TAPEÇARIA CONTEMPORÂNEA PORTUGUESA...

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UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES TAPEÇARIA CONTEMPORÂNEA PORTUGUESA (1969-2002) Antecedentes e Protagonistas do século XX Ana Maria do Nascimento Gonçalves Volume I – Texto Dissertação Mestrado em Ciências da Arte e do Património 2015

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UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES

TAPEÇARIA CONTEMPORÂNEA

PORTUGUESA (1969-2002)

Antecedentes e Protagonistas do século XX

Ana Maria do Nascimento Gonçalves

Volume I – Texto

Dissertação

Mestrado em Ciências da Arte e do Património

2015

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UNIVERSIDADE DE LISBOA

FACULDADE DE BELAS-ARTES

TAPEÇARIA CONTEMPORÂNEA

PORTUGUESA (1969-2002)

Antecedentes e Protagonistas do século XX

Ana Maria do Nascimento Gonçalves

Dissertação orientada pelo Prof. Doutor Hugo Ferrão

Volume I – Texto

Mestrado em Ciências da Arte e do Património

2015

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RESUMO

Faz-se uma contextualização histórica dos produtos, fabrico e consumo das matérias e materiais

têxteis em Portugal, até aos primeiros anos do século XX. Fala-se sobre o ensino das temáticas

relacionadas com o têxtil durante a primeira metade do século XX que eram do domínio do

Ensino Técnico. Ilustra-se a vivência na Escola Superior de Belas Artes de Lisboa que, na

década de 1950, não incluía o ensino prático da tapeçaria. Apresenta-se um mapeamento da

Tapeçaria Contemporânea Portuguesa, entre 1969 e 2005, onde se incluem, tapeceiros,

exposições, agentes culturais e movimentos artísticos que se ocuparam da divulgação da

Tapeçaria Contemporânea Portuguesa. O intervalo de tempo (33 anos) que se determinou para

falar de Tapeçaria Contemporânea Portuguesa, teve como critério de escolha o ano em que a

escultora portuguesa nascida em Espanha – Maria Flávia de Monsaraz (1935) – fez a sua

primeira tapeçaria (1969) e o ano em que alguns tapeceiros que integraram o movimento

associativo – Grupo 3.4.5. (1978) – consideram os últimos tempos do Grupo (2002). Este grupo

artístico foi a associação sucedânea da ARA (1975-1977) que tinha sido fundada por onze

mulheres onde se encontravam Maria Flávia de Monsaraz e Gisella Santi (1922-2006) – a

italiana pintora e restauradora de tapeçaria antiga que se tornou na grande dinamizadora do

Grupo 3.4.5. e, por consequência, da Tapeçaria Contemporânea Portuguesa.

PALAVRAS-CHAVE

Arte, Ensino Artístico, Tapeçaria Contemporânea, Associativismo Artístico, Têxtil, Género.

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ABSTRACT

A historical contextualization is made of the products, manufacture and consumption of raw

materials and textiles in Portugal, until the early years of the twentieth century. There is talk

about the theme of education concerning the textile during the first half of the twentieth century

in technical education domain. Illustrates the experience at the School of Fine Arts of Lisbon

that, in the 1950s, did not include the practical teaching of tapestry. It presents mapping of

Contemporary Portuguese Tapestry between 1969 and 2005, which include, upholsterers,

exhibitions, cultural agents and artistic movements that occupied the disclosure of

Contemporary Tapestry Portuguese. The time interval (33 years) was determined to speak of

Contemporary Tapestry Portuguese, it had the discretion to choose the year in which the

Portuguese sculptor born in Spain – Maria Flávia de Monsaraz (1935) – made his first tapestry

(1969) and the year when some upholsterers that integrated the associative movement – Group

3.4.5. (1978) - consider the Group to end its activities (2002). This artistic group was the ersatz

Association ARA (1975-1977) which had been founded by eleven women, among them were

Maria Flavia de Monsaraz and Gisella Santi (1922-2006) – Italian painter and ancient tapestry

restorer who became the great proactive of the Group 3.4.5. and, consequently, of

Contemporary Portuguese Tapestry.

KEY WORDS

Art, Artistic Education, Contemporary Tapestry, Artistic Associations, Textile, Gender.

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AGRADECIMENTOS

Ao meu orientador Professor Doutor Hugo Ferrão.

A todos os Professores do Curso de Mestrado em Ciências da Arte e do Património, ao Prof.

Doutor Eduardo Duarte, ao Prof. Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Prof. Doutor

José Carlos Pereira, ao Prof. Doutor Fernando Rosa Dias e ao Prof. Doutor José Fernandes

Pereira.

Um muitíssimo obrigada a todos os nossos entrevistados:

Dr. Abel Agostinho; Mestre Ana Sousa; Dr.ª Barbara Azevedo; Dr.ª Conceição Macieira; Dr.ª

Cláudia Rodrigues; Senhora D. Cristina Siopa; Dr.ª Fernanda Matos; Senhora D. Guida

Fonseca; Dr.ª Helena Estanqueiro; Doutor Hugo Ferrão; Senhora D. Inês Carrelhas; Senhora D.

Isabel Bordaleiro; Eng.º João António Campos; Professor João Rocha de Sousa; Dr.ª Lena

Önnesjö Horta Lobo; Senhora D. Luísa Almeida Santos; Mestre Madalena Braz Teixeira; Dr.ª

Madalena Farrajota; Senhor Manuel Alves Dias; Dr.ª Manuela Justino; Senhora D. Maria Altina

Martins; Dr.ª Maria Antónia Santos; Senhora D. Maria Delfina Macedo; Dr.ª Maria Flávia de

Monsaraz; Mestre Maria João Gomes Pedro; Senhora D. Mizette Nielsen; Senhor Orenzio

Santi; Dr.ª Rafaela Zúquete; Senhora D. Susanna Sommariva; Senhora D. Teresa Segurado

Pavão.

Gostava de aqui deixar os meus mais sinceros agradecimentos a sete interlocutores para quem

não se preparou um guião de entrevista, contudo, as conversas realizadas trouxeram-nos muitas

e boas pistas, falamos de: Dr.ª Ana Maria Brandão; Dr.ª Helena Santa-Rita Vieira; Dr.ª Rosário

Severo; Mestre Miguel Ferreira; Doutor Gonçalo Monteiro; Doutora Maria Benedita Vassalo

Monteiro; Senhor Álvaro Queiroz; Mestre Dora-Iva Rita.

Aos Serviços Académicos da Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa – ao Dr.

Nuno Cruz e a toda a sua equipa. À Mestre Licínia Santos da Biblioteca, igualmente, da

Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa.

Ao Museu Nacional do Traje, à sua Diretora (Dr.ª Clara Vaz Pinto) e a toda a sua equipa,

particularmente, à Dr.ª Ângela Valério e à Dr.ª Dina Dimas.

Ao Mestre José Paiva, e ao Mestre Rui Madeira, respetivamente, anterior e atual, Diretor da

Escola Secundária Artística António Arroio.

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Aos meus amigos: Carla Piedade; Gertrudes Branco; Margarida Vasconcelos e Sanches;

Hermínia Batarda Marques; Carla Barra e Carlos Dias de Campos (meu marido).

Ainda um muito obrigado à Mariana Pinto, uma jovem estudante de Licenciatura de Engenharia

Informática do ISCTE-IUL que se ocupou da apresentação dos catálogos das Exposições, bem

como da apresentação dos mapas que assinalam as itinerâncias da Tapeçaria Contemporânea

Portuguesa.

Aos meus superiores hierárquicos, Dr.ª Inês Fradique e Dr. Manuel José Alves, respectivamente

Chefe de Divisão e Coordenador do Setor de Estudos, Planeamento e Controle da Divisão de

Habitação na Câmara Municipal de Odivelas, por toda a compreensão e confiança depositadas.

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DEDICATÓRIA

À minha filha Sofia Gonçalves Campos

cuja diferença não a impede de pegar no tear e na agulha.

Ao meu afilhado Miguel Romero Marques.

Ainda, a todos os amantes das Artes Têxteis.

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SIGLAS E ACRÓNIMOS

AN – Arte Nova ESBAL – Escola Superior de Belas-Artes de

Lisboa

APOM – Associação Portuguesa de Museologia ESBAP – Escola Superior de Belas-Artes do

Porto

ATT – Arte da Tapeçaria e do Têxtil ESEI - Escola Superior de Educadores de Infância

Maria Ulrich

BA – Belas-Artes FA – Fotografia da Artista

CAM – Centro de Arte Moderna FBAUL – Faculdade de Belas Artes da

Universidade de Lisboa

CAP – Ciências da Arte e do Património FBAUP – Faculdade de Belas Artes da

Universidade do Porto

CCM – Centro Cultural Malaposta FCG – Fundação Calouste Gulbenkian

CE – Comunidade Europeia FFCR – Fábrica de Faianças das Caldas da Rainha

CEE – Curso de Escultura Estatuária FP – Fotografia Pessoal

CET – Curso de Especialização Tecnológica FRESS – Fundação Ricardo Espirito Santo Silva

CML – Câmara Municipal de Loures GA – Grémio Artístico

CNMP – Conselho Nacional das Mulheres

Portuguesas

IADE – Instituto de Arte, Decoração e Design

CPT – Centro Português de Tapeçaria IEFP – Instituto do Emprego e da Formação

Profissional

DC – Desenvolvimento Comunitário IMC – Instituto dos Museus e da Conservação

DMBT – Doutoranda Madalena Braz Teixeira IPCB – Instituto Politécnico de Castelo Branco

DGS – Direcção-Geral de Segurança IPPC – Instituto Português do Património Cultural

EA – Ensino Artístico LH – Lagoa Henriques

EAAA – Escola Artística António Arroio MAS – Maria Antónia Santos

EAAL – Escola de Artes Aplicadas de Lisboa MBT – Madalena Braz Teixeira

EAASR - Escola de Artes Aplicadas Soares dos Reis MDM – Movimento Democrático de Mulheres

EADAA – Escola de Artes Decorativas António

Arroio

MDM – Maria Delfina Macedo

EADSR – Escola de Artes Decorativas Soares dos

Reis

MF – Maria Flávia

EBAL – Escola de Belas Artes de Lisboa MM – Metro e Meio

EBAP – Escola de Belas Artes do Porto MNAA – Museu Nacional de Arte Antiga

ECAAG – Escola de Cerâmica de António Augusto

Gonçalves

MNTr – Museu Nacional do Traje

EDIFG – Escola de Desenho Industrial Faria de

Guimarães

SAAEIFB – Secção de Artes Aplicadas da Escola

Industrial de Fonseca Benevides

EIAA – Escola Industrial António Arroio SEC – Secretaria de Estado da Cultura

EICJO – Escola Industrial e Comercial Joséfa de

Óbidos

SNBA – Sociedade Nacional de Belas-Artes

EFG – Escola Faria de Guimarães SNI – Secretariado Nacional de Informação

EIFG(AA) – Escola Industrial de Faria Guimarães

(Arte Aplicada)

SPBA – Sociedade Promotora de Belas Artes

ELC – Ensino Literário e Cientifico SPN – Secretariado de Propaganda Nacional

EO – Escola-Oficina UC – Unidade Curricular

ESAA – Escola Secundária António Arroio VMFA – Virginia Museum of Fine Arts

ESAAA – Escola Secundária Artística António

Arroio

ESART – Escola Superior de Artes e Tecnologias

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TAPEÇARIA CONTEMPORÂNEA PORTUGUESA (1969-2002) Antecedentes e Protagonistas do Século XX

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INDICE GERAL (VOLUME I)

RESUMO

PALAVRAS-CHAVE

ABSTRACT

KEY-WORDS

AGRADECIMENTOS

DEDICATÓRIA

SIGLAS E ACRÓNIMOS

ÍNDICE GERAL 8

ÍNDICE DE FIGURAS 11

INDICE DE QUADROS 14

INDICE DE ANEXOS (VOLUME II) 15

INTRODUÇÃO

Objeto de Estudo e Objetivos 17

Metodologia e Estrutura do Texto 18

I A TRADIÇÃO TÊXTIL PORTUGUESA

1.O SETOR TÊXTIL, MEMÓRIA E LEGADO

1.1. Matérias-primas e Profissões Têxteis 22

1.2. Tapetes, Tapeçarias e Tapeceiros 27

1.3. A Atividade Têxtil e a Mudança de Paradigma 28

2. VISÃO POMBALINA E REPERCUSSÕES

2.1. O Ensino das Artes em Portugal 30

2.2. Em Redor do Tecer e da Tapeçaria 35

2.2.1. Estética, Tecnologia Têxtil e Administração 39

2.2.2. A(s) Tapeçaria(s) 42

II ENTRE O CLASSICISMO E A MODERNIDADE

1. NOVAS CONCEÇÕES PEDAGÓGICAS E AS PROFISSÕES TÊXTEIS

1.1. Ensino Liceal, Ensino Corporativo e Escolas Fábricas 48

1.1.1. Antecedentes da Escola de Artes Decorativas Soares dos Reis 51

1.2. Belas-Artes 52

1.3. Contributos de Uma Discípula de Columbano Bordalo Pinheiro 53

1.3.1. Um Manual para o Curso de Formação Feminina 58

2. ARTES TÊXTEIS NO ENSINO FORMAL

2.1. Escolas de Artes Aplicadas e Escolas Industriais 61

2.1.1. Em Lisboa 63

2.1.2. No Porto 68

2.1.3. Estabelecimentos de Ensino e Oferta Formativa (1948) 72

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III BELAS ARTES (EM LISBOA)

