Tese Agroecologia NoCampesinato, resistência e emancipação: o modelo agroecológico adotado pelo...
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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA JLIO DE MESQUITA FILHO FACULDADE DE CINCIAS E TECNOLOGIA
CAMPUS DE PRESIDENTE PRUDENTE
CAMPESINATO, RESISTNCIA E EMANCIPAO: O MODELO AGROECOLGICO ADOTADO PELO
MST NO ESTADO DO PARAN
SRGIO GONALVES
ORIENTADOR: PROF. DR. ANTONIO THOMAZ JNIOR Tese de Doutorado elaborada junto ao Programa de Ps-Graduao em Geografia, para a obteno do grau de Doutor em Geografia. rea de Concentrao: Desenvolvimento Regional e Planejamento Ambiental. Linha de Pesquisa: Estudos Agrrios.
PRESIDENTE PRUDENTE 2008
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TERMO DE APROVAO
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DEDICATRIA
AOS TRABALHADORES RURAIS ASSENTADOS PELA LUTA NA TERA E O ESFORO PARA
CONSTRUIR UM PADRO DE DESENVOLVIMENTO AGRCOLA SUSTENTVEL, ECOLGICO E
COM RELAES SOCIAIS PARTICIPATIVAS AO GRANDE AMOR DA MINHA VIDA
PELA LONGA ESPERA ... MAS OS DIAS DE SOLIDO HO DE ACABAR
TE AMO!
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AGRADECIMENTOS
Ao grande mestre Prof. Dr. Antonio Thomaz Jnior, que topou a empreita
de me orientar e, apesar dos reveses, da minha ausncia, das minhas fugas,
teimosia e at em alguns casos, falta de compromisso, no mediu esforos para
que a Tese fosse finalizada.
Prof. Dr Rosangela Espanhol e ao Prof. Dr. Antonio Luiz Barone pelas
discusses e o debate na fase da qualificao.
Aos professores Dr. Jorge Ramon Montenegro Gmez, Prof. Dr. Raul
Borges Guimares, Dr. Antonio Luiz Barone e Prof. Dr Valria de Marcos pela
riqueza do debate e pelas consideraes na banca de Defesa da Tese.
Aos funcionrios da Ps Graduao em Geografia, pelo compromisso e
ateno prestados ao longo destes 4 anos.
Aos meus companheiros do CEGEo Curso Especial de Graduao em
Geografia para Assentados da Reforma Agrria. Avante! Faamos da Geografia
ferramenta de luta na Reforma Agrria.
Aos companheiros da (ex) Mellen Isaac 96, Fernando, Nizete, Neto,
Camila, Luizo, Mariana, Nai, Me e Jnio, alm dos agregados que por l
passaram para tomar uma breja, tocar um samba, danar quadrilha e pular
carnaval, discutir Geografia, fazer loucuras ou simplesmente curtir a vida.
Aprendi com vocs que o sentido da vida viver.
Aos amigos da Ps, Sobreira, Jnio, Elaine Ccero, Gisa Garcia,
Edmilson e Denise: pelas palavras de incentivo. Eu bem queria desistir de tudo,
mas os conselhos, os toques, o reconhecimento, enfim, as palavras de carinho
me fizeram meter a cara, escrever e, a est o resultado. por vocs amigos,
que pesquisei, li, refleti, escrevi, enfim, produzi a tese.
Aos assentados da Reforma Agrria paranaense, que me receberam em
suas casas, que repartiram a sua comida, que compartilharam os seus
conhecimentos, que me concederam depoimentos sobre suas realidades.
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Aos militantes do MST, das escolas, dos assentamentos, das
Secretarias e Brigadas, pelo apoio logstico, depoimentos, acolhida,
alimentao.
Aos camaradas do Departamento de Geografia da UNICENTRO de Irati,
pela sada para fazer as correrias do doutorado no meio da semana de
geografia. Ao Roberto e ao Almir, pelas conversas no boteco em casa...por qu
ser que geo se aprende e se faz no bar?
Aos meus alunos do 1 ano de Geografia 2008, Bola, Rafael e Mariana,
pelo trabalho de transcrio de depoimentos. Valeu mesmo!!!
Ao maluco, companheiro e grande amigo Sapato (Cleverson Nunes),
que largou a faculdade por 11 dias, e encarou a empreita de sair por a, rodar o
Paran de Leste a Oeste, de Norte a Sul, dirigindo por mais de 3.500
kilmetros. Como sempre, me diverti muito com as trapalhadas, com as
histrias. Cara, se no fosse voc, esta
Tese nunca seria concluda. Te devo esta.
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RESUMO. Nos ltimos 50 anos, o desenvolvimento do modo de produo capitalista impactou de vrias formas o campo brasileiro. Devido s polticas pblicas de fomento agrcola, ampliou-se a produo de commodities e configurou-se o padro tcnico e organizacional da Revoluo Verde e da Agrobiotecnologia. Amplamente interconectado com a economia internacionalizada, o capital provocou transformaes sociais, econmicas, polticas, tcnicas e ambientais em nosso meio rural e em nossa agricultura, gerando graves impactos ambientais, econmicos e sociais. Lutando contra a excluso social, parte dos camponeses brasileiros tem moldado mecanismos de resistncia. No ltimo quarto de sculo, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) tem mobilizado uma grande quantidade de trabalhadores tanto na luta pela terra (a luta contra o capital fundirio ou a luta para entrar na terra), mas tambm organiza a luta na terra, que a luta para resistir na terra de trabalho e amealhar a maior parcela das riquezas produzidas no campo, portanto, uma luta contra o capital agrocomercial e agroindustrial e suas demais fraes. O grande trunfo poltico que mobiliza o MST a negao do padro de desenvolvimento agrcola existente no Pas, colocando em evidncia a necessidade da preservao e reconstruo da agricultura camponesa pela via da Reforma Agrria, alm de propor formas de gesto e participao do campesinato em sistemas cooperativizados e tambm sistemas agroecolgicos de produo. No caso da Agroecologia, este um debate recente, cujo objetivo a construo de um conjunto de prticas produtivas e um conjunto de prticas de comercializao da produo, que se baseiam em princpios como a sustentabilidade ecolgica da produo, a produtividade, a equidade, a sade ambiental, a justia social, a viabilidade econmica, baseada na agricultura familiar e camponesa e na interao entre produtores e consumidores. Estruturalmente, consolidar a Agroecologia nos assentamentos rurais e acampamentos requer constituir sistemas produtivos que diminuam a dependncia de produtores e consumidores em relao s empresas que dominam a agricultura, contribuindo assim para a formao do que os movimentos chamam de Soberania Alimentar. Esta Tese trata destas questes, colocando em evidncia os processos, os avanos e os retrocessos do MST na construo e territorializao da Agroecologia nos assentamentos do Estado do Paran. PALAVRAS CHAVE: Assentamentos Rurais; Agroecologia; Luta na Terra; MST.
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RESUMEN. En los ltimos 50 aos, el desarrollo del modo de produccin capitalista ha afectado de muchas maneras el campo brasileiro. Debido a las polticas pblicas para promover la agricultura, ampliar la produccin de productos bsicos y establecer el modelo de organizacin y tcnica de la "Revolucin Verde" y Agrobiotecnologia. Ampliamente interconectados con la economa internacionalizada, el capital ha provocado cambios sociales, econmicos, polticos, tcnicos y ambientales en nuestras zonas rurales y en nuestra agricultura, generando graves impactos ambientales, econmicos y sociales. Luchando contra la exclusin social, parte de los campesinos brasileos han dado forma a diversificados mecanismos de resistencia. En el ltimo cuarto de siglo, el Movimiento de los Trabajadores Rurales Sin Tierra (MST) ha movilizado a un gran nmero de trabajadores tanto en la lucha por la tierra (la lucha contra os terratenientes o la lucha para conquistar la tierra), sino tambin en la organizacin de la lucha en la tierra, que es la lucha por resistir en la tierra de trabajo y controlar el mayor parte de la riqueza producida en el campo. Por lo tanto, una lucha contra el capital aerocomercial, agroindustrial y dems fracciones del agronegcio. El gran activo poltico que hace el MST es la negacin del modelo de desarrollo agrcola en el pas, poniendo en la necesidad de la preservacin y la reconstruccin de la agricultura campesina a travs de la Reforma Agraria, y proponer formas de gestin y participacin del campesinado en los sistemas cooperativizados y tambin los sistemas agroecolgicos de produccin. En el caso de la Agroecologa, se trata de un reciente debate, cuyo objetivo es construir un conjunto de prcticas productivas y un conjunto de prcticas de comercializacin de la produccin, basado en principios como la sostenibilidad ecolgica de la produccin, la productividad, la equidad, salud ambiental, la justicia social, la viabilidad econmica, sobre la base de la agricultura familiar y campesina, en ly a interaccin entre productores y consumidores. Estructuralmente, la consolidacin de Agroecologa en los asentamientos rurales y los campamentos requiere construir sistemas productivos para reducir la dependencia de los productores y consumidores respecto a las empresas que dominan la agricultura, contribuyendo para a formacin del movimiento llamado "Soberana Alimentaria". En esta Tesis Doctoral, se abordan estas cuestiones, poniendo de relieve los procesos, avances y retrocesos del MST en la construccin y la territorializacin de la Agroecologa en los asentamientos en el Estado de Paran- Brasil. PALABRAS CLAVE: Asentamientos Rurales; Agroecologa; Lucha en la Tierra; MST.
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LISTA DE FIGURAS
Figura 1 Paran Localizao dos Assentamentos Rurais e das Iniciativas no
mbito da Agroecologia gestados pelo MST, 2008............................. 30Figura 2 Crescimento da rea Global das Lavouras GM, em milhes de
hectares, 1995-2006............................................................................. 79Figura 3 Selo de Certificao Participativa da Rede Ecovida............................. 143Figura 4 Ramos cientficos e contribuies tericas para o desenvolvimento
da Agroecologia.................................................................................... 154Figura 5 Elementos norteadores para a construo da Agroecologia................ 155Figura 6 Municpios Brasileiros onde ocorreram as ocupaes de terras no
perodo 1978 2007............................................................................. 168Figura 7 Brasil Nmero de Ocupaes e Nmero de Assentamentos
realizados entre 1985 e 2007............................................................... 171Figura 8 Brasil Nmero de Famlias em Ocupaes e Nmero de Famlias
Assentadas entre 1985 e 2007............................................................. 172Figura 9 Modelo Tradicional de Organizao do MST nos Estados................... 206Figura 10 Brigada Modelo de Organizao e de Gesto Territorial do MST no
Paran................................................................................................. 211Figura 11 Encontro da Coordenao Estadual do MST do Paran ITEPA,
municpio de So Miguel do Iguau...................................................... 213Figura 12 Brigadas e Rede de Gesto Territorial do MST no Estado do Paran,
2008..................................................................................................... 222Figura 13 Copavi Secador Solar para processar frutas passa..........................
