Tese Avaliacao Psicologica Usuarios Drogas
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UNIVERSIDADE DE SO PAULO
FFCLRP DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA E EDUCAO
PROGRAMA DE POS GRADUAO EM PSICOLOGIA
Psicodinmica de usurios de drogas: contribuies da avaliao psicolgica
Rodrigo Cesar Martins
Dissertao apresentada Faculdade de
Filosofia, Cincias e Letras de Ribeiro
Preto da USP, como parte das exigncias
para obteno do ttulo de Mestre em
Cincias, rea: Psicologia.
Ribeiro Preto - SP
- 2003 -
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UNIVERSIDADE DE SO PAULO
FFCLRP DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA E EDUCAO
PROGRAMA DE POS GRADUAO EM PSICOLOGIA
Psicodinmica de usurios de drogas: contribuies da avaliao psicolgica
Rodrigo Cesar Martins Sonia Regina Pasian
Dissertao apresentada Faculdade de
Filosofia, Cincias e Letras de Ribeiro
Preto da USP, como parte das exigncias
para obteno do ttulo de Mestre em
Cincias, rea: Psicologia.
Ribeiro Preto - SP
- 2003 -
-
Martins, Rodrigo Cesar Psicodinmica de usurios de drogas: contribuies da
avaliao psicolgica. Ribeiro Preto, 2003-03-24 147 p. : il.: 30 cm
Dissertao, apresentada Faculdade de Filosofia,Cincias e Letras de Ribeiro Preto / USP Dep. de Psicologia e Educao.
Orientadora: Pasian, Sonia Regina. 1. Drogadio 2. avaliao psicolgica 3. Rorschach 4. entrevista
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AGRADECIMENTOS Ao amigo e orientador Prof. Dr. Andr Jacquemin, no s pelo incentivo
vida acadmica e ao estudo da drogadio, mas pelo amplo sentido que sua
presena tem em minha vida profissional.
minha orientadora Profa. Dra. Sonia Regina Pasian, por ter abraado
comigo este projeto e pelo constante exemplo de dedicao e tica
demonstrados nesta jornada.
Aos vrios amigos e professores que colaboraram, direta ou indiretamente,
com a pesquisa, em especial ao Paulo e ao Cristiano pelo companheirismo.
Aos dirigentes das duas Instituies de recuperao de dependentes
qumicos que trabalhei, pelo apoio e confiana em nossas propostas.
Aos participantes da pesquisa, sem os quais no seria possvel a realizao
deste trabalho.
Aos meus pais, por tudo, sempre.
Ao mistrio, agente primeiro de todas as coisas, do qual sabemos muito
pouco, inspirador da nossa incessante busca.
-
SUMRIO
RESUMO................................................................................................ i
ABSTRACT........................................................................................... ii
CERTIFICADO de TICA..................................................................iii
I. INTRODUO..................................................................................01 I.1. Consideraes gerais sobre drogadio...................................................01
I.2. O abuso e a dependncia de drogas psicoativas.....................................06
I.4. Estudos atuais sobre a drogadio...........................................................16
I.3. O usurio de drogas psicoativas..............................................................09
II. OBJETIVOS ....................................................................................26 II. 1. Geral .......................................................................................................26
II. 2. Especficos..............................................................................................26
III. MTODO........................................................................................28 III. 1. Amostra...................................................................................................28
III. 2. Material....................................................................................................37
III. 3. Procedimento...........................................................................................39
III. 4. Aspectos ticos........................................................................................43
IV. RESULTADOS ................................................................................44 IV. 1. ANLISE DAS ENTREVISTAS......................................................................44
IV. 1. 1 Grupo 1............................................................................................................45
-
- Desenvolvimento da Drogadio.................................................................45
- Histria Pessoal...........................................................................................58
- Histria Familiar..........................................................................................68
IV. 1. 2 Grupo 2............................................................................................................76
IV. 2 ANLISE DO TESTE DAS FIGURAS COMPLEXAS DE REY.....................77
IV. 3 ANLISE DO PSICODIAGNSTICO DE RORSCHACH..............................83
IV. 3. 1 Sntese quantitativa dos resultados no Rorschach do Grupo 1.......................84 IV. 3. 2 Sntese quantitativa dos resultados no Rorschach do Grupo 2.......................87 IV. 3. 3 Anlise comparativa entre G1 e G2 nos resultados no Psicodiagnstico de Rorschach......................................................................................................................90 IV. 3. 4 Anlise simblica da prancha IV do Rorschach..............................................93 V. DISCUSSO......................................................................................101 VI. CONCLUSO..................................................................................115 VI. REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS...........................................119
VII. ANEXOS..........................................................................................124
ANEXO A. Roteiro de Entrevista................................................................................125
ANEXO B. Carta de apresentao da pesquisa s Instituies....................................129
ANEXO C. Termo de Consentimento Livre e Esclarecido..........................................130
ANEXO D. Parecer do Comit de tica.......................................................................131
ANEXO E. Sntese das Entrevistas..............................................................................132
-
NDICE DE TABELAS
Tabela 1. CARACTERIZAO DA AMOSTRA DESTE ESTUDO EM FUNO DE VARIVEIS
DEMOGRFICAS E DE USO DE DROGAS ILCITAS, PERMITINDO VISUALIZAO DO
PAREAMENTO ENTRE INDIVDUOS DO GRUPO 1 (N1 = 10) E DO GRUPO 2 (N2 = 10)..........32
Tabela 2. CARACTERIZAO DO GRUPO 1 (N=10) DESTE ESTUDO EM FUNO DE SUA
HISTRIA DE USO DE DROGAS ILCITAS.............................................................................34
Tabela 3. CARACTERIZAO DA AMOSTRA DESTE ESTUDO EM FUNO DO DESEMPENHO
COGNITIVO NO TESTE DE INTELIGNCIA NO VERBAL- INV FORMA C, PERMITINDO
VISUALIZAO DO PAREAMENTO ENTRE INDIVDUOS DO GRUPO 1 (N1 = 10) E DO GRUPO 2
(N2 = 10)..........................................................................................................................36
Tabela 4. DISTRIBUIO DA FREQUNCIA DOS MOTIVOS DE BUSCA DE AJUDA REFERIDOS
PELOS INDIVDUOS DO GRUPO 1 (USURIOS DE DROGAS, N1=10)......................................45
Tabela 5. DISTRIBUIO DA FREQUNCIA DAS CAUSAS DA DROGADIO REFERIDAS PELOS
INDIVDUOS DO GRUPO 1 (USURIOS DE DROGAS, N1=10)...............................................48
Tabela 6. DISTRIBUIO DA FREQUNCIA DAS IMPLICAES DO USO DE DROGAS
CONFORME REFERNCIA DOS INDIVDUOS DO GRUPO 1 (USURIOS DE DROGA,
N1=10).............................................................................................................................53
Tabela 7. DISTRIBUIO DA FREQUNCIA DAS SITUAES INTENSIFICADORAS DA
DROGADIO CONFORME AVALIAO REFERIDA PELOS INDIVDUOS DO GRUPO 1
(USURIOS DE DROGAS, N1=10).......................................................................................56
-
Tabela 8. DISTRIBUIO DA FREQUNCIA DOS FATOS MARCANTES DO
DESENVOLVIMENTO INFANTIL NA PERCPO DOS INDIVDUOS DO GRUPO 1 (USURI0S DE
DROGAS, N1=10) .............................................................................................................58
Tabela 9. DISTRIBUIO DA FREQUNCIA DAS CONSIDERAES GERAIS SOBRE SADE
REFERIDAS PELOS INDIVDUOS DO GRUPO 1 (USURIOS DE DROGAS,
N1=10).............................................................................................................................60
Tabela 10. DISTRIBUIO DA FREQUNCIA DAS CONSIDERAES GERAIS SOBRE
ALIMENTAO E NUTRIO, REFERIDAS PELOS INDIVDUOS DO GRUPO 1 (USURIOS DE
DROGAS, N1=10)..............................................................................................................61
Tabela 11. DISTRIBUIO DA FREQUNCIA DAS CONSIDERAES GERAIS SOBRE O SONO
REFERIDAS PELOS INDIVDUOS DO GRUPO 1 (USURIOS DE DROGAS, N1=10) ..................62
Tabela 12. DISTRIBUIO DA FREQUNCIA DOS PRINCIPAIS ASPECTOS ASSOCIADOS A
ADAPTAO E A RELACIONAMENTOS NA ESCOLA, REFERIDOS PELOS INDIVDUOS DO
GRUPO 1 (USURIOS DE DROGAS, N1-10) ........................................................................63
Tabela 13. DISTRIBUIO DA FREQUNCIA DAS CONSIDERAES SOBRE O TRABALHO
REFERIDAS PELOS INDIVDUOS DO GRUPO 1 (USURIOS DE DROGAS, N1=10)...................65
Tabela 14. DISTRIBUIO DA FREQUNCIA DAS CONSIDERAES SOBRE A SOCIALIZAO
REFERIDAS PELOS INDIVDUOS DO GRUPO 1 (USURIOS DE DROGAS, N1=10)...................66
Tabela 15. DISTRIBUIO DA FREQUNCIA DOS ASPECTOS DO RELACIONAMENTO COM OS
PAIS, REFERIDA PELOS INDIVDUOS DO GRUPO 1 (USURIOS DE DROGAS, N1=10)............69
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Tabela 16. DISTRIBUIO DA FREQUNCIA DOS ASPECTOS DO RELACIONAMENTO COM
IRMOS REFERIDOS PELOS INDIVDUOS DO GRUPO 1 (USURIOS DE DROGAS,
N1=10).............................................................................................................................71
Tabela 17. DISTRIBUIO DA FREQUNCIA DOS ASPECTOS DO AMBIENTE FAMILIAR
REFERIDOS PELOS INDIVDUOS DO GRUPO 1 (USURIOS DE DROGAS, N1=10)....................72
Tabela 18. DISTRIBUIO DA FREQUNCIA DOS ANTECEDENTES PATOLGICOS NA
FAMLIA REFERIDOS PELOS INDIVDUOS DO GRUPO 1 (USURIOS DE DROGAS N1=10)......75
Tabela 19. RESULTADOS DOS INDIVDUOS DO G1 E DO G2 NA REPRODUO DE CPIA DO
TESTE DAS FIGURAS COMPLEXAS DE REY.......................................... ..............................78
Tabela 20. RESULTADOS DOS INDIVDUOS DO G1 E DO G2 NA REPRODUO DE MEMRIA
DO TESTE DAS FIGURAS COMPLEXAS DE REY...................................................................79
Tabela 21. VARIVEIS DO RORSCHACH PARA AVALIAO DA CAPACIDADE COGNITIVA/
INTELECTUAL...................................................................................................................90
Tabela 22. VARIVEIS DO RORSCHACH PARA ANLISE AFETIVA E CONTROLE DA
AFETIVIDADE....................................................................................................................91
Tabela 23. VARIVEIS DO RORSCHACH PARA ANLISE DA ADAPTAO SOCIAL
AFETIVA...........................................................................................................................92
Tabela 24. RESPOSTAS DA PRANCHA IV VERBALIZADAS PELOS INDIVDUOS DO G1.......95
Tabela 25. RESPOSTAS DA PRANCHA IV VERBALIZADAS PELOS INDIVDUOS DO G2......98
-
Autorizao
Autorizo a reproduo total e/ou parcial da presente obra, por qualquer meio
convencional ou eletrnico, desde que citada a fonte.
