Tese Agroecologia NoCampesinato, resistência e emancipação: o modelo agroecológico adotado pelo...

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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” FACULDADE DE CIÊNCIAS E TECNOLOGIA CAMPUS DE PRESIDENTE PRUDENTE CAMPESINATO, RESISTÊNCIA E EMANCIPAÇÃO: O MODELO AGROECOLÓGICO ADOTADO PELO MST NO ESTADO DO PARANÁ SÉRGIO GONÇALVES ORIENTADOR: PROF. DR. ANTONIO THOMAZ JÚNIOR Tese de Doutorado elaborada junto ao Programa de Pós-Graduação em Geografia, para a obtenção do grau de Doutor em Geografia. Área de Concentração: Desenvolvimento Regional e Planejamento Ambiental. Linha de Pesquisa: Estudos Agrários. PRESIDENTE PRUDENTE 2008

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Assim, esta tese se apresenta como uma interpretação desta dinâmica,focando a análise da participação do MST no desenvolvimento da Agroecologia,uma pequena dimensão, porém, uma rica experiência de construção de alternativasao sistema metabólico do capital.

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  • UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA JLIO DE MESQUITA FILHO FACULDADE DE CINCIAS E TECNOLOGIA

    CAMPUS DE PRESIDENTE PRUDENTE

    CAMPESINATO, RESISTNCIA E EMANCIPAO: O MODELO AGROECOLGICO ADOTADO PELO

    MST NO ESTADO DO PARAN

    SRGIO GONALVES

    ORIENTADOR: PROF. DR. ANTONIO THOMAZ JNIOR Tese de Doutorado elaborada junto ao Programa de Ps-Graduao em Geografia, para a obteno do grau de Doutor em Geografia. rea de Concentrao: Desenvolvimento Regional e Planejamento Ambiental. Linha de Pesquisa: Estudos Agrrios.

    PRESIDENTE PRUDENTE 2008

  • TERMO DE APROVAO

  • DEDICATRIA

    AOS TRABALHADORES RURAIS ASSENTADOS PELA LUTA NA TERA E O ESFORO PARA

    CONSTRUIR UM PADRO DE DESENVOLVIMENTO AGRCOLA SUSTENTVEL, ECOLGICO E

    COM RELAES SOCIAIS PARTICIPATIVAS AO GRANDE AMOR DA MINHA VIDA

    PELA LONGA ESPERA ... MAS OS DIAS DE SOLIDO HO DE ACABAR

    TE AMO!

  • AGRADECIMENTOS

    Ao grande mestre Prof. Dr. Antonio Thomaz Jnior, que topou a empreita

    de me orientar e, apesar dos reveses, da minha ausncia, das minhas fugas,

    teimosia e at em alguns casos, falta de compromisso, no mediu esforos para

    que a Tese fosse finalizada.

    Prof. Dr Rosangela Espanhol e ao Prof. Dr. Antonio Luiz Barone pelas

    discusses e o debate na fase da qualificao.

    Aos professores Dr. Jorge Ramon Montenegro Gmez, Prof. Dr. Raul

    Borges Guimares, Dr. Antonio Luiz Barone e Prof. Dr Valria de Marcos pela

    riqueza do debate e pelas consideraes na banca de Defesa da Tese.

    Aos funcionrios da Ps Graduao em Geografia, pelo compromisso e

    ateno prestados ao longo destes 4 anos.

    Aos meus companheiros do CEGEo Curso Especial de Graduao em

    Geografia para Assentados da Reforma Agrria. Avante! Faamos da Geografia

    ferramenta de luta na Reforma Agrria.

    Aos companheiros da (ex) Mellen Isaac 96, Fernando, Nizete, Neto,

    Camila, Luizo, Mariana, Nai, Me e Jnio, alm dos agregados que por l

    passaram para tomar uma breja, tocar um samba, danar quadrilha e pular

    carnaval, discutir Geografia, fazer loucuras ou simplesmente curtir a vida.

    Aprendi com vocs que o sentido da vida viver.

    Aos amigos da Ps, Sobreira, Jnio, Elaine Ccero, Gisa Garcia,

    Edmilson e Denise: pelas palavras de incentivo. Eu bem queria desistir de tudo,

    mas os conselhos, os toques, o reconhecimento, enfim, as palavras de carinho

    me fizeram meter a cara, escrever e, a est o resultado. por vocs amigos,

    que pesquisei, li, refleti, escrevi, enfim, produzi a tese.

    Aos assentados da Reforma Agrria paranaense, que me receberam em

    suas casas, que repartiram a sua comida, que compartilharam os seus

    conhecimentos, que me concederam depoimentos sobre suas realidades.

  • Aos militantes do MST, das escolas, dos assentamentos, das

    Secretarias e Brigadas, pelo apoio logstico, depoimentos, acolhida,

    alimentao.

    Aos camaradas do Departamento de Geografia da UNICENTRO de Irati,

    pela sada para fazer as correrias do doutorado no meio da semana de

    geografia. Ao Roberto e ao Almir, pelas conversas no boteco em casa...por qu

    ser que geo se aprende e se faz no bar?

    Aos meus alunos do 1 ano de Geografia 2008, Bola, Rafael e Mariana,

    pelo trabalho de transcrio de depoimentos. Valeu mesmo!!!

    Ao maluco, companheiro e grande amigo Sapato (Cleverson Nunes),

    que largou a faculdade por 11 dias, e encarou a empreita de sair por a, rodar o

    Paran de Leste a Oeste, de Norte a Sul, dirigindo por mais de 3.500

    kilmetros. Como sempre, me diverti muito com as trapalhadas, com as

    histrias. Cara, se no fosse voc, esta

    Tese nunca seria concluda. Te devo esta.

  • RESUMO. Nos ltimos 50 anos, o desenvolvimento do modo de produo capitalista impactou de vrias formas o campo brasileiro. Devido s polticas pblicas de fomento agrcola, ampliou-se a produo de commodities e configurou-se o padro tcnico e organizacional da Revoluo Verde e da Agrobiotecnologia. Amplamente interconectado com a economia internacionalizada, o capital provocou transformaes sociais, econmicas, polticas, tcnicas e ambientais em nosso meio rural e em nossa agricultura, gerando graves impactos ambientais, econmicos e sociais. Lutando contra a excluso social, parte dos camponeses brasileiros tem moldado mecanismos de resistncia. No ltimo quarto de sculo, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) tem mobilizado uma grande quantidade de trabalhadores tanto na luta pela terra (a luta contra o capital fundirio ou a luta para entrar na terra), mas tambm organiza a luta na terra, que a luta para resistir na terra de trabalho e amealhar a maior parcela das riquezas produzidas no campo, portanto, uma luta contra o capital agrocomercial e agroindustrial e suas demais fraes. O grande trunfo poltico que mobiliza o MST a negao do padro de desenvolvimento agrcola existente no Pas, colocando em evidncia a necessidade da preservao e reconstruo da agricultura camponesa pela via da Reforma Agrria, alm de propor formas de gesto e participao do campesinato em sistemas cooperativizados e tambm sistemas agroecolgicos de produo. No caso da Agroecologia, este um debate recente, cujo objetivo a construo de um conjunto de prticas produtivas e um conjunto de prticas de comercializao da produo, que se baseiam em princpios como a sustentabilidade ecolgica da produo, a produtividade, a equidade, a sade ambiental, a justia social, a viabilidade econmica, baseada na agricultura familiar e camponesa e na interao entre produtores e consumidores. Estruturalmente, consolidar a Agroecologia nos assentamentos rurais e acampamentos requer constituir sistemas produtivos que diminuam a dependncia de produtores e consumidores em relao s empresas que dominam a agricultura, contribuindo assim para a formao do que os movimentos chamam de Soberania Alimentar. Esta Tese trata destas questes, colocando em evidncia os processos, os avanos e os retrocessos do MST na construo e territorializao da Agroecologia nos assentamentos do Estado do Paran. PALAVRAS CHAVE: Assentamentos Rurais; Agroecologia; Luta na Terra; MST.

  • RESUMEN. En los ltimos 50 aos, el desarrollo del modo de produccin capitalista ha afectado de muchas maneras el campo brasileiro. Debido a las polticas pblicas para promover la agricultura, ampliar la produccin de productos bsicos y establecer el modelo de organizacin y tcnica de la "Revolucin Verde" y Agrobiotecnologia. Ampliamente interconectados con la economa internacionalizada, el capital ha provocado cambios sociales, econmicos, polticos, tcnicos y ambientales en nuestras zonas rurales y en nuestra agricultura, generando graves impactos ambientales, econmicos y sociales. Luchando contra la exclusin social, parte de los campesinos brasileos han dado forma a diversificados mecanismos de resistencia. En el ltimo cuarto de siglo, el Movimiento de los Trabajadores Rurales Sin Tierra (MST) ha movilizado a un gran nmero de trabajadores tanto en la lucha por la tierra (la lucha contra os terratenientes o la lucha para conquistar la tierra), sino tambin en la organizacin de la lucha en la tierra, que es la lucha por resistir en la tierra de trabajo y controlar el mayor parte de la riqueza producida en el campo. Por lo tanto, una lucha contra el capital aerocomercial, agroindustrial y dems fracciones del agronegcio. El gran activo poltico que hace el MST es la negacin del modelo de desarrollo agrcola en el pas, poniendo en la necesidad de la preservacin y la reconstruccin de la agricultura campesina a travs de la Reforma Agraria, y proponer formas de gestin y participacin del campesinado en los sistemas cooperativizados y tambin los sistemas agroecolgicos de produccin. En el caso de la Agroecologa, se trata de un reciente debate, cuyo objetivo es construir un conjunto de prcticas productivas y un conjunto de prcticas de comercializacin de la produccin, basado en principios como la sostenibilidad ecolgica de la produccin, la productividad, la equidad, salud ambiental, la justicia social, la viabilidad econmica, sobre la base de la agricultura familiar y campesina, en ly a interaccin entre productores y consumidores. Estructuralmente, la consolidacin de Agroecologa en los asentamientos rurales y los campamentos requiere construir sistemas productivos para reducir la dependencia de los productores y consumidores respecto a las empresas que dominan la agricultura, contribuyendo para a formacin del movimiento llamado "Soberana Alimentaria". En esta Tesis Doctoral, se abordan estas cuestiones, poniendo de relieve los procesos, avances y retrocesos del MST en la construccin y la territorializacin de la Agroecologa en los asentamientos en el Estado de Paran- Brasil. PALABRAS CLAVE: Asentamientos Rurales; Agroecologa; Lucha en la Tierra; MST.

