Teatro Performativo e Pedagogia o Performativo e Pedagogia

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T eatr eatr eatr eatr eatro Performativo e Pedagogia o Performativo e Pedagogia o Performativo e Pedagogia o Performativo e Pedagogia o Performativo e Pedagogia E ntrevista com Josette Féral uais são as possibilidades pedagógicas presentes no teatro performativo? De que forma a noção de teatro performa- tivo pode estar presente na formação do artista, do pesquisador e do professor de teatro? Essas questões nortearam a pri- meira entrevista da série Pedagogia e Cena Contemporânea. 1 Desde 1981, a Profa. Dra. Josette Féral é docente da École Supérieure de Théâtre da Universidade de Québec, em Montréal. As investigações realizadas por Féral sobre as noções de teatralidade e de performati- vidade 2 estão sendo debatidas em diferentes se- minários, conferências e comunicações, em uni- versidades americanas, canadenses, europeias, asiáticas e latino-americanas. Nosso encontro com a pesquisadora, radicada no Canadá, acon- teceu logo após a realização do Seminário “Teo- ria e Prática do Teatro: além dos limites”, no Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas da USP em 2009. 255 Entrevista realizada por Marcos Bulhões Martins, com participação e tradução de Verônica Veloso e revisão de tradução de Cícero Alberto de Andrade Oliveira. 1 A intenção da série de entrevistas é apresentar um panorama de enfoques teóricos diversos, tendo em vista o debate sobre a aprendizagem das modalidades de teatro que fogem aos modelos de escritura cênica convencionais, centrados na representação da fábula. Na primeira fase, contribuíram para esse debate Josette Féral, Hans-Thies Lehmann, Jean-Pierre Sarrazac, Jean-Pierre Ryngaert. Em 2010, estão previstas entrevistas com Béatrice Picon-Vallin, dentre outros. 2 FÉRAL, Josette. “Por uma poética da performatividade: o teatro performativo”. São Paulo: Revista Sala Preta, n. 8, ECA/USP, 2008, p. 197-209. Sala Preta: Autores como Monique Borie, Béatrice Picon-Vallin e Eugenio Barba defendem que a pedagogia vem sendo um dos modos de renovação da cena teatral desde o iní- cio do século XX, a partir das iniciativas de Sta- nislaviski, Meyerhold e Grotowiski, por exem- plo. Os estúdios e laboratórios desenvolvidos por esses encenadores contribuíram para desen- volvimento de novas competências dos atores e demais participantes, mobilizados para dar con- ta dos novos desafios da cena. Trata-se de abor- dagens pedagógicas que dialogam com o passa- do, mas que não se reduzem a transmissão de saberes já sistematizados. Pelo contrário, os ex- perimentos conduzidos por esses encenadores- pedagogos exploraram a busca do incerto, do desconhecido. Você poderia comentar sobre essa relação entre aprendizagem e criação da cena hoje? Como pensar uma pedagogia no âmbito do que você define como teatro performativo? Q R4-A1-JosetteFéral.PMD 13/05/2010, 16:05 255

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EEEEE ntrevista comJosette Féral

uais são as possibilidades pedagógicaspresentes no teatro performativo? Deque forma a noção de teatro performa-tivo pode estar presente na formação doartista, do pesquisador e do professor deteatro? Essas questões nortearam a pri-meira entrevista da série Pedagogia e

Cena Contemporânea.1 Desde 1981, a Profa.Dra. Josette Féral é docente da École Supérieurede Théâtre da Universidade de Québec, emMontréal. As investigações realizadas por Féralsobre as noções de teatralidade e de performati-vidade2 estão sendo debatidas em diferentes se-minários, conferências e comunicações, em uni-versidades americanas, canadenses, europeias,asiáticas e latino-americanas. Nosso encontrocom a pesquisadora, radicada no Canadá, acon-teceu logo após a realização do Seminário “Teo-ria e Prática do Teatro: além dos limites”, noPrograma de Pós-Graduação em Artes Cênicasda USP em 2009.

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Entrevista realizada por Marcos Bulhões Martins, com participação e tradução de Verônica Veloso erevisão de tradução de Cícero Alberto de Andrade Oliveira.

1 A intenção da série de entrevistas é apresentar um panorama de enfoques teóricos diversos, tendo emvista o debate sobre a aprendizagem das modalidades de teatro que fogem aos modelos de escrituracênica convencionais, centrados na representação da fábula. Na primeira fase, contribuíram para essedebate Josette Féral, Hans-Thies Lehmann, Jean-Pierre Sarrazac, Jean-Pierre Ryngaert. Em 2010, estãoprevistas entrevistas com Béatrice Picon-Vallin, dentre outros.

2 FÉRAL, Josette. “Por uma poética da performatividade: o teatro performativo”. São Paulo: RevistaSala Preta, n. 8, ECA/USP, 2008, p. 197-209.

Sala Preta: Autores como MoniqueBorie, Béatrice Picon-Vallin e Eugenio Barbadefendem que a pedagogia vem sendo um dosmodos de renovação da cena teatral desde o iní-cio do século XX, a partir das iniciativas de Sta-nislaviski, Meyerhold e Grotowiski, por exem-plo. Os estúdios e laboratórios desenvolvidospor esses encenadores contribuíram para desen-volvimento de novas competências dos atores edemais participantes, mobilizados para dar con-ta dos novos desafios da cena. Trata-se de abor-dagens pedagógicas que dialogam com o passa-do, mas que não se reduzem a transmissão desaberes já sistematizados. Pelo contrário, os ex-perimentos conduzidos por esses encenadores-pedagogos exploraram a busca do incerto, dodesconhecido. Você poderia comentar sobre essarelação entre aprendizagem e criação da cenahoje? Como pensar uma pedagogia no âmbitodo que você define como teatro performativo?

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Josette Féral: Inicialmente, eu gostaria dedizer que eu não sou uma pedagoga, ou seja,eu não dirijo os atores. Logo, é um pouco difí-cil para mim falar de pedagogia quando nãonos confrontamos com a cena e com os atores.Mas observo, em contrapartida, a cena pedagó-gica. Penso que é verdade que grandes pedago-gos como Stanislavski, Meyerhold, e tambémDullin, Coupeau, Jouvet modificaram o jogo doator. Mas acredito também que, antes de mo-dificar o jogo do ator e antes de fazer uma pe-dagogia, é preciso ter uma visão nova do teatro.É quando a visão de teatro muda, que se procu-ra uma nova pedagogia do teatro que respondea essa nova visão. Ora, Stanislavski e Meyerholdestavam na história do teatro num momentoem que o teatro estava em mutação e eles con-tribuíram, por sua vez, em fazê-lo mudar. Ocor-reu o mesmo com Apia, Craig e Coupeau. Elesviveram num momento em que a visão de tea-tro estava mudando, uma visão que eles contri-buíram igualmente para modificar. Mas comomarcar as filiações? Como saber exatamentecomo efetuaram-se as influências? As causas eos efeitos são às vezes difíceis de analisar de ma-neira seqüencial, mas o fato é: as novas pedago-gias são indissociáveis de novas visões de teatro.

