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    Estudos Histricos, Rio de janeiro, vol. 7, n. 13, 1991, p. 21-48.

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    TEORIA LITERARIA E ESCRITA DA HISTRIA

    Hayden White

    Em ensaio recente, Jacques Barzun caracterizou-se a si prprio como "um estudiosode histria... anteriormente envolvido no estranho ritual de ensin-la" e acrescentou:"estranho, porque, na verdade, ela s pode ser lida".1 claro que ao falar em "histria"Barzun no estava se referindo aos acontecimentos reais do passado, e sim ao aprendizadoacumulado de sua profisso. Com essa breve observao, contudo, ele nos lembra algumasverdades que a moderna teoria da histria vem regularmente tendendo a esquecer: a saber,que a "histria" que o tema de todo esse aprendizado s acessvel por meio da linguagem;

    que nossa experincia da histria indissocivel de nosso discurso sobre ela; que essediscurso tem que ser escrito antes de poder ser digerido como "histria"; e que essaexperincia, por conseguinte, pode ser to vria quanto os diferentes tipos de discurso comque nos deparamos na prpria histria da escrita.

    Dentro dessa viso, a "histria" no apenas um objeto que podemos estudar e nossoestudo desse objeto, mas tambm, e at mesmo antes de tudo, um certo tipo de relao com "o

    passado" mediada por um tipo distinto de discurso escrito. E porque o discurso histrico atualizado em sua forma culturalmente significante como um tipo especfico de escrita que

    podemos considerar a importncia da teoria literria tanto para a teoria como para a prtica dahistoriografia.

    Antes, porm, de comearmos a discutir a importncia da teoria literria para a escritada histria, preciso fazer algumas observaes sobre o discurso histrico e o tipo deconhecimento com que ele lida. Em primeiro lugar, o discurso histrico s possvel quandose pressupe a existncia do "passado" como algo sobre que se pode falar de maneirasignificativa. Esta a razo pela qual os historiadores normalmente no se preocupam com aquesto metafsica de decidir se o passado realmente existe ou com a questo epistemolgicade definir, se que ele existe, se podemos realmente conhec-lo. A existncia do passado uma pressuposio necessria do discurso histrico, e o fato de podermos realmente escreverhistrias uma prova suficiente de que podemos conhec-lo.

    Mas, em segundo lugar, o discurso histrico, diferentemente do discurso cientfico,no pressupe que nosso conhecimento da histria derive de um mtodo distinto para estudar

    os tipos de coisas que vm a ser "passado" e no `presente". Os eventos, as pessoas, asestruturas e os processos do passado podem ser tomados como objetos de estudo por toda equalquer disciplina das cincias humanas e sociais e, de fato, at mesmo por muitas dascincias fsicas. Na verdade, apenas na medida em que so passado ou so efetivamentetratadas como tal que essas entidades podem ser estudadas historicamente; mas no a suacondio de passado que as torna histricas. Elas se tornam histricas apenas na medida emque so representadas como assunto de um tipo de escrita especificamente histrico. Barzuntem razo ao dizer que a histria "s pode ser lida", mas ela s pode ser lida se for primeiroescrita. E porque a histria tem de ser escrita antes de poder ser lida (ou antes de poder ser

    1 Jacques Barzun, "The critic, the public, the past", Salmagundi, 68-69 (outono 1985-inverno 1986), 206.

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    dita, cantada, danada, representada ou mesmo filmada) que a teoria literria tem importncia,no apenas para a historiografia, mas tambm e especialmente para a filosofia da histria.

    Essa caracterizao do discurso histrico no quer dizer que os eventos, as pessoas, asinstituies e os processos do passado jamais existiram realmente. Ela no quer dizer que no

    podemos ter informaes mais ou menos precisas sobre essas entidades do passado. E ela nosignifica que no podemos transformar essas informaes em conhecimento pela aplicaodos vrios mtodos desenvolvidos pelas diferentes disciplinas que constituem a "cincia" deuma poca ou de uma cultura. Ela pretende, sim, enfatizar o fato de que a informao sobre o

    passado no em si mesma especificamente histrica, da mesma forma como o conhecimentobaseado nesse tipo de informao tampouco em si mesmo especificamente histrico. Essainformao poderia ser melhor chamada de "arquivstica", na medida em que pode servircomo objeto de qualquer disciplina simplesmente ao ser tomada como assunto das prticasdiscursivas distintas dessa disciplina. Assim tambm, apenas ao serem transformados emassunto do discurso histrico que nossa informao e nosso conhecimento sobre o passado

    podem ser considerados "histricos".O discurso histrico no produz portanto informao nova sobre o passado, j que a

    posse da informao sobre o passado, tanto nova como velha, uma pr-condio dacomposio de um tal discurso. Tampouco pode-se dizer que ele fornece novo conhecimentosobre o passado, na medida em que o conhecimento concebido como um produto de umdeterminado mtodo de investigao.2 O que o discurso histrico produz so interpretaesde seja qual for a informao ou o conhecimento do passado de que o historiador dispe.Essas interpretaes podem assumir numerosas formas, estendendo-se da simples crnica oulista de fatos at "filosofias da histria" altamente abstratas, mas o que todas elas tm emcomum seu tratamento de um modo narrativo de representao como fundamental para quese perceba seus referentes como fenmenos distintivamente "histricos". Adaptando uma

    frase famosa de Croce aos nossos objetivos, podemos dizer que onde no h narrativa, noexiste discurso distintivamente histrico.3

    Percebo que ao caracterizar o discurso histrico como interpretao e a interpretaohistrica como narrativizao, estou tomando posio num debate sobre a natureza doconhecimento histrico que contrape "narrativa" e "teoria", maneira de uma oposio entreum pensamento que permanece em grande parte "literrio" e at mesmo "mtico" e um

    pensamento que ou aspira a ser cientfico.4 Mas preciso sublinhar que estamos aquiconsiderando a questo, no dos mtodos de pesquisa que deveriam ser usados para investigaro passado, e sim da escrita da histria, do tipo de discursos realmente produzidos peloshistoriadores no curso da longa carreira da histria como disciplina. E o fato que a narrativa

    2 Paul Veyne escreve: 'No existe mtodo da histria porque a histria no faz exigncias; contanto que serelatem coisas verdadeiras, ela fica satisfeita. Ela s procura a verdade, e nisso no uma cincia, que procura aexatido. Ela no impe normas; nenhuma regra do jogo a subtende, nada lhe inaceitvel. Esta acaracterstica mais original do gnero histrico."Writing history: essay on epistemology, traduzido por MinaMoore-Rinvolucri (Middletown, 1984), 12.3 Benedetto Croce,Primi saggi, 3 ed. (Bari, 1951), 38. Fiz o levantamento do debate sobre o status da narrativana historiografia em "The question of narrative in contemporary historical theory",History and Theory, XXIII, 1(1984), 1-33. Grande parte do meu prprio trabalho de teoria historiogrfica trata dessa questo: Metahistory:the historical imagination in the nineteenth century (Baltimore, 1973); The tropics of discourse: essays incultural criticism (Baltimore, 1978); e The content of the form: narrative discourse and historical representation(Baltimore,1986). Esses trabalhos constituem o pano de fundo deste ensaio e por isso no os citareirepetidamente.4

    Ver Christopher Norris, "Narrative theory or theory-as-narrative: the politics of 'post-modern' reason", em Thecontest of faculties: philosophy and theory after deconstruction (Londres e Nova York,1985), cap. 1.

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    sempre foi e continua sendo o modo predominante da escrita da histria. O principalproblema para qualquer teoria da escrita da histria, portanto, no o da possibilidade ouimpossibilidade de uma abordagem cientfica do estudo do passado, mas antes o de explicar a

    persistncia da narrativa na historiografia. Uma teoria do discurso histrico tem de tratar da

    questo da funo da narratividade na produo do texto histrico.Vamos comear, portanto, com o inegvel fato histrico de que os discursos

    distintivamente histricos tipicamente produzem interpretaes narrativas de seu assunto. Atraduo desses discursos numa forma escrita produz um objeto distinto, o textohistoriogrfico, que por sua vez pode servir de assunto de uma reflexo filosfica ou crtica.Da as distines, convencionais na moderna teoria da histria, entre a realidade passada, que o objeto de estudo do historiador; a historiografia, que o discurso escrito do historiadorsobre esse objeto; e a filosofia da histria, que o estudo das relaes possveis entre esseobjeto e esse discurso. Temos de ter em mente essas distines se queremos compreender osdiferentes tipos de importncia que a teoria literria tem tanto para a prtica como para ateoria da escrita histrica.

