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Medicina, Ribeiro Preto, 33: 278-293, jul./set. 2000

Simpsio: TRANSPLANTE DE MEDULA OSSEA Captulo V

INFECES EM TRANSPLANTE DE MEDULA SSEAINFECTION IN BONE MARROW TRANSPLANT RECIPIENTS

Marcio Nucci1 & Angelo Maiolino2

(1)

Docente do Departamento de Clnica Mdica da Faculdade de Medicina - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Chefe do Laboratrio de Micologia, Hospital Universitrio Clementino Fraga Filho, Universidade Federal do Rio de Janeiro. (2) Docente, Departamento de Clnica Mdica, Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Chefe da Unidade de Transplante de Medula ssea, Hospital Universitrio Clementino Fraga Filho, Universidade Federal do Rio de Janeiro. CORRESPONDNCIA: Marcio Nucci. Servio de Hematologia, Hospital Universitrio Clementino Fraga Filho. Av. Brigadeiro Trompovsky s/n 21941-590 Rio de Janeiro - RJ - Brasil. Fax: (021) 5622460 E-mail: [email protected]

NUCCI M & MAIOLINO A. Infeces em transplante de medula ssea. Medicina, Ribeiro Preto, 33: 278-293, jul./set. 2000.

RESUMO: O nmero de pacientes submetidos a transplante de medula ssea tem aumentado significativamente. As infeces representam um dos principais obstculos ao sucesso dos transplantes. O paciente, depois do transplante de medula ssea, tem defeitos complexos nos sistemas de defesa, que o tornam vulnervel a uma srie de infeces bacterianas, fngicas, virais e parasitrias. As infeces so mais freqentes e graves no transplante alognico, com doadores no aparentados, e menos freqentes no transplante autlogo de clulas progenitoras do sangue perifrico. Em termos de mortalidade, os maiores desafios, atualmente enfrentados pelos que tratam desses pacientes, so as infeces fngicas, as superinfeces bacterianas por germes multirresistentes e algumas infeces virais. Neste trabalho, feita uma reviso da epidemiologia, manifestaes clnicas e recomendaes atuais de tratamento dos principais problemas infecciosos em pacientes submetidos a transplante de medula ssea. UNITERMOS: Transplante de Medula ssea. Infeco

1- INTRODUO O transplante de medula ssea uma modalidade teraputica que beneficia um nmero grande de pacientes com cncer ou outras doenas. Dados do Registro Internacional de Transplante de Medula ssea (IBMTR - International Bone Marrow Transplant Registry) e do Registro de Transplante Autlogo (ABMTR- Autologous Blood & Marrow Transplant Registry)(1), que contm informaes de aproximadamente 40% dos transplantes alognicos, realizados no mundo e de 50% dos transplantes autlogos, realizados nas Amricas, mostram que, no ano de 1998, foram realizados aproximadamente 15 mil 278

transplantes alognicos e 37 mil autlogos. Dentre os transplantes autlogos, mais de 90% so feitos com clulas tronco hematopoticas (CTH) colhidas do sangue perifrico. Atualmente, cerca de 25% dos transplantes alognicos so realizados com doadores no aparentados. Esses dados so importantes, quando se analisam as tendncias epidemiolgicas das infeces, pois, por exemplo, o transplante autlogo com CTH do sangue perifrico e o transplante alognico com doador no aparentado so as duas situaes com o menor e o maior risco de infeco, respectivamente. A mortalidade relacionada aos transplantes de medula ssea tem reduzido nos ltimos anos. A mor-

Infeces em transplante de medula ssea

talidade nos primeiros 100 dias aps o transplante de 10 a 40%, nos transplantes alognicos, e de menos de 5 at 20%, nos transplantes autlogos, dependendo da doena de base e das condies clnicas dos pacientes. Nos transplantes autlogos, a mortalidade , na maioria das vezes, devida atividade da doena de base, enquanto que, nos transplantes alognicos, ela devida s complicaes do transplante em si, com destaque para a imunossupresso usada no tratamento da doena do enxerto-contra-hospedeiro (DECH), aguda ou crnica. A imunodepresso intensa predispe os pacientes transplantados a graves complicaes infecciosas, que podem ocorrer em qualquer tipo e em qualquer poca do transplante e podem ser causadas por qualquer categoria de agente etiolgico (bactrias, fungos, vrus ou parasitas). O conhecimento das diferenas bsicas entre os tipos de transplante e suas diferentes fases, em termos de imunodepresso, muito til para se instituir medidas profilticas ou teraputicas contra as infeces que ocorrem no perodo ps-transplante. 2- OS TIPOS DE TRANSPLANTE E O RISCO DE INFECO Vrios fatores predisponentes, relacionados doena de base, aos tipos e s complicaes do transplante de CTH influenciam o perfil das infeces que acometem os pacientes submetidos ao procedimento. Antes do transplante, pode haver diferenas nas doenas de base, por exemplo, pacientes com anemia aplstica, que vo receber transplante alognico, apresentam neutropenia acentuada, ao passo que pacientes com doena de Hodgkin, que sejam candidatos a

