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TECENDO AS MANHÃS: Pesquisa participativa e formação de professores de inglês

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TECENDO AS MANHÃS:Pesquisa participativa e formação

de professores de inglês

Reitor

Wilmar Sachetin Marçal

Vice-Reitor

Cesar Antonio Caggiano Santos

TECENDO AS MANHÃS:Pesquisa participativa e formação

de professores de inglês

Telma Gimenez(organizadora)

Londrina � 2007

CAPADaiane Lourenço

REVISÃOKilda Maria Prado Gimenez

PROJETO GRÁFICOMaria de Lourdes Monteiro

EDITORAÇÃOMaria de Lourdes Monteiro

Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)T255 Tecendo as manhãs: pesquisa participativa e formação de professores

de inglês / organização de Telma Gimenez � Londrina :UEL, 2007.

181p. : il.Inclui bibliografia.ISBN 978-85-98196-72-5

1. Língua inglesa � Estudo e ensino 2. Formação de professores� Língua inglesa 3. Formação de professores I. Gimenez, Telma.

CDU 802.0:37.02

SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO .......................................................................................

PARTE 1 � A PESQUISA1 Formadores de professores de inglês como pesquisadores ....................Telma Gimenez e Vera Lúcia Lopes Cristovão2 Crenças sobre ensino de inglês na Prática de Ensino .............................Talitha Alonso e Francisco Fogaça3 A formação de professores durante a Prática de Ensino nos cursos deLetras: foco no trabalho de formadores, suas opções metodológicas eabordagens .....................................................................................................Samantha Mancini Ramos e Gladys Plens de Quevedo Pereira de Camargo4 Conhecimentos em construção: uma análise de sessões de supervisãode Prática de Ensino de Língua Inglesa .......................................................Alessandra Dutra, Kilda Maria Prado Gimenez e Helena Maria Moura Peres5 Língua inglesa, formação de professores e cidadania: articulando áreasafins ................................................................................................................Lucas Moreira dos Anjos Santos, Gladys Plens de Quevedo Pereira de Camargo eVera Lúcia Lopes Cristovão6 Relação universidade/escola na formação de professores de inglês:primeiras aproximações ................................................................................Telma Gimenez e Fabiana Mendes Pereira

PARTE 2 � VINHETAS1. A causa está na experiência .......................................................................2. A primeira experiência em sala de aula ...................................................3. A questão do tempo ..................................................................................4. A sessão que não houve ............................................................................5. A sombra do caos ......................................................................................6. A tarefa e a discussão ................................................................................7. A vaidade em primeiro lugar ....................................................................8. Acertando o passo .....................................................................................9. Adorável bagunceiro! ..............................................................................

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10. Afinal, quem manda aqui? ...................................................................11. Aluna-professora roubando a cena ......................................................12. Conhecendo a escola pública ...............................................................13. Divisão de trabalho ...............................................................................14. Dois países, várias aulas e uma mesma questão .................................15. É aula de inglês, não é? .........................................................................16. Elizabeth, a estagiária chiquérrima ......................................................17. Entre o controle do tempo e o respeito ao ritmo do aluno ...............18. Entusiasmo e receio na preparação de aula .........................................19. Éramos seis ............................................................................................20. Estágio? Oh, my God... ........................................................................21. Interesse(s) ............................................................................................22. Minha primeira observação ..................................................................23. Mudança de rumo ................................................................................24. Não queremos aula de inglês ...............................................................25. Nunca falou, e quando falou me apavorou ........................................26. O estagiário que gostava de dar sermões e o poder da intervençãodivina na supervisão do estágio ..................................................................27. O inverno de Nova Iorque e os ipês da UEL.....................................28. O único pequeno grande problema ....................................................29. Observação de aula em escola púbica de ensino fundamental ..........30. Professor, você trouxe um Halls hoje? ................................................31. Puxão de orelha! ....................................................................................32. Saber ou não saber, eis a questão .........................................................33. Saudade do livro didático .....................................................................34. Sou chique, bem! ..................................................................................35. Temos nossos direitos e queremos respeito........................................36. Tempos modernos � a tecnologia a serviço da educação ...................37. Todo primeiro dia de aula ....................................................................38. Try... even if you make some mistakes ................................................39. Tudo conforme o planejado. Parabéns! ...............................................40. Vazio .......................................................................................................41. �Você tem que parafrasear�. �Para... o quê?� ......................................

Referências bibliográficas ...........................................................................

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APRESENTAÇÃO

�Um galo sozinho não tece a manhã: ele precisará sempre de outros galos�,nos avisa João Cabral de Melo Neto. Na sua sabedoria de poeta,prenuncia o rumo que um grupo de profissionais da área de línguainglesa tomaria ao se engajar em um projeto de pesquisainterinstitucional. Partindo do pressuposto de que a reflexão sobre aprática é um importante elemento para sua transformação, docentesdo curso de Letras de quatro diferentes instituições públicas eparticulares de ensino superior do norte do Paraná iniciaram o projetode pesquisa intitulado O ensino da língua inglesa no Paraná e a formação deprofessores durante a Prática de Ensino nos cursos de Letras (por nós conhecidocomo ELIPE). O resultado de suas reflexões se encontra nesta coletânea.

Iniciativas recentes de formação continuada do professor de inglêsno Estado do Paraná levaram ao envolvimento de instituições de ensinosuperior e rede privada de ensino e indicaram a necessidade devinculação entre formação continuada e formação inicial, mediante acriação de uma rede de instituições formadoras que oferecem os cursosde Letras. O 1o. ENFOPLI (Encontro de Formadores de Professoresde Língua Inglesa do Paraná) foi realizado em 2003 e contou com 61representantes de 28 IES públicas e privadas do Estado. Uma dasconclusões do evento foi a necessidade de articulação entre osprofissionais encarregados das práticas de ensino de inglês de modo atrocar experiências e propor alternativas para a formação inicial de modoa torná-la mais significativa. Para este fim, a pesquisa se coloca comoum elemento fundamental, não só para construir conhecimento sobreo que vem sendo feito nas instituições, mas também como forma dedesenvolvimento profissional para os próprios formadores. Mais doque procurar harmonizar as práticas é preciso promover espaços paraque formadores � eles próprios � possam refletir criticamente sobresuas ações e analisar os efeitos das diversas atividades desenvolvidasnesta etapa de formação.

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Deste modo, em 2005, após reuniões regionais dos integrantesdo ENFOPLI do Norte do Paraná, foi decidido que um projeto dasinstituições participantes seria proposto à Fundação Araucária. Com aaprovação do financiamento, deu-se início, em 2005 às atividadesplanejadas. A pesquisa foi de natureza qualitativa, com instrumentoscomuns a serem utilizados pelos membros da equipe executora. Alémde reunir informações atualizadas sobre o quadro de formação deprofessores de inglês e suas relações com as escolas no que diz respeitoàs instituições envolvidas, o projeto serviu também para fortalecer asrelações institucionais na região norte do Estado.

Adotando-se o conceito de pesquisa-ação crítica (Carr e Kemmis,1988), iniciou-se um processo participativo com reuniões bimestrais.Ao longo do período foram realizadas 15 reuniões da equipe, nas quaiseram discutidos aspectos da coleta, análise e disseminação da pesquisa.

Todos os membros da equipe executora, cada um em suainstituição coletou dados da seguinte forma:1. Todos os alunos de prática de ensino (independentemente do ano

em que estão cursando a disciplina) responderam a um inventáriode crenças sobre ensino de inglês em dois momentos: no início eno final da disciplina. Este inventário encontra-se no Anexo A.

2. Os três alunos que apresentaram maiores discrepâncias entre oinventário inicial e final foram entrevistados ao final da disciplina.Para este fim foi utilizado um roteiro de entrevista semi-estruturadaconstruído pela equipe (Anexo B).

3. Foi feito um levantamento das práticas adotadas nas disciplinas dePrática de Ensino de Inglês, nas instituições participantes, mediantequestionário (Anexo C).

4. Foram coletadas cópias de documentação como programas dedisciplinas e projeto político-pedagógico dos cursos de Letrasenvolvidos.

5. Cada formador-pesquisador gravou em áudio sessões de supervisãocom seus estagiários, tanto na fase de planejamento quanto na fasede �feedback� das aulas ministradas. No caso de uma das instituições,ao invés de sessões de supervisão clínica, foram gravados encontrosde grupos de estudos com estagiários.

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6. Os participantes mantiveram diários quinzenais sobre sua atuaçãocomo formadores.

7. Os professores colaboradores que trabalharam com os estagiáriosresponderam um questionário (Anexo D) com avaliação sobre arelação universidade/escola.

Por fim, os participantes escreveram vinhetas representativas doscasos vivenciados no período de coleta de dados, de modo a subsidiaroportunidades de formação inicial ou continuada. Estas vinhetasencontram-se na parte 2 deste livro.

Desde seu início até a submissão dos textos que compõem estacoletânea, o projeto desenvolveu uma trajetória que envolveu inclusõese exclusões de participantes, em função de razões pessoais e demudanças profissionais. Participaram professores da UniversidadeEstadual de Londrina (UEL), Fundação Faculdade de Filosofia, Ciênciase Letras de Mandaguari (FAFIMAN), Faculdade Estadual de Filosofia,Ciências e Letras de Cornélio Procópio (FAFICOP) e Faculdade deCiências Contábeis e Administrativas de Rolândia (FACCAR). Estasmudanças foram analisadas em um texto que se encontra no prelo, emlivro contendo uma seleção dos trabalhos apresentados no I CongressoLatinoamericano sobre formação de professores de línguas (CLAFPL),realizado em Florianópolis, em 2006. Em função disso, esta coletâneanão inclui aquelas reflexões sobre o primeiro ano do projeto mas quesão complementares aos textos aqui apresentados.

Além dos formadores (também designados supervisores), oprojeto teve também alunos de graduação como bolsistas de iniciaçãocientífica. Dada a mobilidade de participação, nem todos os integrantesparticiparam de todas as fases do projeto e esta disseminação,especificamente, conta com a maioria dos participantes, embora algunstenham optado por não se envolver nesta etapa do projeto. Suascontribuições, no entanto, estão registradas subliminarmente nos dadosanalisados. Afinal, eles também foram responsáveis pela coleta eparticiparam das reuniões da equipe.

Dividimos a coletânea em duas partes: na primeira trazemostextos que procuram dialogar com os objetivos traçados para o projeto

Apresentação

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em sua etapa inicial. Na segunda parte são apresentadas as vinhetasproduzidas por formadores e alunos de iniciação científica, num totalde quarenta e uma. Na redação dos textos, inevitavelmente, surgiu adúvida de como retratar os participantes. Embora haja indíciossuficientes para a identificação de cada um de nós, sentimo-nos maisconfortáveis usando números: assim somos P1, P2, etc.

Iniciamos a apresentação do projeto discutindo o valor da pesquisacomo prática de desenvolvimento profissional dos formadores, umavez que este era um dos propósitos principais do projeto. No capítulo1, de autoria de Telma Gimenez (UEL) e Vera Lúcia Lopes Cristovão(UEL), são analisadas transcrições das reuniões da equipe, na tentativade problematizar o caráter participativo da pesquisa e seu potencialpara aprendizagem do grupo. Conforme alertam as autoras, �levando-se em conta a definição de Carr e Kemmis (1988) sobre pesquisa-açãocrítica, é possível dizer que esta pesquisa atingiu parcialmente suascaracterísticas. Certamente ela provocou oportunidades de reflexãosobre as práticas, conforme apontado nos relatos de melhoria eaprendizagem decorrentes do projeto. Entretanto, não nos é possívelafirmar que conseguimos melhorar as condições objetivas de realizaçãode nossas práticas. Se, por um lado, sob o aspecto das condiçõessubjetivas o projeto se revelou benéfico pela aprendizagemcoletivamente gerada, pelo senso de pertencimento criado, por outrolado, mostrou também as dificuldades de incorporação da pesquisacomo parte da atividade docente�. A maciça participação da UEL nestacoletânea pode ser exemplo dessas conclusões. Com um histórico depesquisas e infra-estrutura para sua realização, os formadores dessainstituição encararam, de modo mais natural, a pesquisa como parteintegrante de seu trabalho. Podemos dizer que o objetivo de criação deuma rede de pesquisadores foi alcançado, mas sua sustentabilidadeapenas parcialmente atingida. Há, no entanto, interesse emcontinuarmos nos reunindo, ainda que informalmente, para trocarexperiências.

A partir do capítulo 2, são trazidos resultados de análises parciaisdos dados. As crenças/representações dos futuros professores sobre o

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ensino de inglês são analisadas por Talitha Alonso (que atuou comobolsista de iniciação científica) e Francisco Carlos Fogaça (UEL) emum trabalho que procurou responder ao objetivo geral do projeto deidentificar representações sobre ensino de inglês, trazidas por alunos de Letras emdiversas instituições do Estado do Paraná, e como estas são reforçadas ou modificadaspelas Práticas de Ensino. Embora analisando um pequeno conjunto dosdados coletados, os autores identificam algumas transformaçõesadvindas da observação de aulas em diferentes contextos e departicipação em projetos que possibilitam maior vivência na escola.Há ainda muita insegurança com relação ao próprio domínio da línguainglesa e da capacidade em lidar com os problemas da sala de aula,considerados parte de uma prática distante da teoria aprendida no cursode formação.

Identificar as diversas opções metodológicas adotadas por formadores deprofessores de inglês e suas abordagens na condução da prática de ensino é oobjetivo geral discutido por Samantha Mancini Ramos (UEL) e GladysPlens de Quevedo Pereira de Camargo (UEL) no capítulo 3. Seguindoa literatura sobre modelos de supervisão, as autoras analisam sessõesde supervisão e diários de algumas formadoras, concluindo que trêsmodelos são utilizados: o diretivo, não-diretivo e alternativo. Emborasem identificar causas para essas escolhas, elas levantam a hipótese deque essas podem variar de acordo com a atividade realizada. Éimportante observar que os dados revelam que a supervisão de estágiose dá em moldes centrados na universidade, em que as relações deautoridade estão demarcadas. É uma atividade que se realizafundamentalmente entre o supervisor (que detém o conhecimento) eo estagiário (que busca esse conhecimento). Isto pode explicar porquêhá muitas instâncias dos modelos diretivo ou alternativo.

O capítulo seguinte traz também reflexões sobre as sessões desupervisão, desta vez com o objetivo de avaliar quais os efeitos das opçõesmetodológicas e abordagens na construção de conhecimentos sobre ensino na etapade formação inicial. Alessandra Dutra (FACCAR), Kilda Maria PradoGimenez (UEL) e Helena Maria Moura Peres (FAFIMAN) trazemtrechos de sessões de supervisão para demonstrar que o conhecimento

Apresentação

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buscado pelo futuro professor está centrado em questões de recursosdidáticos e metodológicos. As posições hierárquicas não sãoproblematizadas e o formador, de modo geral, aceita e reforça o papelde provedor desse conhecimento. Embora não tenham analisado todosos dados disponíveis, as autoras salientam a necessidade de formadorestambém se engajarem em um processo de aprendizagem, ao se tornareminvestigadores da própria prática.

A possibilidade de se contar com alunos de iniciação científica ede orientadores está refletida na contribuição do capítulo 5, de autoriade Lucas Moreira dos Anjos Santos com as orientadoras Gladys Plensde Quevedo Pereira de Camargo (UEL) e Vera Lúcia Lopes Cristovão(UEL). Analisando dados de transcrições de sessões de supervisão deduas formadoras da mesma instituição, o objetivo foi verificar sequestões de cidadania tinham sido contempladas, buscando tambémidentificar de que forma essas questões foram abordadas. Das duassessões de uma formadora e três de outra os autores concluíram quehouve evidência de comprometimento com questões de cidadania,embora nem sempre de forma explícita. Indagações sobre o valor daexplicitação de questões de cidadania são trazidas pelos autores, queadvogam que nas Práticas de Ensino o tema deve ser abordado, diretaou indiretamente, tendo em vista os novos papéis para futurosprofessores de inglês.

O capítulo 6 traz um texto de Telma Gimenez (UEL) e FabianaMendes Pereira (bolsista de iniciação científica) e trata do objetivo deverificar as formas de relacionamento entre instituições formadoras e escolas públicasna realização da Prática de Ensino. Mediante análise de questionáriosenviados a professores colaboradores do campo de estágio em escolas(públicas e particulares), as autoras apontam para aspectos positivosbem como melhorias que poderiam ser introduzidas na relação entreas instituições formadoras e as escolas. Apoiadas em referências nocampo das parcerias entre universidades e escolas e projetos emandamento na área de ensino de inglês, em uma das instituiçõesparticipantes do projeto, elas indicam �inventividade e compromisso�como fundamentais para que novas práticas sejam implementadas.

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Na segunda parte são trazidas as vinhetas produzidas por oitoautores, entre formadores e alunos de iniciação científica. Vinhetas sãotradicionalmente empregadas como instrumentos de investigação empesquisas de cunho qualitativo. Neste projeto foram adotadas como fontes reveladoras das experiências dos participantes e também comogeradoras de situações para análises de práticas de formação em nívelinicial. As vinhetas se apresentam com potencial para reflexões sobre aprática de ensino, pois foram redigidas em tom pessoal e coloridas peloolhar do autor. Se os textos da primeira parte têm um formatoacadêmico convencional, as vinhetas são espaços para a emoção livredo filtro da análise. Ali podemos abrir pequenas janelas para o queacontece nas aulas observadas, nas sessões de supervisão e nosquestionamentos que trazemos; diálogos internos dos quais agora osleitores são testemunhas. Nossas preocupações, aquilo queconsideramos mais saliente, as frustrações e sensações de êxito revelamum pouco do mundo da formação inicial. Assim, revelam-se fios, quese vão tecendo nas manhãs (nem sempre ensolaradas) da formação deprofessores de inglês.

Nessa tessitura se inclui este livro. Agradecimentos são devidosa todos que o tornaram possível: a Fundação Araucária, o CNPq, UEL,FAFIMAN, FAFICOP e FACCAR. Uma autoria coletiva que,reflexivamente, agradece a cada um e todos.

Londrina, setembro de 2007.Os autores

Apresentação

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CAPÍTULO 1: formadores de professores de inglês como pesquisadores

IntroduçãoA proposta do professor pesquisador tem ganhado força nas últimas

décadas, em função do desencantamento com a racionalidade técnica quemarcou a formação e desenvolvimento profissional em épocas anteriores.A atividade de investigação sobre a própria prática traz inúmeras vantagens,muitas delas associadas ao encorajamento da reflexão e potencial paraemancipação do profissional de ensino de línguas estrangeiras (MOITALOPES, 1996; DICKEL, 1998).

No entanto, embora tenha sido cada vez mais comum a propostade engajamento de futuros professores com a pesquisa, como forma detornarem-se profissionais mais reflexivos, críticos e analíticos, são aindarecentes as iniciativas de se ter o formador de professores de inglês comofoco de investigação. As pesquisas na área de preparação inicial, nos cursosde Letras, realizadas no campo da Lingüística Aplicada, têm se voltado

Capítulo 1

Formadores de professores deinglês como pesquisadores

Telma Gimenez1Vera Lúcia Lopes Cristovão

If research is to achieve the concrete transformation of real educational situations,then it requires a theory of change which links researchersand practitioners in a common task in which the duality

of the research and practice roles is transcended.2(Carr & Kemmis, 1988, p. 158)

1 Agradeço ao CNPq (Proc. 305564/2005-6) o apoio para realização de pesquisas.2 Se a pesquisa tem como objetivo alcançar a transformação concreta de situaçõeseducacionais reais ela requer uma teoria de mudança que junta pesquisadores e práticosem uma tarefa comum, na qual se transcende a dualidade entre pesquisa e prática.

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mais para os estagiários e seus conhecimentos/crenças (e.g. VIEIRA-ABRAHÃO, 2006; CASTRO, 2006).

Formadores de professores podem se engajar com a pesquisa-açãode três formas: como orientadores de trabalhos de professores queinvestigam sua prática nas escolas, eles próprios como pesquisadores deseu trabalho, ou, ainda, como uma mescla dos dois papéis. É exemplo doprimeiro caso o trabalho desenvolvido por tutores em um curso deaprimoramento profissional de professores de inglês, em que orientarampesquisas conduzidas pelos próprios cursistas (GIMENEZ &CRISTOVÃO, 2006). Trabalhos que procuram entender o papel doformador e suas oportunidades de desenvolvimento profissional são aindararos (vide, no entanto, inter alia, MATEUS, 2005; ORTENZI et al, 2005,ORTENZI, 2007).

Levantamento realizado por Ortenzi (no prelo) com dados do ICongresso Latinoamericano de Formadores de Professores de Línguas(CLAFPL) demonstra que �O formador começa a figurar como elementoimportante na compreensão dos processos formativos, como se observanos trabalhos desse evento e em outros presentes nos meios de circulaçãode conhecimento no Brasil�.

O projeto aqui relatado se insere nesse quadro, ao ter proposto queum grupo de formadores investigasse suas práticas por meio de uma pesquisaparticipativa. Dentre os objetivos do projeto destaca-se a necessidade deidentificar como os formadores participantes avaliam os resultados decorrentesda realização de pesquisa como uma atividade de seu desenvolvimentoprofissional. Análises parciais dos dados relatadas em Gimenez, Cristovão,Furtoso e Santana (no prelo), indicam que

Embora as participantes tivessem autonomia para tomar decisões, o queconfiguraria uma participação transformadora, as mudanças de planos eentraves da pesquisa analisados até o momento constituíram-se em fatoresdeterminantes da dependência de instruções e encaminhamentos delideranças no interior do grupo.Os dados discutidos neste trabalho são posteriores aos analisados

no estudo citado. Enquanto naquele foram analisadas as 4 reuniões iniciais,realizadas em 2005, neste relato trazemos uma análise das transcrições dereuniões realizadas no final de 2005 e durante 2006, bem comoquestionário aplicado ao final do projeto (Anexo D). A análise anteriorcentrou-se em a) contribuições individuais dos participantes; b) mudanças

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CAPÍTULO 1: formadores de professores de inglês como pesquisadores

e os entraves encontrados na realização da pesquisa e c) percepções dosintegrantes da pesquisa sobre seu valor enquanto instrumento dedesenvolvimento profissional. No primeiro ano, observou-seheterogeneidade nas formas de participação e insegurança por parte dealguns membros do grupo com relação ao desenho da pesquisa. Nestesentido, os mais experientes puderam contribuir de modo mais diretocom sugestões de mudanças no encaminhamento do projeto, que foiobjeto de negociação durante aquele período.

Considerando que passada a fase de coleta de dados, o grupo seconcentraria na análise, este trabalho tem como objetivo caracterizar apesquisa como espaço de desenvolvimento profissional, pela identificaçãode: a) dificuldades ainda vivenciadas no segundo ano do projeto, b)oportunidades para aprendizagem emergentes das reuniões da equipe, c)papéis assumidos que permitissem a caracterização da pesquisa comopesquisa-ação crítica, e d) vozes constitutivas do discurso do formador.

Este texto traz, primeiramente, o referencial teórico da pesquisa-ação para, posteriormente, apresentar os resultados da análise e nossasconsiderações finais.A pesquisa no desenvolvimento profissional

A literatura sobre pesquisa-ação ou pesquisa conduzida pelospróprios profissionais em seus contextos de trabalho nos informa queesta traz inúmeros benefícios. Dentre eles são citados: os profissionais setornam mais informados sobre sua área de atuação, compreendem e tomamdecisões melhores sobre suas práticas pedagógicas e aumentam sua auto-confiança, revitalizando seu ensino (LEVIN; ROCK, 2003). Levin e Rockprocuraram verificar os custos e benefícios percebidos por professoresnovatos e experientes ao se engajarem em um projeto de pesquisa-açãocolaborativa. Os professores novatos relataram que restrições de tempoforam problemáticas, assim como a dependência de outras pessoas. Outrosfatores apontados como cruciais: diálogo compartilhado, persistência ecomprometimento. Como resultado positivo, a colaboração foi percebidacomo capaz de trazer perspectivas, apoio e feedback adicionais. Por outrolado, os professores experientes relataram que seus papéis no projetoexigiram alta dedicação e os desafiaram a testar novos papéis eresponsabilidades como professores. Sua principal função foi assessoraros novatos a crescerem como estudantes e professores. Seu envolvimento

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se deu principalmente com feedback verbal, discussões e reflexões conjuntas.No entanto, apontaram que outras responsabilidades fizeram com queseu engajamento fosse diminuído.

Para Levin e Rock (op.cit.) pesquisa-ação envolve professores nainvestigação de sua prática profissional com a finalidade de compreendê-la, transformá-la, além de aprimorar a própria linguagem sobre o trabalho.A pesquisa-ação colaborativa é sugerida como uma oportunidade que podeconstruir espaços de parcerias pedagógicas produtivas e de estabelecimentode escolas de desenvolvimento profissional3, já que os diferentescolaboradores (professores em formação e professores em exercício, nocaso da pesquisa de Levin e Rock) se engajam em diálogos profissionaispartilhados e questionamentos críticos sobre ensino-aprendizagem quepodem gerar experiências de aprendizagem.

No caso desta pesquisa, formadores de professores de inglês (dediferentes instituições e alunos-professores) se reuniram para ainvestigação sobre a(s) atividade(s) de formação com a intenção de partilharo planejamento, a coleta, a análise e as reflexões sobre o trabalho. Nessesentido, justificamos o foco de investigar o potencial de desenvolvimentoprofissional gerado pela pesquisa.

O desenho da pesquisa foi orientado por uma concepção depesquisa-ação crítica com base na definição de Carr e Kemmis (1988):

Pesquisa-ação é simplesmente uma forma de investigação auto-reflexiva,realizada por participantes em situações sociais, a fim de melhorar aracionalidade e justiça de suas próprias práticas, seus entendimentos dessaspráticas e as condições nas quais as práticas são realizadas. (p.162). (nossatradução).Assim, para eles, �outsiders�4 podem informar ou interpretar essas

práticas, mas não as constituem. Por esse motivo têm poder limitado paratransformá-las, pois raramente vivem as conseqüências de eventuaistransformações. Daí a importância que atribuem aos práticos (�insiders�)para que eles próprios explorem seus entendimentos e busquem descobrircomo suas situações são limitadas por condições subjetivas e objetivas,explorando como podem ser modificadas. Carr e Kemmis (1988, p. 158)3 Escolas de Desenvolvimento Profissional são ações integradas entre instâncias deformação (universidade e escola) que aproximam professores universitários, professorescolaboradores e futuros professores (TEITEL, 2003).4 ´Outsiders´, em oposição a ´insiders´, são pessoas que não pertencem ao grupo.

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CAPÍTULO 1: formadores de professores de inglês como pesquisadores

vão além, ao proporem que �se a pesquisa quiser alcançar umatransformação concreta das situações educacionais reais, esta requer umateoria de mudança que relaciona pesquisadores e práticos em uma tarefacomum no qual se transcende a dualidade dos papéis da pesquisa e prática�.Para eles a pesquisa-ação cria condições para a constituição de comunidadesde aprendizagem interessadas em entender os problemas e efeitos de suaação estratégica, sinalizando uma possível amenização das relações de poderconstituídas no interior de pesquisas que envolvem acadêmicos e práticos.

Lieberman (1995) se refere ao desenvolvimento profissional comoaquele que se ancora no questionamento, na reflexão e na experimentaçãoparticipante. Também defende que para uma abordagem privilegiar odesenvolvimento, ela deve considerar os conhecimentos trazidos pelosparticipantes, suas dificuldades, seus problemas, as característicasconstitutivas de seu contexto, a necessidade de tempo e deinstrumentalização para o trabalho e deve proporcionar espaço para aconstrução de novos conhecimentos, além da fundamental colaboração,parceria e trabalho em rede.

Daí considerarmos relevante identificar as dificuldades, asoportunidades de aprendizagem e os papéis desempenhados pelosparticipantes na execução da pesquisa.Procedimentos de análise

A metodologia de pesquisa adotada durante todo o projeto estádescrita na Introdução deste livro. Nesta seção descrevemos apenas osprocedimentos de análise empregados para elaboração deste texto.

Reuniões da equipe realizadas no período entre dezembro de 2005e outubro de 2006 foram gravadas e transcritas. Adicionalmente, em abrilde 2007, foi pedido aos participantes que respondessem a um questionário,avaliando os resultados da pesquisa. Embora comentários sobre o projetotivessem ocorrido de forma contínua, pelas contribuições e observaçõesdos integrantes durante as reuniões, o questionário permitiu corroboraras análises a partir das percepções dos próprios participantes.

As transcrições das reuniões listadas no quadro 1, a seguir, e asrespostas de 9 participantes ao questionário foram submetidas a umprocesso de análise de conteúdo, de modo a contemplar as perguntas depesquisa. Seguindo uma metodologia exploratória, foram identificadossegmentos reveladores de dificuldades durante o período selecionado,oportunidades de aprendizagem e papéis desempenhados.

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Quadro 1 � Síntese das reuniões da equipe

A fim de aprofundar a análise, foi adotado um procedimentocomplementar por meio da exploração das vozes constitutivas do discursodos participantes nas reuniões e nas respostas ao questionário. O objetivofoi verificar a responsabilidade enunciativa das asserções. A necessidadede se discutir a responsabilidade enunciativa se justifica pela interação dasrepresentações que um agente produtor tem, e que aciona em suasproduções, com as representações dos outros. Assim, ao acioná-las, elas jáassumem um caráter dialógico. Nessa emergência das representações,haveria um confronto entre as representações individuais do agente e dosoutros, criando um espaço mental coletivo. De acordo com Bronckart(1999, p. 323)

�Essa instância coletiva está necessariamente implicada no conjunto dasoperações que sustentam a infra-estrutura e os mecanismos detextualização, intervindo mais diretamente nos mecanismos enunciativospropriamente ditos, no caso, na gestão das vozes e das modalizações.�Para tratar do gerenciamento das vozes enunciativas, aquele autor

primeiramente define vozes como �as entidades que assumem a responsabilidadedo que é enunciado�. Essas vozes podem se apresentar de forma direta ouindireta. Quando for direta, o discurso é interativo e as vozes se constituemnos turnos de fala. Quando indiretas, podem aparecer em qualquer tipode discurso e se constituem por expressões como �segundo o autor�. Dessemodo, podemos dizer que todo texto é polifônico, mas sua polifonia podeestar explícita ou implícita.

5ª. Reunião 13/12/2005 6ª. Reunião 14/02/2006 8ª. Reunião 25/05/2006 9ª. reunião 11/10/2006 Objetivo Avaliação das atividades realizadas em 2005 e planejamento de 2006.

Discussão de leituras, levantamento de dados já coletados e planejamento da análise.

Apresentação das análises e dúvidas sobre encaminhamentos.

Apresentação de resultados de análise por dois sub-grupos e relato de bolsistas sobre sua participação no Encontro Anual de Iniciação Científica. Participantes 10 formadores e 3 alunos IC 6 formadores, 4 alunos IC e uma colaboradora

7 formadores, 4 alunos e uma colaboradora 7 formadores, 4 alunos e uma convidada

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CAPÍTULO 1: formadores de professores de inglês como pesquisadores

Resultados e discussãoDificuldades

A escassez de tempo e o excesso de trabalho foram apontados comoprincipais entraves para a realização da pesquisa, mencionados por 7 dos9 integrantes5. Isto impediu que os formadores se encontrassem com maiorfreqüência e trocassem informações sobre como fazer pesquisa. A divisãode trabalho adotada durante essa fase de análise dos dados foi organizadade modo que se formassem subgrupos para analisar os dados em funçãodos 5 objetivos do projeto.

Podemos exemplificar essas dificuldades com o excerto abaixo:P11: ...Inicialmente as pessoas que haviam escolhido o mesmo objetivoque o meu não dispunham de tempo para encontrar o grupo e discutir asações que iríamos realizar: o que cada um iria fazer, como os dados seriamanalisados, que referencial iríamos utilizar, quem escreveria o quê, e assimpor diante. Alguns dos membros do grupo moravam em outra cidade e odeslocamento para Londrina era difícil às vezes. O grupo era compostopor alunos de iniciação científica e por professores, mas mesmo os alunosnão encontravam tempo para os encontros. Finalmente o trabalho sedesenvolveu, mas sem a participação efetiva de todos os membros iniciaisdo grupo. (questionário)Embora a coleta de dados tenha sido planejada de modo a não trazer

encargos adicionais a seus membros, a fase de análise revelou que serianecessário recorrer a outros para ajuda. Daí a organização em subgrupos eenvolvimento de alunos. Uma das participantes contou com o auxílio deseus alunos para a transcrição dos dados, avaliando positivamente aexperiência:.

P3: Falando um pouco nesta questão de dificuldade, nessa semana agoraque foi uma correria, formatura, eleição e mais e mais. As alunas que euentrevistei depois elas falaram: �professora, quer que eu transcreva isso?�Então elas gostaram, elas leram, teve uma outra que me ajudou a fazer acomparação, que não é da sala. Então eu achei que esse foi um pontoimportante pra eles saberem o quanto a gente tem que fazer, e pra eles veremque dentro desse trabalho, eles também podem crescer, né? (5ª. Reunião).

5 Os participantes são identificados por números, conforme explicado na Introdução.

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TECENDO AS MANHÃS: pesquisa participativa e formação de professores de inglês

A participação de alunos de iniciação científica no projeto foifundamental para que transcrições fossem realizadas, tanto das reuniõesda equipe quanto das entrevistas com os estagiários. Entretanto, nem todosos participantes contaram com esse tipo de auxílio, o que revela condiçõesdiferenciadas para os membros realizarem a pesquisa. Este fator pode terinfluenciado as formas de participação de cada um, conforme apontadono questionário.

Além do tempo e excesso de trabalho, a pouca familiaridade compesquisa pode ter sido responsável pela percepção de uma outraparticipante, que assim expressou sua dificuldade:

P4: Eu tenho tido muita dificuldade, então eu estou assim penando porqueeu não sei pedir nada pra ninguém, então as minhas coisas estão aíacumuladas, todas à mão. Eu não consigo raciocinar na frente docomputador e eu estou tendo uma dificuldade imensa por falta deorganização. (5ª. Reunião)P4: Os entraves são de nível pessoal, ou seja, minha própria dificuldadede organização e de escrita acadêmica (questionário).Tendo em vista que o projeto teve duração de dois anos e meio, a

participação dos membros foi irregular, conforme já apontado emGimenez, Cristovão, Furtoso e Santana (no prelo). Imprevistos de ordempessoal e outras prioridades definidas ao longo do período resultaram emnão engajamento total com o projeto. A fase de coleta foi permeada pordificuldades dessa natureza, mas foi na fase de análise que os problemasde coleta apareceram de modo mais explícito:

P7: Eu acho que na hora de coletar ou produzir os diários, as pessoas nãotinham muito os objetivos em mente. (questionário)P3: É, também! Isso também pode ter acontecido... (8ª. Reunião)P1: É que agora eu vejo mais claramente o projeto e os objetivos do quequando eu estava coletando dados. Se eu soubesse, se eu tivesse tudomais claro, talvez eu tivesse dado outro jeito. (8ª. Reunião)P1: Acho que deveríamos ter refletido mais tempo na hora da discussãosobre a coleta de dados e, principalmente, sobre os rumos que tomaria aanálise. Aquele foi o momento mais importante da pesquisa, na minhaopinião. Foi o momento em que decidimos o que cada grupo faria. Eugostaria de ter discutido mais naquele momento. (questionário)

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CAPÍTULO 1: formadores de professores de inglês como pesquisadores

P8: Acho que reduziria a diversidade dos dados, mas ampliaria o períodolongitudinal de coleta. (questionário).P3: Talvez a diversidade dos dados tenha ficado muito ampliada, e os dadosde algumas gravações ficaram diversificados e difíceis de seremconfrontados. Mais explicitação na hora da realização de coletas de dados.Estamos sentindo isso no nosso trabalho (questionário).A falta de clareza sobre os objetivos do projeto demonstra que nem

todas as suas fases foram, de fato, participativas, a despeito de ter surgidode uma reunião do grupo e visto como uma forma de aprendizagemconjunta. Essa falta de senso de �propriedade� do projeto se revela nopredomínio de um moderador, cuja análise será tratada na seção 3. Poroutro lado, isto resultou também em aprendizagem, pois as reconstruçõesdo projeto envolveram sugestões de mais discussão nesta fase:

P9: Se tivesse tempo hábil, faria várias reuniões para a elaboração doprojeto, pelo menos, no que diz respeito aos objetivos e à metodologia.Acho que eles não refletiram as expectativas de todos, embora tenhamostido a oportunidade de fazer sugestões. (questionário).Assim, o modo como o projeto foi concebido provocou a

necessidade de constante negociação na fase de análise, resultando emdificuldades adicionais, mas também proporcionando oportunidades deaprendizagem, a serem tratadas na seção seguinte.Oportunidades de aprendizagem: um exemplo

Além da pouca identificação com o projeto na sua fase de elaboração,a assimetria de conhecimentos e experiência na realização de pesquisa setornou visível durante o período analisado, ampliando seu potencial deaprendizagem, conforme já apontado.

No entanto, há o reconhecimento de que o próprio desenrolar doprojeto possibilitou essa compreensão:

P1: E tem uma coisa também, o amadurecimento aqui das reuniões, dasdescobertas, das reflexões, assim, foi muito melhor do que a leitura doprojeto que fizemos inicialmente. Nós lemos o projeto, discutimos, mascomo não estávamos nos reunindo ainda, não tínhamos ido à práticapropriamente dita, pra mim ficou um pouco abstrata, né? Eu falei: não,eu entendi e vou fazer isso. Depois, com as reuniões, que eu percebi.

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TECENDO AS MANHÃS: pesquisa participativa e formação de professores de inglês

A opacidade de um dos objetivos do projeto para um dos subgruposserviu, no entanto, para gerar contribuições por outros integrantes dogrupo, no momento em que resultados preliminares estavam sendodiscutidos. A seqüência abaixo, extraída da 8ª. reunião exemplifica umdos momentos em que a participante P1 procura confirmação para suaanálise preliminar:

P1: Deixa eu te dar um exemplo: numa sessão de supervisão a aluna coloca,...ela apresenta sua opção metodológica ao mostrar interesse em trabalhar comtextos, realizar interpretação na língua inglesa explorando a cultura do país evalorizando isso. Ela traz isso consigo, é parte dela, é representação dela. Esseinteresse pode ter sido ou não construído na etapa de formação inicial. Elapode trazer isso com ela, uma representação dela...A participante P10 responde com uma afirmação categórica e

procura explorar a resposta da formadora:P10: Isso não importa. O que a supervisora dela faz quando ela faz isso?P1: A supervisora incentiva. Diz �é isso mesmo, se esforça, que é por essecaminho mesmo�...A esta resposta a participante P9 atribui uma justaposição com

um dos outros objetivos do projeto, uma questão que já vinha sendolevantada em outras reuniões e que pode ter se agravado pela separaçãoem subgrupos para análise de um conjunto de objetivos concebidoscomo um todo:

P9: Aí já entra no objetivo dois((falam simultaneamente))P9: O que a formadora fez...P10: Ela não desafiou � ela reforçou, legitimou aquilo que ela falou, tinhacomo proposta.P1: Por que isso também vem ao encontro do que a formadora pensa, noque ela acredita.A formadora P1 procura então encontrar uma explicação para

esta opção, ou seja, atribui ao sistema de crenças da formadora a decisãode desafiar ou legitimar a proposta trazida pelo estagiário. Nesta reuniãoforam vários os momentos em que os demais participantes (e não

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CAPÍTULO 1: formadores de professores de inglês como pesquisadores

apenas os do subgrupo responsável pelo objetivo) contribuíram comsuas sugestões sobre como realizar a análise:

P1: [...] só pra eu entender melhor, então, que relação isso tem entre aopção metodológica e o conhecimento que o aluno tem?P10: Não é a opção metodológica do aluno, não é o aluno falando �euvou entrar na leitura desse jeito�. A opção metodológica é a do formador:vai ser prescritivo, vai ser colaborativo, vai ser reflexivo, o que ela vai ser.A uma possível interpretação equivocada do objetivo do projeto

P10 procura esclarecer, afirmando ser referente à opção do formador. Nesteponto parece ficar mais evidente que o enquadramento de abordagens deformação não é compartilhado por todos os membros do grupo. A dúvidaagora se volta para um outro aspecto do objetivo, quando P7 questiona sehouve construção de conhecimento, cujo sentido parece continuar obscuroquando ela mesma pergunta �mas é legitimação de uma crença ou um construirconhecimento�? ao que P10 responde com outra pergunta, atrelando aresposta à continuidade da ação do supervisor.

P7: Mas aí foi construído um conhecimento ou não?P9: O aluno não vai questionar mais.P3: Você falou colaborativo, reflexivo, prescritivo.P7: Mas vai ter uma continuação do conhecimento prévio ou construção,é uma legitimação de uma crença ou é um construir conhecimento?P10: Aí eu não sei, ela disse isso e o professora disse o quê? Tem aí a falado supervisor? O que a supervisora disse �é isso mesmo minha filha, vocêestá certa�?As sugestões apresentadas, no entanto, começam a fazer sentido

para a participante P4, quando esta devolve para o grupo seu entendimentopara ser corroborado, ainda na mesma reunião:

P4: Deixa eu verificar o que estou entendendo. Estou lembrando de umaque eu analisei, minha própria. Se eu for dividir em partes a minha sessão,eu vejo assim: primeira parte �a supervisora pede ao aluno que apresenteo que ele pensa em fazer na próxima aula�. Se o aluno expõe o plano dele;aí eu passo pra um segundo ponto, uma segunda parte, que eu começo aquestionar o porquê de ele estar fazendo aquilo. Nessa segunda parte,analisando esse momento, eu consigo identificar a opção dele, oconhecimento que ele tem. Até existe um momento que eu falo �aqui ele

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TECENDO AS MANHÃS: pesquisa participativa e formação de professores de inglês

esta trazendo o conhecimento de vida dele, a história de vida dele comoaprendiz de uma língua estrangeira�, porque ele diz assim: �eu resolvi daresse exercício aqui�, e eu pergunto por quê? Ele fala �eu sempre fiz assime acho legal�. Essa fala dele �eu sempre fiz um exercício assim, eu já fizum exercício desses há um tempo atrás� - eu acho interessante fazer essainterpretação - que a história de vida como aprendiz da língua é umconhecimento que ele está trazendo, não é uma coisa que eu tive influência.É a própria história dele..P9: O que você faz com isso é que é a sua opção metodológica. O quevocê fez com isso que ele trouxe?P4: Aí entra num terceiro momento que eu começo a refutar tudo aquiloque ele está trazendo, tudo que ele esta sugerindo pra fazer. Aí começo eua dizer �por que você não faz assim, vai ficar muito difícil isso, seus alunoslá não vão conseguir responder�. Então, sou eu agora impondo a minhaopção metodológica, é isso?P10: Não, eu acho que você está dando uma abordagem alternativa. Vocêestá colocando pra ele uma outra alternativa. Este texto que a gente estadistribuindo hoje, do Gebhard, fala sobre modelos de supervisão.Ao questionamento de P4, P9 responde (O que você faz com isso é sua

opção metodológica) e coloca outro questionamento (O que você faz com issoque ele trouxe?) fazendo com que P4 continue sua descrição da práticaadotada. P4 procura confirmação para tentar tornar menos ambíguo o sentidode �opção metodológica�, ao que P10 responde negativamente, afirmandoser alternativa e não prescritiva a abordagem adotada. Menciona, ainda, umtexto que poderia ajudar a compreender melhor as opções citadas. Nestesentido, P10 coloca sua possível interpretação sobre o dado apresentado esugere uma fonte externa que poderia auxiliar na análise. Como podemosver nos capítulos 3 e 4, essa referência foi, de fato, utilizada.

Outras oportunidades de aprendizagem foram reveladas peloquestionário. A participação no projeto foi apontada como benéfica portodos os participantes. Dentre seus resultados positivos são representativosos citados por P11 em sua resposta ao questionário:

A possibilidade de compartilhar os mesmos dados com outros formadores;A oportunidade de discutir os dados e o andamento da pesquisa com osdemais pesquisadores;A flexibilidade e abertura que esta pesquisa nos deu; os objetivos, oreferencial e a metodologia eram amplos o suficiente para que pudéssemosbuscar uma identificação e um compromisso com os resultados;A possibilidade de verificar como a formação de professores se dá emoutras instituições de ensino;

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CAPÍTULO 1: formadores de professores de inglês como pesquisadores

Comparar diferentes perspectivas e condições de trabalho;A participação em eventos para divulgação dos resultados;O sentimento de pertencer a um grupo que compartilha dos mesmosanseios.Como resultado de aprendizagem a capacidade de refletir mais sobrea prática foi apontada como principal conseqüência da participação noprojeto, que serviu também para proporcionar embasamento teórico para

as práticas adotadas:P1: Hoje as minhas aulas são muito diferentes. Sempre dizia que tinhamuitos estagiários que não dava tempo. Hoje tento fazer o tempo dar.Estou mais reflexiva, estou diferente do que era. Acho que mudei paramuito melhor.P9: [...] Antes desta experiência, o entendimento da abordagem de formaçãode professores adotada por mim e pelos colegas de minha instituição(abordagem reflexiva) parecia algo rígido e engessado e agora, consigo explorare me posicionar um pouco mais perante esse �modelo� e outros, semnecessariamente me sentir �culpada� ou �traidora� do meu discurso.A seguir apresentamos um quadro sintético das auto-avaliações dos

participantesQuadro 2: Percepções sobre a aprendizagem gerada pelo projeto

Participante A pesquisa proporcionou P1 Mudança na própria prática. Adequação do tempo a uma

abordagem reflexiva. P3 Visão positiva de pesquisa e mudança da prática com maior

compartilhamento com alunos P4 Maior embasamento teórico para prática como supervisora de

estágio P5 Mudança na prática, ouvindo mais os alunos e

enriquecimento teórico-prático P7 Maior consciência de sua atuação P8 Tomada de consciência das dimensões do trabalho como

formadora e da dinâmica da pesquisa participativa P9 Olhar mais crítico sobre sua própria orientação no estágio P10 Reflexão sobre trabalho coletivo e desafios de constituição de

uma comunidade de formadores P11 Conhecimento das práticas de colegas e percepção de

dificuldades dos alunos

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TECENDO AS MANHÃS: pesquisa participativa e formação de professores de inglês

Observa-se que todos perceberam ganhos com a realização doprojeto, apesar das dificuldades já mencionadas. Seis dos nove participantesressaltaram o impacto da pesquisa em sua prática. Os outros três ressaltaramdiferentes aspectos, quais sejam: a) a experiência com pesquisaparticipativa; b) a diversidade das atividades que envolvem o trabalho doformador; c) a possibilidade de conhecer tal diversidade, bem como assituações críticas reveladas pelos alunos; d) o trabalho coletivo e,finalmente, os ganhos com a experiência vivida para a comunidade deformadores de professores de inglês do Paraná.Papéis

Considerando as observações de Carr e Kemmis sobre os perigosdo predomínio de um moderador6, esta seção explora de que modo ospapéis desempenhados pelos integrantes podem ter resultado namanutenção de �insiders� e �outsiders� no interior das ações empreendidaspelo grupo. Para isto, serão distinguidas as várias fases do projeto, a saber:elaboração, coleta de dados, análise, disseminação em congressos epublicações.

