Topologia das Variedades Welington de Melo

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Topologia das Variedades

Welington de Melo

Favor enviar sugestoes, correcoes e observacoes [email protected]

Conteudo

1 Variedades Diferenciaveis 51.1 Estrutura de variedade . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51.2 Aplicacoes diferenciaveis entre variedades . . . . . . . 71.3 Grupos de Lie . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 191.4 O Lema de Sard . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23

2 Particao da unidade e aplicacoes 312.1 Particao da unidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 312.2 Campos de vetores em variedades . . . . . . . . . . . . 352.3 Metricas Riemannianas . . . . . . . . . . . . . . . . . 432.4 Densidade das funcoes de classe C∞ . . . . . . . . . . 49

3 Aplicacao Exponencial 543.1 A equacao das geodesicas . . . . . . . . . . . . . . . . 543.2 Vizinhanca tubular . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 613.3 Vizinhancas geodesicamente convexas . . . . . . . . . 643.4 O fluxo geodesico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 69

4 Variedades com bordo 734.1 Colagem de variedades com bordo . . . . . . . . . . . 74

4.1.1 Soma conexa de variedades . . . . . . . . . . . 82

5 Calculo em Variedades 865.1 O Teorema de Stokes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 86

5.1.1 Algebra exterior . . . . . . . . . . . . . . . . . 865.1.2 Formas diferenciais . . . . . . . . . . . . . . . . 885.1.3 Derivada exterior e o Teorema de Stokes . . . . 91

CONTEUDO

5.2 Cohomologia de de Rham . . . . . . . . . . . . . . . . 94

5.3 Campos de vetores como derivacoes . . . . . . . . . . . 99

5.4 A derivada de Lie . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 107

5.5 Teorema de Frobenius . . . . . . . . . . . . . . . . . . 113

5.6 Elementos de teoria de Hodge . . . . . . . . . . . . . . 116

5.7 Estruturas simpleticas . . . . . . . . . . . . . . . . . . 118

6 Espacos de recobrimento e Grupo fundamental 123

6.1 Espacos de recobrimento . . . . . . . . . . . . . . . . . 123

6.2 O grupo fundamental . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 130

6.3 Recobrimentos das variedades de dimensao 2 . . . . . 142

6.3.1 Geometria hiperbolica . . . . . . . . . . . . . . 143

6.3.2 Consequencias do teorema . . . . . . . . . . . . 151

7 Fibrados 160

7.1 Fibrados com grupo estrutural . . . . . . . . . . . . . 160

7.2 O Fibrado de jatos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 183

8 Transversalidade 187

8.1 A topologia de Whitney em Cr(M,N) . . . . . . . . . 187

8.2 Teoremas de transversalidade . . . . . . . . . . . . . . 205

9 Grau Topologico 220

9.1 O conceito de grau . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 220

9.2 Indice de singularidade de campos de vetores . . . . . 229

9.3 Numero de intersecao . . . . . . . . . . . . . . . . . . 238

10 Cohomologia de De Rham 247

10.1 O complexo de De Rham . . . . . . . . . . . . . . . . 247

10.2 A sequencia de Mayer-Vietoris . . . . . . . . . . . . . 250

10.3 Dualidade de Poincare . . . . . . . . . . . . . . . . . . 260

10.4 Isomorfismo de Thom e a classe de Euler . . . . . . . . 265

10.5 Uma formula de Kunneth e o Teorema de Lefschetz . . 282

10.6 Cohomologia dos grupos de Lie compactos. . . . . . . 289

10.7 Correntes de De Rham . . . . . . . . . . . . . . . . . . 297

CONTEUDO

11 Teoria de Morse 30011.1 Funcoes de Morse . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30011.2 Homologia singular . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 307

11.2.1 Homologia relativa . . . . . . . . . . . . . . . . 31511.2.2 Subdivisao baricentrica . . . . . . . . . . . . . 31911.2.3 Homologia celular . . . . . . . . . . . . . . . . 331

11.3 Desigualdades de Morse . . . . . . . . . . . . . . . . . 34511.4 Estrutura de CW-complexo e decomposicao em asas . 35011.5 O teorema de de Rham . . . . . . . . . . . . . . . . . 360

12 Cohomologias 36712.1 Cohomologia de Feixes . . . . . . . . . . . . . . . . . . 36712.2 O feixe de orientacao de uma variedade . . . . . . . . 38512.3 O anel de cohomologia . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39212.4 O produto cap e dualidade de Poincare . . . . . . . . . 405

13 Analise e Geometria em Variedades 40913.1 Geometria dos Fibrados e o morfismo de Chern-Weil . 40913.2 O Laplaciano de Hodge . . . . . . . . . . . . . . . . . 42913.3 A equacao de Yang-Mills . . . . . . . . . . . . . . . . . 432

A Teorema do Coeficiente Universal 444

B O Teorema de Seifert- van Kampen 454

C O grupo fundamental π1(X,x0) e o grupo de homologiaH1(X,Z). 461

D Grupos de Homotopia- Teorema de Hurewicz 465ı¿ 1

2ndice . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 473ı¿ 1

2ndice de sı¿ 12mbolos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 474

CONTEUDO 1

PREFACIOA nocao abstrata de variedades ja aparecia na teoria de funcoes

analıticas de uma variavel complexa. Uma serie de potencias conver-gente define uma funcao holomorfa em seu disco de convergencia quepode ser estendida usando o princıpio da continuacao analıtica queproduz funcoes multivaluadas que podem ser vistas como funcoes emuma superfıcie de Riemann.

No final do seculo 19 Poincare, em uma serie de artigos introduziuo que chamamos topologia das variedades que denominou AnalysisSitus. Para ele uma variedade era um subconjunto de um espaco eu-clideano definido por uma famılia de equacoes, isto e, subvariedadesdo espaco euclideano. Conjeturou que toda variedade Cr, com r ≥ 1era triangularizavel (demonstrada em 1930 por S. Cairns) e definiu osgrupos de homologia de uma variedade com respeito a uma triangu-larizacao e tambem conjeturou que esses grupos eram independentesda triangularizacao e de fato invariantes por homeomorfismos. Essaultima conjectura so foi mostrada anos mais tarde por Alexanderusando as ideias de Brouwer de aproximacao simplicial Nesta epocaPoincare tambem introduziu a nocao de grupo fundamental. Os pri-meiros 30 anos do seculo 20 foram dominados pelo desenvolvimentode metodos combinatorios e algebricos na topologia. A nocao abs-trata de variedades diferenciaveis, que ja tinha sido antecipada porH.Weyl em 2012 no seu tratado sobre superfıcie de Riemann, so foidesenvolvido por H. Whitney por volta de 1936 que provou que umavariedade diferenciavel abstrata e de fato difeomorfa a uma subvari-edade de um espaco euclideano. Nascia aı a topologia diferencial queteve um desenvolvimento intenso com a prova do teorema de Morse-Sard em 1942 e os trabalhos de R. Thom, J. Milnor, S. Smale entreoutros.

Tambem nos anos 30 Lefschets introuduziu a homologia relativae a nocao de homologia foi estendida para espacos mais gerais, naonecessariamente triangularizaveis. Surgiram entao a homologia sin-gular, introduzida por S. Eilenberg, a homologia de Vietoris, Alexan-droff, Lefschets, e Cech. Em 1935 a cohomologia foi introduzida porAlexander e Kolmogorov com sua estrutura de anel que tambem epreservada por homeomorfismos. A nocao de dualidade ja estudadapor Poincare foi generalizada usando o produto ”cup”da cohomolo-

2 CONTEUDO

gia e o produto ”cap”relacionando homologia e cohomologia. Nessaepoca surgiu tambem a cohomologia de DeRham e as cohomologiasde Alexander-Spanier essa ultima permitindo estabelecer uma dua-lidade entre a cohomologia de um subconjunto compacto e a de seucomplementar em uma variedade compacta (dualidade de Alexan-der). Em 1946, J. Leray introduziu a cohomologia de feixes que des-creve obstrucoes para globalizar resultados locais e estende as teoriasanteriores permitindo relaciona-las.

Metodos de equacoes a derivadas parciais foram utilizados porHodge que mostrou a existencia de uma unica forma harmonica emcada classe de cohomologia de deRham.

Nos anos 80 metodos geometricos e de equacoes a derivadas par-ciais foram introduzidos por Donaldson no estudo da topologia devariedades de dimensao 4.

Metodos geometricos e de equacoes a derivadas parciais foramtambem fundamentais no estudo das variedades de dimensao 3 cul-minando com a demonstracao de Perelman da conjectura de geome-trizacao de Thurston que inclui, como caso particular, a conjecturade Poincare: uma variedade compacta de dimensao 3 simplesmenteconexa e homeomorfa a esfera.

O material desse livro foi usado varias vezes nos cursos TopologiaDiferencial e Topologia das Variedades que ensinei no IMPA.

No capıtulo 1 definimos a nocao de variedades diferenciaveis eaplicacao diferenciavel entre variedade e apresentamos varios exem-plos. Na ultima secao do capıtulo 1 demonstramos o Lema de Sard.

No capıtulo 2 provamos a existencia de particao da unidade su-bordinada a uma cobertura. Definimos campos de vetores em vari-edades e provamos o teorema do fluxo tubular. Definimos metricasRiemannianas e mostramos a existencia de metricas completas emqualquer variedade e como consequencia que toda variedade e umespaco de Baire. Mostramos a densidade das funcoes C∞ no espacodas funcoes contınuas em uma variedade munido da topologia C0 deWhitney. Usando esse resultado e o Lema de Sard demonstrado nocapıtulo 1 demonstramos o teorema do ponto fixo de Brouwer.

No capıtulo 3 mostramos a existencia de geodesicas de uma metricariemanniana e construımos a aplicacao exponencial. Definimos ho-motopia e homotopia diferenciavel entre aplicacoes entre variedadese mostramos, usando a aplicacao exponencial, que duas aplicacoes

CONTEUDO 3

em uma vizinhanca suficientemente pequena na topologia C0 sao ho-motopicas. Usamos tambem a aplicacao exponencial para a cons-trucao de vizinhancas tubulares de subvariedades. Mostramos tambema existencia de vizinhancas geodesicamente convexas que serao fre-quentemente usadas em capıtulos posteriores. Concluımos o capıtulocom um exemplo do fluxo geodesico de uma metrica riemannianacompleta.

No capıtulo 4 obtemos novas variedades colando variedades combordo por difeomorfismos entre os bordos. Mostramos que difeomor-fismos isotopicos fornecem variedades difeomorfas.

No capıtulo 5 desenvolvemos o calculo tensorial em variedadese provamos o teorema de Stokes e introduzimos a cohomologia deDeRham. Provamos o teorema de Frobenius, introduzimos a teoriade Hodge e provamos o teorema de Darboux.

O capıtulo 5 e dedicado aos espacos de recobrimentos e sua relacaocom o grupo fundamental. Introduzimos a geometria hiperbolica econstruımos os recobrimentos das variedades de dimensao dois.

No capıtulo 7 discutimos a nocao de fibrados, fibrados com gruposestruturais e fibrados principais. Apresentamos varios exemplos edemonstramos o teorema de levantamento de homotopia. Na ultimasecao construımos os fibrados de jatos.

No capıtulo 8 definimos a topologia de Whitney no espaco dastransformacoes de classe Cr entre variedades e mostramos o teo-rema de transversalidade, bem como o teorema de transversalidadede multi-jatos.

O capıtulo 9 e dedicado ao estudo do grau de Brouwer e suasaplicacoes. Mostramos a invariancia do grau por homotopia e de-monstramos o teorema de Hopf sobre a classificacao das classes dehomotopias de aplicacoes de uma variedade compacta de dimensao nsobre a esfera Sn. Definimos o numero de intersecao entre subvarie-dades de dimensao complementares e muitas de suas aplicacoes.

No capıtulo 10 comecamos a introduzir ferramentas algebricas quemuito impulsionaram o poder da topologia. Oscilamos muito entreduas possibilidades. A primeira seria via teoria de Morser, com aobvia conexao com transversalidade, a introducao de homologia paradescrever algebricamente a decomposicao celular de uma funcao deMorse. A segunda seria a cohomologia de DeRham que permitiamuma introducao mais suave de ferramentas algebricas num contexto

4 CONTEUDO

ainda geometrico. Finalmente optamos pela segunda possibilidade eo capıtulo 9 e dedicado a cohomologia de DeRham. Construımos asequencia exata de Meyer-Vietoris, mostramos o teorema da duali-dade de Poincare o do isomorfismo de Thom.

O capıtulo 11 e dedicado a teorıa de Morse e introducao da ho-mologia singular. Mostramos as desigualdades de Morse e o teoremade DeRham.

Durante a preparacao desse livro contamos com o apoio financeirodo CNPq, bolsa de produtividade e da Faperj, Cientistas do NossoEstado.

Agradecemos a colaboracao de Gilza de Melo e Rogerio Trindadeque digitaram parte do manuscrito.

Agradecemos a partipacao dos alunos dos varios cursos que ensineiespecialmente Franco Eloy Vargas Pallete e Ricardo Paleari da Silva.Franco fez varias correcoes importantes. Ricardo fez uma revisaocuidadosa de todo o livro.

Rio de Janeiro, 5 de janeiro de 2014

Welington de Melo

Capıtulo 1

Variedades Diferenciaveis

A nocao de variedades como um espaco que localmente e equivalentea um aberto de um espaco vetorial e onde podemos estender as nocoesdo calculo diferenciavel ja aparecia nos trabalhos de Carl FriedrichGauss e Bernhard Riemann. A definicao moderna que utilizaremos edevida a Hassler Whitney [Wh].

1.1 Estrutura de variedade

Definicao 1.1. Uma variedade topologica de dimensaom e um espacotopologico M com as seguintes propriedades:

1. M e Hausdorff : dados dois pontos distintos p e q em M , entaoexistem abertos disjuntos U , V tais que p ∈ U e q ∈ V ;

2. M tem base enumeravel de abertos : existe uma colecao enu-meravel de abertos de M tal que todo aberto e a uniao deabertos dessa colecao;

3. M e localmente Euclidiano: para qualquer p ∈ M , existemabertos U ⊂ M contendo p, U ⊂ Rm e um homeomorfismoϕ : U → U .

Definicao 1.2. Um atlas em M e uma colecao ϕi : Ui → Uii∈Ide homeomorfismos, chamados cartas locais de M , onde Ui ⊂ M eaberto, Ui ⊂ Rm aberto e ∪i∈IUi = M . Os homeomorfismos

ϕj ϕ−1i : ϕi(Ui ∩ Uj) ⊂ Ui → φj(Ui ∩ Uj) ⊂ Uj

5

6 [CAP. 1: VARIEDADES DIFERENCIAVEIS

sao chamados mudancas de coordenadas . Um atlas e de classe Cr,0 6 r 6 ∞, se todas as mudancas de coordenadas do atlas sao declasse Cr.

Na colecao de todos os atlas de classe Cr em M temos uma relacaode ordem parcial dado pela inclusao: A ⊂ B se toda carta local doatlas A for tambem uma carta local de B . Um atlas A e maximal separa todo atlas B de classe Cr com A ⊂ B vale B = A.

Pelo lema de Zorn , todo atlas A de classe Cr esta contido emum unico atlas maximal. Uma estrutura de variedade Cr em M eum atlas maximal de classe Cr em M . Logo qualquer atlas Cr emM define uma estrutura de variedade Cr em M , pois esta contidoem um unico atlas maximal de classe Cr. Se as cartas locais de umatlas tomam valores em abertos de Cm e as mudancas de coordenadassao funcoes holomorfas, dizemos que M e uma variedade complexa dedimensao complexa m (e portanto dimensao real 2m).

Exemplo 1.1. Sejam U ⊂ Rn um aberto e F : U → Rp umaaplicacao de classe Cr, r > 1. Seja y ∈ Rp um valor regular de F , istoe, ∀x ∈ U tal que F (x) = y temos que a derivada DF (x) : Rn → Rpe sobrejetora.

Afirmacao: ou M = F−1(y) e vazio ou M e uma variedade de classeCr e dimensao n− p.

De fato, pela forma local das submersoes, dado q ∈M , existe umaberto W ⊂ U contendo q e um difeomorfismo ϕ : W → V × Z, declasse Cr, onde V ⊂ Rn−p e um aberto e Z ⊂ Rp e uma vizinhancaaberta de y tal que a restricao de F a W e igual a composicao daprojecao (x, z) ∈ Rn−p×Rp 7→ z ∈ Rp com ϕ. Logo a restricao de ϕ aU = W ∩M e um homeomorfismo de U em U ⊂ Rn−p e as mudancasde coordenadas sao claramente da classe Cr.

Analogamente, se F : U ⊂ Cn → Ck e uma funcao holomorfa ey e valor regular de F , entao F−1(y) ou e vazio ou e uma variedadecomplexa de dimensao complexa n− k.

[SEC. 1.2: APLICACOES DIFERENCIAVEIS ENTRE VARIEDADES 7

Se F : Rn+1 → R e dada por F (x) =∑n+1i=1 x

2i e y = 1, entao a

esfera Sn definida por

Sn =

x ∈ Rn+1;

∑i

x2i = 1

e uma variedade de dimensao n.

Um outro caso particular: o espaco de configuracoes de um solido.Um solido e um sistema de N partıculas em R3 submetidas ao se-guinte vınculo: a distancia entre duas quaisquer das partıculas econstante. Para caracterizar a posicao das partıculas em um dadoinstante precisamos de tres coordenadas para a posicao da primeirapartıcula, portanto um ponto de R3. Para determinar a posicao dasegunda partıcula necessitamos do vetor unitario que aponta da pri-meira partıcula na direcao da segunda partıcula, portanto mais duascoordenadas. Se as partıculas estiverem todas alinhadas, o vınculo jadetermina a posicao de todas as partıculas. Caso contrario existe umaterceira partıcula que determina um plano com a primeira e a segundapartıcula. Basta entao conhecer um segundo vetor unitario ortogo-nal ao primeiro e apontando para o semi-plano que contem a terceirapartıcula. O produto vetorial do primeiro vetor pelo segundo formaum terceiro vetor unitario e portanto uma transformacao unitaria deR3 que leva a base canonica de R3 nessa base ortogonal. Portantoo espaco de configuracoes do solido e R3 × SO(3), uma variedade dedimensao 6.

1.2 Aplicacoes diferenciaveis entre variedades

Sejam φ : U ⊂ Rm → U ⊂ Rm e ψ : V ⊂ Rn → V ⊂ Rn difeomorfis-mos classe Cr entre abertos euclidianos. Uma aplicacao f : U → Ve diferenciavel em um ponto x0 se, e somente se, ψ f φ−1 e di-ferenciavel em φ(x0) e, se s ≤ r, f e de classe Cs se, e somente se,ψ f φ−1 e de classe Cs. Como essas duas nocoes sao invariantespor mudancas de coordenadas, elas se estendem naturalmente paravariedades.

Definicao 1.3. Sejam M uma variedade de dimensao m e classeCr e N uma variedade de dimensao n e classe Cr. Uma aplicacao

8 [CAP. 1: VARIEDADES DIFERENCIAVEIS

f : M → N e de classe Cs, s 6 r, se para todo p ∈M existem cartaslocais ϕ : U ⊂M → U ⊂ Rm e ψ : V ⊂ N → V ⊂ Rn tais que

1. p ∈ U , f(p) ∈ V ;

2. f(U) ⊂ V ;

3. ψ f ϕ−1 : U ⊂ Rm → V ⊂ Rn e de classe Cs.

Observacao: Sejam ϕi : Ui ⊂ M → Ui ⊂ Rm um atlas Cr

em M e fi : Ui → Rk uma famılia de funcoes Cs, s 6 r. Se ∀i, j,fi|ϕi(Ui∩Uj) = fj (ϕi ϕ−1

j )|ϕj(Ui∩Uj), entao existe uma unica funcao

f : M → Rk de classe Cs tal que f ϕ−1i = fi para todo i.

Afirmacao: Se f : M → N e g : N → P sao aplicacoes de classe Cs

entre variedades de classe Cr, r ≥ s, entao g f e de classe Cs.

De fato, sejam y = f(x) e z = g(y). Como g e de classe Cs,existem cartas locais ψ : W ⊂ P → W ⊂ Rp e φ : V ⊂ N → V ⊂ Rncom V 3 y e W 3 z tais que g(V ) ⊂ W e ψ g φ−1 : V → W e declasse Cs. Por outro lado, como f e de classe Cs, existe carta localθ : U ⊂M → U ⊂ Rm com x ∈ U e f(U) ⊂ V e tal que φ f θ−1 ede classe Cs. Logo ψ (g f) θ−1 = (ψ g φ−1) (φ f θ−1) ede classe Cs.

Para definir a derivada de uma aplicacao diferenciavel vamos as-sociar a cada ponto x ∈ M um espaco vetorial TMx, chamado oespaco tangente a M no ponto x, e mostrar que se f : M → N euma funcao diferenciavel, entao existe uma aplicacao linear naturalDf(x) : TMx → TNf(x), chamada de derivada de f no ponto x. Oselementos de TMx sao os “vetores tangentes” as curvas diferenciaveispassando pelo ponto x.

Dizemos que duas curvas α, β : (−ε,+ε) → M que passam por xem t = 0 tem o mesmo vetor tangente em x se para alguma cartalocal ϕi : Ui → Ui em torno de x vale (ϕi α)′(0) = (ϕi β)′(0).Observamos que essa propriedade nao depende da escolha da carta

[SEC. 1.2: APLICACOES DIFERENCIAVEIS ENTRE VARIEDADES 9

pois se ϕj : Uj → Uj e outra carta, entao

(ϕj α)′(0) = D(ϕj ϕ−1i )(ϕi(x))(ϕi α)′(0)

e

(ϕj β)′(0) = D(ϕj ϕ−1i )(ϕi(x))(ϕi β)′(0).

Nesse caso, duas tais curvas sao ditas equivalentes. Esta relacao e deequivalencia no conjunto das curvas diferenciaveis que passam por xe a classe de equivalencia de α, denotada por [α], e chamada o vetortangente a α em x, tambem denotado por α′(0). O espaco tangentea M no ponto x, denotado por TMx, e o conjunto de tais vetorestangentes.

Uma carta local ϕi : Ui → Ui com x ∈ Ui, estabelece uma bijecaoentre TMx e Rm. Essa bijecao associa a cada classe de equivalencia[α] o vetor (ϕiα)′(0) ∈ Rm. Por definicao de classe de equivalencia, ovetor (ϕiα)′(0) nao depende da escolha do representante α na classede equivalencia [α]. Para verificar que a aplicacao e sobrejetora bastaobservar que se v ∈ Rm, entao α(t) = ϕ−1

i (ϕi(x) + tv) e uma curvadiferenciavel passando por x e a imagem de [α] e v. Denotamos essabijecao por Dϕi(x) : TMx → Rm. Observamos que se ϕj : Uj → Uje outra carta local com x ∈ Uj , entao

Dϕj(x) = D(ϕj ϕ−1i )(ϕi(x)).Dϕi(x).

Logo, definindo a estrutura de espaco vetorial em TMx de modoque Dϕi(x) seja um isomorfismo, concluımos que Dϕj(x) tambeme um isomorfismo, uma vez que D(ϕj ϕ−1

i )(ϕi(x)) e um isomor-fismo. Assim, a estrutura de espaco vetorial nao depende da escolhada carta.

Seja agora f : M → N uma aplicacao Cs entre duas variedades,com s ≥ 1. Se α : (−ε,+ε) → M e uma curva diferenciavel comα(0) = x, entao f α e uma curva diferenciavel em N , passando porf(x). Definimos entao

Df(x) : TMx → TNf(x)

[α] 7→ [f α].

10 [CAP. 1: VARIEDADES DIFERENCIAVEIS

E facil verificar que a definicao nao depende da escolha de α na classede equivalencia e que dadas cartas locais ψ : W ⊂ N → W ⊂ Rn eϕ : U ⊂ M → U ⊂ Rm, com f(x) ∈ W e x ∈ U , entao Df(x) e acomposicao das transformacoes lineares

Df(x) = (Dψ(f(x)))−1 D(ψ f ϕ−1)(ϕ(x)) Dϕ(x)

e, consequentemente, Df(x) e uma aplicacao linear. Dizemos queDf(x) e a derivada de f no ponto x .

Deixamos como exercıcio ao leitor verificar que a regra da cadeiase estende para aplicacoes entre variedades: dadas aplicacoes dife-renciaveis f : M → N , g : N → P de classe C1, entao

D(g f)(x) = Dg(f(x)) Df(x).

Como a composicao de aplicacoes holomorfas entre abertos deespacos vetoriais complexos e tambem holomorfa, podemos esten-der a nocao de aplicacao holomorfas para variedades complexas. Etambem facil verificar que o espaco tangente em cada ponto de umavariedade complexa tem uma estrutura de espaco vetorial sobre C eque a derivada de uma aplicacao holomorfa e C-linear. Reciproca-mente, se uma aplicacao entre variedades complexas e de classe C1 esua derivada em cada ponto e C-linear, entao a aplicacao e holomorfa.

Observemos que um subconjunto aberto de uma variedade dife-renciavel tem tambem uma estrutura de variedade diferenciavel in-duzida pelo atlas da variedade e o espaco tangente a um ponto doaberto pode ser identificado com o espaco tangente a variedade, istoe, a inclusao e uma aplicacao de classe Cr. Se ϕ : U ⊂M → U ⊂ Rme uma carta do atlas Cr de M , entao ϕ e uma aplicacao de classeCr de U em Rm e sua derivada em cada ponto e exatamente a trans-formacao linear que consideramos acima.

Uma aplicacao f : M → N de classe Cs, s ≥ 1, e uma imersaose a derivada Df(x) : TMx → TNf(x) e injetiva para todo x ∈ M .Dizemos que f e uma submersao se Df(x) e sobrejetiva para todo x.Dizemos que f e um mergulho se e uma imersao injetiva e um homeo-morfismo sobre sua imagem (considerando a imagem com a topologia

[SEC. 1.2: APLICACOES DIFERENCIAVEIS ENTRE VARIEDADES 11

induzida por N). Finalmente, dizemos que f e um difeomorfismo sef tem uma inversa diferenciavel, que, pelo teorema da funcao inversa,e tambem de classe Cs.

SejaM uma variedade de dimensaom de classe Cr e S um subcon-junto de M . Dizemos que S e uma subvariedade de classe Cs, s ≤ r,de dimensao k se para todo ponto x ∈ S, existe uma vizinhancaW ⊂M de x e um difeomorfismo Cs, φ : W → U × V ⊂ Rk × Rm−kcom U ⊂ Rk, 0 ∈ V ⊂ Rm−k abertos e φ(S ∩W ) = U × 0. Arestricao de φ a W ∩ S e um homeomorfismo sobre o aberto U e acolecao desses homeomorfismos e um atlas Cs para S, de modo quea aplicacao de inclusao de S em M e um mergulho de classe Cs.

Um subconjunto S ⊂ M e uma subvariedade de classe Cs e di-mensao k se, e somente se, para todo x ∈ S existe uma vizinhancaW ⊂ M de x e uma submersao Cs de W em um aberto de Rm−ktal que S∩W seja a imagem inversa de um ponto por essa submersao.

Se f : M → N e uma aplicacao de classe Cs, entao a restricao def a S e uma aplicacao de classe Cs de S em N e sua derivada emcada ponto e a restricao da derivada de f ao espaco tangente a S, quee um subespaco do espaco tangente a M . Por exemplo, a restricao daprojecao (x1, . . . xn+1) 7→ xn+1 a esfera Sn e uma aplicacao C∞ e suaderivada se anula em exatamente dois pontos. Tambem a aplicacaox 7→ −x se restringe a uma aplicacao a : Sn → Sn de classe C∞,chamada aplicacao antıpoda. Como a a e a identidade, a aplicacaoantıpoda e um difeomorfismo.

Seja f : M → N uma aplicacao de classe Cs entre variedades declasse Cr. Dizemos que y ∈ N e valor regular de f se para todox ∈ M tal que f(x) = y temos que Df(x) : TMx → TNf(x) e sobre-jetiva. O exemplo 10.1 se generaliza: se y e valor regular de f entaoou S = f−1(y) e vazio ou cada componente conexa de S e uma subva-riedade de M de dimensao igual a dimensao de M menos a dimensaode N , isto e, de codimensao igual a dimensao de N .

No capıtulo 7 mostraremos que um atlas maximal de classe Cr,r ≥ 1, em uma variedade M contem um subatlas de classe C∞ que

12 [CAP. 1: VARIEDADES DIFERENCIAVEIS

define uma estrutura de classe C∞ no mesmo espaco topologico e,portanto, a aplicacao identidade e um difeomorfismo de classe Cr en-tre as duas estruturas. Em outras palavras, toda variedade de classeCr, com r ≥ 1, e Cr difeomorfa a uma variedade de classe C∞.Portanto muitos dos resultados que enunciaremos para variedades declasse C∞ sao tambem validos para variedades de classe Cr. Umfato conhecido, que no entanto nao demonstraremos nessas notas, eque toda variedade topologica de dimensao d ≤ 3 e homeomorfa auma variedade C∞ e que, se d ≥ 4, existem variedades topologicasde dimensao d que nao tem estrutura diferenciavel ( veja Kirby, R.C.e Siebermann, L. C., Foundational Essays on Topological Manifolds.Smoothing and Triagulations, Princeton University Press, 1977).

As restricoes para a existencia de uma estrutura complexa saoainda mais fortes. Em primeiro lugar, a variedade tem que ter di-mensao real par. Como o jacobiano de um isomorfismo C-linear esempre positivo, a variedade tem que ser orientavel, como veremosmais tarde. Como veremos na secao 3 do capıtulo 6, toda variedadeorientavel de dimensao real dois possui uma estrutura complexa. Noentanto, em dimensoes maiores existem outras obstrucoes tanto denatureza topologica quanto analıtica. Em particular sabe-se que asesferas S2n nao tem estrutura complexa se n e diferente de 1 e 3 e aexistencia de estrutura complexa em S6 e ainda um problema aberto.

Exemplo 1.2. Produto cartesiano de variedades

Sejam M,N variedades Cr, ϕi : Ui ⊂ M → U ⊂ Rm um atlasCr em M e ψj : Vj ⊂ N → Vj ⊂ Rn um atlas Cr en N . Entao

a famılia de funcoes ϕi × ψj : Ui × Vj → Ui × Vj ⊂ Rm × Rn, emque, para cada i, j, ϕi × ψj(x, y) = (ϕi(x), ψj(y)) e um atlas Cr emM × N , que e portanto uma variedade Cr de dimensao m + n. Asprojecoes M ×N →M e M ×N → N sao submersoes de classe Cr.

Exercıcio. Sejam M,N variedades de classe Cr e f : M → N umaaplicacao o de classe Cr. Mostre que a aplicacao F : M → M × Ndefinida por F (x) = (x, f(x)) e um mergulho de classe C∞.

Exemplo 1.3. O fibrado tangente TM

[SEC. 1.2: APLICACOES DIFERENCIAVEIS ENTRE VARIEDADES 13

Definicao 1.4. Seja M uma variedade diferenciavel. Definimos ofibrado tangente de M como o conjunto

TM = (x, v); x ∈M, v ∈ TMx.

Seja π = TM → M a projecao (x, v) 7→ x. Vamos definir umatopologia e uma estrutura de variedade em TM tal que π seja umasubmersao C∞ se M e de classe C∞ (e classe Ck−1 se M e Ck). Paratanto, consideremos um atlas ϕi : Ui ⊂ M → Ui ⊂ Rm, i ∈ I emM e definimos

Φi : π−1(Ui) ⊂ TM → Ui × Rm

por

Φi(x, v) = (x,Dϕi(x).v).

E claro que Φi e uma bijecao e

Φj Φ−1i : (Ui ∩ Uj)× Rm → (Ui ∩ Uj)× Rm

(x,w) 7→(x,D(ϕj ϕ−1

i )(ϕi(x)) · w)

e um difeomorfismo.

Colocamos a topologia em TM declarando que W ⊂ TM e abertose, e somente se, Φi(W ∩ π−1(Ui)) e aberto para todo i. E claro quedeste modo as aplicacoes Φi sao homeomorfismos e o conjunto dasaplicacoes

Φi : π−1(Ui) −→ Ui × Rm(x, v) 7−→ (ϕi(x), Dϕi(x).v)

e um atlas Ck em TM . A projecao π e claramente uma submersaoC∞ e o diagrama abaixo e comutativo:

π−1(Ui)Φi //

ϕiπ

""

Ui × Rm

π1

Ui

14 [CAP. 1: VARIEDADES DIFERENCIAVEIS

Para cada par i, j com Ui ∩ Uj 6= ∅, defina

δji : Ui ∩ Uj → GL(m,R)x 7→ D(ϕj ϕ−1

i )(ϕi(x)).

Assim, as mudancas de cartas sao Φj Φ−1i (x, v) = (x, δji (x).v). Pela

regra da cadeia, temos que se x ∈ Ui∩Uj∩Uk, entao δij(x) = (δji (x))−1

e

δki (x) = δkj (x) · δji (x),

onde o produto denota a composicao das duas transformacoes lineares(a multiplicacao no grupo GL(m,R)).

Se f : M → N e uma aplicacao de classe Cs entre variedades declasse Cr, 1 ≤ s ≤ r, entao a aplicacao

Tf : TM → TN

definida por Tf(x, v) = (f(x), Df(x)v) e de classe Cs−1.

Exemplo 1.4. Transformacoes lineares de posto constante

O espaco Pk ⊂ L(Rm,Rn) das transformacoes lineares de postok e uma subvariedade de codimensao (m − k) × (n − k), isto e, adimensao de Pk e m× n− (m− k)× (n− k).

De fato, se T0 e uma transformacao linear de posto k, existembases de Rm e de Rn tais que a matriz de T0 nessas bases e formadapor quatro blocos, sendo que o primeiro e a identidade k × k e osdemais sao nulos. Nessa mesma base a matriz de uma transformacaolinear T proxima a T0 se escreve como

(A BC D

),onde A e uma

matriz inversıvel k × k. Como(A BC D

) (A−1 A−1B

0 −I

)=

(I 0∗ CA−1B −D

)e a segunda matriz do primeiro membro e inversıvel, temos que oposto da primeira matriz e igual ao posto da terceira matriz, quee igual a k se, e somente se, CA−1B − D = 0. Por outro lado,a aplicacao (A,B,C,D) 7→ CA−1B − D e uma submersao, pois aderivada parcial em relacao a D ja e sobrejetiva. Logo Pk e umasubvariedade de codimensao (m− k)× (n− k).

[SEC. 1.2: APLICACOES DIFERENCIAVEIS ENTRE VARIEDADES 15

Exemplo 1.5. Os espacos projetivos reais RPn

Definimos RPn como o conjunto das retas que passam pela origem emRn+1. Claramente tambem podemos ver RPn como o conjunto dasclasses de equivalencia da relacao em Rn+1\0 definida por x ∼ yse, e somente se, existe λ ∈ R \ 0 tal que y = λx. Denotamos aclasse de equivalencia de x por [x] = λx, λ ∈ R\0 e consideramosa aplicacao quociente

q : Rn+1\0 −→ RPnx 7−→ [x].

Colocamos em RPn a topologia quociente, isto e, U ⊂ RPn e abertose, e somente se, q−1(U) e aberto.O subconjunto Ui = [x] ∈ RPn;xi 6= 0 esta bem definido e e umsubconjunto aberto. A aplicacao φi : Ui → Rn dada por

φi([x]) =

(x1

xi, . . . ,

xi−1

xi,xi+1

xi, . . . ,

xn+1

xi

)esta bem definida, isto e, nao depende da escolha de x em sua classede equivalencia, e e um homeomorfismo. Temos tambem que nasintersecoes Ui ∩ Uj , com i 6= j, vale

φj φ−1i (x1, . . . xn) =

(x1

xj, . . .

xj−1

xj,xj+1

xj. . .

1

xj, . . . ,

xnxj

)se j < i e

φj φ−1i (x1, . . . , xn) =

(x1

xj−1, . . .

1

xj−1, . . .

xjxj−1

, . . . ,xnxj−1

)se j > i. Logo φi : Ui → Rn e um atlas C∞ para RPn (de fatoanalıtico real). A aplicacao q e de classe C∞ bem como sua restricaoπ a esfera Sn. Se a : Sn → Sn, a(x) = −x, a qual e chamada deaplicacao antıpoda, entao π(x) = π(y) se, e somente se, y = a(x)ou y = x. Se U e um subconjunto aberto da esfera Sn tal quea(U) ∩ U = ∅, entao V = π(U) e um subconjunto aberto de RPn talque π−1(V ) tem duas componentes conexas, U e a(U), e a restricao deπ a cada uma delas e um difeomorfismo sobre o aberto V . A aplicacao

16 [CAP. 1: VARIEDADES DIFERENCIAVEIS

π e um exemplo do que mais tarde sera chamada de aplicacao derecobrimento. Como a esfera e compacta e π e contınua temos que oespaco projetivo real e tambem compacto. Se n ≥ 2, o subconjunto[x] ∈ RPn;xn+1 = 0 e uma subvariedade de RPn difeomorfa aRPn−1 e seu complemento, [x] ∈ RPn;xn+1 6= 0 e difeomorfo aRn. Portanto RPn e uma compatificacao de Rn.

Exemplo 1.6. Os espacos projetivos complexos CPn

Analogamente ao exemplo anterior, definimos CPn como o conjuntode retas complexas em Cn+1 que passam pela origem. Como an-tes, isto e o mesmo que o conjunto das classes de equivalencia darelacao em Cn+1\0 definida por z ∼ w se, e somente se, existe umnumero complexo λ nao nulo tal que w = λz. Tambem consideramosa aplicacao quociente q : Cn+1 \ 0 → CPn e CPn com a topologiaquociente e os abertos Ui = [z] ∈ CPn; zi 6= 0, com cartas locaisφi : Ui → Cn definidas por

φi[z] =

(z1

zi, . . . ,

zi−1

zi,zi+1

zi, . . . ,

zn+1

zi

).

Como as definicoes sao semelhantes ao caso real, as mudancas decoordenadas sao analogas as de RPn. Por exemplo, se i > j temos

ϕj ϕ−1i (z1, . . . , zn) =

(z1

zj, . . . ,

zj−1

zj,zj+1

zj, ...,

1

zj,zizj, . . . ,

znzj

).

Assim as mudancas de coordenadas sao aplicacoes holomorfas, emparticular de classe C∞. Logo CPn e variedade complexa de di-mensao complexa n.

Como no exemplo anterior, a aplicacao quociente q e uma aplicacaoC∞ (de fato holomorfa) e se restringe a uma aplicacao π de classeC∞(de fato real analıtica) da esfera S2n+1 = z ∈ Cn+1;

∑i |zi|2 =

1 sobre CPn. Isto implica, em particular, que CPn e uma varie-dade compacta. A imagem inversa de cada ponto de CPn por q edifeomorfa a um cırculo na esfera S2n+1.

[SEC. 1.2: APLICACOES DIFERENCIAVEIS ENTRE VARIEDADES 17

Esta aplicacao tem uma estrutura especial. De fato, a aplicacaoθi : Cn → S2n+1 definida por

θi(z1, . . . , zn) =1√

1 +∑j |zj |2

(z1, . . . , zi−1, 1, zi, . . . zn)

e um mergulho C∞, de modo que θi ϕi : Ui → S2n+1 tambem e ummergulho C∞. Portanto a aplicacao Φi : Ui×S1 → q−1(Ui) ⊂ S2n+1

definida por Φi(x, λ) = λθi(ϕi(x)) e um difeomorfismo C∞. Dizemosentao que q e uma fibracao localmente trivial com fibra S1.

Definicao 1.5. Uma submersao π : M → N e uma fibracao local-mente trivial com fibra F se todo ponto de N possui uma vizi-nhanca U tal que exista um difeomorfismo Φ: U × F → π−1(U)com π Φ = π1, em que π1(x, y) = x e a projecao no primeiro fator.

Quando n = 1, CP1 e difeomorfo a esfera S2. De fato, a aplicacaoS2 → CP1 que ao ponto (0, 0, 1) ∈ S2 associa [(1, 0)] ∈ CP1 e, sez1 6= 1, associa ao ponto (x1, y1, z1) ∈ S2 o ponto [(x1 + iy1, 1 −z1)] e um difeomorfismo analıtico real. Isto porque se x2

1 + x22 6= 0,

[(x1 + ix2, 1−x3)] = [1,1−√x21+x2

2

x21+x2

2(x1− ix2) e a aplicacao x1 + ix2 7→

1−√x21+x2

2

x21+x2

2definida em x1 + ix2 6= 0 se estende a uma aplicacao C∞

de uma vizinhanca de zero uma vez que, para t ∈ R proximo a zero,a aplicacao t 7→

√1− t = 1− 1

2 t+ρ(t)t onde ρ e uma funcao analıticareal.

Portanto temos uma fibracao localmente trivial de S3 sobre S2

com fibra S1, conhecida como fibracao de Hopf.

Descreveremos agora uma classe muito importante de subvari-edades complexas de CPn. Um polinomio P : Cn+1 → C e ho-mogeneo de grau k se P (λz1, . . . , λzn+1) = λkP (z1, . . . , zn+1). Maisgeralmente, consideremos uma funcao F : Cn+1 → Cl, com l < n,tal que F (z) = (F 1(z), . . . , F l(z)), onde F j e um polinomio ho-mogeneo de grau kj . Logo F (z) = 0 se, e somente se, F (λz) = 0para todo λ ∈ C \ 0. Assim, tem sentido definir o subconjuntoSF = x ∈ CPn;F (q−1(x)) = 0. Se 0 e valor regular de cada uma

18 [CAP. 1: VARIEDADES DIFERENCIAVEIS

das aplicacoes

(z1, . . . , zn) 7→ F (z1, . . . , zi−1, 1, zi, . . . , zn),

entao SF e uma subvariedade complexa de CPn de dimensao com-plexa n−l. No final desse capıtulo mostraremos que dada uma funcaoF como acima, podemos, perturbando arbitrariamente pouco os co-eficientes dos polinomios, obter uma funcao tal que zero seja valorregular das aplicacoes acima. Quando l = 1 temos que SF e semprenao vazio pois todo polinomio em uma variavel complexa tem sempreuma raız. Usando a teoria de numero de intersecao de subvariedades,mostraremos no capıtulo 9 que SF e sempre nao vazio se l < n. Ob-servemos que, como CPn e uma variedade compacta, entao SF e umasubvariedade compacta pois e obviamente um subconjunto fechados.Essas subvariedades sao chamadas variedades projetivas .

Exemplo 1.7. Espacos projetivos quaternionicos

Em um espaco vetorial real H de dimensao 4 podemos introduziruma estrutura de grupo multiplicativo da seguinte forma. Tomamosuma base e0, e1, e2, e3. Definimos o produto dos elementos da baseda seguinte maneira: e0ej = eje0 = ej , e

2j = −e0, j = 1, 2, 3, e1e2 =

−e2e1 = e3, e2e3 = −e3e2 = e1 e e3e1 = −e1e3 = e2. Estendemosa multiplicacao para todo o espaco H usando a distributividade emrelacao a soma e a comutatividade com respeito a multiplicacao pornumeros reais. Pode-se provar que a multiplicacao assim definida e as-sociativa. O espaco H com a multiplicacao assim definida e conhecidocomo o grupo dos quaternios. Normalmente identificamos o elementoe0 com o numero real 1, e2 com o numero complexo i e denotamose2 por j e e3 por k. Assim H = q = x0 +x1i+x2j+x3k; xl ∈ R.O conjugado de um quaternio q = x0 +x1i+x2j+x3k e o quaternioq∗ = x0 − x1i− x2j − x3k. Temos que qq∗ = q∗q = x2

0 + x21 + x2

2 + x23

e um numero real e, se q 6= 0 o inverso de q e o quaternio (qq∗)−1q∗.Como antes, definimos a relacao de equivalencia em Hn+1 \ 0

como z ∼ w se, e somente se, existe um quaternio nao nulo λ tal quew = zλ = (z1λ, . . . , znλ). O espaco quociente, denotado por HPn , echamado espaco projetivo quaternionico.

Assim, como no exemplo anterior, temos que HPn tem uma es-trutura de variedade de dimensao real 4n, a aplicacao quociente

[SEC. 1.3: GRUPOS DE LIE 19

q : Hn+1 \ 0 → HPn e C∞ e se restringe a uma fibracao localmentetrivial π : S4n+3 → HPn com fibra S3. Quando n = 1 temos, com omesmo argumento usado no exemplo anterior, que HP 1 e difeomorfoa S4 o que nos fornece uma fibracao locamente trivial de S7 sobreS4 com fibra S3. Veremos mais tarde que tanto esse exemplo como oanterior sao casos especiais do que chamaremos fibrados principais.

Exemplo 1.8. Variedades de Grassman reais

Podemos generalizar os espacos projetivos reais considerando oespaco dos k-subespacos de Rn que passam pela origem. Esse espacoe denotado por G(n, k) e e conhecido como variedade de Grassman.Para construir um atlas em G(n, k) tomemos um produto interno emRn e para cada subespaco E ∈ G(n, k) consideremos o subconjuntoUE dos subespacos que intersectam o complementar ortogonal E⊥

apenas na origem. Todo elemento de UE e o grafico de uma unicatransformacao linear em L(E,E⊥). Portanto UE e homeomorfo aoespaco das transformacoes lineares de E em E⊥. Deixamos comoexercıcio ao leitor mostrar que as mudancas de coordenadas sao declasse C∞ e que, portanto, G(n, k) e uma variedade de dimensaok×(n−k). E claro que o espaco projetivo e o caso particular G(n, 1).Vale tambem que a aplicacao E 7→ E⊥ e um difeomorfismo de G(n, k)em G(n, n− k). Se M ⊂ RN e uma subvariedade de classe Cr, r ≥ 1entao a aplicacao que a cada x ∈ M associa o seu espaco tangenteTMx e uma aplicacao de classe Cr−1 de M na variedade de GrassmanG(N,m).

Exemplo 1.9. Variedades de Grassman complexas

Da mesma forma podemos definir uma estrutura de variedadecomplexa em G(n, k,C) no conjunto dos subespacos de dimensaocomplexa k de Cn, generalizando os espacos projetivos complexos.

1.3 Grupos de Lie

Discutiremos a seguir varios exemplos de variedades com uma estru-tura de grupo onde as operacoes sao diferenciaveis. Mais precisa-mente, temos a seguinte definicao.

20 [CAP. 1: VARIEDADES DIFERENCIAVEIS

Definicao 1.6. Um grupo de Lie e uma variedade G, de classe C∞,munida de duas aplicacoes de classe C∞, m : G×G→ G e i : G→ Ge de um elemento e ∈ G, tais que

• m(x, e) = m(e, x) = x ∀x ∈ G

• m(x,m(y, z)) = m(m(x, y), z) ∀x, y, z ∈ G

• i(e) = e

• m(x, i(x)) = m(i(x), x) = e ∀x ∈ G.

O elemento e e chamado de identidade do grupo e as operacoes saonormalmente escritas como m(x, y) = xy e i(x) = x−1.

7a O cırculo

S1 = z ∈ C ; |z| = 1 com a multiplicacao de numeros comple-xos e um grupo de Lie comutativo.

7b Produtos

O produto cartesiano de grupos de Lie e um grupo de Lie, emparticular o toro Tn = S1 × · · · × S1 e um grupo de Lie comutativo.

7c O grupo linear de Rn

O espaco GL(n,R) ⊂ L(Rn,Rn) das transformacoes lineares in-versıveis de Rn com a operacao de composicao e naturalmente umgrupo de Lie, pois a composicao de aplicacoes lineares e uma aplicacaobilinear e assim se restringe a uma aplicacao C∞ em GL(n,R). Peloteorema das funcoes implıcitas, a inversao e tambem de classe C∞.Escolhida uma base de Rn, identificamos GL(n,R) com o grupo dasmatrizes n× n inversıveis.

7d O grupo linear especial de Rn

Como a funcao determinante det : L(Rn,Rn)→ R e de classe C∞

(o determinante e uma funcao n-linear das colunas da matriz) e 1 evalor regular desta, temos que SL(n,R) = A ∈ GL(n,R); detA = 1

[SEC. 1.3: GRUPOS DE LIE 21

e uma subvariedade de codimensao 1. Como a composicao e inversaopreservam SL(n,R) (isto e, e um subgrupo de GL(n,R)), temos queSL(n,R) e tambem um grupo de Lie.

7e O grupo ortogonal, o grupo de Lorentz e o gruposimpletico

Seja B : Rn × Rn → R uma aplicacao bilinear nao degenerada,isto e, a aplicacao Rn → (Rn)∗ = L(Rn,R) dada por x 7→ B(x, ·)e um isomorfismo. Entao, dada uma aplicacao linear T : Rn → Rn,existe uma unica transformacao linear T ∗ : Rn → Rn tal que paratodos x, y ∈ Rn vale B(Tx, y) = B(x, T ∗y).

A aplicacao T ∈ L(Rn,Rn) 7→ T ∗ ∈ L(Rn,Rn) e linear e sa-tisfaz (TS)∗ = S∗T ∗. Denotemos por Ls(Rn,Rn) o subespaco dastransformacoes lineares T tais que T ∗ = T e por Las(Rn,Rn) osubespaco das transformacoes lineares tais que T ∗ = −T . ComoT = 1

2 (T + T ∗) + 12 (T − T ∗), temos que

L(Rn,Rn) = Ls(Rn,Rn)⊕

Las(Rn,Rn).

Seja agora O(n,B) o conjunto das transformacoes lineares in-vertıveis T tais que B(Tx, Ty) = B(x, y) para todos x, y ∈ Rn. Eclaro que O(n,B) e um subgrupo de GL(n,R). Para provar que e umgrupo de Lie basta provar que e uma subvariedade. Para tanto obser-vemos que T ∈ O(n,B) se, e somente se, TT ∗ = I. Por outro lado,como TT ∗ ∈ Ls(Rn,Rn), temos que O(n,B) e a imagem inversa daidentidade pela aplicacao F : L(Rn,Rn) → Ls(Rn,Rn), T 7→ TT ∗.E claro que F e C∞ e DF (T ).X = XT ∗ + TX∗. Se TT ∗ = I eV ∈ Ls(Rn,Rn), existe X ∈ L(Rn,Rn) tal que XT ∗ = 1

2V = TX∗,pois T ∗ = T−1. Logo DF (T ).X = V e I e valor regular de F . Por-tanto O(n,B) e um grupo de Lie.

O grupo ortogonal O(n,R) e o grupo O(n,B) onde B e um pro-duto interno de Rn. Tomando uma base ortonormal de Rn, a matrizassociada a T ∗ e a transposta da matriz associada a T . Assim, ogrupo ortogonal se identifica com o grupo das matrizes que multipli-cada pela transposta e igual a identidade. O determinante de umatal matriz e portanto igual a 1 ou a -1. Como duas matrizes or-

22 [CAP. 1: VARIEDADES DIFERENCIAVEIS

togonais com determinante com um mesmo sinal podem ser ligadaspor um caminho de matrizes ortogonais, temos que O(n,R) tem duascomponentes conexas. A componente da identidade e denotada porSO(n,R), o conjunto das matrizes ortogonais de determinante 1.

Se B e uma transformacao bilinear simetrica e nao degenerada deRn, existe uma base e1, . . . en de Rn tal que B(ei, ej) = 0 se i 6= j,B(ei, ei) = 1 se i ≤ k e B(ei, ei) = −1 se i = k + 1, . . . , n. Ointeiro k e chamado de assinatura da forma bilinear. O grupo dastransformacoes que preservam uma forma bililinear de assinatura ke denotado por O(n− k, k). E facil verificar que o grupo O(3, 1) temquatro componentes conexas e a componente que contem a identi-dade e chamada de grupo de Lorentz , que desempenha um papelfundamental em Fısica. Este grupo de Lie tem dimensao 6.

Um outro caso particular importante e quando a forma bilineare alternada, o que e chamado de forma simpletica. Nesse caso adimensao do espaco tem que ser par e existe uma base na qual aforma simpletica se escreve como

B((x1, . . . , xn, p1, . . . , pn), (y1, . . . , yn, q1, . . . , qn)) =

n∑i=1

(xiqi − piyi)

Denotamos por Sp(n,R) o grupo de Lie das transformacoes que dei-xam invariante a forma simpletica.

7f Grupos Lineares Complexos

O grupo das transformacoes lineares complexas inversıveis de Cne denotado por GL(n,C) e e obviamente um grupo de Lie. Como an-teriormente, o subgrupo SL(n,C) das transformacoes com determi-nante 1 e tambem um grupo de Lie, e de fato uma variedade complexae as operacoes do grupo sao holomorfas.

Para construir outros subgrupos com estrutura de grupo de Lie,consideremos uma forma hermitiana B : Cn × Cn → C, isto e, B eC-linear na segunda variavel, B(x, y) = B(y, x) e e nao degenerada,no sentido que: B(x, y) = 0 para todo y se, e somente se, x = 0.Como anteriormente, temos que dada uma transformacao C-linearT : Cn → Cn, existe uma unica transformacao C-linear T ∗ : Cn → Cn

[SEC. 1.4: O LEMA DE SARD 23

tal que B(Tx, y) = B(x, T ∗y) para todos x, y ∈ Cn. Temos tambemque (TS)∗ = S∗T ∗ e se λ ∈ C, entao (λT )∗ = λT ∗. Portanto aaplicacao T 7→ T ∗ e anti-linear. O subgrupo das transformacoes quepreservam B e denotado por U(n,C) e e chamado grupo unitario. De-finimos SU(n,C) como o subgrupo que consiste das transformacoesunitarias com determinante 1. Os mesmos argumentos utilizados nocaso real mostram que esses grupos sao variedades complexas e queas operacoes de grupo sao holomorfas.

7g Quaternios Unitarios

A esfera S3 vista como o conjunto dos quaternios de norma 1 eum grupo de Lie nao comutativo. De fato, se q = x0 +x1i+x2j+x3k,entao q∗ = x0 − x1i− x2j − x3k e qq∗ = x2

0 + x21 + x2

2 + x23, de modo

que S3 = q ∈ H; qq∗ = 1. Podemos identificar R3 com o conjuntodos quaternios imaginarios, isto e,

R3 = τ ∈ H; τ∗ = −τ = y1i+ y2j + y3k; y1, y2, y3 ∈ R

e ττ∗ = y21 + y2

2 + y23 . Assim, a cada quaternio q ∈ S3, podemos

associar a transformacao linear R3 → R3, τ 7→ qτq∗, e notar quepreserva a norma, e portanto e um elemento de SO(3). Assim temosa aplicacao

π : S3 −→ SO(3)q 7−→ (τ 7→ qτq∗).

Exercıcio 1.1. Mostre que π e uma aplicacao de classe C∞, que eum homomorfismo de grupos e que seu nucleo e isomorfo a Z2.

1.4 O Lema de Sard

Um cubo em Rn e o produto cartesiano Πni=1Ii onde Ii e um intervalo

de comprimento l > 0. Dizemos que o cubo tem aresta l e volume ln.Um subconjunto X ⊂ Rn tem medida zero se dado ε > 0 existe umacobertura no maximo enumeravel de X por cubos tal que a somatotal dos volumes e menor que ε.

Proposicao 1.1. 1. A uniao de uma colecao enumeravel de sub-conjuntos de medida zero em Rn tem medida zero.

24 [CAP. 1: VARIEDADES DIFERENCIAVEIS

2. X ⊂ Rn tem medida zero se, e somente se, todo ponto tem umavizinhanca que intersecta X em um conjunto de medida zero.

Demonstracao. 1) Sejam Xi, i = 1, 2, . . . conjuntos de medida zero.Dado ε > 0 para cada i existe uma colecao no maximo enumeravelCi,j de cubos que cobrem Xi e tais que

∑j Vol(Ci,j) <

ε2i . Logo

X ⊂ ∪i,jCi,j e∑i,j Vol(Ci,j) < ε. 2) Segue de 1) pois toda cobertura

aberta de um subconjunto de Rn tem uma subcobertura enumeravel.

Proposicao 1.2. Seja f : U ⊂ Rm → Rp , p ≥ m, uma aplicacao declasse C1. Se X ⊂ U tem medida zero, entao f(X) tem medida zero.

Demonstracao. Pela desigualdade do valor medio, uma funcao declasse C1 e localmente Lipschitz. Portanto se x0 ∈ U existem vizi-nhancas V,W de x0 com o fecho de V compacto e contido em W ⊂ Ue uma constante K tais que se x, y ∈W , ||f(x)− f(y)|| < K||x− y||.Pela proposicao 1.1, podemos supor que X ⊂ V . Um cubo contidoem W de aresta l tem diametro l

√m. Logo sua image, esta contida

em uma bola de raio Kl√m, que por outro lado esta contida em um

cubo de aresta 2Kl√m e volume (2Kl

√m)p. Como p ≥ m temos

que se l < 1 e L = (2K√m)p, entao a imagem de um cubo C ⊂ W

esta contido em um cubo C tal que Vol(C) ≤ LVol(C). Dado ε > 0,podemos cobrir X ∩ V por uma famılia de cubos cuja soma dos vo-lumes e menor que ε

L e tambem menor do que o mınimo entre 1 e adistancia de V ao complementar de W elevado a potencia m. Essaultima condicao garante que todos os cubos que intersectam X estaocontidos em W . Assim, podemos escolher para cada cubo um ou-tro cubo em Rp que contenha sua imagem e tenha volume menor ouigual a L vezes o volume do cubo do domınio. Temos portanto umacobertura da imagem de X por cubos tal que a soma dos volumesseja menor do que ε.

Corolario 1.3. Se f : U ⊂ Rm → Rp e de classe C1 e p > m, entaof(U) tem medida nula.

Demonstracao. Definindo f : U × Rp−m → Rp por f(x, y) = f(x),entao f(U) = f(U × 0) e U × 0 tem medida nula em Rp.

[SEC. 1.4: O LEMA DE SARD 25

Como conjuntos de medida nula sao preservados por difeomorfis-mos, a nocao de medida nula se estende para variedades: um conjuntoX ⊂M tem medida nula se sua imagem por cartas locais tem medidanula.

Corolario 1.4. Seja f : M → N uma aplicacao C1 entre variedades.

• Se a dimensao de N e maior que a dimensao de M , entao f(M)tem medida zero.

• Se a dimensao de N e maior ou igual a dimensao de M , entao faplica conjuntos de medida nula em conjuntos de medida nula.

Definicao 1.7. Dizemos que x ∈M e ponto crıtico de uma aplicacaof : M → N de classe C1 se a derivada de f em x nao e sobrejetiva. Oconjunto dos pontos crıticos de f e denotado por Cr(f) e e um sub-conjunto fechado de M . O complemento de sua imagem e o conjuntodos valores regulares de f .

Lema 1.5. Se f : U ⊂ Rm → Rn e de classe C∞, entao a imagem doconjunto crıtico de f tem medida nula.

Antes de provar o lema mostraremos que ele implica o seguinteteorema.

Teorema 1.6. (Lema de Sard) Se f : M → N e uma aplicacaoC∞, entao a imagem do conjunto crıtico de f tem medida nula.

Demonstracao. Tomemos famılias enumeraveis de cartas locaisψi : Vi ⊂ N → Rn, φi : Ui ⊂ M → Rm tais que f(Ui) ⊂ Vi e auniao dos Ui seja igual a M . E claro que o conjunto dos pontoscrıticos de f e a uniao das pre-imagens por φi dos pontos crıticos deψi f φ−1

i , portanto a imagem por f dos pontos crıticos de f e iguala uniao das pre-imagens por ψi das imagens dos pontos crıticos deψif φ−1

i . Pelo Lema 1.5 a imagem dos pontos crıticos de ψif φ−1i

tem medida nula e portato sua imagem por ψ−1i tambem tem medida

nula.

Corolario 1.7. O conjunto dos valores regulares de uma aplicacaode classe C∞ e denso.

26 [CAP. 1: VARIEDADES DIFERENCIAVEIS

Demonstracao. Um cubo em Rn nao tem medida nula. De fatoisso e obvio em dimensao 1 e segue por inducao na dimensao usandoo teorema de Fubini. Dado um ponto e uma vizinhanca desse ponto,existe uma vizinhanca menor que e aplicada por uma carta local emum cubo, logo essa vizinhanca nao pode estar contida na imagem dospontos crıticos. Portanto contem algum valor regular.

Demonstracao do Lema de Sard: Sejam Σ0(f) o conjunto dospontos crıticos de f e, para i ≥ 1, Σi(f) o conjunto dos pontos x ∈ Utais que todas as derivadas de f em x se anulam ate a ordem i. Seja νo menor inteiro maior que m

n e consideremos a decomposicao seguintedo conjunto crıtico de f :

Σ0(f) = Σν(f) ∪ (∪ν−1i=0 (Σi \ Σi+1)).

Vamos mostrar que a imagem de cada um desses subconjuntos temmedida nula.

Σν tem medida nula.Se x0 ∈ Σν , entao existe, pelo teorema de Taylor, um cubo C ⊂U contendo x0 em seu interior e uma constante L > 0 tal que||f(x) − f(y)|| ≤ L||x − y||ν para todos x ∈ Σν ∩ C e y ∈ C. Comoja vimos, basta provar que a imagem da intersecao de Σν com Ctem medida nula. Dado um inteiro s, podemos dividir o cubo em sm

cubos com arestas ls , onde l e a aresta do cubo C, C = ∪smi=1Ci. Se

um cubo Ci intersecta Σν , entao sua imagem esta contida em umabola de raio L( ls

√m)ν e portanto contida em um cubo C ′i de volume

(2L ls

√m)nν . Como o numero de cubos Ci que intersectam Σν e me-

nor ou igual a sm, temos que a imagem da intersecao de Σν com ocubo C pode ser coberta por cubos cuja soma dos volumes e menor ouigual a sm(2L l

s

√m)nν = (2Ll

√m)νnsm−nν , valor que tende a zero

quando s→∞ pois m− nν < 0. Logo a imagem de Σν tem medidazero.

Prova do Lema quando m = 1.Se n > 1 o Lema segue da Corolario 1.4. Seja n = 1. Seja I umintervalo em torno de um ponto x0 de comprimento l. Dividimos I

[SEC. 1.4: O LEMA DE SARD 27

em intervalos Ij de comprimento ls . Dado ε > 0 temos que, se s e su-

ficientemente grande e o intervalo Ij contem um ponto crıtico, entaof(Ij) e um intervalo de comprimento menor ou igual a ε

lls . Logo a

imagem da intersecao de I com o conjunto de pontos crıticos podeser coberta por intervalos cuja soma dos comprimentos e menor ouigual a ε. Isso prova o lema se m = 1 e, consequentemente, o teorema1.6 e tambem verdadeiro se m = 1.

Suponhamos por inducao que o teorema e verdadeiro para m − 1 etodo p. Vamos provar que o Lema em dimensao m.

f(Σi \ Σi+1) tem medida nula se i ≥ 1.Seja x0 ∈ Σi \ Σi+1. Seja g a derivada parcial de ordem i de umacoordenada de f tal que a derivada parcial de g em relacao a xj naose anula. Pelo teorema das funcoes implıcitas, existe uma vizinhancaV de x0 tal que S = V ∩ g−1(0) e uma subvariedade de dimensaom−1. Como Σi∩V ⊂ S e Σi∩V esta contido no conjunto de pontoscrıticos da restricao de f a S, temos, pela hipotese de inducao, quef(V ∩ (Σi \ Σi+1)) tem medida zero.

f(Σ0 \ Σ1) tem medida zero.Seja x0 ∈ Σ0 \ Σ1. Logo, alguma das componentes de f tem algumaderivada parcial nao nula em x0. Pelo teorema da funcao implıcita,existem vizinhancas V de x0, W de f(x0) e difeomorfismos φ : V →R×Rm−1, ψ : W → R×Rn−1 satisfazendo φ(x0) = 0, ψ(f(x0)) = 0.Temos ainda que se g = ψ f φ−1, entao g(t, x) = (t, h(t, x)), ondeh : R× Rm−1 → Rn−1 e uma funcao C∞.

Basta mostrar que a imagem do conjunto de pontos crıticos de gtem medida nula. Pela hipotese de inducao, para cada t o conjuntoht(Cr(ht)) ⊂ Rn−1 tem medida nula. Como Cr(g) = ∪tt × Cr(ht)temos que, pelo Teorema de Fubini, g(Cr(g)) = ∪tt × ht(Cr(ht))tem medida nula.

Consideremos o espaco S das aplicacoes F : Cn+1 → Cl da formaF (z) = (F 1(z), . . . , F l(z)), onde cada F j e um polinomio homogeneode grau kj . Entao S e um subconjunto aberto de um espaco vetorial

28 [CAP. 1: VARIEDADES DIFERENCIAVEIS

de dimensao n =∑lj=1 n(j), onde n(j) e numero de monomios ho-

mogeneos de grau kj nas variaveis z1, . . . , zn+1. Logo S e um espacode Baire, isto e, a intersecao enumeravel de subconjuntos abertos edensos e densa.

Proposicao 1.8. Dado F ∈ S, defina a aplicacao F (i) : Cn → Cl por

F (i)(z) = F (z1, . . . , zi−1, 1, zi, . . . zn+1).

Seja Si,k ⊂ S o conjunto das funcoes F tais que para todo z ∈ Cn,com ||z|| ≤ k e F (i)(z) = 0, a derivada DF (i)(z) e sobrejetiva. EntaoSi,k e aberto e denso.

Demonstracao. Considere F ∈ Si,k. Como a intersecao do fechadoz ∈ Cn;F (i)(z) = 0 com a bola fechada de raio k e compacta eo conjunto das aplicacoes lineares sobrejetivas e aberto, existe umavizinhanca V desse compacto e uma vizinhanca W de F tal que seG ∈ W entao DG(i)(z) e sobrejetiva para todo z ∈ V . Como o com-plementar de V na bola fechada de raio k e compacto e F (i) nao seanula nesse compacto, podemos diminuir W de forma que G(i) ∈ Wtambem nao se anule nesse compacto. Logo W ⊂ Si,k e Si,k e aberto.

Para mostrar a densidade, seja F ∈ S em W uma vizinhanca deF . Seja ε > 0 tal que se G ∈ S e cada coeficiente dos monomiosde Gj esteja a menos de ε do correspondente monomio de F j entaoG ∈W . Pelo Lema de Sard, existe w ∈ Cl que e valor regular de F (i)

e |wj | < ε para j = 1, . . . , l. Tomemos agora G ∈ S tal que todosos coeficientes dos monomios de Gj sao iguais aos de F j exceto ocoeficiente do monomio zkii , onde a diferenca e −wj . Logo G ∈W e,como G(i)(z) = F (i)(z)−w, temos que 0 e valor regular de G e assimG ∈ Si,k e aberto e denso. Portanto S = ∩i,kSi,k e um conjuntoresidual e, como veremos no proximo capıtulo, toda variedade e umespaco de Baire: todo conjunto residual e denso.

Corolario 1.9. O conjunto das funcoes F ∈ S tais que 0 e valorregular de cada uma das funcoes F (i) e denso.

Veremos mais tarde que muitos espacos de funcoes tem uma es-trutura de espacos de Banach, isto e, um espaco vetorial munido de

[SEC. 1.4: O LEMA DE SARD 29

uma norma completa: toda sequencia de Cauchy e convergente. Se anorma do espaco de Banach E e definida via um produto interno di-zemos que E e um espaco de Hilbert. Um isomorfismo entre espacosde Banach e uma aplicacao linear contınua que possui uma inversacontınua. Um subespaco fechado F de um espaco de Banach E dedimensao infinita pode nao possuir um complementar fechado, istoe, um subespaco fechado F tal que exista um subespaco fechado Gtal que E seja isomorfo a E ⊕ F . Se E,F sao espacos de Banach, oespaco L(E,F ) das aplicacoes lineares contınuas, munido da norma,|T | = sup||Tv||; ||v|| = 1 e tambem um espaco de Banach. Os re-sultados usuais do calculo diferencial se estendem para funcoes entreespacos de Banach.

O teorema da funcao inversa, cuja prova e a mesma que em di-mensao finita, afirma que se f : U ⊂ E → F e uma aplicacao declasse C?1 e a derivada de f no ponto x0 e um isomorfismo ( isto e,tem uma inversa contınua) entao a restricao de f a uma vizinhancade x0 e um difeomorfismo sobre uma vizinhanca de f(x0). Para oteorema da forma local das submersoes, devemos exigir que a deri-vada no ponto x0 alem de ser sobrejetiva que o seu nucleo tenha umcomplementar fechado tal que a derivada restrita a esse subespacoseja um isomorfismo sobre F . Para a forma local das submersoesexigimos que a imagem da derivada seja um subespaco fechado quetem um complementar fechado.

A nocao de variedades modeladas em espacos de Banach e ana-loga: uma carta local e um homeomorfismo de um aberto sobre umsubconjunto aberto do espaco de Banach e as mudancas de coor-denadas sao difeomorfismos. Da mesma forma definimos aplicacoesdiferenciaveis entre variedades de Banach.

Em [Ku], Kupka deu um exemplo de uma funcao de classe C?∞em um espaco de Hilbert, tomando valores na reta, que nao satisfaz oteorema de Sard: o conjunto dos valores crıticos contem um intervalo.

Em [SS], Smale mostrou uma extensao do teorema de Sard parauma classe importante de aplicacoes entre variedades de Banach. Umoperador entre espacos de Banach e de Fredholm se o seu nucleotem dimensao finita e sua imagem e um subespaco fechado de codi-mensao finita. O ındice de um operador de Fredholm e definido comoa diferenca entre a dimensao do nucleo e a codimensao da imagem.Uma aplicacao diferenciavel entre duas variedades de Banach e de

30 [CAP. 1: VARIEDADES DIFERENCIAVEIS

Fredholm se em cada ponto a derivada e um operador de Fredholm.Se a aplicacao e C?r e o domınio e conexo entao o ındice e constante( o conjunto dos operadores de Fredholm e aberto e o ındice e local-mente constante). Smale mostrou que se uma aplicacao de Fredholme Cr com r maior que 0 e maior que o ındice, entao o conjunto dosvalores regulares e resisual e, portanto, denso no contradomınio. Ademonstracao se reduz facilmente ao caso de dimensao finita. Poroutro lado a hipotese e verificada em varias situacoes importantes noestudo de equacoes a derivadas parciais.

Capıtulo 2

Particao da unidade e aplicacoes

2.1 Particao da unidade

Nessa secao introduziremos uma tecnica fundamental que permiteglobalizar resultados locais em variedades diferenciaveis de classeCr, em que 1 ≤ r ≤ ∞. A existencia desse instrumento e umdos responsaveis pela maior flexibilidade das estruturas diferenciaveiscomparando-as com as estruturas complexas, para as quais nao dis-pomos de instrumentos semelhantes.

Proposicao 2.1. Se 0 < a < b, entao existe uma funcao

λ : Rn → [0, 1]

de classe C∞ tal que

λ(x) = 1 se ‖x‖ ≤ aλ(x) = 0 se ‖x‖ ≥ b

Demonstracao. Para provar o fato, definimos 4 funcoes como segue.

Defina primeiramente α : R→ R por

α(t) =

0 se t ≤ 0

e−1t se t ≥ 0

.

Verifica-se que α e de classe C∞. Em seguida defina β : R → R porβ(t) = α(b− t)α(t− a).

31

32 [CAP. 2: PARTICAO DA UNIDADE E APLICACOES

Figura 2.1: Graficos de α e β.

Finalmente, defina δ : R → R por δ(t) =∫ btβ∫ b

e λ : Rn → [0, 1] por

λ(x) = δ(‖x‖).

Figura 2.2: Graficos de δ e λ.

Proposicao 2.2. Se M e uma variedade, entao existe uma sequenciade subconjuntos compactos

K1 ⊂ K2 ⊂ K3 ⊂ . . .

tais que

•⋃∞i=1Ki = M

• Ki esta contido no interior de Ki+1.

Demonstracao. A primeira observacao e que qualquer coberturaaberta Uλ, λ ∈ Λ de M admite uma subcobertura enumeravel. De

[SEC. 2.1: PARTICAO DA UNIDADE 33

fato, seja Bn, n ∈ N uma base enumeravel de abertos de M . Sex ∈ M , com Uλ 3 x, existe n tal que x ∈ Bn ⊂ Uλ. Temos entaouma cobertura enumeravel de M , Bni tal que cada Bni esta contidoem algum Uλ. Para cada i escolhemos λi tal que Uλi ⊃ Bni . Temosentao uma subcobertura enumeravel.

Para cada x ∈ M tome Vx uma vizinhanca compacta de x e consi-deremos a cobertura de M pelo interior dos Vx. Tomamos daı umasubcobertura enumeravel Vnn∈N.

Seja K1 = V1. Como K1 e compacto e os interiores dos Vj cobremK1, podemos encontrar uma subcobertura finita. A uniao de K1

com os elementos dessa cobertura finita de K1 e um compacto K2

cujo interior contem K1. Por inducao, construımos toda a sequenciausando o mesmo argumento.

Definicao 2.1. Seja f : M → R uma funcao contınua. O suporte def , denotado por supp(f), e o fecho de x ∈M ; f(x) 6= 0.

Definicao 2.2. Seja V = Vii∈I uma cobertura aberta de M . Umaparticao da unidade subordinada a V e uma famılia λi : M → [0, 1]de funcoes C∞ tal que

1. supp(λi) ⊂ Vi;

2. supp(λi) e uma famılia localmente finita, isto e, todo ponto deM tem uma vizinhanca que intersecta no maximo um numerofinito de elementos da famılia;

3.∑i∈I λi(x) = 1.

Obs. A soma em (3) e finita para cada x ∈M devido a (2).

Lema 2.3. Seja W = Wλ, λ ∈ Λ uma cobertura aberta de M querefina a cobertura V = Vi; i ∈ I, isto e , existe uma funcao l : Λ→ Ital que para todo λ vale Wλ ⊂ Vl(λ). Se existe particao da unidadeφλ, λ ∈ Λ subordinada a W, entao existe uma particao da unidadeψi, i ∈ I subordinada a V.

34 [CAP. 2: PARTICAO DA UNIDADE E APLICACOES

Demonstracao. Basta tomar

ψi =∑l(λ)=i

φλ.

De fato, vamos provar que o suporte de ψi esta contido em Vi. Sejax um ponto do complementar de Vi. Como a famılia dos suportes deφλ e localmente finita, existe uma vizinhanca U0 de x que intersectaapenas um numero finito de elementos dessa famılia. Se I(λ) = i e osuporte de φλ nao intersecta U0 definimos Uλ = U0. Caso contrario,como o suporte de φλ esta contido em Ui e x nao pertence a Ui, existeuma vizinhanca Uλ de x disjunta do suporte de φλ. A intersecao Uda famılia finita Uλ e uma vizinhanca de x na qual ψi e identicamentenula, o que prova a afirmacao e o lema.

Teorema 2.4. Dada uma cobertura aberta A = Aλ, λ ∈ Λ de M ,entao existe uma particao da unidade subordinada a A.

Demonstracao. Considere uma sequencia de compactos Ki tais que

∞⋃i=1

Ki = M

eKi ⊂ intKi+1.

Para cada x ∈M seja Wx uma vizinhanca de x e ϕx : Wx → B(0, 3)uma carta local, onde B(0, 3) e a bola de centro zero e raio 3 em Rm,tais que

0. ϕx(x) = 0;

1. Wx esta contido em um elemento da cobertura A;

2. Se x ∈ Ki+1 \ intKi, entao Wx ⊂ intKi+2 \Ki−1 (se x ∈ K1,Wx ⊂ intK2 e se x ∈ K2 \ intK1, Wx ⊂ intK3);

Seja λx : M → [0, 1] uma funcao C∞ que e 1 em Ux = ϕ−1x (B(0, 1))

e vale 0 fora de Vx = ϕ−1x (B(0, 2)) (basta tomar λx = λ ϕx, onde

λ : Rm → [0, 1] e uma funcao C∞ que vale 1 em B(0, 1) e 0 fora deB(0, 2)).

[SEC. 2.2: CAMPOS DE VETORES EM VARIEDADES 35

Considerando a cobertura Ux, x ∈ M, selecionamos uma subco-bertura finita de cada compacto Ki+1 \ intKi. Obtemos assim umacobertura Uii∈N e funcoes C∞ λi : M → [0, 1] que valem 1 em Ui e0 fora de Vi. Alem disso, cada Wi esta contido em algum elemento dacobertura A. Por construcao, a cobertura Wi e localmente finita.Defina ϕi : M → [0, 1] por

ϕi(x) =λi(x)∞∑j=1

λj(x).

Como a cobertura e localmente finita, a soma no denominador e finitaem uma vizinhanca compacta de cada ponto e nao se anula. Logo,cada ϕi e C∞ e a colecao ϕi e uma particao da unidade subordinadaa cobertura Wi. Pelo lema 2.3, existe uma particao da unidadesubordinada a A.

Corolario 2.5. Se K ⊂ V ⊂M , K fechado e V aberto, entao existeuma funcao C∞ λ : M → [0, 1] tal que λ(x) = 1 para x ∈ K eλ(x) = 0 se x ∈M \ V .

Demonstracao. Considere uma particao da unidade subordinada acobertura V,M \K.

2.2 Campos de vetores em variedades

Um campo de vetores Ck em um aberto U ⊂ Rm e uma aplicacaoX : U ⊂ Rm → Rm de classe Ck. Uma curva integral de X e umacurva diferenciavel α : [a, b] → U tal que α′(t) = X(α(t)) para todot ∈ [a, b] .

Se k ≥ 1, o teorema de unicidade de solucoes de equacoes dife-renciais ordinarias estabelece que se duas curvas integrais coincidemem um ponto, entao elas coincidem na intersecao dos domınios. Poroutro lado, o teorema de existencia e diferenciabilidade com relacaoa condicoes iniciais estabelece que para todo x ∈ U existem uma vi-zinhanca V ⊂ U de x, um numero ε > 0 (que depende de x) e umafuncao ϕ : (−ε,+ε)× V → U de classe Ck tal que

36 [CAP. 2: PARTICAO DA UNIDADE E APLICACOES

• ϕ(0, y) = y para todo y ∈ V ;

• t 7→ ϕ(t, y) e uma curva integral de X.

Se f : U → W e um difeomorfismo de classe Ck+1 entre abertosde Rm, X : U → Rm e Y : W → Rm sao campos de vetores Ck, entao

para toda curva integral α de X, f α e curva integral de Y

m

X = f∗Y

onde(f∗Y )(x) = (Df(x))−1.Y (f(x)).

Dizemos, nesse caso, que o campo X e o pull-back de Y pelodifeomorfismo f .

Definicao 2.3. Seja ϕi : Ui ⊂ M → Ui ⊂ Rm; i ∈ I um atlas Cr,r ≥ k + 1, em uma variedade M . Um campo de vetores X em Mde classe Ck e uma famılia de campos de vetores Xi : Ui → Rm declasse Ck tais que

(ϕj ϕ−1i )∗(Xj |ϕj(Ui∩Uj)) = Xi|ϕi(Ui∩Uj).

O conjunto dos campos de vetores de classe Ck em M e denotadopor Xk(M).

Das equacoes acima segue que

(Dϕi(x))−1(Xi(ϕi(x))) = (Dϕj(x))−1(Xj(ϕj(x)))

para todo x ∈ Ui ∩ Uj . Portanto existe um unico vetor X(x) ∈ TMx

tal que Dϕi(x)X(x) = Xi(ϕi(x)). Portanto um campo de vetores emM e uma secao do fibrado tangente, isto e, uma aplicacao X : M →TM tal que πX e a identidade de M . A diferenciabilidade do campode vetores coincide com a diferenciabilidade dessa aplicacao.

Uma curva integral de X e uma curva diferenciavel α : (a, b)→Mtal que α′(t) = X(α(t)) para todo t ∈ (a, b). Se β : (c, d)→M e outra

[SEC. 2.2: CAMPOS DE VETORES EM VARIEDADES 37

curva integral com β(t0) = α(t0), entao, pelo teorema de unicidadede equacoes diferenciais no Rm, o conjunto dos t ∈ (a, b) ∩ (c, d)tais que α(t) = β(t) e aberto. Como esse conjunto e obviamentefechado, ele coincide com o intervalo (a, b) ∩ (c, d). Assim as curvasintegrais se estendem para uma curva integral definida na uniao dosdois intervalos. Logo qualquer curva integral se estende a uma curvaintegral δ : (ω−, ω+)→M definida em um intervalo maximal, isto e,toda vez que uma curva integral coincide com δ em algum instante t,entao seu domınio de definicao esta contido em (ω−, ω+) e ela coincidecom a restricao de δ.

Proposicao 2.6. Se ω+ < ∞, entao para todo compacto K ⊂ Mexiste τ > 0 tal que se t > ω+ − τ , entao δ(t) /∈ K. Analogamente,se ω− > −∞, entao δ(t) /∈ K para todo t suficientemente proximo deω−.

Demonstracao. Se a afirmacao nao fosse verdadeira, existiria umasequencia tn → ω+ tal que δ(tn) ∈ K. Como K e compacto, passandoa uma subsequencia se necessario, podemos supor que δ(tn)→ x ∈ K.Por outro lado, existe ε > 0, uma vizinhanca V de x e uma funcao Ck

ϕ : (−ε, ε)×V →M tal que ∀y ∈ V , a aplicacao t ∈ (−ε, ε) 7→ ϕ(t, y)e uma curva integral deX com ϕ(0, y) = y. Fixe n tal que ω+−tn < ε,e seja y = δ(tn) ∈ V . Temos entao que δ : (tn−ε, tn+ε)→M definidapor δ(t) = ϕ(t− tn, y) e curva integral de X com δ(tn) = δ(tn). Logorδ = δ em (tn − ε, ω+) e assim δ se estende a uma curva integral em(ω−, tn + ε), que contem estritamente o intervalo (ω−, ω+), o que eabsurdo.

Da proposicao segue, em particular, que se M e compacta ou Xse anula fora de um compacto de M , entao o intervalo maximal dedefinicao de toda curva integral de X e R.

Dizemos que um campo de vetores X e completo se toda curvaintegral de X esta definida para toda reta. Assim, se X e completo,temos definida uma aplicacao

ϕ : R×M →M

tal que

38 [CAP. 2: PARTICAO DA UNIDADE E APLICACOES

• ϕ(0, x) = x para todo x ∈M ;

• ∂ϕ∂t (t, x) = X(ϕ(t, x)) para todos x ∈M e t ∈ R.

Proposicao 2.7. Seja X um campo de vetores completo de classeCr, r ≥ 1 em uma variedade M de classe Cr+1. Seja

Φ: R×M →M

a aplicacao tal que para cada x ∈M a aplicacao

t ∈ R 7→ Φ(t, x) ∈M

e a curva integral de X que em t = 0 passa por x. Entao

1. Φ e de classe Cr;

2. As aplicacoes Xt : M → M , Xt(x) = Φ(t, x) sao difeomorfis-mos de classe Cr e a aplicacao t ∈ R 7→ Xt ∈ Difr(M) e umhomomorfismo do grupo aditivo dos numeros reais no grupodos difeomorfismos de class Cr de M com a operacao de com-posicao, isto e,i)X0 e a identidade de Mi) Xt+s = Xt Xs

Demonstracao. As aplicacoes α, β : R → M definidas por α(t) =Xt+s(x), β(t) = Xt(Xs(x)) sao curvas integrais deX e α(0) = Xs(x)) =β(0). Logo, pelo teorema de unicidade temos que β = α e, portanto,Xt+s = Xt Xs. Como X0 e a identidade de M temos que cada Xt

e uma bijecao cujo inverso e X−t.Afirmamos que para cada x0 ∈ M existem ε > 0 e uma vizinhancaU de x0 em M tais que para todo t ∈ (−ε, ε) a restricao de Xt a U eum difeomorfismo sobre uma vizinhanca de Xt(x0).De fato, pelo teorema da diferenciabilidade das solucoes de umaequacao diferencial em relacao as condicoes iniciais, temos que o fluxolocal:

φ : (−ε, ε)× V →M,

onde V e uma vizinhanca de x0 em M , e de classe Cr. Pela unicidadetemos que para todo x ∈ V , Xt(x) = φ(t, x) para todo t ∈ (−ε, ε).

[SEC. 2.2: CAMPOS DE VETORES EM VARIEDADES 39

Portanto a restricao de Xt a V e de classe Cr. Tomando ε suficien-temente pequeno e uma pequena vizinhanca U de x0 contida em Vtemos que, para todo t ∈ (−ε, ε), Xt(U) ⊂ V . Logo Xt restrito aU tem uma inversa Cr, X−t em portanto e um difeomorfismo de Usobre um aberto de M o que prova a afirmacao.Afirmamos que para todo (t, x0) ∈ R ×M existe uma vizinhanca Vtde x0 tal que a restricao de Xt a Vt e um difeomorfismo sobre umaberto.Pela afirmacao anterior, isto e verdade para t suficientemente pro-ximo de 0. Consideremos o conjunto A ⊂ t tais que a afirmacaoseja verdadeira para t ∈ A. Pela afirmacao anteriormente provada,se t1 ∈ A entao existe vizinhanca V1 de Xt1(x0) e ε > 0 tal que arestricao de Xt a V1 e um difeomorfismo para todo t ∈ (−ε, ε) e,como t1 ∈ A, existe vizinhanca V2 de x0 onde a restricao de Xt1 e umdifeomorfismo. Diminuindo essa vizinhanca podemos supor que suaimagem esta contida em V1. Logo a restricao de Xt1+t = Xt Xt1 aVt1 e um difeomorfismo para todo t ∈ (−ε, ε). Portanto A e aberto.Com o mesmo argumento concluimos que A e fechado. Logo A = Ro que mostra a segunda afirmacao.Como Xt e um difeomorfismo local e uma bijecao temos que Xt e umdifeomorfismo para todo t.Finalmente vamos mostrar que Φ e Cr em uma vizinhanca de (t0, x0).Seja V uma vizinhanca de Xt0(x0) e ε > 0 tal que a restricao de Φ a(−ε, ε)× V seja de classe Cr. Seja U uma vizinhanca de x0 tal que arestricao de Xt0 a U seja um difeomorfismo sobre um aberto contidoem V . Comos, para (t, x) ∈ (t0 − ε, t0 + ε)× U temos

Φ(t, x) = Φ(t− t0, Xt0(x)),

temos que a restricao de Φ a (t, x) ∈ (t0 − ε, t0 + ε) × U e tambemCr.

Observacao 2.1. Mesmo quando M e nao compacta podemos usaro campo de vetores para construir famılias a um parametro de mer-gulhos de regioes com fecho compacto. De fato, se U ⊂ M e umaaberto com fecho compacto, existe ε > 0 e uma famılia de mergulhosXt : U → M , t ∈ (−ε, ε) tais que para cada x ∈ U , a aplicacaot 7→ Xt(x) e uma curva integral de X. Alem disso, se V ⊂ Utem fecho compacto contido em U entao existe 0 < δ < ε

2 tal que

40 [CAP. 2: PARTICAO DA UNIDADE E APLICACOES

Xs+t|V = Xt Xs|V para todo s, t ∈ (−δ, δ). De fato, basta tomarcompactos K1 ⊂ intK2, com o fecho de U contido no interior de K1

e considerar o campo Y que e o produto de X por uma funcao quevale 1 em K1 e zero fora de K2. O campo Y e completo e seu fluxo Ytquando restrito a U coincide com Xt se t e suficientemente pequeno.

Lema 2.8. Sejam M uma variedade uma variedade conexa de classeC∞ e x, y ∈ M,x 6= y. Entao existe uma curva mergulhada em Mque passa por x e y.

Demonstracao. Fixemos x e considere

A = z ∈M ;∃ um arco mergulhado em M passando por x e z.

Como x tem uma vizinhanca difeomorfa a uma bola, o conjunto Acontem essa vizinhanca. Afirmamos que A e aberto. De fato, sez0 ∈ A e V e uma vizinhanca de z difeomorfa a uma bola convexa,podemos interromper o arco ligando x a z0 em um ponto de V econtinuar o arco ligando-o a qualquer ponto de uma vizinhanca menorde z0 contida em V usando um arco na bola de raio maior. De fato,seja α : [0, 1]→ Rn um arco mergulhado contido na bola de centro 0e raio 1 cuja imagem nao contem o ponto 0 e e tal que a distanciade α(1) a 0 e menor que a distancia de α(0) a 0. Entao a funcaoρ : [0, 1] → R que associa a cada t o quadrado da distancia de α(t)a 0 e de classe C?∞. Seja r0 um valor regular desta funcao entreρ(0) e ρ(1). Seja t0 ∈ (0, 1) o supremo dos t tais que ρ(t) ≥ r0.Temos entao que α([0, t0]) nao interseta a bola aberta de centro 0 eraio r0 e a derivada de ρ em t0 e negativa. Logo α(t0) pertence aobordo desta bola e o vetor tangente a curva α nesse ponto apontapara o interior da bola. Seja L a reta ligando o ponto α(t0) a 0 eE o espaco tangente a esfera de raio r0 e centro 0 pelo ponto α(t0).Como tanto α(t0−ε, t0+ε) quanto a reta L1 ligando α(t0) a um pontoz1 da bola de centro 0 e raio r0

2 sao transversais a E temos que, seε e suficientemente pequeno, tanto a imagem desta curva quanto areta L1 sao graficos de funcoes de uma vizinhanca U ⊂ L em umavizinhanca V ⊂ E de α(t0). Isto e, existem funcoes C∞, β, γ : U → Vtais que o grafico de β coincide com α(t0 − ε, t0 + ε) e o grafico deγ esteja contido em L1. Tomemos uma funcao λ : U → [0, 1] declasse C?∞ tal que λ(s) = 1 se s ∈ U esta no exterior da bola de

[SEC. 2.2: CAMPOS DE VETORES EM VARIEDADES 41

raio r0 e α(s) = 0 se s esta no interior de uma bola de raio r1 < r0.Finalmente o grafico da funcao δ(s) = λ(s)β(s)+(1−λ(s))γ(s) uniaocom α([0, t0]) e com um segmento da reta L1 nos fornece um arcomergulhado ligando α(0) com z1.O mesmo argumento mostra que A e fechado. Logo A = M .

Dizemos que uma subvariedade S ⊂M de codimensao 1 e trans-versal a um campo de vetores X se para cada x ∈ S, X(x) e nao nuloe nao pertence ao espaco tangente a S em x.

No produto cartesiano R×S, denotamos por ∂∂t o campo de veto-

res que em cada ponto (s, x) e o vetor tangente a curva t→ (s+ t, x)em t = 0.

Teorema 2.9. (Teorema do Fluxo Tubular) Seja γ : [0, l]→M umacurva integral mergulhada do campo X de classe Ck, isto e, γ′(t) 6= 0para todo t e γ e 1-1. Seja B = B(0, 1) ⊂ Rm−1 a bola unitaria.Entao existe uma vizinhanca W de γ([0, 1]) e um difeomorfismo declasse Ck Ψ: (−ε, l + ε)×B →W tal que ψ∗X = ∂

∂t .

Demonstracao. Multiplicando o campo X por uma funcao que vale1 numa vizinhanca da imagem de γ e vale zero fora de outra vizi-nhanca compacta obtemos um campo completo que coincide com Xem uma vizinhanca da imagem de γ. Assim, podemos supor que X ecompleto e considerar ϕ : R×M →M o seu fluxo. Daı γ(t) = ϕ(t, x0),onde x0 = γ(0). Seja S ⊂M uma subvariedade transversal ao campoX no ponto x0. Como Xt : M → M , Xt(x) = ϕ(t, x), e um di-feomorfismo, temos que a restricao de Xt a S e um difeomorfismode S sobre a subvariedade St = Xt(S), que e transversal a X emγ(t). Seja V uma vizinhanca de x0 na subvariedade S, ε > 0, eψ : (−ε, l + ε)× V →M a aplicacao ψ(t, x) = ϕ(t, ϕ(−ε, x)).

Afirmamos que se ε e V sao suficientemente pequenos, entao ψ eum difeomorfismo sobre uma vizinhanca da imagem de γ. Como ϕe Ck, temos que ψ e Ck. Como Xs e um difeomorfismo, ψ levauma vizinhanca do ponto (s, x) em s × V difeomorficamente emuma vizinhanca de ψ(s, x) em Ss−ε e sua derivada no ponto (x, s)leva ∂

∂t em X(ψ(x, s)). Logo a derivada de ψ(x, s) e um isomor-fismo e, pelo teorema da funcao inversa, ψ e um difeomorfismo local.

42 [CAP. 2: PARTICAO DA UNIDADE E APLICACOES

Consequentemente,existe δ > 0 e uma vizinhanca de [0, l] × x0xtal que se (x, s1), (x, s2) pertencem a essa vizinhanca, s1 6= s2 eψ(x, s1) = ψ(x, s2), entao |s1 − s2| ≥ δ. Tomemos ε > 0 tal queγ([−ε, l + ε]) esteja contido nessa vizinhanca.

Afirmamos que se V e suficientemente pequena, entao ψ e 1 − 1 ,e,portanto, e um difeomorfismo sobre uma vizinhanca aberta W daimagem de γ. Caso contrario, existem sequencias xn → x0 e tn, sntais que ψ(xn, tn) = ψ(xn, sn). Como |tn − sn| ≥ δ, podemos supor,passando a uma subsequencia se necessario, que tn → t, sn → se |s − t| ≥ δ. Logo ψ(x0, t) = ψ(x0, s), o que e absurdo. Assim,podemos tomar uma vizinhanca V e um difeomorfismo θ : B → V ,tais que ψ : (−ε, l + ε)× V →W e um difeomorfismo.Finalmente, temos que o difeomorfismo Ψ: (−ε, l + ε) × B → Wdefinido por Ψ(t, x) = ψ(t, θ(x)) e e tal que Ψ∗X = ∂

∂t .

Corolario 2.10. Seja M uma variedade de classe C∞ e considereum mergulho γ : [0, 1] → M de classe C∞. Entao existe uma cartalocal φ : U → Rm tal que a imagem de γ esteja contida em U e suaimagem por φ e [0, 1]× 0 ⊂ [0, 1]× Rm−1.

Demonstracao. Como a imagem de γ e compacta, podemos tomaruma famılia finita de cartas locais φi : Wi → (−3, 3) × Bm−1(0, 3)tais que Dφiγ

′(t) = ∂∂t e a imagem de γ esteja contida na uniao dos

φ−1i ((−1, 1)×Bm−1(0, 1)). Seja Xi o campo de vetores em M que e

zero fora de Wi e em Wi coincide com φ∗i (λ∂∂t ), onde λ e uma funcao

nao negativa,C∞, que vale 1 em (−1, 1)×Bm−1(0, 1) e vale zero forade (−2, 2) × Bm−1(0, 2). O campo de vetores X =

∑iXi, se anula

fora de um compacto e X(γ(t)) e um multiplo positivo de ddtγ(t).

Logo a curva integral de X pelo ponto γ(0) contem a imagem deγ e γ(1) = Xl(γ(0)). O corolario segue entao do teorema do fluxotubular, teorema 2.9.

Pelo Lema [?] temos tambem, usando o campo de vetores da de-monstracao do corolario acima, que o grupo dos difeomorfismos deuma variedade conexa age transitivamente na variedade, isto e :

Corolario 2.11. Se M e uma variedade conexa de classe C∞ e x, y ∈M entao existe um difeomorfismo de classe C∞ f : M → M tal quef(x) = y

[SEC. 2.3: METRICAS RIEMANNIANAS 43

Observacao: Mostraremos mais tarde, teorema 8.17, que se M euma variedade de classe Cr, r ≥ 1, entao existe uma variedade N declasse C∞ e um difeomorfismo Cr, f : M → N . Usando esse reultadotemos que o corolario do teorema do fluxo tubular permanece validopara variedades de classe Cr, r ≥ 1, e tambem que dados dois pontosdistintos x e y em M , existe um difeomorfismo Cr que leva x em y.

2.3 Metricas Riemannianas

Uma metrica Riemanniana de classe Ck em um aberto U ⊂ Rm euma aplicacao que em cada x ∈ U associa um produto interno

〈·, ·〉x : Rm × Rm → R

tal que para todo par de campos de vetores X,Y : U → Rm de classeCk a funcao x ∈ U 7→ 〈X(x), Y (x)〉x ∈ R e de classe Ck.

Sejam ∂∂xi

: U → Rm os campos de vetores x 7→ (0, . . . , 1, . . . , 0),em que a i-esima coordenada e igual a 1 e as demais sao 0. Considere a

matrizG(x) = (gij(x))ij , em que gij(x) =⟨

∂∂xi

, ∂∂xj

⟩x. Se pensarmos

cada vetor v ∈ Rm como uma matriz m× 1, entao

gij(x) = gji(x) para todo x ∈ Uvt ·G(x) · v > 0 para todos x ∈ U, v ∈ Rm .

Reciprocamente, se uma matriz de funcoes G = (gij) satisfazas condicoes acima, entao ela define uma metrica Riemanniana pelaformula

〈v, w〉x = vt ·G(x) · w.

Se α : [0, 1]→ U e uma curva C1 por partes, definimos o compri-mento de α por

l(α) =

∫ 1

0

∥∥∥∥ ddtα(t)

∥∥∥∥α(t)

dt

em que(∥∥ d

dtα(t)∥∥α(t)

)2

=⟨ddtα(t), ddtα(t)

⟩α(t)

.

44 [CAP. 2: PARTICAO DA UNIDADE E APLICACOES

Uma metrica Riemanniana define uma distancia d : U × U → R:

d(x, y) = infl(α);α : [0, 1]→ U,C1 por partes, α(0) = x, α(1) = y.

E imediato que : (∗∗)

d(x, x) = 0

d(x, y) > 0 se x 6= y

d(x, y) = d(y, x)

d(x, z) ≤ d(x, y) + d(y, z).

Se x ∈ U e V ⊂ U e uma vizinhanca compacta de x, entao, comoas funcoes gij sao contınuas, existe uma constante C > 0 tal que1C ‖v‖x ≤ ‖v‖y ≤ C‖v‖x para todo y ∈ V e para todo v ∈ Rm. Logoa topologia de U definida pela distancia d e a topologia de U comosubconjunto de Rm e a funcao (x, y) 7→ d(x, y) e contınua. Assim,dado um compacto K ⊂ U , existe uma constante CK ≥ 1 tal que

1

CK‖x− y‖ ≤ d(x, y) ≤ CK ‖x− y‖ .

Sejam x ∈ U 7→ 〈·, ·〉x e y ∈ V 7→ 〈·, ·〉y metricas Riemannia-

nas Ck em U e V respectivamente e d, d as correspondentes funcoesdistancias. Um difeomorfismo f : U → V de classe Ck+1 e uma iso-metria se

‖df(x).v‖f(x) = ‖v‖xpara todo v ∈ Rm. Nesse caso, temos tambem que

〈df(x).v, df(x).w〉f(x) = 〈v, w〉x∀x ∈ U e ∀v, w ∈ Rm

ed(f(x), f(y)) = d(x, y) ∀x, y ∈ U.

De maneira similar, uma metrica Riemanniana em M , de classe Ck,e definida como uma aplicacao que a cada x ∈M associa um produtointerno

〈·, ·〉x : TMx × TMx → R

tal que para todo par de campos de vetores X, Y de classe Ck emM , a funcao x ∈M 7→ 〈X(x), Y (x)〉x e de classe Ck.

[SEC. 2.3: METRICAS RIEMANNIANAS 45

Se ϕi : Ui ⊂ M → Ui ⊂ Rm e um atlas Ck+1 em M , umametrica Riemanniana em M pode ser identificada como uma famıliade metricas Riemannianas em cada Ui, tal que as mudancas de coor-denadas sao isometrias.

Mais geralmente, uma forma bilinear simetrica de classe Ck emM e uma funcao B que associa a cada x ∈ M uma forma bilinearsimetrica B(x) : TMx × TMx → R, tal que para todo par de camposde vetores X e Y de classe Ck a aplicacao x 7→ B(x)(X(x), Y (x))e Ck. Portanto uma metrica Riemanniana e uma forma bilinearsimetrica de classe Ck que e positiva definida: B(x)(v, v) > 0 sev ∈ TMx \ 0.

Proposicao 2.12. Toda variedade M de classe Ck+1 admite umametrica Riemanniana de classe Ck.

Demonstracao. Seja ϕi : Wi → B(0, 3) uma famılia de cartas locaistais que

• Wi e uma famılia localmente finita;

•∞⋃i

Ui = M , onde Ui = ϕ−1i (B(0; 1)).

Seja λ : Rm → [0, 1] uma funcao C∞ que vale 1 em B(0, 1) e 0 fora deB(0, 2). Definimos uma forma bilinear simetrica Bi em M colocandopara x ∈M e v, w ∈ TMx

Bi(x)(v, w) =

0 se x /∈Wi

λ(ϕi(x)) · 〈Dϕi(x).v,Dϕi(x).w〉 se x ∈Wi,

onde 〈·, ·〉 e um produto interno usual de Rm. Se v ∈ TMx \ 0,temos

Bi(x)(v, v) ≥ 0 ∀x ∈MBi(x)(v, v) > 0 ∀x ∈ Ui.

Logo 〈v, w〉x :=∞∑i=1

Bi(x)(v, w) e uma metrica Riemanniana em M .

46 [CAP. 2: PARTICAO DA UNIDADE E APLICACOES

Exercıcio 2.1. Mostre que d, d′ : M×M → R sao funcoes distanciasassociadas a duas metricas riemannianas de M entao para todo sub-conjunto compacto K ⊂M existe uma constante C ≥ 1 tal que

1

Cd′(x, y) ≤ d(x, y) ≤ Cd′(x, y)

para todo x, y ∈ K.

Lema 2.13. SejaM uma variedade Ck nao compacta eKi ⊂ int Ki+1

uma sequencia de compactos tais que M = ∪iKi. Dadas sequenciasεi > 0 e ωi > 0 de numeros positivos, existem funcoes f, g : M → R+

de classe Ck tais que para todo x ∈ Ki+1 \ int Ki

0 < f(x) ≤ εig(x) ≥ ωi.

Demonstracao. Seja ϕn uma particao da unidade subordinada acobertura int Kn \Kn−2.

Seja δn = min εn, εn+1, εn−1 e definamos f(x) =∞∑n=1

δnϕn(x). Se

x ∈ Kn \ intKn−1, temos que ϕj(x) = 0 se j 6= n, n+ 1 e assim

f(x) = δnϕn(x) + δn+1ϕn+1(x) ≤ εn(ϕn(x) + ϕn+1(x)) ≤ εn.

Analogamente definimos a funcao g.

Definicao 2.4. Uma metrica Riemanniana em M e completa se M ,com a funcao distancia correspondente, e um espaco metrico com-pleto, isto e, toda sequencia de Cauchy em M e convergente.

Proposicao 2.14. Toda variedade possui uma metrica Riemannianacompleta.

Demonstracao. Seja 〈·, ·〉1x uma metrica Riemanniana em M e d1 acorrespondente funcao distancia. Como a funcao distancia induz a to-pologia variedade, no caso de M ser compacta a metrica ja e completapois uma sequencia de Cauchy que possui subsequencia convergentee ela propria convergente.

[SEC. 2.3: METRICAS RIEMANNIANAS 47

Suponhamos entao M =∞⋃i=1

Ki, Ki compactos e Ki ⊂ int Ki+1.

Como Ki e compacto e d1 e contınua, existe τi > 0 tal que sex ∈ Ki e y /∈ Ki+1, entao d1(x, y) > τi. Seja ai = max1, 1

τi e

tome uma funcao C∞ g : M → R+ tal que g(x) ≥ ai para todox ∈ int (Ki+1) \Ki. Defina a metrica 〈v, w〉x = (g(x))2〈v, w〉1x.

Se α : [0, 1]→M e curva com imagem contida em Ki+1 \ int Ki, comα(0) ∈ ∂Ki e α(1) ∈ ∂Ki+1, temos que

l1(α) =

∫ 1

0

∥∥∥∥dαdt (t)

∥∥∥∥1

α(t)

dt ≥ τi

e portanto l(α) =∫ 1

0‖dαdt (t)‖α(t)dt ≥ 1. Logo, se x ∈ Ki e y /∈ Ki+p,

temos que d(x, y) ≥ p.

Seja xn uma sequencia de Cauchy na metrica d. Para m,n ≥ n0,com n0 suficientemente grande, temos d(xn, xm) ≤ 1. Assim, existeuma constante N tal que d(x1, xn) ≤ N . Se x1 ∈ Ki, entao xn ∈Ki+N para todo n. Portanto xn tem uma subsequencia convergentee, portanto, e convergente.

Definicao 2.5. Um subconjunto de um espaco topologico e um con-junto residual se contem uma intersecao enumeravel de subconjuntosabertos e densos. Um espaco topologico e chamado de espaco de Bairese todo conjunto residual e denso. Equivalentemente, um espaco deBaire e um espaco topologico tal que qualquer uniao enumeravel desubconjuntos fechados com interior vazio tem interior vazio.

Proposicao 2.15. Todo espaco metrico completo e um espaco deBaire.

Demonstracao. Seja An, n ∈ N uma colecao enumeravel de sub-conjuntos abertos e densos em um espaco metrico completo (M,d).Seja B(x, r) a bola aberta de centro x e raio r. Devemos mostrar queB(x, r) intersecta a intersecao dos An´s. Como A1 e aberto e denso,existe x1 ∈ A1∩B(x, r) e 0 < r1 <

r2 tal queB(x1, 2r1) ⊂ A1∩B(x, r).

Como A2 e aberto e denso, existe x2 ∈ B(x1, r1) e 0 < r2 <r12 tal que

48 [CAP. 2: PARTICAO DA UNIDADE E APLICACOES

B(x2, 2r2) ⊂ B(x1, r1)∩A2. Por inducao, construımos sequencias xne rn tais que 0 < rn <

rn−1

2 e

B(xn, 2rn) ⊂ B(xn−1, rn−1) ∩An ⊂ A1 ∩ · · · ∩An.

Entao a sequencia xn e de Cauchy e, como o espaco e completo,converge a um ponto x. Por construcao, o ponto x pertence ao fechoda bola B(xn, rn) para todo n e, portanto pertence a intersecao dosAn.

Corolario 2.16. Toda variedade e um espaco de Baire.

Proposicao 2.17. Seja X um campo de vetores de classe Ck, k ≥ 1,em uma variedade M de classe Ck+1. Entao existe uma funcao Ck

f : M → R, positiva, tal que o campo de vetores Y = fX e completo.

Demonstracao. Seja M =∞⋃i=1

Ki, Ki ⊂ int Ki+1, Ki compactos.

Seja < ·, · > uma metrica Riemanniana em M e

δi = max‖X(x)‖x ;x ∈ Ki \ int Ki−1.

Escolha εi > 0 tal que qualquer curva C1 por partes contida emKi \ int Ki−1, que una um ponto de ∂Ki−1 a um ponto ∂Ki, tenhacomprimento maior ou igual a εi.

Considere γ : [0, T ] → M uma curva integral de X com as condicoesγ(0) ∈ ∂Ki−1, γ(T ) ∈ ∂Ki e γ(t) ∈ Ki \ int Ki−1 para todo t ∈ [0, T ].Temos que

Tδi ≥∫ T

0

∥∥∥∥dγdt (t)

∥∥∥∥γ(t)

dt ≥ εi.

Logo T ≥ εiδi

(observe que se δi = 0, entao nao existe uma tal γ).

Seja f : M → R+ uma funcao de classe Ck tal que f(x) ≤ εiδi

paratodo x ∈ Ki\int Ki−1. De f ser positiva, uma curva β : [0, T ′]→M ecurva integral de Y = f.X se, e somente se, β e uma reparametrizacaode γ por um aplicacao crescente α : [0, T ′]→ [0, T ]. Entao β e curvaintegral do campo Y se, e somente se, α′(t) = f(β(t)). Pelo teorema

[SEC. 2.4: DENSIDADE DAS FUNCOES DE CLASSE C∞ 49

do valor medio, T/T ′ ≤ δi/εi ≤ T , e portanto T′ ≥ 1, isto e, uma

curva integral de Y leva pelo menos tempo 1 para atravessar cadafaixa Ki\ intKi−1. Assim, se β : (ω−, ω+)→M e uma curva integralmaximal de Y , com β(0) ∈ Ki0 e T > 0, e tal que β(T ) /∈ Ki0+N ,entao T ≥ N . Portanto ω+ =∞. Analogamente ω− = −∞.

Teorema 2.18. Seja M uma variedade C∞ e F ⊂ M um subcon-junto fechado. Entao existe uma funcao f : M → R nao negativa, declasse C∞, tal que f(x) = 0 se, e somente se, x ∈ F .

Demonstracao. Seja d a funcao distancia associada a uma metricaRiemanniana de M e seja d(x, F ) = inf d(x, y); y ∈ F. Considere-mos a sequencia de vizinhancas de F :

Vi =

x ∈M ; d(x, F ) ≤ 1

i

Pelo corolario do teorema 2.4, existe uma funcao de classe C∞ quevale 1 em F e zero fora de Vi. Logo existe uma funcao nao negativafi : M → R que vale zero em F e vale 1 no complementar de Vi.Afirmamos que existem constantes εi > 0 tais que para cada x ∈M a serie

∑∞i=1 εifi(x) converge a f(x) e a funcao f e de classe

C∞. E claro que o teorema segue da afirmacao pois f se anula emF e e positiva no complementar de F .. Resta provar a afirmacao.Consideremos uma famılia enumeravel ϕj : Wj → Bm(0; 3) ⊂ Rm decartas locais tais que M = ∪jϕ−1

j Bm(0; 1) e que Wj ; j ∈ N seja

uma cobertura localmente finita. Seja fi,j = fi ϕ−1j : Bm(0; 3)→ R.

Para cada i tomemos εi > 0 tal que para todo x ∈ Bm(0; 1), paratodo j ≤ i e para todo k ≤ i temos

εi‖Dkfi,j(x)‖ ≤ 1

2i.

Temos portanto que (∑∞i=1 εiD

kfi)ϕ−1j converge uniformemente em

Bm(0, 1) para todo j e para todo k. Logo f e Ck para todo k.

2.4 Densidade das funcoes de classe C∞

Seja M uma variedade de classe C∞. Nessa secao definiremos umatopologia no espaco C0(M,Rk) chamada topologia C0 de Whitney, e

50 [CAP. 2: PARTICAO DA UNIDADE E APLICACOES

mostraremos que as funcoes de classe C∞ sao densas nessa topologia.

Para cada subconjunto aberto U ⊂M ×Rk, seja U ⊂ C0(M,Rk)o conjunto das funcoes g, cujo grafico, (x, g(x)) ∈ M × Rk;x ∈ Mesteja contido em U . E facil verificar que a famılia U define umatopologia em C0(M,Rk), isto e, o conjunto vazio e o espaco totalpertencem a famılia, a uniao de conjuntos de qualquer subfamıliapertence a famılia, e a intersecao de um numero finito de elementosda famılia pertence a famılia. Vamos a seguir construir uma base devizinhancas para cada f ∈ C0(M,Rk).

Sejam Ki uma famılia enumeravel de compactos cobrindo M comKi contido no interior de Ki+1. Consideremos os subconjuntos com-pactos Li = Ki \ int (Ki−1) (L1 = K1). Seja ε = (εi) uma sequenciade numeros positivos. Definimos entao

V(f ; ε) = g ∈ C0(M,Rk); ‖f(x)− g(x)‖ < εi ∀x ∈ Li.

Como Li e compacto, o conjunto

U = (x, y) ∈M × Rk; ‖y − f(x)‖ < εi se x ∈ Li

e aberto, de modo que V(f ; ε) = U e uma vizinhanca aberta de f . Poroutro lado, seja V e um subconjunto aberto de M × Rk que contemo grafico de f . Como Li e compacto, existe εi > 0 tal que se x ∈ Lie ||y − f(x)|| < εi, entao (x, y) ∈ V . Tomando ε = (εi) temos queV(f ; ε) ⊂ V e, portanto, a famılia V(f, ε) e uma base de vizinhancasde f . Como para cada sequencia ε existe uma funcao C∞ positivaε : M → R tal que ε(x) < εi para todo x ∈ Li, temos que a famıliaV(f ; ε) = g ∈ C0(M,Rk); ||f(x)−g(x)|| < ε(x) tambem e uma basede vizinhancas de f .

Teorema 2.19. O conjunto C∞(M,Rk) e denso em C0(M,Rk).

Demonstracao. Seja V(f ; ε) uma vizinhanca de f . Queremos mos-trar que essa vizinhanca contem uma funcao de classe C∞. Comoanteriormente, consideremos uma metrica Riemanniana em M talque o comprimento de uma curva ligando um ponto do compactoKi com um ponto do complementar de Ki+1 seja maior ou iguala 1 e seja d a correspondente funcao distancia. Como a restricao

[SEC. 2.4: DENSIDADE DAS FUNCOES DE CLASSE C∞ 51

de f a um compacto e uniformemente contınua, temos que, paracada i existe 0 < δi < 1 tal que se x ∈ Li e d(y, x) < δi entao||f(x) − f(y)|| < min εi−1, εi, εi+1. Observamos que se x ∈ Li,entao a bola B(x, δi) esta contida no compacto Ki+1 \ int Ki−2. Paracada i tomamos uma cobertura finita de Li por bolas de centro emLi e raio δi. A colecao Uj de todas essas bolas e uma coberturalocalmente finita de M . Tome uma particao da unidade λj subor-dinada a essa cobertura. Para cada j, seja xj ∈ Uj o centro dabola e definimos g(x) =

∑j λj(x)f(xj). Temos que na vizinhanca de

cada x, apenas um numero finito de λj nao se anulam e, portanto, gesta bem definida e e uma funcao C∞. Seja x ∈ Li. Se λj(x) 6= 0,entao o centro xj da bola Uj pertence a Li−1 ∪ Li ∪ Li+1 e portanto||f(x)− f(xj)|| < εi. Logo

‖f(x)− g(x)‖ =

∥∥∥∥∥∥∑j

λj(x)f(x)−∑j

λj(x)f(xj)

∥∥∥∥∥∥≤∑j

λj(x)||f(x)− f(xj)|| < εi.

Corolario 2.20. Seja f ∈ C0(M,Rk) tal que a restricao de f aum subconjunto aberto V ⊂ M e de classe C∞. Seja K ⊂ V umsubconjunto compacto. Dada uma vizinhanca V de f existe umafuncao de classe C∞ g tal que g ∈ V e g(x) = f(x) para todo x ∈ K.

Demonstracao. Seja φ : M → [0, 1] uma funcao de classe C∞ quevale 1 em K e 0 fora de uma vizinhanca de K cujo fecho esta contidoem V . E facil ver que existe uma vizinhanca V1 de f tal que se g ∈ V1,entao φf + (1− φ)g ∈ V. Logo basta tomar g de classe C∞.

Usando esse corolario, vamos provar agora uma consequencia doLema de Sard que e um fato importante em topologia.

Teorema 2.21. Seja Dn a bola fechada de raio 1 em Rn e Sn−1

a esfera unitaria. Nao existe uma retracao da bola na esfera, istoe, uma funcao contınua r : Dn → Sn−1 tal que r(x) = x para todox ∈ Sn−1.

52 [CAP. 2: PARTICAO DA UNIDADE E APLICACOES

Demonstracao. Suponhamos por absurdo que existe uma retracaor : Dn → Sn−1. Seja f : Rn → Sn−1 ⊂ Rn definida por f(x) = r(2x)se ‖x‖ ≤ 1

2 e f(x) = x‖x‖ se ‖x‖ ≥ 1

2 . Temos que f e contınua e sua

restricao ao complementar da bola de raio 12 e C∞. Pelo corolario an-

terior, existe g de classe C∞ que coincide com f em uma vizinhancada esfera Sn−1, tal que ‖f(x)−g(x)‖ ≤ 1

2 se ‖x‖ ≤ 1. De ‖f(x)‖ = 1

para todo x ∈ Dn, segue que g(x) 6= 0 e, portanto, ρ(x) = g(x)‖g(x)‖ e

uma retracao C∞ que de fato coincide com f em uma vizinhanca daesfera.

Pelo Lema de Sard, podemos tomar um valor regular y de ρ. Comocada componente conexa da pre-imagem de y e uma variedade dedimensao um, a componente conexa que contem y e um intevalofechado tendo y como uma das extremidades. A outra extremidadenao pode estar nem no interior da bola unitaria nem no bordo pois,nesse caso, seria um ponto fixo de ρ diferente de y o que e absurdo.

Corolario 2.22. (Teorema do ponto fixo de Brouwer. Todaaplicacao contınua f : Dn → Dn tem um ponto fixo.

Demonstracao. Se f(x) 6= x para todo x ∈ Dn, temos, pela compa-cidade de D, que existe δ > 0 tal que ||f(x)−x|| ≥ δ para todo x ∈ D.Poodemos definir uma retracao contınua r : Dn → Sn−1 por: r(x) ea intersecao com Sn−1 da semi-reta que comeca em f(x) e passa porx. A retracao e contınua pois se xn → x entao f(xn)→ f(x) e, como||f(x)− x|| ≥ δ, r(xn)→ r(x).

O espaco C∞(M,Rk) e um espaco vetorial de dimensao infinitaque, como vimos, e denso no espaco das funcoes contınuas. Sejaagora M uma variedade complexa compacta. Como M e tambemuma variedade C∞, o espaco vetorial real C∞(M,C) e de dimensaoinfinita e contem o espaco vetorial das aplicacoes holomorfas. Noentanto, vale a seguinte proposicao.

Proposicao 2.23. Se M e uma variedade complexa, compacta econexa, entao toda funcao holomorfa f : M → C e constante.

Demonstracao. A aplicacao x ∈ M 7→ |f(x)| ∈ R e contınua eportanto tem um maximo num ponto x0 e assim, f e constante. Isto

[SEC. 2.4: DENSIDADE DAS FUNCOES DE CLASSE C∞ 53

porque, pela formula integral de Cauchy, uma funcao holomorfa deuma variavel complexa cujo valor absoluto tem um maximo local elocalmente constante. Logo o mesmo ocorre para uma funcao devarias variaveis complexas, pois para todo vetor unitario v ∈ Cn aaplicacao holomorfa de uma variavel complexa z 7→ f(x0 + zv) econstante.

Capıtulo 3

Aplicacao Exponencial

Nesse capıtulo mostraremos a existencia e propriedades das geodesicasde uma metrica Riemanniana em uma variedade. Mostraremos aexistencia de vizinhancas geodesicamente convexas.

3.1 A equacao das geodesicas

Consideremos uma metrica Riemanniana em um aberto U ⊂ Rm,

x ∈ U 7→ 〈·, ·〉x : U × U → R,

e a matriz da metrica, G(x) = (gij(x)), com gij(x) =⟨

∂∂xi

, ∂∂xj

⟩x.

Escrevemos 〈v, w〉 def=

m∑i=1

viwi, v, w ∈ Rm, para o produto interno

canonico de Rm, de modo que

〈v, w〉x = 〈G(x)v, w〉 .

A energia de um caminho C1 por partes α : [0, 1]→ U e definidacomo

E(α) =

∫ 1

0

lα′(t), α′(t)〉α(t)dt =

∫ 1

0

〈G(α(t))α′(t), α′(t)〉dt.

Uma variacao (propria) de α e uma aplicacao δϕ : [0, 1] → Rm,de classe C∞, tal que δϕ(0) = δϕ(1) = 0. A variacao de energia deα na direcao de δϕ e definida por

54

[SEC. 3.1: A EQUACAO DAS GEODESICAS 55

δE(α) · δϕ =d

ds(E(α+ sδϕ))

∣∣∣s=0

Definicao 3.1. Dizemos que α e uma geodesica se δE(α) · δϕ = 0,para toda variacao δϕ.

