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    JORGE CARMONA LEITE

    nº USP 5895867

    CRP0322- ÉTICA E LEGISLAÇÃO PUBLICITÁRIA

    PROF: LEANDRO L. BATISTA

    19/09/2011

    TRABALHO INDIVIDUAL “INFLUENCIANDO A MORAL” 

    TÍTULO:

    “Caso n°126/02 do CONAR-

    Uma Breve Análise do Processo Decisório” 

    1-  Introdução

    Em Setembro de 2002, após a reclamação de dois indivíduos, o CONAR (Conselho

    Nacional de Autorregulamentação Publicitária) recomendou a sustação da peça publicitária

    televisiva “Respeitar as diferenças” da campanha de prevenção ao vírus HIV feita pelo

    Ministério da Saúde que havia sido veiculada nos últimos 15 dias. O comercial foi retiradodo ar, e as parte afetadas não apresentaram nenhum tipo de recurso. No filme

    (http://www.youtube.com/watch?v=ZMV7iw6rs10)  os pais de um filho homossexual lhe dão

    apoio moral após uma indesejada visita de um ex-parceiro do mesmo.

    Nesse trabalho, em vez de argumentar pró ou contra a sustação do comercial,

    procurarei analisar de forma breve e objetiva a tomada de decisão apresentando diferentes

    enfoques sobre o processo decisório da Representação n°126/02 do CONAR. Para tanto vou

    analisar o CONAR como organização (a estrutura e ambiente institucional), o código do

    CONAR e as reclamações (o processual), o perfil do relator do caso e seu parecer (o principal

    ator), e possíveis implicações da decisão do Conselho (conclusão).

    2-  O CONAR como organização

    O CONAR possui um limitado poder de regulação do mercado publicitário. Desde sua

    criação é evidente uma relação intrínseca com o próprio sujeito a ser regulado, o mercadopublicitário. A forma como a organização se constitui, se mantém e atua comprometem o

    http://www.youtube.com/watch?v=ZMV7iw6rs10http://www.youtube.com/watch?v=ZMV7iw6rs10http://www.youtube.com/watch?v=ZMV7iw6rs10http://www.youtube.com/watch?v=ZMV7iw6rs10

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    resguardo de princípios básicos do direito para um julgamento imparcial e coerente com sua

     jurisprudência.

    A história do CONAR tem início no contexto de um governo militar onde a prática da

    censura prévia já havia sido implantada em diversas áreas de expressão pública. A criação

    do Conselho foi uma resposta dos publicitários, principalmente das agências de propaganda,

    à uma ameaça declarada do Estado autoritário- que via um afronte político-ideológico no

    conteúdo de algumas peças. Nesse sentido, o principal objetivo da criação se resumia em

    evitar a interferência direta do Estado no setor na forma de censura. A “missão” da

    organização em seu site e já expressa de forma clara essa condição inicial:

    Impedir que a publicidade enganosa ou abusiva cause constrangimento ao consumidor ou aempresas. Constituído por publicitários e profissionais de outras áreas, o CONAR é umaorganização não-governamental que visa promover a liberdade de expressão publicitária edefender as prerrogativas constitucionais da propaganda comercial. Sua missão inclui

     principalmente o atendimento a denúncias de consumidores, autoridades, associados ouformuladas pelos integrantes da própria diretoria. As denúncias são julgadas pelo Conselho deÉtica, com total e plena garantia de direito de defesa aos responsáveis pelo anúncio. Quandocomprovada a procedência de uma denúncia, é sua responsabilidade recomendar alteração oususpender a veiculação do anúncio. O CONAR não exerce censura prévia sobre peças

     publicitárias, já que se ocupa somente do que está sendo ou foi veiculado. Mantido pelacontribuição das principais entidades da publicidade brasileira e seus filiados  –  anunciantes,agências e veículos  – , tem sede na cidade de São Paulo e atua em todo o país. Foi fundado em1980.

