Transgressao e Sancao Disciplinares

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TRANSGRESSÃO E SANÇÃO DISCIPLINARES José Armando da Costa Advogado e Conferencista Sumário: 1 Transgressão disciplinar. 2 Delitos penal e disciplinar. 3 Estrutura da transgressão disciplinar. 4 Faltas típicas e atípicas. 5 Ilícito formal. 6 Classificações. 7 Sanção disciplinar. 8 Objetivos da reprimenda disciplinar. 9 Sanções penal e disciplinar. 10. Espécies de penas disciplinares. 11 Classes de punições disciplinares. 12 Competência para aplicar punição disciplinar 1 TRANSGRESSÃO DISCIPLINAR A eficiência técnica do servidor público não é o bastante para garantir a regularidade do serviço público. A par disso, se requer, por parte do funcionalismo em geral, a observância de certas regras de comportamento. Isso a fim de que, dentro de um ambiente disciplinado, possa a atividade do órgão se desenvolver de modo coerente, harmonizado e eficiente, a ponto de merecer a credibilidade dos membros da comunidade a que serve. Ainda que se abstraia o prestígio de que possa e deva gozar a administração pública, deve-se levar em conta que a desobediência a determinadas normas de comportamento, além de gerar um ambiente de indisciplina interna, repercute negativamente na qualidade do serviço prestado pela repartição. Destaque-se, contudo, que o bom conceito de que deve gozar a coisa pública perante a coletividade dos administrados é tão importante e essencial que se requer do funcionário não apenas uma conduta normal dentro da repartição em que serve. Exige-se, também, procedimento privado regular, pois que este poderá pôr em descrédito a moralidade e a seriedade do serviço que é realizado pelo órgão em que é lotado o servidor sem escrúpulo.

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Transgressão e Sanção Disciplinares

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  • TRANSGRESSO E SANO DISCIPLINARESJos Armando da CostaAdvogado e Conferencista

    Sumrio: 1 Transgresso disciplinar. 2 Delitos penal e disciplinar. 3 Estrutura da transgresso disciplinar. 4 Faltas tpicas e atpicas. 5 Ilcito formal. 6 Classificaes. 7 Sano disciplinar. 8 Objetivos da reprimenda disciplinar. 9 Sanes penal e disciplinar. 10. Espcies de penas disciplinares. 11 Classes de punies disciplinares. 12 Competncia para aplicar punio disciplinar

    1 TRANSGRESSO DISCIPLINAR

    A eficincia tcnica do servidor pblico no o bastante para garantir a regularidade do servio pblico. A par disso, se requer, por parte do funcionalismo em geral, a observncia de certas regras de comportamento. Isso a fim de que, dentro de um ambiente disciplinado, possa a atividade do rgo se desenvolver de modo coerente, harmonizado e eficiente, a ponto de merecer a credibilidade dos membros da comunidade a que serve.

    Ainda que se abstraia o prestgio de que possa e deva gozar a administrao pblica, deve-se levar em conta que a desobedincia a determinadas normas de comportamento, alm de gerar um ambiente de indisciplina interna, repercute negativamente na qualidade do servio prestado pela repartio.

    Destaque-se, contudo, que o bom conceito de que deve gozar a coisa pblica perante a coletividade dos administrados to importante e essencial que se requer do funcionrio no apenas uma conduta normal dentro da repartio em que serve. Exige-se, tambm, procedimento privado regular, pois que este poder pr em descrdito a moralidade e a seriedade do servio que realizado pelo rgo em que lotado o servidor sem escrpulo.

  • Em sentido material, pode-se definir transgresso disciplinar como sendo o proceder anmalo, interno ou externo, do agente pblico que, pondo em risco a credibilidade da administrao, acarreta prejuzo ao servio pblico.

    Escudando-se nestas noes, dividem-se as transgresses disciplinares em internas e externas. As internas infringem deveres profissionais; enquanto que as externas referem-se a comportamentos da vida particular do funcionrio. So cometidas fora do exerccio da funo.

    Ressalte-se que mencionados termos (interna e externa) no significam que as condutas devam ser rigorosamente exercidas dentro ou fora da repartio. E sim, traduzem que as primeiras (internas) so realizadas, dentro ou fora, em razo do exerccio da funo pblica. J as segundas, so exteriorizadas em atividade meramente particular, sem nada ter a ver com a atividade funcional. A no ser porque repercutem negativamente em seu desfavor.

    Conquanto no seja na acepo material (ontolgica) to difcil se oferecer uma conceituao de transgresso disciplinar, o mesmo no ocorre, contudo, pelo prisma formal. J que no prevalece no Direito Disciplinar o principio rigoroso da tipicidade. O que faz como que essas figuras ilcitas nem sempre se apresentem bem definidas juridicamente. Da a margem de discrio deixada pelo legislador em favor da administrao. Esta no muito atenta, por vezes, aos limites dessa discrio se inebria e finda por enveredar no campo da licena, da ilegalidade.

    No Direito Penal, a coisa se inverte. Pois o difcil se estabelecer um conceito ontolgico de crime. J pelo aspecto formal, em razo do principio da reserva legal, no h nenhuma dificuldade para se fazer a sua conceituao.

    Na acepo jurdico-formal, crime a conduta tpica, antijurdica e culpvel. J o mesmo no se pode dizer da infrao disciplinar. Pois esta,

  • como j referido acima, , por vezes, atpica. No se exige, assim, que a conduta do servidor se enquadre precisamente num tipo disciplinar previamente definido pelo legislador. A menos que se trate de punies mais severas.

    Com efeito, no h como se conceituar transgresso disciplinar em acepo formal.

    Agregue-se, contudo, que nem todas as transgresses disciplinares so atpicas.

    Cretella conceitua a infrao disciplinar como sendo a violao, pelo funcionrio, de qualquer dever prprio de sua condio, embora no esteja especialmente prevista ou definida.1

    De acordo com a preferncia de cada autor, so utilizadas, como variao da terminologia transgresso disciplinar, as seguintes expresses: Ilcito disciplinar, infrao disciplinar, delito disciplinar e falta disciplinar.

    2 DELITOS PENAL E DISCIPLINAR

    Embora haja, como aponta Cino Vita,2 uma pliade de renomados autores que sustentam a absoluta afinidade entre o Direito Disciplinar e o penal (tais como: Mittermayer, Mayer, Von Bar, Seydel, Zorn, Hauriou, Jze, Vaccheli, Presutti e Cammeo), despontam com exuberante evidncia as substanciais distines entre os ilcitos penal e disciplinar.

