TOMO I: O ESTUDO DOS FEITIÇOS CONTRÁRIOS TOME I: THE...
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TOMO I: O ESTUDO DOS FEITIÇOS CONTRÁRIOS
TOME I: THE STUDY OF THE OPPOSING SPELLS
Bruna Mazzotti / UFAM
RESUMO Este estudo compreende minhas proposições performativas-ritualísticas com participantes curiosos ou iniciados: O Buraco (outubro/2018) e Templária (fevereiro/2019), sublimadas com monotipias em gravura, escritos poéticos e sonhos lúcidos. Com base na incitação de Jorge Glusberg que designa o performer enquanto mago semiótico, convoco uma mesa presidida por C.S. Peirce em conjunção com C.G. Jung para revelar verdades potenciais por meio da cartomancia do baralho de A.E. Waite e Pamela Smith. Da tríade de tiragens realizadas, a mostra alquímica é mensurada enquanto elixir inacabado em constante devir. PALAVRAS-CHAVE Performance arte; mago semiótico; tarô; psicologia junguiana; semiótica peirceana ABSTRACT This study comprehends my ritualistic-performative propositions with initiated or interested participants: O Buraco [The Hole] (october/2018) and Templária [Templar] (february/2019), invoked through engraved monotypes, poetic writing, and lucid dreams. Based on the instigation of Jorge Glusberg, which designates the performer while semiotic magician, I summon a board presided by C. S. Peirce in conjunction with C. G. Jung to reveal potential truths through the cartomancy of the A. E. Waite and Pamela Smith's deck. Through the three readings, the alchemical sample is measured as an unfinished elixir, constantly becoming. KEYWORDS Performance art; semiotic magician; tarot; Jungian psychology; Peirce's semiotics
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MAZZOTTI, Bruna. Tomo I: o estudo dos feitiços contrários, In: ENCONTRO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PESQUISADORES EM ARTES PLÁSTICAS, 28, Origens, 2019, Cidade de Goiás. Anais [...] Goiânia: Universidade Federal de Goiás, 2019. p. 312-326.
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Tirar/jogarescolher? Arriscar. Uma breve tentativa de começo.
Neste artigo, coloco meus medos, frustrações e antecipações de momento a
momento. Sou capaz? Suficiente? E se eu travar mais uma vez? Para escrever
comigo, chegam perguntas que nem possuem chance de serem documentadas:
retornam à caixa. É medo de quê? De errar, de ser vista, de admitir... Rememorar o
passado com as suposições presentes é se agraciar pelo preenchimento da falta
"(...) de quê? Talvez falte admitir que sempre vai faltar alguma coisa, não por
escassez de códigos, mas pelo corpo/obra processual que se inscreve no
espaço/tempo de páginas contínuas" (MAZZOTTI, 2019).
A investigação transformativa dessas constatações é processual e vulnerável:
enquanto objeto e resultado público, devo ter coragem de ser - e de ser projetada -,
mas o faço porque pode ser útil. Para quem? Estas linhas são acompanhadas por
deglutições secas e quanto mais avanço, mais quero parar de escrever porque
existe uma desorientação no caminho: é uma solidão primeira, a falta do outro, que
aguarda por ser solitude, a integração de si.
Este parágrafo inicia com um esboço de sorriso juntamente com um quase lagrimar.
Eu quero me abraçar por enfrentar e assim o faço, enquanto o cursor do mouse
cessa de sinalizar, piscar, ir e voltar, para somente estar presente. Há uma pausa.
Minhas mãos em contato com o rosto para que eu me acalme e foque neste
instante, mesmo que uma página de escrita tenha sido deletada por desatenção.
Não há como restaurar no histórico da versão anterior, não há retorno. Mas há o
agora, ainda que eu esteja em negação. O que o outro texto tinha de melhor que
este não pode ter? Se ele saiu do todo e da mesma pessoa...
Há... uma quebra.