  • LISTA DE FIGURAS

    Figura 1 Paran Localizao dos Assentamentos Rurais e das Iniciativas no

    mbito da Agroecologia gestados pelo MST, 2008............................. 30Figura 2 Crescimento da rea Global das Lavouras GM, em milhes de

    hectares, 1995-2006............................................................................. 79Figura 3 Selo de Certificao Participativa da Rede Ecovida............................. 143Figura 4 Ramos cientficos e contribuies tericas para o desenvolvimento

    da Agroecologia.................................................................................... 154Figura 5 Elementos norteadores para a construo da Agroecologia................ 155Figura 6 Municpios Brasileiros onde ocorreram as ocupaes de terras no

    perodo 1978 2007............................................................................. 168Figura 7 Brasil Nmero de Ocupaes e Nmero de Assentamentos

    realizados entre 1985 e 2007............................................................... 171Figura 8 Brasil Nmero de Famlias em Ocupaes e Nmero de Famlias

    Assentadas entre 1985 e 2007............................................................. 172Figura 9 Modelo Tradicional de Organizao do MST nos Estados................... 206Figura 10 Brigada Modelo de Organizao e de Gesto Territorial do MST no

    Paran................................................................................................. 211Figura 11 Encontro da Coordenao Estadual do MST do Paran ITEPA,

    municpio de So Miguel do Iguau...................................................... 213Figura 12 Brigadas e Rede de Gesto Territorial do MST no Estado do Paran,

    2008..................................................................................................... 222Figura 13 Copavi Secador Solar para processar frutas passa..........................

    225

    Figura 14 Vista parcial da entrada da Fazenda da Syngenta Seeds em Santa Tereza do Oeste/PR, onde se v esquerda militantes do MST e no primeiro plano uma faixa de protesto contra as multinacionais da agrobiotecnologia Syngenta e Monsanto............................................ 231

    Figura 15 Ocupao do MST na fazenda da Syngenta Seeds em Santa Tereza do Oeste/PR......................................................................................... 232

    Figura 16 7 Jornada de Agroecologia - Marcha pelas ruas de Cascavel/PR...... 233Figura 17 7 Jornada de Agroecologia detalhe da camiseta usada por

    membros do MST................................................................................. 234Figura 18 Plenria da 7 Jornada de

    Agroecologia......................................................................................... 235Figura 19 7 Jornada de Agroecologia oficinas temticas................................ 237Figura 20 Prdio construdo no ITEPA com recursos de convnio com a Itaipu

    Binancional para alojar educandos e educadores dos cursos de Agroecologia......................................................................................... 242

    Figura 21 Banco de Sementes Crioulas do ITEPA. O galpo e os equipamentos apresentados na imagem foram comprados com recursos alocados pela Itaipu Binancional........................................... 243

    Figura 22 Na foto, o Governador do Paran, Roberto Requio, assina documento que cria a ELAA Escola Latino Americana de Agroecologia. Do lado direito da imagem, o representante da Universidade Federal do Paran. Do lado esquerdo, o representante do Governo Bolivariano da Venezuela. No centro e atrs do Governador, o Ministro do MDA, Miguel Rosseto........................................................................................ 244

  • LISTA DE FIGURAS

    Figura 23 Copavi Produo Agroecolgica de Leite. Na foto, direita vemos o antigo galpo onde o gado era criado estritamente com rao servida no cocho. Ao fundo, gado criado a pasto, no sistema Voison (piqueteamento).................................................................................... 253

    Figura 24 Copavi Produo Agroecolgica de Hortalias. Na foto, vemos no primeiro plano um monte de composto utilizado na adubao do solo. No centro, produo de diferentes hortalias. No fundo da imagem, temos os quebra-ventos de capim Napier, que tem a funo de proteger o sistema produtivo da entrada de insetos que transmitem doenas ou mesmo se alimentam de folhas das plantas.................................................................................................. 254

    Figura 25 Os derivados da cana-de-acar so a principal fonte de recursos da Copavi, que tem exportado parte da produo de cachaa para Alemanha e Espanha........................................................................... 256

    Figura 26 Reunio da Coordenao do Assentamento Ander Rodolfo Henrique. A Coordenao um coletivo que responde politicamente pelas decises no assentamento, e conta com representantes escolhidos nos Ncleos de Base locais. 261

    Figura 27 Assentamento Antnio Companheiro Tavares. Lavoura de trigo produzida no sistema convencional. Muitos produtores estabelecem parcerias com a Lar para desenvolver esta atividade em seus lotes. Na foto, a casa do produtor est no lado direito. Atravessando o lote, vemos as linhas de transmisso de energia da hidreltrica de Itaipu........................................................... 266

    Figura 28 Assentamento Antnio Companheiro Tavares. Caminho com 15 toneladas de milho colhidas em um dos lotes do assentamento Antnio Companheiro Tavares. Na imagem, o senhor esquerda o dono da carga................................................. 267

    Figura 29 Assentamento Antnio Companheiro Tavares. Na foto, o produtor mostra a semente crioula do milho guardada em recipiente vedado e com adio de cinzas para a proteo contra caruncho....................................................................................... 270

    Figura 30 Assentamento Contestado. Horta de dois vizinhos que trabalham em conjunto na produo de repolho, cebolinha, ervilhas, cenoura e couve. Alm da produo associada, os produtores desenvolvem individualmente o cultivo de batata-doce, mandioca, abbora, batata Yacon, e cebola. Porm, todos os produtos so comercializados de forma coletiva, atravs da Associao Contestado..................................................................................... 275

    Figura 31 Assentamento Contestado. Produtor aparece em meio a um cultivo de inverno, onde foram plantados em conjunto centeio, ervilhaca e aveia. Alm de proteger o solo da ao da chuva, a diversidade de plantas dinamiza o agroecossistema e no momento de sua incorporao, fertilizar o solo para a cultura de vero............................................................................................. 279

    Figura 32 Assentamento Contestado. Mandala sistema de produo agroecolgico integrado............................................................................................... 280

  • LISTA DE TABELAS

    Tabela 1 Cultivo Global de OGMs, 1996 2005 (milhes de hectares,

    segundo o Pas)....................................................................................

    80

    Tabela 2 Culturas Transgnicas - poro da rea cultivada em relao ao total da rea cultivada (%) com Soja, Milho, Algodo e Canola, por Pas em 2005................................................................................................ 83

    Tabela 3 Biotecnologia - Ranking Mundial dos Recursos Empresariais Aplicados em P & D, 2004.................................................................... 88

    Tabela 4 Ranking de solicitaes de Patentes Tecnolgicas e biotecnolgicas dados de Pases e Empresas, 2004.................................................. 89

    Tabela 5 Participao Mundial das Multinacionais na Indstria Farmacutica, Medicina Veterinria e Sementes 2004............................................... 92

    Tabela 6 Ranking Global das Empresas de Produo/Comercializao/ Agroindustrializao/Distribuio de Alimentos e Bebidas e Supermercados, 2004........ ..................................................................

    94

    Tabela 7 Indicadores da evoluo populacional e da produo agrcola mundial entre 1975 e 2005................................................................... 117

    Tabela 8 Produo agrcola mundial de produtos especficos entre 1961 e 2005 (em toneladas)............................................................................ 118

    Tabela 9 Agricultura Orgnica no Mundo: Pases Selecionados, 2002..............

    147

    Tabela 10 Brasil Situao da Produo Orgnica, 2005....................................

    149

    Tabela 11 Nmero de Ocupaes e Nmero de Famlias envolvidas em Ocupaes de Terras no Brasil, segundo os Estados da Federao, no perodo 1988 2007....................................................................... 169

    Tabela 12 Brasil Nmero de Imveis Rurais segundo as classes de rea, 1992/1998/2003.................................................................................... 174

    Tabela 13 Brasil rea Ocupada pelos Imveis Rurais segundo as classes de rea, 1992/1998/2003........................................................................... 174

    Tabela 14 Brasil - Nmero de Assentamentos Rurais, segundo os Estados da Federao, no perodo 1979 2007.................................................... 180

    Tabela 15 Sistema Cooperativo dos Assentados - Paran, 2007.........................

    219

  • LISTA DE QUADROS

    Quadro 1 Custos de Certificao, segundo valores de referncia. Ano:

    2008............................................................................................. 140Quadro 2 Organismos Certificadores Internacionais que atuam no Brasil,

    2007........................................................................................................ 144Quadro 3 Organismos Certificadores Nacionais que atuam no Brasil,

    2007....................................................................................................... 144Quadro 4 Publicaes seminais na histria da Agroecologia, 1928 a

    1984...................................................................................................... 152Quadro 5 Centros de Formao e Capacitao Tcnica em Agroecologia

    Organizados pelo MST/PR, 2008............................................................ 239Quadro 6 Paran Territrios Agroecolgicos da Reforma Agrria, 2008.............

    251

  • LISTA DE SIGLAS

    AAA - Agricultural Adjustment Act (Legislao Agrcola dos EUA). ABRA Associao Brasileira da Reforma Agrria. AECO Associao do Agronegcio Certificado Orgnico. ALCA rea de Livre Comrcio das Amricas. AOPA - Associao para o Desenvolvimento da Agroecologia no Paran. APP - rea de Proteo Permanente. AS-PTA - Associao de Desenvolvimento de Tecnologias Alternativas. ASSESSOAR - Associaes da Agricultura Familiar e Sindicatos de Trabalhadores Rurais. BM Banco Mundial. BNDES Banco Nacional de Desenvolvimento Econmico e Social. BR-277 Rodovia Federal Rodovia das Cataratas, Curitiba para Foz do Igua. BSE Encefalopatia Espongiforme Bovina. Bt Bacillus Trugirensis. CAPA - Centro de Capacitao dos Pequenos Agricultores. CCA - Central de Cooperativas dos Assentados. CCIR - Cadastro dos Contribuintes dos Imveis Rurais. CEAGRO Centro de Desenvolvimento Sustentvel e Capacitao em Agroecologia. CEE - Comunidade Econmica Europeia. CEPAG Centro de Estudo e Pesquisa Ernesto Guevara. CEPAL Comisso Econmica para a Amrica Latina e o Caribe. CIAT - Centro Internacional de Agricultura Tropical. CIMMYT - Centro Internacional de Melhoramento do Trigo e Milho. CIP - Centro Internacional da Batata. CLOC - Coordenao Latino-Americana de Organizaes do Campo.

  • Cocamp Cooperativa de Prestao de Comercializao e Prestao de Servios dos Assentados do Pontal.

    LISTA DE SIGLAS

    CONAB Companhia Brasileira de Abastecimento. CONAMURI Conselho Nacional das Mulheres Indgenas do Paraguai. Copavi - Cooperativa de Produo Agropecuria Vitria. CPA - Cooperativas de Produo Agropecuria. CPS - Cooperativas de Prestao de Servios. CPT - Comisso Pastoral da Terra. CRABI - Comisso Regional dos Atingidos por Barragens do Rio Iguau. CRED - Cooperativa de Crdito. CRESOL - Sistema Cooperativo de Crdito Solidrio. CTNBio - Comisso Tcnica Nacional de Biossegurana. CUT - Central nica dos Trabalhadores. DATALUTA Banco de Dados da Luta pela Terra. DESER - Departamento de Estudos Rurais. ELAA - Escola Latino Americana de Agroecologia. Embrapa Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuria. ETR - Estatuto do Trabalhador Rural. EUA Estados Unidos da Amrica. EZLN - Exrcito Zapatista de Libertao Nacional. F - Famlia FAO - Fundo das Naes Unidas para Agricultura e Alimentao. FCT Faculdade de Cincias e Tecnologia. FEAB - Federao dos Estudantes de Agronomia do Brasil. FEOGA Fundo Europeu de Orientao e Garantias Agrcolas. FHC Fernando Henrique Cardoso. FM - Frente de Massas

  • FMI - Fundo Monetrio Internacional.