1. ESCOLA DE BELAS ARTES E ESCOLA SUPERIOR DE BELAS ARTES

1.1. Protagonistas da Reforma de 32 75

1.1.1. Quatro Alunos 75

1.1.2. Outros Dois Bons Alunos 84

2. (VIVÊNCIAS) NA ESCOLA SUPERIOR DE BELAS ARTES DE LISBOA

2.1. Quem Ensinava e Como se Relacionavam as Pessoas e as Temáticas 90

2.2. A Reforma de 57 e a Tapeçaria 96

2.2.1. A Manufactura de Tapeçarias de Portalegre 98

IV FIGURAS FUNDADORAS DA TAPEÇARIA CONTEMPORÂNEA

PORTUGUESA

1. GISELLA SANTI

1.1. A Pintora Italiana que Restaurava Tapeçarias Antigas 104

1.2. A Oficina-Escola de Restauro de Tapeçaria Antiga 110

1.2.1. Um Sopro de Mudança a Partir da Bienal de Lausanne 115

2. MARIA FLÁVIA DE MONSARAZ

2.1. A Escultora Portuguesa Nascida em Espanha 118

2.2. A Emigração e a Descoberta da Nouvelle Tapisserie 122

2.2.1. Estética Subjacente 127

V TAPEÇARIA CONTEMPORÂNEA NOS ATELIÊS DE LISBOA

1. RESPONDENDO A ENCOMENDAS

1.1. No Ateliê da Coelho da Rocha 131

1.1.1. Tapeçaria Abstrata 137

1.1.2. Tapeçaria Figurativa 140

1.2. Exposições 143

2. TECENDO E ENSINANDO

2.1. No Ateliê da Infante Santo 144

2.1.1. Várias Faces da Transmissão do Saber 148

2.2. Exposições 155

VI ESPAÇOS DE CIDADANIA

1. ASSOCIATIVISMO ARTÍSTICO NO FEMININO

1.1. ARA – Cooperativa Portuguesa de Tapeçaria 158

1.2. Grupo 3.4.5. – Tapeçaria Contemporânea Portuguesa 164

2. UM GRUPO DINÂMICO E COM MUITA DINÂMICA

2.1. Participação na Descentralização Cultural (1978-1987) 171

2.2. Afirmação da Tapeçaria Contemporânea Portuguesa (1988-1996) 176

2.3. Do Grupo 3.4.5. e para Além do Grupo (1997-2002) 183

2.4. Itinerários da Tapeçaria Contemporânea Portuguesa 187

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NOTA CONCLUSIVA

Perante o Paradigma da Complexidade 193

FONTES E BIBLIOGRAFIA

Monografias 196

Teses e Dissertações de Mestrado 198

Catálogos de Exposições de Tapeçaria Contemporânea 199

Catálogos de Outras Exposições 200

Artigos 201

Periódicos 202

Legislação 203

Documentos Não Editados 203

Fontes Manuscritas 205

Fontes Eletrónicas 206

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INDICE DE FIGURAS

1 – O Movimento do Setor Têxtil em Portugal, nos Séc. XV e XVI 26

2 – A Música ou o Julgamento do Paraíso, Bruxelas, C. 1520 28

3 – Regimentos das Fábricas dos Panos, 1690 30

4 – O Pescador Infeliz (169x135 cm), Aubusson, Séc. XVIII 34

5 – Chita de Alcobaça, Séc. XIX 41

6 - Jacob Reconhece a Túnica de José (362x449 cm) 46

7 – Tear de Maquineta, cerca de 1870 49

8 – Inspetor António Arroio, retratado pelo mestre e pintor António Cândido 51

9 – Leopoldo Battistini (1865-1936), retrato de Carlos Reis (1863-1940) 51

10 – Edificio Sede da Sociedade Nacional de Belas-Artes (1913) 53

11 – Escola de Belas Artes no Largo Nacional das Belas Artes em Lisboa 53

12 – Abel Manta, Clementina Carneiro de Moura 54

13 – Clementina Carneiro de Moura, Sem título, 1960 54

14 – Sereia, “Tapeçaria de Portalegre”, Sara Afonso, 1958 54

15 – Catálogo da Exposição de Livros Escritos por Mulheres, 1947 56

16 – Clementina Carneiro de Moura, Auto-retrato com meu filho, 1930, óleo sobre tela 58

17 – Bordados Tradicionais de Portugal: Desenhos de Trabalhos 58

18 – Clementina Carneiro de Moura, Sem Titulo, 1961, Centro de Arte Moderna (CAM) 58

19 – Prova de Bordado a executar em 10 pontos, 1959/1960 60

20 – O Desenho e as Oficinas no Curos de Formação Feminina, 1961 60

21 – Dissertação de Mestrado em Teorias da Arte – Sara Afonso: Vida e Obra 60

22 – Escola Industrial de António Arroio – Arte Aplicada 66

23 – Inscrição da Escola de Cerâmica de António Augusto Gonçalves, 1928 66

24 – Escola Industrial Faria de Guimarães na Rua da Firmeza 70

25 – Escola Industrial Josefa de Óbidos, inaugurada em 1952 74

26 – Maria Antónia Santos e colegas (Suzete, Rosário e Fátima) na EADAA 76

27 – Rafaela Zúquete, meados da década de 1960 76

28 – Rua Coelho da Rocha, N.º 69 – Pátio dos Artistas – em Campo de Ourique 79

29 – Conceição Veloso Salgado na ESAA 80

30 – Maria Flávia de Monsaraz, na ESBAL, no final de década de 1950 84

31 – Ficha de Aluno, João Rocha de Sousa 88

32 – Maria Flávia de Monsaraz, Menina com Aves: Prova de conclusão do Curso 91

33 – João Rocha de Sousa, O Morro: Prova de Conclusão do Curso Superior de Pintura 96

34 – Museu Central de Têxteis em Lódz, fachada para a Rua Piotrokwska 99

35 – Ampliação do Cartão em papel quadriculado 101

36 – João Tavares, Diana, 1947, 254x403 cm 101

37 – Jean Lurçat, Tapeçarias Dois Galos, uma tecida em França a outra em Portalegre 102

38 – João Rocha de Sousa, “Tapeçaria de Portalegre” para Palácio da Justiça 103

39 – Luís Filipe Abreu, “Tapeçaria de Portalegre” 103

40 – Contrato de uma máquina de Costura em nome de Gisella Santi 107

41 – Avenida Infante Santo, na década de 1950 e o prédio n.º 345 em 2014. 110

42– Limpeza de uma tapeçaria Gobelins 111

43 – Publicação do Instituto Italiano de Cultura Un laboratório d'arte a Lisbona, 1966 111

44 – Sede da FRESS 112

45 – Gisella Santi (1922-2006), Linha Cronológica 1957-1970 114

46 – Orenzio Santi velejando 118

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47 – Gisella Santi e Arnaldo de Figueiredo, Salão de Primavera, SNBA, 1972 118

48 – Gisella Santi, Assim Fomos Abrindo Aqueles Mares..., 1992, Tapeçaria Gobelins 118

49 – Casa Pombalina na Rua Vítor Cordon 120

50 – Desejo de Paz, “Tapeçaria de Portalegre” a partir de cartão, 1961, de Maria Flávia 120

51 – Maria Flávia de Monsaraz, Lagarto, início da década de 1960, Juta bordada 120

52 – Maria Flávia de Monsaraz, Dois Patchworks, início da década de 1960, Lisboa 120

53 – Catálogo da Segunda Bienal Internacional de Tapeçaria de Lausanne, 1965 124

54 – Catálogo da Quarta Bienal Internacional de Tapeçaria de Lausanne, 1969 124

55 – Catálogo da Quinta Bienal Internacional de Tapeçaria de Lausanne, 1971 124

56 – Catálogo da Oitava Bienal Internacional de Tapeçaria de Lausanne, 1977 124

57 – Maria Flávia de Monsaraz, 5 Painéis para decorar hotel em Lisboa, 1967 126

58 – Maria Flávia de Monsaraz, Retrato, 1967/1968, Patchwork em rendas e veludos 126

59 – Maria Flávia de Monsaraz, Postal de Natal, 1968, Patchwork em feltro 126

60 – Magdalena Abakanowicz, Abakan 2, 1967, sisal e linho 130

61 – Maria Flávia de Monsaraz, Tapeçaria em lã e outros materiais, 1969, 75x166 cm 130

62 – Manuela Justino, Ventre (pormenor), 1979, 72x72 cm 130

63 – Gisella Santi, Antes do Dilúvio, 1985 130

64 – Ateliê de Maria Flávia de Monsaraz no “Pátio dos Artistas” 137

65 – Tear de Tecelagem da Portear (de Orenzio Santi) para o ateliê de Inês Carrelhas 137

66 – Cartão de Bolseiro FCG 137

67 – Maria Flávia de Monsaraz, A Minha Árvore, 1983 137

68 – Maria Flávia de Monsaraz, Busto de Lenine, 1970 137

69 – Maria Flávia de Monsaraz, Sem Titulo, 1972 138

70 – Maria Flávia de Monsaraz, Sem Titulo, 1975 138

71 – Maria Flávia de Monsaraz, Coração Português, 1978 140

72 – Maria Flávia de Monsaraz, Menina e a Natureza Viva (cartão e dois pormenores) 141

73 – Maria Flávia de Monsaraz, Saturno, década de 1980, lã e algodão 142

74 – Maria Flávia de Monsaraz (1935), Linha Cronológica 1958-1983 144

75 – Gisella Santi, Sem Título, Aguarela sobre papel, 22,7x34,5 cm 147

76 – No Ateliê da Infante Santo, Tear Vertical de Tapeçaria, tipo Gobelins 147

77 – Rosário Severo e Gisella Santi no MNTr, inauguração da Exposição individual 147

78 – Gisella Santi, Sottobosco, 1979, lã e fio de cobre, 100x20x140 cm 147

79 – Mizette Nielsen, Sobreiro, 1979 e Livro Mantas Alentejanas: Arte e Tradição 151

80 – Gisella Santi (1922-2006), Linha Cronológica 1975-1985 157

81 – Mapa das Exposições da ARA e outras coletivas em que Maria Flávia

de Monsaraz participou (1958-1983) 158

82 – Maria Altina Martins, Diamante, 1980, 173

83 – Lena Önnejo Horta Lobo, Floresta Minha, 1980, 173

84 – Teresa Segurado Pavão, Santuário, 1989, 173

85 – Mizette Nielsen 173

86 – Maria Delfina Macedo, 1981, Pirâmide, 1981, 173

87 – Gisella Santi, Sete Bolsas, 1984 173

88 – Manuel Alves Dias, Sol Poente, 1992 181

89 – Guida Fonseca, Requiem 181

90 – Fernanda Matos, Árvore, 1994 181

91 – Inês Carrelhas, Oferta à Mestra: Alga de Mar, 1992 181

92 – Gisella Santi, Cascata, 1993, linho em técnica Gobelins, 181

93 – Gisella Santi (1922-2006), Linha Cronológica 1986-1996 182

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13

94 – Gisella Santi (1922-2006), Linha Cronológica 1997-2005 186

95 – Mapa-mundo – Exposições do Grupo 3.4.5. e outras colectivas em que Gisella

Santi e outros elementos do Grupo participaram (1978-2005)

188

96 – Mapa de Portugal – Exposições do Grupo 3.4.5. e outras colectivas em que Gisella

Santi e outros elementos do Grupo participaram (1978-2005)

189

97 – Ateliê da Infante Santo 192

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14

INDICE DE QUADROS

I – Manufaturas têxteis e outras, diretamente, relacionadas (Séc. XVIII) 38

II – Artistas e Exposições da ARA – Cooperativa Portuguesa de Tapeçaria (1975-1977) 159

III – Participações Portuguesas nas Trienais de Lódz 166

IV – Integrantes da Cooperativa ATT 175

V – Os Artistas da Fase Participação na Descentralização Cultural (1978-1987) 175

VI – Participantes do I e III Simpósios de Tapeçaria Contemporânea 179

VII – Os Artistas da Fase Afirmação da Tapeçaria Contemporânea Portuguesa

(1988-1996)

183

VIII – Participantes no III Simpósio e no I Encontro de Tapeçaria Contemporânea 185

IX – Os Artistas da Fase Do Grupo 3.4.5. e para Além do Grupo (1997-2000) 187

X – Exposições do 3.4.5. e de Gisella Santi (outras coletivas e individuais), durante as

três fases da vida do Grupo.

