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IX Seminário da Associação Nacional Pesquisa e Pós-Graduação em Turismo
30 de agosto e 01 setembro de 2012 – Universidade Anhembi Morumbi - São Paulo
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Transposição das Noções Operatórias de Bourdieu: Habitus, Campo, Poder Simbólico para o Estudo da Memória Turística do Território.
Marutschka Martini Moesch1 Juliane Noschang ²
Resumo: Este artigo representa um recorte do projeto de pesquisa Memória de Território: metodologia de compreensão das relações socioeconômicas na formação do campo turístico. O estudo de caso aborda a Região Trinacional, onde se localiza a cidade de Foz do Iguaçu, por ser um dos destinos turísticos mais procurados pelo turista estrangeiro no Brasil e possuir uma dinâmica sócio-econômica representativa dos diferentes ciclos econômicos que se processou no país. Como método utiliza-se das noções operatórias de Bourdieu sobre habitus, campo e poder simbólico. Na reconstrução do objeto utiliza-se do modelo
sistêmico SISTUR de Beni, e da relação dialética entre sistemas infra e super estruturais em Jameson.A pesquisa em andamento tem como objetivo percorrer a construção de sentido em torno do campo turístico a partir da utilização do termo turismo, nas suas especificidades na Região Trinacional, considerando-se a possibilidade de constituição de um campo turístico específico, envolvendo iniciativa privada, poder público, setor acadêmico e terceiro setor, como forças não raro em tensão, a partir do ano de 1950 até os dias atuais.
Palavras-chave: Campo Turístico, Habitus, memória do território, Pesquisa em turismo.
Introdução
Foz do Iguaçu e demais municípios que formam o Polo Turístico Internacional Iguassu
(Resolução 41/97 GMC) representam uma região de destinos turísticos de grande destaque no
1 Doutora em Comunicação Social/Turismo. Professora do Mestrado em Turismo da Universidade de Brasília.
email:[email protected] ²Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Turismo da Universidade de Brasília. E-mail:[email protected]
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cenário nacional e internacional. Dada a relevância da atividade turística no local, ações de
melhoria e promoção do destino são constantemente propostas e empreendidas, pelos setores
públicos e privado.
Apesar de esforços existentes para integração das diversas instituições, com avanços
consideráveis desde 2006, estas ações ainda estão estrategicamente desarticuladas, obtendo
desta forma, resultados pontuais e descontínuos, favorecendo em grande proporção a apenas
determinados setores do sistema local de produção.
Esse quadro se deve especialmente pela ausência de dados oficiais sistematizados
(pesquisas de fluxo turístico, perfil da demanda, análises socioeconômicas e estudos referentes à
atividade turística, entre outros) que permitam o planejamento e a análise dos resultados dessas
ações de forma integrada.
A situação se agrava considerando que as informações existentes são imprecisas, uma vez
que falta periodicidade em sua coleta, dificultando o fornecimento e sistematização das
informações. Outro fator decorrente deste processo é que os dados sobre o desempenho da
atividade turística são muitas vezes insuficientes e geralmente pouco utilizados pelo setor privado,
ocasionando também a ausência de investimentos internos e externos, alavancadores do
desenvolvimento regional. Assim é necessário desenvolver estudos que possam servir como base
de dados científicos para planejamento e desenvolvimento do turismo para a região.
Do ponto de vista metodológico, a pesquisa foi dividida em três etapas: na primeira será
realizada uma pesquisa avaliativa sobre o Histórico do Processo de Implantação do Turismo em
Foz do Iguaçu que tem como objetivo ter a compreensão da influência das condições contextuais,
dos processos de trabalho, dos atores envolvidos, dos dispositivos de participação e decisão, dos
processos gerenciais, organizacionais e institucionais na produção dos serviços vinculados a
implantação do turismo na cidade de Foz do Iguaçu desde os anos de 1950 até os dias atuais.