Essa observação desdobra-se hoje numaconstatação perturbante: não há mais hoje emdia, há poucos, pedagogos com a mesma esta-tura daqueles de antigamente. Diria ainda mais:não há mais pensamento coletivo ou pensamen-to único visando uma pedagogia do teatro. Hátrinta anos somente, o mundo do teatro contavacom referências comuns em matéria de teatro ede pedagogia do teatro. Por exemplo, nos anossessenta, as principais referências eram Brecht,Artaud, depois houve Grotowski, Brook, Barbamesmo se cada uma dessas visões não impuses-se o mesmo gênero de pedagogia. Hoje, eu di-ria voluntariamente que alguém como Vassiliev,por exemplo, é visto como pedagogo e tenta es-tabelecer os fundamentos de uma pedagogia te-atral diferente, mesmo se ela continua ligada àvisão de Stanislavski. A grande diferença daspráticas de hoje, em relação àquelas de antiga-

mente, é que os grandes mestres desaparecerame as formações diversificaram-se. Elas passam,daqui em diante, mais frequentemente pelas es-colas e pelos programas de formação que nelassão dados, mas os modelos são cada vez mais osencenadores, que não são todos pedagogos, em-bora às vezes eles tornem-se pedagogos involun-tariamente. É em razão desse lugar preponde-rante tomado pelos encenadores hoje que eudecidi empreender toda uma série de entrevis-tas com eles. Meu objetivo inicial era ver quaiseram as teorias do jogo dominantes no panora-ma atual. Porém, dei-me dei conta de que nãohavia mais teorias do jogo dominantes, e queos modelos eram tão diversificados quanto asdiferentes práticas e estéticas dos encenadoresque se destacam. Ora, esses encenadores não es-creviam, ao menos essa era a situação quandocomecei, no início dos anos oitenta. Desde en-tão, a situação mudou um pouco visto que apa-receram muitos livros de encenadores. Mesmoalguém como Mnouchkine, a quem uma vez,há alguns anos, perguntei por que ela não colo-cava suas idéias sobre o teatro no papel, me res-pondeu que tudo o que ela poderia ter dito jáhavia sido escrito, particularmente por Zéami.Daí vem a ideia de que hoje, a formação nãopassa somente pela pedagogia – voltaremos adisso – mas que ela passa também e, sobretudopelo convívio com os encenadores. Aliás, mui-tos encenadores formam – ou formaram – seusatores. Mnouchkine, por exemplo, que acabode mencionar, mas também Peter Brook, PeterSellars, Elizabeth Lecompte... Certas formaçõessão específicas a certas estéticas. É o caso dosatores do Soleil sobre os quais se dizia não fazmuito tempo que eles eram formados apenaspara uma técnica de jogo. Alguns deles prova-ram o contrário. Simon Abkarian, por exemplo,tem uma carreira impressionante no teatro e nocinema depois de ter saído do Soleil. Os atoresde Peter Brook são um pouco diferentes, na me-dida em que eles integraram, absorveram per-feitamente a pedagogia de seu encenador, tor-nando-se, por sua vez, pedagogos. Em todos

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esses casos, acredito que se trata de uma boa for-mação, uma formação que passa pelo mestre.

Podemos dizer tratar-se de uma formaçãodominante na paisagem teatral nos dias de hoje?Não estou certa. De fato, as estruturas teatraisfazem com que no panorama atual haja poucascompanhias nas quais os atores estão sempre emtorno do mesmo encenador. Dentre as exceções:Jan Lauwers tem sua própria companhia, Eli-zabeth Lecompte (Wooster Group) ou DeborahWarner que trabalham as duas com seus pró-prios atores que as acompanham há muitosanos. Os atores que os cercam acabam sendoformados pelo encenador. Mas creio que, nessecaso, o trabalho da encenação não impõe umapedagogia do teatro, mas, antes uma visão deteatro. É essa visão que impõe inicialmente cer-ta forma de fazer teatro e, secundariamente, cer-ta pedagogia.

Sala Preta: A encenação performativa re-mete a uma nova forma de trabalho do ator,requer o desenvolvimento de novas competên-cias não só do ator, mas também dos demais ar-tistas da cena. Pensando nos artistas no Cana-dá, o que você poderia comentar sobre osexperimentos cênicos nos quais as relações pe-dagógicas são o motor da criação cênica, mesmoquando a criação não acontece em uma Escola?

Josette Féral: As novas estéticas estão li-gadas às novas pedagogias? É o sentido da suapergunta. A resposta é difícil, porque há umagrande diversidade de artistas e de estéticas. To-das (as estéticas) e todos (os artistas) vêm dehorizontes muito diferentes. É evidente que asnovas estéticas ou as estéticas fortes sempre ne-cessitaram de novas técnicas de jogo. Mas essastécnicas não eram radicalmente diferentes daspedagogias anteriores? Ou trata-se de uma apli-cação mais rigorosa das técnicas de jogo já exis-tentes? Ainda assim, é difícil de responder embloco, sem nuances. É evidente que encena-dores como Mnouchkine, Wilson, Lepage,Lecompte tem, cada um à sua maneira, impos-to novos atores em sintonia com suas visões deteatro. Foi o mesmo para Vitez, Kantor ouStrehler. Todo encenador cuja estética é distin-

tiva acaba moldando o ator à sua medida. Comomencionava acima, é a visão de teatro queimpõe uma nova pedagogia e não o contrário.Pensar que uma nova pedagogia possa estar naorigem de novas formas teatrais parece-me, por-tanto, problemático e pouco verossímil. Pergun-to-me mesmo se já houve na história uma pe-dagogia que tenha sido primeira (original) ouseparada de uma visão de teatro. Que essa visãode teatro exige uma nova pedagogia para reali-zar-se é também uma evidência, mas é impor-tante sublinhar que essa pedagogia deve ter umafinalidade diferente de si mesma – estar ligada auma vontade de reformar o teatro para podertomar toda sua força, sem a qual ela corre o ris-co de limitar-se a treinar os atores para uma es-tética já existente, o que não é assim tão mal,mas que não é suficiente. Agora, se eu invertera questão inicial perguntando-me se o estadoatual do ensino do teatro, tal como ele é ofere-cido nas escolas e nos conservatórios, permite aemergência de novas estéticas, responderia pro-vavelmente que não. Na grande maioria dos ca-sos, as formações atuais dão aos atores as com-petências básicas para subir no palco, mas é-lhesnecessário, em seguida, completar suas forma-ções com o trabalho junto a diversos encena-dores que usam sua competência e trabalhamcom eles para responder a uma certa concepçãodo jogo e da cena. Os atores colocam suas com-petências a serviço do encenador e de sua visão.Essa visão pode repousar sobre um texto ou umespetáculo representado ou ela pode estar vin-culada a uma visão mais vasta do que é ou de-veria ser o teatro. É este o papel dos grandesreformadores do teatro.