225
Figura 14 Vista parcial da entrada da Fazenda da Syngenta Seeds em Santa Tereza do Oeste/PR, onde se v esquerda militantes do MST e no primeiro plano uma faixa de protesto contra as multinacionais da agrobiotecnologia Syngenta e Monsanto............................................ 231
Figura 15 Ocupao do MST na fazenda da Syngenta Seeds em Santa Tereza do Oeste/PR......................................................................................... 232
Figura 16 7 Jornada de Agroecologia - Marcha pelas ruas de Cascavel/PR...... 233Figura 17 7 Jornada de Agroecologia detalhe da camiseta usada por
membros do MST................................................................................. 234Figura 18 Plenria da 7 Jornada de
Agroecologia......................................................................................... 235Figura 19 7 Jornada de Agroecologia oficinas temticas................................ 237Figura 20 Prdio construdo no ITEPA com recursos de convnio com a Itaipu
Binancional para alojar educandos e educadores dos cursos de Agroecologia......................................................................................... 242
Figura 21 Banco de Sementes Crioulas do ITEPA. O galpo e os equipamentos apresentados na imagem foram comprados com recursos alocados pela Itaipu Binancional........................................... 243
Figura 22 Na foto, o Governador do Paran, Roberto Requio, assina documento que cria a ELAA Escola Latino Americana de Agroecologia. Do lado direito da imagem, o representante da Universidade Federal do Paran. Do lado esquerdo, o representante do Governo Bolivariano da Venezuela. No centro e atrs do Governador, o Ministro do MDA, Miguel Rosseto........................................................................................ 244
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LISTA DE FIGURAS
Figura 23 Copavi Produo Agroecolgica de Leite. Na foto, direita vemos o antigo galpo onde o gado era criado estritamente com rao servida no cocho. Ao fundo, gado criado a pasto, no sistema Voison (piqueteamento).................................................................................... 253
Figura 24 Copavi Produo Agroecolgica de Hortalias. Na foto, vemos no primeiro plano um monte de composto utilizado na adubao do solo. No centro, produo de diferentes hortalias. No fundo da imagem, temos os quebra-ventos de capim Napier, que tem a funo de proteger o sistema produtivo da entrada de insetos que transmitem doenas ou mesmo se alimentam de folhas das plantas.................................................................................................. 254
Figura 25 Os derivados da cana-de-acar so a principal fonte de recursos da Copavi, que tem exportado parte da produo de cachaa para Alemanha e Espanha........................................................................... 256
Figura 26 Reunio da Coordenao do Assentamento Ander Rodolfo Henrique. A Coordenao um coletivo que responde politicamente pelas decises no assentamento, e conta com representantes escolhidos nos Ncleos de Base locais. 261
Figura 27 Assentamento Antnio Companheiro Tavares. Lavoura de trigo produzida no sistema convencional. Muitos produtores estabelecem parcerias com a Lar para desenvolver esta atividade em seus lotes. Na foto, a casa do produtor est no lado direito. Atravessando o lote, vemos as linhas de transmisso de energia da hidreltrica de Itaipu........................................................... 266
Figura 28 Assentamento Antnio Companheiro Tavares. Caminho com 15 toneladas de milho colhidas em um dos lotes do assentamento Antnio Companheiro Tavares. Na imagem, o senhor esquerda o dono da carga................................................. 267
Figura 29 Assentamento Antnio Companheiro Tavares. Na foto, o produtor mostra a semente crioula do milho guardada em recipiente vedado e com adio de cinzas para a proteo contra caruncho....................................................................................... 270
Figura 30 Assentamento Contestado. Horta de dois vizinhos que trabalham em conjunto na produo de repolho, cebolinha, ervilhas, cenoura e couve. Alm da produo associada, os produtores desenvolvem individualmente o cultivo de batata-doce, mandioca, abbora, batata Yacon, e cebola. Porm, todos os produtos so comercializados de forma coletiva, atravs da Associao Contestado..................................................................................... 275
Figura 31 Assentamento Contestado. Produtor aparece em meio a um cultivo de inverno, onde foram plantados em conjunto centeio, ervilhaca e aveia. Alm de proteger o solo da ao da chuva, a diversidade de plantas dinamiza o agroecossistema e no momento de sua incorporao, fertilizar o solo para a cultura de vero............................................................................................. 279
Figura 32 Assentamento Contestado. Mandala sistema de produo agroecolgico integrado............................................................................................... 280
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LISTA DE TABELAS
Tabela 1 Cultivo Global de OGMs, 1996 2005 (milhes de hectares,
segundo o Pas)....................................................................................
80
Tabela 2 Culturas Transgnicas - poro da rea cultivada em relao ao total da rea cultivada (%) com Soja, Milho, Algodo e Canola, por Pas em 2005................................................................................................ 83
Tabela 3 Biotecnologia - Ranking Mundial dos Recursos Empresariais Aplicados em P & D, 2004.................................................................... 88
Tabela 4 Ranking de solicitaes de Patentes Tecnolgicas e biotecnolgicas dados de Pases e Empresas, 2004.................................................. 89
Tabela 5 Participao Mundial das Multinacionais na Indstria Farmacutica, Medicina Veterinria e Sementes 2004............................................... 92
Tabela 6 Ranking Global das Empresas de Produo/Comercializao/ Agroindustrializao/Distribuio de Alimentos e Bebidas e Supermercados, 2004........ ..................................................................
94
Tabela 7 Indicadores da evoluo populacional e da produo agrcola mundial entre 1975 e 2005................................................................... 117
Tabela 8 Produo agrcola mundial de produtos especficos entre 1961 e 2005 (em toneladas)............................................................................ 118
Tabela 9 Agricultura Orgnica no Mundo: Pases Selecionados, 2002..............
147
Tabela 10 Brasil Situao da Produo Orgnica, 2005....................................
149
Tabela 11 Nmero de Ocupaes e Nmero de Famlias envolvidas em Ocupaes de Terras no Brasil, segundo os Estados da Federao, no perodo 1988 2007....................................................................... 169
Tabela 12 Brasil Nmero de Imveis Rurais segundo as classes de rea, 1992/1998/2003.................................................................................... 174
Tabela 13 Brasil rea Ocupada pelos Imveis Rurais segundo as classes de rea, 1992/1998/2003........................................................................... 174
Tabela 14 Brasil - Nmero de Assentamentos Rurais, segundo os Estados da Federao, no perodo 1979 2007.................................................... 180
Tabela 15 Sistema Cooperativo dos Assentados - Paran, 2007.........................
219
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LISTA DE QUADROS
Quadro 1 Custos de Certificao, segundo valores de referncia. Ano:
2008............................................................................................. 140Quadro 2 Organismos Certificadores Internacionais que atuam no Brasil,
2007........................................................................................................ 144Quadro 3 Organismos Certificadores Nacionais que atuam no Brasil,
2007....................................................................................................... 144Quadro 4 Publicaes seminais na histria da Agroecologia, 1928 a
1984...................................................................................................... 152Quadro 5 Centros de Formao e Capacitao Tcnica em Agroecologia
Organizados pelo MST/PR, 2008............................................................ 239Quadro 6 Paran Territrios Agroecolgicos da Reforma Agrria, 2008.............
251
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LISTA DE SIGLAS
AAA - Agricultural Adjustment Act (Legislao Agrcola dos EUA). ABRA Associao Brasileira da Reforma Agrria. AECO Associao do Agronegcio Certificado Orgnico. ALCA rea de Livre Comrcio das Amricas. AOPA - Associao para o Desenvolvimento da Agroecologia no Paran. APP - rea de Proteo Permanente. AS-PTA - Associao de Desenvolvimento de Tecnologias Alternativas. ASSESSOAR - Associaes da Agricultura Familiar e Sindicatos de Trabalhadores Rurais. BM Banco Mundial. BNDES Banco Nacional de Desenvolvimento Econmico e Social. BR-277 Rodovia Federal Rodovia das Cataratas, Curitiba para Foz do Igua. BSE Encefalopatia Espongiforme Bovina. Bt Bacillus Trugirensis. CAPA - Centro de Capacitao dos Pequenos Agricultores. CCA - Central de Cooperativas dos Assentados. CCIR - Cadastro dos Contribuintes dos Imveis Rurais. CEAGRO Centro de Desenvolvimento Sustentvel e Capacitao em Agroecologia. CEE - Comunidade Econmica Europeia. CEPAG Centro de Estudo e Pesquisa Ernesto Guevara. CEPAL Comisso Econmica para a Amrica Latina e o Caribe. CIAT - Centro Internacional de Agricultura Tropical. CIMMYT - Centro Internacional de Melhoramento do Trigo e Milho. CIP - Centro Internacional da Batata. CLOC - Coordenao Latino-Americana de Organizaes do Campo.
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Cocamp Cooperativa de Prestao de Comercializao e Prestao de Servios dos Assentados do Pontal.
LISTA DE SIGLAS
CONAB Companhia Brasileira de Abastecimento. CONAMURI Conselho Nacional das Mulheres Indgenas do Paraguai. Copavi - Cooperativa de Produo Agropecuria Vitria. CPA - Cooperativas de Produo Agropecuria. CPS - Cooperativas de Prestao de Servios. CPT - Comisso Pastoral da Terra. CRABI - Comisso Regional dos Atingidos por Barragens do Rio Iguau. CRED - Cooperativa de Crdito. CRESOL - Sistema Cooperativo de Crdito Solidrio. CTNBio - Comisso Tcnica Nacional de Biossegurana. CUT - Central nica dos Trabalhadores. DATALUTA Banco de Dados da Luta pela Terra. DESER - Departamento de Estudos Rurais. ELAA - Escola Latino Americana de Agroecologia. Embrapa Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuria. ETR - Estatuto do Trabalhador Rural. EUA Estados Unidos da Amrica. EZLN - Exrcito Zapatista de Libertao Nacional. F - Famlia FAO - Fundo das Naes Unidas para Agricultura e Alimentao. FCT Faculdade de Cincias e Tecnologia. FEAB - Federao dos Estudantes de Agronomia do Brasil. FEOGA Fundo Europeu de Orientao e Garantias Agrcolas. FHC Fernando Henrique Cardoso. FM - Frente de Massas
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FMI - Fundo Monetrio Internacional.
