Texto Principal: O que é Linguística? · O principiante pode intuir, em função do próprio ......
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Capitulo 1: Convergências e Divergências (ainda não publicado)
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Texto Principal: O que é Linguística?
A tarefa de apresentar o vasto território da Linguística àqueles que se iniciam
no assunto requer que se use cautela e detalhe, e que se consiga dialogar com as
diferentes conotações sociais que as reflexões sobre a linguagem tendem a assumir. Ao
mesmo tempo, é preciso delimitar as especificidades do tipo de investigação a que a
área se propõe. O principiante pode intuir, em função do próprio rótulo Linguística que
se trata de matéria vinculada ao estudo de línguas. Porém, de fato, não estará totalmente
certo ao fazê-lo.
O problema é que a natureza desse estudo não se mostrará clara logo de início.
A experiência que as pessoas têm cotidianamente com relação ao tema costuma estar
ligada à aprendizagem de línguas estrangeiras, a situações de tradução de livros, filmes
ou programas de TV e ao ensino de língua materna nas escolas.
Com relação a esse último aspecto de ensino do português nas escolas,
privilegiam-se abordagens que capacitem o aluno a falar e escrever a língua oficial de
acordo com regras pré-determinadas, conhecidas como norma culta. Também nesse
contexto, entra a questão da língua em sua modalidade escrita que costuma receber
maior atenção por se tratar de atividade que exige instrução formal. Assim é comum a
associação, e até mesmo identificação equivocada, entre língua e escrita
desconsiderando-se o fato de que há um grande número de línguas ágrafas no mundo,
ou seja, línguas que não estão submetidas a regras de escrita formal. Mais uma vez
quando falamos em regras, esbarramos em nosso uso cotidiano da palavra. Sabemos que
o convívio social requer a observância de determinadas regras, sob pena de sermos
submetidos a algum tipo de sanção, ou pelo menos, a algum tipo de desconforto social.
Estão nesse caso desde as normas de trânsito até as regras de etiqueta à mesa, por
exemplo. Quando se trata dos aspectos sociais do uso da língua, a situação não é
diferente. Buscamos seguir as regras que nos auxiliam a falar e escrever corretamente a
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variedade padrão de uma língua. Entre outras coisas, queremos tirar boas notas na
escola, arranjar bons empregos e demonstrar (ou evitar demonstrar) nosso nível de
escolaridade. Tais regras de uso da língua são de natureza prescritiva ou normativa. São
motivadas pela constatação do que se deve fazer para atingir uma produção Linguística
compatível com um determinado modelo de fala ou de escrita. Entretanto, se a
Linguística levasse em consideração apenas esse tipo de regra, abriria mão de um
universo inestimável de dados, e consequentemente, tenderia a se desviar de seus
objetivos mais básicos.
Diante desse cenário diversificado de que as línguas fazem parte, é natural que
aquele que toma conhecimento da existência de um campo de estudos denominado
Linguística se sinta tentado a associar os estudos desenvolvidos nessa área a um dos
fenômenos mencionados acima. Ocorre, entretanto, que o tipo de fenômeno sobre o qual
a Linguística se propõe a pensar é de outra natureza. Antes de mais nada, a Linguística
estuda a questão da capacidade da linguagem no ser humano: Como é possível que os
bebês humanos ao cabo de dois, três anos de vida falem fluentemente a língua da
comunidade que os cerca?
É em torno da pergunta fundamental acima que a Linguística se delimita e se
especifica em outros questionamentos não menos importantes: (i) Quais as
características da linguagem humana?; (ii) Em que essa linguagem se diferencia dos
sistemas de comunicação usados por outras espécies?
Para respondermos a essas e a outras indagações semelhantes, de nada
adiantaria nos limitarmos a variedades de prestígio de línguas específicas. Precisamos,
ao contrário, comparar o maior número possível de línguas e variedades linguísticas de
uma mesma língua, para entender o que os diferentes sistemas linguísticos têm em
comum, e em que aspectos se diferenciam. Embora seja óbvio que línguas específicas
sejam diferentes entre si na superfície, se olharmos com atenção, veremos que as
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línguas humanas são surpreendentemente similares. Por exemplo, todas as línguas
exibem graus similares de complexidade e detalhamento – não existem línguas humanas
primitivas. Todas as línguas têm sentenças construídas a partir de unidades
sintagmáticas (expressões nominais, verbais, adjetivais, etc) que, por sua vez, são
constituídas de palavras, que são elas próprias formadas por segmentos menores e, em
última análise, por sequências de fonemas (unidades de sons das línguas).
Sintagmas e fonemas e todos os primitivos que formam as línguas humanas são
recursos finitos. Mas todas as línguas permitem fazer uso infinito desses meios finitos.