Mais geralmente, podemos definir um funcional no espaco de ca-minhos C1 por partes a partir de uma funcao de classe C∞

L : U × Rm → R.

Para cada α : [0, 1]→ U , C1 por partes, colocamos

S(α)=

∫ 1

0

L(α(t), α′(t)) dt.

Dizemos que α e ponto crıtico do funcional S se

d

ds(S(α+ sδϕ))

∣∣∣s=0

= 0 para toda δϕ.

Em particular, uma geodesica e um ponto crıtico do funcional ener-gia. Um ponto crıtico do funcional S deve satisfazer uma equacaodiferencial, a qual vamos deduzir a seguir.

Por definicao

S(α+ sδϕ) =

∫ 1

0

L(α(t) + sδϕ(t), α′(t) + s(δϕ)′(t)) dt.

Daı, se (1) = dds (S(α+ sδϕ))

∣∣∣s=0

, entao

(1) =

∫ 1

0

(∂L

∂x(α(t), α′(t)) · δϕ(t) +

∂L

∂v(α(t), α′(t)) · (δϕ)′(t))

)dt.

Por outro lado (integracao por partes),

d

dt

(∂L

∂v(α(t), α′(t)) · δϕ(t)

)=

56 [CAP. 3: APLICACAO EXPONENCIAL

=∂L

∂v(α(t), α′(t))(δϕ)′(t) +

d

dt

[∂L

∂v(α(t), α′(t))

]· δϕ(t).

Como δϕ(0) = δϕ(1) = 0, temos

(1) =

∫ 1

0

[∂L

∂x(α(t), α′(t))− d

dt

(∂L

∂v(α(t), α′(t))

)· δϕ(t)

]dt.

Portantod

ds(S(α+ sδϕ))

∣∣∣s=0

= 0 ∀ δϕ

m

(2)∂L

∂x(α(t), α′(t))− d

dt

(∂L

∂v(α(t), α′(t))

)= 0 ∀ t.

A equacao (2) e chamada Equacao de Euler-Lagrange.Vamos expressar agora as equacoes de Euler-Lagrande no caso do

funcional energiaL(x, v) = 〈G(x) · v, v〉.

Por um lado temos

∂L

∂x(x, v) · u = 〈DG(x)(u, v), v〉.

Por outro lado, como G associa a cada x ∈ U uma transformacaolinear simetrica G(x) de Rm, DG(x) e uma aplicacao linear de Rmno espaco das transformacoes lineares simetricas de Rm, e assim,uma transformacao bilinear de Rm, que em geral nao e simetrica. Atransformacao trilinear (u, v, w) 7→ 〈DG(x)(u, v), w〉 e simetrica emv e w, mas nao em u e v.

∂L

∂v(x, v) · u = 〈G(x) · u, v〉+ 〈G(x) · v, u〉

= 2〈G(x) · u, v〉 (G(x) e simetrico)

d

dt

(∂L

∂v(α(t), α′(t))

)· u =

d

dt(2〈G(α(t)) · α′(t), u〉)

= 2〈DG(α(t))(α′(t), α′(t)), u〉+ 2〈G(α(t)) · α′′(t), u〉

[SEC. 3.1: A EQUACAO DAS GEODESICAS 57

Logo, α e uma geodesica se, e somente se, para todo u a equacaoabaixa e verificada:

〈G(α(t)) · α′′(t), u〉 =1

2〈DG(α(t))(u, α′(t)), α′(t)〉−

− 〈DG(α(t))(α′(t), α′(t)), u〉.

Tomando u = G(α(t))−1 · w e usando a simetria de G, temos que αe uma geodesica se, e somente se, a equacao abaixo e satisfeita paratodo w:

〈α′′(t), w〉 =1

2〈DG(α(t))((G(α(t)))−1w,α′(t)), α′(t)〉−

− 〈DG(α(t))(α′(t), G(α(t))−1w), α′(t)〉.

Escrevendo α(t) = (x1(t), . . . , xn(t)) e w = ∂∂xk

, temos

〈α′′(t), w〉 =d2xkdt2

,

α′(t) =

n∑i=1

dxidt

∂xie

G−1(x) · ∂

∂xk=

n∑m=1

gmk(x)∂

∂xm.

Assim,

DG(α(t))(G−1(α(t)) ∂

∂xk, α′(t)

)=

=∑ni,m=1 g

mk dxidt DG(α(t))

(∂

∂xm, ∂∂xi

)=∑ni,m=1 g

mk dxidt

∑nj=1

∂gji∂xm

∂∂xj

=∑nj=1

∑ni,m=1

(gmk dxidt

∂gji∂xm

)∂∂xj

.

Analogamente,

DG(α(t))

(α′(t), G−1(α(t))

∂xk

)=

n∑j=1

n∑i,m=1

(gmk

dxidt

∂gjm∂xi

)∂

∂xj.

58 [CAP. 3: APLICACAO EXPONENCIAL

Portanto as coordenadas de α(t) devem satisfazer a equacao diferen-cial:

d2xkdt2

=

n∑j=1

n∑i,m=1

gmkdxidt

dxjdt

[1

2

∂gij∂xm

− ∂gjm∂xi

]ou ainda,

d2xkdt2

= −n∑i=1

n∑j=1

Γkijdxidt

dxjdt

,

em que

Γkij = 2

n∑m=1

gmk[∂gjm∂xi

+∂gim∂xj

− ∂gji∂xm

]sao os chamados sımbolos de Christoffel.

Do teorema de existencia e unicidade de solucoes das equacoes di-ferenciais ordinarias e do teorema da diferenciabilidade das solucoescom respeito as condicoes iniciais, podemos concluir as seguintes pro-priedades sobre geodesicas:

• Dados x ∈ U e v ∈ Rm, existe uma unica geodesica α : (−ε, ε)→U tal que α(0) = x e α′(0) = v;

• Dado x0 ∈ U , existem vizinhancas V de x0, W de 0 em Rm,um numero ε > 0 e uma funcao ϕ : (−ε, ε) × V ×W → U , declasse C∞, tal que t 7→ ϕ(t, x, v) e a geodesica que passa por xem t = 0 com velocidade v;

• A norma do vetor tangente a geodesica, ||α′(t)||α(t), e constante;

• Se α : (−ε, ε)→ U e uma geodesica e c > 0, entao β(t) = α(ct)e uma geodesica definida em (−c−1ε, c−1ε).

Da ultima propriedade concluımos o seguinte. Para todo x0 ∈ Uexistem ε > 0 e uma vizinhanca V ⊂ U de x0 tais que se x ∈ Ve ||v|| < ε, entao a geodesica α tal que α(0) = x e α′(0) = v esta

[SEC. 3.1: A EQUACAO DAS GEODESICAS 59

definida no intervalo (−2, 2). Definimos entao a funcao exponencialexp : V ×B(0, ε)→ U por

exp(x, v) = α(1).

Temos entao que exp e de classe C∞. Para x fixo, nao e difıcilverificar que derivada da aplicacao expx em 0 e a identidade. Assim,se ε e suficientemente pequeno, temos que expx e um difeomorfismoda bola B(0, ε) sobre uma vizinhanca de x, chamada uma vizinhancanormal de x. Resumimos esta discussao no seguinte teorema.

Teorema 3.1. Seja M uma variedade Riemanniana. Entao existeuma funcao contınua positiva ε : M → R+ e uma funcao de classeC∞ ϕ : (−2, 2)× Vε →M , em que Vε = (x, v) ∈ TM ; ||v||x < ε(x),tal que se (x, v) ∈ Vε, entao t 7→ ϕ(t, x, v) e a geodesica que em t = 0passa por x com velocidade v. Alem disso, para cada x a aplicacao

expx : B(0, ε) ⊂ TMx −→ Mv 7−→ ϕ(1, x, v)

e um difeomorfismo sobre sua imagem, que e uma vizinhanca de xem M .

Como a funcao exponencial e contınua, em ambas as variaveis,temos tambem o seguinte corolario.

Corolario 3.2. Seja ε : M → R+ como no teorema 3.1. Entaoexiste uma funcao contınua δ : M → R+ com a seguinte propriedade:para todo y ∈ expx(B(0, δ(x))), temos que expy(B(0, ε(x))) contemexpx(B(0, δ(x))).

E claro que se M e compacta, entao podemos tomar tanto εquanto δ constantes.

Antes do proximo corolario, definimos a importante nocao de ho-motopia entre aplicacoes contınuas.

Definicao 3.2. Sejam f, g : M → N aplicacoes contınuas. Dizemosque f e g sao homotopicas se existe uma aplicacao H : M×[0, 1]→ Ntal que H(0, x) = f(x) e H(1, x) = g(x) para todo x ∈ M . Se f e gsao de classe Cr, dizemos que f e g sao Cr-homotopicas se podemosescolher uma homotopia H de classe Cr.

60 [CAP. 3: APLICACAO EXPONENCIAL

E facil verificar que a relacao f ∼ g se, e somente se, f e g saohomotopicas e uma relacao de equivalencia. Se H e uma homotopiaentre f e g, entao escolhendo τ : [0, 1]→ [0, 1] monotona de classe C∞

tal que vale 0 proximo de t = 0 e vale 1 proximo de t = 1, podemosmodificar a homotopia H colocando H(t, x) = H(τ(t), x), de modoque H e ainda uma homotopia entre f e g (de classe Cr se H o for)e satisfaz H(t, x) = f(x) para t proximo de 0 e H(t, x) = g(x) parat proximo de 1. Usando esta observacao, mostraremos agora que arelacao de homotopia Cr tambem e de equivalencia. De fato, se f1 eCr-homotopica a f2 e f2 e Cr-homotopica a f3, entao podemos tomarhomotopias Hj : [0, 1]×M → N de classe Cr, j = 1, 2, tais que

H1(t, x) = f1(x) se t ≤ 1

4

H1(t, x) = f2(x) se t ≥ 3

4

H2(t, x) = f2(x) se t ≤ 1

4

H2(t, x) = f3(x) se t ≥ 3

4,

entao

H(t, x) =

H1(2t, x) se t ≤ 1

2

H2(2t− 1, x) se t ≥ 12 .

e uma homotopia de classe Cr entre f1 e f3.

Corolario 3.3. Seja f : P →M uma funcao contınua. Entao existeuma vizinhanca V ⊂ C0(P,M) de f tal que:

1. se g ∈ V, entao g e homotopica a f ;

2. se g0, g1 ∈ V sao de classe C∞, entao existe uma homotopiaC∞ entre g0 e g1.

Demonstracao. Sejam ε, δ : M → R+ como no teorema 3.1. Oconjunto U = (x, y) ∈ P ×M ; y ∈ expf(x)(B(0, δ(x))) e aberto eo conjunto V das funcoes contınuas cujo grafico esta contido em U euma vizinhanca de f . Se g pertence a essa vizinhanca, entao

ft(x) = expf(x)(t(expf(x))−1(g(x)))

[SEC. 3.2: VIZINHANCA TUBULAR 61

e uma homotopia entre f e g, o que conclui o primeiro item. Suponhaagora g0, g1 ∈ V de classe C∞. Consideremos uma funcao C∞

τ : [0, 1] → [0, 1] que e igual a 0 em uma vizinhanca de 0 e iguala 1 em uma vizinhanca de 1. Podemos entao definir uma homotopiaC∞ entre g0 e g1 colocando

H(t, x) = expg0(x)

(τ(t)(expg0(x))

−1(g1(x))).

3.2 Vizinhanca tubular

Definicao 3.3. Seja (M, g) uma variedade Riemanniana e S ⊂ Muma subvariedade. Definimos o fibrado normalde S em M por

T⊥S :=

(x, v) ∈ TM ;x ∈ S e v ∈ TS⊥x.

Proposicao 3.4. Se S e uma subvariedade de class C∞ entao ofibrado normal e uma variedade de classe C∞ e a aplicacao π : T⊥S →S, (x, v) 7→ x e uma fibracao localmente trivial.

Demonstracao. Tomamos uma cobertura de S por domınios decartas locais φi : Ui → Rs × Rn−s tais que φi(S ∩ Ui) = Rs × 0.Usando essas cartas, construimos campos de vetores Xi

1, . . . , Xim em

U1 com as seguintes propriedades

1. para todo x ∈ Ui os vetores Xi1(x), . . . , Xi

m(x) formam umabase de TMx;

2. se x ∈ S os vetores Xi1(x), . . . , Xi

s(x) sao tangentes a S no pontox. Sejam Y i1 , . . . , Y

im : Ui → TM os campos de vetores obtidos

62 [CAP. 3: APLICACAO EXPONENCIAL

pelo processo de ortogonalizacao de Gram-Schmidt, isto e,

Y i1 (x) =Xi

1(x)∥∥Xi1(x)

∥∥x

...

Y ir (x) =

Xir(x)−

r−1∑j=1

< Xij(x), Y ij (x) >x Y

ij (x)∥∥∥∥∥Xi

r(x),−r−1∑j=1

< Xij(x), Y ij (x) >x Y ij (x)

∥∥∥∥∥ .Esses campos sao ortonormais e, para cada ponto x ∈ Vi =S ∩ Ui, os vetores Y is+1(x), . . . , Y im(x) constituem uma base or-tonormal do fibrado normal. Portanto temos uma bijecao

Φi : Vi × Rm−s → π−1(Vi); (x, u) 7→ (x,∑j

ujYij (x)).

Como a matriz de mudanca de bases ortonormais e uma matrizorgotonal e os campos sao de classe C∞ existem funcoes declasse C∞ ρij : Vi ∩ Vj → O(n) tais que

Φ−1j Φi : (Vi ∩ Vj)× Rn−s → (Vi ∩ Vj)× Rn−s

e o difeomorfismo C∞ (x, u) 7→ (x, ρij(x)(u). Logo o fibradonormal tem uma unica estrutura de variedade na qual os φi saodifeomorfismos o que conclui a demonstracao da proposicao.

Teorema 3.5. (Vizinhanca tubular) Sejam (M, g) uma variedadeRiemanniana e S ⊂ M uma subvariedade compacta sem bordo declasse C∞. Seja π : N = T⊥S → S o fibrado normal de S em M .Entao existe δ > 0 tal que se Nδ = (x, v) ∈ N ; ||v|| < δ, entao aaplicacao

f : Nδ → M(x, v) 7→ expx v

e um difeomorfismo sobre uma vizinhanca de S em M , chamada umavizinhanca tubular de S, de modo que existe um mergulho N → M

[SEC. 3.2: VIZINHANCA TUBULAR 63

tal que a composta da secao nula com esse mergulho e a inclusao deS em M .

Demonstracao. A derivada da aplicacao de f no ponto (x, 0), paratodo x ∈ S, e a identidade. Logo a aplicacao e um difeomorfismolocal numa vizinhanca de (x, 0);x ∈ S. Portanto existe δ1 > 0 talque se δ > 0 e suficiente pequeno e d(x, y) < δ1, ||v||x < δ, ||w||y < δ,entao

expx v 6= expy w.

Por outro lado, existe ε > 0 tal que d(x, expx v) < δ10 sempre que

||v||x < ε. Logo se d(x, y) ≥ δ e ||v||x < ε, ‖w‖y < ε, temos que valed(expx v, expy w) ≥ δ

8 > 0. Portanto f e biunıvoca nesta vizinhancae logo um difeomorfismo sobre sua imagem, que e uma vizinhanca de

S. Note tambem que Nδ → N definido por (x, v) 7→(x, v

δ−||v||

)e

difeomorfismo.

Observacao 3.1. 1. O teorema e tambem verdadeiro para vari-edades nao compacta mergulhadas. Basta construir, usandonovamente a aplicacao exponencial uma aplicacao de uma vi-zinhanca da secao nula da forma (x, v); ||v||x < ε(x) onde ε euma funcao C∞ escolhida de tal modo que essa aplicacao sejaum difeomorfismo.

2. SeM e de classe C∞ e S e de classe Cr com r ≥ 2 a prova do teo-rema fornece uma vizinhanca tubular de classe Cr−1. A mesmaprova nao se aplica se S e de classe C1 pois, nesse caso, o fibradonormal e apenas de classe C0 e nao podemos usar o teoremada funcao inversa. Nesse caso podemos ainda obter uma vizi-nhanca tubular usando o teorema de aproximacao de funcoescontınuas por funcoes C∞ que demonstraremos no capıtulo 8.Com esse resultado construimos um fibrado de classe C1 sobreS cuja fibra por um ponto x e um subespaco de TMx proximoao subespaco normal a S e, usando esse fibrado construimos avizinhanca tubular como na prova acima.

Corolario 3.6. Seja S ⊂ M uma subvariedade compacta. Entaoexiste uma metrica Riemanniana em M tal que toda geodesica tan-gente a S esteja contida em S (dizemos que S e totalmente geodesica).

64 [CAP. 3: APLICACAO EXPONENCIAL

Demonstracao. Sejam TS⊥ o fibrado normal de S e f : TS⊥ →Muma vizinhanca tubular de S. Na vizinhanca U = f(TS⊥) de S emM consideremos a involucao ϕ : U → U dada por ϕ = f φf−1, ondeφ : TS⊥ → TS⊥ e a involucao (x, v) 7→ (x,−v). Entao ϕ : U → Ue tal que ϕ ϕ = idU , ϕ(x) = x para todo x ∈ S. Se γ e umacurva em U que nao esta contida em S mas e tangente a S em al-gum ponto, entao φ(γ) 6= γ. Dada uma metrica Riemanniana g1 emU , a metrica g = 1

2 (g1 +ϕ∗g1) e tal que ϕ∗g = g, isto e, ϕ e isometria.

Usando uma particao da unidade, podemos construir uma metricaRiemanniana em M que coincide com g em uma vizinhanca de S.Se γ e uma geodesica tangente a S, entao como ϕ e isometria numavizinhanca S, ϕ(γ) tambem e uma geodesica passando pelo mesmoponto de tangencia e tangente ao mesmo vetor. Pela unicidade dasgeodesicas temos ϕ(γ) = γ, e portanto γ ⊂ S.

3.3 Vizinhancas geodesicamente convexas

Definicao 3.4. Seja M uma variedade Riemanniana. Um subcon-junto aberto U ⊂M e geodesicamente convexo se

• para todo par de pontos z, w ∈ U , existe uma unica geodesicaγ : [0, 1]→ U tal que γ(0) = z e γ(1) = w;

• se α : [0, 1] → M e uma curva diferenciavel com α(0) = z eα(1) = w, entao o comprimento de α e maior ou igual ao com-primento de γ e a igualdade ocorre se, e somente se, α e umareparametrizacao de γ (dizemos que γ e minimal, ou minimi-zante).

A proposicao abaixo descreve a relevancia dos abertos geodesica-mente convexos em Topologia Diferencial.

Proposicao 3.7. Seja M uma variedade Riemanniana de classe C∞.

1. Se U e geodesicamente convexo, entao U e contratil, isto e,existe uma aplicacao H : [0, 1]× U → U , de classe C∞, tal queH(0, x) = x e H(x, 1) = x0 ∈ U .

2. A intersecao de dois abertos geodesicamente convexos e geode-sicamente convexo.

[SEC. 3.3: VIZINHANCAS GEODESICAMENTE CONVEXAS 65

Demonstracao. A intersecao de dois abertos geodesicamente con-vexos e obviamente geodesicamente convexo. Para construir H, to-memos para cada x ∈ U a unica geodesica minimal γx : [0, 1]→ U talque γ(0) = x0 e γ(1) = x e definimos H(t, x) = γx(t).

Nessa secao provaremos que todo ponto de uma variedade Rie-manniana tem uma vizinhanca aberta que e geodesicamente convexa.

Usando a inversa da aplicacao exponencial, obtemos em uma vizi-nhanca normal de um ponto p ∈M uma carta local na qual a metrica〈u, v〉x = 〈g(x)u, v〉 tem as seguintes propriedades:

a) gij(0) = δij , isto e, g(0) e a identidade;

b) t ∈ [0, 1] 7→ tv sao geodesicas para todo v com ||v|| < ε;

c) Γkij(0) = 0.

A propriedade c) segue de b) e da equacao das geodesicas. Nessascoordenadas consideramos as bolas Ba = v; 〈v, v〉0 < a2 e as esferasSa = v; 〈v, v〉0 = a2 para cada 0 < a < ε.

Lema 3.8. (Lema de Gauss) As geodesicas radiais em uma vizi-nhanca normal sao ortogonais as esferas Sa se 0 < a < ε.

Demonstracao. Vamos mostrar que para qualquer γ(t) curva dife-renciavel contida na esfera de raio ε e para todo 0 ≤ u < 1, o vetorγ(t) e ortogonal ao vetor γ′(t) no ponto uγ(t), isto e,

β(u) = 〈g(uγ(t))γ(t), γ′(t)〉 = 0.

Como 〈γ(t), γ(t)〉0 e constante, temos que 〈γ(t), γ′(t)〉0 = 0, e assimβ(0) = 0. Logo basta mostrar que β′(u) = −β(u) para todo u, umavez que se β satisfaz essa equacao, entao β(u) = ce−u, onde c econstante, que deve ser 0 pois β(0) = 0. Temos que

du= 〈Dg(uγ(t))(γ(t), γ′(t)), γ(t)〉 = 〈Dg(uγ(t))(γ(t), γ(t)), γ′(t)〉.

Como α(u) = uγ(t) e uma geodesica, temos que α′(t) = γ(t) etambem α′′(t) = 0, daı (deducao da equacao das geodesicas)

〈Dg(α(u))(w,α′(u)), α′(u)〉 = 2〈Dg(α(u))(α′(u), α′(u)), w〉.

66 [CAP. 3: APLICACAO EXPONENCIAL

Tomando w = γ′(t), temos:

〈Dg(uγ(t))(γ′(t), γ(t)), γ(t)〉 = 2〈Dg(uγ(t))(γ(t), γ(t)), γ′(t)〉.

Logodβ

du=

1

2〈Dg(uγ(t))(γ′(t), γ(t)), γ(t)〉.

Por outro lado, como os vetores tangentes a uma geodesica tem normaconstante, temos que

ε2 = 〈γ(t), γ(t)〉 = 〈g(uγ(t))(γ(t)), γ(t)〉

e, derivando em relacao a t,

0 = 〈Dg(uγ(t))(uγ′(t), γ(t)), γ(t)〉+ 2〈g(uγ′(t))(γ(t)), γ(t)〉.

Logo β′(u) = −β(u), o que prova o lema.

Corolario 3.9. Se q pertence a uma vizinhanca normal de p, entaoo comprimento de qualquer curva diferenciavel por partes ligando ospontos p e q e maior ou igual ao comprimento da geodesica radial li-gando p a q e e igual se, e somente se, a curva e uma reparametrizacaoda geodesica radial.

Demonstracao. Seja Up = expp(B(0, ε)) uma vizinhanca normalde p e c : [a, b] → Up \ p uma curva diferenciavel. Entao podemosescrever c(t) = expp(u(t)v(t)), onde ||v(t)||p = 1 e 0 < u(t) < ε.Tomando α(u, t) = expp(uv(t)), temos que c(t) = α(u(t), t). Logo,

dc

dt=∂α

∂uu′(t) +

∂α

∂t.

Pelo lema de Gauss, ⟨∂α

∂u,∂α

∂t

⟩α(u,t)

= 0

e como∥∥∂α∂u

∥∥α(u,t)

= 1, temos que∥∥∥∥dcdt∥∥∥∥2

α(u,t)

= |u′(t)|2 +

∥∥∥∥∂α∂t∥∥∥∥2

α(u,t)

≥ |u′(t)|2

[SEC. 3.3: VIZINHANCAS GEODESICAMENTE CONVEXAS 67

e a igualdade vale se, e somente se, ∂α∂t = 0 para todo t, o que implicaque v′(t) = 0. Logo o comprimento da curva c satisfaz:∫ b

a

∥∥∥∥dcdt∥∥∥∥α(u,t)

dt ≥∫ b

a

|u′(t)|dt ≥ |u(b)− u(a)|,

com igualdade se, e somente se, v e constante e u e monotona. Logoc e uma reparametrizacao de uma geodesica radial.

Teorema 3.10. Seja M uma variedade Riemanniana e d a distanciaRiemanniana. Entao existe uma funcao positiva C∞, η : M → R, talque para todo p ∈ M a bola B(p, η(p)) e uma vizinhanca geodesica-mente convexa de p.

Demonstracao. Seja ε : M → R uma funcao C∞ positiva tal quea bola B(p, ε(p)) seja uma vizinhaca normal de p. Seja x uma cartalocal nessa vizinhanca normal, com x(p) = 0, e tal que a metricanessas coordenadas seja dada por 〈v, w〉x = 〈g(x)v, w〉 com

a) gij(0) = δij , isto e, g(0) e a identidade;

b) t ∈ [0, 1] 7→ tv sao geodesicas para todo v com ||v|| < ε;

c) Γkij(0) = 0.

Seja η > 0 suficientemente pequeno tal que

• ε(x) > 5δ para todo x em B(0, η);

• (1 + 15 )−1‖v‖x < ‖v‖ < (1 + 1

5 )‖v‖x para todo x em B(0, 3η);

• |Γkij(x)| < 1104n3 para todo x em B(0, 3η).

Da primeira propriedade segue que dados x, y em B(0, η), existe umaunica geodesica minimal γ : [a, b] → B(0, ε(p)) ligando x a y comcomprimento menor que 2η, pois a distancia Riemanniana entre x ey e menor ou igual a soma das distancias entre x e 0 e entre 0 e y.A distancia de um ponto z sobre essa geodesica a 0 e menor ou iguala distancia desse ponto a x mais a distancia de x a 0, e a primeiradistancia e menor que o comprimento da geodesica entre x e y, logoa geodesica esta inteiramente contida na bola B(0, 3η). Podemossupor que os vetores tangentes a geodesica tem norma igual a 1. Seja

68 [CAP. 3: APLICACAO EXPONENCIAL

f(t) = 〈γ(t), γ(t)〉. Se f for uma funcao monotona, entao a geodesicaestara inteiramente contida na bola B(0, η), como queremos provar.Caso contrario, f tem um maximo em um ponto t0 no interior dointervalo. Logo

f ′(t0) = 2〈γ′(t0), γ(t0)〉 = 0

ef ′′(t0) = 2〈γ′′(t0), γ(t0)〉+ 2〈γ′(t0), γ′(t0)〉 ≤ 0

pois t0 e um ponto onde f atinge seu maximo. Afirmamos no entantoque f ′′(t) e positivo para todo t, o que prova o teorema. Para provara afirmacao, vamos inicialmente estimar o valor absoluto de cadacomponente da derivada de γ:∣∣∣∣dγidt

∣∣∣∣ ≤ ‖γ′(t)‖ ≤ (1 +1

5

)‖γ′(t)‖γ(t) = 1 +

1

5.

pois o vetor tangente a geodesica tem norma 1 em cada ponto. Temosentao, pela equacao das geodesicas,

‖γ′′(t)‖2 ≤ n×n∑

i,j=1

1

104n3

(1 +

1

5

)2

≤ 2

104

Por outro lado,

〈γ′(t), γ′(t)〉 = ‖γ′(t)‖20 ≥(

1

1 + 15

)2

‖γ′(t)‖2γ(t) =

(1

1 + 15

)2

≥ 1

4

e

|2〈γ′′(t), γ′t〉| ≤ 2‖γ′′(t)‖.‖γ′(t)‖0 ≤ 2.2/100

(1 +

1

5

)<

1

4.

Logo a derivada segunda de f e positiva e, portanto, f nao pode terum maximo.

Teorema 3.11. Seja N uma variedade Riemanniana. Se f : M → Ne uma funcao propria, entao existe uma funcao ρ : M → R+, de classeC∞, tal que

• Se g : M → N e contınua, com d(g(x), f(x)) < ρ(x) para todox ∈M , entao existe uma homotopia propria entre f e g.

[SEC. 3.4: O FLUXO GEODESICO 69

• Se g1 e g2 sao de classe C∞ e d(gj(x), f(x)) < ρ(x) para todox ∈M , j = 1, 2, entao existe uma homotopia propria de classeC∞ entre g1 e g2.

Demonstracao. Seja η : N → R+ tal que B(p, η(p)) e geodesica-mente convexa para todo p ∈ N , como no teorema acima. Tomemosρ : M → R tal que ρ(x) < η(f(x)) e para todo j exista um compactoKj com ρ(x) < 1

j se x nao esta em Kj . Logo, se d(g(x), f(x)) < ρ(x),

existe um unico vetor v(x) ∈ TNf(x) tal que expf(x)(v(x)) = g(x).Como a aplicacao exponencial e C∞ em ambas as variaveis, temos quev depende continuamente de x. A funcao F (t, x) = expf(x)(tv(x)) euma homotopia entre f e g. Se g1 e g2 sao como no enunciado, aaplicacao que a cada x ∈ M associa o vetor w(x) ∈ Tg1(x)N talque expg1(x)(w(x)) = g2(x) e de classe C∞, e portanto a funcaoG(t, x) = expg1(x)(tw(x)) e uma homotopia C∞ entre g1 e g2.

Resta mostrar que as homotopias sao proprias, isto e, que nao existesequencia (tn, xn) tal que xn →∞ e F (tn, xn)→ p. De fato, como

d(F (tn, xn), f(xn)) < ρ(xn) e ρ(xn)→ 0

temos que f(xn) tambem converge a p, o que e absurdo pois f epropria.

3.4 O fluxo geodesico

Como ja vimos, toda metrica Riemanniana em uma variedade e con-formemente equivalente a uma metrica completa. Isto e, dada umametrica Riemanniana, podemos encontrar uma funcao C∞ positivatal que a metrica Riemanniana obtida da primeira multiplicando-a por esta funcao e uma metrica completa, no sentido que todasequencia de Cauchy na distancia induzida pela segunda metrica econvergente. Vimos tambem que toda metrica Riemanniana em umavariedade compacta e completa.

Se M e uma variedade Riemanniana, o fibrado tangente unitario,definido por T1M = (x, v) ∈ TM ;x ∈ M,v ∈ TMx, ||v||x = 1, euma subvariedade de TM de codimensao um. Se γ e uma geodesica

70 [CAP. 3: APLICACAO EXPONENCIAL

em M com γ(0) = x e γ′(0) um vetor unitario, entao t 7→ (γ(t), γ′(t))e uma curva em T1M . A derivada dessa curva em 0 e um vetorX(x, v)tangente a T1M no ponto (x, v). Como as geodesicas dependem dife-renciavelmente tanto do ponto quanto do vetor tangente, temos queX e um campo de vetores de classe C∞ e que se π : T1M → M e aprojecao canonica, entao a composicao de curvas integrais de X com aprojecao π sao geodesicas de M . Afirmamos que se a metrica Rieman-niana e completa, entao X e tambem um campo de vetores completo.De fato, suponhamos por absurdo que o intervalo maximal de umacurva integral de X seja diferente de R, isto e, α : (ω−, ω+) → T1Me curva integral e ω+ <∞. Logo, se tn → ω+, entao α(tn)→∞ emT1M .

Por outro lado, se K ⊂ M e um subconjunto compacto, entaoπ−1(K) e um subconjunto compacto de T1M . Assim, devemos tertambem que γ(tn) = π(α(tn)) → ∞ em M . Como o vetor tangentea γ em cada ponto e unitario, temos que a distancia entre γ(tn) eγ(tn+k) e menor ou igual a tn+k − tn. Portanto a sequencia γ(tn)e de Cauchy em M , o que e um absurdo e prova que ω+ = ∞.Analogamente ω− = −∞. Portanto o fluxo de X esta definido emtoda a reta e demonstramos a proposicao abaixo.

Proposicao 3.12. Se x 7→< ·, · >x e uma metrica Riemannianacompleta em uma variedade M , entao existe uma aplicacao C∞

Φ: R× T1M → T1M

tal que:

• Φ(0, (x, v)) = (x, v);

• para cada (x, v) ∈ TM , a aplicacao R→M , t 7→ πΦ(t, (x, v)),e a geodesica que passa por x e e tangente a v;

• a aplicacao Φt : TM → TM definida por

Φt(x, v) = Φ(t, (x, v))

e um difeomorfismo e a aplicacao

t ∈ R 7→ Φt ∈ Dif∞(T1M)

[SEC. 3.4: O FLUXO GEODESICO 71

e um homomorfismo do grupo aditivo dos reais no grupo dosdifeomorfismos de T1M .

Vamos agora mostrar um exemplo importante onde podemos des-crever explicitamente o fluxo geodesico. Consideremos o plano hi-perbolico H2 = (x, y) ∈ R2; y > 0 munido da metrica hiperbolica:

g11(x, y) = g22(x, y) =1

y2e g12(x, y) = g21(x, y) = 0.

Fixado um ponto (x0, v0) ∈ T1H2, podemos associar um difeomor-

fismo Θ : T1H2 → Aut(H2), pois para cada (x, v) ∈ T1H

2 existe umunico automorfismo φ ∈ Aut(H2) tal que φ(x0) = x e Dφ(x0).v0 = v.

Por outro lado, temos um homomorfismo SL(2,R) → Aut(H2),

que associa a cada matriz(

a bc d

)em SL(2,R) o automorfismo

z ∈ H2 7→ az+bcz+d . O nucleo desse homomorfismo e o subgrupo de dois

elementos id,−id.

O grupo Aut(H2) age em T1H2 de maneira natural

(φ, (x, v)) ∈ Aut(H2)× T1H2 7→ (φ(x), Dφ(x).v).

Identificando T1H2 com Aut(H2) via Θ, essa acao e simplesmente

a composicao de automorfismos: (φ,Θ(x, v)) 7→ φ Θ(x, v).

Consideremos o fluxo

R× SL(2,R)→ SL(2,R)

definido por

(t,

(a bc d

))7→(et 00 e−t

)·(a bc d

).

E facil ver que esse fluxo induz um fluxo R×Aut(H2)→ Aut(H2),e portanto um fluxo Φ: R×T1H

2 → T1H2, de classe C∞, que e exa-

tamente o fluxo geodesico.

A seguir, vamos descrever algumas propriedades dinamicas im-portantes desse fluxo. Seja (x0, v0) ∈ T1H

2 e γ : R → H a geodesicaque passa por x0 com velocidade v0. Sejam H− (resp. H+) o cırculo

72 [CAP. 3: APLICACAO EXPONENCIAL

euclidiano que passa por x0, e ortogonal a v0, e tangencia o eixo realno ponto limt→−∞γ(t) (resp. limt→∞γ(t)). A intersecao de cada umdesses cırculos com H2 e chamado de horocırculoindexhorocırculo.Uma geodesica tangente a um vetor unitario ortogonal a H− e as-sintotica a γ no passado, enquanto que uma geodesica por um pontode H+ e tangente a um vetor ortogonal a H+ e assintotica a γno futuro. Segue entao que se W s(x0, v0) e o conjunto dos pontos(x, v) ∈ T1H

2 tais que x ∈ H+ e v e ortogonal a H+ apontando namesma direcao que v0, entao W s(x0, v0) e uma subvariedade de di-mensao 1 de T1H

2 e a distancia entre Φt(x, v) e Φt(x0, v0) converge azero exponencialmente quando t→ +∞. Analogamente, usando H−,definimos a subvariedade de dimensao um Wu(x0, v0), constituıda depontos assintoticos a (x0, v0) no passado.

Seja agora S uma variedade de dimensao dois que e holomor-ficamente recoberta por H2 e seja Aut(S) ⊂ Aut(H2) o grupo dosautomorfismos do recobrimento. Esse subgrupo age naturalmente emT1H

2 e o espaco quociente e T1S. Como cada elemento de Aut(S)conjuga o fluxo Φt com ele mesmo, isto e, Φt φ = φ Φt, temos queΦt se projeta no fluxo geodesico de S e as subvariedades W s e Wu

se projetam em subvariedades de T1S com as mesmas propriedadesdinamicas.

O fluxo geodesico de uma variedade hiperbolica de dimensao doise um exemplo de uma classe importante de sistemas dinamicos deno-minados fluxos de Anosov.

Capıtulo 4

Variedades com bordo

Seja Hm = x ∈ Rm, xm ≥ 0 o semi-espaco superior. Uma aplicacaof : U ⊂ Hm → V ⊂ Hn e diferenciavel em x0 ∈ U se existe vizi-nhanca U de x0 em Rm e uma aplicacao f : U → Rn diferenciavelem x0 tal que f(x) = f(x) para todo x ∈ U ∩ U . Mesmo quex0 ∈ ∂Hm = x ∈ Rm;xm = 0, duas extensoes de f a vizinhancasde x0 em Rm tem a mesma derivada no ponto x0. Portanto podemosdefinir a derivada de f no ponto x0 como sendo a derivada em x0 dealguma tal extensao de f .

Definicao 4.1. Uma variedade com bordo, de classe Ck, e um espacotopologico M , Hausdorff, com base enumeravel de abertos, munidode um atlas ϕi : Ui → Ui ⊂ Hm cujas mudancas de coordenadassao de classe Ck.

O bordo de M , denotado por ∂M , e o conjunto dos pontos x ∈Mtais que existe uma carta ϕi : Ui → Ui no atlas tal que ϕi(x) ∈ ∂Hm.Observemos que se ϕj : Uj → Uj e uma outra carta, entao ϕj(x)tambem pertence a ∂Hm. Assim, ∂M esta bem definido e e umavariedade (sem bordo) de dimensao m− 1.

Um vetor tangente v a M no ponto x e uma aplicacao que a cadacarta local ϕi : Ui → Ui ⊂ Hm associa um vetor v(ϕi, x) ∈ Rm e tema propriedade de que se ϕj : Uj → Uj e outra carta com x ∈ Uj , entaov(ϕj , x) = D(ϕjϕ−1

i )(ϕi(x))v(ϕi, x). Pela observacao anterior sobre

73

74 [CAP. 4: VARIEDADES COM BORDO

a derivada de mudancas de cartas, temos que a definicao faz sentidomesmo quando x ∈ ∂M . O espaco tangente a M no ponto x e oconjunto de tais vetores tangentes, que e obviamente um espaco ve-torial, e cada carta local ϕi define um isomorfismo Dϕi : TMx → Rm,que associa a cada vetor tangente v o vetor v(φi, x). Em um pontox ∈ ∂M o espaco tangente ao bordo e um subespaco de codimensao1 do espaco tangente a M .

Dizemos que duas bases de um espaco vetorial sao equivalentes sea matriz de mudanca de base tem determinante positivo. E claro queexistem exatamente duas classes de equivalencia. Uma orientacao emum espaco vetorial e a escolha de uma das classes de equivalencia euma base nessa classe e chamada de base positiva.

Definicao 4.2. Uma orientacao em uma variedade M e uma es-colha de uma orientacao em cada espaco tangente, de modo quepara cada carta local ϕ : U ⊂ M → U , com U conexo, a derivadaDϕ(x) : TMx → Rm ou preserva orientacao para todo x ou inverteorientacao para todo x. Se e possıvel escolher uma tal orientacao emM , dizemos que M e orientavel e nesse caso, fixada a escolha de umaorientacao, dizemos que M esta orientada.

Se M e uma variedade orientada, podemos escolher um atlasϕi : Ui → Ui ⊂ Hm tal que a derivada das mudancas de coorde-nadas e um isomorfismo que preserva a orientacao de Rm em cadaponto. Dizemos que as cartas desse atlas sao positivas e que o atlase positivo. Reciprocamente, um atlas positivo define uma orientacaoem M . Se M e uma variedade com bordo orientada, entao ∂M etambem uma variedade orientavel. Consideraremos a orientacao de∂M tal que uma base ordenada v1, . . . , vn−1 de T (∂M)x e positivase v1, . . . , vn−1, v e uma base positiva de TMx, onde v ∈ TMx e umvetor transversal ao subespaco T (∂M)x e que aponta para o interiorde M , isto e, se ϕ : U ⊂M → U ⊂ Hm, entao Dϕ(x).v ∈ Hm ⊂ Rm.

4.1 Colagem de variedades com bordo

Teorema 4.1. (Vizinhanca colar de bordo). Seja M uma variedadecom bordo, de classe C∞, com ∂M compacto. Entao existe umavizinhanca V de ∂M em M e um difeomorfismo de classe C∞

[SEC. 4.1: COLAGEM DE VARIEDADES COM BORDO 75

Φ : ∂M × [0, 1)→ V

tal que Φ(x, 0) = x ∀x ∈ ∂M .

Demonstracao. Consideremos uma cobertura finita Ui de ∂Mpor abertos de M tal que existam cartas locais ϕi : Wi → Wi ⊂ Hmcom Ui ⊂ Ui ⊂ Vi ⊂ Vi ⊂ Wi e Ui e Vi compactos. Escolha umafuncao λi : Hm → [0, 1], C∞, que vale 1 em Ui = ϕi(Ui) e 0 forade Vi = ϕi(Vi). Seja Xi o campo de vetores obtido multiplicando ocampo unitario vertical ∂

∂xmem Hm pela funcao λi. Seja Xi o campo

de vetores em M que se anula fora de Wi e Xi = ϕ∗i Xi em Wi.Temos que Xi e um campo de classe C∞ que se anula fora de um

compacto e tal que para todo x ∈ ∂M ou Xi(x) = 0 ou e transversala ∂M e aponta para o interior de M . Seja X =

∑iXi. Temos entao

queX e um campo C∞ que se anula fora de uma vizinhanca compactade ∂M e para todo x ∈ ∂M X(x) e transversal a ∂M , apontandopara o interior de M . Portanto existe ε > 0 e uma aplicacao C∞

ψ : ∂M × [0, ε) → M tal que ψ(x, 0) = x e t 7→ ψ(x, t) e curvaintegral de X. Tomando ε > 0 suficientemente pequeno, temos que ψe um difeomorfismo sobre uma vizinhanca V de ∂M em M . Tomamosentao Φ(t, x) = ψ(x, εt).

Teorema 4.2. Sejam M e N variedades de classe C∞ com bordoscompactos. Seja f : ∂M → ∂N um difeomorfismo de classe C∞.Entao existem uma variedade sem bordo, denotada por M ∪f N ,uma subvariedade S ⊂ M ∪f N e mergulhos C∞ if : M → M ∪f Ne jf : N →M ∪f N tais que

• if (M) ∪ jf (N) = M ∪f N ;

• if (M \ ∂M) ∩ jf (N \ ∂N) = ∅;

• if |∂M : ∂M → S e jf |∂N : ∂N → S sao difeomorfismos taisque if = jf f .

Demonstracao. Na uniao disjunta de M e N , M⊔N , considere a

relacao de equivalencia :

x ∼ y ⇐⇒ ou x = you x ∈ ∂M e y = f(x)ou x ∈ ∂N e y = f−1(x).

76 [CAP. 4: VARIEDADES COM BORDO

Figura 4.1: Colagem pelo bordo.

Seja M ∪f N o espaco quociente por esta relacao, com a topologiaquociente, e q : M

⊔N →M ∪f N a aplicacao quociente.

Fixemos ΦM : ∂M × [0, 1)→ VM ⊂M e ΦN : ∂N × [0, 1)→ VN ⊂ Nvizinhancas colares dos respectivos bordos.Temos que V = q(VM ∪ VN ) e uma vizinhanca de S = q(∂M) (quee tambem igual a q(∂N)). Seja ψ : ∂M × (−1, 1) → V ⊂ M ∪f Ndefinida por

ψ(t, x) =

ΦM (−t, x) se t ≤ 0ΦN (t, f(x)) se t ≥ 0.

A aplicacao ψ e um homeomorfismo sobre V . Sejam if a composicaode q com a inclusao de M em M

⊔N e jf a composicao de q com

a inclusao de N em M⊔N . Entao existe uma unica estrutura de

variedade em M ∪f N tal que if , jf e ψ sejam mergulhos C∞.

Um caso particular da construcao acima e quando as duas varie-dades coincidem e a identificacao dos bordos e pela identidade. Nessecaso obtemos uma variedade sem bordo que e chamado de o dobro davariedade inicial. Daremos a seguir uma aplicacao interessante dessaconstrucao.

Proposicao 4.3. Sejam M uma variedade compacta com bordo eS ⊂M uma subvariedade compacta, cujo bordo esta contido em ∂M ,

[SEC. 4.1: COLAGEM DE VARIEDADES COM BORDO 77

e tal que se x ∈ S ∩∂M , entao T (∂M)x+TSx = TMx (subvariedade“neat”). Entao existe uma vizinhanca tubular de S tal que, quandorestrita ao bordo de M , e uma vizinhanca tubular de ∂S em ∂M .

Demonstracao. Provaremos a proposicao construindo uma metricaRiemanniana tal que ∂M e totalmente geodesica e para x ∈ S ∩ ∂M ,T∂M⊥x ⊂ TSx. Para isso, construımos uma vizinhanca colar de ∂Musando um campo de vetores em uma vizinhanca de ∂M que sejatambem tangente a S. Usamos essa vizinhanca para construir o dobroM de M , que tem uma subvariedade S cuja intersecao com M ⊂ M eS. Temos entao uma vizinhanca tubular de ∂M em M cujas fibras porpontos de S estao contidas em S e tambem uma involucao ϕ dessavizinhanca que deixa os pontos de ∂M fixos e preservam as fibrascomo na prova do corolario 3.6. Usando essa involucao, construımosuma metrica em M tal que as fibras das vizinhancas de ∂M em M saoortogonais a ∂M e tal que ϕ seja uma isometria em uma vizinhancade ∂M . Logo ∂M e totalmente geodesica e a vizinhanca tubular deS construıda na prova do teorema 3.5 restringe a uma vizinhancatubular de ∂S em ∂M .

Exercıcio 4.1. Seja M = N = D2 × S1 o toro solido. Seu bordoe ∂M = ∂N = S1 × S1, que e o toro de dimensao dois. Sejamf, g : S1 × S1 → S1 × S1 os difeomorfismos

f(x, y) = (x, y)g(x, y) = (y, x).

Mostre que M ∪f N e difeomorfa a S1 × S2, enquanto que M ∪g Ne difeomorfa a S3.

Sugestao: Usando a projecao estereografica podemos representar S3

como a uniao de R3 com o ponto no infinito. O eixo x3 e um cırculoγ1 ⊂ S3 e S3 \ γ1 e a uniao de toros de revolucao que intersectam oplano x1x3 em cırculos como na figura.

Os meridianos desses toros sao cırculos com centros no eixo x3 econtidos em planos paralelos ao plano x1x2, enquanto que os para-lelos sao as intersecoes dos toros com planos passando pelo eixo x3

e perpendicular ao plano x1x2. O complementar do toro achuriadoda figura em S3 e um toro solido com eixo γ1 e de cujos meridianos

78 [CAP. 4: VARIEDADES COM BORDO

Figura 4.2: Exercıcio 2.1

saem os paralelos dos toros anteriores. Portanto S3 e a uniao de doistoros solidos.

Observacao: O plano x1x3 e uma esfera de dimensao dois mergu-lhada em S3 e dos cırculos da figura saem cırculos concentricos nametrica esferica de S3 (a metrica induzida de R4).

Definicao 4.3. Sejam f, g : P → Q difeomorfismos entre variedadessem bordo. Dizemos que f e g sao difeotopicos (ou isotopicos), seexiste uma aplicacao Φ : [0, 1]→ Dif∞(P,Q), Φ(t) = ft, tal que

• f0 = f e f1 = g;

• a aplicacao φ : [0, 1] × P → Q definida por φ(t, x) = ft(x) eC∞.

Uma tal aplicacao e chamada de isotopia entre f e g. Observemosque se α : [0, 1] → [0, 1] e uma aplicacao C∞ sobrejetiva tal queα(t) = 0 se t ≤ ε e α(t) = 1 se t ≥ 1− ε, temos que gt = fα(t) e umaisotopia entre f e g tal que gt = f se t ≤ ε e gt = g se t ≥ 1 − ε.Temos portanto uma relacao de equivalencia: se f e difeotopica a g eg e difeotopica a h, entao f e difeotopica a h. Vamos mostrar a seguirque colando duas variedades com bordo por difeomorfismos isotericosobtemos variedades difeomorfas. Antes demonstraremos dois lemastecnicos.

Lema 4.4. Seja S uma subvariedade de M compacta e C∞. Seπi : M → S sao retracoes e submersoes C∞, i = 1, 2, entao existeuma retracao C∞ r : M → S que e tambem uma submersao e quecoincide com π1 em uma vizinhanca de S e coincide com π2 fora deoutra vizinhanca de S.

[SEC. 4.1: COLAGEM DE VARIEDADES COM BORDO 79

Demonstracao. Consideremos em M uma metrica riemanniana talque S seja totalmente geodesica como no corolario 3.6. Seja N(S) ofibrado normal de S e φ : N(S) → U ⊂ M uma vizinhanca tubularde S como no teorema 3.5. Denotamos ainda por S a secao nula deN(S) e consideremos em N(S) o pull back da metrica riemannianade M . Seja λ : R→ [0, 1] uma funcao C∞ tal que λ(t) = 1 se |t| ≤ 1 eλ(t) = 0 se |t| ≥ 2. Seja π : N(S)→ S a projecao π(x, v) = x. Bastaprovar que se π1 : N(S) → S e uma submersao que deixa os pontosde S fixos entao existem submersoes π2, π3 tais que π3 coincide comπ em uma vizinhanca de S e com π1 fora de outra vizinhaca de Senquanto que π2 coincide com π1 em uma vizinhanca de S e com πfora de outra vizinhanca de S. Para construir a primeira submersaotomamos ε suficientemente pequeno e definimos

π2(x, v) = expπ(x,v)

(λ(ε||v||x) exp−1

π(x,v)(π1(x, v)).

Na formula acima, estamos considerando a exponencial na metricariemmaniana de N(S) na qual φ e isometria enquanto que ||v||x ea norma do vetor v como vetor tangente a M em x. Como S etotalmente geodesica temos que se z, w ∈ S estao suficientementeproximos entao exp−1

z (w) e tangente a S em z e tambem expz(t exp−1z w

pertence a S para todo t ∈ [0, 1]. Logo, se ε > 0 e suficientementepequeno entao π2 e uma retracao que coincide com π fora de umavizinhanca de S e com π1 fora de outra vizinhanca de S. Restamostrar que, se ε e suficientemente pequeno, a derivada de π2 e so-brejetiva em todos os pontos. Isto e verdade em cada ponto (x, v)com ||v||x ≥ 2ε. Para provar o mesmo nos demais pontos, cobrimos Spor um numero finito de vizinhancas trivializadoras do fibrado nor-mal tais que em cada uma dessas coordenadas, S = (x, y); y = 0,π(x, y) = x e ||y||x = ||y||. Para obter a ultima propriedade usa-mos uma famılia de campos ortonormais que geram em cada pontoo subespaco normal a S. Como a derivada da funcao exponencialem 0 e a identidade, podemos tomar os domınios dessas cartas lo-cais suficientemente pequenos de tal forma que nessas coordenadas,expz(w) = z + w + o1(z, w), exp−1

z (w) = z − w + o2(z, w) onde asfuncoes oj bem como suas derivadas parciais de primeira ordem saopequenas em todos os pontos do domınio da carta. Logo, nessa carta

80 [CAP. 4: VARIEDADES COM BORDO

temos que

π2(x, y) = (x, 0) + λ(ε||y||)((x, 0)− π1(x, y)) + o3(x, y)

onde o3 e suas derivadas parciais de primeira ordem sao pequenas.Como π1(x, 0) = (x, 0) temos que, se ε e suficientemente pequeno, aderivada parcial de π2 em relacao a x e sobrejetiva. Logo π2 e umasubmersao. Para construir π3 basta tomar na formula 1 − λ(ε||v||x)em lugar de λ(ε||v||x)

Lema 4.5. Seja f : S → S′ um difeomorfismo. Seja Φ: S×(−1, 1)→S′×(−1, 1) um homeomorfismo da forma Φ(x, t) = (f(x), φ(x, t)) cujarestricao a S× (−1, 0) e a S× (0, 1) seja difeomorfismo. Entao existeum difeomorfismo Ψ: S × (−1, 1)→ S′ × (−1, 1) que coincide com Φfora de uma vizinhanca de S × 0.

Demonstracao. Sejam a, b : S → (0, 1) funcoes C∞ tais que φ(x, a(x)) <

φ(x, b(x)). Seja ε > 0 tal que∫ bb(x)−2ε

(x)φ′(x, s)ds < φ(x,b(x))−φ(x,a(x))10

e tambem 2ε < φ(x,b(x))−φ(x,a(x))10 . Seja λ : R→ [0, 1] uma funcao C∞

tal que λ(t) = 1 se t ≤ 1 e λ(t) = 0 se t ≥ 2. Para cada µ > 0consideremos a funcao dµ(x, t) = µ se a(x) + 2ε < t < b(x) − 2ε,dµ(x, t) = λ(εt) + (1 − λ(εt))µ se t ≤ se t ≤ a(x) + 2ε e dµ(x, t) =λ(ε(b(x)− t))φ′(x, t) + (1− λ(ε(b(x)− t)))µ se b(x)− 2ε ≤ t ≤ b(x).

Temos entao que, para cada x ∈ S a aplicacao µ 7→∫ b(x)

a(x)dmu(x, t)dt

e estritamente monotona, e menor que φ(x, b(x)) − φ(x, a(x) se µe proximo a zero e e maior que esse valor se µ e suficientemente

grande. Logo existe um unico µ(x) tal que∫ b(x)

a(x)dµ(x)(x, t)dt =

φ(x, b(x)) − φ(x, a(x)). Alem disso a aplicacao x 7→ µ(x) e C∞.Definimos entao ψ(x, t) = t se t ≤ a(x), ψ(x, t) = φ(x, t) se t ≥ b(x)

e ψ(x, t) = φ(x, a(x)) +∫ ta(x)

dµ(x)(x, s)ds se a(x) ≤ t ≤ b(x). Ana-

logamente construimos para cada x um difeomorfismo t ∈ (−1, 0) 7→ψ(x, t) que coincide com a identidade para t proximo a zero e coincidecom φ(x, t) fora de uma vizinhanca de 0. Tomemos entao Ψ(x, t) =(f(x), ψ(x, t)).

Teorema 4.6. Sejam M e N variedades C∞ com bordos compactose f, g : ∂M → ∂N difeomorfismos difeotopicos. Entao M ∪f N eM ∪g N sao difeomorfas.

[SEC. 4.1: COLAGEM DE VARIEDADES COM BORDO 81

Demonstracao. Seja ΦN : ∂N × [0, 1) → VN ⊂ N uma vizinhancacolar de ∂N . Seja αt : ∂N → ∂N uma isotopia com αt(x) = gf−1(x)se t ≤ 1

3 e αt(x) = x se t ≥ 23 . Seja Φ : N → N definida por

Φ(y) = y se y /∈ VN e Φ(y) = ΦN (αt(x), t) se (x, t) = Φ−1N (y). Te-

mos que Φ e um difeomorfismo e Φ|∂N = g f−1. Consideremos asaplicacoes if : M → M ∪f N , jf : N → M ∪f N , ig : M → M ∪g N ,jg : N → M ∪g N como no Teorema 4.2. Temos entao um diagramacomutativo.

Mid //

if

M

ig

∂M

OO

f

∂M

OO

g

M ∪f N M ∪g N

∂N

∂N

N

jf

CC

Φ // N

jg

ZZ

Segue entao que a aplicacao H : M ∪f N → M ∪g N definida porH(x) = igi

−1f (x) se x ∈ if (M) e H(x) = jgΦj

−1f (x) se x ∈ jf (N)

esta bem definida e e um homeomorfismo que se restringe a mergulhoC∞ em cada componente conexa de M ∪f N \ S.

Tomando campos de vetores em M∪fN (resp. M∪gN ) transversaisa S (resp. S′ = ig(∂M)), podemos construir difeomorfismos C∞

Φ : S × (−1, 1) → Vf ⊂ M ∪f N (resp. Φg), onde Vf e vizinhanca

de S em M ∪f N e Vg e vizinhanca de S′

em M ∪g N . Daı teoremasegue do seguinte lema.

Lema 4.7. Seja H : S × (−1, 1)→ S′ × (−1, 1) um homeomorfismo

tal que H(x, 0) ∈ S′×0 e as restricoes H|S×(−1,0] e H|S×[0,1) sejammergulhos C∞. Entao existe um difeomorfismo de classe C∞

H : S × (−1, 1)→ S′× (−1, 1)

tal que H(x, t) = H(x, t) se |t| ≥ 12 .

82 [CAP. 4: VARIEDADES COM BORDO

Demonstracao. Consideremos as projecoes

π1 : S × (−1, 1)→ S,π′1 : S′ × (−1, 1)→ S′.

Temos tambem as projecoes

π′+1 : S′ × [0, 1)→ S′, e

π′−1 : S′ × (−1, 0]→ S′,

definidas por π′±1 (y, t) = H(π1H

−1(y, t), 0). Portanto, se t > 0,H(x, t) e a intersecao de H(S×t) com π−1

+ (H(x, 0)). Pelo lema 4.4existe um uma submersao π : S′ × (−1, 1)→ S′ que coincide com π′±fora de uma vizinhanca de S′, coincide com a projecao (y, t) 7→ y emuma vizinhanca de S′ e tal que π−1(y) intersecta transversalmentecada H(S×t) em um unico ponto. Podemos entao definir um novohomeomorfismo H0 : S × (−1, 1) → S′ × (−1, 1) tomando H0(x, t)como a intersecao de H(S×t) com π−1(H(x, 0)) que portanto levafibras de π1 em fibras de π e coincide com H fora de uma vizinhancade S. Seja F : S′ × (−1, 1)→ S′ × (−1, 1) o difeomorfismo F (y, t) =S′×t∩π−1(y). Entao Φ = F−1H0 e um homeomorfismo da formaΦ(x, t) = (f(x), φ(x, t)) onde f(x) = F (H(x, 0)) e cuja restricao aocomplementar de S e um difeomorfismo. Pelo lema 4.5 existe umdifeomorfismo Ψ: S× (−1, 1)→ S′× (−1, 1) que coincide com Φ forade uma vizinhanca de S. Tomamos entao H = F Φ.

4.1.1 Soma conexa de variedades

Sejam M e N variedades C∞ de mesma dimensao e tome mergu-lhos C∞ ϕ : Dn → M e ψ : Dn → N . Entao M \ int (ϕ(Dn)) eN \ int (ψ(Dn)) sao variedades cujos bordos sao difeomorfos a esferaSn−1. Podemos entao considerar a variedade

(M \ int ϕ(Dn)) ∪ϕψ−1 (N \ int ψ(Dn)) ,

que e chamada soma conexa de M e N e e denotada por M#N .Pode-se mostrar que tomando outros mergulhos a variedade obtida edifeomorfa a original (isso nao e um resultado elementar).

[SEC. 4.1: COLAGEM DE VARIEDADES COM BORDO 83

Tomando a soma conexa de uma variedade de dimensao doiscom o toro S1 × S1 obtemos uma outra variedade de dimensao dois.Comecando com o toro e com o plano projetivo e iterando essa cons-trucao obtemos todas as variedades compactas de dimensao dois.

Podemos tambem considerar duas variedades M , N com bordosdesconexos e, partindo de um difeomorfismo f de uma componenteconexa do bordo de M sobre uma componente conexa do bordo deN , construir uma variedade com bordo M ∪f N .

Figura 4.3: Construcoes por colagem 1.

A mesma construcao permite tambem obter uma nova variedadecolando duas componentes conexas do bordo de uma variedade porum difeomorfismo.

Figura 4.4: Construcoes por colagem 2.

84 [CAP. 4: VARIEDADES COM BORDO

Proposicao 4.8. Sejam M = N = Dn e Ψ : Sn−1 → Sn−1 umdifeomorfismo, entao M ∪f N e homeomorfa a Sn.

Demonstracao. Consideremos em Dm os campos de vetores ra-diais X(x) = x, Y (x) = −x. Consideremos um campo de veto-res C∞ Z em uma vizinhanca de S = if (∂M) que e transversal aS e aponta para N . Esse campo e tambem transversal as esferasif (Sn−1(r)), jf (Sn−1(r)) para todo r suficientemente proximo de 1.Usando uma funcao auxiliar podemos construir um campo de veto-res X em M ∪f N transversal as esferas if (Sn−1(r)), jf (Sn−1(r))

para todo r > 0 e que coincide com (if )∗X e (jf )∗Y fora de umavizinhanca de S. Temos entao que o campo X se anula nos pontosp = if (0) e q = jf (0) e se x ∈ M ∪f N \ p, q, Xt(x) → p quandot→ −∞ e Xt(x)→ q quando t→ +∞, onde Xt e o fluxo de X.

Analogamente, a esfera Sn tem um campo de vetores Y que se anulaapenas no polo norte pN e no polo sul pS , e transversal a esferaSn−1 ⊂ Sn no equador da esfera e tal que ∀x ∈ Sn \ pN , pS va-lem Yt(x) → ps quando t → ∞ e Xt(x) → pN quando t → −∞.Tomemos um difeomorfismo h : S → Sn−1 e vamos estende-lo a umhomeomorfismo h : M∪fN → Sn. Definimos h(p) = pN e h(q) = pS .Se x ∈ M ∪f N \ p, q, entao existe um unico t tal que Xt(x) ∈ S.Definimos entao h(x) = Y−th(Xt(x)).

Logo h : M ∪f N \ p, q → Sn \ pN , pS) e um difeomorfismo C∞.Afirmamos que h e contınua em p e q e portanto um homeomorfismo.De fato, fixe uma vizinhanca compacta V de pN . Por compacidade,∃τ > 0 tal que se x ∈ Sn−1, entao Y−t(x) ∈ V se t ≥ τ . Por outrolado, como X(p) = 0, existe vizinhanca U de p tal que se x ∈ Ue Xt(x) ∈ S, entao t > τ . Logo h(U) ⊂ V e h e contınua em p.Analogamente h e continua em q.

Observacao: Milnor mostrou o seguinte resultado fundamental: existedifeomorfismo f : S6 → S6 tal que a variedade M ∪f N construıdaacima nao e difeomorfa a S7. Por esse resultado ele recebeu a meda-lha Fields em 1962.

Uma outra maneira de construir novas variedades usando a mesma

[SEC. 4.1: COLAGEM DE VARIEDADES COM BORDO 85

tecnica: consideremos um mergulho

ϕ : Dn−1 × S1 →M.

O bordo da variedade M \ int (ϕ(Dn−1 × S1)) e difeomorfo aSn−2 × S1, que e o bordo de Sn−2 × D2.

Entao podemos colar M \int (ϕ(Dn−1×S1)) com Sn−2×D2. Comessa construcao podemos obter S2 × S1 partindo de S3 e vice-versa.

Uma outra maneira de construir novas variedades usando essatecnica e chamada cirurgia . Partindo de uma variedade M sembordo, consideramos um cırculo mergulhado com uma vizinhanca tu-bular difeomorfa a Dm−1 × S1 cujo bordo e Sm−2 × S1 que, por suavez, e homeomorfo ao bordo de Sm−2 × D2. Colando essa variedadecom bordo com o complementar da vizinhanca tubular obtemos umanova variedade sem bordo. Por exemplo, podemos por uma cirurgiapassar da esfera S3 para S2 × S1 como no exercıcio 4.1.

Capıtulo 5

Calculo em Variedades

5.1 O Teorema de Stokes

5.1.1 Algebra exterior

Seja Lk(Rm) o espaco vetorial das funcoes k-lineares de Rm em R eΛk(Rm) o subespaco de Lk(Rm) consistindo das funcoes alternadas.Definimos o alternador como a aplicacao linear

Alt : Lk(Rm)→ Λk(Rm)

definida por

Alt(T )(v1, ..., vk) =1

k!

∑s∈Sk

sinal (σ)T (vσ(1), . . . , vσ(k)),

onde Sk e o conjunto de todas as permutacoes do conjunto 1, 2, . . . , ke o sinal de uma permutacao e +1 se o numero de transposicoes epar e −1 caso contrario. E facil ver que Alt deixa os elementos deΛk(Rm) fixos.

Usando o alternador, podemos definir o produto exterior de funcoesmultilineares

∧ : Λk(Rm)× Λl(Rm)→ Λk+l(Rm)

por

ω ∧ η =(k + l)!

k!l!Alt (ω ⊗ η),

86

[SEC. 5.1: O TEOREMA DE STOKES 87

ou mais explicitamente

ω ∧ η(v1, . . . , vk+l) =

= 1k!l!

∑s∈Sk+l sinal (σ)ω(vσ(1), . . . , vσ(k))·η(vσ(k+1), . . . , vσ(k+l)).

O produto exterior tem as seguintes propriedades:

• (ω1 + ω2) ∧ η = ω1 ∧ η + ω2 ∧ η;

• ω ∧ (η1 + η2) = ω ∧ η1 + ω ∧ η2;

• a(ω ∧ η) = (aω) ∧ η = ω ∧ (aη), ∀a ∈ R;

• ω ∧ η = (−1)klη ∧ ω se ω ∈ Λk(Rm), η ∈ Λl(Rm);

• (ω ∧ η) ∧ θ = ω ∧ (η ∧ θ).

Logo, se dx1, . . . , dxm e a base dual da base canonica de Rm, istoe, dxi(v) = vi, entao

dxI = dxi1 ∧ · · · ∧ dxik , 0 < i1 < · · · < ik ≤ m

e uma base do espaco vetorial Λk(Rm), que, portanto, tem dimensaom!

k!(m−k)! .

Em particular, dimΛm(Rm) = 1. Se ω ∈ Λm(Rm) e wi =∑mj=1 aijvj ,

entao ω(w1, . . . , wm) = det(aij)ω(v1, . . . , vm).

Uma transformacao linear A : Rm → Rp induz, para cada k, umaaplicacao linear

A∗ : Λk(Rp)→ Λk(Rm)

definida por

(A∗ω)(v1, . . . , vk) = ω(Av1, . . . , Avk).

A funcao multilinear A∗ω e chamada o pull-back de ω por A. Facil-mente verifica-se que (AB)∗ = B∗A∗.

88 [CAP. 5: CALCULO EM VARIEDADES

5.1.2 Formas diferenciais

Definimos uma k-forma diferencial ω em um aberto U ⊂ Rm e umaaplicacao de classe C∞ ω : U → Λk(Rm). Denotamos por Ωk(U) oconjunto das k-formas diferenciais em U . Temos que Ωk(U) e espacovetorial de dimensao infinita e, de fato, um modulo sobre a algebraC∞(U) das funcoes de classe C∞ de U em R. Para consideracoesfuturas sobre integracao, denotamos por Ωkc (U) o subespaco vetorialde Ωk(U) que consiste das k-formas diferenciais em U com suportecompacto.

O produto exterior de formas diferenciais

∧ : Ωk(Rm)× Ωl(Rm)→ Ωk+l(Rm)

tambem e definido pontualmente, isto e, (ω ∧ η)(x) = ω(x) ∧ η(x), ee uma forma bilinear com as mesmas propriedades mencionadas nasecao anterior.

Uma aplicacao f : U ⊂ Rm → V ⊂ Rp, de classe C∞, induz umaaplicacao linear

f∗ : Ωk(V )→ Ωk(U),

chamada de pull-back de formas diferenciais, definida como

(f∗ω)(x)(v1, . . . , vk) = ω(f(x))(Df(x)v1, . . . , Df(x)vk).

Nao e difıcil verificar as seguintes propriedades de f∗:

• f∗(ω ∧ η) = (f∗ω) ∧ (f∗η);

• f∗(φ.ω) = (φ f).f∗ω, se φ ∈ C∞(V );

• (g f)∗ = f∗ g∗.

Usando a base usual de Λk(Rm), podemos escrever uma k-formadiferencial em U como

ω(x) =∑J

aJ(x)dxJ ,

[SEC. 5.1: O TEOREMA DE STOKES 89

onde J percorre as k-uplas (j1, . . . , jk) com 0 ≤ j1 < · · · < jk ≤ m,cada aJ e uma funcao de classe C∞ em U e dxJ = dxj1 ∧ ... ∧ dxjk .

Podemos estender o conceito de formas diferenciais para varieda-des.

Definicao 5.1. Seja M uma variedade diferenciavel. Uma k-formadiferencial ω em M e uma correspondencia que associa a cada pontox ∈M uma funcao k-linear alternada em TMx que varia de maneiradiferenciavel com o ponto, isto e, a expressao de ω em qualquer carta(U, (x1, ..., xm)) de M , ω =

∑J aJ(x)dxJ , e tal que as funcoes aJ

sejam diferenciaveis em U .

Como antes, denotamos por Ωk(M) o conjunto das k-formas di-ferenciais em M , que e um R-espaco vetorial de dimensao infinita eum C∞(M)-modulo. Tambem escrevemos Ωkc (M) para o conjuntodas k-formas diferenciais de M com suporte compacto.

Um exercıcio e verificar que a seguinte definicao de k-forma dife-rencial em M e equivalente a anterior: Seja (Ui, ϕi)i∈I um atlas deM . Uma k-forma diferencial em M e uma escolha de uma k-formadiferencial ωi ∈ Ωk(Ui), para cada i ∈ I, tal que para todos i, j ∈ Icom Ui ∩ Uj 6= ∅, vale (ϕj ϕ−1

i )∗ωj = ωi em Ui ∩ Uj .

Podemos naturalmente estender a definicao de pull-back de formasdiferenciais por aplicacoes diferenciaveis entre variedades, de modoque as mesmas propriedades anteriores continuam validas. Analoga-mente para o produto exterior, ja que e um produto definido pontu-almente. E claro que se f : M → N e uma aplicacao diferenciavel epropria, entao f∗(Ωkc (N)) ⊂ Ωkc (M).

O teorema de mudanca de variaveis na teoria de integracao emRm estabelece que se f : U ⊂ Rm → V ⊂ Rm e um difeomorfismo eφ : V → R e uma funcao integravel, entao∫

V

φ(x)dx =

∫U

(φ f).|detDf(x)|dx.

Por outro lado, se ω ∈ Ωm(V ), entao ω(x) = a(x)dx1 ∧ · · · ∧ dxm ef∗ω(x) = (a f)(x).det(Df(x)).dx1 ∧ · · · ∧ dxm. Logo, se definirmos

90 [CAP. 5: CALCULO EM VARIEDADES

∫Vω =

∫Va(x)dx temos que

∫Uf∗ω = ±

∫Vω, sendo o sinal + se f

preserva orientacao e − se f inverte a orientacao.

Deste modo, tem sentido dizer que uma m-forma ω ∈ Ωmc (U) eintegravel e que a integracao e um funcional linear de Ωmc (U), o qualcomuta com o operador de pull-back de m-formas por difeomorfismosque preservam orientacao. Essa propriedade nos permite definir in-tegracao m-formas com suporte compacto em variedades orientadasde dimensao m, como faremos a seguir.

SejaM uma variedade orientada. Vamos definir agora uma aplicacaolinear ∫

M

: Ωmc (M)→ R.

Se o suporte de ω esta contido no domınio de uma carta localpositiva ϕ : U ⊂ M → U ⊂ Rm, definimos

∫Mω =

∫U

(ϕ−1i )∗ω. Pelo

teorema de mudanca de variaveis na integral, definicao nao dependeda escolha da carta local pois as mudancas de coordenadas entrecartas locais positivas preservam orientacao. Se o suporte de ω naoesta contido no domınio de uma carta local, tomamos Ui, ϕi umatlas positivo de M e uma particao da unidade λi subordinada acobertura Ui e definimos∫

M

ω =∑i

∫M

λiω.

Como ω tem suporte compacto, a soma acima e finita. Vamosmostrar que a definicao nao depende da escolha da particao da uni-dade. Seja λi outra particao da unidade subordinada a coberturaUi. Tomando λij = λi.λj , temos que λiω =

∑j λijω. Para i fixado,

cada uma das formas λijω tem suporte contido no mesmo domıniode uma carta positiva, entao pela linearidade da integral em Rmvale

∫Mλiω =

∑j

∫Mλi,jω. Portanto,

∑i

∫Mλiω =

∑ij

∫Mλi,jω.

Analogamente,∑j

∫Mλjω =

∑i,j

∫Mλijω, o que prova a afirmacao.

Fica como exercıcio verificar que a integral tambem nao depende daescolha do atlas positivo, de modo que a integral de m-formas comsuporte compacto em uma variedade orientada de dimensao m estabem definida e e um funcional linear nesse espaco.

[SEC. 5.1: O TEOREMA DE STOKES 91

5.1.3 Derivada exterior e o Teorema de Stokes

Um operador linear fundamental no espaco de formas diferencial eo operador derivada exterior, que passaremos a definir. Definiremosesse operador inicialmente no espaco de formas em abertos de Rm emostraremos que ele comuta com o operador de pull-back de formas.Seguira daı que a definicao se estende para formas em variedades.

O espaco de 0-formas, Ω0(U), e simplesmente o espaco C∞(U).A derivada de uma funcao f , que agora denotaremos por df , e uma1-forma em U , e portanto temos uma aplicacao linear

d : Ω0(U) −→ Ω1(U)

f 7−→ df =∑j∂f∂xj

dxj .

Se ω ∈ Ωk(U), entao ω =∑J aJdx

J , em que dxJ = dxj1 ∧ · · · ∧ dxjk .Daı definimos

dω =∑J

daJ ∧ dxJ =∑j

∑J

∂aJ∂xj

dxj ∧ dxJ ∈ Ωk+1(U).

E claro que d e um operador linear. Como dxi ∧ dxj = −dxj ∧ dxi,o operador d satisfaz a seguinte regra de Leibniz:

d(ω ∧ η) = dω ∧ η + (−1)kω ∧ dη

para todas ω ∈ Ωk(U) e η ∈ Ωl(U). Outra propriedade cuja veri-ficacao deixamos a cargo do leitor e que o operador d comuta com ooperador de pull-back de formas, isto e, se f : U ⊂ Rm → V ⊂ Rn euma aplicacao de classe C∞, entao

d(f∗ω) = f∗dω.

Teorema 5.1. Para toda ω ∈ Ωk(U) vale

d(dω) = 0.

Demonstracao. Primeiramente, provaremos que se f ∈ Ω0(U),entao d(df) = 0. De fato:

92 [CAP. 5: CALCULO EM VARIEDADES

d(df) = d

∑j

∂f

∂xjdxj

=

∑i,j

∂2f

∂xi∂xjdxi ∧ dxj

=∑i<j

(∂2f

∂xi∂xj− ∂2f

∂xj∂xi

)dxi ∧ dxj

= 0.

Sendo que a ultima igualdade vale pois f e, em particular, de classeC2 e, portanto, as derivadas de segunda ordem sao simetricas.. Notetambem que para todo j temos d(dxj) = 0 por definicao de d. Nocaso geral, como d e linear, basta supor que ω se escreve como ω =fdxj1 ∧ ...∧ dxjk . Usando a regra de Leibniz indutivamente e usandoo que ja foi provado, temos:

d(dω) = d(df ∧ dxj1 ∧ ... ∧ dxjk)

= d(df) ∧ (dxj1 ∧ ... ∧ dxjk) +

+

k∑i=1

(−1)if.dxj1 ∧ ... ∧ d(dxji) ∧ ... ∧ dxjk

= 0.

A propriedade do teorema anterior as vezes e escrita sucintamentecomo d2 = 0. Ela sera essencial posteriormente para definir o com-plexo de de Rham.

Uma consequencia das propriedades acima e podemos definir a deri-vada exterior de formas em variedades:

d : Ωk(M)→ Ωk+1(M)

e esse operador e linear, comuta com o operador de pull-back deformas , satisfaz a regra de Leibniz e tambem d2 = 0. Tambem e evi-dente que a derivada exterior de uma forma diferencial com suporte

[SEC. 5.1: O TEOREMA DE STOKES 93

compacto tambem tem suporte compacto.

Seja M uma variedade orientada com bordo e consideremos a ori-entacao do bordo induzida da orientacao de M : [v1, . . . , vm−1] e umabase positiva de T∂Mx se [v1, . . . , vm−1, w] e uma base positiva deTMx, onde w e um vetor de TMx transversal a T∂Mx e apontandopara o exterior de M . Com essa orientacao induzida temos a se-guinte relacao entre os operadores de integracao de formas e derivadaexterior.

Teorema 5.2 (Teorema de Stokes). Seja M uma variedade orientadacom bordo. Entao para toda ω ∈ Ωm−1

c (M) vale∫M

dω =

∫∂M

ω.

Demonstracao. Como ambos os membros da equacao dependemlinearmente de ω e, usando uma particao da unidade, podemos es-crever uma forma ω de suporte compacto como uma soma finita deformas, em que cada uma delas tem suporte compacto contido nodomınio de uma carta local positiva, podemos supor que ω e uma(m− 1)-forma com suporte compacto em Hm = x ∈ Rm;xm ≥ 0.

Usando novamente a linearidade de ambos os membros da equacao,

podemos supor que ω = f(x)dx1 ∧ . . . dxj · · · ∧ dxm, onde o fator dxj

indicado foi omitido do produto exterior. Temos entao que

dω =∂f

∂xjdxj ∧ dx1 ∧ ...dxj ... ∧ dxm

e ∫Hm

dω =

∫ (∫∂f

∂xjdxj

)dx1 . . . dxj . . . dxm.

A integral com respeito a dxj se anula se j 6= m, pois e tomada emtodo R e f tem suporte compacto, e e igual a −f(x1, . . . , xm−1, 0)pelo teorema fundamental do calculo se j = m, pois nesse caso aintegral e tomada em x ∈ R, x ≥ 0.

Por outro lado,∫∂H ω tambem se anula se j 6= m e tambem e igual a

−∫f(x1, . . . , xm−1, 0)dx1 . . . dxm−1 se j = m, onde o sinal − vem da

94 [CAP. 5: CALCULO EM VARIEDADES

orientacao induzida em ∂H. Portanto a formula de Stokes tambemesta confirmada nesse caso.

Corolario 5.3. Se M e uma variedade orientada sem bordo, entaopara toda ω ∈ Ωm−1

c (M) vale∫M

dω = 0.

Demonstracao. Se M nao e compacta, tomemos uma bola B con-tida no complementar do suporte de ω e aplicamos o teorema deStokes na variedade com bordo M \ B. Se M e compacta, tomemosuma bola Bε que e imagem inversa de uma bola de raio ε por umacarta local fixada. Como a integral de dω em M \ Bε converge paraa integral de dω em M quando ε → 0 e a integral de ω no bordo deM \Bε converge a zero quando ε→ 0, temos novamente o resultadousando o teorema de Stokes nas variedades com bordo M \Bε.

5.2 Cohomologia de de Rham

Seja k ≥ 0. Definimos os seguintes subespacos de Ωk(M):

Zk(M) = ω ∈ Ωk(M); dω = 0Bk(M) = ω ∈ Ωk(M); ∃η ∈ Ωk−1(M) com dη = ω.

Os elementos de Zk(M) sao chamados de formas fechadas e oselementos de Bk(M) sao chamados de formas exatas Em outras pa-lavras

Zk(M) = Ker d : Ωk(M)→ Ωk+1(M)

Bk(M) = Im d : Ωk−1(M)→ Ωk(M).

Observe que, por questoes de dimensao, Ωk(M) = 0 sempre quek > dim(M), de modo que toda m-forma em M e automaticamentefechada. Da propriedade d2 = 0 da diferencial exterior, segue que asequencia de espacos vetoriais com transformacoes lineares

0 −→ Ω0(M)d−→ Ω1(M)

d−→ · · · d−→ Ωm(M) −→ 0

[SEC. 5.2: COHOMOLOGIA DE DE RHAM 95

e um complexo de co-cadeias. Alem disso, tambem por d2 = 0, temosque Bk(M) ⊂ Zk(M) para todo k, de modo que podemos consideraros grupos de cohomologia do complexoHk

dR(M) := Zk(M)/Bk(M),chamados de grupos de cohomologia de de Rham e M . Dada umaforma ω ∈ Zk(M), denotamos por [ω] sua classe de cohomologia emHkdR(M).

Como a aplicacao de pull-back de formas comuta com a deri-vada exterior, temos que se f : M → N e uma aplicacao C∞, entaof∗(Zk(N)) ⊂ Zk(M) e f∗(Bk(N)) ⊂ Bk(M). Assim f∗ induz umaaplicacao nos grupos de cohomologia, que denotaremos da mesmamaneira

f∗ : HkdR(N)→ Hk

dR(M).

Como (f g)∗ = g∗ f∗ ao nıvel de formas, o mesmo acontece aonıvel de cohomologia. Evidentemente temos que id∗M = idHkdR(M).Em particular, se duas variedades sao difeomorfas, entao os seus gru-pos de cohomologia sao isomorfos. Mais geralmente, mostraremos nocapıtulo 11 que isso tambem ocorre mesmo que as variedades dife-renciaveis tenham apenas o mesmo tipo de homotopia.

Como a derivada exterior preserva as formas com suporte com-pacto, temos tambem um subcomplexo constituıdo de formas comsuporte compacto. Os correspondentes grupos de cohomologia saochamados grupos de cohomologia com suporte compacto e sao deno-tados por Hk

c (M). Uma aplicacao propria induz aplicacoes linearesentre grupos de cohomologia com suporte compacto.

Lema 5.4. Para cada t ∈ [0, 1] seja it : M → M × [0, 1] a inclusaox 7→ (x, t). Entao existe uma aplicacao linear

I : Ωk(M × [0, 1])→ Ωk−1(M)

tal quei∗0ω − i∗1ω = dI(ω) + I(dω).

Mais ainda, se ω tem suporte compacto, entao I(ω) tambem temsuporte compacto.

Demonstracao. Denotemos por ∂∂t o campo de vetores que se pro-

jeta em 0 pela derivada de (x, t) 7→ x e em 1 pela derivada de

96 [CAP. 5: CALCULO EM VARIEDADES

(x, t) 7→ t. Todo vetor tangente a M × [0, 1] num ponto (t, x) seescreve de maneira unica como v+ a ∂∂t , em que a ∈ R e v pertence aimagem da derivada de it no ponto x.

Seja ω ∈ Ωk(M × [0, 1]). Definimos α ∈ Ωk(M × [0, 1]) por

α(x, t)

(v1 + a1

∂t, . . . , vk + ak

∂t

)= ω(x, t)(v1, . . . , vk).

e β ∈ Ωk−1(M × [0, 1]) por

β(x, t)

(w1 + b1

∂t, . . . , wk−1 + bk−1

∂t

)= ω(x, t)

(∂

∂t, w1, . . . , wk−1

).

Temos daı queω = α+ dt ∧ β.

As formas α e β estao bem definidas. Para mostrar a igualdade bastatomar cartas locais nas quais

ω =∑I

aI(x, t)dxI +

∑J

dt ∧ bJ(x, t)dxJ

eα =

∑I

aI(x, t)dxI , β(x, t) =

∑J

bJ(x, t)dxJ .

A igualdade e evidente.Definimos a forma I(ω) ∈ Ωk−1(M), para cada x ∈M , por

I(ω)(x)(u1, . . . , uk−1) =

∫ 1

0

β(x, t)(D(it)(x)u1, . . . , Dit(x)uk−1)dt.

Para verificar a igualdade de duas formas diferenciais basta provara igualdade em cada ponto, e podemos, portanto, usar cartas locais.A expressao das formas acima definidas em coordenadas locais sao:

α =∑

i1<···<ik

αi1···k(x, t)dxi1 ∧ · · · ∧ dxik

eβ =

∑j1<···<jk−1

βj1...jk−1(x, t)dxj1 ∧ · · · ∧ dxjk−1 .

[SEC. 5.2: COHOMOLOGIA DE DE RHAM 97

Como ambos os membros da igualdade a ser provada sao funcoeslineares de ω, basta provar a igualdade para os dois tipos de formasabaixo:

ω1 = f(x, t)dxi1 ∧ · · · ∧ dxik

e

ω2 = g(x, t)dt ∧ dxj1 ∧ · · · ∧ dxjk−1.

No primeiro caso temos que I(ω1) = 0. Por outro lado,

dω1 = η +∂f

∂tdt ∧ dxi1 ∧ · · · ∧ dxik

onde na forma η os coeficientes que involvem dt se anulam. Portanto,

I(dω1) =

(∫ 1

0

∂f

∂t(x, t)dt

)dxi1 ∧ · · · ∧ dxik

= (f(x, 1)− f(x, 0))dxi1 ∧ · · · ∧ dxik= i∗1ω1 − i∗0ω1

e temos a igualdade

i∗1ω1 − i∗0ω1 = I(dω1) + dI(ω1).

No segundo caso vale i∗1ω2 − i∗0ω2 = 0. Por outro lado, escrevendodxJ = dxj1 ∧ · · · ∧ dxjk−1 temos

I(dω2) = I

(m∑l=1

∂g

∂xl(x, t)dxl ∧ dt ∧ dxJ

)

= I

(−

m∑l=1

∂g

∂xl(x, t)dt ∧ dxl ∧ dxJ

)

= −m∑l=1

(∫ 1

0

∂g

∂xl(x, t)dt

)dxl ∧ dxJ

e

98 [CAP. 5: CALCULO EM VARIEDADES

dI(ω2) = d

((∫ 1

0

g(t, x)dt

)dxJ

)=

m∑1=1

(∫ 1

0

∂g

∂xl(x, t)dt

)dxl ∧ dxJ

= −I(dω2)

e a igualdade esta verificada. Finalmente, se ω tem suporte compacto,entao β tambem tem suporte compacto, e portanto I(ω) tem suportecompacto.

Teorema 5.5. 1. Se F : M×[0, 1]→ N e uma homotopia C∞ en-tre f, g : M → N , entao para cada k ≥ 0 as aplicacoes induzidasem coholomogia sao iguais:

f∗ = g∗ : HkdR(N)→ Hk

dR(M).

2. Se F e uma homotopia C∞ e propria, entao

f∗ = g∗ : Hkc (N)→ Hk

c (M).

Demonstracao. Defina L := I F ∗ : Ωk(N) → Ωk−1(M). Comof = i0 F e g = i1 F , pelo lema anterior

g∗(ω)− f∗(ω) = L(dω) + d(L(ω)) ∀ ω ∈ Ωk(N).

Assim, se ω ∈ Zk(N), entao g∗ω − f∗ω = d(L(ω)) ∈ Bk(M), istoe, [g∗ω] = [f∗ω]. Como todos os operadores em questao preservamsuporte compacto, o mesmo vale para o caso de aplicacoes proprias.

Um operador L como no teorema acima e chamado homotopiaalgebrica entre f∗ e g∗. No capıtulo 11 mostraremos que duas aplicacoescontınuas homotopicas tambem induzem as mesmas aplicacoes nosgrupos de cohomologia de de Rham via aproximacao por funcoes di-ferenciaveis.

Corolario 5.6. Seja M uma variedade orientada, sem bordo, dedimensao m. Sejam f, g : M → N aplicacoes proprias de classe C∞

[SEC. 5.3: CAMPOS DE VETORES COMO DERIVACOES 99

e suponha que exista uma homotopia propria de classe C∞ entre f eg. Entao para cada forma fechada η ∈ Ωm(N) vale∫

M

f∗η =

∫M

g∗η.

Corolario 5.7. (Lema de Poincare) Para k ≥ 1, toda k-forma fe-chada em Rm e exata, isto e, Hk

dR(Rm) = 0.

Demonstracao. A aplicacao F (x, t) = tx e uma homotopia entrea identidade e a aplicacao constante. O resultado segue entao deobservar que id∗ = idHkdR(Rm) e f∗ = 0 se f e constante.

5.3 Campos de vetores como derivacoes

Definicao 5.2. Uma algebra sobre um corpo K e um espaco vetorialA sobre K munido de uma aplicacao K-bilinear A×A→ A, chamadao produto da algebra, e indicada por (a, b) 7→ ab. Uma derivacao emA e uma aplicacao K-linear L : A→ A que satisfaz a regra de Leibniz:

L(ab) = aL(b) + L(a)b.

Seja M uma variedade de classe C∞ e denotemos por C∞(M) aR-algebra das funcoes de classe C∞ de M com valores reais, em queo produto e o produto usual de funcoes.

Um campo de vetores X em M , de classe C∞, define uma de-rivacao X : C∞(M)→ C∞(M) colocando (Xf)(x) := Df(x) ·X(x).De fato, toda derivacao da algebra C∞(M) e desta forma, conformea seguinte proposicao.

Proposicao 5.8. Seja L : C∞(M)→ C∞(M) uma derivacao. Existeum campo de vetores X em M , de classe C∞, tal que X(f) = L(f)para todo f ∈ C∞(M).

Demonstracao. Faremos a demonstracao por etapas.

1. Se f e constante, entao L(f) = 0.

100 [CAP. 5: CALCULO EM VARIEDADES

De fato, se g e funcao constante igual a 1, temos

L(g) = L(g.g) = g.L(g) + L(g).g = 2L(g),

o que implica L(g) = 0. Por outro lado

L(f) = L(cg) = cL(g) = 0.

2. Se f = g em uma vizinhanca de x, entao L(f)(x) = L(g)(x).

Seja λ : M → R uma funcao C∞ que vale 1 em x e 0 fora deuma pequena vizinhanca de x onde f − g e identicamente nula.Logo λ · (f − g) e identicamente nula e daı

0 = L(λ.(f − g))(x)

= λ(x)L(f − g)(x) + (f − g)(x).L(λ)(x)

= L(f − g)(x)

= L(f)(x)− L(g)(x).

3. Se f = g em um aberto U , entao L(f) = L(g) em U .

E uma consequencia direta do item anterior.

4. Sejam ϕ : W → Bm(0, 3) uma carta local, U = ϕ−1(Bm(0, 1)) eλ : M → [0, 1] de classe C∞ com suporte contido em U . Entaoexiste um campo de vetores X de classe C∞ com suporte con-tido em U tal que λ.L(f) = X(f) para toda f ∈ C∞(M).

Para provar essa afirmacao, escolha uma funcao auxiliar quevale 1 em U e zero fora de V = ϕ−1(Bm(0, 2)) e construafuncoes fi : M → R, i = 1, . . . ,m, de classe C∞, tais quefi(x) = ϕi(x) para todo x ∈ U e fi(x) = 0 se x /∈ V , ondeϕ(x) = (ϕ1(x), . . . , ϕm(x)) ∈ Rm. Seja Yi = L(fi) e Y ocampo de vetores C∞ em M tal que Y (x) = 0 se x /∈ W eY (x) =

∑mi=1 Yi(x) ∂

∂ϕi se x ∈ W , onde ∂∂ϕi e o campo de ve-

tores em U obtido pelo pull-back por ϕ do campo ∂∂xi

de Rm.

[SEC. 5.3: CAMPOS DE VETORES COMO DERIVACOES 101

Finalmente, consideremos o campo de vetores X = λY e a de-rivacao D = λ.L −X. Vamos mostrar que D e identicamentenula. Para toda f ∈ C∞(M), temos que D(f)(x) = 0 paratodo x fora do suporte de λ. Tambem, D(fi) e identicamentenula para todo i = 1, . . . ,m.

Pelo teorema de Taylor, sempre que α e uma funcao C∞ emRm, entao existem funcoes αi, de classe C∞, tais que

α(x) = α(x0) +

m∑i=1

αi(x)(xi − xi0).

Assim, fixado x0 ∈ U , tome funcoes gi : M → R, C∞, que seanulam fora de V e que em uma vizinhanca de x0 tenhamosf(x) = g(x), onde

g(x) = f(x0) +

m∑i=1

gi(x).(fi(x)− fi(x0)).

Como D(fi) = 0, temos que D(g)(x0) = 0, daı D(f)(x0) = 0.Logo λ.L(f) = X(f) para toda f ∈ C∞(M).

5. Para concluir a prova, tomemos cartas locais ϕi : Wi → Bm(0, 3)tais que ∪∞i=1Ui = M , onde Ui = ϕ−1

i (B(0, 1)), com Wi lo-camente finita, e tomemos uma particao da unidade λi su-bordinada a Ui. Escrevendo L =

∑λi.L, pelo item anterior

podemos escolher, para cada i, um campo de vetores Xi comsuporte em Ui tal que λiL = Xi. Basta tomar X =

∑iXi.

A derivacao definida por um campo de vetores X e tambem de-notada por

LX : C∞(M)→ C∞(M).

Se duas funcoes f, g coincidem num ponto x e suas derivadas emx tambem coincidem, entao LX(f)(x) = LX(g)(x), isto e, LX e umoperador diferencial de primeira ordem. Se X e Y sao dois campos devetores, entao LX LY e um operador de segunda ordem. No entanto,

102 [CAP. 5: CALCULO EM VARIEDADES

o comutador desses dois operadores de primeira ordem e tambem umoperador de primeira ordem como veremos na proposicao abaixo.

Proposicao 5.9. Sejam X e Y campos de vetores C∞ em uma vari-edade M . Entao existe um unico campo de vetores [X,Y ], chamadode colchete de Lie de X e Y , tal que [X,Y ] = XY −Y X. Alem disso,o colchete de Lie

[·, ·] : X∞(M)× X∞(M)→ X∞(M)

goza das seguintes propriedades:

1. [X,Y ] = −[Y,X];

2. [X, aY + bZ] = a[X,Y ] + b[X,Z] ∀a, b ∈ R;

3. [fX, gY ] = f.g.[X,Y ] + f.(Xg).Y − g.(Y f)X ∀f ∈ C∞(M);

4. Identidade de Jacobi: [X, [Y,Z]] + [Y, [Z,X]] + [Z, [X,Y ]] = 0.

Demonstracao. Para provar a existencia do colchete de Lie, bastaprovar que o operador XY − Y X e uma derivacao. De fato

(XY )(fg) = X(f.Y g + gY f) = Xf.Y g + f.XY g +Xg.Y f + g.XY f

e

(Y X)(fg) = Y (Xf.g+f.Xg) = g.Y Xf +Xf.Y g+Y f.Xg+f.Y Xg.

Assim, (XY − Y X)(fg) = g.(XY − Y X)(f) + f.(XY − Y X)(g), demodo que [X,Y ] e um campo de vetores. As demais propriedadestambem sao obtidas por manipulacao algebrica.

Proposicao 5.10. Seja φ : M → N um difeomorfismo sobre umaberto de N . Consideremos os operadores lineares:

φ# : C∞(N)→ C∞(M), f 7→ f φ

e o pull-back de campos de vetores

φ∗ : X∞(N)→ X∞(M).

Entao para todo X,Y ∈ X∞(N), temos

[SEC. 5.3: CAMPOS DE VETORES COMO DERIVACOES 103

1. Lφ∗X φ# = φ# LX

2. φ∗[X,Y ] = [φ∗X,φ∗Y ].

Demonstracao. A prova e uma manipulacao algebrica simples quedeixamos como exercıcio.

Em particular, o colchete de Lie das expressoes locais de doiscampos de vetores coincide com a expressao local, nas mesmas co-ordenadas, do colchete de Lie dos dois campos de vetores, o mesmoacontecendo com a derivada de Lie agindo em funcoes.

Proposicao 5.11. Sejam X =∑iX

i ∂∂xi

e Y =∑i Y

i ∂∂xi

camposde vetores de classe C∞ no aberto U ⊂ Rm. Entao

[X,Y ] =

m∑k=1

(m∑i=1

(Xi ∂Y

k

∂xi− Y i ∂X

k

∂xi

))∂

∂xk.

Demonstracao. Seja πi : Rm → R a projecao πi(x) = xi. Entao

[X,Y ]πk = XY πk − Y Xπk = XY k − Y Xk

=

m∑i=1

(Xi ∂

∂xi

)Y k −

(Y i

∂xi

)Xk

=

m∑i=1

(Xi ∂Y

k

∂xi− Y i ∂X

k

∂xi

).

Definicao 5.3. Uma algebra de Lie sobre um corpoK e umK-espacovetorial A munido de uma operacao K-bilinear anti-simetrica

[·, ·] : A×A → A

satisfazendo a identidade de Jacobi

[a, [b, c]] + [b, [c, a]] + [c, [a, b]] = 0.

104 [CAP. 5: CALCULO EM VARIEDADES

Portanto se M e uma variedade, entao X(M) e uma algebra deLie e e de dimensao infinita. Vamos mostrar a seguir que o espacotangente na identidade de um grupo de Lie tem uma estrutura dealgebra de Lie.

Seja G um grupo de Lie. Para cada elemento g ∈ G temos umdifeomorfismo Lg de G, chamado translacao a esquerda, definido porLg(x) = g.x, em que o ponto indica a multiplicacao no grupo. Cla-ramente o inverso de Lg e Lg−1 .

Definicao 5.4. Um campo de vetores X ∈ X∞(G) e invariante aesquerda se L∗gX = X para todo g ∈ G.

Proposicao 5.12. 1. A aplicacao a ∈ TGe 7→ Xa ∈ X∞(G),onde o campo Xa e definido por Xa(g) = DLg(e).a, e um iso-morfismo do espaco tangente a G na identidade de G no espacodos campos de vetores invariantes a esquerda.

2. O espaco vetorial dos campos de vetores em G invariantes aesquerda e uma subalgebra de Lie da algebra de Lie dos camposde vetores em G.

Demonstracao. A demonstracao e imediata vamos deixa-la comoexercıcio.

Devido a proposicao anterior, e comum nos referirmos simples-mente a algebra de Lie do grupo de Lie, indistintamente, como seuespaco tangente na identidade, ou como o espaco dos campos de ve-tores invariantes a esquerda. Se o grupo de Lie e G, e comum deno-tarmos sua algebra de Lie pela letra gotica g.

Proposicao 5.13. Seja G um grupo de Lie. Um campo de vetoresX ∈ X∞(G) invariante a esquerda e completo e o seu fluxo atravesda identidade do grupo define um homomorfismo de grupos R→ G.

Demonstracao. Seja γ : (ω−, ω+) → G a curva integral de X comγ(0) = e no seu intervalo maximal de definicao. Suponha por absurdoque ω+ <∞. Como o campo e invariante a esquerda, a composta dequalquer curva integral de X com uma translacao a esquerda por umelemento g do grupo e ainda uma curva integral.

[SEC. 5.3: CAMPOS DE VETORES COMO DERIVACOES 105

Tomando 0 < t0 < ω+ e g = γ(t0), temos que α = Lg γ e umacurva integral definida no mesmo intervalo e tal que α(0) = γ(t0).Portanto a curva β : (ω− + t0, ω+ + t0) definida por β(t) = α(t+ t0)e tambem uma curva integral de X com β(t0) = γ(t0). Logo a curvaδ : (ω−, ω+ + t0)→ G definida por δ(t) = γ(t) se t ≤ t0 e δ(t) = β(t)se t ≥ t0 e tambem uma curva integral de X e portanto γ se estende auma curva integral definida num intervalo estritamente maior, o que eabsurdo. Assim devemos ter ω+ =∞. Analogamente, ω− = −∞.

Proposicao 5.14. (Aplicacao exponencial de um grupo deLie.) Para cada elemento A ∈ g da algebra de Lie de um grupo deLie G, seja φA : R×G→ G o fluxo do campo de vetores invariante aesquerda gerado por A. Entao a aplicacao

exp: g→ G A 7→ φA(1, e)

e de classe C∞ e tem as seguintes propriedades:

1. A aplicacao t ∈ R 7→ exp(tA) ∈ G e um homomorfismo degrupos.

2. A derivada D exp(0) : g→ g e a identidade.

Demonstracao. Como o campo de vetores gerado por A e inva-riante pelas translacoes a esquerda, seu fluxo, φAt , comuta com astranslacoes a esquerda: φAt (gh) = g.φAt (h) para todos g, h ∈ G. Por-tanto φAt+s(e) = φAt (φAs (e)) = φAt (φAs (e).e) = φAs (e).φAt (e). Por outrolado, como o campo invariante a esquerda associado a (s1 + s2)A e oproduto do campo invariante a esquerda associado a A pelo numero

real s1 + s2, temos que φ(s1+s2)At = φA(s1+s2)t. Logo

exp(s1 + s2)A = φAs1+s2(e)

= φAs2(e)φAs1(e)

= φs2A1 (e)φs1A1 (e)

= exp(s2A)exp(s1A),

o que prova primeira parte da proposicao.

106 [CAP. 5: CALCULO EM VARIEDADES

Para provar que exp e de classe C∞, consideremos o campo de vetoresX em G × TGe definido por X(g,A) = (XA(g), 0) ∈ TGg × g, ondeXA(g) = DLg(e).A e o campo invariante associado a A. Como paracada A o campo XA e completo, temos que X tambem e completo.Ja que X e um campo C∞, seu fluxo e uma aplicacao de classe C∞.Assim A 7→ φX1 (e,A) = (exp(A), A) e C∞. Deixamos a cargo doleitor mostrar a segunda parte da proposicao.

No caso especial do grupoGL(Rn), cuja algebra de Lie e L(Rn,Rn),a aplicacao exponencial pode ser descrita explicitamente pela formula:

exp(A) =

∞∑i=0

Ai

i!.

De fato, para cada t ∈ R, a sequencia Sk(t) =∑ki=0

(tA)i

i! e de Cauchy

pois ||Sk+l(t) − Sk(t)|| ≤∑k+li=k+1

|t|i||A||ii! ≤ e|t|||A|| −

∑ki=0

|t|i||A||ii! .

Temos entao que a funcao t ∈ R 7→ etA =∑∞i=0

tiAi

i! ∈ L(Rn,Rn) eC∞ e e a unica solucao da equacao diferencial

d

dtΦ(t) = AΦ(t)

em L(Rn,Rn) que satisfaz a condicao inicial Φ(0) = Id.

Se a transformacao linear B ∈ L(Rn,Rn) comuta com A, entaoB comuta com as transformacoes lineares Sk(t), e portanto comutacom etA. Usando a unicidade das solucoes das equacoes diferenciaisordinarias temos tambem que eB comuta com eA e eA+B = eAeB seB comuta com A. De fato, se γ(t) = etAetB , entao

γ′(t) = AetAetB + etABetB = AetAetB +BetAetB = (A+B)γ(t)

satisfaz a mesma equacao diferencial que t 7→ et(A+B) com a mesmacondicao inicial para t = 0. Em particular e(s+t)A = esAetA paratodos s, t ∈ R.

Uma outra propriedade da exponencial de uma transformacao li-near e que o determinante de eA e igual a exponencial do traco deA. Como ambas operacoes sao funcoes contınuas da transformacao

[SEC. 5.4: A DERIVADA DE LIE 107

linear, basta verificar a igualdade em um conjunto denso de trans-formacoes lineares. Para transformacoes com todos os autovaloresdistintos basta verificar a igualdade para a matriz da transformacaoem uma base de autovetores. Em particular, eA ∈ GL(n,R) e aaplicacao t ∈ R 7→ etA ∈ GL(n,R) e um homomorfismo de grupos.Uma consequencia da observacao sobre o determinante da exponen-cial e que e a algebra de Lie do grupo de Lie SL(n,R) e o espaco dastransformacoes lineares de traco nulo.

Exercıcio: Mostre que a algebra de Lie do grupo ortogonal O(n)da metrica euclidiana e o conjunto das transformacoes lineares anti-simetricas.

5.4 A derivada de Lie

Vamos agora associar a cada campo de vetores X ∈ X∞(M) operado-res lineares LX : X∞(M)→ X∞(M) e LX : Ωk(M)→ Ωk(M), amboschamados de derivada de Lie.

A derivada de Lie de um campo de vetores Y na direcao do campode vetores X e o campo de vetores LX(Y ) definido por

LXY (x) =d

dt

∣∣∣∣t=0

(Dφt(x))−1Y (φt(x)),

onde (t, x) 7→ φt(x) e o fluxo local de X.

Proposicao 5.15. Seja ψ : M → N um difeomorfismo C∞ sobre umaberto de N . Se X,Y ∈ X∞(N), entao

Lψ∗Xψ∗Y = LXY.

Demonstracao. Seja φXt o fluxo local de X. Entao

Φt = ψ−1 φXt ψ

e o fluxo local de ψ∗X. Logo Φ∗t (ψ∗Y ) = ψ∗(φXt )∗Y , e assim

d

dt

∣∣∣∣t=0

Φ∗t (ψ∗Y ) = ψ∗

d

dt

∣∣∣∣t=0

(φXt )∗Y

108 [CAP. 5: CALCULO EM VARIEDADES

o que prova a proposicao.

Proposicao 5.16. Para todos X,Y ∈ X(M) vale

LX(Y ) = [X,Y ].

Demonstracao. Vamos provar a igualdade em cada ponto x0 ∈M .Se o campo X se anula em uma vizinhanca de x0, entao ambos osmembros se anulam em x0 e temos a igualdade. Suponhamos entaoque X(x0) 6= 0. Como basta provar a igualdade em um sistema decoordenadas, podemos supor que x0 = 0 ∈ Rm e X = ∂

∂x1pelo

teorema do fluxo tubular.Assim, se Y =

∑mi=1 Y

i ∂∂xi

, entao [X,Y ] =∑mk=1

∂Yk∂x1

∂∂xk

. Como

o fluxo local de X, φXt , e a translacao por t na primeira coordenada,temos que

LXY (x) = limt→0

1

t· (Y (x1 + t, x2, . . . , xm)− Y (x1, . . . , xm))

=

m∑k=1

∂Yk∂x1

∂xk

e temos novamente a igualdade. Como os dois membros da equacaosao funcoes contınuas de x, temos que a equacao permanece valida sex0 e o limite de uma sequencia onde o campo X nao se anula. Logoa equacao e verdadeira em todo ponto.

Corolario 5.17. Sejam X e Y campos de vetores de classe C∞ e φXt ,φYs os seus fluxos locais definidos em uma vizinhanca de x0 para t e sproximos de zero. Se [X,Y ] = 0, entao φXt φYs (x) = φYs φXt (x) paratodo x em uma vizinhanca de x0 e para todo t e s suficientementeproximos de zero.

De maneira similar, podemos definir a derivada de Lie de umak-forma diferencial ω ∈ Ωk(M) na direcao do campo de vetores Xcomo a k-forma LXω definida por

LXω(x)(v1, . . . , vk) =d

dt

∣∣∣∣t=0

ω(φt(x))(Dφt(x).v1, . . . , Dφt(x).vk).

[SEC. 5.4: A DERIVADA DE LIE 109

E facil verificar que

LX(ω ∧ η) = (LXω) ∧ η + ω ∧ (LXη).

Portanto o espaco vetorial

Ω∗(M) = Ω0(M)⊕ Ω1(M)⊕ · · · ⊕ Ωm(M)

munido do produto exterior e o que se chama de uma algebra gradu-ada e a derivada de Lie na direcao de um campo de vetores e umaderivacao de grau zero.

Um campo de vetores tambem define um operador que diminui ograu de formas diferenciais, chamado produto interior, como se segue:

iX : Ωk(M)→ Ωk−1(M)

definido por

iXω(x)(v1, . . . , vk−1) = ω(x)(X(x), v1, . . . , vk−1).

Todos esses operadores sao invariantes pela operacao de pull-backpor difeomorfismos, como mostra a proposicao abaixo.

Proposicao 5.18. Seja φ : M → N um difeomorfismo C∞ de Msobre um subconjunto aberto de N . Entao para todos X,Y ∈ X∞(N)e ω ∈ Ωk(M) temos:

1. π∗iX(ω) = iφ∗(X)(φ∗ω);

2. φ∗LXω = Lφ∗X(φ∗ω).

Demonstracao. A prova e uma consequencia imediata das definicoes.

O produto interior, a derivada exterior e a derivada de Lie estaorelacionados pela formula de Cartan abaixo.

Proposicao 5.19. Para todo campo X ∈ X(M) vale

LXω = d(iXω) + iX(dω).

110 [CAP. 5: CALCULO EM VARIEDADES

Demonstracao. Se o campo de vetores se anula em uma vizinhancade um ponto x0 entao os dois membros da igualdade se anulam nessavizinhanca. Para provar a igualdade em uma vizinhanca de um pontoonde o campo nao se anula, podemos, usando a proposicao ?? e oteorema do fluxo tubular, supor que esse ponto e a orıgem de Rme o campo e ∂

∂x1. Entao o fluxo Φt do campo X e Φt(x) = (x1 +

t, x2, . . . xm). Como ambos os membros da equacao sao operadoreslineares em ω, podemos supor que ω = adxi1 ∧ · · · ∧ dxik com 1 ≤i1, i2 < · · · < ik ≤ m. Logo LX(ω) = ∂a

∂x1dxi1 ∧ · · · ∧ dxik .

Se i1 = 1 entao iXω = adxi2 ∧ · · · ∧ dxi+k e

diXω =∂a

∂x1dx1 ∧ dxi1 ∧ · · · ∧ dxik +

m∑j=2

∂a

∂xjdxj ∧ dxi2 ∧ · · · ∧ dxik .

Ainda com i1 = 1 que dω =∑mj=2

∂a∂xj

dxj ∧ dx1 ∧ dxi2 · · · ∧ dxik e,portanto,

iXdω =

m∑j=2

− ∂a

∂xjdxi2 ∧ · · · ∧ dxik .

Logo, se i1 = 1 temos

diXω + iXdω =∂a

∂x1dxi1 ∧ · · · ∧ dxik = LXω.

A prova que a igualdade e verificada se i1 > 1 e analoga.Finalmente, como os dois membros da equacao sao funcoes contınuasa igualdade vale em todos os pontos.

Outras formulas que relacionam estas operacoes com colchetes decampos de vetores sao enunciadas na proposicao abaixo.

Proposicao 5.20. Para todos os campos X,Y ∈ X(M) e formasω ∈ Ωk(M) e η ∈ Ωl(M) valem as igualdades

1. iX(ω ∧ η) = (iXω) ∧ η + (−1)kω ∧ (iXη);

2. L[X,Y ]ω = [LX ,LY ]ω = LXLY ω − LY LXω;

3. i[X,Y ] = [LX , iY ].

[SEC. 5.4: A DERIVADA DE LIE 111

E finalmente, na proposicao abaixo e a formula intrınseca (inde-pendente de coordenadas) de Cartan para a derivada exterior.

Proposicao 5.21. Se X1, . . . , Xk+1 ∈ X(M) e ω ∈ Ωk(M), entao

dω(X1, . . . Xk+1) =

k+1∑i=1

(−1)i+1Xi

(ω(X1, . . . , Xi, . . . , Xk+1)

)+

+∑

1≤i<j≤k+1

(−1)i+jω(

[Xi, Xj ], X1, . . . , Xi, . . . , Xj , . . . , Xk+1

).

Demonstracao. Provaremos inicialmente a identidade:

(LXω)(X1, . . . , Xk) = Xω(X1, . . . , Xk)−∑j

ω(X1, . . . , [X,Xj ], . . . Xk).

A prova dessa identidade e semelhante a prova da proposicao 5.19:basta provar a identidade em pontos onde o campo X nao se anula.Tambem, pelo teorema do fluxo tubular e a linearidade em ω dosdois membros da equacao podemos supor que X = ∂

∂x1e ω(x) =

a(x)dxi1 ∧ dxik . Como para qualquer campo Y o colchete [ ∂∂x1

, Y ] =

L ∂∂x1

Y = ∂Y∂x1

e ω(X1, . . . , Xk)(x) = a(x)∑τ sinal(τ)Xτ (1)i1 . . . Xik

τ(k)

a identidade segue de um calculo imediato.Pela formula de Cartan da proposicao 5.19 podemos escrever:

iXdω = LXω − diXω

e, tomando X = X0 temos que

dω(X0, X1, . . . , Xk) = (LX0ω)(X1, . . . , Xk)− ((diX0

ω)(X1, . . . , Xk).

Logo,

(dω(X0, X1, . . . , Xk) = X0ω(X1, . . . , Xk)−∑j ω(X1, . . . , [X0, X − j], . . . Xk)−

− (diX0ω)(X1, . . . , Xk)

Basta agora iterar esse argumento com a segunda parcela.

A derivada de Lie na direcao de um campo de vetores pode sergeneralizada para qualquer campo tensorial. Um campo tensorial de

112 [CAP. 5: CALCULO EM VARIEDADES

tipo (p, q) e uma aplicacao multilinear

T : X∞(M)× · · · × X∞(M)× Ω1(M)× · · · × Ω1(M)→ C∞M

tal que se Xj(x) = Yj(x), j = 1, . . . , q e αk(x) = βk(x) para k =1, . . . , p entao

T (X1, . . . , Xq, α1, . . . , αp)(x) = T (Y1, . . . , Yq, β1, . . . , βp)(x).

Desta propriedade decorre que o campo de tensor T associa a cadaponto x ∈M uma aplicacao multilinear

Tx ∈ Lq+p(TMx, . . . , TMx, TM∗x , . . . , TM

∗x ;R

. Por outro lado, uma famılia Tx define um tensor se todo ponto x0

tem uma vizinhanca U tal que para todos campos de vetores Xj ∈X(U), j = 1 . . . q e formas diferenciais αj ∈ Ω1(U) a aplicacao x ∈U 7→ Tx(X1(x), . . . , Xq(x), α1(x), . . . , αp(x)) ∈ R e de classe C∞. Arestricao do tensor T ao domınio de uma carta local φ : U → Rm ecaracterizado pelas funcoes: T

j1,...,jqi1,...,ip

: U → R definidas por

Tj1,...,jqi1,...,ip

(x) = Tx(∂

∂xi1, . . . ,

∂xip, dxj1 , . . . , dxj1)

O tensor T e portanto uma C∞(M)-forma multilinear. O espacovetorial.dos tensores de tipo (q, p) em uma variedade M e denotado porT qp (M). Em particular, X∞(M) = T 1

0 (M), Ω1(M) = T 10 (M) e

⊗k(M) ⊂ T k0 (M). Uma metrica riemanniana e um elemento deT 2

0 (M).O pull-back de tensores por um difeomorfismo C∞, f : M → N e aaplicacao linear f∗ : T qp (N)→ T qp (M) definida por

f∗T (X1, . . . , Xp, α1, . . . , αq) =

= T ((f−1) ∗ (X1), . . . , (f−1) ∗ (Xp), (f−1) ∗ (α1), . . . , (f−1) ∗ (αq)).

Finalmente, a derivada de Lie de um campo tensorial T na direcao deum campo de vetores X, LXT e definida como anteriormente usandoo pull-back pelo fluxo local do campo X. Em particular, a derivada deLie de uma metrica riemanniana na direcao de um campo de vetoresX e ainda uma metrica riemanniana. Se ela coincide com a metricainicial dizemos que X e um campo de Killing e cada difeomorfismode seu fluxo e uma isometria.

[SEC. 5.5: TEOREMA DE FROBENIUS 113

5.5 Teorema de Frobenius

Definicao 5.5. Uma distribuicao de k-planos Σ em uma variedadeMe uma correspondencia que a cada ponto x ∈M associa um subespacovetorial de dimensao k do espaco tangente a M em x, Σ(x) ⊂ TMx,tal que todo ponto de M tenha uma vizinhanca onde estao definidosk campos de vetores de classe C∞ que geram Σ(x) para cada x nestavizinhanca.

Definicao 5.6. Uma variedade integral de uma distribuicao de k-planos Σ em M e uma subvariedade imersa S ⊂ M de dimensao ktal que para cada x ∈ S temos TSx = Σ(x). Uma variedade integralS e maximal se qualquer outra variedade integral de Σ que contenhaum ponto x ∈ S esteja inteiramente contida em S. Se para todox ∈ M existe uma variedade integral S de Σ contendo x, dizemosque a distribuicao e integravel .

Definicao 5.7. Uma distribuicao de k-planos Σ e involutiva se paratodo par de campos de vetores X e Y de M que sejam tangentes a Σvale que [X,Y ] tambem e tangente a Σ.

Teorema 5.22. Teorema de Frobenius. Toda distribuicao dek-planos involutiva e integravel.

Antes de iniciar a prova do Teorema de Frobenius demonstraremosum lema preliminar.

Lema 5.23. Sejam X1, . . . , Xk campos de vetores C∞ em uma va-riedade M que comutam dois a dois: [Xi, Xj ] = 0 para todos i, j.Se em um ponto p ∈M os vetores X1(p), . . . , Xk(p) sao linearmenteindependentes, entao existe uma parametrizacao local ϕ : Rm → Vtal que φ(0) = p e

φ∗Xi =∂

∂xi

para i = 1, . . . , k.

Demonstracao. Tomando uma carta local podemos supor que p =0 ∈ Rm, os vetores Xi(y1, . . . , ym) sao linearmente independentes emuma vizinhanca de 0 e Xi(0) = ∂

∂yi. Os fluxos locais de dois campos

de vetores comutam se o colchete desses campos se anula. Logo, existe

114 [CAP. 5: CALCULO EM VARIEDADES

uma vizinhanca V de 0 e ε > 0 tais que para todo i, j = 1, 2, ..., k,

x ∈ V e |s|, |t| ≤ ε vale φXis φXjt (x) = φ

Xjt φXis (x) . Se δ > 0 e

suficientemente pequeno, esta bem definida a aplicacao

φ : (x1, . . . , xk); |xj | < δ →M

φ(x1, . . . , xk, xk+1, . . . , xm) = φX1x1 . . . , φXkxk (0, . . . , 0, xk+1, . . . , xm)

com |xj | < δ, j = k+ 1, ...,m. Pelo teorema da funcao inversa, temosque se δ e suficientemente pequeno, entao φ e um difeomorfismo sobreuma vizinhanca de 0. Note que

∂x1φ(x1, . . . , xm) = X1(φX1

x1 . . . , φXktk (0, . . . , 0, xk+1, . . . , xm))

e como os fluxos comutam, podemos reescrever a expressao de φ

colocando cada φXjxj em primeiro lugar, de modo que

∂xjφ(x1, . . . , xm) = Xj(φ

X1x1 . . . , φXkxk (0, . . . , 0, xk+1, . . . xm))

para todo j. Logo φ∗Xi = ∂∂xi

para todo i = 1, . . . , k.

Demonstracao. (do teorema de Frobenius) Fixe p ∈ M e sejamX1, . . . , Xk campos de vetores em vizinhanca de p tais que para cadaq nessa vizinhanca os vetores X1(q), . . . , Xk(q) geram a distribuicao.Temos portanto que

[Xi, Xj ] =

k∑l=1

flXl,

onde fl sao funcoes C∞ em uma vizinhanca de p. O teorema segueda seguinte afirmacao:

Existem uma vizinhanca V de p e um difeomorfismo φ de umavizinhanca da origem em Rm sobre V tais que φ∗Xi = ∂

∂xi.

Pelo teorema do fluxo tubular, a afirmacao e verdadeira se k = 1.Suponhamos, por inducao, que a afirmacao e verdadeira para k − 1

[SEC. 5.5: TEOREMA DE FROBENIUS 115

e vamos provar o teorema para uma distribuicao de k planos. Peloteorema do fluxo tubular, podemos tomar uma carta local se anulandoem p tal que Xk = ∂

∂yk. Consideremos os campos de vetores

Yi(y1, . . . , ym) = Xi(y1, . . . , ym)− LXiyk∂

∂yk,

se i ≤ k − 1, onde yk e a projecao na k-esima coordenada. DaıLYiyk = 0 e, consequentemente, L[Yi,Yj ]yk = 0. Temos:

[Yi, Yj ] =

k∑l=1

alXl =

k−1∑l=1

blYl + c∂

∂yk,

onde al, bl, c sao funcoes.

Como L[Yi,Yj ]yk = 0 e LYlyk = 0, temos que a distribuicao geradapor Y1, . . . , Yk−1 e involutiva. Logo, por inducao, existe um difeo-morfismo local ψ : (u1, . . . , um) 7→ (y1, . . . , ym) tal que ψ∗(Yi) = ∂

∂ui.

