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169 Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia, São Paulo, 17: 169-189, 2007. Tratamento dos Mortos entre os Sambaquieiros, Tupinambá e Goitacá que ocuparam a Região dos Lagos, Estado do Rio de Janeiro Maria Dulce Gaspar* Angela Buarque** Jeanne Cordeiro** Eliana Escórcio**** GASPAR, M.D.; BUARQUE, A.; CORDEIRO, J.; ESCÓRCIO, E. Tratamento dos Mortos entre os Sambaquieiros, Tupinambá e Goitacá que ocuparam a Região dos Lagos, Estado do Rio de Janeiro. Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia, São Paulo, 17: 169-189, 2007. Resumo: O artigo tem como objetivo estabelecer uma dimensão comparativa entre diferentes grupos culturais que ocuparam a Região dos Lagos, litoral sudeste do Brasil, focando o estudo do ritual funerário, aqui entendido como um aspecto central da vida social. Apresentamos o processo de colonização da região, considerando-a como uma área piloto que guarda importantes informações sobre a ocupação da porção leste da América do Sul. Dessa forma, o estudo aborda colonização, interação social e controle de território relacionado aos grupos Sambaquieiro, Tupi e Macro-Jê e procura correlacionar informações provenientes da arqueologia, antropologia, história, bem como relatos dos cronistas. Palavras-chave: Ritual funerário – Sambaquieiros – Tupinambá e Goitacá. dos Lagos, no litoral do Rio de Janeiro. Parte do princípio de que a maneira de lidar com a morte está relacionada com a organização cognitiva do universo de cada cultura e é um traço diacrítico que permite estabelecer limites e fronteiras entre diferentes grupos sociais. É um desdobramento das reflexões de Gaspar (1991, 1993) que estabeleceu critérios para delimitar a “individua- lidade coletiva” relativa aos sambaquis, inspirada no trabalho de Marcel Mauss (1974). A autora discute a noção de etnia, desenhada a partir do registro arqueológico, que considera como construída pelo pesquisador e que ganha consistência a partir do contraste com outros conjuntos de vestígios que lhes são contemporâ- neos. No que se refere à sociedade sambaquieira, (*) Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro-UFRJ. Pesquisadora do CNPq. [email protected] (**) Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro-UFRJ. Pesquisadora Associada. [email protected] (***) Departamento de Antropologia, Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro-UFRJ. [email protected] (****) Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro-UFRJ. Mestranda em Arqueologia. [email protected] Introdução artigo tem como objetivo caracterizar o ritual funerário dos Sambaquieiros, Tupinambá e Goitacá que habitaram a Região O

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Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia, São Paulo, 17: 169-189, 2007.

Tratamento dos Mortos entre os Sambaquieiros, Tupinambá e Goitacáque ocuparam a Região dos Lagos, Estado do Rio de Janeiro

Maria Dulce Gaspar*Angela Buarque**Jeanne Cordeiro**

Eliana Escórcio****

GASPAR, M.D.; BUARQUE, A.; CORDEIRO, J.; ESCÓRCIO, E. Tratamento dosMortos entre os Sambaquieiros, Tupinambá e Goitacá que ocuparam a Região dosLagos, Estado do Rio de Janeiro. Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia, SãoPaulo, 17: 169-189, 2007.

Resumo: O artigo tem como objetivo estabelecer uma dimensão comparativaentre diferentes grupos culturais que ocuparam a Região dos Lagos, litoral sudeste doBrasil, focando o estudo do ritual funerário, aqui entendido como um aspectocentral da vida social. Apresentamos o processo de colonização da região,considerando-a como uma área piloto que guarda importantes informações sobre aocupação da porção leste da América do Sul. Dessa forma, o estudo abordacolonização, interação social e controle de território relacionado aos gruposSambaquieiro, Tupi e Macro-Jê e procura correlacionar informações provenientes daarqueologia, antropologia, história, bem como relatos dos cronistas.

Palavras-chave: Ritual funerário – Sambaquieiros – Tupinambá e Goitacá.

dos Lagos, no litoral do Rio de Janeiro. Parte doprincípio de que a maneira de lidar com a morteestá relacionada com a organização cognitiva douniverso de cada cultura e é um traço diacríticoque permite estabelecer limites e fronteiras entrediferentes grupos sociais. É um desdobramentodas reflexões de Gaspar (1991, 1993) queestabeleceu critérios para delimitar a “individua-lidade coletiva” relativa aos sambaquis, inspiradano trabalho de Marcel Mauss (1974). A autoradiscute a noção de etnia, desenhada a partir doregistro arqueológico, que considera comoconstruída pelo pesquisador e que ganhaconsistência a partir do contraste com outrosconjuntos de vestígios que lhes são contemporâ-neos. No que se refere à sociedade sambaquieira,

(*) Museu Nacional da Universidade Federal doRio de Janeiro-UFRJ. Pesquisadora do [email protected](**) Museu Nacional da Universidade Federal do Rio deJaneiro-UFRJ. Pesquisadora Associada. [email protected](***) Departamento de Antropologia, Museu Nacionalda Universidade Federal do Rio de [email protected](****) Museu Nacional da Universidade Federal do Riode Janeiro-UFRJ. Mestranda em [email protected]

Introdução

artigo tem como objetivo caracterizaro ritual funerário dos Sambaquieiros,

Tupinambá e Goitacá que habitaram a RegiãoO

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o estudo de outros conjuntos delineados para apré-história brasileira indicou que os aspectosressaltados – construção de mound através doacúmulo de corpos e/ou parte de animaismarinhos e o sepultamento dos mortos – sãotraços diacríticos desta sociedade. Essa reflexãoparte do princípio de que o espaço é um aspectoestruturador da vida em sociedade, de que existeuma estreita relação entre o que uma coisa é e olugar no qual ela está situada.

Os rituais funerários são episódios, ritos depassagem, como quer van Gennep (1978), quemobilizam, envolvem e reordenam todos osmembros das sociedades ditas “simples” e que sãocaracterísticos e exclusivos a cada sistemasociocultural. Consideramos que o ritual funerárioé um domínio da vida social associado àcosmogonia de cada grupo cultural e, por issomesmo, apropriado para estabelecer comparaçõesentre sociedades. Partindo desse princípio, a equipedo Museu Nacional decidiu estudar programasfunerários de grupos culturais distintos em umamesma região. Dedicamo-nos à pesquisa doprocesso de colonização da Região dos Lagos,considerada uma área piloto, que está relacionadocom a ocupação da porção leste da América doSul. Nosso estudo aborda colonização, interaçãosocial e controle de território relacionado aosgrupos Sambaquieiros, Tupi, particularmente osTupinambá, e Macro-Jê, especialmente os Goitacá.

Buarque, desde 1993, estuda os Tupinambá,que ocuparam a região dos Lagos, e já produziureflexões sobre o tratamento dos mortos entreesses nativos (Buarque et al. 2003; Gaspar et al.2004; Buarque 2004 mimeo). Cordeiro, desde2000, estuda os Goitacá, e, também, se dedica aoestudo dos Tupinambá (2004 , 2005). Maisrecentemente, Escórcio & Gaspar (2005)iniciaram reflexões sobre construção de gêneroentre os sambaquieiros.