LISTA DE SIGLAS
GCCT - Grupo de Cooperao do Campus de Terrassa. ha - Hectares I PNRA Primeiro Plano Nacional de Reforma Agrria. IARCs - Centros Internacionais de Pesquisa Agropecuria (Internacional Agricultural Research Centres). ICRISAT - Instituto Internacional de Cultivos para as Zonas Tropicais Semi-ridas. IEEP - Instituto Equipe de Educadores Populares. IFOAM Federao Internacional dos Movimentos de Agricultura Orgnica. II PNRA Segundo Plano Nacional de Reforma Agrria. IIIPA - Instituto Internacional de Investigao sobre Polticas Alimentares. IITA - Instituto Internacional de Agricultura Tropical. IN - Instruo Normativa. INCRA Instituto Nacional de Colonizao e Reforma Agrria. IPARDES Instituto Paranaense de Pesquisas e Desenvolvimento Econmico e Social. IRRI - Instituto Internacional de Pesquisa do Arroz. ISO - International Organization for Standardization. ITEPA Instituto Tcnico de Capacitao e Estudo da Reforma Agrria. ITESP - Fundao Instituto de Terras do Estado de So Paulo. ITR - Imposto Territorial Rural. Lar Cooperativa Agroindustrial Lar. LULA Luiz Incio da Silva. MAB - Movimento dos Atingidos por Barragens. MAELA - Movimento Agroecolgico para Amrica Latina e Caribe. MAPA - Ministrio da Agricultura e Pecuria. MASTEL - Movimento dos Agricultores Sem Terra do Litoral do Paran.
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MASTEN - Movimento dos Agricultores Sem Terra do Norte do Paran.
LISTA DE SIGLAS MASTER Movimento dos Agricultores Sem Terra. MASTES - Movimento dos Agricultores Sem Terra do Sudoeste do Paran. MASTRECO - Movimento dos Agricultores Sem Terra do Centro-Oeste do Paran. MDA - Ministrio do Desenvolvimento Agrrio. MMC - Movimento de Mulheres Camponesas. MPA - Movimento de Pequenos Agricultores. MST Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. MST/PR MST DO PARAN. N-10: Ncleo de dez famlias. N-50: Ncleo de cinqenta famlias. OCE - rgos Colegiados Estaduais. OCN - rgos Colegiados Nacionais. OGM Organismo Geneticamente Modificado. OMC - Organizao Mundial do Comrcio. ONGs - Organizaes No Governamentais. PAC - Poltica Agrcola Comum. PDA - Plano de Desenvolvimento Agropecurio dos Assentamentos. PEA - Populao Economicamente Ativa. Petrobrs Companhia de Petrleo Brasileiro Sociedade Annima. PJR - Pastoral da Juventude Rural. PLANAF Plano Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar. PNUMA Programa das Naes Unidas para o Meio Ambiente. PROLCOOL Programa Nacional do lcool. PROCERA Programa Nacional de Crdito para a Reforma Agrria.
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PRONERA - Programa Nacional de Educao na Reforma Agrria.
Pronaf Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar. LISTA DE SIGLAS
PT - Partido dos Trabalhadores. Rede ECOVIDA - entidade que promove a Certificao Solidria. SCA - Sistema de Cooperativismo dos Assentados. SEAB-PR - Secretaria Estadual da Agricultura e Abastecimento do Paran. SNCR Sistema Nacional de Crdito Rural. SOC Sindicato Obreros del Campo. SPC - Sistema de Proteo ao Crdito. Terra de Direitos Associao de Advogados para as causas populares. UDR - Unio Democrtica Ruralista. UEM Universidade Estadual de Ponta Grossa. UFPR - Universidade Federal do Paran. ULTABs Unio dos Lavradores e Trabalhadores Agrcolas do Brasil. UNESP Universidade Estadual Paulista Jlio de Mesquita Filho. UNIOESTE - Universidade Estadual do Oeste Paranaense. UPOV Unio Internacional para a Proteo de Obtenes Vegetais. URSS Unio das Repblicas Socialistas Soviticas. USDA - Departamento de Agricultura dos Estados Unidos. Voison tcnica de piqueteamento e pastoreio de gado.
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SUMRIO
RESUMO................................................................................................................. 6 RESUMEN............................................................................................................... 7 LISTA DE FIGURAS............................................................................................... 8 LISTA DE TABELAS.............................................................................................. 10
LISTA DE QUADROS............................................................................................. 11
LISTA DE SIGLAS.................................................................................................. 12
INTRODUO......................................................................................................... 19
CAPTULO 1
A TRAMA ESPACIAL E O PROCESSO DE DOMINAO DO CAPITALISMO NO CAMPO
37
1.1 A LGICA DE DESENVOLVIMENTO DO CAPITALISMO NA AGRICULTURA......................................................................................................
38
1.2
O PROCESSO DE INDUSTRIALIZAO DA AGRICULTURA....................................................................................................... 54
1.3
A AO DO ESTADO E O DESENVOLVIMENTO DAS FORAS PRODUTIVAS......................................................................................................... 64
1.4
O DESENVOLVIMENTO DA AGROBIOTECNOLOGIA E A TERRITORIALIZAO DOS CULTIVOS GENETICAMENTE MODIFICADOS.... 72
1.5
A INTEGRAO, A CONCENTRAO E CENTRALIZAO DO CAPITAL E SEUS IMPACTOS SOBRE A AGRICULTURA E O SISTEMA ALIMENTAR........ 84
1.6
O DESMONTE E O CONTROLE DA AGRICULTURA CAMPONESA 97
CAPTULO 2
A AGROECOLOGIA E A REESTRUTURAO DO
DESENVOLVIMENTO DO CAMPO
112
2.1
O MODELO AGRCOLA ATUAL E A EXPANSO DA POBREZA, DA FOME E DOS PROBLEMAS AMBIENTAIS......................................................................... 113
2.2
O DEBATE SOBRE AS AGRICULTURAS ALTERNATIVAS................................ 124
2.3
A CERTIFICAO DA PRODUO ORGNICA E A FORMAO DO AGROECONEGCIO.............................................................................................. 134
2.4
PARA ALM DO AGRONEGCIO E DO AGROECONEGCIO A AGROECOLOGIA E A CONSTRUO DE NOVAS ALTERNATIVAS AO ATUAL SISTEMA AGRCOLA E ALIMENTAR...................................................... 152
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SUMRIO
CAPTULO 3
O MST E A BUSCA DE UM NOVO
MODELO DE PRODUO AGRCOLA
160
3.1
O MST NO CONTEXTO DAS LUTAS DO CAMPESINATO BRASILEIRO............ 161
3.2
A LUTA NA TERRA E A (FALSA) AUTONOMIA CAMPONESA NOS ASSENTAMENTOS RURAIS................................................................................. 179
3.3
OS AVANS E RETROCESSOS DA COOPERATIVIZAO NOS ASSENTAMENTOS DO MST.................................................................................. 189
3.4
A AMPLIAO DOS REFERENCIAIS DE LUTA DO MST E O DEBATE SOBRE SOBERANIA ALIMENTAR E AGROECOLOGIA..................................... 194
CAPTULO 4
A AGROECOLOGIA E A LUTA NA TERRA NOS
ASSENTAMENTOS PARAENSES
205
4.1
A REESTRUTURAO DA GESTO TERRITORIAL DO MST NO PARAN.................................................................................................................. 206
4.2
OS ESPAOS DE FORMAO POLTICA E O DEBATE SOBRE A AGROECOLOGIA NA REFORMA AGRRIA PARANAENSE.............................. 223
4.3
OS CENTROS DE FORMAO E CAPACITAO TCNICA EM AGROECOLOGIA E OS DESAFIOS DA EDUCAO E DA EXTENSAO RURAL..................................................................................................................... 238
4.4
OS TERRITRIOS AGROECOLGICOS DA REFORMA AGRRIA PARANAENSE........................................................................................................ 250
4.4.01 Os Assentamentos e Acampamentos Agroecolgicos........................ 252
4.4.02 Os Lotes Agroecolgicos Isolados........................................................ 264
4.5
OS AVANOS E OS RETROCESSOS DO MST NO PROCESSO DE TERRITORIALIZAO DA AGROECOLOGIA NOS ASSENTAMENTOS RURAIS PARANAENSES....................................................................................... 283
CONSIDERAES FINAIS..................................................................................... 292
BIBLIOGRFIA....................................................................................................... 295
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INTRODUO
-
INTRODUO
Nos ltimos 50 anos, o desenvolvimento do modo de produo capitalista
impactou de vrias formas o campo brasileiro. Amplamente interconectado com a
economia internacionalizada, o capital provocou transformaes sociais,
econmicas, polticas, tcnicas e ambientais em nosso meio rural e asseverou ainda
mais a questo agrria.
Um mecanismo fundamental neste processo foi a incorporao e difuso de
elementos tcnico-cientficos no espao agrrio pela via da Revoluo Verde,
pacote tecnolgico que resultou na industrializao da agricultura brasileira e,
consequentemente, no aumento da produo agropecuria, no aumento da
explorao da mais-valia social e concentrao do capital em suas vrias fraes,
sobretudo a comercial, a agroindustrial, a industrial, a financeira e o fundirio.
A organizao e a difuso da Revoluo Verde foi amplamente regada
por significativas somas de recursos provenientes de fundos pblicos, privados e de
agncias multilaterais de desenvolvimento, cuja implementao arrebentou e
continua a arrebentar com as lgicas econmicas e organizativas ditas
tradicionais, entre as quais as comunidades camponesas, indgenas, quilombolas,
faxinalenses, etc.
Assim, elementos como a motomecanizao agrcola (tratores,
colheitadeiras, mquinas de beneficiamento, arados, grades, motos-bombas de
irrigao, pulverizadores, avies agrcolas), insumos petroqumicos (adubos,
inseticidas, herbicidas, maturadores, antibiticos, micro-nutrientes, plsticos de uso
agrcola em irrigao e proteo de lavouras), plantas e sementes melhoradas
(hbridas, reengenheradas e transgnicas), bem como empresas agroindustriais,
tornaram-se elementos estruturais em um espao agrrio em mutao.
Ademais, organizou-se toda uma rede e infra-estrutura de transporte e
processamento das mercadorias agrcolas, que subjuga o trabalho dos produtores
rurais aos ditames das empresas agrocomerciais, cada vez mais organizadas e
participantes de um comrcio agrcola mundial oligopolizado e dominado pelas
tradings companies.
A dotao do valor das principais matrias-primas agrcolas (commodities
agrcolas como arroz, carne de gado e de frango, algodo, acar, leite, papel e
celulose, soja e milho) ocorre fundamentalmente atravs de negociaes e
20
-
especulaes em bolsa de valores e a articulao entre as vrias fraes do capital
e o movimento de concentrao e centralizao do capital e da terra, tornaram-se
prticas comuns da ao do capital.