Uma segunda etapa da pesquisa reconstruirá a Memória do Território da Região
Trinacional, a partir da cidade polo brasileira Foz do Iguaçu. Nesta segunda etapa a construção do
objeto terá como metodologia a etnometodologia onde serão utilizadas como técnica a história
oral, com entrevistas e análise documental, recuperadas e identificadas, onde as fontes orais
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serão escolhidas a partir dos sujeitos com participação ou proximidade aos processos
desencadeados pela primeira etapa.
Uma terceira etapa da pesquisa investigará as resistências e forças propulsoras da Região
Trinacional para o processo de inovação que o Parque Tecnológico Itaipu propõe e qual a
influência desejável a médio, e longo prazo da transposição do conhecimento sobre a situação
problemática e o contexto do Turismo na região.
Entende-se por Turismo, no corpo da pesquisa, o fenômeno econômico de sistematização
e organização das viagens como produto para comercialização no mercado. Nestes temos,
envolveria o deslocamento em si (transporte e hospedagem), mas também as demandas que lhe
seriam subjacentes (estrutura de serviços e atrativos). A amplitude do fenômeno suporia a
presença de um campo turístico organizado, nos termos da teoria de Pierre Bourdieu, para sua
produção e reprodução, alimentando um habitus que priorizaria o econômico em detrimento de
enfoques sociais e culturais.
O problema de pesquisa foca sobre a questão da compreensão do estado da arte atual do
Turismo na Região Trinacioanl- cidade pólo brasileira Foz do Iguaçu como um processo histórico
de solução as necessidades econômicas de grupos e, ou, empresas familiares no contexto de uma
região de fluxos contínuos propiciados pela localização de fronteira, busca encaminhar se a ênfase
no econômico suporia, sim, um campo turístico autônomo e organizado em instâncias – e neste
caso, como se daria sua construção de sentido – ou justamente a sua ausência ou debilidade
enquanto campo autônomo, quer por questões de produção ou de reprodução das formas
capitalísticas de cada período econômico em curso ao longo destes últimos 60 anos.
O campo do turismo em Foz do Iguaçu
O papel do local na reestruturação do sistema econômico, e do território, tem
consequências diretas no desenvolvimento das atividades turísticas. O conflito estabelecido entre
o local e o global no desenvolvimento do turismo implica numa escala se não global, nacional e
internacional. A capacidade de alguns locais específicos para atrair visitantes e consumidores tem
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tido as mais diferentes formas, através dos atrativos naturais que é o mais tradicional (paisagens e
clima), ou dos baixos preços da oferta ou da alta qualidade da oferta ou a combinação entre eles.
Essa capacidade local de atração constitui o primeiro e um dos mais poderosos elementos
na organização do circuito turístico numa escala regional e global. A atual difusão da nova cultura
global de consumo reforça, a nível especial, este papel das cidades com principal instância nos
destinos turísticos. A diversidade das localidades é o principio da motivação turística. O sujeito da
pós-modernidade busca o imaginário, sua imaginação criativa, sonhadora e especulativa,
alimentada por desafios e pela comunicação global, na virtualidade do concreto imaginado.
O turismo é recheado de alto valor simbólico, conjugados entre o atributo e o atribuído,
portanto é também um processo humano que necessita de ressignificações às relações
impositivas, aos códigos capitalistas e aos valores colocados como bens culturais.
Em seus princípios históricos, para Fernando Fuster, o conceito simples e vulgar da palavra
Turismo foi sinônimo de “viagem por prazer”. Embora, ainda, alguns círculos, principalmente
leigos, vejam o Turismo apenas como “a indústria de viagens e prazer”, trata-se de um fenômeno
bem mais complexo do que um simples negócio ou comércio.
O turismo receptivo e intenso é um produto típico dessa modalidade, devido aos modernos
meios de transporte e comunicações. Destaca-se a relevância do Turismo do tipo fins de semana e
feriados prolongados, que desloca milhares de pessoas, congestionando o tráfego nas estradas,
vias de acesso e terminais de transporte.
