Texto 5 - Helen Keller e Sam
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Texto 5:
A HISTÓRIA DA MINHA VIDA
HELEN KELLER[ 1880-‐1968 ]
CAPÍTULO IV
O dia mais importante de que me lembro de toda minha vida é o da chegada de minha professora, Anne
Mansfield Sullivan. Fico maravilhada quando penso no imenso contraste entre as duas vidas que esse dia
ligou. Estávamos a 3 de março de 1887, três meses antes que eu completasse sete anos.
Na tarde daquele dia agitado, fiquei na varanda, muda, expectante. Pelos sinais de minha mãe e pelo
apressado entra-‐e-‐sai da casa, adivinhei vagamente que algo pouco usual estava prestes a acontecer;
assim, fui para a porta e esperei na escada. O sol da tarde penetrava na massa de madressilvas que cobria a
varanda e caía no meu rosto virado para cima. Meus dedos pousavam quase inconscientemente nas folhas
e flores familiares que haviam acabado de brotar saudando a doce primavera do Sul. Eu não sabia que
maravilhas e surpresas o futuro me guardava. Raiva e amargura haviam continuamente caído sobre mim
por semanas, e um profundo langor sucedera-‐se a essa luta apaixonada.
Algum dia você já esteve no mar cercado por um denso nevoeiro, como se uma tangível escuridão branca
se fechasse sobre você e o grande navio, tenso e ansioso, tateasse em busca do caminho para a costa com
uma bola de chumbo e uma sonda e você esperasse com o coração batendo que algo acontecesse?
Eu era como aquele navio antes de minha instrução começar, só que não tinha bússola ou sonda, nem
meios de saber quão próximo estava o porto. "Luz! Me deem luz!" era o grito sem palavras de minha alma,
e a luz do amor brilhou sobre mim naquela mesma hora.
Senti passos que se aproximavam. Estiquei a mão imaginando que era mamãe. Alguém a pegou e eu fui
levantada e abraçada bem apertado pela pessoa que viera revelar todas as coisas para mim e, mais do que
todas as coisas, me amar.
Na manhã seguinte à chegada de minha professora, ela me levou a seu quarto e me deu uma boneca. As
criancinhas cegas da Instituição Perkins a tinham enviado e Laura Bridgman a vestira; mas eu só soube
disso depois. Quando brinquei com a boneca algum tempo, a srta. Sullivan lentamente soletrou em minha
mão a palavra "b-‐o-‐n-‐e-‐c-‐a". Fiquei imediatamente interessada nesse jogo com dedos e tentei imitá-‐lo.
Quando finalmente consegui fazer as letras corretamente, fiquei vermelha de prazer e orgulho infantil.
Descendo a escada correndo em busca de minha mãe, estendi a mão e imitei as letras para boneca. Não
sabia que estava soletrando uma palavra ou mesmo que palavras existiam; eu simplesmente estava
deixando meus dedos macaquearem uma imitação. Nos dias que se seguiram aprendi a soletrar desse
modo incompreensível um grande número de palavras, entre elas alfinete, chapéu, xícara e alguns verbos,
como sentar, levantar e andar. Mas só depois de minha professora estar comigo há várias semanas eu
entendi que tudo tinha um nome.
Certo dia, enquanto eu brincava com minha nova boneca, a srta. Sullivan pôs minha grande boneca de
trapos no meu colo também, soletrou a palavra "b-‐o-‐n-‐e-‐c-‐a" e tentou me fazer entender que "b-‐o-‐n-‐e-‐c-‐a"
se aplicava às duas. Antes, naquele mesmo dia, tivemos um arranca-‐rabo por causa das palavras "c-‐a-‐n-‐e-‐c-‐
a" e "a-‐g-‐u-‐a". A srta. Sullivan tentara me fazer assimilar que "c-‐a-‐n-‐e-‐c-‐a" era caneca e "a-‐g-‐u-‐a" era água,
mas eu insistia em confundir as duas. Em desespero, ela deixara o assunto de lado por um tempo, mas para
voltar a ele na primeira oportunidade. Fiquei impaciente com suas repetidas tentativas e, pegando a
boneca nova, atirei-‐a no chão. Fiquei extremamente encantada ao sentir os fragmentos da boneca
quebrada a meus pés. Nem tristeza nem arrependimento seguiram-‐se à minha apaixonada explosão. Eu
não amara a boneca. No mundo parado e escuro em que eu vivia não havia nenhuma ternura ou
sentimento forte pelos outros. Senti minha professora varrer os fragmentos para um lado da lareira e tive
uma sensação de satisfação de que a causa de meu desconforto fora removida. Ela me entregou meu
chapéu e eu soube que ia sair ao sol quente. Tal ideia, se uma sensação sem palavras se pode chamar
assim, fez-‐me pular e saltitar de prazer.
