Tecnologias Sociais ajudam a reinventar o Semiárido

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A região do Semiárido brasileiro é lembrada lá fora como lugar de miséria, sofrimento e pobreza, pela falta de políticas públicas assistenciais e sobretudo pela escassez de água. Esta é, de fato, a condição em que ainda vivem milhares de nordestinos. Entretanto ela vem aos poucos se transformando em uma nova história. A cada dia se multiplicam experiências que retratam outro contexto, onde famílias do meio rural conseguem reinventar o modo de produzir, consumir e sobreviver no Semiárido. A agricultora Nilda é viúva, tem 47 anos é dona de casa e mãe dois filhos. Desde criança mora no sítio Baixa do maracujá e recorda que a falta de água na localidade foi, durante muitos anos, um dilema com o qual as famílias tiveram que conviver. Enfrentar a escassez hídrica até pouco tempo parecia ser um desafio impossível de ser superado, pois eram muitas as dificuldades. Eu saía às quatro horas da manhã, com meus filhos, lá pra o Santo Antônio, pra buscar água. Era muito penoso, porque andávamos pra longe de casa. Tínhamos um burro que trazia a carga e às vezes ele não aguentava, porque ela vinha muito pesada, noutras trazíamos os baldes na cabeça. Não sobrava água pra dar aos bichos, tomávamos banho uma vez por semana. Eu não tinha como lavar a roupa de minhas crianças quando elas saiam pra escola. Aquilo era triste demais pra mim, desabafa a mãe ao relembrar as carências do passado, que ficaram pra trás. Desde 2009 a família de Nilda vem sendo beneficiada pelo Programa Uma Terra e Duas Águas (P1+2). Hoje, com duas cisternas com capacidade para armazenar 16 mil litros e 52 mil litros de água, a vida da agricultora é outra. Bastou chover um pouquinho nos invernos dos três últimos anos pra garantir o abastecimento da água que seria usada para o consumo e também na produção. No ano em que a cisterna foi construída eu tirei 60 kilos de feijão da minha roça, isso nunca tinha acontecido antes, conta a produtora. A partir daí as experiências só se multiplicaram na propriedade de Nilda e agora ela produz, além do feijão, batata, jerimum e mandioca, da qual retira a farinha, puba e a goma pra fazer beiju. Ceará Ano 6 | nº 890 | outubro | 2012 Crato -Ceará Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas Tecnologias Sociais ajudam a reinventar o Semiárido 1 Produção de abacate ajuda na e incremento da renda. Segunda água garantiu a produção e consumo durante a estiagem.

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A região do Semiárido brasileiro é lembrada lá fora

como lugar de miséria, sofrimento e pobreza, pela falta de

políticas públicas assistenciais e sobretudo pela

escassez de água. Esta é, de fato, a condição em que

ainda vivem milhares de nordestinos. Entretanto ela vem

aos poucos se transformando em uma nova história. A

cada dia se multiplicam experiências que retratam outro

contexto, onde famílias do meio rural conseguem

reinventar o modo de produzir, consumir e sobreviver no

Semiárido.

A agricultora Nilda é viúva, tem 47 anos é dona

de casa e mãe dois filhos. Desde criança mora no sítio

Baixa do maracujá e recorda que a falta de água na

localidade foi, durante muitos anos, um dilema com o qual

as famílias tiveram que conviver. Enfrentar a escassez

hídrica até pouco tempo parecia ser um desafio

impossível de ser superado, pois eram muitas as

dificuldades.

Eu saía às quatro horas da manhã, com meus filhos, lá pra o Santo Antônio, pra buscar água. Era muito penoso,

porque andávamos pra longe de casa. Tínhamos um burro que trazia a carga e às vezes ele não aguentava, porque ela

vinha muito pesada, noutras trazíamos os baldes na cabeça. Não sobrava água pra dar aos bichos, tomávamos banho

uma vez por semana. Eu não tinha como lavar a roupa de minhas crianças quando elas saiam pra escola. Aquilo era triste

demais pra mim, desabafa a mãe ao relembrar as carências do passado, que ficaram pra trás.