No caso brasileiro, a difuso dos elementos tcnico-cientficos e das de
estruturas de dominao do capital no ocorreu de maneira linear e homognea,
mas sim de maneira fragmentada e heterognea, sobretudo porque desigual a
produo do espao pelo capital.
Assim, a participao dos produtores rurais no processo de industrializao
foi dspar e tornou ainda mais assimtrica a diferenciao entre eles, decretando o
enriquecimento de uma pequena parte desses produtores, sobretudo os mdios e
grandes proprietrios, e asseverando a excluso social de uma parcela significativa
dos camponeses, muitos deles arrendatrios e moradores em terras alheias, sujeitos
geralmente relegados pelas principais polticas pblicas.
verdade que a capacidade de produo de alimentos foi ampliada, tanto
pela expanso da rea cultivada, quanto pelo aumento da produtividade, porm, as
novas dinmicas produtivas da agricultura desencadearam uma srie de problemas.
Neste caso, chamamos especial ateno para os problemas ambientais
(desmatamento, eroso gentica com extino de espcies animais e vegetais,
assoreamento, poluio e contaminao de rios e mananciais de gua, eroso e
contaminao dos solos, desertificao) e os problemas sociais, da contaminao
dos produtores rurais e consumidores com resduos qumicos de adubos e
pesticidas agrcolas, ao aumento da fome, da misria e da pobreza rural e urbana,
sobretudo pela incapacidade de oferta de emprego e renda condizentes com as
mnimas necessidades de sobrevivncia da populao.
A agudizao dos problemas sociais no campo e na cidade tem permitido o
surgimento de duras crticas contra os desarranjos provocados pelo capital e a
agricultura por ele preconizada. Entre as diferentes aes, destacamos a
mobilizao social dos produtores rurais excludos e em processo de excluso e as
ricas experincias de luta articuladas contra a lgica destruidora do capital e contra
as aes e inpcia dos poderes pblicos constitudos.
Entre as experincias geradas, destacam-se os movimentos de
contraposio ao modelo agrcola dominante, tambm conhecidos como Movimento
da Agricultura Sustentvel e o Movimento Agroecolgico, que pregam sistemas de
produo agrcola em bases ecolgicas e socialmente includentes, baseadas no
21
-
trabalho de tipo familiar campons, portanto, independentes dos pacotes
tecnolgicos qumico-industriais-transgnicos.
Alm disso, destacam-se os Movimentos Camponeses, que so
organizaes que mesclam inovadoras aes em diferentes escalas (local, regional,
nacional e internacional), alm de atuar em favor da reconstruo da agricultura
camponesa, participando ativamente na criao de mecanismos de luta, de
resistncia e de emancipao do campesinato frente ao capital.
Neste grupo destacam-se os sem terras, cujas aes de luta e resistncia
resulta na recriao camponesa nos assentamentos rurais e, a partir de experincias
de cooperativizao e coletivizao, apontam novas possibilidades de
desenvolvimento rural.
claro que o capital tambm se articula no sentido de criar mecanismos de
contraposio s foras sociais de luta e resistncia, ampliando ou preservando sua
fora hegemnica de controle social.
O mecanismo clssico adotado pelos agentes do capital ampliar ainda
mais sua capacidade de gesto territorial, se apoiando muitas vezes na fora poltica
e econmica dos organismos multilaterais internacionais (FMI Fundo Monetrio
Internacional, OMC Organizao Mundial do Comrcio, BM Banco Mundial, ONU
Organizao das Naes Unidas) e, sobretudo, na fora poltica e econmica do
Estado brasileiro.
Neste caso, o reforo ao capital realizado atravs de polticas e programas
de desenvolvimento especficos, como o programa de Reforma Agrria de
Mercado, patrocinado pelo Banco Mundial, cuja centralidade deslocar o tema
reforma agrria do mbito da luta poltica para o mbito de uma relao de mercado
entre quem possui a terra e a quer vender, e quem no possui a terra, mas aceita
participar de um fundo pblico para adquiri-la em suaves prestaes.
Alm disso, comum o Estado colocar seu poder de polcia para controlar
as foras sociais, realizando prises e despejos, ampliando os conflitos sociais no
campo.
No Brasil, em razo das especificidades e as caractersticas da questo
agrria, que expressa uma realidade de terras extremamente concentradas em
mos de poucos e uma grande quantidade de excludos do campo, um dos
mecanismos centrais h dcadas praticado pelos camponeses na luta contra o
capital a luta pela terra.
22
-
Processada pelos movimentos sociais do campo, a luta pela terra um dos
principais mecanismos polticos que revela na luta de classes da sociedade
brasileira que os camponeses, na luta contra o capital e presso sobre o Estado e os
poderes pblicos constitudos, tm conscincia de classe e so capazes de se
organizar para conquistar o apoio pblico para o desencadeamento da Reforma
Agrria.
Apesar dos reveses e das diferentes formas de violncia praticados pelo
capital e seus comandados (jagunos) e pelo Estado (polcia) contra os movimentos
sociais do campo (mortes de lideranas, perseguies polticas, despejos), ao longo
das ltimas cinco dcadas, milhares de famlias foram assentadas em projetos de
Reforma Agrria, caracterizando uma lenta, gradual e pouco efetiva poltica de
assentamento rurais, j que no tocou num ponto central da realidade fundiria
nacional: a injusta concentrao da terra.
Alm disso, os poucos assentamentos implantados no Pas resultaram na
recriao de um campesinato que vive, em muitos casos, em reas deficitrias do
ponto de vista infra-estrutural (deficincia de acesso a gua, energia eltrica,
estradas, escolas, posto de sade, telefone), longe de centros urbanos, explorando
terras com problemas de fertilidade e topografia.
H comunidades de famlias assentadas com srios problemas ambientais
(sem licenciamento ambiental e com problemas de desmatamento) e, o que mais
grave, sem o aporte necessrio de polticas pblicas de desenvolvimento rural para
sanar os problemas infra-estruturais, ambientais e as deficincias ecolgicas,
potencializando a produo agrcola, o associativismo e a gerao de riqueza e
renda no campo.
interessante destacar que ao assentar trabalhadores que perderam a terra
e at mesmo sem terras provenientes dos centros urbanos ou seja, que nunca
vivenciaram em momentos anteriores a experincia de trabalho rural como
camponeses ou operrios rurais - o Estado recria o campesinato nos projetos de
assentamento rural.
Porm, em rarssimos casos, como o campesinato nunca foi o objeto central
das polticas pblicas empreendidas no Brasil, este processo de recriao redunda
na promoo de sujeitos sociais que retornam ou passam a viver em um ambiente
social e econmico totalmente adverso - o meio rural brasileiro, onde os mecanismos
23
-
de destruio e de empobrecimento dos pequenos agricultores familiares ainda
persistem.
Assim, a reforma agrria brasileira um processo de recriao do
campesinato realizada de maneira incompleta, pois o Estado pouco tem atuado no
sentido de reestruturar as polticas pblicas de desenvolvimento dos pequenos
produtores rurais.
Esta estruturao negativa do espao agrrio, que cria um ambiente social e
econmico de excluso e de empobrecimento dos pequenos produtores rurais
sejam eles assentados ou no, ocorre porque o capital no se estrutura controlando
somente a propriedade da terra, mas porque o capital cada vez mais busca exercer
o controle sobre a circulao da mercadoria e das trocas que acontecem antes,
durante e depois da produo agropecuria realizada no campo, dentro das
unidades de produo, sejam eles stios, chcaras, lotes ou fazendas.
Desta forma, atravs da oferta de produtos (mquinas, implementos),
insumos (sementes, adubos, pesticidas, combustveis), servios (armazenagem,
comercializao), negcios (compra e venda da produo), emprstimos e crditos
(bancos e agiotas) e novas tecnologias (produtos da engenharia e da biotecnologia)
aos produtores rurais, seja comprando a produo e realizando o processamento
agroindustrial, impondo o regime de trabalho e o preo das mercadorias agrcolas, o
capital controla o campo e extrai parte da riqueza produzida pelos camponeses e
demais produtores, colaborando para o controle do processo produtivo.
Estas situaes variadas revelam os diversos mecanismos coordenados
pelo capital para realizar a extrao ampliada da renda da terra, que cobrada da
sociedade e no fica em mos dos produtores rurais, que tendem ao
empobrecimento e excluso social, apesar de produzirem riquezas.
Um dos movimentos mais importantes na luta contra o capital o MST
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, pois comparece como uma das
foras de resistncia camponesa das mais dinmicas.
No ltimo quarto de sculo, o Movimento (MST) tem mobilizado uma grande
quantidade de trabalhadores tanto na luta pela terra (a luta contra o capital fundirio
ou a luta para entrar na terra), mas tambm organiza a luta na terra, que a luta
para resistir na terra de trabalho e amealhar a maior parcela das riquezas
produzidas no campo, portanto, uma luta contra o capital agrocomercial e
agroindustrial e suas demais fraes.
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-
O grande trunfo poltico que mobiliza o MST a negao do padro de
desenvolvimento agrcola existente no Pas, colocando em evidncia a necessidade
da preservao e reconstruo da agricultura camponesa pela via da Reforma
Agrria, alm de propor formas de gesto e participao do campesinato em
sistemas cooperativizados e tambm sistemas agroecolgicos de produo.
No caso da Agroecologia, este um debate recente, um desafio assumido a
pouco mais de uma dcada, cujo objetivo a construo de um conjunto de prticas
produtivas e um conjunto de prticas de comercializao da produo, que se
baseiam em princpios como a sustentabilidade ecolgica da produo, a
produtividade, a equidade, a sade ambiental, a justia social, a viabilidade
econmica, baseada na agricultura de base familiar e camponesa e na interao
entre produtores e consumidores.
Estruturalmente, consolidar a Agroecologia nos assentamentos rurais e
acampamentos requer constituir sistemas produtivos que diminuam a dependncia
de produtores e consumidores em relao s empresas que dominam a agricultura,
contribuindo assim para a formao do que os movimentos chamam de Soberania
Alimentar.
Mais do que uma simples mudana na base tcnica da produo, uma
aposta na recomposio de todo o sistema agrcola, j que a Soberaina Alimentar
exige a criao de mecanismos que priorizam o desenvolvimento local/regional,
valorizando os produtores, a produo de alimentos sadios, o acesso da populao
de um Pas ao alimento, de um comrcio mais justo, destituindo a ao danosa dos
mega-conglomerados que atuam na agricultura e que tem preocupao somente
com o lucro.