    Conquanto haja uma certa aproximao conceitual entre o Direito Penal e o Direito Disciplinar, vale destacar que so bem distintas essas duas 1 CRETELLA JNIOR, Jos. Princpios do direito administrativo. In: CRETELLA Jnior,

    Jos. Tratado de direito administrativo. Rio de Janeiro: Forense, 1966-1972. v. 10. p. 170.2 Apud CAVALCANTI, Themstocles Brando. Tratado de direito administrativo. 4. ed. Rio

    de Janeiro: Freitas Bastos, 1960-1961. v. 1. p. 107.

  • categorias de ilicitude ainda que ambas pertenam ao gnero jurdico do direito punitivo geral. Este, por constituir matria de reserva de lei, se sujeita a certas exigncias, a saber: a) observncia da garantia constitucional do devido processo legal; b) somente admite interpretao escrita; c) no comporta analogia, a no ser para beneficiar o acusado; e d) observncia do principio da proporcionalidade ou da razoabilidade.

    Destaque-se que, por vrios outros aspectos, so bem acentuadas as distines entre essas duas espcies de ilicitudes.

    Destaquem-se, ento, essas diferenciaes:

    a) o ilcito penal rigorosamente tpico, devendo estar previamente definido em lei (no sentido formal): enquanto que o ilcito disciplinar, nem sempre, exige anterior definio legal, a no ser nos casos de punies mais severas;

    b) requer a infrao penal que haja entre a discriminao da lei (tipo penal) e a conduta do agente quase absoluta correspondncia; ao passo que a transgresso disciplinar necessita apenas de que haja entre a hiptese descrita na norma e a conduta do servidor faltoso uma certa aproximao;

    c) a infrao penal contraria todo o corpo social da comunidade em que ocorreu; j a falta disciplinar afeta to somente o crculo funcional a que pertence o funcionrio transgressor;

    d) para o comportamento delituoso a lei, em principio, comina pena muito mais grave do que para a conduta que transgride a ordem disciplinar do servio pblico;

  • e) o procedimento investigatrio do ilcito penal bem mais complexo e formal do que o apuramento das infraes disciplinar;

    f) finalmente acentue-se que a infrao penal apreciada e decidida pelo rgo judicial (com as garantias da vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de vencimento); enquanto que a falta disciplinar apurada e sancionada pela prpria administrao, cujos componentes no tm as mesmas garantias dos membros da magistratura, no dispondo, conseqentemente, da mesma independncia do Poder Judicirio.

    De efeito, pode-se assentar que, em verdade, no h razo para que se confunda delito disciplinar com delito penal, pelo menos em sentido formal. J que, ontologicamente, no se distinguem as vrias modalidades de ilicitude.

    3 ESTRUTURA DA TRNSGRESSO DISCIPLINAR

    A despeito das discriminaes apontadas, vale salientar que existe uma certa similitude entre as estruturas dos ilcitos penal e disciplinar.

    A infrao penal se compe de duas bases, uma hipottica e outra factual. A base hipottica a descrio legal da conduta punvel, ou seja, o tipo previsto na lei penal. Enquanto que a base factual o comportamento (previsto na lei) levado a efeito pelo transgressor.

    O ilcito disciplinar tambm se constitui dessas duas bases. Havendo apenas uma diferena na sua base hipottica. J que esta comporta uma margem discricionria deixada pelo legislador ao detentor do poder disciplinar. Por isso, se desdobra em duas: base hipottica expressa e base hipottica em branco.

  • A base hipottica expressa vem descrita, pelo legislador, no Estatuto ou Regulamento, vindo o seu contorno explicitamente delineado na norma. utilizada, em regra, nas transgresses punveis com sanes mais graves. J a base hipottica em branco, como sugere a prpria terminologia, no aparece desenhada na norma legal. Fica a sua definio ao talante da administrao. Essa variao de grande usana nas faltas disciplinares de natureza leve.

    H, tambm, dessemelhanas entre as bases factuais dos ilcitos penal e disciplinar. Vejam-se, ento:

    a) na infrao penal, a conduta do agente (base factual) tem que ser tpica, isto , dever estar prevista na lei (base hipottica); ao passo que a falta disciplinar , em alguns casos, tpica, e, noutros, atpica;

    b) o comportamento delituoso requer que o agente tenha obrado com dolo, e, excepcionalmente (Cdigo Penal, art. 18, pargrafo nico), contenta-se apenas com a culpa em sentido estrito (negligncia, imprudncia ou impercia); enquanto que conduta disciplinar se satisfaz to somente com a voluntariedade do infrator.

    Por outro lado, deve-se destacar que, pelo aspecto da antijuricidade, as infraes penal e disciplinar guardam, entre si, perfeita semelhana.

    Necessitam, pois, essas duas condutas (penal e disciplinar) do elemento da antijuridicidade, para que possam ser consideradas como transgresso.

    A antijuricidade ou injuricidade traduz comportamento (base factual) contrrio ao Direito.

  • Na prtica, como inferir se determinado proceder , ou no, antijurdico? Para o equacionamento de tal questo, vale trazer tona o magistrio do saudoso Magalhes Noronha. Este autor, aludindo-se a essa questo, assim preleciona: Tal conceito se completa por excluses, isto , pela considerao de causas que excluem a antijuridicidade. Ser antijurdico um fato definido na lei penal, sempre que no for protegido por causas justificativas, tambm estabelecidas por ela, como se d com o art. 19 do cdigo.3

    Igual ponto de vista esposado por Nlson Hungria:

    Para se reconhecer que um fato tpico tambm antijurdico, basta indagar, dadas as circunstncias que o acompanham, se no ocorre uma causa de excepcional licitude (causa excludente de crime, discriminante), isto , se a ao ou omisso no se apresenta como exerccio de uma faculdade legal (reao moderada contra uma agresso atual e injusta, sacrifcio do bem ou interesse alheio em estado de necessidade), ou realizao de um direito outorgado ou cumprimento de um dever imposto por outra norma legal (penal ou extrapenal). Tanto a injuricidade quanto as causas de sua excluso tm de ser apreciadas objetivamente, isto , no dependem da opinio do agente, nem esto condicionadas sua capacidade de direito penal.4

    3 NORONHA, E. Magalhes (Edgard Magalhes). Direito penal. 3. ed., rev. e atual. com

    remisses ao anteprojeto de Cdigo penal de Nelson Hungria e comentrios a recentes Leis.

    So Paulo: Saraiva, 1966. v. 1. p. 114.4

    4

    HUNGRIA, Nlson. Comentrios ao cdigo penal: Decreto-lei n. 2.848, de 7 de dezembro de

    1940. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1977. v. 1, t. II. p. 22.

  • O Cdigo Penal regula no seu art. 23 as causas excludentes de criminalidade, nestes termos:

    No h crime quando o agente pratica o fato:

    a) em estado de necessidade;

    b) em legitima defesa;

    c) em estrito cumprimento de haver legal ou no exerccio regular de direito.