Sambaquieiros, Tupi e Macro-Jê – suas princi-pais características

Embora nos estados vizinhos, como MinasGerais e São Paulo, sejam abundantes ostestemunhos arqueológicos dos caçadores queocuparam o que veio a ser o Brasil, e apesar da

existência de pesquisa sistemática, não há sítiosindubitavelmente relacionados com este grupono interior do estado do Rio de Janeiro. O rioParaíba do Sul, uma das rotas de acesso privilegi-adas posteriormente pelos ceramistas para suadispersão pelo território fluminense, parece terfuncionado como uma barreira natural para oscaçadores que iniciaram a colonização do Brasil,embora haja cadastro de alguns poucos sítioslíticos que ainda não foram objeto de escavaçãoe que podem estar associados aos caçadores ouaos grupos ceramistas.

Os sambaquis têm em média 2 m de alturapor 30 m de largura e 50 m de comprimento.Não se sabe ao certo quando seus primeirosconstrutores chegaram à costa, já que, emdecorrência da variação do nível do mar, osregistros mais antigos dos sambaquieiros teriamsido inundados. Para o litoral brasileiro, hádatações isoladas de 9 mil e 10 mil anos queprecisam ser confirmadas (De Blasis 2002), masé certo que, por volta de 7 mil anos, o litoralcomeçava a ser intensamente ocupado. Porém,para a área em estudo a data mais antiga éproveniente do sambaqui do Forte que informaque por volta de 5.500 anos o modo de vida dossambaquieiros estava em pleno funcionamento(Kneip 2001). Como se pode depreender daanálise do quadro 1, entre 4 e 3 mil anos sãoinúmeras as referências cronológicas para estetipo de sítio, o que sugere que este período refere-se ao momento de expansão da sociedadesambaquieira na Região dos Lagos. Por outrolado, a desestruturação desta sociedade pareceter começado a ocorrer em torno do início daera Cristã (Quadro 1) .

A principal atividade de subsistência dossambaquieiros era a pesca, complementada pelacoleta de vegetais e moluscos, sendo o cuidadocom os mortos um aspecto da vida social desuma importância. Corpos de homens, mulherese crianças eram depositados em locais especial-mente construídos para recebê-los. O sambaquicaracteriza-se por ser, em especial, o local dosmortos e é um espaço diferenciado que, pelo seuvolume e concentração de material orgânico,destaca-se na paisagem. Outros materiaispoderiam ter sido usados, mas a escolha recaiusobre aqueles intrinsecamente relacionados ao

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Jeanne CordeiroEliana Escórcio

domínio alimentar. O espaço em questão é umlugar bastante particular apresentando condi-ções especiais no que se refere à textura, relevo,odores e acidez do solo.

Os Tupinambá eram populações agricultorase ceramistas relacionadas ao tronco lingüísticoTupi. No estado do Rio de Janeiro, a vastafaixa litorânea, em particular o entorno daBaía de Guanabara, Guaratiba e a Região dosLagos foram os espaços em que a ocupação foimais intensa. Existem dezenas de hipóteses queprocuram explicar o seu processo de origem edispersão, sendo a Amazônia aceita pela quasetotalidade dos pesquisadores (Lathrap 1970;Brochado 1984; Scatamacchia 1990; DiasJr.1994/1995; Noelli 1996; Dias Jr.1998;Heckenberger et al. 1998), o dissenso refere-se àlocalização geográfica e às direções das rotas deexpansão (Noelli 1996).

Os Goitacá, por sua vez, são falantes deuma das línguas Macro-Jê e originários doCentro Oeste do Brasil (Maybury-Lewis 1979;Urban 1992). O estudo das cerâmicas agrupa-das sob a denominação de tradição Unaaponta, também, o Centro Oeste brasileirocomo a região de origem, e o sítio mais antigoestá datado de 410 anos a. C. (Robrahn-González 1996). Na região Sudeste, os materi-ais arqueológicos estão datados de 920±60anos AP, o que indica a instalação dosGoitacá em pleno território sambaquieiro(Cordeiro 2004) (Quadro 1).

Os Macro-Jê, também, estavam na costano período da invasão européia e entraramem contato com portugueses e franceses,havendo referências a sua presença até oséculo XIX. Mas se, por um lado, são inúmerosos relatos sobre os Tupi, pouco se escreveusobre os Goitacá / Coroado, Puri, Macunim,Koropó, tendo havido o que se convencionoudenominar de “tupinização” de todas as outrastribos e aos Goitacá restou o lugar do maisalto grau de barbárie (Cordeiro 2004).Segundo Jean de Léry, estudioso de teologiaque veio para o Brasil em 1557, durante operíodo de instalação da França Antártica:

[...] Uetacá, índios tão ferozes que nãopodem viver em paz com os outros e se acham

sempre em guerra aberta não só contravizinhos mas, ainda contra todo os estrangei-ros (...) Em suma esses diabólicos Uetacá,invencíveis nessa região, comedores de carnehumana, como cães e lobos, e donos de umalinguagem que seus vizinhos não entendem,devem ser tidos entre os mais cruéis e terríveisque se encontram em toda a Índia ociden-tal.” (Léry 1980:80).

Em síntese, por volta do início da era Cristã,o território dos sambaquieiros foi invadido porgrupos ceramistas provenientes da Amazônia eBrasil Central. Esta ocupação parece ter sido oprincipal vetor de transformação do modo de vidados pescadores e coletores.

Interação entre os vários grupos tribais

As referências cronológicas para amudança no hábito de construir ossambaquis remetem a um período em tornodo início da era Cristã. As mudanças obser-vadas coincidem, em termos cronológicos,com uma reordenação espacial dos grupossociais que ocupavam o leste da América doSul. Em um momento inicial da colonização,por volta de 7.000 anos atrás, caçadores esambaquieiros tinham territórios bemdistintos, os primeiros espalharam-se pelointerior e os segundos exploraram intensiva-mente a faixa litorânea. Não há indícios deestreita interação social e competição porterritórios nesse período. Há 5 mil anosatrás, mudanças sociais começaram a sergestadas na região Amazônica e, nos últimos2.000 anos, uma ebulição cultural ocorreuna região, envolvendo crescimentodemográfico, mudanças profundas naeconomia e na organização social das popula-ções. Dentre esses eventos, há o surgimento degrandes aldeias na Amazônia, Brasil Central ePantanal que indica crescimentopopulacional e adoção de um estilo de vidamais sedentário e mais dependente da agricul-tura do milho e da mandioca. Inaugura-se,assim, uma nova maneira de manejar oambiente e transformar a paisagem (Silva etal. 2004).

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Quadro 1

Kneip 2001Kneip 2001

Kneip 2001Kneip 2001

Kneip 2001

Kneip 2001

Kneip 2001

Kneip 2001

Kneip 2001

Gaspar 1991Gaspar 1991Gaspar 1991Tenório 1992Tenório 1992Tenório 2003Gaspar 1998

Gaspar 1998

Gaspar 1998Gaspar 1998

ReferênciaBibliográfica

2150–18802480–21102500–21902580–22802700–22002900–23002890–25503040–26201980–17301780–14403760–2410830–480

1690–14202600–15003100–1800

120AD–35AD80AD–350AD800BC–100AD

2900–17803400–22003600–23003700–26504700–40003400–25502900–2000

410–903350–27002700–16001690–14004250–3700

380AD–720AD3350–23502050–15001880–15201610–13901520–12502300–1750

210BC–80AD1500–400

50AD–240AD320AD–600AD

2150–17402500–18002700–1850

ResultadosCalibrados 2

Sigma

3640±503810±703900±703940±503970±704030±704130±704270±703540±503350±803760±702550±603280±603610±1903960±2001790±501810±40

2270±1703.800±1904160±1804300±1904520±1905520±1204330±1403940±1402240±704340±703760±1803270±705510±1101480±904190±1903480±1003410±603210±503110±603670±802060±60

2820±2001620±801920±603650±403740±1103850±140

IdadeConvencional

MadressilvaManitiba I

SacoJaconé

Saquarema

Moa

Pontinha

Beirada

Forte

Salinas PeroanoBoca da Barra

Ponta da CabeçaGeribá IIGeribá I

Condomínio do AtalaiaIBV I

IBV II

IBV IIIIBV IV

SítiosFiliaçãoCultura

Sambaquieiro

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Maria Dulce GasparAngela Buarque

Jeanne CordeiroEliana Escórcio

Quadro 1 (cont.)

