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Técnicas da Informação e Comunicação Aplicadas à Educação Ricardo Jorge de Lucena Lucas Felipe Lima Rodrigues

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apostila técnico em informática aplicada

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Técnicas da Informação

e Comunicação

Aplicadas à Educação

Ricardo Jorge de Lucena Lucas

Felipe Lima Rodrigues

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Copyright © 2012. Todos os direitos reservados desta edição à SECRETARIA DE APOIO ÀS TECNOLOGIAS EDUCACIONAIS (SATE/UECE). Nenhuma parte deste material poderá ser reproduzida, transmitida e gravada, por qualquer meio eletrônico, por fotocópia e outros, sem a prévia autorização, por escrito, dos autores.

Presidente da RepúblicaDilma Vana RousseffMinistro da EducaçãoAloizio MercadantePresidente da CAPESJorge Almeida GuimarãesDiretor de Educação a Distância da CAPESJoão Carlos Teatini de Souza ClimacoGovernador do Estado do CearáCid Ferreira Gomes

Reitor da Universidade Estadual do CearáJosé Jackson Coelho Sampaio

Pró-Reitora de GraduaçãoMarcília Chagas Barreto

Coordenador da SATE e UAB/UECEFrancisco Fábio Castelo Branco

Coordenadora Adjunta UAB/UECEEloísa Maia Vidal

Coordenador da Licenciatura em InformáticaGerardo Valdísio Rodrigues Viana

Coordenador de Tutoria e Docência da Licenciatura em Informática

Maria Wilda Fernandes

Coordenador EditorialEloísa Maia VidalProjeto Gráfico e CapaRoberto SantosEditoração Eletrônica e Tratamento de imagensFrancisco OliveiraRevisãoAna Cristina Callado MagnoCatalogação na FonteGráfica...............

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Sumário

Unidade 1 – A informação

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IntroduçãoTecnologia

A capacidade de intervenção na natureza é um dos traços mais signifi-cativos que distinguem os seres humanos dos demais animais

No filme 2001 – uma odisseia no espaço (1969), dirigido por Stanley Kubrick, vemos uma sequência inicial que mostra um conjunto de antepas-sados do ser humano vivendo em tempos pré-históricos. Em dado momento, um deles descobre que um osso de animal pode ter uma utilidade até então impensada: ser uma arma, que serve para abater outros animais, seja para co-mê-los, seja para lutar contra eles. Na sequência, esse ser pré-histórico joga o osso para cima e, numa das mais famosas elipses do cinema, experimen-tamos um salto no tempo da narrativa e chegamos ao futuro representado no filme (o ano de 2001, no caso), onde vemos uma nave no espaço. Uma das coisas que Kubrick quer nos mostrar é que essa nave é fruto da intervenção humana na natureza. Em outros termos: ela é fruto da tecnologia.

ATENÇÃO: é importante fazer a distinção (fundamental) entre tecnolo-gia e técnica. Cronologicamente, a palavra “técnica” é mais antiga: deriva do grego, tekhnè, que significava em sua origem “arte” ou “ofício” (a Retórica, por exemplo, era considerada uma arte e também uma tekhnè entre gregos e romanos antigos). Dentro de uma visão científica moderna, “técnica” significa um tipo de construção ou de método particular, que ajuda a promover a modi-ficação do real. Já o termo “tecnologia” surge bem depois, por volta do século XVII, para designar um “estudo sistemático das artes ou a terminologia de uma arte em particular” (WILLIAMS, 2000: 312), e provém do grego clássico, tekhnologia, e do latim moderno, technologia, que designam formas de trata-mento sistemático de algo, ou ainda um sistema desses meios e métodos. As-sim, técnicas de informação e comunicação dizem respeito a tipos e métodos particulares de sistematização de informações e de processos comunicativos; tecnologias de informação e de comunicação designam o sistema que faz uso dos meios e métodos técnicos.

A língua também é uma forma de tecnologia. Como tal, necessita ser aprendida, seja uma língua nativa, seja uma segunda língua. E, por ser uma tecnologia, uma vez aprendida esquecemos que a aprendemos. Tal proces-so, do ponto de vista neurológico e cognitivo, é similar a aprender a tocar um instrumento ou a dirigir um carro; no início, pensamos nas ações a serem exe-cutadas, depois apenas as executamos. Pensamos nas palavras que vamos usar apenas em situações específicas e que consideramos importantes pelo fato de não serem rotineiras (uma entrevista de emprego, por exemplo); não

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tendemos a ficar escolhendo palavras se vamos apenas dar um “bom dia” a alguém conhecido.

Por trás dessas situações, está um estranho enigma: todos os seres humanos dispõem (a princípio) de sistemas fisiológico, respiratório, digestivo e fonológico com as mesmas características e funções; porém, quando se trata do sistema linguístico, é quase que improvável pensarmos no uso de uma mesma e única língua para todos os seres. A não existência de um re-pertório linguístico comum (uma mesma língua, com as mesmas semântica e sintaxe) a todos os habitantes do planeta implica em vários problemas, como as dificuldades de tradução ou a necessidade de conhecimento de uma lín-gua eventualmente morta diante de um documento cuja escrita não é mais possível decifrar. Há estimativas de que o planeta Terra já tenha abrigado algo entre cinco e dez mil línguas diferentes; locais como a Índia e a Papua Nova--Guiné abrigam dezenas e centenas de dialetos e línguas diferentes; na Itália, certos habitantes locais costumam usar dialetos específicos para conversar entre si caso se sintam incomodados diante de estranhos e/ou estrangeiros; e mesmo dentro de uma mesma língua podemos ter comunidades específi-cas (profissionais, músicos, cientistas) que façam uso de jargões e gírias que podem parecer “intraduzíveis” aos ouvidos de um outro falante que esteja fora daquele universo cultural. Poderíamos dizer: a linguagem não é algo natural.

Aparentemente, se todos falassem um único idioma, uma única língua, grande parte dos nossos problemas estaria resolvida. Não existiriam mais difi-culdades com traduções de obras, inclusive com aquelas que fazem um uso literário incomum da linguagem (pensemos aqui em autores como Lewis Car-roll, James Joyce, Raymond Queneau, Groucho Marx ou Guimarães Rosa, cujos textos verbais são marcados por palavras inventadas e/ou trocadilhos muitas vezes sem sentido fora da sua língua nativa ou mesmo sem possibili-dades de tradução adequada); as poesias não perderiam parte de seu sentido original; também não seria necessário fazer legendagens e dublagens nos filmes e animações; documentos com destinação internacional não precisa-riam de traduções oficiais; e mesmo textos muitos antigos (estivessem eles escritos em papiros, pergaminhos, pedras ou cavernas) potencialmente te-riam grandes chances de serem ao menos lidos.

Mas o virtual fato de falarmos uma única língua não eliminaria outros problemas. Isso ocorre porque a linguagem é, em parte, condicionada pela cultura, ou seja: ela é um sistema que se desenvolve socialmente. A língua não é apenas um conjunto de palavras de diferentes finalidades (substantivas, adjetivas, verbais etc.), mas é também a possibilidade de uso de palavras para se referirem a realidades extralingüísticas, realidades essas cuja percepção varia interculturalmente. Um exemplo simples: consta que os esquimós con-

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seguem perceber várias dezenas de “diferentes” tons de branco. Do ponto de vista da informação, isso equivale ao biólogo que consegue distinguir diferen-tes tipos de plantas apenas das folhas (aparentemente iguais aos olhos de um leigo) ou ao músico que consegue distinguir entre diferentes gêneros musicais (heavy metal, trash, punk, gótico, hard rock).

Dissemos que a linguagem é uma tecnologia e, como tal, deve ser aprendida. Pensemos num exemplo banal: levar um carro a uma oficina me-cânica por não saber identificar um dado defeito. O mecânico diz algo como: “o problema é num disjuntor de média tensão a vácuo”. Se você não entende o que ele diz, está diante de dois problemas: o defeito do carro e o desco-nhecimento do significado das palavras do mecânico. Diante de tal situação, há duas possibilidades: ou o carro fica par ao o conserto ou se busca uma segunda opinião...

Um outro exemplo vai ilustrar melhor essa ideia da linguagem como tec-nologia. No filme Central do Brasil, de Walter Salles (1998), a atriz Fernanda Montenegro interpreta o papel de uma mulher que ganha a vida escrevendo cartas para analfabetos. Mas a sua própria condição de analfabetos impede essas pessoas de verificarem se o que a personagem de Fernanda Montene-gro escreveu foi o que eles ditaram. Em suma: quando uma pessoa não do-mina uma dada tecnologia, ela potencialmente fica “refém” de quem domina essa mesma tecnologia.

Percebe-se, assim, que a linguagem pode ser também uma forma de ex-clusão social. E essa noção deve ser estendida a outras formas de linguagem, como os quadrinhos, o cinema ou o teatro. Ou seja: existem várias formas de linguagem que fazem uso de códigos específicos (palavras, imagens e sons isolados ou combinados entre si), os quais pedem uma dada competência do seu receptor. Por exemplo: para ler quadrinhos, é necessário anteriormen-te saber ler (pois a disposição dos quadros tende a seguir a orientação do sentido de leitura); para ler o cinema, é preciso conhecer certas convenções (como o flashback); e mesmo para o teatro, é preciso minimamente saber que se está diante de uma encenação (o que pode confundir certos espectadores diante de peças experimentais nas quais o ator desce do palco e se mistura à platéia: até onde vai a encenação?). Ou seja: o desconhecimento desses códigos pode dificultar a compreensão de um dado texto.

Como superar essas diferenças de domínio das linguagens? Como buscar evitar essa “desigualdade” entre pessoas, mesmo que elas dominem um mesmo idioma, uma mesma língua? Essa “desigualdade” pode ser elimi-nada, se considerarmos que todas as pessoas detêm pontos de vista dife-rentes sobre a realidade e sobre si próprias? Um dos modos de diminuir esse virtual abismo é através de um movimento que considera:

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1) o fato de que todas as pessoas sabem algo sobre alguma coisa;

2) o fato de que ninguém conhece tudo;

3) o fato de que todo mundo busca se expressar;

4) o fato de que todo mundo busca saber algo sobre o outro; e

5) o fato de que o ser humano é um ser, acima de tudo, social.

Os enunciados acima apontam para um duplo campo: de um lado, o campo da Educação, que visa a produção de conhecimento através da difu-são e do compartilhamento de informações; de outro, o campo da Comunica-ção, que visa a produção e/ou manutenção da sociabilidade. É a partir dessa dupla articulação que vamos desenvolver os principais aspectos dessa obra.

Obviamente, estamos longe de esgotar o assunto. Há obras que fazem uma discussão sobre a relação Educação e Comunicação em suas várias possibilidades (BRAGA & CALAZANS, 2001; CITELLI, 2000). O filósofo da educação Mário Kaplun (1923-1998), argentino radicado no Uruguai e amigo do pedagogo brasileiro Paulo Freire, propôs o termo “Educomunicação” nos anos 1980, para designar a mediação da Comunicação com e para a Edu-cação como forma de ação política diante dos fenômenos contemporâneos (pós-modernidade, globalização, transnacionalização do poder econômico--financeiro etc.) (SCHAUN, 2002: 81).

Há várias maneiras de encararmos a relação entre a educação e a comu-nicação, entre os modos de aprendizagem pedagógica e o uso dos meios de comunicação (sejam eles massivos e baseados na lógica de distribuição e difu-são, como os jornais, as revistas, os quadrinhos e o cinema, sejam eles digitais, como os sites, portais e mídias sociais, baseados na lógica de acesso on-line a servidores). O viés que nos interessa aqui (e que não esgota o assunto, natu-ralmente) diz respeito à compreensão e ao uso das técnicas da comunicação e da informação nas práticas pedagógicas, percebidas também como formas de sociabilidade, na medida em que esses fazeres devem se dar coletivamente.

É natural a existência de riscos nesse tipo de discussão: muitos incorrem na análise apenas dos meios em si, deixando de lado as suas potencialida-des e limites e, ao mesmo tempo, deixando de lado também a análise do seu potencial comunicativo. Talvez um dos exemplos mais clássicos desse tipo de equívoco seria a crença numa modalidade de “teleaula” na qual o aluno apenas assiste aos conteúdos transmitidos pela TV, sem apoio de outros ma-teriais e, principalmente, de sem apoio de professores em sala de aula (ainda hoje é comum professores colocarem alunos para “assistir algo” quando não podem dar aula...). Afinal, a popularidade da televisão como meio informativo massivo (notícias, novelas, filmes etc.), para muitos, era suficiente para que as aulas baseadas apenas nessa lógica transmissiva fossem também eficientes;

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mas variáveis como as maneiras como as pessoas consumiam a TV, os gê-neros televisivos favoritos da audiência e as situações de recepção foram dei-xados de lado. O relativo fracasso dessa tentativa aponta para o fato de que a análise da TV como ferramenta se centrou apenas na tecnologia em si, não nos modos como as pessoas interagem diante da tecnologia e entre si, simul-taneamente. A TV foi percebida em sua eficácia potencial como transmissora de conteúdos, mas não se questionou, à época, sua eficácia como geradora de conhecimentos, sendo que estes se baseiam, muitas vezes, em práticas sociointerativas (ou seja, em situações sociais, presenciais ou à distância).

No início de seu livro intitulado La Educación desde la Comunicación, o pesquisador colombiano (nascido na Espanha) Jesús Martín-Barbero adverte sobre um duplo fato: o que estamos acostumados a confundir a comunicação com os meios e a educação com seus métodos e técnicas. Ou seja: é pre-ciso evitar o reducionismo de ambos os conceitos e processos a uma visão meramente técnico-instrumental. Além disso, há outro aspecto importante no que se refere ao modo de se lidar com a dualidade Comunicação-Educação, do ponto de vista teórico-metodológico: é mais importante ensinar o aluno a utilizar os meios, dominando suas técnicas, ou ensinar o aluno a fazer uma leitura crítica desses meios? De um lado, em uma sociedade cada vez mais mediatizada, faz-se necessário que os alunos dominem as diversas técnicas de produção de informação e de comunicação (compreensão da lógica pro-dutiva); ao mesmo tempo, é preciso que eles saibam interpretar os conteúdos veiculados nos meios de comunicação massivos e digitais (interpretação dos produtos mediáticos). A nosso ver, essa é uma escolha fundamental, mas per-ceba-se que, apesar de serem duas questões interrelacionadas, elas colocam em xeque aspectos diferentes sobre a percepção dos meios: a produção de textos por parte dos alunos e a análise dos produtos mediáticos produzidos no âmbito dos meios de comunicação massivos e digitais. Assim, é preciso ter sempre em mente as diferenças simbólicas entre o campo escolar como esfe-ra de produção de conhecimentos e o sistema mediático como espaço difusor de informações. Nossa escolha, aqui, é auxiliar o professor na produção dos textos por parte dos alunos a partir das diferentes técnicas de comunicação e informação; acreditamos que o conhecimento e a prática sobre os modos de produzir esses textos ajudam posteriormente numa análise crítica sobre os meios de comunicação de massa nos quais circulam outros textos. Ou seja: existe uma diferença fundamental entre saber como se faz e saber fazer.

Cumpre lembrar que todas as técnicas aqui relacionadas podem ser trabalhadas com o auxílio do computador. Uma vez que as tecnologias digi-tais permitem o manuseio dos textos verbais, das imagens e dos sons, bem como de suas combinações, nada impede que as atividades sejam realizadas

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tanto através de encontros presenciais quanto através de atividades coletivas e colaborativas mediadas pelo computador. Cabe aos professores, dentro de suas visões de processo pedagógico, avaliarem quais os melhores caminhos a serem seguidos.

Aqui, tentaremos evitar alguns equívocos: talvez o principal deles seja deixar de lado a centralidade no suporte para dar ênfase aos aspectos das diversas formas de linguagem (escrita, sonora, audiovisual, imagética etc.), cujos princípios tendem a se manter, independentemente do suporte analisa-do. Um exemplo simples: a princípio, não existem diferenças entre um filme visto na TV, no cinema, num aparelho de DVD ou de Blu-ray ou no computa-dor, no que se refere ao filme em si; as diferenças ocorrem em função do su-porte e daquilo que ele possibilita. No cinema, não podemos pausar a exibição do filme; na TV, dependendo do tipo de aparelho, isso já é possível; no apa-relho de DVD ou Blu-ray e no computador, podemos pausar quantas vezes quiser. Mas essas diferenças não alteram o estatuto do filme como mensa-gem audiovisual: assim, o tempo de exibição ou a ordem das sequências são mantidos. Ou seja: os modos de construção de um produto audiovisual (em termos de captação de imagens, edição, pós-produção etc.) serão sempre os mesmos, independente do suporte no qual o filme será exibido (obviamente, há exceções em alguns aspectos, como os filmes em 3D).

Há outras variantes a serem consideradas: um filme na TV, no DVD ou no Blu-ray, visto em família ou entre amigos, é quase sempre um ritual acompanhado de comentários (ligados ao filme ou não); no cinema, o ritual (ao menos em algumas culturas) pede que o filme seja assistido em silêncio; no computador, a exibição tende a ser individual e solitária (uma vez que, seja num desktop, notebook, netbook, tablet ou mesmo num smartphone, esses objetos tendem a ser percebidos como objetos pessoais). Ou seja, as formas de recepção são bastante distintas. Observar as formas de recepção também na sala de aula é algo importante para o pedagogo.

Além disso, é preciso ter em mente que os modos como as futuras tecnologias são concebidas podem implicar em mudanças nas formas de produção mediática. Por exemplo: se um dia pudermos “escolher” a próxima sequência de um filme, numa lógica similar à do RPG (role playing game), é inevitável que a produção do filme se modificará, deixando de ser roteirizada e concebida como um continuum temporal para se tornar um conjunto de possibilidades narrativas à escolha do espectador (mais próxima da lógica do videogame). Uma discussão sobre essas potencialidades pode ser encontra-da, por exemplo, em Gosciola (2003).

Essa obra se divide nas seguintes partes:

1) uma revisão conceitual dos conceitos de informação e de comunicação;

SAIBA MAISApesar de os termos “mídia” e “midiático” estarem popularizados, a grafia mais adequada, do ponto de vista etimológico, seria “media” e “mediático” (como escrevem os portugueses). Afinal, a palavra vem do latim, medium, que significa “meio” (seu plural é media). Aqui, todos os vocábulos de língua portuguesa referentes aos meios de comunicação serão grafados em conformidade com a origem do termo em latim: assim, usaremos “mediático” e não “midiático”; “mediatizado”, e não “midiatizado”.

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2) uma discussão sobre as tecnologias da informação e da comunicação e seus produtos;

3) uma discussão sobre as matrizes da linguagem humana (usadas nas dife-rentes técnicas de comunicação e informação), a saber: o sonoro, o visual e o verbal, suas características e possibilidades de mistura;

4) as diversas técnicas da informação (jornais, revistas, livros, fotografias, his-tórias em quadrinhos etc.), suas formas de produção e seus possíveis usos na sala de aula.

Ao final de cada uma dessas partes, o leitor encontrará referências bi-bliográficas para aprofundar os temas abordados. Como já dissemos, não te-mos a pretensão, nem a possibilidade de esgotar todas as possibilidades que envolvem os campos da Comunicação e da Educação. Mas, se conseguir-mos ao menos criar uma base teórica inicial para os professores e leitores, a qual possa auxiliá-los em suas práticas profissionais em sala de aula, já estará de bom tamanho.

Referências bibliográficasBRAGA, José Luiz & CALAZANS, Regina. Comunicação e educação – ques-tões delicadas na interface . São Paulo: Hacker Editores, 2001.

CITELLI, Adilson. Comunicação e educação – a linguagem em movimento. São Paulo: Editora SENAC, 2000.

COSTA, Cristina. Educação, imagem e mídias. São Paulo: Cortez, 2005.

GOSCIOLA, Vicente. Roteiro para as novas mídias – do game à TV interativa. São Paulo: SENAC, 2003.

MARTÍN-BARBERO, Jesús. La educación desde la comunicación. Bogotá: Grupo Editorial Norma, 2003.

OROFINO, Maria Isabel. Mídias e mediação escolar – pedagogia dos meios, participação e visibilidade. São Paulo: Cortez, 2005.

SCHAUN, Angela. Educomunicação – reflexões e princípios. Rio de Janeiro: Mauad, 2002.

SETTON, Maria da Graça. Mídia e educação. São Paulo: Contexto, 2010.

STEINER, George. Depois de Babel – aspectos da linguagem e tradução. Lisboa: Relógio D’Água, 2002.

WILLIAMS, Raymond. Palabras clave – un vocabulário de la cultura y la socie-dad. Buenos Aires: Ediciones Nueva Visión, 2000.

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PARTE 1A informação

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1. A informação: breve introdução

Termo apresenta vários sentidos em nossa sociedade; porém, a infor-mação pode ser percebida como um conceito técnico.

O termo “informação” tem sua origem etimológica no latim, informare (in + formare), expressão que signifca “dar forma”, “modelar”. A partir daí, veio o termo informatio, ou seja, “ação de dar forma a algo” (o sufixo latino -tio significa “ação” ou “atividade”). Porém, ao longo dos séculos, vários outros significados foram ligados ao termo “informação”, como “informe”, “notícia”, “instrução”, “conhecimento”, “representação” etc. Ou seja: percebe-se que sua ideia original, “formatar algo”, se perdeu ao longo dos tempos.

Além disso, essa “confusão” conceitual entre comunicação e informa-ção ocorre porque, nas sociedades tradicionais (que podemos chamar de pré-modernas), comunicação e informação tendencialmente “caminhavam” juntas. Ou seja: como não havia ainda a mediação tecnológica (meios de co-municação) entre os homens, esses se comunicavam diretamente uns com os outros, através de gestos e falas; os processos de transmissão da informa-ção e do ato da comunicação, presencial, eram superpostos.

Mesmo assim, até os dias de hoje, uma das correlações mais comuns em nossos dias é fazer a equivalência entre os termos “informação” e “comu-nicação”. Na verdade, esses dois termos são bastante distintos, ainda que ambos tenham muitos pontos de contato, como veremos. Parte dessa con-fusão tem uma origem mais específica: a Teoria Matemática da Informação, formulada inicialmente em artigo científico em 1948 por Claude Shannon e publicada em forma de livro em 1949 junto com Warren Weaver, foi chamada pelos próprios autores de “Teoria Matemática da Comunicação”; outros auto-res, porém, se referem apenas a “Teoria da Informação” (ou TI). Para tentar colocar um pouco de ordem nas coisas, é comum encontrarmos a sigla “CIC” (“Ciências da Informação e da Comunicação”), entre alguns teóricos e em algumas instituições de pesquisa e de ensino superior, para se referir ao cam-po teórico que abarca as duas áreas. A acepção do termo “informação” que particularmente nos interessa aqui, neste momento, é a técnica.

2. A informação como um conceito técnico

Proposta de Shannon para enfrentar problemas técnicos de transmis-são de mensagens se torna primeira teoria da informação.

SAIBA MAISApesar de, em geral e na língua portuguesa (bem como nas línguas derivadas do latim), o prefixo in indicar negatividade (imortal, infalível etc.), no caso do termo “informação”, ele tem o sentido de “acentuar a ação” (CAPURRO, 2008, p. 6).

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A primeira teoria da informação ocorreu quase que por acaso. A com-panhia de telecomunicação Bell Telephone Laboratory queria aperfeiçoar o funcionamento do telégrafo; buscava, por exemplo, aumentar a velocidade de transmissão das mensagens telegráficas e diminuir as perdas da mensa-gem transmitida. Em outros termos: otimizar a eficácia dos canais de comu-nicação existentes naquela época, ou seja, o cabo de telefone e a onda de rádio. Claude Elwood Shannon (1916-2001), engenheiro e matemático norte--americano, buscava auxiliar nessa empreitada, que já fora tentada antes pe-los engenheiros Harry Nyquist (1889-1976) e Ralph Hartley (1888-1970). Em 1947, Shannon esboçou um esquema que se tornou clássico no campo da Comunicação; em 1948, publicou um artigo sobre o assunto e, finalmente, em 1949, publica com Warren Weaver (1894-1978), também matemático, o livro Mathematical Theory of Communication.

Esquema de Shannon e Weaver

Vamos explicar rapidamente o esquema de Shannon e Weaver: existe uma fonte de informação, que constrói uma mensagem através de um dado código (elemento esse não explicitado pelos autores, e que pode ser um idio-ma, como o inglês ou o francês, por exemplo). Essa mensagem é transmitida através de um suporte transmissor que emite sinais. Esses mesmos sinais devem ser recebidos em igualdade de condições por um aparelho receptor que deve reconstituir a mensagem, fazendo-a chegar a sua destinação final. Neste processo, pode ocorrer a interferência de ruídos na transmissão da mensagem, ou seja: elementos não desejáveis e que interferem na reconsti-tuição da mensagem (falhas de transmissão). Para evitar a perda de alguma informação, sugere-se que a mensagem tenha certo grau de redundância, ou seja, que ela “repita” de diferentes formas (paráfrases, repetições diferencia-das) uma mesma informação.

O que propuseram Shannon e Weaver, no final das contas? A partir de suas formações profissionais (Engenharia, Matemática), um viés matemático--informacional: nesse viés, o que se percebe são as partes componentes do sistema informativo (e não o processo comunicacional em si) apenas do ponto de vista técnico, com particular preocupação de que os sinais da mensagem transmitida cheguem ao destinatário do mesmo modo que “saíram” da fonte. Ou seja: a meta aqui é a transmissão otimizada da mensagem, sem nenhum tipo de preocupação com o seu conteúdo.

Em outros termos: a preocupação se dava apenas com o funcionamen-to técnico do sistema comunicativo. A transmissão eficiente tende a garantir uma decodificação eficiente para o receptor, levando-se em conta apenas os sinais transmitidos. O termo “sinal”, aqui, deve ser entendido dentro do âmbito

GLOSSÁRIOEMISSOR: seja na teoria da informação ou na maioria das teorias da comunicação tradicionais, emissor é o criador ou a fonte da informação, de uma mensagem, que é emitida a um receptor.RECEPTOR: é o recebedor ou destinatário da mesma mensagem enviada pelo emissor. Em algumas ocasiões, emissor e receptor tanto podem ser a mesma pessoa quanto podem trocar de lugar, em situações de interação presencial ou mediada pelo computador.MENSAGEM: é o conjunto ordenado de uma série de sinais que, sendo interpretáveis, se tornam signos, visando a transmissão de uma dada informação. Geralmente a informação está situada dentro do contexto de uma mensagem.CÓDIGO – linguagem ou sistema de signos convencionais e regrados nos quais a mensagem é transmitida (linguagem escrita ou falada, cinematográfica, quadrinística, teatral etc.).SINAIS: fenômenos físicos que, uma vez interpretados, se transformam em signos de uma mensagem.RUÍDO: sinal que atrapalha a transmissão e/ou decodificação da mensagem.REDUNDÂNCIA: repetição de signos, iguais ou equivalentes entre si (como as paráfrases), para reforçar a compreensão de uma dada mensagem.

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da informação. O código Morse, por exemplo, para quem não o domina, é apenas um conjunto de sinais; porém, quem domina o código não percebe apenas sinais, mas sim signos (palavras, frases etc.). No caso do telefone, o que o aparelho recebe são sinais elétricos.

Aqui, são deixadas de lado outras variáveis, como as intenções do emis-sor, o trabalho de interpretação do receptor etc. Esses aspectos, em particular, estão diretamente ligados ao campo da comunicação. De qualquer modo, o paradigma matemático-informacional de Shannon & Weaver, aplicado ini-cialmente apenas às telecomunicações e à engenharia de comunicações, foi posteriormente adaptado pelo pesquisador norte-americano Wilbur Schramm à comunicação humana, levando-se em conta os seguintes aspectos:

1) Que a fonte de informação e o transmissor equivalem ao comunicador

2) Que o receptor e a destinação equivalem ao receptor

3) Que o comunicador e o receptor devem partilhar “campos de experiências em comum” (em outros termos: devem possuir um repertório em comum, ou seja: devem dividir códigos, domínios de linguagens, textos etc.).

A partir dessa perspectiva, Schramm concluiu, nos anos 1970, que o estudo da Comunicação era dependente de uma série de outros fatores, como as contribuições de outros campos científicos (Sociologia, Psicologia). Além disso, Schramm admite a Comunicação como uma “relação interativa” (e não como apenas algo que se transmite a alguém) e que estudá-la significa estudar as pessoas que interatuam nos processos comunicacionais.

Em suma: Shannon e Weaver se preocupavam principalmente com a eficácia técnica do sistema informativo, ou seja, que a mensagem constituída no polo da emissão fosse reconstituída no polo da recepção na sua íntegra em relação aos sinais. O aspecto semântico (o conteúdo da mensagem) não era de interesse deles. Em outros termos: não interessa o teor da conversa de duas pessoas ao telefone, mas apenas que uma pessoa possa ouvir à outra e vice-versa, compreendendo o que ela fala, palavra por palavra, fonema por fonema. Porém, veremos que, mesmo com a proposta feita por Schramm, o modelo de Shannon e Weaver se tornou paradigmático no campo da Comu-nicação, a ponto de muitas vezes apenas se pensar os fenômenos da área dentro dessa visão chamada por Winkin (1984), em termos facilitadores, de “telegráfica”. A justificativa dessa visão será retomada adiante.

3. Cibernética: um dos pontos de partida da comuni-cação e da informação

Ciência proposta por Norbert Wiener nos anos 1940 diz respeito ao es-tudo do “controle e comunicação no animal e na máquina”

GLOSSÁRIOSIGNOS: os elementos físicos constitutivos de uma mensagem (letras, imagens, sons, gestos etc.). Os signos devem ser, a princípio, sinais que serão interpretados posteriormente. Ou seja: só há signo se existir um sinal que lhe seja anterior.

GLOSSÁRIOREPERTÓRIO: o vocabulário de um dado código. Pode ser entendido também como o universo de informações adquiridas por um ser humano (domínio de línguas, conhecimentos etc.).

SAIBA MAISA teoria matemática da comunicação não surgiu nos anos 1940, conforme destaca Weaver (1987: 26-7). O físico austríaco Ludwig Boltzmann (1844-1906) sugeriu prováveis pontos de contato entre a mecânica estatística e o conceito de informação. O matemático norte-americano Norbert Wiener (1894-1964), que foi uma influência central no trabalho de Shannon, desenvolveu o conceito de cibernética (que é abordado no próximo tópico). Maser (1975: 168) cita outros pesquisadores que também se dedicaram ao estudo da teoria da informação, como Karl Küpfmüller (1897-1977), Dennis Gabor, inventor da holografia (1900-1979) e Leo Szilard (1898-1964).

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Em 1948, o matemático norte-americano Norbert Wiener (1894-1964) pu-blicou um livro intitulado Cybernetics: Or the Control and Communication in the Animal and the Machine, com o qual criou o termo “cibernética”; dois anos depois, trouxe à luz a obra The Human Use of Human Beings, na qual retoma os concei-tos-chave do livro anterior para fins de divulgação junto a público mais leigo.

A origem do termo “cibernética” vem da palavra grega kubernetes (“pi-loto”), da qual também se origina a expressão “governador” (através do Latim, gubernare); porém, o próprio Wiener adverte que a palavra já havia sido usada antes, por exemplo, por André-Marie Ampère em estudos sobre ciência política.

O que Wiener chama de Cibernética? Antes, é preciso entender que a Natureza, do ponto de vista estatístico, é “caótica”, ou seja: é “imprevisível”, “in-controlável”. A Cibernética, por outro lado, é colocada (ao menos inicialmente) como a ciência do controle (ou seja, “regulação”) das relações existentes (ou seja, “comunicação”) entre máquinas e organismos vivos (ou seja, “homens”). Para que tal relação possa existir, é importante a existência da “retroalimenta-ção” (feedback) para que o sistema continue em ação. Nesta visão, se aceita que o mundo seja composto de sistemas vivos ou não, que interagem uns com os outros (empresas, pessoas, animais, computadores, cérebros etc.). Ao mesmo tempo, um sistema é visto como um conjunto de elementos em interação constante. Assim, um sistema deve ter dados de entrada (inputs) in-seridos nele e, posteriormente, esse mesmo sistema deve produzir respostas (outputs) que permitam a criação de um feedback.

Visão da cibernética esquematizada por Joel de Rosnay, Le Macroscope, 1975.

Para Wiener, existem dois tipos de feedback: um positivo, no qual as re-ações de B reforçam as ações de A, podendo até mesmo mudar o método e o padrão geral de desempenho do sistema; e outro negativo, no qual as reações de B levam as ações de A a serem apenas reguladas. Aqui, Wiener fala, respec-tivamente, em “aprendizagem” e “rigidez”. Assim, homens e máquinas se comu-nicam através de situações em que uma informação “retorna” à fonte emissora.

GLOSSÁRIORETORNO (ou FEEDBACK): a volta da mensagem à sua origem (emissor).

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Visão de feedback proposta por Norbert Wiener

Mais do que uma teoria, o pensamento de Wiener é uma reflexão. Isso porque o que vigorava nas ciências (e no paradigma de Shannon e Weaver) era a ideia de linearidade, de causa e efeito; a partir da visão de Wiener, o que se propõe é uma espécie de “circularidade” entre os agentes participantes de um processo de interação. A linearidade das relações entre causa e efeito é substituída pela noção circular de retroação.

Esquema linear e unidirecional de relação entre A e B

Esquema simplificado e bidirecional de retroação entre A e B

SAIBA MAISOutro autor que trabalhou com a ideia de sistema foi o biólogo austro-canadense Ludwig von Bertalanffy (1901-1972), criador da Teoria Geral dos Sistemas nos anos 1930. Sua principal obra é justamente intitulada Teoria Geral dos Sistemas e é bastante estudada em áreas como Administração, Biologia e Sociologia. O princípio lógico-matemático da Teoria Geral dos Sistemas é que muitas disciplinas refletem mais em termos de sistemas de elementos do que como elementos isolados; assim, ela pode ser aplicada às mais diversas ciências empíricas.

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Assim, para Winkin (1984, p. 15), a publicação dos livros Mathematical Theory of Communication (Shannon e Weaver) e Cybernetics (Wiener) desem-penhou um papel central: fazer com que a palavra “comunicação” entrasse no vocabulário científico, dentro de uma nova acepção. Além disso, uma noção de comunicação vai se desenhar na primeira metade do século XX (consolidando--se nos anos 40-50), a partir do momento em que os meios de comunicação de massa (rádio, cinema, televisão) vão se tornando elementos cotidianos na vida das pessoas. Esses meios garantem a transmissão massiva da informação (uma mesma informação é disseminada para várias pessoas em diferentes locais).

4. A informação como um conceito dentro do campo da comunicação de massa

A informação é a “redução da incerteza”, mas também pode ser aquilo que é “desconhecido” por parte do receptor.

Vimos que o termo informatio vem do latim (significando, de modo ge-ral, “ação de modelar ou de dar forma”). Ou seja, a informação formata um aspecto da realidade, por nós desconhecido, de um modo específico. Porém, com o passar do tempo, o termo “informação” foi passando a designar tam-bém o conjunto dos acontecimentos que desconhecemos. Na verdade, essa acepção não se diferencia muito de seu sentido original: se desconhecemos um dado fenômeno da realidade, qualquer coisa que nos seja dita a respeito dele terá grande potencial informativo e, ao mesmo tempo, nos dá um modo de perceber esse fenômeno. Digamos, por exemplo, que uma pessoa nunca tenha visto uma determinada cor (o azul), tampouco saiba o seu nome (já que nunca a viu). Se alguém disse a essa pessoa que o nome dessa cor é “azul”, daí por diante, sempre que a pessoa estiver diante dessa cor, irá pensar na palavra “azul”. Ou seja: a partir daquele momento, a palavra “azul” formata aquela informação cromática para aquele indivíduo e aquela cor deixa de ser “imprecisa”, torna-se por ele “conhecida”. Ao mesmo tempo, elimina-se a incerteza (“qual o nome dessa cor?”) e formata-se um aspecto da realidade (a existência do nome “azul” para essa cor, em língua portuguesa).

Essa lógica se estende a outros fenômenos da realidade (incidentes di-plomáticos, conflitos bélicos e acontecimentos em geral) através dos meios de comunicação de massa. Percebe-se, porém, que esse processo não é tão sim-ples e estável: dependendo de uma série de percepções ideológicas e culturais, a imprensa pode falar em “guerra do Afeganistão” ou “invasão norte-americana ao Afeganistão” para se referir a acontecimentos que envolvam o exército norte--americano no território afegão, como os ocorridos a partir de 2001. Isso ocorre na sociedade a todos os momentos: uma pessoa pode perceber uma garrafa

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de Coca-Cola como uma opção refrescante para um dia quente e outra pessoa pode associar a bebida à noção conceitual de “imperialismo norte-americano”.

Assim, a informação é uma mensagem referente a um acontecimento des-conhecido ou novo, do ponto de vista de quem não o conhece. Mas esse acon-tecimento pode depender também das probabilidades de ele acontecer ou não. Assim, um dado fenômeno pode ser raro ou altamente improvável, o que implica em um alto grau informativo. Nos meios jornalísticos, há uma frase humorística e talvez exagerada, mas que não deixa de explicitar a lógica desse raciocínio:

“se um cão morde um homem, isso não é notícia; mas se um homem

morde um cão, isso é notícia”.

Com isso, percebe-se que a informação é matéria-prima da comuni-cação e da cultura massivas (novelas, noticiários, eventos esportivos etc.), uma vez que ambas trabalham com diversos textos que fazem uso de um subentendido tradicional, do tipo “receptor, saiba que...”. Assim, a novela é informativa na medida em que o espectador não sabe o que vai acontecer com as personagens; e, mesmo que saiba do destino dessas personagens (através dos cadernos de TV, com resumos de novelas), ele assiste à TV para confirmar se o que ele sabe vai se confirmar ou não. O noticiário parte do pressuposto de que o telespectador desconhece aquelas informações que estão sendo transmitidas, no todo ou em parte. Os eventos esportivos, por sua própria natureza, não podem ter seu desfecho antecipado, ainda que os torcedores possam especular sobre o resultado final (loteria esportiva, bolões, apostas etc.). Por tudo isso, vale a pena transcrever a seguinte citação do pesquisador português Adriano Duarte Rodrigues:

“a esfera da informação é uma realidade relativa que compreende o con-

junto dos acontecimentos que ocorrem no mundo e formam o nosso

meio ambiente. Os acontecimentos são tanto mais informativos quanto

menos previsíveis e portanto mais inesperados (...). A informação é, por

conseguinte, uma realidade que pode ser teoricamente medida pelo cál-

culo de probabilidades, sendo o valor informativo de um acontecimento

inversamente proporcional à sua probabilidade de ocorrência (...). A in-

formação está por isso intimamente associada à natureza relativamente

inexplicável de fenômenos, ao fato de a razão humana não os conseguir

dominar e de ocorrerem no mundo à nossa volta sem aviso prévio, fora

do controle e do domínio da liberdade humana, de intervirem de maneira

brutal e inesperada” (RODRIGUES, 1994: pp. 20-1).