Rodrigo Cesar Martins
______________________
Universidade de So Paulo
Av Bandeirantes, 3900.
Ribeiro Preto
e-mail: [email protected]
-
I. INTRODUO:
I.1. Consideraes Gerais sobre Drogadio:
A busca de substncias que alteram o humor sempre esteve presente e
inserida em diversos contextos da humanidade. O uso de drogas psicoativas to antigo
quanto o prprio homem que as utiliza, com diferentes propsitos, nos mais diferentes
contextos (Bucher, 1991, 1992; Silvestre, 1999; Graeff e Guimares, 1999). Apesar da
maior concentrao de usurios estar entre os jovens, sua utilizao incide nas
diferentes idades e nveis scio-econmicos e culturais. As razes que dirigem as
pessoas a buscarem essas substncias poderiam ser divididas em quatro grupos bsicos,
segundo Claudio-da-Silva e Rocha do Amaral (1999): reduo da ansiedade e
sentimentos desagradveis de depresso; aumento das sensaes corpreas e induo de
satisfaes sensoriais de esttica, especialmente de natureza ertica; aumento do
desempenho fsico e psicolgico e reduo de sensaes desagradveis como dor,
insnia, fadiga ou superando necessidades fisiolgicas como sono e fome; forma de
1
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transcender os limites do corpo e a condio tempo-espao, qual estamos submetidos.
J, segundo Bucher (1992), pode-se distinguir trs sentidos principais para o uso de
drogas psicoativas: fugir da transitoriedade e da angstia existencial, procura de
transcendncia e busca de prazer.
Continuando a explorar as consideraes de Bucher (1992 e 1993), no
existe sociedade sem drogas. O consumo de substncias psicoativas corresponde a uma
prtica milenar e universal e o estudo de suas relaes com o ser humano permite extrair
concluses a respeito da organizao de uma sociedade, seus mitos e crenas e suas
representaes existenciais e religiosas. Para este estudioso da drogadio, este
fenmeno no est situado nas periferias onde o trfico ocorre, mas se encontra no
centro da sociedade e produzido por ela mesma, atravs de seus modos de
organizao, pela injusta distribuio de renda, leis de mercado, ganncia e pela
ilegitimidade frente s aspiraes legtimas da comunidade.
Estudos epidemiolgicos sobre drogadio tem apontado ndices estatsticos
reveladores de que, nas ltimas dcadas, tem aumentado o consumo de drogas em todo
o mundo, inclusive no Brasil. O comrcio de drogas tem faturado, conforme Cazenave
(2000), cerca de US$ 400 bilhes por ano, de acordo com o Programa das Naes
Unidas para o Controle Internacional de Drogas (UNDCP). Este programa da ONU
estima que entre 3,3 a 4,1% da populao mundial esteja envolvida no consumo anual
de drogas ilcitas. Segundo o relatrio da ONU, referido por Cazenave (2000), cerca de
10% da produo mundial de drogas tem passagem pelo Brasil.
Mediante a complexidade do fenmeno drogadio, as indagaes sobre o
panorama mundial do uso das drogas acontecem em ampliada dimenso. Tal
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Neste panorama de crescente aumento do consumo de drogas psicoativas
(CEBRID, 1997), possvel observar uma preocupao marcante de vrios setores em
buscar dados cientficos sobre o uso destas drogas pela populao brasileira (Carlini-
Cotrin e Barbosa, 1993). Uma grande quantidade de informaes j existem sobre as
condies, caractersticas e implicaes sociais da populao de drogaditos no pas.
Instituies como o "Centro de Informao sobre Drogas Psicotrpicas" (CEBRID) se
ocupam em caracterizar o panorama estatstico da problemtica social das drogas em
nossa sociedade. (CEBRID, 1989, 1990 e 1997).
O CEBRID realizou quatro levantamentos nacionais, de carter
epidemiolgico, desenvolvidos em 1987, 1989, 1993 e 1997, sempre nas mesmas dez
capitais brasileiras e empregando igual metodologia. O objetivo de tal trabalho foi
analisar o comportamento do jovem frente droga, incluindo-se suas preferncias,
tendncias de aumentos, diminuies ou estabilidade do uso, para cada droga, no
decorrer do tempo. O ltimo levantamento (1997) constatou, de um modo geral, um
aumento do uso de drogas. Entre as substncias pesquisadas est o lcool, que aparece
como a droga mais amplamente utilizada. Verificou-se que seu uso na vida, nos quatro
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levantamentos, est sempre acima de 65% dos jovens, dentre os quais 50% dos
pesquisados iniciaram o consumo de lcool entre 10 e 12 anos de idade. Foi constatado
tambm o aumento do uso freqente (seis vezes ou mais ao ms), em seis das dez
capitais analisadas. A maconha, pela primeira vez, ultrapassou os solventes como droga
de maior uso na vida e apareceu com unanimidade de crescimento de uso em todas as
capitais. Os solventes (esmalte, cola de sapateiro, lana perfume e outros), que so
substncias tambm experimentadas em idades muito precoces (por volta de 11 anos
de idade), tiveram uma tendncia de aumento do seu uso freqente em quatro capitais,
de uso pesado (vinte vezes ou mais ao ms) em trs capitais e um aumento geral de
25,7% do uso na vida entre todos os estudantes, nos dez anos pesquisados nestes
levantamentos. A cocana e o crack tambm tm aumentado sua popularidade e
consumo, sobretudo no sexo masculino. Hoje tendem a ser muito fomentados pela
mdia que atribui um crescimento descontrolado do seu uso, talvez pelo Brasil ser uma
das principais rotas de cocana em direo Europa e aos Estados Unidos (Atkinson,
1997 ; Galdurz, Noto e Carlini, 1997) ou por ser considerada a droga da moda, a
droga dos executivos, por possibilitar um aumento do rendimento e uma diminuio
do desgaste (Bucher, 1991). O uso frequente e o uso pesado da cocana e do crack
apresentaram um aumento de tendncia de uso em oito das dez capitais analisadas.
(CEBRID, 1997).
Um outro estudo realizado no Brasil para caracterizao dos usurios de
drogas psicoativas (Laranjeira, 1996) avaliou 294 usurios ou ex-usurios de
cocana/crack atravs de entrevista. Os resultados deste trabalho sinalizaram que a
maioria desses indivduos tinha usado diversas substncias, incluindo: tabaco (88%),
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lcool (88%), maconha (96%), solventes (54%), anfetaminas (24%) e tranqilizantes
(51%). Havia uma seqncia temporal na qual as drogas tinham sido usadas,
comeando com tabaco (em mdia 14,2 anos), seguido pelo lcool, solventes e
maconha (por volta de 15 anos), depois anfetamina (17,6 anos), cocana (18,9 anos) e
ainda tranqilizantes (22,3 anos). Esses indivduos tinham passado cerca de seis anos
usando cocana. Durante o pico do uso da droga, consumiam uma mdia de cinco
gramas de cocana em p ou nove pedras e meia de crack por dia, sendo que 63% deles
usavam a droga todos os dias. Houve referncia freqente (64% dos entrevistados) de
que geralmente tomavam bebida alcolica enquanto usavam cocana e 30% descreviam
uso simultneo de cocana e maconha. O consumo de drogas foi muitas vezes
financiado por intermdio de atividades criminosas (98%), sendo que 56% destes
indivduos j tinham sido presos.
Essas evidncias empricas, associadas aos dados estatsticos sobre a
drogadio, mostram um cenrio preocupante e a necessidade de estudos cientficos que
investiguem a complexa inter-relao entre as muitas variveis que norteiam este
fenmeno. Dentro desta perspectiva, tentar examinar o grau de risco a que esto
expostos os usurios de drogas, os fatores associados ao processo de envolvimento do
indivduo com a drogadio, suas marcas scio-culturais e de personalidade,
(facilitadoras ou no do consumo de drogas), apresentam-se como desafios
investigativos. A partir de estudos sobre esta temtica poder-se- alcanar uma
ampliao das possibilidades diagnsticas, compreensivas e interventivas sobre o
comportamento de drogadio, de carter prejudicial ao pleno desenvolvimento
humano.
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I.2. O Abuso e a dependncia de drogas psicoativas:
O abuso de drogas refere-se a qualquer uso das mesmas que transgrida
normas sociais ou legais vigentes em um determinado contexto social; pode ser relativo
a drogas ilcitas ou ao uso inadequado de drogas lcitas (lcool e medicamentos sem
prescrio mdica) (Graeff e Guimares, 1999). Mesmo com um aumento da procura e
do efetivo consumo das drogas, a condio de dependncia atinge a minoria destes
usurios. Segundo Graeff (1999), para ser enquadrado como dependente, necessrio
que o indivduo apresente uma combinao de fatores de ordem gentica, psicolgica e
social, onde suas atividades relacionadas com o uso da droga so precedentes s demais
atividades. Essa situao acarreta completa perda do controle voluntrio do uso da
substncia. Bucher (1993) enfatiza que a dependncia a conseqncia de um desejo
sem medida, onde o indivduo vive uma relao totalitria com a droga, que
generalizada para todas as outras situaes que ele possa estabelecer. Graud (1990
apud Olievenstein, 1990) salienta que, para falar sobre dependncia, necessrio
compreender psicodinamicamente o termo a falta. Sem a exata implicao desse
termo nos processos de drogadio, nada pode ser compreendido, nem mesmo sobre a
diferena entre usurios ocasionais e dependentes de drogas.
Neste contexto, pode-se considerar que a droga existe sem o seu usurio e,
diante deste objeto, o homem pode encontrar variadas formas de se relacionar,
conforme sua ideologia, momento scio-histrico e vulnerabilidade pessoal. Esta
interao, por sua vez, estaria diretamente relacionada com sua histria diante das
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experincias de separao e de ausncia, de suas vivncias sobre a falta arcaica,
marcadores essenciais da especificidade da dependncia humana na concepo de
Olievenstein (1990).