    Assim, praticando o agente qualquer fato tpico nessas circunstncias descritas na lei, no h de se falar em crime ou transgresso disciplinar. Pois que tais excludentes de ilicitude acobertam de juridicidade tais comportamentos, os quais no chegam sequer a constituir ilcitos.

    Por fim, convm salientar que na transgresso disciplinar, mesmo se tratando daquelas que tenham a base hipottica expressa (prevista no regulamento), no h necessidade de uma precisa e rigorosa correspondncia entre as bases hipottica e factual. Isso somente ocorre no mbito das infraes penais. Pode-se, pois, afirmar que, nas faltas disciplinares, essa correspondncia apenas relativa, isto , aproximativa. Ao passo que, nos ilcitos penais, deve ser observada uma correspondncia em grau bem mais acentuado.

    4 FALTAS TPICAS E ATPICAS

    Em matria de Direito penal, em virtude do princpio da reserva legal, insculpido no art. 1, do Cdigo Penal, e erigido condio de garantia constitucional (art. 5, inciso XXXIX, da CF/ 1988), no pode haver crime sem lei anterior que o defina. Resulta da a regra de que o ilcito penal, sem

  • admitir exceo, tpico. O que significa que o comportamento do agente dever estar previamente definido como crime na lei penal, isto , tipificado.

    Referindo-se a essa questo, afirma Heleno Fragoso:

    Crime a ao (ou omisso) tpica. Tipo o modelo da conduta proibida a que deve ajustar-se o fato, sendo, pois, tipo de ilcito, ou seja, modelo de conduta que o legislador probe e procura evitar, tornando-a ilcita.5

    J esse mesmo rigor (tipicidade), que um corolrio do principio da anterioridade da lei, no consagrado pelo Direito Disciplinar, que deixa certa margem de discrio ao detentor do poder hierrquico. Optou, assim, pela relativa tipicidade da transgresso disciplinar. Exceto nos casos de punies mais severas, de que so exemplos as penas de demisso, de cassao de aposentadoria ou disponibilidade.

    Da pode-se dizer que a transgresso disciplinar , em regra, relativamente atpica, e, somente em casos excepcionais, tpica. Sobre essa relatividade do Direito Disciplinar, aduz Marcelo Caetano:

    Pode normalmente ser qualificada como infrao disciplinar qualquer conduta de um agente que caiba na definio legal: a infrao disciplinar atpica. S em certos casos a lei define as condies de existncia da infrao, criando ento um tipo. As infraes disciplinares no so, pois, tpicas: as leis especificam fatos que podem ser considerados infraes, mas nem essa especificao taxativa, nem constitui a descrio rigorosa do tipo de condutas punveis. Os preceitos que referem fatos

    5 FRAGOSO, Heleno. Comentrios adicionais. In: HUNGRIA, Nlson. Comentrios ao

    cdigo penal, p. 506.

  • disciplinares punveis so indicativos, meras normas de orientao para servirem de padro ao intrprete.6

    Advirta-se, desde j, que a regra da relativa tipicidade predominante na rea do Direito Disciplinar , aplicvel apenas nos casos de punies mais leves. E, mesmo assim, isso no significa que o funcionrio possa ser punido arbitrariamente. Apenas traduz que os motivos da punio no necessitam de estar, prvia e rigorosamente, revistos na lei. No prescinde, contudo, de que tenha, realmente, havido comportamento de fato atribudo ao servidor. Comportamento esse que deve ser contrrio aos deveres da funo ou que, tratando-se de procedimento particular, chegue a denegrir a honra e a reputao do agente pblico. E, por conseqncia, repercuta de modo desfavorvel ao prestgio do rgo pblico.

    Se esses pressupostos de fato forem inexistentes, resulta nulo o ato punitivo que os tenha tomado por esteio. Ato disciplinar com essas caractersticas no s invlido, como tambm inexistente.

    O princpio da relativa tipicidade da infrao disciplinar ressoa com intensidade diferenciada, dependendo da linha adotada por cada regime disciplinar.

    Entre a maioria dos regulamentos disciplinares nacionais identificam-se, quando a esse aspecto, trs posicionamentos:

    a) quase que absoluta atipicidade;

    b) relativa tipicidade;

    c) quase que absoluta tipicidade.

    6 CAETANO, Marcelo. Princpios fundamentais do direito administrativo. Rio de Janeiro:

    Forense, 1977. p. 395-396.

  • Na primeira posio (quase que absoluta atipicidade), alinham-se, os regulamentos disciplinares das Foras Armadas. Nesses regulamentos, os catlogos das faltas disciplinares so meramente exemplificativos, havendo normas escritas que ensejam ao superior hierrquico certo elastrio. Confira-se, ento.

    O Regulamento Disciplinar do Exrcito (Decreto 90.908/84, art. 13) diz que:

    So transgresses disciplinares:

    1) todas as aes ou omisses contrrias disciplina militar especificadas no Anexo I ao presente regulamento;

    2) todas as aes ou omisses no especificadas na relao de transgresses do anexo acima citado, nem qualificadas como crime nas leis penais brasileiras, que afetem a honra pessoal, o pundonor militar, o decoro da classe e outras prescries estabelecidas no estatuto dos Militares, leis e regulamentos, bem como aquelas prticas contra normas e ordens de servio emanadas de autoridade competente.

    O Regulamento Disciplinar para a Marinha, depois de relacionar 72 infraes disciplinares, faz a seguinte abertura no seu art. 7, pargrafo nico:

    So tambm consideradas contravenes disciplinares todas as omisses do dever militar no especificadas no presente artigo nem qualificadas como crimes nas leis penais militares, cometidas contra preceitos de subordinao e regras de servio estabelecidos nos diversos regulamentos militares e determinaes das

  • autoridades superiores e competentes. (Decreto n 88.545, de 26.07.83).

    Por ltimo, destaque-se que ocorre o mesmo em relao ao regulamento Disciplinar da Aeronutica:

    Art. 10 So transgresses disciplinares, quando no constiturem crimes: (segue o elenco de 100 faltas disciplinares); Pargrafo nico. So consideradas tambm transgresses disciplinares as aes ou omisses no especificadas no presente artigo e no qualificadas como crime nas leis penais militares, contra os Smbolos Nacionais; contra a honra e o pundonor militar; contra o decoro da classe; contra os preceitos sociais e as normas da moral; contra os princpios de subordinao, regras e ordem de servio, estabelecidos nas leis ou regulamentos, ou prescritos por autoridade competente. (Decreto n 76.322, de 22.9.75)

    Na segunda linha (relativa tipicidade), se enfileira a grande maioria dos estatutos estaduais e municipais que acompanham o antigo estatuto federal (Lei n 1.711/52).