    LISTA DE SIGLAS

    GCCT - Grupo de Cooperao do Campus de Terrassa. ha - Hectares I PNRA Primeiro Plano Nacional de Reforma Agrria. IARCs - Centros Internacionais de Pesquisa Agropecuria (Internacional Agricultural Research Centres). ICRISAT - Instituto Internacional de Cultivos para as Zonas Tropicais Semi-ridas. IEEP - Instituto Equipe de Educadores Populares. IFOAM Federao Internacional dos Movimentos de Agricultura Orgnica. II PNRA Segundo Plano Nacional de Reforma Agrria. IIIPA - Instituto Internacional de Investigao sobre Polticas Alimentares. IITA - Instituto Internacional de Agricultura Tropical. IN - Instruo Normativa. INCRA Instituto Nacional de Colonizao e Reforma Agrria. IPARDES Instituto Paranaense de Pesquisas e Desenvolvimento Econmico e Social. IRRI - Instituto Internacional de Pesquisa do Arroz. ISO - International Organization for Standardization. ITEPA Instituto Tcnico de Capacitao e Estudo da Reforma Agrria. ITESP - Fundao Instituto de Terras do Estado de So Paulo. ITR - Imposto Territorial Rural. Lar Cooperativa Agroindustrial Lar. LULA Luiz Incio da Silva. MAB - Movimento dos Atingidos por Barragens. MAELA - Movimento Agroecolgico para Amrica Latina e Caribe. MAPA - Ministrio da Agricultura e Pecuria. MASTEL - Movimento dos Agricultores Sem Terra do Litoral do Paran.

  • MASTEN - Movimento dos Agricultores Sem Terra do Norte do Paran.

    LISTA DE SIGLAS MASTER Movimento dos Agricultores Sem Terra. MASTES - Movimento dos Agricultores Sem Terra do Sudoeste do Paran. MASTRECO - Movimento dos Agricultores Sem Terra do Centro-Oeste do Paran. MDA - Ministrio do Desenvolvimento Agrrio. MMC - Movimento de Mulheres Camponesas. MPA - Movimento de Pequenos Agricultores. MST Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. MST/PR MST DO PARAN. N-10: Ncleo de dez famlias. N-50: Ncleo de cinqenta famlias. OCE - rgos Colegiados Estaduais. OCN - rgos Colegiados Nacionais. OGM Organismo Geneticamente Modificado. OMC - Organizao Mundial do Comrcio. ONGs - Organizaes No Governamentais. PAC - Poltica Agrcola Comum. PDA - Plano de Desenvolvimento Agropecurio dos Assentamentos. PEA - Populao Economicamente Ativa. Petrobrs Companhia de Petrleo Brasileiro Sociedade Annima. PJR - Pastoral da Juventude Rural. PLANAF Plano Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar. PNUMA Programa das Naes Unidas para o Meio Ambiente. PROLCOOL Programa Nacional do lcool. PROCERA Programa Nacional de Crdito para a Reforma Agrria.

  • PRONERA - Programa Nacional de Educao na Reforma Agrria.

    Pronaf Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar. LISTA DE SIGLAS

    PT - Partido dos Trabalhadores. Rede ECOVIDA - entidade que promove a Certificao Solidria. SCA - Sistema de Cooperativismo dos Assentados. SEAB-PR - Secretaria Estadual da Agricultura e Abastecimento do Paran. SNCR Sistema Nacional de Crdito Rural. SOC Sindicato Obreros del Campo. SPC - Sistema de Proteo ao Crdito. Terra de Direitos Associao de Advogados para as causas populares. UDR - Unio Democrtica Ruralista. UEM Universidade Estadual de Ponta Grossa. UFPR - Universidade Federal do Paran. ULTABs Unio dos Lavradores e Trabalhadores Agrcolas do Brasil. UNESP Universidade Estadual Paulista Jlio de Mesquita Filho. UNIOESTE - Universidade Estadual do Oeste Paranaense. UPOV Unio Internacional para a Proteo de Obtenes Vegetais. URSS Unio das Repblicas Socialistas Soviticas. USDA - Departamento de Agricultura dos Estados Unidos. Voison tcnica de piqueteamento e pastoreio de gado.

  • SUMRIO

    RESUMO................................................................................................................. 6 RESUMEN............................................................................................................... 7 LISTA DE FIGURAS............................................................................................... 8 LISTA DE TABELAS.............................................................................................. 10

    LISTA DE QUADROS............................................................................................. 11

    LISTA DE SIGLAS.................................................................................................. 12

    INTRODUO......................................................................................................... 19

    CAPTULO 1

    A TRAMA ESPACIAL E O PROCESSO DE DOMINAO DO CAPITALISMO NO CAMPO

    37

    1.1 A LGICA DE DESENVOLVIMENTO DO CAPITALISMO NA AGRICULTURA......................................................................................................

    38

    1.2

    O PROCESSO DE INDUSTRIALIZAO DA AGRICULTURA....................................................................................................... 54

    1.3

    A AO DO ESTADO E O DESENVOLVIMENTO DAS FORAS PRODUTIVAS......................................................................................................... 64

    1.4

    O DESENVOLVIMENTO DA AGROBIOTECNOLOGIA E A TERRITORIALIZAO DOS CULTIVOS GENETICAMENTE MODIFICADOS.... 72

    1.5

    A INTEGRAO, A CONCENTRAO E CENTRALIZAO DO CAPITAL E SEUS IMPACTOS SOBRE A AGRICULTURA E O SISTEMA ALIMENTAR........ 84

    1.6

    O DESMONTE E O CONTROLE DA AGRICULTURA CAMPONESA 97

    CAPTULO 2

    A AGROECOLOGIA E A REESTRUTURAO DO

    DESENVOLVIMENTO DO CAMPO

    112

    2.1

    O MODELO AGRCOLA ATUAL E A EXPANSO DA POBREZA, DA FOME E DOS PROBLEMAS AMBIENTAIS......................................................................... 113

    2.2

    O DEBATE SOBRE AS AGRICULTURAS ALTERNATIVAS................................ 124

    2.3

    A CERTIFICAO DA PRODUO ORGNICA E A FORMAO DO AGROECONEGCIO.............................................................................................. 134

    2.4

    PARA ALM DO AGRONEGCIO E DO AGROECONEGCIO A AGROECOLOGIA E A CONSTRUO DE NOVAS ALTERNATIVAS AO ATUAL SISTEMA AGRCOLA E ALIMENTAR...................................................... 152

  • SUMRIO

    CAPTULO 3

    O MST E A BUSCA DE UM NOVO

    MODELO DE PRODUO AGRCOLA

    160

    3.1

    O MST NO CONTEXTO DAS LUTAS DO CAMPESINATO BRASILEIRO............ 161

    3.2

    A LUTA NA TERRA E A (FALSA) AUTONOMIA CAMPONESA NOS ASSENTAMENTOS RURAIS................................................................................. 179

    3.3

    OS AVANS E RETROCESSOS DA COOPERATIVIZAO NOS ASSENTAMENTOS DO MST.................................................................................. 189

    3.4

    A AMPLIAO DOS REFERENCIAIS DE LUTA DO MST E O DEBATE SOBRE SOBERANIA ALIMENTAR E AGROECOLOGIA..................................... 194

    CAPTULO 4

    A AGROECOLOGIA E A LUTA NA TERRA NOS

    ASSENTAMENTOS PARAENSES

    205

    4.1

    A REESTRUTURAO DA GESTO TERRITORIAL DO MST NO PARAN.................................................................................................................. 206

    4.2

    OS ESPAOS DE FORMAO POLTICA E O DEBATE SOBRE A AGROECOLOGIA NA REFORMA AGRRIA PARANAENSE.............................. 223

    4.3

    OS CENTROS DE FORMAO E CAPACITAO TCNICA EM AGROECOLOGIA E OS DESAFIOS DA EDUCAO E DA EXTENSAO RURAL..................................................................................................................... 238

    4.4

    OS TERRITRIOS AGROECOLGICOS DA REFORMA AGRRIA PARANAENSE........................................................................................................ 250

    4.4.01 Os Assentamentos e Acampamentos Agroecolgicos........................ 252

    4.4.02 Os Lotes Agroecolgicos Isolados........................................................ 264

    4.5

    OS AVANOS E OS RETROCESSOS DO MST NO PROCESSO DE TERRITORIALIZAO DA AGROECOLOGIA NOS ASSENTAMENTOS RURAIS PARANAENSES....................................................................................... 283

    CONSIDERAES FINAIS..................................................................................... 292

    BIBLIOGRFIA....................................................................................................... 295

  • INTRODUO

  • INTRODUO

    Nos ltimos 50 anos, o desenvolvimento do modo de produo capitalista

    impactou de vrias formas o campo brasileiro. Amplamente interconectado com a

    economia internacionalizada, o capital provocou transformaes sociais,

    econmicas, polticas, tcnicas e ambientais em nosso meio rural e asseverou ainda

    mais a questo agrria.

    Um mecanismo fundamental neste processo foi a incorporao e difuso de

    elementos tcnico-cientficos no espao agrrio pela via da Revoluo Verde,

    pacote tecnolgico que resultou na industrializao da agricultura brasileira e,

    consequentemente, no aumento da produo agropecuria, no aumento da

    explorao da mais-valia social e concentrao do capital em suas vrias fraes,

    sobretudo a comercial, a agroindustrial, a industrial, a financeira e o fundirio.

    A organizao e a difuso da Revoluo Verde foi amplamente regada

    por significativas somas de recursos provenientes de fundos pblicos, privados e de

    agncias multilaterais de desenvolvimento, cuja implementao arrebentou e

    continua a arrebentar com as lgicas econmicas e organizativas ditas

    tradicionais, entre as quais as comunidades camponesas, indgenas, quilombolas,

    faxinalenses, etc.

    Assim, elementos como a motomecanizao agrcola (tratores,

    colheitadeiras, mquinas de beneficiamento, arados, grades, motos-bombas de

    irrigao, pulverizadores, avies agrcolas), insumos petroqumicos (adubos,

    inseticidas, herbicidas, maturadores, antibiticos, micro-nutrientes, plsticos de uso

    agrcola em irrigao e proteo de lavouras), plantas e sementes melhoradas

    (hbridas, reengenheradas e transgnicas), bem como empresas agroindustriais,

    tornaram-se elementos estruturais em um espao agrrio em mutao.

    Ademais, organizou-se toda uma rede e infra-estrutura de transporte e

    processamento das mercadorias agrcolas, que subjuga o trabalho dos produtores

    rurais aos ditames das empresas agrocomerciais, cada vez mais organizadas e

    participantes de um comrcio agrcola mundial oligopolizado e dominado pelas

    tradings companies.

    A dotao do valor das principais matrias-primas agrcolas (commodities

    agrcolas como arroz, carne de gado e de frango, algodo, acar, leite, papel e

    celulose, soja e milho) ocorre fundamentalmente atravs de negociaes e

    20

  • especulaes em bolsa de valores e a articulao entre as vrias fraes do capital

    e o movimento de concentrao e centralizao do capital e da terra, tornaram-se

    prticas comuns da ao do capital.

