rayna se derreter, mas no representavam em nada a histria entre mim
age. Ela havia comeado muito antes antes mesmo de eu existir. Foi essa histria que n
niu e deu origem a uma ligao entre nossas almas, que acabou se estendendo ao longo d
mpos.
Ligao entre almas...
Ser que foi isso o que aconteceu? Quando ele rompeu a ligao entre as nossas almas,
reservou nosso am or, mas perdeu nosso passado? Ou a perda de m emria era resultado da tro
e almas?
Havia tantas coisas que eu no conseguia entender... No entanto, algo me dizia que eu tin
e encontrar essas respostas, antes que Sage e eu descobrssemos o que ia acontecer. E antes
xplicar tudo para Rayna. Senti um arrepio. Com certeza eu precisava saber mais antes de faom ela. Como que eu podia esperar que ela assimilasse tudo, se eu mesma no consegu
ompreender?
Para no acordar Sage, puxei uma cadeira para perto da cama e, em vez de ligar, mand
ma mensagem de texto para Ben. Pedi que ele encontrasse o hotel mais prximo, dep
onsultei o GPS do meu telefone para saber onde estvamos. Vermont. No chegamos a sair
ermont. Isso quer dizer que quando acordei no carro no estvam os na estrada h muito tem
ue bom, me senti um pouco melhor por saber que s fiquei desmaiada por um tempinho.
De repente, Sage comeou a se contorcer e se debater enquanto dormia, sussurran
alavras raivosas, que eu tentava decifrar mas no conseguia. Ouvi-lo grunhir daquele jeito m
ortava o corao seja l qual fosse o tormento dele, isso tambm me torturava. Quando e
e encolheu todo e gemeu feito um animal indefeso, no consegui mais suportar.
Shhh, shhh... Est tudo bem. Cheguei perto dele, mas assim que encostei a m o em s
sta mida, Sage ergueu o tronco subitamente e me segurou. Ele agarrou o meu pulso com
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massados, e a carroceria inteira tinha m anchas de lama m isturada com grama.
Nossa, Ben...
Voc precisa ver o lado do motorista! exclamou ele, e depois sacudiu a cabea.
lis, melhor no. Pode acreditar em mim.
Que chato...
Ele deu de ombros:
Est merecendo um trofu, no acha? Alm disso, voc vive m e dizendo que est na ho
e comprar um carro novo.
Ben abriu a porta de trs, e o auxiliar de enfermagem travou o freio da cadeira de rod
arando na frente de Sage para levant-lo da cadeira. Mas Sage, de sobrancelha arqueada, tra
go de impedi-lo:
H-h. Pode deixar.
Ele entrou no carro de Ben, e fiz o mesmo, agradecendo o enfermeiro. E a, aonde vamos agora? perguntou Sage, enquanto Ben dava a partida.
J recebi intrues de Clea respondeu Ben. O hotel mais prximo fica s a d
inutos daqui.
Hotel? estranhou Sage.
Voc precisa descansar... justifiquei, apesar de que aquilo soou hipcrita. Por m
erradores que os sonhos de Sage tenham sido, ele parecia bem agora. Tinha quase voltado a
Sage de sempre. Talvez eu s estivesse arrumando desculpas para adiar o encontro co
ayna.
Talvez... Mas eu estava cansada, e Ben devia estar exausto. Quanto a Sage, ele tentou n
emonstrar, mas estava na cara que sua exploso de vitalidade e bom humor chegava ao fi
le estava com a cabea recostada no banco do carro e lutava para ficar de olho aberto. No e
ara menos; Sage estava sob efeito de antibiticos fortssimos, o que era totalmente novo pa
e. Ou, pelo menos, para sua alma. Ser que para o corpo tambm?No importa. Todos ns precisvamos descansar.
Ben saiu da estrada e entrou em um rido terreno asfaltado, onde havia um restauran
ennys, um posto de gasolina e um hotel da rede Red Roof Inn. Perfeito. Ele estacionou e
ente recepo e se virou para o banco de trs. Sage estava de olhos fechados e Ben fal
aixinho:
Posso ir at l, se voc preferir ficar com ele.
timo, obrigada.
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Mas Ben continuou sentado. Da franziu a testa e, com os lbios contrados, sugou o ar p
ntre os dentes.
O que foi? perguntei.
que... eu estava pensando... Um quarto s, n? Com duas cam as e uma cam a extra?
Voc quer ficar de bab de ns dois?
No disse Ben, corando. s que... ns todos passamos por tantas coisa
rincipalmente, voc sabe... e...
Dois quartos Sage interrompeu, do nada, sem se mexer nem abrir os olhos.
nterligados. Ben e eu dormimos no mesmo quarto.
Fechado disse Ben, saindo do carro antes que eu tivesse tempo de contestar. Quando
fastou, tirei o cinto de segurana e me aproximei de Sage.
Abra os olhos sussurrei.
Ele fez o que pedi e tudo em volta ficou embaado, pois foquei somente naqueles glbuarrons.
Ento verdade... Os olhos so mesmo a janela da alma. por isso que os se
ontinuaram iguais.
Srio?
Sim. Voc ainda no se olhou no espelho. constatei.
Cheguei a me ver de relance, mas foi s isso.
Inacreditvel. Para m im, a mudana de Sage era to flagrante e bvia, que nem sequer m
correu que ele ainda no tinha se visto por completo.
Quando chegarmos no quarto falei , voc vai dar um a boa analisada no espelho.
Goste eu ou no.
Foi a que minha ficha caiu. Ele estava com receio. Como eu j tinha visto Sage enfrenta
orte sem um pingo de medo, nem passou pela minha cabea que ele pudesse estar fugindo
rprio reflexo.Coloquei minha mo dentro da sua, que estava mida. Mas, dessa vez, no era por causa
orte no pulso.
Se serve de consolo, sei exatamente como se sente eu disse. J me vi no corpo
utra pessoa.
Notei uma reao nos olhos de Sage e senti que ele queria ouvir mais.
Sei o quanto isso estranho continuei. Olhar para si m esma e no se reconhec
embro da primeira vez que sonhei com ns dois, antes mesmo de ver voc pessoalmente.
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ra Dlia e cantava numa boate onde voc tocava piano e sempre assistia minh
presentaes...
Vizualizei toda aquela cena de novo e fiquei sem ar. Na poca, foi o sonho mais vvido que
vera: eu, uma cantora da dcada de 1920, presa a um chefe mafioso chamado Eddie, m
empre escapulindo para me encontrar com Sage, o amor secreto da minha vida. Era t
elvagem, romntico, perigoso... E totalmente real, embora eu ainda no soubesse disso. Era
mbranas de uma vida passada da qual Sage e eu havamos partilhado. No entanto, ao encar
agora... Ele no participava de mais nada comigo. No havia nada em seu olhar, a no s
isteza e melancolia.
Voc no se recorda de nada disso, no ?
Sage fez que no:
Lembro de ver essa cena, ou parte dela, atravs de Magda. Mas no sinto que vivi isso.
vi, sei que vivi. Mas no sinto. Perdi minhas lembranas. Por enquanto assegurei-lhe, apesar de que no havia como eu ter certeza. Pode
ue elas voltem em forma de sonhos. Assim como aconteceu comigo.
Espero que sim. No quero mais perder um segundo enquanto eu estiver com voc, Cl
em mesmo com coisas do passado. Eu s...
Ele estava com o mesmo olhar do Sage que eu via nos meus sonhos. O mesmo de quando
e prometia que seria meu para toda a eternidade. Mas havia mais alguma coisa ali. Dor
vida?
O que foi? perguntei.
Acho que sei por que no consigo me lembrar. Eu fiz uma escolha, quando estvam
eparados. Eu vi o que voc fez e... Sage desviou o olhar para o banco do motorista. Ne
ei se era real, mas eu...