Na fase de elaboração, houve predomínio da coordenadora, quetomou a iniciativa de montar a primeira versão do projeto para referendodo grupo. Esta foi uma fase em que não foi possível quebrar com ahierarquia implícita, em virtude das ações que precisavam ser tomadasem relação ao encaminhamento burocrático do projeto. No entanto, onão engajamento de todos durante esta fase provocou posteriormentequestionamentos sobre os objetivos, ocasionando várias negociações nafase de coleta e análise. Talvez por esse mesmo motivo, a mesmaparticipante repete constantemente para o grupo os objetivos do projeto,como se vê no excerto abaixo:

P10: E eu acho que a própria trajetória do projeto, não é? Como que agente resolveu fazer esse projeto? Nós tiramos essa idéia de uma reuniãode Enfopli, né? Nós todos dissemos que é uma coisa que vale a pena fazercomo um conjunto de pessoas, onde a gente vai conhecer um pouco maisda realidade do outro, que a gente vai tentar olhar pra nossa própria práticae o que a gente pode fazer de diferente a partir da experiência do outro,através das leituras e das discussões né? Acho que essa é a idéia, é uma

6 Qualquer predomínio freqüente de um �moderador� será destrutivo para a responsabilidadecolaborativa do grupo pelo seu próprio processo de auto-reflexão. (p. 205)

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CAPÍTULO 1: formadores de professores de inglês como pesquisadores

coisa dinâmica que está pensando em se sistematizar a partir de umconjunto de dados pra que a gente possa olhar pra isso com mais rigor.Porque eu posso sentar numa mesa de bar e falar sobre isso, mas é diferentede pegar uma sessão minha com meus alunos e olhar para aquilo e falar:�opa, eu faço isso�? Então isso traz uma nova percepção sobre o que eufaço e pode levar a uma mudança do que eu faço. Essa é a idéia de pesquisa-ação né, eu vou olhar um pouco, tentar entender um pouco do que é issoque eu estou fazendo. As dificuldades têm que ser expostas pra gente verse elas são contornáveis (5ª. Reunião).Note-se a tentativa de minimização de sua própria atuação, mediante

o uso de �a gente� para denotar o caráter participativo da pesquisa e oprojeto como propriedade de todos. Na reunião seguinte o assunto voltaa ser tratado e colocado em pauta pela coordenadora:

P10: Então, como eu estava dizendo, eu assumi uma posição meiocentralizadora no projeto, eu acabei assumindo o papel de fazer algumascoisas que acabou centralizando muito, eu acho, as coisas que a gente estavafazendo. Eu não sei como que vocês vêem isso. Já que a gente tem esse anoagora pra fazer a análise e tudo mais, vamos pensar se é possível a gentemudar isso; se é uma coisa que nós gostaríamos que acontecesse. Porexemplo, hoje de manhã alguém falou o �projeto da P10�, daí eu fiqueipensando: mas o projeto não é da P10, é o projeto de todo mundo. Entãocomo que a gente pode tornar o projeto da P10 no projeto de todo mundo?Acho que essa é umas das questões que nós temos que discutir. (6a. Reunião)Durante a fase de coleta de dados foi sentida a necessidade de um

participante na posição de �cobrador� das atividades, conforme relatadoem Gimenez, Cristóvão, Furtoso e Santana (op. cit), papel esse assumidotambém pela coordenadora. Embora �insider�, a participante compredomínio de turnos foi alçada à categoria de �outsider� pelos própriosintegrantes do projeto, situação que procurou rejeitar, sem sucesso. Dadasas limitações de tempo e espaço, este é um aspecto que poderá ser melhorexplorado em trabalhos futuros.

Para a fase de análise, foi sugerido que outra participante assumissea coordenação das reuniões, o que acabou acontecendo durante o ano de2006. No entanto, a coordenadora retoma a posição ao especificar osobjetivos da 8ª. reunião, deslocando a figura da moderadora. O uso de�na verdade� parece sugerir uma correção ao que havia sido posto pelaresponsável por coordenar o encontro:

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TECENDO AS MANHÃS: pesquisa participativa e formação de professores de inglês

P10: Na verdade, hoje seria mais uma reflexão sobre esse processo todo - ecomo a análise está nos ajudando ou não está nos ajudando a pensar melhornas nossas práticas! ( 8ª. Reunião)As contribuições individuais ao processo de análise foram discutidas

na seção 3.3. Ali se verifica a participação de mais vozes procurandocontribuir para as reflexões trazidas pelo olhar para os dados coletados.Pode-se imaginar um �crescendo� de maior apropriação do projeto eaprendizagem à medida que se avançava da análise para a disseminação. Aapresentação dos trabalhos no I Congresso Latinoamericano sobreFormação de Professores de Línguas (CLAFPL) foi percebida como umimportante momento para uma apreciação global dos resultados e suasinterligações. Seguiu-se a isso a redação de vinhetas como etapa final doprojeto, além da produção de textos que compõem este livro. Essas tarefasforam realizadas durante o primeiro semestre de 2007. Nesta fase, o gruposerviu como leitor dos trabalhos, caracterizando, de modo mais claro, aparticipação.

Se levarmos em conta o que nos diz Carr e Kemmis (op. cit) sobrepapéis, é possível salientar que houve predomínio de um participanteespecialmente nas fases de elaboração e coleta de dados. A partir dali, ospapéis foram mais distribuídos e resultaram em situações de aprendizagemem que maior número de integrantes teve participação.Vozes

Enquanto participantes de uma formação discursiva, as reuniõesabriram espaço para a manifestação das múltiplas subjetividades, derepresentações coletivas e individuais e seus confrontos, de discursos sócio-histórica e ideologicamente construídos e afetados pelas interações nasrelações sociais reguladas, organizadas e mediadas pela linguagem. Dadaa sua importância e a fim de explorarmos os sentidos construídos sobrepesquisa pelos participantes, aprofundamos o levantamento dos temas (nosentido bakhtiniano do termo, ou seja, apreciação de valor que se temsobre uma questão) nos enunciados orais das reuniões e das respostasescritas ao questionário distribuído/coletado. O Quadro 3 traz exemplosde enunciados produzidos em reuniões:

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CAPÍTULO 1: formadores de professores de inglês como pesquisadores

Quadro 3: Exemplos de vozes que constituem representações dosparticipantes sobre o trabalho de formador

vozes Exemplo Dos alunos P7: Aí ele falou assim: o meu sonho é um dia a [nomes de formadoras] irem dar a primeira aula pra gente, pra gente ver como é que dá aula. Aí eu falei assim:

�mas o que você quer dizer com isso? Você quer ter um modelo? Ou você quer rebater o nosso discurso?� Daí ele falou assim: �não, não é modelo não, é pra rebater o seu discurso�. Daí eu falei: �ah, achei interessante, fale mais sobre isso�. (5ª. reunião) Bolsista: Olha, eu posso - do ponto de vista de aluna do segundo ano do curso de Letras, me engrandeceu muito no sentido que � eu vejo pelo contato com os outros colegas que eles não tem uma visão como eu tenho de formação. Muitas coisas eu já vi que eu quero aplicar quando eu começar a trabalhar em sala de aula, porque é assim: dentro da sala de aula a gente vê muita teoria, eles focalizam a gramática do inglês, a gramática do português e não sabem trabalhar muito bem o relacionamento que você vai ter com o aluno e com a instituição. O contato com a experiência de vocês eu vi e aprendi muito em relação a isso, saber me comportar futuramente diante de uma situação, não apenas profissionalmente, mas também social e institucionalmente. (9ª. reunião)

Do formador P1: É, todo início de ano nós vamos até as escolas e fazemos uma reunião com os professores e com os supervisores e, muitas vezes, com o diretor,... (5ª. reunião)

Do professor P8: Até pela facilidade de contactá-las, né. Enfim, porque os outros estagiários já estão em �outro planeta�. E a outra coisa é que eu fiz, em função de tempo, na realidade eu fiz uma � entrevista.(5ª. reunião)

Da instituição (sistema de ensino) P8: Então se todo mundo se inscreve aumenta a demanda e aumenta, portanto, a possibilidade de receber bolsa. (5ª. reunião)

Do sistema educacional P10: É nos estamos falando aqui dos textos que saíram dos parâmetros curriculares do Ensino Médio de Espanhol, que a finalidade é fundamentalmente educativa e não instrumental, né � os objetivos da Língua Espanhola é alargar os horizontes, permitir a identificação cultural do aluno [...] (5ª. reunião)

De teóricos e pesquisadores P7: Aí eu lembrei de P10, falando que indisciplina é o que se vê, mas a gente tem que procurar por trás. Aí eu levei o texto do Moita Lopes, que fala sobre as interações e analisa as interações problemáticas. Na outra semana ele leu Coracini, daí, na outra na aula ele chegou e falou: não, não era indisciplina, foi a minha falha de estabeler padrões interacionais adequados. (5ª. reunião) P10: Eu estou propondo Wallace e Gebhard, não sei se alguém tem outras... o Wallace pra definição das abordagens e o Gebhard pra falar dos modelos de supervisão. (8ª. reunião)

Do coletivo mais amplo P8: Nós da UEL, todos � que estão aqui fizeram uso dos Roteiros, né? ( 5ª. Reunião) Do pesquisador P4: [...] então eu estou assim penando, porque eu não sei pedir nada pra ninguém, então as minhas coisas estão aí acumuladas, todas à mão. Eu não

consigo raciocinar na frente do computador e eu estou tendo uma dificuldade imensa por falta de organização. Então a minha permanência aqui no projeto por causa disso, porque eu acho que eu não estou rendendo como eu deveria. Então, eu nem sei como fico. ( 5ª. reunião) P9: Por isso que tem esse monte de não tem, não tem ((risos)) Então fica uma

coisa desagradável né, e não é por falta de... No começo talvez tenha sido por faltado de eu ter me apertado: não eu tenho que fazer agora porque depois eu não vou fazer. Mas ao mesmo tempo foi um momento difícil né, final de gravidez etc... ( 5ª. reunião)

Do grupo de pesquisadores P10: Nós todos dissemos que é uma coisa que vale a pena fazer como um conjunto de pessoas, onde a gente vai conhecer um pouco mais da realidade do outro, que a gente vai tentar olhar pra nossa própria prática e o que a gente pode fazer de diferente a partir da experiência do outro, através das leituras e das discussões. ( 5ª. Reunião)

Da professora colaboradora P8: peguei aqui da professora que respondeu �você vê algum outro papel para o estagiário diferente dos que desempenhou neste ano? Sim, acompanhar mais a rotina do professor e ser um colaborador do professor em todas as suas tarefas diárias.� (5ª. Reunião)

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TECENDO AS MANHÃS: pesquisa participativa e formação de professores de inglês

Os efeitos discursivos que cada enunciado traz parecem orientar ointeractante a considerar as vozes que estão constituindo cada segmentode texto. Pode-se observar que os diferentes sistemas (educacional, deensino e didático), bem como as diversas dimensões constitutivas dotrabalho do professor vão tecendo as apreciações feitas e promovendoecos ideológicos fortemente marcados pelos contextos em que osparticipantes atuam, o contexto macro no qual nos inserimos, bem comoos conhecimentos prático, técnico, político-profissional quecompartilhamos durante as reuniões.

Os enunciados retomam sentidos que circulam no espaço social decada profissional. Todos os exemplos que selecionamos revelam discursospovoados por outros dizeres que vão constituindo o professor pesquisadore vão refutando ou confirmando representações que circulam em seusespaços sociais sobre o papel do formador. Cada perspectiva de vozes sociaispresentes/reveladas parece descobrir as redes tecidas por formadores emsua atividade profissional.

No processo de pesquisa, a discussão e a reflexão sobre a prática esobre os papéis assumidos pelos participantes deste espaço profissionalsão recorrentes e provocativos. Ora a discussão é iniciada, mas nãoresolvida, ora ela é alimentada a fim de se fazer emergir os sentidos dadospelos sujeitos e gerar espaço para novas construções. O excerto seguinteilustra um momento em que os questionamentos sobre o papel doestagiário no contexto de ensino trazem à tona duas percepções: a)necessidade da colaboração ser, minimamente, uma via de mão dupla naescola (campo de estágio); b) participação do aluno no contexto da escolacomo um assistente para o professor.

P8: Então, mas é isso que a professora está falando, dele colaborar � entãoquer dizer, estou eu lá como supervisora dele de terceiro ano e está oprofessor, como professor regente daquele, e o aluno não está no papel sóde, sei lá, ah eu venho aqui ver se as paredes estão pintadas e etc, ela estásugerindo essa professora, ele podia ser um colaborador, um monitor porexemplo, eu que estou dando essa palavra, ela não deu colaborador.P2: Então, aquele modelo aposentado de participaçãoP8: Qual modelo aposentado?P10: 10 horas de participação, 10 horas de observação e 10 horas deregência.P2: corrigindo prova, corrigindo caderno...P10: Mão-de-obra barata.

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CAPÍTULO 1: formadores de professores de inglês como pesquisadores

P2: Ué, mas ele está tendo uma tarefa, assim vamos dizer, não é a doprofessor, mas ele está fazendo alguma coisa que é de verdade não é?P11: Teve uma escola que eu liguei para fazer contato que a professoradisse que só aceitaria estagiários assim, se ele participasse, XX ((comentáriosindistintos))P3: XX... que nós tivemos uma visita da R. que faz parte do conselho eeles falam muito nisso agora, de acompanhar desde o projeto político-pedagógico e possa um professor ou até dois professores lá da escola e elevai, onde o professor vai ele vai atrás. (5ª. Reunião)As diferentes percepções são verbalizadas, entram em choque, mas

não são resolvidas. P8 faz uma proposição que P2 e P10 interpretam comoum retrocesso para a prática, ao passo que P11 adiciona que já foracontatado por escolas que desejam o estagiário no modelo de monitor. P8não argumenta favorável ou contrariamente e o assunto é desviado, desvioeste que pode ser interpretado como proposital para que o conflito não seinstaure nem seja alimentado, ou como o rumo mais desejado pelo grupo.

O próximo excerto revela uma interação em que a colaboração e anegociação são priorizadas para que a compreensão sobre procedimentosde análise sobre os inventários de crenças seja construída.

P1: Porque se for fazer por instituição é fácil você discutir isso, você falarque inicialmente você tinha lá trinta e cinco e depois... Mas se for juntartodos aí enviesa os dados eu acho.P10: É, porque os dados quantitativos são � e o próprio instrumento équestionado. É mais no sentido de você ter um panorama geral.P2: É só com o primeiro você tem esse mapa de como o aluno chega, decomo ele vem pensando no começo do ano né? Daí pra fazer a outra partecomparativa X que não tem par, então ele não resolve o problema.P7: Então, mas daí a análise inicial perde o seu valor.((falam simultaneamente))P1: É então, mas no meu caso que são só dois é fácil X eu identifiquei sódois que não responderam na fase final, mas no caso dela sete é muito,né, pra descartar. Eu acho que o certo seria justificar. (5ª. Reunião)Nesta reunião alguns procedimentos de análise foram propostos e

discutidos em termos de validade, adequação em relação às perguntas depesquisa e coerência com a fundamentação até então considerada.

P7 Então tem que ter ... uma análise quantitativa dos inventários.P8 Análise de conteúdo, né? chamando assim ou de ordem semântica,enfim, né?P7: E uma exploração das sessões de supervisão.

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TECENDO AS MANHÃS: pesquisa participativa e formação de professores de inglês

P10: Agora a idéia é, todo mundo faz tudo isso ou vamos, entendeu,compartilhar as tarefas, ou a gente decide isso lá na frente? (5ª. Reunião)P7 enuncia, servindo-se da modalização lógica, provavelmente,

tomando por base que inventários iniciais e finais devam ser tabulados ecomparados. P8 complementa a fim de sugerir procedimentos de naturezaqualitativa para serem utilizados. Em outro segmento podemos observarque em resposta a um questionamento também sobre procedimento deanálise, P10 afirma que diferentes procedimentos com base em diversasperspectivas teórico-metodológicas poderiam ser adotados:

P11: Pretende fazer uma análise lingüística dessas entrevistas?P10: É possível, diferentes olhares. (5ª. Reunião)Em relação aos questionamentos críticos sobre ensino-

aprendizagem e sobre a própria natureza de uma pesquisa que se postulaser crítica, um participante recoloca a preocupação com o estatuto depesquisa participativa questionando que, para ser participativa, outrossujeitos deveriam estar colaborando também em fases do projeto que nãoa coleta de dados.

P5: Agora P8, você já pensou, em relação a essa mesma questão que vocêfez, como dar esse retorno?.P8: É, não só dar o retorno, eu tô dizendo, por exemplo, eu estou fazendo apergunta pra nós todos, inclusive pra mim. É � quando a P9 falou assim: �nósnão estamos fazendo análise com nossos alunos�, e aí eu lembro de umapergunta que eu mesma coloquei na primeira e na segunda reunião: masespera aí, nossos alunos são co-participantes? Eles não estão aqui todos, comexceção dos alunos de iniciação científica, esses meus alunos que preencheramquestionários, que foram de alguma forma sujeitos a estarem lá nas gravações,enfim � que foram entrevistados, por que que eles não podem? Por que queeles não podem participar das nossas reflexões em cima dos dados que elestambém geraram? E essas escolas que são nossas parceiras, quer dizer, não ésó � eu não tô fazendo uma pergunta só de como é que nós vamos voltar issopra eles, para os alunos e para os professores, mas se essa pesquisa está fazendocom que eu repense na própria relação e se na prática eu estou fazendo algumacoisa pra que isso seja desacomodado, né?P5: e num universo de 47 alunos, 11 fizeram a pergunta: �professora,aquela pesquisa que � aquele questionário que vocês aplicaram X que euentrevistei, o que deu?�- mas eu acho importantíssimo dar o retornopara que não fique naquele nível da pesquisa informante. Na pesquisaparticipativa, na pesquisa ação que você tem que dar o retorno ao

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CAPÍTULO 1: formadores de professores de inglês como pesquisadores

participante que você não só vai buscar informação - aquele texto muitobom que a gente trabalhou aqui, traz uma junção das duas, da pesquisaparticipativa.P10: Então, mas eu acho que a P8 tá fazendo é uma pergunta que devevoltar no sentido de como que esse projeto � ter participado desse projetoimpactou ou não impactou é - a nossa prática. Isso aí é uma coisa que cadaum de nós vai poder responder, é � e essa questão do envolvimento dosalunos, eu acho que não nessa reunião até por conta da questão do espaçofísico e de habilidade de participação nesse sentido, nada impede, nada eisso eu disse desde o começo � e aí isso é uma questão de - vai ter implicaçãopra forma de como a gente vai estar envolvendo o aluno ou não naspesquisas, ou vai ter repercussão ou não no modo de como a gente estápropondo a idéia de professor investigador, né? É uma idéia que queremoscontinuar sustentando com que ressalva, com que encaminhamento?Então eu acho que isso vai ser uma coisa que a gente vai//P9: // eu acho que isso vai ter um impacto inclusive nessa X que eu vou continuarpensando � depois dessa pesquisa eu continuo pensando que o professor tem queser professor pesquisador, em função de todas essas coisas, acho que isso éimportante, depois da participação desse projeto vai ser importante nesse sentido,porque falar né, que tem que ser pesquisador. E quando eu disse também que nósnão estamos fazendo análise com os nossos alunos eu não estou querendo dizerque nós não tínhamos essa abertura, eu só estava pensando na relação que nóstemos né, quão parte do nosso trabalho diário esse projeto está fazendo. Na minhaopinião ele teve muito mais parte na coleta do que na análise, não que a gente nãotivesse esse passo de fazer a análise com os alunos, eu não me lembro de ninguémter falado de fazer, eu também não fiz e ninguém está fazendo. XX. Então porqueprovavelmente essa análise não faz parte nesse momento do nosso programa lá,das nossas disciplinas, a coleta fazia, independente de estar no projeto ou não, claroque algumas coisas surgiram. (9ª. Reunião)As pesquisadoras do excerto se posicionam em dois sentidos: a) da

pesquisa ser integrante do trabalho e não um conhecimento a serdisseminado; b) do engajamento dos alunos na pesquisa. Adotando adefinição de colaboração de John-Steiner et al (1998, apud LEVIN &ROCK, 2003)7, os autores concluíram que um trabalho preparatório7 Os princípios em colaboração efetiva representam domínios complementares. Comocolaboradores, eles não apenas planejam, decidem e agem em conjunto, eles tambémpensam juntos, combinando esquemas conceituais independentes para criar situaçõesoriginais. Além disso, na colaboração efetiva há o compromisso com o compartilhamentode recursos, poder e talento: nenhum ponto de vista individual domina, a autoridadepara decisões e ações reside no grupo, e o resultado final emerge das contribuições detodos os participantes. Reconhecemos que grupos colaborativos diferem noenquadramento a este perfil e que grupos podem exibir algumas dessas característicasapenas de modo episódico ou apenas após longo período de convivência. (p. 776).

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TECENDO AS MANHÃS: pesquisa participativa e formação de professores de inglês

deveria ter sido feito, de modo a possibilitar maior simetria na participação.Ao apontar a questão de simetria, podemos nos referir tanto ao estatutodos participantes que parecem ter revelado posicionamentos diferentesem relação à sua participação e ao desenvolvimento de suas tarefas quantoà possibilidade de inserir nossos alunos na prática de pesquisa. O excertoda 9ª. Reunião revela a preocupação contínua com a pesquisa comoconstitutiva de nossa prática.

Considerações finaisLevando-se em conta a definição de Carr e Kemmis (op. cit) sobre

pesquisa-ação crítica, é possível dizer que esta pesquisa atingiuparcialmente suas características. Certamente ela provocou oportunidadesde reflexão sobre as práticas, conforme apontado nos relatos de melhoriae aprendizagem decorrentes do projeto. Entretanto, não nos é possívelafirmar que conseguimos melhorar as condições objetivas de realizaçãode nossas práticas. Se, por um lado, sob o aspecto das condições subjetivaso projeto se revelou benéfico pela aprendizagem coletivamente gerada,pelo senso de pertencimento criado, por outro lado, mostrou também asdificuldades de incorporação da pesquisa como parte da atividade docente.

Exemplificamos, por meio de excertos, vozes que constituem nossasrepresentações sobre nosso trabalho: do coletivo de trabalho, dospesquisadores, das instituições que formam sistemas de ensino, do sistemaeducacional, dos alunos-professores, da comunidade local, regional enacional, entre outras. A maneira como lidamos e interpretamos nossasrepresentações pode contribuir para cristalizá-las ou transformá-las.Nossas análises apontam para certa situação desacomodada pelas reflexõese discussões feitas no âmbito do projeto. As percepções sobre aaprendizagem gerada revelam tal provocação/desacomodação. Nossosquestionamentos e conflitos contribuíram para esse desequilíbrionecessário para nosso próprio desenvolvimento.

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CAPÍTULO 2: crenças sobre o ensino de inglês na prática de ensino

IntroduçãoEste trabalho procura investigar quais crenças sobre o ensino de

inglês os alunos-professores exibem ao iniciarem as disciplinasconsideradas práticas, e como essas são modificadas pelas práticas deensino. Analisa também as percepções que os alunos-professores têm emrelação à sua formação e à prática de ensino de inglês.

A primeira parte traz o conceito de crenças e representações e suaimportância no processo de formação de futuros professores. A segundaparte explica as condições nas quais ocorreu a pesquisa, o contexto, osinstrumentos de coleta de dados, os sujeitos de pesquisa, as categorias eos procedimentos de análise. A terceira parte traz a análise dos dadosobtidos a partir de um inventário de crenças e de uma entrevista semi-estruturada. Em seguida, são apresentadas as principais conclusões dapesquisa e considerações finais.Crenças e representações

Experiências passadas e recentes convergem e estabelecem ossignificados que atribuímos para as coisas. Desde os primeiros dias dodesenvolvimento humano, nossas atividades adquirem um significadopróprio em um sistema de comportamento social (VYGOTSKY, 1987).Tal sistema, construído coletivamente, faz surgir nossas crenças erepresentações em relação ao mundo e sobre como percebemos a realidade.

Capítulo 2

Crenças sobre o ensinode inglês na prática de ensino

Talitha AlonsoFrancisco Carlos Fogaça

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TECENDO AS MANHÃS: pesquisa participativa e formação de professores de inglês

Esse conhecimento cotidiano, proveniente de nossas experiências coletivas,é modificado pelo conhecimento científico, ou formal, adquirido nasinstituições de ensino.

Assim, entendemos que as experiências de aprendizado dos alunos-professores anteriores ao seu ingresso no curso de Letras moldaram suasvisões em relação ao ensino de línguas. Os alunos-professores trazemconsigo, dessa forma, diversas crenças e representações; ou seja, antesmesmo de ingressarem no curso e de iniciarem as disciplinas consideradaspráticas, os alunos já possuem imagens implícitas sobre como se aprendee se ensina uma língua. Neste estudo procuramos investigar como essascrenças são modificadas pela Prática de Ensino, e as atividades envolvidasna disciplina: observações de aulas, conhecimentos de contextos de ensino,leituras, discussões, entre outras.

As crenças sobre aprendizagem de línguas vêm sendo objeto deinúmeras investigações, tanto no exterior, onde a pesquisa iniciou-se porvolta dos anos 80, quanto no Brasil, a partir da metade dos anos 90.

De acordo com Freire & Lessa (2003) com base nos estudos dePajares (1992) diversas áreas do conhecimento têm demonstrado interessena investigação e na conceituação de construtos complexos, como é ocaso de crenças. Dependendo do quadro teórico tido como referencial,esses construtos podem ser nomeados de crenças (DEWEY 1933;RICHARDSON 1996; BARCELOS 2000, 2001, 2006), representações(CELANI E MAGALHÃES, 2002) ou ainda representações sociais(DURKHEIM, 1898; MOSCOVICI, 1961; JODELET 1984).

A noção de representação concebe a realidade como construídadiscursivamente e coletivamente, considerando os contextos históricos,culturais e sociais. Para Freire & Lessa (2003) as representações revelamum profundo vínculo sócio-histórico, relacionando-se a temas de naturezacultural, política e ideológica. Portanto as representações são socialmenteconstruídas.

Embora inicialmente os estudos de crenças tenham se relacionadoa processos cognitivos e, portanto, individuais, o conceito foi semodificando ao longo dos anos passando também a considerar os aspectossociais. A noção de crenças em Barcelos (2006) se baseia em Dewey (1933),que entende que crenças cobrem os mais diversos assuntos para os quaisnão possuímos um conhecimento certo, mas que nos dá suficienteconfiança para agirmos. Esses assuntos, que aceitamos como verdadeiros,podem ser questionados no futuro. Segundo Barcelos (2006), crenças são

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CAPÍTULO 2: crenças sobre o ensino de inglês na prática de ensino

como uma forma de pensamento, como construções da realidade, maneirasde ver e perceber o mundo e seus fenômenos, co-construídas em nossasexperiências resultantes de um processo interativo de interpretação,(re)significação. Como tal, crenças são sociais (mas também individuais),dinâmicas, contextuais e paradoxais (BARCELOS, 2006, p.151).Neste trabalho concordamos com a perspectiva de crenças

apresentada por Barcelos (op. cit.) por entendermos que compreende tantoaspectos individuais como sociais, num sentido próximo ao derepresentações. Não obstante empregarmos um referencial que postula apossibilidade de transformações, pode ser difícil modificar as crenças.Nesse sentido, alguns resultados de pesquisa na formação inicial têmmostrado que os futuros professores

entram no programa de formação com crenças pessoais a respeito doensino, com imagens do bom professor, imagens de si mesmos comoprofessores e a memória de si próprios como alunos. Essas crenças eimagens pessoais geralmente permanecem sem alteração ao longo doprograma de formação e acompanham os professores durante suas práticasde ensino� (KAGAN, 1992, apud Marcelo, 1998, p. 55 ).As práticas pedagógicas dos alunos do curso de Letras são construídasde acordo com suas experiências, crenças, conhecimentos e valores trazidose/ou adquiridos ao longo de suas vidas. De acordo com Vieira-Abrahão(2004) poucos estudos buscaram uma explicitação das crenças,pressupostos e conhecimentos que os professores em pré-serviço têmsobre o processo de ensino-aprendizagem da língua estrangeira que vãoensinar. A autora baseia-se nos estudos de Zeichnner e Liston (1996),para sustentar que para que o professor entenda e dirija suas práticas

educacionais, é necessário que compreenda suas próprias crenças.O foco deste trabalho

Os objetivos do ELIPE �incluem o mapeamento do modo como aprática de ensino de inglês vem se realizando nas instituições e seus efeitossobre o conhecimento dos futuros professores e das escolas com as quaisse relacionam durante o estágio� (CRISTÓVÃO e GIMENEZ, 2005).No entanto, nem todas as instituições e supervisores envolvidos no projetofazem parte deste estudo.

Os dados do estudo envolvem quatro instituições de ensino superiorno norte do Paraná: Universidade Estadual de Londrina (UEL) com duas

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TECENDO AS MANHÃS: pesquisa participativa e formação de professores de inglês

supervisoras e cinco alunos; Fundação Faculdade de Filosofia, Ciências eLetras de Mandaguari (FAFIMAN) com uma supervisora e dois alunos;Faculdade Estadual de Filosofia, Ciências e Letras de Cornélio Procópio(FAFICOP) com uma supervisora e três alunos; e Faculdade de CiênciasContábeis e Administrativas de Rolândia (FACCAR), com umasupervisora e três alunos.

Tanto os supervisores como as diferenças institucionais �relacionadas ao trabalho de formação de professores e à disciplina de Práticade Ensino � não são objetos deste estudo. Nosso trabalho tem como focoas crenças dos alunos-professores nas instituições de ensino superior nonorte do Paraná como um todo. A análise dos dados mostrou as crençasque os alunos trazem sobre o ensino de línguas, e como essas crenças sãoreforçadas ou modificadas pela prática de ensino.Perguntas de pesquisa

As perguntas de pesquisa que nortearam este trabalho foram:a) Quais crenças sobre o ensino de inglês os alunos-professores trazem

ao iniciar e ao terminar as disciplinas consideradas práticas?b) Como essas crenças são afetadas pelas práticas de ensino?c) Que percepções os alunos-professores têm em relação à sua formação

e à disciplina de Prática de Ensino?Sujeitos

Os nomes dos alunos foram omitidos para preservar suasidentidades. Abaixo temos os alunos-professores e supervisoresidentificados por instituição:

Instrumentos de pesquisa e de coleta de dadosForam utilizados dois instrumentos para a coleta de dados desta

pesquisa: a) um inventário de crenças; b) uma entrevista semi-estruturada,

Instituição UEL FACCAR FAFIMAN FAFICOP Supervisores P8 e P10 P1 P3 P5 Alunos J, S, T

R, L, FM, A P, V P, A I, RF, R

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CAPÍTULO 2: crenças sobre o ensino de inglês na prática de ensino

com alguns alunos selecionados. Faz-se necessário salientar que analisamossomente as entrevistas; entretanto, as mesmas originaram-se a partir dosinventários inicialmente aplicados a todos os alunos.

O inventário1 utiliza uma escala Likert2 e é composto de 67afirmações relacionadas a diversas questões da formação dos alunos: papeldo professor e do aluno, material didático, metodologia, contextos deensino, objetivos educacionais, etc. Os alunos tinham cinco opções derespostas em cada item: DC (discorda completamente), D (discorda), NS(não sabe dizer), C (concorda), e CP (concorda plenamente). Oinstrumento trazia também algumas perguntas abertas para o alunoresponder: a) quais as características de uma boa aula de inglês; b) por quese aprende inglês no Brasil; c) que condições são necessárias e suficientespara se aprender inglês no Brasil; d) como o professor pode contribuirpara essa aprendizagem.

O inventário foi aplicado para todos os alunos de Prática de Ensinode Inglês em todas as instituições envolvidas na pesquisa, pelossupervisores. Procurou-se observar, então, após tabulação inicial e finaldos dados de cada supervisor: 1) quais alunos apresentavam menosmudanças em relação a suas crenças; 2) quais mantiveram as mesmascrenças; 3) quais apresentaram maior transformação. Três alunos de cadasupervisor foram selecionados para serem entrevistados pelos respectivossupervisores que procuraram, entre outras coisas, verificar quais asmudanças que ocorreram, e por que elas ocorreram3.

As respostas dos três alunos selecionados de cada supervisor foramanalisadas, comparadas e colocadas em categorias que refletiam os temasdas afirmações contidas nos inventários. Como os itens abordados erammuitos, apenas os que apareceram mais de três vezes foram selecionadospara a categorização e análise. Alguns itens foram mencionados apenastrês vezes, enquanto que outros quatro ou cinco vezes. Em cada categoriamencionamos o número de vezes em que o item é citado e a posição dosalunos em relação ao item. As categorias que surgiram a partir dos dadosforam: a) Formação do professor de línguas; b) Papel do professor; c)

1 Ver inventário de crenças, anexo.2 Uma escala Likert é um tipo de escala de resposta psicométrica e é comumente usadaem questionários. É a escala mais utilizada em pesquisas de opinião. As respostas sãoclassificadas de acordo com o grau de concordância com uma afirmação contida noquestionário.3 Ver roteiro de entrevista, anexo.

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TECENDO AS MANHÃS: pesquisa participativa e formação de professores de inglês

Motivação; d) Contextos educacionais; e) Aprendizagem de LínguaEstrangeira; f) Material Didático; g) Avaliação.

A entrevista constituía-se de dois tipos de perguntas: a) questõesvoltadas especificamente para os itens do inventário de crenças; b)perguntas abertas sobre o curso, a disciplina de prática de ensino, epercepções dos alunos em relação à sua aprendizagem e formação. Asrespostas das entrevistas conduzidas pelos supervisores foram transcritas,classificadas, e analisadas segundo o seu conteúdo.Análise dos dados: professores em mudança

Apresentamos aqui as mudanças observadas a partir das respostasdos alunos-professores (entrevistas) voltadas para os itens do inventáriode crenças às perguntas sobre a formação do aluno-professor na disciplinade Prática de Ensino.Crenças

De acordo com o que foi explicitado anteriormente, para estemomento de análise serão verificadas as respostas dos alunos de 3º e 4ºano das referidas instituições. Faz-se necessário salientar que além damudança de opinião (o aluno responde inicialmente que concorda e depoisque discorda) também verificamos mudanças de intensidade (o alunoresponde no primeiro inventário que concorda com determinada afirmaçãoe depois que concorda plenamente).Formação do professor de línguas

Para esta primeira categorização os alunos reagiram à seguinteafirmação: �quanto mais cursos de metodologia um professor fizer, melhorserá seu ensino�. Fica evidente na justificativa dos alunos que a experiênciado estágio, a observação de aulas, a vivência em diferentes contextos e adisciplina de Prática de Ensino de Inglês (PEI) foram essenciais para queos alunos repensassem sua posição diante das afirmações. Para estaprimeira afirmação pudemos constatar que a maioria dos alunos terminouo ano letivo concordando com a afirmação (4/5). Para esta afirmaçãopercebeu-se mudança de opinião (2/5) e mudança de intensidade (3/5).

Para a segunda questão desta categoria a afirmação era a seguinte:�quanto mais um professor conhece a matéria melhor será o seu ensino�.

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CAPÍTULO 2: crenças sobre o ensino de inglês na prática de ensino

Grande parte dos entrevistados posicionou-se concordando com estaafirmação (4/5). Outros posicionamentos relevantes estão relacionadosao fato dos alunos perceberem que a experiência do estágio, ou seja, aexperiência prática serviu para que eles pudessem ter um ponto de vistadiante dessa afirmação. Existem ainda os alunos que justificam que nãoapenas o conhecimento é um fator determinante para melhorar o ensino;aspectos como a empatia também são importantes. Para esta segundaafirmação os alunos apresentaram mudança de intensidade (4/5) e menosmudanças de opinião (2/5).

A última afirmação desta categoria, à qual os alunos deveriam reagir,era �o professor tende a ensinar do mesmo modo como foi ensinado�. Amaioria (3/5) dos alunos discordou da afirmação. Embora discordando, oprofessor serve como referência tanto em relação a �bons modelos� comoem relação a práticas que devem ser modificadas, como podemos ver nodepoimento a seguir:

A parte boa talvez você pegue daquele professor pra colocar em prática. Masacho que 70% você procura fazer diferente do professor que você viu. Etambém o estilo que aquela pessoa tem não é o mesmo estilo que você temde dar aula. E assim vai ser diferente de qualquer maneira (P10S, 2005).Isso mostra que existe abertura para mudanças e para a busca de

um estilo próprio de ensinar. Para esta afirmação, os entrevistadosapresentaram mudança de opinião (4/5) e de intensidade (1/5).O papel do professor

A segunda categorização nos remete para o papel do professor, e aprimeira afirmação à qual os alunos reagiram neste momento foi a seguinte:�cabe ao professor motivar o aluno�. Os alunos terminaram o processo composicionamentos divergentes: a metade (2/4) concordou e a outra metade (2/4) discordou. Os alunos entrevistados chegaram a relacionar esta afirmaçãocom �paixão�, dizendo que é fundamental o professor gostar daquilo que faze passar isso para o aluno. Ainda justificando esta afirmação percebeu-seque algumas vezes os professores do curso de Letras têm grande influêncianas escolhas dos alunos-professores, conforme esta afirmação:

Eu entrei na faculdade e através de duas professoras que me deram aulade Inglês... elas me motivaram... a maneira que elas deram aula me fez

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TECENDO AS MANHÃS: pesquisa participativa e formação de professores de inglês

inclinar pra a língua Inglesa. Então eu acho que cabe ao professor mesmo:se ele motivar ele consegue [P1P, 2005]Entretanto, existem entrevistados que discordaram (pelo menos em

parte), do poder motivacional do professor. Para eles, o professor não é oúnico responsável pela motivação em sala de aula. Um aluno salientouque se trata de um processo dinâmico de co-responsabilidade, no qual aturma também é responsável pela motivação do professor, afirmando que

não cabe só ao professor... também depende da turma (...) às vezes oprofessor chega super motivado pra dar uma aula, só que a turmadesmotiva. Aí fica muito complicado para o professor porque  ele acabase desanimando por causa disso, né. (...) acho que depende, mesmo, maisda turma, né? [P8MF, 2005].Também foi mencionado que aspectos como escola e funcionáriospodem interferir na motivação dos alunos. Para esta afirmação os alunosigualmente se mostraram bem divididos, e oscilaram do �discordar� parao �concordar�. A mudança de intensidade e de opinião ficou igualmentedividida, ou seja, metade dos alunos mudou de opinião (2/4) e a outrametade de intensidade(2/4). A segunda afirmação desta categorização foi: �o professor devemostrar aos alunos que a matéria não é difícil�. Os alunos encerraram oano concordando com esta afirmação. Para esta questão um dos aspectosevidentes foi o de que os alunos acreditam que não existem dificuldadesse o professor propuser atividades que estejam no nível dos alunos.Conforme um dos alunos-professores, �acho que não tem muito a questãode difícil ou fácil aí, eu acho que se estiver de acordo com o nível de cadaum não tem difícil ou fácil� (P8A, 2005). Existe ainda o grupo que acreditaque é papel do professor demonstrar para os alunos que eles são capazes

de aprender ao invés de subestimá-los:(...) não o professor falar assim, oh, vocês não vão entender porque édifícil, mas não também subestimar o aluno, falar, ah, isso aqui é �facinho�,subestimando... porque ele tem capacidade de aprender. Então, eu achoque o professor tem que mostrar, não falando ah, vocês não vão entender,(...) essa matéria é difícil, mas vocês são capazes de aprender (P8L, 2005).Para esta afirmação dois (2/5) alunos não sabiam se posicionar noinício do ano, mas finalizaram a disciplina concordando com a afirmação.Exceto estes alunos, os demais (3/5) apresentaram mudança de opinião.

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CAPÍTULO 2: crenças sobre o ensino de inglês na prática de ensino

O terceiro questionamento refere-se ao fato do �professor ser oprincipal responsável pela melhoria do ensino nas escolas públicas�, epara tal afirmação os alunos unanimemente finalizaram o processodiscordando (3/3). Os entrevistados apoiaram-se no fato do professormuitas vezes fazer seu máximo, mas é a escola, os próprios alunos e ospais que na maioria das vezes não dão condições para que o ensino nasescolas públicas melhore. Nenhum dos entrevistados considerou oprofessor como único responsável para uma melhora no ensino das escolaspúblicas e sim a junção de fatores sociais, políticos e econômicos.Motivação

A terceira categoria de análise refere-se à motivação. A primeiraafirmação à qual os alunos deveriam reagir era �a indisciplina ocorre porfatores externos como a posição das carteiras e o tom de voz do professor�.Para esta afirmação os alunos-professores finalizaram o ano letivodivididos, igualmente concordando (2/4) e discordando (2/4). Um pontointeressante para esta afirmação é que todos os alunos mudaram de opinião,ou seja, quem concordava passou a discordar e vice-versa.

Os alunos salientaram mais uma vez a importância da vivência doestágio para que, assim, pudessem refletir acerca de fatores que envolvemo trabalho docente. Também foi apontado que o professor não conseguemanter a disciplina por fatores diversos, e que os alunos já chegam à salade aula predispostos a não obedecer, e a partir disto, não existe muitacoisa que o professor possa fazer, dando a entender que o interesse pelamatéria não seja gerado em sala de aula.

Outro aluno diz que o professor falar baixo é um fator que interfere,mas que por si só não é suficiente para ocasionar a indisciplina; a falta deinteresse é um dos principais componentes para que a mesma aconteça,afirmando que �a indisciplina vem de várias coisas (...) principalmente dafalta de interesse� (P10T, 2005). Fatores que procuram justificar a falta deinteresse não foram mencionados pelos alunos-professores, o que sugereque a motivação é ainda uma questão obscura para eles.Contextos Educacionais

A quarta categoria refere-se aos contextos educacionais, e a primeiraafirmação alegava que o �ensino na escola particular é melhor do que naescola pública�. Para esta afirmação dois de três alunos finalizaram o

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TECENDO AS MANHÃS: pesquisa participativa e formação de professores de inglês

processo discordando da afirmação e a mudança de opinião aconteceu comtodos os entrevistados (3/3). Aqui é possível constatar que vários aspectosforam descritos como, por exemplo, o fato de uma das entrevistadas nuncater estudado em escolas particulares e de ter uma imagem da escola particularcomo �mundo encantado� (P8R, 2005). Após a observação de aulas nessecontexto, esta mesma aluna constatou que �não era nada daquilo (...) tantofaz qual dos dois contextos você escolhe para trabalhar (...) você vai terproblemas, você vai ter dificuldades� (P8R, 2005).

O aspecto de que �quem faz a aula é o professor� (P1V, 2005)também foi mencionado. Entretanto, alguns disseram que na escolaparticular há mais incentivo do que na escola pública no que concerne àdistribuição de materiais e de atividades. A segunda afirmação remete para oaspecto dos �alunos de classe mais baixa ou com problemas familiares seremmais indisciplinados�. A maioria dos alunos entrevistados discordou dessaafirmação (2/3). Podemos perceber através das justificativas que os alunos-professores entendem que problemas familiares e financeiros não são os únicosfatores a conduzir à indisciplina, mas em alguns casos os alunos podem seaproveitar de tais dificuldades �pra se soltar de vez� (VR, 2005), como se aindisciplina fosse justificável. Para esta afirmação dois alunos mudaram deopinião e um deles de intensidade ao longo do processo.Aprendizagem de Língua estrangeira

A primeira afirmação deste grupo consistia no aspecto de que �paraaprender língua estrangeira é preciso não pensar em língua materna�. Paraesta afirmação os alunos foram unânimes em discordar da afirmação (4/4)e as mudanças mais significativas foram as de opinião (3/4). Para issojustificaram que nos níveis iniciais de aprendizagem da língua estrangeirafaz-se necessário o uso da língua materna, pois a mesma ajudará o aluno aaprender a língua estrangeira porque �muita coisa do inglês, se não souberno português... não consegue no inglês.� (P1V, 2005). Para os alunos adificuldade não está em utilizar a língua materna, mas o quanto e comoela deve ser utilizada.Material Didático

Para esta categoria os alunos foram questionados sobre da utilizaçãodo material didático em sala e aula, ou seja, �utilizar um livro didático

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CAPÍTULO 2: crenças sobre o ensino de inglês na prática de ensino

ruim é melhor do que não usar nenhum�. Para esta afirmação dois decinco alunos finalizaram o processo discordando, dois concordaram e umficou em dúvida. Dois alunos mudaram de opinião; no início do ano amaioria (4/5) concordava com a afirmação, o que sugere que os alunospassaram a ser mais críticos em relação ao uso do livro didático em sala deaula.

Nesta afirmativa os aspectos suscitados foram que utilizar aparelhoscomo data show (projetor de imagens de computador) ou um retro-projetoré melhor do que um livro didático ruim. Para outros (2/5) é melhor terum material ruim do que não ter nenhum. Foi fortemente destacado ofato de que o professor não deveria utilizar o livro didático como um guiae assim preparar seu próprio material, quando o que está disponível nãoatender as necessidades de determinado contexto. Entretanto, consideramque a possibilidade de preparar materiais didáticos extras demanda tempo.Os comentários apontaram para o fato de que existem bons livrosdisponíveis e que cabe ao professor ter discernimento na hora de fazer aopção pelo material que será utilizado em sala de aula. Para esta afirmaçãoos alunos apresentaram mudança de opinião (2/3) e de intensidade (1/3).Avaliação

Nesta última categoria os alunos deveriam responder à afirmaçãode que �a avaliação dos alunos pode servir como instrumento de controlepor parte do professor�. Os alunos foram unânimes em concordar comesta afirmação (3/3) e a unanimidade apresentou-se também na mudançade opinião (3/3).

Os alunos constataram que a avaliação parece servir muito maiscomo instrumento disciplinador e de pressão do que a propósitos ligadosà aprendizagem, para orientar a prática docente. Esse aspecto foi descritocomo negativo pelos alunos-professores, já que a avaliação passa a servista como sinônimo de �prova�, algo que pode punir os desatentos,conforme as palavras desta aluna ao descrever o que observou em sala deaula:

�Olha. Presta atenção que isso aqui é pra prova!� Todo mundo olha. Éuma forma de pressão. [P10J, 2005].

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TECENDO AS MANHÃS: pesquisa participativa e formação de professores de inglês

Apesar da �avaliação� aparecer várias vezes na fala dos alunos nãonos foi possível identificar o que seria de fato a avaliação para eles. Aavaliação, para outra aluna, também pode ser vista como uma forma deorientar o trabalho do professor; se as notas de um teste forem muitobaixas, então é possível que o ensino não tenha sido eficaz, o que envolvenão apenas o interesse e participação dos alunos, mas as escolhas feitaspelo docente:

Não é só controlar. Tem gente que ameaça, �se vocês não ficarem quietoseu vou dar prova amanhã�. Eu acho que não tem que ser por aí, mas éuma forma de você controlar e avaliar a classe. Então, se muita gente temnota baixa, você tem que ver se o problema é com você ou com os alunos[P8MF, 2005]Um aspecto muito interessante remete para a inserção dos meiostecnológicos na vida das pessoas. Um dos entrevistados afirmou que nasala de aula o professor tem como instrumentos o giz e o quadro-negro eo aluno tem na sua casa o computador e a internet e, assim, �é difícilpegar a atenção deles só com o que a gente tem no momento� (P10S,2005). Nesse sentido a avaliação precisa ser um elemento, emboracerceador, necessário para controlar a sala de aula, já que os recursosdisponíveis não são motivadores o suficiente.

Percepções sobre mudanças durante o cursoAs respostas às perguntas abertas sobre as percepções dos alunos-professores foram sintetizadas, e alguns exemplos de respostas foramincluídos para ilustrar a análise, cujos itens foram: a) Você percebeu algumatransformação em seu modo de pensar sobre o ensino de inglês duranteeste ano? Quais foram as mudanças? b) O que parece ter sido responsávelpor essas mudanças? c) Qual a relação entre a prática de ensino e demaisdisciplinas/atividades do curso em sua formação? d) Como acha que iráse sair como professor de inglês? e) Quais foram os pontos fortes da Práticade Ensino - Estágio Supervisionado? Quais foram os pontos fracos? f) Oque você apreendeu da experiência com estágio na (s) escola(s)? Gostaria

de ter tido mais tempo de permanência na escola? Por quê?a) Você percebeu alguma transformação em seu modo de pensarsobre o ensino de inglês durante este ano? Quais foram asmudanças?

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CAPÍTULO 2: crenças sobre o ensino de inglês na prática de ensino

Todos os entrevistados afirmaram que tiveram uma grandetransformação em suas percepções sobre o ensino. Em geral descrevemessas mudanças em relação a suas crenças, modificadas pela vivência doestágio e observações de aula. Como vimos na análise dos inventários, asmudanças foram tanto de intensidade quanto de opinião.