transplante autlogo, apresentam defeito importante na imunidade celular, mas no neutropenia. Entretanto, aps o tratamento com quimioterapia ou radioterapia intensa, seja no condicionamento do transplante ou antes dele, o sistema imunolgico afetado como um todo, e essas diferenas atenuam-se ou desaparecem. H importantes diferenas entre os transplantes alognico e autlogo em termos de imunodepresso (Tabela I). Assim, no transplante alognico, as clulas progenitoras, infundidas de um doador, so imunologicamente competentes, ao passo que as clulas do paciente infundidas no transplante autlogo carregam a imunodepresso da doena de base. Alm disso, a transferncia passiva de anticorpos mais adequada no transplante alognico. J a pega do enxerto costuma ser mais rpida no transplante autlogo, especialmente se a fonte de clulas tronco for do sangue perifrico, com conseqente durao menor da neutropenia. Para complicar ainda mais, no transplante alognico, pode haver rejeio do enxerto e, no transplante autlogo, pode haver retardo ou falha na enxertia, principalmente quando a doena de base no bem controlada. Outra diferena do transplante alognico em relao ao autlogo que no alognico so administradas precocemente drogas imunossupressoras para preveno ou tratamento da doena do enxerto-contra-o-hospedeiro, o que aumenta sobremaneira o risco de infeces, especialmente aquelas decorrentes da supresso da imunidade celular. Esse quadro pode se prolongar, se o paciente desenvolve a doena crnica do enxerto-contra-o-hospedeiro, quando infeces bacterianas por germes encapsulados, dependentes de mecanismo de defesa humorais, tambm se tornam comuns.

Tabela I - Diferenas entre o transplante alognico e o transplante autlogo quanto ao de risco de infeco

Transplante alognicoAnemia aplstica neutropenia Imunologicamente competentes Pega mais lenta, rejeio

Fatores predisponentesDoena de base Clulas progenitoras infundidas Fase de aplasia

Transplante autlogoDoena de Hodgkin - imunidade celular comprometida Imunodeficientes(dependendo da doena de base) Pega rpida (especialmente usando clulas tronco perifricas) Recuperao imunolgica depende do controle da doena de base Recuperao imunolgica depende do controle da doena de base

Imunossupresso (controle de DECH Fase ps-pega aguda) Imunossupresso (controle de DECH Aps o D+100 crnica)

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3- AS FASES DO TRANSPLANTE E O RISCO DE INFECO Os componentes bsicos da defesa do organismo so: a pele e as membranas mucosas, a imunidade celular especfica (linfcitos T e B) e a inespecfica (fagcitos, clulas NK) e os componentes da imunidade humoral, representados pelas imunoglobulinas e complemento. Na Tabela II, esto listadas as fases do transplante de medula ssea, com os diversos graus de comprometimento nos componentes da defesa do hospedeiro. Saber que tipo de imunodeficincia predomina em uma determinada fase do transplante tem importncia prtica, pois, como mostrado na Tabela III, o comprometimento de cada sistema de defesa causa infeces por diferentes patgenos. O conhecimento dessas associaes orienta a abordagem inicial, tanto do ponto de vista diagnstico, como de terapia emprica. Na Tabela IV, so listados os principais patgenos causadores de infeco em pacientes submetidos a transplante de medula ssea e as fases em que as infeces ocorrem.

4- CONTROLE DE INFECO EM TRANSPLANTE DE MEDULA SSEA a) A fase de aplasia: neutropenia o primeiro desafio As complicaes infecciosas, nesse perodo, so muito semelhantes quelas que ocorrem em pacientes em induo de remisso de leucemia aguda, em que a quimioterapia ablativa resulta em neutropenia profunda e mucosite grave. No perodo inicial de neutropenia, o paciente fica em risco de desenvolver bacteremias por enterobactrias, Pseudomonas aeruginosa, Streptococcus sp. do grupo viridans e Staphylococcus sp. coagulase negativa. Esses germes respondem por mais de 90% das bacteremias em pacientes transplantados de medula ssea(2) e, na maioria dos centros de transplante na Europa e na Amrica do Norte, as bactrias Gram-positivas so responsveis por mais de 80% das bacteremias. No Brasil, em estudo recentemente concludo, foram analisados os episdios infecciosos de 87 transplantes autlogos de quatro instituies: USP-Ribeiro Preto, UNICAMP, INCa e

Tabela II - Alteraes imunolgicas nas diversas fases do transplante de medula ssea

Pele e mucosasFase pr-transplante Doena de Hodgkin Linfoma no-Hodgkin de baixo grau Linfoma no-Hodgkin de alto grau Mieloma mltiplo Leucemia linfide aguda Leucemia mielide aguda Leucemia linfide crnica Leucemia mielide crnica fase crnica Leucemia mielide crnica fase acelerada Leucemia mielide crnica crise blstica Anemia aplstica Fase de aplasia Fase pspega Aps D+100 + ++ ++ +++ + ++ +++ +/++ +

Opsonizao Imunidade celular +/++ + +++ + + ++ + + ++ +++ +++ +/++ +++ + +++ + ++ + ++ + ++ +++ +++

Fagocitose

+ /+ ++ + ++ +++ + +++ +++ +++

: sem imunodeficincia+++: imunodeficincia acentuada do subsistema imunolgico, na fase indicada do transplante.

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Infeces em transplante de medula ssea

Tabela III - Relao entre o tipo de imunodeficincia e de infeco Pele e mucosas Bactrias Grampositivas Bactrias Gramnegativas Bactrias encapsuladas Candidase mucocutnea Candidase sistmica Aspergilose invasiva Vrus Pneumocistose +++ + + + + + Opsonizao + + +++ + Imunidade celular + + + +++ + +++ +++ Fagocitose +++ +++ + + +++ +++ ++

: sem predisposio. +++: deficincia desse subsistema imunolgico predispe fortemente infeco indicada.