    No caso brasileiro, a difuso dos elementos tcnico-cientficos e das de

    estruturas de dominao do capital no ocorreu de maneira linear e homognea,

    mas sim de maneira fragmentada e heterognea, sobretudo porque desigual a

    produo do espao pelo capital.

    Assim, a participao dos produtores rurais no processo de industrializao

    foi dspar e tornou ainda mais assimtrica a diferenciao entre eles, decretando o

    enriquecimento de uma pequena parte desses produtores, sobretudo os mdios e

    grandes proprietrios, e asseverando a excluso social de uma parcela significativa

    dos camponeses, muitos deles arrendatrios e moradores em terras alheias, sujeitos

    geralmente relegados pelas principais polticas pblicas.

    verdade que a capacidade de produo de alimentos foi ampliada, tanto

    pela expanso da rea cultivada, quanto pelo aumento da produtividade, porm, as

    novas dinmicas produtivas da agricultura desencadearam uma srie de problemas.

    Neste caso, chamamos especial ateno para os problemas ambientais

    (desmatamento, eroso gentica com extino de espcies animais e vegetais,

    assoreamento, poluio e contaminao de rios e mananciais de gua, eroso e

    contaminao dos solos, desertificao) e os problemas sociais, da contaminao

    dos produtores rurais e consumidores com resduos qumicos de adubos e

    pesticidas agrcolas, ao aumento da fome, da misria e da pobreza rural e urbana,

    sobretudo pela incapacidade de oferta de emprego e renda condizentes com as

    mnimas necessidades de sobrevivncia da populao.

    A agudizao dos problemas sociais no campo e na cidade tem permitido o

    surgimento de duras crticas contra os desarranjos provocados pelo capital e a

    agricultura por ele preconizada. Entre as diferentes aes, destacamos a

    mobilizao social dos produtores rurais excludos e em processo de excluso e as

    ricas experincias de luta articuladas contra a lgica destruidora do capital e contra

    as aes e inpcia dos poderes pblicos constitudos.

    Entre as experincias geradas, destacam-se os movimentos de

    contraposio ao modelo agrcola dominante, tambm conhecidos como Movimento

    da Agricultura Sustentvel e o Movimento Agroecolgico, que pregam sistemas de

    produo agrcola em bases ecolgicas e socialmente includentes, baseadas no

    21

  • trabalho de tipo familiar campons, portanto, independentes dos pacotes

    tecnolgicos qumico-industriais-transgnicos.

    Alm disso, destacam-se os Movimentos Camponeses, que so

    organizaes que mesclam inovadoras aes em diferentes escalas (local, regional,

    nacional e internacional), alm de atuar em favor da reconstruo da agricultura

    camponesa, participando ativamente na criao de mecanismos de luta, de

    resistncia e de emancipao do campesinato frente ao capital.

    Neste grupo destacam-se os sem terras, cujas aes de luta e resistncia

    resulta na recriao camponesa nos assentamentos rurais e, a partir de experincias

    de cooperativizao e coletivizao, apontam novas possibilidades de

    desenvolvimento rural.

    claro que o capital tambm se articula no sentido de criar mecanismos de

    contraposio s foras sociais de luta e resistncia, ampliando ou preservando sua

    fora hegemnica de controle social.

    O mecanismo clssico adotado pelos agentes do capital ampliar ainda

    mais sua capacidade de gesto territorial, se apoiando muitas vezes na fora poltica

    e econmica dos organismos multilaterais internacionais (FMI Fundo Monetrio

    Internacional, OMC Organizao Mundial do Comrcio, BM Banco Mundial, ONU

    Organizao das Naes Unidas) e, sobretudo, na fora poltica e econmica do

    Estado brasileiro.

    Neste caso, o reforo ao capital realizado atravs de polticas e programas

    de desenvolvimento especficos, como o programa de Reforma Agrria de

    Mercado, patrocinado pelo Banco Mundial, cuja centralidade deslocar o tema

    reforma agrria do mbito da luta poltica para o mbito de uma relao de mercado

    entre quem possui a terra e a quer vender, e quem no possui a terra, mas aceita

    participar de um fundo pblico para adquiri-la em suaves prestaes.

    Alm disso, comum o Estado colocar seu poder de polcia para controlar

    as foras sociais, realizando prises e despejos, ampliando os conflitos sociais no

    campo.

    No Brasil, em razo das especificidades e as caractersticas da questo

    agrria, que expressa uma realidade de terras extremamente concentradas em

    mos de poucos e uma grande quantidade de excludos do campo, um dos

    mecanismos centrais h dcadas praticado pelos camponeses na luta contra o

    capital a luta pela terra.

    22

  • Processada pelos movimentos sociais do campo, a luta pela terra um dos

    principais mecanismos polticos que revela na luta de classes da sociedade

    brasileira que os camponeses, na luta contra o capital e presso sobre o Estado e os

    poderes pblicos constitudos, tm conscincia de classe e so capazes de se

    organizar para conquistar o apoio pblico para o desencadeamento da Reforma

    Agrria.

    Apesar dos reveses e das diferentes formas de violncia praticados pelo

    capital e seus comandados (jagunos) e pelo Estado (polcia) contra os movimentos

    sociais do campo (mortes de lideranas, perseguies polticas, despejos), ao longo

    das ltimas cinco dcadas, milhares de famlias foram assentadas em projetos de

    Reforma Agrria, caracterizando uma lenta, gradual e pouco efetiva poltica de

    assentamento rurais, j que no tocou num ponto central da realidade fundiria

    nacional: a injusta concentrao da terra.

    Alm disso, os poucos assentamentos implantados no Pas resultaram na

    recriao de um campesinato que vive, em muitos casos, em reas deficitrias do

    ponto de vista infra-estrutural (deficincia de acesso a gua, energia eltrica,

    estradas, escolas, posto de sade, telefone), longe de centros urbanos, explorando

    terras com problemas de fertilidade e topografia.

    H comunidades de famlias assentadas com srios problemas ambientais

    (sem licenciamento ambiental e com problemas de desmatamento) e, o que mais

    grave, sem o aporte necessrio de polticas pblicas de desenvolvimento rural para

    sanar os problemas infra-estruturais, ambientais e as deficincias ecolgicas,

    potencializando a produo agrcola, o associativismo e a gerao de riqueza e

    renda no campo.

    interessante destacar que ao assentar trabalhadores que perderam a terra

    e at mesmo sem terras provenientes dos centros urbanos ou seja, que nunca

    vivenciaram em momentos anteriores a experincia de trabalho rural como

    camponeses ou operrios rurais - o Estado recria o campesinato nos projetos de

    assentamento rural.

    Porm, em rarssimos casos, como o campesinato nunca foi o objeto central

    das polticas pblicas empreendidas no Brasil, este processo de recriao redunda

    na promoo de sujeitos sociais que retornam ou passam a viver em um ambiente

    social e econmico totalmente adverso - o meio rural brasileiro, onde os mecanismos

    23

  • de destruio e de empobrecimento dos pequenos agricultores familiares ainda

    persistem.

    Assim, a reforma agrria brasileira um processo de recriao do

    campesinato realizada de maneira incompleta, pois o Estado pouco tem atuado no

    sentido de reestruturar as polticas pblicas de desenvolvimento dos pequenos

    produtores rurais.

    Esta estruturao negativa do espao agrrio, que cria um ambiente social e

    econmico de excluso e de empobrecimento dos pequenos produtores rurais

    sejam eles assentados ou no, ocorre porque o capital no se estrutura controlando

    somente a propriedade da terra, mas porque o capital cada vez mais busca exercer

    o controle sobre a circulao da mercadoria e das trocas que acontecem antes,

    durante e depois da produo agropecuria realizada no campo, dentro das

    unidades de produo, sejam eles stios, chcaras, lotes ou fazendas.

    Desta forma, atravs da oferta de produtos (mquinas, implementos),

    insumos (sementes, adubos, pesticidas, combustveis), servios (armazenagem,

    comercializao), negcios (compra e venda da produo), emprstimos e crditos

    (bancos e agiotas) e novas tecnologias (produtos da engenharia e da biotecnologia)

    aos produtores rurais, seja comprando a produo e realizando o processamento

    agroindustrial, impondo o regime de trabalho e o preo das mercadorias agrcolas, o

    capital controla o campo e extrai parte da riqueza produzida pelos camponeses e

    demais produtores, colaborando para o controle do processo produtivo.

    Estas situaes variadas revelam os diversos mecanismos coordenados

    pelo capital para realizar a extrao ampliada da renda da terra, que cobrada da

    sociedade e no fica em mos dos produtores rurais, que tendem ao

    empobrecimento e excluso social, apesar de produzirem riquezas.

    Um dos movimentos mais importantes na luta contra o capital o MST

    Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, pois comparece como uma das

    foras de resistncia camponesa das mais dinmicas.

    No ltimo quarto de sculo, o Movimento (MST) tem mobilizado uma grande

    quantidade de trabalhadores tanto na luta pela terra (a luta contra o capital fundirio

    ou a luta para entrar na terra), mas tambm organiza a luta na terra, que a luta

    para resistir na terra de trabalho e amealhar a maior parcela das riquezas

    produzidas no campo, portanto, uma luta contra o capital agrocomercial e

    agroindustrial e suas demais fraes.

    24

  • O grande trunfo poltico que mobiliza o MST a negao do padro de

    desenvolvimento agrcola existente no Pas, colocando em evidncia a necessidade

    da preservao e reconstruo da agricultura camponesa pela via da Reforma

    Agrria, alm de propor formas de gesto e participao do campesinato em

    sistemas cooperativizados e tambm sistemas agroecolgicos de produo.

    No caso da Agroecologia, este um debate recente, um desafio assumido a

    pouco mais de uma dcada, cujo objetivo a construo de um conjunto de prticas

    produtivas e um conjunto de prticas de comercializao da produo, que se

    baseiam em princpios como a sustentabilidade ecolgica da produo, a

    produtividade, a equidade, a sade ambiental, a justia social, a viabilidade

    econmica, baseada na agricultura de base familiar e camponesa e na interao

    entre produtores e consumidores.

    Estruturalmente, consolidar a Agroecologia nos assentamentos rurais e

    acampamentos requer constituir sistemas produtivos que diminuam a dependncia

    de produtores e consumidores em relao s empresas que dominam a agricultura,

    contribuindo assim para a formao do que os movimentos chamam de Soberania

    Alimentar.

    Mais do que uma simples mudana na base tcnica da produo, uma

    aposta na recomposio de todo o sistema agrcola, j que a Soberaina Alimentar

    exige a criao de mecanismos que priorizam o desenvolvimento local/regional,

    valorizando os produtores, a produo de alimentos sadios, o acesso da populao

    de um Pas ao alimento, de um comrcio mais justo, destituindo a ao danosa dos

    mega-conglomerados que atuam na agricultura e que tem preocupao somente

    com o lucro.