Como os campos Yi comutam com Xk = ∂∂yk

, temos que o campo

Z = ψ∗Xk comuta com os campos ∂∂ui

para 1 ≤ i ≤ k − 1 e es-ses campos comutam entre si. Logo, pelo lema anterior, temos queexiste difeomorfismo local f : (x1, . . . , xm) 7→ (u1, . . . , um) tal quef∗( ∂

∂ui) = ∂

∂xipara i ≤ k − 1 e f∗Z = ∂

∂xk, o que conclui a prova do

teorema.

Uma das aplicacoes mais importantes do Teorema de Frobenius eo Teorema fundamental da teoria de grupos de Lie, o qual estabeleceuma correspondencia biunıvoca entre sub-algebras de Lie e subgruposimersos no grupo de Lie.

De fato, dada uma sub-algebra da algebra de Lie de um grupo deLie G, podemos construir uma distribuicao involutiva em G. Bastatomar a distribuicao gerada pelos campos de vetores invariantes aesquerda associados a uma base da sub-algebra. Tomando a variedadeintegral maximal passando pela identidade, obtemos um subgrupo deLie cuja algebra de Lie e a sub-algebra dada.

116 [CAP. 5: CALCULO EM VARIEDADES

5.6 Elementos de teoria de Hodge

Seja V um R-espaco vetorial e fixe < ·, · > : V × V → R um produtointerno em V . Temos o isomorfismo induzido #: V → V ∗ = L(V,R)dado por v 7→< v, · >. Consideremos em V ∗ o produto interno indu-zido por este isomorfismo. Este produto interno induz um produtointerno no espaco vetorial Λk(V ∗).

Para isso, seja λ1, . . . , λm uma base ortonormal de V ∗. Comoja vimos anteriormente,

λi1 ∧ · · · ∧ λik ; 1 ≤ i1 < · · · < ik ≤ m

e uma base de Λk(V ∗). Defina um produto interno em Λk(V ∗) de-clarando que esta base seja ortonormal. Portanto temos tambemum isomorfismo #: Λk(V ∗) → (Λk(V ∗))∗, para cada k, induzidopelo produto interno de maneira analoga ao que fizemos anterior-mente. Finalmente, fixando uma orientacao para V , existe um unicoω ∈ Λm(V ∗) tal que ω(v1, . . . , vm) = 1 se [v1, . . . , vm] e uma baseortonormal positiva de V . Qualquer outro elemento de Λm(V ∗) e ummultiplo real de ω, e, portanto, temos um isomorfismo Λm(V ∗)→ Rque associa a cada forma η o numero real c tal que η = c · ω.

Cada elemento η ∈ Λk(V ∗) define uma aplicacao linear

η∧ : Λm−k(V ∗) −→ Λm(V ∗) ≈ Rθ 7−→ η ∧ θ.

Portanto podemos pensar que η∧ ∈ (Λm−k(V ∗))∗ ≈ Λm−k(V ∗). Te-mos assim a aplicacao linear

∗ : Λk(V ∗) −→ Λm−k(V ∗)η 7−→ #(η∧).

E facil verificar que a aplicacao η 7→ η∧ e 1-1. Como # e um isomor-fismo, a aplicacao ∗ tambem e 1-1 e assim um isomorfismo, pois osespacos tem a mesma dimensao. Chamamos ∗ de operador estrela deHodge. .

O operador estrela de Hodge e caracterizado pela seguinte propri-edade: dada uma base ortonormal λ1, . . . , λm de V ∗, entao

∗(λ1 ∧ · · · ∧ λk) = ±λk+1 ∧ · · · ∧ λm,

[SEC. 5.6: ELEMENTOS DE TEORIA DE HODGE 117

onde o sinal e positivo se, e somente se, λ1 ∧ · · · ∧ λm(v1, . . . , vm) epositivo para toda base positiva [v1, . . . , vm] de V .Logo, para cadaη ∈ Λk(V ∗), vale a importante relacao

∗ ∗ η = (−1)k(m−k)η.

Usamos o produto interno em Λk(V ∗), o produto exterior e aorientacao de V para definir o operador estrela. Deixamos a cargo doleitor mostrar a seguinte relacao entre o produto interno e o operador∗:

< α, β >= ∗(α ∧ ∗β) = ∗(β ∧ ∗α).

Consideremos agora uma variedade Riemanniana orientada e sembordo. O isomorfismo induzido pela metrica em cada espaco tangenteinduz o isomorfismo de espacos vetoriais

#: X∞(M)→ Ω1(M)

definido por (#X)(x)(v) =< X(x), v >x para todo x ∈ M e todov ∈ TMx.

Logo, dada uma funcao f : M → R de classe C∞, existe um unicocampo de vetores X ∈ X∞(M) tal que #X = df . O campo X e cha-mado campo gradiente da funcao f e normalmente e denotado por∇f . O gradiente e um campo com a propriedade de ser ortogonalas superfıcies de nıvel regulares de f , alem disso, a funcao cresce aolongo das curvas integrais desse campo.

A metrica Riemanniana em conjunto com a orientacao escolhidadao origem uma m-forma ω ∈ Ωm(M) caracterizada pela seguintepropriedade: se [v1, ..., vm] e uma base ortonormal positiva de TMx,entao ω(x)(v1, ..., vm) = 1. Esta forma e chamada de forma de volumeassociada a metrica e a orientacao. Esta forma induz o isomorfismo

∗ : Ωm(M)→ C∞(M)

que a cada m-forma η associa a funcao f tal que η = fω. Maisgeralmente, temos o isomorfismo para cada k dado pelo operadorestrela de Hodge em M :

∗ : Ωk(M)→ Ωm−k(M)

118 [CAP. 5: CALCULO EM VARIEDADES

definido por (∗η)(x) = ∗x(η(x)), onde ∗x : Λk(TMx)∗ → Λm−k(TMx)∗

e o operador estrela de Hodge pontual.

Usando o operador estrela de Hodge e a derivada exterior, pode-mos definir outros operadores diferenciais entre os varios espacos. Adivergencia de campos de vetores e o operador diferencial de primeiraordem

div: X∞(M)→ C∞(M)

definido por div X = ∗d ∗ (#X). Deixamos como exercıcio ao leitormostrar que LX(ω) = divX.ω e, portanto, se a divergencia de umcampo de vetores e nula, entao LXω = ω, isto e, o fluxo de X pre-serva o volume definido pela forma ω.

Em variedades Riemannianas orientadas de dimensao 3, podemosdefinir o rotacional de campos de vetores

rot : X∞(M)→ X∞(M)

por rot (X) = [ ∗ d#X, onde [ e o operador inverso de #.No capıtulo 13 discutiremos um outro operador de segunda ordem

∆: Ωk(M)→ Ωk(M)

definido por ∆ω = 12 (∗d ∗ dω + d ∗ d ∗ ω) e e chapado Laplaciano.

5.7 Estruturas simpleticas

Uma forma bilinear alternada σ : V × V → K em um K-espaco ve-torial V de dimensao finita e nao degenerada se σ(v, w) = 0 paratodo w ∈ V implicar que v = 0. Isto e equivalente a dizer queσ] : V → V ∗ definida por σ](v) = σ(v, ·) e um isomorfismo. QuandoV admite uma tal forma, temos que V deve ter necessariamente di-mensao par e, alem disso, existe uma base [v1, . . . , vm, w1, . . . wm] deV tal que σ(vi, vj) = σ(wi, wj) = 0 e σ(vi, wj) = δij .

Definicao 5.8. Uma forma simpletica em uma variedade M e uma 2-forma ω que e fechada, dω = 0, e nao degenerada, isto e, a aplicacaoω](x) : TMx → TM∗x e um isomorfismo para cada x ∈ M . Uma

[SEC. 5.7: ESTRUTURAS SIMPLETICAS 119

variedade simpletica e um par (M,ω), em que M e uma variedade eω e uma forma simpletica em M .

Pelo que vimos acima, uma variedade simpletica tem sempre di-mensao par 2m. Toda variedade orientada de dimensao dois e munidade uma metrica Riemanniana possui uma forma de area, que por de-finicao e uma forma simpletica.

O espaco vetorial R2n = Rm × Rm tem uma forma simpleticacanonica, que e definida por

ω0(x, y) =

m∑i=1

dxi ∧ dyi.

O Teorema de Darboux, que provaremos nesta secao, estabeleceque toda variedade simpletica e localmente (R2m, ω0).

Seja (M,ω) uma variedade simpletica. Dado X ∈ X(M), o pro-duto interior iXω e uma 1-forma em M . Como a forma simpletica enao degenerada, temos de fato um isomorfismo de espacos vetoriais

X∞(M)→ Ω1(M), X 7→ iX(ω).

Em particular, dada f ∈ C∞(M), existe um unico campo de vetoresXf ∈ X(M) tal que iXf (ω) = df . O campo Xf e chamado campo

Hamiltoniano de f , tambem chamado gradiente simpletico. E claroque f e constante ao longo das curvas integrais de seu campo Hamil-toniano.

Como dω = 0, pela formula de Cartan, proposicao 5.19, temos

LXfω = d(iXfω) + iXf (dω) = d(df) = 0.

Logo o fluxo do campo Hamiltoniano preserva a forma simpletica.Outra observacao importante e que, como ω e nao degenerada, o pro-duto exterior ωm e uma (2m)-forma que nao se anula em nenhumponto. Dizemos que essa e a forma de volume de Liouville definidapela estrutura simpletica. Em particular, M e uma variedade ori-entavel. A forma de volume e preservada pelo fluxo do campo Ha-miltoniano de qualquer funcao.

120 [CAP. 5: CALCULO EM VARIEDADES

Seja (M,ω) uma variedade simpletica. Dadas f, g ∈ C∞(M), comrespectivos campos Hamiltonianos Xf e Xg, podemos produzir umanova funcao em C∞(M) fazendo

f, g = ω(Xf , Xg)

chamada o colchete de Poisson de f e g. Segue essencialmente dasformulas de Cartan e da identidade de Jacobi para campos de vetoresa seguinte proposicao.

Proposicao 5.24. O colchete de Poisson

·, · : C∞(M)× C∞(M)→ C∞(M)

define uma estrutura de algebra de Lie em C∞(M). Alem disso, paracada f ∈ C∞(M), a aplicacao induzida

f, · : C∞(M)→ C∞(M)

e uma derivacao.

Proposicao 5.25. Seja M uma variedade. O fibrado cotangente deM , definido por

T ∗M = (x, p);x ∈M e p ∈ T ∗Mx,

tem uma estrutura de variedade tal que a aplicacao π : (x, p) 7→ x euma submersao C∞.

Se λ ∈ Ω1(T ∗M) e a 1-forma definida por λ(x, p).u = p(Dπ(x, p).u),entao ω = dλ e uma forma simpletica em T ∗M .

Demonstracao. Seja φi : Ui → Ui ⊂ Rm um atlas em M . Para cadai, a aplicacao

Φi : π−1(Ui) → Ui × (Rm)∗

(x, λ) 7→ (φi(x), λ (Dφi(x))−1)

e uma bijecao. Colocamos em T ∗M a seguinte topologia: U ⊂ T ∗Me aberto se, e somente se, Φi(U ∩ π−1(Ui)) e aberto em Ui × (Rm)∗.Com essas topologia, as aplicacoes Φi sao homeomorfismos e como

[SEC. 5.7: ESTRUTURAS SIMPLETICAS 121

Φj Φ−1i sao difeomorfismos C∞, temos que T ∗M e uma variedade

de dimensao 2m, e a expressao local da projecao nas cartas (Φi, φi)e a projecao (q, p) ∈ Ui × (Rm)∗ 7→ q.

E facil ver que a expressao local da forma λ nestas coordenadas eλi(q, p) =

∑mj=1 pjdqj . Assim a expressao local de ω e

∑mj=1 dpj∧dqj

e portanto e uma forma simpletica.

Na fısica classica de partıculas, o espaco de configuracoes de umsistema de partıculas e uma variedade M e o espaco de fase e o seufibrado cotangente T ∗M . Os observaveis fısicos sao as funcoes emC∞(T ∗M). Um observavel especial e a energia total H, chamadauma Hamiltoniana. Esse observavel H e a soma de duas funcoes.Uma, a energia cinetica, e uma funcao que restrita a cada fibra dofibrado cotangente e a forma quadratica induzida por uma metricaRiemanniana em M : K(x, p) = 1

2 ||p||2x. A outra funcao, chamada

energia potencial, depende apenas da posicao das partıculas, portantoe a composicao de π com uma funcao em C∞(M). A evolucao dessesistema de partıculas e dada pelo fluxo do campo Hamiltoniano XH .A Hamiltoniana e constante ao longo do fluxo Hamiltoniano, fatoconhecido como Lei da conservacao da energia. A evolucao de umobservavel fısico f , ft(x) = f φ(t, x), onde φ e o fluxo de XH , edado pela equacao diferencial

d

dtft(x) = f,H(x).

No caso especial onde a energia potencial e nula, a projecao dascurvas integrais do fluxo Hamiltoniano sao as geodesicas de M .

Teorema 5.26. (Teorema de Darboux) Seja (M,ω) uma variedadesimpletica de dimensao 2m. Para cada ponto x ∈ M existe umavizinhanca V de x e um difeomorfismo φ : Rm × Rm → V , de classeC∞, tal que φ∗ω = ω0, em que ω0 e a forma simpletica canonica deR2m.

Demonstracao. Usaremos na prova um argumento devido a Moserque simplificou muito a prova original. Podemos supor que ω e umaforma simpletica em uma vizinhanca da origem em Rm ×Rm. Basta

122 [CAP. 5: CALCULO EM VARIEDADES

mostrar que existe um difeomorfismo φ de uma vizinhanca da orıgemtal que φ∗ω = ω(0), onde ω(0) e a forma diferencial constante emuma vizinhanca de 0, uma vez que existe uma base de Rm×Rm paraa qual a forma bilinear ω(0) se escreve como no enunciado do teorema.

Consideremos a famılia a um parametro de formas diferenciais:

ωt = ω0 + t(ω − ω0).

Em uma bola de centro na orıgem e raio suficientemente pequenopodemos supor que ωt e nao degenerada para todo t. Como ω efechada, existe uma 1-forma β tal que ω − ω(0) = dβ. Note quedβ = d(β − β(0)), portanto podemos supor que β(0) = 0.Vamos procurar um campo de vetores Xt dependente do tempo talque se φt(x) = φ(t, x), onde φ e solucao da equacao diferencial

d

dtφt(x) = Xt(φt(x)),

entao φ∗tωt e independente de t, de modo que φ∗tωt = ω(0) para todot, o que prova o teorema.

Pode-se provar que com campos dependentes do tempo, vale que

d

dtφ∗tωt = φ∗tLXtωt + φ∗t

d

dtωt.

Como ωt e fechada, pela formula de Cartan

LXtωt = d(iXtωt)

Logo,d

dtφ∗tωt = φ∗t (iXtωt) + β.

Como ωt e nao degenerada, existe um unico Xt tal que

iXtωt = −β,

o que conclui a prova.

Capıtulo 6

Espacos de recobrimento e Grupo

fundamental

A questao natural de descreve o domınio maximal de definicao de umafuncao holomorfa definida localmente por uma serie de potencias con-vergentes naturalmente conduz a problemas tais que a continuidadanalıtica pode assumir valores diferentes em um mesmo ponto. Istolevou Poincare a considerar que tal extensao pudesse estar definida,como uma funcao usual, em outro espaco relacionado ao plano com-plexo mas que a cada ponto esse espaco associaria varios pontos emcada um dos quais a funcao assumiria um unico valor. Dessa forma acontinuacao analıtica de uma funcao holomorfa local estaria definidanao em um domınio do plano complexo mas em um outro espacoque se projeta no plano complexo e que localmente e o produto deum aberto do plano complexo por um conjunto discreto. Tambemmotivado por esse problema Poincare introduziu o conceito de grupofundamental que, como veremos nesse camıtulo, e um invariante to-pologico importante das variedades.

6.1 Espacos de recobrimento

Definicao 6.1. Uma acao de um grupo G em uma variedade M e ummorfismo de grupos ρ : G → Dif(M), isto e, ρ(g1g2) = ρ(g1) ρ(g2)para todos g1, g2 ∈ G. Se G e um grupo de Lie, dizemos que a acao

123

124 [CAP. 6: ESPACOS DE RECOBRIMENTO E GRUPO FUNDAMENTAL

e diferenciavel se a aplicacao

G×M −→ M(g, x) 7−→ ρ(g)(x)

e diferenciavel.

Exemplo 6.1. Se X e um campo de vetores completo em M , declasse C∞, entao o fluxo de X induz uma acao C∞ do grupo aditivoR em M , proposicao 2.7.

Exemplo 6.2. O grupo aditivo Zn age em Rn por translacoes, istoe, a aplicacao

ρ : Zn −→ Dif(Rn)m 7−→ (x 7→ x+m)

e uma acao.

Exemplo 6.3. Seja f : M →M um difeomorfismo e

F : M × R −→ M × R(x, t) 7−→ (f(x), t+ 1).

EntaoZ −→ Dif(M × R)n 7−→ Fn

e uma acao.

Definicao 6.2. Dizemos que uma acao ρ : G → Dif(M) e propria-mente descontınua e sem pontos fixos se todo ponto x ∈ M possuiuma vizinhanca V tal que

ρ(g)(V ) ∩ V 6= ∅ ⇒ g = e (identidade do grupo).

A orbita de um ponto x ∈M pela acao ρ e o conjunto

O(x) = y ∈M, ∃ g ∈ G tal que ρ(g)(x) = y.

Uma acao define a seguinte relacao de equivalencia em M :

x ∼ y ⇔ O(x) = O(y),

[SEC. 6.1: ESPACOS DE RECOBRIMENTO 125

e portanto o espaco de orbitas pela acao, que e o conjunto das classesde equivalencia por esta relacao.

Se a acao e propriamente descontınua sem pontos fixos, entaotodo ponto tem uma vizinhanca tal que toda orbita intersecta essavizinhanca em no maximo um ponto. As acoes dos exemplos 6.2 e6.3 tem essa propriedade.

Proposicao 6.1. Seja Mm uma variedade C∞ e ρ : G → Dif∞(M)uma acao propriamente descontınua. Seja P o espaco das orbitas eq : M → P a aplicacao quociente. Entao P , com a topologia quoci-ente, e localmente homeomorfo a Rm. Se P e Hausdorff, entao P euma variedade C∞ e q e C∞.

Demonstracao. Seja y = q(x). Seja U ⊂ M uma vizinhanca de xtal que ρ(g)(U) ∩ U = ∅ se g 6= e. Temos entao que V = q(U) e umavizinhanca de y pois q−1(V ) =

⋃g∈G

ρ(g)(U) e aberto. Por outro lado,

a restricao de q a cada aberto ρ(g)U e um homeomorfismo sobre V .Tomando U dentro de uma carta local de M , temos que a compostade (q|U)−1 : V → U com essa carta e uma carta local para P . Asmudancas de coordenadas sao as mesmas mudancas de coordenadasdas cartas de M cujos domınios sao levados homeomorficamente porq em abertos de P (domınios suficientemente pequenos). Logo se Pe Hausdorff. entao P tem uma estrutura de variedade com a mesmaregularidade da acao.

Observacao: Se M e uma variedade complexa, P e Hausdorff e ρ(g)e um difeomorfismo holomorfo para cada g, entao P e uma variedadecomplexa e q e uma aplicacao holomorfa.

Exemplo 6.4. Sejam M = R2 \ 0 e f : R2 \ 0 → R2 \ 0o difeomorfismo definido por f(x, y) = ( 1

2x, 2y). Considere a acaocorrespondente do exemplo 6.1. A acao e propriamente descontınua,mas o espaco quociente nao e Hausdorff: as orbitas dos pontos (1, 0)e (0, 1) nao podem ser separadas por abertos disjuntos.

Exercıcio 6.1. Mostre que P e Hausdorff se, e somente se, o conjunto(x, y) ∈M ×M ; x ∼ y e fechado.

126 [CAP. 6: ESPACOS DE RECOBRIMENTO E GRUPO FUNDAMENTAL

Definicao 6.3. SejamM e P variedades. Dizemos que uma aplicacaoπ : M → P , de classe Cr, r ≥ 0, e uma aplicacao de recobrimentose cada p ∈ P possui uma vizinhanca Vp, chamada uma vizinhancadistinguida de p, tal que a restricao de π a cada componente conexaU de π−1(Vp) e um homeomorfismo de U sobre Vp.

Observacao 6.1. O conceito de aplicacao de recobrimento tem sen-tido na categoria de espacos topologicos. Por outro lado, se M e umespaco topologico e π : M → N e uma aplicacao de recobrimentosobre uma variedade N de classe Ck (resp. complexa), entao M temuma estrutura de variedade de classe Ck (resp. complexa) tal que πe de classe Ck (resp. holomorfa).

Definicao 6.4. Seja π : M → P uma aplicacao de recobrimento. Umhomeomorfismo ϕ : M → M e um automorfismo do recobrimento seπ ϕ = π.Se π e de classe Ck (resp. holomorfo), entao todo automorfismo do

recobrimento e um difeomorfismo Ck (resp. holomorfo). O conjuntodos automorfismos de π e denotado por Aut(π) ⊂ Difk(M) e e umsubgrupo que age propria e descontinuamente sem pontos fixos emM . Alem disso, por definicao, a orbita da acao por um ponto x estacontida na fibra sobre o ponto π(x).

Definicao 6.5. Uma aplicacao de recobrimento π : M → P e regularse Aut(π) age transitivamente sobre cada fibra, isto e, π(x) = π(y)⇒∃ϕ ∈ Aut(π) tal que ϕ(x) = y.

Se o recobrimento e regular, entao o espaco de orbitas da acao deAut(π) em M pode ser identificado com P .

Proposicao 6.2. Sejam ϕ,ψ ∈ Aut(π) tais que ϕ(x0) = ψ(x0) paraalgum x0 ∈M , entao ϕ(x) = ψ(x) para todo x ∈M .

Demonstracao. O conjunto x ∈M ; ϕ(x) = ψ(x) e fechado. Poroutro lado, como ϕ e ψ sao automorfismos este conjunto tambem eaberto. De fato, sejam U e W componentes conexas da pre-imagemde uma vizinhanca distinguida de π(x) e de π(ϕ(x)) = π(ψ(x)), Ucontendo x e W contendo ψ(x). Temos que tanto ϕ|U quanto ψ|Ucoincidem com (π|W )−1 (π|U).

[SEC. 6.1: ESPACOS DE RECOBRIMENTO 127

Observacao 6.2. Seja π : M → P um recobrimento regular deespacos topologicos. Se M e uma variedade Ck (resp. complexa)e os automorfismos do recobrimento sao de classe Ck (resp. holomor-fos), entao P tem uma estrutura de variedade Ck (resp. complexa) eπ e uma aplicacao Ck.

Seja π : M → P uma aplicacao de recobrimento regular de classeCk, k ≥ 1. Entao π induz uma aplicacao linear

π∗ : Xs(P )→ Xs(M),

chamada “pull-back”, definida por

(π∗X)(x) = (Dπ(x))−1X(π(x)),

em que s ≤ k − 1. Se o campo Y ∈ Xs(M) e o pull back de umcampo X ∈ Xs(P ), Y = π∗X, entao para todo ϕ ∈ Aut(π) temosque ϕ∗Y = Y . Reciprocamente, se o recobrimento e regular e ocampo Y ∈ Xs(M) satisfaz a condicao: ϕ∗Y = Y ∀ ϕ ∈ Aut(π),entao Y e o pull-back de um campo X ∈ Xs(M).

Analogamente, seN e uma variedade entao π induz uma aplicacao,tambem denotada por π∗,

π∗ : Ck(P,N)→ Ck(M,N)

f 7→ f π.

Temos entao que g ∈ Ck(M,N) e o pull-back de alguma aplicacaoem Ck(P,N) se, e somente se, g ϕ = g para todo ϕ ∈ Aut(π). Se Ne um espaco vetorial, entao os espacos de funcoes tambem sao espacosvetoriais e nesse caso π∗ e linear.

Assim, as funcoes no toro Tn podem ser identificadas com asfuncoes de Rn que sao n-periodicas, isto e, f(x+m) = f(x) ∀ m ∈ Zn.Os campos de vetores do toro podem ser identificados com camposde vetores X : Rn → Rn tais que

X(x+m) = X(x) ∀ m ∈ Zn.

128 [CAP. 6: ESPACOS DE RECOBRIMENTO E GRUPO FUNDAMENTAL

Exemplo 6.5. Fixe f : M → M um difeomorfismo de classe C∞.Seja F : R ×M → R ×M o difeomorfismo F (t, x) = (t + 1, f(x)).Entao

ρ : Z −→ Dif∞(M)n 7−→ Fn

e uma acao propriamente descontınua e, portanto, o espaco de orbitasTf e uma variedade C∞ de dimensao dimM + 1. A aplicacao quo-ciente q : R ×M → Tf e um recobrimento e os automorfismos desserecobrimento sao os iterados de F . Seja ρ : R ×M → S1 definidapor ρ(t, x) = e2πit. Temos que ρ Fn = ρ para todo n ∈ Z. Logoexiste uma aplicacao diferenciavel π : Tf → S1 tal que π q = ρ.Seja I ⊂ S1 um intervalo aberto. Entao cada componente conexa deρ−1(I) e o produto J ×M onde J ⊂ R e um intervalo da reta que elevado difeomorficamente sobre I pela aplicacao t 7→ e2πit.

Esse intervalo tem comprimento menor que 1, assim os iteradospor F de J ×M sao dois a dois disjuntos e a aplicacao quocienterestrita a J ×M e um difeomorfismo sobre π−1(I) ⊂ Tf . Portantoπ−1(I) e difeomorfo a I ×M . Esse e mais um exemplo de fibracaolocalmente trivial, nesse caso com fibra M , base S1 e espaco total Tf .

A variedade Tf definida acima e chamada suspensao do difeomor-fismo f . Ela pode ser descrita tambem como a variedade obtida davariedade com bordo [0, 1]×M colando as duas componentes 0×Me 1 ×M do bordo pelo difeomorfismo induzido por f . Temos quese f e g sao difeomorfismos difeotopicos, entao Tf e difeomorfa a Tg,pelo teorema 4.6. Por outro lado se f e a aplicacao identidade docırculo S1 e g um difeomorfismo que inverte orientacao, entao Tf edifeomorfo ao toro S1 × S1 enquanto que Tg e difeomorfo a garrafade Klein.

Observacao 6.3. Um espaco de recobrimento e portanto uma fi-bracao localmente trivial, onde a fibra F e um espaco topologicodiscreto.

Definicao 6.6. Seja π : N → P uma aplicacao de recobrimentoe f : M → P uma aplicacao Ck. Um levantamento de f e umaaplicacao contınua f : M → N tal que π f = f .

[SEC. 6.1: ESPACOS DE RECOBRIMENTO 129

Proposicao 6.3. 1) O levantamento de uma aplicacao Ck e auto-maticamente Ck.

2) Dois levantamentos de uma mesma aplicacao que coincidem emum ponto sao identicos.

3) Se f e um levantamento de f e ϕ ∈ Aut(π), entao ϕ f etambem um levantamento de f .

4) Um levantamento da aplicacao π e um automorfismo de π.

Demonstracao. Se V ⊂ P e uma vizinhanca distinguida de f(x), U

e a componente conexa de π−1(V ) que contem f(x) e W = f−1(U),

entao f |W = (π|U)−1 f |W . Logo, se dois levantamentos coincidemem um ponto eles coincidem em uma vizinhanca do ponto. Daı oconjunto dos pontos onde eles coincidem e aberto e fechado. Osoutros itens sao imediatos.

Teorema 6.4. (Levantamento de caminhos) Se α : [0, 1]→ P e umacurva contınua com α(0) = x0 e π(x0) = x0, entao existe um unicolevantamento α : [0, 1]→ N de α tal que α(0) = x0.

Demonstracao. Seja T > 0 o supremo do conjunto dos τ ∈ [0, 1]tais que α|[0,τ ] tem um levantamento comecando em x0. Suponha queT < 1. Se V e uma vizinhanca distinguida de α(T ), α(t0) ∈ V parat0 < T e U e a componente conexa de π−1(V ) que contem α(t), entaoα(t) = (π|U )−1α(t). Logo α = (π|U )−1 α e um levantamento de αe α se estende a um intervalo [0, T + ε] para ε > 0 suficientementepequeno. Logo T = 1.

Definicao 6.7. (Homotopia relativa) Sejam f, g : M → P funcoesCr, r ≥ 0, que coincidem em um subconjunto A ⊂ M . Dizemosque f e g sao homotopicas relativamente a A, ou que f e g saohomotopicas mod A, se existe uma homotopia H : M × [0, 1]→ P declasse Cr entre f e g tal que H(x, s) = f(x) = g(x) para todo x ∈ A.

Observacao: Usando o mesmo argumento da observacao logo aposa definicao 3.2, mostra-se que a relacao de homotopia relativa Cr

tambem e uma relacao de equivalencia.

Teorema 6.5. (Levantamento de homotopia.) Seja π : N → P umaaplicacao de recobrimento Cr e H : M × [0, 1] → P uma homotopiarelativa a um subconjunto A ⊂ M . Se f : M → P , definida por

130 [CAP. 6: ESPACOS DE RECOBRIMENTO E GRUPO FUNDAMENTAL

f(x) = H(x, 0), tem um levantamento f : M → N , entao H tem um

levantamento H : M × [0, 1]→ N tal que H(x, 0) = f(x).

Demonstracao. Para cada x ∈ M temos que αx : [0, 1] → P , defi-nida por αx(t) = H(x, t), e um caminho em P com αx(0) = f(x).Pelo teorema anterior, αx tem um unico levantamento αx : [0, 1]→ N

com αx(0) = f(x). Definimos entao H(x, t) = αx(t). Resta mostrarque H e contınuo.

Seja x0 ∈ M . Como H e contınuo, para cada t ∈ [0, 1] existe umintervalo centrado em t e uma vizinhanca de x0 tal que a imagem porH do produto desse intervalo pela vizinhanca de x0 esteja contida emuma vizinhanca distinguida. Como [0, 1] e compacto, podemos cobrı-lo com um numero finito de tais intervalos e intersectando as corres-pondentes vizinhancas de x0 obtemos uma vizinhanca W de x0 e umaparticao t0 = 0 < t1 < · · · < tn+1 = 1 tais que H(W × [ti, ti+1]) ⊂ Vi,com Vi uma vizinhanca distinguida.

Suponhamos, por inducao, que ja construımos um levantamento G`de H|W×[0,t`] com G`(x, 0) = f(x). Seja U` ⊂ N o aberto contendoG`(x0, t`) tal que a restricao de π a U` seja um homeomorfismo sobreV` ⊃ H(W × [t`, t`+1]). Como G` e contınua e e um levantamento deH|W×[0,t`], temos que G`(x, t) = π|−1

U` H(x, t) para todo (x, t) em

W × [0, t`] tal que H(x, t) ∈ V`.

Podemos assim estender continuamente G` para um levantamentoG`+1 de H|W×[0,t`+1] definindo G`+1(x, t) = π|−1

U`H(x, t) para todo

(x, t) ∈W×[t`, t`+1]. O primeiro passo da inducao e imediato, usandoa mesma formula. Temos entao um levantamento G : W × [0, 1]→ N

da restricao de H a W × [0, 1]. Como G(x, 0) = f(x) temos, pelaunicidade de levantamento de caminhos, que G(x, t) = H(x, t) paratodo (x, t) ∈W × [0, 1]. Logo H e contınua.

6.2 O grupo fundamental

Seja α : [0, 1] → M um caminho. Definimos α−1 como o caminhoreverso α−1(t) = α(1 − t). Assim o ponto inicial de α−1 e o ponto

[SEC. 6.2: O GRUPO FUNDAMENTAL 131

final de α. Se α, β : [0, 1] → M sao caminhos com α(1) = β(0),definimos o caminho concatenacao

α ∗ β : [0, 1]→M

por

α ∗ β(t) =

α(2t) se t ≤ 1/2

β(2t− 1) se t ≥ 1/2.

Proposicao 6.6. 1) α ∗α−1 (resp. α−1 ∗α) e homotopico relativo a0, 1 ao caminho constante.

2) Seja F uma homotopia relativa a 0, 1 entre os caminhos α1 eα2 e G uma homotopia relativa 0, 1 entre os caminhos β1 e β2. Seα1(1) = β1(0) entao Fs ∗Gs e uma homotopia relativa a 0, 1 entreα1 ∗ β1 e α2 ∗ β2.

3) Sejam α, β, γ : [0, 1] → M caminhos satisfazendo β(0) = α(1) eγ(0) = β(1). Entao (α ∗ β) ∗ γ e homotopico relativo a 0, 1 aα ∗ (β ∗ γ).

Demonstracao. 1) Basta definir

H(s, t) =

α

(2

st

)se 0 ≤ t ≤ s

2e s > 0

x0 ses

2≤ t ≤ 1− s

2e s ≥ 0

α−1

(2

st+ 1− 2

s

)se 1− s

2≤ t ≤ 1 e s > 0.

2) Exercıcio.

3) Seja[0, 1]× s = As ∪Bs ∪ Cs

como na figura.Sejam A0 = [0, 1/4] ,B0 = [1/4, 1/2], C0 = [1/2, 1], A1 = [0, 1/2],B1 = [1/2, 3/4], C1 = [3/4, 1]. Consideremos as aplicacoes afinsas : As → [0, 1], bs : Bs → [0, 1] e cs : Cs → [0, 1].

132 [CAP. 6: ESPACOS DE RECOBRIMENTO E GRUPO FUNDAMENTAL

Figura 6.1: proposicao 6.6.

Figura 6.2: proposicao 6.6.

Defina entao

H(t, s) =

α(as(t)) t ∈ Asβ(bs(t)) t ∈ Bsγ(cs(t)) t ∈ Cs.

Definicao 6.8. O grupo fundamental de M com base x0 ∈ M , de-notado por π1(M,x0), e o conjunto das classes de homotopia relativaa 0, 1 dos caminhos fechados com ponto inicial e final x0.

Se α : [0, 1] → M e um caminho com α(0) = α(1) = x0, denotamospor [α] ∈ π1(M,x0) a classe de homotopia de α. Seja e ∈ π1(M,x0)a classe de homotopia do caminho constante x0. Pela proposicao

[SEC. 6.2: O GRUPO FUNDAMENTAL 133

anterior podemos definir

π1(M,x0)× π1(M,x0) −→ π1(M,x0)

([α], [β]) 7−→ [α][β]def= [α ∗ β].

e temos as propriedades

• [α][α−1] = [α−1][α] = e;

• [α] ([β][γ]) = ([α][β]) [γ];

• [α]e = e[α] = [α].

Assim π1(M,x0) e de fato um grupo com a operacao definida.

Sejam X e Y espacos topologicos e sejam x0 ∈ X e y0 ∈ Y . Sejaf : X → Y uma funcao. Para indicar que f satisfaz f(x0) = y0,escreveremos simplesmente f : (X,x0)→ (Y, y0).

Proposicao 6.7. Seja f : (M,x0)→ (N, y0) uma aplicacao contınua.Entao a aplicacao induzida

f∗ : π1(M,x0) → π1(N, y0)[α] 7→ [f α]

esta bem definida e e um homomorfismo de grupos. Mais ainda,(idM )∗ = id e se g : (N, y0) → (P, p0) e outra aplicacao contınua,entao (g f)∗ = g∗ f∗.

Demonstracao. Exercıcio.

Proposicao 6.8. Seja α : [0, 1] → M um caminho com α(0) = x0 eα(1) = x1. Entao a aplicacao Iα : π1(M,x0) → π1(M,x1) definidapor [γ] 7→ [α ∗ γ ∗ α−1] e um isomorfismo de grupos.

Demonstracao. Exercıcio.

Da proposicao acima segue entao que num espaco conexo porcaminhos o grupo fundamental nao depende do ponto base escolhido.No entanto o isomorfismo depende da classe de homotopia do caminhoentre os dois pontos basicos.

134 [CAP. 6: ESPACOS DE RECOBRIMENTO E GRUPO FUNDAMENTAL

Figura 6.3: homotopia

Lema 6.9. Seja F : [0, 1] × [0, 1] → M uma aplicacao contınua. Seα(t) = F (t, 0), β(t) = F (t, 1), γ(t) = F (0, t) e δ(t) = F (1, t) comoindicado na figuraentao γ−1 ∗ α ∗ δ e homotopico a β relativo a 0, 1.

Demonstracao. Comecamos definindo

E(t, s) =

x0 se t ≤ sγ(1− t+ s) se t ≥ s.

e

G(t, s) =

x1 se s ≥ 1− tδ(t+ s) se s ≤ 1− t. .

Agora considere Hs = (Es ∗ Fs) ∗Gs e

L(t, s) =

x0 se (t, s) ∈ Asx1 se (t, s) ∈ Csβ(as(t)) se (t, s) ∈ Bs.

onde as : Cs → [0, 1] e um difeomorfismo afim.Entao

H(t, s) =

H(t, 2s) se s ≤ 1/2L(t, 2s− 1) se s ≥ 1/2.

e a homotopia procurada.

Teorema 6.10. Seja H : [0, 1] ×M → N uma homotopia entre f eg. Seja α(t) = H(t, x0) o caminho ligando y0 = f(x0) a y1 = g(x0).Entao o diagrama abaixo e comutativo:

[SEC. 6.2: O GRUPO FUNDAMENTAL 135

Figura 6.4: homotopias 1.

Figura 6.5: homotopias 2.

π1(N, y1)

π1(M,x0)

g∗ 55

f∗

))π1(N, y0)

OO

Demonstracao. Seja γ : [0, 1] → M um caminho fechado em x0.Defina F : [0, 1]× [0, 1]→ N , F (t, s) = H(s, γ(t)).

Daı F (0, t) = α(t) = F (1, t), F (t, 0) = f(γ(t)) e F (t, 1) = g(γ(t)).Assim, pelo lema anterior temos que α−1 ∗ (f γ) ∗ α e homotopicorelativo a 0, 1 a g γ.

136 [CAP. 6: ESPACOS DE RECOBRIMENTO E GRUPO FUNDAMENTAL

Definicao 6.9. Duas variedades M e N tem o mesmo tipo de homo-topia se existem aplicacoes contınuas f : M → N e g : N → M taisque g f e homotopica a identidade de M e f g e homotopica aidentidade de N .

Corolario 6.11. Duas variedades com o mesmo tipo de homotopiatem grupos fundamentais isomorfos. Em particular se sao homeo-morfas, entao tem grupos fundamentais isomorfos.

Observacao: O teorema e o corolario sao verdadeiros para qualquerespaco topologico , com as mesmas definicoes e mesmas provas.

Seja π : N → P uma aplicacao de recobrimento e f : M → Puma aplicacao contınua com f(x0) = y0. Se f tem um levantamento

f : M → N com f(x0) = y0, entao

π∗

(f∗(π1(M,x0)

)= f∗ (π1(M,x0)) .

Comof∗ (π1(M,x0)) ⊂ π1(N, y0),

concluımos que

f∗ (π1(M,x0)) ⊂ π∗ (π1(N, y0)) .

Reciprocamente, vale o seguinte teorema.

Teorema 6.12. Seja f : (M,x0) → (P, y0) uma aplicacao contınua,π : N → P um recobrimento e y0 ∈ N tal que π(y0) = y0. Se

f∗ (π1(M,x0)) ⊂ π∗ (π1(N, y0)) ,

entao existe um levantamento f de f com f(x0) = y0.

Demonstracao. Seja x ∈ M e α : [0, 1] → M tal que α(0) = x0 eα(1) = x. Logo existe um unico levantamento α de f α : [0, 1]→ N

tal que α(0) = y0. Definimos entao f(x) = α(1). Se β : [0, 1] → Me um outro caminho com β(0) = x0 e β(1) = x, entao por hipotesetemos que (f α) ∗ (f β)−1 = f (α ∗ β−1) e homotopico a π∗(γ)para algum γ : [0, 1] → N caminho fechado pelo ponto y0. Assim,

[SEC. 6.2: O GRUPO FUNDAMENTAL 137

o levantamento do caminho fechado (f α) ∗ (f β)−1 pelo pontoy0 e tambem um caminho fechado. Portanto os levantamentos doscaminhos f α e f β pelo ponto y0 tem o mesmo ponto final, quee igual a f(x). Portanto f(x) nao depende da escolha de α. Para

mostrar que f e contınua em x, basta tomar uma vizinhanca de xsuficientemente pequena tal que sua imagem por f esteja contida emuma vizinhanca distinguida de f(x) e tal que dois caminhos entrex e y nessa vizinhanca sao homotopicos relativamente ao 0, 1 (bastatomar essa vizinhanca homeomorfa a uma bola).

Observacao 6.4. O teorema continua valido com a mesma provapara espacos topologicos mais gerais. A proprieda extra que ne-cessitamos e conhecida como espacos semi-localmente simplesmenteconexos. Por definicao, todos os pontos desse espaco possuem vizi-nhancas arbitrariamente pequenas tais que todo curva fechada nessavizinhanca e homotopica a uma constante. A imagem da homotopiapode nao estar contida na vizinhanca

Definicao 6.10. Seja M uma variedade. Dizemos que M e simples-mente conexa se π1(M) = e.

Corolario 6.13. Seja π : N → M uma aplicacao de recobrimentoe f : P → M uma aplicacao contınua com P simplesmente conexa.Entao existe um levantamento f : P → N de f .

Corolario 6.14. Seja π : N → M uma aplicacao de recobrimento.Se U ⊂ M e um aberto conexo e simplesmente conexo, entao U euma vizinhanca distinguida.

Demonstracao. Sejam Ui ⊂ N , i ∈ I, as componentes conexas deπ−1(U) e fixe x0 ∈ U . Dado xi ∈ Ui tal que π(xi) = x0, comoU e simplesmente conexo a inclusao j : U → M se levanta a umaaplicacao contınua ji : U → N tal que ji(x0) = xi. Daı π ji(x) = ximplica que ji e um homeomorfismo sobre sua imagem para todo i.Como U e Ui sao conexos e π ji(U) = U , temos ji(U) ⊂ Ui. Daıji(U) = Ui e segue que U e uma vizinhanca distinguida.

Corolario 6.15. Se π : N →M e aplicacao de recobrimento com Nsimplesmente conexo, entao π e um recobrimento regular.

138 [CAP. 6: ESPACOS DE RECOBRIMENTO E GRUPO FUNDAMENTAL

Demonstracao. Sejam y0, y1 ∈ N tais que π(y0) = π(yi) = x0.Como π : N → M e contınua e π(y0) = x0, existe um unico levanta-mento ϕ : N → N de π tal que ϕ(y0) = y1. E facil ver que ϕ e umautomorfismo de π.

Lema 6.16. Sejam α, β : [0, 1] → X caminhos contınuos tais queα(0) = β(0) = x0 e α(1) = β(1) = x1. Entao α e homotopico a βrelativo a 0, 1 se, e somente se, α ∗ β−1 e homotopico ao caminhoconstante relativo a 0, 1.

Demonstracao. Observemos que se f : ∂D2 → ∂D2 e uma aplicacaocontınua, entao ela se estende continuamente para uma aplicacao

F : D2 → D2. Basta definir F (0) = 0 e F (x) = ‖x‖f(

x‖x‖

)para

x 6= 0. Como [0, 1]× [0, 1] e homeomorfo a D2, o mesmo ocorre parao quadrado [0, 1]× [0, 1].

Figura 6.6: lema 6.16 .

Seja φ : [0, 1] × [0, 1] → [0, 1] × [0, 1] uma aplicacao contınua cujarestricao ao bordo e dada por:

ϕ(t, 0) =

(1

2t, 0

)ϕ(1, s) =

(1

2, 0

)ϕ(t, 1) =

(−1

2t+ 1, 0

)

e

ϕ(0, s) =

(0, 3s) se s ≤ 1/3(2− 3s, 1) se 1/3 < s ≤ 2/3(1, 3− 3s) se 2/3 ≤ s ≤ 1.

[SEC. 6.2: O GRUPO FUNDAMENTAL 139

Se H e uma homotopia entre α ∗ β−1 e o caminho constante relativoa 0, 1, entao H = H ϕ e uma homotopia entre α e β relativo a0, 1. A demonstracao da recıproca e analoga.

Corolario 6.17. Seja π : N → M uma aplicacao de recobrimentocom N e simplesmente conexo e π(y0) = x0. Entao π estabelece umabijecao entre pontos x ∈ N e classes de homotopia relativa a 0, 1de caminhos em M ligando x0 a x = π(x).

Demonstracao. Seja x ∈ N e α : [0, 1] → N um caminho ligandox0 a x. Logo α = π α e um caminho em M ligando x0 a x = π(x).

Se β : [0, 1]→ N e um outro caminho ligando x0 a x, entao α ∗ β−1 e

homotopico ao caminho constante. Logo α e homotopico a β relativoa 0, 1. Seja H uma tal homotopia. Daı π H e uma homotopia

entre α e β = π β.

Reciprocamente, se H e uma homotopia com extremos fixos entredois caminhos α, β : [0, 1] → M comecando em x0 e terminando em

x, entao H se levanta a uma homotopia entre caminhos α, β, levan-tamentos de α e β, que tem portanto o mesmo ponto final x que seprojeta em x.

Teorema 6.18. Para toda variedade M existe uma aplicacao derecobrimento π : M →M com M simplesmente conexo.

Demonstracao. Fixe x0 ∈M . Pelo corolario acima e natural definir

M = [α]mod0, 1;α : [0, 1]→M com α(0) = x0 .

Defina daıπ : M → M

[α] 7→ α(1).

Para cada α : [0, 1] → M com α(0) = x0 e cada V ⊂ M abertocontendo α(1) definimos

V[α] =

[β] ∈ M ; [β] = [α ∗ γ], com γ : [0, 1]→ V tal que γ(0) = α(1).

Seja[α′′] ∈ V[α] ∩W[α′]

140 [CAP. 6: ESPACOS DE RECOBRIMENTO E GRUPO FUNDAMENTAL

[α′′] = [α ∗ γ] = [α′ ∗ γ′].

Entao

(V ∩W )[α′′] ⊂ V[α] ∩W[α′].

Logo esses conjuntos definem uma base de vizinhancas de uma topo-logia de H e π e contınua.

Se V e simplesmente conexo, entao para dada [α] ∈ π−1(V ) temosque a restricao de π a V[α] e um homeomorfismo sobre V e ainda, seπ[β] = π([α]) com [α] 6= [β], entao V[α] ∩ V[β] = ∅.

Seja x0 a classe do caminho constante x0. Se [α] ∈ M , entao o cami-

nho s ∈ [0, 1] 7→ [αs] ∈ M , onde αs(t) = α(st), une x0 a [α] e levanta

o caminho α. Logo M e conexo e π e um recobrimento. Resta mos-trar que M e simplesmente conexo. Seja C : [0, 1]→ M um caminhofechado com C(0) = C(1) = x0.

Entao C = π(C) e um caminho fechado em M e C e o unico le-vantamento de C com ponto inicial x0. Logo [C] = x0 = C(1) eportanto C e homotopica ao caminho constante em M relativo a0, 1. Levantando a homotopia temos que C e homotopico ao cami-nho constante.

Uma tal recobrimento de M como no teorema acima se chamaum recobrimento universal de M .

Definicao 6.11. Dois recobrimentos πi : Ni → M sao isomorfos seexiste um difeomorfismo φ : N1 → N2 tal que π2 φ = π1.

Corolario 6.19. Se πi : Mi →M , i = 1, 2, sao recobrimentos de Mcom M1 e M2 simplesmente conexos, entao eles sao isomorfos.

Demonstracao. Sejam xi ∈ Mi tais que π1(x1) = π2(x2). Como

M1 e simplesmente conexo, π1 se levanta a uma aplicacao contınuaφ com φ(x1) = x2. Analogamente, π2 se levanta a uma aplicacao ψcom ψ(x2) = x1. Logo ψϕ satisfaz π1(ψφ) = π1 e ψφ(x1) = x1.Logo ψ φ = id e de modo analogo φ ψ = id. Portanto φ e umisomorfismo entre os recobrimentos πi.

[SEC. 6.2: O GRUPO FUNDAMENTAL 141

Assim, o recobrimento universal de uma variedade M e unico amenos de isomorfismo.

Corolario 6.20. Seja π : M → M o recobrimento universal de M ep : N → M um outro recobrimento de M . Entao existe um recobri-mento ρ : M → N tal que p ρ = π.

Demonstracao. Temos que π se levanta a uma aplicacao ρ. Sejamx0 ∈ N e U ⊂ M uma vizinhanca simplesmente conexa de p(x0).Logo x0 tem uma vizinhanca V tal que p|V e um homeomorfismo

sobre U . Se existe x ∈ M tal que ρ(x) ∈ V . Temos que existevizinhanca W de x tal que π|W e um homeomorfismo sobre U . Logoρ|W e um homeomorfismo sobre V pois pρ = π. Isto mostra tambemque a imagem de ρ e aberta e fechada e, como N e conexo, ρ esobrejetivo.

Corolario 6.21. Seja π : M → M o recobrimento universal de M .Entao π e regular e π1(M,x0) e isomorfo a Aut(π).

Demonstracao. Ja sabemos que o recobrimento e regular pois Me simplesmente conexo. Seja x0 ∈ M com π(x0) = x0. Para cada

[α] ∈ π1(M,x0), o levantamento α : [0, 1] → M comecando em x0 etal que α(1) ∈ π−1(x0) depende apenas de classe [α]. Por outro lado,existe um unico automorfismo ϕ ∈ Aut(π) tal que ϕ(x0) = α(1). Efacil mostrar que a aplicacao [α] ∈ π1(M,x0) 7→ ϕ ∈ Aut(π) e umisomorfismo de grupos.

Corolario 6.22. Sejam πi : Mi → Mi, i = 1, 2, recobrimentos uni-versais de M1 e M2 respectivamente.

1. Se f : M1 → M2 e uma aplicacao contınua, entao existe umaaplicacao contınua f : M1 → M2 tal que π2 f = f π1. Talaplicacao e chamada um levantamento de f .

2. Se f e outro levantamento de f , entao existe ψ ∈ Aut(π2) tal

que f = ψ f .

3. Para cada ϕ ∈ Aut(π1) existe um unico ψ ∈ Aut(π2) tal que ψf ϕ = f . A aplicacao ϕ 7→ ψ e um homomorfismo de Aut(π1)

142 [CAP. 6: ESPACOS DE RECOBRIMENTO E GRUPO FUNDAMENTAL

em Aut(π2) que corresponde, via o isomorfismo do corolario5.21, ao homomorfismo

f∗ : π1(M1, x0)→ π1(M2, f(x0)).

4. F : M1 → M2 e o levantamento de uma aplicacao f : M1 →M2 se, e somente se, ∀ ϕ ∈ Aut(π1) ∃ ψ ∈ Aut(π2) tal queψ F ϕ = F .

Demonstracao. Exercıcio.

Exercıcio: Seja A : R2 → R2 a transformacao linear dada pela ma-

triz(

2 11 1

). Como os automorfismos do recobrimento π : R2 → T2

sao as translacoes por vetores de coordenadas inteiras, A e o levan-tamento de um difeomorfismo f : T2 → T2. Seja Tf a variedade dedimensao 3 obtida pela suspensao de f . Mostre que Tf nao e isomorfoao toro T3.

Sugestao: Mostre que os grupos fundamentais nao sao isomorfos.

Corolario 6.23. Seja G um grupo de Lie e sejam m : G × G → Ge i : G → G as aplicacoes de produto e inversao do grupo. Seja e oelemento neutro de G. Se π : G→ G e o recobrimento universal de Ge π(e) = e, entao os levantamentos i : G→ G e m : G× G→ G com

i(e) = e e m(e, e) = e definem uma estrutura de grupo de Lie em Gtal que π e um homomorfismo de grupos.

Demonstracao. Exercıcio.

6.3 Recobrimentos das variedades de dimensao 2

Uma demonstracao por contradicao tem um aspecto pessimista: co-mecamos por negar a veracidade do teorema. Uma demonstracao“otimista” consiste em partir da veracidade do teorema e deduzira existencia de uma certa estrutura cuja existencia tambem implicao teorema. Finalmente, construımos essa estrutura de maneira in-dependente e o teorema esta provado. Vou apresentar uma prova“otimista” do seguinte resultado classico:

[SEC. 6.3: RECOBRIMENTOS DAS VARIEDADES DE DIMENSAO 2 143

Teorema 6.24. Se M e uma variedade orientavel de dimensao 2 naohomeomorfa ao plano nem a esfera e nem ao toro, entao existe umrecobrimento π : D → M pelo disco D = z ∈ C; |z| < 1 tal que osautomorfismos desse recobrimento sao difeomorfismos holomorfos dodisco.

A demonstracao classica desse teorema usa dois resultados pro-fundos de analise (equacao a derivadas parciais) e um resultado maissimples de topologia:

1) Em torno de qualquer ponto de uma variedade Riemannianade dimensao dois existe uma carta local conforme (coordenadasisotermicas).

2) Toda variedade possui um recobrimento simplesmente conexo.

3) Toda superfıcie de Riemann simplesmente conexa e conforme-mente difeomorfa ou a esfera ou ao plano ou ao disco (Teoremade Uniformizacao).

O primeiro passo envolve a solucao de uma equacao a derivadasparciais chamada equacao de Beltrami:

dϕ= µ(z) |µ(z)| ≤ k < 1 ∀ z ∈ U.

A existencia de uma solucao que seja um difeomorfismo local de classeC∞ foi provada por Gauss no caso analıtico e por Chern no casodiferenciavel e posteriormente generalizada para outras regularidades.

A existencia de coordenadas isotermicas e da orientacao implicamque a variedade tem uma estrutura de superfıcie de Riemann (umavariedade complexa de dimensao complexa 1).

Do passo (2) segue que a variedade possui um recobrimento ho-lomorfo por uma superfıcie de Riemann simplesmente conexa. Oteorema segue entao de (3), que envolve a equacao de Laplace.

Vamos apresentar uma prova “otimista” desse teorema, a qual en-volve apenas certas construcoes elementares em geometria hiperbolica.

6.3.1 Geometria hiperbolica

Seja Aut(C) o grupo dos difeomorfismos holomorfos da esfera de Rie-mann C = Ct∞. Esse grupo contem as seguintes transformacoes:

144 [CAP. 6: ESPACOS DE RECOBRIMENTO E GRUPO FUNDAMENTAL

a) z 7→ z + a (translacoes).

b) z 7→ bz b ∈ C \ 0 (homotetias e rotacoes).

c) z 7→ 1

z

e contem tambem o subgrupo M gerado por essas transformacoes(que mostraremos que coincide com Aut(C)).

Proposicao 6.25.

1) Se ϕ ∈M, entao ϕ e conforme.

2) Se ϕ ∈M, entao ϕ leva a famılias de retas e cırculos euclidianosde C em si mesmas.

3) Dados 3 pontos distintos z1, z2, z3 ∈ C existe ϕ ∈ M tal queϕ(z1) =∞, ϕ(z2) = 0, ϕ(z3) = 1.

4) Sejam z1, z2, z3 e z4 sao pontos distintos de C e

C(z1, z2, z3, z4) =(z3 − z2)(z4 − z1)

(z2 − z1)(z4 − z3),

que e chamado razao cruzada (cross ratio) dos quatro pontos.Entao para todo ϕ ∈M

C(φ(z1), φ(z2), φ(z3), φ(z4)) = C(z1, z2, z3, z4).

Demonstracao. Basta que as transformacoes a), b) e c) satisfacamas propriedades 1), 2) e 4). Por serem holomorfas, satisfazem 1). Astransformacoes em a) e b) levam cırculos em cırculos e retas em retas.A transformacao c) leva retas que nao passam pela origem em retase retas que passam pela origem em cırculos, cırculos que nao passampela origem em cırculos e cırculos que passam pela origem em retas.Que satisfazem 4) e um calculo simples.

Para provar 3) observamos que a composicao da translacao por −z1

com c) e um elemento do grupo M que leva z1 em ∞ e z2 e z3

em outros dois pontos distintos, que continuamos a chamar de z2

e z3. Compondo com uma translacao por −z2, levamos z2 em 0.Finalmente, compondo com b) levamos o terceiro ponto em 1.

[SEC. 6.3: RECOBRIMENTOS DAS VARIEDADES DE DIMENSAO 2 145

Corolario 6.26. M = Aut(C).

Demonstracao. Dado ϕ ∈ Aut(C), existe ψ ∈ M tal que ψ ϕfixa os pontos 0, 1 e ∞. Afirmamos que ψ ϕ e a identidade. De

fato, como a derivada e nao nula na origem temos que z 7→ ψϕ(z)z e

uma funcao holomorfa da esfera de Rieman na esfera de Riemanquenao e sobrejetiva. Logo e constante e essa constante e igual a 1 pois1 e ponto fixo de ψ ϕ. Para verificar que de fato e uma funcaoholomorfa da esfera de Riemann resta apenas mostrar que e umafuncao holomorfa na vizinhanca do infinito De fato, como θ = ψ ϕe holomorfa e tem ∞ como ponto fixo entao se I(z) = 1

z temos queI θ I e holomora e 1-1 e tem 0 como ponto fixo. Logo e daforma w 7→ aw + wρ(w) onde ρ e holomorfa , se anula na origem e

a 6= 0 pois a funcao e 1-1. Isso mostra que θ = θ(z)z e holomorfa em

∞ e θ(∞) = a. Logo θ e constante pois toda aplicacao holomorfanao constante e uma aplicacao aberta e como a esfera de Riemann ecompacta sua imagem e aberto e fechado, logo e sobrejetiva. .

Corolario 6.27. Existe ϕ ∈ Aut(C) que leva o disco D no semi-planoH2 = z ∈ C; Im z > 0.

Demonstracao. Basta tomar o automorfismo ϕ tal que

ϕ(1) = 0, ϕ(i) = 1 e ϕ(−1) =∞.

como na figura 6.7 Daı φ(∂D) = ∂H2, o que implica φ(D) = H2.

Figura 6.7: difeomorfismo entre o disco e o semi-plano.

Corolario 6.28. Dado z ∈ D, existe ϕ ∈ Aut(C) tal que ϕ(D) = De ϕ(0) = z.

146 [CAP. 6: ESPACOS DE RECOBRIMENTO E GRUPO FUNDAMENTAL

Demonstracao. As rotacoes levam D em D e levam 0 em 0. Sez 6= 0 sejam z−, z+∂D as intersecoes da reta pela orıgem e pelo pontoz como na figura ??. Seja ϕ o automorfismo tal que

ϕ(z−) = z−, ϕ(z+) = z+ e ϕ(0) = z.

Daı ϕ leva a reta por 0 e z nela mesma e o cırculo unitario numcırculo ou reta que passa pelos pontos z+ e z− e e ortogonal a retapelos mesmos pontos. Esse cırculo e o bordo de D.

Figura 6.8: corolario 6.28.

Corolario 6.29. O grupoM(D) dos elementos de Aut(C) que levamD em D age transitivamente em D.

Lema 6.30 (Schwartz). Se ϕ : D→ D e uma aplicacao holomorfa talque ϕ(0) = 0, entao ou ϕ e uma rotacao ou |ϕ(z)| < |z| para todoz ∈ D− 0 e |ϕ′(0)| < 1.

Demonstracao. Como ϕ(0) = 0, a aplicacao ψ(z) = ϕ(z)z e holo-

morfa. Se |z| = r < 1, entao |ψ(z)| < 1r . Pelo princıpio do maximo

(o valor absoluto de uma funcao holomorfa nao constante nao temmaximo local) temos que |ψ(z)| < 1

r se |z| ≤ r. Logo |ψ(z)| ≤ 1 paratodo z no disco unitario. Por outro lado, se |ψ(z0)| = 1 para algumz0, o princıpio do maximo implica que ψ e constante, e portanto ϕ euma rotacao. Caso contrario, |ψ(z)| < 1 para todo z.

Corolario 6.31. Se ψ : D→ D e um difeomorfismo holomorfo, entaoψ ∈M(D). O subgrupo deM(D) dos elementos que deixam a origemfixa e o grupo das rotacoes.

Demonstracao. Se ϕ(0) = 0 entao ϕ e uma rotacao, pois a derivadada inversa de ϕ na origem nao pode ter valor absoluto maior do que

[SEC. 6.3: RECOBRIMENTOS DAS VARIEDADES DE DIMENSAO 2 147

1, uma vez que essa inversa e tambem uma aplicacao holomorfa dodisco que se anula na origem. Se ϕ(0) nao se anula na origem, pode-mos compor ϕ com um elemento deM(D) e obter um difeomorfismoholomorfo que se anula na origem.

Corolario 6.32. Existe uma metrica Riemanniana z ∈ D 7→ 〈·, ·〉ztal que os elementos deM(D) sao isometrias. Qualquer outra metricacom a mesma propriedade e um multiplo positivo dessa metrica.Alem disso, existe λ : C → R+ analıtica tal que ||v||z = λ(z) · |v|para todo v ∈ C.

Demonstracao. Primeiramente observe um produto interno em Cinvariante por rotacoes deve ser um multiplo positivo do produto eu-clidiano. Comecamos definindo 〈·, ·〉0 como o produto interno euclidi-ano (ou um multiplo positivo dele). Dado z ∈ D, escolha ϕ ∈ Aut(D)tal que ϕ(0) = z e defina

〈v, w〉z = 〈Dϕ−1(z) · v,Dϕ−1(z)w〉0.

A definicao nao depende da escolha de ϕ pois se ψ ∈ Aut(D) tambemsatisfaz ψ(0) = z, entao ψ−1ϕ leva 0 em 0 e portanto e uma rotacao.Por fim, temos

‖v‖z = ‖Dϕ−1(z).v‖ = |Dϕ−1(z)|‖v‖ e λ(z) = |Dϕ−1(z)|.

Proposicao 6.33. As geodesicas da famılia de metricas do corolario6.32 sao os cırculos e retas ortogonais ao bordo de D.

Demonstracao. Seja φ : D→ H2 como no Corolario 6.27 e conside-remos a metrica em H2 que torna φ isometria. Como φ e conforme,‖v‖z = λ(z) · |v| para todo z ∈ H2. Como as translacoes z 7→ z + acom a ∈ R sao isometrias, temos que λ(x + iy) = λ(x + a + iy)para todo a ∈ R. Logo λ(x + iy) = α(y), onde α : R+ → R+ e umafuncao analıtica. Temos entao que a aplicacao (x+ iy) 7→ (−x+ iy)e uma isometria da metrica que deixa os pontos do eixo x = 0 fixos.Como uma isometria leva geodesicas em geodesicas, temos pela uni-cidade de geodesicas que uma geodesica tangente ao eixo x = 0 temque coincidir com esse eixo que e portanto uma geodesica. Dado um

148 [CAP. 6: ESPACOS DE RECOBRIMENTO E GRUPO FUNDAMENTAL

cırculo ortogonal a (∂H2), existe uma isometria da metrica que levao eixo x = 0 nesse cırculo. Logo esse cırculo tambem e geodesica. Poroutro lado, dados z ∈ H2 e v ∈ C existe um cırculo que passa por z,ortogonal a ∂H2 e e tangente a v (o centro e a intersecao com ∂H2

da reta ortogonal a v passando por z). Logo, por unicidade, essas saotodas as geodesicas de H2.

Teorema 6.34 (metrica de Poincare). Existe uma unica metricaRiemanniana em D tal que os elementos de M(D) sao isometrias e acurvatura e constante igual a −1. As geodesicas sao as retas e cırculosortogonais a ∂D.

Demonstracao. Como o grupo de isometrias age transitivamente acurvatura e constante. Essa constante e negativa. De fato, tomandoum triangulo geodesico ideal com os vertices a, b, c em ∂D, temosque os angulos internos sao nulos. Observe que para todo triangulogeodesico com vertices a, b, c ∈ D proximos dos anteriores os angulosinternos sao proximos a zero. Pelo Teorema de Gauss-Bonnet

Σ( angulos internos de T )− π =

∫T

K = K · area(T ),

segue que a curvatura K e negativa e

K =−π

area do triangulo ideal(a, b, c).

Quando multiplicamos a metrica por um parametro positivo, a areado triangulo ideal varia de maneira monotona com o parametro. Logoexiste um unico valor do parametro para o qual a curvatura e −1.

Proposicao 6.35. (Propriedades elementares da metrica hiperbolica.)

1) Por dois pontos passa uma unica geodesica.

2) Dadas uma geodesica γ e um ponto z /∈ γ existe uma unicageodesica que passa por z e e perpendicular a γ.

3) Dadas duas geodesicas disjuntas γ1 e γ2 tais que a distanciahiperbolica de γ1 e γ2 e positiva, existe uma unica geodesica γortogonal a γ1 e γ2.

[SEC. 6.3: RECOBRIMENTOS DAS VARIEDADES DE DIMENSAO 2 149

4) Seja γ uma geodesica e a > 0. O conjunto dos pontos cujadistancia hiperbolica a γ e ≤ a e limitado por dois cırculos queno ∞ fazem um angulo com γ que e uma funcao monotona dea. As geodesicas ortogonais a γ sao ortogonais a esses cırculos.

Demonstracao. 1) Sejam z1, z2 ∈ H2, z1 6= z2. Se Re z1 = Re z2, areta vertical por z1 passa por z2. Se Re z1 6= Re z2, a reta perpendi-cular ao segmento de reta ligando z1 a z2 pelo ponto medio intersecta∂H2 num ponto a. O cırculo de centro a passando por z1 tambempassa por z2 e intersecta o semiplano superior em uma geodesica. Aunicidade e evidente.

2) Como a propriedade e invariante por isometrias, podemos suporque γ e o eixo vertical. As geodesicas ortogonais a γ sao os cırculosde centro na origem. Dado z /∈ γ existe um unico cırculo que passapor z e e ortogonal a γ.

3) Podemos supor que γ1 e o eixo vertical. A geodesica γ2 intersecta∂H2 ou em um unico ponto (γ2 e uma reta vertical) ou em dois pontosque estao ambos ou no eixo real positivo ou eixo real negativo. Se am-bas as geodesicas sao verticais a distancia entre elas e nula. Podemosportanto supor que a geodesica γ2 tem suas extremidades na mesmacomponente do complementar da orıgem no eixo real. Consideremosas duas geodesicas ortogonais a γ1 assintoticas a γ2. O angulo naqual geodesicas ortogonais intermediarias a γ intersecta γ2 varia mo-notonicamente de π a 0, e portanto existe uma unica geodesica quee ortogonal a γ2.

4) Como antes podemos supor que γ e o eixo vertical. No cırculounitario, que e uma geodesica ortogonal a γ, tomemos um arco emtorno da intersecao com γ cuja distancia iperbolica a γ e ≤ a. Comoas homotetias positivas sao isometrias, as duas retas que passam pe-las extremidades desse intervalo limitam a regiao dos pontos cujadistancia a γ e ≤ a. O angulo que essas retas fazem com γ e umafuncao monotona de a.

Teorema 6.36. Existe um homeomorfismo h : R3+ → R3

+ tal quese y = h(x), entao existe um hexagono reto cujos comprimentos dos

150 [CAP. 6: ESPACOS DE RECOBRIMENTO E GRUPO FUNDAMENTAL

Figura 6.9: proposicao 6.35.

lados percorridos no sentido anti-horario sao x1, y1, x2, y2, x3, y3. Doistais hexagonos sao isometricos.

Demonstracao. Comecamos tomando um segmento de comprimentohiperbolico x1 no eixo vertical. Em torno das geodesicas ortogonaisao eixo vertical pelas extremidades desses segmentos consideramoso conjunto dos pontos cuja distancia a geodesica pela extremidadeinferior e ≤ x2 e pela extremidade superior ≤ x3 como na figura 6.10.

Figura 6.10: teorema 6.36.

Sejam a e b os pontos onde os cırculos de centro 0 que passam pe-las extremidades do intervalo vertical cortam o eixo real. Para cadat ∈ (a, b) e r > 0 suficientemente pequeno, o cırculo de centro t eraio r nao intersecta essas regioes. Quando r cresce, esse cırculo seaproxima monotonamente dessas regioes. Para r fixo, quando t seaproxima de uma das regioes o cırculo correspondente se aproximadessa regiao e se afasta na outra. Logo existe um unico par (t, r)

[SEC. 6.3: RECOBRIMENTOS DAS VARIEDADES DE DIMENSAO 2 151

tal que o cırculo e tangente ao bordo de ambas as regioes. O seg-mento desse cırculo entre os dois pontos de tangencia e portanto umageodesica e e o ultimo lado do hexagono, com comprimento y2. Oslados de comprimento y1 e y3 estao indicados na figura 6.10.

6.3.2 Consequencias do teorema

Se π : D → M e um recobrimento cujos automorfismos pertencem aAut(D), entao existe uma unica metrica Riemanniana em M tal queπ seja uma isometria local. As geodesicas da metrica hiperbolica deM sao as imagens por π das geodesicas da metrica hiperbolica de D.

Lema 6.37. Seja γ ⊂M uma curva fechada simples tal que o compri-mento hiperbolico de qualquer curva livremente homotopica a γ (istoe, sem necessidade de fixar extremos) e limitado por baixo. Entaoexiste uma unica geodesica fechada simples e livremente homotopicaa γ.

Demonstracao. Tomemos uma parametrizacao γ : [0, 1]→M de γcom γ(0) = γ(1) e seja γ : [0, 1] → D um levantamento de γ. Sejaϕ ∈ Aut(π) tal que ϕ(γ(0)) = γ(1). Como Aut(π) ⊂ Aut(D), temosque ϕ nao tem pontos fixos em D. Afirmamos que ϕ nao pode ter umunico ponto fixo em ∂D. Caso contrario, conjugando com uma iso-metria D→ H2 podemos supor que ϕ : H2 → H2, ϕ(∞) =∞. Logoϕ(z) = z + a, a ∈ R. Assim, o levantamento de γ pelo recobrimentocorrespondente de H2 → M liga dois pontos com a mesma parteimaginaria em retas verticais com distancia euclidiana a. Logo γ elivremente homotopica a imagem de qualquer segmento horizontal en-tre as duas verticais e esses segmentos tem comprimento hiperbolicoarbitrariamente pequenos. Logo ϕ tem dois pontos fixos no bordo deD e deixa invariante a geodesica α conectando esses dois pontos. Aimagem dessa geodesica e uma geodesica fechada em M .Seja p ∈ α o pe da perpendicular de γ(0) a α. Entao ϕ(p) ∈ α e ope da perpendicular de γ(1) a α e temos que existe uma homotopiaγs : [0, 1] → D com γ0 = γ, ϕ(γs(0)) = γs(1) e γ1([0, 1]) ⊂ α. Logoπ γs e uma homotopia livre entre γ e a geodesica fechada π(α).Resta provar que π(α) e uma curva simples. Isto e equivalente amostrar que se α1 e um levantamento de π(α), entao ou α1 = αou α1 ∩ α = ∅. Isto segue do fato de que cada levantamento de

152 [CAP. 6: ESPACOS DE RECOBRIMENTO E GRUPO FUNDAMENTAL

Figura 6.11: lema 6.37 .

π(α) e assintotico nos dois extremos a um levantamento de γ([0, 1])e se α1 ∩ α 6= ∅ entao os correspondentes levantamentos de γ([0, 1])tambem se intersectam,como na figura 6.12, mas isso nao e possıvelpois γ([0, 1]) e uma curva fechada simples.

Figura 6.12: curvas α e α1.

Lema 6.38. Sejam γ1 e γ2 curvas fechadas simples como no lemaanterior. Se γ1 e γ2 sao disjuntas e nao homotopicas, entao as cor-respondentes geodesicas fechadas simples sao disjuntas.

Demonstracao. De fato, caso contrario existem dois levantamentosα1 e α2 das geodesicas fechadas simples que se intersectam. Entaoos correspondentes levantamentos de γ1 e γ2 tambem se intersectam,como na figura ??, o que e absurdo.

Demonstracao do teorema 5.24: Vamos supor inicialmente queM e o bitoro com a metrica hiperbolica. Cortando M pelas tres

[SEC. 6.3: RECOBRIMENTOS DAS VARIEDADES DE DIMENSAO 2 153

Figura 6.13: teorema 5.24.

geodesicas fechadas simples Γ1,Γ2 e Γ3, como na figura 6.14, decom-pomos o bitoro em duas calcas C1 e C2, cujos bordos sao as geodesicasde Γi de comprimento Li.

Podemos decompor cada calca em dois hexagonos retos cortando-a pela geodesica γ1

ij ⊂ C1 ortogonal as geodesicas Γi e Γj . Oshexagonos C11 e C12 sao isometricos pois tem tres lados alternadoscorrespondentes de mesmo comprimento |γ1

ij |. Logo os lados de Ci,jcontidos em Γk tem comprimentos iguais a Lk

2 .

Alem disso, cada geodesica Γk ⊂ C1 possui dois pontos geometrica-mente marcados que sao os pes das geodesicas ortogonais γ1

ki e γ1k`.

Denotamos esses pontos por p1ki, p

1k`.

Analogamente, a calca C2 se decompoe em dois hexagonos retosC21, C22 por segmentos de geodesicas γ2

ij ⊂ C2 ortogonais a Γi e Γjque intersectam cada Γi em dois pontos geometricamente marcadosp2ij e p2

ik, que tambem dividem Γi em dois segmentos de comprimentoLi2 . Fixando uma orientacao a Γi, podemos associar a Γi dois numeros

reais: Li e ti ∈(−Li2 ,

Li2

), onde |ti| e a distancia de p2

ij a p1ij e o sinal

e positivo se p2ij esta no segmento com ponto inicial p1

ij e ponto final

p1ik na orientcao de Γi (k > j) e negativo caso contrario.

154 [CAP. 6: ESPACOS DE RECOBRIMENTO E GRUPO FUNDAMENTAL

Afirmamos que dado um segmento de geodesica de comprimentoL1

2 , entao existe um unico recobrimento isometrico do bitoro comparametros L1, L2, L3, t1, t2, t3. Para isso, sejam p1

12, p113 as extre-

midades desse segmento e ϕ : D → D a unica isometria que leva ageodesica Γ1 pelos dois pontos em uma geodesica que se projeta emΓ1 e tal que π(ϕ(p1

ij)) = p1ij . Para melhor visualizar o recobrimento

vamos colorir de preto o hexagono superior da calca 1 da figura e oinferior de branco e os dois hexagonos da calca 2 de azul e vermelho.Suas pre-imagens em D sao coloridas com as mesmas cores. Pelo Te-orema 6.36, existe um unico hexagono reto com base no intervalo degeodesica acima, de comprimento L1

2 , tal que os lados alternados, per-

correndo o bordo no sentido anti-horario, tem comprimento L1

2 ,L2

2

e L3

2 . Como ϕ e isometria, a imagem desse hexagono por ϕ e um

hexagono branco. Os lados desse hexagono de comprimento L2

2 e L3

3

repousam sobre geodesicas L2 e L3 tais que πϕ(Lj) = Lj . Novamentepelo Teorema 6.36, por cada um dos tres outros lados desse primeirohexagono, existe um unico hexagono reto isometrico aos hexagonospretos, e portanto ϕ leva essa hexagono em um hexagono preto. Va-mos colorir cada hexagono com a mesma cor de sua imagem. Cada umdesses 3 hexagonos pretos tem um vertice em comum com o hexagonobranco. Sobre cada um dos dois outros vertices alternados podemoslevantar um unico hexagono isometrico ao hexagono branco, e por-tanto ϕ leva esse hexagono em um hexagono branco. Continuandoesse processo, construımos um ladrilhamento por hexagonos pretos ebrancos em uma regiao C1 contida na regiao limitada pelas geodesicasΓ1, Γ2 e Γ3.

O bordo dessa regiao e formado por uma famılia enumeravel degeodesicas cuja imagem por π ϕ e uma das Γi’ s. A restricao de ϕa C1 e um recobrimento de C1.

Na componente conexa do complementar dessa regiao que e limitadapela geodesica Γ1 podemos, usando t1, construir um unico hexagonovermelho que intersecta o hexagono branco inicial ao longo de umsegmento em Γ1 (ou um unico ponto se ti = Γ1

2 ). Como no caso ante-rior, podemos ladrilhar com hexagonos azuis e vermelhos uma regiao

[SEC. 6.3: RECOBRIMENTOS DAS VARIEDADES DE DIMENSAO 2 155

limitada pela geodesica Γ1 e duas outras Γ12, Γ13 que sao levadas porπ ϕ respectivamente em Γ2 e Γ3. E claro que novamente ϕ levahexagonos azuis em hexagonos azuis e sua restricao a essa regiao eum recobrimento de C2.

Da mesma forma ladrilhamos com hexagonos azuis e vermelhos umaregiao limitada por Γ2 e outra limitada por Γ3.

Figura 6.14: .

Figura 6.15: .

Afirmamos que as regioes B + P e A + V se alternam e preenchemtodo o plano hiperbolico. A isometria ϕ leva hexagonos em hexagonosde mesma cor e π ϕ e um recobrimento e uma isometria local. Para

156 [CAP. 6: ESPACOS DE RECOBRIMENTO E GRUPO FUNDAMENTAL

isso basta observar que o fecho de cada hexagono esta contido no in-terior de uma regiao que e a uniao de um numero dado de hexagonos.Portanto a distancia hiperbolica de um ponto do hexagono ao com-plementar dessa regiao e maior que um numero positivo a que naodepende do hexagono pois todos os hexagonos de uma mesma corsao isometricos. Se a uniao de todos os hexagonos nao e o planohiperbolico existe um ponto x na fronteira dessa uniao. Logo existeum hexagono que contem um ponto cuja distancia hiperbolica a x emenor que a

2 , o que e absurdo.

Para provar o teorema basta observar que os dados combinatorios dadecomposicao da variedade em hexagonos e os dados geometricosL1, L2, L3 e t1, t2, t3 determinam completamente o ladrilhamento.O grupo de todas as isometrias que levam hexagonos brancos emhexagonos brancos tambem preserva as cores dos demais hexagonose age descontinuamente em D. E facil verificar que esse grupo e ge-rado por cinco isometrias: T1, que leva P1 em P2 e deixa a geodesicaΓ1 invariante; T2, que leva P2 em P3 e deixa a geodesica Γ2 invari-ante; T3, que leva V1 em V2; T4, que leva A em A1 e T5, que levaA em A2, como na figura. O espaco quociente e claramente o bitorocom uma metrica hiperbolica.

Deste modo, fixando em M as curvas fechadas simples Γ1,Γ2,Γ3 eos parametros geometricos L1, L2, L3, t1, t2, t3, entao existe um dife-omorfismo

f1 : M →M1

onde M1 e isometricamente recoberto pelo disco D. Temos que M1

tem uma metrica hiperbolica e f(Γi) e livremente homotopica a umageodesica fechada simples de comprimento Li. Alem disso, se M2 eoutra superfıcie hiperbolica com algum dos parametros distinto docorrespondente a M1 e f2 : M → M2, entao nao existe isometriah : M1 →M2 tal que h f1 seja homotopica a f2.

As varias estruturas geometricas construıdas no bitoro sao obtidascolando duas calcas hiperbolicas por isometrias do bordo. A isome-tria em cada componente do bordo e inteiramente determinada peladistancia hiperbolica entre os pontos marcados. Colando um numeroadequado de calcas hiperbolicas, podemos obter todas as metricas dePoincare em superfıcies compactas orientadas. Para obter as varie-

[SEC. 6.3: RECOBRIMENTOS DAS VARIEDADES DE DIMENSAO 2 157

Figura 6.16: .

dades nao compactas temos que acrescentar mais tres blocos: umacalca com um furo e duas pernas; uma calca com dois furos e umcilindro hiperbolico de area infinita, alem da esfera menos tres pon-tos, a qual nao admite decomposicao em calcas. Assim, colando duascalcas com dois furos no bordo (que e uma geodesica fechada), ob-temos a esfera menos 4 pontos. Nesse caso temos dois parametrosgeometricos. Colando as duas componentes do bordo de uma calcacom um furo obtemos o toro menos um ponto. Identificando isome-tricamente duas componentes do bordo de uma calca e colando umcilindro hiperbolico na outra componente, obtemos o toro menos umdisco fechado, que tem volume hiperbolico infinito e portanto nao eisometrico ao toro menos um ponto, embora sejam difeomorfos. Umacalca com um furo se decompoe em dois pentagonos com um verticeno infinito e uma calca com dois furos se decompoe em dois qua-drilateros com dois vertices no infinito. O pentagono e uma regiaolimite de hexagonos quando o comprimento de um dos lados tende azero e esse lado converge a um ponto no infinito. O quadrilatero e aposicao limite quando o comprimento de dois lados alternados con-verge a zero e cada lado converge a um ponto no infinito conforme asfiguras abaixo.

158 [CAP. 6: ESPACOS DE RECOBRIMENTO E GRUPO FUNDAMENTAL

Figura 6.17: .

Os parametros geometricos utilizados acima constituem uma parame-trizacao do chamado espaco de Teichmuller que definimos a seguir.Seja S0 uma superfıcie de Riemann. Dizemos que dois homeomofis-mos fj : S0 → Sj , j = 1, 2, entre superfıcies de Riemann sao equi-valentes se existe um difeomorfismo holomorfo h : S1 → S2 tal queh f1 e homotopica a f2. O conjunto das classes de equivalencia eo espaco de Teichmuller. Uma maneira equivalente de definir esseespaco e considerar o espaco de todas as metricas hiperbolicas em S0

e identificar duas metricas se existe uma isometria homotopica a iden-tidade entre elas. Segue da construcao acima que se os parametrosgeometricos forem distintos, as duas geometrias nao sao equivalentes.Vamos apresentar agora uma outra maneira de construir um recobri-mento holomorfo de uma superfıcie de genero g ≥ 2, utilizando o fatode que uma superfıcie orientavel de genus g e homeomorfa a somaconexa de g toros, e portanto pode ser representada por um polıgonoplano de 4g lados que sao dois a dois identificados como, por exemplo,

a1, b1, a−11 , b−1

1 , . . . , ag, bg, a−1g , b−1

g .

Se todos os angulos internos de um polıgono no plano sao iguais,entao, decompondo o polıgono em triangulos, concluımos que o anguloe igual a 4g−2

4g π, portanto so e possıvel ladrilhar o plano com taispolıgonos se g = 1, uma vez que tal ladrilhamento deveria ter 4g

[SEC. 6.3: RECOBRIMENTOS DAS VARIEDADES DE DIMENSAO 2 159

Figura 6.18: .

ladrilhos em torno de cada vertice pois todos os vertices sao identifi-cados no espaco quociente. No entanto, no plano hiperbolico podemosconstruir polıgonos geodesicos com os angulos iguais a π

2g , o que per-mite obter o recobrimento identificando-se os lados alternados porisometrias hiperbolicas. Para construir um tal polıgono colocamosos seus vertıces a uma distancia hiperbolica igual a t > 0 da origemsobre geodesicas radiais cujos angulos entre duas consecutivas e iguala 2π

4g e unimos vertices consecutivos pela unica geodesica hiperbolicaentre eles. Por simetria, os angulos internos sao todos iguais e variammonotonicamente com t. Quando t tende a zero, esse angulo se apro-xima do euclidiano, que e igual 4g−2

4g π > π2g . Por outro lado, quando

t→∞, o angulo tende a zero. Logo existe um valor de t para o qual oangulo e igual a π

2g . Iterando o polıgono pelas isometrias hiperbolicasque identificam os pares de lados como indicado no modelo, obtemosum ladrilhamento do plano hiperbolico.

Capıtulo 7

Fibrados

No capıtulo 6 vimos que um espaco de recobrimento e localmenteequivalente ao produto de um aberto na base por um espaco dis-creto. Vamos agora generalizar esse conceito introduzindo espacosque localmente se escrevem como o produto de um aberto na vari-edade por uma fibra que pode ser uma variedade. Ja consideramosno capıtulo 1 exemplos importantes de tais espacos como o fibradotangente a uma variedade, o fibrado normal de uma subvariedadee a fibracao de Hopf. Nesses espacos a transicao entre uma trivia-lizacao local e outra involve uma famılia de difeomorfismos da fibraque frequentemente podem ser parametrizadas por um grupo de Liechamado grupo estrutural do fibrado. Os fibrados desempenham umpapel fundamental em varias ares da matematica, como geometria di-ferencial, topologia, geometria algebrica, analise, bem como na fısicade partıculas.

7.1 Fibrados com grupo estrutural

Definicao 7.1. Sejam E M e F variedades diferenciaveis. Um fi-brado com base M e fibra F e espaco total E e uma aplicacao dife-renciavel π : E →M tal que exista uma cobertura aberta Ui de M edifeomorfismos Φi : Ui × F → π−1(Ui) tal que π Φi(x, y) = x

Segue da definicao que existem aplicacoes ρij que a cada x ∈

160

[SEC. 7.1: FIBRADOS COM GRUPO ESTRUTURAL 161

Ui ∩ Uj associa um difeomorfismo ρij(x) de F tais que

Φ−1j Φi : (x, y) ∈ (Ui ∩ Uj)× F 7→ (x, ρij(x)(y)).

Segue que as aplicacoes ρij satisfazem a seguinte condicao de compa-tibilidade para x ∈ Ui ∩ Uj ∩ Uk:

ρij(x) = ρik(x) ρkj(x).

Dada uma cobertura aberta de M e uma famılia ρij : Ui ∩ Uj →D if(F ) satisfazendo as condicoes:

1. ρii e a identidade de F ;

2. ρij(x) = ρik(x) ρkj(x) para todo x ∈ Ui ∩ Uj ∩ Uk;

3. a aplicacao (x, y) ∈ (Ui ∩ Uj ∩ Uk) × F 7→ ρij(x)(y) ∈ F e declasse C∞,

podemos definir um fibrado tomando E como o espaco quociente dauniao disjunta dos Ui × F pela relacao de equivalencia que identifica(x, y) com (x′, y′) se x′ = x ∈ Ui ∩ Uj e y′ = ρij(y). Definimos aprojecao π : E → M como a aplicacao que associa a classe de equi-valencia de (x, y) ∈ Ui×F o ponto x e a estrutura de variedade tal queas bijecoes Φi : Ui × F → π−1(Ui), composta da aplicacao quocientecom a inclusao de Ui × F na uniao disjunta, sejam difeomorfismos.Uma cobertura aberta e uma famılia de aplicacoes com as proprieda-des acima e chamado de um cociclo em M com valores no grupo dedifeomorfismos de F .

Definicao 7.2. Uma aplicacao fibrada entre dois fibrados π : E →Me π′ : E′ →M ′ e um par (f, f) de aplicacoes C∞ tais que o diagramaabaixo comuta.

E

π

f // E′

π′

M

f // M ′

Uma aplicacao fibrada e um isomorfismo se f e um difeomorfismo.

162 [CAP. 7: FIBRADOS

Exemplo 7.1. (pull-back de fibrados) Dado um fibrado π : E →M com fibra F e uma funcao C∞ f : N →M podemos construir umfibrado ρ : f∗(E)→ N com fibra F e uma aplicacao fibrada

f∗(E)f //

ρ

E

π

N

f // M

que e denominado o pull-back pela aplicacao f . De fato, associado aofibrado π : E → F temos um cociclo ρij : Ui∩Uj → Dif(F ), onde Uie um cobertura aberta de M . Logo, Vi = f−1(Ui) e uma coberturaaberta de N e as aplicacoes ρij : Vi ∩ Vj → Dif(F ) definidas porρij = ρij f satisfazem as condicoes de cociclo e, portanto, temos

um fibrado correspondente. Se φi : Vi×F → ρ−1(Vi) e φi : Ui×F →π−1(Ui) sao as trivializacoes locais, entao Φ−1

I f P hii e a aplicacao

(x, y) 7→ (f(x), y). Logo f leva cada fibra difeomorficamente sobreuma fibra.O pull-back de um fibrado por uma aplicacao constante e isomorfoao fibrado trivial N × F .

Definicao 7.3. Seja π : E →M um fibrado com fibra tıpica F . Umaconexao de Ehresmann e uma famılia C∞de subespacos Hz ⊂ TEzcom as seguintes propriedades

1. se Vz ⊂ TEz e o subespaco tangente a fibra que contem o pontoz entao TEz = Vz ⊕Hz;

2. se γ : [0, 1] → M e uma curva de classe C∞ entao para cadaz0 na fibra sobre o ponto γ(0) existe uma unica curva C∞,γ : [0.1]→ E tal que π γ = γ e d

dt γ(t) ∈ Hγ(t);

3. se z1 = γ(1) entao a aplicacao z0 7→ z1 e um difeomorfismoC∞ da fibra sobre o ponto γ(0) sobre a fibra sobre o ponto γ(1).

O difeomorfismo Tγ : Eγ(0) → Eγ(1) da propriedade 3) e chamadode transporte paralelo. Da prova do teorema seguinte podemos con-cluir que de fato a propriedade 3) e consequencia das propriedades1) e 2). Isto segue tambem da observacao anterior no caso em que

[SEC. 7.1: FIBRADOS COM GRUPO ESTRUTURAL 163

a curva γ e mergulhada e, portanto, existe um campo de vetorescompleto tangente a essa curva.

No teorema que mostraremos a seguir, construiremos conexoesde Ehresmann em todo fibrado usando uma metrica riemannianaapropriada no espaco total E para definir o subespaco horizontal Hz

como o complemento ortogonal ao subespaco vertical Vz. Usaremostambem uma metrica riemanniana na base M tal que a projecao πseja uma submersao riemanniana, isto e, sua derivada em cada pontoe uma isometria do espaco horizontal sobre o espaco tangente a M .Na prova do teorema usaremos os seguinte lema elementar.

Lema 7.1. Sejam L : E → H uma aplicacao linear sobrejetiva eV ⊂ E o nucleo de L. Seja gH : H × H → R um produto interno.O conjunto dos produtos internos em E tais que a restricao de Lao complementar ortogonal de V e uma isometria e um conjuntoconvexo.

Demonstracao. Sejam g0 e g1 dois desses produtos internos e H0

o complementar ortogonal de V com respeito a g0. Entao o comple-mentar ortogonal de F com respeito a g1 e o grafico de uma aplicacaolinear φ : H0 → F . Como L(x+ φ(x)) = L(x) temos que a aplicacaox ∈ H0 7→ φ(x) + x ∈ H1 e uma isometria entre a restricao de g0 aH0 e a restricao g1 a H1. Logo o subspaco Ht que e o grafico de tφe ortogonal a F com respeito ao produto interno gt = (1− t)g0 + tg1

e a aplicacao x ∈ H0 7→ tφ(x) + x ∈ Ht e uma isometria. Logo arestricao de L a Ht e uma isometria.

O teorema abaixo foi provado em [Ehresmann1950] no caso em quea fibra e compacta e no caso nao compacto a prova que apresentamosse encontra em [Michor1978].

Teorema 7.2. Todo fibrado π : E → B de classe C∞, r ≥ 2 possuiuma conexao de Ehresmann.

Demonstracao. Pela teoria da dimensao de Lebesgue, [HW] pp. 54,toda cobertura aberta de uma variedade M de dimensao m possui umrefinamento tal que a intersecao de m+2 elementos desse refinamentoe sempre vazio. Logo existe uma colecao Φi : Ui × F → π−1(Ui) detrivializacoes locais do fibrado π : E →M tal que Ui seja uma co-bertura aberta de M com essa propriedade. Sejam gM uma metrica

164 [CAP. 7: FIBRADOS

riemanniana em M e gF uma metrica riemanniana completa na fibratıpica F . Seja λi uma particao da unidade subordinada a coberturaUi e λi = λi π a correspondente particao da unidade em E subordi-nada a π−1(Ui). Em cada Ui×F consideremos a metrica gM × gFe em E a metrica riemanniana g =

∑i λiΦi∗(gM × gF ). Pelo lema

anterior, temos que π e uma submersao isometrica, isto e, a derivadade π em cada ponto z leva o subespacp horizontal Hz, ortogonal aoespaco vertical Vz, isometricamente sobre o espaco TMπ(z) munidodo produto interno gM (π(z)).Para cada i seja gi = Φ∗i g a metrica riemanniana em Ui × F . Se(x, y) ∈ Ui×F , denotamos por Hi

(x,y) ⊂ T (U×F )(x,y) = TMx×TFyo subespaco ortogonal a 0 × TFy. A imagem desse subsespacopor DΦi(x, y) e o subespaco horizontal HΦi(x,y) de E. Para cada(x, v) ∈ TU e y ∈ F existe um unico vetor Γx,v(y) ∈ TFy talque (v,Γ(x,v)(y)) ∈ Hi

(x,y). A aplicacao ((x, v), y) ∈ TU × F →(y,Γ(x,v)(y)) ∈ TF e de classe C∞ e, Γx,v e um campo de vetores declasse C∞ em F .Seja Vi = x ∈ Ui;λi(x) ≥ 1

m+2. Para cada x ∈ M existem nomaximo m + 2 elementos da particao Ui que contem x. Como∑i λi(x) = 1 existe pelo menos um i tal que λi(x) > 1

m+2 . LogoVi e uma cobertura aberta de M .Afirmamos que se γ : [0, 1] → Vi e uma curva de classe C∞ e y ∈ Fentao existe uma unica curva γy : [0, 1]→ Vi × F tal que π1 γ = γ.Alem disso a aplicacao (t, y) 7→ γy(t) e de classe C∞.De fato, a aplicacao (t, y) 7→ (1,Γγ(t),γ′(t)(y)) e um campo de vetoresem [0, 1] × F e a curva γ(t) = (γ(t), γ(t)) satisfaz a afirmacao se esomente se (t, y) 7→ (t, γ(t)) e uma curva integral desse campo devetores. Para mostrar que essa curva integral esta definida em todointervalo [0, 1] basta mostrar que no intervalo maximal [0, t′] a curvaintegral esta contida em um compacto. Seja l o comprimento da curvaγ na metrica gM . Como a metrica em F e completa, temos que oconjunto K dos pontos de F cuja distancia riemanniana ao ponto ye menor ou igual a

√(m+ 2)× l e um compacto. Para concluir que

t′ = 1 basta mostrar que γ(t) ∈ K para todo t < t′.Como a projecao na primeira coordenada e uma submersao rieman-niana, temos que o quadrado do vetor γ′(t) na metrica gM e igual ao

[SEC. 7.1: FIBRADOS COM GRUPO ESTRUTURAL 165

quadrado da norma do vetor γ′(t) na metrica gi, isto e,

gi(γ′(t), γ′(t)) = gM (γ′(t), γ′(t)).

Por outro lado,

gi(γ′(t), γ′(t)) = λi(Φi(γ(t)))(gM (γ′(t), γ′(t)) + gF (γ′(t), γ′(t)))+

+∑j 6=i

λj(Φi(γ(t)))(gM × gF )((Φ−1j Φi)∗(γ

′(t)), (Φ−1j Φi)∗(γ

′(t)))

≥ λi(Φi(γ(t))gF (γ′(t), γ′(t)) ≥

≥ 1

m+ 2gF (γ′(t), γ′(t))

Como∫ t′

0

√gM (γ′(t), γ′(t))dt < l se t′ < 1, temos que o compri-

mento da curva t 7→ γ(t) na metrica gF e menor ou igual a√m+ 2×l

e, portanto γ(t) ∈ K para todo t < t′ o que prova que t′ = 1.Se γ : [0, 1]→M e uma curva de classe C∞ entao existe uma particao0 < t1 < · · · < tn = 1 tais que a imagem de cada um dos intervalos[tj , tj+1] esta contido em um unico elemento da cobertura Vi. Usandoa afirmacao acima em cada um desses intervalos concluımos indutiva-mente que existe um unico levantamento horizontal da curva por umponto da fibra sobre o ponto inicial da curva e, o transporte paraleloe um difeomorfismo de classe C∞.

Observacao 7.1. Para simplificar a exposicao estamos considerandoapenas fibrados e conexoes de classe C∞. Podemos tambem consi-derar fibrados de classe Cr com r ≥ 2. A prova do teorema acimafornece a existencia de conexoes de Ehresmann de classe Cr−1 e otransporte paralelo e de classe Cr−1.

Teorema 7.3. [Levantamento de homotopia] Sejam π : E →Me π′ : E′ → M ′ fibrados de classe Cr, r ≥ 1 . Se (t, x) ∈ [0, 1] 7→ft(x) ∈ M ′ e uma homotopia Cr−1 e existe um levantamento f0

de f0 de classe Cr−1 entao existe uma homotopia de classe Cr−1,(t, z) ∈ [0, 1]× E 7→ ft(z) ∈ E′ tal que π′ ft = ft π

Demonstracao. Consideremos em π′ : E′ → M ′ uma conexao deEhresmann. Se z ∈ E seja t 7→ ft(z) o levantamento horizontal da

166 [CAP. 7: FIBRADOS

curva t 7→ ft(π(z)) pelo ponto f0(z). Como esta curva depende dife-renciavelmente de z e o levantamento e localmente a curva integral deum campo de vetores que depende diferenciavelmente do parametrotemos que ft e de classe Cr−1 nas variaveis (t, z).

Corolario 7.4. Seja π : E → M um fibrado de classe Cr, r ≥ 2.Se fi : M → M ′ sao aplicacoes Cr−1 homotopicas, entao existe umisomorfismo de classe Cr−1 entre os fibrados f∗0E →M e f∗1E →M .

Demonstracao. Seja F : [0, 1]×M →M ′ uma homotopia de classeCr−1 entre f0 e f1. Seja it : M → [0, 1]×M a aplicacao it(x) = (t, x).Consideremos os fibrados F ∗E → [0, 1] ×M e i∗0(F ∗(E)) → M quee igual ao fibrado f∗0 (E) → M uma vez que f0 = F i0. Como aaplicacao fibrada i0 : i∗0(F ∗E) → F ∗E que recobre i0 leva cada fibradifeomorficamente em uma fibra e a aplicacao (t, x) ∈ [0, 1] ×M 7→(t, x) ∈ [0, 1]×M e uma homotopia entre i0 e i1 ela e recoberta poruma homotopia i∗t : i∗0F

∗E → F ∗E. Portanto i∗1 e um isomorfismoentre os fibrados f∗0E →M e o fibrado f∗1E →M

Corolario 7.5. Um fibrado sobre uma base contratil e trivial.

Demonstracao. A identidade deM e diferenciavelmente homotopicaa uma aplicacao constante e o pull-back do fibrado por uma aplicacaoconstante e o fibrado trivial.

A seguir vamos considerar fibrados que possuem uma estruturaextra associada a um grupo de Lie.

Definicao 7.4. Sejam G um grupo de Lie, M uma variedade e Uiuma cobertura aberta de M . Um cociclo em M com valores em G euma famılia de funcoes δij : Ui ∩ Uj → G de classe C∞ satisfazendo

δik(x) = δjk(x) · δij(x) ∀ x ∈ Ui ∩ Uj ∩ Uk.

Como vimos no exemplo 1.3, um atlas φi : U ⊂ M → Ui ⊂ Rmdefine um cociclo em M com valores no grupo linear Gl(n,R):

δij(x) = D(φj φ−1i )(φi(x))

Lembramos que uma acao de um grupo de Lie G em uma vari-edade F e um homomorfismo ρ : G → Dif∞(F ) tal que a aplicacao

[SEC. 7.1: FIBRADOS COM GRUPO ESTRUTURAL 167

G × F → F , (g, x) 7→ ρ(g)(x), e de classe C∞. No caso de F serum espaco vetorial e ρ(g) um isomorfismo linear para todo g ∈ G,dizemos que ρ e uma representacao do grupo G. Uma acao e ditaefetiva se ρ e um homomorfismo injetivo, isto e, se ρ(g)(x) = x paratodo x ∈ F , entao g = e.

Definicao 7.5. Sejam π : E → M uma fibracao localmente trivialcom fibra F , Ui uma cobertura trivializante e ρ : G → Dif∞(F )uma acao efetiva C∞ de um grupo de Lie G sobre a fibra F . Dizemosque (E,M,F, π, ρ) e um fibrado com grupo estrutural G se, para cadapar i, j com Ui ∩ Uj 6= ∅, existe uma aplicacao δij : Ui ∩ Uj → G declasse C∞ tal que ρ(δij(x)) = ψ−1

j,x ψi,x para todo x ∈ Ui ∩ Uj . Asfuncoes ρij = ρ δij sao chamadas funcoes de transicao do fibrado.

Nesse caso, as mudancas ficam Φj Φ−1i (x, y) = (x, ρij(x)(y)),

em que ρij = ρ δij . Como ρ e um homomorfismo injetivo, e facilverificar que

δik(x) = δjk(x) · δij(x)

para todo x ∈ Ui ∩ Uj ∩ Uk. Portanto a famılia de aplicacoes δij eum cociclo com valores em G.A famılia de difeomorfismos Φi : Ui × F → π−1(Ui) e chamada deum atlas trivializador do fibrado. Todos atlas trivializador esta con-tido em um atlas trivializador maximal.Seja x ∈ M e Ex = π−1(x) a fibra pelo ponto x. Se Φi : U × F →π−1(U) pertence ao atlas maximal do fibrado e x ∈ U entao aaplicacao y ∈ F 7→ Φ(x, y) ∈ Ex e um difeomorfismo. Seja Px oconjunto de todos esses difeomorfismos. Como a acao ρ e efetiva, sef, g ∈ Px entao existe um unico g ∈ G tal que g = f ρ(g). Por outrolado, como o atlas trivializante e maxima, se f ∈ Px e g ∈ G entaof ρ(g) ∈ Px.Seja P = ∪xPx e p : P →M a projecao que p(f) = x se e somente sef ∈ Px. Temos entao uma acao a direita do grupo G em P :

P ×G→ P

dada por f ∈ Px 7→ f ρ(f) ∈ Px.

168 [CAP. 7: FIBRADOS

Proposicao 7.6. A aplicacao p : P → M e um fibrado com grupoestrutural G e a acao e de classe C∞.

Demonstracao. Seja Φi : Ui × F → π−1(Ui) um atlas trivializa-dor do fibrade π : E → M . Para cada x ∈ Ui, seja σi(x) ∈ Px odifeomorfismo x ∈ F 7→ Φi(x, y) ∈ Ex. Seja

Ψi : Ui ×G→ p−1(Ui)

a aplicacaoΨi(x, g) = σi(x) ρ(g).

Temos que Ψi e uma bijecao e

Ψ−1j Ψi : (Ui ∩ Uj)×G→ (Ui ∩ Uj)×G

e a aplicacao (x, g) 7→ (x, fg.δij(x). Logo existe uma unica estruturade variedade em P tal que Ψi seja um difeomorfismo para cada i.Com essa estrutura p e C∞, a acao e C∞ e a famılia Ψi e um atlastrivializante.

. Dizemos que p : P → M e of fibrado principal associado aofibrado π : E → M . Mais geralmente, um fibrado definido por umcociclo em M com valores no grupo de Lie G, cuja fibra e o proprioG e a acao e dada pelas translacoes a esquerda no grupo e chamadode fibrado principal. Todo fibrado principal tem uma acao a direitado grupo G no espaco total do fibrado tal que a orbita por um pontocoincide com a fibra desse ponto e o grupo age transitivamente eefetivamente em cada fibra. Reciprocamente, se o grupo age a direitano espaco total de um fibrado, sem pontos fixos, e cada orbita coincidecom a fibra entao o fibrado e um fibrado principal com grupo G.

Seja π : E →M um fibrado associado ao fibrado principal p : P →M e a acao ρ : G→ Dif(F ). Se a fibra tıpica F possui uma estruturaque e preservada pela acao ρ entao cada fibra Ex possui essa estruturaque varia diferenciavelmente com o ponto x: cada difeomorfismo f ∈Px e um isomorfismo da estrutura de F na estrutura de Ex. Assim,se F e um espaco vetorial e ρ e uma representacao de G, isto e,ρ(g) e um isomorfismo para todo g, entao π : E → M e um fibradovetorial. Nesse caso, o espaco das secoes C∞, isto e, aplicacoes declasse C∞ σ : M → E tais que π σ e a identidade de M , e tambem

[SEC. 7.1: FIBRADOS COM GRUPO ESTRUTURAL 169

um espaco vetorial. Tambem, se F e um grupo de Lie e ρ(f) e umisomorfismo para todo g entao cada fibra Ex tem uma estrutura degrupo e o espaco das secoes tem uma estrutura de grupo. Um outroexemplo, se F e uma variedade riemanniana entao em cada fibraexistem uma metrica riemanniana gx que varia diferenciavelmentecom x no sentido que se σ1, σ2 : M → E sao secoes de classe C∞ entaoa aplicacao x ∈ M 7→ gx(σ1(x), σ2(x))ıR e de classe C∞. Veremos aseguir varios exemplos dessas situacoes.

Veremos agora que um fibrado com grupo estrutural e essencial-mente determinado pelas suas funcoes de transicao.

Teorema 7.7. Sejam G um grupo de Lie, F uma variedade, ρ umaacao C∞ de G em F e δij : Ui ∩ Uj → Gi,j um cociclo em umavariedade M . Entao existe um fibrado π : E → M com fibra F ,grupo estrutural G e funcoes de transicao ρij = ρ δij .

Demonstracao. Seja E a uniao disjunta∐i(Ui × F ) e π : E → M

definida por π(x, v) = x para (x, v) ∈ Ui × F . Definimos em E arelacao

(x, v) ∼ (y, w)⇔ x = y e w = ρij(x)v se x ∈ Ui ∩ Uj .

Como δij e um cociclo, a relacao ∼ e de equivalencia (verificar!).

Seja E o conjunto das classes de equivalencia e q : E → E a aplicacaoquociente. Munindo E da topologia quociente, temos que existe umaunica aplicacao contınua π : E → M tal que o diagrama abaixocomuta

E

q

π

E

π // M

e, para cada i, a aplicacao Ui × FΨi−−→ π−1(Ui) ⊂ E definida pela

composta de q com a inclusao Ui×F ⊂ E e um homeomorfismo. Peladefinicao da relacao de equivalencia, segue que o homeomorfismo

Ψ−1j Ψi : (Ui ∩ Uj)× F → (Ui ∩ Uj)× F

e dado por(x, v)→ (x, ρij(x)(v)).

170 [CAP. 7: FIBRADOS

Existe portanto uma unica estrutura de variedade em E satisfazendoas condicoes do teorema.

Exercıcio 7.1. Seja E um espaco topologico Hausdorff com baseenumeravel de abertos. Sejam Wi uma cobertura aberta de E epara cada i seja Φi : Wi → Ni um homeomorfismo de Wi sobre umavariedade Ni. Se Φ−1

j Φi : Φi(Wi ∩Wj) ⊂ Ni → Φj(Wi ∩Wj) ⊂ Njsao difeomorfismos, entao E tem uma unica estrutura de variedadepara a qual as aplicacoes Φi sao difeomorfismos.

Proposicao 7.8. Seja π : E →M um fibrado com um grupo estru-tural G, fibra F , cociclo δij : Ui ∩ Uj → G e acao ρ : G → Dif(F ).Podemos identificar uma secao X de π com uma famılia Xi : Ui → Fde aplicacoes Ck satisfazendo a seguinte a condicao de compatibili-dade

x ∈ Ui ∩ Uj ⇒ Xj(x) = ρij(x)Xi(x) .

Demonstracao. Exercıcio.

Observacao: No caso em que E e um fibrado vetorial sobreM , sendoa fibra V um K-espaco vetorial com K = R ou C, o conjunto de secoesde classe Ck e um K-espaco vetorial e tambem um C∞(M)-modulocom as operacoes definidas ponto a ponto. Denotamos este espaco desecoes por Γk(E). Afirmamos que Γk(E) tem dimensao infinita. Defato, fixando i e tomando Xi : Ui → V uma funcao C∞ que anulafora de um compacto de Ui, podemos definir Xj : Uj → V para cadaj como sendo 0 se x /∈ Ui e igual a ρij(x)Xi(x) se x ∈ Ui ∩ Uj , quee portanto uma secao de E de classe Ck. Se a fibra tem um produtointerno que e preservado por todo ρ(g) entao cada fibra ı−1(x) temum produto interno < . >x que varia diferenciavelmente com o pontobase, no sentido que para todo par de secoes locais σ1, σ2 a aplicacaox 7→< σ1(x), σ2(x) >x e C∞.

Se F e um espaco vetorial munido de um produto interno e ogrupo age por transformacoes ortogonais entao para cada ponto xda base temos um produto interno 〈., .〉x na fibra π−1(x) que variadiferenciavelmente no sentido que se σi, i = 1, 2 sao secoes do fibradoentao a aplicacao x ∈ M 7→ 〈σ1(x), σ2(x)〉x ∈ R e diferenciavel. Di-zemos entao que π : E → M e um fibrado riemanniano. Por outrolado, se π : E → R e um fibrado vetorial, podemos, usando uma

[SEC. 7.1: FIBRADOS COM GRUPO ESTRUTURAL 171

particao da unidade em M , construir uma estrutura de fibrado rie-manniano em π : E →M , da mesma forma que construimos metricasriemannianas no fibrado tangente. Usando essa estrutura podemosreduzir o grupo estrutural do fibrado de Gl(n,R) para O(n). Defato, para cada trivializacao local de π−1U associamos secoes locaisX1, . . . , Xk tais que para cada x ∈ U , X1(x), . . . , Xk(x) e uma base deπ−1(x). Ortogonalizando essa base obtemos secoes Y1, . . . , Yk. Temosentao uma nova famılia de trivializacoes locais: U × Rk → π−1(U)

(x, y) 7→∑ki=1 yiYi(x). As correspondentes funcoes de transicao de-

finem um cociclo com valores no grupo ortogonal.Analogamente, se a fibra e um espaco vetorial complexo munido deum produto hermitiano invariante pela acao.Um outro exemplo da mesma ideia: se S0 ⊂ F e uma subvariedadeinvariante pela acao, isto e, ρ(g)(S) = S para todo g entao existeuma subvariedade S ⊂ M tal que a restricao de π a S e um fibradocom fibra S0.

Nos exemplos abaixo consideraremos o cociclo δij com valores emGL(m,R) definido por um atlas em M como anteriormente.

Exemplo 7.2. Considere a acao trivial ρ : GL(m,R) → Dif(Rm)dada por ρ(A) = A. Entao o fibrado vetorial correspondente e ofibrado tangente de M e as secoes Ck sao exatamente os campos devetores Ck em M .

Exemplo 7.3. (Fibrado de Tensores)Um tensor do tipo (r, k) em um R-espaco vetorial V de dimensaofinita e uma aplicacao multilinear

T : V ∗ × ...× V ∗︸ ︷︷ ︸r vezes

×V × ...× V︸ ︷︷ ︸k vezes

→ R.

O conjunto T (r,k)(V ) dos tensores do tipo (r, k) e um R-espaco veto-rial. Temos identificacoes canonicas T (0,0)(V ) = R, T (1,0)(V ) = V eT (0,1)(V ) = V ∗.

Dizemos que um tensor T do tipo (0, k) e simetrico se

T (vσ(1), ..., vσ(k)) = T (v1, ..., vk)

172 [CAP. 7: FIBRADOS

para toda permutacao σ de k elementos. Denotamos o subespaco dostensores simetricos por Sk(V ).

No capıtulo 5, quando lidamos com formas diferenciais, ja conside-ramos as funcoes k-lineares alternadas em Rm, que nessa linguagemnada mais sao do que tensores T do tipo (0, k) que satisfazem

T (vσ(1), ..., vσ(k)) = sinal(σ)T (v1, ..., vk)

para toda permutacao σ de k elementos, em que sinal(σ) e +1 se apermutacao σ e par e −1 caso contrario. Denotamos o subespacodesses tensores por Λk(Rm)∗.

O grupo linear GL(m,R) age em T (r,k)(Rm) da seguinte maneira:para cada A ∈ GL(m,R) e T um tensor do tipo (r, k) definimos

A · T (ϕi, vj) = T (ϕi A,A−1 · vj).

Como esta acao e linear, o fibrado correspondente sobre M e vetorial,chamado o fibrado de tensores em M e denotado por T (r,k)(M). Afibra sobre um ponto x ∈M pode ser identificada com T (r,k)(TMx).Uma secao deste fibrado e chamada um campo de tensores em M ecoincide com a definicao no final da secao 4 do capıtulo 5. Devido asidentificacoes nos casos de dimensao mais baixa, o espaco de secoesde T (0,0)M nada mais e do que C∞(M) e as secoes de T (1,0)M sao oscampos de vetores em M . As secoes do fibrado dos tensores do tipo(0, k) anti-simetricos, denotado por Λk(TM)∗, nada mais sao do quek-formas diferenciais em M . Note que o fibrado Λ1(TM)∗ e entao ofibrado cotagente T ∗M .

Outro caso particular e tomar C+(Rm) ⊂ S2(Rm) o subconjunto dasformas bilineares que sao positiva definidas. Entao C+(Rm) e um

cone aberto em S2(Rm). O fibrado correspondente S2(TM)π−→ M

e um fibrado vetorial que contem C+(TM) como um subconjuntoaberto. Uma secao C∞ de S2(TM) com valores em C+(TM) e exa-tamente uma metrica Riemanniana em M .

Exemplo 7.4. (O fibrado dos referenciais)Seja ρ : GL(m,R)→ Dif(GL(m,R)) a acao definida por

ρ(A)(B) = A.B.

[SEC. 7.1: FIBRADOS COM GRUPO ESTRUTURAL 173

Fixando uma base de Rm, podemos representar B por uma matrizinversıvel. As colunas de B ∈ GL(m,R) definem uma nova base deRm. Podemos portanto identificar GL(m,R) com o espaco das basesde Rm e ρ(A) pode ser interpretada como uma mudanca de base. Afibra sobre um ponto x do fibrado correspondente π : R(TM) → Mpode ser identificada com o espaco das bases de TMx. Esse fibrado echamado o fibrado de referenciais de M . Assim, secao local em umaberto U ⊂M e uma m-upla de campos de vetores Xi : U → TM , declasse C∞, tais que para cada x ∈ U o conjunto X1(x), . . . , Xm(x)e uma base de TMx.

Observacao: Se um G-fibrado principal π : E → M possui umasecao global σ : M → E, de classe C∞, entao existe um difeomorfismoΦ : M ×G→ E tal que o diagrama abaixo comuta

M ×G

π1

Φ // E

π

M

De fato, basta tomar Φ(x, g) = σ(x) · g, com o produto por g signifi-cando a acao livre e transitiva a direita de G em E. Logo um fibradoprincipal nao trivial nao possui secao global.

Exemplo 7.5. O fibrado dos referenciais deM e um fibrado principalcom grupo estrutural GL(m,R).

Exemplo 7.6. (O fibrado dos referenciais ortonormais)Seja M uma variedade Riemanniana orientada e fixe ψi : Ui ⊂M →Ui ⊂ Rmi∈I um atlas positivo de M .

Para cada i ∈ I, sejam Xi1, ..., X

im os campos de vetores em Ui tais

que Dψi ·Xij(x) = ∂

∂xj. Sejam Y i1 , . . . , Y

im : Ui → TM os campos de

vetores obtidos pelo processo de ortogonalizacao de Gram-Schmidt,

174 [CAP. 7: FIBRADOS

isto e,

Y i1 (x) =Xi

1(x)∥∥Xi1(x)

∥∥x

...

Y ir (x) =

Xir(x)−

r−1∑j=1

< Xij(x), Y ij (x) >x Y

ij (x)∥∥∥∥∥Xi

r(x),−r−1∑j=1

< Xij(x), Y ij (x) >x Y ij (x)

∥∥∥∥∥ .Temos entao que os campos Y ij sao de classe C∞ e, para cada x ∈ Ui,Y i1 (x), . . . , Y im(x) e uma base ortonormal de TMx. Como o atlas epositivo, se x ∈ Ui ∩Uj entao as bases ortonormais Y i1 (x), . . . , Y im(x)

e Y j1 (x), . . . , Y jm(x) definem a mesma orientacao de TMx. Logo a

matriz de mudanca de base Φij(x) esta em SO(m). E facil verificarque Φij : Ui∩Uj → SO(n) e um cociclo em M . O fibrado principalassociado a esse cociclo e chamado de fibrado dos referenciais orto-normais de M , isto porque e possıvel mostrar que existe uma bijecaodo espaco total desse fibrado com o conjunto

(x, vi, . . . , vm);x ∈M, [v1, . . . , vm] base ort. positiva de TMx.

Exemplo 7.7. Fibrado dos referenciais de um fibrado vetorialSeja q : E → M um fibrado vetorial de posto n, isto e, as fibras temdimensao n. Seja

P = (x; v1, . . . , vn);x ∈M e (vi . . . , vn) e base de q−1(x)

entao π : P → M , (x; v1, . . . , vn) 7→ x tem uma estrutura de fibradoprincipal com grupo GL(n,R). Por outro lado, o fibrado vetorial e ofibrado associado a π : P →M e a acao natural de GL(n,R) em Rn).

Exemplo 7.8. Seja q : E → M um fibrado vetorial munido de umametrica riemanniana, isto e, um produto interno em cada fibra quevaria suavemente com o ponto base no sentido que, para quaisquersecoes C∞ σi : M → E, i=1,2, a funcao x 7→< σ1(x), σ2(x) >x eC∞. Como no exemplo 7.4, podemos considerar o fibrado principal

[SEC. 7.1: FIBRADOS COM GRUPO ESTRUTURAL 175

π : O(E) → M cuja fibra pelo ponto x e o espaco dos referenciaisortonormais da fibra pelo ponto x cujo grupo estrutural e o grupodas matrizes ortogonais O(n).O fibrado vetorial e orientado se cada fibra possui uma orientacaoque varia continuamento no sentido que para cada x ∈M e n secoeslocais σ1, . . . , σn em uma vizinhanca de x que sao linearmente in-dependentes nessa vizinhanca, entao σ1(y), . . . , σn(y) tem a mesmaorientacao para todo y proximo de x. Nesse caso podemos considerarof fibrado principal π : O+(E)→M cuja fibra pelo ponto x e o espacodos referenciais ortonormais positivos. Nesse caso o grupo estruturale SO(n).Analogamente podemos considerar um fibrado hermitiano, isto e, umfibrado complexo de posto n munido de um produto hermitiano emcada fibra que varia suavemente com o ponto na base. Nesse casotemos um fibrado principal com grupo estrutural U(n), o grupo dasmatrizes complexas unitarias.Usando uma particao da unidade na base podemos construir umametrica riemanniana em todo fibrado vetorial real e uma estruturahermitiana em todo fibrado complexo.

Exemplo 7.9. Considere a acao de C\0 sobre C2\0 dada por

C2\0 × C \ 0 −→ C2 \ 0((z, w), λ) 7−→ (λz, λw).

Como vimos anteriormente, o espaco de orbitas e CP1 ≈ S2 e arestricao da aplicacao quociente a esfera unitaria S3 e uma fibracaolocalmente trivial com fibra S1. A acao acima se restringe a uma acaoa direita de S1 em S3, a qual preserva as fibras e age transitivamentesem pontos fixos em cada fibra.

Exemplo 7.10. Analogamente ao exemplo anterior, temos a fibracaolocalmente trivial π : S7 ⊂ H2 → S4 = HP1 com grupo S3, o qual,identificado com o conjunto dos quaternios unitarios, age a direitaem S7 por multiplicacao quaternionica

S7 × S3 −→ S7

((z, w), q) 7−→ (z.q, w.q).