Alguns alunos ressaltaram a importância do estágio para poderemver na prática o que diz a teoria, pois �a teoria diz uma coisa; quandoestamos na escola, muitas vezes, a prática é outra� (P5R, 2005). Outrosobservaram também que o estágio não pode se limitar à sala de aula e quenão se pode atribuir ao professor unicamente os resultados deaprendizagem; o aluno-professor precisa analisar a escola como um todo:

Acho que tem que se ter uma visão da escola. Às vezes olhamos umprofessor e achamos que ele é tão fraquinho, sem material didático e aescola não tem condições. Então temos que olhar a estrutura da escola.(P5RF, 2005).

b) O que parece ter sido responsável por essas mudanças?Um dos principais motivos apontados pelas transformações, no

entender dos alunos-professores, foi a prática, percebida como o contatodos alunos com o ambiente escolar � observando aulas, conhecendo aescola, ou na prática de sala de aula (regência). Além deste aspecto, a teoriatambém foi citada como tendo um importante papel ao informar a práticae embasar as discussões de sala de aula. Alguns alunos mencionaram queo processo reflexivo lhes deu maior abertura para as novas experiênciassem julgamentos de valores pré-estabelecidos em relação à escola e aosprofessores observados, conforme mostra o depoimento abaixo:

(A Prática de Ensino) Me ajudou a refletir muito. Por exemplo, eu jávinha com aquele preconceito de que o professor é o responsável pelofracasso do aluno na escola. Mas quando você entra na escola, você vêtoda a realidade tanto da parte do aluno quanto da parte do professor,como da escola também. (P10J, 2005)

c) Qual a relação entre a prática de ensino e demais disciplinas/atividades do curso em sua formação?

Dos alunos entrevistados, três disseram não ver muita relação entrea Prática de Ensino e as demais disciplinas do curso. Para eles as disciplinas

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TECENDO AS MANHÃS: pesquisa participativa e formação de professores de inglês

encontram-se desarticuladas e a teoria estudada nem sempre pode serobservada nas aulas dos próprios professores da universidade. Para elesuma maior articulação entre teoria e prática daria �uma visão mais amplado todo� (P5R, 2006). Outro aluno afirmou que �essa parte teórica poderiaser bem mais prática (...) dentro das coisas que realmente acontecem nonosso dia a dia� (P10S, 2005). Nesse sentido, foi mencionada a importânciada professora de língua inglesa explicitar seus procedimentos didáticosaos alunos durante a aula, para que possam entender seus objetivos e fazera articulação entre a teoria e a prática.

A professora mesmo de inglês costuma explicar... �olha essa atividade queeu estou dando pra vocês é por isso, por isso e por isso�. Mas às vezes elanem precisaria, porque a gente já estava com aquela noção do porque queestava agindo daquele jeito, o porquê daquela atividade. (A gente) jáconsegue analisar melhor uma aula. (P8L, 2005).Para uma aluna, no entanto, a teoria �contribui muito (...) porque

você vê que aquela parte teórica que vem de didática, da literatura, dalíngua inglesa, ou da metodologia; você vê que realmente aquilo existe naprática� (P8L, 2005).d) Como acha que irá se sair como professor de inglês?

As expectativas dos alunos-professores quanto à sua atuaçãoprofissional mostram diferentes posturas: quatro dos alunos entrevistadosmostraram-se inseguros quanto ao preparo lingüístico necessário para aprofissão e pressupõem que só poderiam ter aprendido a língua se tivessemfeito um curso de inglês fora da universidade, num instituto de línguas.Para eles, a universidade parece não cumprir a função de preparar os alunoslingüisticamente. Deixaram transparecer também que seria mais fácil daraulas para o ensino fundamental, porque acreditam que a exigência daproficiência lingüística seria menor:

Eu acho que não vou ser um professor de inglês muito bom. Não vou darconta das expectativas dos alunos. Mesmo porque nunca fiz um cursinhode inglês e eu acho que para dar aula no ensino fundamental até sai algumacoisa, mas para o ensino médio, não sai coisa boa não (P5RF, 2005).Os demais alunos são otimistas em relação à profissão e têm

expectativas positivas. Esses alunos consideram que a experiência lhes dará

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CAPÍTULO 2: crenças sobre o ensino de inglês na prática de ensino

o que necessitam para se tornarem bons profissionais. Para eles o maisimportante é que gostam de línguas e de ensinar:

Eu espero me sair muito bem, né... Porque é o que eu mais gosto defazer; eu juntei o meu gostar de inglês com o gostar de dar aula. Entãojuntando os dois... (talvez) eu saia satisfeita. (P8MF, 2005)Também, espero me sair muito bem. Eu acho que eu tenho muito, muitoainda a aprender. To com vários deslizes ainda, mas o importante é que eujá sei reconhecer onde eu to errando (...) então, eu espero me sair bem,mas eu sei que só vou conseguir com prática e muita preparação, que é oque eu pretendo fazer (P8L, 2005).Um outro ponto positivo mencionado, quanto à formação na

universidade em geral, foi a participação em projetos de pesquisa. Osprojetos, para esses alunos, fazem a ponte entre a teoria e a prática, dandosentido às disciplinas mais teóricas, como enfatiza este depoimento:

Eu acho que eu cresci muito com o projeto que eu entrei. Foi o que me deuuma base maior e eu comecei a me encontrar mesmo no terceiro ano. Porqueaté então as matérias eram muito teóricas e você não via aquilo na prática.Tem muitas disciplinas que você não vê objetivo, que você não entende oporquê. Mas o estágio foi uma coisa que me ajudou muito a ver o que euquero e o que eu não quero. E também no NAP4 muita coisa que eu li, muitacoisa que eu conversei com os professores, (...) isso me ajudou muito maisque muita coisa aqui na universidade (P10J, 2005).

e) Quais foram os pontos fortes da Prática de Ensino - EstágioSupervisionado? Quais foram os pontos fracos?

Um dos pontos fortes mais mencionados foi a possibilidade de osalunos observarem aulas em contextos educacionais diferentes � escolapública, escola particular e instituto de línguas. Os alunos relataram que arealidade dos três contextos citados deu a eles a condição de perceber diferentesrealidades, diferentes condições de trabalho e de aprendizagem � infra-estrutura das escolas, estrutura pedagógica, objetivos educacionais, contextosocial � que os profissionais do ensino de línguas encontram no mercado.

4 Núcleo de Assessoria Pedagógica da UEL. Programa de extensão voltado para o ensinode inglês em escolas públicas.

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TECENDO AS MANHÃS: pesquisa participativa e formação de professores de inglês

Um dos pontos fortes eu acho que é observar todos os contextos, né, euacho que sai mais preparado e tem mais noção do que acontece, e que àsvezes alguém estudou só em escola particular, outro só em escola estadual,outra não fez instituto de línguas. (...) E mesmo que tivesse feito não teriaa mesma visão que a gente tem agora. (P8MF, 29005).Outros pontos positivos mencionados foram a aprendizagem

colaborativa, a interação entre professor e colegas de classe através dediscussões, do confronto de sentidos construídos a partir das leituras eexperiências, e das observações nos diferentes contextos. Os �RoteirosPedagógicos5� foram citados pelos alunos da UEL como sendo um guiapara estudos, e que as leituras propostas pelo material lhes deu maiorsegurança: o aluno �sempre precisa de uma coisa palpável na sala de aula�(P10J, 2005).

Entre os pontos fracos do estágio mencionados, está a observaçãode aulas. Essa foi uma constatação surpreendente, uma vez que algunsalunos haviam mencionado a importância de poderem observar aulas emdiferentes contextos de ensino. Dois alunos, no entanto, disseram quenão viam muita utilidade em observar aulas, pois os professores regentespareceriam prepará-las especialmente para essa observação. Os alunosalegaram que o uso da LE (língua estrangeira) nessas aulas parecia artificial,a julgar pela reação dos alunos, que não pareciam estar acostumados aouvir inglês em sala.

E eu achei o ambiente completamente artificial. Eu vi que as aulas dadasforam preparadas para serem observadas. Eu vi que professores usavaminglês dentro da sala e estava na cara que os alunos nunca tinham vistoaquilo. Então eu acho que se o tempo fosse maior e assim o professorrelaxava e dava assim pra gente ver a realidade (P10J, 2005).Porém, a idéia de que as aulas observadas não deveriam

necessariamente servir de modelo aos alunos, e sim como material parareflexão, não é compartilhada por todos. Uma aluna mencionou anecessidade de ter contato com uma experiência bem sucedida no ensino,embora relute em falar em modelos.

5 Os �Roteiros Pedagógicos� são um material didático desenvolvido por formadores deprofessores da UEL para auxiliar na condução da Prática de Ensino de Inglês.

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CAPÍTULO 2: crenças sobre o ensino de inglês na prática de ensino

(...) eu concordo até um certo ponto, dependendo do objetivo que você tem,mas eu acho interessante que a gente procure também experiências quevenham... não é questão que a gente esteja procurando uma receita, algumacoisa pronta e acabada, mas eu acho interessante o aluno ter contato tambémcom algumas experiências mais bem sucedidas de ensino (P8R, 2005).A falta de tempo para análise de livros didáticos � atividades,

compreensão de questões relacionadas ao conteúdo programático dessesmateriais e escolha de conteúdos a serem ensinados � foi um dos problemascitados pelos alunos-professores. A proximidade com o término do cursoparece causar algum tipo de angústia nos alunos, ao perceberem que algunsconteúdos não puderam ser estudados, e que, talvez isso implique umpreparo menor para o mercado de trabalho.f) O que você apreendeu da experiência com estágio na(s)escola(s)? Gostaria de ter tido mais tempo de permanência naescola? Por quê?

Alguns mencionaram que a prática de ensino deveria começar antesdo terceiro ano, �pra pessoa ir já pegando o ritmo da coisa� (P10S, 2005),mesmo para quem já tem alguma experiência de ensino em escolasparticulares, ou institutos de línguas. A regência já no terceiro ano dariaao aluno maior oportunidade de aprender na prática e a conviver noambiente escolar, porque �quanto antes começar a regência, mais tempoa pessoa vai ter pra aprender o que ela não sabe, pra se preparar pra encararlá fora� (P8R, 2005). Mesmo a observação de aulas poderia ter uma cargahorária maior, o que daria a oportunidade de conhecer também algunsaspectos da escola que não foram suficientemente explorados, como oProjeto Pedagógico da escola.Considerações Finais

Este estudo levou em conta apenas as respostas dos alunosenvolvidos durante as entrevistas realizadas com os alunos-professoresselecionados a partir de suas respostas aos inventários iniciais e finais. Osinventários propriamente ditos, não foram analisados aqui. Portanto, osresultados não podem ser considerados como uma generalização douniverso de alunos das instituições envolvidas na pesquisa, mas comoindícios de crenças e de suas modificações.

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TECENDO AS MANHÃS: pesquisa participativa e formação de professores de inglês

A pesquisa mostrou que os alunos-professores selecionadosobservaram uma grande mudança em suas percepções sobre o ensino delínguas, sobretudo por conta de sua vivência no estágio. Outras percepçõesse referem ao curso de Letras e à disciplina de Prática de Ensino. Algumasdas transformações mais relevantes são as seguintes:� Os alunos percebem uma desarticulação (na universidade) entre as

disciplinas consideradas teóricas e as práticas;� Alunos que participaram de projetos de pesquisa disseram ter tido a

oportunidade de fazerem uma articulação entre teoria e prática;� Os alunos parecem não crer que possam aprender a língua na

universidade; acreditam que necessitam estudar em um instituto delínguas para que estejam aptos a trabalhar em todas as séries do ensinofundamental e médio. Apesar de reconhecerem um crescimento emrelação a aspectos práticos, sentem que precisariam de mais tempo esugerem que a prática de ensino comece mais cedo.

� A possibilidade de observarem aulas em contextos educacionaisdiferentes � instituto de línguas, escola particular e escola pública �lhes dá uma boa visão do campo profissional. A comparação entre oscontextos derrubou alguns mitos em relação às diferenças entre escolapública e particular: o ensino nos dois contextos apresenta dificuldadese resultados semelhantes.

Os pontos mais divergentes encontrados na pesquisa foram emrelação ao papel do professor, do livro didático, da língua materna e daavaliação. Os alunos-professores entendem que o professor não seja oprincipal responsável pelo processo de ensino/aprendizagem e percebemque existem fatores sociais, políticos e econômicos que condicionam aeducação. No entanto, para alguns entrevistados, o professor é o principalresponsável por motivar os alunos. O material didático ainda é visto comosendo fundamental: alguns consideram importante que o professor tenhaum livro didático como guia para a prática de sala de aula, emboraentendam que seja importante também a utilização de recursos variados;consideram, porém, que seja muito difícil aos professores prepararem seupróprio material devido ao excesso de trabalho. A avaliação ainda pareceser vista por alguns alunos como um instrumento de poder que pode terinfluência na disciplina em sala de aula.

A relevância de estudos como este está no fato dos formadores deprofessores poderem planejar melhor as disciplinas de prática de ensino.Acreditamos que entender as crenças que os alunos trazem ao iniciarem ocurso de Letras pode orientar melhor o trabalho de formação e darimportantes subsídios às instituições de ensino superior.

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CAPÍTULO 3: A formação de professores durante a prática de ensino nos cursos de letras:...

IntroduçãoNo campo da Lingüística Aplicada ainda são poucos os estudosenfocando o trabalho dos formadores. Contudo, considerando que estesexercem papel fundamental na construção de novas concepções de ensino-aprendizagem de futuros professores, torna-se relevante analisar suaatuação, especialmente se considerarmos suas representações sobre suaspróprias práticas.Tendo como objetivo identificar os modelos de supervisão reveladospelos dados coletados durante o projeto de pesquisa ELIPE, este capítuloconcentrar-se-á na identificação das opções metodológicas e abordagensna condução da prática de ensino adotadas por quatro dos oito participantesda pesquisa (todos formadores de professores de inglês) através da análisede alguns dos dados obtidos pelos seguintes instrumentos de coleta: (1)os programas das disciplinas relacionadas à prática de Ensino de Ensinode Língua Inglesa1, (2) os roteiros de descrição de práticas adotadas pelos

participantes, (3) os diários dos encontros individuais2 produzidos pelos1 Os participantes da pesquisa disponibilizaram os programas das disciplinas das diferentesinstituições, onde podem ser visualizadas as ementas, os objetivos, o conteúdoprogramático, os métodos de avaliação e as bibliografias utilizadas.2 Durante o processo de coleta de dados, os participantes da pesquisa foram convidados apreencher um roteiro descrevendo as práticas de estágio adotadas nas Instituições deEnsino Superior (IES) onde trabalham. Os objetivos da prática de estágio, os momentosem que ela ocorre no curso, sua articulação com as outras disciplinas do curso, as atividadesdesenvolvidas, a divisão de carga horária e questões sobre a avaliação do estágio foramalguns dos aspectos abordados nesse roteiro.

Capítulo 3

A formação de professores durante a práticade ensino nos cursos de Letras: foco notrabalho de formadores, suas opções

metodológicas e abordagens

Samantha Mancini RamosGladys Plens de Quevedo Pereira de Camargo

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TECENDO AS MANHÃS: pesquisa participativa e formação de professores de inglês

participantes logo após esses encontros, e (4) as transcrições dos encontrosindividuais realizados entre os participantes e seus estagiários3.

Sendo assim, iniciamos com a apresentação dos pressupostosteóricos que embasaram nossa busca pelos modelos de supervisão e, naseqüência, dos contextos de trabalho dos participantes da pesquisa. Emseguida, mostramos alguns estudos de casos e tecemos algumasconsiderações sobre eles à luz dos autores estudados, tendo em mentenosso objetivo de identificar os modelos de supervisão dos participantes.Finalmente, nas considerações finais, fazemos um sumário deste trabalhoe dos modelos identificados.Teorizando as opções metodológicas e as abordagens de supervisão

A busca de fundamentação teórica para categorizar as abordagensde supervisão adotadas pelos oito participantes distribuídos nas quatroinstituições representadas no projeto demonstrou que há diversos autoresque tratam do assunto. Discorremos sobre alguns deles a seguir.

Iniciamos no início da década de 80, por ter sido um períodoparticularmente rico em publicações sobre o tema. Freeman (1982)apresenta três modelos: diretivo, alternativo e não diretivo. Para o autor, omodelo de supervisão diretiva tem como foco o que ensinar. O papel dosupervisor é determinar o que deve ser feito, e o do estagiário é implantaras orientações dadas. O objetivo aqui é levar o estagiário a dominar astécnicas e a desenvolver sua capacidade de desempenho como professor.

O modelo alternativo, segundo Freeman, tem como foco comoensinar. Nesse modelo o supervisor oferece opções ao estagiário equestiona suas escolhas. Cabe ao estagiário fazer suas opções e justificá-las à luz dos pressupostos trabalhados. Esse modelo leva o estagiário aodesenvolvimento da consciência sobre suas opções e seus conhecimentos.

O último modelo apresentado por Freeman é o não diretivo. Essemodelo enfoca o porquê ensinar o quê e o como se ensina. Aqui o papel dosupervisor é ouvir, compreender o estagiário e parafrasear seuconhecimento. O estagiário, por sua vez, faz suas próprias escolhas e seresponsabiliza por elas, exercendo autoridade sobre sua prática. O resultadode tal modelo é o desenvolvimento de certo grau de autonomia por partedo estagiário, e da confiança mútua entre supervisor e supervisionado.

3 Para o tutor ou professor formador responsável, usaremos o termo supervisor. Para oprofessor em formação (inicial), usaremos o termo estagiário.

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CAPÍTULO 3: A formação de professores durante a prática de ensino nos cursos de letras:...

Logo após Freeman, Schön (1983) propõe o modelo reflexivo, cujofoco é o como e por quê ensinar. Além de ser fonte de experiência econhecimento teórico, no modelo reflexivo de Schön o supervisor deveajudar o estagiário a refletir sobre sua prática, provocando-o e encorajando-o. Cabe, portanto, ao estagiário, refletir na e sobre sua prática pedagógica.Esse modelo tem por objetivo desafiar o conhecimento prático profissionaldo estagiário e possibilitar autonomia profissional.

Em 1984 Jerry Gebhard publica um artigo chamado Models ofsupervision:choices (GEBHARD, 1984), onde apresenta seis modelos:diretivo, alternativo, colaborativo, não diretivo, criativo, e de auto-ajudaexploratória. O modelo diretivo é o mesmo preconizado por Freeman(1982), onde o principal papel do supervisor é direcionar, informar, moldare avaliar o domínio de comportamentos ensinados. Esta parece ser aabordagem mais tradicional, onde o supervisor assume seu papel deportador de conhecimento e cabe aos estagiários aceitar os insumos ereorganizar suas ações.

O modelo alternativo de Gebhard também coincide com opostulado por Freeman. Nesse tipo de supervisão, os supervisoresdirecionam os estagiários sem prescrever o que eles devem fazer. O papeldo supervisor é sugerir uma variedade de alternativas para o que o professorpode fazer na sala de aula. Para Gebhard, este modelo contribui para aredução da ansiedade do estagiário, na medida em que ele é encorajado afazer experimentos na sua prática pedagógica e se sente capaz de justificarsuas escolhas.

O terceiro modelo apresentado por Gebhard é o colaborativo,também chamado de supervisão clínica por Cogan (1973 apudGEBHARD, 1990). Na supervisão colaborativa, o supervisor participaativamente das tomadas de decisões dos professores e tenta estabeleceruma relação de compartilhamento. Supervisor e futuro professortrabalham juntos em um determinado problema de sala de aula. Elesestabelecem uma hipótese e experimentam estratégias que parecemoferecer uma solução razoável para o problema em questão.

O modelo não diretivo de Gebhard também coincide com o modelonão diretivo de Freeman. Na supervisão não-diretiva, o estagiário devechegar às suas próprias soluções para os problemas de ensino/aprendizagemdetectados. Entretanto, isto não anula a presença do supervisor que estará

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TECENDO AS MANHÃS: pesquisa participativa e formação de professores de inglês

incumbido de esclarecer as idéias expressas pelo estagiário (em umprocesso de paráfrase) na busca por maior consciência da sua prática. Estemodelo oferece ao professor a liberdade de expressar-se e, com aintervenção do supervisor, tornar suas idéias mais claras e a liberdade detentar novas idéias. Pode haver resistência do próprio estagiário a estemodelo, ao sentir-se ansioso nos processos de reformulação de suaspróprias idéias. No entanto, para Gebhard (1990), esse modelo quebra asposturas defensivas do estagiário e propicia a ele sentimento de segurança.

O quinto modelo apresentado por Gebhard é o criativo. Esse modeloencoraja a liberdade e a criatividade do estagiário, partindo do princípiode que há muitas maneiras de se fazer a mesma coisa. A supervisão criativapode ser a combinação dos modelos anteriores, que são aplicados conformea necessidade dos encontros de supervisão, e prevê a mudança deabordagem na responsabilidade da supervisão (o professor pode buscarorientações) e a aplicação de diferentes sistemas de observação que podemvir de outras áreas de conhecimento (foco na descrição do processo deensinar).

O último modelo de Gebhard é o de auto-ajuda exploratória, e éuma extensão do modelo criativo de supervisão. Neste modelo, osupervisor é chamado de �professor visitante� e seu papel não é ajudar oestagiário, mas aprender mais sobre sua própria prática pedagógica e instigaro estagiário a fazer o mesmo. Dessa forma, desenvolve-se o auto-conhecimento por meio da exploração das ações das partes envolvidas nasupervisão em busca de melhor compreensão dos processos mentais ecomportamentais. O resultado esperado é a geração de novos modelos e/ou estratégias para o ensino. O ato de observar o outro é entendido comopossibilidade de ganhar auto-conhecimento e gerar as próprias alternativascom base na observação do fazer do outro.

Ainda na década de oitenta, Glickman e Gordon (1987) apresentamo modelo desenvolvimental, que coincide em muitos aspectos com asupervisão criativa de Gebhard (1984). Seu foco é uma combinação doquê, como e por quê ensinar e as funções do supervisor e do estagiárioenglobam todas as funções mencionadas nos modelos de Freeman,variando conforme o momento. Esse modelo favorece o desenvolvimentode aspectos técnicos, práticos e críticos do estagiário.

No final dos anos oitenta temos o modelo exploratório de Fanselow(1988). A visão exploratória de supervisão, que tem pontos em comumcom a supervisão de auto-ajuda exploratória de Gerbhard (1984),

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CAPÍTULO 3: A formação de professores durante a prática de ensino nos cursos de letras:...

concentra-se no como e por quê ensinar. Para Fanselow, o papel do supervisoré observar aulas, registrá-las e comentá-las de forma descritiva e analítica.Ao estagiário cabe discutir e relacionar os dados apresentados pelosupervisor com suas próprias noções, crenças e objetivos. Esse modelovisa ao desenvolvimento do pensamento pedagógico.

No início da década de noventa, em seu livro Training ForeignLanguage Teachers, publicado em 1991, Michael Wallace retoma a questãodos modelos de supervisão. Na introdução do livro ele apresenta sua visãodos três principais modelos de educação vigentes na época: o modeloartístico, o modelo de ciência aplicada e o modelo reflexivo.

No modelo artístico de educação profissional, o supervisor detéma sabedoria e é o modelo a ser seguido. Dessa forma, o conhecimento e aprática são passados de geração a geração de forma estática e imitativa,ignorando totalmente qualquer contribuição relevante das ciências.

O modelo da ciência aplicada é, para Wallace, o mais tradicional eprovavelmente o que mais predomina nos programas de formaçãoprofissional de todos os campos de conhecimento. Esse modelo,caracterizado como racionalidade técnica por Schön (1983; 1987), valorizaas descobertas científicas, particularmente dos séculos XIX e XX e,consequentemente, só valida conhecimento práticos desenvolvidosexclusivamente à luz da ciência. Apesar de levar em conta osconhecimentos científicos, este modelo coloca as pesquisas científicas e aprática profissional em posições antagônicas.

Finalmente, o modelo reflexivo de educação profissional propostopor Wallace busca uma solução conciliatória que atribua o devido peso àexperiência e aos conhecimentos científicos da profissão. Para o autor, aformação de professores é composta por duas dimensões: o conhecimentorecebido, incluída aqui a contribuição da ciência, e o conhecimentoempírico, que se refere à experiência contínua do profissional.

Ao tratar especificamente de supervisão, Wallace aponta distinçõesentre supervisão geral e a supervisão clínica (terminologia já utilizada porCogan em 1973, como mostra Gebhard, 1990). A supervisão geral se refereaos aspectos administrativos da supervisão e se preocupa com temas comocurrículo, conteúdo programático e questões gerais de gerenciamento. Asupervisão clínica, por outro lado, se refere ao que se passa dentro da salade aula; em outras palavras, para o autor, supervisão clínica é o contatodos supervisores com os estagiários com o propósito de aprimorar ainstrução e contribuir para a sua formação.

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TECENDO AS MANHÃS: pesquisa participativa e formação de professores de inglês

Buscando categorizar uma supervisão clínica, Wallace aponta apossibilidade de vê-la como uma série de possíveis comportamentos desupervisão nos quais há uma tendência ou para uma abordagem prescritiva,ou para uma abordagem colaborativa.

Na supervisão prescritiva clássica, o supervisor é figura deautoridade, a única fonte de conhecimento. O supervisor julga e aplicaseu �roteiro� de como uma aula deve ser ensinada, tentando preservarsuas idéias e sua autoridade. O supervisor sabe o que deve ser feito emuma dada situação e está em posição de dizer ao estagiário o que ele fezerrado e o que pode fazer certo. O supervisor fala; o estagiário escuta(WALLACE, 1991).

Na supervisão colaborativa clássica, o supervisor é o colega, elecompreende e considera que ouvir o estagiário é tão importante quantofalar. Supervisor e estagiário compartilham o conhecimento. O supervisornão tem um roteiro pré-definido, aceita os planejamentos considerandoo que o estagiário está tentando alcançar. O supervisor tenta ajudar oestagiário a desenvolver autonomia através da prática na reflexão e auto-avaliação.

Wallace também aponta que a prescrição está mais presente em umaperspectiva de treinamento onde o processo orienta a ação. O foco, nestecaso é a necessidade de aprimorar habilidades e hábitos desejados,freqüentemente relacionados ao currículo e ao conjunto de materiais, emum contexto específico, e tendo em mente finalidades institucionaisespecíficas. Em contraste, a colaboração é orientada para a pessoa.

O quadro 1, a seguir, adaptado e expandido a partir de Mateus (1999,p.60), resume os modelos comentados acima e suas principaiscaracterísticas.

Terminada a exposição dos pressupostos teóricos utilizados naidentificação dos modelos de supervisão dos participantes desta pesquisa,passamos à apresentação dos contextos de trabalho de cada um deles.Definindo contextos

A seguir apresentamos brevemente as características de cada umadas instituições que constituíram essa pesquisa e o número de participantespertencentes a elas.

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CAPÍTULO 3: A formação de professores durante a prática de ensino nos cursos de letras:...

Modelo Foco Papel do formador Papel do estagiário Implicações Diretivo ou prescritivo clássico (Freeman, 1982; (Gebhard, 1884)

O que ensinar. Determinar o que deve ser feito.

Implementar os direcionamentos apresentados.

Domínio de técnicas e capacidade de desempenhar como professor.

Alternativo (Freeman, 1982; Gebhard, 1984)

Como ensinar.

Oferecer opções e questionar as escolhas.

Escolher entre as alternativas; articular os pressupostos que embasam suas escolhas.

Desenvolve a consciência sobre as ações e sobre o conhecimento exigido por elas.

Não diretivo (Freeman, 1982; Gebhard, 1984)

Por que, o que e como ensinar.

Compreender; ouvir com atenção e parafrasear o conhecimento dos estagiários.

Optar com autonomia; implementar as próprias decisões; exercer a autoridade sobre sua prática.

Proporciona um certo grau de autonomia e desenvolvimento da confiança mútua entre formador e estagiário.

Reflexivo (Schön, 1983)

Como e por que ensinar.

Ajudar; provocar; encorajar o estagiário a refletir sobre sua prática; contribuir com experiências e teorias.

Refletir na e sobre suas ações pedagógicas, frente aos conhecimentos e crenças que interagem em sua prática.

Desafia o conhecimento prático profissional dos estagiários; possibilita autonomia profissional.

Racionalidade técnica (Schön, 1983, 1987) (ou artístico, Wallace, 1991)

Como ensinar. Oferecer o modelo correto de atuação profissional.

Imitar o modelo que lhe é apresentado.

Continuidade do modelo profissional do supervisor.

Colaborativo (Gebhard, 1984) (ou supervisão clínica, Cogan, 1973)

Como ensinar. Participar ativamente das tomadas de decisões do estagiário e estabelecer um relacionamento de compartilhamento, trabalhando juntos nos problemas de sala de aula.

Junto com o supervisor, estabelecer hipóteses e experimentar estratégias para solucionar os problemas de sala de aula.

Desenvolver conhecimento prático profissional e autonomia profissional.

Criativo (Gebhard, 1984)

Combinação do que, como e por que ensinar.

Combinação dos modelos anteriores que são aplicados conforme a necessidade dos encontros de supervisão.

Compartilhar a responsabilidade da supervisão com o supervisor.

Encorajar a liberdade e a criatividade do estagiário.

Auto-ajuda exploratória (Gebhard, 1984)

Combinação do que, como e por que ensinar.

Aprender mais sobre sua própria prática pedagógica e instigar o estagiário a fazer o mesmo.

Desenvolver autoconhecimento e gerar as próprias alternativas com base na observação do fazer do outro.

Autoconhecimento por meio da exploração das ações de supervisor e estagiário em busca de melhor compreensão dos processos mentais e comportamentais.

Desenvolvimental (Glickman e Gordon, 1987)

Combinação do que, como e por que ensinar.

Todos os descritos acima, dependendo do enfoque dado em cada momento.

Todos os descritos acima, dependendo do enfoque dado em cada momento.

Permite o desenvolvimento de reflexões tanto nos domínios técnico, prático e crítico.

Exploratório (Fanselow, 1988)

Como e por que ensinar.

Observar fragmentos de aulas; transcrevê-los; agrupá-los; oferecer comentários descritivos e analíticos com base nos dados.

Discutir e relacionar os dados com suas noções, crenças e objetivos.

Desenvolvimento de habilidades necessárias à transição para o pensamento pedagógico.

Da Ciência Aplicada (Wallace, 1991)

Como ensinar. Transmitir e aplicar as descobertas científicas dos especialistas da área.

Assimilar e empregar as descobertas científicas.

Desconsideração da importância da prática e valorização da ciência.

Reflexivo (Wallace, 1991)

Combinação do que, como e por que ensinar.

Ter postura conciliatória, atribuindo o devido peso à experiência e aos conhecimentos científicos.

Aprender com o supervisor a adotar a mesma postura conciliatória.

Equilíbrio entre conhecimento recebido (pessoal e teórico) e conhecimento prático.

Quadro 1: Modelos de supervisão de estágio e principais características(baseado em, e expandido a partir de, Mateus, 1999).

Instituição 1 � Participante P1A primeira instituição representada no projeto, denominada I1, é

uma instituição de ensino superior privada que oferta curso de Licenciaturaem Letras com habilitação dupla (Português/Inglês) em três anos e meio.

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TECENDO AS MANHÃS: pesquisa participativa e formação de professores de inglês

Os programas das disciplinas do curso e as descrições das práticasfornecidas por P1 apontam que são realizadas supervisões clínicas coletivase individuais com os estagiários. Os encontros coletivos, realizadossemanalmente, são momentos de troca de experiências vividas e dereflexões advindas de leituras prévias. Os encontros individuais, realizadossemanalmente ou dependendo da necessidade do aluno, são momentosem que o supervisor oferece sugestões para preparação de materiais,elaboração de planos de aula e prática de pronúncia.

A carga-horária de 102 horas/aula (doravante h/a) é distribuída em10h/a regência, 20h/a de planejamento, 10h/a de reuniões de orientação,34h/a de grupos de estudo, 24h/a de elaboração de relatório final e 4h/a deorientação individual.Instituição 2 � Participantes P2, P4, P7, P8 e P10

A segunda instituição representada neste projeto, denominada I2, éuma instituição pública que oferta curso de Licenciatura em Letras comdupla habilitação (Português e Inglês) com duração de quatro anos. Osprogramas das disciplinas e as descrições das práticas apontam que sãorealizadas supervisões clínicas coletivas (também chamadas de grupos deestudo) e individuais.

Os encontros coletivos ocorrem semanalmente ouquinzenalmente, e nesses momentos são realizadas as atividadespropostas num material desenvolvido especialmente para taisencontros. Por sua vez, os encontros individuais começam a ocorrersemanalmente a partir do início do período de regência e são momentosde orientações de trabalhos escritos, de questionamentos sobre oplanejamento das aulas e de feedback das aulas observadas.

A distribuição da carga-horária de 150 h/a é feita no terceiro e quartoanos do curso, sendo que os alunos do terceiro ano têm 34 h/a de grupode estudo e 34 h/a de outras atividades. Os alunos do quarto ano, por suavez, têm 34 h/a de grupo de estudo, 6 h/a de observação, 28 h/a de regênciae 14 h/a de outras atividades. Essas atividades incluem preparação deatividades didáticas e de relatórios de observação, análise de materialdidático, elaboração de pôsteres e resenhas, planejamentos de aulas,observação de aulas nas escolas, elaboração de trabalhos, leituras, e pesquisaem bibliotecas e centro de recursos.

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CAPÍTULO 3: A formação de professores durante a prática de ensino nos cursos de letras:...

Instituição 3 � Participante P3O terceiro contexto de coleta de dados para esta pesquisa,

denominado I3 , é uma instituição de ensino superior pública que ofertacurso de Licenciatura em Letras com habilitação apenas em Língua Inglesae duração de três anos.

Os programas das disciplinas e o roteiro das descrições das práticasindicam que são realizadas supervisões clínicas coletivas (denominadasgrupos de estudo) e individuais. Os encontros coletivos são realizadosquinzenalmente. Neles o supervisor reúne-se com os alunos para trocaremexperiências vividas e realizam reflexões após as atividades indicadas. Osencontros individuais são realizados semanalmente ou dependendo danecessidade do aluno, e são momentos de reflexão e verificação dasatividades produzidas.

A carga-horária referente ao estágio supervisionado é de 100 h/a.As atividades acontecem apenas no quarto ano do curso, sendo que 20 h/a são de regência. Dessas 20, segundo P3, seis são observadas e avaliadas. Nas80 horas restantes, os estagiários desenvolvem as seguintes atividades: discussãode textos, dinâmicas de grupo, estudos dirigidos, levantamento do ambienteeducativo das escolas em que será realizado o estágio, escolha dos materiaisdidáticos, preparação de gincanas de Língua Inglesa, oficinas e laboratórios deLíngua Inglesa, olimpíadas de Língua Inglesa; organização de murais/painéis,reforço em escolas públicas e/ou particulares em contra-turno; aulas regularesem escolas públicas; levantamento de sites relacionados ao ensino da LínguaInglesa; leitura e discussão de textos pertinentes ao uso de criação de atividadesde leitura para o ensino fundamental e/ou médio; criação de atividades deleitura voltadas ao ensino da Língua Inglesa; elaboração de homepages, comlinks, sites de interesses específicos, bem como as atividades preparadas peloaluno, e projeto de pesquisa nas escolas de ensino fundamental e médiosobre a utilização do material didático à luz dos PCN.Instituição 4 � Participante P5

Esta instituição pública de ensino superior oferece curso de Letrascom Licenciatura dupla (Português/Inglês) e duração de quatro anos.

Os programas das disciplinas e o roteiro da descrição das práticasmostram que ocorre a realização de supervisões clínicas coletivas e4 As demais participantes apresentaram transcrições de sessões clínicas coletivas desupervisão e por isso não foram incluídas.

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TECENDO AS MANHÃS: pesquisa participativa e formação de professores de inglês

individuais. Nas supervisões coletivas é feito o encaminhamentometodológico para a prática a ser realizada, além de discussões e reflexõesde textos teóricos sobre a prática docente. As supervisões individuais,solicitadas pelos acadêmicos após os encontros coletivos, são realizadassemanalmente ou dependendo da necessidade do aluno.

As 190 h/a referentes à prática de ensino são divididas nos terceiroe quarto anos do curso. No terceiro ano são desenvolvidas as seguintesatividades: 20h/a de projeto de extensão, 12h/a para elaboração e execuçãode mini-aulas, 20h/a para estágio de observação, 04 h/a para confecção derelatório e sessão de vídeo com elaboração de resenha crítica, 10h/a paraconfecção de relatórios de pesquisa de campo, 04h/a para confecção deprojeto de monografia e 10h/a para prática no laboratório de Letras.

No quarto ano são desenvolvidas as seguintes atividades: 30h/a paraelaboração e execução de projetos no Ensino Fundamental e no EnsinoMédio, 12h/a para estágio de observação, 08 h/a para elaboração e execuçãode mini-aulas, 16h/a para elaboração de resenha crítica de textos teóricosda área, 04 h/a para participação em cursos na área de Letras e 20 h/a paraprática em laboratório de Letras.Estudos de caso

Para melhor compreensão e identificação do modelo de supervisão,ou seja, das opções metodológicas e das abordagens adotadas pelosinformantes desta pesquisa em seus respectivos contextos, foram realizadosestudos de caso com base nos diários e nas transcrições de sessões clínicasindividuais de quatro participantes4 - P1, P3, P4 e P7. Apresentamos essesestudos a seguir.Participante P1

Professora de língua inglesa com experiência em instituto de línguas,educação infantil (4 anos), ensino fundamental e médio público e particular(10 anos), ensino superior (seis anos) com as disciplinas de língua inglesa,literatura inglesa e prática de ensino. Formação acadêmica: curso demestrado em Estudos da Linguagem e curso de doutorado em andamento.O número de estagiários supervisionados por P1 no momento da coleta

5 Nesses excertos, E significa estagiário(a).

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CAPÍTULO 3: A formação de professores durante a prática de ensino nos cursos de letras:...

de dados não foi fornecido.Analisamos abaixo dois excertos5 de uma sessão clínica de

planejamento de aula conduzida por P1 com a mesma estagiária. Emnegrito salientamos aspectos que serão comentados a seguir.

Excerto 1E1: Aqui tem o exemplo, oh. O primeiro já está feito: I was feeling veryhungry, so I bought a bar of chocolate. É eu estava com muita fome então eu comprei um chocolate.Esse exercício eu achei ótimo só que eu não sei se eu vou conseguir trabalharcom eles porque eles vão ter que olhar por trinta segundos essa figura. Eles têm queprestar atenção em tudo que está aqui. Depois eles viram a folha, aí eles vão tentarescrever porque é assim. Eles estão ajudando a polícia a encontrar uma pessoa, aí apolícia pergunta: Você encontrou o fulano? Ah, eu vi o fulano na livraria, na biblioteca,ele estava lendo, ele estava... tudo o que estava acontecendo.P1: E se nós fizéssemospara fechar a aula, para dar uma conclusão na aula?E2: Só que o objetivoaqui é eles escreverem uma sentença em Inglês.P1: (...) Bom se eles têm queescrever o que eles estão fazendo e se você pedisse para que eles relatem umfato, se eles se lembrassem pelo menos de uma coisa que a pessoa estava fazendo,uma frase.E1: Mas aí poderia ser em português mesmo?P1: Não, em Inglês. Vocêacha que eles não conseguem?E1: Não, eu acho que sim.P1: Porque a estruturavocê já explicou. Muito bem explicado, aliás. De repente, pode ser que eles nãolembrem os verbos principais né?E1: É, eles vão fazer de conta que eles saíram eencontraram essa pessoa. E vai falar para polícia: Olha ele estava em tal lugar, eu o vi.Bem interessante eu achei. Só que é muita coisa (...)P1: Então, é muita coisa se elestivessem que lembrar sobre as seis. E se eles tivessem que lembrar de uma? Oque você acha? Não é melhor? É interessante é muito bom. Esse é bom, esseprimeiro que você selecionou também é muito bom.E1:. Porque a intenção é... Olhaele está usando um casaco verde, dá para trabalhar com outras coisas.P1: E se vocêampliasse em uma transparência e colocasse para a sala para que elesolhassem por cinco minutos, né? Você não gastaria tanto, você ampliaria,ficaria uma figura maior e você colocaria na transparência e falaria para eles:agora eu vou dar cinco minutos para vocês observarem a figura e depois vocês vãorelatar o que a pessoa, a polícia está procurando Pode ser que alguns não consigam,mas um ou outro vai conseguir. E aquele que não conseguiu vai perceber o que oamigo falou, vai tentar relacionar (...) Então isso vai instigando...

Nesse primeiro excerto, percebe-se que a supervisora P1 negociaamplamente com sua estagiária, que se sente à vontade para colocar suasincertezas (eu não sei se eu vou conseguir trabalhar com eles; Eu estou pensandoem tirar cópia colorida).

Nessa negociação, P1 sugere ações a partir das colocações de suaaluna, que não são necessariamente aceitas (Só que o objetivo aqui é elesescreverem uma sentença em inglês.), o que demonstra a participação ativa daestagiária no planejamento de sua aula. O posicionamento de não aceitaçãodas alternativas oferecidas pela supervisora e da apresentação de uma

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TECENDO AS MANHÃS: pesquisa participativa e formação de professores de inglês

alternativa própria, parece ser um avanço, uma demonstração deautoconfiança e segurança na realização da prática docente.

Diante de suas propostas, P1 as ouve de forma receptiva e as amplia(E se nós fizéssemos para fechar a aula, para dar uma conclusão na aula? E se vocêpedisse para que eles relatem um fato? E se eles tivessem que lembrar de uma? E sevocê ampliasse em uma transparência?), colocando novas possibilidades paraque a estagiária reflita e decida. Apresentar alternativas pode solucionaros problemas de insegurança dos estagiários e guiar suas tomadas dedecisões sobre as aulas.

A orientação mais direta dada por P1 também tem a forma desugestão, como se pode observar na sua ultima fala do excerto 1, onde elasugere à estagiaria que utilize uma transparência ampliada e diz como aaluna deve proceder. Nessa fala, P1 usa somente verbos no futuro dopretérito (gastaria, ampliaria, ficaria, colocaria e falaria), deixando transparecernessa sua escolha de tempo verbal seu cuidado para não ser prescritiva oudiretiva na sua supervisão.

Dessa forma, ao analisarmos a abordagem e as escolhasmetodológicas de P1 nesse primeiro excerto encontramos característicasdo modelo alternativo de supervisão de Gebhard e do reflexivo de Schön.Vejamos agora o segundo excerto.

Excerto 2P1: Então, você deixou alguns exercícios para terminar de corrigir e vocêprecisa fazer isso nesta aula. Então você precisa separar um tempinho para fazerisso.E1: Então, eu estou para decidir se eu trabalho com esse, eu não sei, esseoutro que eu(...) também é ótimo(...) Você tem que dizer o que você estava dizendono momento em que foi tirada essa foto(...)P1: Esse, de repente, em umatransparência, também daria sim. Uma resolução boa, daria sim. Interessante.Não sei, parece que eu gostei mais desse.E1: Ele é bem colorido, ele é maissimples. Aqui (...) eles teriam um pouquinho mais de dificuldade.P1: Ah,então tá. Eu faria este daqui, achei interessante, vai chamar a atenção deles,está colorido. E este daqui você faria assim...E1:: Você acha que dá tempo? Euterminar de corrigir, trabalhar este exercício e mais este outro?P1: Eu acho. Vocênão precisa fazer na íntegra, seleciona alguns aqui, embora eu ache que elessão bem espertos. Eu acho que dá tempo sim. Você termina a correção do queficou pra trás. Pede para alguém dizer uma sentença que represente opassado contínuo. O que ele estava fazendo no domingo passado? O que ele estavafazendo ontem às dez horas da noite? Pede para um voluntário dizer aí você jáentra com esse exercício aqui e depois você fecha com essas gravuras aqui.E1:Para fechamento eu acho legal, ótimo, eles vão gostar

Nesse segundo excerto também podemos perceber que a estagiáriacontinua encontrando espaço para colocar suas dúvidas (eu estou para decidirse eu trabalho com esse. Você acha que dá tempo?) para a supervisora, que por

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CAPÍTULO 3: A formação de professores durante a prática de ensino nos cursos de letras:...

sua vez oferece comentários mais diretivos do que os observados no excerto1 (Esse, de repente, em uma transparência, também daria sim (...); então tá. Eufaria este daqui, (...) vai chamar a atenção deles), colocando inclusive seusjulgamentos (parece que eu gostei mais desse; achei interessante). A ausência decontestações por parte da estagiária parece indicar que ela aceitacompletamente a sugestão da supervisora, que de fato se configura numaprescrição à sua prática.

Algumas falas de P1 nesse excerto apresentam verbos no presentedo indicativo e no imperativo (Você precisa separar um tempinho para fazerisso; Você não precisa fazer na íntegra, seleciona alguns aqui; Você termina a correçãodo que ficou pra trás; Pede para alguém dizer uma sentença que represente o passadocontínuo; Pede para um voluntário dizer), deixando claro para a estagiária anecessidade de fazer a correção do exercício em questão.

Percebemos, portanto, que nesse excerto a abordagem de P1 ébastante prescritiva e diretiva, possivelmente porque o assunto da conversaé algo que deve obrigatoriamente ser feito pela aluna (exercícios que eladeve terminar de corrigir), e não o trabalho do conteúdo da aulapropriamente dita, como no primeiro excerto analisado.Participante P3

A participante P3 atua no curso de Letras da Instituição 3 desde oinício de sua carreira de docente, em 1983, No momento da coleta dosdados, ela era responsável por 22 estagiários.

Foram analisados dois excertos de sessões clínicas - uma deplanejamento e outra de feedback, feitas por P3 com a mesma dupla deestagiários. No excerto 3, supervisora e estagiários comentam sobre a aulaque será ministrada.

Excerto 3 P3: .... Então vocês já tem o texto e mais ou menos, vocês já tem noçãodisso. Agora, vocês vão ver como vai ser tipo o warm-up, vocês entrarem noassunto. Pelo que eu percebi vocês vão começar a fazer perguntas prá que eles digamem inglês algumas profissões normais, vamos dizer, ou de rotina que existem. Emseguida, vocês vão por no quadro ou vão escrever em uma folha, vão fazercomo, cartazes...?E1: Primeiramente, a gente vai tentar extrair deles o queeles conhecem.P3: O que eles conhecem de profissões em inglês, então as�professions� primeiro.E2: Sem a gente colocar o Disk Jockey... porque o texto...E1:Nós podemos dar sugestões de algumas, não é E2?E2: Exato, é que primeiramentenós temos o texto com o Disk Jockey....P3: Mas vocês não vão dar prá eles.Primeiro vocês vão tirar isso, seria um warm-upE2: Exato, primeiramente nósvamos extrair deles as profissões e eles vão ter que falar as profissões...P3: Daí vocês

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TECENDO AS MANHÃS: pesquisa participativa e formação de professores de inglês

vão só falar ou anotar no quadro?E2: Nós vamos anotar prá que eles tenhamuma seqüência até chegar, se alguém mencionar o Disk Jockey.... , tudo bem. A gentevai tentar extrair até que alguém fale, se alguém não falar a gente menciona.

No excerto acima, a supervisora P3 direciona os estagiários para ofoco da discussão (Agora, vocês vão ver como vai ser tipo o warm-up). Ela nãoprescreve diretamente os procedimentos, mas oferece algumas alternativase busca a decisão da dupla de estagiários (vocês vão por no quadro ou vãoescrever em uma folha, vão fazer como, cartazes...?). Os estagiários por sua vez,mostram-se seguros em não optar por nenhuma das alternativas sugeridase informam sua opção (a gente vai tentar extrair deles o que eles conhecem),mantendo assim o planejamento inicialmente apresentado por eles.

A supervisora acata a decisão dos estagiários, porém deixando claroo que devem fazer ao conduzir a atividade de warm-up (Mas vocês não vãodar prá eles. Primeiro vocês vão tirar isso, seria um warm-up). Os estagiários,demonstrando plena compreensão do objetivo da sua escolha, concordamcom a supervisora (Exato, ...) e tentam explicar como procederão. Naseqüência, P3 ela os interrompe e questiona: �Daí vocês vão só falar ou anotarno quadro?� deixando claro que uma das alternativas deve ser aceita. Destavez, os estagiários optam por �anotar�, acatando uma das sugestões dasupervisora.

Esse excerto mostra que a abordagem de supervisão de P3 mesclacaracterísticas do modelo diretivo ou prescritivo clássico e do alternativo,com predomínio do modelo diretivo. Poderíamos supor que tal mescla sedá devido ao grande número de estagiários atendidos pela supervisora (22alunos), o que a obrigaria a otimizar o tempo disponível para as sessões desupervisão e dificultaria a utilização de uma abordagempredominantemente alternativa e reflexiva.

Vejamos agora o segundo excerto relativo às sessões de P3, em quea supervisora se posiciona diante do relato dos estagiários sobre osacontecimentos dessa aula.