Ou seja, com base em um conjunto limitado de itens, é possível construir um número
ilimitado de expressões. Por exemplo, com um conjunto de poucas dezenas de fonemas,
pode-se formar um número incontável de vocábulos, que são combinados em frases
que, por sua vez, podem ser encaixadas em construções maiores. Esta propriedade de
extensão ilimitada das línguas naturais é possível porque a linguagem humana dispõe da
capacidade computacional conhecida como recursividade, que é justamente a
capacidade exclusivamente humana de produzir uma variedade ilimitada de expressões
linguísticas de comprimento indeterminado através de encaixes sucessivos de unidades
finitas, como é o caso das relativas encaixadas na sentença: Aqui está o cão que mordeu
o gato que comeu o rato que furou o saco que estava na casa que o João fez.
É também surpreendente que apesar da aparência contrastante entre as
línguas, não há nada que possa ser expresso em uma língua que não possa ser expresso
em qualquer outra. No nível sintático, há uma série de estruturas que por meios
diferentes chegam a conteúdos semelhantes. No nível lexical, se há falta de algum
termo, diante da necessidade, ele sempre surge da criatividade linguística. No nível
semântico, há em todas as línguas uma dependência entre os significados produzidos e a
estrutura sintática. Do ponto de vista pragmático, ou seja, do uso da língua em contexto,
podemos dizer que em todas as línguas, temos meios para a realização de atos de fala
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específicos, como fazer perguntas, dar ordens diretas e indiretas, fazer pedidos, ironias e
assim por diante.
Portanto, a Linguística, antes de ser o estudo de línguas específicas, é o estudo
da Faculdade de Linguagem, que permite de forma exclusiva aos humanos adquirir uma
língua nativa. Portanto, ela é um estudo integrado das diferentes línguas como produtos
cognitivos da capacidade de linguagem no homem.
O maior desafio da Linguística como ciência é exatamente lidar cotidianamente
com uma tensão entre os critérios de adequação descritiva, que fazem ressaltar as
diferenças entre línguas, e os critérios de adequação explicativa que se sustentam nas
semelhanças cognitivas da espécie humana e de sua capacidade Linguística.
Como, à primeira vista, as línguas parecem muito diferentes uma das outras, a
tarefa de descrevê-las exaustivamente em suas propriedades individuais pode levantar
problemas para se explicar como, apesar dessas diferenças, qualquer criança pode
adquirir qualquer língua de modo bastante semelhante. Assim, se, de um lado, a
descoberta de princípios explicativos profundos permite capturar as similaridades
universais entre as línguas, de outro lado, a descrição detalhada das regras específicas
das línguas particulares coloca desafios para os universais.
Para tratarmos das possibilidades mencionadas acima, precisamos lançar mão
de regras descritivas e explicativas com o objetivo de caracterizar e explicar as
motivações que estruturam os diferentes sistemas linguísticos. Sendo assim, regras
destes tipos têm importante papel não só no detalhamento dos diferentes níveis
estruturais de uma língua, como o fonológico, o morfológico e o sintático, mas também
podem ser recrutadas para explicar fenômenos tipológicos de variação e mudança
linguística. Vários estudos já comprovaram que todas as línguas mudam com o tempo
em função da heterogeneidade sistemática que lhes caracteriza. Essa heterogeneidade
constitui-se a partir de casos regulares de variação, que já foram amplamente atestados
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nas línguas do mundo. No português brasileiro, por exemplo, os estudos demonstram
que o uso das variáveis “nós” e “a gente” é sistematicamente influenciado por fatores
sociais, como faixa etária e nível de formalidade. Além disso, a mudança Linguística,
que necessariamente decorre de uma variação, também pode influenciar o
estabelecimento de novas regras. Por exemplo, se a regra para permitir a identificação
das diferentes funções sintáticas em latim previa a atribuição de caso aos nomes
(nominativo, acusativo, etc), uma nova regra precisou ser estabelecida, em português,
para que essa identificação pudesse ser preservada no momento em que as marcas de
caso deixaram de existir. Essa nova regra foi a fixação da ordem vocabular como
Sujeito-Verbo-Objeto. Para finalizar o capítulo, podemos resumir as principais
contribuições da Linguística ao estudo da linguagem humana, sobre as quais há
convergência entre pesquisadores de diferentes orientações teóricas. São elas:
1. Não há línguas primitivas: todas as línguas são altamente
complexas em cada um de seus níveis estruturais.
2. Todas as línguas são articuladas, recursivas e apresentam
estruturas formais similares: sentenças, sintagmas, palavras
e sons.
3. Todas as línguas são bem-formadas, lógicas e governadas
por regras.
4. Todas as línguas variam, apresentando dialetos associados a
grupos geográficos, sociais e etários diferentes.
5. A mudança Linguística é normal: não se tem notícia de nenhuma língua
natural que tenha permanecido imutável.