Considerando essa complexidade, a dependncia da droga ilcita s ocorreria
em uma ligao estreita entre trs fatores: o produto, a personalidade e o contexto scio-
histrico. Olievenstein (1990) relatou sua experincia clnica onde, repetidas vezes, no
dia precedente sada do paciente (momentos antes de se reencontrar com as trs
variveis fundamentais da dependncia) este apresentava recada nos sintomas. Este
autor pondera o seguinte para esta situao de agravamento clnico:
"Sabemos que da falta da falta que o sujeito tem medo. Porque sem
esta falta, o enfrentamento com a falta fundamental, arcaica, que
pode ser encontrado (Olievenstein, 1990, p. 14).
Nesse ponto fica evidente a compreenso da dependncia da droga como
fenmeno ativo e simultaneamente passivo. O sujeito fica passivo e submisso em
relao aos efeitos da droga, quanto convicto da necessidade que tem de se submeter a
ela. Seria a partir dessa dinmica que, segundo Olievenstein (1990), o drogadito
desenvolveria um modo de existncia, um meio de se relacionar com a vida que
permite tamponar a falta essencial e ausentar sua histria, ou seja, o que aconteceu
com ele desde sua infncia.
Dentre as substncias psicoativas consideradas passveis de dependncia ou
abuso, segundo a proposio do DSM-IV (1997), encontram-se os opiides, sedativos,
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hipnticos e ansiolticos, lcool, anfetaminas, cocana, nicotina, maconha,
alucingenos, inalantes, feniciclina e arilcicloexaminas anlogas e substncias mistas.
Para o presente estudo, focalizar-se- a anlise das caractersticas da adio
da cocana e do crack..
A cocana um alcalide originrio da planta da coca (Erytroxylon coca)
que atinge sua forma final, para o consumo, aps vrias reaes qumicas. A cocana
pode ser aspirada (via nasal), diluda em gua e injetada na veia (via intravenosa) ou
fumada sob a forma de crack (via pulmonar) e considerada como um estimulante do
sistema nervoso central (Graeff,1999). A cocana excita as reas sensoriais, motoras e
reticular mesenceflica, causando uma sensao de bem estar e euforia, incluindo
logorria e estimulao intelectual e motora. Quando consumida em alta dosagem pode
causar tremores e convulses (Bergeret, 1991). Constata-se que seu mecanismo de ao
muito semelhante aos efeitos estimulantes das anfetaminas, causando, no plano
psquico, uma sensao de clareza mental e de aumento de fora muscular, reduo da
fadiga e do apetite, estimulao geral com aumento de energia e um estado de elao
(Bucher, 1991). Seu uso, contudo, provoca tambm um efeito rebote que consiste no
plo oposto aos efeitos positivos, ou seja, o usurio sente depresso, sensao de
isolamento e lentido.
Os efeitos comportamentais do uso da cocana em p so sentidos
imediatamente e com durao aproximada de 30 a 60 minutos. Alguns estudos
constatam que a utilizao dessa droga est associada com a reduo do fluxo sangneo
cerebral e o uso diminudo de glicose, elementos que consistem em um reforador
positivo para o comportamento, pela sensao despertada de aparente bem estar. Desse
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modo, a dependncia psicolgica pode desenvolver-se logo depois de uma nica dose
(Kaplan, Sadock & Grebb, 1997).
O crack uma forma potencializada da cocana e altamente adictivo.
Quando usado, uma ou duas vezes, pode causar profunda avidez por mais droga,
levando os usurios a desenvolverem comportamentos extremos e agressivos para sua
obteno. Um estado clnico mais agravado de dependentes da coca pode ser
evidenciado pelas alteraes inexplicveis de personalidade, irritabilidade, capacidade
comprometida para concentrar-se, comportamento compulsivo, insnia e perda de peso.
Tambm inclui-se incapacidade geral e crescente de exercer tarefas associadas ao
trabalho e vida familiar (Kaplan, Sadock & Grebb, 1997).
Apesar da intensa dependncia psquica, no se observa a sndrome de
abstinncia aps a suspenso do uso do crack ou cocana, o que permite dizer que o
elevado potencial para causar dependncia no se relaciona com a droga em si, mas com
a personalidade do usurio. (Bucher, 1991).
I. 3. O usurio de drogas psicoativas:
Alguns trabalhos clssicos na rea da drogadio dedicaram-se a conhecer
melhor o usurio de drogas. Para tentar clarificar este fenmeno, tornou-se necessrio
compreender como a adio a drogas psicoativas desenvolver-se-ia em um determinado
indivduo. Nesse sentido, emergiram muitas especulaes e tentativas de explicao
para as causas da drogadio: hipteses de carter psicolgico (questes de origem
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-
psquica e de dinmica da personalidade), psicossocial (influncia do ambiente scio-
cultural), gentico (influncias hereditrias) e explicaes de cunho espiritual/religioso.
Apesar de muitos fazerem uso de drogas, nem todos so considerados
dependentes. Bucher (1988) classifica os usurios de acordo com a freqncia do uso.
Em ordem progressiva de intensidade, seriam: o experimentador, usurio recreativo ou
ocasional, usurio habitual ou funcional e o dependente que seria o verdadeiro
toxicmano. Neste ltimo se configuraria uma relao de exclusividade com a droga
que se sobrepe a qualquer outra rea da vida do indivduo. Priorizando uma abordagem
clnica e a anlise dos modelos psicolgicos e estruturas mentais deste fenmeno,
Bergeret (1991) considera totalmente descartada a hiptese de se falar do drogadito de
uma maneira generalizada ou global, conforme pode se depreender nesta passagem:
A cada categoria estrutural clssica, definida por uma
caracterologia contempornea, corresponde uma possibilidade de
funcionamento toxicmano. (Bergeret, 1991, p. 256).
Segundo esta perspectiva, no existiria uma estrutura de personalidade
prpria da drogadio e nem esta poderia apresentar-se como um estado natural da vida
do sujeito. Dito de outro modo: a drogadio, independentemente da natureza qumica,
poderia desenvolver-se em qualquer tipo de estrutura mental ou em qualquer momento
de sua evoluo, sob diversas circunstncias. Assim, nada de especfico caracterizaria
este fenmeno enquanto estrutural.
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Paralelamente ao desenvolvimento desta concepo sobre a adio a
substncias psicoativas, Bergeret (1988 e 1991) conseguiu elaborar um panorama dos
modelos psicolgicos mais encontrados entre os usurios de drogas. Como primeira
forma de personalidade toxicmana estaria a estrutura psictica, no o doente psictico,
mas o carter psictico. Este se caracterizaria pela organizao do psiquismo centrada
na violncia primitiva, onde as pulses libidinais no chegariam a se integrar e a se
organizar no conjunto da personalidade. Esses indivduos, sofrendo de um quadro
toxicomanaco, perderiam o controle da personalidade, acarretando um comportamento
descontrolado. Esse tipo de personalidade poderia encontrar na toxicomania uma forma
de evitar surtos delirantes e desorganizao interna. Uma segunda forma de
personalidade seria a de um modelo neurtico, que se organizaria em torno de uma
profunda problemtica genital e edipiana. Seriam indivduos vivenciando carncias
imaginrias, dificuldades de funcionamento psquico a partir de representaes mentais
pouco elaboradas e um desejo de subjugar o corpo em suas atividades comportamentais.
Usariam drogas sozinhos, porm nunca estariam ss, pois se drogariam contra algum.
Como terceiro e mais constante modelo de personalidade toxicmana, Bergeret (1991)
ressaltou a do tipo depressiva, caracterizada por profunda imaturidade afetiva que
impediria a pessoa de estruturar-se solidamente. Seriam indivduos que no conseguem
superar a crise da adolescncia, mal estruturada, e prolongariam este estado vivendo
sem uma identidade real, insatisfeitos, influenciveis e temerosos quanto ao isolamento,
devido profunda angstia interior. Essa estrutura psicolgica predisporia o indivduo
uma rpida submisso presso de pequenos traficantes ou do grupo de semelhantes
que sucumbiu s drogas, principalmente pela acentuada falta de autoconfiana.
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De acordo com a literatura, os fatores ligados ao contexto familiar do usurio
de drogas so tambm altamente relevantes no processo de adio s drogas
(Olievenstein, 1986; Bergeret, 1991; Bucher, 1992; Sudbrack, 1996). A famlia fornece
os modelos sociais na medida em que a primeira expresso de sociedade do indivduo,
o que influenciar seus padres de conduta e ir, no processo de desenvolvimento,
definindo a sua identidade e seus valores. Desse modo, o estudo da famlia torna-se
significativo quando se busca a compreenso sobre o fenmeno drogadio.
O desenvolvimento emocional e afetivo est intrinsecamente associado ao
contexto scio cultural em que se apresenta, e a famlia faz parte deste contexto. O
modo de funcionamento da dinmica familiar poder afetar de diversas formas o
desenvolvimento psicossocial do indivduo. Assim, a famlia poder proporcionar tanto
um ambiente de proteo, como de risco potencial para o fenmeno da drogadio
(Sudbrack, 1996). Na relao com o contexto scio-cultural vigente, a famlia pode
encontrar dificuldades com as alteraes scio-poltico-econmicas (mudanas
religiosas, tecnologia, progresso, estresse, problemas existenciais e perdas referenciais
tico-morais), o que pode acarretar em uma perda do referencial de conduo e de
administrao da estrutura familiar, colaborando para possveis desvios e transgresses
em relao s drogas. Como escreveu Kalina (apud Natrielli, 1993):
Ningum original em sua doena e, portanto, no existe drogado
sem uma famlia com quem mantenha uma dependncia manifesta ou
latente. (Kalina, 1993, p. 14)
12
-
Natrielli (1993) ressalta ainda que a prpria dinmica familiar, quando
incorre em alguns fatores (mensagens dbias, falta de limites, desmistificaes de falsos
valores), pode levar o indivduo a sentir-se perdido e desorientado. Tem-se, portanto,
fortes evidncias da influncia da famlia na estruturao da identidade e nos padres de
comportamento dos indivduos.
Apesar disso, no estudo do desenvolvimento da drogadio, no existe a
possibilidade de se definir uma infncia especfica, tampouco existe uma determinada
famlia ou perfil familiar prprio causador da toxicomania (Bergeret, 1991;
Olievenstein, 1986). Esse fenmeno pode ocorrer nas mais variadas formaes
familiares com suas especificidades sociais, culturais e econmicas. Entretanto, alguns
fatos se repetem no fenmeno da drogadio, como, por exemplo, a alta incidncia de
episdios psiquitricos nos pais, estados depressivos, s vezes com tentativas de
suicdio, e a prpria toxicomania.
Algumas atitudes familiares tambm corroboram a construo de uma
personalidade potencialmente vulnervel toxicodependncia. Ilustrao desta
interferncia pode ser visualizada quando na famlia ocorrem as chamadas adies
sociais, ou seja, o uso abusivo de bebidas alcolicas, cigarro, medicaes, intoxicao
com o trabalho, comer ou comprar demais, ou seja, comportamentos compulsivos.