Ele cerrou a mandbula, e senti uma pontada no estmago, pois eu sabia do que ele esta
alando. Numa crise de cimes por causa de Sage com outra mulher, tentei seduzir Ben. E apee Sage estar bem longe, ele viu tudo inclusive a parte que me entregava, antes de Ben m
jeitar. Foi por issoque ele tinha rompido a nossa ligao de alma.
Sage... olhe para m im... por favor.
Embora ele no quisesse, acabou concordando. A mistura de ra iva, mgoa e culpa que vi
eu olhar era quase insuportvel, mas eu no ia m e permitir desviar os olhos. Peguei sua mo e
pertei com fora.
Eu sei o que voc fez eu disse , e sei o motivo. E se por isso que voc no conseg
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e lembrar... e se aquele passado ficou para trs... tudo bem.
Como assim, tudo bem? Clea , quando ns estvamos separados...
Eu sabia que ele estava prestes a me contar sobre Lila, m as eu no queria ouvi-lo dizer co
das as palavras. A nica ddiva do novo corpo de Sage era que esse no era o mesmo que
a aos beijos com Lila a cada vez que eu piscava.
J sei de tudo me adiantei. Assim como voc sabe a m eu respeito, sobre o que ten
azer. No foi... eu no... eu estava com cime. O que voc viu... foi tudo o que aconteceu.
Como um castigo, que eu m erecia receber, vi tudo ir por gua abaixo. Sage se desvencilh
a minha mo e me encarava como se nunca tivesse me visto. Ele ficou com Lila porque tin
do feito de prisioneiro. Flertar com ela era sua nica chance de voltar para mim. E e le s ced
ompletamente s investidas dela quando achou que eu no o desejasse mais. J a minha atitu
m relao a Ben foi intencional, calculada para magoar.
Um milho de perguntas transbordavam dos olhos de Sage. Ao se recostar no banco arro, soltou um longo suspiro.
Ento o passado ficou para trs ele repetiu. Tudo o que temos o agora.
No isso o que todo mundo tem?
Antes que Sage pudesse responder, a porta do carro se abriu e Ben se estatelou no banco
otorista. Inclinando as costas para trs, entregou uma chave para Sage e outra para mim, an
e ligar o carro. Se ele percebeu a tenso no ar, ou o olhar penetrante de Sage, no demonstrou
Inform o que agora levarei ambos para o nosso estacionamento privativo anunciou B
um luxo s.
Silncio total.
O que houve? ele perguntou. Perdi alguma coisa?
Nada disfarou Sage. A gente ficou sem fala com essa histria de quarto de lu
amos l ver.
Ben inclinou a cabea, claramente se questionando se devia fazer mais perguntas, mecidiu ficar calado e dirigiu os longnquos trs metros antes de estacionar. Enquanto saam
o carro, Ben foi at o porta-malas e pegou trs sacolas de plstico, abarrotadas.
O que tem a? perguntei.
No so s os quartos que so um luxo. Enquanto vocs estavam no pronto-socor
omprei umas roupas novas para ns. So bem estilosas.
No instante em que ele disse isso, me dei conta do quanto minha cala jeans e min
amiseta, enlameadas e ensanguentadas, pesavam no meu corpo. No me importava que tipo
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oupa Ben teria encontrado numa farmcia de m adrugada; a mim me soavam sublimes.
Dois quartos, dois chuveiros... Um dos chuveiros m eu! exclamei.
E a, encara uma luta para disputar o outro chuveiro? Ben perguntou para Sa
nquanto subamos as escadas para o segundo andar. Estou malhando direto, capaz de
anhar de voc.
Sage deu um meio sorriso para Ben, que no chegou a ver, e seus punhos estavam cerrad
unto ao corpo.
Vai voc primeiro disse Sage. Voc no ia gostar de lutar comigo.
Quartos 210 e 211 apontou Ben. Ele fez um gesto para que eu abrisse uma das port
nquanto ele abria a outra.
Sage foi andando atrs de mim feito uma sombra, enquanto entrvamos no quarto 211. E
em simples, decorado em tons de marrom e bege, e a luz que atravessava as cortinas abertas
undo nos permitia ver perfeitam ente aquilo que estvam os ansiosos para ver.O espelho.
Ficava na porta do closet, a poucos metros da entrada. Chegamos perto, sem dizer nada
eguei na sua m o no momento em que e le se virava para encarar o espelho de frente.
Sage estava com o olhar fixo, mas era impossvel decifr-lo. Soltou minha mo e tocou
rprio rosto, acompanhando com os olhos enquanto os dedos deslizavam por suas novas fei
evantou o brao para passar a mo no cabelo loiro, muito mais curto do que a cabeleira escu
ue ele teve a vida toda. Cerrou os punhos; os tendes lhe saltaram dos antebraos. Olhou para
olumosos bceps, observando os msculos se dilatarem conforme ele flexionava os braos.
Foi estranho, mas, ao v-lo ali descobrindo o corpo de Nico, fiquei impressionada e
onstatar que o jeito dele era todode Sage. Nico estava sempre abatido e sossegado; o home
ue encarava o espelho estava extremamente retrado. Ele se inclinou ligeiram ente para a fren
ronto para entrar em ao, a m andbula tensa e o olhar duro.
Eu no tinha como adivinhar o que Sage via ao descobrir o seu novo eu, mas para mim era a prova definitiva de que o homem que eu amava estava vivo e bem.
Sage se aproximou do prprio reflexo e perguntou:
Nico no tinha olhos castanhos?
Azuis. Incrivelmente azuis. Lembro-me bem dos olhos dele. Ray na dizia que eles
metiam a um lugar que a gente visitou, na Riviera Italiana, onde a gua era to cristalina, q
ava pra enxergar o fundo, at o infinito. Sorri ao recordar de Rayna suspirando pe
omentrio clich, como se tivesse sido a primeira pessoa a dizer algo do tipo.
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Nessa hora , minha garganta travou.
No sei com o vou contar a e la.
Sage passou o brao nos meus ombros, tentando me consolar. Mas vi nosso reflexo pe
hos de Rayna: Nico, o homem que ela acreditava ser o amor da sua vida, abraado comig
ua melhor amiga. Mesmo que ela percebesse que os olhos tinham uma cor diferente, e que
aneira como ele se movimentava ou ficava parado tambm era outra, e que, na verdade, e
zia tudode um jeito distinto do que ela conhecia, ainda assim, ela iria enxergar Nico. Eu sab
sso porque teria a mesma reao no lugar dela. Eu desejaria tantover o homem que amo, q
u enxergaria esse homem, mesmo que ele no estivesse l na realidade.
Ser que eu estavafazendo isso? No estaria vendo Sage no corpo de Nico porque esse era
eu desejo?
No... Im possvel. Cada palavra que saa da boca de Sage era uma prova de que e
almente ele. E apesar de que isso ia ser difcil para Rayna, um dia ela tambm ia acabntendendo.
Assim eu esperava.
Ouvi Ben bater porta que interligava os dois quartos e fui abrir.
Entrega de vesturio anunciou ele, m e dando uma das sacolas de plstico. Imagi
ue voc fosse querer antes de entrar no banho. As suas esto na cama do outro quarto e
sse a Sage. E franziu a testa: Clea? Est tudo bem ?
Ray na... respondi.
O corpo inteirinho de Ben murchou:
Pois ... voc vai ligar para ela?
No posso dar essa notcia pelo telefone. S quando eu encontrar com ela.
Ben assentiu. Da abriu a boca, como se fosse dizer alguma coisa reconfortante, do tipo: V
car tudo bem, mas acho que ele ainda tinha dvidas. S deu um sorriso contido e voltou par
utro quarto. Virei de novo para Sage, que continuava contemplando o prprio reflexo. Voc no precisa esperar Ben sair do banho eu disse. Pode usar o chuveiro daqui.
No precisa, no. Vai voc.
