TOPOLOGIA: FATOS HISTÓRICOS E...

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TOPOLOGIA: FATOS HISTÓRICOS E CURIOSIDADES Jonathan Gil Müller [email protected] Tânia Baier [email protected] Universidade Regional de Blumenau FURB/PPGECIM Rua Antônio da Veiga, 140 Bairro Victor Konder Blumenau SC Resumo: Este artigo é resultado de pesquisa bibliográfica sobre o início da criação da topologia, a área da matemática popularmente denominada geometria de borracha. Para um topólogo, interessam as propriedades qualitativas dos objetos matemáticos que são independentes de tamanho e forma. Em topologia são pesquisadas as propriedades que não se alteram sob transformações contínuas. Neste texto estão descritas, de modo informal e acessível aos leigos em matemática contemporânea, três situações clássicas que marcaram a história da topologia. É apresentado o problema das pontes de Königsberg estudado por Euler por meio de um diagrama hoje denominado grafo. Também é explicado o teorema das quatro cores, relacionado com a atividade de colorir mapas geográficos, que serviu de impulso para o desenvolvimento da teoria dos grafos. A fita de Möbius é descrita por meio de um modelo que pode ser construído em papel, possibilitando o entendimento de suas surpreendentes propriedades. O estudo destes curiosos objetos topológicos possibilita que a matemática seja entendida como uma ciência em contínuo processo de criação. Palavras-chave: Topologia, Pontes de Königsberg, Fita de Möbius, Teorema das quatro cores. 1 UMA VISÃO INFORMAL DA TOPOLOGIA Bergamini (1969, p. 176) apresenta, por meio de uma linguagem acessível aos leigos em matemática avançada, um “tipo especial de geometria, relativo às maneiras pelas quais as superfícies podem ser torcidas, empenhadas, puxadas, estendidas e sofrer outras deformações, de uma aparência para outra.”. Para esse autor, no mundo das matemáticas contemporâneas, encontram-se notáveis trabalhos e produções que estão formando um conjunto extravagante de figuras e objetos fascinantes. Tal campo recebe, na atualidade, a denominação de topologia. A topologia teve seu início como um ramo da geometria, no decorrer do século XX passou por algumas generalizações e envolveu-se com diferentes ramos da matemática, sendo

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TOPOLOGIA: FATOS HISTÓRICOS E CURIOSIDADES

Jonathan Gil Müller – [email protected]

Tânia Baier – [email protected]

Universidade Regional de Blumenau – FURB/PPGECIM

Rua Antônio da Veiga, 140 – Bairro Victor Konder

Blumenau – SC

Resumo: Este artigo é resultado de pesquisa bibliográfica sobre o início da criação da

topologia, a área da matemática popularmente denominada geometria de borracha. Para um

topólogo, interessam as propriedades qualitativas dos objetos matemáticos que são

independentes de tamanho e forma. Em topologia são pesquisadas as propriedades que não

se alteram sob transformações contínuas. Neste texto estão descritas, de modo informal e

acessível aos leigos em matemática contemporânea, três situações clássicas que marcaram a

história da topologia. É apresentado o problema das pontes de Königsberg estudado por

Euler por meio de um diagrama hoje denominado grafo. Também é explicado o teorema das

quatro cores, relacionado com a atividade de colorir mapas geográficos, que serviu de

impulso para o desenvolvimento da teoria dos grafos. A fita de Möbius é descrita por meio de

um modelo que pode ser construído em papel, possibilitando o entendimento de suas

surpreendentes propriedades. O estudo destes curiosos objetos topológicos possibilita que a

matemática seja entendida como uma ciência em contínuo processo de criação.

Palavras-chave: Topologia, Pontes de Königsberg, Fita de Möbius, Teorema das quatro

cores.

1 UMA VISÃO INFORMAL DA TOPOLOGIA

Bergamini (1969, p. 176) apresenta, por meio de uma linguagem acessível aos leigos em

matemática avançada, um “tipo especial de geometria, relativo às maneiras pelas quais as

superfícies podem ser torcidas, empenhadas, puxadas, estendidas e sofrer outras deformações,

de uma aparência para outra.”. Para esse autor, no mundo das matemáticas contemporâneas,

encontram-se notáveis trabalhos e produções que estão formando um conjunto extravagante

de figuras e objetos fascinantes. Tal campo recebe, na atualidade, a denominação de

topologia.