    Ademais, alm da Agroecologia, em seus programas polticos os Sem Terra

    propem que o Estado assuma a realizao de uma Reforma Agrria ampla e

    massiva, que quebre efetivamente com poder do latifndio e rompa com a

    concentrao da terra, aumentando consequentemente a presena das unidades

    camponesas de produo no espao agrrio, amplamente apoiada por polticas

    pblicas de desenvolvimento rural.

    Para o MST, a agricultura camponesa uma forma de trabalho infinitamente

    superior existente nas grandes propriedades, pois apresenta potencialidades

    econmicas (produo de riquezas, maior produo e oferta de alimentos e

    matrias-primas para a sociedade, maior demanda de equipamentos e produtos

    25

  • para a agricultura, beneficiando o comrcio local/regional) e sociais (distribuio de

    renda, resoluo do problema da fome, incluso social, gerao de trabalho no

    campo e na cidade, diminuio da presso demogrfica da populao migrante, etc)

    que s se efetivariam em nossa sociedade mediante a realizao da Reforma

    Agrria.

    Afora a diviso da terra, o MST reconhece que a Reforma Agrria s se

    efetivaria mediante uma interveno pblica que priorizasse a implantao de

    programas de infra-estrutura social nos assentamentos rurais (gua, saneamento,

    energia eltrica, estradas, postos de sade, escolas), polticas de fomento e apoio

    para o desenvolvimento econmico (financiamentos agrcolas, fomentos para

    compra de mquinas e equipamentos), formao tcnica e capacitao produtiva

    (programas de extenso e assistncia tcnica rural), alm da cooperao na

    produo (cooperativas de crdito, cooperativas coletivas e cooperativas regionais)

    para fomentar no s a produo agrcola, mas tambm a transformao

    agroindustrial e a venda ao consumidor final.

    Como a tmida poltica de assentamentos desenvolvida pelo Estado frustra

    os interesses dos sem terra, na espera de um ambiente poltico que desencadeie a

    Reforma Agrria desejada, nos assentamentos controlados pela organizao, o MST

    tem acumulado erros e acertos desenvolvendo experincias organizativas no

    ambiente poltico da Reforma Agrria atual.

    Desde a dcada de 1990, o MST tem se colocado a difcil tarefa de

    rearticular sua base, reestruturando a Organizao, reforando na escala local uma

    maior interao entre famlias assentadas e acampadas.

    Ademais, o MST tem ampliado sua pauta poltica e seu arco de alianas. Ao

    participar da Via Campesina, o Movimento tem assumido lutas contra diversos

    projetos apoiados pelo Estado e pelo capital que colocam em xeque a agricultura

    camponesa, entre os quais as polticas de desenvolvimento do agronegcio em

    diferentes seguimentos (agroenergia, produo de celulose, projetos de irrigao,

    transgenia, etc).

    Alm de olhar para dentro, ou seja, de articular a base, o MST tem olhado

    os de fora, estabelecendo pactos polticos em diferentes escalas (do local ao global,

    passando pelo regional, estadual e nacional), com agentes diferenciados como

    grupos de apoio, partidos polticos, ONGs (Organizaes No Governamentais),

    movimentos sociais do campo, entre os quais o Movimento dos Atingidos por

    26

  • Barragens (MAB), o Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), o Movimento das

    Mulheres Camponesas (MMC), sobretudo no arco de apoios da Via Campesina e

    movimentos camponeses de outros pases, alm de movimentos urbanos,

    associaes, sindicatos , instncias progressistas das igrejas catlica e luterana

    (Comisso Pastoral da Terra CPT, Critas, Pastoral da Juventude Rural - PJR),

    alm de pesquisadores de universidades e intelectuais, que so convidados a

    participar de projetos, cursos e debates.

    De maneira geral, as articulaes ocorrem com organizaes e entidades

    que apoiam a Reforma Agrria, que consideram a agricultura camponesa como

    forma superior de organizao agropecuria e distribuio da terra agrcola, que

    compreendem ser a Agroecologia o padro mais vivel de produo agrcola, que

    pensam a luta contra o capital como uma luta globalizada, que enviesem o discurso

    da sustentabilidade agrcola, da autonomia dos povos, da Soberania Alimentar e da

    Soberania Energtica.

    Nesta escalada de novos elementos que compem o rico quadro scio

    poltico da luta na terra, priorizamos compreender como o Movimento tem se

    articulado internamente, do ponto de vista das suas estruturas poltico-organizativas

    (famlias assentadas, famlias acampadas, setores, ncleos de base, centros de

    formao), e externamente, do ponto de vista de organizaes e instituies

    parceiras e de apoio (universidades, organizaes no governamentais, outros

    movimentos sociais, partidos, sindicatos, igrejas), para desenvolver a Agroecologia

    em assentamentos rurais.

    A princpio, a Agroecologia um debate nacional que faz parte da pauta

    poltica do MST desde o ano 2000. Porm, segundo nossas pesquisas, o Movimento

    pouco avanou neste debate, j que na maioria dos Estados onde est organizado,

    o MST no conseguiu articular e criar iniciativas mnimas de desenvolvimento da

    Agroecologia na Reforma Agrria.

    H 12 anos estudando o MST, particularmente no interior do Estado de So

    Paulo e Paran, pudemos conhecer iniciativas nestes estados e participar

    diretamente deste debate, atravs de congressos nacionais, estaduais e regionais,

    cursos, discusses, encontros e palestras organizados pelo Movimento, envolvendo

    assentados, assessorias, organizaes de apoio e entidades pblicas ligadas

    Reforma Agrria.

    27

  • Esta vivncia permitiu compreender que na escala nacional aconteciam

    diferentes iniciativas que redundaram na constituio de experincias para o

    desenvolvimento da Agroecologia protagonizadas pelo MST, mas territorialmente,

    entre os diversos Estados da Federao, uma importante frao das iniciativas se

    concentrava em aes praticadas pelo MST paranaense, com destaques para

    encontros, cursos, escolas, alm de produtores em assentamentos e

    acampamentos.

    Em discusses realizadas com o orientador, Prof. Dr. Thomaz Jnior, foi

    definido o tema da pesquisa (Campesinato, Resistncia e Emancipao: o modelo

    agroecolgico adotado pelo MST no Estado do Paran), cujo sentido compreender

    no mbito da luta na terra, como o MST tem trabalhado o desenvolvimento da

    Agroecologia como estratgia de emancipao camponesa frente ao capital.

    O recorte territorial escolhido foi o Estado do Paran, j que neste Estado o

    MST tem conseguido estruturar diferentes projetos (centros de pesquisa, cursos de

    formao) e fruns de debate (Jornada de Agroecologia) sobre o tema.

    Em relao s aes prticas (assentamentos e acampamentos com

    produo agroecolgica), segundo informaes coletadas junto ao MST e arroladas

    a partir de trabalhos de campo, no ano de 2008 existiam 100 famlias acampadas e

    1.747 das 19.210 famlias assentadas, organizando suas unidades familiares de

    produo em bases agroecolgicas, em diferentes municpios do Estado do Paran.

    Para fazer a anlise geogrfica dos processos sociais que ocorrem nos

    assentamentos e acampamentos paranaenses, associamos a diversidade de

    iniciativas segundo seu carter estrutural, definindo trs categorias para

    compreender o processo de difuso e estruturao da Agroecologia pelo MST do

    Paran:

    a) Os Espaos de Formao Poltica, que so os eventos e encontros

    organizados pelo MST para difundir a Agroecologia;

    b) Os Centros de Formao e Capacitao Tcnica em Agroecologia, que

    so Centros de Pesquisa onde so ofertados cursos de curta durao (informais) e

    cursos formais de nvel mdio e superior em Agroecologia;

    c) Os Territrios Agroecolgicos da Reforma Agrria so os assentamentos,

    acampamentos e lotes individuais de produtores que trabalham e aplicam os

    preceitos da Agroecologia nas unidades familiares de produo.

    28

  • Para cartografar a espacialidade dos assentamentos rurais e localizar no

    territrio do Estado do Paran os assentamentos rurais onde o Movimento criou

    Centros de Formao e de Pesquisa da Agroecologia, os municpios onde

    acontecem as Jornadas de Agroecologia e onde, efetivamente, h produtores

    assentados e acampados trabalhando sob a matriz Agroecolgica, organizamos a

    Figura 1, apresentada na prxima pgina.