Tambm fica acentuada a vulnerabilidade drogadio em famlias que no conseguem
despertar no filho um senso crtico e coerncia, onde h desrespeito sua
individualidade.
Outras variveis familiares apontadas como facilitadoras do abuso de drogas
seriam: a no proximidade dos amigos dos filhos e das famlias dos mesmos; a
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-
ineficcia em capacitar os filhos a resistir s presses do grupo; a no orientao para
que procurem ajuda dentro da famlia para resoluo de seus problemas; os valores
rgidos e a incapacidade dos pais para abordar, com naturalidade, drogas, efeitos e
conseqncias, sem assumir uma atitude de terror, orientando-os sobre os mitos e a
realidade; o autoritarismo ou o excesso de permissividade; a falta de dilogo na famlia
e as mensagens duplas (os pais se fazem contraditrios) (Loureno, 2000).
Sudbrack (1996) tambm enfatizou caractersticas pertinentes ao contexto
familiar como fatores de risco para a drogadio, apontando como relevantes: a
violncia domstica, os padres rgidos de disciplina e a falta de negociao com os
adolescentes, alcoolismo do pai, presso para o trabalho infantil e ausncia no convvio
com o filho. Estes elementos estariam em oposio s famlias que proporcionam um
ambiente de proteo, oferecendo um espao privilegiado de influncia educativa,
capacidade afetiva por parte da me, sensibilidade s dificuldades enfrentadas pelo filho
e expectativa de ascenso social depositada nos filhos.
A influncia da famlia no s tem o potencial de influenciar um futuro
drogadito, como tambm pode contribuir para dar manuteno ao comportamento
transgressor e dependente do filho. Em entrevistas realizadas por Rigon (1999) com
meninos de rua consumidores de crack, foi evidenciado o abuso de autoridade por parte
dos pais, padrastos ou madrastas. Nestes contextos, o nmero de conflitos familiares foi
apontado pelos adolescentes como uma das possveis causas da vivncia de rua,
associando-a ao incio da toxicodependncia e a sua manuteno, pelo poder viciante e
compulsivo do crack.
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-
Contudo, no h elementos para se afirmar que um modelo de desenvolvimento
infantil ir determinar um comportamento de drogadio. Pode-se apenas relacionar
alguns fatores familiares especficos com a produo de marcas preponderantes e
freqentes nos casos de desenvolvimento da toxicomania. Essas marcas referem-se
principalmente questo dos limites e do respeito lei, tanto real como imaginria,
elementos que se desenvolvem na relao com a figura paterna. Uma das funes mais
importantes desta figura, no desenvolvimento infantil, a apresentao da Lei criana,
ou seja, os limites que regulam o processo civilizatrio e a vida em sociedade (Avi e
Santos, 2000). Caso a figura paterna venha a fracassar, tal circunstncia poder incidir
sobre a formao do superego da criana, deixando-a numa condio de vulnerabilidade
menos predisposta a reconhecer os limites culturais, fato que contribui para os
comportamentos de desafio autoridade, comuns na adolescncia. Estes, no entanto,
podem alcanar um grau patolgico dirigido ao vandalismo, drogadio e outras
condutas delinqentes e at criminosas.
Em um estudo realizado por Martins e Jacquemin (2000) com a finalidade de se
conhecer, atravs de psicodiagnstico, a personalidade do drogadito, evidenciou-se uma
dificuldade estrutural no relacionamento do toxicmano com a figura de autoridade.
Estas evidncias corroboraram a teoria de Olievenstein (1991) sobre a possvel
influncia negativa do pai na relao do filho com a lei social. A conduta do pai na
relao familiar, nesse sentido, poder ser determinante na formao do futuro usurio
de drogas psicoativas.
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-
I.4. Estudos atuais sobre a drogadio:
Com a finalidade de se obter um panorama geral sobre as pesquisas referentes ao
estudo das caractersticas psicolgicas associadas a drogadio na realidade cientfica atual,
foi realizado levantamento bibliogrfico abrangendo o perodo de 1992 a 2002. As bases de
dados selecionadas foram PsycINFO, MEDLINE e LILACS, utilizando-se as seguintes
palavras-chave: Rorschach; drug abuse; toxicomania; cocaine; drug addiction; family-
relations
Num primeiro levantamento, a partir do cruzamento sucessivo destes
indexadores, foram encontrados apenas oito artigos sobre o tema, neste perodo
pesquisado. Dentre estes estudos encontrou-se diversidade de focos de investigao,
como, por exemplo, sndrome de apnia durante o sono com participantes toxicmanos;
relaes entre abuso de drogas, guerras e assassinatos; estudo clnico de indivduos com
auto mutilaes; anlise da personalidade de mulheres com histrico de abuso de
sedativos hipnticos; estudo do tratamento de toxicmanos e de jogadores compulsivos
atravs da tcnica comportamental cognitiva.
Num segundo levantamento, valendo-se dos mesmos indexadores, foi
encontrado apenas um artigo que utilizou o Rorschach para anlise da relao de
adolescentes usurios de cocana com seus pais. Este estudo, realizado por Pinheiro
(2001), investigou os processos de identificao entre adolescentes do sexo masculino,
usurios de cocana e suas famlias, avaliando 134 trades (pai-me-filho) subdivididos
em dois grupos, um com a prevalncia de drogadio por parte do filho adolescente e o
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-
outro, em mesmo nmero, foi o grupo controle. Para tal avaliao foi utilizado o mtodo
de Rorschach. Limitado a aplicao da Escala de Defesa Lerner. Este estudo constatou
presena de intenso processo de identificao patolgica especialmente entre pai e filho
sugerindo srios conflitos na funo paterna no desenvolvimento da drogadio. Os
resultados evidenciaram um elevado ndice do uso de mecanismos de defesa regressivos
com nfase na identificao projetiva, apresentando diferena estatisticamente
irrelevante do aumento deste mecanismo no grupo experimental. O acentuado uso de
identificao projetiva foi evidenciado no adolescente no pai e na me, e com grande
disparidade em relao ao grupo controle. Em relao a outros mecanismos de defesa,
os resultados se mantiveram aproximados. Pinheiro conclui um processo de
identificao patolgica dos adolescentes, principalmente com a figura paterna.
Pinheiro (2001) considera que a dependncia de cocana do filho est
associado ao funcionamento borderline do pai, em virtude do uso macio de
identificao projetiva ser muito proeminente. Esta pesquisa evidencia a forte influncia
que tem o pai no desenvolvimento da drogadio do filho, principalmente na situao
onde pai se abstm da funo paterna.
Em outra busca bibliogrfica, agora atravs da base de dados DEDALUS, a
partir do acervo de publicaes da USP desde 1906, focalizou-se os estudos referentes
drogadio. Nesta pesquisa foram identificados 53 estudos atravs da palavra-chave
"toxicomania", sendo que a maioria delas eram relacionadas a abordagens mdicas do
fenmeno, salientando aspectos clnicos e referentes psicofarmacologia. Dentre estes,
apenas uma tese de Doutorado (Sousa, 1995) utilizou o Mtodo de Rorschach como
instrumento de anlise da dinmica da personalidade de toxicmanos.
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-
Sousa (1995) avaliou 34 sujeitos do sexo masculino, com idade entre 17 e 36
anos, adictos maconha e/ou cocana h pelo menos um ano. Tal amostra foi coletado
aleatoriamente medida em que os usurios de drogas procuravam atendimento
ambulatorial na Clnica de Psicologia do IPUSP ou na Faculdade de medicina da Santa
Casa de So Paulo. Para coleta de dados foram utilizados, respectivamente, entrevista
(com roteiro baseado na Escala Diagnstica Adaptativa Operacionalizada, E.D.A.O.) e
o teste de Rorschach, aplicado sempre aps a entrevista. A anlise dos resultados
seguiu-se pela avaliao do Rorschach segundo a escola francesa, pela interpretao das
entrevistas segundo a orientao de Simon (1989). As entrevistas evidenciaram graves
dificuldades adaptativas em relao produtividade, aspectos afetivos relacionaise
aspectos scio-culturais, identificando este grupo com uma adaptao no eficaz
severa (p.88, 1995) em relao a seu meio e aos objetos com os quais se relacionam.
Esta dificuldade evidencia-se no desenvolvimento destes indivduos em situaes como:
abandono dos estudos, desinteresse, falta de iniciativa ou qualquer interesse no
desenvolvimento intelectual, falta de perspectivas futuras, falta de motivao para o
trabalho ou para desenvolvimento profissional. No campo afetivo relacional evidencia
dificuldade referente a um empobrecimento do investimento afetivo seja fraternal ou
sexual em virtude da relao intensa e quase que exclusiva com a droga.
Dentre as concluses deste estudo, Sousa indica alguns aspectos da
psicodinmica deste grupo que podem ser resumidos do seguinte modo:
- Falta de uma figura paterna significativa, favorecedora de
identificao sexual.
18
-
- Perturbaes na relao precoce co a imago materna
acarretando introjeo de uma figura no suficientemente
boa.
- Excesso de pulses agressivas gerando grande ansiedade
- Identidade estabelecida de forma menos integrada, gerando a
necessidade de erigir um falso self .
Entre as teses, os livros e os artigos do acervo da USP (DEDALUS), foram
encontrados 390 estudos com o indexador "Rorschach", dos quais apenas sete esto
relacionados drogadio. Estas teses se constituem em estudos de aspectos da
personalidade de alcoolistas, anlise biomdica de dependentes qumicos de crack e
sobre a relao do homossexualismo com a drogadio.
Entretanto, o interesse nos estudos relativos a drogadio crescente e
abrange vrias direes. S no ano de 2002, para o indexador drug abuse, pesquisado na
base de dados PsycINFO, foram encontrados 762 artigos com as mais diferentes
abordagens. Para os indexadores drug abuse e psychology, foram encontrados 249
artigos, e, incluindo-se o indexador cocaine, resumiu-se a busca para 42 artigos com
grande variedade de abordagens do fenmeno. Dentre estes, oito artigos utilizaram
sujeitos do sexo feminino, focando o comportamento de usurias de cocana e de
usurias de ecstasy; as relaes entre sade mental, uso de droga e envolvimento com
o trabalho; o comportamento de usurias crnicas de droga em sesses de terapia;
efeitos da maconha em mulheres grvidas; fatores de personalidade e a droga de escolha
em mulheres adictas e com comorbidade psiquitrica; histria de abuso sexual na
19
-
infncia e uso de drogas e um, por fim, voltado ao estudo comparativo entre mulheres e
homens usurios de lcool e drogas que sofreram violncia domestica.