E percebo que o cursor do mouse não se situa nem cessa entre o espaço em branco
que separa o parágrafo anterior deste: salta de um diretamente para o outro, como
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MAZZOTTI, Bruna. Tomo I: o estudo dos feitiços contrários, In: ENCONTRO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PESQUISADORES EM ARTES PLÁSTICAS, 28, Origens, 2019, Cidade de Goiás. Anais [...] Goiânia: Universidade Federal de Goiás, 2019. p. 312-326.
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se nada ali houvesse. Há algo de inexplorado no espaço em branco que aguarda por
ser descoberto e inscrito.
Antes de sentar, justifico a grafia no presente de acontecimentos passados: as
reverberações ressoam de tal modo que ainda as revivo e gosto que os leitores
experimentem ao mesmo tempo verbal essa memória em que faço e me refaço.
Preparo a mesa e medio vozes.
Ao continuar deste tomo, é necessário pensar na matéria básica que trará
consistência ao nosso estudo: os algarismos Um, Dois, Três. A Primeiridade possui
potência, Originalidade de ser, sentimento imediato; a Secundidade é Obsistência,
obstinada, insistência, resistência, polaridade em contato com a Originalidade faz de
algo, outro; a Terceiridade é Transuasão, translação, transfusão, transação,
transcendental, mediação/modificação da secundidade e primeiridade por
consciência sintética; e assim por diante, indefinidamente, volta-se ao primeiro com
potência cíclica. Esta triplicidade é forma mais pura do pensamento de Charles
Sanders Peirce (2017). Guarde que o Signo é um Primeiro que se relaciona e está
no lugar de um Segundo que é seu Objeto, no qual determina um Terceiro que é seu
Interpretante, em continuidade genuína (PEIRCE, 2017). Exemplo:
Vermelho.
Imediatamente, você leitor obtém da memória da cor tal qual foi absorvida
anteriormente pelos seus sentidos. Portanto: o signo é a palavra Vemelho; o objeto é
a cor na imagem mental; e o interpretante? É a sensação ou ação imediata que a
relação do signo e o objeto despertaram, a qual você acaba de experimentar. Tudo
isso só é possível pelo que o autor chama de experiência colateral, ou seja, a
bagagem mental armazenada sensorialmente.
É dessa maneira que assumo a tarefa de maga da semiótica, conforme Jorge
Glusberg (2011) indica conceber, por meio da manipulação de signos materializados
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no instante presente e ritualístico - geralmente imprevista acima de determinadas
leis (programas performativos pré-estabelecidos1
O autor coloca ainda que a característica de reencontro permanente entre performer
e participantes iniciados resgata e transmite algo de transcendência. Ao
complementar, C.G. Jung (2015) fala que a função transcendente não é algo
misterioso, suprassensível ou metafísico, mas antes uma função tal qual a
matemática, possuidora de números reais e imaginários. Ele ainda afirma que tal
função é composta pelos valores da consciência e do inconsciente. A consciência
está para a razão e exerce uma inibição de conteúdos reprimidos (esquecidos
propositalmente pela psique), evocações dolosas, percepções que, enfim, são
facilmente indefiníveis e entulhadas no inconsciente (JUNG, 2015). Porém, nem tudo
está perdido, pois é por meio de símbolos que o inconsciente se comporta de forma
complementar ou compensatória ao consciente (ibid.). E já que ele me ouviu falar de
signo, coloca ainda que:
O método [da função transcendente], com efeito, baseia-se em apreciar o símbolo, isto é, a imagem onírica ou a fantasia, não mais semioticamente, como sinal, por assim dizer, de processos instintivos elementares, mas simbolicamente, no verdadeiro sentido, entendendo-se 'símbolo' como termo que melhor traduz um fato complexo e ainda não claramente apreendido pela consciência (JUNG, 2015, p. 72).
Na psicologia analítica de Carl Jung o símbolo tem linguagem universal por ação de
reunir, equilibrar e harmonizar contrários, pois quanto maior o ressoar de sua
atmosfera para uma pessoa ou sociedade, mais potente é a influência que exerce -
é o que me dizem, em coro, Jean Chevalier e Alain Gueerbrant (2009, s/p, ênfase
dos autores): "A história do símbolo atesta que todo objeto pode se revestir de valor
simbólico [...] o símbolo afirma-se como um termo aparentemente apreensível,
associado a outro que – este sim – escapa à apreensão".