176 [CAP. 7: FIBRADOS

Exemplo 7.11. (Pull-back de fibrados.)Seja π : E →M um fibrado com grupo G associado ao cociclo δij :Ui ∩ Uj → G e a acao ρ : G → Dif∞(F ). Seja f : N → Muma aplicacao C∞. Entao a famılia Vi = f−1(Ui) e uma coberturaaberta de N e as aplicacoes δij : Vi∩Vj → G definidas por δij = δij fdefinem um cociclo em N . O fibrado sobre N associado a esse cocicloe a mesma acao ρ e denotado por f∗(E)

ρ−→ N e e chamado o pull-back

de E por f . Existe uma aplicacao diferenciavel f : f∗(E) → E talque o diagrama abaixo comuta

f∗(E)f //

ρ

E

π

N

f // M

e f restrita a cada fibra de f∗(E) e um difeomorfismo sobre a fibracorrespondente de E. Se π : E → M e um fibrado vetorial, entaof e um isomorfismo linear em cada fibra. Se E e um fibrado prin-cipal entao f∗(E) tambem e um fibrado principal e a aplicacao f e

equivariante, isto e, f(y′g) = f(y)′g.

Exemplo 7.12. (Soma direta e produto tensorial.)

Considere Ekπk−→ M , k = 1, 2, fibrados vetoriais associados a um

mesmo cociclo δij : Ui ∩Uj → G em M e as representacoes ρk : G→GL(Vk). As aplicacoes

ρ1 ⊕ ρ2 : G→ GL(V1 ⊕ V2)

ρi ⊗ ρ2 : G→ GL(V1 ⊗ V2)

definidas por

ρ1 ⊕ ρ2(g)(x⊕ y) = ρ1(g)(x)⊕ ρ2(g)(y)e

ρ1 ⊗ ρ2(g)(x⊗ y) = ρ1(g)(x)⊗ ρ2(g)(y)

sao representacoes de G e os fibrados vetoriais associados sao deno-tados por E1 ⊕ E2 e E1 ⊗ E2. As fibras por um ponto x ∈ M saoisomorfas a π−1

1 (x)⊕ π−12 (x) e π−1

1 (x)⊗ π−12 (x) respectivamente.

[SEC. 7.1: FIBRADOS COM GRUPO ESTRUTURAL 177

Exemplo 7.13. (Fibrado Universal)Consideremos o conjunto U(n, k) dos pares (V, v) onde V ⊂ Rn e umsubespaco de dimensao k e v e um vetor em V e defina π : U(n, k)→G(n, k) como a projecao (V, v) 7→ V . Entao U(k, n) e uma subvarie-dade de G(k, n)×Rn e π e um fibrado vetorial de posto k. Para verisso, vamos mostrar que todo ponto da Grassmanniana possui umavizinhanca W onde existem k funcoes b1, . . . , bk : W → Rn, de classeC∞, tais que para cada B ∈ W , b1(B), . . . , bk(B) e uma base orto-normal de B. Para mostrar isso, seja V ∈ G(n, k) e fixe v1, ..., vk umabase ortonormal de V . Uma vizinhanca basica de V na topologia deG(n, k) e o conjunto B ∈ G(n, k);B⊕V ⊥ = Rn. Daı dado B nestavizinhanca, fazemos a projecao ortogonal da base vi em B e defini-mos cada bi(B) como o i-esimo vetor obtido apos o processo de orto-normalizacao da base obtida emB. Daı a aplicacaoW×Rk →W×Rnque a cada par (B, x) associa o ponto (B,

∑kj=1 xjbj(B)) e um mergu-

lho C∞ cuja imagem e π−1(W ), e portanto define uma trivializacaolocal.

Definicao 7.6. Sejam π : P →M e π′ : P ′ →M ′ fibrados principaiscom grupo G. Um morfismo e um par de aplicacoes f : M → M ′,f : P ′ → P tais que π′ f = f π e f ′(yg) = f ′(y)g para todo g ∈ G.Da equivariancia segue-se que a restricao de f ′ a cada fibra e umdifeomorfismo sobre a correspondente fibra. Se a aplicacao f na basee um difeomorfismo entao f ′ tambem e um difeomorfismos. Nessecaso dizemos que o morfismo e um isomorfismo e os fibrados saoequivalentes.Dizemos que o fibrado principal π : P →M e trivial se e equivalenteao fibrado principal M × G → M onde a acao a direita do fibradoproduto e ((x, g), h) 7→ (x, gh).

Como ja observamos, um fibrado principal e trivial se e somentese possui uma secao global.

Definicao 7.7. Um morfismo de fibrados vetoriais π : E → M ,π′ : E′ → M ′ e um par de aplicacoes (f ′, f) : (E,M) → (E′,M ′)tais que π′ f ′ = f π e a restricao de f ′ a cada fibra e linear. Se f ′

e um difeomorfismo entao dizemos que os fibrados sao isomorfos.

178 [CAP. 7: FIBRADOS

Definicao 7.8. Seja p : P →M um fibrado principal e µ : P ×G→P a correspondente acao a direita. Uma conexao principal e umaaplicacao C∞ que associa a cada f ∈ P um subespaco horizontalHf ⊂ TPf que e transversal ao espaco tangente a fibra pelo pontf e e invariante pela acao µ: Dµg(f)Hf = Hµg(f), onde µg e odifeomorfismo µg(f) = µ(f, g).

Proposicao 7.9. Uma conexao principal e uma conexao de Ehres-mann e o transporte paralelo Γγ : Pγ(0) → Pγ(1), ao longo de umacurva γ : [0, 1]→M e um difeomorfismo equivariante.

Demonstracao. Consideremos no fibrado trivial π : U ×G×U umaconexao invariante pelas transformacoe µg : (x, y) 7→ (x, y.g). Sev ∈ TUx existe um unico vetor Γ(x, v)(y) ∈ TGy tal que o vetor(v,Γ(x, v)(y)) ∈ TUx × TGy seja horizontal. Temos portanto, paracada (x, v) ∈ TU um campo de vetores C∞ em G que e invariantepelas translacoes a direita: dg : y ∈ G 7→ y.g. Seja γ : [0, 1]→ U umacurva de classe C∞. Vamos mostrar que dado y0 ∈ G existe um unicolevantamento horizontal γ : [0, 1]→ U×G com γ(0) = (γ(0), y0). De-vemos portanto mostrar a existencia de uma curva γ : [0, 1] → G talque (γ′(t), γ′(t) seja um vetor horizontal para todo t e γ(0) = y0.Seja X o campo de vetores em [0, 1] × G definido por X(t, y) =(1,Γ(γ(t), γ′(t)). Basta entao mostrar que existe uma unica curva in-tegral t ∈ [0, 1] 7→ (t, γ(t)) do campo X passando pelo ponto (0, y0).Como [0, 1] e compacto, existe ε > 0 tal que para todo t0 ∈ [0, 1]a curva integral de X pelo ponto (t0, e) esta definida no intervalo[t0 − ε, t0 + ε]. Por outro lado, pela invariancia do campo X pelafamılia de difeomorfismos (t, y) 7→ (t, y.g) temos que a curva inte-gral de X por um ponto (t0, g) tambem esta definida no intervalo(t0 − ε, t0 + ε) para todo g ∈ G. Tomando uma particao do inter-valo [0, 1] por intervalos de comprimento ε concluımos indutivamenteque a curva integral de X pelo ponto (0, y0) esta definida em todointervalo [0, 1] e, portanto, γ tem um unico levantamento horizontal,como querıamos mostrar.Seja agora γ : [0, 1] → M uma curva C∞ e f0 ∈ P na fibra sobreo ponto γ(0). Tomemos uma particao 0 < t1 < . . . tn < 1 tal queγ([tj , tj+1]) esteja contido em Uj ⊂ M tal que exista trivializacaoΦj : Uj ×G→ p−1(Uj). Supondo indutivamento que o levantamentohorizontal de γ ja foi definido no intervalo [0, tj ], estendemos o levan-

[SEC. 7.1: FIBRADOS COM GRUPO ESTRUTURAL 179

tamento para o intervalo [0, tj+1] usando a afirmacao anterior.

Teorema 7.10. Todo fibrado principal tem uma conexao principal

Demonstracao. Para construir uma conexao principal temos quedefinir uma 1-forma diferencial ω em P com valores no fibrado verticalcom as seguintes propriedades:

1. µ∗gω = ω, isto, e ω(mug(f))(Dµg(f)).ξ) = Dµg(f)(ω(f))(ξ)para todo ξ ∈ TPf ;

2. ω(f)(ξ) = ξ para todo ξ ∈ TPf tangente a fibra pelo ponto f

Seja Φi : Ui×G→ p−1(Ui) um atlas trivializador do fibrado principal.Como µig = Φ−1

i µg Φi e o difeomorfismo (x, h) 7→ (x, hg) temosque a famılia de subespacos horizontais TMx×0 ⊂ T (Ui×G)x,g einvariante pela acao da derivada de µig. Logo a imagem dessa famıliapela derivade de Φi e uma famılia C∞ de subespacos de TP |p−1(Ui)transversais aos espacos verticais e que e invariante pela derivada deµg para todo g ∈ M . Logo se ωi(f) e a projecao no espaco verticalVf cujo nucleo e esse subespaco horizontal satisfaz as duas condicoesacima. Se λi e uma particao da unidade subordinada a coberturaUi e λi = p λi entao ω =

∑i λiωi satisfaz as duas condicoes

acima e, portanto, define uma conexao principal.

Observacao 7.2. Uma conexao principal no fibrado principal p : P →M define um transporte paralelo em cada fibrado associado π : E →M . De fato, se γ : [0, 1]→M e uma curva C∞ e t ∈ [0, 1] 7→ ft ∈ P eo levantamento horizontal de γ entao para cada z0 ∈ Eγ(0), γt(z0) =

ft f−10 (z0) define o transporte paralelo em π : E → M . De fato

pode-se mostrar que o conjunto dos vetores tangentes a γ no ponto0 e um subespaco transversal ao espaco vertical e a famılia dessessubespacos e uma conexao de Ehresman. Tais conexoes sao conhe-cidas como G-conexoes. O transporte paralelo de uma G-conexaopreserva todas as estruturas que as fibras herdam da fibra tıpica F .Consequentemente os isomorfismos dos corolarios 7.4, 7.5 preservamas estruturas das fibras.

180 [CAP. 7: FIBRADOS

Utilizando as mesmas definicoes desse capıtulo podemos conside-rar tambem fibrados sobre espacos topologicos que nao sao necessari-amente variedades. Nesse caso, um isomorfismo entre fibrados e umhomeomorfismo do espaco total que leva fibras em fibras preservandoa estrutura das fibras, isto e, no caso de fibrados vetoriais, sua res-tricao a cada fibra e um isomorfismo sobre a fibra imagem enquantoque, no caso de fibrados principais’ e um homeomorfismo equivari-ante. Se M e um espaco topologico e π : E →M× [0, 1] e um fibrado,i : M →M × [0, 1] e a inclusao i(x) = (x, 1) e p : M × [0, 1]→M e aprojecao p(x, t) = x podemos considerar os fibrados i∗(E) e p∗i∗(E).Se o espaco topologico M e normal, localmente compacto e paracom-pacto, entao, [St], pagina 53, o fibrado e isomorfo ao fibrado p∗i∗(E).Consequentemente, o pull-back de um fibrado por duas aplicacoeshomotopicas sao isomorfos e um fibrado com base contratil e trivial.Mesmo quando a base e uma variedade C∞ e o fibrado e C∞, a provaem [St] fornece apenas um isomorfismo C0. No entanto, a partir desseisomorfismo podemos obter um isomorfismo C∞ usando os resulta-dos de aproximacao por aplicacoes C∞ do capıtulo 8. Nos resultadosque apresentamos nesse capıtulo temos que assumir que o fibrado sejapelo menos de classe C2. Usando os resultados de [St] e os teoremasde aproximacao do capıtulo 8 podemos concluir que esses resultadospermanecem validos para fibrados de classe C1.Mostraremos tambem, ??, que se M uma variedade de dimensao m.entao existe n ∈ N tal que se π : E → M e um fibrado vetorial deposto r entao existe uma aplicacao C∞f : M → G(n + r, r) tais queo fibrado seja isomorfo ao pull-back do fibrado universal.

Exercıcio 7.2. Sejam G um grupo de Lie e H ⊂ G um subgrupo.Dizemos que H e um subgrupo de Lie se H e um grupo de Lie e ainclusao ι : H → G e uma imersao. Mostre que se H e fechado, entaoo espaco G/H das orbitas da acao H ×G→ G, (h, g) 7→ hg, munidoda topologia quociente e um espaco Hausdorff e que a aplicacao quo-ciente q : G→ G/H e um H-fibrado principal.

Sugestao:

a) Mostre que se S ⊂ G e uma variedade transversal a H pela iden-tidade e que intersecta H somente na identidade entao existem vi-

[SEC. 7.1: FIBRADOS COM GRUPO ESTRUTURAL 181

zinhancas S0 ⊂ S e U0 ⊂ H da identidade tais que a aplicacaoU0×S0 → G, (h, g) 7→ hg, e um difeomorfismo sobre uma vizinhancada identidade em G.

b) Mostre que existe uma vizinhanca S1 ⊂ S0 com a seguinte pro-priedade: toda vez que g ∈ S1 e hg ∈ S1, com h ∈ H, entao h e aidentidade e, alem disso, a aplicacao H × S1 → G, (h, g) 7→ hg, e umdifeomorfismo sobre uma vizinhanca aberta de H em G.

Exercıcio 7.3. Uma variedade M com uma acao transitiva de classeC∞ de um grupo de Lie G e chamada de um espaco G-homogeneo.Seja M um espaco G-homogeneo. Para cada x0 ∈ M definimos osubgrupo de isotropia de x0 ∈ M como o subgrupo de Lie fechadodefinido por Gx0

= g ∈ G;ϕ(g, x0) = x0. Mostre que a aplicacaonatural G/Gx0 →M , [g] 7→ g·x0, e um difeomorfismo G-equivariante.Deste modo, todo espaco G-homogeneo e da forma G/H para algumsubgrupo de Lie H fechado em G.

Exemplo 7.14. Variedades Homogeneas

a) Esferas: O grupo ortogonal O(n) age transitivamente na esferaSn−1 ⊂ Rn e o grupo de isotropia de um ponto e o grupo ortogonalO(n−1) ⊂ O(n) agindo no subespaco de dimensao n−1 ortogonal aoponto. Portanto, pelo exercıcio anterior, Sn−1 e o espaco homogeneoO(n)/O(n− 1).

b) GrassmannianasO grupo ortogonalO(n) age transitivamente na GrassmannianaG(n, k),pois dados dois subespacos vetoriais de dimensao k em Rn existe umatransformacao ortogonal que leva um no outro. Por outro lado, umatransformacao ortogonal que deixa um subespaco L de dimensao kinvariante deixa tambem o seu complemento ortogonal invariante, oque determina um elemento em O(k) e um elemento em O(n − k).Reciprocamente, um par (A,B), onde A e uma transformacao orto-gonal de L e B e uma transformacao ortogonal de seu complementoortogonal, definem uma transformacao ortogonal de Rn que deixaL invariante. Logo o grupo de isotropia de um elemento qualquerL ∈ G(n, k) e isomorfo a O(k) × O(n − k). Assim a Grassmanni-ana G(n, k) e o espaco homogeneo O(n)/O(k)×O(n− k). De forma

182 [CAP. 7: FIBRADOS

analoga, existe um difeomorfismo holomorfo entre a Grassmannianacomplexa e o espaco homogeneo U(n)/U(k)× U(n− k).

c) Variedades de Stiefel.Sejam < ·, · > um produto interno em Rn,

S(n, k) = (e1, . . . , ek); ei ∈ Rn e < ei, ej >= δij

e πk+1 : S(n, k+1)→ S(n, k) a aplicacao (e1, . . . , ek+1) 7→ (e1, . . . , ek).Em particular, S(n, 1) e a esfera unitaria Sn−1 e S(n, n) e o grupoortogonal SO(n).Veremos que πk+1 : S(n, k + 1) → S(n, k) e um fibrado com fibraSn−k−1. De fato, tomando uma vizinhanca V suficientemente pe-quena de um ponto de S(n, k) podemos construir funcoes bj : V → Rnde classe C∞, j = 1, 2, ..., n− k, tais que para cada (f1, . . . , fk) ∈ V ,bj(f1, . . . , fk)n−kj=1 e uma base ortonormal do complemento ortogo-nal do subespaco gerado por f1, . . . , fk. Fixe (e1, ..., ek) ∈ S(n, k)e (ek+1, ..., en) uma base ortonormal do complementar ortogonal dosubespaco gerado por (e1, ..., ek). Para cada (f1, ..., fk) ∈ S(n, k)proximo projetamos ortogonalmente (ek+1, ..., en) no complementoortogonal do subespaco gerado por (f1, ..., fk) e ortogonalizamos abase obtida.A trivializacao V × Sn−k−1 → S(n, k) e a aplicacao que associa aopar ((e1, . . . , ek), (x1, . . . , xn−k)) o pontoe1, . . . , ek,

n−k∑j=1

xjbj(e1, . . . , ek)

.

E facil ver que o grupo estrutural desse fibrado e O(n− k). O grupoortogonal O(n) age transitivamente em S(n, k) e o subgrupo de iso-tropia de um ponto e o grupo O(n − k). Logo S(n, k) e o espacohomogeneo O(n)/O(n− k). Como o grupo ortogonal O(k) age tran-sitivamente e sem pontos fixos no espaco das bases ortonormais deum subespaco vetorial de dimensao k, temos uma acao a direitaS(n, k) × O(k) → S(n, k) cujo espaco de orbitas e a GrassmanianaG(n, k). A aplicacao natural S(n, k)→ G(n, k) que associa a k-uplae1, . . . , ek o subespaco gerado por estes vetores e um fibrado principalcom grupo O(k).

[SEC. 7.2: O FIBRADO DE JATOS 183

Exercıcio 7.4. Seja π : E → M um fibrado vetorial sendo a fibraV um C-espaco vetorial. Dizemos que π e um fibrado hermitianose cada fibra E possui um produto interno hermitiano que varia demaneira C∞ com o ponto, isto e, tal que para qualquer par de secoesσ1, σ2 de E, a funcao 〈σ1(x), σ2(x)〉 e de classe C∞ em M . Se E eM sao variedades complexas, π e holomorfa e as funcoes de transicaoδij : Ui ∩Uj → GL(n,C) sao holomorfas dizemos que π e um fibradoholomorfo. Neste caso tem sentido considerar secoes holomorfas destefibrado. Mostre que todo fibrado vetorial holomorfo possui uma es-trutura hermitiana de classe C∞ e que se a base e compacta entao oespaco vetorial das secoes holomorfas tem dimensao finita.

Sugestao: Mostre que a bola unitaria no espaco das secoes holomorfase compacta.

Exercıcio 7.5. Seja M um variedade. Como vimos, uma secao deT ∗M = Λ1TM∗ e simplesmente uma 1-forma em M . Assim cadafuncao f : M → R de classe C∞ define uma secao df : M → T ∗M ,definida por x 7→ (v ∈ TMx 7→ dfx · v).

Por outro lado, mostre que nao existe em geral uma “derivada se-gunda”, isto e, uma secao d2f : M → S2(TM) tal que para cadacarta local ψ : U ⊂ M → U , d2f |U = ψ∗(d2(f ψ−1)). Verifiquetambem que se dfx = 0, entao uma tal forma bilinear d2fx esta bemdefinida em x.

7.2 O Fibrado de jatos

Como vimos, nao e possıvel em geral definir derivadas de ordem su-perior a 1 para funcoes entre variedades. Por outro lado, vale aafirmacao abaixo, cuja verificacao deixamos como exercıcio:

Sejam fi : Ui → Vi, i = 1, 2, aplicacoes de classe Cr entre abertosde espacos euclidianos e ϕ : U1 → U2, ψ : V1 → V2 difeomorfismos Cr.Entao se 0 ≤ k ≤ r, f1 e f2 tem as mesmas derivadas ate a ordem kem x ∈ U1 se, e somente se, ψ fi ϕ−1 tem as mesmas derivadas atea ordem k em ϕ(x) (para k = 0 estamos dizendo simplesmente que o

184 [CAP. 7: FIBRADOS

valor das funcoes f1 e f2 em x sao iguais).

Portanto a nocao de “igualdade entre derivadas ate ordem k” euma nocao intrınseca, e faz sentido definı-la em variedades, como fa-remos a seguir. Sejam M e N variedades C∞ e Ck(M,N) o espacodas aplicacoes Ck de M em N . Para cada p ∈M definimos a seguinterelacao em Ck(M,N):

Dizemos que f1 ∼kp f2 se, e somente se, f1(p) = f2(p) = q e ψfiϕ−1

tem as mesmas derivadas ate a ordem k em ϕ(p) para algum par decartas locais ϕ e ψ em torno de p e q respectivamente.

Pela afirmacao anterior, ∼kp e uma relacao de equivalencia. Aclasse de equivalencia de f e chamada de k-jato de f em p e denotadapor jkf(p). O conjunto

Jk(M,N) = jkf(p); f ∈ Ck(M,N) e p ∈M

e chamado de espaco dos k-jatos de M e N . Temos tambem umaprojecao

π : Jk(M,N)→M ×N

que associa a cada k-jato jkf(p) o par (p, q), onde q = f(p) com fqualquer representante da classe de equivalencia jkf(p).

Uma aplicacao f : M → N de classe Cr, com r ≥ k, induz umaaplicacao jkf : M → Jk(M,N) tal que o diagrama

Jk(M,N)

π

M ×N

π2

M

jkf

CC

f // N

e comutativo. Vamos mostrar a seguir que π : Jk(M,N) → M × Ntem uma estrutura de fibrado com grupo estrutural de classe C∞ e

[SEC. 7.2: O FIBRADO DE JATOS 185

que a funcao jkf e de classe Cr−k.

Um candidato natural para a fibra e o espaco Jk(m,n) dos k-jatosem x = 0 das funcoes em Ck(Rm,Rn) que levam 0 em 0. Usando aexpressao do polinomio de Taylor de tais funcoes em torno da origemobtemos um isomorfismo

Jk(m,n) ≈ L(Rm,Rn)× L2s(Rm;Rn)× · · · × Lks(Rm;Rn).

Seja Gk(m) ⊂ Jk(m,m) o subconjunto aberto

Gk(m) = GL(m,R)× L2s(Rm;Rm)× · · · × Lks(Rm;Rm).

O conjunto Gk(m) tem uma estrutura de grupo de Lie, basta de-finir o produto de dois polinomios de Taylor como o polinomio deTaylor, ate ordem k, da composicao destes polinomios. O elementoneutro deste grupo e o polinomio p(x) = x. Se p ∈ Gk(m), entao oinverso de p e o polinomio de Taylor, ate ordem k, de uma inversalocal de p. De maneira semelhante, a composicao de polinomios deTaylor define uma acao do grupo de Lie Gk(m)×Gk(n) em Jk(m,n).

Para obter uma estrutura de fibrado resta construir um cocicloem M ×N com valores em Gk(m)×Gk(n). Sejam αi : Ui → Ui eβj : Vj → Vj atlas em M e em N respectivamente e ϕij = (αi, βj)o atlas associado em M ×N . Considere cartas W(ij)1 = Ui1 × Vj1 eW(ij)2 = Ui2 × Vj2 com W(ij)1 ∩W(ij)2 6= ∅.

Se z = (x, y) ∈ W(ij)1 ∩W(ij)2 , definimos δ(ij)12(z) ∈ G(m) × G(n)por (Pi(12)(x), Pj(12)(y)), em que

Pi12(x) = polinomio de Taylor de αi2 α−1i1

Pj12(y) = polinomio de Taylor de βj2 β−1j1

comαik(x) = αik(x)− αik(x)

βjk(y) = βjk(y)− βjk(y).

Deixamos como exercıcio a verificacao da equacao do cociclo. Te-mos portanto que π : Jk(M,N) → M × N e um fibrado com fibra

186 [CAP. 7: FIBRADOS

Jk(m,n) e grupo estrutural Gk(m)×Gk(n). A funcao jkf e de classeCr−k. Para isso, fixe cartas ϕ : U → U de M e ψ : V → V de N ,com f(U) ⊂ V , e f a expressao de f nesse par de cartas. Entao aexpressao de jkf em U e

x 7→(x, f(x), Df(x), D2f(x), . . . , Dkf(x)

),

que e de classe Cr−k.

Proposicao 7.11. Seja S ⊂ Jk(m,n) uma subvariedade invariantepela acao do grupo Gk(m)×Gk(n). Entao associada a S existe umasubvariedade S(M,N) ⊂ Jk(M,N) com

dim S(M,N) = dim S + dim M

e que e um subfibrado de Jk(M,N), isto e, em cada trivializacaoΦ: π−1(Wi)→Wi × Jk(m,n) temos

S(M,N) ∩ π−1(Wi) = Φ−1i (Wi × S).

Demonstracao. Exercıcio.

Exercıcio 7.6. Seja Si ⊂ L(Rm,Rn) o conjunto das transformacoeslineares de posto i. Mostre que Si e uma subvariedade de codimensao(n− i)× (m− i). Se

Si = Si × L2s(Rm,Rn)× · · · × Lks(Rm,Rn) ⊂ Jk(m,n),

entao Si(M,N) ⊂ Jk(M,N) e uma subvariedade de mesma codi-mensao.

Capıtulo 8

Transversalidade

8.1 A topologia de Whitney em Cr(M,N)

Sejam M e N variedades. Seja U ⊂ Jr(M,N) um aberto no fibradode jatos, com r ≥ 0. Definimos

U = f ∈ Cr(M,N); (jrf)(M) ⊂ U.

A famılia U ⊂ Cr(M,N);U ⊂ Jr(M,N) aberto forma uma basede uma topologia em Cr(M,N), chamada de topologia de Whitney.

Fixamos

dN : N ×N → R+ e dr : Jr(M,N)× Jr(M,N)→ R+

metricas completas tais que para todas f, g ∈ Cr(M,N) e x ∈ Mvale

dN (f(x), g(x)) ≤ dr(jrf(x), jrg(x)).

Para a existencia de um tal par de metricas, basta tomar duasmetricas completas d e d′r e definir

dr(jrf(x), jrg(y)) = d′r(jrf(x), jrg(y)) + dN (f(x), g(y)).

Proposicao 8.1. Para cada funcao contınua e positiva ε : M → R+

defina

V(f ; ε) = g ∈ Cr(M,N); dr(jrg(x), jrf(x)) < ε(x) ∀x ∈M.

187

188 [CAP. 8: TRANSVERSALIDADE

Entao a famılia V(f ; ε)ε e uma base de vizinhancas de f na topo-logia de Whitney.

Demonstracao. O conjunto Uε,f ⊂ Jr(M,N) definido por

jrg(x) ∈ Uε,f ⇔ dr(jrf(x), jrg(x)) < ε(x)

e uma vizinhanca aberta de jrf(M) e V(f ; ε) e o conjunto das funcoesg tais que jrg(M) ⊂ Uε,f , isto e, V(f ; ε) = Uε,f . Logo V(f ; ε) euma vizinhanca aberta de f . Por outro lado, dada uma vizinhancaV de f , existe um aberto U ⊂ Jr(M,N) tal que jrf(M) ⊂ U eU ⊂ V. Seja M = ∪iKi onde Ki e compacto e Ki ⊂ int Ki+1. ComoU ⊂ Jr(M,N) e aberto e Ki \ int Ki−1 e compacto, existe εi > 0 talque se x ∈ Ki \ int Ki−1 e dr(jrg(x), jrf(x)) < εi entao jrg(x) ∈ U .Pelo lema 2.13 existe uma funcao C∞ positiva ε : M → R+ tal queε(x) < εi para todo x ∈ Ki \ int Ki−1. Logo V(f ; ε) ⊂ U ⊂ V.

O r-jato na orıgem de uma funcao Cr f : Rm → Rn que leva aorıgem na orıgem pode ser identificado com o polinomio de Taylor deordem r de f que e uma funcao polinomial p : Rm → Rn da formap(x) = (p1(x), . . . , pn(x) onde

pj(x) =∑α

ajαxα11 . . . xαmm

onde α = (α1, . . . , αm) e um multi-indice, αl e um inteiro nao nega-tivo e |α| =

∑ml=1 αl ≤ r. Os coeficientes

ajα =1

α1! . . . αm!

∂|α|f j

∂α1x1 . . . ∂αnxn

(0).

Ao par de cartas locais φ : U ⊂ M → Rm e ψ : V ⊂ N → Rn associ-amos um difeomorfismo

θ : Jr(Rm,Rn) = Rm × Rn × Jr(m,n)→ π−1(U × V )

que associa a (x, y, p) o r-jato em φ−1(x) da funcao f : M → N quee constante e igual a ψ−1(y) no complementar de U e em U coincide

com ψ−1fφ onde f : Rm → Rn e dada por f(x+x) = y+λ(||x||)p(x)onde λ : R→ [0, 1] e C∞, identicamente igual a 1 na bola de raio 1 eigual a zero fora da bola de raio 2.

[SEC. 8.1: A TOPOLOGIA DE WHITNEY EM CR(M,N) 189

A seguir vamos descrever uma outra base de vizinhancas de umafuncao f ∈ Cr(M,N). Comecamos construindo, como ja fizemosvarias vezes, famılias de cartas locais, φi : Ui ⊂ M → Rm, ψi : Vi ⊂N → Rn tais que:i)a falmılia Ui e localmente finita e o fecho Ui e compacto;ii) Ui contem um compacto Ki e a famılia dos interiores de Ki e umacobertura aberta de M ;iii) f(Ui) ⊂ Vi.Seja ρ = (ρi) uma sequencia de numeros positivos. Definimos Vρcomo o conjunto das funcoes g ∈ Cr(M,N) tais quea) g(Ui) ⊂ Vi,b) ||Dj(ψigφ−1

i )(x)−Dj(ψifφ−1i )(x)|| < ρi para todo x ∈ φi(Ki)

e para todo 0 ≤ j ≤ r.Entao Vρ(f) e uma base de vizinhancas de f . Isto segue do fatoseguinte.

Proposicao 8.2. Sejam φ : U ⊂ M → Rm, ψ : V ⊂ N → Rn cartaslocais. Seja

θ : Jr(Rm,Rn)→ π−1(U × V )

o difeomorfismo construido acima. Entao

1. Seja d a funcao distancia em Jr(Rm,Rn) tal θ e uma isometria eseja d′ a metrica euclidiana no mesmo espaco. Dado o compactoK = (x, y,D1, . . . , Dr);x ∈ L1, y ∈ L2, ||Dj || ≤ L, onde

L1 ⊂ U , L2 ⊂ V sao compactos, existe uma constante C ≥ 1tal que

1

Cd′(j, j′) ≤ d(j, j′) ≤ Cd′(j, j′)

para todo j, j′ ∈ K.

Demonstracao. Segue do fato que duas distancias associadas ametricas riemannianas sao comensuraveis em cada subconjunto com-pacto, vejas exercıcio 2.1. A distancia d e associada a uma metricariemanniana e d′ e comensuravel com a distancia euclidiana.

Proposicao 8.3. 1) Se M e compacta, entao Cr(M,N) e umespaco metrico completo com base enumeravel de abertos (pos-sui um subconjunto enumeravel e denso).

190 [CAP. 8: TRANSVERSALIDADE

2) Se M nao e compacta, entao nenhuma f ∈ Cr(M,N) possuiuma base enumeravel de vizinhancas. Em particular, Cr(M,N)nao e metrizavel.

3) Se M nao e compacta e fn ∈ Cr(M,N) e uma sequencia queconverge a f ∈ Cr(M,N), entao existe um subconjunto com-pacto K ⊂ M e n0 ∈ N tal que para n ≥ n0 vale fn(x) = f(x)para todo x /∈ K.

Demonstracao. 1) Se M e compacta, entao

d(f, g) = supdr(jrf(x), jrg(x));x ∈M

e finito e define uma metrica em Cr(M,N). As bolas de centro fconstituem uma base de vizinhancas de f na topologia de Whitney.Seja fn ∈ Cr(M,N) uma sequencia de Cauchy. Como

dN (fn(x), fm(x)) ≤ dr(jrfn(x), jrfm(x)) ≤ d(fn, fm),

temos que fn(x) e uma sequencia de Cauchy em N . Como N ecompleto, a desigualdade acima implica que fn(x) → f(x) unifor-memente para alguma funcao f ∈ C0(M,N). Vamos ver agora quef ∈ Cr(M,N) e que fn → f na topologia Cr.

Sejam ϕi : Ui ⊂ M → Rm, ψi : Vi ⊂ N → Rn cartas locais deM e N respectivamente tais que f(Ui) ⊂ Vi e M = Wi, ondeWi = ϕ−1

i (B(0, 1)). Como M e compacta, podemos encontrar umnumero finito de cartas locais com essas propriedades. Como fn → funiformemente, existe n0 tal que se n ≥ n0, fn(ϕ−1

i (Ui) ⊂ Vi. Paracada i consideremos as aplicacoes

ψi fn ϕ−1i : B(0, 2) −→ Rn

Dj(ψi fn ϕ−1i ) : B(0, 2) −→ Ljsim(Rm,Rn).

Como fn e sequencia de Cauchy na metrica d, essas sequencias sao deCauchy, pela proposicao 8.2. A primeira sequencia converge a ψi f ϕ−1i e as demais convergem a funcoes contınuas. Logo ψi f ϕ−1

i ede classe Cr e suas derivadas ate a ordem r sao os limites das outrassequencias. Temos entao que a sequencia fn converge a f na metricad.

[SEC. 8.1: A TOPOLOGIA DE WHITNEY EM CR(M,N) 191

Vamos encontrar agora uma base enumeravel de abertos. ComoJr(M,N) e uma variedade, sua topologia tem uma base enumeravelUi de abertos. A famılia Wj composta por unioes finitas dosUi’s e tambem uma famılia enumeravel de abertos. Afirmamos queos abertos Wj = f ∈ Cr(M,N); jrf(M) ⊂ Wj formam uma base

de abertos. Seja U ⊂ Cr(M,N) o aberto das funcoes f tais quejrf(M) ⊂ U . Seja g ∈ U . Como jrg(M) e compacto, podemos co-brir jrg(M) por um numero finito dos Ui’s todos contidos em U . Auniao deles e um dos Wj e Wj ⊂ U . Logo U e a uniao dos conjuntos

Wj ⊂ U .2) Seja f ∈ Cr(M,N) e suponhamos por absurdo que exista uma baseenumeravel Vi, i = 1, 2, . . . , de vizinhancas de f . Seja xi ∈ M umasequencia tendendo a ∞, isto e, para todo subconjunto compacto Kde M existe iK tal que xi /∈ K se i ≥ iK . Se εi > 0 e suficientementepequeno, existe fi ∈ Vi tal que dr(jrf(xi), j

rfi(xi)) > εi > 0.

Se ε : M → R+ e uma funcao contınua positiva tal que ε(xi) < εi.Entao para cada i temos fi /∈ V(f ; ε). Assim nenhuma vizinhancaVi esta contida em V(f ; ε), e portanto Vi nao e base de vizinhancas.

3) Suponhamos que nao exista tal compacto. Entao existem sequenciasxi →∞ e ni →∞ tais que

dr(jrf(xi), jrfni(xi)) > εi > 0.

Seja ε : M → R+ uma funcao positiva tal que ε(xi) < εi, entaofni /∈ V(f ; ε) para todo i.

Teorema 8.4. Cr(M,N) e um espaco de Baire.

Demonstracao. No caso de M ser compacta vimos que Cr(M,N)e um espaco metrico completo e todo espaco metrico completo e umespaco de Baire, veja proposicao 2.15. Se M nao e compacta podemosescrever

M =

∞⋃i=1

Ki onde Ki ⊂M e compacto e Ki ⊂ int Ki+1.

Seja Aii uma colecao enumeravel de subconjuntos abertos e densosem Cr(M,N). Suponhamos, por inducao, que ja construımos umafuncao fi e vizinhanca V(fi, εi) tais que

192 [CAP. 8: TRANSVERSALIDADE

1) V(fi, εi) ⊂ V(fi, 2εi) ⊂ Ai ∩ V(fi−1, εi−1) ⊂ Ai ∩ ... ∩ A1;

2) εi(x) < 12εi−1(x) para todo x ∈M .

Como Ai+1 e aberto e denso, temos que V(fi, εi) ∩ Ai+1 e aberto enao vazio. Portanto podemos tomar fi+1 e εi+1 satisfazendo 1), 2).

A restricao da sequencia fi a cada compacto K e uma sequenciade Cauchy. Logo fi converge uniformemente em compactos a umafuncao f que e Cr pois, como na prova da Proposicao 8.3, a sequenciajrfi tambem converge uniformemente em compactos. Se j > i temosque

dr(jrfj(x), jrfi(x)) ≤ εi(x) ∀x ∈M.

Como dr(jrfj(x), jrf(x))→ 0, temos que

dr(jrf(x), jrfi(x)) < 2εi(x) ∀x ∈M,

e portanto f ∈i⋂

j=1

Aj para todo i.

Definicao 8.1. Uma aplicacao f : M → N e propria se para todocompacto K ⊂ N , f−1(K) e um subconjunto compacto de M . Equi-valentemente, f e propria se, e somente se, nao existe sequenciaxn → ∞ em M tal que f(xn) converge a algum y ∈ N , uma vezque todo ponto de N tem uma vizinhanca compacta.

Proposicao 8.5. O conjunto das aplicacoes proprias, denotado porPropr(M,N), e aberto em Cr(M,N) para r ≥ 0.

Demonstracao. Se M e compacta, entao toda aplicacao contınua

e propria. Se M e nao compacta escrevemos M =∞⋃i=1

Ki, com Ki

compactos e Ki ⊂ int Ki+1. Sejam εi → 0 e ε : M → R+ funcaopositiva tal que ε(x) < εi para todo x ∈ Ki \ int Ki−1. Se f : M → Ne uma aplicacao propria e g : M → N e tal que d(g(x), f(x)) < ε(x)para todo x ∈ M , entao g tambem e propria. De fato, se xi → ∞e uma sequencia tal que g(xi) → y, entao como εj → 0 temos quef(xi)→ y, o que e absurdo.

Corolario 8.6. O conjunto das aplicacoes proprias e aberto e naovazio em Cr(M,Rn).

[SEC. 8.1: A TOPOLOGIA DE WHITNEY EM CR(M,N) 193

Demonstracao. Escolha uma funcao ϕ : M → R contınua e positivacom ϕ(x) > i para todo x ∈ Ki \ int Ki−1 e defina f : M → Rn porf(x) = (ϕ(x), 0, . . . , 0). E claro que f e uma aplicacao propria.

Lema 8.7. Seja f : B(0, 2) ⊂ Rm → Rn uma imersao biunıvoca.Entao existe ε > 0 tal que se g : B(0, 2) ⊂ Rm → Rn satisfaz

1) ‖g(x)− f(x)‖ < ε;

2) ‖Dg(x)−Df(x)‖ < ε

para todo x ∈ B(0, 2), entao g|B(0,1) e uma imersao biunıvoca.

Demonstracao. Como o conjunto das aplicacoes lineares injetivase um aberto em L(Rm,Rn) e Df(x);x ∈ B(0, 1) e um compacto,existe ε > 0 tal que se g : B(0, 2)→ Rn satisfaz ‖Dg(x)−Df(x)‖ < εpara x ∈ B(0, 1), entao Dg(x) e injetiva. Resta mostrar que se ε esuficientemente pequeno entao para toda g com ‖g(x) − f(x)‖ < εe ‖Dg(x) −Df(x)‖ < ε em B(0, 2), g e injetiva em B(0, 1). Se issonao for verdade, existe uma sequencia gn : B(0, 2) → Rn tal que gnconverge uniformemente a f , Dgn converge uniformemente a Df egn(xn) = gn(yn) para certos xn 6= yn ∈ B(0, 1). Passando a umasubsequencia se necessario, podemos supor que xn → x e yn → y.Se x 6= y teremos f(x) = f(y), o que e absurdo. Assim x = y evn = yn − xn 6= 0 converge a zero. Note que

0 = gn(yn)− gn(xn) =

∫ 1

0

Dgn(xn + tvn)vndt,

e daı

−Dgn(xn) · vn||vn||

=

∫ 1

0

(Dgn(xn + tvn)−Dgn(xn)).vn||vn||

dt.

Passando a uma subsequencia se necessario, podemos supor que vn||vn||

converge a um vetor unitario v. O primeiro membro converge a−Df(x) · v e o segundo membro converge a zero pois vn → 0, eassim temos uma contradicao pois f e uma imersao.

Lema 8.8. Seja dM uma metrica em M . Se f : M → N e umaimersao, entao existe funcao contınua positiva ε : M → R+ e umavizinhanca V de f em Cr(M,N) tal que se g ∈ V entao a restricao deg a B(x, ε(x)) = y ∈M ; dM (y, x) < ε(x) e uma imersao biunıvoca.

194 [CAP. 8: TRANSVERSALIDADE

Demonstracao. Segue do lema anterior.

Proposicao 8.9. O conjunto das imersoes de classe Cr de M em N ,denotado por Imr(M,N), e aberto em Cr(M,N) se r ≥ 1.

Demonstracao. Seja f ∈ Imr(M,N) uma imersao e M = ∪Ki,Ki ⊂ int Ki+1, com Ki compacto. Como o conjunto das trans-formacoes lineares injetivas e aberto, para cada x ∈ M existe vi-zinhanca Vx e εx > 0 tal que se dr(jrg(y), jrf(y)) < εx com y ∈ Vx,entao Dg(y) e biunıvoca. Como Ki \ int Ki−1 e compacto, existeεi > 0 tal que se dr(jrg(y), jrg(y)) < εi para y ∈ Ki \ int Ki−1 entaoDg(y) e biunıvoca. Tomando ε : M → R+ contınua positiva comε(x) < εi para todo x ∈ Ki \ int Ki−1 temos

V(f, ε) ⊂ Imr(M,N).

Lema 8.10. Uma imersao f : M → N e um mergulho se, e somentese,

1) f e biunıvoca.2) nao existem y ∈M e xn →∞ em M tais que f(xn)→ f(y).

Demonstracao. Pela forma local das imersoes, dado y0 ∈M existeum difeomorfismo ϕ : Rm × Rn−m → U ⊂ N e vizinhanca V dey0 em M tal que f(V ) ⊂ U e ϕ−1 f aplica V difeomorficamenteem uma vizinhanca de 0 em Rm × 0 e y0 em 0. Seja r > 0 talque B(0, r)× 0 ⊂ Rm × 0 esta contida em ϕ−1f(V ). Para cadasubconjunto compacto L ⊂M existe rL > 0 tal que f(L)∩ϕ(B(0, r)×B(0, rL) ⊂ ϕ(B(0, r)×0) uma vez que f e 1− 1. Se inf rL = ρ > 0entao f e um mergulho. Caso contrario existe xn → ∞ tal quef(xn)→ y ∈ (ϕ(B(0, r)× 0). A recıproca e evidente.

Exemplo 8.1. Sejam X um campo de vetores C∞ em uma varie-dade compacta M e Xt : M →M o seu fluxo. A orbita de um pontox e o conjunto Xt(x); t ∈ R e o conjunto ω limite (resp. conjunto αlimite) da orbita de x e o conjunto dos pontos y ∈M tais que existauma sequencia tn →∞ (resp. tn → −∞) com Xtn(x)→ y. Como Me compacta esses conjuntos sao nao vazios. Se a orbita de x e singu-lar ou fechada, entao esses conjuntos coincidem com a orbita. Uma

[SEC. 8.1: A TOPOLOGIA DE WHITNEY EM CR(M,N) 195

orbita nao compacta e a imagem de uma imersao biunıvoca da reta.Se essa orbita nao intersecta o seu ω-limite e o seu α limite, a orbitae mergulhada. Caso contrario e a imagem de uma imersao biunıvocaque nao e um mergulho. Pelo Teorema de Poincare-Bendixon, veja[PdM], toda orbita nao compacta de um campo na esfera S2 e mer-gulhada. Por outro lado, pelo Teorema de Recorrencia de Poincare,veja [Man], se o fluxo do campo de vetores preserva volume, entao oconjunto das orbitas que nao estao contidas em seu conjunto ω limitetem medida nula. Esse e o caso por exemplo de um campo de vetoresno toro T 2 cujo pull-back pelo recobrimento π : R2 → T 2 e um campoconstante. As orbitas de um tal campo constante em R2 sao retasparalelas que se projetam nas orbitas do campo correspondente notoro. Se essas retas tem inclinacao racional, suas imagens no toro saoorbitas fechadas. Se a inclinacao e irracional, todas as orbitas saodensas no toro (verificar!).

Lema 8.11. Seja U ⊂M ×M um aberto tal que se (x, y) /∈ U entao(f(x), f(y)) /∈ ∆ = (x, y) ∈ N × N ; x = y. Entao existe umavizinhanca V de f : M → N na topologia C0 tal que se (x, y) /∈ U ,entao g(x) 6= g(y), ∀ g ∈ V.

Demonstracao. Se M e compacta, o complementar de U e um com-pacto cuja imagem por f × f e um compacto disjunto da diagonalque tambem e compacto. Logo a a imagem desse compacto por umafuncao g× g com g C0 proximo de f tambem nao intersecta a diago-nal. Se M e nao compacta tomamos M = ∪iKi, Ki ⊂ int Ki+1, Ki

compacto. Como (Ki \ int Ki−1) × (Ki \ int Ki−1) \ U = Li e com-pacto e ∆ e fechado, ∃ εi > 0 tal que se (x, y) ∈ Li, d(g(x), f(x)) < εie d(g(y), f(y)) < εi entao (g(x), g(y)) /∈ ∆. Seja ε : M → R+ e umafuncao positiva tal que ε(x) < εi para cada x ∈ Ki \ int Ki−1, entaoV(f, ε) satisfaz ao lema.

Proposicao 8.12. O conjunto dos mergulhos e aberto em Cr(M,N)se r ≥ 1.

Demonstracao. Pelo Lema 8.7 existe uma vizinhanca de f tal quese g pertence a essa vizinhanca e, considerando o aberto

U = (x, y); dM (y, x) < ε(x),

196 [CAP. 8: TRANSVERSALIDADE

¿temos que g× g(U \∆)∩∆ = g× g(∆). Como U e uma vizinhancada diagonal e f e 1-1 temos que a hipotese do Lemma 810 e satisfeita.Logo, pelo Lema 8.10 podemos tomar a vizinhanca de f suficiente-mente pequena para que a imagem do complementar de U por g × gnao intersecta a diagonal. Logo g e biunıvoca. Seja L o conjunto dospontos y ∈ N tais que exista uma sequencia xn →∞ em M tais quef(xn) → y. E facil ver que L e um subconjunto fechado e, como fe um mergulho, a imagem de f nao intersecta L. Em particular, to-mando uma sequencia de compactos Ki cobrindo M , cada compactocontido no interior do seguinte, temos que a distancia da imagem docompacto Li = Ki\intKi−1 e maior que εi > 0. Tomando εi com essapropriedade e tambem εi → 0 e tomando ε(x) < εi para todo x ∈ Litemos que a imagem de g na vizinhanca nao intersecta L. Logo acondicao 2) do lema 8.10 e tambem satisfeita por g pois se xn →∞ eg(xn)→ g(y) entao, como ε(xn)→ 0, temos que f(xn)→ g(y) o quee um absurdo uma vez que g(y) /∈ L. Logo g e um mergulho.

Corolario 8.13. O conjunto dos difeomorfismos e um subconjuntoaberto em Cr(M,N) se r ≥ 1.

Seja λ : Rm → [0, 1] uma funcao C∞ tal que λ(x) = 1 se ||x|| ≤ 12 e

λ(x) = 0 se ||x|| ≥ 1. Para δ > 0 a funcao

θδ : Rm → R+

definida por

θδ(x) =λ(

1δx)∫

Rm λ(

1δ y)dy

e C∞, nao negativa e∫Rm θδ(x) dx = 1. Uma funcao com essa pro-

priedade e chamada um nucleo de convolucao.

Seja U ⊂ Rm um aberto de fecho compacto e Uδ ⊂ U o conjuntodos pontos x ∈ U tais que B(x, δ) ⊂ U . Se f : U → Rn e uma funcaoCr, r ≥ 0 e θ = θδ, definimos

θ ∗ f : Uδ → Rn

por

(θ ∗ f)(x) =

∫Rm

θ(y)f(x− y) dy (1)

[SEC. 8.1: A TOPOLOGIA DE WHITNEY EM CR(M,N) 197

onde definimos o integrando como zero se ||y|| ≥ δ. Fazendo a mu-danca de variaveis linear z = x− y, temos que

(θ ∗ f)(x) =

∫Rm

θ(x− z)f(z) dz (2)

onde o integrando e definida como zero se ||z − x|| ≥ δ. Da formula(2) segue que θ ∗ f e C∞ e

Dj(θ ∗ f)(x) =

∫Rm

(Djθ(x− z))f(z) dz para todo j. (3)

Se j ≤ r, podemos usar (1) para calcular as derivadas e obtemos

Dj(θ ∗ f)(x) =

∫Rm

θ(y)Djf(x− y) dy. (4)

Lema 8.14. Seja f : U ⊂ Rm → Rn uma aplicacao de classe Cr eK ⊂ U um compacto. Entao para todo ε > 0 existe uma funcaog : U → Rn de classe Cr tal que:

1) g e C∞ numa vizinhanca compacta de K.

2) g e tao diferenciavel quanto f em todos os pontos.

3) g = f fora de uma vizinhanca compacta de K contida em U .

4) ||Djg(x)−Djf(x)|| < ε ∀x ∈ U e ∀ j = 1, . . . , r.

Demonstracao. Fixe primeiramente δ1 < d(K,∂U)3 , de modo que

K ⊂ Uδ1 e seja λ : Rm → [0, 1] uma funcao C∞, nao negativa, quee igual a 1 em uma vizinhanca de K e igual a zero fora de umavizinhanca compacta de K contida em Uδ1 . Note que as derivadas deλ sao todas limitadas em Uδ1 , de modo que para cada ε > 0 pode-setomar δ > 0 tal que se g1 : Uδ1 → Rn e Cr e

‖Djg1(x)−Djf(x)‖ < δ ∀x ∈ Uδ1 (5)

entao g = λg1 + (1− λ)f satisfaz

‖Djg(x)−Djf(x)‖ < ε ∀x ∈ Uδ1 . (6)

198 [CAP. 8: TRANSVERSALIDADE

Como f e suas derivadas ate a ordem r sao contınuas e Uδ1 tem fechocompacto, podemos tomar δ2 > 0 suficientemente pequeno tal que sex ∈ Uδ1 e ‖x− y‖ < δ2, entao

‖Djf(x− y)−Djf(x)‖ < δ j = 0, . . . , r.

Note que podemos tomar δ2 tal que Uδ1 ⊂ Uδ2 ⊂ U . Tomandog1 = θδ2 ∗ f , temos que g1 e de classe C∞ em Uδ2 e pelas equacoes(1) e (4)

‖Djg1(x)−Djf(x)‖ =

∥∥∥∥(∫Rnθ(y)Djf(x− y)dy

)−Djf(x)

∥∥∥∥∫θ=1=

∥∥∥∥∫Rm

θ(y)(Djf(x− y)−Djf(x))dy

∥∥∥∥≤

∫Rnθ(y)

∥∥Djf(x− y)−Djf(x)∥∥ dy

≤ δ

∫Rnθ(y)dy = δ.

Assim a aplicacao g = λg1+(1−λ)f satisfaz as condicoes do lema.

O seguinte lema esta relacionado a continuidade da composicaoentre aplicacoes de classe Cr. Se K ⊂ U ⊂ Rm e um subconjuntocompacto e f : U → Rp e uma aplicacao de classe Cr, definimos onumero real

‖f‖r,K = supx∈K

max0≤j≤r‖Djf(x)‖

.

Lema 8.15. Sejam f : U ⊂ Rm → V ⊂ Rp e g : V → Rn funcoes declasse Cr. Sejam K ⊂ U e L ⊂ V compactos tais que f(K) ⊂ intL.Dado ε > 0, existe δ > 0 tal que se

‖f − f‖r,K , ‖g − g‖r,L < δ

entao‖g f − g f‖r,K < ε.

Demonstracao. Seja h = g f . Pela regra da cadeia, as derivadasparciais de primeira ordem das componentes de h sao dadas por:

∂hk

∂xi(x) =

p∑l=1

∂gk

∂yl(f(x)).

∂f l

∂xi(x).

[SEC. 8.1: A TOPOLOGIA DE WHITNEY EM CR(M,N) 199

Pela regra da cadeia e a regra de Leibniz, temos tambem,

∂2hk

∂xj∂xi(x) =

p∑l=1

∂gk

∂yl(f(x)).

∂2f l

∂xj∂xi(x)

+

p∑q=1

p∑l=1

∂2gk

∂yq∂yl(f(x)).

∂fq

∂xj(x)

∂f l

∂xi(x).

Podemos entao supor, por inducao, que cada derivada de ordem s dehk e dada por uma formula que envolve N(s,m, p) parcelas, sendocada parcela o produto de M(s,m, p) funcoes, sendo o primeiro fatoruma derivada de ordem ≤ s de gk calculada no ponto f(x) e osdemais fatores sao derivadas parciais de componentes de f de ordem≤ s calculadas no ponto x. Derivando essa expressao obtemos umaformula com a mesma forma para cada derivada parcial de ordems+ 1 de hk. Como L e compacto e as derivadas parciais de f e g saocontınuas, dado ρ > 0 existe δ > 0 tal que se ‖f(x)−f(x)‖ < δ entaoa diferenca entre cada derivada parcial de ordem ≤ r de g nos pontosf(x) e f(x) e menor que ρ. Como cada derivada parcial de ordem≤ r de cada componente de h = g f e de h = g f em pontos de Kenvolvem um numero limitado de parcelas, cada parcela e um numerolimitado de fatores e a diferenca entre cada fator correspondente auma derivada parcial de h e o correspondente fator associado a mesmaderivada parcial de h e menor que ρ+ δ, temos que a distancia entrecada derivada parcial de h e de h e menor que ε em todo ponto de Kse ρ e δ sao suficientemente pequenos.

Teorema 8.16. O conjunto das funcoes de classe C∞ e denso emCr(M,N).

Demonstracao. Seja f : M → N uma aplicacao Cr e fixe atlasϕi : Wi ⊂ M → B(0, 3), ψi : Vi ⊂ N → Rn com f(Wi) ⊂ Vi, Wilocalmente finito e

⋃∞i=1 ϕ

−1i (B(0, 1)) = M .

Dada uma vizinhanca V de f , seja (εi) uma sequencia de numerospositivos tal que V(f, εi) ⊂ V. Vamos mostrar a existencia de umafuncao g de classe C∞ nessa vizinhanca. Como apenas um numerofinito dos Wi’s intersecta W1, podemos, tomando o ε do lema 8.15suficientemente pequeno, encontrar uma funcao g1 que e igual a ffora de uma vizinhanca compacta de ϕ−1

1 (B(0, 1)), que e C∞ em

200 [CAP. 8: TRANSVERSALIDADE

ϕ−11 (B(0, 1)), tao diferenciavel quanto f em todos os pontos e que

pertence a vizinhanca. Aqui estamos usando o lema ??. Em se-guida modificamos g1 em ϕ−1

2 (B(0, 1)), obtendo uma funcao g2 navizinhanca que e de classe C∞ em ϕ−1

1 (B(0, 1)) ∪ ϕ−12 (B(0, 1)). In-

dutivamente, obtemos uma sequencia de funcoes gj na vizinhanca

que sao de classe C∞ em⋃ji=1 ϕ

−1i (B(0, 1)). Para cada j existe

k0 > 1 tal que se k ≥ k0 entao gk|Wj= gk0 |Wj

. Logo gk → g, ondeg|Wj

= gk0 |Wj. Portanto g e de classe C∞ e pertence a vizinhanca (e

claro que gk nao converge a g na topologia de Whitney).

Teorema 8.17. Se M e uma variedade de classe Cr, com r ≥ 1,entao existem uma variedade N de classe C∞ e um difeomorfismof : M → N de classe Cr.

Demonstracao. Seja A um atlas maximal de classe Cr em M .Basta mostrar que A contem um subatlas B cujas mudancas de coor-denadas sao de classe C∞ e considerar a estrutura C∞ em M definidapor esse atlas ( e tomar f como a identidade).

Consideremos a colecao C de todos os subconjuntos de A tais quetodas as mudancas de coordenadas entre cartas de cada elemento dacolecao C sejam de classe C∞ . A uniao dos domınios dessas cartase um subconjunto aberto de M e tem uma estrutura de variedade declasse C∞. Considerando nessa colecao a relacao de ordem parcialdada pela inclusao, temos, pelo Lema de Zorn, que existe um ele-mento maximal B na colecao C. Basta mostrar que a uniao B dosdomınios das cartas em B e igual a M . Se isso nao for verdade, sejap um ponto da fronteira de B e φ : U → U ⊂ Rm uma carta local deM em torno de p (de classe Cr). Seja ψ : U → U o difeomorfismo Cr

inverso de φ e B = φ(B ∩ U).

Como o conjunto dos difeomorfismos de classe Cr e aberto, podemostomar ε : U → R uma funcao positiva tal que toda funcao de classeCr em

V(ψ, ε) = g : U → U ; d(jrg(x), jrψ(x)) < ε(x)

seja um difeomorfismo. Seja δ : B → R uma funcao positiva tal queδ(x) < ε(x) e tambem menor que o quadrado da distancia de x ao

[SEC. 8.1: A TOPOLOGIA DE WHITNEY EM CR(M,N) 201

bordo de B. Pelo teorema anterior, existe uma aplicacao ψ : B → Bde classe C∞ que pertence a vizinhanca V(ψ|B , δ). Vamos ver agora

que esta aplicacao se estende ate bordo de B como a aplicacao ψ esuas derivadas ate ordem r existem nesses pontos e coincidem comas correspondentes derivadas de ψ. De fato, se k < r entao, supondopor inducao em k que Dkψ(x) = Dkψ(x), temos que

‖Dkψ(x+ h)−Dkψ(x)−D(Dkψ(x)).h‖‖h‖

≤ ‖Dkψ(x+ h)−Dkψ(x+ h)‖

‖h‖+

+‖Dkψ(x+ h)−Dkψ(x)−D(Dkψ(x)).h‖

‖h‖.

A segunda parcela tende a zero quando h tende a zero pois a derivadade ordem k + 1 de ψ existe. A primeira parcela tende a zero pois onumerador e menor que δ(x+ h), que e menor que ‖h‖2. Portanto aderivada de ordem k + 1 de ψ existe em todo ponto de bordo de B ee uma aplicacao contınua. Assim podemos estender ψ de maneira Cr

como ψ fora de B e a inversa desta extensao e uma carta local em Atal que a mudanca de coordenadas entre essa carta e cada carta deB e de classe C∞, o que contraria o fato de B ser maximal.

Exercıcio 8.1. Considere a aplicacao de composicao

C : Cr(M,N)× Cr(N,P ) −→ Cr(M,P )(f, g) 7−→ g f.

Mostre que se f0 nao e uma aplicacao propria, entao C nao e contınuaem (f0, g0) para qualquer g0.

Exercıcio 8.2. Mostre que a aplicacao de composicao

C : Propr(M,N)× Cr(M,N)→ Cr(M,N)

e contınua.

Vimos no capıtulo 7 que uma fibracao localmente trivial pode naoter uma secao global. A proposicao seguinte implica que se tiver umasecao C0 tem necessariamente uma secao C∞.

202 [CAP. 8: TRANSVERSALIDADE

Proposicao 8.18. Sej π : E → M uma fibracao localmente trivialde classe C∞ com fibra tıpica F . Seja Γr(E) o espaco das secoes declasse Cr munido da topologia induzida de Cr(M,E). Entao Γ∞(E)e denso em Γr(E).

Demonstracao. Seja f ∈ Γr(E) e V uma vizinhanca de f . SejaW ⊂M domınio de uma carta local φ : W → B(0, 3) e tal que existauma trivializacao loca Φ: W × F → π−1(W ). Em W a aplicacao

Φ−1 f e dada por (x, y) 7→ (x, f(x)) e f : W →M e uma aplicacaoCr. Como na prova do teorema 8.16, podemos aproximar arbibrari-amente na topologia Cr a aplicacao f por uma aplicacao g tal queg coincide com f fora de φ−1(B(0, 2), g e C∞ em φ−1(B(0, 1)) e e

tao diferenciavel quanto f em todos os pontos. Definindo g = Φ gem W e g = f fora de W temos que g pertence a vizinhanca de f ,g e C∞ em φ−1(B(0, 1)) e e tao diferenciavel quanto f em todos ospontos. Usando esse argumento em uma cobertura de M como naprova do teorema 8.16 construimos uma secao global de classe C∞

na vizinhanca de f .

Proposicao 8.19. Seja πi : Ei → Mi, fibracoes localmente trivialcom fibra Fi, i = 1, 2. Sejam f : E1 → E2 e f : M1 → M2 aplicacoestais que o diagrama abaixo comuta.

E1f //

π1

E2

π2

M1

f // M2

Se f e C∞ e f e Cr, r ≥ 0, entao podemos aproximar f por umaaplicacao de classe C∞ que ainda faz o diagrama comutar.

Demonstracao. Seja V uma vizinhanca de f . Sejam Φi : Wi×Fi →π−1i (Wi) trivializacoes locais tais que f(Wi) ⊂W2 e φ : W1 → B(0, 3)

uma carta local. A aplicacao f = Φ−12 f Φ1 e da forma (x, y) 7→

(f(x), g(x, y)) onde g : W × F1 → F2 e de classe Cr. Como ante-riormente, podemos aproximar, na topologia Cr a aplicacao f poruma aplicacao g que e C∞ em φ−1(B(0, 1)), e igual a f fora de

[SEC. 8.1: A TOPOLOGIA DE WHITNEY EM CR(M,N) 203

φ−1(B(0, 2)) e e tao diferenciavel quanto f em todos os pontos. Entao

a aplicacao g que coincide com f fora de π−11 (W1) e coincide com

Φ2 g Φ−11 em W1 e C∞ em π−1

1 (φ−1(B(0, 1))), e tao diferenciavel

quanto f em todos os pontos, pertence a vizinhanca dada de f eπ2 g = f π1. Aplicando esse argumento a uma cobertura de M1

como na prova do teorema 8.16 concluimos a prova da proposicao.

Exercıcio 8.3. Seja π : E → M uma fibracao localmente trivial declasse C∞ com fibra F . Seja f : P → M uma aplicacao de classeC∞. Mostre que se existe uma aplicacao contınua f : P → E tal queπ f = f entao existe uma aplicacao de classe C∞ com a mesmapropriedade.

Proposicao 8.20. Se M e compacta, entao se 0 ≤ r <∞, Xr(M) ⊂Cr(M,TM) tem uma estrutura de espaco de Banach.

Demonstracao. Tomamos uma colecao finita de cartas locais ϕi : Wi →B(0, 3) tal que M =

⋃ki=1 ϕ

−1i (B(0, 1)). Para cada X ∈ Xr(M) se-

jam Xi : B(0, 3)→ Rm os campos de vetores tais que X|Wi= ϕ∗iXi.

Definimos

‖X‖ = maxi

max0≤j≤r

supx∈B(0,1)

‖DjXi(x)‖.

E facil ver que X 7→ ‖X‖ e uma norma em Xr(M) que gera a topo-logia Cr e que essa norma e completa.

Observacoes:

Com a mesma prova concluimos tambem que o espaco das secoesde um fibrado vetorial sobre uma variedade compacta tem estruturade espaco de Banach.

Proposicao 8.21. Cr(M,Rn)\Cr+1(M,Rn) e residual em Cr(M,Rn).

Demonstracao. Fixe p ∈ M e seja ϕ : U ⊂ M → Rm uma cartalocal centrada em p. Para cada k natural consideremos o conjuntoAk ⊂ Cr(M,Rn) tal que

f ∈ Ak ⇔ ∃ y ∈ Rm tal que ‖y‖ < 1

ke

204 [CAP. 8: TRANSVERSALIDADE

‖Dr(f ϕ−1)(y)−Dr(f ϕ−1)(0)‖‖y‖

≥ k.

Temos que Ak e aberto e denso na topologia Cr, de modo que⋂k Ak

e residual pois Cr(M,Rn) e um espaco de Baire. Se g ∈⋂k Ak entao

Dr(g ϕ−1) nao e derivavel em 0 e portanto g /∈ Cr+1(M,Rn).

Sejam M e N variedades com M compacta e f ∈ Cr(M,N). Umcampo de vetores ao longo de f e uma aplicacao que a cada x ∈ Massocia um vetor X(x) ∈ TNf(x). Um tal X e exatamente umasecao do fibrado pull-back f∗(TN). Como observamos anteriormente,sendo M compacta o espaco de secoes Γr(f∗(TN)) tem uma estruturade espaco de Banach. Tomando uma metrica Riemanniana em Ntemos, pela compacidade de M , que existe ε > 0 tal que para cadax ∈ M a aplicacao exponencial e um difeomorfismo da bola de raioε em Tf(x)N sobre uma vizinhanca de f(x) em N . Logo, se δ > 0e suficientemente pequeno, existe um homeomorfismo ϕf da bola deraio δ e centro na secao nula de f∗TN sobre uma vizinhanca de f emCr(M,N) dada por

X 7→(x 7→ fX(x) := expf(x)X(x)

).

Como a aplicacao exponencial e C∞, essa construcao mostra a existenciade uma estrutura de variedade de Banach C∞ em Cr(M,N). Pode-semostrar que se M,N sao compactas, a aplicacao de composicao

Cr(N,P )× Cr(M,N) −→ Cr(M,P )(f, g) 7−→ f g

e contınua mas nao e diferenciavel. Por outro lado,

Cr(N,P )× Cr(M,N) −→ Cr−1(M,P )(f, g) 7→ f g

e de classe C1 e se X ∈ Γ(f∗0TP ) e Y ∈ Γ(g∗0(TN)), entao

DC(f0, g0)(X,Y ) = Z ∈ Γ((g0 f0)∗(TP ))

e dado por

Z(x) = Df0(g0(x))Y (x) +X(g0(f0(x))).

[SEC. 8.2: TEOREMAS DE TRANSVERSALIDADE 205

Veja: John Franks, Manifolds of Cr mappings ad application toDynamical Systems, Studies in analysis, pp. 271–290, Advances eMath. Suppl. Study, Ac. Press, 1979.

Em particular, temos que se M e compacta, entao Difr(M) temuma estrutura de variedade de Banach de classe C∞, e um grupotopologico, mas nao e um grupo de Lie.

8.2 Teoremas de transversalidade

Definicao 8.2. Uma aplicacao diferenciavel f : M → N e transversala uma subvariedade S ⊂ N , e escrevemos f t S, se para todo x ∈Mtem-se que ou f(x) /∈ S ou Df(x)(TMx) + TSf(x) = TNf(x). Se

S ⊂ N e outra subvariedade, dizemos que S e transversal a S, eescrevemos S t S, se a inclusao i : S → N for transversal a S.

Proposicao 8.22. Se f ∈ Cr(M,N) e transversal a S ⊂ N , comr ≥ 1, entao ou f−1(S) e vazio ou e uma subvariedade de M cujacodimensao em M e a codimensao de S em N . Em particular, se

codim(S) = dimN − dimS > dimM,

entao f−1(S) e vazio.

Demonstracao. Basta usar a forma local das submersoes para obterlocalmente f−1(S) como imagem inversa de um valor regular.

Em particular, se S e S sao subvariedades transversais de umavariedade N , entao S ∩ S e tambem uma subvariedade de N , temdimensao dimS ∩ S = dimS + dim S − dimN e para todo x ∈ S ∩ Svale T (S ∩ S)x = TSx ∩ T Sx.

Lema 8.23. Se f ∈ Cr(M,N) e transversal a S ⊂ N , com S declasse C∞ e fechada em N , entao para todo x ∈M existe εx > 0, umavizinhanca Vx ⊂M tal que se g ∈ Cr(M,N) e d(j1g(y), j1f(y)) < εxpara todo y ∈ Vx vale que a restricao de g a Vx e transversal a S.

Demonstracao. Se f(x) nao pertence a a S, como S e fechada,existe uma vizinhanca compacta de x e ε > 0 tal que se y pertencea essa vizinhanca e a distancia de g(y) a f(y) e menor que ε entao

206 [CAP. 8: TRANSVERSALIDADE

g(y) nao pertence a S. Por outro lado, se f(x) ∈ S existe uma cartalocal φ : W → Rs × Rn−s tal que φ(S ∩ W ) = Rs × 0. SejamV ⊂ U vizinhancas de x com o fecho de V compacto e contido emU tais que a derivada D(φ f)(y) seja sobrejetiva para todo y ∈ U .Como o conjunto das aplicacoes lineares sobrejetivas e aberto, existeε > 0 tal que se a distancia entre jrf(y) e jrg(y) e menor que ε paratodo y ∈ U entao g(V ) ⊂ W e D(φ g)(y) e sobrejetiva para todoy ∈ V .

Teorema 8.24. Se S ⊂ N e subvariedade fechada de classe C∞,entao o conjunto das aplicacoes em Cr(M,N) que sao transversais aS e aberto.

Demonstracao. Seja M = ∪iKi, onde Ki e compacto e contidono interior de Ki+1. Consideremos os subconjuntos compactos Li =Ki\int(Ki−1) eMi = f−1(S)∩Li. Como no lemma anterior, podemosconsiderar uma cobertura finita Vj de Mi por abertos com fechocompacto contido em abertos Uj e cartas locais φj : Wj ⊂ N →Rs × Rn−s tais que

1. φj(Wj ∩ S) = Rs × 0

2. f(Uj) ⊂Wj

3. D(φj f)(x) e sobrejetiva para todo x ∈ Vi.

Como o conjunto das aplicacoes lineares sobrejetivo e aberto, existeεi > 0 tal que se d(jrf(x), jrg(x)) < εi para todo x ∈ Li entaog(Vj) ⊂ Wj e D(φj g)(x) e sobrejetiva para todo x ∈ Uj . ComoLi\∪Uj e compacto, S e fechado e f(Li\∪jUj) 6= ∅ temos que, se εi >0 e suficientemente pequeno g(Li\∪Uj)∩S = ∅ se d(jrf(x), jrg(x)) <εi. para todo x ∈ Li. Se ε : M → (0,∞) e uma funcao contınua talε(x) < εi para todo x ∈ Li entao g e transversal a S se g ∈ V(f, ε).

Lema 8.25. Sejam F : M × P → N uma aplicacao de classe C∞

e S uma subvariedade de N . Para cada y ∈ P seja Fy : M → Na aplicacao Fy(x) = F (x, y). Se F e transversal a S, entao Fy etransversal a S se y e valor regular da restricao da projecao π2 : M ×P → P a F−1(S).

[SEC. 8.2: TEOREMAS DE TRANSVERSALIDADE 207

Demonstracao. Seja x ∈ M tal que Fy(x) ∈ S. Como y e valorregular, existe um subespaco E1 ⊂ T (F−1(S))(x,y) tal que a restricaode Dπ2(x, y) a E1 e um isomorfismo. Daı T (F−1(S))(x,y) = E1 ⊕E2

com E2 contido no nucleo de Dπ2(x, y). Seja E3 um subespaco com-plementar a E2 no nucleo de Dπ2(x, y). Como a derivada DF (x, y)leva E1 ⊕ E2 no espaco tangente e S em F (x, y), a imagem de E3

e um subespaco E4 ⊂ TNF (x,y) tal que TNF (x,y) = TSF (x,y) ⊕ E4.Como DFy(TMx) = DF (x, y)(E2 + E3), temos que Fy e transversala S em x.

Lema 8.26. Se F : M → N e de classe C∞, entao o conjunto dosvalores regulares de F e um subconjunto residual de N .

Demonstracao. Considere o subconjunto fechado C(f) = x ∈M ;Df(x) nao e sobrejetiva cuja imagem, pelo Lema de Sard, 1.6,tem medida nula. Se M = ∪∞i=1Ki, onde Ki e comacto, temos que ocompacto f(C(f) ∩Ki tem interior vazio. Logo o complementar def(C(f)) = ∪if(Ki ∩ C(f)) e residual.

Teorema 8.27. Se F : M × P → N e uma aplicacao de classe C∞

transversal a uma subvariedade S ⊂ N , entao o conjunto dos pontosy ∈ P tais que Fy e transversal a S e residual.

Demonstracao. Segue imediatamente dos dois lemas anteriores.

Corolario 8.28. Sejam f : U ⊂ Rm → Rn de classe C∞, K ⊂ Ucompacto e S ⊂ Rn uma subvariedade de classe C∞. Dado ε > 0,existe g : U → Rn de classe C∞ tal que

1) g = f fora de uma vizinhanca compacta de K contida em U .

2) ‖g − f‖Cr < ε em U .

3) g e transversal a S nos pontos de K.

Demonstracao. Seja λ : Rm → [0, 1] uma funcao de classe C∞ talque λ(x) = 1 para x ∈ K e com suporte compacto contido em U . Peloteorema anterior, o conjunto dos v ∈ Rn para os quais a aplicacaox ∈ U 7→ f(x) + v e transversal a S e residual, e em particular denso.Se v ∈ Rn pertence a esse conjunto e tem norma suficientementepequena, entao a aplicacao g : U → Rm, g(x) = f(x)+λ(x)v, satisfazas condicoes 1), 2) e 3).

208 [CAP. 8: TRANSVERSALIDADE

Seja Pr(Rm,Rn o espaco vetorial das aplicacoes polinomiais deRm em Rn de grau menor ou igual a r e que se anulam na origem.Como vimos, a aplicacao T : Pr(Rm,Rn) → Jr(m,n) que a cadaaplicacao polinomial p associa seu r-jato na orıgem e um isomorfismo.

Lema 8.29. Se f : Rm → Rn e uma aplicacao de classe C∞ entao:

1. A aplicacao

F : Rm × Rn × Pr(Rm,Rn)→ Jr(Rm,Rn)

que a (x, v, p) associa o r-jato no ponto x da aplicacao f +v+pe uma submersao.

2. Seja S ⊂ Jr(Rm,Rn uma subvariedade de classe C∞. Entaoexiste um subconjunto residual G ⊂ Rn × Pr(Rm,Rn) tal que

se (v, p) ∈ G e f(x) = f(x) + v + p(x), entao a aplicacao jrf etransversal a S.

Demonstracao. A derivada de G em um ponto (x,v,p) e dada pelamatriz de blocos: IRm 0 0

Dg(x) IRn 0∗ ∗ T

.

Logo G e uma submersao. A segunda parte segue imediatamente doteorema 8.27

Corolario 8.30. Sejam f : Rm → Rn de classe C∞ e K ⊂ U com-pacto. Seja S ⊂ Jr(Rm,Rn) = Rm ×Rn × L(Rm,Rn) uma subvarie-dade de classe C∞. Entao dado ε > 0 existe g : Rm → Rn de classeC∞ tal que

1) g = f fora de uma vizinhanca compacta de K contida em U .

2) ‖f − g‖Cr < ε em Rm.

3) jrg e transversal a S nos pontos de K.

[SEC. 8.2: TEOREMAS DE TRANSVERSALIDADE 209

Demonstracao. Seja λ : Rm → [0, 1] uma funcao de classe C∞ quee igual a 1 em pontos de K e igual a zero fora de uma vizinhanca com-pacta de K contida em U . Pelo lema anterior, o conjunto G e denso.Basta entao tomar g = f + λ(p + v) com (v, p) ∈ G suficientementepequeno.

Dizemos que x ∈ M e uma singularidade de X ∈ Xr(M) seX(x) = 0. Se X : U ⊂ Rm → Rm e um campo de vetores Cr,r ≥ 1, uma singularidade x de X e singularidade simples se DX(x)tem posto m, isto e, e um isomorfismo.

Corolario 8.31. Sejam X : U ⊂ Rm → Rm um campo de vetores declasse C∞ e r ≥ 1. Seja K ⊂ U compacto. Dado ε > 0, entao existeum campo de vetores Y : U → Rm de classe C∞ tal que

1) Y = X fora de uma vizinhanca compacta de K contida em U .

2) ‖Y −X‖Cr < ε em U .

3) As singularidades de Y em K sao simples.

Demonstracao. A derivada da aplicacao F : U × Rm → U × Rmdefinida por F (x, v) = (x,X(x)+v) e um isomorfismo em todo ponto.Logo F e transversal a U × 0. Portanto o conjunto dos vetoresv ∈ Rm tais que a aplicacao

x ∈ U 7→ (x,X(x) + v) ∈ U × Rm

e transversal a U ×0 e um conjunto residual. Tomando λ como noCorolario 8.28, o campo

Y (x) = X(x) + λ(x)v

com ‖v‖ suficientemente pequeno nesse conjunto residual satisfaz ascondicoes do enunciado.

Corolario 8.32. Sejam X : U ⊂ Rm → Rm um campo de vetoresde classe C∞, r ≥ 1 um inteiro, k ≤ r − 1, K ⊂ U compacto eS ⊂ Jk(U,Rm) uma subvariedade de classe C∞. Dado ε > 0, existeum campo de vetores Y : U → Rm de classe C∞ tal que

1) Y = X fora de uma vizinhanca compacta de K contida em U .

210 [CAP. 8: TRANSVERSALIDADE

2) ‖Y −X‖Cr < ε em U .

3) jkY e transversal a S nos pontos de K.

Demonstracao. Analoga ao corolario ??.

Teorema 8.33. Seja S ⊂ N uma subvariedade fechada de classeC∞. Entao o conjunto das aplicacoes f ∈ Cr(M,N), r ≥ 1, que saotransversais a S e aberto e denso.

Demonstracao. A abertura ja foi mostrada no inıcio da secao.Como o conjunto das aplicacoes de classe C∞ e denso, basta mostrarque toda vizinhanca V de uma aplicacao f de classe C∞ contem umaaplicacao transversal a S.

Como usual, sejam ϕi : Ui ⊂M → Ui ⊂ Rm e ψi : Vi ⊂ N → Vi ⊂ Rnatlas tais que f(Ui) ⊂ Vi, Ui cobertura localmente finita e Ki ⊂ Uicompactos com ∪i int Ki = M . Seja (εi) uma sequencia de numerospositivos tais que V(f, εi) ⊂ V. Pelo corolario 7.26, temos que oconjunto Ai ⊂ V(f, εi) das aplicacoes transversais a S em pontos deKi e aberto e denso. Logo ∩Ai e residual em V(f, εi), e portantodenso.

Exercıcio 8.4. Seja S ⊂ N uma subvariedade fechada de classe Cr,r ≥ 1 de uma variedade de classe C∞. Mostre que, dado qualquervizinhanca V da identidade de N na topologia Cr, existe um dife-omorfismo de classe Cr, F ∈ V tal que F (S) seja uma variedadede classe C∞. Conclua que o conjunto das aplicacoes em Cr(M,N)transversais a S e aberto e denso.Sugestao:Seja π : E → S um fibrado vetorial de classe Cr, tal que π−1(x) ⊂TNx seja transversal a TSx e sua dimensao igual a codimensao deS. Seja φ : E → U ⊂ M a correspondente vizinhanca tubular. Sejaψ : S → S um difeomorfismo Cr de uma variedade C∞ S. Seja S apreimagem pelo difeomorfismo φ da imagem do mergulho C∞. Se omergulho C∞ esta suficientemente proximo de f entao S e a imagemde um secao Cr σ : S → E que esta Cr proxima da secao nula. Sejaλ : R → [0, 1] uma funcao C∞ que vale 1 na bola de raio 1 e vale0 fora da bola de raio 2. Se ε : S → R e uma funcao positiva de

[SEC. 8.2: TEOREMAS DE TRANSVERSALIDADE 211

classe Cr e suficientemente pequena entao a aplicacao F : E → E de-finida por F (x, v) = (x, v + λ(ε(x)||v||x)σ(x) e um difeomorfismo Cr

proximo da identidade, que coincide com a identidade fora de umavizinhanca fechada da secao nula e leva a secao nula em S. Definaentao G : N → N como a identidade fora de U e igual a φF φ−1 emU . Temos entao que G e um difeomorfismo Cr proximo da identidadeque leva S na variedade φ(S) que e de classe C∞

Observacao 8.1. Se S ⊂ N e uma subvariedade de clase Ck, onde ke maior ou igual ao mınimo entre 1 e a diferenca entre a dimensao deM e a codimensao de S entao o conjunto das aplicacoes em Cr(M,N)transversais a S e residual (aberto e denso se S e fechada). Isto porqueo Lema de Sard e valido para aplicacoes de classe Ck se k e maior ouigual ao mınimo entre 1 e a diferenca entre as dimensoes do domınioe do contradomınio da funcao.

Teorema 8.34. Sejam r ≥ 1 e k ≤ r−1 inteiros. Seja S ⊂ Jk(M,N)uma subvariedade fechada de classe C∞. Entao o conjunto dasaplicacoes f ∈ Cr(M,N) tais que jkf e transversal a S e abertoe denso. A composta de ψ com a inclusao de S em N e um mergulhoCr que pode ser arbitrariamente aproximado por um mergulho C∞.A composta desse mergulho C∞ com φ?−1 e sua imagem e uma sub-variedade Cr de E que e a imagem de uma secao σ : S → E proximada secao nula na topologia Cr.

Demonstracao. Analoga as anteriores.

a aplicacao j0f nada mais e que o grafico de f . Como con-sequencia do teorema acima temos que o conjunto das aplicacoesf ∈ Cr(M,M) cujo grafico e transversal a diagonal e aberto e densose r ≥ 1. Logo, para um conjunto aberto e denso de aplicacoes, oconjunto de pontos fixos e discreto. Em particular, se M e compacta,o conjunto de pontos fixos e finito para tais aplicacoes. A derivada def em um tal ponto fixo e um isomorfismo e nao tem autovalor iguala 1. Um ponto fixo com essa propriedade e chamado de simples. Ografico de f e transversal a diagonal se e somente se todos os seuspontos fixos sao simples.

Teorema 8.35. Se S ⊂ N e uma subvariedade de classe C∞ nao ne-cessariamente fechada, entao o conjunto das aplicacoes em Cr(M,N),r ≥ 1, que sao transversais a S e residual, e portanto denso.

212 [CAP. 8: TRANSVERSALIDADE

Demonstracao. Podemos escrever S =⋃i Si, em que Si e subcon-

junto fechado. Seja Li ⊂ Cr(M,N) tal que f ∈ Li ⇔ ∀x ∈ M ouf(x) /∈ Si ou f(x) ∈ Si e ImDf(x)+TSf(x) = TNf(x). Com a mesmaprova dos teoremas 7.22 e 7.31 concluımos que Li e aberto e denso.Logo ∩Li e residual.

Exercıcio 8.5. Seja S = ∪iSi onde S ⊂ N e uma subvariedade declasse Cr, Si e um subconjunto compacto e Si ∈ Ui ∈ Si+1 onde Uie um subconjunto aberto de S. Mostre que para cada i temos que,dada uma vizinhanca da identidade no conjunto das aplicacoes declasse Cr em Cr(N,N) existe um difeomorfismo nessa vizinhanca talque a imagem de Ui e uma subvariedade de classe C∞ de N . Concluaque o conjunto das transformacoes de Cr(M,N) que sao transversaisa S e residual.

Teorema 8.36. Se S ⊂ Jk(M,N) e uma subvariedade de classe C∞

nao necessariamente fechada e k ≤ r − 1, entao o subconjunto dasaplicacoes f em Cr(M,N) tais que jkf t S e residual.

Corolario 8.37. O conjunto Imr(M,N) ⊂ Cr(M,N), r ≥ 2, eaberto e denso se dimN ≥ 2 dimM .

Demonstracao. A abertura ja foi mostrada anteriormente, entaobasta mostrar a densidade. Seja Pk ⊂ J1(M,N) o conjunto dospontos (x, y, T ) ∈ J1(M,N) com x ∈M , y ∈ N e T : TMx → TNy euma aplicacao linear de posto k. Entao, pelo exemplo 1.2, Pk e umasubvariedade de codimensao (m − k) × (n − k), que e maior que mse n ≥ 2m e k < m. Pelo teorema 8.36, o conjunto das aplicacoesf em Cr(M,N) tais que j1f e transversal a cada Pk e residual (Pknao e subvariedade fechada pois o seu fecho intersecta Pk−1). Logo,se f pertence a esse conjunto residual, entao j1f(M) ∩ Pk = ∅ parak < m por falta de codimensao. Logo uma tal f tem posto m paratodo x ∈M e portanto e uma imersao.

Definicao 8.3. Dizemos que x ∈ M e uma singularidade de umafuncao f ∈ C1(M,R) se Df(x) = 0. Se f e de classe C2, umasingularidade de f e nao degenerada se D2f(x) : TMx × TMx → Re uma forma bilinear nao degenerada. Uma funcao f ∈ C2(M,R)e chamada uma funcao de Morse se toda singularidade de f e naodegenerada.

[SEC. 8.2: TEOREMAS DE TRANSVERSALIDADE 213

Proposicao 8.38. Uma aplicacao f ∈ C2(M,R) e uma funcao deMorse se, e somente se, j1f : M → J1(M,R) e transversal a

S = (x, y, λ) ∈ J1(M,R);x ∈M,y ∈ R, λ = 0 ∈ L(TMx,R).

Demonstracao. Imediata.

Corolario 8.39. O conjunto das funcoes de Morse e aberto e densoem C2(M,R).

Seja X ∈ X2(U), com U ⊂ Rm aberto. Lembramos que umasingularidade x de X e simples se DX(x) tem posto m. Dizemosque a singularidade x e quase-simples se DX(x) tem posto m − 1 epara todo v 6= 0 no nucleo de DX(x) tem-se D2X(x)(v, v) 6= 0. Efacil ver que se φ : W ⊂ Rm → U e um difeomorfismo de classe C∞,entao x e singularidade quase-simples de X se, e somente se, φ−1(x)e singularidade quase-simples de φ∗X. Logo podemos definir singu-laridades quase-simples de campos de vetores em variedades usandocartas locais.

Lema 8.40. Se x ∈M e uma singularidade simples de um campo devetores ou quase-simples de um campo de vetores X ∈ Xr(M), comr ≥ 3, entao x e singularidade isolada, isto e, existe uma vizinhancaV de x tal que X(y) 6= 0 se y ∈ V \ x.

Demonstracao. Podemos supor que x = 0 e X : U ⊂ Rm → Rm.Se 0 e singularidade simples, o resultado e imediato pois X e um dife-omorfismo local de uma vizinhanca de 0 sobre uma outra vizinhancade 0. Suponhamos entao que 0 e uma singularidade quase-simplesde X. Substituindo X pelo seu pull-back por um isomorfismo linear,podemos supor que o nucleo de DX(0) e R× 0 ⊂ R×Rm−1 e suaimagem e 0 × Rm−1. Se X(s, y) = (X1(s, y), X2(s, y)), temos quea derivada de X2 em (0, 0) e sobrejetiva e seu nucleo e R×0. Logo,pelo teorema das funcoes implıcitas, existe uma vizinhanca V de (0, 0)e uma funcao α : (−ε, ε) → V tal que α(0) = (0, 0), α′(0) ∈ R × 0e X2(s, y) = 0 com (s, y) ∈ V se, e somente se, (s, y) = α(t) paraalgum t. Seja β(t) = X1(α(t)). Como (0, 0) e singularidade quase-simples, temos que β′(0) = 0 e β′′(0) 6= 0. Logo β(t) 6= 0 se t 6= 0 esuficientemente pequeno. Isso prova o lema.

214 [CAP. 8: TRANSVERSALIDADE

Teorema 8.41. 1) Se r ≥ 1, entao o conjunto dos campos de ve-tores em Xr(M) cujas singularidades sao todas simples e abertoe denso.

2) Se r ≥ 3 e X,Y ∈ Xr(M) sao campos de vetores cujas singula-ridades sao todas simples, entao existe uma curva µ em Xr(M)tal que µ(0) = X,µ(1) = Y e todas as singularidades de µ(t)sao ou simples ou quase-simples para todo t ∈ [0, 1].

Demonstracao. Primeiro observamos que as singularidades de umcampo de vetores X ∈ Xr(M) sao todas simples se, e somente se,a aplicacao X : M → TM e transversal a secao nula do fibradoTM . Como a secao nula e uma subvariedade fechada, temos queesse conjunto e aberto. Resta provar a densidade. Seja φi : Wi ⊂M → B(0, 3), i = 1, 2, . . . um atlas tal que ∪iUi = M , com Ui =φ−1i (B(0, 1)), e a cobertura aberta Wi seja localmente finita. Para

cada campo X ∈ Xr(M), denotamos por Xi o campo na bola B(0, 3)dado por Xi = (φ−1

i )∗X. Seja Ai ⊂ Xr(M) o conjunto dos cam-pos de vetores X tais que as singularidades de Xi no fecho de Uisao todas simples. Esse conjunto e aberto. Pelo corolario 8.31 esseconjunto e tambem denso. Logo a intersecao de todos esses conjun-tos e residual, em particular denso, e as singularidades de um campode vetores nessa intersecao sao todas simples. Isso prova a primeiraparte do teorema.

Seja F ⊂ Cr([0, 1]×M,TM) o conjunto de famılias a um parametrode campos de vetores, isto e, F ∈ F se, e somente se, π(F (t, x)) = xpara todo (t, x) ∈ [0, 1] ×M . Como F e um subconjunto fechadode um espaco de Baire, F , com a topologia induzida, tambem e umespaco de Baire. Consideremos novamente o atlas acima. Para cadaF ∈ F , denotemos por Fi a famılia de campos de vetores na bolaB(0, 3) obtida tomando o pull-back dos campos da famılia F pelainversa da carta local φi. Sejam

Sk = 0 × Pk × L2sim(Rm,Rm) ⊂ Rm × L(Rm,Rm)× L2

sim(Rm,Rm)

e

S ⊂ 0 × Pm−1 × L2sim(Rm,Rm)

[SEC. 8.2: TEOREMAS DE TRANSVERSALIDADE 215

o conjunto constituıdo de pares (T,B), em que T ∈ Pm−1 e umatransformacao linear de posto m − 1 e B e uma transformacao bili-near simetrica que se anula no nucleo de T . Ja vimos que Sk e umasubvariedade de codimensao m + (m − k)2. Logo Sm−1 tem codi-mensao m+ 1 e Sk tem codimensao maior que m+ 1 se k < m− 1.

Vamos mostrar que S e uma subvariedade de codimensao maior quem+ 1. Se T0 ∈ Pm−1 entao existe uma vizinhanca V ⊂ Pm−1 de T0 euma funcao diferenciavel ϕ : V → Sm−1 ⊂ Rm tal que ϕ(T ) ∈ Ker T .A funcao

φ : V × L2sim(Rm,Rm) −→ Rm(T,B) 7−→ B(ϕ(T ), ϕ(T ))

e obviamente uma submersao, e portanto φ−1(0) e uma subvariedadede codimensaom. Como S∩(Rm×V ×L2

sim(Rm,Rm)) = 0×φ−1(0),temos que S e uma subvariedade de codimensao 2m em

Rm × Pm−1 × L2sim(Rm;Rm),

e portanto de codimensao 2m+ 1 > m+ 1. O conjunto Ai ⊂ F dasfamılias F tais que a aplicacao

(t, x) 7→ (F ti (x), DF ti (x), D2F ti (x))

e transversal as subvariedades Sk e S em pontos de B(0, 1) e aberto.Para mostrar que ele e tambem denso, seja F ∈ F . Seja λ funcaonao negativa de classe C∞ que vale 1 em B(0, 1) e 0 fora de B(0, 2).Dada uma vizinhanca de F , como a cobertura Wi e localmente finitaexiste ε > 0 tal que se Gi e uma famılia com distancia Cr a Fi menorque ε em B(0, 3) e Fi(t, x) = Gi(t, x) para x fora de B(0, 2), entaoexiste uma famılia G na vizinhanca, que coincide com F fora de Wi

e que em Wi e igual a φ∗(Gti). Por outro lado, pelos corolarios ante-riores, podemos encontrar uma famılia Ht

i arbitrariamente proximana distancia Cr de F ti tal que a aplicacao correspondente e trans-versal a todas as subvariedades mencionadas acima. Tomando entaoGti = λHt

i + (1− λ)Gti, obtemos uma famılia em Ai e na vizinhancade F . Essa famılia tem todas as singularidades em Ui ou simplesou quase-simples. Tomando a intersecao dos Ai, obtemos um con-junto residual de famılias com todas as singularidades ou simples ouquase-simples.

216 [CAP. 8: TRANSVERSALIDADE

Exercıcio 8.6. Sejam f0, f1 difeomorfismos de classe Cr, r ≥ 2, deuma variedade compacta M que sao difeotopicos. Mostre que existeuma famılia contınua ft de difeomorfismos ligando f0 com f1 tal quepara todo t o conjunto dos pontos fixos de ft e finito.

Nos anos 70 John Mather demonstrou uma extensao importantedo teorema de Transversalidade de Thom: o teorema de transversa-lidade de multijatos que demonstraremos a seguir.

Consideremos as aplicacoes α : Jr(M,N) → M , α(jrf(x)) = x eβ : Jr(M,N) → N , β(jrf(x)) = f(x). A imagem por alpha de umr-jato e chamada de fonte do r-jato. Seja s um inteiro positivo. Noproduto cartesian Ms = M × · · · ×M seja ∆ a diagonal, isto e, oconjunto de s-uplas (x1, . . . , xs) tais que xi = xj para algum i 6= j.O complementar desse conjunto fechado e um subconjunto abertoque denotaremos por M (s). A preimagem de M?(s) pela aplicacaoαs : Jr(M,N)s → Ms e o subconjunto aberto que denotaremos porJrs (M,N), isto e, o conjunto de s-uplas de r-jatos com fontes duas aduas distintas. Uma aplicacao f ∈ Cr+k(M,N) define uma aplicacaode classe Ck

jrs : M (s) → Jrs (M,N)

que associa a cada (x1, . . . , xs) ∈M (s) a s-upla (jrf(x1), . . . , jrf(xs)) ∈Jrs (M,N). Temos entao o seguinte teorema:

Teorema 8.42. (Transversalidade de Multijatos) Se S ⊂ Jrs (M,N)e uma subvariedade de classe C∞ entao o conjunto TS das aplicacoesf ∈ Cr+k(m,N) tais que jrsf e transversal a S e um conjunto residual.

Corolario 8.43. Se dimN ≥ 2 dimM + 1, entao o conjunto dasimersoes biunıvocas de M em N e residual

Demonstracao. Ja vimos que o conjunto das imersoes e aberto edenso pois a dimensao do contradomınio e maior que o dobro da di-mensao do contradomınio. Por outro lado, a codimensao da diagonalde N e igual a dimensao de N que e estritamente maior que a di-mensao de M (2). Logo, pelo teorema de transversalidade de multija-tos, o conjunto das aplicacoes biunıvocas e residual. Logo, o conjuntodas imersoes biunıvocas e residual.

Corolario 8.44. [Mergulho de Whitney] Para toda variedade M declasse Cr, r ≥ 1, e dimensao m, existe um mergulho ι : M → R2m+1.

[SEC. 8.2: TEOREMAS DE TRANSVERSALIDADE 217

Demonstracao. Como ja vimos, Prop(M,Rk) e aberto e nao va-zio para qualquer k, portanto ele intersecta o conjunto das imersoesbiunıvocas se k ≥ 2m + 1. Por outro lado, uma imersao biunıvocapropria e um mergulho.

Observacao: Nao ha um Teorema de mergulho de Whitney analogopara variedades complexas. De fato, se M e uma variedade com-plexa compacta, entao qualquer aplicacao holomorfa F : M → Cndeve ser constante, para qualquer n, conforme foi provado na pro-posicao 2.22. Por outro lado, um corolario do Teorema de Riemann-Roch, conhecido na literatura por “mergulho tricanonico”, mostraque toda superfıcie de Riemann compacta possui um mergulho emCP3. Entretanto, esse resultado e falso em dimensao maior e as vari-edades complexas compactas que admitem mergulho em algum CPnforam classificadas em K. Kodaira, “On Kahler varieties of restrictedtype”(an intrinsic characterization of algebraic varieties, Annals ofMathematics, 60, 1954, pp. 28–48).

Lema 8.45. Seja S ⊂ N uma subvariedade e F ⊂ S um subconjuntofechado . Seja K ⊂M um subconjunto compact e K ′ uma vizinhancacompacta de K. Seja TK;F,S o conjunto das aplicacoes f : C1(M,N)tais que para cada x ∈ K temos que ou f(x) /∈ F ou f(x) ∈ F e fe transversal a S em x. Seja f ∈ TK,F . Entao existe ε > 0 tal quese g ∈ C1(M,N) e tal que d(j1f(x), j1g(x)) < ε para todo x ∈ K ′entao g ∈ TK;F,S .

Demonstracao. Como TF,S ⊂ TK;F,S e TF,S e aberto, existe funcaocontınua δ : M → R tal que se d(j1(x), j1(x)) < δ(x) para todo x ∈Mentao g ∈ TF,S . Seja λ : M → [0, 1] uma funcao C∞ que vale 1 emuma vizinhanca compacta de K e vale zero fora de uma vizinhancade K contida em K ′. Tomando ε > 0 suficientemente pequeno temosque se g ∈ C1(M,N) e tal que d(j1g(x), j1f(x)) < ε para todo x ∈ K ′entao, se h(x) = expf(x)(λ(x) exp−1

f(x) g(x)) se x ∈ K ′ e g(x) = f(x)

se x /∈ K ′ entao h ∈ TK,S se ε for suficientemente pequeno. Comog coincide com h em uma vizinhanca de K temos que g tambempertence a TK;F,S .

Lema 8.46. Seja K ⊂M (s) um subconjunto compacto. Dado ε > 0exite δ > 0 tal que se d(jr+1f(x), jr+1g(x)) < δ para todo x ∈ πi(K),i = 1, . . . , s, entao d(j1(jrsf)(x), j1(jrsg)(x)) < ε para todo x ∈ K.

218 [CAP. 8: TRANSVERSALIDADE

Dos dois lemas temos a seguinte

Proposicao 8.47. Sejam S ⊂ Jrs (M,N) uma subvariedade, F ⊂ Sum subconjunto fechado e K ⊂ M (s) um subconjunto compacto.Entao o subconjunto TK;F,S das aplicacoes f ∈ Cr+1(M,N) tais quepara todo x ∈ K ou jrs (f)(x) /∈ F ou jfs f(x) ∈ F e jrsf e transversala S em x e um subconjunto aberto e denso.

Demonstracao. A abertura segue dos dois lemas acima. Resta pro-var a densidade. Seja f ∈ Cr(M,N). Consideremos uma famılia decartas locais πi : U

i → Rn, ψi : Vi ⊂ N → Rn tais que f(Ui) ⊂ Vi, afamılia Ui e localmente finita. Mostraremos a densidade de TK;F,S navizinhanca V de f constituida das funcoes g tais que g(Ui) ⊂ Vi paratodo i. Para cada x = (x1, . . . , xs) ∈ K. Consideremos uma cober-tura finita de K pelo interior dos compactos Kj = Kj

1×· · ·×Kjs tais

que cada Kji esta contido em um aberto W j

i , tais que W ji ∩W

jk = ∅

se i 6= k e que cada W ji esteja contido em um dos abertos Uk que

denotaremos por U ji . Denotaremos o correspondente Vk por V ji e as

correspondentes cartas locais por φjk : U ji → Rm, ψji : V ji → Rn. Va-mos mostrar que para cada j o conjunto TKj ;F,S e aberto e densoem V. Resta provar a densidade. Sejam g ∈ V uma aplicacaode classe C∞ e V(g) ⊂ V uma vizinhanca de g. Vamos mostrarque existe h ∈ V(g) que e transversal a S em pontos de Kj . Se-jam θji : Jr(Rm,Rn) → π−1(U ji × V

ji ) ⊂ Jr(M,N) o difeomorfismo

induzido pelas cartas locais φji e ψji . Seja θj : (Jr(Rm,Rn))s →(Jr(M,N))s a aplicacao θj1 × · · · × θjs. Consideremos a subvarie-dade Sj ⊂ (Jr(Rm,mathbbRn))s cuja imagem por θj e S. Sejamgi : Rm → Rn as aplicacoes gi = ψji g (φji )

−1. Pelo lema 8.29, aaplica cao

(Rm)s × (Rn)s × (Pr(Rm,Rn))s → (Jr(Rm,Rn))s

definida por G(x, v, p) = (jr(g1+v1+p1)(x1), . . . , jr(gs+vs+ps)(xs))e uma submersao. Logo o conjunto G dos pares (v, p) tais que aaplicacao Gv,p(x) = G(x, v, p) e transversal a S e um conjunto re-sidual. Sejam λi : Rm → [0, 1] funcoes C∞ que vale 0 fora de umavizinhanca compacta de φji (K

ji ) contida em φji (W

ji ) e vale 1 em uma

vizinhanca menor de φji (Kji ). Definimos entao h : M → N como

[SEC. 8.2: TEOREMAS DE TRANSVERSALIDADE 219

sendo igual a g fora de ∪iW ji e h = (ψji )

−1 (gi+ vi+ pi) φji em W ji

onde (v, p) ∈ G. Temos entao que jrsh e transversal a S em pontos deKj . Tomando (v, p) ∈ G suficientemente proximo da origem temosque h ∈ V(g)

Demonstracao do teoremaTomemos uma cobertura enumeravel de M (s) por subconjuntos com-pactos Li e uma cobertura enumeravel de S por subconjuntos fecha-dos Fj . Pela proposicao anterior TLi;Fj ,S e aberto e denso. LogoTS = ∩i,jTLi;Fj ,S e residual.

Capıtulo 9

Grau Topologico

9.1 O conceito de grau

Lembramos que definimos o conceito de homotopia Cr na definicao3.2 e mostramos que e uma relacao de equivalencia. Agora podemosmostrar um fato mais forte no caso de M ser compacta. Suponha quef, g ∈ Cr(M,N) sejam homotopicas (por uma homotopia contınua),entao elas de fato sao Cr homotopicas. Para ver isso, fixe H umahomotopia contınua entre f e g e, modificamos H obter uma homo-topia contınua H : [0, 1]×M → N tal que H(t, x) = f(x) se t ≤ 1/4e H(t, x) = g(x) se t ≥ 3/4. Em seguida, usamos a proposicao 7.43para aproximar H por uma aplicacao Cr que coincide com H em([0, 1/8] ∪ [7/8, 1])×M , encontrando a homotopia desejada.

Sera util lembrar agora das proposicoes sobre homotopias, taiscomo o corolario 3.3 e o teorema 3.11. Como consequencia da ob-servacao acima, temos o seguinte corolario.

Corolario 9.1. Toda funcao e homotopica a uma funcao C∞ e duasfuncoes C∞ que sao homotopicas sao C∞ homotopicas.

Definicao 9.1. [grau] Sejam M e N variedades compactas orien-tadas de mesma dimensao. Se f : M → N e de classe Cr, r ≥ 1, ey ∈ N e um valor regular de f , definimos o grau de f em relacao a ycomo o inteiro

gr(f, y) =∑

f(x)=y

sinal(x)

220

[SEC. 9.1: O CONCEITO DE GRAU 221

em que

sinal(x) =

+1 se Df(x) preserva orientacao

−1 caso contrario.

Observacao 9.1. A definicao tem sentido mesmo que M nao sejacompacta, mas com f propria.

Lema 9.2. Sejam f, g : M → N aplicacoes homotopicas de classeCr e suponha que y ∈ N seja valor regular de ambas f e g. Entaogr(f, y) = gr(g, y).

Demonstracao. E claro que y tambem e valor regular de qualqueraplicacao suficientemente C1 proxima a f e seu grau em relacao a ycoincide com o de f . Podemos entao supor que f e g sao de classe C∞

e que a homotopia e tambem C∞. Pelo teorema de transversalidade,podemos perturbar essa homotopia e obter uma homotopia H tal quey tambem seja valor regular de H. Logo H−1(y) e uma famılia finitade curvas fechadas e intervalos fechados cujos bordos pertencem aobordo de [0, 1]×M = 0 ×M ∪ 1 ×M .

Figura 9.1: homotopia.

Afirmamos que se x1, x2 ∈ M × 0 pertencem ao bordo de umtal segmento, entao f(x1) = f(x2) = y e o sinal de x1 e opostoao sinal de x2. Para provar isso, consideremos uma parametrizacaoγ : [0, 1]→M × [0, 1] de uma componente conexa de H−1(y) tal queγ(0), γ(1) ∈ M × 0 e γ(0) com sinal positivo. Como γ′(0) apontapara o interior de M × [0, 1], uma base positiva de TMγ(0) seguidade γ′(0) e uma base positiva de M × [0, 1] (estamos considerando emM × [0, 1] a orientacao produto: uma base positiva de TMx seguida

222 [CAP. 9: GRAU TOPOLOGICO

do vetor ∂∂t e uma base positiva de T (M× [0, 1])(x,t)). Tomemos uma

metrica Riemanniana em M × [0, 1] tal que γ′(i) seja ortogonal aTMγ(i) para i = 0, 1. Como y e valor regular de H e DH(γ′(t)) = 0,

temos que a restricao de DH(γ(t)) ao complemento ortogonal γ′(t)⊥

e um isomorfismo para todo t. Consideremos em cada γ′(t)⊥ a ori-entacao tal que uma base positiva seguida do vetor γ′(t) seja umabase positiva de T (M × [0, 1])γ(t). Portanto, com essa orientacao,temos que a restricao da derivada de H a cada um desses espacospreserva a orientacao definida, pois para t = 0 a orientacao e pre-servada. Logo a orientacao e preservada para t = 1. Mas como ovetor γ′(1) aponta para fora, essa orientacao e oposta a orientacaode TMγ(1). Logo, o sinal de γ(1) e negativo. Da mesma forma con-cluımos que se y1, y2 ∈ 1 × M pertencem a mesma componenteconexa de H−1(y), entao esses pontos tem sinais opostos com res-peito a g. O mesmo argumento mostra tambem que se x3 ∈ 0×Me y3 ∈ 1 ×M pertencem a um segmento que une as duas compo-nentes do bordo, entao o sinal de x3 com respeito a f e igual ao sinalde y3 com respeito a g.

Teorema 9.3.

1) Se y1 e y2 sao valores regulares de f ∈ Cr(M,N), r ≥ 1, entao

gr(f, y1) = gr(f, y2)def= gr(f).

2) Se f e g ∈ Cr(M,N), com r ≥ 1, sao homotopicas entaogr(f) = gr(g).

Demonstracao. Como ja vimos, existe um campo de vetores emN cujo fluxo ϕt esta definido para todo tempo e ϕ1(y2) = y1. Sejag = ϕ1 f . Como ϕ1 e um difeomorfismo homotopico a identidade,temos que g e homotopico a f e Dϕ1(y2) : TNy2 → TNy1 preservaorientacoes. Logo y1 e valor regular de g e gr(g, y1) = gr(f, y2). Poroutro lado, pelo lema anterior, gr(g, y1) = gr(f, y1). Portanto o graude uma aplicacao nao depende do valor regular. O item 2 tambemsegue do lema anterior.

Observacao 9.2. Se duas funcoes de classe C1 estao suficientementeproximas de uma funcao C0, entao elas sao homotopicas, e portantotem o mesmo grau. De modo tem sentido a seguinte definicao.

[SEC. 9.1: O CONCEITO DE GRAU 223

Definicao 9.2. O grau de funcao f ∈ C0(M,N) e definido como ograu de qualquer funcao de classe C1 suficientemente proxima de fna topologia C0.

Observacoes:

1. Os mesmos argumentos utilizados acima provam tambem que seexiste uma homotopia propria entre duas aplicacoes contınuasproprias entre variedades orientadas, entao as aplicacoes tem omesmo grau.

2. Para aplicacoes entre variedades nao orientaveis podemos defi-nir a nocao de grau modulo dois. Para funcoes de classe C∞,o grau modulo dois e simplesmente a paridade do numero depre-imagens de um valor regular e prova-se, com os mesmosargumentos utilizados acima, que tambem e um invariante ho-motopico.

Exemplo 9.1. Sejam f+, f− : B(0, 3) ⊂ Rm → Sm = Rm ∪ ∞ asaplicacoes definidas por

f+(x) =

∞ se ‖x‖ ≥ 2x se ‖x‖ ≤ 1

12−‖x‖x se 1 ≤ ‖x‖ < 2

e

f−(x) =

∞ se ‖x‖ ≥ 2(−x1, x2, ..., xm) se ‖x‖ ≤ 1

12−‖x‖ (−x1, x2, ..., xm) se 1 ≤ ‖x‖ < 2.

Seja M uma variedade compacta orientada. Considere uma famıliade k cartas locais positivas φi : Wi ⊂ M → B(0, 3), i = 1, ..., k,com os Wi’s dois a dois disjuntos. Sejam f, g : M → Sm as aplicacoesdefinidas por f(x) = g(x) =∞ se x /∈ ∪ki=1Wi e em cadaWi definimosf(x) = f+(φi(x)) e g(x) = f−(φi(x)). Entao f tem grau k e g temgrau −k.

Proposicao 9.4. Se M e N sao variedades complexas compactas demesma dimensao e f : M → N e holomorfa, entao o grau de f e onumero de pontos na imagem inversa de qualquer valor regular.

224 [CAP. 9: GRAU TOPOLOGICO

Demonstracao. Se L : Cn → Cn e uma transformacao C-linear in-vertıvel, entao L preserva a orientacao de R2n = Rn × Rn, isto e,det L > 0. De fato, como det e contınua, podemos supor, pertur-bando L se necessario, que os autovalores de L sao dois a dois dis-tintos. Em particular, existe uma base de R2n na qual a matriz de

L e formada de blocos diagonais da forma(aj bj−bj aj

), em que cada

aj+ibj e um autovalor. Assim det L =∏j(a

2j +b2j ) > 0. Em particu-

lar, toda variedade complexa e orientavel e se df(x) e biunıvoca entaodf(x) preserva orientacao. Logo todos os pontos na pre-imagem deum valor regular tem sinal positivo.

Corolario 9.5. Se f : M → N e holomorfa com M e N compactas demesma dimensao e se df(x) e 1−1 para algum x, entao f e sobrejetiva.

Demonstracao. A imagem de f contem uma vizinhanca de f(x)pelo teorema da funcao inversa. Pelo lema de Sard existe um valorregular na imagem de f . Pela proposicao anterior o grau de f epositivo. Logo f e sobrejetiva pois se existisse y ∈ N \ f(M), entaoy e valor regular, o que implicaria grf = 0.

Em dimensao complexa 1 temos duas alternativas: ou f ′(x) = 0para todo x ∈ M , o que implica f ser constante, ou f e sobrejetiva.Em particular, se f : C→ C e uma funcao racional nao constante, isto

e, da forma f(z) = P (z)Q(z) com P e Q polinomios nao ambos constantes,

entao e sobrejetiva. Se Q e constante igual a 1, entao concluımos quetodo polinomio nao constante tem uma raız.

A seguir vamos estudar o problema de estender para o interioruma aplicacao contınua definida no bordo de uma variedade e quetoma valores em outra variedade da mesma dimensao que o bordo.

Lema 9.6. Seja W uma variedade com bordo e M = ∂W compactoe da mesma dimensao que N . Sejam f, g : M → N aplicacoes ho-motopicas. Se f tem uma extensao contınua F : W → N entao gtambem se estende continuamente.

Demonstracao. Seja ϕ : M × [0, 1] → W uma vizinhanca colar.teorema 4.1. Consideremos a aplicacao exponencial de uma metricaRiemanniana em N . Seja V uma vizinhanca de ∂W em W e ε > 0

[SEC. 9.1: O CONCEITO DE GRAU 225

tal que para todo y ∈ V a aplicacao exponencial expF (y) seja umdifeomorfismo da bola B(0, ε) no espaco tangente a F (y) sobre umavizinhanca de F (y). Seja δ > 0 tal que se y = ϕ(x, t) com t < δ,entao y ∈ V e f(x) ∈ expF (y)(B(0, ε)). Seja τ : [0, δ] → [0, 1] uma

funcao C∞ tal que τ(t) = 1 para t ≤ δ2 e τ(t) = 0 para t ≥ 3δ

4 . Sey = ϕ(x, t) com t ≤ δ, definimos

F (y) = expF (y)

(τ(t)exp−1

F (y)(f(x)))

e definimos F (y) = F (y) se y 6= ϕ(x, t) para qualquer x ∈ ∂Wse t ≥ δ. Entao F tambem e uma extensao contınua de f . SejaH : [0, 1]×M → N uma homotopia entre g e f . DefinimosG : W → Npor G(y) = F (y) se y /∈ ϕ(M × [0, δ2 ]) e se y = ϕ(x, t), com t ≤ δ

2 ,definimos G(y) = H

(2tδ , x

).

Proposicao 9.7. Se uma aplicacao contınua f : ∂W → N , entrevariedades compactas de mesma dimensao, se estende continuamentea W entao o grau de f e igual a zero.

Demonstracao. Aproximando f por uma funcao C∞ g homotopicaa f temos que g tambem se estende continuamente a W . Tomandouma vizinhanca colar φ : ∂W×[0, 1]→W como no Lema ??, podemosencontrar uma extensao contınua de F de g tal que F (φ(x, t) = g(x)se 0 ≤ t ≤ δ < 1. Logo F e Cinfty proximo a ∂W . Podemos entaoaproximar F por uma funcao C∞ que coincide com F em uma vizi-nhanca de W . Logo G e uma extensao C∞ de g. Seja y ∈ ∂W umvalor regular de G e de g. Temos entao que G−1(y) e uma subva-riedade de dimensao 1 e, como no Lema anterior, uma componenteconexa que intersecta o bordo o faz em dois pontos que tem sinaisopostos. Logo o grau de g e igual a zero.

Lema 9.8. Seja A ∈ GL(n,R). Se A preserva orientacao, entaoexiste um caminho t ∈ [0, 1] 7→ At ∈ GL(n,R) tal que A0 = Ae A1 = id. Se A inverte orientacao, entao existe um caminho emGL(n,R) tal que A0 = A e A1(x1, . . . , xn) = (−x1, x2, . . . , xn).

Demonstracao. Como GL(n,R) e aberto em M(n,R), podemos su-por que os autovalores de A sao distintos, uma vez que existe uma ca-minho entre um isomorfismo e qualquer isomorfismo suficientemente

226 [CAP. 9: GRAU TOPOLOGICO

proximo. Podemos entao escolher uma base de Rn na qual a matrizde A e de blocos diagonais da forma

rj

(cos θj sen θj− sen θj cos θj

), (λ2

j ), ou (−µ2j ).

O caminho com blocos diagonais

((1− t)rj + t)

(cos(1− t)θj sen(1− t)θj− sen(1− t)θj cos(1− t)θj

),

((1− t)λ2j + t) e (−(1− t)µ2

j − t)

conecta a matriz inicial com uma matriz diagonal cujos elementos sao

1 e/ou −1. Finalmente, note que um bloco 2× 2 do tipo(−1 00 −1

)pode ser levado a identidade pelo caminho(

sen(t− 1)π2 cos(t− 1)π2− cos(t− 1)π2 sen(t− 1)π2

), 0 ≤ t ≤ 1.

Teorema 9.9. [Hopf] Seja Wn+1 uma variedade orientada combordo e f : ∂W → Sn uma aplicacao contınua de grau 0. Entaof tem uma extensao contınua f : W → Sn = Rn ∪∞.

Demonstracao. Pelo Lema 9.6, podemos supor que f e C∞ e queo polo norte 0 ∈ Sn e um valor regular de f . Como f tem grauzero temos que #f−1(0) = 2k, sendo que k desses pontos tem sinalpositivo e k tem sinal negativo. Sejam γi : [0, 1] → W mergulhos di-ferenciaveis tais que γi([0, 1]) sao dois a dois disjuntos, transversaisao bordo e γi(0), γi(1) ∈ f−1(0) tem sinais opostos, sendo γi(0) po-sitivo. Em dimensao maior que um (dimensao de W maior que 2)comecamos construindo arcos conectando pontos com sinais opostos,e com uma pequena perturbacao obtemos arcos dois a dois disjuntospor transversalidade. Se a dimensao de W for 2, temos que alte-rar os arcos iniciais, mudando inclusive uma das extremidades paratorna-los disjuntos. Tomemos mergulhos (vizinhancas tubulares dosγi([0, 1]) adaptadas ao bordo) ϕi : [0, 1]×D →W com

ϕi(t, 0) = γi(t), ϕi(0 ×D) ⊂ ∂W e ϕi(1 ×D) ⊂ ∂W

[SEC. 9.1: O CONCEITO DE GRAU 227

Figura 9.2: teorema de Hopf.

sendo os tubos ϕi([0, 1] × D) dois a dois disjuntos e f |ϕi(0×D),f |ϕi(1×D) difeomorfismos. Aqui D = B(0, 1) ⊂ Rn.

A aplicacaoz ∈ D 7→ ϕi(0, z) ∈ ∂W

preserva orientacao, enquanto que a aplicacao

z ∈ D 7→ ϕi(1, z) ∈ ∂W

inverte orientacao. Logo z ∈ D 7→ f ϕi|j×D preservam orientacaopara j = 0, 1. Pelo lema ??, existem arcos de isomorfismos de Rn,Ait, tais que Ai0 e a derivada de f ϕi|0×D no ponto 0 e Ai1 e aderivada de f ϕi|1×D no ponto 0.

Seja g : ∂W → Sn a aplicacao homotopica a f tal que

• g ϕi|j×D1/2= f ϕi|j×D1/2

;

• g e igual ao polo sul no complementar de ∪i,jϕi(j×D), paraj = 0, 1;

• para 1/2 < s < 1, x ∈ Sn−1, g(ϕi(j, sx)) e igual ao ponto domeridiano de Sn passando por f(ϕi(j, 1

2x)) que divide essemeridiano na mesma proporcao que s divide o intervalo [1/2, 1].

Por uma nova homotopia, podemos supor que g ϕi|j×D e iguala Aj em j × x ∈ D; ‖x‖ < ε, para ε ≤ s ≤ 1/2 e x ∈ Sn−1,g(j, sx) pertence ao meridiano ligando g(j, Aj(εx)) ao polo sul e

228 [CAP. 9: GRAU TOPOLOGICO

o divide na mesma proporcao que s divide o intervalo [ε, 1/2] e que gseja constante igual ao polo sul no complementar de

⋃i,j

ϕi(j×D1/2).

A extensao g de g e constante igual ao polo sul no complementar de⋃i,j

ϕi(j ×D1/2) e dentro dos tubos e definida da seguinte maneira:

• g(ϕi(t, sx)) = Ait(sx) se s ≤ ε;

• g(ϕi(t, sx)) = polo sul se s ≥ 1/2;

• se ε ≤ s ≤ 1/2, entao g(ϕi(t, sx)) e o ponto do meridiano porAit(εx) que divide os arcos entre Ait(εx) e o polo sul na mesmaproporcao que s divide o intervalo [ε, 1/2];

• finalmente, a imagem de um ponto fora dos tubos por g e defi-nida como o polo sul.

Como g e extensao contınua de g e f e homotopica a g, entao ftambem tem extensao contınua pelo lema 9.6.

Observacao 9.3. Se f : ∂W → Sn tem grau 0 e e de classe Cr, entaof tem extensao Cr.

Teorema 9.10. Sejam f, g ∈ C0(M,Sn) aplicacoes contınuas, comM e uma variedade orientavel de dimensao n. Se f e g tem o mesmograu, entao f e g sao homotopicas.

Demonstracao. Considere W = [0, 1] ×M , de modo que o bordode W e ∂W = 0×M ∪1×M . A aplicacao h : ∂W → Sn definidapor h(0, x) = f(x) e h(1, x) = g(x) tem grau 0, e portanto se estendecontinuamente a h : [0, 1]×M → Sn, que e uma homotopia entre f eg.