Dentre os 42 trabalhos mencionados acima, 16 artigos privilegiavam uma
abordagem mdica e psicobiolgica. Em seus temas investigados, encontravam-se:
estudos relativos ao processo diagnstico e comorbidade da dependncia de usurios de
cocana; comparao da sndrome de abstinncia de cocana e de herona; aspectos
neuropsicofarmacolgicos correlacionados ao uso da cocana; traos caractersticos de
personalidade de usurios de opiides com ou sem comorbidade psiquitrica; relao do
funcionamento cognitivo em adultos dependentes qumicos; efeitos no comportamento
locomotor de alcoolistas e estudos farmacolgicos. Tambm foi possvel identificar,
neste grupo de pesquisas identificadas, focos de anlise de caractersticas
psicobiolgicas e comportamento agressivo com o uso do ecstasy; relaes do uso de
coca e narcolepsia; dependncia de opiides e tratamento com novas medicaes;
relaes entre famlias com histrico de abuso de drogas e famlias ditas normais no
desenvolvimento gentico do feto e predisposio ao uso de drogas no filho. Ainda
dentro da mesma abordagem, dois estudos, utilizando cobaias, investigaram a
drogadio e sistema de memria em suas relaes com o hipocampo e o processo de
extino de comportamentos nos casos de dependncia qumica.
Ainda dentre os 42 artigos, identificados neste levantamento bibliogrfico,
dez trabalhos estudaram a adolescncia, avaliando comportamentos sexuais de risco;
contaminao com HIV; problemas comportamentais relacionados com o uso de fumo,
drogas e sexo; fatores de predisposio ao uso de lcool e drogas; fatores de
personalidade associados violncia domstica e ao desenvolvimento da drogadio.
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-
Completando os temas abordados pelas pesquisas deste levantamento
bibliogrfico, ainda encontrou-se artigos que avaliaram as relaes de valores
tradicionais de famlia e a substncia de abuso; meta-anlise na avaliao da
interferncia da mdia, comunicao de massa e os problemas da drogadio; avaliaes
da relao entre a fora de trabalho e a substncia de abuso e um estudo que avaliou o
problema da drogadio numa perspectiva Darwiniana. Este ltimo considera que as
adversidades da drogadio transcenderiam os aspectos mdicos e psiquitricos e
causariam efeitos na organizao de comportamentos adaptativos. Esta perspectiva
Darwiniana considera que o abuso de drogas causaria uma disfuno no comportamento
natural que o indivduo tem de explorao do meio social.
A partir destes levantamentos bibliogrficos, pode-se notar a existncia de
poucos estudos recentes relativos temtica de drogadio e personalidade,
nomeadamente utilizando o Psicodiagnstico de Rorschach. Este dado imprime um
estmulo favorvel investigao dessa inter-relao entre abuso de substncias
psicoativas e psicodinmica da personalidade por meio de tcnicas projetivas.
Por outro lado, muitas informaes so conseguidas com trabalhos referentes
a aspectos psicofarmacolgicos, comportamentais e de caracterizao epidemiolgica
da drogadio realizados por instituies como o Centro Brasileiro de Informao sobre
Drogas Psicotrpicas (CEBRID). Contudo, projetos com o objetivo de caracterizar o
perfil psicolgico dos adictos a drogas no existem na mesma proporo.
Outros estudos sobre drogadio tm abordado a questo do discurso sobre
drogas em instituies pblicas (Bravo, 2000); as relaes e riscos sociais do trabalho
infantil associados a drogas, ao sentido existencial e modificao da conscincia no
21
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consumo de drogas (Medeiros, 2000). Este ltimo estudo salienta a acentuada alterao
da conscincia por intermdio do uso de substncias alucingenas e evidencia, atravs
da anlise dos relatos de histria de vida de usurios de droga, um sofrimento relativo
perda crescente do exerccio da liberdade, sentimento de impotncia perante algo ou a
falta de algo, com mudana na sua forma de estar no mundo.
Atravs da abordagem qualitativa e fenomenolgica, Baumkarten (2000)
investigou a iniciao ao uso de drogas e a busca de tratamento dos jovens viciados em
merla com a perspectiva de compreenso do significado do uso da droga na
adolescncia. Conseguiu evidenciar a presena de conflitos relacionais na famlia do
drogadito e aumento de atos infracionais associados com o consumo da merla. Para este
autor a drogadio pode ter o sentido de ativar a busca de soluo de conflitos pessoais
e familiares, um desejo de viver e de buscar respostas, sobretudo na adolescncia.
Poucos ainda so os estudos que investigam os aspectos relacionados
afetividade, funcionamento psicodinmico e personalidade de usurios de drogas, tanto
para conhecer mais sobre a pessoa que desenvolve a drogadio, como para angariar
subsdios que possam orientar o seu auxlio teraputico. Como referido nas
consideraes sobre a dependncia emocional, esta se constitui como fator comumente
presente na estrutura afetiva do drogadito e esta marca deve ser abarcada como uma
evidncia clnica relevante para um planejamento teraputico. Desta forma, a prtica de
interveno psicoterpica poder criar um campo de dependncias substitutivas, cuja
finalidade se dirige para o fim de toda a dependncia. (Olievenstein, 1990)
Apesar destes limites no campo investigativo desta rea, a utilizao do
psicodiagnstico, principalmente em instituies de sade mental, tem ocupado uma
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boa posio enquanto auxlio na compreenso da toxicomania, principalmente por
contribuir de modo relevante nos processos avaliativos e de prticas de interveno
teraputica. Informaes preciosas podem resultar de uma avaliao psicolgica
exaustiva sobre a personalidade dos drogaditos, podendo ajudar tambm na
determinao do progresso ao longo do curso da psicoterapia ou de outros programas de
tratamento. (Kaplan, Sadock & Grebb, 1997).
Nos processos de avaliao da personalidade, o Psicodiagnstico de
Rorschach (1921) alcana reconhecido valor e destaque internacional, nos mais
diferentes contextos, como aponta a literatura da rea. Considera-se que com a
utilizao do Mtodo de Rorschach, associado ou no a outros instrumentos
coadjuvantes, seja possvel identificar possveis efeitos do uso de drogas psicoativas,
tanto em aspectos qualitativos quanto quantitativos, na dinmica psquica.
Segundo Ey (1997), a preservao do nvel intelectual de um indivduo
traduz-se no Rorschach pelos seguintes fatores: sucesso ordenada, tipo de apreenso G-
D- Dd ou D- G- Dd, porcentagem de F% elevada (de 80 a 90%), porcentagem mdia de
banalidades e de originalidades bem vistas, baixa porcentagem de respostas de contedo
animal e diversas cinestesias.
Do ponto de vista terico, apreender, perceber a prancha de um modo mais
amplo, global, seria uma forma de se mostrar recursos internos para abordar o real nas
situaes cotidianas (Rausch de Traubenberg, 1998). O modo de abordagem do meio
ambiente varia muito de um indivduo para outro, embora esteja, de certo modo,
condicionado pelas caractersticas estruturais do estmulo. Para Rorschach (1921), uma
boa inteligncia caracterizar-se-ia pelo nmero de respostas (G), sua qualidade de
23
-
organizao e o determinante associado; o F+% elevado; o tipo de apreenso flexvel e
rico; o nmero elevado de (K) e um nmero suficiente de originalidades. Respostas
globais (G) seriam dadas em primeiro lugar, seguidas de grandes detalhes (D),
englobando subconjuntos dos estmulos que se destacam com facilidade. Em seguida
emergiriam imagens exploradoras de partes reduzidas das manchas (Dd). Poderia ainda
ocorrer a utilizao dos recortes do fundo e no da figura, que seriam os detalhes
brancos (Dbl). Quanto afetividade, Rorschach (1921) sugeriu que os FC predisporiam
a uma capacidade de adaptao e de relao objetal estimuladora da coerncia em
perceber e organizar (elaborao) o estmulo.
O Teste de Rorschach aplicado na populao de usurios de drogas por
Sousa (1995, 1998), evidenciou alguns. O grupo estudado atingiu um valor alto de
respostas globais sendo a maioria bem vistas, um valor razovel de F+%, um bom
nmero de respostas sinestsicas e um A% um pouco abaixo da norma, o que indica boa
capacidade criadora e imaginao.
Qualitativamente, este estudo constata que estas dificuldades no se devam a
limitaes intelectuais ou incapacidade na apreenso de valores sociais, ao contrrio
disso, segundo Sousa (1995):
As produes no Rorschach mostraram sobejamente a
capacidade crtica, a permanncia do sentido da realidade, a concordncia
com o pensamento coletivo e vrios sujeitos at exibiram um potencial
intelectivo mdio-superior. (p. 89)
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-
Num outro trabalho, Neto, Yazigi e Ribeiro (1997) realizaram um estudo de
caso sobre a deteriorao mental com o uso do crack, utilizando um indivduo de 18
anos com trs anos de histria de uso da droga, sem comorbidade psiquitrica, sendo
avaliado atravs do Rorschach. Obtiveram baixo nmero de respostas e a perseverao
de temas fragilizados, como fumaa, poluio e anatomia. Identificaram presena de
determinantes do tipo sombreado difuso e cor acromtica na srie de pranchas
acromticas; respostas de cor pura ou cor-forma com a presena de contedos sangue e
rgos internos nas pranchas cromticas. Um dado importante das verbalizaes foi,
segundo os pesquisadores, a predominncia daquilo que sentido frente ao que
experienciado, sugerindo dificuldade de transformar a experincia sensorial em
experincia emocional.
O conhecimento sistematizado at o momento sobre as caractersticas de
personalidade de usurios de drogas ainda insuficiente. E, como se pode perceber,
estudos atuais sobre a problemtica das drogas investigam temas variados e muito
especficos, priorizando, em sua maioria, abordagens mdicas. As pesquisas que visam
conhecer mais profundamente o usurio de drogas, atravs de instrumentos projetivos e
outras tcnicas da avaliao psicodiagnstica, existem em nmero bastante reduzido em
relao a outras abordagens que investigam este fenmeno. Estas ltimas consideraes
justificam sobremaneira a necessidade de se conhecer mais profundamente os aspectos
de afetividade, funcionamento psicodinmico e personalidade do usurio de drogas em
nosso contexto social, por se tratar de um fenmeno de larga proliferao.
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-
II. OBJETIVOS
II.1. Geral:
Pretende-se elaborar uma sistematizao de variveis psicolgicas
potencialmente caracterizadoras da dinmica e de funcionamento da personalidade de
usurios de drogas psicoativas, especificamente de cocana e crack. A partir do processo
psicodiagnstico, recorrendo-se ao Mtodo de Rorschach, objetiva-se evidenciar
aspectos freqentes no funcionamento da personalidade destes indivduos, analisando-se
componentes cognitivos e sua vivncia emocional.