Em suma: a informação é algo que, de certa forma, nos tranqüiliza, por-que diz respeito às coisas do mundo e nos diz algo sobre elas. Nesse aspecto, ela é bem distinta da comunicação, processo que analisaremos a seguir.

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Atividades de avaliação1. Por que a teoria de Shannon e Weaver é tomada como uma teoria da co-

municação? Pense sobre o assunto.

2. Pense em algumas formas de feedback dentro de um processo de troca de informações.

3. Pense nas várias formas de informação que nos cercam no dia-a-dia.

4. Quais as informações jornalísticas que interessam a você? Por quê? Pen-se sobre o assunto.

ReferênciasCAPURRO, Rafael. “Pasado, presente y futuro de la noción de información”. In: I Encuentro Internacional de Expertos en Teorías de la Información – un en-foque interdisciplinar. León, 2008. Disponível em http://www.capurro.de/leon.pdf. Acessado em 1o. de fevereiro de 2012.

COELHO NETTO, J. Teixeira. Semiótica, informação, comunicação. 3ª. ed., São Paulo: Perspectiva, 1990.

EPSTEIN, Isaac. Teoria da informação. São Paulo: Ática, 1986.

MASER, Siegfried. Fundamentos de teoria geral da comunicação. São Paulo: EPU/EDUSP, 1975.

PEREIRA, José Haroldo. Curso básico de teoria da comunicação. Rio de Ja-neiro: Quartet / UniverCidade, 2001.

RODRIGUES, Adriano Duarte. Comunicação e cultura - a experiência cultural na era da informação. Lisboa: Editorial Presença, 1994.

SHANNON, Claude & WEAVER, Warren. Teoria matemática da comunica-ção. São Paulo/Rio de Janeiro: Difel, 1975.

WEAVER, Warren. “A teoria matemática da comunicação”. In: COHN, Gabriel (org.). Comunicação e indústria cultural. 5a. edição, São Paulo: T.A. Queiroz, 1987.

WIENER, Norbert. Cibernética e sociedade – o uso humano de seres huma-nos. São Paulo: Cultrix, 1968.

WIENER, Norbert. Cibernética - ou controle e comunicação no animal e na máquina. São Paulo: Polígono, 1970.

WINKIN, Yves (org.). La nouvelle communication. Paris: Seuil, 1984 (tradução parcial: WINKIN, Yves (org.). A nova comunicação. Campinas: Papirus, 1996).

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PARTE 2A Comunicação

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1. A Comunicação como troca simbólica

A comunicação é um processo de mão dupla, mas não necessariamen-te igualitário.

Vimos que, nas sociedades tradicionais (pré-modernas), comunicação e informação tendencialmente “caminhavam” juntas. Vimos também que uma noção específica de comunicação vai se desenhar na primeira metade do século XX (consolidando-se nos anos 40-50), a partir do momento em que os meios de comunicação de massa (rádio, cinema, televisão) vão se tornando elementos cotidianos na vida das pessoas. É bastante comum que encontre-mos diferentes definições de Comunicação nos dicionários, como os exem-plos a seguir:

- ato de estabelecer relação (coisas, células, animais, seres humanos);

- ato de transmitir sinais através de códigos (animais, seres humanos);

- ato de trocar pensamentos ou sentimentos (seres humanos);

- usar meios tecnológicos (comunicação telefônica, via Internet);

- mensagem ou informação;

- vias que ligam espaços distintos, ou circulação;

- disciplina, saber, ciência ou grupo de ciências.

Talvez seja interessante voltarmos também à etimologia da palavra “co-municação”. O termo também vem do latim (communicatio), onde:

Ou seja, a ideia de comunicação implica em uma atividade ou ação na qual se pressupõe um compartilhar de algo. A partir desses radicais, surgiram palavras afins, como “comungar”. Assim, podemos dizer, a princípio, que a comunicação é um processo de troca entre dois agentes (animais, seres hu-manos etc.), uma vez que há algo a ser compartilhado entre eles. Aqui, perce-be-se que o processo comunicacional é diferente do processo informacional (ligado à transmissão de alguém que sabe visando alguém que não sabe); no processo comunicativo, ao contrário, pressupõe-se que ambos os agentes te-nham algo a compartilhar. Retomemos aqui o pesquisador português Adriano Duarte Rodrigues, agora em sua definição de comunicação:

“[a comunicação é um] processo que ocorre entre pessoas dotadas de razão e de liberdade, entre si relacionadas pelo fato de fazerem parte, não do mundo natural, com as suas regras brutais e os seus mecanismos automáticos, mas pelo fato de pertencerem a um mesmo mundo cultural. (...) [A comunicação

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é um] processo dotado de relativa previsibilidade. Da previsibilidade do proces-so comunicacional depende um dos seus princípios fundamentais, o da inter-compreensão. (...) Os processos comunicacionais são dotados de valores que põem em jogo as preferências, as opções, os desejos, os amores e os ódios, os projetos, as estratégias dos intervenientes na intercompreensão e na interação. (...). A comunicação não é um produto, mas um processo de troca simbólica generalizada, processo de que se alimenta a sociabilidade, que gera os laços sociais que estabelecemos com os outros, sobrepondo-se às relações naturais que mantemos com o meio ambiente” (RODRIGUES, 1994, pp. 21-2).

A ideia de “troca simbólica” concebida por Rodrigues é similar à propos-ta por Marcel Mauss em seu famoso Ensaio sobre a Dádiva. Para Mauss, a troca é um fato social total (em conformidade com o conceito do tio, o sociólo-go Émile Durkheim), ou seja, ela ocorre como fato social total quando a totali-dade do social está presente nela, ou ainda, quando o fato é puramente social, não podendo se dar na instância do estritamente individual. Sob essa ótica, a comunicação também é um fato social total, pois tende a ocorrer na esfera do social (ainda que possamos falar de comunicação intrapessoal, obviamente).

Para Mauss, a dádiva é um fato social baseado numa tríade: dar, rece-ber e retribuir (objetos materiais ou simbólicos), criando laços sociais entre os agentes envolvidos. Desse ponto de vista a dádiva é um processo de mão dupla “desigual”, pois quem dá, pode receber, mas quem recebe o objeto da dádiva, deve retribuir sempre. Está em vantagem, portanto, quem dá, criando uma obrigação exclusivamente para quem deve retribuir. Mesmo que o rece-bedor não queira “entrar no sistema da dádiva”, ele já está nele ao receber, e mesmo que se recuse a receber ou a retribuir. Ou seja: o que está em jogo aqui são a honra e o prestígio (de dar ou de retribuir).

Tal fato é facilmente verificável no nosso dia a dia: basta que pensemos em alguém que estica a mão para cumprimentar uma segunda pessoa; esta, por sua vez, está virtualmente “impossibilitada” de participar de tal interação, pois foi “obrigada” pela primeira pessoa a retribuir o cumprimento, sob pena de passar por “mal-educada” ou “grosseira”. O peso social de tais situações é ve-rificado em outras situações grupais, como brincadeiras de amigo secreto, por exemplo, nas quais muitos buscam estabelecer previamente valores mínimos e/ou máximos para os presentes a serem trocados. Qualquer “fuga” para fora desses limites financeiros estabelecidos (ou seja, presentes muito baratos ou muito caros) pode criar momentos embaraçosos aos agentes envolvidos na situação em questão.

Percebe-se que a comunicação, sob esse aspecto, pode ser encarada como uma espécie de “estratégia social”. Um partido político que se oferece para fazer uma coligação partidária, em prol da “governabilidade”, por exem-

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plo, tenderá a ser mais bem-visto do que o partido que rejeita tal proposta e poderá ser visto como “radical” (obviamente, há outras variantes em jogo aqui). Uma pessoa que se oferece para desempenhar uma dada atividade considerada “de risco” se coloca numa situação socialmente “favorável” em relação àqueles que se omitiram. Em suma: o processo de comunicação é um processo interacional.

2. A comunicação como processo interacional

O processo comunicacional é muito mais do que apenas o processo de transmissão de uma informação de um emissor para um receptor

Acabamos de dizer que a comunicação é um processo interacional. Ao mesmo tempo, afirmamos na unidade anterior que o processo de comu-nicação é muitas vezes visto como um processo “telegráfico”, no qual o que importa é a transmissão de uma dada mensagem que sai de um ponto A (um emissor) e deve chegar a um ponto B (um receptor). Uma das consequên-cias mais fortes dessa visão (e não pensada originariamente por Shannon e Weaver) é a imutabilidade das posições do emissor e do receptor. Em outros termos: o emissor não troca de posição com o receptor e vice-versa. Essa percepção ganhou força com o desenvolvimento da comunicação de massa, na qual ficam claras tanto a oposição entre os emissores (veículos, jornalistas, artistas etc.) e a recepção (leitores, ouvintes, telespectadores etc.) quanto a impossibilidade de troca de lugares. Isso será aprofundado no próximo tópico.

Mas há outra consequência dessa visão comunicacional: a ideia de que o emissor da mensagem seja o único e exclusivo detentor da informação a ser transmitida. Assim, o emissor, ao se pretender como “detentor da informação”, parte do pressuposto de que ele é detentor de algo que o outro não possui (por isso a necessidade de “transmissão”: o emissor detém algo que o receptor não possui). Isso implica uma desigualdade sob uma dupla ótica: o emissor detém tanto a informação quanto os meios de transmissão dessa informação; o receptor, por sua vez, nem possui a informação, nem os meios de retransmissão dessa informação, apenas os meios de recepção (veículos impressos, TV, rádio, equivo-cadamente chamados por alguns mais “distraídos” de “meios de comunicação”).

Ao mesmo tempo, a aceitação dessa noção do processo de comunica-ção como transmissão da informação não fez mais do que, em determinadas condições, reforçar determinadas práticas pedagógicas – com a diferença de que, nessa área, a “informação” é substituída pelo “conhecimento”. O pedago-go brasileiro Paulo Freire, ainda em fins dos anos 1960, já havia denominado (e denunciado) essa prática da “concepção bancária”, ou seja: por um lado, ela é uma prática voltada exclusivamente para a transferência de conheci-

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mentos, cuja responsabilidade fica nas mãos do “educador”; por outro lado, é uma prática que ignora os saberes do “educando” em sala de aula: “na visão ‘bancária’ da educação, o ‘saber’ é uma doação dos que se julgam sábios aos que julgam nada saber (...). A rigidez destas posições nega a educação e o conhecimento como processos de busca” (FREIRE, 2012: 81).

Voltemos à noção de interação. O que isso quer dizer, na prática? Vimos que a comunicação é um processo de troca e que, conforme a visão de Mauss, ela pode implicar na obrigação ou não de retribuição. Mas esse processo pode não se encerrar nesse triplo movimento (dar, receber e retribuir); na verdade, poderíamos dizer que o mais comum é que o processo comunicativo seja con-tinuado, até que se cesse a interação entre os dois agentes sociais. Além disso, podem existir mais pessoas envolvidas num processo comunicativo; nem sem-pre essa é uma relação que envolve apenas duas pessoas.

Essa visão de comunicação foi chamada de “orquestral” por Winkin (1984), a partir das visões de processos culturais de autores tão distintos quanto o linguista suíço Ferdinand de Saussure, o antropólogo francês Clau-de Levi-Strauss ou o antropólogo inglês Edmund Leach. Em termos gerais, o que Winkin considera é o fato de que a comunicação é um processo do qual as pessoas participam, direta ou indiretamente, e não que elas sejam apenas pontos de partida ou de chegada de uma mensagem. É nesse sentido que Winkin diferencia entre a visão telegráfica e a visão orquestral dos modos de se conceber a comunicação.

O que significa, de fato, falar na comunicação como um processo or-questral? Para Winkin, de certo modo, significa retomar o sentido de comu-nhão, de participação. Ou seja: colocar os indivíduos numa situação em co-mum a todos eles. Ao mesmo tempo, implica a ideia de que os indivíduos sempre participam do processo de interação, mesmo que não pareça. O de-senho abaixo, que circula na Internet, ilustra bem essa ideia.

Os autores que se interessaram pela comunicação como um processo interacional e que acabaram compartilhando uma série de ideias e premissas em comum foram alguns pesquisadores que desenvolveram suas atividades em Palo Alto, Califórnia, e na Universidade da Pensilvânia, na Filadélfia, a par-tir de fins dos anos 1940. Apesar dessa dupla localização geográfica, muitas vezes eles são denominados “Escola de Palo Alto”. Winkin prefere denominar seu conjunto de visões e teorias como “A Nova Comunicação” (La Nouvelle Communication, 1984). Entre os nomes centrais e mais conhecidos dessa “Nova Comunicação”, estão o antropólogo britânico Gregory Bateson, o filó-sofo austríaco Paul Watzlawick, os antropólogos norte-americanos Ray Bir-dwhistell e Edward Hall, e o sociólogo canadense Erving Goffman, ainda que existam outros nomes importantes.

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Bateson pode ser considerado uma espécie de “fundador” dessa visão orquestral da comunicação, em particular ao ponderar sobre os conceitos de “metacomunicação” e de “duplo vínculo”. Esses conceitos serão trabalhados por Watzlawick e por Birdwhistell, que também se interessou pelos diferentes modos culturais de gestualidade como forma de comunicação (ciência à qual deu o nome de cinésica). Hall, por sua vez, analisa as diferentes formas de relações das culturas com o tempo e o espaço e os modos como eles con-dicionam certas visões (ao estudo do espaço, Hall denominou proxêmica; ao do tempo, cronêmica). Finalmente, Goffman dedica atenção especial às dife-rentes formas de interação humana, baseado na premissa de que a socieda-de vive “encerrada” dentro de uma dramaturgia cotidiana na qual o indivíduo sempre se vê obrigado a desempenhar um “papel” a fim de manter sua “face” ou “fachada” (veremos todos esses conceitos mais adiante).

A partir das ideias desses autores, podemos perceber que eles:

- atacam a linearidade e a simplicidade do paradigma de Shannon & Weaver (que não daria conta da complexidade do processo comunicacional);

- preferem pensar a comunicação não como um processo linear, mas como um processo circular (acatam a ideia, herdada da Cibernética de Norbert Wiener, da retroalimentação ou feedback, conforme vimos anteriormente);

- adotam a idéia de que a comunicação está interligada ao comportamento humano.

Existem alguns axiomas centrais nos pensamentos desses autores, no que se referem à comunicação, decorrentes dessas visões acima enumera-das. O aspecto mais importante aqui é a noção de que a comunicação e o comportamento humanos estão interligados. Para compreender isso melhor, é preciso antes lembrar que, para Charles Morris (1938), há três domínios na apreensão de uma língua:

- sintático (relativo ao uso dos códigos e signos em relação com outros códi-gos e signos);

- semântico (relativo ao significado dos signos, ou seja, da relação deles com a realidade);

- pragmático (relativo à relação e à alteração do comportamento humano a partir dos usos e “interpretações” desses signos).

Ou seja: num primeiro momento, é preciso saber usar os códigos e signos usados num certo tipo de linguagem (a língua, por exemplo); num segundo mo-mento, é preciso conhecer os significados desses signos (decodificar palavras, imagens, sons etc.); e, finalmente, num terceiro momento, é preciso considerar que somos afetados por esses signos. Assim, uma ordem que nos é dada nos solicita que obedeçamos; um favor que nos é pedido nos solicita uma ação; ce-

SAIBA MAISA palavra “pragmática” etimologicamente vem do grego, práxis, que se refere às relações entre sujeitos. O conceito é estudado em outras áreas, como Teoria Literária e Filosofia da Linguagem.

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nas de um filme de terror podem nos assustar. Mas também pode ocorrer que nem obedeçamos a ordem, nem façamos o favor, nem nos assustemos com o filme; mesmo assim, há um efeito dito pragmático sobre nós: nos comportamos de algum modo, seja conforme o esperado, seja de modo inesperado.

Em outros termos: nossos comportamentos e ações podem ser movidos por meio da interpretação desses sinais. Isso ocorre também porque, para es-ses autores, a comunicação é um todo integrado, ou seja: ela não restringe ape-nas à comunicação verbal, mas abrange também a comunicação não-verbal. Esse aspecto é importante de ser considerado, na medida em que grande parte de nossas ações comportamentais tendem a ser não-verbais (gestos, posturas, tons de voz, distância em relação a outras pessoas etc.). É certo que, para al-guns autores, a fala é uma forma de ação; porém, ela não é a única.

Isso implica na noção de que nosso comportamento (isto é, nossas falas e ações) tanto pode influenciar pragmaticamente outras pessoas quanto, in-versamente, ser também influenciado. Acontece que, lembram alguns autores, como Watzlawick, nós nos comportamos o tempo todo. Dito de outro modo: não existe não-comportamento. A ausência de ação é, por mais estranho que isso possa parecer, uma forma de ação: se um prédio está em chamas e uma pessoa fica parada no meio do fogo, enquanto as demais saem correndo para se salvarem, fica claro que a não ação daquela pessoa é uma forma de com-portamento, e não uma forma de “não comportamento”. Assim, se nosso com-portamento pode ser percebido como uma forma de nos comunicarmos com os outros, através de nossas ações, isso implica que a não-comunicação também não existe. Ou, para dizer como os autores propõem: “não se pode não comuni-car”. Birdwhistell, por sua vez, fala que “nunca não ocorre nada”.

Essa visão sobre a comunicação como algo impossível de não ocorrer nos permite olhar certos fatos sob uma ótica diferente: se uma pessoa pede uma informação a outra, e esta não responde, na verdade ela já está respon-dendo, algo como: “não quero falar com você”, “não entendi o que você falou”, “ignoro sua presença” etc. Ou seja: a ausência de resposta é uma forma de resposta. Não responder se torna, simultaneamente, uma forma de compor-tamento e uma forma de comunicação interacional. Watzlawick encontrava esse problema em alguns esquizofrênicos, que tentavam não se comunicar, ficando parados ou se encolhendo (ou seja, “não se comportando”), mas fra-cassavam em sua tentativa, pois as pessoas tendem a se aproximar e a bus-car se comunicarem (pois elas interpretavam que o esquizofrênico, daquele modo, “comunicava” algo: que ele precisava de ajuda).

Por conta desse “duplo” modo de se pronunciar (através da comunicação e do comportamento), pode-se falar que há uma dupla comunicação em jogo: uma ligada ao conteúdo verbal e outra ligada ao comportamento do indivíduo. Disse-

SAIBA MAISOs filósofos da linguagem tendem a falar em “atos de linguagem”, como o britânico John Langshaw Austin, ao analisar certas ações que são praticadas através do ato de falar, como promessas e batismos. Essas ações só podem ocorrer quando “dizemos” que estamos prometendo algo ou que estamos batizando alguém ou algo, desde que dentro de determinadas circunstâncias (a promessa deve ser realizável, o batismo deve ser realizado por quem tem a devida competência para tal ação). Para mais detalhes, ver Quando Dizer é Fazer, de Austin, e também Os Atos de Fala, de John Searle. Num sentido um pouco diferente e mais amplo, Paulo Freire vai propor a inter-relação entre Palavra (ação/reflexão) = práxis como instância indissociável do processo pedagógico dito problematizador (que procura modificar a realidade e superar a dicotomia “opressor x oprimido”). Para mais detalhes, ver, por exemplo, Pedagogia do Oprimido e Pedagogia da Autonomia.

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mos que a pragmática se interessa pelos modos como os sujeitos são “afetados” pelos sinais que constituem as mensagens; na prática, porém, o fato é que os su-jeitos são “afetados” tanto pela mensagem quanto pela forma como esses sinais são transmitidos. Por exemplo: um pedido de copo de água, a alguém, pode ser uma simples solicitação, se o tom de voz for calmo e o corpo expressar tranquilida-de, ou uma ordem, se o tom de voz for áspero e se os gestos forem rudes. Autores como Bateson, Birdwhistell e Watzlawick ponderam que, na verdade, qualquer mensagem traz duas mensagens embutidas: uma que é referente ao próprio con-teúdo textual (verbal) e outra que é referente à maneira (comportamental) como o agente social se expressa. Assim, toda mensagem teria um conteúdo (verbal) e expressaria uma relação (entre os sujeitos). Se a maneira como a mensagem deve ser entendida é em parte determinada pela relação, Bateson, Birdwhistell e Watzlawick afirmam que esta é, na verdade, uma comunicação sobre a comuni-cação. Em outros termos: ela é uma metacomunicação.

A partir desse olhar, e se consideramos a comunicação como um pro-cesso que integra as mensagens verbais (escritas, orais) e as mensagens não-verbais, que são percebidas através do comportamento (gestos, tons de voz, postura corporal etc.), devemos considerar também que essas men-sagens podem não significar a mesma coisa. Dizendo de outro modo: uma mensagem verbal pode ser contradita por uma mensagem não-verbal e vice--versa. Os exemplos desse tipo de situação são ilimitados em nosso cotidiano: um pai que, sorrindo, tenta dar uma bronca no filho pequeno; uma pessoa que diz “eu te amo” para outra sem demonstrar a menor passionalidade; o funcio-nário mal-humorado de uma empresa em cujo uniforme podemos ler a frase “estamos contentes em atender você”. Em todos esses casos, tendemos a es-tar diante de um paradoxo comunicacional, no qual as mensagens comunica-cionais (relação e conteúdo) apontam para significações geralmente opostas.

Daniel Bougnoux (1994) aponta para o fato de que esses paradoxos são mais comuns do que imaginamos. O exemplo do autor é um anúncio publicitário contra a AIDS, divulgado na França nos anos 1990, que solicitava verbalmente aos seus destinatários que evitassem a prática sexual, mas, ao mesmo tempo, mostrava imagens de um casal transando. Poderíamos dizer que o texto verbal apontava para uma negatividade e o texto visual para uma positividade. Isso nos remete à célebre discussão de Sigmund Freud (data) sobre a falta de negação nos sonhos, que deve ser interpretada nos seguin-tes termos: se dizemos “João não está mais na cadeira”, fica claro o caráter “negativo” da expressão; porém, se trocarmos o enunciado verbal por uma imagem (fotografada ou desenhada) de uma cadeira vazia, o enunciado visual que teremos é “uma cadeira vazia” ou “uma cadeira” ou “uma cadeira de estilo campestre” ou outras possibilidades descritivas, mas dificilmente olharemos

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para a imagem e pensaremos “João não está mais na cadeira” (afinal, João não está presente na imagem). Mesmo que coloquemos João ao lado da ca-deira, tenderemos a pensar “João está ao lado da cadeira” ou “João está em pé ao lado da cadeira” ou (novamente) outras possibilidades descritivas, mas dificilmente uma delas será “João não está mais na cadeira” (pois a imagem não pode nos mostrar se ele estava antes na cadeira). Ainda no mesmo exem-plo: imaginemos agora que alguém filma João saindo da cadeira. A tendência, ainda assim, é de criar um enunciado positivo: “João se levanta da cadeira”, “João está saindo da cadeira” ou algo similar.

Esse é um problema clássico da Psicanálise, conforme lembra Boug-noux: como negar algo sem que esse “algo” esteja presente no enunciado? Se dissermos “é proibido fumar”, o termo “fumar” está presente na expressão. Existe até uma velha brincadeira em que alguém manda as pessoas fecha-rem os olhos e, de repente, ela diz: “não pensem na cor azul!”. O resultado, obviamente, é a cor azul vindo à nossa mente. Um outro exemplo, comum em certas emissoras de TV: vez por outra (infelizmente) ocorrem brigas entre tor-cidas de times de futebol ditos “rivais” (nos estádios ou nas imediações). É co-mum vermos na TV os comentaristas, jogadores, jornalistas, apresentadores e outros se posicionarem contra a briga de torcidas; porém, é também comum que as emissoras exibam (e, muitas vezes, mais de uma vez) as imagens das brigas de torcida. Ou seja: do ponto de vista verbal, se está no âmbito da ne-gação; do ponto de vista visual, se está no âmbito da afirmação.

Em certos casos, porém, o paradoxo comunicacional pode levar à falta de ação ou à dificuldade de uma tomada de atitude ou decisão, principalmen-te se a situação puder ser reduzida ao enunciado “seja espontâneo”, ou seja, quando se ordena que o indivíduo obtenha algo que só pode ser obtido es-pontaneamente, sem pressão. Assim, situações nas quais se solicita ao indi-víduo que “respire normalmente” ou que, durante uma relação sexual, um dos parceiros peça ao outro para gozar naquele momento, tendem a “fracassar”, na medida em que essas ações (respirar normalmente, obter prazer sexual) ocorrem espontaneamente. O mesmo ocorre se pedirmos a uma pessoa que ela haja naturalmente sendo “apenas” ela mesma: ou ela passará a tentar “in-terpretar” a si própria (e fracassará na sua naturalidade) ou ela nem tentará (e fracassará na sua tentativa previamente frustrada). A esse tipo de situação aparentemente insolúvel, Bateson e Watzlawick denominam duplo vínculo (al-guns chamam de duplo constrangimento).

Exemplo clássico de paradoxo comunicacional

Casos de duplo vínculo podem surgir em qualquer idade, mesmo em situações nas quais o indivíduo ainda não domina a linguagem verbal. Um dos

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mais famosos estudos de Birdwhistell é o de uma troca de fraldas que gera duplo vínculo entre uma mãe (que tem um filho mais velho esquizofrênico) e seu terceiro filho, ainda de colo (o segundo, em tese, era normal). Birdwhistell percebeu o duplo vínculo no qual a mãe encerrava a criança, “pedindo-lhe” que se aproximasse (para melhor trocar a fralda nos braços dela, mãe) e, ao mesmo tempo, “pedindo-lhe” que se afastasse (para que a criança não se fu-rasse no alfinete). Ao final da interação, a criança, demonstrando raiva, segura uma cortina logo atrás dela, firme, como se cobrasse que a mãe tomasse uma única e só decisão (afastar ou aproximar).

Mas os problemas de comunicação podem ser de outra natureza: di-ferentes visões de uma mesma realidade, as quais podem estar condiciona-das pela percepção do indivíduo (Watzlawick) ou pela cultura (Birdwhistell) de modo tal que uma interação entre duas pessoas possa parecer sem sentido a quem está fora dessa relação. Um dos primeiros estudos de Birdwhistell foi so-bre os “rituais nada amorosos” entre marinheiros norte-americanos e garotas inglesas, situação na qual se construíam as seguintes imagens dos indivíduos:

soldados viam garotas como atrevidas e fáceis

garotas viam soldados como cafajestes

Qual o problema localizado por Birdwhistell? O fato de que a significa-ção cultural dada ao ato “beijo na boca” é diferente entre norte-americanos e ingleses. Ou seja:

EUA – o beijo é um dos primeiros gestos, muito anterior ao sexo.

Inglaterra – o beijo é um dos últimos gestos, preliminar ao sexo.

Assim, quando os marinheiros beijavam as garotas (sem intenção sexu-al), essas interpretavam que eles tinham intenção sexual; quando se prepara-vam para o sexo, estes “recuavam”, achando as garotas oferecidas. Mesmo que o estudo de Birdwhistell tenha ocorrido nos anos 1960 (bem antes de qual-quer pretensa “globalização” através dos meios digitais), chama a atenção um texto publicado numa revista recente voltada para intercâmbio de estudantes.

“Não cumprimente as pessoas [na Inglaterra] com muitos beijos e um abraço apertado. Mesmo que seja inofensivo, elas podem achar que você está apaixonado”.

Mas o que (também) nos interessa é o fato de apenas (ao menos) uma terceira pessoa, estando fora da situação de interação, possa interpretar o que está ocorrendo, tendo condições de “desfazer” o mal-entendido. Fatos similares podem ocorrer, em âmbito pessoal, dentro de uma mesma cultu-ra. Pensemos num exemplo típico de Watzlawick: um marido que nunca deu flores à esposa, mas as compra num determinado dia (digamos que alguém está vendendo-as no trabalho dele a um preço bastante em conta). Ao achar

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em casa com as flores (inesperadas), a reação da esposa poderá ser de sur-presa, espanto ou felicidade, mas é bastante provável que ela imagine que o marido “aprontou alguma fora de casa” e o motivo de alegria pode tornar-se uma “dor de cabeça” para ambos. Novamente, aqui, apenas um observador externo poderia ajudar a desfazer o mal-entendido, desde que compreenda bem as duas partes envolvidas (marido e mulher).

Diferenças de percepção cultural entre tempo e espaço também podem produzir conflitos interculturais. Hall demonstrou o fato de que tempo e espaço são, em termos perceptivos, construções culturais. Em relação ao tempo, ele afirma que existem dois modos culturais de se percebê-lo e de administrá-lo:

- monocrônico: quando os indivíduos realizam apenas uma coisa de cada vez e dão ênfase à execução de uma tarefa (como nas culturas anglo-saxã e alemã);

- policrônico: quando os indivíduos realizam várias coisas ao mesmo tempo e dão ênfase à relação com o indivíduo (como nas culturas latinas).

Imaginemos uma situação em que um indivíduo monocrônico (um britâ-nico, por exemplo) solicite a atenção de um sujeito policrônico (um brasileiro, por exemplo), ao que este responde: “um minuto”. É bastante provável que o britânico conte os exatos 60 segundos, caso não tenha sido atentido, e peça a atenção de novo, ao passo que o brasileiro, e isso também é bastante pro-vável, repita: “já não falei pra esperar um segundinho?”. Nas culturas mono-crônicas, o tempo é algo formal demais, nas culturas policrônicas, o tempo é bastante informal; desse modo e nesse caso, uma simples expressão como “um minuto” permitirá, no mínimo, duas interpretações bastante distintas.

O mesmo ocorre com o espaço. Hall lembra que todos os animais (in-cluindo aí naturalmente o ser humano) admitem zonas espaciais de conforto ou de ameaça. Nas culturas humanas, existem quatro tipos de distância: ín-tima (sexo, briga), pessoal (parentes, amigos), social (uma festa ou reunião entre amigos) e pública (conferências, palestras). A questão é que a medida dessas distâncias varia de cultura para cultura. Por exemplo: todo indivíduo tem aquilo que podemos chamar de “espaço aéreo” ou “bolha de ar”, que é o espaço que o envolve e que ele administra em termos de proximidade das pessoas em sua volta. Assim, familiares e parentes tendem a se aproximar espacialmente mais dele do que os amigos; estes, por sua vez, podem se aproximar mais do que os conhecidos, que por sua vez se aproximam mais do que os estranhos. Porém, uma das constatações de Hall é que essas distân-cias variam de cultura para cultura. Ou seja: uma mesma distância, num dado contexto cultural, pode ser íntima, e noutro contexto cultural pode ser social.

Zonas de distância interpessoal, segundo Edward Hall

Em suma: a comunicação é um processo que mobiliza, simultaneamen-te, tudo aquilo que falamos e fazemos.

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3. A comunicação de massa como simulação de troca simbólica

As noções de “comunicação” e de “comunicação de massa” não po-dem ser tomadas como equivalentes.

A comunicação da massa começa a se efetivar ainda em fins do sé-culo XIX, através de novas possibilidades derivadas do advento do cinema e das histórias em quadrinhos. A invenção da máquina de imprensa por Johann Gutenberg, nos anos 1440, seria fundamental em dois aspectos: um deles é o processo de mecanização da produção de livros e demais impressos, tor-nada mais acelerada do que seus antecessores (como a xilografia); o outro é a maior possibilidade de difusão das informações e sistemas de pensamento ao longo do espaço. Ou seja: a comunicação de massa começa a vencer, ao mesmo, o tempo (os processos de produção se aceleram) e o espaço (os produtos dela derivados podem circular na medida em que os meios de trans-porte permitam a sua mobilidade geográfica e, portanto, cultural).

Uma vez que o tempo e o espaço foram se “expandindo”, os mo-dos de o ser humano buscar interagir com o outro foram se modificando. Assim, as instâncias da comunicação e da informação foram se sepa-rando gradativamente. Cada vez mais a informação circulava para além dos limites temporais e espaciais nas quais os agentes interagiam. Mas, se havia um distanciamento espaço-temporal cada vez maior entre os agentes sociais, ainda havia espaço para a comunicação? Autores como o pesquisador brasileiro Muniz Sodré já denunciava, em fins dos anos 1970, que a equivalência entre os meios de comunicação de massa e o ato comunicacional entre sujeitos era falsa.

“a regra do jogo é fingir que o medium (o intermediário técnico entre falante e ouvinte) equivale à completa realidade comunicacional dos sujeitos. E o primeiro grande falseamento operado por essa ficção é confundir informa-ção com comunicação” (SODRÉ, 1977: 24. Grifos no original).

Outro autor, o britânico John B. Thompson, vai um pouco mais além e dá uma definição da expressão “comunicação de massa” que segue na direção oposta ao que entendemos aqui como processos comunicacionais.

“[A comunicação de massa é uma] série de fenômenos que emergiram historicamente através do desenvolvimento de instituições que procuravam explorar novas oportunidades para reunir e registrar informações, para pro-duzir e reproduzir formas simbólicas, e para transmitir informação e conteúdo simbólico para uma pluralidade de destinatários em troca de algum tipo de remuneração financeira. Sejamos mais precisos: eu usarei a expressão ‘co-municação de massa’ para me referir à produção institucionalizada e difusão

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generalizada de bens simbólicos através da fixação e transmissão de infor-mações ou conteúdo simbólico” (THOMPSON, 1998: 32. Grifos no original).

Em outros termos: para Thompson, a comunicação de massa seria um espaço institucional (geralmente, mas não exclusivamente, privado) cuja finalidade não é promover a comunicação entre diferentes agentes sociais, mas sim a difusão de informações ou conteúdo simbólico (filmes, novelas, programas de entretenimento etc.) em proveito próprio, a fim de obter capital financeiro (no mínimo, diríamos nós). Ou seja: a comunicação de massa, assim como afirmava Sodré, é, na verdade, uma instância produtora e dis-tribuidora de informação.

Paulo Freire, em outro contexto (o pedagógico, analisando o con-ceito equivocado de “extensão”), propunha uma visão similar, já em fins dos anos 1960. O autor analisa criticamente a extensão praticada como uma forma de “ação extensiva” do conhecimento de um sujeito a outro (no caso, engenheiros e agrônomos “estendem“ seu saber técnico-científico junto a populações rurais); ao proceder assim, o extensionista desconsi-dera o saber da população rural e tenta impor sua própria visão de mundo, em vez de dialogar, ou seja, de trocar saberes e experiências sobre um mesmo universo. E, segundo Freire, um dos meios de imposição unilateral dessa visão seria o que ele chama de, “em última análise, meios de comu-nicados às massas” (FREIRE, 2011: 97).

Percebe-se que a dita “comunicação de massa”, como instância pro-dutora de informações e de conteúdos simbólicos, não tem como possibilitar a troca simbólica nos termos propostos por Rodrigues, por exemplo. É ve-dado a um leitor intervir diretamente na própria produção material do jornal que ele vai ler; é vedada a possibilidade de um telespectador alterar o con-teúdo de um produto simbólico. E, ainda que existam produções televisivas e radiofônicas que simulem a “participação” do espectador ou do ouvinte, em geral a opção é escolher em um conjunto de opções pré-determinadas, pré-estabelecidas a priori; assim, caberia ao consumidor massivo apenas a escolha de uma opção dentre outras.

Ressalte-se que, mesmo em tempos de mídias e suportes digitais, alguns produtos continuam seguindo essa lógica de centralização de pro-dução e distribuição e, principalmente, de transmissão de conteúdos infor-mativos e simbólicos (como alguns portais jornalísticos na Internet e certos blogs). Apesar da diversidade de produtos existentes na Internet (páginas colaborativas, projetos Wiki, fóruns de discussão etc.), é certo que, em alguns casos, o que temos é apenas uma espécie de versão eletrônico--digital de uma publicação impressa, radiofônica e/ou televisiva.

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4. A comunicação como simulação de dialogia

Às vezes, nem todo processo de comunicação entre duas ou mais pes-soas é um processo dialógico, de troca.

Vimos que a comunicação pode ser percebida como um processo de interação entre dois ou mais agentes, num dado tempo-espaço. Vimos tam-bém que, mesmo que não haja troca verbal de informações, ainda assim es-ses agentes estarão comunicando algo uns aos outros. Porém, do ponto de vista que nos interessa, ou seja, a troca de informações simbólicas, os textos verbais (orais ou escritos) são algo fundamental. Essa troca está na base da constituição daquilo que podemos chamar de dialogia, ou seja, o potencial resultado do processo do diálogo. Em qualquer que seja o quadro teórico em questão (Teoria Literária, Comunicação, Narratologia etc.), sempre há a pres-suposição de que, no diálogo, estão presentes as figuras do “eu” e do “tu”, bem como das ideias e visões de mundo que cada um “oferta” no processo comunicativo. Além disso, esses “eu” e “tu” são dotados de reversibilidade, ou seja, podem trocar de lugar. A dialogia se distingue da monologia, ou seja, o re-sultado do processo do monólogo, onde “eu” e “tu” ocupam a mesma posição.

Mas é preciso ter em mente que nem sempre a presença de um diálogo implica a presença de uma dialogia. Há diversas situações nas quais, apesar de termos dois ou mais agentes sociais no processo interativo, de fato há um verdadeiro monólogo. Retornemos rapidamente a Bateson, agora para falar sobre a cismogênese, ou seja, sobre a gênese de um cisma (divisão) no inte-rior de um sistema social; esse conceito nos ajudará a entender aonde que-remos chegar. Segundo Bateson, essas formas de divisão social podem ser de duas ordens. A primeira delas é a diferenciação simétrica: “podem se ins-crever nessa categoria todos os casos nos quais os indivíduos de dois grupos A e B têm as mesmas aspirações e os mesmos modelos de comportamento, mas se diferenciam pela orientação desses modelos” (BATESON, 1977: 98). Existem vários exemplos clássicos de relações simétricas: dois times que dis-putam uma partida esportiva ou dois exércitos que disputam um território. Ou seja: todos os indivíduos têm as mesmas aspirações (vencer ou conquistar) e os mesmos modelos de comportamento, mas diferenciados, dentro de cada universo social (atacantes e defensores ou capitães, sargentos, soldados).

A outra forma de diferenciação proposta por Bateson é a diferenciação complementar: “nessa categoria estarão inscritos todos os casos onde o com-portamento e a aspirações dos membros dos dois grupos são fundamental-mente diferentes” (BATESON, 1977: 99). Aqui também existem vários exem-plos de relações sociais complementares: pais e filhos, patrões e empregados, professores e alunos, exibicionistas e voyeuristas, sádicos e masoquistas. Ou

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seja: tanto o comportamento quanto as aspirações dos agentes sociais envol-vidos no processo interacional são completamente distintos. Em suma, se A e B são sujeitos, então:

relação simétrica: A = B

relação complementar: A > B ou A < B

Assim, é por isso que um atleta pode deixar uma equipe para defender outra, por exemplo; por outro lado, na relação complementar, os agentes não podem trocar seus “papéis sociais”. Mas, em ambos os casos, ressalta Bate-son, tanto uma quanto outra forma de diferenciação podem progredir rumo a uma escalada de descontrole e violência se não houver regras limitantes às práticas de cada sujeito. Assim, de um lado, o esporte tem regras a serem seguidas e existe (em tese) um controle contra a corrida armamentista; de ou-tro, as relações complementares também necessitam de regras pelo fato de que existe uma desigualdade entre os sujeitos envolvidos nessa interação. É importante atentar para o fato de que não existe comportamento simétrico ou complementar em si mesmo; são as relações do indivíduo perante os outros indivíduos que constroem esse “aspecto”. Ou seja: o indivíduo não é simétrico ou complementar, o indivíduo “está” numa relação simétrica ou complemen-tar; ou o seu comportamento e modelo de conduta são similares ao do outro ou o seu comportamento e modelo de conduta complementar dependem da presença do outro (por isso ele é “complementar”: só se é pai ou mãe quando se tem filhos, só se é patrão se tiver empregado e vice-versa etc.).