190

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15

ÍNDICE DE ANEXOS (VOLUME II)

PARTE I

Quadro Resumo do Trabalho de Campo

Grelha Análise de Conteúdo da Pertença Tapeceiro (A)

Grelha Análise de Conteúdo da Pertença Professor do Setor Têxtil da ESAAA (B)

Grelha Análise de Conteúdo da Pertença Antigo Aluno da EADAA/ESAA (C)

Grelha Análise de Conteúdo da Pertença Professor de Tapeçaria

na ESBAL/FBAUL (D)

Grelha Análise de Conteúdo da Pertença Antigo Aluno da ESBAL/FBAUL (E)

Grelha Análise de Conteúdo da Pertença Membro integrante

do Grupo 3.4.5.(F)

Grelha Análise de Conteúdo da Pertença Membro integrante

da Cooperativa ARA (G)

Grelha Análise de Conteúdo da Pertença Profissional de Restauro Têxtil (H)

Grelha Análise de Conteúdo da Pertença Pessoas não ligadas à prática

da tapeçaria (I)

PARTE II

Quadro dos Entrevistados e data das Entevistas

Entrevista 1 – Orenzio Santi sobre Gisella Santi

Entrevista 1A – Orenzio Santi

Entrevista 2 – Guida Fonseca

Entrevista 3 – Maria Flávia de Monsaraz

Entrevista 4 –Mizette Nielsen

Entrevista 5 – Madalena Braz Teixeira

Entrevista 6 – Isabel Bordaleiro

Entrevista 7 – Teresa Segurado Pavão

Entrevista 8 – Lena Önnesjö Horta Lobo

Entrevista 9 – Maria Delfina Macedo

Entrevista 10 – Manuela Justino

Entrevista 11 – João António Campos

Entrevista 12 – Luísa Almeida Santos

Entrevista 13 – Madalena Farrajota

Entrevista 14 – Abel Agostinho

Entrevista 15 – Maria João Gomes Pedro

Entrevista 16 – Rafaela Zúquete

Entrevista 17 – Helena Estanqueiro

Entrevista 18 – Susanna Sommariva

Entrevista 19 – Cristina Siopa

Entrevista 20 – Maria Antónia Santos

Entrevista 21 – Maria Altina Martins

Entrevista 22 – Inês Carrelhas

Entrevista 23 – Ana Sousa

Entrevista 24 – Manuel Alves Dias

Entrevista 25 – Conceição Macieira / Cláudia Rodrigues

Entrevista 25A – Barbara Azevedo

Entrevista 26 – Hugo Ferrão

Entrevista 27 – Fernanda Matos

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16

Entrevista 28 – João Rocha de Sousa

Entrevista 28A – João Rocha de Sousa

PARTE III

Crónica de Artes Plásticas (1/3/1970)

Informação Exposição do Grupo 3.4.5., Livraria Barata – 18 Fev. a 7 Março 1987

Nota Ata de Reunião (Grupo 3.4.5. (18/4/1990)

Nota Ata de Reunião do Grupo 3.4.5. (4/7/1990)

Nota Ata de Reunião do Grupo 3.4.5. (16/1/1991)

Exposições que o MNTr, ao longo de 31 anos, dedicou à Arte Têxtil

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TAPEÇARIA CONTEMPORÂNEA PORTUGUESA (1969-2002) Antecedentes e Protagonistas do Século XX

17

INTRODUÇÃO

Dissertação de mestrado que implicou uma recolha temporalmente localizada sobre a Tapeçaria

Contemporânea Portuguesa. História que tem como ponto de chegada a obra que a pintora e

restauradora (de tapeçaria antiga) Gisella Santi (1922-2006) deixou neste domínio e, como

ponto de partida a obra que a escultora Maria Flávia de Monsaraz (1935) realizou, igualmente,

no domínio da Tapeçaria Contemporânea. Para melhor compreender de que modo os artistas

portugueses se interessaram pela Tapeçaria Contemporânea, fomos levados a estabelecer

enquadramentos a que chamámos os antecedentes da Tapeçaria Contemporânea Portuguesa o

que incluiu, atender ao percurso educativo de alguns dos artistas tapeceiros que se dedicaram à

transmissão deste saber, quer tenha sido na sua vertente formal, não-formal ou informal. Opção

que nos levou a falar da tradição têxtil portuguesa, bem como, de ensino técnico – Escola de

Artes Decorativas António Arroio/Escola Secundárias António Arroio/Escola Secundária

Artística António Arroio – e do ensino superior – Escola de Belas Artes de Lisboa/Escola

Superior de Belas Artes de Lisboa/Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa.

O intervalo de tempo – trinta e três anos – que se determinou para falar de Tapeçaria

Contemporânea, teve como critério de escolha o ano em que Maria Flávia de Monsaraz fez a

sua primeira tapeçaria (1969) e o ano em que, alguns tapeceiros que integraram a associação

Grupo 3.4.5. consideram os últimos tempos deste movimento artístico (2002).

Pesquisa que teve início, ainda durante a parte curricular deste mestrado em Ciências da Arte e

do Património (CAP) (2011/2012) e se desenvolveu ao longo de quatro anos (2012-2015).

Objeto de Estudo e Objetivos

Falar de Tapeçaria Contemporânea é falar de tapeçaria mural (bidimensional) e de tapeçaria

espacial (tridimensional) – a que nos permite circular à sua volta e no seu interior. Podemos

considerar a Tapeçaria Contemporânea como uma categoria ou conceito que se reparte por

variadíssimas subcategorias: Indumentária (corte e costura); Bordado; Tecelagem; Estamparia;

Pintura em Tecido; Batik e Tapeçaria. Por sua vez, Tapeçaria reparte-se por três grupos

fundamentais – o da Tapeçaria Tecida, o da Tapeçaria Bordada e o da Tapeçaria de Nós

(macramé) ou Tapeçaria Árabe. Tapeçaria Contemporânea é, também sinónimo de objetos

escultóricos executados com materiais que apresentam maleabilidade1, fazendo como que uma

síntese desta enorme diversidade de técnicas e métodos com proveniência na ancestralidade da

humanidade e da sua fixação ao(s) território(s).

1 KUENZI, André – La Nouvelle Tapisserie. 2.ª ed. Genève : Les Éditions de Bonvent, 1974, p. 51-54.

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18

Dentro desta grande temática que é a Tapeçaria Contemporânea Portuguesa, quisemos

identificar pessoas e espaços na cidade de Lisboa ligados ao seu ensino e à sua prática. Depois

de encontrado o nosso objeto de estudo, o passo seguinte foi o de ir ao encontro dos

interlocutores que poderiam dar informações que nos permitissem contar uma história da

Tapeçaria Contemporânea Portuguesa. Ao texto que agora se apresenta, estiveram subjacentes

inquietações que se associam às pessoas e às instituições que protagonizaram a Tapeçaria

Contemporânea Portuguesa.

Metodologia e Estrutura do Texto

Quando nos confrontámos com as breves indicações biográficas de Gisella Santi que figuram

nos catálogos das exposições de Tapeçaria Contemporânea Portuguesa (novembro de 2011),

percebemos que tinha participado num grande número de exposições que precisávamos de

estudar. Dado que, em nenhum outro trabalho académico ou qualquer outra monografia se

encontrou o levantamento das exposições de Tapeçaria Contemporânea Portuguesa,

imediatamente (dezembro de 2011), nos propusemos fazer esse levantamento e, demos início ao

processo de reunião dos catálogos e outros documentos coevos (atas de reunião, convites,

cartazes e notas de imprensa), documentação que nos permitiu chegar ao número total de

sessenta exposições de Tapeçaria Contemporânea Portuguesa organizadas pela ARA (6) e pelo

Grupo 3.4.5. (54). Gisela Santi participou individual e coletivamente em outras quarenta e sete

exposições que contaram com objetos de Tapeçaria Contemporânea, perfazendo o total de cento

e sete exposições documentadas. A devolução desta informação ocupa o espaço gráfico de

maior relevo neste texto dado que, estas exposições aparecem assinaladas em mapas (Figs.81,

95 e 96) e também no formato diagrama a que demos o nome de Linha Cronológica (Figs.45,

74, 80, 93 e 94). Podemos pensar este trabalho de recolha e de apresentação da documentação

sobre as exposições de Tapeçaria Contemporânea Portuguesa como um sub-estudo do trabalho

principal que foi a realização de um estudo que se desenrolou ao longo dos mesmos quatro anos

letivos (2011/2012, 2012/2013, 2013/2014 e 2014/2015).

Estudo (de matiz etnográfica) em que se inquiriram dezanove pessoas, por um lado,

criadores ou tapeceiros, por outro, antigos discentes e docentes deste saber – integrados em

estruturas de educação formal (Escola Secundária Artística António Arroio e a Faculdade de

Belas Artes da Universidade de Lisboa) e de educação não-formal2 (Orenzio Santi sobre o Ateliê

da Infante Santo e Maria Flávia de Monsaraz sobre o Ateliê da Coelho da Rocha). Quatro

Pessoas que dirigem ou dirigiram serviços e/ou instituições portuguesas do primeiro sector da

2 Educação Formal é toda a que acontece nos estabelecimentos de ensino públicos e privados –, desde o Jardim de Infância às escolas superiores e

faculdades. A Educação

Não-formal, é toda a que acontece fora das estruturas educativas anteriores, embora as ações tenham um programa de

conteúdos e trabalho prático estruturado em função do número de alunos, das suas idades, necessidade e conhecimentos anteriores, ações que não

conferem grau académico, visam, apenas, passar conhecimentos de uma determinada área especifica.

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economia – do Poder Central (Museu Nacional do Traje) e do Poder Local (Câmara Municipal

de Loures) –, instituições que ao longo dos anos de 1980, 1990 e 2000, desempenharam um

papel de ativos agentes culturais que muito contribuíram para a divulgação da arte têxtil

portuguesa. Ouviram-se ainda mais sete pessoas que, embora não ligadas à prática da Tapeçaria

Contemporânea nem da sua divulgação, os seus depoimentos, muito contribuíram para o

entendimento sociocultural dos anos em estudo (1969-2002) e da temática escolhida. Contou-se

com trinta interlocutores, embora as entrevistas apareçam em número de vinte e oito sendo que

numa dessas entrevistas ouvimos três pessoas (Entrevista 25 e 25A). Este trabalho de campo

desenrolou-se ao longo de três anos letivos (2011/2012-2012/2013-2013/2014), tendo-se

realizado a primeira entrevista em dezembro de 2011 (a Orenzio Santi) e a última em novembro

de 2014 (a João Rocha de Sousa)3.

Prepararam-se entrevistas livres com guião de perguntas para orientação, os pedidos de

informação (Assuntos / Questões) estão em número de catorze e, nove desses subdividem-se por

vinte e cinco novas questões (Perguntas para Orientação / Categorias). Quanto ao encontro com

os interlocutores, seguiu-se a técnica de Bola de Neve – uns entrevistados levam-nos aos outros

–, desde início, a tónica deste estudo sobre arte – a “contaminação” dos métodos e técnicas de

investigação da antropologia e da sociologia ao serviço da história e da crítica da arte teve papel

significativo na presente dissertação.

De modo a tornar possível a integração no texto da informação recolhida, usou-se a técnica

de análise de conteúdo. Algumas das entrevistas foram analisadas pelo processo simplificado e

outras seguiram o modelo de análise vertical do sujeito. O primeiro consiste em analisar um

conjunto de entrevistas e agrupar os conteúdos de cada uma das entrevistas que se referem ao

mesmo assunto – leitura horizontal – a fim de encontrar alguma permanência (ou não). O

segundo significa que as entrevistas são, integralmente, analisadas e aproveitadas quase na sua

totalidade4. Assim, o primeiro grupo de pessoas que se relaciona diretamente com a prática da

Tapeçaria Contemporânea Portuguesa – tapeceiros e/ou alunos e professores das artes têxteis –,

foi subdividido mediante as sete pertenças ou identidades que se encontraram: Tapeceiro (A);

Professor do Setor Têxtil da ESAAA (foram ou são) (B); Antigo Aluno do Setor Têxtil da

ESAAA (C); Professor de Tapeçaria da ESBAL/FBAUL (D); Antigo Aluno da ESBAL/FBAUL

(E); Membro Integrante do Grupo 3.4.5. (F); Membro Integrante da ARA (G). O segundo e o

terceiro grupo de pessoas – dirigentes de instituições do primeiro sector da economia e pessoas

não ligadas à prática da Tapeçaria Contemporânea nem da sua divulgação, foram subdivididos,

apenas por duas pertenças ou identidades: Profissional de Restauro Têxtil (H); Pessoas não

3 Volume II, Parte II, Quadro dos Entrevistados e data das Entrevistas.

4 POIRIER, Jean, CLAPIER-VALLADON, Simone, RAYBAUT, Paul – Les Récits de Vie: Théorie et Pratique. Paris : Puf, 1983.

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ligadas à prática da tapeçaria e que muito contribuíram para o entendimento da época e da

temática (I)5.

A história que aqui se traz conta-se através de seis capítulos. O primeiro é uma

contextualização histórica dos produtos, fabrico e consumo das matérias e materiais têxteis em

Portugal, até aos primeiros anos do século XX. No segundo capitulo, debruçámo-nos sobre o

ensino das temáticas relacionadas com o têxtil que, nesta época (1914-1956), eram do domínio

do Ensino Técnico cujo enfoque vai para as Escolas de Artes Decorativas Soares dos Reis

(Porto) e, com maior destaque, para a Escola de Artes Decorativas António Arroio (Lisboa). No

âmbito deste tipo de ensino, estudámos o trabalho que a pintora naturalista Clementina Carneiro

de Moura (1898-1992) realizou em prol Curso de Formação Feminina, dado que, muitas

mulheres que se dedicaram à prática e ao ensino da tapeçaria tinham concluído este ciclo de

estudos6. De modo a melhor compreendermos como seria a passagem pela Escola Superior de

Belas Artes de Lisboa (ESBAL) na década de 1950, a partir das entrevistas trazemos as

experiencias de cinco ex-alunos, motivo porque se apresentam breves biografias de Abel

Agostinho (1938), de Rafaela Zúquete (1936-2015), de Maria da Conceição Ravara Alves

Velloso Salgado (1930-2014), de Maria Antónia Santos (1937), de Maria Flávia de Monsaraz e

de João Rocha de Sousa (1938). À exceção do primeiro nome desta lista, pessoas que se

revelaram como figuras cujo contributo é marcante no âmbito da Tapeçaria Contemporânea

Portuguesa. Neste capítulo, faz-se ainda, uma breve abordagem aos primeiros tempos da

Manufactura de Tapeçarias de Portalegre que, desde a década de 1960, veio desenvolvendo

parcerias com a ESBAL.

O quarto e o quinto capítulos são, inteiramente, dedicados a Gisella Santi e a Maria Flávia de

Monsaraz.

