Torrão Romano e Islâmico

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TORRÃO DO ALENTEJO Elementos sobre História e Arqueologia Colecção - Elementos para a História do Município de Alcácer, nº 2 (I Parte) http://www.cm- alcacerdosal.pt/PT/Actualidade/Publicacoes/Paginas/EstudosdoGabinetedeArqueologia.aspx 1

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Análise histórica da vila do Torrão, desde o periodo Romano até ao Muçulmano

Transcript of Torrão Romano e Islâmico

  • TORRO DO ALENTEJO

    Elementos sobre Histria e Arqueologia

    Coleco - Elementos para a Histria do Municpio de Alccer, n 2 (I Parte) http://www.cm-

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    Ficha Tcnica

    Tema do Segundo Volume - TORRO DO ALENTEJO: Elementos sobre Histria e Arqueologia.

    Coleco Digital Elementos para a Histria do Municpio de Alccer do Sal, n 2 (I Parte)

    (Para facilitar a consulta em PDF, o livro foi dividido em 3 Partes, seguindo de perto a estrutura inicial)

    Coordenao Vereao do Pelouro da Cultura

    Concepo: Gabinete de Arqueologia para apoio da Feira Anual do Torro.

    Capa, Grafismo e Desenhos Dos autores

    Cartografia elaborada pelos autores sobre bases digitais do Google Earth 2008 e do Earth Explorer

    5.0, da Motherplanet.com

    Fotografias Antnio Rafael Carvalho e Mrio Perna

    Edio on-line Municpio de Alccer do Sal, com colaborao da Junta de Freguesia do Torro

    Freguesia do Torro; Municpio de Alccer do Sal, Agosto de 2008

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    ndice

    Isabel Cristina Soares Vicente (Vereadora do Pelouro da Cultura)

    Apresentao do Volume n 2 Dedicado Vila e Regio do Torro. 4

    Dcio Rodrigues Fava (Presidente da Junta de Freguesia do Torro)

    A Freguesia do Torro: Histria, Arqueologia e Patrimnio, uma aposta com futuro. 5

    Os Autores

    Prembulo 6

    I Parte Historiografia 7

    Antnio Rafael Carvalho

    Torro do Alentejo: Breve Resenha Histrica sobre Romanizao e Islamizao 8

    1. Introduo 9

    2. O Torro em Contexto Pr-Romano: Nota Prvia 9

    3. Perodo Romano 12

    3.1. Algumas Questes em Aberto 12

    3.2. A Ocupao do Espao em Contexto Romano 14

    3.3. O Papel da Via Romana no Torro 16

    3.4. O Torro/Turres, na Antiguidade Tardia 20

    4. Perodo Islmico e a conquista do Territrio pelo Reino de Portugal 25

    4.1. A Primeira Fase 25

    4.2. O Torro nos Sculos XII-XIII 27

    4.2.1. A Anlise do Documento de 1186, a favor da Ordem de Santiago 29

    Comentrio 30

    4.2.2 A Insero Definitiva do Torro no Reino de Portugal 35

    Bibliografia 37

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    Apresentao do Volume n 2 Dedicado Vila e Regio do Torro.

    Todos ns sabemos que o Torro uma vila que tem Histria Local por direito prprio, que

    remonta a vrios sculos atrs.

    Por l passaram e viveram pessoas no II Milnio a. C. Os romanos construram casas, estradas e

    equipamentos pblicos.

    Em S. Joo dos Azinhais, foi erguida uma igreja para o culto de dois mrtires hispnicos, Justo e

    Pastor, mostrando uma vitalidade insuspeita num perodo ainda obscuro da nossa histria.

    Os muulmanos chegaram e durante sculos por aqui ficaram, cultivando a terra, alimentando o

    comrcio.

    Nos sculos XII e XIII foi territrio de fronteira e de apelo guerra Santa e ao martrio,

    oscilando vrias vezes entre o Reino de Portugal, os Emiratos locais e o Califado Almada, entre

    cumplicidades que desafiam as crnicas escritas que chegaram at hoje.

    Desde meados do sculo XIII e durante sculos, foi sede de municpio autnomo.

    Por vicissitudes histricas de meados do sculo XIX e decadncia econmica como foi

    justificado poca, o seu territrio foi anexado pelos concelhos vizinhos, saltitando entre eles at chegar

    situao actual. Grande parte do seu territrio foi inserida no actual municpio de Alccer. O restante foi

    includo no concelho de Ferreira do Alentejo.

    Sabemos que a Histria do Torro ainda no foi escrita e no pensem que este volume

    monogrfico vai colmatar essa lacuna!

    A investigao Histrica tem o seu ritmo, os estudos so escassos e a documentao parece um

    osis no meio de muitas interrogaes, por isso impossvel pedir mais.

    Por sugesto dos seus autores, decidimos dar a este volume, que inaugura o Segundo desta

    Coleco o Titulo de, Torro do Alentejo: Elementos sobre Histria e Arqueologia.

    Chega s vossas mos um trabalho, que o resultado visvel de um esforo colectivo, que

    acarinhado por este executivo.

    Outros volumes sairo, mas entretanto saboreiem a leitura deste, onde quer que estejam, porque

    vale sempre a pena saber mais sobre o nosso municpio.

    Vereadora do Pelouro da Cultura e Desporto.

    Isabel Cristina Soares Vicente

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    A Freguesia do Torro:

    Histria, Arqueologia e Patrimnio, uma aposta com futuro.

    A Feira anual do Torro, uma festa de grande projeco cultural e de dinamizao econmica

    que leva muita gente de fora a descobrir o que h de bom nas gentes genunas desta freguesia.

    Ser Torranense no um carimbo ou nome de origem de cada um de ns, que somos obrigados a

    pr num bilhete de identidade para efeitos de cidadania portuguesa.

    Ser Torranense mais que isso:

    - um saber alimentado desde sculos neste territrio de montado e olivais.

    - viver um quotidiano, que se desenvolve num territrio cortado por ribeiras, drenado pelo

    Xarrama e o Sado, onde abunda uma caa, povoada de lebres, veados, javalis, onde actualmente pastam

    manadas de gado bovino, na companhia de garas, cegonhas e outras aves.

    - pertencer a um territrio no seu estado puro, prenhe de Histria, Patrimnio e de Gente Boa

    que sabe receber e que espera por si.

    Basta relembrar o sucesso e enorme adeso voluntria das nossas gentes na recriao Histrica

    sobre o Renascimento, que imprimiu uma marca de sucesso e visibilidade do Torro, que extravasou as

    suas fronteiras fsicas e perpetuado em formato digital na Internet para quem quiser ver, em qualquer

    parte do mundo.

    Somos assim, gente simples, que gosta da vida e que tem orgulho das suas origens.

    O livro vossa disposio, como referem os seus autores, uma introduo ao passado

    riqussimo desta terra que urge conhecer e divulgar.

    Esperemos que gostem da descoberta de uma terra aqui to prxima, sua espera.

    Para ns vai ser um marco que fortalece o gosto de sermos como somos.

    Presidente da Junta de Freguesia do Torro

    Dcio Rodrigues Fava

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    Prembulo

    No fcil investigar a Histria do Torro, acrescido do facto de no existir uma tradio de

    investigao histrica, como podemos verificar para a vizinha Alccer.1

    Podero pensar que por falta de documentao de natureza arqueolgica e histrica.

    Essa condicionante sempre um apangio que acompanha todo o trabalho de investigao,

    contudo neste caso especfico, sobressaem outras condicionantes que achamos oportuno realar:

    - As de ordem cronolgica, porque o povoamento humano na Freguesia do Torro, segundo os

    dados disponveis, remontam ao Perodo Mesoltico, o que perfaz um universo de anlise que decorre ao

    longo de mais de 6 milnios.

    - As condicionantes de ordem documental, sejam elas de natureza arqueolgica ou histrica.

    - Na realidade, estamos perante um territrio que vasto, salpicado de montado, cortado por

    riachos e vrzeas onde vulgar existirem pequenos pntanos de guas paradas.

    - As reas potencialmente mais ricas em documentao arqueolgica, junto s margens

    encontram-se muito alteradas por aco humana desde meados do sculo XIX.

    - E por fim, um silncio documental que no esclarece o que efectivamente aconteceu neste

    espao ao longo dos sculos.

    Poderamos pensar que esse silncio devido falta de presena humana na regio do Torro,

    contudo o problema de outra natureza:

    - Significa em muitos casos, que a regio do Torro viveu longos sculos margem dos conflitos

    de interesses polticos e administrativos que regularmente assolaram esta parcela do territrio nacional.

    Se analisarmos as crnicas medievais, os relatos neles exposto espelham guerras e conflitos entre as

    elites da altura. Territrios autnomos ou pacificados, tornam-se invisveis em termos documentais.

    esse o papel reservado ao Torro e que dificulta em muito recuperar a sua Histria local.

    Este o primeiro trabalho monogrfico sobre Histria e Arqueologia de uma Freguesia do nosso

    Municpio. Outras seguiro, mas estamos refns da documentao disponvel.

    A escrita da Histria um longo caminho, que deve ser feito, caminhando em conjunto,

    procurando todos os dias definir o percurso a tomar e assumir mudanas de trajecto, consoante os dados

    descobertos e descodificados.