São os símbolos que constituem matéria para chamar arquétipos: uma reunião de
imagens primordiais formadas por inúmeras vivências de um mesmo tipo, ou seja,
são resíduos psíquicos de milhões de experiências individuais que aguardam por
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uma transcrição de linguagem compreensível (JUNG, 2013). No mais, o psiquiatra e
psicoterapeuta citado ainda levanta mais duas informações sobre arquétipos: a
melhor fonte de acesso a eles é por meio dos sonhos que transpõem conteúdos
inconscientes para a consciência; e os arquétipos são moralmente indiferentes, nem
bons ou maus, pois é só por meio da sua confrontação com o consciente que se
pode descobrir sua natureza.
Em continuidade, Sallie Nichols (2007) conta que os arcanos maiores do baralho do
Tarô são objetos arquetípicos de origem desconhecida: a infraestrutura ou
destrutividade de suas imagens pictóricas são tendências de pleno poder acima de
nosso alcance, mas que podem contribuir para o autoconhecimento na medida em
que estamos dispostos a encontrar nas cartas os aspectos em nós mesmos
negligenciados.
Por intermédio desses agentes, convido o leitor para a tiragem de três cartas a fim
de despertar os poderes arquetípicos e semióticos da imagem/palavra acerca das
proposições performáticas O Buraco2 e Templária3.
Primeira tiragem ou um sonho lúcido
Com os olhos fechados e o espírito livre, confiro que o vazio dá espaço para
respirar: entre as brechas, entre um espaço e outro, há muito o que se apreender,
aprender e ser. Inclino a cabeça para baixo, agora com a visão um tanto turva da
imagem mental, mas ainda assim observo que a grande fenda é temível por ser
inexplorada. Aqui jaz o abismo, sob a ponta dos meus pés. Ele quer me sugar ou
expelir? A abertura possibilita um deslocamento gravitacional para adentrar outras
regiões possíveis além da superfície. E quando vejo, a queda também é de pressão
e causa vertigem: os detritos da descida derrapante, a compensação do vento, o
deixar levar, escorro fluídica – já que aceito o desfalecer.
Verifico se estou sozinha e logo avisto uma outra mulher de costas, caminhando nas
trevas. Ela brilha em esplendor, extrema vivacidade e clareza de passos em direção
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MAZZOTTI, Bruna. Tomo I: o estudo dos feitiços contrários, In: ENCONTRO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PESQUISADORES EM ARTES PLÁSTICAS, 28, Origens, 2019, Cidade de Goiás. Anais [...] Goiânia: Universidade Federal de Goiás, 2019. p. 312-326.
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diagonal. A ida lenta, sem pressa, resignada entre a penumbra que a exila em todo
redor. À medida em que observo a qualidade visual das sombras, tenho
consequente pavor e, com isso, o breu avança e consome, quase provocando o
apagamento da outra e mesma mulher, que, por lógica, sou eu. Mas não é seu
apagar que ao fundo desejo... Mantenho contínua a tentativa de acalmar e a cena
volta aos poucos à origem. Acordo e anoto nesta e em toda escrita que faço, tal
como a Figura 1 a seguir:
Figura 1. Bruna Mazzotti – A travessia [quinta versão], 2018. Monotipia em gravura, 15 cm x 31,5 cm. Fonte: acervo pessoal, Manaus, Amazonas.
A tinta preta guache, acrílica ou serigráfica é análoga ao petróleo, líquido de origem
fóssil em que me banho, apago, esqueço e misturo. Uma gênese há muito
preparada, e em constante devir de seu vir a ser. O sensorial do contato com o
líquido na pele e a impressão da tinta sobre a mesma despertam rememorações –
sobre as quais recomendo o acesso pelo link na legenda da imagem a seguir:
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MAZZOTTI, Bruna. Tomo I: o estudo dos feitiços contrários, In: ENCONTRO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PESQUISADORES EM ARTES PLÁSTICAS, 28, Origens, 2019, Cidade de Goiás. Anais [...] Goiânia: Universidade Federal de Goiás, 2019. p. 312-326.