    O atual regime disciplinar (Lei n 8.112/90) do servidor federal, deixando ao administrador pblico apenas uma diminuta potestade discricionria, se afilia terceira posio (quase que absoluta tipicidade). J que somente nos casos de penas de advertncia poder haver tal flexibilidade (art. 129). O mesmo ocorre em relao ao regime Disciplinar do Policial Federal, que somente deixou em aberto as transgresses disciplinares punveis com pena de repreenso.

  • Esse regime tipifica, de forma quase exaustiva, as infraes disciplinares nos art. 41, 42 e 43 da Lei n 4.878/65 (Estatuto do Policial Federal).

    Convm salientar que, ainda assim, no de absoluto rigor a subsuno do comportamento do funcionrio faltoso ao tipo estabelecido na norma. Pode ser tal correspondncia, diferentemente do ilcito penal, apenas aproximativa.

    Esse rigor pode variar de acordo com a gravidade da pena cominada infrao. Se a pena de demisso, cassao de aposentadoria ou disponibilidade (ou outra igualmente grave), logicamente que dever ser mais precisa a correspondncia entre a conduta do servidor e o tipo previsto na lei ou regulamento.

    5 ILCITO FORMAL

    Prescindindo do malefcio que possa acarretar administrao pblica, consuma-se a falta disciplinar com a mera conduta exteriorizada pelo funcionrio transgressor, ainda que no seja efetivado qualquer resultado danoso. Da dizer-se que o ilcito disciplinar formal. Basta apenas que haja risco de dano.

    So chamados, tambm, de ilcitos de risco ou de perigo.

    No obstante, pode o regulamento exigir eventualmente que o dano deva integrar a infrao disciplinar. Nesse caso, perde a natureza de ilcito formal e passa para a categoria de ilcito de dano.

    Sobre essa particularidade, vale conferir o magistrio de Marcelo Caetano:

  • Para que haja infrao no indispensvel que desta conduta tenha resultado alguma conseqncia perturbadora ou prejudicial para o servio ou outrem: a ao ou omisso indevidas so punveis independentemente de terem produzido resultado, apenas pelo perigo que em si mesmas constituem. A infrao disciplinar formal e s em certos casos a lei inclui na definio de alguma infrao a produo de resultados malficos.7

    Por outro lado, ressalte-se que a efetiva produo do resultado danoso, desde que no constitua elemento integrante da falta, sempre considerada circunstncia agravante.

    Erigindo tal resultado danoso condio de circunstncia agravante, dispe o art. 128 da Lei n 8.112/90:

    Na aplicao das penalidades sero consideradas a natureza e a gravidade da infrao cometida, os danos que dela provierem para o servio pblico, as circunstncia agravantes ou atenuantes e os antecedentes funcionais.

    Idntico comportamento adotado pelo Estatuto do Policial Federal no seu art. 45, e incisos (Lei n 4.878, de 3 de dezembro de 1965).

    6 CLASSIFICAES

    A classificao das faltas disciplinares depende do enfoque dado pelo classificador. H, por isso, vrias classificaes, e no apenas uma, que possa satisfazer a todas as curiosidades cientificas. Pois que nenhuma delas de per si se basta para esgotar os aspectos relevantes que fazem com que uma transgresso seja diferente da outra.7 CAETANO, Marcelo. Princpios fundamentais do direito administrativo, p. 393.

  • Pela amplitude da relevncia apresentada, destaca-se a classificao que leva em conta a gravidade da falta cometida, sendo tal discriminao muito importante na tarefa de definir a sano disciplinar a ser imposta.

    Por esse prisma, as faltas disciplinares se classificam em leves, graves e gravssimas.

    Faltas leves so as que causam um mnimo de prejuzo ao servio pblico. Com a repetio (reincidncia), podero, todavia, ser elevadas categoria das faltas graves.

    As ilicitudes funcionais graves so as que comprometem intensamente o prestigio e a disciplina interna do rgo, provocando essenciais danos administrao.

    J as gravssimas so aquelas que produzem os males mais elevados administrao pblica. Por isso podem elas ensejar a pena capital, ou seja, a demisso.

    Quanto aos deveres violados, podem-se classificar as faltas da seguinte forma:

    a) Faltas de deveres profissionais: So as aes ou omisses que traduzem o descumprimento de dever prprio do exerccio da funo.

    b) Faltas de deveres de conduta da vida privada: So aquelas que, mesmo no sendo realizadas no servio ou em razo dele, provocam o desprestigio social do funcionrio, repercutindo, por via reflexiva, na administrao.

  • As transgresses disciplinares se classificam, tambm, em omissivas e comissivas. Nas omissivas, o funcionrio no age quando dever seu agir. Nas comissivas, ele se comporta de forma a infringir os seus deveres, isto , age de maneira diferente da que devia.

    Conquanto prevalea, no Direito Disciplinar, o principio de que as faltas so meramente formais, destaque-se que algumas exigem a concretizao do dano. Da a classificao que distingue as infraes de perigo das de dano. Estas somente se consumam com a produo efetiva do prejuzo; enquanto que aquelas, que so a regra, se contentam apenas com o risco que o cometimento da falta possa proporcionar.

    Sob o ponto de vista de sua consumao no tempo, as transgresses disciplinares se classificam em instantneas, permanentes ou continuadas.

    As instantneas so aquelas cuja consumao se verifica em um s instante, como, por exemplo, a insubordinao grave em servio (art. 132, VI, da Lei n 8.112/90). Dizem-se permanentes aquelas faltas que se consumam num prolongamento de tempo, tais como: o abandono de cargo, a acumulao proibida de cargos etc. So continuadas as faltas que se constituem de duas ou mais violaes praticadas sucessivamente, em que as aes posteriores so tidas como continuao das anteriores. Como exemplo desta espcie cita-se a prtica da usura (art. 117, XIV, da lei n 8.112/90).

    Segundo o elemento subjetivo, as infraes disciplinares se dividem em culposas, dolosas e voluntrias.

    Em regra, como j mencionado em linhas atrs, as faltas disciplinares se estribam na simples voluntariedade do servidor. J em casos raros chegam a exigir culpa ou dolo. Nas hipteses em que a transgresso toma como definio um tipo penal, os elementos subjetivos da configurao criminosa tero que se fazer presentes, a fim de que tal falta possa se caracterizar com tal. Se o ilcito disciplinar se espelha num tipo penal que no admite

  • modalidade culposa, o dolo ter, necessariamente, que integrar a sua estruturao.

    Com efeito, podem as faltas disciplinares ser classificadas em dolosas, culposas ou voluntrias.

    As dolosas requerem que o agente pblico tenha agido de forma intencional, tendo pretendido o resultado (dolo direto) ou apenas assumido o risco de sua concretizao (dolo eventual).

    As faltas culposas so levadas a feito por negligncia, imprudncia ou impercia. Enquanto que as voluntrias, que constituem a regra geral, se conformam apenas com a ao livre do funcionrio pblico. A existncia de circunstancias escusvel, elidindo de modo ordinrio a ao deliberada do agente, faz desaparecer a voluntariedade, e, por via de conseqncia, descaracteriza a transgresso disciplinar.