Outro aspecto importante é o fato de que, numa interação simétrica, A realiza uma dada ação x direcionada a B, e B, por sua vez, pode “responder” a A com a mesma ação x. Já na relação complementar, A realiza uma dada ação x direcionada a B, mas B só pode responder a A com uma ação y diferente de x.

O pesquisador argentino Eliseo Verón (1999: 104) lembra que um dado campo pode estar previamente colocado como simétrico, mas que um dos participantes pode tentar desenvolver uma estratégia complementar, desqua-lificando o seu “oponente”. Um exemplo é o do debate político na TV, que pro-põe as mesmas regras para os candidatos; porém, na prática, pode ocorrer de um candidato buscar desqualificar o outro (ignorando a vez do outro falar, falando por cima dele, interrompendo-o etc.).

A exposição até aqui feita parece dar a entender que o diálogo só tende a existir potencialmente quando os agentes sociais envolvidos no processo inte-racional podem intercambiar simetricamente seus lugares ou os papéis sociais que desempenham. Na verdade, no nosso cotidiano, dado o universo de papéis sociais que cada indivíduo tem de desenvolver (familiar, profissional etc.), fica claro que podemos estar constantemente entrando e saindo nessas duas mo-dalidades de diferenciação. Assim, por exemplo, adultos tendem a estar em re-

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lações complementares diante dos filhos, em relações simétricas com colegas de trabalho e/ou vizinhos, e novamente em relações complementares quando diante de um superior ou inferior no trabalho. Além disso, como vimos há pouco, uma diferenciação simétrica pode se tornar complementar.

A partir dessas considerações, faria sentido falar em diálogo numa rela-ção dita complementar? Em outros termos: toda relação complementar estaria condenada a ser sempre complementar ou ela pode apresentar momentos de simetria? Verón, em pesquisa sobre os livros escolares argentinos, conclui que existem dois tipos diferentes de publicação no que se refere aos “papéis sociais” que o aluno deve desempenhar; vejamos rapidamente o que Verón percebe.

Num tipo de livro escolar, o aluno é coparticipante do processo de apren-dizagem, na medida em que ele é “incluído” no texto verbal (em primeira pessoa do singular ou do plural) e que pode realizar suas tarefas coletivamente – e aqui o advérbio “coletivamente” ganha um duplo valor: tanto a tarefa é realizada em grupo quanto com o livro. Nesse caso, Verón percebeu que os alunos tendiam a dizer que o livro era “deles”, muito em função (também) do fato de que, nesse tipo de livro, é o aluno quem dá instruções a si próprio. Isso ocorre porque, nesses livros, o uso do recurso da história ficcional que “espelha” o que o aluno deve fazer é importante; assim, a personagem da história aprende aquilo que o aluno deve aprender, uma vez que ambos compartilham situações similares e ambos detêm alguma forma de conhecimento (ou seja, o aluno aqui não é visto como uma caixa vazia, cujos conhecimentos serão depositados). Acompanhar o relato ficcional, nesse caso, faz parte do processo de aprendizagem. Por con-ta disso tudo, Verón diz que esse tipo de livro instaura, no âmbito da enunciação, uma relação simétrica, pois o personagem da história estuda o mesmo assunto que o aluno, também tem uma família etc. Além disso, o professor que utiliza esse tipo de material (além de filmes, jornais, revistas etc.) é uma espécie de coordenador das atividades pedagógicas.

O outro tipo de livro escolar, por sua vez, institui uma relação distinta com o aluno. O papel social proposto ao aluno é o do ser que desconhece os conteúdos que tem diante de si e que é solicitado a agir o tempo todo através de ordens (“leia e responda”, “leia em voz alta” etc.). Nesse caso, como é o li-vro quem dá instruções aos alunos, estes tendiam a dizer que o livro era “para eles”. A ordem estabelece, assim, uma relação complementar entre aluno e livro, mas também entre aluno e professor, o qual detém a autoridade de quem sabe e de quem está diante de quem não sabe. Em outros termos: o professor é quem detém o “capital simbólico” necessário a ser transmitido aos alunos, quase sempre com o auxílio de um único livro.

Verón adverte que essa classificação dual é “voluntariamente esquemá-tica”, uma vez que os professores não necessariamente se inscrevem apenas

SAIBA MAISEm Linguística, o termo “enunciação” se complementa com o termo “enunciado”. Em linhas gerais, a enunciação se refere ao ato ou processo de construção de um enunciado, que seria o conteúdo materializado de uma informação ou texto. Para Émile Benveniste, a enunciação é um ato individual de utilização da língua e o enunciado seria o produto desse ato individual.

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numa ou noutra categoria; tudo isso depende também da linha pedagógica da escola, do perfil do profissional e de outros fatores. Mas, para além dessas duas tendências, o que importa é perceber que, em sala de aula, é possível instaurar o diálogo através de práticas simétricas. Em outros termos: sob cer-tos aspectos, a relação do aluno com a escola e com os professores pode não ser totalmente complementar (até porque o papel social do aluno em sala de aula continuará sendo hierarquicamente diferente do papel social do profes-sor, por exemplo). Além disso, Verón percebe (na Argentina) que a oposição entre essas duas posturas ideológico-pedagógicas era maior nos primeiros ciclos do que nos demais, posteriores. Ou seja: à medida que os graus escola-res avançam, há uma tendência maior ao uso de livros que favorecem a uma relação complementar, na medida em que eles são menos lúdicos e narrati-vos e mais técnicos, didáticos e imperativos (no sentido que “ordenam”).

As ideias de Verón se aproximam bastante das considerações de Paulo Freire; este, ao discorrer sobre a dialogicidade, lembra que “a educação autên-tica (...) não se faz de A para B ou de A sobre B [como na concepção ‘bancária’ de educação], mas de A com B, mediatizados pelo mundo” (FREIRE, 2012: 116. Grifo no original). Assim, a concepção dialógica e simétrica de educação se diferencia da (podemos dizer: se confronta com a) concepção pedagógica “bancária”, que seria monológica (“antidialógica”, diria Freire) e complementar.

Um adendo: em Extensão ou Comunicação?, Paulo Freire se refere aos objetos cognoscíveis como mediadores entre os homens, enquanto em Peda-gogia do Oprimido essa mediatização seria própria do mundo (aí inclusos os objetos cognoscíveis). De todo o modo, o mais importante aqui é a noção de mediatização: para Freire, são os objetos ou o mundo que os sujeitos cognos-centes buscam conhecer. Uma vez que não é possível esgotar o objeto ou o mundo, tampouco dar conta deles com um só olhar ou um só ponto de vista, monologicamente, é preciso criar as condições de conhecimento sobre esse objeto ou sobre o mundo. E as condições de criação desse conhecimento somente podem decorrer de uma situação dialógica.

Assim, podemos estabelecer as diferenças centrais entre comunicação e informação a partir das seguintes definições: a comunicação deve ser vista como um processo, de troca simbólica, enquanto a informação deve ser vista como um produto, a mensagem a ser transmitida a alguém. Ao mesmo tem-po, a comunicação tende a ser um processo dialógico, bilateral, enquanto a informação é um produto cuja transmissão se pretende (por parte do emissor) monológica e unilateral. Mas há dois detalhes importantes:

1. é possível que um processo comunicacional seja monológico, quando des-considera a possibilidade de permutação dos papéis sociais dos agentes participantes da interação, ainda que pareça dialógico apenas pelo fato de contar com dois ou mais indivíduos; e

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2. sempre há a possibilidade de reversibilidade da informação num processo co-municacional; a essa reversibilidade da informação, de volta ao emissor, chama-mos feedback. Essa reversibilidade faz parte dos processos comunicacionais.

Em suma: a comunicação é um processo simbólico potencialmente hori-zontalizado, enquanto a informação é um produto tendencialmente verticalizado.

Sob esse aspecto, a relação dialógica somente pode ocorrer através das trocas comunicacionais; isso implica tanto o domínio das técnicas da informação que permitem a constituição e a construção de enunciados e textos a serem lidos e interpretados quanto o domínio das técnicas da comunicação que permitem a realização dos processos interacionais. Antes de estudarmos essas técnicas, é preciso compreender como se dá a relação da comunicação e da informação com o campo das linguagens. É o que iremos discutir no próximo capítulo.

Atividades de avaliação1. Pense nas diferentes formas de trocas simbólicas que existem em nossa

sociedade. Cite ao menos duas.

2. Preste atenção a como as pessoas assistem à televisão nos diferentes es-paços sociais (em casa, em salas de espera, em restaurantes etc.). Veja se elas assistem à TV de modo passivo ou se fazem comentários.

3. Preste atenção a uma sala de aula em um ambiente qualquer. Como é o comportamento de professores e alunos ao longo da aula? Se possível, preste atenção mais aos gestos e atos do que as palavras ditas.

4. Pense em situações nas quais a pessoa diz uma pessoa e faz outra com-pletamente diferente. Justifique, se possível, porque isso ocorre.

5. Procure, em jornais ou revistas, exemplos de paradoxos comunicacionais (onde o texto verbal indica uma coisa e as imagens indicam outra contrária).

6. Preste atenção às maneiras como os apresentadores de rádio e de TV se dirigem aos seus ouvintes e espectadores. Faça uma comparação entre essas maneiras.

7. Tente obter livros pedagógicos que adotem as duas posturas analisadas por Eliseo Verón. Faça uma comparação entre eles.

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PARTE 3Tecnologia e Linguagem

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1. As tecnologias da informação

Um dos aspectos mais importantes das técnicas da informação con-temporâneas é a possibilidade de convergir diferentes processos.

Vimos, nos capítulos anteriores, a diferença entre informação e comu-nicação. Essa diferença é fundamental para se entender o atual estágio da sociedade. Isso porque o computador, em particular quando conectado à In-ternet, se transforma potencialmente numa técnica e numa tecnologia de in-formação e de comunicação simultaneamente.

Do ponto de vista técnico, tecnológico e cultural, esse é um fato com-pletamente novo na história da Humanidade: um mesmo suporte permite (potencialmente) tanto o acesso a informações das mais diversas (enciclo-pédias, jornais, livros digitais, vídeos, músicas etc.) quanto permite uma forma de comunicação entre pessoas que não necessitam estar mais no mesmo tempo-espaço para interagirem entre si em tempo real (ainda que tecnologias anteriores, como o telégrafo e o telefone, já permitissem essa comunicação dita “em tempo real”). Em outros termos: presenciamos uma tecnologia que permite a convergência entre o acesso à informação (em suas formas ver-bais, visuais, sonoras etc.) e a uma nova forma de experiência comunicacio-nal (verbal, sonora, audiovisual etc.).

As consequências do potencial desse tipo de equipamento ainda são, a nosso ver, bastante preliminares e provisórias. Isso ocorre porque é impossível determinar a priori quais serão as futuras utilidades de uma tecnologia recém--descoberta. O teórico norte-americano Neil Postman, por exemplo, ponde-ra a existência de “consequências imprevistas (...) no caminho daqueles que pensam que veem, com clareza, a direção para a qual uma nova tecnologia nos levará” (1994: 24). Ele cita, como exemplo, o relógio, cuja origem está ligada aos mosteiros beneditinos dos séculos XII e XIII e cuja finalidade era regular os horários de devoção dos monges ao longo do dia. O teórico francês Bernard Miège segue uma linha parecida, ao falar da pouca confiabilidade da antecipação dos usos sociais e, consequentemente, das mudanças a serem previstas nas práticas sociais (2009: 28). Em suma: sempre pode ocorrer uma diferença entre os usos inicialmente imaginados e previstos para uma dada tecnologia e os seus usos efetivamente concretizados pelos agentes sociais.

Porém, é preciso ter outra coisa em mente: o fato de que o surgimento de uma dada tecnologia num ambiente social tende a modificá-lo. Isso porque ocorrem dois fatos: um deles é a inserção dessa tecnologia na realidade das pessoas. O outro fato é a mudança de conceitos que, de algum modo, estão ligados direta ou indiretamente a essa tecnologia. Pensemos no surgimento e popularização da Internet, no Brasil, na metade dos anos 1990: naquela épo-

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ca, o acesso a ela se dava através de um aparelho de modem e de uma linha telefônica (o famoso “acesso discado”); com isso, uma página Web poderia le-var cerca de um minuto (ou mais) para ser carregada (alguns usuários chega-vam a ativar a função “não carregar imagens” nos navegadores, para acelerar o download das páginas). Atualmente, em tempos de banda larga e de Inter-net 2.0, o usuário dificilmente terá paciência de esperar mais de 10 segundos pelo carregamento de uma página Web e provavelmente ficará teclando “F5” até terminar o processo. O que mudou aqui? Simples: por exemplo, mudaram as noções de velocidade, espera e agilidade, além de outras noções a essas agregadas (como modernidade).

O surgimento dos meios digitais cria uma nova modalidade de interação entre as pessoas, denominada interação mediada pelo computador. É preciso ter em mente que esse tipo de interação faz potencialmente uma espécie de “mistura” de diferentes processos: ou seja, tanto permite a transmissão e o recebimento (o feedback) de informações quanto possibilita a reversibilidade dos agentes sociais num processo comunicacional. Esse processo comuni-cacional mediado pelo computador ocorre por dois motivos: um é a constante possibilidade de atualização do texto verbal em ambientes de interação (fó-runs, chats, mídias sociais) por parte dos vários agentes sociais (como numa conversação presencial). O outro motivo é o uso de novas modalidades de linguagem, como os smileys ou emoticons, usados para expressarem senti-mentos e que atuam como indicadores de relação entre os indivíduos, ou o uso de softwares de comunicação à distância (telefonia digital via Internet, conversas on-line etc.). Em suma: a mediação pelo computador faz surgir no-vas modalidades de troca simbólica.

Vimos ainda no capítulo anterior que a comunicação de massa carac-teriza-se muito mais pela transmissão de informações (ou de “comunicados”, como dizia Paulo Freire) do que pela possibilidade de se transformar num espaço de trocas simbólicas; isso, porém, não impede um espaço como o televisivo de ser palco de interações simbólicas, mas ele o é apenas entre as pessoas que estão dentro do próprio espaço televisivo. Assim, um progra-ma de entrevista, um debate ao vivo ou uma mesa-redonda se caracterizam, de um lado, como espaços nos quais ocorrem processos interacionais (en-volvendo apresentadores, jornalistas, artistas, entrevistadores, entrevistados etc.) e, ao mesmo tempo, como produtos informativos em relação a quem está assistindo-os (os telespectadores).

Finalmente, um dos aspectos mais relevantes dessas tecnologias é o fato de que elas, mais do que um banco de dados, permitem tanto o acesso quanto a produção de produtos mediáticos (verbais, sonoros, visuais etc.), uma vez que elas permitem a manipulação de signos sonoros, visuais e ver-

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bais. Consequentemente, elas se tornam também um espaço de memória da produção da Humanidade, seja ela individual ou coletiva. Sob esse aspecto, a Internet, em particular, se aproxima do ideal desejado por Vannevar Bush nos anos 1940, ao criar o Memex, um equipamento que visava articular, atra-vés de teclado, botões e alavancas, microfilmes com informações verbais, sonoras e visuais sobre determinados temas, funcionando com um sistema de pesquisa. A diferença entre o Memex de Bush e a Internet é seu alcance de conexão entre diferentes computadores e servidores.

Esboço de um modelo do Memex

Em suma: as tecnologias de informação e de comunicação permitem a troca de informações e os processos de comunicação à distância e ainda auxiliam, através de técnicas clássicas, na geração de produtos mediáticos (jornais e revistas impressos, produtos audiovisuais etc.). Mas como devemos conceber uma tecnologia mediática? Antes de discutirmos as possibilidades de seu uso pedagógico, é preciso compreender a dimensão da expressão “tecnologia mediática”.

SAIBA MAISO matemático Vannevar Bush escreveu, em 1945, um texto intitulado As We May Think, no qual ele discorre sobre o Memex. Uma versão desse texto está disponível na Internet. A ideia central desse texto é analisar as formas de indexação e estruturação das informações. Até então, historicamente, o modo como isso se dava era através de uma distribuição hierárquica das informações mas, segundo Bush, a mente humana não funciona dessa maneira, e sim de maneira associativa.

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2. Os produtos mediáticos

o surgimento de uma tecnologia mediática possibilita novas formas cog-nitivas e de uso da linguagem

Como já vimos, não devemos denominar as tecnologias como sendo ex-clusivamente produtos eletroeletrônicos, mas dentro de um concepção maior (como o osso do filme 2001 de Stanley Kubrick ou a escrita do filme Central do Brasil, de Walter Salles). Uma tecnologia é uma intervenção na natureza que implica também, e consequentemente, um redesenho social (desde que ela seja incorporada ao conjunto das práticas cotidianas de um dado grupo social). Isso fica mais claro quando abordamos as tecnologias mediáticas.

No começo, nossos ancestrais milenares não faziam uso das técnicas de comunicação que utilizamos hoje, o que não significa que eles não se comuni-cavam. O mais provável é que eles fizessem uso de sons estritamente vocais (grunhidos, gritos, urros e similares) usando, ao mesmo tempo, gestos indica-tivos para apontar para determinados seres e objetos, com valor informativo similar ao das setas. Posteriormente, com a possibilidade de criarem imagens e sinais em cavernas, criaram-se as condições de armazenamento das informa-ções, surgindo assim uma espécie de “memória”. Ainda que muitos ponderem que os primeiros grafismos tenham a ver com alguma forma de representação do real, André Leroi-Gourhan (1985) sustenta que esses grafismos, de caráter mais “rítmico”, buscam fazer representações do abstrato, como (talvez) a con-tabilidade da caça, configurando formas de arte pré-histórica. “As figuras mais antigas que se conhecem não representam cenas de caça, animais a morrer ou cenas de família. São símbolos gráficos sem ligação descritiva, suporte de um contexto oral irremediavelmente perdido” (LEROI-GOURHAN, 1985: 191). Ou seja: de algum modo, as imagens possibilitavam uma outra forma de comunica-ção (ainda que não possamos recuperar seus registros).

O desenvolvimento da escrita e sua inscrição em determinados supor-tes (areia e lousa – materiais que podiam ser apagados e reutilizados –, tá-buas de argila, papiros, pergaminhos etc.), até a Idade Média, significavam apenas que esses artefatos eram auxiliares da memória, como se fossem pe-quenos lembretes, conforme afirmam, dentre outros, Walter Ong, Eric Havelo-ck e David Olson (HAVELOCK, 1996; ONG, 1998; OLSON, 1997). Sob essa ótica, esses suportes podem ser considerados os antecessores das fichas de anotação (usadas por professores e apresentadores de TV), dos recursos audiovisuais (ou seja, de softwares como Power Point, Keynote e similares) e dos equipamentos elétricos e eletrônicos (projetores de imagens, tablets), uma vez que eles servem como auxiliares da memória e da fala, e não como substitutos de ambas. Por outro lado, o pesquisador e jesuíta francês Marcel Jousse (2008) ressalta a importância de outros elementos como auxiliares

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dos processos de memorização de textos orais entre algumas culturas, como o ritmo, os gestos, a respiração e a simetria bilateral do corpo humano.

É a partir da Idade Média que a escrita vai deixando de ser um recur-so mnemônico para se tornar um recurso representacional. Ou seja: a partir dessa mudança, os textos escritos passaram a ser vistos como substitutos da fala. Assim, por exemplo, uma promessa oral passa a ser substituída por um documento registrado. Uma nova cultura, centrada no papel, começa a vigorar, e essas mudanças alteram a relação do ser humano com o mundo. Por exemplo: passa-se do estudo da e na natureza para o estudo sobre a na-tureza, através dos escritos sobre ela; com isso, estudar a natureza passa a ser equivalente a ler sobre a natureza. Em suma: passa-se da relação com o objeto para a interpretação de um documento (livro, enciclopédia etc.) sobre o objeto; passa-se do explorador andante para o pesquisador-leitor. Nesse caso, e como afirma Olson, “as tentativas de representar o mundo no papel alteraram a própria estrutura do conhecimento” (1997: 14).

Esse conjunto de considerações nos interessa particularmente: afinal, em tese, tudo seria texto verbal. Na prática, porém, o que percebemos é que uma dada tecnologia (que também é uma técnica: a escrita) pode ser utilizada em diferentes meios e/ou suportes (da areia ao tablet, passando por livros, re-vistas e jornais) permitindo assim diferentes usos sociais (mnemônicos, peda-gógicos, informativos, de entretenimento etc.). Compreender uma tecnologia mediática passa pela compreensão de que ela permite diferentes possibilida-des e usos cotidianos. E, como dissemos há pouco, sob esse ponto de vista específico, há poucas diferenças entre o professor da Grécia Antiga que fazia uso de uma tabuinha com pequenas anotações e do professor de hoje que usa um tablet com anotações.

A afirmação que acabamos de fazer pode parecer um tanto quanto radi-cal; na prática, porém, se considerarmos as formas de linguagem que utiliza-mos, vamos notar que todas elas derivam de uma matriz ternária que permite algumas combinações distintas. Essa é a proposta da pesquisadora brasileira Lucia Santaella, que faz a seguinte afirmação: “postulo (...) que há apenas três matrizes de linguagem e pensamento a partir das quais se originam todos os tipos de linguagens (...). A grande variedade e a multiplicidade crescente de todas as formas de linguagem (...) estão alicerçadas em não mais do que três matrizes. Não obstante a variedade de suportes, meios, canais (...) em que as linguagens se materializam e são veiculadas, não obstante as diferenças específicas que elas adquirem em cada um dos diferentes meios, subjacentes a essa variedade e a essas diferenças estão tão-só e apenas três matrizes” (SANTAELLA, 2005: 20). Essas três matrizes da linguagem e do pensamento, segundo a autora, são:

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a) verbal (escrita)

b) visual (corporal, gestual, gráfica e/ou imagética, fixa ou em movimento)

c) sonora (oral, musical)

Consideramos apenas essas três formas de expressão porque (ao me-nos até o momento) ainda não dispomos de técnicas de comunicação ou de informação que simulem ou representem os outros sentidos (gustativo, táctil e olfativo, no caso). Assim, podemos considerar todas as tecnologias mediá-ticas como meios e/ou suportes que fazem uso articulado e combinado des-sas três formas de expressão. Pensemos numa enciclopédia multimedia: nela, teremos uma descrição verbal de algum referente (um leão, por exemplo), suas imagens (fotográficas, filmadas e/ou desenhadas, animadas ou não) e os sons que ele produz (rugidos).

Ter essa noção em mente nos permite começar a perceber os meios de forma diferente. Por exemplo: o senso comum tende a falar no jornal impresso como um meio “verbal”; porém, em suas páginas, temos recursos visuais, como imagens (fotografias, desenhos, infografias) e a própria disposição es-pacial dos elementos (manchetes, textos, fotos, anúncios publicitários etc.) em uma página. Assim, mesmo um texto verbal é também visual; basta pen-sar que diferenciamos uma manchete jornalística de uma pequena notícia no fim da página em termos de localização (cima x baixo) e de tamanho (letras grandes x letras pequenas).

Outro exemplo: o senso comum tende a falar no cinema, na TV e nas animações como exemplos de linguagem visual. Na verdade, porém, essas produções são audiovisuais, ou seja, contam com som também (vozes, mú-sicas incidentais, ruídos e sons ambiente). Para quem tem alguma dúvida, basta eliminar o volume durante uma novela, filme ou desenho sonoros (sem usar a função closed caption) e ficar assistindo apenas às imagens para ten-tar compreender a narrativa ou a transmissão. Além disso, elas fazem uso de textos verbais escritos (nome da produção, créditos etc.).

Assim, trabalhar com técnicas de informação e de comunicação pres-supõe a compreensão de quando, como e por que fazer uso dessas formas técnicas de expressão (verbal, visual e sonora). A partir de agora, vamos ana-lisar as características e particularidades de cada uma dessas formas de lin-guagem, a fim de melhor compreender as suas finalidades e potencialidades dentro das diferentes formas de expressão humana.

3. Matrizes da linguagem: som, imagem e texto

Nesse tópico, iremos discutir algumas das características centrais de cada uma dessas matrizes da linguagem.

SAIBA MAISO pensamento de Lucia Santaella se apoia diretamente na semiótica de Charles Sanders Peirce, lógico norte-americano (1839-1914). Na semiótica peirceana, o elemento central é o signo, ou seja, aquilo que pode estar no lugar de algo, que remete a um objeto e gera um interpretante, que se torna um novo signo, que remete a um outro objeto e assim sucessivamente; isso é o que Peirce denomina semiose infinita. Para mais detalhes, ver Semiótica, de Peirce (1995), mas é bom também ler a obra de Lucia Santaella, como Semiótica Aplicada (2007) para uma visão introdutória, e o próprio Matrizes da Linguagem e Pensamento (2005), para uma reflexão mais aprofundada sobre a fenomenologia e a semiótica peirceana.

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Costuma-se dizer que, no início, “era o Verbo”. Do ponto de vista antropo-lógico, porém, o mais provável seria dizer que, no início, “era o som” (o próprio nome “big bang” não deixa de remeter a uma onomatopeia). Mesmo se pensar-mos num recém-nascido, entre as primeiras impressões que ele percebe à sua volta está o som (a voz dos pais, músicas etc.), ao mesmo tempo em que ele faz tendencial uso de sua voz para chorar, logo ao nascer; num segundo momento é que ele vai começar a enxergar; e apenas posteriormente é que ele vai desen-volver a capacidade linguística que o permitirá verbalizar.

Há uma tendência, herdada da área do cinema, a se subdividir o som em palavras (voz), sons vocais (espirros, bocejos, tosses, urros), ruídos (que são naturais, como o som do trovão, a batida de uma porta ou o barulho das pegadas), efeitos sonoros (produzidos artificialmente, através de objetos ou de softwares de produção e edição de sons) e música. Porém, na classifica-ção matricial proposta por Santaella, a sonoridade em seu estado puro está ligada exclusivamente ao som como ruído; uma vez ordenado dentro de uma dada sintaxe, o som se torna música. Quando o som é combinado com a voz, ou seja, com o verbal oral, ele se torna sonoro-verbal; e quando o som é difun-dido através de caixas sonoras, dispostas dentro de uma dimensão espacial, temos a instância sonora-visual. Ainda que Santaella não fale disso, podemos incluir aqui os sistemas de home theater, que envolvem “sonoramente” a pes-soa através de várias saídas sonoras distintas.

O que caracteriza o som? Em estado bruto, geralmente isolado, indica a sonoridade de algo ocorrido (uma pancada, uma batida, uma queda etc.). Já um conjunto de sons ordenados tem por função fazer uma marcação rítmica, que se dá através de maneira percussiva (bateria, tambor), melódica (saxo-fone, gaita) ou harmônica (piano, violão). Culturalmente, cada uma dessas sonoridades isoladas indica uma espécie de “plano sonoro”; articuladas entre si, produzem distintos gêneros musicais, que também são percebidos como característicos de uma cultura ou de um tempo.

Seria correto dizer que os sons musicais não indicam ou apontam para nada em particular? Como vimos, certos ritmos e/ou gêneros trazem consigo uma sonoridade específica (como a atonalidade da música japonesa ou a percussividade de algumas culturas africanas). Além disso, por seu caráter fortemente icônico-simbólico, podem vir a tornarem-se descritivos (o canto gregoriano remete à religiosidade, a marcha militar remete à guerra).

Na esfera mediática, os sons têm outras funções: em produtos estritamente sonoros (radionovelas, dramatizações) e audiovisuais (filmes, telenovelas, dese-nhos animados), uma dessas funções é criar um clima (suspense, aventura, ro-mance); a outra é servir de “cartão de visita” a uma dada personagem (impossível não lembrar do Super-Homem interpretado por Christopher Reeve no cinema ao

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ouvir a trilha sonora do filme homônimo, composta por John Williams) ou mesmo a um filme todo (como a trilha de Bernard Herrmann para Psicose, de Alfred Hitchcock). No primeiro caso, temos o que se chama de trilha incidental; no segundo, trilha sonora ou trilha musical. Assim, podemos dizer que uma dada passagem musical (uma música, uma vinheta, os primeiros acordes de uma canção, um refrão etc.) tem por função a identificação de uma personagem, na medida em que ele funciona como uma espécie de “logomarca sonora”.

É importante também considerar que, no caso da animação, existem os casos de mickeymousing, ou seja, uma sequência musical que “acompanha” a ação (andar, correr, lutar) das personagens (muito comum nos antigos de-senhos animados da Disney e da Hanna-Barbera, por exemplo). Neste caso, a música empresta uma outra dinâmica à ação mostrada visualmente.

Passemos à imagem, termo bastante polissêmico, uma vez que seu uso se dirige a vários significados distintos (desenhos, fotografias, imagens científicas, cinema, produtos televisivos, HQs, pinturas etc.) e também a vá-rias manifestações materiais e temporais distintas (as imagens podem ser feitas à mão, capturadas por máquinas fotográficas, filmadas, produzidas di-gitalmente, do ponto de vista material, e podem ser fixas ou em movimento, do ponto de vista temporal). Inicialmente, iremos considerar como imagens apenas aquelas destituídas de complementos verbais (como as HQs ou os livros ilustrados) ou sonoros (como os produtos audiovisuais).

Para facilitar nossa discussão, vamos considerar aqui também o es-tatuto do verbal. Para isso, vamos rememorar algumas considerações feitas pelo pesquisador espanhol Román Gubern e pelo pesquisador francês Guy Gauthier. Gubern (1987: 49-56) afirma que as palavras têm forte caráter de denominação e designação, ou seja, elas permitem a nomeação dos objetos no mundo, ao passo que as imagens permitem melhor descrição, além da mostração, dos objetos físicos no mundo ou, pelo menos, de suas caracterís-ticas visíveis. Em suma: as palavras têm forte caráter indutivo (no sentido de desencadear uma conceitualização ou representação, de objetos concretos ou abstratos), ao passo que as imagens têm forte caráter ostensivo (no senti-do de representar certas características óticas de algo ou alguém). Ao mesmo tempo, a palavra não tem como ser precisa em relação a certos elementos vi-suais (gradação de cores ou de tons, por exemplo). Isso introduz uma primeira e importante distinção entre o visual e o verbal:

- a imagem se presta a representar objetos concretos;

- a palavra se presta a representar objetos concretos e abstratos.

Essa distinção fica mais clara com se tomarmos dois exemplos diferentes:

gato x inflação

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O primeiro exemplo diz respeito a um ser felino, de quatro patas, bigodes e (em tese) conhecido em praticamente todo o planeta. O segundo exemplo diz respeito a uma convenção social, adotada em países de sistema capitalista, e que diz respeito a um contínuo aumento de preços numa dada sociedade, com conseqüente perda do valor da moeda em uso nesse referido país.

O gato pode ser representado facilmente tanto através de palavras (pois é um ser denominado) quanto de imagens (pois é um ser concreto). Já a infla-ção só pode ser representada através de símbolos (textos) ou de articulações entre texto e imagem (infografias, gráficos, tabelas) que tentem visualizar o conceito; é ainda possível representá-la através de um deslocamento retórico (uma metáfora visual, como a do “dragão da inflação”, na verdade uma con-venção social, uma vez que a figura de um dragão deveria representar, em tese, a idéia de dragão, e não da inflação).

Assim, percebe-se que um objeto concreto (fisicamente falando) pode ser representado por uma imagem ou por palavras (sejam elas escritas ou orais). Um objeto abstrato só pode ser representado por palavras (a não ser que haja uma convenção social que possibilite tal fato). Ou seja: podemos estabelecer que:

Palavra = tem poder de denominar algo (que pode existir ou não)

Imagem = tem poder de representar algo (que pode existir ou não)

Perceba-se ainda que, se perguntarmos a alguém o que é um dado objeto até então completamente desconhecido, a palavra terá uma outra fun-ção: se o nome dado a esse objeto for, digamos, “estrompofólio”, essa palavra irá desencadear uma conceitualização (a palavra “estrompofólio” tenderá a conceitualizar, dali por diante, para o sujeito, vários tipos de estrompofólios). Pensemos agora na situação inversa, na qual alguém chega a nós e nos diz que encontrou um “estrompofólio”. Nossa reação natural é de procurar saber o que é isso, ao passo que esse alguém tem duas opções: ou descreve verbal-mente o objeto ou nos mostra um desenho, uma fotografia ou um filme com o tal objeto (consideremos a impossibilidade de essa pessoa nos mostrar o tal “estrompofólio” diretamente). Com isso, podemos dizer que:

Palavra – tem função indutiva, denominativa (ela desencadeia uma conceitualização)

Imagem – tem função ostensiva (ela exibe e/ou mostra um objeto)

Assim, uma das potencialidades da palavra é sua capacidade de ex-pressão do mundo abstrato e de designação e expressão do mundo concreto. Já uma das potencialidades da imagem é sua designação, sua representação visual do mundo concreto. Escreveu uma vez Gubern que é tão impossível descrever o conteúdo da Crítica da Razão Pura, de Immanuel Kant, com ima-

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gens icônicas, quanto descrever com palavras as qualidades icônicas de um rosto de Greta Garbo em primeiro plano no cinema (1987: 52).

Gauthier (1996: 231-48), por sua vez, irá buscar compreender a capa-cidade enunciativa das imagens fixas (ou seja, não sequenciais), como dese-nhos e fotografias, a partir das ideias do lingüista francês Émile Benveniste e dos estudos de Sigmund Freud sobre os sonhos. Essa capacidade da ima-gem já fora analisada por Freud (A Interpretação dos Sonhos, 1900) em seus estudos sobre os sonhos (imagens mentais) e as possíveis relações lógicas entre os elementos que neles aparecem. Freud vai constatar a existência de apenas uma relação lógica “bem-sucedida” no sonho: a relação de semelhan-ça, o “assim como” (na verdade, um aspecto descritivo em relação a algo).

Freud vai dizer que a negação aparece nos sonhos; alguns autores vão concordar com a idéia, outros vão discordar, comentando que a negação não faz parte do âmbito das imagens. Aqui, há uma diferença fundamental entre a imagem fixa (foto, desenho) e a imagem sequencial (cinema, TV etc.).

Imagem fixa = congelamento de um momento (não há antes ou após).

Imagem seqüencial = narração visual de um espaço temporal (um mo-mento específico tem antes e depois).

Imagem fixa = não pode mostrar um “não-ato”

Imagem seqüencial = pode mostrar alguém não fazendo algo

Texto = pode dizer “alguém não faz algo”

Gauthier demonstra que as características enunciativas (“relações lógi-cas”, para Freud) mais importantes de uma imagem fixa são:

- a justaposição (cuja equivalência verbal se daria com o uso da prepo-sição “e”, para dar noção de co-presença), e;

- a descrição (cuja equivalência verbal se daria com a palavra “como” em seu sentido adverbial: “de que modo”).

Ou seja: a imagem pode mostrar pessoas e/ou objetos em um mesmo espa-ço-tempo e, ao mesmo tempo, pode descrever suas características físicas e suas ações (desde que percebidas sempre sob a ótica da ação, e não da não-ação).

Esse aspecto é importante sob um outro viés: o do potencial narrativo. Percebe-se que o texto verbal permite dar conta da narração tanto de ações executadas quanto de ações que não foram executadas. Por outro lado, as imagens em movimento podem mostrar ações executadas e ações que deixam de ser executadas, mas para serem substituídas por outras ações. Digamos que, num texto verbal, encontramos o enunciado “João não quis sentar na ca-deira” e ele será plausível para nós; mas, se numa sequência de imagens ve-mos uma personagem que não se senta na cadeira, poderemos pensar que ela “fica em pé”, “permanece em pé”, ou seja, a personagem executa outras ações.

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No âmbito das imagens em movimento, a personagem pode não sentar, mas também pode potencialmente não fazer uma série de outras coisas (não deitar, não plantar bananeira, não correr). Em suma: o que queremos dizer é que é impossível mostrar uma negação através de imagens; é nesse sentido que se diz que a imagem é sempre positiva. Aliás, como vimos anteriormente, esse é um dos grandes problemas psicanalíticos: como negar sem trazer embutido na negação aquilo que se pretende negar? Dentro dessa lógica, devemos consi-derar também que o som é sempre positivo, pois ele sempre aponta para uma presença, nunca para uma ausência, tampouco para uma negação – tanto que um dos paradoxos sonoros clássicos do cinema é usar os sons de grilos para denotar a “presença do silêncio” em um ambiente...

Além disso, Gauthier leva essa discussão para o âmbito da Filosofia da Linguagem, particularmente para as análises de J. L. Austin sobre os atos de fala e diz que as fotografias podem ser consideradas como formas de enunciados constatativos. Austin reconhece a existência de dois tipos de enunciados: performativos e constatativos. Os enunciados performativos são promessas, apostas e declarações tidas pelo autor como atos de fala (o que se fala é a própria ação, como em “eu prometo...” ou “aposto que...”), os quais podem ser explícitos (“eu o autorizo a sair”) ou primários (“saia!”). Os enunciados constatativos são aqueles que descrevem o estado das coisas. O argumento de Gauthier mostra, assim, que as imagens não são imperati-vas ou performativas; isso desmonta a idéia de que as imagens publicitárias por si só seriam imperativas, da esfera do “fazer consumir”. O contexto no qual a imagem aparece, o veículo e o texto (escrito ou oral) ajudam a contri-buir para essa finalidade.

Devemos lembrar também que os textos verbais permitem a constru-ção, em termos lógicos, de proposições categóricas tanto singulares (“Fulano caiu”) quanto gerais (“eles correm”), tanto afirmativas quanto negativas (“Fula-no não caiu”). O mesmo, porém, já não ocorre com as imagens: uma fotogra-fia, paradoxalmente, tende a ser singular (em relação àquilo que ela mostra: aquele gato, e não qualquer gato, como ocorre no desenho) mas, como não tem poder indutivo, nem denominativo, ela pode se tornar uma proposição geral (“um gato”). Vejamos as duas imagens abaixo:

A primeira imagem é o desenho de um gato, não necessariamente de um gato específico (talvez de uma raça); já a segunda imagem é a fotografia de um gato específico, não de um gato qualquer. Ambas mostram um gato, mas esses gatos mostrados têm estatutos diferentes. O primeiro, podemos di-zer, é “genérico”, enquanto o segundo tem uma raça específica e (caso a foto não tenha sido gerada por computador, mas sim através de uma máquina fo-tográfica) provavelmente existiu, pertencia a alguém, talvez tivesse um nome

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etc. Em suma: a imagem (em particular, a fotográfica) remete a um objeto em particular (“este gato”, e não um outro, de outra raça); a imagem desenhada pode remeter a uma categoria (abstração), ao passo que a palavra remete ao universal como um todo (“gato”).