Tabela IV - Principais patgenos causadores de infeco em pacientes submetidos a transplante de medula ssea

PatgenoBactrias Bacilos Gramnegativos Escherichia coli, Pseudomonas aeruginosa, Klebsiella sp., etc. Grampositivos Staphylococcus aureus e coagulasenegativa, Streptococcus spp.

poca do transplante

Perodo de neutropenia Perodo de neutropenia Perodo pspega Aps D+100

Nocardia, Listeria, Mycobacterium Streptococcus pneumoniae, Haemophylus influenzae, Neisseria meningitidisFungos

Candida sp. (infeco sistmica), Aspergillus sp., Fusarium sp., Mucor, Trichosporon sp. Cryptococcus neoformans, Pneumocystis carinii, Candida sp. (infeco cutneomucosa) Aspergillus sp., Fusarium sp.Vrus Herpes simplex Varicellazoster Citomegalovrus Vrus sincicial respiratrio Parasitas

Perodo de neutropenia Perodo pspega Aps D+100

Perodo de neutropenia Perodo pspega at aps D+100 Perodo pspega Qualquer fase

Strongyloides stercoralis Toxoplasma gondii

Perodo pspega Perodo pspega at aps D+100

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UFRJ. Apenas seis pacientes no desenvolveram febre durante o perodo de neutropenia, enquanto, nos outros 81 pacientes, 45% dos episdios de febre e neutropenia no tiveram documentao de infeco (febre de origem obscura), quatro (5%) tiveram documentao microbiolgica excluindo a corrente sangnea, 10 (12%) tiveram documentao clnica e 31 (38%) tiveram infeco na corrente sangnea. Dos 31 episdios, as bactrias Gram-positivas predominaram (20 episdios, 65%) e bactrias Gram-negativas foram documentadas em 11 episdios (35%). Em trs episdios havia mais de um germe nas hemoculturas (dois casos com mais de um Gram-negativo e um caso com um Gram-positivo e Candida sp.). Entretanto, a proporo de casos Gram-negativos variou em cada instituio: 4/5 (80%) na USP-Ribeiro Preto, 2/9 (22%) na UNICAMP, 3/6 (50%) no INCa e 2/11 (18%) na UFRJ-Rio de Janeiro. Assim, ocorrem variaes importantes na etiologia das infeces, nas diferentes instituies, o que pode ser explicado, pelo menos em parte, pelo uso de quinolonas na profilaxia antibacteriana. De fato, nas quatro instituies, houve diferenas marcantes na proporo de pacientes submetida a tal profilaxia: 0% no INCa e na UFRJ, 55% na USP Ribeiro Preto e 100% na UNICAMP. No transplante alognico, os dados de dois centros brasileiros (USPRibeiro Preto e UFPR-Curitiba) sugerem que, entre as infeces precoces ps-TMO predominam as causadas por bactrias Gram-positivas (2/3 de Gram+ em 154 culturas positivas, na USP-RP e 60% de Gram+ entre 136 culturas positivas, na UFPR). As infeces por bactrias Gram-negativas, em geral, se originam do tubo gastrintestinal, j os estafilococos de coagulase negativa tm como porta de entrada predominante os cateteres venosos profundos. A bacteremia por Streptococcus se origina da orofaringe e os pacientes, quase invariavelmente, apresentam mucosite, que, com freqencia, se complica por reativao de herpes simples, facilitando a entrada dos estreptococos, cuja bacteremia pode se acompanhar de insuficincia respiratria e bito(3). Se o paciente continua neutropnico alm de uma semana, o risco de desenvolver superinfeces aumenta, algumas delas em locais especficos, causando, por exemplo, sinusite, pneumonia ou tiflite. Os principais agentes etiolgicos de superinfeces so os fungos e as bactrias Gram-negativas, especialmente as nofermentadoras, que, em geral, so resistentes aos antibiticos em uso no paciente (4). Por outro lado, Candida sp., Aspergillus sp., Mucor, Fusarium sp. e Trichosporon sp. so os principais agentes causadores de infeces fngicas. 282

1- Profilaxia antimicrobiana na fase de aplasia Como mencionado anteriormente, a reativao de herpes simples muito freqente (mais de 80%). Assim, recomendado que se faa a profilaxia secundria com aciclovir ou um derivado, e a dose pode ser to baixa quanto 125 mg/m2 a cada seis horas(5). Outra medida profiltica muito utilizada o uso de drogas antifngicas para preveno de candidase sistmica e o agente de escolha o fluconazol (200-400 mg/dia)(6). Em um estudo do nosso grupo, o itraconazol em cpsula (100 mg a cada 12 horas) tambm se mostrou eficaz, mas o nmero de pacientes submetidos a transplante de medula ssea no era grande(7). O problema da formulao em cpsula a sua absoro errtica, o que levou, recentemente, introduo de soluo oral de itraconazol, que apresentou melhor absoro e foi testada na profilaxia de infeces fngicas em pacientes neutropnicos. Em um estudo, itraconazol soluo oral (2,5 mg/kg a cada 12 horas) foi comparado com placebo e resultou em reduo na freqncia de candidase invasiva(8). Em outro estudo, a mesma dose da soluo oral de itraconazol foi comparada com fluconazol na dose de 100 mg/dia. Houve seis casos de aspergilose invasiva nos pacientes que receberam fluconazol contra nenhum caso no grupo que recebeu itraconazol (p=0,03), sendo este o primeiro trabalho a demonstrar eficcia na preveno de aspergilose invasiva(9). A profilaxia antibacteriana tem sido empregada largamente, em pacientes submetidos a TMO, e nas ltimas dcadas, vrios esquemas foram testados, utilizando-se, inicialmente, antibiticos orais no absorvveis, sulfametoxazol-trimetoprim e, mais recentemente, as quinolonas. Em relao a estas ltimas, duas meta-anlises recentemente publicadas confirmaram sua eficcia em reduzir a freqncia de bacteremias por Gram-negativos, sem benefcio em termos de aumento na sobrevida(10,11). Por outro lado, em alguns centros, tem-se observado o aparecimento de cepas resistentes s quinolonas(12). Como as infeces por Gram-positivos tm aumentado de freqncia, outra estratgia empregada tem sido a de utilizar antibiticos contra Gram-positivos. O uso de penicilina oral no se mostrou eficaz(13) para essa finalidade, enquanto os glicopeptdeos (vancomicina ou teicoplanina) por via venosa mostraram-se eficazes em alguns estudos, mas no em outros(12). Entretanto, com o recente surgimento de inmeras infeces por bactrias Grampositivas multirresistentes, associadas, muitas vezes, ao uso de glicopeptdeos, tal estratgia no recomen-