A topologia teve seu início como um ramo da geometria, no decorrer do século XX

passou por algumas generalizações e envolveu-se com diferentes ramos da matemática, sendo

que atualmente compõe, juntamente com a álgebra, a geometria e a análise, parte fundamental

da matemática. (EVES, 1995).

Restringindo-se ao seu aspecto de origem geométrica, Eves (1995, p. 666) explicita que

“[...] pode-se considerar a topologia como o estudo das propriedades das figuras geométricas

que permanecem invariantes sob as transformações chamadas transformações topológicas;

isto é, sob aplicações contínuas que têm inversas também contínuas.”. De modo mais

resumido, o autor afirma que a topologia pode ser definida como o estudo da continuidade em

matemática e que as formas geométricas se referem a um conjunto qualquer, não vazio, de

pontos em um espaço tridimensional ou maior.

O entendimento do conceito de invariância é fundamental para a compreensão de

determinados tópicos em álgebra, geometria, análise, física teórica e do próprio invariante

topológico. Bell (1985, p.435, tradução nossa) apresenta uma descrição informal de

invariância: “Invariância é a falta de mudança em meio à mudança, a permanência em um

mundo que varia, persistência de configurações que continuam iguais apesar [...] de

incontáveis transformações curiosas.”.

Segundo Eves (1995), são denominadas propriedades topológicas aquelas que conservam

uma figura geométrica invariante sob as transformações topológicas. Duas figuras, tal que

cada uma pode transformar-se topologicamente na outra, são consideradas topologicamente

equivalentes. Para Boyer (1996), a topologia pode ser denominada popularmente geometria

de borracha, pois deformações de um balão, por exemplo, sem furá-lo ou rasgá-lo, são

exemplos de transformações topológicas e um círculo é topologicamente equivalente a uma

elipse.

De um modo amplo, Bell (1985, p. 469, tradução nossa) explica: “[...] a topologia se

ocupa das propriedades qualitativas intrínsecas das configurações espaciais, que são

independentes de tamanho, situação e forma.”.

Bergamini (1969) relata que é comum os matemáticos descreverem um topólogo como

sendo o homem que não vê diferença entre uma rosquinha e uma xícara de café. Embora não

seja possível transformar uma verdadeira rosquinha em uma xícara de café, pode-se provar

que topologicamente são a mesma coisa, ou seja, do ponto de vista teórico essa transformação

é possível.

Às vezes os topólogos lidam com superfícies que ninguém poderia construir; outras

vezes concebem figuras que parecem impossíveis – por exemplo, uma superfície de

um lado apenas. Seu mundo especial de Matemática pura se estende desde aparentes

brinquedos de crianças até difíceis abstrações que deixam até os entendidos

atrapalhados. (BERGAMINI, 1969, p. 176).

Para esse autor os objetos topológicos passam por transformações topológicas, ou seja,

sofrem mudanças nas suas formas mantendo imutável certas propriedades básicas.

Durante o século XX, algumas investigações matemáticas não seguem a linha de

pesquisas relacionadas com métodos da análise matemática que priorizam fórmulas e passam

a valorizar as representações visuais:

Do século XVII em diante, o estilo europeu da matemática mudou gradualmente a

partir da geometria, a matemática das formas visuais, para a álgebra, a matemática

das fórmulas [...] Poincaré inverteu essa tendência [...] voltando novamente para os

padrões visuais. No entanto, a matemática visual de Poincaré não é a geometria de

Euclides. É uma geometria de um novo tipo, uma matemática de padrões e relações

conhecida como topologia. (CAPRA, 1998, p.109).

O aspecto visual da topologia possibilita o entendimento dos conceitos elementares dessa

fascinante área da matemática, mesmo para aqueles que só cursaram o ensino fundamental. A

seguir, neste trabalho, são apresentadas, de modo informal e acessível aos leigos em

matemática contemporânea, três situações clássicas que marcaram a história da criação da

topologia: o problema das pontes de Königsberg, a fita de Möbius e o teorema das quatro

cores.