    Viram-se, assim, as principais classificaes dos ilcitos disciplinares.

    7 SANO DISCIPLINAR

    At aqui, se examinou a transgresso disciplinar. Passa-se, agora, ao exame da sano disciplinar, que o consectrio daquela. A toda transgresso corresponde uma sano. Esta, segundo os cnones do Direito Disciplinar e os princpios gerais da cincia jurdica, deve ser dosada em funo da natureza e gravidade daquela.

    Transgresso e sano integram o contexto da norma disciplinar, constituindo a primeira o seu preceito, e a segunda, o seu dispositivo.

    Pode-se, pois, dizer que sano disciplinar a punio imposta ao funcionrio pblico, em razo de haver ele cometido alguma infrao de

  • natureza funcional, ou que, tratando-se de comportamento de sua vida privada, repercuta de forma a comprometer o prestgio e a credibilidade do rgo pblico envolvido.

    Sano disciplinar e pena disciplinar so expresses sinnimas, embora tenha a palavra sano emprego mais genrico. Serve, assim, para denominar qualquer meio que objetive garantir a eficcia de qualquer norma jurdica, tica ou religiosa. A ameaa de se perder o cu ou se ganhar o inferno , de certa forma, uma sano asseguradora da observncia das leis divinas assim como a reprovao social constitui uma sano do comportamento tico dos indivduos na vida em comunidade.

    Tecendo consideraes sobre a sano disciplinar, pontifica Cretella Jnior:

    Assim como a responsabilidade penal castigada com a sano social denominada pena e a civil com a obrigao de indenizar ou reparar o dano causado ao patrimnio, ou seja, como uma sano econmica, a responsabilidade administrativa sancionada com as correntemente chamadas correes disciplinares, sanes disciplinares ou penas disciplinares.8

    V-se, assim, que esse autor acrescenta mais uma denominao terminolgica: correes disciplinares. Contudo, deve-se salientar que esse termo, embora no seja incorreto, tem acepo menos abrangente do que aqueles, pois no alberga em seu continente as punies consistentes em demisso e cassao de aposentadoria ou disponibilidade. Seria at um contra-senso dizer-se que a pena de demisso uma correo disciplinar. Quando se aplica essa pena mxima porque, pelos menos em tese, se admite que o servidor irrecupervel ou incorrigvel para o servio pblico.

    8 CRETELLA JNIOR, Jos. Princpios do direito administrativo, p. 172-173.

  • A expresso correo disciplinar serve apenas para referir-se s penas de repreenso, suspenso, multa, destituio de funo e deteno disciplinar. Sendo, por conseguinte, um termo que, pelo aspecto do alcance, no se equipara sano ou pena disciplinares.

    A sano disciplinar tem basicamente duas funes: uma preventiva e outra repressiva. Na primeira (preventiva), a sano prevista em constituindo uma ameaa, uma cominao , faz com que o funcionrio precavido no transgrida nenhuma norma disciplinar. Na segunda (repressiva), j tendo infringido o regulamento, sofre o servidor faltoso, em concreto, a reprimenda administrativa.

    Desnecessrio fundamentar que o ideal para a ordem disciplinar que a sano funcione predominantemente no seu sentido preventivo (intimidativo-pedaggico), pois esta a forma mais eficiente e conveniente de se preservar a normalidade do servio pblico. Em sua atuao repressiva, a sano, por mais criteriosa e judiciosa que seja a sua imposio, sempre deixa resqucios negativos. O prevenir sempre esteve, sob todos os ngulos, em nvel bem superior ao reprimir, remediar.

    8 OBJETIVOS DA REPRIMENDA DISCIPLINAR

    Quer seja pelo seu aspecto potencial (preventivo) ou pelo turno da atuao efetiva (repressivo), a sano disciplinar tem como escopo primordial a desenvoltura normal e regular do servio pblico. Como tambm se predestina a resguardar o prestgio da administrao pblica perante a coletividade beneficiria dos seus servios.

    Excetuando as de natureza expulsiva, buscam as sanes disciplinares a educao ou reeducao do punido.

    No Regulamento Disciplinar do Exrcito, esse objetivo educativo vem expressamente previsto no seu art. 21 (Decreto n 90.608/84):

  • A punio disciplinar objetiva a preveno da disciplinar e deve ter em vista o benefcio educativo ao punido e coletividade a que ele pertence.

    A exemplaridade outro desiderato que pode alinhar-se aos objetivos da punio disciplinar. Com essa funo exemplificativa, a pena imposta ao servidor faltoso, alm de atingir este, ressoa de forma proveitosa no seio do funcionalismo a que pertence o punido. Mas, para que tal fim seja atingido, necessrio que a punio seja imposta com critrio e justia. Caso contrrio, a reprimenda, longe de provocar a exemplaridade, se encarregar de urdir sentimentos de revolta no mbito da repartio. Esse clima negativo, com certeza, no o pretendido pelas normas disciplinares.

    Os regimes disciplinares militares, preocupados com os efeitos contraproducentes de uma punio injusta, trouxeram normas escritas proscrevendo a prtica de tais deformaes. Da por que proclama, no seu art. 33, o Regulamento Disciplinar do Exrcito (Decreto n 90.608/84):

    A aplicao da punio deve ser feita com justia, serenidade e imparcialidade, para que o punido fique consciente e convicto de que a mesma se inspira no cumprimento exclusivo do dever e na preservao da disciplina, e que tem em vista o benefcio educativo do punido e da coletividade.

    No mesmo diapaso e at de modo mais veemente, assevera o Regime Disciplinar da Aeronutica no seu art. 6 (Decreto n 76.322/75):

    A punio s se torna necessria quando dela advm benefcio para o punido, pela sua reeducao, ou para a organizao Militar a que pertence pelo fortalecimento da disciplina e da justia.

  • Por ltimo, tem-se o Regulamento da Marinha (Decreto n 88.545/83), que no seu art. 27 dispe:

    A autoridade julgar com imparcialidade e iseno de nimo a gravidade da contraveno, sem condescendncia ou rigor excessivo levando em conta as circunstncias justificativas ou atenuantes, em face das disposies deste Regulamento e tendo sempre em vista os acontecimentos e a situao pessoal do contraventor.

    Embora tais princpios de justia decorram implicitamente das normas do Direito Disciplinar, lamenta-se que os regimes disciplinares civis no tenham, a exemplo dos regulamentos militares, consagrado normas explcitas para esse fim.

    Viu-se, assim, numa explanao breve, os principais objetivos a que visa a sano disciplinar.