Descemos o caminho para a casa do poço, atraídas pela fragrância das madressilvas que a cobriam. Alguém
estava tirando água e a srta. Sullivan colocou minha mão sob o jorro da água.
Enquanto a fria corrente despejava-‐se sobre uma de minhas mãos, a srta. Sullivan soletrava na outra a
palavra água, primeiro lentamente, depois rapidamente. Fiquei imóvel, com toda a atenção fixada nos
movimentos de seus dedos. De repente senti uma consciência envolta em nevoeiro, como de algo
esquecido -‐ o eletrizar de um pensamento que voltava; e de algum modo o mistério da linguagem foi
revelado a mim. Soube então que "á-‐g-‐u-‐a" significava a maravilhosa coisa fresca que fluía sobre minha
mão.
Aquela palavra viva despertou minha alma, deu-‐lhe luz, esperança, alegria, enfim, libertou-‐a! Ainda havia
barreiras, é verdade, mas barreiras que poderiam ser varridas com o tempo.
Eu deixei a casa do poço ansiosa para aprender. Tudo tinha um nome e cada nome fazia nascer um novo
pensamento.
Enquanto voltávamos para casa, cada objeto que eu tocava parecia estremecer de vida, já que eu via tudo
com a nova e estranha visão que chegara a mim. Ao passar pela porta, lembrei-‐me da boneca que eu
quebrara. Tateei o caminho até a lareira, peguei os pedaços da boneca e tentei em vão juntá-‐los. Então
meus olhos se encheram de lágrimas; pois percebi o que fizera e, pela primeira vez, senti arrependimento e
tristeza.
Aprendi uma grande quantidade de novas palavras naquele dia. Não lembro todas, mas sei que mãe, pai,
irmã, professora estavam entre elas -‐ palavras que deviam fazer o mundo brotar para mim, "como o bastão
de Aarão, com flores". Seria difícil achar uma criança mais feliz do que eu no final daquele dia memorável,
quando, deitada na minha cama, repassava as alegrias que ele me trouxera. Pela primeira vez na vida ansiei
para que um novo dia chegasse.
Disponível em: http://deficienciavisual9.com.sapo.pt/r-‐HistoriaDaMinhaVida-‐HelenKeller.htm#PARTE_1
A HISTÓRIA DE SAM SUPALLA
Conforme seus interesses se voltavam para o mundo fora de sua família, ele percebeu uma garota que vivia
ao lado e que parecia ser da sua idade. Depois de algumas tentativas de encontro, eles se tornaram
amigos. Ela era uma companheira agradável, mas havia o problema da sua “estranheza”. Ele não podia
falar com ela da mesma forma que falava com seus irmãos e seus pais. Ela parecia ter uma dificuldade
extrema
de compreender até mesmo os gestos mais elementares.
Após umas poucas tentativas frustradas de conversa, ele desistiu e passou a apontar quando queria ir a
algum lugar. Ele ficou curioso sobre essa enfermidade estranha que a amiga tinha, mas uma vez que eles
haviam encontrado uma forma de interagir, ele contentou-‐se em se acomodar às necessidades peculiares
da garota. Um dia, Sam lembra-‐se claramente, ele finalmente compreendeu que sua amiga era de fato
excêntrica. Eles estavam brincando na casa dela, quando de repente sua mãe chegou até eles e começou a
mover sua boca animadamente. Como que num passe de mágica,
a garota pegou a casinha de bonecas e levou-‐a para outro lugar. Sam ficou intrigado e voltou para casa
para perguntar a sua mãe de que mal, exatamente, a sua amiga vizinha sofria. Sua mãe explicou que ela era
OUVINTE e, por esse motivo, não sabia sinalizar; ao invés disso, ela e sua mãe FALAVAM, elas moviam suas
bocas para se comunicarem. Sam então perguntou se essa garota e sua família eram as únicas pessoas
“desse tipo”. Sua mãe explicou que não, na verdade, quase todos eram como seus vizinhos. Sua própria
família que era incomum. Foi um momento memorável para Sam. Ele lembra-‐se de ter pensado como era
esquisita a garota ao lado e, se ela era OUVINTE, como as pessoas OUVINTES deviam ser esquisitas
também.
Deaf in América: Voices from a Culture, Carol Padden e Tom Humphries (1988, p. 15-‐16)
Sam Supalla, hoje é um educador surdo e professor na Universidade do Arizona. Sam nasceu em uma
família de Surdos com vários irmãos Surdos mais velhos.
FONTE: WILCOX, Sherman & WILCOX, Philis. Aprender a ver. Petrópolis: Arara Azul, 2005.