2 ASPECTOS HISTÓRICOS DA CRIAÇÃO DA TOPOLOGIA

Um episódio característico do século XX, segundo Bell (1985), é a percepção de

mudança a respeito do conceito de geometria, sendo importante caracterizar a geometria

relacionada com um específico estágio de seu desenvolvimento, pois, períodos diferentes de

sua história distinguem-se pela adoção de modos distintos de classificá-la. Desde o início da

geometria, com Euclides, seguindo através da criação das geometrias não euclidianas, uma

importante contribuição para o modo geométrico de pensar o conjunto das matemáticas,

segundo preceitos de Bell (1985, p.339, tradução nossa), foi “[...] a topologia do século XX,

que alguns acreditam que é o começo de um novo tipo de modo matemático de pensar.” .

A topologia firma-se com o desenvolvimento da ciência contemporânea, tratando-se

assim de uma ramificação atual da matemática. No século XX, muitos dos conceitos básicos

da matemática passaram por evoluções e generalizações notáveis e áreas de importância

fundamental, como a teoria dos conjuntos, a álgebra abstrata e a topologia se desenvolveram

enormemente. De modo geral, a topologia trabalha com aspectos qualitativos e não

quantitativos de matemática, fornecendo uma ruptura com o estilo prevalecente no século

XIX. (EVES, 1995).

Investigações isoladas acerca de questões de natureza topológica são realizadas por

Gottfried von Leibniz, no fim do século XVII, o qual, prevendo um campo muito rico,

utilizou o termo geometria situs para nomear uma matemática qualitativa, considerada hoje

parte da topologia. Por exemplo, a propriedade da superfície de um poliedro fechado simples,

v – a + f = 2, onde v, a e f são respectivamente o número de vértices, arestas e faces do

poliedro, é uma das descobertas topológicas mais antigas, anunciada primeiramente por René

Descartes, em 1640, e provada por Leonhard Euler em 1752. (EVES, 1995).

A fórmula v – a + f = 2, estudada na educação básica, “[...] é um exemplo de invariante

topológico em um espaço de três dimensões. Schläfli (suíço) generalizou em 1852 a fórmula

de Euler para um espaço n. Isso nos coloca diante de uma breve descrição do modo

combinatório de abordar a topologia.”. (BELL, 1985, p. 471).

No ano de 1736, antes de provar a propriedade da superfície de um poliedro fechado

simples, Euler, através da abordagem do problema das pontes de Königsberg, já havia

contribuído para o desenvolvimento da topologia através dos grafos lineares. Carl Friedrich

Gauss elaborou duas demonstrações do teorema fundamental da álgebra por meio de

conceitos topológicos, além de voltar sua atenção para a teoria dos nós, um ramo da

topologia. Francis Guthrie, por volta de 1850, lançou a conjectura conhecida por teorema das

quatro cores, também investigado por Augustus De Morgan e Arthur Cayley, entre outros.

Nessas épocas a topologia era denominada de analysis situs. (EVES, 1995).

O termo topologia é introduzido por meio da publicação de um livro intitulado

Vorstudien zur Topologie, publicado por um discípulo de Gauss, Johann Benedict Listing, em

1847. Gustav Robert Kirchhoff, também aluno de Gauss, empregou, em 1847, os conceitos de

grafos lineares no estudo de circuitos elétricos. Mas, entre todos os discípulos de Gauss,

Bernhard Riemann foi o que mais contribuiu para a topologia, introduzindo em sua tese de

doutorado, no ano de 1851, conceitos topológicos no estudo da teoria das funções de variável

complexa. Por volta de 1865, August Ferdinand Möbius escreveu um artigo ressaltando que

as superfícies poliédricas eram consideradas simplesmente como uma coleção de polígonos

ligados entre si e criou uma superfície de uma só face e uma só aresta conhecida como faixa

de Möbius. James Clerk Maxwell, em 1873 usou de ferramentas topológicas no estudo dos

campos eletromagnéticos. Hermann von Helmholtz e Lord Kelvin (William Thomson) foram

físicos que aplicaram com sucesso ideias topológicas. Henri Poincaré encontra-se entre os

primeiros contribuintes para a topologia e é o autor do primeiro artigo dedicado

exclusivamente à topologia, denominado Analysis situs, publicado em 1895, onde introduz a

importante teoria da homologia em dimensão n. (EVES, 1995).