Os diferentes trabalhos de marketing desencadeados pelo Fórum de Turismo de Foz do
Iguaçu como: o lançamento da campanha de posicionamento do Destino Iguaçu denominada Foz
do Iguaçu, Destino do Mundo, a campanha Temporada Boa em Foz, para estimular a ocupação da
hotelaria no período de baixa temporada. Somadas a mobilização em torno da campanha Vote
Cataratas, que classificou as Cataratas do Iguaçu para a final do concurso mundial das sete
maravilhas da natureza, em 2011. Em 2009 e 2010, por dois anos consecutivos, Foz do Iguaçu foi
escolhida como o melhor destino turístico do interior do Brasil, obteve o primeiro lugar na
categoria “não capital” em pesquisa do Ministério do Turismo, realizada pela Fundação Getúlio
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Vargas (FGV), sobre a competitividade dos 65 destinos indutores do desenvolvimento turístico
regional-Relatório Brasil 2009 e 2010.
Se esses dados e estudos apontam a tendência do crescimento do turismo na região
Trinacional, por que a região enfrenta, ainda, com tantas dificuldades por um no desenvolvimento
turístico mais integrador?
Uma das hipóteses seria a excessiva dependência das determinações federais, atrofiando o
papel das localidades, dos sistemas municipais de turismo na construção de políticas próprias de
fomento e gestão.
Uma nova dialética impõe-se a este novo tempo: a participação pública cabe garantir e
desenvolver produtos e atividades turísticas a partir de concepção geral dos interesses da cidade,
portanto através de planejamento sustentável, a participação privada cabe aportar tecnologia de
mercado dirigindo os mesmos produtos e atividades para a geração de maior volume de
rentabilidade e empregos, e as universidades e organizações do terceiro setor transpor
conhecimentos para qualificar estes processos. Portanto cabe uma nova postura entre o poder
local e o empresariado, uma perspectiva de gestão compartilhada, tanto na participação dos
custos como na definição de programas e produtos de promoção turística, diante deste contexto
faz-se necessário a construção do objeto de análise, o turismo em Foz do Iguaçu, por ume espécie
de ato teórico inaugural, onde o projeto de observação e análise pelo meio da qual a operação de
pesquisa se efetiva não é um plano que se desenha antecipadamente, mas um trabalho de grande
envergadura, que se realiza pouco a pouco, conforme Bourdieu (2011).
Construto metodológico - O campo turístico a partir de Bourdieu
O percurso científico desta pesquisa utiliza-se de noções operatórias de habitus,
reprodução, poder simbólico e campo a partir de Bourdieu (2011). Tendo como objeto de análise,
neste caso o sistema turístico; e uma reorientação do olhar sobre o objeto, pois aqui a concepção
do turismo é tida como um fenômeno sócio-cultural e interdisciplinar.
O turismo é um fenômeno seguidamente mal entendido. Ele não é uma indústria, pois não
proporciona transferências de bens e serviços que seriam produzidos atrás dos muros de algumas
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empresas. O turismo se focaliza sobre os seres humanos que visitam um destino em função de um
ou vários atrativos encontrando outros seres humanos que ali vivem e fornecem os bens e os
serviços exigidos para os turistas. Os residentes asseguram a dinâmica cultural, sendo que os
empregadores e os empregados fornecem uma contribuição essencial à vida turística, o que exige
um conhecimento sistêmico sobre o fenômeno.