    29

  • Guara

    Francisco Alves

    Icarama

    Cafezal do Sul

    Brasilndia do Sul

    Alto Piquiri

    Maria Helena

    Santa Isabel do Iva

    So Pedro do Paran

    Tapira

    Santa Mnica

    Nova Olmpia

    Cidade Gacha

    Tuneiras do Oeste

    Guaporema

    Paraso do Norte

    Cianorte

    Nova Aliana do Iva

    So Tom

    Tamboara

    Engenheiro Beltro

    Santo Antonio

    do Caiu

    Alto Paran

    Nova Esperana

    Doutor Camargo

    Inaj

    Ivatuba

    Missal

    Marechal Cndido Rondon

    Mercedes

    Vitorino

    Saudade do Iguau

    Terra Roxa

    Ipor

    Palotina

    Prola

    Ivat

    Perobal

    Porto Rico

    Douradina

    Loanda

    Marilena

    Tapejara

    Diamante do Norte

    Rondon

    Amapor

    Guaira

    Mirador

    Terra Rica

    Paranava

    Indianpolis

    So Manoel

    do ParanJapur

    So Carlos do Iva

    Campo Mouro

    Terra Boa

    So Joo do Caiu

    Flora

    Pato Bragado

    Entre Rios do Oeste

    Manfrinpolis

    So Jorge D'Oeste

    Sulina

    Porto Barreiro

    Presidente Castelo Branco

    Paiandu

    Uniflor

    Mandaguau

    Paranapoema

    Atalaia

    Maring

    Colorado

    Lobato

    Itaguaj

    Flrida

    ngulo

    Santa Ins

    Iguarau

    Santa F

    Sarandi

    Santo Incio

    Nossa Senhora das Graas

    Astorga

    Munhoz de Mello

    Guaraci

    Jaguapit

    Lupionpolis

    Pitangueiras

    MiraselvaPrado

    Ferreira

    Camb

    Foz do Jordo

    Reserva do Iguau

    Cruz Machado

    Porto Vitria

    Unio da Vitria

    Rio Azul

    Mallet

    Lidianpolis

    Ariranha do Iva

    Arapongas

    Califrnia

    Rancho Alegre

    Cndido de Abreu

    Santa Ceclia do Pavo

    Nova Santa Brbara

    Figueira

    Xambr

    Esperana Nova

    Marip

    Quatro Pontes

    Santa Helena

    So Pedro do Iguau

    Serranpolis do Iguau

    Itaipulndia

    Planalto

    Campo Bonito Diamante do Sul

    Espigo Alto

    do IguauTrs Barras do Paran

    Santa Lcia

    Santa Izabel

    do OesteBela Vista

    da Caroba

    Enas Marques

    Bom Sucesso do Sul

    Santo Antnio do Sudoeste

    BarracoMarmeleiro

    Clevelndia

    Chopinzinho Pinho

    General Carneiro

    Teixeira Soares

    Rebouas

    Porto Amazonas

    Antonio Olinto

    Contenda

    Fazenda Rio Grande

    Agudos do Sul

    Rio Negro

    Quatro Barras

    Guaratuba

    Sengs

    Arapoti

    Tibagi

    Guamiranga

    Pitanga

    Campina do Simo

    Marquinho

    Nova Cantu

    Boa esperanaRancho

    Alegre D'Oeste

    Anahy

    Jesutas

    Tupssi

    Mariluz

    Floresta

    Quinta do Sol

    Barbosa Ferraz Lunardelli

    Arapu

    Grandes Rios

    Marumbi

    Mandaguari

    Rio Bom

    Londrina

    Mau da Serra

    Nova Ftima

    Jaboti

    Santo Antonio da Platina

    CambarItambarac

    Jataizinho

    Sertaneja

    Porecatu

    Ribeiro Claro

    Cafeara

    Ramilndia

    Vera Cruz do Oeste

    Santa Tereza

    do Oeste

    Lindoeste

    Capito Lenidas Marques

    Capanema

    Nova Prata

    do Iguau

    Prola D'Oeste

    So Jos das Palmeiras

    Nova Esperana

    do SudoestePinhal de So Bento

    Bom Jesus do Sul

    Ibema

    Guaraniau

    Braganey

    Laranjal

    Laranjeiras do Sul

    So Joo

    Dois Vizinhos

    Mangueirinha

    Pato BrancoRenascena

    Goioxim

    Turvo

    Incio Martins

    So Mateus do Sul

    Ipiranga

    Carambe

    Fernandes Pinheiro Balsa Nova

    Campo do Tenente

    Itaperuu

    Crro Azul

    Curitiba Morretes

    Tijucas do Sul

    IbaitiSantana do

    Itarar

    Pira do Sul

    Mato Rico

    Godoy Moreira

    Ivaipor Rosrio do Iva

    Faxinal

    Novo Itacolomi

    Jandaia do Sul

    Imba

    Centenrio do Sul

    Alvorada do Sul

    Florestpolis

    Sertanpolis

    Primeiro de Maio

    Ibipor

    So Sebastio da Amoreira

    Cornlio Procpio

    Andir

    Abati

    Joaquim Tvora

    Conselheiro Mairinck

    Formosa do Oeste 4

    Centenrio

    Juranda

    IguatuCafelndia

    Palmas

    Medianeira

    Assis Chateaubriand

    Ouro Verde do Oeste

    Catanduvas

    Boa Vista da Aparecida

    Umuarama

    Nova Santa Rosa

    Iracema do Oeste

    Cascavel

    Altamira do Paran

    Moreira Sales

    Ubirat

    Farol

    Luiziana

    Palmital

    Itamb

    So Joo do Iva Cruzmaltina

    Marilndia do Sul

    Rio Branco do Iva

    Manoel Ribas

    Boa Ventura

    de So Roque

    Assa

    Santo Antonio do Paraso

    Congonhinhas

    Ortigueira

    Ribeiro do Pinhal

    Bandeirantes Jacarezinho

    CarlpolisJundia do Sul

    Guapirama

    TomazinaJapira

    Pinhalo

    Wenceslau Braz

    So Jos da

    Boa Vista

    Salto do Itarar

    Jaguariava

    Ventania

    Castro

    So Joo do Triunfo

    Araucria

    Campo Magro

    Colombo

    Piraquara

    Adrianpolis

    Tunas do Paran

    Cu Azul

    RealezaBoa Esperana

    do Iguau

    Cruzeiro do Iguau

    Salto do Lontra

    Nova Laranjeiras

    Rio Bonito do Iguau

    Cantagalo

    Virmond

    Candi

    Pranchita

    Francisco Beltro

    Flor da Serra do Sul

    Salgado Filho

    Coronel Vivida

    Honrio Serpa

    Maripolis

    Coronel Domingos Soares

    Pin

    Antonina

    Prudentpolis

    Toledo

    Matelndia

    Ampre

    Nova Aurora

    Corblia

    Goioer

    Itapejara D'Oeste

    Campina da Lagoa

    Janipolis

    Mambor

    Roncador

    Iretama

    Nova Tebas

    Santa Maria do Oeste

    Guarapuava

    Borrazpolis

    So Pedro do Iva

    Reserva

    Telmaco Borba

    Irati

    Ponta Grossa

    Palmeira

    Lapa

    Doutor Ulysses

    Rio Branco do Sul

    Campo Largo

    So Jos dos Pinhais

    QuitandinhaMandirituba

    Bocaiva do Sul

    Campina Grande do SulAlmirante

    Tamandar

    Pinhais

    Marialva

    Bom Sucesso

    Kalor

    Tamarana

    Curiva

    Sapopema

    Foz do

    Iguau

    Santa Terezinha de Itaipu

    Pontal do Paran

    Matinhos

    Jardim Olinda

    Itana do Sul

    Lepolis Santa Mariana

    So Jorge do Iva Ourizona

    Apucarana

    Cambira

    Iva

    Imbituva

    Paula Freitas

    Paulo Frontin

    Quatigu

    Siqueira Campos

    Ver

    Sabudia

    Rolndia

    Paranagu

    Altnia

    So Jorge do Patrocnio

    Vila Alta

    Guaraqueaba

    TRPICO DE CAPRICRNIO

    54 53 51 50 49

    26

    24

    2327'

    23

    52

    25

    RE

    . O

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    S A N TA C ATA R I N A

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    MAT

    O G

    RO

    SS

    O D

    S

    UL

    Cruzeiro do Oeste

    Araruna

    Peabiru

    De 826 a 900 famlias

    De 676 a 750 famlias

    De 601 a 675 famlias

    De 526 a 600 famlias

    De 451 a 525 famlias

    De 376 a 450 famlias

    De 301 a 375 famlias

    De 226 a 300 famlias

    De 151 a 225 famlias

    De 76 a 150 famlias

    De 1 a 75 famlias

    De 751 A 825 famlias

    Jardim Alegre

    Corumbata do Su l

    Fn ix

    Jussara

    P lana l t i nado Paran

    NovaLondr ina

    Cruze i rodo Su l

    Ura

    Nova Amr icada Co l ina

    Be la Vis tado Para so

    Bar ra do Jacar

    Santa Aml ia

    ASSENTAMENTOS -LOCALIZAO E N DE FAMLIAS

    ASSENTAMENTOS COM PRODUTORESAGROECOLGICOS

    ACAMPAMENTOS COM PRODUTORESAGROECOLGICOS

    CENTROS DE FORMAO E

    DE PESQUISA DA AGROECOLOGIA

    JORNADA DEAGROECOLOGIADiamante

    D'Oeste

    Quedas do Iguau

    1.200 famlias

    So Jernimo da Serra

    Sao G. DaSerra

    Paranacity

    So Miguel do Iguau

    Bituruna

    Querncia do Norte

    Santa Cruz do Monte Castelo

    FIGURA 1: Paran - Assentamentos Rurais e das Iniciativas no mbito da Agroecologia gestados pelo MST, 2008.

    Localizao dos

    FONTE: SECRETARIA DO MST - SETOR DE PRODUO, 2008PESQUISAS DE CAMPOORGANIZAO: SRGIO GONALVES

  • Conforme a Figura 1, apresentada na pgina anterior, as iniciativas

    protagonizadas pelo MST no mbito da Agroecologia ocorrem em 14 DOS 307

    assentamentos existentes no Paran, sendo complementadas com iniciativas

    desenvolvidas pelas famlias que ocupam 2 fazendas.

    Para compreender a construo do discurso e para analisar as

    transformaes que resultam efetivamente no desenvolvimento da Agroecologia,

    formulamos as seguintes questes norteadoras da pesquisa:

    1) A proposta da Agroecologia no se desenvolveu em todos os

    assentamentos do Estado do Paran. Quais so os assentamentos onde ela est

    presente e como se construiu a insero e o desenvolvimento da Agroecologia

    nestes espaos?

    2) Nos assentamentos onde a proposta no se viabilizou, ou ainda em

    assentamentos onde h diferentes sistemas produtivos (Agroecolgico X

    Qmico/industrial/Transgnico), ser que os limites a esta expanso devem-se

    forma como o MST gestiona os assentamentos, deve-se resistncia dos

    camponeses da base em incorporar um discurso e transform-lo em ao concreta,

    ou deve-se a impossibilidade de desenvolvimento econmico e social da

    Agroecologia em comparao com outras matrizes produtivas?

    3) O processo de educao e de formao desenvolvido pelo MST e

    seus parceiros em Centros de Formao e Cursos de Agroecologia tem garantido

    efetivamente a estratgia de formao de quadros para difuso da proposta

    agroecolgica nos assentamentos rurais?

    4) Nos assentamentos rurais e acampamentos que optaram pelo

    modelo agroecolgico, que tipo de melhorias so verificados do ponto de vista

    ambiental, produtivo, social e econmico? H distino entre assentamentos

    agroecolgicos e assentamentos cujas famlias no produzam utilizando este vis?

    Que diferenciaes esto presentes e permitem qualificar o processo?

    5) H cerca de oito anos o MST um movimento social que se tornou

    portador do discurso pr-agroecologia. Quais as diferentes iniciativas organizadas

    para sua consolidao nos assentamentos rurais? Em que escalas as diferentes

    iniciativas se apresentam?

    6) O Paran o Estado onde as aes do MST em favor da

    Agrecologia so destacveis em relao aos demais MSTs dos estados brasileiros.

    Que elementos poltico-organizativos permitem este protagonismo? Ser que est

    31

  • se desenvolvendo no Paran uma Reforma Agrria Agroecolgica?

    7) Quais so os desafios colocados na prtica? Enquanto discurso,

    nos parece que a proposta agroecolgica tem sim viabilidade social, econmica e

    ambiental. Mas, estariam dispostos os camponeses assentados a assumir realmente

    este modelo?

    8) Ao longo dos ltimos 20 anos, outras propostas organizativas foram

    propugnadas pelo Movimento como revolucionrias e libertrias, sobretudo quando

    se discutiu a cooperativizao dos assentados. Em que medida a Agroecologia (no)

    redundaria nos mesmos erros do passado?

    9) Se o capital em suas vrias fraes impe um conjunto de lgicas

    de dominao aos produtores do campo, determinando o desencadeamento dos

    processos de excluso, empobrecimento e de dominao, afetando principalmente

    os pequenos agricultores, quais so as perspectivas de resistncia e de

    contraposio de foras dos camponeses assentados ao capital? A Agroecologia

    uma ferramenta de luta contra o capital?

    Para compreender o processo de difuso da Agroecologia pelo MST e

    procurar respostas a este conjunto de questionamentos, inicialmente procuramos

    coletar informaes sobre o processo de desenvolvimento da Agroecologia pelo

    MST do Paran (MST/PR), com o recolhimento de informaes na Secretaria

    Estadual do MST em Curitiba.