    I

    A teoria literria tem importncia tanto direta como indireta para a compreenso daescrita histrica. Direta, na medida em que elaborou, com base na moderna teoria dalinguagem, algumas teorias gerais do discurso que podem ser utilizadas para analisar a escritahistrica e para identificar seus aspectos especificamente "literrios" (ou seja, poticos eretricos). Na substituio da noo mais antiga, prpria do sculo XIX, de "estilo",considerado como o segredo do "escrever bem", pela noo de estrutura discursiva, amoderna teoria literria fornece novas concepes da prpria literaridade. Essas novas

    concepes permitem uma discriminao da relao entre a forma e o contedo do discursohistrico mais precisa do que era possvel antes, com base na idia de que os fatos constituamo "corpo" do discurso histrico, e o estilo, sua "roupagem", mais ou menos atraente, mas demodo algum essencial.5 Hoje possvel reconhecer que no discurso realista, tanto quanto nodiscurso imaginrio, a linguagem ao mesmo tempo forma e contedo, e que esse contedolingstico tem de ser computado entre os outros tipos de contedos (factual, conceitual egenrico) que formam o contedo geral do discurso como um todo. Esse reconhecimentolibera a crtica historiogrfica da fidelidade a um literalismo impossvel e permite ao analistado discurso histrico perceber em que medida esse discurso constri seu assunto no prprio

    processo defalar sobre ele. A noo do contedo da forma lingstica esbate a distino entrediscursos literais e figurativos e autoriza a busca e a anlise da funo dos elementos

    figurativos na prosa historiogrfica tanto quanto na prosa ficcional.A importncia da moderna teoria literria para a escrita histrica indireta na medida

    em que as concepes de linguagem, fala, escrita, discurso e textualidade que a informampermitem insights relativamente a alguns problemas tradicionalmente colocados pela filosofiada histria, tais como a classificao dos gneros do discurso histrico, a relao de umarepresentao histrica com seus referentes, o status epistemolgico das explicaes

    5 Tentei tratar dessa questo no ensaio 'The problem of style in realistic representation: Marx and Flaubert", emThe concept of style, org. por Berel Lang (Philadelphia, 1979), 213-229. Mas sugiro ver tambm o brilhantelivro de Stephen Bann, The clothing of Clio: a study of the representation of history in nineteenth century

    Britain and France (Cambridge, 1984), e sua soberba resenha por Linda Orr em History and Theory, XXIV, 3(1985), 307-325.

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    histricas, e a relao dos aspectos interpretativos com os aspectos descritivos e explanatriosdo discurso do historiador. A moderna teoria literria ilumina todos esses problemas dirigindoa ateno para aquilo que bastante bvio no discurso histrico, mas no foisistematicamente levado em considerao at muito recentemente, ou seja, o fato de que a

    histria antes de mais nada um artefato verbal, produto de um tipo especial de uso dalinguagem. E isso sugere que, se o discurso histrico deve ser compreendido como produtorde um tipo distinto de conhecimento, ele deve antes ser analisado como uma estrutura delinguagem.

    surpreendente que os filsofos da histria tenham demorado tanto a reconhecer aimportncia da linguagem para a compreenso do discurso histrico, especialmente desde quea filosofia moderna em geral fez da linguagem um objeto central de interesse em seu examede outros departamentos da cincia. Esse lapso deveu-se em parte ao fato de que os prprioshistoriadores modernos tenderam a tratar sua linguagem como um meio no-problemtico,transparente, tanto para a representao de eventos passados como para a expresso de seu

    pensamento sobre esses eventos. Mas deveu-se tambm ao fato de que os filsofos quetomaram o discurso histrico como seu objeto especfico de anlise tenderam a acreditar na

    possibilidade de desassociar o contedo factual e conceitual de um discurso de sua forma`literria" e lingstica, no intuito de afirmar seu valor-de-verdade e a natureza de sua relaocom a realidade. Assim, por exemplo, eles tipicamente trataram a narrativa menos como umaestrutura verbal do que como uma explicao do tipo contar-estrias e consideraram a estriacontada numa dada histria como uma estrutura de conceitos argumentativos, cujas partesmantinham relaes de natureza mais lgica (especificamente silogstica) do que lingstica.Tudo isso implicava que o contedo de um discurso histrico podia ser extrado de sua formalingstica, servido numa parfrase condensada, purgada de todos os elementos figurativos etropolgicos, e submetido a testes de consistncia lgica como argumento, e de adequao

    predicativa como um corpo de fato. Mas isso significava tambm ignorar o nico "contedo"sem o qual um discurso histrico jamais poderia existir: a linguagem.Durante o prprio perodo em que esse modelo de argumentao predominou entre os

    analistas do discurso histrico, filsofos como Quine, Searle, Goodman e Rorty mostravamdificuldade em distinguir o que era dito do como era dito at mesmo nos discursos dascincias fsicas, quanto mais em um discurso no-formalizado como a histria.6 Seu trabalhoconfirmava aquilo que havia sido uma pressuposio fundadora dos lingistas, a saber, que alinguagem nunca um conjunto de "formas" vazias esperando para serem preenchidas comum "contedo" factual e conceitual ou para serem conectadas a referentes pr-existentes nomundo, mas est ela prpria no mundo como uma "coisa" entre outras e j carregada decontedos figurativos, tropolgicos e genricos antes de ser atualizada numa enunciao

    qualquer. Tudo isso implicava que as prprias distines entre a escrita imaginativa e realistae entre o discurso ficcional e factual, em cuja base a escrita historiogrfica havia sidoanalisada desde a sua separao da retrica, no incio do sculo XIX,7 tinham de serreformuladas e reconceitualizadas.

    6 O melhor resumo da importncia do trabalho desses filsofos para a teoria do texto histrico "The dilemmaof contemporary Anglo-American philosophy of history", de F. R. Ankersmit, que serve como introduo para History and Theory, Beihelf 23 (1986). Mas os leitores tambm podem lucrar com o estudo do livro deAnkersmit,Narrative logic: a semantic analysis of the historian's language (Haia, Boston, Londres, 1983), quecoloca a discusso da narrativa histrica em bases inteiramente novas e diferentes de todas as discussesanteriores.7

    Antes do incio do sculo XIX, a historiografia era vista como um ramo do discurso oratrio e um assuntoprprio da teoria da retrica. No entanto, ela foi separada da retrica ao longo do sculo XIX em conseqncia

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    De fato, o exame mais superficial da linguagem de escritos histricos concretos teriarevelado que o contedo do discurso historiogrfico indistinguvel de sua forma discursiva.Confirma-o o fato de que as obras clssicas da historiografia continuaram a ser valorizadas

    por suas qualidades "literrias" muito depois de sua informao ter-se tornado ultrapassada e

    de se ter atribudo s suas explicaes o status de lugares-comuns do momento cultural emque foram escritas. verdade que, ao falarmos da natureza "literria" de clssicos dahistoriografia como os escritos por Herdoto, Tcito, Guicciardini, Gibbon, Michelet,Tocqueville, Burckhardt, Mommsen, Huizinga, Febvre ou Tawney, podemos muitas vezesestar pensando em seustatus como exemplares de um estilo bem-sucedido de escrita. Mas aodesignarmos sua obra como `literria" no a estamos exatamente removendo do domnio da

    produo de conhecimento, e sim indicando, simplesmente, at que ponto se pode considerarque a prpria literatura habita esse domnio, na medida em que ela tambm nos fornecemodelos semelhantes de pensamento interpretativo. O discurso literrio pode diferir dodiscurso histrico devido a seus referentes bsicos, concebidos mais como eventos"imaginrios" do que "reais", mas os dois tipos de discurso so mais parecidos do quediferentes em virtude do fato de que ambos operam a linguagem de tal maneira que qualquerdistino clara entre sua forma discursiva e seu contedo interpretativo permaneceimpossvel.

    por razes como esta que devemos rejeitar, rever ou discutir as teorias mais antigasdo discurso histrico, baseadas na idia de mimese ou de modelo. Uma histria , como dizAnkersmit, menos um retrato destinado a parecer com os objetos de que fala, ou um modelo"atado ao passado por certas regras de traduo", do que `alma complexa estrutura lingsticaespecificamente construda com o propsito de mostrar uma parte do passado".8 Desse pontode vista, o discurso histrico no deve ser comparado a um retrato que nos permite ver maisclaramente um objeto que de outra forma permaneceria vago, apreendido de modo impreciso.

    Tampouco ele uma representao de um procedimento explicativo destinado finalmente afornecer uma resposta definitiva ao problema do "que realmente aconteceu" em umdeterminado domnio do passado. Ao contrrio, para usar uma formulao popularizada porE. H. Gombrich em seus estudos sobre o realismo pictrico ocidental, o discurso histrico menos a combinao de uma imagem ou modelo com alguma `realidade" extrnseca do que a

    do movimento para tornar os estudos histricos mais cientficos. O duplo ataque retrica, dos poetasromnticos, de um lado, e da filosofia positivista, de outro, levou ao desprezo geral da retrica por toda a altacultura ocidental. A "literatura" suplantou o discurso oratrio, assim como a prtica da "escrita" e da "filologia"suplantou a retrica como cincia geral da linguagem. O problema terico da escrita da histria tornou-se entoa especificao da relao da histria com a "literatura", mas como a literatura era normalmente pensada comoum produto misterioso da "criatividade potica", no havia soluo possvel para o problema. Quanto relaoda histria com a filologia, reconhecia-se geralmente que a filologia era simplesmente "o mtodo histrico"aplicado ao estudo dos fenmenos lingsticos. Mas como "o mtodo histrico" por sua vez era visto comosimplesmente "o mtodo filolgico" aplicado ao estudo do registro histrico (documental), o problema domtodo permanecia preso num crculo tautolgico do qual no havia sada. Ver meu ensaio "Rethoric andhistory", em Hayden White e Frank E. Manuel, Theories of history: Clark Memorial Library Papers (LosAngeles, 1978), e Lionel Gossman "History and literature: reproduction or signification", em The writing ofhistory: literary forms and historical understanding, org. por Robert H. Canary e Henry Kozicki (Madison,1978). Para uma exposio da "filologia" como pseudo-cincia, ver Hans Aarsleff, From Locke to Saussure:essays on the study of language and intellectual history (Minneapolis, 1982), 278-92. Para um exemplo tpicodo modo como a historiografia era tratada na retrica do sculo XVIII, ver as observaes perspicazes doinjustamente difamado Hugh Blair,Lectures in rethoric and belles-lettres [1783] (Carbondale and Edwardsville,

    1965), II, 246-89.8 Ankersmit, "The dilemma of contemporary Anglo-American philosophy of history", op. cit.