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Partindo desse solo comum, o desafio da Linguística nos dias atuais é continuar
enfocando as questões mais amplas delineadas no início desse capítulo, e ao mesmo
tempo, tentar atingir um refinamento cada vez maior na postulação de indagações
específicas derivadas desses questionamentos. Por vezes, a miríade de tentativas de
compreensão de objeto tão multifacetado quanto à linguagem humana poderá acarretar,
como de fato acarreta, hipóteses de trabalho divergentes e antagônicas. Mas se
considerarmos a magnitude dos conhecimentos que a área já produziu, há que se
reconhecer que a efervescência que se observa no campo é bastante produtiva e, na
verdade, inevitável face à imensa complexidade cognitiva.
Texto de apoio 1: Sobre percepção e cognição dos seres vivos
Todo mundo reconhece que os seres vivos são diferentes dos minerais, como as
pedras. Isto porque enquanto os minerais são inertes e bastante resistentes ao meio
ambiente, os seres vivos estabelecem uma relação muito ativa com todas as condições
em sua volta.
Até mesmo os seres vivos mais simples, como os protozoários, reagem a
informações do mundo. Por exemplo, quando há uma mudança brusca de penumbra
para claridade, a ameba se imobiliza, pois a luminosidade repentina impede a formação
de pseudópodos, invaginações citoplasmáticas, que permitem o movimento deste ser
unicelular.
Esta mesma informação de luminosidade também afeta, de diferentes formas,
quase todos os seres vivos, incluindo os muito mais complexos como nós, os seres
humanos. Em ambientes claros, o olho humano se adapta para receber e interpretar
mais claridade. A luz é interiorizada de através da pupila, um orifício no olho que se
abre mais quanto menor for a claridade. A pupila se aprofunda e leva a informação
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sobre a luz até a superfície interna do olho, conhecida como retina. É lá que a radiação
de luz é interpretada. A retina é revestida por bastonetes, células sensíveis à intensidade
de luz, e por cones, células que detectam a cor. Quando a luz de um determinado
comprimento de onda entra no olho e bate nas células da retina, uma reação química é
ativada e resulta em um impulso elétrico que é enviado ao longo dos nervos para o
cérebro.
Além da luz, o ser humano reage a um infindável leque de estímulos externos
como a umidade, som, calor, pressão, tensão, gosto, cheiro, e também ao contato com
outros seres humanos através de reações afetivas positivas e negativas. Enfim, ao
receber informações sobre o estado do mundo circundante, o ser humano pode
rapidamente responder a elas.
Porém, é certo que não recebemos e processamos toda e qualquer informação
que está no mundo. O mundo abarca contínuos infinitos de informações de toda sorte.
Estes contínuos existem no mundo em forma de sinais analógicos. Isto quer dizer que
entre zero e o valor máximo, o sinal analógico passa por infinitos valores
intermediários.
Cada organismo vivo depende de um sistema nervoso sensorial específico para
extrair, representar, guardar e processar algumas destas informações de forma rápida e
confiável. Este processo de extração de informações transforma sinais analógicos em
digitais e é conhecido como discretização do estímulo.
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Figura 1: O espectro eletromagnético
Para entendermos melhor este processo tomemos o fluxo contínuo de
radiações, chamado de espectro eletromagnético. As diferentes frequências de onda no
espectro interagem com a matéria de diferentes formas. A visão dos seres vivos , por
exemplo, não é capaz de captar todos os infinitos valores de radiação contidos neste
espectro. O olho humano é adaptado a perceber exclusivamente as ondas
eletromagnéticas cujos comprimentos estão compreendidos entre 700 e 400 nanômetros
(cf. Figura 1). A faixa do espectro visível ao homem corresponde às cores do arco-iris, e
se situa entre as radiações infravermelha e a ultravioleta, ambas não visíveis para nós.
Existe um teste simples para verificar experimentalmente o limite esquerdo da
faixa de percepção visual humana. Vamos usar como materiais uma câmera fotográfica
digital e um controle remoto de televisão. Sabemos que ao acionar o controle remoto ele
emite raios infravermelhos, mas os nossos olhos não enxergam estas ondas direcionadas
para a televisão ou caixa controladora do canal a cabo. Percebemos o efeito do apertar
dos botões, mas não enxergamos a onda que leva a informação. No nosso teste, ao
apertar o botão do controle remoto, vamos enquadrar a cena através do visor da câmera.
A câmera vai digitalizar todas as informações de luz para mostrar no visor. Desta vez
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será possível enxergar a onda infravermelha disparada pelo controle, pois as lentes das
câmeras são sensíveis a este comprimento de onda e tratam esta imagem digitalmente
para exibir no visor.