Apropriação da teoria geral dos campos de Bourdieu, neste estudo tem o sentido do termo
“apropriação” como parte do esquema conceitual de Roger Chartier para explicitar os processos
de produção de sentido que configuraram a leitura como criação, matizando a compreensão das
várias “interpretações” feitas entre nós. Chartier refere-se ao conceito sustentando que
“… a apropriação tal como a entendemos visa a uma história social dos usos e interpretações referidos a suas determinações fundamentais e inscritos nas práticas específicas que os produzem. Dar, assim, atenção às condições e aos processos que, concretamente, conduzem as operações de construção do sentido (na relação de leitura e nos outros casos também), é reconhecer, contra a antiga história intelectual, que nem as inteligências nem as idéias são desencarnadas e, contra os pensamentos do universal, que as categorias dadas como invariantes, sejam filosóficas ou fenomenológicas, estão por se construir na descontinuidade das trajetórias históricas” (1998: 74).
O habitus é entendido como um sistema de disposições duráveis, estruturas estruturadas
predispostas a funcionarem como estruturas estruturantes, isto é, como princípio que gera e
estrutura as práticas e as representações que podem ser objetivamente ‘regulamentadas’ e
‘reguladas’ sem que por isso sejam o produto de obediência de regras, objetivamente adaptadas a
um fim, sem que se tenha necessidade da projeção consciente deste fim ou do domínio das
operações para atingi-lo.
Em “A força do sentido” (1974: XLVII), Sergio Miceli escreve que o habitus constitui a matriz
que dá conta da série de estruturações e reestruturações por que passam as diversas modalidades
de experiências diacronicamente determinadas dos agentes. Nesse sentido, assim como as
primeiras experiências dos atores sociais vividas no ambiente familiar (isto é, o habitus adquirido
nas relações familiares) são condições primordiais para a estruturação das experiências escolares,
o habitus transformado pela ação escolar constitui o princípio de estruturação de todas as
experiências ulteriores, incluindo desde a recepção das mensagens produzidas pela indústria
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cultural até as experiências profissionais. Já a prática é entendida como o “produto de uma
relação dialética entre uma situação e um habitus” para Bourdieu (2010)
Bourdieu chama de “situação” à categoria que, progressivamente, irá receber a
denominação de campo, principalmente os situados na esfera da vida simbólica (campo da moda,
das instituições de ensino, da literatura, do esporte, da filosofia, dos intelectuais etc.). A
abordagem dos campos seria inseparável da análise da gênese das estruturas mentais dos atores
que neles participam, as quais de certa forma constituem produto da interiorização dessas
estruturas objetivas. (Martins, 2002: 176).
Bourdieu substitui a noção de sociedade pela de campo, pois entende que uma sociedade
diferenciada não se encontra plenamente integrada por funções sistêmicas, mas, ao contrário, é
constituída por um conjunto de microcosmos sociais dotados de autonomia relativa, com lógicas e
necessidades próprias, específicas, com interesses e disputas irredutíveis ao funcionamento de
outros campos.
Para Lahire (2002) os elementos fundamentais e relativamente invariantes da definição do
campo é sua concepção como microcosmo incluído no macrocosmo constituído pelo espaço social
podendo ser regional, ou global.
Esta noção impõe ao campo regras de um jogo e desafios específicos irredutíveis às regras
de jogo ou aos desafios dos outros campos, ou seja, as formas de produção e reprodução do
capital pelo comércio de fronteira – e a maneira como atuam estes comerciantes – nada tem a ver
como atuam os empresários do setor do turismo – e a maneira como concebem seu negócio – um
hoteleiro ou um agente de viagem receptivo. Assim, um campo é um ‘sistema’ ou um ‘espaço’
estruturado de posições dentro de uma estrutura regional ou global, marcado por lutas entre os
diferentes agentes que ocupam as diversas posições do jogo estabelecido, no caso deste estudo o
fluxo de fronteira.
Estudar sobre as lutas estabelecidas que ocorreram ao longo deste 60 anos na região
Trinacional permitirá desenhar como se processou a apropriação de um capital específico do
campo turístico (o monopólio do capital específico legítimo) e/ou da redefinição daquele capital
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pressupondo que este capital tenha sido, e o seja, desigualmente distribuído dentro do campo e
que existem, portanto, dominantes e dominados.