A Gisella Santi era uma mulher de personalidade forte, logo após o 25 de Abril, liderava um projeto

muito de acordo com a Nouvelle Tapisserie, onde se fazia restauro e ensino das técnicas tradicionais da

tecelagem e tapeçaria, bem como eram ministrados cursos de iniciação à Tapeçaria Contemporânea. (…)

Maria Flávia de Monsaraz, uma artista oriunda da Escola de Belas-Artes (…), que havia beneficiado de

uma bolsa da Fundação Calouste Gulbenkian e estivera em Paris cerca de 6 anos, vindo a ser uma das

impulsionadoras e divulgadora da Tapeçaria Contemporânea, organizando um conjunto de artistas

empenhados, que mais tarde, se consolida através da criação do Grupo 3.4.5 – Associação de Tapeçaria

Contemporânea Portuguesa (1978).7

5 Volume II, Parte I, Quadro Resumo do Trabalho de Campo e os 9

Quadros de Análise de Conteúdo das Pertenças / Identidades.

6 Volume II, Parte II, Entrevista 12, p. 3 e 4.

7 Volume II, Parte II, Entrevista 26, p. 1.

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Optámos por destacar o percurso destas duas mulheres em reconhecimento do seu

pioneirismo para com a Tapeçaria Contemporânea Portuguesa. Pioneirismo ao nível da

realização artística e ao nível da transmissão deste saber nos três domínios da educação –

formal, não-formal e informal, opção que nos levou a convocar outros pedagogos e outros

artistas plásticos. Gisella ensinou na Escola Secundária António Arroio e no seu ateliê e Maria

Flávia, apenas, no seu ateliê. Ambas se empenharam na organização de exposições de

Tapeçaria, o que faz delas mediadoras, por consequência, também educadoras informais. No

sexto e último capítulo faz-se uma abordagem ao Associativismo Artístico e ao trabalho

desenvolvido pelos membros da ARA e do Grupo 3.4.5., apresentam-se quadros, mapas e Linhas

Cronológicas que refletem a imensa quantidade de pessoas (mais de meia centena) que, ao

longo de três décadas, como associadas destes dois movimentos e/ou como convidadas foram

participando nas exposições de Tapeçaria Contemporânea Portuguesa que se realizaram por

todo o país e além-fronteiras, tendo-se repartido por quatro continentes – Europa, África,

Oceânia e Ásia.

O último destes grupos artísticos, sem qualquer apoio governamental, realizou e divulgou

Tapeçaria Contemporânea nas décadas de 1970, 1980 e 1990, espaço temporal em que esta

categoria de arte não era conhecida do grande público. No meio académico, a Tapeçaria

Contemporânea, encontrava eco nas Escolas Superiores de Belas Artes e nas Escolas

Secundárias Soares dos Reis (Porto) e António Arroio (Lisboa) – escolas sucedâneas das

Escolas de Artes Decorativas. Logo, quem pretendia fazer incursões no domínio da arte têxtil e

não pretendia inserir-se numa estrutura de ensino formal, optando pelos ateliês particulares,

encontrava no Ateliê de Gisella Santi uma resposta muita qualificada. Estes aprendentes

tornaram-se nas pessoas que engrandeceram este projeto associativo porque, depois de um

determinado tempo de aprendizagem, eram convidados a integrar o Grupo e realizaram um

trabalho notável.

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I A TRADIÇÃO TÊXTIL PORTUGUESA

1. O SETOR TÊXTIL, MEMÓRIA E LEGADO

1.1. Matérias-primas e Profissões Têxteis

Em Portugal, temos notícia de que a partir do século XVII e ao longo de todo o século XVIII

da existência de “... uma estrutura oficinal extremamente diversificada e importante em todo o

país...”8, bem integrada quer no contexto rural quer no contexto urbano. Pesava a herança dos

tempos medievais que se manteve durante os séculos XV e XVI, momento da história em que se

generalizaram as corporações de ofícios ou mesteres, conhecidas também, por Guildas. Cada

unidade produtiva contava com três categorias de trabalhadores9.

Cada Oficina possui os seus mestres, os seus obreiros e os seus moços ou mancebos (...). A bandeira

de S. Gonçalo, em Lisboa, que se fazia representar por um homem na “Casa dos 24”10, congregava os

tosadores, vidraceiros, tintureiros, esteireiros e tecelões da capital, já então arruados em determinadas

áreas da cidade. O conjunto de profissões ligadas à indústria têxtil, sobretudo as mais especializadas, tem

em Lisboa, enorme importância, desde muito cedo. (…).

Dentre os mais procurados e protegidos ofícios, contam-se o do tapeceiro e o do tintureiro, mais

representados nas grandes cidades e sempre ligados às comunidades estrangeiras.11

Desde o final do século XVI, o reino dispunha de numerosos produtos que favoreciam o

incremento e o desenvolvimento de diferentes organizações laborais relacionadas com o que,

posteriormente se veio a denominar de Industria Têxtil. Estes produtos tinham origem no país,

no país vizinho (Castela) e, também, eram oriundos das colónias portuguesas de África, da Ásia

e da América Latina. Quanto às fibras têxteis (de origem vegetal e animal), o linho, a lã, a seda

e o algodão, foram todas de suma importância. O linho, nos séculos XV e XVI, era produzido

em todo o norte e centro do país, tratava-se de uma produção doméstica. Eram as mulheres que

se ocupavam das fases finais do processo da sua obtenção. Fundamentalmente cobria as

necessidades das famílias rurais mas, em alguns casos, servia também para a troca por outros

bens. Destinava-se a mercados restritos, em pano e em fio, vendia-se em feiras. Além de suprir

as necessidades nacionais, ia para Espanha, para a Flandres, para as ilhas e restante território

ultramarino. A sua qualidade não competia com o produto importado que se destinava a uma

elite12

.

8 PEREIRA, Miriam Halpern – «Decadência» ou subdesenvolvimento: uma reinterpretação das suas origens no caso português. Análise Social. [Em

Linha]. Vol. 14, n.º 53, (1978-1.°), p. 10.

9 REIS, Lysie – Os homens rudes e muito honrados dos mesteres. Ciências e Técnicas do Património. [Em Linha]. I Série vol. IV (2005), p. 236-238.

10 Órgão da Câmara de Lisboa, criado pelo mestre de Avis (D. João I) em 1384 (Carta Régia de 1 de Abril), e extinto em 1834. (pelo Duque de

Bragança em 7 de maio). Composto por vinte e quatro mesteirais, em representação de doze ofícios. Posteriormente, foram instituídos em diversos

outros concelhos órgãos com funções semelhantes às da Casa dos Vinte e Quatro da capital.

11 GARCIA, João Carlos – Os têxteis no Portugal dos séculos XV e XVI. Finisterra: Revista Portuguesa de Geografia. [Em Linha]. Vol. 21, n.º 42. (1986), p.

329-330.

12 Id, p. 331-333.

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TAPEÇARIA CONTEMPORÂNEA PORTUGUESA (1969-2002) Antecedentes e Protagonistas do Século XX

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A lã era a fibra têxtil que mais se encontrava espalhada por todo o país, destinava-se a vários

fins e era consumida por todos os estratos sociais. Produto diretamente relacionado com a

transumância13

. À semelhança do linho, houve espaço para a importação e como importantes

mercados consumidores destes panos, ao longo do século XVI, estiveram as ilhas e a África. A

sua produção era, essencialmente, caseira e destinava-se ao autoconsumo, contudo, houve

importantes centros como Covilhã-Fundão e Portalegre-Castelo de Vide que controlavam os

núcleos produtores que teciam com lã nacional e importada14

.

Ancorada numa das encostas da Serra da Estrela, a Covilhã estruturou-se em função dos lanifícios. A

montanha, desde os tempos pré-históricos, oferecia as pastagens frescas, perenes e apetecíveis para o

gado lanar, tendo sido procurada pelas canadas transumantes, desde os longínquos campos de Ourique,

em território nacional, às afastadas planícies estremenhas ou aos campos de Sória, de Segóvia e de

Guadalupe, em Espanha. Esta favorável situação geográfica, permitiu à Covilhã o fácil acesso à matéria-

prima, bem como ao combustível das matas serranas, propiciando-lhe o desenvolvimento da actividade

dos lanifícios, que remonta a uma tradição milenar.15

A Covilhã, desde finais do século XV, contava com uma judiaria de considerável dimensão

que, no século anterior, ocupava cerca de metade da localidade. A estes Cristão Novos (que

desde 1495 se refugiavam em terras de fronteira) com elevada capacidade financeira, se deve o

esforço empreendedor da implementação das primeiras oficinas artesanais “...destinadas à

lavagem da lã e ao acabamento dos tecidos: os lavadouros, as tendas, os pisões e as

tinturarias”.16

Estas estruturas laborais começaram por aparecer na ribeira da Goldra e, no

século seguinte, estenderam-se à ribeira da Carpintaria. “Quanto à tecelagem, continuaria a

localizar-se no piso inferior das habitações dos tecelões.”17

Esta indústria caseira que produzia

em “teares de pau”, os afamados tecidos covilhanenses (baetas, panos baixos e grossos, feltros,

as mantas da terra, tecidos tradicionais, como os buréis e almáfegas), foi sendo responsável

pela “...progressiva especialização na produção dos tecidos, com a consequente divisão do

trabalho, contribuiu para o fracionamento, em profissões especializadas das operações de

cardação, fiação18

, tecelagem, apisoamento, tosagem e tinturaria.”19

Todo este envolvimento das

gentes da Coveliana (designação do século XII), levou a que o rei D. Sebastião, em 1570,

concedesse à vila da Covilhã o título de notável e, três anos depois, implementou nesta notável

13 Enormes rebanhos que se deslocavam em função de determinadas condições climatéricas, trata-se da permeabilidade da fronteira luso-castelhana.

14 GARCIA, João Carlos – Os têxteis no Portugal dos séculos…, p. 333-336.

15 PINHEIRO, Elisa Calado e SILVA, Manuel José dos Santos – A Covilhã: uma paisagem cultural evolutiva. Algumas notas sobre a (re)construção

das memórias industriais da cidade. UBImuseum. [Em Linha]. N.º 01., p. 3.

16 Id, p. 5.

17 Ibid.

18 A fiação era uma tarefa feminina por excelência e assim terá permanecido até aos finais do século XIX. Fiar e tecer faziam parte das diversas

atividades domésticas que as mulheres aprendiam desde muito cedo a desempenhar. Era uma espécie de inerência à condição de ser mulher como

refere o ditado popular – “Mãe, o que é casar? Filha, é fiar, parir e chorar!”. Motivo porque, por vezes, a roca aparece associada à mulher casada.

19 Ibid.

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vila a “... Fábrica D’ El Rei, considerada, então, a primeira e a melhor do reino e onde se

fabricaram os primeiros padrões destinados às fábricas de Portalegre e Estremoz, no

Alentejo”.20

A distribuição geográfica da seda tem a ver com a fixação de estrangeiros que se dedicaram

à plantação da folha de amoreira e, posteriormente, à obtenção do fio que o casulo do bicho-da-

seda proporciona. O surto teve início com a vinda das comunidades judaicas que, ao longo do

século XV, foram saindo de Espanha, fixando-se no noroeste e entrando para o interior (Trás-

os-Montes). Foi nas duas últimas décadas de mil e quatrocentos que se deu o grande incremento

da produção desta fibra têxtil, posteriormente (depois dos fios cruzados ou tecidos), surgiam os

panos de tafetá, de veludo e das retroses (passamanarias). Embora estes panos de seda fossem

considerados grosseiros, supriam as necessidades do mercado nacional e exportavam-se para

Castela. A seda importada destinava-se a um pequeno grupo das classes superiores. A produção

nacional foi sempre sendo incrementada, em finais de 1500, chegavam de Granada,

equipamentos (teares e tornos) e, em 1575, estabeleceram-se em Lisboa dois espanhóis que

exploravam uma fábrica de seda parecida com as que já existiam em Bragança, em Vila Viçosa

e no Porto, cidade onde se concentravam os mestres do veludo e das sedas21

.

Quanto ao algodão, abundava em Angola e, parece que nascia espontaneamente, mais tarde,

foi considerado melhor que o do Pará e próximo ao do Maranhão (Brasil), contudo, não foi um

produto muito acarinhado. O que vinha de Cabo Verde, era plantado nas ilhas de Santiago, de

Santo Antão, da Brava, da Boavista e se lá plantado, também se extraia, das ilhas de S. Vicente

e de Santa Luzia22

. Importante matéria-prima que, no século XVI, chegava aos grandes portos

de Lisboa e do Porto, depois, por via fluvial (Douro e Tejo) deslocava-se para o interior.

Tornando-se Lamego (no norte) em conjunto com a cidade de Tomar (onde a Ordem de Cristo

controlava uma boa parte dos empreendimentos ultramarinos) nos importantes centros

produtores de tecidos de algodão. Da Europa, vinham profissionais especializados para o

transformar em panos. Foi concedida autorização, em 1537, a Ruy Fernandes para produzir em

Lamego fustões, mytaes e espynetes23

. Este empreendedor tinha intenção de “... chamar da

Alemanha oficiais e mulheres especializados na fiação à roda...”24

Em 1544, já era mencionado

que em Alcobaça se fabricavam panos25

.

Permitindo o acabamento e beneficiamento dos tecidos encontra-se o importante ramo do

setor têxtil denominado de tinturaria. No século XV, foi introduzida pelo Infante D. Henrique

20 Ibid.

21 GARCIA, João Carlos – Os têxteis no Portugal dos séculos…, p. 337-339.

22 NEVES, José Accursio das – Considerações Politicas, e Commerciaes sobre os Descobrimentos e Possessões dos Portuguezes na África, e na

Ásia. Lisboa : Na Impressão Régia, 1830, p. 68, 78, 80, 81, 85, 88, 221.