FiliaçãoCultura

Tupinambá

Goitacá

Tambor

Corondó

Malhada

ItaúnasMombaça

Morro Grande

CondomínioJardim Bela Vista

BananeirasSão José

Três Vendas

Grande do Una

FrexeirasSapeatiba

Sítios

1900–1050

2500–16003040–26202500–18001690–12901430–10002900–2300

2400–18502150–17301460–1040

1210AD–1400AD5740±70 BP3900±50BP

400AD–90AD80AD–470AD

1250–350

1150AD–1850AD

770 AD–1190AD

1280–1410 AD1300–1480 AD

ResultadosCalibrados 2

Sigma

3200±190

3635±1354260±753720±953215±903010±804020±80

3725±753580±803050±80710±60

5700±70 BP4250±50 BP

2.200±701740±90

2600 ± 160

510±160

311

500 ± 160

430±40282±60

200±125185±1201065±90920±60

640±50 BP520±70 BP

IdadeConvencional

Mendonça deSouza 1997

Carvalho 1987

Mendonça deSouza 1997

Buarque 1995

Macario 2003;Buarque et al. 2003

Macario 2003;Buarque et al. 2003

Latini 1998;Buarque et al. 2003Vinagre et al. 2000;Buarque et al. 2003Buarque et al. 2003

Latini 1998Kneip 1980Kneip 1980Dias 1969

Cordeiro 2004

ReferênciaBibliográfica

Com os deslocamentos populacionais queocorreram na Amazônia e no Brasil Centralse dá todo um rearranjo dos grupos sociaisque habitavam o território que veio a ser oBrasil. Houve deslocamentos de populações eintensificação dos contatos entre diferentesgrupos culturais, com significativa interaçãosocial que acabou por ter forte impacto navida dos sambaquieiros.

Inicialmente, os contatos entre ossambaquieiros e ceramistas parecem ter serestringido a trocas eventuais, o que explica apresença de cerâmica nos últimos níveis deocupação (Kneip & Machado 1993; Kneip1994; Crancio & Kneip 1994). Posteriormen-te, observam-se mudanças na estratigrafia dealguns sambaquis, com a presença de umamatriz terrosa, de cor marrom escura, com

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(3) Cabe destacar que ainda são poucas as análises debioantropologia que se voltaram para o estudo deindícios de violência em esqueletos de Sambaquieiros.

poucas conchas de moluscos, que se sobrepõea uma matriz conchífera.1

Vários pesquisadores notaram essas altera-ções no pacote arqueológico e ressaltaram omenor predomínio de conchas entre osmateriais que compõem os últimos níveis deocupação e/ou os sítios mais recentes. Algunssugerem a influência de mudanças ambientaispara explicar as alterações notadas nos sítiosarqueológicos (Dias Jr. & Carvalho 1984).Porém, estas transformações no ambiente nãoforam confirmadas para a área em questão, jáque Scheel-Ybert (1998, 1999), a partir deestudos antracológicos, aponta para estabilidadeambiental. Esta alteração no registro arqueo-lógico dos sambaquis foi tomada, também,como reflexo de mudança na dieta alimentar(Kneip et al. 1980; Lima1991; Dias Jr. 1980),interpretação que se coaduna com o ideárioda época, que considerava os sambaquis comoformados a partir do acúmulo de restosalimentares. As pesquisas de Gaspar (1991),na região em foco, Afonso & De Blasis (1994),Fish et al. (2000) e Klökler (2001), no sul dopaís, questionam esta interpretação e ressaltama importância do ritual funerário no processoincremental dos sambaquis.2

A distribuição espacial e temporal dos sítios,também, aponta para a ocupação do territóriosambaquieiro. As aldeias Goitacá, denominadasde Grande do Una, Sapeatiba e Frexeiras estãotodas situadas na planície litorânea, territórioque até 2 mil atrás era domínio exclusivo dossambaquieiros.

Não se pode pensar em convivência pacíficaentre esses grupos, não só em decorrência daexpansão dos ceramistas e da invasão do territó-rio sambaquieiro, mas, sobretudo, porque associedades Tupinambá e Goitacá estruturavam-sea partir da guerra e/ou disputa corporal, com-portamento social que parece não ter integrado

os hábitos e costumes dos sambaquieiros (Lessa& Medeiros 2001).3

Os sambaquieiros inauguraram a colonizaçãoda costa e, desta maneira, não disputaram o seuterritório com outro grupo social. A manutençãodos espaços ocupados, a expansão territorial e oaumento do número de sambaquis ao longo dotempo indicam que a sociedade dos pescadores-coletores estava em processo de replicação. Aexpansão parece ter se dado de maneira pacíficasem que a guerra ou a disputa corporal fizessemparte da estrutura social, apoiando-se em relativaestabilidade ambiental, territorial e baixa interaçãocom outros grupos (Scheel-Ybert 1998; De Blasis etal. 1998). Estruturou-se, sobretudo, no cuidadocom os mortos, instituição norteadora da sua vidasocial. Trata-se de uma sociedade que parece ter sepreocupado muito mais com a manutenção decostumes do que com a busca e/ou incorporaçãode novos hábitos. Dessa maneira, quando seintensificou o contato com os ceramistas, asociedade sambaquieira não foi capaz ou não tevetempo para criar uma resposta social que garantissea manutenção de seu território e de seus costumes eentrou em colapso. Tornou-se inviável a continui-dade do projeto de construir sambaquis.

A noção de colapso é inspirada nas reflexõesde Diamond (2005:17) que se refere a umadrástica redução da população e/ou complexi-dade política, econômica e social, numa áreaconsiderável, durante um longo tempo. É aquientendida como a alteração da ordem vigente eadequação a um novo modo de vida, sendo que,no caso em análise, parece correto pensar tantona impossibilidade de manutenção de hábitos ecostumes como na eliminação de um razoávelcontingente populacional, em decorrência docomportamento guerreiro dos Tupinambá eGoitacá e da tomada do território dossambaquieiros por estes agricultores e ceramistas.

Como os Tupi e os Macro-Jê tinhamcostumes e hábitos sociais distintos, é de seesperar que o impacto causado por estes gruposna rotina da sociedade sambaquieira tenha sido(1) Cabe destacar que esta ordenação de camadas

também está descrita para sítios da região sul (Fish ecolaboradores, 2000).(2) Luby & Gruber (1999) é um bom exemplo dacorrente de pensamento que aponta para novasinterpretações sobre as atividades relacionadas com aconstrução de mounds.