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Figura 2. Bruna Mazzotti (et. al.) – O Buraco, 2018. Performance. Fonte: Fotografia [detalhe] de Malú Dácio. Mostra de performances do Grupo Jurubebas de Teatro, realizada pelo Centro Acadêmico de
Teatro da Escola Superior de Artes e Turismo do Amazonas, Teatro Américo Alvarez, Manaus, Amazonas. Disponível em4 : https://vimeo.com/336498281. Acesso em: 25/05/2019
A ação gera um corpo total, deformado, atingido, machucado e retraído pelo contato
com o chão e a mutilação da carne pela tinta. Há senão um pesar em transcrever
isso, mas se está doendo é pela permissão da projeção de Outros sobre meu corpo,
por transferência de conteúdos reprimidos dos autores-espectadores mediante à
visualidade provocada. Tal fato é o que Jung (2015) conflui sobre a apoderação do
arquétipo da Sombra. Ou seja: são características que não estão no meu corpo, mas
que chegam por intermédio da experiência colateral Outra. Tais atributos somados à
leitura visual, além de despertarem rememorações pela semiose, também evocam
algo de numinoso e faltante que o arquétipo carrega – conforme já discutido.
Lembrado isso, é tempo da primeira tiragem:
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MAZZOTTI, Bruna. Tomo I: o estudo dos feitiços contrários, In: ENCONTRO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PESQUISADORES EM ARTES PLÁSTICAS, 28, Origens, 2019, Cidade de Goiás. Anais [...] Goiânia: Universidade Federal de Goiás, 2019. p. 312-326.
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Figura 3. WAITE, A. E.; SMITH, Pamela Colman – The Devil [arcano maior no 15], 1999.
É necessário, conforme explica Nichols (2007), um bode expiatório que ajude a
suportar o peso das nossas imperfeições antes que o peso da projeção involuntária
esmague nossos amigos e parentes. A Figura 3, representada pelo aparecimento do
Diabo, evoca a sombra coletiva da humanidade. O fato de que suas retratações ao
longo do tempo têm se tornado mais humanas é porque estamos melhor preparados
para o assumir como aspecto desfavorável de nós mesmos (ibid.). Contudo, suportar
o peso de minha e outra Sombra conduz para um local umbroso, porque não faço
vigília o suficiente: desolação. É somente o que me sinto confortável em dizer...
Assim, a analista junguiana Clarissa Estés complementa ao expor sobre uma série
de aprendizes de feiticeiros que ousaram uma experiência além do nível de seus
conhecimentos: "foram punidos com ferimentos ou cataclismos" (2018, p. 59).
Neste umbral, apresento, permito, represento, absorvo sombras e enxergo a minha;
mas o que acontece? Meus pés não fincam na terra, ainda com todos os exercícios
pré-performáticos de praxe, o que é estranho, porque o programa performativo
possui 70% de plano baixo e corpo horizontal, mas ainda assim minhas pernas se
mostram impositivas, a cabeça no alto, o terceiro plano e a verticalidade imperam –
como pode ser conferido no vídeo-memória ora disponibilizado. Estou, mas não
estou inteira? Meus guias me suspendem e é chegada a hora de admitir que não há
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MAZZOTTI, Bruna. Tomo I: o estudo dos feitiços contrários, In: ENCONTRO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PESQUISADORES EM ARTES PLÁSTICAS, 28, Origens, 2019, Cidade de Goiás. Anais [...] Goiânia: Universidade Federal de Goiás, 2019. p. 312-326.
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por que continuar insistindo no encolhimento do corpo que gera o falar dos grãos de
areia em contato com o chão.
Depois do aqui e agora da performance, na terra mais ou menos firme, um entrave -
minha mão esquerda segurando o braço direito - é transformado em recorrência:
quando vejo, já estou fazendo. Atento a esse hábito de impedimento involuntário,
Jung (2015, p.78) avisa: "O exercício e a repetição da experiência original
transformaram-se em rito e instituição imutável". Um lampejo se apodera do meu
espírito e faz arrepiar a nuca quando percebo esta verdade: preciso tomar cuidado
com o que transformo em rito.