II.2. Especficos:
Considerando-se o objetivo geral proposto, pretende-se avaliar a histria de
vida e o desempenho de usurios de cocana / crack em termos de funcionamento
lgico, psicomotor e afetivo-social, evidenciado por processo de avaliao psicolgica.
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-
Atravs de entrevista semi-estruturada, tentar-se- obter elementos sobre o
desenvolvimento destes indivduos e suas relaes familiares, possibilitando anlise das
circunstncias e situaes comuns ocorridas na trajetria de vida de drogaditos. Nesta
anlise qualitativa dos relatos, objetiva-se compreender melhor o processo de
desenvolvimento da drogadio e variveis a ele potencialmente associadas.
Atravs da avaliao neuropsicomotora e cognitiva, pouco investigada nos
usurios de cocana /crack, buscar-se- identificar possveis alteraes nos processos
intelectuais e de memria.
Atravs de tcnica projetiva, nomeadamente do psicodiagnstico de
Rorschach, focalizar-se- aspectos do funcionamento psicodinmico da personalidade,
com nfase nos fatores da dinmica afetiva, nos aspectos relacionais e de adaptao
social dos usurios de droga. Essa investigao pretende colher informaes e
evidncias sobre como tais fatores se apresentam na vida de usurios de drogas e se
existem caractersticas de personalidade comuns entre eles, a partir dos ndices
levantados pelo Psicodiagnstico de Rorschach.
27
-
III. MTODO
AMOSTRA:
Foram avaliados 20 indivduos do sexo masculino, com idade entre 18 e 35
anos, provenientes de diferentes condies scio-econmico-culturais. Selecionou-se
essa faixa etria por considerar que a maturao biolgica e o desenvolvimento
cognitivo, assim como a personalidade, estariam com bases plenamente desenvolvidas,
favorecendo o ajuste ao contexto scio-cultural. Tambm nesta faixa etria que incide,
com maior freqncia, a drogadio, foco desta pesquisa. Dos 20 participantes, dez
eram usurios de droga (grupo 1 = G1) e outros dez fizeram parte do grupo controle
(grupo 2 = G2). Procurou-se emparelhar os voluntrios dos dois grupos, buscando
manter semelhantes variveis de idade, escolaridade e nvel scio-econmico dos
indivduos do G1 e do G2, com a nica diferena de G1 ser usurio de droga.
Foram excludos nesta pesquisa os indivduos que apresentaram limite
cognitivo (percentil abaixo de 20) na avaliao feita atravs do Teste de Inteligncia
No verbal- INV forma C, de Weil e Nick (1971). Com este critrio pretendeu-se
28
-
eliminar uma possvel interferncia de dificuldades intelectuais nos resultados globais
da amostra, fator que poderia mascarar variveis da dinmica afetivo-social desses
indivduos, foco nesta investigao.
Para participar deste estudo, os indivduos, aps devidos esclarecimentos
sobre a pesquisa, consentiram voluntariamente em colaborar com o trabalho.
O Grupo 1 foi contatado em duas instituies particulares de base religiosa
de Ribeiro Preto (SP), que utilizam como mtodo de trabalho, fundamentalmente, o
Programa dos Doze Passos dos Narcticos Annimos para sua interveno
teraputica. Grosso modo, este programa consiste em reunies feitas exclusivamente por
dependentes qumicos, onde os participantes trocam informaes sobre suas histrias de
vida, focadas, principalmente, no uso de drogas. Alm destas reunies que so
realizadas de manh, tarde e noite, os perodos intermedirios do dia so preenchidos
com a chamada laborterapia, onde os internos se dividem em trabalhos na prpria
instituio como: fazer a comida, lavar a loua, fazer o jardim e a limpeza da casa,
arrumar os quartos, lavar e passar as roupas, plantar e colher nas pequenas hortas feitas
por eles mesmos.
Aps o contato inicial com estas instituies e suas autorizaes para a
pesquisa, foram procurados, entre seus internos, eventuais participantes para este
estudo. Procurou-se seguir os seguintes critrios para a seleo e a incluso dos
indivduos no G1:
- ser voluntrio e ter oferecido consentimento pesquisa
- ser usurio de cocana / crack h, pelo menos, um ano, associado ou no com outras
drogas, como lcool, maconha e solventes.
29
-
- encontrar-se em fase inicial de alguma interveno teraputica (primeira semana de
tratamento) de internao integral ou parcial, em casas de recuperao para drogaditos.
Este critrio objetivou alguma padronizao no momento de se fazer a avaliao
psicolgica dos indivduos, ou seja, todos estariam em busca atual por ajuda
profissional (especificamente a internao) para lidar com a sua adio cocana e/ou
ao crack.
Aps a identificao dos indivduos do Grupo 1, que foram buscados
possveis voluntrios para compor o Grupo 2, pareando-os ao Grupo 1. Os indivduos
do G2 se compuseram atravs de contatos informais do pesquisador, ou seja, a
necessidade de se compor o Grupo 2 foi divulgada entre os colegas do Programa de
Ps-Graduao em Psicologia da USP onde estes colaboraram indicando amigos,
conhecidos, pessoas que pudessem integrar o grupo. Desse modo, as pessoas que se
dispuseram a participar tomaram conhecimento da pesquisa, primeiramente, atravs das
indicaes desses colegas e foram mais amplamente esclarecidas a posteriori. Alguns
desses indivduos vieram atravs do contato do pesquisador com funcionrios do
campus da USP que tambm indicaram conhecidos para comporem a amostra.
Diante destes critrios foi possvel constituir a amostra deste estudo
conforme especificaes sinteticamente apresentadas na Tabela 1.
Nesta tabela, esquematicamente, as caractersticas dos participantes deste
estudo (G1 e G2) em relao idade, estado civil, escolaridade, procedncia, religio,
profisso e renda liquida, podem ser observadas. O pareamento alcanado entre os
indivduos do G1 e do G2 est representado, na Tabela 1, em cada uma das linhas.
30
-
Neste sentido, o caso G11 foi considerado como semelhante, nas caractersticas scio-
demogrficas, ao caso G21, o G12 ao G22 e assim sucessivamente.
31
-
32
Tabela 1: CARACTERIZAO DA AMOSTRA DESTE ESTUDO EM FUNO DE VARIVEIS DEMOGRFICAS E DE USO DE DROGAS ILCITAS, PERMITINDO VISUALIZAO DO PAREAMENTO ENTRE INDIVDUOS DO GRUPO 1 (N1 = 10) E DO GRUPO 2 (N2 = 10)
GRUPO 1 (N1 = 10) USURIOS DE DROGAS
GRUPO 2 (N2 = 10) NO USURIOS DE DROGAS
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G11 23 Solt. 1 g inc. (p) Jardinpolis Catl.Aux. de
escritriodesempre
gado G21 24 Solt. 1 g inc. (p) R. Preto Catl. Zelador 350,00
G12 25 Solt. 3 g inc. (c) R. Preto Catl.Tc. em
informtica 1.000,00 G22 24 Solt. 3 g inc. (c) R. Preto Crist.
Program. Tcnico 2.300,00
G13 24 Solt. 2 g R. Preto Catl. Tc. em prtese 300,00 G23 18 Solt. 2 g inc. (c) R. Preto Catl.
Desempregado
Sem renda
G14 18 Solt. 2 g inc. (p) R. Preto Espr.Aux. de
escritriodesempre
gado
G24 18 Solt.2 g (p)
R. Preto Catl. Secretrio 600,00
G15 30 Solt. 3 g inc. (c) R. Preto Catl.Vendas
publicidade 800,00 G25 27 Casa. 3 g inc. (c)
Poos de Caldas
Nenhuma
Assist. Jurdico 1.200,00
G16 32 Casa. 3 g inc (p) R. Preto Catl. Empresrio 1.500,00 G26 33 Solt. 3 g inc (c) R. Preto Catl. Jornalista 700,00
G17 21 Solt. 1 g (p) R. Preto Evang. Torneiro mecnico 750,00 G27 20 Solt. 2 g inc. (p) R. Preto Catl. Telefonista 500,00
G18 23 Solt. 3 g inc. (c) R. Preto Catl. Vendedor 300,00 G28 23 Solt. 3 g inc. (c) R. Preto Catl. Estudante
Desempregado
G19 19 Solt. 1 g (p) Cajuru Catl. Lavrador 180,00 G29 19 Solt. 1 g inc.(p) R. Preto Catl.
Aux. de manuteno 360,00
G110 19 Solt. 1 g (p) Tiet Catl. Desempregado Sem renda
G210 19 Solt. 1 g (p) R. Preto Catl.Serv.
Gerais 180,00
Legenda: (p): parado; (c): cursando; inc: incompleto; solt: solteiro; casa: casado; catol: catlico; espr: esprita: evang: evanglico; crist: cristo
-
Em sua maioria, os drogaditos relataram que o crack a principal droga de
abuso, na maioria dos casos sendo fumado em combinao com maconha e lcool. A
freqncia do uso, em sua maioria, segue um padro de dependncia desta droga, onde
os usurios, quando em situao de uso, consomem o crack at no terem mais como
obt-lo com recursos prprios ou atravs de pequenos furtos (vendas de objetos prprios
ou roubados). Aps essa situao, existe um perodo entre o prximo uso que
geralmente varia entre dez dias a um ms. A intensidade varia de uma a duas pedras por
dia at 100 pedras em situaes de uso ininterrupto. De diversas formas, os usurios de
drogas relataram que quando esto usando o crack, quaisquer outras atividades em suas
vidas se relativizam. Ficam inteiramente por conta do consumo desta substncia,
chegando a passar at trs ou quatro dias acordados fumando o crack. Em relao ao
tempo de uso, encontrou-se desde um ano e meio at nove anos de drogadio.
A maioria dos drogaditos iniciaram as sesses de psicodiagnstico na primeira e
alguns na segunda semana de internao na instituio. Complementando esta anlise
das caractersticas dos participantes desta pesquisa, a Tabela 2 apresenta os principais
dados histricos dos usurios de drogas presentemente selecionados e avaliados.
33
-
34
oe
s
req
n
Tabela 2: CARACTERIZAO DO GRUPO 1 (N=10) DESTE ESTUDO, EM FUNO DE SUA HISTRIA DE USO DE DROGAS ILCITAS.
G1
Dro
ga
prin
cipa
l
Cm
bina
Inte
nsi-
dade
F cia
de u
so
Tem
po
de u
so
Dia
s de
inte
rna-
o
Obs
.