Excerto 4E2: Exato. E os alunos, a maioria, colaborou, eles questionaram bastante,chamaram a gente nas carteiras, prá que a gente explicasse como seria o que elespoderiam usar ou o que não poderiam.E1: Mas teve aqueles também do alunoparticular, quer dizer, que ele não quis fazer a atividade, não é E2? Alguns alunos nãose mostraram interessados. P3: Mas você tentou pelo menos fazer com queeles fizessem? E durante a aula, pelo menos ele prestou atenção, ele nãoquis escrever? Então talvez porque ele tivesse mais dificuldade, também àsvezes, que os outros. Separadamente , talvez. E2: Mas a maioria participou, foi

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CAPÍTULO 3: A formação de professores durante a prática de ensino nos cursos de letras:...

uma sala assim que os alunos foram bastante participativos, questionaram, e o tematambém era um tema interessante.

Apesar do relato positivo feito pelos estagiários, a seleção em negritomostra que P3 levanta questionamentos buscando fazê-los pensar sobreos alunos que não se sentiram motivados ou envolvidos pela aula. Suaintenção parece ser provocar a reflexão dos seus alunos sobre o real sucessoda aula dada, desviando suas atenções dos elementos destacados por elespróprios. Porém, poderíamos interpretar tais questionamentos dentro doprisma de supervisão prescritiva clássica colocado por Wallace, pois asupervisora está, na verdade, apontando erros e dizendo nas entrelinhas oque os alunos deveriam ter feito ao perceberem a não participação integralda turma em que lecionavam.Participante P4

A Participante 4 concluiu o Mestrado em Ensino de Inglês comoLíngua Estrangeira em uma instituição americana em 1981 e é docenteda instituição I2 desde então. Há aproximadamente 20 anos trabalha comprática e estágio supervisionado de ensino do inglês para o 3º e 4º anos doCurso de Letras. Também atua nos cursos Lato Sensu e orientatrabalhos  na área de formação de professores de línguas estrangeiras.No momento da coleta de dados, P4 era responsável por 12 estagiários.

Serão analisados brevemente dois excertos transcritos de sessõesde supervisão clínica de planejamento realizadas com os estagiários eexcertos dos diários produzidos pela docente após sessões de supervisãoclínica coletiva e individual.

Considere os excertos 5 e 6 abaixo, extraídos das transcrições dassupervisões clínicas individuais, observando as partes em negrito.

Excerto 5E1 - Então a gente pode dar isso para eles. Pede para eles completarem.E2-Pede para eles qual é a forma do verbo.P4 - Olha, o que vai acontecer? Isto éuma coisa que eu estou vendo aqui.Esta sétima série está vendo o passado dosverbos. Se você vem, de cara, com esta proposta que é um texto para preencher comos verbos certos no passado, certo? O que eu estou vendo aqui é entre parênteses overbo to be, então eu vou lá na minha listinha e vejo que pode ficar was/were e eudecido, bom, vou colocar aqui was e nem me preocupei em saber o resto, agora vejoque aqui tem think. Vou ver o passado de think e vejo que é thought. E eu nem estoulendo este texto para fazer este exercício, certo?E2 - É mas nós pretendemosfazerP4 - (interrompendo) NãoE2 - (interrompendo) A gente está pensando em...ou então colocar um quadradinho com as formas sem ter aqui os verbosP4 - Isso,

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TECENDO AS MANHÃS: pesquisa participativa e formação de professores de inglês

então primeiro tem que entender a história, perceber que ação, que verboque estão faltando aqui, não é? E2 � (Concorda emitindo som)E1 � Então, tiraros verbos daqui...

No excerto acima podemos observar que a supervisora P4, ao tomarconhecimento do plano de aula dos estagiários, formula uma pergunta(Olha, o que vai acontecer?) e imediatamente a responde (Isto é uma coisa ....este exercício, certo?). Conseqüentemente, ela não propicia aos estagiários aoportunidade de refletir sobre as possíveis conseqüências das suas opçõesmetodológicas.

A tentativa de explicação feita por E2 (É mas nós pretendermos fazer) énovamente interrompida por P4 (Não), porém E2 retoma a palavra e esboçauma explicação sobre a intenção da dupla ao planejar o exercício daqueladeterminada forma. P4 interrompe novamente, encerrando a polêmica edizendo como os alunos devem proceder ao trabalhar com exercícios dotipo proposto por eles.

Vejamos agora o excerto 6, quando os alunos comentam sobre aatividade que produziram sobre o seriado Smallville.

Excerto 6E2- Então alguém vai citar este seriado, certo? Sei lá, a gente vai induzir.E1� Certo, induzir até falarem sobre ele. Ai nós vamos dar um texto que vai falar sobreo filme. E2 � Que conta a história.P4 - Por quê? Por que vai matar o texto? Porque não dá o texto e pede que verifique sobre qual seriado é?E1 � Ué?P4 �Ué? Você chega e fala que vai dar um texto sobre o Smallville. Aí o alunodiz: �Ah! A professora já falou� É a mesma coisa que dizer �vocês vão assistirum filme onde o menininho morre no final� (risos)E1 � Então a gente nãofala.P4 � Exatamente, aí está o objetivo: ler para descobrir...

Nesse excerto percebemos que P4 muda totalmente o plano detrabalho inicial dos estagiários, convencendo-os de que sua idéia inicialde apresentação do texto sobre um seriado de televisão não será bemsucedida. Diante do questionamento contundente (Por quê? Por que vaimatar o texto? Por que não dá o texto e pede que verifique sobre qual seriado é?) e doforte argumento da supervisora (É a mesma coisa que dizer �vocês vão assistirum filme onde o menininho morre no final�), os alunos sucumbem (Então agente não fala) e não questionam. A supervisora parece, então, satisfeita,por ter feito os alunos compreenderem o objetivo da atividade de leituraem questão (Exatamente, aí está o objetivo: ler para descobrir...).

As falas da supervisora P4 indicam que ela direciona os estagiários,informando-os sobre o que devem fazer e prescrevendo as abordagens

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CAPÍTULO 3: A formação de professores durante a prática de ensino nos cursos de letras:...

que devem adotar. Suas intervenções são rápidas, precisas e econômicas,o que talvez possa ser relacionado com o pouco tempo disponível paraorientação caso ela tenha um grande número de estagiários a atender.

Dessa forma, poderíamos dizer que os excertos acima mostram queP4 adota um modelo diretivo de supervisão, ou que se encaixa no modeloprescritivo clássico de supervisão.

Consideremos agora excertos dos diários produzidos por P4 após arealização das sessões clínicas de supervisão analisadas acima.

Excerto 7�Hoje uma estagiária trouxe um plano de aula para discutirmos. Considereias atividades propostas um tanto difíceis para o nível dos alunos dela. Tentei ouvirsuas argumentações para dar as atividades. Depois de fazer minhas argumentaçõescontra as atividades propostas, fizemos alterações nas atividades. Agora que já acaboua reunião, penso que mais uma vez fui demasiadamente ditadora. Não teria sidomelhor esperar pela aplicação das atividades planejadas pela aluna e depois ver comoela se saiu na aula?.� (21/06/2005) �Acabo de ter mais um encontro para orientação evejo minha falha em não conseguir uma conversa mais �reflexiva� com o estagiário.Me vejo dando um plano de aula já pronto para o estagiário. A orientação acabasendo apenas uma breve argumentação sobre as atividades a serem desenvolvidas naaula. Sinto que o estagiário não tem muito a contribuir e/ou argumentar sobre o quefazer na aula� (19/09/2005) �Hoje tive um reunião de feedback com um dos meusestagiários. O estagiário parece não aceitar meus comentários. Cheguei a ficar muitonervosa com ele. Havíamos planejado a aula e falamos muito sobre incentivar osalunos a exporem seu conhecimento prévio sobre o tema da aula, e sobre oconhecimento de inglês. Não vi nada disto na aula dada pelo estagiário. Ao comentarsobre isto, o estagiário alegou que não fez o planejado porque sabe que os alunos nãotêm este conhecimento. O que fazer? Fiquei realmente irritada com a postura doestagiário. Insisti para que ele faça isto em aula. Realmente tenho dificuldades emfazer o estagiário refletir. Sempre me vejo descrevendo o que vi na aula e tentandoimpor minhas idéias.� (07/11/2005)

Os excertos dos diários apontam que a participante vive o quepoderíamos chamar de �dilema da intervenção�, tentando se afastar dasupervisão diretiva-prescritiva e buscando uma supervisão colaborativa-reflexiva.Participante P7

P7 é professora de inglês há 16 anos, com experiência em institutosde línguas, escolas particulares e ensino superior. Está envolvida com aformação inicial de professores de língua inglesa no curso de Letras desde2000. Sua formação acadêmica (graduação em Letras, Especialização emLíngua Inglesa e Mestrado em Estudos da Linguagem) está voltada a

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TECENDO AS MANHÃS: pesquisa participativa e formação de professores de inglês

pesquisar os professores de línguas estrangeiras e questões relacionadas àsua formação. No momento da coleta dos dados, a informante eraresponsável por 30 estagiários.

Abaixo, serão analisados um excerto da transcrição de umasupervisão clínica individual de feedback e três excertos dos diáriosproduzidos pela participante após sessões de supervisão clínica.

A seguir veremos a transcrição da sessão de supervisão clínicaindividual, quando P7 questiona a estagiária sobre uma atividadedesenvolvida em classe.

Excerto 8P7 - No nosso último encontro você falou que tinha pedido umatradução pros alunos. E1 - Na verdade eu pedi na primeira aula. P7 - No planotrês você diz que vai entregar aos alunos a tradução corrigida. E como quefoi essa correção, como você concluiu dessa sessão da tradução?E1 - Percebique as traduções estavam nitidamente copiadas. Você percebe quando estáparecido e quando os termos são característicos. Os mesmos erros. Eu não dei zero.Eu descontei um ponto e vou explicar prá eles porque eu fiz isso. Porque a minhadificuldade estava sendo criar uma relação amigável com eles sem perder aquelepulso firme de professor. Eu não queria ser autoritária. Então, eu pensei que o objetivodo professor prá mim tem que ser ensinar, ajudar o aluno a caminhar, igual vocêestava falando aquele dia da metáfora da escalada. E eu estou vendo que realmente aturma tá com dificuldade. Teve muito daquela coisa de traduzir palavra por palavra.Palavras que têm dois ou três significados, eles colocavam o primeiro antes de ver ocontexto. Eles não estão acostumados a trabalhar com tradução. Depois oprofessor deles mesmo falou que ele nunca pede.P7- Foi uma iniciativa tuaentão?E1- E eu conversei com o professor antes e ele disse prá eu ficar à vontade.P7-Mas o que você estava esperando com esta atividade? E1 - Na verdade, essaera uma atividade que funcionava prá mim. Quando eu traduzia eu procuravaaprender vocabulário, e a estrutura. E aí foi uma falha minha porque eu nãoexpliquei prá eles o porquê de fazer essa tradução. Ficou como só uma tarefaporque semana que vem é feriado. E eu fiquei muito mal por causa dessa imagemque acabou sendo passada. Eu tinha o objetivo de ver mais ou menos como é que aturma ta- que foi a primeira atividade que eu pedi prá eles. Realmente eles tão combastante dificuldade. Então vai ter uma prova de interpretação de texto e eu vou usaro mesmo texto prá fazer uma revisão da prova com eles.

A transcrição do encontro acima aponta que a supervisora verificaos resultados obtidos conforme planejamento anteriormente apresentado(No nosso último encontro você falou que tinha pedido uma tradução pros alunos;No plano três você diz que vai entregar aos alunos a tradução corrigida.), levantandoquestionamentos sobre a prática da aluna (E como que foi essa correção, comovocê concluiu dessa sessão da tradução?; Foi uma iniciativa tua então?; Mas o quevocê estava esperando com esta atividade?). O intuito parece ser fazer com aestagiária reflita sobre sua própria tomada de decisão no momento do

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CAPÍTULO 3: A formação de professores durante a prática de ensino nos cursos de letras:...

planejamento, diante dos resultados obtidos na interação.O excerto revela que a decisão da estagiária em incluir tradução em

seu planejamento é resultado de uma prática vivenciada enquanto aluna,o que parece ter gerado a crença de que esta seria uma prática eficaz. Asupervisora a instiga, fazendo com que a estagiária tenha que justificar suaprática diante de uma decisão de planejamento que não foi bem sucedida(Percebi que as traduções estavam nitidamente copiadas.) no momento dainteração. A estagiária justifica sua prática e assume a responsabilidade denão ter dado instruções claras (foi uma falha minha porque eu não expliqueiprá eles o porquê de fazer essa tradução.) e apontando que os alunos não estavampreparados (Eles não estão acostumados a trabalhar com tradução). Desta forma,ela reafirma sua posição de que o ato de traduzir textos pode ser umaprática relevante para a aprendizagem de língua estrangeira. Os resultadosda prática e os questionamentos pontuais da supervisora não são capazesde fazê-la refletir sobre sua crença.

Esse excerto nos mostra que P7 apresenta uma abordagem desupervisão colaborativa clássica ou um modelo não diretivo de supervisão,na medida em que sugere que não houve intervenção da supervisora naelaboração do plano de aula discutido na sessão analisada. Percebe-se quea estagiária teve liberdade para optar pela atividade de tradução e que asupervisora a questiona possivelmente por não compartilhar da opiniãoda aluna a respeito da eficácia da atividade. A supervisora não expressaabertamente sua visão, mas suas perguntas parecem querer levar a aluna achegar à conclusão desejada por ela.

Consideremos agora os excertos dos diários de P7.Excerto 9�Creio que o supervisor deve �deixar� o estagiário testar metodologias,abordagens e estratégias com as quais, a princípio não concorde, pois o estagiáriodeve tentar chegar às suas próprias conclusões. Particularmente, não quero terinstruções muito diretivas com a E, pois sinto que ela pode aprender sozinha.� (07/06/2005).�Creio que a experiência de estágio pode vir a quebrar com crenças pré-estabelecidas porque em novos contextos sócio-históricos, procedimentosanteriormente vivenciados podem não ser mais eficazes.� (07/06/2005)

Os dois excertos de diários acima apontam que a supervisora seempenha em fazer com que o estagiário chegue às suas próprias soluçõespara os problemas de ensino/aprendizagem detectados e que tenhaliberdade de tentar novas idéias, adotando um modelo não diretivo desupervisão.

Vejamos este outro excerto dos diários de P7:

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TECENDO AS MANHÃS: pesquisa participativa e formação de professores de inglês

Excerto 10�Lá vamos nós de novo... copiar texto do quadro. A estagiária aponta quevai mandar os alunos copiarem do quadro porque não pode �bancar� as fotocópias eacrescenta que eles quase não copiam e que esta pode ser uma boa prática. Ela falaem compreender um texto passado no quadro. Para mim não faz sentido, mascontinuo pensando em questionar, questionar, mas permitir e esperar os resultados.Não creio que copiar um texto do quadro vai trazer um resultado animador. A questãoé: como intervir no estágio, de forma direta refazendo os planejamentos ou deixandoos estagiários terem uma certa autonomia em suas decisões?� (2005).

O excerto acima mostra a angústia e o questionamento de P7 sobresuas opções de supervisão. Verificamos que, ao optar por adotar um modelonão-diretivo, a supervisora se vê no dilema de aceitar as idéias trazidaspelo estagiário, mesmo sem concordar com suas propostas pedagógicas.Ao dar a voz ao estagiário e deixá-lo confiante a testar novas possibilidades,a supervisora pode ter a sua voz apagada numa total inversão de papéis.Considerações finais

O foco deste artigo foi identificar as opções metodológicas eabordagens na condução da prática de ensino adotadas por quatro dosoito participantes do projeto ELIPE. As opções e abordagens foramidentificadas nos excertos de transcrições de sessões clínicas de supervisãoe de trechos de diários, e foram interpretadas à luz de categorizações demodelos de supervisão de professores postuladas por autores comoFreeman (1982), Gebhard (1984) e Wallace (1991).

Nossa breve análise mostrou que as quatro participantes analisadasapresentam, segundo a terminologia utilizada por Freeman, basicamentetrês modelos:(1) o modelo alternativo de supervisão, na medida em que se concentram

em como ensinar, oferecendo opções ao estagiário, questionando suasescolhas e fazendo com que ele faça suas escolhas e saiba justificá-las;

(2) o modelo diretivo ou prescritivo clássico, pois determinam claramenteo que o estagiário deve fazer em classe, e esperam que ele implementee domine as técnicas apresentadas; e

(3) o modelo não diretivo de supervisão, quando compreendem e ouvemas escolhas e justificativas do estagiário, respeitando suas decisões edesenvolvendo confiança mútua.

Ao desenvolvermos essas análises, outros questionamentos foramlevantados. Porém, os dados encontrados não forneceram evidênciassuficientes para tirarmos quaisquer conclusões, mas somente paralevantarmos hipóteses. Um desses questionamentos foi se os modelos desupervisão mudariam conforme a atividade ou a tarefa a ser realizada. A

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CAPÍTULO 4: conhecimentos em construção: ...

IntroduçãoDe acordo com Barcelos (2004), pesquisas na área de formação de

professores de línguas estrangeiras podem revelar que pelo menos doisenfoques têm sido adotados: um que procura trabalhar com questõesadvindas do processo de formação em si (como, por exemplo, buscandocompreender como essa formação acontece) e outro que procuraidentificar a base de conhecimento da profissão. No primeiro caso,teríamos estudos que se voltam para as práticas de ensino, estágiossupervisionados e como estes contribuem para a formação profissional.No segundo caso, são propostos conteúdos curriculares advindos depesquisas acadêmicas. Este trabalho se encaixa no primeiro enfoque.

Com relação à formação inicial de professores existe uma falta decoerência entre o discurso e a prática. De um lado, temos o discurso deque nossos alunos, futuros professores, devem se preocupar em fazerprojetos, refletir sobre a sua prática, promover intercâmbios entredisciplinas, trabalhar colaborativa e cooperativamente. Por outro lado, oque percebemos é uma total desconexão entre o que é ensinado nas escolase o que é feito dentro das próprias universidades.

Para nós, a formação de futuros professores de língua inglesadepende de inúmeros fatores, dentre os quais consideramos a opçãometodológica do professor-supervisor e a postura do aluno-professor.Segundo Vieira-Abrahão (2002), o papel do professor é de sumaimportância para o desenvolvimento do aluno-professor quando este

Capítulo 4

Conhecimentos em construção: uma análise desessões de supervisão de prática de ensino

de língua inglesa

Alessandra DutraKilda Maria Prado Gimenez

Helena Maria Moura Peres

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TECENDO AS MANHÃS: pesquisa participativa e formação de professores de inglês

processo se dá através de um diálogo voltado para o estímulo de suacapacidade, a fim de identificar questões, entendê-las e apontar soluçõese encaminhamentos para a sua prática. Ao assim fazer, tanto o professorquanto o aluno-professor iniciam, juntos, uma trajetória rumo à cogniçãodo que é ensinar.

Um olhar mais cuidadoso e crítico sobre o que acontece nas sessõesde supervisão de prática de ensino pode revelar dados importantes paraque formadores e futuros professores adotem práticas mais conscientes emelhor direcionadas para o fazer pedagógico. É neste ambiente deexposição de idéias, crenças, experiências, dúvidas e convicções quedecisões acerca do ensino e aprendizagem são tomadas e futuros a curto,médio e longo prazo são definidos.

Na primeira parte deste trabalho discorremos sobre as sessões desupervisão, sobre a construção de conhecimento, sobre os modelos desupervisão e sobre o papel do professor formador de professores. Nasegunda parte apresentamos os procedimentos metodológicos queutilizamos na seleção do corpus e análise. A seguir apresentamos ediscutimos os dados analisados e, por fim, apresentamos as consideraçõesfinais.Sessões de supervisão e construção de conhecimento

A formação de professores pode ser entendida como duas vias queem determinado momento se cruzam e seguem sua rota como mão única.No início temos a via por onde passam os formadores e a via usada pelosfuturos professores, cada um a seu modo. Posteriormente, estes doisusuários passam a ter esta rota de mão única. As sessões de supervisão deestágio em cursos de formação de professores de língua inglesa constituem-se momentos de encontro do formador com seus professores-alunos paraa definição de uma nova rota em que os dois pólos seguirão a mesmadireção. Porém, o processo para essa convergência pode variar dependendode posturas dos elementos envolvidos, conforme apresentado na literaturapertinente a sessões de supervisão de estágio.

Gebhard (1993) apresenta seis modelos de supervisão adotados peloformador de professores: �supervisão diretiva�, na qual o supervisordireciona e informa o professor-aprendiz sobre quais técnicas de ensinodeverão utilizar na sala de aula e avalia-os com base em comportamentospreestabelecidos. No entanto, a maneira como o supervisor define omodelo de ensinar pode comprometer e gerar uma atitude defensiva em

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CAPÍTULO 4: conhecimentos em construção: ...

relação ao julgamento do supervisor. Essa prescrição pode forçar osprofessores em formação a fazer não o que pensam, mas o que o formadordeseja. Ao criticar esse tipo de supervisão, Gebhard (1993, p. 157-166)sugere outros cinco modelos de supervisão.Na �supervisão alternativa� o supervisor oferece ao professor-aprendiz oportunidades para desenvolver consciência sobre o que e comoensinar. A �supervisão não-diretiva� é a que estabelece uma relaçãointerativa entre supervisor e professor aprendiz, sem respostas prontas,levando o professor-aprendiz a desenvolver a sua autonomia. Na�supervisão colaborativa�, o supervisor participa de todas as decisões como professor-aprendiz, sem direcioná-lo. A �supervisão criativa� pode servista como uma mescla dos três modelos anteriores. Por fim, a �supervisãode auto-ajuda ou exploratória�, que visa promover uma conscientizaçãodos professores em formação e dos formadores por meio da observação eda exploração.É interessante afirmar que o professor-supervisor precisa buscarrealizar uma supervisão que não interfira negativamente nodesenvolvimento do professor em formação. Vieira-Abrahão (2001) afirmaque o papel do formador de professores é auxiliar o professor na tarefa dedescobrir seu próprio estilo de ensinar, o que não invalida a exposição dediferentes métodos e estratégias de ensino sobre os quais as opções sãofeitas. Segundo a autora, cabe ao formador de professores promover umaorientação colaborativa com os professores em formação, para que estespossam desenvolver a capacidade crítica, compreender as dimensões desuas ações e encontrar soluções para os problemas localizados.Bax (1997) afirma que os contextos de formação de professoresque são voltados para uma abordagem reflexiva têm o potencial deencorajar mudanças e estimular a reflexão. Para que as mudanças ocorram,o formador de professores deve levar em consideração os seguintes aspectosrelacionados à formação do professor:� Aspectos afetivos-interacionais dos professores em formação (os

professores em formação aprendem melhor se estiverem tranqüilos eenvolvidos o máximo possível e se forem valorizados).

� Metas (os professores em formação devem saber quais são as metas aserem alcançadas).

� Estrutura (tipo e ordem das atividades e estrutura das sessões deorientação).

� Conteúdo (pontos relevantes a serem discutidos nas sessões deorientação, aspectos culturais).

� Conscientização (reconhecimento das metas alcançadas e nãoalcançadas por parte do formador e dos professores em formação).

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TECENDO AS MANHÃS: pesquisa participativa e formação de professores de inglês

Percebe-se que a convergência para uma única rota com destino aoensino realmente tem um agente relevante: o supervisor de prática deensino. Mas não só dele depende esta mudança. O aluno-professor teráseu papel também essencial a partir do momento que, ao encontrar-secom seu supervisor, construirá o conhecimento necessário para seguirseu rumo.

Seguir uma via de forma tranqüila requer conhecer tal via. O rumoa ser tomado no ensino é traçado a partir do conhecimento de outras rotaspor onde já se passou, ou por indicações de caminhos conhecidos por umoutro alguém ou, ainda, pela própria vontade de conhecer um novo trajeto.Assim vemos a construção de conhecimento do futuro professor de inglês.Suas decisões são tomadas a partir de um conhecimento adquirido durantesua trajetória de aprendizagem dentro de uma sala de aulas de línguainglesa, ou do conhecimento explicitado pelo seu supervisor ou da vontadede fazer algo diferente de tudo que já vivenciou no ambiente escolar. Mas,brevemente, o que a literatura nos diz sobre isto?

A psicologia da educação nos mostra que o conhecimento adquiridopelo indivíduo costuma ser decorrente da influência do outro. Brown(1987) esclarece que o conhecimento acarreta mudança de comportamentoe é construído quando realizamos um estudo, vivenciamos determinadasexperiências ou recebemos certas instruções Borg (2003) diz que acognição ocorre pelas experiências que acumulamos. Duvfa (2003) explicaque a cognição é fruto de um processo atuante dentro de um sistema queconsiste do indivíduo e de seu ambiente. Tendo tais conceitos em mente,podemos dizer que as sessões de supervisão compreendendo odesempenho do professor-supervisor e do aluno-professor constituemum corpus significativo para entendermos o processo de formação defuturos professores no que tange sua construção de conhecimento.Procedimentos metodológicos

Aqui discutimos dados coletados com vista a identificar as opçõesmetodológicas de professores supervisores e a construção de conhecimentode alunos-professores na supervisão de prática de ensino de língua inglesaconforme sessões realizadas pelos membros participantes do projeto.

Para a realização desta pesquisa, foram gravadas e transcritas assessões de supervisão de seis supervisores de prática de ensino de inglês,participantes do projeto, totalizando quatorze sessões. Essas foramcategorizadas como sessões de planejamento de aulas ou sessões de

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CAPÍTULO 4: conhecimentos em construção: ...

feedback quando realizadas na última série, 4º ano, do Curso de Letras,das três instituições de ensino envolvidas no projeto. As sessões realizadasno 3º ano do curso, de uma única instituição participante, caracterizaram-se como momentos de aquisição e de reflexão sobre teorias de ensino eaprendizagem de línguas e foram denominadas sessões de Grupos deEstudo.

O corpus do trabalho permitiu um levantamento de dados paraidentificação de (a) supervisor e instituição, (b) objetivo da sessão: deplanejamento ou feedback, (c) papel do professor-supervisor, (d) papeldo aluno-professor, e (e) tipo de conhecimento construído.

Excertos de fala do professor-supervisor e do aluno-professortranscritos das gravações permitiram conclusões sobre o tipo deconhecimento construído em momentos de supervisão. Para este artigo,selecionamos excertos retirados das transcrições de oito sessões quanto àverificação do processo de construção de um conhecimento do futuroprofessor com vistas à tomada de rumos no exercício do ensino de línguainglesa.Apresentação e discussão dos dados

Os dados e análise a seguir referem-se a supervisões realizadas nasseguintes instituições FAFIMAN (1) com uma supervisora e dois alunos;UEL (2) com duas supervisoras e cinco alunos; e FACCAR (3), com umasupervisora e três alunos. Excertos de falas de alunos-professores (AP) ede professores-supervisores (PS) são apresentados e seguidos dainterpretação do que podem representar quanto ao objetivo da sessão, opapel exercido pelo professor-supervisor e pelo aluno-professor, e o tipode conhecimento construído. Embora as instituições sejam identificadasnesta análise, os nomes dos participantes não serão revelados uma vezque tal sigilo não interfere no propósito deste trabalho.

No excerto 1 verificamos que nessa sessão que teve como objetivoo planejamento de uma aula, o papel do professor-supervisor foi o deaprovar propostas feitas pelo aluno-professor e apresentar sugestões deatividades e opções metodológicas. O conhecimento construído foi o quedenominamos �conhecimento técnico�, uma vez que o questionamentoestá centrado nos recursos didáticos a serem empregados.

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TECENDO AS MANHÃS: pesquisa participativa e formação de professores de inglês

Excerto 1AP: Estou pensando em tirar cópia colorida, (...) é, eles vão fazer deconta que saíram e encontraram essa pessoa(...).PS: E se nós fizéssemos isto para fechar aula, para dar uma conclusão? Oque você acha? Não é melhor? (...) E se você ampliasse em umatransparência?AP: É bem interessanteNo excerto 2, referente a uma sessão de feedback, a AP relatou e

identificou as divergências entre o plano e a execução. O PS, por sua vez,referendou os procedimentos adotados pelo aluno-professor e provocouuma reflexão que permitiu a construção de um �conhecimento prático�,quando AP percebeu que determinado procedimento não é aplicável acertos contextos. Neste caso, o questionamento da AP esteve centrado naadequação de suas escolhas aos objetivos da aula.

Excerto 2AP: Os exercícios que ficaram para eu terminar de corrigir, eu consegui,eu terminei de corrigir. E o outro exercício que era para eu completar (...)eles amaram (...) só que eu não fiz todo ele por causa do tempo.(...) Essa atividade.... para fechamento, eu acho que ela não caiu bem, eladeveria ter sido mais aprofundada...PS: Se você fosse dar essa aula novamente, o que você faria dediferente?Então, você percebeu nesse exercício que eles fizeram, vocêpercebeu que eles tiveram dificuldades...Na sessão de planejamento do excerto 3, verificamos que o objetivo

era a seleção de atividades e a discussão sobre o procedimentometodológico para uma aula de leitura. Ao solicitar orientação da PSsobre a melhor forma de conduzir a aula, a PS focaliza aspectosrelacionados a recursos didáticos, propiciando oportunidade paraconstrução de conhecimento técnico, a partir da aprendizagem de umprocedimento metodológico.

Excerto 3AP: Nós gostaríamos de ver com a senhora, qual seria a melhor maneirade colocar isso para os alunos. Primeiramente, a gente vai tentar extrairdeles o que eles conhecem... então nós vamos tentar colocar para eles atradução do texto..PS: ...em seguida vocês vão por no quadro ou escrever em uma folha?.Vão fazer cartazes? (...)

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CAPÍTULO 4: conhecimentos em construção: ...

Nesta sessão de feedback (excerto 4) o PS pede que o AP relatecomo ocorreu a aula, indicando quais pontos deveriam ser salientados.Ao ouvir o relato a PS questiona o procedimento, levando à possibilidadede construção de conhecimento técnico.

Excerto 4AP: Primeiro, nós pedimos para que eles citassem as profissões. Surgiramvárias profissões diferentes e eles não conseguiram identificar o DJ. Aí,nós colocamos, relacionamos no quadro e citamos o DJ, explicamos qualé o seu significado. (...) quando nós colocamos atividades para eles, nóscolocamos atividades para que eles elaborassem um texto de acordo como tema dado, uma interpretação do texto.PS: Como ocorreu? Deu tudo certo? Os alunos falaram mais algumacoisa para vocês?. Bom, então após a explicação de vocês eu quero sabertambém como foi a participação da professora. (...).mas você tentou pelomenos fazer com que eles fizessem....separadamente, talvez?Durante a sessão de planejamento (excerto 5), o AP trouxe umaproposta de procedimento para uma aula, ao que o PS apresentou umaalternativa, sugerindo recursos didáticos e procedimentos metodológicos,

configurando a construção de conhecimento técnico.Excerto 5AP: Eu vou passar um texto pra eles. Vou passar no quadro e dar pra elespreencherem. Na verdade eu até pensei em fazer. Mas não dá pra tirarxerox de tudo. Sem contar que eles quase não escrevem. Esse livro delestem muita coisa em português. Tem um lado bom, porque quando acompreensão é em inglês tem a questão de copiar a resposta sem saber osignifica. Eles escrevem pouco. Eu penso por esse lado.PS: Não é melhor você montar o texto que passar no quadro? Não demoramuito? E o que você acha dessa compreensão em português? Então éuma oportunidade deles escreverem.Ao avaliar uma aula dada na sessão de feedback (excerto 6), o APrelatou seus procedimentos e identificou as divergências entre o plano e aexecução da mesma. O PS contrastou o planejamento e o realdesenvolvimento da aula, questionando os procedimentos, emboraestabelecidos no plano de aula, não adotados pelo AP na sua regência. APrefletiu sobre o andamento da aula e percebeu que determinadosprocedimentos estão sujeitos a mudança devido a situações adversas. A

sessão propiciou a construção de um conhecimento prático.

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TECENDO AS MANHÃS: pesquisa participativa e formação de professores de inglês

Excerto 6AP: Eu achei que o conteúdo seria mais simples e que a aula ia corrermais tranqüila. Mas, não sei porque eles estavam muito agitados e outrosmuito dispersos. Faltou um feedback pra mim. De como estava oandamento da aula. A aula ficou meio maçante pra eles! Eles não tinhamidéia nenhuma do que era o conteúdo... Tive que parar praticamente aaula toda. Tanto é que não deu pra fazer nem a primeira atividade direito.PS: E o conteúdo, o trabalho, o planejamento? O que será que aconteceu?O que eu reparei foi o seguinte: o planejamento dá a entender que vai sefocar nos verbos anômalos (may e must), mas o que acabou acontecendofoi que o foco ficou mais na gramática. De 50 minutos a aula total foi de40.Esta sessão de planejamento (excerto 7) indica uma discussão acerca

de um procedimento metodológico para atividades criadas e apresentadaspela AP ao PS. PS questionou as atividades elaboradas pela AP, sugeriuoutras, e conferiu a competência lingüística de AP. Além da construção deum conhecimento prático por meio da conferência de estruturas eobjetivos das atividades elaboradas, AP pode também construir umconhecimento lingüístico necessário para sua regência.

Excerto 7AP: Nós preparamos um texto. Nós inventamos. É. Já que a gente nãoacha, né?(...) E nós tivemos umas idéias. Sugeriram algumas coisas paragente. (...) Porque eu vou pegar a sugestão da senhora também. Aquiestão os textos que a gente fez. A senhora quer dar uma olhada? (...) Entãotira o done? (...) E tem frases também que precisam da continuação. Épara achar a relação.PS: Inventaram um texto? Quem sugeriu? (...) Ótimo. E vocês estãoestudando o present perfect que eles já estudaram, né? Vamos ver estaexpressão.... eu acho que esta expressão não tem em inglês. Aqui fica tried.E veja que aqui nós temos um tempo definido �when I started, quandoeu comecei�.Nesta sessão de feedback (excerto 8) a AP comenta sobre a

inadequação lingüística que levou à sua insegurança e não adoção dométodo sugerido pela PS. Esta, por sua vez, sugere uma estratégia de auto-estudo para solução do problema. Uma auto-crítica ocorreu no planotanto da prática de regência quanto de competência na língua inglesa.

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CAPÍTULO 4: conhecimentos em construção: ...

Excerto 8AP: Tem uma coisa que eu já vi que eu fiz errado. Relacionar bymyself com my, ourselves com our. A gente acha que eles não entendem,mas na verdade eles não falam, não participam, mas muitas coisas elessabem. Eles têm medo de falar. Mas é exatamente por eu não dominar, eufico super insegura. E eu fico insegura com o inglês. Porque a gente nãoteve esta prática. Eu não vou além disso daqui porque senão eu vou meenrolar. Então deixa eu ficar só onde eu me garanto. Eu sabia que este erao método ideal, como você deu as dicas e tudo. Mas eu não consigo.PS: O que você fez de errado? eu já tinha escrito aqui �cuidado comaequivalência my, your. Por não dominar a prática da aula ou o inglês?Então você tem que treinar mais em casa com estas sentenças; porque écom as sentenças que você vai ter que lidar em inglês lá na aula. Estudarmais em casa, pra dominar, pra ficar à vontade com as sentenças que vocêvai ter que trabalhar lá.

Considerações finaisHawkins (2004) apresenta o desafio enfrentado pelos formadores

diante das mudanças de paradigmas do aprender a ensinar. Não apenas oconteúdo a ser ensinado e aprendido parece ter sofrido alterações, mastambém o processo. Os papéis de cada elemento são vistos como essenciaisna construção dos conhecimentos necessários para a prática educativa.Nossa análise aponta que muito do que ocorre nas sessões de supervisãode ensino ainda apresentam uma abordagem diretiva onde o professor-supervisor dita o procedimento metodológico a ser adotado pelo alunoprofessor, em uma perspectiva tecnicista.

Os alunos professores, na maioria, vêem seus professores-supervisores como a fonte de recurso para a explicação dos problemasenfrentados na prática da sala de aula. Professores-supervisores, tambémna sua maioria, acreditam que têm a resposta para todos os problemas deseus alunos-professores.

A literatura tem apontado que é crucial que os profissionais emformação se engajem em práticas reflexivas e críticas. O planejamento deuma aula e a crença sobre o ensinar acabam gerando conflitos ao alunoprofessor quando a sua verdadeira prática, isto é, sua entrada no mundoda sala de aula, ocorre. Ao retornar para uma sessão de feedback com seuprofessor-supervisor, o aluno professor traz o conhecimento decorrenteda experiência vivida e não o proposto por aquele que tradicionalmente é

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TECENDO AS MANHÃS: pesquisa participativa e formação de professores de inglês

visto como o detentor da verdade. Assumir o papel de agente de reflexãoé o que deve ser feito tanto pelo formador quanto pelo aluno em formação.O questionamento bi-direcional proporciona a conscientização de quecertas práticas não possuem o valor de mérito que lhes foi dado nomomento prévio do planejamento.

Leffa (2001) chama nossa atenção para a diferença entre treinar eformar o futuro professor. O treinamento objetiva a reprodução mecânicade técnicas e estratégias, enquanto a formação é uma preparação maiscomplexa com a fusão do conhecimento recebido com o conhecimentoexperimental e uma reflexão sobre esses dois tipos de conhecimento. Aindasegundo Hawkins (2004), é preciso que a formação de professores empré-serviço seja um trabalho desenvolvido de forma colaborativa e emum contexto de comunidade de aprendizagem. Quando se trabalhacolaborativamente, o papel de cada um dos participantes do processo temsua devida importância e a hierarquia deixa de existir. O olhar investigativodo formador sobre suas práticas pode ser um primeiro passo para aconstituição dessas comunidades.

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CAPÍTULO 5: língua inglesa, formação de professores e cidadania...

IntroduçãoAtualmente não se pode negar que a linguagem desempenha um

papel fundamental em nossas vidas, já que �não é (somente) um meio deexpressão de processos que seriam estritamente psicológicos (percepção,cognição, sentimentos, emoções), mas é, na realidade, o instrumentofundador e organizador desses processos, em suas dimensõesespecificamente humanas� (BRONCKART, 2006, p.122). Se a linguagemdesempenha papel tão primordial em nossas vidas, decorre que osprofissionais que trabalham com esse instrumento também têm relevânciana construção e formação da visão de mundo daqueles com quem serelacionam. Portanto, os docentes de línguas passam a estar relacionadosde maneira contundente com a vida social, quando atribuímos elegitimamos um papel tão importante à linguagem.

Em função disso, acreditamos que o atual debate educacional sobreeducação e cidadania (cf. OSLER, 2005; STARKEY, 2005; ARAÚJO;KLEIN, 2006; MCCOWAN, 2006) precisa ser incorporado também aoscursos de formação de professores de língua inglesa, já que os profissionaisque estão sendo formados por esses cursos, além de atuarem com aeducação, e por isso só, já estarem envolvidos com tal temática, tambémtrabalham com a linguagem, que é constitutiva do ser humano.

Capitulo 5

Língua inglesa, formação de professores ecidadania: articulando áreas afins

Lucas Moreira dos Anjos Santos1Gladys Plens de Quevedo Pereira de Camargo2

Vera Lúcia Lopes Cristovão3

1 Aluno bolsista do Programa UEL / Afroatitude, vinculado ao Programa Nacional BrasilAfroatitude. Agradeço pela bolsa que tem possibilitado me dedicar aos estudos acadêmicose à realização de trabalhos como este.2 Orientadora deste trabalho.3 Co-orientadora deste trabalho.

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TECENDO AS MANHÃS: pesquisa participativa e formação de professores de inglês

Por isso, nosso trabalho tem por objetivo analisar algumas sessõesde prática de ensino de inglês de uma instituição do norte do Paraná everificar se questões de cidadania têm sido contempladas. Buscaremostambém identificar de que forma essas questões foram abordadas. Paratanto, dividimos o presente artigo em cinco partes: i) apresentação dosdebates educacionais sobre cidadania, ii) articulação das questões relativasà cidadania com a formação de professores de língua inglesa e com asdimensões que compõem o trabalho docente, iii) descrição da metodologiautilizada, iv) análise e discussão dos dados e v) considerações finais acercadas questões levantadas.Educação no século XXI: rumo à cidadania

A educação, em diferentes períodos históricos, assumiu papéis quecada sociedade desejou lhe atribuir para a formação de novos indivíduosem consonância com os valores e visão de mundo de cada época. Sempreque transformações sociais, econômicas, políticas ou culturais ocorrem,propõe-se repensar o papel da educação e sua efetiva configuração paratransformar a sociedade e acompanhar as inovações e modificações quedecorrem desse processo. Em função disso, torna-se de extrema relevânciaa discussão sobre idéias centrais que propõem novos olhares para aeducação neste milênio, como por exemplo, a educação para cidadania. Oque nos interessa, neste trabalho, é um quadro mais amplo de como oconceito de cidadania, transformado em moeda corrente no debateeducacional, dialoga com a área de formação de professores em línguainglesa. Passemos, então, a discutir esse conceito em educação.Educação e Cidadania

A educação para cidadania tem sido apontada como uma das formasde entender o processo formativo neste século (cf. RIBEIRO, 2002;OSLER, 2005; STARKEY, 2005; ARAÚJO; KLEIN, 2006; MCCOWAN,2006). No entanto, podemos e devemos nos questionar sobre qualconceito de cidadania tem-se adotado na área educacional. Sabemos queé corrente, tanto na mídia quanto no senso comum, o conceito de cidadaniacomo direitos e deveres. Mas, será que essa noção é apropriada para ocampo educacional?

Para Araújo e Klein (2006), se queremos educar para cidadania,precisamos de um conceito mais amplo do que o anterior, que vá além de

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CAPÍTULO 5: língua inglesa, formação de professores e cidadania...

aspectos políticos e econômicos. Faz-se necessário entender cidadaniacomo formação completa do sujeito, de modo que o mesmo tenha umavida digna, justa, capaz de entender e por em prática valores comoigualdade, coletividade, democracia, pacificidade, solidariedade, entreoutros.

Segundo esses autores, educar para cidadania implica em proporsituações reais de prática e uso dos valores acima citados, em propiciarespaços para a promoção da autonomia do aprendiz, para que, assim, elepossa decidir quais atitudes a serem tomadas frente a determinada situação.Nesse sentido, a educação para cidadania abarcaria quatro temáticas a seremdesenvolvidas no contexto escolar pelos educadores: ética, convivênciademocrática, direitos humanos e inclusão.

Ética pode ser entendida como o campo filosófico que se ocupa damoralidade humana, da utilização de princípios que abarquem acoletividade e o individual.

De forma específica, lidar com a dimensão comunitária e o diálogo com arealidade cotidiana e as normas sócio-morais vigentes nos remetem aotrabalho com a diversidade humana e a abordar e desenvolver ações queenfrentem as exclusões sociais, os preconceitos e as discriminaçõesadvindas das distintas formas de deficiência e das diferenças sociais,econômicas, psíquicas, físicas, culturais, religiosas, raciais, ideológicas ede gênero. (ARAÚJO; KLEIN, 2006, p. 122)A convivência democrática é caracterizada pela necessidade do ser

humano viver em sociedade. Construímo-nos por meio do outro e vice-versa. Nessa interação, certamente surgem conflitos e discórdias de diversasordens, porém é preciso que aprendamos a considerar a opinião do outrocom respeito, por meio da busca de um pensamento mútuo convergente,de modo a vivermos melhor. São esses conflitos que nos movem e nospermitem evoluir historicamente.

Baseando-se na Declaração Universal dos Direitos Humanos,Araújo e Klein colocam que os direitos humanos podem ser divididos emtrês aspectos: i) as liberdades individuais, ou o direito civil; ii) os direitossociais, e iii) os direitos coletivos da humanidade. São esses aspectos emco-ocorrência que podem ser guias para políticas educacionais, tendo emvista a formação de novas gerações para o exercício da cidadania, �(...)propiciando condições para que os alunos e alunas desenvolvam acapacidade dialógica, tomem a consciência de seus próprios sentimentos

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TECENDO AS MANHÃS: pesquisa participativa e formação de professores de inglês

e emoções, e desenvolvam sua capacidade autônoma de tomada de decisãoem situações conflitantes do ponto de vista ético / moral�. (op.cit., 2006,p.123).

Finalmente, a inclusão social é entendida como a criação de espaçoseducativos em que as diferenças são valorizadas. Aprender a conviver erespeitar-se mutuamente é amplamente enriquecido com espaçosinclusivos do ponto de vista étnico, cultural, social, econômico, regional,de gênero, entre outros.

Já Ribeiro (2002), com essa mesma preocupação em entender oconceito de cidadania, propõe uma leitura crítica do mesmo ao longo dahistória. Na busca por diversos conceitos de cidadania durante os séculos,a autora tenta entender em quais bases foi configurado esse termo, tãocomum hoje em dia. Ela nos remete, primeiramente, para o surgimentodo conceito de cidadania, em Atenas na Grécia Antiga. Cidadania, naquelaépoca, assim como nos parece acontecer no mundo moderno, estavavinculada diretamente à democracia. É interessante ressaltar que as basesdesses conceitos � cidadania e democracia � que permeiam nossas vidashoje tenham nascido para defender a desigualdade, já que só pensadoresintelectuais, homens livres e os que possuíam o saber legitimadosocialmente da época, ou seja, na maioria proprietários de terras, faziamparte da democracia ateniense e, portanto, só eles podiam exercer o papelde cidadãos.

Assim, para os gregos, a existência do homem é tanto a de ser racionalquanto a de ser cidadão e homem livre, cuja virtude (arete) consiste nojusto exercício da cidadania. Por conseguinte, o ideal da educação grega éformar, no homem das classes dirigentes, o político com a capacidade degovernar a cidade e de se fazer obedecer pelas demais classes(Marrou,1975). As mulheres, os idosos, as crianças, os deficientes, osestrangeiros, estão excluídos da natureza do ser cidadão, que é participarativamente na vida pública. (RIBEIRO, 2002, p. 117)Contudo, de acordo com Ribeiro, no mundo moderno, o conceito

de cidadania está intimamente ligado à classe burguesa. Com o adventodo capitalismo, a burguesia precisa consolidar e legitimar seu espaço navida pública. Para tanto, ela prega os ideais de liberdade e igualdade, quepodem ser alcançados por meio do trabalho humano. Há, aqui, umdeslocamento no fator de quem pode ser cidadão: não é mais a nobreza(como na Grécia Antiga) e sim aqueles que detêm os meios de produção.A concepção moderna de cidadania, porém, converge com a grega no

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CAPÍTULO 5: língua inglesa, formação de professores e cidadania...

sentido de que em ambas �(o) cidadão, tanto grego clássico como o europeumoderno, é um indivíduo masculino, dotado de razão e proprietário�(RIBEIRO, 2002, p. 118). Cidadania, em ambos os períodos, está vinculadaà classe dominante.

Com a consolidação econômica do capitalismo durante o períodoiluminista, surgem as primeiras idéias da escola pública e gratuita paratodos. Rousseau, forte representante dos ideais iluministas, defendia quea liberdade individual � uma das bandeiras levantadas pelo sistemaeconômico vigente � devia existir em co-ocorrência com as necessidadescoletivas (RIBEIRO, 2002). É essa consolidação do estado liberal queproduz �discursos que se afastam daquela análise que afirma o trabalhocomo origem e fundamento da propriedade. Tais discursos procuramredefinir os princípios de liberdade e igualdade � fundamentos da cidadania� em moldes mais adequados à ordem político-econômica burguesa�(RIBEIRO, 2002, p. 119).

Apesar da evolução interna do conceito de cidadania, o que ficaclaro é que o estado liberal burguês se apropria do mesmo de modo apoder legitimar seus poderes, e propõe uma nova configuração social que,mesmo defendendo a igualdade e o direito de oportunidades a todos, cria�(...) artifícios que inviabilizam a universalização de uma educação públicaarticulada aos interesses dos segmentos sociais e culturais tradicionalmenteexcluídos (...)� (RIBEIRO, 2002, p. 122). É em função do exposto atéentão que Ribeiro questiona a validade do conceito de cidadania paraeducação como processo capaz de abarcar a heterogeneidade dos gruposexcluídos do sistema de ensino.

Essa busca da autora por esse termo no tempo e no espaço permiteque repensemos, à luz dos desafios que a educação enfrenta no séculoXXI, o que queremos dizer com educação para cidadania. Apesar de ter setornado uma concepção bastante corrente no debate educacional, comojá apontamos, educar para a cidadania engloba muito mais do que direitose deveres. Engloba, como vimos em Araújo e Klein (2006), o olhar aeducação como o processo de formação do indivíduo como um todo ecomo o local de oportunização da prática da autonomia, envolvendoquestões éticas, aprendizagem para a convivência democrática, prática dosdireitos humanos e inclusão social.