    Os Autores, Agosto de 2008

    1 Para Alccer, existe uma tradio de investigao histrica que remonta a finais do sculo XIX. Apesar de se corresponderem a trabalhos pouco aprofundados, incompletos, apresentam um volume de dados interessantes, que nos fornecem uma base preciosa para avanar. Mesmo nos dias de hoje, notamos um crescente interesse por investigar a Histria e o Patrimnio de Alccer, facto que no verificamos em relao ao Torro, o que permite acentuar mais o atraso que existe na Historiografia do Torro em relao a Alccer. Procuramos neste trabalho alimentar a curiosidade, a necessidade e o muito que h por fazer em termos de investigao, como forma de recuperar o passado desta importante vila do Litoral Alentejano, que tambm necessita de Escrever a sua Histria.

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    I Parte

    Historiografia

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    Torro do Alentejo: Breve Resenha Histrica sobre Romanizao e

    Islamizao

    1. Introduo

    At 2004, a mais antiga referncia documental escrita directamente relacionada com a actual vila

    do Torro, remontava a 1249.2

    Em 2005, no decurso da investigao das fontes islmicas relativas ao Baixo Sado, identificamos

    uma referncia a um Hisn Turrus, localizado algures, entre Santarm e Sevilha.

    Estudos por ns efectuados e entretanto publicados3, permitiram provar que o enigmtico Hisn

    Turrus, corresponderia ao actual Torro.

    A fonte islmica encontra-se na obra al-bayan al-Mugrib Fi Ijtisar Ajbar Muluk al-Andalus Wa

    al-Magrib, que relata o desastre almada ocorrido em 1184 frente a Santarm.

    Segundo essa fonte, o emir al-Umminim ferido gravemente pelos portugueses. Na retirada

    apressada e catica das tropas muulmanas em direco a Sevilha, todo o territrio do Reino de Portugal

    entregue pilhagem. Essa prtica cessa quando chegam ao castelo do Torro ento na posse portuguesa,

    procedendo sua conquista.

    Depois de terem instalado uma guarnio almada no castelo, as restantes tropas seguem em

    direco a Sevilha, contudo, poucos quilmetros a sul do Torro, ter morrido o emir almada, sendo esse

    facto mantido em segredo, para evitar uma provvel guerra civil dentro do campo islmico, entre os

    pretendentes que se achassem com legitimidade para assumir o Califado.

    Assume o poder o seu filho, Yaqub al-Mansur que anos mais tarde ir conquistar Alccer do Sal

    em 1191.

    provvel que em memria do martrio do seu pai, tenha sido construdo em sua memria

    uma musalla no Torro.

    O monumento, o maior do gnero identificado em Portugal, sobreviveu milagrosamente ao longo

    dos sculos, estando actualmente integrado na Cerca do Convento das Clarissas.

    O muro da qiblah e a torre do mihrab, reconstrudos ao longo dos sculos, tero mantido a

    memria de espao sagrado at ao sculo XIX, conforme a planta da Vila do Torro efectuada em

    18174.

    2 Foi dada a conhecer por Ruy de Azevedo (1937 Histria da Expanso Portuguesa no Mundo, Tomo I, p. 61. 3 Antnio Rafael Carvalho, (2006) O Papel do Hisn Turrus/Castelo do Torro, no sistema defensivo Alcacerense. Blog Arqueo-Alcacer. http://arqueoalcacer.blogspot.com (consultado em 1/7/08) 4 Antnio Rafael Carvalho, (2006) A Identificao de um Ribat/Musala na Vila do Torro/Alccer do Sal (I e II Parte). Blog Arqueo-Alcacer. http://arqueoalcacer.blogspot.com (consultado em 1/7/08)

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    Esta questo ilustra bem como pode ser surpreendente e estimulante a escrita da Histria do

    Torro e o longo caminho que ainda necessrio percorrer.

    2. O Torro em contexto Pr-Romano:

    Nota Prvia.

    Apesar do ttulo do nosso estudo, corresponder a uma pequena resenha histrica, iremos

    analisar com algum detalhe a evoluo deste territrio, desde o Perodo Romano at criao do

    Concelho Medieval do Torro, apesar de estarmos na presena de uma ocupao humana muito antiga,

    que remonta a alguns milnios antes de Cristo.

    Torro emerge da neblina da Histria de uma forma inesperada em contexto Mesoltico. Depois

    mergulha num silncio de sculos, emergindo novamente em meados do II milnio antes de Cristo.

    Fazer um levantamento destas presenas e ausncias, com expresses em milnios e sculos,

    fogem dos objectivos propostos desta obra 5, por isso, decidimos dedicar mais ateno, a partir da

    Romanizao.

    E porque razo, decidimos uma abordagem nestes moldes?

    1. Mais uma vez, condicionados pela especificidade dos temas relacionados com o Perodo

    Mesoltico, Neoltico, Calcoltico e Campaniforme.

    2. Por outro lado6, sempre bom repetir que ser a partir da conquista romana deste

    territrio, que ter incio uma explorao densa do espao rural envolvente, que ter reflexos na

    ocupao rural do espao geogrfico envolvente.

    3. - Por outro lado, importa realar um ponto em relao actual vila do Torro. Apesar da

    existncia de uma presena humana na actual rea urbana, desde meados do 3 Milnio a. C., s a

    partir da Fase Romana, que se assiste a uma sucesso de continuidade at aos nossos dias, que

    aparentemente no ter tido interrupo7.

    A magia do Torro, desenha-se na paisagem que chegou at aos nossos dias, seja ela de matriz

    natural 8 ou moldada pelo homem.

    Trata-se de um territrio sedutor, salpicado de colinas, que mudam de cor ao longo das estaes

    do ano.

    5 Mais uma vez frisamos que estamos perante uma primeira abordagem Histria e Arqueologia do Torro e no perante uma Monografia final sobre este tema. 6 Segundo os dados disponveis. 7 Reconhecemos que a base para esta leitura frgil, porque assenta essencialmente no topnimo latino turres, mantido em contexto islmico como turrus e que chegou aos nossos dias como Torro. 8 Mesmo esta o resultado da aco do homem e das mudanas climticas prevalentes ao longo dos sculos.

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    A faina humana ligada agricultura, seguindo os ciclos da natureza, tenta-se impor e tem

    moldado a paisagem e coberto vegetal desde milnios, contudo, continuam a predominar os riachos e as

    florestas de montado, por onde pastam manadas de gado, veados e javalis.

    Cortado pelo profundo vale do Xarrama, que vai desaguar no rio Sado, o Torro um espao

    cheio de contrastes, que convidam descoberta dos seus mais ntimos segredos.

    Os terrenos de aluvio mais frteis, predominam nas lezrias do Sado e Xarrama.

    Imediatamente para interior das margens, os terrenos tornam-se mais agrestes, arenosos e

    xistosos.

    Na rea envolvente da vila do Torro, predominam alguns terrenos com boas aptides agrcolas,

    onde os olivais e alguns montados se perdem de vista.

    A versatilidade do territrio, assente sobre um substrato geolgico diferenciado, com rochas

    formadas desde o Paleozico at ao Cenozico, criaram ciclos diferenciados de eroso e deposies

    sedimentares especficas, que ao fim de milhes de anos, espelham paisagens de coberto vegetal

    diferenciadas

    Estas, sempre foram lidas de forma clara pelas comunidades humanas instaladas neste espao,

    tendo em vista a optimizao e a potencialidade dos recursos disponveis.

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    Este facto ter motivado a ecloso de diferentes dinmicas na apropriao dos seus recursos ao

    longo dos sculos e a sua defesa.

    A Histria desta freguesia, pois o legado de geraes annimas de Torresenses que desde o

    Mesoltico, h mais de 6 000 anos e at aos nossos dias, escolherem e chamaram terra me a este

    territrio.

    No Perodo Mesoltico, com incio por volta dos 10 000 anos a.C, em virtude das alteraes

    climticas, que traduziram mudanas nos ecossistemas, as populaes eram nmadas, explorando um

    territrio de cada vez, alternando ao longo do ano.

    Desconheciam a cermica e a agricultura. Habitavam em aldeias de cabanas rudimentares. A

    caa era um complemento e a base da sua dieta alimentar insidia nos recursos do Paleo-esturio do Sado

    que nesta fase chegava at ao Xarrama.

    Alguns concheiros do Sado foram abandonados em contexto Neoltico, facto que testemunhado

    pela presena de cermica manual.

    Ao longo dos milnios seguintes, um longo silncio abate-se sobre este territrio.

    Contudo, o espao tenha continuado a ser frequentado por populaes humanas. Nessa fase

    construda a anta de S. Fausto, junto ao Torro e o povoado do neoltico do Serro da Mina.

    No Perodo Calcoltico (incio da metalurgia do Cobre), dois locais vo ser ocupados:

    - Os Castelos/Vila do Torro e o Monte da Tumba. Pela primeira vez so construdas estruturas

    defensivas, o que demonstra o grau de complexidade da sociedade e o incio da recolha e guarda de

    excedentes. Este dado implica a existncia de insegurana nos espaos envolventes, talvez ligados a

    fenmenos de banditismo e luta por recursos.

    provvel que se inicie nesta fase partilha do territrio entre Cls, coerente com a fixao de

    populaes no espao envolvente.

    A agricultura incrementada e as rotas comerciais comeam timidamente a terem lugar.