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Maria Dulce GasparAngela Buarque

Jeanne CordeiroEliana Escórcio

de natureza distinta. O modo de ser Tupi baseia-se numa “organização social flexível, um poderpolítico baseado no prestígio e na importânciareligiosa do indivíduo, e que compartilham ummundo espiritual e ritual onde o xamanismo, aguerra e o canibalismo são noções extremamenteimportantes para a construção de sua identida-de” (Silva et al. 2004:11). A guerra, o canibalis-mo e características tecnológicas inovadorasparecem ter sido elementos decisivos na invasão eno controle do território sambaquieiro.

Para os Macro-Jê não há, no estágio atual daspesquisas, indicador de um contato violento entreas duas sociedades. Ao contrário, há indícios detrocas, pela semelhança observada entre algunsartefatos, como pontas ósseas, e a suspeita de que apesca em mar aberto tenha sido aprendida juntoàquela sociedade, tendo-se em vista que o grupo,que posteriormente se instala na faixa costeira, éproveniente do interior do continente, originaria-mente agricultor/ceramista e pescador fluvial(Cordeiro 2005). Portanto, ainda que não se saibaqual a dimensão da influência exercida pelosGoitacá ou, até mesmo, se ela ocorreu, é possívelque estes tenham incorporado alguns hábitos,como, por exemplo, a preferência por ambientesalagados, charcos e mangues, tornando-se “quaseanfíbios” (Reclus 1899: 256), e “mais à maneira dehomens marinhos que terrestres” (Salvador 1982:107) por contato com a população do sambaqui,muito mais adaptada ao ambiente litorâneo(Cordeiro, 2004, 2005). Cabe destacar que acomposição da aldeia Grande do Una é, em parte,caracterizada pelo significativo acúmulo de restosfaunísticos, hábito típico dos sambaquieiros,situação recorrente em outros sítios arqueológicosfiliados à tradição Una que ocorrem no interior doBrasil (Prous 1992).

Os Goitacá também resolviam suas disputasatravés do embate corporal, mas nada que secompare à guerra ritual considerada como “odrama obsessivo da existência Tupi” (Dean1996: 48). Os Goitacá parecem ter se imiscuídono território sambaquieiro e estreitado laços deconvivência, incorporando certos costumes. OsTupinambá, por sua vez, mantiveram relativadistância espacial e implantaram suas aldeiassegundo um padrão aglutinado (Fig. 1). Oestudo das aldeias deste grupo, na Região dos

Lagos, está bastante avançado e não há indíciosde incorporação de hábitos característicos dossambaquieiros.

A região dos Lagos: caracterização ambiental esocial

A descrição fisiográfica da área piloto foiestabelecida por Scheel-Ybert (1998,1999: 43-59),que informa que a planície costeira da Região dosLagos se caracteriza por duas seqüências de sistemaslagunares, cuja evolução paleogeográfica estáintimamente ligada às variações do nível do mardurante o Quaternário recente. O sistema lagunarinterno compreende grandes lagoas (Saquarema eAraruama, entre outras), enquanto o sistemaexterno se constitui por uma seqüência de pequenaslagoas situadas na estreita depressão que separa doiscordões arenosos (Vermelha, Pernambuca, Brejo doEspinho etc.).

O clima da maior parte desta região é tropicalúmido, quente e chuvoso no verão, com uma curtaestação seca no inverno, caracterizado como Aw naclassificação de Köppen. No extremo sudeste daRegião dos Lagos, especificamente nos municípios deCabo Frio, Búzios e Arraial do Cabo, o climaparticularmente seco é classificado como KöppenBSh, o que corresponde a uma variante do climaquente semi-árido. Isto é devido ao fenômeno deressurgência, centrado nesta região da costa, queacarreta uma redução da precipitação local, a qualraramente excede 800 mm/ano (Barbière 1984).

A Região dos Lagos, assim como a maiorparte da planície costeira do Brasil, é coberta pelarestinga, ecossistema característico dos cordõesarenosos litorâneos. A restinga é, na verdade, ummosaico de tipos de vegetação apresentando umzoneamento que vai da praia até o interior(Araújo & Henriques 1984). Ela varia decomunidades abertas, com formações herbáceas earbustivas (“restinga aberta”) até a mata decordões arenosos (“mata de restinga”). A restingaaberta inclui desde as formações de praias devegetação psamófita-reptante até formaçõesherbáceas brejosas, em pontos baixos do relevo, eformações arbustivas abertas ou fechadas,podendo formar moitas ou ter as copas contínu-as, e ocorrendo no cordão externo, no cordão

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interno ou em pontos baixos do relevo. A matade restinga se divide em um tipo de mata secaarenosa, com troncos finos bem ramificados ecopas em geral contíguas, podendo ocorrer tantono cordão externo quanto no cordão interno, e amata de restinga inundada, localizada nos pontosmais baixos do relevo, e apresentando-se periódicaou permanentemente inundada (Araújo 2000).

Os afloramentos cristalinos próximos aooceano, na região da Ilha de Cabo Frio até apenínsula da Armação dos Búzios, apresentamassociações vegetais que são únicas ao longo dacosta e se caracterizam essencialmente pela vegeta-ção rupestre típica dos costões abruptos, pelaformação arbustiva de vertente e pela florestaxeromórfica de vertente, também conhecida como“mata seca”. Esta floresta, embora ainda poucoconhecida, é distinta da mata de restinga e seaproxima mais, em alguns aspectos florísticos, damata Atlântica.

A Região dos Lagos, há muito tempo, vemsendo estudada pelos arqueólogos brasileiros, 24sítios de pescadores e coletores já foram alvo deescavações e estão disponíveis 57 dataçõesradiocarbônicas (Quadro 1). A grande maioriadas intervenções arqueológicas constatou a

presença de sepultamentos e, em alguns sítios, háuma incidência significativa de esqueletoshumanos. É inegável que o ritual era um fatorpreponderante no processo de construção dossambaquis.

Buarque et al. (2003) demonstrou que, desde2.600±160 BP, as aldeias Tupinambá já estavamem pleno funcionamento no complexo lagunar deAraruama. A presença de materiais europeus, taiscomo contas e metais usados para escambo emesmo algumas alterações nos vasilhames indicama sua permanência no momento da invasãoeuropéia (Buarque et al. 2003; Buarque &Cordeiro 2003). Os relatos dos cronistas (Léry1980; Staden 1974; Thevet 1575, 1944) sãofartos em descrições que atestam que os Tupihaviam se tornado os novos senhores do litoral ea sua presença está registrada em vários pontos dolitoral do Rio de Janeiro.

As tribos Goitacá eram divididas em quatrogrupos, com o mesmo nome geral, acompanhadode epítetos diferentes: Goiatcá-Guaçu, Goitacá-Mopi, Goitacá-Meri, e Goitacá-Iacoritó. Essadistinção equivaleria a diferenças fáticas, docontrário não seriam necessárias entre eles.Thevet assinala que “os Goitacá são divididos

Fig. 1. Distribuição dos Sambaquieiros, Tupinambá e Goitacá na Região dos Lagos.

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entre dois bandos adversos, que se comem um aooutro, e cada bando em dois outros comsomente esse nome ... os primeiros são aliadoscontra os últimos” (Thevet 2006: 279). Poroutro lado, cada uma das tribos se distinguia, acomeçar pelo espaço ocupado, uma biotadiferente para cada uma delas. Os Mopi, deacordo com Alfred Métraux (1929: 108),habitavam a atual região de Campos dosGoitacazes, no Rio de Janeiro; os Guaçu ocupa-vam o sertão (serra), os Meri e os Jacoritó a áreaentre Campos e o rio dos Bagres (atual rioMacaé). Hoje sabemos que este limite se estendiaaté a atual São Pedro da Aldeia. Cada umainimiga “entranhável” da outra (Casal 1976: 203).