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dada. O mesmo pode-se dizer em relao ao uso de betalactmicos por via venosa em pacientes neutropnicos afebris. O benefcio que pode resultar dessa prtica largamente superado pelas conseqncias negativas em termos da emergncia de infeces por bactrias Gram-negativas, resistentes. 2- Terapia antibitica emprica H uma tendncia recente de se usar apenas um antibitico no esquema inicial de terapia emprica, em pacientes neutropnicos febris. Uma abordagem til classificar o paciente nas categorias de baixo e alto risco. Pacientes de baixo risco so aqueles com bom estado geral, sem mucosite, e com expectativa de neutropenia de curta durao (menos de sete dias). Tal situao pode ocorrer em pacientes submetidos a transplante autlogo com clulas tronco perifricas, que tenham recebido quimioterapia com pouco potencial de induzir mucosite. Esses pacientes podem receber monoterapia com uma cefalosporina de terceira ou quarta gerao, ou penicilina anti-Pseudomonas. H estudos correntes avaliando o uso de antibioticoterapia oral, domiciliar para esse grupo de pacientes. Os pacientes de alto risco (a maioria dos pacientes transplantados) tambm podem receber monoterapia como esquema emprico inicial. Entretanto, se houver instabilidade hemodinmica, dispnia ou sinais de infeco abdominal grave (dor abdominal intensa, descompresso dolorosa, distenso abdominal), mais prudente iniciar com uma combinao antibitica. Para a monoterapia, pode-se utilizar uma cefalosporina de terceira gerao com atividade anti-Pseudomonas, cefalosporina de quarta gerao, ou um carbapenem. Se a escolha for uma combinao antibitica, o esquema mais empregado a associao de um aminoglicosdeo com um betalactmico (cefalosporina, carbapenem ou penicilina anti-Pseudomonas). Com o aumento na freqncia das bactrias Gram-positivas, como patgenos, em pacientes neutropnicos, surge a questo de se incluir ou no um antibitico anti Gram-positivo (em geral, um glicopeptdeo vancomicina ou teicoplanina) no esquema inicial. Os que advogam a no introduo de um glicopeptdeo de incio argumentam que as bacteremias causadas por Gram-positivos no tm o prognstico grave das provocadas por Gram-negativos. Outra justificativa o crescente problema do surgimento de cepas de Staphylococcus coagulase positiva e Enterococcus sp. resistentes aos glicopeptdeos e a observao de que tal problema pode estar associado

com o uso exagerado desses agentes. Assim, argumenta-se que o glicopeptdeo pode ser reservado para aqueles pacientes com bacteremia documentada, ou aqueles com febre persistente aps 72 horas do incio do esquema emprico. Entretanto, h vrios relatos de sepse fatal por Streptococcus alfa-hemoltico, tornando a questo no de todo resolvida. Em uma recente publicao da Associao Americana de Doenas Infecciosas(12), recomenda-se que um glicopeptdeo deva ser includo no esquema inicial nas seguintes situaes: infeco em cateter (infeco no tnel), mucosite intensa, uso prvio de quinolonas como profilaxia, colonizao prvia por pneumococo resistente penicilina ou cefalosporinas, colonizao por Staphylococcus resistente a meticilina, hemocultura positiva para coco Gram-positivo, sem identificao e antibiograma, ou hipotenso. Entretanto, caso o paciente no tenha documentao de infeco por germe Gram-positivo resistente, o glicopeptdeo deve ser suspenso aps dois a trs dias de uso. A questo mais importante a deciso de quando iniciar o esquema emprico. Uma vez que as definies de febre e neutropenia so arbitrrias e variam de uma instituio para outra, cada hospital deve definir seus critrios e segui-los rigidamente. Em geral, a febre considerada significativa, quando a temperatura ultrapassa 38oC, em duas tomadas em 24 horas, ou 38,5oC por uma vez. Aps o incio do esquema antibitico, o paciente deve ser examinado freqentemente e o plano teraputico reavaliado entre 48 a 72 horas. A persistncia da febre no significa necessariamente falha teraputica e as modificaes aleatrias e freqentes no esquema inicial costumam ser totalmente improdutivas. Recomendase colher outro conjunto de hemoculturas aps dois a trs dias de antibiticos e avaliar a adequao do esquema emprico inicial, alterando-o, sempre que possvel, com base em dados clnicos e microbiolgicos. As seguintes situaes podem ocorrer (Figura 1): 1) O paciente fica afebril e no tem documentao clnica ou microbiolgica de infeco. Se o paciente estiver bem, com evidncias de recuperao hematopoitica e no tiver mucosite ou diarria, pode-se trocar o esquema venoso por um antibitico administrado por via oral, geralmente uma quinolona. Se o paciente no preencher os critrios acima, prudente que se continue com o esquema antibitico, se a opo foi monoterapia.Se foi iniciado um esquema com aminoglicosdeo, seguro suspender o antibitico, o mesmo acontecendo com um glicopeptdeo. 283