23 GARCIA, João Carlos – Os têxteis no Portugal dos séculos…, p. 339-340..

24 Id, p. 339.

25 Ibid, p. 328.

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(1394-1460) a tinturaria do pastel da qual deteve o monopólio e, nas últimas décadas do século

XVI, apareceu o anil cujo grande desenvolvimento e importância se manifestaram em Évora,

cidade onde estavam radicados oficiais especializados no ofício da tinturaria26

. “O que nós

chamamos anil, e os Francezes indigo, he aquella substância bem conhecida em commercio em

fórma de pedra, ou massa endurecida, que dá a cor azul mais bella, e mais firme que se

conhece.”27

Além do anil, no mesmo período foi atribuída muita importância a outra planta, a

urzela: “O que em commercio se chama urzela he propriamente a preparação da fecula roxa, que

se extrahe de differentes musgos, e algas, da qual se faz grande uso nas tinturarias...”28

Produto

que por processos químicos – infusões nos ácidos – passava a cor vermelha, tinto que não se

mostrava muito durável mesmo assim muito apreciado pelos tintureiros. A primeira destas

plantas (o anil) pedia que a plantassem, a segunda (a urzela) de crescimento selvagem ou

espontâneo, contudo, requeria cuidados na apanha. Por um lado, por se encontrar nos rochedos

das encostas do mar tornando-se perigoso lá chegar, por outro, porque seria preciso colher a

planta quando estava madura e ter o cuidado de não a misturar com outras ainda verdes, bem

como, acondicioná-las convenientemente, de modo a que as viagens para o reino não as

deteriorassem. Nascia nas encostas portuguesas, nas ilhas dos Açores, da Madeira de Porto

Santo e, em maior quantidade e melhor qualidade, em todas as ilhas de Cabo Verde mas, com

mais predominância, nas ilhas da Brava, do Sal, de Boavista, de S. Nicolau, de S. Vicente, de

St:ª Luzia, de St.º Antão e de Santiago. Apesar desta possessão, até ao século XVIII, Portugal

recebia a urzela que vinha pelo Levante para os vários portos da Europa (Inglaterra, Itália e

outros) onde era preparada quimicamente para o mercado europeu. Foi um inglês chamado

Roberto que, em 1730, descobriu a planta na ilha da Brava e levou uma amostra para os agentes

em Espanha que, no ano seguinte, pediram um carregamento. Os Jesuítas tentaram apoderar-se

da exploração desta cultura mas a coroa (D. João V, 1689-1750) reclamou-o para si, tendo-o

arrendado, inicialmente a um holandês e, em 1750, era um português o arrendatário – José

Gomes da Silva o Candeias. Estes rendeiros muito fizeram pelo crescimento deste negócio que,

depois de passar para a Companhia Geral do Grão-Pará e Maranhão29

, foi perdendo o seu

vigor. A altura em que este comércio mais prosperou coincidiu com o período30

26 Ibid, p. 330-331.

27 NEVES, José Accursio das – Considerações Politicas, e Commerciaes ..., p. 89.

28 Id, p. 105.

29 Criada em 1755, com sede em Lisboa e como órgão central uma Junta de Administração. Contava com um Provedor, oito deputados e um

secretário. Os estatutos concediam capacidade à Junta de Lisboa para eleger os oficiais necessários para o seu bom governo, e para serem criadas

direções e administrações no Porto, Maranhão, Pará, Cabo Verde, Cacheu, Bissau e Angola.

30 NEVES, José Accursio das – Considerações Politicas, e Commerciaes ..., p. 106-113.

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... em que a companhia mais floresceo, (...); e foi então que tivemos em Lisboa a importante fábrica

dirigida pelo Francez Luiz de la Chapelle, na qual se fazia huma composição da urzela, que se reputava

superior a toda a que vinha de fora do reino, e ficava por um preço incomparavelmente menor.31

O anil, inicialmente, só chegava a Portugal vindo da India e acreditou-se, durante muito

tempo, que era um produto de origem mineral. Planta muito abundante em Angola, à

semelhança do algodão, foi uma cultura desprezada em benefício do comércio das especiarias,

houve uma fábrica para manipulação desta planta (empreendimento atribuído aos jesuítas). Em

Cabo Verde os ensaios da cultura e manipulação da planta remontam ao início do século XVIII,

onde houve duas fábricas, uma em Santiago e outra em Santo Antão. Das ilhas, tanto chegava a

planta como a mistura química em formato de “bolos” que foram usados na Real Fábrica de

Tecidos de Algodão que funcionava na cordoaria. Apesar dos esforços para tornar a cultura e

extração do produto que levava à cor anil, foi tinto que nunca chegou à qualidade desejada e

concorrencial, as causas estariam relacionadas com métodos físicos e químicos adotados terem

sido pouco rigorosos.32

Fig. 1 – O Movimento do Sector Têxtil em Portugal, nos séculos XV e XVI33

31 Id, p. 109.

32 Ibid, .p. 88-104, 221.

33 GARCIA, João Carlos – Os têxteis no Portugal dos séculos…, p. 334.

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1.2. Tapetes, Tapeçarias e Tapeceiros

Neste mundo das matérias-primas que permitiam fabricar os panos, além dos panos tecidos

que serviam para confecionar o vestuário e para diversos usos domésticos e profissionais,

encontrava-se uma outra categoria que, atravessou a Idade Média, o Renascimento e o Barroco,

gozando de um estatuto artístico que se igualava ao da escultura, da arquitetura e da pintura,

fala-se da Tapeçaria ou dos Panos de Armar. A arte mural que aquecia os ambientes e se

mostrava um bom suporte para contar grandes feitos guerreiros, histórias da mitologia clássica e

cenas bíblicas.

“Em 1450 encontramos radicado em Portugal um tapeceiro de origem alemã que aqui exerce

o seu ofício. A comunidade Árabe da capital conta em 1492, entre os seus membros, tapeceiros

habitando a parte do burgo que lhes é destinado.”34

No século XV, produziam-se tapeçarias de

todo o género e era muito frequente o uso de esteiras, produto em que os mouros eram, também,

especialistas ou oficiais. “Há bastante documentação que demonstra a existência de uma

indústria de “Tapetes de Nós” em Lisboa, sob a protecção real. (...). Isto antes da expulsão dos

últimos mouros das mourarias lisboetas, em 1496, decretada pelo rei D. Manuel.”35

Mais uma

vez, se fica face à presença de estrangeiros europeus e não europeus, associados à realidade

têxtil portuguesa. Através do estudo de cartas régias que concediam privilégios aos mouros,

Sousa Viterbo (1845-1910), concluiu que estes artesãos eram tapeceiros reais mas que só

fabricavam tapeçarias para colocar no soalho – tapetes (o autor chama de alcatifas) – e que, para

“... forrar as salas das recamaras e outros usos idênticos se empregavam os panos de armar, que

vinham não só das Flandres mas que se fabricavam também em Portugal.”36

A estes panos, o

autor dedicou vinte e três páginas do seu estudo, apresentando os dezassete tapeceiros que, entre

1450 e finais de 1500, a eles se dedicaram. Os dois últimos nomes desta lista, trabalhavam nas

suas terras natais – Roma e Flandres37

. Neste domínio das artes e ofícios, o autor fez questão de

referir a perícia dos artistas muçulmanos manifestada na ourivesaria, na escultura em marfim e

na gravura e diz ter comprovado em documentos oficiais a existência de arrojadas oficinas de

tapeçaria em Lisboa. Estas oficinas eram protegidas pelos monarcas dado que, eram unidades

produtivas que por imposição real38

, ensinavam profissões a crianças e jovens que entravam

como aprendizes. ”Essas officinas tinham um caracter prático, educativo correspondente às

escholas industriaes da actualidade ou aos antigos estabelecimentos do estado, como a Fabrica

das Sêdas no tempo do Marquez de Pombal.”39

34 Id, p. 330.

35 SANTOS, Álvaro Teixeira – O Tapete de Arraiolos, como executar. Tapeçaria Portuguesa. Coimbra. N.º 1. (1984), p. 2.

36 O Tapete de Arraiolos, como executar. Tapeçaria Portuguesa. Coimbra. N.º 1. (1984). p. 10.

37 VITERBO, Sousa – Artes Industriaes e Industrias Portuguezas: Tapeçaria. Coimbra : Imprensa da Universidade, 1902, p. 27-45.

38 O primeiro documento é do reinado de D. João I e cartas de confirmação nos reinados de D. Duarte e D. Affonso V.

39 Id, p. 9-10.

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Pela segunda metade de quinhentos há notícia de existir um tapeceiro em Olivença e três

estabelecimentos em Lisboa, onde são tecidos tapetes cada um com dois homens, e quatro onde são

consertadas as tapeçarias, Em fabricantes e consertadores se divide o grémio dos tapeceiros, segundo o

seu regimento de 1572.40

De acordo com o inventário de tapeçarias existentes em museus e palácios portugueses,

estudo realizado pela Conservadora de Museus Maria José de Mendonça (1905-1976),

apresentado pelo Diretor do Museu de Arte Antiga (Dr. João Couto, 1892-1968), em 1939, à

Academia de Belas Artes, os portugueses revelavam-se bons consumidores de tapeçarias

estrangeiras (flamengas e francesas). O estudo refere a existência de dezanove espécimes do

século XVI41

. Imaginando as difíceis caminhadas destes panos ou tecidos especiais que

acompanhavam a corte e outra nobreza em muitas viagens, dado à sua fragilidade e às agressões

a que estavam sujeitos, não é de estranhar a incidência de profissionais competentes ao serviço

do restauro de tapeçaria.

Fig. 2 – A Música ou

Julgamento do

Paraíso, Bruxelas, C.

1520. Pano (de armar)

que pertence à série de

quatro tapeçarias O

Combate entre os

Vícios e Virtudes42.

1.3. A Atividade Têxtil e a Mudança de Paradigma

Todo este movimento revelava uma atividade manufatureira bastante acentuada que se

começou a transferir da produção doméstica para a produção “... colectiva com repartição de

tarefas, processo que se desenvolverá pelo período filipino...”43

. Em função de tão acentuada

atividade têxtil, tinham aparecido o Regimento dos Ofícios (1572) e o Regimento dos Trapeiros

(1573). Documentos que fixaram normas de execução e qualidade, o que não é mais que a

fiscalização em cadeia porque mencionam os pressupostos dos diferentes intervenientes, do

cardador, da fiadeira, do tecelão, do pisoeiro e o do mercador. O Regimento dos Panos

menciona, ainda, novos tipos de tecidos que até ai eram importados – as baetas, os picotes, os

40 GARCIA, João Carlos – Os têxteis no Portugal dos séculos ..., p. 330.

41 MENDONÇA, Maria José de – Inventário de Tapeçarias Existentes em Museus e Palácios Nacionais. Lisboa: Instituto Português do Património

Cultural, 1983, p. 11-182.

42 http://www.museudelamego.pt/?page_id=941

43 GARCIA, João Carlos – Os têxteis no Portugal dos séculos…, p. 331.

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29

guardaletes e os panos de cordão44

. Passados quase cem anos, apareceram as Pragmáticas de

1677 e depois as de 1686 que proibiam o uso de tecidos importados. Documentos da

responsabilidade do Conde da Ericeira (Luís de Meneses, 1632-1690) que ficou conhecido

como o Colbert45

Português porque, durante o reinado de D. Pedro II (1648-1706), levou o país

ao mercantilismo. O Conde da Ericeira incrementou o desenvolvimento das manufaturas

portuguesas, criando novas unidades de produção nos locais onde já havia tradição têxtil, em

Portalegre, no Fundão e Covilhã os lanifícios e as sedas em Trás-os-Montes. Contratou técnicos

ingleses e italianos especializados, mandou plantar amoreiras e fomentou a criação de bichos-

da-seda. “Em 1690, D. Pedro II confirma o Regimento de Panos de 1573 e acrescenta-lhe onze

artigos visando cortar as fraudes que faziam diminuir a qualidade da produção, sobretudo as

verificadas no processo da tinturaria.”46

Quando Sebastião de Carvalho e Melo (1699-1782) assumiu a pasta de Ministro do Reino

(1750), a nação que tinha sido detentora de tão grande império colonial, não se encontrava em

boa situação económica, financeira e social. “Surpreende que, após a descoberta das

opulentissimas riquezas minerais do solo brasileiro, transportadas para este pequeno rectângulo

europeu durante a governação de D. João V, nos encontrássemos, poucos anos decorridos a

braços com a miséria.”47

Encontram-se vários fatores que tinham desencadeado a crise do

grande comércio, entre eles o Tratado de Methuen (1703)48

, conhecido também por Tratado dos

Panos e Vinhos, acordo em que os portugueses se comprometiam a consumir os têxteis

britânicos em toca da exportação dos vinhos portugueses.

Foi-se perdendo o comércio exclusivo que as companhias coloniais detinham em produtos de

grande valor, destacando-se o algodão, o afluxo do ouro diminuía, quase todos os bens eram

importados o que propiciou o aparecimento de inúmeras casas comerciais, por todo o pais

estavam comerciantes estrangeiros, em Lisboa era onde mais se concentravam. O país

reclamava por uma nova fase e, Sebastião de Carvalho e Melo, considerando que era preciso

incentivar novos centros de produção e melhorar os já existentes, corporizou esta nova ordem

procurando industrializar um país que contava com importantes e diversificadas estruturas

oficinais.

44 Id.

45 Ministro de Luís XIV que, em 1661, criou a Manufactura Real dos Móveis da Coroa que funcionava nos Gobelins sob a direção do pintor do Rei –

Charles le Brun. Três anos mais tarde (1664), este ministro criou ateliês subvencionados e em Chaillot, apareceu a Manufactura Real de Tapetes (La

Savonnerie), de onde saiam os tapetes ao estilo do oriente. A última, em 1886, foi integrada na manufatura dos Gobelins.

46 PINHEIRO, Elisa Calado - A Covilhã: uma paisagem cultural evolutiva. Algumas notas sobre…, p. 6.

47 CARVALHO, de Rómulo – O recurso a pessoal estrangeiro no tempo de Pombal. Revista de História das Ideias. [Em Linha]. Vol. IV, tomo I.

(1982), p. 94.