Ainda fiquei um tempo observando Sage encarar o prprio rosto e tentei imaginar o que e
staria sentindo. Para mim, j tinha sido bizarro o suficiente ter vises de Olvia, Catheri
nneline e Dlia, sabendo que a minha alma estava dentro delas. Mas se naquele momento
hasse para o espelho e visse o reflexo de uma delas ao invs do meu... no sei qual teria sido
inha reao.
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Peguei minha sacola de roupas, tranquei-me no banheiro minsculo e liguei o chuveiro
mpertatura mais quente possvel. O ambiente todo ficou impregnado de vapor antes de eu ti
roupa, abrir a porta do boxe e testar a temperatura da gua com a palma da mo. Qua
scaldante. Perfeito. Entrei debaixo do jato possante e fiquei arrepiada ao sentir o impacto
gua contra minha pele. Lavei o cabelo trs vezes, acabando com o frasco de xampu do hotel
enti um prazer enorme ao ver o turbilho de gua suja descendo pelo ralo. Depois de m
nsaboar, livrando-me de cada grozinho de sujeira das ltimas vinte e quatro horas, apoiei
ostas contra a parede, deslizei para baixo e fiquei encolhida no cho, com os ouvid
oncentrados no tamborilar da gua e os pulmes inundados de vapor. Eu podia continuar al
a todo, mas a gua logo perdeu seu calor pungente, e desliguei o chuveiro antes que ficasse f
emais.
Sequei o corpo e peguei as roupas compradas por Ben: um casaco de moleton roxo, d
meros maiores que o meu, e uma cala de moletom verde, com um elstico logo abaixo oelho. O tecido era fino, mas macio e confortvel; para mim, parecia a melhor seda do mund
oguei a toalha molhada por cima da roupa suja e chutei a pilha para um canto. Eu no que
er aquelas roupas nunca mais.
Quando sa do banheiro, o quarto cheirava a caf, e Ben estava sentado na cama king si
om uma caneca na mo, rindo de uma reprise do noticirio humorstico The Daily Show.
asaco dele era laranja ainda maior nele do que o meu em mim e a cala, verm elha.
Eu devia te pedir para comprar todas as minhas roupas provoquei, andando em dire
o outro quarto. Voc um gnio para combinar cores. Estou louca para ver o que vo
scolheu para Sage.
Ele est dormindo disse Ben. E quando abri a porta, bem devagar, vi que ele tin
azo. No outro quarto havia duas camas de casal, e Sage estava esparramado em uma del
ompletamente apagado. O conjunto de moletom tinha servido certinho nele, mas a cor era u
zul to chamativo que doa nos olhos. Fechei a porta bem devagar. Depois empilhei todosavesseiros para apoiar as costas e me sentei na cama ao lado de Ben.
Ele bebeu um gole de caf e se sacudiu:
Pela primeira vez estou com inveja de voc por no precisar disso. A cafeteira daqu
ssima.
Em outro momento, nossa conversa sobre caf ruim e o apresentador Jon Stewart teria si
vertida, mas no naquela hora.
Me fale sobre a troca de almas pedi. Por que voc acha que Sage estava
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njoado?
No sei. Talvez porque Nico tenha sofrido um corte profundo no estmago. Ou talvez se
ssim mesmo, algo normal, como os espasmos.
Mas isso significa alguma coisa? Sage est bem?
Clea, no sei. No sou um especialista em troca de almas.
Mas voc sabia que a mudana curou o corpo de Nico.
Eu dei uma olhada em algumas coisas nos livros do seu pai, depois que a gente voltou
apo. Meu pai e Ben eram muito prximos, e partilhavam da mesma paixo por tudo o q
ra paranormal. Ben era a nica pessoa que estava a par de quase toda a pesquisa do meu p
obre o assunto, e o nico que sabia onde encontrar as informaes de que precisava. N
avia m uita coisa, e no procurei mais.
Porque voc tinha esperanas de que isso no acontecesse, pensei, mas no verbalizei. Vo
sperava que Sage ficasse longe para sempre.Eu precisava parar com aquilo. Afinal, desde quando Ben se comprometeu com um
amorada sria e me rejeitou at o dia em que salvou a vida de Sage, ele tinha prova
ue no estava tentando me conquistar nem brigando com Sage para me ganhar. Ele no
rs de mais informaes sobre a troca de almas porque Sage havia partido e isso no e
levante. Eu precisava dar mais crdito a ele. Ele pode at ter ficado entre mim e Sage
assado, tanto nesta vida quanto nas anteriores, mas talvez o que Sage disse tambm servisse pa
en: o passado ficou para trs para sempre. Tudo o que tnhamos era o agora.
Posso passar no estdio dele quando voltarm os disse Ben. Para ver se deixei de d
eno a alguma coisa.
Obrigada. Seria timo.
Ben bocejou e esfregou as mos no rosto. Ele parecia esgotado, e me dei conta de que
o dormia desde ontem, antes de partirmos para Vermont.
Meu Deus, Ben, voc precisa dorm ir! Voc est parecendo um zumbi!Ben fez que sim, olhando na direo do outro quarto:
Na verdade, acho que no momento at os zumbis esto com uma aparncia melhor qu
inha.
Ns dois encolhemos os ombros.
No teve graa reconheceu Ben. Talvez sej a melhor eu descansar. Voc dev
azer o mesmo.
Ele entrou cambaleando no outro quarto, e fiquei assistindo o resto do programa The Da
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how antes de desligar a tev e me enfiar debaixo do cobertor. Mesmo com as cortin
chadas, o sol da manh iluminava o quarto, mas isso no me impediu de cair no sono.
Despertei com um zumbi parado na minha frente e tive que conter o grito antes de lemb
ue era Sage.
Posso ficar aqui? S quero ficar perto de voc ele disse, com a voz suave e baixa.
Concordei e puxei o cobertor para o lado, para que ele pudesse se enfiar a meu lado. Fiqu
e lado e ele se encaixou atrs de mim. Mas me retra ao sentir o corpo nada familiar, e
raos grandes dem ais me envolvendo num abrao bastante apertado. Mas quanto mais eu m
ncolhia dentro daquele abrao, mais protegida me sentia. Na minha imaginao, fantasiei q
ste sempre fora o nosso destino, que a alma de Sage s precisava de um novo lar para ele
rnar humano de verdade, e que esse lugar iria nos resguardar para o resto de nossas vid
nrosquei-me nele ainda mais, e meu ltimo pensamento antes de dormir foi que eu espera
ue nossa felicidade pudesse durar dessa vez.Acordei na escurido sentindo cheiro de caf. Eu estava sozinha na cama, e, sem Sa
cava minscula no meio de todos aqueles cobertores. Ouvi vozes abafadas no cmodo ao lad
nto deslizei para fora da cama, arrastei-me pelo quarto e empurrei a porta que ligava os d
mbientes.
Ben e Sage estavam sentados, cada um em uma cama, com os olhos grudados na tev q
uminava seus rostos e seus casacos coloridos.
Belo? Bala...? murm urou Sage.
Bolo! gritou Ben. Bolo de biscoito!
O que um bolo de biscoito?
Tenho um palpite para o enigma, Pat,disse uma voz na tev:A resposta bola de basquete!
Est... CORRETO! festejou o apresentador Pat Saj ak, e o incio da msica confirmou
aanha.
Bola de basquete? espantou-se Ben. E por acaso isso menos comum que bolo de biscoito? perguntou Sage.
Bolo de biscoito era um palpite perfeitam ente razovel.
Meu Deus... vocs parecem um casal de velhinhos! eu disse. Os dois partilharam u
har de surpresa e se voltaram para m im.
verdade suspirou Ben, em tom de ironia. Ele nem fica mais no nosso quar
magine a minha surpresa quando acordei no meio da noite e me vi abandonado!
Sage no estava sequer ouvindo o que ele dizia. Logo que percebeu que eu estava ali, pul
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a cama e veio me dar um abrao que parecia to seguro quanto um casulo.
Como est se sentindo? sussurrou no meu ouvido.
tima. E voc?
Nunca me senti melhor.