    9 SANES PENAL E DISCIPLINAR

    Conquanto no se negue a existncia de traos comuns nos Direitos Penal e Disciplinar, saliente-se que o Direito Disciplinar sobrevive independentemente do Direito Penal, sendo, portanto, regido por princpios prprios.

    Em que pese haver certa aproximao entre esses dois ramos do Direito, deve-se deixar bem claro que ambos guardam as suas peculiaridades.

    Concebendo a ndole predominantemente administrativa do Direito Disciplinar, afirma Themstocles Cavalcanti:

  • A tendncia moderna o sentido de admitir o carter puramente administrativo disciplinar, considerando a situao do Estado, quer dentro do sistema contratual, quer no da supremacia do poder estatal. O poder disciplinar subsiste independentemente do poder repressivo penal; critrio, o fundamento de ambos so diversos, no fundo como na forma.9

    Se h, como visto nos itens anteriores, distines entre as transgresses penal e disciplinar, diferenciaes tambm havero de existir entre as sanes penal e disciplinar.

    As sanes de natureza penal objetivam resguardar a segurana e o equilbrio de todos os segmentos da sociedade. Podem por isso, atingir todos os cidados de modo indistinto. Enquanto que as sanes disciplinares, tendo por escopo a normalidade do servio pblico, endeream-se ao meio restrito do funcionalismo.

    As sanes penais buscam prevenir e reprimir certas condutas que infringem preceitos de carter geral. No matar, no roubar, no furtar so, por exemplo, preceitos de ordem geral. Devem ser observados por todos os membros da coletividade. E, por isso, vm sancionados pelo Direito Penal. J as disciplinares procuram preservar o cumprimento de deveres especiais, prprios de deveres especiais, prprios do funcionalismo pblico. Muito bem atento s distines existentes entre as sanes penal e disciplinar, afirma o Professor Fvila Ribeiro:

    No se pode estabelecer conexo na espcie entre a sano administrativa e a penal. Cada uma tem o seu objetivo prprio; enquanto o processo administrativo tem por finalidade a averiguao da existncia ou no de faltas

    9 CAVALCANTI, Themstocles Brando. Tratado de direito administrativo, v. I, p. 111.

  • que autorizam a aplicao de sanes disciplinares, nas diferentes hipteses contempladas no estatuto dos funcionrios civis, a ao penal cumpre objetivo diferente, embora analisando o mesmo fato, para verificar se ele constitui ilcito penal, capaz de autorizar a aplicao de pena restritiva de liberdade.10

    No o outro o magistrio do tratadista francs Sergio Salon quando afirma:

    La peine disciplinaire, comme la faute, revt um caractere functionnel em ce sens quelle ne frappe le dlinquat que dans ses intrts de carrire. Il sensuit quelle diffre essentiellement de la sanction pnale. Cest ainsi que le droit commun disciplinaire ignore les peines demprisonnement ou de mrort. Il utilise, par contre, des peines inconnues du droit pnal, telles le blme, lexclusion temporaire de fonctions ou le dplacement.11

    A tese ora em exame , at certo ponto, um corolrio da posio autonomista do direito disciplinar, defendida por vrios autores. Diz-se at certo ponto, pois h doutrinadores que, mesmo propugnando pela autonomia do Direito Disciplinar em face do Direito penal, admitem, quanto aos fins, semelhanas entre as sanes disciplinares e as penais. Defendem esse modo de ver os seguintes autores: Gonner, Heffter, Dolhmann, Binding, Diriodi, Manzini, Otto Mayer e outros (apud Themstocles Brando Cavalcanti, op. cit., v. I, p. 107).

    10 RIBEIRO, Fvila. O Ministrio Pblico em ao. Fortaleza: Imprensa Universitria do

    Cear, 1968. p. 378.11 SALON, Serge. Dlinquance et rpression disciplinaires dans la fonction publique. Paris:

    R. Pichon, 1969.

  • A nica similitude que se percebe entre a sano disciplinar e a penal a que se refere fora propulsora de ambas, pois tanto uma quanto a outra objetivam condicionar comportamento humano. Afora isso, no se v outro trao de analogia.

    10 ESPCIES DE PENAS DISCIPLINARES

    No Direito Disciplinar Brasileiro so encontradas as seguintes penas: advertncia, repreenso, suspenso, multa, destituio de funo, cassao de disponibilidade, cassao de aposentadoria, priso e demisso.

    Vale verificar, de modo sucinto, em que consiste cada uma dessas penas de per si.

    a) Advertncia: a sano disciplinar mais branda do nosso Direito, a qual, constituindo uma admoestao apenas verbal, no chega sequer a manchar a folha de assentamentos individuais do funcionrio transgressor.

    b) Repreenso: Esta j um pouco mais pesada que a anterior, pois, configurando censura mais enrgica conduta do transgressor, sendo feita por escrito e devendo ser publicada em boletim interno, dever constar dos assentamentos do servidor.

    c) Suspenso: o afastamento do cargo imposto ao funcionrio faltoso, por certo perodo de tempo (no podendo ultrapassar de 90 dias), com perda do vencimento correspondente aos dias do afastamento, e outros prejuzos que se refletem na contagem do tempo de servio do punido.

  • d) Multa: Esta sano de natureza pecuniria e se constitui na obrigao imposta ao funcionrio de pagar ao Estado uma certa quantia em dinheiro. O desconto feito em folha, no podendo ultrapassar a metade do estipndio.

    e) Destituio de cargo em comisso: a perda do cargo comissionado imposta a quem exera funo de confiana, por falta de exao no cumprimento dos respectivos deveres. Tal reprimenda disciplinar imposta nos casos que sujeitam o infrator s penalidades de suspenso e demisso, quando no se trate de funo exercida por ocupante de cargo efetivo (art. 35 da Lei n 8.112/90). Tal punio, quando se trate de infringncia ao art. 117, incisos IX e XI, acarreta a indisponibilidade, temporria ou definitiva, do ex-servidor para nova investidura em cargo pblico, nos termos do art. 137 e seu pargrafo nico,todos do Regime Jurdico Federal.

    f) Cassao de disponibilidade: a sano aplicvel ao servidor que deixa de assumir no prazo legal a funo em que for aproveitado, ou que tenha transgredido alguma norma a que fica sujeito, mesmo na inatividade.

    g) Cassao de aposentadoria: a pena disciplinar imposta aos servidores inativos que tenham praticado, em atividade, irregularidades funcionais que acarretem a pena de demisso.

    h) Priso: Esta , sem dvida, a pena corretiva mais drstica, pois, cerceando a liberdade do funcionrio infrator, tolhe um dos mais fundamentais direitos do cidado: o de ir e vir. De acordo com a Constituio Federal

  • de 1988, somente admissvel priso disciplinar para o servidor militar. Por conseguinte, o instituto da conversao de suspenso em deteno disciplinar, previsto no art. 49 do Estatuto do Policial Federal (Lei n 4.878/65), no fora recepcionado pela Carta Poltica de 1988. Havendo esse instituto, portanto, perdido a sua eficcia.

    i) Demisso: Pena expulsiva que , consiste a demisso na excluso forada do servidor do cargo pblico que ocupava. a mais rigorosa das sanes disciplinares. Da por que somente aplicada no caso de faltas dotadas de elevado teor de gravidade, como muito bem orienta o princpio da proporcionalidade.