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    historiogrfico de modo que possamos inspecion-lo de todas as perspectivaspossveis.12

    Nada disso implica que no devemos distinguir a atividade da pesquisa histrica (o

    estudo pelo historiador de um arquivo contendo informaes sobre o passado) da atividade daescrita histrica (a composio pelo historiador de um discurso e sua traduo numa formaescrita). Na fase de pesquisa do seu trabalho, os historiadores esto empenhados em descobrira verdade sobre o passado e em recuperar informaes esquecidas, ou suprimidas, ouobscurecidas, e, claro, extrair delas todo o sentido que puderem. Mas entre essa fase de

    pesquisa, que na verdade no se pode distinguir da atividade de um jornalista ou um detetive,e a concluso de uma histria escrita, preciso realizar vrias operaes transformadorasimportantes, nas quais o aspecto figurativo do pensamento do historiador mais intensificadodo que diminudo.

    Na passagem do estudo de um arquivo para a composio de um discurso e para a suatraduo numa forma escrita, os historiadores tm de empregar as mesmas estratgias dafigurao lingstica utilizadas por escritores imaginativos para dotar seus discursos daquelestipos de significados latentes, secundrios ou conotativos que requerero que suas obras nos sejam recebidas como mensagens, mas sejam lidas como estruturas simblicas.13 Osignificado latente, secundrio ou conotativo contido no discurso histrico a suainterpretao dos eventos que constituem seu contedo manifesto. O tipo de interpretaotipicamente produzido pelo discurso histrico o que d quilo que de outra forma

    permaneceria apenas uma srie de eventos cronologicamente ordenados a coerncia formal dotipo de estruturas-de-enredo encontradas na fico narrativa. A atribuio a uma crnica deeventos de uma estrutura-de-enredo, que eu chamo de operao de "enredamento", feita pormeio de tcnicas discursivas que so de natureza mais tropolgica do que lgica.

    Sendo assim, a anlise lgica deve ser acrescida da anlise tropolgica, se queremoster as categorias analticas necessrias compreenso de como o discurso histrico produzseus efeitos-conhecimento caractersticos. Se, quando visto da perspectiva do lgico, odiscurso histrico tpico deve ser considerado como tendo a estrutura mais de um entimemado que de um verdadeiro silogismo, porque variaes mais trpicas do que lgicas presidemtanto sua atribuio, a uma srie de eventos, da coerncia estrutural de uma forma de enredoquanto sua atribuio, a um conjunto de fatos, de seja qual for o sentido que se supe que ele

    possua. Realmente, apenas pela operao trpica, e no pela deduo lgica, que qualquerconjunto dos tipos de eventos passados que gostaramos de chamar de "histricos" pode ser(primeiro) representado como tendo a ordem de uma crnica; (segundo) transformado pelo"enredamento" numa estria com as fases identificveis de comeo, meio e fim; e (terceiro)

    constitudo como o assunto de quaisquer argumentos formais que possam ser aduzidos paraestabelecer seu "sentido" -cognitivo, tico, ou esttico, conforme o caso. Essas trs abduestropolgicas ocorrem na composio de todo discurso histrico, at mesmo daqueles que,como na moderna historiografia estruturalista, evitam contar estrias e tentam limitar-se aanlises estatsticas de instituies e de processos ecolgicos e etnolgicos de longo prazo,efetivamente sincrnicos.

    Por que caracterizar essas abdues como tropolgicas?

    12 Idem, ib.13

    Roland Barthes, The fashion system, traduzido por Matthew Ward e Richard Howard (Nova York, 1983),230-232.

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    Porque, em primeiro lugar, enquanto os eventos ocorrem no tempo, os cdigoscronolgicos usados para orden-los em unidades temporais especficas soespecficos-de-cada-cultura, e no naturais; e, alm disso, devem ser preenchidos com seuscontedos especficos pelo historiador se ele pretende constitu-los como fases de um

    processo contnuo de desenvolvimento histrico. A constituio de uma crnica como umconjunto de eventos que pode fornecer os elementos de uma estria uma operao denatureza mais potica do que cientfica. Os eventos podem ser "dados", mas suas funescomo elementos de uma estria lhes so impostas - e so impostas por tcnicas discursivas denatureza mais tropolgica do que lgica.

    Em segundo lugar, a transformao de uma crnica de eventos em uma estria (ou emconjuntos de estrias) requer uma escolha entre vrios tipos de estruturas-de-enredofornecidas pela tradio cultural do historiador. E embora a conveno possa limitar a escolha srie de tipos de estruturas-de-enredo adequados representao dos tipos de eventostratados, essa escolha no mnimo relativamente livre. No h nenhuma necessidade, lgicaou natural, governando a deciso de colocarem um enredo uma dada seqncia de eventoscomo uma tragdia e no como uma comdia ou um romance. Existiriam eventosintrinsecamente trgicos, ou depende da perspectiva na qual eles so vistos? Enredar eventosreais como uma estria de tipo especfico (ou como uma mistura de estrias de tiposespecficos) operar tropicamente esses eventos. Isto acontece porque as estrias no sovividas; no existe uma estria "real". As estrias so contadas ou escritas, no encontradas. Equanto noo de uma estria "verdadeira", ela virtualmente uma contradio em termos.Todas as histrias so fices. O que significa, claro, que elas s podem ser "verdadeiras"num sentido metafrico e no sentido em que uma figura de linguagem pode ser verdadeira.Esse "verdadeiro" seria suficiente?

    E, em terceiro lugar, qualquer que seja o argumento que um historiador possa avanar

    explicitamente para explicar o significado dos eventos contidos na crnica, ele se referirtanto ao enredo usado para moldar a crnica num tipo particular de estria quanto aos eventosem si. Isso significa que o argumento de um discurso histrico em ltima anlise uma ficode segunda-mo, uma fico de uma fico ou uma fico do fazer fico, que tem com oenredo a mesma relao que este tem com a crnica. Tipicamente, a "explicao" ser aestria com os eventos deixados de fora e apenas seu contedo conceitual ("fatos" de um ladoe "conectivos" de enredo do outro) oferecido como material para a manipulao lgica (ou,mais tecnicamente, nomolgica-dedutiva).

    O discurso histrico estruturalista consegue o efeito de produzir um relatrio"cientfico" mais pelo movimento tropolgico de desenredar conjuntos de eventos histricos

    previamente enredados do que pelo fornecimento de qualquer coisa semelhante ao tipo de

    compreenso da histria que as cincias fsicas fornecem para a compreenso da natureza.Paul Ricoeur mostrou, em seu recente Temps et rcit, como a escola dos Annales teve

    primeiro de construir estruturas discursivas narrativas em seus relatrios sobre o passado, afim de permitir que eles passassem por relatrios especificamente histricos, antes dedespoj-los dessa narratividade a fim de pass-los adiante como anlises "cientficas".14 Nareflexo historiogrfica, ao que parece, o tratamento cientfico dos materiais histricos tornado possvel na base de uma virada tropolgica nem mais, nem-devemosacrescentar-menos justificvel no campo cientfico do que aquela que torna possvel umtratamento "literrio" desses mesmos materiais.

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    Paul Ricoeur, Time and narrative, traduzido por Kathleen McLaughlin e David Pellauer (Chicago, 1984), II,208-225.

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    Os estudos histricos nunca tiveram uma revoluo copernicana semelhante quefundou as cincias fsicas. apenas o prestgio das prprias cincias fsicas, baseado em seusucesso em prover a humanidade moderna de um controle sobre a natureza antes apenassonhado, que inspira o esforo em aplicar seus princpios de descrio, anlise e explicao

    histria. Mas at que uma revoluo copernicana ocorra, os estudos histricos permaneceroum campo de investigao no qual a escolha de um mtodo para investigar o passado e de ummodo de discurso para escrever sobre ele permanecer livre, e no submetida aconstrangimento. Na historiografia, o discurso sempre foi, e tudo indica que continuar a ser,inventador de regras, tanto quanto governado por regras. Em qualquer disciplina cientfica,voc s pode fazer novas regras fazendo tropos, ou se desviando, das velhas regras, mas nahistoriografia voc s pode aplicar as velhas regras por meio de tticas tropolgicas. Isso noimplica que a historiografia tradicional seja inerentemente no-verdadeira, mas apenas quesuas verdades so de dois tipos: de um lado factuais, e de outro figurativas.