As grandes reformas do teatro acontece-ram fora das escolas, junto aos mestres. Algunsdeles tiveram preocupações pedagógicas refe-rentes ao teatro (Craig, Antoine, Stanislavski,Copeau, Dullin, Jouvet, Vitez, Mnouchkine),outros não (Kantor, Wilson, Lecompte, Lepa-ge). No entanto, tanto uns quanto outros reno-varam a paisagem teatral e modificaram profun-damente nosso modo de encará-lo.

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Agora, de maneira mais concreta, numasérie de entrevistas que fiz com quase uma cen-tena de encenadores atuais sobre a formação queeles desejavam encontrar nos atores, constata-se que há quarenta anos muitos encenadorespreferiam trabalhar com atores que não tinhamformação, os mais recentes passaram a trabalharcom atores que têm uma formação e um bomconhecimento da técnica a tal ponto que nãoocorre a um encenador hoje contratar um atorsem formação mínima. Essa técnica serve debase e dá uma liberdade ao ator que permite-lhe trabalhar todas as formas, inclusive as novasformas que emergem, como podem ser essasformas performativas das quais falamos. O quequer dizer que não é preciso pensar que essasformas, pelo fato de serem novas, não necessi-tem de aprendizagem técnica rigorosa. As téc-nicas de base (como andar, falar, projetar, estarpresente, estar à escuta) continuam necessáriasnas novas formas.

Uma das questões interessantes colocadanas entrevistas diz respeito às qualidadesrequeridas aos atores pelos encenadores. Depoisda técnica, que vem em primeiro lugar, eles pe-dem todos ao ator que ele saiba arriscar-se emcena, ter uma grande força de proposições, lan-çar-se sem redes de proteção. Mnouchkine diz:“nenhum ator, nenhum encenador fará vocêacreditar que é possível fazer alguma coisa comnada”. Quer dizer que o trabalho repousa intei-ramente nas propostas do ator; o encenador nãopode inventar no lugar do ator. De onde vemessa força de proposição do ator? Sem dúvidade sua formação, mas também de tudo o quecontribui para essa formação: o que ele leu, oque ele aprendeu, a curiosidade que ele conse-guiu desenvolver, sua capacidade de esquecer-se de si mesmo para estar aqui no momento pre-sente. Dessa necessidade de apagar o ego doator, todos os encenadores falam. Esse princí-

pio atravessa as idades. Mas, há os efeitos demoda na formação. Há conceitos cuja impor-tância varia em função das épocas; por exem-plo, o conceito de personagem. Certos encena-dores dizem hoje que não utilizam a noção depersonagem em seu trabalho com os atores. Elesdizem aos atores: “façam as ações impostas pelotexto, digam as palavras”. O personagem vai seconstituir na cabeça do espectador. É ele que vaifazer o trabalho. O ator não tem mais que cons-tituir um personagem. Ele deve se situar noimediatismo do presente da cena. Ao menos éisso que dizem os encenadores. Do lado dos ato-res, o discurso é diferente. Eles dizem precisardo personagem.

Mas para todos, trata-se de executar açõesem cena. Podemos falar de uma pedagogia dasações físicas como o reclamava Stanislavski emseus últimos textos? Sem dúvida. Remeto, nes-se caso, aos preceitos de Anne Bogart queedificou todo um método de trabalho do ator apartir da teoria dos viewpoints. Trata-se de umprocesso de criação que permite trabalhar nãocom personagens, nem mesmo com um textopré-construído, mas com as ações em relaçãocom o espaço e o tempo circundantes.

Sala Preta: Ainda sobre a questão do ator,tanto o Método Repère, utilizado por RobertLepage, quanto a abordagem dos Viewpoints deAnne Bogart, são exemplos de propostas meto-dológicas de criação e aprendizagem. Você vêessas demandas por novas competências ou téc-nicas para o ator do teatro performativo no âm-bito da formação do ator no Canadá?

Josette Féral: Não nas escolas. Essa de-manda vem habitualmente dos encenadores.

Humberto: Em algum lugar do mundo?Josette Féral: Sim.Humberto: Onde?Josette Féral: Talvez no New York Experi-

mental Theatre Wing 3. Em 2001, organizei em

3 Experimental Theatre Wing é um projeto do Department of Drama da Tisch School of the Arts da NewYork University.

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Paris um Colóquio Internacional4 no qual dire-tores de escolas de formação da Alemanha, Itá-lia, França, Inglaterra e Estados Unidos foramconvidados. Havia também Kevin Kulke doNew York Experimental Theatre Wing. Acreditoque é o único lugar, do meu conhecimento,onde a pedagogia visa a criação do teatro de for-mas performativas. Tal teatro imporia uma novapedagogia, mas é difícil de saber qual. Na en-trevista que ela me concedeu, Elizabeth Le-compte diz: “É preciso esquecer Stanislavski!”.Que seja! Mas outros afirmam “Stanislavski éextraordinário” (Mnouchkine, por exemplo).Ora Mnouchkine e Lecompte fazem, ambas,um teatro que é interessante. O que devemosconcluir? Que exceto o New York ExperimentalTheatre Wing, acredito que, com algumas va-riantes, todas as escolas têm certos princípiosque se parecem e praticam pedagogias simila-res quando não são elas também tomadas poruma visão de teatro. Dentre as exceções, pensoque a GITIS em Moscou, por exemplo, temuma pedagogia inspirada numa visão fortemen-te stanislavskiana e uma tradição forte, a Volks-schule, onde (Thomas) Ostermeier trabalhou émarcada por uma visão meyerholdiana do tea-tro, a Escola de Giessen é mais marcada peloteatro performativo próximo das instalações edas artes plásticas.

Sala Preta: Como você pensa que os ato-res oriundos de uma formação tradicional rece-bem essas novas formas teatrais? Como reagemos encenadores ao encontrarem os atores forma-dos em escolas tradicionais?

Josette Féral: Acredito que o problemanão venha dos atores. Eles são geralmente mui-to abertos a maior parte das formas de pesqui-sa, sobretudo quando elas são vinculadas a umavisão do teatro que lhes explicamos ou da qual

eles partilham. Além disso, as técnicas do jogodependem frequentemente do contexto cultu-ral. Por exemplo, observo que na França os ato-res, que são excelentes, infelizmente atuam ape-nas de acordo com uma visão de teatro que dápreeminência ao texto. Trata-se então de umavisão muito textual, centrada nas palavras, quese apóia frequentemente sobre uma ótima ce-nografia, mas o todo permanece, em minha opi-nião, muito frio, muito formal e deixa-me in-diferente como espectadora. De minha parte,prefiro a maneira pela qual Jan Lauwers, Ivo vanHove ou Guy Cassiers fazem os atores jogar.Tenho, então, a impressão de que essa forma dejogo, mais corporal, mais lúdica, fundada sobreas ações cênicas, corresponde a uma visão maisatual de teatro. Portanto, para voltar à sua ques-tão, observo que os atores, independente dequal seja sua formação, geralmente se adaptammuito bem aos encenadores. Tomemos BobWilson como exemplo, cujo teatro pode serconsiderado desde seus primórdios, há quasetrinta anos como teatro performativo. Ele nãohesita a convidar atores tradicionais comoIsabelle Huppert. Pois eles se adaptam perfeita-mente bem a essas técnicas e a sua maneiradiretiva de trabalhar. A arte de um ator é tam-bém ser leve e ser um “instrumento perfeita-mente harmônico” nas mãos do encenador.Em certos casos, todavia, quando o jogo é maisfísico, mais corporal, acontece que a formaçãotradicional não é suficiente e que o ator devereceber uma formação suplementar, correndo orisco de ser formado pela própria companhia,como não hesita em fazer Mnouchkine comseus atores.