“A distribuição desigual do capital determina a estrutura do campo, que é, portanto,
definida pelo estado de uma relação de força histórica entre as forças (agentes, instituições) em
presença no campo”. (Lahire, 2002: 47-48)
Analisar as estratégias dos agentes permitirá ao investigador entender como os atores do
processo histórico se posicionam no campo, o poder simbólico que se estabeleceu ao longo do
tempo em torno destes empreendimentos e subseqüentes atores, e/ou políticas públicas que
influenciaram na territorialidade estabelecida na região.
“Entre as estratégias invariantes, pode-se ressaltar a oposição entre as estratégias de conservação e as estratégias de subversão (o estado da relação de força existente). As primeiras são mais freqüentemente as dos dominantes e as segundas, as dos dominados (e, entre estes, mais particularmente, dos ‘últimos a chegar’). Essa oposição pode tomar a forma de um conflito entre ‘antigos’ e ‘modernos’, ‘ortodoxos’ e ‘heterodoxos’…” (Lahire, 2002: 47-48)
Assim, no que se refere especificamente à noção de campo, Lahire (2002) nos diz que a
teoria dos campos mostra pouco interesse para a vida fora-do-palco ou fora-do-campo dos
agentes que lutam dentro de um campo.
O sistema simbólico em Bourdieu, segundo Miceli (BOURDIEU, 2003, p. XV), teria uma
lógica própria, ou seja, funcionaria como texto. A produção simbólica, por sua vez, seria um
microcosmo da luta simbólica entre classes e, quando e se alcançada a sua autonomização,
passaria a se constituir como um campo, ou seja, um campo de produção como espaço social de
relações objetivas. Mais especificamente, entenda-se campo como o “espaço onde se manifestam
relações de poder, o que implica afirmar que ele se estrutura a partir da distribuição desigual de
um quantum social, o quantum entendido como capital social” (ORTIZ citado por BOURDIEU,
1983, p. 21). Falar em autonomia deste campo “implica a existência de uma relativa
independência dos campos em relação às transformações políticas e econômicas que ocorrem na
sociedade” (Idem, p. 27).
Estas relações objetivas registrar-se-iam na forma de habitus, ou seja,
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(...) um sistema de disposições duráveis e transferíveis que, integrando todas as experiências passadas, funciona a cada momento como uma matriz de percepções, apreciações e ações, que torna possível a realização de tarefas infinitamente diferenciadas, graças a transferências analógicas de esquemas que permitem resolver os problemas da mesma forma e graças às correções incessantes dos resultados obtidos, dialeticamente produzidos por estes resultados (Miceli citado por Bordieu, 2003, p.41).
A ideia de sistemas simbólicos – constituídos em campos, produzindo e reproduzindo
habitus – teria nos discursos os seus campos de força, embora a força de comunicação destes
mesmos discursos “nunca está inteiramente no discurso, nem mesmo nas relações de
comunicação; uma verdadeira ciência do discurso deve buscá-la no discurso mas também fora ele,
nas condições sociais de produção e de reprodução dos produtores e receptores e da relação
entre eles (...)” (Bourdieu, 1983, p. 162).
Para explicar os discursos, é preciso conhecer as condições de constituição do grupo no
qual ele funciona; a ciência do discurso deve levar em conta não somente as relações de força
simbólica que se estabelecem no grupo em questão – que fazem com que alguns estejam
impossibilitados de falar (por exemplo, as mulheres) ou devam conquistar seu público, enquanto
que outros estão em país conquistado – mas também as próprias leis de produção do grupo que
fazem com certas categorias ausentes (ou representadas somente por porta-vozes). Estas
condições ocultas são determinantes para compreender o que pode ou não pode ser dito num
grupo (Idem, p. 163).
O campo turístico no Brasil e Foz do Iguaçu
Seguindo a expansão e o tratamento internacional, também no Brasil o campo turístico
passa a se constituir ao longo do século XX, primeiro através das associações.