Apesar de seus epítetos revelarem diferenças,o nome geral nos remete a semelhanças; é possívelque sua unicidade estivesse relacionada com omais profundo de suas tradições, ou seja, a suaorigem. Os Goitacá são pertencentes ao troncolingüístico Macro-Jê, e se isto desenha grandesdiferenças, também nos remete a um universoúnico, como economia bimodal, sociedade demetades, características percebidas na produçãocerâmica.

As datações obtidas no Grande do Una,1.060±90 BP (Cordeiro 2004) e 920±60 BP(Cordeiro 2004), são uma referência cronológicaconfiável para a ocupação Macro-Jê na região dosLagos, especialmente por estarem confirmadas poroutras advindas de regiões em seu entorno. (Quadro1).4 Sítio Frexeiras – 640±50 (AD 1280 a 1410) esítio Sapeatiba – 570±70 (AD 1300 a 1480).

Os rituais funerários

O projeto de construção dos sambaquis estavaintrinsecamente relacionado com o ritual funerário.O sambaqui é decorrente de um intenso trabalhosocial que resultou na construção de uma paisagemdomesticada, marcada por referências sentimentaisrelacionadas com os mortos.

Conforme Gaspar (2004: 165), o cerne dasociedade sambaquieira parece ter sido garantira preservação dos corpos, perspectiva quemuito bem se coaduna em uma rotina socialcujos mortos têm importância fundamental.Para os mortos foi criado local especial que sedestaca na paisagem e se distingue de todos osoutros. Um grupo que usufruía estabilidadeterritorial certamente contava com um conheci-mento profundo sobre o ambiente e os proces-sos naturais com ele relacionados. Os pescado-res-coletores tiveram interesse e tempo suficientepara observar e desenvolver conhecimentosistemático sobre a decomposição de corpos,sejam eles humanos ou não, já que este aspectoda morte parece ter sido tema de interesse paraesta sociedade. Escolheram, para construir olocal de destino dos mortos, material queassegurasse a preservação de seus esqueletos.Com o acúmulo de conchas, criaram umainterferência no ambiente que neutralizou aacidez típica do solo brasileiro. Caso ossambaquieiros tivessem escolhido construir oscemitérios com material proveniente exclusiva-mente do próprio solo nada restaria doscorpos (Fig. 2).

Diferentemente dos Tupinambá e Goitacá,no que se refere aos Sambaquieiros, não háindícios de como lidavam com os corpos dos“outros”, até mesmo porque a interação socialcom outros grupos culturais não parece ter sidouma dimensão importante no início da ocupa-ção da faixa costeira da Região dos Lagos.Porém, constata-se uma variabilidade significativana maneira de lidar com os corpos da própriapopulação.

No caso dos construtores do Corondó, osacompanhamentos funerários (Machado 1984)permitem inferir alguns aspectos daquelasociedade, como o compartilhamento de tarefaspor homens e mulheres. Os vários tipos deinstrumentos, inclusive os associados a atividadesgeralmente vistas como masculinas, como aspontas ósseas para caça ou pesca, estão presentesem enterramentos de ambos os sexos, semdistinção.

A distribuição dos instrumentos evoca,também, a condição produtiva dos adultos, poiseles se restringem quase exclusivamente aos seus

(4) Não estamos considerando a referência mais antigade 3.610±190 para a cerâmica identificada comopertencente à tradição Una recuperada na camada Ido sambaqui do Moa (Kneip 1994).

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(5) O conceito de grupo de afinidade (unidadesociológica) foi definido por Gaspar (De Blasis 2004),é correlato ao de área funerária (evidência arqueológi-ca). Área funerária refere-se a uma concentração desepultamentos em um espaço/tempo delimitado.Assim, o conceito de grupo de afinidade é utilizadopara designar o conjunto de indivíduos que foramsepultados próximos uns dos outros em uma áreacircunscrita ao longo de um período de temporelativamente curto. Embora seja bem possível querelações de parentesco estejam estruturando talarranjo, optou-se por defini-lo como “grupo deafinidade” justamente para que se investiguem oslaços que ligam as pessoas ali enterradas sem modelospré-concebidos, pois não é ainda possível descartarvinculações clânicas, políticas ou de outra natureza. Aopção por um termo neutro possibilita investigaçõesarqueológicas e biológicas sem um modelo interpretativoa priori rígido.

enterramentos. Por outro lado, adultos seminstrumentos fazem pensar em diferenciaçõessociais para além daquelas associadas à idade.Instrumentos apontam para a presença deindivíduos de destaque e/ou grupos de afinidade.5

Diferenciações sociais existiam certamente,pois apenas uma minoria da populaçãoapresenta enterramentos elaborados, com apresença de corante, instrumentos vários e

adornos, enquanto a grande maioria dehomens, mulheres, jovens e crianças nãoreceberam quaisquer acompanhamentos, oureceberam apenas o corante. Parece ter sidouma sociedade marcada por hierarquia social,com status herdado: a imagem de uma socieda-de igualitária não é coerente com o fato de quea algumas poucas crianças fossem atribuídosbens diferenciados em maior quantidade doque a adultos. A hipótese de status adquiridoao longo da vida parece não se sustentar dianteda presença de adornos elaborados ementerramentos infantis. Os adornos infantis sãoinvariavelmente compostos por um grandenúmero de peças, em muito maior proporçãodo que nos adornos dos adultos, fossem eleshomens ou mulheres, o que é indicativo donível de perda que teriam representado para asociedade, no sentido da continuidade dogrupo. Por outro lado, parece ter havido umavalorização das mulheres ao longo do tempo,pois os adornos só aparecem para elas nosníveis mais recentes de ocupação.

Chama atenção a presença dos adornos dedentes humanos entre os acompanhamentos doCorondó. Os significados simbólicos específicosde que tenham sido portadores, sejam eles quais

Fig. 2. Sepultamento em Sambaqui. (Foto M. Gaspar).

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forem, guardam em si uma dimensão daintensidade com que os sambaquieiros percebi-am e valorizavam os corpos. Dimensão presenteem outros contextos, como no Sambaqui deSaquarema, onde se encontraram ossos huma-nos trabalhados em sepultamentos secundários(Kneip et al. 1995) ou no sambaqui da Pontinha,onde se verifica a prática da cremação (Kneip eMachado 1993).

A caça era uma fonte secundária de subsis-tência para os sambaquieiros quando compara-da à pesca e à coleta de moluscos (Figuti 1993),mas os adornos de dentes de animais, terrestres eaquáticos têm forte presença nos enterramentos.As cosmologias ameríndias valorizam a caçaenquanto elemento simbólico; quer se trate depovos caçadores, quer se trate de povoshorticultores, esta simbologia está presente emtodo o continente (Viveiros de Castro 2002:357). A possível valorização simbólica da caça emuma sociedade do passado remoto, essencialmen-te pescadora e coletora, como os sambaquieiros,projetaria na longa duração um elementoessencial do universo simbólico ameríndioobservado pela etnografia na atualidade.