Diferentemente de nós, as cobras não precisariam da câmera digital porque os
seus limites de visão captam informações justamente dentro faixa das radiações
infravermelhas. Já vários insetos, incluindo as abelhas e as formigas, captam
informações exclusivamente dentro da faixa ultravioleta. Como os raios solares emitem
ondas ultravioletas, é possível para estes insetos se orientar no meio ambiente usando a
efemérides solar, ou seja, o padrão diário do movimento do sol em relação à paisagem.
Este conhecimento é essencial para a sobrevivência dos insetos, pois demarca o
caminho entre os ninhos e as fontes de alimentos e permite o transporte e distribuição de
recursos nutricionais sem perda de tempo e energia.
Figura 2: O espectro visível pelo homem
Voltando à percepção visual humana, mesmo dentro dos nossos limites de
faixa de visibilidade, o olho humano não discrimina como diferentes todas as
informações que se consegue captar. Enxergamos contraste somente em alguns pontos
no contínuo, geralmente demarcados pela sociedade como sendo pontos de
discriminação. Se não transformássemos valores analógicos em discretos, não teríamos
como conservar todos os valores no cérebro pois temos uma capacidade finita de
armazenamento. Como sabemos por nossa experiência diária, a nossa memória tem
limites bastante restritivos. Daí segmentarmos os sinais contínuos para darmos conta de
gravá-los e processá-los no cérebro através de um sistema digital, discreto. Um outro
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teste simples pode trazer evidências da discretização dos estímulos com os quais
lidamos.
Tomemos o espectro acima, com as cores do arco-íris (Figura 2). Este é o
espectro visível ao ser humano. Indo da esquerda para direita, marque dez pontos dentro
do primeiro terço da faixa. Agora nomeie as cores corespondentes aos pontos que você
marcou. Apesar de diferentes, você deve ter percebido como azul, qualquer ponto no
primeiro terço da faixa. Na verdade, entre um ponto e outro passamos por infinitas
cores desde o início da faixa até o primeiro ponto da faixa em que começaríamos a
chamar a cor de verde. Mas para o nosso sistema de processamento digital, temos
apenas a possibilidade binária de discriminar “É azul ou não é azul?”. A medida em
que nos movemos ponto a ponto para a direita no contínuo repetimos a resposta “É
azul”. Se avançarmos para o segundo terço chegaremos a um ponto discreto em que a
resposta será “Não é mais azul.” Este é o ponto em que foi acordado que começa o
verde.
Um caso análogo ao do sistema visual aplicado ao sistema auditivo é o da
percepção de fonemas e alofones em uma dada língua. Fonemas são sons arbitrados por
uma comunidade Linguística como sendo distintivos para os falantes nativos daquela
língua. Entre as muitas variáveis relevantes para a emissão dos fonemas aqui tomaremos
duas: o ponto e o modo de articulação. Ponto de articulação se refere às duas partes do
aparelho fonador que se tocam para moldar os espaços do aparelho fonador que serão
preenchidos pelo fluxo de ar que vem dos pulmões ao pronunciarmos algo. O modo de
articulação se refere à maneira como o fluxo de ar sai da boca. Ao ouvir ‘tala’
conseguimos distinguir de ‘cala’ porque para falantes do português /t/ e /k/ são fonemas
com pontos de articulação distintos. Então, apesar de os outros fonemas nas duas
palavras serem iguais, os sons iniciais das duas palavras já oferecem informações
suficientes aos falantes para que se distinguam as duas palavras.
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Em contraste, os alofones são variações de sons arbitradas por uma
comunidade Linguística como sendo não distintivas. Por exemplo, no português,
tomemos a consoante oclusiva alveolar desvozeada /t/. Para pronunciá-la, articula-se a
ponta da língua à região imediatamente atrás dos dentes, chamada crista alveolar. Para
pronunciar /t/, o ar sai dos pulmões, chega à garganta passando suavemente pelas cordas
vocais sem fazê-las vibrar (som desvozeado) e, ao atingir ao ponto de articulação na
boca, é estancado bruscamente (modo oclusivo). Como mostra a figura 3, para falantes
do português do Brasil, este ponto de articulação não é bem um ponto, mas uma região
bastante elástica onde a língua pode tocar sem que haja diferenças perceptuais auditivas.
Nossa percepção auditiva classifica como /t/ o fonema produzido com um ponto de
articulação que se estende desde a parte de trás dos dentes incisivos e crista alveolar até
o palato. Quando este fonema está no contexto de /i/, que é uma vogal anterior, pode-se
chegar até a alterar também o modo de articulação de estanque (oclusivo) para estanque
+ contínuo (africado). Assim chega-se à pronuncia de ‘tia’ típica no Rio de Janeiro:
/t∫ia/. Portanto, /t∫/ é alofone de /t/, e não são distintivos em português. A articulação de
/t/ em qualquer ponto demarcado no esquema da Figura 3, resulta na percepção
integrada do fonema /t/1 pelos falantes nativos.