No que se refere à Região Trinacional, ainda se conhece muito pouco sobre a construção
do campo turístico. Embora a região tenha se constituído, entre os séculos XVII, XVIII e mesmo XIX,
os movimentos de tropeiros que transportavam gado e outras mercadorias entre o extremo sul do
país e os conglomerados urbanos centrais (movimento este que faria surgir os empórios ao longo
caminho, mas também as hospedarias que abrigavam e alimentavam os viajantes) as viagens de
lazer, propriamente, serão fenômeno do século XX. Os poucos registros sobre o percurso da
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atividade na região constituem-se de crônicas sobre vivências pessoais de seus autores com a
matéria, e menos como resultado de pesquisas acadêmicas, metodologicamente conduzidas e
controladas.
“Da mesma forma, as atividades econômicas registradas estrategicamente na região
responsabilizaram-se pelas lutas de domínio territorial a partir do período colonial, passando pela
exploração da madeira, da erva-mate, do livre comércio paraguaio e argentino, até o advento do
turismo crescente em função dos Parques Nacionais do Iguaçu Brasil – PNI-BR e Argentina – PNI-
AR.” (CURY,2010)
Com a instalação da Usina Hidrelétrica de Itaipu Binacional – UHIB, na década de 1970 o
panorama se transforma. Esse contexto histórico aponta para uma relação espaço-temporal de
amalgamento lento e gradual dos processos econômicos e sociais transfronteiriços, produzindo,
assim, interconexões entre as cidades da tríplice fronteira, verificáveis pela análise das redes
econômicas, políticas, sociais e também culturais que configuram as “Territorialidades
Transfronteiriças do Iguassu”, segundo CURY ( 2010.)
Nos termos até aqui apresentados, as construções de sentido em torno do turismo o
entendem não apenas como o deslocamento em si, mas também como as estruturas e serviços
necessários à concretização deste mesmo deslocamento (BENI, 2001), o que impõem uma
concepção sistêmica de sua abordagem.
Isto significaria considerar o turismo, sob outras linhas de reflexão, a partir das Ciências
Sociais, de maneira mais complexa e menos dependente de estruturas comerciais, retomando a
viagem e o lazer como uma experiência de valor simbólico, portanto social, diferenciado. O
movimento de sair das rotinas espaço-temporais, independente do seu tempo de duração, das
distâncias percorridas ou do consumo de serviços especificamente turísticos, é uma demanda a
cujo usufruto nem todos os grupos sociais se sentiriam autorizados e, em decorrência, não a
pleiteando como parte de políticas públicas (GASTAL e MOESCH, 2007). Contribuiria para esta
ausência, talvez, a construção de sentido originada no campo turístico estabelecido.
O turismo para esta investigação é entendido como o deslocamento do(s) sujeito(s) de seu
espaço e tempo rotineiros, para a realização de atividades profissionais, culturais, educacionais,
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sociais, de saúde e lazer. Este deslocamento gera necessidade de organização de produtos
turísticos que contenham, na sua composição, uma base cultural/ecológica, através de uma
estrutura que atenda e proporcione hospitalidade, acomodações, boa culinária e informações
qualificadas.
A pesquisa em andamento tem como objetivo percorrer a construção de sentido em torno
do campo turístico a partir da utilização do termo turismo, nas suas especificidades na Região
Trinacional, cidade polo brasileira Foz do Iguaçu, considerando-se a possibilidade de constituição
de um campo turístico específico, envolvendo iniciativa privada, poder público, setor acadêmico e
terceiro setor, como forças não raro em tensão, a partir do ano de 1950 até os dias atuais.
