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Nilton Bonder

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Copyright  © 2006, 2011 by Nilton Bonder 

Direitos desta edição reservados àEDITORA ROCCO LTDA.Av. Presidente Wilson, 231 – 8º andar 20030-021 – Rio de Janeiro – RJTel.: (21) 3525-2000 – Fax: (21) 3525-2001

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Conversão para E-book Freitas Bastos

Foto do autor: Angelo Duarte

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA FONTE.SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE

LIVROS, RJ.B694tBonder, NiltonTer ou não ter, eis a questão! [recurso eletrônico]: a

sabedoria do consumo / Nilton Bonder. – Rio de

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Janeiro: Rocco Digital, 2012.recurso digital

Formato: e-Pub

Requisitos do sistema: Adobe Digital EditionsModo de acesso: World Wide WebISBN 978-85-8122-059-8 (recurso eletrônico)

1. Desejo (Filosofia). 2. Livros eletrônicos. I. Título.

12-3130 CDD-128.3 CDU-128

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Introdução

TER É FUNDAMENTAL, ESSENCIAL 

mprescindível.

Mergulhados em um mundo dconsumo e materialismo, nos vemodiante da perplexidade do que no

aconteceu. Como foi que construímoesse mundo? De onde vem essrealidade?

Um mundo onde o poder é medid

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pela capacidade aquisitiva; onde entretenimento e a celebração aconteceem shoppings; onde os sonhos s

raduzem em consumo; onde os sentidoe tendências partem do mercado. Comfoi que o mundo ficou assim?

Sou daqueles que não acredita eprocessos causados por mergnorância. Penso que responsabilizar gnorância é uma forma de evita

defrontar-nos com outra“inteligências”. Há uma lógica, umverdade, que permeia essa realidad

ndependentemente da moral de ser elpositiva ou negativa, construtiva odestrutiva.

Este livro se propõe buscar o lugar d

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posse, ou melhor, a imprescindibilidadda posse em vez de tratá-la como umpatologia. A própria existência é, po

definição, a posse de um corpo. Ser é tee o ser se inicia com uma posse. Aescolhas da vida terão sempre a form

de uma posse, mas a verdadeira possse configura não apenas daquilo quemos, mas também e de iguamportância, daquilo que não temos

Este é o dilema constante da posse: que ter e o que não ter!

 Nossa existência se manifesta pela

coisas que temos e também por aquelaque não temos, por aquelas ququeremos possuir e aquelas qudeliberadamente decidimos não ter. Est

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que o ter se dissolve na experiência dser.

O ter abstrato, sob a forma de u

privilégio que se adianta a umcarência, é a tragédia produzida pelentativa de evadir-se da fundamental

nevitável deliberação sobre o “ter onão ter”.Toda vez que o “ter” for originad

numa necessidade, se fará instrumento

nutriente do “ser”, ou seja, reforçará medida e a limitação que configuranossa experiência de “ser”. Toda ve

que o “ter” se apropriar de algo qufoge à limitação real do “ser”, quprescindir de uma necessidade real quo justifique, diminuirá o tônus e tornar

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flácida a experiência do “ser”.O “Ter” é, e sempre será, questã

essencial da existência. “Ser” é,

sempre será, questão relativa à matéria.A tarefa desta reflexão é mergulhar n

emaranhado de experiências

manifestações humanas que tornou relação com a posse tão complexa, omelhor, a tornou uma “questão”.

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A reversibilidade em

Shakespeare

TODA FÓRMULA É UMA  reduçãmáxima. É a síntese culminante entrrelações da vida ou da natureza. “Ser o

não Ser? Eis a questão!” estabelece umrelação entre decisão e motivaçãoOptar por “ser” ou “não ser” é o objetde interesse da vida.

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Vamos supor que “ser” e “ter” sãreversíveis, que podem se confundir ucom o outro se o “ter” for compreendid

como uma medida entre o que se “tem” o que deliberadamente “não se tem”. S“ter” for a opção que se origina n

demanda real do momento e não umperativo do imaginário ou umconstrução mental, então há umreversibilidade entre “ter” e “ser

cabível nesta fórmula. Essreversibilidade será o objeto principadeste texto, mas antes que no

dediquemos a ela, se antecipa umdefinição importante: o que é um“questão”?

Essa palavra comporta várias forma

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de compreensão que ficaram evidentequando da tentativa de traduziShakespeare para o iídiche. O iídiche

um dialeto do alemão utilizado por partdos judeus e que se transformou em suíngua franca de exílio. Desconheç

fenômeno semelhante entre outropovos, em que um grupo adota comíngua nacional um dialeto que

referência particular de seu exílio, um

íngua materna que é, na realidade, umíngua madrasta. A singularidade dess

fenômeno curioso é matéria de estudos

mas nos interessa apenas peldiossincrasia de ser uma língua quexpressa “ser” (identidade) sem “terterritório), ou melhor, “ser” na medid

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do que “não tem”.O tradutor de  Hamlet   não consegui

se decidir sobre a tradução exata para

palavra “questão”. Deixando de lado que parece ser o cerne filosófico dfórmula, o iídiche dava foco a outr

ncógnita da equação. Decidir “ser” o“não ser” estava relacionado com “ser questão”. E “questão” em iídichpoderia ser traduzida de diversa

maneiras: como uma  frague  (pergunta)uma shaila  (ambivalência), uma kashidúvida) ou um teiku (paradoxo).

Esses quatro aparentes sinônimorefletem a riqueza de um povo qusempre cultivou o questionamento comum bem cultural fundamental. Acabo

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por gerar um espectro despecificidades ou categorias do qudentificamos por “questões”.

A primeira possível traduçã“pergunta”) significa meramente

procura de uma informação de que nã

se dispõe. A necessidade de respostas uma demanda da própria sobrevivêncie representa uma procura concreta quem origem nas questões do mund

físico. Se não sei, eu pergunto, busco corro atrás. Muitos leem Shakespeardessa forma, ou seja, essa é a pergunt

que devemos nos fazer e ponto.A segunda tradução, “ambivalência”expõe aspectos emocionais dquestionar. No iídiche, “shaila”  era

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pergunta trazida ao sábio por udiscípulo perturbado por um novdiscernimento que o deixava perplex

ou ambíguo. Uma nova percepçãmpacta outras áreas de nossa vida

nem sempre estamos aptos a aceitar ess

nterferência. “Mas se isso é assim.então aquilo não deveria ser assado?” –é como expressaria coloquialmente ndivíduo com uma “shaila”.  A

mplicações de sua conclusão impactaoutras áreas de sua vida e o deixaconfuso. Visões de mundo j

estabelecidas ficam conflitadas por umnova ideia. Essas questões estariacentradas na esfera emocional.

A terceira tradução para “questão”

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“dúvida”, revelava dimensões da esferntelectual. No iídiche, “kashia”  era

as perguntas que os próprios sábios s

faziam quanto à precisão ou acuidade dum aforismo. Conceitos imprecisos nãpodem ser usados como corolários d

outros conceitos. O pensamento precisde ideias consistentes para não sperder em ilusões. A “kashia” buscavaalém da coerência intrínseca de um

deia que ela revelasse, todas apossíveis implicações em relação outras ideias, caso contrário, ameaçari

oda uma estrutura de compreensão drealidade.A quarta tradução, “paradoxo”

remonta à dimensão espiritual. A

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palavra “teiku”  é um anagrama daniciais da expressão “O profeta Elia

dará conta desta kashia”.  Quando o

sábios do Talmud não conseguiachegar a uma conclusão, quando disparate ou a contradição entr

possíveis verdades ultrapassava sucapacidade de esgotar uma questãoconsideravam-nas em aberto até tempofuturos. Era uma espécie de desistênci

emporária da tentativa de harmonizaduas verdades aparentementcontraditórias. A figura do profeta Elia

era simbólica de um futuro drevelações e respostas que hoje spodem ser experimentadas comncongruências. Até a chegada deste

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empos, a incoerência dessas ideias nãas invalida e elas se mantêm em tensãnuma relação lógica que só é aceitáve

de forma intuitiva ou por meio dconvicções que não são comprováveis.

 Nessas quatro dimensões fica

explicitados quatro diferentes mundos –físico, emocional, intelectual e espiritua– cada um relativo a uma possíveradução da palavra “questão”. Esse

quatro mundos, por sua vezcorrespondem a um antigo método dnterpretação que utilizavam o

cabalistas para melhor compreender realidade. Faziam esse desmembramentda realidade nesses diferentes níveipara que, ao remontá-la, pudesse

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observá-la com maior resolução nitidez.

Vamos utilizar o mesmo recurs

entando subdividir a fórmula dShakespeare em quatro esferasUsaremos, em vez de “Ser ou não ser”,

pergunta “Ter ou não ter” e, em vez duso comum da palavra “questão”, aquatro distintas maneiras de decompôa: como uma “pergunta” na esfer

física, uma “ambivalência” na esferemocional, uma “dúvida” na esferntelectual e um “paradoxo” na esfer

espiritual.Portanto, exploraremos os diversoconceitos de:

1) Ter ou não Ter? – esta é a  fragu

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pergunta)!2) Ter ou não Ter? – esta é a  shail

ambivalência)!

3) Ter ou não Ter? – esta é a kashidúvida)!

4) Ter ou não Ter? – este é o teik

paradoxo)!

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Ser e ter 

OSSA TAREFA SERÁ ESTABELECER,  a

ongo de nosso texto, uma trama entr

esses dois verbos. Nossa infância marcada pela tentativa de distinguiesses dois verbos, o que não é nad

fácil. O olhar do recém-nascido que ssente pertencente à mãe e sudificuldade em se separar expressam

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complexidade linguístico-conceitual destabelecer uma diferença entre ser e ter

É essa dificuldade que faz dacrianças grandes consumidores ponatureza. A indústria de brinquedos sabdisso e despende consideráveis soma

em propagandas que apelam para experiência infantil de que “ter” brinquedo será fundamental para que elpossa “ser”. Mesmo em fases maiamadurecidas, quando uma certdistinção entre esses verbos já sestabeleceu por meio da educação e d

experiência, essa questão se fapresente. Tomemos, por exemplo, o temda equidade oferecida pelos pais (opelo mundo) a dois ou mais irmãos

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Poderíamos dizer que aquilo que eleêm, a maneira de perceber o que lhe

cabe em atenção e favores, determina d

forma categórica como eles spercebem. O ciúme e a inveja continuaa comprometer o “ser” com o “ter”.

Parece tão fundamental ndesenvolvimento humano a capacidadde saber distinguir esses verbos que enenhum idioma eles se misturam

Enquanto os verbos “ser” e “estarsuportam em vários idiomas a mesmrepresentação, apesar d

conceitualmente distintos, o mesmo nãocorre com o verbo “ter”. Não há línguna qual o “ter” não precisa sdesenvolver como um conceito distint

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do conceito de “ser”. A trama qubuscamos tecer entre esses verbos cocerteza não é uma regressão a estágio

nfantis de confusão entre eles, mas reconhecimento de que o ato de ser constantemente definido por valores qu

determinam a opção por se ter e não ser. É essa opção, em vez do ato dposse que unicamente concebe o “ternequívoco, que distingue a experiênci

nfantil da experiência madura. Talveseria mais preciso dizer não apenas qu“ser” e “ter” são reversível um ao outro

mas que é o ser que se faz absolutamentreversível a “ter ou não ter”.Os místicos das mais distinta

radições perceberam que essa é a maio

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senso de si. Há uma profunda correlaçãentre a percepção do Ego e a percepçãdo objeto – a percepção do que eu tenh

e a percepção do que o mundo tem.Para os místicos, no entanto, nem o se

determinava a consciência nem

consciência o ser, mas, sim, a múturelação entre os dois.Ser é o ato de valorizar coisas

pessoas ou projetos e torná-lo

demandas da entidade que somos e qugerimos. Esses valores podem ser dordem física, emocional, intelectual o

espiritual para um ser humano. Essa é condição na qual o “ser” determina realidade a sua volta, algo semelhante àdescobertas científicas mais moderna

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de que a presença de um corpo interfercom a física de um espaço. Para omísticos, a realidade se decompõe e

aspectos físico, emocional, intelectual espiritual porque estes são onstrumentos da percepção humana

E aquilo que percebemos determina que somos. Percebemo-nos nessaquatro esferas porque dispomos daparelhos sensíveis que nos permite

sentir presentes nessas dimensõesTivéssemos outros “sentidos”, seríamodiferentes.

Ao mesmo tempo o “ser” existe efunção do mundo a sua volta. E relação dessa função é a possibilidadde “ter”. O ser é construído pelo

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valores que estabelece e a própripercepção da memória nada mais é dque o encadeamento dos esforços be

ou malsucedidos de honrar essevalores. Não é mera coincidência que “valor” das coisas que se pode “ter” é

mesma palavra para os “valores” qunorteiam a existência e pelos quaisomos capazes até mesmo de abrir mãdo existir. Quando morremos por u

deal, estamos “sendo” na busca drealizar um importante valor. Queremoanto “ter” algo alcançado que somo

capazes de comprometer a totalidade dnosso “ser”.O fundamentalismo do Oriente Médi

com seus homens-bomba zomba d

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medo ocidental que não é capaz de fazeo supremo ato e “consumo”, que reverter o seu ser num projeto definitiv

de “ter”. Essa incapacidade dOcidente, mascarada de humanismorepresenta uma forma de apego e fixaçã

que transforma a vida num fetiche. Sevalores, o “ser” não se sustenta. Nãsomos algo que existe  per se,  somouma função desses valores qu

outorgamos à totalidade dpossibilidades que nossos sentidos nopermitem conhecer. A religião é, ness

sentido, a maximização desses “valoresporque os projeta não apenas como querer e a demanda do próprindivíduo, mas, o querer absoluto,

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demanda definitiva, que tem o sujeitnão no Eu, mas no Deus.

Entender valores é fundamental par

entender o “ser” e, ao mesmo tempodelineia as fronteiras do “ter e não ter”Só se valora aquilo que se pode “ter

por meio da sagrada decisão sobre que não ter.

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Valor e valores

A  EXISTÊNCIA É UMA FUNÇÃO  nã

apenas das demandas que percebemo

em nosso corpo, mas da capacidade dadequar essas demandas àdisponibilidades, às ofertas, do mund

exterior a nós. Se o desejo do macacpor banana fosse absoluto, o valor dbanana lhe seria absoluto, total, mas

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motivação por banana pode sesubstituída por outras formas dalimento. A disponibilidade drealidade será determinante na escolhde “ter e não ter”, isso porque uma dadefinições de “valor” é a quantidade drabalho ou esforço necessário para s

realizar um desejo. A quantidade dsacrifício ou de renúncia que se interpõ

entre o indivíduo e sua demanddetermina o valor ou o que “se quer teou não se quer ter”.

Se algo tem um custo excessivo diantde minha demanda, é algo que eu “nãquero ter”. Esse custo determina qu

meu desejo inicial por “ter” se faça mai

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bem representado pela decisão de “nãer”, ou seja, o valor é a contraposiçã

constante daquilo que não se quer ter

que o impulso inicial, desconectado dmundo externo, nos queria fazer ter. Ovalor é a relação entre “ter e não ter

que coloca o indivíduo na fronteira entrseu mundo interno e o mundo externo. Éportanto, a administração econômica dsi no seu sentido mais amplo para u

ser humano e se traduz nas relações dcusto e benefício em todas as quatresferas de nossa percepção.

A mesma natureza dos critérios dutilidade e escassez que determinavalores no mundo físico existirá tambénos mundos emocional, intelectual

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espiritual. A tentativa de precisar ovalores puramente subjetivos relacionais de “ter ou não ter” s

estabelecerá nos quatro mundos, comremos abordar adiante. Não só

carência física dará valor às “coisas” d

mundo, mas também as carênciaemocionais, intelectuais e espirituaisAs prioridades e as limitações dexistência terão grande impacto sobr

essas decisões do que ter e não ter. É nprofundidade e precisão destavalorações que se manifestará

qualidade da experiência de “ser”.Quem é o indivíduo que ao término dsua vida se sente mais realizado narefa de administrá-la? É aquele qu

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melhor foi capaz de estabelecer valoree que, portanto, mais se terá empenhadpara ter certas coisas e para não te

outras.Mas não apenas na contabilidade d

final de nossas vidas esses valore

determinam o sucesso ou não de nossempreendimento. O próprio bem-estaestá associado a essa relação becuidada de nossos valores com o mund

a nossa volta. A correlação entre bemestar e honestidade é das maiprofundas. Só dorme bem à noite que

foi honesto durante o dia. Esshonestidade nada tem a ver com honestidade moral, mas com honestidade para com seus valores – a

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relações que estabelecem o ser em meia um ambiente.

É correto afirmar que a honestidad

compreendida pela moral é retirada dvalores reais que, ao contrário daexperiências extraídas do própri

processo de existir, são uma forma dabstração.As tradições espirituais costuma

discernir essas escolhas entre um valo

ou a satisfação imediata como a grand“tentação” (leia-se “questão”existencial. A tradição judaica indic

uma nomenclatura específica a estquestão: o “impulso ao mal” e “impulso ao bem”. Por “mal” entenda-so atendimento de uma demanda imediat

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em sacrifício de demandas maiores qunormalmente têm a ver corecompensas de médio ou longo prazo

Toda vez que fazemos uma escolha po“ter” desvinculada de algum valorestamos atendendo a um “impulso d

mal”. Esse impulso incorrerá em custossendo sempre o mais grave a falta dbem-estar. O mal, necessário enfatizarnão é uma medida absoluta, ma

relacional do “ser” e do “ter”. A origede todo “impulso ao mal” é a próprinecessidade, ou seja, a própri

imitação ou carência, que é combustível da existência.Sem demandas, não temos lugar n

existência. A experiência de se ter toda

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as necessidades saciadas na fonte de sedesejo é a própria definição da morte. Amorte, mais do que qualquer coisa, é

cessar de necessidades de troca entre entidade e o meio ambiente. O materiafísico continua essa troca, mas

condição orgânica que gerava demandapara preservar seu projeto organizado sdesfaz. Não havendo maipossibilidades de “ter”, não é possíve

“ser”. O “impulso ao mal” é esssagrada seiva das necessidademediatas que se apresentam a u

organismo. Não há como existir sem “impulso ao mal”, o que mostra riqueza desse termo. Ele contém dimensão relacional da existênci

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porque aquilo que lhe é maifundamental para sua construção contéo próprio elemento que lhe é destrutivo

Mas não poderia ser diferente eprocessos que são de equilíbrio. Sempro veneno poderá se fazer antídoto e

remédio se fazer veneno. Para equilíbrio, a carência e o excesso sãgualmente tóxicos.

Já o “impulso ao bem” é produzid

pela cultura. Quando pensamos npalavra “cultura”, imaginamos usistema externo a nós que nos impõ

regras e direcionamentos. No entantoesse sistema nasceu da própriexperiência humana da existênciaPoderíamos dizer que cada indivídu

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“impulsos ao mal” trabalhados pelvalor. Melhor, não existe o “bem”  pese. Aquilo que pode ser um “bem” (alg

bom à existência) é por natureza algque se pode “ter” seguindo-se adireções do valor. Sem valor não h

“bem”. Os seus “bens” serão semprmpulsos ao mal que foram lapidados abem. Sem esse processo de depuração, mpulso ao mal produzirá “males” que

mais cedo ou mais tarde, exercerão seucustos.

A vida é, portanto, um processo d

gestão. Nela cabem não só as ações posobrevivência, mas também aestratégias para sobreviver a uma vidão plena quanto possa ser e que inclu

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ambém a sua continuidade por novagerações. O bem-estar é produzido poessas três componentes – sobrevivência

plenitude (paz) e continuidade – e não alcançável sem a mediação dos valores

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As fases da posse

DIZ O DITADO IÍDICHE  que nascemo

com a mão fechada e morremos com

mão aberta. O processo de vida começcom o apego máximo e deveria culminano apego mínimo. Não há dúvida de qu

a experiência física da vida é ter-se ucorpo. E é com esse corpo o nosscompromisso de protegê-lo e cuidá-l

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para que não o percamos. Ter-se é valor máximo da vida.

Esse valor, no entanto, decresce com passar do tempo. Se eu tenho ucontrato que perdura 10 anos e paguvas por ele, à medida que o temp

passa essas luvas ficam menos valiosasÀs vésperas de seu término, seu valonexiste. O mesmo acontece com a poss

de nosso corpo. Na juventude o corpem um valor incalculável porque se

potencial está maximizado. Até mesmos objetos, que são muitas veze

compreendidos como extensões dpróprio “eu” de uma criança, assumevalores estratosféricos. Costumamos ride uma criança que fica inconsoláve

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por não ver atendido seu desejo por udeterminado objeto. Seu luto é tãprofundo como o de alguém que perde

ente mais querido. Na verdade seconsolo só será alcançado da mesmforma que é alcançado por um adult

enlutado, ou seja, quando a vida lhapresentar uma nova proposta dpossibilidades que lhe faça esquecer perda experimentada.

 Na verdade a criança nos ensina que valor subjetivo de um objeto só pode seobjetivado na troca por outro objeto

as tenras idades esses objetos sãnecessariamente outros objetos, outracoisas físicas que possam mediar perda. Não ter uma coisa só

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concebível pela obtenção de outra coisaO “não ter” é uma troca por aquilo qusubstitui o que se queria ter. Qualque

outra coisa é insuportável.A criança intuitivamente começa

valorar as coisas por sua utilidade

ambém por sua escassez. O que vocquer de presente de aniversário? Roupou brinquedo? Para a grande maioridas crianças, a utilidade está n

brinquedo, que lhe é mais atrativo. Ose num parquinho forem poucos obalanços disponíveis e outro

brinquedos abundarem, não é rarvermos a disputa e a choradeira poconta de se querer a mesma coisa – escasso. Tal como no mundo dos valore

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adultos, a raridade será um parâmetrpara a posse e seus valores.