    II

    A tropologia no , claro, uma teoria da linguagem, mas antes um feixe mais oumenos sistematizado de noes sobre a linguagem figurativa que deriva da retricaneoclssica.15 Ela fornece assim uma perspectiva sobre a linguagem a partir da qual se podeanalisar os elementos, nveis e procedimentos combinatrios de discursos no-formalizados e,especialmente, pragmticos.16 A tropologia concentra sua ateno nas "viradas" de umdiscurso: virada de um nvel de generalizao para outro, de uma fase de uma seqncia paraoutra, de uma descrio para uma anlise ou vice-versa, de uma figura para um fundo ou deum evento para o seu contexto, das convenes de um gnero para outro dentro de um nico

    discurso, e assim por diante. Essas viradas podem ser governadas por regras formais deexposio lgica, projeo matemtica, inferncia estatstica, convenes genricas ouoratrias (prprias do contar-estrias, da disputa legal, do debate poltico e assim por diante),mas em geral elas consistem em violaes dessas regras.17 Em discursos complexos como osencontrados na historiografia ou, na verdade, em qualquer das cincias humanas, as regras deformao do discurso no esto fixadas. Diferentemente das transies de um discurso

    15 Sigo o exemplo de Valesio ao tentar estabelecer o emprego de "retrica" como indicando o estudo terico dodiscurso, por analogia com "potica" como indicando o estudo terico da poesia. Ver Paolo Valesio,Novantiqua; rethorics as a contemporary theory (Bloomington, 1980), cap. 1.16 Mas a nossa tropologia til para a anlise no apenas de discursos no-formalizados, como tambm dediscursos formalizados. Os discursos formalizados so simplesmente aqueles nos quais os lxicos, as gramticase as sintaxes foram aberta e sistematicamente formalizados, ao invs de oculta e assistematicamentetropo1ogizados. Esta a razo por que os discursos formalizados no requerem o mesmo tipo de anlise que osno-formalizados. Ver o trabalho do grupo da Universidade de Iowa dedicado ao estudo da retrica das cincias,sociais e naturais. As atas da conferncia do grupo sobre "The rethoric of the human sciences", de 28 a 31 demaro de 1984, foram publicadas por The University of Wisconsin Press.17 Alguns anos atrs, David Hackett Fischer publicou um trabalho intitulado Historian's fallacies: toward thelogic of historical thought(Nova York, 1970), que catalogava todos os vrios tipos de falcias que podiam serencontrados nos discursos dos historiadores, do mais tcnico ao mais especulativo. O objetivo de Fischer eratornar os historiadores mais conscientes dos aspectos tcnicos da argumentao. O que ele demonstrava era avirtual impossibilidade de se escrever um discurso histrico sem cometer um monte de falcias lgicas. Issoqueria dizer que os trabalhos dos historiadores que contm um grande nmero de falcias lgicas deveriam ser

    jogados fora? bvio que no, o que era preciso era uma anlise retrica desse tipo de trabalho. A "lgica" dodiscurso histrico "retrica".

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    formalizado, que so governadas por regras explcitas de seleo e combinao, as viradas dequalquer discurso no-formalizado e a ordem de sua ocorrncia no so predizveis antes desua atualizao numa enunciao especfica. Esta a razo por que os esforos para construiruma lgica ou mesmo uma gramtica da narrativa fracassaram. Mas as viradas podem ser

    identificadas e classificadas como tipos, e podem-se estabelecer padres genricos de suasordens tpicas de ocorrncia em discursos especficos.

    A classificao dos tropos da linguagem, da fala e do discurso permanece um projetoincompleto (e em princpio incompletvel) da lingstica figurativa, da semitica, daneo-retrica e da crtica desconstrutiva. Entretanto, os quatro tipos gerais de troposidentificados pela teoria retrica neoclssica parecem ser bsicos: metfora (baseada no

    princpio da similitude), metonmia (baseada no princpio da contigidade), sindoque(baseada na identificao de partes de uma coisa como pertencendo a um todo), e ironia(baseada na oposio).18 Considerados como as estruturas bsicas da figurao, esses quatrotropos nos fornecem categorias para identificar os modos de vincular uma ordem de palavrasa uma ordem de pensamentos (por exemplo, "ma" a "tentao") no eixo paradigmtico deuma enunciao, e uma fase de um discurso s fases anteriores e posteriores (por exemplo,

    pargrafos ou captulos " transicionais") no eixo sintagmtico. A predominncia de um modode associar palavras e pensamentos uns com os outros ao longo de todo um discurso nos

    permite caracterizar a estrutura do discurso como um todo em termos tropolgicos. Asestruturas tropolgicas da metfora, da metonmia, da sindoque e da ironia (e o que euconsidero, seguindo Frye, como seus tipos de enredos correspondentes: Romance, Tragdia,Comdia e Stira) nos fornecem uma classificao muito mais refinada dos tipos de discursoshistricos do que aquela baseada na distino convencional entre representaes "lineares" e"cclicas" do processo histrico.19 Elas tambm nos permitem ver mais claramente asmaneiras pelas quais o discurso histrico se parece com e de fato converge para a narrativa

    ficcional, tanto nas estratgias que usa para dotar os eventos de significados como nos tiposde verdade com que lida.Mas, pode-se muito bem perguntar, e dai? Como diz Arnaldo Momigliano: `Por que

    eu deveria me preocupar se um historiador prefere apresentar a parte pelo todo em vez dotodo pela parte? Afinal, no me importa se um historiador escolheu escrever num estilo picoou introduzir falas (discorsi) em suas narraes. No tenho nenhuma razo para preferir

    18 A tropologia a tarefa inacabada da lingstica moderna, e especialmente da lingstica semitica. Para algunstericos, ela um problema secundrio da anlise do discurso, para outros, um problema primordial. ParaJakobson, Benveniste, Kenneth Burke, Lausberg, Bloom, De Man, Derrida, o grupo Mu da Universidade deLige, Perelman, Todorov, Barthes e por a afora, ela era um problema primordial. Eu comecei com Vico,continuei com Nietzsche ("Geschichte der Griechischen Beredsamkeit", emNietzsche's Werke, Bd. XVIII, DritteAbteilung. Bd. II.Philologica, herausgegeben von Otto Crusius. [Leipzig, 1912], 201-267), da fui para KennethBurke (especialmente The grammar of motives [Berkeley e Los Angeles, 1969], Apndice D, "Four mastertropes", 503-519), e da para os autores mencionados acima. A teoria retrica tradicional derivada do perodoclssico tende a ver a tropologia como a teoria das figuras da fala e do pensamento, enquanto os autores que citoa vem como a base de uma teoria do discurso. Para qualquer pessoa interessada na base psicolgica datropologia crucial o ensaio de Freud sobre o processo primordial de pensamento em "The dreamwork",captulo VI de The interpretation of dreams. Ali Freud reinventa os tropos sob a forma dos quatro mecanismosque ele identifica como operativos na transformao dos pensamentos do sonho nos contedos do sonho:condensao, deslocamento, simbolizao e reviso secundria.19 Defendo longamente esta posio em meus livros Metahistory e Tropics of discourse. Muitos crticos no

    gostam dela. Ver Ricoeur, Time and narrative, I, 161-168; e Sande Cohen,Historical culture: on the recoding ofan academic discipline (Berkeley e Los Angeles, 1986), 81.

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    historiadores sinedticos a historiadores irnicos ou vice-versa."20 Na viso de Momigliano,os nicos requisitos para os historiadores so que eles descubram a verdade, apresentemnovos fatos e ofeream novas interpretaes dos fatos. "De fato", concede ele, `para seremchamados de hi3toriadores, eles tm de voltar (volvere) sua investigao para alguma forma

    de histria. Mas suas histrias tm de ser histrias verdadeiras."21

    Apenas a verdade dos fatose, presumivelmente, a plausibilidade das interpretaes contam; a forma lingstica e o modogenrico como elas so apresentadas, a dico e a retrica do discurso, no tm a menorimportncia.

    Mas importa, sim, se os eventos so apresentados como partes de um todo (com umsignificado no apreensvel em nenhuma das partes tomadas individualmente), maneira deum realista platnico, ou se um todo apresentado como nada mais que a soma de suasdiversas partes constituintes, maneira de um nominalista. Isso importa para o tipo deverdade que se pode esperar derivar de um estudo de qualquer conjunto de fatos. E tenhoconfiana que mesmo Momigliano admitiria que a escolha de um estilo farsesco derepresentao de alguns tipos de eventos histricos constituiria, no apenas um trao de maugosto, mas tambm uma distoro da verdade a eles ligada. O mesmo se pode dizer da escolhade um modo irnico de representao. Um modo de representao como a ironia umcontedo do discurso no qual ele usado, e no apenas uma forma - como qualquer pessoaque j ouviu observaes irnicas sabe muito bem. Quando falo com ou sobre algum oualguma coisa de um modo irnico, estou fazendo mais do que apenas revestir minhasobservaes de um estilo mordaz. Estou dizendo a seu respeito mais coisas e coisas diferentesdo que pareo estar afirmando no nvel literal da minha fala. O mesmo acontece com umdiscurso histrico enunciado num modo predominantemente irnico, e com os outros modosde enunciao que posso empregar para falar seja l do que for.