Figura 3: Esquema com a área de articulação demarcando as frnteiras da articulação nativa
1 Vejam que esta especificação é estabelecida língua a língua. Em inglês /t∫/ é um fonema e não um alofone de /t/.
Portanto é possível distinguir /tin/ ‘ lata’ de /t∫in/ ‘queixo’.
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Concluindo, a nossa percepção seleciona do contínuo informacional alguns
pontos para tomar como dado (informação distintiva), por isso podemos afirmar que o
ser humano percebe o mundo discretizado.
Se você tinha ficado em dúvida sobre o significado da palavra cognição, que
aparece no fim do texto anterior e no título deste texto, talvez agora já tenha entendido
melhor. Os exemplos aqui discutidos sobre acuidade visual e auditiva e sobre todos os
processos de retirada de informação do mundo, introjeção e processamento destas
informações por um ser vivo são chamados de cognições. Os sistemas cognitivos
definem como um determinado ser vivo percebe e se relaciona com o mundo, quais
sinais do mundo serão informações para este indivíduo e quais sinais, apesar de
existirem no mundo, serão ignorados por ele.
Decorre destas informações sobre cognição uma conclusão filosófica que pode
ser estarrecedora: o mundo real não é igual a nossa percepção dele. O tempo todo, o que
percebemos como mundo é um certo recorte de realidade, filtrado e processado pelos
sistemas cognitivos da nossa espécie. Outros seres vivos têm sistemas sensoriais
diferentes e experienciam, portanto, outra realidade, outro mundo.
O que percebemos não é a coisa em si, mas uma construção que veio da
condução por nossos nervos sensoriais a partir de alguns sinais brutos do exterior para
dentro do cérebro sob a forma de descarga elétrica (potenciais de ação2), e lá, em algum
tecido cerebral, são interpretados.
No Texto de Apoio 2, que vem a seguir, trataremos sobre os sistemas
cognitivos e sobre o momento histórico em que diversos conhecimentos da biologia das
2 Um potencial de ação é uma onda de descarga elétrica que percorre a membrana de uma célula. Potenciais de
ação são essenciais para a vida animal, porque transportam rapidamente informações entre e dentro dos tecidos. Eles podem ser gerados por muitos tipos de células, mas são utilizados mais intensamente pelo sistema nervoso, para comunicação entre neurônios e para transmitir informação dos neurônios para outro tecido do organismo, como os músculos ou as glândulas.
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Figura. 3 - Crânio de 5000 anos acessado cirurgicamente com o indivíduo vivo
espécies redundaram em um campo de saber multidisciplinar em torno do conhecimento
sobre cognição no cérebro.
Texto de Apoio 2: Uma revolução desestruturada
Hoje em dia se perguntarmos a alguma pessoa a que parte do corpo se
relaciona o conhecimento perceptual, a memória e a inteligência do homem,
provavelmente o cérebro virá como resposta. E o desejo de conhecer mais sobre o
cérebro é provavelmente tão antigo quanto a própria existência da nossa espécie.
Existem ossadas de homens, datando de mais de 5000 anos, cujos crânios (Fig.3) foram
abertos cirurgicamente enquanto os sujeitos ainda estavam vivos (Bear, Connors,
Paradiso, 1996).
Apesar do interesse primordial do homem sobre o conteúdo da caixa
craniana, progressos efetivos sobre a sua relação
com a cognição humana, só começam a
acontecer a partir da segunda metade no século
XX. Antes disso, entre o fim do sec. XIX e a
primeira metade do sec XX, sob a influência de
cientistas como Pavlov e Skinner, o mundo
científico entendia o homem através da análise de
seu comportamento. Nos anos 50, esta era a visão
do Behaviorismo, cuja agenda científica consistia
exclusivamente em interferir no comportamento diretamente observável, através de um
programa de condicionamento operante dos estímulos em relação às respostas. Por não
serem imediatamente observáveis, os eventos mentais ou cognitivos não eram levados em
consideração. Os behavioristas acreditavam que para entender o homem, era necessário
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abandonar os esforços internalistas, que enfocavam a linguagem, memória ou emoção
em prol de um programa de pesquisa totalmente dedicado ao comportamento.
Na década de 50, o pensamento behaviorista dominou toda Europa e Estados
Unidos com a promessa de moldar e transformar qualquer comportamento observável.
Como expediente metodológico, usava o reforço dos padrões comportamentais, no caso
de se objetivar manter um comportamento desejável. Por outro lado, premiava os
comportamentos que necessitassem de aprendizagem efetiva, e punia os indesejáveis,
visando a supressão.
O programa clássico do Behaviorismo se popularizou especialmente pelas
apresentações de divulgação científica de grande efeito, oferecidas pelo próprio Skinner.