    Depois, foram realizados diversos trabalhos de campo, visitas a

    assentamentos e acampamentos localizados em diferentes municpios e regies do

    Estado do Paran (Norte, Noroeste, Oeste, Sudoeste, Litoral, Campos Gerais e

    Regio Metropolitana de Curitiba), para conhecer as iniciativas organizadas e

    gestadas pelo MST no mbito da Agroecologia.

    importante destacar que os trabalhos de campo ocorreram em diferentes

    momentos nos ltimos 4 anos, porm, foram concentrados entre os anos de 2007 e

    2008. Estas atividades de pesquisa tiveram como objetivos coletar informaes,

    realizar observaes, fotografar experincias e gravar depoimentos de diferentes

    pessoas que se envolviam direta e indiretamente com expresses do projeto

    agroecolgico do MST, fosse em acampamentos, assentamentos, centros de

    pesquisa e formao e escolas.

    32

  • Nos centros de formao e cursos oferecidos pelos sem terra, procuramos

    recolher dados e informaes sobre os mesmos, para definir qual o perfil

    educacional e a dimenso poltica posta, analisar qual a dinmica de insero dos

    educandos nos assentamentos e no MST, os problemas estruturais, os acordos

    institucionais que permitem seu funcionamento, as organizaes de apoio, alm de

    procurar em assentamentos, educandos j formados que tem insero na base

    trabalhando na assistncia tcnica.

    Compreendendo que h um conjunto de agentes e um conjunto de

    informaes importantes para qualificar a pesquisa, mas que tambm, dificilmente

    poderamos compreender o objeto de estudo em sua totalidade e complexidade,

    procuramos desenvolver uma pesquisa qualitativa, elegendo um conjunto de

    pessoas que fossem representativas nos acampamentos, assentamentos, em seus

    movimentos, ONGs, instituies e empresas, a fim de realizar coleta de informaes

    e realizar entrevistas semi-estruturadas.

    Assim, foram entrevistados assentados, acampados e lideranas,

    estudantes e educadores dos cursos de formao, pessoas que participaram

    eventos pelo MST nos ltimos 7 anos, representantes de organizaes de apoio

    (geralmente ONGS), educandos j formados e que trabalham em assentamentos,

    agentes pblicos de extenso rural (INCRA Instituto Nacional de Colonizao e

    Reforma Agrria, EMATER Empresa de Assistncia Tcnica e Extenso Rural).

    Tambm ocorreram entrevistas com consumidores, gestores de polticas

    pblicas de programas institucionais (Compra de Alimentos da CONAB

    Companhia Brasileira de Armazns), enfim, diferentes sujeitos que trabalham direta

    e indiretamente para o desenvolvimento da Agroecologia em assentamentos e

    acampamentos.

    Como contraponto, j que a Agroecologia no o padro tcnico-produtivo-

    organizacional presente na maioria dos assentamentos rurais paranaenses,

    procuramos tambm coletar informaes e depoimentos de assentados que no

    aceitaram desenvolver a Agroecologia em seus lotes, assentados que iniciaram o

    processo de desenvolvimento da Agroecologia, mas que desistiram da proposta, e

    de assentados que no aderiram proposta mas que esto em vias de se agregar

    aos queles que desenvolvem tal matriz produtiva.

    Neste caso, abordamos comerciantes, gestores de cooperativas que no

    so do MST, atravessadores e arrendatrios que financiam e compram a produo

    33

  • proveniente dos assentamentos rurais, mas que tm relao direta com a

    manuteno de sistemas produtivos baseados no padro

    qumico/industrial/transgnico.

    As inseres na realidade local de acampamentos e assentamentos, como

    tambm, a participao de diferentes atividades propostas e gestadas pelo MST,

    ocorreram em diferentes momentos ao longo dos ltimos 8 anos.

    Devemos destacar, que em muitos casos estvamos presentes como

    agentes formadores de opinio, quando participei na condio de educador em

    cursos coordenados pelo MST, sobretudo na Escola Milton Santos.

    Em outros momentos, participei como agente receptor da formao, pois me

    encontrava na condio poltica e social dos demais assentados, quando todos

    assistamos s Jornadas de Agroecologia ou travvamos debates em reunies

    realizadas em diferentes lugares (acampamentos, assentamentos, assembleias,

    encontros).

    Esta insero no MST do Paran permitiu, j no doutorado, uma grande

    possibilidade de mergulhar no universo de pesquisa, reestabelecer contatos,

    ampliar o leque de contatos e relacionamentos, amplamente necessrios para

    qualificar o estudo.

    Referenciados em diferentes autores que discutem o desenvolvimento da

    agricultura (ABRAMOVAY, 1992; ALTIERI, 2004; AMIN e VERGOPOULOS, 1986,

    BROWNM, 1969; BRUM, 1988; CAPORAL e COSTABEBER, 2002; CAPORAL e

    COSTABEBER, 2006; CARVALHO, 2001; CHAYANOV, 1974; ENGELS, 1981;

    GLIESSMAN, 2001; GRAZIANO DA SILVA, 1982; GORENDER, 1994; MARTIE,

    1987; MARTINS, 1994; MAZYER e ROUDART, 1997; OLIVEIRA, 2003; OLIVEIRA,

    2001; PAULUS, 1999; THOMAZ JUNIOR, 2007a; VEIGA, 1991) procuramos

    compreender em que medida h um jogo escalar que contrape os diferentes

    agentes (produtores rurais, Estado e empresas privadas) envolvidos nas dinmicas

    agrrias.

    Confrontando o conjunto de leituras realizadas (teorizao), com os

    elementos encontrados na realidades dos assentamentos e acampamentos,

    procuramos dissociar, no processo histrico, o movimento de dominao do capital e

    o movimento de construo de mecanismos de autonomia e de superao ao capital

    gestados pelos trabalhadores.

    34

  • Assim, esta tese se apresenta como uma interpretao desta dinmica,

    focando a anlise da participao do MST no desenvolvimento da Agroecologia,

    uma pequena dimenso, porm, uma rica experincia de construo de alternativas

    ao sistema metablico do capital.

    O documento est dividido em 4 captulos.

    No primeiro captulo, baseado na leitura de autores clssicos e

    contemporneos, procuramos discutir a natureza e a lgica de dominao do

    capitalismo no campo, fazendo uma discusso sobre o desenvolvimento tcnico-

    cientfico, a ao do Estado e seus impactos sobre os agricultores, a agricultura e a

    sociedade.

    No segundo captulo, destacamos as diferenas tcnico-produtivas entre as

    diversas expresses das chamadas agriculturas alternativas ou agriculturas de

    base ecolgica, destacando o duplo sentido que envolve estas prticas a

    contraposio lgica industrial presente na agricultura da Revoluo Verde e

    Agrobiotecnolgica, e o reforo ao capital, pelo vis do Agroeconegcio.

    No terceiro captulo, procuramos compreender como o Movimento (MST) se

    institucionalizou como uma das principais representaes de luta pela Reforma

    Agrria, revelando os projetos polticos, organizativos e econmicos criados para

    mediar a luta e a resistncia dos assentados, destacando as travagens e os

    avanos do projeto de cooperativizao, mas procurando destacar a nova

    roupagem do projeto de emancipao do campesinato tocado pelo MST: a

    construo da proposta de desenvolvimento dos assentamentos rurais atravs da

    Agroecologia.

    Em nosso entendimento, a dominao do capitalismo no campo tem se

    ampliado e colocado novos desafios aos trabalhadores, revelando cada vez mais um

    sistema de dominao que freia a dinmica de emancipao do campesinato,

    mesmo aqueles que partilham desta condio pela via do assentamento rural.

    Neste captulo, a Agroecologia foi focada a partir das fundamentaes

    tericas com base em diferentes autores, destacando sua proposio como uma

    interpretao terica e metodolgica da agricultura, visando uma reestruturao que

    coloca a centralidade do campesinato no processo produtivo, mas nega um padro

    agrcola (base da produo) e alimentar (esfera da distribuio, consumo)

    excludente como o mercado de produtos orgnicos, em defesa de uma

    reorientao organizativa da agricultura que priorize a soberania alimentar, a

    35

  • sustentabilidade da produo, a Reforma Agrria e uma outra relao entre

    sociedade e natureza, entre produtores e consumidores.

    No quarto e ltimo captulo, destacou-se o Estado do Paran, sobretudo pela

    diversidade de aes conduzidas pelo MST, que tem atuado com bastante nfase

    na construo de seu projeto agroecolgico nos assentamentos paranaenses.

    Entre as diversas iniciativas, destacamos os encontros e os cursos de

    formao, os centros de pesquisa, fruns de debate e formao poltica (Jornadas

    de Agroecologia), os assentamentos e os lotes agroecolgicos, a produo

    agroecolgica, os bancos de sementes, oficinas, palestras, parcerias e projetos

    locais, enfim, uma diversidade de situaes que revelam o protagonismo dos sem

    terra do MST do Paran (MST/PR) em relao a outros Estados da Federao.

    neste captulo que evidenciamos os avanos e as travagens do MST na

    construo da Agroecologia como uma ferramenta da luta na terra nos

    assentamentos paranaenses.

    36

  • CAPTULO 1

    A TRAMA ESPACIAL E O PROCESSO DE DOMINAO DO CAPITALISMO NO CAMPO

  • 1.1 A LGICA DE DESENVOLVIMENTO DO CAPITALISMO NA AGRICULTURA

    A agricultura capitalista surgiu em decorrncia da crise vivenciada na

    sociedade feudal europeia. O aumento da produo de excedentes e a eliminao

    das reas comunais de pastagens nativas pela apropriao privada, como tambm,

    as diversas manifestaes de ascenso econmica e poltica da burguesia geraram

    um estado de crise que produziu um lento e gradual processo de transio do

    sistema econmico e que, entre os sculos XVI e XIX, resultou no desenvolvimento

    do capitalismo, provocando, conseqentemente, novas e intensas mudanas no

    campo.

    Na literatura mundial, uma interpretao terica fundamental deste processo

    foi realizada por Marx (1989b), quando este discorreu sobre o feudalismo, o

    campesinato, o capitalismo e a agricultura, afirmando que:

    A indstria moderna atua na agricultura mais revolucionariamente que em qualquer outro setor, ao destruir o baluarte da velha sociedade, o campons, substituindo-o pelo trabalhador assalariado. A necessidade de transformao social e a oposio de classes no campo so assim equiparadas s da cidade. Os mtodos rotineiros e irracionais da agricultura so substitudos pela aplicao consciente, tecnolgica da cincia. (MARX, 1989b, p. 577-578).

    Para Marx (1989b, p. 578), a agricultura capitalista se desenvolveu pela

    explorao ampliada tanto da fora de trabalho, quanto das potencialidades naturais

    do solo em produzir alimentos e matrias-primas. Assim, vislumbrando a dupla

    irracionalidade do processo de explorao, sentenciou: [...] todo aumento da

    fertilidade da terra num tempo significa esgotamento mais rpido das fontes

    duradoura dessa fertilidade,

    Marx, ao teorizar sobre as leis que regiam o movimento e o desenvolvimento

    do capitalismo em seu tempo, revelou como a agricultura da Europa Ocidental se

    transformava, sobretudo pela emergncia de um processo dual de mudanas nas

    relaes de produo envolvendo o campesinato.

    Essa dualidade se apresentava: a) via processo de liberao da mo-de-

    obra, ou desterreamento dos camponeses, cujo destino era o trabalho nas

    manufaturas urbanas e a formao do exrcito industrial de reserva e; b)

    subordinao ao mercado dos camponeses que continuavam resistindo no campo.