Uma exceção ocorre quando reconhecemos quem ou o quê está na fotografia, e aí ela passa a ter um valor de proposição categórica singular (“o ex-presidente Lula está naquela cadeira”, em vez de “um homem barbudo está naquela cadeira”); por outro lado, um texto escrito (um nome) desconhe-cido, e sem a ostentação e a visibilidade do objeto denominado tem pouca for-ça semântica; quando, porém, conhecemos o que é denominado por aquele nome, então quase que instantaneamente a imagem correspondente àquele nome se forma em nossa mente. Daí a força da combinação entre texto verbal (escrito ou oral) e imagem, que aponta simultaneamente para o denominado quanto para a denominação.

Finalmente, é preciso lembrar que os textos verbais permitem o desem-penho de outras funções, dentre elas a narrativa (para mostrar a mudança de estado de personagens) e a argumentativa (para fazer a exposição de ar-gumentos). Autores como Martine Joly ponderam também sobre o estatuto argumentativo das imagens fotográficas...

Essa constatação nos leva a perceber que, na prática (e concordando com Santaella), todos os tipos de textos mediáticos que existem à nossa volta resultam das várias combinações possíveis entre texto, imagem e som, ou melhor: entre a verbalidade, a visualidade e a sonoridade. Daqui por diante, iremos inserir um novo conceito, que diz respeito ao uso articulado dessas matrizes da linguagem: o sincretismo.

4. O sincretismo das linguagens

Por mais que pensemos nas linguagens isoladamente, na verdade elas sempre estão combinadas umas com as outras

Daqui por diante, iremos fazer considerações a respeito das combina-ções das linguagens nas mais diversas técnicas e tecnologias de comunica-ção e informação. Em alguns casos, pode até parecer haver o predomínio de uma linguagem em detrimento de outras; na prática, porém, o que iremos perceber é uma espécie de indissociabilidade entre as linguagens, na maior parte dos casos. Isso porque essas linguagens se tornam sincréticas, na me-dida em que não faz sentido pensar na “eliminação” de uma linguagem sem alteração da mensagem final. Porém, antes de definirmos o conceito de sin-cretismo, faremos algumas considerações preliminares sobre essa indisso-ciabilidade das linguagens.

SAIBA MAISEm Lógica, se diz que uma proposição é categórica quando ela afirma ou nega que um objeto tenha uma determinada propriedade ou que algo pertença a certo conjunto. Uma proposição categórica é singular quando o sujeito da proposição (frase) é nome de um indivíduo; geral, quando o sujeito é nome de uma propriedade ou classe; particular, quando se refere a apenas alguns dos objetos; e universal, quando diz respeito a todos os elementos da classe associada àquele sujeito.

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Vejamos algumas palavras de Leroi-Gourhan (1985, 1987) sobre a re-lação entre gesto, palavra e desenvolvimento do ser humano. Ele afirma que as pinturas do período paleolítico obedeciam sempre a um mesmo padrão topográfico visual, muitas vezes repetindo-se numa mesma caverna ou em várias, com pequenas variações: bisontes e cavalos ao centro, enquadrados por cabritos-monteses e cervídeos, e leões e rinocerontes na periferia. Leroi--Gourhan diz que isso implica uma representação intencional de animais de caça e não uma “escrita” ou “quadros”. Como vimos anteriormente, ele defen-de que esse “conjunto simbólico das imagens” existia dentro de um “contexto oral com o qual o conjunto simbólico era coordenado” (LEROI-GOURHAN, 1985: 197). Ou seja: essas pinturas rupestres não tinham necessariamente (ou melhor dizendo: especificamente) apenas função narrativa, tampouco se propunham a ser apenas uma representação visual e descritiva da realidade. Considerações similares são propostas por Frutiger (2007), que lembra que todas as espécies animais enviam e recebem informações que são expressas por todos os sentidos. Assim, segundo ele, “é válido admitir que uma lingua-gem ‘primitiva’ não consistia apenas em sons, mas também em vários tipos de gestos, contatos, sensações olfativas etc. A partir dessa consideração, po-demos nos perguntar até que ponto essa linguagem corporal não é parte da origem dos testemunhos escritos” (FRUTIGER, 2007: 84. Grifos no original). Isso leva Frutiger a considerar que as imagens pré-históricas devem ter tido uma proximidade grande com a linguagem gestual e sonora, “que servia para acompanhar, esclarecer, registrar os ritos ou narrar” (FRUTIGER, 2007: 84). Os exemplos aqui citados implicam outro modo de se perceber as primeiras manifestações visuais da história da Humanidade: elas não seriam manifesta-ções “apenas” visuais, mas integradas num contexto comunicacional maior, que se perdeu. Ou seja: o sentido dessas imagens só existiria em conjunto com outros sistemas de linguagem, como a voz e os gestos. Assim, podemos dizer que já havia certo grau de sincretismo nessas práticas.

O francês Roland Barthes foi talvez um dos primeiros a teorizar sobre o que ele chamava não de sincretismo, mas sim de “solidariedade de sentido” existente entre os elementos que compunham estruturalmente a mensagem de um anúncio de macarrão por ele analisado. Ele lembrava que a mensagem linguística mantém dois tipos de relação com a mensagem icônica (imagem): a relação de fixação (denotativa e “repressiva”, pois poda a liberdade polissê-mica da imagem, tirando sua ambiguidade) e a função de relais (onde palavra e imagem têm relação de complementaridade) (BARTHES: 1990: 31-4). Fi-nalmente, em uma nota de rodapé, Barthes fala sobre o “princípio de solida-riedade” entre os termos de uma estrutura na qual, se um elemento muda, os demais também mudam (BARTHES: 1990: 42). Em outros termos: na fixação, o texto (como as legendas explicativas) dá sentido à imagem; no relais, texto

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e imagem têm ambos a mesma importância (como nas charges e histórias em quadrinhos). Ou seja: no primeiro caso, T (texto) > I (imagem); no segundo caso, T = I.

Porém, percebe-se que Barthes não propõe uma terceira categoria para os termos T e I, na qual a imagem com função de desambigualizar o texto, de ser mais importante do que o texto (portanto, I > T). O francês Paul León retoma a proposta barthiana numa análise de anúncios publicitários e sugere essa terceira relação: o escoramento, no qual o texto, ambíguo, depende da imagem para se tornar inteligível (2008: 232-3). A partir dessa relação de escoramento, Léon localiza seis funções possíveis da imagem publicitária em relação ao texto (que aparece incompleto, ambíguo, sem re-ferência aparente etc.). Um exemplo nosso: um enunciado verbal num anún-cio publicitário no qual não conseguimos determinar quem fala (“vamos lá, Brasil!”) necessita de uma imagem para “sugerir” o “responsável” pelo enun-ciado (uma foto com um grupo de pessoas vestidas como torcedores da seleção Brasileira de futebol, uma foto com um grupo de pessoas vestidas de trabalhadores etc.); aqui, a imagem tira a ambiguidade do texto verbal e “diz” quem está “falando” dentro do anúncio.

Assim, o que seria o sincretismo, no âmbito das linguagens? Seria a característica comum a vários tipos de linguagem (como o cinema, as novelas de TV, a ópera e as histórias em quadrinhos) onde existe a necessidade de mobilizar vários códigos ao mesmo tempo. O cinema, como linguagem, faz uso de vários códigos e linguagens (som, textos verbais, imagens fixas e/ou em movimento, luzes, edição) que têm todos a mesma importância. Nessa visão sincrética, a questão não é apenas a obrigatoriedade do somatório de códigos e linguagens, mas antes a impossibilidade de sua apartação.

Peguemos como exemplo uma história em quadrinhos. A princípio, se costuma dizer que ela é o somatório do texto verbal (diálogos, pensamentos) e das imagens (os conteúdos dos quadros). Porém, existem outros elementos importantes na constituição de uma HQ, como a cor, a tipografia, o papel usa-do para a impressão, a distribuição dos quadros na página etc.

Vamos nos deter mais na cor e na tipografia. Sobre a cor, devemos lembrar que há vários modos de “colorir” uma HQ: 100% preto e branco, com uso de variações de cinza (chamadas na área gráfica de grises), através de bicromia (duas cores), tricromia (três) ou policromia (quatro, as quais geram todas as demais cores). Essa colorização, por sua vez, pode se basear em várias outras influências visuais (pop art, cinema noir etc.). A alteração desses modos de colorização altera em parte o estatuto da história: as novas gera-ções tendem a perceber todo e qualquer filme em preto e branco como algo “antigo” – vide O Artista, de Michel Hazanavicius; por outro lado, as antigas

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59Tecnologia e Linguagem

gerações percebem como um “pecado” a colorização de filmes em preto e branco, como as comédias O Gordo e o Magro ou os clássicos cinematográ-ficos dos anos 1940.

A tipografia é outro elemento importante nas HQs. Ela não é simples-mente a transcrição verbal da fala ou pensamento de uma personagem, mas também das emoções ou até mesmo da origem ou identidade da personagem. Assim, é comum termos diálogos fazendo uso de variações dentro de uma mesma família tipográfica (espessura, tamanho, inclinação) ou usando diferentes famílias tipográficas; no primeiro caso, podemos dar como exemplo o Cebolinha (Maurício de Souza Produções); no segundo caso, o poderoso Thor e todos os demais asgardianos (Marvel Comics) e as personagens de Sandman (Neil Gaiman). Além disso, devemos considerar a própria forma do balão de fala, que também pode denotar sentimentos ou identidade das personagens.

O que tudo isso implica? Que a feitura de um texto que mobiliza di-versos códigos e linguagens deve ser pensado em função de todos esses elementos articulados, uma vez que qualquer alteração num deles modifica em parte, ou mesmo no todo, o texto em questão. Parafraseando livremente Barthes: os códigos e linguagens são solidários entre si nos textos sincréticos.

No próximo capítulo, vamos nos dedicar às matrizes da linguagem e a algumas das combinações delas resultantes, a fim de melhor perceber o potencial dos diferentes suportes e meios em sala de aula.

Atividades de avaliação1. Pesquise sobre inventos cujos usos se tornaram bem diferentes de suas

finalidades pensadas originariamente.

2. Preste atenção aos suportes de apoio à memória em uma sala de aula. Quais são os mais usados? Como são usados? Avalie seus usos.

3. Tente assistir à televisão sem som e, noutro momento, sem imagem? É possível compreender algo? Se sim, por quê? Justifique sua resposta.

4. Pegue páginas de jornal com fotografias; elimine as legendas e peça para pessoas próximas tentarem interpretar o que está nas fotografias. As res-postas delas se parecem com o texto omitido da legenda? Justifique.

5. Procure conceitos abstratos, nomes de filmes ou expressões e palavras similares e peça para as pessoas gesticularem sobre eles, no estilo da brin-cadeira de mímica, para que outras pessoas adivinhem o que elas estão dizendo com as mãos.

SAIBA MAISO campo que busca estudar o universo da integração das linguagens é chamado de semiótica sincrética. O conceito de sincretismo tem como ponto de partida as ideias do linguista dinamarquês Louis Hjelmslev na gramática tradicional, além da discussão sobre os fenômenos de neutralização na fonologia moderna; posteriormente, o linguista lituano Algirdas Julien Greimas vai estabelecer o sincretismo na semiótica em dois níveis. Para mais detalhes, ver a coletânea Linguagens na Comunicação – desenvolvimentos de semiótica sincrética, de Ana Claudia de Oliveira e Lucia Teixeira (organizadoras), de 2009.

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6. Grave um trecho de qualquer produto audiovisual em cores e deixe-o em tons de cinza (ou seja, em preto e branco). Qual tipo de informação se per-de nesse processo? Explique.

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PARTE 4As linguagens em

sala de aula

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63As linguagens em sala de aula

1. Os textos mediáticos na sala de aula

Falar em textos mediáticos implica falar, necessariamente, nas lingua-gens que permitem sua produção

Como dissemos na introdução desse trabalho, nosso interesse aqui é relativo à compreensão e ao uso das técnicas de comunicação e de informa-ção nas diferentes práticas pedagógicas em sala de aula, visando auxiliar a produção de conhecimento. Nesse caso, damos prioridade à compreensão das linguagens mobilizadas nesses processos, a fim de que os alunos pos-sam tanto desenvolver uma visão crítica dos meios de comunicação quanto compreender o potencial lúdico, informativo e dialógico das tecnologias da co-municação e da informação a partir do uso das diferentes matrizes da lingua-gem (som, imagem e palavra). Dentro dessa visão, a pesquisadora brasileira Maria Isabel Orofino faz uso da expressão “tecnologias de comunicação e produção de linguagens” (2005: 68). De nossa parte, e para sermos coeren-tes, passaremos a considerar que estamos falando de tecnologias de informa-ção, comunicação e produção de linguagens.

Aliás, nada mais pertinente nos dias de hoje. Como ponderam Squarisi e Salvador, “escrever está na moda. As novas tecnologias de comunicação, quem diria, ressuscitaram o valor da escrita (..). Nunca se precisou tanto da escrita quanto agora” (2012: 9). Porém, dentro de nossa perspectiva, o termo “escrever” adquire um sentido maior: ele diz respeito a todas as atividades de produção de conhecimento, informação e socialização através das lingua-gens. Em outros termos: fotografar, desenhar, filmar, são diferentes formas de escrita do ser humano contemporâneo.

Além disso, ao longo de nossa exposição, vai ficar claro que todas es-sas práticas são necessariamente coletivas; isso implica num fazer socializa-do. Ao mesmo tempo, elas solicitem diferentes graus de envolvimento e, prin-cipalmente, de organização. Porém, é interessante o professor adotar alguns procedimentos preliminares antes de escolher alguma das atividades aqui sugeridas (além de outras não aqui contempladas). Para isso, é interessante ele responder (para si próprio ou para os colegas professores) as seguintes perguntas:

1. De qual material de apoio disponho para realizar uma dada atividade? Infe-lizmente, os aspectos materiais são fundamentais na maior parte dos casos, e a realidade das escolas brasileiras ainda é bastante diferenciada (para não dizermos “desigual”) em termos de equipamentos e suportes tecnológicos. E, mesmo que uma escola tenha “um computador”, isso pode não ser sufi-ciente (conforme veremos ao longo deste capítulo, várias atividades podem requerer outros periféricos, equipamentos e placas específicas).

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2. Que tipo de material mediático usar? A resposta a essa questão depende, em parte, da resposta da pergunta anterior: fazer uma realização audiovisu-al vai depender das condições materiais existentes na escola, por exemplo. Por outro lado, nada impede o uso de produtos mediáticos em sala de aula para outras atividades. Assim, um professor pode utilizar música para falar sobre diferentes disciplinas (ver, por exemplo, FERREIRA, 2010) ainda que não disponha de recursos sonoros para realizar gravações com os alunos, como podemos perceber nessa discussão em outros autores (por exem-plo, MARCONDES, MENEZES & TOSHIMITSU, 2000; SETTON, 2010). Ou poderá usar recursos audiovisuais (programas de TV, filmes etc.) sem necessariamente ter as condições de produzi-los com os alunos (ver, por exemplo, BRANDÃO, 2011, e NAPOLITANO, 2008, 2010). A escola, em consonância com seu projeto pedagógico, é quem deverá decidir pelo me-lhor uso dos suportes e produtos mediáticos em sala de aula.

3. Qual a meta com a atividade? Cada uma das atividades aqui propostas potencializa diferentes aspectos dos alunos (capacidade de expressão ver-bal, corporal, oral, escrita, artística etc.). É importante (a nosso ver) que os alunos busquem experimentar todas essas capacidades de expres-são. Defendemos que, a princípio, todos nós, quando crianças, falávamos com certa espontaneidade (mesmo sem conhecimento da gramática, da sintaxe, das concordâncias etc.), fazíamos desenhos (mesmo sem saber desenhar), tentávamos escrever (mesmo sem saber escrever direito) etc. Infelizmente, à medida que crescemos, a maior parte dessas atividades vai ficando de lado; muitos passam a ficar tímidos ao terem de falar diante de um grupo de pessoas, “desaprendem” a desenhar ou mesmo temem escrever. A prática dessas atividades pode tanto auxiliar na manutenção e aprofundamento dessas competências quanto possibilitar a descober-ta, por parte dos próprios alunos, de outras competências, que talvez eles mesmos nunca tenham buscado desenvolver, por se acharem desprepa-rados para tal ou mesmo desconhecedores de tal habilidade.

4. É importante ter acesso ao conteúdo de um produto mediático antes de usá-lo em sala de aula? Sim, sempre. Uma música, um filme, uma história em quadrinhos ou um jornal se dirigem, muitas vezes, a públicos especí-ficos ou são mais bem compreendidos a partir de diferentes faixas etá-rias. Por exemplo: nem toda história em quadrinhos é infantil, pois algumas abordam temáticas adultas (política, violência, sexo) e chegam a vir com recomendações de faixa etária. E, mesmo que haja uma indicação classi-ficativa em termos de faixa etária, pode ser que aquele produto seja inade-quado ou mesmo sem sentido para uma turma de alunos naquela mesma faixa indicada – uma trama ficcional muito urbana pode não ser totalmente

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compreensível para um grupo de alunos da zona rural. Temos de ter em mente que o Brasil é um país de dimensões continentais e que nele existem realidades sociais e econômicas muito diferentes. Mas, no final das contas, sempre vai ser o professor quem toma a decisão a respeito do material a usar, em conformidade com o projeto pedagógico de sua instituição de ensino. Isso nos leva a um outro aspecto:

5. O professor deve conhecer a linguagem e as potencialidades informativas e comunicativas de cada linguagem e cada suporte? É interessante que o professor conheça ao menos a linguagem e as potencialidades dos su-portes que irá utilizar em sala de aula. Como escreve Santos Neto (2011: 130) em relação às HQs: é preciso que o docente tenha uma experiência com aquele suporte. Um professor não pode usar quadrinhos em sala de aula se ele mesmo não tem experiência com esse tipo de linguagem; de repente um aluno pode ter dúvidas em relação a um aspecto de uma HQ e o professor, sem experiência com aquele tipo de linguagem, pode ter algu-ma dificuldade. A falta de familiaridade com essas linguagens e meios pode levar a um outro risco, anunciado a seguir.

6. Se não domino uma dada linguagem, posso mesmo assim fazer uso dela para fins estritamente didáticos? É comum vermos provas que fazem uso de trechos de produtos mediáticos para fins meramente didáticos, sem considerar outros aspectos daqueles produtos. Um exemplo: pode ocorrer de ser solicitada uma análise sintática de uma manchete de jornal repro-duzida em uma prova (digamos, “Dilma Rousseff é eleita a primeira presi-dente do Brasil”). A princípio, nada há de errado nesse tipo de atividade; mas se a finalidade é apenas a análise sintática da frase, não faz sentido a reprodução da página do jornal, mas apenas a reprodução da frase em si. A página do jornal permite outros olhares sobre ela própria (o texto, a foto, as imagens etc.); mais interessante seria discutir com os alunos, por exemplo, a partir da manchete do jornal, sobre a condição das mulheres na política, ou fazer uma análise comparada das diferentes manchetes dos jornais brasileiros para o mesmo fato. Em suma: tanto esforço (por vezes inútil) para eleger um trecho de um produto mediático apenas para solicitar uma análise sintática não faz muito sentido acaba por empobrecer tanto o conteúdo analisado quanto o trabalho docente.

7. O aluno pode utilizar o material mediático à vontade em sala de aula? Sim, se a finalidade for estritamente pedagógica e não-comercial, e em sala de aula. É interessante que os alunos aprendam e discutam os conceitos de direito autoral e de copyright, ainda que o cenário desse início de século XXI esteja problematizando radicalmente essa noção, em particular a partir dos conceitos de creative commons e de copyleft. Além disso, o aluno pode

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usar um trecho de uma determinada obra para uma atividade em sala de aula, mas deve ter cuidado se quiser disponibilizar o resultado dessa mes-ma atividade na Internet. De qualquer modo, a discussão nos parece atual e relevante, devendo ser feita em sala de aula.

8. Devo conhecer o que os alunos consomem? É interessante ter esse co-nhecimento, para que o professor possa ter noção daquilo que é consu-mido majoritariamente pela turma (novelas, desenhos animados, livros, quadrinhos etc.) mas também (talvez: principalmente) daquilo que não é consumido pelos alunos. Em outros termos: essas informações auxiliam o professor em suas tomadas de decisões.

9. É necessário usar material mediático em sala de aula, se o que pretendo é fazer com que os alunos desenvolvam seus próprios produtos? De fato, em tese, não seria necessário; na prática, porém, devemos considerar um fato altamente relevante: grande parte de nosso conhecimento do mundo nos é dado pela esfera mediática, através de noticiários, jornais, filmes, re-vistas, novelas, livros, quadrinhos, fotografias, músicas, videoclipes, sites e muitas outras formas de expressão mediática. Poucos de nós conhecem pessoalmente um presidente da República, um artista pop, a Ásia ou a Lua, mas acreditamos fortemente que eles existam. Ou seja: de algum modo, o sistema mediático nos dá um modo de conhecer a realidade para além da-quilo que vivenciamos diretamente. São formas de conhecimento distintas da experiência direta, imediata, mas continuam sendo formas de conheci-mento. Compreender um pouco de como esses processos ocorrem é algo fundamental no mundo contemporâneo, a nosso ver. A nosso ver, uma leitura crítica e racional dos meios de comunicação de massa depende, em certa medida, do conhecimento relativo aos modos de produção dos textos, fazen-do uso das diversas formas de linguagem. Assim, por exemplo, compreender um jornal depende, em parte, de compreensão de como um jornal é feito. Em suma: é compreender e lembrar que, por trás de todos esses produtos mediáticos, há outros agentes sociais fazendo uso das linguagens.

2. O SOM

Antes de fazer uso dos sons em produtos sonoros ou audiovisuais, é importante primeiro conhecer algo sobre eles

2.1 O começo: um estúdio

Se há um interesse da escola em aproveitar os recursos sonoros (vo-zes, música, ruídos), pode ser interessante a ideia de constituir uma rádio

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escolar. O seu custo de implantação é atualmente relativamente baixo e o grau de envolvimento costuma ser grande, tanto por quem produz quanto por quem ouve.

Dá para começar algumas atividades de rádio-escola com os seguintes recursos:

- computador (pelo menos dois) com um bom processador e dotado de sof-twares de edição de áudio, aliado a uma boa placa de som;

- microsystems, para execução de CDs;

- mesa de som de, pelo menos, quatro canais, que permita a entrada dos sinais do microsystem, do computador e dos microfones (pode ser neces-sária a avaliação de um técnico da área);

- microfones de qualidade (para captação de sons externos dentro do estúdio);

- gravadores digitais (com porta USB, também para captação de sons exter-nos fora do estúdio);

- acesso on-line (Internet) ou off-line (CDs) a bancos de sons e efeitos sonoros;

- fones de ouvidos de qualidade;

- caixas de som estereofônicas, distribuídas em locais estratégicos da es-cola, para que alunos, professores e funcionários possam ouvir o que foi produzido;

- ambiente com isolamento acústico (aqui, também pode ser necessária a avaliação de um especialista da área, para analisar o espaço do estúdio e os custos e condições do isolamento acústico).

2.2 Os recursos sonoros: do corpo humano ao computador

Além dos recursos técnicos, é preciso avaliar o interesse e as potenciali-dades do uso dos sons na escola. A princípio, o som é a linguagem mais simples de ser usada em sala de aula: basta o uso da voz, do próprio corpo e/ou de ob-jetos que produzam sons. Com esses recursos, é possível os alunos pensarem, mais adiante, na feitura de um pequeno jornal em formato radiofônico ou, como ocorre atualmente com o advento da Internet, gravarem podcasts. A princípio, realizar tais produtos pode vir a depender de uma série de condições, como a educação vocal, a aprendizagem musical, o manuseio de instrumentos musi-cais e de softwares de edição de áudio ou a existência de um estúdio de som para gravações. Tudo isso deve ser considerado previamente.

Se há o interesse da escola nesses recursos, a aprendizagem musical, o uso de instrumentos musicais e um estúdio irão expandir as possibilidades criativas dos alunos. Mas o que podemos fazer com os sons? Há uma série de possibilidades; antes, porém, é preciso ter noção da importância dos sons

SAIBA MAISO uso prolongado do computador pode causar alguns problemas de postura corporal e de vista, principalmente se as cadeiras e a iluminação do ambiente não forem adequadas, e de lesão por esforço repetitivo (LER) se a posição dos teclados e mouses nos móveis e bancadas de trabalho não for a correta. Um dos modos mais simples de evitar problemas é fazer intervalo de cinco minutos a cada 50 minutos diante do computador; o ideal é levantar-se da cadeira, para alongar o corpo e para dar dinamismo ao olhar (que passa tempo demais focado apenas no monitor). Sugere-se também que o usuário do computador, quando trabalhando, desvie de vez em quando o olhar do monitor e olhe para longe, a fim de relaxar a musculatura do olho. Para mais detalhes e sugestões de como proceder, ver Brandimiller (1999).

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para, num segundo momento, pensarmos neles em produtos mediáticos. Aqui, vamos elencar algumas possibilidades, começando pela música.

Como dissemos há pouco, a música nada mais é do que uma organi-zação sintática de sons. Um bom exemplo disso são os sons produzidos pelo grupo brasileiro Uakti ou pelo músico alagoano Hermeto Paschoal, todos eles feitos de materiais ditos “insólitos” (tubos de PVC, panelas, latas de lixo, apitos bacias d’água etc.). Atualmente, porém, com a tecnologia digital, não é neces-sário “tocar” esses “instrumentos insólitos”; com algum conhecimento básico de softwares de edição de áudio, é possível e fácil produzir música a partir do manuseio de som. Apesar da existência de uma série de formatos digitais (MIDI, MP3, OGG, WAVE, AIFF), o mais popular é o MP3, pela sua grande capacidade de compressão, pois ele elimina as frequências que o ouvido hu-mano não percebe, por isso ele se torna um arquivo menor, “mais leve” (para mais detalhes técnicos, ver SERRA, 2002).

É preciso ter em mente também que um software de edição de áudio funciona em parte como uma mesa de som. Ou seja: é possível trabalhar com vários sons separados, fazendo aqui que nos estúdios é chamado de matriz ou master. Esse nome é dado ao arquivo que contém a gravação com todos os seus elementos sonoros separados, cada um em uma faixa sonora. De posse dessa matriz, é possível tanto eliminar certos sons quanto acrescentar outros. A junção desses sons num único arquivo é chamada de mixagem.

Para começar a trabalhar, é interessante que o aluno tenha ao seu dis-por alguns sons gravados, um computador (de preferência, com bons fones de ouvido ou ligado a caixas de som de boa qualidade sonora) e um software de edição. Se o aspecto sonoro a ser trabalhado for uma música, é bom ter algumas noções básicas, como a noção de compasso, ou seja, de que a mú-sica tende a seguir um determinado andamento, geralmente com uma batida constante e constituída de um mesmo som repetido em intervalos de tempo iguais; podemos chamar vulgarmente essa batida de base, a qual tem uma função idêntica à do bumbo da bateria: marcar o tempo da música. É possível usar mais de um elemento para criar essa base; ao inserir outros sons que se repitam constantemente, mas de modo diferente do primeiro, se estará crian-do uma base polirrítmica (o melhor exemplo de polirritmia é a bateria de uma escola de samba).

SAIBA MAISUma vez que os sons estejam misturados num único arquivo, ou seja, mixados, não é mais possível separá-los. Alguns usuários usam programas que alteram a frequência do arquivo sonoro, o que torna alguns sons mais audíveis (ou em “primeiro plano”, por assim dizer) e outros mais “escondidos”.

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Imagem de uma batida sonora simples em software de áudio

Imagem de uma batida polirritmica em software de áudio

Para auxiliar na criação dessa batida, é interessante utilizar uma ferra-menta disponível nos softwares chamada metrônomo. Com ela, se insere no arquivo sonoro que será manipulado a quantidade de batidas que se deseja por minutos (ou BPMs, sigla para beats per minute). Para melhor visualizar a noção de BPM, basta pedir a uma pessoa para marcar um minuto no relógio, enquanto outra pessoa bate palmas durante esse intervalo; se a pessoa ba-ter 75 palmas em um minuto, então essa “música” terá 75 BPMs. Cada uma dessas palmas equivale a uma batida. Alguns softwares criam uma faixa que visualiza uma base sonora com essa informação; ela é útil para a construção de uma base musical mais complexa e mesmo de uma música completa.

SAIBA MAISExistem softwares de áudio especializados em criar batidas eletrônicas, através de loops (ou seja, de pequenos trechos de uma batida que podem ser repetidos pelo tempo que se quiser, formando uma base para os instrumentos melódicos e harmônicos e para a voz) ou da própria programação do usuário (que indica o uso de bumbo, tarol, timbau etc.). Esse tipo de recurso é muito comum em gêneros como o rap e o hip hop.

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Imagem de uma base sonora de 120 BPMs em software de áudio

Para começar a trabalhar, o aluno deve abrir o software e inserir uma faixa de áudio (caso queira gravar algo) ou abrir um arquivo sonoro já existente. A partir daí, é possível ir “brincando” com o arquivo, seja copiando e colando partes dele, seja alterando seus timbres, alturas e/ou sua velocidade e/ou ainda acrescentando efeitos sonoros (ecos, reverberações, delays etc.). Isso vale tan-to para um som, um conjunto de sons, pequenos acordes de violão etc.

Imagem do software Audacity: cada faixa corresponde a uma pista so-nora, ou seja, a um som diferente

Além de efeitos sonoros pré-gravados e de sons produzidos por instru-mentos musicais, é possível também criar outros sons, seja através de va-riadas matérias-primas (baldes, panelas, pedaços de madeira, brinquedos), como fazem os já citados Hermeto Pascoal e Uakti; basta gravá-los e colocá--los em sequências distintas, para perceber como a organização de um som pode gerar uma base rítmica e, a partir daí, servir de base para uma canção, um efeito sonoro, uma vinheta ou um jingle.

3. Som + texto

Falar sobre som e texto varia do canto à feitura de produtos sonoros radiofônicos

Neste tópico, vamos falar sobre dois assuntos que têm estreita relação, e que podem ser trabalhados em diferentes processos pedagógicos: o som dentro de uma perspectiva textual e suas múltiplas manifestações (ruído, voz, canto) e a mídia sonora (majoritariamente, mas não exclusivamente, o rádio).

3.1 A voz

Antes de tudo, porém, é preciso lembrar dos cuidados necessários à voz, como a projeção adequada da mesma, alimentação e hidratação corre-tas, o repouso vocal e evitar hábitos que comprometam os aparelhos fonador

SAIBA MAISCaso seja de interesse trabalhar com criação de músicas, é importante que os alunos tenham algumas noções básicas sobre o som (altura, duração, intensidade, timbre) e sobre música (andamento, tipos de compasso etc.) bem como conhecer fundamentos da escrita musical (notas, claves, partituras) e conhecer alguns dos diferentes gêneros musicais existentes.

SAIBA MAISMesmo que o software de áudio a ser utilizado seja em língua portuguesa, sempre haverá termos em inglês que não são traduzidos. É interessante que o aluno possa manusear um arquivo aplicando a ele diferentes efeitos para ter uma melhor noção de como cada efeito funciona – infelizmente, é muito difícil explicar e compreender efeitos sonoros através apenas de palavras...

SAIBA MAISNa área de comunicação de massa, usa-se o termo “vinheta” para denominar um conjunto de sons (melódicos ou não) que identifica um determinado programa de rádio ou de TV (um exemplo é o famoso “plim-plim” da Rede Globo). “Jingle” é o nome dado à canção gravada com finalidade comercial, sendo inserida posteriormente

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e respiratórios no todo ou em parte (cigarros, bebidas alcoólicas, mudanças bruscas de temperatura, gritos exagerados, roupas apertadas e até mesmo alguns medicamentos).

É preciso ter em mente também que nem todo uso da voz é necessa-riamente verbal, ou seja, usando palavras. Há uma série de sons vocais não--verbais, como solfejos, gritos ou imitações de animais e pássaros; há também usos de fonemas vocais usados a esmo, sem sentido algum (é o caso de um grupo britânico, dos anos 1980, chamado Cocteau Twins, que “inventava” palavras para serem cantadas). Ou artistas que buscam inspiração na poesia concreta para compor e cantar, como Arnaldo Antunes. Além disso, uma das formas mais comuns de reunirmos som e texto é cantando. Como diz Martins Ferreira, “a voz, riqueza natural de nosso corpo, é como um ‘instrumento mu-sical’ que carregamos conosco e que a maioria das pessoas não sabe usar (ou tocar e manter) bem” (FERREIRA, 2010: 29).

O mais comum é o uso de textos para serem cantados, as famosas “letras de música”. É prudente, porém, lembrar que nem sempre o fato de uma letra estar em primeira pessoa (“eu”) implica que o personagem da letra seja o intérprete da mesma. No cancioneiro brasileiro há exemplos disso, como as várias canções de Chico Buarque nas quais existe um “eu feminino” (a letra expressa o ponto de vista de uma mulher) ou a versão de Marina Lima para “Mesmo Que Seja Eu”, de Erasmo Carlos e Roberto Carlos (“você precisa de um homem pra chamar de seu / mesmo que esse homem seja eu”). Por outro lado, nem sempre essa diferenciação é fácil: quando o grupo de rock Ultraje a Rigor canta “a gente somos inútil” (na música “Inútil”), quem é “a gente”? O vocalista está incluído nesse sujeito ou não? Em suma: nem sempre uma letra biográfica (que fala sobre alguém) deve ser necessariamente tomada como autobiográfica em relação a quem canta (um exemplo disso é a música “Eu Nasci Há Dez Mil Anos Atrás”, de Raul Seixas e Paulo Coelho, que obviamen-te não nasceram há tanto tempo assim).

3.2 O texto escrito para ser lido: o roteiro

Mas a junção entre som e texto não se dá apenas através da música e do canto; a fala é um dos processos mais naturais para isso. O teatro, o tele-jornalismo, o radiojornalismo, por exemplo, são áreas nas quais o casamento adequado entre a fala e o texto é fundamental. Nesses casos, é importante que a voz consiga denotar o clima daquilo que está no texto verbal que vai ser lido. Como já dissemos anteriormente, não pode haver paradoxo comunica-cional entre o que é dito (conteúdo) e o modo como é dito (relação). Assim, um texto noticioso sobre um acidente tenderá a pedir uma voz mais grave e pausada, enquanto uma piada poderá solicitar uma variação de vozes e imita-

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ções (no estilo do humorista Tom Cavalcante, por exemplo). Isso implica que podemos utilizar nossa voz de diferentes modos e para diferentes finalidades comunicativas (informar, entreter, conversar etc.).

Caso haja interesse em usar som, voz e texto, o melhor início é através das mídias sonoras. Uma curiosidade: boa parte dos profissionais que traba-lha em TV (jornalistas, atores, apresentadores etc.) muitas vezes começou trabalhando em rádio. Muitos dos que fizeram esse percurso costumam dizer que o rádio é uma “escola” para quem pretende trabalhar na TV.

Para um melhor uso da voz na produção de textos mediáticos (radio-fônicos, audiovisuais etc.), é importante conhecer alguns de seus aspectos importantes. Por exemplo, e algo que por vezes é um detalhe desconhecido: grande parte das falas na esfera sonora (rádio) e audiovisual (TV, cinema etc.) é lida, não apenas falada de modo espontâneo. Ou seja: há um roteiro para ser lido, mas que deve ser interpretado como se fosse apenas “falado espon-taneamente”, e não lido ou, como diz o pesquisador espanhol Emilio Prado, “os textos não são lidos, devem ser ditos” (PRADO, 1989: 20). Essa regra vale tanto para os textos informativos que devem ser lidos quanto para os textos ficcionais (dramáticos, cômicos etc.) que devem ser lidos (no rádio) ou me-morizados e dramatizados (no cinema e TV). Ou seja: ambos devem ser lidos a partir de roteiros prévios, com indicações de quem lê o quê, para facilitar o trabalho de leitura de cada pessoa na realização de um projeto radiofônico.

No caso dos textos informativos, a ideia é que o apresentador pareça estar conversando informalmente com o ouvinte ou telespectador; na prática, porém, ele estará lendo um texto através de um teleprompter ou de um cartaz com as letras desenhadas em tamanho bem grande (no caso particular da TV) ou através de um conjunto de folhas (no caso do rádio).

Ilustração de uso de um teleprompter

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No caso da ficção radiofônica, há uma diferença: o texto deve ser, de fato, interpretado, dramatizado, pelas pessoas. É interessante que os alunos possam criar seus próprios textos, referentes a questões ligadas ao seu co-tidiano, ou adaptar textos já conhecidos. Para tal, podem criar personagens com nomes fictícios e a figura de um narrador que ajudará a conduzir a trama; com o auxílio de efeitos sonoros (obtidos diretamente através do manuseio de objetos ou através de arquivos sonoros no computador), é possível criar todo um universo que ajudará a despertar a imaginação do ouvinte.

Esses recursos são fundamentais no rádio e na TV; isso ocorre porque os textos escrito e oral apresentam características bem diferentes entre si; nesse caso, é importante conhecer as diferenças entre ambos. A pesquisa-dora e filósofa espanhola Maria Victoria Reyzábal (1999: 57-8) enumera as principais diferenças entre a linguagem oral e a linguagem escrita; ressalte-se que, como o original da autora é de 1993, ainda não havia lugar para as me-diações por computador. A seguir, a tabela com as diferenças entre linguagem oral e linguagem escrita.

ORAL ESCRITAConstituição pelos sons Constituição por grafiasRealização presencial e imediata (exceto quando mediada por tecno-logias como telefone ou rádio)

Realização mediada, sem presença do leitor e sem estímulo-resposta imediato

Ocorrência de fatos supostamente graças à situação ou contexto (apon-tado através do uso de marcadores dêiticos: “eu”, “aqui”, “agora” etc.)

Necessidade de inclusão do contex-to da situação

Uso de elementos verbais próprios (pausas, entonações, ritmo, intensi-dade, duração), gestuais e corporais

Uso de elementos verbais, iconográ-ficos (imagens) e gráficos (pontua-ção, margens, sublinhados etc.)

Ocorrência de uso de repetições, interjeições, exclamações, onomato-peias etc.

Tendência a evitar repetições, inter-jeições, exclamações ou onomato-peias

Possibilidade de rompimento da sin-taxe (omissões, desvios, anacolutos) e de uso de diferentes registros da língua (coloquial, gírias, jargões etc.)

Cuidados com o léxico, com uma sintaxe mais explícita e coerente e o uso de um mesmo registro linguístico ao longo do texto

Uso universal e aprendizagem “es-pontânea”

Uso não universal, aprendizagem “na escola”

Caráter temporal Caráter espacial

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Menor precisão ou rigor no uso da fala, do ponto de vista linguístico, por conta do pouco tempo de estrutura-ção do discurso

Maior precisão ou rigor no uso da fala, do ponto de vista linguístico, por conta do grande tempo de estrutura-ção do discurso; é passível ainda de correções, ampliações, acréscimo de esquemas etc.