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FEBRE + NEUTROPENIA Histria + exame fsico

AVALIAR

Hemoculturas Outros (coprocultura, RX de trax, bipsias)

PRECISA DE GLICOPEPTDEO? Mucosite grave Profilaxia com quinolona Coloniz. com stfilo resistente

NO

SIM

Infeco de catter central Hipotenso

CAZ ou CEFEP ou IPM ou MERO +/- AK

CAZ ou CEFEP ou IPM ou MERO +/- AK + VANCO ou TEICO

Tempo p/ ficar afebril = 2 a 7 dias (mediana = 5 dias)

REAVALIAR NO D4

FEBRIL

AFEBRIL

Sem sinais de sepse no D1 Neutrfilo >100/mm3 Sem mucosite, diarria

FEBRE de ORIGEM OBSCURA

ETIOLOGIA DEFINIDA

BAIXO RISCO

ALTO RISCO MANTER ANTIBITICO

AJUSTAR ESQUEMA

TROCAR P/ ATB ORAL (quinolona, cefixime) CONSIDERAR ALTA

Figura 1: Algoritmo para manejo clnico de paciente neutropnico febril. Traduzido da ref. (12). CAZ: ceftazidime, CEFEP: cefepime, IPM-imipenem, MERO: meropenem, AK: amicacina, VANCO: vancomicina, TEICO: teicoplanina.

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Infeces em transplante de medula ssea

2) O paciente fica afebril mas tem documentao de infeco. Neste caso, deve-se ajustar o esquema para contemplar os resultados das culturas. Entretanto, o paciente deve continuar a receber cobertura para Gram-negativo. Assim, se o paciente iniciou o esquema com uma cefalosporina de terceira gerao e um glicopeptdeo e tem uma bacteremia por Gram-positivo diagnosticada, no correto suspender a cefalosporina. Entretanto, se a bactria Gram-positiva for sensvel oxacilina, deve-se trocar o glicopeptdeo pela oxacilina. 3) O paciente persiste febril mas no tem nenhuma documentao de infeco. Febre que persiste por mais de trs dias, em paciente sem documentao de infeco, sugere a ocorrncia de um ou mais dos seguintes eventos: infeco nobacteriana, infeco bacteriana resistente ao esquema inicial, ocorrncia de superinfeco, nveis sricos e tissulares baixos dos antibiticos, febre por drogas ou infeco em local avascular (abscesso, cateter, prtese). Entretanto, deve-se lembrar que a febre pode persistir alm do quarto dia de antibitico, mesmo quando o esquema adequado. Na experincia do autor, os tempos medianos de defervescncia para pacientes com bacteremias por Gram-positivos e Gram-negativos, que estavam recebendo terapia adequada, foram de seis e cinco dias, respectivamente. J o tempo para defervescncia de pacientes sem documentao de infeco foi de trs dias. Alm disso, a febre durou mais em pacientes com mucosite, se feita a comparao destes com pacientes sem mucosite (9 x 2 dias, p = 0,008)(14). Assim, a conduta, geralmente recomendada, a de manter o esquema antibitico, desde que o paciente esteja estvel clinicamente. 4) O paciente persiste febril e tem documentao de infeco. Nos pacientes com bacteremia documentada pelas hemoculturas iniciais, o esquema antibitico ajustado de forma a incluir a bactria isolada, mantendo-se, entretanto, o espectro amplo da cobertura antibitica. Se a bactria isolada for Gram-positiva, deve-se acrescentar um antibitico especfico. Por outro lado, caso se identifique uma bactria Gram-negativa, o esquema ser alterado, se houver resistncia a um ou mais antibiticos do esquema original. Se a febre persistir e o germe Gram-negativo for sensvel aos antibiticos, devem ser dosados os nveis sricos do aminoglicosdeo, pois, freqentemente, eles esto baixos, e a febre desaparece com o ajuste das doses.

Infeces por germes anaerbicos so infreqentes em pacientes neutropnicos, mas a presena de mucosite grave, gengivite ou dor perianal sugere a presena desses organismos. Em pacientes com sinais clnicos de tiflite, tambm prudente ampliar o espectro para anaerbicos. Nessas circunstncias, deve-se acrescentar clindamicina ou metronidazol ao esquema inicial, antibiticos que so dispensveis se um carbapenem faz parte do esquema inicial, pois eles tm atividade contra anaerbios. 5) Se o paciente persiste febril aps cinco a sete dias de antibiticos e no tem nenhuma documentao microbiolgica de infeco bacteriana, recomenda-se acrescentar anfotericina B de forma emprica (dose de 0,5 mg/kg/dia) e mantla at a resoluo da neutropenia. A comprovao de infeco fngica difcil e demorada e a espera do diagnstico definitivo pode resultar em disseminao da infeco. O fluconazol pode ser usado, na terapia emprica, em situaes de baixo risco para aspergilose (por exemplo, em pacientes submetidos a transplante autlogo de clulas tronco perifricas), desde que no tenham recebido fluconazol profilaticamente(15). O potencial de outras preparaes de anfotericina (em lipossoma, disperso coloidal ou em complexo lipdico) ou do itraconazol ainda no est estabelecido. Num futuro breve, novas drogas antifngicas estaro disponveis, alm de uma preparao venosa do itraconazol. Embora no haja comprovao, considerase razoavelmente seguro que o esquema emprico seja suspenso em pacientes neutropnicos, que permaneam afebris por cinco a sete dias, desde que estejam bem clinicamente (especialmente sem mucosite ou diarria) e no apresentem nenhuma evidncia objetiva de infeco. Por outro lado, prudente que se mantenha o esquema antimicrobiano at a resoluo da neutropenia nos pacientes com neutropenia profunda (38C ou 10 dias nos 60 dias prvios); uso recente (ltimos 30 dias) ou corrente de agentes imunossupressores; aspergilose prvia; AIDS 3. Sinais e sintomas de GVHD 4. Uso prolongado de corticosterides (>3 semanas)MICOLGICO

3

1. 2. 3.