Resumindo a importância da obra de Poincaré, Bel1 (1985, p. 474, tradução nossa) relata:

“Os especialistas estão de acordo que o ano de 1895 em que Poincaré publicou sua Analysis

situs marca o fim da época das trevas neste assunto e o começo do saber topológico.”. Na

década em volta da virada do século XX, Poincaré publicou vários artigos que se tornaram a

base da topologia. Na avaliação de Eves (1995, p.668): “Com o trabalho de Poincaré, a

topologia avançou bastante e um número cada vez maior de matemáticos entrou nesse

campo.”.

Poincaré desenvolve uma abordagem diferenciada para a matemática e substitui

[...] os métodos quantitativos, precisos, mas limitados, por métodos qualitativos, que

levam mais longe, mas fornecem uma imagem menos distinta. A posição histórica

de Poincaré é ter sido um mestre dos primeiros e um inventor dos segundos. Ele será

o mais incisivo crítico dos métodos quantitativos e o grande precursor dos métodos

qualitativos. (EKELAND, 1993, p. 48).

Eves (1995) cita cientistas importantes que realizaram contribuições em topologia:

Oswald Veblen (1880 – 1960), James Waddell Alexander (1888 – 1971), Solomon Lefschetz

(1884 – 1972), Luitzen Egbertus Jan Brower (1881 – 1966) e Maurice Fréchet (1878 – 1973).

No decorrer da criação da topologia, o conceito de figura geométrica moldado por

Möbius, Riemann e Poincaré, como sendo um conjunto finito de partes fundamentais ligadas

entre si, deu lugar ao conceito cantoriano de um conjunto arbitrário de pontos. Qualquer

conjunto de objetos, seja um conjunto de números, de entes algébricos, funções ou objetos

matemáticos, pode constituir um espaço topológico. As pesquisas orientadas por esta última

visão, ficaram conhecidas como topologia conjuntiva, estruturada em 1914 com o livro

Grundzüge der Mengenlehre de Felix Hausdorff, enquanto as pesquisas norteadas pela visão

anterior receberam a denominação de topologia combinatória ou topologia algébrica.

(BOYER, 1996; EVES, 1995).

3 ENTENDENDO TOPOLOGIA ATRAVÉS DE IMAGENS

Três transformações estão apresentadas nas figuras 1, 2 e 3, onde objetos são

transformados uns nos outros, por diversos procedimentos, sem serem partidos nem rasgados.

Na figura 1 pode ser constatado que esfera e cubo são topologicamente equivalentes. Na

figura 2 observa-se que uma rosca apresenta um buraco, de modo que pode ser

topologicamente transformada em uma caneca. Na figura 3 observa-se que um objeto com

dois buracos é topologicamente equivalente a um açucareiro.

Figura 1 – Esfera e cubo: equivalentes topologicamente. Fonte: Bergamini (1969, p.178)

Figura 2 – Rosca e caneca: só um buraco. Fonte: Bergamini (1969, p.178)

Figura 3 – Dois buracos: uma propriedade topológica. Fonte: Bergamini (1969, p.178)

Nos três exemplos as formas são alteradas, mas ficam conservadas as propriedades

relacionadas com a existência de buracos.

Para um topólogo, não interessam as medidas dos objetos estudados, mas sim, as

propriedades que não se alteram sob transformações contínuas. Buracos são objetos

topológicos: um biscoito com um buraco no meio e uma xícara de café são, para o

topólogo, a mesma coisa, uma vez que ambos possuem apenas um buraco. (BAIER,

2005, p.88).

Objetos topológicos podem ser transformados sendo dobrados, torcidos, esticados.

Propriedades topológicas são aquelas que se conservam após deformações que não

provocaram rasgaduras.