Ademais, alm da Agroecologia, em seus programas polticos os Sem Terra
propem que o Estado assuma a realizao de uma Reforma Agrria ampla e
massiva, que quebre efetivamente com poder do latifndio e rompa com a
concentrao da terra, aumentando consequentemente a presena das unidades
camponesas de produo no espao agrrio, amplamente apoiada por polticas
pblicas de desenvolvimento rural.
Para o MST, a agricultura camponesa uma forma de trabalho infinitamente
superior existente nas grandes propriedades, pois apresenta potencialidades
econmicas (produo de riquezas, maior produo e oferta de alimentos e
matrias-primas para a sociedade, maior demanda de equipamentos e produtos
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-
para a agricultura, beneficiando o comrcio local/regional) e sociais (distribuio de
renda, resoluo do problema da fome, incluso social, gerao de trabalho no
campo e na cidade, diminuio da presso demogrfica da populao migrante, etc)
que s se efetivariam em nossa sociedade mediante a realizao da Reforma
Agrria.
Afora a diviso da terra, o MST reconhece que a Reforma Agrria s se
efetivaria mediante uma interveno pblica que priorizasse a implantao de
programas de infra-estrutura social nos assentamentos rurais (gua, saneamento,
energia eltrica, estradas, postos de sade, escolas), polticas de fomento e apoio
para o desenvolvimento econmico (financiamentos agrcolas, fomentos para
compra de mquinas e equipamentos), formao tcnica e capacitao produtiva
(programas de extenso e assistncia tcnica rural), alm da cooperao na
produo (cooperativas de crdito, cooperativas coletivas e cooperativas regionais)
para fomentar no s a produo agrcola, mas tambm a transformao
agroindustrial e a venda ao consumidor final.
Como a tmida poltica de assentamentos desenvolvida pelo Estado frustra
os interesses dos sem terra, na espera de um ambiente poltico que desencadeie a
Reforma Agrria desejada, nos assentamentos controlados pela organizao, o MST
tem acumulado erros e acertos desenvolvendo experincias organizativas no
ambiente poltico da Reforma Agrria atual.
Desde a dcada de 1990, o MST tem se colocado a difcil tarefa de
rearticular sua base, reestruturando a Organizao, reforando na escala local uma
maior interao entre famlias assentadas e acampadas.
Ademais, o MST tem ampliado sua pauta poltica e seu arco de alianas. Ao
participar da Via Campesina, o Movimento tem assumido lutas contra diversos
projetos apoiados pelo Estado e pelo capital que colocam em xeque a agricultura
camponesa, entre os quais as polticas de desenvolvimento do agronegcio em
diferentes seguimentos (agroenergia, produo de celulose, projetos de irrigao,
transgenia, etc).
Alm de olhar para dentro, ou seja, de articular a base, o MST tem olhado
os de fora, estabelecendo pactos polticos em diferentes escalas (do local ao global,
passando pelo regional, estadual e nacional), com agentes diferenciados como
grupos de apoio, partidos polticos, ONGs (Organizaes No Governamentais),
movimentos sociais do campo, entre os quais o Movimento dos Atingidos por
26
-
Barragens (MAB), o Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), o Movimento das
Mulheres Camponesas (MMC), sobretudo no arco de apoios da Via Campesina e
movimentos camponeses de outros pases, alm de movimentos urbanos,
associaes, sindicatos , instncias progressistas das igrejas catlica e luterana
(Comisso Pastoral da Terra CPT, Critas, Pastoral da Juventude Rural - PJR),
alm de pesquisadores de universidades e intelectuais, que so convidados a
participar de projetos, cursos e debates.
De maneira geral, as articulaes ocorrem com organizaes e entidades
que apoiam a Reforma Agrria, que consideram a agricultura camponesa como
forma superior de organizao agropecuria e distribuio da terra agrcola, que
compreendem ser a Agroecologia o padro mais vivel de produo agrcola, que
pensam a luta contra o capital como uma luta globalizada, que enviesem o discurso
da sustentabilidade agrcola, da autonomia dos povos, da Soberania Alimentar e da
Soberania Energtica.
Nesta escalada de novos elementos que compem o rico quadro scio
poltico da luta na terra, priorizamos compreender como o Movimento tem se
articulado internamente, do ponto de vista das suas estruturas poltico-organizativas
(famlias assentadas, famlias acampadas, setores, ncleos de base, centros de
formao), e externamente, do ponto de vista de organizaes e instituies
parceiras e de apoio (universidades, organizaes no governamentais, outros
movimentos sociais, partidos, sindicatos, igrejas), para desenvolver a Agroecologia
em assentamentos rurais.
A princpio, a Agroecologia um debate nacional que faz parte da pauta
poltica do MST desde o ano 2000. Porm, segundo nossas pesquisas, o Movimento
pouco avanou neste debate, j que na maioria dos Estados onde est organizado,
o MST no conseguiu articular e criar iniciativas mnimas de desenvolvimento da
Agroecologia na Reforma Agrria.
H 12 anos estudando o MST, particularmente no interior do Estado de So
Paulo e Paran, pudemos conhecer iniciativas nestes estados e participar
diretamente deste debate, atravs de congressos nacionais, estaduais e regionais,
cursos, discusses, encontros e palestras organizados pelo Movimento, envolvendo
assentados, assessorias, organizaes de apoio e entidades pblicas ligadas
Reforma Agrria.
27
-
Esta vivncia permitiu compreender que na escala nacional aconteciam
diferentes iniciativas que redundaram na constituio de experincias para o
desenvolvimento da Agroecologia protagonizadas pelo MST, mas territorialmente,
entre os diversos Estados da Federao, uma importante frao das iniciativas se
concentrava em aes praticadas pelo MST paranaense, com destaques para
encontros, cursos, escolas, alm de produtores em assentamentos e
acampamentos.
Em discusses realizadas com o orientador, Prof. Dr. Thomaz Jnior, foi
definido o tema da pesquisa (Campesinato, Resistncia e Emancipao: o modelo
agroecolgico adotado pelo MST no Estado do Paran), cujo sentido compreender
no mbito da luta na terra, como o MST tem trabalhado o desenvolvimento da
Agroecologia como estratgia de emancipao camponesa frente ao capital.
O recorte territorial escolhido foi o Estado do Paran, j que neste Estado o
MST tem conseguido estruturar diferentes projetos (centros de pesquisa, cursos de
formao) e fruns de debate (Jornada de Agroecologia) sobre o tema.
Em relao s aes prticas (assentamentos e acampamentos com
produo agroecolgica), segundo informaes coletadas junto ao MST e arroladas
a partir de trabalhos de campo, no ano de 2008 existiam 100 famlias acampadas e
1.747 das 19.210 famlias assentadas, organizando suas unidades familiares de
produo em bases agroecolgicas, em diferentes municpios do Estado do Paran.
Para fazer a anlise geogrfica dos processos sociais que ocorrem nos
assentamentos e acampamentos paranaenses, associamos a diversidade de
iniciativas segundo seu carter estrutural, definindo trs categorias para
compreender o processo de difuso e estruturao da Agroecologia pelo MST do
Paran:
a) Os Espaos de Formao Poltica, que so os eventos e encontros
organizados pelo MST para difundir a Agroecologia;
b) Os Centros de Formao e Capacitao Tcnica em Agroecologia, que
so Centros de Pesquisa onde so ofertados cursos de curta durao (informais) e
cursos formais de nvel mdio e superior em Agroecologia;
c) Os Territrios Agroecolgicos da Reforma Agrria so os assentamentos,
acampamentos e lotes individuais de produtores que trabalham e aplicam os
preceitos da Agroecologia nas unidades familiares de produo.
28
-
Para cartografar a espacialidade dos assentamentos rurais e localizar no
territrio do Estado do Paran os assentamentos rurais onde o Movimento criou
Centros de Formao e de Pesquisa da Agroecologia, os municpios onde
acontecem as Jornadas de Agroecologia e onde, efetivamente, h produtores
assentados e acampados trabalhando sob a matriz Agroecolgica, organizamos a
Figura 1, apresentada na prxima pgina.