Cultura positiva para Aspergillus sp. de escarro ou lavado broncoalveolar Cultura positiva para Aspergillus sp. ou microscopia (exame direto) com hifas hialinas e septadas no aspirado de seios da face Antigenemia positiva para Aspergillus no lavado broncoalveolar, lquor ou 2 amostras de sangueMAJOR INFECO NO TRATO RESPIRATRIO INFERIOR MINOR

CLNICO

Qualquer sinal no TC: halo, crescente de ar ou cavidade em uma rea de consolidao

1. 2. 3. 1. 2. 3. 4. 5. 1. 2. 3. 4.

Sintomas: tosse, dor torcica, hemoptise, dispnia Atrito pleural Infiltrado pulmonar inespecfico Sintomas: coriza, obstruo nasal Ulcerao nasal, epistaxe Edema periorbitrio Dor no maxilar Leso necrtica ou perfurao do palato Sintomas e sinais focais (incluindo convulses focais, hemiparesia e paresias de pares cranianos) Alteraes mentais Sinais de irritao menngea Altereaes no lquor (celular e bioqumica)

SEIOS DA FACE

Evidncia radiolgica: eroso ssea ou extenso para estruturas vizinhas, destruio da base do crnio

SISTEMA NERVOSO CENTRAL

Evidncia radiolgica: abscesso ou infarto cerebral

INFECO DISSEMINADA

1. Leses cutneas papulares ou nodularesAdaptado da ref. (22)

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Infeces em transplante de medula ssea

No tratamento da infeco por Fusarium, no h drogas ativas disponveis. Em geral, tenta-se usar anfotericina B em doses altas, especialmente as formulaes lipdicas (ver adiante). A infeco por Trichosporon sp. pode ser tratada com anfotericina B ou fluconazol e os casos refratrios devem receber doses altas de fluconazol (acima de 800 mg). A mucormicose doena muito grave, e deve ser tratada com anfotericina B em doses altas. Os fungos filamentosos (aspergilose, fusariose, mucormicose) caracterizam-se por invadir os vasos sangneos, causando leses necrticas que devem ser tratadas, sempre que possvel, com uma abordagem cirrgica, o que particularmente crtico na mucormicose rinocerebral. Nos ltimos anos, foram desenvolvidas novas preparaes de anfotericina B, que visam a reduzir as reaes adversas, permitindo, assim, que se aumentem suas doses. Isto pode ter importncia muito grande no tratamento das infeces graves, pois a eficcia teraputica pode estar relacionada com a dose administrada diariamente. H trs preparaes comercialmente disponveis: anfotericina B em lipossomas (AmBisome), anfotericina B em disperso coloidal (Amphocyl) e anfotericina B em complexo lipdico (Abelcet). Delas, apenas a primeira reduz significativamente a freqncia de reaes relacionadas com a infuso, enquanto que o Amphocil apresenta toxicidade aguda (febre e calafrios, por exemplo) to freqente quanto a apresentada pelo Fungizon. Em relao toxicidade renal, o AmBisome o melhor agente, seguido das duas outras preparaes (Abelcet e Amphocil). Quanto eficcia, no h nenhum dado que comprove que essas preparaes sejam superiores anfotericina B em desoxicolato (Fungizon), usada habitualmente. Outra forma de tentar reduzir a toxicidade misturar a anfotericina B a solues lipdicas, utilizadas em nutrio parenteral. Na experincia do autor, em um estudo randomizado, em pacientes neutropnicos, a anfotericina B, em soluo lipdica reduziu as reaes agudas, mas no a nefrotoxicidade(26). Entretanto, o uso de anfotericina B em soluo lipdica, no deve ser recomendada universalmente, pois no h dados sobre sua eficcia. 4- INFECES VIRAIS As infeces virais so freqentes em pacientes submetidos a transplante de medula ssea e podem se originar tanto da exposio ambiental, como

ocorre com as viroses respiratrias (influenza, parainfluenza, adenovrus e vrus sincicial respiratrio), como por reativao endgena (herpes simples e zoster, citomegalovrus, adenovrus e vrus Epstein-Barr), ou ainda pela transmisso atravs da medula ssea doada ou de transfuses de sangue (citomegalovrus). 4.1 Herpes simples A reativao do herpes simples muito freqente (cerca de 70%) na fase de aplasia da medula ssea que se segue ao condicionamento. As leses orais se assemelham mucosite causada pela quimioterapia e o diagnstico requer o isolamento do vrus de material colhido atravs de swab. Outras manifestaes incluem lceras no palato, lngua e nariz. A infeco pode se estender por contigidade para rgos vizinhos e causar esofagite ou pneumonia focal ou, mais raramente, se disseminar por via hematognica, causando hepatite ou encefalite, que so manifestaes causadas pelo Herpes-vrus tipo 1, enquanto o tipo 2 responsvel por leses genitais, que so menos freqentes em pacientes submetidos a transplantes de medula ssea. O tratamento de escolha para o herpes simples o aciclovir, dado na dose de 250 mg/m2/dose por via venosa, a cada oito horas. Alguns pacientes respondem bem ao tratamento por via oral (200 mg cinco vezes ao dia), mas no h elementos seguros para se definir quem pode ser tratado por via oral. Valaciclovir e famciclovir so outras opes teraputicas, que tm atividade antiviral similar do aciclovir, mas so melhor absorvidos e resultam em nveis sangneos mais altos, podendo ser administrados em intervalos maiores, oferecendo uma posologia mais confortvel para o paciente. Estudos preliminares sugerem que esses novos agentes so muito eficazes em pacientes submetidos a transplantes, mas a experincia publicada ainda muito limitada. A resistncia ao herpes pode ocorrer, quando, ento, a dose de aciclovir pode ser dobrada, ou se usar foscarnet (40 a 60 mg/kg por via venosa, a cada oito horas). 4.2 Varicela-zoster As infeces pelo vrus da varicela-zoster so bastante freqentes aps o transplante de medula ssea, ocorrendo em aproximadamente 20 a 30% dos pacientes submetidos a transplante autlogo e em 20 a 50% dos submetidos a transplante alognico. Tipicamente, ocorre herpes zoster a partir do terceiro ms depois do transplante, com um pico de incidncia no 289