Sendo assim, é preciso ter cuidado ao se falar em educar paracidadania e não cair em outras armadilhas de exclusão. Isso obviamentenão invalida as tentativas que têm sido feitas por aqueles que defendem

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TECENDO AS MANHÃS: pesquisa participativa e formação de professores de inglês

essa concepção; porém, analisar criticamente esse conceito e suasimplicações, como temos procurado fazer, parece ser bastante produtivopara a melhoria das práticas educativas.Formação de Professores de Língua Inglesa: qual o papel dessesprofissionais?

Gostaríamos de começar nos posicionando sobre o motivo peloqual decidimos articular o conceito de cidadania com formação deprofessores de língua inglesa. Levando em conta que os profissionaisformados nessa área trabalham com a linguagem � instrumento semióticohumano responsável por gerenciar e organizar as atividades gerais desocialização, desempenhando um papel fundamental na constituição dopensamento consciente do indivíduo (BRONCKART, 2006) e, portanto,com alto poder simbólico em nossa sociedade � faz-se necessário queestejamos atentos para a manutenção de representações sobre cidadaniareforçadas pela sociedade por meio da linguagem (mais especificamentecom a língua inglesa4).

Como Moita Lopes (2003, p. 33) argumenta, ancorando-se em Gee,os professores de língua inglesa, �ou colaboram com sua própriamarginalização ao se entenderem como �professores de línguas� semnenhuma conexão com questões políticas e sociais (...) ou percebem que,tendo em vista o fato de trabalharem com a linguagem, estão centralmenteenvolvidos com a vida política e social�. O autor afirma que vivemos emuma época de grandes transformações � sociais, econômicas, políticas eculturais � e de grande veiculação de informações, o que imprime àlinguagem um papel primordial na construção do mundo pós-moderno.Por isso, ele destaca a importância que a educação lingüística tem a cumprirneste milênio, chamando atenção para o engajamento dos professores delíngua (principalmente de língua inglesa) com a vida social.

Em consonância com os autores supracitados é que buscaremosdesenvolver um panorama bem conciso da formação de professores delíngua inglesa. Iniciamos com Placco (2006, p. 251), que entende que �seo professor atua com uma primordial função, a de formar cidadãos plenos,4 Muitos pesquisadores defendem o acesso ao conhecimento em língua inglesa devido aogrande volume de discursos que são veiculados por ela na era contemporânea. Há tambémaqueles que argumentam que a língua inglesa é uma língua franca na atualidade em função doprocesso de globalização. (cf. LEFFA, 2002; MOITA LOPES, 2003; GIMENEZ, 2005; 2006).

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CAPÍTULO 5: língua inglesa, formação de professores e cidadania...

capazes de intervenção digna, produtiva e consistente na sociedade, estedeve ser, então, o foco de sua formação, promovendo a inclusão social doaluno sob sua responsabilidade formativa (...)�. É por isso que Placcodefende uma formação de professores ancorada em dimensões. Para aautora, uma dimensão é um componente ou conjunto de componentespolíticos, humano-interacionais e técnicos em constante movimentosincrônico, que envolvem conhecimento, habilidades, atitudes e auto-conhecimento. São essas dimensões que serão capazes, se foremtrabalhadas de maneira articulada e consciente, de formar o professorcomprometido socialmente.

O trabalho de formação de professores pautado pelo viés dasdimensões que o compõem, em consonância com a conscientização �por ambas as partes: formador e formando � desse processo, é o caminhopara o desenvolvimento pessoal e coletivo. Por isso, a autora tem

(...) apresentado alguns conceitos e proposições, como o conceito desincronicidade, de multidimensionalidade sincrônica da formação e dotrabalho de professores, ressaltando a necessidade da consciência doprofessor, e tentando dar realce a sua maior participação e compromissocom a docência. (PLACCO, 2006, p. 252)É com base nessas proposições que a autora entende que o processo

de formação é permeado pelo desenvolvimento das seguintes dimensões:técnico-científica, da formação continuada, do trabalho coletivo, dossaberes para ensinar, crítico-reflexiva, avaliativa, ética e política, e estéticae cultural � que, apesar de serem descritas linearmente por questão didática,devem ser vistas e entendidas como atuando articulada e sincronicamente.Mesmo entendendo que essas dimensões atuam concomitantemente earticuladamente, sendo perpassadas umas pelas outras, há três delas quesão mais propícias para o trabalho de formação do professor para acidadania: crítico-reflexiva, avaliativa e ética e política. O Quadro 1 trazum breve panorama dessas três dimensões.

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TECENDO AS MANHÃS: pesquisa participativa e formação de professores de inglês

Quadro 1 � Dimensões propostas por Placco (2006)Dimensões Aspectos envolvidos

Crítico-reflexiva Refere-se à capacidade de pensar e refletir sobre o agir docente, assim como seu próprio pensar e refletir, de colocar em xeque aquilo que parece dado, acabado, a de analisar conseqüências e implicações de suas ações.

Avaliativa Refere-se à capacidade de avaliar suas práticas pedagógicas e os valores legitimados pelo espaço escolar, questionando-os, de estabelecer objetivos orientados pelo compromisso com a educação e com a docência para pesquisar as questões levantadas na avaliação.

Ética e política

Refere-se à �formação do professor quanto à ciência da educação, quantos aos objetivos do processo educacional, aos compromissos éticos e políticos com uma determinada visão de educação, com determinados objetivos da educação, com a formação de um determinado tipo de homem, tendo em vista um determinado e desejado tipo de sociedade� (op.cit., 259)

O trabalho de formação baseado em dimensões proposto por Placcoparece vir ao encontro das necessidades de uma formação de professoresque veja a vida social como parte da vida escolar, que entenda a escolacomo local de construção de valores de mundo baseados na igualdade,solidariedade, pacificidade, ou seja, cidadania conforme definida porAraújo e Klein (2006).

Acreditamos que o trabalho por meio das dimensões propostas porPlacco pode ser um caminho para formar professores de língua inglesamais conscientes de seus papéis na sociedade e mais engajados com a vidapolítica e social das comunidades nas quais trabalham.

Também preocupada com formação de professores, porém voltadapara a área de línguas, é que Ferreira (2006) contextualiza o motivo peloqual têm sido discutidas por diversos pesquisadores questões como:pluralidade cultural, inserção / inclusão social, educação para cidadania,entre outras. A autora aponta que, no Brasil, essas discussões intensificam-se, principalmente, a partir da publicação dos Parâmetros CurricularesNacionais (PCNs) e a recente Lei 10.639 que trata da inserção da culturaafro-brasileira no currículo escolar5. Ela argumenta, portanto, que há a5 É importante ressaltar que diversos documentos educacionais na última década têm sepreocupado com as questões de cidadania, pluralidade cultural, formação de sujeitoscríticos, emancipação social dos alunos, inclusão social entre outras. Além dos PCNs,temos também a recente publicação das Orientações Curriculares para o Ensino Médio

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CAPÍTULO 5: língua inglesa, formação de professores e cidadania...

necessidade de preparar os professores para lidarem com essas temáticas.Apesar dos PCNs terem chamado atenção para a importância de considerarnas práticas de sala de aula questões de cidadania (raça / etnia, por exemplo),ainda é incipiente a maneira como os cursos de formação de professores(inclusive os de línguas) têm trabalhado tal temática. Conforme a autoraaponta, �[...] o espaço escolar também é responsável pela construção dacidadania. É nesse espaço escolar que se encontram professor e aluno,que, nos momentos de interação, constroem sua identidade, seja ela étnica,sexual ou profissional� (FERREIRA, 2006, p. 28).

Ferreira trabalha especificamente com a temática raça / etnia eformação de professores, e dentro dela é que a autora tem trazidoimportantes reflexões sobre o ensino para cidadania e o ensino crítico emsala de aula. A autora questiona como se espera que os professores lidemcom tais temáticas, se nos cursos nos quais eles são formados, poucas ouquase nenhuma dessas questões são trabalhadas ou levantadas. Ou seja,

[...] isso significa que os professores são chamados a discutir com seusalunos tais questões, dentro das salas de aula, em prol da promoção daigualdade racial, étnica, justiça social e de prática cidadãs. Sendo assim, osquestionamentos são: os professores têm feito tais discussões? Quais são os recursosque os professores têm para usar em sala de aula com seus alunos, no que se refere àraça / etnia? Como os recursos são usados? Há possibilidade de reflexão de todosesses assuntos em sala de aula? Há uma necessidade de que os professorescompreendam a importância de tal discussão, pois isso possibilitará queeles percebam que suas atitudes com relação às questões raciais / étnicaspodem ter um impacto nos resultados de aprendizagem do aluno.(FERREIRA, 2006, p.54).Também por estar preocupada em relacionar o ensino de línguas à

educação para cidadania é que Freitas (2004) tematiza essa questão, levandoem conta o papel da educação atualmente. Para ela, a sociedade em que

de Línguas Estrangeiras (2006) que defendem essas temáticas. Regionalmente, asDiretrizes Curriculares de Línguas Estrangeiras Modernas do Paraná (2005 � versãopreliminar; 2006) também chamam a atenção para o ensino voltado para a formaçãocidadã e consciente do aluno. Convém ainda lembrar que esse movimento em defesa deobjetivos educacionais mais amplos e pautados numa ética maior também tem ocorridointernacionalmente. Osler (2005) aponta que, na Inglaterra, o ensino de cidadania setornou obrigatório no currículo escolar, e que vários documentos divulgados pela UniãoEuropéia e Unesco têm defendido que a educação deve estar necessariamente vinculadaà democracia e cidadania.

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TECENDO AS MANHÃS: pesquisa participativa e formação de professores de inglês

vivemos exige cada vez mais do sujeito a capacidade de lidar com diferentessituações de modo competente. É diante disso que a autora afirma que aeducação não pode existir somente para conhecer, mas também énecessário que ela exista para atuar, conviver e ser. É por isso que �torna-se, dessa forma, premente repensar a função da escola diante da necessidadede se criarem vínculos entre os diferentes e de se promoverem a discussão,o diálogo e o intercâmbio� (FREITAS, 2004, p. 121).

Desse modo, a função do educador e, portanto, do professor deinglês, é propiciar espaços para a construção de práticas cidadãs em seusalunos. As atitudes de um educador engajado com a cidadania, que busquepromover tais práticas, podem ser descritas como Serrano (apud Freitas,2004, 121-122) nos aponta:

1 � a aceitação do pluralismo e da diversidade; 2 � o respeito e a tolerância;3 � a capacidade e a predisposição para se colocar no lugar do outro, parasentir como o outro; 4 � o emprego do diálogo como enriquecimentomútuo e como solução de conflitos pela via do consenso; 5 � o fomento eo cultivo da identidade de cada pessoa, povo e cultura; 6 � o compromissocom o bem comum de caráter global para além do egocentrismo; 7 � odesenvolvimento de atitudes de cooperação entre comunidades, povos eculturas que nos ensinem a valorizar o que é local e peculiar, no âmbitodo pluralismo e da riqueza global.Freitas (2004) salienta, porém, que o item um e quatro apresentados

por Serrano poderiam descrever melhor as atitudes do educador paracidadania se substituíssemos �aceitação� por �negociação� (item 1),�solução� por �gerenciamento� e �consenso� por �negociação� (item 4),uma vez que as palavras escolhidas pelo autor podem nos levar a pensaresses processos de maneira bastante simplificada, o que certamente, não éo caso. Diante do descrito, Freitas (2004, p. 122) ainda argumenta que:

[...] as qualidades cidadãs mencionadas parecem encontrar no ensino deLE6 um contexto privilegiado para serem desenvolvidas, uma vez que omesmo oferece a possibilidade de uma maior amplitude de relações comoutros modos de significar e de se posicionar diante do mundo,constituindo, portanto, a LE matéria-prima para o desenvolvimento doprocesso.

6 Língua Estrangeira.

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CAPÍTULO 5: língua inglesa, formação de professores e cidadania...

Entender a importância do papel desempenhado pelo ensino de LEna construção de práticas cidadãs é fazer com que o aluno perceba emdiferentes práticas sociais como a linguagem opera de modo a construirdeterminadas representações sociais, tendo em vista sempre a funçãoideológica presente em toda e qualquer produção verbal. Concordamoscom Freitas (2004) quando aponta que isso, necessariamente, implica emrepensar o papel dos professores de língua inglesa (ou de LE). Esses deixamde ser somente professores para se tornarem educadores preocupados compráticas e atitudes cidadãs.

É por entender que os professores de língua inglesa têm um papelprimordial na vida contemporânea, em primeiro lugar devido ao estatutoque essa língua tem ocupado no cenário mundial e, em segundo lugar,em função de trabalharem com a linguagem (da mesma forma que outrosprofissionais de línguas), é que defendemos, assim como Moita Lopes(2003), Leffa (2005), entre outros, que deve haver um engajamento dessesprofissionais com a vida social de seus alunos. Eles devem ter consciênciade que seu papel não inclui somente instrumentalizar seus alunos com osistema lingüístico, mas sim criar sentidos e significados por meio dessesistema, e entender que esses sentidos e significados criados sempre estãoimbuídos de representações sociais, fazendo com que vejamos o mundode determinada forma. Os profissionais docentes de língua inglesaprecisam perceber suas práticas pedagógicas em sala de aula como práticasque estão veiculando determinados modos de ser e agir, que influenciamde modo crucial a vida de seus alunos. É por isso que, a nosso ver, e emconsonância com, por exemplo, Ferreira (2006) e Freitas (2004), os cursosde formação de professores (em nosso caso, específico, de língua inglesa)precisam trabalhar / lidar com e incluir a temática da cidadania em suasaulas e seus currículos, de modo que os futuros profissionais que estãosendo formados por eles possam também levar e discutir tal temática nassuas práticas pedagógicas nas salas de aula.Metodologia

Para nossa pesquisa especificamente, dentre os diversos tipos dedados que o projeto ELIPE possuía, foram escolhidas algumas sessões deprática de ensino de inglês gravadas durante o ano de 2005 por duasprofessoras-formadoras participantes. Centramos nossas análises nessassessões, pois esse é o momento dedicado nas grades curriculares do cursode Letras para que professores a alunos discutam aspectos relacionados aoespaço escolar e ao ensino de inglês dentro desse contexto.

Nosso critério de seleção é em função da natureza das sessõesgravadas. Selecionamos as sessões coletivas de orientação, pois as sessõesindividuais (que totalizaram 11 aulas gravadas por 4 formadoras), em suamaioria, versam sobre planejamento de aula, e, portanto, não são adequadasporque as discussões ocorridas são, muito comumente, relacionadas aogerenciamento específico de uma aula e dos conteúdos que serão aplicados.As sessões coletivas (num total de 5 gravadas por 2 formadoras) são maisadequadas ao nosso objetivo porque tratam de assuntos variados, desde aprodução de atividades didáticas, o ensino das habilidades (produção ecompreensão escrita e oral), discussão sobre os objetivos de ensino delínguas até os guias de observação de aulas em diferentes contextos. Essassessões são conduzidas de acordo com o material elaborado especialmentepara as aulas de prática de ensino da instituição em que atuam as formadorasresponsáveis pelas sessões coletivas selecionadas.Descrição dos corpora

O quadro abaixo descreve quantas sessões coletivas foram gravadaspor cada professora-formadora.Quadro 2 �Sessões Coletivas de Prática de Ensino de Inglês Gravadas noProjeto ELIPE

A seguir, apresentamos, em ordem cronológica, uma breve descriçãodo que ocorreu em cada uma das sessões que serão aqui analisadas.

Professora-Formadora

Nº de sessões coletivas gravadas

Datas das sessões coletivas gravadas

Objetivos das sessões

1ª.: 03/04/2005 Discutir os objetivos para o ensino de línguas estrangeiras e, mais especificamente, o inglês, no Brasil; P107 02

2ª.: 17/05/2005 Preparar os alunos para observação de aulas;

1ª.: 04/07/2005 Discutir os relatórios de observação de estágios;

2ª.: 11/07/2005 Selecionar informações dos relatórios de estágios e confeccionar um pôster para feedback à escola observada;

P8 03

3ª.: 02/08/2005 Apresentar e avaliar atividades de leitura produzidas pelos alunos-formandos;

7 As referências utilizadas por todos do projeto ELIPE foram padronizadas. Por isso,também utilizamos o mesmo padrão aqui. P8 e P10 são professoras-formadoras queparticiparam do projeto.

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P10Sessão 01: 03/04/2005Essa sessão é sobre a discussão de um texto que se encontra no materialpedagógico utilizado pela professora-formadora para conduzir o grupode estudo. O texto discute os objetivos do ensino de línguas estrangeirasna contemporaneidade, assim como o papel dos professores na sociedade.Em função disso, a aula gira em torno dos objetivos em ensinar inglês epor que ensiná-lo. Também são discutidas questões como o que é umalíngua, para quê ela é utilizada, qual sua função, entre outros tópicos.Sessão 02: 17/05/2005A sessão é iniciada com questões referentes à observação de aulas de inglêsnos contextos público e privado. Passa-se, então, a discutir sobre conteúdode ensino: quem ensina o quê, para quê, quem decide o que deve serensinado, quais conteúdos o professor precisa/deve dominar, o que éconteúdo, entre outras questões. A sessão é, em grande parte, dedicada aoensino de línguas estrangeiras de modo geral (didática) e às concepçõesque os alunos-formandos têm de determinadas práticas pedagógicas.P8:Sessão 01: 04/07/2005Essa sessão é sobre a discussão das observações feitas pelos alunosestagiários em uma escola pública, assim como sobre as anotações erelatórios por eles produzidos quando naquele contexto. A professora-formadora discute com eles quais suas impressões e opiniões sobre a escola,quais os pontos positivos e negativos encontrados, o que sugerem comoatividades a serem feitas para melhorar os pontos negativos por elesencontrados. Eles também estão se preparando para a confecção de umpôster com as observações de estágio que será levado à escola na forma deum feedback tanto para as professoras de inglês que lá atuam como para adireção da escola.Sessão 02: 11/07/2005Essa sessão, seqüência da anterior, é destinada à confecção de um pôstercom as informações obtidas a partir dos relatórios de observação dosalunos-formandos. A professora-formadora inicia a discussão sobre comose caracteriza o gênero pôster. Em seguida, os alunos-formandos, emgrupo, definem o objetivo dos seus pôsteres e selecionam quaisinformações são relevantes � por exemplo, como são ministradas as aulas,como é o comportamento dos alunos, como a escola é organizada, entreoutras. Os alunos-formandos também discutem apontamentos que podemcontribuir para a melhoria do contexto analisado.Sessão 03: 02/08/2005A discussão dessa sessão gira em torno de atividades de leitura produzidaspelos alunos-formandos e a apresentação das mesmas para os colegas de

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TECENDO AS MANHÃS: pesquisa participativa e formação de professores de inglês

turma na universidade, de modo a avaliar se o que está sendo propostoestá em consonância com a ficha de controle construída por eles próprios.Essa ficha contém itens com base em discussões anteriores sobre osobjetivos de ensino de línguas estrangeiras e sobre o ensino de leitura queforam selecionados pelos alunos como sendo adequados para umaseqüência de atividades de leitura em determinado contexto.Após essa visão geral das sessões selecionadas, apresentamos os

procedimentos de análise utilizados nesse trabalho.Procedimentos de análise

Adotamos como categorias de análise as dimensões do trabalho doprofessor propostas por Placco (2006, cf. Quadro 1 acima), conjugadas àsatitudes e práticas cidadãs de um educador responsável e comprometidosegundo Serrano e adaptado por Freitas (2004), conforme Esquema 1 aseguir

Esquema 1 � Articulação das dimensões do trabalho do professor e asatitudes e práticas cidadãs de um educador responsável

DIMENSÃO AVALIATIVA

DIMENSÃO

CRÍTICO-REFLEXIVA

DIMENSÃO

ÉTICA E POLÍTICA

1- Negociação do pluralismo e da diversidade; 2- O respeito e a tolerância; 3- A capacidade e a predisposição para se colocar no

lugar do outro, para sentir como o outro; 4- O emprego do diálogo como enriquecimento

mútuo e como gerenciamento de conflitos pela via da negociação;

5- O fomento e o cultivo da identidade de cada pessoa, povo e cultura;

6- O compromisso com o bem comum de caráter global para além do egocentrismo;

7- O desenvolvimento de atitudes de cooperação entre comunidades, povos e culturas.

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Análise dos dadosSessões da professora-formadora P10

Na primeira sessão, a professora-formadora P10 discuteconjuntamente com seus alunos, por meio da leitura de um texto, osobjetivos para o ensino de língua inglesa na contemporaneidade. Diversasquestões são levantadas; porém, a mais relevante é sobre o papel políticodos professores de língua inglesa atualmente. Os alunos são levados apensar em tais questões, apesar de alguns deles afirmarem que não vêemconexão de questões sociais com o ensino de línguas. No entanto, elesparecem estar cientes da diversidade que existe em sala de aula e no mundode uma forma geral, e entendem que esse fator deve ser levado em conta,demonstrando compreender a necessidade de negociação do pluralismoe da diversidade e do fomento e o cultivo da identidade de cada pessoa,como nos apontam as transcrições abaixo:

E48: I think you have to show them both sides: not everything is bad andnot everything is good. I think they have to learn how to select what theywant from that.�E1: but, you know, there are different kinds of students too. Some studentsthey need that kind of material. Otherwise, they won�t learn anything.(...)....E4: I think that students, they come to class with a view. I have manystudents and some of my students went to a Program to United Stateslast year and they stayed there for two weeks. They could visit a lot ofthings and they came saying �Teacher, they are so self centered that theydisgusted me�, they were really disappointed with some points, so I thinkthat the teachers need to have, I mean, you have to have a position insome aspects. We know that, like many people say that, they are dominatingthe world, they�re the most powerful country in the world, I mean, this ison the news, this is everywhere, everything they buy, their sneakers, theirclothes, their all Nike or Adidas or whatever, they are American, anyway,so they�re surrounded by these things. And when they come to class,they test you, they want to know what you think about it, how youunderstand this domination and everything. So, I think yes, we need tohave this political view and we need to understand and make themunderstand the importance of the Language without being subjected totheir power, without being slaves or whatever you�d call that. I don�t know.

8 Todos os alunos-formandos foram representados nas transcrições pela letra E (estagiário)e um respectivo número.

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TECENDO AS MANHÃS: pesquisa participativa e formação de professores de inglês

A professora-formadora, em vários momentos durante a aula,questiona seus alunos sobre a relação deles com assuntos globais. Há,nessa aula, em função especificamente do texto que é objeto de discussão,a explicitação por parte da professora formadora de que ser professor deinglês é necessariamente estar envolvido com vida social e, portanto, comquestões de cidadania. Como a própria professora-formadora afirma:

P10: (�) I have to recognize my responsibility as a citizen that I�m also buildingmy future for taking actions or not taking actions. There�s no escape. Even ifI don�t take any action I�m already contributing to this� (�) Ou seja, a professora-formadora leva seus alunos a pensarem,

necessariamente, nas relações que existem entre cidadania e ensino delíngua inglesa, ao mesmo tempo em que, em diversos momentos de suasessão, apresenta atitudes e práticas cidadãs de um educador responsável,como por exemplo, a negociação do pluralismo e da diferença. Aprofessora-formadora mostra para seus alunos o papel da linguagem naconstrução de determinadas práticas sociais e a relação dessas construçõesno modo como percebemos o mundo; ou seja, subjacente aos excertosabaixo está a idéia da linguagem enquanto prática social para agir nomundo:

P10: O que eu estou falando é que diferentes grupos sociais, diferentesetnias, diferentes gêneros, diferentes modo de ver o mundo que podeestar expresso, diferentes identidades culturais podem estar se expressandona língua de modos diferentes, então como que o aluno tem acesso a essadiversidade e não a essa visão monolítica de que só existe uma coisa; ounão é possível trabalhar isso, só acontece em um estágio bem lá na frentedepois que você dominou o que a gente está chamando de básico, porqueo básico também contextual, também é provisório também é...O que agente está chamando de básico? Será que a gente está levando os alunos aesse tipo de reflexão?...P10: Todo aluno que aprende o padrão, sabe o que ele está aprendendo opadrão e o que significa o padrão?E2: Não.E4: Quase nenhum.P10: O aluno vai para escola o professor fala para ele que ele fala errado...ele tem que apagar o que ele sabe, o jeito de falar...e ele tem que aprendera falar de um outro jeito que é o padrão, o que ele sabe é errado..

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Em diversos momentos, a professora-formadora P10 emprega odiálogo como enriquecimento mútuo e como gerenciamento de conflitospela via da negociação, demonstrando dessa forma, em sua prática, queentende a linguagem enquanto espaço privilegiado para embates dediferentes modos de percepção do mundo:

P10: Tá, mas a gente está olhando língua como um veículo. Vamos pensarum pouquinho que língua não é só veículo. Vamos pensar que línguatransmite algo né....E7: Lógico.P10: Algumas coisas que você falou estão dentro dessa visão né, eu vouter que passar, eu vou ter que comunicar, o que eu estou dizendo é queexiste hoje uma perspectiva muito mais acentuada, muito mais reconhecidadesse caráter contingencial dessa língua; então quando eu falo eu estouensinado Inglês, eu estou ensinando um determinado tipo de Inglês,dentro de uma determinada visão, dentro de um determinado grupo social,enfim, eu estou na verdade fazendo uma segmentação e eu não estoudeixando claro para o aluno que isso é assim, então o aluno fica com aidéia que só existe um inglês, só existe um jeito certo, só existe.. entendeua gente passa como se o que a gente estivesse ensinando fosse a únicaverdade possível sobre a língua inglesa e não é...!!!A Que não existe outrojeito de falar..? Não existe outro jeito de falar, só existe um jeito certo e agente nem discute o porquê que esse é o certo não é? Então a gente.. nãoestou dizendo que o aluno não vai aprender essas formas.. não estoudizendo que ele não vai aprender o present perfect quando a ação continuano presente ....eu só estou dizendo que existem algumas coisas da línguaque são da estrutura da língua do que constitui a estrutura da língua e queessas estruturas estão vinculadas à noção de correção, de propriedade, deprecisão.O que pode ser verificado nas sessões conduzidas pela professora-

formadora P10 é que, em diversos momentos de sua prática, ela apresentaatitudes de uma educadora responsável e que contemplam a cidadania. Anoção de cidadania está implícita nas atitudes da professora-formadora eexplícita em suas falas, na medida em que ela coloca que a linguagemtambém é vista como prática social e parte do modo como percebemos omundo.Sessões da professora-formadora P8

Na primeira sessão, a discussão sobre os relatórios de estágio dosalunos-formandos propiciou diversos momentos para a emergência de

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atitudes e práticas cidadãs. O que pode ser percebido é que as trêsdimensões do trabalho do professor mais relacionadas à cidadania � acrítico-reflexiva, a avaliativa e a ética e política - estiveram presentes aolongo de toda a sessão. Por exemplo, as dimensões crítico-reflexiva e aética e política podem ser observadas na proposta feita pela professora-formadora de elaboração de um pôster para dar feedback à escola na qualesses alunos-formandos observaram aula, levando os estagiários aassumirem uma postura de comprometimento com a função do estágio edesenvolvendo a consciência do seu papel na escola, dando lugar a umprocesso de articulação entre a universidade e a escola pública, ambascom saberes a ensinar.

A dimensão avaliativa transparece na elaboração dos relatórios, namedida em que os alunos tiveram que analisar aspectos positivos enegativos da escola campo do estágio.

Em termos de atitudes e práticas cidadãs, podemos destacar orespeito e a tolerância demonstrados tanto pelos alunos ao discutirem oconteúdo dos seus relatórios quanto pela professora-formadora ao orientara elaboração dos mesmos, como mostram os exemplos abaixo.

P8: Grifei em todos, vocês podem discordar também, de repente vocêsacham coisas mais importantes do que eu achei, das coisas que eu marqueicomo relevantes.(...)E5: Mas eu acho que a gente tem que estar atento também que, realmente,vai ter muita mãe e pai que vão se negar a assistir aula.E7: É, até porque muitos trabalham...F5: ou por alguns motivos de trabalho, outros porque infelizmente sãodesinteressados. E tem mãe que está desinteressada mesmo.P8: Claro, então o interessante vai ser vocês sugerirem isso e ver o que adireção vai dizer sobre isso, o que os professores vão dizer sobre isso, nãoé?Nessa sessão da professora-formadora P8 encontramos também o

emprego do diálogo como enriquecimento mútuo e como gerenciamentode conflitos pela via da negociação. Os excertos abaixo ilustram essa atitude.

P8: e se a gente colocasse assim, então, que outra palavra poderia ser, ésubstituir problemas?E1: Dificuldades?P8: Dificuldades? Não fica mais light?

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CAPÍTULO 5: língua inglesa, formação de professores e cidadania...

P8: O que foi bom? O que foi positivo?E7: Caminhos.E2: Ah, nãoP8: Mas caminhos (seriam) as ações.(...)E5: E esses problemas não são coisas que só a gente vê. Provavelmenteelas vêem também e sofrem com isso. Daí a vontade de mudar. Então euacho que se a gente for dizer pra elas e com esses professores, e daí sim,partir, mas aos poucos assim, aquela coisa com diplomacia, assim. É lógicoque a gente não vai chegar e dizer olha, aqui estoura bomba no banheiro,ninguém cala a boca na sala, não sei o que. É obvio, isso não vai adiantarnada.E6: Mas se a gente for devagar, explicando o que está acontecendo e o quepode ser melhorado, com o apoio deles eu acho que pode ter uma melhorreceptividade da direção da escola.Ao longo da conversa dos alunos-formandos, conduzida pela

professora-formadora, percebe-se que esse pequeno grupo de alunos já temdesenvolvida a consciência da sua função na escola enquanto futurosprofessores. A preocupação dos estagiários em colocar os problemas por elesencontrados às professoras da escola de maneira a não agredir, mas sim acontribuir para a melhoria de suas práticas pedagógicas, mostra que existia alium entendimento de que o outro é essencial na construção de um espaçoescolar mais produtivo, e deve ser respeitado. Alguns excertos, como os quecolocamos abaixo, ilustram o que Serrano (2002) chama de compromissocom o bem comum de caráter global para além do egocentrismo.

E1: Sabe o que acontece, que quando a gente pensa assim, por exemplo,trinta e quarenta alunos, o que o governo teria de fazer? Construir maissalas de aulas, diminuir o número de alunos, contratar mais professores....E1: Daí eu penso que o professor, ele está precisando de ajuda na sala deaula. De onde poderia vir essa ajuda? Poderia vir de nós, estagiários. Quea gente precisa dessa prática...P8: (...) Vocês precisam da prática e eles precisam?E1: Da ajuda.P8: Então esse monitor, se fosse um estagiário, por exemplo, se fossemvocês, é o que a gente modificaria, a gente modificaria a estrutura doestágio, ou seja, ao invés de todo mundo ir lá durante um mês, vocês sedividiriam ao longo do ano. Entendeu. Seria uma possibilidade, né?

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TECENDO AS MANHÃS: pesquisa participativa e formação de professores de inglês

Finalmente, os alunos-formandos demonstram também odesenvolvimento de atitudes de cooperação com a comunidade escolarem que estão inseridos, como mostra esse pequeno excerto.

E1: De repente chegar pra direção e falar olha, a gente enxergou isso, isso,isso. Por que vocês acham que isso acontece, entendeu?E5: Eu acho que se a gente fosse, primeiro: as professoras vão participar? Seelas acharem uma boa idéia já é alguma coisa, porque é uma voz que está ládentro. A gente é voz de fora. Você [formadora] falou que vão participarprofessoras de língua inglesa e algumas outras que pensam como elas.Esses excertos ilustram atitudes e práticas cidadãs que mostram que,mesmo não havendo a explicitação por parte da professora-formadora datemática cidadania, havia um trabalho com a mesma de forma implícita,através das atitudes, da postura e da linguagem da formadora.Em relação à segunda aula dessa mesma professora-formadora, queocorreu na semana seguinte da aula anterior, os alunos-formandos estãodiscutindo quais informações serão colocados no pôster que levarão àescola. As dimensões crítico-reflexiva e a ética e política também permeiamtoda a sessão, bem como a dimensão avaliativa, na medida em que osalunos-formandos tiveram que analisar o que haviam visto na escola eselecionar quais aspectos ilustrariam no pôster.Com relação às atitudes e práticas cidadãs, durante o trabalho dopôster, várias emergem em diferentes momentos. Para ilustrá-las,selecionamos alguns excertos que ilustram a capacidade e predisposiçãopara se colocar no lugar do outro quando os alunos falam sobre a professoraregente da escola e quando discutem a possibilidade de ter os pais dos

alunos na sala de aula da escola em que fazem estágio.P8: Que ainda nem estou sugerindo aos pais, estamos sugerindo, né essainstância mais direta na escola né, prá dizer e daí?E1: Porque que a professora não consegue dar conta daqueles trinta epoucos alunos, é, está bem claro que elas estão precisando de ajuda. Mesmoassim nas coisas mais simples como vistar caderno, olhar questão. Não dátempo de elas fazerem tudo. Agora de onde vai vir essa ajuda?E7: dos pais, dos estagiários;(...)E7: E como que a gente vai colocar essa presença dos pais em sala deaulas? Eleição de um pai, ou voluntariado de algum deles? Se for esperarpelo voluntariado eu acho que não ocorre. Eu acho.E1: Na matrícula.

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CAPÍTULO 5: língua inglesa, formação de professores e cidadania...

E7: que no ato da matrícula poderia ser exigido que tivesse a participação.E1: Estou me colocando como mãe, eu me negaria a participar de algumasaulas na classe da minha filha? Eu acho que não.E3: Eu certamente não me negaria.E7: Verdade.Em outro excerto de terceira sessão, os alunos-formandos,

devidamente encaminhados pela professora-formadora, mostram queestão conscientes do papel do ensino de LE enquanto lugar para discussãode assuntos diversos de ordem político-social quando os mesmos colocamque um assunto polêmico pode ser discutido nas salas de aula de línguaestrangeira no momento da avaliação das atividades de leitura que foramproduzidas pelos estagiários. Ou seja, esses alunos entendem que a salade aula de LE é propícia para esse tipo de discussão, tendo em vista quetrabalha com sentidos diversos, construídos enquanto prática social (cf.Freitas, 2004). Isso mostra que, na formação desses alunos, há oconhecimento desse potencial da sala de línguas para esse trabalho. Ouseja, conforme as atitudes e práticas cidadãs de um educador responsável,a professora-formadora conseguiu fazer seus alunos pensarem e terematitudes que propiciam a negociação do pluralismo e da diversidade.

E1: Após leitura do texto você pode perceber a existência de um assuntopolêmico por trás do discurso do autor da série. Qual é esse assunto?Discuta com seu colega mostrando sua posição a respeito do assunto edescobrindo a opinião dele.....E1: Pensem em um tema polêmico e criem um nome para uma série detelevisão, escolhendo o tipo de público a que ela se destina, e também umtexto de apresentação desta série, convencendo este público de que estasérie é mesmo interessante.E2: Seria descobrir o padrão que o texto traz né?Ainda com relação às sessões da professora-formadora P8,

encontramos a atitude e prática cidadã de cooperação entre comunidade,povos e culturas, quando há uma preocupação constante, por ambas aspartes - professora-formadora e aluno-formando - em apresentar àsprofessoras da escola na qual foi feito o estágio de observação suasimpressões e análises, mas sempre pautadas pela ética, e não preocupadosem apontar pontos negativos e responsabilizar culpados. Eles propõemações para serem desenvolvidas nas escolas que possam melhorar essequadro. Por exemplo, várias vezes, os alunos apontam que a participação

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TECENDO AS MANHÃS: pesquisa participativa e formação de professores de inglês

da comunidade no espaço escolar tem grandes contribuições para melhoraro gerenciamento das atividades que lá ocorrem. A formadora tambémaponta nessa direção várias vezes, tanto nessa aula quanto na anterior.

P8: Ah, sim, são duas coisas, porque ela falou duas coisas ali, ela falouescola/ comunidade, não sei o que, e também falou a presença dos pais.E1: Ah, tá.P8: Ela não, né, vocês falaram isso na semana passada.E7: Que a conscientização da comunidade por exemplo por meio do filme.P8: É uma boa.E7: E essa relação colaborativa universidade /escolaP8: Projeto parceria. Coloca ai projeto parceria que daí eu posso explicitar,projeto parceria uel/ escolas públicas.E7: Aí não seria interessante se as outras partes, outras áreas [disciplinasdo currículo escolar] e não só a de inglês?P8: Uhum.E7: Tem, não tem?P8: Com certeza.O que pode ser verificado, portanto, nas sessões da professora-

formadora P8, é que o trabalho com as dimensões do trabalho do professor,aqui especificamente com as dimensões crítico-reflexiva, avaliativa e éticae política, pode contemplar as atitudes e práticas cidadãs para um educadorresponsável. Há uma preocupação constante da professora-formadora emlevar os alunos a pensarem como a linguagem é constitutiva das ações eatitudes que se tem perante determinada situação. Por exemplo, apreocupação em evidenciar na linguagem, na hora da produção do pôster,que os alunos-formandos estavam apresentando não somente aspectosnegativos, mas positivos também, acrescidos de sugestões paraaprimoramentos. Sendo assim, o modo como é construído oconhecimento nessas sessões nos leva a concluir que as ações e atitudesda professora-formadora P8 contemplam aspectos de cidadania, apesarde não verbalizar essa temática.Considerações Finais

A formação de professores de língua inglesa tem se mostrado umcampo bastante fértil de articulação entre conceitos-chave que circulamna área educacional como um todo, como por exemplo, a concepção deeducação e cidadania com o ensino dessa mesma língua. Isso se deveprincipalmente a dois fatores específicos: o primeiro diz respeito ao fato

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CAPÍTULO 5: língua inglesa, formação de professores e cidadania...

de que os profissionais que são formados pelos cursos de Letras estãocentralmente envolvidos com a vida social, quando entendemos alinguagem como prática social. No que se refere às línguas estrangeiras,então, temos um segundo fator que atribui maior responsabilidade a essesprofissionais, já que as práticas pedagógicas praticadas nessas aulas têmrelevante potencial para propiciar o conhecimento e a compreensão denovas maneiras de significar o mundo (Freitas, 2004), sendo, assim,matéria-prima para tratar de questões de cidadania, inclusão e diversidade.O segundo fator diz respeito ao papel da língua inglesa nacontemporaneidade. O grande número de discursos que são veiculadospor essa língua atribui aos profissionais que a têm como objeto de trabalhoum importante papel na conscientização sobre o fato de que estãocentralmente engajados com a vida política (Moita Lopes, 2003).

Tendo em vistas tais questões, buscamos discutir a formação deprofessores de língua inglesa e sua articulação com educação e cidadania.Ao analisar algumas sessões de prática de ensino de duas formadoras deuma instituição do norte do Paraná, o que pôde ser constatado é que essasprofissionais contemplaram em suas práticas pedagógicas atitudes de umeducador responsável e comprometido com a cidadania. Além disso,enquanto nas sessões analisadas de uma das professoras-formadoras atemática da cidadania é tratada explicitamente com os alunos-formandos,nas sessões da outra professora-formadora a temática da cidadania permeiaas discussões de forma implícita. Essa constatação nos leva a doisquestionamentos: i) Não verbalizar / formalizar / explicitar para os alunos-formandos a necessidade em se pensar sobre cidadania quando estamoslidando com educação (ensino da língua inglesa, neste caso) pode conduzirao não engajamento desses futuros profissionais com a temática em suaspráticas pedagógicas?; ii) Apresentar atitudes e práticas cidadãs sãosuficientes para contemplar um trabalho com cidadania em sala de aula?E esses dois questionamentos nos levam a outros ainda: não tratarexplicitamente de temáticas relacionadas à cidadania ou tratá-las de maneiradireta9 implica em quais diferenças para a formação de professores de

9 Ferreira (2006), em seu trabalho de formação de professores, apresenta as temáticas decidadania como sendo principais em suas discussões. Seus resultados têm sido bastanterelevantes. A autora pilotou, juntamente com professores da rede estadual, um materialdidático que discute questões de cidadania, raça / etnia, preconceito, diversidade culturale, ao mesmo tempo, propiciou o engajamento desses profissionais de forma direta comtais temáticas.

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TECENDO AS MANHÃS: pesquisa participativa e formação de professores de inglês

línguas? Se realmente implica em diferenças, de que ordem seriam elas?Essas reflexões, para as quais não temos respostas, deixamos à área deformação de professores de língua inglesa.

É evidente, porém, uma conclusão: na formação de professores delíngua inglesa, tais questões precisam, direta ou indiretamente, estarcontempladas, em função dos papéis que os futuros professores de inglêstêm assumido no contexto mundial. Cidadania, diversidade, inclusão elíngua inglesa (linguagem de um modo geral) são questões que estãoimbricadas e não se pode separá-las ou fingir não haver conexão entre ela.A língua inglesa e seu ensino-aprendizagem podem e devem serresponsáveis pela construção de um mundo melhor. E para isso, é urgenteque os formadores de professores comecem a pensar como eles têmcontemplado tais questões em suas práticas de ensino.

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CAPÍTULO 6: Relação universidade/escola na formação de professores de inglês: ...

IntroduçãoEmbora haja registros do conceito desde o século XIX, a parceria

entre as instituições formadoras de professores em fase inicial é um temaem destaque atualmente, como forma de superação dos modelostradicionais que dividem os envolvidos na preparação de futurosprofissionais em atividades distintas e, muitas vezes, distantes (FOERST,2005).

Propostas recentes no campo de formação de professores de inglêscomo língua estrangeira defendem que o estágio se configura como umespaço de interlocução mútua entre os formadores, estagiários eprofessores colaboradores, não sendo mais visto apenas como um espaçode prática para os futuros professores. Assim, todos podem e devem sebeneficiar das atividades de estágio que se constitui em contextos deaprendizagem coletiva. Integram-se, deste modo, a formação inicial econtinuada (ORTENZI et al; 2004; CRISTOVÃO, 2005; MATEUS,2006).

Essa proposta de superação da distância entre teoria e prática passapelo estabelecimento de relações colaborativas entre todos os envolvidosna formação de professores (formadores, professores colaboradores efuturos professores). O conceito de comunidades parece ofereceroportunidades de aprendizagem que, sozinhas, nem a escola e nem auniversidade podem promover. Entretanto, este tipo de interação ainda éincipiente, predominando o modelo de estágio em que o professor

Capítulo 6

Relação universidade/escola na formação deprofessores de inglês: primeiras aproximações

Telma Gimenez1Fabiana Mendes Pereira2

1 Agradeço ao CNPq (Proc.305564/2005-6) pelo apoio a realização de pesquisas.2 Bolsista de iniciação científica (501509/2004-6- CNPq).

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TECENDO AS MANHÃS: pesquisa participativa e formação de professores de inglês

colaborador cede suas aulas para realização do estágio, o formador orientae supervisiona o trabalho do estagiário e este procura cumprir suasatividades dentro do que lhe é pedido. A escola é vista como um lugarpara executar planejamentos elaborados, muitas vezes, à margem daparticipação dos professores colaboradores.

O trabalho de Xavier (2006), intitulado �Universidade e Escola:uma parceria para aprendizagem e ajuda mútua�, realizado na UFSC,exemplifica as percepções dos envolvidos na condução do estágio curricularnesses moldes. Ela analisa, por meio de relatos escritos dos alunosestagiários sobre sua prática de estágio, as formas como os envolvidosnesse processo percebem uns aos outros.Seus resultados estão sintetizadosno Quadro 1 abaixo:Quadro 1: Percepções sobre os participantes do campo de estágio (Xavier,2006).

Considerando que o projeto aqui discutido compreendia quatroinstituições formadoras, um de seus objetivos foi o de verificar como sedava a relação instituição formadora/escola durante a prática de estágiosupervisionado. Questionários aplicados ao final de 2005 em escolascooperantes tiveram como objetivo levantar uma avaliação dos professorescolaboradores sobre a forma como os estágios vinham sendo conduzidose em que aspectos poderia haver melhoria.

Percepção dos estagiários sobre o professor de inglês

• Profissional sem ação transformadora e preocupado em preservar sua imagem

• Auxilia o estagiário e acolhe novas pedagogias Percepção dos estagiários sobre os estudantes • A primeira impressão foi de alunos sem potencial

cognitivo, mas depois como indivíduos que querem aprender inglês

• Receptivos ao trabalho dos estagiários Percepção dos estagiários sobre o trabalho pedagógico do professor

• Desorganização na preparação das aulas, preparação e correção das atividades e também na seqüência da matéria

Percepção dos estagiários sobre o seu próprio trabalho pedagógico

• Em atividades de monitoria puderam realmente perceber as dificuldades encontradas em sala de aula pelo professor, colocar em prática os conhecimentos aprendidos na universidade, desenvolvendo estratégias de ensino e entender as reações dos alunos.

• Em atividades de docência perceberam muita seriedade em seus trabalhos, embora inseguros em certos casos.

Percepção dos professores de inglês sobre os estagiários

• Monitores e assistentes • Provedores de conhecimento novo

Percepção dos administradores escolares sobre os estagiários

• Usuários da escola • Aprendizes inexperientes • �Agentes secretos�

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CAPÍTULO 6: Relação universidade/escola na formação de professores de inglês: ...

Neste texto traremos, primeiramente, um apanhado sobre parceriauniversidade/escola conforme relatado na literatura, para depoisapresentarmos dados do projeto que permitem compreender, ainda queparcialmente, de que modo os professores colaboradores viram a realizaçãodo estágio em suas escolas. Encerramos com considerações sobre osresultados apresentados.Parceria universidade/escola

Estudos na área de formação de professores e sua relação com oensino básico por meio de parceria têm ganhado força no Brasilrecentemente (FOERST, 2005). Aquele autor aponta vários problemasna formação de professores. Um deles (o mais relevante para o estágio) éo distanciamento da universidade em relação à escola básica. Para ele, háa necessidade de reformas realistas na educação com a participação dogoverno e dos professores universitários. Destaca também a necessidadede políticas públicas a longo prazo no campo educacional como forma deevitar que haja descontinuidades nos programas, em função de mudançasnos mandatos de uma gestão para outra.

A parceria aparece nos anos 90 na Inglaterra no bojo das reformasque atribuíam aos professores nas escolas novos papéis na formaçãoprofissional de futuros professores. Essa proposta se generalizou nosúltimos dez anos como resposta ao fato de que as universidades oufaculdades de educação não apresentavam resultados para superação dosproblemas na formação inicial ou continuada.

Foerst cita três tipos de parceria. A mais conhecida é a chamadaparceria dirigida, na qual a universidade toma todas as decisões,principalmente relacionadas a como o estágio deve ocorrer: a escola évista como um espaço para o treinamento dos aspectos práticos dosestagiários. O professor colaborador é consultado apenas para assuntosburocráticos e o conhecimento acadêmico é percebido como superiorem relação ao conhecimento docente. A parceria oficial é recente naformação inicial de professores e é uma alternativa apresentada pelogoverno na busca para resolver os problemas educacionais. Tenta diminuiro distanciamento dos currículos dos cursos da área de educação dauniversidade em relação à escola de ensino básico, através do deslocamentodos cursos de formação inicial para a escola. Segundo ele, nem a parceriadirigida, nem a oficial dão conta de proporcionar transformações

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TECENDO AS MANHÃS: pesquisa participativa e formação de professores de inglês

significativas. A forma de parceria que mais tem se destacado atualmenteé a colaborativa, impulsionada pelos debates sobre professores reflexivos.Nesse modelo todos os sujeitos envolvidos estão em formação, e estãodispostos a partilhar poderes. A reflexão colaborativa é indissociável daparceria colaborativa.

Em uma das instituições participantes do projeto, a constatação deque seria necessário caminhar para uma relação diferenciada com as escolas(ORTENZI et al, 2004) resultou em dois projetos que procuravam colocaro estágio curricular como centro de suas ações. São eles: �ParceriaUniversidade-Escola: contribuições para o ensino de inglês�e�Aprendizagem sem fronteiras: ressignificando os limites da formaçãoinicial e contínua de professores�, ambos vinculados ao Programa NAP �Núcleo de Assessoria Pedagógica para Ensino de Inglês, existente na UELdesde 1989.