    O mesmo tipo de resposta pode ser dado a historiadores e filsofos da histria que

    rejeitam a anlise retrica dos textos histricos sob a alegao de que ela nos desvia dasquestes mais srias com as quais se deveria preocupar uma crtica politicamentecomprometida ou socialmente engajada. Em ensaio recente, Gene Bell-Villada, um crtico daliteratura latino-americana historicamente autoconsciente, escreve:

    Enquanto isso, diante de um panorama sociopoltico interno que comea a parecer vagamente "latino-americano", somado a alguns "regimes amigos"sul-americanos que se comportam de maneira crescentemente nazista, a nicaresposta que o "establishmentcrtico" dos Estados Unidos oferece so seuselaborados esquemas paraliterrios, suas guerras referencialidade e suas

    pregaes de que "Histria Fico, Tropo e Discurso". As famlias de vriosmilhares de vtimas dos pelotes da morte salvadorenhos talvez alimentem

    outros pensamentos sobre a histria.22

    No tenho dvida de que as famlias mencionadas neste trecho realmente tm sobre ahistria outros pensamentos que no o de que ela consiste em "Fico, Tropo e Discurso" - se que elas se do o trabalho de pensar sobre a "histria" de todo. Elas seriam to bobas quantoo professor Bell-Villada aparentemente pensa que eu sou se at mesmo "alimentassem" esses20 Arnaldo Momigliano, "La retorica della storia e la storia della retorica", Sui fondamenti della storia antica(Turim, 1984), 466. Este texto uma crtica do meu trabalho, basicamente hostil mas justa. No vou analisar aretrica do prprio discurso de Momigliano, mas se fosse faz-lo, talvez comeasse pelo ttulo deste ensaio.21 Idem, ib.22

    Gene H. Bell-Villada, "Criticism and the state (political and otherwise) of the Americas", em Criticism in theuniversity: Triquarterly Series on Criticism and Culture, n 1 (Evanston, 1985), 143.

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    pensamentos. Mas este no realmente o ponto em questo. A "histria" que estamosdiscutindo aquela que toma forma na linguagem, na emoo, no pensamento e no discurso,na tentativa de extrair um sentido das experincias por que essas famlias passaram. No casocitado, trata-se de experincias antes de mais nada e acima de tudo polticas, e uma das

    maneiras de lhes dar sentido pensar sobre elas "historicamente". Mas esse pensamento tendetanto mais a ser trpico, discursivo e ficcional (no sentido de "imaginrio") na medida em queele politicamente engajado ou ideologicamente motivado. No existe uma posio"superior", nem mesmo a marxista, que no seja igualmente trpica, discursiva e ficcional.Ocorre uma pane da conscincia histrica quando se esquece que a "histria", no sentido tantode eventos como de relatrios de eventos, no acontece apenas, e sim feita. Mais que isso,devemos acrescentar, feita dos dois lados das barricadas, e to efetivamente por um ladoquanto pelo outro.

    Bell-Villada sabe perfeitamente bem disso, e suas prprias observaes sobre osentido de histria que impregna a obra dos escritores modernos latino-americanos deixa issoclaro. Desejaria ele dizer que as obras desses autores no nos ensinam sobre a histria real

    porque so fices? Ou que, sendo ficessobre a histria, elas esto isentas de tropismos ediscursividade? Os romances desses autores so menos verdadeiros por serem ficcionais? Soeles menos ficcionais por serem histricos? Poderia qualquer histria ser to verdadeiraquanto esses romances sem fazer uso do tipo de tropos poticos encontrados na obra deVargas Llosa, Carpentier, Donoso e Cortazar?

    III

    Apresentei em outros trabalhos argumentos em defesa das posies esboadas acima e

    demonstraes, sob a forma de explicaes extensivas de textos historiogrficos especficos,de sua possvel utilidade para a compreenso daquilo que a composio de um discursohistrico envolve.23 No tentarei recapitular aqui os detalhes desses argumentos por falta deespao, mas talvez seja til sumariar alguns tipos de objees levantadas pelos crticos das

    posies aqui apresentadas. So quatro as objees gerais.A primeira objeo teoria que ela parece nos comprometer com o determinismo

    lingstico ou, o que vem a dar no mesmo na cabea de alguns crticos, com o relativismolingstico. Nessa teoria, argumenta-se, o historiador parece ser um prisioneiro do modolingstico no qual ele inicialmente descreve ou caracteriza seu objeto de estudo: ele s podever o que a sua linguagem lhe permite conceitualizar. Essa circunstncia parece estabelecerlimites ao que pode ser aprendido no processo de investigar a evidncia e no leva em conta o

    fato de que os historiadores inegavelmente mudam sua percepo das coisas no curso de sua pesquisa e revem suas concepes dos significados dessas coisas na reflexo sobre aevidncia.

    Uma objeo similar, baseada nas mesmas alegaes gerais, levantada em relao aorelatrio escrito do historiador sobre suas descobertas. A teoria tropolgica do discursohistrico parece obscurecer o fato de que uma obra histrica um relatrio dos fatosdescobertos na pesquisa, das crenas do historiador quanto verdade desses fatos, e damelhor argumentao que ele pode imaginar a respeito das causas, do significado ou daimportncia dessas verdades para a compreenso do campo de ocorrncias que ele estudou.Ao sugerir que as conexes entre os vrios elementos, nveis e dimenses do discurso no qual

    23 Ver nota 3.

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    o argumento apresentado so tropolgicas, e no lgicas ou racionalmente deliberativas, odiscurso histrico privado de suas pretenses de verdade e relegado ao domnio fantasiosoda fico. Esses dois argumentos so freqentemente fundidos e expressos de modo maisconciso na afirmao de que a teoria faz da historiografia pouco mais que um exerccio

    retrico e por isso mesmo mina a pretenso da histria de fornecer verdades sobre econhecimento dos seus objetos de estudo.

    A segunda objeo geral dirigida contra a teoria da natureza tropolgica dalinguagem e suas implicaes para o discurso histrico. A teoria tropolgica da linguagem

    parece dissolver a distino entre fala figurativa e literal, fazendo da ltima um caso especialda primeira. A teoria v a linguagem literal como um conjunto de usos figurativos que foramregularizados e estabelecidos como fala literal unicamente por conveno. O que literalnum momento do desenvolvimento de uma comunidade lingstica pode assim tornar-sefigurativo em outro momento e vice-versa, de modo que o significado de um dado discurso

    pode mudar ao sabor de qualquer mudana nas regras para se determinar o que conta comofala literal e o que conta como metfora. Isso parece dar autoridade para se determinar ossignificados dos discursos, no nas intenes de seus autores nem naquilo que os textos poreles escritos dizem manifestamente, mas nos leitores ou nas comunidades leitoras, que tm

    permisso para fazer deles o que quiserem ou o que as convenes ordinrias que governam adistino entre fala literal e figurativa permitirem. Assim, parece que, na teoria tropolgica dalinguagem, no poderamos mais apelar para "os fatos" a fim de justificar ou criticar qualquerinterpretao da realidade. O que poderia contar como um fato seria infinitamente revisvel,na medida em que a noo do que conta como uma afirmao literal e do que conta como umaafirmao metafrica mudasse. Em suma, a teoria tropolgica da linguagem e do discurso sechoca com a prpria concepo de factualidade, e especialmente com as pretenses doshistoriadores relativas verdade factual, no apenas de suas afirmaes sobre eventos

    particular, mas de seu discurso como um todo. Se uma declarao factual no apenas uma proposio existencial singular emitida na linguagem literal, mas tal proposio mais asconvenes implcitas para determinar o que deve contar como literal e o que deve contarcomo figurativo nessa proposio, ento essas declaraes no podem mais ser tomadas porseu valor nominal. Como o papel-moeda, elas s podem ser cobradas pela taxa vigente de seuvalorem moeda literal. Como essa taxa est sempre flutuando, nunca se pode saber onde seest pisando em relao aos "fatos da realidade". A teoria tropolgica da linguagem, ento,ameaa a pretenso secular da histria de tratar de fatos, e portanto seu status como umadisciplina emprica.

    A terceira objeo geral teoria tropolgica da linguagem e do discurso em suarelao com o discurso histrico volta-se para suas implicaes com relao natureza dos

    objetos estudados pelos historiadores. A teoria parece implicar que esses objetos no soencontrados no mundo real (mesmo se esse mundo real for um mundo passado), mas soantes construes da linguagem, objetos espectrais e irreais, potica ou retoricamente"inventados" e cuja existncia se restringe aos livros. A teoria, numa palavra, enfatiza asfunes poticas (auto-referentes), conativas (afetivas) e sobretudo metalingsticas(codificadoras) do discurso histrico s expensas de suas funes referenciais (predicativas),fticas (comunicativas) e expressivas (autorais).24 Como se pretende que um discursohistrico seja primordialmente referencial, expressivo (do pensamento racional de seu autorsobre seus referentes) e comunicativo, a teoria tropolgica do discurso trata a histria de

    24

    Sobre as funes da situao de fala, ver Roman Jakobson, "Closing statement: linguistics and poetics", emStyle in language, org. por Thomas A. Sebeok (Cambridge, 1978), 350-358.