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quarto ms. Os mecanismos desencadeadores da reativao no so bem conhecidos, e h relatos de vrios pacientes com herpes zoster numa mesma poca. Obviamente, no se trata sempre de transmisso do vrus, uma vez que o herpes zoster,geralmente, representa reativao do vrus latente. Algumas formas so mais graves pela localizao, como ocorre quando o ramo facial do trigmeo atingido, e pode ocorrer extenso das leses para a crnea. A presena de uma ou duas leses-satlite junto ao dermtomo acometido podem ser vistas em alguns pacientes. Entretanto, quando um nmero maior de leses aparece fora do dermtomo, significa que est havendo disseminao, o chamado herpes zoster variceliforme, forma que muito mais grave que o zoster habitual. A varicela, no paciente aps transplante de medula ssea, um quadro grave, com alta mortalidade, se no tratada. Pode ocorrer mesmo em pacientes que j tiveram varicela previamente, uma vez que a imunidade permanente pode ser perdida. O uso de aciclovir pode prevenir o aparecimento do herpes zoster, entretanto, como a reativao pode ocorrer tardiamente, os altos custos da profilaxia no se justificam. O tratamento feito, habitualmente, com aciclovir, na dose de 500 mg/m2/dose por via venosa, a cada oito horas. A via oral pode ser utilizada, aps trs doses endovenosas iniciais, embora dados sobre a segurana sejam limitados. Estudos clnicos utilizando famciclovir e valaciclovir tambm so restritos, mas a experincia clnica com tais drogas sugere que elas sejam seguras e eficazes e, provavelmente, venham a substituir o aciclovir dado por via oral (27). Outra medida fundamental colocar o paciente em isolamento de contato e respiratrio, pois pode haver transmisso do vrus para profissionais de sade ou para outros pacientes, principalmente se imunodeprimidos. 4.3 Citomegalovrus A infeco pelo citomegalovrus pode ocorrer pela reativao de vrus latente, o que mais freqente em nossa populao maciamente CMV positiva, ou pela transmisso atravs da medula ssea infundida ou de hemoderivados, que ocorre mais no hemisfrio norte, onde aproximadamente metade da populao CMV negativa. A freqncia atual da citomegalovirose aps o transplante alognico, embora superior do transplante autlogo, foi drasticamente reduzida (de 20-35% para 6% na experincia de Seattle) com a introduo dos regimes de profilaxia com ganciclovir 290

ou de vigilncia com antigenemia e tratamento precoce da reativao viral. Tipicamente, ocorre a partir da terceira semana at o final do terceiro ou quarto ms ps-transplante. A infeco, especialmente nos pulmes, muito grave, com letalidade alta, mesmo nos raros casos que ocorrem no transplante autlogo. O sucesso do tratamento depende muito do diagnstico precoce e, nos ltimos anos, o impacto da citomegalovirose no transplante de medula ssea diminuiu significativamente a partir da introduo de tcnicas de laboratrio rpidas e confiveis, capazes de monitorizar a reativao viral (vide abaixo). A excreo do citomagalovrus, freqentemente, assintomtica ou se acompanha apenas de febre baixa, mas pode evoluir para uma forma mais grave com prostrao, hipotenso e febre alta. Durante a fase virmica, o citomegalovrus pode se disseminar para os pulmes, causando uma pneumonia intersticial, ou para o fgado, causando hepatite, ou, ainda, para o trato gastrintestinal, com manifestaes de diarria e dor abdominal. A forma pulmonar caracterizada pelo aparecimento de tosse seca, hipxia, dispnia e febre. A monitorizao da infeco por citomegalovrus est indicada em todos os pacientes submetidos a transplante alognico. Trs tcnicas tm sido empregadas: a cultura do vrus shell vial, a antigenemia e o PCR. A antigenemia excelente, pois de fcil execuo e apresenta valores preditivos, positivo e negativo, bastante altos. A positividade do teste depende dos critrios utilizados em cada laboratrio. Alm disso, dependendo da situao, valores abaixo do cut-off podem indicar necessidade de se usar o ganciclovir (por exemplo, pacientes com algum sintoma sugestivo de doena por citomegalovrus). Em geral, a monitorizao com antigenemia iniciada a partir da quarta semana (aps D+21), realizada uma vez por semana e mantida at o final do quarto ms ps-transplante. Se o paciente apresenta antigenemia positiva, deve receber tratamento com ganciclovir (5 mg/kg/dia a cada 12 horas por uma semana e uma vez por dia, durante cinco dias da semana em seguida at duas a trs semanas, dependendo do rapidez de negativao da antigenemia). Esta , ento, repetida duas vezes por semana e, habitualmente, torna-se novamente negativa ao cabo de alguns dias. O tempo mnimo de tratamento recomendado de 14 dias, alguns advogam que se faa tratamento de manuteno, mas a questo no est resolvida. De qualquer forma, a monitorizao continua e se a antigenemia torna a ficar positiva, o tratamento reinstitudo. uma prtica bastante til e elimina a