Este programa tem como objetivo superar a composição hierárquicaque tem marcado a formação de professores. Gimenez (1999) trata dessarelação ao discutir uma abordagem crítica para o ensino. Segundo a autora,há paralelismos importantes na relação professor/aluno e formador/professor:

Sustento que as propostas metodológicas de ensino para o ensinofundamental e médio devem emergir do conhecimento gerado peloprofessor em colaboração com outros professores, num processo deconstante interrogação sobre a prática. Esse questionamento éfundamental para uma contraposição a modelos hierarquizantes doconhecimento, que geralmente pressupõem um sujeito que ignora eque precisa ser esclarecido. Vejo um papel importante para osprofessores universitários nesse processo na medida em que adotaremuma postura de colaboradores em projetos que visem à construção doconhecimento sobre os significados de �ser professor� no contexto deensino em questão (Gimenez, 1999, p. 12).Com o objetivo de proporcionar uma formação de professores com

base nos conceitos de parceria colaborativa e reflexiva o projeto, �ParceriaUniversidade-Escola: contribuições para o ensino de inglês�, adotou osseguintes passos: 1) apresentação da proposta do projeto para escolas campode estágio; 2) inclusão dos professores colaboradores no projeto com cargahorária de 2 horas semanais; 3) negociação de dias e horários para reuniõesentre os participantes na escola; 4) elaboração coletiva de um contratopara explicitação de papéis e tarefas; 5) condução do trabalho e avaliação

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CAPÍTULO 6: Relação universidade/escola na formação de professores de inglês: ...

contínua do processo de implementação em cada contexto; 6) reuniãosemestral com a participação de todos os integrantes do projeto paraavaliação das atividades (julho e dezembro de 2006).

Uma avaliação preliminar do trabalho compara as característicasdo estágio realizado de forma tradicional e o realizado através da parceria.O que as autoras (CRISTOVÃO et al, 2006) observaram é que, com aparceria, há maior envolvimento e comprometimento dos participantes.O professor do campo de estágio passa não só a ceder turmas, mas tambémfunciona como um formador do aluno-professor, introduzindo-o noambiente de trabalho. O formador passa a vivenciar mais o ambienteescolar, se aproximando mais dessa realidade e deixando de assumir apenaspapéis burocráticos, como o de negociar campo de estágio, negociarquestões para observação e posteriormente fazer uma avaliação. Já o aluno-professor passa a vivenciar todas as atividades inerentes a um professor,que vão além de apenas lecionar. Participa efetivamente da comunidadeescolar, podendo perceber seus conflitos e re-planejar futuras ações. Assim,no primeiro ano do projeto a parceria possibilitou a formação de novosperfis profissionais, novos contextos educacionais e a exposição de algunsobstáculos que precisariam ser superados: �o baixo domínio lingüístico-comunicativo (proficiência) dos profissionais (em formação), asdificuldades com as diferentes dimensões que constituem o metierprofissional e o comprometimento com o ensino de LE e com a formaçãocrítica.� (CRISTOVÃO et al, 2006, p.3).

Smedley (2001) comenta as mudanças propostas pela parceria (papelmais relevante para os professores colaboradores, estágio mais significativoe formas de colaboração claramente definidas para os professoresuniversitários) enfrentam desafios e lista alguns dos problemasencontrados, principalmente pelos formadores de professores. Por meiode uma revisão bibliográfica da literatura no estudo do tema desde 1980,mostra que muitas promessas de parceria não foram efetivadas, emboratal literatura destaque sua importância. O objetivo da parceria é a renovaçãoda educação promovida pelos professores e a literatura atual no campoeducacional mostra que ela é desejada e pode ser sustentada, porém, esserejuvenescimento pode ser ameaçado por alguns fatores: inérciainstitucional, falta de valorização da formação de professores e do trabalhode campo, carga de trabalho do professor e do formador reestruturada ecada vez mais exigente, disponibilidade de profissionais com perfiladequado, diferença cultural entre a universidade e a escola,vulnerabilidade de novas iniciativas, manutenção do entusiasmo inicial,além de problemas políticos e financeiros.

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TECENDO AS MANHÃS: pesquisa participativa e formação de professores de inglês

Foerst (op.cit) também menciona aspectos que podem dificultar otrabalho, como a falta de mobilidade ou flexibilidade das instituiçõesenvolvidas, principalmente a universidade; ou o pouco reconhecimentosocial do professor e da atividade profissional que exerce, o que acabainterferindo de maneira negativa, chegando a dificultar a continuidadedos trabalhos, assumidos inicialmente com certo entusiasmo. Para ele, asobrecarga de trabalho para o professor da escola básica envolvido emprojetos desse tipo precisa ser considerada com mais cuidado, pois podelevar ao esgotamento dos propósitos de qualquer programa que seproponha a desconstruir práticas consideradas arcaicas ou poucoprodutivas.

Fatores como o reduzido número de professores na universidade enas escolas realmente interessados e qualificados para tomarem parte deum projeto dessa dimensão político-acadêmica e a pouca autonomia dasequipes da universidade e das escolas em relação ao poder público tambémpodem dificultar iniciativas de parceria colaborativa. O formato tradicionaldo estágio, em que a escola é campo de aplicação, parece justificar-se nãosó pelos problemas apontados pelos autores, mas também pelo modo comoos professores da escola básica compreendem seus papéis durante essaexperiência.

Como proposta de ação colaborativa, Mateus (2005) desenvolveupesquisa utilizando como referencial a Teoria da Atividade Sócio-histórico-cultural, na qual analisou inovação introduzida na Prática de Ensinomediante transformações nos papéis. Aquela autora vem dando seqüênciaa este trabalho mediante o projeto integrado (pesquisa-ensino-extensão)intitulado �Aprendizagem sem fronteiras: ressignificando os limites daformação inicial e contínua de professores�. Este propõe a implementaçãode um sistema de atividade de aprendizagem colaborativa entre professoresem formação inicial e contínua, trazendo modificações nas formas departicipação na esfera da organização das regras e da divisão social dotrabalho. Visa a transformações nas relações interpessoais e nas formascomo a escola, a comunidade e o conhecimento são conceitualizados pelosprofessores envolvidos. O projeto se baseia no paradigma de aprendizagemparticipativa e emancipatória, no qual professores-formadores, alunos-professsores e professores-colaboradores assumem múltiplos papéis natarefa de ensinar-aprender a língua inglesa. Suas ações incluem olevantamento das necessidades das comunidades educacionais, olevantamento e a preparação de material bibliográfico e didático parasubsidiar as questões relacionadas ao ensino-aprendizagem nesses

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CAPÍTULO 6: Relação universidade/escola na formação de professores de inglês: ...

contextos. Há a oferta de oficinas que desenvolvem propostas àsnecessidades apontadas, fundamentalmente, aos princípios do ensinocolaborativo, em que professores-formadores são deslocados de seu lugarde observador externo para uma posição mais ativa na escola, os alunos-professores não observam, mas também dão aulas e os professores-colaboradores atuam como produtores de conhecimento.3

Esses dois projetos exemplificam possíveis aproximações entreuniversidade e escola. Considerando que o conceito de parceria vem ocupandoespaço nas práticas de formação inicial de professores de inglês, no projeto depesquisa relatado nesta coletânea, tivemos como objetivo também identificarcomo professores colaboradores do campo de estágio compreendiam suaparticipação no processo de formação profissional e como avaliavam as práticasempreendidas. É importante salientar que a parceria colaborativa não é comuma todas as instituições e nem mesmo assumida na totalidade por todos osformadores na instituição onde há os projetos. Na seqüência, apresentamosum panorama geral do modo como os estágios são conduzidos nasinstituições para, em seguida, apresentar os resultados dos questionáriosrespondidos por professores colaboradores nas escolas.Condução do estágio nas instituições participantes

Nesta seção nosso objetivo é fornecer informações gerais quepermitam a visualização de como os estágios vêm sendo conduzidos. OsQuadros 2 e 3, a seguir, trazem um apanhado geral das tarefas exigidasdos estagiários nas instituições participantes do projeto.Quadro 2 � Exigências para cumprimento do estágio

3 Informações retiradas do site: http://www.uel.br/cch/nap/aprendizagem_sem_fronteiras.htm

Instituição Exigências burocráticas 1 Cumprimento da carga horária de102 horas, relatórios de estágio, assinatura do

professor regente e do professor supervisor nas aulas de observação e de regência. Estágio em escola pública ou particular.

2 Atualmente 150 horas distribuídas em 2 anos (68h no 3º e 82h no 4º ano). Documentos: termo de compromisso, termo de convênio. Estágio em escola pública, particular ou instituto de idiomas.

3 O acadêmico deve apresentar 100 horas/aulas de estágio em atividades da Língua Inglesa, relatório de estágio, preenchimento da ficha de observação com assinatura do professor regente e do professor da disciplina. Escolas públicas e particulares

4 O acadêmico deve apresentar 100 h/a de estágio em atividades diversificadas. Regência na rede oficial � Educação básica; relatório de estágio; preenchimento de ficha de observação com assinatura do professor regente e do professor da disciplina; resenha crítica de textos/ livros.

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TECENDO AS MANHÃS: pesquisa participativa e formação de professores de inglês

Quadro 3 �Atividades exigidas dos estagiários

Além disso, de modo geral, o estágio nas instituições participantesé conduzido mediante atividades de supervisão orientada, individuais ecoletivas. As sessões individuais são caracterizadas no Quadro 4, a seguir,descritas pelos próprios supervisores.

As instituições 1, 3 e 4 revelam que a orientação individual ocorreem função das necessidades dos alunos. Na instituição 2 ocorresemanalmente no 4º ano ou com maior freqüência com os supervisoresque possuem menor número de alunos. Já no 3º ano é realizada apenasquando o aluno a solicita. Elas acontecem para auxiliar os alunos de 3ºano na confecção de trabalhos escritos, como relatórios de estágio, e comalunos de 4º ano, para formulação do plano de aula e reflexão após esteser aplicado. É importante salientar que o número de estagiários sobresponsabilidade do supervisor é considerado um fator preponderantepara o tipo de trabalho que se consegue realizar.

As sessões de supervisão coletiva acontecem conforme descrito noQuadro 5

Instituição Atividades dos estagiários 1 Seleção de materiais que serão utilizados nas regências, leituras e reflexões sobre

temas relacionados ao estágio. 2 Observação de aulas nas escolas, elaboração de materiais didáticos, planejamento de

curso, unidade e aula ou participação em projetos de parceria nas escolas. 3 · Levantamento do ambiente educativo das escolas em que será realizado o estágio;

· Escolha dos materiais didáticos, em particular do livro didático, do processo de avaliação; · Preparação de gincanas de Língua Inglesa, Oficinas e Laboratórios de Língua Inglesa, Olimpíadas de Língua Inglesa; · Organização de murais/painéis: Easter, Valentine, Independence e Thanksgiving; · Mural com textos, curiosidades, crônicas, tongue twisters; · Projetos em escolas públicas e/ou particulares (games/recreação/músicas) a ser realizados na Semana Cultural ou Feira de Ciências daquelas instituições; · Reforço em escolas públicas e/ou particulares, em contra-turno; · Aulas regulares em escolas públicas; · Levantamento de sites relacionados ao ensino da Língua Inglesa; · Leitura e discussão de textos pertinentes ao uso de criação de atividades de leitura para o ensino fundamental e ou médio; · Criação de atividades de leitura voltadas ao ensino da Língua Inglesa; · Elaboração de home pages, com links, sites de interesses específicos, bem como as atividades preparadas pelo aluno; · Projeto de pesquisa nas escolas de ensino fundamental e médio quanto a utilização do material didático, dentro dos PCNs.

4 Leituras sobre conteúdos, estágio, seleção de materiais didáticos.

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CAPÍTULO 6: Relação universidade/escola na formação de professores de inglês: ...

4 O ´paper´é um trabalho acadêmico, orientado, que traz resultados de investigaçãorealizada pelo estagiário.

Quadro 4 - Caracterização das sessões de supervisão individualInstituição 1 Supervisor 1

Ocorrem semanalmente, dependendo da necessidade do aluno. O supervisor dá sugestões na preparação de materiais, elaboração de planos de aula e prática de pronúncia.

Instituição 2 Supervisor 2

Com alunos de terceiro ano a supervisão individual é esporádica mediante solicitação do aluno. Geralmente isso se dá na época da elaboração final dos relatórios de observação ou de outras tarefas escritas. Poucos solicitam esse tipo de orientação � cerca de 20% do grupo. No quarto ano a supervisão se dá semanalmente no período próximo ao início dos estágios e durante toda sua realização. Terceiro ano: comentários e orientações do supervisor sobre os trabalhos escritos. Quarto ano: orientação para o planejamento de aulas, conversas sobre aulas dadas, orientações para o desenvolvimento do �paper�4.

Instituição 2 Supervisor 5

Ocorre uma vez por semana durante a realização do estágio de regência e encontros quinzenais no período de confecção do �paper�. Nos encontros semanais, os discentes apresentam os planos de aula da semana (ou semana seguinte) ao supervisor de estágio que, por sua vez, propõe uma sessão reflexiva. No período de confecção do �paper�, são realizados encontros quinzenais para acompanhar o andamento do trabalho.

Instituição 2 Supervisor 6

Acontecem à medida que os alunos estagiários a solicitam ou o superior julga necessário, geralmente com mais freqüência no 4º ano, antes e depois da regência, com orientações e questionamentos de planejamento e feedback de aulas.

Instituição 2 Supervisor 7

No terceiro ano, a supervisão individual é feita de acordo com a necessidade e diretamente relacionada à produção dos trabalhos acadêmicos. No quarto ano, a supervisão individual acontece para o planejamento das aulas e para a discussão da aula dada. É um período muito intenso, pois, normalmente, vejo os alunos várias vezes na semana. Sempre discuto cada aula a ser dada e procuro estar presente na escola durante a realização das regências. Isso significa uma imersão para todos. Já houve casos de alunos saindo da minha casa às 23h30 da noite porque dariam aula no dia seguinte às 7h30. É bom esclarecer que só consigo fazer esse internato com as estagiárias porque sempre tive um número pequeno para supervisão. 3º ano: orientações para os trabalhos acadêmicos e �feedback� para refacção de produções iniciais. 4º ano: orientação para o planejamento de aulas, conversas sobre aulas dadas, orientações para o desenvolvimento do �paper�. Discussão de textos teóricos quando relacionados ao tema da pesquisa.

Instituição 2 Supervisor 8

Com alunos de terceiro ano a supervisão individual é esporádica mediante solicitação do aluno. Geralmente isso se dá na época da elaboração final dos relatórios de observação ou de outras tarefas escritas. Poucos solicitam esse tipo de orientação � cerca de 20% do grupo. No quarto ano a supervisão se dá semanalmente no período próximo ao início dos estágios e durante toda sua realização. Terceiro ano: comentários e orientações sobre os trabalhos escritos. Quarto ano: orientação para o planejamento de aulas, conversas sobre aulas dadas, orientações para o desenvolvimento do paper.

Instituição 3 Supervisor 3

Ocorre semanalmente, dependendo da necessidade do aluno. O supervisor desenvolve atividades de reflexão e verificação das atividades realizadas.

Instituição 4 Supervisor 4

Semanalmente, em horário de aula. O supervisor ministra as duas primeiras aulas e quando sai da sala, vários acadêmicos solicitam atendimento.

As sessões de supervisão coletiva acontecem de maneira semelhantenas instituições pesquisadas, com turnos semanais ou quinzenais conformecada supervisor determina. O grupo reflete sobre textos pré-selecionados,trocam experiências e tiram dúvidas sobre o estágio. A instituição 2, comomostrou o quadro, trabalha com um material elaborado especificamentepara esta disciplina e trata o estágio no terceiro ano de modo diferenciadodo quarto ano. Enquanto que no terceiro prevalecem atividades realizadasna universidade (exceto no caso dos projetos citados), com apenasobservações realizadas nas escolas, o quarto ano inclui regência. Istodemonstra o predomínio dos modelos tradicionais de realização de estágio,em que as relações entre universidade e escola ainda são marcadas pelodistanciamento, com grande parte das atividades realizadas na própriainstituição de ensino superior, sem a participação do professor colaborador.

106

TECENDO AS MANHÃS: pesquisa participativa e formação de professores de inglês

Percepção da escola pública em relação à prática de estágioNa primeira parte do questionário pedimos aos respondentes

(professores das escolas que acolheram estagiários durante o ano de 2005)que fizessem uma avaliação dessa experiência. Enquanto alguns professorescolaboradores receberam estagiários apenas para observação, outrostiveram alunos-professores assumindo a regência das aulas. Esta diferença

Instituição 1 Supervisor 1

Os alunos se reúnem semanalmente com o professor supervisor; trocam experiências vividas e realizam reflexões após as leituras indicadas.

Instituição 2 Supervisor 2

É feita através de grupo de estudos (GE) semanalmente ou quinzenalmente. O agendamento das datas dos GE é feito por mim e procuro considerar os eventos científicos em que irei participar para fazer isso além da natureza das tarefas solicitadas. Geralmente há um texto para ser discutido, relacionado com as aulas sendo observadas no estágio ou com a experiência como aprendizes de línguas dos alunos. A discussão se dá através de participação espontânea dos alunos. Algumas vezes é proposta alguma discussão em pequenos grupos com subseqüente discussão no grupo maior. Costumo ocupar o turno com freqüência e apresentar pontos de vista advindos de pesquisas conduzidas pela equipe de formadores de professores de inglês da instituição.

Instituição 2 Supervisor 5

Nos encontros coletivos que acontecem uma vez por semana são realizadas as atividades propostas pelos �roteiros de atividades de PE de língua inglesa�. Geralmente são momentos nos quais os estagiários relatam suas experiências de estágio e expõem suas asserções a respeito de tópicos referentes ao processo de ensino/aprendizagem de língua inglesa.

Instituição II Supervisor 6

O modo como eu descreveria uma sessão de orientação coletiva tipica: O supervisor se encontra com seus alunos em uma sala de aula convencional. A sessão transcorre como se fosse de fato uma aula. A professora propõe as atividades, os alunos executam e discutem os resultados. Estão sendo seguidos os roteiros pedagógicos e, portanto, as sessões têm um roteiro previsível. Geralmente são cobradas as leituras nas atividades práticas (e.g. elaborar uma atividade de leitura requer fazer a análise do texto seguindo o roteiro proposto por Motta-Roth). Os estagiários parecem ver essas sessões como aulas mesmo. Creio que a interação nessas sessões é bastante diferente da orientação individual.

Instituição 2 Supervisor 7

Ocorre semanalmente. No ano de 2005 tivemos o material Roteiros Pedagógicos para as aulas (encontros coletivos. Cada unidade das 10 propostas para o 3º ano tinha a duração de 3 encontros. O material apresenta os objetivos para cada unidade, leituras obrigatórias com discussão, atividades práticas, pesquisa, leituras complementares, produção de trabalhos acadêmicos (ensaio, relatório crítico, pôster) e elaboração de atividades de produção e compreensão oral e escrita. Descrição de um encontro típico: começo colocando a agenda da aula no quadro (objetivos e atividades a serem desenvolvidas), fazendo informes, perguntando sobre os acontecimentos da semana relacionados à nossa temática, comentando algo da vida pessoal. As carteiras são colocadas em semi-círculo quando solicitados. A aula é bastante dialogada e dada em língua materna. Como estamos usando os Roteiros, retomo a unidade para a execução de atividades práticas. Quando há leitura pra casa, começamos com a exposição das impressões dos alunos ao texto lido e seguimos com o roteiro de leitura proporcionado no material. Buscamos expor concepções teóricas e discutir opiniões que, muitas vezes, são controversas. Também tentamos realizar as sugestões colocadas por eles. (..) No 4º ano, há uma diferença grande já que os alunos estão envolvidos com as regências. Muitos encontros são dedicados a dúvidas do grupo e temas relacionados às aulas e às questões escolhidas para o paper. Além disso, temos 10 unidades do material Roteiros Pedagógicos para o 4º ano.

Instituição 2 Supervisor 8

Ocorre semanalmente ou quinzenalmente. (...) As discussões partem de textos pré-escolhidos pela equipe de supervisores da instituição e de práticas vivenciadas pelos alunos-professores. Neste sentido, todos os encontros coletivos têm como propósito um tema a ser discutido, seja a partir da teoria ou da prática. Procuro sempre questionar as posições dos alunos-professores com o objetivo de provocar reflexão e posicionamentos dos alunos-professores diante dos temas. Sempre no começo das aulas deixo os alunos à vontade para escolher em qual língua querem debater. Num primeiro momento eles apontam a importância de se utilizar a língua inglesa e pedem para ficarem livres para escolher. No entanto, no decorrer das aulas o turno acaba sempre em português, poucos se arriscam a usar o inglês. (...) Quando utilizamos vocabulário da área específica de formação de professores tudo parece muito novo, inclusive em português.

Instituição 3 Supervisor 3

O professor supervisor reúne-se quinzenalmente com os alunos para trocarem experiências vividas e realizam reflexões após as atividades indicadas.

Instituição 4 Supervisor 4

Discutimos e definimos o encaminhamento metodológico da prática a ser realizada. Próximo passo, discussão e reflexão dos textos sobre práticas docentes na LEM.

Quadro 5 - Caracterização das sessões de supervisão coletiva

107

CAPÍTULO 6: Relação universidade/escola na formação de professores de inglês: ...

será refletida especialmente nas respostas apresentadas para a instituição2. As respostas apresentadas em 20 questionários enviados às escolascampos de estágio das quatro instituições envolvidas na pesquisa serãoagora apresentadas.Quadro 6 - Avaliação geral do estágio

a) Como avalia as atividades de realização do estágio supervisionado de inglês na sua escola/sala de aula quanto à organização das atividades

I1

I2

I3

I4

TOTAL

são boas e organizadas 5 5 1 1 12 foi boa, mas não deixou cópia da atividade para o professor 1 1 depende do estagiário, umas são boas outras ruins 1 1 não puderam avaliar � só observação 1 4 5 não responderam 1 1

Quadro 8: Comunicação com estagiário

Observa-se que a instituição 2, com maior número de questionáriosrespondidos, teve um grande número de respondentes que não fezavaliação nesse quesito porque receberam estagiários apenas paraobservação. Ali também se nota maior diversidade nas respostas, com doisrespondentes aparentemente insatisfeitos com a condução do estágio.

Os quadros 7 e 8 seguintes trazem considerações sobre acomunicação:Quadro 7: Comunicação com supervisor de estágio

b) Comunicação com o supervisor de estágio da instituição formadora I1 I2 I3 I4 TOTAL muito boa, conseguiram estabelecer um elo de comunicação e compartilhamento de idéias com a instituição formadora

3 5 1 9 deveria haver um maior contato com mais encontros e retornos dos resultados por parte da instituição formadora.

1 2 1 4 só houve contato por telefone 1 1 no momento está acessível, mas houve períodos que a comunicação deixou a desejar

2 2 Encontrou supervisor pela primeira vez na hora da observação da regência

2 2

não responderam 2 2

c)Comunicação com o estagiário I1 I2 I3 I4 TOTAL foi bom pois os estagiários se mostraram muito interessados 1 8 1 10 foi boa com espaço de diálogo nas reuniões antes, durante e depois do estágio

1 2 1 4 foi boa mas alguns estagiários não levaram à sério 1 1 foi pouca devido ao pouco tempo de contato 1 1 2 feita intervenção na aula, se necessário 1 1 não responderam 2 2

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TECENDO AS MANHÃS: pesquisa participativa e formação de professores de inglês

Novamente, a instituição 2 apresentou grande variação, com algumgrau de insatisfação com a forma como o supervisor tem se relacionadocom a escola. A interação com o estagiário, no entanto, parece estar sedando de modo mais satisfatório, embora haja ressalvas quanto ao respeitoàs normas da escola (horário, por exemplo).

Quanto à contribuição para a qualidade de ensino de inglês na escola,os quadros 9 e 10 a seguir mostram que há algum espaço para melhoria,embora se reconheça o valor do estágio. É interessante observar queperdura (ainda que minimamente) uma visão instrumental do estágio,como forma de liberação do professor para realização de outras atividades.Uma escola particular de ensino regular apontou que não houve nenhumacontribuição, pelo fato de os alunos terem ido apenas observar aulas. Énorma da escola não permitir que estagiários assumam regência. Dequalquer modo, é reveladora de potencial para maior integração, uma vezque mesmo com observações o estágio poderia contribuir para a escola.Quadro 9: Contribuição do estágio para a escola

Quadro 10: Contribuição do estágio para o professor

d) Contribuição para a qualidade do ensino de inglês na escola I1 I2 I3 I4 TOTAL há contribuição, pois os estagiários trazem novos métodos que despertam o interesse do aluno

4 6 1 11 enriquece o ensino público através da atualização dos docentes 1 1 1 3 há pouca, pois os estagiários são inseguros 1 1 os estagiários poderiam trazer mais sugestões e atividades 1 1 poderiam realizar trabalho com alunos com dificuldade 1 1 nenhuma 1 1 não responderam � só observação 2 2

e) Contribuição para o professor I1 I2 I3 I4 TOTAL existe, estagiários trazem atividades inovadoras 5 4 1 1 11 serve como auto-avaliação para o professor através da troca de idéias após a observação

3 3 há uma contribuição significativa 3 3 contribui, pois o professor tem a possibilidade de fazer outras atividades, como corrigir provas e descansar.

1 1 Nenhuma 1 1 não responderam 1 1

Quando solicitados a avaliar o desempenho dos estagiários, de modogeral, as respostas indicaram (Quadro 11) que a maioria vê positivamentea experiência, embora com algumas ressalvas.

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CAPÍTULO 6: Relação universidade/escola na formação de professores de inglês: ...

Quadro 11: Desempenho dos estagiários

Quadro 12 : Aspectos a serem melhorados

f) Desempenho dos estagiários I1 I2 I3 I4 TOTAL foi (muito) bom 4 8 12 alguns apresentam um bom desempenho outros não, pois não têm responsabilidade ou apresentam dificuldade na língua ensinada

1 1 1 3 os estagiários são inseguros em relação ao conhecimento da língua e não conseguem se impor perante os alunos

1 1 2 desconhece 1 1 não responderam 1 1 2

a)Quais aspectos do estágio supervisionado de inglês precisam ser melhorados?

I1 I2 I3 I4 TOTAL deveria haver maior contato por parte da instituição formadora e estagiários com os professores da escola

2 6 1 9 deveria haver envolvimento do estagiário durante todo o ano letivo 2 1 1 4 os estagiários devem apresentar o plano de aula com antecedência e serem mais pontuais

1 2 3 a instituição deve observar melhor o calendário escolar 1 1 não há nada a ser melhorado 1 1 não responderam 3 3

Com exceção de um respondente que não apontou a necessidadede melhoria, todos os demais que responderam a questão (17) apontampara a necessidade de maior interação com a escola. A pergunta seguinte,visava a identificar a possibilidade de ocorrer essa maior interação. Asrespostas (Quadro 13) indicam que a maioria gostaria de poder contribuirmais, embora alguns vejam empecilhos de ordem institucional paraassumir essa responsabilidade. Observe-se, também, que 3 respondentesindicaram não entender que essa seja sua responsabilidade.Quadro 13: Responsabilidade pela formação

b)Como se sente em relação a assumir maior responsabilidade pela formação dos novos professores de inglês? I1 I2 I3 I4 TOTAL

sentem-se honrados por servirem de referência 3 3 1 7 têm receio em não conseguir cumprir essa função 1 1 2 podem aprender e contribuir com essa relação 3 3 essa responsabilidade não é do professor, apenas contribuem com isso 3 3 sente-se honrado, mas acha que o sistema não proporciona tempo nem incentivo para isso 1 1 não responderam 2 2 4

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TECENDO AS MANHÃS: pesquisa participativa e formação de professores de inglês

A seguir apresentamos o Quadro 14, com a indicação de papéispara os estagiários, eventualmente diferentes dos atuais:Quadro 14: Papéis para estagiários

Nota-se que os respondentes gostariam de ver maior engajamentodos estagiários em atividades inerentes à função de professor, bem comoauxiliar como �monitores�, o que corrobora a percepção trazida por umadas formadoras à reunião do grupo e tratadas no capítulo 1. No formatotradicional do estágio o futuro professor é visto como quem facilitará otrabalho do professor colaborador, que não se sente responsável por esseprocesso de formação. Estes resultados confirmam as percepçõesidentificadas também por Xavier (2006).Considerações finais

De modo geral, os respondentes indicaram bom grau de satisfaçãocom a realização do estágio no formato proposto. Há ressalvas apontadasnas respostas elencadas nos quadros, que apontam para melhoriasnecessárias. Estas caminham no sentido de se estabelecer relações maisestreitas com as escolas, pois ressentem da falta de contato da instituiçãoformadora com a escola. Em alguns casos, os estagiários não têmdemonstrado responsabilidade e este é um aspecto a ser observado pelosupervisor. Os estágios de observação são também, naturalmente, vistoscomo pouco produtivos para a escola.A sugestão de maior envolvimento do professor colaborador com aformação dos futuros professores é vista com um misto de aceitação ereceio de não poder executar a tarefa. Por outro lado, há os que nãoacreditam ser esta sua atribuição, o que sugere que o conceito de parceria

c)Você vê algum papel para os estagiários diferente dos que desempenhou neste ano? I1 I2 I3 I4 TOTAL devem participar mais enquanto observam, dando assistência aos alunos e também fora de sala através de grupo de estudos

2 6 8

os estagiários devem participar de todas as tarefas inerentes ao professor, como planejamento anual e sistema de avaliações

3 1 4

deveriam buscar alternativas de aulas preparadas dentro das normas das novas diretrizes curriculares e com interdisciplinaridade 1 1 2

não vêm nenhum outro papel 4 4 Não responderam 2 2

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CAPÍTULO 6: Relação universidade/escola na formação de professores de inglês: ...

tal como retratado na literatura educacional mais recente ainda é novidade.Iniciativas como os projetos mencionados na seção 1 deste trabalho podemservir como referência para construção de relações mais próximas com asescolas que acolhem estagiários. No entanto, é preciso também levar emconta as condições sob as quais trabalham os formadores e professorescolaboradores, condições essas que podem dificultar maior envolvimentocom uma parceria entre a instância formadora e a escola.

Conforme nos alerta Smedley (2001, p. 201) a superação dasbarreiras para realização de parcerias demanda energia ecomprometimento. As iniciativas de parcerias colaborativas no estágio deinglês relatadas têm se concentrado em projetos de extensão ou integrados.Isto pode ser revelador de como as condições institucionais podeminfluenciar o formato adotado. Considerando que o contato maissistemático e significativo na escola requer um pequeno número de escolase professores envolvidos, parece-nos necessário criar alternativas queenvolvam outras modalidades além de projetos, de modo a alcançar umnúmero maior de participantes.

A construção de uma nova cultura de formação de professores deinglês é um dos desafios postos aos participantes do projeto aqui relatado.Conciliar o interesse em promover mudanças significativas nessa formaçãocom os arranjos institucionais existentes exige inventividade ecompromisso.

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PARCERIA UNIVERSIDADE / ESCOLAS: CONTRIBUIÇÕES PARAAPRENDIZAGEM DE LÍNGUA INGLESA./ Disponível em: http://www.uel.br/cch/nap/parceria%20universidade%20escolas.htm. Acesso em: 22de junho de 2007.PLACCO, V. M. N. de S. Perspectivas e Dimensões da Formação e doTrabalho do Professor. In: SILVA, A. M. M. [et all]. Educação Formal e NãoFormal, Processos Formativos, Saberes Pedagógicos: desafios para a inclusão social.Recife: ENDIPE, 2006, p. 251-261.RIBEIRO, M. Educação para a Cidadania: questão colocada pelos movimentossociais. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 28, n.2, p.113-128, jul./dez., 2002.RICHARDSON. V. The role of attitudes and beliefs in learning to teach. In:SIKULA, J. (org). Handbook on research on teacher education. 2.ed. NovaYork, Macmillan, 1996.SCHÖN, D. The reflective practitioner: how professionals think in action. London:Temple Smith, 1983.SCHÖN, D. Educating the reflective practitioner: toward a new design for teachingand learning in the professions. San Francisco: Jossey Bass, 1987.SERRANO, G.P. Educação em valores: como educar para democracia. PortoAlegre: Artmed, 2002.SMEDLEY, L. Impediments to partnership: a literature review of school-universitylinks. Teachers and teaching: theory and practice, vol. 7, Nº 2, 2001, p.189-209.STARKEY, H. Language teaching for democratic citizenship. In: OSLER,A.; STARKEY, H. (Orgs). Citizenship and language learning: internationalperspectives. Stoke on Trent: British Council, Trentham Books, 2005, p. 23-40.TEITEL, L. The professional development schools handbook: starting, sustaining andassessing partnerships that improve student learning. Thousand Oaks, Corwin Press,2003.VIEIRA-ABRAHÃO, M.H. Crenças, Pressupostos e Conhecimentos deAlunos-Professores de Língua Estrangeira e sua Formação Inicial. In: VIEIRA-ABRAHÃO, M.H. Prática de Ensino de Língua Estrangeira: Experiências e Reflexões.Campinas:  Pontes/Arte Língua, 2004.VIEIRA-ABRAHÃO, M.H. A formação inicial e o desenvolvimentoprofissional do professor de línguas estrangeiras: práticas e pesquisas.Horizontes, Brasília, v. 5, n. 2, 2006.p. 8-23

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Referências bibliográficas

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ANEXO A

INVENTÁRIO DE CRENÇASProfessor supervisor:_______________________________________Instituição:________________________________________________________Data de aplicação: / / Identificação do aluno__________________________________________Série/ano_______________Para cada uma das afirmações abaixo indique se:discorda completamente (DC) discorda (D) não sabe dizer (NS) concorda(C) concorda plenamente (CP)AFIRMAÇÕES DC D NS C CP 1. Quanto mais cursos sobre metodologia um professor fizer melhor será seu ensino 2. Quanto mais um professor conhecer a matéria melhor será seu ensino 3. Um bom professor é aquele que tem um relacionamento amigável com seus alunos 4. Cabe ao professor motivar o aluno 5. O professor é o principal responsável pela melhoria do ensino nas escolas públicas 6. Para ser um bom professor de língua estrangeira é preciso falar a língua corretamente 7. O professor de língua estrangeira precisa conhecer outras culturas 8. Para se ensinar língua estrangeira é preciso ter bons materiais didáticos 9. O professor deve explicar o porquê de aprender a língua e como ela vai ser usada 10. O professor é responsável pela aprendizagem dos alunos 11. O professor deve ser um bom modelo de usuário da língua 12. O professor deve mostrar aos alunos que a matéria não é difícil 13. O professor deve deixar os alunos se sentirem à vontade para se comunicarem sem medo de errar 14. O professor deve se impor 15. O professor deve ser dinâmico, flexível e ter senso de humor 16. O professor deve ter jogo de cintura para não deixar seus alunos perceberem que ele não sabe a matéria 17. O professor tende a ensinar do mesmo modo como foi ensinado 18. O professor de língua estrangeira precisa ter vivência no Exterior 19. O professor deve corrigir os erros dos alunos sempre que estes ocorrerem 20. Uma das maneiras mais eficazes de aumentar a motivação é estimular a competição entre alunos 21. O professor deve determinar e fazer valer regras para comportamento dos alunos 22. O professor deve dar exercícios de cópia e tradução para manter a classe quieta 23. As aulas em escolas públicas são tradicionais e, portanto, pouco eficazes 24. A indisciplina ocorre por fatores externos como posição das carteiras e tom de voz do professor 25. O desinteresse dos alunos pela matéria leva à indisciplina 26. O professor deve usar a língua estrangeira na aula o tempo todo, usando a tradução como último recurso 27. Na escola pública é difícil fazer trabalho em grupo com os alunos 28. É um privilégio lecionar em escolas de idiomas ou escolas particulares 29. O ensino na escola particular é melhor do que na escola pública 30. Os alunos da escola pública não vêem muito sentido em aprender língua estrangeira 31. É importante saber falar inglês no Brasil 32. As escolas servem como agentes de mudanças sociais 33. O ensino na escola pública deve ter os mesmos objetivos do ensino na escola de idiomas 34. É importante aprender língua estrangeira independentemente da classe social a que se pertence 35. Aprender língua estrangeira pode ajudar a reduzir diferenças sociais 36. No Brasil o ensino da leitura é mais importante do que de outras habilidades 37. No Brasil as pessoas têm facilidade em aprender pronúncia de língua estrangeira 38. Para aprender o aluno tem que �amar� a língua estrangeira 39. É preciso dom para aprender língua estrangeira 40. O aluno deve ser interessado e participar das aulas 41. Alunos de classe mais baixa ou com problemas na família são mais indisciplinados 42. Os alunos precisariam ter um propósito para aprender L.I. para se mostrarem mais motivados 43. Para aprender língua estrangeira é preciso estar exposto a novidades, novos materiais e quebra da rotina 44. Para aprender língua estrangeira é preciso não pensar em língua materna 45. O aluno aprenderá com mais facilidade se o professor propiciar momentos de descontração durante a aula 46. O aluno aprende melhor quando está se divertindo 47. É importante repetir e praticar bastante para aprender língua estrangeira 48. A parte mais importante da aprendizagem de língua estrangeira é o vocabulário 49. A conversação é o melhor meio para se aprender a língua 50. A melhor maneira de aprender uma língua estrangeira é ir ao país onde ela é falada como primeira língua

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Gostaria de comentar sua concordância/discordância com as afirmações acima?Utilize o verso desta folha para responder às perguntas:a) Quais as características de uma boa aula de inglês?b) Por que se aprende inglês no Brasil?c) Que condições são necessárias e suficientes para se aprender inglês no Brasil?d) Como o professor pode contribuir para essa aprendizagem?

46. O aluno aprende melhor quando está se divertindo 47. É importante repetir e praticar bastante para aprender língua estrangeira 48. A parte mais importante da aprendizagem de língua estrangeira é o vocabulário 49. A conversação é o melhor meio para se aprender a língua 50. A melhor maneira de aprender uma língua estrangeira é ir ao país onde ela é falada como primeira língua 51. Quanto mais cedo se começar a aprender língua estrangeira mais fácil será sua aprendizagem 52. Os livros didáticos devem trazer temas condizentes com a realidade dos alunos 53. Um material didático baseado em metodologias mais recentes é melhor do que os baseados em métodos antigos 54. Usar um livro didático ruim é ainda melhor do que não usar nenhum 55. O professor deve elaborar seu próprio material didático 56. Uma boa aula depende do material didático 57. Os materiais didáticos devem trazer recursos visuais 58. A parte mais importante da aprendizagem de língua estrangeira é a gramática 59. O professor deve sempre ler textos em voz alta 60. A avaliação dos alunos pode servir como instrumento de controle por parte do professor 61. O aluno em fase inicial de aprendizagem não tem condições de avaliar seu próprio desempenho 62. A avaliação serve para medir se o aluno conhece as estruturas gramaticais da língua 63. Uma aula com computador é muito mais produtiva do que uma aula com livro didático 64. Um professor que não planeja suas aulas tem grande chance de fracassar no ensino 65. Sempre que aparecer alguma atividade interessante o professor deve incluí-la em suas aulas 66. Mesmo sem conhecer a legislação que regula a educação é possível ser um bom professor 67. O uso da tecnologia na aula de inglês implica em novos papéis para professores e alunos

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ANEXO B

ROTEIRO DE ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA COM ALUNOS(CERCA DE 30 MINUTOS) � GRAVADA EM ÁUDIO

Analisar os dois inventários preenchidos pelo aluno e anotar� as respostas que mostraram mudança de posição (concordo para discordo ou

vice-versa)� as respostas que tiveram mudança de intensidade� as respostas em aberto � esclarecer pontosO objetivo da entrevista é verificar qual a visão que o aluno tem, agora ao final dadisciplina, sobre o que seja ensinar inglês, nos vários aspectos tratados noinventário.1 Você percebeu alguma transformação em seu modo de pensar sobre o ensinode inglês durante este ano? Quais foram as mudanças?2. O que parece ter sido responsável por essas mudanças?3. No início do ano você disse que .... e agora diz .... Como explica essa mudança?4. Por que agora tem mais certeza sobre os itens .....?5. Como vê a relação entre a prática de ensino e demais disciplinas/atividades docurso em sua formação?6. Como acha que irá se sair como professor de inglês?7. Quais aspectos de sua formação acha que foram mais interessantes? E os menos?8. Quais foram os pontos fortes da Prática de Ensino - Estágio Supervisionado?9. Quais foram os pontos fracos da PEI- ES?10. O que você apreendeu da experiência com estágio na(s) escola(s)? Gostariade ter tido mais tempo de permanência na escola? Por quê?

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ANEXO C

ROTEIRO PARA DESCRIÇÃO DAS PRÁTICAS ADOTADAS NAS IESNome do supervisor:_______________________________________________Número de alunos (por ano/série) em 2005:_____________________________A. A PRÁTICA DE ENSINO NA INSTITUIÇÃO1. Quais os objetivos da prática de ensino na sua instituição?2. Em que momento do curso ela ocorre?3. Como se integra com as demais disciplinas/atividades curriculares?4. Quantos professores são responsáveis pela supervisão de estagiários?5. Que tipo de formação profissional têm esses supervisores?5. Quais são os requisitos burocráticos para cumprimento das práticas de ensino(carga horária, documentos necessários, etc)?B. SUPERVISÃO COLETIVA1. Com que freqüência os encontros coletivos são realizados?2. Como se caracterizam os encontros coletivos? Descreva um encontro quevocê considera típico.C. SUPERVISÃO INDIVIDUAL1. Com que freqüência ocorre a supervisão individual?2. Quais atividades são realizadas durante a supervisão individual?D. ATIVIDADES DOS ESTAGIÁRIOS1. Quais são as tarefas desenvolvidas pelos estagiários individualmente ou emgrupos (sem a presença do supervisor/fora de sala de aula)?2. Como se dá a avaliação desses alunos?

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ANEXO D

QUESTIONÁRIO SOBRE A RELAÇÃO ENTRE A INSTITUIÇÃOFORMADORA E ESCOLAS

Senhor professor/supervisor/diretor de escola,Um grupo de supervisoras de estágio de inglês do Norte do Paraná está realizandoum projeto de pesquisa que tem por objetivo mapear o modo como esses futurosprofessores estão sendo formados e qual o impacto do estágio na escola que osrecebe. Deste modo, ficaríamos muito gratas se puder responder as questõesabaixo, para auxiliar-nos a identificar oportunidades de desenvolvimento narelação entre as nossas instituições. Acrescente mais folhas, caso seja necessário.Os dados serão utilizados em relatórios do projeto, porém permanecerãoconfidenciais as fontes consultadas.Muito obrigada,_________________________________________________________________Escola: ____________________________Cidade:_________________________Estágio realizado nas seguintes séries: __________________________________Escola funciona como campo de estágio desde: _______vimento com estagiáriosdesde:_________

PARTE 1 � AVALIAÇÃOComo avalia a realização do estágio supervisionado de inglês na sua escola/salade aula, quanto aa) organização das atividades desenvolvidas pelos estagiários

b) comunicação com o supervisor de estágio da instituição formadora

c) comunicação com o estagiário

d) contribuição para a qualidade do ensino de inglês na escola

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e) contribuição para o professor

f) desempenho dos estagiários

g) duração do estágio

PARTE 2 � SUGESTÕES

Quais aspectos do estágio supervisionado de inglês precisam ser melhorados?

Como se sente em relação a assumir maior responsabilidade pela formação dosnovos professores de inglês?

Você vê algum outro papel para o estagiário diferente dos que desempenhouneste ano?

Você vê a necessidade de um trabalho interdisciplinar com outras disciplinas deprática de ensino?

Como a disciplina de língua inglesa pode colaborar com o projeto político-pedagógico da escola?

Quais as possíveis contribuições das relações estabelecidas com a universidadeatravés do estágio supervisionado de inglês?

Parte 2

Vinhetas

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A CAUSA ESTÁ NA EXPERIÊNCIAAs aulas de estágio supervisionado são sempre momentos nos quais procurorelacionar a teoria à prática. Considero o ambiente de prática um local onde osalunos, além de refletirem sobre suas ações, podem compartilhar experiênciaspositivas e negativas.Sempre que discutimos e refletimos em sala sobre abordagens, metodologias,aulas assistidas por eles, chegamos à conclusão de que, para que o aluno desenvolvaa tão almejada competência, ele precisa estar inserido em uma situação de uso dalíngua que faça sentido a ele. Interagindo, participando, vivendo situaçõescontextualizadas - são formas de se atingir resultados positivos na aquisição delíngua estrangeira.Embora discutamos bastante sobre isso, ao elaborar as aulas para, enfim, iniciara prática, alguns, talvez muitos alunos tendam para o uso da gramática pura,descontextualizada considerando ser essa a melhor forma para o ensino de línguaestrangeira, sobretudo em salas numerosas, com escassez de recursos entre outrosfatores.Um dia desses, em uma das muitas orientações, após a reflexão sobre as idéiascontidas em um ponto, uma aluna disse:- Professora, eu acho seu discurso muito bonito, só que o que vemos é quequando um professor entra em sala e fecha a porta, o plano que ele tem em mãospode ser muito bonito, mas o que prevalece é a maneira que ele aprendeu navida toda em banco escolar.Acredito que, em alguns casos, a raiz de uma aprendizagem essencialmentegramatical, descontextualizada de sentido e de uso, tem um peso maior na vidado aluno do que um ou dois anos de formação em um curso de graduação.Como mudar essa forma de pensar?(Alessandra)Vinheta 2A primeira experiência em sala de aulaNoite sem dormir, preocupações mil porque estava chegando a hora de enfrentara sala de aula. A professora supervisora tentou me acalmar dizendo que eu estavabem preparada, e com certeza tudo sairia muito bem. Ao entrar na sala, percebique os alunos estavam eufóricos para conhecer uma professora nova. A aula

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fluiu muito bem e aos poucos os alunos foram se acomodando e participandoativamente da aula.Percebi que muitos deles têm interesse em aprender, já outros vão para a escolasomente para se divertir e perturbar colegas e a própria aula. Talvez a aula fossemais proveitosa se pudéssemos exercer uma autoridade mais rígida. Algunsabusam muito, outros colaboram promovendo uma troca de conhecimentos.Conquistando os alunos através da realização das atividades propostas, sentindoa vontade de aprender de alguns, aplicando técnicas lúdicas, confiando no queestava fazendo e pelo olhar de aprovação da professora supervisora, a aula foirealizada. Senti alívio, mas uma vontade de abraçar a causa da educação, prepararos alunos para um futuro melhor e fazer parte dessa luta, foi sem dúvida umpensamento constante depois de verificar o olhar de agradecimento daquelesque querem aprender, e receber beijos dos alunos, dizendo que tinham adoradoa aula e esperavam que eu voltasse. Me emocionei - dar aula vai muito além deapenas passar um conteúdo; é preciso muita dedicação, paciência e amor.(Helena)

A QUESTÃO DO TEMPOO tempo: implacável, veloz, insensível, escorre por entre as mãos e se esvai semdeixar traço. O tempo é assim, quando menos se espera, já foi.Como em todas as aulas, procuro me acomodar no fundo da sala. Um alunogentilmente se prontifica para me dar um lugar, desocupa sua carteira, para meuconstrangimento. �Professor, sente aqui�, diz o aluno. �Não se preocupe, euprocuro um lugar vazio�, respondo meio sem jeito. Não gosto de perturbar aforma como os alunos se organizam, como estabelecem seus espaços e criamterritórios invisíveis, mas perceptíveis. Mas, sinto que eles têm a noção dorespeito, o sentido da gentileza, apesar de parecerem indisciplinados algumasvezes, sinto que são receptivos ao abrirem seus espaços a um estranho como eu.A demora do retorno dos alunos à sala, depois do intervalo, é grande. Entre otempo que levam para se acomodarem, o lento retorno de alguns e a hesitaçãodo aluno-professor em começar a aula, se passam 15 minutos. É muito tempo,penso eu, em relação ao total da aula. Essa é uma observação recorrente emminhas anotações. Fico imaginando como poderíamos resolver essa situação.Não seria o caso de começar a aula logo, mesmo antes de todos retornarem dointervalo? Dessa forma os alunos não se acostumariam a retornarem mais rápidoà sala de aula? O tempo, o ritmo das atividades, é importante, penso. De algumaforma a motivação está ligada ao modo como os segundos e os minutos serelacionam com as atividades em sala de aula. O tempo é precioso e deve serbem aproveitado, reflito: a sala de aula é negócio sério e qualquer momento deaprendizagem deve ser bem aproveitado.