48 Que apareceu na sequência da aliança anglo-austríaca que se opunha a que os Bourbons tomassem a coroa de Espanha.

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As manufacturas irão sofrer um novo impulso. No final do século, o ambiente será de prosperidade,

de euforia, de grande interesse pelas novidades técnicas. Os produtos manufacturados representam uma

parcela considerável do comércio externo, nomeadamente do comércio colonial. Surgem os primeiros

ensaios de mecanização.49

Para esta mecanização, contribuíram, indubitavelmente, a acumulação de capitais que os

mercadores foram conseguindo, ao longo dos séculos XVII e XVIII, com o afamado Comércio

Triangular50

. Foram estes comerciantes que se foram tornando nos investidores da indústria. A

atividade industrial exigia outra estratégia e outro investimento temporal, fatores distintos dos

da troca de produtos que, em pouco tempo, permitia lucros avultados. Nem sempre, estes novos

industriais, souberam adaptar-se e corresponder às exigências.

Fig. 3 – Regimentos das

Fábricas dos Panos, 169051.

2. VISÃO POMBALINA E REPERCUSSÕES

2.1. O Ensino das Artes em Portugal

...o período pombalino foi particularmente fértil na criação de instituições de ensino. Pombal aliava as

concepções de saber e de educação próprias do iluminismo com uma política de fortalecimento

económico manufactureiro e comercial para o qual pretendia recursos humanos especializados.52

No século XVIII, ainda no reinado de D. João V (1707-1750), sob proteção régia surgiu, em

1720, a Academia Real da História, enquanto que o ensino da arquitetura se deve ao reinado de

D. José I, criou a Casa do Risco em 1755, ensino “... ministrado pelos arquitectos e engenheiros

nomeados para projectarem as obras de reconstrução de Lisboa, após o terramoto.”53

As preocupações do Marquês de Pombal prendiam-se, com o que mais tarde, veio a

designar-se de Formação Profissional. Mais de cem anos volvidos e, Portugal contava com o

49 PEREIRA, Miriam Halpern – «Decadência» ou subdesenvolvimento: uma reinterpretação …, p. 10-11.

50 Expressão utilizada para designar um conjunto de relações comerciais dirigidas por países europeus entre as metrópoles e os vários domínios

ultramarinos, de carácter transcontinental apoiado em três vértices geopolíticos e económicos: Europa, África e América (Norte, Centro e Sul), com

relações secundárias com a Ásia e seus produtos.

51 http://purl.pt/14991/1/index.html#/1/html

52 MOURA, Maria Helena Castel-Branco Lisboa Barata – As Academias e Escolas de Belas Artes e o Ensino Artístico: 1836-1910. Volume I.

Lisboa : Faculdade Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, 2005. Tese de Doutoramento, p. 515.

53 Id, p. 516.

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Instituto de Orientação Profissional (1925)54

. Na segunda metade do século XVIII, constata-se

o esforço de educar para a profissionalização com o predomínio das artes que se pode entender

como um género de educação artística. O objetivo era o de formar operários com destreza

manual, tradicionalmente, associada ao artesanato mas agora, integrando-se em equipas de

trabalho e sujeitos às exigências de novos equipamentos e tecnologias. “A aula do comércio,

instituída pela Junta de Comércio55

deste Reino e seus Dominios, entre 1756/59, a do debuxo da

Real Fábrica das Sedas e a aula da fábrica dos estuques ensinavam os aprendizes destes ofícios,

de modo ora corporativo ora oficinal.”56

Apesar do reinado de D. João V (1707-1750) se poder interpretar como propicio à criação de

uma Academia de Belas Artes em Portugal dado que seguia uma linha absolutista e havia

entrada de divisas por conta do ouro do Brasil, assim não aconteceu. De modo a que o reino

contasse com artífices altamente qualificados, para a execução de obras de grande fausto de que

Mafra se mostrou o expoente máximo, o rei optou por instalar a Academia Portuguesa das Artes

em território estrangeiro. Foi

... fundada em Roma a Academia Portuguesa das Artes que ficou instalada no Palácio Cimarra, e cuja

direcção parece ter sido entregue a Paulo Mathei. (...), não se tendo sequer a certeza de se ela facultava

um sistema de ensino próprio, (...). Esta instituição é forçada a encerrar em 1760, quando se cortam

relações entre Portugal e a Santa Sé. 57

Os Jesuítas, asseguravam, por todo o país, uma rede de cerca de trinta estabelecimentos de

ensino gratuito e aberto a todas as classes sociais. Com a retirada de todos os bens aos padres

jesuítas portugueses e a sua expulsão de Portugal – continente e territórios ultramarinos – em

175958

, o país viu-se desprovido de pedagogos. Sebastião de Carvalho e Melo que nesse ano

recebia o título de Conde de Oeiras, concentrou-se numa estratégia de contratação de letrados

estrangeiros de modo a afastar a influência que a igreja exercia na educação. Para melhor

ilustrar a anterior afirmação recorre-se ao episódio da Guerra dos Sete Anos (1756-1763) e as

preocupações para com a educação que se desejava laica e moderna. Apareceu um colégio para

ensinar “... o Desenho, a Arquitetura Civil e Militar (...) o Colégio dos Nobres fundado em

1761, especialmente vocacionado para dar um novo tipo de educação aos filhos da nobreza. (...)

foram professores Carlos Maria Ponzoni (...), Joaquim Carneiro da Silva.”59

O último, mais

54 http://www.iop.ul.pt/index.php?option=com_content&view=article&id=48&Itemid=66.

55 Equivalente ao Ensino Secundário.

56 SANTOS, Celso Francisco dos Santos – João Maria Policarpo May: Debuxador e Lente da Aula de Desenho da Real Fábrica das Sedas. Ciências e

Técnicas do Património. [Em Linha]. I série, vol. I (2002), p. 206.

57 MOURA, Maria Helena Castel-Branco Lisboa Barata – As Academias e Escolas de Belas Artes e..., p. 514.

58 Só regressaram com D. Miguel (1802-1866) que reinou entre 1828 e 1834.

59 Id, p. 516.

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tarde (1780) criou a Aula Régia de Desenho. Os Jesuítas foram substituídos pelos oratorianos –

divulgadores científicos.

Depois do terramoto que, indubitavelmente fragilizou a nação, aparecia a Guerra dos Sete

Anos – considerado o primeiro conflito com carácter mundial, os seus efeitos, são, muitas vezes,

apontados como o acontecimento que inaugurou a era moderna. Conflito em que Portugal se

colocou como aliado da potência inglesa opondo-se à potência francesa. No decurso desta

guerra, foi-se afigurando a falta de um ensino moderno para os nobres. O Real Colégio dos

Nobre apareceu pela necessidade de fornecer uma educação que preparasse, convenientemente,

as futuras gerações. Transmitir “... informação cientifica considerada indispensável para o

conhecimento da arte da guerra.”60

. Instituição cujos estatutos foram publicados em março de

1761, inaugurando cinco anos depois (março de 1766), começando as aulas a ser lecionadas por

um escasso número de professores, na maioria, estrangeiros61

.

No que diz respeito à transmissão dos saberes, a herança medieval continuava muito viva, as

Guildas e a sua estrutura educativa existiam a par do ensino centralizado e em estabelecimentos

de ensino oficiais (públicos).

Se, nos Quinhentos, o ofício era composto por um conjunto de oficiais mecânicos, mestres ou não,

que partilhavam experiências semelhantes, o mesmo não ocorre nos Setecentos, quando mestres são

proprietários dos ofícios e continuam a ter, em suas lojas, oficiais e aprendizes que, possivelmente, só os

viam como o degrau escolar e profissional pelo qual deveriam passar para se tornarem também patrões e

ascenderem socialmente.62

Após o terramoto a reconstrução da cidade exigia muita mão-de-obra qualificada, por

decreto, em 1761, foi facilitada a entrada de artífices estrangeiros, realidade que se veio a

refletir na dinâmica das Corporações profissionais. Em 1767, a Casa dos Vinte e Quatro elegeu

para Juiz do Povo o alfaiate Filipe Rodrigues de Campos que permaneceu no cargo apenas dois

anos mas, a sua atuação foi pragmática, reformou os arquivos e fez o inventário de todos os

pertences da instituição63

.

Os profissionais estrangeiros vinham, também, para servir as manufaturas reais que

instituíram aulas. Entre os imigrantes que foram chegando, encontrava-se o debuxador francês

João Maria Polycarpo May que veio de Lyon, o principal centro de sericultura da Europa

setecentista. Em 1764, Polycarpo May terá iniciado o ensino do debuxo das sedas na Real

Fábrica das Sedas, cujo texto para regulamentar esta actividade pedagógica – Regulamento

para a Aula do Debuxo – aparecia catorze anos mais tarde (27 de junho de 1788). Este mestre,

60 CARVALHO, de Rómulo – O Recurso a Pessoal Estrangeiro no Tempo .., p. 112.

61 Id, 112-114.

62 REIS, Lysie – Os homens rudes e muito honrados dos mesteres…, p. 253-254.

63 Id, p. 248 e 250.

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morreu em janeiro de 179464

e, no ano seguinte, finalmente, a aula de debuxo foi regulamentada

(27 de junho de 1795). Registos há de que a Aula do Debuxo se foi mantendo com a dinâmica

que o mestre instituira. Em 1811 (a 14 de Agosto), a aula recebeu novo regulamento que não

veio a acrescentar nada de muito fundamental. Através do Livro de Matricula de Aprendizes da

Arte do Debuxo do ano letivo de 1830/1831, pode afirmar-se que a aula estava ainda em

atividade e tinha muitos alunos.

Os estatutos que regiam e regulavam os quotidianos, escolar, fabril e até mesmo o doméstico,

obrigavam à frequencia regular das aulas, sob pena de os aprendizes não adquirirem autorização para,

mais tarde dirigirem oficina ou tear e simultaneamente protegia-os, negando a quem não cumprisse estas

disposições (...) a autorização de exerecer publicamente a profissão.65

(...)

Este ensino, que se afirmava teórico, prático e técnico, obrigava os professores e alunos ao trabalho

em casa junto aos teares, que deveriam saber armar. Mas prescrevia também as saídas ao campo, ao longo

do ano, e sempre que as condições o permitissem, para exercitar a observação directa da natureza, o duplo

trabalho da cópia de gravura e da invenção a partir do natural.

As orientações dos estatutos revelam-se mais de natureza fabril do que artística, sublinhando o ensino

do desenho aplicado, aqui aos diversos tecidos, cujo sucesso no mercado oscilava ao sabor dos caprichos

das modas que chegavam do estrangeiro, e das alianças politica e militares que constrangiam ou

obrigavam a sua circulação.66

Ao nivel da criação de tecidos, Polycarpo May contava com a colaboração de outros

debuxadores como foi o caso de Diogo Martinho Vilela. Produziam-se refinados tecidos, entre

os primeiros clientes estavam a familia real e o patriarcado. Os desenhos eram originais

inspirados na natureza, padrões geométricos ou mesmo histórias que incluiam personagens e

objetos do mundo oriental, em resumo, “...cópias de temas tirados do natural e de gravuras.”67

A Europa estava tomada pelo gosto das chinoiseries68

.

Em Portugal, a influência e imitação do têxtil oriental também se fez sentir, a par da influência

produção dos centros europeus, sobretudo franceses, embora com especificidades (...). Além da presença

de tecidos orientais, os panos da India ou damascos e veludos importados de Itália, França, Espanha, a

produção nacional de seda em grande quantidade é tardia e mais marcante a partir da segunda metade do

século XVIII.69

64 Dois anos antes, o governo pagara-lhe duzentos e quarenta mil reis pelos bons serviços prestados na fábrica.

65 SANTOS, Celso Francisco dos Santos – João Maria Policarpo May..., p. 206.

66 Id, p.208.

67 Ibid, p. 206.

68 MOTA, Álvaro Samuel Guimarães da – Gravuras de chinoiserie de Jean-Baptiste Pillement. Volume I: Porto : Faculdade de Letras da

Universidade do Porto. 1997. Dissertação de mestrado em História da Arte, p. 4.

69 Id, p. 46.

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Fig. 4 – O Pescador Infeliz (169x135

cm), Aubusson, Séc. XVIII. Tecida em

Lã e seda sobre desenhos de Jean

Pillement (1728-1808)70.

A par da Academia Real das Ciências, que nascia em 1779, apareceu por iniciativa de Cirilo

Wolkmar Machado (1748-1823) a Academia do Nu que encerrou dois anos depois. Os artistas

que se destacavam nesta academia, bem como os melhores alunos da Aula Régia de Desenho,

iam para Itália para completar os seus estudos. Observando a realidade destas migrações

educativas, o embaixador D. Alexandre de Souza Holstein (1781-1850) achou por bem instituir

o Colégio Português de Belas-Artes, com sede em Roma71

.

Para a Academia do Nu e para o Colégio Português de Belas-Artes iam alguns dos melhores

alunos da Casa Pia de Lisboa onde frequentavam uma Aula de Desenho. Instituição de ensino

fundado em 1780, por Diogo Inácio de Pina Manique (1733-1805), sob inspiração de Johann

Heinrich Pestalozzi (1746-1827)72

. Pestalozzi foi um pedagogo que procurou o sentimento

patriótico dos seus alunos, recorrendo à cultura folclórica ou popular do seu país,

genericamente, a sua filosofia professava que, mediante a educação o homem pode e deve

tornar-se um membro proveitoso na sociedade73

.