Pensei em arrast-lo de volta para a cama para que pudssemos acordar juntos e se
ressa, como qualquer casal norm al que leva uma vida normal.
Esto bem dispostos para viajar? perguntou Ben. Acho bom pegarmos a estrada.
Ele tinha razo. Ter amos tempo de sobra para levar uma vida normal. Se bem que, ant
recisvamos resolver um a ltima questo: ir para casa e conversar com Ray na.
Depois de comer disse Sage. Estou faminto.
Fizemos o check-outrapidamente e atravessamos a rua em direo ao restaurante Denny
ra abril incio de primavera , mas ainda pairava no ar um friozinho de inverno, quando
ol se escondia no horizonte. Cheguei perto de Sage, toda encolhida, e ele passou o brao em voe mim at entrarm os no restaurante.
Cada um de ns devorou um rpido caf da manh Grand Slam no caso de Sage fora
ois, j que ele traou metade do meu e metade do de Ben.
Assim que terminou de comer, ele quase dormiu na cadeira. Depois perguntou se eu m
ncomodava de voltar no banco ao lado do motorista at chegarmos na minha casa, para que e
udesse ir deitado atrs.
Segundos depois de pegarmos a estrada, Sage j estava apagado. Dava para ouvir s
spirao ritmada atrs de mim. Era uma sensao reconfortante, e comecei a viajar com
arulho do para-brisa , vendo-o oscilar em contraste com o cu, agora todo estrelado.
Ben limpou a garganta.
E a... ele disse, baixinho, de olho em Sage pelo retrovisor Foi tudo... bem ontem
oite entre vocs dois?
Ben... No existe nenhuma razo oculta por trs da minha pergunta. O que eu nem precisa
zer, alis, eu no deveria dizer, mas achei melhor.
Como no respondi de imediato, ele acrescentou:
Sua fala agora deveria ser: mesmo? No diga!
Hum, essa teria sido uma boa.
Foi o que pensei.
Passamos debaixo de um poste, e me voltei para ver a luz incidir sobre Sage. Ele esta
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ormindo enroscado no cinto de segurana. Na verdade, ele nem queria usar, j que sem o cin
caria muito mais confortvel. Mas fiz questo de erguer o pulso enfaixado, para lembr-lo
ue agora ele tinha de se cuidar se quisesse ter uma vida longa comigo.
Foi tudo bem respondi para Ben. Ele est bem.
Que bom. Ele ficou calado por um tempo, depois acrescentou: Ele parece um le
Um leo?
Os lees dormem umas vinte horas por dia e passam o resto do tempo caando
omendo Ben disse, acenando com a cabea em direo ao banco de trs. E acrescentou:
como se o cara no conseguisse descansar ou saciar a fome.
Com os bebs a mesma coisa, no ? Talvez, ganhar um corpo novo o mesmo q
ascer de novo.
Talvez. Espero que sim. Apesar de que os bebs so totalmente inofensivos, j os lee
em tanto.Comecei a ficar irritada e senti o corpo tenso.
O que est querendo dizer?
Nada, nada mesmo. Acho muito legal se esse for o final feliz de vocs. De verdade. M
omo seu amigo, meu nico conselho : tenha cuidado. Ou melhor: v com calma.
Obrigada, pai. No pude deixar de dar uma alfinetada, mas Ben levou numa boa.
Justam ente. Se ele estivesse aqui para dizer isso a voc, o que ele faria.
Aquilo me deixou sem reao, pois era a mais pura verdade. O que no significa que
ueria admitir isso em voz alta. Deixei passar um tempinho, depois aumentei o rdio pa
ncobrir o silncio.
J era meia-noite quando chegamos em frente ao porto da minha casa. Ao entrarmos
ropriedade, forcei os olhos para conseguir avistar o quarto de hspedes. Ser que esta
pagado? Quem sabe desse para adiar at a manh seguinte?
No tive essa sorte. A luz do quarto de Ray na estava acesa. E o pior: eu vi quando ela proximou da janela. Ela sabia que tnhamos voltado, e eu teria que falar com e
mediatamente.
V at lateral da casa e estacione o carro l. Da eu vou para o quarto da Rayna, e vo
corda o Sage e vai com ele para o quarto de hspedes. No quero que ela vej a Sage antes de
xplicar tudo.
Combinado. A gente se encontra no quarto de Ray na, porque eu tambm quero falar co
a. Se no fosse por m im...
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Ben, por favor... Eu preferia que ela ouvisse tudo da minha boca.
Ben pensou um pouco e acabou concordando. Depois dirigiu at o lado mais longe da casa
arpei do carro assim que ele estacionou. Pelo que eu conhecia de Rayna, ela j tinha deixad
eu quarto e estava a caminho. Eu tinha muito pouco tempo para tentar impedir que ela vis
age.
Obrigada, Ben.
Boa sorte.
Vou precisar.
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s
AYNA
Cachorro olhando para baixo... abaixando para a postura da Prancha... Chaturanga... ago
ubindo para a posio da Cobra... e alongando para Cachorro olhando para cima...
Havia dois incensos de sndalo acesos sobre minha cmoda. E como hoje foi dia de Pmpar a nossa casa a empregada de Clea que vinha duas vezes por ms , o tapete espalha
m aroma de baunilha por todo o quarto... mas o que eu estava sentindo mesmo era cheiro
strume de cavalo.
Isso o que acontece quando se passa quase um dia inteiro fazendo ioga dentro de u
stbulo.
No que eu fosse um a rainha amazona. Apesar de que um dia eu at pretendia ser, e min
e achava o mximo. O trabalho dela era cuidar dos cavalos da senadora Victoria Weston
esde sempre. A dinmica era tima, visto que a senadora Weston e minha me eram melhor
migas, a filha da senadora, Clea, e eu ramos melhores amigas e, pelo fato de minha m
abalhar na propriedade, ela e eu podam os morar na casa de hspedes. E ainda havia um bn
inha me adorava cavalos; por ela, trabalharia at de graa.
Eu no adorava cavalos. Tampouco desgostava deles. Eles so lindos, e quase impossv
ontar em um e no ficar elegante, o que era uma baita vantagem. Mas cuidar de cavaquer passar um tempo enorme em meio a terra, lama e, claro, coc de cavalo.
Coc de cavalo nunca foi minha praia. Ou pelo menos nunca tinha sido... at surgir Nico.
Meu corao disparou s de pensar no nome dele, e achei que fosse sair pela boca.
Respirei fundo... alonguei a perna direita em direo ao cu... e passei lentamente para
ostura do Corredor...
Bem melhor.
Coc de cavalo nunca incomodou Nico.
A senadora Weston o havia contratado para ajudar minha me, e no minuto em que n
onhecemos, tive certeza de que nosso destino estava ligado. O garoto usava cala jeans
Wrangler srio, Wrangler e mesmo assim conseguia ficar bonito. Cresceu num ranc
m Montana, falava ita sem estar debochando e tinha um corpo que fazia Ryan Gosli
arecer Jonah Hill antes da dieta.
Resumindo, era encantador demais. E como ele gostava de cavalos, era bvio que eu tin
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e me transformar em uma pessoa que gostava de cavalos se quisesse fisg-lo. Quando Ni
stava longe, eu me sentia m ais prxima dele ficando no estbulo ou seja, cercada por che
e estrume de cavalo. Fiquei l at achar que estava escuro e, honestam ente, empesteado dem
ara mim. Mas era como se o odor tivesse se instalado no m eu nariz para sem pre. Mesmo dep
e um bom banho, com sabonete e xampu ultraperfumados, eu continuava sentindo aque
heiro, ainda que com menos intensidade.
Tudo bem. Isso me lembrava Nico, ento me ajudaria a ficar mais tranquila at que e
oltasse.
Seele voltasse.
Minha pele comeou a pinicar.
Pare. Pare de pensar assim.Passei para a postura do Guerreiro, alongando-me ao mximo
spirando fundo, at que tudo, exceto minha respirao e meus msculos, desaparecessem.