Sala Preta: O que os professores das es-colas de formação de atores podem fazer diantedessas novas formas?

4 Colóquio internacional sobre a formação do ator realizado, sob coordenação de Josette Féral, em abrilde 2001, no Théâtre National de la Colline, em Paris, com o tema “Former ou transmettre: les cheminsdu jeu s’enseigne-t-il? “ (“Formar ou transmitir: os caminhos do jogo podem ser ensinados?”), organi-zado pela UQAM (Université du Québec à Montréal) e L’UPX (Université Paris X Nantere).

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Josette Féral: Aqui, você toca no verda-deiro problema: o das escolas de teatro e dosdocentes que nelas ensinam... As escolas têmmuito frequentemente, programas feitos emfunção do teatro existente. Seu objetivo é for-mar os atores para o ofício. Alguns, bem raros,escolheram previamente privilegiar uma formade teatro mais que outra, assim como a ErnstBusch Schule, sobre a qual falava agora a pouco.Seu primeiro cuidado também é dar aos estu-dantes uma formação de base que lhes permi-tirá atuar em diversas cenas. Eles aprendem,portanto, muito frequentemente, a interpretartextos, a trabalhar suas vozes, seus corpos... Aformação que eles recebem permanece, em mi-nha opinião, muito tradicional, exceto em al-guns casos isolados como os que já mencionei,Giessen, Experimental Theater Wing... Claramen-te, os programas tentam abrir um pouco a for-mação oferecendo oficinas diversificadas: Nô,Katakali,... como tentamos fazer na UQAM(Université du Québec à Montréal ), embora bempouco, no conjunto. Essas oficinas pontuaispermitem aos atores familiarizarem-se com ou-tros modos de ver o jogo. Tudo isso permanece,contudo, muito parcial e insuficiente. A ques-tão não é tanto a recusa em abrir as formações,mas a necessidade de dar aos estudantes umaformação de base que as escolas querem tãocompletas quanto possível, numa duração bemlimitada. Permanecem as oficinas que os atoressão levados a fazer fora das escolas para dar se-guimento à sua formação. Quanto a uma for-mação específica para o teatro performativo,não acredito que ela exista. Os atores chegarãonela forçosamente. Acredito que isso corres-ponda à sensibilidade do mundo de hoje.

Verônica Veloso: Nós, que somos profes-sores, devemos repensar a maneira de ensinarteatro no Conservatório e reinventá-la? Obser-ve a dança, por exemplo: atualmente não é ne-cessário passar pela dança clássica para chegar àdança contemporânea.

Josette Féral: Certamente. Os professo-res podem e devem rever o conteúdo de seuscursos para permanecerem atualizados. Eles o

fazem geralmente, mesmo se frequentemente ainstituição em que trabalham é muito resisten-te. Há uma imagem que gosto muito de utili-zar para expressar a dificuldade de mudar asmentalidades dentro de um departamento, as-sim como os programas: sempre digo que mo-dificar um programa é como ter que deslocarum dinossauro. Para mudar um pêlo, é precisogirar o dinossauro. Quer dizer, a resistência àmudança é enorme. Ela não vem somente dainstituição ou dos professores; vem do meio elemesmo. De fato, apesar de nosso interesse peloteatro performativo, ele não é dominante. Asformas teatrais que encontramos em todos ospalcos são as formas tradicionais e esse teatromata o outro. O teatro performativo é uma ilhanesse oceano do teatro tradicional. Claro queencenadores como Elizabeth Lecompte, BobWilson, Peter Sellars, Robert Lepage são conhe-cidos, mas eles representam apenas uma peque-na parcela de encenadores em relação à multi-dão dos outros, daí vem sua importância. Sãoos pioneiros, os reformadores, os inventores denovas formas, de novas estéticas. Não são ne-cessariamente grandes reformadores do teatroou pedagogos, mas a maneira pela qual eles pra-ticam seu ofício, sua inventividade, sua criativi-dade obriga-nos a pensar o teatro de outra ma-neira e, por sua vez, a formação. Mas para isso,é preciso que nós frequentemos assiduamente oteatro; porém, as entrevistas que fiz provam queos encenadores assim como os atores vão muitopouco ao teatro.

Aura Cunha: Os professores também...Josette Féral: Como eles podem, então,

seguir as novas formas? Ou mesmo simplesmen-te estar informados? Como eles podem entãomodificar sua visão de teatro e, acima de tudo,sua pedagogia? O teatro que se faz e o teatroque se ensina devem estar ligados. Um informao outro, modifica o outro, de onde vem a ne-cessidade de seguir tudo o que se faz em suaépoca e estar alerta, vigilante, curioso. A histó-ria avança muito lentamente, e com teatro acon-tece o mesmo, do mesmo modo que as geleiras.Quando as geleiras avançam, o centro avança

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mais rapidamente que as bordas, retidas poruma resistência extrema. Eu diria de bom gra-do que o teatro performativo é a ponta, e o tea-tro tradicional constitui as partes inferiores. Oteatro performativo é o que conhecemos por-que é mais inovador, porque responde às nossassensibilidades, porque está de acordo com a sen-sibilidade dos jovens hoje. Da minha parte, fi-quei surpresa ao constatar que na UQAM(Université du Québec à Montréal), onde nossosestudantes fazem produções todos os anos, cadaano eles podem fazer produções livres, que cha-mamos assim pois os estudantes são livres paradar a forma que desejarem. Ora, muito frequen-temente essas produções são muito mais inven-tivas que aquelas que eles fazem sob a direçãode um encenador contratado para a ocasião. Elassão complexas, têm estruturas pouco clássicas,são às vezes desconstruídas... Antigamente, es-sas produções eram gratuitas. Logo, as pessoasdo bairro (a UQAM está situada a leste da cida-de, em bairros modestos, outrora, desfavoreci-dos), que geralmente não iam ao teatro, vinhamver essas produções estudantis. E, espantosa-mente, eles gostavam do que viam. Ficavam, éclaro, surpresos com as formas que eles desco-briam, mas gostavam e compreendiam tudo.

Sala Preta: Pensando no teatro performa-tivo na Universidade, o que você poderia co-mentar sobre a formação do diretor, do cenó-grafo, do dramaturgo?