    A rea dos Castelos, onde actualmente se localiza a Igreja matriz do Torro e o Deposito de

    gua, corresponde ao espao onde esteve localizado o castelo do Torro.

    Achados de superfcie permitem documentar a presena humana neste local, desde meados do

    Segundo Milnio a. C, contemporneo da ocupao Calcoltica do Monte da Tumba9.

    Na Fase seguinte, correspondente ao Horizonte Campaniforme, o local mantm-se ocupado,

    enquanto se assiste ao abandono do Monte da Tumba. Aparentemente o arqueosstio ter sido abandonado

    j em plena Idade do Bronze.10

    Por falta de dados arqueolgicos, quase nada sabemos do que ter acontecido nesta regio desde

    o final do 2 Milnio a. C at conquista romana em meados do sculo I a. C.

    Contudo aceitamos uma permanncia humana neste vasto territrio, porque no tem sentido a

    seu abandono, tendo em conta os vastos recursos que podia oferecer s populaes e passveis de serem

    explorados, tendo em conta os rudimentos tcnicos disponveis na altura.

    9 Silva, C. Tavares da e Soares, Joaquina, 1986, Interveno Arqueolgica na vila do Torro: Ocupao Calcolitica. Actas I Encontro Nacional de Arqueologia Urbana (Setbal 1985), p. 103-114. 10 Obra Citada, p. 106.

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    Durante o I Milnio o silncio total e s aps a conquista romana que se assiste novamente

    presena humana na actual rea urbana do Torro, em moldes ainda pouco claros:

    - Vicus, villae? Na realidade no sabemos qual ter sido o papel do Torro nesta fase.

    Com base nos elementos soltos disponveis, aceitamos que ter sido um mansio/pousada para

    apoio da estrada romana que estrategicamente utiliza esta passagem do rio Xarrama, para se

    direccionar para Salacia e vora.

    Em sntese, o padro que podemos observar ao longo destes milnios sem fim, de um tempo

    que custa a passar, onde se insere o Longo Perodo Pr-Histrico do Torro, a permanncia de

    largos milhares de anos vazios de documentao arqueolgica, que nos impedem de avanar mais!

    A documentao de que temos conhecimento, seja ela de cronologia Mesoltica, Calcoltica ou

    outra, resumem-se a osis cronolgicos, que nos ancoram em determinadas pocas.

    3. Perodo Romano

    3.1. Algumas Questes em Aberto

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    Parece-nos claro que ser no decurso do Perodo Romano que se assiste ao incremento

    populacional em espao rural, na Freguesia do Torro, de que so testemunhos os vrios achados, dados a

    conhecer por Joo Carlos Faria e Marisol Aires Ferreira, desde a dcada de 80 do sculo passado.

    Como j foi referido no ponto anterior, um dado que nos salta vista a ausncia de

    documentao arqueolgica nesta regio, desde o I Milnio a. C, at conquista romana.

    Ser que estamos perante uma estratgia de povoamento, que privilegia o povoamento

    concentrado nos principais centros urbanos e descura a ocupao do espao rural?

    E que motivos tero condicionado essa estratgia:

    - Insegurana, falta de escoamento de excedentes, dfice populacional, conflitos sociais,

    compartimentao do territrio entre bandos rivais?

    De facto, as leituras podem ser mltiplas, contudo, se utilizarmos como base de referncia os

    elementos actualmente disponveis, ficamos reduzidos a dois povoados na actual rea do Municpio

    Alcacerense:

    - A cidade de Bevipo/Alccer do Sal e o povoado dos Castelejos, junto a Santa Susana.

    Se estes elementos traduzirem a realidade ocupacional do espao nestes sculos, chegamos

    concluso que a ocupao sistemtica do espao rural no Mdio Sado, entre Alccer e Torro, s ter tido

    incio aps a conquista romana.

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    Esta ser uma das questes que ficaro em aberto.

    Para finalizar este ponto, importa notar que mesmo a existncia de dois importantes povoados,

    Bevipo/Alccer e Castelejos, implicam desde logo a gesto e explorao do espao rural envolvente.

    3.2. A Ocupao do Espao em Contexto Romano.

    Graas aos trabalhos de Joo Carlos Faria, temos actualmente uma boa perspectiva da estrutura

    de povoamento da regio do Torro.

    Desde logo, salta vista e existncia de dois eixos de povoamento:

    - Um ao longo das margens do rio Sado e principais afluentes, que ter utilizado a via fluvial

    para escoamento de produtos agrcolas e gesto de matrias-primas. As margens so quase sempre

    arenosas, mas as vrzeas so frteis.

    - O outro eixo de povoamento, de natureza interior, desenvolve-se da actual vila do Torro para

    sul e parece acompanhar o eixo virio da estrada Salacia-Pax Iulia. As ocupaes humanas

    implantaram-se em terrenos agrcolas, de natureza argilosa, relativamente frteis, afastando-se das

    plancies arenosas que se desenvolvem mais para o interior, em direco s colinas que marcam

    actualmente a diviso entre a Freguesia e o Concelho do Alvito.

    Este modelo de ocupao de espao rural, parece sugerir uma explorao do espao em moldes

    intensivos, com vista exportao de excedentes para mercados consumidores de mbito local da civitas

    ou mesmo regional, utilizando para esse efeito a bacia fluvial do rio Sado e a estradas romanas utilizadas

    na altura.

    A ausncia de mais trabalhos arqueolgicos impedem-nos de traar com rigor a evoluo do

    espao durante a romanizao e definir os ciclos demogrficos, econmicos ou traar as rotas de

    comrcio, contudo possvel propor a seguinte leitura:

    - Em contexto Alto Imperial, ter tido incio a ocupao do espao rural, em moldes mais

    intensivos.

    O que novo neste novo contexto civilizacional, ter sido a valorizao da urbe, sede de civitas e

    a necessidade de esta ser alimentada pelo agri envolvente.

    A regio do Torro insere-se no territrio da Civitas de Salacia, localizando-se estrategicamente

    entre Salacia, Pax iulia e Ebora.11

    A bacia hidrogrfica do rio Sado permite escoar com facilidade os excedentes. A estrada romana

    e a provvel existncia de uma ponte, ter incentivado o desenvolvimento do Torro.

    11 Trs cidades, sedes de civitas, centros consumidores por excelncia. Beja era igualmente sede administrativa de Conventus.

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    15

    Por outro lado, o Torro marca um limite que no podemos escamotear:

    - A vila localiza-se estrategicamente num limite geolgico, que coincide com o limite navegvel

    do rio Xarrama, em contexto Romano e Medieval. Para montante, o vale apresenta-se cavado e

    pedregoso, at ao limite com os concelhos de Viana e Alvito, sendo quase impossvel prosseguir a p,

    junto s margens, porque o caminho sinuoso, escorregadio e perigoso.

    Neste modelo de relevo em 3 D, perceptvel a localizao estratgica do Torro, numa clara rea de fronteira de natureza

    geolgica e orogrfica.

    Em contexto romano ou medieval, seria propcio a emboscadas.

    Mesmo neste incio de sculo XXI, as encostas, continuam agrestes, secas e pedregosas.

    Em contexto romano, tendo em conta a baixssima densidade populacional proposta para a

    altura, poderamos imaginar que estamos perante uma garganta apertada de um rio, que tenta galgar

    ingloriamente penhascos, onde impera o silncio, a floresta e a vida selvagem.12

    Para Jusante, o vale abre-se e predominam os terrenos xistosos e arenosos. As colinas

    predominam e algumas searas e os montados, desenvolvem-se at linha do horizonte.

    Aqui e ali, pastam manadas de gado.

    12 Nessa altura, para alm do veado, teramos que contar com outros animais, nomeadamente, ursos e linces. O territrio no convidava a longas viagens.

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    16

    O espao rural, grande parte dele, propriedade do Estado Romano, por direito de conquista ou

    pacto, ter sido objecto de partilha, para autctones e colonos romanizados.

    3.3. O papel da Via Romana, no Torro

    A existncia de uma via e de uma ponte de provvel origem romana 13, o resultado da

    necessidade da aco humana de caminhar.

    A prtica continuada ao longo dos sculos, permitir a fossilizao na paisagem de caminhos e o

    seu registo na toponmia, criando hbitos de circulao que contribuem para moldar a paisagem

    envolvente.

    Se por um lado, aceite a existncia de um caminho romano que passava pelo Torro, cuja

    existncia testemunhada por um troo de calada, denominada caladinha, mais complexo tentar

    definir o seu percurso, neste territrio, tendo em conta a sua geografia especfica.

    13 Trata-se de uma hiptese de trabalho, que neste momento no podemos comprovar, por falta de elementos seguros.

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    17

    Nesta regio para jusante do Torro, predominam os terrenos arenosos e argilosos, onde os

    afloramentos rochosos emergem com dificuldade.

    Contudo, na rea envolvente do Torro e para montante do rio Xarrama, que predominam

    alguns afloramentos rochosos.

    Face aos recursos disponveis, estamos a crer que grande parte da Estrada Romana, ter sido

    construda e defendia em leito de terra batida e areia.

    A grande concorrente da via romana, em termos de custos por carga transportada, ter sido

    durante sculos, a navegao fluvial ao longo do Sado e Xarrama, num raio de aco, que ter atingido

    provavelmente a actual vila do Torro.