Ser que existia um recorde mundial para horas seguidas de ioga? Talvez eu devesse tentt porque, toda vez que eu interrompia a prtica, acabava roendo as unhas, e isso no era na
om, pois Nico adorava quando eu coava suas escpulas. Ele dizia que eram seus ossos
njo, algo que s Nico podia falar sem soar um tremendo boc. Mas quando as minhas unh
stavam quebradas acabavam machucando as costas dele, e eu me sentia bem mal por isso e..
Ai!
Perdi o equilbrio na postura da Meia-lua e quando apoiei o p no cho senti alguma co
ntrar no meu calcanhar.
Sentei para analisar o estrago. Apesar do aroma de baunilha, pelo jeito Piri no tin
spirado a casa direito, porque eu acabava de pisar em um grampo de grampeador. O que u
rampo aberto estava fazendo no tapete do meu quarto era um mistrio, mas minha preocupa
ra que ele estava preso no meu calcanhar e estava doendo um bocado. Arranquei o metal, e
ugar ficaram duas manchinhas inchadas de sangue, como duas marquinhas de dente de u
ampiro duende.Grrr!
Corri para o banheiro e peguei band aid e mertiolate, depois voltei para o quarto e ligue
leviso. Pelo menos assim as adolescentes grvidas da MTV me fariam companhia enquan
u me automedicava. Alm disso, elas tambm podiam me distrair de um pressentimen
rrvel de que havia algo muito errado com Nico. Na verdade, era mais do que u
ressentimento; era um a viso espritual, vinda do fundo da alma.
Se eu fosse a Clea, diria a mim mesma que estava exagerando. Mas no era assim que
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oisas funcionavam no mundo paranormal. Nele, a viso espiritual tinha um significa
ualquer pessoa imaginaria que Clea estava careca de saber isso, j que estava mergulhada
ssunto desde que descobriu Sage nas fotos das nossas frias na Europa. Mas o problema dela
seguinte, e digo isso do fundo do corao: Clea se recusava a aceitar qualquer coisa que n
osse lgica. Levou sculos para acreditar que Sage era sua alma gmea. E mesmo depois q
nalmente se convenceu e admitiu que seus sonhos eram vises de vidas passadas, ela n
onseguiu relaxar e aproveitar a ddiva maravilhosa que o verdadeiro am or. Quis dissecar tu
saber qual a verso dela que Sage havia mais amado, ou de que maneira ele se satisfaz
urante as dcadas dcadas em que a alma dela ainda no tinha retornado Terra.
Eu, por outro lado, conhecia o m undo paranormal. Um tabuleiro Ouija[2] j havia acerta
s iniciais do meu primeiro namorado, eu j tinha assistido a todos os episdios do programa
aadores de Fantasmas e tinha sido uma das primeiras pessoas a me apaixonar p
Crepsculo. Eu estava muito mais preparada que Clea para me envolver em um romanaranormal.
No que eu desejasse isso. Quer dizer, at j quis. Eu acom panhava a pica histria de am
ntre Sage e Clea e achava que seria incrvel viver uma aventura como aquela. Mas a verdad
ue eu ficaria mais do que feliz em arrumar um namorado cuja foto constasse no dicionrio
do da palavra normal.
E ento Nico confessou que a fam lia dele pertencia a um culto ligado ao Elixir, que m ante
age vivo por centenas de anos, e que todos os que haviam nascido nessa crena estava
maldioados a morrer antes de completar trinta anos.
Parece maluquice, no ? Mas ouvi as histrias dele. O pai de Nico morreu aos vinte e o
nos; a irm, aos dezesseis, num terrvel acidente de carro; o irmo caula, aos trs, por causa
ma anomalia rarssima. O culto amaldioado era a explicao menosbizarra para toda aqu
agdia. Alm disso, eu tinha certeza absoluta de que a cabea de Nico explodiria se ele tentas
entir.Ento era isso: arrumei um namorado condenado a morrer jovem. No tnhamos ou
scolha, seno espremer a felicidade de uma vida inteira em poucos anos, sempre espreita
omba-relgio da desgraa.
T, tudo bem , era horrvel... mas tam bm muito romntico. Tanto quanto em Titanic. Bo
elo menos foi o que achei quando Nico me contou pela primeira vez. Ele levava essa ques
uito a srio. A ponto de dizer que dedicava a vida para quebrar a maldio. No por ele
ico no se importava tanto com ele mesmo , mas sim pelos irmos mais novos que ain
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stavam vivos, e pelas outras crianas que pertenciam ao culto e que de outra forma nunca iria
obreviver.
Nunca me preocupei muito com a minha prpria vida ele disse certa vez. A
onhecer voc. Quero passar o resto dos meus dias ao seu lado, Rayna. E talvez seja um ce
gosmo, mas espero que nossa histria seja muito mais longa do que apenas os prximos no
nos. Quero me casar com voc. Ter filhos com voc.Muitosfilhos.
Uau.
Eu nunca planejei ter filhos, mas a forma como Nico olhou para mim quando declar
quilo me fez sonhar com a cena toda. Ns dois iramos morar numa fazenda e guardar todas
ossas economias para as noites especiais. Eu ia ficar em casa cuidando dos nossos cin
lhos, enquanto Nico sairia para trabalhar. E talvez eu mesma lecionaria para as crianas den
e casa. Se bem que, se eu fosse fazer isso, era melhor comear a prestar mais ateno n
ulas... Ser que algum dia o Helmut Lang[3]ia lanar uma coleo de aventais?Eu estava to distrada no mundinho de dona de casa feliz, que nem percebi que Nico esta
e joelhos at que ele pegou na minha mo e apertou. E eu comecei a gritar:
SIM! Ai, meu Deus, SIM! Nico...
Espere. Ray na, no posso te pedir em casam ento agora... No seria justo.
Mas voc est de j oelhos!
porque quero me comprom eter a pedir sua mo. Eu te daria um anel de com promis
e eu tivesse um.
Anel? Nossa, que... fofo.
srio. J a t escrevi para minha me. Ela guarda o anel de casam ento da minha av
edi para ela mandar polir porque em breve e le seria seu.
Atirei meus braos em cima dele e o beijei.
Talvez a gente no devesse esperar falei.
Voc no entende... Entendo sim! Acredito que a maldio seja real. Mas no ligo. Voc disse que quer fic
omigo para o resto da vida. Eu tambm desejo isso, e no me importa por quanto tem po.
Nico sorriu, mas sacudiu a cabea:
Eu amo voc, Ray na. Am o demais para deixar que se case com igo do jeito que as coi
sto agora. Depois que eu quebrar a maldio... e eu vou conseguir... faremos tudo com
anda o figurino. Tudo o que eu preciso agora saber se voc quer a mesma coisa que eu.
oc me disser que sim, terei foras para fazer qualquer coisa.
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Qualquer coisa? Lancei meu sorriso mais malicioso, mas claro que ele no entende
Sim, qualquer coisa. Por qu? O que voc quis... Ah!
Nesse momento, tirei minha camisa e a joguei no cho. A insinuao no deixou dvid
em para ele. Nico curvou os lbios num sorriso e me puxou para junto dele. Foi como
stivssemos num filme apocalptico cujos protagonistas sabem que esta pode ser a ltima v
eles juntos e se entregam total e incondicionalmente, num ato impetuoso, dramtico
aravilhoso...
Mas eu no acreditava realmente que seria o fim do mundo. Isso s aconteceu depo
uando Nico partiu com Clea e Ben para encontrar Sage. Ele estava animado com a viage
uando os dois o encontraram, Nico tinha certeza que quebraria a maldio de uma vez p
das. Eu tambm queria ir, mas ele no deixou. Disse que era perigoso demais.
O lance do perigo no fazia parte do nosso acordo. Eu podia lidar perfeitamente com
ensaode que estvamos enganando a morte a cada segundo que passvamos juntos, mas o queria que ele de fato arriscasse a sua vida.