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    maneira imprpria, como se ela fosse apenas uma fico. Com isso, a "realidade" de seusreferentes negada, e substituda pelo que Barthes injuriosamente chamou de "oefeito-realidade",25 uma construo puramente retrica. Mas como os objetas do estudohistrico so (ou eram) objetos reais, e os historiadores pretendem fazer referncias precisas a

    elas e declaraes verdadeiras a seu respeito, a eliso da distino entre a funo referencial eas outras funes do discurso coloca em questo a existncia da prpria realidade e a prpria

    possibilidade de uma representao especificamente "realista" dela.Se a teoria tropolgica da linguagem e do discurso parece minar a pretenso do

    historiador de lidar com fatos ligados a objetos reais particulares, ela ainda mais ameaadora para a pretenso de lidar com fatos de natureza mais geral, coletiva ou processual. Istoacontece especialmente em relao noo de que o conto contado pelo historiador narrativo uma estria "verdadeira", e no "inventada". "Verdadeira" entendida aqui como conformeao "que realmente aconteceu", enquanto o "que realmente aconteceu" considerado comotendo sido uma forma de vida humana, individual ou coletiva, com o contorno e a estrutura deuma estria. A teoria tropolgica, ao sugerir que uma estria s pode ser uma construo delinguagem e um fato do discurso, parece minar a legitimidade das pretenses verdade domodo tradicional do discurso histrico, a narrativa. Assim, enquanto parece dissolver as

    pretenses do historiador cientfico cientificidade, a teoria tropolgica do discurso histricotambm dissolve a tradicional pretenso do historiador narrativo a ter fornecido uma estriaque verdadeira, e no imaginria.

    Finalmente, uma quarta objeo ao uso da teoria tropolgica da linguagem para aanlise do discurso histrico volta-se para a questo de suas implicaes para o statusepistmico do prprio discurso do crtico historiogrfico. Se todo discurso fictcio,figurativo, imaginativo, potico-retrico, se ele inventa seus assuntos, ao invs deencontr-los no mundo real, se ele s deve ser tomado figurativamente, e assim por diante,

    como a teoria tropolgica parece sugerir, isto tambm no valeria para o discurso dotropologista? Como pode o crtico tropolgico levar seu prprio discurso a srio ou esperarque outros o faam? No seria a prpria tropologia uma fico, e as afirmaes feitas com

    base nela apenas fices das fices que ela pretende encontrar por toda parte? Em resumo, ateoria tropolgica da linguagem parece tornar impossvel uma crtica cognitivamenteresponsvel, e como tal mina a prpria atividade da crtica.

    IV

    Essas objees parecero mais ou menos constrangedoras conforme o grau de

    confiana que se tenha nas distines convencionais entre fala literal e figurativa, discursoreferencial e no-referencial, prosa factual e ficcional, o contedo e a forma de um dado tipode discurso, e assim por diante. Onde essa confiana for grande, as formulaes alternativasdas distines oferecidas pela moderna teoria da linguagem e da literatura parecerodesnecessrias, e sua utilidade para a compreenso do discurso histrico, sem-conseqncia.Deve ser assinalado, contudo, que as teorias tropolgicas do discurso no exatamentedissolvem essas distines, e sim as reconceitualizam. Enquanto a teoria crtica tradicional vas dimenses literal e figurativa, ficcional e factual, referencial e intensional da linguagemcomo alternativas opostas, e mesmo mutuamente excludentes, de todo discurso srio, a

    25

    Roland Barthes, "Le discours de l'histoire" e "L'effet de rel", emLe bruissernent de la langue (Paris, 1984),153-174.

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    moderna teoria da linguagem e da literatura tende a v-las como os plos de um contnuolingstico entre os quais a fala deve se mover na articulao de todo e qualquer discurso, sejaele srio ou frvolo. Na medida em que esse movimento dentro do discurso ele mesmo pornatureza tropolgico, precisamos de uma teoria tropolgica para guiar sua anlise.

    Quanto s objees em si, as seguintes respostas podem ser dadas:Primeiro, no h nada na teoria tropolgica que implique determinismo ou relativismo

    lingstico. A tropologia uma teoria do discurso, no da mente ou da conscincia. Emboraassuma que a figurao no pode ser evitada no discurso, a teoria, longe de implicar odeterminismo lingstico, procura fornecer o conhecimento necessrio para uma escolha livreentre diferentes estratgias de figurao. Ela tampouco sugere, como Whorf, que a percepo determinada pela linguagem e que a verdade de um discurso relativa linguagem na qualele foi escrito. Como uma teoria do discurso, a tropologia tem muito a dizer sobrerepresentao, mas nada a declarar sobre percepo.

    Em segundo lugar, a tropologia no nega a existncia de entidades extradiscursivas ounossa capacidade de nos referirmos a elas ou represent-las na fala. Ela no sugere que "tudo" linguagem, fala, discurso ou texto, mas apenas que a referencialidade e a representaolingstica so assuntos muito mais complicados do que as antigas noes literalistas dalinguagem e do discurso entendiam. A tropologia sublinha a funo metalingstica, mais doque referencial, de um discurso porque est mais preocupada com os cdigos do que com asmensagens contingentes que possam ser transmitidas por meio de usos especficos dessescdigos. Na medida em que os cdigos so eles prprios, por direito nato,contedos-mensagens, ela expande a prpria noo de mensagem e nos alerta para o aspecto

    performance, assim como para o aspecto comunicativo, do discurso.Em terceiro lugar, a tese de que todo discurso por estrutura tropolgico sugere

    realmente que o mesmo possa ser dito do prprio discurso do tropologista. Mas isso implica

    apenas que a anlise tropolgica deve ser elaborada com a plena conscincia de seu prprioaspecto figurativo. Longe de implicar que a anlise tropolgica seja um jogo frvolo, a teoriatropolgica implica que devemos repensar a prpria distino entre discurso srio e no-srio.Quando os crticos tropolgicos analisam a estrutura tropolgica de um texto, eles estofalando sobre fatos - fatos de linguagem, de discurso e de textualidade - mesmo se estofalando numa linguagem que sabem ser to figurativa quanto literal. Eles esto se referindo acoisas que percebem ou acreditam perceber no texto, mesmo se esto se referindo tanto namaneira indireta da fala figurativa quanto na maneira direta da fala literalista. Deve ento seudiscurso ser levado "a srio", como "realmente significando" o que diz? claro que sim, masapenas desde que "seriedade" no seja equiparada a estreiteza literal-mental, "significado"no seja identificado unicamente com significado literal, e 'lealmente" no seja entendido

    como excluso da possibilidade de que a fala figurativa possa ser to verdadeira sua maneiraquanto a fala literal.

    Em quarto lugar, a teoria tropolgica no destri a diferena entre fato e fico, masredefine as relaes entre os dois dentro de qualquer discurso. Se no existem "fatos brutos",mas apenas eventos sob diferentes descries, a factualidade torna-se questo dos protocolosdescritivos usados para transformar eventos em fatos. As descries figurativas de eventosreais so no menos "factuais" do que literalistas, so apenas factuais -ou, diria eu,"factolgicas" - de maneira diferente. A teoria tropolgica implica que no devemosconfundir "fatos" com "eventos". Os eventos acontecem, os fatos so constitudos peladescrio lingstica. O modo da linguagem usado para constituir os fatos pode serformalizado e governado por regras, como nos discursos cientficos e tradicionais; pode serrelativamente livre, como em todo discurso literrio "modernista"; ou pode ser uma

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    combinao de prticas discursivas formalizadas e livres. No segundo e no terceiro casos, atropologia oferece uma perspectiva melhor para a teoria da inveno discursiva do que osmodelos lgico ou gramtico de discursividade. E desde que a historiografia em geral tendeue ainda tende a permanecer uma combinao de prticas discursivas governadas por regras

    com prticas livres, a tropologia tem especial relevncia para o esforo de compreend-la.A tropologia especialmente til para a anlise da historiografia narrativa, porque a

    histria narrativa um modo de discurso no qual as relaes entre o que uma dada culturaconsidera como verdades literais e as verdades figurativas expressas em suas ficescaractersticas, os tipos de estrias que ela conta sobre si mesma e sobre os outros, podem sertestadas. Nas narrativas histricas, as formas-de-enredo dominantes utilizadas por uma cultura

    para "imaginar" os diferentes tipos de significado (trgico, cmico, pico, farsesco etc.) queuma forma de vida distintivamente humana pode terso testadas contra a informao e oconhecimento sobre as formas especficas que a vida humana teve no passado. Nesse

    processo, no apenas as formas passadas de vida humana so dotadas dos tipos de significadoencontrados nas formas de fico produzidas por uma dada cultura, mas os graus de"verdade" e "realismo" dessas formas de fico em relao aos fatos da realidade histrica eao nosso conhecimento histrico dessa realidade podem ser medidos. Essa relao entre ainterpretao histrica e a representao literria diz respeito no apenas a seu interessemtuo em estruturas-de-enredo genricas, mas tambm ao modo narrativo de discurso queelas partilham mutuamente.

    V

    porque o discurso histrico utiliza estruturas de produo-de-significado

    encontradas em sua forma mais pura nas fices literrias que a moderna teoria literria,especialmente em suas verses orientadas para as concepes tropolgicas da linguagem,discurso e textualidade, imediatamente relevante para a teoria contempornea da escrita dahistria. Ela se relaciona diretamente com um dos debates mais importantes da teoria histricacontempornea: aquele sobre ostatus epistmico da narratividade.