Trilhas metodológicas
A construção teórico-metodológica proposta para a resgate da(s) construção(ões) de
sentido do Turismo no recorte Região Trinacional, cidade polo brasileira Foz do Iguaçu, procura
aproximar as noções de campo e habitus em Pierre Bourdieu ( 2011 e 2003); e as teorização de
Fredric Jameson (1992), no que esta avança para problematizar dialeticamente o princípio
marxista da relação infra-estrutura - superestrutura, frente a pós-modernidade e na relação do
modelo sistêmico de turismo de Beni (2001). Ao tecer estes quadros interpretativos busca-se no o
resgate dos percursos de construção de sentido em termos de uma memória turística emergindo
em um campo turístico específico.
Parte-se do pressuposto que o método não é constituído por modelos fechados e
reprodutíveis, mas que seria um percurso construído em simultâneo com o próprio desencadear
da pesquisa, atendendo ao que Bourdieu (2011, p.20) apresenta como o desafio de “converter
problemas muito abstratos em operações científicas inteiramente práticas”, pensando-os na sua
complexidade, pois, a partir de Hegel “o real é relacional” (idem, p. 28). No presente caso, busca-
se o relacional na aproximação das três vertentes teóricas propostas.
Como marxista, o primado da análise de Jameson é o econômico, nas quais a infra-
estrutura condicionária, em relação dialética, a superestrutura, ou seja, não em uma
determinação direta entre o econômico e o sociocultural, na qual o econômico determinara o
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sociocultural, mas em um espaço de tensão que tem a publicidade/propaganda como principal
mediação, funcionando também para além dela. Para Jameson (1992), partir da primazia do
modo de produção (infra-estrutura) sobre as demais instâncias sociais e políticas, no sentido
clássico, torna-se insuficiente como chave para análise porque, na sociedade, o modo de produção
nunca teria se dado em estado puro: tal pureza só seria encontrada no nível teórico.
Nas sociedades historicamente constituídas pela coexistência de diferentes modos de
produção simultâneos, os modos mais antigos são relegados a posições estruturalmente
dependentes do novo modo, «bem como as tendências antecipadoras que são potencialmente
inconsistentes com o sistema existente, mas que ainda não geram um espaço autônomo próprio»
(JAMESON, 1992, p. 86). Se os modos de produção coexistem, os de alienação também, pois as
formas mais antigas – por exemplo, o patriarcalismo – sobreviveriam sob as formas mais recentes
– por exemplo, o fetiche da mercadoria.
Aplicando ao turismo, esta teoria permite sustentá-lo não apenas no seu viés econômico,
ou seja, como objeto participe da economia local, mas nos desdobramentos que permitem incluí-
lo também na superestrutura e, desta condição, igualmente atuando como infra-estrutura,
criando um campo específico. O que permite entender o processo histórico da formação de um
campo turístico de forma dialética, os espaços estruturados e estruturantes de cada campo, onde
se entrecruzam impulsos dos modos contraditórios de produção (e alienação); no subtexto, o local
da contradição social, o local da ideologia. Isso posto, colocam-se diferentes horizontes de
interpretação; em cada um deles, uma reconstrução alegórica e simbólica distinta do objeto e da
estrutura do tempo (JAMESON, 1992).
Decorrente desta situação dividiu-se os passos da pesquisa em três etapas. A primeira
dedicada à pesquisa de campo com o objetivo de resgatar o processo histórico de organização das
instâncias turísticas na Região Trinacional, cidade pólo brasileira Foz do Iguaçu, considerando-se a
presença, ou não, de momentos de inovação e/ou ruptura, em especial a partir da constituição do
Parque Nacional das Cataratas; da construção da Itaipu Binacional; da implantação do tratado do
MERCOSUL; da atuação da Prefeitura Municipal; da execução do PNMT; e da presença acadêmica
na formação, no ensino e na pesquisa para o Turismo na região.
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Na segunda etapa da pesquisa serão analisadas as contingências das invenções locais em
termos de um habitus turístico, e deste no contexto do país, considerando a análise comparativa
dos dados coletados na primeira etapa, buscando avaliar como se constitui o campo do Turismo
no âmbito regional e as possíveis instâncias de validação a ele inerentes, constituídas ao longo do
processo a luz do modelo do SISTUR.