Pina Manique, (...) procurava responder às necessidades da sociedade de então, dando a elaborar aos

seus discípulos produtos que podiam ser comercializados. A produção da academia não chegava para

satisfazer o consumo, por conseguinte, elaborou um programa que consistia na recolha de órfãos das

Beiras, que eram levados para a instituição. Uma vez lá, a instituição proporcionava-lhes o ensino da

produção têxtil, casava-os e, com um dote para a noiva, devolvia-os à sua região de origem com um

diploma de mestre, casa, tear e matéria-prima para poderem trabalhar. O resultado do seu trabalho era

depois recolhido e comercializado pelo estabelecimento. Para aperfeiçoar a indústria de sedas, vieram

máquinas de Inglaterra e de Itália, importou amoreiras e mandou proibir a importação de meias de seda,

para difundir os produtos realizados na Casa Pia.74

70 http://museu.gulbenkian.pt/Museu/pt/Colecao/ArtesDecorativas/Obra?a=105

71 MOURA, Maria Helena Castel-Branco Lisboa Barata – As Academias e Escolas de Belas Artes e ..., p. 516-517.

72 SEQUEIRA, Augusta Maria Gaspar – Para o adolescente é importante o «saber fazer» na fruição/produção da arte? Lisboa : Faculdade de

Belas-Artes da Universidade de Lisboa, 2010. Dissertação de Mestrado, p. 27.

73 PETRUS, Antonio (coord.) – Pedagogia Social. Barcelona : Ariel, 1997. ISBN 8434426099.

74 SEQUEIRA, Augusta Maria Gaspar – Para o adolescente é importante o «saber fazer» na ..., p. 27-28.

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A fiação e a tecelagem eram ofícios75

que integravam este ensino da cadeia têxtil. Através do

ensino que levasse a aprendizagens que permitissem obtenção de qualificações profissionais,

pretendia-se que todos os alunos adquirissem saber fazer e, simultaneamente, saber estar. A

Casa Pia de Lisboa constituiu-se com o objetivo de acolher rapazes, na sua maioria, hoje

denominados de jovens em risco ou pessoas que, por sujeição a condições de vida adversas,

apresentam dificuldades na definição do seu projeto de vida. Além de se preocupar com a

transmissão do saber, este núcleo educativo, constituiu-se como uma organização que visava o

desenvolvimento holístico dos seus alunos. Estudiosos que se têm debruçado sobre a pedagogia

e o ensino referem que, saber estar/ser é uma atitude positiva que aparece como reflexo das

capacidades ou do saber fazer que tiveram origem na obtenção de conhecimento ou saber

saber. É este conjunto de saberes que levam à aquisição das competências que vão permitir ao

individuo aprendente tornar-se competente para a vida76

. Por consequência, capaz de abraçar

uma profissão ou ser detentor de um ofício, como se diz contemporaneamente, tornar-se num

especialista e, como se dizia na idade média, ter um mester ou ser um mesteiral.

Nos últimos quinze anos de mil e setecentos, foram ainda, inauguradas duas academias, uma

no reino e outra no estrangeiro. Mais uma vez, por iniciativa de Pina Manique, em 1785, foi

fundada, em Roma, a Academia de Belas Artes da Casa Pia que formou alunos ao longo de

doze anos e, em 1787, inaugurava a Régia Academia Olissiponense de Pintura, Escultura e

Arquitectura, instituição que veio fazer “... renascer o espírito da extinta Academia do Nu.”77

2.2. Em Redor do Tecer e da Tapeçaria

A velha fábrica das sedas, de fundação joanina (...), que produzia estofos de seda com ouro e prata,

veludos, damascos, primaveras, gorgorões lisos e lavrados, brocatéis, chamalotes, cetins, peliças,

nobrezas, tafetás, galões de ouro e prata, ou de seda com linha, dirigida por Roberto Godin, Vasco

Lourenço Veloso e Rodrigo Brancam...78

veio a tornar-se na Real Fábrica das Sedas porque, em 1755, o Francês Roberto Godin,

desentendeu-se com os sócios e a produção terá estagnado, o equipamento teve novo rumo. “A

venda à Fazenda Real, com a atribuição dos Estatutos, em 1757, uma nova orientaçao do

trabalho, agora não só centralizado mas também doméstico...”79

Roberto Godin continuou na

direção, agora, também, contratando operários que vieram de Lyon. O Marquês, desejava

produzir galões para trajes militares e de culto religioso.

75 Também existiam oficinas de latoaria, carpintaria, marcenaria e serralharia onde se faziam candeeiros para a iluminação de Lisboa.

76 ROMANS, Mercè, TRILLA Jaume e PETRUS Antoni – Profissão: Educador Social. Porto Alegre: Artmed, 2003. ISBN 8536301058.

77 SEQUEIRA, Augusta Maria Gaspar – Para o adolescente é importante o «saber fazer» na ..., p.28.

78 SANTOS, Celso Francisco dos Santos – João Maria Policarpo May..., p. 204.

79 Id, p. 205.

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Impondo-se a necessidade da produção de alimento para os bichos-da-seda, nas imediações

da Cotovia (perto do Rato), cultivaram-se amoreiras, ficando por isso o local conhecido pelo

Bairro das Amoreiras. A área

... foi aproveitada (...) também para a construção de grande número de edificações, umas fabricas e outras

para habitação dos mestres80 que trabalhavam nas diversas instalações. A Real Fábrica das Sedas, (...),

permaneceu na Cotovia. As fábricas, agora instituidas, nada tinham a ver com fio ou tecidos de seda, “...

mas a muito diversas produções81, (...); estavam porém todas sujeitas à administração da fábrica das

sedas, considerada como fábrica-mãe.82

De modo a que o pais pudesse, de novo, encontrar o rumo do progresso, só depois de 1760,

foi reatado o projeto da instalação das fábricas, agora não só as da capital mas também pela

província. Finalmente, começaram a construir-se as fábricas e as habitações do Barirro das

Amoreiras, contando com a Real Fábrica das Sedas como a instituição de comando que estava

dependente da Junta de Comércio. Continuaram a procurar-se profissionais no estrangeiro e a

firmarem-se contratos com mestres e operários, eram procurados e descobertos por diplomátas

portugueses como demonstra a correspondência trocada entre o Marquês e altos funcionários

que estavam colocados em Paris, em Londres e em Haia. Outros profissionais, sabendo que

Portugal estava a recrutar, iam oferecer os seu préstimos às delegações portuguesas que estavam

nos seus países. Os processos de negociação eram morosos “... terminavam, (...), pela vinda dos

operários, com salários fixados bastante superiores aos que auferiam nos seus locais de trabalho

de origem. (...), (...) tratava-se de especialistas, para se transportar, em geral com mulher e

filhos, para um país desconhecido.”83

O primeiro estrangeiro chegou a Lisboa em 1751, foi o tintureiro francês Pierre Dangé que

tinha estado na India para desvendar o segredo do carmesim84

. O objetivo era de que viesse

instalar uma fábrica de fiação e tecelagem de algodão85

de modo a iniciar o processo da

industrialização da estamparia portuguesa. Dangé ofereceu-se

... para fundar uma fábrica de musselinas e de tecidos de algodão vermelho «à indiana», fazendo notar as

grandes despesas que eram feitas com a importação (...). Definiu-se (...), um grandioso projecto para o

desenvolvimento da fiação, tecelagem e estamparia de algodões em Portugal, implicando o recrutamento

de dezenas de mestres no estrangeiro e a criação de quatro centros de produção no País.

80 “... 70 casas das oficinas e habitação do bairro dos fabricantes do Rato e das Amoreiras.” SANTOS, Celso Francisco dos Santos – João Maria

Policarpo May..., p. 205.

81 Cartas de jogar, botões, lençaria, chapéus, cutelaria, fundição de metais, pentes, relógios, serralharia, tapeçaria, tecidos, louça, etc...

82 CARVALHO, de Rómulo – O recurso a pessoal estrangeiro..., p. 96.

83 Id, p. 97.

84 Carmesim é um tom de vermelho forte, brilhante e profundo, combinado com algum azul, do qual resulta um certo grau de púrpura. É a cor do

corante produzido por um inseto - Kermes vermilio, mas o nome também é usado para descrever cores ligeiramente azul-avermelhadas em geral que

estejam entre o vermelho e o rosado.

85 Ibid., p. 98.

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Simultaneamente, o bispo do Pará, que envidava esforços para introduzir fábricas de panos de

algodão para fornecimento das tropas, chamava a atenção de Diogo de Mendonça Corte-Real, então ainda

secretário de Estado, para a vantagem de instalar manufacturas de tecidos «pintados». (...). Corte-Real,

(...), parecia informado, sublinhava as dificuldades em fazer vir de Bengala e da costa de Choromândel,

onde na realidade se fabricavam os panos estampados, os artífices, que eram «todos mouros», e salientava

os problemas técnicos para reproduzir os métodos da tinturaria indiana.

Estas tentativas acabaram por não frutificar, e só em 1775 se introduziu de facto a

estamparia de algodões em Portugal.86

Em outubro de 1753, chegou a Lisboa, cidade onde morreu em 1770, outro tintureiro – Louis

La Chapelle – que construiu uma Casa de Tinturaria. Fez-se-lhe um contrato por dezasseis anos

que cumpriu na totalidade, foi um dos diretores da Real Fábrica das Sedas. Quando foi

solicitado o segundo tintureiro, foi também referida a necessidade de um desenhador, um tempo

depois, veio a ser contratado Thomas87

.

Na primeira metade do século XVIII, Lisboa era o único grande porto ligado ao comércio

oriental, cujas imediações não contavam com fábricas de impressão/estampagem de tecidos –

estamparias. Nem mesmo, em meados de mil e setecentos, quando estas manufaturas se

instalaram nos países mais periféricos (Escandinavos, da Europa central e oriental) em Portugal

se fez sentir o seu eco. Álgumas fontes dizem que foram os portugueses que deram a conhecer

as indiennes de Marsselha, dado que, foram os portugueses que tiveram, precocemente, o

conhecimento e o acesso ao negócio dos panos de algodão estampadas (chitas) que vinham da

India. Este pode ser considerado como mais um dos motivos que atrasou a indústria têxtil, no

caso em concreto, a inserção das artes da tinturaria em terras lusas porque “... a importação

directa de Bengala continuava a satisfazer a procura dos consumidores nacionais e do tráfico de

escravos.”88

De seguida enumeram-se manufaturas que tiveram início na época pombalina, onde se

verifica a presença de muitos especialistas e investidores estrangeiros.

86 PEDREIRA, Jorge Miguel – Indústria e Negócio: A Estamparia da Região de Lisboa, 1780-1880. Análise Social. [Em Linha]. Vol. 26, n.ºs 112-

113, (1991–3.° e 4.°), p. 541.

87 CARVALHO, de Rómulo – O recurso a pessoal estrangeiro..., p. 97-98.

88 Id, p. 540.

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Quadro I – Manufaturas têxteis e outras, diretamente, relacionadas (Séc. XVIII)89

MANUFATURA LOCAL PRSENÇA DE ESTRANGEIROS OBSERVAÇÕES

Fábrica de Chapéus Pombal e

Elvas

Sauvages, Guillaume Fournol, Albert

Jacquerie de Salles, Jean Baptiste

Alexis e Gabriel Millet (todos

franceses)

A iniciativa foi de Jácome

Ratton. Houve mais 3

fábricas de chapúes finos 2

no Porto e 1 no Sobral

Real Fábrica de Panos Covilhã Paulino André Lombardi,

superintendente e administrador

Dedicava-se a todas as fases

das cadeias de produção

Real Fábrica de Lanifícios

de Portalegre Portalegre SEM INFORMAÇAO SEM INFORMAÇAO

Fábrica de Sarjas

e Baetas Covilhã

11 operários irlandeses –

estambradores, tecelões e fiadeiros

Desta manufatura régia,

foram arrendatários

cristãos-novos (Fróis,

Nunes e os Castro)

Manufatura de Tapetes Lisboa SEM INFORMAÇAO Anexa à Real Fábrica

das Sedas

Fábrica de Meias Lisboa Noel le Maitre (era o mestre) Anexa à Real Fábrica

das Sedas

Fábrica de Botões Lisboa

Dirigida por Bartolomeu Orsini que

deu trabalho ao seu filho Manuel,

Francisco Fusquilli, Pedro Andrino,

Francisco Oberti e Jacquerie de Salles

Anexa à Real Fábrica

das Sedas

Fábrica de Galões de

Ouro e de Prata

Lisboa

José de Aze era o mestre, sucedido

por José Pontermo

Anexa à Real Fábrica

das Sedas

Fábricas de Fiação

Tomar,

Lisboa,

Alcobaça e

Porto

A de Tomar fundada por Neol le Maitre, apoiado por Edmundo

Carlos Poinet, Timoteo Lecussan Verdier, Jácome Ratton e Félix

Clamouse Paliart. Na de Lisboa o mestre foi Ricardo Tinzelay

seguido de Francisco Agostinho Guilhobel

Fábrica de Tecelagem Torres

Novas

David Sudhe e Henrique Menson

foram os donos SEM INFORMAÇAO

Fábrica de Fazendas

Brancas Sacavém o dono foi Guilherme Macormik SEM INFORMAÇAO

Fábrica

de Algodões Aveiro João Baptista Locatelli foi o dono. SEM INFORMAÇAO

Fábrica de Cambrais

e Esguiões

Almeirim,

depois foi p/

Alcobaça

Teve como mestre o italiano Tacinari

Esguiões-tecidos finos de

linho

Oficina de Tapeçaria Tavira Pedro Mergoux foi o fundador e

mestre Tinha um sócio português

Real Fábrica

das Sedas

Lisboa

Roberto Godin, Diretor que chamou

operários de Lyon. contava com o

Debuxador João Maria Polycarpo

May. Os tintureiros Pierre Dangé e

Louis de La Chapelle

João Maria Polycarpo May,

desenhava tecidos e

ensinava debuxo.