Geralmente, frente a uma plateia repleta de universitários, Skinner era hábil em mostrar a
eficácia de seu método. Levava uma pomba em uma gaiola espaçosa para o centro palco e
convidava todos a observar o comportamento do animal. Skinner explicava para a plateia
que o animal estava agitado andando de um lado para o outro, porque tinha sido privado
de comida por um tempo que ainda garantiria sua integridade física, mas que era já
suficiente para deixá-lo faminto.
Skinner declara, então, para a plateia, que o objetivo daquela apresentação seria
condicionar a pomba para andar em uma única direção que o cientista deliberasse, por
exemplo, para a direita. Imediatamente, a primeira vez que a pomba vira a cabeça para a
direita, ele premia o animal com um grão de ração. Neste momento, o programa de
condicionamento operante entra em ação e um cronômetro no palco começa a marcar o
tempo. A pomba se movimenta para a esquerda algumas vezes e logo que vira de novo
para direita, mais um grão lhe é oferecido. Este expediente continua, até que em poucos
segundos a pomba já começa a se virar muito mais vezes para a direita do que para
esquerda. Agora Skinner anuncia que o jogo iria mudar. A partir daquele ponto o
objetivo seria condicionar a pomba a fazer uma virada de 360 graus para direita. A pomba
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ainda tenta as viradas tímidas que haviam resultado em premiação anteriormente, mas
agora já não recebe mais o alimento como prêmio. Logo em seguida o animal parte para
viradas com ângulos mais abertos para a direita e, efetivamente, todas as vezes que se
vira mais do que a vez anterior, recebe a ração. Por fim, em um dado momento, a pomba
chega ao objetivo de fazer uma volta de 360 graus e finalmente recebe um potinho com
ração. O cronômetro geralmente marcava em torno de dois minutos, o que comprovava
um grande êxito do condicionamento.
Figura 4: A caixa de Skinner
Tarefas simples como esta de construção de um dado comportamento não
necessitavam de punição, só de premiação. Mas Skinner se dedicou muito aos
condicionamentos mais complexos, que exigiam desconstrução de um comportamento, a
substituição por outro e principalmente a combinação de condições. Trabalhando com
roedores, construiu para estes fins mais complexos a Caixa de Skinner, local com
alavancas, luzes e um chão que poderia transmitir um choque elétrico.
O roedor faminto era colocado nesta caixa e era logo condicionado a apertar uma
dada alavanca para conseguir um grão de ração. Porém, quando uma luz se acendia, de
nada adiantava acionar a alavanca, e ainda pior, se a alavanca fosse apertada durante o
evento da luz acesa, o animal era punido: recebia um choque elétrico nos pés. Assim, com
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este expediente de punição, Skinner verificava que o aprendizado era mais rápido e
também era lembrado por mais tempo mesmo depois que a punição era extinguida.
O fabuloso resultado dos experimentos de Skinner o levou a querer estender a
teoria do condicionamento operante para muito além do comportamento simples dos ratos
e pombos. Para Skinner, até mesmo a linguagem no homem poderia ser considerada um
comportamento verbal.
A despeito do grande impacto que o Behaviorismo causou no público e também
o efetivo serviço que este prestava e presta a áreas como marketing, com o intuito de
construção de comportamentos de consumo, a visão behaviorista se mostrava pouco
adequada para entender e explicar a sutileza, especificidade, limites e alcances da
cognição dos seres vivos.
Surge, então, no meio científico, uma revolta silenciosa contra a metodologia
reducionista do Behaviorismo. No interior de pequenos laboratórios que estudavam a
fisiologia cerebral, surgiam evidências científicas da inigualável complexidade da
cognição humana, como a visão, audição, memória, linguagem e todos os outros produtos
sutis da computação cerebral. A maior concentração destes laboratórios se situava nos
Estados Unidos, em uma região da costa leste denominada Nova Inglaterra, onde se
encontram grandes universidades como Harvard e MIT.
Provavelmente, naquela época, o advento de maior importância para a mudança de
agenda científica vigente foi a prática consistente da neurocartografia, que vem a ser a tentativa
localizacionista de mapear os circuitos e tecidos cerebrais relacionando-os diretamente às
cognições. A intuição por trás desses modelos é a de que haveria, diretamente representado no
tecido cerebral, mapas ordenados de sinais do mundo exterior com os quais lidamos
cognitivamente.
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Dois destes modelos - o modelo de audição de Georg von Békésy, testado em cadáveres,
e o modelo da visão de Hubel e Wiesel, testado em gatos, começam a ser implementados ainda
nos anos 50 e resultam em pesquisas que foram premiadas com o Nobel de Medicina.