Existe um desejo latente que não chega a se realizar, mas permanece enquanto
centelha criativa: cantarolar um mantra curativo quando a abertura da caixa
possibilita a limpeza parcial da sombra revelada pela escritura na pele. O ritual
instaurado causa aperto no peito, vontade de chorar e insegurança. É chegado o
momento de ressignificar a liturgia? Vendo o pesar, Clarissa Estés (2018) me
tranquiliza:
O trabalho mais profundo é geralmente o mais sombrio. Uma mulher corajosa, uma mulher que procura ser sábia, irá urbanizar os terrenos psíquicos mais pobres, pois, se ela construir apenas nos melhores terrenos da psique, terá uma visão mínima de quem realmente é. Portanto, não tenha medo de investigar o pior. Isso só lhe garante um aumento no poder da sua alma. É nesse tipo de urbanização psíquica que a Mulher Selvagem5 brilha. Ela não tem medo da treva mais profunda pois na realidade consegue ver no escuro (ESTÉS, 2018, p. 73).
Neste momento, minha escrita é mais fluida e escoa certeira. Uma longa inspiração
acompanhada de outra longa expiração dizem para continuar amanhã. Mas só o
faço depois de revisar a fundamentação teórica: “Estão todos aqui? Podemos
prosseguir a tiragem?”, pergunto.
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Segunda tiragem ou estudo arqueológico dos escombros coletados na
descida
Abismo acima, descubro cacos de tijolos que não me lembro de ter coletado. Era
como se estivessem ali o tempo todo. "Ossos estão para tijolos" - penso, mas não
sei o que fazer com isso e o parágrafo fica inacabado.
Adiante, acendo um incenso e me afasto do abismo, mesmo sabendo que a terra é
passível de ceder. Pelas eventuais rachaduras no solo, a botânica do local prospera
à medida que adentro. Devo estar preparada e é por isso que derramo meu
desaguar em um recipiente e minha veste branca novamente se mostra uma tela
disponível ao que vier.
Eu rezo, peço conselhos, consulto os mestres, sou consultada por eles, família,
amigos, a espera, a intuição... E tudo o que anoto está aqui e no outro e mesmo
artigo-livro-caderno de processo: busco modos de me resolver a composição. A
resolução não é uma sentença, apenas ruína, fissura, que pela coleta de dados se
eleva por entre rizomas e coragem. Ciente, porém, da profecia: a elevação é
inversamente proporcional à queda6.
Adiante, há uma caixa/sala com tempo e espaço relativos e, por isso, suscetível a
dúvidas sobre sua existência. Ainda assim, nela guardo potencialidades em aguardo
com apenas duas maneiras de ativação: o intermédio do Eu com o Outro por forma
de convite, ou vice-versa. Posso enxergar: nascerão princípios do imaterial para o
desejo, do desejo para o físico, capazes de sublimar o processo alquímico em
direção ascensional. Registros da memória estão para as figuras 4 e 5:
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Figura 4. (à esquerda). Bruna Mazzotti – Um dos esboços para a instalação Templária, 2018. Fonte: Digitalização do caderno de processo, acervo pessoal, Manaus, Amazonas. Figura 5 (à direita). Bruna
Mazzotti; et. al... – Templária, 2019. Nem instalação, nem performance, nem happening: sinceramente... não sei, sala de paredes brancas [com uma das paredes revestida de papéis brancos
A3], três cacos de tijolos, incensário, incenso variável, pano branco, recipiente metálico, água suja, seis folhas caídas, banco, vaso, recipiente, terra, aloe vera, dimensões espaciais e temporais
variáveis. Fonte: acervo pessoal, Evento Ruídos Afrescos, Casa Fluxus, em 02/02/2019, Manaus, Amazonas.
São dez espectadores-criadores, iniciados ou curiosos, que saem e entram do cubo
ao longo da noite. Assim que descrevo minhas visagens, Peirce (2017) se voluntaria
para me ajudar e faz questão de relembrar que todo o conhecimento do futuro é
obtido através de algo outro, um instrumental, um meio, e ainda que o futuro não
influencia o presente do mesmo modo que o passado, o qual é reativado por força
bruta, sem raciocínio, por meio do do estímulo presente.