Já ao falar do destino dos mortos entre osTupinambá, é importante separar o tratamentodado aos de dentro do grupo daquele aplicadoaos inimigos. De acordo com a narrativa doscronistas dos séculos XVI e XVII, os Tupinambávaliam-se da antropofagia ritual para assegurar acoesão social; a guerra, a captura do inimigo e oposterior festim canibal não se davam em virtudede saciar a fome, mas para vingar os familiares eamigos mortos por outro grupo. A guerra aoscontrários era o “principal fundamento destasociedade” (Soares de Sousa 1971: 320), com acaptura e a vingança funcionando como elemen-tos estruturadores. Viveiros de Castro (1986:650-660), numa reflexão sobre o significado davingança e da antropofagia, as interpreta comorestauradoras, pois elas resgatavam a relação dogrupo com seu passado, como produtor, já queimpulsionavam a máquina social para o futuro,criando a espiral da vingança, produzindopessoas plenas, adultos-matadores-pais. Afirmaque “sem inimigo não há a pessoa... sem mortosalheios não há, literalmente, vivos”. O “outro”ocupava um lugar de honra na sociedade, seja na

concessão de uma irmã, honra em matá-lo ouem morrer em suas mãos, sendo, portanto, arelação com o inimigo o valor social supremo(Viveiros de Castro 1992: 283-284).

Nas aldeias Tupinambá da Região dosLagos, vivos e mortos partilhavam o mesmoespaço. Existem evidências significativas dodestino dado aos mortos da comunidade ealguns indicadores do festim canibal referenteaos inimigos. As práticas rituais que dizemrespeito aos primeiros, e que se manifestam noregistro arqueológico, indicam um padrãoresistente a mudanças, pois permaneceram deforma quase inalterada desde os momentosiniciais da ocupação, por volta de 2.000 BP, atéo período de contato com o europeu, no séculoXVI. Nas estruturas funerárias, dentro da áreade moradia, eram sepultados os corpos depessoas da comunidade, bem como as oferendasque faziam parte do ritual. As evidências que sereferem ao inimigo se apresentam fora das estrutu-ras e do espaço habitacional, onde alguns motivosdecorativos presentes em fragmentos cerâmicosdescartados na periferia do sítio trazem fortesindícios de que fazem parte de vasilhas que eramespecialmente preparadas para recolher o sanguee as entranhas dos sacrificados (Buarque, noprelo).

As estruturas funerárias são o conjunto maissignificativo encontrado no espaço habitacional.Elas são formadas por urna associada a tigelaspintadas, fogueiras, havendo, ainda, ocorrênciade buracos de esteio. Estão presentes nas váriasaldeias pesquisadas, seja nas anteriores ou pós-contato com o europeu, variando no formato equantidade de peças. A alta acidez do solocompromete a conservação dos restos esqueletaise, não raro, o esmalte dos dentes é a únicaevidência que permaneceu, havendo exemplos deausência total de ossos, mas a associação recor-rente não deixa dúvidas de que se trata de umespaço reservado aos mortos (Buarque, noprelo; Buarque, 2006). Apesar de existiremregistros de sepultamento em covas feitasdiretamente na camada argilosa, em outrospontos do território fluminense (Beltrão 1978:41), na Região dos Lagos, as pesquisas apontamuma prática funerária restrita ao enterramentoem urnas (Fig. 3) (Kneip et al. 1980; Buarque et

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al. 2003; Gaspar et al. 2004: 115). No entanto,isto não significa que a prática realizada direta-mente em covas no solo não tenha existido naregião e a ausência dos achados pode serresultante de sua destruição pela alta acidezdevido à intensificação de práticas agrícolasdesde tempos coloniais.

Nas fontes primárias, podemos encontrarreferências às duas formas. Enquanto Gandavo(1980: 124) e Léry (1980: 247) descrevem osepultamento diretamente no solo, Cardim(1980: 94), Soares de Sousa (1971: 330),Monteiro (1949: 416) e Thevet, em seus váriosescritos (1944: 259; 1575: 926; 2006: 199),fazem menção à utilização de urnas fechadasprotegendo os corpos. As narrativas e as imagensiconográficas revelam, ainda, a prática deenvolvê-los em suas redes ou mantos. Em umadas aldeias pesquisadas, além da presença dasvasilhas cerâmicas indicadoras desse ritual, temosum exemplo de enterramento primário, cujaobservação foi possível devido às condiçõesespeciais do solo, que apresentava densascamadas naturais de conchas, resultantes daproximidade da laguna de Araruama, contribu-indo para a preservação do material orgânico.Nesse exemplo, a correspondência anatômicados segmentos ósseos foi evidenciada ainda nolocal de sepultamento e pode apontar para a

possibilidade de o corpo ter sido amarrado porfios de algodão que não se preservaram(Buarque et al. 2003: 52-53).

As urnas estão enterradas abaixo do piso daaldeia, que ocorre em substrato arenoso, comespessura que varia de 0,40 a 0,60 m, em covas quesão abertas dentro do sedimento argiloso de corocre, atingindo uma profundidade de até 1,20 m,dependendo das dimensões da urna. Em algunscasos, a cova recebe uma capa de argila cinzaindicando a intenção de preparar uma “cama”para receber o corpo (Buarque, no prelo).

A distribuição das estruturas funerárias nãoobedece a um padrão fixo, podendo estarisoladas, enfileiradas em alguns sítios, ou associa-das às cabanas como na aldeia de MorroGrande, onde as seis estruturas encontradas nãoestão agrupadas e guardam uma distância quevaria de 20 a 40 m, que reflete sua associação aunidades habitacionais.

O fogo é constante no ritual. As fogueiras sãoem geral circulares, com dimensões que variam de0,30 a 0,50 m e espessura que pode atingir 0,20m e estão localizadas ao lado do sepultamento.Elas ocorrem preferencialmente nos conjuntosmais complexos, com a presença de vasilhaspintadas, e fornecem indícios de que a oferendaalimentar foi expressiva; há marcas de queima naface externa e vestígios de impregnação de alimen-

Fig. 3. Sepultamento em urna. Aldeia Morro Grande, Araruama.

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tos no interior de algumas tigelas que indicam ocostume de acender fogos e deixar comida emtorno do morto. A existência dessas estruturascomprova as descrições de cronistas, como Léry(1980: 247-248), Cardim (1980: 94), Gandavo(1980: 58), ou Thevet (2006: 199) que descrevemas práticas funerárias que os Tupinambá dispen-savam aos que morriam de doença na aldeia. Léryfaz referência ao costume dos nativos como formade evitar a necrofagia do espírito Anhangá, dequem tinham temor especial. Thevet (2006: 199)menciona que a presença do fogo tem a função deespantar os maus espíritos e o alimento de saciar afome da alma do morto.

As fontes quinhentistas e seiscentistasfornecem relatos consistentes de que a prática daantropofagia era um costume estrutural naconstrução da identidade Tupinambá. Noentanto, nos sítios arqueológicos, pré ou pós-contato, os seus indícios ainda são tênues, sendoum deles evidente na distribuição espacial dosvasilhames e fragmentos cerâmicos. Ametodologia utilizada para a delimitação dasaldeias permitiu observar uma divisão entrecentro e periferia.