Fonte: Reyzábal (1999: 57-8)

O quadro proposto por Reyzábal deixa mais explícitas as diferenças entre uma fala coloquial, cotidiana, e uma fala profissional (repórter de TV ou rádio, apresentador etc.): ainda que ambas as situações sejam orais, a fala profissional requer um texto escrito mais estruturado e solicita também uma interpretação corporal e gestual de quem fala (na verdade, de quem lê). As-sim, o texto, para ser falado na TV ou no rádio, deve ser também previamente bem redigido; sua redação deve obedecer tanto a certas características da oralidade quanto a certas características da escrita.

Desse modo, como redigir um texto para ser lido, seja pela própria pessoa ou por outra pessoa? Por ora, iremos nos referir apenas ao âmbito sonoro (radio-fônico), ainda que a maior parte das considerações feitas aqui seja válida para a realização de produtos audiovisuais no que diz respeito à redação e locução de textos. O importante é ter em mente que há alguém que redige o texto (um redator) e alguém que irá ler o texto (um locutor), sendo que em alguns casos ambas as tarefas podem ser desempenhadas pelo mesmo aluno. A partir de al-guns manuais de redação para jornais radiofônicos (PORCHAT, 1986; PRADO, 1989) e televisivos (PATERNOSTRO, 1987; CUNHA, 1990; SQUIRRA, 1990), sintetizamos as principais particularidades desse tipo de texto, que na verdade é um roteiro. Ainda que as recomendações sejam direcionadas para a redação de um texto informativo, nada impede que grande parte delas seja usada em textos ficcionais (em particular, as recomendações técnicas).

Exemplo de roteiro de rádio

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1) Usar fontes tipográficas com alta legibilidade e grandes. Nunca usar tipos difíceis de serem lidos ou muito pequenos;

2) usar de frases curtas (períodos longos cansam a quem lê e a quem ouve, e dificultam a compreensão do que está sendo dito) e de palavras também curtas ou mais cotidianas, se possível (mas se deve evitar tanto gírias e ter-mos formais demais quanto expressões estrangeiras e jargões técnicos);

3) preferir a redação da frase em ordem direta (sujeito + predicado + comple-mento). Isso ajuda, por exemplo, a evitar o início de um texto com gerúndio;

4) escrever o texto em voz alta, durante a sua feitura. Ou seja: escreva à medida que for falando, o que fará o texto soar mais “natural” e permitindo notar se o texto está longo; se existem expressões difíceis de serem pronunciadas (“ele tem algumas exigências”, por exemplo), cacofonias (“o jogador não marca gol há três jogos”; “o boom da música paraense”) ou aliterações desagradáveis (“a seleção do Japão jogou um bolão contra o Gabão...”). E ler de novo em voz alta após concluí-lo para ver se passou alguma sonoridade indesejável;

5) usar espaços (margens) nas laterais e de espaçamentos duplos entre perí-odos completos, para melhor visualizar o texto;

6) nunca cortar palavras ao fim da linha, nem cortar frases de uma página para outra (virar a folha interrompe a leitura do período);

7) numerar as páginas e usar, no fim das mesmas, os termos “continua” (se o assunto continuar na folha seguinte) ou “fim” (se o tema se encerrar ali);

8) usar sinais gráficos (vírgulas, pontos, reticências, travessões) para melhor pontuar a locução e garantir pausas para o locutor;

9) usar sinal de interrogação no começo do período interrogativo (como na língua espanhola) para que o locutor saiba previamente que está diante de uma frase interrogativa:

(?) Será que nosso colégio vai ter bom desempenho nas olimpíadas escolares esse ano?

10) marcar as palavras e os nomes estrangeiros com um sinal específico (um asterisco, *, por exemplo) e indicar, na parte de cima da folha, a sua pro-núncia correta.

locutor: “Barack” se pronuncia “Baráque”

O presidente norte-americano Barack* Obama...

Locutor: “Renoir”: pronuncia-se “Renuá”

Um quadro do pintor francês Renoir* ...

1) sublinhar as palavras a serem enfatizadas pelo locutor;

2) marcar as citações (frases de outras pessoas) com aspas;

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3) redigir frações, percentuais, algarismos romanos e tempos técnicos, fra-cionados, por extenso;

“Um terço dos brasileiros...”

“54 por cento da população da Ásia...”

“Machado de Assis escreveu, no século dezenove...”

“O piloto venceu por um minuto, dois segundos e 9 décimos de vantagem...”

14) evitar ordinais acima do décimo. Substitua por números, alterando a estru-tura da frase;

15) dar preferência ao uso de verbos no presente do indicativo ou no futuro composto, evitando o futuro do indicativo. Ou seja: prefira dizer “o profes-sor viaja amanhã” ou “o professor vai viajar amanhã”, em vez de “o profes-sor viajará amanhã”;

16) evitar, quando possível, o uso de adjetivos valorativos (por outro lado, quando possível, usar os adjetivos descritivos, já que no rádio não há ima-gens) e de advérbios terminados em “mente”;

17) ter cuidado com palavras e/ou expressões homófonas (com o mesmo som mas expressando coisas diferentes: “se deu” x “cedeu”, “em comum” x “incomum”) e que causem dubiedade de sentido;

18) treinar a locução com um objeto na boca, seguro entre os dentes (lápis ou caneta na horizontal, o mais profundo possível, com as pontas para fora da boca) para melhorar a produção dos sons vocais;

Exercício de dicção com caneta na boca (ilustrar de modo mais didático)

19) fazer uma leitura dramatizada de um mesmo texto com diferentes tipos de interpretação (um discurso oral, uma leitura escolar, uma conversa fami-liar etc.).

3.3 O texto para ser lido: a locução

A redação do texto é uma parte do processo; é preciso considerar tam-

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bém as características de quem vai fazer a locução do texto. Ou seja: há ou-tros aspectos importantes, agora em relação à voz do locutor. Segundo Feijó (in KYRILLOS, COTES & FEIJÓ, 2003: 48-56), as principais características vocais a serem consideradas são:

- a frequência, o tom usado para falar, que pode ser: grave (grosso), médio ou agudo (fino). Ler uma mesma frase engrossando e afinando a voz pode ajudar a perceber qual é o melhor tom para cada pessoa.

- a intensidade, o volume da voz. O ideal é nunca tentar falar alto, pois cabe ao microfone amplificar a voz humana.

- a ressonância, a capacidade de o som vocal estar distribuído harmonica-mente nas estruturas da laringe, boca e nariz, de modo a nem ficar muito gutural (“preso na garganta”), nem muito anasalado (“saindo pelo nariz”).

- a articulação, de modo a que possamos ouvir os sons de modo claro e preciso (sem trocar o /b/ pelo /p/ ou o /r/ pelo /l/, como ocorre com o perso-nagem Cebolinha).

- finalmente, o ritmo ou velocidade da fala, cuja média oscila entre 130 e 180 palavras por minuto. Uma fala acelerada pode “engolir” sons, enquanto uma fala pausada demais pode fazer com que o ouvinte ou telespectador se canse ou fique entediado.

Além disso, os alunos também podem “colorir” a própria voz, ou seja, criar variações conforme cada situação prevista pelo texto (seja ele escrito ou improvisado, caso ocorra). Feijó (in KYRILLOS, COTES & FEIJÓ, 2003: 56-61) também enumera alguns recursos que podem ser utilizados nesse processo:

- a ênfase, obtida através de um reforço da intensidade, de uma articulação mais precisa e de uma velocidade mais lenta. Ela equivale a uma espécie de grifo do texto oral. Deslocar a ênfase em uma frase cria percepções distintas da mesma. Tomemos a seguinte frase, sem nenhuma ênfase:

Ele é o melhor ator que eu já vi interpretar

Adicionemos agora diferentes ênfases:

Ele é o melhor ator que eu já vi interpretar

Ele é o melhor ator que eu já vi interpretar

Ele é o melhor ator que eu já vi interpretar

Ele é o melhor ator que eu já vi interpretar

Perceba-se que cada uma das frases acima enfatiza um aspecto dife-rente: a pessoa, a sua qualidade, quem o viu ou ação executada.

- a inflexão, ou seja, a melodia da fala, que pode ser ascendente (como nas perguntas) ou descendente (na fase final dos períodos). A ascendência vo-cal estaria ligada a um sentimento de positividade e alegria, enquanto a

SAIBA MAISNossa voz nunca é igual à voz que “ouvimos” em nossa cabeça. Isso ocorre porque ela “reverbera” dentro do nosso crânio através dos ossos, cartilagens e músculos de nossa cabeça. As demais pessoas ouvem nossa voz propagada pelo ar. O melhor modo de conhecer a própria voz é gravando-a num estúdio de som profissional, de preferência com um bom microfone.

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descendência pode indicar tanto conclusão de pensamento quanto parece se referir a fatos tristes ou sérios. Para evitar a descendência vocal em particular, é preciso redigir períodos curtos; uma frase muito longa fará o apresentador perder o fôlego, uma vez que ele não poderá pegar ar para continuar a falar. Ao mesmo tempo, é preciso evitar que a fala seja sempre ascendente ou sempre descendente; ambos os casos provocam monoto-nia no ouvinte ou telespectador. É interessante redigir frases de diferentes tamanhos (caracteres); o ideal é encontrar um padrão de tamanho de tex-tos (períodos, frases) adequado para se ler com uma certa naturalidade e sem fazer o locutor perder o fôlego.

- as pausas, silêncios entre as palavras e que são necessários para uma melhor compreensão do que está sendo dito. Em geral, as pausas vocais devem obedecer as pausas de sinais de pontuação das frases escritas (vírgulas, ponto e vírgula, dois pontos). Em outros momentos, uma pausa maior pode indicar o relevo a ser dado a uma determinada informação. Vejamos a seguinte frase:

O melhor ator que eu já vi interpretar: ele

Perceba-se que, na frase acima, “ele” tanto recebe uma ênfase quanto é antecedido de uma pausa (os dois pontos) para dar maior relevo à palavra.

- e, enfim, o ritmo ou velocidade da fala. Se o assunto for algo dinâmico (matérias sobre esportes, por exemplo), o locutor pode falar um pouco mais acelerado e com um tom mais agudo; mas se o tema em questão for uma morte ou uma tragédia, o mais prudente é usar uma velocidade mais lenta e um tom mais grave.

É importante que os alunos percebam que o casamento entre voz e som deve ser balanceado. Se a meta é fazer um programa de música para um pú-blico jovem (portanto, um tipo de música mais acelerado), há a tendência em fazer uso de uma voz mais acelerada e aguda. Se, por outro lado, há interesse em fazer uma espécie de noticiário radiofônico, o uso de vozes mais graves e sons mais “sérios” pode ser o mais adequado. Tudo depende de uma harmonia entre os ritmos dos sons e músicas, os estilos de voz e os assuntos abordados.

3.4 Os formatos radiofônicos

Assim, também é importante discutir sobre os formatos radiofônicos. A audição cotidiana de rádio permite aos alunos perceberem diferentes formas de manifestação do som, da voz e da informação nesse meio. Para iniciar, o mais prudente é trabalhar com notícias e entrevistas. Vejamos aspectos de cada um. A notícia é (como vimos anteriormente) uma espécie de informação que, supõe-se, alguém (no caso, o ouvinte) não conheça. Para redigir uma

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notícia, é importante que se responda no texto a um conjunto de seis pergun-tas básicas: quem, o quê, onde, quando, como e por quê? A resposta a essas perguntas é chamada, no ambiente jornalístico, de lide (vindo do inglês, lead), e tende a ser o primeiro parágrafo do texto jornalístico maior, chamado notícia. Imaginemos o seguinte texto noticioso, para fins de ilustração:

“O ministro da Educação, José da Silva, afirmou ontem, em Brasília, durante entrevista coletiva, que as verbas para a educação aumentaram 2,3% em 2011. Segundo ele, isso foi possível por conta de alterações no Orçamen-to da União”

Nesse texto, temos todas as respostas às perguntas importantes:

PERGUNTA RESPOSTAquem O ministro da Educação, José da Silvao quê afirmou que as verbas para a educação aumentaram 2,3%

em 2011quando ontemonde em Brasíliacomo durante entrevista coletivapor quê por conta de alterações no Orçamento da União

Duas coisas tornam esse texto noticioso: uma delas é o fato de ele ser uma resposta a todas às perguntas que permitem a redação do lide jornalístico; a outra é o fato de essa informação (pressupõe-se) ser desconhecida por alguém.

Outro gênero fundamental no rádio é a entrevista. Ela consiste num diá-logo entre pelo menos duas pessoas: uma (a entrevistadora), que procura ob-ter mais informações sobre um dado assunto, e a outra (a entrevistada), que pode falar a respeito desse mesmo assunto. Como a entrevista pressupõe conversar com um especialista sobre um determinado assunto, é importan-te que o entrevistador se prepare bem antes, lendo sobre o assunto. Nesse caso, pode ser útil constituir uma equipe de produção, que ficará responsável pela coleta e organização de informações sobre aquele assunto.

A entrevista permite pensarmos em outros gêneros que são dela resultan-tes, como a mesa-redonda (que reúne várias pessoas para debater um mesmo assunto) e o debate (onde se reúne pelo menos duas pessoas com opiniões diferentes ou opostas sobre um mesmo tema para discuti-lo). Além disso, esses formatos se tornam mais interessantes se o entrevistador fizer perguntas de outras pessoas ou se outras pessoas puderem fazer perguntas diretamente aos entrevistados, tornando a interação social da entrevista mais dinâmica.

SAIBA MAISProgramas informativos de rádio e de TV costumam ter três etapas de realização: a produção (que envolve a coleta de informações sobre entrevistados, assuntos etc.), a captação das informações (gravação de entrevistas e depoimentos) e a edição (a montagem do material obtido, ordenando as partes: fala do repórter, fala do primeiro entrevistado, fala do segundo entrevistado etc.).

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É possível ainda buscar trabalhar com os alunos usando outros forma-tos radiofônicos, como spots educativos (informações educativas sobre saú-de, meio ambiente etc.), programas de variedades (que podem misturar textos noticiosos, entrevistas, música etc.), anúncios publicitários educativos (com uso de jingles e slogans), gincanas (com jogos de perguntas e respostas, adivinhas), pequenos documentários (um trabalho de pesquisa realizado por alunos para ser transformado num documentário radiofônico) ou programas de retrospectivas (o que de melhor ocorreu na escola, na cidade ou no país naquele ano).

É importante adotar algumas práticas. Uma delas é a identificação de todo e qualquer material gravado. Ao salvar os arquivos sonoros, é útil dar no-mes que permitam reconhecer facilmente seu conteúdo. Uma entrevista com um professor da escola sobre os problemas do álcool pode ser nomeada assim:

“entrevista 2 de agosto professora Fulana álcool programa X”

Outra sugestão é criar uma pasta específica para cada programa (se for o caso), com data diferente, e guardar todos os arquivos referentes àquele programa nessa mesma pasta. Aqui, organização é fundamental, para não haver riscos de não encontrar o material desejado.

Outra escolha fundamental: fazer tudo ao vivo ou gravado? Se a escola for dotada de condições que permitam a realização de um programa ao vivo, é preciso ainda considerar se os alunos estão “preparados” para tal atividade. O mais aconselhável é iniciar essas atividades gravando, pois sempre há, nesse caso, a possibilidade de edição e/ou correção do material, assim como é possível gravar novamente, se houver tempo disponível. Muitos outros as-pectos sobre o uso do rádio na escola podem ser muito bem aprofundados em Consani (2010).

Em suma: a possibilidade de trabalhar sonoramente com os alunos per-mite uma rica interação entre eles, um forte espírito colaborativo e o trabalho mais adequado a cada personalidade ou tipo de aluno. Assim, um aluno mais desinibido pode ficar responsável pela locução; outro, que apresente maior faci-lidade em Língua Portuguesa, pode revisar os textos dos roteiros; outro, que te-nha noções de música, pode compor músicas, jingles ou vinhetas, e assim por diante. Por outro lado, o professor também pode estimular os alunos a “trocarem os seus papéis”. Finalmente, é sempre interessante uma avaliação crítica coleti-va, posterior, dos processos executados e dos trabalhos desenvolvidos.

4. A imagem

Aqui, vamos abordar a imagem fotográfica e mostrar seus princípios óticos, os quais podem ser aprendidos ludicamente pelos alunos

GLOSSÁRIOSpot (termo em inglês, pronuncia-se “ispóti”) é o nome que se dá à peça publicitária produzida para rádio, feita com locução de uma ou mais pessoas, com ou sem efeitos sonoros. Pode se referir a produtos, informações ou serviços.

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O uso do termo “imagem” é complexo na contemporaneidade. Isso ocorre porque ele aponta para significados ora distintos (“imagem de uma em-presa”, “imagem de uma pessoa”), ora paralelos (“um quadro é uma imagem”, “quadrinhos são imagens”), ora pertencentes a campos distintos (“um raio X é uma imagem”, “o ultrassom produz imagens em movimento”, “o microscópio mostra a imagem de uma cadeia de DNA”). Em suma: por significar muitas vezes diferentes objetos e práticas sociais, o termo “imagem” acaba não tendo um contorno preciso.

Dentro da proposta que estamos trabalhando aqui, não vamos trabalhar com todas as acepções possíveis do termo “imagem”. Aqui, iremos restringir a imagem a seus potenciais usos técnicos na esfera mediática: a fotografia e o vídeo. Neste tópico em particular, iremos nos deter apenas na fotografia; quanto ao vídeo, este será abordado na relação entre imagem, texto e som.

4.1 A imagem fotográfica

A relação do ser humano com a fotografia mudou definitivamente com o advento da digitalização das imagens fotográficas. Antes, havia todo um mistério que cercava o manuseio da máquina fotográfica, a revelação do filme fotográfico e a ânsia de saber se a fotografia havia ficado boa ou não; ago-ra, seja em máquinas fotográficas digitais, celulares, smartphones ou tablets, realizar fotografias se tornou algo até verdadeiramente cotidiano. Não seria exagero dizer que nunca foram feitas tantas fotografias quanto nos dias de hoje, e sua proeminência nas mídias digitais sociais é um bom exemplo disso.

Além disso, a imagem fotográfica perdeu grande parte de seu caráter “mí-tico”, tecnicamente falando. Em outros termos: a fotografia analógica, revelada a partir do seu negativo, tinha uma aura testemunhal, uma vez que ela era resul-tado exclusivo de um processo físico (a luz que ilumina os objetos fotografados era captada pelo filme fotográfico). Com isso, o que víamos na fotografia verda-deiramente “havia ocorrido” diante do fotógrafo e do seu equipamento; porém, isso não significa que não existissem trucagens nesse tempo.

A fotografia digital ainda tem seu caráter documental, uma vez que toda máquina fotográfica digital salva as imagens no formato “raw” (“raw”, em português, significa “cru”) em sua memória; assim, o formato “raw” seria o equivalente eletrônico do antigo negativo. Quando a imagem fotográfica é transferida para um computador, a tendência é ela ser manuseada, seja em seus aspectos visuais (brilho, contraste) ou em seus conteúdos (distorções, eliminações ou inserções de objetos na imagem etc.). Ou seja: nem o advento da tecnologia digital seria suficiente para modificar o sentido original da pala-vra “fotografia”: “foto” vem do grego, fós, e significa “luz”; “grafia” também vem

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do grego, graphis, e significa, dentre outras coisas, “escrita” ou “estilo”. Assim, “fotografia” significa “escrita com a luz”. Com isso, percebe-se que a existên-cia de uma fonte de luz (natural, como o Sol, ou artificial, como lâmpadas ou o flash) é fundamental para que a fotografia exista.

A imagem fotográfica, obviamente, também é algo comum entre crianças e adolescentes. Por isso o trabalho com fotografias na escola é algo que pode ser extremamente prazeroso mas, nem por isso, devem ser deixados de lado os aspectos éticos e pedagógicos dessa prática. Além disso, e por mais paradoxal que possa parecer, alguns jovens têm demonstrado interesse em uma prática fotográfica que obedece ao antigo princípio ótico da máquina fotográfica analó-gica e do filme fotográfico, chamado de camera escura: é o pinhole (pronuncia--se “pim rôu” e sua tradução significa “buraco de agulha”). Assim, é possível co-meçar a trabalhar com imagens fotográficas na escola por duas vias: o pinhole, artesanal, e a imagem digital. Como material, será necessário:

pinhole:

- papel fotográfico P & B (preto e branco);

- latas ou caixas vazias (de vários tamanhos, se possível);

- papel cartão preto ou tinta preta fosca;

- papel alumínio ou pedaço de lata de refrigerante (no caso do uso de uma lata). Neste caso, acrescente fita adesiva;

- material para cortar a caixa ou lata (tesoura, estilete etc.);

- agulha.

Imagem digital:

- máquinas fotográficas digitais, com saída USB ou cartão de memória;

- computador, com entrada USB ou de cartão de memória e software de edição de imagens (Photoshop, Illustrator, GIMP);

- tripés fotográficos, monopés ou mini-tripés (opcional, mas bastante útil se alguma atividade pedagógica envolver a feitura de autorretratos fotográ-ficos ou for necessário estabilidade total da máquina fotográfica. Aqui, a consulta a um especialista será extremamente útil). Caso haja essa opção, recomenda-se incluir um cabo disparador;

- impressora (opcional, caso queiram imprimir as fotografias);

- papel fotográfico para impressão (opcional, caso queiram imprimir as foto-grafias em papel de qualidade e durabilidade).

4.2 A informação na fotografia

Antes de qualquer coisa, vale ressaltar: a imagem fotográfica (assim

SAIBA MAISCamera obscura é o nome dado a um experimento realizado por Leonardo da Vinci no século XV, em suas pesquisas para facilitar a prática do desenho e da pintura. Ele percebeu que a luz, ao passar através de um pequeno orifício para dentro de um quarto totalmente escuro, projetava a imagem do que estava em frente ao orifício, só que de maneira invertida. Esses princípios óticos já eram discutidos pelo filósofo grego Aristóteles e pelo matemático árabe Alhazen no século XI na obra Kitāb al-manāzir.

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como qualquer imagem) não cria sentido por si só. Em geral, as fotografias aparecem acompanhadas de legendas (jornais, revistas, sites), títulos (gale-rias, museus) e, no limite, até de sons (em 1962, o cineasta francês Chris Ma-rker fez um “filme” chamado La Jetée, apenas com imagens fotográficas em preto e branco e sonorização, através de vozes, música e efeitos sonoros). O que queremos dizer com isso? Que existe uma relação entre imagem e verbo; como já dissemos anteriormente, se temos diante de nós a imagem de algo que não conhecemos, “buscamos” um nome para aquilo; por outro lado, se nos apresentam uma palavra cujo significado concreto nos é desconhecido, uma imagem nos ajudará a saber do que se trata. Em suma: palavras e ima-gens tendem a trabalhar juntas.

Tomemos como exemplo o livro do fotógrafo brasileiro Sebastião Salga-do intitulado Trabalhadores (1997): por mais que as fotografias ali presentes possam nos remeter a outras noções, elas estarão “etiquetadas” como “fotos de trabalhadores”. Se o nome do livro hipoteticamente fosse Pessoas, nossa percepção seria parcialmente modificada, e deixaríamos de ver “trabalhado-res” nas imagens para pensarmos em “pessoas”. Isso não significa que os nomes delimitam nossa leitura das imagens; apenas significa que quem as produziu queria que as interpretássemos a partir do nome que ele sugeriu. Ou seja: não podemos confundir a sugestão do autor com a interpretação do leitor.

Outro aspecto importante da fotografia (e das imagens em geral) diz respeito não apenas àquilo que vemos nela, mas também àquilo que não ve-mos, ou melhor: àquilo que não está presente na fotografia. Essa operação bastante simples, chamada de “enquadramento”, estabelece um duplo movi-mento: seleciona tanto aquilo que quer mostrar quanto seleciona aquilo que não quer mostrar. Essa prática é bastante comum também nas redações de jornais e revistas, quando o espaço dedicado a uma imagem é menor do que a fotografia original; a esse processo, nas redações, se costuma chamar de edição fotográfica (ilustrar/exemplificar).

Ao realizar esse processo seletivo, vamos construindo também uma memória; só que essa memória tende a se constituir apenas daquilo que foi “materializado” em imagens. Quando montamos um álbum fotográfico de nos-sa família, tendemos a fazer isso: selecionamos as melhores fotos (conforme critérios individuais) e deixamos outras de lado por uma série de motivos (qua-lidade fotográfica, mau enquadramento, foto tremida etc.). E, muitas vezes, no limite e no melhor estilo “novelesco”, sempre há alguém que rasga ao meio uma foto de um casal que já não está mais junto...

Essa memória se estende para além de nossas próprias vidas. Muitos de nós sabemos, por exemplo, que a guerra do Vietnã existiu, entre 1959 e 1975; porém, a maior parte de nós tende a se lembrar apenas da fotografia

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intitulada “The Execution”, feita pelo fotógrafo Eddie Adams (da Associated Press) em 1968, e que mostra um homem apontando um revólver para a ca-beça de outro homem (além da imagem da garotinha nua correndo pelas ruas na direção do fotógrafo). Ou seja: a memória da guerra do Vietnã se resume, para muitos, apenas àquela fotografia.

Mas fiquemos ainda nessa fotografia. Como dissemos anteriormente, a imagem fotográfica (fixa) tem um poder reduzido: ela nos mostra apenas o quê acontece (uma execução) e como acontece (um homem atira na cabeça de outro). Porém, ela não nos mostra o porquê isso acontece. Em depoimento, o fotógrafo Eddie Adams explica posteriormente que, na verdade, o “assassino” era um chefe de polícia de Saigon, general Nguyen Ngoc Loan, enquanto a vítima era comandante de um grupo de extermínio vietcongue, que havia aca-bado de matar, com os seus comandados, mais de 30 pessoas, entre oficiais e civis, mulheres e crianças. Entre as vítimas, estava um dos comandantes de Loan e toda a sua família (esposa e seis filhos). Em entrevista para a revista norte-americana Time em 1998, o próprio Adams disse:

“O general matou o vietcongue; eu matei o general com a minha câ-mera. As fotografias, silenciosas e profundas, são a arma mais poderosa do mundo. As pessoas acreditam nelas; mas fotografias mentem, mesmo sem manipulação. Elas são meias-verdades. O que a fotografia não diz é: “o que você faria se você estivesse no lugar do general, naquele tempo e lugar de um dia quente, e pegasse um ‘bad guy’ depois que ele exterminou um, dois ou três soldados americanos?”.

Ou seja: de algum modo, a fotografia “nos enganou”. Por isso, muitas ve-zes, uma imagem necessita de um texto: para tirar a sua ambiguidade (como já havia sugerido Barthes).

Por outro lado, a fotografia traz consigo um forte potencial representa-tivo, sendo que o verbo “representar” aqui deve ser entendido no sentido de “tornar presente de novo”. É graças à fotografia que podemos, por exemplo, saber como são visualmente o quadro da Mona Lisa (ainda que seja diferente ver a foto e ter o quadro diante de si), as pirâmides do Egito, o rosto de Mahat-ma Gandhi e muitas outras pessoas, lugares e objetos aos quais dificilmente teremos acesso direto e presencial.

Finalmente, cumpre lembrar as diversas finalidades que a fotografia apresenta em nossa sociedade. O pesquisador brasileiro Isaac Antonio Ca-margo (1999: 17-29) enumera algumas funções da imagem; vamos aqui citar apenas aquelas diretamente ligadas à fotografia:

- representativa. Sua finalidade é reproduzir algo que exista ou, se for um desenho, que tenha possibilidade de existir. No caso da fotografia, sua prin-cipal virtude é de ser figurativa, ou seja, de conseguir reproduzir boa parte

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dos traços visuais de algo concreto. A imagem figurativa se opõe à imagem abstrata, que busca não representar nada concreto.

- informativa. Uma imagem é informativa quando ela consegue reproduzir ou projetar vários dados e informações sobre aquilo que ela mostra. Uma fotografia colorida, por exemplo, pode visualizar melhor a gama de cores de um ambiente do que um desenho feito à mão. Além disso, a fotografia pode mostrar informações sobre si própria e suas condições de produção: se é colorida ou em preto e branco, se foi feita em alta ou baixa resolução etc.

- simbólica. Segundo Camargo (1999: 23), uma imagem é simbólica “quan-do representa os anseios, crenças e intuições de um grupo social e, des-ta forma, dá-lhe sentido”. Ou seja: quando, além de aspectos materiais e visuais, a imagem também carrega potenciais referências ideológicas e/ou culturais. Assim, uma cruz pode ter sentidos simbólicos distintos para os cristãos e para não cristãos; o rosto de Che Guevara pode simbolizar juventude, luta, militância, esperança, inconformismo e uma série de outras possibilidades, conforme o olhar que se tem. Já dizia Umberto Eco que uma foto que mostra um negro e uma branca nus e se beijando poderia ser interpretada por um hippie californiano como “a promessa de uma nova co-munidade”; ou interpretada, por um integrante da Ku Klux Klan, como uma ameaça de violência carnal (ECO, 1993: 171).

- documental. São imagens consideradas socialmente com alto grau de veri-dicção, ou seja, que aquilo que elas mostram de fato ocorreu, foi verdadeiro, ocorreu (mesmo porque as imagens fotográficas sempre remetem ao passa-do, nunca ao presente). Além disso, elas devem possibilitar o resgate de mais informações e dados a respeito do que está na fotografia. Aqui se inserem fotos de acidentes, guerras, casamentos, aniversários, animais, pessoas; ninguém duvida de sua existência, se a foto for considerada autêntica e verdadeira.

- expressiva. Quando a fotografia tem uma finalidade majoritariamente es-tética, para não dizer poética. Ela não tem necessariamente função infor-mativa ou documental. Imagens da natureza (por do sol, chuva, pássaros) e imagens em preto e branco tendem a ser percebidas como fortemente expressivas por terem um caráter estético e/ou poético, ainda que esse aspecto seja muitas vezes cultural.

- pedagógica. Sua principal característica é auxiliar na instrução e orienta-ção a respeito de algo ou de alguma ação. Se, ao final do contato com a imagem fotográfica, o indivíduo aprendeu algo, então ela terá cumprido sua finalidade pedagógica.

A pesquisadora brasileira Cristina Costa (2005: 82-84) lembra outras fi-nalidades da imagem fotográfica, do ponto de vista pedagógico:

SAIBA MAISCom o advento da imagem digital, o credo da autenticidade e da verdade fotográficas fica relativamente alterado, uma vez que é possível criar em computadores imagens de coisas e pessoas que nunca existiram com um alto grau de “realismo fotográfico”.

SAIBA MAISAs imagens (sejam elas fotográficas ou desenhadas) podem ser usadas também de modo sequenciado, para construir narrativas (como nas fotonovelas e nas histórias em quadrinhos) ou visualizar processos (como as imagens usadas em manuais de instruções e em livros que ensinam a realizar coisas no estilo passo a passo).

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- apresentação de um tema. Por exemplo, quando se apresenta a foto de algo que a maioria dos colegas nunca viu e se solicita algum tipo de ques-tionamento a respeito dela, após um tempo necessário para ler e refletir sobre a mesma;

- ilustração de um tema. Quando as ideias introdutórias de um assunto já foram apresentadas e as imagens auxiliam na visualização de aspectos particulares daquilo que é apresentado e retratado;

- exercício de fixação. Após a apresentação de um conteúdo por completo, o uso de fotografias pode auxiliar na fixação de detalhes e aspectos parti-culares do assunto em questão;

- pesquisa. Pode se dar de duas formas: a) com os alunos procurando ima-gens fotográficas sobre um dado assunto já prontas, em álbuns de família, jornais, revistas ou sites, ou b) com os alunos realizando eles próprios suas fotografias. O segundo caso, em particular, nos permite dar conta dos mo-dos como cada aluno percebe a sua realidade à sua volta.

4.3 A fotografia em sala de aula

Como já dissemos, é cada vez mais comum a prática fotográfica em nosso cotidiano. Apenas esse fato já seria suficiente para pensar em introduzir a fotografia como objeto de produção de conhecimento em sala de aula. Mas vamos nos deter aqui nos seus aspectos lúdico-pedagógicos.

Antes de tudo, é importante decidir qual a melhor técnica para trabalhar com os alunos: pinhole ou máquina digital. Se a proposta for pelo uso da téc-nica pinhole, estimular os alunos a obterem o material para “fabricarem suas próprias máquinas” posteriormente pode se tornar uma tarefa muito interes-sante (mas será preciso um laboratório para revelar as fotos); se a proposta for realizar fotografias com equipamento digital, haverá uma razoável economia de tempo na obtenção das imagens. De nossa parte, cremos ser interessante que os alunos possam realizar ambas as experiências, para melhor compre-ender tanto o processo fotográfico tradicional quanto as diferenças imbricadas nos processos analógico e digital da realização fotográfica.

Além disso, é interessante ensinar aos alunos o processo ótico da pro-dução da imagem fotográfica. Uma técnica bastante eficaz e colaborativa é incentivá-los a construírem eles mesmos uma câmera escura. Para tal, serão necessários os seguintes equipamentos:

- uma caixa de papelão (de preferência, maior do que uma cabeça humana);

- tesoura;

- cola;

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- fita adesiva;

- papel vegetal (suficiente para cobrir um dos lados da caixa);

- papel cartão preto (quantidade suficiente para cobrir os demais lados da caixa, com exceção daquele onde ficará o papel vegetal);

- lona plástica preta grossa.

Para construir a câmera escura, os alunos deverão

a) pegar a caixa;

b) colar o papel cartão preto por dentro da caixa, em todos os lados, e depois vedá-la completamente por fora, de modo a que não fique nenhuma possí-vel entrada de luz;

c) cortar um dos lados da caixa (o que vai ser coberto pelo papel vegetal) fazendo uma espécie de buraco retangular (de tamanho menor do que o do papel vegetal). Depois, cole o papel vegetal bem esticado nesse lado aberto;

d) recortar um pedaço da lona que permita cobrir boa parte da caixa;

e) fazer um pequeno orifício, com uma caneta, lápis ou outro objeto pontiagu-do, no lado da caixa que seja oposto ao lado com o papel vegetal; e

f) finalmente, colocar a cabeça embaixo da lona e visualizar as imagens pro-jetadas através do orifício no papel vegetal.

Assim, os alunos poderão visualizar melhor o processo ótico da forma-ção da imagem, a sua relação com a luz e com a ótica. Uma vez executada tal atividade, os alunos podem passar à técnica do pinhole; ela é bastante similar à câmera escura, com algumas poucas diferenças:

- no lugar de uma caixa de papelão, pode se usar uma lata (como dissemos no início);

- é preciso papel fotográfico, para fixar as imagens obtidas;

- é preciso uma agulha, ou algo perfurante, para abrir um orifício.

Fazer uma “máquina fotográfica” com a técnica do pinhole exige ape-nas um pouco mais de cuidado. Eis os passos:

A B C D E F

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a) pegar uma lata ou caixa (papelão, madeira) e pintar o seu interior e o lado de dentro da tampa com tinta preta fosca.

b) fazer um furo bem pequeno na lateral da lata ou caixa

c) colocar em volta do furo uma marcação com papel e, na frente do furo, um pedaço de papel cartão preto, colado na lateral com uma porta, e que possa ser “aberto” para deixar a luz entrar pelo orifício;

d) colocar dentro um pedaço de papel fotográfico, sensível à luz, do lado oposto ao buraco;

e) colocar a lata em frente ao objeto que se deseja fotografar, abrir por alguns segundos o orifício para deixar a luz passar por ele, e depois fechar. A lata e o modelo a ser fotografado devem ficar parados;

f) revelar o papel fotográfico dentro de um laboratório.

É importante advertir aos alunos que a imagem gerada através da técni-ca do pinhole não permite o controle de uma série de elementos (iluminação, entrada da luz, enquadramento do objeto etc.), além de gerar uma imagem em preto e branco (pois o papel é P & B). Ao mesmo tempo, há a tendência a um “encantamento”, por parte dos alunos, ao vislumbrarem a imagem apare-cendo no papel fotográfico. A partir do domínio dessa técnica, é possível fazer novos experimentos.

Finalmente, se a escolha recai sobre o uso de máquinas fotográficas digitais, é preciso instrumentalizar o aluno a fim de que ele possa saber como usá-la (caso nunca tenha manejado uma). Além disso, é importante ensiná-los a utilizarem os diversos recursos que a máquina apresenta (fotografar em co-res, em preto e branco, com tons de sépia ou com filtros, usar ou não o flash e quando, usar o zoom, saber escolher entre as pré-configurações da máquina etc.) e explicar como evitar eventuais enganos (apagar uma foto sem querer, estourar o flash, esquecer de fazer o foco correto etc.). Além disso, sempre é possível fazer correções e ajustes da fotografia num software de edição de imagens; a esse processo, chama-se tratamento de imagem.

Aliás, a possibilidade de tratamento da imagem fotográfica possibilita uma outra discussão em sala de aula: é ético alterar imagens? Até que ponto?

SAIBA MAISPara revelar a fotografia feita através da técnica de pinhole, é preciso um laboratório de verdade, sem entrada de luz (apenas luz vermelha) e com químicos para revelação. Alguns fotógrafos fazem a revelação com outros produtos (vitamina C, café etc.).

SAIBA MAISPara ter certeza de que sua pinhole está funcionando direito, ou seja, que não está entrando luz por nenhum orifício, faça um teste simples. Coloque uma folha de papel fotográfico dentro da pinhole, leve-a para um lugar com bastante sol, deixe-a por uns três minutos e revele logo depois o papel fotográfico. Se ele estiver diferente, com alguma mancha, é porque a luz está passando por alguma fresta; se não tiver nada, a pinhole está pronta para uso.

SAIBA MAISExistem artistas que fazem pequenos equipamentos de pinhole para fazerem fotos experimentais. O fotógrafo britânico Justin Quinnell, por exemplo, faz fotos coloridas de pinhole com pequenas câmeras dentro da boca. Assim, ele fotografa os seus próprios dentes e também o que estiver à frente de sua boca aberta. Seu trabalho está disponível no site http://www.pinholephotography.org/

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Corrigir contraste e brilhos são corretos? E eliminar pessoas ou objetos de uma imagem? A discussão ética sobre a informação na imagem fotográfica pode render uma excelente discussão em sala de aula, e pode ser aprofun-dada se a escola tiver interesse em realizar um jornal com e para os alunos (como veremos adiante).

4.4 Os conceitos da linguagem fotográfica

Antes de começar, é fundamental que os alunos conheçam alguns conceitos importantes da linguagem fotográfica. Um dos mais importantes diz respeito à iluminação: afinal, é a partir dela que teremos objetos e sombras na imagem fotográfica. Um bom exercício para fazer com uma máquina di-gital é solicitar aos alunos para fotografarem um mesmo local ou objeto em diferentes momentos do dia (amanhecer, meio da manhã, meio-dia, meio da tarde e entardecer) para que eles mesmos possam perceber os diferentes efeitos gerados pelas diferentes intensidades luminosas que ocorrem ao longo do dia e os diferentes sombreamentos daí decorrentes. Para o exercício ter mais efeito, é importante que os alunos façam as fotografias usando sempre a mesma configuração da máquina (e, se os alunos puderem evitar a função “automático”, melhor ainda). Outra boa dica se os alunos quiserem testar as diferentes configurações da máquina fotográfica: carregar consigo uma ca-derneta para eles anotarem as diferentes configurações usadas na máquina, a fim de compará-las com as fotografias obtidas.