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-
Guara
Francisco Alves
Icarama
Cafezal do Sul
Brasilndia do Sul
Alto Piquiri
Maria Helena
Santa Isabel do Iva
So Pedro do Paran
Tapira
Santa Mnica
Nova Olmpia
Cidade Gacha
Tuneiras do Oeste
Guaporema
Paraso do Norte
Cianorte
Nova Aliana do Iva
So Tom
Tamboara
Engenheiro Beltro
Santo Antonio
do Caiu
Alto Paran
Nova Esperana
Doutor Camargo
Inaj
Ivatuba
Missal
Marechal Cndido Rondon
Mercedes
Vitorino
Saudade do Iguau
Terra Roxa
Ipor
Palotina
Prola
Ivat
Perobal
Porto Rico
Douradina
Loanda
Marilena
Tapejara
Diamante do Norte
Rondon
Amapor
Guaira
Mirador
Terra Rica
Paranava
Indianpolis
So Manoel
do ParanJapur
So Carlos do Iva
Campo Mouro
Terra Boa
So Joo do Caiu
Flora
Pato Bragado
Entre Rios do Oeste
Manfrinpolis
So Jorge D'Oeste
Sulina
Porto Barreiro
Presidente Castelo Branco
Paiandu
Uniflor
Mandaguau
Paranapoema
Atalaia
Maring
Colorado
Lobato
Itaguaj
Flrida
ngulo
Santa Ins
Iguarau
Santa F
Sarandi
Santo Incio
Nossa Senhora das Graas
Astorga
Munhoz de Mello
Guaraci
Jaguapit
Lupionpolis
Pitangueiras
MiraselvaPrado
Ferreira
Camb
Foz do Jordo
Reserva do Iguau
Cruz Machado
Porto Vitria
Unio da Vitria
Rio Azul
Mallet
Lidianpolis
Ariranha do Iva
Arapongas
Califrnia
Rancho Alegre
Cndido de Abreu
Santa Ceclia do Pavo
Nova Santa Brbara
Figueira
Xambr
Esperana Nova
Marip
Quatro Pontes
Santa Helena
So Pedro do Iguau
Serranpolis do Iguau
Itaipulndia
Planalto
Campo Bonito Diamante do Sul
Espigo Alto
do IguauTrs Barras do Paran
Santa Lcia
Santa Izabel
do OesteBela Vista
da Caroba
Enas Marques
Bom Sucesso do Sul
Santo Antnio do Sudoeste
BarracoMarmeleiro
Clevelndia
Chopinzinho Pinho
General Carneiro
Teixeira Soares
Rebouas
Porto Amazonas
Antonio Olinto
Contenda
Fazenda Rio Grande
Agudos do Sul
Rio Negro
Quatro Barras
Guaratuba
Sengs
Arapoti
Tibagi
Guamiranga
Pitanga
Campina do Simo
Marquinho
Nova Cantu
Boa esperanaRancho
Alegre D'Oeste
Anahy
Jesutas
Tupssi
Mariluz
Floresta
Quinta do Sol
Barbosa Ferraz Lunardelli
Arapu
Grandes Rios
Marumbi
Mandaguari
Rio Bom
Londrina
Mau da Serra
Nova Ftima
Jaboti
Santo Antonio da Platina
CambarItambarac
Jataizinho
Sertaneja
Porecatu
Ribeiro Claro
Cafeara
Ramilndia
Vera Cruz do Oeste
Santa Tereza
do Oeste
Lindoeste
Capito Lenidas Marques
Capanema
Nova Prata
do Iguau
Prola D'Oeste
So Jos das Palmeiras
Nova Esperana
do SudoestePinhal de So Bento
Bom Jesus do Sul
Ibema
Guaraniau
Braganey
Laranjal
Laranjeiras do Sul
So Joo
Dois Vizinhos
Mangueirinha
Pato BrancoRenascena
Goioxim
Turvo
Incio Martins
So Mateus do Sul
Ipiranga
Carambe
Fernandes Pinheiro Balsa Nova
Campo do Tenente
Itaperuu
Crro Azul
Curitiba Morretes
Tijucas do Sul
IbaitiSantana do
Itarar
Pira do Sul
Mato Rico
Godoy Moreira
Ivaipor Rosrio do Iva
Faxinal
Novo Itacolomi
Jandaia do Sul
Imba
Centenrio do Sul
Alvorada do Sul
Florestpolis
Sertanpolis
Primeiro de Maio
Ibipor
So Sebastio da Amoreira
Cornlio Procpio
Andir
Abati
Joaquim Tvora
Conselheiro Mairinck
Formosa do Oeste 4
Centenrio
Juranda
IguatuCafelndia
Palmas
Medianeira
Assis Chateaubriand
Ouro Verde do Oeste
Catanduvas
Boa Vista da Aparecida
Umuarama
Nova Santa Rosa
Iracema do Oeste
Cascavel
Altamira do Paran
Moreira Sales
Ubirat
Farol
Luiziana
Palmital
Itamb
So Joo do Iva Cruzmaltina
Marilndia do Sul
Rio Branco do Iva
Manoel Ribas
Boa Ventura
de So Roque
Assa
Santo Antonio do Paraso
Congonhinhas
Ortigueira
Ribeiro do Pinhal
Bandeirantes Jacarezinho
CarlpolisJundia do Sul
Guapirama
TomazinaJapira
Pinhalo
Wenceslau Braz
So Jos da
Boa Vista
Salto do Itarar
Jaguariava
Ventania
Castro
So Joo do Triunfo
Araucria
Campo Magro
Colombo
Piraquara
Adrianpolis
Tunas do Paran
Cu Azul
RealezaBoa Esperana
do Iguau
Cruzeiro do Iguau
Salto do Lontra
Nova Laranjeiras
Rio Bonito do Iguau
Cantagalo
Virmond
Candi
Pranchita
Francisco Beltro
Flor da Serra do Sul
Salgado Filho
Coronel Vivida
Honrio Serpa
Maripolis
Coronel Domingos Soares
Pin
Antonina
Prudentpolis
Toledo
Matelndia
Ampre
Nova Aurora
Corblia
Goioer
Itapejara D'Oeste
Campina da Lagoa
Janipolis
Mambor
Roncador
Iretama
Nova Tebas
Santa Maria do Oeste
Guarapuava
Borrazpolis
So Pedro do Iva
Reserva
Telmaco Borba
Irati
Ponta Grossa
Palmeira
Lapa
Doutor Ulysses
Rio Branco do Sul
Campo Largo
So Jos dos Pinhais
QuitandinhaMandirituba
Bocaiva do Sul
Campina Grande do SulAlmirante
Tamandar
Pinhais
Marialva
Bom Sucesso
Kalor
Tamarana
Curiva
Sapopema
Foz do
Iguau
Santa Terezinha de Itaipu
Pontal do Paran
Matinhos
Jardim Olinda
Itana do Sul
Lepolis Santa Mariana
So Jorge do Iva Ourizona
Apucarana
Cambira
Iva
Imbituva
Paula Freitas
Paulo Frontin
Quatigu
Siqueira Campos
Ver
Sabudia
Rolndia
Paranagu
Altnia
So Jorge do Patrocnio
Vila Alta
Guaraqueaba
TRPICO DE CAPRICRNIO
54 53 51 50 49
26
24
2327'
23
52
25
RE
. O
P
AR
AU
AP
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RGA E . NPE TR INA
S A N TA C ATA R I N A
S
O PA
ULO
S AO P ULOO
MAT
O G
RO
SS
O D
S
UL
Cruzeiro do Oeste
Araruna
Peabiru
De 826 a 900 famlias
De 676 a 750 famlias
De 601 a 675 famlias
De 526 a 600 famlias
De 451 a 525 famlias
De 376 a 450 famlias
De 301 a 375 famlias
De 226 a 300 famlias
De 151 a 225 famlias
De 76 a 150 famlias
De 1 a 75 famlias
De 751 A 825 famlias
Jardim Alegre
Corumbata do Su l
Fn ix
Jussara
P lana l t i nado Paran
NovaLondr ina
Cruze i rodo Su l
Ura
Nova Amr icada Co l ina
Be la Vis tado Para so
Bar ra do Jacar
Santa Aml ia
ASSENTAMENTOS -LOCALIZAO E N DE FAMLIAS
ASSENTAMENTOS COM PRODUTORESAGROECOLGICOS
ACAMPAMENTOS COM PRODUTORESAGROECOLGICOS
CENTROS DE FORMAO E
DE PESQUISA DA AGROECOLOGIA
JORNADA DEAGROECOLOGIADiamante
D'Oeste
Quedas do Iguau
1.200 famlias
So Jernimo da Serra
Sao G. DaSerra
Paranacity
So Miguel do Iguau
Bituruna
Querncia do Norte
Santa Cruz do Monte Castelo
FIGURA 1: Paran - Assentamentos Rurais e das Iniciativas no mbito da Agroecologia gestados pelo MST, 2008.
Localizao dos
FONTE: SECRETARIA DO MST - SETOR DE PRODUO, 2008PESQUISAS DE CAMPOORGANIZAO: SRGIO GONALVES
-
Conforme a Figura 1, apresentada na pgina anterior, as iniciativas
protagonizadas pelo MST no mbito da Agroecologia ocorrem em 14 DOS 307
assentamentos existentes no Paran, sendo complementadas com iniciativas
desenvolvidas pelas famlias que ocupam 2 fazendas.
Para compreender a construo do discurso e para analisar as
transformaes que resultam efetivamente no desenvolvimento da Agroecologia,
formulamos as seguintes questes norteadoras da pesquisa:
1) A proposta da Agroecologia no se desenvolveu em todos os
assentamentos do Estado do Paran. Quais so os assentamentos onde ela est
presente e como se construiu a insero e o desenvolvimento da Agroecologia
nestes espaos?
2) Nos assentamentos onde a proposta no se viabilizou, ou ainda em
assentamentos onde h diferentes sistemas produtivos (Agroecolgico X
Qmico/industrial/Transgnico), ser que os limites a esta expanso devem-se
forma como o MST gestiona os assentamentos, deve-se resistncia dos
camponeses da base em incorporar um discurso e transform-lo em ao concreta,
ou deve-se a impossibilidade de desenvolvimento econmico e social da
Agroecologia em comparao com outras matrizes produtivas?
3) O processo de educao e de formao desenvolvido pelo MST e
seus parceiros em Centros de Formao e Cursos de Agroecologia tem garantido
efetivamente a estratgia de formao de quadros para difuso da proposta
agroecolgica nos assentamentos rurais?
4) Nos assentamentos rurais e acampamentos que optaram pelo
modelo agroecolgico, que tipo de melhorias so verificados do ponto de vista
ambiental, produtivo, social e econmico? H distino entre assentamentos
agroecolgicos e assentamentos cujas famlias no produzam utilizando este vis?
Que diferenciaes esto presentes e permitem qualificar o processo?
5) H cerca de oito anos o MST um movimento social que se tornou
portador do discurso pr-agroecologia. Quais as diferentes iniciativas organizadas
para sua consolidao nos assentamentos rurais? Em que escalas as diferentes
iniciativas se apresentam?
6) O Paran o Estado onde as aes do MST em favor da
Agrecologia so destacveis em relao aos demais MSTs dos estados brasileiros.
Que elementos poltico-organizativos permitem este protagonismo? Ser que est
31
-
se desenvolvendo no Paran uma Reforma Agrria Agroecolgica?
7) Quais so os desafios colocados na prtica? Enquanto discurso,
nos parece que a proposta agroecolgica tem sim viabilidade social, econmica e
ambiental. Mas, estariam dispostos os camponeses assentados a assumir realmente
este modelo?
8) Ao longo dos ltimos 20 anos, outras propostas organizativas foram
propugnadas pelo Movimento como revolucionrias e libertrias, sobretudo quando
se discutiu a cooperativizao dos assentados. Em que medida a Agroecologia (no)
redundaria nos mesmos erros do passado?
9) Se o capital em suas vrias fraes impe um conjunto de lgicas
de dominao aos produtores do campo, determinando o desencadeamento dos
processos de excluso, empobrecimento e de dominao, afetando principalmente
os pequenos agricultores, quais so as perspectivas de resistncia e de
contraposio de foras dos camponeses assentados ao capital? A Agroecologia
uma ferramenta de luta contra o capital?
Para compreender o processo de difuso da Agroecologia pelo MST e
procurar respostas a este conjunto de questionamentos, inicialmente procuramos
coletar informaes sobre o processo de desenvolvimento da Agroecologia pelo
MST do Paran (MST/PR), com o recolhimento de informaes na Secretaria
Estadual do MST em Curitiba.
Depois, foram realizados diversos trabalhos de campo, visitas a
assentamentos e acampamentos localizados em diferentes municpios e regies do
Estado do Paran (Norte, Noroeste, Oeste, Sudoeste, Litoral, Campos Gerais e
Regio Metropolitana de Curitiba), para conhecer as iniciativas organizadas e
gestadas pelo MST no mbito da Agroecologia.
importante destacar que os trabalhos de campo ocorreram em diferentes
momentos nos ltimos 4 anos, porm, foram concentrados entre os anos de 2007 e
2008. Estas atividades de pesquisa tiveram como objetivos coletar informaes,
realizar observaes, fotografar experincias e gravar depoimentos de diferentes
pessoas que se envolviam direta e indiretamente com expresses do projeto
agroecolgico do MST, fosse em acampamentos, assentamentos, centros de
pesquisa e formao e escolas.