    A existncia de um marco milirio identificado na villa romana do Porto da Lama14, prximo de

    Alccer claro neste ponto. Na rea envolvente no existe nenhuma calada romana, predominando

    unicamente caminhos de terra batida e areia.

    Este facto no impediu o Municpio de Salacia, provavelmente o Dono da Obra, ter dedicado a

    concluso da mesma, aos imperadores que exerciam o poder poca 15.

    14 Faria, Joo Carlos e Ferreira, Marisol Aires, 1986, Porto da Lama, p. 75. 15 Segundo leitura efectuada por Encarnao, (1984 p. 729-730) e citado no artigo sobre o Porto da Lama (p. 75, nota 2) Trata-se de um milirio, em mrmore, cortado ao meio no sentido vertical, com a superfcie epigrafada muito erodida. Dedicada aos dois imperadores Augustos, Diocleciano e Maximiano, associados a Constncio Cloro e Galrico, Csares a partir de 293d.C. Datvel de 293-305 d. C. Pertencia via Olisipo/Ebora, por Salcia.

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    18

    Jos de Encarnao, sugere que o milirio pertenceria via Salacia Ebora. No pondo de parte

    esta hiptese, estamos contudo convictos que este milirio faria parte da via Salacia ad Pax Iulia, via

    Torro.

    No nosso objectivo analisar os dois mapas anteriores16.

    Queremos unicamente chamar a ateno para um dado que teremos que valorizar a partir desde

    este momento e que tem passado despercebido:

    -Apesar dos autores no referirem explicitamente a vila do Torro, a anlise cartogrfica das

    duas propostas indica claramente a existncia/ou necessidade de um n de comunicao entre as

    principais vias romanas, que em termos cartogrficos, apontam claramente para a rea do Torro.

    O conhecimento que temos deste territrio da Bacia do Sado, permite-nos propor uma outra

    leitura, em relao a este sistema virio.

    Antes de apresentar a nova proposta, que no se afasta muito das duas anteriores, convm termos

    presente a seguinte questo:

    16 Sai dos objectivos deste trabalho

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    19

    - Para que serviria a via Olisipo-Pax Iulia e Olisipo-Evora, via Salacia, tendo em conta a

    ptima rede fluvial existente no Mdio e Baixo Sado, mais atractiva para escoamento de excedentes e

    importao de bens!

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    20

    Podemos responder esta questo de um modo simples:

    - No deixar morrer a prtica de caminhar pelo espao rural, atravessando florestas e

    charnecas, mantendo operacional uma rede de caminhos que permitam o acesso a espaos interessantes

    do ponto de vista econmico e melhorar o acesso ao interior do Alentejo.

    Neste sentido, parece-nos coerente, propomos que a Via Romana entre Salacia e o Torro, se

    tenha desenvolvido num itinerrio mais para o interior, no troo entre Alccer e Odivelas, via Torro,

    permitindo deste modo algumas mais-valias que importa referir:

    - Evitar a concorrncia da rota fluvial, encurtar caminho entre Alccer e o eixo virio do

    Torro. Reabilitar novos espaos de floresta e pastoreio, atenuando a marginalizao de populaes.

    Para o reforo desta nova proposta de itinerrio da via romana, chamamos a ateno para os

    seguintes elementos:

    1. Identificao de 1 Marco Milirio no Porto da Lama, de finais do sculo III d. C.

    2. A manuteno do Porto da Lama como local de passagem para sul, representado na

    cartografia Portuguesa, desde os sculos XVII/XVIII

    3. A existncia de uma Torre Tardo Islmica (Herdade da Torre)17 entre duas villae romanas

    (Porto da Lama e Santa Catarina de Stimos) e localizada aparentemente no local de confluncia da Via

    Romana.

    4. Segundo as crnicas portuguesas, o exrcito muulmano de socorro a Alccer em 1217, veio

    por via terrestre at actual aldeia de Santa Catarina de Stimos. Com base nos dados atrs expostos,

    estamos a crer que o itinerrio seguido, ter coincidido com a via romana, via Torro.

    5. Por fim e em jeito de concluso, a anlise de fotografia por satlite, permitiu identificar

    troos importantes de uma via, que se desenvolve entre o Torro e Alccer, de cronologia ainda

    indeterminada. Como hiptese de trabalho, presumimos que seja de origem romana e gradualmente

    mantida at aos dias de hoje.

    3.4. O Torro/Turres, na Antiguidade Tardia.

    A Antiguidade Tardia nesta regio, persiste em continuar a ser uma das Fases Obscuras da

    nossa Histria Local.

    Apesar de alguns autores aceitarem um abandono de Salacia nesta Fase, especialmente em

    contexto Visigtico, os dados mais recentes e outros j ulteriormente conhecidos e pouco valorizados,

    17 Consultar o nosso estudo sobre a Torre de Santa Catarina de Stimos. Adenda on-Line da revista Almadan, de 2007.

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    21

    apontam para uma permanncia de presena humana em Alccer, que ser de vital importncia para

    compreendermos a manuteno do Torro como ponto habitado.

    Outro elemento que importa realar e que temos vindo a repetir, prende-se sem dvida, com a

    construo de uma Igreja em contexto Visigtico, em S. Joo dos Azinhais.

    Este dado de vital importncia e porqu?

    - Porque, numa primeira abordagem questo, este dado indica-nos uma presena humana

    neste espao e o interesse que a Igreja Tardo Romana tem pelo Torro.

    Num mundo sombrio e ftido, os santurios podiam-se transformar-se em fragmentos do

    paraso, onde o sobrenatural podia acontecer, ou mostrar a sua realidade, perante o fiel!

    Segundo a mentalidade da poca, a existncia de relquias, designadas por pignora, segundo

    as palavras de Peter Brown (sic):

    - Eram garantias da proximidade de pessoas afectuosas e eficazes que agora viviam no

    exuberante e aromtico Paraso de Deus. Traziam a este mundo no s o toque de uma mo humana,

    mas o toque de um lugar; era possvel que atravs dos santos, o prprio Paraso flusse para o mundo. A

    prpria Natureza era redimida.18

    18 Peter Brown, 1999, A Ascenso do Cristianismo no Ocidente. Col. Dirigida por Jacques Le Goff., p. 127.

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    22

    a ocorrncia de milagres, ligados a Santos e a necessidade deles em tempos de crise, que

    justificam a existncia destas ermidas, cuja devoo ou memria dela, chegou at ns.

    Na realidade, o culto dos Mrtires e a sua materializao e fixao para memria futura em

    livros litrgicos, comearam a estar sujeitas a regras bem definidas.

    Podemos referir a ttulo de exemplo o que aconteceu no decurso do sculo VII19:

    - Segundo Isabel Velzquez20, foi estabelecida nesta altura uma proibio, de modo a evitar a

    composio de hinos novos e cnticos litrgicos, numa prtica at ento corrente nas igrejas (IV

    Concilio de Toledo, a. 633, Canon 2).

    Esta norma procurava evitar a proliferao de novas verses sobre a vida dos santos, contudo

    uma proposta contrria sugerida por Daz e Daz 21, quando este afirma que esta proibio favoreceu a

    variao de estes ritos com a incluso de novas Paixes, tendentes a substituir as primitivas ou

    acrescentar outras novas.

    Outra questo que nos parece interessante observar, diz respeito necessidade de depositar

    relquias, como condio mnima para a consagrao de novas igrejas.22.

    Continuamos a no ter dados claros sobre a evoluo da ocupao romana existente em S. Joo

    dos Azinhais, desde o Alto Imprio at Antiguidade Tardia e o porqu da sagrao de uma igreja a dois

    mrtires hispnicos.

    A sagrao de uma igreja neste local s tem sentido se aceitarmos partida, duas condies:

    1 - A continuao do Torro em contexto Tardo Romano, como n virio e de apoio via

    romana.

    2 - A existncia de relquias, cuja natureza desconhecemos, mas que foram fundamentais para

    justificar a existncia de uma igreja.

    Dado que era usual nesta fase, os mrtires assumem-se como patronos e protectores das cidades,

    somos obrigados a colocar uma outra questo:

    - O que seria o Torro nesta poca? Villa, Vicus, mansio, turres ou castellum?

    A necessidade ou urgncia de ser criado junto ao Torro um espao religioso de devoo, que se

    poderia tornar num plo de peregrinao em termos regionais, permite aceitar a hiptese de que o Torro

    seria importante nessa fase e que era urgente a sua manuteno, como eixo de ordenao e gesto deste

    territrio.

    19 De referir que a devoo aos mrtires Justo e Pastor em S. Joo dos Azinhais, do sculo seguinte. 20 Isabel Velzquez, 2005, Hagiografia y Culto a los Santos en La Hispnia Visigoda: Aproximacin a sus Manifestaciones Literrias, p. 146. 21 Ob cit de Isabel Velzquez, 2005, p. 146. 22 Obra citada, Isabel Velquez, 2005, p. 146.

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    23

    Desde modo, a criao de uma geografia sagrada neste local, que algo que parece ser nico

    nesta regio, excluindo a urbe de Alccer, e ter obedecido a estmulos que neste momento

    desconhecemos!

    Esta visibilidade ter o seu preo e quando se d a conquista muulmana, provvel que a

    espiritualidade de Igrejas como S. Joo dos Azinhais, contribuam de certa medida para evitar o

    despovoamento do Torro aps o sculo VIII, como parece ter acontecido noutros locais.