No centro da aldeia estão as habitações, apraça, o espaço funerário, evidenciados pelaspeças cerâmicas bem conservadas ou fragmentosquebrados, resultantes de problemastafonômicos, mas que parte significativa permitea restauração. Na periferia, estão ausentes asestruturas e são encontrados diversos tipos defragmentos, onde a espessura e a decoraçãodiferentes sugerem que foram intencionalmenterejeitados, fornecendo indícios de ser um local dedescarte do lixo. Aí foram encontrados algunsfragmentos pintados cujos motivos figurativoslembram partes do corpo, ossos e vísceras. Umdos motivos a que Buarque (2004; 2006) serefere é o esboço de um tronco, braços e pernasde uma figura humana decapitada, ou, numaoutra possibilidade, a visão lateral de dois corposem oposição. Merece destaque, ainda, um outrofragmento de tigela pintada num padrão intestinalque nos remete a uma cena antropofágica desenha-da por De Bry (1992: 124), em que mulheres ecrianças participam do festim e as vísceras doinimigo estão colocadas em um prato no meioda cena. A presença desses fragmentos fora do

contexto funerário, que seria reservado aosmortos de dentro da comunidade, leva Buarquea pensar na hipótese de que estas peças cerâmicastenham sido especialmente produzidas parareceber as partes do corpo desmembradas emritual antropofágico reservado aos inimigos. Asreferências nas fontes primárias (Staden 1974:107) sobre a existência de utensílios que eramespecialmente produzidos para os rituais decanibalismo reforçam a possibilidade de queessas vasilhas presentes nos sítios da Região dosLagos tenham feito parte desse costumeestruturador da sociedade Tupinambá(Buarque 2006).

Como no estudo dos Tupinambá, para serefletir sobre o destino dos corpos entre osGoitacá, é preciso separar o tratamento dadoaos de dentro do grupo e aos de fora. No que serefere aos sítios arqueológicos em análise naRegião dos Lagos – Grande do Una, Sapeatiba eFrexeiras – constatou-se a presença de dois tiposde sepultamentos: em um exemplo, nota-se aconcentração de ossos humanos fragmentados earrumados em forma de “montinho”. Osintegrantes da tribo eram sepultados em urnas e,segundo Vasconcellos (1943: 129), os “outros”tinham seus corpos fragmentados. As informa-ções procedentes de escavações indicam que seusrestos eram, também, depositados na própriaaldeia e cobertos com alimentos, artefatos líticose adornos (Cordeiro 2004: 107)

A primeira distinção para sepultamentos,“eles” e os “outros”, é confirmada por descriçõesetnohistóricas. Vasconcellos (op. cit.) mencionao hábito de tratar os esqueletos pela fragmenta-ção, provavelmente como uma forma dedescaracterização da personalidade, sem, contu-do, negar os valores do guerreiro, uma vez quedepositavam alimentos como acompanhamentofunerário, conforme mencionado acima. Háossos humanos dispersos nos dois sítios Goitacápesquisados: sítio Grande do Una e Aldeia deSapeatiba. No sítio Grande do Una, nenhumesqueleto completo foi encontrado, seja ementerramento primário ou secundário. Os ossoshumanos estavam muito fragmentados e dispos-tos em forma de “montinho”. Sobre eles verifi-cou-se sempre uma camada de carvões e defauna (Cordeiro 2004).

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(6) Entrevistas realizadas com moradores da regiãoinformam que foram retiradas do sítio diversas urnascom enterramentos.

O maior fragmento mede 13,2 cm decomprimento. Um terço médio de fíbula direita,medindo 7,9 cm de comprimento, apresentamarcas de raspagem, demonstrando manipula-ção de ossos humanos. Esses ossos fragmentadostambém possuem acompanhamento de seixos,adornos e corantes. Aparentemente, não haviadistinção de idade para ser considerado um“outro” pois em dois sepultamentos foramencontrados ossos infantis, fragmentados eassociados a indivíduos adultos. Todos osconjuntos de fragmentos eram encimados porpequenas fogueiras e acompanhamento funerá-rio composto por seixos, carvões e ossosfaunísticos. Estes últimos poderiam ser conside-rados como oferenda alimentar, tal a abundân-cia. Na primeira categoria, a “gente de comer” é,então, descaracterizada. Sua carne é tragada eseus ossos fraturados.

Há menção6 a enterramento em urnas nosítio Grande do Una, porém, somente no sítiode Sapeatiba, se constatou a presença dos doistipos de sepultamentos: para “os outros”, emmontinhos (Fig. 4), em urnas para os iguais (Fig.5). Dois sepultamentos foram encontrados,dentro de uma camada preta, argilo-arenosa,com abundante oferenda alimentar, sendoimportante destacar no farto acompanhamentoa presença de esqueletos de roedores quaseinteiros.

No sítio Sapeatiba, o sepultamento de umindivíduo isolado foi encimado por um bolsãocom carvões, contas, conchas, cerâmica, lascas dequartzo, lítico bruto e ossos faunísticos. A urnaera envolvida por cinzas e carvões, o esqueletoestava sentado, originalmente voltado para oleste, com os membros inferiores fletidos, ocrânio caído para a frente e a coluna repousan-do junto à parede oeste da urna. Junto aoesqueleto encontramos um colar de dentes defelino perfurados. No fundo da urna, interna-mente, havia areia branca. Na parte externa,foram encontrados dois dentes perfurados, umaconcentração de pequenos ossos de preá e paca,

uma columela branca polida arredondada, àsemelhança de um tembetá, e um anzol de ossopolido. Ainda, nas proximidades da urna, haviaum cachimbo antropomorfo e, logo abaixodeste, uma porção de corante amarelo. Ésignificativo que sepultamentos deste tipotenham sido descritos para grupos Jê, no Rio deJaneiro, ainda no século XIX (Rugendas 1979).Pela quantidade e a disposição dos adornos,internos e externos à urna, é possível inferir quealguns dos itens encontrados não pertencessemao morto, configurando assim uma homenagem,supondo que aquilo que lhe pertenceu em vida,muito provavelmente, estaria junto ao seu corpo.

O ritual entre os Goitacá era reservado aosiguais da mesma aldeia, todos os demais eram“outros”, fossem eles Tupi, Portugueses, France-ses, Sambaquieiros e, inclusive, outros Goitacá dealdeias distintas. Fontes arqueológicas eetnográficas referem-se ao tratamento diferencia-do dedicado aos integrantes do grupo tribal eaos “outros” ou inimigos.

Conclusão

A intenção de comparar o ritual funeráriorealizado por Sambaquieiros, Tupinambá eGoitacá coloca-se, inicialmente, por considerarque o colapso da sociedade sambaquieira estárelacionado com o processo de expansão dosgrupos ceramistas. A ocupação do território dospescadores-coletores por volta do início da eraCristã, a diferença tecnológica dos agricultores-ceramistas, a organização social destes gruposcom forte valorização da guerra, a prática docanibalismo e o modo de vida dosSambaquieiros, que não parece ter privilegiado ocombate corporal para resolver os seus conflitos,são aspectos que formaram um contexto socialque tornou inviável a manutenção do hábito deconstruir sambaquis. Mas, sobretudo, cabeinvestigar o impacto no universo simbólico dosSambaquieiros em decorrência da invasão de seuterritório por grupos cuja ingestão do “outro”,através do canibalismo, era um aspecto funda-mental da vida em sociedade.

Considerando os aspectos estruturais dacerimônia fúnebre entre os Sambaquieiros,

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Goitacá e Tupinambá, podem-se perceber, aomesmo tempo, semelhanças e especificidadesculturais. O fogo fúnebre, em cima ou ao ladodo corpo, é uma presença constante, comotambém o é a associação entre o domínio

alimentar e a morte. Comer com o mortoatravés do festim fúnebre e/ou comer o mortosão traços que persistem ao longo do tempo.