Esses conceitos do valor vão s

desenvolvendo com nosso crescimentoA inteligência vai reconhecendo oparâmetros daquilo que tem valor

Quanto trabalho dará se eu não fizesso? Quanto vai me custar em tempochateação ou perdas se eu fizer isso onão fizer aquilo? Esses designs vã

rapidamente se configurando em nosscérebro a tal ponto que, em dadmomento, o próprio cérebro se fará u

órgão que discerne valores. Toda nteligência se constitui em formulavalores. Quanto mais abstrato, quantmais complexa a sua capacidade d

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entender em seus prazos curto, médio ongo os “custos e benefícios”, ou seja

os valores, mais inteligente e mai

eficiente será um indivíduo.

Diz a Ética dos Ancestrais1  quexistem quatro tipos de indivíduos. “(1O que diz: o que é meu, é meu e o que eu, é meu – este é o mau. (2) O que diz

o que é meu, é meu e o que é teu, é te

alguns dizem que esta era a prática eSodoma). (3) O que diz: o que é meu, eu e o que é teu, é meu – este é

filósofo. E (4) o que diz: o que é meu, eu e o que é teu, é teu – este é

devoto.”

Ousaria dizer que não são quatr

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distintos indivíduos, mas quatro estágiodo desenvolvimento humano de umesmo indivíduo. Iniciamos n

dimensão física conquistando todos onossos atributos físicos. Ganhamomaestria sobre o uso dos membros, d

coordenação e mesmo da mente em sefuncionamento físico. Aprendemos a noembrar e a armazenar informações qu

nos serão úteis. Crescemos e assumimo

nossa forma física maximizada entre nfância e a puberdade. Esse é o períod

físico que é concluído pel

amadurecimento do aparato sexual, que condiciona nosso sentimento dplenitude não só ao domínio de nosspróprio corpo como também

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capacidade de perpetuá-lo pelreprodução. É a etapa na qual o aspectprincipal da posse é ter coisas.

O segundo momento ddesenvolvimento humano é o momentemocional. O amor será o element

preponderante. Traduzir o amorecebido no amor que será ofertadoransladando as coordenadas paternas

maternas para as coordenadas d

cônjuge ou do amante, será a essêncideste momento. A posse tercaracterísticas próprias dessa fase. Se

etapa física tem seu apogeu nflorescimento de um pênis ou de umvagina-útero, a etapa emocional culminna descoberta de um coração que ama

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que é capaz de assumir ocompromissos necessários para a fasamorosa de conceber, gerar e cuidar su

continuidade. O amante, que é aprendida paternidade ou da maternidade, vive se nutre do coração. É a etapa na qua

o aspecto principal da posse é “teroutras pessoas.A terceira etapa dess

desenvolvimento é mental. Se a vida at

agora se explicitava no físico qudelineava o corpo – o texto dexistência – e logo depois no emociona

que delineava os vínculos – o contextda existência –, a fase de maturaçãhumana leva ao mundo dos símbolos do sentido abstrato. O mundo intelectua

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ou filosófico é um mundo onde virilidade física e a vitalidademocional não podem dar conta do

valores desta fase. Nela, a possadquire contornos distintos. Nesta etapse sobressaem os valores que aponta

não tanto para um corpo que se tem, mapara um corpo que não se terá. Oaspecto fundamental da posse nestetapa é “ter-se” a singularidade de faze

a diferença. É a sensação de que nossavidas têm um sentido.

Quanto à quarta e última fase, nel

preponderam os valores espirituaisEsses valores são os limítrofes de ucorpo que não se terá. A utilidade e escassez que delineiam os valores e

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outras etapas da vida aqui terãcaracterísticas menos físicas, menoemocionais e menos filosóficas. Esse

valores, que não serão maiestabelecidos por aquilo que vale pena, são de grande estranheza par

aqueles que em outras fases objetivavalor pela estimação comparativa outras coisas ou objetos. Nessderradeira etapa a posse se caracteriz

por aquilo que “não se tem”.Cada fase dessas tem uma relaçã

com sua pergunta fundamental: “Ter o

não Ter?” Verificaremos as diferente“questões” de ter ou não ter em caduma delas.

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O nascimento é, sem dúvida, o ato dndividualização. Até o parto, que no

parte de um outro todo, desconhecíamo

a necessidade de definir o que é o “eu”Esse período se caracteriza pelo esforçdo cérebro por executar incríveis tarefa

de autoajuste. Para poder enxergar, cérebro terá que interpretar imagencolhidas pelos olhos e terá quorganizá-las de acordo com padrões qu

ele mesmo possa distinguir. A escutambém será construída, para além do

estímulos do tímpano, pela capacidad

de entender certas configurações padrões que nos farão decifrar estruturado mundo externo relativas aos sons.

Essas interpretações, que no

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sensibilizam por intermédio donstrumentos de nossos sentidos, sã

formadas nesses estágios iniciais d

vida e nos acompanharão por toda a suduração.

Contudo, entre todas as tarefas d

formatação à vida, a mais complexa seraquela que desenvolve um senso de suma fronteira para si e umrepresentação nítida do corpo e d

ndividualidade sob a gestão de nosscérebro. Para o cérebro, assim como uz ensina a enxergar e os sons a escutar

é o ter e o não ter que ensina o nossamanho no mundo.Esse tamanho estabelecido na fase d

nfância nos acompanhará para o rest

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da vida. Podemos otimizar certoaspectos de “nosso tamanho” por meide profundas terapias de reajuste d

nosso olhar sobre nós mesmos, mas serbastante difícil redimensionar o tamanhdo “eu” que se configura nos primeiro

ratos com o mundo a nossa volta. Na dimensão física, ou no estáginicial de nossa vida, a competitividad

é essencial e não há valor maior do qu

“o meu é meu e o teu é meu”Costumamos julgar essa atitude commprópria e socialmente inaceitáve

mas nessa fase ela é a única atitudmoral possível que contém valorCrianças que venham a ser tolhidanessa conquista do “ter” podem se faze

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profundamente desajustadas e invejosadaquilo que para sempre lhes parecerer sido uma posse não reivindicada.

Esse é o período de profundencantamento e namoro com noss“impulso ao mal”. Esse impulso que no

faz querer coisas é essencial nsubstituível à sobrevivência. É momento único em que o desejmediato e os valores se confundem

Atender às demandas do corpo aprender a ser e esse saber será para vida toda. Tome tudo que está ao se

alcance e exerça a sua mão fechada dnascimento. Essa será a única maneirde conhecer o mundo a sua volta, mundo que lhe ensinará que há certa

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coisas que você não quer ter. Cabe amundo, e não à moral, ensinar o que squer ter e o que não se quer ter. Ser

num empurrão mais forte de uamiguinho que resiste a lhe dar o sepirulito que você conhecerá limites a

desejo de ter. São limites que emanados próprios limites de nosso ser e noserão fundamentais no estabelecimentda experiência de ser.

É aqui que conhecemos o sentido dposse. A posse existe. Ela não é, comvemos retratada na moral, algo que nã

podemos levar deste mundo. Essa possque nos dá tamanho nessa etapa iniciada vida é tudo o que levaremos à covaE aquele que não experimento

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profundamente os limites do que querier tido carregará para toda a vid

fantasias de usurpar posses que nã

foram exercidas. Serão ocleptomaníacos assumidos ou não e qusempre quererão tomar algo para si, se

entender a origem dessa compulsãoTerá a ver com tamanhos nãconsumados, com aspectos de nossvisão do próprio corpo físico que não s

estabeleceu por completo. Sãpatologias do ser, originárias ddisfunções na faculdade do ter.

Entre essas disfunções estão o mimo o abuso. A criança mimada pelos pais privada da experiência de conhecer seamanho e sua relação com a posse lh

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parecerá emanar de um direito universade ser um “queridinho”. Não terá tido oportunidade de experimentar “o que

meu, é meu e o que é teu, é meu”, acontrário, conhecerá apenas o conceitde o que há é meu. O limite do outro e

conceito de “teu” ficarão distorcidos econsequentemente, o conhecimento dseu tamanho. Seu impulso ao mal terá sornado exagerado e representará u

desequilíbrio no qual o excesso ddesejos imediatos saciados pelos paidificultará o estabelecimento de valore

para com o mundo.Por sua vez, a criança que sofre toda forma de abusos, de tolhimentoviolentos que lhe impedem de ter, nã

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conhece “o que é meu é meu” desenvolve apenas um tamanho de si qudiz respeito a “o que é teu é meu”. Nã

basta tirar o pirulito do outro parconhecer seu tamanho, é necessárisaber que também há pirulito

destinados a nós além daqueles qupodem ser retirados do amiguinho. Hsempre uma medida na natureza ondsomos cuidados e que produz em nós u

senso de merecimento, sem o qual possibilidade de posse e a experiêncido ser fica comprometida.

A plena posse não é uma obsessãomas, ao contrário, é um estadrelacional que impossibilita desviodessa ordem. Brincar com o se

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carrinho ou sua boneca que você nãempresta a ninguém é uma experiêncimágica que delineia nossa existência

Quem dirá que não guarda incríveimemórias dessas experiências, quandum presente pode resumir a mai

profunda sensação de ser, de configuraum tamanho? O objeto final de possuir possuir a si mesmo.

Serão, no entanto, as derrotas – o

eus que não se fazem meus – que noniciam aos valores. Gostaríamos qu

não houvesse custos no mundo, apena

benefícios. A vida, porém, pertence outra esfera, à esfera dos valores que sestabelecem nas trocas e interações. Avida significa que sempre haverá “meu

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e sempre haverá “teu”. A fusão do teu nmeu não determina tamanho, e não hcorpo sem tamanho. O tamanho é at

onde posso ser, até onde o mundexterno me deixa ser.

Esta é a potencialidade maior d

dimensão física – ocupar disponibilizar para si. Tudo o que é belno físico são atributos constituídos parpossuir. A musculosidade, a destreza,

agilidade e tudo mais que possa tornaum físico belo está atrelado à aptidão der e de obter. O ser físico é uma funçã

direta do ter. Esperar outra forma dmanifestação do mundo físico é nãcompreendê-lo.

A grande “questão” do mundo físico

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uma frague –  uma pergunta, ou seja, é simples coleta de informações sobre que é meu e o que pode se fazer meu

Essas perguntas se dão no universo ddescoberta do uso das coisas e dapessoas. Tomar posse de objetos

pessoas significa a possibilidade dusufruir benefícios e prazeres, mas esseprazeres são limitados ao que determinvalor. São limitados externamente pel

competitividade e são limitadonternamente pela dinâmica e adiossincrasias da gratificação que

posse e a propriedade podem oferecer. Na esfera externa, as perguntacoletam informação sobre até onde spode tomar para si. Até onde o mund

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externo me deixa apropriar e, se não mdeixa, até onde consigo exercer comeu aliado maior, o impulso ao ma

meu desejo do momento. Os primeirovalores se darão cruamente por essncapacidade de tirar o pirulito d

amiguinho. A pergunta por excelência éComo mediar as impossibilidades negociar com este mundo externo dmelhor maneira possível?

 Na esfera interna as perguntas sãaveriguações sobre o próprio prazer. Aposse possibilita também conhecer a

características do próprio ser. Nãconhecemos a extensão do prazer quobjetos ou mesmo pessoas podeoferecer e essa averiguação

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reveladora sobre o ser. Vamos, assimdescobrindo que temos necessidadeanto de variedade e mudança com

ambém de familiaridade. As coisas noentediam e se esgotam no uso e hgratificação no novo. O brinqued

apossado oferece um breve senso dbem-estar e rapidamente se desvalorizem sua familiaridade. Por outro lado, hcoisas familiares, tais como o ursinh

com o qual dormimos, nossos objeto“transicionais”, que têm valoustamente por sua constância

permanência. As pessoas para o mundfísico são objetos – objetos de amorobjetos de segurança. As mesmas leis dfamiliar e do novo se aplicarão a elas

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por isso, as pessoas percebem ncriança uma crueldade típica daquelque mapeia com seu “impulso ao mal”

maximização de si mesmo. Esse não um processo bom ou mal, simplesmente a tentativa de realizar

arefa de ser.Por isso é importante entender o que uma  frague –   uma pergunta. Ser nestmundo significa configurar noss

organismo para lidar com anstabilidades externas e internas. O

cérebro, em sua vigorosa atividade

comissiona o próprio corpo e o envia uma fantástica expedição à cata dnformações. Estas são as questões

Como eu funciono? Como o mund

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CAPÍTULO II

Esfera emocionalTer ou não ter? – esta é a

shaila (ambivalência)!

O QUE É MEU, É MEU – O QUE É TEU, ÉTEU

Esta é a esfera onde se sobressai aspecto emocional. É óbvio quaspectos emocionais estão presentes eodas as fases da vida, em particular n

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nfância, quando nos condicionaprofundamente por toda a existênciaMas se por um lado as manifestaçõe

nos quatro mundos – físico, emocionantelectual e espiritual – se faze

presentes sempre, em fases específicas

algum deles se sobressai compredominante em nossa interação com mundo.

A modificação corporal e

amadurecimento do organismo irãdeterminar modificações nas relaçõecom as coisas e também com aquilo qu

desejamos obter e tomar posse nessperíodo específico da vida. Apuberdade e a maturação da sexualidadrepresentarão esta nova etapa corporal

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com ela uma nova relação com o que squer ter e o que não se quer ter. Serãsempre as transformações corporais qu

anunciarão o início de uma nova fase. Ocorpo é a base na qual se constroeodas as faculdades e experiências d

vida.E é justamente por conta dessaransformações corporais qu

engendram uma nova natureza d

questões que surgem as  shailas,  aambivalências. Nosso querer smodificará gradualmente e a posse ter

contornos distintos da fase anterior. Parmelhor compreender as característicadesta fase onde o foco se concentra natividade emocional, façamos uso d

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uma parábola de Reb Nachman dBratslav:2

 Porque certa vez um rei desejouma princesa e ele então sesforçou e fez estratégias par

 seduzi-la, até que ele a conseguiu E ela então ficou com ele. Certa veo rei sonhou que a princesa s

 posicionou contra ele e o matou. E

então ele acordou. E o sonho lhentrou muito no coração. Então elchamou todos os intérpretes d

 sonhos. E eles lhe interpretaramconforme o seu significado mai

 simples, que o sonho se realizari segundo o seu significado simples

de que ela o mataria. Então o re

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não sabia o que fazer com ela Matá-la o faria sofrer, mas se expulsasse outro a tomaria e isso

irritaria muito, pois ele tanto sesforçara por ela e agora ela iri

 para outro e o sonho poderia s

realizar, de que ela o mataria, poiela estaria com outro. Então o renão sabia o que fazer. Nessínterim, o amor que ele tinha po

ela ia pouco a pouco se acaband por causa do sonho (ou seja, ele jnão a amava assim como antes)

cada vez mais o amor ia sacabando. E assim com ela tambémo amor ia terminando cada vemais, até que ela passou a ter ódi

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dele. Então ela fugiu dele. E o remandou que a procurassem. Echegaram a ele e lhe disseram qu

ela se encontrava no Castelo d Água, pois existe um Castelo d Água e lá existem dez muros, um

mais interno do que o outro, e todoos dez muros são todos de água e  piso do castelo, onde se caminh sobre ele, também é de água

assim o jardim com as árvores e o frutos são todos de água. E  princesa que tinha fugido chego

até o Castelo de Água e elcaminhava lá ao redor do Castelde Água. E disseram ao rei que elcaminhava lá ao redor do Castel

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de Água. Então o rei foi com seu soldados para capturá-la. Assimque a princesa viu isso pensou qu

 pularia para dentro do castelo, poiela preferia se afogar a secapturada pelo rei e ficar com ele

 E talvez ela se salvasse e el poderia entrar no Castelo de Água. Assim que o rei viu isso, que el

corria em direção à água, disse

“Já que é assim...”, então elordenou que atirassem nela e se elmorresse, então morresse. Entã

atiraram nela. E atingiram-ntodos os dez tipos de veneno e elaa princesa, se jogou no Castelo d

 Água e ela penetrou nele e el

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 passou por todos os portões damuralhas de água, pois lá existem

 portões nas muralhas de água, e el

 passou por todos os portões dtodas as dez muralhas do Castelde Água até que ela penetrou dentr

do Castelo de Água e lá caiu  permaneceu enfraquecida.

Quem é essa princesa e quem é ess

velho rei?A princesa é a alma, ou o “ser” no sesentido abstrato. O velho rei é “impulso ao mal” ou o próprio desejoAté um determinado momento de nossavidas há um total encantamento conossos desejos. Eles pautam a noss

existência. Na verdade eles sempr

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pautarão a nossa existência, mas nãmais pela paixão ou pela entrega totaque experimentamos na infância. A etap

de confiança total nos desejos vai sendcorroída pela própria experiência. Aexercer a vida percebemos que acede

constantemente ao desejo não produz eficácia e o bem-estar que desejamos. Odesejo em sua sagrada manifestação dnos fazer querer e obter pode se

perigoso e destrutivo ao organismo qugerimos, ao ser.

Essa descoberta é chocante

desnorteante. Todas as “perguntas(fragues)  de nossa vida haviam sidrespondidas e nosso ser formatado pelanformações obtidas nessa entrega ao

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desejos. Como conceber uma nova etapde vida sem o direcionamento dessa mãnterna, desse instinto e dessa vontade,

qual identificamos como a fontprimordial de nossa sobrevivência?

Reb Nachman captura esse drama d

forma brilhante. É o rei apaixonado e eposse de sua amada que tem um sonhopesadelo. O pesadelo é justamente ambivalência ou a existência de dua

vontades conflitantes. No pesadelo o reprofetiza que a princesa (a alma, o serrá matá-lo no futuro. Essa traição

gradual e se estabelece na desilusãprogressiva em relação ao querer que meu seja meu e o teu também seja meu.

Essa diretriz que havia regido a vid

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até este momento vai se mostrandmenos eficaz na tarefa de preservar organismo. A inteligência adaptativa d

nosso cérebro, ou talvez digamos dnosso ser, percebe no desejo uma mãeamante perigosa e ao mesmo temp

profundamente querida. Estestabelecida uma ambivalência que irser a nova matriz das questões do ser de sua forma de ter no mundo.

 Na história é o desejo que vapercebendo sua gradativa substituiçãpor uma nova diretriz. Essa percepçã

de que irão matá-lo é falsa e verdadeiraÉ falsa porque o desejo é insubstituívena interação entre o organismo e mundo. Mas é verdadeira na medida e

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que há uma traição e o desejo terá qucompartilhar sua amada com outrdirecionamento. Esse compartilhar

naceitável à natureza do desejo e, poconta disso, se estabelecerãambivalências que obrigarão a princes

a fugir.É este o momento em que o “impulsao mal” se revela em toda a supotência. Até então o desejo s

confundia com o ser – era uma paixãoMas o ser “foge” demonstrando-smaior e independentemente do desejo d

momento. Há desejos para além dmomento, desejos estranhos que nãquerem ter o que se quer ter. O desejdo momento – o impulso ao mal –

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resiste a essa traição e se sente ambíguem relação à sua amada. Antes ela erambém objeto absoluto de seu amor

disso se produzia muito bem (muitobens!). Mas agora não é apenas o sebem que lhe interessa, mas sua poss

ncondicional. O rei não se furtará eferi-la ou prejudicá-la em sua agendque não é mais comum a ambos, mapessoal, e a princesa percebe isso. O at

então perfeito, viril e idealizado amantse mostra cruel e capaz de abusos. E princesa, o ser, se protege... Protege-s

de si mesmo.Quão ambíguo!Entendemos aqui a própri

ambivalência do termo “impulso a

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mal”. Esse impulso é sagrado diabólico ao mesmo tempo e não spoderá tratá-lo a não ser dessa form

ambígua. Qualquer outra tentativa dcaracterizá-lo como santo ou comdemoníaco separadamente não permitir

as  shailas  (questões/ambivalênciasdesta nova etapa. E dessas shailas é quse produz a sobrevivência e se exerce ser. Não há como evitá-las. Se o desej

for santo, seremos prisioneiros de umforma de vida destrutiva ou que nooferece menos do que a vida pode no

ofertar. Afinal, “o que é meu é meusignifica que não estou disposto a vivemenos. Não tenho a intenção de deixapara lá o que é meu. Mas, se, no entanto

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a vida me oferece algo que não alcançapenas com o querer de meu desejmediato, então sinto muito, mas o re

será traído. Por outro lado, se o desejfor demonizando tudo o que foformatado e configurado por ele

passará a ser um inimigo em nómesmos e não teremos um ser parexercer. Iremos nos sentir perdidos estaremos recusando o mais sagrad

parâmetro de nosso ser, que é o desejoTambém estaremos, assim, abrindo mãdo que é “meu” e isso é inconcebível.

A princesa foge. Essa é característica maior desta etapa.A princesa foge porque sabe que u

“impulso” que não pode mais se faze

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um senhor absoluto ou um amantexclusivo se torna um impulso epotencial ao mal. A princesa perceb

com grande terror que não pode confiaunicamente em seu impulso. Traidora culpada, a alma faz a única opçã

possível: a opção por si. Mas o que sera opção por si sem estar fusionada coo desejo?

Em seu conto, Reb Nachman usa

magem de um castelo de águas sob qual a alma-princesa se lança. Esssalto tão assustador que, de tanto e

anto, temos que realizar é um salto dfé. Para Reb Nachman o castelo dáguas que salva a princesa é a Torá, aEscrituras, os direcionamentos do

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valores. As águas representam a Torá, mundo dos valores que fazem mediação entre o desejo e su

potencialidade de se tornar um “impulsao mal” com o intuito de salvaguardar ser, ou talvez melhor, as água

representam a vida, a Árvore da Vida.Toda a nossa experiência de ser estcircunscrita na dimensão da Árvore dSabedoria (que é também a do Bem e d

Mal). Toda a construção do nosso ser sbaseia na inteligência orgânica que vaestabelecendo registros de bem ou ma

para as coisas do mundo. Todos osentidos são construídos desseregistros que contrapõem coisas cocoisas e estabelecem critérios. Esse

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critérios se materializam em visão, eescuta, em odor ou em tato, mas de tantem tanto temos que saltar num outr

mundo, num vazio vivo de águas que nãé mais orgânico, ou seja, sapiencial, mafeito de vida.