    Aceitamos a hiptese de o culto cristo ter sobrevivido at uma fase mais adiantada da presena

    islmica.

    Provavelmente o ponto de ruptura ter ocorrido por volta dos sculos X-XI, contudo uma

    memria do espao sagrado ter sido mantida, porque s assim possvel justificar a sobrevivncia de

    S. Joo dos Azinhais como espao sagrado, ao longo dos sculos e o papel que ainda tem nas Lendas e

    Tradies do Torro actual.

    Aceitamos a provvel anexao deste espao para o islo e a sua transformao em ribat,

    tendo em conta alguns elementos que importa reflectir:

    1 Foi prtica comum durante o perodo islmico, a transformao de espaos cristos ou

    santurios em locais de culto islmico, dado que partida estavam abenoados, ou seja, possuam

    baraka.

    2 A localizao estratgica do local em relao ao Torro, dominando o curso navegvel

    do rio Xarrama, numa alternativa via romana, que se desenvolvia num itinerrio mais interior.

    3 A existncia de um compartimento em forma de torre na zona do altar, que se encontra

    orientado de forma cannica segundos os requisitos islmicos e cujo aproveitamento condicionou a

    actual orientao do corpo da ermida. De notar que este corpo da ermida, localiza-se no ponto mais

    elevado da colina, sobre o curso do Xarrama e faz lembrar a orientao da torre tardo islmica

    identificada em Santa Catarina de Stimos.

    4 A tradio muito enraizada no Torro de que as tropas de D. Afonso Henriques antes de

    atacarem Beja, estiveram aqui acampadas, rezando pela vitria.

    Em relao ao ponto 4, trata-se claramente de uma lenda, sem fundo de verdade histrica,

    fixada em data desconhecida, contudo no podemos p-la totalmente de parte, tendo em conta os

    seguintes elementos:

    - A valorizao do local da ermida como espao sagrado, ligado ao primeiro rei de Portugal

    (reconquista do espao no sculo XII/XIII), da prtica militar e de vigilncia, provavelmente de uma via

    militar! Estes elementos so compatveis com a existncia de um ribat.

    - Curiosamente ou no, o corpo da ermida de S. Joo, encontra-se alinhado numa linha

    imaginria que indica a localizao de Odivelas e Beja para sul e a serra da Arrbida para Norte.

    - Para NE, indica a localizao da ermida de S. Fausto, localizada junto ao Torro.

    Como poderemos verificar, estamos perante um modelo que se afasta dos exemplos cristo, mas

    que se aproxima dos modelos islmicos. Coincidncia ou gnese islmica?

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    24

    Por agora prematuro efectuar afirmaes, mas estamos inclinados a ver neste espao a

    existncia de uma torre/ribat.

    Os eixos de orientao da Torre de Stimos, provvel ribat, ligado ao sistema defensivo Tardo Islmico/Almada de

    Alccer.

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    4. Perodo Islmico e a conquista do Territrio pelo Reino de Portugal.

    4.1. A Primeira Fase.

    O topnimo Turrus, usado em contexto islmico para o actual Torro, corresponde a uma

    adaptao fontica da palavra latina Turres.

    Trata-se de um topnimo bastante comum no al-Andalus e de difcil interpretao, porque est

    sujeita a vrias leituras.

    Pela nossa parte e na sequncia do que temos vindo a expor, defendemos a hiptese de este

    turrus corresponder a uma ocupao tardo romana com funes de mansio/estalagem, de apoio via

    romana que por aqui passava.

    O perodo islmico no Torro, um captulo ainda por escrever.

    Os nicos dados disponveis, permitem uma leitura para a fase final do sculo VII, ainda em

    contexto Visigtico e algumas dcadas antes da invaso. Depois a partir do sculo XII, voltamos a ter

    alguns elementos, coincidindo estes com a afirmao do poder almada neste territrio, em disputa com o

    Reino de Portugal.

    Entre o ano 700 e 1184 o silncio total, ou seja:

    - Com base nos dados disponveis, estamos convictos de que ter existido uma presena humana

    neste espao durante o perodo islmico, em moldes e ritmos de apropriao do territrio que nos

    escapam.

    A sugesto de que o Torro ter sido, desde a Antiguidade Tardia e Islamizao, o centro

    administrativo deste territrio, uma hiptese interessante e vivel que aceitamos, mas que necessita de

    mais elementos de analise.

    S em contexto portugus do sculo XIII, em 1260, que a Vila do Torro emerge como sede de

    municpio, emancipado de Alccer, aps atribuio de uma Carta de Foral que entretanto desapareceu.23.

    Trata-se de uma situao similar com o que se passou com Santiago do Cacem,

    Em ambos os casos, estamos perante um padro que no nos parece ser coincidncia, mas antes,

    ter resultado de uma linha de aco por parte da Ordem de Santiago, que necessita de ser aprofundado.

    At que ponto, a ausncia de documentao j referida, traduz ou no, ausncia de povoamento

    ou vazio administrativo.

    Tomemos como exemplo o caso de Palmela:

    - O castelo s referido nas fontes muulmanas e portuguesas em meados do sculo XII,

    contudo as escavaes arqueolgicas no seu interior, demonstraram a sua existncia, desde o sculo

    VIII. Pensamos que neste quadro que devemos olhar para o Torro.

    23 Segundo a tradio, ter sido atribudo por um Mestre da Ordem de Santiago.

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    26

    Em termos geogrficos, o Torro localiza-se quase a meio caminho entre trs cidades

    importantes do Garb al-Andalus:

    - Al-Qasr/Alccer, vora e Beja.

    O acesso a estas medinas, ou entre elas, s podia ser efectuado por via terrestre.

    Este facto obriga a permanncia de uma presena humana no Torro, para apoio virio e

    servir os interesses polticos das medinas vizinhas.

    O poder instalado nas principais urbes do Garb no olhavam com simpatia os nmadas,

    islamizados ou talvez no, que deambulavam por este territrio.

    Um dos elementos mais interessantes deste relato, reside na opo de Ordonho em atacar vora.

    Porque atacou ele esta cidade e no Alccer ou Badajoz?

    O texto que chegou at ns, permite fornecer parte da resposta:

    - Segundo o cronista, as defesas da cidade estavam num estado lastimoso e o lixo acumulava-se

    junto muralha, mostrando um desleixo que tambm traduz ausncia de conflitos (graves!) no espao

    envolvente.

    Outra questo que nos surpreende o conhecimento que as tropas crists tm do territrio

    islmico e o estado das suas defesas, sugerindo cumplicidades da parte do campo muulmano e redes de

    espionagem, que sabemos terem existido em ambos os lados.

    O que o texto nos transmite que imediatamente aps o saque, as tropas crists rumaram

    directamente para a Galiza, mostrando deste modo preocupao pela tipo de reaco do campo

    muulmano.

    Outro dado interessante que nos parece interessante constatar, o aparente desinteresse dos Banu

    Danis instalados em Alccer, em anexar vora, quando esta ficou despovoada.

    A iniciativa de recuperar vora, coube unicamente ao soberano de Badajoz, que deste modo

    pode instalar um aliado nesta cidade e reforar a aliana que tinham com os alcacerenses.

    Aps uma fase aparentemente estvel durante o Perodo Califal, ao longo do sculo X, nos

    incios do sculo XI, esta regio regressou novamente instabilidade poltica, que ir afectar

    gravementea estrutura econmica e demogrfica de toda esta regio.

    Nesta fase, o Torro localizava-se na linha de fronteira que foi estabelecida entre os dois

    reinos de Taifas mais importantes do Garb; - Sevilha e Badajoz.

    Os vrios autores muulmanos que laconicamente referem esta regio, so unnimes em

    frisarem a enorme insegurana que ento se vivia.

    Segundo Ibn Idari24

    (p. 1667-168) Conflitos de los primeiros aftases: 24 Citado por Prez Alvarez, 1992, Fuentes rabes de Extremadura, p. 166-170. Mantivemos o texto original em espanhol.

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    27

    En el 421/1030 hubo conflictos y guerras entre Ismail bn di-l-Wizaratayn Abi-l-Qasim el qadi

    con Ibn al-Aftas. El sevillano pidi ayuda a Ibn Abd Allah al-Birzali, sahid de Carmona, centro de la

    fitna, y este cerco a Ibn al-Aftas en Baya (Beja), le mato a muchos hombres e hizo prisionero al hijo de

    Ibn al-Aftas y lo encarcel. Lleg esta algaza de Ibn al-Aftas hasta el limite... 25

    (p. 169) Y de las cosas sabidas de memoria est que al-Mutadid continu la guerra con Ibn al-

    Aftas en los meses del ao 442/1050-51 y que conquisto gran nmero de castillos que uni a su amal, los

    fortifico con sus hombres; destruy sus amplas edificaciones, arraso sus cosechas y arrebato su ganado.

    No fue capaz al-Muzaffar de defenderse un solo palmo y se refugio en Badajoz, de donde no sali ni un

    solo caballero. Al quejarse de su situacin a sus aliados no encontro ningn partidrio ni defensor.

    Cuando concluy al-Mutadid el sometimiento de su territrio, decidi volver a Sevilla en sawwal de ese

    ao.26

    provvel que a estabilidade nesta regio s chegue de uma forma clara aps 1094, quando os

    Almorvidas anexam a Taifa Aftssida de Badajoz ao seu imprio.