No vai... sussurrei.
Eu tenho que ir disse ele. Mas eu volto. Prom eto.
Ento, acreditei nele... pelo menos at umas vinte e quatro horas atrs. Eu queria muito pod
firmar que ainda confiava, mas...
Bom, a menina do programa Grvida aos 16 estava em trabalho de parto e a cena parec
m pesadelo. Se Nico voltasse mesmo quando ser que ele ia chegar? , quem sabe ele
ontentaria com um nico filho, em vez de muitos? E talvez fosse melhor esperarmos uns vin
nos at eu engravidar... Ou, ainda, a gente poderia ter apenas uns cachorrinhos.
Desliguei a televiso e ouvi um barulho l fora. O porto da propriedade estava se abrind
Meu corao comeou a palpitar acelerado dentro do peito. Eu estava louca para correr at
anela, mas, ao mesmo tempo, tinha muito medo do que ia encontrar. Meus pais j estava
ormindo, a senadora Weston e sua comitiva tinham viaj ado e fazia um tempo que Piri e o reos em pregados saram da casa. S podiam ser eles... Ser que Nico tam bm veio?
Se eu no olhasse e fingisse que nem havia notado a chegada deles, eu no ia ficar saben
e nenhuma notcia ruim. E ia poder passar a noite toda acreditando que ele estava bem.
A menos que ele estivesse bem. Nesse caso, adiar a notcia s ia nos fazer esperar ain
ais para ficarmos juntos de novo.
Corri para a janela e grudei a cara no vidro, a tempo de ver dois faris e um carro q
arecia ser o de Ben passar bem na minha frente, atravessar o estacionamento principal at
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asa da Clea e virar a esquina em direo aos fundos.
Ai, droga... Nem conseguia respirar. Fiquei completamente ofegante e comecei a enxerg
udo embaado.
Ben jamais teria levado o carro para os fundos da casa se Nico estivesse bem. De je
enhum. A essa altura, ele e Clea j deviam imaginar que eu estava surtando. Se estivesse tu
em , eles teriam estacionado aqui em frente e entrado correndo. A propriedade era toda cerca
or grades, ento minha porta nunca ficava trancada. Se Ben estava evitando a minha casa dev
er porque preferia no me ver, e se isso era verdade devia ser porque ele e Clea no queria
e dar uma notcia ruim.
Enquanto eu descia voando as escadas e saa apavorada pela porta, pensei em outros motiv
ara Ben querer levar o carro para os fundos da casa. Se eles conseguiram salvar Sage, C
ode ter preferido entrar na surdina com ele, para ter um pouco de privacidade. Ou ento
leaque se machucou, e eles acabaram parando na frente da porta mais prxima do quarto deem que ser isso. E eu no era uma amiga pssima por pensar isso... Afinal, se ela realme
stivesse ferida, estaria no hospital, no em casa. Ela s devia estar um pouco machucada.
pesar de que um pouco no seja nada grave, seria estranho se Nico se retirasse e viesse m
er, enquanto os outros dois tentavam acomod-la. Portanto, era melhor que eu fosse ao encon
ele.
Era somente por isso que eu estava correndo to rpido, no porque eu estava preocupa
om Nico. Nico estava bem. Eu estava apressada para ajudar Clea.
Com os ps descalos, atravessei voando o gramado da minha casa, passei pelo arvore
oberto de folhas que separa as residncias, e segui pelo asfalto lisinho do longo e sinuo
aminho que vai dar no porto da propriedade. Durante todo o trajeto, senti pequenas fisgadas
alcanhar machucado, e comecei a me imaginar mancando nos ltimos metros antes de avis
ico. Era uma cena to ntida, que nem percebi o que havia na minha frente at que trom
m alguma coisa e me esborrachei no cho. Ray na?
Era Clea, mas aquilo no fazia sentido. Ela deveria estar machucada! E Nico e Ben, e talv
age, deveriam estar levando-a para o quarto!
Voc est bem ? perguntou Clea, estendendo a mo para me aj udar a levantar. M
uando ergui o olhar e vi aquele rosto, congelei por dentro.
No! gritei. No, no, no, no, no!
Eu no ia olhar para ela de jeito nenhum. Assim ela no ia conseguir me dizer nada. Fiqu
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acudindo a cabea, de olhos fechados, e esperei que ela fosse embora.
Mas ela continuou ali. Sentou estatelada do meu lado.
Sinto muito, Rayna. O Nico...
No me conta! No me conta!
Sinto muito! Ray na...
Clea ps a mo no meu joelho e olhou para baixo, tentando atrair meu olhar. Eu a encare
meu estmago comeou a ficar embrulhado.
Ela parecia feliz.
No que ela estivesse saltitando de felicidade, mas eu conhecia Clea . Quando n
espedimos na noite anterior, ela estava completamente arrasada. Agora, sua expresso era
isteza e compaixo, mas no era isso que ela estava sentindo. No m esmo.
Sage falei. Voc o encontrou. Ele est bem.
Com essas palavras, senti um gosto cido na boca. Clea arregalou os olhos e ficou de boberta, mas no negou.
Ele est bem , mas Nico no. Aquilo era uma confisso e Clea sabia disso. Agora e
a quem no conseguia me encarar.
O Sage est... est bem , sim.
E Nico no. Era uma afirm ao terrvel, mas me senti mais forte em diz-la, como
ada palavra fosse uma flechada que eu dava no corpo de Clea. Eu sabia que isso a machucav
u podia ver o corpo dela se curvando por causa da ferida. Era uma sensao boa, e eu queria
nda mais fundo.
Era bvio que Sage estava bem. Que dvida! Ele pertencia a Clea, que sempre conseguia
ue queria. Desde que eu me entendia por gente tinha sido assim. Ela era a celebridade, a n
ue todos queriam fotografar, entrevistar e paparicar. Era ela a estrela do filme, que semp
rminava com um final feliz. Eu era uma mera coadjuvante; ningum se importava se
rminasse com o corao partido.Clea sacudiu a cabea. Nico no estava nada bem.
Sinto muito, Rayna.
Ela passou os braos em volta de mim, e nessa hora eu surtei:
Tire as mos de mim! Empurrei Clea para trs, mas continuei sentindo aqueles bra
ncostando na minha pele. Eu sentia tanto nojo que mal conseguia raciocinar. Fiquei com
os estendidas na minha frente, o corpo tenso e os dedos abertos feito garras.
Ray na... o que est fazendo?
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Ela veio na minha direo de novo!
Pare! Fique longe de mim! gritei, ficando de p. Ela parecia to pequena ali no ch
om aquele cabelo loiro perfeito, os olhos azuis enormes e o rosto angelical dissimulado. Min
ontade era dar um chute no meio do queixo dela.
Eu sei com o est se sentin...
Voc sabe como estou mesentindo? rosnei. Como? Para voc deu tudo certo, Cle
xatamente como voc queria!
No! ela gritou, arregalando os olhos cnicos, com o se isso fosse me fazer acredi
ela. Eu nunca quis que acontecesse nada com o Nico!
Voc queria sim, se isso pudesse salvar Sage. Ele o nico que importa, no mesm
oc, Sage e o eterno amor de vocs. J o Nico e eu, no tnhamos nada perto disso, no
le era s um carinha que eu vou acabar esquecendo, ento tanto faz o que aconteceu com ele
ssim que voc pensa! No!
exatamente assim que voc pensa!
No verdade!
Ento por que deixou que ele fosse com voc e Ben?
Clea abriu a boca para responder, mas no saiu nada. claro que no. No havia nada q
a pudesse dizer.
Ficou sem resposta, no mesmo, Clea?
Ela a t tinha uma j ustificativa, mas, antes de dizer, olhou para o cho, no para mim:
Ele quisir.