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necessidade de submeter o paciente a mtodos invasivos de diagnstico e de usar ganciclovir profiltico em todos os pacientes. O tratamento da infeco estabelecida em algum rgo, como os pulmes, feito com ganciclovir, 5 mg/kg por cinco dias na semana at a suspenso da imunossupresso). O uso de imunoglobulina em doses altas, por via venosa, pode resultar em melhor resposta. No caso de toxicidade extrema com o ganciclovir, ou de resistncia a ele, deve-se usar o foscarnet, que apresenta a mesma taxa de resposta que o ganciclovir em citomegalovirose, menor mielotoxicidade e maior nefrotoxicidade. 4.4 Vrus respiratrios Os vrus respiratrios comunitrios (sincicial respiratrio, influenza, parainfluenza, adenovrus e picornavrus) podem causar infeco grave em pacientes submetidos a transplante de medula ssea. A freqncia e tempo de ocorrncia de tais infeces acompanha o padro encontrado na comunidade e pode variar de ano para ano. Desde o reconhecimento recente de que muitas das pneumonias, julgadas idiopticas, ocorridas em pacientes que se submeteram a transplantes, eram causadas por esses vrus(28), tem-se dado nfase aos aspectos preventivos. Assim, recomenda-se que qualquer indivduo, da famlia do paciente ou da equipe mdica, com prdromos ou sintomas clnicos de virose respiratria, evite contato com o paciente, ou, se for inevitvel, use mscara apropriada. Da mesma forma, como a mortalidade com essas infeces alta e o perodo de incubao curto, qualquer paciente que esteja com alguma manifestao de virose respiratria, antes do transplante, deve ter o procedimento adiado. Mais de 50% dos pacientes desenvolvem pneumonia quando infectados com vrus respiratrios comunitrios e a mortalidade com essa complicao significativa (cerca de 50%). No caso da infeco pelo vrus sincicial respiratrio, se o tratamento com ribavirina em aerosol no for administrado, a mortalidade de 100%. 5- OUTRAS INFECES MICOBACTERIOSES, NOCARDIOSE, PARASITOSES H poucos relatos de tuberculose em pacientes submetidos a transplante de medula ssea. Em um

estudo realizado em Hong Kong(29), a prevalncia foi de 5,5% e os fatores de risco foram transplante alognico, irradiao corporal total e doena do enxertocontra-hospedeiro crnica. Em outro estudo, a prevalncia de infeces por micobactrias em 2241 transplantes, foi de apenas 0,49% (11 casos) e a maioria das infeces (7 casos) era por micobactrias de crescimento rpido, associadas contaminao dos cateteres semi-implantados(30), e apenas dois casos de tuberculose foram observados. Embora a prevalncia dessas infeces na populao de indivduos com depresso profunda da imunidade celular tenha sido muito baixa, os dois casos de tuberculose do uma prevalncia de 0,1%, que 10 vezes maior do que a incidncia anual na populao geral nos Estados Unidos. Em uma reviso feita no Hospital Universitrio Clementino Fraga Filho (UFRJ), ocorreu apenas um caso em 74 transplantes autlogos (dados no publicados). A nocardiose outra infeco bacteriana relativamente infreqente em pacientes submetidos a transplante de medula ssea. Em um estudo retrospectivo de trs centros nos Estados Unidos, a prevalncia foi de 0,3%, num perodo de 26 anos(31). Todos ocorreram em pacientes submetidos a transplante alognico e o tempo mediano de aparecimento foi 210 dias ps-transplante. Quatro pacientes morreram devido nocardiose com acometimento cerebral. A toxoplasmose uma infeco ocasionalmente relatada em pacientes submetidos a transplante de medula ssea, manifestando-se por formas pulmonares, cerebrais e oftlmicas. O uso sistemtico de sulfametoxazol-trimetoprim no exclui a infeco, embora pacientes que fazem uso dele esto mais protegidos de desenvolver toxoplasmose do que outros recebendo outros regimes de profilaxia para pneumocistose (por exemplo, pentamidina). As parasitoses intestinais podem ocorrer em pacientes que se submeteram a transplante. O risco de doena venoclusiva heptica foi 16,8 vezes maior do que os controles em pacientes que se submeteram a com fibrose periportal esquistossomtica, em um estudo(32). A estrongiloidase uma parasitose que merece comentrio, pois pode ocasionar uma sndrome disseminada, com uma alta taxa de bito. Entretanto, parece que a sndrome disseminada rara no TMO(33), e a profilaxia com thiabendazol no tem eficcia(34) faltando estudos com outros anti-parasitrios como o albendazol. 291

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NUCCI M & MAIOLINO A. Infection in bone marrow transplant recipients. Medicina, Ribeiro Preto, 33: 278-293, july/sept. 2000.

ABSTRACT: The number of patients submitted to bone marrow transplantation has increased substantially. Infectious complications represent a major obstacle for the success of these transplants. These patients have complex defects in their host defenses which predispose them to bacterial, fungal, viral or parasitic infections. These infections are more frequent and severe in patients submitted to allogeneic transplantation from unrelated donors and less proeminent in recipients of peripheral blood stem cell transplantation. Fungi, multiresistant bacteria and some viruses cause the most serious infections, with high mortality. In this paper we reviewed the epidemiology, clinical manifestations and the current recommendations for the management of major infections in bone marrow transplant recipients. UNITERMOS: Bone Marrow Transplantation. Infection.

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