O segundo momento importante é relativo à sua composição visual, ou seja, aos modos de distribuição dos elementos dentro do espaço programado na fotografia. Existem dois tipos básicos de composição: a simétrica, na qual o espaço é dividido em duas partes iguais em seu eixo vertical, e a assimétrica, na qual o espaço é dividido em no mínimo duas partes desiguais. A composi-ção simétrica é mais fácil de ser obtida pelos fotógrafos iniciantes e, às vezes por isso mesmo, tende a ter menos dinamismo visual, por ser mais previsível; já a composição assimétrica é mais difícil de ser obtida pelos iniciantes mas, ao mesmo tempo, uma vez conseguida, tende a emprestar maior dinamismo visual às fotografias (ilustrar).

Para se obter a composição assimétrica, existem algumas regras sim-ples, as quais são na verdade uma herança das Artes Plásticas. Uma dessas regras é o formato que obedece ao princípio de Vitrúvio: o retângulo áureo, horizontal ou vertical, na proporção de 2 para 3, ou seja, 2 : 3; tanto que a medida tradicional de fotografias é 10 x 15 cms. Perceba-se que o retângulo áureo tem início num quadrado.

SAIBA MAISCaso se opte pelo uso de máquinas fotográficas digitais, a sugestão é que todas elas sejam de propriedade da escola, de um mesmo fabricante e de uma mesma série, se possível, para facilitar o aprendizado dos recursos da mesma. Nem todas as máquinas apresentam os mesmos recursos e, quando apresentam, eles podem variar de um fabricante para outro.

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Retângulo áureo

A partir do retângulo áureo, alguns fazem uma composição baseada na sua constante subdivisão, tendo em vista a manutenção da proporção entre as partes. É comum que vários ilustradores, desenhistas, pintores e fotógrafos façam a distribuição dos elementos da fotografia se orientando por essa dis-posição espacial.

Outra herança é a regra dos terços, na qual o espaço áureo retangular é dividido ou em 9 partes iguais (3 x 3 partes). Há também uma variante des-sa regra, na qual as divisões são desiguais. Em ambos os casos, porém, o fundamento se mantém: as linhas servem de referência visual para “dividir” o espaço a ser fotografado, facilitando a disposição dos elementos. O seu uso é tão natural nas fotografias que alguns modelos de máquina fotográfica digital trazem essas linhas que servem como guias visuais para o fotógrafo iniciante.

Dois exemplos de regras dos terços

A composição assimétrica ajuda a evitar uma outra tendência visualmen-te equivocada: o enquadramento tendo como parâmetro o centro ótico do retân-gulo. Vamos explicar melhor: quando se quer fotografar apenas um elemento

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ou se quer que haja a predominância visual de um elemento, há uma tendência natural a que esse elemento seja colocado exatamente no meio da composi-ção, ou seja, no ponto de encontro dos eixos centrais do retângulo. Ou seja, tendendo a uma composição simétrica. O problema é que o resultado dessa composição “central” demais provoca uma espécie de “peso visual”, fazendo com que o elemento nessa posição pareça mais “pesado”, como se estivesse sendo puxado (visualmente) para baixo. Para resolver isso, basta colocar esse elemento um pouco acima do centro geométrico; esse local é denominado cen-tro ótico. Assim, é possível obter uma composição simétrica que não pareça tão previsível e que fique agradável. Uma dica para não esquecer: basta pensar no rosto humano (que é simétrico em seu eixo vertical) e ter em mente que o nariz é o centro geométrico, enquanto os olhos são o centro ótico.

Centro geométrico (6) e centro ótico (5)

4.5 Os objetos da fotografia

O que fotografar? Essa talvez não seja a pergunta mais adequada, e sim: como fotografar? É óbvio que a escolha de quem ou do quê vai ser foto-grafado é importante, mas não é suficiente. Tomemos como exemplo as fotos 3 x 4 das carteiras de identidade: como todas se assemelham (pois devem obedecer a um padrão visual), a questão se restringe apenas a quem vai ser fotografado e não como. Na prática, porém, dificilmente iremos querer fotogra-far uma pessoa querida do mesmo modo de uma foto 3 x 4. Essa diferença tem a ver com a maneira como selecionamos, enquadramos, iluminamos e compomos a fotografia.

Uma tendência natural é querermos fotografar pessoas. Neste caso, dê atenção particular aos olhos, se sua intenção for fotografar rostos: é nos olhos que a nossa atenção recai inicialmente. Assim, se precisar fazer o foco ao fotografar alguém, faça-o tendo como referência os olhos da pessoa. Se a intenção, porém, é fotografar alguém de corpo inteiro, o foco deve recair sobre

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o rosto; e se a intenção for fotografar um ambiente no qual haja pessoas (e você queira destacar elas), o foco deve recair sobre elas.

Mas há outros aspectos importantes na hora de fotografar pessoas: afinal, nem sempre elas estarão olhando para a câmera. Uma sugestão é fotografá--las quando elas estiverem olhando para algum lado. Sempre é bom atentar também, além dos olhares, para os gestos de uma pessoa; eles podem ser en-fáticos ou simbolizar alguma emoção ou particularidade da pessoa fotografada.

A presença de uma pessoa numa fotografia sempre chama a atenção; assim, é interessante evitar, quando possível, imagens sem ninguém. A pre-sença de alguém na foto ajuda a dar ao leitor uma referência de tamanho e espaço do ambiente. Por outro lado, se a ideia é justamente reforçar a noção de vazio de um dado ambiente, dê preferência a fotografar locais e objetos onde naturalmente deveria ter alguém (cadeiras, sofás, bancos de praça, por-tas abertas etc.).

Como já dissemos, a imagem não tem poder denominativo; por isso, é comum que a imprensa faça uso das legendas. Sua função é denominar os seres e objetos presentes numa fotografia. Por ora, é importante lembrar aos alunos que, ao revelarem ou imprimirem uma fotografia ou salvá-la no compu-tador, sempre é preciso colocar as informações que a imagem não consegue transmitir, por serem estritamente verbais:

- o nome das pessoas, objetos e lugares fotografados;

- a data completa e local em que as fotos foram feitas;

- o nome de quem fez as fotografias (também chamado nas redações de jornal de crédito fotográfico).

Se as fotos forem reveladas, esses dados devem ser colocados no ver-so delas; se forem impressas, devem acompanhar a imagem à margem dela; e se forem salvas no computador, é interessante que seja numa pasta espe-cífica, se possível nomeada com alguma informação que auxilie numa busca posterior (data, lugar, pessoas etc.). Isso deve ser feito por vários motivos: um deles é que ninguém é obrigado a conhecer as pessoas que estão numa foto, tampouco a data e o local onde foram feitas, bem como quem fez a foto (que apenas raríssimas vezes aparece na foto, por mais óbvio que pareça tal afirmação). Outro motivo: a tendência a esquecermos essas informações se nós formos confiar apenas e exclusivamente na nossa memória. Finalmente, essas informações são úteis para guardar as fotos e depois recuperá-las se for preciso usá-las em um outro momento.

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5. Imagem, som e texto

A linguagem audiovisual pode fazer a síntese da imagem, dos sons e do texto verbal.

A linguagem audiovisual sofre de um paradoxo em nossa sociedade: por um lado, é idolatrada (TV, cinema, Internet); por outro, muitas vezes é ta-chada de “superficialidade”, uma vez que ela não teria a profundidade do texto verbal. Muitas vezes, confunde-se a linguagem audiovisual com seus supor-tes, o que faz com que o cinema seja visto como “sétima arte” e a televisão como “algo menor”. Uma boa discussão sobre esse “modo” de perceber a TV é desenvolvida em Machado (2003: 9-66).

Nosso interesse, aqui, é na linguagem audiovisual, ou seja, no encontro entre texto verbal (escrito e/ou oral), imagem (fixa ou em movimento) e som (fala, música, ruídos). O material de que a escola necessitará é:

- equipamento de filmagem (filmadoras digitais);

- equipamento de captação de som (microfones de lapela, multidirecionais etc.);

- computadores com: placa de vídeo; softwares de edição audiovisual; entra-das e saídas USB; HD com bastante capacidade; e bastante memória RAM;

- estúdio para filmagens (opcional, mas interessante, pois o mesmo pode ser dotado de objetos cênicos sem uso no cotidiano escolar);

- sala de exibição com equipamento para amplificação do som (opcional, mas importante, caso se queira projetar material audiovisual para os alu-nos, a fim de suscitar debates e/ou análises).

5.1 A produção audiovisual: formatos, gêneros e aspectos gerais

De início, é preciso definir o que é que os alunos querem produzir audio-visualmente. Há vários tipos de formatos e gêneros audiovisuais que podem servir de parâmetro: pode ser um programa informativo, um pequeno teleno-ticiário, um videoclipe, a encenação de um conto ou um minidocumentário. É importante que os alunos tenham assistido a alguns produtos audiovisuais para terem uma melhor noção daquilo que pretendem e o porquê da escolha daquele formato e/ou gênero. Uma boa introdução a essa discussão (gêneros e formatos televisivos, por exemplo) está presente em Machado (2003: 67-123; 173-96) e em Aronchi de Souza (2004). Mas, no final das contas, as fina-lidades básicas do material audiovisual tendem a ser duas: informar e entreter. Ressalte-se que essas características podem caminhar juntas, não precisam ser incompatíveis entre si.

É também interessante fazer os alunos perceberem como são construí-

SAIBA MAISCaso o professor queira fazer uso de histórias ficcionais encenadas pelos alunos, uma boa opção é fazer uso de materiais usados e/ou quebrados como objetos cênicos. Assim, computadores, telefones, aparelhos de TV e outros objetos quebrados ou sem uso podem ser utilizados como “recursos cênicos” sem gasto nenhum. Esses objetos tanto podem ser dos alunos quanto da própria escola.

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das as diferentes relações entre texto verbal e imagem nos produtos audiovisu-ais. Quando a ênfase é a informação, a imagem tende a cumprir função des-critiva (de pessoas, ambientes, acontecimentos), enquanto o texto verbal (oral e/ou escrito) cumpre funções denominativas (identifica pessoas, locais, datas, motivos etc.). Já no caso de um produto audiovisual ficcional, a ênfase verbal é nos diálogos, enquanto as imagens mostram ações. A leitura comparativa de pequenos fragmentos audiovisuais (noticíarios, novelas, filmes, game shows, desenhos animados etc.) em sala de aula auxilia nesse tipo de percepção.

Além disso, é importante que os alunos percebam a importância crucial de outros elementos da linguagem audiovisual, como o uso (ou não) de cores, o papel da iluminação e das sombras etc. Neste caso, uma boa sugestão para o educador é a leitura de Block (2010). Finalmente, é importante fazer com que os alunos prestem igual atenção ao uso do som (em particular, músicas, vinhetas, efeitos sonoros). O pesquisador francês Michel Chion (1990), por exemplo, chegar a falar (acertadamente) em “audiovisão”, ou seja: que, diante de um filme, não apenas vemos, mas “audiovemos” (consumimos imagens e sons simultaneamente).

5.2 Planejamento da produção audiovisual: etapas e processos

Uma vez tendo consumido de modo técnico o material audiovisual e tendo definido os formatos e/ou gêneros a serem trabalhados em sala de aula, é preciso tomar outras decisões: quem estará diante das câmeras? Será para representar, para entrevistar ou para mediar um debate? Quem filmará? Quem poderá ser entrevistado? Qual o assunto a ser abordado? Onde serão feitas as gravações e/ou entrevistas: na escola ou fora dela? Quanto tempo será gasto com cada entrevistado? Há material visual de apoio (outras imagens audiovisuais ou fotografias)? Quem irá fazer a edição do material, colocando--o em ordem? Percebe-se aqui, uma vez mais, a necessidade de um trabalho coletivo, com decisões a serem tomadas em grupo.

O segredo de uma boa produção audiovisual (em termos de obtenção das metas pretendidas, e não necessariamente em qualidade visual e sono-ra) está, em boa parte, concentrado no desenvolvimento de um roteiro bem planejado: como já vimos anteriormente, programas radiofônicos e televisivos, por mais coloquiais que possam parecer, na verdade são resultado de um ro-teiro prévio. É importante definir, já no roteiro, se o material será sequenciado ou compilado. Uma sequência prevê uma ordenação no conjunto das ima-gens e informações verbais; uma compilação, por sua vez, indica que haverá a reunião de informações audiovisuais sem necessidade de ordem cronológi-ca. Esse aspecto é fundamental, tanto para a captação das imagens quanto (principalmente) para o momento da edição (como veremos adiante).

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Outro aspecto fundamental é que o roteiro ajuda a visualizar aquilo que ainda não existe e justamente por isso ele é tão importante: se um produto audiovisual contém cinco partes distintas (digamos, abertura do material, en-trevista com X, passagem do repórter, entrevista com Y e finalização do mate-rial), de posse de um roteiro podemos enfatizar as partes mais urgentes e/ou difíceis de serem filmadas primeiro, deixando para depois as partes mais sim-ples. Em outros termos: as partes de um produto audiovisual não são filmadas na mesma ordem em que elas são exibidas. A própria noção desse processo é importante para a formação crítica dos alunos diante dos produtos audiovi-suais. É importante que conste também, do roteiro, passagens relacionadas às falas e aos usos de músicas e sons no produto audiovisual.

Mas há uma outra etapa embutida na feitura do roteiro: é a pesquisa, que serve de auxílio para o desenvolvimento do conteúdo audiovisual. Seja um material noticioso, um documentário ou um docudrama (uma encenação dramática audiovisual), sempre é preciso o suporte de um material de pesqui-sa. Nos dois primeiros exemplos, as informações servirão de matéria-prima para a busca de outras informações, visando à produção de conhecimentos; quanto ao docudrama, a pesquisa pode, por exemplo, levantar informações históricas (século XIX, década de 1960 etc.), geográficas (modos de falar, gí-rias, sotaques) e/ou culturais (modos de se vestir). Em suma: o roteiro auxilia a pensar a forma do produto audiovisual; a pesquisa, a pensar o seu conteúdo. Numa produção audiovisual, elas tendem a se fundir, uma vez que o roteiro necessita das informações que foram pesquisadas.

Essas duas etapas (roteiro e pesquisa) envolvem apenas parte do pla-nejamento. Na prática, é preciso considerar outros momentos, conforme se percebe no quadro abaixo (redesenhar):

O argumento diz respeito à ideia inicial: deve ser o mais sucinto possí-vel, resumido em poucas palavras. Se for um texto informativo, tende a vir em forma de uma pergunta (por exemplo, “como é gasto o orçamento da escola

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em um mês?” ou “como um professor prepara uma aula?”); se for um texto ficcional, de entretenimento, tende a vir em forma de sinopse (por exemplo, “a história narra a aventura de um garoto do interior que se perde do pai numa ci-dade grande e que fará de tudo para reencontrá-lo. Durante sua aventura, faz novas amizades e aprende novas experiências”). A partir dessa ideia inicial, as sugestões, críticas e opiniões vão surgindo naturalmente, e esses argumentos vão se expandindo.

A partir do roteiro, deve existir a pré-produção, etapa que consiste em preparar o material audiovisual antes de ele ser filmado. De um lado, é uma etapa na qual as pessoas deverão ensaiar seus textos e falas, diante ou não das câmeras, percebendo a extensão deles, se há cacofonias ou duplos sen-tidos etc. De outro lado, é quando são definidos os locais e os horários das gravações, o que é importante tanto para a equipe de produção quanto para entrevistados, convidados etc. É também quando se faz o levantamento do material sonoro a ser utilizado no produto audiovisual (músicas, efeitos sono-ros, vinhetas, jingles etc.).

Uma vez definidas todas as informações obtidas na pré-produção, é hora de gravar o material. É sempre importante ter foco no material a ser fil-mado, para não perder nem tempo, nem espaço (na memória do computa-dor). É sempre importante identificar cada trecho de gravação, de preferência com o nome ou expressão adotado no roteiro (“entrevista com X, data, local”, “cena do encontro dos namorados” etc.); essa identificação deve vir tanto ao início da gravação (oralmente, ainda que a claquete mantenha seu charme e utilidade) quanto servir para nomear o arquivo que será transferido para o computador. A finalidade é identificar rapidamente a quê se refere aquela gra-vação, a fim de acelerar o processo de montagem do produto audiovisual; isso é importante porque nem sempre as filmagens se dão em ordem cronológica.

A pós-produção é uma etapa posterior à produção: é nela que podem ser feitas alterações (de imagens e sons), acréscimos (de créditos, músicas, efeitos sonoros, efeitos visuais, vinhetas etc.).

De posse de todo o material necessário, é chegada a hora da edição. A definição de Cunha para edição é clara e simples: “é a tarefa de selecionar, cortar e emendar eletronicamente os trechos gravados” (1990: 125). Ela deve seguir, em parte, aquilo que foi previsto no roteiro, ou seja, a ordem do ma-terial gravado e selecionado. Mas, por outro lado, é preciso também verificar a qualidade do material em termos de imagem e de som. Em geral, imagens tecnicamente ruins ou pouco informativas acabam sendo eliminadas no pro-cesso de edição. Se as imagens forem ruins, mas informativas, em certos casos podem ser usadas. E se o som for ruim mas as imagens forem boas, pode-se usá-las, fazendo uso de um recurso comum na esfera audiovisual: a

SAIBA MAISSe os alunos forem fazer entrevistas, é sempre importante, em relação aos entrevistados:- procurar saber, antes de ligar a câmera, se a pessoa quer ser filmada ou não;- indicar a finalidade daquele material (informativo, documentário, pesquisa audiovisual etc.);- deixar claro qual o tipo de informação que eles querem saber daquela pessoa;- procurar saber se eles poderão gravar de novo com a pessoa, caso o material não tenha ficado bom, naquele momento ou posteriormente;- solicitar que os entrevistados tentem ser sintéticos e objetivos, detendo-se exclusivamente nas perguntas feitas (que, por sua vez, também devem ser sintéticas).Deve-se ter em mente ainda que a câmera de filmagem tanto pode inibir quanto fazer uma pessoa falar demais. Um bom exercício é treinar fazer entrevistas com os próprios colegas.

SAIBA MAISA claquete é uma espécie de placa ou quadro que tem duas funções. Uma delas é ser o lugar onde são colocadas informações sobre a cena que está sendo filmada para posterior identificação. A outra função é auxiliar na sincronização das sequências de imagens e de sons, quando a captura

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gravação da voz em off (que nada mais é do que a gravação posterior da voz do locutor para acompanhar as imagens). Aqui, as experiências com rádio são bastante válidas.

Além disso, na edição devem ser também eliminados os seguintes tipos de cenas:

- cenas repetidas ou bastante parecidas;

- gravações de pessoas errando durante a entrevista ou fala para a câmera (nem todo mundo tem costume de falar para uma câmera);

- imagens de pessoas em situações constrangedoras, censuráveis ou ina-dequadas;

Por outro lado, é possível também inserir imagens não captadas (foto-grafias, cenas de outro produto audiovisual, imagens antigas etc.), desde que elas sejam creditadas. Além disso, é possível também colocar outros tipos de imagem, como mapas, diagramas, gráficos e animações feitas por computador.

O trabalho de edição deve ser bastante cuidadoso. Inicialmente, deve--se trabalhar com dois tipos de material: o gravado (chamado tecnicamente de material bruto) e o que será montado. É sempre importante manter cópias do material bruto, facilmente identificável no computador; é a partir dele que a pessoa responsável pela edição deve criar outro arquivo, “montando” o ma-terial final. De posse do roteiro, deve-se antes ver todo o material gravado, anotando o que está de acordo com o previsto, verificando o que vai ser apro-veitado e como e sugerindo material a ser inserido.

É importante anotar o tempo de cada gravação para ter uma noção preliminar do total gravado e as principais partes de cada trecho. Digamos que alguém grava uma entrevista com um professor e, de quatro perguntas feitas a ele, apenas uma das respostas seja de fato interessante. É preciso anotar o tempo em que começa e termina essa fala e o que ele fala nesse trecho.

A partir disso, pode-se fazer uma espécie de “nova versão” do roteiro, agora com o material já selecionado e indicando o tempo de duração de cada trecho. Por exemplo: no caso de uma entrevista para um telejornal, com apre-sentadores em estúdio e reportagem externa (fora do estúdio) a ser apresen-tada, teríamos o seguinte esboço:

a) apresentação do locutor no estúdio: 30 segundos;

b) primeiras imagens do local: 6 segundos;

c) passagem do repórter: 15 segundos;

d) fala do entrevistado: 37 segundos;

e) desfecho da matéria com o repórter: 26 segundos.

Total aproximado da matéria: 1 minuto e 54 segundos.

SAIBA MAISNo caso do uso de fotografias alheias e de imagens antigas, é importante indicar nos créditos a sua procedência (arquivo pessoal de alguém, de um museu ou jornal etc.). Cenas de filmes ou novelas devem trazer nos seus créditos os nomes da obra e do titular da mesma (emissora de TV, empresa cinematográfica).

SAIBA MAISDo ponto de vista informativo, as animações feitas por computador devem ser utilizadas apenas para fazerem reconstituições de fatos não registrados, desde que os fatos a serem mostrados tenham verdadeiramente ocorrido.

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Num produto audiovisual informativo, é importante que não haja repe-tição entre falas. Ou seja: o apresentador de estúdio não deve dizer o que o repórter irá falar, e sim indicar o assunto que a matéria irá abordar.

Pensemos agora noutra situação: a realização de um produto audiovi-sual ficcional (uma pequena novela ou a dramatização de um conto ou peça de teatro). A lógica continua sendo a mesma: a partir do roteiro (que deverá indicar as sequências da história) e das imagens gravadas (que devem estar identificadas e cronometradas), se faz uma previsão do produto final:

a) vinheta do programa: 20 segundos

b) cena de identificação do local da trama: 15 segundos

c) cena do primeiro diálogo entre personagens A e B: 40 segundos...

E assim, sucessivamente. No caso da realização de um produto au-diovisual ficcional, caso haja um narrador, é importante que suas falas não repitam as falas dos personagens.

Exemplo de plano e contraplano

Exemplo de plano geral seguido de contraplano

SAIBA MAISNa esfera audiovisual, é comum fazer uso do recurso do plano e do contraplano. Essa prática é comum quando envolve ao menos duas pessoas num mesmo ambiente e se tem apenas uma câmera de filmagem. Ela consiste em gravar as imagens e falas de uma das pessoas de frente, com a outra de costas e, depois, repassar ou reinterpretar o mesmo texto invertendo a posição da câmera, passando a filmar de frente quem estava de costas e vice-versa. Em geral essas cenas se misturam a uma tomada geral (com os dois personagens). Essa técnica permite dar maior dinamismo às cenas audiovisuais (como se o espectador pudesse se “movimentar” junto com a câmera no espaço em que as pessoas dialogam), ainda que seja mais trabalhosa na hora da edição. Cenas de filmes e de novelas e entrevistas com apenas duas pessoas (entrevistador e entrevistado) tendem a fazer uso constante dessa técnica. E, mesmo quando a equipe de gravação tem duas ou mais câmeras de filmagem, ainda assim é comum o uso desse recurso.

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O roteiro é fundamental também para outros formatos, como documen-tários ou docudramas, e a edição também funciona nos mesmos moldes do material informativo. Percebe-se que é importante um planejamento adequa-do do roteiro e a devida identificação das cenas gravadas para que, na hora da edição, tudo seja mais fácil.

Finalmente, é preciso fazer a exibição do material produzido. Muitos tendem a disponibilizar seu material através da Internet (em sites como o You-tube) e, a partir daí, compartilhar o arquivo nas mídias sociais. Por outro lado, pode ser interessante a experiência de assistir coletivamente ao material pro-duzido, num ambiente que permita boa exibição e boa audição. Ao final da exi-bição, debates sobre o material produzido (conteúdo, qualidade, informação, capacidade de entretenimento etc.) são bem-vindos.

6. Texto e imagem

Aqui, vamos abordar dois diferentes modos gráficos de realizar produ-tos impressos usando texto e imagem: o jornal e as histórias em quadrinhos.

Como já dissemos, o advento da imprensa mudou boa parte dos rumos da Humanidade: foi graças a esse invento que o saber passou a ser “estoca-do” em folhas de papel (livros, revistas, jornais, enciclopédias etc.) e que o mundo passou a ser representado no papel (OLSON, 1997). Vamos nos deter particularmente em dois produtos impressos bastante populares, e que estão sofrendo mutações por conta do advento das tecnologias digitais: o jornal e as histórias em quadrinhos.

6.1 O jornal impresso

O jornal impresso entra o século XXI em uma espécie de crise: com a popularização da Internet, dos portais de notícias e das mídias sociais, alguns especialistas prevêem o fim desse produto e dos demais tipos de publicação impressa. Outros acreditam que suas tiragens diminuirão, mas que o jornal impresso não desaparecerá. Mas, ao menos em uma coisa, muitos parecem concordar: o produto impresso tende a sobreviver ao tempo de maneira me-lhor do que a informação eletrônica na Internet.

A grande questão não é exatamente o meio em si (impresso x eletrôni-co), mas o resultado de uma atividade (no caso, o jornalismo). A matéria-prima do jornalismo é a informação, no sentido daquilo que ainda não é sabido por outras pessoas. Porém, um jornal não se faz apenas de textos noticiosos, mas também de opiniões, cartas, imagens, entrevistas etc. Perceba-se que essas possibilidades textuais são pertinentes tanto num meio impresso quanto num

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meio eletrônico; além disso, tais atividades permitem aos alunos exercitarem em sala de aula uma série de tipos e gêneros textuais diferentes; sobre esses exercícios, recomendamos em particular a leitura de Faria (2011). Além disso, pelo fato de ser um objeto dotado de relativa complexidade, o jornal interpela ao menos quatro níveis de análise: o seu conteúdo, as suas formas materiais de expressão, a leitura e a relação entre a leitura do jornal e a aprendizagem, processo esse ligado ao domínio de certos processos mentais e cognitivos (Vilches, 1997: 169-73). No momento, e para fins de nosso objetivo, iremos nos restringir apenas ao veículo impresso e suas particularidades em termos de conteúdo e formas materiais de expressão.

Para que uma escola venha a trabalhar com jornais, é interessante que haja o seguinte suporte:

- computadores com softwares de edição de texto, de imagem e de editora-ção eletrônica, além de acesso à Internet;

- máquinas fotográficas (caso queiram trabalhar com fotografias);

- material de desenho (caso queiram incluir desenhos no jornal);

- scanner de mesa (caso seja necessário digitalizar material impresso);

- xerocopiadoras (para jornais de tiragem e tamanho pequenos) ou gráfica (para jornais de tiragem e tamanho médio para grande).

A realização de um jornal impresso não é uma tarefa fácil; exige espírito de coletividade (para a feitura do mesmo), senso de organização (para não perder prazos) e responsabilidade (para não deixar de realizar tarefas fun-damentais para a produção do jornal). Além disso, é importante garantir que os alunos que ficarão responsáveis pelo jornal tenham contato com outras publicações jornalísticas; portanto, é interessante que a escola possa garantir a eles o acesso a portais e versões on-line de jornais impressos através da Internet ou faça uma assinatura de pelo menos um jornal impresso da cida-de. Esse contato cotidiano com o noticiário jornalístico auxiliará os alunos no acompanhamento dos assuntos de conhecimentos gerais e os ajudará a te-rem uma noção melhor do jornal como produto. Finalmente, é importante que, antes de tomar qualquer decisão final, todos possam ter em mãos exemplares de jornais de outros estabelecimentos de ensino, para ver as diferenças e semelhanças entre eles, bem como apontar pontos interessantes que podem ser trabalhados na escola. Em suma: a decisão de se implantar um jornal em uma escola requer uma discussão que envolva estudantes, professores e di-retores. Além disso, ela envolve custos maiores do que os custos das demais atividades aqui listadas, o que pode levar a escola a fazer orçamentos prelimi-nares de gastos; por tudo isso, deve ser uma decisão bem pensada.

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6.1.1 A linha editorial

Uma vez que a escola tenha definido que terá um jornal, a primeira coi-sa a se fazer é: qual a linha editorial a ser adotada? Por linha editorial entende--se, de certo modo, a “cara” do jornal. Quais os gêneros de textos que estarão presentes no jornal? Quais serão os assuntos que entrarão no jornal? Quem poderá escrever no jornal, além dos alunos? Qual será o seu público-alvo? Qual a sua periodicidade? Quantas páginas ele terá? Qual o nome do jornal? Qual o projeto gráfico? Será colorido ou em preto e branco? Qual o tamanho? Quais as seções? Haverá espaços para anúncios publicitários? O jornal será distribuído onde e como? Ele poderá circular fora da escola? Decisões dessa natureza não costumam ser tomadas em apenas uma reunião; assim, pode ser útil ter presente um jornalista ou um assessor de imprensa para auxiliar em algumas decisões de caráter técnico.

A decisão mais importante é: quem terá voz no jornal? Tendo em vista que a atividade é voltada para os alunos, nada mais natural do que a maior parte do espaço editorial contemplar as suas próprias produções. Isso não impede que o jornal dedique algum espaço a professores, diretores, funcionários da escola e/ou pais de alunos ou especialistas de algum assunto. Neste caso, é importante que fiquem bem delimitados os espaços dedicados a eles, através de nomes de seções ou no alto da página (“Espaço do Professor”, “Palavra da Diretora” etc.); além disso, esses espaços não devem ocupar mais do que 10% aproxi-madamente do jornal (se, afinal, ele for um jornal dos alunos e para os alunos).

Uma vez definido quem vai escrever, a próxima meta é: ao longo das edições, escrever o quê e por quê? Já dizia o escritor irlandês Oscar Wilde que “só existem duas regras para escrever: ter algo a dizer e dizê-lo”. Desse modo, é importante que as pessoas envolvidas no projeto editorial do jornal saibam exatamente sobre o quê escrever e o porquê dessa escolha. Uma vez mais, essa é uma decisão a ser tomada coletivamente: podem ser os proble-mas da escola, assuntos pedagógicos etc.

O próximo passo é definir o nome do jornal. Parece algo sem importân-cia mas não é: na verdade, o nome deve fazer parte da identidade do jornal e, ao mesmo tempo, dar uma noção de qual o tipo de produto que o leitor terá diante de si. O nome do jornal pode incluir o tipo de publicação (“jornal”, “gaze-ta”, “informativo”) ou o nome da escola (em poucas palavras, se possível), ou ainda ser uma palavra ou expressão que denote algum aspecto informativo ou particular daquela escola.

Uma vez que os gastos precisam ser orçados, é importante definir o jor-nal em termos materiais. Qual o seu tamanho e a quantidade de páginas que terá? Os tamanhos mais comuns de jornal na grande imprensa brasileira são:

SAIBA MAISNa impossibilidade de acesso a jornais escolares, por qualquer motivo, uma alternativa pode ser a leitura de jornais feitos por alunos dos cursos superiores de Comunicação ou de Jornalismo. Esses jornais são chamados de jornais-laboratório. Alguns jornais-laboratório optam por abordar o próprio mundo universitário; outros preferem retratar a vida de um bairro ou comunidade; e outros adotam uma temática aberta, sem restrições. A consulta e leitura de exemplares desses jornais podem ser bastante úteis para uma tomada de decisão na escola. Sobre o assunto (ainda que um pouco desatualizado em alguns aspectos técnicos), consultar Lopes (1989).

SAIBA MAISAs medidas dos jornais descritas correspondem ao tamanho do papel, não ao tamanho do espaço destinado à impressão. A esse espaço no qual são impressos textos e imagens, dá-se o nome de mancha gráfica, enquanto os espaços em branco à sua volta são chamados de margens. Durante o planejamento de um jornal, é preciso considerar apenas o uso da mancha gráfica e deixar os espaços em brancos correspondentes às margens.

SAIBA MAISNa imprensa brasileira, os tamanhos mais comuns são o standard e o tablóide. O formato berlinense é mais comum na Europa, apesar de o formato tablóide ser o mais popular na Inglaterra. Não há nenhuma relação direta entre o formato de um jornal e seu conteúdo, ainda que o termo “tablóide” sirva para se referir aos jornais sensacionalistas.

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- tablóide (cerca de 32 cm de altura x 28,5 cm de largura);

- berliner (cerca de 47 cm de altura x 31,5 cm de largura);

- standard (cerca de 57 cm de altura x 32 cm de largura).

Entre as medidas alternativas, a mais comum é a utilização do formato A4 29 cm de altura x 21 cm de largura. Outros tamanhos podem ser analisa-dos em contato com profissionais da área gráfica. Quanto às revistas sema-nais, elas têm, em média, 26,5 cm de altura x 20 cm de largura.

Os formatos influenciam decisivamente no processo de feitura do jornal (processo esse chamado nas redações de fechamento). O formato standard tem forte impacto visual pelo seu tamanho, mas é mais demorado para ser finalizado; por outro lado, o formato tablóide tem menor impacto visual, mas é mais fácil de ser finalizado. O berliner é uma espécie de intermediário dos dois gêneros, nos seus prós e contras. A nosso ver, para um jornal escolar, usar um tamanho entre o tablóide e o A4 é o mais indicado.

A quantidade de páginas de um jornal depende diretamente do seu ta-manho. Jornais grandes podem fazer uso de poucas páginas, ao passo que jornais pequenos necessitam de mais páginas. Uma vez mais, sugerimos o tamanho tablóide ou similar, uma vez que é mais fácil inserir uma folha com duas ou 4 páginas num jornal pequeno do que num jornal grande.

Outro elemento fundamental, e que envolve gastos, é o uso de cores ou não. Em geral, jornais em preto e branco são bem mais baratos do que os coloridos: um jornal em preto e branco usa apenas uma cor de tinta (preta), ao passo que o colorido geralmente é impresso em processo de policromia, ou seja, com quatro cores de tinta (vermelho, amarelo, azul e preto) para criar as demais cores. Além disso, a impressão em preto e branco é mais barata do que a impressão colorida.

Há ainda a questão do tipo de papel: o papel jornal é mais barato, mas também é um dos mais frágeis. Alguns jornais são feitos também com papel reciclado, além dos papéis offset (mais branco) e LWC (mais caro e brilhoso). Certas publicações de maior qualidade podem ser impressas em papel cou-chêO papel reciclado é ecologicamente correto, mas por vezes interfere na qualidade da leitura; o papel jornal é o mais usado em função de seu baixo custo. O melhor é analisar com a gráfica os custos de cada tipo de papel em relação à sua tiragem, bem como os tipos de papel com os quais ela trabalha.

Finalmente, há a questão da tiragem, ou seja, de quantos exemplares serão impressos. É preciso ter em mente que, numa gráfica, quanto maior a tiragem, menor o custo do exemplar unitário. Ou seja: o gasto unitário para imprimir 50 exemplares é muito maior do que para imprimir 1.000 exemplares. Isso ocorre por conta do gasto para fazer uma máquina de impressão funcio-

SAIBA MAISAtualmente existem alguns jornais que são feitos no tamanho A4, em formato PDF, para poderem ser impressos pelo leitor em casa ou lidos diretamente no computador ou tablet. É uma opção econômica e prática, pois elimina o trabalho com a distribuição física dos jornais.

SAIBA MAISÉ indicado que o fechamento de uma publicação para ser impressa obedeça a uma resolução de pelo menos 300 dpi (a sigla é em inglês e significa “dots per inch”, “pontos por polegada”, ainda que no computador, quando for configurar o trabalho, apareça “ppi”, ou seja, “pixels per inch”). A mesma resolução, de 300 dpi, deve valer também para todas as imagens fotográficas (do contrário, a qualidade da imagem ficará comprometida na impressão do jornal).

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nar, além do uso do papel e tinta; como esse custo é alto, quanto mais exem-plares forem rodados, mais barato se torna cada exemplar individualmente. Todas essas previsões de gastos podem ser solicitadas num orçamento junto a uma gráfica, muitas vezes sem compromisso.

Outro elemento importante é o projeto gráfico do jornal, ou seja, a identi-dade visual dele. Geralmente ela é constituída do nome do jornal dentro de uma forma estética específica (chamada de logo), das definições de famílias tipográ-ficas (também chamadas popularmente de “fontes”: Times New Roman, Arial, Verdana, Helvetica etc.) para textos, créditos (nome do responsável pelo texto escrito, fotografia ou desenho), legendas (os textos que acompanham as foto-grafias), largura das colunas de textos etc. Em suma: tudo aquilo que é forma visual; aqui, também pode ser interessante o auxílio de um profissional da área.

A periodicidade do jornal é outra definição fundamental. É provável que os primeiros textos produzidos pelos alunos para o jornal necessitem ser revistos e avaliados antes de serem publicados, e essa é uma etapa pedagogicamente necessária. Como há uma série de atividades envolvidas na produção de um jornal (definição de assunto, pesquisa, coleta de informações, redação, revisão, preparação de imagens, diagramação etc.), a periodicidade sugerida é a mensal ou bimestral. Abaixo desses prazos, dificilmente o jornal ficará pronto, e o que deveria ser motivo de comemoração pode se tornar momento de frustração.

Junto com a periodicidade e com a tiragem, é preciso avaliar o proces-so de distribuição do jornal. Nesse caso, é preciso considerar os locais onde as pessoas pegarão (ou receberão) a publicação.

Outra possibilidade é perceber quanto tempo os alunos levam para re-alizar e avaliar todas as atividades; se for até dois meses, o jornal poderá ter periodicidade entre 45 e 60 dias; mas se o tempo for muito maior do que dois meses, talvez seja necessário fazer uma avaliação mais cuidadosa (se houve excesso de material a ser produzido, se faltou o tempo adequado etc.).

Por falar em avaliação, essa é a etapa final. Uma vez o jornal tendo sido redigido, impresso e distribuído, é chegada a hora de fazer uma avaliação do produto, verificando seus pontos fortes e fracos, se as atividades previstas foram feitas adequadamente ou não, e ouvindo os comentários dos leitores a respeito dele. Como um jornal é um produto sempre sujeitos a erros (de qualquer natureza: informação errada ou incompleta, troca de fotos etc.), é bom pensar numa seção de erratas, na qual constem as correções relativas ao número anterior. E, enfim, deve-se aproveitar o momento de avaliação do jornal pronto para começar a pensar nos assuntos da próxima edição.

SAIBA MAISOs papéis apresentam diferentes gramaturas, ou seja, diferentes tipos de espessura e de densidade. Sua medida é expressa em gramas por metro quadrado (g/m2). Quanto maior o valor da gramatura, mais grosso é o tipo de papel. Para jornais impressos, a gramatura pode variar de 50 g/m2 a 90 g/m2.