A sabedoria depende de um corpo, dum organismo. A vida independe. A videm outra agenda e fará uso desse corpransformando-o para conformá-lo

essa agenda. Em outras palavras, “sernão é o objeto final e veremos isso núltima das esferas, na esfera espiritual.

Essa é a surpresa (sonho-pesadelo) dum indivíduo – é que nele hnformações ou imperativos que irãransformá-lo e o corpo do qual emana

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os desejos não mais será o mesmo pooda a existência.

É nesse momento que a princesa s

ança no desconhecido vivo das águasdo palácio de águas. Esse palácio é “impulso ao bem”. Esse é o novo re

distinto do rei velho. Adúltera ambígua a alma-princesa terá doiamantes e terá que conciliá-los: um serpor ora amante e o outro cônjuge e o

papéis se inverterão dependendo dmomento e ocasião.

Mas como pode a vida nos propo

uma atitude adúltera e ambígua?Essa, porém, parece ser a suproposta, ou seja, ser infiel a ambos oseus amados e descumprir com modelo

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mutáveis do tipo “até que a morte osepare”. A vida empurra e nos usa paralém do ser. E nessa corrente voluptuos

o ser tem que encontrar formas de ser de estabelecer sua identidade num corpmutante.

 Na história, a alma-princesa resgatada no palácio das águas, mas nãsem se deixar flechar por dez flechas dez venenos. Cada um dos De

Mandamentos de valor deixará máculano ser e essas feridas serão feridas para vida. Feridas que serão  shailas

ambivalências. Mas essaambivalências, em vez de noabandonarem perdidos, serão elas qunos constituirão e serão elas que no

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não querer o brinquedo do amiguinhporque ele é mais forte e temer o custde levar um empurrão. Esse desejo d

“não ter” será novo porque tomará econsideração o desejo de um outrrompendo com a noção de posse que s

esgotava unicamente no próprindivíduo.O desejo vai descobrindo que

mundo não só é composto por coisas

mas por coisas que também desejam. Epara se ter posse de certas coisas quambém desejam, temos que conjuga

nossos desejos aos seus desejos. Essa uma nova ordem da posse: para termosdevemos aceitar que os outros tambéenham.

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Essa, no entanto, não é uma atituddadivosa e meritória da visão moramas uma adequação prática ao mundo

nossa volta. A moral e a cultura serãmportantes instrumentos na construçã

de discursos e visões que favoreça

essa nova condição da posse. Mas nãsão elas que sustentam concretamentesse novo paradigma que surge nexperiência do próprio indivíduo

inguém cumpre o que a lei diz somentporque ao seu descumprimento estãatreladas punições físicas o

psicológicas. Isso só pode funcionar ecertas ocasiões e de forma muitimitada. Elas são cumpridas porque ndivíduo as compreende com

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mportantes e favoráveis a ele. Há udiscernimento moral, uma inteligêncinova que ainda é orgânica, mas qu

extrapola o indivíduo em si.Esse afeto, como bem diz a palavra

expressa aquilo que em você me afeta

Uma criança não amará seus paideixando-os dormir mais para questejam descansados. Qualquer tentativde impor essas projeções morais sobr

as crianças não reflete a experiência poelas vividas. A experiência afetiva teseu foco no “meu é meu”, mas nu

mundo onde mais e mais a componentdo “teu” terá utilidade no exercício dposse.

O que é “teu é teu” é uma concessã

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para que se possa ter o outro. Já que outro é um outro que também quer ter se essa é uma condição inequívoca a

outro, então que ele tenha. Isso de formalguma elimina o constante impulso dque o que seja teu seja meu. Mas eu

resisto de forma ambígua e conquisto que é teu é teu como uma possmportante para o meu ser. Isso també

não significa que tudo o que o outr

deseja seja aceitável e passaremos boparte ou a totalidade da vida tentando posse de “coisas que desejam” se

aceitar-lhes a plenitude de seus desejosMas teremos que buscar um meio dharmonizar essas situações porque essa“coisas que desejam” irão se impor nã

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abrindo mão de seu “o que é meu meu”.

O que é “teu é teu” estabelece

possibilidade do encontro.Esses encontros são fundamentai

porque deles advêm as parcerias e

coletividade, mas, mais que tudo, possibilidade de eleger companheiropara projetos emocionais no qual sdestaca obviamente a procriação. Par

acasalar é necessário admitir que o qué “teu é teu”. Mesmo nas culturas mairadicais que oferecem aos homens u

poder abusivo e desmesuradoransformando as mulheres quase eobjetos sem desejo próprio, mesmassim há cortejo e o reconheciment

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ácito de um espaço a ser ocupado poesse parceiro. O outro continua podendser tomado, possuído num estupro, ma

o amor que permite a construção de uprojeto de parceria terá que conhecer doação.

Assim como para maximizar a possse tenha que aprender a ter e também não ter, para maximizar o “meu que meu” tenho que aceitar que o que é “te

é teu”. Essa é a inteligência emocionaque permite os namoros que são acasalamento de desejos de dua

entidades que desejam. A incapacidadde acasalar esses desejos é uma formde mau desenvolvimento, na qual undivíduo tem limitações em otimizar

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Os pais amorosos, no entanto, saberãevitar essa posse infantil, física, e tornáa uma posse emocional onde tolerarã

formas de “ter” que conflitam com asuas. O filho que não é médico e facarreira na música pode desafiar a

expectativas de posse de um de seupais que sonhava com essa posseconquista. Quanto maior a tolerânciamaior a capacidade de experimentar

ambivalência emocional e mais amorosserá a figura do pai, do amante, damigo ou do concidadão.

É importante reconhecer que nâmbito emocional a doação é semprcondicional. A incondicionalidade não emocional porque o emocional pertenc

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à dimensão do “o que é meu é meu e eu é teu”. Só existe a disposição de “te

ser teu” se o “meu for meu”. Por isso

amor sempre compreenderá algumforma de fidelidade. Pode ser fidelidade mais branda possível, mas s

não existir, não haverá vínculo parceria. O amor incondicional não emocional e, sim, de outra esfera, comveremos adiante. Ess

ncondicionalidade não pode seestabelecida pela emoção porque, podefinição, ela é uma troca. Na esfer

emocional, amar o outro não basta sealguma correspondência. O amor qupode admitir sacrifícios, às vezes dprópria vida, ainda assim é circunscrit

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à expectativa de que algo do indivíduseja mantido como seu.

Os traídos se sentem feridos por alg

que era seu e que lhes é negado. Acondição emocional é rompida porque outro não foi capaz de cumprir com

contrapartida de que “o meu é meu”Quando nossa sociedade, por exemplose volta aos grandes modelos drelações abertas em que o amor s

mostra destituído de alguma ordem dposse, veremos que não são expressõeemocionais, mas pertinentes à dimensã

ntelectual. Não é de se surpreender quesses modelos são invariavelmentcompostos por casais que pertencem ntelectualidade e se manifestam mai

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pela posse de “o meu é teu e o teu meu”, como também veremos adiante.

Se for emocional, compreender

correspondência. É verdade que existeformas mais brandas de troca e neodas as modalidades emocionai

quererão constituir uma família ocompartilhar um apartamento. Essamodalidades poderão se valer dconvenções diferentes e preservar certo

aspectos de sua liberdade. Mas sejaquais forem, terão que ser recíprocas aoutro. É esse direito à reciprocidade qu

caracteriza o vínculo emocional. Oquanto de “meu” houver, na mesmmedida, tanto de “teu” deverá serespeitado. Pode haver variações d

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comportamento, mas todas terão qurespeitar essa reciprocidade; poexemplo, há os que não criam vínculo

porque têm dificuldade de lidar com ambivalência emocional e preferem teposse total, física, pelo tempo que s

fizer possível do outro, transformando-num objeto sem desejo, um apropriadoDaí as novas gírias que falam d“ganhar” ou mesmo “ficar”. São forma

de definir relações com o mínimpossível de comprometimentemocional e que fazem do conceito d

sexualidade ou do companheirismo umcomodidade física, de posse absoluta –“o meu é meu e o teu é meu”. Taiopções representam grave

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mpedimentos à posse verdadeira endem a se perder com facilidade.

Há também os que se contenta

simplesmente com flertes e com a falssensação de que estão sempre abertos àoportunidades do momento. No entanto

sem algum nível de risco presente nambivalência, na troca e no vínculoamais exercerão posse. Essendivíduos incapazes de se descolar d

esfera física experimentam os feticheque são uma falsa sensação de posse. Ofetiche tem por função evitar que o outr

enha posse; no entanto, negando-lhe seoutro, não se fará possível possuí-lo nesfera emocional.

Os novos valores do mund

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emocional serão estabelecidos poequanimidade. O “tu” será esse outrque deixa de ser “isto” para ganhar

caráter equânime de ter direito de que que é “teu é teu”. O diálogo e arelações são fomentados por ess

parceria. Todas as formas de famílias de sociedades se constroem dessmaturidade na questão da posse.

Essa equidade exige uma fidelidad

que é, em si, a grande traição a“impulso ao mal”. O velho rei sabe dperigo que é a constituição de contrato

e expectativas que o reprimem condenam seu desejo constante por umposse sem concessões. O amor aooutros sempre se colocará e

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Amar é estar no limiar de trair a si oo outro. É da correção e da adequaçãdesses constantes e ínfimos atos d

raição que se é emocionalmente. O“ser” está diretamente relacionado aquanto se tem de si e do outr

ambiguamente entrelaçado num vínculque se faz entre dois organismos. Eles susam mutuamente e se nutremutuamente. Não há como ser se

nteração. O emocional é o casamentda alma com o rei velho e com o renovo, com o impulso ao mal e ao bem

essa bigamia tensa e ambígua sexperimentam as benesses de que “meu seja meu e o teu seja teu”.

É fundamental compreender que

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mundo emocional é um mundo dvalores ainda baseados inequivocamentno recebimento. Não é um mundo d

doação como se costuma apregoar. Essé a grande beleza e a vitalidade dmundo emocional. Mesmo com sua

concessões, ainda assim é um mundo dposse e cuja característica principal omar. Tomar, mas não sem se ferir co

dez flechas.

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mental, será o mais viril dos aspectoorgânicos do ser humano. A capacidadde distinguir designs no mundo e n

realidade a sua volta capacita, atravéda experiência de vida, um potenciaque se sobressai nesta nova etapa. É

óbvio que o mental está presente eodas as outras etapas, assim como físico, o emocional e o espiritual, masua maturação acaba por ditar

endência do momento e outorga à mentuma enorme influência.

 Não se trata de racionalidade; a

contrário, esses designs são, na maioridas vezes, desafios e a contramão dracionalidade. O filósofo não é racionaporque seu interesse e estudo são a

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descontinuidades da racionalidade e aarestas entre as estruturas mentais, aconcepções e a realidade. Onde

pensar e o mundo não se encaixam, alse encontra o ser. Ali se encontram adistorções que se originam n

experiência do ser.Essa talvez seja uma questãexuberante da existência. Sempre quexistirem ilusões, ou seja, discrepância

entre visão e realidade, entre versão fato, haverá vida, haverá a experiêncide ser. As ilusões são a prova maior d

existência e de que naquele lugar duniverso ocorre o fenômeno do desejde demandas orgânicas que priorizam seu querer e a sua posse à realidade d

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meio externo. A vida é o lócus possíveda ilusão. E apesar de a ilusão ser umdeformação, tal como ficam perturbado

ou deformados o espaço-tempo com presença de um corpo, é nela que smanifesta a experiência de “ser”. Esse

desejos de “ter” que geram ilusões são reverso da mesma moeda de se podeexperimentar “ser”.

Essa é a função de qualquer terapia

ajudar a gerir a diversidade dexperiências do paciente, ajudando-o perceber suas ilusões e a deformação a

seu redor. O que era “meu” e não se fe“meu”, as famosas injustiças, só sãdeterminadas por esse lugar onde hvida. A posse, ou melhor, o desejo d

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posse, é a única prova consistente dvida. Onde não há esse desejo não horganismo, não há vida. A vida se defin

pela posse e nenhuma outra categoria direspeito única e exclusivamente à vida.

E o local supremo das ilusões é

mental. É ele que dá suporte às ilusõehumanas. E é esta a sua função maior nsobrevivência: gerar uma plataformpolítica e estratégica para a vida. Não

à toa que esses designs mentais tentarãelaborar a noção de justiça. A justiça é moldura necessária para expressa

minhas demandas para com a vida egitimar meu direito à posse. Para tal, mental estará sempre tendo quresponder não só às perguntas gerada

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pelas demandas de posse como tambépelas ambivalências emocionairelativas à posse.

É nessa dimensão mental que grandparte das posses que experimentamoacontece. Encontramos uma vast

iteratura moral sobre a ilusão da posseela se diz que não existe posse e quudo pertence a D’us e que somo

apenas inquilinos, usuários temporários

sem direito a qualquer posse sobrqualquer coisa deste universo. Essmoral, por mais que represente um

forma de correção das ilusões quproduzimos para melhor adequar o “sera seu mundo, não pode ser tomada dforma absoluta. Extermine as ilusõe

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mundo emocional tenta harmonizar “meu é meu e o teu é teu”, o mundmental, intelectual, faz estranha

ncursões na possibilidade abstrata dque “o meu é teu e o teu é meu”. O ditMercado e os investimentos qu

misturam de forma extremamentcomplexa e ilusória as posses é dcompetência mental. Entender essntrincado emaranhado da posse n

dimensão mental é desvendar ummportante componente da experiênci

do ser em relação ao ter.

Até agora a posse estava circunscritao tempo presente. Os desejos de possna esfera física e emocional são semprpresentes. O desejo é uma manifestaçã

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prospecções e análises tentandantecipar os acontecimentos vindourosÉ neste lugar virtual que se processa

escolha capaz de conceber que o “meseja teu”.

O MEU É TEU E O TEU É MEU

O tempo presente é incapaz de abrir mãdo que é “meu é meu”. O máximo que

presente permite, na esfera emocional, aceitar que o “teu é teu”. Na esferfísica sempre tudo terá que ser “meu”seja o meu ou o teu. É verdade que nãconseguimos estabelecer nosso poder dposse sobre tudo. Deparamo-nos com desejo do outro que se impõe e, a

proteger o que é seu, não nos permit

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posse sobre o dele. Mas mesmo que nãa tenhamos, ainda assim continuamos nexpectativa de que o “teu seja meu”

Essa expectativa nunca é perdida mesmque a força imponha algo diferente dque é o nosso desejo. O físico quer par

si, sempre.Quando concebemos que o “teu é teu”na esfera emocional, o fazemos parpoder ter posse sobre o outro. Ess

posse não é mais uma interação coalgo estático, mas com outro sehumano, e pressupõe uma relação. Nã

seremos amados se não concedermos àdemandas do outro. Essa compensaçãque permite ao outro “ter” como nóemos não é conceitual e não conté

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elemento dativo, doador, na posse ele socorre diante da concessão de que “teu seja meu”. Impossível de se

concebida na arena da demanda dmomento, a doação é uma possibilidadna troca e na solidariedade. Eu te dou s

você me dá. Eu te empresto se você mempresta. Essa equidade estabelece possibilidade de se abrir mão para quse possa “ter”. É justamente no menta

que se viabiliza o mercado de trocas. Arocas não são ambíguas porque sã

simétricas. As trocas estabelece

“dúvidas”, como veremos adiante. Nãhá ambivalência na troca porque o “tenão é teu”, é o meu que ficou sendo teuporque o teu ficou sendo meu. O menta

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não tem que reconhecer o outro porqunão precisa ter posse sobre ele, manterage com o outro para ampliar su

posse.O mental é paralelo ao físico num

nstância mais sutil, assim como

espiritual é paralelo ao emocionaambém numa instância mais sutil. Omental cria artifícios que lhe permitauma posse maior, um investimento par

além da posse imediata. O futuro concebido por meio da faculdade mentade perceber as causas e consequências

A possibilidade de antecipaconsequências nos municia com possibilidade de construir modelos. Sãmodelos criados também pela percepçã

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de designs e que nos fazem ver que teremais posse, de que mais será “meu”, smomentaneamente eu fizer o meu, seu

para poder, mais adiante, fazer do seumeu. Esse é o princípio dos juros e doda a sorte de dividendos.

O objeto deste mundo é a concepçãde uma posse maior e mais ampla que sproduz na esfera mental. Não se trat

aqui da posse de algo nem da posse dalguém, mas da posse sobre possíveiposses, a posse necessária para atendedemandas que ainda não existem. Dalguma maneira o mental vislumbra possibilidade de ter posse sobre própria posse.

Por trás da ideia de que “o meu é teu

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dinheiro. O dinheiro é a posse mental dalgo de que ainda não necessito, omelhor, a possibilidade de fazer a poss

ranscender a mera condição de estaconfigurada nas necessidades físicas.

Por isso o mental é um físic

aprimorado, um físico com valoagregado. Se por físico representa-sudo aquilo que tenho que gerir sobr

mim mesmo, o mental inventa um físic

maior sobre o qual se deveriadministrar. Tratava-se de tudo o que físico pudesse ter necessidade n

momento acrescido de tudo o qupudesse vir a necessitar no futuro. Essnovo desejo de valor agregado não mairespondia por aquilo que quero agora

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mas pelo que posso vir a querer. Essnova relação com a posse não é maiambígua porque retoma a “questão” par

si, tendo no outro não um parceiro a teseu desejo respeitado, mas o outro comobjeto de maximização de minha posse.

O outro e o mercado que estestabelece comigo ampliam apossibilidades de posse. Não só porqupor meio da solidariedade posso toma

dele para mim (teu é meu), o que poreciprocidade permite a ele tomar dmim (o meu é teu), como posso fazer us

da exploração e de forma desigual fazeo teu mais meu do que permitir o “meser teu”.

Esse é o design que o orgânico menta

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percebe: tenho interesse no “meu é teu eu é meu” porque posso obter a

vantagens da segurança e da exploração

Ambas formas oferecem valor agregadà posse. Sim, é verdade que abre a portpara a possibilidade de eu ser

explorado, ou seja, que mais “meu sejeu” do que “teu seja meu”. Nãmporta, o jogo ou a possibilidade d

ganho, de agregar valor a minha posse,

atraente o suficiente para enfrentar risco, afinal o orgânico está programadpara buscar mesmo com risco, a melho

gerência de si.Veja-se que essa atitude em si não destrutiva, é orgânica. Querer explorar outro é apenas a descoberta de que

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outro não é apenas um objeto a sepossuído, mas o outro pode ser uprodutor constante de outras posses par

nós. E de certa maneira as sociedadesão constituídas com esse objetivo, oseja, de solidariedade ou exploração. É

claro que a justificativa para a adesão essas sociedades é apresentada pelperspectiva de solidariedade. O mepode ser teu, se um dia o teu puder se

meu. Quando os idosos, por exemplo, saposentam, alguns o fazem na condiçãde solidariedade, outros na qualidade d

exploração. Por solidariedade estão oque trabalharam quando jovens parsustentar os idosos de seu tempo. Apóerem feito “o meu ser teu”, usufruem

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“teu ser meu”. Mas há a possibilidadde desigualdades e outros acabarerabalhando mais ou por mais tempo

fazendo mais do “teu ser meu” do que “meu ser teu”. Essa proposta societárise inicia com o desejo de solidariedad

e de exploração. Apenas quanderminamos na condição daqueles quêm que abrir mais mão do “meu” o qu

o outro faz ser “teu” é que reclamamos

questionamos a validade, o design dessogo mental.

Há neste jogo, como dissemos, uretorno ao conceito físico, isso porque como se “o meu é teu e o teu é meu” sfundamentasse no desejo oculto de qu

“o meu é meu e o teu é meu”. Ess

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desejo físico nunca será suplantado. Elestará sempre como fundo de nossexistência. Na dimensão emocional el

se apresentava e na dimensão mentaambém. Esse desejo não é imoral,

apenas orgânico. Será sempre em nom

desse orgânico que nos faremos bons oamorosos. Qualquer valoração de atoou condutas será sempre em função dpromover a causa do indivíduo e se

mperativo de gerir-se. Não é na motivação que esse model

gera “questões”. Seu problema maio

está no fato de que a posse projetadpara o futuro pode não ser um desejreal. O dinheiro que guardo para moferecer segurança ou para saciar u

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avançar ou retroceder, de expandir ocontrair, de atacar ou fugir são reações enunciados da própria vida. A

sobrevivência exige essas decisões, manão nos compete mais do que respondee reagir às situações que se coloca

diante de nós. Mesmo as ambivalêncianão passam de um subgrupo daquestões, e nelas se estabelececontradições e complexidades, ma

ambém elas lidam com respostas dentrda circunscrição daquilo que a vida noapresenta. A dúvida, no entanto,

produto da incursão não só na soluçãdos problemas, mas na alteração de seuenunciados. O mental e sua virtualidadnão apenas tomam as possibilidade

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reais diante de si, as “questões” que vida apresenta, mas criam modelos propõem novos problemas. “E se foss

assim ou assado?”, pensa o humanoMas se as coisas não são assim, por quse preocupar e produzir prospecçã

sobre condições que não existem? Aresposta é que fazemos isso por conta dpossibilidade de posse.

A grande tensão do Livro de Gênesis

da Árvore da Sabedoria da qual provaAdão e Eva não está em que venham usufruir seu fruto para dar conta da

questões e ambivalências da vida. Aensão está no fato de que mais do qusoluções sábias a suas questões, ohumanos viessem a se intrometer n

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própria Árvore da Vida questionando sabedoria da própria CriaçãoAbandonando a condição de mera

criaturas, quereriam se fazer críticos dprópria Criação e se outorgariam o lugade consultores ou até mesmo daquele

que poderiam com seu julgamentpropor uma Criação melhor. MonteirLobato captura, em  A reforma dnatureza,  o imaginário humano em su

capacidade de propor novos enunciadoe querer que os problemas se fizesseflexíveis para se adequar a resoluçõe

desejadas. Em vez de lidar co“imperfeições” é melhor modificar ademandas e as proposições e ampliar possibilidade de perfeição.