Josette Féral: Não acredito que existauma formação específica para o teatro perfor-mativo... Para ela existir, isso implicaria um tra-balho maior no nível da inventividade, da cria-tividade do artista, do que chamamos deescritura cênica, mas isso não dispensaria o atorde ter necessidade de aprender certas técnicasde base.

Sala Preta: Sim, e quanto aos conteúdosdo teatro performativo?

Josette Féral: É possível que tal forma-ção exista em certas escolas de formação no Rei-no Unido, nos Estados Unidos, talvez, em To-ronto, em Concórdia, mas eu não posso dizercom precisão.

Sala Preta: Em uma entrevista sobre essemesmo tema, Jean-Pierre Sarrazac defendeu anecessidade do estudo dos “textos clássicos dodrama moderno e contemporâneo”, tais comoBeckett, Ionesco, Heiner Müller, na formaçãosuperior de teatro. O que você pensa sobre essaideia de analisar obras de referência do teatro per-formativo, sejam elas por meio de textos teatrais,críticas e registros audiovisuais de encenações?

Josette Féral: O que é necessário conhe-cer? Tudo. É preciso ser curioso, é preciso ler,também é preciso conhecer o mundo, é precisoestar ancorado no mundo e manter-se informa-do sobre tudo. Não é necessário de forma algu-ma separar o teatro das outras formas de arte.Não se deve pensar que o teatro existe sobre suailha, separado do mundo. O teatro partilha li-gações estreitas com as outras artes, ele sofre in-fluência delas. Em segundo lugar, não é precisoseparar o mundo das artes, da vida em geral.Quanto a saber o que é preciso ler, o que é pre-ciso conhecer? Diria de bom grado que é preci-so conhecer tudo, mas tudo mesmo, tudo o quecruzar nosso caminho, tudo o que encontrar-mos, do melodrama até o texto mais difícil deler, os mais abstratos. E entre todos esses, os tex-tos de Beckett ou Müller são referências maio-res, claro. Inevitáveis hoje para compreender asnovas formas de escrita.

Fiz essa pergunta que você me faz aosencenadores que entrevistei, mas formulei-a demaneira um pouco diferente. Perguntei-lhes sea leitura de textos teóricos poderia ajudar os ato-res e se eles respondiam negativamente, o quepoderia ajudar o ator, a maioria (dos encenado-res) respondia “sim”, mas com algumas restri-ções. Tudo depende, ressaltavam, do que enten-demos por teoria. De fato, a palavra teoria, emsi, não quer dizer nada; é, na melhor das hipó-teses, uma “reflexão” sobre o teatro. Muitosencenadores desejam trabalhar com atores cul-tos; porém, para ser culto não há receitas. É pre-ciso conhecer, aprender, estar em condições derelacionar as coisas, ser curioso, descobrir... Porexemplo, parece-me útil não somente conhecero sistema de Stanislavski, mas também conhe-

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cer as motivações que o levaram a edificar essesistema. Acho igualmente muito interessantesaber que o livro “A Construção do persona-gem”5 tem um título errado em relação à versãorussa. Considero interessante também saber quea teoria de Stanislavski se desenvolveu na épocada descoberta científica do reflexo con-dicionado, e que esta descoberta científica per-mite compreender com profundidade o queStanislavski buscava com seu sistema: a ideia decolocar o ator em um estado de criatividade, as-sim como o cachorro de Pavlov (fisiologista rus-so). Quer dizer que para bem compreenderStanislavski, não é inútil compreender que elefoi influenciado pelos desenvolvimentos cientí-ficos de sua época. É igualmente importante sa-ber que Stanislavski não parou de aperfeiçoarseu sistema e que, no final de sua vida, ele fa-lava mais das ações físicas do que de psicologiado personagem. Para compreender bem astécnicas de jogo estabelecidas por Meyerhold,é igualmente importante contextualizar suasideias. Ele era, como vocês o sabem, um dos co-laboradores preferidos de Stanislavski. Frequen-temente opõem-se os dois, mas Stanislavski viabem para onde Meyerhold estava indo. Basta lerum e outro para ver seus pontos de correspon-dência. Sendo assim, é importante conhecer oslaços que unem Stanislavski e Tchekov, já queStanislavski criou seu sistema em relação aostextos de Tchekov, pois desejava encontrar umaforma de jogo que correspondesse aos textosde Tchekov.

Então, para voltar à formação dos atores,é-lhes necessário, em minha opinião, ver teatro,ver, ver, ver teatro, porque isso forma o olhar.Hoje, penso que o teatro interessante é o dosflamengos. Há alguns anos, são eles que fazemas coisas mais interessantes. Outros encenadoressão igualmente bastante interessantes. Nós osconhecemos: Ariane Mnouchkine, HeinerGoebbels, Bob Wilson, Peter Sellars; já fomos

formados em suas estéticas. Atualmente há ar-tistas como (o encenador suíço Christopher)Marthaler ou (o encenador polonês Krzysztof )Warlikowski cujas estéticas são inovadoras.

É interessante constatar que, nesse domí-nio, certas formas ou características do teatro deantigamente voltam. Por exemplo, em certaépoca o teatro tinha se distanciado da narração,mas constatamos que há alguns anos há um cla-ro retorno à narração, assistimos um retorno ànarrativa. Da mesma forma, durante os anos 60:a cena à italiana havia sido abandonada em fun-ção de outras cenas mais descentradas, fora dosespaços habituais. Porém, atualmente tambémconstatamos um retorno à cena à italiana. Amaioria das cenas a que chamo de teatro per-formativo faz apelo a cenas à italiana. Esse mo-vimento de pêndulo é interessante e impressio-nante ao mesmo tempo! De repente, ocorre anossos estudantes de começar a explorar cenasdistintas (piscinas, salas circulares...). Eles ficamespantados ao descobrir que isso foi feito hátrinta anos atrás. Prefiro, de minha parte, nãolhes dizer e deixar que eles redescubram sozi-nhos. O teatro deve descobrir novas formas. Os“walk tours” (teatro processional) são um exem-plo, mas certas formas também: o teatro deGoebbels, por exemplo, ou o de Lepage abrenovos caminhos.

De fato, acredito que nosso papel comopedagogos, ensinando a teoria do teatro é detentar analisar da melhor forma aquilo que ve-mos, isto é, assinalar os movimentos, as corren-tes, uma evolução, relacionar as práticas, con-textualizá-las. E para isso é preciso saber man-ter-se aberto às diversas práticas, mas tambémàs teorias, incluindo aquelas das outras disci-plinas, a fim de importar saberes de um domí-nio para outro. É apenas assim que renovamosverdadeiramente o campo da prática. Em outraspalavras, é preciso saber não permanecer fixa-dos em nossas certezas e nossos conhecimentos.

5 STANISLAVSKI, Constantin S. A construção da personagem. São Paulo: Civilização Brasileira, 2001.

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Sala Preta: Hans-Thies Lehmann fala deuma dimensão política do teatro pós-dramáti-co uma vez que provoca uma troca de posicio-namento do espectador. Segundo ele, a açãopolítica do teatro de hoje não está centrada narepresentação do fenômeno político, mas natransformação do acontecimento teatral em umfenômeno político. O que você pensa sobre adimensão política do teatro performativo?