    Os perodos de paz em termos documentais, coincidem quase sempre com vazios de

    informao, dado que a quase totalidade dos relatos conhecidos s descrevam actos blicos.

    Mais uma vez, a regio do Torro regressa ao seu longo silncio.

    4.2. O Torro nos Sculos XII-XIII.

    Aps 1145, o Emirato Almorvida em crise, entra em colapso e acelera o desvio de tropas para o

    Magreb onde luta pela sua sobrevivncia fase revolta dos Almadas.

    No al-Andalus, perante o vazio da autoridade Almorvida, e o emergir de movimentos de

    natureza sufista, favorece a ecloso de revoltas. Este vazio de valores e de legalidade de natureza

    poltica, cria um grande desconforto no campo islmico, agravado com o avano cristo para sul.

    25 O texto claro em afirmar que a guerra entre as duas taifas ter sido violenta no Baixo Alentejo. Estava em causa a posse da cidade de Beja. A norte estendiam-se os domnios dos Aftssidas de Badajoz e para Sul, em progresso para Norte, expandiam-se os Abdidas de Sevilha. O choque foi inevitvel. No sabemos o que ter acontecido no Torro. Teoricamente e com base no que temos defendido desde algum tempo, o Torro faria parte da Taifa de Alccer. O eclodir da guerra violenta entre esta duas taifas, obrigar os Alcacerenses a optarem por um dos reinos. Tero sido anexados por Sevilha por algum tempo, contudo durante grande parte do sculo XII, faro parte do territrio Taifa de Badajoz. 26 Descontando os naturais exageros das crnicas, o que nos parece interessante valorizar neste texto so os seguintes aspectos: 1 O mbito geogrfico do conflito, que parece coincidir com o Baixo Alentejo entre o Torro e Beja, e o sul da Estremadura espanhola 2 Estamos perante um territrio povoado, semeado de fortalezas, que garante o controle territorial e expresso do poder de cada um dos beligerantes. 3 A base econmica parece concentrar-se na criao de gado e na agricultura. 4 Apesar de existir a figura do soberano, este depende das alianas de senhores locais, instalados em castelos e que atentos s conjunturas polticas, poderiam oscilar as suas lealdades! O Torro poderia ser um desses casos, dada a sua situao de fronteira entre estas duas taifas.

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    28

    O campo muulmano fragmenta-se e as lealdades so estabelecidas com os Senhores da

    Guerra, sejam eles cristos ou muulmanos, dissidentes ou no27.

    nesta fase que em 1158, os alcacerenses liderados por Ali Whahibi solicitam ajuda militar a D.

    Afonso Henriques, para no serem anexados ao Imprio Almada.28

    Os senhores locais revoltam-se e assumem o poder nas vrias cidades do Garb, procurando

    estender a sua autoridade nos castelos mais prximos, dando origem s II Taifas.

    Mais uma vez, a localizao do Torro, numa zona de fronteira de reas de influncia, entre

    vora, Alccer e Beja, impede-nos de aferir em que realidade politica ter sido inserida.

    Tendo em conta o papel de esvaziamento gradual que a medina de Beja vai sofrendo desde o

    Perodo Califal, como plo cultural e administrativo, no nos surpreende que a passagem dessas funes

    seja assumida pelas elites instaladas em vora e Alccer.

    No podemos esquecer que Alccer em contexto Almorvida, ter sido escolhida para sede

    militar da Fronteira do Garb, dominando um territrio que em termos de hierarquia lhe devia obedincia e

    que se estendia desde as praias da Comporta at aos primeiros picos nevados da Sierra de Gredos, na

    vizinhana da actual Comunidade Autnoma de Madrid.

    Apesar de ser um espao amplo, que engloba partes importantes do actual Alentejo e da vizinha

    Estremadura Espanhola, tendo em conta as dificuldades de deslocao na poca, provvel que o

    representante do poder almorvida instalado em al-Qasr, tenha escolhido algumas cidades para delegao

    de funes, instalando nesses postos chaves, homens da sua confiana, quase sempre de origem

    magrebina e saariana.

    Este mecanismo de gesto, permitiria articular de forma adequada a gesto da

    informaosensvel e a colecta de recursos necessrios para o aparelho militar e desenvolvimento

    econmico.29

    Apesar do tamanho desmedido do espao geogrfico responsabilidade de Alccer, esta cidade

    possua o seu espao econmico especfico, que geria de forma directa.

    Este territrio que coincidia com a bacia do Mdio e Baixo Sado, incluiria naturalmente o

    Torro.

    Na realidade, seria errado para o poder muulmano, no prestar ateno a este castelo.

    No s a questo estratgica do Torro que contava, localizado entre duas cidades da bacia do

    Sado30, mas sim aproveitar os seus recursos naturais, as florestas, a circulao fluvial, os seus campos

    frteis, propcio criao de gado, dando estmulos para a manuteno de rotas comerciais.

    Aceitando esta leitura, de que existe uma presena humana no Torro desde meados do sculo

    VIII, que gradualmente se vai islamizado, que paisagem humana vo os portugueses encontrar no

    decurso do sculo XII?

    27 Apesar da distncia cronolgica, dos actores serem diferentes e de reportarem a realidades geogrficas completamente distintas, o ambiente das II Taifas, apresenta alguns pontos de semelhana com o actual Afeganisto. 28 Sobre esta questo, consultar o nosso trabalho, Carvalho, 2008, Alccer do sal, disponvel em PDF no site do municpio de Alccer. 29 Sobre esta questo, consultar o nosso trabalho, Carvalho, A Rafael (2008) ALCCER DO SAL DO SAL NO FINAL DO

    PERIODO ISLMICO (SCULOS XII-XIII): Novos Elementos sobre a 1 Conquista Portuguesa. Coleco Digital -

    Elementos para a Histria do Municpio de Alccer do Sal, N 1. 30 Alccer, base naval, porto natural do Alentejo e vora, centro de cultura e base militar importante.

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    29

    A chancelaria de D. Sancho I possui um documento que importa analisar de forma adequada.

    4.2.1. A Anlise do Documento de 1186, a favor da Ordem de Santiago.

    O documento foi emitido a 28 de Outubro de 1186.31.

    1186 Outubro 28 Doao dos Castelos de Alccer, Palmela, Almada e Arruda, com seus termos, a

    Sancho Fernandes, mestre da milcia da Ordem de Santiago, e aos seus sucessores.

    In Dei nomine. Quoniam morum assiduitate et legis sanctione didicimus quod acta

    uirorum bonorum scripto commendari debeant ut commendata ab hominum memoria non

    decidant et omnibus pretrita presentialiter consistant, iccirco ego Santius Dei gratia

    Portugalensium rex magni regis domni alfonsi et regine domne Mahalde filius, una cum uxore

    me Regina domna Sanctia, facio cartam donationis et firmitudinis perpetue uobis domno

    Sactio Frenandi, Dei gratie Milicie Sancti Iacobi magistro, et fratribus uestris presentibus et

    futuris de illis mis castellis, scilicet lcazar, Palmela, Almadana et Arruda. Damus itaque

    uobis atque concedimus prenomonata castella cum omnibus suis terminis nouis et ueteribus in

    Honor Dei et Beati Iacobi apostoli ut uos et omnes uestri Ordinis successores ea et quicquid in

    eis ad ius regale pernet iure hereditrio habeatis et perpetuo possideatis tali uidelicet

    condicione ut mihi et filiis mis et nostris successoribus cum eis obediendo seruatis...

    Delimitao do Termo de Alccer.

    In primo per lombum de serra de Alcazouis quomodo ferit in Exarramam et ultra

    Exarramam per lombum quomodo uadit ad capita de Seuerena et de ipsis capitibus quomodo

    ferit charnecha in monasterium quod iacet in ripa de Odiuelas et uktra Odiuelas sicut uadit

    directe ad forcadas de Alfondom et de ipsis forcadas quomodo uadit directe ad Alualadi et de

    Alualadi quomodo uadit lombum inter Coronam et Benetolat usque ad cerrum de Monte Acuto

    et per aquam que descendit de Monte Acuto usque ad mar. Et de predictis Alcazouis sicut

    uadit directe ad fontem de Chiriana et inde sicut uadit directe ad serram de Arloch et sicut

    uadit de ipsa serra ad Rengiam et Rengia ad cimalias de Campo Maiori et inde quomodo ferit

    cerrum in Caniam...

    Et termini de Palmela iuntent se cum terminis de Alcazar et de Almadana.

    31 Documentos de D. Sancho I (1174-1211) Vol I. Transcrio de Rui de Azevedo, P. Avelino de Jesus da Costa e Marcelino Pereira, 1979, doc. N 14, p. 22-24.

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    30

    Comentrio:

    Tendo em conta que a documentao administrativa muulmana simplesmente desapareceu32,

    a documentao crist coeva desta fase, reveste-se de um valor inestimvel.

    Antes de passarmos sua anlise, convm termos presente os seguintes aspectos:

    1. Relativo desconhecimento geogrfico do territrio conquistado, procurando-se apoio nas

    populaes conquistadas, de modo a apreenderem os enquadramentos administrativos dos espao

    conquistados. Mesmo em tempo de guerra, importante manter os antigos circuitos econmicos e a

    hierarquia do povoamento.