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Por isso o homem de hoje não spergunta mais como curar doenças, mase pergunta se será possível um di

extingui-las de todo. A engenharigenética não está mais pensando apenanas fronteiras da cura, mas no fim d

enunciado que propõe o envelhecimente a morte. Enquanto as questões e aambivalências se perguntam “Como?”“Quando?”, “Onde?”, “Qual?” o

“Posso?”, as dúvidas se originam nousadia da pergunta: “Por quê?” Quedeterminou que os enunciados seja

estes diante de mim?A determinação do espírito humano dse envolver com as estruturas, despecular sobre si e sobre sua condiçã

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como relativas e não absolutas, faz de se do mundo um projeto aberto, tornanda individualidade e a realidade u

mistério. Mas não há mistério no mundoO mistério é a intercessão entre o desejhumano e a realidade; entre

expectativa de justiça e o destino.E este é o drama do humano que sserve do fruto proibido: ele não tecomo se honrar sem suas ilusões e sem

seu mistério. Assim, o ser humano scercou de dúvidas sobre si e sobre mundo. A mais popular das dúvidas s

expressa sobre Deus – se existe ou nãexiste. Mas perceba-se o quãdeslocada é esta “dúvida” que esconda verdadeira angústia, ou seja, “e

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existo ou não?”. Qualquer prova dexistência de Deus recorrerá à lógica dustiça e da ordem que normalment

favorecem a mim e minhas posses. Deuexiste na medida em que meus desejoenham prioridade à realidade. E

outras palavras, será que eu somerecedor não só de soluções parminhas questões de vida, mas também dmodificar os enunciados para melho

contemplar minhas demandas?O mental produz as dúvidas, a

kashias, e elas atormentam o nosso “se

ou não ser”. E será que nós somos? Eserá que o mundo é? E será que Criador criou? Todas as instâncias sãrelativas e as dúvidas passam

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angustiar o senso de si. Quanddesafiamos limites e fronteiras, não hmais um território demarcado e a

ndefinições ampliam seu potencial.Por trás de todo este mundo d

experiências está o mental e su

capacidade de abstrair e produzimodelos. A mesma faculdade qupotencializa novas áreas de competêncihumana é também a que aprofund

ncertezas e produz dúvidas. Elas geranovas perguntas que são estruturais. Nãmais é a questão de onde encontra

comida, mas quanto comer. Não mairesolver seus problemas, mas por qunão criar novos problemas. Não maisobreviver ao destino, mas por que nã

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questionar o destino. Não mais dar contde mim, mas quem sou eu e por que sodesse jeito?

E isso se verifica particularmente nposse: O que pode ser meu que esequer necessite agora? A posse que at

então era o controle momentâneo de algnecessário para minha sobrevivênciaperde a sua limitação e se torna umconquista infinita que supre minha

dúvidas e me dá uma individualidadeão é mais relativa ao conjunto d

necessidades do momento, mas do nov

conjunto de tudo que o futuro pode gerade demandas.O mundo mental é capaz de valora

não só o presente, mas de tentar

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ncrível tarefa de valorar o futuro. Macomo se pode valorar sobre demandaque ainda não existem? Como atribui

preços ao futuro quando este não é realmas uma construção virtual que substituexperiências imediatas por modelos

sso só foi possível com o advento ddinheiro. O dinheiro produziu possibilidade de se “ter” desvinculadda posse de algo real. O ser human

construía um poderoso instrumento dampliar suas demandas na dimensão dposse que não eram mais apenas física

e emocionais, mas mentais.O dinheiro faria do que é meu seu e dque é seu meu porque não há objeto dposse no dinheiro, a não ser

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virtualidade de tudo que ele pode vir comprar e se tornar. Quando tenho umnota de cem nas mãos, tenho o meu e

seu e você com sua outra nota de ceem o seu e tem o meu. Ambos temo

posse e ambos não a temos. E com iss

as questões e as ambivalências se fazedúvidas. As primeiras eram sobre posse em si, agora dizem respeito asujeito da posse. Quem é esse que

capaz de “ter” o que não necessita? Donde emana a legitimidade e a razão dposse se a definição de sujeito s

modifica? Qual o valor existencial como a realidade pode acolher asoluções para as quais ainda nãexistem problemas? Há qualquer valo

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em enunciados que sejam construídos partir de soluções? De ofertas para aquais ainda não há demanda? Essas sã

as dúvidas.

DINHEIRO – A POSSIBILIDADE DE TER 

 NÃO TENDOAté o advento do dinheiro, a posse era soma total de todos os usos e proveito

de um objeto. A posse determina quninguém pode fazer uso desse objetsem o meu consentimento. Mas dinheiro transforma o objeto desejad

em um objeto econômico. Isso significque as relações entre o dinheiro e acoisas reais não são acuradament

determinadas. Somente no momento e

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que o dinheiro quiser atender a umdemanda real do presente é que sevalor será colocado à prova. Por isso,

dinheiro retira da posse a substância e orna uma função – a posse da posse

Por meio do dinheiro a posse pod

assumir uma condição estática e nãdinâmica, como estabelecem as trocadas possíveis ofertas para as demandadeterminadas pela vida. Ele estabelec

uma ruptura na dependência entre Ter Ser, já que o Ter não está maivinculado ao Ser de outro objeto nem a

Ser daquele que ainda não tem demandà oferta que o dinheiro representa.O dinheiro eleva a um nível de maio

complexidade a ideia de “Impulso a

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Mal”. Como havíamos colocado, mpulso ao Mal representava um

demanda que ficava desvinculada de u

valor. Atender a uma demanda imediatsem conhecer além de seu bônus o seônus, sem saber os custos envolvidos

ou seja, o seu valor, era um Impulso aMal. A capacidade de adiar demandamediatas por outras de maior valor er

o Impulso ao Bem e a capacidade d

razer todos os valores – não smateriais e físicos, mas emocionaiséticos e espirituais – ao livre-arbítrio d

“ter ou não ter”. O dinheiro, no entantose transverte de valor, de que estamoabrindo mão de recompensas imediatacujo preço não vale a pena sob a óptic

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do valor, quando ele em si se confundcom a posse. De certa forma, o dinheirevita e burla a questão de “ter OU nã

er”, porque o dinheiro é uma forma d“ter E não ter”.

O dinheiro consegue encarnar

dúvida de que só o mental é capaz dproduzir. É uma dúvida sobre o própriSer que parece perder sua relação com Ter. No entanto, seria muito ingênu

atribuir ao dinheiro, que é em si umeio, uma construção do humano em sudimensão mental, qualque

responsabilidade. A corda, o martelo oa arma não é responsável pelo qurealiza. Há por trás um Ser que não vítima do dinheiro, mas artífice deste

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Assim sendo, todo o dinheiro e todo Mercado Financeiro com sucomplexidade crescente aí estão par

expressar esta grande dúvida quprovém do mundo mental. Se eu fizer d“meu teu” e você fizer do “teu meu

posso ampliar minhas posses? Mas se “meu é teu” e o “teu é meu”, se nossaposses se confundem para que eu posser mais posse, quem sou eu?

Essa é a mesma pergunta que nofazemos quando o mental nos percebem relação ao futuro. Nossa imagem

nossa experiência de ser nos campofísico e emocional é sempre presente. Omundo mental nos expõe a construçõesobre o futuro e estabelece relaçõe

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complexas sobre quem eu sou. E se efizer isso ou aquilo? E se o resultado foesse ou aquele? E se eu tiver ou se e

não tiver? E assim por diante. Mas, pocontraditório que possa parecer, ustamente nesse sentido que o menta

relaciona o Ser e o Ter. No mundmental, “ser” não é uma experiência dmomento, mas a complexa relação entrpresente e futuro. Por essa perspectiva

o dinheiro se traduz como ummanifestação mental de posse. Não srata de uma posse que tenha valor n

momento presente, mas um valor quoutorga ao futuro uma legitimidade tãverdadeira como a do momento naferição de custos e benefícios. Ness

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sentido, a segurança e a liquidez sãposses mentais que atendem a demandamentais tanto do presente como d

futuro.Vejamos que entre as posses de um se

humano moderno, em que o mental te

manifestações sociais e econômicas, sencontram os seguros e aaposentadorias. Eles se incluem nnoção daquilo que possuímos e, com

ais, como posses mentais, constam dnossas contabilidades e nossonventários. As certezas e as garantia

são formas de posses no mundo mentaporque valorizam não só o presente, maambém suas especulações sobre

futuro. Reconhecem como “bens”

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portanto, não só o que tem uso npresente, mas também o que tepossível uso no futuro para demanda

que existem apenas conceitualmente.Qual é então a kashia, a dúvida, que

“ter” assume nesta dimensão mental? O

melhor, qual é a dúvida que o “ter onão ter” produz para a experiência d“ser” desta dimensão?

Um pequeno conto de Reb Nachma

de Bratslav pode ajudar a aprofundar ntrincada relação entre o “ser” e

“ter”, ou entre o que se quer “ter e nã

er” no mundo mental e suas implicaçõepara o “ser”.

Conta-se sobre um Rei que adorav

 se vestir com trajes populares

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 fazer-se passar por um de seu súditos. Fazia isso para conheceas pessoas mais comuns de se

reino.Certa vez, o Rei se viu numa da

áreas mais pobres da cidade

ouviu uma melodia a distância Pensou: “Uma música num lugade tanta pobreza, com certeza é umlamento.”

 Porém, ao se aproximar de ondvinha a melodia, percebeu que eruma cantiga alegre! Ela vinha d

mais humilde barraco da rua. Bateu na porta e perguntou: “Umestranho é bem-vindo aqui?”

 De dentro uma voz disse: “Um

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humildemente: “Ganho a cada dio suficiente apenas para o sustentdaquele dia.”

‘‘Apenas o suficiente para umdia? Você não teme que um dia nãtenha o suficiente e que vá fica

com fome?”, comentou o Rei.“Abençoado o Criador, dia dia”, disse o homem.

 No dia seguinte o Rei decidi

colocar a filosofia de vida desshomem à prova. Proclamou entãum édito de que todo sapateiro d

beira de estrada deveria ter umlicença que custava 50 peças douro.

 Naquela noite, retornou ao luga

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da casa daquele homem e ouviu alonge o sapateiro que cantarolavuma música ainda mais alegre. O

 Rei bateu na porta e logcomentou: ‘‘Meu amigo, soube dédito que proclamou o pervers

 Rei. Fiquei preocupado com vocêComo você conseguiu comer hoje?“Fiquei chateado quando soub

que não poderia mais ganhar me

 sustento como sempre, porém e sabia: ‘Tenho o direito a m sustentar e encontrarei um

maneira de fazê-lo.’ Enquant pensava nisso, um grupo de pessoa passou por mim. Quando pergunte para onde iam, disseram que iam

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 para a floresta recolher galhos madeira.

“Todo dia eles saem e recolhem

lenha. Quando perguntei se podiacompanhá-los, disseram: ‘Há umenorme floresta. Vamos juntos.’ 

“Recolhi galhos e, ao final ddia, pude vendê-los e ganhar  suficiente para me manter naqueldia.”

O Rei, surpreso, exclamou‘‘Apenas para um dia? E amanhã

 E a próxima semana?”

‘‘Abençoado é o Eterno, dia dia.” No dia seguinte o Rei retornou

 seu trono e fez outra proclamação

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Qualquer um que fosse vistcatando galhos seria obrigado

 servir à Guarda Real. E fez um

adendo dizendo que os membros d guarda não seriam pagos pel período de 40 dias.

 Naquela noite o Rei retornou abairro pobre e, para sua surpresa, melodia era ainda mais alegre. O

 Rei bateu na porta e perguntou

“Sapateiro, o que te sucedehoje?”

‘‘Eles me fizeram ficar d

 prontidão o dia todo na Guard Real. Deram-me então uma espade uma bainha para colocá-la. Masentão, me disseram que não seri

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 pago por 40 dias!”‘‘Aposto que você pensou qu

deveria ter guardado algum

dinheiro, meu amigo”, disse o Re seguro.

“Deixe que lhe conte o que eu fiz

vi que a lâmina da espada devivaler algum dinheiro. Então retirea lâmina da espada e coloque

 junto do punho uma vara d

madeira. Pensei: dentro da bainhninguém poderá saber se é de metaou madeira. Levei então para

 ferreiro e este comprou o metal Fiquei com dinheiro suficiente par sobreviver mais um dia.”

O Rei ficou perturbado: ‘‘E o qu

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você fará se amanhã houver uminspeção nas espadas?”

O homem respondeu: “Abençoad

o Criador, dia a dia.” No dia seguinte o sapateiro fo

escolhido entre todos os soldado

da Guarda Real pelo Rei. Sem sereconhecido, disse o Rei: “Guardaeste homem diante de você cometeum crime violento. Quero que o lev

 para a praça central e que ele sejdecapitado neste momento.”

O sapateiro tentou argumentar

“Perdão, Senhor, mas eu sou umhomem de paz, eu não poderia tiraa vida de outra pessoa!”

“Se não fizer o que lhe digo

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 Desembainhou a espada e a pessoas não podiam acreditar – espada se transformara em

madeira. O povo se prostou ao chãe reconheceu que um grandmilagre havia ocorrido.

O Rei, que a tudo observava, veiaté o sapateiro e tomando-o pelamãos disse: “Eu sou o Rei e sotambém aquele que te visitav

todas as noites. Quero que venhviver comigo no palácio e que sejaum de meus conselheiros. Ensina

me, por favor, a viver assim – umdia a cada vez.”

Essa história propõe o conceito d

“um dia a cada vez” como sendo

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reverso do significado do dinheiro. ORei representa o Impulso ao Mal ndimensão mental. Aqui ele aparece d

forma dissimulada como um mendigo não como Rei. Porque no mundo físico emocional o Impulso ao Mal est

sempre estimulando o imediatismo e gratificação imediata. Aqui ele propõalgo que parece ser o contrário. Elquestiona: “Você não deseja ter mais d

que o sustento diário? Como é possíveque não tenha ganas de mais?Aparentemente está propondo que

sapateiro não seja imediatista. Se nãprecisa agora, talvez precise em outrmomento. É melhor a ganância quassegura o futuro do que dar conta da

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demandas apenas do momentoO acumulo é o Impulso ao Bem, capacidade de renunciar agora par

usufruir depois. Mas essa é umdissimulação do Impulso ao Mal ndimensão mental. O acúmulo não

necessariamente o “não ter” parampliar a posse. Ele pode ser o fals“não ter” que aparentemente posterga gratificação, mas que, na verdade

confunde o indivíduo e, em vez dpromover a posse, a inviabiliza. Pooutro lado, além de ser o Impulso a

Mal, o Rei representa a identidade ebusca de si mesma. O Rei que desej“aprender” com o sapateiro revela sofrimento do Ser na busca de dar cont

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de sua incrível dúvida.A dúvida tem seu epicentro na

possíveis demandas do amanhã, uma ve

que o Ser não existe no futuro a não sena condição de um “ser” mental. Acondição de um rei transvertido ora e

um mísero súdito – um não “ser” – e orcomo Rei – um “ser” em toda a sualtivez – representa a busca podentidade. Ele inveja o sapateiro que

em sua dimensão física e emocional, mais real que o Rei. A “irrealidade” dRei é sua mais suprema “dúvida”. “So

ou não sou?”, se pergunta o Rei, porquem profundas dúvidas se “tem ou nãem”.

A dúvida Real é bastante contundente

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Ao não tomar decisões sobre querer tealgo ou não ter, o Rei gradualmente safasta de um senso de si e se depara co

sua insegurança e carência podentidade. Sem honrar sua dimensã

mental, o Rei está constantemente com

mpressão de que é um tolo e de que nãusufrui toda a posse destinada a elnesse mundo. Não usufruí-la trai semais profundo senso orgânico

desestabiliza sua experiência de “ser”Por outro lado, o mental escapconstantemente para proposições do tip

“dinheiro” e gera um senso de que nãse está optando verdadeiramente a cadmomento pelo que se quer e o que não squer ter. Como vimos, o dinheiro pod

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ser uma falsa posse. Pode acontecer quno momento de satisfazer algumdemanda do presente se queir

ransformar o dinheiro em posse real que ele não tenha valor suficiente paratendê-la. Essa insolvência

experimentada prioritariamente com empo presente, por ser esta a úniccoisa que o dinheiro não conseguadquirir. O esforço e o desperdício n

acúmulo inócuo que é incapaz de sraduzir em demandas reais

desastroso. Essa é a razão de o Rei fica

ão incomodado com o sapateiro, porquse por um lado ele não tem os meios dassegurar o amanhã, por outro nãconsome nem desperdiça o hoje po

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conta dessa garantia.O Rei acredita que tempo é dinheiro,

o sapateiro, que dinheiro é tempo.

O dinheiro pode trazer liberdade empo, mas não pode resgatar

momento específico presente que fo

relegado pela busca de demandas dfuturo. E essa é a dúvida maior. Se mental consegue a proeza de produzir experiência de “ser” no futuro, com

saber se o Impulso ao Bem – o desejde produzir “bens” – não é de formdissimulada o próprio Impulso ao Mal?

A descoberta de que também mpulso ao Mal – viver agora e nãpostergar – possa ser nessacircunstâncias o melhor investiment

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para ampliar a posse é a semente dconfusão e da dúvida. Não é tão somento imediatismo que se precipita e perd

oportunidades de investir em possemaiores, mas também pode ser o própripostergar de experiências de posse e d

“ser” em dado momento. Essaexperiências são irreproduzíveis e serãdescartadas com o devir do temppresente.

Quais são então os pesos e as medidade se honrar aqui e agora – física emocionalmente – ao mesmo tempo d

honrar mentalmente as expectativas e aestratégias por ampliar posses?A fábula da Formiga e da Cigarra

agora sem sua vestimenta moral, no

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mostra em plenitude a dúvida da possno mundo do mental. Ser formiga ou secigarra? – eis a questão. Ser Rei ou se

sapateiro? – eis a questão. Por questãoobviamente, leia-se dúvida.

Em meu caminho pelo mundo tenh

encontrado tanto Reis buscando osegredos dos sapateiros como sapateironfelizes porque não conseguem se

Reis. Um em busca do simples e o outr

fugindo de ser um simplório. É que história não nos conta sobre o quocorreu mais adiante. Se o sapateir

aceitou a proposta do Rei e tornou-sseu braço direito ensinando-lhe a secomo ele, provavelmente também pobre sapateiro acabou se tornando u

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Rei. Esse é o problema da dúvida – elé uma dúvida. A moral utilizará adúvidas ora para dizer que devemos se

sapateiros, ora para dizer que devemoser Reis. Esse tamanho dos serehumanos não pode ser uma conquist

definitiva, uma iluminação. Caspudesse, seria o término da experiêncide Ser. Nenhum de nós que para bem para mal usufruímos o mundo menta

poderá dar conta dessa dúvida; afinalno mundo mental é nela quexperimentamos o Ser.

Ser ou não ser no mundo mental mais do que “ter ou não ter”. Está talvemais na sintonia do qual é o meamanho e qual não é. Já que o menta

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responde pela percepção conceitual, nele que precisamos saber de nossoamanhos, de nossos limites, para pode

valorizar as coisas e Sermos. O futurraz ao mental não só a experiência d

“ser”, mas do que se pode ser, porque

patologia possível do Rei é querer seudo (mais do que é ou pode ter) e a dsapateiro não ser todo o que é (ou tudque pode ter).

 Não há mais pictórica representaçãdessa dúvida do que a colocaçãrabínica de que devemos ter nos doi

bolsos dois distintos bilhetes: um com frase que diz “tu és pó e ao pretornarás” e o outro com a frase ‘‘pari o mundo foi criado”.  Quando s

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dirigir a cada um desses bolsos é umrevelação do momento. Ser (ou não sernão está em nenhum dos bolsos. Ser

mentalmente, está em ter os dois bolsoe a dúvida. Na experiência dessa dúvidé que somos. Os maiores do que são

os menores do que são sofrem de crisede identidade, crises de “ser”. Sãcrises de posse: do quanto de seu qunão tomaram posse e do quanto que a

omar posse deixaram de apossar-se dalgo de maior valor. Talvez o que tenhido valor maior foi seu próprio tempo

Se o “meu que é teu” não foi uma opçãomas uma desistência por conta de nãsaber meu tamanho, então não sou. Se “teu que é meu” o é em proporções alé

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do meu tamanho, então também não soem meu potencial adequado.

Essa ideia no mundo físico seri

absurda. O desperdício em seu conceitmoral não existe para o mundo físicosso porque o mundo do momento est

circunscrito a demandas do presenteão há como se perder atendenddemandas do presente e o pior que podacontecer é não tê-las atendidas, ou seja

no presente só há questões e estaamais assumirão a forma de um

dúvida. Nas questões do mundo físico

Rei e o sapateiro são um únicpersonagem. No mundo mental, eles sãnostálgicos um do outro.

O Rei não pode ser o modelo menta

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querendo “que o meu seja meu e o teseja meu” tanto no presente como nfuturo. Isso porque as proporções da

demandas do futuro são infinitas e sumagnitude é inadequada ao humano, oseja, o grande problema do Rei é que a

entar ser mentalmente o Rei, se fancompatível com ser ele mesmo.O sapateiro possui, além do otimism

que se coloca em oposição ao tédio e

depressão do Rei, a criatividade e capacidade de improvisar. O sapateiro um personagem vitalizado e su

presença constante evidencia uma formde “ser” que o Rei inveja. Envolvidcom demandas do futuro, o Reexperimenta menos brilho no presente

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brilho esse que o sapateiro estampa eseu canto e em sua alegria inabalável.