Observacao 9.4. Como ja vimos anteriormente, para todo k ∈ Zexiste uma aplicacao contınua f : M → Sn de grau k. Portanto oconjunto das classes de homotopia de aplicacoes de M em Sn estaem bijecao com Z.

[SEC. 9.2: INDICE DE SINGULARIDADE DE CAMPOS DE VETORES 229

9.2 Indice de singularidade de campos de vetores

Definicao 9.3. SejaX : U ⊂ Rn → Rn um campo de vetores contınuoe x0 ∈ U uma singularidade isolada deX. Seja ε > 0 tal queX(x) 6= 0se 0 < ‖x‖ ≤ ε. Definimos o ındice de X em x0, denotado porInd(X,x0), como o grau da aplicacao

Sn−1 −→ Sn−1

x 7−→ X(x0+εx)‖X(x0+εx)‖ .

Observacao: Pela invariancia do grau por homotopia, a definicaonao depende da escolha de ε.

Definicao 9.4. Uma singularidade x0 ∈ U de um campo X ∈ X1(U)e dita hiperbolica se DX(x0) nao possui autovalores no eixo ima-ginario. O subespaco estavel de X em x0 e o auto-espaco Esx0

associ-ado aos autovalores com parte real negativa.

Proposicao 9.11. Se x0 e uma singularidade hiperbolica de umcampo X ∈ X1(U), entao

Ind(X,x0) = (−1)dimEsx0 .

Demonstracao. Seja A0 = DX(x0). Para ε > 0 proximo de 0 e

x ∈ Sn−1, temos que X(x0 + εx) = A0(εx) + r(εx), com r(εx)ε → 0

se ε → 0. Como A0 nao tem autovalores no eixo imaginario, A0 eem particular invertıvel, portanto existe m > 0 tal que ‖A0(x)‖ ≥ mpara todo x ∈ Sn−1. Como r(εx)

ε → 0 quando ε → 0, podemos

escolher ε > 0 tal que | r(εx)ε | < m e tambem que X(x0 + εx) 6= 0 para

todo x ∈ Sn−1. Daı ‖εA0(x) + s · r(εx)‖ 6= 0 para todo s ∈ [0, 1] ex ∈ Sn−1, de modo que esta bem definida a aplicacao

Sn−1 × [0, 1] −→ Sn−1

(x, s) 7−→ εA0(x)+s·r(εx)‖εA0(x)+s·r(εx)‖

e e uma homotopia entre as aplicacoes x 7→ X(x0+εx)‖X(x0+εx)‖ e x 7→ A0(x)

‖A0(x)‖ ,

implicando portanto que tem o mesmo grau, e assim

Ind(X,x0) = Ind(A0, 0).

230 [CAP. 9: GRAU TOPOLOGICO

Por outro lado, pelo lema 9.6, podemos construir uma homotopia Ata identidade se o numero de autovalores com parte real < 0 e par oua aplicacao (x1, x2, . . . , xn) 7→ (−x1, x2, . . . , xn) se esse numero forımpar. Logo Ind(A0, 0) e igual a 1 se o auto-espaco correspondenteaos autovalores com parte real negativa tem dimensao par e −1 casocontrario.

Corolario 9.12. Sejam x0 ∈ U e uma singularidade hiperbolica docampo X ∈ X1(U), ϕ : U → V ⊂ Rn um difeomorfismo de classeC∞ e Y = ϕ∗X : y 7→ Dϕ(ϕ−1(y)) · X(ϕ−1(y)). Entao ϕ(x0) esingularidade hiperbolica de Y e

Ind(X,x0) = Ind(Y, ϕ(x0)).

Demonstracao. Se y0 = ϕ(x0), entao

DY (y0) = Dϕ(x0) ·DX(x0) ·Dϕ(x0)−1 ⇒ dimEsx0= dimEsy0

pois o espectro de DX(x0) e igual ao espectro de DY (y0).

Lema 9.13. Se 0 e uma singularidade simples de um campo de ve-tores X : Rn → Rn entao para todo δ > 0 suficientemente pequeno 0e singlaridade hiperbolica do campo Y (x) = X(x) + δ × x.

Demonstracao. Como DY (0) = DX(0) + δid temos que se λ eautovalor de DX(0) entao λ+ δ e autovalor de DY (0). Logo, se δ emenor que o valor absoluto da parte real de todos autovalores comparte real nao nula, temos que DY (0) nao tem autovalor no eixoimaginario. Logo 0 e singularidade hiperbolica de X.

Proposicao 9.14. Se r ≥ 1 entao o conjunto dos campos de vetoresCr cujas singularidades sao todas hiperbolicas e aberto e denso emXr(M).

Demonstracao. Como o conjunto dos campos de vetores com todasas singularidades simples e aberto e denso, teorema 8.41, a proposicaosegue do lema 9.13.

[SEC. 9.2: INDICE DE SINGULARIDADE DE CAMPOS DE VETORES 231

Lema 9.15. Seja x0 ∈ U uma singularidade isolada do campo devetores contınuo X : U ⊂ Rn → Rn. Se ϕ : U → V ⊂ Rn e umdifeomorfismo C∞ (basta C1) e Y = ϕ∗X, entao

Ind(X,x0) = Ind(Y, y0) com y0 = ϕ(x0).

Demonstracao. Seja a > 0 tal que

0 < ‖x− x0‖ ≤ a⇒ X(x) 6= 0

0 < ‖y − y0‖ ≤ a⇒ Y (y) 6= 0.

Seja b < a2 suficientemente pequeno tal que

‖x− x0‖ < b⇒ ‖ϕ(x)− y0‖ <a

2.

Seja ε > 0 e X um campo de classe C∞ cujas singularidades no disco‖x− x0‖ ≤ a sao todas hiperbolicas e

‖X(x)−X(x)‖ ≤ ε, ∀x ∈ U.

Se ε > 0 e suficientemente pequeno, entao ϕ∗X esta muito proximode Y , de modo que as singularidades de ϕ∗X estao contidas na bolade raio a

2 e centro y0 e as aplicacoes

Sn−1 → Sn−1, y 7→ Y (y0 + ay)

‖Y (y0 + ay)‖e y 7→ ϕ∗X(y0 + ay)

‖ϕ∗X(y0 + ay)‖

estao proximas, e portanto sao homotopicas, implicando que tem omesmo grau.

Alem disso, para ε suficientemente pequeno as singularidades de Xestao contidas na bola de raio a

2 e centro x0. Pelo corolario ante-

rior, a soma dos ındices da singularidades de X em B(x0, a) e igual asoma dos ındices da singularidades de ϕ∗X em B(x0, a). Seja δ > 0suficientemente pequeno para que as bolas de raio δ e centro nas sin-gularidades de X sejam duas a duas disjuntas e contidas em B(x0, a).

232 [CAP. 9: GRAU TOPOLOGICO

Seja W = B(x0, a) \⋃i

B(xi, δ), em que x1, . . . , xk sao as singulari-

dades de X em B(x0, a). Como X nao tem singularidades em W , aaplicacao

∂W −→ Sn−1

x 7−→ X(x)

‖X(x)‖

se estende continuamente a W , e portanto tem grau 0.

Logo Ind(X,x0) =k∑i=1

Ind(X, xi) e, de modo analogo,

Ind(Y, y0) =

k∑i=1

Ind(ϕ∗X, ϕ(xi)),

o que implica Ind(X,x0) = Ind(ϕ∗X, y0).

Definicao 9.5. Se X ∈ X0(M) e x0 ∈M e singularidade isolada deX, definimos

Ind(X,x0) = Ind(ϕ∗X,ϕ(x0))

com ϕ : U ⊂M → U ⊂ Rm uma carta local em torno de x0.

Observacao 9.5. Pelo lema 9.12, a definicao nao depende da cartalocal e nem de uma orientacao de M .

Teorema 9.16. Sejam M uma variedade compacta e X,Y ∈ X(M)campos de vetores cujas singularidades sao todas isoladas. Entao∑

X(x)=0

Ind(X,x) =∑

Y (y)=0

Ind(Y, y).

Portanto o numero acima e um invariante da variedade, chamado decaracterıstica de Euler de M , e e denotado por χ(M).

Demonstracao. Usando a proposicao 9.14,podemos trocar X e Ypor campos de classe C∞ com singularidades todas hiperbolicas. Se-gue do teorema 8.41 que existe um caminho contınuo de campos devetores t ∈ [0, 1] 7→ Xt, com X0 = X e X1 = Y e tal que todas assingularidades de Xt sao isoladas para todo t. Pela invariancia de

[SEC. 9.2: INDICE DE SINGULARIDADE DE CAMPOS DE VETORES 233

grau por homotopia, temos que para todo t0 ∈ [0, 1] existe ε > 0 talque

|t− t0| < ε⇒∑

Xt(x)=0

Ind(Xt, x) =∑

Xt0 (x)=0

Ind(Xt0 , x).

Teorema 9.17. Seja M uma variedade compacta. Entao existe umcampo de classe C∞ emM cujas singularidades sao todas hiperbolicase de mesmos ındices.

Demonstracao. Seja X um campo de vetores em M cujas singula-ridades sao todas hiperbolicas. Sejam x, y ∈ M singularidades de Xtais que Ind(X,x) = −Ind(X, y). Usando um arco mergulhado con-tendo x e y, disjunto das outras singularidades, e que seja o fluxo deum campo de vetores de classe C∞ tangente a esse arco construımosum mergulho

ϕ : (−ε, 1 + ε)×Dn−1 →M

tal que ϕ((−ε, 1+ε)×Dn−1)) intersecta o conjunto de singularidadesde X apenas nos pontos x = ϕ(0, 0) e y = ϕ(1, 0).

Seja Y : (−ε, 1 + ε) × Dn−1 → Rn o campo tal que ϕ∗Y = X. To-memos uma vizinhanca B de [0, 1]×0 difeomorfa a uma bola, cujobordo e difeomorfo a uma esfera, e B0, B1 bolas centradas em (0, 0)e (1, 0) cujos fechos estao contidos em B.

Se W = B \B0 ∪B1, entao ∂W = ∂B t ∂B0 t ∂B1 e a aplicacao

∂W −→ Sn−1

x 7−→ Y (x)‖Y (x)‖

se estende a W , e portanto tem grau 0. Por outro lado seu grau e

IndY (0, 0) + IndY (1, 0)− gr Y (x)‖Y (x)‖ |∂B .

Mas como Ind(Y, (0, 0)) = −Ind(Y, (1, 0)) temos que a aplicacao

∂B −→ Sn−1

x 7−→ Y (x)‖Y (x)‖

234 [CAP. 9: GRAU TOPOLOGICO

tem grau zero. Logo se estende diferenciavelmente a B. PortantoY |(−ε,1+ε)×Dn−1\B se estende a um campo Y sem singularidades. Defato, tome F : B → Sn−1 uma extensao e seja f funcao de classe C∞

nao negativa que vale 1 em vizinhanca de B0 ∪ B1 e 0 fora de umavizinhanca de B0 ∪ B1 contida em B e defina Y = (‖Y ‖ + f) · F .Logo o campo Y que coincide com X fora de ϕ((−ε, 1 + ε) × Dn−1)e com ϕ∗Y em ϕ((−ε, 1 + ε) × Dn−1) tem todas as singularidadeshiperbolicas e um par de singularidades com ındices distintos a menosque X. Continuando o processo encontramos um campo com todasas singularidades de mesmo ındice.

Corolario 9.18. Se χ(M) = 0, entao existe um campo de vetoresem M sem singularidades.

Corolario 9.19. Se M e uma superfıcie e χ(M) < 0, entao existe umcampo de vetores em M cujas singularidades sao selas hiperbolicas,isto e, singularidades de ındice −1.

Observacao 9.6. Podemos provar diretamente o corolario acima ob-servando que toda superfıcie compacta e obtida colando um numerofinito de calcas pelos bordos, e em cada calca construir um campode vetores com uma unica sela no interior e os bordos como orbitasfechadas, como na figura 9.3.

Figura 9.3: Campo de vetores em uma calca.

Em particular, a caracterıstica de Euler e 2−#de calcas. O toroT2 tem caracterıstica de Euler 0 pois tem um campo sem singulari-dades e a esfera tem caracterıstica 2.

[SEC. 9.2: INDICE DE SINGULARIDADE DE CAMPOS DE VETORES 235

Proposicao 9.20. Em toda variedade compacta existe um campode vetores com uma unica singularidade.

Demonstracao. Mostremos inicialmente que dado um inteiro k,existe um campo de vetores em B(0, 1) ⊂ Rm com uma unica singu-laridade, cujo ındice e k. De fato, seja f : Sm−1 → Sm−1 uma funcaode classe C∞ de grau k. Seja φ : Rm → R uma funcao de classeC∞ nao negativa que vale 1 proximo da esfera unitaria, que se anulaapenas em 0 e cujas derivadas de todas as ordens em 0 sao nulas. O

campo X definido por X(x) = φ(x)f(

x‖x‖

)se x 6= 0 e X(0) = 0 e de

classe C∞ e tem uma unica singularidade em 0, cujo ındice e k.

Seja X um campo de vetores de classe C∞ na variedade M que temuma singularidade isolada x0 de ındice igual a caracterıstica de Eulerde M . Perturbando o campo X fora de uma pequena vizinhanca dex0, obtemos um campo Y que coincide com X em uma vizinhanca dex0 e tal que todas as outras singularidades de Y sao hiperbolicas,proposicao ??. Logo o numero de singularidades hiperbolicas deındice 1 e igual ao numero de singularidades hiperbolicas de ındice−1. Usando o argumento da prova do teorema acima, podemos eli-minar todas essas singularidades hiperbolicas e obter um campo devetores com apenas a singularidade x0.

Proposicao 9.21. Se M e uma variedade de dimensao ımpar, entaoχ(M) = 0.

Demonstracao. X um campo de vetores em M com todas singula-ridades hiperbolicas. Sejam x1, . . . , xk essas singularidades, de modo

que χ(M) =k∑i=1

(−1)dimEsxi . O campo −X tem as mesmas singula-

ridades, mas o subespaco estavel em cada singularidade de −X e osubespaco instavel de X nessa singularidade, daı

χ(M) =∑

Ind(−X,xi) =∑

(−1)n−dimEsxi = −χ(M),

e assim χ(M) = 0.

Proposicao 9.22. Se M e N sao variedades compactas e π : M → Ne uma aplicacao de recobrimento, entao

χ(M) = (#f−1(x)) · χ(N).

236 [CAP. 9: GRAU TOPOLOGICO

Demonstracao. Seja X um campo de vetores em N com singulari-dades todas hiperbolicas e seja Y = π∗X o campo de vetores em Mtal que

Dπ(y)Y (y) = X(π(y)).

Entao y ∈ M e singularidade de Y se, e somente se, x = π(y) esingularidade de X e

Ind(Y, y) = Ind(X,x).

Observacao 9.7. Considere o toro Tn = S1 × ...× S1 e a aplicacao

π : Tn −→ Tn

(z1, z2, . . . , zn) 7−→ (z21 , z2, . . . , zn).

Entao π e um recobrimento com duas folhas. Logo (χTn) = 2χ(Tn),e portanto χ(Tn) = 0.

Proposicao 9.23. Se uma variedade de dimensao par M e a somaconexa de M1 e M2, entao χ(M) = χ(M1) + χ(M2)− 2.

Demonstracao. Sejam Bj ⊂ Mj bolas mergulhadas e consideremergulhos φj : Mj \ Bj → M , j = 1, 2, tais que M e a uniao dasimagens de φ1 e φ2 e a intersecao das imagens seja uma esfera mer-gulhada S ⊂M . Em M1 construımos um campo de vetores com umaunica singularidade em B1, que seja hiperbolica e atratora, e que sejatransversal a ∂B1. Podemos supor que todas as outras singularidadesde X1 tambem sao hiperbolicas. Analogamente, em M2 construımosum campo X2 com uma unica singularidade B2, que seja hiperbolicae repulsora, e que seja transversal a ∂B2. Sejam

x1, . . . , xk as singularidades de X1 em M1 \B1

ey1, . . . , y` as singularidades de X2 em M2 \B2,

de modo que ∑Ind(X1, xi) = χ(M1)− 1∑Ind(X2, yi) = χ(M2)− 1.

[SEC. 9.2: INDICE DE SINGULARIDADE DE CAMPOS DE VETORES 237

Podemos entao construir um campo de vetores X em M que e trans-versal a S e tal que φ∗i (X) coincide com Xi fora de uma pequenavizinhanca do bordo onde os campos nao se anulam. Logo∑

x∈M1

X(x)=0

Ind(X,x) =∑

X1(x)=0x∈M1\B1

Ind(X1, x)

∑y∈M2

X(y)=0

Ind(X, y) =∑

X2(y)=0y2∈M2\B2

Ind(X2, y).

Proposicao 9.24. Se W e uma variedade com bordo, entao existeum campo de vetores sem singularidades em W .

Demonstracao. Seja W o dobro de W e X um campo de vetores emW com singularidades hiperbolicas. Sejam x1, . . . , xk as singularida-des de X em W . Considere curvas mergulhadas γi : (−ε, 1 + ε)→ Wcom γi(0) = xi, com imagens duas a duas disjuntas e disjuntas dasoutras singularidades e tais que γi(1) ∈ W \W . Tomemos um campode vetores de classe C∞ tal que as curvas γi sao integrais e se anulafora de uma pequena vizinhanca dessas curvas. Seja ϕ o fluxo dessecampo e Y = ϕ1∗X. Entao todas as singularidades de Y estao emW \W e sua restricao a W e um campo de vetores sem singularida-des.

Proposicao 9.25. Se X e Y sao campos de vetores em W que saotransversais ao bordo apontando para o interior de W , entao∑

X(x)=0

Ind(X,x) =∑

Y (y)=0

Ind(Y, y).

Chamamos esse numero de caracterıstica de Euler de W .

Demonstracao. Podemos construir como antes uma homotopia en-tre esses dois campos por campos que sao transversais ao bordo e sotem singularidades isoladas e a mesma prova funciona.

Corolario 9.26. Se Wn1 e Wn

2 sao variedades de dimensao par combordo e ϕ : ∂W1 → ∂W2 e um difeomorfismo, entao

χ(W1 ∪ϕW2) = χ(W1) + χ(M2).

238 [CAP. 9: GRAU TOPOLOGICO

Demonstracao. Sejam ij : Wj →W1∪ϕW2 mergulhos e Xj camposcom singularidades hiperbolicas em Wi e apontando para o interior.Construımos um campo de vetores X em W1 ∪ϕ W2 tal que i∗1Xcoincide com X1 fora de uma vizinhanca de ∂W1 e e nao nulo nessavizinhanca e i∗2X coincide com −X2 fora de vizinhanca de ∂W2, naqual nao se anula. Logo

χ(M) =∑

X(x)=0

Ind(X,x)

=∑

X1(x)=0

Ind(X1, x) +∑

X2(x)=0

Ind(X2, x)

= χ(M1) + χ(M2).

9.3 Numero de intersecao

Assim como a nocao de transversalidade de uma aplicacao a uma sub-variedade e uma generalizacao da nocao de valor regular, a definicaoabaixo generaliza a nocao de grau.

Definicao 9.6. Sejam M,N variedades orientadas, com M com-pacta, e S ⊂ N uma subvariedade fechada e orientada tal que dimM+dimS = dimN . Se f : M → N e uma aplicacao de classe Cr, r ≥ 1,transversal a S, definimos o numero de intersecao de f com S por

#f ∩ S =∑

x∈f−1(S)

sinal(x),

em que sinal(x) = +1 se uma base positiva de TSf(x) seguida da ima-gem por Df(x) de uma base positiva de TMx for uma base positivade TNf(x) e −1 caso contrario.

Teorema 9.27. Seja M uma variedade compacta orientada, N va-riedade orientada, e S ⊂ N variedade orientada cuja codimensao eigual a dimensao de M . Se f, g : M → N sao aplicacoes de classeC∞ homotopicas e transversais a S entao o numero de intersecao def com S coincide com o numero de intersecao de g com S.

[SEC. 9.3: NUMERO DE INTERSECAO 239

Demonstracao. Seja H : M × [0, 1] → N uma homotopia contınuaentre f e g. Como anteriormente, podemos supor que H(x, t) = f(x)para t ≤ 1

4 e H(x, t) = g(x) para t ≥ 34 . Podemos entao aproximar H

na topologia C0 por uma homotopia H de classe C∞ que e transversala S e coincide com H se t ≤ 1

8 e t ≥ 78 . Como antes, a imagem

inversa de S e um numero finito de arcos de curva com extremos nobordo de M × [0, 1] e um numero finito de cırculos no interior deM × [0, 1]. Vamos mostrar que se γ : [0, 1] → M × [0, 1] e um dessesarcos com γ(0) = (x, 0) e γ(1) = (y, 0) entao x entao x e y tem sinaiscontrarios. De fato, orientemos M × R com a orientacao produto etomemos uma metrica Riemanniana e M ×R com M ×t ortogonala z × R para todo z ∈ M . Orientemos o subespaco perpendiculara γ′(t) de modo que γ′(t) seguido de uma base positiva de γ′(t)⊥

seja uma base positiva de M × [0, 1]. Tomemos tambem uma metricaRiemanniana em N e, para cada ponto z ∈ S orientamos o espacoortogonal a TSz de modo que uma base positiva de TSz seguida deuma base positiva de TS⊥z e uma base positiva de TNz. Como He transversal a S e a imagem de γ′(t) por DH(γ(t)) pertence a Stemos que a imagem de γ′(t)⊥ e transversal ao espaco tangente a Sno ponto H(γ(t)) e a composta de restricao de DH(γ(t)) a γ′(t)⊥coma projecao ortogonal de TNγ(t) sobre TS⊥γ(t) e um isomorfismo ρ(t) de

γ′(t)⊥ sobre TS⊥H(γ(t)). Logo ou ρ(t) preserva orientacao para todot ou inverte a orientacao para todo t. Por outro lado, a orietacaoem γ′(0)⊥ = TMx coincide com a orientacao de TMx enquanto quea orientacao de γ′(1)⊥ = TMy e oposta a orientacao de TMy o queprova que os sinais sao opostos. Com o mesmo argumento concluimosque se γ(0), γ(1) ∈ M × 1 os extremos tem sinais opostos parag enquanto que se, γ(0) ∈ M × 0 eγ(1) ∈ M × 1, os sinaiscoincidem.

Podemos entao definir o numero de intersecao de uma funcaocontınua f : M → N com S como o numero de intersecao com S dequalquer funcao C∞ transversal a S e suficientemente proxima de fe esse numero e invariante por homotopia.

Se M e uma variedade compacta orientada, a soma dos ındicesdas singularidades de um campo de vetores coincide com o numerode intersecoes de X com a secao nula de TM . Como o espaco decampos de vetores e um espaco vetorial, dois campos sao sempre ho-

240 [CAP. 9: GRAU TOPOLOGICO

motopicos: t 7→ (1 − t)X + tY . A invariancia por homotopia donumero de intersecao fornece uma outra prova de que a soma dosındices das singularidades nao depende do campos de vetores. Esseresultado para variedades orientadas imediatamente implica o resul-tado para variedades nao orientadas. De fato, se M e uma variedadecompacta nao orientada e X,Y ∈ X0(M) sao dois campos de ve-tores com singularidades isoladas e tais que a soma dos ındices dassingularidades nao coincidem, podemos tomar o recobrimento duploπ : M → M , com M orientavel, e os campos X = π∗X e Y = π∗Ytem distintas soma de ındices de singularidades.

Se as variedades nao sao orientadas podemos definir, como nocaso de grau, o numero de intersecao modulo 2 que e um invariantehomotopico. Vejamos agora uma aplicacao desse invariante.

Teorema 9.28 ( Jordan-Brower). Seja M uma subvariedade de co-dimensao um de Rn+1. Entao M e orientaveis e o complemento deM tem exatamente duas componentes conexas.

Demonstracao. Podemos supor que M e conexa. Tomando umaorientacao de Rn+1 basta construir um campo de vetores contınuo enormal a M para definir uma orientacao em M : uma base de TMx

e positiva se, seguida do vetor normal, e uma base positiva de Rn+1.Para construir tal campo de vetores, comecamos definindo um vetorunitario v0 normal a TMx0

. Se x ∈M seja α : [0, 1]→M um caminhotal que α(0) = x0 e α(1) = x podemos construir uma aplicacao con-tanua v : [0, 1] → Rn+1 tal que para cada t v(t) e um vetor unitarionormal a TMα(t). Afirmamos que v(1) nao depende do caminhoα. Caso contrario existiria um caminho fechado β : [0, 1] → M comβ(0) = β(1) = x0 e uma funcao contınua v : [0, 1] → Rn+1 tal quev(t) e um vetor unitario normal a TMβ(t) e v(0) = −v(1). Se ε > 0 esuficientemente pequeno o vetor β(t)+ εv(t) nao pertence a M . Logoa curva fechada γ : [0, 1] → Rn+1 definida por γ(t) = β(2t) + v(2t)se t ≤ 1

2 e γ(t) = (2t − 12 )β(0) + (1 − (2t − 1

2 ))β(1) e uma curvafechada que intersecta M no unico ponto x0, Isto e um absurdo poisse v ∈ Rn+1 tem norma suficientemente grande a curval fechadat 7→ γ(t) + v e disjunta de M e e homotopica a γ. Com o mesmoargumento concluımos que x0 + εv0 e x0 − εv0 pertencem a compo-nentes conexas distintas do complementar de M pois, caso contrariopoderıamos construir uma curva fechada que intersecta M no unico

[SEC. 9.3: NUMERO DE INTERSECAO 241

ponto x0. Resta provar que temos apenas duas componentes cone-xas. De fato, como vimos acima, exige uma aplicacao diferenciaveisv : M → Rn+1 tal que v(x) e um vetor unitario ortogonal a TMx.Logo o vibrado normal de M e trivial e, portanto, M separa umavizinhanca tubular U em duas componentes. Por outro lado, dadoz ∈M exige uma curva α : [0, 1]→ Rn+1 tal que α(0) = z, α(1) ∈Me α(t) /∈ M se t < 1. Logo z pertence a mesma componente conexade Rn+1 \M que o ponto α(1− ε) ∈ U .

Um ponto fixo de uma aplicacao C0 f : M → M e um ponto daintersecao do grafico de f com a diagonal ∆ ⊂M ×M . Logo, se M eorientavel podemos definir um invariante da classe de homotopia def : o numero de intersecao de f : M →M ×M com a diagonal. Se fe C1 e f e transversal a diagonal, entao o sinal de cada ponto fixo xcom respeito a aplicacao f e chamado ındice do ponto fixo. . Vamosa seguir mostrar que esta definicao se estende a ponto fixo isolado deuma aplicacao contınua de uma variedade orientavel ou nao.

Definicao 9.7. Seja f : U ⊂ Rm → Rm uma aplicacao contınua talque 0 seja um ponto fixo isolado, isto e, f(x) 6= x para todo x emuma vizinhanca de 0. Se ε > 0 e tal que a bola de centro 0 e raio 2εesteja contido nessa vizinhanca definimos o ındice de f em 0 como ograu da aplicacao

Sn−1 → Sn−1 definida por x 7→ f(εx)− εx||f(εx)− εx||

Pela invariancia por homotopia do grau, a definicao acima naodepende da escolha de ε.

Definicao 9.8. Seja f : M → M uma aplicacao de classe C1. Dize-mos que p ∈M e um ponto fixo simples de f se Df(p) : TMp → TMp

e um isomorfismo que nao tem autovalor igual a 1. Dizemos que oponto fixo e hiperbolico se Df(p) e isomorfismo e nao tem autovalorno cırculo unitario.

Em particular, uma singularidade simples (resp. hiperbolica) deum campo de vetores e um ponto fixo simples (resp. hiperbolico) dofluxo do campo do campo de vetores.

242 [CAP. 9: GRAU TOPOLOGICO

Um ponto fixo p de f : M → M e simples se e somente se aaplicacao x 7→ (x, f(x)) e transversal a diagonal no ponto p. Logotodo ponto fixo simples e isolado.

Proposicao 9.29. Sej 0 um ponto fixo simples de uma aplicacao C1

f : U ⊂ Rm → Rm.

1. Se o numero de autovalores de Df(0) em cada um dos intervalos(−∞, 0) e (0, 1) e par entao o Ind (f, 0) = +1.

2. Se o numero de autovalores de Df(0) em cada um dos intervalos(−∞, 0) e (0, 1) e impar entao o Ind (f, 0) = +1

3. Se a paridade e diferente entao Ind (f, 0) = −1

Demonstracao. A prova usa a invariancia por homotopia do graucomo na proposicao 9.11. Exatamente como na proposicao 9.11comecamos mostrando que Ind (f, 0) = Ind (L, 0) onde L = Df(0).Em seguida construimos um caminho Lt de isomorfismos lineares semautovalor igual a 1 com L0 = L e L1 um dos isomorfismos seguintes:No primeiro caso, L1(x) = 2x. No segundo casso, L1(x1, . . . , xm) =(− 1

2x1,− 12x, 2x3, . . . , 2xm). Finalmente, no terceiro caso

L1(x1, x2, . . . , xm) = (12x1, 2x2, . . . , 2xm) ou L1(x1, x2, . . . , xm) =

(− 12x1,+2x2, . . . , 2xm). Isto e feito como na proposicao 9.11: ini-

ciamos o caminho ate um isomorfismo proximo que e diagonalizavelsobre os complexos, movemos todos os autovalores reais para − 1

2 ,12 , 2

e em seguida todos os autovalores complexos e pares de autovaloresreais iguais para 2. Por invariancia por homotopia do grau o ındicenao depende de t. Para calcular o ındice no terceiro caso, temos quecalcular o grau da aplicacao

x ∈ Sm−1 7→(− 1

2x1, x2, . . . , xm)

||(− 12x1, x2, . . . , xm)||

∈ Sm−1

mas essa aplicacao e homotopica a

x ∈ Sm−1 7→ (−x1, x2, . . . , xm)

que tem grau −1. Os outros casos sao analogos.

[SEC. 9.3: NUMERO DE INTERSECAO 243

Corolario 9.30. Se 0 e ponto fixo simples da aplicacao C1 f : U ⊂Rm → Rm e φ : U → V e um difeomorfismo C1 entao φ(0) e pontofixo simples de φ f φ−1 e com o mesmo ındice.

Demonstracao. Pela proposicao o ındice so depende do espectro daderivada no ponto fixo que e o mesmo nos dois casos.

Pelo corolario acima, o ındice de um ponto fixo simples e inva-riante por mudancas de coordenadas C1, mesmo que nao preserve aorientacao e fica bem definido em variedades, orientaveis ou nao.

Exercıcio 9.1. Mostre que para os isomorfismos L1 : Rm → Rm daproposicao anterior, o ındice no ponto fixo coincide com o sinal de 0 daintesecao com a diagonal da aplicacao x ∈ Rm 7→ (x, L1(x)) ∈M×M .Conclua que, para variedades orientaveis, o numero de intersecao deuma aplicacao transversal a diagonal e igual a soma dos ındices dospontos fixos.

Teorema 9.31. O conjunto das transformacoes em Cr(M,M) cujografico e transversal a diagonal e aberto e denso.

Demonstracao. A prova usa os mesmos argumentos do capıtulo 8e e deixada como exercıcio ao leitor.

Corolario 9.32. Se 0 e um ponto fixo isolado de uma aplicacaocontınua f : U ⊂ Rm → Rm e φ : U → V e um difeomorfismo C1

entao φ(0) e ponto fixo isolado de φ f φ−1 de mesmo ındice.

Demonstracao. Seja ε > 0 tal que f nao tem ponto fixo na bolade raio 2ε. Se g e suficientemente proximo a f na topologia C0, gnao tem pontos fixos na esfera de raio ε. Pelo teorema, podemostomar g C∞ tal que seus pontos fixos sao todos simples. Logo gtem um numero finito de pontos fixos na bola de raio ε. Centradoem cada um dos pontos fixos tomamos uma pequena bola com fechocontido na bola de raio ε tais que os fechos dessas bolas sejam doisa dois disjuntos e que g nao tenha pontos fixos na variedade W quee o complementar dessas bolas na bola de raio ε. Comoa a funcao

x ∈ W → g(x)−x)||g(x)−x|| ∈ S

m−1 e contınua, sua restricao ao bordo tem

grau zero. Mas o grau de sua restricao ao bordo da esfera de raioε e igual ao ındice Ind(f, 0). Isto porque se g esta suficientemente

244 [CAP. 9: GRAU TOPOLOGICO

proximo a f na esfera, as correspondentes aplicacoes da esfera deraio ε na esfera unitaria estao proximas e, portanto, sao homotopicase, consequentemente tem o mesmo grau.Por outro lado, o grau de suarestricao ao complementar do bordo de W e igual a menos a soma dosındices de g nos pontos crıticos pois a orientacao nessas componentesdo bordo de W e oposta a orientacao dessas componentes como bordodas respectivas bolas. Logo o ındice de 0 como ponto fixo de f e iguala soma dos ındices de g nos pontos fixos na bola de raio ε. Por outrolado, a soma dos ındices de φ g φ−1 nos pontos fixos da imagemda bola de raio ε e igual a soma dos ındices dos pontos fixos de g nabola de raio ε. e, por outro lado e igual ao ındice de φ f φ−1 noponto φ(0) como e facil ver.

Proposicao 9.33. Seja M uma variedade compacta e f : M → Muma funcao contınua cujos pontos fixos sao todos isolados.. Entaoexiste uma vizinhanca de f na topologia C0 tal que se g pertencea essa vizinhanca e todos os pontos fixos de g sao isolados entao asoma dos ındices dos pontos fixos de g e igual a soma dos ındices dospontos fixos de f .

Demonstracao. Seja W ⊂ M uma variedade com bordo tal quecada componente conexa do bordo e difeomorfa a uma esfera quelimita uma bola contendo um unico ponto fixo de f e f(x) 6= x paratodo x ∈ W . Como W e compacto, existe uma vizinhanca V def na topologia C0 tal que todo g ∈ V nao tem ponto fixo em W .Suponhamos que todos os pontos fixos de g ∈ V sao isolados. Sejapi um ponto fixo de f e Bi a componente conexa do complementarde W que contem pi. Podemos supor tambem que o fecho de cadauma dessas bolas esta no nomınio de uma carta loca. Em torno decada ponto fixo de g em Bi tomemos bolas com fechos dois a doisdisjuntos e disjunto do bordo de Bi e seja Wi o complementar em Bidessas bolas. Como na prova do corolario acima, a soma dos ındicesdos pontos fixos de g em Wi e igual ao ındice do ponto fixo de f nessabola. E isso prova a proposicao.

Proposicao 9.34. Se fi : M → M , i = 0, 1 sao aplicacoes C∞ comgraficos transversais a diagonal e homotopicas, existe uma famıliacontınuaft : M → M tais que para todo t os pontos fixos de ft saoisolados.

[SEC. 9.3: NUMERO DE INTERSECAO 245

Demonstracao. A prova e semelhante a do teorema 8.41. Devemosprocurar uma famılia ft, ligando f0 a f1 tal que para todo t ou todosos pontos fixos de ft sao simples ou apenas um deles nao e simplesmas ou a derivada tem um unico autovalor igual a 1, com subespacoinvariante de dimensao um e alguma derivada segunda nessa direcaoe nao nula ou tem um nucle de dimensao 1 com derivada segundanessa direcao nao nula. A ideia e escrever o complementar dessascondicoes no espaco de dois jatos e mostrar que esse complementare a uniao de variedades de codimensao maior que a dimensao de Mmais um. Assim, por transversalidade, o conjunto das funcoes C3 deM × [0, 1] → M tais que o jato 2 e transversal a essas variedadese residual e, portanto denso. Um tal funcao e uma famılia com aspropriedades desejadas pois a imagem de M × [0, 1] pelo jato 2 temque evitar as tais subvariedades.

Corolario 9.35. Em uma variedade compacta, orientavel ou nao,a soma dos ındices dos pontos fixos de uma aplicacao contınua compontos fixos isolados nao depende da funcao em sua classe de homo-topia.

Observacao 9.8. Na secao 5 do capıtulo 11, Teorema do pontofixo de Lefschetz, identificaremos esse numero com a soma alternadados tracos das aplicacoes induzidas em cohomologia. Para aplicacoeshomotopicas a identidade temos que esse numero e novamente iguala caracterıstica de Euler da variedade como podemos verto tomandof como o fluxo do campo grandiente de uma funcao de Morse.

Usando o mesmo argumento do lema 9.13 e da proposicao 9.14 po-demos, perturbando localmente uma funcao cujo grafico e transversala diagonal, obter uma funcao cujos pontos fixos sao todos hiperbolicose concluir que o conjunto das funcoes cujos pontos fixos sao todos hi-perbolicos e aberto e denso em Cr(M,M) se r ≥ 1. Um ponto fixo def e tambem um ponto fixo de f2 = f f . Os outros pontos fixos def2 que nao sao pontos fixos de f sao chamados pontos periodicos deperıodo 2 e assim por diante. Podemos, usando novamente a tecnicade transversalidade, mostrar que o conjunto da funcoes tais que todosos pontos periodicos de perıodo ≤ 2 sao hiperbolicos e aberto e denso.Iterando esse argumento, mostramos por inducao que o conjunto dasfuncoes com pontos periodicos de perıodo ≤ n todos hiperbolicos e

246 [CAP. 9: GRAU TOPOLOGICO

aberto e denso. Consequentemento e conjunto das funcoes cujos pon-tos periodicos de qualquer perıodo sao todos hiperbolcos e residual.Isto e parte de um teorema provado por Kupka e Smale nos in;iciodos anos 60 (veja [PdM].

O resultado mencionado acima no entanto nada diz sobre a existenciade pontos periodicos. Terminamos esse capıtulo enunciando um pro-blema de pesquisa matematica que, se resolvido, tera um impactoenorme na teoria dos sistemas dinamicos.

Problema Mostre que se r ≥ 2 e M e uma variedade compactade dimensao maior ou igual a dois entao toda funcao f ∈ Cr(M,M)pode ser arbitrariamente aproximada por uma funcao que tem umponto periodico.

Esse problema foi resolvido na topologia C1 e f difeomorfismo porCharles Pugh no inıcio dos anos 60. E um resultado extemamentedifıcil e importante e e conhecido como “closing-Lemma “. Esse pro-blema ja tinha sido levantado por Poincare no inıcio do seculo 20 nocontexto de difeomorfismos que preservam volume. Nesse caso, Poin-care provou que para quase todo ponto x do domınio, existe umasequencia de iterados ni tendendo a infinito, tais que fni(x) convergea x e conjecturou que genericamente no espaco de tais difeomorfismoso conjunto dos pontos periodicos e denso. Essa questao foi respon-dida afirmativamente na topologia C1 por Pugh-Robinson no inıciodos anos 70 mas continua um problema aberto na topologia Cr comr ≥ 2.

Capıtulo 10

Cohomologia de De Rham

10.1 O complexo de De Rham

No capıtulo 5 definimos a cohomologia de De Rham de uma varie-dade e mostramos que duas aplicacoes C∞ que sao C∞ homotopicasinduzem as mesmas aplicacoes nos grupos de cohomologia. O mesmoacontece na homologia com suporte compacto se as aplicacoes e ahomotopia sejam, alem de C∞, aplicacoes proprias. Agora vamosusar aproximacoes de aplicacoes C0 por aplicacoes C∞ para estenderesses resultados para aplicacoes que sao apenas contınuas, da mesmaforma que estendemos no capıtulo 8 a nocao de grau de Brower deaplicacoes C∞ para aplicacoes apenas contınuas.

Teorema 10.1. 1. Uma aplicacao contınua f : M → N induzaplicacoes lineares f∗ : Hk(N) → Hk(M) para cada k ≥ 0.Se f e g sao aplicacoes contınuas, entao (f g)∗ = g∗ f∗. Umaaplicacao contınua e propria tambem induz aplicacoes linearesentre os grupos de cohomologia com suporte compacto.

2. Duas aplicacoes contınuas e homotopicas induzem as mesmasaplicacoes nos grupos de cohomologia.

3. Duas variedades que tem o mesmo tipo de homotopia tem gru-pos de cohomologia isomorfos.

4. (Lema de Poincare) H0(Rn) = R e Hk(Rn) = 0 se k > 0.

247

248 [CAP. 10: COHOMOLOGIA DE DE RHAM

Demonstracao. Pelo corolario 3.3, se f e uma funcao contınua,entao existe uma vizinhanca V de f na topologia C0 de Whitneytal que toda g ∈ V e homotopica a f e duas funcoes C∞ em V saoC∞ homotopicas. Logo, pelo teorema 5.5, duas aplicacoes C∞ emV induzem as mesmas aplicacoes lineares nos grupos de cohomolo-gia e podemos definir essas aplicacoes como induzidas por f . Se fe propria todas as aplicacoes em V tambem sao proprias e propria-mente homotopicas.

Se duas aplicacoes contınuas sao homotopicas, entao transformacoesC∞ suficientemente proximas delas na topologia de Whitney saoC∞ homotopicas e a homotopia C∞ pode ser tomada C0 proximada homotopia entre as aplicacoes contınuas. Como o conjunto dasaplicacoes proprias e aberto na topologia C0, temos tambem que duasaplicacoes contınuas proprias que sao propriamente homotopicas e in-duzem as mesmas aplicacoes em cohomologia.

Duas variedades M , N tem o mesmo tipo de homotopia se existemaplicacoes contınuas f : M → N e g : N → M tais que f g e ho-motopica a identidade de N e g f e homotopica a identidade de M .Logo, para cada k temos f∗ g∗ = (g f)∗ = IM e g∗ f∗ = IN .Em particular, se M e contratil, isto e, se a aplicacao identidadee homotopica a uma aplicacao constante, entao todos os grupos decohomologia sao nulos, exceto H0(M) = R.

Proposicao 10.2. Se para toda aplicacao f : S1 →M de classe C∞

e para toda 1-forma fechada ω ∈ Ω1(M) tem-se∫S1 f

∗ω = 0, entaoH1(M) = 0.

Demonstracao. Sejam ω uma 1-forma fechada em M e x0 ∈ M .Dado x ∈M , tome uma curva diferenciavel por partes γ : [0, 1]→Mcom γ(0) = x0 e γ(1) = x e defina f(x) =

∫γω. Pela hipotese, f(x)

nao depende da escolha de γ. Temos tambem que f(x) = f(x1)+∫αω

se α : [0, 1]→M e uma curva de classe C∞ com α(0) = x1 e α(1) = x.

Tomando uma carta local levando x1 em 0 e denotando por f e ω asexpressoes de f e ω nessa carta, a integral de ω ao longo da curva

t ∈ [0, 1] 7→ ty e simplesmente f(y). Logo f(y) = f(0)+∫ 1

0ω(ty)(y)dt.

[SEC. 10.1: O COMPLEXO DE DE RHAM 249

Como ω e uma forma C∞ temos que f e C∞ e df(0).y = ω(0).y. Logof e de classe C∞ e ω = df .

Corolario 10.3. Se M e uma variedade simplesmente conexa, entaoH1(M) = 0.

Corolario 10.4. SeM e uma superfıcie compacta orientavel de genusg, entao H1(M) = R2g.

Demonstracao. Sejam γj : [0, 1]→M , j = 1, . . . , 2g, curvas fecha-das de classe C∞ que se intersectam duas a duas apenas no pontox0 = γj(0) = γj(1) e que geram o grupo fundamental de M . Consi-deremos a transformacao linear

T : H1(M)→ R2g

definida por

T ([ω]) =

(∫γ1

ω, . . . ,

∫γ2g

ω

).

Como a integral de uma forma exata e zero, a transformacao linearesta bem definida, isto e, nao depende da escolha de ω em sua classede cohomologia. Por outro lado, se ω pertence ao nucleo da trans-formacao T , entao a integral de ω em toda curva fechada e nula poisos γj geram o grupo fundamental. Pela proposicao anterior temosentao que ω e exata e assim T e injetiva. Resta provar que T e so-brejetiva.

Para tanto, basta construir formas fechadas ωj tais que∫γiωj = δij .

Consideremos o recobrimento universal π : D → M . Cada compo-nente conexa da pre-imagem do complementar da uniao das curvasγj e uma regiao simplesmente conexa cujo bordo e um polıgono cur-vilıneo. Cada aresta do polıgono se projeta em uma das curvas γj ,sendo que duas e somente duas arestas sao projetadas em cada γj .Unindo as duas arestas que sao projetadas em γi por um arco pelointerior da regiao e projetando esse arco em M , obtemos um cırculoC transversal a γi, disjunto das outras curvas γj e que nao separa M .CortandoM por C obtemos uma superfıcie com bordoW0, cujo bordotem duas componentes C−0 , C

+0 difeomorfas a C. Tomando uma infi-

nidade de copias Wi, i ∈ Z e identificando a componente C+i do bordo

250 [CAP. 10: COHOMOLOGIA DE DE RHAM

de Wi com a componente C−i+1 do bordo de Wi+1, obtemos uma su-perfıcie sem bordo W e um recobrimento πi : W →M . O grupo dastransformacoes de recobrimento e gerado por um unico difeomorfismoτ , que leva Wi em Wi+1. Se πi(x0) = x0, entao o levantamento dascurvas γj , j 6= i, pelo ponto x0 sao curvas fechadas, enquanto queo levantamento de γi e uma curva que une x0 com o ponto τ(x0).Seja f0 : W0 → R uma funcao C∞ que vale 0 em uma vizinhanca deC−0 e vale 1 em uma vizinhanca de C+

0 . Podemos entao estender f0

a uma funcao f : W → R de classe C∞ tal que f(τ(x)) = f(x) + 1.Consideremos a forma exata ωi = df . Temos que τ∗ωi = ωi. Logoexiste uma unica forma ωi ∈ Ω1(M) tal que ωi = π∗i ωi. Como ωi efechada, temos que ωi tambem e fechada. Se γj sao os levantamen-tos dos γj pelo ponto x0, temos que 0 =

∫γjωi =

∫γjωi se j 6= i e

1 =∫γiωi =

∫γiωi, o que prova a afirmacao e o corolario.

10.2 A sequencia de Mayer-Vietoris

Vimos no capıtulo 10 uma sequencia de Mayer-Vietoris para a ho-mologia singular. Mostraremos nessa secao que existe uma sequenciaanaloga para a cohomologia de de Rham. Seja M uma variedadediferenciavel e U, V ⊂M abertos tais que M = U ∪ V .

Para cada k, consideremos as aplicacoes lineares:

αk : Ωk(M) −→ Ωk(U)⊕ Ωk(V )ω 7−→ (ω|U , ω|V )

eβk : Ωk(U)⊕ Ωk(V ) −→ Ωk(U ∩ V )

(ω1, ω2) 7−→ ω1|U∩V − ω2|U∩V .

E claro que αk e injetiva e que a imagem de αk e igual ao nucleode βk.

Lema 10.5. A sequencia

0→ Ωk(M)αk→ Ωk(U)⊕ Ωk(V )

βk→ Ωk(U ∩ V )→ 0

e exata.

[SEC. 10.2: A SEQUENCIA DE MAYER-VIETORIS 251

Demonstracao. Falta apenas verificar que βk e sobrejetiva. To-memos uma particao da unidade λU , λV subordinada a coberturaU, V . Se ω ∈ Ωk(U ∩ V ), definimos ω1 ∈ Ωk(U) por ω1(x) = λV ωse x ∈ U ∩V e ω1(x) = 0 caso contrario, e analogamente ω2 ∈ Ωk(V )por ω2(x) = −λU (x)ω(x) se x ∈ U ∩ V e 0 caso contrario. E claroque ω1 e ω2 sao de classe C∞ e ω1|U∩V − ω2|U∩V = ω.

Como claramente as transformacoes lineares αk e βk comutamcom a diferencial exterior, elas induzem transformacoes lineares nosgrupos de cohomologia, que denotaremos pelas mesmas letras:

αk : Hk(M)→ Hk(U)⊕Hk(V ),

βk : Hk(U)⊕Hk(V )→ Hk(U ∩ V ).

Prova-se de modo inteiramente analogo ao teorema 11.7 que umasequencia exata curta de complexos de cocadeias induz uma sequenciaexata longa em cohomologia, de modo que temos a seguinte pro-posicao.

Proposicao 10.6. Existe uma aplicacao linear ∆k : Hk(U ∩ V ) →Hk+1(M) tal que a sequencia longa de Mayer-Vietoris

. . . Hk(M)αk→ Hk(U)⊕Hk(V )

βk→ Hk(U ∩ V )∆k→ Hk+1(M) . . .

e exata.

E conveniente descrever a definicao do morfismo ∆k. Seja ω umaforma fechada em Ωk(U ∩ V ). Como βk e sobrejetiva existem formasω1 ∈ Ωk(U) e ω2 ∈ Ωk(V ) tais que ω = ω1|U∩V − ω2|U∩V . Como ωe fechada, temos que dω1(x) = dω2(x) para todo x ∈ U ∩ V . Logo,definindo η(x) = dω1(x) se x ∈ U e η(x) = dω2(x) se x /∈ U , temosque η e uma forma de classe C∞ e fechada em Ωk+1(M). A aplicacao∆k e entao a aplicacao que associa a classe de cohomologia de ω aclasse de cohomologia de η.

Teorema 10.7. Se Sn e a esfera de dimensao n ≥ 1, entao Hk(Sn) =0 se k 6= 0, n e Hk(Sn) = R se k = 0, n.

252 [CAP. 10: COHOMOLOGIA DE DE RHAM

Demonstracao. Fixe p, q ∈ S1 distintos e escreva U = S1 \ p eV = S1 \ q. Temos que H1(U) = 0 = H1(V ) pois U e V saodifeomorfos a R, enquanto que H0(U ∩V ) = R2 pois U ∩V tem duascomponentes conexas. Assim temos o seguinte trecho na sequenciade Mayer-Vietoris

0→ H0(S1)︸ ︷︷ ︸∼=R

→ H0(U)⊕H0(V )︸ ︷︷ ︸∼=R2

→ H0(U ∩ V )︸ ︷︷ ︸∼=R2

→ H1(S1)→ 0.

Segue daı que H1(S1) tem dimensao 1 e portanto e isomorfo a R.Para n ≥ 2 escreva Sn = Rn ∪ ∞ e U = Rn e V = Sn \ 0. Aprojecao radial de U ∩ V = Rn \ 0 em Sn−1 = x ∈ Rn; ‖x‖ = 1e homotopica a identidade, de modo que os grupos de cohomologiade U ∩ V e de Sn−1 sao isomorfos. Assim, pela sequencia de Mayer-Vietoris obtemos, para k ≥ 2, a sequencia exata

Hk−1(U)⊕Hk−1(V )︸ ︷︷ ︸=0

→ Hk−1(Sn−1)→ Hk(Sn)→ Hk(U)⊕Hk(V )︸ ︷︷ ︸=0

o que implica que Hk−1(Sn−1) ∼= Hk(Sn). O teorema segue entaopor inducao.

Se uma variedade M e nao compacta e conexa, o grupo de co-homologia H0

c (M) e nulo pois uma funcao constante com suportecompacto e identicamente nula. Pelo teorema de Stokes, se M e umavariedade orientada de dimensao n, entao a integral de qualquer n-forma exata e 0, daı a funcao linear ω ∈ Ωnc (M) 7→

∫Mω induz uma

aplicacao linear IM : Hnc (M) → R. Essa aplicacao e sobrejetiva pois

basta tomar uma forma com suporte no domınio de uma carta local etal que expressao nessa carta e f(x)dx1∧ ...∧dxn com f nao negativae integral positiva. Temos entao o seguinte corolario.

Corolario 10.8. Uma n forma em Sn cuja integral se anula e umaforma exata.

Demonstracao. Como Hn(Sn) = R entao ISn e um isomorfismo.

Mostraremos abaixo que, pela mesma razao, esse resultado e validopara qualquer m-forma com suporte compacto em uma variedade ori-entavel de dimensao m.

[SEC. 10.2: A SEQUENCIA DE MAYER-VIETORIS 253

Proposicao 10.9. Hnc (Rn) = R e Hk

c (Rn) = 0 se k < n.

Demonstracao. Seja 1 ≤ k < n. Seja ω ∈ Ωkc (Rn). Seja ρ > 0 talque o suporte de ω esteja contido na bola x ∈ Rn; ||x|| < ρ

2. SejaU = x ∈ Rn; ||x|| > ρ. A projecao radial π(x) = 2ρ x

||x|| de U na

esfera S = x ∈ Rn; ||x|| = 2ρ e uma equivalencia de homotopiapois πt(x) = t2ρ x

||x|| + (1 − t)x e uma homotopia entre a identidade

de U e a composta de π com a inclusao de S em U . Pelo Lema dePoincare, existe uma k − 1 forma η1 tal que ω = dη1. Como ω = 0em U , temos que a restricao de dη1 a U e igual a zero. Por outrolado, como Hk(Sn−1) = 0 e Hk(U) e isomorfo a Hk(Sn−1), temosque existe η2 ∈ Ωk−2(U) tal que dη2 = η1 em U . Seja φ : Rn → [0, 1]uma funcao C∞ que vale 1 em x ∈ Rn; ||x|| ≥ 2 e 0 em xRn;x|| ≤ 3

2 com R− ε < δ < R. Defina η3 = d(φη2) em U e η3 = 0 forade U , de modo que η3 e uma forma fechada de classe C∞ em todoRn. Logo η = η1 − η3 e uma forma com suporte compacto e ω = dη,o que prova que a classe de ω em Hk

c (Rn) e nula.

Para calcular Hnc (Rn) basta provar que se ω ∈ Ωnc (Rn) e tal que∫

Rn ω = 0, entao ω = dη com η ∈ Ωn−1c (Rn). Tomemos ρ e U como

na primeira parte da demonstracao. Novamente ω = dη3 em Rn eportanto dη3 = 0 em U . Por outro lado, pelo teorema de Stokestemos

0 =

∫Rnω =

∫B2ρ

ω =

∫B2ρ

dη =

∫S

η

Logo, pelo corolario 10.8, a restricao de η a S e uma forma exata.Como a projecao radial e um isomorfismo entre os grupos de coho-mologia de U e de S temos tambem que η3 e uma forma exata emU . Portanto η3 = dη2 em U e, como anteriormente, a forma η3 quecoincide com dφη2 em U e se anula na bola de raio 3

2 e uma formafechada de classe C∞ em Rn. Logo η1−η3 e uma forma com suportecompacto e ω = dη e, portanto, a classe de cohomologia de ω emHnc (Rn) e nula.

Teorema 10.10. Se M e uma variedade orientada de dimensao n,entao a aplicacao IM : Hn

c (M)→ R dada por integracao de formas eum isomorfismo.

254 [CAP. 10: COHOMOLOGIA DE DE RHAM

Demonstracao. Seja ω0 uma n-forma com suporte contido nodomınio U0 de uma carta local φ0 : U0 → Rn e tal que

∫Mω0 = 1.

Afirmamos que se ω e uma outra n forma com suporte contido nodomınio de outra carta local φ : U → Rn, entao existe constantek ∈ R tal que [ω] = k · [ω0]. Para ver isso, primeiramente tome umacurva ligando um ponto de U0 com um ponto de U e cubra essa curvapor um numero finito de domınios de cartas locais φi : Ui → Rn taisque U1 ∩ U0 6= ∅, Ui ∩ Ui+1 6= ∅ e Ur ∩ U 6= ∅. Para cada i ≥ 1tomemos uma forma ωi com suporte contido em Ui−1 ∩ Ui tal que∫Mωi = 1. Como ωi e ωi+1 sao formas com suportes contidos no

aberto Ui que e difeomorfo a Rn e elas tem a mesma integral temosque [ωi+1] = ki[ωi] pois Hn

c (Rn) ∼= R. Argumentando indutivamente,teremos que [ω0] = k1...kr[ω]. Se ω nao tem suporte contido emdomınio de carta local, consideremos uma cobertura localmente fi-nita de M por abertos difeomorfos a Rn e tomamos λi uma particaoda unidade subordinada a essa cobertura. Daı ω =

∑Ni=1 λiω onde

N e um inteiro tal que Uj nao intersecta o suporte de ω se j > N .Por outro lado, para cada i ≤ N existe ki tal que [λiω] = ki[ω0]pela afirmativa que acabamos de provar. Logo [ω] = k[ω0], comk =

∑i ki.

Corolario 10.11. Se duas variedades diferenciaveis sao homeomor-fas, entao elas devem ter a mesma dimensao. Em particular, umaberto U ⊂ Rn nao pode ser homeomorfo a um aberto V ⊂ Rm sem 6= n.

Demonstracao. Se h : M → N e um homeomorfismo e M,N saoorientadas entao, como h e uma aplicacao propria ele induz isomorfis-mos nos grupos de cohomologia com suporte compacto e o corolariosegue imediatamente do teorema. Caso contrario, restringimos h umaberto suficientemente pequeno, de modo que seja uma variedadeorientavel.

Proposicao 10.12. (Cohomologia de CPn)0 k-esimo grupo de cohomologia de de Rham do espaco projetivocommplexo CPn e igual a zero se k e impar e e isomorfo a R se k epar e menor ou igual a 2n.

[SEC. 10.2: A SEQUENCIA DE MAYER-VIETORIS 255

Demonstracao. O teorema e verdadeiro para n = 1 pois CP 1 edifeomorfo a esfera S2. Suponhamos, por iducao, que o teorema sejaverdadeiro para n− 1.Seja i : CPn−1 → CPn a inclusao

i([z0 : . . . : zn−1] = [z0 : . . . : zn−1, 0].

Consideremos os abertos:

U = CPn \ [0 : . . . : 0 : 1]

V = [z0 : . . . : zn] ∈ CPn; zn 6= 0

. A aplicacao V → Cn, [z0 : . . . : zn−1 : zn] 7→ ( z0zn , . . . ,zn−1

zn) e um

difeomorfismo. Logo Hk(V ) = 0 se k e diferente de zero.A aplicacao ht : U → U definida por ht([x0 : . . . xn−1 : xn] = [x0 : . . . : xn−1 : txn]e uma homotopia entre a identidade e a retracao r : U → i(CPn−1.Logo Hk(U) e isomorfo a Hk(CPn−1.A aplicacao U ∩V 7→ Cn\0, [z0 : . . . : zn−1 : zn] 7→ ( z0zn : . . . : zn−1

zn)

e um difeomorfismo. Logo Hk(U∩V ) e isomorfo ao grupo de cohomo-logia Hk(S2n−1. Como toda variedade complexa e orientada e CPne comacta temos que H2n(CPn) e isomorfo a R. A proposicao segueentao por inducao da sequencia de Mayer-Vietoris.

Exercıcio 10.1. Calcule os grupos de cohomologia de de Rham dosespacos projetivos reais e quartenionicos.

Teorema 10.13. Sejam M , N variedades orientadas de dimensaon e fixe formas diferenciais ωM ∈ Ωnc (M) e ωN ∈ Ωnc (N) com inte-gral igual a 1 nos seus respectivos domınios. Se f : M → N e umaaplicacao contınua e propria, entao

f∗[ωN ] = grau(f).[ωM ].

Demonstracao. Como a aplicacao induzida em cohomologia e amesma para duas aplicacoes homotopicas por uma homotopia propria,o espaco das aplicacoes proprias e aberto e o espaco das aplicacoesC∞ e denso, podemos supor que f e C∞. Seja V uma vizinhanca deum valor regular de f tal que f−1(V ) = ∪lj=1Uj , onde Uj sao dois adois disjuntos e a restricao de f a cada Uj e um difeomorfismo sobre

256 [CAP. 10: COHOMOLOGIA DE DE RHAM

V . Seja ω uma n forma em N com suporte contido em V e cujaintegral e igual a 1. Entao∫

M

f∗ω =∑j

∫Uj

f∗ω =∑j

(−1)s(j)∫V

ω =∑j

(−1)s(j)

em que s(j) = 0 se a restricao de f a Uj preserva orientacao e e igual a1 se inverte a orientacao. Por definicao de grau temos que

∑(−1)s(j)

e o grau de f e portanto grau(f) =∫Mf∗(ω). Como ω e cohomologa

a ωN , f∗ω e cohomologa a f∗ωN e portanto∫Mf∗ωN =

∫Mf∗ω

tambem e o grau de f . Isso prova o teorema pois, pelo teoremaanterior, a integral estabelece um isomorfismo entre a cohomologiaem dimensao maxima e R.

Seja π : N → M um recobrimento regular de k folhas, isto e,o grupo dos automorfismos do recobrimento Aut(π) age transitiva-mente sobre as fibras e, consequentemente, tem exatamente k ele-mentos. Entao uma forma diferencial η ∈ Ωk(N) e o pull-back deuma forma de M se, e somente se, f∗η = η para todo f ∈ Aut(π).

Proposicao 10.14. Se π : N → M e um recobrimento regular comum numero finito de folhas entao, para cada k, a aplicacao induzidaem cohomologia

π∗ : Hk(M)→ Hk(N)

e injetiva.

Demonstracao. Seja ω uma k forma fechada em M tal que π∗ωseja uma forma exata em N , isto e π∗ω = dη. Para cada elemento fdo grupo de automorfismos de recobrimento temos que

π∗ω = f∗π∗ω = f∗dη = d(f∗η).

Logo se η = 1/k∑f f∗η, temos que π∗ω = dη. Por outro lado,

f∗η = η para todo automorfismo e, portanto, η e o pull-back deuma forma η′ em M e como π e em particular submersao, segue queω = dη′, o que mostra a proposicao.

Exercıcio 10.2. Mostre que a proposicao anterior permanece validamesmo que o recobrimento nao seja regular. Mostre tambem que aprova acima se adapta para o caso de formas com suporte compacto,isto e, π∗ : Hk

c (M)→ Hkc (N) tambem e injetivo.

[SEC. 10.2: A SEQUENCIA DE MAYER-VIETORIS 257

Corolario 10.15. Se M e uma variedade nao orientavel de dimensaom, entao Hm

c (M) = 0.

Demonstracao. Seja π : M → M o recobrimento duplo orientavelde M . O grupo dos automorfismos de recobrimento e gerado por umaunica involucao f , a qual inverte a orientacao de M . Logo, para todam-forma ω com suporte compacto em M temos

∫Mf∗ω = −

∫Mω.

Logo, se ω e o pull-back de uma forma em M , entao f∗ω = ω eportanto

∫Mω = 0. Logo ω e uma forma exata em M e como π∗

e biunıvoca em cohomologia, temos que a forma cujo pullback e ωtambem e exata, o que mostra o corolario.

Teorema 10.16. Se M e uma variedade nao compacta de dimensaon, entao Hn(M) = 0.

Demonstracao. Tomemos uma decomposicao de M como a uniaode compactos Ki com Ki contido no interior de Ki+1. Tomemos umacobertura localmente finita de M por abertos Uj difeomorfos a Rntais que se Uj intersecta o compacto Li = Ki \ Int(Ki−1), entao Ujesta contido no aberto Int(Ki+1)\Ki−2. Se Uj intersecta o compactoLi, tomemos uma curva γj : [0,∞) → M tal que podemos cobrir a

imagem dessa curva por uma sequencia V j0 , Vj1 , . . . tais que cada V jl

e um dos abertos da cobertura Ui , V j0 = Uj , Vjk ∩V

jk+1 6= ∅ e alem

disso

• Para cada s existe ls tal que V jl ∩Ks = ∅ se l > ls.

• Se V j =⋃∞l=0 V

jl , entao para cada s existe j(s) tal que se

j > j(s), entao V j ∩Ks = ∅.

Temos entao que se V j =⋃∞l=0 V

jl , entao Vj e tambem uma co-

bertura localmente finita de M . Antes de provar a existencia dessacurva e dessa cobertura vamos mostrar o teorema.

Seja agora ωj uma forma com suporte em Uj . Vamos mostrar queexiste uma forma ηj com suporte em V j tal que ωj = dηj .

De fato, tomemos para cada l uma forma ωjl com suporte em V jl+1 ∩V jl e tal que a integral do pull-back da forma pelo difeomorfismo

258 [CAP. 10: COHOMOLOGIA DE DE RHAM

Rn → V jl seja nao nulo. Como ωj e ωj0 tem o suporte em Uj ,que e difeomorfo a Rn, temos que existem uma constante k0 e umaforma η0 com suporte em Uj tais que ωj = k0ωj0 + dη0. Como

ωj,l e ωj,l+1 tem suportes contidos em V jl+1 e as formas correspon-dentes no Rn tem integrais nao nulas, temos que existe uma formaηl+1 com suporte em V jl+1 tal que ωj,l = kl+1ωj,l+1 + dηl+1. Logo

ωj = dη0 +∑ml=1(

∏l−1s=0 ks)dηl + (

∏m+1s=0 ks)ωj,m+1 para todo m. As-

sim a forma ηj = η0 +∑∞l=1(

∏ls=0 ks)ηl esta bem definida pois a

famılia V jl ; l e localmente finita, ωj = dηj e o suporte de ηj estacontido em V j .

Consideremos agora uma forma ω. Usando uma particao da uni-dade, podemos escrever ω =

∑∞j=1 ωj com o suporte de ωj contido

em Uj . Para cada ωj temos uma forma ηj tal que ωj = dηj . To-mando η =

∑ηj , a forma η esta bem definida pois o suporte de ηj

esta contido em V j , a cobertura V j e localmente finita e temos queω = dη, o que prova o teorema.

Finalmente, vamos construir a curva γj e a cobertura V jl , l = 0, . . . , dessa curva. Tomemos uma metrica Riemanniana completa em Mtal que a distancia de um ponto de Ki ao complementar de Ki+1 sejamaior ou igual a 1.Para cada i existe um inteiro l(i) > i tal que as componentes conexascom diametro finito do complementar de Ki estao contidas no com-pacto Kl(i)−2.De fato, o numero de componentes conexas do complementar deKi que intersectam o compacto Ki+1 \ IntKi+1 e finito pois, casocontrario, existiria uma sequencia xi convergindo a x nesse compactotais que os xi’ s pertencem a componentes conexas distintas, o queimplica a existencia de outra sequencia de pontos de Ki convergindoa x, o que e absurdo pois Ki esta contido no interior de K+i+ 1. Poroutro lado, toda componente conexa do complementar de Ki que naoesteja contido no interior de Ki+1 intersecta Ki+1 \ IntKi+1. Bastatomar l(i)− 2− i maior que o diametro das componentes conexas docomplementar de Ki que tem diametro finito.Logo a faixa compacta Ll(i) esta inteiramente contida em uma compo-nente conexa nao limitada do complementar de Ki. Comecando com

[SEC. 10.2: A SEQUENCIA DE MAYER-VIETORIS 259

o compacto Ki, construımos a sequencia l0 = i, lj = l(lj−1). Logo, seUj intersecta a faixa compacta Li, construımos um primeiro arco dacurva ligando um ponto de Uj a um ponto da faixa compacta Ll1 queesta contida em uma componente conexa nao limitada do comple-mentar de Ki. Podemos entao continuar esse arco no complementarde Ki ate um ponto da faixa compacta Ll2 que esta contido em umacomponente ilimitada de Ll1 . Continuamos o arco nessa componenteconexa ate um ponto de Ll2 . Por inducao construımos a curva γjque une um ponto de cada Llk a um ponto de Llk+1

por um arcono complementar de Klk−1

Selecionando uma sequencia de elementosda famılia Ui que cobrem γj , cada um intersectando o seguinte, efacil verificar que essa cobertura satisfaz as condicoes mencionadasanteriormente.

Teorema 10.17. Se M e uma variedade compacta, entao todos osgrupos de cohomologia de de Rham tem dimensao finita.

Demonstracao. Consideremos uma metrica Riemanniana em M euma cobertura finita Vi, i = 1, . . . l, de abertos geodesicamente con-vexos. Suponhamos, por inducao, que os grupos de cohomologia dede Rham da uniao de ate k subconjuntos abertos e geodesicamenteconvexos de M tem dimensao finita. Em particular os grupos decohomologia de Mk = ∪ki=1Vi tem dimensao finita. Por outro ladoVk+1 ∩Mk = ∪ki=1(Vi ∩ Vk+1) e tambem a uniao de k subconjuntosabertos geodesicamente convexos, e portanto H l(Mk∩Vk+1) tambemtem dimensao finita. Considerando o trecho da sequencia de Mayer-Vietoris

H l−1(Mk ∩ Vk+1)→ H l(Mk ∪ Vk+1)→ H l(Mk)⊕H l(Vk+1)

e uma sequencia exata. Logo H l(Mk+1) = H l(Mk ∪ Vk+1) tem di-mensao finita. Por inducao concluimos que H l(M) tem dimensaofinita.

A dimensao do i-esimo grupo de cohomologia de uma variedadecompacta, bi(M) = dimHi(M) e chamado de i-esimo numero deBetti de M .

Exercıcio 10.3. Sejam M e N variedades compactas de mesma di-mensao. Considere a soma conexa, M#N , das duas variedades, defi-

260 [CAP. 10: COHOMOLOGIA DE DE RHAM

nida em 4.1.1. Calcule os numeros de Betti de M#N em termos dosnumeros de Betti de M e de N .

10.3 Dualidade de Poincare

Nessa secao abordaremos dois importantes teoremas que sao con-sequencias do teorema de Stokes e que em suas demonstracoes uti-lizam os mesmos ingredientes: alem do teorema de Stokes, um lemaalgebrico simples conhecido como lema dos 5 e a sequencia exata deMayer-Vietoris.

Se M e uma variedade compacta e orientada de dimensao m,podemos integrar m-formas em M . Pelo teorema de Stokes, a inte-gral de qualquer m-forma exata e 0. Assim, temos bem definida aaplicacao linear

DM : Hk(M)→ (Hm−k)∗

definida por DM [ω]([η]) =∫Mω ∧ η.

O teorema da Dualidade de Poincare estabelece que essa aplicacaoe um isomorfismo. A demonstracao que sera apresentada nos forca aprovar um resultado mais geral, em variedades orientadas nao com-pactas. Observe que se ω ∈ Ωk(M) e η ∈ Ωm−kc (M), entao ω ∧ η temsuporte compacto e, pelo teorema de Stokes,∫

M

(ω + dθ) ∧ (η + dρ) =

∫M

ω ∧ η

de modo que temos bem definida tambem a aplicacao

DM : Hk(M)→ (Hm−kc (M))∗.

Vamos inicialmente definir a sequencia exata de Mayer-Vietorispara a cohomologia com suporte compacto. Como a restricao deuma forma com suporte compacto em M a um subconjunto abertonao tem necessariamente suporte compacto, a sequencia de Mayer-Vietoris para a cohomologia de suporte compacto difere da anterior.Se ω ∈ Ωkc (A) e A ⊂ B, denotamos por ωB ∈ Ωkc (B) a forma obtida

[SEC. 10.3: DUALIDADE DE POINCARE 261

por extensao como 0 a B. Suponha que M = U ∪ V , com U e Vabertos. Temos aplicacoes lineares

α : Ωkc (U ∩ V ) −→ Ωkc (U)⊕ Ωkc (V )ω 7−→ (ωU , ωV )

eβ : Ωkc (U)⊕ Ωkc (V ) −→ Ωkc (M)

(ω1, ω2) 7−→ ωM1 − ωM2que formam uma sequencia exata curta:

0→ Ωkc (U ∩ V )α→ Ωkc (U)⊕ Ωkc (V )

β→ Ωkc (M)→ 0.

Essa sequencia induz uma sequencia exata longa em cohomologia,chamada sequencia de Mayer-Vietoris para cohomologia com suportecompacto:

· · · → Hkc (U ∩ V )

α∗→ Hkc (U)⊕Hk

c (V )β∗→ Hk

c (M)δ→ Hk+1

c (U ∩ V ) . . .

O operador δ na sequencia acima e definido da seguinte forma. Dadoω ∈ Ωk(M), tomemos uma particao da unidade λU , λV subordinadaa cobertura U, V , entao λUω ∈ Ωc(U) e λV ω ∈ Ωc(V ). Por outrolado, se ω e fechada, entao d(λUω) = d(−λV ω) e o suporte de d(λUω)esta contido em U ∩ V . Entao

δ([ω]) = [d(λUω|U∩V )]

Como a sequencia acima e constituida de espacos vetoriais, asequencia dualizada abaixo e tambem exata.

· · · α∗

← (Hk(U)⊕Hk(V ))∗β∗← (Hk(M))∗

δ∗← (Hk+1c (U ∩ V ))∗ ← . . .

Lema 10.18. Sejam fj : Mj → Mj+1, f ′j : M ′j → M ′j+1, φj : Mj →M ′j homomorfismos entre modulos tais que o diagrama abaixo e co-mutativo e as duas sequencias horizontais sao exatas.

M1f1−−−−→ M2

f2−−−−→ M3f3−−−−→ M4

f4−−−−→ M5

φ1

y yφ2

yφ3

yφ4

yφ5

M ′1f ′1−−−−→ M ′2

f ′2−−−−→ M ′3f ′3−−−−→ M ′4

f ′4−−−−→ M ′5

Se φ1, φ2, φ4 e φ5 sao isomorfismos, entao φ3 tambem e isomorfismo.

262 [CAP. 10: COHOMOLOGIA DE DE RHAM

Demonstracao. Vamos mostrar que φ3 e sobrejetivo. Seja y3 ∈M ′3.Como φ4 e isomorfismo, existe x4 ∈M4 tal que f ′3(y3) = φ4(x4). Pelacomutatividade, temos que φ5f4(x4) = f ′4φ4(x4). Como a sequenciainferior e exata, temos que f ′4φ4(x4) = f ′4f

′3(y3) = 0. Assim, vale

φ5f4(x4) = 0, o que implica f4(x4) = 0 pois φ5 e injetiva. Comoa sequencia superior e exata, existe x3 ∈ M3 tal que f3(x3) = x4.Por comutatividade temos que f ′3φ3(x3) = φ4(x4) = f ′3(y3). Logo,f ′3(φ3(x3) − y3) = 0 e, como a sequencia inferior e exata, temos queexiste y2 ∈M ′2 tal que f ′2(y2) = φ3(x3)− y3. Como φ2 e sobrejetivo,temos que y2 = φ2(x2) com x2 ∈M2. Assim

φ3f2(x2) = f ′2φ2(x2) = f ′2(y2) = φ3(x3)− y3,

e daı φ3(x3 − f2(x2)) = y3, o que prova que φ3 e sobrejetivo. Demaneira analoga provamos que φ3 e injetivo.

Lema 10.19. O diagrama abaixo e comutativo e as sequencias ver-ticais sao exatas.

Hr−1(U)⊕Hr−1(V )DU⊕−DV−−−−−−−→ Hm−r+1

c (U)∗ ⊕Hm−r+1c (V )∗

β∗

y ya∗Hr−1(U ∩ V )

DU∩V−−−−→ Hm−r+1c (U ∩ V )∗

(−1)r∆y yδᵀ

Hr(M)DM−−−−→ Hm−r

c (M)∗

α∗

y yb∗Hr(U)⊕Hr(V ) −−−−−−−→

DU⊕−DVHm−rc (U)∗ ⊕Hm−r

c (V )∗

β∗

y ya∗Hr(U ∩ V ) −−−−→

DU∩VHm−rc (U ∩ V )∗

Demonstracao. Lembramos que se [ω] ∈ Hr−1(U ∩ V ) e λU , λV euma particao da unidade subordinada a cobertura U, V , definimosω1 ∈ Ωr−1(U) e ω2 ∈ Ωr−1(V ) por ω1(x) = λV (x)ω(x) se x ∈ U ∩ V ,

[SEC. 10.3: DUALIDADE DE POINCARE 263

ω1(x) = 0 se x ∈ U \ V , ω2 = −λU (x)ω(x) se x ∈ U ∩ V e ω2(x) = 0se x ∈ V \ U . Definimos entao a forma fechada η ∈ Ωr(M) porη(x) = dω1(x) se x ∈ U e η(x) = dω2(x) se x ∈ V . Como vimos,∆([ω]) = [η]. Como a forma η se anula fora de U ∩ V , temos que

(DM∆)([ω])([σ]) =

∫M

η ∧ σ =

∫U∩V

η ∧ σ =

∫U∩V

d(−λUω) ∧ σ

=

∫U∩V

−dλU ∧ ω ∧ σ

Por outro lado

(δTDU∩V )([ω])([σ]) =

∫U∩V

ω ∧ d(λUσ) =

∫U∩V

ω ∧ dλU ∧ σ

que coincide com a integral anterior a menos de um sinal que dependede r, o que prova a comutatividade da parte central do diagrama.Deixamos como exercıcio verificar a comutatividade dos outros dia-gramas.

Lema 10.20. Se M e difeomorfa a Rm, entao DM e um isomorfismo.

Demonstracao. Se 0 < r < m, entao Hr(M) = 0 e Hm−rc (M) = 0

e nao ha o que provar. Seja f : Rm → R uma funcao C∞ com suportecompacto e integral igual a 1. Como

DM (1)([f(x)dx1 ∧ · · · ∧ dxn]) =

∫Rm

f = 1,

a funcao constante igual a 1 e um gerador de H0(M) e [fdx1∧...∧dxn]e um gerador de Hm

c (Rm), temos que DM e um isomorfismo.

Lema 10.21. Se B e uma base de abertos de M tal que se U, V ∈ B,entao U ∩V ∈ B e DU e um isomorfismo para todo U ∈ B, entao DM

e um isomorfismo.

Demonstracao. Seja F a famılia das unioes finitas de elementosda base B. Pelo lema anterior e pelo lema dos 5, temos que DW e

264 [CAP. 10: COHOMOLOGIA DE DE RHAM

um isomorfismo se W e uma uniao de dois elementos U1 e U2 de Bpois, sendo uma base de abertos, U1 ∩U2 tambem pertence a B. Porinducao concluımos que DW e um isomorfismo para todo elementode F .

Afirmamos que se M =⋃∞i=1Mi, onde os Mi sao subconjuntos aber-

tos dois a dois disjuntos e DMie isomorfismo para cada i, entao DM e

um isomorfismo. De fato, como os conjuntos sao dois a dois disjuntos,temos que Hr(M) =

∏iH

r(Mi) e Hrc (M) = ⊕iHr

c (M). Logo,

(Hrc (M))∗ =

∏i

Hrc (M)∗

eDM (([ωi])i) = (DMi

([ωi])i

o que prova a afirmacao. Para concluir a demonstracao do lema,basta escrever M como uma uniao enumeravel de abertos Vi tais quecada Vi pertence a F e Vi ∩ Vi+j = ∅ se j ≥ 2 e tomar U =

⋃V2i e

V =⋃V2i+1. Para isso basta escrever M =

⋃iKi como uma uniao

enumeravel de compactos com Ki ⊂ intKi+1, e tomar Vi como umacobertura finita do compacto Ki \ Int (Ki−1) de elementos da baseB cada um com o fecho contido no aberto Int(Ki+1) \Ki−2.

Agora note que o lema anterior garante que se M ⊂ Rm e umsubconjunto aberto, entao DM e um isomorfismo. De fato, considerea cobertura aberta de M dada por retangulos abertos com arestasparalelas aos eixos. Como o teorema vale Rm e cada retangulo edifeomorfo a este ultimo, esta base de abertos esta nas condicoes dolema acima, e portanto o teorema vale para M . Para finalizar a provapara uma M orientada qualquer basta tomar uma base da topologiade M constituıda por subconjuntos abertos difeomorfos a abertos deRm (por exemplo, usando cartas locais). Provamos assim

Teorema 10.22. [Dualidade de Poincare] Se M e uma variedadeorientada de dimensao m, entao para todo 0 ≤ k ≤ m o morfismo dedualidade

D : Hk(M)→ Hm−kc (M)∗

e um isomorfismo.

[SEC. 10.4: ISOMORFISMO DE THOM E A CLASSE DE EULER 265

Uma subvariedade compacta e orientada S ⊂M de dimensao s in-duz por integracao um elemento do dual de Hs

dR(M) e, pela dualidadede Poincare existe uma unica classe de cohomologia [ηS ] ∈ Hm−s

dR (M)tal que

∫Si∗sω =

∫MηS ∧ ω para toda forma fechada ω. A classe de

cohomologia de cohomologia da forma η e chamada de dual de Poin-care da subvariedade S. .

10.4 Isomorfismo de Thom e a classe de Euler

Nesta secao provaremos um outro resultado importante, o isomor-fismo de Thom, cuja demonstracao e semelhante a dos teoremas dedualidade de Poincare e de de Rham da secao anterior.

Seja M uma variedade orientada e π : E → M um fibrado veto-rial orientado de posto n. Seja Ω`vc(E) ⊂ Ω`(E) o subespaco vetorialdas `-formas diferenciais cujo suporte intersecta cada fibra em umcompacto e o faz uniformemente, isto e, o suporte da forma inter-secta a pre-imagem de qualquer compacto da base em um compacto(o suporte e “verticalmente compacto”.) E claro que a derivada ex-terior tambem tem essa propriedade. Temos entao um subcomplexdo complexo de de Rham de E cuja cohomologia denotaremos porH∗vc(E).

Proposicao 10.23. Existe um homomorfismo

π∗ : Ωn+kvc (E)→ Ωk(M)

tal que

1) π∗dEτ = dMπ∗τ onde dE e dM sao as derivadas exteriores.

2)∫Mω ∧ π∗τ =

∫Eπ∗ω ∧ τ para toda ω ∈ Ωm−kc (M).

Demonstracao. O homomorfismo π∗ e obtido por integracao nasfibras. Para ver isso, sejam τ ∈ Ωk+n

vc (E), p ∈M e v1, . . . , vk ∈ TMp.Vamos definir o numero real (π∗τ)(p) (v1, . . . , vk). Seja e ∈ Ep ee1, . . . , en ∈ T (Ep)e ⊂ TEe. Escolha vetores v′1, . . . , v

′k ∈ TEe tais

que Dπ(e)v′j = vj . Definimos a n-forma τp,v1...,vk em cada fibra Eppor

τp,v1...,vk(e)(e1, . . . , en) = τ(e)(v′1, . . . , v′k, e1, . . . , en).

266 [CAP. 10: COHOMOLOGIA DE DE RHAM

Essa definicao nao depende da escolha dos vetores v′j , pois se os veto-res e1, . . . , en sao linearmente dependentes, entao o segundo membrose anula para toda escolha dos v′j e, se sao linearmente independen-tes e Dπ(e)v′′j = vj , entao v′′j − v′j e uma combinacao linear dos eie o resultado nao se altera se substituirmos v′j por v′′j . Finalmente,definimos

(π∗τ)(p)(v1, . . . , vk) =

∫Ep

τp,v1,...,vk .

Usando uma particao da unidade e a linearidade dos dois membrosda equacao com respeito a forma, podemos supor que o suporte deτ esta contido em um aberto sobre o qual o fibrado e trivial. Logo,para provar 1) e 2) basta considerar E = Rm × Rn, M = Rm e π aprojecao no primeiro fator. Podemos entao escrever

τ(x, y) =∑I,J

aI,J(x, y)dxI ∧ dyJ |I|+ |J | = k + n.

Para provar 1) temos dois casos a considerar

a) |J | < n. Nesse caso π∗τ = 0 e dπ∗τ = 0. Por outro lado

dτ =∑I,J

m∑i=1

∂aI,J

∂xidxi +

n∑j=1

∂aI,J

∂yjdyj

dxI ∧ dyJ .

Colocando

η1 =∑I,J

m∑i=1

∂aI,J

∂xidxi ∧ dxI ∧ dyJ

η2 =∑I,J

n∑j=1

(−1)|I|∂aI,J

∂yjdxI ∧ dyj ∧ dyJ ,

temos, como |J | < n, que π∗η1 = 0 e tambem que π∗η2 = 0,pois ∫

Rn

∂aI,J

∂yjdyj ∧ dyI = 0

uma vez que y 7→ aI,J(x, y) tem suporte compacto.

[SEC. 10.4: ISOMORFISMO DE THOM E A CLASSE DE EULER 267

b) |J | = n.

τ =∑I

aI(x, y)dxI ∧ dy1 ∧ · · · ∧ dyn |I| = k

π∗τ =∑I

(∫RnaI(x, y)dy1 ∧ · · · ∧ dyn

)dxI

dπ∗τ =∑I

m∑i=1

(∫Rn

∂aI

∂xi(x, y)dy1 ∧ · · · ∧ dyn

)dxi ∧ dxI .

Por outro lado

dτ =∑I

m∑i=1

∂aI

∂xi(x, y)dxi ∧ dxI ∧ dy1 ∧ · · · ∧ dyn.

Logo

π∗dτ =∑I

m∑j=1

∫Rn

(∂aI

∂xi(x, y)dy1 ∧ · · · ∧ dyn

)dxi ∧ dxI .

e novamente π∗dτ = dπ∗τ .

Vamos provar 2)

ω =∑

|I|=m−k

aI(x)dxI

τ =∑

|J|+|K|=n+k

bJ,K(x, y)dxJ ∧ dyK

π∗ω ∧ τ =∑

aI(x)bJ,K(x, y)dxI ∧ dxJ ∧ dyK

Se |K| < n temos que π∗τ = 0 e tambem que π∗w ∧ τ = 0 e aigualdade e trivialmente verificada. Podemos entao supor que

τ =∑|J|=k

bJ(x, y)dxJ ∧ dy1 ∧ · · · ∧ dyn

e

π∗ω ∧ τ =∑

|I|=m−k|J|=k

aI(x)bJ(x, y)dxI ∧ dxJ ∧ dy1 ∧ · · · ∧ dyn

268 [CAP. 10: COHOMOLOGIA DE DE RHAM

e o resultado segue do Teorema de Fubini.

Corolario 10.24. A integracao nas fibras induz um homomorfismo

π∗ : Hk+nvc (E)→ Hk(M).

Teorema 10.25. [Isomorfismo de Thom] Se π : E → M e umfibrado orientado de posto n cuja base e uma variedade orientada Mque possui uma cobertura simples finita, entao o homomorfismo

π∗ : Hk+nvc (E)→ Hk(M).

e um isomorfismo.

Demonstracao. Sejam M = Rm e E o fibrado produto Rm × Rn.Afirmamos que H`

vc(Rm × Rn) = 0 se ` 6= n e e igual a R se ` = n.A prova da afirmacao e analoga a utilizada para determinar o grupode cohomologia de suporte compacto de Rn.De fato, se ω ∈ Ω`vc(Rm × Rn), entao existe uma funcao ρ : Rm → Rde classe C∞ tal que o suporte de ω esteja contido em

(x, y) ∈ Rm × Rn ; ‖y‖ ≤ ρ(x)

2

.

Sejam U = (x, y); ‖y‖ > ρ(x) e S = (x, y); ‖y‖ = 2ρ(x). Temosque U tem o tipo de homotopia de S, que por sua vez e difeomorfaa Rm × Sn−1 e este ultimo tem o tipo de homotopia de Sn−1. LogoH`(U) = 0 se ` 6= 0, n − 1. Pelo lema de Poincare, ω = dη1 comη1 ∈ Ω`−1(Rm × Rn). Como o suporte de ω nao intersecta U , a res-tricao de η1 a U e uma forma fechada.Se ` 6= n, como H`−1(U) = 0, existe η2 ∈ Ω`−2(U) tal que η1 = dη2

em U . Seja ϕ : Rm × Rn → R+ de classe C∞ tal que ϕ(x, y) = 1se ‖y‖ ≥ 2ρ(x) e ϕ(x, y) = 0 se ‖y‖ ≤ 3

2ρ(x). Tomemos entaoη3 ∈ Ω`−2(Rm×Rn) tal que η3(x, y) = 0 se ‖y‖ ≤ 3

2ρ(x) e η3(x, y) =ϕ(x, y)η2(x, y) em U . Temos entao que dη3 = dη2 em (x, y); ‖y‖ ≥2ρ(x). Assim ω = d(η1 − dη3) e η1 − dη3 se anula em (x, y); ‖y‖ ≥2ρ(x). Logo H`

vc(Rm × Rn) = 0 se ` 6= n.A prova de que Hn

vc(Rm × Rn) = R e analoga.

[SEC. 10.4: ISOMORFISMO DE THOM E A CLASSE DE EULER 269

Fixe f : Rn → R nao negativa com suporte compacto com∫Rn f = 1.

Defina τ(x, y) := f(y)dy1 ∧ · · · ∧ dyn ∈ Ωnvc(Rm × Rn). Temos quedτ = 0 e π∗τ = 1. Consideremos o homomorfismo

φ : Ωk(Rm)→ Ωk+nvc (Rm × Rn)

ω 7→ (π∗ω) ∧ τ.

Temos que π∗ φ = idΩk(Rm). De fato, se ω(x) =∑|I|=k a

I(x)dxI

entao (π∗ω)∧τ =∑|I|=k a

I(x)f(y)dxIdy1∧· · ·∧dyn e, como∫f(y)dy1∧

· · · ∧ dyn = 1 temos que π∗(π∗ω ∧ τ) =

∑|I|=k a

I(x)dxI = ω. Conse-quentemente, aplicacao induzida em cohomologia

φ : Hk(Rm)→ Hk+nvc (Rm × Rn)

satisfaz π∗ φ = id. Como Hk(Rm) e isomorfo a Hk+nvc (Rm × Rn)

para todo k temos que φ e isomorfismo e seu inverso e π∗.

Para concluir a demonstracao do teorema usamos inducao e asequencia de Mayer-Vietoris, como na prova do teorema da dualidadede Poincare. De fato, se U, V ⊂ M sao subconjuntos abertos, toma-mos uma particao da unidade λU , λV : M → [0, 1] com supp λU ⊂ U ,

supp λV ⊂ V e λU (x) + λV (x) = 1 ∀ x ∈ U ∪ V . Defina λU = λU πe λV = λV π e observe que temos um diagrama comutativo comlinhas exatas

0 // Ω∗vc(E|U∪V ) //

π∗

Ω∗vc(E|U )⊕ Ω∗vc(E|V ) //

π∗

Ω∗vc(E|U∩V ) //

π∗

0

0 // Ω∗−n(U ∪ V ) // Ω∗−n(U)⊕ Ω∗−n(V ) // Ω∗−n∗ (U ∩ V ) // 0

Pelo lema algebrico, temos o correspondente diagrama comutativo desequencias exatas longas em cohomologia

H∗vc(E|U∪V ) //

π∗

H∗vc(E|U )⊕H∗vc(E|V ) //

π∗

H∗vc(E|U∩V ) //

π∗

H∗+1vc (EU∪V )

π∗

H∗−nvc (U ∪ V ) // H∗−n(U)⊕H∗−n(V ) // H∗−n(U ∩ V ) // H∗−n+1(U ∪ V )

270 [CAP. 10: COHOMOLOGIA DE DE RHAM

Pelo lema dos 5, temos que se π∗ e isomorfismo para U, V e U ∩ V ,entao e isomorfismo para U ∪ V .Se a cobertura simples de M tem um unico elemento entao M e dife-omorfa a Rm e o vibrado e equivalente ao fibrado trivial e, portanto,o teorema e verdadeiro pelo que acabamos de provar. Suponhamos,por inducao, que π∗ e um isomorfismo se a variedade tem uma co-bertura simples com k − 1 elementos. Seja U1, . . . , Uk uma cober-tura simples de M e escreva U = U1 ∪ · · · ∪ Uk−1, V = Uk. Entao

U ∩ V =⋃k−1i=1 Ui ∩ Uk e tanto U como U ∩ V tem uma cobertura

simples com k− 1 elementos. Logo π∗ e isomorfismo para U,U ∩ V eV e, portanto, e um isomorfismo para U ∪ V = M .

Observacao 10.1. O teorema do isomorfismo de Thom vale mesmoque a base nao tenha cobertura simples finita mas a demonstracaono caso geral e mais elaborada. Veja [B-T] pagina 129.

Proposicao 10.26. Se τ ∈ Ωnvc(E) e uma forma fechada tal queπ∗(τ) = 1, entao o homomorfismo φ : Hk(M) → Hk+n

vc (E) definidopor

φ([ω]) = [(π∗ω) ∧ τ ]

e o inverso de π∗.

Demonstracao. Como π∗(π∗ω∧τ) = ω∧π∗τ = ω, temos que π∗φ e

a identidade de Hk(M). Logo φ e injetivo e, como Hk(M) e isomorfoa Hk+n

vc (E), temos que φ e o isomorfismo inverso de π∗.

Definicao 10.1. Uma forma fechada τ ∈ Ωnvc(E) tal que π∗τ = 1 echamada uma forma de Thom e sua classe de equivalencia em Hn

vc(E)a classe de Thom.

Observacao 10.2. Dado t > 0, seja φt : E → E, φt(p, e) = (p, te).Se τ ∈ Ωvc(E) e uma forma de Thom, entao φ∗t τ e tambem uma formade Thom. Logo a classe de Thom pode ser representada por umaforma de Thom com suporte em vizinhanca arbitrariamente pequenada secao nula.

Proposicao 10.27. Seja g : N → M uma aplicacao de classe C∞

entre variedades orientadas e com cobertura simples finita. Se τ(E)e uma classe de Thom de π : E →M , entao uma classe de Thom do

[SEC. 10.4: ISOMORFISMO DE THOM E A CLASSE DE EULER 271

fibrado g∗E e G∗τ(E), em que G : g∗E → E e o morfismo natural defibrados vetoriais tal que o diagrama abaixo comuta.

g∗EG //

p

E

π

N

g // M

Demonstracao. Se τ e uma forma de Thom, entao G∗τ e uma formade Thom de g∗E pois sua integral ao longo da fibra pelo ponto p eigual a integral de τ ao longo da fibra pelo ponto g(p), que e igual a1.

Proposicao 10.28. Sejam πi : Ei →M , i = 1, 2, fibrados orientadossobre uma variedade orientada com uma cobertura simples finita.Considere o fibrado soma direta π : E1 ⊕ E2 → M e as projecoesnaturais ρi : E1 ⊕ E2 → Ei, i = 1, 2. Entao

τ(E1 ⊕ E2) = ρ∗1(τ(E1)) ∧ ρ∗2(τ(E2)).

Demonstracao. Se τi e uma forma de Thom de Ei entao, peloTeorema de Fubini, a integral de τ = ρ∗1τ1 ∧ ρ∗2τ2 ao longo de cadafibra e igual a 1. Logo τ e forma de Thom de E1 ⊕ E2.

Proposicao 10.29. Seja M uma variedade orientada e S ⊂M umasubvariedade compacta orientada de M . Seja πs : NS → S o fibradonormal de S em M . Se ϕS : NS → VS ⊂M e uma vizinhanca tubularde S em M e τ ∈ Ωm−s(NS) e uma forma de Thom de NS , entaoa forma ηS ∈ Ωm−s(M) definida por (ϕS)∗τ em VS e 0 fora de VSrepresenta o dual de Poincare de S em M .

Demonstracao. Lembramos que a fibra π−1S (x) e o espaco quoci-

ente TMx/TSx e que uma vizinhanca tubular ϕS e um difeomorfismotal que sua composta com a secao nula coincide com a inclusao de Sem M . Como a forma de Thom e fechada e tem suporte compacto,a forma ηS e fechada em M .

Seja i : S →M a inclusao e π : VS → S a projecao da vizinhanca emS definida por π = πS ϕ−1

S . Como S e um retrato por deformacao deVS , temos que π∗ i∗ : Hs(VS)→ Hs(VS) e a identidade. Logo, para

272 [CAP. 10: COHOMOLOGIA DE DE RHAM

toda forma fechada ω ∈ Ωs(M), a classe de cohomologia da restricaode ω a VS e [π∗i∗ω]. Logo existe uma forma θ ∈ Ωs−1(VS) tal que

ω|VS = π∗i∗ω + dθ.

Como ηS ∧ ω tem suporte compacto em VS temos pelo Teorema deStokes que ∫

VS

ηS ∧ dθ =

∫VS

d(ηS ∧ θ) = 0.

Logo ∫M

ω ∧ ηS =

∫VS

ω ∧ ηS

=

∫VS

(π∗i∗ω) ∧ ηS

=

∫NS

ϕ∗S(π∗i∗ω) ∧ τ

=

∫NS

π∗S(i∗ω) ∧ τ

=

∫S

(i∗ω).

Como∫Mω ∧ ηS =

∫Si∗ω para toda forma fechada ω ∈ Ωs(M),

temos que a classe de cohomologia de ηS e o dual de Poincare de Sem M .

Corolario 10.30. O dual de Poincare de uma subvariedade com-pacta e orientada S de uma variedade orientada M pode ser repre-sentada por forma fechada com suporte em uma vizinhanca arbitrariade S em V .

Corolario 10.31. Se π : E → M e um fibrado vetorial orientadosobre uma variedade compacta M , entao a classe de Thom de Ecoincide com o dual de Poincare da imagem da secao nula.

Teorema 10.32. Sejam M,N variedades orientadas e T ⊂ N umasubvariedade compacta e orientada. Seja f : M → N uma aplicacaode classe C∞ transversal a T e S = f−1(T ) com a orientacao induzidapor f e pelas orientacoes de N e T . Entao o dual de Poincare de Sem M e o pull-back do dual de Poincare de T em N .

[SEC. 10.4: ISOMORFISMO DE THOM E A CLASSE DE EULER 273

Demonstracao. Sejam πS : NS → S, πT : NT → T os fibradosnormais. A derivada de f em um ponto x ∈ S leva o subestacaonormal NS(x) isomorficamente em um subespaco complementar emTNf(x) ao subestacao tangente a T em f(x). Podemos entao orientarNS(x) da seguinte forma: uma base u1, . . . um−s de NS(x) e positivase v1, . . . , vt, Df(x)u1, . . . Df(x)us for uma base positiva de TMf(x)

sempre que v1, . . . , vt for uma base positiva do espaco tangente aT no ponto f(x). Definimos entao uma orientacao no espaco tan-gente a S no ponto x declarando que uma base w1, . . . , ws e positivase w1, . . . , ws, u1, . . . , um−s for uma base positiva de M sempre queu1, . . . , um−s for uma base positiva do espaco normal NS(x). Assimtanto S quanto o fibrado normal NS estao orientados.Denotamos por jS : S → NS , jT : T → NT as respectivas secoes nu-las. Seja ϕT : NT → VT ⊂ N uma vizinhanca tubular, isto e, umdifeomorfismo de NT sobre uma vizinhanca VT de T em N tal queϕT jT = iT , onde iT : T → N e a inclusao. Tomemos uma vizinhancatubular ϕS : NS → VS ⊂ M tal que f(VS) ⊂ VT . Seja F : NS → NTa aplicacao C∞

F = ϕ−1T f ϕS .

Para simplicar a notacao denotaremos jS(x) ∈ NS por (x, 0) e jT (y)por (y, 0). No ponto (x, 0) a restricao da derivada DϕS(x, 0) res-trita ao subespaco de T (NS)(x,0 tangente a fibra pelo ponto x e umisomorfismo linear desse subespaco com o espaco normal a S peloponto x que e a fibra pelo ponto x. Analogamente, para cada y ∈ Ttemos uma decomposicao do espaco tangente a NT no ponto (y, 0)da secao nula como a soma direta NT (y)⊕ TTy. Esta decomposicaodefine uma aplicacao linear sobrejetiva π1 do espaco tangente a NTno ponto (y, 0) sobre NT (y) que e a composta da projecao no su-bespaco tangente a fibra com DϕT (f(x), 0). Podemos entao definirum homomorfismo de fibrados

NSL−→ NT

↓ ↓S

f−→ T

por L(x, v) = (f(x), π1DF (x, 0)Dϕ−1S (x, 0)v). Como f e transversal

a T , temos que para cada x ∈ S, Lx e um isomorfismo da fibraNS(x) sobre a fibra NT (f(x)) que preserva a orientacao. Tomemos

274 [CAP. 10: COHOMOLOGIA DE DE RHAM

uma metrica Riemanniana em NT e uma funcao λ : NT → [0, 1] declasse C∞ que se anula fora de uma pequena vizinhanca da secaonula e e igual a 1 em uma vizinhanca menor da mesma secao nula.Se essas vizinhancas sao suficientemente pequenas, podemos definiruma funcao G : NS → NT de classe C∞ que coincide com L fora davizinhanca maior e nessa vizinhanca e dada por

G(x, v) = expL(x,v)(λ(x, v) exp−1L(x,v) F (x, v)).

A funcao G e igual a F em uma pequena vizinhanca da secao nula.Tomemos uma metrica em cada um dos fibrados NS , NT , isto e, umproduto interno em cada fibra que varia diferenciavelmente com afibra e denotemos por Na

S o subconjunto dos pontos (x, v) de NS taisque ‖v‖x < a. Analogamente para Na

T .

Afirmamos que existe uma constante K > 0 tal que para todo a > 0temos que

G(NS −NKaS ) ∩Na

T = ∅.

De fato, pela transversalidade de G a T , temos que existe ε > 0 eK1 > 0 tal que se (x, v) ∈ NS satisfaz ‖v‖x ≤ ε1 e G(x, v) = (y, w),entao 1

K1‖v‖x < ‖w‖y < K1‖v‖x. Seja ε2 > ε1 tal que se ‖v‖x ≥ ε2

entao G(x, v) = L(x, v). Como o conjunto (x, v); ε1 ≤ ‖v‖x ≤ ε2e compacto, existe K2 > 0 tal que se (x, v) pertence a esse conjuntoe G(x, v) = (y, w) entao 1

K2‖v‖x < ‖w‖y < K2‖v‖x. Como a res-

tricao de L a cada fibra e um isomorfismo, existe K3 > 0 tal que seL(x, v) = (x,w) entao 1

K3||v||x ≤ ||w||x ≤ K3||V ||x. Temos portanto

que existe K > 0 tal que para todo (x, v) ∈ NS , se G(x, v) = (y, w),entao 1

K ‖v‖x ≤ ‖w‖y ≤ K‖v‖x e isso prova a afirmacao.

Consideremos a famılia a 1-parametro de aplicacoes

Gt : NS → NT

definidas por

Gt(x, v) = ρtG(x, tv) t 6= 0

G0(x, v) = L(x, v)

[SEC. 10.4: ISOMORFISMO DE THOM E A CLASSE DE EULER 275

onde ρt : NT → NT e o isomorfismo

ρt(y, w) =

(y,

1

tw

).

Da afirmacao concluımos que para todo t ∈ [0, 1] temos que

Gt(x, v) = (y, w)⇒ 1

K‖v‖x ≤ ‖w‖y ≤ K‖v‖x.

Consequentemente a aplicacao

(t, (x, v)) 7→ Gt(x, v) e propria.

Seja τT uma forma de Thom do fibrado NT cujo suporte esta contidona regiao onde G = F . Afirmamos que G∗τT = F ∗τT e uma formade Thom do fibrado NS , o que conclui a prova do teorema.Para provar essa afirmacao basta mostrar que a integral dessa formaem cada fibra de NS e igual a 1. Seja ix : π−1

S (x) → NS a inclusaoda fibra. Como ix Gt e uma homotopia propria entre ix G eix G0 = Lx e τT e uma forma fechada com suporte compacto temosque ∫

(ix Gt)∗τT

nao depende de t. Por outro lado, como G0 e um isomorfismo quepreserva orientacao entre as fibras π−1

S (x) e π−1T (f(x)), temos que∫

π−1S (x)

(ix G0)∗τT =

∫π−1T (f(x))

τT = 1.

Como F ∗τT e uma forma de Thom de NS , temos que a forma ηS quecoincide com F ∗τT em VS e se anula fora de VS representa o dual dePoincare de S pela proposicao 10.29. Como ηS = f∗ηT , o teoremaesta demonstrado. .

Sejam S e T subvariedades orientadas transversais de uma vari-edade orientada M . Entao S ∩ T e tambem uma subvariedade ori-entada. Fixamos uma orientacao de S ∩ T declarando que uma baseu1, . . . , us+t−m do espaco tangente a S ∩ T no ponto x e positiva se

276 [CAP. 10: COHOMOLOGIA DE DE RHAM

estendendo-a para bases positivas v1, . . . , vs, u1, . . . , us+t−m de TSxe u1, . . . , us+t−m, w1, . . . , wt de TTx obtivermos uma base positiva

v1, . . . , v1, u1, . . . , u1+t−mw1, . . . , wt,

de TMx.

Teorema 10.33. Sejam S, T subvariedades compactas orientadas deuma variedade orientada M . Se S e transversal a T , entao o dual dePoincare de S ∩ T e o produto wedge dos duais de Poincare de S ede T .

Demonstracao. A inclusao iS : S →M e transversal a T . Entao i∗Sdo dual de Poincare [ηT ] de T em M e, pelo teorema anterior, o dualde Poincare de S ∩T em S. Seja [ηS ] o dual de Poincare de S em M .Entao∫M

ηS ∧ ηT ∧ δ =

∫S

i∗S(ηT ∧ δ) =

∫S

i∗S(ηT ) ∧ i∗Sδ =

∫S∩T

i∗S∩T (i∗Sδ)

=

∫S∩T

i∗δ

onde iS∩T : S ∩ T → S e i : S ∩ T →M sao inclusoes e i = iS iS∩T .

Seja S uma subvariedade compacta e orientada de uma varie-dade orientada N . Seja P uma variedade compacta orientada cujadimensao e igual a codimensao de S em N . Seja f : M → N umaaplicacao de classe C∞ transversal a S. Temos entao que f−1(S) eum numero finito x1, . . . , xk de pontos em M . Lembramos que o sinalde x ∈ f−1(S) e definido como sendo igual a 1 se

u1, . . . , us, Df(x)v1, . . . , Df(x)vm

for uma base positiva de TNf(x) sempre que u1, . . . , us for uma basepositiva de TSf(x) e v1, . . . , vm for uma base positiva de TMx. Casocontrario o sinal de x e igual a −1. Finalmente, o numero de in-tersecao de f com S, f.S , foi definido como a soma dos sinais dos x′js.Como vimos, esse numero inteiro e invariante por hotomopias e, por-tanto, esta associado a uma classe de homotopia de funcoes contınuas

[SEC. 10.4: ISOMORFISMO DE THOM E A CLASSE DE EULER 277

de M em N uma vez que toda funcao contınua e homotopica a umaaplicacao C∞ que e transversal a S. Por outro lado, temos um ho-momorfismo IM : Hm(M) → R, definido por integracao de formas,e, um homomorfismo f∗ : Hm

c (N) → Hm(M) que tambem dependeapenas da classe de homotopia de f . Como S e compacta entao odual de Poincare de S , [ηS ] ∈ Hm

c (N), e uma classe de cohomologiacom suporte compacto. Portanto o numero real IM (f∗([ηS ]) dependeapenas da classe de homotopia de f .

Teorema 10.34. Se S e uma subvariedade compacta e orientada deuma variedade orientada N e M e uma variedade compacta orientadade dimensao m igual a codimensao de N entao, se f : M → N euma aplicacao contınua e [ηS ] ∈ Hm(N) e o dual de Poincare deS, o numero real IM (π∗([ηS ]) e inteiro e coincide com o numero deintersecao f.S.

Demonstracao. Como ambos os numeros da igualdade dependemapenas da classe de homotopia de f podemos supor que f e umaaplicacao de classe C∞ transversal a S. Entao f−1(S) = x1, . . . , xke um numero finito de pontos. Para cada j tomemos uma vizinhancaVj de xj tal que a restricao de f a cada Vj e um mergulho cujaimagem e uma subvariedade que intersecta S transversalmente nounico ponto f(xj). Tomemos uma metrica riemanniana em M e sejaφS : N(S) → VS uma vizinhanca tubular de S em N e π : VS → S asubmersao π = φS πS φ−1

S .Afirmamos que existe uma aplicacao g : M → N de clsse C∞, quee transversal a S, g−1(S) = f−1(S), g e homotopica a f e existemvizinhancas Uj ⊂ Vj de cada xj tal que a restricao de g a Uj e umdifeomorfismo sobre uma vizinhanca de g(xj) em π−1(g(xj)) que pre-serva a orientacao se o sinal de xj e positivo e inverte a orientacaocaso contrario.Antes de provar a afirmacao vamos concluir a prova do teorema. SejaV ⊂ VS uma vizinhanca de S tal que g−1(V ) ⊂ ∪kj=1Uj . Como vi-mos, na classe de cohomologia do dual de Poincare de S existe umaforma fechada ηS com suporte contido em V que e a imagem por(φS)∗ de uma forma de Thom τS do fibrado normal N(S). Logo, seij : π−1(g(xj)) → N e a inclusao entao

∫π−1(g(xj))

i∗jηS = 1. Logo,∫Vjg∗ηS e igual ao sinal de xj . Logo

∫Mg∗ηS = g.S o que prova o

teorema.

278 [CAP. 10: COHOMOLOGIA DE DE RHAM

Resta mostrar a afirmacao. Para cada j seja ψj : Wj → Rs × Rmuma carta local em N que leva f(xj) em 0 e S ∩Wj em Rs × 0.Tomando a vizinhanca Vj suficientemente pequena temos que existeuma vizinanca A ⊂ Rm da origem e uma funcao C∞ α0 : A → Rmcujo grafico, (α0(y), y) ∈ Rs × Rm; y ∈ A coincide com ψj(f(Vj)).Seja λ : Rm → [0, 1] uma funcao C∞ que vale 0 fora de uma vizi-nhanca compacta de 0 contida em A e vale 1 em uma vizinhancade 0. Definimos entao α1 : A → Rm por α1(y) = (1 − λ(y))α0(y)e αt(y) = (1 − t)α0(y) + tα1(y). Para cada t a aplicacao θt que acada ponto (α0(y), y) associa o ponto (αt(y), y) e um difeomorfismodo grafico de α0 sobre o grafico de αt. Definimos entao gt : M → Ncomo sendo igual a f fora da uniao dos Vj e, em cada Vj , definimosgt como a composta de f com a aplicacao ψ−1

j θt ψj . Temos queg0 = f . Tomando g = g1 concluimos a prova da afirmacao.

Teorema 10.35. A algebra de cohomologia de CPn)O algebra cohomologia de CPn e gerado por uma classe de cohomo-logia [ω] ∈ CPn com a relacao ω2n+2 = 0.

Demonstracao. Seja Sk = [z0 : . . . : zn] ∈ CPn; zj = 0, j > k.Temos que Sk e um mergulho complex de CP k. Seja Tk = [z0 : . . . : zn] ∈CPn; zj = 0, j ≤ k+1. Como T k e tambem uma subvariedade com-plexa compacta que e transversal a Sk e intersecta transversalmenteSk no unico ponto [0 : . . . : zk : zk+1 : 0 . . . : 0] ∈ CPn temos que onumero de intersecao de Sk e Tk e igual a 1. Logo, pelo teorema10.33 o produto cup das classes de cohomologia dos duais de Poin-care de Sk e de Tk e o dual de Poincare de um ponto e, portantoe nao trivial. Logo o dual de Poincare de Sk e uma classe de coho-mologia nao nula que, portanto, e um gerador de H2k(CPn pois,pela proposicao 10.12 e isomorfo a R. Em particular o dual de Poin-care de Sn−1 e uma classe de cohomologia nao nula [ω] ∈ H2(CPn)que e um gerador desse grupo. Da homotopia [z0 : . . . : zn−2 : (1 −t)zn−1] : tzn] concluimos que [ω] e tambem o dual de Poincare deSn−1 = [z0 : . . . : zn−2 : 0 : zn]. Como Sn−2 e a intersecao transver-sal de Sn−1 e Sn−1 temos, pelo teorema 10.33 que o dual de Poincarede Sn−2 e [ω]2 = [ω ∧ ω]. Como o mesmo argumento concluimosindutivamente que o dual de Poincare de Sn−k e [ω]k = [ω ∧ · · · ∧ ω]o que prova o teorema.

Seja π : E → M um fibrado vetorial orientado de posto r sobre

[SEC. 10.4: ISOMORFISMO DE THOM E A CLASSE DE EULER 279

uma variedade compacta orientada de dimensao m. Se s : M → E euma secao C∞ e τ(E) e a classe de Thom de E segue que a classede cohomologia s∗(τ(E)) ∈ Hr(M) nao depende de s, pois quaisquerduas secoes sao sempre homotopicas. Tal classe e chamada a classede Euler de E e e denotada por χ(E). Se s e transversal a secaonula, entao Zs = x ∈M, s(x) = 0 e uma subvariedade de dimensaom−r e o dual de Poincare dessa subvariedade e precisamente a classede Euler do fibrado E.

Se o fibrado possui uma secao que nunca se anula, entao, como aclasse de Thom pode ser representada por uma forma com suporte emuma vizinhanca arbitrariamente pequena da secao nula, o pull-backdessa forma pela secao e a forma identicamente nula e, portanto, aclasse de Euler de E e zero. Portanto se a classe de Euler e nao nula,entao toda secao tem que se anular e secoes genericas se anulam emuma subvariedade de dimensao m− r.

Proposicao 10.36. Sejam πi : Ei → N , i = 1, 2, fibrados vetoriaisorientados sobre uma variedade compacta orientada N e f : M → Numa aplicacao C∞ de uma variedade compacta orientada M . Entao:

1) χ(E1 ⊕ E2) = χ(E1) ∧ χ(E2)

2) χ(f∗E1) = f∗(χ(E1))

3) Se E1 e E2 sao isomorfos como fibrados, entao χ(E1) = χ(E2).

Demonstracao. Segue das propriedades analogas das classes deThom.

Se r = m, entao a classe de Euler de E e um elemento χ(E) emHm(M) que, pela dualidade de Poincare, ou integracao em M , nosfornece um numero, chamado o numero de Euler do fibrado. Comoesse numero coincide com o numero de intersecao de uma secao coma secao nula ele e um inteiro. No caso especial do fibrado tangente avariedade M , o numero de Euler e precisamente a caracterıstica deEuler de M , que estudamos no capıtulo 9.

Exemplo 10.1. Fibrados de linha holomorfos sobre uma su-perfıcie de Riemann compacta.

280 [CAP. 10: COHOMOLOGIA DE DE RHAM

Seja M uma superfıcie de Riemann compacta. Um divisor em Me um elemento D ∈ H0(M,Z), isto e, uma soma formal

∑ni=1 nizi

onde zi ∈ M e ni ∈ Z. Dado um divisor D, podemos construir umfibrado holomorfo π : E → M da seguinte forma. Para cada i tome-mos uma vizinhanca aberta Ui de zi e um difeomorfismo holomorfofi : Ui → D que leva zi em 0 e tais que Ui ∩ Uj = ∅ se i 6= j . Tome-mos uma cobertura Un+jNj=1 de M −

⋃f−1i (D1/2) e a cada aberto

associamos uma funcao ϕn+j : Un+j → C∗. Escolhemos os abertosda cobertura de tal forma que Un+j ∩ x1, . . . , xn = ∅ se j ≥ 1. Sei ≤ n tomemos ϕi : Ui − zi → C, ϕi(z) = fi(z)

ni . Se Ui ∩ Uj 6= ∅seja ϕij : Ui ∩ Uj → C∗ definido por ϕij(z) =

ϕj(z)ϕi(z)

(note que esta

definicao tem sentido pois qualquer intersecao Ui ∩ Uj que seja naovazia nao pode conter algum zk).

A famılia ϕij define um cociclo em M e com a acao linear (com-plexa)

C∗ × C −→ C(u, z) 7−→ u · z

define uma fibrado de linha holomorfo LD → M pois as funcoes detransicao sao funcoes holomorfas e a acao e complexa linear. Asfuncoes ϕi para i ≥ n e tais que ni > 0 e as funcoes ϕi|Ui−zi seni < 0 definem uma secao holomorfa s sobre M − ∪zi, ni < 0.Seja s : M → LD uma secao C∞, transversal a secao nula, tal que scoincide com s fora de

⋃ni=1 f

−1i (D1/2).

Os zeros de s estao contidos no interior de⋃ni=1 f

−1i (D1/2). Em uma

trivializacao do fibrado sobre o disco Ui, a secao s se expressa comouma funcao

si : D→ C

que, no bordo de D1/2, coincide com zni . Logo as somas dos ındicesdos zeros de si em D1/2 e igual a ni, pois o grau de aplicacao

∂D1/2 −→ Sn−1

z 7−→ zni

‖zni‖

e igual a ni.

[SEC. 10.4: ISOMORFISMO DE THOM E A CLASSE DE EULER 281

Concluımos entao que o numero de Euler do fibrado ED →M e iguala∑ni=1 ni, este ultimo tambem e conhecido como o grau do divisor.

Afirmamos que se o numero de Euler do fibrado e negativo, entao ofibrado nao tem secao holomorfa. Isso e consequencia dos seguintesfatos:

1) Toda variedade complexa e canonicamente orientada.

2) Se S, T sao duas subvariedades complexas compactas de umavariedade complexa M com dimCS = dimCT = 1 e dimCM = 2,entao o numero de intersecao de S e T e nao negativo.

O primeiro fato e consequencia do seguinte resultado de algebralinear: se L : Cn → Cn e uma aplicacao C linear entao seu determi-nante, como aplicacao R-linear Rn×Rn → Rn×Rn, e maior ou iguala zero. Este fato ja foi mostrado como parte da proposicao 9.4. Seguedesta propriedade que o jacobiano das mudancas de coordenadas dascartas de um atlas holomorfo de uma variedade complexa e semprepositivo, e portanto toda variedade complexa e orientavel. O outrofato segue de que se duas subvariedades complexas S, T ⊂ M de di-mensoes complementares se intersectam transversalmente no pontop, entao o ındice de intersecao e sempre +1.

Para este segundo fato, observemos inicialmente que os pontos deintersecao nao transversais de S e T sao isolados. Tomando umacarta local de M que leva esse ponto de intersecao nao transversalem 0 ∈ C2 e a subvariedade S em C× 0, temos que T e levada nografico de uma transformacao holomorfa f : C→ C que tem um zeroisolado em 0. Pelo teorema de Sard, o conjunto dos w ∈ C tais quetodos os zeros de f + w sao simples e denso. Podemos entao aproxi-mar f por uma funcao g que coincide com f fora de uma vizinhancade 0 e tal que todos os seus zeros estao em uma vizinhanca de 0 naqual g = f + w e seus zeros sao simples, f nao se anula fora dessavizinhanca. Assim podemos aproximar S por uma subvariedade Sde classe C∞ transversal a T e tal que o ındice de cada ponto deintersecao e igual a +1, o que prova o fato 2).Em particular o fibrado tangente de uma superfıcie de Riemann com-pacta de genus g ≥ 2 nao admite secao holomorfa.

282 [CAP. 10: COHOMOLOGIA DE DE RHAM

Uma forma diferencial complexa de classe C∞ em uma superfıciede Riemann tem como expressao local w = a(z)dz+ b(z)dz. A formae holomorfa se b ≡ 0 e a e holomorfa. Uma consequencia do teoremade Riemann-Roch e que o espaco vetorial das secoes holomorfas do fi-brado cotangente tem dimensao complexa igual ao genus da superfıciede Riemann.

10.5 Uma formula de Kunneth e o Teorema deLefschetz

O produto exterior de formas induz uma estrutura de algebra noespaco vetorial

⊕mk=0H

k(M) dos grupos de cohomologia de uma va-riedade M :

Hk(M)×H`(M) −→ Hk+`(M)([w], [η]) 7−→ [w] ∪ [η] := [w ∧ η].

O produto ∪, chamado de produto “cup”, esta bem definido pois sew e η sao formas fechadas, entao

(w + dw) ∧ (η + dη) = w ∧ η ± d(w ∧ η) + d(w ∧ η) + d(w ∧ dη)

= w ∧ η + d(±w ∧ η + w ∧ η + w ∧ dη).