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6.1.2 Definição de tarefas

Como já dissemos, fazer um jornal tende a envolver muitas pessoas:

- quem decide os assuntos que serão cobertos;

- quem coleta as informações e depois redige os textos (podem ser pessoas diferentes);

- quem faz qual tipo de texto;

- quem lê os textos, revisando-os ou lendo para saber se estão adequados à linha editorial do jornal;

- quem fotografa;

- quem faz ilustrações;

- quem distribui os textos, imagens e eventuais anúncios nas páginas (pro-cesso esse chamado de diagramação);

- quem decide o que vai na capa (ou primeira página) do jornal.

Todos esses processos são coletivos; não se faz um jornal sozinho, e talvez, reafirmamos, esse seja um elemento crucial na tomada de decisão de se fazer um jornal: a necessidade de trabalho em equipe. Fica a critério da escola definir se os alunos se mantêm nas mesmas tarefas ou se fazem uma espécie de rodízio entre eles (ainda que essa última opção seja pedago-gicamente mais rica). Perceba-se que essas diferentes atividades mobilizam também diferentes competências por parte dos alunos:

- quem decide os assuntos que serão cobertos e quem coleta as informa-ções necessita ter alguma noção de História e de conhecimentos gerais (por exemplo: uma decisão do Governo Federal na área de educação pode remeter a discussão do assunto em uma matéria: qual a opinião dos alu-nos, professores e diretores sobre a decisão? Essa decisão muda o quê na rotina das escolas? Quando a decisão entra em vigor? É a primeira vez que isso ocorre?). Assim, os alunos aprendem a articular, aos poucos, a realidade escolar com o mundo à sua volta, ao mesmo tempo em que desenvolvem a capacidade de pesquisar sobre um determinado assunto. Em tempo: quando a pesquisa termina, é importante entregar a quem vai fazer a matéria os resultados e informações úteis dessa pesquisa. Eles são necessários para as entrevistas;

- quem redige os textos e quem os revisa posteriormente deve ter bons co-nhecimentos de Língua Portuguesa e de conhecimentos gerais;

- quem faz qual tipo de texto deve ter algumas noções importantes de tipos textuais e de gêneros textuais. Isso é importante, uma vez que tal atividade

SAIBA MAISEm alguns jornais (poucos, no caso do Brasil), existe uma figura de nome complicado (de origem sueca, para sermos mais precisos), chamado ombudsman. Ele pode ser uma espécie de “ouvidor do leitor” (recebe as reclamações do leitor do jornal, sobre erros de informação, grafia etc.) ou uma espécie de avaliador do jornal (ele mesmo faz as ponderações sobre os lados positivos e negativos do jornal anterior). Um jornal escolar pode adotar essa figura para que ela faça uma análise crítica do jornal da escola. Para mais detalhes sobre o ombudsman, ver Mendes (2002).

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ajuda os alunos a perceberem as diferenças entre um texto informativo (que se refere à descrição de algum fato da realidade) e um texto opinati-vo (que se refere à opinião de alguém sobre algum fato da realidade), as suas formas de estruturação textual, suas diferenças argumentativas etc. Uma boa sugestão para os professores que precisem conhecer um pouco mais da lógica da estrutura do texto jornalístico é a consulta às obras de Assumpção e Bocchini (2006) e de Squarisi e Salvador (2012). Percebe--se aqui, uma vez mais, bons conhecimentos de Língua Portuguesa e de conhecimentos gerais são importantes;

- quem fotografa e quem faz as ilustrações deve ter bons conhecimentos ar-tísticos, estéticos e técnicos (assunto em parte já visto na discussão sobre fotografia) e de Informática (edição de imagens, se possível);

- quem distribui o material nas páginas pode ter boas noções de Geometria e Matemática (para calcular e visualizar se os textos e imagens caberão nos espaços indicados) e também de Informática (programas de edição de textos e de editoração eletrônica, se possível);

- quem decide o que vai na primeira página do jornal precisa ter conheci-mentos gerais e históricos e bom domínio da Língua Portuguesa.

Muitas vezes, numa redação de jornal, se faz uma divisão por setores, chamados de editorias. Na grande imprensa, essas editorias tratam temas amplos (Política, Economia, Cultura, Esportes, Ciência, Saúde etc.) ou gêne-ros específicos (Opinião, Carta do Leitor, charge etc.). Um jornal escolar pode ser também dividido em editoria e abordar gêneros específicos. Na seção de Opinião, por exemplo, podemos ter textos argumentativos de alunos dando opiniões sobre assuntos que julguem pertinentes; a charge pode ser um espa-ço para alguém que saiba desenhar bem e que tenha também espírito crítico. Uma vez mais, reiteramos, são decisões a serem tomadas coletivamente.

6.1.3 A lógica de um jornal impresso

Existe todo um vocabulário específico dentro do jornalismo impresso. É interesse que o aluno conheça alguns desses jargões para facilitar o trabalho de feitura do jornal. Comecemos pelos textos verbais.

Existe um tipo de produção textual que não chega a ser publicado no jornal, mas que é fundamental para a existência do próprio jornalismo (seja ele impresso, radiofônico, televisivo ou digital): é a pauta. A pauta designa tanto a abordagem do assunto a ser tratado na matéria quanto traz as informações úteis para quem vai fazer a matéria. Se o assunto é, por exemplo, a inclusão de uma nova disciplina no ensino médio, deve-se pesquisar, antes de coletar os dados e escrever, sobre essa mudança (quem a determinou? Foi o MEC ou

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outra instituição? Foi resultado do projeto de alguém? Essa nova disciplina já foi ofertada anteriormente, em outros tempos? Alguma escola já a oferecia antes dessa decisão? Quais os conteúdos dela?). Em geral se faz um texto com as principais informações coletadas, o qual será repassado a quem fará a matéria. Além disso, a pauta pode sugerir nomes de entrevistados, as formas de conta-tos com eles e uma pequena bibliografia sobre o porquê de aquele entrevistado estar na pauta (um ex-ministro ou ex-secretário da Educação? Um pedagogo? Um especialista da disciplina?). Perceba-se que uma pauta bem feita auxilia até mesmo a feitura da matéria: ela tanto dá subsídios a quem vai atrás das informa-ções quanto fornece dados que podem ser usados na própria matéria.

Todo texto jornalístico é apresentado graficamente através de um título. Em geral ele é redigido no tempo verbal do presente do indicativo, mesmo que o fato já tenha ocorrido (“Brasil vence China por 8 a 0”), para reforçar a noção de novidade para o leitor. O título deve ser a síntese do fato mais importante e novo narrado no texto. Visualmente, ele tem mais destaque do que o texto noticioso, justamente para chamar a atenção do leitor; e, mesmo que não haja a leitura do texto, o título já terá cumprido seu papel, que é o de informar sobre o quê aquele texto fala. Além disso, é comum que, logo abaixo do título, venha um outro texto, seja para complementá-lo, seja para colocar informações que não couberam nele: é o subtítulo. Ao contrário do que se imagina, o título e o subtítulo, em geral, devem ser redigidos depois do texto noticioso; como ele são uma síntese do texto informativo, só podem ser escritos após o texto pronto.

Como vimos anteriormente, o texto jornalístico busca responder um conjunto de questões-chave (quem? O quê? Onde...) sobre um determinado assunto, cujo texto final é chamado de lide. Nos textos noticiosos em geral, o primeiro parágrafo é destinado ao lide; às vezes, quando o assunto é um pouco mais complexo, essas respostas podem ser continuadas no parágrafo seguinte, que muitos denominam sublide. O restante do texto traz as demais informações e opiniões de entrevistados sobre o assunto em questão.

Além do texto em si e da manchete, é possível (e mesmo interessante) que a matéria venha assinada, ou seja, com o nome do autor do texto. Ob-viamente, pode-se decidir por publicar o material noticioso sem assinaturas, mas o ato de assinar um texto aumenta a responsabilidade de seu autor. Em alguns casos, além da assinatura, vem próxima a ela a fotografia de quem fez o texto e, mais recentemente, alguns jornais estão optando por colocar os dados da Internet sobre o autor (e-mail, Twitter etc.). Reafirmamos: tudo isso é opcional e deve ser decidido coletivamente.

Como vimos anteriormente, um texto verbal não consegue dar conta de todas as propriedades visuais de um ser, objeto ou ambiente, assim como uma imagem dificilmente consegue visualizar conceitos muitos abstratos. No

SAIBA MAISMais sobre o estilo jornalístico de escrever pode ser encontrado nos vários manuais de redação lançados no mercado editorial (Folha de S. Paulo, O Estado de São Paulo, O Globo, Zero Hora, O Povo etc.); porém, esses manuais trazem muitas informações relacionadas ao modus operandi de cada jornal. Duas sugestões interessantes sobre como escrever bem são as obras de Assumpção e Bocchini (2006, mais voltada para a questão dos textos) e de Squarisi e Salvador (2012, que discute também os gêneros jornalísticos).

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jornalismo, a fotografia é tem finalidade informativa, é usada para mostrar os entrevistados, os ambientes de um fato ou as coisas das quais se fala. Isso ajuda a explicar porque os textos informativos tendem a vir com fotos, e os tex-tos opinativos não: os textos informativos falam sobre alguém, algo ou algum lugar (concretos), enquanto os textos opinativos trazem a opinião (abstrata) de alguém sobre alguém, algo ou algum lugar (concretos). No texto informativo, o foco é o referente. No texto opinativo, o foco é a impressão opinativa sobre o referente. Por outro lado, é comum que textos opinativos venham acom-panhados de imagens mais abstratas ou, como vimos na discussão sobre fotografia, expressivas.

Justamente porque a foto informativa não denomina, é importante que ela venha acompanhada de uma legenda textual, indicando quem é quem na imagem, o local etc. As legendas tendem a ser descritivas; alguns acham que tal prática é redundante, pois a legenda “repete” o que está na imagem. Tal redundância, que encontramos também nas imagens de enciclopédias, por exemplo, é necessária. Um exemplo: as imagens dos presidentes Barack Obama ou Dilma Rousseff são conhecidas por qualquer brasileiro razoavel-mente bem-informado do início do século XXI. Porém, daqui a uns 50, 100 anos, provavelmente as futuras gerações só saberão a quem pertencem os rostos deles através de legendas explicativas. Ou então, basta que façamos o movimento inverso: mostremos aos alunos imagens fotográficas de pessoas já falecidas (ex-presidentes, músicos, jogadores de futebol etc.) para notar-mos que, sem os nomes de identificação, eles percebem apenas “pessoas”.

Um texto importante em qualquer jornal é o editorial. Ele se caracteriza por ser uma espécie de “voz” do jornal. Na grande imprensa, ele aparece na seção Opinião dos jornais. É importante definir, assim, qual dos alunos seria o editorialista, ou seja, o responsável por esse tipo de texto. No caso do jornal escolar, o editorial pode servir também para fazer uma apresentação geral dos textos presentes naquela edição.

O jornal também pode ser um espaço de lazer e criatividade. É interes-sante dedicar uma ou mais páginas para tirinhas e quadrinhos (produzidos pelos próprios alunos, de preferência), para poemas, contos, desenhos, adivi-nhas e outros gêneros de textos pertinentes ao produto e ao projeto pedagó-gico da escola.

Uma vez tendo os textos e imagens sido produzidos, é preciso distribuí--los dentro do espaço de cada página para montar o jornal, ou seja, é preciso fazer a diagramação do produto. Nas redações, em geral, o mais comum é que os textos sejam feitos em tamanhos distintos e, na hora de serem colo-cados na página, podem precisar de ajustes (ou seja, aumentar ou diminuir o tamanho deles). Esse processo não é tão simples de ser executado, e pode

SAIBA MAISHoje é cada vez mais comum que os jornais e revistas façam uso de um tipo de ilustração que serve para mostrar detalhes de algo ou de algum acontecimento. A esse tipo de ilustração informativa, os jornalistas costumam chamar de infografia. Ela tem várias matrizes visuais, como os gráficos estatísticos, os mapas, as histórias em quadrinhos, os diagramas e esquemas científicos, os organogramas e as linhas de tempo, dentre outros. A infografia permite visualizar informações não concretas (dados, números, regiões geográficas com detalhes, protótipos de equipamentos, acontecimentos passados ou futuros). Para mais detalhes, ver Teixeira (2011).

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tomar um tempo bastante precioso dos alunos envolvidos nessa etapa de fei-tura do jornal.

Qual a solução? (ilustrar) A mais prática e rápida é trabalhar com o que se chama pré-diagramação. Ela consiste em ter um conjunto de páginas do jornal pré-desenhadas (que alguns chamam de templates), ou seja, com as marcações do espaço de cada texto e imagem previamente definidas. Essa é uma decisão que pode ser tomada quando se define o projeto gráfico do jornal, e que otimiza o tempo de sua feitura. Assim, em vez de ficar ajustando o texto num espaço a ser ainda visualizado, é mais simples que o aluno escreva dentro da caixa (ou fôrma) destinada ao texto verbal. Na página pré-diagrama-da, é possível também deixar já determinado o tamanho e a posição de fotos e ilustrações. O ideal é que haja vários tipos de páginas pré-desenhadas e que, se possível, se evite duas iguais uma ao lado da outra, na hora da montagem. Softwares de editoração eletrônica (como o InDesign, da Adobe) permitem rapidamente a montagem de várias páginas pré-diagramadas.

Por falar em montagem, outra prática comum é a montagem do bone-co (em alguns lugares do Brasil, usam o termo boneca) do jornal. O boneco consiste num pequeno conjunto de folhas em branco que simulam a dispo-sição das matérias do jornal. Assim, por exemplo, se o jornal escolar tiver 12 páginas, deve ser feito um boneco com 3 folhas de papel dobradas ao meio (uma folha dobrada ao meio cria 4 páginas), e ir marcando nessas “páginas” o conteúdo de cada uma delas (a primeira página é a capa do jornal, e assim sucessivamente). Essa etapa de pré-visualização do jornal (ainda que pareça algo rudimentar) é importante para ter uma série de noções preliminares: ha-verá espaço para todo o material que se quer produzir? Há pouco material ou muito? O que colocar na última página?

Uma vez definido o boneco do jornal, a etapa seguinte é a produção dos textos e imagens: aqui, uma vez mais, é importante uma pesquisa prévia sobre o assunto a ser abordado. Além disso, é necessária a produção para as entrevistas com as pessoas. Nas redações, existe uma figura chamada pau-teiro, que tende a reunir todas essas funções: fazer a pesquisa prévia sobre um assunto e agendar as entrevistas para quem vai coletar as informações. A pessoa que coleta essas informações, através de entrevistas, leituras e cole-tas de dados, para redigir o texto final, é o repórter. E, uma vez finalizados os textos, eles são lidos e colocados na página pelo editor, figura que seleciona os melhores textos, ajeita-os (se necessário), ordena-os na página; enfim, é responsável pela preparação da página. A colocação dos textos e imagens na página é responsabilidade do editor, sozinho ou com auxílio do diagramador (a pessoa que faz a editoração eletrônica da página). Aqui, de repente, poderá ser útil o auxílio de um profissional da área gráfica, tanto para fazer os vínculos

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de imagens no arquivo do jornal quanto para proceder o fechamento do mes-mo (ou seja, a preparação do arquivo para envio à gráfica).

Em geral, é comum ainda haver a figura do editor-chefe, que assume uma espécie de “responsabilidade geral” pelo produto (o jornal). Deve ficar claro que essas funções são típicas de qualquer redação jornalística (com pe-quenas variações no rádio, TV e mídias digitais). No caso de um jornal escolar, é possível que uma mesma pessoa possa executar mais de uma função, se não causar sobrecarga de trabalho e se não ficar desproporcional em relação ao trabalho de outros colegas.

6.1.4 Opções alternativas de produtos impressos

Além do jornal impresso, existem outras formas de trabalhar com mate-rial impresso na escola. Até um passado não tão distante, era comum que es-colas, repartições públicas e outras instituições fizessem uso do jornal mural, um conjunto de poucas folhas (com informações, notícias, seções de humor, artigos opinativos etc.) que era afixado num local de alta movimentação de pessoas. A vantagem disso é seu baixo custo (pois poucos exemplares são impressos); a desvantagem é que ele não pode ser manuseado pelas pesso-as (que devem lê-lo afixado na parede), além de nem sempre ficar na altura ideal para pessoas de vários tamanhos...

Outra variante é o informativo, na verdade uma espécie de jornal reduzi-do (uma folha frente e verso, uma folha maior dividida ao meio, gerando quatro páginas), cuja periodicidade é mais intensa (quinzenal, semanal e, por vezes, diária). O que vai determinar sua periodicidade é a capacidade de impressão e de distribuição dentro da escola (e fora, se for o caso).

Finalmente, há também a possibilidade de fazer esse informativo sem ser em formato impresso, e sim em formato eletrônico digital, através de sites, blogs ou uso de mídias digitais.

6.2 As histórias em quadrinhos

O uso de histórias em quadrinhos (daqui por diante, HQs) em sala de aula é um recurso barato. Seus custos para produção são relativamente bai-xos e, dependendo do tamanho e formato adotado, pode se tornar mais barato ainda. A feitura de HQs em sala de aula envolve os seguintes materiais:

- resmas de folhas de papel A4 (obrigatório);

- lápis (com grafites HB e 2B) (obrigatório);

- canetas (de preferência, Unipin 0.1, 0.2, 0.5, 0.8 e 1.0; obrigatório para a arte-final do desenho)

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- borrachas (brancas) (obrigatório);

- réguas, esquadros, compassos, gabaritos, transferidores (opcionais);

- máquina xerocopiadora (opcional, caso haja interesse em fazer cópias das HQs produzidas pelos alunos para divulgação interna. Geralmente a escola já possui esse equipamento);

- computador com scanner e acesso à Internet (opcional, caso queiram fa-zer divulgação externa);

- mesa digitalizadora (opcional, caso haja o interesse de se fazer os dese-nhos diretamente no computador).

Pode ocorrer ainda o interesse em fazer uma produção em quadrinhos em larga escala, para distribuição visando mais pessoas. Se isso acontecer, é interesse fazer ao menos orçamentos com três gráficas distintas e que te-nham experiência em impressão desse tipo de material.

Se seu custo é pequeno, o tempo necessário para sua execução pode ser relativamente grande. A produção de uma HQ envolve, inicialmente, a existência de um roteiro (a história a ser contada) e o esboço visual desse roteiro (o modo como os quadros serão preenchidos, por exemplo, por per-sonagens e balões de fala e como serão distribuídos na página ou espaço para eles destinado). Sobre o roteiro, ele tende a ser bastante parecido em alguns aspectos com o roteiro para rádio ou TV; a diferença é que, além dos diálogos, falas e pensamentos dos personagens, o roteirista pode descrever verbalmente para o desenhista aquilo que ele gostaria que fosse desenhado ou pode colocar, ao lado do roteiro, um esboço visual da página como ele a concebeu. Por um lado, esse trabalho facilita para o ilustrador, que não preci-sa pensar na concepção e na composição de cada quadro (ou seja, onde fica cada personagem, objeto, como é o cenário etc.); por outro lado, esse esboço pode limitar a criatividade do desenhista. Ou seja: ambos os procedimentos apresentam prós e contras.

Exemplo de roteiro de HQ

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Além disso, é preciso considerar que os desenhos podem ser feitos de três modos, pelo menos:

1) o desenho ou esboço é feito à mão, com lápis, e depois será arte-finalizado com caneta. A partir daí, ele poderá ficar em preto e branco ou ser colorido à mão;

2) o desenho ou esboço é feito à mão, com lápis, mas depois será escanea-do para posteriormente ser arte-finalizado e colorizado no computador, em software de edição de imagens.

3) o desenho é feito diretamente em uma mesa digitalizadora.

Quanto ao texto verbal (falas e pensamentos de personagens, falas do narrador nos recordatórios etc.), também existe duas opções: o letreiramento (ou seja, a técnica de escrever esses textos) manual (feito com auxílio de linhas guia) ou digital (com auxílio de fontes tipográficas específicas para qua-drinhos, de preferência, uma vez que o uso de fontes digitais não adequadas tende a deixar o balão meio “artificial”, “inumano” demais) (ilustrar com letrei-ramento manual).

Exemplo de linha guia

As etapas de feitura de uma HQ tanto podem ser realizadas individu-almente (o autor é responsável por todo o processo produtivo) quanto em equipes de duas a seis pessoas (geralmente, roteirista, desenhista, revisor, arte-finalista, colorista e letreirista, dependendo da distribuição das tarefas). Percebe-se, assim, o potencial coletivo da produção de HQs, uma vez que a concentração de todas as atividades em uma só pessoa tende a transformar a sua feitura em um processo ainda mais demorado.

Antes de tudo: as HQs não são uma linguagem voltada apenas para as crianças e os adolescentes. Muitas vezes confunde-se a linguagem quadri-nística (com gramática e sintaxe próprias) com o mercado de quadrinhos (um recorte, voltado majoritariamente, mas não exclusivamente, para o universo infanto-juvenil), o que é um equívoco grave (e do qual sofrem também os de-senhos animados e as animações feitas por computador).

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As HQs são excelentes ferramentas pedagógicas, não apenas para o letramento linguístico, mas também para o letramento visual. Isso ocorre porque elas articulam três códigos distintos: o visual, através dos quadros; o verbal – não obrigatório, vale lembrar –, através dos textos das personagens e/ou dos narradores; e o esquemático, através da articulação entre os quadros. As HQs permitem, por um lado, uma série de possibilidades combinatórias e variações a partir dos arranjos entre esses três códigos (visual, verbal e esquemático). Em tese, é esse aspecto que irá diferenciar radicalmente uma HQ de um livro ilus-trado, por exemplo; enquanto neste não há uma preocupação aparente com a disposição dos quadros, mas apenas das ilustrações e dos textos numa página, nas HQs, essa disposição é fundamental para ditar o ritmo da narrativa.

Outro equívoco bastante comum é acreditar que as HQs são uma lin-guagem para qualquer pessoa, inclusive analfabetos e semi-alfabetizados. Isso implica desconsiderar três aspectos importantes, que é o fato de que, para se poder ler HQs, é preciso:

1) saber ler textos verbais. A maioria das HQs faz uso de textos verbais, nem que seja nos títulos e créditos da história (nomes do desenhista, roteirista, data de publicação etc.);

2) saber entender as imagens. É preciso tanto conhecer o que ou quem está retratado nas imagens desenhadas. Além disso, uma determinada imagem desenhada pode estar fazendo uma referência intertextual a uma outra imagem (pensemos na Mônica, do Mauricio de Souza, com a mesma rou-pa e pose da Mona Lisa de Leonardo da Vinci, por exemplo);

3) saber a direção dos quadrinhos. A disposição dos quadros numa página está diretamente relacionada ao sentido de leitura verbal. As HQs japone-sas (os mangás) são lidos da direita para a esquerda, por exemplo.

A princípio, as HQs são um tipo de linguagem mais simples pelo fato de poderem ser redundantes (ou seja, a palavra e a imagem desenhada); por outro lado, é preciso considerar o fato de que, articuladamente, palavra e imagem podem descrever e denominar melhor do que palavras ou imagens isoladas. Essa característica permite, assim, a narração de fatos, sejam eles reais ou não.

Mas é preciso considerar ainda que a redundância entre o que está narrado verbalmente e o que está mostrado visualmente nem sempre é ne-cessária e desejada. Se o que queremos mostrar é o funcionamento didático de um equipamento, por exemplo, faz sentido que haja uma complementa-ridade e até mesmo certo grau de redundância entre o que se mostra e o que se fala daquilo que é mostrado. Por outro lado, numa determinada cena de ação (digamos, um personagem A persegue um personagem B), se torna desnecessário dizer verbalmente, num recordatório e na voz do narrador, que “A persegue B”, se isso já está mostrado visualmente no desenho.

SAIBA MAISDamos o nome de intertextualidade ao fato de um texto (seja ele verbal, visual ou sonoro) remeter o seu leitor para um texto anterior que, de algum modo, ele cita. A intertextualidade se dá de três formas: citação (literal), alusão (através de paráfrases) e plágio (falsidade de autoria). A intertextualidade é estudada por autores como Gérard Genette (1982) e Koch, Bentes e Cavalcante (2007). As charges jornalísticas são formas de quadrinhos altamente intertextuais, pois muitas vezes são baseadas em fotografias publicadas no jornal do dia anterior.

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6.2.1 Os formatos quadrinísticos

Apesar da quantidade de possibilidades de narração em quadrinhos, existe uma tendência de se agrupá-los conforme o espaço que ocupam e a quantidade de quadros que usam, ou seja, conforme seus formatos. Se consi-derarmos a quantidade de quadros necessários, podemos classificar os qua-drinhos conforme a seguinte tipologia:

- charge. Geralmente ela ocupa apenas um quadro e tende a apresentar forte carga política. É muito comum em jornais e revistas e apresenta um grande componente intertextual, ou seja: os seus conteúdos tendem a se referir aos acontecimentos que foram notícia no dia anterior, o que a torna temporalmente “perecível” ou dificulta sua leitura se houver um grande dis-tanciamento de tempo entre sua leitura e a época em que ela foi produzida.

- tirinha. Uma linha horizontal que compreende, em média, entre 2 a 4 qua-dros. Há casos em que a tirinha ocupa apenas um único e largo quadro. Bastante popular nos jornais, tende a ter como conteúdo uma pequena pia-da, o que garante muitas vezes a sua “perenidade” temporal. Obviamente, podem existir tirinhas com apelo intertextual similar ao das charges, forte-mente ancoradas nos fatos jornalísticos do momento (é o caso das tirinhas Mafalda, do argentino Quino, e Rango, do gaúcho Edgar Vasquez).

- histórias em quadrinhos propriamente ditas. Tendem a ocupar um espaço maior do que o que uma tirinha. Pode-se dizer que, a partir de duas tirinhas de quadros (ou de uma meia página) temos uma HQ. Aqui, porém, não existe um consenso. Para alguns autores, o termo “história em quadrinhos” designa toda e qualquer produção feita com o uso de quadros, balões, re-cordatórios etc.; para outros autores, é preciso diferenciar entre as HQs comuns (voltadas a um público infanto-juvenil) e as HQs voltadas a um pú-blico adulto, as quais foram denominadas pelo quadrinista norte-americano Will Eisner de graphic novels (ou “novelas gráficas”). Ressalte-se que a diferença aqui é meramente “conteudística”, uma vez que a linguagem e os recursos gráficos, visuais e verbais adotados são exatamente os mesmos.

6.2.2 Partes de uma HQ

Compreender uma HQ exige a compreensão de seus termos-chave, uma vez que há alguns jargões na área; atualmente, há obras dedicadas à alfabetização dos quadrinhos (por exemplo, RAMOS, 2009, e CHINEN, 2011). Eis as principais partes constitutivas de uma HQ:

- quadro. O espaço delimitado geralmente por quatro linhas e no qual será desenhada uma ou mais ações e inserido textos verbais (diálogos, recor-

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datórios etc.). Geralmente oscila entre o retangular e o quadrado, mas pode fazer uso de outras formas.

Páginas para HQs com diferentes tipos de quadros

- balão. O espaço no qual o texto verbal das personagens (fala ou pensa-mento) é inserida. O balão apresenta também um arremate, rabicho ou rabinho, que é a ponta que indica quem está falando naquele momento.

Tipos de balão para HQs

- recordatório. Caixa de texto que tende a trazer inserida o texto verbal de uma personagem que não está na ação, ou seja, que desempenha o papel de narrador daquela história.

- sarjeta. Nome dado ao espaço existente entre um quadro e outro. Para autores como o quadrinista norte-americano Scott McCloud (2005), é o

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elemento quadrinístico por natureza, uma vez que ela leva o leitor a “com-pletar” aquilo que não é mostrado entre um quadro e outro.

Exemplo de sarjeta (intervalo entre um quadro e outro)

- onomatopeia. Recurso gráfico de verbalização de um som que, para ser “percebido” dentro de uma HQ, deve ser desenhado. Outro elemento por excelência quadrinístico.

6.2.3 As HQs em sala de aula

Há uma série de possibilidades para o professor desenvolver em sala de aula. No âmbito textual, articulado com os aspectos visuais, pode-se: 1) es-timular a imaginação do aluno que tem capacidade de criar relatos ficcionais ou estimular a capacidade de relatar quadrinisticamente fatos reais ou relatos propositivos; 2) solicitar ao aluno a adaptação de um texto em outra linguagem (um desenho animado, um curta-metragem, um conto, uma piada ou uma reda-ção feita pelo próprio aluno) para a linguagem quadrinística; 3) propor ao aluno a quadrinização explicativa de determinados conteúdos das disciplinas (Física, Biologia, Geografia) que se tornem facilitados pela articulação entre texto, ima-gem e quadros seqüenciados (um maior aprofundamento no assunto pode ser obtido, por exemplo, em EISNER, 1999; RAMA & VERGUEIRO, 2004; CALA-ZANS, 2005; VERGUEIRO & RAMOS, 2009; e SANTOS NETO & SILVA, 2011)

Vale lembrar que essas atividades devem ser estimuladas entre todos os alunos, independentemente de sua capacidade para o desenho. O importante, aqui, é que o aluno consiga criar um esboço visual de sua HQ; posteriormente, outro colega poderá fazer o desenho, estimulando a atividade em dupla (um aluno pode opinar sobre o trabalho do outro e vice-versa). Esses exercícios ajudam a familiarizar o aluno com a técnica e a lógica quadrinística, bem como permitem que o próprio aluno tenda a perceber o que ele errou e acertou.

Antes, porém, é preciso conhecer o nível de conhecimento do aluno com as HQs. Ele Já leu alguma? Se sim, quais? De quais gosta mais? Se não leu, por quê? Proibição dos pais? Falta de alfabetização? Desinteresse? É preciso considerar que há uma série de preconceitos em relação aos qua-

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drinhos, desde argumentos como "isso é coisa para crianças" até "isso não acrescenta nada à sua formação". Tais argumentos devem ser deixados de lado, pois as HQs podem ser uma forma primeira de alfabetização para a criança e o adolescente, bem como uma forma de aprofundamento desse processo, desde que com títulos adequados à sua faixa etária, à sua realidade social e à sua capacidade cognitiva.

Os professores podem desenvolver também uma série de atividades com os alunos, antes de eles mesmos produzirem suas próprias HQs (se for do interesse da escola). Eis algumas dessas atividades:

- interpretação textual e visual da história. O mais comum dos exercícios: é solicitada ao aluno a compreensão e/ou discussão dos elementos nar-rativos básicos (quem são as personagens? Onde se passa? Há alguma moral na história?);

- ordenação dos quadros. Esse tipo de exercício é interessante quando se tem tirinhas de 3 a 5 quadros, com ou sem texto verbal. A ideia é pegar uma tirinha, recortar os quadros, colocá-los fora de ordem, e solicitar ao aluno a ordenação mais adequada para eles, de modo a constituir uma sequência narrativa lógica. Em certos casos, pode haver mais de uma alternativa adequada.

- reescrita dos textos e paratextos. Quando em fase de alfabetização, é co-mum que as crianças “inventem” histórias e diálogos para os quadrinhos que ainda não sabem ler. O professor pode pegar tirinhas ou pequenas histórias (1 a 2 páginas), eliminar todos os textos verbais (falas das personagens, re-cordatórios) e paratextos (título da historinha, nomes da(s) personagem(ns) e do autor) e oferecer ao aluno uma cópia somente com as imagens para o aluno “criar” sua história, preenchendo os balões com outros diálogos.

- desenvolvimento do traço e do desenho. Mesmo o “pior dos desenhistas” sabe fazer uma forma qualquer: se alguém coloca, dentro de um círculo, dois pontos simulando olhos, fatalmente terá desenhado algo que remete a um rosto. Po-de-se estimular o aluno a tentar fazer um rosto usando números em diferentes posições, desenhos de frutas ou legumes, formas simples às quais, quando acrescentado um par de pontos e um traço curvo, transformem aquela ima-gem em um “rosto”. O mesmo método pode ser usado para que o aluno de-senvolva desenhos de corpos, objetos e outros elementos visuais.

- uso de outras matérias-primas. Uma história em quadrinhos não precisa ser desenvolvida apenas com desenhos: fotonovelas são uma forma de HQ que usa fotografias no lugar dos desenhos. A imaginação pode permitir que as imagens sejam capas de revistas, imagens de filmes de cinema, reprodu-ções de quadros ou fotografias famosas, xerocadas, recortadas de revistas ou manuseadas no computador através de softwares de edição de imagem

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(essa prática pressupõe um aluno de mais idade e/ou com desenvoltura nes-ses softwares). Apesar de ser uma experiência pedagógica, é também um bom momento para desenvolver com os alunos uma discussão sobre os di-reitos autorais e o uso de imagens alheias, como já sugerimos anteriormente.

- produção de textos. É uma espécie de culminância (dependendo do tipo de projeto desenvolvido, obviamente), porque é quando o aluno se torna “au-tor”. Se há interesse em que o aluno desenvolva quadrinisticamente suas histórias, é preciso ter em mente se elas terão um cunho lúdico-ficcional (estímulo da imaginação e da fantasia), realista-documental (capacidade de expressão, em linguagem quadrinística, de informações sobre fatos re-ais, sentimentos, ideologias, propostas políticas) ou artístico-experimental (estímulo da criatividade).

Uma vez desenvolvidas essas atividades, pode-se procurar saber se os alunos têm interesse em produzir quadrinhos e tirinhas. Caso a escola tenha um jornal, ele pode ser um excelente espaço de publicação e socialização desse material.

7. A hipertextualidade

Com o advento e popularização da computação gráfica, é possível tra-balhar texto, imagem e som interligados entre si por links (vínculos).

Quando falamos em hipertextualidade ou em meios e tecnologias digi-tais, muitas vezes há uma espécie de esquecimento: nesses suportes, o que trabalhamos, uma vez mais, são textos verbais, imagens (fixas e em movi-mento) e sons. A grande diferença não é a possibilidade de usá-los simultane-amente (o audiovisual já faz isso, no cinema e na TV), mas sim a possibilidade de interligá-los através de links (outros autores denominam os links também de conexões, ligações ou vínculos computadorizados).

Essa é a novidade dos ambientes hipertextuais: criar hiperdocumentos que tenham ligações com outros hiperdocumentos, sejam eles textos verbais, fotografias, filmes, músicas ou espaços da Internet (sites, blogs, páginas de busca, mídias sociais etc.). A digitalização dos suportes atingiu grande dimen-são nos dias atuais, e está presente em diferentes possibilidades, como a Internet, os CD-Roms, DVDs e Blu-Rays, por exemplo, nos quais se “navega” buscando sites, blogs, informações técnicas, espetáculos, filmes, shows etc.

Aqui, as noções de “texto” e de “navegação” ganham novos contornos. Como afirma Martin, “diferente do texto em um livro, o leitor pode atravessar ligações computadorizadas para chegar, quase instantaneamente, a outras partes do texto. Esse é alinhavado com ligações projetadas para que o leitor possa, de forma útil, pular de um ponto para outro do texto” (1992: 4). Além dis-

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so, como lembra o pesquisador norte-americano George Landow, o hipertexto permite novas modalidades de leitura não linear (multilinear, multisequencial) (LANDOW, 1995: 16).

Se a ideia de hipertextualidade surge com o Memex de Vannevar Bush, a palavra “hipertexto” surge com Theodore Nelson em 1965. Para ele, o conceito de hipertexto está ligado a um tipo de escritura não sequencial, a um tipo de texto que se bifurca e que permite que o leitor faça escolhas diante da tela (LAN-DOW, 1995: 15). Já o pesquisador brasileiro André Parente (1999: 80) amplia o conceito de hipertexto, com as seguintes caracterizações e/ou aplicações:

1) é um método intuitivo de estruturação e acesso a bancos de dados multimedia;

2) é um esquema dinâmico de representação de conhecimentos;

3) é um sistema de auxílio à argumentação;

4) é uma ferramenta de trabalho em grupo.

É preciso ter em mente que, para fazer vínculos entre documentos, deve--se saber o porquê da necessidade desses vínculos. Os pesquisadores Roger Laufer e Domenico Scavetta (1997: 103) sugerem quatro regras fundamentais:

1) existir uma grande quantidade de informação repartida em pequenos elementos;

2) os elementos reenviarem-se uns para os outros;

3) num certo momento, o leitor necessitar apenas de uma pequena parte da informação;

4) só usar o hipertexto se o leitor tiver acesso cômodo a um computador.

Caso se queira fazer uso da hipermedia na escola, é interessante que a escola possa disponibilizar aos alunos:

- computadores com: acesso à Internet; softwares de edição de documentos HTML ou similar, de som, de textos e de imagens; gravadores e leitores de mídias digitais (CDs, CD-ROMs, DVDs etc.); e portas USB;

- scanners (podem ser de mesa ou de mão);

- gravadores digitais;

- estúdio de som (opcional, caso se queira realizar gravações com melhor qualidade sonora).

7.1 O link como ferramenta de linguagem

O elemento que irá permitir todas essas atividades e possibilidades é o link (vínculo). Desde fins dos anos 1990 que ele vem sendo estudado do ponto de vista da linguagem. Mais do que uma simples ligação, o link é, antes de tudo, o resultado de uma tomada de decisão. Se para alguns, um link se constitui numa forma de opção, para outros, ele pode ser uma instância “re-

SAIBA MAISÉ sempre prudente que os laboratórios de informática disponham de, no mínimo, estabilizadores e nobreaks, além de funcionários especializados para a instalação de softwares, a manutenção dos computadores etc.

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pressora”, uma vez que é o responsável pelo design do site quem determina para onde se pode ir ou não na navegação. Segundo o pesquisador alemão Uwe Wirth, “os links não são pegadas de animais inofensivos (..), mas ‘índi-ces prescritos’ intencionalmente por um autor ou editor” (WIRTH, 1998: 103). Basta pensarmos que um site na Internet sem nenhum outro vínculo indica que seu autor deseja que toda a leitura se concentre exclusivamente naquela página. É também a partir dos modos como as partes de um hiperdocumento se relacionam através dos links que percebemos o seu design, a sua estrutura arquitetônica. Assim, por exemplo, um site cuja home-page só tenha um link, e essa nova página, por sua vez, só tenha um link, e assim sucessivamente, apresenta uma estrutura fortemente horizontalizada.

Estrutura de site horizontalizado

O link, do ponto de vista textual, também é uma espécie de título ou re-sumo do hiperdocumento ao qual ele irá conduzir. Vimos anteriormente que o título é uma espécie de síntese do texto informativo, por exemplo. No caso da Internet, o link é uma espécie de indicador: ele leva o usuário a outro ambiente ou a outra página com outros tipos de textos (textos escritos, imagens, vídeos, sons etc.). Mas, para saber o que encontrar nesse ambiente, é preciso que o link seja claro, sem margens a dúvidas.

Nos primórdios da Internet, aliás, era comum vermos, em alguns sites, parágrafos inteiros ativados como links, o que costumava gerar uma dúvida no leitor: o que vou encontrar ao clicar nesse link? Aonde esse link me levará? No extremo oposto, também se tornou comum a prática do “clique aqui” como expressão textual, ao final de um texto. Isso indicava certa pobreza vocabular e lexical do documento, uma vez que o autor do link, sem saber o que marcar do texto como relevante para o hiperdocumento a ser vinculado, optava sim-plesmente pela redação de algo como “para saber mais, clique aqui”.