    Viu-se, assim, em linhas gerais, em que consiste cada uma das vrias penas existentes no nosso Direito Disciplinar Positivo. Vale salientar que no so todas adotadas igualmente pelos nossos vrios regimes disciplinares. H certa variao. Determinado regime prev umas e outras, no.

    O atual regime disciplinar federal (Lei n 8.112/90) no contempla a pena de repreenso, que foi substituda pela advertncia, com as mesmas caractersticas daquela. Tal reproche disciplinar ser aplicado por escrito, nos casos previstos no art. 129 da Lei n 8.112/90.

    A pena de advertncia, por exemplo, prevista que foi no Estatuto Federal de 1939 (Decreto-Lei n 1.713, de 23.10.39), no chegou, contudo, a ser contemplada no Estatuto de 1952.

    Essa pena encontrou sempre guarida no Regime Disciplinar do Exrcito. Neste, tal reprimenda vem catalogada no rol de penalidades estabelecido pelo seu art. 22. definida no art. 23 (Decreto n 90.608/84). Parece que o regulamento do Exrcito foi o nico que adotou a pena de advertncia. Mas a pena de repreenso, na modalidade verbal, adotada pelo

  • regulamento da Aeronutica, , por vrios ngulos, semelhante a essa espcie (art. 15, do Decreto n 76.322/75).

    J a pena de suspenso, lugar-comum que nos regimes disciplinares civis, no encontra receptividade no Direito Disciplinar Castrense. Por razes bvias, a pena de suspenso, na caserna, substituda pela pena de priso. O regime policial federal foi o nico que, mesmo tendo natureza civil, adotou, na forma de converso (art. 375, do Decreto n 59.310/66), essa reprimenda prisional, a qual, como mencionado acima, perdeu eficcia em face da atual Carta Poltica (Constituio Federal de 1988 art. 5, inciso LXI).

    No Regime Jurdico do Policial Federal, antes da Constituio de 1988, poderia a pena de suspenso ser convertida em deteno disciplinar at vinte dias. Para tanto dever-se-ia levar em conta a natureza da transgresso, as circunstncias em que foi cometida e a sua repercusso.

    As punies pecunirias, consistentes em multa, no encontram, igualmente, acolhida nos regimes militares. uma exclusividade do Direito Disciplinar Civil. A pena de multa no tem, tambm, existncia autnoma, sendo aplicvel por converso da pena de suspenso (art. 130, 2, da Lei n 8.112/90).

    Havendo convenincia para o servio, a pena de suspenso, ao talante da administrao, poder ser convertida em multa na base de 50% por dia de vencimento.

    Como compreensvel, a pena de cassao de aposentadoria ou disponibilidade privativa dos funcionrios civis.

    As penalidades expulsivas, conquanto recebam denominaes distintas nas reas Civil e Militar, so simlimas, no gnero, na essncia e nos efeitos.

  • No mbito disciplinar civil, a penalidade expulsiva denominada demisso. Na seara militar variam as denominaes, de acordo com cada situao especfica: desligamento, licenciamento, excluso e dispensa. Cada uma dessas modalidades de pena expulsiva tem o seu caso prprio de aplicabilidade.

    A pena de repreenso vigora nos regimes civis e militares.

    A destituio de cargo em comisso, como pena disciplinar, uma singularidade do Direito Disciplinar Civil.

    Como j assinalado, a aplicao de uma dessas penas depende da natureza e gravidade da falta cometida. As penas de advertncia ou repreenso, por exemplo, so aplicveis nos casos de faltas leves. J as de suspenso se aplicam nos casos de transgresses graves, ou ento nas de natureza leve cometidas repetidamente (reincidncia).

    O Estatuto dos Funcionrios Civis da Unio (Lei n 8.112/90) estabelece, no seu art. 123, o rol das faltas que ensejam a pena de demisso. Ocorre o mesmo no Estatuto do Policial Federal (Lei n 4.878/65), cujo catlogo vem previsto no seu art. 48.

    Sob o regime da Lei n 1.711/52, a cassao de aposentadoria era aplicvel ao inativo que, ainda no exerccio da funo, houvesse cometido falta grave. Bem como houvesse aceitado ilegalmente cargo ou funo pblica, ou representao de estado estrangeiro sem autorizao do Presidente da Repblica. E, ainda, na hiptese da prtica da usura, em qualquer de suas modalidades (art. 212). Tais casos davam, igualmente, azo aplicao da pena de cassao de disponibilidade. Esta era, tambm, imposta ao funcionrio que no assumisse, no prazo legal, o exerccio da funo do cargo em que houvesse sido aproveitado (pargrafo nico do art. 212).

  • Atualmente, tanto a cassao de aposentadoria quanto a cassao da disponibilidade infligida ao inativo que haja cometido, na atividade, transgresso disciplinar que comine pena de demisso (art. 135 da Lei n 8.112).

    A destituio de cargo em comisso aplicvel a quem exera funo de confiana e cometa infrao disciplinar sujeita s penalidades de suspenso e demisso (art. 135 da Lei n 8.112/90).

    Nos regulamentos militares no existem essas punies.

    Na caserna, a escolha da punio a ser aplicada ao transgressor fica merc da gravidade da falta cometida e de vrias outras circunstncias relacionadas com a pessoa do infrator e com a repercusso e intensidade do prejuzo moral causado organizao militar. Na disciplina castrense prepondera, por conseguinte, o princpio da razoabilidade.

    11 CLASSES DE PUNIES DISCIPLINARES

    Consoante a melhor doutrina, as sanes disciplinares so classificadas quanto a sua natureza e quanto ao seu fim.

    Sob o prisma de sua natureza, se classificam em morais, pecunirias e mistas.

    As morais, tais como a advertncia e a repreenso, afetam o servidor no seu brio e amor-prprio ou na sua honra e reputao. As pecunirias como a multa, golpeiam as finanas do infrator. As mistas fazem uma coisa e outra, como a de suspenso. A essas trs acrescentam-se ainda uma quarta classe a que chamam de profissionais. Estas castigam o funcionrio em funo de sua carreira ou situao, como a de remoo de um lugar para o outro ou transferncia para outro cargo ou servio. A pena de destituio de funo pode ser colocada nessa classe das profissionais.

  • Quanto aos fins, as sanes disciplinares se classificam em corretivas, expulsivas e revogatrias.