O produto cup e associativo, pois o produto exterior o e e, quanto acomutatividade, temos

[w] ∪ [η] = (−1)|w||η|[η] ∪ [w],

em que |w| = k se ω ∈ Ωk(M). Se M e N sao variedades dife-renciaveis, o produto cup em H∗(M × N) e as projecoes canonicasπM : M ×N →M e πN : M ×N → N induzem um homorfismo

Hk(M)⊗H l(N) −→ Hk+l(M ×N)[ω]⊗ [η] 7−→ [π∗Mω] ∪ [π∗Nη]

e assim, um homomorfismo

φl :

l⊕k=0

Hk(M)⊗H`−k(N)→ H`(M ×N).

[SEC. 10.5: UMA FORMULA DE KUNNETH E O TEOREMA DE LEFSCHETZ 283

Teorema 10.37. [Formula de Kunneth] SeM tem uma coberturasimples finita, entao o homomorfismo

φl :⊕k=0

Hk(M)⊗H`−k(N)→ H`(M ×N).

e um isomorfismo.

Demonstracao. Se M = Rm entao Hk(M) = 0 para k > 1 eH0(M) = R. Logo⊕Hk(M)⊕H`−k(N) ' H0(M)⊗H`(N) ' H`(N)e, como M×N tem o tipo de homotopia de N , H`(M×N) ∼ H`(N)o que prova o resultado quando M tem o tipo de homotopia de Rm.Vamos usar a sequencia exata de Mayer-Vietoris e o lema dos 5 paraprovar que se M = U ∪ V e o teorema e verdadeiro para os abertosU×N,V ×N e (U∩V )×N , entao o teorema e verdadeiro para M×N .

Para cada aberto A ⊂M , escrevemos

sl(A) =

l⊕k=0

Ωk(A)⊗ Ωl−k(N), Sl(A) =

l⊕k=0

Hk(A)⊗H l−k(N)

etl(A) = Ωl(A×N), T l(A) = H l(A×N).

Entao temos um diagrama comutativo com colunas exatas

0

0

sl(U ∪ V )

φl,U∪V //

tl(U ∪ V )

sl(U)⊕ sl(V )

φl,U+φl,V // tl(U)⊕ tl(V )

sl(U ∩ V )

φl,U∩V // tl(U ∩ V )

0 0

284 [CAP. 10: COHOMOLOGIA DE DE RHAM

o qual induz um diagrama comutativo de sequencias exatas longas

Sl(U ∪ V ) //

Sl(U)⊕ Sl(V ) //

Sl(U ∩ V ) //

Sl+1(U ∪ V )

//

T l(U ∪ V ) // T l(U)⊕ T l(V ) // T l(U ∩ V ) // T l+1(U ∪ V ) //

Pelo lema dos 5, se φ∗`,U , φ∗`,V e φ∗`,U∩V sao isomorfismos para todo `,entao φ∗`,U∪V e isomorfismo. Para concluir a demonstracao bastausar inducao: se o teorema e verdadeiro para variedades M quetem cobertura simples com k − 1 elementos, entao e tambem ver-dadeiro para toda variedade M que tem uma cobertura simples comk-elementos.

Seja M uma variedade compacta orientada e considere a diagonal∆ = (x, x) ∈ M ×M ;x ∈ M. Lembramos que a cada aplicacaocontınua g : M → M ×M podemos associar o numero de intersecaode g com ∆. Esse numero depende apenas da classe de homotopiada aplicacao g e entao esse numero e igual a

∑g(x)∈∆ I(g, x), onde

I(g, x) e igual a 1 se a imagem por Dg(x) de uma base positiva deTMx seguida de uma base positiva de T∆g(x) for uma base positivade T (M ×M)g(x) e I(g, x) = −1 caso contrario.

Definicao 10.2. O numero de Lefschetz de uma aplicacao contınuaf : M →M , denotado por L(f), e o numero de intersecao da aplicacaog : M →M ×M definida por g(x) = (x, f(x)) com ∆.

Das consideracoes anteriores segue que o numero de Lefschetz eum inteiro que depende apenas da classe de homotopia de f . Quandof e de classe C∞ e seu grafico e transversal a diagonal, entao

L(f) =∑

f(x)=x

I(f, x),

em que o ındice de Lefschetz do ponto fixo I(f, x) vale 1 se o deter-minante de Df(x)− Id for negativo e vale −1 caso contrario.

Teorema 10.38. (Teorema do ponto fixo de Lefschetz)

[SEC. 10.5: UMA FORMULA DE KUNNETH E O TEOREMA DE LEFSCHETZ 285

1. Se f : M →M e uma aplicacao contınua, entao

L(f) =

m∑i=0

(−1)iTr(f∗ : Hi(M)→ Hi(M))

2. Se χ(M) e a caracterıstica de Euler de M , entao

χ(M) =

m∑i=0

(−1)i dim(Hi(M)).

Demonstracao. Mostraremos primeiro que 1) implica 2). Tome umcampo de vetoresX ∈ X∞(M) com todas singularidades hiperbolicas,de modo que χ(M) =

∑X(x0)=0 I(X,x0). Consideremos uma metrica

Riemanniana em M . Se t > 0 e suficientemente pequeno entao aaplicacao f(x) = expx(tX(x)) e homotopica a identidade, f(x) = xse, e somente se, X(x) = 0 e o ındice de Lefschetz de f em um pontofixo x coincide com o ındice de X em x. Como f e homotopica a iden-tidade temos que f∗i = id para todo i, e assim Tr(f∗i ) = dimHi(M),o que implica 2).

Para provar 1), seja τ∆ ∈ Ωm(M ×M), dτ∆ = 0, representando odual de Poincare de ∆, isto e:∫

w =

∫M×M

w ∧ τ∆

para toda forma fechada w ∈ Ωm(M×M). Tomemos formas fechadaswi ∈ Ω|wi|(M), i = 1, . . . , k tais que [wi] e base de H∗(M). Peladualidade de Poincare, existem formas fechadas τj , j = 1, . . . , n taisque [τj ] e uma base de H∗(M) e∫

M

wi ∧ τj = δij

se |wi| = m− |τj |. Pela formula de Kunneth, [π∗1wi ∧ π∗2τj ] e umabase de H∗(M ×M). Logo

τ∆ =

n∑i,j=1

Cijπ∗1wi ∧ π∗2τj + dη

286 [CAP. 10: COHOMOLOGIA DE DE RHAM

com Cij ∈ R e η ∈ Ωm−1(M ×M). Seja i : M → M ×M a inclusaoi(p) = (p, p). Como

∫∆w =

∫M×M w ∧ τ∆ para toda forma fechada

w ∈ Ωm(M), tomando w = π∗1τ` ∧ π∗2wk temos que∫∆

π∗1τ` ∧ π∗2wk =

∫M

i∗(π∗1τ` ∧ π∗2wk)

=

∫M

τ` ∧ wk

= (−1)|τ`||wk|∫M

wk ∧ τ`

= (−1)|τ`||wk|δk`.

Por outro lado, como para qualquer w fechada vale∫M×M w∧dη = 0,

temos ∫M×M

(π∗1τ` ∧ π∗2wk) ∧ τ∆ =

=

n∑i,j=1

Cij

∫M×M

π∗1τ` ∧ π∗2wk ∧ π∗1wi ∧ π∗2τj

=

n∑i,j=1

Cij(−1)|wk||wi|∫M×M

π∗1(τ` ∧ wi) ∧ π∗2(wk ∧ τj)

=n∑

i,j=1

Cij(−1)|wk||wi|∫M

τ` ∧ wi∫M

wk ∧ τj

=

n∑i,j=1

Cij(−1)|wk||wi|+|wi||τ`|δi`δkj

= C`k(−1)|wk||w`|+|w`||τ`|.

Portanto

C`k = 0 se l 6= k e Ckk = (−1)|wk|.

Logo

τ∆ =

n∑i=1

(−1)|wi|π∗1wi ∧ π∗2τi + dη.

Seja agora g : M → M × M a aplicacao g(p) = (p, f(p)). Logo onumero de Lefschetz L(f), que e o numero de intersecao de g com ∆,

[SEC. 10.5: UMA FORMULA DE KUNNETH E O TEOREMA DE LEFSCHETZ 287

vale

L(f) = (−1)m∫M

g∗τ∆

= (−1)m∫M

(id× f)∗τ∆

= (−1)mn∑i=1

(−1)|wi|∫M

(id× f)∗(π∗1wi ∧ π∗2τi)

= (−1)mn∑i=1

(−1)|ωi∫M

wi ∧ f∗τi

=

m∑k=0

(−1)k∑|τi|=k

∫M

wi ∧ f∗τi.

A ultima igualdade se verifica pois se k = |τi| = m − |wi|, entaok + |wi|+m = 2m e par.

Se |τi| = k, entao f∗τi =∑|τj |=k aijτj . Logo

wi ∧ f∗τi =∑|τj |=k

aijwi ∧ τj

e ∫M

wi ∧ f∗τi = aii.

Assim ∑|τi|=k

wi ∧ f∗τi =∑|τi|=k

aii = Tr(f∗k ).

Vamos agora apresentar uma aplicacao interessante do Teoremado ponto fixo de Lefschetz, devida a Shub-Sullivan , que depende deum lema elementar que esta enunciado logo abaixo, cuja prova podeser encontrada em [ShSu]. Se f : M →M e uma aplicacao, podemosconsiderar os iterados de f , isto e, as aplicacoes fn = f fn−1 ondef1 = f . Um ponto fixo de fn e dito um ponto periodico de f deperıodo n se nao e ponto fixo de fk para k < n.

288 [CAP. 10: COHOMOLOGIA DE DE RHAM

Lema 10.39. (Shub-Sullivan) Se f : M → M e de classe C1 e p eum ponto fixo isolado para todo iterado fn de f , entao o supremodos valores absolutos dos ındices de fn em x e limitado.

Teorema 10.40. Se f : M →M e de classe C1 e supmL(fm) =∞,entao f tem uma infinidade de pontos periodicos.

Demonstracao. Suponhamos por absurdo que f tem um numerofinito de pontos periodicos. Seja x1, . . . , xN o conjunto dos pontosperiodicos de f . Se fn(x) = x entao x = xi para algum i e n e ummultiplo do perıodo k de xi. Pelo Lemma anterior, existe bi > 0tal que o valor absoluto do ındice de f lk do ponto fixo xi e menorou igual a bi para todo l. Logo, para todo n o valor absoluto donumero de Lefschetz de fn e menor ou igual a N × supi bi o que euma contradicao.

Corolario 10.41. Toda aplicacao C1 f : S2 → S2 de grau 2 temuma infinidade de pontos periodicos.

Corolario 10.42. Se f : T2 → T2 e o difeomorfismo cujo levanta-

mento f : R2 → R2 e dado pela matriz

(2 11 1

), entao toda trans-

formacao g : T2 → T2 homotopica a f tem uma infinidade de pontosperiodicos.

Demonstracao. A aplicacao induzida por (f∗)1 : R2 → R2 e a

aplicacao linear cuja matriz e

(2 11 1

). Seus autovalores sao 3+

√5

2 > 1

e 3−√

52 < 1. Os autovalores de (fn)∗ sao

(3+√

52

)ne(

3−√

52

)ne por-

tanto

Tr((fn)∗1) =

(3 +√

5

2

)n+

(3−√

5

2

)n→∞.

ComoTr(fn)∗0 = Tr(fn)∗1 = 1,

temos que2∑k=0

(−1)kTr(fn)k → −∞.

[SEC. 10.6: COHOMOLOGIA DOS GRUPOS DE LIE COMPACTOS. 289

10.6 Cohomologia dos grupos de Lie compactos.

Em [?] Chevalley e Eillenberg mostraram que propriedades topologicasde grupos de Lie compactos se reduzem a propriedades algebricas deaplicacoes multilineares alternadas em sua algebra de Lie. Mais pre-cisamente, a algebra da cohomologia de deRham do grupo e isomorfaa algebra das aplicacoes multilineares alternadas de sua algebra deLie que sao invariantes pela representacao adjunta do grupo. Nessasecao provaremos esse resultado.

Seja G um grupo de Lie de dimensao n. Para cada g ∈ G de-notamos por Lg : G → G (resp. Rg : G → G) a translacao a es-querda (resp. a direita) h 7→ gh (resp. h 7→ hg). Denotamos porΩkL(G) ⊂ Ωk(G) o subespaco vetorial das formas invariantes pelastranslacoes a esquerda: ω ∈ ΩL se e somente se L∗gω = ω para

todo g ∈ G. A aplicacao que a cada ω ∈ ΩkL(G) associa o seuvalor ω(e) na identidade do grupo e um isomorfismo entre Ω∗L(G)e a algebra exterior da algebra de Lie de G. Como o pull-back deformas comuta com a diferencial exterior temos que se ω ∈ ΩL(G)entao dω ∈ Ωk+1(G). Temos entao um subcomplexo do complexo dedeRham cuja cohomologia denotaremos por H∗L(G). Analogamente,denotamos por Ω∗R(G) o subcomplexo das formas invariantes a direitae por H∗R(G) sua cohomologia. Temos ainda um outro subcomplexoΩkI (G) = ΩkL(G) ∩ ΩkR(M). O resultado principal dessa secao e oseguinte.

Teorema 10.43. Se G e um grupo de Lie compacto entao a inclusaoi : Ω∗I(G)→ Ω∗(G) induz um isomorfismo em cohomologia: em cadaclasse de cohomolgia de um grupo compacto existe uma e uma unicaforma invariante.

Lembramos que todo grupo de Lie e uma variedade orientada:uma n-forma nao nula define uma orientacao em cada espaco tan-gente.

Como as translacoes a esquerda comutam com as translacoes adireita temos que o pull-back de uma forma ω ∈ ΩkL(G) por umatranslacao a direita e ainda uma forma em ΩkL. Se a dimensao de Ge n temos entao que R∗gω e um multiplo de ω ∈ ΩL(G) pois o espaco

290 [CAP. 10: COHOMOLOGIA DE DE RHAM

das formas invariantes a esquerda tem dimensao um. E facil ver que

R∗gω = det(Adg−1)ω,

para todo ω ∈ ΩnL(G), onde Ad e a representacao adjunto do grupode Lie em sua algebra de Lie (Adg : TGe → TGe e a derivada na iden-tidade do automorfismo interno h ∈ G 7→ ghg−1). Como a aplicacaog ∈ G 7→ det(Adg−1) ∈ R \ 0 e um homomorfismo de grupo quedet(Adg−1) = 1 se G e compacto e conexo pois um subgrupo com-pacto e conexo do grupo multiplicativo R\0 so possui um elemento,a identidade. Isto prova a seguinte proposicao.

Proposicao 10.44. Fixada uma orientacao no grupo de Lie com-pacto e conexo G de dimensao n existe uma unica n-forma ωG que einvariante por todas as translacoes do grupo e

∫GωG = 1.

A forma ωG define por um funcional linear positivo f 7→∫GfωG

no espaco vetorial das funcoes contınuas e, portanto, uma medida nosBoreleanos de G que e invariante por todas as translacoes no grupo.Esta e a medida de Haar do grupo. (Um resultado mais geral, quenao utilizaremos, estabelece a existencia de medida invariante portranslacoes a esquerda (e outra invariante por translacoes a direita)em grupos topologicos localmente compactos que e conhecida comomedida de Haar e duas tais medidas diferem pela multiplicacao deuma constante positiva. Essa medida em geral nao e invariante pelastranslacoes a direita exceto nos grupos unimodulares).

Consideremos uma acao a direita do grupo de Lie G em uma varie-dade M , ρ : M ×G→ G, isto e, ρ(x, e) = x e ρ(ρ(x, g), h) = ρ(x, gh).Denotamos por ρg : M → M o difeomorfismo ρg(x) = ρ(x, g). Osubespaco das k-formas invariantes de M e definido por

ΩkI (M) = ω ∈ Ωk(M); ρ∗gω = ω∀g ∈ G.

Como o pull-back de formas por um difeomorfismo comuta com aderivada exterior temos que as formas invariantes formam um sub-complexo do complexo de deRham cuja cohomologia denotaremospor H∗I (M). A inclusao i : Ω∗I(M) → Ω∗(M) induz homomorfismosi∗ : Hk

I (M)→ Hk(M) que provaremos ser isomorfismo.Suponhamos agora que M e orientada, G e conexo, compacto com

[SEC. 10.6: COHOMOLOGIA DOS GRUPOS DE LIE COMPACTOS. 291

uma orientacao escolhida. Seja πM : M×G→M a projecao (x, g) 7→x. A integracao nas fibras de πM define uma aplicacao linear

(πM )∗ : H∗(M ×G)→ H∗−n(M)

que, como vimos na proposicao 10.23,comuta com a derivadas exteriore∫M×G π

∗Mω∧τ =

∫Mω∧(πM )∗τ para toda ω com suporte compacto

em M .Consideremo o homomorfismo r : Ω∗(M) → Ω∗(M), r = I ρ∗ ondeI : Ωk(M ×G)→ Ωk(M) definido por

I(ω) = (πM )∗(ω ∧ π∗G(ωG)).

Se f : G→ R denotaremos por∫Gf(g)dg a integral

∫GfωG.

Lema 10.45.

r(ω)(x)(v1, . . . , vk) =

∫G

(ρ∗gω)(x)(v1, . . . , vk)dg

Demonstracao. Vamos identificar T (M×G)x,g com TMx×TGg. Sewj ∈ KernDπM (x, g) para algum j entao π∗GωG(x, g)(w1, . . . , wk) =0. Logo

(ρ∗ω ∧ π∗GωG)(x, g)(v1, . . . , vk, u1, . . . un) == (ρ∗gω)(x)(v1, . . . , vk)× π∗GωG(x, g)(u1, . . . , un).

Como π∗GωG(x, g)(u1, . . . un) = ωG(x)(u1, . . . un) concluimos a provado lema (estamos identificando o vetor vj ∈ TMx com o vetor (vj , 0) ∈T (M ×G)x,g e o vetor uj ∈ TGg com o vetor (0, uj).)

Proposicao 10.46. Seja r = I ρ∗. Entao

1. r d = d r

2. Se ω ∈ Ω∗(M) entao r(ω) ∈ ΩkI (M).

3. Se ω ∈ ΩkI (M) entao r(ω) = ω.

Demonstracao. 1) Tanto ρ∗ quanto I comutam com a derivadaexterior. Logo r tambem comuta.

292 [CAP. 10: COHOMOLOGIA DE DE RHAM

2) Seja ω = r(ω). Temos entao

ρ∗gω(x)(v1, . . . , vk) == ω(ρg(x))(Dρg(x)v1, . . . Dρg(x)vk)

=

∫G

(ρ∗hω)(ρg(x)(Dρg(x)v1, . . . , Dρg(x)vk)dh =

=

∫G

ω(ρh ρg(x))(Dρh(ρg(x))Dρg(x)v1, . . . , Dρh(ρg(x))Dρg(x)vk) =

=

∫G

ω(ρgh(x))(Dρgh(x)v1, . . . , Dρgh(x)vk)dh =

=

∫G

ω(ρb(x))(Dρb(x)v1, . . . , Dφb(x)vk)db = ω

sendo que a penultima igualdade segue da invariancia de ωG portranslacoes no grupo, isto e, se f : G→ R entao∫

G

f(b)db =

∫G

fωG =

∫G

(Rg)∗(fωG) =

=

∫G

(f Rg)R∗gωG =

∫G

(f Rg)ωG =

∫G

f(gh)dh

3)

r(ω)(x)(v1, . . . , vk) =

∫G

(ρ∗gω)(x)(v1, . . . , vk)dg =

=

∫G

ω(x)(v1, . . . , vk)dg =

= ω(x)(v1, . . . , vk)

Temos entao uma retracao

r : Ω∗(M)→ Ω∗I(M)

que comuta com a derivada exterior e, portanto, induz um homomor-fismo em cohomologia.

Teorema 10.47. Se G e um grupo de Lie compacto e conexo entaoa aplicacao induzida por r em cohomologia e um isomorfismo.

[SEC. 10.6: COHOMOLOGIA DOS GRUPOS DE LIE COMPACTOS. 293

Demonstracao. Seja i : Ω∗I(M)→ Ω∗(M) a inclusao. Sejam r : H∗(M)→H∗I (M) e i : H∗I (M) → H∗(M) as aplicacoes induzidas em cohomo-logia. Como r i = id temos que r i = id. Logo i e injetivo.Seja je : M → M × G a aplicacao je(x) = (x, e). Vamos mostrar aexistencia de uma homotopia algebrica entre o operador I e o opera-dor induzido por je, is e,Afirmacao: Existe uma famılia de aplicacoes lineares

hk : Ωk(M ×G)→ Ωk−1(M)

tais queI − j∗e = dhk + hk+1d

Antes de provar a afirmacao vamos concluir a prova do teorema.Como ρ je e a identidade de M temos que j∗e ρ∗ = id. Logo

i r − id = I ρ∗ − id = dhρ∗ + hρ∗d

Portanto i∗ r∗ e a identidade de Hk(M). Logo i∗ e o isomorfismoinverso de r∗ o que prova o teorema.Prova da afirmacao.Seja U ⊂ G uma vizinhanca contratil da identidade e ∈ G. Sejaη ∈ Ωn(G) com suporte contido em U e tal que∫

G

ωG = 1 =

∫U

η =

∫G

η.

Logo existe uma forma θ ∈ Ωn−1(G) tal que

ωG − η = dθ.

Definimos entao

hk : Ωk(M ×G)→ Ωk−1(M)

por hk(τ) = (−1)k(πM )∗(τ ∧ π∗Gθ) e

I : Ωk(M ×G)→ Ωk(M)

I(τ) = (πM )∗(τ ∧ π∗Gη). Temos entao que

I − I = dh+ hd.

294 [CAP. 10: COHOMOLOGIA DE DE RHAM

Consideremos as inclusoes l : M × U → M ×G, je : U → U ×G,je(x) = (x, e) , e as projecoes πU : M×U → U e πM : M×U →M e ascorrespondentes aplicacoes de pull-back l∗ : Ω∗(M×G)→ Ω∗(M×U)e π∗U : Ω∗(U)→ Ω∗(M × U).Como o suporte de η esta contido em U entao, para todo τ ∈ Ω∗(M),temos que

τ ∧ π∗Uη ∈ Ω∗vc(M × U).

Logo temos um operador

I : Ω∗(M × U)→ Ω∗(M)

definido por I(τ) = (πM )∗(τ∧π∗Uη). Para todo τ ∈ Ω∗(M×G) temosque

I l∗(τ) = I(τ).

LogoI − I l∗ = dh+ hd.

Seja h : M × U × [0, 1] → U uma homotopia entre a identidade ea aplicacao je πM , (x, g) 7→ (x, e). Logo existe um operador dehomotopia algebrica

h : Ω∗(M × U)→ Ω∗−1(M × U)

tal queπ∗M j∗e − idΩ∗(M×U) = hd+ dh.

Por outro lado, como I π∗M = id tems, da equacao anterior, que

j∗e − I = I hd+ dIh

pois dI = Id. Como l je = je entao j∗e = j∗e l∗. Tambem I l∗ = Ie l∗d = dl∗. Logo

j∗e − I = I hl∗d+ dIhl∗.

Tomando h = h − I hl∗ temos que I − j∗e = dh + hd o que conclui aprova da afrimacao.

Corolario 10.48. As inclusoes

iL : Ω∗L(G)→ Ω∗(G)

[SEC. 10.6: COHOMOLOGIA DOS GRUPOS DE LIE COMPACTOS. 295

iR : Ω∗R(G)→ Ω∗(G)

iI : ΩI(G)→ Ω∗(G)

induzem isomorfismos das algebras de cohomologia.

Demonstracao. Basta tomar no teorema M = G e as seguintesacoes dos grupos G e G×G ::

(g, h) 7→ h−1g,

(g, h) 7→ gh,

(g, (h, k)) 7→ h−1gk.

As formas invariantes pela primeira acao sao as formas ΩL(G), asinvariantes pela segunda acao sao as formas ΩR(G) e as invariantespela terceira acao sao as formas ΩI(G).

Proposicao 10.49. Toda forma ω ∈ ΩkI (G) e fechada e a aplicacaoque a ω associa sua classe de cohomologia e um isomorfismo de algebra

ΩI(G)∗ → H∗(G).

Demonstracao. Seja m : G ×G → G, m(gh) = gh a multiplicacaodo grupo. Se v ∈ TGg0 , w ∈ TGh0 entao

Dm(g0, h0)(v, w) = D1m(g0, h0).v +D2m(g0, h0).w

onde a derivada parcialD1m e a derivada da aplicacao g 7→ m(g, h0) =Rh0)(g) no ponto g0 e D2m e a derivada de h 7→ m(g0, h) = Lg0(h)no ponto h0. Logo

Dm(g0, h0)(v, w) = DRh0(g0).v +DLg0(h0).w.

Seja i : G → G a aplicacao i(x) = x−1. Como m(g, i(g)) = 1 temos,derivando ambos os membros no ponto g0, que

Di(g0).v = −(DLg0(e))−1(DRg0(e))−1.v.

Se ω ∈ ΩkI (G) entaoi∗ω = (−1)kω.

296 [CAP. 10: COHOMOLOGIA DE DE RHAM

De fato,

i∗ω(g0)(DRg0(e)v1, . . . , DRg0(e)vk) == ω(g−1

0 )((−DLg0(e))−1.v1, . . . ,−(DLg0(e))−1vk) == (−1)kω(g−1

0 )((DLg0(e))−1.v1, . . . , (DLg0(e))−1vk) == (−1)kω(e)(v1, . . . , vk) == (−1)kω(g0)(DRg0(e)v1, . . . , DRg0(e)vk)

,

once na penultima igualdade usamos a invariancia por translacoes aesquerda e na ultima a invariancia por translacoes a direita.Como a derivada exterior comuta com o pull-back temos , se ω ∈ΩkI (G), que

(−1)kdω = di∗ω = i∗dω = (−1)k+1dω.

Portanto toda forma ω ∈ ΩkI e fechada. Logo a aplicacao que adada ω ∈ Ωk associa sua classe de cohomologia em Hk

I (G) e umisomorfismo. A proposicao segue entao do teorema anterior.

Exemplo 10.2. A algebra de cohomologia do toro O toroTn = S1 × . . . S! .e um grupo comutativo. Portanto toda formainvariante a esquerda e tambem invariante a direita.Seja π : Rn → Tn o recobrimento universal. O grupo das trans-formacoes de recobrimento e o conjunto das translacoes inteiras. Por-tanto o espaco das formas diferenciais no toro e isomorfo ao espacovetorial das formas em Rn invariantes pelas translacoes inteiras. Todolevantamento de uma translacao no toro e uma translacao no Rn.Portanto π estabelece um isomorfismo entre as formas invariantesno toro e o espaco vetorial das formas em Rn invariantes por todasas translacoes. Esse e simplesmente o espaco das formas com coe-ficientes constantes, isto e, Λ∗((Rn)∗). Logo temos um isomofismoda algebra Λ∗((Rn)∗) na algebra da cohomologia do toro. Em cadaclasse de cohomologia do toro existe uma unica forma cujo pull backe uma forma com coeficientes constantes em Rn.

Exercıcio 10.4. Seja g = TGe a algebra de Lie do grupo compactoe conexo G.

1. Seja Λ∗I(g∗) ⊂ Λ∗(g∗) o conjunto das formas alternadas in-

variantes pela acao adjunta. Mostre que existe uma retracaor : Λ∗(g∗)→ Λ∗I(g

∗).

[SEC. 10.7: CORRENTES DE DE RHAM 297

2. Mostre que se ω ∈ ΩkI (g) entao ω(e) ∈ ΛkI ((g∗)

3. Mostre que existe um isomorfismo de algebras

Λ∗I(g∗)→ H∗(g)

Exercıcio 10.5. Seja g=TGe a algebra de Lie do grupo de Lie G.

Seja Φ: Λ∗(g∗) → Ω∗L(G) o isomorfismo que a calda λ ∈ Λk(g∗) as-socia a k-forma ω(g)(DLg(e)v1, . . . , DLg(e)vk) = λ(v1, . . . , vk). Sejaδk : Λk(g∗) → Λk+1(g∗) o operador definido por δk = Φ−1 d Φ.Mostre que

δλ(v1, . . . , vk+1 =∑

1≤i<j≤k

(−1)j+k−1λ([vj , vk], v1, . . . , vi, . . . , vj , . . . , vk),

onde as variaveis com chapeu sao omitidas e [., .] e o colchete de Lieda algebra. Mostre tambem que se (A, [., .]) e uma algebra de Liede dimensao n e δ : Λ∗(A∗) → Λ∗+1(A∗) e o operador definido pelamesma formula, entao δk δk−1 = 0.Sugestao: Use a formula de Cartan da proposicao 5.20.

O exemplo acima permite associar uma algebra de cohomologia acada algebra de Lie de dimensao finita.

Teorema 10.50. Uma forma k-linear λ, alternada ou nao, na algebrade Lie de um grupo de Lie G e invariante pela acao adjunta se esomente se

λ([v1, v], v2, . . . vk) + · · ·+ λ(v1, . . . , vk−1, [vk, v]) = 0

para todo v, v1, . . . , vk ∈ g.

10.7 Correntes de De Rham

Uma corrente de de Rham de ordem k em uma variedade de dimensaoM e um funcional linear contınuo no espaco Ωkc (M) das formas dife-renciais com suporte compacto. Para ser mais preciso, vamos definira topologia nesse espaco. Consideremos inicialmente M = Rm. Todaforma ω ∈ Ωkc (Rm) se escreve como

ω(x) =∑|I|=k

αI(x)dxI

298 [CAP. 10: COHOMOLOGIA DE DE RHAM

com as funcoes αI de suporte compacto. A topologia de Ωkc (Rm) edefinida da seguinte maneira ωn → ω se existe um compacto K ⊂ Rmtal que os suportes de ω e de ωn estejam contidos em K e para cadainteiro l a sequencia

‖ω − ωn‖l := sup|DjαI(x)−Djαn,I(x)|;x ∈ K, j ≤ l, |I| = k

converge a zero.Para definir a topologia em Ωkc (M), tomamos uma cobertura lo-

calmente finita de M por domınios de cartas locais φi : Ui → Rm euma particao da unidade λi : M → [0, 1] subordinada a essa cober-tura. Temos entao que se ω ∈ Ωkc (M), entao ω =

∑i λiω e as formas

λiω tem suporte em Ui e, portanto, (φi)∗(λiω) ∈ Ωkc (Rn). Dizemosentao que ωn converge a ω se existe um compacto K ⊂M que contemos suportes de ω e de ωn para todo n e (φi)∗(λi(ω − ωn)) convergea zero em Ωkc (Rm) para todo i. De fato, essa sequencia de formas enao nula apenas para um numero finito de i’s tais que Ui intersectao compacto K.

Exemplo 10.3. Uma (m − k)-forma η ∈ Ωm−k(M) em uma vari-edade orientavel define uma corrente Tη : Ωkc (M) → R por Tη(ω) =∫Mη ∧ ω.

Exemplo 10.4. Se N e uma variedade orientada de dimensao n ef : N → M e uma aplicacao C∞ propria, entao a aplicacao que acada forma ω ∈ Ωnc (M) associa o numero real

∫Nf∗ω e uma corrente

de ordem n.

Exemplo 10.5. Uma cadeia C∞, c ∈ C∞k (M), tambem define porintegracao uma corrente.

O espaco Ck(M) das correntes de ordem k e um espaco vetorialtopologico, no qual uma sequencia Tn de correntes converge a T seTn(ω) converge a T (ω) para todo ω ∈ Ωkc (M) (topologia fraca). ComoCk(M) e o dual de Ωkc (M), podemos definir por dualidade o operadorde bordo:

∂ : Ck(M)→ Ck−1(M)

por∂T (ω) = T (dω).

[SEC. 10.7: CORRENTES DE DE RHAM 299

Temos entao que ∂ ∂ = 0 e o complexo de correntes e um complexode cadeias. Podemos entao considerar os correspondentes grupos dehomologia:

Hk =Ker ∂ : Ck(M)→ Ck−1(M)

Im ∂ : Ck+1(M)→ Ck(M)

Proposicao 10.51. Para cada k, consideremos a inclusao

ik : Ωm−k(M) −→ Ck(M)η 7−→ Tη

onde Tη(ω) :=∫Mω ∧ η. Entao

∂Tη = (−1)|η|+1Tdη

e essas inclusoes induzem homomorfismos

ik : Hm−kdR (M)→ Hk(M).

Demonstracao. Como d(η ∧ ω) = (dη)∧ ω+ (−1)|η|η ∧ dω e ω temsuporte compacto, temos que, d(η∧ω) tem suporte compacto e, peloteorema de Stokes,

∫Md(η ∧ ω) = 0. Logo

∂Tη(ω) = Tη(dω)

=

∫M

η ∧ dω

= (−1)|η|+1

∫M

dη ∧ ω

= (−1)|η|+1Tdη(ω).

Logo, se η e uma forma fechada entao Tη e um ciclo e, se η e exata,entao Tη e um cobordo.

Capıtulo 11

Teoria de Morse

11.1 Funcoes de Morse

Seja f : M → R uma funcao de classe C∞. Se a ∈ R e um valor re-gular de f , entao Ma := f−1((−∞, a]) e uma variedade com bordo.Nesse capıtulo estudaremos a estrutura de Ma quando M e uma va-riedade compacta e f e uma funcao de Morse (veja definicao 8.3).

Lembramos que se p ∈ M e ponto crıtico de f : M → R, entaoexiste uma forma bilinear Hpf : TMp×TMp → R que, em coordena-das, e dada pela derivada segunda da expressao de f na imagem de p(ver exercıcio 7.5). Se essa forma bilinear e nao degenerada dizemosque o ponto crıtico e nao degenerado. O ındice do ponto crıtico e adimensao maxima do subespaco onde a restricao da hessiana e nega-tiva definida.

O lema abaixo, devido a Morse, descreve a formal local de f navizinhanca de um ponto crıtico nao degenerado.

Lema 11.1. (Lema de Morse) Se p ∈ M e um ponto crıtico naodegenerado de f : M → R, entao existe uma carta local φ centradaem torno de p tal que

f φ−1(x) = f(p)− x21 − · · · − x2

λ + x2λ+1 + · · ·+ x2

m,

em que λ e o ındice do ponto crıtico.

300

[SEC. 11.1: FUNCOES DE MORSE 301

Demonstracao. Primeiramente um lema de calculo. Dada umafuncao f : Rm → R de classe C∞ tal que f(0) = 0, existem funcoesgj : Rn → R de classe C∞, j = 1, 2, ...,m, tais que

f(x1, . . . , xm) =

m∑j=1

xjgj(x1, . . . , xm)

e

gj(0) =∂f

∂xj(0).

De fato, pelo teorema fundamental do calculo e a regra da cadeiatemos que

f(x1, . . . , xm) =

∫ 1

0

d

dtf(tx1, . . . , txm)dt

=

∫ 1

0

m∑j=1

∂f

∂xj(tx1, . . . , txm)xjdt

=

m∑j=1

xj ·∫ 1

0

∂f

∂xj(tx1, . . . , txm)dt.

Portanto basta tomar gj(x1, . . . , xm) =∫ 1

0∂f∂xj

(tx1, . . . , txm)dt.

Logo, se f(0) = 0 e Df(0) = 0, podemos aplicar o lema novamentepara cada gj e concluir que existem funcoes hij : Rm → R de classeC∞ tais que

f(x1, . . . , xm) =

m∑i,j=1

xixjhij(x1, . . . , xm).

Substituindo hij por 1/2(hij + hji), podemos supor que hij = hji.

Suponhamos, por inducao, que ja encontramos uma vizinhanca U de0 e coordenadas u1, . . . , um nessa vizinhanca tais que

f(u1, . . . , um) = ±u21 ± · · · ± u2

r−1 +

m∑i,j=r

uiujHij(u1, . . . um),

302 [CAP. 11: TEORIA DE MORSE

com Hij funcoes de classe C∞ tais que Hij = Hji e a matriz Hij(0)seja nao singular. O lema de calculo mostra o passo inicial r = 1.

Efetuando uma mudanca linear das coordenadas u1, . . . , um, podemossupor que Hrr(0) 6= 0. De fato, como a matriz Hij(0) e nao degene-rada, se temos Hrr(0) = 0, entao existe j > r tal que Hjr(0) 6= 0. To-mando como novas coordenadas ui = ui se i 6= r, j, ur = 1/2(ur+uj),uj = 1/2(ur − uj) temos que

f(u1, . . . , um) = ±u21 ± · · · ± u2

r−1 +

m∑i,j=r

uiujHij(u1, . . . um)

onde Hrr = Hrr + Hrj nao se anula em 0. Logo podemos suporHrr(0) 6= 0. Suponhamos Hrr(0) > 0, sendo que o outro caso etratado analogamente. Como Hrr > 0 em uma vizinhanca U ⊂ U de0, podemos definir nessa vizinhanca as funcoes:

vr =√Hrr(u1, . . . , um) ·

[ur +

∑i>r

uiHir(u1, . . . um)

Hrr(u1, . . . , um)

]

e vj = uj se j 6= r. Como ∂vr∂ur

(0) =√Hrr(0) > 0, temos, pelo

teorema da funcao inversa, que aplicacao

(u1, . . . , um) 7→ (v1(u1, . . . , um), . . . , vm(u1, . . . , um))

e um difeomorfismo de uma vizinhanca de 0 sobre uma vizinhanca de0. Por outro lado,

f(u1, . . . , um) =± u21 ± · · · ± u2

r

+

u2rHrr + 2ur

∑i>r

uiHri +∑i,j>r

uiujHirHjr

Hrr

−∑i,j>r

uiujHirHjr

Hrr+∑i,j>r

uiujHij .

Como

v2r = u2

rHrr + 2ur∑i>r

uiHri + 2∑i,j>r

uiujHirHjr

Hrr−∑i>r

u2i

H2ir

Hrr,

[SEC. 11.1: FUNCOES DE MORSE 303

podemos escolher funcoes Hij de classe C∞ tais que

f(v1, . . . , vm) = ±v21 ± · · · ± v2

r−1 + v2r +

∑i,j>r+1

vivjHij(v1, . . . , vm),

o que prova o lema por inducao.

Seja x ∈M 7→ 〈·, ·〉x : TMx×TMx uma metrica Riemanniana emM . Como para cada x ∈ M a metrica estabelece um isomorfismoentre o espaco tangente TMx e seu dual TM∗x , temos definido umoperador linear ∇ : C∞(M) → X∞(M) que a cada funcao real f declasse C∞ associa o unico campo de vetores ∇f ∈ X∞(M) tal que

〈∇f(x), v〉x = Df(x).v

para todo x ∈ M e para todo vetor v ∈ TMx. O campo ∇f echamado de campo gradiente de f (com respeito a essa metrica). Aspropriedades abaixo sao consequencias imediatas da definicao:

• ∇f(x) = 0 ⇐⇒ Df(x) = 0, isto e, se e somente se, x ∈ C(f),em que C(f) e o conjunto dos pontos crıticos de f .

• Se x ∈M \ C(f), entao

Df(x).∇f(x) = 〈∇f(x),∇f(x)〉x = ‖∇f(x)‖2 > 0,

de modo que f e estritamente crescente ao longo das orbitasregulares do seu campo gradiente.

• O gradiente de f e ortogonal as superfıcies de nıvel de valoresregulares.

• Da propriedade anterior segue-se que se M e uma variedadecompacta e f uma funcao de Morse, entao o ω-limite de umaorbita de ∇f e uma unica singularidade deste campo, assimcomo o α-limite.

Teorema 11.2. Seja M uma variedade compacta. Se nao existevalor crıtico de f no intervalo [a, b], entao M b e difeomorfo a Ma ealem disso, Ma e um retrato por deformacao de M b.

304 [CAP. 11: TEORIA DE MORSE

Demonstracao. Seja X ∈ X∞(M) um campo de vetores que seanula fora de uma vizinhanca do compacto f−1([a, b]) e que parax ∈ f−1([a, b]) temos

X(x) = − ∇f(x)

‖∇f(x)‖2x.

Daı Df(x).X(x) = −1 para todo x ∈ f−1([a, b]). Assim, se Xt e ofluxo de X, valem

• Xt(Mb) ⊂M b para todo t ≥ 0;

• para x ∈ ∂M b, temos f(Xt(x)) = b− t para todo t ∈ [0, b− a].

Logo Xb−a(M b) = Ma e M b e difeomorfa a Ma. Seja r : M b → Ma

definida por r(x) = x se x ∈Ma e r(x) = Xt(x)(x) se x ∈ f−1([a, b])e t(x) ≤ b − a e tal que Xt(x)(x) ∈ ∂Ma. Entao r e uma retracao

de M b em Ma homotopica a identidade de M b: rs(x) = Xst(x)(x) euma homotopia.

Teorema 11.3. Seja c um ponto crıtico de ındice λ de f e suponhaque e o unico ponto crıtico de f no compacto f−1([f(c)−ε, f(c)+ ε]).Entao Mf(c)+ε tem o mesmo tipo de homotopia de Mf(c)−ε ∪φ eλ,em que eλ e uma celula de dimensao λ (uma variedade difeomorfa aodisco unitario de Rλ) e a aplicacao de colagem φ : ∂eλ → ∂Mf(c)−ε eum mergulho.

Figura 11.1: .

[SEC. 11.1: FUNCOES DE MORSE 305

Demonstracao. Seja u = (u1, . . . , um) carta local em uma vizi-nhanca U ⊂M do ponto crıtico c tal que

f(u1, ..., um) = f(c)− u21 − · · · − u2

λ + u2λ+1 + · · ·+ u2

m.

Pelo teorema anterior, basta provar o teorema para ε suficientementepequeno. Tomemos ε pequeno o suficiente para que U contenha abola de raio

√2ε de centro na origem. Seja

eλ = (u1, . . . , um);u21 + · · ·+ u2

λ ≤ ε e uλ+1 = · · · = um = 0.

Consideremos a funcao F : M → R que coincide com f no comple-mentar de B(0,

√2ε) e que nesta bola e definida por

F = f − µ(x+ 2y),

em que x, y : U → R sao as funcoes auxiliares x = u21 + · · · + u2

λ,y = u2

λ+1 + · · ·+u2m e µ : [0,∞)→ [0,∞) e uma funcao de classe C∞

tal que ε < µ(0) < 2ε, −1 < µ′(r) ≤ 0 para todo r e µ(r) = 0 ser ≥ 2ε. A funcao F satisfaz as seguintes propriedades:

Figura 11.2: elipsoide.

1) No elipsoide

E = q ∈ U ;x(q) + 2y(q) ≤ 2ε,

306 [CAP. 11: TEORIA DE MORSE

se q /∈ E temos F (q) = f(q) e se q ∈ E entao

F (q) ≤ f(q) = f(c)− x(q) + y(q) ≤ f(c) +x(q)

2+ y(q) ≤ f(c) + ε,

assimF−1((−∞, f(c) + ε]) = Mf(c)+ε.

2) F e f tem os mesmos pontos crıticos. De fato, temos que em U ,F (q) = g(x(q), y(q)), com g(t, s) = f(c)− t+ s− µ(t+ 2s), portantoa diferencial de F e dada por

DF =∂g

∂tDx+

∂g

∂sDy = (−1−µ′(x+ 2y))Dx+ (1− 2µ′(x+ 2y))Dy.

Como −1− µ′(x+ 2y) < 0, 1− 2µ′(x+ 2y) ≥ 1, Dx =∑λi=1 2uiDui

e Dy =∑mi=λ+1 2uiDui, temos que em U a diferencial DF se anula

somente na origem, o que prova a propriedade 2.

3) Como F (c) = f(c) − µ(0) < f(c) − ε, temos que F nao tempontos crıticos em F−1([f(c)− ε, f(c) + ε]) e, pelo teorema anterior,F−1((−∞, f(c) + ε]) e difeomorfo a F−1(−∞, f(c)− ε]).

4) Se

H = F−1((−∞, f(c)− ε]) \Mf(c)−ε

entaoF−1((−∞, f(c)− ε] = Mf(c)−ε ∪H

Temos que eλ = q; y(q) = 0, x(q) ≤ ε esta contido em H. Como aderivada da funcao t 7→ t − µ(x + 2t) e sempre maior ou igual a 1,temos que para cada x existe um unico r(x) tal que

r(x)− µ(x+ 2r(x)) = x− ε,

daı H = q; r(x) ≥ y ≥ x− ε . Como a derivada de r e positiva er(x) ≥ x − ε, temos que se r(x) = x − ε, entao µ(x + 2r(x))=0, daıx + 2r(x) = 2ε e −x + y = −ε, o que implica x = 4

3ε e r(x) = ε3 .

Portanto

H =

q;x(q) ≤ 4ε

3, y(q) ≤ ε

3, x− ε ≤ y ≤ r(x)

.

[SEC. 11.2: HOMOLOGIA SINGULAR 307

Construimos um homeomorfismo

θ : Dλ√ 43 ε× Dm−λ√ ε

3

→ H

pela composicao do homeomorfismo (u, v) 7→ (φ(v)u, v) com o ho-meomorfismo (u, v) 7→ (u, ψ(u)v), em que u(q) = (u1, . . . , uλ) ev(q) = (uλ+1, . . . , um). O primeiro contrai os discos horizontais eleva

(u, v); ‖u‖2 ≤ 4

3ε, ‖v‖2 ≤ ε

3

sobre

(u, v); ‖v‖2 ≤ ε

3, ‖u‖2 ≤ ‖v‖2 + ε

e o segundo contrai os discos verticais e leva esse segundo conjuntoem H. E facil explicitar as funcoes φ, ψ.

Definimos a retracao r : Mf(c)−ε ∪H →Mf(c)−ε ∪φ eλ e definida por(u, v) 7→ (u, 0) se ‖u‖2 ≤ ε e (u, v) 7→ (u, α(u, v)v) se ε ≤ ‖u‖2 ≤ 4

3ε,onde 1 ≥ α(u, v) ≥ 0 e tal que ‖α(u, v)v‖2 = ‖u‖2 − ε.

11.2 Homologia singular

Nessa secao vamos associar a cada espaco topologico M uma famıliade grupos (modulos, espacos vetoriais) Hk(M), k ∈ N, chamados gru-pos de homologia de M e a cada aplicacao contınua f : M → N umafamılia de homomorfismos f∗ : Hk(M) → Hk(N) tais que a identi-dade de um espaco topologico induz a identidade em cada grupo dehomologia, (g f)∗ = g∗ f∗ e duas aplicacoes homotopicas indu-zem o mesmo homomorfismo para cada k. Logo, uma equivalenciahomotopica entre dois espacos topologicos induz isomorfismos nosgrupos de homologia.Vamos comecar com algumas consideracoes puramente algebricas.

Definicao 11.1. Um complexo de cadeias C e uma famılia de gruposabelianos (modulos ou espacos vetoriais) Ck, k ∈ N, e uma famılia dehomomorfismos ∂k : Ck → Ck−1, chamados operadores de bordo, tais

308 [CAP. 11: TEORIA DE MORSE

que ∂k ∂k+1 = 0 para todo k. Em particular, Im ∂k+1 ⊂ Ker ∂k etem sentido definir o grupo quociente

Hk(C) =Ker ∂k

Im ∂k+1

chamado de grupo de homologia em dimensao k do complexo C.Definicao 11.2. Um homomorfismo entre dois complexos C e C′ euma famılia de homomorfismos de grupos (modulos ou espacos ve-toriais) φk : Ck → C ′k que comuta com os respectivos operadores debordo, isto e, ∂′k φk = φk−1 ∂k para todo k. Consequentemente,um morfismo de complexos induz, para cada k, um homomorfismode grupos φk∗ : Hk(C)→ Hk(C′).

Seja e0, e1, . . . , en . . . a base canonica de R∞, isto e, e0, . . . , en−1

e a base canonica de Rn para cada n. O simplexo de dimensao n e oconjunto

∆n =

n∑i=0

tiei; ti ≥ 0 e

n∑i=0

ti = 1

.

Em particular, ∆0 se reduz ao vertice e0, ∆1 e o segmento em R2 queliga os vertices e0 e e1, ∆2 e o triangulo em R3 com vertices e0, e1, e2,e assim por diante.

Definicao 11.3. Um r-simplexo singular em um espaco topologicoM e uma aplicacao contınua σ : ∆r →M .

Definicao 11.4. Seja A um anel. O modulo livre Cr(M) sobre Agerado pelos r-simplexos singulares e chamado de grupo das r-cadeiassingulares de M .

Assim, cada cadeia c ∈ Cr(M) e uma soma formal finita∑nj=1 ajσj ,

com aj ∈ A e σj : ∆r → M um simplexo singular para cada j. Osprincipais aneis que consideraremos sao o anel dos inteiros Z, o corpodos reais R e corpo dos inteiros modulo 2, denotado por Z2.

Definicao 11.5. (operador de bordo)A i-esima face do r-simplexo singular σ e o (r−1)-simplexo ∂iσ : ∆r−1 →M definido por

∂iσ

r−1∑j=0

(tjej)

= σ(t0e0 + . . . ti−1ei−1 + tiei+1, . . . ,+tr−1er).

[SEC. 11.2: HOMOLOGIA SINGULAR 309

O bordo do simplexo σ e a cadeia:

∂σ =

r∑i=0

(−1)i∂iσ

e o operador de bordo

∂ : Cr(M)→ Cr−1(M)

e definido estendendo por linearidade

∑j

ajσj

=∑j

aj∂σj .

Lema 11.4. Para j < i vale ∂j∂i = ∂i−1∂j .

Demonstracao. Para simplificar a notacao, escreveremos σ(t0, . . . , tr)em lugar de σ(t0e0 + · · ·+ trer).

∂j(∂iσ)(t0, . . . , tr−2) = (∂iσ)(t0, . . . , tj−1, 0, tj , . . . , tr−2)

= σ(t0, . . . , tj−1, 0, tj , . . . , ti−2, 0, ti−1 . . . , tr−2).

e

∂i−1(∂jσ)(t0, . . . , tr−2) = (∂jσ)(t0, . . . , ti−2, 0, ti−1, . . . , tr−2)

= σ(t0, . . . , tj−1, 0, tj , . . . , ti−2, 0, ti−1 . . . , tr−2).

Corolario 11.5. ∂2 = 0.

Demonstracao. Como ∂σ =∑ri=0(−1)i∂iσ, temos

∂∂σ =

r∑i=0

∂(∂iσ)

=

r∑i=0

r−1∑j=0

(−1)i+j∂j∂iσ

=∑

0≤j<i≤r

((−1)i+j∂j∂iσ + (−1)i−1+j∂i−1∂jσ)

= 0.

310 [CAP. 11: TEORIA DE MORSE

Definicao 11.6. Os elementos do subgrupo

Zr(M) = Ker ∂ : Cr(M)→ Cr−1(M)

sao chamados de r-ciclos e os elementos do subgrupo

Br(M) = Im ∂ : Cr+1(M)→ Cr(M)

sao chamados de r-bordos. Dois ciclos c, c′ sao ditos homologos seexiste uma cadeia c′′ tal que c− c′ = ∂c′′.

Como ∂2 = 0, temos que (C•(M), ∂) e um complexo de cadeias, eportanto podemos definir os grupos

Hr(M) = Zr(M)/Br(M)

para cada r ≥ 0, chamados de grupos de homologia singular de M .

Observacao 11.1. Escreveremos Hr(M ;A) quando for necessarioenfatizar o anel A de coeficientes.

Se f : M → N e uma aplicacao contınua, entao para cada simplexosingular σ em M a composicao f σ define um simplexo singular emN , de modo que f induz o homomorfismo f# : Cr(M) → Cr(N)definido por f#(

∑aiσi) =

∑i aif σi.

E facil verificar que f# ∂ = ∂ f#, e assim a imagem de ciclos saociclos e a imagem de bordos sao bordos. Logo os homomorfismos f#

induzem homomorfismos f∗ : Hr(M) → Hr(N). E facil ver tambemque

(g f)∗ = g∗ f∗e que a aplicacao identidade de M induz a identidade de Hr(M) paracada r. Em particular, espacos topologicos homeomorfos tem gruposde homologia isomorfos.

O grupo de homologia de dimensao zero de um espaco conexo eclaramente isomorfo ao anel A. Se o espaco topologico tem k com-ponentes conexas, entao seu grupo de homologia em dimensao zero eisomorfo a Ak.

[SEC. 11.2: HOMOLOGIA SINGULAR 311

Vamos mostrar a seguir que aplicacoes homotopicas induzem osmesmos homomorfismos nos grupos de homologia. Como consequenciaseguira que dois espacos topologicos com o mesmo tipo de homotopiatem grupos de homologia isomorfos. Para tanto comecamos com maisuma definicao algebrica. Sejam

C : · · · ∂→ Ck∂→ Ck−1

∂→ Ck−2∂→ . . . ,

C′ : · · · ∂′

→ C ′k∂′→ C ′k−1

∂′→ C ′k−2∂′→ . . . ,

dois complexos de cadeia e

φk, ψk : Ck → C ′k

homomorfismos que comutam com os operadores de bordo, isto e,morfismos entre os complexos. Uma homotopia algebrica entre essesdois morfismos e uma famılia de operadores

Dk−1 : Ck−1 → C ′k

tais queφ− ψ = D∂ + ∂′D

em cada dimensao. Observe que se existe uma homotopia algebricaentre os dois homomorfismos e ∂c = 0, entao (φ−ψ)(c) = ∂′(D(c)) e,portanto, (φ− ψ)(c) e homologo a zero. Logo a classe de homologiade φ(c) e igual a classe de homologia de ψ(c) e, consequentemente,os homomorfismos induzidos em homologia sao iguais em cada di-mensao.

Teorema 11.6. (Invariancia por homotopia) Se f, g : M → Nsao aplicacoes contınuas e homotopicas entre espacos topologicos,entao as aplicacoes induzidas em homologia coincidem. Em parti-cular, se dois espacos topologicos tem um mesmo tipo de homotopia,entao seus grupos de homologia sao isomorfos.

Demonstracao. Seja H : M × [0, 1] → N uma homotopia entre fe g com H(x, 0) = f(x) e H(x, 1) = g(x). Vamos construir umahomotopia algebrica entre os morfismos f# e g#. Para tanto vamoscomecar definindo um operador, chamado operador prisma,

P : Cr(M)→ Cr+1(M × [0, 1]).

312 [CAP. 11: TEORIA DE MORSE

A cada simplexo singular σ : ∆r →M associamos a aplicacao contınuaσ : ∆r× [0, 1]→M× [0, 1], definida por σ(y, t) = (σ(y), t). Definimosentao

P (σ) =

r∑i=0

(−1)iσ Pi

onde

Pi : ∆r+1 → ∆r × [0, 1]

e a aplicacao afim tal que Pi(ej) = Aj = (ej , 0) se 0 ≤ j ≤ i ePi(ej) = Bj−1 = (ej−1, 1) se r + 1 ≥ j > i. A imagem de Pi eo simplexo afim com vertices A0, . . . Ai, Bi, . . . Br, que denotaremospor [A0 . . . Ai, Bi, . . . Br]. As seguintes propriedades sao de facil ve-rificacao:

• ∆r × [0, 1] = ∪ri=0Pi(∆r+1)

• Pi(∆r+1)∩Pi+1(∆r+1) e o simplexo afim [A0, . . . , Ai, Bi+1, . . . Br],que e uma face comum aos dois simplexos.

Afirmacao:

∂P (σ) = i1 σ − i0 σ − P (∂σ)

onde i0(x) = (x, 0) e i1(x) = (x, 1). Essa formula e a versao algebricado seguinte fato geometrico: o bordo topologico do prisma [0, 1]×∆r

e 1 ×∆r ∪ 0 ×∆r ∪ [0, 1]× ∂∆r.

Mostremos que a afirmacao implica o teorema. Tomando

D = H# P

temos, pela afirmacao, que

∂D(σ) = g#(σ)− f#(σ)−D(∂σ).

Logo D e uma homotopia algebrica entre f# e g#, o que implica oteorema.

[SEC. 11.2: HOMOLOGIA SINGULAR 313

Para provar a afirmacao observemos que

∂P (σ) =r∑i=0

(−1)i∂(σ Pi)

=

r∑i=0

(−1)i

∑j≤i

(−1)j σ|[A0,...,Aj ,...,Ai,Bi,...,Br]

+∑j≥i

(−1)j+1σ|[A0,...,Ai,Bi,...Bj ,...,Br]

ou ainda,

∂P (σ) =

r∑i=0

(−1)i∂(σ Pi)

=

r∑i=0

(−1)i

∑j<i

(−1)j σ|[A0,...,Aj ,...,Ai,Bi,...,Br]

+∑j>i

(−1)j+1σ|[A0,...,Ai,Bi,...Bj ,...,Br]

+ σ|[A0,B0,...,Br] − σ|[A0,...,Ar,Br]

pois

r∑i=0

[(−1)i(−1)iσ|[A0,...,Ai,Bi,...,Br] + (−1)i(−1)i+1σ|[A0,...,Ai,Bi,...,Br]

]= σ|[A0,B0,...,Br] +

r−1∑i=0

(−σ|[A0,...,Ai,Bi...,Br] + σ|[A0,...,Ai+1,Bi+1,...,Br]

)−

− σ|[A0,...,Ar,Br]

= σ|[A0,B0,...,Br] − σ|[A0,...,Ar,Br].

Por outro lado,

∂σ =

r∑i=0

(−1)i∂iσ

314 [CAP. 11: TEORIA DE MORSE

e,

P (∂σ) =

r∑i=0

(−1)ir−1∑k=0

˜∂iσ Pk

ondePk : ∆r → ∆r−1 × [0, 1]

e a aplicacao afim que leva (e0, . . . , er) em (A0, . . . , Aj , Bj . . . Br−1).Como ∂iσ = fi σ, onde fi : ∆r−1 → ∆r e a aplicacao afim queleva (e0, . . . , er−1) em (e0, . . . , ei−1, ei, ei+1, . . . , er) temos que ˜∂iσ =σ (fi × id) e a aplicacao afim fi × id : ∆r−1 × [0, 1] → ∆r × [0, 1]leva (A0, . . . Ak, Bk, . . . Br−1) em (A0, . . . , Ai, . . . Ak+1, Bk+1, . . . Br)se i ≤ k e leva (A0, . . . , Ak, Bk, . . . Br−1) em (A0, . . . , Ak, Bk, . . . , Bi, . . . Br)se i > k. Logo, a aplicacao afim (fi × id) Pk leva (e0, . . . , er) em(A0, . . . , Ai, . . . Ak+1, Bk+1, . . . Br) se i ≤ k e em (A0, . . . , Ak, Bk, . . . , Bi, . . . Br)se i > j. Portanto,

P (∂σ) =∑

0≤k<i≤r

(−1)i(−1)kσ|[A0,...,Ak,Bk,...,Bi,...,Br] +

+∑

0≤i≤k≤r−1

(−1)i(−1)kσ|[A0,...,Ai,...,Ak+1,Bk+1,...,Br].

Fazendo j = k na primeira parcela da equacao acima e j = k + 1 nasegunda temos:

P (∂σ) =∑

0≤j<i≤r

(−1)i(−1)j σ|[A0,...,Aj ,Bj ,...,Bi,...,Br] +

+∑

0≤i<j≤r

(−1)i(−1)j−1σ|[A0,...,Ai,...,Aj ,Bj ,...,Br].

Logo∂P (σ) = −P (∂σ) + i1 σ − i0 σ.

Como a homologia singular de X = p e Hr(X;A) = 0 se r > 0e H0(X;A) ≈ A, o mesmo ocorre para os grupos de homologia deRn, ou mais geralmente, de qualquer espaco topologico contratil, istoe, um espaco topologico no qual a aplicacao identidade e homotopicaa uma aplicacao constante.

[SEC. 11.2: HOMOLOGIA SINGULAR 315

11.2.1 Homologia relativa

Uma sequencia exata curta de complexos de cadeia,

0→ C α→ C′ β→ C′′ → 0

e um diagrama de complexos de cadeias e morfismos αk : Ck → C ′k,βk : C ′k → C ′′k tais que

• as sequencias 0→ Ckαk→ C ′k

βk→ C ′′k → 0 sao exatas;

• ∂′ αk = αk−1 ∂;

• ∂′′ βk = βk−1 ∂′.

0 // Ck+1

αk+1 // C ′k+1

βk+1 //

∂′

C ′′k+1

∂′′

// 0

0 // Ck

αk // C ′kβk //

∂′

C ′′k

∂′′

// 0

0 // Ck−1

αk−1 // C ′k−1

βk−1 // C ′′k−1// 0

Nesse caso, temos o seguinte resultado de algebra homologica.

Teorema 11.7. Se

0→ C α→ C′ β→ C′′ → 0

e uma sequencia exata curta de complexos de cadeia, entao existemhomomorfismos

δk : Hk(C′′)→ Hk−1(C)

tais que a sequencia longa abaixo e exata:

· · · δk+1→ Hk(C) α∗→ Hk(C′) β∗→ Hk(C′′) δk→ Hk−1(C)→ . . .

Demonstracao. Vamos definir δk[z′′] como sendo a classe de homo-logia de um elemento do conjunto α−1

k−1(∂′β−1k (z′′)). Para isso temos

que provar que esse conjunto e nao vazio, que cada elemento desse

316 [CAP. 11: TEORIA DE MORSE

conjunto e um ciclo, que dois elementos desse conjunto sao homologose que os elementos desse conjunto sao homologos aos elementos docorrespondente conjunto associado a um ciclo homologo a z′′.Como βk e sobrejetivo, devemos mostrar que:

1. ∂′β−1k (z′′) ⊂ Im αk−1 e que se z ∈ α−1

k−1(∂′β−1k−1(z′′)), entao

∂z = 0;

2. se z, z1 ∈ α−1k−1(∂′β−1

k−1(z′′)), entao z − z1 = ∂c para algumc ∈ Ck;

3. se z ∈ α−1k−1(∂′β−1

k−1(z′′)) e z2 ∈ α−1k−1(∂′β−1

k−1(z′′+∂′′c′′)), entaoz − z2 = ∂c para algum c ∈ Ck;

4. δk e homomorfismo;

5. a sequencia e exata.

Como βk e sobrejetivo, β−1k (z′′) e nao vazio. Se c′ ∈ β−1

k (z′′) entao,pela comutatividade do diagrama, βk−1(∂′(c′)) = ∂′′βk(c′) = ∂′′(z′′) =0. Logo, como a sequencia e exata, concluımos que ∂′(β−1

k (z′′)) estacontido na imagem de αk−1 e, portanto, existe z′ ∈ Ck−1 tal queαk−1(z′) = ∂′(c′). Afirmamos que z′ e um ciclo. De fato, pela co-mutatividade dos diagramas, αk−2(∂z′) = ∂′αk−1(z′) = ∂′∂′(c′) = 0,e, como αk−2 e 1-1, concluımos que ∂z′ = 0. Portanto, o conjuntoα−1k−1(∂′β−1

k (z′′)) e nao vazio e todos os seus elementos sao ciclos. Issoconclui a prova de 1).

Se z′1 e um outro elemento desse conjunto, isto e, αk−1(z′1) = ∂′c′1,com βk(c′1) = z′′. Entao βk(c′−c′1) = 0 e, por exatidao das sequencias,exite c ∈ Ck tal que αk(c) = c′ − c′1. Pela comutatividade dos di-agramas, αk−1∂c = ∂′(c′ − c′1) = αk−1(z − z′1). Como αk−1 e 1-1,concluımos que z − z1 = ∂c, o que conclui a prova de 2).

Como βk e sobrejetivo, existe c′2 tal que βk(c′2) = z′′ + ∂′′c′′ e te-mos tambem αk−1(z2) = ∂′c′2. Como βk+1 e sobrejetiva, temos quec′′ = βk+1(x′). Logo, βk(c′2 − ∂′x′) = z′′. Tomando c′3 = c′2 − ∂′x′temos que ∂′c′3 = ∂′c′2. Logo αk−1(z2) = ∂′c′3 e βk(c′3) = z′′, e por 2)temos que z−z2 = ∂c para algum c ∈ Ck, o que conclui a prova de 3).

[SEC. 11.2: HOMOLOGIA SINGULAR 317

Para ver que δk e um morfismo, note que se z′′1 + z′′2 = βk(c′1 + c′2) eαk−1(z1 + z2) = ∂′(c′1 + c′2), entao

δk([z′′1 + z′′2 ]) = [z1 + z2] = [z1] + [z2] = δk([z′′1 ]) + δk([z′′2 ]).

Resta provar que a sequencia e exata.

a) Kerδk ⊂ Imβ∗.

Suponha que δk[z′′] = 0. Sejam c′ tal que z′′ = βk(c′) e z tal queαk−1(z) = ∂′c′. Como δk[z′′] = 0, temos que z = ∂c. Pela comutati-vidade do diagrama, ∂′αk(c) = αk−1(∂c) = αk−1(z) = ∂′(c′). Assim,∂′(c′ − αk(c)) = 0. Como

βk(c′ − αk(c)) = βk(c′)− βkαk(c) = βk(c′) = z′′,

segue que z′′ = βk∗([c′ − αk(c)]), isto e, [z′′] ∈ Imβ∗.

b) Imβ∗ ⊂ Kerδk.

Seja z′′ = βk(z′) com ∂′z′ = 0. Entao ∂′′z′′ = ∂′′βk(z′) = 0. Poroutro lado, δk([z′′]) = [z], onde z e tal que αk−1(z) = ∂′z′ = 0. Logo[z] = 0 e [z′′] ∈ Kerδk.

c) Imδk ⊂ Kerα∗

Se [z] ∈ Imδk, entao existem z′′ ∈ Z ′′k e c′ ∈ C ′k tais que βk(c′) = z′′

e αk−1(z) = ∂′c′. Logo [z] ∈ Kerα∗.

d) Kerα∗ ⊂ Imδk.

Se [z] ∈ Kerα∗, entao ∂z = 0 e αk−1(z) = ∂′c′. Assim se z′′ = βk(c′),entao

∂′′z′′ = ∂′′βk(c′) = βk−1(∂′c′) = βk−1αk−1(z) = 0,

e portanto [z] = δk([z′′]).

e) Como βkαk = 0, temos que β∗α∗ = 0, e portanto Imα∗ ⊂ Kerβ∗.

318 [CAP. 11: TEORIA DE MORSE

f) Kerβ∗ ⊂ Imα∗.

Se [z′] ∈ Kerβ∗, entao ∂′z′ = 0 e βk(z′) = ∂′′c′′. Por outro lado,c′′ = βk+1(c′). Logo,

βk(z′) = ∂′′c′′ = ∂′′βk+1(c′) = βk(∂′c′),

o que implica βk(z′− ∂′c′) = 0. Consequentemente, existe c ∈ Ck talque αk(c) = z′ − ∂′c′. Como αk−1(∂c) = ∂′αk(c) = 0 e αk−1 e 1-1,temos que ∂c = 0. Logo

[z′] = [z′ − ∂′c′] = [αk(c)] = α∗[c].

A seguir vamos definir o conceito de homologia relativa de umpar (X,Y ), com X um espaco topologico e Y ⊂ X com a topologiainduzida, e exibir a sequencia longa de homologia do par.

A inclusao Y → X induz morfismos 1-1 αq : Cq(Y )→ Cq(X), demodo que Cq(Y ) pode ser identificado como um submodulo de Cq(X).Daı tem sentido o modulo quociente Cq(X,Y ) := Cq(X)/Cq(Y ).Claramente a projecao quociente define um morfismo β : Cq(X) →Cq(X,Y ) sobrejetivo. E facil verificar que o operador de bordo in-duz um operador de bordo ∂ : Cq(X,Y ) → Cq−1(X,Y ), e assimC•(X,Y ) e um complexo de cadeias, cuja homologia sera denotadapor Hq(X,Y ). Temos assim uma sequencia exata curta de complexos

0→ C(Y )→ C(X)→ C(X,Y )→ 0

a qual induz, pelo teorema anterior, uma sequencia exata longa

. . . Hk(Y )→ Hk(X)→ Hk(X,Y )→ Hk−1(Y )→ . . .

que e chamada de sequencia exata do par (X,Y ).

Definimos os grupos de homologia reduzidos de um espaco to-pologico M como os grupos de homologia relativos a pontos, isto e,Hk(M) = Hk(M, x), em que x ∈M . Usando a sequencia exata dopar, temos que Hk(M) e isomorfo a Hk(M) se k ≥ 1 e H0(M) = 0

[SEC. 11.2: HOMOLOGIA SINGULAR 319

se M e conexo.

Se Z ⊂ Y ⊂ X e uma inclusao de espacos topologicos, as aplicacoesde inclusao (Y,Z) → (X,Z) → (X,Y ) definem uma sequencia exatacurta de complexos de cadeias:

0→ C(Y,Z)→ C(X,Z)→ C(X,Y )→ 0

e novamente pelo teorema anterior, ela induz uma sequencia exatalonga de homomogia

· · · → Hq(Y,Z)→ Hq(X,Z)→ Hq(X,Y )→ Hq−1(Y, Z)→ . . .

chamada de sequencia exata do terno (X,Y, Z).

11.2.2 Subdivisao baricentrica

Se v0, . . . , vq pertencem a um espaco vetorial entao a combinacao con-vexa desses pontos,

∑tivi; ti ∈ R,

∑i ti = 1 e um subespaco afim

que tem dimensao q se os vetores vi − v0, i = 1, . . . q sao linearmenteindenpendentes. A envoltoria convexa desses pontos, isto e, o menorsubconjunto convexo que contem esses pontos, e denominado por

[v0, . . . , vq] = t0v0 + · · ·+ tqvq;∑i

ti = 1, ti ≥ 0.

Se os vetores vi − v0, i = 1, . . . , q sao linearmente independentes,[v0, . . . , vq] e um simplexo de dimensao q e (t0, . . . , tq) sao as coorde-nadas baricentricas do ponto t0v0+. . . , tqvq. O ponto de coordenadasbaricentricas ( 1

q+1 , . . . ,1q+1 ) e o baricentro do simplexo. Se os vetores

acima nao sao linearmente independentes entao [v0, . . . , vq] e aindaum simplexo de dimensao menor gerado por um subconjunto dosvertices.

Lema 11.8. Seja b o baricentro do simplexo ∆ = [v0, . . . , vq]. Entaoa distancia de b ao bordo de ∆ e menor ou igual ao produto de q

q+1pelo diametro de ∆.

Demonstracao. Seja p e um ponto do simplexo ∆. Se o pontoq ∈ ∆ maximiza a distancia ao ponto p entao q e um vertice do

320 [CAP. 11: TEORIA DE MORSE

simplexo. De fato, se q nao e um vertice entao existe uma reta L peloponto q que intersecta o simplexo em um intervalo da reta contendoq em seu interior. Por outro lado, a distancia de um ponto p auma reta L nao possui um maximo local. Logo q e um vertice. Emparticular, o diametro de ∆ e a distancia entre dois de seus vertices.Por outro lado, a distancia do baricentro b = 1

q+1 (v0 + . . . vq) ao

vertice vi e ||b−vi|| = ||∑j

1q+1vj−

q+1q+1vi|| =

∑j 6=i ||

1q+1 (vj−vi)|| ≤

1q+1

∑j 6=i ||vj − vi|| =

qq+1d pois ||vj − vi|| ≤ d.

Se σr : ∆r → ∆r e o simplexo singular identidade, denotamos porCq(σr) ⊂ Cq(∆r) o subgrupo gerado pelos q simplexos afins em ∆r,isto e, por aplicacoes afins l : ∆q → ∆r. Como um simplexo afime inteiramente determinado pela imagem de seus vertices, podemosusar a notacao l = [v0, . . . , vq], com vj = l(ej). O operador de bordoleva Cq(σr) em Cq−1(σr), de modo que a famılia de modulos Cq(σr)forma um subcomplexo do complexo singular Cq(∆r). Denotamos

por b =(

1q+1e0 + · · ·+ 1

q+1eq

)o baricentro do simplexo ∆r.

Cada ponto p ∈ ∆r define um operador cone

Kp : Cq(σr)→ Cq+1(σr)

definido por Kp(l) = Kp([v0, ..., vq]) = [p, v0, . . . , vq] e Kp(∑i aili) =∑

i aiKp(li). E facil verificar que se c =∑i aili ∈ Cq(σr), entao

∂Kp(c) +Kp∂(c) = c

se q > 0 e ∂Kp(c) +Kp∂(c) = c− (∑ai)(p) se q = 0.

Resulta dessas propriedades que a homologia do complexo C•(σr) enula em dimensao diferente de 0 e e isomorfa ao anel em dimensao 0.Um complexo de cadeias cuja homologia satisfaz essas propriedadese chamado de acıclico.

Vamos definir, indutivamente, operadores

β : Cq(σr)→ Cq(σr) ⊂ Cq(∆r)

eD1 : Cq(σr)→ Cq+1(σr)

satisfazendo as propriedades

[SEC. 11.2: HOMOLOGIA SINGULAR 321

1. ∂β = β∂;

2. ∂D1 + D1∂ = id− β.

Comecamos definindo β = id e D1 = 0 para q = 0. O passoindutivo sera feito no seguinte lema.

Lema 11.9. Para cada q ≥ 0 existem morfismos

β : Cq(σr)→ Cq(σr),

chamados de morfismos de subdivisao baricentrica e morfismos

D1 : Cq(σr)→ Cq+1(σr)

satisfazendo as seguintes propriedades:

1. β(c) = c e D1(c) = 0 se c ∈ C0(σr);

2. β(l) = Kb(l)(β∂l) para todo simplexo afim l ∈ Cq(σr), comq > 0, em que b(l) e a imagem por l do baricentro de ∆q e

estendemos para cadeias por linearidade: β(σiaili = σiaiβ(li);

3. D1(l) = Kb(l)(l − D1∂l − β(l)) para todo simplexo afim l ∈Cq(σr) e estendemos para cadeias por linearidade;

4. β(∂c) = ∂β(c) para todo c ∈ Cq(σr), de modo que β e ummorfismo do complexo C•(σr);

5. D1∂c+ ∂D1c = c− β(c) para todo c ∈ Cq(σr).

6. Se A : ∆r → ∆r′ e uma aplicacap afim e A# : Cq(σr)→ Cq(σr′

e a aplicacap omduzida, entao

A#β = βA#

eA#D1 = D1A#.

Demonstracao. Como ja dito anteriormente, definimos β = id emC0(σr). Usamos a expressao em 2) para definir indutivamente β emcada simplexo afim de dimensao q e estendemos linearmente para um

322 [CAP. 11: TEORIA DE MORSE

operador em Cq(σr).

Provemos por inducao que β satisfaz 4).A propriedade e evidente se l ∈ C0(σr). Suponha entao que a pro-priedade vale para simplexos afins em Cq(σr) e seja l ∈ Cq+1(σr) umsimplexo afim. Entao

∂βl = ∂Kb(l)(β∂l))

= β∂l −Kb(l)∂(β∂l)

= β∂l −Kb(l)∂∂(β∂l)

= β∂l.

Como os operadores ∂ e Kp levam simplexos afins em simplexos afins,

a expressao em 3) define indutivamente D1 : Cq(σr)→ Cq+1(σr), com

D1 = 0 em C0(σr).Mostraremos 5) por inducao.Novamente para q = 0 a propriedade e evidente. Suponha a pro-priedade valida para Cq(σr) e seja l ∈ Cq+1(σr) um simplexo afim.Entao

∂D1l = ∂Kb(l)(l − D1∂l − β(l))

= l − D1∂l −Kb(l)∂(l − D1∂l − β(l))

= l − D1∂l −Kb(l)(β(∂l) + D1(∂∂l − β(∂l))) (inducao)

= l − D1∂l − β(l) (definicao de β).

Finalmente, os operadores comutam com A# pois uma aplicacao afimleva um simplexo afim l em um simplexo afim A(l) e o baricentro deA(l) e a imagem do baricentro de l.

Temos assim um operador subdivisao baricentrica para simplexosafins. Estenderemos agora os operadores β e D1 para Cr(M) de qual-quer espaco topologico M . Seja σ : ∆r → M um simplexo singular.Como σr ∈ Cr(σr), ja temos bem definido β(σr) ∈ Cr(σr). Defini-mos entao β(σ) = σ#β(σr) e estendemos por linearidade, obtendoum operador β : Cr(M) → Cr(M). Afirmamos que β ainda satisfaz

[SEC. 11.2: HOMOLOGIA SINGULAR 323

∂β = β∂. De fato:

∂β(σ) = ∂σ#(βσr)

= σ#∂(βσr)

= σ#β(∂σr)

=∑i

(−1)iσ#(β∆ri ), ( onde ∆r

i e a i-esima face de ∆r)

=∑i

(−1)iβ(σ|∆ri)

= β

(∑i

(−1)iσ|∆ri

)= β∂σ.

Assim, o operador de subdivisao baricentrica β : Cr(M) → Cr(M)e um morfismo do complexo C•(X). De modo analogo, definimosD1 : Cr(M) → Cr+1(M) por D1(σ) = σ#(D1(σr)). A propriedade5) ainda vale pois

∂D1σ = ∂σ#(D1σr)

= σ#(∂D1σr)

= σ#(σr − βσr − D1∂σr)

= σ − β(σ)−D1(∂σ).

Para verificar a ultima igualdade consideremos a aplicacao afim fj : ∆r − 1→δr tal que ∂jσ = σ fj e ∂jσr = (fj)#σr−1 . Temos entao que

(fj)#D1σr−1 = D1(fj)#σr−1 = D1∂jσr.

Logo

D1∂σ = σ#D1(∂σr).

Assim o operador D1 e uma homotopia algebrica entre β e a identi-dade de Cr(M).

Corolario 11.10. O operador de subdivisao baricentrica β induz aaplicacao identidade em cada grupo de homologia singular.

324 [CAP. 11: TEORIA DE MORSE

Seja U = U1, . . . , Uq uma famılia de subconjuntos de um espacotopologico M cujos interiores cobrem M . Seja CUr (M) ⊂ Cr(M) osubmodulo gerado pelos simplexos singulares σ : ∆r → M tais queσ(∆r) esta contido em algum Uj ∈ U . Como ∂(CUr (M)) ⊂ CUr−1(M),temos um subcomplexo de C•(M), cujos grupos de homologia seraodenotados por HUk (M). A inclusao i : CUr (M) → Cr(M) induz umhomomorfismo i∗ : HUr (M) → Hr(M), o qual provaremos que e defato um isomorfismo.

Teorema 11.11. Existem homomorfismos

Ψ: Cr(M)→ CUr (M) ⊂ Cr(M)

e

D : Cr(M)→ Cr+1(M)

tais que

1. ∂Ψ = Ψ∂;

2. ∂D(c) +D∂(c) = c−Ψ(c) para todo c ∈ Cr(M);

3. Ψ(c) = c para todo c ∈ CUr (M).

Corolario 11.12. Os homomorfismos induzidos em homologia

Ψ∗ : Hk(M)→ HUk (M)

sao isomorfismos.

Demonstracao. Pela propriedade 4) temos que Ψ i = idCUr (M), eportanto Ψ∗ i∗ = idHUr (M). Por outro lado, a propriedade 2) dizque o operador D e uma homotopia algebrica entre i Ψ e idCr(X),de modo que i∗ Ψ∗ = idHr(M). Assim i∗ e um isomorfismo, cominverso Ψ∗.

Demonstracao. (do Teorema) A ideia e iterar o operador de sub-divisao baricentrica, de modo a obter simplexos com diametros arbi-trariamente pequenos. Para cada m ≥ 1 definimos

Dm : Cr(M)→ Cr+1(M)

[SEC. 11.2: HOMOLOGIA SINGULAR 325

por Dm =∑m−1i=0 D1 βi (colocamos β0 = id, de modo que para

m = 1 os D1’s concordam). Se m = 0 definimos D0(c) = 0 para todoc ∈ Cr(M). Temos entao que

∂Dm +Dm∂ =

m−1∑i=0

(∂D1βi +D1β

i∂)

=

m−1∑i=0

(∂D1βi +D1∂β

i)

=

m−1∑i=0

(∂D1 +D1∂)βi

=

m−1∑i=0

(id− β)βi

= id− βm.

Assim, o operador Dm e uma homotopia algebrica entre id e βm paratodo m ≥ 1. Se m = 0, definimos D0(c) = 0 para toda cadeia c e aformula permanece valida nesse caso. Em particular, cada potenciaβm ainda induz a identidade na homologia.

Seja σ : ∆r → M um simplexo singular. Seja δ um numero de Le-besgue da cobertura de ∆r pelas pre-imagens dos interiores dos Ui´s.Logo, se m e suficientemente grande, cada subsimplexo afim de ∆r

da m-esima subdivisao baricentrica de ∆r tem diametro menor queδ e, portanto, esta contido em um elemento da cobertura. Logo,βm(σ) ∈ CUr (M). Seja m(σ) ≥ 0 o menor inteiro com essa proprie-dade. Se τ e uma face de σ entao, evidentemente, m(τ) ≤ m(σ).

Definimos D(σ) = Dm(σ)(σ) e estendemos D a Cr(M) por linea-ridade. Como

∂Dm(σ)σ +Dm(σ)∂σ = σ − βm(σ)(σ),

temos

∂Dσ +D∂σ = σ − [βm(σ)(σ) +Dm(σ)(∂σ)−D(∂σ)].

326 [CAP. 11: TEORIA DE MORSE

Definimos entao

Ψ(σ) = βm(σ)(σ) +Dm(σ)(∂σ)−D(∂σ)

e estendemos Ψ por linearidade a Cr(M). Daı, pela propria definicao,temos

∂D(c) +D∂c = c−Ψ(c)

para toda cadeia c ∈ Cr(M). Resta mostrar as propriedades 1) e 3)e que Ψ toma valores em CUr (M).

1) ∂Ψ = Ψ∂:

Aplicando a equacao acima para c = ∂σ, temos

∂D(∂σ) +D∂∂σ − ∂σ = −Ψ(∂σ).

Por outro lado, aplicando o operador de bordo a mesma equacaoaplicada a σ temos

∂∂Dσ + ∂D∂σ = ∂σ − ∂Ψ(σ)

Como ∂2 = 0, das duas equacoes acima segue-se que

∂Ψ(σ) = Ψ(∂σ)

para todo simplexo singular. Assim ∂Ψ(c) = Ψ∂c para toda cadeiasingular, como querıamos provar.

3) c ∈ CUr (M)⇒ Ψ(c) = c:

Por linearidade, basta mostrar a implicacao para cada simplexo sin-gular σ em CUr (M). De fato, se σi e a i-esima face do simplexo σ,entao 0 ≤ m(σi) ≤ m(σ) = 0, assim D(∂σ) = D0(∂σ) = 0 e daı, dadefinicao de Ψ, temos que Ψ(σ) = σ, como querıamos mostrar.

Finalmente, vamos mostrar que Ψ(c) ∈ CUr (M) para todo c ∈ Cr(M).Novamente basta mostrar a implicacao quando a cadeia e um unicosimplexo singular σ. Como

Dm(σ)∂σ =

m(σ)−1∑i=0

D1 βi(∂σ) =

m(σ)−1∑i=1

r∑j=0

(−1)jD1 βi(σj)

[SEC. 11.2: HOMOLOGIA SINGULAR 327

e

D(∂σ) =

r∑j=0

(−1)jm(σj)∑i=1

D1 βi(σj)

e m(σj) ≤ m(σ), temos que

Dm(σ)∂σ −D(∂σ) =

r∑j=0

(−1)jm(σ)∑

i=m(σj)+1

D1βi(σj).

Se i ≥ m(σj), entao βi(σj) ∈ CUq (M), e como D1(CUr (M)) ⊂ CUr (M),

temos que Dm(σ)∂σ −D(∂σ) ∈ CUr (M), o que conclui a prova.

Teorema 11.13. (Mayer-Vietoris) Se M = Int U ∪ Int V , entaopara cada r ≥ 0 existe um homomorfismo δr : Hr(M)→ Hr−1(U∩V )tal que a sequencia de Mayer-Vietoris

· · · δr+1→ Hr(U ∩V )α∗r→ Hr(U)⊕Hr(V )

β∗r→ Hr(M)δr→ Hr−1(U ∩V ) . . .

e exata.

Demonstracao. Considere a sequencia

0→ Cr(U ∩ V )αr→ Cr(U)⊕ Cr(V )

βr→ CUr (M)→ 0

com αr(c) = (c, c) e βr(c1, c2) = c1 − c2. E facil verificar que estasequencia e exata, e, portanto, e uma sequencia exata de comple-xos. O resultado segue entao do teorema 11.7 e do isomorfismo entreHUr (M) e Hr(M), corolario 11.12.

Teorema 11.14. (Excisao) Seja X um espaco topologico e consi-dere subespacos Z ⊂ Y ⊂ X. Se Z ⊂ int Y , entao a aplicacao deinclusao (X \ Z, Y \ Z) → (X,Y ) induz isomorfismos nos grupos dehomologia relativos.

Demonstracao. Seja U = X \ Z e V = Y . Entao U ∩ V = Y \ Ze como Z ⊂ int Y , temos int U ∪ int V = X. Seja U = U, V ei : CUk (X) → Ck(X) a inclusao.

328 [CAP. 11: TEORIA DE MORSE

Sejam Ψ: Ck(X) → CUk (X) e D : Ck(X) → Ck+1(X) os operadoresdefinidos na demonstracao do teorema 11.11. Lembramos que elessatisfazem Ψ i = id e ∂D + D∂ = id − i Ψ. Como os operadoresenvolvidos nessas propriedades preservam simplexos com imagem emU ou V , os operadores Ψ e i induzem operadores nos quocientes porCr(U) e por Cr(V ). Naturalmente os operadores nos quocientes sa-tisfazem propriedades analogas as anteriores, de modo que a inclusaoCUr (X)/Cr(U) → Cr(X)/Cr(U) induz isomorfismos em homologia.Por outro lado, a aplicacao natural

Ck(U)/Ck(U ∩ V )→ CUk (X)/Ck(V )

e um isomorfismo no nıvel de cadeias, e, portanto, o teorema estademonstrado.

Dado um subconjunto Y de um espaco topologico X, considere-mos a relacao de equivalencia que identifica dois pontos distintos emX se, e somente se, eles pertencem a Y . O espaco das classes de equi-valencia por essa relacao e denotado por X/Y . Seja q : X → X/Y aaplicacao quociente.

Corolario 11.15. Seja Y ⊂ X um subconjunto fechado e suponhaque Y seja um retrato por deformacao de uma vizinhanca V de Yem X. Entao a aplicacao quociente induz isomorfismos

q∗ : Hr(X,Y )→ Hr(X/Y, Y/Y )

Demonstracao. Consideremos o diagrama comutativo

Hr(X,Y ) //

q∗

Hr(X,V )

q∗

Hr(X − Y, V − Y )oo

q∗

Hr(X/Y, Y/Y ) // Hr(X/Y, V/Y ) Hr(X/Y − Y/Y, V/Y − Y/Y )oo

Como a restricao da aplicacao quociente e um homeomorfismo deX − Y com X/Y − Y/Y , temos que

q∗ : Hr(X − Y, V − Y )→ Hr(X/Y − Y/Y, V/Y − Y/Y )

[SEC. 11.2: HOMOLOGIA SINGULAR 329

e um isomorfismo. Considerando a sequencia exata do terno (Y, V,X)

· · · → Hr(V, Y )→ Hr(X,Y )→ Hr(X,V )→ Hr−1(V, Y )→ . . .

de Y ser um retrato por deformacao de V , temos Hr(V, Y ) = 0 paratodo r. Logo temos um isomorfismo entre Hr(X,Y ) e Hr(X,V ). Omesmo argumento mostra que o homomorfismo horizontal inferior daesquerda tambem e isomorfismo. Pelo teorema de excisao, os doishomomorfismos horizontais da direita no diagrama sao isomorfismos.Logo o homomorfismo vertical da esquerda e um isomorfismo e co-rolario esta demonstrado.

Corolario 11.16. Hk(Sn) = A se k = 0, n e Hk(Sn) = 0 se k 6= 0, n.

Demonstracao. Hk(Dn, ∂Dn) e isomorfo a Hk(Sn, p) que e iso-morfo a Hk(Sn) se k ≥ 1. Da sequencia exata

. . . Hk(∂Dn)→ Hk(Dn)→ Hk(Dn, ∂Dn)→ Hk−1(∂Dn)→ . . .

temos0→ Hk(Dn, ∂Dn)→ Hk−1(Dn)→ 0

para k ≥ 2 pois Dn e contratil, e portanto Hk(Sn) e isomorfo aHk−1(Sn−1) para todo n e para k ≥ 2. Para n = k = 1, a parte finalda sequencia e

0→ H1(S1)→ H0(S0)→ H0(D1)→ 0

Como H0(S0) ≈ A⊕ A e H0(D1) ≈ A e o segundo morfismo e indu-zido por inclusao, temos que seu nucleo e isomorfo a A, e, portanto,H1(S1) ≈ A e o corolario segue por inducao.

Corolario 11.17. Seja M uma variedade compacta e f : M → Ruma funcao de Morse. Suponha que em f−1([a, b]) exista apenas umponto crıtico, e que seu ındice seja λ. Entao Hk(M b,Ma) ≈ A sek = λ e Hk(M b,Ma) = 0 se k 6= λ.

Demonstracao. Pelo teorema de excisao, Hk(M b,Ma) e isomorfoa Hk(eλ, ∂eλ), que e isomorfo a A se k = λ e e 0 se k 6= λ.

330 [CAP. 11: TEORIA DE MORSE

Lembramos que o Teorema de ponto fixo de Brouwer foi mostradono capıtulo 2 usando tecnicas que envolvem diferenciabilidade. Po-demos dar agora outra demonstracao, puramente topologica e muitomais simples, envolvendo apenas os grupos de homologia singular.Seja f : Dn → Dn, n ≥ 2, uma aplicacao contınua e sem pontos fixos.Como fizemos na outra demonstracao, isso implica que podemos de-finir uma retracao r : Dn → Sn que associa a cada ponto x ∈ Dn aintersecao com o bordo da semireta de origem f(x) que passa peloponto x. Se i : Sn → Dn e a inclusao, temos que r i = idSn−1 , eportanto (r i)∗ = id : Hn−1(Sn−1)→ Hn−1(Sn−1), e em particulare um isomorfismo. Por outro lado, Hn−1(Dn) = 0, e portanto r∗ = 0.Isso e um absurdo pois Hn−1(Sn−1) 6= 0.

Corolario 11.18. (Invariancia de dimensao) Se U ⊂ Rm e V ⊂Rn sao abertos homeomorfos, entao m = n.

Demonstracao. Fixemos x ∈ U . Pela teorema de excisao, temosque Hk(U,U−x) ≈ Hk(Rm,Rm−x). Por outro lado, a sequenciaexata do par (Rm,Rm−x) nos diz que Hk(Rm,Rm−x) e isomorfoa Hk−1(Rm−x). Como Rm−x tem o mesmo tipo de homotopiade Sm−1, temos que Hk(U,U − x) ≈ Hk−1(Sm−1) ≈ A se k = me 0 caso contrario. Da mesma maneira, Hk(V, V − y) ≈ A sek = n e 0 caso contrario. Portanto, como um homeomorfismo induzisomorfismos em homologia, temos n = m.

A cada ponto x de um espaco topologico M associamos o grupoHk(M,M − x), que e chamado de grupo de homologia local emdimensao k. A mesma demonstracao acima implica a seguinte co-rolario.

Corolario 11.19. Seja M uma variedade topologica com dimensaom ≥ 2. Para cada x ∈ M temos Hk(M,M \ x) ≈ Hk−1(Sm−1).Em particular, Hm(M,M − x) ≈ A.

Dada uma famılia Xi de espacos topologicos e um ponto xi emcada Xi, podemos construir um novo espaco topologico ∨iXi, deno-minado buque dos espacos Xi, tomando o quociente da uniao disjuntatXi pela relacao de equivalencia que identifica dois pontos distintosse, e somente se, eles pertencem a xii. A classe de cada xi nesse

[SEC. 11.2: HOMOLOGIA SINGULAR 331

quociente e a mesma para todo i, e vamos denota-la por ∨ixi. Temosportanto uma aplicacao quociente q : (

⊔iXi, xi)→ (∨Xi,∨ixi). A

inclusao Xi →⊔iXi induz aplicacoes na homologia

ji : Hr(Xi, xi)→ Hr(∨iXi,∨ixi).

Proposicao 11.20. Se cada ponto xi possui uma vizinhanca contratilVi ⊂ Xi, entao a aplicacao

⊕iji : ⊕Hr(Xi, xi)→ Hr(∨iXi,∨ixi)

e um isomorfismo.

Demonstracao. Consequencioa do corolario 11.15.

11.2.3 Homologia celular

Definicao 11.7. Um CW -complexo e um espaco topologico M queadmite uma decomposicao

M =

N⋃n=0

Mn, N ∈ N ∪ ∞

tal que os subespacos Mn, chamados de n-esqueletos, tem as seguintespropriedades:

1. M0 e um conjunto discreto;

2. Mn−1 ⊂Mn sao subespacos fechados;

3. para cada n ∈ N existe uma famılia de funcoes contınuas

Φnα : Bn →Mn ⊂M,

chamadas de funcoes caracterısticas, tais que

a) φnα(Sn−1) ⊂Mn−1, em que φnα = Φnα|Sn−1 ;

b) Φnα|Bn e um homeomorfismo sobre sua imagem enα := Φnα(Bn).Tal imagem e chamada uma celula de dimensao n;

c) Mn −Mn−1 =⊔α

enα;

332 [CAP. 11: TEORIA DE MORSE

4. A imagem de cada funcao caracterıstica intersecta apenas umnumero finito de celulas.

5. F ⊂ M e fechado se, e somente se, (Φnα)−1(F ) e fechado paratodo α e n ∈ N.

Exemplos:

1) A esfera unitaria Sn = en ∪φ e0, com φ : Sn−1 → e0 aplicacaoconstante.

2) O espaco projetivo real pode ser escrito indutivamente comoRPn = en ∪ RPn−1, em que φn : Sn−1 → RPn−1 e o recobri-mento duplo. Logo, RPn = en ∪ en−1 ∪ · · · ∪ e1 ∪ e0.

3) Analogamente, o espaco projetivo complexo qn : S2n+1 → CPntambem tem uma decomposicao CW natural. Escrevendo

B2n = (w1, . . . , wn) ∈ Cn;∑|wi|2 < 1,

definaΦ: B2n −→ RPn

w 7−→ qn(w,√

1− ‖w‖2).

Se (z1, . . . , zn+1) ∈ S2n+1 e zn+1 6= 0, entao existe um unicow ∈ B2n tal que [z1, . . . , zn+1] = [w1, . . . , wn,

√1− ‖w‖2]. Se

zn+1 = 0, entao qn(z) ∈ CPn−1 ⊂ CPn.

Logo Φ|B2n e um homeomorfismo sobre a imagem e φ = Φ|S2n−1

e igual a qn−1 : S2n−1 → CPn−1. Como CP1 ≈ S2 = e0 ∪ e2,temos indutivamente que

CPn = e2n ∪ CPn−1 = e2n ∪ e2n−2 ∪ · · · ∪ e2 ∪ e0.

4) Uma estrutura simplicial em um espaco topologico M e umafamılia Φnα : ∆n →M de homeomorfismos tais que

M =⋃n,α

Φnα(∆n)

[SEC. 11.2: HOMOLOGIA SINGULAR 333

e se Φnα(∆n)∩Φmβ (∆m) 6= ∅, entao ∆αβ := (Φnα)−1(Φmβ (∆m)) e

uma face de ∆n, ∆βα := (Φmβ )−1(Φnα(∆n)) e uma face de ∆m

e a aplicacao (Φnβ)−1 Φnα : ∆αβ → ∆βα e um homeomorfismoafim.

Se a famılia e infinita, exigimos tambem que ela determine atopologia de M : F ⊂M e fechado, se e somente se, (Φnα)−1(F )e fechado em ∆n para todo α e n.

Uma estrutura simplicial define uma estrutura de CW -complexoem M com Φnα sendo as funcoes caracterısticas e o n-esqueletosendo Mn =

⋃α,j≤n

Φjα(∆j).

Whitney mostrou em [Wh1] que toda variedade C∞ admiteuma estrutura simplicial. A ideia e mergulhar a variedade emum espaco euclideano e triangular esse espaco com simplexosde diametros suficientemente pequenos e perturbar o mergulhode modo a coloca-lo transversal a todos os simplexos. A varie-dade instersecta os simplexos de dimensao igual a codimensaoda variedades em pontos. A interscao da variedade com a tri-angulacao do espaco euclideano fornece uma triangulacao davariedade.

5) Mostraremos posteriormente que, usando funcoes de Morse,toda variedade diferenciavel compacta tem o tipo de homotopiade um CW-complexo e cujas celulas de dimensao maxima tema dimensao da variedade. Mostraremos que, em uma variedadecompacta e conexa, e possıvel escolher a funcao de Morse talque a estruturaela de CW-complexo tenha uma unica celula dedimensao da variedade e uma unica celula de dimensao zero.

Proposicao 11.21. Se M e um CW -complexo e K ⊂ M e umcompacto, entao K intersecta apenas um numero finito de celulas emM .

Demonstracao. Suponha por absurdo que K intersecta uma infini-dade de celulas ei. Tomemos para cada i ≥ 1 um ponto yi ∈ ei ∩K.Entao Ui = M −

⋃j 6=iyj e um aberto em M pois

⋃j 6=iyj e fechado,

uma vez que sua pre-imagem por uma funcao caracterıstica e um

334 [CAP. 11: TEORIA DE MORSE

numero finito de pontos (condicao 4) da definicao de CW). AssimUii e uma cobertura aberta de K que nao possui subcoberta finita,uma contradicao.

Proposicao 11.22. Mn−1 e um retrato por deformacao de uma vi-zinhanca V de Mn−1 em Mn.

Demonstracao. Seja V = Mn−1

⋃α

(enα − xnα), com xnα = φnα(0).

Basta definir a aplicacao π : V →Mn−1 por

π(x) =

φnα

((Φnα)−1(x)‖(Φnα)−1(x)‖

)se x ∈ enα − xnα

x se x ∈Mn−1.

Corolario 11.23. Para todo k ≥ 0 temos

Hk(Mn,Mn−1) ≈ Hk(Mn/Mn−1),

o qual e 0 se k 6= n e e o modulo livre gerado pelas celulas de dimensaon se k = n.

Demonstracao. A primeira afirmacao segue da proposicao anteriore do corolario 11.15. Das condicoes 3a) e 3d) da definicao de CW,temos que o quociente Mn/Mn−1 e um buque de esferas de dimensaon. Portanto o corolario segue da proposicao 11.20.

Proposicao 11.24. Se M e um CW -complexo entao:

a) Hk(Mn) = 0 se k > n;

b) a inclusao i : Mn →M induz isomorfismos i∗ : Hk(Mn)→ Hk(M)se k < n.

Demonstracao. a) Na sequencia exata do par (Mn,Mn−1) temos

Hk+1(Mn,Mn−1)→ Hk(Mn−1)→ Hk(Mn)→ Hk(Mn,Mn−1)

temos que, como k > n, o primeiro e ultimo termos sao nulos, demodo que temos isomorfismos

Hk(Mn) ≈ Hk(Mn−1) ≈ · · · ≈ Hk(M1) ≈ Hk(M0) = 0

[SEC. 11.2: HOMOLOGIA SINGULAR 335

b) Se k < n, a mesma analise da sequencia do par garante que temosa sequencia

0→ Hk(Mn)→ Hk(Mn+1)→ 0.

Logo

Hk(Mn) ≈ Hk(Mn+1) ≈ · · · ≈ Hk(Mn+m).

para todo m ≥ 0. Se M = Mn+m para algum m entao a provaesta terminada. Caso contrario, temos que provar que a inclusao einjetiva e sobrejetiva na homologia. Para provar que e injetiva bastaobservar que se um ciclo [z] em Hk(Mn) e o bordo de uma cadeia bem M , entao b e uma cadeia em Mn+m para algum m pois a ima-gem de um simplexo singular e um compacto, e portanto intersectano maximo um numero finito de celulas. Daı [z] e um bordo emMn+m e, portanto, um bordo em Mn pelo que ja foi mostrado. Asobrejetividade e analoga pois um ciclo [z] em M pode ser represen-tado por uma cadeia em Mn+m para algum m, e, portanto, um cicloem Mn+m. Logo e homologo a um ciclo em Mn pelo isomorfismoHk(Mn) → Hk(Mn+m).

Vamos definir agora o complexo celular de um CW-complexo M .Das sequencias exatas

Hn+1(Mn+1,Mn)δn+1// Hn(Mn)

in // Hn(Mn+1) // Hn(Mn+1,Mn)

oo ||Hn(M) 0

e

0 = Hn(Mn−1)→ Hn(Mn)jn−→ Hn(Mn,Mn−1)

δn−→ Hn−1(Mn−1)

336 [CAP. 11: TEORIA DE MORSE

construımos o diagrama

0

0

&&

Hn(M)

77

Hn(Mn)

in99

jn

%%Hn+1(Mn+1,Mn)

δn+188

dn+1 // Hn(Mn,Mn−1)δn

''

dn // Hn−1(Mn−1,Mn−2)

Hn−1(Mn−1)jn−1

66

0

77

com dn+1 = jn δn+1 e dn = jn−1 δn. Note que dn dn+1 = 0,de modo que a sequencia horizontal do diagrama e um complexo decadeias, chamado de complexo celular. A homologia desse complexoe chamada de homologia celular de M e e denotada por

HCWn (M) =

Ker dnIm dn+1

.

Proposicao 11.25. As homologias singular e celular de um CW-complexos coincidem, isto e, HCW

n (M) ≈ Hn(M).

Demonstracao. Da sequencia exata

Hn+1(Mn+1,Mn)δn+1−→ Hn(Mn)→ Hn(M)→ 0

temos

Hn(M) ≈ Hn(Mn)

Im δn+1.

Como jn−1 e injetivo, temos que Ker δn = Ker dn. Como a sequencia

Hn(Mn)jn→ Hn(Mn,Mn−1)

δn→ Hn−1(Mn−1)

e exata, temosIm jn = Ker δn = Ker dn.

[SEC. 11.2: HOMOLOGIA SINGULAR 337

Como jn e injetivo e jn(Im δn+1) = Im dn+1, temos

Hn(M) ≈ Hn(Mn)

Im δn+1≈ Im jn

Im dn+1=

Ker dnIm dn+1

= HCWn (M).

Vamos descrever agora uma maneira explıcita de calcular os mor-fismos dn. Para isso vamos restringir o anel de coeficientes paraZ. Essa restricao e essencial porque vamos usar que todo morfismoh : Z→ Z e da forma h(x) = nx para algum n ∈ Z. Em particular, sef : Sn → Sn e uma aplicacao contınua, entao f∗ : Hn(Sn)→ Hn(Sn)e a multiplicacao por um inteiro, ja que Hn(Sn,Z) ≈ Z. Vamos cha-mar esse inteiro de grau da aplicacao f . De fato ja temos uma nocaode grau definida anteriormente. Vamos mostrar posteriormente, nolema 11.27, que as duas nocoes coincidem.

Cada funcao caracterıstica Φnα : (Bn, Sn−1)→ (Mn,Mn−1) induzuma aplicacao injetiva (Φnα)∗ : Hn(Bn, Sn−1)→ Hn(Mn,Mn−1). Va-mos denotar por [enα] ∈ Hn(Mn,M − n− 1) a imagem do geradorde Hn(Bn, Sn−1) ≈ Z, de modo que [enα]α e uma base do Z-modulo Hn(Mn,Mn−1). Entao podemos determinar o morfismo dnpela formula

dn([enα]) =∑β

dαβ [en−1β ]

onde dαβ sao inteiros. A soma e finita pois Φnα(∂Bn) intersecta apenasum numero finito de celulas. Para determinar os coeficientes dαβconsideremos a aplicacao quociente

qβ : Mn−1 →Mn−1/(Mn−1 − en−1β ) ≈ Sn−1,

onde o isomorfismo e induzido pela aplicacao caracterıstica

Φn−1β : (Bn−1, Sn−2)→ (Mn−1,Mn−1 − en−1

β ).

Teorema 11.26. dαβ e o grau da aplicacao qβ φnα : Sn−1 → Sn−1.

Demonstracao. Pela sequencia exata

0 = Hn(Bn)→ Hn(Bn, Sn−1)

δ→ Hn−1(Sn−1)→ Hn−1(Bn) = 0

338 [CAP. 11: TEORIA DE MORSE

temos que δ e um isomorfismo. Por outro lado, temos um diagramacomutativo

Hn(Bn, Sn−1)(Φnα)∗ //

δ

Hn(Mn,Mn−1)

δn

Hn−1(Sn−1)

(φnα)∗ // Hn−1(Mn−1)

A aplicacao quociente qβ induz um homomorfismo

πβ : Hn−1(Mn−1,Mn−2) // Hn−1(Mn−1/(Mn−1 − en−1β ))

oo oo

Hn−1(Mn−1/Mn−2) Hn−1(Mn−1,Mn−1 − en−1β )

tal que πβ([en−1β′ ]) = 0 se β′ 6= β e πβ([en−1

β ]) e gerador de

Hn−1(Mn−1, (Mn−1 − en−1β )) ≈ Hn−1(Sn−1)

Logo a imagem do gerador [enα] pela composta desses homomorfis-mos, como no diagrama comutativo abaixo, e dαβ vezes o gerador deHn−1(Sn−1).

Hn(Bn, Sn−1)

(Φnα)∗

δ // Hn−1(Sn−1)

(φnα)∗

(qβφnα)∗

**Hn(Mn,Mn−1)

dn

))

δn // Hn−1(Mn−1)

dn

q∗

**

(qβ)∗ // Hn−1(Mn−1/(Mn−1 − enβ))

Hn−1(Mn−1,Mn−2)≈ // Hn−1(Mn−1/Mn−2)

πβ

OO

Da comutatividade do diagrama temos que a imagem do geradorde Hn−1(Sn−1) pela aplicacao induzida por (qβ φnα) e dαβ vezes ogerador de Hn−1(Sn−1).

Lema 11.27. Seja f : Sn → Sn uma aplicacao contınua, entao aaplicacao f∗ : Hn(Sn)→ Hn(Sn) e dada por f∗([z]) = gr(f) · [z].

[SEC. 11.2: HOMOLOGIA SINGULAR 339

Demonstracao. Lembrando que duas aplicacoes homotopicas in-duzem as mesmas aplicacoes em homologia e que toda aplicacaocontınua e homotopica a uma aplicacao de classe C∞, podemos su-por que f de classe C∞. Seja y um valor regular de f e escrevaf−1(y) = x1, . . . , xl, de modo que gr(f) =

∑i sinal(xi). Sejam

V vizinhanca de y e Ui vizinhanca de xi tais que f : Ui → V sejaum difeomorfismo para cada i e Ui ∩ Uj = ∅ se i 6= j. Considere odiagrama comutativo

Hn(Sn, Sn − x1, ..., xm)

ρi

E

≈// ∏

iHn(Ui, Ui − xi)

πi

Hn(Sn)

j 33

l

≈ ++Hn(S

n, Sn − xi) Hn(Ui, Ui − xi)ui

≈oo

ki

ii

onde todos os homomorfismos sao induzidos pelas inclusoes. A in-clusao

⊔i Ui → Sn induz um isomorfismo em homologia pelo teorema

da excisao, cujo inverso denotamos no diagrama por E. O morfismol tambem e um isomorfismo pois

Hn(Sn − xi) → Hn(Sn)l→ Hn(Sn, Sn − xi)

∂→ Hn−1(Sn − xi)|| ||0 0

e da mesma forma o homomorfismo inferior da direita induzido por in-clusao e isomorfismo. Em Hn(Ui, Ui−xi) e Hn(V, V −y) consideremosos geradores que correspondem ao gerador de Hn(Sn) via os isomor-fismos do diagrama. Assim f∗ : Hn(Ui, Ui − xi)→ Hn(V, V − y) levagerador em gerador se o sinal de xi e positivo e gerador em -geradorse o sinal e negativo.

Hn(Ui, Ui − xi)

ui

tt

f∗ //

ki

Hn(V, V − y)

Hn(S

n, Sn − xi) Hn(Sn, Sn \ x1, ..., xm)ρi

oo f∗ // Hn(Sn, Sn − y)

Hn(Sn)

≈l

jjj

OO

f∗ // Hn(Sn)

OO

340 [CAP. 11: TEORIA DE MORSE

E claro que πiEki(gerador) = gerador pois E ki e a inclusao noi-esimo fator e, portanto,

πiE

∑j

kj(gerador)

= πi(Eki(gerador)) = gerador ∀ i

e tambem πiEj(gerador) = gerador, pois πi E j = u−1i l e l e

isomorfismo. Logo

πi(E j(gerador)) = πiE

∑j

kj(gerador)

∀ i

e, consequentemente,

E j(gerador) =∑i

Eki(gerador).

Como E e isomorfismo, segue-se

j(gerador) =∑i

ki(gerador).

Portanto

f∗j(gerador) = f∗∑i

ki(gerador)

=∑i

f∗ki(gerador)

=∑i

(f |Ui)∗(gerador)

=

(∑i

sin(xi)

)(gerador)

E assimf∗(gerador) =

∑j

(sinxj)(gerador),

o que prova o lema e o teorema.

[SEC. 11.2: HOMOLOGIA SINGULAR 341

Exemplo 11.1. A superfıcie compacta orientavel de genero g.

A superfıcie Mg e obtida identificando dois a dois os lados de umpolıgono plano de 4g lados como

a1b1a−11 b−1

1 a2b2a−12 b−1

2 ...agbga−1g b−1

g .

De modo que temos uma 0-celula, 2g celulas de dimensao 1 e umacelula de dimensao 2. O complexo celular e portanto

0→ Z d2−→ Z2g d1−→ Z→ 0

Devemos ter d1 = 0 pois temos apenas uma celula de dimensao 0 eMg e conexa. Tambem temos que d2 = 0 pois ao percorrer o bordodo disco no sentido anti-horario, a imagem da aplicacao qj φ2 dauma volta em torno de aj( ou de bj) e depois desfaz essa volta porcausa da maneira como a identificacao foi escolhida, de modo que onumero de rotacao e 0, o qual e o grau de qj φ2. Assim concluımosque

H0(Mg,Z) ≈ Z H1(Mg,Z) ≈ Z2g H2(Mg,Z) ≈ Z.

Exemplo 11.2. A superfıcie compacta nao orientavel de generog.

A superfıcie Ng e o espaco quociente de um polıgono plano de 2glados identificados dois a dois como

a1a1a2a2...agag,

daı o o complexo celular e

0→ Z d2−→ Zg d1−→ Z→ 0.

Como antes, d1 = 0 pois so ha uma 0-celula e Ng e conexo. Do modocomo e feita a colagem, segue agora que para cada j = 1, 2, ..., g aaplicacao qj φ2 : S1 → S1 da duas voltas no sentido anti-horarioem torno de aj , de modo que o numero de rotacao e 2. Deste modoconcluımos que d2(x) = (2x, ..., 2x) ∈ Zg. Para entender quem eH1(Ng) = Zg/Im d2, note que (1, 0, ..., 0), ..., (0, ..., 1, 0), (1, 1, ..., 1)

342 [CAP. 11: TEORIA DE MORSE

tambem e um base de Zg e os primeiros g − 1 elementos dessa basetem classe nao trivial em H1(Ng) e c.(1, ..., 1) ∈ Im d2 se, e somentese, c ∈ 2Z, e portanto H1(Ng) ≈ Zg−1 × Z2. Assim

H0(Ng,Z) ≈ Z H1(Mg,Z) ≈ Zg−1 × Z2 H2(Mg,Z) = 0.

Exemplo 11.3. Espaco projetivo complexo CPn.

Como ja vimos, uma estrutura celular de CPn consiste de uma unicacelula em cada dimensao par menor ou igual 2n e nao ha celulas emdimensao ımpar. Assim o complexo celular tem a forma

0→ Z · [e2n]→ 0→ Z · [e2n−2]→ 0→ ...→ Z · [e0]→ 0.

Logo, da sequencia do complexo ser exata, todos os operadores dndevem se anular, e assim

H2k(CPn,Z) ≈ Z se 0 ≤ k ≤ n e H2k+1(CPn,Z) = 0 para k ≥ 0.

Exemplo 11.4. O espaco projetivo real RPn.

Temos uma unica celula em cada dimensao e o esqueleto de di-mensao j e RPj . A aplicacao caracterıstica e o recobrimento duploφj : Sj−1 → RPj−1. Deste modo, para encontrar o morfismo djprecisamos encontrar o grau da composicao

Sj−1 φj→ RPj−1 qj→ RPj−1/RPj−2 = Sk−1.

Note que qj φj e um homeomorfismo quando restrito aos hemisferiosabertos de Sk−1 e que cada uma dessas restricoes pode ser obtida daoutra compondo com a aplicacao antıpoda, a qual tem grau (−1)j .Portanto o grau de qj φj e 1 + (−1)j , e assim dj(x) = 2x para j pare dj = 0 para j ımpar. Portanto o complexo celular fica

0→ Z 2x→ Z 0→ Z→ ...→ Z 0→ Z→ 0 se n e par

0→ Z 0→ Z 2x→ Z→ ...→ Z 0→ Z→ 0 se n e ımpar

e portanto

Hj(RPn,Z) ≈

Z se k = 0 e k = n ımparZ2 se k e ımpar e 0 < k < n0 caso contrario.

[SEC. 11.2: HOMOLOGIA SINGULAR 343

Definicao 11.8. Sejam M e N CW-complexos. Uma aplicacaocontınua f : M → N e celular se para todo k f(Mk) ⊂ Nk.

Vamos mostrar a seguir que toda aplicacao contınua entre CW-complexos e homotopica a uma aplicacao celular.

Lema 11.28. SeM e um CW-complexo entao toda aplicacao contınuaΦ: Bn →M tal que Φ(Sn−1) ⊂Mn−1 e homotopica a uma aplicacaoque leva Bn em Mn.

Demonstracao. A imagem de Φ intersecta apenas um numero fi-nito de celulas. Portanto esta contido em um subspaco de M que ea uniao de um numero finito de subespacos encaixantes, comecandocom Mn, tais que cada um e obtido do anterior colando-se uma celulade dimensao maior que n Se Y e um desses subespacos entao o se-guinte e X = Y ∪φ Bm com m > n e φ : Sm−1 → Y uma aplicacaocontınua. Basta entao provar que se Ψ: Bn → X e uma aplicacaocontınua com Ψ(Sn−1) ⊂ Y entao Ψ e homotopica mod. Sn−1a umaaplicacao contınua com Ψ tal que Ψ(Bn) ⊂ Y .Seja U = X \ Y que e um subconjunto aberto de X homeomorfo abola Bm. Seja V ⊂ U um subconjunto aberto nao vazio cujo fechoe um compacto contido em U . Entao Ψ−1(U \ V ) e um subconjuntoaberto de Bn. Se esse conjunto e vazio entao um ponto y ∈ U \V naoesta na imagem de Ψ. Logo, se rt : U \ y → U \ y e a homotopiaentre a identidade e a retracao ao bordo de U temos que rt Ψ e ahomotopia procurada. Caso esse conjunto seja nao vazio, tomamosuma funcao positiva ε : Ψ−1(U \ V ) → R que tende a zero no bordoe, usando o teorema 8.16, tomamos uma aplicacao C∞ Ψ tal que adistancia em Bm entre Ψ(x) e Ψ(x) e menor que ε(x). Como ε tendea zero no bordo Ψ se estende continuamente a Bn coincidindo comΨ no complementar de Ψ−1(U \ V ). Temos que Ψ e homotopico a Ψe, se y ∈ U \ V e um valor regular da restricao de Ψ a Ψ−1(U \ V )temos que y nao esta na imagem de Ψ pois m > n. Logo, rt Ψ .euma homotopia entre Ψ e uma aplicacao que leva a bola fechada emY .

Proposicao 11.29. Seja X um CW-complexo de dimensao finita eY ⊂ X um subconjunto fechado que e a uniao de celulas. Entao(X × 0) ∪ (Y × [0, 1] e um retrato por deformacao de X × [0, 1].

344 [CAP. 11: TEORIA DE MORSE

Demonstracao. Comecamos mostrando que (Bn × 0) ∪ (∂Bn ×[0, 1] e um retrato por deformacao de Bn×[0, 1]. De fato, basta definira retracao r1 : Bn× [0, 1]→ (Bn×0)∪(∂Bn× [0, 1]) tomando r1(x)como a intersecao com (Bn × 0) ∪ (∂Bn × [0, 1]) do segmento dereta em Rn × R que passa pelo ponto (0, 2) e x e tomar rs(x) =sr1(x) + (1− s)x.Seja Zn = Xn ∪ Y . Como (X × 0) ∪ (Zn × [0, 1] e obtido de (X ×0)∪ (Zn−1× [0, 1] colando-se um numero finito de de Bn× [0, 1] aolongo de Bn×0∪∂Bn×[0, 1], concluimos que existe uma homotopiaρns entre a identidade de : (X ×0)∪ (Zn× [0, 1]) e a retracao desteespaco sobre (X × 0) ∪ (Zn−1 × [0, 1].Vamos provar, por inducao, que existe uma homotopia rns : (X×0)∪(Zn × [0, 1]← tal querns (x, 0) = (x, 0) para todo x ∈ X;rns (x, t) = (x, t) para todo x ∈ Y ;rn0 (x, t) = (x, t) para todo (x, t);rn1 (x, t) ∈ X × 0 ∪ Y para todo (x, t)

Comecamos definindo r0s : r

0s(x, 0) = (x, 0), r0

s(x, t) = (x, t) paratodo x ∈ Y , r0

s(x, t) = (x, (1 − s)t) se x ∈ X0 \ Y . Supondo, porinducao que ja definimos rn−1

s definimos

rns (x, t) =

ρn2s(x, t) se 0 ≤ s ≤ 1

2

rn−12s−1(ρn1 (x, t)) se 1

2 ≤ s ≤ 1

Como X = XN para algum N concluimos a prova.

Corolario 11.30. Seja M um CW-complexo e Y ⊂ M um subcon-junto fechado que e uma uniao de celulas. Seja f0 : M → N umaaplicacao contınua e h : Y × [0, 1] → N uma homotopia da restricaode f0 a Y . Entao existe uma homotopia ft : M → N cuja restricao aY coincide com ht.

Demonstracao. A homotopia h define uma aplicacao contınua M×0∪Y × [0, 1]→ N que leva (x, 0) em f0(x) e (x, t) em h(x, t) se x ∈Y . Pela proposicao anterior essa aplicacao se estende M × [0, 1]→ Nque e a homotopia procurada.

[SEC. 11.3: DESIGUALDADES DE MORSE 345

Teorema 11.31. Se f : M → N e uma aplicacao contınua entre CW-complexos de dimensao finita entao f e homotopica a uma aplicacaocelular.

Demonstracao. Suponhamos, por inducao que ja obtivemos umahomotopia entre a aplicacao inicial e uma aplicacao g tal que g(Mk) ⊂Nk para todo k ≤ n − 1. Pelo lema acima, a restricao de g a Mn ehomotopica, mod Mn−1 a uma aplicacao contınua que leva Mn emNn. Pelo corolario acima, essa homotopia se estende a uma homoto-pia de g. Obtemos portanto uma aplicacao g homotopica a g tal queg(Mk) ⊂ Nk para k ≤ n o que prova o teorema.