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Nos centros de formao e cursos oferecidos pelos sem terra, procuramos
recolher dados e informaes sobre os mesmos, para definir qual o perfil
educacional e a dimenso poltica posta, analisar qual a dinmica de insero dos
educandos nos assentamentos e no MST, os problemas estruturais, os acordos
institucionais que permitem seu funcionamento, as organizaes de apoio, alm de
procurar em assentamentos, educandos j formados que tem insero na base
trabalhando na assistncia tcnica.
Compreendendo que h um conjunto de agentes e um conjunto de
informaes importantes para qualificar a pesquisa, mas que tambm, dificilmente
poderamos compreender o objeto de estudo em sua totalidade e complexidade,
procuramos desenvolver uma pesquisa qualitativa, elegendo um conjunto de
pessoas que fossem representativas nos acampamentos, assentamentos, em seus
movimentos, ONGs, instituies e empresas, a fim de realizar coleta de informaes
e realizar entrevistas semi-estruturadas.
Assim, foram entrevistados assentados, acampados e lideranas,
estudantes e educadores dos cursos de formao, pessoas que participaram
eventos pelo MST nos ltimos 7 anos, representantes de organizaes de apoio
(geralmente ONGS), educandos j formados e que trabalham em assentamentos,
agentes pblicos de extenso rural (INCRA Instituto Nacional de Colonizao e
Reforma Agrria, EMATER Empresa de Assistncia Tcnica e Extenso Rural).
Tambm ocorreram entrevistas com consumidores, gestores de polticas
pblicas de programas institucionais (Compra de Alimentos da CONAB
Companhia Brasileira de Armazns), enfim, diferentes sujeitos que trabalham direta
e indiretamente para o desenvolvimento da Agroecologia em assentamentos e
acampamentos.
Como contraponto, j que a Agroecologia no o padro tcnico-produtivo-
organizacional presente na maioria dos assentamentos rurais paranaenses,
procuramos tambm coletar informaes e depoimentos de assentados que no
aceitaram desenvolver a Agroecologia em seus lotes, assentados que iniciaram o
processo de desenvolvimento da Agroecologia, mas que desistiram da proposta, e
de assentados que no aderiram proposta mas que esto em vias de se agregar
aos queles que desenvolvem tal matriz produtiva.
Neste caso, abordamos comerciantes, gestores de cooperativas que no
so do MST, atravessadores e arrendatrios que financiam e compram a produo
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proveniente dos assentamentos rurais, mas que tm relao direta com a
manuteno de sistemas produtivos baseados no padro
qumico/industrial/transgnico.
As inseres na realidade local de acampamentos e assentamentos, como
tambm, a participao de diferentes atividades propostas e gestadas pelo MST,
ocorreram em diferentes momentos ao longo dos ltimos 8 anos.
Devemos destacar, que em muitos casos estvamos presentes como
agentes formadores de opinio, quando participei na condio de educador em
cursos coordenados pelo MST, sobretudo na Escola Milton Santos.
Em outros momentos, participei como agente receptor da formao, pois me
encontrava na condio poltica e social dos demais assentados, quando todos
assistamos s Jornadas de Agroecologia ou travvamos debates em reunies
realizadas em diferentes lugares (acampamentos, assentamentos, assembleias,
encontros).
Esta insero no MST do Paran permitiu, j no doutorado, uma grande
possibilidade de mergulhar no universo de pesquisa, reestabelecer contatos,
ampliar o leque de contatos e relacionamentos, amplamente necessrios para
qualificar o estudo.
Referenciados em diferentes autores que discutem o desenvolvimento da
agricultura (ABRAMOVAY, 1992; ALTIERI, 2004; AMIN e VERGOPOULOS, 1986,
BROWNM, 1969; BRUM, 1988; CAPORAL e COSTABEBER, 2002; CAPORAL e
COSTABEBER, 2006; CARVALHO, 2001; CHAYANOV, 1974; ENGELS, 1981;
GLIESSMAN, 2001; GRAZIANO DA SILVA, 1982; GORENDER, 1994; MARTIE,
1987; MARTINS, 1994; MAZYER e ROUDART, 1997; OLIVEIRA, 2003; OLIVEIRA,
2001; PAULUS, 1999; THOMAZ JUNIOR, 2007a; VEIGA, 1991) procuramos
compreender em que medida h um jogo escalar que contrape os diferentes
agentes (produtores rurais, Estado e empresas privadas) envolvidos nas dinmicas
agrrias.
Confrontando o conjunto de leituras realizadas (teorizao), com os
elementos encontrados na realidades dos assentamentos e acampamentos,
procuramos dissociar, no processo histrico, o movimento de dominao do capital e
o movimento de construo de mecanismos de autonomia e de superao ao capital
gestados pelos trabalhadores.
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Assim, esta tese se apresenta como uma interpretao desta dinmica,
focando a anlise da participao do MST no desenvolvimento da Agroecologia,
uma pequena dimenso, porm, uma rica experincia de construo de alternativas
ao sistema metablico do capital.
O documento est dividido em 4 captulos.
No primeiro captulo, baseado na leitura de autores clssicos e
contemporneos, procuramos discutir a natureza e a lgica de dominao do
capitalismo no campo, fazendo uma discusso sobre o desenvolvimento tcnico-
cientfico, a ao do Estado e seus impactos sobre os agricultores, a agricultura e a
sociedade.
No segundo captulo, destacamos as diferenas tcnico-produtivas entre as
diversas expresses das chamadas agriculturas alternativas ou agriculturas de
base ecolgica, destacando o duplo sentido que envolve estas prticas a
contraposio lgica industrial presente na agricultura da Revoluo Verde e
Agrobiotecnolgica, e o reforo ao capital, pelo vis do Agroeconegcio.
No terceiro captulo, procuramos compreender como o Movimento (MST) se
institucionalizou como uma das principais representaes de luta pela Reforma
Agrria, revelando os projetos polticos, organizativos e econmicos criados para
mediar a luta e a resistncia dos assentados, destacando as travagens e os
avanos do projeto de cooperativizao, mas procurando destacar a nova
roupagem do projeto de emancipao do campesinato tocado pelo MST: a
construo da proposta de desenvolvimento dos assentamentos rurais atravs da
Agroecologia.
Em nosso entendimento, a dominao do capitalismo no campo tem se
ampliado e colocado novos desafios aos trabalhadores, revelando cada vez mais um
sistema de dominao que freia a dinmica de emancipao do campesinato,
mesmo aqueles que partilham desta condio pela via do assentamento rural.
Neste captulo, a Agroecologia foi focada a partir das fundamentaes
tericas com base em diferentes autores, destacando sua proposio como uma
interpretao terica e metodolgica da agricultura, visando uma reestruturao que
coloca a centralidade do campesinato no processo produtivo, mas nega um padro
agrcola (base da produo) e alimentar (esfera da distribuio, consumo)
excludente como o mercado de produtos orgnicos, em defesa de uma
reorientao organizativa da agricultura que priorize a soberania alimentar, a
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sustentabilidade da produo, a Reforma Agrria e uma outra relao entre
sociedade e natureza, entre produtores e consumidores.
No quarto e ltimo captulo, destacou-se o Estado do Paran, sobretudo pela
diversidade de aes conduzidas pelo MST, que tem atuado com bastante nfase
na construo de seu projeto agroecolgico nos assentamentos paranaenses.
Entre as diversas iniciativas, destacamos os encontros e os cursos de
formao, os centros de pesquisa, fruns de debate e formao poltica (Jornadas
de Agroecologia), os assentamentos e os lotes agroecolgicos, a produo
agroecolgica, os bancos de sementes, oficinas, palestras, parcerias e projetos
locais, enfim, uma diversidade de situaes que revelam o protagonismo dos sem
terra do MST do Paran (MST/PR) em relao a outros Estados da Federao.
neste captulo que evidenciamos os avanos e as travagens do MST na
construo da Agroecologia como uma ferramenta da luta na terra nos
assentamentos paranaenses.
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CAPTULO 1
A TRAMA ESPACIAL E O PROCESSO DE DOMINAO DO CAPITALISMO NO CAMPO
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1.1 A LGICA DE DESENVOLVIMENTO DO CAPITALISMO NA AGRICULTURA
A agricultura capitalista surgiu em decorrncia da crise vivenciada na
sociedade feudal europeia. O aumento da produo de excedentes e a eliminao
das reas comunais de pastagens nativas pela apropriao privada, como tambm,
as diversas manifestaes de ascenso econmica e poltica da burguesia geraram
um estado de crise que produziu um lento e gradual processo de transio do
sistema econmico e que, entre os sculos XVI e XIX, resultou no desenvolvimento
do capitalismo, provocando, conseqentemente, novas e intensas mudanas no
campo.
Na literatura mundial, uma interpretao terica fundamental deste processo
foi realizada por Marx (1989b), quando este discorreu sobre o feudalismo, o
campesinato, o capitalismo e a agricultura, afirmando que:
A indstria moderna atua na agricultura mais revolucionariamente que em qualquer outro setor, ao destruir o baluarte da velha sociedade, o campons, substituindo-o pelo trabalhador assalariado. A necessidade de transformao social e a oposio de classes no campo so assim equiparadas s da cidade. Os mtodos rotineiros e irracionais da agricultura so substitudos pela aplicao consciente, tecnolgica da cincia. (MARX, 1989b, p. 577-578).
Para Marx (1989b, p. 578), a agricultura capitalista se desenvolveu pela
explorao ampliada tanto da fora de trabalho, quanto das potencialidades naturais
do solo em produzir alimentos e matrias-primas. Assim, vislumbrando a dupla
irracionalidade do processo de explorao, sentenciou: [...] todo aumento da
fertilidade da terra num tempo significa esgotamento mais rpido das fontes
duradoura dessa fertilidade,
Marx, ao teorizar sobre as leis que regiam o movimento e o desenvolvimento
do capitalismo em seu tempo, revelou como a agricultura da Europa Ocidental se
transformava, sobretudo pela emergncia de um processo dual de mudanas nas
relaes de produo envolvendo o campesinato.
Essa dualidade se apresentava: a) via processo de liberao da mo-de-
obra, ou desterreamento dos camponeses, cujo destino era o trabalho nas
manufaturas urbanas e a formao do exrcito industrial de reserva e; b)
subordinao ao mercado dos camponeses que continuavam resistindo no campo.