Evidentemente, eu tenho um plano: 1) deixar que o Outro adentre a sala em seu
próprio tempo; 2) sortear uma palavra, em geral com sentido negativo (cada
integrante é responsável pela escolha do seu papel guardado na pequena bolsa); 3)
descrever, em ordem de tiragem, a imagem mental que foi evocada a cada palavra;
4) aproveitar o "Estar em lugar de [...] como se fosse esse outro" (PEIRCE, 2017, p.
61) em todos os sentidos; 5) meditação guiada em três tempos de inspiração e
expiração; e 6) apropriar, em conjunto, do recipiente metálico (supracitado na Figura
5 deste artigo) para jorrar a água na terra então disposta e deixar fluir. O tomo
alquímico modifica sua escritura à medida que amadureço enquanto propositora.
Não haveria outra carta senão a que segue:
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MAZZOTTI, Bruna. Tomo I: o estudo dos feitiços contrários, In: ENCONTRO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PESQUISADORES EM ARTES PLÁSTICAS, 28, Origens, 2019, Cidade de Goiás. Anais [...] Goiânia: Universidade Federal de Goiás, 2019. p. 312-326.
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Figura 6. WAITE, A. E.; SMITH, Pamela Colman – The Devil;The Magician. [arcano maior no 1], 1999.
O mago (revelado na Figura 6) é arcano que dispõe o Grande Círculo unitário e, com
ajuda de cúmplices, separa os elementos para análise e discernimento. Assim, é
feita a aplicação do calor emocional para descobrir a essência criativa basal da
matéria e da natureza entre observador e observado é revelada a substância
transformadora (NICHOLS, 2007). Não há pesar, mas alívio dentro do círculo em
cada uma de suas reativações.
"E a sua candura", comenta Peirce (1877, p. 9), "não pode resistir à reflexão de que
não existe qualquer razão para atribuir às suas crenças um valor mais elevado que
às de outras nações e outros séculos; e isto dá origem a (...)" dúvidas morais,
religiosas, espirituais, performativas... Lido com esse dizer enquanto sigo o caminho
de casa e há... outra quebra. Em. que. M e u corpo não representa, mas a pre senta
contraçõcontraçõesesdesrítmicasinvolu táriaséumacrisemarrespi
raçãoapertoenãonenãoseilidarsemar descontroleabafa
dossentidoscontraçãodagargna tavoluntáriod
osolhosabafardossentidoscontraçãodagarg nãosemarnãoesc
orreinvoluntáriodosnãoolho esabafardosentidosco
ntraçãodanãogargantanãogargantnão não, não “(...) se identifique, apenas observe.
Inspire fundo em 3...2...1 e expire fundo em 1...2...3” (MAZZOTTI, 2019).
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Aqui jaz o aprendizado da utilização da celebração Templária enquanto
autoconhecimento. Se eu não houvesse lembrado das respirações em três tempos
então realizadas, a quebra duraria um tanto e muito mais.
Terceira tiragem ou balança dos contrários
Figura 7 WAITE, A. E.; SMITH, Pamela Colman – The Devil; The Magician; Justice [arcano maior no 8], 1999
Agora é dado o momento da Justiça, tal como evoca a totalidade da Figura 7:
Arcano número 8 que, dentre as 21 cartas maiores, está entre a carta de número 1,
O Mago, e número 15, O Diabo, equilibrando as magias branca e negra (NICHOLS,
2007). Se antes meu estilo de escrita era rígido, agora experimento fundir com a
escrita poética. Nem tão branco sobre preto, nem preto sobre o branco, mas deixar
provir com atenção para obter mostras de cinzas.
O Buraco é a abertura do processo e, na ingenuidade desse ritualizar, a
subjetividade da força performática era por demais perigosa, por conta de arte-vida
agirem como gatilhos em potencial – mesmo com todo o preparo para adentrar o
abismo. É fato que meus afazeres levavam a um processo alquímico desde então,
dado principalmente pela circularidade e pela participação do público, mas isso ficou
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MAZZOTTI, Bruna. Tomo I: o estudo dos feitiços contrários, In: ENCONTRO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PESQUISADORES EM ARTES PLÁSTICAS, 28, Origens, 2019, Cidade de Goiás. Anais [...] Goiânia: Universidade Federal de Goiás, 2019. p. 312-326.