E da? Voc podia ter impedido. Podia ter partido sem ele. E deixado o Nico aqui comig
Clea escondeu o rosto com as mos. Quando levantou a vista, estava com os olhos inchad
rontos para derramar lgrimas falsas:
No faz mal se voc estiver com raiva de mim, eu entendo... Estou me lixando se voc entende! No preciso da sua permisso! Meu De
nacreditvel... Passei os dedos entre os meus cabelos e puxei com toda fora. Minha raiva e
nta, que eu no conseguia me controlar. Nem sabia como, ento queria arrancar, rasg
estruir... Mas tudo que consegui fazer foi me aproximar do rosto de Clea e berrar o mais a
ossvel.
Ray na!
A voz era de pnico. Era minha me, arrastando-se de robe na nossa direo, com os cach
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e um lado da cabea todos amassados.
Ouvi uns gritos... Minha me olhou em volta, alternando o olhar entre Clea e eu.
ue est acontecendo?
No consegui responder.
Nico havia partido.
Para sempre!
No sei quando com ecei a chorar . Em um minuto eu estava ali, em p, e no outro, a
rantos, de j oelhos e toda encurvada.
Minha m e me abraou, e percebi a preocupao na voz dela:
Ray na? Querida, o que aconteceu? Clea?
Eu no queria ouvir Clea explicar tudo para minha me, ento me desvencilhei do abrao
quei de p. Olhei fixamente para Clea, esperando que fosse pela ltima vez:
A culpa toda sua. Vocfez isso, e eu nunca, nuncavou te perdoar.Clea e minha me balbuciaram algumas palavras enquanto eu me afastava, mas ago
inhas lgrimas escorriam com mais fora que nunca. Eu no conseguia ouvir as duas, ne
ueria olhar para elas. Fiz um gesto para que me deixassem em paz, depois corri de volta pa
asa, subi para o meu quarto e desabei na cama. Puxei todos os travesseiros, me encolhi em vo
eles, apertando bem forte, e chorei at no poder mais.
Era bem provvel que eu fosse chorar para sempre.
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qu
LEA
Ela tem razo falei para Ben. Sou culpada pela morte de Nico. Sacrifiquei a v
ele para salvar Sage.
Ben e eu estvamos na sala de estar, sentados um de frente para o outro, cada um com ostas apoiadas em um dos braos do sof e com os dois ps para cima. Ele me encontrou
ora, sentada na grama, depois que tentei explicar tudo para Wanda. Eu disse um monte de coi
em sentido, mas quando ela entendeu que Nico se fora, Wanda no quis ouvir mais nada. F
mbora sem dizer uma palavra. E provavelmente acreditou no que Ray na havia dito, que a cu
ra toda minha.
Nas ltimas setenta e duas horas eu tinha sido baleada, ameaada com faca e atingida d
s cabea por pedras e galhos voadores, mas nada me deixara com tanto medo quanto
xpresso de Rayna quando disse que eu havia matado Nico. Nada havia me magoado tan
mbm. Acho que eu ainda estaria sentada l fora, ferida naquela grama, se no fosse por Be
le me amparou pelo brao, me trouxe para dentro e me colocou no meu sof estofado cin
avorito. Depois me cobriu com uma manta de l e foi para a cozinha preparar um ch. O ch
ujo nome era Fogo Asteca, levava leite de amndoas e acar e era minha bebida predile
garrei a caneca com as duas mos, e s depois que eu tinha dado vrios goles, Ben perguntouue tinha acontecido.
Voc no tem culpa que Nico morreu ele afirm ou. Eu tenho.
No tem, no. Voc no pode se culpar.
Tenho certeza que posso, considerando que eu o em purrei contra uma faca.
Voc empurrou o Nico para impedir que ele matasse outro homem. O que acontec
epois disso... aconteceu. Ele caiu. Alm do mais, o simples fato de ele estar l j culpa minh
Ah, ? E como voc chegou a essa concluso?
Eu devia ter insistido para e le ficar em casa com Ray na!
O cara era um armrio! Acha m esmo que podia ter impedido?
Por que no? Voc acha que podia ter impedido a gravidade!
Ben se inclinou para a frente para continuar argumentando e eu estava pronta pa
trucar , mas recostou de novo nas almofadas.
Uau... Ser que podemos parar de brigar para saber quem de ns dois m ais desprezv
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ele disse.
Consegui arrancar um sorriso de dentro de m im:
Est bem. Sage est l em cima?
Ben fez que sim:
Apagado. Eu no sabia onde voc queria que ele ficasse, ento o levei para o quarto
spedes.
timo. Obrigada.
Nenhum de ns disse nada durante um bom tempo. E foi at bom. Eu estava to exausta, q
em conseguia me imaginar tentando manter um dilogo... Mas, quando estava com Ben,
em precisava. No havia essa presso. Mesmo depois de tudo, eu podia apenas ficar senta
om ele em silncio e m e sentir totalmente vontade.
De repente, pensei alto:
Voc chegou a contar Suzanne sobre...Fiz um gesto com a mo em sinal de continuidade. Era a nica forma que me veio cabe
e resumir tudo o que Ben podia ter dito namorada sobre as vidas passadas dele e minha
obre como todos os homens com a alma de Ben, dcada aps dcada, causavam uma tragd
a minha vida e na de Sage.
Ben soltou uma risada breve e sacudiu a cabea. Eu ri tambm. Eu conhecia a Suzanne
a trabalhava para a minha me , e era realmente impossvel imagin-la levando esse tipo
onversa.
Na verdade ele com eou , ela terminou comigo. Voc sabe, depois de...
Dessa vez foi Ben quem falou a frase pela metade, mas eu sabia ao que ele se referia. E
obre a noite na praia, quando me atirei para cima dele. Talvez eu devesse ficar sem graa p
e trazer isso tona, mas no fiquei. Eu tinha certeza que ele no estava chateado por cau
aquilo ou, pelo menos, no estava mais. Ele s mencionou o incidente dessa maneira porq
stava to cansado quanto eu; qualquer outra atitude exigiria um baita esforo. E voc est bem ? perguntei.
Ah, sim. Para falar verdade, foi melhor assim. A Suzanne demandauma certa ateno.
Concordei com a cabea, mas um segundo depois camos na gargalhada, porque amb
abamos que Suzanne no demandava apenas uma certa ateno, ela exigia muitssi
eno. Mas no foi s por causa disso. Ns rimos porque a sensao era boa, leve, fci
ormal, e continuamos rindo at ficar sem flego. Quando acabaram minhas foras, respi
em fundo e soltei um longo suspiro... no mesmo instante que Ben, o que nos fez gargalhar ou
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ez, descontroladamente.
Quando nos acalmamos, Ben disse:
Posso te falar uma coisa?
Eu esperava que ele fosse fazer alguma piada, ento olhei para ele apertando os olhos.
Eu adm iro muito voc, Clea . De verdade.
Procurei em seu rosto um sinal de ironia, mas no havia nenhum.
Eu? indaguei. Por qu?
Pela sua fora. Se todo m undo tivesse passado por uma frao sequer de tudo que vo
nfrentou, a maioria teria term inado em um hospcio. Mas voc segurou a barra.
Pessimam ente, diga-se de passagem .
Melhor do que voc imagina.
Ben estava com uma almofada no colo e no parava de enrolar e desenrolar as suas franj
terais com os dedos. E aquelas olheiras debaixo dos olhos dele... eu j tinha visto Ben virar toites seguidas, fazendo malabarismo para se dividir entre o trabalho e suas pesquisas, m
am ais o vira com uma feio to cansada. Mais do que isso. Ele parecia desgastado, como se.
Como se fosse uma alma velha.
Ben podia falar o que quisesse sobre a barra que tive que segurar, mas ele precisou lidar co
ntas coisas quanto eu. A morte de Nico foi o pior de tudo. Se eu tivesse um mnimo
onsiderao por ele, como amigo, eu imploraria para que ele tirasse umas frias em um lug
em longe, onde pudesse esquecer tudo o que tinha acontecido nesse ano. No havia mais Elix
u no precisava m ais arrast-lo com o meu dram a.