Começando pela pesquisa sobre a audição, o químico e físico húngaro, radicado nos
Estados Unidos, Békésy, acreditava que as diferentes frequências das ondas de som eram
processadas em locais específicos da membrana basilar3. Isto quer dizer que o processamento teria
um endereçamento cortical específico. Para testar esta hipótese, ele desenvolveu uma técnica de
extração da membrana basilar de cadáveres frescos o que garantia à peça uma maleabilidade
adequada. Desenvolveu um esticador que posicionava corretamente a membrana de forma a expô-
la experimentalmente a diferentes frequências sonoras. Assim mapeava qual segmento da
membrana respondia a qual frequência. Como resultado, Békésy encontrou que sons agudos são
interpretados perto da base da cóclea. No ápice da cóclea são gerados os sons graves. O modelo
de Békésy revela uma tonotopia auditiva, ou seja, uma representação ordenada dos tons no tecido
em que frequências sonoras específicas ativam neurônios correspondentes também específicos
como mostra a Figura 4.
Figura 4
Uma segunda ordem de correspondências tonotópicas entre sinais auditivos e
processamento destes sinais ocorre em relação à intensidade dos sons. Acontece que vibrações
3 Quando a onda sonora chega ao ouvido, ela faz o tímpano vibrar. As vibrações ecoam dentro da orelha média que
é cheia de ar e são transmitidas adiante através de um sistema sutil de alavancas formado por uma cadeia de
ossículos. Esta transmissão se dá em direção ao fluido existente na orelha interna, a cóclea. A base do estribo, que
serve como último elo da cadeia ossicular bate de encontro à janela oval, estrutura que proteje a entrada da orelha
interna. As vibrações da janela oval são transmitidas ao fluido. Por sua vez o fluido engaja a membrana basilar na
vibração. A membrana basilar é uma partição longitudinal que divide a cavidade espiralada da cóclea em duas.
Apoiado na membrana basilar encontra-se o órgão de Corti que contém células ciliadas (receptores auditivos)
contendo estereocílios. Lá são convertidos o estímulo mecânico impulso nervoso. A membrana tem um ápice
sensível a baixa frequência, sendo mais complacente. Já a sua base, responde a altas frequências sendo mais rígida
Pode-se dizer que a membrana basilar responde a um código de localização.
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muito fracas da membrana basilar ativarão um número pequeno de neurônios, enquanto o aumento
do volume ativa um número proporcionalmente maior destas células, envolvendo também uma
área de membrana basilar mais extensa. Dessa forma, uma população mais numerosa de neurônios
fica envolvida com o processamento dos sons mais intensos.
Analogamente, Hubel e Wiesel trabalharam com a cognição de visão. Desenvolveram
um experimento testado em gatos com a hipótese de que haveria especificidade e organização
celular para o processamento de diferentes orientações de linhas.
Figura 5
Como mostra a ilustração, o experimento consistia em expor o gato à imagem de uma
linha com uma dada orientação específica. Após um tempo de exposição, um outra linha com
orientação diferente era também exposta por igual período. Assim, o gato era exposto a muitas
linhas de diversas orientações. Durante toda a exposição, o cérebro do gato era monitorado por
pequenos discos de metal (eletródios) colocados diretamente no córtex do animal e ligados por um
fio a um eletroencefalograma. Este aparelho mede a eletricidade cerebral que chega até os discos
de metal, ou seja, mede a atividade neuronal. Depois que o gato era exposto a uma série de linhas,
os cientistas usavam um sistema de coração exclusiva aplicado ao córtex do animal. Este sistema
demarca apenas as células ativadas pela estimulação. Assim, eles conseguiram localizar no córtex
estriado do animal, o sítio de interpretação de cada linha apresentada, porque, dependendo da
orientação da linha, havia sinal de atividade cerebral (disparos neuronais) em locais diferentes do
cérebro. Como mostra a Figura 6, eles verificaram que há no córtex visual primário (córtex
estriado) uma ordenação de neurônios por colunas, organizadas por orientação de linha.
Capitulo 1: Convergências e Divergências (ainda não publicado)
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Figura 6
Como mostra a Figura 7, por causa desta ordenação foi possível ver marcada, no córtex
do animal (b), uma imagem das linhas a que ele tinha capturado na retina (a). É a retinotopia,
mecanismo que constrói representações isomórficas do que vemos no córtex.
Figura 7
Nesta mesma década Norber Wiener começou a desenvolver a cibernética, ou seja
o estudo dos sistemas mecânicos e eletrônicos que se destinam a substituir as funções
humanas. Surge também a inteligência artificial com Herb Simon, Marvin Minsky e John
MacCarthy. Estas duas ciências abriram espaço para outras incursões utilizando a
computação para simular processos cognitivos.