Desde 2009 a família de Nilda vem sendo beneficiada

pelo Programa Uma Terra e Duas Águas (P1+2). Hoje,

com duas cisternas com capacidade para armazenar 16

mil litros e 52 mil litros de água, a vida da agricultora é

outra. Bastou chover um pouquinho nos invernos dos três

últimos anos pra garantir o abastecimento da água que

seria usada para o consumo e também na produção.

No ano em que a cisterna foi construída eu tirei 60

kilos de feijão da minha roça, isso nunca tinha acontecido

antes, conta a produtora. A partir daí as experiências só

se multiplicaram na propriedade de Nilda e agora ela

produz, além do feijão, batata, jerimum e mandioca, da

qual retira a farinha, puba e a goma pra fazer beiju.

Ceará

Ano 6 | nº 890 | outubro | 2012Crato -Ceará

Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas

Tecnologias Sociais ajudam a reinventar o Semiárido

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Produção de abacate ajuda na e incremento da renda.

Segunda água garantiu a produção e consumo durante a estiagem.

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Mas isso não é tudo, no quintal passou também a cultivar fruteiras como maracujá, banana e abacate. Os produtos alimentam a família e também incrementam a renda, parte deles é destinada a venda na feira agroecológica da Associação Cristã de Base, no centro do município de Crato. O que eu ganho aqui ajuda muito na despesa de casa. Deixei de comprar verdura na cidade e me alimento agora da verdura de minha horta. Tenho cebolinha, cheiro-verde, tomate, alface, pimentão, não falta nada, fala sorrindo a agricultora. O que eu ganho aqui ajuda muito na despesa de casa. Deixei de comprar verdura na cidade e me alimento agora da verdura de minha horta. Tenho cebolinha, cheiro-verde, tomate, alface, pimentão, não falta nada, fala sorrindo a agricultora.

O que é ainda mais surpreendente nesta história é que cisterna de Nilda não ajudou apenas a uma família. A cunhada dela Fabiana, que mora com o esposo e mais 3 filhos pequenos, Rauã, Raiane e Patrícia, também foram beneficiados, pois como não tinham acesso a cisterna calçadão em casa, decidiram buscar ajuda de quem estava numa situação melhor. Ano passado sofremos muito. Meu marido e eu tínhamos que ir buscar água num chafariz em Santa Fé, bem longe daqui e quase sempre voltávamos com os baldes secos. Se não fosse a cisterna dela, eu já teria ido embora, porque não iria passar sede. Aqui, quem não tem água da cisterna, tem que comprar, pagar 160 reais por sete mil litros de água aos carros pipa. Eu não teria condição pra isso, explica a cunhada de Nilda.

A cisterna-calçadão desde que foi construída ainda não secou. A água rendeu durante estes três anos para o consumo de duas famílias e ainda para a produção de uma delas. A agricultora revela o segredo e ensina a usar a água de modo racional. Reaproveito a água do banho pra aguar as bananeiras e as mudas, assim economizo. Calculo o que estou gastando e não desperdiço, 52 mil litros, se souber usar é uma riqueza aqui na serra.

Nilda faz uso de sua sabedoria não somente em relação no uso consciente da água, quando o assunto é produção, ela também tem muito a ensinar. O quintal produtivo que desenvolve é uma referência quanto às práticas agroecológicas. No cultivo dos legumes e das mudas frutíferas, por exemplo, descobriu uma forma de aproveitar o que a natureza já oferece, aprendi que não é bom ficar fazendo queimada. Hoje eu limpo o mato com a enxada, não queimo nada, porque as folhas servem de adubo, então é mais um reforço pra plantação.

Graças às tecnologias sociais populares de captação e armazenamento de água foi possível promover a melhoria na qualidade de vida desta e de muitas outras famílias .Mesmo atravessando uma das piores secas que o semiárido enfrentou, durante as três últimas décadas, famílias como a de Nilda vem conseguindo assim resistir a estiagem, sem deixar de alimentar os filhos e os sonhos, revestindo-se de coragem, alegria e esperança. Eu tenho fé em Deus que no inverno do próximo ano vou ver esta cisterna cheia de novo. Acho bom plantar minhas coisinhas, não tenho preguiça de trabalhar.

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Sem água em casa Fabiana recebeu ajuda da cisterna calçadão da cunhada.

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Cisternas

o cultivo de novas mudas frutíferas foi feito no quintal preservando as árvores que já tinha como as jaqueiras e mangueiras