É difícil ao ser humano reconhece

que seu “ser” está atrelado a seu “ter”As propostas morais nos confundeporque querem fazer parecer que ess

relação é de ordem ética, quando é, nrealidade, de ordem orgânica. Nadlustra melhor isso do que a fartura n

ato de comer. Tão desagradável quanto

dor da fome é a dor do enfadado. Usonha com o outro e aspiram na verdada um equilíbrio que se traduz pelo bem

estar, equilíbrio esse que é semprdifícil, mas que amarra a posse condição daquilo que somos. Quantmais próximos do que nos é adequad

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organicamente, mais felizes, criativos presentes nos fazemos. O aspecto mentaé, como tudo, um instrumento ao bem

estar e também um de seus grandeobstáculos.

Essa é uma antiga dúvida human

revisitada constantemente: se nos atemoao quinhão específico que nos cabe ose nos servimos ao enfado do banquete.

Qual a medida de apropriação e d

desapropriação que leva a otimizar posse?

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CAPÍTULO IV

Esfera espiritualTer ou não ter? – este é o

teiku (paradoxo)!

O QUE É MEU, É TEU – O QUE É TEU, ÉTEU

A esfera espiritual é, por definição, domínio mais longínquo da esfera físicasso, no entanto, não significa que seja

sua antítese. Os quatro mundo

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respondem pela manifestação orgânica estão entrelaçados sem nenhumhierarquia implícita. O espiritual é

dimensão do ser que parece maindependente da componente física d

nossa experiência. É a fronteira d

nosso ser que melhor se expressa pelnexistência de demandas de posse. Na medida em que o corpo demand

posses para existir, quanto mais remot

for a experiência desse corpo, menos sraduzirá por posses, ou melhor, mais s

manifestará justamente pela ausência d

posses.O envelhecimento é uma graduadesistência orgânica de regeneraçãfísica que, em si, constitui a derradeir

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renúncia de posse, da posse de smesmo. A vivência que experimenta ser nesse período da vida é o reverso d

que o acompanhou pela vida aforaAcreditamos que as coisas começam er menor importância porque noss

corpo não consegue produzir vitalidade necessária para usufruir abenesses deste mundo. No entanto, envelhecimento é uma constituiçã

estrutural resultante de outro modelo drenovação que descarta uma geração se transfere à próxima. Por ser um

determinação orgânica, o desejo dposse deveria dar lugar a um desejo dgual intensidade por transmissão

passar adiante. Assim como o “ter

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de contração e perda de densidade. Ocorpo se afasta do físico e revela esfera espiritual que sempre conteve. O

espiritual, que buscava as fronteiras dmundo físico para manifestar aspectomais sutis da existência, tem agora n

corpo que se desiste o elemento maipoderoso para traduzir suas “questões”a verdade não são questões, ma

“paradoxos”.

Quando o físico é sua própridesistência, ou seja, uma manifestaçãmaterial e incorpórea, e quando

espiritualidade encontra seu luganatural no corpo, então estamos diantde um paradoxo. Nesse polo dexistência as decisões que responderã

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pela identidade, pelo ser, têm seu centrgravitacional na esfera do “não ter”Ainda que o “ser” se defina pelo que s

deseja “ter” e o que se deseja “não terdiferentemente do passado, aqui a ênfasé o “não ter”. As decisões difíceis d

passado que recaíam sobre aquilo qudeliberávamos “não ter”, agora recaesobre a difícil decisão do que se dev“ter”.

Como se o sacrifício e o abrir mão dgratificação imediata semprexperimentado pelo “não ter” s

ransferisse nesta fase para o “ter”. Ogrande sacrifício torna-se justamente “ter” e não são incomuns os apelos parque os idosos “comam mais”, que faça

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o esforço de estarem socialmente cooutros e, em particular, que não deixede ter vontades e ganas. Como se o qu

exigisse esforço na velhice não fosse abrir mão, mas ao contrário, o tomar e possuir.

Possuir na velhice é um ato damanha contenção como o é abrir mãna juventude. É heroico o ato do idosde ocupar espaço e assumir projetos

como é para o jovem o ato de dar a vee ofertar. Como no dito da Ética doAncestrais: “Forte é aquele que conté

seus impulsos.” Para o jovem, “ter” é mpulso; para o idoso maduro, mpulso é “não ter”. E os idosos que sã

fortes querem “ter” com a mesm

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espiritualidade necessária aos jovenque “não querem ter”.

Esse olhar transverso do “ter” nã

apenas redefine toda a experiência d“ser”, mas permite compreender comaior profundidade a relação constant

da vida com a posse. A posse reflete uequilíbrio interno que é dinâmico mutante e que é percebido pelorganismo como a própria existência

Existir é medir e comedir o ter. É essato momentâneo e constante qudiscernimos como a experiência d

“ser”. Tenha menos do que lhe cabe oenha mais do que lhe cabe em dadmomento e você estará experimentanduma ausência. Esteja em equilíbrio co

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as posses de seu momento e vocexperimentará uma presença. Como jvimos, e talvez possamos aprecia

melhor agora, “ter ou não ter é questão”. Na verdade, mais do que um“questão”, a partir dessa perspectiva s

pode apreciar o próprio paradoxo.

PARADOXO – TEIKU 

O paradoxo é visível a partir da velhicemas está presente durante toda existência. A tradição oriental manifestesse paradoxo em seus ensinamentosobre a realidade e a ilusão. Quantmais se aperta na mão menos se tem. Aassociação do “ter” como sendo um

antítese ao “ser” e como o objeto maio

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de nossas ilusões diz respeito ao nãreconhecimento de que “ter” constantemente uma questão, um

ambivalência, uma dúvida ou mesmo uparadoxo. Mas o grande aprendizado dvida está justamente na apropriaçã

ícita ou indébita. A própria palavrsignifica, em seu sentido mais profundoque devemos nos apropriar somente dque é “apropriado”.

 Não há limite ao “ter”, a não ser “não ter”. Esse é o princípio ecológicoAs espécies mais adaptadas “têm”

“não têm” de forma apropriada. Mas não ter não é uma medida moral ocaridosa com as demais espécies. É nbusca de “ter” que as espécie

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conhecem seus limites e o que “não ter”Seu quinhão é determinado por essanterações e, quando alguma espécie nã

brigar por seu “ter”, outra reduzirá se“não ter” e tomará posse daquilo que foabandonado. Mas para além dess

acomodação natural existem princípionerentes a cada espécie e sua próprievolução. A busca de “ter” é uprincípio da vida, mas a saciedad

ambém o é. Os limites são tantexternos quanto internos.

 Nos seres humanos a existência d

consciência produz não só limiteexternos e internos, mas limiterelacionais. Por isso, para todas ademais espécies e vidas se

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consciência a existência é uma medidentre “ter” e “não ter”, mas para ohumanos é uma “questão” em sua

diferentes caracterizações. Aambivalência, a dúvida e o paradoxsão manifestações relacionais d

nteração entre o indivíduo e o mundque são particulares ao ser humano.O que pareceria ser a antítese da vida

“o que é meu, é teu e o teu, é teu”, não

é somente para aqueles que têm umconsciência. Como se pode concebeque a vida possa ser exercida abrindo

se mão do que é seu? Para tal, necessário que a vida reconheça que suvitalidade não está mais na árvore em smas na semente que dela se desprende

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O ato de oferta das árvores por meio dfruto que contém as sementes é da ordeespiritual. Esse ato, que é um incríve

exemplo de “o que é meu, é teu e o que eu, é teu”, ilustra de que maneira

“abrir-se mão” pode afirmar a posse. A

vida, que até agora se definia pelexperiência do próprio corpo, transfersua experiência de “ser” a seu fruto e srealiza um novo parto – o de si mesmo

Muitas pessoas resistem a esse parto buscam evitá-lo pelo apego a si mesmou por propostas como a da eutanásia

Ambas as atitudes são resistências a estparto e são formas de “ter” que buscaevadir-se do paradoxo, um paradoxo nqual “sou” mais e mais por aquilo qu

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“não tenho”, enquanto minha posse sestabelece primordialmente naquilo qué doado e não apoderado.

O paradoxo é o próprio parto. Todvez que há um parto, há umdescontinuidade que é vivenciada com

um absurdo. É que a posse da vida nossa identidade em muito sexpressarão pelo “não ser”. Qualqueser vivo, para estar em dia com se

“ser”, terá que honrar “não ser” aceitar que sua continuidade só pode secumprida pelo seu desaparecimento. A

experiência de “ser” sempre contemploesse “paradoxo” como sua maiprofunda questão. A evolução dquestão à ambivalência, à dúvida e a

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paradoxo ocorre por conta dconsciência constantemente exposta essa realidade de seu “ser” e de se

eventual “não ser”.Por isso, “o que é meu, é teu”, ness

perspectiva, não é uma desistência, ma

é, em si, uma posse. É uma maneira dabarcar a morte e seus valores em meià própria vida.

A única coisa que se pode possuir n

extremo da velhice é o que não temosEntretanto, isso sempre, em todomomentos, foi verdadeiro. Quand

dizemos que o que temos e o que nãemos nos definem, reconhecemos quem todas as fases da vida o “não terproduziu experiências de “ser”. O me

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que se faz teu é capaz de produzir tantexperiência de ser como a obviedade dposse que determina que “o que é meu,

meu”.A vida, em todas as suas fases, é u

potencial, um projeto, e como tal

definida, pelo que é possível e tambépor seus limites. O “não ter” sempre nodefiniu tanto quanto o “ter”, mas mpulso da vida se faz voltado para

“ter” como determinante para realização desse projeto. Por isso, tudque é bom possui uma medida, u

amanho. Sem limites, nada pode seexperimentado como “bem-estar”Conhecemos isso pela experiência dexcesso porque não há nada qu

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desmedidamente seja bom. Nem mesma saúde que responde pelsobrevivência do organismo pode existi

ndependentemente do projeto contidna vida. A natureza encravada em nossestrutura é que responde por noss

experiência de bem-estar e nem mesma saúde pode ser um valor absoluto. Avelhice implica uma desistência quprocuramos tenha a melhor qualidad

possível e que otimize a longevidadpara que atenda a esse desenhestrutural e que verdadeirament

responda por nossos interesses. Oparadoxo fica por conta de termos qunos responsabilizar por interesses de u“ser” que, intrinsecamente, além de se

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ambém terá que abrir mão de si. Sfizermos do “ter” um valor absoluto pelbusca incessante de possuir, ou do “nã

er” um valor absoluto pelo constantato de renúncia, a vida perde tonicidade nossa experiência de “ser” enfraquece

ou seja, não é possível “ser” sem essconstante medida entre “ter” e “não ter”O ser longevo, talvez infinitament

ongevo, imaginado em idealizações d

progresso científico, perderia capacidade de “ser” porque essexperiência é uma medida relaciona

entre “ter e não ter”. Ter a si parsempre totalmente é a antítese do projetem nós embutido e esse projetdetermina o “ser”. É esse projeto que

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consciência identifica por “questõesambivalências, dúvidas e paradoxos”, nos parece paradoxal que o impuls

maior da vida não seja seu projeto, quo “ser” seja meramente um instrumento que não possa jamais substituir

próprio projeto.A contribuição poético-filosófica dShakespeare é que “ser” não é umandamento, um destino, mas um

“questão”. Paradoxal nos parece o fatde que “não ser” seja uma escolha ququalifica a existência da mesma form

que o “ser”.A beleza do paradoxo é que ele não algo a ser resolvido tal como aquestões, as ambivalências e as dúvidas

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O paradoxo é acolhido ou não. Supergunta é retórica, destinada meramenta preservar a interrogação sem

ntenção de encerrar, em qualquemomento presente, a indagaçãproposta. Por isso, teiku –   a utilizaçã

antiga dos rabinos para tratar dquestões insolúveis no presente – servão bem como tradução deste nível. Na

discussões rabínicas registradas n

Talmude, toda vez que se chegava a umpasse se pronunciava um teiku

similar ao ato de jogar-se a toalha, d

suspender as averiguações até que eempos futuros novos argumentos oevidências possam superar o impasse a incapacidade de uma resolução. A

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palavra é, em si, uma sigla do hebraicTishbi Itrats Kushiot U-beaiot   (Tishbo profeta Elias] elucidará no futuro a

questões e os paradoxos). No entantoalvez mais do que o futuro, o profet

Elias seja uma imagem mítica d

presença constante, como se o paradoxfosse uma pergunta cuja resposta se fasempre impossível no presente. É umresposta discernível no presente d

forma sutil, mas a existência dessresposta nunca se produzirá no presentePara sempre, o que está por vi

compreenderá a “questão” embutida nparadoxo melhor do que o própripresente. Essa natureza de pergunteterna, de apontar para uma possíve

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resposta que nunca se dará, é qucaracteriza tão especialmente o mundespiritual. As profundas questões d

espírito serão sempre paradoxais eessência.

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CAPÍTULO V

A economia do desejo

A ESFERA “ESPIRITUAL” NA QUAL “o qué meu, é teu” nos permite compreende

melhor o que é uma “coisa”. Todo objeto de posse assume a forma de um“coisa” e serão essas coisas queremos e que não teremos que acabarã

por determinar o nosso próprio ser. Eessas “coisas” são percebidas ddiferentes maneiras em cada um do

quatro mundos – físico, emociona

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ntelectual e espiritual. Em suas diversamanifestações, as “coisas” gerarão omatizes particulares da “questão” e

cada uma dessas esferas. Na verdade as coisas não são apena

objetos, elas podem se apresentar com

deias ou mesmo como paixões. Todoos nossos desejos “coisificamartefatos, pessoas, possibilidades caminhos. É assim que as coisas existe

em nossa consciência, ou seja, não sãna verdade coisas, elementonanimados, mas representam relaçõe

que se estabelecem entre o objeto e ndivíduo. Essas “coisas” e sua relaçãcom um indivíduo determinam valores proporcionam a compreensão do que é

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“outro”. Martim Buber buscava explicana espiritualidade ou no humanismradical esse ato fundamental d

existência que transforma relações dEu-Isto em relações Eu-Tu. Essmanufatura constante da vida conscient

nos liberta da solidão de sermos maiuma coisa no Universo. E essa é função paradoxal da morte. É a mortque nos traz a possibilidade de “ser” n

medida em que nos coloca diante drealidade de “não ser”. É ela o marcconstante que nos torna relacionais (se

diante de não ser), permitindexperimentar um universo para além dcoisas e nos oferecendo a estranhpercepção de que somos um ente, u

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sujeito. Essa entidade compreendidcomo um organismo tem acesso a umdentidade que, por sua vez, viabiliza

posse. Nada seria passível de posse nãfosse o advento do “eu”, do ser. A morté, portanto, a única saída que temos par

não sermos apenas mais uma coisa, maium isto. Na verdade, possuir é alg

absolutamente ilusório, mas ao mesm

empo é a estrutura mais básica dnossas percepções. Quanto mais ilusórimais palpável, mais revelada e mai

mediata se faz uma experiência. Omísticos trabalham com esse conceito dque quanto mais oculto algo é, maipróximo do verdadeiro; quanto mai

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revelado, mais próximo do real e maidistante da essência.

Essa é a nossa questão, noss

paradoxo, porque para que possamo“ter” – nosso tijolo fundamental momentâneo da experiência de existir

emos que estar igualmente diante d“não ter”. Isso porque se o “ter” estivesó, como uma proposta que não é umdialética constante com o “não ter”, irá

em vez de promover a experiência d“ser”, inviabilizá-la. Essa é reclamação contemporânea do vazio d

consumismo. O consumir utilizaria o atfundamental da vida – o ter – e consideraria um valor absoluto e nãuma “questão” em qualquer que seja

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sua dimensão. O ato tão imprescindívede possuir é sempre uma questão qurevela escolhas, decisões e, em últim

análise, vida. Se enxergarmos o qupossuímos, poderemos entender aescolhas daquilo que não temos e é da

que procede a nossa identidade.Uma querida amiga contou-me que euma de suas visitas ao Oriente conheceum sábio monge. Entre os ensinamento

que lhe transmitira, um erespecialmente caro. Por inúmeras vezeo monge mencionara um jarro qu

pertencia a sua família e que segundele era um objeto fascinante. Certo diele a convidou para ir até o seu mosteironde se encontrava o tal jarro para qu

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ela pudesse conhecer aquela pequenmaravilha. Após uma longa caminhada um esforço considerável ela teve acess

ao tal jarro. O monge disse: “Não é ummaravilha?” Diante dela estava uarro. Não havia nada de muito especia

naquele objeto que fazia os olhos dmonge brilhar e que deflagravam usorriso enigmático e deslumbrado. Podelicadeza, ela fingiu participar d

fascinação do monge e guardou para sesse desconforto.

Muitos anos depois, quando s

defrontara com uma enfermidade gravesobrevivente, ela me contou quentendeu do que falava o monge. H“coisas”, mas, quando temos os olho

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iteral, que a possibilidade da posse estnão só no que podemos ter, mas no qunão temos. Quem vive a vida apenas n

extração do que o mundo pode ofereceno aspecto “meu é meu e teu é meu” alguém pobre, com uma existência débi

um ser tíbio.Quem experimenta todas essadimensões e conhece também o “ternaquilo que “não tem”, naquilo de qu

abre mão e que retoma com plenconsciência de estar exercendo posseeste é um “ser” intenso. Mas

fundamental entender que este não é udeal, uma resposta definitiva àquestões do ter. Tão doente como uconsumista que quer “ter” de form

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absoluta, também é aquele que quer “nãer” de forma absoluta. “Ter ou não Ter

é eternamente uma questão, uma relaçã

sagrada em si. Qualquer um que queirser “bom” e queira possuir apenas o qunão tem, o que “doa”, é tão materialista

ão vazio quanto o oposto. São ambaentativas de aniquilar a questão cosuas ambivalências, dúvidas paradoxos. O egoísta e o altruíst

possuem muito pouco.Os jarros só têm fascínio se vivemos

ensão entre “ter” e “não ter”. Qualque

outra medida torna o “ser” flácidodestituído de si mesmo. Até o últimnstante de nossa vida essa “questãoem que se colocar. Sim, entre as coisa

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que mais podemos “ter” estão as coisade que abrimos mão e que doamos aoutro. Mas essa não é uma fórmula;

apenas o refinamento de quem sabutilizar todas as oportunidades de “terque a vida proporciona.

Belo exemplo desse discernimento do rabino de Kotzk. Quando este estavmuito enfermo, seu filho trouxe o netpara que visitasse o avô. O pai sugeri

que o menino fizesse uma oração pelrecuperação do avô. O meninespontaneamente disse que só rezaria s

o avô lhe desse o relógio que tinha npulso. O pai esboçou uma repreensãpelo comportamento interesseiro dfilho e foi contido pelo rabino. Est

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não ser na interação entre um ente e mundo a sua volta, onde a posse é, eessência, uma ilusão, ampliar a poss

dependerá sempre de nossas questõesPara alcançar tantas posses quanto sfaça possível, buscando estabelecer um

essência a nosso ente, nos entregamos essa tarefa sagrada de “ter” ou abrimão de “ter”. Permitimos, assim, que aquestões, ambivalências, dúvidas

paradoxo reforcem nossa experiência d“ser” e nos dotem de identidade.

E essa é a característica tão fantástic

da posse – na medida em que ela lusória, se faz também infinita; por isspodemos competir pelo “ter”, mas nãpela posse. A posse sempre ser

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ndividual e intransferível, ninguém pode tomar ou destituí-la do ente que produziu, porém, pensá-la como um

essência absoluta, uma coisa dissociadde um ente, é tão absurdo quanto pensáa finita. Tanto mais posse terá u

ndivíduo quanto percebê-la associada sua própria existência. Infinita ntransferível, a posse é a mais concret

de todas as experiências humanas

mesmo que sua essência seja, comdissemos, um mero efeito, um resídulusório do desejo. E se isso se parece

um paradoxo, um contrassenso, saibque é justamente o que é. Trata-se de udisparate que é fundamental e necessáripara a experiência de “ser” e de “ter”.

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O QUE SE PODE TER 

A reflexão que fazemos sobre a poss

nos ajuda a compreender que, apesar dser uma ilusão, um truque parexperimentar o “ser”, ela é central consciência. “Qual o meu tamanho? O

que me pertence e o que não mpertence?” são perguntas existenciaisCom isso se revela que o receptáculo d

posse é o ser e sua consciência dexistir. O que possui é o “Eu” e, amesmo tempo, de posses é que o “Eu” sconstrói. O bem-estar desse “Eu

dependerá sempre do que “tem” e dque “não tem”. Afirmado no que tem, “Eu” ganha densidade, por outro lado

afirmado no que não tem, o “Eu” evit

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seu inchamento. Sem densidade ou numcondição inflada, o “Eu” sofrerespectivamente, o mal da desnutriçã

ou da náusea.O que se pode ter depende do “Eu”

do que nele cabe, do que nele

apropriado. Qualquer posse que nãseja adequada a um “Eu” será falsa sso é algo que reconhecemos. Seja n

esfera material ou emocional, se nã

“pertence” a esse “Eu”, mais cedo omais tarde será perdido ou traído.

Tentamos evitar essa experiência d

sermos “despossuídos” porqurepresenta o sentimento contrário a“ser”, porque responde peldesconstrução de nosso ser. Essa

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de apropriar-se. Só de posse de spoderá então se servir de posses para construção e afirmação de si mesmo

Como vimos, isso se assemelha a uparadoxo. O que vem antes, o ovo ou galinha – o senso de si ou

possibilidade de posse?O sábio Hilel, pensador do século Iestabelece como prioritário o senso dsi para que a posse não seja u

elemento contrário e destrutivo apróprio ser. A ele é atribuído na Éticdos Ancestrais o dito:

Se o Eu não for para mim, quem ser para mim?

(Im ain ani li, mi li?)

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E se sou para mim, o que sou?(U-ke-she-ani lê-atsmi, ma ani?)