Josette Féral: O teatro performativo pedea participação do espectador, demanda-lhe mui-to frequentemente a interpretação do que vê.O sentido do espetáculo não está fixado; ele écompletamente aberto, pois nele os signos sãopouco restritivos. O espectador, portanto, é li-vre para compreender o espetáculo como ele oentender, de dar-lhe sentido, até mesmo de criaro sentido. Podemos dizer que esse modo de fun-cionamento é político num sentido mais am-plo? Sem dúvida. É político, na medida em quetoda encenação muda os modos de percepçãodo espectador e incomoda-o. Isso é, sem dúvi-da, o que quer dizer Lehmann e, nesse sentido,estaria de acordo com ele. Todavia, eu diria tam-bém que toda grande mudança do teatro toca oaspecto político. Falo aqui do político no mas-culino, O político, e não a política. Penso queas reformas que Stanislavski introduziu e quemodificaram profundamente não somente ojogo do ator, mas também a recepção do espec-tador eram políticas, tanto que seu sistema re-queria uma nova ética para o ator.

Acontece o mesmo com as reformas in-troduzidas por Meyerhold. Aliás, seu forma-lismo era tão político que ele chegou a ser as-sassinado. Diria a mesma coisa de todos osgrandes reformadores do teatro que se opuse-ram às estruturas existentes: Müller, Beckett noque diz respeito aos textos; Artaud, Grotowski,Brecht no que diz respeito à cena. Depois de-les, Wilson, Lepage, Mnouchkine, Chéreau,Vitez, Lecompte…

O teatro pode modificar nossas sensibili-dades e nossa visão das coisas, estou intimamen-te convencida. Tive uma discussão muito inte-

ressante com Richard Schechner no ano passa-do, no ECUM (Encontro Mundial das ArtesCênicas, Belo Horizonte, 2008). Nossa discus-são nos levou aos limites da Arte. A questão eraa seguinte: é suficiente que um artista pretendafazer arte para que o que ele apresenta ao espec-tador efetivamente seja arte? É o artista ou o es-pectador que decide o valor artístico do que éapresentado ao público? Podemos respondersem dúvida que cada um mede a coisa de acor-do com seu próprio conhecimento do domínioda arte e de seus gostos. Mas, creio que a ques-tão vai mais longe e esbarra hoje em questõeséticas. De fato, certas formas artísticas parecemchocantes hoje, até mesmo obscenas – no sen-tido primeiro do termo, isto é, que não podemser mostradas, e o fato de lhes dar a ver, deapresentá-las aos espectadores pode chocar edesencadear problemas éticos. Explico-me: ge-ralmente dizemos que não há nada que choquehoje em dia, que todas as transgressões são per-mitidas; no entanto algumas performances po-dem ir além do aceitável, na medida em que elassão armadilhas para o espectador e forçam-no alegitimar, pela sua presença, ações que podemrevelar o exibicionismo ou a violência. Penso,por exemplo, nas performances de Franko B,que abre suas veias em cena. Numa primeirainstância, o problema é dele, o exibicionismo édele, mesmo se todo um discurso da parte doartista legitime o espetáculo que ele apresenta.Sem dúvida que tal performance tinha, há trin-ta anos, um sentido e um impacto que ela nãotem mais nos dias de hoje, tanto a performancejá nos habituou a tais excessos. O fato de queFranko B realize tal ação é político de certa for-ma. Mas a obscenidade, em minha opinião,vem do fato de que, de repente, eu desejo inter-rogar o papel do espectador, MEU papel en-quanto espectadora. Em que, minha presença(o fato de pagar meu ingresso) legitima esse tipode empreitada?

Outro exemplo similar é o de Huang YongPing, um artista franco-chinês que fez uma ex-posição no Beaubourg (Centre George Pompidou,

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em Paris). Uma de suas obras consistia em umaespécie de viveiro onde se encontravam répteis einsetos se comendo uns aos outros.

Diante dessas obras, pergunto-me qual opapel representa o espectador. Sua presença nãolegitima esse tipo de obra? E o espectador nãose encontra encurralado, obrigado a ver a arteonde não há senão monstruosidade? Em pou-cas palavras, pergunto-me se sou obrigada a ade-rir a tal encenação da “violência”. E se sim, emnome de quê? É claro, tudo é possível; mas quetipo de afirmação minha presença sustenta?Ela não endossa obras que sou tentada a rejei-tar? A questão parece-me importante e parecetocar os limites da arte, ou, mais exatamente doque serei tentada a chamar de arte? O especta-dor deve aderir a todos os excessos, inclusive osmais delirantes? Onde parar? Que critérios es-colher para traçar o limite? Não quero ser reaci-onária, mas talvez eu o seja inconscientementee ignore. Mas, me dou conta hoje de que certasformas me chocam por uma violência gratuitae real que elas oferecem ao olhar, em nome daarte. Ora, enquanto espectadora, eu me digoque eu não quero aceitar qualquer coisa emnome da arte. Talvez seja esse meu limite hoje.Estou pronta para aceitar a cena vazia, o quadrobranco, a nudez, a masturbação, a autoflage-lação, no máximo a automutilação, mas o atorque abre suas próprias veias e as esvazia de seusangue (sob controle, é claro, mas ainda assim!)tenho que aceitar como sendo arte?

Aí acho que a arte levanta questões de or-dem ética, que me interpelam. A discussão aqual me referi anteriormente com Schechner foiinteressante, porque de repente ele percebeuque “A arte pode ser má”. E é verdade!

Repentinamente, a gente pára e se diz,“Talvez toda forma artística não seja necessaria-mente política no bom sentido do termo”. Podehaver formas artísticas que são nocivas. Porém,para admitir isso, é preciso que modifiquemosnossos modos de pensar a arte. De fato, temosa tendência em pensar que a arte é necessaria-mente uma força de renovação, de vanguarda,de afirmação, de grandeza do espírito humano.

Mas, algumas formas revelam (podem revelar)que o espírito humano pode ser complicado.Talvez, haja bizarrices mesmo na arte. Talveztambém seja preciso afirmar que há um limiteque nós não queremos transpor.

Sala Preta: Você acredita que os profes-sores tenham algumas responsabilidades sobrea formação de um novo olhar do público emrelação ao teatro performativo?