O problema era que eu no tinha m ais ningum a quem recorrer.
Eu queria te pedir um favor apelei.
Voc quer que eu faa uma pesquisa e descubra o que est se passando com Sage.
Era exatamente isso, mas na hora no consegui confirmar. Eu no podia arrast-lo pa
nda mais fundo nessa histria. No voltei atrs. Esquea o que eu disse. Voc j fez o suficiente.
Pare com isso, Clea. claro que eu vou te ajudar. Ns somos am igos.
Ele m e olhou de um jeito bem convincente e quase ouvi o que ele nodisse: que toda aqu
onfuso sobre a nossa relao tinha ficado para trs. Ns ramos amigos. Apenas isso, na
ais.
Obrigada eu disse.
Fico feliz em aj udar. Acho que vou com ear pela biblioteca de Yale. Eles tm um
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oleo de textos antigos bem extensa. O contedo abrange tudo que assunto, mas, saben
nde procurar, possvel encontrar coisas incrveis.
E voc sabe onde procurar?
Sei.
Ele comeou a conversar sobre outra coisa, mas interrompeu a frase com um bocejo q
urou uma eternidade e disse:
Acho melhor eu ir. Ligo amanh.
Boa noite. Obrigada mais uma vez.
Esperei que ele fosse embora e subi at o quarto de hspedes, onde Sage estava deita
nrolado no cobertor. Na mesa de cabeceira, havia uma caneta e um pequeno caderno
notaes, com umpost-itcolado na capa. Peguei para ver e reconheci a letra de Ben.
Tome nota de tudo que lhe parecer atpico.
Claro. Ele sabia que eu pediria a sua ajuda. E tambm que atenderia o meu pedido. Mudo que parecesse atpico? Eu poderia encher o caderno todo! Talvez eu devesse fazer iss
e repente, se eu escrevesse, poderia entregar para Rayna e explicar tudo a ela.
Eu tinha vacilado tanto com ela... Enquanto eu tomava banho e trocava de roupa, relembre
onversa terrvel que tivemos l fora. Eu deveria ter conduzido as coisas de um jeito diferent
Mas como? O que eu ia fazer? Deixar que ela encontrasse Sage, sem explicar nada? Ser que n
ria sido pior se ela achasse que Nico havia voltado, vendo o corpo dele bem na sua frente, e
epoisdescobrisse a verdade?
Sei l. Mas eu no podia contar para ela por escrito. No seria justo. Eu tinha de conver
om Rayna cara a cara. S no dava para ser naquela hora. J era uma da manh. Dec
sperar a t o dia seguinte.
Mesmo dormindo, Sage parecia ele mesmo. Rayna me disse uma vez que Nico dormia to
sparramado, com as pernas e os braos apontados um para cada lado. Sage no. Ele estava to
trado e tenso, pronto para reagir a qualquer momento. A alma dele clamava por mim, e nha vontade de me enfiar na cama ao lado dele. Mas eu continuava vendo Sage pelos olhos
ayna. Estava me sentindo muito culpada, como se eu merecesse ser castigada. Por isso, imp
mim mesma a pena de passar a noite sozinha e me arrastei de volta para o quarto. Foi um
nga noite, e sonhei que eu e Ray na repetamos aquela conversa terrvel de novo e de novo.
Assim que acordei, tentei cham-la: Ei!, escrevi na mensagem de texto. Sei que vo
nda est com raiva de mim, mas no faz mal. Eu s... preciso muito falar com voc. Rayn
e liga, por favor. Preciso te explicar umas coisas. Por favor. Te adoro.
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Isso era to difcil. Eu no tinha a menor ideia de como fazer tudo ficar bem, mas a ca
inuto que e la no sabia de toda a verdade, eu tinha a sensao de que estava mentindo para e
Mandei outra mensagem de texto e um e-mail.
AAAAAIIIIIIEEEEEE!!!
Dei um salto e desci as escadas voando, torcendo desesperadamente para que Piri tives
sto um rato ou uma aranha. Ou ento algum passando pela soleira da porta sem tocar
atente para descarregar os maus espritos. Qualquer coisa que no fosse Sage. A ltima coisa
niverso que eu precisava agora era saber que Piri havia contado para Rayna que tinha visto
amorado dela. Isso teria sido um completo disast...
Droga!
Piri estava parada na entrada da cozinha igual a uma esttua. Ela tinha algumas sacolas
ompras penduradas pela pontinha dos dedos e encarava, muda e horrorizada, Sage, que por s
ez cantarolava na maior calma, tirando uma frigideira do forno. Ele vestia o avental de Pom a frase: QUER PROVAR MINHA SALSICHA?, que meu pai tinha comprado na Hungr
ara ela, de to engraado que achou, em bora a piadinha no fizesse sentido em uma mulher.
Quando Piri me viu e percebeu que tinha plateia, deixou cair todas as compras no ch
contece que as sacolas tombaram retinhas, o que estava longe de ser dramtico o bastante pa
a. Piri, ento, chutou de levinho uma delas, que acabou virando e esparramando ma
bboras e abobrinhas pela sala toda. A inteno era que Sage tivesse visto a cena, mas e
norou.
Preparei o caf da manh! ele exclamou, inclinando a frigideira para eu ver.
ritada de camaro e aspargos com queijo parmeso!
Piri apontou um dedo ossudo para ele, com a boca curvada de desgosto.
Voc!
Meu corao disparou. Com a convico supersticiosa do velho mundo, Piri sempre sou
ue Sage tinha alguma coisa de diferente. Ser que ela era capaz de dizer se era realmente euem estava no corpo de Nico?
Ela foi atrs e olhou com tanto desprezo para a frigideira, que tive certeza que ela ia cuspir
Voc invadiu minha cozinha! E usou meu parmeso!
Quase chorei de to aliviada que fiquei. Por mim, ela podia odiar Sage vontade por
propriar do queijo dela.
Usei mesm o adm itiu Sage. E, se voc quiser se juntar a ns, acho que vai ficar be
atisfeita com o resultado.
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Piri cerrou os olhos e percebi que eu tinha que tirar Sage dali o mais rpido possvel. Mesm
ue ela ainda no suspeitasse de nada, no ia demorar muito para isso acontecer. O Ni
erdadeiro j estaria caindo de joelhos para se desculpar, argumentando e se curvando, a
conquistar a aprovao de Piri. J Sage... nem tanto.
Est cheiroso, no acha? gabou-se ele.
Um pequeno parntese: quando um homem ocupar o corpo de outra pessoa, o melhor
zer lhe informar o jeito do antigo proprietrio.
Apesar que, se Sage tentasse representar Nico, provavelmente o estrago seria maior ainda
O que voc est fazendo aqui sem a sua nam orada? perguntou Piri.
Ele olhou imediatam ente na minha direo.
Ai, ai. Nada bom.
Porque interrompi, brilhantemente Nico quer preparar uma refeio especial p
ay na, e est praticando para ter certeza que vai dar tudo certo.Piri soltou ar pelas ventas, como se fosse um detector de mentiras humano. Depois olh
esconfiada para a cara de Sage e disse, com as duas mos nos quadris:
Chega de fazer arte na m inha cozinha! Quer um ovo? Se quiser, eu fao um para voc.
Ela estendeu o brao para pegar a frigideira, mas Sage a afastou para o outro lado:
No precisa, obrigado. Isso aqui est bom.
O rosto de Piri ficou vermelho-jambo enquanto Sage virava a fritada num prato e se dirig
ara a sala de jantar, onde ele j tinha posto toda a mesa, inclusive um enorme bule de ch.
Voc vem , Clea?
Um segundo.
Fui at Piri e falei baixinho:
Me desculpe pelo com portamento de Nico. Ele anda meio atordoado, sabe? Acho que
Ray na esto passando por uma fase difcil...
Hummm... Ele quer muito fazer as pazes com a Ray na preparando essa surpresa. Ento, se vo
sbarrar com ela