E se não for agora, quando?(Vê-im ein ló achshav, ematai?)

Seu aforismo é construído em torno d

noção de posse. Se “não for para mim”para quem? Se eu não tomar posse dmeu “Eu”, quem tomará? Fazendo uogo de palavras com os vocábulo

“vazio” (ain) e “Eu” (ani), ele salienta semelhança que os místicos reconheceentre o “EU” e o “NADA”. Sem posse

o “EU” é o “NADA”. E quem tomarposse de si, se não eu mesmo?

Mas, uma vez que eu tome posse dmim, como saber as dimensões e

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estatura deste “EU”? Isso só se podfazer possuindo coisas neste mundoConhecendo a capacidade de ter e

grandeza de não ter. E essa é uma tarefde vida inteira, na qual possuímos despossuímos incessantemente n

entativa de determinar “o que somos”E só então, de posse de si e dispostos àposses e renúncias que são posses, nocolocamos frente a frente com o ato d

conquistar o momento. Esse ato de possdo momento é o que chamamos de “ser”O “ser”, como nos referimo

anteriormente, é recheado de “ter”. Ter si possibilita “ter o que é meu” e abrcaminho para “ter o que é teu”. Issevando em conta que muitas vezes “te

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o teu” possa significar “não ter”, o quambém é uma forma de posse. Portanto

a posse é aquilo que reforça

experiência do “ser”, seja pela escolhde ter, seja pela de não ter.

Muitas vezes nos parece que as coisa

que “não temos” podem ser mais nobresmais elevadas, justamente porque moral nos conduz a percebê-las como acoisas a serem “levadas deste mundo”

A frase “deste mundo nada se leva” nofaz acreditar moralmente que o “não teré uma mercadoria com maior liquidez n

partida deste mundo do que as coisaque se tem. Veremos adiante que issnão é correto. O que mais conta é verdadeira posse e toda vez que temo

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ambivalência, na dúvida e no paradoxde “ter ou não ter”. Isso porque o “seré o honrar de nossas sensibilidade

reduzidas às esferas do físico, demoção, do intelecto e do espíritoQuem honra decisões constantes nessa

esferas sobre o que ter e o que não teconquista o momento, o “agora”. Est“agora” é o oposto de “quando?” O“agora” tem consistência e é a poss

maior, uma posse que, sim, “se levdeste mundo”. Já o “quando?” é oposto da posse, é o potencial nã

apoderado e não apossado. Uma vidconstituída de “quando?” não possui u“EU” (am)  e se assemelha a u“NADA” (ain).

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MAN – A POSSE DO NADA

O que temos visto é que a propriedad

daquilo que obtemos e do que abrimomão é o que possibilita a posse. Quantmais tentamos ter dissociado da questãde “ter ou não ter”, menos possuímos

Os alicerces da posse estão plantadono “Eu”: quanto mais fortalecido, maiosua capacidade de possuir. De agora e

diante entenderemos posse sempre compotenciais provenientes do ato dapossar-se ou de abrir-se mão.

Um símbolo em especial da posse é

Maná bíblico. O Maná era o sustentmilagroso fornecido aos hebreus ndeserto a cada dia. Essa substância qu

ficava disponível ao amanhecer tinh

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características bastante esclarecedorasobre a posse no plano espiritual. Mansignifica “porção” ou medida. Com

princípio, o Maná só podia ser colhidna quantidade que podia ser consumidno mesmo dia. Se o sustento nã

atendesse apenas às necessidades reaisse contemplasse quaisquer outramotivações que não fossem de naturezalimentar, então o excesso deteriorava

comprometia também a porção diáriaSe alguém quisesse Maná para umsemana, para um mês, para o ano o

para uma vida toda, se defrontava coos custos decorrentes de não conheceimites ao que é suficiente, e nesse luga

sem limites não há verdadeira posse

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porque não há um “Eu” capaz de conterem si, posses.

Quando em vez do “Eu” o receptácul

do Maná é o impulso de tefundamentado em medo e insegurançaodo o Maná fica comprometido. Po

sso os comentaristas diziam que o Maninha um gosto distinto para cada um quo provava. Seu gosto não era um paladadistinto, mas um “Eu” que saboreava d

forma particular e única. O gosto dcada “Eu” é a interação do externo coo interno, é uma relação, um equilíbri

que torna as coisas deliciosas ontragáveis e entre todos os gostos mais terrível é o desgosto, a perda dpaladar pela incapacidade de acopla

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oferta e demanda de forma apropriadaSem ser apropriado, algo não pode seapropriado ou possuído. O gosto é, n

verdade, a posse. O que dá gosto àcoisas é uma proporção que não podser outra, nem mais nem menos. Ness

adequação, coisas se tornam parte doutras coisas e podem ser possuídasmas o que possui não é o sujeito, mas medida exata da necessidade e da oferta

O quanto um quer e o quanto o outro nãquer afirmam a individualidade e dentidade de coisas e fortalecem

percepção de existência.Essa é parte talvez da resolução dparadoxo, uma vez que revela por que “não ter” é fundamental à experiência d

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ser. As coisas serão sempre “istoenquanto não encontrarem outra“coisas” com as quais possam s

acoplar por meio de uma função dnecessidade. Coisas que se acoplacom outras coisas com “propriedade” s

possuem mutuamente e fortalecem “ser”. Tal interdependência é o Manáuma porção que em sua quantidadrepresenta uma qualidade específica qu

não pode ser substituída por nenhumoutra quantidade. A especificidade dademandas e sua legitimidade é qu

possibilitam a posse, que é o ilusório emporário ato de ter ou não ter capaz dpreencher nossos momentos dsignificado e de senso de existência.

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o tecido do qual o ani, o “Eu”, se faz.O erro mais comum de noss

civilização é acreditar que a posse

uma realidade, de que coisas possam seomadas por outras coisas e que isso nã

seja uma forma de acoplar medidas

Essa forma equivocada de posse nãfortalece a experiência do ser, mas, acontrário, a agride e depaupera. Ansistência na busca de muitas posse

equivocadas acabará por gerar ao “Euuma percepção de si como um “Nada”.

Em vez de essa posse sustentar

“ser”, ela o consome. Não só apodreco que é desmedido e inapropriadinapropriável), mas compromete toda

as posses, em particular a posse de s

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mesmo.Por isso, quanto mais se tenta aperta

na mão para se garantir que se tem, mai

fugidia fica essa experiência e terminarpor demonstrar o quanto não se tem. Amedida desse aperto é fundamental par

o “ser”. É dessa tonicidade adequadque sou para mim, ou seja, que o que sose expressa num dado momento e tomposse o agora.

DESTE MUNDO MUITO SE LEVA

A ideia de que nada pode ser levado cova com o indivíduo é muitas vezecompreendida como uma proposta moraque entende a posse e o apego com

características negativas. Mas não é be

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malas de mão, mas deste mundo muito seva e muito se deve levar. A

verdadeiras posses ninguém as pod

omar de nós. Elas permanecem parsempre incrustadas em nossa própridentidade, que é constituída em se

ecido pelas pequenas posses quexercemos ao longo da vida. Nessaposses estão incluídas as ações quevaram a garantir que “o meu foss

meu” e, às vezes, “que o seu fosse meu”A conquista é sempre a invasão de u“teu que passa a ser meu”. E algo diss

é sadio. Nenhum equilíbrio exclui posse mais infantil e primária. Oequilíbrio dessa modalidade de posssurge quando descubro que o at

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constante de conquista pode levar perda de mim mesmo, de minha própridentidade. Há uma modalidade d

conquista que não acontece sobre o teumas sobre o meu. Nessa conquista “meu é teu”. Nessa conquista o desafi

não é o outro, mas meu próprio impulsoO impulso que me faz sobreviver é mesmo que pode me fazer adoecer agredir a mim mesmo.

Podemos aprender isso de nosspróprio sistema imunológico. Tudo quse propõe a defender e, portanto,

atacar, só pode funcionar eficientementdentro de parâmetros de equilíbrioQualquer defesa exagerada, comqualquer conquista exagerada, agrid

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princípios de equilíbrio. E número tãgrande de doenças quanto as que nofazem sucumbir a ataques externos d

vírus ou bactérias pode ser encontradnas alergias, nas inflamações e noataques imunológicos produzidos pel

próprio indivíduo. No afã por garantique o “meu seja meu”, posso agir dforma contrária, funcionando para que equilíbrio tenha que pender na direçã

do que é “meu deixe de sê-lo”.A posse é o resultado de u

equilíbrio. Só podemos possuir aquil

que, na abundância, nos permitimos “nãer”; ou daquilo que, na carênciaegitimamente nos apossamos. Possuir é

portanto, uma arte. E tudo o qu

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possuímos verdadeiramente seguconosco desta vida em diante porque é própria vida em si. Apossamo-nos, e

realidade, dos “agoras” que a vida nooferece. Cada momento que é vividsem a presença da questão constante d

“ter ou não ter” perde a oportunidade dapossar-se de seu “agora”.Toda vez que nos apossamos de noss

agora, tendo ou não tendo, carregamo

para sempre essa posse. Os momentovividos assim são reverberantes e nãse perdem no passado que se esvai, a

contrário, cada momento que vivemocomo um “agora” faz-se bagagepermanente de nossa existência evamos para onde formos. Isso porqu

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somos o somatório desses momentos e que nos é dado possuir não é um “Eumaterial e imaginário, mas a trajetóri

de nossa presença registrada napegadas de nossos “agoras” apossadosLevamos tudo isso conosco porque

sto que somos.Deste mundo levamos conosco tanto que deliberadamente decidimos não tecomo também o que legitimament

omamos para nós. O que não podemocarregar conosco são as coisadesnecessárias que acumulamos e qu

são registro inegável da perda doportunidades de apossar-nos de outracoisas reais, apossáveis deste mundo. Eambém não carregamos aquelas coisa

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que deixamos de tomar, mas que erapassíveis de pertencer-nos e das quaiabdicamos por motivos outros que nã

sejam pela deliberação acerca de “teou não ter”. Sempre que doamos oabrimos mão sem passarmos pelo criv

de nossas questões, ambivalênciasdúvidas e paradoxos, perdemos oportunidade de possuir o que “nãemos”. E “não ter” sem possuir é u

desperdício igual a ter sem possuir.Sim, deste mundo muito se pode levar

E é tarefa de quem vive plenament

acumular muitas posses verdadeiras qupossam ser conversíveis a qualquemoeda, outorgado-lhes uma liquidez quresiste à perda da própria vida. Porqu

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a vida possuída, tomada posse, ninguémais a pode arrancar de seu “Eu”. Essé nossa imortalidade que advém de u

“Eu” que, em dado momento, é umprestidigitação ou um truque, mas que nconquista de “agoras” se torna um

dentidade real e ficamos possuídos ponós mesmos. E então o que levamoconosco é a nós mesmos, nocarregamos em tudo o que traduzimo

como nosso, tido ou não tido, e que é verdadeiro “Eu”, essência de minhexistência incontestável, inalienável d

mim.O usucapião de mim mesmo por udeterminado tempo autentica que o “Eulegítimo, inventado, se torne não só um

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posse reconhecida como tambépermaneça para o “usufruto” de todos oque nos conheceram mesmo quando nã

estivermos mais nesta vida. Porququando possuímos verdadeiramente, nãsó levamos deste mundo como deixamo

um legado passível de posse e dusufruto por aqueles que nos dãcontinuidade. De um Nada, o Eu sransforma numa “coisa” com a qua

podemos nos relacionar até mesmquando não estamos mais presentes.

Afinal a presença é o apossamento d

“agora” e sua natureza não é temporamas atemporal. Todo o “agora” do quaomamos posse permanece como um

propriedade – o que se fez apropriado

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eternamente encaixando uma coisa cooutras no tempo. Esse encaixamentúnico reverberará para sempre entre a

coisas e será a origem de tantas outraposses e tantos outros “Eus” construídopor meio da apropriação da relaçã

apropriada entre coisas.

QUALIDADE DE VIDA E ROUBO

A posse, apesar de se dar entre coisasnunca é a posse de coisas. A posse é relação entre coisas construída daquestões de “ter ou não ter”. Há queem e, na verdade, não tem. Há quem nãem e, na verdade, tem. E obviamente h

quem não tem e verdadeiramente nã

em, assim como quem tem

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verdadeiramente tem.A posse só existe para quem “tem

verdadeiramente tem” ou para “que

não tem e verdadeiramente tem”. Essaduas formas de posse que estabelecerelações entre o “Eu” e todas as outra

coisas são a essência de nossexistência.Reb Nachman, personagem de que

derivamos vários ensinamento

anteriores, tem uma visão bastantnteressante do que concerne à posse

Ele desafia aqueles que têm uma bo

qualidade de vida a submeter-se a ueste definitivo para medir a veracidaddessa qualidade. Ele propõe que apessoas com boa qualidade de vid

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maginem-se perdendo uma a uma acoisas que têm. Se com essas coisas fosendo perdida também a qualidade

então elas não têm qualidade de vida.Talvez as pessoas tenham “quantidad

de vida”, mas “qualidade” que é medid

pelas posses verdadeiras de undivíduo, entre o que ele tem deliberadamente não tem, elas nãdispõem. Porque a qualidade de vid

não pode ser retirada de ninguém, umvez que é feita de posses. E as possesão inalienáveis. Sim, as coisas sã

passíveis de serem tomadas ou mesmroubadas, mas a relação com as coisasessa ninguém pode usurpar. Pertenceao “Eu” que em sua relação com a

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coisas é intransferível.Ao mesmo tempo, quem rouba tem

mas não tem a sua posse. Para o ladrã

não há lugar no seu “Eu” que permitque o objeto do roubo seja possuídoQuem rouba tem menos “Eu”, meno

posse de si. Esse ter que diminui a possfunciona na contramão da qualidade dvida, porque estar cercado de muitacoisas e não possuí-las é uma grand

maldição. As coisas deste mundo não sevam; as posses, sim. E quanto maiivermos sem possuirmos significa qu

fomos incapazes de produzir “agorasem meio à nossa existência. E quantmenos nos apossamos do momentomenos sabemos o tamanho que temos o

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o “que somos”. E quanto menodefinidas nossas grandezas magnitudes, menos verdadeiro o “Eu”

menos posse temos de nós mesmos.O Nada e o Eu são os polos qu

manifestam a experiência de “existir”

de ser. E devemos estar atentos porquseu conteúdo são as posses qurealizamos pela vida afora.

A verdadeira qualidade de vida é um

conquista que se mede na própridentidade. A possibilidade de perde

essa qualidade é prova de que n

verdade não a tínhamos.Roubar uma posse verdadeira mpossível. O roubo é uma condição

não deixa de representar uma interaçã

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econômica. No roubo, numa perspectivradical, ambos os lados saecontemplados em sua interaçã

econômica. Se imaginássemos que uadrão oferecesse um centavo pelo carr

que está roubando, nas condiçõe

específicas daquela interação, o dono dcarro perceberia como um bom valopelo seu carro, uma vez que é a únicmaneira de salvar a sua vida. Essa

uma realidade de valor. Por exemploninguém trabalharia por valores tãpequenos como um salário mínimo s

essa não fosse uma condição melhor dque a opção de morrer de fome.O ladrão e a vítima tiveram um

nteração no que tange à guarda de um

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coisa que até aquele momento nãestava na mão do ladrão, mas enenhum momento se estabelece

qualquer mudança na esfera da posseProva disso é que o ladrão buscrecorrer ao dinheiro, o grande “lavador

de coisas que as pessoas têm, mas qunão possuem.E, sem moralismos, qualquer cois

que não possa ser possuída tem pouc

ou nenhum valor. Todos os roubosefetuados por ladrões profissionais opor indivíduos comuns em sua

nterações rotineiras, desconstroem “Eu” e o tornam mais vulnerável a nãpoder levar nada deste mundo.

Essa é a razão de uma parcel

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considerável de nossa inveja e de nossnsatisfação estarem atreladas não

carências verdadeiras, mas ao olha

para aquilo que os outros possuem. Nentanto, se nos é dado ter essas coisaão cobiçadas, não alcançamos o bem

estar. É que a guarda das coisas nãreproduz a riqueza de tê-las possuídasO invejoso sabe disso e por isso nãquer o que o outro tem. Tomar o que

outro tem é o desejo real do ciumentomas o invejoso quer apenas obstruir posse do outro, relegado que está

condição de roubo.O que o roubo representa é uempecilho à posse. O roubo aprofunda sensação de que as coisas podem se

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retiradas de nós. Por um lado reforça lusão de que a “guarda” das coisa

pode substituir nossa interação co

elas. Por outro também intensifica nsegurança. Na verdade, só roub

aquele que acredita que ao toma

consiga adquirir posse. O que ocorre é contrário; tal atitude nos afasta dpossibilidade de posse. Essa é a razãpela qual as riquezas para quem não te

posse, apenas “guarda”, não tragaprazer por tê-las, mas sim, o tormentpor perdê-las. Essa é provavelmente

sensação mais comum em relação adinheiro – o prazer de tê-lo é muitmenor do que o sofrimento por não tê-lo

Tudo que for experimentado dess

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forma significa que não é possuído. Acoisas sobre as quais temos posse nofornecem prazer e o senso de si. Sã

coisas que é melhor tê-las do que não têas, afinal, a posse é exatamente nteração, a decisão e a vida exercida n

escolha de “ter ou não ter”. Se a decisãfor por tê-la, nunca o “não ter” podrepresentar uma experiência maintensa do que o “ter”. Na posse, o “nã

er” também é oriundo de uma escolha eportanto, não estará sujeito ao temor dperda.

A posse não compreende perda. Tudo que puder ser perdido não pertence aconjunto de nossas posses. Mesmo um“coisa” que foi minha, que tenha tid

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posse, e que não mais disponho nestmomento, continua como uma posse. Éuma posse do tipo “o que é meu, é teu

o que é teu, é teu”. Por ter sido umcoisa minha que suscitou questõesambivalências, dúvidas e paradoxos, s

fez posse, isto é, qualquer que seja status de sua “guarda” nesse momentoainda a preservo. Não mais sob a formde “ter”, mas sob a forma de “ser”.

É isso que a posse permite: conversão definitiva do que se tem equem se é. Representa um meio d

nteração entre o Eu e o mundo, entre Eu e o Tu.Essa é a grande diferença entre

Propriedade e a Posse que apenas

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esfera espiritual nos pode expor dmaneira tão contundente.

PROPRIEDADE SEM POSSE – COMO TERSEM SER?

O universo espiritual fala diretamente d

experiência da maturidade e do avançda idade. A vida é percebida pelo sehumano como um comodato. O efeit

maior da consciência é que o sehumano percebe a realidade da vidcomo a cessão de direitos por uperíodo que não excederá os cento

vinte anos. Essa percepção impacta toda nossa relação de valores com o munda nossa volta. E como todo “contrat

emporário”, os valores das coisas vã

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diminuindo à medida que o tempo passaQuando pagamos luvas por um pontcomercial, se queremos repassá-lo, el

valerá muito no início da vigência dcontrato e cada vez menos à medida quo tempo se aproximar de seu término.

Assim sendo, com o passar do tempde uma vida, as “coisas” tendem a valemenos. Essa experiência é importantporque irá revelar nuances do “ser” e d

“ter” que antes ficavam ofuscadas pelvalor exponencial das “coisas” para ovem. É legítimo o apego do jove

pelas “coisas”, uma vez que elas, em suutilidade, parecem se confundir com experiência de “ser”. A propriedade éassim, confundida com a posse. Uma ve

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que ter propriedade parece permitiutilizar algo por um tempo tão longo quse confunde com o infinito, assumimo

que temos posse. Muitas vezes se tornpatético para um indivíduo madurdeparar-se com um jovem arrogante po

conta de propriedades que toma composses. Somente a consciência dfinitude da vida expõe as nossapropriedades à prova de se são ou nã

possessões. Se forem, poderão seevadas deste mundo e escaparão

valoração relativa ao tempo restant

para o final do comodato da vida.O que estamos dizendo templicações diretas sobre a riqueza. A

riqueza não diz respeito a quanto temos

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mas ao que possuímos. O ter estrelacionado à propriedade, e o “ter onão ter”, relacionado à posse. O

primeiro diz respeito à retenção e guarda de uma coisa, o segundo, nteração entre um indivíduo e o uso da

coisas. A posse está vinculada, portantoao uso e ao valor. Rico não é aquele quem coisas, mas aquele que faz uso d

coisas. Quanto mais uso tiver par

coisas e delas dispuser, mais rico.Quando vemos pessoas que dispõe

de fortunas para além de sua própri

vida estamos diante de pessoas copropriedades fabulosas, mas o quantelas possuem é de outra ordem. Nãsabemos o que um magnata possu

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sabemos sobre o que ele tepropriedade. Todas essas coisas questão sobre sua propriedade sã

passíveis de deixarem de ser. Seja pelroubo, pelo mau investimento, pelesbanjar, pela má administração ou pel

morte, as propriedades passam de mãoinguém consegue ter propriedadeterna sobre as coisas. Isso porque acoisas não se prestam a ser eternament

propriedade de outra coisa. Já com posse é diferente. A posse é monopólio daquele que existiu

nteragiu com o mundo a sua volta. Osujeito não é mais uma “coisa”, mas u“Eu”, a construção das interações entrcoisas. Essas interações transcendem

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realidade das coisas e as libertam doimites de sua própria natureza

A transcendência do ser humano est

vinculada à possibilidade de deixar dser uma mera coisa neste universo. Ninguagem de Buber, Eu-Isto é

percepção que experimenta uma “coisaque dispõe de consciência. Por outrado, Eu-Tu representa a experiência dranscendência possível a uma cois

com consciência.As posses são, assim, relacionadas a

viver, às interações que um indivídu

estabelece ao longo de sua vida. Aposse é um produto da existência e é materialidade da existência.