    Esse debate se ergue contra o pano de fundo de uma discusso de quarenta anos,iniciada na dcada de 1940, entre filsofos e historiador, sobre a questo do possvel status dahistria como cincia.26 A questo da narrativa foi levantada nessa discusso, mas

    primordialmente em termos de sua adequao ao objetivo e aos propsitos do discursocientfico. Um lado, nesse debate, sustentava que, se os estudos histricos fossem sertransformados numa cincia, o modo narrativo do discurso, sendo por natureza

    manifestamente "literrio", era inessencial para o estudo e a escrita da histria. O outroconsiderava que a narrativa era no apenas um modo de discurso, mas tambm, e o que maisimportante, um modo especfico de explicao. Embora a explicao narrativa diferisse domodo de explicao (nomolgico-dedutivo) dominante nas cincias fsicas, ela no devia serconsiderada inferior a ele, era especialmente adequada reprentao dos eventos histricosem contraste com os naturais, e poderia portanto ser usada com perfeita propriedade para aexplicao de eventos especificamente histricos. Esse debate especfico se encerrou emalgum momento da dcada de 1970, da maneira como se pode esperar que um debate

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    Esse debate foi exaustivamente levantado por Ricoeur, Time and narrative, I, cap. 4, mas ver tambmAnkersmit, op. cit.

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    filosfico se encerre: com um compromisso. Foi decidido, por consenso geral, que a narrativaera adequadamente usada na historiografia para alguns propsitos, mas no para outros.

    Mas to logo foi aparentemente resolvida, a questo foi reaberta pela exploso na cenacrtica de uma outra discusso que vinha se armando em outro reduto e que tinha a ver com o

    "contedo" implcito do discurso narrativo em geral. Enquanto a antiga disputa se centrara narelao do discurso narrativo com o conhecimento cientfico, a nova enfatizava a relao danarrativa com o mito e a ideologia. Assim, por exemplo, Barthes sustentava que a prprianarratividade era o contedo efetivo do "mito moderno" (com o que ele queria dizer"ideologia"). Kristeva (seguindo Althusser) acusava a narratividade de ser o instrumento pormeio do qual a sociedade produziu o "sujeito" auto-opressivo e complacente a partir do"indivduo" originariamente autnomo. Derrida citava a narrativa como o privilegiado"gnero da lei". Lyotard atribua a "condio ps-modernista" ao colapso de um"conhecimento narrativo" de natureza puramente "costumeira". E, mais recentemente, SandeCohen representou a conscincia narrativa como a encarnao de um modo de pensar

    puramente "reativo" e "desintelectivo" e como o principal empecilho a um pensamento"crtico" e "terico" nas cincias humanas.27

    Ao mesmo tempo, porm, os defensores da narratividade no ficaram ausentes.Alguns historiadores importantes, como Laurence Stone, Dominick LaCapra, James Henrettae Bernard Bailyn, recentemente sublinharam a desejabilidade, se no a necessidade, danarrativa como um antdoto para o alheamento dos leitores leigos, afastados pela abstrao efalta de intimidade da historiografia "tcnica". Alguns Annalistes temveis, maisdestacadamente Leroy Ladurie e Le Goff, no apenas chegaram a admitir a desejabilidade danarrativa para a representao de certos tipos de fenmenos histricos, como realmentecometeram atos explcitos de narratividade historiogrfica. Entre os tericos literrios,Frederic Jameson tentou reenergizar o marxismo sublinhando seu status, menos como uma

    cincia do que como uma "narrativa mestra" da histria que poderia fornecer tanto umacompreenso do passado como as bases necessrias para a esperana de transcender as"necessidades alienantes" de uma histria vivida como uma estria de opresso de classe. Efinalmente, vindo do reduto da hermenutica filosfica, Paul Ricoeur, no que constitui atentativa mais abrangente de sintetizar o pensamento ocidental moderno sobre a histria,Temps et rcit, anunciou uma verdadeira metafsica da narrativa e uma defesa de suaadequao, no apenas representao histrica, mas tambm representao das "estruturasde temporalidade" fundamentais.28

    Obviamente, esse debate envolveu algo mais do que uma questo de "forma literria".Com exceo daqueles historiadores profissionais que a viam como um cosmtico para um

    27 Ver Barthes, op. cit.; Julia Kristeva, "The novel as polylogue", emDesire in language: a semiotic approach toliterature and art, traduzido por Thomas Gora, Alice Jardine e Leon S. Roudiez (Nova York, 1980), cap. 7;Jean-Franois Lyotard, The postmodern condition: a report on knowledge, traduzido por Geoff Bennington eBrian Massumi (Minneapolis, 1984); Jacques Derrida, "The law of genre", Critical lnquiry, 7, 1 (outono 1980),p. 55-82; Cohen, op. cit., introduo, cap. 1, concluso. A questo da narrativa na escrita histrica discutida emPietro Rossi, org., La teoria della storiografia oggi (Milo, 1983), com colaboraes de Danto, Mommsen,Furet, Koselleck, Dray, Winch et alia. Ver tambm o provocativo estudo de Jean Pierre Faye, Thorie du rcit:introduction aux "langages totalitaires"(Paris, 1972).28 Laurence Stone, "The revival of narrative: reflections on the old new history",Past and Present, 5 (nov 1979),3-24; James Henretta, "Social history as lived and written", American Historical Review, 84 (1979), 1293-1322;Bernard Bailyn, "The challenge of modern historiography", American Historical Review, 87 (1982), 1-24;Emmanuel Leroy Ladurie, The territory of the historian, traduzido por Ben e Sian Reynolds (Chicago, 1979),

    111f.; e Dominick LaCapra, History and criticism (Ithaca e Londres, 1985), cap. 1. Diga-se que o livro deLaCapra mais uma defesa da historiografia retrica do que da historiografia narrativa per se.

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    conhecimento demasiado rido para ser tomado puro por uma audincia leiga, a narrativaestava sendo tratada como muito mais do que um meio de transmitir mensagens que poderiamser transmitidas igualmente bem por outras tcnicas discursivas. Ao contrrio, a narrativaestava sendo tratada como se fosse uma mensagem por direito nato, uma mensagem com seu

    prprio referente e um significado muito diferente daquilo que ela aparenta apenas "conter".Por exemplo, Jameson fala da narrativa como `uma instncia central da mente humana e ummodo de pensar to cabalmente legtimo como o do pensamento abstrato".29 Lyotard eMcIntyre, embora de perspectivas ideolgicas diametralmente opostas, referem-se funosocial da narrativa como o suporte bsico de qualquer "legitimao" efetiva do conhecimentoe da autoridade tico-poltica.30E Ricoeur sustenta que a narrativa, longe de ser apenas umaforma, a manifestao na linguagem de uma experincia de temporalidade distintivamentehumana.31 Tudo isso em oposio idia, proposta pelos desconstrutores hostis da narrativacomo Barthes, Kristeva, Derrida e Cohen, de que a narrativa o resduo ainda no dissolvidoda conscincia mtica no pensamento moderno. Em uma palavra, longe de ser consideradaapenas uma forma, a narrativa vem sendo crescentemente reconhecida como um mododiscursivo cujo contedo a sua forma.

    claro que da perspectiva da teoria literria tradicional, a noo de que a forma de umdiscurso poderia ser um de seus contedos teria que ser tratada ou como um paradoxo oucomo um mistrio. No entanto, da perspectiva aberta pela teoria tropolgica, no haveria nadade paradoxal ou misterioso com tal noo. Esse contedo de uma forma de discurso seria denatureza lingstica e consistiria na estrutura de seu tropo dominante, o tropo que serve como

    paradigma na linguagem para a representao de coisas como partes de todos identificveis.Dentro desta viso, a narrativa pode ser caracterizada como um tipo de discurso no qual asindoque funciona como o tropo dominante para "amarrar" (grego: sindoque; latim:

    subintellectio) aspartes de uma totalidade, apreendida como estando dispersa por uma srie

    temporal, num todo, segundo o modo da identificao.32

    Esse modo do discurso pode serdiferenciado daqueles nos quais as partes de um todo aparente se relacionam umas com asoutras por semelhana (metfora), contigidade (metonmia) ou oposio (ironia oucatacrese). No h nada de especialmente metafsico com a representao de coisas discretas,sejam elas pessoas individuais, instituies sociais ou conjuntos de eventos, como unidades

    29 Ver Fredric Jameson, "Foreword" em Lyotard, op. cit., xi. The political unconscious: narrative as a sociallysymbolic act(Ithaca, 1981), de Jameson, uma defesa extensa, fundamentada e poderosa dessa viso.30 Ver Christopher Norris, "Philosophy as a kind of narrative: Rorty on postmodern liberal culture", em op. cit.31 "Considero que a temporalidade aquela estrutura da existncia que alcana a linguagem na narratividade, eque a narratividade a estrutura da linguagem que tem na temporalidade seu referente ltimo. Sua relao portanto recproca." Paul Ricoeur, "Narrative time", Critical Inquiry, 7, 1 (outono 1980), 169.32 Sinto no poder desenvolver mais extensamente aqui esta noo. Se eu tivesse espao, diria mais ou menos oseguinte: em geral se concorda que a narrativa histrica produz conhecimento-como-compreenso atravsdaquilo que W H. Walsh, j em 1951, chamava de "coligao". Ver seu Philosophy of history: an introduction(Nova York, 1960), 59-66. Louis O. Mink tomou essa noo e a desenvolveu em sua concepo do modo"configuracional" de pensar, que ele identifica com a compreenso histrica (em contraste com os modos"terico" e "categorial"). Ver especialmente seu "History and fiction as modes of comprehension", New LiteraryHistory, 1, 3 (primavera 1970), 541-558. Ricoeur usa a noo de "configurao" como a pea central de suadefesa da narrativa como um "enredamento" tanto na historiografia quanto na escrita ficcional. Ver Time andnarrative, I, cap. 2; e o volume II desta obra, que tem o subttulo de "The configuration of time in fictionalnarrative". Tal como analisadas por esses tericos, as operaes de "coligao" e "configurao" (e o"enredamento" de Ricoeur) parecem ser exatamente aquilo que a "sindoque" implica, ou seja, o ato tropolgicode "agarrar junto". E claro que a relao da sindoque com a simbolizao manifesta: voc s pode "agarrar

    junto" o que j foi antes "arremessado junto". Sobre a figura da sindoque, ver Heinrich Lausberg, Handbuchder literarischen Rhetorik(Munique, 1960), sees 572-577.