G11 Crack Maconha/ cocana
10 - 30 pedras (dependendo do dinheiro)
Crack- diria durante um ano Cinco anos Trs
G12 Crack Maconha 40 pedras de uma vez De 1 a 2 x/ ms Trs anos Cinco
G13 Crack Cocana/ maconha 4 -5 gramas 4x / ms Oito anos Quatro Comeou a tomar Olcadil e Anafranil (sono e ansiedade)
G14 Crack Maconha/ lcool1 a 2 pedras/dia. 5 g na semana
13 aos 14 anos, diria, hoje: 2x/semana
Cinco anos Sete
G15 Cocana Maconha/ lcool 3 - 4 gramas 2x / semana Oito anos Oito
G16 Crack Cocana/ maconha/ lcool 5 - 6 pedras em meio perodo 2x / semana
Nove anos-coca quatro anos - crack Oito
G17 Crack Cocana / lcool 40 pedras em 3 dias sem parar 2 -3x / ms Seis anos Treze
G18 Crack Cocana / maconha 3 pedras/dia Diria Oito anos - maconha Quatro anos- crack Dez
G19 Crack lcool (pinga) 15g 100 pedras (3 dias sem parar)
de 2 a 3x/ ms Um ano e meio Trs
G110 Crack Cocana/ lcool 100 pedras (3-4 dias sem parar) diria Oito anos Quatro Muito trmulo
-
Composta esta amostra, os participantes foram submetidos a avaliao
intelectual realizada atravs do Teste de Inteligncia No Verbal INV- forma C,
(Weil e Nick, 1971). Esquematicamente, os resultados obtidos pelos indivduos
do G1 e do G2 podem ser observados na seguinte Tabela 3.
35
-
TABELA 3. CARACTERIZAO DA AMOSTRA DESTE ESTUDO EM FUNO DO DESEMPENHO COGNITIVO NO TESTE DE INTELIGNCIA NO VERBAL- INV FORMA C, DE Weil e Nick (1971), PERMITINDO VISUALIZAO DO PAREAMENTO ENTRE INDIVDUOS DO GRUPO 1 (n1 = 10) E DO GRUPO 2 (n2 = 10)
GRUPO 1 GRUPO 2
G 1
Idad
e
Pont
os
Perc
entis
Cla
ssifi
ca
o *
G 2
Idad
e
Pont
os
Perc
entis
class
ifica
o
G11 23 34 40
-
A anlise destes resultados evidenciou normalidade intelectual em
ambos os grupos, condio para a sua incluso neste estudo. A mdia dos pontos
brutos no G1 foi de 39,1 alcanando relativa uniformidade em relao mediana
(37,5 pontos). O resultado mdio deste grupo apontou para um percentil entre 50
e 60, nvel III+, classificado como Inteligncia Mdia. O G2 atingiu, por sua vez,
escore mdio um pouco mais elevado (43,6 pontos), entre os pontos percentlicos
60 e 70, nvel III+, resultado que tambm caracteriza Inteligncia Mdia.
Conclui-se, a partir destes resultados, que foi conseguida uma amostra
compatvel com os objetivos do estudo, onde G1 e G2 apresentaram recursos
intelectuais adequados para serem includos nesta investigao, evitando-se
possvel interferncia deste fator nas demais anlises.
MATERIAL
Para a anlise da histria de vida, do desenvolvimento, do
relacionamento familiar, do contexto afetivo e das circunstncias concomitantes e
relacionadas com a drogadio, foi utilizado um roteiro semi-estruturado de
ENTREVISTA, conforme apresentado no ANEXO A. Este roteiro foi adaptado
do Roteiro de Entrevista para Inscrio e Triagem de Adolescentes e Adultos
utilizado na triagem de pacientes da Clnica de Psicologia da Unaerp e no Centro
de Psicologia Aplicada (CPA) da FFCLRP-USP. A entrevista permitiu recolher
dados descritivos, na linguagem do prprio sujeito da pesquisa, que orientaram
desenvolvimento de uma idia sobre como o indivduo vivenciou as diversas
37
-
etapas do seu desenvolvimento pessoal (Bogdam e Biklen, 1994), elementos
essenciais para o propsito deste estudo.
Buscando o controle do nvel cognitivo dos participantes do estudo,
considerando a necessidade de eliminar possvel influncia de processo de
deteriorao mental freqente em drogaditos, foi realizada a AVALIAO
INTELECTUAL dos voluntrios. Para tanto, como j referido e caracterizado na
descrio da amostra, foi utilizado o Teste de Inteligncia No Verbal - INV-
forma C, de Weil e Nick (1971), com os respectivos padres normativos
constantes em seu manual.
Foi realizada, a seguir, uma breve AVALIAO
NEUROPSICOMOTORA atravs do Teste das Figuras Complexas de Rey (1959
/ 1999), com intuito de se analisar caractersticas psicomotoras e do
funcionamento da memria em usurios de drogas, elementos pouco pesquisados
at o momento nesta populao. Estes aspectos podero contribuir na
compreenso da inter-relao destas variveis com a afetividade.
Para AVALIAO AFETIVA recorreu-se ao Psicodiagnstico de
Rorschach (1921), segundo a escola francesa (Anzieu, 1981), instrumento
amplamente reconhecido internacionalmente, e que permitiu uma anlise
sistematizada das caractersticas funcionais da personalidade.
38
-
PROCEDIMENTO:
Primeiramente o projeto foi encaminhado para apreciao do Comit
de tica em Pesquisa da FFCLRP- USP. Aps a aprovao do Comit (ANEXO
D), iniciou-se o contato com as instituies (ANEXO B) para conseguir os
voluntrios e a seleo dos indivduos, respeitando-se os critrios previamente
definidos e referidos, para, ento, realizar as avaliaes psicolgicas. Os
indivduos foram avaliados na prpria instituio onde estavam internados para
tratamento, no consultrio particular do pesquisador ou nas salas de atendimento
do Centro de Psicologia Aplicada- FFCLRP-USP, portanto, em locais apropriados
para as avaliaes psicolgicas, em sesses individuais. Sinteticamente, foram
respeitados os seguintes passos com cada voluntrio desta pesquisa: 1-
esclarecimentos e contrato da pesquisa; 2- consentimento / autorizao (ANEXO
C); 3- aplicao das Tcnicas de Avaliao Psicolgica, conforme o esquema:
Primeira Sesso: - entrevista
- avaliao intelectual (Teste INV-Forma C)
- avaliao neuropsicomotora (Teste da Figuras Complexas de
Rey)
Segunda Sesso: - avaliao afetiva - Mtodo de Rorschach (conforme
padro da escola francesa; Anzieu, 1981)
39
-
Foram necessrias, para cada indivduo, trs sesses para se completar
a avaliao psicolgica, tendo cada uma delas durao mdia de 60 minutos. Ao
final do processo psicodiagnstico, os voluntrios recebiam agradecimento formal
e oportunidade de uma entrevista devolutiva, o que de fato no foi solicitado por
nenhum participante.
Cada instrumento de avaliao psicolgica utilizado foi analisado de
acordo com sua padronizao tcnica, procurando-se, depois da classificao
individual de cada produo, uma anlise global dos resultados a partir dos
subgrupos de indivduos avaliados.
A entrevista foi utilizada como estratgia para a coleta de dados sobre
a histria de vida. Procurou-se elaborar categorias analticas deste processo e
avaliar a freqncia de contedos comuns dentre os indivduos avaliados no G1 e
no G2, considerando-se as variveis:
- motivos de busca de ajuda;
- causas da drogadio;
- incio e desenvolvimento da drogadio;
- implicaes do uso de drogas;
- situaes intensificadoras da drogadio;
- fatos marcantes do desenvolvimento infantil;
- consideraes gerais sobre sade;
- consideraes gerais sobre alimentao e nutrio;
- consideraes gerais sobre o sono;
- adaptao e relacionamentos na escola;
40
-
- consideraes sobre o trabalho;
- consideraes sobre socializao;
- relacionamento com os pais;
- relacionamento com irmos;
- ambiente familiar;
- antecedentes patolgicos na famlia.
Para a avaliao neuropsicomotora, realizada pelo Teste das Figuras
Complexas de Rey (1959 / 1999) foram utilizados os referenciais normativos
elaborados por Oliveira e col. (1999). Buscou-se caracterizar o desempenho dos
usurios de cocana e do crack em atividades psicomotoras e de memria.
O Psicodiagnstico de Rorschach foi avaliado segundo a escola
francesa (Anzieu, 1981), utilizando-se referncias normativas de adultos
elaboradas por Pasian (2000). Algumas variveis desta tcnica foram enfocadas
neste estudo para a anlise do funcionamento e da estrutura da personalidade:
avaliao da capacidade cognitiva/ intelectual: R ; T/R ; TA; STA;
F% e F+% . Atravs destas variveis, pode-se obter informaes sobre a
condio intelectual dos indivduos em aspectos como a criatividade, produo
ideativa e associativa, o vnculo com o real, ou seja, sua forma e sua disciplina
lgica.
41
-
avaliao afetiva / controle da afetividade: frmulas vivenciais; F%; K :
k; FC: CF + C ; FE: EF + E. A anlise destas variveis ofereceu indcios
sobre a capacidade do indivduo orientar-se na vida e adaptar-se realidade
externa, ou seja, sua forma de equilibrar razo e afeto.
adaptao social afetiva: H%, FC; TRI, K e Ban. A anlise destas
variveis forneceu dados sobre o processo de maturao, a orientao emocional,
a adaptabilidade social e o interesse pelos outros.
Anlise simblica da Prancha IV do Rorschach: anlise do contedo
latente privilegiado nesta prancha no intuito de investigar mais profundamente a
relao com a figura paterna
Posteriormente anlise individual dos resultados, buscou-se
visualizar seu conjunto global na tentativa de caracterizar o fenmeno em estudo,
comparando dados obtidos com G1 e com G2.
42
-
ASPECTOS TICOS
Nesta pesquisa foram seguidos os princpios ticos inerentes a
qualquer investigao cientfica. O projeto foi inicialmente avaliado pelo Comit
de tica em Pesquisa da Faculdade de Filosofia, Cincias e Letras de Ribeiro
Preto - USP (ANEXO D). Aps sua aprovao, iniciou-se a coleta de dados em
instituies de tratamento de usurios de drogas da cidade de Ribeiro Preto e
regio, selecionadas preliminarmente pela viabilidade de acesso. Foram
esclarecidos os objetivos e procedimentos da pesquisa para que, de posse dessas
informaes, autorizassem ou no a realizao do trabalho na Instituio, a ser
efetivado diretamente com os indivduos a ela associados.
Todos os indivduos que voluntariamente se prontificaram a participar
da pesquisa, foram informados sobre os objetivos e procedimentos do trabalho e
assinaram o Termo de Consentimento livre e esclarecido (ANEXO C).
43
-
IV. RESULTADOS
Considerando-se a pluralidade de informaes obtidas, optou-se por
sistematizar os dados a partir de suas respectivas tcnicas de origem, focalizando
as marcas centrais de cada grupo estudado. Desta forma, inicialmente ser feita a
anlise dos resultados advindos da entrevista semi-estruturada, a partir dos tpicos
previamente selecionados das histrias de vida.