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mais evidente em Templária por conta da transformação positiva que o programa
performativo ocasionou.
Se antes a performance O Buraco me fazia acessar locais não suportáveis
(rememorações da depressão, ansiedade e crises do pânico), a proposição
Templária – quase inversamente – proporcionou enfrentamento de instâncias
somáticas não suportáveis (uma crise do pânico em si). Dentre um limite e outro da
mesma linha, alargo seu comprimento a cada vez que tento me situar no limiar. Na
marcação científica de um novo início, neste todo e mesmo ciclo, gostaria de
continuar a me escrever e entender. E farei direcionando o espectador à
contemplação de si mesmo, tal qual posso me ver nele, em reflexão conjunta na
qual todas as vozes, inclusive a dos autores-mentores supracitados, sobrepõem-se.
Inclusive, continuará a ser explorado o recurso de utilizar esses agentes enquanto
entidades por meio das citações.
Em síntese, meios, entre, sobre e através, sonho lúcido, pesadelo, tela do
dispositivo, palavra escrita, imagem desperta, rememorada, constituída; sou grata.
Notas
1 Utilizo a ideia de Programa Performativo no entendimento de: FABIÃO, Eleonora. Programa Performativo: o corpo como experiência. In: ILINX - Revista do LUME (online). São Paulo, nº 4, 2013. Disponível em: https://www.cocen.unicamp.br/revistadigital/index.php/lume/article/view/276. Acesso em: 18/05/2019. 2 (MAZZOTTI; et. al... 2017-2018). 3 (MAZZOTTI; et. al... 2019). 4 MAZZOTTI; et. al...2018. O Buraco. Performance documentada em vídeo digital por Malú Dácio. 17 minutos. Disponível em: https://vimeo.com/336498281. Acesso em: 16/05/2019. 5 Conforme Clarissa (2018) o arquétipo da Mulher Selvagem evoca lembrança bastante antiga do ser alfa matrilinear cíclico La Loba que habita em nós, mulheres, e nós a ela - longe de ser expresso em sentido pejorativo ou desgovernado. A mulher que reafirma o dom selvagem dispõe de "uma observadora interna permanente, uma sábia, uma visionária, um oráculo, uma inspiradora, uma intuitiva, uma criadora, uma inventora e uma ouvinte que guia, sugere e estimula uma vida vibrante nos mundos interior e exterior." (ESTÉS, 2018, p. 20, 21). 6 Segundo crenças espiritualistas.
Referências
CHEVALIER, Jean; GHEERBRANT, Alain. Dicionário de símbolos: mitos, sonhos, costumes, gestos, formas, figuras, cores, números. 24ª ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2009.
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MAZZOTTI, Bruna. Tomo I: o estudo dos feitiços contrários, In: ENCONTRO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PESQUISADORES EM ARTES PLÁSTICAS, 28, Origens, 2019, Cidade de Goiás. Anais [...] Goiânia: Universidade Federal de Goiás, 2019. p. 312-326.
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ESTÉS, Clarissa Pinkola. Mulheres que correm com os lobos: Mitos e histórias do arquétipo da Mulher Selvagem. Rio de Janeiro: Rocco, 2018.
GLUSBERG, Jorge. A arte da performance. São Paulo: Perspectiva, 2011.
JUNG, Carl Gustav. Do espírito na arte e na ciência. Petrópolis: Vozes, 2013.
JUNG, Carl Gustav. Espiritualidade e transcendência. Brigitte Dorst (org.). Petrópolis: Vozes, 2015.
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Bruna Mazzotti
Graduada em Artes Visuais pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM). Tem experiência na área de Artes com ênfase em Poéticas, atuando principalmente nos seguintes temas: alteridade em lugares de enunciação, cruzamentos entre palavra e imagem, confluências entre Artes Visuais e Artes Cênicas e afinidades entre semiótica peirceana e psicologia analítica. Contato: [email protected].