    2. Desconhecimento da Lngua rabe e Berbere, o que provocar adaptao ou transformao

    da toponmia pr-existente:

    - Adaptao fontica dos sons rabes ou simplesmente atribuir novas denominaes, quando o

    significado obscuro ou a sua pronunciao oferece dificuldades aos novos senhores.33

    32 Facto que tambm acontece no pas vizinho. 33 Sobre a importncia da toponmia para compreender o territrio e como fonte histrica, interessante a reflexo de Roldn Castro, 2004, El Paisaje Andalusi: Realidad Histrica y Construccion Cultural, p. 33.: La toponmia expresa igualmente el reconocimiento del mdio, la valoracin del entorno y, debido a su persistncia en el tiempo, la fuerza de la memoria histrica. Nombrar un lugar e identificarlo con ciertos rasgos naturales de caractersticas notables o singulares no es sino interpretar el paisaje, sentir e interiorizar dicha realidad fsica..

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    31

    bvio que a documentao crist, neste caso a portuguesa, no est interessada em reproduzir a

    realidade do territrio islmico que vai sendo anexado por conquista, porque o destinatrio no a

    populao muulmana e muito menos as suas elites, da o carcter lacnico deste tipo de informao

    disponibilizada para memria futura.

    Os objectivos, que incentivaram a produo deste tipo de documentao, podem ser de vrias

    naturezas:

    - Por um lado, permitem de uma forma clara, reforar o papel do rei, como senhor legtimo do

    espao conquistado, tendo como testemunha Deus, os Apstolos e a sua corte.

    - Deste modo e para memria futura, o novo territrio comea a ser retalhado e distribudo

    aos grupos de interesse, consoante o interesse poltico do momento.

    Delimitao do Termo de Alccer, segundo o documento de D. Sancho I que temos vindo a analisar.

    Apesar de ser rei, -lhe impossvel gerir o reino sem aliados, sejam eles quem forem!

    No presente caso a quem se destina o documento e que informao nos pode revelar?

    Este documento uma prova pblica que D. Sancho I utiliza para legitimar e continuar a

    vontade de seu pai, D. Afonso Henriques, no agraciamento Ordem de Santiago, criando-lhe uma base

    territorial, para a continuao da conquista para sul.

    Mas at que ponto este documento fiel testemunho do territrio inserido em espao cristo?

    provvel, que em 1186 se tenha assistido a um retrocesso territorial.

    Certos documentos so como certas leis:

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    32

    - So elaboradas quando surgem dvidas ou necessrio resolver problemas. Numa poca em

    que as fronteiras so bastante volveis, a sua fixao em documentao escrita, uma garantia para

    o futuro, de que permanecero intactas, quando vierem melhores dias.

    neste contexto que inclumos este documento. Para isso chamamos a ateno para os

    seguintes aspectos, que importa comentar:

    1 Elemento anmalo - A datado. Outubro (28) de 1186.

    Convm para isso, relembrar a conjuntura poltica da poca.

    Segundo os dados disponveis, sabemos que a primeira conquista portuguesa de Alccer data de

    1160.34

    Entre 1160 e 1164, Alccer comporta-se como um enclave portugus em espao islmico.

    Carncia de meios militares e humanos, que contribuem para um desinteresse em ocupar o

    espao rural, pouco contribuem para mudar este panorama, porque o saque do territrio islmico mais

    estimulante em termos econmicos.

    Um bom exemplo o saque de Beja efectuado em 1162, numa aco comandada por Ferno

    Gonalves e apoiada por cavaleiros-vilo de Coimbra e Santarm. A cidade ser pouco depois

    abandonada.35

    Contudo, por uma questo estratgica em relao cidade de Lisboa, os castelos da Arrbida

    (Palmela, Coina e Sesimbra) so conquistados em 1164 e mais uma vez pouco sabemos como ter sido

    efectuada essa conquista, porque mais uma vez, as fontes so lacnicas e pouco claras.

    Pouco depois chega a vez da cidade de vora, por iniciativa particular de Geraldo sem Pavor,

    que pouco depois a vende ao rei.

    O que verificamos que entre 1160 e 1165, a iniciativa parece repousar em milcias populares

    e aventureiros, que em busca de pilhagem, contribuem para dilatarde forma informal, o Reino de

    Portugal.

    Este estado de coisas parece continuar nos anos seguintes. O poder almada pouco faz e quando

    reage, poucos resultados prticos obtm. Por vezes, obtm mais vantagem estratgica, nas trguas

    celebradas entre os beligerantes. o que acontece com a trgua de 5 anos celebrada em 1174 e a entrega

    pelos portugueses, das runas da cidade de Beja ao poder almada, que prontamente investe na sua

    recuperao.

    Mas os almadas no desistem de recuperar Alccer e aps o final das trguas os combates so

    retomados.

    de aceitar como hiptese, que desde 1160 e at meados de 1180, a influncia e raio de aco

    dos portugueses instalados em Alccer, consigam progressivamente alcanar um reconhecimento do

    34 Sobre esta questo consultar o nosso trabalho sobre Alccer no Final do Perodo Islmico (2008), que o N 1 desta coleco em formato PDF. (ver nota seguinte) 35 Carvalho, 2008. Alccer no Final do Perodo Islmico (Sculos XII-XIII): Novos elementos sobre a 1 Conquista Portuguesa, Coleco on-Line Elementos para a Histria de Alccer, n 1, p. 27.

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    33

    seu domnio territorial at Alvalade e foz do rio Mira, estabelecendo as bases futuras do territrio a

    atribuir Ordem de Santiago, debaixo do domnio Alcacerense.

    Em 1170, D. Afonso Henriques emite uma Carta de Foral para proteco da comunidade

    mourisca de Lisboa, Almada, Palmela e Alccer. Curiosamente a comunidade mujedar de vora no

    referida.

    O desastre almada de 1184 frente a Santarm vai provavelmente alterar o quadro poltico da

    regio e o comportamento entre os beligerantes.

    Avanamos a hiptese de ter sido na sequncia deste fatalidade para os almadas, que se d a

    conquista do Hisn Turrus/Torro at ento na posse portuguesa.

    curiosamente aps o episdio de Santarm que se assiste emisso de nova documentao

    rgia, desta vez para favorecer a fixao de populao crist a sul do Tejo, no eixo que vai de Palmela a

    vora, passado por Alccer.

    Ter existido um Foral atribudo a Alccer, em data anterior a 1185, referido no Foral de Palmela

    e que se perdeu.

    Um ano depois emitido o presente documento.

    Se pusermos como hiptese de trabalho, que a conquista almada do castelo do Torro, vai criar

    um ponto avanado muulmano entre Alccer e vora, parece-nos natural que o territrio a sul do Torro

    e anteriormente sob a influencia portuguesa, passe de facto para a esfera muulmana.

    neste novo contexto poltico que vemos a necessidade de emitir este documento:

    - O que se procura, transmitir um documento que legitime futuramente a insero do

    territrio, que vai desde o Torro at foz do rio Mira, de novo para o patrimnio da Ordem de

    Santiago, quando for efectuada a sua recuperao por conquista. Impedia-se deste modo o acesso da

    Ordem de Avis costa Atlntica, reservando-se espaos de influncia e de direito de conquista, no actual

    Alentejo.

    Contudo, que provas temos ns para aceitar uma conquista almada do Torro em 1184, se

    aparentemente a fonte portuguesa de 1186, sugere a incluso deste territrio no espao portugus?

    Temos ao nosso dispor a seguinte documentao:

    1 A Fonte Muulmana do desastre de Santarm ocorrido em 1184, que relata a conquista e

    pilhagem de um hisn Turrus a sul de Santarm, no caminho para Beja e Sevilha.

    2 - Denominao toponmica de Exarramam36 ao rio que atravessa a serra das Alcovas e

    passa por esta regio, que s tem sentido aps a construo de uma musalla no Torro, s possvel em

    contexto de domnio militar muulmano.

    3 Por ltimo, chamamos a ateno para um facto aparentemente inexplicvel.

    A enumerao dos locais que figuram na delimitao do Termo de Alccer, tem sempre a serra

    das Alcovas e o rio Xarrama como ponto de partida para Sul. Para Norte omite-se o rio, mas

    permanece o nome da serra, o que compatvel na marcao de um limite no espao geogrfico.

    36 Segundo a nossa proposta, que ser apresentada mais frente, o topnimo Exarramam, deriva da palavra, wadi Saria Jama (rio da Musalla)

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    34

    Verifica-se que para sul, os dados so um pouco vagos e as linhas imaginrias atravessam charnecas e

    espaos entre rios. Para Norte da serra das Alcovas, existe maior riqueza de pormenores, apesar de

    delimitar menor territrio.

    No h dvida que em 1186, a serra das Alcovas poucos quilmetros a norte do Torro um

    ponto de referncia geogrfica que todos os cristos na poca conheciam bem e que o documento procura

    frisar bem e porqu?

    Este dado s tem sentido, se esta serra for entendido como uma fronteirano assumida de um

    territrio recentemente perdido, ou seja:

    - Para norte o territrio ainda cristo, inserido no Reino de Portugal e sob gesto da ordem de

    Santiago, o que parece no acontece para sul. Supomos deste modo que o Torro estaria de novo sobre o

    domnio islmico.

    Aps uma primeira presena portuguesa nesta regio que teve incio em 1160, verificamos que

    os 31 anos at 1191 s tm valor absoluto para Alccer.