IV. 1. ANLISE DAS ENTREVISTAS
Para cada uma das variveis destacadas do desenvolvimento pessoal,
procurou-se agrupar os ndices (no mutuamente exclusivos) numa tabela
especfica, acompanhada por uma anlise descritiva sinttica dos fatores
pregnantes nos grupos em relao a estes temas. Estes elementos sero
apresentados a seguir. Os resultados individuais encontram-se sistematizados
tambm, de forma mais minuciosa, em relatos pessoais no ANEXO E, retratando
44
-
detalhadamente os dados do Grupo 1, vista a normalidade de desenvolvimento
encontrada no Grupo 2.
IV. 1. 1 GRUPO 1
Item 1. DESENVOLVIMENTO DA DROGADIO (G1)
TPICO 1 MOTIVOS PARA A BUSCA DE TRATAMENTO
Esquematicamente, os fatores motivacionais referidos pelos usurios
de drogas (G1) como decisivos para sua deciso de procurar ajuda profissional
podem ser visualizados na seguinte Tabela 4.
Tabela 4. DISTRIBUIO DA FREQUNCIA DOS MOTIVOS DE BUSCA DE TRATAMENTO REFERIDOS PELOS INDIVDUOS DO GRUPO 1 (USURIOS DE DROGAS, N1=10)
CASO
Motivos para tratamento G
11
G12
G13
G14
G15
G16
G17
G18
G19
G11
0
Tot
al
Busca contato com a espiritualidade, aproximao de Deus X X X 3
Angstia: Sentimento de desespero, de no saber o que fazer, perda do controle da vida
X X X X X X X 7
Necessidade de mudar de vida X X 2 Problema familiar e afetivo X X 2 Busca de auto conhecimento X 1 Sofrimento X 1
45
-
Os usurios de droga enfatizaram que, apesar de terem tido alguma
indicao e incentivo em buscar um programa de recuperao, a deciso de buscar
ajuda foi um movimento prprio por uma convico de que no poderiam mais
continuar suas vidas do mesmo modo, necessitando procurar auxlio externo. A partir
das entrevistas, pode-se depreender que os drogaditos referiram como razo para a
mudana de vida o sentimento de angstia. Relataram sentirem-se em seus limites
pessoais, no fundo do poo, desesperados, sem saber o que fazer por si mesmos e,
portanto, precisando do outro. Ainda dentre os motivos que desencadearam a atitude
de buscar auxlio externo apontaram a necessidade de se aproximar de Deus, pela
crena de que a f poder remediar a drogadio ou pela convico que alguns
usurios recados adquiriram de que o programa espiritual :
a nica soluo". Em suas palavras:
S a prtica espiritual pode dar conta do vazio, da insatisfao... Se
eu no tiver Deus, no consigo me equilibrar e fazer as minhas
coisas(23 anos, 1o grau).
Outro motivo contundente para buscar o tratamento foi o
reconhecimento da incapacidade de administrar a prpria vida e o desespero em
se ver em uma situao de completo desamparo. Exemplo dessa vivncia pode ser
o seguinte relato:
46
-
"Vejo que perdi o controle fiquei apreensivo porque eu iria morrer... Ou a
droga me mata ou algum me mata por causa do roubo" (18 anos, 2o grau
incompleto).
A ausncia de sentido na vida tambm apareceu nos relatos desses
indivduos, desdobrando-se em duas condutas, uma remetendo indignao e
busca de auto-conhecimento, e outra postura derrotista e de auto desvalorizao.
Ilustrativos desses motivos foram as seguintes falas:
"Por descontrole emocional, busquei parar de usar e me
conhecer e saber de onde eu tirei tanta parania. Por que
assim?" (32 anos, 3o grau incompleto)
"Pedi ajuda porque perdi o controle total da minha vida...
Tinha medo, desespero! No imaginava chegar a esse ponto de
perdio, no tomava banho, no escovava os dentes... Eu no
tinha mais personalidade" (19 anos, 1o grau).
Vivncias de carncia afetiva e de abandono tambm foram referidas como
determinantes de busca de ajuda externa, como se depreende do relato:
" Sou muito carente e estava num estado de sair a p pra rua e usando
droga sem razo" (21 anos, 2o grau)
47
-
TPICO 2- CAUSAS DA DROGADIO
Esquematicamente, os fatores associados as causas de drogadio
referidos pelos indivduos do Grupo 1, podem ser observados na Tabela 5.
.
Tabela 5. DISTRIBUIO DA FREQUNCIA DAS CAUSAS DA DROGADIO REFERIDAS PELOS INDIVDUOS DO GRUPO 1 (USURIOS DE DROGAS, N1=10)
CASO
Causas da drogadio G11
G12
G13
G14
G15
G16
G17
G18
G19
G11
0
Tot
al
Situaes Traumticas: falecimento de familiares; mudana brusca e repentina na estabilidade da famlia, gerando sentimentos de impotncia perante a realidade
X X X X 4
Influncia do meio (do grupo social- pares, colegas do bairro) X X X X X X 6
Curiosidade X X 2 Desejo de perturbar a mente X 1 Baixa auto-estima X X 2 Causas associadas diretamente problemas com a figura paterna, como: Falta de entendimento com o pai. Pai violento; Ausncia da figura paterna e Mgoa do pai.
X X X X 4
Testar os limites X 1 Impetuosidade X 1 Sentimento de vazio e medo X 1 Contexto familiar hostil e violento X 1 Insegurana X 1
Em relao s causas da drogadio, os entrevistados relataram, em
sua maioria, que iniciaram o uso de drogas atravs do envolvimento que tinham
48
-
com colegas que j usavam algum tipo de droga, ou seja, a partir do meio social.
Salientam que, de alguma forma, se sentiam mais vulnerveis em sucumbir ao
vcio e que seu estado de fragilidade emocional ocasionado principalmente por
fortes questes traumticas no mbito familiar, facilitaram um rpido ingresso e
dependncia do uso de drogas.
Os drogaditos salientaram que um forte aspecto gerador do vcio seria
um problema de carter, referindo incapacidade em lidar com o nervosismo,
inveja, raiva, desencadeando o desejo de se drogar. Pode-se depreender, de seus
relatos, uma auto-percepo de que eventos estressores internos ou externos, ao
perturbarem completamente a condio existencial momentnea, levariam a
sentimentos de impotncia perante a realidade, funcionando como
desencadeadores da drogadio. Para a maioria desses entrevistados o vcio na
droga funcionaria como tentativa para negar ou apagar traumas. Exemplos
dessas vivncias foram os seguintes relatos:
"Acho que comeou com os 18 anos por que teve muita mudana na
minha vida: minha irm morreu, teve que vender a casa; ficou sem
dinheiro, crtica das pessoas. Acho que foi isso, muito problema em
casa; a impotncia; parei de estudar, a pensei: vou acabar com tudo"
(21 anos, 2o grau)
"Detectei dois pontos fortes para meu problema: o falecimento do
meu pai, eu tinha oito ou nove anos, foi um acidente e eu quis proteger
49
-
meu irmo, ele que bateu o carro. E eu usava droga para evitar a falta
do meu pai. O outro que sempre joguei bola profissionalmente. Eu
era bom. Tinha futuro. A sofri um acidente no ano decisivo da minha
carreira (1992), fiquei parado um ano e a meu pai morreu. (32 anos,
3o grau incompleto).
Tambm referiram a baixa auto-estima como fator causador da
drogadio, como se depreende dos relatos:
"Acho que o motivo pra eu usar cocana a baixa auto estima, a
droga me fazia esquecer as coisas e me sentir bem. Eu era gordo e
tinha muito complexo. A eu comecei a cheirar coca e perdia de trs a
quatro quilos por final de semana e foi dos 15 aos 19 anos s na
cocana. Eu me sentia bem e ainda emagrecia" (24 anos, 3o grau
incompleto).
Quando a auto-estima foi referida como geradora da drogadio,
apareceu acompanhada por fatores como curiosidade e influncia dos amigos,
colaborando no ingresso e na manuteno do vcio. Referiram que, ao se sentirem
mal consigo mesmos, iam ao encontro de amigos buscando receber ajuda e
melhorar aquela condio. Houve ainda um nico relato relacionando como causa
da drogadio a vontade de perturbar a mente, buscando outros estados de
50
-
conscincia. Vale salientar que este relato partiu de um indivduo de nvel scio-
econmico elevado e com escolaridade superior.
Outro fator evidenciado na grande maioria dos relatos dos
entrevistados, ainda relativo s causas da drogadio, foi a vivncia de problemas
no relacionamento familiar, principalmente associados figura paterna, como
nestas passagens:
"O fator decisivo para eu entrar nesse mundo foi a falta de
entendimento com meu pai. O ambiente familiar era muito tenso por
causa das brigas com o pai, principalmente depois da adolescncia.
Meu pai tinha excesso de tentar incutir idias boas, tinha excesso
de culto a sade, de patriotismo; era absurdo o que fazia de
esporte" (30 anos, 3o grau incompleto)
" Acho que comecei para desafiar meu pai" (23 anos, 2o grau)
"O meu pai nunca esteve do meu lado. Apesar dele estar prximo, eu
queria ter um pai ativo, tenho carncia dele. Ele mentia pra mim
sobre droga e eu descobri e eu j cheguei a usar maconha junto com
ele" (25 anos, 3o grau incompleto)
"Eu comecei usando bebida para esquecer a revolta que eu tinha de
ver meu pai batendo na minha me... Meu irmo roubava a me e
51
-
punha a culpa em mim. A me me apoiava, mas o pai me batia at que
eu fugi dizendo: j que vocs esto me acusando sem eu ter feito nada,
ento agora eu vou comear a fazer" (19 anos, 1ograu)
" Guardo muita mgoa do meu pai. Esse problema ocorreu comigo
desde quando eu carrego essa mgoa do pai, h 8 anos." (19 anos, 1o
grau)
TPICO 3 INCIO E DESENVOLVIMENTO DO USO DAS DROGAS
Focalizando-se a anlise dos dados das entrevistas no processo de
iniciao e desenvolvimento do uso de drogas, as histrias evidenciaram-se
semelhantes entre si. Os entrevistados presentemente estudados comearam sua
drogadio fumando maconha ou inalantes, associados ao uso de lcool.
Referiram agir dessa forma por influncia de amigos que j eram usurios de
drogas e, depois, foram buscando intensidades e drogas cada vez mais potentes e
prejudiciais, chegando cocana e depois ao crack. Iniciaram o uso de drogas na
adolescncia, na faixa etria de 12 a 18 anos, apontando, para esta etapa de
desenvolvimento, vulnerabilidade especial para este fenmeno.
52
-
TPICO 4 IMPLICAES DO USO DE DROGAS
Esquematicamente, as implicaes associadas drogadio, referidas
pel