Cada um de nós sabe o quanto possu

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ão há manuais nem receitas. Pode-spossuir muito com uma vida baseada eazer e amizades ou na dedicação a um

obra. Pode-se possuir tanto com poucapropriedades como com muitas. Hmagnatas que ao construir sua vida e su

fortuna interagem profundamente com mundo e muito possuem. Há pobres quse protegem do risco e do esforço pouco possuem. Há magnatas que nad

ou pouco levarão deste mundo, despojados com invejáveis bagagens dposses e que deste mundo muito levarão

A passagem do tempo separa conceito de propriedade do conceito dposse. Passamos de um “ter” que, npercepção de sermos eternos, imortais

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fusiona a propriedade e a posse, a u“ter” que, diante da finitude da vidacontrapõe a propriedade e a posse. E

assim se revelam importante“questões” do “ter”. Ao jovem cabdescobrir com sabedoria com

contemporizar seu instinto à propriedade temperá-lo com o investimento eposses. É importante que conheça oparadoxos do “ter ou não ter” para alé

de suas “questões”.O “ter” e o “ser” são experiências qu

se reforçam mutuamente. Só a sabedori

e a adequação (as questões) permiteque o “ter” possibilite a posse. E só possível ter posse se isso couber nnosso “ser”. Tudo que não couber n

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“ser”, que em vez de traduzir umnteração entre coisas, se fizer d

retenção ou do privilégio de coisa

sobre outras coisas, não permitirá posse. O quanto de nosso patrimônio possuído por nós está diretamente ligad

à experiência de bem-estar e de “ser”.Por isso a propriedade não é neutrem relação à posse. Quanto maior propriedade, maior terá que ser a poss

para que represente uma experiêncionde o “ser” seja fortalecido. Por issnão vale a pena ter mais propriedades s

elas não podem se fazer possuídas ponós. A comida ilustra isso de formmuito concreta. Ao saciar a fome eomo posse da comida que ingeri. Se e

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me apropriar de mais comida além dque fui capaz de possuir, ela terá uefeito negativo à minha saúde e ao me

bem-estar.O limite da posse não é moral, está n

“ser”. Quanto mais você puder dar uso

seu patrimônio para que ele reforce sua experiência de “ser”, melhor. Mas excesso que não pode ser contido n“ser” é o oposto da posse – é um “ter

que diminui a existência.Para “ter” eu preciso “ser” e par

“ser” eu preciso “ter”. Essa relação nã

pode ser perdida. Não tenha nada qunão caiba no seu ser, não tenha nada quvocê não possua. Da mesma forma, nãse sinta nada que você não tenha, qu

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não esteja ancorado na conquista dposses seja pelo “ter” ou pelo “não ter”

 NÃO TER E O DESEJO

 Não ter é o início do desej – Wallace Steven

A posse se constrói da relação entre “ter e não ter”. Diferente do qumaginamos, a posse se distancia d

controle, da retenção ou do monopólioTodas as vezes que se tenta exercer essipo de direito sobre as coisas, termina

se na condição de “ter” sem, ao mesmempo, possuir. Por isso é comum qu

aquele que obtém algo desejado, que aograr ter o que perseguia, se pergunt

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estupefato: “Onde terá ido parar desejo?” O “ter” em si não é capaz dproduzir a mesma qualidade de bem

estar que produz o potencial de “ter”. Éustamente nesse lugar do “não ter” qu

acontecem todas as paixões e é dele qu

emana o grande paradoxo que sestabelece entre o Eu e as coisas destmundo, sejam elas objetos ou pessoas. Ougar do desejo e também da posse s

situa no “não ter”. Trata-se de um “nãer” embebido de questões sobre “ter o

não ter”. Os sensíveis e os sábio

conhecem o mistério de perseverar n“não ter” e tratam de manter-se o maioempo possível nessa margem da vid

refreando seu impulso por “ter”. A

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esfera do ter, apesar de ser o alvo dposse, nunca se realiza nela; na verdadea posse quase sempre se desfaz no “ter”

ão quer dizer que não possamos tealgo como parte da construção de nossarealizações, mas o prazer em ter estar

sempre condicionado a que em sumemória reverbere a ausência, carência. As crianças sofrem dessexperiência mais que qualquer outr

grupo. Seu desejo de “ter” é tãabsoluto que é uma surpresa quando objeto tão querido, uma vez obtido, cai

em desinteresse. Seria simplesmente novo ou inusitado que se esvai e quabandona os objetos quandapropriados? Não tão simples. O qu

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realmente destrói o desejo no “ter” é nrelação de controle que estabelecemosobre uma coisa. Se a possibilidade d

“não ter” ainda estivesse presente, nteresse não se esvaziaria.

A posse diz respeito a relações entre

nterior e o exterior. É essa relaçãomais do que o objeto de desejo, que nooferece a possibilidade de “ser”, questá por trás do desejo de posse

Achamos que a posse faz o objetdesejado se incorporar a nós mesmos que isso vai fortalecer o nosso ser, mas

como vimos, a experiência da existêncie da identidade se dá unicamente ndimensão das relações. Amantes casais conhecem essa experiência a tod

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momento. Do namoro ao casamento comum fazermos a troca entre a posse o “ter”. O enamorado, em sua relaçã

apaixonada e ardente com sua amada, jpossui, mas no momento em que a amadse torna “sua”, que a tem, sua paixã

desaparece. O ter não consegue daconta da relação porque é sempre anulação do outro. O outro só se fandependente na possibilidade de nã

pertencer, de não ser tido. Por isso ato de intimidade é a constantpreservação da distância e, acim

de tudo, de não permitir que o outro enha. Essa é a dimensão tão fantásticde “não ter” e que só é usufruída pelocorajosos que acolhem a inseguranç

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desafiando o medo. O “não ter” semprrepresentará o risco da morte, ddesfazer-se, da falta de si e da perda d

alma. Como se os momentos, a vida e próprio ser pudessem ser enclausuradoe retidos para garantir-nos a experiênci

de “ser”. Essa experiência não pode sesegurada nas mãos, não pode secongelada nem tornada estática.

A materialidade é a dificuldade qu

emos em aceitar isso. Se o alimento qucomo se torna meu corpo, se o que tornminha propriedade é exclusivament

meu, vivencio essas experiências comse o “ter” fosse prover pelo meu “ser”Tais experiências reforçam a crença dque o caminho à posse é o “ter”. Mas

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posse sempre reproduz o dilema damante.

 No Cântico dos Cânticos,  livro qu

retrata o saudosismo da alma pelsagrado na linguagem de amantes quanseiam um pelo outro, é dito:

“Estava adormecido, mas mecoração estava desperto. Ouça, minh

MADA bate à porta!”

A condição de adormecido representuma passividade apalermada em mimUma ausência que entorpece e que nã

consegue ouvir o que o coração escutabatem à porta. Não é qualquer um qubate, mas a fantástica oportunidade dser. É o ser que constantemente bate

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porta num convite sensual ao encontroO ser reclama que está sendo excluído exige essa relação constante entre

nterior e o exterior. Não é possíve“ser” sem esse encontro na porta, nimite entre si e o outro. O “ser” fic

assim exilado do corpo estupefato entorpecido. “Deixe-me entrar!”, clama possibilidade de ser, como que snsinuando para ser possuído.

Mas o amante sabe que não é tãsimples. Sabe do risco de ficabuscando desculpas como apresenta

ivro do Cântico dos Cânticos. “Já voumas antes tenho que me arrumar, faltperfume, faltam detalhes para recebeminha amada”, reage o amado. N

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entanto, se tarda em abrir a portdescobrirá que sua amada desapareceuele a procura, mas não a encontra. Ess

perda trágica é insuportável, é a antítesdo ter. Se, ao contrário, ele vai de formprecipitada e abre a port

apressadamente, sua amada, em vez ddesaparecer, se torna uma coisa, um istoe ao tê-la ele perde a possibilidade dposse.

A tensão entre o interior e o exterior fundamental, é nela que se experimenta existência. O bater na porta é a tensã

que não podemos perder. Não podemoadormecer e não escutar. Graças acoração isso não acontece, mas comrealizar esse encontro diante do perig

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de que a demora permita ao interior seengolido pelo exterior ou que a presspermita ao exterior ser invadido pel

nterior?Aquele que opta por “não ter” pod

perder o objeto de seu desejo que parte

Aquele que opta por “ter” pode perder possibilidade de posse. Ter ou não ter a questão tal qual a tensão do bater damada à porta! O sagrado é elusivo, nã

pode ser contido por nenhum ato, ponenhum direcionamento. A capacidadde estar vivo, de “ser”, está relacionad

à escuta do bater nessa porta e dmanutenção da tensão que não esvazinem preenche. Esse vazio que não tem que se recusa em ter é onde se localiza

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 Na paixão, o olhar nunca poderá sesubstituído por qualquer outrexperiência porque ele contém o vazio

a possibilidade de encontro sem perdeem ambos essa tensão paradoxal que é único lugar da posse. Não se trata d

posse do outro ou de coisa alguma, mada posse de si mesmo.

ACARICIAR EM VEZ DE SEGURAR 

O mesmo Cântico dos Cânticodescreve esse momento de posse pelentusiasmo do amante: “Beija-me e membriaga com teus beijos, teu amor mais doce do que o vinho!”

O contrário de estar adormecido

estar embriagado. Esse lugar d

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ausência, de vazio de si, é o cenáripara a posse. Os beijos e a doçurrepresentam esse estado de ser que tant

buscamos e que em sua condição furtivse revela na experiência erótica. Eros o pedido para ser preenchido sem s

fazer explícito se queremos senvadidos ou invadir, se queremos estadentro possuindo ou preenchidopossuídos. A sensualidade do beijo

esse portal do interior ao exterior, ondse processa a dubiedade de se tenho ode se sou tido por outro. Nesse limite

questão de “ter ou não ter” se tornuminar, elétrica na sua velocidadnfinitesimal de presenças que nos faze

participar do “ser” não como um filme

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como um reflexo de nosso pensar, macomo o encadeamento instantâneo dcomparecimentos que nos delineiam

iberam um golfo de existência.Beijar é estar na porta gozando d

doçura da possibilidade de abrir ou nã

a porta. Esse vinho é incomparáveporque nos liberta da dualidade dexistir em si ou no outro, no interior ono exterior. Permite, assim, que nã

sejamos mais prisioneiros do Eu ou dOutro (das coisas) e momentaneamentconhecemos a posse.

O mundo, porém, é rude com existência porque a faz constantementdefraudada de sua essência ao propoque seja preenchida com

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materialidade, com a opção viciada po“ter” acima de qualquer outra coisaComo se o “ter” pudesse suprir um

carência ou uma ausência. Mas existência é em si um vazio, um oco ser mantido.

Por isso o gesto próprio à posse não o de segurar ou o agarrar, típicos d“ter”, mas o de acariciar. Quandacariciamos é como se buscássemos

vazio do outro e nossas mãos nãquisessem conter, mas apenas mesurar vácuo, aquilo que se faz vago. Quando

carícia tenta segurar, perde a posse adormece entorpecida na experiência d“ter” algo. Só o coração pode nodespertar desse torpor que busca conte

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e reter, relembrando que a amada bate porta.

Toda vez que logramos acaricia

permanece em nós um vazio parsempre. Ninguém pode tomar de nós vazio que tocamos e delineamos e

gestos que tentam reproduzir afronteiras do nada, do oco. Nossas vidas são feitas desse

momentos que acariciamos e é só dele

que nos recordamos. Mesmo no final dnossas vidas, quando parece que somoesvaziados da possibilidade de usufrui

as coisas do mundo, aqueles qupossuírem durante a vida terão suaposses para sempre. Não viverão nsolidão, no vácuo ou na tristeza. A

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posses mapeiam o relevo de nossa alme nos permitem nunca sermoabandonados por nós mesmos. Esse é

gesto derradeiro daquele que parte destmundo. Distinto do bebê que vem amundo querendo se agarrar a tudo,

entativa é de acariciar. A mão abertbuscando tatear o vazio, indiferente àcoisas, se volta às não coisas, às qunão tem.

Esse ser repleto de coisas que “nãem” está sempre diante de seu desejo

que é a fonte de todas as posses. O que

belo e estético, o que é agradável aprazível, o deleitoso e o suave, tudsso é descartável diante do vinho do

vinhos que é o desejo. Tal qual o dia qu

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orpor. O coração nos cobra: “Despertaporque neste exato momento batem porta!”

SÓ O GRATUITO ME INTERESSA

ossa compreensão de valor estsempre voltada à percepção de oferta demanda. Se há demanda e pouca oferto valor acresce e, se for ao contrário,

valor decresce. Essa percepção, na quase fundamentam os nossos mercadosem seu foco no “ter”. A dificuldade der determina os preços de nosso mundoo entanto, seria de alguma form

possível conceber mercados e relaçõeem que o foco fosse a “posse”? Em qu

o que valorássemos fosse a presença,

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“ser”, em vez do “ter”? Quanto val“ser” e quais os custos para “ser”?

Mercados posicionados no “ser

eriam que priorizar o “vazio” e desejo, em vez do controle e dmonopólio. Teriam que oferecer alg

que não tivesse preço. Não porque caro demais, que é a maximização d“ter”, mas porque representa o vazioEssa ausência de preço, sem que co

sso signifique a inexistência de valor, o que chamamos de gratuito.

 No mundo do “ter” reverbera

citação do economista Milton Friedman“não existe almoço grátis!” No mercaddo “ter” nada pode estar dissociado dum preço. O Maná do deserto nã

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caberia nesse cardápio de justeza entros diferentes quereres e carências. Nentanto, no mundo da posse, pouco

almoços na vida são tão especiaiquanto os que são grátis.

A própria palavra “grátis” deriva d

palavra “graça”, que busca definir umrelação de oferta sem demanda, upresente. Diriam os economistas quessas relações apenas ocultam preço

subliminares e custos que mais cedo omais tarde se fazem conhecer. Nentanto, à medida que as pessoas vive

e amadurecem não é raro quexpressem: “nada mais me interessa não ser que seja gratuito!” O que queredizer é que o mundo dos preços nã

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consegue dar conta dos valores drealidade, e, em particular, de valoreque lhe são muito caros.

A possibilidade de relações que nãsejam utilitárias, na qual as pessoaacariciem a existência e não tente

omá-la nas mãos, disponibiliza possesE nada é mais fabuloso e mágico do quo gratuito. Mesmo que o gratuito possrapidamente se tornar cheio d

demandas e preços, ainda assim possível experimentá-lmomentaneamente. A transcendênci

desses momentos nos arrebata. E grande maioria das lembranças vivasdaquilo que reverbera em nossa alma, composta por experiências dessa ordem

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O Eros contido na gratuidade permitque a visão do mundo não aconteça nedo interior do indivíduo nem do exterio

dele. Desde a porta, a gratuidade noseduz. E antes de preenchê-la de preçoe cotações, se estabelece um vazi

repleto de valor.Feliz daquele que sai pelo mundo dmanhã na busca não de um bom negóciomas para coletar gratuidades. E o mund

está repleto delas. As ruas transbordade gratuidades que não são colhidasComo um Maná que teima em cai

diariamente, o mundo amanhece coesses presentes. Se corrermos parrecolhê-los, em nossa precipitação elese materializam em coisas que passamo

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a ter e seu mistério se esvai. Sardarmos ele apodrece porque

gratuito é do momento, é fugidio e nã

pode ser acumulado.Saber recolher o orvalho de gentileza

e graças que nos são dadas das coisas

das pessoas é o fruto do paraíso. O frutrepresenta a esfera da gratuidade. Afunções de um fruto são fronteiriçaentre o interesse de preservar o caroço

a oferta de si. Nada é mais saboroso perfumado entre os alimentos do que fruto. Nada é mais ingênuo e entregue d

que o fruto. É o único alimento que nãdepende da morte de nada para que spreserve a vida de outro. Édefinitivamente um almoço grátis d

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natureza. E nossos ancestrais coletoresabiam disso. Viviam num paraíso quecom certeza, tinha menos possibilidade

de aquisição e menos abundância do quo jardim em que vivemos, mas viviamersos num mercado de gratuidade

onde o “ter” não se oferecia como opçãpara vivenciar-se o “ser”.O fruto proibido do paraíso era Eros

a porta à qual bate a amada. Talvez ess

seja a explicação de um fruto que proibido, mas que ao mesmo tempo sfaz disponível. Se o Criador nã

quisesse que o humano provasse dessfruto, por que lhe colocou a tentação dpossibilidade? A resposta a tal perguntestá na própria pergunta. Não seri

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possível a posse – o “não ter” qurecomendava o Criador – se nãhouvesse a possibilidade de “ter”.

Adão e Eva, no entanto, insistem e“ter” o fruto. Não percebem que o frutá era deles, muito mais deles, muit

mais posse, do que no momento em quem suas mãos tentaram agarrá-lo ou suabocas tragá-lo. Nesse gesto cheio do quparecia ser a tomada de posse só h

carência e perda. Nessa mordida mundo se faz repleto de preços. O future o amanhã apareceram na consideraçã

do valor. Adão e Eva agora eracapazes de se pré-ocupar, de se ocupaantes que a situação estivesse diantdeles. Essa antecipação permitiu

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estabelecimento de valores e, com ela, noção da morte. E a morte é a mãe dodos os preços.

Esse paraíso de gratuidades ainda estaí, mas é guardado por Querubins coespadas giratórias e quem ousar passa

por elas terá que deixar de fora a supreocupação com o sustento do amanhãerá que parar de fazer cálculos d

quanto cada coisa vale para que s

possa tê-la e, mais difícil ainda, terá qusuportar “não ter”. A gratuidade só sfaz real para aqueles que não quere

omá-la, para aqueles que acariciam respeitam seu vazio.Quem experimenta dessa posse va

viver na busca de guardar os vazios e a

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distâncias. Sem possuir ou ser possuídoexperimentará o único lugar da posse dseus momentos e de si, posses essas qu

nos dão o verdadeiro corpo, a essêncide nossa existência.

“Ser ou não ser” ou “ter ou não ter

não são apenas as questões, mas são existência e a posse em si. Quem souberesistir aos temores e ilusões que nofazem desistir deste limbo, será e terá

este vazio entre ser e não ser ou entrer e não ter está toda a graça,

gratuidade deste mundo.

A ECONOMIA DO DESEJO

O que o “ter ou não ter” busca preserva

é o próprio desejo. É nele que está

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núcleo de todas as economias. O desejcertamente inclui todas as necessidadedemandadas pela sobrevivência e qu

norteiam a ânsia por “ter”. Mas o desejem que ser sempre maior do que

aspiração de suas demandas saciadas

a verdade o desejo é uma medida quem que ser sempre maior do qudaquilo que se dispõe.

Essa é a razão de um mund

consumista. Se o desejo precisa sesempre maior do que o que se “tem”encontramos aqui a raiz da ganância

do desperdício. O suficiente ao desejserá sempre “um pouco mais”. Esseitura do desejo que o represent

quantitativamente de forma acertada é

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no entanto, totalmente equivocada nque tange a sua qualidade. O desejo nãé “mais”, é o “vazio”. O mundo, e talve

o próprio universo, não é capaz dsuportar o desejo que se expressa pel“mais” porque os recursos para saciá-l

seriam infinitos. Mas este não é problema maior, o que se constitui eragédia é que o “mais” não é o desejo

Esse equívoco tão corriqueiro

responsável pelo desmonte do cenárida Criação como um paraíso e constróo imaginário do inferno. O desejo não

a insaciabilidade. A insaciabilidade óxica ao desejo e é a origem de nossaristezas.

A natureza do “vazio”, por sua vez

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não é tóxica. Vivemos imersos em vazioO vazio em nosso estômago que scompleta e esvazia, o vazio de nosso

pulmões que se expandem e contraem, vazio de nossa mente que nos permite criatividade. O vazio que nos permit

ocupar e desocupar, estar e não estarO vazio é uma medida e, como tal, real.

A insaciabilidade é sufocante porqu

em sua natureza não é uma medida. Éapenas a relação entre uma medida e que esta poderia ser. E tudo “qu

poderia ser” não é real. A construçãmental daquilo que poderia ser é umodelo, mas não é parte da realidade. Ea realidade é a única dimensão ond

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podemos encontrar bem-estar. Sbuscarmos experiências fora drealidade elas vão nos causa

nadequações que comumente chamamode “tristezas”. Estar triste é estavivendo uma vida dissociada do desej

e da realidade. O “mais” é umconstrução porque o corpo não gera essdemanda. Ela vem do imaginárihumano. Esse mesmo imaginário, que é

ela onde se processam tantas e tantacenas e projetos que nos fascinam, ambém a fonte de onde emana a tristeza

Se comparássemos o ser humano amundo, a imaginação seria HolywoodDe lá emanam os filmes, dos épicos aoromances, passando pelas comédias

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mas para toda a imaginação há umomento em que as luzes se acendem emos que levantar da cadeira – a sessã

erminou.O “mais” é um filme. Um filme qu

cumpre a função de substituir

realidade que se expressa no “vazio”. O“mais” é o truque de experimentar “vazio” sem deixar de abandonar o “terem momento algum. O desejo no

propõe ouvir que a amada bate à porta dele emana a questão do “ter ou não terser ou não ser). Foi isso que o Criado

permitiu a Adão e Eva – o desejoColocou um fruto pendurado diantdeles e o ofereceu para que dele não sservissem. Um Criador sádico ou u

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romântico? Um Criador incoerente oum Artífice oferecendo às limitações dsua criatura características qu

ranscendessem sua própria natureza?Podemos entender Adão e Eva e se

error diante da oferta divina de qu

fossem imagem e semelhança dCriador. A Arte é por definição umação compassiva e é sua característicmaior impregnar a obra do própri

artista, ou seja, partilhar de sua naturezcom aquilo que cria. Todo artista, verdadeiro, não quer apenas criar obra

dominadas e controladas. Seu ato ddádiva é dividir com sua criaçãaspectos de sua própria essência. Acriatura que é capaz também de cria

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dispondo em si de independência é, esi, a verdadeira criação, o objeto darte, afinal, o verdadeiro Criador nã

está na busca de “ter”, mas está em umrelação erótica com o vazio de “ter onão ter”. O quanto ter de sua própri

obra e o quanto não ter é o que lhgarante a posse. E a posse é a motivaçãmaior. Como sempre, a posse não senddo outro, mas de si próprio.