Josette Féral: Certamente. A responsabi-lidade dos professores nesse domínio é grande,mas precisamos ser realistas. Por exemplo, aquem nós falamos? Quem é nosso público? Nãofalo do nosso público na Universidade, porqueesse é minúsculo, mas qual é o público do tea-tro? As pesquisas sociológicas e estatísticas queforam feitas sobre o espectador de teatro mos-traram, por exemplo, que no Canadá, 30% daspessoas vêem um espetáculo uma vez por ano,e quando digo “espetáculo”, isso designa tantoos espetáculos da Broadway quanto o teatro derepertório ou um espetáculo de teatro amador.30% somente. Essas cifras são as mesmas nocampo do esporte: 30% da população assiste aum evento esportivo uma vez por ano. Desses30% que vão ao espetáculo uma vez por ano,30% vão ver espetáculos de teatro duas ou trêsvezes por ano. Ficamos já em 10% do conjuntoda população. E desses 10%, uma pequena par-cela de 3% vai ao teatro um pouco mais quetrês vezes por ano. É pouco; é muito pouco. Eessas cifras parecem as mesmas em quase todosos lugares. Então, quando falamos de formar opúblico para o teatro performativo, é precisocompreender que o público a formar represen-ta uma porcentagem pequena da população.Pois, se alguém vai ao teatro uma vez por ano,você acha que sua primeira escolha de espetá-culo vai levá-lo espontaneamente a uma ence-nação de Elizabeth Lecompte do Wooster Groupou de Jan Lauwers? Não. Ele vai espontanea-mente ver o mais fácil e as formas mais conven-cionais: Broadway, o teatro de repertório... Seeu estivesse no lugar deles, eu faria sem dúvidacomo eles. Eu perdi a questão...

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Sala Preta: Não. A ampliação da deman-da por um teatro performativo não está ligada aessas práticas pedagógicas? O fato de incluirmoso estudo desse tipo de teatro na escola não iriacolaborar para a formação de um público maisaberto às novas formas teatrais?

Josette Féral: Claro que é nossa respon-sabilidade, mas ao mesmo tempo, não precisatirar o teatro do seu contexto: a maioria da po-pulação não demanda necessariamente um tea-tro performativo. É bom levar os espectadorespara verem Wilson, Mnouchkine ou Lepage. Ese há três milhões que acabam conhecendoLepage, só pode ser algo bom. Isso dito, a de-manda do público, do grande público não seráinicialmente Lepage. Ela se orientará preferen-cialmente para algo como o Cirque du Soleil.Entre Lepage e o Cirque du Soleil, é o Cirquedu Soleil que vai levar a melhor.

É preciso então estarmos conscientes dis-so quando abordamos as questões de formação.

Uma vez que isso foi dito e levado emconta, então, sim, podemos dizer que é possívelformar o público para o teatro performativo. Écomo na filosofia, essa formação toca um pe-queno grupo de pessoas. Ela tem um efeitomodesto, mas não é por isso que vamos deixarde fazê-lo. Uma vez, perguntei à Mnouchkineo que ela pensava do fato de que o teatro nãoabala o mundo e não tem senão uma incidên-cia política fraca – como vocês sabem –Mnouchkine é politicamente muito engajada.Perguntei-lhe se toda essa batalha não estavaperdida de antemão, se nós não terminaríamosem um beco. Ela me respondeu com uma frasede que gosto muito: “o teatro é como o Tibete.Se o Tibete desaparecesse, a face da Terra nãoseria profundamente modificada. Mas não énecessário que o Tibete desapareça, porque éuma zona de resistência que permite que mu-danças aconteçam”. Acredito que ocorre o mes-mo com o teatro performativo. Isto é, que nãoacredito na força revolucionária nem do teatro,nem do teatro performativo. Mas penso quedevemos promover uma arte de seu tempo, e épor isso que vale mais fazer teatro performativo

do que teatro mais tradicional como a RoyalShakespeare Company. Isso dito, também gostomuito da Royal Shakespeare Company. Tenhomuito prazer também em assistir a um de seusespetáculos e, sobretudo, não quero que essaforma desapareça. Portanto, acredito que é pre-ciso deixar a diversidade existir. É necessáriopromover o novo e as formas em relação comseu tempo, mas ao mesmo tempo, é preciso serrealista e compreender que as formas que privi-legiamos não podem ser dominantes, pelo me-nos por agora. O verdadeiro público – nós nãosomos o verdadeiro público – pode nunca ou-vir falar ou ver teatro performativo. Mas talvezo teatro performativo também acabe tendo oseu lugar na Broadway. A Broadway é, de fato,um lugar muito surpreendente. Vou contar duasanedotas sobre esse assunto. Uma vez, estavaindo para Nova Iorque e telefonei para umaamiga crítica, que conhece tudo o que aconteceem Nova Iorque. Perguntei-lhe o que havia paraver em Nova Iorque no momento em que esti-vesse lá. Ela me disse: “É preciso ver Lion King(O Rei Leão)”. Eu respondi, “não estou pergun-tando o que há para meus filhos, é para mimmesma”. Ela me respondeu de novo: “LionKing”. E fui ver “Lion King”. O espetáculo eranotável. Julie Taymor (a encenadora) fez mari-onetes humanas admiráveis e posso dizer, semsombra de dúvida, que o espetáculo era bemperformativo. E, no entanto, é bem um espetá-culo da Broadway. É impressionante. Essa é aprimeira anedota. A segunda diz respeito aosmeus filhos que eu levava regularmente, quan-do eram pequenos, para ver teatro experimen-tal em todas as suas formas. Um dia veio àMontréal o espetáculo “Les Misérables”, grandeprodução de estilo Broadway. Meus filhos pedi-ram para ver o espetáculo. Eu os deixei lá, recu-sando-me, a princípio, de acompanhá-los. Apóso espetáculo, quando fui buscá-los e eles entra-ram no carro, estavam contentes e disseram-me:“Finalmente, o verdadeiro teatro!”. Fiquei trans-tornada. Hoje, são adultos e brincam ainda co-migo sobre essa experiência e sobre a revelaçãoque isso foi para eles. Eles brincam também

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sobre certas performances a que eu os levo.Então, tudo isso para dizer que o teatro perfor-mativo é certamente o teatro mais interessanteque se faz nos dias de hoje, mas o outro tam-bém tem seu encanto.

Nossa tarefa é acompanhar as formas ar-tísticas que se transformam. Somos os iniciado-res desses movimentos? Tenho a tendência apensar que essa tarefa pertence aos artistas, masuma vez que o movimento é lançado, então opapel dos pedagogos que somos é de seguir eacompanhar esses movimentos. Temos um pa-pel de iniciadores? Somente se formos práticos,senão temo que as formas visadas sejam total-mente artificiais.

O teatro performativo é, em minha opi-nião, um teatro de vanguarda sem dar a esse ter-mo o sentido que dávamos antigamente. Querodizer com isso que são as formas mais inovado-ras hoje. Portanto, na medida em que essas for-mas se desenvolvem, elas influenciam outraspráticas, e elas acabam por escoar, como um fil-tro de café, nas outras formas e nas outras práti-cas: na Broadway, no Cirque do Soleil, etc.

Verônica Veloso: Penso que um espetácu-lo fala com muitas pessoas uma única vez, masum professor fala com um número menor depessoas muitas vezes. Talvez seja por isso quenós, no papel de professores, ao mudarmos nos-sa maneira de ver teatro, podemos contribuirpara que os alunos mudem também.