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Quando finalmente os alunos respondem a chamada, e estão prontos parainiciarem as atividades, sobram apenas 30 minutos para o final da aula. A atividadea ser realizada é para ser feita em grupos, e, até que todos reacomodem suascarteiras, se passam mais 10 minutos. O tempo é implacável, penso novamente,se não for bem aproveitado se esvai, sem deixar traço.Os alunos conseguem iniciar a atividade, mas são subitamente interrompidospelo �apito� que sinaliza o final da aula. Tal qual trabalhadores de uma fábrica sealvoroçam a pegar suas coisas para sair o mais rápido possível. É a última aula e épreciso sair, sem perder tempo.(Francisco)

A SESSÃO QUE NÃO HOUVEO relógio na parede indicava 9h20. Os alunos deveriam estar ali às 9h10. Euaproveitava para rever o material. Surge então Lúcia, sozinha. Os outros?�Professora, acho que foram ao show da Exposição�. Seria de se esperar que,com tantas atrações competindo pela atenção, a escolha seria difícil. A ExposiçãoAgropecuária, evento anual na cidade, competia desigualmente com Moita Lopes,Leffa e Celani.Lúcia se desculpa pelos demais � mas ela também precisa se ausentar. �Desculpeprofessora, mas também eu tenho que ir, meu namorado está esperando�.Relembro a tarefa da semana, recomendo que leia o texto da unidade e quecontinue fazendo o glossário. Nos despedimos e fico ali, sentada à mesa para 8,imaginando outras situações em que os alunos definem quando e como queremter aulas: uma certa semana em outubro, um feriado na quinta, uma terça festiva.Pra que serve um calendário, me pergunto. Por outro lado, freqüência não étudo. Pego a bolsa, apago a luz, tranco a porta e me dirijo ao estacionamento jáquase vazio. (Telma)

A SOMBRA DO CAOSEra uma terça-feira, primeira aula. Eu já esperava aflita na porta da sala. Faltavamuns cinco minutos para o início da aula e alguns alunos já começaram a entrar nasala. Uns carregavam a mochila nas costas, outros traziam somente um cadernonas mãos. Não se via nenhum sinal de estojo, caneta, lápis...Quando o sinal tocou entramos em sala e de repente uma multidão deadolescentes entrou também. Todos se empurravam, gritavam e riam alto. Aoassistir aquela cena fiquei apreensiva, já imaginando o que esperava a estagiária.

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Era a sombra do caos. Ela, então, iniciou a aula acalmando os ânimos equestionando os alunos sobre algo relacionado ao conteúdo. A maneira comoela formulou as perguntas e a metodologia utilizada para questioná-los chamarama atenção dos alunos, fazendo com que eles fixassem os olhos nela. Após o warmup, a estagiária iniciou a explicação. Alguns alunos olhavam para ela, outros não.Ela se manteve firme. No final da explicação houve muitas perguntas. Um pouconervosa ela respondeu a todas. Ao término da aula sentamos para conversar.

- Que prova de fogo, disse ela. Achei que não iria sobreviver. Fiquei comvontade de juntar minhas coisas e desaparecer. Mas pensei: vou ter queenfrentar. Não posso desistir agora.

Admirei aquela estagiária. Com calma, dedicação e coragem ela realizou um bonitotrabalho. Consegui ver na postura dela muito do que refletimos em sala.(Alessandra)

A TAREFA E A DISCUSSÃOO material pedia amostras de que o ensino de inglês é visto como mercadoria.Na semana anterior, perguntas sobre porque se aprende a língua estrangeiratinham gerado um acalorado debate entre os quatro estagiários. Seria o momentode confirmar se a leitura do texto fazia sentido.Ao redor da mesa estavam a professora e três alunos. Uma delas, Joana, haviafaltado. Traziam amostras de folhetos de escolas de inglês. Primeiro foi a vez deLúcia, que apresentou o de sua escola. Este refletia o interesse em demonstrarque a aprendizagem da língua pode ser divertida e proveitosa. O colorido sedistanciava dos tradicionais azul e vermelho, cores associadas aos países onde oinglês é primeira língua. Seria essa uma mudança no modo de conceber a língua?Roberto mostrou, então, um folheto de outra escola � desta vez em azul evermelho, aludindo a ícones da Inglaterra e dos Estados Unidos. A professoralembrou de uma unidade do livro didático público, que também trazia imagensde Sidney, Londres, Nova York e Washington. Imagens e textos foramconsiderados como complementares, na tentativa de se vender a imagem de umalíngua como pátria. Não era isso que dizia o texto lido na semana anterior?Frederico apresentou seu folheto, que enfatizava a metodologia da escola. Seupúblico: o adulto. Um texto sério, avaliou.Foram comparados os textos, as imagens e o que os autores lidos anteriormentediziam. Releram os objetivos para o ensino de inglês coletados em entrevistas. Aprofessora sintetizou: pais e alunos pensam mais em perspectivas instrumentais,professores admitem que a aprendizagem de inglês pode enriquecerculturalmente. Pais pensam no inglês como língua internacional, que representaum capital simbólico no mundo globalizado. Professores pensam no inglês como

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língua estrangeira. Mais vozes dissonantes, agregadas a tantas outras queigualmente emergem em cacofonia.(Telma)

A VAIDADE EM PRIMEIRO LUGAREra quarta-feira, dia chuvoso. Havia poucos alunos na sala ampla, arejada e bemcuidada. Só havia alguns tacos que insistiam em não parar no lugar. Fazia umpouco de frio. Os alunos estavam encolhidos na carteira e não conversavam muito.Já sabiam que naquele dia seria a regência da estagiária. Na aula que antecede aregência, a professora da sala costuma passar um �sermão� nos alunos para queeles se comportem, para que não dêem trabalho, que um dia eles passarão pelamesma ou por uma situação parecida, etc.Quando eles entraram eu já estava sentada em um canto da sala e a estagiária játinha preparado todo o material. Tudo impecável. Ela era impecável. Sempremuito elegante em seus saltos altos, calças justas, colares, brincos, todos os adornospossíveis. Quando falei em sala das normas, do vestuário, da postura de umestagiário, essa mesma aluna me disse:- Professora, eu só me visto assim. Não consigo mudar. Isso não vai atrapalhar oandamento da aula.Pensei bem, refleti e cheguei à conclusão de que não se consegue mudar o perfilde uma pessoa. Se ela é acostumada a andar de saltos o dia todo, esse tipo decalçado é confortável para ela. Por isso, não me importei. A roupa era um poucoextravagante, mas não era nada sensual a ponto de eu precisar repreendê-la.A aula começou, e como a estagiária era muito dinâmica, ela andava muito pelasala, gesticulava, pedia para que os alunos repetissem, que respondessem suasperguntas. Estávamos todos prestando atenção quando, ao virar para o quadrorapidamente, o salto da estagiária enroscou em um dos tacos soltos. Ficamosatônitos. Aquele segundo pareceu durar horas. Fiquei esperando a queda. Algunsalunos taparam a boca, outros gritaram, outros riam. Levantei da cadeira e, antesde chegar até a moça, ela se segurou e não caiu. Que susto! A partir desse momentoa aula não foi mais a mesma. Os alunos não paravam de comentar. Ela nãoconseguiu mais ter o todo da sala e, consequentemente, ficou nervosa. Que pena!Ela estava indo tão bem. Ela pediu para que eu não a avaliasse naquele dia. Disseque daria uma outra aula para a avaliação. Fiquei imaginado como ela estariavestida na próxima avaliação. Será que ela usaria outro salto daquela altura?(Alessandra)

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ACERTANDO O PASSOManhã de quarta-feira da primeira semana de agosto. Eu e nove estagiários do3º. Ano do curso de Letras nos encontramos no colégio estadual em que osalunos fizeram o estágio de observação a fim de darmos nosso feedback. Além denós e das duas professoras colaboradoras, estavam presentes a vice-diretora euma supervisora, candidatas à direção e vice-direção. Apesar do convite, as outrassupervisoras e a diretora não puderam comparecer.Era um momento histórico. Estávamos fazendo esta atividade pela primeira vez.Todos ansiosos, apreensivos e esperançosos de que o diálogo daquele momentopudesse criar novas oportunidades para os professores (em formação e emexercício), para os alunos e para a comunidade escolar.Fizemos um semi-círculo na sala e colocamos no quadro o pôster feito pelogrupo. A exposição oral começou com a minha explanação sobre o objetivo dareunião e uma breve descrição das atividades que envolvem o estágiosupervisionado de 3º. e 4º. anos.O pôster estava caprichado, os alunos estavam preparados para falar e osparticipantes com vontade de ouvir e querendo interagir. Foi na avaliação dareunião que pudemos ressaltar a proposta do Projeto Parceria Universidade-Escola e que tivemos o aceite da escola para o desenvolvimento da proposta.Apesar de estar presente na escola por vários anos, aquele foi o início da construçãode uma parceria em que os professores colaboradores, a direção, os estagiários, asupervisora de estágio se comprometiam com a formação e, principalmente, coma qualidade do ensino na escola. Foi realmente muito produtivo.Conseguimos abrir portas, janelas, fechaduras e o interesse da escola em terprojeto interdisciplinar com a prática de ensino de diferentes licenciaturas. Foium sucesso! Foi uma realização e tanto. Anos de investimento para chegarmos aisso e fiquei extasiada. Saí dali querendo ligar para todo mundo para compartilharminha felicidade.(Vera)

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ADORÁVEL BAGUNCEIRO!Chego ao local do estágio. Uma bela manhã fria e ensolarada de junho. Escolaprofissionalizante na saída da cidade. A sala onde minhas duas alunas fazem suaregência é muito ampla e bem iluminada � mais parece um pequeno auditório.As carteiras são confortáveis � azuis e almofadadas, e uma velha televisão nocanto!Sento-me num canto onde possa ter uma boa visão das minhas alunas e doseducandos. Elas recebem seus alunos com simpatia. Um por um olha para mime pergunta a elas �Quem é professora? Vai dar aula prá gente, também?�.São dezoito alunos no total, que se sentam espalhados pela sala. As estagiáriascomeçam perguntando aos alunos as profissões que foram ensinadas na últimaaula. Alguns respondem prontamente, outros conversam sobre outras coisas.A aula prossegue com um constante movimento saca-rolhas: as professorasperguntam, perguntam, perguntam. Poucos respondem. Cansa só de assistir!!!Fico me perguntando até que ponto um curso inserido numa escolaprofissionalizante, onde a língua inglesa é apenas dada com um mini-curso,contribui efetivamente para a formação do aluno. Que contribuição trará? Oque ficará? Ficará algo??O interesse de alguns alunos me impressiona de verdade. São os mais bagunceiros,mas os mais participativos. Alguns fazem associações com as palavras que vêemnos games � �professora, lá tem ézi, médium e hard. Então hard é difícil?�. Ogaroto está aprendendo. Mas seria esse o melhor caminho para sua aprendizagem?Outros alunos estão distantes. Não se sentem envolvidos na aula. Cabeça abaixadasobre a carteira, a mensagem no celular, o retoque na maquiagem...A discrepância de conhecimentos e a heterogeneidade estão presentes em qualquerambiente. Seriam esses problemas de fato? Ou aspecto inerente ao trabalho?Volto a observar o grupinho bagunceiro. Eles continuam contribuindo para quea aula prossiga. Não consigo deixar de sentir simpatia por eles!As palavras sunset e sunrise aparecem no texto. �Professora, o que é sundown?�Novamente o conhecimento de mundo vem para a sala. O aluno bagunceirofica feliz por ter descoberto o que descobriu na aula de hoje � as palavras dogame e o nome do protetor solar. Agora ele sabe mais inglês!(Gladys)

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AFINAL, QUEM MANDA AQUI?Os alunos começam a entrar nas salas ruidosamente, logo após o intervalo. Épossível escutar altos e agudos assovios e ver alunos se empurrando enquantocruzam o apertado e escuro corredor que os leva à suas salas. As alunas-professorasentram na sala de aula junto comigo (o supervisor) e com a professora �titular�da turma. Procuro me acomodar mais ao fundo, junto à turma mais agitada edispersa da sala. Não há cadeiras nem mesas disponíveis, mas um aluno se apressaa me dar a sua própria cadeira e a buscar um novo lugar para si. Simpático, pensoeu, ainda há lugar para gentilezas. Agradeço, meio sem jeito por causar algumtipo de transtorno aos alunos, mas eles não parecem se importar.Não faz calor, tampouco frio. O clima é um fator neutro (positivo, talvez?) e nãoparece causar nenhum problema à experiência de ensino que as alunas-professorasestão prestes a vivenciar. Muitas bolinhas de papéis voam pela sala em meio aoambiente caótico que se instaura nos minutos iniciais da aula. Mas, os alunos aospoucos dão sinais de que percebem o começo da aula e iniciam um processolento e gradativo de acomodação. É uma rotina à qual se submetem dia após dia,mas aparentemente sem se sentirem totalmente confortáveis. A escola pareceum lugar ao qual precisam se adaptar e se acostumar, mas que talvez não tenhaum significado claro em suas vidas.A professora inicia o processo da chamada, contar os alunos que estão presentes.Por orientação minha, procura não aumentar muito o tom de voz enquantochama os nomes dos alunos. A estratégia parece dar certo, pois ouvem-se menosgritos de �presente!!!�, ou �não vem mais!!!�. Fico pensando, por que razão umaluno não viria mais? Terá começado a trabalhar? Mudou de turno? Cansou-seda escola? O que motiva um aluno a seguir estudando, ou a abandonar os estudos?A professora inicia sua aula procurando contextualizar o tema, torná-lo maispróximo dos alunos. O assunto é a família, seus membros, sua estrutura. Assuntodelicado, penso eu. Como serão as famílias destes alunos? Como se sentem emsuas casas? Alguns talvez morem com os avós, outros com os tios, outros, ainda,com o pai, ou só com a mãe. Mas a abordagem dos alunos-professoresaparentemente não causa nenhum tipo de alteração no humor dos alunos, queparecem interessar-se pelo assunto.A professora cola no quadro algumas imagens de pessoas (possíveis famílias),tiradas de revistas, e escreve parentescos abaixo de cada uma, enquanto pede aosalunos que repitam �mother�, �father�, �cousin� e assim por diante. De repentealguém grita: �professora, meu pai é foder�. Difícil conter as risadas, a agitaçãodos alunos. Alguns aproveitam o momento e levantam-se de seus lugares,começando uma peregrinação sem fim pela sala. Passam por um colega, dão umsoco no braço, vão até a carteira de alguma menina e depois atravessam a salapara pegar uma borracha, cola, ou algo assim. Seria tão difícil, enfim, pedir que

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não saíssem de seus lugares, que permanecessem sentados durante a aula? Seriamuito duro olhar nos olhos e pedir, �please, sit down�, ou �please, be quiet�?Tenho a impressão que existe receio por parte dos professores, hoje em dia, dechamarem a atenção de um aluno, de deixarem claras as regras de conduta desala de aula. Alguém pode se ofender e bater no professor! Na minha época deestudante não era assim, penso eu. Mas esse pensamento soa deslocado esaudosista. A questão que se coloca é: o que faria os alunos realmente seinteressarem pela escola? Trata-se de uma questão de postura do professor, ou oproblema é mais profundo?(Francisco)

ALUNA�PROFESSORA ROUBANDO A CENAA aluna-professora chegou à sala da supervisora de estágio para mostrar o relatóriodas três observações de aula realizadas em uma escola pública na semana anteriore uma realizada naquela manhã. Estava ansiosa e preocupada.Ela resolveu relatar sobre uma aula da 6ª série, contando que as dez e trinta ecinco os alunos entraram ruidosamente na sala após o intervalo para o lanche.Continuaram conversando sem perceber a sua presença sentada no cantoesquerdo da sala. A professora pediu que sentassem em seus lugares e prestassematenção à aula porque havia uma estagiária observando-os; naquele momentomuitos se voltaram para ela. Ela disse: Foi estranho ser o alvo das atenções. Algunsalunos começaram a me questionar onde eu estudava, porque eu tinha que observar aulas, seeu iria dar aula para eles e se eu lhes ajudaria se a professora pedisse alguma atividade emsala. Isso me deixou preocupada e nervosa porque a professora estava plantada em frente aoquadro esperando para iniciar a aula olhando fixamente para mim. Pedi que prestassematenção à aula e o que a professora solicitasse eu faria.A professora regente distribuiu folhas fotocopiadas de um texto, explicou oconteúdo usando o quadro de giz e lançou um desafio: quem resolvesse osexercícios mais rapidamente e com maior número de acertos ganharia um conceitoem nota extra para o bimestre. Ela contou que naquele exato momento a maioriase deslocou em sua direção pedindo sua ajuda. Ela ficou estática e olhou para aprofessora regente em busca de auxílio e consentimento. Vendo que não teriaum controle real da situação, a professora convidou-a para ir à frente da turma eajudá-los a resolver as atividades.Tudo correu muito bem e todos resolveram as questões propostas de forma corretae adequada. Então em poucos minutos, ela passou de observadora a regente desala. Ficou tão preocupada sem saber qual seria a reação da professora frente àsituação que ao término da aula agradeceu, se despediu de todos e saiu diretamentepara casa. Sua preocupação era como voltar à escola para fazer o estágio depois

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de ter sido foco das atenções roubando a cena sem querer. Conversando sobre asituação, ela resolveu que no dia seguinte iria até a escola para conversar com aprofessora. Apesar de tudo que havia ocorrido, disse que estava muito feliz porquetinha praticamente dado uma aula, o que seria o seu maior desafio com estagiária.(Helena)

CONHECENDO A ESCOLA PÚBLICARegina, a professora colaboradora, havia se disposto a nos receber para umaprimeira conversa sobre a observação de aulas no colégio público estadual (aliás,um dos maiores da cidade). Pontualmente, cheguei e a encontrei conversandocom a diretora. Se despediu e em seguida me apresentou. �Ah, que bom que veioalguém da universidade finalmente falar com a gente�. Queria me passarinformações sobre os estagiários (em grande número) que vêm atuando nocolégio. �Você é a primeira que aparece neste ano�. �Os alunos têm vindo combarriguinha de fora, despenteados, direto da balada e atrasados. Precisamos passarpara eles as normas do colégio�. Agradeci, aliviada que nenhum deles era deinglês, e disse que iria encaminhá-los para essa orientação inicial na supervisão.Ao caminharmos pelo corredor encontramos a primeira aluna. Apresentei-a elogo em seguida chegou o segundo aluno. Fomos para a sala dos professores. Osalunos mudos. Perguntei sobre os horários das aulas, o que vinha fazendo comas turmas, que material didático usava. Entusiasmada Regina comentou: �estouadorando o livro didático público�! Nos falou então das atividades que fez coma primeira unidade, sobre Shakespeare. Mostrou sua disposição em prepararatividades extras, buscar filmes, letras de música e disponibilizar tudo para oscolegas. �Quero colocar isso no portal, se for possível�. Os alunos mudos.Um professor entra na sala e comenta sobre sua falta de voz. Estava saindo emlicença. Chega a terceira estagiária. Lembrei-me da recomendação da diretorasobre pontualidade. Nisso entra outra professora de inglês, nos cumprimenta eem seguida chega outra, sem voz. �Vocês se cuidem, eu não cuidei da minha voze agora estou assim�, diz ela aos estagiários. �Já fiz até cirurgia e não adiantou�.Penso com meus botões: vai ver que é por isso que estão mudos (já economizandoa voz para o futuro).Pergunto à Regina como os estagiários podem colaborar. �Preparando atividadesextras. O livro do fundamental é o Start up�. As aulas da tarde são do fundamentale aparentemente todos irão fazer observações nesse horário. Vamos então até asala da professora. �É possível fotografar?� Penso na arquitetura da sala de aula,as carteiras carregadas de error-ex e as inúmeras mensagens escritas naquelamobília que lembra um lugar que poucos valorizam. Regina, entusiasmada, nosfala dos recursos disponíveis: data show, vídeo, DVD, toca CDs � todos comreserva antecipada, naturalmente. Seu entusiasmo é contagiante. �Eles gostam

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das minhas aulas, mas é preciso se impor. Eu consigo isso fazendo com quegostem das atividades�. Os alunos mudos.Nos dirigimos para a saída. Cruzamos com uma sala onde a professora usavamicrofone. Regina não o usa. Os estagiários, finalmente, agradecem e sedespedem. Permaneço curiosa: o que, afinal, teriam gostado de saber?(Telma)

DIVISÃO DE TRABALHOÉ terça feira e estamos no final de mais um encontro coletivo. São cinco e meiade uma tarde fria de junho, e o vento gelado invade nossa sala pequena e escura.Conversamos sobre o andamento dos mini-cursos que estão sendo aplicados emduas escolas profissionalizantes, sobre os materiais e os relatórios.Todos se despedem, exceto uma dupla. Elas aguardam a saída de todos paraconversar comigo em particular. Sento ao lado delas e pergunto qual é o problema.Meio sem jeito, elas começam dizendo que estão preocupadas, pois fazem aregência em trio e a terceira pessoa do grupo não tem participado da elaboraçãodas aulas. Dizem que já tentaram falar com a pessoa, mas que foi em vão. Sabemtambém que não é possível mudar agora, que terão que terminar a regência nessetrio, pois faltam poucas aulas.O desabafo das meninas me trouxe à mente o problema de outra dupla ocorrido doismeses antes. Nesse caso, uma estagiária reclamava que sua colega dominava o trabalho,que não deixava espaço para que ela também sugerisse materiais e atividades, e que atratava como uma assistente durante as regências. Desmanchei a dupla, e a garotaque reclamou formou outra dupla com uma que estava sozinha. No entanto, aoouvir o outro lado da história, percebi que não era bem daquele jeito.Esses dois casos me fizeram refletir sobre duas coisas: primeiro, o lado negativode fazer regência em duplas ou trios � uma solução longe do ideal, mas necessáriaquando se tem um número grande de estagiários para observar. A segunda, nadificuldade que algumas pessoas têm em trabalhar em grupo, em compartilhar edividir trabalho.Indo um pouco mais além, faço uma ponte entre essa segunda reflexão e aprofissão professor, muitas vezes caracterizada como solitária e individualista. Oprofessor é solitário, pois raramente se integra aos outros professores, eindividualista, pois suas decisões pedagógicas são situadas e dirigidas somenteaos seus alunos. Parece-me que a força da personalidade do profissional determinatal caracterização. Parece-me que isso se revela já na formação inicial das minhasestagiárias, perpetuando, inconscientemente, os modelos a que foram expostas.(Gladys)

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DOIS PAÍSES, VÁRIAS AULAS E UMA MESMA QUESTÃOO projeto previa que estagiários do Brasil e do Chile conhecessem melhor arealidade do ensino de inglês nos dois países. Também previa a visita de brasileirosàs universidades em Santiago e de chilenos à nossa universidade.Assim, em novembro, recebemos a visita de professora de prática de ensino chilenae fomos a duas escolas públicas na cidade de Londrina. Na primeira escola,assistimos a aulas de duas professoras. A sala mal comportava mais duas visitantes.O objetivo da aula era trabalhar com gêneros textuais. Alguns alunos inquietos,no fundo da sala, conversavam sobre outros assuntos. Pouco inglês fora usadoem sala. Na segunda aula, a professora resolveu apresentar a visitante e pedir aosalunos que lhe fizessem perguntas em inglês. �What is your name�? �Are youmarried�? �Who�s your favorite singer�? Ela ia respondendo e a professoratraduzindo. As perguntas que os alunos queriam fazer e não sabiam, ela traduzia.�What do you eat in Chile�? e indagações semelhantes ocuparam a entrevista.Na segunda escola, maior, no centro da cidade, os alunos fizeram os exercíciospedidos pela professora. Eu e a visitante, sentadas ao fundo, recebíamos perguntassobre como resolver a tarefa que, corrigida pela professora, deu lugar a umaentrevista com a visitante. Ela comentou sobre a revolução dos pingüins, aludindoao movimento dos estudantes chilenos por melhor qualidade na educação. �Howdo you compare the education in Brazil and Chile�? �Why are the studentsprotesting?� Do you think Brazil is better than Chile?� e as esperadas �What doyou eat� and �Where do you live?�.Comparados com os estagiários de 3o. e 4º. Anos da universidade, os estudantesdo ensino médio perguntaram mais. Mesmo instigados, os estagiários nãodemonstraram curiosidade para saber do Chile ou mesmo falar de como estavasua formação. Alguns se arriscaram, timidamente. Outros, nem isso.Em nossa visita a uma escola chilena, as aulas assistidas no mesmo nível revelaramdesinteresse igual. Aqui os alunos se mostraram mais comportados. O resultadoda aprendizagem pode ter sido semelhante, mas a aula teve mais significaçãopela presença da visitante que não falava português.Na universidade, no contato com estagiários chilenos, recebemos perguntas sobreo tipo de inglês que ensinamos, como são formados os alunos, e lhes perguntamoscomo avaliavam seu curso. Surpreendeu-nos a proficiência exibida, bem como apostura questionadora diante do quadro educacional e desigualdades sociais.Nossa visitante também se surpreendeu, esperando que os alunos brasileirosfizessem mais perguntas e respondessem a seus questionamentos. Após apresentara situação da educação no Chile, perguntou: Are there any similarities/differencesbetween our countries? What kind of awareness is needed for your reality?Sem resposta, encerramos a sessão, com a dúvida se a formação crítica pode serrevelada no silêncio.(Telma)

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É AULA DE INGLÊS, NÃO É?�Pessoal, pessoal, olha aqui�, diz o professor, procurando chamar a atenção da turma.�Vamos corrigir o exercício da aula passada, OK?�. Como os alunos não parecematender seus pedidos, a aluna-professora repete seus apelos de forma mais veemente:�silêncio, pessoal!�. Os alunos finalmente atendem e a correção se inicia. �Tiago, porfavor, você poderia responder a questão 1?� Tiago responde corretamente e aprofessora elogia: �muito bem, está correto�. �Alguma resposta diferente?�.Após a correção da atividade, a estagiária propõe que façam um outro exercício.�OK, agora vamos fazer o exercício 2, tudo bem?� �Vocês têm 10 minutos prafazer a atividade, certo? Vamos lá. Vocês podem fazer em pares�. Os alunos seorganizam e começam a fazer a atividade, enquanto a estagiária passa pelas carteiraspara ver como vai o andamento da mesma, tirando dúvidas e ajudando. Depoisde passados os 10 minutos, a estagiária declara o fim da atividade e hora paracorreção: �OK, vamos corrigir, está bem? Terminou o tempo. Atenção, pessoal!�.Pensei: por que a aluna-professora não tentou utilizar os comandos e instruçõesem inglês? Me parece que todos eles poderiam ser perfeitamente compreendidosse a língua alvo fosse utilizada. Será que não haveria um benefício por parte dosalunos em escutar mais inglês em sala de aula? Tenho a impressão que se trata deuma mistura de receios: receio de não ser ouvido, receio de que os alunos nãoentendam e não obedeçam, receio de não conseguir falar inglês na frente daturma, receio de que o supervisor critique algo, talvez. Que diabos, penso, éaula de inglês, não é?(Francisco)

ELIZABETH, A ESTAGIÁRIA CHIQUÉRRIMAJá faz mais de cinco anos, mas me lembro da Elizabeth como se fosse ontem. Erameu primeiro dia como supervisora de estágio do último ano de letras de umauniversidade particular. Naquela ocasião, o curso de Letras da instituição era�mesclado� ao curso de Secretariado Executivo e o discente optava pela habilitaçãono último ano. Estranho, mas era verdade.Entrei na sala e senti que o que eu falasse seria decisivo para que alguns alunosmantivessem sua escolha pela habilitação em Letras ou saíssem correndo paraver a papelada de migração para a outra habilitação.Bom, tudo correu bem e foi neste dia que conheci a Elizabeth. Ela e o maridotinham uma empresa de comunicação na cidade e, por muitas vezes naqueleano, fiquei pensando porque a Elizabeth tinha feito um curso de Letras, masnunca tive coragem de perguntar, pois teria que me explicar em relação ao meuquestionamento.

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Ela era diferente de todas as outras alunas de Letras que já eu tinha visto (inclusivede mim mesma), pois estava sempre muito bem vestida, sempre de escarpins decores variadas (sapato fechado, com salto alto e uma linha que se afina em direçãoao bico), sempre com muitas jóias, sempre levemente maquiada e com o cabelopreto e liso impecavelmente escovado. Mas não era só a aparência, ela era muitodivertida e sempre conseguia chamar a atenção por sua capacidade de comunicaçãoe simpatia. Todos gostavam dela: as alunas bem sucedidas, as alunas inseguras, asalunas com dificuldades de aprendizagem, os professores menos e os professoresmais exigentes. Ela transitava por todas as esferas, da sala da reitora ao tio docachorro-quente na frente da universidade (bom, neste caso o tio a conhecia depassagem porque nunca na vida você poderia imaginar a Elizabeth comendo umdogão - não seria apropriado comer de pé com um terninho de marca famosa).Eu mesma gostava muito da Elizabeth.Bom, lá fui eu assistir a aula da estagiária Elizabeth. Apesar de a escola ser pertodo centro da cidade, fiquei impressionada com a pobreza daquele lugar. A escolaera cercada de casas boas em um bairro bem localizado. Fiquei pensando deonde vinham aqueles alunos com roupas surradas. A sala estava bem deterioradae as cortinas estavam rasgadas.Contrastando com a pobreza, estava a Elizabeth. Tudo nela me lembrava a revistaCaras. Ao entrar na sala, fiquei pensando que queria observar a reação dos alunosdiante da presença da Elizabeth; na verdade, tinha receio que a riqueza dela fosseuma afronta aos alunos. Mas que nada! Para minha surpresa, os alunos olhavampara ela como que hipnotizados, nunca vi tanta atenção, tanto interesse.O tema da aula era profissões. Enquanto ela escrevia no quadro, eles anotavamalegremente e tudo corria bem, quando aconteceu algo esperado. Ao perguntaras profissões dos pais dos alunos, um deles ergueu a mão e perguntou: �Professora,meu avô disse que meu pai é estelionatário, como se fala isto em Inglês? Instaurou-se o silêncio. Eu mesma fiquei ansiosa para ver a reação dela. Ela tirou os óculosChanel que seguravam seu cabelo, colocou os óculos de grau, pegou umdicionário e procurou a palavra. Como não a encontrou, disse ao aluno: �Meuquerido, vou procurar em um dicionário mais completo e trago para você naaula que vem, certo?�Elizabeth caminhava pela sala durante a execução dos exercícios e eu continuavaperplexa ao ver o olhar de admiração dos alunos diante da presença dela. Atéhoje me pergunto qual seria o segredo do magnetismo da Elizabeth.(Samantha)

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ENTRE O CONTROLE DO TEMPO E O RESPEITOAO RITMO DO ALUNO

Dia de observação de aula. Estamos em junho, mas o dia está quente e bonito.Chego à escola profissionalizante e minha aluna já me espera no refeitório. Oambiente lá dentro é tranqüilo, contrastando com o barulho da conversa dosalunos lá fora. Cumprimento a todos, e o tio do cafezinho insiste para que eutome um café. Eles já se acostumaram comigo perambulando por ali.Vou à sala com minha estagiária. Ela abre o cadeado e a porta de vidro. A sala égrande, comprida e bem iluminada � vitrôs no alto e grades, mesinhas para dois,uma atrás da outra, e cadeiras. Sento na última mesinha, tentando ser discreta.A estagiária não fez plano para me entregar, mas me informa que escolheu umtexto sobre duas cantoras do momento que gravaram uma música juntas. Apóstrabalhar o texto, ela dará a música. Parece interessante para a turma. Veremos,penso eu.Os dezesseis alunos vão entrando e sentando. A aula começa em meio ao blá blá bládos alunos e minha aluna decide ler o texto sobre as cantoras em voz alta. Fico meperguntando por que ela decidiu fazer isso. No entanto, para minha surpresa, osalunos prestam atenção quando ela lê! Também me pergunto por quê.A aula continua e eu observo uma série de coisas que me deixam inquieta. Entreelas, talvez a que mais me preocupa, é a questão do tempo dedicado às atividadespropostas. Explico-me: para uma aula de 1h15� (descontando 15� de interrupçõespara avisos), houve pouca produção. Os alunos tiveram muito tempo pararesponder umas poucas perguntas e ouvir/preencher as lacunas de uma música.Diante disso, consequentemente houve muita conversa e dispersão.Fico pensando na dificuldade em aprender a lidar com o tempo de formaprodutiva. Quanto tempo demora para aprendermos? Será que aprendemos?Talvez o que dizem por aí - �Na aula de inglês a gente não aprende nada� e �Naaula de inglês a gente não faz nada� � seja justamente fruto da falta de habilidadena administração do tempo e no volume de trabalho durante as aulas. Será queos professores têm pena de sobrecarregar os alunos? Será que eles têm dificuldadepara estimar o tempo necessário para uma determinada atividade e buscar cumpri-lo dentro das possibilidades da turma? Como levar o estagiário a atingir oequilíbrio entre tempo de produção e respeito ao ritmo do aluno?(Gladys)

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ENTUSIASMO E RECEIO NA PREPARAÇÃO DE AULAEntra na sala do departamento de Letras uma aluna-professora que necessita deauxílio na preparação final de sua aula para o ensino fundamental. Ela traz o seuplano de aula, o material didático preparado de acordo com o pedido da professoraregente da sala de aula em questão. Ela está cheia de entusiasmo pela experiência,mas receosa e preocupada em não dar conta do recado.Questionada para saber como foram os últimos preparativos de sua aula, ela diz:�Professora, não sabia que preparar uma aula dava tanto trabalho. Estoupreocupada porque minha turma será de 35 alunos e não sei se darei conta dorecado.� A professora supervisora procura animá-la, dizendo que no começo é assimmesmo, mas com certeza tudo se tornará mais fácil com uma boa preparação e práticaconstante. Ela mostra o planejamento e o material didático preparado, questionandoonde há dúvidas, fazendo alguns ajustes, correções e tentando prever quais seriam assuas dificuldades no desenrolar da aula. Em seguida, ela pergunta: �Professora, oque é mesmo esse tal de �Ice Break e Warm up�, a gente tem que fazer isso também?�A professora supervisora diz que seria bom, para tornar a aula mais agradável. Daí,ela pergunta: �Posso usar qualquer jogo, já tenho alguns preparados?� A professoraexplica que a aula se tornará mais interessante e divertida se for preparado algorelacionado com o contexto a ser trabalhado. A aluna diz: �Então é por isso que aprofessora da turma me pediu uma aula diferente, porque por falta de tempo elanão consegue preparar atividades lúdicas�. A professora pede para preparar algodentro daquelas inúmeras atividades lúdicas que foram apresentadas em sala deaula, das quais ela também participou. �Ok, então vou preparar e a senhora mediz se está de acordo com o meu conteúdo. Puxa, pensei que hoje já teria tudo,não é à toa que os professores se estressam�, ela disse.Conversam mais um pouco, tentando dissipar as preocupações resultantes dessaexpectativa, confirmando que é necessária muita dedicação e carinho para seentregar a esta profissão.(Helena)

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ÉRAMOS SEISSete de novembro de 2006. Sol, calor, uma sala de pesquisa do LEM (182) noprédio novo do CCH como cenário e um retroprojetor antigo e barulhento nasala. Éramos seis: quatro estagiárias formandas, eu (professora de Prática deEnsino) e uma convidada ilustre (formadora de professores do Chile e participantede um Projeto entre Brazil e Chile). Tinha expectativa muito grande em relaçãoao encontro, pois, conversaríamos sobre os dados coletados no Projeto Brazil-Chile até aquele momento, bem como sobre os perfis profissionais dessas futurasprofessoras.A aula foi iniciada com uma apresentação aos participantes, seguida da exposiçãodas alunas sobre a organização das informações acerca da Formação de Professoresno Brasil e no Chile, advindas das trocas de e-mail durante pouco mais de 12meses. A exposição possibilitou que a professora visitante do projeto avaliassecomo incompleto o conjunto de dados provenientes dos participantes chilenos.Além da descrição, as alunas comentaram as análises preliminares e parciais emque avaliaram os domínios de conhecimentos tematizados pelas atividadespropostas na disciplina PEI (Prática de Ensino de Inglês) em duas universidadesdos dois países. A discussão gerou reflexões sobre a prática profissional e osproblemas da formação inicial.As alunas lamentaram sua baixa proficiência lingüística e culparam o sistema, asaulas, o material e pouco avaliaram sua co-responsabilidade no processo deaprendizagem. O foco da discussão na falta de domínio da língua estrangeira foialavanca para um debate sobre o que se ensina na escola: o recorrente foco nagramática, a língua descontextualizada, o baixo uso da LE, etc. Essas característicasforam avaliadas como práticas comuns às salas de aula nos dois países. Ao relatariniciativas como a do Projeto Parceria e a do Projeto Materiais Didáticos, mechoquei com a avaliação:- �...isso não representa nada. É muito pouco para um problema que impera nosdois países�.Na mesma hora intervim dizendo:- �Se achasse que não valeria pena, eu não estaria aqui.�A convidada repetiu o comentário justificando que precisamos trabalhar com oscoletivos e com o uso de inglês em sala. Para ela, suas visitas às salas de aulas emescolas brasileiras (londrinenses, mais especificamente) mostraram que tambémusamos pouco inglês e que, portanto, nossos contextos convergem para umamesma demanda:�...o professor de inglês precisa saber mais inglês para poder ensinar inglês�.No calor da discussão, a professora pede que as estagiárias descrevam o quefariam em uma sala de aula da rede pública. Vale ressaltar que haviam declarado

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estarem satisfeitas com metodologia e prática de ensino.- �Aprendemos a dar aula, mas não o conteúdo da aula�.As respostas foram ilustradas com atividades como introducing myself (primeiraunidade típica de livros didáticos), uma relação de léxicos conhecidos (palavrasem inglês do nosso cotidiano e reconhecimento de cognatos), verbo to be (primeiraestrutura a ser ensinada) e a situação de apresentação no primeiro dia de aula.Conforme as alunas iam descrevendo, ia me afundando na cadeira. Essas alunastrabalharam em grupos pequenos na PEI dos 3o. e 4o. anos. Trabalharam emprojetos de extensão desenvolvidos na escola. Conviveram com professores queestão se esforçando para promover novas práticas em sala. Leram, discutiram epesquisaram a formação de professores e as dimensões do trabalho do professor.Tiveram a oportunidades de tempo e de recursos (financeiro, inclusive, por meiode bolsa de IC) como parte de seu processo de formação.Para meu desespero, minha tristeza, minha frustração, isso não apareceu nasrespostas. O que orientou cada resposta de cada aluna foi as experiências comoaprendizes de língua, suas aulas de inglês, os conteúdos comumente selecionadoscomo objetos ensináveis. Pensei:- �O que foi que eu fiz? Ou melhor, o que foi que eu não fiz?Esta aula foi uma experiência que marcou profundamente minha atividadeprofissional. Estava me sentindo como se alguém estivesse me empurrando doalto de um precipício ou como a Dona Lola no final do romance de Maria JoséDupré: �eram seis, agora só resta ela�.(Vera)

ESTÁGIO? OH, MY GOD...Estava eu no limiar de uma nova experiência. Finalmente, depois de dois anos depreparação, colocaria em prática, daria início aos meus estágios. O que poderiadar errado, todos os professores dizendo que basta ter calma e tentar entenderaos alunos, conhecê-los, parecia tudo muito fácil, chegaria lá arrasando.Meu primeiro contato não foi uns dos melhores: sala cheia, quase 50 alunos,bagunça, arrasta carteira daqui, arrasta carteira dali, tudo era motivo de maisbagunça. Fiquei preocupada, mas era a primeira observação que fazia, penseique se tratava de um dia difícil, estavam agitados por alguma coisa que aconteceraantes, ou coisa assim. Passou mais uma observação e nada mudava, e assim foramnas aproximadamente 10 observações que fiz. Naquele momento passei a mepreocupar.O estágio seria feito em dupla, pensei �como seremos duas, ficará mais fácil decontrolar a turma, e como éramos novas, com novas propostas, eles se

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comportariam�. Esse foi meu primeiro grande engano. Cheguei lá, tinhapreparado minha melhor aula, teoricamente. Minha amiga chegou me dizendo�estou tão preocupada que nem dormi à noite�. Meu nervosismo só começara ase manifestar. Naquele instante, senti meu corpo duro, meu coração aceleravamais e mais. Bateu o sinal, era chegada a hora do vamos ver. Entrei na sala epensei �Oh, my God...�, pareciam ter se multiplicado, a sala estava lotada, aprimeira fileira quase encostada no quadro, papel era o que mais tinha no chão,parecia um completo caos. Respirei fundo e bola para frente. Foi quando percebi,para piorar ainda mais a situação, que não conseguia mexer o pescoço, somentedoía, meu nervoso era tanto que fiquei com torcicolo.No final, a aula não foi tão ruim, houve até certa cooperação deles, mas minhavontade era dizer para a minha orientadora: �chega por aqui, nunca mais queroentrar em uma sala de aula�. Acabou não sendo assim. Terminei o estágio e gosteimuito. Não é a toa que voltei lá, no mesmo colégio, para fazer meus estágios doquarto ano.(Lívia)

INTERESSE(S)No corredor ao ar livre circulavam os retardatários. Na sala de aula, as paredessujas, as carteiras antigas e o quadro de giz indicavam o caráter atemporal doespaço. Fosse a cena 20 anos antes e o ambiente teria sido o mesmo, exceto pelagaiola com a TV e o vídeo-cassete. Marca da relação do patrimônio com acomunidade, na estrutura de ferro caberiam até mesmo um ou dois alunos malcomportados. Teria sido essa a intenção inicial?O relógio marcava 16h15 e eu continuava sozinha na sala. O primeiro alunochegou nessa hora e resolvi aguardar mais um pouco as outras duas alunas. Oquarto aluno matriculado ainda não tinha aparecido para o que seria o terceiroencontro do grupo. Quando elas chegaram foi iniciada a conversa, mas nenhumdeles tinha ainda feito cópia do material que seria utilizado. O aluno queria sabercomo seria o estágio, como seriam distribuídas as horas, como seria a avaliação.Reforcei as normas de horários e comparecimento e chamei a atenção para oprograma. Expliquei novamente cada passo ali detalhado. Pedi que explicassemse havia algum problema para chegarem mais tarde. Disseram que não, que eutinha tido �azar� de pegar justamente os alunos que mais faltavam às aulas.�Não quero ser professora não�, disse Maísa. Perguntei então por que estavamno curso de Letras. �Porque gosto de inglês�. �Porque era curso mais fácil depassar�, disse Paulo. Peço que façam ligações entre suas histórias e o texto queestava agendado para leitura. Como não têm o material, terão que fazer issocomo tarefa de casa. �Quero ser tradutora�, diz Maísa. Explico que o curso nãotem esse objetivo e que está voltado para formar professores. Proponho comotópico de conversa a relação que estabelecerão com a escola.

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Exploram os propósitos de se fazer observações nas escolas. �Nunca pisei numaescola pública, não tenho idéia do que se faz lá�, diz Maísa. �Já fui uma vez, paravotar�, justifica Ana. Sugiro que essa falta de familiaridade pode ser uma vantagem,pois olharão a escola com olhar antropológico. O propósito não é avaliar, masentender o que acontece e por que acontece. �E alguém aprende alguma coisa lá,professora?�, me pergunta Ana. Digo que sim, que a escola que irão observartem boas experiências, e que independentemente de terem ou não experiênciaspositivas para relatar, o importante seria que procurassem analisar o que acontecelá, procurando conectar as aulas com a macro-estrutura da escola. Que procuremencontrar as razões pelas quais as aulas são como são.Combinam então de ir juntos conversar com a professora para acertar os detalhes.Marcam o horário e recomendo que peguem em seguida o material didáticojunto à secretaria do departamento. Três dias depois ainda não tinham aparecidopara apanhá-lo.(Telma)

MINHA PRIMEIRA OBSERVAÇÃOSábado de manhã, Fabiana, aluna do 3º ano de Letras, sai de casa para fazer a suaprimeira observação de aula. Sua professora de estágio deixou que ela fizesse namesma turma que faz aulas de inglês, então estava mais tranqüila, pois já conheciabem a escola e a professora do campo de estágio. Imaginava também que aprofessora iria fazer algo diferente para a aula, pois pediu um tanto preocupadaque a aluna a avisasse com uma aula de antecedência o início do estágio, ouobservação.Passado dez minutos do início da aula, todos os alunos �já� haviam chegado.Eram cerca de 12 alunos, um número muito bom para uma aula de inglês. Aomesmo tempo em que observava, ficava imaginando como seria o estágio nooutro contexto que ainda estava por vir: a aula de inglês na escola pública.Por ser um nível já avançado, todos falavam em inglês durante a aula e os alunoseram muito participativos. Nunca ficava aquele silêncio em sala, com a professoraà espera de uma resposta; pelo contrário, todos faziam questão de perguntarquando não entendiam.No início da aula a professora avisou que iriam receber a visita de uma garotaescocesa para poderem conversar com ela, e pediu, por favor, que fizessemperguntas. A aula se inicia normalmente, a unidade falava sobre formas derelacionamentos, o que causou muito interesse dos alunos. Todos faziamcomentários e as meninas falam coisas em segredos e riam. Só havia dois homensna sala. A professora perguntara aos alunos se eles gostavam de musicais e, porazar, todos disseram que não. Então ela contou que havia trazido um que tratavado assunto e insistiu em passar para os alunos. Como era de se imaginar, ao finaldo curto vídeo ninguém fez cara de aprovação.