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A tese central do pensamento de Marx (1983b) era de que a gerao da
riqueza nas sociedades emanava do trabalho: a ao racional do homem sobre os
elementos da natureza. Para Marx (1983b), desde os primrdios da civilizao, o
processo do trabalho se destinava a um fim: a criao de valores de uso, a
propriedade que os objetos contm de satisfazer as necessidades humanas de
qualquer natureza (fsica, psquica, emocional, orgnica, etc), ou seja, trabalho
concreto.
Para o autor (MARX, 1983b), a relao dos camponeses com a terra e com
o artesanato rural lhes permitia um rol de possibilidades de transformao da
natureza em produtos destinados, primeiramente, ao consumo da unidade familiar
de produo (homens, mulheres, crianas, agregados e animais). Na hiptese da
necessidade de algo mais que no podia ser produzido nessa unidade familiar, pela
troca ou mesmo pela venda, os camponeses obtinham o bem desejado junto a
outros camponeses ou mesmo nas vilas, que estipulavam um sistema de trocas nas
feiras, mas que preservavam nestas negociaes o carter social de trabalhar para
sanar as necessidades de consumo e de vida.
Ao analisar estas relaes, Marx (1983a) concebeu a existncia de valores
de uso expressos nos produtos que eram trocados, pois para os sujeitos trocarem
entre si um saco de trigo por um sapato e um frango, mesmo que houvesse um
mediador comum, no caso, o dinheiro, a ao visava obter valores de uso.
Como valores de uso, as mercadorias so, antes de mais nada, de diferentes qualidades, como valores de troca s podem ser de quantidades diferentes, no contendo, portanto, nenhum tomo de valor de uso (MARX, 1983a, p. 47).
Mesmo no caso da circulao do produto, trocava-se trabalho concreto por
trabalho concreto, porque o trabalho era entendido como um fim em si mesmo, e os
negociadores camponeses na maioria eram iguais.
Antonello (2001), discorrendo sobre as especificidades do pensamento
marxiano sobre trabalho e campesinato, evidenciou que o principal impacto do
avano das relaes capitalistas de produo no campo e sobre o campesinato foi a
mutao do trabalho concreto do campons em trabalho abstrato, transformao
que cristalizou [...] a deformao da atividade humana como trabalho concreto e
prescreve a satisfao bsica do homem, a partir da venda da nica mercadoria que
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lhe pertence: a sua fora de trabalho. (ANTONELLO, 2001, p. 24).
Para Antonello (2001), reproduzindo de forma ampliada este mecanismo, o
capital se difundiu como um sistema de acumulao da riqueza extrada do trabalho
abstrato (trabalho assalariado), cujo fim visa a produo de valores de uso
(mercadorias) que so portadores de valores de troca (valor monetrio que cobre o
gasto com as matrias-primas, com a fora de trabalho), que na circulao no
mercado cristaliza o processo de acumulao do sobre-trabalho (uma forma de
mais-valia), o que conduz acumulao e reproduo ampliada do capital.
Dinamicamente, Antonello (2001) compreendeu que a acelerao do
processo de mutao do campesinato decorreu da maior insero dos camponeses
no mercado. Neste lugar comum, e abandonando o circuito simples de circulao
de mercadoria representado pela vizinhana das glebas e da aldeia, duas novas
foras se impuseram sobre os camponeses e modificaram sua possibilidade de
existncia social.
A primeira fora foi a concorrncia da produo da grande propriedade
capitalista que, organizada em torno de uma racionalidade produtiva superior,
produzia mais. Tal processo contribua para rebaixar o preo mdio dos produtos
agrcolas. Desta forma, capitalizados, os grandes proprietrios resistiam com mais
facilidade aos longos perodos de crise econmica.
A segunda fora situava-se no nvel das relaes de dependncia
estruturadas em favor do capital comercial e industrial, cujas aes na
monopolizao dos circuitos de comercializao e do processamento agroindustrial,
ditando os preos pagos aos produtores, drenavam parte da riqueza gerada pelo
trabalho no campo, fato este responsvel pelo empobrecimento dos camponeses.
Para Antonello (2001), paulatinamente, a conjugao dessas duas foras
minou a resistncia histrica dos camponeses e acelerou sua proletarizao parcial
(trabalho acessrio) ou efetiva, atravs do desterreamento. queles que resistiram a
estes processos de excluso e submisso, a alternativa histrica possvel consistiu
na especializao produtiva em um ramo da produo agropecuria, portanto, no
mais ligada somente satisfao das necessidades da unidade familiar de
produo, mas sim, submetendo a unidade familiar de produo lgica de compra
e venda do capital comercial para colocar os produtos no mercado, relaes que
contriburam para expandir a misria no campo por intermdio da diminuio da
renda familiar e do aumento da jornada de trabalho dos membros da famlia (auto e
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super explorao do trabalho).
Assim, o processo de desenvolvimento capitalista lentamente se sobreps
aos indivduos, ditando-lhes, atravs de um domnio social, econmico e cultural,
novas formas de produzir, de comercializar, enfim, reestruturando as formas de
relacionamento do homem com a terra e dos homens entre si.
Nesse sentido, revelador entender como se desenvolveu, desde ento, um
dos pilares de sustentao das relaes capitalistas de produo no campo: o
circuito de gerao, extrao e acumulao da renda da terra.
Segundo Marx (1985), a agricultura um setor especfico da economia,
possui particularidades no circuito de gerao de riqueza e complementa o processo
de estruturao do capitalismo.
Dessa maneira, a extrao da renda da terra o elemento diferencial para
se entender o capitalismo neste espao produtivo. Por um lado, os proprietrios de
terra camponeses, alm de mdios e grades proprietrios, transferiam a renda da
terra aos capitalistas comerciais e industriais na circulao da mercadoria agrcola.
Por outro, sobre os produtores rurais no-proprietrios, incorporados ao processo
produtivo agrcola na condio de arrendatrios, parceiros, meeiros e demais formas
de aluguel da terra agrcola, o impacto da renda da terra era ainda maior, pois alm
de pag-la na circulao da mercadoria, pagavam renda aos capitalistas
proprietrios j no incio do processo de produo.
A extrao da renda da terra pelo capitalista que arrenda ao campons uma
parcela rural decorre da propriedade privada do solo. Marx (1985) apresentou trs
variaes possveis de extrao de renda nesta relao social. Na primeira, o
processo de extrao da renda da terra surge na forma de renda em trabalho, uma
relao na qual o produtor, para ter acesso a uma gleba de terras do proprietrio
fundirio, tem que trabalhar uma parte da semana manualmente ou com
instrumentos de trabalho (arado, bois, etc.) que lhe pertencem de fato ou de direito,
cultivando outra rea de solo sob o domnio do proprietrio fundirio, sem, no
entanto, receber qualquer remunerao por isso. No segundo caso, a renda em
produtos, quando o acesso a terra mediado pelo repasse de uma parte da
produo do campons ao proprietrio fundirio, que acumula dinheiro sem
mobilizar foras e recursos prprios para tornar a terra produtiva. E, em terceiro, a
renda em dinheiro, quando o acesso a terra feito com o pagamento prvio de um
valor em dinheiro, ou, no caso da parceria, quando h uma diviso dos custos
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(insumos, capital de giro, etc.) entre o proprietrio do solo e o indivduo que vai
cultiv-lo. Neste caso,
Por um lado, o rendeiro, quer ele empregue trabalho prprio ou alheio, tem direito a uma parte do produto, no em sua qualidade de trabalhador, mas como possuidor de uma parte dos instrumentos de trabalho, como seu prprio capitalista, Por outro lado, o proprietrio de terra reivindica sua parte no exclusivamente devido a sua propriedade do solo, mas tambm como prestamista de capital. (MARX, 1985, p. 259).
Em seu modelo terico, Marx (1985) apontou que uma tendncia geral do
sistema capitalista seria a eliminao do campesinato, e em razo deste fato,
somente a grande propriedade poderia resistir, uma vez que o grande proprietrio
possuiria maior possibilidade de investimento de capitais e conduziria de maneira
mais racional o processo produtivo, fatores que condicionariam aos grandes
proprietrios mecanismos de maior resistncia e at de controle (investimento em
agroindstrias), amenizando a extrao da renda da terra em favor de outros
segmentos do capital.
Nessa conjuntura, Marx (1985) destacou que a opo de sobrevivncia com
dignidade do campesinato no modo de produo capitalista estaria situada fora da
agricultura, deixando de ser camponeses e passando a viver no campo ou na cidade
como assalariados. Alm disso, baseado em seus estudos, o autor revelava que, em
vista do empobrecimento dos camponeses, as unidades familiares de produo
eram consideradas uma barbrie, nas quais a conteno do nvel de consumo e o
trabalho excedente em ritmo crescente predominavam.
As anlises produzidas por Marx (1985) tiveram como foco as
especificidades do desenvolvimento do capitalismo na Inglaterra e boa parte de suas
observaes e exemplos focaram a classe operria e o campesinato na indstria e
na agricultura inglesa, onde se difundiu o arrendamento de terras.
Marx (1985) partiu do pressuposto de que para se entender as leis gerais de
um dado fenmeno, o cientista devia estud-lo em que ponto ele se manifestava de
forma superior e complexa. O paradoxo desta metodologia que no perodo
histrico que Marx (1985) produziu sua anlise poltico-econmica, contribuindo para
o entendimento da questo agrria e camponesa, o objeto de estudo apresentava
especificidades mpares nas diversas regies e at pases da Europa, pois
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Na Frana, dominava a parcelarizao da propriedade; na Alemanha, nas regies industriais, prevaleciam as propriedades camponesas, que se transformaram cada vez mais em produtoras para o mercado, ao passo que a Prssia era caracterizada pela presena dos Juncker, os proprietrios de mdia grandeza; nas vastas extenses de terreno cultivvel da Espanha e da monarquia austro-hngaro, reinavam os latifndios semifeudais; a mesma situao existia na Rssia, onde, porm, subsistiam ainda, vitais, as comunidades de aldeia (miry e obsciny). Acrescente-se a isto que, naquela poca, a estatstica agrcola se achava ainda em condies lamentveis e era particularmente difcil o trabalho para o estudioso que, em tal situao, quisesse indicar uma tendncia universalmente vlida. (HEGEDS, 1984, p. 154, grifos do autor).
Uma importante discusso iniciada por Marx (1983a) dizia respeito
reconhecida falta de participao poltica dos camponeses, j que acusava os
camponeses de politicamente isolados, sujeitos de relaes sociais pobres, massa
de manobra na mo dos seus prprios inimigos a burguesia latifundiria,
constituindo um verdadeiro saco de batatas (MARX, 1997).