Rodrigues (2011) relata uma experiência pedagógica relacionada com topologia. Com

massa de modelar, alunos construíram um objeto com forma de cubo e rolaram nas mãos até

formar um objeto com forma semelhante a uma esfera. Em seguida, ainda com massa de

modelar, modelaram uma rosquinha com um furo no meio e foram questionados quanto à

possibilidade de construir uma xícara com essa rosquinha, sem tirar ou acrescentar qualquer

quantidade de material. Através desta atividade, é possível associar as transformações

topológicas com o fato de uma criança lidar com uma bola de massa de modelar. O ato de

espremê-la e amassá-la em formas diferenciadas possibilita o entendimento de transformações

topológicas, desde que a quantidade de massa de modelar usada não seja partida ou rasgada.

Encerada a atividade, os alunos concluíram que, a respeito da rosquinha e da xícara, ambas

possuem um buraco e a quantidade de massa de modelar é a mesma para as duas.

Segundo Rodrigues (2011, p. 93): “Atividades envolvendo conceitos da topologia ou

geometria das transformações despertam o interesse dos educandos, sendo uma forma de

mostrar que a geometria euclidiana não é a única geometria possível.”.

3.1 O problema das pontes de Königsberg

Uma situação clássica e pioneira no desenvolvimento da teoria que, na atualidade, é

conhecida como teoria dos grafos, foi o problema das pontes de Königsberg, estudado pelo

matemático suíço Leonhard Euler no ano de 1736:

A teoria das redes é uma das formas mais práticas da Topologia, com aplicações aos

circuitos elétricos e à Economia. Foi criada a cerca de 200 anos por Leonhard Euler

que resolveu dois problemas de Topologia 100 anos antes do nome ter sido sequer

mencionado. (BERGAMINI, 1969, p. 188).

Na época de Euler, em Königsberg, o rio Pregel ramificava-se no centro da cidade

formando duas ilhas, dividindo assim a cidade em quatro regiões de terra distintas interligadas

por sete pontes, conforme ilustra a figura 4. (LIMA, 1988).

A figura 4 apresenta um mapa da cidade de Königsberg, datado em aproximadamente

1740, com as pontes que existiam naquela época.

Figura 4 – Mapa da cidade de Königsberg.

Fonte: Gullberg (1997, p. 201)

Conforme relata Penha (1983), o povo da cidade de Königsberg gostava de realizar

passeios aos domingos e perguntava a respeito da possibilidade de alguém planejar seu

passeio de tal forma que passasse por todas as sete pontes uma única vez, sem voltar a cruzar

qualquer uma delas novamente e retornando ao ponto de partida.

Em 1736, em um artigo clássico, Euler resolveu o problema provando sua

impossibilidade, porém, o mais extraordinário é que Euler não se limitou a resolução do

problema. Ele continuou suas investigações desenvolvendo e fundamentando uma teoria

aplicável em diversos problemas do gênero, hoje denominada de teoria dos grafos, que,

segundo Penha (1983, p.12), é considerada “[...] uma parte hoje adulta e independente da

topologia”. Euler constatou que, para um problema desse tipo, as distâncias são de pouca

importância, sendo relevante o modo como regiões distintas interligam-se entre si.

O problema das pontes de Königsberg pode ser estruturado da seguinte maneira: existem

quatro parcelas de terra, separadas pelas águas do rio Pregel, sendo elas: A (norte), B (ilha

central), C (sul) e D (leste). O diagrama mostrado na figura 5, adaptado de Lima (1988, p.

37), é provavelmente o primeiro grafo usado como modelo matemático para a resolução de

um problema. Ele ilustra as interligações entre as secções de terra da cidade de Königsberg,

onde os quatro pontos A, B, C e D, que representam as quatro parcelas de terra, recebem o

nome de vértices e as linhas que ligam os vértices, representando as pontes, são chamadas de

arestas, tendo como extremidades os vértices. O diagrama montado desse modo, chamado de

grafo, contém toda a informação relevante para o problema.