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    cujos aspectos so identificveis como atributos dos todos de que elas fazem parte. Fazemosisso na fala ordinria (seja o que for que isto quer dizer) o tempo todo. Fazemos isso nalinguagem filosfica quando, seguindo Aristteles, Leibniz, Hegel, James, Whitehead eDewey, queremos indicar e refletir sobre aqueles aspectos da realidade que parecem ser mais

    orgnicos do que mecansticos em sua estrutura e modo de desenvolvimento e articulao.Fazemos isso na linguagem histrica quando queremos falar sobre continuidades, transiese integraes. E fazemos isso na linguagem literria quando queremos escrever romancesnarrativos, poemas ou peas.

    Vista dessa perspectiva, a narrativa no exatamente nem uma distoro daquela"realidade" que nos dada em percepo (o `finito" de Barthes) nem uma manifestaoepifnica de uma instncia metafsica do ser (as "estruturas de temporalidade" de Ricoeur), esim o aparecimento na forma discursiva de uma das possibilidades tropolgicas do uso dalinguagem. Encarando a questo desta forma, podemos comear a apreciar em que medida

    programas destinados a apagar a narratividade do discurso "srio" ou a elev-la aostatus deuma expresso do Ser, ou do Tempo, ou da Historicidade, so igualmente equivocados. Anarrativa um universal cultural porque a linguagem um universal humano. No podemosapag-la do discurso, assim como no podemos declarar o prprio discurso fora-da-existncia.A narrativa pode ser a prpria alma do mito, mas isto porque o mito uma forma de discursolingstico, no porque a narrativa seja inerentemente mtica. O mesmo pode ser dito darelao da narrativa com a fico literria. Algumas fices literrias so enunciadas nummodo narrativo, mas isto no significa que todas as narrativas sejam fices literrias.Significa que as narrativas mtica e literria so ambas figuraes lingsticas.

    O mesmo se aplica igualmente relao da narrativa com os discursos histricos (e, por extenso, com todos os discursos "realistas"). Uma representao histrica pode serenunciada no modo de uma narrativa porque a natureza tropolgica da linguagem abre essa

    possibilidade. Por conseguinte, absurdo supor que, porque um discurso histrico enunciado no modo de uma narrativa, ele tem de ser mtico, ficcional, substancialmenteimaginrio, ou de alguma maneira "no-realista" naquilo que ele nos diz sobre mundo.Supor isso ceder a um tipo de pensamento que resulta na crena na mgica contagiosa ou naculpa por associao. Se o mito, a fico literria e a historiografia tradicional utilizam omodo narrativo de discurso, porque todos eles so formas de uso da linguagem. Isto em sino nos diz nada sobre sua verdade - e menos ainda sobre seu "realismo", na medida em queessa noo sempre culturalmente determinada e varia de cultura para cultura. De qualquerforma, ser que algum acredita seriamente que o mito e a fico literria no se refiram aomundo real, no digam verdades sobre ele e no forneam um conhecimento til a seurespeito?

    A questo da relao entre narrativa e histria recebeu ateno especial na teorialiterria recente porque central para um problema crucial da histria literria, o da relaodo modernismo literrio com o realismo literrio. A transio do realismo para o modernismo

    parece, para muitos intrpretes, ter acarretado o repdio tanto da forma da narrativa quanto dequalquer interesse pela representao da `realidade histrica".33 Para os intrpretes marxistas,

    33 A formulao clssica a de Erich Auerbach, Mimesis: the representation of reality in Western literature,traduzido por Willard R. Trask (Princeton, 1968), cap. 17-18. Todo o trabalho de Georg Lukacks sobre orealismo na literatura do sculo XIX impregnado dessa mesma idia, mas para uma consulta breve relativa narrativa, ver seu "Narrate or describe?" em Writer and critic anad other essays, traduzido por Arthur D. Kahn

    (Nova York, 1971), 110-148. Fredric Jameson desenvolve ainda mais a acusao lukacksiana em The politicalunconscious, onde o modernismo interpretado como uma fase do desenvolvimento do realismo na qual a

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    Sob muitos aspectos, portanto, os debates contemporneos no interior das cinciashumanas sobre a relao da historiografia tradicional com suas alternativas "cientficas" seassemelham aos debates correntes no campo dos estudos literrios sobre a relao do realismoliterrio com o modernismo literrio - e no por acaso, j que o que est em pauta nos dois

    casos a questo da adequao de uma dada forma de discurso, a narrativa, representaode um dado contedo, realidade histrica". Se os dois debates raramente parecem convergirou fundir-se, porque cada um deles tende a tomar como explanans o que o outro trata comoexplanandum.

    Assim, por exemplo, o debate sobre o modernismo no campo dos estudos literriossustenta, sob a gide de uma noo compartilhada tanto por modernistas como porantimodernistas, que a "histria" oferece uma base neutra de "fatos" a que se pode apelar paraa caracterizao do que realmente o modernismo, daquilo em que consiste sua verdadeirasignificao social ou cultural e de qual realmente sua funo ideolgica. Isto ocorreespecialmente quando os crticos marxistas, seguros na convico de que o marxismo acincia da histria prometida pelo sculo XIX, propem-se revelar o verdadeiro contedoideolgico e significao histrica do modernismo considerado como um estilo de poca. Damesma forma, o debate sobre ostatus da histria narrativa tradicional no interior da teoria dahistria parte da suposio, partilhada tanto por anti como por pr-narrativistas, de que anarrativa uma forma de discurso "literrio", que a literatura lida com eventos "imaginrios"mais que "reais", e que, por conseguinte, os estudos histricos tm ou de se despojar danarrativa ou de us-la apenas para tornar os "detalhes" da realidade histrica `interessantes"

    para um pblico leitor de outra forma desatento. Os crticos literrios recorrem histriacomo um corpo de fatos no problemtico para a soluo de problemas na teoria literria,enquanto os tericos da histria apelam para aquilo que imaginam ser uma noo no

    problemtica da relao da "literatura" com a "realidade" para situar a questo da funo da

    narrativa no discurso histrico. Assim acontece na maioria das discusses tericas: qualquercampodado de conhecimento tem de pressupor a adequao das prticas de pelo menos um outrocampo a fim de prosseguir em seu movimento.

    Mas a moderna teoria literria abre uma perspectiva sobre a escrita da histria maisabrangente do que as imaginadas pelos participantes do debate sobre a natureza do discursonarrativo, de um lado, e aqueles engajados no debate sobre a natureza do conhecimentohistrico, de outro. O discurso histrico (em oposio investigao histrica) um casoespecial do discurso em geral. Conseqentemente, os tericos do discurso histrico no

    podem se permitir ignorar as teorias gerais do discurso que foram desenvolvidas dentro damoderna teoria literria com base em novas concepes da linguagem, da fala e da

    textualidade, as quais permitem reformulaes das noes tradicionais de literalidade,referncia, autoria, pblico e cdigos. No porque a moderna teoria literria fornece respostasdefinitivas s questes levantadas por essas novas concepes da linguagem, da fala e datextualidade, mas antes porque, ao contrrio, ela reproblematizou uma rea de investigaoque, pelo menos na teoria da histria, durante muito tempo havia sido tratada como noapresentando nada de problemtico.

    Em ensaio publicado em Communications em 1972, Barthes sugeria que o tipo detrabalho interdisciplinar exigido pelas modernas cincias humanas requeria no tanto o uso devrias disciplinas estabelecidas para a anlise de um objeto de estudo tradicionalmentedefinido, como a inveno de um novo objeto que no pertenceria a qualquer disciplina

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    Comprova tambm, diria eu, a relevncia da moderna teoria literria para a nossacompreenso das questes que esto sendo debatidas entre os tericos do pensamento, da

    pesquisa e da escrita da histria. No apenas porque a moderna teoria literria sob muitosaspectos elaborada a partir da necessidade de dar sentido ao modernismo literrio,

    determinando sua especificidade histrica e sua significao como movimento cultural, einventando uma prtica crtica adequada a seu objeto de estudo, mas tambm, e acima detudo, porque a moderna teoria literria tem necessariamente de ser uma teoria da histria, daconscincia histrica, do discurso histrico e da escrita da histria.

    Nota: Este texto foi enviado para publicao por Hayden White. A traduo de Dora Rocha.