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Logo em seguida, chega a estudante escocesa e, ao contrário do que tinhamcombinado, ela mesma começa a fazer perguntas sem parar aos alunos, um porum. Meio tímidos e inseguros, responderam, mas também não fizeram perguntas.Após a professora fazer mais alguns exercícios com os alunos usando sua lousainterativa, a aula acaba. A professora vai imediatamente falar com Fabiana e brincadizendo, �você só fez elogios aí pra mim, né?�. A aluna então mostra o questionárioà professora e promete mostrar todas as anotações depois de prontas.(Fabiana)

MUDANÇA DE RUMOEra sexta-feira, aula de estágio, não havia muitos alunos na sala, acho que nemna faculdade, pois o silêncio reinava no local. A maioria tinha ido a um show emLondrina. Os que estavam presentes exibiam um ar cansado e desestimulado.Iniciei a aula perguntando sobre as aulas de observação que eles haviam realizadonaquela semana. Começou o burburinho, uns falavam exaltadamente, outrosreclamavam baixinho, mas o que pude perceber foi que, de forma geral, todosestavam reclamando do comportamento dos alunos em sala de aula. Os alunoscomeçaram, então, a contar o que tinham visto.- A professora da sala que observei era muito rígida - disse um deles.- Na minha sala tive a impressão de que a professora não estava lá, tamanha abagunça e conversa - retrucou outro aluno.De repente uma aluna virou em minha direção e disse:- Professora, sou nova ainda, depois dessas aulas de observação decidi uma coisa:vou mudar de profissão, não quero nem tentar entrar naquela balbúrdia. Vourealizar as regências, pois estamos quase no final do ano e só falta isso para euconcluir meu curso. Mas de uma coisa eu tenho certeza, não quero isso paramim.Todos os alunos ficaram olhando para ela sem entender. As palavras fugiram demim. Não consegui encontrar argumentos para que ela mudasse de idéia. Elame pegou de surpresa. Talvez fosse melhor que ela não insistisse mesmo. Serprofessor hoje exige vocação.(Alessandra)

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NÃO QUEREMOS AULA DE INGLÊSNa sétima aula de regência de Flávia, marcamos a avaliação. Cheguei à escola nahora combinada para assistir a quarta aula. Flávia chegou alguns minutos depoisde mim. Fomos até a supervisão para que ela pegasse alguns materiais e, paranossa surpresa, a supervisora disse que o horário havia sido mudado naquele diadevido à falta de um professor. Os alunos teriam naquele horário da aula deInglês, uma aula de Educação Física. Ao ver a expressão de desânimo da estagiária,a supervisora disse que falaria com a professora de educação física da turma paraque ele cedesse sua aula para a estagiária. Concordamos, mas não achei uma boaidéia. Os alunos ficariam revoltados, pois já sabiam que teriam educação físicanaquele horário.Após o sinal do recreio os alunos foram recolhidos. Quando entramos na salaem que seria a regência, começaram as reclamações. Muitos já haviam guardadoo material para ir à quadra e outros já estavam em pé. Eu já comecei a ficarapreensiva. Esta não iria ser uma boa regência, conheço os alunos. Eles não abremmão da aula de educação física.Uns diziam:- Não professora, nem pensar. Educação Física é Educação Física. Não é justoter que ficar sentado aqui. Deixa essa aula para outro dia.- Professora, hoje não dá. Nosso horário mudou, a professora avisou ontem queagora seria Educação Física. Nós queremos Educação Física.- Nós nem trouxemos material, professora - dizia outro.Ficamos eu e estagiária olhando para todos os alunos contrariados. Tanto osmeninos quanto as meninas reivindicavam seus direitos. Sugeri à aluna quemarcássemos outro dia. Seria melhor para ela naquele momento.Voltei para casa imaginando como incentivar ainda mais os alunos-professores atrabalhar de forma lúdica a fim de atrair os alunos de forma tão prazerosa quantoa Educação física.(Alessandra)

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NUNCA FALOU, E QUANDO FALOU ME APAVOROUAntonio sempre ficou calado nas minhas aulas. Não conversava com ninguém.Era um elemento estranho para a turma toda. Estranho para mim também. Naterça-feira à noite, após o término de mais um grupo de estudos, quando eu jásaia da sala de aula, ele, pela primeira vez, dirige algumas palavras à minha pessoae me comunica que na manhã seguinte faria sua primeira regência. Peço que meexplique como ele poderia já dar sua aula, uma vez que ainda não havia tidonenhuma sessão de orientação. Ele me informa que já tinha estado na escolaconveniada, observado as seis aulas da turma de sua escolha, e combinado com oprofessor regente o início de sua prática. Tento convencê-lo de que ele não poderiainiciar sua prática sem minha orientação, e acabo convencida por ele que eu nãodeveria me preocupar. Sua aula estava já planejada e ele se reuniria comigo naoutra semana para discutirmos os próximos planejamentos.Na manhã seguinte, um pouco inquieta com a idéia de que Antonio iria dar umaaula sem o meu conhecimento de seu planejamento, resolvo deixar às pressas areunião em que eu participava. Dirijo velozmente pelas ruas da cidade em direçãoao colégio onde Antonio daria sua primeira aula. A aula que quase me mataria desusto. Estou sentada no fundo da sala e Antonio pede aos alunos que prestematenção nas frases que ele vai ler. E começa a ler: Eu tenho uma namorada muitoestranha. Ela só quer o meu grandão de 25 centímetros. A noite passada ela sóficou feliz quando eu coloquei o meu grandão de 25 centímetros. Depois queela conheceu o meu grandão de 25 centímetros, só o meu grandão de 25centímetros a deixa satisfeita.A cada frase lida, meu coração batia mais forte e os alunos ficavam mais frenéticos.Alguns gritavam que o grandão de 25 centímetros era de fulano ou de sicrano.Outros riam muito e diziam: esse cara é louco. Outros me perguntavam se euestava ali para avaliar a aula dele e se ele seria aprovado ou reprovado. Na minhamente, cenas horríveis se passavam: eu sendo chamada na diretoria da escola,pais de alunos me processando, o núcleo regional dando entrevista no jornalsobre o caso.Logo em seguida Antonio vai à lousa e escreve em inglês 10 inches. Pergunta aosalunos o significado. Ninguém sabe. E aí ele explica que 10 inches é 10 polegadase que 10 polegadas é o mesmo que 25 centímetros. E 25 centímetros é o diâmetrode um disco de vinil. E ainda pergunta: a que vocês pensaram que eu me referiaquando li aquelas frases? Minha namorada gosta de um disco de vinil que eutenho. E big-ten inch record é o nome de uma música que vamos ouvir hoje. Eassim deu a letra e tocou a música no CD. Todos adoraram. Como foi trabalhadaa música, o prosseguimento da aula, é uma outra história. Mas até aqui devodizer: O Antonio nunca falou, e quando falou me apavorou.(Kilda)

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O ESTAGIÁRIO QUE GOSTAVA DE DAR SERMÕES E O PODERDA INTERVENÇÃO DIVINA NA SUPERVISÃO DO ESTÁGIO

Em princípio, achei estranha aquela história de regência em dupla, mas ao mesmotempo pensei que na formação de professores seria interessante promover umainteração mais eficaz entre os estagiários.No primeiro atendimento agendado com uma dupla, conheci o Lucas e o Marcos,que trabalhariam juntos em uma turma de 6ª. e outra de 7ª. série. Nos primeiroscinco minutos do primeiro encontro, deu pra perceber diferenças marcantesentre os dois, e elas se perpetuaram no decorrer de todo o estágio.Lucas é o mais enérgico, tem suas opiniões fortemente pautadas em suas percepçõese, mesmo quando questionado e incitado a rever suas crenças, acaba retomando oque já havia dito; foi enfático ao relatar sua visão de que o estágio seria umtormento, uma tarefa que ele iria cumprir porque seria obrigado a fazê-lo.Marcos por sua vez é quase o oposto. Calmo, aparentemente voltado a �curtir� aexperiência de estágio, mais humilde em relação à aprendizagem de se tornarum professor e totalmente aberto a rever seus próprios posicionamentos, se aexperiência assim o exigir.Percebi alguns problemas já no decorrer das primeiras orientações: o planejamentodas aulas tinha sido praticamente assumido pelo Lucas; eles diziam que faziamjuntos, mas dava para notar que o Lucas fazia sozinho. Lucas era enfático ao considerarque apenas o livro didático já dava conta do processo de ensino/aprendizagem,enquanto o Marcos fazia uma cara de quem não tinha tanta certeza assim.As diferenças se acentuavam quando a questão era a relação entre professores ealunos. O Lucas afirmava que os alunos devem conhecer �o seu lugar� na sala deaula e seu discurso era fortemente pautado na questão da autoridade. Em seuspróprios diários e nas sessões de supervisão relatou intermináveis sermões queteria aplicado aos alunos para que se conscientizassem sobre a questão da disciplinae da obediência que deviam ao professor. Marcos, por sua vez, só esboçava umsorriso e dizia: �a molecada é gente boa�.Dois dias antes de assistir a aula dos dois, lá estava eu, na sala de orientação deestagiários. Já era quase noite e eu estava particularmente cansada, sonhandocom um banho, quando eles chegaram. Lucas já foi sentando e falando ao mesmotempo: �quase agredi uma aluna hoje... ela é uma menina muito cretina�.Neste momento, todo o meu cansaço do dia pareceu se transformar em umabofetada em meu rosto. Respirei fundo e pedi a Deus (sim, às vezes o supervisortem que pedir a intervenção divina) que me desse paciência e sabedoria para darum novo rumo àquele estágio.

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Fiquei muda e deixei que ele continuasse o relato da aluna que o enfrentouperante toda a sala e quis tirar sua autoridade. Depois de mais de cinco minutosde um relato exaustivo de Lucas, pedi que este se acalmasse, me virei para oMarcos e disse que queria ouvir o seu relato sobre o acontecido.Em princípio, ele começou a reproduzir o discurso do colega, mas quandocomecei a questioná-lo com detalhes do ocorrido ele acabou se contradizendorelatando que: �Diferente do Lucas, eu acho que dá pra ter uma relação maishumana com os alunos�. Começava neste momento a quebra do silenciamentode Marcos, que a partir daí começou a falar sem parar sobre suas percepções emrelação ao estágio e aos alunos.Desta vez, era Lucas que estava mudo. E assim ele ficou até que o amigo Marcosterminasse de falar tudo o que pensava. Finalmente, me virei para o Lucas ecomecei a usar o que chamo de técnica do questionamento até a exaustão, que eumesma criei (mentira, na verdade quem criou foi a minha mãe). Fui fazendovários questionamentos em relação à sua percepção de indisciplina, fuireformulando as perguntas, fazendo novas comparações, perguntando de novo,pedindo mais esclarecimentos... até que ele acabou se contradizendo e eu dei obote.. acabou sendo uma cilada.Todos nós saímos da sala exaustos, mas eles se comprometeram a rever a relaçãoaluno/professor, e aparentemente o Marcos havia ganho mais espaço no estágio.Hoje, no momento de entrar na sala para observá-los, todos estes flashes passampela minha cabeça. Se eu estava ansiosa por esse momento, eu imagino osestagiários. Entro na sala, minha mente busca os monstros que o Lucas descreveu,mas encontro apenas crianças saudáveis, com os hormônios que começam aaflorar. Não eram monstros, eram apenas meninos com bonés surrados e meninascom as unhas e bocas pintadas de uma cor que a minha mãe nunca me deixariausar naquela idade.Durante a apreciação da aula, notei que seu conhecimento prévio do idioma esuas capacidades de estabelecer relações com outros tópicos no momento dowarm-up eram superiores se comparados a outras turmas que visitei. A aula seguiusem sobressaltos e conforme o planejamento.Resumindo, a aula, que abordava o tema drogas, foi interessante. É claro que oLucas não perdeu a chance de passar um sermão anti-drogas nos alunos. Fiqueipensando: qual seria a profissão para aqueles que gostam de dar sermões?(Samantha)

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O INVERNO DE NOVA IORQUE E OS IPÊS DA UELSentada na sala de atendimento de estagiários contemplo, da janela do segundoandar, os ipês que enfeitam a Universidade. Sempre digo aos alunos que é umprivilégio olhar da janela das salas e ver os ipês suavizando o ambiente com toquesde roxo, rosa e amarelo. Quando eu era aluna de Letras, estudava à noite. Passeiquatro anos neste mesmo lugar sem nunca ter reparado nos magníficos ipês dauniversidade.... que desperdício!!! Bom, isto ficou no passado, agora não soumais aluna de graduação, trabalho aqui e já é hora de juntar minhas coisas e sair,mas ainda estou intrigada com a coincidência dos atendimentos daquela tarde.Quando a aluna Marina começou a apresentar o plano de aula, foi logo dizendo:�eu escolhi outro texto porque o texto do livro didático fala sobre o BROOKLIN,eu nem sei o que é isto, os alunos também não vão saber, então peguei outrotexto�. Naquele momento me peguei pensando na viagem que fiz a Nova Iorque,realizando o sonho de conhecer os Estados Unidos depois de mais de dez anoscomo professora de Inglês. Lembrei-me da sensação de ver ao vivo aquilo que jáhavia visto em livros e de tentar capturar cada detalhe, principalmente das pessoasque andavam nas ruas, na tentativa de forçar o cérebro a lembrar de tudo aquilono futuro. Quase senti o arrepio do frio e a estranha sensação da neve caindo nacabeça. Bom, foi do meu interesse, mas não é do interesse da Marina, e segundoela, nem dos alunos de ensino médio da escola pública. Vistei o planejamento esegui para o próximo atendimento.Em seguida, entrou uma dupla de estagiários bem humorados. Era sempredivertido estar com eles, não sabia bem por que. A coincidência era que elesestagiavam na mesma escola, na mesma série e com o mesmo material que aMarina, apenas em salas diferentes. Ao apresentar o planejamento, sempretagarelas, foram logo dizendo: �Vamos trabalhar um texto super interessante quefala de Nova Iorque e as características de cada bairro. Estamos pensando até emuma proposta de trabalho de pesquisa sobre os bairros novaiorquinos, mas nãoconseguimos esquematizar tudo ainda.� A conversa seguiu animada e osestagiários disseram que iriam buscar mais informações sobre o Brooklin paracomplementar o texto e ver alguns filmes com tomadas deste bairro. Quase nofinal do atendimento, ficou decidido um trabalho de pesquisa com os alunos daescola, que resultaria na confecção de um pôster e uma apresentação oral.Comprometeram-se em refazer o planejamento e saíram contentes, ainda maistagarelas do que quando entraram.Me questiono agora ... o que levou a dupla de estagiários a transformar um simplestexto em uma proposta de trabalho e o que levou Marina a simplesmente fazerde conta que o texto não existia e ir buscar outro?Não consigo me distanciar da idéia de que essas escolhas podem estar relacionadasa pré-requisitos culturais. Me pego a pensar se Marina retrataria o perfil de umprofessor de língua inglesa e se aquela situação seria capaz de traçar um perfilidentitário desse profissional. Me questiono: Será que o professor de inglês tem

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interesse em aspectos culturais? Ou melhor, será que ele tem interesse empesquisar tais aspectos? Será que o professor de inglês tem conhecimento culturalpara tecer considerações sobre qual texto é interessante para seus alunos e comoesse deve ser explorado? Será que ele tem oportunidades de aprimoramentocultural como visitas a museus, orquestras, filmes, teatro, leitura de revistas ejornais? Será que ele consegue, através de suas experiências, estabelecer novasinterpretações do mundo e levar estas novas interpretações a sala de aula?A dupla de estagiários se interessou, não pelo texto em si, mas pela questão culturalimplícita no texto. Ao conversar sobre Nova Iorque, expressaram seu interesse emconhecer a cidade e o trabalho de pesquisa dos bairros acabou sendo tão ou maisinteressante para eles do que para os próprios alunos do ensino médio. Não sou dotipo que fica glorificando a cultura americana; um texto sobre os bairros de SãoPaulo ou de qualquer cidade cosmopolita seria de grande interesse para mim.Entretanto, ao terminar de arrumar as coisas na bolsa para sair, fico pensandoque não posso ser radical, que estou indo longe demais nos meusquestionamentos. Marina não gostou do texto, só isto. Eu sempre quis ler textose escutar as histórias de professores que relatavam suas experiências culturais,suas viagens, seu conhecimento do mundo. Mas esta sou eu, a Marina é a Marina.Bom, já estou atrasada, tenho que correr para o carro, pois dou aula em outrauniversidade à noite.... passo pelas árvores e fico pensando que os ipês floridos eo imenso gramado verde da UEL são tão maravilhosos quanto as árvores semfolhas e o chão coberto de neve no inverno do Central Park.(Samantha)

O ÚNICO PEQUENO GRANDE PROBLEMAÉ sexta-feira, uma hora da tarde. A observação de hoje se dá numa escolaprofissionalizante de uma pequena cidade no interior do estado. O prédio épintado nas cores azul e branco, e está em péssimas condições. Fico sabendo quejá foi uma delegacia e as salas eram as celas. Qualquer reforma ali, me informa acoordenadora, tem que ser burocraticamente aprovada por diversas instâncias.A sala destinada à aula de língua inglesa tem um bom tamanho. As carteiras sãode madeira � velhas e rabiscadas. Os três estagiários - duas garotas e um rapaz -logo me alertam: não dá prá escrever na lousa porque dá reflexo e os alunos nãoenxergam nada. De fato!! As cortinas são claras, e a claridade bate em cheio noquadro.A aula do trio começa com os cumprimentos em inglês. Os alunos respondemalegremente e arriscam um �How are you?�. O tema trabalhado será as partes docorpo. O vocabulário é apresentado e os alunos adolescentes participam

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ativamente. Alguns fazem associações com games � �Ah, claro, head é cabeça;tem headshot no jogo � tiro na cabeça�. A aula transcorre de forma envolvente edivertida. Os alunos se levantam para apontar as partes do corpo faladas pelaprofessora e jogam Hot Potato com uma bolinha de tênis.Fico impressionada com o trio. O rapaz é carismático, seguro e bem humorado.Transita tranquilamente pela classe e pelo plano de aula. As meninas são gentis edoces. Sorriem e trabalham de forma calma e integrada.No entanto, na minha visão há uma coisa que abala o excelente trabalho deles:os problemas de pronúncia que eles não perceberam. Não estou falando aqui depalavras complicadas, mas de palavras comuns, diárias, e das que faziam parte doplano de aula deles � o vocabulário que se propuseram a ensinar.Talvez eu esteja sendo exigente demais, afinal, os alunos provavelmente não vãolembrar o jeito que o professor ou professora de inglês pronunciou tal palavra.Mas e se lembrarem? E se meus estagiários estiverem em outro contexto e seusproblemas de pronúncia tiverem um impacto negativo sobre eles mesmos?A aula termina e combinamos de conversar na próxima terça-feira. Quero ouviro que eles têm a dizer. Quanto a mim, tenho tempo de pensar sobre isso até lá.(Gladys)

OBSERVAÇÃO DE AULA EM ESCOLA PÚBLICADE ENSINO FUNDAMENTAL

A professora supervisora aguarda o aluno-professor que participou pela primeiravez de uma observação de aula em escola pública. Como o encontro é logo apóso intervalo, o aluno demora a chegar, alegando um congestionamento de pessoasna cantina.Ele relata como um professor de uma escola pública sofre com o problema deindisciplina e desinteresse de alguns alunos pela aula. A aula inicia-se às 13 horas.A professora da turma espera que todos entrem, tomem seus lugares, o que levamuito tempo. Os alunos parecem dispersos, alguns lembram que não fizeram atarefa e procuram desesperadamente resolver as atividades, copiando uns dosoutros ou respondendo de qualquer maneira. A professora percebe a razão dotumulto e pede que tentem resolver as atividades sozinhos e em silêncio, enquantoela passa pelas carteiras auxiliando-os.Estarrecido, o aluno-professor percebe que, apesar do esforço da professora,alguns alunos estão desligados da aula, não respeitando a professora e nem mesmo,ouvindo-a.

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Durante a execução das atividades faziam perguntas fora do contexto da sala deaula. �Professora, nós vamos ter aulas durante os jogos escolares regionaisparanaenses?�, um aluno perguntou. A professora respondeu: �Logicamente quenão, lembrem-se de que a nossa escola servirá de dormitório para muitos alunosde fora e vocês irão ao Ginásio de Esportes para torcer pelos nossos times�. Elesfazem perguntas diversas para chamar a atenção dos colegas, da professora ou atémesmo para tumultuar a aula. Alguns alunos deslocam-se de uma carteira à outrasem pedir licença. Em meio ao tumulto generalizado, ela consegue resolver ecorrigir as atividades porque alguns bons alunos demonstraram interesse ecuriosidade servindo de exemplo para os demais.O aluno-professor conclui que há uma luz no fim do túnel, que esses poucosinteressados poderão ser bons profissionais no futuro e que a tarefa de ensinar édifícil, é preciso ter muito jogo de cintura, preparo e criatividade para tornar aaula interessante e atrativa, mas mesmo assim, vale à pena fazer o que gosta.(Helena)

PROFESSOR, VOCÊ TROUXE UM HALLS HOJE?�Professor, você trouxe um Halls hoje?� Não, hoje não, respondi. O aluno insiste�olha, eu quero de uva verde, tá bom?� O que não faz um pouco de atenção,pensei. Uma bala, uma palavra aqui, outra ali, e o aluno desinteressado pareceter criado um laço afetivo comigo, um estranho. Fico pensando na importânciado �rapport� em sala de aula, do vínculo entre professor e aluno. Uma relaçãopróxima, de cumplicidade implica reciprocidade e responsabilidades, penso, desdeque haja respeito mútuo.Os alunos terminam de se acomodar em seus lugares, sem muita agitação, destavez. O número de alunos na sala parece ter diminuído consideravelmente nosúltimos dias. As carteiras centrais da sala estão quase todas vazias. Será o inverno?Mas o dia lá fora está ensolarado e não faz tanto frio. Dez minutos depois, a aulafinalmente começa. Faço uma anotação em relação ao tempo gasto para o inícioda aula. Dez minutos parece muito, um quinto do tempo total da aula.A aula de hoje é sobre um tema gramatical, o uso do tempo futuro e do auxiliar�will�. O aluno-professor explica à classe que irão estudar um ponto gramaticalretirado do texto que acabaram de explorar, sobre previsões do horóscopo. Oprofessor pede aos alunos que leiam alguns exemplos retirados do texto e vejamo que eles têm em comum. Então segue-se uma reflexão sobre a possível regrade uso do auxiliar �will� em frases afirmativas, negativas e interrogativas no futuro.Em seguida, os alunos são organizados em pares, por recomendação minha, eeles fazem uma atividade sobre previsões futuras.

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A maioria das atividades é realizada dessa forma, em duplas. Na hora da correção dasatividades, o professor chama alguns alunos pelo nome e pede que leiam suas respostas.Alguns hesitam, sentem vergonha, mas acabam lendo. Parecem gostar da experiênciae alguns até mesmo se oferecem. As atividades ocorreram com algum nível deruído, mas os alunos se envolveram bastante. Mesmo aqueles que sentam mais aofundo da sala, e são mais irreverentes, realizaram as tarefas solicitadas.O semblante do professor se fecha. Reclama do barulho, diz que não vai levantaro tom de voz e pede silêncio. A última atividade fica como tarefa, uma entrevistacom parentes próximos para descobrir seus planos futuros. As respostas deverãoser trazidas na próxima aula. Na saída o aluno me lembra �professor, não seesqueça, Halls sabor de uva verde�. Que folga, pensei! Mas, achei engraçado.Perguntei ao aluno-professor o que tinha achado de sua aula, imaginando queele também tivesse percebido a boa participação dos alunos. �Não gostei muito�,respondeu. �Achei que tinha muita bagunça. Não gosto de realizar atividades emduplas, os alunos fazem muito barulho; prefiro atividades individuais�. Aindatento argumentar que o barulho é relativo, se a causa for o envolvimento nasatividades, que é até saudável, se tiverem interagindo, trocando, pensando juntos.Mas, o aluno-professor parece não se convencer.(Francisco)

PUXÃO DE ORELHA!Em novembro de 2006 tivemos a visita de uma professora convidada do Chile.Passou dois dias em Londrina com atividades relacionadas ao Projeto de pesquisadesenvolvido entre docentes e alunos de uma instituição pública de ensinosuperior no Brasil e docentes e alunos de duas instituições privadas de ensinosuperior no Chile. Na noite de terça-feira, ela fez uma pequena palestra sobre oensino de inglês no Chile. Sua fala foi iniciada com uma contextualização sobrea educação no país antes, durante e após a ditadura.Na seqüência, passou a enfocar a Reforma com sua descrição e uma exposiçãoda apreciação dos professores e dos formadores de professores sobre a Reforma.Também discorreu sobre a relação entre universidades e escolas, bem como sobrea relação entre universidades e o Ministério da Educação e as escolas e oMinistério. Assim, chegou ao ponto-chave: o que é bom em tudo isso? Depoisde expor sua opinião, jogou três perguntas para o público formado basicamentepor alunos do curso de Letras, estagiários (nossos alunos de prática de ensino) ealguns professores do Departamento.O silêncio incomodava! Nenhuma resposta, nenhuma pergunta, nenhumadúvida. O público queria ser platéia e não queria ser incomodado. A professoraconvidada provocou. Relatou ter visitado uma escola pública pela manhã e ter sesurpreendido com perguntas de alunos do Ensino Fundamental sobre a Revoluçãodos Pingüins, a educação no Chile e a profissão de professor.

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- �Aqueles alunos falam mais que vocês, pensam mais que vocês, participammais que vocês!�Nem isso acordou nossa platéia. Um puxão de orelha, mas sem efeito aparente.Lamentável! Uma pergunta que não quer calar: o que estamos fazendo naeducação???(Vera)

SABER OU NÃO SABER, EIS A QUESTÃOSão 19:15. Estamos reunidos para mais um grupo de estudos com os estagiáriosdo 4º ano de Letras. Vamos trabalhar uma unidade sobre a entrada no mundoprofissional. Faço uma atividade com os alunos onde devem formular um anúnciode emprego para a contratação de um professor de inglês. Explico que o anúnciodeve conter informações sobre salário ofertado, carga horária e qualificaçãomínima do candidato.Não é surpresa verificar que todos acreditam que o salário ofertado deve sermaior do que aquele vigente no mercado atual. A carga horária, por sua vez, deveser menor do que a cumprida pela maioria. E a qualificação, sem controvérsia, éa de um candidato que seja fluente e/ou tenha bom conhecimento da línguainglesa.Parto então para a sessão de auto-análise. Quero saber dos meus alunos se eles seconsideram qualificados para o anúncio de emprego que eles mesmos criaram.De 10 alunos, três acham que podem concorrer ao emprego embora possamencontrar concorrentes mais fortes pelo caminho. Outros acreditam que aindatêm muito que aprender. Uma aluna, Carla, diz que jamais seria contratada.Classifica-se como quase incapaz de dar uma aula de inglês. Pensa que teráenormes dificuldades quando tiver que enfrentar uma aula porque tem umconhecimento muito limitado do inglês. Considera-se uma aluna esforçada,estudiosa, que consegue tirar notas boas nas provas a custa de muitas horas dememorização de regras gramaticais e de vocabulário. Mas não se sente confortávelno uso da língua inglesa como instrumento de comunicação.Sua fala me faz lembrar de outros estagiários que já passaram pela minhasupervisão. Quantos erros estes alunos cometem durante suas regências!Apresentam sérios problemas de pronúncia, entonação, estruturas gramaticais evocabulário. Como posso evitar ou sanar tais problemas? Para cada aula planejadaem uma sessão com o supervisor, este deve também ensinar o conteúdo lingüísticoda aula que será dada pelo estagiário? Já me disseram que sou responsável peladidática e não pela competência lingüística de meus estagiários. E daí?(Kilda)

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SAUDADE DO LIVRO DIDÁTICO!Nosso encontro acontece toda semana na mesma sala pequena � escura e quente.Somos nós e os pernilongos numa tarde ensolarada de abril. Meus dezesseispupilos chegam aos poucos, bem-humorados, e vão se ajeitando nas carteiras demadeira nem um pouco confortáveis.Espero que todos se ajeitem e começo perguntando sobre as aulas. Elescomeçaram suas regências há três semanas, em duas escolas profissionalizantesda região � contextos diferentes e desafiadores para todos nós. O que ouço é ummisto de euforia e preocupação. Euforia porque estão contentes com o ambienteem que estão atuando � acham os alunos muito bacanas, apesar de �não saberemnada de inglês�, nas palavras de uma aluna em tom de surpresa. Preocupaçãoporque não têm livro didático para seguir � a proposta é dar um mini-curso,refinando o plano geral de acordo com as turmas. Nas instituições em que essesalunos atuam, não há curso de inglês, não há professor regente. O curso deinglês é algo extra para os educandos.Começo a questioná-los sobre os prós e contras na adoção de um livro; perguntosobre as críticas que ouvem, ou fazem, quando o professor segue um livroreligiosamente. Faço o mesmo com relação à não utilização de nenhum fiocondutor no desenvolvimento de um curso.Minha provocação surte efeito e eles parecem compreender o quanto a questãoé delicada. Dizem estar sentindo na pele a dificuldade em decidir conteúdos eprocedimentos, em pensar no mini-curso como um todo, enquanto seria tãomais fácil pegar um material e segui-lo de ponta a ponta!!! Procuro mostrar aeles que seus dilemas para tomar decisões só lhes trarão crescimento e experiência.Temos que encerrar o assunto, pois há outros a serem tratados. Fico feliz com areflexão que surgiu. Acho que (infelizmente?) aquele ditado está certo: No pain,no gain!(Gladys)

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SOU CHIQUE, BEM!Costumo alertar meus alunos sobre seus trajes quando vão para a escola realizaro estágio. Lembro que saias muito curtas, calças de cintura muito baixa e blusasmuito decotadas não são a vestimenta mais adequada para uma professora, oucalças jeans rasgadas e chinelos não são os mais apropriados para os rapazes efuturos professores. Os extremos devem ser evitados. Melhor seria que usassemum jaleco. Isto até é exigência em algumas escolas. Nada de ser relaxado ousofisticado demais com suas roupas. Chego até a contar a eles a vez que umaestagiária que achou que deveria se arrumar muito bem, pois seria avaliada naqueledia. Vestiu seu lindo conjunto de calça e jaqueta de couro. Uau! A estagiária,lindíssima. Uau! A aula, um fracasso. Os alunos ficaram extremamente agitados,barulhentos, irrequietos. Nunca tinham se comportado daquela maneira.Chegamos à conclusão que sua aparência de certa forma tinha perturbado oandamento da aula. Era muita elegância perante um grupo de alunos tão humildes.E assim tenho feito nas minhas orientações de estágio. Moderação no modo dese vestir.Vou assistir a mais uma aula de estagiários. Coloco uma roupa que consideromodesta. Estou com uma calça jeans, sem rasgos, uma blusa, sem decote, e omeu par de tênis. Adoro os meus tênis Nike que comprei durante minhas férias naItália. Para uma das minhas filhas, eles são bregas, Para a outra, chiquérrimos. Sãodourados. Entro na sala e minha estagiária está prestes a começar sua aula. Nãoconsegue. Não prestam atenção a ela. Muitos dos seus alunos estão vindo em minhadireção. Outros estão em pé e olham para mim, mais precisamente para os meustênis. Um deles então fala apontando para uma de suas coleguinhas: Ela disse queseus sapatos são de ouro. São mesmo? E percebo que todos aguardavam ansiosos aminha resposta. Disse que não, e naturalmente decidi que não mais iria a qualquerescola com meu lindo par de tênis dourado da marca Nike.Agora com um perfil sem brilho, volto à escola para mais um dia de observaçãode estagiários. Gosto de escrever minhas reações às aulas enquanto eu as observo.Gosto de escrever com minha caneta de tinta preta. Ela é uma caneta tinteiro. Éuma Mont Blanc. Tão logo começo minha escrita, um aluno se aproxima demim. Vem acompanhado de outros dois. A aula é interrompida. Todos queremouvir o que aqueles alunos têm a me dizer. Um pergunta: esta sua caneta custacaro, não custa? Meio sem graça, respondo: Não sei, ganhei de presente de umamigo. O outro então complementa: É caro sim, o pai do meu amigo tem umaigual. É caneta de senador.Bom, estou agora sugerindo que nós supervisores tenhamos nosso KitObservação: um conjuntinho de saia e blusa, um jaleco, um par de sapatos desalto baixo, uma caderneta, e uma caneta Bic. Vou comprar o meu em breve. Sevou realmente usar não sei. Sou chique, bem!(Kilda)

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TEMOS NOSSOS DIREITOS E QUEREMOS RESPEITOCarmem escolheu uma turma de 7ª série de uma escola pública como campo deestágio. O professor regente responsável por aquela turma preveniu a estagiáriaquanto ao problema de indisciplina da turma. A turma é, na maioria, formadapor alunos repetentes e rebeldes; a verdadeira �turma problema� da escola. Mesmosendo informada desta característica do grupo, Carmem decidiu trabalhar comeles por uma questão de comodidade no seu horário. Ela teria que ir à escolaapenas uma vez por semana e daria duas aulas seguidas, sem intervalo.Fui observar uma das aulas de Carmem. Antes de entrar na sala de aula, o professorregente também me alertou para a indisciplina da turma e para o fato de queneste dia os alunos estavam ainda mais agitados. O professor da aula anterior àde inglês havia faltado e os alunos pediram para que fosse antecipada a aula daestagiária. Se a aula fosse antecipada, eles poderiam ir para casa mais cedo. Oprofessor regente não atendeu ao pedido dos alunos e eles tiveram que ficar semnenhuma atividade por 45 minutos e à espera da aula de inglês. O professorregente me disse que até tinha ouvido o xingamento de alguns alunos em relaçãoà sua pessoa. Mas que ele, o professor regente, já estava acostumado a este tipode reação por parte da turma e não se importava com este tipo de manifestação.Estava então instaurado o clima de revolta.Fomos para a sala, eu, a Carmem e o professor regente. Quando lá chegamos, jápercebemos o quanto estavam insatisfeitos. Clamavam por uma explicação parao não atendimento do seu pedido. O Professor regente disse que não haviaantecipado a aula porque a estagiária não tinha sido avisada a tempo de vir maiscedo para a escola.Então me apresentou como professora da Universidade que estava ali para assistira aula deles. Entre arrasta-arrasta de carteiras, gritos de algumas meninas, epalavrões proferidos por outros, procurei uma carteira para me sentar no fundoda sala. Três meninos, próximos de mim, ainda inconsolados com a negativa deseu pedido, comentavam entre si que não fariam nada nesta aula, como forma deprotesto. Falavam alto, levantavam da carteira e iam até a carteira de outros colegas.Um deles até colocou um fone de ouvido e, acredito eu, estava escutando algumamúsica. A estagiária pediu a colaboração, que ficassem nas suas carteiras etentassem resolver os exercícios. Mais uma vez, os alunos expressaram suaindignação por não terem deixado que fossem para casa mais cedo. Eu mesma,então, tentei explicar a eles que a culpa não era nem do professor regente e nemda estagiária. Quem sabe a culpa seria minha. O professor regente apenas quisser gentil comigo ao não antecipar a aula para que eu não fosse até a escola emvão. Um destes alunos, para minha surpresa, concordou com a justificativa, mascomentou que achava injusto ter ficado o tempo de uma aula toda sem ter o quefazer. A revolta maior deste aluno parecia ainda estar no fato de ter notado que oprofessor regente ficou sem fazer nada na sua sala de permanência durante este

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intervalo. Assim revoltado, o aluno se recusou a fazer os exercícios apresentadose passou o tempo todo da aula andando de carteira em carteira conversando comos colegas e manifestando sua raiva. Fiquei chocada com alguns palavrões queouvi. Fiquei chocada com o grau de indisciplina. Fiquei chocada com a falta dedesrespeito para com o professor regente, para com a estagiária e para comigo.Porém, saí dessa aula não tão preocupada com o comportamento inadequadodos alunos. Saí daquela aula realmente intrigada com a manifestação feita porum daqueles alunos �indisciplinados�, �rebeldes�, e �problemáticos� de quedeveriam ter feito algo útil no horário vago e não simplesmente ter esperadopela próxima aula no pátio, sem nada para fazer.(Kilda)

TEMPOS MODERNOS �A TECNOLOGIA À SERVIÇO DA EDUCAÇÃOEra dia de grupo de estudos da Prática de Ensino. Estávamos em sete na sala.Que incrível!! O aluno Ricardo, considerado um problema para todos - alunos eprofessores, já estava na sala quando cheguei. Ele sempre chega atrasado. Ele meinstiga a dar uma boa aula. Não quero ter problemas com ele.Para esta aula eu tinha planejado demonstrar como fazer um bom uso do quadrode giz. Havíamos falado sobre Classroom Management no encontro anterior ediscutimos maneiras adequadas de se usar o quadro de giz. Uma das alunascomentou que achava muito bom o uso do quadro feito por um dos seusprofessores: no início da aula, ele escrevia em um canto do quadro, os item/etapas a serem cumpridos na aula do dia. Entrei na sala determinada a fazer omesmo: vou escrever as etapas da minha aula de hoje.Surpresa!!!!! Alguém tinha escrito no quadro branco em uma aula anterior comum pincel impróprio e o quadro agora estava todo manchado de vermelho;impossível de se escrever ou ler algo nele. Insisti na minha idéia e escrevi em umcanto do quadro meus itens a serem trabalhados: projetos e problemas dedisciplinas. Que feio que ficou. Me senti frustrada. Tudo bem, deixa para lá.Não, não deixa pra lá!!! O que se faz numa situação destas?!!! Pensei muitonaquela unidade sobre Classroom Management que eu ajudei a elaborar e estáno livro que vamos publicar. Lá falamos sobre sinais de sucesso em uma aula. Eum dos itens é justamente o uso do quadro de giz ou quadro branco. Ah, estamodernidade. Preciso acrescentar na unidade do livro uma recomendação decuidado com o uso da caneta/pincel para quadros brancos.Quanto ao aluno Ricardo..., não sei se é impressão minha, mas percebi um sorrisoirônico em seu rosto ao me ver escrever em um quadro todo manchado devermelho.(Kilda)

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TODO PRIMEIRO DIA DE AULAPrimeiro dia de aula, segundo andar, sala pequena, poucos alunos. Como setratava da aula de inglês, nada mais natural que o professor comece a perguntaraos alunos em inglês, não seria isso normal em uma turma de 4º ano de Letrasestrangeiras modernas??? Porém, acho que não. Os alunos permaneciam calados,mais perguntas, e nada de respostas. Parecia, sim, que o professor estava falandouma língua totalmente desconhecida, até as mais simples das perguntas como�what is your name?� soava como algo desconhecido. Seria um engano? Teriaele entrado em turma errada? Nada disso, passando alguns minutos uma alunaquebrou a barreira do silêncio �professor, será que poderíamos responder emportuguês?�.

TRY... EVEN IF YOU MAKE SOME MISTAKESJá é hora da aula e apenas dois alunos chegaram. O professor hesita entre iniciaro encontro com os poucos alunos presentes ou aguardar mais um pouco. Asatividades planejadas envolvem discussão sobre textos lidos como tarefa de casa.A sala de aula ainda guarda o calor do sol que atingiu o prédio impiedosamentea tarde toda; as janelas abertas parecem dar passagem a um ar mais quente aindavindo de fora. O silêncio da sala é interrompido apenas pelo som vibrante doventilador e pelo cochichar dos alunos enquanto aguardam os demais colegas.O professor decide então começar o encontro perguntando aos alunos, em inglês,por que eles pensam ser importante observar aulas, o que a observação poderevelar ou esconder e, finalmente, o que podemos aprender com uma observação.O objetivo da conversa é fazer um levantamento das representações dos alunossobre o papel da observação de aulas por alunos estagiários. Os alunos se olham,parecem querer balbuciar algo, mas permanecem imóveis. O professor decidemudar de estratégia e pede aos alunos que conversem entre si, descrevendo umaaula que tenham assistido como alunos ou como observadores.Nesse momento, o restante da turma chega e se acomoda pela sala. O professor,então, explica o objetivo da atividade novamente e repete as instruções. O calorna sala parece se intensificar com a entrada do restante dos alunos e um delesgrita pedindo que alguém aumente a rotação do ventilador, mas a vibração doaparelho é tanta que o ruído se torna quase insuportável. Os alunos fazem aatividade em pares, mas relutam em utilizar o inglês. �Teacher, eu não sei dizero que eu quero em inglês�, lamenta um aluno. �Try... even if you make somemistakes� o professor diz, na esperança de entusiasmá-los a prosseguir.Passados alguns minutos de discussão (grande parte em português), o professorsupervisor pede ao grupo que forme um círculo para que todos possam relatarsuas experiências. Depois de muita insistência, um aluno descreve uma aula queteve na universidade e se inicia uma discussão sobre o papel da observação de

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aulas para os alunos-professores. �Well, it�s... it was interesting. I think that it�simportant that we... observe classes. The class... como é que eu digo que a aulaenvolveu os alunos?�. A tentativa foi válida, pensou o supervisor, mas algunsalunos permanecem em silêncio como que impedidos de falar. Seria a dificuldadede se expressar numa língua estrangeira? O professor se pergunta se insistir tantopara que as atividades em sala ocorram em inglês vale a pena, já que muitos nãoparticipam.(Lívia)

TUDO CONFORME O PLANEJADO. PARABÉNS!Plagiando Forest Gump, é possível dizer que supervisionar estagiários é comouma caixa de chocolates (não as atuais da Nestlé ou da Garoto, mas as antigascom os bombons embalados com papéis de diferentes cores) - você nunca sabeo que vai encontrar. Tem bombom de chocolate com nozes, chocolate com coco,chocolate com rum... tem de tudo.O estágio de Marina correu sem grandes sobressaltos, de forma inexpressiva ondetudo parecia ir bem como na rotina enfadonha de um casamento de 40 anos.No último dia de orientação, ela parecia aliviada �Nossa! Não é que correu tudobem� dizia ela com convicção, enquanto o supervisor tentava esboçar um sorrisoanimador para iniciar o feedback da aula observada.A aula tinha acontecido em uma turma de 1º. Colegial e Marina resolveuabandonar o livro e utilizar um texto extra sobre o que seria felicidade. A salaparecia pequena para tantos adolescentes com os hormônios saltando pelos olhos,jovens entusiasmados, inquietos e ávidos em aproveitar o que eles mesmos sabiamse tratar da melhor época da vida. O texto trabalhado era simples, meio feminino,quase inadequado considerando as temáticas de interesse daqueles jovensfervorosos. O planejamento surtiu o efeito desejado, os objetivos previstos foramcumpridos e tudo mais .... tudo muito certinho, nada que entusiasmasse.O supervisor inicia o feedback convencional de uma aula assistida, �E daí Marina,o que você achou da aula?� perguntava o supervisor, na esperança que ela mesmaapontasse algo questionável, que ela mesma desse o gancho para a conversa fluir.Mas que nada, �Deu tudo certo, tudo conforme o planejado�, disse ela. Osupervisor não desiste e pergunta �O que te levou a escolher este texto, estatemática?�. A resposta é evasiva, Marina tem pressa para confirmar o que pra elaé uma certeza ... o estágio havia acabado e a nota da aula não desapontaria suasexpectativas.O supervisor é valente, ele tenta, questiona novamente a escolha do texto, voltaao material didático para tecer paralelos com os outros textos trabalhados, revê

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os objetivos e procedimentos expressos no planejamento.... nada afeta o sorrisode Marina, seu alívio de dever cumprido e sua convicção da merecida recompensae ela sorri dizendo �Veja, foi tudo feito conforme o planejado ...�O supervisor, contagiado, também sorri e termina o encontro dizendo �Vocêtem razão Marina, tudo correu conforme o planejado, parabéns, nota 10!�(Samantha)

VAZIOEra dezembro. Fim de semestre, fim de ano letivo, fim da graduação para osalunos do 4º. Ano de Letras. Minhas quatro estagiárias, eu e as duas professorascolaboradoras nos reunimos na escola pública para uma avaliação das atividadesdesenvolvidas durante o ano no estágio.Quando cheguei, as alunas já aguardavam. Uma delas me perguntou sobre opaper (trabalho acadêmico no formato de um research paper sobre a investigaçãode uma questão do estágio). Além de ser um meio de introdução à pesquisa,representa um instrumento de avaliação no estágio do 4º. Ano. Como sempredou prazo extenso e chance de refacção para os alunos, havia ficado decepcionadacom o trabalho apresentado pela aluna. Ao comentar brevemente os problemasque havia diagnosticado em seu texto, a aluna se levanta, aumenta a voz e esbravejaque aquele era um rascunho e não a versão final. Eu ratifico que as notas haviamsido entregues, já que o semestre havia terminado e que eu havia avisado que asmodificações só seriam feitas para efeito de publicação (para quem quisessesubmeter seu texto). A ira toma conta da aluna e sou bombardeada com perguntas,acusações, olhares fulminantes e raiva. Muita raiva!Desmontei. As lágrimas rolavam em meu rosto e o choro me impedia de falar oude agir. Tudo isso acontecia no hall de entrada, ao lado da sala dos professores, dasala da direção e em frente ao pátio de acesso às salas de aula. Que feio! A diretoracorre para me socorrer, as professoras me servem água, as estagiárias me olhamcom tristeza e a aluna irada parte enfurecida. Fui ao banheiro tentar me recompor,mas não conseguia controlar minha tristeza e minha total surpresa em relação aoescândalo vivenciado. A aluna reclamava que aquela seria sua única nota baixadurante a graduação e ela não podia admitir uma média menor que A em seuhistórico escolar.Minha indignação era tamanha que dispensei as estagiárias, me desculpei com adiretora e com as professoras e fui embora. Fiquei me perguntando o que haviafeito em dois anos com aquela futura professora. Meu desespero não tinha fim.Foram grupos de estudo, leituras, discussões de textos e de planos de aula,acompanhamento de regência, feedback de aula, orientações, enfim foram tantasatividades, tanta doação, tanto investimento e o fim?

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A tal estagiária irada (que não conseguia acompanhar uma aula em inglês) jáhavia dito que faria mestrado em Literatura, duas outras estagiárias que foramminhas alunas de iniciação científica se inscreveram na Especialização em LínguaPortuguesa e a outra iria para Inglaterra por seis meses para aprimorar suaproficiência e sua experiência de vida. O fim foi um vazio. Um vazio enorme!(Vera)

�VOCÊ TEM QUE PARAFRASEAR.� �PARA .....O QUE?�Corrigir trabalhos acadêmicos também faz parte do trabalho do supervisor deestágio. Às vezes são os chamados relatórios de estágio, relatório de investigação,os papers, as monografias, os trabalhos de conclusão de curso, a confecção de umartigo acadêmico, não importa o nome, sempre tem aquela parte acadêmica quetranscende a supervisão do planejamento e a apreciação das aulas ministradas.Em minha experiência, posso afirmar que a grande maioria dos discentes recebea notícia da elaboração de um trabalho como esse com desconfiança. Já ouvicomentários como �Não basta ter quer fazer este monte de planejamentos e dartodas estas aulas... ainda mais essa!�, ou comentários como �se eu já fechei anota, sou obrigada a fazer o trabalho?� Mas nem tudo são lástimas. Minhaexperiência diz também que, ao término do trabalho, grande parte dos alunosacaba por dar valor a esse componente da formação inicial e novamente aparecemrelatos, mas dessa vez dizendo �Agora que acabou, consigo ver que valeu a pena�ou � No final das contas, esse trabalho serviu como uma boa retomada de todo ocurso�, entre outros.Bom, lá estava eu, quase final de ano, contagem regressiva das discentes para otérmino do curso e a festa de formatura, em uma salinha minúscula da bibliotecae, na porta, uma fila de estagiárias ávidas por atendimento para, por fim,alcançarem o direito de se graduarem. Era apenas um momento de revisão finaldo trabalho acadêmico que previa a retomada de um aspecto problemático doestágio através de fundamentação teórica do tema problematizado e análise dosplanejamentos e dos diários produzidos durante o estágio.Entra na salinha, a aluna Silvana. Eu busco seu nome em meu caderno deanotações e me lembro que nas semanas anteriores ela simplesmente não tinhaaparecido. �O que aconteceu com você, Silvana? De acordo com meu cadernotivemos apenas uma pequena orientação já há muito tempo sobre o tema do seutrabalho acadêmico�. Silvana parecia confiante e respondeu �Professora, não sepreocupe, já fiz tudo, e não precisei de orientação. Está tudo pronto, pode conferir.Na verdade acho que já vou entregar hoje mesmo.�Na hora, me lembrei da cena que vivenciei no mesmo dia de manhã: meu filhinhosaindo do banho, se secando e se trocando sozinho pela primeira vez (puxa, ele

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já sabe fazer sozinho!!! De onde veio tanta autonomia assim de uma hora paraoutra?). Com isto em mente, comecei a leitura do trabalho na tentativa de conferirse os aspectos formais haviam sido considerados. A introdução estava boa, pelomenos o tema estava claro, mas ao chegar na parte de fundamentação teóricacomeçou o meu embaraço e, novamente recordando a cena da manhã, me lembreide que meu filho tinha colocado a camiseta do avesso e me pediu ajuda paraamarrar o tênis (menos mal, ele ainda é meu bebê).A fundamentação teórica de aproximadamente três páginas era uma colcha deretalhos. Nitidamente foram colocados pedaços de outros textos sem fazerreferências aos autores. Não foi a primeira vez que presenciei isto, mas fiqueiprocurando as palavras, uma vez que a aluna veio confiante de que o trabalhoestava pronto e o que eu via era um trabalho prestes a começar.Com sorriso indagador ensaiado em meus lábios, comecei a questioná-la sobrequem teria escrito determinado trecho da fundamentação. Sem entender apergunta e resignada a acabar logo com aquela orientação, ela me respondeu queobviamente era ela quem tinha escrito tudo aquilo. Mantendo um sorriso forçado,expliquei que ela tinha extraído as idéias de outras leituras e que ela devia darcrédito aos autores. A fisionomia dela permaneceu inalterada como se nãoentendesse. Aí tentei ser mais clara e falei: �Você extraiu estas idéias de outrostextos e quando fazemos isto devemos usar citações ou parafrasear.� Com olharperplexo, ela continuou: �Para ... o que?� . Já perdendo o sorriso e franzindo atesta repeti: �Parafrasear�, e ela, sem demonstrar constrangimento, respondeu:�Nunca ouvi falar�.O sorriso se foi e minha expressão facial deve ter revelado meu descontentamento.Tentei explicar como fazer citações e paráfrases, a aluna se mostrou relutante econtinuou comentando que o trabalho estava pronto. Confesso que por umminuto pensei em dispensar a aluna, pegar o trabalho e dar uma nota de acordocom a média. Seria mais fácil para mim e com certeza seria mais fácil para ela.Entretanto, minha consciência pesou e pensei que não é isso que um verdadeiroeducador faria.A conversa não terminou bem; a estagiária saiu contrariada ao saber que teriaque refazer o trabalho. Depois de duas semanas ela mandou alguém me entregaro trabalho. Comentei irônica: �Puxa... nem veio me dizer um adeus�. Quemsabe um dia ela também se encontre nesta encruzilhada: deixar passar ou agircomo educadora. Quem sabe ela tome a decisão certa.(Samantha)