Uma aplicacao celular f : M → N induz homomorfismos

f∗ : Hk(Mn,Mn − 1)→ Hk(Nn, Nn−1)

no grupo de cadeias celulares. Para calcular esse homomorfismo bastadescrever a imagem de cada gerador que e uma celula enα de dimensaon. Temos entao

f∗enα =

∑β

mα,βenβ

onde mα,β sao inteiros. Deixamos ao leitor a tarefa de mostrar quecada um desses coeficientes e o grau de uma aplicacao fα,β : Sn−1 →Sn−1 obtida compondo a aplicacao induzida porMn/Mn−1 → Nn/Nn−1

induzida por f a aplicacoe Sn → Mn/Mn−1 associada a funcao ca-racterıstica de e a aplicacao Nn/Nn−1 → Sn que colapsa todas asesferas do bugue exceto a correspondente a celula enβ .

11.3 Desigualdades de Morse

Note que no caso de coeficientes reais os grupos de homologia saode fato espacos vetoriais. Nesta secao estudaremos como e a relacaoentre as dimensoes dos grupos de homologia com coeficiente reais deuma variedade compacta e a quantidade de pontos crıticos de cadaındice de uma funcao de Morse nesta variedade.

Assumiremos nesta secao um fato a ser mostrado no capıtulo 10:

346 [CAP. 11: TEORIA DE MORSE

Teorema 11.32. Se M e uma variedade diferenciavel compacta dedimensao m, entao para cada 0 ≤ λ ≤ m, o λ-esimo numero de Bettide M bλ := dim Hλ(M,R) e finito.

Dada uma funcao de Morse f em M , fazendo uma pequena per-turbacao em f , podemos supor que para cada valor crıtico a ∈ Rtenhamos apenas um ponto crıtico na sua pre-imagem f−1(a) ((refe-rencia do milnor pg 18). Assim, podemos ordenar os pontos crıticosnuma lista p1, ..., pk de maneira que f(p1) < ... < f(pk), cada pontocrıtico pi com ındice λi, e escolher valores regulares a0 < f(p1) <a1 < f(p2) < ... < ak−1 < f(pk) < ak tais que pi e o unico pontocrıtico em f−1[ai−1, ai] para 0 ≤ i ≤ k. Note que dessa maneira,sendo M compacta, p1 e ponto de mınimo de f e pk e o ponto demaximo, e portanto Ma0 = ∅ e Mak = M .

Lembrando que, para cada 0 ≤ i ≤ k, a variedade com bordo Mai

tem o mesmo tipo de homotopia de Mai−1 ∪ϕ eλi , de modo que paracada 0 ≤ λ ≤ n, temos que

Hλ(Mai ,Mai−1) ∼= Hλ(Mai−1 ∪ eλi ,Mai−1)∼= Hλ(eλi , ∂eλi)

∼=

R se λ = λi0 se λ 6= λi

,

e portanto a dimensao do espaco vetorial Hλ(Mai ,Mai−1) identifica

se o ponto crıtico pi tem ındice λ ou nao, e comoM =

k⋃i=1

f−1[ai−1, ai],

temos que

cλ :=

k∑i=1

dim Hλ(Mai ,Mai−1)

e exatamente o numero de pontos crıticos de ındice λ que f possui.

Teorema 11.33. [Desigualdades de Morse] Seja M uma varie-dade diferenciavel compacta de dimensao n. Para cada 0 ≤ λ ≤ nvale a desigualdade

bλ − bλ−1 + bλ−2 − ...± b0 ≤ cλ − cλ−1 + cλ−2 − ...± c0,

e, alem disso, vale a igualdade quando λ = n.

[SEC. 11.3: DESIGUALDADES DE MORSE 347

Para provar este teorema faremos algumas definicoes preliminarese provaremos alguns lemas. Lembramos que por um par de espacostopologicos (X,Y ) entendemos um espaco topologico X e um sub-conjunto Y ⊂ X com a topologia induzida por X.

Definicao 11.9. Considere S uma correspondencia que a cada par(X,Y ) de espacos topologicos associa um numero inteiro S(X,Y ).Dizemos que S e sub-aditiva se toda vez que Z ⊂ Y ⊂ X temosS(X,Z) ≤ S(X,Y ) + S(Y,Z). Dizemos que S e aditiva se vale aigualdade.

Lema 11.34. Seja S uma correspondencia como na definicao acimae considere espacos topologicos Xk ⊇ Xk−1 ⊇ ... ⊇ X0.

1. Se S e sub-aditiva, entao S(Xk, X0) ≤k∑i=1

S(Xi, Xi−1).

2. Se S e aditiva, entao vale a igualdade no item anterior.

Demonstracao. Vamos provar 1) por inducao em 1 ≤ j ≤ k e2) seguira de modo inteiramente analogo. Para j = 1 e a propriadefinicao de sub-aditividade. Suponha que a desigualdade e validapara um certo 1 ≤ j ≤ k, isto e, S(Xj , X0) ≤

∑ji=1 S(Xi, Xi−1), daı

S(Xj+1, X0) ≤ S(Xj+1, Xj) + S(Xj , X0)

≤ S(Xj+1, Xj) +

j∑i=1

S(Xi, Xi−1)

=

j+1∑i=1

S(Xi, Xi−1).

Lema 11.35. Seja λ ≥ 0 um inteiro. Considere uma classe de paresde espacos topologicos com as seguintes propriedades: para cada par(X,Y ) nesta classe satisfaz bk(X,Y ) := dim Hk(X,Y,R) < ∞ paratodo k ≥ 0 e que existe um natural n = n(X) tal que bN (X,Y ) = 0para todo N ≥ n. Entao nessa classe de pares a correspondencia

Sλ(X,Y ) := bλ(X,Y )− bλ−1(X,Y ) + bλ−2(X,Y )− ...± b0(X,Y )

348 [CAP. 11: TEORIA DE MORSE

e sub-aditiva. Alem disso, para X fixado, tomando o inteiro n doenunciado, vale Sn(X,Z) = Sn(X,Y )+Sn(Y, Z) quando Z ⊂ Y ⊂ X.

Demonstracao. Lembramos a sequencia exata do terno (X,Y, Z):

...→ Hλ(Y, Z)iλ→ Hλ(X,Z)

jλ→ Hλ(X,Y )∂λ→ ...

j0→ H0(X,Y )∂0→ 0

Para cada 0 ≤ k ≤ λ, usando a exatidao desta sequencia e o teoremado nucleo-imagem para ik, jk e ∂k obtemos

bk(X,Z) = bk(X,Y ) + bk(Y,Z)− posto∂k+1 − posto∂k.

Portanto temos uma sucessao de igualdades

bλ(X,Z) = bλ(X,Y ) + bλ(Y,Z)− posto∂λ+1 − posto∂λ

−bλ−1(X,Z) = −bλ−1(X,Y )− bλ−1(Y, Z) + posto∂λ − posto∂λ−1

...

±b1(X,Z) = ±b1(X,Y )± b1(Y,Z)∓ posto∂2 ∓ posto∂1

∓b0(X,Z) = ∓b0(X,Y )∓ b0(Y,Z)± posto∂1 ± posto∂0.

Como ∂0 = 0, somando todas essas igualdades obtemos

Sλ(X,Z) = Sλ(X,Y )+Sλ(Y, Z)−posto∂λ+1 ≤ Sλ(X,Y )+Sλ(Y,Z),

e portanto Sλ e subaditiva. Ainda analisando esta expressao acima,por hipotese temos ∂n+1 = 0, de modo que para λ = n obtemosSn(X,Z) = Sn(X,Y ) + Sn(Y,Z).

Demonstracao (das Desigualdades de Morse): Para cada inteiro0 ≤ λ ≤ n aplicamos os dois lemas anteriores para a sequencia deespacos topologicos M = Mak ⊇Mak−1 ⊇ ... ⊇Ma0 = ∅ obtendo

λ∑i=0

(−1)ibλ−i(M) = Sλ(M, ∅) ≤k∑i=1

Sλ(Mai ,Mai−1) =

=

k∑i=1

(bλ(Mai ,Mai−1)− bλ−1(Mai ,Mai−1) + ...± b0(Mai ,Mai−1))

=

λ∑i=0

(−1)icλ.

[SEC. 11.3: DESIGUALDADES DE MORSE 349

E no caso de λ = n as desigualdades acima sao na verdade igualda-des.

Uma consequencia imediata das desigualdades de Morse e obtidasomando as desigualdades para λ e λ− 1, o que resulta em bλ ≤ cλ.

Outra maneira de formular as desigualdades de Morse e obtidaencontrando uma relacao entre o polinomio de Poincare de M e opolinomio de Morse de f .

Definicao 11.10. Definimos respectivamente o polinomio de Poin-care de M e o polinomio de Morse de f por

Pt(M) =

n∑k=0

bktk e Mt(f) =

n∑k=0

cktk.

O Teorema das Desigualdades de Morse se traduz no seguinte:

Teorema 11.36. O polinomio de Morse e dado por

Mt(f) = Pt(M) + (1 + t)R(t),

para algum polinomio R(t) =∑nk=0 rkt

k com coeficientes rk inteirosnao negativos.

Observacao: Usando esta formulacao, podemos comparar os coefi-cientes e obter c0 = b0 + r0, cn = bn + rn−1 e ck = bk + rk + rk−1

para 0 < k < n. Assim, como todos os coeficientes sao inteiros naonegativos, se para algum 0 ≤ k ≤ n − 1 temos rk > 0, entao pelasigualdades acima obtemos ck > 0 e ck+1 > 0. Em particular, se nopolinomio Mt(f) nao ha coeficientes consecutivos nao nulos, entaoR(t) ≡ 0, e nesse caso temos Mt(f) = Pt(M), ou seja, ck = bk paratodo 0 ≤ k ≤ n.

Exemplo: Identificando S2n+1 ⊂ Cn+1, considere S2n+1 → R,(z0, ..., zn) 7→

∑nk=1 k · |zk|2. Note que os valores desta aplicacao

nao mudam se multiplicamos coordenada a coordenada por numeroscomplexos de modulo 1, e portanto fica bem definida a aplicacao

f : CPn −→ R[z0, ..., zn] 7−→

∑ni=1 k|zk|2.

350 [CAP. 11: TEORIA DE MORSE

Lembramos que para cada 0 ≤ i ≤ n temos uma carta (Ui, ϕi) deCPn, em que Ui = [z0, ..., zn]; zi 6= 0 e ϕi : Ui → Rn×Rn e definidapor

ϕi([z0, ..., zn]) = (x0, ..., xi, ..., xn, y0, ..., yi, ..., yn),

onde os xi, yi’s sao tais que xk+iyk = |zi|· zkzi . Note que |zk|2 = x2k+y2

k

se k 6= i e |zi|2 = 1−∑k 6=i(x

2k + y2

k). Portanto, se f = f ϕ−1i , entao

f(x0, ..., xi, ..., xn, y0, ..., yi, ..., yn) = i

1−∑k 6=i

x2k + y2

k

+∑k 6=i

k(x2k + y2

k)

= i+∑k 6=i

(k − i)(x2k + y2

k).

Assim, o unico ponto crıtico de f nessa carta e (0, 0). A hessiana def em (0, 0) e a matriz diagonal

diag = 2.(−i, 1− i, ..., 0, ..., n− i,−i, ..., 0, ..., n− i)

e entao o ındice desse ponto crıtico e 2i. Logo o polinomio de Morsede f e Mt(f) = 1 + t2 + ...+ t2n. Em particular, nao ha coeficientesconsecutivos nao nulos e assim b2k = 1 e b2k+1 = 0 para 0 ≤ k ≤ n.

11.4 Estrutura de CW-complexo e decomposicaoem asas

Durante esta secao M denota uma variedade diferenciavel compacta.Seja f : M → R uma funcao de Morse e fixe uma metrica Rie-manniana em M tal que em coordenadas de Morse a metrica seja aeuclidiana.

Definicao 11.11. Um campo Y ∈ X∞(M) e dito do tipo gradientede f se

• Y = ∇f em vizinhancas dos pontos crıticos de f .

• df(p) · Y (p) > 0 para todo ponto p ∈M regular.

[SEC. 11.4: ESTRUTURA DE CW-COMPLEXO E DECOMPOSICAO EM ASAS 351

O conjunto dos campos de vetores que sao campos tipo gradientede uma dada funcao e bastante grande pois dado um campo tipogradiente X e uma vizinhanca V do conjunto crıtico de f , existeε > 0 tal que se Y e um campo de vetores de classe C∞ que coincidecom X em V e tal que a distancia C0 entre X e Y e menor que ε,entao Y e tambem um campo tipo gradiente de f .

Definicao 11.12. Seja Y um campo do tipo gradiente de f e ϕ seurespectivo fluxo. Para cada ponto crıtico pi de ındice λi definimos

• a variedade estavel W s(pi) :=

p ∈M ; lim

t→+∞ϕt(p) = pi

• a variedade instavel Wu(pi) :=

p ∈M ; lim

t→−∞ϕt(p) = pi

.

Proposicao 11.37. Para cada i, a variedade estavel W s(pi) e umasubvariedade mergulhada em M de dimensao λi e M =

⋃iW

s(pi).

Demonstracao. Para a primeira afirmacao, seja (Ui, ϕi) uma cartade Morse em torno de pi. Como Y = ∇f em Ui, pelo comportamentodo gradiente de f nesta vizinhanca temos que

W s(pi) ∩ Ui = ϕ−1i xλi+1 = ... = xn = 0.

Assim, numa vizinhanca de pi temos que W s(pi) e uma subvariedademergulhada de dimensao λi. Agora, dado um outro ponto p ∈W s(pi)qualquer, pela definicao de variedade estavel existe T > 0 tal queϕT (p) ∈ Ui, entao ϕ−T (Ui) e uma vizinhanca de p que e domınio decarta de subvariedade pois ϕ−T e um difeomorfismo.

Vejamos agora a segunda afirmacao. Para cada p ∈M , considere seuomega limite

ω(p) =

q ∈M ;∃(tk)k∈N tal que lim

k→+∞ϕtk(p) = q

.

Como f e crescente ao longo do fluxo de Y e M e compacta, segue deuma observacao que ja fizemos anteriormente que ω(p) 6= ∅ e consistede pontos crıticos. Sabe-se que ω(p) e conexo por M ser compacta, ecomo C(f) e discreto, segue que ω(p) = pi para algum i. Portantop ∈W s(pi).

352 [CAP. 11: TEORIA DE MORSE

Afirmacoes analogas podem ser feitas para variedades instaveis,de modo que a dimensao de Wu(pi) e n− λi e na segunda afirmacaoconsidera-se daı o alpha limite de cada ponto, definido de maneiraanaloga.

Definicao 11.13. Considere f : M → R uma funcao de Morse eY ∈ X∞(M) um campo tipo gradiente de f . Dizemos que Y e deMorse-Smale se para todos pi, pj ∈ C(f) vale W s(pi) tWu(pj).

Em particular, a variedade estavel de uma singularidade de umcampo de Morse-Smale so pode intersectar variedades instaveis desingularidades de ındice estritamente menor: a intersecao entre duasdessas variedades e invariante pelo fluxo e com a condicao de trans-versalidade a intersecao tem dimensao maior ou igual a 1.

Teorema 11.38. Seja X um campo de vetores tipo gradiente deuma funcao de Morse f : M → R. Dada uma vizinhanca V de X emX∞(M), existe um campo de vetores Y ∈ V que e tipo gradiente def de Morse-Smale.

Demonstracao. Consideremos uma carta de Morse em uma vizi-nhanca de um ponto crıtico de ındice λ. Sejam b > a > 0 e d > 0tais que a expressao do campo X nessa carta seja

X(u, v) =

λ∑i=1

−2ui∂

∂ui+

m−λ∑i=1

2vi∂

∂vise ‖v‖ < d e ‖u‖ < 2b.

Se d e suficientemente pequeno, o campo X e transversal as subvari-edades

Et = (u, v);u ∈ St, ‖v‖ < d, a ≤ t ≤ b

em que St e a esfera de raio t contida na variedade estavel do pontocrıtico, isto e, St = (u, v); v = 0, ‖u‖ = t. Seja S ⊂ Eb uma subvari-edade de class C∞ que esta proxima de Sb na topologia C∞. Uma talsubvariedade e o grafico de uma funcao α : Sb → Rm−λ proxima de 0na topologia C∞. Estendemos essa funcao a uma funcao α0 de classeC∞ definida em ∪bt=aSt que tambem esta proxima da funcao iden-ticamente nula e coincide com a funcao identicamente nula em umavizinhanca de Sa. Para v ∈ Rm−λ seja αv = α0 + v. Observemos queos graficos das funcoes αv sao dois a dois disjuntos. Podemos entao

[SEC. 11.4: ESTRUTURA DE CW-COMPLEXO E DECOMPOSICAO EM ASAS 353

definir um campo de vetores Y proximo ao campo X que coincide comX fora de uma vizinhanca de ∪bt=aSt e que numa vizinhanca menore tangente aos graficos das funcoes αv (basta, por exemplo, em cadaponto do grafico de αv projetar ortogonalmente o campo X no espacotangente ao grafico). O campo Y e tao proximo a X quanto se queiradesde que S seja suficientemente proximo de Sb. Logo Y e um campotipo gradiente de f e Sa e S estao contidas na variedade estavel de Y .

Como o campo X e transversal a Eb, todas as variedades instaveisdas singularidades de X intersectam Eb transversalmente e essas in-tersecoes sao subvariedades de Eb. Como a orbita positiva de Y porum ponto de Eb coincide com a orbita positiva de X por esse ponto,essas subvariedades ainda estao contidas nas variedades instaveis docampo Y . Tomando S transversal (em Eb) a essas subvariedades, con-cluımos que a variedade estavel de Y no ponto crıtico considerado etransversal a todas as outras variedades instaveis. Repetindo o argu-mento para cada ponto crıtico obtemos um campo tipo gradiente de fcujas variedades estaveis e instaveis sao duas a duas transversais.

Ja vimos que podemos tomar funcoes de Morse que possuem ape-nas um ponto crıtico em cada nıvel crıtico. Veremos agora que epossıvel escolher uma funcao de Morse em M tal que os valores dospontos crıticos estao de fato ordenados pelos ındices. Isto e, e possıvelescolher f de maneira que se p e p′ sao pontos crıticos de f tais queind(p) < ind(p′), entao f(p) < f(p′).

Para isso, suponha que entre os nıveis V1 = f−1(1) e V0 = f−1(0)tenhamos exatamente dois pontos crıticos p e p′ com ind(p) < ind(p′)e f(p) > f(p′) (tomamos 0 e 1 simplesmente para facilitar a escrita).

Seja X ∈ X∞(M) um campo tipo gradiente de f de Morse-Smale.Temos entao que W s(p) e Wu(p′) sao disjuntos pois

dimW s(p) + dimWu(p′) = ind(p) + n− ind(p′) < n,

e sendo estas subvariedades transversais, a soma das dimensoes naoser suficiente significa que nao ha intersecao. De modo analogo temosque Wu(p) e W s(p′) sao tambem disjuntas. Tambem e claro queW s(p) e W s(p′) tambem sao disjuntos (o omega-limite de um pontona intersecao deveria ser p e p′ ao mesmo tempo).

354 [CAP. 11: TEORIA DE MORSE

Figura 11.3: nıveis V0 e V1.

Em particular, (W s(p)∩V0)∩ (W s(p′)∩V0) = ∅. Podemos tomarentao uma funcao diferenciavel µ : V0 → [0, 1] tal que µ = 0 emvizinhanca de W s(p) ∩ V0 e µ = 1 em vizinhanca de W s(p′) ∩ V0.Construiremos agora uma extensao de µ definida em todo f−1[0, 1]da seguinte forma: para cada ponto x ∈ V0 cuja orbita nao intersectaas variedades estaveis e instaveis de p e p′, definimos µ em cada pontoda orbita de x como sendo constante igual a µ(x). Por continuidade,para estendermos para os pontos restantes de f−1[0, 1], devemos terµ = 0 em vizinhanca de W s(p) ∪Wu(p) e µ = 1 em vizinhanca deW s(p′) ∪Wu(p′).

Para construir uma funcao de Morse g que inverte os valores de fem p e p′ e que tenha os mesmos pontos crıticos, considere uma funcaosuaveG : [0, 1]× [0, 1]→ R satisfazendo as seguintes propriedades:

1. Para todo (x, y) ∈ [0, 1]× [0, 1], tem-se ∂G∂x > 0.

2. Para todo y, G(x, y) = x para x proximo de 0 e 1.

3. Para y = 0 e x proximo de f(p), G e a translacao por umnumero cp > 0.

4. Para y = 1 e x proximo de f(p′), G e a translacao por umnumero cp′ > 0 tal que f(p) + cp < f(p′) + cp′ .

[SEC. 11.4: ESTRUTURA DE CW-COMPLEXO E DECOMPOSICAO EM ASAS 355

A funcao G e ilustrada abaixo, onde sao desenhados seus graficospara y = 0 e y = 1.

Figura 11.4: funcao G com coordenada y fixa.

Finalmente, definimos g(q) = G(f(q), µ(q)) e verifica-se que gsatisfaz as propriedades desejadas. Assim, podemos ordenar os pon-tos crıticos pelos seus ındices. A seguir, daremos uma ideia de quepodemos escolher funcoes de Morse ainda mais simples. De fato, po-deremos escolher funcoes de Morse que so possuem um mınimo e ummaximo locais.

Teorema 11.39. Existe uma funcao de Morse que possui um unicoponto de mınimo local e um unico ponto de maximo local.

Ideia da demonstracao: Se uma funcao de Morse tem dois mınimoslocais (repulsores), entao deve existir um maximo local (atrator) quesepara as orbitas de cada um dos pontos repulsores. Observa-se queo comportamento dos nıveis desde um dos mınimos locais ate esteatrator e semelhante aos nıveis, proximos de 0, de uma aplicacao daseguinte famılia:

ga(x, y, z) = x3 + 3a+ y2 +∑i

εizi onde εi = ±1 com a < 0.

Podemos levar esta regiao entre um mınimo local e este atra-tor, mediante um difeomorfismo, para os nıveis proximos de 0 destaaplicacao acima, preservando nıveis. O bordo desta ultima por suavez pode ser conjugado a uma regiao pela mesma famılia de funcoes

356 [CAP. 11: TEORIA DE MORSE

ga, agora com a > 0, sendo que esta ultima nao possui pontos crıticos,e estendemos essa conjugacao para o interior, com nenhuma exigenciaespecıfica. Compondo as aplicacoes obtidas, obtemos uma funcao deMorse que elimina um ponto de mınimo local. O argumento e analogopara maximos locais.

Para mais detalhes da demonstracao deste teorema acima, sugeri-mos milnor1, pg 48. Resumimos agora o obtido ate o momento nestasecao:

Seja M uma variedade diferenciavel compacta de dimensao n.Entao existe uma funcao de Morse f : M → R tal que:

1. Pontos crıticos distintos tem imagens distintas.

2. Os pontos crıticos estao ordenados pelo ındice, isto e, se p e p′

sao pontos crıticos com ind(p) < ind(p′), entao f(p) < f(p′).

3. f possui um unico mınimo local e um unico maximo local, istoe, um unico ponto crıtico de ındice 0 e um unico ponto crıticode ındice n.

Veremos agora que para todo valor regular a ∈ R de f , o espacoMa tem o mesmo tipo de homotopia de um CW-complexo. Mas antesdisso, precisamos de alguns lemas.

Lema 11.40. [Whitehead] Sejam X um espaco topologico, Dλ odisco fechado de dimensao λ e ϕt : ∂Dλ → X uma homotopia entreϕ0 e ϕ1. Entao existe uma equivalencia homotopica

k : X ∪ϕ0Dλ → X ∪ϕ1

Dλ.

Demonstracao: Definimos funcoes k e k a partir de ϕt da seguintemaneira. Primeiramente k : X ∪ϕ0 Dλ → X ∪ϕ1 Dλ e dada por

k(x) =

x se x ∈ X2ru se x = ru, 0 ≤ r ≤ 1/2, u ∈ ∂Dλ

ϕ2−2r(u) se x = ru, 1/2 ≤ r ≤ 1, u ∈ ∂Dλ,

[SEC. 11.4: ESTRUTURA DE CW-COMPLEXO E DECOMPOSICAO EM ASAS 357

e k : X ∪ϕ1Dλ → X ∪ϕ0

Dλ e dada por

k(x) =

x se x ∈ X2ru se x = ru, 0 ≤ r ≤ 1/2, u ∈ ∂Dλ

ϕ2r−1(u) se x = ru, 1/2 ≤ r ≤ 1, u ∈ ∂Dλ.

Estas funcoes sao contınuas e alem disso existe uma homotopia

ξt : X ∪ϕ0Dλ → X ∪ϕ1

Dλ,

definida por ξt(x) = x se x ∈ X e

ξt(ru) =

(4− 3t)ru se 0 ≤ r ≤ 1

4−3t , u ∈ ∂Dλ

ϕ(4−3t)(r−1)(u) se 14−3t ≤ r ≤

2−t4−3t , u ∈ ∂D

λ

ϕ(4−3t)(1−r)/2(u) se 2−t4−3t ≤ r ≤ 1, u ∈ ∂Dλ

entre Id = ξ1 e k k = ξ0.

Lema 11.41. Seja ϕ : ∂Dλ → X uma funcao contınua e considere f :X → Y uma equivalencia homotopica. Entao existe uma equivalenciahomotopica

F : X ∪ϕ Dλ → Y ∪fϕ Dλ.

Demonstracao: Sejam g : Y → X uma inversa homotopica de f eht : X → X uma homotopia tal que h0 = g f e h1 = IdX . Pelolema anterior existe uma equivalencia homotopica

k : X ∪gfϕ Dλ → X ∪ϕ Dλ.

Se definimos G : Y ∪fϕ Dλ → Y ∪gfϕ Dλ de tal forma queG|Y = g e G(x) = x para x ∈ Dλ, entao temos a seguinte composicao

k G F (x) = g f(x) se x ∈ Xk G F (ru) = 2ru se 0 ≤ r ≤ 1/2, u ∈ Dλk G F (ru) = h2−2r ϕ se 1/2 ≤ r ≤ 1, u ∈ Dλ

a qual e homotopica a identidade por meio da homotopia

qt : X ∪ϕ Dλ → X ∪ϕ Dλ

358 [CAP. 11: TEORIA DE MORSE

definida por qt(x) = ht(x) se x ∈ X e

qt(ru) =

2

1 + tru se 0 ≤ r ≤ 1 + t

2

h2−2r+t ϕ(u) se1 + t

2≤ r ≤ 1.

Com isto temos que k G e uma inversa homotopica a esquerdade F . De forma similar podemos provar que F k G e homotopicaa identidade e com isto se conclui que

F k G ' Id k G F ' Id,

e portanto F e uma equivalencia homotopica.

A ultima afirmacao e obtida pelo seguinte fato: se uma funcao Ftem uma inversa homotopica a esquerda L e uma inversa homotopicaa direita D, entao F e uma equivalencia homotopica. De fato, seE F ' Id e F D ' Id, entao

E ' E (F D) ' (E F ) D ' D,

portanto D F ' E F ' Id.De fato, podemos ir muito alem do resultado anterior e mostra que

de fato uma variedade compacta tem uma estrutura de CW complexocujas celulas sao as variedades instaveis de um campo tipo gradiente.O esqueleto de dimensao k e a uniao das variedades instaveis de di-mensao menor ou igual a k. Se a variedade instavel de uma singulari-dade p tem dimensao k + 1 ela se acumula no esqueleto de dimensaok − 1 e e transversal as variedades estaveis dos pontos crıticos noesqueleto de dimensao k− 1.E claro que podemos, usando o fluxo docampo definir uma aplicacao C∞ φ : Bk+1 →M que leva 0 em p, osraios em orbitas do campo gradiente e tal que φ seja um homeomor-fismo sobre a variedade instavel de p. No entanto essa aplicacao naose estende continuamente ao bordo da bola. Usando a condicao detransversalidade as variedades estaveis uma construcao delicada per-mite modificar φ em uma vizinhanca do bordo da bola e obter umaaplicacao que se estende continuamente ao bordo e ainda permaneceum homeomorfismo no interior. Essa construcao nao e simples poiso conjunto limite da variedade instavel de p e bastante complicado.

[SEC. 11.4: ESTRUTURA DE CW-COMPLEXO E DECOMPOSICAO EM ASAS 359

A decomposicao celular que acabamos de mencionar tem umadecomposicao celular dua que e dado pelas variedades instaveis. Aaplicacao que a cada variedade instavel associa a variedade estavel domesmo ponto define um isomorfismo entre o grupo de cadeias celularde dimensao k no grupo de cadeias celular de dimensao m − k eportanto um isomorfismo de Hk(M) em Hm−k(M) fornecendo umaprova da chamada dualidade de Poincare.

Uma outra aplicacao interessante dessa estrutura de Cw-complexoe uma prova simples do teorema de Witten segundo o qual a homo-logia do chamado complexo de Smale-Witten e isomorfo a homologiada variedade. O grupo das k-cadeias do complexo de Smale-Wittene gerado pelas singularidades de um campo tipo gradiente cujas vari-edades instaveis tem dimensao k. O operador de bordo e definido daseguinte forma. A imagem de um ponto cıtico de ındice k e uma com-binacao linear com coeficientes inteiros de pontos crıticos de ındicek−1 onde o coeficiente de cada ponto crıtico q e o numero de orbitasda intersecao de Wu(q) com W s(q) contados algebricamente, isto e,levando em conta a orientcao da intersecao. Nao e difıcil verificarque essa definicao corresponde extatamente ao operador de bordo docomplexo de cadeias celular que definimos acima. Segue-se entao quea definicao corresponde de fato a um complexo de cadeia que, comovimos, e isomorfo a homologia singular da variedade.

Teorema 11.42. Seja f uma funcao de Morse em uma variedadecompacta M e a ∈ R um valor regular de f . Entao Ma tem o mesmotipo de homotopia de um CW-complexo.

Demonstracao. Conforme ja foi mostrado, se Ma so possui umponto crıtico de ındice λ = 0, entao Ma tem o tipo de homotopiade um ponto. Por inducao suponha que Ma tem o mesmo tipo dehomotopia de um CW-complexo X e b ∈ R seja outro valor regularde f tal que M b −Ma tem somente um ponto crıtico, o qual temındice λ. Se F : Ma → X e uma equivalencia homotopica, entao M b

tem o mesmo tipo de homotopia de X ∪ψ Dλ por meio da funcao F ,a qual por aproximacao celular cumpre ψ(∂Dλ) ⊂ Xλ−1.

Usando inducao nos valores crıticos a0 < · · · < ak, pela provado teorema anterior pode-se concluir que para cada a ∈ R o espacoMa tem o mesmo tipo de homotopia de um CW-complexo, com umacelula de dimensao λ para cada ponto crıtico de ındice λ.

360 [CAP. 11: TEORIA DE MORSE

Teorema 11.43. [Decomposicao em asas]Seja M uma variedade diferenciavel compacta de classe C∞ e di-mensao m. Entao existe uma decomposicao

M =

m−1⋃i=0

Mi

tal que:

1. Mi e uma subvariedade com bordo e M0 e difeomorfa a umabola fechada;

2. Ou Mi = Mi−1 ou Mi− Int(Mi−1) =⋃cij=1Aj , em que os Aj ’s

sao dois a dois disjuntos e existem mergulhos

φj : Di ×Dm−i →Mi

cuja imagem e Aj e intersecta Mi−1 em φj(∂Di ×Dm−i);

3. O bordo de Mm−1 e uma esfera e M −Mm−1 e difeomorfa auma bola aberta.

Na decomposicao do teorema anterior, dizemos que Mi e obtidade Mi−1 colando-se ci asas.

11.5 O teorema de de Rham

Vamos agora provar o teorema de de Rham, que estabelece um iso-morfismo entre a cohomologia de de Rham e a cohomologia singularde uma variedade. A prova usa argumentos semelhantes a demons-tracao do teorema 10.22.

Consideremos o subcomplexo C∞r (M) do complexo de cadeias sin-gulares Cr(M) constituıdo das cadeias c =

∑i aiσi, com cada sim-

plexo σi : ∆r → M de classe C∞, no sentido que tem uma extensaoC∞ a uma vizinhanca de ∆k em Rk+1. Como ∂c ∈ C∞r−1(M) sec ∈ C∞r (M), temos os correspondentes grupos de homologia H∞r (M).Usando o homomorfismo da subdivisao baricentrica e o operadorprisma do capıtulo anterior, provaremos o seguinte:

[SEC. 11.5: O TEOREMA DE DE RHAM 361

Lema 11.44. A inclusao C∞r (M) → Cr(M) induz isomorfismos nosgrupos de homologia.

Demonstracao. Pelo teorema do mergulho de Whitney, podemossupor que M e uma subvariedade de um espaco euclidiano R2m+1 etomar uma vizinhanca tubular π : V →M . Tomemos uma coberturaaberta Ui de M tal que cada Ui seja a intersecao com M de umabola convexa Bi ⊂ R2m contida em V .

Denotemos por CUr (M) o subgrupo das cadeias c =∑i aiσi com

σi(∆r) ⊂ Uj para algum j e por CU,∞r (M) o subgrupo das cadeiasconstituıdas por simplexos C∞. Como vimos no lema 11.9 e seuscorolarios, a inclusao de CUr (M) → Cr(M) induz isomorfismos emhomologia. Da mesma forma, a inclusao CU,∞r → C∞r induz isomor-fismos em homologia. Resta provar que a inclusao i : CU,∞r (M)→ CUrtambem induz isomorfismo em homologia. Para isso basta construirdois operadores

Φ: CUr (M)→ CU,∞r

eD : CUr (M)→ CUr+1(M)

satisfazendo a equacao:

c− i Φ(c) = ∂Dc+D∂c.

Vamos definir os operadores em cada simplexo e estende-los para osgrupos de cadeia por linearidade. Seja σ ∈ CUr (M) e j = j(σ) talque σ(∆r) ⊂ Uj . Seja (a0, . . . , ar) : ∆r → Bi ⊂ R2m o simplexo afimcujos vertices sao ak = σ(ek). Definimos entao

Φ(σ) = π (a0, . . . , ar)

Como a bola Bi e convexa e esta contida em V , podemos construiruma homotopia

h : ∆r × [0, 1]→M

entre σ e Φ(σ) pela formula: h(x, t) = π((1−t)σ(x)+t(a0, . . . , ar)(x)).Finalmente definimos

D(σ) =∑k

(−1)kh((e00, . . . , e

0k, e

1k, . . . , e

1r))

362 [CAP. 11: TEORIA DE MORSE

onde e0k = (ek, 0) ∈ ∆r × [0, 1], e1

k = (ek, 1). A verificacao dasequacoes acima e analoga a da prova do teorema 11.6 do capıtuloanterior.

Se c =∑i aiσi ∈ C∞k (M) e ω ∈ Ωk(M) definimos∫

c

ω =∑i

ai

∫∆k

σ∗i ω.

Observamos que como o simplexo ∆k e orientado, nao necessitamosda orientacao de M para definir a integral de uma forma ao longo deuma cadeia. Vamos mostrar a seguir que o teorema de Stokes paravariedades compactas orientadas implica o mesmo resultado para ca-deias em variedades orientadas ou nao, compactas ou nao.

Teorema 11.45. (Teorema de Stokes para cadeias)Teorema de Stokes!para cadeias∫

∂c

ω =

∫c

Demonstracao. Por linearidade, basta provar∫∆k

dω =

∫∂∆k

ω.

Tomemos um ponto x0 no interior do simplexo ∆k e seja S uma es-fera de centro x0 no subespaco afim E de dimensao k que contem osimplexo ∆k. A semi-reta de orıgem x0 passando por um ponto x ∈ Sencontra o bordo do simplexo em um unico ponto f0(x). A funcaof0 e um homeomorfismo de S sobre o bordo de ∆k. Seja ρ : S → R afuncao positiva tal que f0(x) = x0 + ρ(x)(x− x0). Se ∆i e a i-esimaface do simplexo ∆k e Si = f−1

0 (∆i), entao a restricao de ρ a Sise estende a uma aplicacao C∞, ρi, de uma vizinhanca de Si em S:x0 + ρi(x)(x− x0) pertence ao subespaco afim que contem ∆i.

Afirmacao: Existe uma constante C > 0 tal que para todo δ > 0existe uma funcao φδi : S → [0, 1] de classe C∞ tal que

• φδi (x) = 1 se x ∈ Si;

[SEC. 11.5: O TEOREMA DE DE RHAM 363

• φδi (x) = 0 se a distancia de x a Si for maior que 10√k + 1δ;

• a norma da derivada de φδi em todos os pontos e menor ou igualao produto de C pelo inverso de δ.

Antes de mostrar a afirmacao, vamos mostrar que ela implica o teo-rema. Consideremos a aplicacao C∞

ρδ =∑i

ψδi (x)ρi(x)

onde

ψδi (x) =φδi (x)∑j φ

δj(x)

Da regra da cadeia temos que existe uma constante C ′, independentede δ, tal que a norma da derivada de cada funcao ψδi e limitada peloproduto de C ′ pelo inverso de δ.

Existe uma constante C ′′ > 0, independente de δ, tal que a norma daderivada de ρδ em cada ponto e limitada por C ′′. De fato, em umavizinhanca de um ponto de Si podemos escrever

ρδ(x) = ρi(x) +∑j 6=i

ψδj (x)(ρj(x)− ρi(x)).

Se Dψδj (x) 6= 0, entao a distancia de x a Sj e menor que 5√k + 1δ

e, portanto, |ρj(x) − ρi(x)| e menor que uma constante vezes δ poisρj − ρi e Lipschitz e se anula em Si ∩ Sj . Portanto, a derivada de ρδno ponto x e limitada por uma constante independente de δ. Seja Wδ

a variedade com bordo constituıda dos pontos da forma x0 +t(x−x0)com x ∈ S e 0 ≤ t ≤ ρδ(x). Seja Si(δ) o subconjunto dos pontos deSi cuja distancia a cada Sj com j 6= i e maior que 5

√k + 1δ. Logo a

restricao de ρδ a Si(δ) coincide com a restricao de ρ e f0(Si(δ)) ⊂ ∆i.Seja fδ(x) = x0 + ρδ(x)(x − x0). Entao fδ e um difeomorfismo deS sobre ∂Wδ e sua restricao a Si(δ) coincide com a restricao de f0.Alem disso, a derivada de fδ em cada ponto e limitada por uma cons-tante independente de δ. Logo a integral de ω em f0(Si(δ)) e iguala integral de f∗δ ω em Si(δ) e, como a derivada de fδ e limitada e aarea de S \ ∪iSi(δ) tende a zero quando δ → 0, entao a integral de

364 [CAP. 11: TEORIA DE MORSE

f∗δ ω em S \ ∪iSi(δ) tende a zero quando δ → 0 assim como a inte-gral de ω em ∂∆k \ ∪if0(Si(δ)). Logo a integral de ω no bordo deWδ converge para a integral de ω no bordo de ∆k. Por outro lado,como ρδ converge uniformemente para ρ0 quando δ → 0, temos quea integral de dω em Wδ converge para a integral de ω em ∆k, o queprova o teorema.

Vamos agora provar a afirmacao. Seja Zk+1 ⊂ Rk+1 o conjunto depontos de coordenadas inteiras. Entao as bolas abertas de centro nospontos de Zk+1 e raio 2

√k + 1 cobrem Rk+1. Alem disso, existe uma

constante Nk tal que para toda bola de centro em um ponto de Zk+1

e raio 4√k + 1 o numero de pontos em Zk+1 que sao centros de bolas

de raio 4√k + 1 que intersectam a bola inicial e menor ou igual a Nk.

Tomando a imagem dessas bolas pela aplicacao linear x ∈ Rk+1 7→ δxtemos a mesma propriedade para as bolas Bjδλ = B(λ, 2jδ

√k + 1),

λ ∈ δZk+1 e j = 1, 2. Seja φ : Rk+1 → [0, 1] uma funcao C∞ quese anula fora da bola de centro na origem e raio 2 e e igual a 1 nospontos da bola de raio 1. Compondo φ com o difeomorfismo afim queleva a bola Bδλ na bola de raio 1 e centro na origem, obtemos umaaplicacao φλ de classe C∞ que se anula fora de B2δ

λ , e igual a 1 emBδλ e cuja derivada em todos os pontos e limitada por uma constantevezes o inverso de δ e essa constante nao depende de δ e nem deλ. Consideremos a particao da unidade ψλ = φλ∑

α φα. Pela regra da

cadeia existe uma constante, independente de δ e dependendo apenasda constante anterior e de Nk+1, tal que a derivada de ψλ e limitadapor essa constante vezes o inverso de δ. Para cada i, seja Ui o conjuntodos pontos cuja distancia a Si seja menor que 10δ

√k + 1. Definimos

entao a funcao φδi (x) =∑λ ψλ(x) para todo λ tal que Bδλ ⊂ Ui. Como

toda bola B2δλ que intersecta Si esta contida em Ui, temos entao que

φδi (x) = 1 para x ∈ Si e, como na vizinhanca de cada ponto o numerode parcelas e limitado por Nk, temos que a derivada de φδi em cadaponto e limitada pelo produto de uma constante, independente de δpelo inverso de δ, o que prova a afirmacao.

Consideremos agora o complexo de cocadeias δ : Cq∞(M)→ Cq+1∞ ,

em que Cq∞(M) e o dual de C∞q (M) e δ e o dual do operador debordo ∂, isto e, δ(cq)(cq+1) = cq(∂cq+1) para todo cq ∈ Cq∞(M) e

[SEC. 11.5: O TEOREMA DE DE RHAM 365

cq+1 ∈ C∞q+1(M).

Seja dM : Ωq(M)→ Cq∞(M) definido por dM (ω) : c ∈ C∞q 7→∫cω.

Pelo teorema de Stokes para cadeias, temos que

dM δ = δ dM

e portanto temos um homomorfismo

dM : HqdR(M)→ Hq

∞(M).

Lema 11.46. Considere uma decomposicao M = U ∪ V com Ue V sao abertos. Consideremos o diagrama abaixo, onde as duassequencias verticais sao sequencias de Mayer-Vietoris e os homomor-fismos horizontais sao os homomorfismos de de Rham definidos acima.

Hr−1dR (U)⊕Hr−1

dR (V )dU⊕−dV−−−−−−→ Hr−1

∞ (U)⊕Hr−1∞ (V )

β∗

y yα∗Hr−1dR (U ∩ V )

dU∩V−−−−→ Hr∞(U ∩ V )

δy y∆ᵀ

HrdR(U ∪ V )

dU∪V−−−−→ Hr∞(U ∪ V )

α∗

y yβ∗HrdR(U)⊕Hr(V ) −−−−−−→

dU⊕−dVHr∞(U)⊕Hr

∞(V )

β∗

y yα∗HrdR(U ∩ V ) −−−−→

dU∩VHr∞(U ∩ V )

Entao o diagrama e comutativo.

Demonstracao. Como os elementos da sequencia exata curta

0→ C∞r (U ∩ V )→ C∞r (U)⊕ C∞r (V )→ CU,∞r (M)→ 0

366 [CAP. 11: TEORIA DE MORSE

sao espacos vetoriais, a sequencia dual

0→ CrU,∞(U ∪ V )→ Cr∞(U)⊕ Cr∞(V )→ Cr∞(U ∩ V )→ 0

e tambem exata e o operador de De Rham e um morfismo entre assequencias exatas curtas, isto e, para cada r, o diagrama abaixo ecomutativo.

0 //

Ωr(U ∩ V ) //

dU∩V

Ωr(U)⊕ Ωr(V ) //

dU⊕−dV

Ωr(U ∩ V ) //

dU∩V

0

0 // CrU,∞(U ∪ V ) // Cr∞(U)⊕ Cr∞(V ) // Cr∞(U ∩ V ) // 0

Consequentemente, os diagramas entre as correspondentes sequenciasexatas longas e tambem comutativo.

Teorema 11.47. (Teorema de De Rham) O homomorfismodM : Hk

dR(M) → Hk∞(M) definido por integracao de formas em ca-

deias e um isomorfismo para toda variedade M .

Demonstracao. Basta usar o lema anterior e os mesmos argumentosda prova do teorema da dualidade de Poincare.

Capıtulo 12

Cohomologias

12.1 Cohomologia de Feixes

Definicao 12.1. Um pre-feixe F em um espaco topologico M e umacorrespondencia que a cada aberto U ⊂ M associa um grupo abeli-ano F(U), e a cada subconjunto aberto V ⊂ U um homomorfismorUV : F(U)→ F(V ) tal que

W ⊂ V ⊂ U ⇒ rUW = rVW rUV .

Os elementos de F(U) sao chamados de secoes de U e cada rUV demorfismo de restricao.

Definicao 12.2. Um pre-feixe F e um feixe se satisfaz as seguintescondicoes:

1) Se Ui e uma cobertura aberta de um aberto U e s, s′ ∈ Γ(U)sao tais que

rUUi(s) = rUUi(s′) ∀ i

entao s = s′.

2) Se Ui sao subconjuntos abertos e si ∈ F(Ui) sao tais que

rUiUi∩Uj (si) = rUjUi∩Uj (sj)

entao existe s ∈ F(⋃i Ui) tal que

r∪UiUj(s) = sj para todo j.

367

368 [CAP. 12: COHOMOLOGIAS

Exemplo 12.1. O feixe das secoes Cr (holomorfas) de um fibradovetorial (holomorfo) π : E → M . Nesse caso associamos a cada sub-conjunto aberto de M o espaco de secoes Γ(U,E) e o homomorfismorUV associa a cada secao sobre U sua restricao a V . Usaremos asseguintes notacoes para casos particulares desse exemplo

• EM e o feixe das funcoes C∞ (E = M × R);

• EkM e o feixe das k-formas diferenciais (E = Λk(T ∗M));

• OM e o feixe das funcoes holomorfas (E = M×C), caso M sejacomplexa;

• O∗M e o feixe das funcoes holomorfas nao nulas (E = M ×C∗),caso M seja complexa.

Exemplo 12.2. (Feixe constante). Se G um grupo abeliano, entao a correspondencia

GM : U ⊂M 7→ f : U → G; f e localmente constante

e um feixe sobre M .

Exemplo 12.3. Um exemplo de um pre-feixe que nao e um feixe eo seguinte. Considere a correspondencia

Fcb : U ⊂ C 7→ Fcb(U),

onde Fcb(U) e o conjunto das funcoes holomorfas limitadas em U .Pelo teorema de Liouville, temos que Fcb(C) e o conjunto das funcoesconstantes. Por outro lado, as funcoes si ∈ Fcb(Bi),

si(x) = x, com Bi = x ∈ C; ‖x‖ < i

sao compatıveis, mas nao existe s ∈ Fcb(C) tal que rCBi(s) = si.

Definicao 12.3. Sejam E e F feixes de grupos abelianos sobre M .Um morfismo ρ : E → F e uma correspondencia que associa a cadaaberto U ⊂M um homomorfismo de grupos

ρU : E(U)→ F(U)

[SEC. 12.1: COHOMOLOGIA DE FEIXES 369

tal que se V ⊂ U , entao o diagrama

E(U)ρU //

rUV

F(U)

rUV

E(V )ρV // F(V )

comuta.

Definicao 12.4. Um espaco etale sobre um espaco topologico M eum espaco topologico M e uma aplicacao contınua π : M → M talque

a) π e um homeomorfismo local e e sobrejetiva.

b) para todo x ∈M , π−1(x) e um grupo abeliano.

c) se M M = (x, y) ∈ M × M ;π(x) = π(y), entao a aplicacaoM M → M , (x, y) 7→ x− y e contınua.

Seja π : M →M um espaco etale. Dado um aberto U ⊂M , umaaplicacao contınua s : U → M tal que π s = idU e chamada umasecao de M em U . Segue da definicao que a soma de duas secoescontınuas e tambem uma secao contınua, de modo que o conjuntoΓ(U, M) das secoes em U e um grupo. Temos daı que a corres-pondencia

U ⊂M 7→ Γ(U, M)

e um feixe sobre M .

Vamos mostrar a seguir que podemos associar a cada pre-feixe Fsobre M um espaco etale π : F → M , e assim podemos em seguidatomar o feixe das secoes contınuas desse espaco etale. Para tanto,observemos que podemos associar a cada ponto x ∈ M o limite in-dutivo

Fx = limU3xF(U).

Formalmente, Fx e definido como o espaco quociente(⊔x∈UF(U)

)/ ∼,

370 [CAP. 12: COHOMOLOGIAS

em que s ∈ F(U) e equivalente a s′ ∈ F(V ) se existe um abertoW ⊂ U ∩ V contendo x tal que rUW (s) = rVW (s′). O conjunto Fx ede fato um grupo se introduzirmos a operacao da seguinte maneira.Dados [s], [s′] ∈ Fx, com s ∈ F(U) e s′ ∈ F(V ), tome um abertoW ⊂ U ∩ V contendo x e defina [s] + [s′] := [rUW (s) + rVW (s′)]. Destamaneira, a aplicacao rUx : F(U) → Fx, s 7→ [s], e um homomorfismode grupos e se V ⊂ U , entao o diagrama abaixo e comutativo.

F(U)rUV //

rUx ""

F(V )

rVx||Fx

Definimos F =⊔x∈M Fx e π : F → M por π(z) = x se z ∈ Fx.

Definiremos um base para uma topologia em F de maneira que π :F → M seja um espaco etale. Afirmamos que se U ⊂ M e aberto es ∈ F(U), entao a famılia de conjuntos

Us = s ∈ F ; s = rUπ(s)(s)

e uma base para uma topologia em F . Para ver isto, note que seW ⊂ U e s′′ = rUW (s), entao Ws′′ ⊂ Us, pois se s ∈Ws′′ entao

s = rWπ(s)(s′′) = rWπ(s)(π

UW s) = πUπ(s)(s)

pela comutatividade do diagrama acima. Logo, se s ∈ Us∩Vs′ , temosπUπ(s)(s) = rVπ(s)(s

′). Logo existe um aberto W ⊂ U∩V contendo π(s)

tal que πUW (s) = πVW (s′) = s′′ ∈ F(W ). Portanto Ws′′ ⊂ Us ∩ Vs′ econtem s. Nessa topologia, a restricao de π a cada aberto Us e umhomeomorfismo sobre U cuja inversa e a secao U → Us, x 7→ rUx (s).

Exemplo 12.4. Seja Fcb o pre-feixe das funcoes holomorfas limita-das, Fcb o espaco etale associado e Fcb o feixe das secoes contınuasde Fcb. Entao Fcb(C) e o espaco das funcoes inteiras enquanto queFcb(C) e o espaco das funcoes constantes.

Proposicao 12.1. Se F e um feixe sobre M , π : F → M o espacoetale associado e F o feixe das secoes contınuas de π : F →M , entaoo morfismo ρ : F → F , ρU (s) : U → F que a cada x ∈ U associarUx (s) ∈ F e um isomorfismo.

[SEC. 12.1: COHOMOLOGIA DE FEIXES 371

Demonstracao. Mostraremos que o homomorfismo

ρU : F(U)→ F(U)

e injetivo. Sejam s, s′ ∈ F(U) tais que ρU (s) = ρU (s′). Logo, paracada x ∈ U temos que rUx (s) = rUx (s′). Isso implica que existe umaberto V ⊂ U contendo x tal que rUV (s) = rUV (s′).

Temos entao uma famılia Ui ⊂ U de abertos tais que

rUUi(s) = rUUi(s′) para todo i,

o que implica s = s′ por definicao de feixe, como querıamos mostrar.

Mostremos agora que ρU e sobrejetivo. Tome s ∈ F(U). Dado x ∈ U ,temos que s(x) ∈ Fx, e daı existe um aberto V ⊂ U contendo x euma secao sV ∈ F(V ) tal que rVx (sV ) = s(x). Por outro lado, duassecoes de π : F →M que coincidem em um ponto coincidem em umavizinhanca desse ponto. Logo se V e conexo, como rVx (sV ) = s(x),temos que rVy (sV ) = s(y) para todo y ∈ V . Logo existem abertos

Ui ⊂ U e secoes si ∈ F(Ui) tais que U =⋃i

Ui e rUix (si) = s(x) para

todo x ∈ Ui. Por outro lado, para todo x ∈ Ui ∩ Uj

ρUi∩UjrUiUi∩Uj (si))(x) = rUi∩Ujx rUiUi∩Uj (si) = rUix (si) = s(x)

e

ρUi∩Uj (rUjUi∩Uj (sj))(x) = rUi∩Ujx r

UjUi∩Uj (sj) = rUjx (sj) = s(x).

Como ρUi∩Uj e biunıvoco, temos que

rUiUi∩Uj (si) = rUjUi∩Uj (sj).

Logo, como F e um feixe, existe s ∈ F(U) tal que rUUi(s) = si paratodo i. Portanto se x ∈ Ui,

ρU (s)(x) = rUx (s) = rUix rUUi(s) = rUix (si) = s(x).

Portanto ρU (s) = s.

372 [CAP. 12: COHOMOLOGIAS

Um homomorfismo de feixes ρ : E → F induz, para cada x ∈ M ,um homomorfismo ρx : Ex → Fx e uma aplicacao contınua ρ : E → Ftal que o diagrama abaixo e comutativo.

Eρ //

πE

F

πF~~M

Dizemos que uma sequencia de homomorfismos de feixes

A α // Bβ // C

e exata se para todo x ∈M a sequencia

Axαx // Bx

βx // Cx

e exata.

Exemplo 12.5. Seja exp: C → C∗ a aplicacao exp(z) = e2πiz. SeM e uma variedade complexa, esta aplicacao induz naturalmenteum homomorfismo de feixes exp: OM → O∗M . Afirmamos que asequencia

0 // ZMi // OM

exp // O∗M // 0

e exata. De fato, se x ∈ M , um elemento de (O∗M )x e o germeem x de uma funcao holomorfa g : V → C∗. Tomando V suficiente-mente pequeno, podemos supor que g(V ) esta contido em uma bolade centro g(x) contido em C∗ onde esta definido um ramo da funcaologaritmo. A funcao f : V → C, f(z) = 1

2πi log g(z), e holomorfa eexp(f(z)) = g(z). Logo a imagem do germe de f em x por exp e ogerme de g em x. Portanto exp e sobrejetiva.

Exemplo 12.6. Seja M uma variedade. Seja dk : EkM → Ek+1M o ho-

momorfismo definido pela diferencial exterior. Pelo lema de Poincare,a sequencia abaixo e exata:

0→ RM → E0M

d0→ E1M

d1→ E2M → · · · → EmM → 0.

[SEC. 12.1: COHOMOLOGIA DE FEIXES 373

Exemplo 12.7. Sejam A e B feixes sobre M tais que para todoaberto U ⊂ M , A(U) e um subgrupo de B(U). Seja B/A o feixequociente U 7→ B(U)/A(U), i : A → B a inclusao e q : B → B/A ohomomorfismo tal que qU : B(U)→ B(U)/A(U) e a aplicacao quoci-ente. Entao a sequencia abaixo e exata

0→ A i→ B q→ B/A → 0.

Definicao 12.5. Seja U = Uii∈I uma cobertura aberta do espacotopologico M . O nervo da cobertura, N (U), e o complexo simplicialcujos vertices sao os elementos da cobertura, os 1-simplexos sao ospares (Ui0 , Ui1) de elementos da cobertura tais que Ui0 ∩ Ui1 6= ∅ e,mais geralmente, os k-simplexos sao as (k + 1)-uplas (Ui0 , . . . , Uik)de elementos distintos da cobertura tais que Ui0 ∩ · · · ∩ Uik 6= ∅. Seσ e o simplexo (Ui0 , . . . , Uik) denotamos por |σ| o aberto Ui0∩· · ·∩Uik .

Uma k-cocadeia de Cech com coeficientes em um feixe F e umaaplicacao c que associa a cada simplexo σ ∈ N (U) um elemento c(σ)em F(|σ|) satisfazendo c(Uiτ(0) , . . . , Uiτ(k)) = (−1)|τ |c(Ui0 , . . . , Uik),em que τ e uma permutacao e |τ | e igual a zero se a permutacao forpar e igual a −1 se permutacao for ımpar. Como, para cada simplexoσ, F(|σ|) e um grupo, o conjunto Ck(U ,F) das k-cocadeias de Ceche um grupo:

(c1 + c2)(σ) = c1(σ) + c2(σ).

O operador de cobordo e o homomorfismo

dk : Ck(U ,F)→ Ck+1(U , F )

definido por

dk(c)(Ui0 , . . . , Uik+1) =

k+1∑j=0

(−1)jrUi0∩···∩Uij∩···∩Uik+1

Ui0∩···∩Uij∩···∩Uik+1c(Ui0 . . . Uij . . . Uik+1).

Proposicao 12.2. dk+1 dk = 0.

Demonstracao. Exercıcio.

Definicao 12.6. A cohomologia de Cech do feixe F com respeito acobertura U e definida por

Hk(U ,F) =Ker dk : Ck(U ,F)→ Ck+1(U ,F)

Im dk−1 : Ck−1(U ,F)→ Ck(U ,F).

374 [CAP. 12: COHOMOLOGIAS

Observacao 12.1. H0(U ,F) = F(M), pois se c ∈ C0(U ,F), c(Ui)

e uma secao de F(Ui) e rUiUi∩Ujc(Ui) = rUjUi∩Ujc(Uj).

Definicao 12.7. Sejam V e U coberturas de M . Dizemos que Vrefina U se existe uma aplicacao ν : V → U tal que para todo V ∈ Vtemos que ν(V ) ⊃ V . Dizemos que ν e uma aplicacao refinadora.Uma aplicacao refinadora ν : V → U induz um homomorfismo

νk : Ck(U ,F)→ Ck(V,F)

definida por

(νkc)(V0, . . . , Vk) = rν(V0)∩···∩ν(Vk)V0∩···∩Vk c((ν(V0), . . . , ν(Vk)))

se ν(Vj) 6= ν(V`) quando j 6= ` e

(νkc)(V0, . . . , Vk) = 0 ∈ F(|(V0 ∩ · · · ∩ Vk)|)

se ν(Uj) = ν(U`) para algum j 6= `.

Proposicao 12.3. Se ν, ν′ : V → U sao duas aplicacoes refinadoras,entao existem homomorfismos hk : Ck(V,F)→ Ck−1(U ,F), ∀ k ≥ 1tais que

νk − ν′k = hk+1dk + dk−1hk.

Demonstracao. Se σ = (Vi0 , . . . , Vik−1) ∈ N (V), entao

σj = (ν(Vi0), . . . , ν(Vij ), ν′(Vij ), . . . , ν

′(Vik−1))

pertence ao nervo de U se os elementos dessa (k+ 1)-upla sao distin-tos e |σj | ⊃ |σ| 6= ∅.

Se c ∈ Ck(U ,F), definimos hk(c) ∈ Ck−1(U ,F) por

hk(c)(σ) =

k−1∑j=0

(−1)jr|σj ||σ| c(σj),

onde no segundo membro tomamos c(σj) = 0 se a n-upla σj temduas coordenadas iguais. Deixamos ao leitor a terefa de verificar aigualdade da proposicao.

[SEC. 12.1: COHOMOLOGIA DE FEIXES 375

Proposicao 12.4. Valem as seguintes afirmacoes:

1. Toda aplicacao refinadora ν : V → U induz homomorfismos

νk : Ck(U ,F)→ Ck(V,F)

que comutam com os operadores de cobordo, e portanto indu-zem operadores

ν∗k : Hk(U ,F)→ Hk(V,F).

2. Se ν, ν : V → U sao duas aplicacoes refinadoras, entao ν∗k = ν∗k .

3. Se V refina U , seja

hUV : Hk(U ,F)→ Hk(V,F)

o homomorfismo induzido por alguma aplicacao refinadora. SeW refina V, entao

hUW = hVW hUV .

Demonstracao. 1) Os homomorfismos νk foram definidos anterior-mente e a comutatividade com os operadores de cobordo e de facilverificacao.

2) Segue da proposicao anterior.

3) Se ν : V → U e µ : W → V sao aplicacoes refinadoras, entao acomposicao ν µ : W → U e uma aplicacao refinadora e vale que(ν µ)∗k = µ∗k ν∗k .

Proposicao 12.5. Se

0 // A α // Bβ // C // 0

e uma sequencia exata de feixes sobre M , entao para cada subcon-junto aberto U ⊂M a sequencia

0 // A(U)αU // B(U)

βU // C(U)

e exata.

376 [CAP. 12: COHOMOLOGIAS

Demonstracao. 1) αU e injetiva. Para simplificar a notacao, de-notaremos pelo mesmo sımbolo rUV as restricoes dos tres feixes. Sejas ∈ A(U) tal que αU (s) = 0. Logo, para todo x ∈ U temos que

0 = rUx αU (s) = αx(rUx s).

Como αx e 1 − 1 temos que rUx s = 0. Logo a imagem de s peloisomorfismo A → A se anula e portanto s = 0.

2) Se s′ ∈ B(U) e tal que βU (s′) = 0, entao existe s ∈ A(U) tal queαU (s) = s′.

Seja x ∈ U e s′x = rUx (s′). Como βx(s′x) = 0, existe sx ∈ Ax tal queαx(sx) = s′x. Seja V ⊂ U um aberto contendo x e sV ∈ A(V ) tais quesx = rVx (sV ). Afirmamos que αV (sV ) = rUV (s′). De fato as aplicacoesy ∈ V 7→ rVy αV (sV ) e y ∈ V 7→ rVy r

UV (s′) = rUy (s′) sao duas secoes

em B(V ) que coincidem no ponto x e, portanto, sao iguais. LogoαV (sV ) = rUV (s′) como afirmamos. Existem portanto abertos Ui ⊂ Ue secoes si ∈ A(Ui) tais que U =

⋃i

Ui e αUi(si) = rUUi(s′) para todo

i. Temos entao que

αUi∩UjrUiUi∩Uj (si) = rUiUi∩UjαUi(si) = rUiUi∩Ujr

UUi(s

′) = rUUi∩Uj (s′)

e tambemαUi∩Ujr

UjUi∩Uj (sj) = rUUi∩Uj (s

′).

Por 1) a aplicacao αUi∩Uj e injetiva, e temos que

rUjUi∩Uj (sj) = rUiUi∩Uj (si).

Logo existe s ∈ A(U) tal que rUUi(s) = si para todo i. Como paracada i

rUUiαU (s) = αUi(rUUis) = αUi(si) = rUUi(s

′)

e U =⋃i

Ui, temos que αU (s) = s′.

Observacao 12.2. Os homomorfismos βU nao sao necessariamentesobrejetivos como mostra o exemplo

0→ ZC∗ → OC∗exp→ O∗C∗ → 0.

[SEC. 12.1: COHOMOLOGIA DE FEIXES 377

Corolario 12.6. Se

0→ A α→ B β→ C → 0

e uma sequencia exata de feixes sobre um espaco topologico M e Ue uma cobertura aberta de M , entao as sequencias

0→ Ck(U ,A)αk→ Ck(U ,B)

βk→ Ck(U , C)

sao exatas.

Definicao 12.8. Se F e um feixe sobre um espaco topologico M ,os grupos de cohomologia de Cech Hk(M,F) sao definidos como olimite direto limU H

k(U ,F).

Os homomorfismos

hUV : Hk(U ,F)→ Hk(V,F)

induzem homomorfismos

hU : Hk(U ,F)→ Hk(M,F)

tais que hUVhV = hU se V refina U . Se [c] ∈ Hk(U ,F) e [c] ∈ Hk(V,F),

entao hU ([c]) = hV([c]) se, e somente se, existe uma cobertura W querefina V e U tal que

hUW ([c]) = hVW ([c]).

Lema 12.7. Seja

0→ A α→ B β→ C → 0

uma sequencia exata de feixes sobre uma variedade M . Dado c emCk(U , C), com U uma cobertura aberta de M , existem uma coberturaaberta localmente finita V, uma aplicacao refinadora ν : V → U e umacocadeia c′ ∈ Ck(V,B) tais que

βV(c′) = νk(c).

Demonstracao. Como M e paracompacta, toda cobertura abertatem um refinamento localmente finito. Podemos portanto supor queU ja e localmente finita. Como M e localmente compacta, pode-mos construir uma cobertura aberta W e uma aplicacao refinadora

378 [CAP. 12: COHOMOLOGIAS

µ : W → U tal que para todo W ∈ W, W e compacto e W ⊂ µ(W ).Seja p ∈ M . Como a cobertura U e localmente finita, o numero dek-simplexos σ = (Ui0 , . . . , Uik) no nervo de U tais que p ∈ |σ| e fi-nito. Como a sequencia de feixes e exata, para cada k-simplexo σcom p ∈ |σ| existem uma vizinhanca aberta Vσ de p e uma secaosσ ∈ B(Vσ) tais que

βVσ (sσ) = r|σ|Vσ

(c(σ)).

Pela finitude do numero de simplexos σ com p ∈ |σ|, existem umavizinhanca aberta Vp de p e sσ ∈ B(Vp) tais que

βVp(sσ) = r|σ|Vp

(c(σ)).

Tomamos tambem Vp suficientemente pequena para que

Vp ∩ W 6= ∅ ⇒ Vp ⊂ µ(W ).

Seja V = Vi a cobertura de M e para cada i selecionamos Wi ⊃ Vie Ui = µ(Wi).

Vamos definir c′ ∈ Ck(V,B). Se σ′ = (Vi0 , . . . , Vik) e um k-simplexoe p ∈ Vi0 ∩ · · · ∩ Vik , entao p ∈ Wij para todo j = 0, . . . , k. LogoVi0 ⊂ Wij para todo j = 0, . . . , k. Se σ = (Ui0 , . . . , Uik) nao e um k-simplexo, isto e, se duas coordenadas coincidem, definimos c′(σ′) = 0.Se σ e um k-simplexo, entao pela construcao da cobertura V existes′ ∈ B(Vi0) tal que

βVi0 (s′) = r|σ|Vi0c(σ).

Definimos entaoc′(σ′) = r

Vi0|σ′|(s

′).

Tomando ν(Vi) = Ui concluımos a demonstracao do lema.

Teorema 12.8. [Leray] Se

0→ A α→ B β→ C → 0

e uma sequencia exata de feixes sobre uma variedade M , entao exis-tem homomorfismos

δ∗ : Hk(M, C)→ Hk+1(M,A)

[SEC. 12.1: COHOMOLOGIA DE FEIXES 379

tal que a sequencia longa abaixo e exata:

· · · → Hk(M,A)→ Hk(M,B)→ Hk(M, C)→ Hk+1(M,A)→ · · ·

Demonstracao. Para cada cobertura U temos um diagrama comu-tativo onde as linhas sao exatas e as colunas sao complexos de coca-deias

↓ ↓ ↓0 → Ck−1(U ,A) → Ck−1(U ,B) → Ck−1(U , C)

↓ ↓ ↓0 → Ck(U ,A) → Ck(U ,B) → Ck(U , C)

↓ ↓ ↓0 → Ck+1(U ,A) → Ck+1(U ,B) → Ck+1(U , C)

↓ ↓ ↓ .

Um elemento θ ∈ Hk(M, C) pode ser representado por um cocicloz ∈ Ck(U , C) para alguma cobertura U . Pelo lema anterior existeum refinamento V de U e uma cocadeia c ∈ Ck(V,B) cuja imagempela seta horizontal coincide com a imagem de z em Ck(V, C), que etambem um representante de θ.

Seja c′ ∈ Ck+1(V,B) a imagem de c pela seta vertical. Como o di-agrama comuta e a imagem de z pela seta vertical e 0, temos que aimagem de c′ pela seta horizontal e tambem 0. Como a sequenciahorizontal e exata, existe c′′ ∈ Ck+1(U ,A) cuja imagem pela setahorizontal e c′. Para mostrar que c′′ e um cociclo observamos que aimagem de c′′ pela seta vertical se anula pois a coluna e um complexode cocadeias. Pela comutatividade do diagrama, a imagem pela setahorizontal da imagem de c′′ pela seta vertical e 0. Como a correspon-dente seta horizontal e injetiva, temos que a imagem de c′′ pela setavertical e 0. Portanto c′′ e um cociclo que representa um elementoθ′ ∈ Hk+1(M,A), o qual definimos como a imagem de θ. Deixamosao leitor a tarefa de mostrar que θ′ nao depende das varias escolhasfeitas e que a aplicacao θ → θ′ e um homomorfismo e a sequencia eexata.

Definicao 12.9. Uma particao da unidade em um feixe F subordi-nada a uma cobertura aberta localmente finita Uii e uma famıliaϕi : F → F de homomorfismos tais que

380 [CAP. 12: COHOMOLOGIAS

1. ϕi(Fx) = 0 para todo x em uma vizinhanca de M − Ui.

2.∑i

ϕi(s) = s ∀ s ∈ F(Uj) e para todo j.

Lema 12.9. Se ϕi e uma particao da unidade de um feixe F su-bordinado a uma cobertura localmente finita Ui, entao para todoaberto V ⊂M existem homomorfismos

ϕUi∩VV : F(Ui ∩ V )→ F(V )

tais que para todo aberto W ⊂ V − Ui temos

rVWϕUi∩VV (s) = 0

Demonstracao. Basta definir

ϕUi∩VV (s)(x) =

ϕi(s(x)) se x ∈ Ui ∩ V0 se x ∈ V − Ui

e daı ϕUi∩VV (s) : V → F e uma secao contınua.

Definicao 12.10. Um feixe e bom (“fine”em ingles) se para todacobertura aberta localmente finita existe uma particao da unidadesubordinada a esta cobertura.

Exemplo 12.8. O feixe EkM das k-formas diferenciais em M e umbom feixe. De fato, dada uma cobertura aberta localmente finitaUi de M , fixe ρi : M → R uma particao da unidade subordinadaa Ui. Os homomorfismos de pre-feixes

EkM (V )ϕi,V−→ EkM (V )

definidos por ϕi,V (ω) = ρi.ω definem homomorfismos de feixesϕi : EkM → EkM com as propriedades requeridas.

Lema 12.10. Se F e um feixe bom, entao

Hk(U ,F) = 0 para todo k > 0.

[SEC. 12.1: COHOMOLOGIA DE FEIXES 381

Demonstracao. Basta construir homomorfismos

hk : Ck(U ,F)→ Ck−1(U ,F)

tais quehk+1dk + dk−1hk = id.

Definimos

(hk+1(c))(Ui0 , . . . , Uik) =

=∑U∈U

(−1)jϕU∩Ui0∩···∩UikUi0∩···∩Uik

c(Ui0 , . . . , Uij−1, U, Uij , . . . , Uik) .

Deixamos a cargo do leitor verificar a identidade.

Definicao 12.11. Uma resolucao boa de um feixe F e uma sequenciaexata

0→ F → F0 → F1 → F2 → · · ·onde os Fi sao feixes bons.

Teorema 12.11. Se

0→ F → F0 → F1 → F2 → · · ·

e uma resolucao boa e U e uma cobertura aberta tal que

Fi−1(Ui0 ∩ · · · ∩ Uik)→ Fi(Ui0 ∩ · · · ∩ Uik)→ Fi+1(Ui0 ∩ · · · ∩ Uik)

e exata para todo simplexo no nervo de U , entao existe um isomor-fismo canonico entre

Hk(U ,F) eKer dk : Fk(M)→ Fk+1(M)

Im dk−1 : Fk−1(M)→ Fk(M)para todo k ≥ 1.

Demonstracao. Consideremos o diagrama comutativo

C0(U ,F) → C1(U ,F) → C2(U ,F) → · · ·↓ ↓ ↓

F0(M) → C0(U ,F0) → C1(U ,F0) → C2(U ,F0) → · · ·↓ ↓ ↓ ↓

F1(M) → C0(U ,F1) → C1(U ,F1) → C2(U ,F1) → · · ·↓ ↓ ↓ ↓

F2(M) → C0(U ,F2) → C1(U ,F2) → C2(U ,F2) → · · ·↓ ↓ ↓ ↓...

......

...

382 [CAP. 12: COHOMOLOGIAS

A primeira linha e um complexo de cadeias que nao depende re-solucao enquanto que a primeira coluna e um complexo de cadeiasque nao depende da cobertura U . Queremos construir um isomor-fismo canonico entre os grupos de cohomologia desses dois complexos.Para tanto vamos usar que

1) as linhas, a partir da segunda, sao exatas a partir da segundacoluna.

2) a hipotese sobre U implica que as colunas, a partir da segunda,sao exatas a partir da segunda linha.

Um elemento de Hk(U ,F) e representado por um cociclo z0 emCk(U ,F). Sua imagem z1 ∈ Ck(U ,F0) e tambem um cociclo poiso diagrama comuta e sua imagem pela seta horizontal coincide coma imagem pela seta vetical da imagem de z0 pela seta horizontal,que e 0. Como a linha e exata, z1 e a imagem de uma cocadeiac1 ∈ Ck−1(U ,F0). Como a imagem de z1 pela seta vertical e 0, aimagem z2 ∈ Ck−1(U ,F1) de c1 pela seta vertical e um cociclo, poissua imagem pela seta horizontal coincide com a imagem de z1 pelaseta vertical, que e 0.

Como a linha e exata, z2 e a imagem de uma cocadeia c2 emCk−2(U ,F1) pela seta horizontal. Indutivamente, podemos construiruma cocadeia cj ∈ Ck−j(U ,Fj−1) e cociclos zj ∈ Ck−j+1(U ,Fj−1)tais que zj e a imagem de cj−1 pela seta vertical e e a imagem decj pela seta horizontal. Finalmente, chegamos a um ciclo zk+1 emC0(U ,Fk), e portanto, a um elemento de Fk(M). A classe de coho-mologia desse ciclo e a imagem da classe de cohomologia inicial. Naoe difıcil verificar que a classe de cohomologia de zk+1 nao depende dasescolhas das cadeias cj e nem da escolha do ciclo z0 inicial. Como oprocesso e simetrico temos que essa aplicacao e bijetiva e como todasas setas sao homomorfismos ela e um isomorfismo.

Corolario 12.12. Seja 0→ RM → E0 → E1 → E2 → · · · a resolucaoboa do feixe constante RM . Se U e uma cobertura aberta simples deM , entao Hk(U ,RM ) e isomorfo a cohomologia de de Rham de M .Alem disso, Hk(U ,RM ) e igual a Hk(M,RM ).

[SEC. 12.1: COHOMOLOGIA DE FEIXES 383

Demonstracao. O fato de que a sequencia do enunciado e exata jafoi mostrado anteriormente, e que cada um dos feixes Ek e um bomfeixe foi visto no exemplo anterior. Uma cobertura simples de Msatisfaz a hipotese do teorema anterior. Logo Hk(U ,RM ) e canonica-mente isomorfo a Hk

dR(M). Como toda cobertura pode ser refinada

por uma cobertura simples, temos que Hk(M,RM ) = Hk(U ,RM ) seU e uma cobertura simples.

Exemplo 12.9. ( O feixe das cocadeias singulares). Se U ⊂M e um subconjunto aberto, seja Ck(U) o grupo das cadeiassingulares em U e Ck(U) o grupo das cocadeias singulares de U . SeV ⊂ U e outro aberto, a aplicacao de inclusao i : V → U induz umhomomorfismo i∗ = rUV : Ck(U)→ Ck(V ) que satisfaz rUW = rVW rUVse W ⊂ V ⊂ U .

Logo temos um pre-feixe, o qual define um feixe Ck. Os operadoresde cobordo dk : Ck(U) → Ck+1(U) comutam com a restricao e, por-tanto, definem homomorfismos dk : Ck → Ck+1 tais que dk+1 dk = 0.

Afirmamos que os feixes Ck sao bons. Seja U = Ui cobertura lo-calmente finita e W = Wi uma cobertura tal que W i ⊂ Ui paratodo i com W i compacto. Selecionamos em cada Wi um subcon-junto Ai tal que

⋃i

Ai = M e Ai ∩ Aj = ∅ se i 6= j. Para cada i

definimos ρi : M → 0, 1 por ρi(x) = 1 se x ∈ Ai e ρi(x) = 0 sex /∈ Ai. Definimos os operadores ϕi : Ck → Ck da seguinte forma:se V ⊂ M aberto e c ∈ Ck(V ) = Ck(V ), entao ϕi(c) e a cocadeiasingular ϕi(c) tal que se σ : ∆k → V e um k-simplexo singular, entaoϕi(x)(σ) = ρi(σ(c0)) · c(σ). E facil verificar que a famılia ϕi e umaparticao da unidade do feixe Ck subordinada a cobertura U .

Se U e uma cobertura simples, entao a resolucao boa

0→ AM → C0 → C1 → · · ·

do feixe constante AM , com A = Z ou R, satisfaz as condicoes doteorema.

Logo Hk(M,AM ) ∼= Hk(U , AM ) ∼= Hk(M,A) onde Hk(M,A) e ogrupo de cohomologia singular de M com coeficientes em A.

384 [CAP. 12: COHOMOLOGIAS

Exemplo 12.10. ( A classe de Chern de um fibrado de linha). Seja π : L → M um fibrado de linha sobre M , isto e, um fibradovetorial tal que cada fibra e um C-espaco vetorial de dimensao com-plexa 1. Dada uma cobertura Ui de M por abertos trivializantesde π, temos para cada i o diagrama comutativo

π−1(Ui)φ //

π##

Ui × C

π1

||Ui

Se Ui ∩ Uj 6= ∅, entao

φj φ−1i : (Ui ∩ Uj)× C→ (Ui ∩ Uj)× C

e da forma (x, v) 7→ (x, gij(x)v), com gij : Ui∩Uj → C∗ de classe C∞

satisfazendo

gii(x) = 1gij(x) = gji(x)−1

gik(x) = gij(x) · gjk(x) se x ∈ Ui ∩ Uj ∩ Uk.

Temos portanto um cociclo Z1(U , E∗M ) ⊂ C1(U , E∗M ) com coeficientesno feixe das funcoes C∞ de M no grupo multiplicativo C∗ e, conse-quentemente, um elemento de H1(M, E∗M ). Se φi : π

−1(Ui)→ Ui×Ce outra famılia de trivializacoes locais, entao φi φ−1

i e um difeomor-fismo da forma (x, v) 7→ (x, ψi(x) · v) com ψi : Ui → C∗ uma funcaoC∞. Segue daı que

gij(x) = ψj(x)gij(x)ψi(x)−1

e os respectivos cociclos sao cohomologos. Se π : L→M e π : L→Msao fibrados de linha sobre M , podemos tomar uma cobertura abertaU = Uii de M onde estao definidas simultaneamente trivializacoeslocais φi : π

−1(Ui) → Ui × C de π e φi : π−1(Ui) → Ui × C de π.

Se ψ : L → L e um isomorfismo entre estes fibrados, entao o difeo-morfismo φi ψ φ−1 e da forma (x, v) 7→ (x, ψi(x) · v), e assim oscociclos gij e gij sao cohomologos. Temos portanto uma bijecao entreo conjunto das classes de isomorfismo de fibrados de linha sobre M e

[SEC. 12.2: O FEIXE DE ORIENTACAO DE UMA VARIEDADE 385

o grupo de cohomologia H1(M, E∗M ).

Observamos que se π : L → M e π : L → M sao dois fibrados delinha, entao as funcoes de transicao do fibrado L ⊗ L → M saox ∈ Ui ∩ Uj 7→ gij(x) · gij(x). Verifica-se que o produto tensorialdefine uma estrutura de grupo nas classes de isomorfismo de fibradosde linha sobre M , chamado de grupo de Picard de M , de modo quea bijecao construıda e de fato um isomorfismo de grupos.

Consideremos a sequencia exata curta de feixes

0 // ZM // EMexp // E∗M // 0

e a correspondente sequencia exata longa em cohomologia

→ H1(M,ZM )→ H1(M, EM )→ H1(M, E∗M )C1→ H2(M,Z)→ H2(M, EM ).

Como EM e um feixe bom, temos que

H1(M, EM ) = H2(M, EM ) = 0.

Logo a aplicacao

C1 : H1(M, E∗M )→ H2(M,Z)

e um isomorfismo. Essa aplicacao associa a cada classe de isomor-fismo de fibrados de linha sobre M uma classe de cohomologia inteira,chamada a classe de Chern do fibrado. A classe de Chern do produtotensorial de dois fibrados e a soma das classes de Chern dos fatorese toda classe de cohomologia em H2(M,Z) e a classe de Chern dealgum fibrado de linha sobre M .

12.2 O feixe de orientacao de uma variedade

feixe de orientacaoSeja M uma variedade de dimensao m. Se U ⊃ V sao subconjun-

tos abertos de M , entao a inclusao (M,M −U)→ (M,M −V ) induzum homomorfismo ρUV : Hm(M,M − U)→ Hm(M,M − V ) tal que

ρVW = ρVW ρUV se W ⊂ V ⊂ U.

386 [CAP. 12: COHOMOLOGIAS

Temos portanto um pre-feixe. O feixe associado e chamado o feixede orientacoes de M . Denotaremos por π : O → M o espaco etaleassociado. A fibra pelo ponto x e o grupo Hm(M,M − x) que, peloteorema de excisao, e isomorfo a Hm(D,D−x), onde D e difeomorfaa uma bola. Por sua vez

Hm(D,D − x) ∼= Hm−1(D − x) ∼= Hm−1(Sm−1) ∼= Z.

Definicao 12.12. Se F ⊂M e um subconjunto fechado, denotamospor Γ(F ) o grupo das secoes contınuas s : F → O e por Γc(F ) o sub-grupo das secoes com suporte compacto. Dizemos que M e orientavelao longo de F se existe uma secao jF ∈ Γ(F ) tal que para cada x ∈ F ,jF (x) e um gerador da fibra H(M,M − x).

Proposicao 12.13. Seja F ⊂M um subconjunto compacto contidono domınio de uma carta local ϕ : U → Rm e tal que sua imagem sejaum subconjunto compacto e convexo de Rm. Entao o homomorfismo

jF,x : Hm(M,M − F )→ Hm(M,M − x)

induzido pela inclusao e um isomorfismo para todo x ∈ F .

Demonstracao. Pelo teorema da excisao, a inclusao induz isomor-fismo Hm(U,U − F ) ≈ Hm(M,M − F ). O difeomorfismo ϕ induzum isomorfismo entre Hm(U,U − F ) e Hm(Rm,Rm − ϕ(F )), o qualpela sequencia exata do par e isomorfo a Hm(Rm − ϕ(F )) e por in-variancia homotopica e isomorfo a Hm(Rm−ϕ(x)). Finalmente, esteultimo e isomorfo a Hm(U,U − x) que e isomorfo a Hm(M,M − x)por excisao.

Proposicao 12.14. Seja F ⊂ M um subconjunto fechado. Paracada [c] ∈ Hm(M,M − F ) seja JF ([c]) : F → O a aplicacao definidapor JF ([c])(x) = jF,x([c]). Entao JF ([c]) e uma secao contınua comsuporte compacto e

JF : Hm(M,M − F )→ Γc(F )

e um homomorfismo.

Demonstracao. Seja c ∈ Cm(M) uma cadeia que representa a classe

de homologia [c]. Entao c =n∑i=1

aiσi e ∂c =N∑j=1

bjτj , sendo que

[SEC. 12.2: O FEIXE DE ORIENTACAO DE UMA VARIEDADE 387

τj(∆n−1) ⊂M − F pois c e um ciclo relativo.

Como K =N⋃j=1

τj(∆n−1) e um compacto disjunto de F , temos que

cada x ∈ F tem uma vizinhanca U cujo fecho e disjunto de K.Logo c representa uma classe de homologia α ∈ Hm(M,M − U) ea aplicacao x ∈ U 7→ jU,x(α) ∈ Hm(M,M − x) e uma secao contınuaque coincide com a restricao de jF,x([c]) a U ∩ F . Logo a aplicacaox ∈ F → jF,x([c]) e uma secao contınua. Resta mostrar que temsuporte compacto. Para tanto observamos que existe um compactoC ⊂ M tal que σi(∆m) ⊂ C para todo i = 1, . . . , n. Se x /∈ C,entao a imagem de c por Cm(M,M −F )→ Cm(M,M −x) e 0. LogojF,x([x]) = 0 para todo x /∈ C.

Lema 12.15. Valem as seguintes propriedades

1. Se F1 ⊃ F2 sao subconjuntos fechados, entao o diagrama abaixoe comutativo:

Hm(M,M − F1)

JF1

// Hm(M,M − F2)

JF2

Γc(F1) // Γc(F2)

2. Se F1 e F2 sao dois subconjuntos fechados, entao a sequencia

0→ Γc(F1 ∪ F2)h→ Γc(F1)⊕ Γc(F2)

k→ Γc(F1 ∩ F2)

com

h(s) = (s|F1)⊕ (s|F2)

k(s1 ⊕ s2) = s1|F1∩F2 − s2|F1∩F2

e exata.

3. Se K1 ⊃ K2 ⊃ · · · sao subconjuntos compactos e K =⋂i

Ki,

entao lim−→

Γ(Ki) = Γ(K).

388 [CAP. 12: COHOMOLOGIAS

Demonstracao. Deixamos ao leitor a prova de 1) e 2). Para provar3) consideremos duas secoes s, s′ ∈ Γ(Ki) cujas restricoes a K coin-cidem. Cada ponto de K tem uma vizinhanca U e uma secao sU emU que estende as restricoes s|U∩K = s′|U∩K . Cobrimos K por umnumero finito de abertos Uj e para cada Uj escolhemos uma secao sjem Uj que coincide com s em Uj ∩K. Podemos ainda, diminuindoUj se necessario, supor que se Ui ∩ Uj 6= ∅, entao Ui ∩ Uj ∩K 6= ∅.Portanto a restricao de si a Ui ∩ Uj coincide com a restricao de sja Ui ∩ Uj pois as duas secoes coincidem em um ponto de intersecaoe, portanto, sao iguais. Logo existe uma secao sU em U = ∪Uj cujarestricao a cada Uj coincide com sj . Assim (sU )|K = s|K = s′|K .Seja Kj ⊂ Ki tal que Kj ⊂ U . Entao a restricao de sU a Kj coincidecom a restricao se s a Kj e a restricao de s′ a Kj . Logo as imagensde s e s′ pelo morfismo Γc(Ki) → lim

−→Γ(Ki) coincidem. Por outro

lado, se s ∈ Γ(K) temos pelo argumento acima que existe um abertoU ⊃ K e uma secao sU ∈ Γ(U) cuja restricao a K coincide com s.Para cada Ki ⊂ U denotamos por si ∈ Γ(Ki) a restricao de sU a Ki.Entao se Kj ⊂ Ki temos que a restricao de si a Kj coincide com sje portanto ambas determinam o mesmo elemento de lim

−→Γ(Ki).

Teorema 12.16. Seja M uma variedade topologica de dimensao m.Se F ⊂M e um subconjunto fechado, entao

a) Hk(M,M − F ) = 0 para todo k > m;

b) JF : Hk(M,M − F )→ Γc(F ) e um isomorfismo.

Demonstracao. Para facilitar a escrita, seja F o conjunto dos sub-conjuntos fechados de M e considere a funcao

VM : F→ 0, 1

tal que VM (F ) = 0 se, e somente se, a) e b) sao verdadeiros.

1) Dizemos que um subconjunto compacto K ⊂ M e simples seexiste uma carta local ϕ : U → Rm com K ⊂ U tal que ϕ(K)e o fecho de um aberto convexo. Entao VM (K) = 0 para todocompacto simples pela proposicao 12.13.

[SEC. 12.2: O FEIXE DE ORIENTACAO DE UMA VARIEDADE 389

2) Se valem VM (F1) = VM (F2) = VM (F1 ∩ F2) = 0, entao valeVM (F1 ∪ F2) = 0 pois basta analisar a sequencia de Mayer-Vietoris e o lema anterior.

3) Se K1 ⊃ K2 ⊃ K3 ⊃ · · · sao compactos, K =⋂Ki e vale

VM (Ki) = 0 para todo i, entao VM (K) = 0. De fato, para cadak as inclusoes (M,M −Ki)→ (M,M −K) induzem isomorfis-mos

lim−→

Hk(M,M −Ki)≈→ Hk(M,M −K)

e para k = m temos um diagrama comutativo

lim−→

Hm(M,M −Ki)∼= //

∼=

Hm(M,M −K)

∼=

lim−→

Γc(Ki)∼= // Γc(K)

4) Se K ⊂ Rm e um compacto, entao VRm(K) = 0. Para ver isso,mostremos primeiro que se K e uma uniao finita de compactossimples, entao VRm(K) = 0. De fato, suponhamos por inducaoque VRm(K) = 0 quando K e a uniao de k − 1 compactossimples. Se K = K1∪ · · ·∪Kk onde K e um compacto simples,temos por inducao que VRm(Kk) = 0, VRm(K1∪· · ·∪Kk−1) = 0e

VRm(Kk ∩ (K1 ∪ · · · ∪Kk−1)) = 0

pois

Kk ∩ (K1 ∪ · · · ∪Kk−1) = (Kk ∩K1) ∪ · · · ∪ (Kk ∩Kk−1)

e tambem a uniao de k − 1 compactos simples. Logo pelo caso1) temos que VRm(K) = 0.

Consideramos agora K ∈ Rm um compacto qualquer. Seja K1

uma cobertura finita de K por bolas fechadas de raio 1/2. SejaK2 a uniao de uma cobertura finita de K por bolas fechadasde raio menor ou igual a 1/22 contidas no interior de K1. Porinducao construimos Ki uniao finita de bolas fechadas de raio

390 [CAP. 12: COHOMOLOGIAS

menor ou igual a 12i contidas no interior de Ki−1. Pelo que

provamos acima, VRm(Ki) = 0 e, pelo item (3) VRm(K) = 0.

5) Se K ⊂ M e um compacto entao VM (K) = 0. Por inducaomostramos que VM (K) = 0 se K e uma uniao finita de com-pactos, cada um contido em um domınio de uma carta local poisa intersecao de dois compactos com essa propriedade tambemtem essa propriedade. Como no caso anterior, construimos umasequencia K1 ⊃ K2 ⊃ · · · com

⋂Ki = K tal que cada Kj e

uma uniao finita de compactos sendo que cada um esta contidono domınio de uma carta local. Logo VM (K) = 0.

6) Sejam Ki ⊂ Ui famılias de subconjuntos com Ki compacto e Uiaberto tais que Ui ∩ Uj = ∅ se i 6= j, entao se vale VM (Ki) = 0para todo i e

⋃Ki e fechado, entao VM (

⋃Ki) = 0. De fato,

Hk(M,M − ∪Ki)exc.≈ Hk

(⋃i

Ui,∪Ui −Ki

)≈

⊕i

Hk(Ui, Ui −Ki)

≈⊕i

Hk(M,M −Ki)

eΓc

(⋃Ki

)=⊕i

Γc(Ki).

7) Se F ⊂ M e um fechado, entao VM (F ) = 0. Seja M =∞⋃i=1

Ki

onde Ki e compacto e Ki ⊂ int Ki+1 e Li = Ki − int Ki−1.

Se

F1 = F ∩

(⋃i

L2i

)=⋃i

(F ∩ L2i)

F2 = F ∩

(⋃i

L2i+1

)=⋃i

(F ∩ L2i+1),

[SEC. 12.2: O FEIXE DE ORIENTACAO DE UMA VARIEDADE 391

entao temos que F1, F2 e F1 ∩ F2 satisfazem as condicoes docaso 5). Logo

VM (F1) = VM (F2) = VM (F1 ∩ F2) = 0

e portanto VM (F ) = 0.

Corolario 12.17. Valem as seguintes propriedades para uma varie-dade topologica M de dimensao m:

1. Hj(M) = 0 para j > m;

2. Se M nao e compacta, entao Hm(M) = 0;

3. Se M e compacta e orientavel com respeito a um anel A, entaoHm(M,A) ≈ A;

4. Se M e compacta a nao Z-orientavel, entao Hm(M,Z) = 0 eHm(M,Z2) = Z2.

Demonstracao. Para 1), basta tomar F = M . Para 2) TomamosF = M e observamos que se M e nao compacta, entao Γc(M) = 0.Para 3), se M e orientavel, entao Γc(M) ∼= A.

Definicao 12.13. Se M e N sao variedades topologicas compac-tas e orientadas de mesma dimensao e f : M → N e uma aplicacaocontınua, o grau topologico de f e o inteiro g ∈ Z tal que a imagemdo gerador de Hm(M,Z) por f∗ e g-vezes o gerador de Hm(N,Z).

Proposicao 12.18. Valem as seguintes propriedades para o grautopologico:

1. Em variedades diferenciaveis as duas definicoes de orientabili-dade coincidem.

2. Em variedades diferenciaveis o grau topologico coincide com ograu de Brower.

392 [CAP. 12: COHOMOLOGIAS

12.3 O anel de cohomologia

Vimos que o produto exterior de formas diferenciais induz uma es-trutura de algebra comutativa graduada nos grupos de cohomologiade de Rham de uma variedade diferenciavel. Vamos agora construiruma estrutura de anel na cohomologia singular com coeficientes emum anel A de um espaco topologico X. O produto cup em cocadeias

^: Ck(X;A)× Cl(X;A)→ Ck+l(X;A).

e definido da seguinte maneira: dados φ ∈ Ck(X,A), ψ ∈ Cl(X,A)e σ um k + l-simplexo em X, colocamos

(φ ^ ψ)(σ) = φ(σ|[e0,...,ek]) · ψ(σ|[ek,...,ek+l]).

E facil ver que o produto cup assim definido e bilinear e asso-ciativo. O lema a seguir vai mostrar que esse produto a nıvel decocadeias induz um produto bilinear e associativo a nıvel de cohomo-logia.

Lema 12.19. Para todos φ ∈ Ck(X,A) e ψ ∈ Cl(X,A) vale

δ(φ ^ ψ) = δφ ^ ψ + (−1)kφ ^ δψ.

Demonstracao. Se σ e um (k + l + 1)-simplexo, temos

δ(φ ^ ψ)(σ) = (φ ^ ψ)(∂σ)

= (φ ^ ψ)

(k+l+1∑i=0

(−1)iσ|[e0,...,ei,...,ek+l+1]

)

=

k∑i=0

(−1)iφ(σ|[e0,...,ei,...,ek+1]) · ψ(σ|[ek+1,...,ek+l+1]) +

+

k+l+1∑i=k+1

(−1)iφ(σ|[e0,...,ek]) · ψ(σ|[ek,...,ei,...,ek+l+1]).

[SEC. 12.3: O ANEL DE COHOMOLOGIA 393

Por outro lado,

(δφ ^ ψ)(σ) = δφ(σ|[e0,...,ek+1]).ψ(σ|[ek+1,...,ek+l+1])

=

k+1∑i=0

(−1)iφ(σ|[e0,...,ei,...,ek+1]).ψ(σ|[ek+1,...,ek+l+1])

=

k∑i=0

(−1)iφ(σ|[e0,...,ei,...,ek+1]).ψ(σ|[ek+1,...,ek+l+1]) +

+ (−1)k+1φ(σ|[e0,...,ek]).ψ(σ|[ek+1,...,ek+l+1])

e

(−1)k(φ ^ δψ)(σ) = (−1)kφ(σ|[e0,...,ek]).δψ(σ|[ek,...,ek+l+1])

=

k+l+1∑i=k

(−1)iφ(σ|[e0,...,ek]).ψ(σ|[ek,...,ei,...,ek+l+1])

=

k+l+1∑i=k+1

(−1)iφ(σ|[e0,...,ek]).ψ(σ|[ek,...,ei,...,ek+l+1]) +

+ (−1)kφ(σ|[e0,...,ek]).ψ(σ|[ek+1,...,ek+l+1])

o que prova o Lema.

Do lema concluımos que o produto cup de dois cociclos e umcociclo e que o produto cup de um cobordo por um cociclo ou deum cociclo por um cobordo e um cobordo. Logo temos um produtobilinear e associativo em cohomologia:

^: Hk(X;A)×H l(X;A)→ Hk+l(X;A).

A nıvel de cocadeias nao temos nenhum tipo de comutatividadedo produto cup. No entanto, vale o seguinte teorema.

Teorema 12.20. Se α ∈ Hk(X,A) e β ∈ H l(X,A), entao

α ^ β = (−1)klβ ^ α.

394 [CAP. 12: COHOMOLOGIAS

Demonstracao. Definimos primeiramente o morfismo

ρ : Cn(X) −→ Cn(X)σ 7−→ εn · σ|[en,...,e0]

onde εn = (−1)n(n−1)

2 . A prova do teorema consiste em mostrar astres seguintes afirmacoes:

1. ρT (ψ ^ φ) = (−1)klρT (φ) ^ ρT (ψ);

2. ρT δ = δρT ;

3. Existe um homomorfismo P : Cr(X)→ Cr+1(X) tal que

P∂ + ∂P = ρ− id.

De fato, 2) implica que ρ induz um homomorfismo ρ∗ em cohomolo-gia e 1) implica que ρ∗(ψ ^ φ) = (−1)klρ∗(φ) ^ ρ∗(ψ). Finalmente,3) implica que ρ∗ e a identidade pois ρT − id = PT δ + δPT . Vamosprovar entao as afirmacoes.

1) Temos que

(ρTφ) ^ (ρTψ)(σ) = φ(εkσ|[ek,...,e0]).ψ(εl[σ|[ek+l,...,ek])

= εkεlφ(σ|[ek,...,e0]).ψ(σ|[ek+l,...,ek]),

e por outro lado,

ρT (ψ ^ φ)(σ) = ψ ^ φ(ρ(σ))

= ψ ^ φ(εk+lσ|[ek+l,...,e0])

= εk+l · ψ(σ|[ek+l,...,ek]).φ(σ|[ek,...,e0]).

Como εk+l = (−1)klεkεl, concluimos a prova da identidade em 1).

2) Basta provar que ∂ρ = ρ∂. Temos que

∂ρ(σ) = ∂(εnσ|[en,...,e0]) = εn

n∑i=0

(−1)iσ[en,...,en−i,...,e0]

[SEC. 12.3: O ANEL DE COHOMOLOGIA 395

e

ρ(∂σ) = ρ

(n∑i=0

(−1)iσ|[e0,...,ei,...en]

)

=

n∑i=0

(−1)iρ(σ|[e0,...,ei,...en])

=

n∑i=0

(−1)n−iσ|[en,...,en−i,...,e0].

Como (−1)nεn−i = εn, concluimos a prova de 2).

Para ver 3), seja σ : ∆n → X um simplexo singular. Definimos

P (σ) =

n∑i=0

(−1)iεn−iPi(σ)

onde Pi(σ) : ∆n+1 → X e o simplexo singular

Pi(σ) = σ π [A0, . . . , Ai, Bn, . . . , Bi]

sendo que π : ∆n× [0, 1]→ ∆n e a projecao, Ai = (ei, 0) ∈ ∆n× [0, 1],Bi = (ei, 1) × [0, 1] e [A0, . . . , Ai, Bn, . . . , Bi] : ∆n+1 → An × [0, 1] ea aplicacao afim que leva ej em Aj se j ≤ i e ej em Bn−j+i se j ≥ i.

Temos entao que

396 [CAP. 12: COHOMOLOGIAS

∂P (σ) =

n∑i=0

(−1)iεn−i

∑j≤i

(−1)jσ π[A0, . . . , Aj , . . . , Ai, Bn, . . . , Bi]+

+∑j≥i

(−1)i+1+n−jσ π[A0, . . . , Ai, Bn, . . . , Bj , . . . , Bi]

=

n∑i=0

(−1)iεn−i

(∑j<i

(−1)jσ π[A0, . . . , Aj , . . . , Ai, Bn, . . . , Bi]+

+∑j>i

(−1)i+1+n−jσ π[A0, . . . , Ai, Bn, . . . , Bj , . . . , Bi]

)+

+ εn[Bn . . . , B0] +∑i>0

εn−iσ π[A0, . . . , Ai−1, Bn, . . . , Bi] +

+∑i<n

(−1)n+i+1εn−iσ π[A0, . . . , Ai, Bn, . . . , Bi+1]−

− σ π[A0, . . . , An].

Como (−1)n+iεn−i+1 = −εn−i, temos

∂P (σ) =

n∑i=0

(−1)iεn−i

(∑j<i

(−1)jσ π[A0, . . . , Aj , . . . , Ai, Bn, . . . , Bi]+

+∑j>i

(−1)i+1+n−jσ π[A0, . . . , Ai, Bn, . . . , Bj , . . . , Bi]

)+

+∑i>0

εn−iσ π[A0, . . . , Ai−1, Bn, . . . , Bi] +

+ εn[Bn . . . , B0]− σ π[A0, . . . , An].

Por outro lado,

P (∂σ) = P

(n∑j=0

(−1)jσ [e0, . . . , ej , . . . , en]

)

=∑nj=0(−1)

j(∑

j<i(−1)i−1εn−iπ σ [A0, . . . , Aj , . . . , Ai, Bn, . . . , Bi]+

+∑i<j(−1)

iεn−i−1π σ [A0, . . . , Ai, Bn, . . . , Bj , . . . , Bi]).

[SEC. 12.3: O ANEL DE COHOMOLOGIA 397

Como εnσπ[Bn, . . . , Bi] = ρ(σ) e σ π [A0, . . . , An] = σ, temos que

∂P (σ) = −P∂σ + ρ(σ)− σ

o que prova 3).

Proposicao 12.21. Uma aplicacao contınua f : X → X induz umhomomorfismo nos aneis de cohomologia.

Demonstracao. A aplicacao induzida a nıvel de cocadeias ja pre-serva o produto cup, como e de facil verificacao.

Exemplo 12.11. O anel de cohomologia sobre o anel dos inteiros deuma variedade compacta orientavel de dimensao dois.

Considere um polıgono plano P de 4g lados e vertices v1, . . . , v4g.Identificando os lados [v4i+1, v4i+2] com [v4i+4, v4i+3] e os lados[v4i+2, v4i+3] com [v4i+5, v4i+4] pelas aplicacoes afim, obtemos umasuperfıcie Mg de genus g. Seja q : P → Mg a aplicacao quociente.Se 0 e o centro do polıgono P , consideremos os seguintes simplexossingulares em Mg:

rj : [e0, e1]→ [0, vj ]q→Mg

aj : [e0, e1]→ [v4j+1, v4j+2]q→Mg

bj : [e0, e1]→ [v4j+2, v4j+3]q→Mg

σj : [e0, e1, e2]→ [0, vj , vj+1]q→Mg

onde a primeira aplicacao e afim em cada um dos casos. Temos

∂σ4j+1 = r4j+1 + aj − r4j+2

∂σ4j+2 = r4j+2 + bj − r4j+3

∂σ4j+3 = r4j+3 + aj − r4j+4

∂σ4j+4 = r4j+4 + bj − r4j+5

398 [CAP. 12: COHOMOLOGIAS

Consideremos as cocadeias αj , βj , j = 1, . . . g definidas por

αj(aj) = αj(r4j+2) = αj(r4j+3) = 1

e αj(τ) = 0 para todos os outros simplexos singulares,

βj(bj) = βj(r4j+1) = βj(r4j+4) = 1

e βj(τ) = 0 para todos os outros simplexos singulares. E facil verifi-car, usando as definicoes acima, que αj e βj sao cociclos e

αj ^ βk =

∑i σi se j = k

0 se j 6= k

eαj ^ αk = βj ^ βk = 0 para todos j, k.

Portanto os cociclos αj , βj geram H1(Mg,Z) e αj ^ βj e gerador deH2(Mg,Z).

Teorema 12.22. Sobre o anel de cohomologia singular dos espacosprojetivos, temos

1. H∗(RPn,Z2) = Z2[α]/(αn+1) com |α| = 1;

2. H∗(CPn,Z) = Z[α]/(αn+1) com |α| = 2;

3. H∗(HPn,Z) = Z[α]/(αn+1) com |α| = 4.

Demonstracao. Faremos o calculo da cohomologia de CPn, sendoque os outros dois itens sao analogos. Lembramos que da homolo-gia celular (cap. X) temos que CPn tem uma unica celula em cadadimensao par e nao tem celulas em dimensao ımpar, de modo queH2j(CPn) = Z para j ≤ n e H2j+1(CPn) = 0 para todo j. Conside-remos os mergulhos

φn−1 : CPn−1 −→ CPn[z0, . . . , zn−1] 7−→ [z0, . . . , zn−1, 0]

eφ1 : CP1 −→ CPn

[z0, z1] 7−→ [0, . . . , 0, z0, z1].

[SEC. 12.3: O ANEL DE COHOMOLOGIA 399

Temos que

φ∗n−1 :

n−1⊕j=0

H2j(CPn)→ H∗(CPn−1)

e um isomorfismo que preserva o produto cup. Por inducao, temosque para i+ j ≤ n− 1

(gerador de H2i(CPn−1)) ^ (gerador de H2j(CPn−1))

e um gerador de H2(i+j)(CPn−1) e portanto

(gerador de H2i(CPn)) ^ (gerador de H2j(CPn))

e um gerador de H2(i+j)(CPn) pois φ∗k−1 preserva o produto cup.Resta mostrar que se i+ j = n, entao

(gerador de H2i(CPn)) ^ (gerador de H2j(CPn))

e um gerador de H2n(CPn). Consideremos os mergulhos

φi : CPi −→ CPn[z0, . . . , zi] 7−→ [z0, . . . , zi, 0, . . . , 0]

eψj : CPj −→ CPn

[z0, . . . , zj ] 7−→ [0, . . . , 0, z0, . . . , zj ]

e finalmente

Bn −→ CPn

(z1, . . . , zn) 7−→[z1, . . . , zi, 1−

√∑|zj |2, zi+1, . . . , zn

].

Identificando CPi, CPj e Bn com suas imagens em CPn, temos queCPi ∩ CPj = p, onde p = [0, . . . , 0, 1, 0, . . . , 0] e o centro de Bn.Sejam

Bi = (z1, . . . , zn) ∈ Bn; zk = 0 se k > i

Bj = (z1, . . . , zn) ∈ Bn; zk = 0 se k ≤ i.

400 [CAP. 12: COHOMOLOGIAS

Daı Bi ∩ Bj e o centro da bola Bn. Temos um diagrama comutativoinduzido por morfismos naturais

H2i(CPn)×H2j(CPn) ^ // H2n(CPn)

H2i(CPn,CPn − CPj)×H2j(CPn,CPn − CPi)A

OO

^ // H2n(CPn,CPn − p)B

OO

DH2i(Bn,Bn − Bj)×H2j(Bn,Bn − Bi)

C

OO

^ // H2n(Bn,Bn − 0)

O teorema segue entao das duas afirmacoes abaixo.

Afirmacao 1: A, B, C e D sao isomorfismos.

Afirmacao 2:

(gerador de H2i(Bn,Bn − Bj)) ^ (gerador de H2j(Bn,Bn − Bi))

e um gerador de H2n(Bn,Bn − 0).

Prova da afirmacao 1.

Seja Z = [z0, . . . , zi, 0, zi+1, . . . , zn] ∈ CPn ⊂ int (CPn − p).Entao CPn − Z = Bn e (CPn − p) − Z = Bn − 0. Logo D eisomorfismo por excisao. Para provar que B e um isomorfismo, con-sideremos a inclusao (CPn,CPn−1)→ (CPn,CPn−p) e o diagramacomutativo

H2n−1(CPn − p)a

// H2n(CPn,CPn − p)b

// H2n(CPn)c

// H2n(CPn − p)d

0 = H2n−1(CPn−1) // H2n(CPn,CPn−1)e // H2n(CPn) // H2n(CPn−1) = 0

A aplicacao

CPn − p → CPn − p,

[z0, . . . , zi−1, zi, zi+1 . . . , zn+1] 7→ [z0, . . . , zi−1, (1−t)zi, zi+1, . . . , zn+1]

mostra que a inclusao CPn−1 → CPn − p induz isomorfismos emcohomologia. Logo as aplicacoes a, b e d do diagrama sao isomorfis-mos bem como c, que e a identidade. A aplicacao e e um isomorfismo

[SEC. 12.3: O ANEL DE COHOMOLOGIA 401

pois H2n−1(CPn−1 = 0 = H2n(CPn−1). Logo B = e b e um isomor-fismo.

Consideremos a homotopia

ft : (Bi × Bj ,Bi × Bj − 0 × Bj)←,

ft(z1, . . . , zn) = (z1, . . . , zi, tzi+1, . . . , tzn).

Temos que f1 e a identidade e f0 e uma retracao de(Bi ×Bj ,Bi ×Bj − 0 ×Bj) sobre (Bi,Bi − 0). Da mesma forma,a homotopia

gt : CPn → CPn

definida por

gt([z0, . . . , zn+1]) = [z0, . . . , zi, tzi+1, . . . , tzn+1]

mostra que CPi−1, mergulhado em CPn, e um retrato por deformacaode CPn − CPj . Consideremos o diagrama comutativo

H2i(CPn)o

H2i(CPn,CPi−1)

m

foo H2i(CPn,CPn − CPj)k

goo h // H2i(Bn,Bn − Bj)i

H2i(CPi) H2i(CPi,CPi−1)noo H2i(CPi,CPi − p)

j //loo H2i(Bi,Bi − 0)

Por excisao, j e um isomorfismo. Como CPi−1 e um retrato pordeformacao de CPi − p, temos que l e um isomorfismo. Usando ahomotopia gt concluimos que m e um isomorfismo. Por cohomologiacelular temos que n e o sao isomorfismos. Logo, pela comutatividadedo diagrama acima, concluimos que

H2i(CPn,CPn − CPj)→ H2i(CPn) e

H2i(CPn,CPn − CPj)→ H2i(Bn,Bn − Bj)

sao isomorfismos. Da mesma forma, temos que

H2j(CPn,CPn − CPi)→ H2j(CPn) e

H2j(CPn,CPn − CPi)→ H2j(Bn,Bn − Bi)

sao isomorfismos, o que conclui a demonstracao do ıtem 2) do teo-rema.

402 [CAP. 12: COHOMOLOGIAS

Se as cocadeias φ e ψ se anulam em cadeias contidas em umsubespaco Y ⊂ X entao, pela formula que define o produto cup,φ ^ ψ tambem se anula em cadeias contidas em Y . Logo, a mesmaformula induz produtos cup nos grupos de cohomologia relativos:

Hk(X;A)×H l(X,Y ;A)^ // Hk+l(X,Y ;A)

Hk(X,Y ;A)×H l(X;A)^ // Hk+l(X,Y ;A)

Hk(X,Y ;A)×H l(X,Y ;A)^ // Hk+l(X,Y ;A)

Se Y e Z sao subespacos de X, podemos considerar o subcomplexoCr(X,Y +Z;A) de Cr(X;A) constituido das cocadeias que se anulamem cadeias que sao somas de cadeias em Y com cadeias em Z. Temos,usando a mesma formula, um produto cup em nıvel de cadeias:

Ck(X,Y ;A)× Cl(X,Z;A)→ Ck+l(X,Y + Z;A)

Por outro lado, se Y , Z sao subconjuntos abertos de X (ou sub-CW-complexos de X se X for um CW-complexo), temos que a restricao

Cr(X,Y ∪ Z;A)→ Cr(X,Y + Z;A)

induz isomorfismos nos grupos de cohomologia

Hn(X,Y ∪ Z;A)×H l(X,Z;A)→ Hk+l(X,Y ∪ Z;A).

Se M e N sao espacos topologicos, podemos definir uma aplicacaobilinear

Hk(M ;A)×H l(N ;A) −→ Hk+l(M ×N ;A)(α, β) 7−→ (π∗Mα) ^ (π∗Nβ)

onde πM : M×N →M e πN : M×N → N sao as projecoes canonicas.Essa aplicacao bilinear induz uma aplicacao linear

Hk(M ;A)⊗H l(N ;A)→ Hk+l(M ×N ;A)

que por sua vez induz uma aplicacao linear

K :

r⊕k=0

Hk(M ;A)⊗Hr−k(N ;A)→ Hr(M ×N ;A)

[SEC. 12.3: O ANEL DE COHOMOLOGIA 403

chamado homomorfismo de Kunneth. Se X ⊂ M e um subespaco,temos tambem um homomorfismo

K :

r⊕k=0

Hk(M,X;A)⊗Hr−k(N ;A)→ Hr(M ×N,X ×N ;A)

e, seM eN sao CW-complexos, X ⊂M , Y ⊂ N sao CW-subcomplexostemos tambem um homomorfismo

K :

r⊕k=0

Hk(M,X;A)⊗Hr−k(N,Y ;A)→ Hr(M×N,X×N∪M×Y ;A).

Teorema 12.23. Se M e N sao CW-complexos e Hk(N ;A) e livree finitamente gerado para todo k, entao

K :

r⊕k=0

Hk(M,X;A)⊗Hr−k(N ;A)→ Hr(M ×N,X ×N ;A)

e um isomorfismo.

Corolario 12.24. Seja πi : Tn → S1 a projecao no i-esimo fator eαi = π∗i α, onde α e um gerador de H1(S1). Entao Hk(Tn) e o A-modulo com base αi1 ^ · · ·^ αik , com 1 ≤ i1 < i2 < · · · < ik ≤ n.

Demonstracao. Como Tn = Tn−1 × S1, o corolario segue do teo-rema por inducao.

Para provar o teorema necessitamos de um resultado preliminar.

Definicao 12.14. Uma teoria de cohomologia com coeficientes emum anel A e um funtor que associa a cada par de espacos topologicos(X,Y ) uma famılia de A-modulos hk(X,Y ;A), k ∈ N, e a cada funcaocontınua f : (X,Y ) → (X ′, Y ′) associa uma famılia de morfismoshk(f) : hk(X ′, Y ′;A) → hk(X,Y ;A) satisfazendo os seguintes axio-mas:

1. se f e a identidade, entao hk(f) e a identidade para todo k;

2. hk(g f) = hk(f) hk(g);

3. se f, g : (X,Y ) → (X ′, Y ′) sao contınuas e homotopicas, entaohk(f) = hk(g) para todo k;

404 [CAP. 12: COHOMOLOGIAS

4. se i : Y → X e j : X = (X, ∅) → (X,Y ) sao inclusoes, entaoexistem morfismos δ : hk(Y )→ hk+1(X,Y ) tais que a sequenciaabaixo e exata:

. . . // hk(X,Y )hk(j)// hk(X)

hk(i)// hk(Y )δ // hk+1(X,Y ) //

5. se Z ⊂ int Y e l : (X − Z, Y − Z)→ (X,Y ) e a inclusao, entaohk(l) e isomorfismo para todo k;

6. se X e a uniao disjunta de pares de espacos topologicos (Xi, Yi),entao

hk

(⊔i

Xi,⊔Yi

)=∏i

hk(Xi, Yi)

7. se X e constituıdo de um unico ponto, entao Hk(X) = 0 sek > 0.

Uma transformacao natural µ entre duas teorias de cohomolo-gias h, g associa homomorfismos µk : hk(X,Y ) → gk(X,Y ) tais queo diagrama abaixo comuta:

hk(X)hk(i) //

µ

hk(Y )δ //

µ

hk+1(X,Y )hk(j) //

µ

hk+1(X)

µgk(X)

gk(i) // gk(Y )δ // gk+1(X,Y )

gk(j) // gk+1(Y )

Lema 12.25. Se µ e uma transformacao natural entre duas teoriasde cohomologia na categoria de pares de CW-complexos que induzisomorfismos em dimensao 0, entao µ induz isomorfismos em todasas dimensoes.

Demonstracao. Observamos inicialmente que se o lema e verda-deiro para todo par (X, ∅), ele e verdadeiro para todo par (X,Z). Defato, pelo lema dos 5, o homomorfismo do meio no diagrama comu-tativo abaixo e um isomorfismo se os homomorfismos dos extremos oforem.

gk(X)

// gk(Z)

// gk+1(X,Z)

// gk+1(X)

// gk+1(Z)

hk(X( // hk(Z) // hk+1(X,Z) // hk+1(X) // hk+1(Z)

[SEC. 12.4: O PRODUTO CAP E DUALIDADE DE POINCARE 405

Lema 12.26. Fixando o espaco topologico Y , consideremos paracada par de espacos topologicos (X,Z) os A-modulos

gk(X,Z) =⊕i

Hi(X,Z;A)⊗Hk−i(Y ;A)

hk(X,Z) = Hk(X × Y,Z × Y )

e os homomorfismos

µk : gk(X,Z) −→ hk(X,Z)α⊗ β 7−→ π∗Xα ^ π∗Y β.

Entao

1. g∗ e h∗ sao teorias de cohomologia na categoria de pares deCW-complexos;

2. µ e uma transformacao natural;

3. µ e um isomorfismo se X se reduz a um ponto.

12.4 O produto cap e dualidade de Poincare

O produto cap e uma operacao que relaciona homologia e cohomolo-gia. A nıvel de cadeias e cocadeias o produto

_: Ck(X;A)× Cl(X;A)→ Ck−l(X;A)

para k ≥ l e definido da seguinte maneira: dado um k-simplexo σ euma l-cocadeia φ, colocamos

σ _ φ = φ(σ|[e0,...,el]) · σ|[el,...,ek].

Lema 12.27.

∂(σ _ φ) = (−1)l((∂σ) _ φ− σ _ (∂φ))

Demonstracao. Deixamos ao leitor a tarefa de verificar a identi-dade.

406 [CAP. 12: COHOMOLOGIAS

Como consequencia do lema temos que o produto de um ciclocom um cociclo e um ciclo, o produto de um bordo com um cocicloe um bordo e o produto de um ciclo com um cobordo e um bordo.Assim, temos uma aplicacao induzida em homologia e cohomologiaque e A-linear em cada variavel:

_ : Hk(X;A)×H l(X;A)→ Hk−l(X;A).

Usando as mesmas formulas podemos definir tambem os produtoscap relativos:

_: Hk(X,Y ;A)×H l(X;A)→ Hk−l(X,Y ;A),

_: Hk(X,Y ;A)×H l(X,Y ;A)→ Hk−l(X,Y ;A)

Se Y e Z sao subconjuntos abertos de X, temos um isomor-fismo entre Hk(X,Y ∪Z;A) e Hk(X,Y +Z;A) e daı podemos definirtambem o produto cap

_: Hk(X,Y ∩ Z;A)×H l(X,Y ;A)→ Hk−l(X,Z;A).

Se M e uma variedade compacta e A-orientada, usando o produtocap e a classe fundamental α ∈ Hm(M ;A) definimos o operador dedualidade

DM : Hk(M ;A) −→ Hn−k(M ;A)φ 7−→ α _ φ.

Teorema 12.28. [Dualidade de Poincare topologica]Se M e compacta e A-orientavel, entao DM e um isomorfismo paratodo k.

Assim como na prova da dualidade de Poincare na cohomologiade De Rham, o teorema acima e consequencia de um teorema maisgeral que relaciona a cohomologia com suporte compacto, definidaabaixo, com a homologia de variedades orientadas, nao necessaria-mente compactas.

Consideremos o submodulo Cic(M ;A) ⊂ Ci(M ;A) constituıdo dascocadeias φ tais que exista um compacto K, que depende de φ, tal

[SEC. 12.4: O PRODUTO CAP E DUALIDADE DE POINCARE 407

que φ(c) = 0 pra toda cadeia c ∈ Ci(M −K;A) ⊂ Ci(M ;A). E claroque se φ ∈ Cic(M ;A) entao δφ tambem pertence a Ci+1

c (M ;A). Te-mos assim um subcomplexo C∗c (M ;A) ⊂ C∗(M ;A) e portanto umacohomologia correspondente, chamada de cohomologia com suportecompacto de M e e denotada por Hk

c (M ;A) para cada k. Uma ma-neira alternativa de descrever estes grupos e observar que

Hkc (M ;A) ∼== lim

−→Hk(M,M −K;A)

onde o limite direto acima esta indexado pelos subconjuntos compac-tos de M e os homomorfismos Hk(M,M−K;A)→ Hk(M,M−L;A)sao induzidos por inclusao.