Figura 5 - Grafo das sete pontes de Königsberg. Fonte: Lima (1988, p. 37)

Através deste modelo, Euler verificou que o trajeto desejado somente seria possível se

cada parcela de terra possuísse um número par de pontes. A solução deste problema é

considerada o primeiro teorema em teoria dos grafos. (SZWARCFITER, 1984).

O matemático Leonhard Euler, além de colocar os fundamentos da atual teoria dos grafos

fez importantes contribuições para a matemática. Nasceu em Basiléia, na Suíça, em 15 de

abril de 1707. Seu pai, Paul Euler era um pastor calvinista e esperava que seu filho também

seguisse a carreira teológica. Quando ainda jovem, em 1723, Euler entrou na Universidade de

Basiléia estudando com Jean Bernoulli e seus dois filhos, Nicolaus e Daniel Bernoulli, sendo

estes fundamentais para Euler encontrar sua vocação para a matemática. Com o apoio de seu

pai e dos Bernoulli, Euler recebeu uma vasta instrução, somando ao estudo da matemática,

teologia, medicina, astronomia, física e línguas orientais. (BOYER, 1996; EVES, 1995).

Devido ao excesso de trabalho, em 1735, Euler perdeu a visão do olho direito o que não

diminuiu sua produção e pesquisa. Publicou mais de 500 obras, incluindo artigos para revistas

e livros inéditos. Escreveu obras para todos os níveis, até materiais didáticos para escolas

russas. Cerca de meio século após seu falecimento, suas obras continuavam sendo publicadas

na Academia de São Petersburgo. “Sua pesquisa matemática chegava em 800 páginas por ano

durante toda sua vida; nenhum matemático jamais superou a produção desse homem que

Arago caracterizou como ‘Análise encarnada’.”. (BOYER, 1996, p.304).

Em 1741, Euler aceitou o convite de Frederico o Grande para assumir a cadeira de

Matemática na Academia de Berlim onde permaneceu por vinte e cinco anos. Retornando a

Academia de São Petersburgo em 1766, nesse mesmo ano, Euler soube que estava perdendo a

visão do olho esquerdo, a única que restava, devido à catarata. Preparou-se para cegueira

treinando a escrita de giz em uma grande lousa e ditando aos seus filhos. Em 1771 foi

operado, mas o sucesso da operação durou apenas poucos dias e Euler passou o restante de

sua vida totalmente cego. (BOYER, 1996).

De 1727 a 1783 a pena Euler esteve ocupada aumentando os conhecimentos

disponíveis em quase todos os ramos da matemática pura e aplicada, dos mais

elementares aos mais avançados. Além disso, em quase tudo, Euler escrevia na

linguagem e notação que usamos hoje, pois nenhum outro indivíduo foi tão

grandemente responsável pela forma da matemática de nível universitário de hoje

quanto Euler, o construtor de notação mais bem sucedido de todos os tempos.

(BOYER, 1996, p. 305).

Euler faleceu no dia 18 de setembro de 1783, aos setenta e seis anos, vítima de uma

parada cardíaca.

3.2 A fita de Möbius

“Os topólogos se deliciam em criar formas esquisitas e objetos estranhos.”

(BERGAMINI, 1969, p. 182). É nesse contexto que o matemático e astrônomo alemão

Augustus Ferdinand Möbius (1790 – 1868) criou um dos mais curiosos objetos topológicos,

hoje denominado fita de Möbius, que possui um lado apenas, porém o artigo em que

descreveu este notável objeto foi publicado somente após a sua morte. A fita de Möbius

possui algumas propriedades inesperadas e pode ser construída com uma tira de papel, onde,

primeiramente dá-se meia volta e em seguida colam-se seus extremos. É impossível a tarefa

de colorir uma fita de Möbius com duas cores diferentes, uma para cada lado, pois conforme

afirma Bergamini (1969, p. 182) “Nem mesmo Picasso pode fazer isso com a fita de Möbius”.

Trata-se de uma fita de um lado só, logo seria impossível pintar este único lado com duas

cores distintas sem misturá-las, conforme a figura 6.