Para analisar possíveis contribuições de cada uma das experiências locais para constituição
do campo regional do Turismo. Será utilizada a análise de discurso no formato de tabela
interpretativa com tema, sub-temas e rubricas utilizando-se das categorias de análise a priori da
dialética e a posteriori da teoria do SISTUR.
Na terceira etapa buscar-se-á, a partir dos dados arrolados, responder a questões mais
amplas e acadêmicas, associadas aos processos de globalização, mais especificamente das
relações local/global.
Colocam-se como questões de pesquisa, a indagação sobre a possibilidade da existência de
um campo turístico na Região Trinacional, cidade pólo brasileira Foz do Iguaçu, nos termos
colocados por Bourdieu. Em caso positivo, quais as especificidades de produção deste campo?
Quais as forças de poder em conflito? Este campo se configura em habitus que o reproduz,
conforme noção operatória proposta por Bourdieu?
Resultados Preliminares
Após análise de estudos semelhantes, revisão de literatura e debate entre os
pesquisadores da equipe, optou-se por adotar o modelo do sistema turístico – SISTUR, BENI (1996)
como referencial para criação das categorias e classificação das informações necessárias ao
atendimento da primeira etapa do projeto.
Por se tratar de um volume intenso de informações, a fim de facilitar a organização dos
dados e documentos necessários foi criada uma plataforma colaborativa web formatada conforme
as necessidades permitindo maior fluidez ao fluxo das informações. Os documentos produzidos,
resultantes ou não de intervenções na área do turismo, ao longo do tempo foram classificados
como públicos e privados para sua inserção em um banco de dados em formato wiki. Após,
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procedeu-se a realização do inventário e seleção rigorosa das informações disponíveis e sua
decodificação para construção de um corpus satisfatório para análise nas etapas seguintes.
Esta análise documental seguiu as etapas propostas por Cellar (in Poupart,2008) na
classificação dos documentos entre públicos : arquivos públicos, documentos públicos não-
arquivados, documentos públicos não- arquivados, documentos distribuídos (publicidade,
anúncios, tratados, circulares, boletins paroquiais, anuários telefônicos) e documentos privados
como: arquivos privados, documentos pessoais.
Os documentos classificados passaram, a seguir, por uma avaliação de forma crítica em
cinco dimensões: contexto; autores; autenticidade e confiabilidade do texto; natureza do texto; e
sobre conceitos chave e a lógica interna do texto.
Após, a classificação preliminar, conforme as dimensões citadas na etapa anterior, os
documentos foram separados de acordo com as categorias de análise a partir do SISTUR – modelo
teórico proposto por presente na obra Análise Estrutural do Turismo (Beni, 2001).
A análise preliminar e categorização das informações selecionadas, a partir do modelo do
SISTUR, permitiu reunir todas as partes, os elementos da problematização e do quadro teórico, o
contexto, os autores, interesse dominante, confiabilidade, natureza do texto, conceitos-chave a
partir do campo turístico, (pois o modelo utilizado para classificação documental atende a uma
compreensão própria ao objeto e não transposta a partir de um sistema ou outro predominante).
A pesquisa está em andamento, na etapa seguinte será realizado o exercício de
compreender pelos resultados obtidos nas etapas anteriores, como ocorre o Turismo em Foz do
Iguaçu e, identificar premissas e diretrizes que pautem as ações inovadoras e busquem a
efetividade nas ações. Este quadro interpretativo levará a uma reflexão sobre as relações
propostas entre os subsistemas do SISTUR de Beni (1996), relacionando-os com os sistemas
simbólicos construídos pelos atores locais, como ao campo de produção e poder simbólico que
estabeleceram a identidade e sua representação crítica como região.
IX Seminário da Associação Nacional Pesquisa e Pós-Graduação em Turismo
30 de agosto e 01 setembro de 2012 – Universidade Anhembi Morumbi - São Paulo
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