Se H ⊂ L ⊂ M sao compactos e i : (M,M − L) → (M,M −K),entao temos o diagrama comutativo

Hm(M,M − L)

i∗

× Hk(M,M − L)_++Hm−k(M)

Hm(M,M −K) × Hk(M,M −K)

i∗

OO

_33

Existe um unico αK ∈ Hm(M,M − K) tal que para todo x ∈ K,jK,x(αK) ∈ Hm(M,M − x) e a orientacao positiva. Temos tambemque i∗(αL) = αK e i∗(αL) _ φ = αL _ (i∗φ) para todo φ emHk(M,M −K).

Os homomorfismos DK : H l(M,M −K) → Hm−k(M) que asso-ciam cada classe de cohomologia φ a classe de homologia αK _ φinduzem um homomorfismo no limite direto

DM : Hkc (M)→ Hm−k(M).

Teorema 12.29. Se M e uma variedade topologica A-orientavel,entao os homomorfismos de dualidade

DM : Hkc (M ;A)→ Hm−k(M ;A)

sao isomorfismos.

408 [CAP. 12: COHOMOLOGIAS

A prova desse teorema consiste, como no caso da dualidade dePoincare na cohomologia de De Rham, em usar sequencias de Mayer-Vietoris e a comutatividade do diagrama abaixo para U e V subcon-juntos abertos de M .

Hkc (U ∩ V ) //DU∩V

Hkc (U)⊕Hkc (V ) //DU⊕DV

Hkc (U ∪ V )

DU∪V

// Hk+1c (U ∩ V ) //

DU∩V

...

Hm−k(U ∩ V ) // Hm−k(U)⊕Hm−k(V ) // Hm−k(U ∪ V ) // Hm−k−1(U ∩ V ) // ...

Capıtulo 13

Analise e Geometria em Variedades

Muitas das estruturas que definimos em variedades, tais como formasdiferenciais e metricas Riemannianas, sao secoes de certos fibrados so-bre a variedade. Em geral o espaco de tais secoes e de dimensao infi-nita, portanto e natural procurar um mecanismo de selecionar dentreelas algumas secoes especiais. Discutiremos nesse capıtulo dois taismecanismos. O primeiro consiste em definir um operador diferencialnatural no espaco de secoes e procurar secoes no nucleo desse ope-rador. Esse mecanismo conduz em geral a problemas de equacoes aderivadas parciais lineares. O segundo mecanismo e mais geral e con-siste em definir funcionais em certos espacos de secoes e procurar assecoes que sao pontos crıticos de tais funcionais, de maneira analogaao que fizemos ao selecionar as geodesicas como pontos crıticos dofuncional energia no espaco das curvas diferenciaveis que passam pordois pontos fixados em uma variedade Riemanianna.

13.1 Geometria dos Fibrados e o morfismo de Chern-Weil

Seja G um grupo de Lie e g = TGid sua algebra de Lie. Se g ∈ G, sejaAd(g) : g → g a derivada na identidade da conjugacao, Cg : G → G,Cg(h) = ghg−1. A acao G× g→ g definida por (g,A) 7→ Ad(g)(A) echamada representacao adjunta de G.

409

410 [CAP. 13: ANALISE E GEOMETRIA EM VARIEDADES

Seja π : P → M um fibrado principal com grupo G sobre umavariedade compacta M . Lembramos que o grupo G age a direita emP e essa acao e transitiva nas fibras e sem pontos fixos. Portanto Me o espaco de orbitas dessa acao. Seja R : P ×G→ P essa acao. Paracada z ∈ P a aplicacao Rz : G → P definida por Rz(g) = R(z, g) eum difeomorfismo deG sobre a fibra π−1(π(z)). Sua derivada na iden-tidade e um isomorfismo entre a algebra de Lie g e o espaco tangentea fibra π−1(π(z)) no ponto z, o qual denotaremos por Vz, o subespacovertical no ponto z. Seja Lz : Vz → g o isomorfismo inverso. Se g ∈ Gdenotamos por Rg : P → P o difeomorfismo Rg(z) = R(z, g). Comoas fibras sao as orbitas da acao temos que DRg(z)(Vz) = VRg(z).

A cada elemento ξ da algebra de Lie g associamos um campo devetores vertical Xξ ∈ X∞(P ) definido por Xξ(z) = DRz(id) · ξ.

Proposicao 13.1. A aplicacao

ξ ∈ g 7→ Xξ ∈ X∞(P )

e um morfismo injetivo da algebra de Lie de G na algebra de Lie doscampos de vetores em P .

Demonstracao. Devemos mostrar que

X[ξ,η] = [Xξ, Xη]

onde o colchete do segundo membro e o colchete de Lie de campos devetores. Seja σ : U ⊂ M → π−1(U) uma secao local, e que portantodefine uma trivializacao

Φ: U ×G→ π−1(U) (x, h) 7→ Rh(σ(x)).

Nessa trivializacao a expressao da acao R e ((x, h), g) 7→ (x, hg), oespaco vertical V(x,h) e 0 × TGh ⊂ TMx × TGh e o campo e dadopor Xξ = 0×DLh(id) · ξ, onde Lh(g) = hg. Portanto a expressao docampo Xξ nessas coordenadas coincide com o campo invariante portranslacoes a esquerda e o colchete de Lie de dois desses campos eprecisamente o colchete de Lie da algebra de Lie do grupo.

Definicao 13.1. Seja π : P → M um G-fibrado principal. Umaconexao afim em M e uma distribuicao C∞ que a cada z ∈ P associaum subespaco Hz ⊂ TPz tal que:

[SEC. 13.1: GEOMETRIA DOS FIBRADOS E O MORFISMO DE CHERN-WEIL 411

• TPz = Hz ⊕ Vz

• DRg(z)Hz = HRg(z).

Um campo de vetores X em P e chamado de campo horizontalse para todo z ∈ P , X(z) ∈ Hz. Como a Dπz : Hz → TMπ(z) eum isomorfismo, temos que para cada campo de vetores X em Mexiste um unico campo de vetores horizontal X em P que esta π-relacionado com X. Se X e o levantamento horizontal do campo X,entao R∗gX = X para todo g ∈ G.

Na proposicao a seguir mostraremos a existencia do transporteparalelo associado a uma conexao afim.

Proposicao 13.2. Seja Hz uma conexao afim em um fibrado prin-cipal π : P → M . Se α : [0, 1] → M e imersao C1 entao dadoz ∈ π−1(α(0)) existe uma unica curva α : [0, 1]→ P tal que α(0) = z, π(α(t)) = α(t) e o vetor tangente a α em todo ponto e horizontal.A aplicacao Tα : π−1(α(0)) → π−1(α(1)) que a cada ponto z associao ponto final do levantamento horizontal de α e um difeomorfismoequivariante: Tα Rg = Rg Tα.

Demonstracao. Seja t0 ∈ [0, 1] maximo tal que existe um levanta-mento horizontal de α|[0,t0]. Vamos mostrar que t0 = 1. Seja ε > 0tal que a restricao de α ao intervalo (t0 − ε, t0 + ε) seja um mergulhoe seja C = α(t0 − ε, t0 + ε). Entao C = π−1(C) e uma subvariedadede codimensao m− 1 e em cada ponto z ∈ C o espaco tangente a Cintersecta o subespaco horizontal Hz em um subespaco de dimensaoum. Logo existe um unico campo de vetores X em C que e horizontale se projeta no vetor tangente a C . Todo levantamento da restricaode α a (t0− ε, t0 + ε) e uma orbita desse campo de vetores. Podemosentao estender α por α(t0 +t) = Xt(α(t0)). Portanto t0 = 1. A unici-dade segue da unicidade de solucoes de equacoes diferenciais. Se α eum levantamento horizontal de α entao Rg α tambem e e, portanto,o transporte paralelo Tα e um difeomorfismo equivariante.

Dada uma conexao afim Hz em M podemos definir uma 1-formaω em P com valores na algebra de Lie g da seguinte forma: para cadaz ∈ P , ω(z) : TPz → g e a transformacao linear cujo nucleo e Hz ecuja restricao ao espaco tangente a fibra e o isomorfismo Lz, inversodo isomorfismo DRz : g → T (π−1(π(z)))z. Temos que a forma ω e

412 [CAP. 13: ANALISE E GEOMETRIA EM VARIEDADES

equivariante: R∗gω = Ad(g) ω. Reciprocamente, dada uma 1-formaequivariante cuja restricao aos subespacos verticais coincide com oisomorfismo Lz, seu nucleo define uma conexao afim.

Mostremos que a forma de conexao e equivariante. Seja

θ(z, h) = R(R(z, h), g) = R(z, gh).

Temos que

θ(z, id) = R(z, g)

e

∂θ

∂h(z, id).η =

∂R∂z

(z, g).∂R∂h

(z, id).η = DRg(z).DRz(id).η.

Por outro lado, seja

φ(z, h) = R(R(z, g), h) = R(z, hg).

Temos que

θ(z, h) = φ(z, ad(g)(h))

e, portanto

∂θ

∂h(z, id).ξ =

∂φ

∂h(z, id).Ad(g).ξ = DRR(z,g)(id).Ad(g).ξ

Assim,

DRR(z,g)(id)Ad(g)ξ = DRg(z)DRz(id)ξ.

Se v ∈ Vz, entao

(R∗gω)(z).v = ω(Rg(z))DRg(z).v = LRg(z)DRg(z).v

e

(Ad(g) w)(z).v = Ad(g)ω(z).v = Ad(g)Lz(v).

Por outro lado, v = DRz(id).ξ e, portanto,

(Ad(g) ω)(z).v = Ad(g)Lz(DRz(id)).ξ = Ad(g)(ξ)

[SEC. 13.1: GEOMETRIA DOS FIBRADOS E O MORFISMO DE CHERN-WEIL 413

e

(R∗gω)(z).v = LRg(z)DRg(z).v= LRg(z)DRg(z)DRz(id)ξ

= LRg(z)DRR(z,g)(id)Ad(g)ξ

= Ad(g)ξ,

LogoR∗gω(z).v = Ad(g) ω(z).v

se v e um vetor vertical no ponto z. Por outro lado se v e um vetorhorizontal ambos os membros se anulam. Assim, ω e equivariante.

Proposicao 13.3. 1. Sejam π′ : P ′ → M ′, π : P → M fibradosprincipais com grupo G e f , f : (P ′,M ′) → (P,M) aplicacoesC∞ tais que π f = f π′ e a restricao de f a cada fibra sejaum difeomorfismo equivariante. Se ω e uma forma de conexaoem P , entao f∗ω e uma forma de conexao em P ′.

2. Todo fibrado principal possui uma conexao afim.

Demonstracao. Deixamos a prova de 1) como exercıcio. E claro queum fibrado trivial M × G possui uma conexao afim: basta definir oespaco horizontal H(x,g) como o subespaco TMx×0 ⊂ TMx×TGg.Se π : P → M e um fibrado principal, seja Ui uma cobertura abertalocalmente finita tal que o fibrado p−1(Ui) → Ui seja trivial paratodo i. Seja ωi uma forma de conexao em p−1(Ui) e λi uma particaoda unidade em M subordinada a cobertura Ui. Sejam λi = λi π.Entao

∑i λiωi e uma forma de conexao em P como e facil ver.

Teorema 13.4. Seja π : P → M × [0, 1] um fibrado principal. Sejai1 : M → M × [0, 1] a inclusao x 7→ (x, 1) e p : M × [0, 1] → M aprojecao (x, t) 7→ x. Entao p∗i∗1(P ) e isomorfo a π : P →M × [0, 1].

Demonstracao. Consideremos uma conexao afim no fibrado prin-cipal. Seja X o campo de vetores em M × [0, 1] tangente as curvasx × [0, 1] e que se projeta no campo unitario ∂

dt em [0, 1]. O fluxo

de X leva o ponto (x, t) em (x, 1) no tempo 1 − t. Seja X ∈ X(P )o levantamento horizontal de X. Se y ∈ P se projeta em (x, t), seja

414 [CAP. 13: ANALISE E GEOMETRIA EM VARIEDADES

p(y) a imagem de y pelo fluxo de X no tempo 1 − t. Temos quep : P → π−1(M × 1) e um morfismo de fibrados principais quecobre a aplicacao p : M × [0, 1]→M × 1, (x, t) 7→ (x, 1).

Corolario 13.5. Seja it : M → M × [0, 1] a inclusao x 7→ (x, t). Seπ : P → M × [0, 1] e um fibrado principal, entao os fibrados i∗1(P ) ei∗0(P ) sao equivalentes.

Demonstracao. Como p i0 e a identidade de M , temos pelo teo-rema anterior que i∗0(P ) e isomorfo a

i∗0(p∗i∗1(P )) = (p i0)∗i∗1(P ) = i∗1(P ).

Desse corolario segue o seguinte teorema:

Teorema 13.6. Seja π : P → M um fibrado principal. Sef, g : N → M sao aplicacoes homotopicas entao os fibrados f∗(P )e g∗(P ) sao equivalentes.

Demonstracao. Seja H : N × [0, 1]→M uma homotopia entre f eg. Seja it : N → N × [0, 1] a inclusao x 7→ (x, t). Assim f = H i0 eg = H i1.Considerando o fibrado principal H∗(P ), temos pelo corolario acimaque f∗(P ) = i∗0(H∗(P )) e isomorfo a i∗1(H∗(P )) = g∗(P ).

Corolario 13.7. Se M e contratil, todo fibrado principal sobre M etrivial.

Esses resultados se estendem imediatamente para fibrados asso-ciados a fibrados principais. Dado um fibrado principal π : P → Me uma acao ρ : G × F → F em uma variedade F , temos um fibradoπρ : E →M , com fibra F e grupo G, onde o espaco total E e o espacoquociente do produto P × F pela seguinte relacao de equivalencia:

(y, z) ∼ (y′, z′)⇔ ∃g ∈ G tal que y′ = yg e z′ = ρ(g−1)(z).

Denotando por [y, z] a classe de equivalencia de (y, z), a aplicacaoπρ : E → M , πρ([y, z]) = π(y) esta bem definida. Para mostrar

[SEC. 13.1: GEOMETRIA DOS FIBRADOS E O MORFISMO DE CHERN-WEIL 415

que esse e o fibrado associado tomamos uma famılia de secoes locaisσi : Ui → P do fibrado principal cujos domınios cobrem M . Sejamgij : Ui ∩ Uj → G tais que σj(x) = σi(x).gij(x). Se q : P × F → E ea aplicacao quociente definimos Φi : Ui × F → E por

Φi(x, z) = q(σi(x), z).

Temos que Φi e um homemorfismo de Ui × F sobre π−1ρ (Ui) e a

mudanca de coordenadas

Φ−1j Φi : (Ui ∩ Uj)× F → (Ui ∩ Uj)× F

e o difeomorfismo (x, v) 7→ (x, ρji(x)(v)) onde ρji(x) = ρ(gji(x)).

Corolario 13.8. Todo fibrado com grupo estrutural G sobre umavariedade contratil e trivial.

Demonstracao. De fato, o fibrado e associado a uma acao do grupoG nas fibras e ao fibrado principal π : P → M que, pelo corolario, etrivial e, portanto, tem uma secao global. Logo o fibrado associado etrivial pelo argumento acima.

Corolario 13.9. O pull-back por duas aplicacoes homotopicas deum fibrado associado a um fibrado principal sao fibrados equivalentes.Em particular, se o fibrado inicial e um fibrado vetorial, temos umaequivalencia de fibrados vetoriais.

Demonstracao. Seja π : P → M o fibrado principal, F a fibra e ρa acao a esquerda de G na fibra F . Portanto o fibrado associado seescreve como πρ : P ×ρF →M , onde P ×ρF e o espaco quociente doproduto P × F pela relacao de equivalencia definida anteriormente.O pull-back desse fibrado por uma aplicacao f : N →M e associadoa mesma representacao e ao fibrado principal f∗(P ), e se f e g saohomotopicas existe um isomorfismo Φ: f∗(P ) → g∗(P ) que cobre aidentidade. Como Φ(y.g) = Φ(y).g para todo y e todo g ∈ G, temosque a aplicacao Φ : f∗(P ) × F → g∗(P ) × F , Φ(u, v) = (Φ(y), v)preserva as relacoes de equivalencia, e portanto induz um isomorfismoΦ: f∗(P )×ρ F → g∗(P )×ρ F . Se F e um espaco vetorial e ρ e uma

representacao do grupo, o isomorfismo Φ e linear nas fibras e portantoum isomorfismo de fibrados vetoriais.

416 [CAP. 13: ANALISE E GEOMETRIA EM VARIEDADES

A seguir vamos mostrar que podemos identificar o espaco dassecoes do fibrado associado com o espaco das funcoes f : P → F quesao equivariantes, isto e,

f(y.g) = ρ(g−1)(f(y)).

De fato, dada uma funcao equivariante f , podemos definir uma secaos : M → E da seguinte forma. Dado x ∈ M , escolha y ∈ P tal queπ(y) = x e defina s(x) = q(y, f(y)). Da equivariancia de f segue ques(x) nao depende da escolha de y na fibra sobre x. Reciprocamente,dada uma secao s : M → E, definimos f : P → F da seguinte forma:sejam y ∈ P , x = π(y) e s(x) = [y′, z′]. Como π(y′) = x = π(y),existe um unico g ∈ G tal que y′ = y.g. Tomando z = ρ(g)(z′) temosque (y, z) ∼ (y′, z′). E facil ver que f e tao diferenciavel quanto s ee equivariante.Consideremos agora o caso especial de um fibrado vetorial, isto e, ρ euma representacao do grupo G em um espaco vetorial F . Lembramosque, nesse caso, o espaco das secoes de classe C∞ e um espaco veto-rial de dimensao infinita. A seguir vamos mostrar que a existencia deuma conexao afim em um fibrado principal permite definir uma deri-vada em secoes de fibrados vetoriais associados na direcao de camposde vetores da base. Para isso, dada uma conexao afim no fibradoprincipal, vamos definir para cada campo de vetores X ∈ X∞(M)uma aplicacao linear

∇X : Γ(E)→ Γ(E)

denominada derivada covariante. Se f : P → F e uma funcao equi-variante e X e o levantamento horizontal do campo X, entao X(f) etambem equivariante, e portanto e uma secao do fibrado, a qual seradenotada por ∇X .O espaco das secoes de um fibrado vetorial e um modulo sobre aalgebra das funcoes C∞ na base. A derivada covariante tem as se-guintes propriedades:

• ∇X(φ.s) = (LXφ).s+ φ.∇Xs, chamada Regra de Leibniz ;

• ∇X+Y s = ∇Xs+∇Y s;

• ∇φXs = φ∇Xs.

[SEC. 13.1: GEOMETRIA DOS FIBRADOS E O MORFISMO DE CHERN-WEIL 417

para todos φ ∈ C∞(M), s ∈ Γ(E) e X,Y ∈ X(M). Observamosque (∇Xs)(x) depende apenas de X(x) e do jato de ordem 1 de sno ponto x. Portanto, toda secao s define para cada x ∈ M umaaplicacao linear de TMx na fibra sobre o ponto x, que a cada vetor vassocia ∇Xs(x) com X qualquer campo de vetores de classe C∞ talque X(x) = v. A imagem do vetor v ∈ TMx e denotada por ∇vs(x).Se s e uma outra secao C∞ tal que s(x) = s(x) e Ds(x).v = Ds(x).ventao ∇v s(x) = ∇vs(x). Dessas propriedades segue que a derivadacovariante define uma aplicacao

∇ : Γ(E)→ Γ(TM∗ ⊗ E).

Podemos tambem identificar a fibra do fibrado associado pelo pontox com o espaco das funcoes da fibra do fibrado principal pelo pontox na algebra de Lie que seja equivariantes. Seja α : [0, 1] → M umacurva e ξ0 ∈ π−1

ρ (α(0)). Seja f0 : π−1(α(0)) → g a aplicacao equi-variante associada a ξ0. Definimos, para cada t ∈ [0, 1], a funcaoft : π

−1(α(t)) → g dada por ft(p) = f0(p0) se p e o transporte pa-ralelo de p0 ao longo de α. Temos que ft e equivariante, e portantoesta associada a um elemento ξt da fibra do fibrado associado sobreo ponto α(t). A curva t→ ξt e chamada de transporte paralelo de ξ0ao longo da curva α.

Uma forma de conexao e um caso particular de um conceito maisgeral : formas diferenciais com valores em um fibrado vetorial. Umaforma diferencial de ordem k com valores em um fibrado vetorialπ : E →M de fibra V e uma aplicacao k-linear alternada

γ : X∞(M)× · · · × X∞(M)→ Γ∞(E)

tal queγ(X1, . . . , Xk)(x) = γ(Y1, . . . , Yk)(x)

se Xj(x) = Yj(x) para todo j. Portanto, para cada ponto x ∈ M aforma associa uma aplicacao k linear alternada de TMx× · · · × TMx

na fibra sobre o ponto x. O pull-back de γ por uma aplicacaof : N → M de classe C∞ e a k-forma com valores no fibrado f∗E,a qual em cada ponto x ∈ N associa a aplicacao k-linear alternada(v1, . . . , vk) 7→ γ(f(x))(Df(x)v1, . . . , Df(x)vk), onde estamos identi-ficando a fibra de f∗E no ponto x com a fibra de E no ponto f(x).

418 [CAP. 13: ANALISE E GEOMETRIA EM VARIEDADES

Em uma trivializacao local do fibrado sobre um aberto U ⊂M , umasecao local e uma aplicacao C∞ de U na fibra V , e se x : U → Rm euma carta local em M , entao a forma γ se escreve como

γ =∑

1≤ii<···<ik≤m

γi1,...,ikdxi1 ∧ · · · ∧ dxik

com γii,...,ik : U → V secoes locais do fibrado. Podemos entao definira derivada exterior como no caso de formas diferenciais usuais:

dγ =∑

1≤ii<···<ik≤m

m∑j=1

∂γi1,...,ik∂xj

dxj ∧ dxi1 ∧ · · · ∧ dxik .

Assim, note que uma k- forma com valores no fibrado vetorialπ : E →M e o mesmo que um elemento em Γ(ΛkM⊗E) e a derivadaexterior define uma aplicacao linear

d : Γ(Λk(M)⊗ E)→ Γk+1(Λk+1(M)⊗ E).

Em particular, se o fibrado vetorial e trivial, uma k-forma com va-lores no fibrado e o mesmo que uma k-forma com valores no espacovetorial (a fibra).

Seja ω0 uma conexao em um G-fibrado principal π : P →M . Umak-forma α com valores em g e horizontal se α(X1, ..., Xk) = 0 todavez que algum Xi e vertical. Ela e equivariante se R∗gα = Ad(g−1)αpara todo g ∈ G. Uma k-forma horizontal e equivariante e uma k-forma em M com valores no fibrado adjunto Ad(P ) → M associadoa representacao adjunta do grupo em sua algebra de Lie. De fato,dada uma k-upla (X1, . . . , Xk) de campos de vetores em M , a funcaof : P → g definida por f = α(X1, . . . , Xk), com Xj o levantamentohorizontal de Xj , e uma funcao equivariante e, portanto, uma secaodo fibrado adjunto. Em particular, a cada forma de conexao ω po-demos associar a forma horizontal e equivariante ω − ω0 e, portantouma 1-forma em M com valores no fibrado adjunto. Temos entaouma bijecao afim entre o espaco das conexoes do fibrado principal eo espaco das secoes do fibrado vetorial Λ1(M) ⊗ Ad(P ). Portanto oespaco das conexoes e um espaco afim de dimesao infinita.

[SEC. 13.1: GEOMETRIA DOS FIBRADOS E O MORFISMO DE CHERN-WEIL 419

Se a fibra sobre cada ponto tem uma estrutura de algebra de Lie eα, β sao 1-formas com valores no fibrado, podemos definir a 2-forma

[α, β](X,Y ) = [α(X), β(Y )]− [α(Y ), β(X)]

onde no segundo membro estamos usando, sobre cada ponto, o col-chete da fibra correspondente. Como no caso de formas usuais, aderivada exterior pode ser expressa em funcao de derivadas de Lie edo colchete de Lie de campos de vetores. Em particular, a derivadaexterior de uma 1-forma α e a 2 forma

dα(X,Y ) = Xα(Y )− Y α(X)− α([X,Y ]).

Um caso importante e a 1-forma α de Maurer-Cartan no grupo deLie G com valores em g definida por α(g)(X) = DLg−1(g)(X), ondeLg−1 e a translacao a esquerda por g−1. Assim, se X e um campo devetores invariante a esquerda em G, entao α(X) e constante. Lem-bramos que o colchete na algebra de Lie e o colchete de Lie dos cor-respondentes campos invariantes a esquerda. Logo, se α e a forma deMaurer-Cartan, e X,Y sao campos de vetores invariantes a esquerdatemos que dα(X,Y ) = Xα(Y ) − Y α(X) − α([X,Y ]) = −α([X,Y ]).Logo,

dα = −[α, α].

O produto exterior de uma k-forma α por uma l-forma β comvalores no fibrado vetorial : E → M e a k + l-forma α ∧ β comvalores no fibrado vetorial E ⊗ E →M definida por:

α ∧ β(x)(v1, . . . , vk+l) =

=k!l!

(k + l)!

∑τ

(−1)|τ |α(x)(vτ(1), . . . , vτ(k))⊗β(x)(vτ(k+1, . . . , vτ(k+l))

onde τ percorre o conjunto das permutacoes de 1, . . . , k + l e |τ | eigual a 0 se a permutacao for par e 1 se for ımpar.

Se as fibras do fibrado possuem estrutura de algebra de Lie quevaria diferenciavelmente com a fibra, podemos, generalizando a de-finicao anterior para 1-formas, definir uma forma [α, β] com valoresno proprio fibrado tomando

[α, β](x)(v1, . . . , vk+l) =

420 [CAP. 13: ANALISE E GEOMETRIA EM VARIEDADES

=k!l!

(k + l)!

∑τ

(−1)|τ |[α(x)(vτ(1), . . . , vτ(k)), β(x)(vτ(k+1, . . . , vτ(k+l))].

Em uma trivializacao local do fibrado associado, temosα =

∑I αIdx

I e β =∑J βJdx

J , com αI e βJ aplicacoes do abertotrivializador em g. Daı

[α, β] =∑I,J

[αI , βJ ]dxI ∧ dxJ .

Exercıcio 13.1. Mostre que

[β, α] = (−1)kl+1[α, β]

ed([α, β]) = [dα, β] + (−1)k[α, dβ]

se α e uma k-forma e β e uma l-forma.

Definicao 13.2. (Derivada exterior covariante) Seja ω uma co-nexao no fibrado principal π : P → M . A derivada covariante deuma k-forma η com valores na algebra de Lie g e a k + 1 forma dωηdefinida por

dωη(X1, . . . , Xk+1) = dη(XH1 , . . . , X

Hk+1)

onde dω e a derivada exterior usual e Xj(p) = XHj (p) +XV

j (p) com

XHj (p) ∈ Hp e XV

j (p) ∈ Vp. A curvatura da conexao ω e a derivadacovariante da propria forma de conexao:

Ω = dω(ω).

Se uma k forma η e equivariante, entao sua derivada exteriortambem o e, bem como a derivada covariante dωη. Portanto a cur-vatura de uma conexao e uma 2-forma equivariante.

Teorema 13.10. (Equacao de Cartan) A curvatura Ω de umaconexao ω em um fibrado principal satisfaz a equacao:

Ω = dω + [ω, ω]

[SEC. 13.1: GEOMETRIA DOS FIBRADOS E O MORFISMO DE CHERN-WEIL 421

Demonstracao. Temos que

dω(X,Y ) = Xω(Y )− Y ω(X)− ω([X,Y ]).

Vamos considerar varios casos.

1. Suponha que X(z), Y (z) ∈ Vz. Nesse caso o primeiro membrose anula. Para calcular o segundo membro no ponto z podemossubstituir os campos X e Y por campos de vetores verticais Xe Y que coincidem com X e Y no ponto z e que em cada pontow Lw(X(w)) = Lz(X(z)) e Lw(Y (w)) = Lz(Y (z)). Logo ω(X)e ω(Y ) sao funcoes constantes e portanto

dω(z)(X(z), Y (z)) = −ω[X, Y ](z).

2. Se v, w ∈ TPz sao dois vetores horizontais, entao

Ω(z)(v, w) = dω(v, w)

e [ω, ω](z)(v, w) = [ω(z)v, ω(z)w] = 0 e a equacao de Cartantambem e verificada nesse caso.

3. Resta considerar o caso em que v ∈ Vz e w ∈ Hz. Seja a ∈ g talque DRz(id)a = v. Entao Xt : P → P , Xt(z) = Rexp(ta)(z),e o fluxo do campo vertical X definido por X(y) = DRy(id)a.Seja Y um campo horizontal tal que Y (z) = w. Como Ω euma forma horizontal temos que Ω(X,Y ) = 0. Por outro lado,ω(X) e a funcao constante igual a a e ω(Y ) = 0. PortantoXω(Y ) + Y ω(X) = 0. O colchete de Lie dois dois campossatisfaz a equacao [X,Y ] = LX(Y ) = d

dtX∗t Y |t=0. Como Y

e um campo horizontal e Xt = Rexp(ta) temos que X∗t Y e umcampo horizontal para todo t e, consequentemente, [X,Y ] e umcampo horizontal, o que implica ω([X,Y ]) = 0 e concluımos aprova da equacao de Cartan.

Proposicao 13.11. (Equacao de Bianchi) A curvatura Ω de umaconexao ω de um fibrado principal satisfaz a equacao

dΩ = [Ω, ω]

422 [CAP. 13: ANALISE E GEOMETRIA EM VARIEDADES

Demonstracao. Pela equacao de Cartan, temos que

dΩ = [dω, ω]− [ω, dω]

pois d2ω = 0. Por outro lado, tomando uma carta local no fibradopodemos mostrar a igualdade abaixo:

dΩ− [Ω, ω] = [[ω, ω], ω].

Por outro lado, usando novamente a expressao do segundo membronuma carta local vemos que essa forma se anula como consequenciada identidade de Jacobi na algebra de Lie.

Exercıcio 13.2. Seja ω uma forma de conexao em um fibrado prin-cipal π : P → M e Ω sua curvatura. Sejam σi : Ui → P secoes locaiscujos domınios cobrem M . Sejam Ai = σ∗i ω e Fi = σ∗i Ω. Mostre que

1.Aj(x) = Ad(gij(x)−1) Ai(x) + g∗ijα

para todo x ∈ Ui ∩ Uj , onde gij : Ui ∩ Uj → G sao as funcoesde transicao e α e a forma de Maurer-Cartan.

2.Fj(x) = Ad(gij(x)) Fi(x)

3.Fi = dAi + [Ai, Ai]

4. Mostre que dada uma famılia de 1-formas em Ui com valoresna algebra de Lie satisfazendo 1), existe uma forma de conexaoω tal que σ∗i ω = Ai.

Seja V um espaco vetorial de dimensao finita. Seja Sk(V ) o espacovetorial das aplicacoes k-lineares e simetricas em V . Consideremos oproduto

: Sk(V )× Sl(V )→ Sk+l(V )

definido por

p1p2(v1, . . . , vk+l) =1

(k + l)!

∑τ

p1(vτ(1), . . . , vτ(k)).p2(vτ(k+1), . . . , vτ(k+l)).

[SEC. 13.1: GEOMETRIA DOS FIBRADOS E O MORFISMO DE CHERN-WEIL 423

Dada uma base e1, . . . , en de V , podemos associar a cada p ∈ Sk(V )um polinomio homogeneo definido por p(x1, . . . , xn) = p(v, . . . , v)onde v =

∑i xiei. Seja Pk[x1, . . . , xn] o espaco vetorial dos po-

linomios homogeneos de grau k nas variaveis x1, . . . , xn e o produtousual

Pk[x1, . . . , xn]× Pl[x1, . . . , xn]→ Pk+l[x1, . . . , xn].

Proposicao 13.12. 1. A aplicacao

Sk(V )→ Pk[x1, . . . , xn]

que a cada forma k-linear simetrica p associa o polinomio p eum isomorfismo.

2.

p1 p2 = p1.p2

3. O produto define uma estrutura de anel em ⊕kSk(V ) que eisomorfo ao anel dos polinomios ⊕kPk[x1, . . . xn].

Demonstracao. E facil verificar o ıtem 2). Para provar 1) verifi-camos inicialmente que a aplicacao e injetiva, o que tambem e facil.Em seguida, usando 2) temos que a imagem da aplicacao

⊕kSk(V )→ ⊕kPk[x1, . . . , xn]

e um subanel do anel dos polinomios. Tomando k = 1, verificamosque esse sub-anel contem os monomios x1, . . . , xn e, portanto, o sub-anel coincide com o anel.

Definicao 13.3. Seja G um grupo de Lie e g sua algebra de Lie.Dizemos que p ∈ Sk(g) e invariante se

p(Ad(g)ξ1, . . . , Ad(g)ξn) = p(ξ1, . . . , ξn)

para todo g ∈ G. O subespaco das formas invariantes e denotado porIk(g).

424 [CAP. 13: ANALISE E GEOMETRIA EM VARIEDADES

Seja π : P → M um G-fibrado principal, ω uma conexao em P eΩ sua curvatura. Uma k-forma β em P com valores em K ( K = Rou C) e invariante se R∗gβ = β para todo g ∈ G. E facil ver que

se β e invariante e horizontal, entao existe uma forma β em M talque π∗β = β. Um elemento p ∈ Ik(g) define uma aplicacao linearp : g⊗· · ·⊗g→ K. Como p e invariante e Ωk = Ω∧· · ·∧Ω e uma formacom valores em g⊗ · · · ⊗ g, temos que p(Ωk) e uma forma invariantee horizontal pois Ω e horizontal e equivariante. Logo p(Ωk) e o pull-back de uma forma em M , que denotaremos por p(Ωk) ∈ Ω2k(M,K).

Teorema 13.13. (Chern-Weil) Seja π : P → M um G-fibradoprincipal, ω uma forma de conexao em P e Ω sua curvaura.

1. Se p ∈ Ik(g), entao p(Ωk) e uma forma fechada;

2. Se p ∈ Ik(g) e q ∈ Il(g). entao

p q(Ωk+lω ) = p(Ωk) ∧ q(Ωl);

3. A classe de cohomologia, c(P, p) ∈ H2k(M,K) de p(Ωk) naodepende da conexao ω;

4. Para cada fibrado principal π : P →M , a aplicacao

⊕kIk(g) −→ ⊕kH2k(M,K)

p 7−→ c(P, p)

e um homomorfismo de aneis.

5. Se

P ′

π′

f ′ // P

π

M ′f // M

e um morfismo de fibrados principais e p ∈ Ik(g), entao

c(P ′, p) = f∗(c(P, p)).

[SEC. 13.1: GEOMETRIA DOS FIBRADOS E O MORFISMO DE CHERN-WEIL 425

Demonstracao. 1) Como p e simetrica e k-linear, temos que

dp(Ωk) = kp(dΩ ∧ Ωk−1).

Logo, pela equacao de Bianchi,

dp(Ωk) = kp([Ω, ω] ∧ Ωk−1).

Como a forma do segundo membro e horizontal, ela e nula se, e so-mente se, se anula em vetores horizontais e isso ocorre pois [Ω, ω] seanula em conjuntos de vetores horizontais. Como π∗ e injetivo e co-muta com a derivada exterior, concluimos que p(Ωkω) tambem e umaforma fechada.

2) Se V e W sao espacos vetoriais e Ωk(M,V ) e o espaco vetorialdas k-formas com valores em V , entao toda transformacao linearT : V → W induz uma aplicacao linear T : Ωk(M,V ) → Ωk(M,W )que satisfaz d(Tω) = T (dω). Se T : V ⊗W → W ⊗ V e dado porT (v ⊗ w) = w ⊗ v, temos que

ω2 ∧ ω1 = (−1)klT (ω1 ∧ ω2)

se ω1 ∈ Ωk(M,V ) e ω2 ∈ Ωl(M,W ). Considemos agora para cadapermutacao τ de 1, . . . , k + l o isomorfismo

Tτ : g⊗(k+l) → g⊗(k+l)

definido por

Tτ (ξ1 ⊗ · · · ⊗ ξk+l) = (−1)τξτ(1) ⊗ · · · ⊗ ξτ(k+l).

Como Ωj e uma 2j-forma em P com valores em g⊗j , temos que

Ωk ∧ Ωl = Ωk+l = Tτ Ωk+l,

e, como

p q =1

(k + l)!

∑τ

(p⊗ q) Tτ ,

426 [CAP. 13: ANALISE E GEOMETRIA EM VARIEDADES

temos que

(p q)(Ωk+l) =1

(k + l)!

∑τ

(p⊗ q) Tτ (Ωk+1)

=1

(k + l)!

∑τ

(p⊗ q)(Ωk ∧ Ωl)

=1

(k + l)!

∑τ

p(Ωk) ∧ q(Ωl)

= p(Ωk) ∧ q(Ωl)

o que prova 2).

3) Se ω0 e ω1 sao conexoes em P , entao para todo t ∈ R temos que aforma ωt = (1− t)ω0 + tω1 tambem e uma conexao em P . Considerea projecao no primeiro fator π1 : M × [0, 1] → M e o morfismo defibrados induzido π1 : π∗1(P )→ P . No fibrado pull-back consideremosa conexao ω definida por

ω(y)ξ = ωt(π1(y))Dπ1(y)ξ

se y pertence a fibra sobre (x, t). Se it : M →M × [0, 1] e a inclusaox 7→ (x, t) e p ∈ Ik(g), entao i∗0(p(Ω)) = p(Ω0) e i∗1p(Ω) = p(Ω1),onde Ω e a curvatura de ω e Ωi a curvatura de ωi. Pelo lema 5.4 docapıtulo 5 existe uma aplicacao linear I : Ω∗(M × [0, 1])→ Ω∗−1(M)tal que

i∗1p(Ω)− i∗0p(Ω) = I(dp(Ω)) + dI(p(Ω)) = dI(p(Ω))

pois p(Ω) e fechada.

4) Segue do fato que o pull-back de uma conexao e uma conexao nofibrado pull-back.

As classes de cohomologia c(P, p) sao chamadas classes carac-terısticas do fibrado π : P →M . Veremos em seguida mostrar algunsexemplos classicos dessas classes, considerando certos polinomios par-ticulares. Seja π : E → M um fibrado vetorial complexo de posto

[SEC. 13.1: GEOMETRIA DOS FIBRADOS E O MORFISMO DE CHERN-WEIL 427

n. Utilizando uma particao da unidade em M subordinada a umacobertura por abertos sobre os quais o fibrado e trivial, podemos cons-truir uma metrica hermitiana nas fibras que varia diferenciavelmentecom a fibra. Com isso construımos o fibrado principal Π: P → Mdos referenciais ortonormais nessa metrica. O grupo estrutural dofibrado e o grupo unitario U(n) cuja algebra de Lie, u(n) e o espacovetorial das matrizes anti-hermitianas e a acao adjunta do grupo epor conjugacao: A 7→ UAU−1 se U ∈ U(n) e A ∈ u(n). Logo, seA ∈ u(n) entao 1

2πiA e uma matriz hermitiana e seus autovalores saoreais. Portanto, escrevendo

det

(λI − 1

2πiA

)=∑k

pk(A, . . . , A)λn−k

temos que pk ∈ Ik(u(n)) e um polinomio real. As classes carac-terısticas ck(E) = c(P, pk) ∈ H2k(M,R) do teorema de Chern-Weilsao chamadas de classes de Chern do fibrado E. Na definicao daclasse de Chern de um fibrado vetorial usamos uma metrica hermiti-ana nesse fibrado. Vamos agora mostrar que a classe de Chern naodepende da escolha dessa metrica.

Proposicao 13.14. Sejam < ·, · >x e < ·, · >′x, x ∈ M , metricashermitianas no fibrado vetorial π : E → M . Entao os fibrados dosreferenciais ortonormais correspondentes a essas duas metricas saoequivalentes.

Demonstracao. Sejam Π: P → M e Π′ : P ′ → M os fibrados dosreferenciais ortonormais correspondentes as metricas fixadas. Sejap : M × [0, 1] → M a projecao no primeiro fator. Na fibra sobre oponto (x, t) do fibrado vetorial π∗(E) tomamos o produto hermitiano(1 − t) < ·, · >x +t < ·, · >′x. Seja P → M × [0, 1] o correspon-dente fibrado dos referenciais ortonormais. Seja it : M → M × [0, 1]a inclusao x 7→ (x, t). Como i∗0(P ) e isomorfo a π : P → M e i∗1(P )e isomorfo a π′ : P ′ → M , pelo corolario ?? os dois fibrados princi-pais sao equivalentes e, portanto, as correspondentes classes de Cherncoincidem.

Proposicao 13.15. Seja π : E →M um fibrado vetorial complexo ef : N → M . Entao as classes de Chern do fibrado f∗(E) coincidemcom o pull-back das classes de Chern de E.

428 [CAP. 13: ANALISE E GEOMETRIA EM VARIEDADES

Demonstracao. Uma metrica hermitiana em E define uma metricahermitiana em f∗(E) e o correspondente fibrado dos referenciais or-tonormais e o pull-back do fibrado dos referenciais ortonormais dofibrado π : E →M .

Proposicao 13.16. labelprop13.16 SejaM uma variedade compacta.Entao existe um inteiro N tal que para todo fibrado vetorial π : E →M de posto r existe uma aplicacao C∞ f : M → G(rN, r) tal que ofibrado e isomorfo ao pull-back do fibrado universal sobre a grassma-niana complexa G(rN, r).

Demonstracao. Sejam Wi ⊂Wi ⊂ Vi uma colecao de N elementos,com Wi, Vi abertos, Vi contratil e ∪iWi = M . Seja λi : M → [0, 1]de classe C∞ tal que λi(x) = 1 se x ∈ Wi e λ(x) = 0 fora de umavizinhanca de Wi cujo fecho esta contido em Vi. Seja π : E →M umfibrado vetorial complexo. Como Vi e contratil existe um isomorfismoΦi : π

−1(Vi)→ Vi×Cr cobrindo a identidade de Vi. Definimos entaoφi : E → Cr colocando φi(y) = 0 se π(y) /∈ Vi e φi(y) = π2Φi(y)se π(y) ∈ Vi, onde π2 : Ui × Cr → Cr e a projecao no segundo fator.Temos que a restricao de φi a cada fibra e linear e e injetiva nas fibrassobre Wi. Seja entao φ : E → Cr × · · · × Cr a funcao cuja i-esimacoordenada e φi. Temos que a restricao de φ a cada fibra e umaaplicacao linear injetiva e sua imagem e um subespaco de dimensaor em CrN . Basta entao definir f(x) = φ(π−1(x)).

Observacao 13.1. O resultado acima vale tambem para variedadesnao compactas e, de fato, o inteiro N depende apenas da dimensao davariedade. Para provar isso tomamos uma cobertura da variedade porabertos contrateis. Usando um resultado da teoria de dimensao, [?]teorema V1 da pagina 54, essa cobertura pode ser refinada por umacobertura tal que cada ponto pertence a no maximo m+ 1 elementosda nova cobertura. Usando essa novaa cobertura podemos decompora variedade M como a uniao de m+ 1 abertos Xi tais que cada ume a uniao disjunta de elementos da segunda cobertura, veja prova daproposicao 4.1 da pagina 97 de [?]. Logo todo fibrado sobre M etrivial sobre cada Xi.

Vamos agora considerar fibrados vetoriais reais orientados π : E →M . Usando uma particao da unidade podemos tambem construir um

[SEC. 13.2: O LAPLACIANO DE HODGE 429

produto interno em cada fibra que varia diferenciavelmente com a fi-bra e considerar o correspondente fibrado dos referenciais ortonormaispositivos. Este e um fibrado principal com grupo SO(r) se a fibratem dimensao r. Como anteriormente podemos construir polinomiosinvariantes

det

(λI − 1

2πA

)=∑k

pk(A, . . . , A)λn−k.

Como as matrizes A ∈ so(r) sao antisimetricas, temos que ospolinomios pk(A, . . . , A) se anulam se k e ımpar. Portanto, pelo ho-momorfismo de Chern-Weil, temos as Pk(E) := p2k(E) ∈ H4k(M)que sao as chamadas as classes de Pontryagin do fibrado.

Quando a dimensao da fibra e par, r = 2k, podemos construirum outro polinomio invariante alem dos mencionados acima que echamado polinomio Pfaffiano de grau k. Esse polinomio e definidopor

Pf(A) =1

22kπkk!

∑τ

(−1)τaτ(1),τ(2)aτ(3),τ(4) . . . aτ(2k−1),τ(2k).

Um calculo direto mostra que se U e uma matriz inversivel, entao

Pf(UAU−1) = det(U)Pf(A).

Logo, para A ∈ so(2k) e U ∈ SO(2k) o polinomio e invariante edefine uma classe caracterıstica Pf(E) ∈ H2k(M). No caso em queo fibrado e o fibrado tangente de uma variedade compacta orientadade dimensao par = 2k, Chern mostrou que a classe Pfaffiana e ummultiplo da classe de Euler que depende apenas da dimensao e, por-tanto, provou o famoso teorema de Chern-Gauss-Bonet:∫

M

Pf(TM) = χ(M).

13.2 O Laplaciano de Hodge

Definicao 13.4. Seja π : E → M um fibrado vetorial sobre umavariedade compacta M . Um operador diferencial de ordem ≤ r e

430 [CAP. 13: ANALISE E GEOMETRIA EM VARIEDADES

uma aplicacao linear contınua D : Γ(M,E) → Γ(M,E) no espacovetorial das secoes de classe C∞ de E munido da topologia C∞, talque se s1, s2 sao duas secoes com os mesmos jatos de ordem r noponto x, entao D(s1)(x) = D(s2)(x). Se D nao e de ordem ≤ r − 1,dizemos que D e de ordem r.

Para uma variedade Riemanniana orientada M , vamos definiragora um operador de segunda ordem em Ωk(M) = Γ(M,ΛkTM∗).Lembramos que uma metrica Riemanniana

x ∈M 7→< ·, · >x : TMx × TMx → R

estabelece um isomorfismo entre TMx e o seu dual TM∗x , e portantoinduz um produto interno em TMx, para cada x ∈M . Esse produtointerno induz um produto interno nos espacos vetoriais Λk(TM∗x)definido da seguinte maneira: dada uma base ortonormal λ1, . . . , λmde TM∗x , declaramos a base λi1∧· · ·∧λir , 1 ≤ i1 < · · · < ir ≤ m, comouma base ortonormal de Λr(TM∗x). Em particular, se λ1, . . . , λm euma base ortonormal dual de uma base positiva de TMx, entao oelemento de volume vol = λ1 ∧ · · · ∧ λn define um isomorfismo entreΛm(TM∗) e R. Combinado com esse isomorfismo, o produto exteriorestabelece um isomorfismo ∗ : Λk(TM∗x)→ Λm−k(TM∗x) determinadopela equacao ω ∧ ∗η =< ω, η > vol. Temos portanto uma aplicacaolinear

∗ : Ωr(M)→ Ωm−k(M)

induzida pela aplicacao linear correspondente a cada x ∈ M . Cha-mamos o operador de estrela de Hodge. E facil ver que se λ1, . . . , λme uma base ortonormal positiva em TM∗x , entao

∗(λi1 ∧ · · · ∧ λir ) = λj1 ∧ · · · ∧ λjm−r

tal que 1 ≤ j1 < · · · < jm−r ≤ m e i1, . . . , ik, j1, . . . , jm−r e umapermutacao positiva de 1, . . . ,m, mostrando em particular que o ope-rador nao depende da base ortonormal escolhida. Dessa propriedadesegue tambem que

∗k ∗m−k = (−1)k(m−k).

Combinando o operador estrela com a diferencial exterior, po-demos definir o codiferencial, o qual veremos que faz um papel de

[SEC. 13.2: O LAPLACIANO DE HODGE 431

adjunto da derivada exterior. Definimos

δ : Ωk(M) −→ Ωk−1(M)η 7−→ −(−1)m(k+1) ∗ d ∗ η.

E finalmente, combinando a diferencial exterior com o codiferencial,podemos definir o operador laplaciano de formas como

∆ : Ωk(M) −→ Ωk(M)η 7−→ dδη + δdη.

O operador estrela induz um produto interno no espaco de formasdiferenciais da seguinte maneira: para η, θ ∈ Ωkc (M), colocamos

(η, θ) =

∫M

< η(x), θ(x) > vol =

∫M

η ∧ ∗θ.

Proposicao 13.17. Dados η, η ∈ Ωkc (M) e θ ∈ Ωk+1c (M), valem

1. (dη, θ) = (η, δθ);

2. (∆η, η) = (η,∆η).

Demonstracao. Temos que

η ∧ ∗δθ = −(−1)m(k+2)η ∧ ∗ ∗ (d ∗ θ)= −(−1)mkη ∧ (−1)k(m−k)d ∗ θ= −(−1)kη ∧ d ∗ θ,

daı

d(η ∧ ∗θ) = dη ∧ ∗θ + (−1)kη ∧ d ∗ θ = dη ∧ ∗θ − η ∧ ∗δθ

e finalmente, pelo Teorema de Stokes

0 =

∫M

d(η ∧ ∗θ) = (dη, θ)− (η, δθ).

A segunda parte segue imediatamente da primeira.

Definicao 13.5. Uma k-forma η em M e harmonica se ∆(η) = 0.

432 [CAP. 13: ANALISE E GEOMETRIA EM VARIEDADES

Corolario 13.18. Uma forma η ∈ Ωk(M) e harmonica se, e somentese, dη = 0 e δη = 0.

Demonstracao. Da definicao de ∆, a condicao e evidentemente su-ficiente. Reciprocamente, se ∆(η) = 0 temos

0 = (∆η, η)

= (dδη, η) + (δdη, η)

= (δη, δη) + (dη, dη)

= ‖δη‖2 + ‖dη‖2.

Assim dη = 0 e δη = 0.

Seja Hk o espaco vetorial das k formas harmonicas. Como δ e oadjunto formal de d, temos imediatamente que os espacos vetoriaisHk, d(Ωk−1(M)) e δ(Ωk+1(M)) sao dois a dois ortogonais e que aimagem de δ e ortogonal ao nucleo de d. Podemos entao enunciar oteorema

Teorema 13.19. (Teorema de Hodge) Vale uma decomposicao

Ωk(M) = Hk(M)⊕ d(Ωk−1(M))⊕ δ(Ωk+1(M))

e cada classe de cohomologia de de Rham contem uma e somente umaforma harmonica.

A prova desse teorema involve argumentos de analise funcional epode ser encontrada em [T]. Usando o teorema de Hodge podemosdar uma nova prova da dualidade de Poincare para variedades com-pactas orientadas. De fato, se ω e uma k-forma harmonica, entao ∗ωe uma (m − k)-forma harmonica. O operador estrela estabelece umisomorfismo entre Hk(M) e Hm−k(M) e, pelo teorema de Hodge, umisomorfismo entre Hk

dR(M) e Hm−kdR (M).

13.3 A equacao de Yang-Mills

Como no caso de formas diferenciais usuais, uma metrica Riemanni-ana em M define um isomorfismo entre os fibrados Λk(M)⊗E →M

[SEC. 13.3: A EQUACAO DE YANG-MILLS 433

e Λm−k ⊗ E → M que a cada elemento∑i αi ⊗ vi da fibra sobre o

ponto x associa o elemento∑i(∗αi)⊗ vi da fibra do segundo fibrado

sobre o ponto x. Temos portanto um isomorfismo linear

∗k : Γ(Λk(M)⊗ E

)→ Γ(Λm−k(M)⊗ E)

que, como antes, satisfaz

∗m−k ∗k = (−1)k(m−k).

Como vimos no Capıtulo 7, se o fibrado vetorial E → M e asso-ciado ao fibrado principal P →M e a uma representacao ρ do grupode Lie G no grupo dos automorfismos lineares da fibra V e se a fibraV possui um produto interno que e preservado por todos os elemen-tos ρ(g), entao cada fibra do fibrado possui um produto interno quevaria diferenciavelmente com o ponto da base. Esse produto internonas fibras define um morfismo de fibrados vetoriais entre E ⊗ E eM × R que leva v ⊗ w na fibra sobre x no numero real < v,w >x.Compondo o produto exterior de formas com esse morfismo obtemosuma aplicacao bilinear

∧ : Γ(Λk(M)⊗ E)× Γ(Λl(M)⊗ E)→ Ωk+l(M).

Localmente, se α =∑I αIdx

I e β =∑J dx

J temos que

(α ∧ β)(x) =∑I,J

< αI(x), βJ(x) >x dxI ∧ dxJ .

Exercıcio 13.3. Mostre que se α e uma k-forma e β e uma l formaentao

β ∧ α = (−1)klα ∧ β

ed(α ∧ β) = (dα) ∧ β + (−1)kα ∧ (dβ).

Proposicao 13.20. Para α, β ∈ Γ(Λk(M)⊗ E), o pareamento defi-nido por

(α, β) :=

∫M

α ∧ ∗β

e um produto interno.

434 [CAP. 13: ANALISE E GEOMETRIA EM VARIEDADES

Demonstracao. Se p e a dimensao da fibra V do fibrado e U eum aberto de M no qual existam p secoes σ1, . . . , σj : U → π−1(U)tais que em cada x ∈ U formam base ortonormal de Ex e m cam-pos de vetores X1, . . . , Xm que em cada x ∈ U formam uma baseortonormal positiva de TMx, entao a aplicacao U × Rp → π−1(U)definida por (x, v) 7→

∑pi=1 viσi(x) e uma trivializacao local. Sejam

λ1, . . . , λm : U → T ∗M a base dual. Nessa trivializacao, a forma ω edada por

ω =∑I

ωIλI

onde I = (i1, . . . , ik), com 0 ≤ i1 < · · · < ik ≤ m e um multi-ındicee λI = dλi1 ∧ · · · ∧ dλik e ωI : U → Rp sao aplicacoes C∞. Damesma forma η =

∑I ηIλI . Se ∗I e o multi-ındice (j1, . . . , jm−k)

com 0 ≤ j1 < · · · < jm−k ≤ m tal que i1, . . . , ik, j1, . . . , jm−k e umapermutacao par de 1, 2, . . . ,m, entao

∗η =∑I

ηIλ∗I .

Logo,

ω ∧ ∗η(x) =∑I

< ωI(x), ηI(x) >x λ1 ∧ · · · ∧ λm

pois λI ∧ λJ = 0 se J 6= ∗I e λI ∧ λ∗I = λ1 ∧ · · · ∧ λm. E assim

(η ∧ ∗ω)(x) = (ω ∧ ∗η(x)) e (ω ∧ ∗ω)(x) ≥ 0.

Consequentemente, a forma bilinear e simetrica e∫M

ω ∧ ∗ω = 0⇐⇒ ω(x) = 0 ∀x ∈M.

A seguir vamos particularizar a discussao para o fibrado adjuntode um fibrado principal. Lembramos que se G e um grupo de Lie eg ∈ G, temos a conjugacao Cg : G → G dada por Cg(h) = ghg−1.Segue facilmente que Cgh = Cg Ch. Daı temos a representacaoadjunta de G, definida por

Ad : G −→ Aut(g)g 7−→ (DCg)e.

[SEC. 13.3: A EQUACAO DE YANG-MILLS 435

Se G e um grupo de matrizes, entao sua algebra de Lie e um espacovetorial de matrizes e o colchete e o comutador: [A,B] = AB −BA.Nesse caso, pela linearidade da conjugacao, a representacao adjuntatambem e dada por conjugacao: Ad(g)(A) = gAg−1. A representacaoadjunta tambem respeita a estrutura de algebra de Lie:

Adg([A,B]) = [AdgA,AdgB].

Portanto as fibras do fibrado adjunto Ad(P ) associado ao fibradoprincipal tem uma estrutura de algebra de Lie tal que o colchete deduas secoes C∞ e uma secao C∞.

Lembramos que associado a cada elemento A ∈ g temos o grupoa um parametro: t 7→ exp(tA). Para um grupo de matrizes, temosque

exp(A) =

∞∑j=0

Aj

j!.

Dado um elemento B ∈ g, associamos um outro elemento

adA(B) =d

dt

∣∣∣∣t=0

Adexp(tA)(B).

Se G e um grupo de matrizes teremos

Adexp(tA)(B) = (I + tA+O(t2))B(I − tA+O(t2))

= B + t(AB −BA) +O(t2)

= B + t[A,B] +O(t2)

e portanto adA(B) = [A,B]. A aplicacao adA : g → g e linear esatisfaz

adA([B,C]) = [adA(B), C] + [B, adA(C)],

ad[A,B] = adA adB − adB adA = [adA, adB ].

Da primeira equacao (regra de Leibniz) temos que ad e uma derivacaoda algebra de Lie e da segunda temos que ad e um morfismo daalgebra de Lie g na algebra de Lie dos endomorfismos de g.

436 [CAP. 13: ANALISE E GEOMETRIA EM VARIEDADES

Proposicao 13.21. Se ξ ∈ g seja adξ ∈ End(g) a aplicacao linearη 7→ [ξ, η]. Entao a forma de Killing

K : g× g −→ R(A,B) 7−→ Tr(adA adB)

e simetrica e invariante por Ad(g) para todo elemento g do grupo G.Alem disso, cada homomorfismo adA e anti-simetrico com respeito aforma de Killing: K(adA(B), C) = −K(B, adA(C)).

Demonstracao. A simetria da forma de Killing segue da simetria dotraco de transformacoes lineares: Tr(AB) = Tr(BA). Resta provara invariancia. E facil ver que

Adg adA Ad−1g = adAdg(A),

logo

K(Adg(A), Adg(B)) = Tr(adAdg(A) AdAdg(B))

= Tr(Adg adA Ad−1

g Adg adB Ad−1g

)= Tr(Adg adA adB Ad−1

g )

= Tr(adA adB)

= K(A,B).

Para provar que adC e anti-simetrica basta tomar g = exp(tC) naformula anterior:

K(Adexp(tC)(A), Adexp(tC)(B)) = K(A,B)

e derivar em t = 0, obtendo

K(adC(A), B) +K(A, adC(B)) = 0,

o que conclui a prova.

Por um teorema de E. Cartan, uma algebra de Lie e semi-simplesse, e somente se, sua forma de Killing e nao degenerada e, nessecaso, se o grupo e compacto, entao a forma de Killing e negativa de-finida. Esse ultimo fato pode ser obtido observando que se o grupo e

[SEC. 13.3: A EQUACAO DE YANG-MILLS 437

compacto podemos construir um produto interno invariante em suaalgebra de Lie partindo de um produto interno qualquer e tomandoa media no grupo dos produtos internos pull-back do produto inicialpelas aplicacoes Adg. Como as aplicacoes Adg preservam esse pro-duto interno, as aplicacoes adA sao anti-simetricas com relacao a esseproduto interno. Logo a transposta de adA e −adA e

K(A,A) = Tr(adA adA) = −Tr(adtA adA).

Por outro lado, para uma matriz anti-simetrica B = (bij) temos queTr(BtB) =

∑i

∑j(b

tijbji =

∑i

∑j −b2ji ≤ 0. Portanto −K define

um produto interno na algebra de Lie invariante pela acao adjunta, eportanto uma metrica no fibrado adjunto. Combinando essa metricanas fibras com uma metrica Riemanniana na base, que define o ope-rador estrela de Hodge, temos um produto interno no espaco vetorialdas k-formas na base com valores no fibrado adjunto Ad(P ). Comovimos, esse espaco vetorial se identifica com o espaco vetorial dask-formas em P com valores em g que sao equivariantes e horizontaiscom respeito a uma conexao ω. Nesse espacos podemos considerar aderivada exterior covariante

dω : Γ(Λk(M)⊗Ad(P ))→ Γ(Λk+1(M)⊗Ad(P )).

Proposicao 13.22. Se α e uma k-forma em P com valores na algebrade Lie g que e horizontal e equivariante, entao

dωα = dα+ [ω, α]− (−1)k[α, ω].

Teorema 13.23. Seja π : P →M um G-fibrado principal sobre umavariedade compacta orientada com G compacto e semisimples. Seja

∧ : Γ(Λk(M)⊗Ad(P ))× Γ(Λl(M)⊗Ad(P ))→ Ωk+l(M)

a aplicacao bilinear associada ao produto exterior e a metrica dofibrado e

(·, ·) : Γ(λk(M)⊗Ad(P ))× Γ(λk(M)⊗Ad(P ))→ R

o produto interno

(µ, ν) =

∫M

µ ∧ ∗ν.

438 [CAP. 13: ANALISE E GEOMETRIA EM VARIEDADES

Se α e uma (k − 1)-forma e β e uma k-forma, entao

(dωα, β) = (α, ∗dω ∗ β).

Demonstracao. Vamos mostrar que

(dωα) ∧ ∗β − α ∧ (∗dω ∗ β) = d(α ∧ ∗β)

e o teorema seguira do Teorema de Stokes. Temos

d(α ∧ ∗β) = dα ∧ ∗β + (−1)k−1α ∧ d ∗ β= dα ∧ ∗β + (−1)k−1(−1)(k−1)(m−k+1)α ∧ ∗ ∗ d ∗ β= dα ∧ ∗β − (−1)m(k+1)+1α ∧ ∗ ∗ d ∗ β.

Por outro lado,

dωα = dα+ [ω, α]− (−1)k−1[α, ω]

= dα+ 2[ω, α]

e, da mesma forma,

dω ∗ β = d ∗ β + 2[ω, ∗β].

Logo

dωα ∧ ∗β − (−1)m(k−1)+1α ∧ ∗ ∗ dω ∗ β == d(α ∧ ∗β) + 2([ω, α]) ∧ ∗β − (−1)m(k−1)+1α ∧ (∗ ∗ 2[ω, ∗β]).

A soma da segunda e da terceira parcela, que devemos mostrar sernula, e igual a

2[ω, α] ∧ ∗β = (−1)(k−1)22[α ∧ [ω, ∗β]]

pois [ω, ∗β] e uma (m− k + j)-forma e ∗∗ = (−1)(m−k+1)(k−1) nesseespaco de formas. Para mostrar que essa forma se anula, considere-mos as expressoes locais das formas usando as 1-formas λ1, . . . , λmduais de campos de vetores ortonormais que em cada ponto consti-tuem uma base positiva do espaco tangente a M . Temos:

ω =∑j

ωjλj ,

[SEC. 13.3: A EQUACAO DE YANG-MILLS 439

α =∑I

αIλI

∗β =∑J

βJλJ

onde λI = λi1 ∧ . . . λik−1e λJ = λj1 ∧ · · · ∧ λjm−k Daı

[ω, α] =∑j,I

[ωj , αI ]λj ∧ λI

e[ω, α] ∧ ∗β = −

∑j,I,J

K([ω, α], ∗β)λj ∧ λI ∧ λJ

onde K e a forma de Killing. Da mesma forma

α ∧ [ω, ∗β] = −∑j,I,J

K(αI , [ωj , βJ ])λI ∧ λj ∧ λJ .

Assim, a forma acima se anula pois λI ∧ λj = (−1)k−1λj ∧ λI e

(−1)k−1 = (−1)(k−1)2 e a forma de Killing tem a propriedade:

K([A,B], C]) = K(B, [A,C]).

Definicao 13.6. Se π : P → M e um G-fibrado principal com Gcompacto e semisimples, a acao de Yang-Mills associa a cada formade conexao ω em P com curvatura Ω o numero real

AYM (ω) = (Ω,Ω) =

∫M

Ω ∧ ∗Ω.

Teorema 13.24. Os pontos crıticos da acao de Yang-Mills sao asconexoes que satisfazem as equacoes:

dω(Ω) = 0 e dω(∗Ω) = 0.

Demonstracao. A primeira equacao e de fato uma identidade cha-mada identidade de Bianchi, valida para toda conexao. A equacaode Yang-Mills se reduz portanto a segunda equacao. Trata-se de uma

440 [CAP. 13: ANALISE E GEOMETRIA EM VARIEDADES

equacao a derivadas parciais de segunda ordem que, no caso de gruposer nao abeliano, e nao linear devido a segunda parcela do segundomembro da equacao de Cartan.

Uma variacao da conexao ω e uma famılia ω+ tσ de conexoes, onde,como vimos, σ e uma 1-forma equivariante e horizontal, isto e, uma1-forma no fibrado adjunto Ad(P ). Seja Ωt a curvatura da conexaoω + tσ. Temos entao que

Ωt = d(ω + tσ) +1

2[ω + tσ, ω + tσ] = Ω + t(dσ + [ω, σ]) +O(t2).

Logo

AYM (ω + tσ) = (Ω + tdωσ +O(t2),Ω + tdωσ +O(t2))

= AYM (ω) + 2t(dωσ,Ω) +O(t2)

= AYM (ω) + 2t(σ, ∗dω ∗ Ω) +O(t2).

Logo ddt

∣∣t=0

AYM (ω + tσ) = 0 para todo σ se, e somente se,

∗dω ∗ Ω = 0⇒ dω ∗ Ω = 0

que e a equacao de Euler-Lagrange da acao de Yang-Mills.

O fibrado ad(P ) → M associado ao fibrado principal P e a re-presentacao por conjugacao do grupo nos automorfismos do grupoe tambem um fibrado com fibra G e as fibras tem tambem umaestrutura de grupo. O espaco das secoes desse fibrado, denotadopor G, e tambem um grupo, chamado grupo das transformacoes deGauge. Um elemento γ do grupo G e uma famılia γi : Ui → G tal queγj = ad(δij) γi em Ui ∩ Uj .

O automorfismo γi : Ui × G → Ui × G,γi(x, h) = (x, γi(x)h),comuta com Φ−1

i RgΦi e ΦiγiΦ−1i = ΦjγjΦ−1

j em π−1(Ui∩Uj).Logo define um automorfismo de P que denotaremos tambem por γ,que comuta com Rg para todo g ∈ G. Portanto se z 7→ Hz e umaconexao em P , entao γHz = Dγ(γ−1)(z)(Hγ−1(z)) e tambem umaconexao pois γ comuta com Rg.

Proposicao 13.25. A acao de Yang-Mills e invariante pela acaodo grupo de transformacoes de Gauge no espaco das conexoes emπ : P →M .

[SEC. 13.3: A EQUACAO DE YANG-MILLS 441

Demonstracao. Como γ∗[ω, η] = [γ∗ω, γ∗η] para todas 1-formas ω eη, temos, pela formula de Cartan, que a curvatura da conexao γ∗ω e a2-forma γ∗Ω onde Ω e a curvatura de ω. Sejam Fi = s∗i Ω e Ωi = γ∗i Ωonde γi : Ui × G → Ui × G e o automorfismo (x, h) 7→ (x, γi(x)h) eΩi e o pull-back de Ω pela trivializacao local. Logo,

Ωi(x, h)((v, 0), (w, 0)) = Ωi(x, γi(x)h)((v,Dγi(x)v), (w,Dγi(x)w)

= Ω(x, γi(x)h)((v, 0), (w, 0))

pois Ω e uma forma horizontal. Logo

Fi(x)(v, w) = Ωi(x, id)((v, 0), (w, 0))

= Ωi(x, γi(x))((v, 0), (w, 0))

= Ad(γi(x))Ωi(x, id)((v, 0), (w, 0))

= Ad(γi(x))Fi(x)(v, w).

Sejam l1, . . . , lm 1-formas em Ui tais que em cada x ∈ Ui formamuma base ortonormal positiva de TM∗x . Entao

Fi(x) =∑I

Fi,I(x)lI

com I = (i1, i2), 0 ≤ ii < i2 ≤ m, e lI = li1 ∧ li2 . Considerecomo antes ∗I = (j1, . . . , jm−2) tal que 0 ≤ j1 < · · · < jm−2 ≤ m eli1 , li2 , lj1 , . . . , ljm−2 seja uma base positiva de TM∗x . Entao lI∧lJ = 0se J 6= ∗I e lI ∧ l∗I = l1 ∧ · · · ∧ lm. Portanto,

Fi(x) ∧ ∗Fi(x) =∑I

(Fi,I(x)⊗ Fi,∗I(x))l1 ∧ · · · ∧ lm.

Da mesma forma,

Fi(x) ∧ ∗Fi(x) =∑I

(Fi,I(x)⊗ Fi,∗I(x))l1 ∧ · · · ∧ lm.

O funcional Tr : g ⊗ g → R foi definido usando o produto internoem g dado pela forma de Killing, que estabelece um isomorfismoentre g ⊗ g e g ⊗ g∗ que por sua vez e isomorfo a L(g, g), onde estadefinido o traco de operadores. Temos entao que se a ⊗ b ∈ g ⊗ g,

442 [CAP. 13: ANALISE E GEOMETRIA EM VARIEDADES

entao Tr(a ⊗ b) e simplesmente o produto interno < a, b > comopode ser facilmente verificado. Por outro lado, esse produto internoe invariante por Ad(g) para todo g ∈ G. Logo,

Tr(Fi(x) ∧ ∗F i(x)) =∑I

< Fi,I , Fi,I > l1 ∧ · · · ∧ lm

=∑I

< Ad(γi(x))Fi,I(x), γi(x)Fi,I(x) > l1 ∧ · · · ∧ lm

=∑I

< Fi,I(x), Fi,I(x) > l1 ∧ · · · ∧ lm

= Tr(Fi(x) ∧ ∗Fi(x)).

Portanto

AYMTr(γ∗ω) =

∫M

Ω ∧ ∗Ω =

∫M

Tr(Ω ∧ ∗Ω) = AYM (ω).

Como vimos, a equacao de Yang-Mills e uma equacao a deriva-das parciais de segunda ordem nao linear (exceto quando o grupoe abeliano). Se a variedade M tem dimensao quatro, existe umaclasse importante de solucoes da equacao de Yang-Mills, chamadasde instantons, que sao de fato solucoes da equacao de primeira ordemabaixo:

∗Ω = Ω.

A identidade de Bianchi implica que as conexoes que satisfazem essasimetria sao automaticamente solucoes da equacao de Yang-Mills. Oespaco dos instantons e evidentemente invariante pela acao do grupode Gauge e o espaco das orbitas desempenha um papel fundamentalna topologia das variedades compactas de dimensao 4 via os traba-lhos de Donaldson [].

Em Fısica de Partıculas, o espaco base M e o espaco tempo dedimensao 4 munido de uma metrica de Lorentz com a qual podemostambem definir um operador ∗ com as mesmas propriedades. Os cam-pos de forcas sao representados por conexoes nos fibrados principaissobre o espaco tempo com os grupos de simetria da fısica que sao

[SEC. 13.3: A EQUACAO DE YANG-MILLS 443

S1, correspondente ao eletromagnetismo, SU(2), correspondente aschamadas forcas fracas, e SU(3), correspondentes as forcas fortes. Oscampos de partıculas sao representados por secoes de fibrados veto-riais associados aos fibrados principais. A interacao de um campo deforcas com um campo de partıculas e via a derivada covariante asso-ciada a conexao, que permite definir a energia cinetica da partıcula.A fısica das partıculas e representada por uma acao que envolve osvarios campos e a acao de Yang-Mills e uma das parcelas desta acao.Os campos fısicos sao os pontos crıticos desta acao. No caso do grupoS1, a equacao de Yang-Mills coincide com as equacoes de Maxwell doeletromagnetismo.

Apendice A

Teorema do Coeficiente Universal

Definicao A.1. Seja H um grupo abeliano. Uma resolucao livre deH e uma sequencia exata

→ F2 → F1 → F0 → H → 0

com os Fi’s sendo grupos abelianos livres.

Exemplo A.1. Seja F0 o grupo abeliano livre gerado por um con-junto de geradores de H e F1 o nucleo do homomorfismo F0 → Hque leva cada gerador de F0 no correspondente gerador de H. Comotodo subgrupo de um grupo abeliano livre e um grupo abeliano livre,temos a resolucao livre

0→ F1 → F0 → H → 0

Exemplo A.2. Sejam

. . . Ck+1

∂k+1 // Ck∂k // Ck−1

∂k−1 // . . .

um complexo de cadeias, Zk = Ker ∂k e Bk = Im ∂k+1. Como Ck−1 elivre, segue que Bk−1 tambem e livre. Temos portanto uma resolucaolivre

0 // Zk // Ck∂k // Bk−1

// 0

Se H e um grupo abeliano e A e um anel, entao H ⊗A e Hom(H,A)tem estruturas naturais de A-modulos. Se

. . . F2f2 // F1

f1 // F0f0 // H // 0

444

445

e uma resolucao livre, entao

. . . // F2 ⊗Af2⊗id // F1 ⊗A

f1⊗id // F0 ⊗A // 0

e um complexo de cadeias e

0 // Hom(F0, A)fT1 // Hom(F1, A)

fT2 // Hom(F2, A) // ...

e um complexo de cocadeias.

Proposicao A.1. Os grupos

Tor(H,A) =Ker(f1 ⊗ id)

Im(f2 ⊗ id)

e

Ext(H,A) =Ker(fT2 )

Im(fT1 )

nao dependem da resolucao livre F .

Demonstracao. Vamos provar inicialmente a seguinte afirmacao:Se

. . . // F2f2 // F1

f1 // F0f0 // H,

. . . // F ′2f ′2 // F ′1

f ′1 // F ′0f ′0 // H ′

sao resolucoes livres e g : H → H ′ e um homomorfismo, entao existemhomomorfismos g′ : Fi → F ′i que tornam o diagrama abaixo comuta-tivo:

. . . // F2

g2

f2 // F1f1 //

g1

F0

g0

f0 // H

g

// 0

. . . // F ′2f ′2 // F ′1

f ′1 // F ′0f ′0 // H ′ // 0

Alem disso, se g′i : Fi → F ′i e outra famılia de homomorfismos com amesma propriedade, existem homomorfismos hi : Fi → F ′i+1 eh−1 : H → F ′0 tais que

gi − g′i = hi−1 fi + f ′i+1 hi.

446 [CAP. A: TEOREMA DO COEFICIENTE UNIVERSAL

De fato, como os grupos sao livres basta definir gi nos geradores.Comecamos por g0. Seja x um gerador de F0. Como f ′0 e sobrejetivo,existe y ∈ F ′0 tal que f ′0(y) = gf0(x) e daı defina g0(x) = y. Supondopor inducao que ja construımos gi−1 vamos construir gi. Seja x umgerador de Fi. Temos que fi(x) esta no nucleo de fi−1. Logo ,pela comutatividade do diagrama, gi−1(fi(x)) esta no nucleo de f ′i−1.Portanto existe y ∈ F ′i tal que f ′i(y) = gi−1(fi(x)). Definimos entaogi(x) = y, o qual se estende a um homomorfismo gi : Fi → F ′i tal quegi−1 fi = f ′i gi. Construimos os homomorfismos hi : Fi → Fi+1 demaneira analoga. Para definir h−1 em um gerador x ∈ H tomamosy ∈ F ′0 tal que f ′0(y) = g(x) e definimos h−1(x) = y. Suponhamos,por inducao, que ja construımos os homomorfismos hj para j ≤ i−1.Seja x ∈ Fi um gerador. Temos que

f ′i(gi(x)− g′i(x)) = gi−1(fi(x))− gi−1(fi(x))

e

gi−1(fi(x))−gi−1(fi(x)) = f ′ihi−1fi(x)+hi−2fi−1fi(x) = f ′ihi−1fi(x).

Logo f ′i(gi(x) − g′i(x) − hi−1fi(x)) = 0 e, portanto, existe y ∈ F ′i+1

tal quef ′i+1(y) = gi(x)− g′i(x)− hi−1fi(x).

Colocando hi(x) = y, construımos um homomorfismo hi : Fi → F ′i+1

satisfazendogi − g′i = fi+1 hi − hi−1 fi,

o que conclui a prova da afirmacao.

As aplicacoes hTi e hi ⊗ id sao portanto homotopias algebricas e as

aplicacoes gTi e gTi′

(resp. gi ⊗ id e g′i ⊗ id) induzem os mesmoshomomorfismoss em cohomologia (resp. homologia). Em particular,se H = H ′ e g = id temos que existem um isomorfismos canonicosentre os grupos de homologia (resp. cohomologia) dos dois complexos.

Observacao A.1. Como todo grupo abeliano livre H tem uma re-solucao livre

. . . 0→ 0→ F2 → F1 → H → 0,

447

temos que para qualquer resolucao livre F os grupos de homologia(resp. cohomologia) do complexo F ⊗ A (resp. Hom(F , A)) em di-mensao k se anulam para todo k ≥ 2.

Lema A.2. SeG1

g1→ G2g2→ G3 → 0

e uma sequencia exata de grupos abelianos e A e um anel com uni-dade, entao a sequencia

G1 ⊗Ag1⊗id // G2 ⊗A

g2⊗id // G3// 0

tambem e exata.

Demonstracao. Como g2 e sobrejetivo temos que tambem g2 ⊗ idtambem e. E claro tambem que a composta de duas quaisquer dastres aplicacoes se anula.

Como a sequencia

G1g1 // G2

g2 // G3// 0

e exata em G2, existe um isomorfismo g2 : G2

Im g1→ G3 tal que sua

composicao com a aplicacao quociente G2 → G2

Im g1→ G3 seja a g2.

Logo a aplicacao G2

Im g1⊗A g2⊗id→ G3⊗A e um isomorfismo. Tambem

a aplicacao (G2

Im g1

)⊗A→ G2 ⊗A

Im (g1 ⊗ id)

que associa [x]⊗ a a classe de equivalencia [x⊗ a] esta bem definidae e um isomorfismo. Portanto a composta do isomorfismo

G2 ⊗AIm (g1 ⊗ id)

→(

G2

Im g1

)⊗A

com o isomorfismo(

G2

Im g1

)⊗ A → G2 ⊗ A e um isomorfismo cuja

composicao com a aplicacao quociente G2 ⊕ A → G2⊗AIm (g1⊗id) e igual

a g2 ⊗ id. Logo o nucleo de g2 ⊗ id e igual a imagem de g1 ⊗ id e asequencia e exata tambem em G2 ⊗A.

448 [CAP. A: TEOREMA DO COEFICIENTE UNIVERSAL

Teorema A.3. Seja C o complexo de grupos abelianos livres

· · · → Ck+1 → Ck → Ck−1 → . . .

e A um anel com unidade. Entao a sequencia:

0→ Hk(C)⊗A α→ Hk(C, A)→ Tor(Hk−1(C), A)→ 0

e exata e separavel, onde α e o homomorfismo α([c]⊗ a) = [c⊗ a].

Demonstracao. A sequencia exata

0 // Bnin // Zn

πn // Hn// 0

e uma resolucao livre de Hn. O complexo de cadeias

0 // Bn ⊗Ain⊗id // Zn ⊗A

πn⊗id // Hn ⊗A // 0

tem homologia zero em Zn ⊗ A e em Hn ⊗ A e sua homologia emBn e Ker(in⊗ id) que, por definicao, coincide com Tor(Hn, A). Logotemos uma sequencia exata

0 // Tor(Hn, A) // Bn ⊗Ain⊗id // Zn ⊗A .

Como Bn−1 e um subgrupo do grupo abeliano livre Cn−1, ele etambem um grupo livre. Logo existe um morfismo s′n : Bn−1 → Cntal que ∂n s′n e a identidade de Bn−1. Assim, a sequencia

0 // Znjn // Cn

∂ // Bn−1// 0

e exata e separavel e existe um homomorfismo sn : Cn → Zn tal quesn in e a identidade de Zn. Logo a sequencia

0 // Zn ⊗Ajn⊗id // Cn ⊗A

∂⊗id // Bn−1 ⊗A // 0

e tambem exata e separavel com homomorfismo separador sn ⊗ id.Temos portanto o diagrama comutativo abaixo, onde as linhas saoexatas bem como as colunas laterais. A coluna do meio e um com-plexo de cadeias cuja homologia no nıvel do meio e Hk(C, A).

449

0

0 Bk ⊕Aoo

Ck+1 ⊕Aoo

Tor(Hk−1, A)

0 // Zk ⊕A

// Ck ⊕A

//mm Bk−1 ⊕A

// 0

Hk ⊕A

Ck−1 ⊕A Zk−1 ⊕Aoo 0oo

0

Vamos definir o homomorfismo α. Seja x ∈ Hk ⊗ A. Entao existey ∈ Zk ⊗ A cuja imagem pelo homomorfismo vertical e x. Sejaz ∈ Ck ⊗ A a imagem de y. A imagem de z pelo homomorfismohorizontal se anula pois coincide com a imagem de y pela compostade dois homomorfismos horizontais. Logo, pela comutatividade dodiagrama, a imagem de z pelo homomorfismo vertical tambem seanula e assim z e um ciclo. Sua classe de homologia nao depende daescolha de y pois se y′ ∈ Zk ⊗A tambem se aplica em x entao, comoa sequencia vertical e exata, existe b ∈ Bk⊗A que se aplica em y−y′.Como a primeira linha horizontal e exata, existe b′ ∈ Ck+1 ⊗ A quese aplica em b. Se z′ ∈ Ck ⊗ A e a imagem de y′ entao, pela comu-tatividade do diagrama, a imagem de b′ e igual a z − z′. Logo z′ ehomologo a z. Definimos entao α(x) como a classe de homologia de z.

Vamos provar que α e injetivo. De fato, se α(x) = [z] = 0, comz ∈ Ck ⊗ A imagem de y ∈ Zk ⊗ A que se aplica em x, entao existeb ∈ Ck+1 ⊗ A que se aplica em z. Seja b′ ∈ Bk ⊗ A a imagem deb. Se y′ ∈ Zk ⊗ A e a imagem de b′ entao, pela comutatividade dodiagrama, a imagem de y′ pelo homomorfismo horizontal e z. Como ohomomorfismo horizontal e injetivo temos que y′ = y. Logo a imagemde y pelo homomorfismo vertical coincide com a imagem de b′ pelacomposta de dois homomorfismos verticais. Logo x = 0 e α e injetivo.

Vamos agora definir o homomorfismo φ : Hk(C, A) → Tor(Hk−1, A).Seja z ∈ Ck⊗A um ciclo e y ∈ Bk−1⊗A sua imagem. Como a imagem

450 [CAP. A: TEOREMA DO COEFICIENTE UNIVERSAL

de z pelo homomorfismo vertical se anula entao, pela comutatividadedo diagrama, a imagem de y pelo homomorfismo vertical tambemse anula pois sua imagem pelo homomorfismo horizontal se anula.Logo, como a sequencia vertical e exata, existe x ∈ Tor(Hk−1, A) quese aplica em y. Se o ciclo z e um bordo, entao existe b ∈ Ck+1 ⊗ Aque se aplica em z. Seja b′ ∈ Bk ⊗ A sua imagem e z′ ∈ Zk ⊗ Aa imagem de b′. Pela comutatividade do diagrama, a imagem de z′

pelo homomorfismo horizontal coincide com z. Logo y, que e a ima-gem de z′ pela composta de dois homomorfismos horizontais e iguala zero. Portanto x tambem e igual a zero. Isto mostra que x dependeapenas da classe de homologia do ciclo z e podemos definir φ([z]) = x.

Vamos mostrar que φ e sobrejetivo. Sejam x ∈ Tor(Hk−1, A) ey ∈ Bk−1 ⊗ A sua imagem. Seja z ∈ Ck ⊗ A cuja imagem e y.A imagem de y pelo homomorfismo vertical e zero pois coincide coma imagem de x pela composta de dois homomorfismos verticais. Logo,pela comutatividade do diagrama, a imagem de z pelo homomorfismovertical tambem se anula. Logo z e um ciclo cuja classe de homologiae levada em x. Seja z ∈ Ck ⊗ A um ciclo cuja classe de homologiaesta no nucleo de φ. Se y ∈ Bk−1 ⊗ A e a imagem de z entao ye a imagem de 0 pelo homomorfismo vertical e, portanto, e igual azero. Logo existe y′ ∈ Zk ⊗ A cuja imagem e z. Se x ∈ Hk ⊗ A e aimagem de y′ entao α(x) e a classe de homologia de z. Logo o nucleode φ esta contido na imagem de α. Seja z ∈ Ck ⊗ A um ciclo cujaclasse de homologia e α(x). Logo existe y ∈ Zk ⊗ A cuja imagempelo homomorfismo vertical e x e que se aplica, pelo homomorfismohorizontal, em um ciclo z′ homologo a z. Logo a imagem de z′ pelohomomorfismo vertical se anula pois coincide com a imagem de y pelacomposta de dois homomorfismos horizontais. Logo φ([z′]) = 0 e aimagem de α esta contida no nucleo de φ. Portanto a sequencia eexata.

Sejam z ∈ Ck ⊗A um ciclo , y = (s⊗ id)(z) e x ∈ Hk ⊗A a imagemde y. Se o ciclo z e um bordo, existe b ∈ Ck+1⊗A que se aplica em z.Seja b′ ∈ Bk ⊗ A a imagem de b. Pela comutatividade do diagramae a injetividade do homomorfismo horizontal, temos que a imagemde b′ pelo homomorfismo vertical e igual a y. Logo x se anula pois ea imagem da composta de dois homomorfismos verticais. Portanto,

451

dado um ciclo z, o elemento x construido depende apenas da classede homologia de z.Temos assim um homomorfismo S : Hk(C, A) → Hk ⊗ A que, comoe facil verificar, e tal que S α e a identidade em Hk ⊗ A. Logo asequencia e separavel.

Um teorema de estrutura para grupos abelianos livres finitamentegerados afirma que se H e um grupo abeliano finitamente gerado,entao existem inteiros p, q1, ..., qr tais que

H ∼= Zp ⊕ Zq1 ⊕ Zq2 ⊕ · · · ⊕ Zqr

e os qj sao potencias de certos numeros primos. A proposicao abaixopermite calcular Tor(H,A) desses grupos.

Proposicao A.4. Valem as seguintes propriedades

1. Tor(H1 ⊕H2, A) = Tor(H1, A)⊕ Tor(H2, A);

2. Se H e um grupo livre, entao Tor(H,A) = 0;

3. Tor(Zn, A) ∼= Ker(A×n→ A).

Demonstracao. O ıtem 1) segue do fato que a soma conexa deresolucoes livres e uma resolucao livre da soma direta dos grupos. Oıtem 2) segue do fato que se H e um grupo livre, entao

0→ H → H → 0

e uma resolucao livre de H. Para provar 3) observamos que

0 // Z ⊗n // Z // Zn // 0

e uma resolucao livre de Zn. Da comutatividade do diagrama abaixosegue o ıtem 3).

0 // Z⊗A∼=

×n⊗id// Z⊗A //∼=

Zn ⊗A //

0

A×n // A // A

nA

452 [CAP. A: TEOREMA DO COEFICIENTE UNIVERSAL

Observacao A.2. Como a sequencia do teorema anterior e exata,para todo par de espacos topologicos (X,Y ) temos um isomorfismo

Hk(X,Y ;A) ∼= (Hk(X,Y ;Z)⊗A)⊕ Tor(Hk−1(X,Y ;Z)).

E facil ver que a sequencia exata e natural, isto e, uma aplicacaocontınua φ : (X,Y ) → (X ′, Y ′) induz homomorfismos que tornamcomutativo o diagrama abaixo.

0 // Hk(X,Y ;Z)⊗A

φ1

// Hk(X,Y ;A)

φ2

// Tor(Hk−1(X,Y ;Z), A)

φ3

// 0

0 // Hk(X ′, Y ′;Z)⊗A // Hk(X ′, Y ′;A) // Tor(Hk−1(X′, Y ′;Z), A) // 0

No entanto a decomposicao como soma direta nao e natural.

Teorema A.5. Sejam C o complexo de grupos abelianos livres

· · · → Ck+1 → Ck → Ck−1 → . . .

e A um anel com unidade. Entao a sequencia

0 // Ext(Hn−1(C), A) // Hn(C;A)β // Hom(Hn(C), A) // 0

e exata e separavel, onde β([f ])([c]) = f(c).

Demonstracao. E analoga a demonstracao do teorema anterior usandoo diagrama comutativo abaixo.

0

0 // Hom(Bp, A) // Hom(Cp+1, A) Ext(Hp−1, A)

OO

0 Hom(Zp, A)oo00 Hom(Cp, A)

OO

oo Hom(Bp−1, A)

OO

oo 0oo

Hom(Hp, A)

OO

Hom(Cp−1, A)

OO

// Hom(Zp−1, A)

OO

// 0

0

OO

453

Proposicao A.6. Valem as seguintes propriedades:

1. Ext(H ⊕H ′;A) = Ext(H;A)⊕ Ext(H ′;A);

2. Ext(H;A) = 0 se H e livre;

3. Ext(Zn;A) ∼ AnA .

Demonstracao. A prova e analoga a proposicao relativa ao funtorTor.

Se A e um corpo de caracterıstica 0, como por exemplo Q, R ouC, entao a aplicacao natural

Hn(X,Y ;A)→ Hom(Hn(X,Y ;A), A)

e um isomorfismo. Isso segue do fato que uma sequencia exata curtade espacos vetoriais e sempre separavel, pois todo espaco vetorial temuma base.

Corolario A.7. (Coeficientes universais para cohomologia) Seja (X,Y )um par de espacos topologicos. Entao a sequencia

0→ Ext(Hn−1(X,Y ;Z), A)→ Hn(X,Y ;A)β→ Hom(Hn(X,Y ;Z), A)→ 0

e exata e separavel, onde β([f ])[c] = f(c).

Apendice B

O Teorema de Seifert- van Kampen

Nesse apendice vamos mostra o Teorema de Seifert-van Kampen quepermite calcular o grupo fundamental de um espaco que e a uniao dedois abertos conexos por caminho e cuja intersecao e tambem conexopor caminho em termos dos grupos fundamentais desses abertos e desua intersecao. Antes de enunciar o teorema precisamos de algunsconceitos algebricos que desenvolveremos a seguir.

Seja Gλ;λ ∈ Λ uma famılia arbitraria de grupos. Vamos mos-trar a existencia de um grupo ∗λGλ e homomorfismos iλ : Gλ →∗λGλ, chamado produto livre dos grupos Gλ, que satisfaz a seguintepropriedade universal: dados um grupoH e homomorfismos fλ : Gλ →H, existe um unico homomorfismo f : ∗λGλ → H tal que f iλ = fλ.E facil ver que se P e um outro grupo e jλ : Gλ → P sao homomor-fismos satisfazendo a mesma propriedade universal entao existe umunico isomorfismo φ : ∗λ Gλ → P tais que jλ = φ iλ. Alem disso,iλ e injetivo, iλ(Gλ) ∩ iλ′(Gλ′) e a identidade e a uniao das imagensdos grupos Gλ geram o produto livre.

Vamos agora mostrar a existencia do produto livre. Uma palavrafinita no alfabeto ∪λGλ e uma sequencia finita g1g2 . . . gm de elemen-tos do alfabeto. A palavra e reduzida se cada gi e diferente da iden-tidade e se gi e gi+1 pertencem a grupos distintos. A cada palavrag1g2 . . . gm esta associada uma unica palavra reduzida [g1g2 . . . gm]obtida da palavra inicial por um numero finito de operacoes que con-siste em substituir duas letras consecutivas que pertencem ao mesmogrupo pelo produto delas no grupo se o produto for diferente da iden-

454

455

tidade ou elimina-las caso contrario. Seja e a palavra vazia que con-sideraremos tambem como uma palavra reduzida. Definimos entao oconjunto ∗λGλ como o conjunto das palavras reduzidas. O produtode duas palavras reduzidas e definido como a palavra reduzida asso-ciada a justaposicao das palavras. Assim, se g1 . . . gm e uma palavrareduzida entao seu produto pela palavra g−1

m . . . g−11 e a palavra vazia,

que chamaremos de identidade. A aplicacao iλ : Gλ → ∗λGλ que levaa identidade do grupo em e e leva cada elemento g diferente da iden-tidade na palavra com a unica letra g e injetiva, preserva os produtose a intersecao da imagem de duas aplicacoes se reduz a identidade.

Proposicao B.1. A multiplicacao acima definida e associativa e,portanto, ∗λGλ e um grupo, iλ : Gλ → ∗λGλ sao homomorfismos e apropriedade universal e satisfeita.

Demonstracao. Seja PΛ o grupo das permutacoes do conjunto ∗λGλ.Para cada λ seja φλ : Gλ → PΛ a aplicacao que a cada g ∈ Gλ associaa permutacao φλ(g) : [g1 . . . gm] 7→ [gg1 . . . gm] cuja inversa e φλ(g−1).E facil ver que φλ(g1.g2) = φλ(g1) φλ(g2), isto e, φλ e um homo-morfismo de grupo.Definimos entao φ : ∗λ Gλ → PΛ compondo as permutacoes, isto e,

φ(g1 . . . gk) = φλ(g1)(g1) · · · φλ(gk)(gk)

onde estamos usando a notacao g ∈ Gλ(g). E faci verificar que φpreserva os produtos. Logo, como a composicao de permutacoes eassociativa temos que o produto em ∗λGλ e tambem associativo eportanto o produto livre e um grupo.Para mostrar a propriedade universal basta definir f : ∗λ Gλ → Hpor

f([g1 . . . gm]) = fλ(g1)(g1). . . . .fλ(gm)(gm)

Exercıcio B.1. Usando a propriedade universal do produto livremostre que se G1, G2, G3 sao grupos entao (G1 ∗G2) ∗G3 e isomorfoa G1 ∗G2 ∗G3,

Dado um conjunto U = uλ;λ ∈ Λ, seja Gλ o grupo livre geradopor uλ. Temos entao que ∗λGλ e o grupo livre gerado pelos elementos

456 [CAP. B: O TEOREMA DE SEIFERT- VAN KAMPEN

iλ(uλ). Portanto a cada conjunto temos associado um unico, moduloisomorfismo, grupo livre e os grupos livres associados a dois conjun-tos sao isomorfos se e somente se os dois conjuntos tem a mesmacardinalidade.

Dado um grupo G, seja X ⊂ G um conjunto de geradores deG. Seja L o grupo livre associado ao conjunto X. Uma bijecao dosgeradores de L com X se estende a um homomorfismo φ : L → G.Como X e um conjunto de geradores de G, o homomorfismo φ esobrejetivo e seu nucle N e um subgrupo normal de L e G e isomorfoao grupo quociente L/N . Usaremos a notacao < ui; rj = 1 > paradenotar o grupo quociente do grupo livre L gerado pelos ui pelosubgrupo normal gerado pelos elementos rj ∈ L. Os ui’s sao osgeradores e os ri’s as relacoes. Um grupo e finitamente apresentado setiver uma apresentacao com um numero finito de geradores e relacoes.Assim Zn =< u;un = 1 >. O produto livre de dois grupos e o grupocom conjunto de geradores igual a uniao disjunta dos geradores econjunto de relacoes igual a uniao dos conjuntos de relacoes dos doisgrupos. Assim, Z2 ∗ Z2 =< x, y;x2 = y2 = 1 > e o grupo infinitocujos elementos sao id, x, y, xy, yx, xyx, yxy, xyxy, yxyx . . . .

Sejam F,G1, G2 grupos e αi : F → Gi homomorfismos. O espacoquociente do grupo G1 ∗ G2 pelo subgrupo normal gerado pelas pa-lavras (α2(g))−1α1(g) ∈ G1 ∗ G2; g ∈ F e chamado de produtoamalgamado e denotado por G1 ∗F,α1,α2 G2.

Lema B.2. Sejam q : G1 ∗G2 → G1 ∗F,α1,α2G2 a aplicacao quociente

e i1 : G1 → G1 ∗ G2 a inclusao que a cada g ∈ G1 associa a palvrareduzida [g]. Se α2 : F → G2 e um isomorfismo entao q i1 : G1 →G1 ∗F,α1,α2 G2 e um isomorfismo.

Demonstracao. Vamos mostrar que q i1 e sobrejetivo. Seja x ∈G1∗F,α1,α2

G2. Seja g1 . . . , gm ∈ G1∗G2 uma palavra reduzida que seprojeta em x tal que m seja minimal. Se m > 1 seja j tal que gj ∈ G2.Entao [g1 . . . , gj−1α1 α−1

2 (gj)gj+1 . . . gm] tambem se projeta em xe o numero de letras dessa palavra reduzida e menor que m o que eabsurdo. Logo existe uma palavra [g] que se projeta em x. Podemossupor que g ∈ G1 pois, caso contrario, α1 α−1

2 (g−1) ∈ G1 e [g] seprojeta no mesmo ponto que [α1 α−1

2 (g−1)g−1g] = [α1 α−12 (g−1)].

Portanto x e a imagem de g ∈ G1 por q i1.Como α2 injetivo temos que q i1 e tambem injetivo.

457

Teorema B.3. Teorema de Seifert-Van KampenSeja X um espaco topologico que e a uniao de uma famılia Aλde subconjuntos abertos conexos por caminho tais que para todosλ, λ′, λ′′ temos que Aλ ∩ Aλ′ e Aλ ∩ Aλ′ ∩ Aλ′′ sao conexos por ca-minho e contem o ponto base x0. Sejam jλ : π1(Aλ) → π1(X) eiλλ′ : π1(Aλ ∩ Aλ′) → π1(Aλ) os homomorfismoss induziedos pelasinclusoes Aλ → X, Aλ ∩Aλ′ → Aλ. Seja

φ : ∗λ π1(Aλ)→ π1(X)

o homomorfismo que composto com a inclusao π1(Aλ) → ∗λπ1(Aλ)e igual a jλ.

Entao φ e sobrejetivo e seu nucleo e o subgrupo normal N geradopelas palavras da forma iλλ′(ω)iλ′λ(ω)−1 e, portanto, φ induz umisomorfismo

π1(X) ∼ (∗λπ1(Aλ))/N

Exemplo B.1. O grupo fundamental de um buque de espacostopologicosSejamXi espacos topologicos conexos por caminho, xi ∈ Xi e Vi ⊂ Xi

uma vizinhanca contratil de xi em Vi. Seja ∧iXi o espaco quocienteda uniao disjunta dos Xi pela relacao de equivalencia que identificadois pontos se e somente se eles pertencem ao conjunto xi. Seja xa imagem de xi pela aplicacao quociente, Xi ⊂ ∧iXi a imagem deXi e V a imagem da uniao disjunta dos Vi’s. Temos que V e umavizinhanca contratil de x em ∧iXi. Sejam Ai = Xi ∪ V . Como Ve contraatil em Xi e homeomorfo a Xi temos que π1(Ai) = π1(Xi).Como π1(V ) = 0 temos, pelo teorema de Seifert-Van Kampen, queπ1(∧iXi) = ∗iπ1(Xi).

Exemplo B.2. O grupo fundamental das superfıcies compac-tas.Como ja vimos, a esfera e simplesmente conexa. Uma superfıcie ori-entada de genus g ≥ 1, Mg, e homeomorfa ao espaco quociente de umpolıgono plano de 4g lados a1, b1, a

−11 , b−1

1 , . . . , ag, bg, a−1g , bg−1 onde

o lado ai e identificado com a−1i e bi e identificado com b−1

i . Por-tanto todos os vertices sao identificados a um unico ponto x0 ∈ Mg,os lados ai a cırculos αi e bi a cırculos βi. Seja A1 a projecao de

458 [CAP. B: O TEOREMA DE SEIFERT- VAN KAMPEN

um disco no interior do polıgono e A2 a projecao do complementarde um disco fechado contido no primeiro disco. Assim A2 tem o tipode homotopia do buque de cırculos α1 ∪ β1, . . . , αg, βg e π1(A1) = 0.Por outro lado A1 ∪ A2 e um cilindro que tem o tipo de homoto-pia de um cırculo e a imagem do gerador de π1(A1 ∩ A2 em π1(A2)e α1β1α

−11 β−1

1 , . . . , αgβgα−1g β−1

g . Portanto, pelo teorema de Seifert-Van Kampen,

π1(Mg) =< α1, β1, . . . , αg, βg;α1β1α−11 β−1

1 , . . . , αgβgα−1g β−1

g = 1 > .

Como uma variedade nao orientavel de genus g, Ng, e obtida comoo espaco quociente de um polıgono plano de lados a1, b1, a

−11 , b−1

1 , . . . , ag, bg, a−1g , bg−1, a, a

temos, pelo mesmo argumento,

π1(Ng) =< α1, β1, . . . , αg, βg, α;α1β1α−11 β−1

1 , . . . , αgβgα−1g β−1

g α2 = 1 > .

Exemplo B.3. O grupo fundamental da soma conexa de duasvariedades de dimensao maior ou igual a 3 Seja M uma vari-edade de dimensao maior ou igual a 3 e A1 ⊂ M uma bola abertamergulhada. Seja A2 ⊂ M o complementar de uma bola fechadacontida em A1. Entao A1 ∪ A2 e homeomorfo ao produto de umaespera Sn−1 por um intervalo e, portanto tem o tipo de homotopiade Sn−1. Como n ≥ 3 tempos entao que π1(A1) = 1 = π1(A1 ∩ A2).Logo, pelo teorema de Seifert-Van Kampen, π1(A2) = π1(M).

Sejam M1 e M2 variedades compactas de dimesao n ≥ 3. Pelo quevimos acima, a soma conex M1#M2 e a uniao de dois abertos A1, A2

tais que πi(Ai) = πi(Mi) e A1 ∩ A2 e homeomorfa ao produto daesfera Sn−1 por um intervalo. Logo π1(A1 ∩A2) = 0 e, pelo teoremade Seifert-Van Kampen,

π1(M1#M2) = π1(M1) ∗ π1(M2)

.

Exemplo B.4. Todo grupo finitamente apresentado e o grupofundamental de uma variedade de dimensao 4

Seja M uma variedade de dimesao 4 e U ⊂ M uma aberto que eimagem de um mergulho φ : S1 × D3 → M . Seja V o complementarem M da imagem de S1 × D(1/2). Temos entao que U ∩ V temo tipo de homotopia de S1 × S2 e o homomorfismo de seu grupo

459

findamental no grupo fundamental de A1 indizido pela inclusao e umisomorfismo. Logo, pelo teorema de Seifert-van Kampen e o lema B.2temos que a inclusao de A2 em M induz um isomorfismo dos gruposfundamentais.

Seja < u1, . . . , un; r1 = 1, . . . , rn = 1 > o grupo fundamental deM . Seja r um elemento desse grupo. Vamos, usando uma cirur-gia, construir uma variedade N cujo grupo fundamental e isomorfoa < u1, . . . , un; r1 = 1, . . . , rn = 1, r = 1 >, isto e, tem os mes-mos geradores e uma relacao a mais. Como estamos em dimensao4 (dimensao 3 seria suficiente) podemos representar a classe de ho-motopia r por um cırculo mergulhado. Tomemos uma vizinhancatubular desse cırculo, portanto um mergulho φ : S1 × D3 → M talque φ(S1×0 seja esse cırculo. Como o bordo de S1×D3, S1×S2 eo mesmo que o bordo de D2 × S2, podemos construir uma variedadecompacta N colando M −φ(S1×D3 com D2×S2. Essa variedade seescreve entao como a uniao de dois abertos U, V tais que V e home-omorfo a D2 × S2 e U tem o tipo de homotopia de M − φ(S1 ×D3).Portanto o grupo fundamental de U e isomorfo ao grupo fundamentalde M e o grupo fundamental de V e trivial. A intersecao U ∩ V temo tipo de homotopia de S1×S2 e, portanto o seu grupo fundamentale cıclico. A inclusao de U ∩ V em U leva o gerador do grupo funda-mental no elemento do grupo fundamental correspondente a r. Comoo grupo fundamental de V e trivial o resultado segue do teorema deSeifert-van Kampen.

Dado um grupo finitamente apresentado< u1, . . . , un; r1 = 1, . . . , rn =1 > tomamos M0 como a soma conexa de m copias de S1×S3. Peloexemplo anterior, o grupo fundamental de M0 e o grupo livre com mgeradores. Usando o argumento acima, construimos uma variedadeM1 cujo grupo fundamental e isomorfo a < u1, . . . , um; r1 = 1 >.Repetindo o argumento construimos uma variedade Mn cujo grupofundamental coincide com o grupo dado.

Um resultado muito mais profundo foi obtido por Taubess em[Tau]: todo grupo finitamente apresentado e o grupo fundamental deum variedade algebrica compacta de dimensao complexa 3. A provaenvolve tecnicas sofisticadas de analise. Uma prova um pouco maiselementar foi obtida recentemente em [PP].

Exercıcio B.2. 1) Mostre que em um CW-complexo, a inclusao do

460 [CAP. B: O TEOREMA DE SEIFERT- VAN KAMPEN

esqueleto de dimensao dois no CW-complexo induz isomorfismos nosgrupos fundamentais.

2) Mostre que em um CW complexo a inclusao do esqueleto de di-mensao um no esqueleto de dimensao dois induz nos grupos funda-mentais um homomorfismo sobrejetivo.

3) Mostre que o grupo fundamental de uma variedade compacta efinitamente gerado.

Apendice C

O grupo fundamental π1(X, x0) e o

grupo de homologia H1(X,Z).

Vamos mostrar um teorema devido a Poincare, segundo o qual ogrupo de homologia com coeficientes nos inteiros, H1(X;Z) e iso-morfo ao quociente do grupo fundamental pelo subgrupo comutador.Mais precisamente, se α ∈ π1(X,x0) e a classe de homotopia deφ : (S1, z0)→ (X,x0) definimos h(α) como sendo a imagem pelo ho-momorfismo φ∗ : H1(S1) → H1(X) do gerador de H1(S1). Temosentao,

Teorema C.1. Se X e um espaco topologico conexo por caminhosentao a aplicacao

h : π1(X,x0)→ H1(X)

e um homomorfismo sobrejetivo cujo nucle e o grupo [π1(X,x0), π1(X,x0)].Consequentemente H1(X) e isomorfo ao abelianizado do g rupo fun-damental.

Demonstracao. h esta bem definido pois duas aplicacoes homotopicasinduzem o mesmo homomorfismo em homologia. Podemos identificarcaminhos φ : [0, 1]→ X com simplexos de dimensao 1 ∆1 → X defi-nido port te0 + (1− t)e1 7→ φ(t). Em particular, um caminho fechadoe um ciclo. Se α e um caminho, nao necessariamente fechado, deno-taremos por [α] sua classe de homologia, isto e, o conjuto das cadeiasc ∈ C1(X;Z) tais que c − α e o bordo de uma cadeia em C2(X;Z),e por α sua classe de homotopia com extremos fixos. Denotamos

461

462[CAP. C: O GRUPO FUNDAMENTAL π1(X,X0) E O GRUPO DE HOMOLOGIAH1(X,Z).

tambem por Ω(X,x0) o espaco dos caminhos fechados com origemx0. Portanto, se α ∈ Ω(X,x0) entao

h(α) = [α].

1) h e um homomorfismo.Lembramos que se α e β sao caminhos tais que β(0) = α(1) entao ocamino α ∗ β e definido por t 7→ α(2t) se 0 ≤ t ≤ 1

2 e t 7→ β(2t − 1)se 1

2 ≤ t ≤ 1 e o caminho α−1 e definido por t 7→ α(1− t).Afirmacao:

[α ∗ β] = [α] + [β].

De fato, seja σ : ∆2 → X o simplexo singular cuja restricao a cadaum dos intervalos indicados na figura C.1 e a composta de α (resp. β)com a aplicacao afim que leva o segmento no intervalo [0, 1]. Entao∂σ = α+ β − α ∗ β o que demonstra a afirmacao.

Figura C.1: [α ∗ β] = [α] + [β]

Se α, β ∈ Ω(X,x0) temos que

h(αβ) = h(α ∗ β)) = [α ∗ β] = [α] + [β]

e h e um homomorfismo.2) h e sobrejetivo.Se α, β, γ sao caminhos tais que β(0) = α(1) e γ(0) = β(1), denota-remos por α ∗ β ∗ γ o caminho definido por t 7→ α(3t) se 0 ≤ t ≤ 1

3 ,t 7→ β(3t − 1) se 1

3 ≤ t ≤ 23 e t 7→ γ(3t − 2) se 2

3 ≤ t ≤ 1.Usando o simplexo σ : ∆2 → X como na figura C.2 concluimos que[α ∗ β ∗ γ] = [α] + [β ∗ γ] e, portanto,

[α ∗ β ∗ γ] = [α] + [β] + [γ].

463

Figura C.2: [α ∗ β ∗ γ] = [α] + [β] + [γ]

Vamos escolher, para cada x ∈ X, um caminho ηx : [0, 1]→ X talque ηx(0) = x0 e ηx(1) = x. Se x = x0 tomamos ηx0

como o caminhoconstante. A cada caminho α associamos o caminho fechado

α = ηα(0) ∗ α ∗ η−1α(1).

Seja z =∑i niαi um ciclo. Consideremos o caminho fechado γ =∏

i(αi)ni . Vamos mostrar que [γ] = [z]. De fato,

[γ] =∑i ni[αi] =

∑i ni([ηαi(0)] + [αi]− [ηαi(1)]) =

=∑i ni[αi] +

∑i ni(ηαi(0) − ηαi(1) = [z] +

∑i ni[ηαi(0) − ηαi(1)]

Como z e um ciclo, temos que 0 = ∂z =∑i ni(αi(1) − αi(0)). Isto

implica que para cada x ∈ X o numero de indices i tais que αi(0) = xe igual ao numero de j’s tais que αj(1) = x e isso implica que a ultimaparcela do segundo membro da equacao acima se anula. Portanto he sobrejetivo.30 O nucle de h e o comutador [π1, π1] Como o grupo de ho-mologia e comutativo temos que o nucle de h contem o comutador.Resta mostrar a outra inclusao. Para isso temos Se q : πi(X,x0) →π1(X,x0)/[π1, π1] a projecao no grupo comutativo quociente. Sedois elementos de π1(X,x0) se escrevem como produto de um certonumero de elementos e os produtos diferem apenas pela ordem dosfatores entao eles tem a mesma imagem. Se β ∈ Ω(X,x0) e tal queβ pertence ao nucle de h, entao β = ∂(

∑i niσi) onde σi e um sim-

plexo singular de dimensao 2 e podemos escrever ∂σi = σi0−σi1+σi2.Consideremos o caminho fechado γ =

∏i(γ

nii ) onde γi = (σi0σ

−1i1 σi2).

Como σi2(0) = σi1(0), σi2(1) = σi0(0) e σi0(1) = σi1(1) temos

464[CAP. C: O GRUPO FUNDAMENTAL π1(X,X0) E O GRUPO DE HOMOLOGIAH1(X,Z).

que γi e homotopico a ησi0(0)σi0σ−1i1 σi2η

−1σi0 que e homotopico a x0

mod (0,1). Portanto ∏i(γi)

ni =∏iγini = 1 e, conseqquente-

mente, q(∏iγini) = 0, onde estamos denotando por 0 a identi-

dade do grupo comutativo π1(X,x0)/[π1, π1]. Por outro lado, comoβ =

∑i ni(σi0 − σi1 + σi2), podemos, alterando a ordem dos fatores

do produto∏i γ

nii , obter um caminho fechado homotopico a β. Logo

q(β) = 0 e, portanto, β pertence ao comutador.

Apendice D

Grupos de Homotopia- Teorema de

Hurewicz

Como vimos, o grupo fundamental foi introduzido por Poincare. Va-mos agora discutir uma generalizacao introduzida por Hurewicz nosanos 30: os grupos de homotopia. Como conjunto, o grupo de homo-topia πn(X,x0) e simplesmente o conjunto das classes de homotopiade aplicacoes f : (Sn, z0) → (X,x0) onde duas aplicacoes f0, f1 saohomotopicas se existe uma aplicacao F : [0, 1] × Sn → X tal queF (0, z) = f(z), F (1, z) = g(z) e f(t, z0) = x0 para todo z ∈ Sn epara todo t ∈ [0, 1]. Como duas aplicacoes homotopicas induzem omesmo homomorfismo nos grupos de homologia e o grupo de homo-logia de dimensao n e isomorfo a Zn podemos fixar um gerador (ouorientacao da esfera) e definir a aplicacao

h : πn(X,x0)→ Hn(X;Z)

que a cada classe de homotopia de aplicacao f : (Sn, z0)→ (X,x0) as-socia a imagem por f∗ : Hn(Sn,Zn)→ Hn(X;Z) do gerador. Vamosmostrar que πn(X,x0) tem uma estrutura de grupo, que e comuta-tivo se n ≥ 2, e que a aplicacao h e um homomorfismo. Alem distoprovaremos o teorema de Hurewicz segundo o qual h e um isomor-fismo se X e n-conexo, isto e, se os grupos de homotopia πm(X,x0)se anulam se m < n.

Uma maneira de introduzir uma estrutura de grupo no conjuntoπ2(X,x0) e identificar esse conjunto com o grupo fundamental de um

465

466 [CAP. D: GRUPOS DE HOMOTOPIA- TEOREMA DE HUREWICZ

outro espaco topologico. Se Z e W sao espacos topologicos, podemosintroduzir uma topologia no espaco das funcoes contınuas C0(Z,W ),chamada topologia compacto-aberto, tomando com base de abertosos subconjuntos [K,U ] das aplicacoes f tais que f(K) ⊂ U , ondeK ⊂ Z e compacto e U ⊂ Z e aberto. Se Z e compacto, essatopologia coincide com a topolologia C0 de Whitney que definimos nocapıtulo 8. Na topologia compacto-aberto, uma sequencia de funcoesfn converge a uma funcao f se e somente se converge uniformementeem cada subconjunto compacto. Deixamos ao leitor a tarefa de provaras seguinter propriedades desta topologia:

• A aplicacao

C0(Z,W )× Z →W, (f, x) 7→ f(x)

e contınua

• Se Y e um espaco topologico entao uma aplicacao F : Y →C0(Z,W ) e contınua se e somente se a aplicacao

Y × Z →W, (y, x) 7→ F (y)(z)

e contınua.

Considerando o espaco dos lacos Ω(X,x0) com a topologia indu-zida do espaco C0([0, 1], X) temos entao que uma homotopia entredois lacos α0 e α1 e simplesmente uma aplicacao contınua H : [0, 1]→Ω(X,x0) tal que F (0) = α0 e F (1) = α1. Logo o grupo fundamen-tal e o conjunto das componentes conexas do espaco de lacos e Xe simplesmente conexo se Ω(X,x0) e conexo. Seja c0 ∈ Ω(X,x0) ocaminho constante. Podemos entao considerar o espaco topologicoΩ(Ω(X,x0), c0) dos lacos em Ω(X,x0) com extremidades c0. Peloque vimos acima, um laco s ∈ [0, 1] 7→ αsΩ(X,x0) corresponde auma aplicacao contınua f : [0, 1] × [0, 1] → X tal que fs(t) = fs(t).Logo f(∂([0, 1]× [0, 1]) = x0. Reciprocamente, uma funcao contınuaf com essa propriedade define um laco no espaco dos lacos. Portantoesse espaco de lacos pode ser identificado com espaco das aplicacoescontınuas C0(([0, 1]×[0, 1], ∂([0, 1]×[0, 1]), (X,x0)) que, por sua vez enaturamente identificado com o espaco C0((S2, z0), (X,x0)). Temosentao uma bijecao do grupo fundamental π1(Ω(X,x0) com o espaco

467

das componentes conexas de C0(([0, 1], ∂([0, 1])), (Ω(X,x0), c0)) queesta em bijecao com o conjunto das componentes conexas de C0(([01]×[0, 1], ∂([0.1]×[0, 1]), (X,x0))) que podemos identificar com o conjuntodas componentes conexas de C0((S2, z0), (X,x0)) que e identificadocom π2(X,x0). Portanto temos uma bijecao entre π2(X,x0) e o grupofundamental π1(Ω(X,x0), c0). Essa identificacao. Mais geralmente,podemos consideral o espaco ωn(X,x0) das aplicacoes contınuas de[0, 1]n que levam o bordo de [0, 1]n no ponto x0 com a topologiacompacto-aberto e a aplicacao constante c ∈ Ωn(X,x0) e identificarπn+1(X,x0) com o grupo fundamental π1(ωn(X,x0), c).

A seguir vamos descrever mais explicitamente a estrutura de grupode πn(X,x0).

Definicao D.1. Sejam f, g : [0, 1]n → X transformacoes contınuasque levam o bordo de [0, 1]n no ponto x0. Definimos entao a aplicacaof ∗ g : ([0, 1]n, ∂[0, 1]n)→ (X,x0) por

f ∗ g(x1, . . . , xn) = f(2x1, x2, . . . , xn) se 0 ≤ x1 ≤ 12

= g(2x1 − 1, x2, . . . , xn) se 12 ≤ x1 ≤ 1

O produto da classe de homotopia de f pela classe de homotopiade g e entao a classe de homotopia de f ∗ g.

Proposicao D.1. Se n ≥ 2 entao πn(X,x0) e comutativo.

Demonstracao. A homotopia Fs entre f ∗ g e g ∗ f e descrita nafigura D.1 onde a restricao de Fs a regiao indicada por f , resp. g,e a composta do difeomorfismo afim entre esta regiao e [0, 1]n comf , resp. com g, e o complementar destas duas regioes e aplicado noponto x0.

Figura D.1: [[f ][g] = [g][f ]

468 [CAP. D: GRUPOS DE HOMOTOPIA- TEOREMA DE HUREWICZ

Uma aplicacao contınua f : (X,x0)→ (Y, y0) induz um homomor-fismo f∗ : πn(X,x0) → πn(Y, y0). Evidentemente, o homomorfismoinduzido pela identidade e a identidade e (g f)∗ = g∗ f∗. Em par-ticular espacos homemomorfos tem grupos de homotopia isomorfos.

Um caminh α : [0, 1] → X com α(0) = x0 induz um isomorfismo[α] : πn(X,x0) → πn(X,x1). De fato, dado uma aplicacao contınuaf : (([0, 1]n, ∂[0, 1]n), X, x0) associamos uma aplicacao f : (([0, 1]n, ∂[0, 1]n), (X,x1))da seguinte forma. A restricao de g a [1/2, 2/3]n e a composta de fcom a com o difeomorfismo afim [1/3, 2/3]n → [0, 1]n e a restricao deg a cada segmento radial entre [1/3, 2/3/]n e [0, 1]n e a composta deα com o difeomorfismo afim desse segmento e o interval [0, 1]. Se fs euma homotopia entre f0 e f1 entao fs e uma homotopia entre f0 e f1.Definimos entao a imagem da classe de homotopia de f como a classede homotopia de f . Essa aplicacao e um isomorfismo e depende ape-nas da classe de homotopia de α Essa construcao, aplicada a lacos,define uma acao do grupo fundamental nos grupos de homotopia.

Assim como na homologia, podemos tambem definir grupos dehomotopia relativo de um par : πn(X,Y, x0) onde Y ⊂ X e x0 ∈ Y .De fato, seja In−1 = z ∈ [0, 1]n; zn = 0. Se Y e um subespaco deX contendo o ponto x0 definimos πn(X,Y, x0) como o conjunto dasclasses de equivalencia de C0(([0, 1]n, In−1, [0, 1]n − In−1, (X,Y, x0)).Se n ≥ 2 a mesma definicao de produto torna πn(X,Y, x0) um grupoque e comutativo se n ≥ 3. Identificando In−1 com [0, 1]n−1 temosum homomorfismo

∂ : πn(X,Y, x0)→ πn−1(Y, x0)

que associa a classe de homotopia de f : ([0, 1]n, In−1, [0, 1]n−In−1)→(X,Y, x0) a classe de homotopia de sua restricao a Y que leva (In−1, ∂In−1)em (Y, x0). Combinando esse homomorfismo com os homomorfismosinduzidos pela inclusao Y → X obtemos a sequencia exata de homo-topia de um par (X,Y):

. . . πn(Y, x0)→ πn(X,x0)→ πn(X,Y, x0)∂→ πn−1(Y, x0)→ . . .

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ı¿12ndice

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2mbolos