É evidente a preocupação dos Sambaquieiroscom os processos de decomposição dos corpos, e este

Fig. 5. Sepultamento em urna de membros do grupo. (Foto: J. Cordeiro).

Fig. 4. Sepultamento dos “outros”. (Foto: J. Cordeiro).

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Tratamento dos Mortos entre os Sambaquieiros, Tupinambá e Goitacá que ocuparam a Região dos Lagos, Estadodo Rio de Janeiro. Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia, São Paulo, 17: 169-189, 2007.

(7) Segundo Viveiros de Castro (2002:357), “No querespeita à caça, sublinhe-se que se trata de umaressonância simbólica, não de uma dependênciaecológica: horticultores aplicados como os Tukuna ouos Juruna – que além disso são principalmentepescadores – não diferem muito dos grandes caçado-res do Canadá e Alasca, quanto ao peso cosmológicoconferido à predação animal...”

interesse se coaduna com a cosmologia dos nativossul-americanos “pois é o corpo que faz a diferençaaos olhos ameríndios” (Viveiros de Castro 2002:381). Apoiamo-nos nas noções que embasam oPerspectivismo para refletir sobre diferenças esemelhanças nos rituais funerários encontrados noregistro arqueológico de Sambaquieiros,Tupinambá e Goitacá. Trata-se da concepção,comum a muitos povos do continente americano,segundo a qual o mundo é habitado por diferentesespécies de sujeitos ou pessoas, humanas e não-humanas, que o apreendem segundo pontos de vistadistintos (Viveiros de Castro 2002:347). A ênfase naconstrução social do corpo é, por sua vez, umdiferenciador das cosmologias ameríndias (Viveirosde Castro 2002: 388).

Seeger, Da Matta & Viveiros de Castro(1979) destacaram a importância da corporalidadeentre os nativos brasileiros. Viveiros de Castro(2002) propõe que essa noção tem fundamentocosmológico e que dessa forma é possível, porexemplo, entender melhor porque as categorias deidentidade – individuais, coletivas, étnicas oucosmológicas – exprimem-se tão freqüentementepor meio de idiomas corporais, em particular pelaalimentação e pela decoração corporal. Apregnância simbólica universal dos regimesalimentares e culinários, essa universalidademanifesta justamente a idéia de que o conjunto demaneiras e processos que constituem os corpos é olugar da emergência da diferença (Viveiros deCastro 2002:387-8).

Em certo sentido, Sambaquieiros, Tupinambáe Goitacá estão imersos em uma mesmacosmogonia, muito embora o registro arqueológicoapresente-se de maneira tão distinta e apesar de seussistemas de subsistência serem também diferencia-dos, já que Sambaquieiros tinham como principalatividade a pesca e a coleta, enquanto osTupinambá e Goitacá eram agricultores. Conside-ra-se que as cosmologias nativas privilegiam asinterações simbólicas e sociais com o mundoanimal, apesar de muitos grupos tribais seremprodutores de alimentos (Viveiros de Castro1996:194).7 Esta perspectiva abre um caminhopara a correlação entre vários grupos que habita-ram o que é hoje o território brasileiro sem que asreflexões se detenham na mera comparação entreos diferentes sistemas de subsistência.

Para os agricultores ceramistas (Tupinambáe Goitacá), a questão do destino do corpo secoloca de maneira distinta daquela dada pelosSambaquieiros. Primeiro, a percepção do“outro” se impõe de maneira estruturadora parao funcionamento destas sociedades, pois enquan-to Sambaquieiros inauguravam a colonização dafaixa costeira, os agricultores ceramistas realiza-vam sua expansão sobre outros grupos culturais,entre os quais os próprios construtores desambaquis. O “outro” se coloca, também, nodomínio simbólico. Expansão territorial eingestão do inimigo, através do canibalismo,parecem fazer parte de um mesmo sistema.

Dessa forma, ao falar do destino dos mortosentre os Tupinambá é importante separar otratamento dado aos de dentro do grupodaquele aplicado aos inimigos. Por outro lado, eenfocando exclusivamente a sociedadesambaquieira, pode-se avaliar o impacto dainvasão em seu território. No que pesem asconseqüências econômicas relacionadas com ocompartilhar a área de captação de recursoscom outro grupo populacional há, também, umsignificativo impacto no domínio simbólico.Como já dito, os sambaquieiros iniciaram acolonização da faixa costeira e, dessa forma,desbravaram-na impondo o seu domínio sem sedefrontar com outros grupos humanos. Sobera-nos da costa, tiveram a sua trajetória de desen-volvimento social – a qual implicava crescimentodemográfico e replicação de assentamentos –desviada, ou mesmo interrompida, pela invasãode seu território.

Os Tupinambá e Goitacá apoiavam a suaexpansão na conquista do “outro”, sendo aguerra e o canibalismo a melhor expressão dessemodo de vida, que resultava no aprisionamentoe expropriação dos corpos, que causaramenorme impacto no mundo simbólico dos

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sambaquieiros. Eliminou-se, dessa maneira, arazão de continuar erigindo sambaquis pois, semmortos e sem corpos não havia mais motivo paracontinuar a edificação. Não queremos dizer comisso que todos os sambaquieiros foram eliminadospelos ceramistas, ao contrário, é bem possível quemuitos tenham sido subjugados e incorporadospor tais grupos tribais, ou mesmo migrado paraoutros ambientes litorâneos. O que se querdestacar é que o programa de construção desambaquis sofreu mudanças perceptíveis naestratigrafia e que depois se tornou insustentávelno momento em que os ceramistas se instalaramem seu território.

Com a invasão européia, os Tupinambá,que buscavam reproduzir a vida social através daguerra e da morte gloriosa em terreiro inimigo,encontraram como alternativa a fuga para ointerior, ou a violência e a morte por doenças,

fome ou pela guerra do conquistador. Osguerreiros perderam o direito à vingança quepossibilitava a reprodução da vida social, e asociedade, desestruturada, em conseqüência,entrou em colapso. A população Tupinambá,que permanecera por cerca de 2 milênios naRegião dos Lagos, com o impacto da presençaeuropéia, desapareceu em 60 anos.

Segundo Cordeiro (2004), aos Goitacá,restou a morte, a redução de São Pedro e a fugapara o interior. A resistência possibilitou que,ainda no século XIX, alguns hábitos permaneces-sem, como o de cortar os cabelos com “cristal” eenrolar as meninas em casca de Jequitibá, dançare dormir no chão, passando pela “jogatina” deflecha no cipó. Esses costumes perenizados emMinas Gerais e no norte do estado do Rio deJaneiro sugerem que este grupo estava longe doextermínio pretendido pelo invasor.

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Abstract: This paper intends to establish a comparative dimension amongstdifferent cultural groups which have occupied the “Região dos Lagos”, at theSoutheast shore of Brazil and to focus the study on the funerary ritual – in thiscase understood as a central aspect of social life. We present the colonizationprocess of the region, considering it as a pilot area that keeps important informationabout the occupation of the east portion of South America. Thus, the studyapproaches colonization, social interaction and control of the territory related tothe Sambaquieiro, Tupi and Macro-Jê groups and intends to link informationderiving from archaeology, anthropology, history and the reports of the chroniclers.

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