    Também pode se entender a partir da “missão”, mas principalmente se fizermos uma

    análise simples dos seus membros componentes, os interesses políticos do conselho e de

    seus associados. A grande maioria dos membros do CONAR tem fortes ligações com o setor

    publicitário (trabalham, ou já trabalharam, diretamente no mercado publicitário- em

    agências, anunciantes ou veículos de comunicação). São muito menos numerosos os

    membros representantes da sociedade civil, e não é claro o motivo pelo qual eles foram

    levados à associação. Adiciona-se a esta argumentação o fato do CONAR ser mantido “pelacontribuição das principais entidades da publicidade brasileira e seus filiados – anunciantes,

    agências e veículos”, e o fato de seus membros não se dedicarem profissionalmente à

    atividade de regulação ou possuírem formação, ou experiência profissional, na área de

    fiscalização ou direito. Sendo assim, o conselho acaba por adquirir um caráter

    preponderante de uma organização de defesa do setor publicitário, em vez de um conselho

    regulador.

    http://www.conar.org.br/html/quem/conselho%20de%20etica.htmhttp://www.conar.org.br/html/quem/conselho%20de%20etica.htmhttp://www.conar.org.br/html/quem/conselho%20de%20etica.htmhttp://www.conar.org.br/html/quem/conselho%20de%20etica.htm

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    Por assumir um caráter de órgão público, parece haver um “déficit democrático”  no

    CONAR, tanto no seu procedimento quanto na sua constituição e funcionamento- não existe

    nenhuma forma de ingerência pública na instituição. Enquanto as concessões de

    radiodifusão passam pelo Congresso, e a classificação indicativa é competência doMinistério da Justiça, as ações do CONAR (por mais que sejam recomendações) se dão de

    forma autônoma, não estando atreladas a nenhum órgão público do Estado brasileiro ou

    forma alternativa de legitimação social.

    O poder de ingerência do CONAR acaba por ser diretamente definido pelo grau de

    adoção voluntária de suas decisões pelos sujeitos afetados. Desta forma, o sucesso do

    trabalho do CONAR está diretamente ligado ao baixo poder de institucionalização de suas

    decisões e menor desgaste ao mercado publicitário.

    3-  O Código do CONAR

    Como pode se observar abaixo, nos Artigos do Código evocados pelo relator como

    fundamento (artigos 1º , 2º, 3º e 50C) pelo relator, não parece haver aparente

    descumprimento do Código:

    Artigo 1º- Todo anúncio deve ser respeitador e conformar-se às leis do país; deve, ainda, serhonesto e verdadeiro.Artigo 2º- Todo anúncio deve ser preparado com o devido senso de responsabilidade social,evitando acentuar, de forma depreciativa, diferenciações sociais decorrentes do maior oumenor poder aquisitivo dos grupos a que se destina ou que possa eventualmente atingir.Artigo 3º- Todo anúncio deve ter presente a responsabilidade do Anunciante, da Agência dePublicidade e do Veículo de Divulgação junto ao Consumidor.Artigo 50- Os infratores das normas estabelecidas neste Código e seus anexos estarão sujeitosàs seguintes penalidades:c. recomendação aos Veículos no sentido de que sustem a divulgação do anúncio;

    O caso foi classificado na seção de “Respeitabilidade”. O Código também define sua noçãode respeitabilidade:

    Artigo 19

    Toda atividade publicitária deve caracterizar-se pelo respeito à dignidade da pessoa humana, àintimidade, ao interesse social, às instituições e símbolos nacionais, às autoridades constituídase ao núcleo familiar.Artigo 20

     Nenhum anúncio deve favorecer ou estimular qualquer espécie de ofensa ou discriminaçãoracial, social, política, religiosa ou de nacionalidade.Artigo 21

    Os anúncios não devem conter nada que possa induzir a atividades criminosas ou ilegais  –  ouque pareça favorecer, enaltecer ou estimular tais atividades.