Outra coisa importante é tentar deixar claro para o leitor se aquele link o levará para outro ponto do próprio hiperdocumento que ele está lendo (interno) ou se o levará para fora (externo). Alguns gostam de colocar links internos num hiperdocumento para notas de rodapé, por exemplo, em vez de fazer as mesmas considerações no meio do texto. Isso garante a unidade da leitura

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e do hiperdocumento como um todo, mas deve ser uma prática cuidadosa, sem exageros: deve-se inserir links apenas quando eles forem realmente ne-cessários. Uma quantidade exagerada de links em um único parágrafo, por exemplo, dará ao leitor a ideia de confusão.

Outros preferem fazer uso de links externos, que levam o leitor para outros textos. Isso é válido quando se quer permitir um maior grau de profun-didade e leitura naquele assunto. Mas isso implica num potencial erro; colocar um link externo logo no início de um texto: isso funciona como uma espécie de convite, dirigido ao leitor, para que ele abandone a leitura e siga o vínculo oferecido a ele. O pesquisador brasileiro Bruno Rodrigues, especialista em webwriting (redação para mídias digitais), aconselha, quando o assunto são sites da Internet: “evite links nas primeiras linhas, nas quais – espera-se – es-teja o conteúdo principal da informação que você deseja passar. Primeira-mente, capture a atenção do visitante, e só depois ofereça-lhe opções” (RO-DRIGUES, 2000: 28). Ainda em relação ao link externo, outro equívoco é sua colocação ao longo do corpo do texto. O ideal é que haja um conjunto de links ao final do texto, como opção para o leitor continuar lendo sobre o assunto em outros documentos, mas sem fazer com que ele deixe de ler o texto principal: o que está sendo lido naquele momento.

7.2 Os formatos da Internet em sala de aula

A Internet é um espaço muito dinâmico. De tempos em tempos surgem novos formatos: no início eram, por exemplo, os sites, chats e fóruns; depois vieram os portais jornalísticos, weblogs (popularmente chamados de blogs), os videologs (ou vlogs) e, mais recentemente, as publicações da Web 2.0 e as chamadas mídias sociais (Orkut, Twitter, Facebook, Linkedin etc.). O fato de a Internet permitir o surgimento desses novos formatos faz com que os gêneros tradicionais (jornalístico, publicitário, literário etc.) “migrem” (ou se expandam) de suporte em suporte, caracterizando uma grande “flexibilidade” de gêneros na rede. Isso solicita um outro modo de análise dos produtos da Internet em termos de gênero.

Está claro que as facilidades cada vez mais crescentes de publicação na Internet podem ser utilizadas sem maiores problemas em sala de aula. Antes de tudo, porém, é interessante permitir que os alunos conheçam o po-tencial da rede em termos de obtenção de informação e posterior produção de conhecimento.

Uma das coisas mais importantes é saber pesquisar na rede. É bas-tante comum que muitas pessoas coloquem palavras a esmo num site de busca, sem ter a menor noção do que seja o refinamento de uma pesquisa. O

SAIBA MAISO pesquisador francês Dominique Maingueneau, ao se referir aos suportes da Internet, prefere falar em hipergêneros, em oposição aos gêneros. Os gêneros se caracterizam por apresentam uma série de regularidades estruturais, sintáticas e temáticas dentro de um dado contexto histórico; já os hipergêneros, segundo Maingueneau, se caracterizam por apresentarem fracas restrições de gênero, no máximo “enquadrando” certos textos. Entre as formas tradicionais de hipergênero propostas por Maingueneau, estão a carta, o diário e o diálogo, formas antigas e que permitem a transmissão de conteúdos completamente diferentes (filosóficos, literários, jornalísticos, publicitários etc.). Assim, por exemplo, sites e blogs não caracterizam gêneros, e sim hipergêneros. Para mais detalhes, ver Maingueneau (2010: 129-38).

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resultado, em geral, é uma grande quantidade de resultados; muitos desses resultados, por vezes, nada têm a ver com a pesquisa desejada. O domínio das técnicas do refinamento de pesquisa permite economia de tempo e, prin-cipalmente, a localização mais facilitada da informação buscada.

Apesar da atual (e crescente) popularidade do Google, é importante lembrar aos alunos sobre a existência de outros sites de buscas (Yahoo!, Altavista). Além disso, eles devem conhecer as diferenças existentes entre pesquisadores automáticos (motores de pesquisa) e pesquisadores temáticos (que listam por diretórios).

Outra possibilidade interessante é a aproximação com a Matemática. Por exemplo: mostrar aos alunos a importância do conhecimento da lógica bo-oleana para refinar as suas pesquisas. Com esses conhecimentos, fica mais fácil o uso correto de palavras-chave adequadas. Uma exposição simples so-bre o assunto está disponível em Denega (2000: 21-30).

Uma outra atividade é fazer uma ponte com a Língua Portuguesa, no tocante à atenção com a ortografia das palavras a serem pesquisadas. Nesse caso, pode haver um duplo movimento: de um lado, verificar a grafia correta das palavras; de outro, fazer uma análise crítica de páginas que apresentam erros desse gênero. O mesmo vale para o uso das frases exatas, que restrin-gem o número de resultados de uma pesquisa.

O uso da pesquisa na Internet auxilia os alunos na produção de novos textos e produtos para a Internet. Mas também é importante mostrar ao aluno que continuam existindo outras formas de acesso à informação (ainda que es-sas formas mais tradicionais, como jornais, revistas e enciclopédias, estejam quase todas disponíveis no – ou migrando para – o ciberespaço).

Por outro lado, também pode (ou melhor: deve) ocorrer o inverso, ou seja, os alunos se tornarem também produtores de conteúdo, e não mais apenas “bus-cadores” de conteúdo. Eles podem criar um blog sobre os conteúdos das maté-rias e disciplinas estudadas; criar uma comunidade on-line sobre um determinado assunto; ou mesmo criar um site sobre suas experiências escolares. Mas tam-bém podem, por exemplo, “traduzir” textos impressos, imagens, músicas e outras formas textuais para a linguagem hipermediática. Exercícios de transposição de conteúdos de naturezas diversas (impressos, sonoros, visuais, audiovisuais etc.) para uma publicação hipertextual podem ser excelentes atividades. Vejamos al-gumas modalidades: a partir de Landow (1995: 32-41), podemos assinalar quatro maneiras diferentes e gradativas de se fazer essas adaptações hipertextuais:

1) transposição pura e simples do original (texto verbal, por exemplo) para um leitor, mantendo-se a estrutura gráfico-visual original da obra (numeração, margens etc.);

2) substituição do suporte, transpondo o texto para um suporte informático,

SAIBA MAISÉ importante que os computadores com acesso à Internet disponham de bons sistemas antivírus para identificar páginas suspeitas e/ou perigosas durante a pesquisa e para notificar o leitor dos riscos de abertura de certos sites.

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substituindo, por exemplo, notas de rodapé por links (as quais podem vir ao final do documento, em documentos independentes entre si ou num único documento com todas as notas);

3) transformação mais ampla do texto em hipertexto, inserindo links para ou-tros documentos (entrevistas com especialistas, críticas, resenhas, maté-rias de jornal etc.); e

4) ampliação da atividade do leitor no hipertexto, permitindo o acréscimo de notas explicativas, comentários, links etc.

Uma atividade pertinente seria solicitar aos alunos a adaptação de um pequeno texto verbal (um conto literário ou uma matéria jornalística) para um formato hipertextual. No caso de um conto, os alunos podem procurar infor-mações biográficas sobre o autor ou sobre o conto, pesquisar a existência de adaptações de outra natureza (musical, audiovisual etc.) ou informações contextuais sobre a época em que o conto foi escrito ou sobre a época em que se passa a narrativa. No caso da matéria jornalística, os alunos podem pesquisar outros textos jornalísticos que ampliem ou complementem o texto original, opiniões de especialistas sobre o fato noticiado, a existência de repor-tagens audiovisuais ou sonoras na Internet etc.

Mas existem outras possibilidades pedagógicas. A partir de uma deter-minada música, pode-se solicitar aos alunos a criação de um material hiper-textual no qual coexistam:

- a letra da música (se for o caso);

- imagens fotográficas do cantor e/ou do compositor;

- entrevistas do cantor e/ou do compositor;

- criação de um videoclipe com inserção de imagens fotográficas, desenhos, animações e/ou imagens em movimento.

Perceba-se que, nos exemplos acima mostrados, há uma tendência em reunir as lógicas produtivas de linguagem discutidas ao longo deste ca-pítulo. Por exemplo: um videoclipe pode tanto reunir imagens que se tornam representativas e informativas por “redundarem” as ideias contidas no texto verbal quanto pode reunir imagens simbólicas e expressivas para criarem no-vos sentidos ao final. Um documento hipertextual pode fazer uso das regras de redação para roteiros de rádio e TV, uma vez que é comum o uso de uma certa coloquialidade nos textos para a Internet.

A partir desses exercícios, e dependendo da faixa etária dos alunos, é possível pensar em projetos mais complexos, envolvendo suportes interativos (TV, jogos, filmes etc.). A princípio, as únicas limitações são de criatividade e de recursos técnicos disponíveis. Uma boa discussão sobre as novas possibi-lidades geradas pelos suportes multimediáticos pode ser encontrada em Gos-

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ciola (2003), que discute as aproximações entre as artes (Literatura, Cinema, Quadrinhos) e os novos suportes interativos (TV interativa, videogames etc.), bem como pensar em roteiros para essas novas possibilidades.

8. Exercícios práticos

Aqui, damos algumas sugestões de exercícios que podem ser realiza-dos pelos alunos.

Os exercícios que enumeramos aqui são apenas uma pequena amos-tra do que pode ser realizado em sala de aula; a maioria deles pode ser re-alizada com o auxílio do computador e dos devidos softwares, periféricos e equipamentos já citados. Muitas das atividades podem ser compartilhadas em sites, blogs e mídias sociais (desde que não venham a ferir a política de direitos autorais, de direitos de imagem etc.). Porém, nem todos os exercícios servem para todas as faixas etárias; alguns dependem de competências na-tas ou adquiridas no convívio escolar.

É importante que todos os colegas possam ter acesso à produção uns dos outros na própria sala de aula, antes mesmo de compartilhar na Internet: isso permite uma melhor compreensão das possibilidades que as diferentes linguagens oferecem para se referirem a uma mesma realidade e dá a opor-tunidade de uma avaliação crítica antes desse material ser tornado público. Além disso, esse método permite criar, como diria Jesús Martín-Barbero, me-diações, ou seja: os alunos não apenas recebem o material mediático produ-zido por eles, mas dialogam entre si e constroem conhecimento a partir desse material, de sua experiência de vida e de sua experiência coletiva. Aqui, temos o cerne do tripé Informação + Comunicação + Educação: os dados sobre a realidade, a coletividade social e a produção de conhecimentos.

1. A partir de um projeto de arquivo de áudio (musical, sonoro etc.), fazer acréscimos, substituições, omissões de sons em um software de edição de áudio. Se for possível ter um arquivo de áudio master (ou seja, com todos os instrumentos em pistas separadas e independentes), isso proporcionará aos alunos uma noção prática de como se faz a remixagem de uma música ou como se trabalha a edição sonora. A presença de um professor da área de Música ajudará bastante.

2. A partir de uma melodia ao violão, criar um jingle. É outra atividade na qual a presença de um professor de Música será útil. Se for possível a presença de alguém que trabalhe na área de Publicidade ou de jingles, certamente a atividade renderá mais.

3. A partir de uma batida, criar uma música de estilo rap. Com um software de áudio e algum conhecimento musical, é possível criar uma batida de rap. A

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partir dessa batida, a ideia de compor um rap pode se tornar interessante. Além do professor da área de Música, um professor da área de Literatura ou de Língua Portuguesa pode acompanhar a atividade. Se houver caixas de som espalhadas pela escola, a música pode ser compartilhada com os demais colegas.

4. A partir de uma música conhecida, criar uma paródia. Às vezes, é possível encontrar versões instrumentais de músicas conhecidas ou mesmo gravá--la com os instrumentos que estiverem à disposição. Ao contrário do que se imagina, fazer uma boa paródia não é algo tão fácil. O assunto pode ser discutido com o professor de Literatura ou de Língua Portuguesa.

5. A partir de trechos de produtos audiovisuais, criar redublagens. A dublagem é uma técnica de sincronização da voz do dublador numa outra língua com o movimento do personagem numa animação ou filme que usa uma língua original. Na Internet, é comum encontrarmos redublagens de cenas de no-velas, filmes e anúncios publicitários. O acompanhamento de um professor de Educação Artística ou de Língua Portuguesa pode ser interessante.

6. Fazer leituras orais de diferentes textos verbais usando diferentes estilos ou mo-dos de fala. Esse tipo de exercício propicia aos alunos perceberem as diferentes nuances da própria voz, a partir de mudanças de velocidade, timbre, intensidade etc. O exercício terá melhores resultados se puder ser realizado num estúdio de som; como já dissemos, ouvir a própria voz gravada, bem como suas variações, pode soar como uma descoberta para boa parte dos alunos. Se a escola tiver profissionais de Fonoaudiologia em seus quadros, para acompa-nhar os exercícios com a voz, os resultados serão ainda melhores.

7. Fazer leituras orais de pequenas frases (manchetes de jornais ou revis-tas), deslocando as suas ênfases. Exercício típico de quem pretende ser locutor, mas que serve também para melhorar a dicção e possibilitar maior dinamismo vocal.

8. Experimentar fazer diferentes narrações ou tipos de voz mixando-as com diferentes sons e efeitos sonoros ou falando ao mesmo tempo em que ouve os sons. Nossa voz isolada soa de um jeito; quando ela está acompanha-da de música ou de efeitos sonoros, tendemos a percebê-la de um modo distinto. Fazer esse exercício com músicas de diferentes BPMs, de modo que nossa voz tente acompanhar o ritmo das diferentes batidas, permite perceber se ela soa melhor mais acelerada ou mais desacelerada.

9. Fazer com que os alunos montem um produto audiovisual e que possam mexer no arquivo do projeto do mesmo, eliminando, trocando ou acrescen-tando músicas, falas e ruídos para perceberem as mudanças que ocorrem quando se troca o som. Esse exercício permite a percepção de como, num

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produto audiovisual, a mudança ou eliminação de um desses elementos (fala, sons, música) modifica o sentido do todo da peça.

10. Solicitar aos alunos para fazerem o inverso: inserir diferentes imagens para um mesmo som, diálogo ou música. Esse exercício poderá parecer à fei-tura de um videoclipe se o arquivo a ser trabalhado for uma música. Exce-lente ocasião para permitir aos alunos que sua imaginação possa fluir.

11. Pedir aos alunos para selecionarem vários tipos de imagens fotográficas publicadas em jornais, revistas e sites e fazerem divisões a fim de analisa-rem seus tipos de composição. Exercício que permite aos alunos percebe-rem que, por trás de grande parte das imagens de nossa civilização, existe a tendência de seguir um estilo de composição visual. O acompanhamen-to de um professor de Educação Artística pode ser interessante.

12. Pedir aos alunos para tentarem completar, desenhando, aquilo que não está enquadrado numa fotografia. Ótimo exercício para os alunos pensa-rem que a fotografia, por excelência, tanto é uma arte do enquadramento quanto uma arte da seleção daquilo que não será enquadrado.

13. Pedir aos alunos para criarem outras manchetes para um mesmo texto de jornal. Ótimo exercício para compreender o gênero jornalístico “manchete” e suas recorrências e peculiaridades em relação a outros textos.

14. Pedir aos alunos para criarem pequenas notícias a partir de informações bá-sicas de um lide jornalístico (quem, o quê, onde, quando, como etc.). Se os personagens e informações forem próximos da realidade dos alunos, melhor ainda. O exercício auxilia na compreensão do gênero jornalístico “notícia”.

15. Pedir aos alunos para criarem outros diálogos para uma mesma página de HQ. Para tal exercício, basta xerocar uma página de HQ eliminando os diálogos dos balões. Os alunos deverão observar apenas as cenas e com-pletar com falas que pareçam as mais pertinentes. Estimula a imaginação e a capacidade perceptiva em relação às imagens.

16. Pedir aos alunos para adicionarem outros quadros a uma pequena HQ ou tirinha de jornal, criando um outro início e um outro fim para aquela história. Dois ótimos exercícios de estímulo à imaginação: o primeiro é solicitar aos alunos para imaginarem o que poderia ter acontecido antes do primeiro quadrinho e o que poderia ocorrer após o último quadrinho; o segundo é fazer a quadrinização dessas cenas.

17. Pedir para redesenhar, reduzindo, uma história de 4 páginas para 2 pági-nas. É o contrário do exercício anterior, de certo modo: permite observar a capacidade de síntese dos alunos.

18. Pedir para os alunos transformarem piadas em tirinhas. Permite a observação da capacidade de quadrinização dos alunos com um roteiro bastante simples.

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19. Pedir para os alunos adaptarem um pequeno texto ou conto (uma fábula de Esopo, por exemplo) em uma historinha de 1 ou 2 páginas. A sugestão aqui é pedir para que os alunos refaçam parte do texto original, condensando algu-mas partes e eliminando outras (como as descrições, que deverão aparecer nos desenhos dos quadrinhos). É uma espécie de exercício mais avançado.

20. Solicitar aos alunos para fazerem pesquisas fazendo uso dos operadores lógicos, frases exatas e outras modalidades que refinem a busca na Internet. Exercício obrigatório para quem pretende que os alunos façam pesquisas na Internet. Além de otimizar o tempo da pesquisa, solicita a capacidade lógica do aluno de pensar em como reduzir suas opções de busca.

21. Pedir aos alunos para adaptarem pequenos textos impressos para o for-mato hipertextual (com uso de outros textos, imagens, sons etc.). O exer-cício pode ser feito com um pequeno texto de jornal, um conto ou uma poesia. O importante é estimular o aluno a pensar em outras linguagens e textos que podem ser mobilizadas para dialogarem com o texto verbal.

22. Pedir aos alunos um projeto escolar de hipertexto com duas versões: uma para a Internet e outra para suportes digitais (CD, DVD etc.). Os alunos devem apresentar a estrutura do projeto, os links, os textos, as imagens e os sons que devem constar no trabalho. É interessante que os alunos apresentem esse projeto em forma de esboço inicial, desenhado à mão mesmo, e que detalhem e justifiquem os elementos inseridos. O exercício estimula a capacidade de visualização de dados e informações por parte dos alunos.

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DISCOGRAFIA SUGERIDA:

GLOBO/CARTOON NETWORK

JINGLES

SOFTWARES SUGERIDOS (FREEWARE)

ÁUDIO: AUDACITY

FOTOGRAFIA: IRFAN VIEW

HQS: GIMP

FILMOGRAFIA SUGERIDA

LA JETÉE, CHRIS MARKER, 1962.

MANUAL DE TELEJORNALISMO, RAFINHA BASTOS, ANO (DISPONÍVEL NA INTERNET EM HTTP://XXXXXXXXXXXX)

Considerações finais

Como pudemos perceber, historicamente o homem nunca esteve dis-sociado da tecnologia, em suas diversas nuances. E o tempo das tecnologias digitais assinala mais uma etapa nesse processo. Dentre as tecnologias que acompanham o ser humano, a linguagem talvez seja uma das mais intrigan-tes: é através dela que nos comunicamos, que construímos bancos de dados e informações, que escrevemos nossa história e construímos nossa memória. Sem a linguagem, pouco seríamos.

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Conhecer as potencialidades das linguagens é um desafio desde sempre. Saber como fazer uso das técnicas de comunicação e de informação garante a manutenção da nossa memória (seja ela coletiva ou individual), a escritura da história (também coletiva ou individual) e nossa própria sobrevivência diante de outros seres humanos. Diante de tais afirmativas, a frase “todo mundo é uma ilha” pode ser logicamente contradita: “ninguém é uma ilha”.

Assim, possibilitar aos alunos, em sala de aula, o aprendizado e o do-mínio de certas técnicas de comunicação e informação ajuda a garantir que tenhamos futuras gerações que saibam exercer o seu direito de expressão. O uso das tecnologias digitais, nesse aspecto, acelera processos de aprendi-zagem e, ao mesmo tempo, permite a troca de experiências com alunos que estão geograficamente distantes, mas virtualmente próximos.

As palavras de Paulo Freire, extraídas de seu Pedagogia da Autonomia, cabem aqui como uma luva:

“Educar é substantivamente formar. Divinizar ou diabolizar a tecnologia ou a ciência é uma forma altamente negativa e perigosa de pensar errado”.

No filme 2001 – uma odisseia no espaço (1969), dirigido por Stanley Kubrick, vemos uma sequência inicial que mostra um conjunto de antepas-sados do ser humano vivendo em tempos pré-históricos. Em dado momento, um deles descobre que um osso de animal pode ter uma utilidade até então impensada: ser uma arma, que serve para abater outros animais, seja para co-mê-los, seja para lutar contra eles. Na sequência, esse ser pré-histórico joga o osso para cima e, numa das mais famosas elipses do cinema, experimen-tamos um salto no tempo da narrativa e chegamos ao futuro representado no filme (o ano de 2001, no caso), onde vemos uma nave no espaço. Uma das coisas que Kubrick quer nos mostrar é que essa nave é fruto da intervenção humana na natureza. Em outros termos: ela é fruto da tecnologia.

A língua também é uma forma de tecnologia. Como tal, necessita ser apren-dida, seja uma língua nativa, seja uma segunda língua. E, por ser uma tecnologia, uma vez aprendida esquecemos que a aprendemos. Tal processo, do ponto de vista neurológico e cognitivo, é similar a aprender a tocar um instrumento ou a diri-gir um carro; no início, pensamos nas ações a serem executadas, depois apenas as executamos. Pensamos nas palavras que vamos usar apenas em situações específicas e que consideramos importantes pelo fato de não serem rotineiras (uma entrevista de emprego, por exemplo); não tendemos a ficar escolhendo pa-lavras se vamos apenas dar um “bom dia” a alguém conhecido.

Por trás dessas situações, está um estranho enigma: todos os seres humanos dispõem (a princípio) de sistemas fisiológico, respiratório, digestivo e fonológico com as mesmas características e funções; porém, quando se trata do sistema linguístico, é quase que improvável pensarmos no uso de

ATENÇÃO: é importante fazer a distinção (fundamental) entre tecnologia e técnica. Cronologicamente, a palavra “técnica” é mais antiga: deriva do grego, tekhnè, que significava em sua origem “arte” ou “ofício” (a Retórica, por exemplo, era considerada uma arte e também uma tekhnè entre gregos e romanos antigos). Dentro de uma visão científica moderna, “técnica” significa um tipo de construção ou de método particular, que ajuda a promover a modificação do real. Já o termo “tecnologia” surge bem depois, por volta do século XVII, para designar um “estudo sistemático das artes ou a terminologia de uma arte em particular” (WILLIAMS, 2000: 312), e provém do grego clássico, tekhnologia, e do latim moderno, technologia, que designam formas de tratamento sistemático de algo, ou ainda um sistema desses meios e métodos. Assim, técnicas de informação e comunicação dizem respeito a tipos e métodos particulares de sistematização de informações e de processos comunicativos; tecnologias de informação e de comunicação designam o sistema que faz uso dos meios e métodos técnicos.

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uma mesma e única língua para todos os seres. A não existência de um re-pertório linguístico comum (uma mesma língua, com as mesmas semântica e sintaxe) a todos os habitantes do planeta implica em vários problemas, como as dificuldades de tradução ou a necessidade de conhecimento de uma lín-gua eventualmente morta diante de um documento cuja escrita não é mais possível decifrar. Há estimativas de que o planeta Terra já tenha abrigado algo entre cinco e dez mil línguas diferentes; locais como a Índia e a Papua Nova--Guiné abrigam dezenas e centenas de dialetos e línguas diferentes; na Itália, certos habitantes locais costumam usar dialetos específicos para conversar entre si caso se sintam incomodados diante de estranhos e/ou estrangeiros; e mesmo dentro de uma mesma língua podemos ter comunidades específi-cas (profissionais, músicos, cientistas) que façam uso de jargões e gírias que podem parecer “intraduzíveis” aos ouvidos de um outro falante que esteja fora daquele universo cultural. Poderíamos dizer: a linguagem não é algo natural.

Aparentemente, se todos falassem um único idioma, uma única língua, grande parte dos nossos problemas estaria resolvida. Não existiriam mais difi-culdades com traduções de obras, inclusive com aquelas que fazem um uso literário incomum da linguagem (pensemos aqui em autores como Lewis Car-roll, James Joyce, Raymond Queneau, Groucho Marx ou Guimarães Rosa, cujos textos verbais são marcados por palavras inventadas e/ou trocadilhos muitas vezes sem sentido fora da sua língua nativa ou mesmo sem possibili-dades de tradução adequada); as poesias não perderiam parte de seu sentido original; também não seria necessário fazer legendagens e dublagens nos filmes e animações; documentos com destinação internacional não precisa-riam de traduções oficiais; e mesmo textos muitos antigos (estivessem eles escritos em papiros, pergaminhos, pedras ou cavernas) potencialmente te-riam grandes chances de serem ao menos lidos.

Mas o virtual fato de falarmos uma única língua não eliminaria outros problemas. Isso ocorre porque a linguagem é, em parte, condicionada pela cultura, ou seja: ela é um sistema que se desenvolve socialmente. A língua não é apenas um conjunto de palavras de diferentes finalidades (substantivas, adjetivas, verbais etc.), mas é também a possibilidade de uso de palavras para se referirem a realidades extralingüísticas, realidades essas cuja percepção varia interculturalmente. Um exemplo simples: consta que os esquimós con-seguem perceber várias dezenas de “diferentes” tons de branco. Do ponto de vista da informação, isso equivale ao biólogo que consegue distinguir diferen-tes tipos de plantas apenas das folhas (aparentemente iguais aos olhos de um leigo) ou ao músico que consegue distinguir entre diferentes gêneros musicais (heavy metal, trash, punk, gótico, hard rock).

Dissemos que a linguagem é uma tecnologia e, como tal, deve ser

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aprendida. Pensemos num exemplo banal: levar um carro a uma oficina me-cânica por não saber identificar um dado defeito. O mecânico diz algo como: “o problema é num disjuntor de média tensão a vácuo”. Se você não entende o que ele diz, está diante de dois problemas: o defeito do carro e o desco-nhecimento do significado das palavras do mecânico. Diante de tal situação, há duas possibilidades: ou o carro fica par ao o conserto ou se busca uma segunda opinião...

Um outro exemplo vai ilustrar melhor essa ideia da linguagem como tec-nologia. No filme Central do Brasil, de Walter Salles (1998), a atriz Fernanda Montenegro interpreta o papel de uma mulher que ganha a vida escrevendo cartas para analfabetos. Mas a sua própria condição de analfabetos impede essas pessoas de verificarem se o que a personagem de Fernanda Montene-gro escreveu foi o que eles ditaram. Em suma: quando uma pessoa não do-mina uma dada tecnologia, ela potencialmente fica “refém” de quem domina essa mesma tecnologia.

Percebe-se, assim, que a linguagem pode ser também uma forma de ex-clusão social. E essa noção deve ser estendida a outras formas de linguagem, como os quadrinhos, o cinema ou o teatro. Ou seja: existem várias formas de linguagem que fazem uso de códigos específicos (palavras, imagens e sons isolados ou combinados entre si), os quais pedem uma dada competência do seu receptor. Por exemplo: para ler quadrinhos, é necessário anteriormen-te saber ler (pois a disposição dos quadros tende a seguir a orientação do sentido de leitura); para ler o cinema, é preciso conhecer certas convenções (como o flashback); e mesmo para o teatro, é preciso minimamente saber que se está diante de uma encenação (o que pode confundir certos espectadores diante de peças experimentais nas quais o ator desce do palco e se mistura à platéia: até onde vai a encenação?). Ou seja: o desconhecimento desses códigos pode dificultar a compreensão de um dado texto.

Como superar essas diferenças de domínio das linguagens? Como buscar evitar essa “desigualdade” entre pessoas, mesmo que elas dominem um mesmo idioma, uma mesma língua? Essa “desigualdade” pode ser elimi-nada, se considerarmos que todas as pessoas detêm pontos de vista dife-rentes sobre a realidade e sobre si próprias? Um dos modos de diminuir esse virtual abismo é através de um movimento que considera:

1) o fato de que todas as pessoas sabem algo sobre alguma coisa;

2) o fato de que ninguém conhece tudo;

3) o fato de que todo mundo busca se expressar;

4) o fato de que todo mundo busca saber algo sobre o outro; e

5) o fato de que o ser humano é um ser, acima de tudo, social.

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Os enunciados acima apontam para um duplo campo: de um lado, o campo da Educação, que visa a produção de conhecimento através da difu-são e do compartilhamento de informações; de outro, o campo da Comunica-ção, que visa a produção e/ou manutenção da sociabilidade. É a partir dessa dupla articulação que vamos desenvolver os principais aspectos dessa obra.

Obviamente, estamos longe de esgotar o assunto. Há obras que fazem uma discussão sobre a relação Educação e Comunicação em suas várias possibilidades (BRAGA & CALAZANS, 2001; CITELLI, 2000). O filósofo da educação Mário Kaplun (1923-1998), argentino radicado no Uruguai e amigo do pedagogo brasileiro Paulo Freire, propôs o termo “Educomunicação” nos anos 1980, para designar a mediação da Comunicação com e para a Edu-cação como forma de ação política diante dos fenômenos contemporâneos (pós-modernidade, globalização, transnacionalização do poder econômico--financeiro etc.) (SCHAUN, 2002: 81).

Há várias maneiras de encararmos a relação entre a educação e a comu-nicação, entre os modos de aprendizagem pedagógica e o uso dos meios de comunicação (sejam eles massivos e baseados na lógica de distribuição e difu-são, como os jornais, as revistas, os quadrinhos e o cinema, sejam eles digitais, como os sites, portais e mídias sociais, baseados na lógica de acesso on-line a servidores). O viés que nos interessa aqui (e que não esgota o assunto, natu-ralmente) diz respeito à compreensão e ao uso das técnicas da comunicação e da informação nas práticas pedagógicas, percebidas também como formas de sociabilidade, na medida em que esses fazeres devem se dar coletivamente.

É natural a existência de riscos nesse tipo de discussão: muitos incorrem na análise apenas dos meios em si, deixando de lado as suas potencialida-des e limites e, ao mesmo tempo, deixando de lado também a análise do seu potencial comunicativo. Talvez um dos exemplos mais clássicos desse tipo de equívoco seria a crença numa modalidade de “teleaula” na qual o aluno apenas assiste aos conteúdos transmitidos pela TV, sem apoio de outros ma-teriais e, principalmente, de sem apoio de professores em sala de aula (ainda hoje é comum professores colocarem alunos para “assistir algo” quando não podem dar aula...). Afinal, a popularidade da televisão como meio informativo massivo (notícias, novelas, filmes etc.), para muitos, era suficiente para que as aulas baseadas apenas nessa lógica transmissiva fossem também eficientes; mas variáveis como as maneiras como as pessoas consumiam a TV, os gê-neros televisivos favoritos da audiência e as situações de recepção foram dei-xados de lado. O relativo fracasso dessa tentativa aponta para o fato de que a análise da TV como ferramenta se centrou apenas na tecnologia em si, não nos modos como as pessoas interagem diante da tecnologia e entre si, simul-taneamente. A TV foi percebida em sua eficácia potencial como transmissora

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de conteúdos, mas não se questionou, à época, sua eficácia como geradora de conhecimentos, sendo que estes se baseiam, muitas vezes, em práticas sociointerativas (ou seja, em situações sociais, presenciais ou à distância).

No início de seu livro intitulado La Educación desde la Comunicación, o pesquisador colombiano (nascido na Espanha) Jesús Martín-Barbero adverte sobre um duplo fato: o que estamos acostumados a confundir a comunicação com os meios e a educação com seus métodos e técnicas. Ou seja: é pre-ciso evitar o reducionismo de ambos os conceitos e processos a uma visão meramente técnico-instrumental. Além disso, há outro aspecto importante no que se refere ao modo de se lidar com a dualidade Comunicação-Educação, do ponto de vista teórico-metodológico: é mais importante ensinar o aluno a utilizar os meios, dominando suas técnicas, ou ensinar o aluno a fazer uma leitura crítica desses meios? De um lado, em uma sociedade cada vez mais mediatizada, faz-se necessário que os alunos dominem as diversas técnicas de produção de informação e de comunicação (compreensão da lógica pro-dutiva); ao mesmo tempo, é preciso que eles saibam interpretar os conteúdos veiculados nos meios de comunicação massivos e digitais (interpretação dos produtos mediáticos). A nosso ver, essa é uma escolha fundamental, mas per-ceba-se que, apesar de serem duas questões interrelacionadas, elas colocam em xeque aspectos diferentes sobre a percepção dos meios: a produção de textos por parte dos alunos e a análise dos produtos mediáticos produzidos no âmbito dos meios de comunicação massivos e digitais. Assim, é preciso ter sempre em mente as diferenças simbólicas entre o campo escolar como esfe-ra de produção de conhecimentos e o sistema mediático como espaço difusor de informações. Nossa escolha, aqui, é auxiliar o professor na produção dos textos por parte dos alunos a partir das diferentes técnicas de comunicação e informação; acreditamos que o conhecimento e a prática sobre os modos de produzir esses textos ajudam posteriormente numa análise crítica sobre os meios de comunicação de massa nos quais circulam outros textos. Ou seja: existe uma diferença fundamental entre saber como se faz e saber fazer.

Cumpre lembrar que todas as técnicas aqui relacionadas podem ser trabalhadas com o auxílio do computador. Uma vez que as tecnologias digi-tais permitem o manuseio dos textos verbais, das imagens e dos sons, bem como de suas combinações, nada impede que as atividades sejam realizadas tanto através de encontros presenciais quanto através de atividades coletivas e colaborativas mediadas pelo computador. Cabe aos professores, dentro de suas visões de processo pedagógico, avaliarem quais os melhores caminhos a serem seguidos.

Aqui, tentaremos evitar alguns equívocos: talvez o principal deles seja deixar de lado a centralidade no suporte para dar ênfase aos aspectos das

SAIBA MAISApesar de os termos “mídia” e “midiático” estarem popularizados, a grafia mais adequada, do ponto de vista etimológico, seria “media” e “mediático” (como escrevem os portugueses). Afinal, a palavra vem do latim, medium, que significa “meio” (seu plural é media). Aqui, todos os vocábulos de língua portuguesa referentes aos meios de comunicação serão grafados em conformidade com a origem do termo em latim: assim, usaremos “mediático” e não “midiático”; “mediatizado”, e não “midiatizado”.

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diversas formas de linguagem (escrita, sonora, audiovisual, imagética etc.), cujos princípios tendem a se manter, independentemente do suporte analisa-do. Um exemplo simples: a princípio, não existem diferenças entre um filme visto na TV, no cinema, num aparelho de DVD ou de Blu-ray ou no computa-dor, no que se refere ao filme em si; as diferenças ocorrem em função do su-porte e daquilo que ele possibilita. No cinema, não podemos pausar a exibição do filme; na TV, dependendo do tipo de aparelho, isso já é possível; no apa-relho de DVD ou Blu-ray e no computador, podemos pausar quantas vezes quiser. Mas essas diferenças não alteram o estatuto do filme como mensa-gem audiovisual: assim, o tempo de exibição ou a ordem das sequências são mantidos. Ou seja: os modos de construção de um produto audiovisual (em termos de captação de imagens, edição, pós-produção etc.) serão sempre os mesmos, independente do suporte no qual o filme será exibido (obviamente, há exceções em alguns aspectos, como os filmes em 3D).

Há outras variantes a serem consideradas: um filme na TV, no DVD ou no Blu-ray, visto em família ou entre amigos, é quase sempre um ritual acompanhado de comentários (ligados ao filme ou não); no cinema, o ritual (ao menos em algumas culturas) pede que o filme seja assistido em silêncio; no computador, a exibição tende a ser individual e solitária (uma vez que, seja num desktop, notebook, netbook, tablet ou mesmo num smartphone, esses objetos tendem a ser percebidos como objetos pessoais). Ou seja, as formas de recepção são bastante distintas. Observar as formas de recepção também na sala de aula é algo importante para o pedagogo.

Além disso, é preciso ter em mente que os modos como as futuras tecnologias são concebidas podem implicar em mudanças nas formas de produção mediática. Por exemplo: se um dia pudermos “escolher” a próxima sequência de um filme, numa lógica similar à do RPG (role playing game), é inevitável que a produção do filme se modificará, deixando de ser roteirizada e concebida como um continuum temporal para se tornar um conjunto de possibilidades narrativas à escolha do espectador (mais próxima da lógica do videogame). Uma discussão sobre essas potencialidades pode ser encontra-da, por exemplo, em Gosciola (2003).

Essa obra se divide nas seguintes partes:

1) uma revisão conceitual dos conceitos de informação e de comunicação;

2) uma discussão sobre as tecnologias da informação e da comunicação e seus produtos;

3) uma discussão sobre as matrizes da linguagem humana (usadas nas dife-rentes técnicas de comunicação e informação), a saber: o sonoro, o visual e o verbal, suas características e possibilidades de mistura;

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4) as diversas técnicas da informação (jornais, revistas, livros, fotografias, his-tórias em quadrinhos etc.), suas formas de produção e seus possíveis usos na sala de aula.

Ao final de cada uma dessas partes, o leitor encontrará referências biblio-gráficas para aprofundar os temas abordados. Como já dissemos, não temos a pretensão, nem a possibilidade de esgotar todas as possibilidades que envolvem os campos da Comunicação e da Educação. Mas, se conseguirmos ao menos criar uma base teórica inicial para os professores e leitores, a qual possa auxiliá--los em suas práticas profissionais em sala de aula, já estará de bom tamanho.

ReferênciasBRAGA, José Luiz & CALAZANS, Regina. Comunicação e educação – ques-tões delicadas na interface . São Paulo: Hacker Editores, 2001.

CITELLI, Adilson. Comunicação e educação – a linguagem em movimento. São Paulo: Editora SENAC, 2000.

COSTA, Cristina. Educação, imagem e mídias. São Paulo: Cortez, 2005.

GOSCIOLA, Vicente. Roteiro para as novas mídias – do game à TV interativa. São Paulo: SENAC, 2003.

MARTÍN-BARBERO, Jesús. La educación desde la comunicación. Bogotá: Grupo Editorial Norma, 2003.

OROFINO, Maria Isabel. Mídias e mediação escolar – pedagogia dos meios, participação e visibilidade. São Paulo: Cortez, 2005.

SCHAUN, Angela. Educomunicação – reflexões e princípios. Rio de Janeiro: Mauad, 2002.

SETTON, Maria da Graça. Mídia e educação. São Paulo: Contexto, 2010.

STEINER, George. Depois de Babel – aspectos da linguagem e tradução. Lisboa: Relógio D’Água, 2002.

WILLIAMS, Raymond. Palabras clave – un vocabulário de la cultura y la socie-dad. Buenos Aires: Ediciones Nueva Visión, 2000.