    As corretivas objetivam a recuperao do funcionrio faltoso. So exemplos dessa classe: a advertncia, a repreenso, a multa, a suspenso e a priso. As expulsivas tm por fim a eliminao do funcionrio dos quadros da repartio, tais como: a excluso e a dispensa. A primeira (demisso) de usana nos regimes disciplinares civis; as outras, nos regulamentos militares.

    As revocatrias, como a casaco de aposentadoria ou disponibilidade, alcanam o faltoso j na situao de inatividade.

    12 COMPETNCIA PARA APLICAR PUNIO DISCIPLINAR

    O Poder Executivo, nas esferas federal, estadual e municipal, exercido unipessoalmente pelo Presidente da Repblica, pelos Governadores dos Estados-Membros e pelos Prefeitos Municipais, respectivamente. Embora tenha o Poder Executivo esse trao de singularidade pessoal, divide o seu legtimo titular com seus auxiliares as vrias atribuies administrativas que lhe so pertinentes. Essa distribuio pode ser feita por regulamento ou delegao especial.

    Desde que sejam respeitadas as atribuies constitucionais do Poder Legislativo, competncia do Executivo estruturar as atribuies e funcionamento dos rgos da administrao (art. 3 do Decreto-Lei n 200/67).

    Nessa tarefa distributiva, se ainda no constar de regulamentao legal, feito o balizamento da competncia do poder disciplinar. No mbito do funcionalismo civil da Unio, essa matria de competncia j vem quase que totalmente regulada pela Lei n 8.112/90, no seu art. 141, cujo teor merece ser aqui transcrito:

  • As penalidades disciplinares sero aplicadas:

    I - pelo Presidente da Repblica, pelos Presidentes das Casas do Poder Legislativo e dos Tribunais Federais e pelo Procurador-Geral da Repblica, quando se tratar de demisso e cassao de aposentadoria ou disponibilidade, de servidor vinculado ao respectivo Poder, rgo ou entidade;

    II - pelas autoridades administrativas de hierarquia imediatamente inferior quelas mencionadas no inciso anterior quando se tratar de suspenso superior a 30 (trinta) dias;

    III - pelo chefe da repartio e outras autoridades, na forma dos respectivos regimentos ou regulamentos, nos casos de advertncia ou suspenso at 30 (trinta) dias;

    IV - pela autoridade que houver feito a nomeao, quando se tratar de destituio de cargo em comisso.

    V-se assim, que, nessa matria de competncia impositiva de pena disciplinar, a lei somente deixou ao Poder Regulamentar do Executivo as penas de repreenso ou suspenso at 30 dias. Estas podero ser atribudas aos chefes de repartio e outras autoridades, nos limites e formas que dispuser em regimento ou regulamento. o que se depreende do inciso III acima transcrito.

    No seio da Administrao Policial Federal, essa competncia impositiva de sano disciplinar est compartilhada da seguinte forma (art. 50, da Lei n 4.878/65 e art. 387, do Decreto n 59.310/66):

  • a) O Presidente da Repblica, nos casos de demisso e cassao de aposentadoria ou disponibilidade;

    b) O Ministro da Justia, nos casos de suspenso at 90 dias, inclusive os casos de repreenso;

    c) O Diretor-Geral do Departamento de Polcia Federal, nos casos de suspenso at sessenta dias, bem como nos casos de repreenso;

    d) Os Diretores de Divises e Servios do Departamento de Polcia Federal e os Superintendentes Regionais, nos casos de suspenso at 30 dias, bem como no caso de repreenso;

    e) Os Diretores de Divises e Servios do Departamento de Polcia Federal, nos casos de suspenso at 10 dias, inclusive a pena de repreenso.

    Nos casos de destituio de funo, competente a autoridade que fez a designao.

    A tcnica dispositiva de que lanaram mo esses diplomas legais (Leis n 8.1112/90, e 4.878/65), nesse particular aspecto da distribuio de competncia impositiva de sano disciplinar, no foi a mais adequada. Tais disposies deixam transparecer, principalmente para aqueles no muito familiarizados com o Direito Administrativo, que o detentor de competncia maior no tem atribuio para decidir os casos alocados na competncia da autoridade menor. Chegam a insinuar, por exemplo, que o presidente da repblica no tem competncia para punir com pena de suspenso os servidores da Unio. O que no procede, pois resta implcita no Direito Administrativo, a regra de que quem pode o mais pode o menos.

  • Primando por melhor tcnica, disps o RDE essa matria de forma bem mais consentnea com as normas gerais do Direito Administrativo. Pois deixa claramente entrever que quem pode o muito, pode o pouco. Confiram-se, ento, as verba legis do Regulamento Disciplinar do Exrcito (Decreto n 79.985/77):

    Art. 9 A competncia para aplicar as punies disciplinares conferida ao cargo e no ao grau hierrquico, sendo competentes para aplic-las:

    1) O presidente da repblica e o ministro do exrcito, a todos aqueles que estiverem sujeitos a este regulamento;

    2) aos que lhe so subordinados:

    a) Chefe do Estado-Maior do Exrcito, chefe de departamento, secretrio de economia e finanas, comandante de exrcito, comandante militar de rea e demais ocupantes de cargos privativos de oficial-general;

    b) Chefe de Estado-Maior, chefe de gabinete, comandante de unidade, demais comandantes cujos cargos sejam privativos de oficias superiores e comandantes das demais organizaes militares (OM) com autonomia administrativa;

    3) aos que servirem sob seus comandos, chefias ou direo:

    a) subchefe de Estado-Maior, Comandante de unidade incorporada, Chefe de diviso, seo, escalo regional, administrao regional, ajudante-geral, servio e assessoria; subcomandante e subdiretor;

  • b) Comandantes das demais subunidades ou de elemento destacado com efetivo menor que subunidade.

    1 Os Comandantes de exrcito ou militar de rea tm competncia, ainda, para aplicar punio aos militares da reserva remunerada, reformados ou agregados que residam ou exeram atividades na rea de jurisdio do respectivo comando, respeitada a precedncia hierrquica.

    2 A competncia conferida aos chefes de diviso, seo, escalo regional, administrao regional, servios e assessorias, limita-se s ocorrncias relacionadas com as atividades inerentes ao servio de suas reparties.

    V-se, assim, na simples leitura desses dispositivos, que essa matria, nesse regulamento militar, recebe um tratamento bem mais coerente com as normas do direito administrativo.

    Igual tcnica foi adotada pelos regulamentos da Marinha (Decreto n 88.545/83, art. 19) e da Aeronutica (Decreto n 76.322/75, art. 42)

    Tudo o que aqui se disse, em matria de competncia impositiva de pena disciplinar, pode ser aplicvel, mutatis mutandis, nas esferas estadual e municipal.

    Fortaleza - Cear, 29 de julho de 2008.

    Jos Armando da Costa