Josette Féral: Sim, certamente. Nosso tra-balho permite criar uma rede. Nosso papel nãoé inútil; felizmente, aliás. Mas eu não conheçoum país onde o teatro tenha tido uma inci-dência radical sobre o curso dos acontecimen-tos e tenha transformado as coisas. Isso não é,entretanto, grave. Essa situação é diferente dopapel que o teatro sempre teve? Podemos dizerque o papel do teatro mudou através das épo-cas? Sim, por exemplo, o teatro não tem mais omesmo papel de entretenimento daquele quepoderia ter no final do século XIX. Ele se tor-nou teatro de arte. É preciso compreender o queisso representa. É uma modificação fundamen-

tal que muda profundamente a paisagem artís-tica e as mentalidades.

Então, para voltar à sua pergunta, sim, éclaro, o papel do pedagogo é importante, mes-mo que às vezes trate-se de um papel ingrato,pois repetimos as mesmas coisas o tempo todo,mas é um papel estimulante e provedor. E paraser verdadeiramente eficaz, é preciso permane-cer vigilante e saber manter-se informado. Epara permanecer informado das práticas e dasformas artísticas, é preciso desenvolver as mes-mas qualidades do ator: isto é, saber continuarsendo curioso e manter o espírito aberto e emrelação com o mundo. Alguns encenadores en-trevistados diziam do ator que ele devia saberqual é seu lugar em relação à galáxia que o cir-cunda. Um ator que é fechado em si mesmo nãopode ser um grande ator. É assim também parao verdadeiro pedagogo.

Sala Preta: A noção de teatro performati-vo pode ser um instrumento pedagógico. Comovocê pensa essa noção em comparação aoenfoque do teatro pós-dramático de Hans-ThiesLehmann e à ideia de drama reinventado de te-óricos franceses, como Jean-Pierre Sarrazac?

Josette Féral: Não sei se tenho a resposta.Diria que, para mim, inicialmente, a pesquisade Sarrazac é muito interessante, mas, sobretu-do, centrada no texto. É uma pesquisa útil, poispermite-nos compreender melhor a dramatur-gia atual fornecendo conceitos capazes de darconta dela de maneira melhor: a figura, a cora-lidade, o autor rapsodo... Sarrazac viu precisa-mente todos esses pontos e, ao fazê-lo, demarcao campo de análise do texto teatral.

Quanto ao Lehmann; penso que a noçãode pós-dramático é uma noção que funcionarelativamente bem e que parece evidente por-que ela não abala a noção de dramático. E isso,parece-me ser ao mesmo tempo sua força e suafraqueza. Tenho reservas a respeito do prefixo“pós” que inscreve uma temporalidade das coi-sas, talvez como o conceito de pós-modernismo.Isso evoca uma corrente, práticas que vieramdepois do modernismo, como após o dramáti-

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co, mesmo se não se trata de sequencialidadepura. Além disso, o pós-dramático como o pós-modernismo é uma corrente decidida pelos pes-quisadores ou os historiadores e não pelos pró-prios artistas. Nenhum artista reivindica essasduas correntes. Nenhum artista diz “Sou umartista pós-dramático” ou “pós-moderno”. É opesquisador ou o teórico que os inscreve ali. Éverdadeiramente uma postura de pesquisador,que tenta nomear uma prática. Porém, essas prá-ticas são múltiplas, excessivamente diversificadase às vezes não apresentam nenhuma ligaçãoumas com as outras. Logo, designá-las sob umúnico termo genérico me parece um pouco abu-sivo e forçosamente aproximativo, mas essas ge-neralizações talvez respondam a uma necessida-de. Talvez seja por isso que essa noção se vendebem. Isso posto, considero a análise feita porLehmann interessante e justa, mas muito abran-gente e não insiste sobre a diversidade das prá-ticas de hoje, é essa sua grande fraqueza. Ela nãosublinha suficientemente, a meu ver, que o tea-tro de hoje marca uma verdadeira ruptura como passado, ele subverteu toda a forma do teatro,particularmente no nível da representação.Derrida foi o primeiro a empreender esse traba-lho e mostrou como não saímos nunca da repre-sentação. Ela pode ser desconstruída, podemostrabalhar no limite, podemos invertê-la, des-construí-la, invertê-la, levá-la aos seus limites eaté mesmo reconstruí-la; mas ela está sempre alisob múltiplas formas. Isso não quer dizer, toda-via, que o teatro que se pretenda não-represen-tativo, mas que permanece inscrito na represen-tação e, à contragosto, não é diferente do teatrode outros tempos. E em todos os aspectos.

Para voltar à definição do teatro pós-dra-mático, a reserva que igualmente manifestaria éque Lehmann engloba sob mesmo qualificati-vo, o teatro de Beckett e o de Müller, o de Kol-tès e o de Vinaver. Resumindo, todo o teatro deBeckett até os dias de hoje. São quase sessentaanos e não se pode fazer isso. Não podemos

agrupar a multiplicidade de práticas de todo esseperíodo em uma só entidade, que partilharia asmesmas características. Penso, então, que é pre-ciso fazer divisões no teatro dos últimos sessentaanos, reconhecendo que o teatro pós-dramáticoou o teatro performativo é uma corrente que re-úne certas práticas (mas não todas) do teatroatual. Penso que, de fato, há teatro pós-dramáti-co, mas que todo teatro pós-dramático não é ne-cessariamente teatro performativo. Da mesmaforma, nem todo teatro performativo é necessa-riamente pós-dramático. Talvez eu tome o tea-tro pós-dramático de maneira muito limitada,ligando-o obrigatoriamente ao drama, ou ain-da, ao texto, mas, se nos atemos a esse sentido,artistas como Jan Lauwers ou Jan Fabre não sãomuito pós-dramáticos assim como Josef Nadj, Pippo Delbono, Romeo Castelucci. Para mim,todos esses artistas não são pós-dramáticos, mes-mo que sejam fortemente performativos.

Essas reflexões provam que cada pesqui-sador escreve a partir de sua cultura e de suasreferências. Sarrazac, por exemplo, escreve doponto de vista do teatro francês que permanecesua referência principal; aliás, seu grupo de pes-quisa trabalha essencialmente o texto dramático.Lehmann reflete a partir do teatro alemão. Suasreferências são, entre outras, encenadores como(Frank) Castorf, (René) Pollesh, (Christoph)Schlingensief, (Thomas) Ostermeier... que fa-zem um teatro menos fundado sobre o texto.Nos Estados Unidos, existe, como sempre, ali-ás, um verdadeiro teatro de pesquisa ao lado deum teatro bastante tradicional. O teatro quenão está em Nova Iorque, em São Francisco ouem Chicago não é necessariamente um teatroperformativo. O problema dessa noção de “per-formativo” é que Schechner expandiu tanto aspalavras performance e performatividade, queelas podem englobar tudo. Torna-se então difí-cil de encontrar uma definição que possa real-mente abarcar o conceito. Mas, essa dificuldadenão deve nos impedir de tentar.

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