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    Como a peça em questão não fere os Artigos 20 e 21, há de se concluir que o dever

    expressado pelo Artigo 19 não foi levado em conta. Sendo assim, de acordo com o próprio

    relator do CONAR, pode- se concluir que a homossexualidade não está de acordo com “o

    interesse social”  e o “núcleo familiar”. Vale ressaltar que o Código se esquiva do termo“moral” ou “valores morais”, apesar destes estarem implícitos no Artigo mencionado, bem

    como no julgamento do relator.

    4-  As reclamações

    Duas reclamações foram feitas sobre o filme de saúde pública nacional feita pelo

    governo federal. As queixas:

    1)"Julgamos inadmissível que existe um tipo de divulgação que contradiz os preceitos moraisda família, denegrindo o ser humano e estimulando abertamente o homossexualismo. Nãosomos nós quem iremos ditar normas e regras, porém temos que ter respeitados nossos

     princípios morais e condutas éticas e familiares. A propaganda é um instrumento formador deopinião e deve levar idéias positivas e conduzir a um comportamento normal, ou seja, estáhavendo indução à prática homossexual (inadmissível)." (sic).2)"Prezados, é simples. Tenho um filho com 9 anos e recentemente tive que parar paraconversar com ele sobre um anúncio do Governo Federal (campanha do Serra) em que umrapaz bate à porta; o pai do rapaz procurado diz que o filho não vai atendê-lo e em seguida ofilho pergunta ao pai se o rapaz foi embora. A palavra final, a voz da razão, a mão fecha com afrase: meu filho, você ainda vai encontrar um rapaz que te mereça. Meus caros, o meu filhonão deveria ver isto nunca. Não sou preconceituoso, tenho todo respeito por qualquer opção

    sexual, sei que quem é homossexual nasceu com este destino e pronto. É normal e desejo todafelicidade para eles. Mas não posso imaginar a possibilidade de um rapaz pedir a mão de umfilho ao pai em casamento. Esta propaganda é de mau gosto, ofende, pois está sendo veiculadaem horário nobre. Esta idéia degrada a ordem natural das coisas. Estou preocupado com o meufilho, pois isto contradiz tudo que sempre disse a ele e da educação dele, cuido eu. Enfim, istoé uma lastima. Várias pessoas de bem comentaram comigo que estão chocadas com esteanúncio. Muito grato pela atenção João Batista Gomes do Amaral - Rio." (sic).

    Ambos protestos veem a preferência sexual homossexual como ofensiva, anormal ou

    imoral. Em ambos os casos o que parece causar maior desconforto é a apresentação da

    “prática” com normalidade. Não foi levantado em nenhuma das reclamações a questão do

    uso da camisinha- o principal foco da campanha.

    5-  O relator do caso

    Pedro Kassab, falecido em 2009 e com 72 anos na época do caso 126/02, era médico

    dermatologista formado pela USP em 1953 (presidiu a Associação Médica Brasileira entre

    1969 e 1981, e a Associação Médica Mundial entre 1976 e 1977- tendo sido o primeiro

    brasileiro a ocupar esse cargo). Foi membro do CONAR desde a reunião inaugural do

    Conselho de Ética, em 1980, como representante da sociedade civil. Foi relator de diversos

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    casos e teve participação relevante no Conselho. Pai do atual prefeito de São Paulo, Gilberto

    Kassab, que, curiosamente, foi acusado de homossexualismo pela candidata Marta Suplicy

    durante a campanha eleitoral para a prefeitura de São Paulo em 2008.