Figura 6 – Colorindo a fita de Möbius. Fonte: Bergamini (1969, p. 182)

Ao cortar a fita de Möbius ao meio, nos deparamos com mais uma de suas propriedades

particulares. O esperado é que a mesma se divida em duas partes, mas, conforme está na

figura 7, o resultado não são duas partes e sim uma única fita, porém agora com dois lados, ou

seja, uma fita comum. Segundo os matemáticos acontece o seguinte: a fita de Möbius, por

possuir apenas um lado, contém apenas uma aresta, ao cortar a fita ao meio estamos

acrescentando mais uma aresta, e consequentemente, um segundo lado.

Figura 7 – Fita de Möbius cortada ao meio. Fonte: Bergamini (1969, p. 182)

Iniciando o corte da fita de Möbius em um terço da largura da fita, conforme ilustrado na

figura 8, nos deparamos com mais uma de suas inusitadas propriedades se continuamos a

cortar em duas voltas na fita. Como resultado final, temos outra surpresa: são duas fitas

entrelaçadas, sendo uma delas um anel de dois lados e a outra uma fita de Möbius.

Figura 8 – Fita de Möbius cortada em um terço de sua largura. Fonte: Bergamini (1969, p. 183)

Além da topologia, o nome do alemão August Ferdinand Möbius está ligado outros

objetos matemáticos importantes, como a função de Möbius, introduzida em 1831, e a

fórmula da inversão de Möbius, sendo que também escreveu importantes trabalhos sobre

astronomia. Aos 13 anos Möbius já demonstrava um interesse pela matemática, mas seguindo

os desejos de sua família, iniciou a graduação em direito na universidade de Leipzig, porém

durante o primeiro ano de estudo optou em seguir suas próprias preferências, passando a

estudar matemática, astronomia e física. Sua maior influência durante seu tempo em Leipzig

foi seu professor de astronomia Karl Mollweide, que apesar de ser um astrônomo, forneceu

um grande número de descobertas matemáticas. Em 1813, Möbius viajou para Göttingen para

estudar astronomia com o famoso matemático Gauss e depois foi para Halle, onde estudou

matemática com Johann Pfaff. Sua carreira como professor não foi fácil, não era tido como

bom docente, sendo que muitas vezes tinha que anunciar a gratuidade de suas aulas a fim de

atrair o interesse dos alunos. Em 1844, recebeu um cargo na área de astronomia na

Universidade de Leipzig e, em seguida, também ocupou cargos importantes no Observatório

dessa cidade onde, em 1848, tornou-se diretor. (O’CONNOR; ROBERTSON, 1997).

3.3 Colorindo mapas

Nos anos após a solução do problema das pontes de Köningsberg, feita por Euler, muito

pouco foi realizado e acrescentado ao seu trabalho. Somente em meados do século XIX,

alguns trabalhos isolados vieram a contribuir para o desenvolvimento da teoria iniciada por

Euler, e, dentre estes, se encontra o problema das quatro cores, relacionado com a atividade de

colorir mapas geográficos. (SZWARCFITER, 1984).

Colorir mapas foi outro problema excepcional para a topologia, particularmente mais

direcionado para a teoria dos grafos, primeiramente mencionado por August Ferdinand

Möbius, em 1840, e considerado com mais profundidade por Francis Guthrie e Augustus De

Morgan. A questão era: “[...] quantas cores são necessárias para colorir um mapa qualquer de

modo que todos os pares de países com fronteira comum não sejam coloridos com a mesma

cor?”. (CAJORI, 2007, p. 421).

A afirmação de que qualquer mapa pode ser colorido com quatro cores diferentes ficou

conhecida como o teorema das quatro cores. Inicialmente foram estabelecidas

experimentalmente quatro cores como sendo necessárias e suficientes e, Cayley, em 1878

admitiu que não foi capaz de obter uma prova geral. Historicamente o teorema das quatro

cores foi considerado como verdadeiro por mais de cem anos sem ter sido apresentada uma

demonstração formal. Este famoso problema foi resolvido com uso de computador somente

em 1974 por Kenneth Appel e Wolfgang Haken, da Universidade de Illinois. (FARMER;

STANFORD, 2003; CAJORI, 2007).