 No entanto, a reação, a sombra que sproduz no ser humano é este paradoxde ser ambos, criatura e criador. É po

conta desse paradoxo que tentamopreencher com “matéria” o vazio dnossa condição terrena. Adão e Eva vãrecusar a posse e vão insistir no “ter”

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Vão abrir mão da independêncioferecida por seu Criador representadpela dúvida entre “ter e não ter” e vã

rocá-la pelo falso alívio de “ter” duma vez por todas.

Adão e Eva inventam a civilização d

“mais”. Sua ação recorrente a cadgeração é a de correr para a porta e santecipar ao chamado do amante. Comrei da cadeia evolutiva e com sua

responsabilidades de ser o jardineiro dplaneta, o ser humano não se permite risco de abrir a porta tardiamente

A possibilidade de que a amada nãesteja mais à porta é insuportável esperteza humana. É melhor o risco dantecipação porque nos é mais nobre

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precocidade do que a tolice. Então noornamos a civilização do “mais”

daqueles que buscarão “ter” em vez d

ficar nas dúvidas, ambivalências paradoxos de “ter ou não ter”.

Em nossa construção mental, em noss

modelo imaginado, construímos ucenário mais seguro. Ao mesmo temprouxemos sobre nós a insaciabilidade

a tristeza.

 Nosso resgate maior não está em noapossarmos de coisas, mas de nosspróprio desejo. Uma civilização que nã

queira “ter”, sem que com isso caia ndepressão de não querer ter, podparecer uma impossibilidade ou umutopia. Acreditamos que um cenári

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A economia do desejo é a tarefa maisagrada de um indivíduo. Maximizar maginário sem se perder nele é a taref

dessa economia. Maximizar o “vaziosem perder oportunidades ou maximizao “não ter” sem abandonar as posses sã

facetas dessa contabilidade constantcom a vida. Enfim, o desejo é ummedida. Qualquer outra medida a maiou a menos não representará mais

desejo. A nossa alegria está diretamentrelacionada à precisão dessa medida. Amais ou a menos não nos faz alegres e a

correções na busca de justezrepresentam a gestão fundamental dnossa existência.

O desejo, além de ser uma medida

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daí o cuidado com sua precisão, teambém como natureza ser u

sentimento e não um pensamento. A

diferença fundamental é que osentimentos, ao contrário dopensamentos, não mentem. O

sentimentos podem ser equivocados erelação aos outros, mas nunca erelação a si mesmo. É essa natureza quassocia os sentimentos com a realidade

porque não são ilusórios. Na verdadedeveríamos recorrer aos sentimentos acolhê-los como prática terapêutic

constante para desfazer nossas tristezasAs tristezas são, como mencionamossubprodutos da mentira e do afastamentda realidade. Só os sentimentos pode

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este não lhe permitiria desviar-se. Mao pensamento teme o sentimento porquentrelaçado a ele está o Impulso ao Ma

e o pensamento se percebe responsávena constante tarefa de refreá-lo.

O que tanto nos confunde é que

mpulso ao Mal é um curinga. Ele podepelas regras do jogo, transitar dsentimento ao pensamento. É sentimento da criança que quer que “

meu seja meu e o teu seja meu”. E vimoque é o pensamento que ensina retardar gratificações e a conter

satisfação imediata, valendo-se dvalores. Aparentemente o Impulso aMal estaria então no sentimento maiprimitivo e não no pensamento. Ma

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podemos agora entender que o Impulsao Mal pode se dissimular também dpensamento. Como sentimento, ele atu

não querendo abrir a porta à amadaregozijando-se na tensão da seduçãprolongada que resulta em demora

exageradas. Na perda da precisão hfetiche e quando menos esperaperceberá que a amada já não está maià porta. Perdeu-se o desejo. Por outr

ado, o pensamento se atira à porta quer de pronto ter a amada. Acha ququanto antes a tiver, mais segura será

posse. Mas a posse está na relação entra mão que bate à porta e no coração quouve as batidas.

O paradoxo humano é que não estamo

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nem em nossos sentimentos nem enossos pensamentos. Onde noocalizamos então? Onde está o sujeit

de mim mesmo?Para essa complexa economia a

variáveis mais sensíveis não são as d

mundo externo, mas as do mundnterno. As mudanças e flutuações d“ser” não permitem parâmetros fixos

ão há um “ser” fixo que se coloqu

diante da questão de “ter ou não ter”. Oser é definido dessa relação. O sujeito aquele que deseja e que toma posse

ambos são relações e não essênciasão há um eu a priori  sem o mundoão há como ser sem ter ou não ter.

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POSSUO, LOGO EXISTO – FUI ERGO SUM

Outra perspectiva da existência

reconhecer que o ser está mais naquestões, nas ambivalências, nadúvidas e nos paradoxos do que numentidade, num “Eu” que só encontra u

sujeito absoluto no Artista. A obra, cosua imagem e semelhança emprestadasse vê não na luz própria, mas na luz qu

é refratada no mundo. O “ter ou não teré a visão de nós mesmos e é ela quforma momentaneamente um “eu” codesejo e capaz de tomar posse.

 Na verdade este é o  self   com o quagradualmente me identifico. Não se tratobviamente de um “eu” estático capa

de afirmar “eu sou”. Mas também não

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o “eu” mutante que minha biografia mfaz conhecer. O  self   é o “eu” que estprestando atenção nessas mudanças, é

“eu” que existe nas questõesambivalências, dúvidas e paradoxos. Aconsciência de nossas interações qu

geram esses questionamentos é o “euque me faz companhia pela existênciafora. Como essa consciência ilumina colore a realidade responde pelo  self

pelo único lócus de onde possexperimentar o bem-estar e a alegria.

O “ter” é a distorção que tenta usar

mundo externo para prover um “euestático ou mutante, mas onde não estouSó há alguém em mim quando tenhessas questões, ambivalências, dúvida

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e paradoxos em relação ao mundo. Nvazio entre “ter e não ter”, entre o bateà porta e atendê-la, está a minh

presença.Em outras palavras, a posse é

questão fundamental. Quem está nest

mundo vive pela busca de posses. Paro ser humano, elas atendenecessidades não só físicas, maemocionais, intelectuais e espirituais. O

homem que possui é o homem que éQuão trágica a busca de si num mundde tantos artigos de tantas coisas que s

êm, mas que não foram submetidas acrivo existencial de “ter ou não ter”.Por conta dessas coisas que temo

sem a legitimidade concedida pela

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questões de “ter ou não ter”, se tornrecomendável uma antiga prática comua muitos místicos. Os místico

utilizavam a mendicância como umprática espiritual importante em certomomentos de suas vidas. Quand

percebiam que estavam confusos vivendo com distanciamento de suprópria vida, então recorriam a essartifício. A confusão cujas raízes sã

espirituais só pode ser desfeitrabalhando-se em níveis muit

concretos. Para tal, os místicos saíam d

esfera espiritual e se transladavam anível mental, cuja característica é dúvida. De lá mergulhavam ainda maiprofundamente nas esferas concretas

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atingiam o nível emocional e suaambivalências. Nessa dimensão osentimentos não mentem nunca. Ele

podem no máximo estar equivocadosmas sua legitimidade e honestidade sãnquestionáveis. Faziam então

derradeira peregrinação ao mundo físice se engalfinhavam com suas questõefísicas, com as “coisas” e com matéria. Por isso se tornavam mendigos

Perder tudo e deixar de “ter” ocolocava diante da possibilidade dreconstruir seu mundo de posses. Co

sso queriam livrar-se dos resíduos mpurezas de coisas que não tinham sidsubmetidas às profundezas de “ter onão ter”. O mendigo é no mundo do ter

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que um bebê é no mundo do ser. Amendicância era uma reencarnação, umbusca de ser diferente pela revisão da

relações com aquilo que se tem. No entanto, a maioria de nós te

muito medo de abrir mão do que tem

envolver-se com uma prática dessnatureza. Parece-nos que com nossa“coisas” perderemos também a nossessência. Eu sem o que tenho não sou eu

E com essa falsa identidadperambulamos pela vida muito tristes. Eantas vezes ficamos também invejoso

acreditando que outros estão vivendo nossa vida, a vida que não temocoragem de abraçar. Pensamos que essou aquele que possui isso ou aquilo

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exatamente o “eu” que não sou e do quaoutros se apropriaram.

Quando não dependemos de “coisas

para ser então não há inveja. Isso porqunão quero ter nada que outros possaer, quero é ter minhas questões

dúvidas, ambivalências e meuparadoxos. E se, por um lado, o “terparece transferível e impessoal, doutro, o “ter ou não ter” responde po

uma experiência única e intransferívePorque, em realidade, não se trata maide um “ter”, mas de uma “posse”.

É importante ressaltar que nem todaas formas de “questão” de que estamoratando sejam automaticament

manifestações do “vazio”. N

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complexidade de nossos truques popreencher esse “vazio” é comucriarmos palavras idênticas para trata

de conceitos que têm sentido justamentoposto. A própria palavra “dúvida”, evez de delimitar os perímetros d

“vazio”, muitas vezes tenta dissimularse de “vazio” com o intuito de preenchêo.

Quando estamos com uma grand

dúvida, quando estamos indecisos erelação a uma atitude (normalmentrelativa a “ter ou não ter”),

ransformamos em uma dúvidmentirosa. Aparentemente estamodiante do “vazio” e respeitando o tempentre ouvir o bater à porta e atendê-la

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com o qual uma pessoa se relaciona coo que tem. Da mesma forma não há nadque uma pessoa possa verdadeirament

er sem que o seu ser manifeste desejpor posse. Eternamente entrelaçado coo que se disponibiliza à posse, o se

humano não conseguirá jamais se afastado chão, do pó e da matéria que lhe dsubstância, mas que não responde pelotalidade de seu ser. Essa imagem

semelhança ao Artífice é o Criador ncriatura, é o artista na obra.

Ser é menos particular a minha pesso

do que gostaria que fosse. Porque experiência que responde pelo meu enão é uma entidade concreta, mas surelação com todas as outras coisas a su

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volta. Ser também é mais relacional dque a morte me faz perceber. Porque morte é por excelência percebida com

algo individual e particular e distorce percepção de tudo mais que diz respeità vida. Mas muitos sábios dizem que

morte também não é particular. Estamomais mortos para os outros do que parnós mesmos. A morte é, portanto, maiuma experiência dos vivos, dos outros

do que nossa. E a única morte quexperimentamos é a dos outros. Para ndivíduo a morte é talvez o reencontr

absoluto com um “vazio” que não é ummanifestação oca, um vácuo sem possesTalvez sejamos engolfados pelo mesm“vazio” que produz desejos, por u

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nada que é muito repleto; pela presençque existe entre o bater à porta e atender. Presença invisível, mas capa

de nos resgatar da condição de obra nos reunir novamente como parte dartista. Ou seja, a arte em nós é o qu

seria eterno.

SÓ QUERO O QUE EU TENHO

A verdadeira posse só pode acontecede uma forma paradoxal. Tanto o amantque fica precoce ou tardiamente entrabrir a porta como o espaço entre aquestões que emanam de ter ou não terepresentam esse lugar tenso e vazionde somos mais vivos do que e

quaisquer extremos. Precipitar porta

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abertas ou se fazer surdo às batidas damante, assim como o apegrepresentado pelo “ter” ou a aversã

representada pelo “não ter”, qualqueuma dessas opções distorce o senso dsi e compromete a qualidade de vida.

É essa a mais difícil de todas aições.Certa vez o rabino de Berditchev vi

um homem que se apressava pela rua

Ele o abordou e perguntou: “Por quvocê está tão apressado?” “Meu senhorestou correndo atrás do meu sustento!”

respondeu irritado. “Mas como o senhosabe”, continuou o rabino, “que sesustento está correndo a sua frenteTalvez esteja atrás do senhor e tudo d

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que necessita para encontrá-lo é ficaparado... mas o senhor estconstantemente correndo dele!”

Estabelecemos como padrão que aoportunidades só podem seaproveitadas se as perseguimos, ma

muitas vezes o lugar de encontrá-las parado, distante do impulso por ter conquistar. É óbvio que a vidpressupõe esforço e caça, mas a mesm

vida também pressupõe graça. O gratuitque nos faz gratos constitui uma parcelmportante do que pode ser apossado. O

gratuito é o “não ter” que devemos estaconstantemente considerando com o qu“ter”. Se não considerarmos possibilidade de “não ter”, vamo

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perder todas as oportunidades do que gratuito neste mundo. E aquele que sconhece a labuta pelo “ter” dificilment

se apossa das coisas que “correm atrásdele. O desejo fica então transfiguradnesse indivíduo que, ensandecido, corr

pelas ruas da cidade.Talvez a experiência mais próximdesse paradoxo esteja no tempo. Quantmais fazemos, mais rápido fica o temp

e acabamos fazendo cada vez menos. So fazer pouco permite que o tempo salastre permitindo que se realize muito.

 Na verdade, esse paradoxo sencontra presente em todas aexperiências nas quais buscamos vivepelos extremos, evitando as questões

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seus desdobramentos. Não se tratacomo já enfatizamos, de “ter”, comambém não se trata de “não ter”; só h

posse na tensão entre “ter ou não ter”.Dizia outro rabino, Rebe Pinchas

‘Aquilo que você persegue arduamente

não consegue alcançar. Mas aquilo qupermite crescer lentamente, respeitandseu tempo, isso você alcança.” A possé sempre o usucapião de si mesmo, é

apossamento legítimo de si mesmo e nãde coisas como insistimos em acreditarÉ por isso que tudo que cresc

entamente se habilita à posse, enquantaquilo que queremos forçosamentsegurar e conter se torna fugidio nsólito.

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E aqueles que tentam aplicaautomaticamente esse ensinamentcomumente se perdem em seu desejo

sso porque “ter ou não ter” não é uruque, mas um verdadeiro portal po

onde podemos constantemente adentrar

experiência de estar vivo. Só coprofunda integridade, evitandmanipulações, truques ou atalhospodemos experimentar isso. Conta-se d

ndivíduo que vai reclamar com semestre espiritual dizendo: “Eu aprendque aqueles que não perseguem a fama

a honra são aqueles quverdadeiramente irão encontrá-las. E sso que tenho feito toda a minha vida

mas o ensinamento não se mostro

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verdadeiro. Não atingi nem a fama nea honra.” O rabino imediatamentexplicou: “É que apesar de você nã

estar correndo atrás da fama e dreconhecimento, a toda hora você duma espiada para ver se elas vêm atrá

de você e isso é idêntico a correr atrádelas!”Essa tal posse de si que tantas veze

apontamos se faz possível apenas e

nossos questionamentos. São naambivalências, dúvidas e nos paradoxoque se produz a experiência d

existência. Não são as coisas que noauferem existência, mas o Desejo. Acoisas que se pode ter são apenas oobjetos de nosso desejo. Mas o que el

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quer não são coisas, ele quer prosseguicom experiência de desejar.

A busca por um equilíbrio de tensões

habitat natural do desejo, é em si própria tarefa da existência. Apossibilidade de “ter” pode tant

encionar a corda da vida e arrancar-lhuma existência melodiosa e afinadcomo pode afrouxá-la a ponto dproduzir uma existência desafinada

descompassada.O rabino Susya dizia: “Eu só quero

que eu tenho!” Sua intenção er

provocar o ruído de não se atrelar desejo a algo ainda por ser conquistadou não alcançado. Tentava, assimenfatizar que o desejo não é a busca po

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“mais”, mas pelo vazio. Com certeza acoisas que ele tinha e que continuavquerendo não estavam destituídas d

questão de “ter ou não ter”. O desejsempre será composto pela tensão entr“ter e não ter”, o que Susya não s

permitia era a ilusão de que o amantque bate à porta é o Desejo. Ele nãprecisa da amada, só que esta bata porta. Por isso não precisa de “mais”, j

he basta o “vazio” que retumba em secoração por conta das batidas à porta. Éesse bater à porta que pode entrar e

sincronia com o bater do própricoração e nos permitir desejar aquilque já temos, ou no limiar destgrandeza, apenas e somente só aquilo d

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que já dispomos.A descoberta de que nos bastam a

batidas na porta e o despertar d

coração para honrar nossresponsabilidade por serndependentemente de se monopoliza

ou se apoderar do amado, constitui em sa verdadeira posse. O que tenho e ququero é a mim mesmo. E este é o grandpresente da existência: se a verdadeir

posse é sempre de si próprio, enquantestivermos vivos, enquanto estivermocorporificados em nós mesmos, ela

sempre possível.“Só quero o que já tenho!” significque só quero a mim mesmo. O objeto dmeu desejo é apossar-me de mi

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mesmo, ou seja, o que quero é podefinição o que já tenho. Não se trata dnarcisismo, mas de reconhecer

reversibilidade total entre ser e ter – seé ter a si mesmo. E de onde emana esser? Emana de todas as coisas d

universo que posso buscar “ter ou nãer” e que me revertem à posse de mimesmo.

 Nesse caminho cheio de armadilhas

lusões, onde efeitos ópticos confundeo mundo externo com o interno, o ecom o outro e o indivíduo com todas a

coisas a sua volta, ainda assim nosscoração está desperto. É só esscoração que pode nos despertar dafantasias e do torpor. Só ele pode no

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arrancar do fetiche do imaginário e dapalermado da rotina e nos resgatar parouvir que à porta batem. Não é

alucinação de nosso desejo por “ter”mas a constante possibilidade de tomaposse. De tomar posse de si acariciand

nossas dúvidas, ambivalências e nossoparadoxos. E dessa carícia que tentaveriguar o invisível e que tentdelinear o vazio é que se constitui

cuidado consigo que cumpre com arefa de ser.

A MATRIZ DOS CONSUMOS – O DE SIMESMO

Repetimos inúmeras vezes que

verdadeira posse tinha como objeto

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apropriação de si mesmo. Esse lugar tãprecisamente exato onde habita essência de um indivíduo deve ser ta

que não produza nem culpa nearrependimento. A culpa é o fantasma, a medida de desvio deste lugar exat

por ter-se mais do que se podapropriar. O arrependimento é a medidde desvio por ter-se menos do que spoderia apropriar. Ambas medida

expõem a dificuldade de se viver própria vida, de consumir o potenciaoferecido no decorrer de noss

existência.Esse centro da existência humana determinado pelas intercessões daquatro componentes da experiênci

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física, emocional, intelectual espiritual. Quando fazemos uma gestãequilibrada entre essas quatro áreas d

nossa sensibilidade, quando ntelectual não reprime o físico, quand

o físico não embota o emociona

quando o espiritual não desqualifica ntelectual, quando o emocional nãfantasia o físico, e assim por diante, sprocessa uma posse. Trata-se da poss

de si, algo possível a todos os momentoda vida. Por sermos um corpo podemoê-lo a cada momento. Mas tê-lo só

possível nessa harmonia entrsensibilidades – só podemos tê-lo ssomos. O nosso grande sonho dconsumo é, enfim, consumir a nó

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mesmos. Gastar e usar a nós mesmos é grande economia de um ser vivo. Nem avaro nem o perdulário de su

existência conhecem a posse de sCuidar de si mesmo é o instrumento qupermite apropriar-nos de nosso ser

representa o único sujeito legítimpresente em uma entidade viva.Os místicos contemplavam um verm

e percebiam que na questão d

existência não tem sentido qualquehierarquia na cadeia evolutiva. O vermemesmo com sua falta de sofisticaçã

diante da complexidade de um humanoainda assim pode ser capaz de se fazeverme melhor do que o homem pode sfazer homem. Esse cumprir de si é tã

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egítimo quanto for capaz de produzibem-estar, independentemente dqualquer hierarquia biológica. Cumprir

se e apropriar-se determina a qualidaddo ser.

O bem-estar não diz respeito

existência de condições externafavoráveis, mas à interação questabelecemos entre o interior e exterior de nós mesmos, entre a

questões, em todas as suas formas, qusomos capazes de gerar.

O poeta-filósofo Raul Seixas, co

raços entre Shakespeare e Kafka, defincruamente: “Eu sou o início, o fim e meio.” Minha consciência me faz ser sujeito que me leva do nascimento

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morte, do início ao fim. A consciêncise incumbe da jornada entre a mãfechada e a mão aberta, entre apego

desapego. Essa consciência é construídpelo emocional e pelo intelectual. Masmais do que isso, eu sou também o meio

É através de mim que a existência mperpassa, em vez de atravessá-la como caminhada por uma biografia. Esse meié o físico e o espiritual. Essa

dimensões são aquelas que se fazereais apenas no presente e determinam meio pelo qual existimos.

 No meio não me represento nem pelmão fechada nem pela mão aberta. Nmeio há apenas a questão sobre tomar oargar, ter ou não ter.

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Eu sou o meio. Não sou a vida nnascimento e não sou a morte no óbitoEu sou o que possuo, o que tem e qu

não tem, aquele que tem profundaquestões e que nelas habita.

 Nessas questões eu conheço um Eu

reconheço um Tu. Companheiraperpétuas, essas perguntas me asseguraque no meio, mais do que nas origens no destino, está o meu ser. Assegura

que ocupar a mim mesmo me oferece posse que nada no universo me podproporcionar. Deixo o corpo da crianç

que acredita estar sua alma naquilo qudeseja e encarno o próprio desejo.E o coração desperto me lembra

batem à porta!

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RABINO NILTON BONDER é uescritor com 21 livros publicadosReconhecido nacional

nternacionalmente como pensador naáreas de humanismo, filosofia espiritualidade, seus trabalhos fizeragrande sucesso nos Estados Unidos, n

Europa e na Ásia. É autor de Exercíciod’Alma,  Portais secretos, Curativo

ara a alma, A alma imoral , O sagrado