    6- 

    O parecer do relator

    O parecer apresenta uma opinião consistente ao longo de sua extensão. Sua

    argumentação procura elencar diferentes motivos que levaram ao pedido de sustação,

    sendo estes classificados em dois tipos principais: 1)os subjetivos- a interferência na

    “intimidade familiar”, a “solidariedade ao homossexual”, o “interesse social”, e o “ferir o

    pudor”; 2) os técnicos- o uso do meio televisivo, e a ineficiente indicação do uso do

    preservativo. Enquanto nos argumentos do primeiro tipo fica evidente a posição pessoal do

    relator e seus valores morais, no outro uma argumentação procura buscar informações

    técnicas que reforcem a decisão.

    Para refutar os argumentos subjetivos, basta trocar o personagem “filho gay da família” 

    do filme e substituí-lo por uma filha. Nesse caso, que pode ser facilmente encontrado tanto

    em comerciais, como em novelas ou filmes, não existem reclamação ou problema de

    intromissão nos assuntos familiares, desacordo com o “interesse social” (termo de definição

    ainda mais subjetiva, pois pressupõe uma confluência de interesses comuns em um grande

    e variado grupo social), ou atentado ao pudor do público.

    Os dois argumentos técnicos possuem características bem distintas- um questiona a

    presença do filme no meio de maior alcance, e o outro se foca na relação conteúdo/objetivo

    do filme. Como estamos falando de uma campanha de saúde pública, o meio escolhido deve

    ser celebrado, afinal quanto mais pessoas atingir melhor será seu resultado. Porém o

    objetivo central da peça (incentivar o uso de preservativos entre homossexuais) é pouco

    lembrado. Fora a locução final (“Usar camisinha é tão importante quanto respeitar as

    diferenças”) o filme é muito mais eficaz se for pensado como uma campanha contra o

    preconceito sexual- e por isso causou tanta polêmica.

    7-  Possíveis implicações da decisão (Conclusão)

    A sustação do comercial gerou um fato sui generis  do ponto de vista do direito: A

    decisão do CONAR, com a posterior não manifestação do Ministério da Saúde e da agência

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    encarregada, fizeram com que uma organização sem lastro democrático exercesse coação

    ao Estado nacional, em um assunto de extrema importância como a saúde pública (em 2002

    foram registrado mais de 37 mil casos de AIDS no Brasil, um aumento de mais de 20% se

    comparado a 2001).

    Por mais equivocado que fosse o comercial, no cálculo de utilidade feito pelo CONAR se

    preferiu não incomodar uma parcela da população, em vez de permitir que a polêmica da

    peça gerasse um efeito multiplicador da mensagem (existem inúmeros cases  recentes de

    publicidade que adotaram essa estratégia). O caráter do Conselho, no sentido de não causar

    distúrbios que incomodem o mercado publicitário, parece impedi-lo de enxergar a

    capacidade ativa da publicidade como formadora de opinião pública e responsável pela

    promoção dos direitos humanos (tendo incluído nesse aspecto a proteção às minorias, no

    caso os homossexuais).

    Em linhas gerais, o viés econômico conservador do CONAR fez com que a decisão do

    conselho optasse por acolher duas reclamações claramente preconceituosas (está no

    Congresso brasileiro um projeto de Lei que criminaliza o preconceito por orientação sexual)

    em vez de aproveitar o desconforto causado em alguns para discutir com a sociedade civil

    valores importantes das repúblicas democráticas, como a tolerância, a diversidade e a

    liberdade individual. A decisão do Conselho parece abrir precedente para que outros

    comerciais sejam sustados a partir da iniciativa de indivíduos intolerantes e incomodados.

    8.  BIBLIOGRAFIA

     

    Site do CONAR- http://www.conar.org.br/ 

      Estatística sobre AIDS no Brasil- http://www.aidshiv.com.br/estatisticas/ 

    http://www.conar.org.br/http://www.conar.org.br/http://www.conar.org.br/http://www.aidshiv.com.br/estatisticas/http://www.aidshiv.com.br/estatisticas/http://www.aidshiv.com.br/estatisticas/http://www.aidshiv.com.br/estatisticas/http://www.conar.org.br/