Em meio a este ambiente cientificamente fecundo, a mais importante fonte
desta revolução cognitiva que aos poucos se armava vinha da Linguística. Noam
Capitulo 1: Convergências e Divergências (ainda não publicado)
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Chomsky, um jovem cientista com formação de matemático, inaugurava uma nova era
anunciando que os processos cognitivos envolvidos na Faculdade de Linguagem não
poderiam ser fruto simplesmente de estímulos e respostas e de modelagens como
reforço e punição como queriam os Behavioristas. As regras gramaticais que
estruturavam sentenças bem formadas não eram imediatamente observáveis, mas sim
um substrato inscrito na genética humana. A Faculdade da Linguagem passa a ser vista
como uma característica exclusiva da espécie humana.
Chomsky tinha ideias tão inovadoras e tão bem estruturadas que logo
estimularam outros colegas. O experiente psicólogo George Miller foi um deles. Miller
era a maior autoridade em memória e estava descontente com o rumo da psicologia sob
a influência Behaviorista. Outros nomes essenciais, o eminente filósofo da linguagem
Jerry Fodor, e os neurocientistas David Marr4, especializado em visão, e Eric
Lenneberg5, em aquisição de linguagem, ambos muito influentes na sociedade
científica, apoiavam as ideias de Chomsky e a ruptura radical com o Behaviorismo. A
contribuição destes autores revela a complexidade das cognições e a necessidade de
explicações que contemplassem mais do que simplesmente estímulo-resposta:
“Tentar entender a percepção somente através do estudo dos neurônios é como tentar
entender o vôo dos pássaros através do estudo das penas. Simplesmente, isto não
pode ser feito assim. Para entender o vôo dos pássaros temos que entender a
aerodinâmica. Só então a estrutura das penas e as diferentes formas de asa começam
a fazer sentido.” (MARR, 1982, p. 27, tradução minha)
4 David Courtnay Marr (1945 - 1980) neurocientista britânico que uniu conhecimentos multidisciplinares para
estudar a cognição de visão. Marr contribuiu de fundamentalmente para a epistemologia das neurociências ao
postular, junto com Tomaso Poggio, que a análise do fenômeno cognitivo como processamento de informação tem
que acontecer em três níveis complementares (A Hipótese dos Três Níveis de Marr): (i) Nível da teoria
computacional: Qual é o objetivo da computação? Por que ela é apropriada? Qual a lógica da estratégia pela qual ela
pode ser implementada? ; (ii) Nível da representação e algorítimo: Como a Teoria Computacional pode ser
implementada? Em particular, qual é a representação do input e do output? Qual é o algoritmo da transformação?;
(iii) Nível da Implementação do hardware : Como a representação e o algoritmo são realizados fisicamente?
5 Eric Lenneberg nasceu na Alemanha em 1921 onde viveu até seus 12 anos. Em 1933, mudou-se com sua família
aqui para o Brasil onde morou até os 24 anos. Em 1945 imigrou para os Estados Unidos, alistou-se no exército e
subsequentemente entrou para a Universidade de Chicago onde fez graduação e mestrado em Linguística. Em 1955
ele terminou seu PhD em psicologia e Linguística em Harvard e depois se engajou em um pós-doc em ciências médicas com enfoque em neurologia na Faculdade de Medicina de Harvard. Lenneberg morreu em 1975.
Capitulo 1: Convergências e Divergências (ainda não publicado)
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O marco da Revolução Cognitivista se deu em 11 de setembro de 1956, em
um Simpósio sobre Teoria da Informação que aconteceu no Massachusetts Institute of
Technology (MIT). Neste evento, Chomsky, Miller, Minsky, Newel e Simon
apresentaram trabalhos e supreenderam a todos pelo íntimo diálogo interdisciplinar que
seus objetos de estudo ensejavam. A reunião prenunciava um momento de forte
desenvolvimento para os estudos da mente e cérebro.
Um segundo marco fundamente surgiu em 1959, quando Chomsky formaliza
sua critica ao Behaviorismo publicando uma resenha do livro "Verbal Behavior", de
Skinner. Chomsky focaliza especialmente o fato de Skinner ignorar os aspectos
biológicos e criativos da linguagem. Em uma análise muito minuciosa e, até mesmo,
feroz, Chomsky salienta o potencial expressivo da linguagem, que, usando um sistema
simbólico composto por elementos funcionais limitados, pode representar no cérebro
estruturas com capacidade recursiva ilimitada.
A noção de Skinner de que a aquisição de linguagem passava por uma tarefa
de aprendizagem baseada na criação de respostas condicionadas por estímulos externos
é completamente derrubada por Chomsky, que consegue implementar um programa de
pesquisa no seio da Revolução Cognitivista enfocando a Faculdade da Linguagem
como um órgão da mente.
A Revolução Cognitivista ensejou uma agenda de pesquisa riquíssima a partir
de sua implementação. Para a Linguística a impossibilidade de usar modelos animais
estabeleceu uma metodologia própria, diferente de outras neurociências, que será
explorada no próximo capítulo.