    Em relao ao territrio que fica para sul em direco serra de Grndola e para nascente em

    direco ao Torro, os dados disponveis permitem aceitar uma presena portuguesa que perdurou menos

    tempo. Se tomarmos como certa a data de 1184 para a conquista almada do Torro, teremos uma

    primeira presena portuguesa neste castelo de 24 anos, o suficiente para cimentar a presena da Ordem de

    Santiago neste espao de fronteira com o territrio de influncia de vora.

    Mas se em relao primeira presena portuguesa no Baixo Sado, ela foi relativamente mais

    extensa para Alccer, com mais de 7 anos em relao ao Torro; - Quando em 1217 se d a conquista

    definitiva de Alccer, estamos a crer que se deu o oposto, ou seja:

    - Sabemos em que data se deu a conquista definitiva de Alccer, nos finais de 1217, mas nada

    sabemos sobre a conquista definitiva do Torro, o ano em que ocorreu e como se processou.

    Geralmente os silncios podem ser lidos como factos ocorridos sem muito interesse para relato

    futuro, tendo em conta o engrandecimento da figura rgia e porqu?

    Tendo em conta o contexto da poca, em pleno clmax da guerra de conquista, a legitimidade

    rgia para governar um reino, seja em Portugal ou nos vizinhos Hispnicos, media-se em conquistas

    efectuadas fora, regadas por sangue, de ambos os beligerantes. S assim se podia ter acesso sem

    restries aos territrios conquistados, gerindo-os de forma a satisfazer os interesses polticos em vigor na

    altura.

    Em 1217, quem governa D. Afonso II, que em termos de curriculum militar apresenta

    debilidades graves que pode por em causa a sua legitimidade como rei de Portugal.

    Ciente deste facto, sintomtico que imediatamente aps a conquista de Alccer e apesar de

    ausente, facto que no lhe abonatrio, D. Afonso II apressou-se a comunicar o feito ao Papa.37.

    37 De facto, no podia actuar de outra forma. A sua legitimidade para governar como rei de Portugal, assentavam-se no territrio que conseguia retirar do espao islmico.

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    35

    Neste contexto, como devemos ler o silncio em relao conquista do Torro?

    4.2.2. A Insero Definitiva do Torro no Reino de Portugal

    Se o Torro fosse um simples castelo na dependncia de Alccer, seria natural que pouco

    depois da conquista de 1217 o castelo fosse abandonado pela sua guarnio.

    Mas o Torro, apesar de dependente de Alccer, seria mais do que uma simplesfortaleza de

    fronteira perante vora e a sul de Montemor-o-Novo.

    A construo de uma musalla em contexto almada, ter atribudo ao Torro um prestgio que

    lhe deu projeco regional no Garb al-Andalus, como o principal ponto de encontro e reunio de

    voluntrios muulmanos para o martrio em territrio de fronteira.

    Contudo, aps o desastre almada de Navas de Tolosa em 1212, o poder Almada perde o seu

    vigor e as polmicas religiosas, fragmentao poltica e desastres militares comeam a evoluir de uma

    forma crescente que vai minar de forma irreparvel o aparelho militar dos Magrebinos.

    Em Alccer assume o poder Abdallah ibn Wazir, facto anmalo para a poca, que permite ver

    neste facto a instituio de uma Dinastia Wazir que cristaliza o seu poder em Alccer e no territrio

    militar que assumem como estando sua responsabilidade.

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    36

    Se perante a comunidade dos crentes os Banu Wazir reconhecem o poder legtimo dos Califas

    Almadas, na realidade este cl est por conta prpria neste sector de fronteira com Portugal e como tal,

    assumem-se como soberanos. Em termos jurdicos e de legalidade islmica, Alccer no encarada

    como uma Taifa/Reino Autnomo.

    O vazio de poder almada no al-Andalus permitir a emergncia de uma constelao de poderes

    autnomos inseridos num vasto territrio que teoricamente pertence ao estado central almada.

    Todavia, para o Reino de Portugal, Alccer aps 1212, ter sido encarado como reino autnomo,

    da a valorizao da converso de Abdallah Wazir f crist aps a conquista de 1217, como vem

    referido nas crnicas crists.

    Aps a fuga, o ultimo governador muulmano alcacerense poderia ter-se refugiado no castelo do

    Torro ou na medina de Beja, contudo preferiu a base segura de Sevilha, e porqu?

    - Estes dados s tem sentido, se pensarmos que o Torro seria inseguro perante o avano cristo

    ou que o senhor local no fosse de muita confiana dos Banu Wazir, ou ento os dois factores juntos.

    Tudo isto traduz uma relativa autonomia para o Torro nesta fase, realada aps a conquista de

    Alccer.

    Mas leituras parte, continua a persistir uma pergunta sem resposta:

    - Em que data foi conquistado o castelo do Torro?

    - No sabemos, contudo uma certeza fica no ar. A conquista imediata do Torro aps Alccer

    parece-nos impossvel em 1217, por uma questo de falta de logstica crist e de uma distncia que

    supera os 30 km, correspondente a 1 dia de viajem.

    Se tomarmos letra a documentao conhecida, que d a conhecer que aps 1217, as defesas do

    castelo de Alccer ficaram muito danificadas e que os cruzados escreveram ao Papa para permanecerem

    em territrio portugus mais algum tempo38, natural supor que o Torro tenha ficado em mos islmicas

    por mais algum tempo.

    O Papa insiste que a funo dos cruzados combater os muulmanos na Terra santa e que no

    devem perder tempo e nem preciosos recursos humanos em Portugal.

    Aps alguns meses, no incio de 1218 o exrcito cruzado ruma de novo em direco ao Oriente.

    Sabemos por provas arqueolgicas, que o sistema defensivo almada em Alccer, no foi

    recuperado na sua totalidade, revelando provavelmente dfice de recursos e de conhecimentos tcnicos

    por parte dos cristos.

    Tendo em conta que parte da populao muulmana ter ficado aps a conquista, o interesse da

    Ordem de Santiago tornar operacional a cidade, relegando para uma fase posterior a ocupao efectiva

    do espao rural e castelos anexos.

    38 Afirmando ao Papa que a sua presena era importante para recuperar o sistema defensivo alcacerense.

  • TORRO DO ALENTEJO

    Elementos sobre Histria e Arqueologia

    Coleco - Elementos para a Histria do Municpio de Alccer, n 2 (I Parte) http://www.cm-

    alcacerdosal.pt/PT/Actualidade/Publicacoes/Paginas/EstudosdoGabinetedeArqueologia.aspx

    37

    Parece-nos sintomtico que o Foral atribudo a Alccer em 1218, refira unicamente a existncia

    de aldeias e nunca de castelos, o que permite clarificar a permanncia islmica no Torro ainda nesse ano.

    A anexao do Torro ter assim acontecido num ano posterior a 1218 e talvez tenha resultado

    de um pacto estabelecido entre a Ordem de Santiago e a populao muulmana a existente.

    Devemos compreender que apesar do antagonismo dos beligerantes, alguma populao

    muulmana optava por ficar debaixo do domnio cristo, facto que era mal visto por parte do poder

    islmico.

    De forma a contornar a questo da legalidade desta postura contrria ao direito islmico, alguns

    pensadores muulmanos comearam a defender a ideia de que esta permanncia em territrio inimigo,

    era anlogo fuga inicial de Maom, de Meca para Medina. Deste modo, uma postura profundamente

    ilegal , comeava a ser encarada com relativa tolerncia.39

    Reflexes parte, o Torro parece emergir na documentao portuguesa em 1249, numa altura

    em que termina a conquista do Algarve e a Ordem de Santiago olha com mais tempo para o seu

    patrimnio e procura rentabiliza-lo.

    Os tempos comeam a ser outros. O Torro ser emancipado do termo de Alccer e assume-se

    como sede de municpio.

    Em 1260 temos a notcia que estava encomendada por um cavaleiro chamado Fernado Vermudes

    e poucos anos depois, no tempo do Mestre Pedro Escacho as suas rendas ascendiam a 1 8000 libas.

    No sculo XIV, o castelo j tinha cado em runa. A Ordem vai investir 2 000 libras na sua

    recuperao, mas o trabalho ficou incompleto, porque era necessrio mais 1 000 libras.

    O Perodo Baixo Medieval Cristo do Torro pertence a outro captulo da Histria local e tendo

    em conta os dados disponveis, ficar para um outro trabalho.

    Bibliografia.

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    Carvalho, A Rafael (2005). ALCCER DO SAL ENTRE 1191 E 1217 (I PARTE) Neptuno, n 3, pgina. ADPA.

    39 A problemtica da permanncia de populaes islamizadas em territrio conquistado pelos cristos, uma questo nova, que teoricamente nunca tinha sido objecto de reflexo. No podemos esquecer que a base cultural islmica e o seu corpo legislativo foram elaborados durante a fase de expanso, que durou alguns sculos. Nunca tinha sido previsto que poderia haver um retrocesso territorial.

  • TORRO DO ALENTEJO

    Elementos sobre Histria e Arqueologia

    Coleco - Elementos para a Histria do Municpio de Alccer, n 2 (I Parte) http://www.cm-

    alcacerdosal.pt/PT/Actualidade/Publicacoes/Paginas/EstudosdoGabinetedeArqueologia.aspx

    38

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