    38

  • A tese central do pensamento de Marx (1983b) era de que a gerao da

    riqueza nas sociedades emanava do trabalho: a ao racional do homem sobre os

    elementos da natureza. Para Marx (1983b), desde os primrdios da civilizao, o

    processo do trabalho se destinava a um fim: a criao de valores de uso, a

    propriedade que os objetos contm de satisfazer as necessidades humanas de

    qualquer natureza (fsica, psquica, emocional, orgnica, etc), ou seja, trabalho

    concreto.

    Para o autor (MARX, 1983b), a relao dos camponeses com a terra e com

    o artesanato rural lhes permitia um rol de possibilidades de transformao da

    natureza em produtos destinados, primeiramente, ao consumo da unidade familiar

    de produo (homens, mulheres, crianas, agregados e animais). Na hiptese da

    necessidade de algo mais que no podia ser produzido nessa unidade familiar, pela

    troca ou mesmo pela venda, os camponeses obtinham o bem desejado junto a

    outros camponeses ou mesmo nas vilas, que estipulavam um sistema de trocas nas

    feiras, mas que preservavam nestas negociaes o carter social de trabalhar para

    sanar as necessidades de consumo e de vida.

    Ao analisar estas relaes, Marx (1983a) concebeu a existncia de valores

    de uso expressos nos produtos que eram trocados, pois para os sujeitos trocarem

    entre si um saco de trigo por um sapato e um frango, mesmo que houvesse um

    mediador comum, no caso, o dinheiro, a ao visava obter valores de uso.

    Como valores de uso, as mercadorias so, antes de mais nada, de diferentes qualidades, como valores de troca s podem ser de quantidades diferentes, no contendo, portanto, nenhum tomo de valor de uso (MARX, 1983a, p. 47).

    Mesmo no caso da circulao do produto, trocava-se trabalho concreto por

    trabalho concreto, porque o trabalho era entendido como um fim em si mesmo, e os

    negociadores camponeses na maioria eram iguais.

    Antonello (2001), discorrendo sobre as especificidades do pensamento

    marxiano sobre trabalho e campesinato, evidenciou que o principal impacto do

    avano das relaes capitalistas de produo no campo e sobre o campesinato foi a

    mutao do trabalho concreto do campons em trabalho abstrato, transformao

    que cristalizou [...] a deformao da atividade humana como trabalho concreto e

    prescreve a satisfao bsica do homem, a partir da venda da nica mercadoria que

    39

  • lhe pertence: a sua fora de trabalho. (ANTONELLO, 2001, p. 24).

    Para Antonello (2001), reproduzindo de forma ampliada este mecanismo, o

    capital se difundiu como um sistema de acumulao da riqueza extrada do trabalho

    abstrato (trabalho assalariado), cujo fim visa a produo de valores de uso

    (mercadorias) que so portadores de valores de troca (valor monetrio que cobre o

    gasto com as matrias-primas, com a fora de trabalho), que na circulao no

    mercado cristaliza o processo de acumulao do sobre-trabalho (uma forma de

    mais-valia), o que conduz acumulao e reproduo ampliada do capital.

    Dinamicamente, Antonello (2001) compreendeu que a acelerao do

    processo de mutao do campesinato decorreu da maior insero dos camponeses

    no mercado. Neste lugar comum, e abandonando o circuito simples de circulao

    de mercadoria representado pela vizinhana das glebas e da aldeia, duas novas

    foras se impuseram sobre os camponeses e modificaram sua possibilidade de

    existncia social.

    A primeira fora foi a concorrncia da produo da grande propriedade

    capitalista que, organizada em torno de uma racionalidade produtiva superior,

    produzia mais. Tal processo contribua para rebaixar o preo mdio dos produtos

    agrcolas. Desta forma, capitalizados, os grandes proprietrios resistiam com mais

    facilidade aos longos perodos de crise econmica.

    A segunda fora situava-se no nvel das relaes de dependncia

    estruturadas em favor do capital comercial e industrial, cujas aes na

    monopolizao dos circuitos de comercializao e do processamento agroindustrial,

    ditando os preos pagos aos produtores, drenavam parte da riqueza gerada pelo

    trabalho no campo, fato este responsvel pelo empobrecimento dos camponeses.

    Para Antonello (2001), paulatinamente, a conjugao dessas duas foras

    minou a resistncia histrica dos camponeses e acelerou sua proletarizao parcial

    (trabalho acessrio) ou efetiva, atravs do desterreamento. queles que resistiram a

    estes processos de excluso e submisso, a alternativa histrica possvel consistiu

    na especializao produtiva em um ramo da produo agropecuria, portanto, no

    mais ligada somente satisfao das necessidades da unidade familiar de

    produo, mas sim, submetendo a unidade familiar de produo lgica de compra

    e venda do capital comercial para colocar os produtos no mercado, relaes que

    contriburam para expandir a misria no campo por intermdio da diminuio da

    renda familiar e do aumento da jornada de trabalho dos membros da famlia (auto e

    40

  • super explorao do trabalho).

    Assim, o processo de desenvolvimento capitalista lentamente se sobreps

    aos indivduos, ditando-lhes, atravs de um domnio social, econmico e cultural,

    novas formas de produzir, de comercializar, enfim, reestruturando as formas de

    relacionamento do homem com a terra e dos homens entre si.

    Nesse sentido, revelador entender como se desenvolveu, desde ento, um

    dos pilares de sustentao das relaes capitalistas de produo no campo: o

    circuito de gerao, extrao e acumulao da renda da terra.

    Segundo Marx (1985), a agricultura um setor especfico da economia,

    possui particularidades no circuito de gerao de riqueza e complementa o processo

    de estruturao do capitalismo.

    Dessa maneira, a extrao da renda da terra o elemento diferencial para

    se entender o capitalismo neste espao produtivo. Por um lado, os proprietrios de

    terra camponeses, alm de mdios e grades proprietrios, transferiam a renda da

    terra aos capitalistas comerciais e industriais na circulao da mercadoria agrcola.

    Por outro, sobre os produtores rurais no-proprietrios, incorporados ao processo

    produtivo agrcola na condio de arrendatrios, parceiros, meeiros e demais formas

    de aluguel da terra agrcola, o impacto da renda da terra era ainda maior, pois alm

    de pag-la na circulao da mercadoria, pagavam renda aos capitalistas

    proprietrios j no incio do processo de produo.

    A extrao da renda da terra pelo capitalista que arrenda ao campons uma

    parcela rural decorre da propriedade privada do solo. Marx (1985) apresentou trs

    variaes possveis de extrao de renda nesta relao social. Na primeira, o

    processo de extrao da renda da terra surge na forma de renda em trabalho, uma

    relao na qual o produtor, para ter acesso a uma gleba de terras do proprietrio

    fundirio, tem que trabalhar uma parte da semana manualmente ou com

    instrumentos de trabalho (arado, bois, etc.) que lhe pertencem de fato ou de direito,

    cultivando outra rea de solo sob o domnio do proprietrio fundirio, sem, no

    entanto, receber qualquer remunerao por isso. No segundo caso, a renda em

    produtos, quando o acesso a terra mediado pelo repasse de uma parte da

    produo do campons ao proprietrio fundirio, que acumula dinheiro sem

    mobilizar foras e recursos prprios para tornar a terra produtiva. E, em terceiro, a

    renda em dinheiro, quando o acesso a terra feito com o pagamento prvio de um

    valor em dinheiro, ou, no caso da parceria, quando h uma diviso dos custos

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  • (insumos, capital de giro, etc.) entre o proprietrio do solo e o indivduo que vai

    cultiv-lo. Neste caso,

    Por um lado, o rendeiro, quer ele empregue trabalho prprio ou alheio, tem direito a uma parte do produto, no em sua qualidade de trabalhador, mas como possuidor de uma parte dos instrumentos de trabalho, como seu prprio capitalista, Por outro lado, o proprietrio de terra reivindica sua parte no exclusivamente devido a sua propriedade do solo, mas tambm como prestamista de capital. (MARX, 1985, p. 259).

    Em seu modelo terico, Marx (1985) apontou que uma tendncia geral do

    sistema capitalista seria a eliminao do campesinato, e em razo deste fato,

    somente a grande propriedade poderia resistir, uma vez que o grande proprietrio

    possuiria maior possibilidade de investimento de capitais e conduziria de maneira

    mais racional o processo produtivo, fatores que condicionariam aos grandes

    proprietrios mecanismos de maior resistncia e at de controle (investimento em

    agroindstrias), amenizando a extrao da renda da terra em favor de outros

    segmentos do capital.

    Nessa conjuntura, Marx (1985) destacou que a opo de sobrevivncia com

    dignidade do campesinato no modo de produo capitalista estaria situada fora da

    agricultura, deixando de ser camponeses e passando a viver no campo ou na cidade

    como assalariados. Alm disso, baseado em seus estudos, o autor revelava que, em

    vista do empobrecimento dos camponeses, as unidades familiares de produo

    eram consideradas uma barbrie, nas quais a conteno do nvel de consumo e o

    trabalho excedente em ritmo crescente predominavam.

    As anlises produzidas por Marx (1985) tiveram como foco as

    especificidades do desenvolvimento do capitalismo na Inglaterra e boa parte de suas

    observaes e exemplos focaram a classe operria e o campesinato na indstria e

    na agricultura inglesa, onde se difundiu o arrendamento de terras.

    Marx (1985) partiu do pressuposto de que para se entender as leis gerais de

    um dado fenmeno, o cientista devia estud-lo em que ponto ele se manifestava de

    forma superior e complexa. O paradoxo desta metodologia que no perodo

    histrico que Marx (1985) produziu sua anlise poltico-econmica, contribuindo para

    o entendimento da questo agrria e camponesa, o objeto de estudo apresentava

    especificidades mpares nas diversas regies e at pases da Europa, pois

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  • Na Frana, dominava a parcelarizao da propriedade; na Alemanha, nas regies industriais, prevaleciam as propriedades camponesas, que se transformaram cada vez mais em produtoras para o mercado, ao passo que a Prssia era caracterizada pela presena dos Juncker, os proprietrios de mdia grandeza; nas vastas extenses de terreno cultivvel da Espanha e da monarquia austro-hngaro, reinavam os latifndios semifeudais; a mesma situao existia na Rssia, onde, porm, subsistiam ainda, vitais, as comunidades de aldeia (miry e obsciny). Acrescente-se a isto que, naquela poca, a estatstica agrcola se achava ainda em condies lamentveis e era particularmente difcil o trabalho para o estudioso que, em tal situao, quisesse indicar uma tendncia universalmente vlida. (HEGEDS, 1984, p. 154, grifos do autor).

    Uma importante discusso iniciada por Marx (1983a) dizia respeito

    reconhecida falta de participao poltica dos camponeses, j que acusava os

    camponeses de politicamente isolados, sujeitos de relaes sociais pobres, massa

    de manobra na mo dos seus prprios inimigos a burguesia latifundiria,

    constituindo um verdadeiro saco de batatas (MARX, 1997).