Segundo Farmer e Stanford (2003, p. 32, tradução nossa):

A demonstração foi controversa, uma vez que foi usado um computador para efetuar

parte dos cálculos. Algumas pessoas ainda não aceitam que todos os detalhes

tenham sido devidamente verificados, e ainda não foi efetuado um cálculo

independente do mesmo conteúdo.

Bergamini (1969, p. 184) apresenta o esquema mostrado na figura 9 e explicita um modo

de mostrar a validade do teorema das quatro cores:

A maneira mais simples de mostrar que quatro cores são necessárias para mapas

planos é traçar quatro regiões de modo que cada uma delas toca as outras três,

conforme o diagrama acima. Cada uma das três áreas externas exige sua própria cor,

ao passo que o centro precisa de mais outra.

Figura 9 – Teorema das quatro cores. Fonte: Bergamini (1969, p. 184)

O matemático britânico Augustus De Morgan, um dos alicerces do estudo do teorema das

quatro cores, filho do tenente-coronel John De Morgan, que morreu quando Augustus tinha

10 anos de idade, perdeu a visão do olho direito logo após seu nascimento e devido à sua

inaptidão física foi vítima de piadas e brincadeiras cruéis de seus colegas de escola. Em 1823,

com 16 anos, entrou para o Trinity College, em Cambridge, tendo aulas com Peacock e

Whewell, seus grandes amigos ao longo da vida. Em 1827, assumiu um cargo na

Universidade de Londres e, em 1828, tornou-se o primeiro professor de matemática na

Universidade College. Dentre algumas de suas principais contribuições para a matemática e

para a lógica, Morgan, em 1838, definiu e introduziu o termo “indução matemática” que

apareceu pela primeira vez em um artigo na Penny Cyclopedi, onde ao longo dos anos

contribuiu com 712 artigos. Em 1849, ele escreveu sobre trigonometria e álgebra dupla dando

uma interpretação geométrica para os números complexos e também criou as leis de Morgan,

consideradas como a sua maior contribuição na reformulação da lógica matemática.

(O’CONNOR; ROBERTSON, 1996).

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A área da matemática hoje denominada topologia pouco aparece nos currículos da

matemática da educação básica, de modo que o estudante pode concluir que a geometria

euclidiana é a única possível. No presente artigo, a topologia é mostrada, de modo acessível,

por meio de imagens relacionadas com alguns aspectos possíveis de serem visualizados.

Espera-se que o texto contribua para que a topologia seja apresentada aos jovens que estão

cursando a educação básica. O grafo das pontes de Königsberg, a fita de Möbius e o teorema

das quatro cores são criações matemáticas cujo estudo desperta a curiosidade dos educandos.

As imagens visuais de interessantes objetos topológicos possibilitam o entendimento da

matemática como uma ciência viva em contínuo processo de criação.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BAIER, Tânia. O nexo “geometria fractal”: produção da ciência contemporânea tomado

como núcleo do currículo de matemática do ensino básico. Rio Claro, 147 p., 2005. Tese

(doutorado em Educação Matemática) – Universidade Estadual Paulista – UNESP.

BELL, Eric Temple. Historia de las matematicas. México, D.F : Fondo de Cultura

Economica, 1985.

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TOPOLOGY: HISTORICAL AND CURIOUS FACTS

Abstract: This article is the result of research conducted on libraries about the beginning of

the creation of topology, the Mathematics branch popularly called rubber geometry. The

topologist is interested in the qualitative properties of mathematical objects that are

independent of size and shape and Topology conducts researches on properties that do not

change under continuous transformations. This paper describes three classic situations that

marked the history of topology, in an informal and accessible way for those who are laymen

in contemporary mathematics mode. We present the Königsberg bridge problem, studied by

Euler by using a diagram that today is called grafo. We also explain the four-colour theorem,

related to the activity of colouring geographic maps, which served as the impetus for the

development of graph theory. The Möbius strip is described by a model that can be built on

paper, giving us a better understanding of its amazing properties. The study of those curious

topological objects allows the Mathematics to be understood as a science in continuous

process of creation.

Key-words: Topology, Königsberg bridges, four-colour theorem, Möbius strip.