Fábrica de Serrelharia Lisboa

Pedro Schiappa Pietra foi

encarregado, posteriormente, passou

o contrato ao irmão – joão Baptista

Schiappa Pietra. Deram trabalho a

João Baptista Bocalandro e Del

Cuôco

Anexa à Real Fábrica das

Sedas Criada por

determinação da Real

Fábrica das Sedas para

construir e reparar teares

Oficina de Ligas de Fio

de Ouro, de Prata e de

Lantejoulas de Cores

Razuret (dono) SEM INFORMAÇAO

Fábrica de Tecidos

e Estamparia Azeitão Estevão Guché (Larcher?) (dono) SEM INFORMAÇAO

Fábrica de Artigos de

Cabedal O irlandês Patrício Ryan era o dono

Faziam pelicas com que

fabricavam luvas, véstias e

calções

Fábrica de Tecidos de

Linho

Abrantes e

Elvas SEM INFORMAÇAO SEM INFORMAÇAO

89 Quadro Elaborado pela autora, tendo por base os documentos estudados.

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Real Fábrica de Tecidos

de Algodão

(Cordoaria Nacional)

Lisboa SEM INFORMAÇAO

Além dos panos, fazia

fiação – cabos para a

tecelagem de velas e

bandeiras para a Armada

Fábrica de Tecidos

de Lã Penafiel SEM INFORMAÇAO SEM INFORMAÇAO

Fábrica de Tecidos

de Lã Cascais SEM INFORMAÇAO SEM INFORMAÇAO

2.2.1. Estética, Tecnologia Têxtil e Administração

Quanto à estética e tecnologia, o século XVIII é considerado como um tempo para novos

motivos artísticos e, simultaneamente, para a experimentação de novos suportes e novas

tecnicas. Experimentações que muito se refletiram ao nivel dos têxteis que traziam novos

elementos pictóricos para a ancestral arte da tapeçaria e, para os panos de algodão que se

mostravam um bom suporte para acolher inovadoras técnicas de estamparia. Os motivos a

estampar provinham de aclamados artistas, entre eles Jean-Baptiste Pillement (1728-1808)90

que

“... foi um dos artistas com relevante importância na criação de um gosto específico pelo

exotismo tropical em Portugal, e alargadamente, um dos esquissadores de um pré-romantismo,

numa presença mais frequente e mais frequentada de uma natureza usada e sentida.”91

Ao gosto

da época, o pendor para a chinoiserie introduzido na Europa por Pillement, trouxeram os

estampados que desempenharam um importante lugar na decoração de interiores,

nomeadamente, porque ocuparam parte do lugar que a tapeçaria, há muito, havia conquistado,

uma vez que se prestavam a estofar paredes.

A utilização das sedas chinesas e das suas imitações, assim como a dos algodões estampados,

verificava-se quer no vestuário, quer como elemento de decoração, enquadrado em molduras ou

revestindo, por vezes, partes de compartimentos ou de mobiliário, sobretudo para as camas de dossel, ou

como simples coberturas. As utilizações condicionavam a escolha na diversidade dos padrões, os mais

extravagantes para o vestuário, os exoticamente mais subtis para a decoração de interiores92.

Agora que, paredes poderiam ser estofadas de algodões estampados que propiciavam

igualmente o conforto ao olhar e o conforto ambiental porque este revestimento trazia uma

temperatura mais amena às grandes divisões dos sumptuosos palácios barrocos é que Portugal,

finalmente, iria contar com uma manufatura de tapeçarias. A tapeçaria, a sempre preferida

tapeçaria, continuava a ser um produto caro para o qual aparecera alternativa para a sua maior

função – aquecer e isolar acusticamente os ambientes de modo a satisfazer, igualmente,

90 Em 1743, iniciou a sua carreira artística como desenhador na manufactura real dos Gobelins. Formação profissional decisiva, no processo de um

domínio que resultou numa prática de desenho aplicado. De 1745 (aos 17 anos) até cerca de 1754, viveu entre Espanha e Portugal, trabalhando como

decorador e pintor. Países onde iniciou uma carreira cosmopolita sem semelhança com qualquer outro artista europeu da sua época. Partiu num périplo

que o levou às principais cidades europeias, de Lisboa a São Petersburgo, por onde foi trabalhando para as casas reais e aristocratas. Na década de 1780

regressou a Portugal, onde poderá ter fundado uma escola, fixando-se pouco depois em Espanha.

91 MOTA, Álvaro Samuel Guimarães da – Gravuras de chinoiserie de Jean-Baptiste Pillement…, p. 80.

92 Id, p. 46.

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necessidades estéticas. Entre as cento e noventa e uma manufaturas existentes no país, quando o

Marquês de Pombal deixou de governar (1777), encontrava-se “... uma manufatura de tapetes

em Lisboa, anexada em 1771 à Real Fábrica das Sedas. O mestre era um tal João

Gonçalves...”93

, ainda outra manufatura de tapeçarias em Tavira que embora tenha tido uma

vida curta, os estudos historiográficos têm-lhe atribuído muita importância. “Entre a fundação e

a extinção da unidade fabril medeia o exíguo espaço de três anos.”94

Em contrapartida, muito

aguardou (dois anos) pela autorização de funcionamento.

Com o desaparecimento do Rei D. José I o regime alterou-se completamente. O Marquês demitiu-se,

foi processado e mandado afastar da Corte. Iniciou-se o período a que chamaram “Viradeira” (...). (...)

não só se alteraram as chefias politicas como ainda as (...) instituições.”95

Em poucos anos a organização da indústria portuguesa, que dava os primeiros passos,

passou por muitas alterações.

Entre 1777 e 1788, além de mudarem de tutela, agora a Real Junta de Administração das Fábricas do

Reino e Águas Livres, as manufaturas das fábricas reais de Lisboa a Portalegre e Chacim conheceram “...

a privatização da administração das fábricas reais, com privilégios, por um período de 10 anos, de que

sobressaem as da Covilhã.”96

Depois de 1788 e até 1820, o organismo que administrava a atividade industrial era a

Real Junta do Comércio, Agricultura, Navegação e Fábricas. Entre estas mudanças, encontra-

se a falência da Real Fábrica das Sedas (extinta em 1833), falência que teve origem nos atrasos

dos pagamentos por parte do paço e do patriarcado, ainda a alterações que se relacionam com os

clientes e novas preferências. A ida da familia real para o Brasil (1807), colocou esta colónia

com estatuto comercial igual ao da metrópole, sendo agora preferidas as casimiras97

e tecidos

leves de algodão 98

.

Se em Portugal a estamparia entrou tarde, não tardou que se difundisse em larga escala,

...em 1788 havia já 18 fábricas de chitas e a posição mais flexível da Junta do Comércio, (...) de que a

propagação desse tipo de fábricas ainda não era excessiva, (...). Conformando-se com o parecer da Junta,

a rainha concedeu, por 20 anos, a todas as estamparias que obtivessem provisão as mesmas graças já

atribuídas à fábrica de Azeitão. Por isso, na década de 1790 verifica-se autenticamente aquilo que um

93 MESQUITA, João Carlos Vilhena – O Marquês de Pombal e o Algarve: Fábrica de Tapeçarias de Tavira. Tavira : Câmara Municipal de

Tavira, 1999, p. 23.

94 Id p. 45.

95 Ibid, p. 46.

96 PINHEIRO, Elisa Calado - A Covilhã: uma paisagem cultural evolutiva. Algumas notas sobre…,, p. 8.

97 Casimira é um termo genérico para alguns tecidos de lã, ou lã e poliéster, e que usam ligamento em sarja, possuindo trama fechada e sendo

geralmente usados na confeção de fatos, saias, tailleurs etc.

98 SANTOS, Celso Francisco dos Santos – João Maria Policarpo May..., pp. 207-208.

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negociante português mais tarde haveria de chamar «hum frenezim com estabelecimentos de fábricas de

estamparia», ultrapassando as cinco dezenas as provisões passadas entre 1788 e 1800. 99

Embora as fábricas têxteis contassem, muitas delas, com os setores de fiação e de

tecelagem além do setor dos acabamentos, rapidamente, muitas abandonaram a fiação e a

tecelagem dado que eram processos que se mostravam mais morosos e que deixavam menos

lucros, no final do século, dedicavam-se, em exclusivo, à “... estampagem das fazendas brancas

de Bengala. Não se exercia qualquer fiscalização sobre o cumprimento da obrigação de manter

teares em funcionamento.”100

A única unidade produtiva que parecia ter condições para o

fornecimento de panos para estampar era a Real Fábrica de Lençaria de Alcobaça cujos

proprietários pediam, em 1796, a proibição da entrada no reino de tecidos de algodão

estrangeiros. Face a esta divergência, estamparia por um lado e fiação e tecelagem por outro,

“...foi promulgado o Alvará de 27 de Abril de 1797 pelo qual se reduziam as isenções de

direitos apenas aos panos estampados sobre fazendas brancas nacionais. Incluíam-se nesta

definição as que viessem de Goa, Damão e Diu...”101

Ainda os esforços para afastar os panos de

Bengala não estavam solidificados, nem a indústria da tecelagem estava suficientemente

desenvolvida, o país vê-se a braços com situações políticas e económicas que tiveram

repercussões na indústria da tecelagem. Uma vez que, de onde se tinha operado a Primeira

Revolução Industrial (Inglaterra), começaram a chegar panos de boa qualidade e a preço muito

concorrencial, a indústria da tecelagem em Portugal foi apresentado uma tendência para a não

modernização – não adquirindo teares e outra maquinaria necessária.

A instabilidade vivida nos inícios do século XIX, decorrente de acontecimentos como as invasões

francesas (1807-1810), o tratado de comércio de 1810, com a Inglaterra, que liberalizou a entrada de

tecidos ingleses, e as lutas liberais, teve repercussões directas na desorganização e na crise da indústria

nacional, com particular incidência na Covilhã, onde diversas fábricas encerraram. Alguns industriais

covilhanenses viram-se forçados a partir para o estrangeiro, tendo contactado em Inglaterra e na França

com os novos processos e equipamentos industriais que viriam, posteriormente, a aplicar na Covilhã,

como é o caso de António Correia Gomes e de José Mendes Veiga. A eles se deve um novo surto

99 PEDREIRA, Jorge Miguel – Indústria e Negócio: A Estamparia da Região de Lisboa, 1780-1880…, p. 542-543.

100 Id, 543.

101 Ibid.

Fig. 5 – Chita de Alcobaça,

Séc. XIX, fotografia

pessoal (FP).

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industrializador motivado pelas inovações técnicas introduzidas, que motivaram o primeiro levantamento

ludita verificado na Covilhã e que terá envolvido cerca de setecentos operários, entre 1845 e 1846.102

2.2.2. A(s) Tapeçaria(s)

A opção pela cidade de Tavira deveu-se a uma visita efectuada por Mergoux, entre 1771 e 1772, que,

provavelmente, após ter observado outros portos do litoral preferiu o da foz do Gilão, tanto pelas suas

condições naturais, como ainda pelo baixo custo de vida.103

O embaixador português em França, D. Vicente de Sousa Coutinho (1726-1792), em

1773, num ofício dirigido ao Ministro do Reino mencionava que um tapeceiro da manufatura

dos Gobelins desejava estabelecer-se em Portugal. Este tapeceiro com o nome de Pedro

Leonardo Mergoux104

associou-se ao tavirense Teotónio Pedro Heitor, juntos solicitaram

autorização para estabelecer em Tavira ou em qualquer outra localidade do Algarve “... uma

fábrica de tapeçaria de lã, seda e algodão, no género das que se importavam da Europa e da

Ásia.”105

Não deixa de ser curioso o facto desta manufatura de tapeçarias se instalar em Portugal na

época em que a tapeçaria deixava de ser considerada como antes. Segundo Maria José de

Mendonça (1952), esta arte em França chegava ao fim no século XVIII, tendo sido o período da

Revolução (1789-1799) particularmente difícil porque havia dificuldades económicas que se

refletiam ao nível artístico, mas na verdade, as manufaturas dos Gobelins já vinham mostrando

alterações desde a primeira metade do século. Jean-Baptiste Oudry (1686-1755)106

, em 1734, foi

nomeado diretor da manufatura de tapetes de Beauvais e a partir de 1736 dirigia também, a

manufatura dos Gobelins, tornando-se professor desta instituição em 1743. Este pintor

introduziu novidades no modo de tecer, inovações que impunham aos tapeceiros a imitação dos

tons conseguidos na pintura a óleo.

Quando desapareceu a geração dos Boucher, dos Natoire, dos Coypel e de tantos outros artistas

excelentes que trabalharam nas manufacturas reais e pintores de categoria secundária começaram a

fornecer cartões para as oficinas, de alto e baixo liço, a tapeçaria deixou de ser uma arte.

A decadência prolonga-se durante o século XIX (...).

102 PINHEIRO, Elisa Calado - A Covilhã: uma paisagem cultural evolutiva. Algumas notas …, p. 9.

103 MESQUITA, João Carlos Vilhena – O Marquês de Pombal e o Algarve: Fábrica de Tapeçarias …, p. 30.

104 Pensa-se que tenha nascido em Aubusson onde talvez tenha aprendido a arte da tapeçaria. Quando foi para Tavira (Rua do Mal-Foro) estava

casado com a francesa Maria Corneli. Depois da falência da fábrica o casal fixou-se na freguesia de Luz de Tavira (Sítio da Igreja) onde se dedicou à

exploração agrícola.

105 Id, p. 25.

106 Pintor e gravador francês que deu resposta a encomendas dos reis Luís XIV e Luís XV. Pintou naturezas-mortas, fez paisagens, representações de

animais, cenas de caça e vistas de cidades e com 275 desenhos, ilustrou as Fábulas de La Fontaine. Por volta de 1720, foi atraído por uma nova

temática, a pintura de animais, caçadas e paisagens. Foi ainda mestre de um grande pintor da sua época – Jean-Germain Drouais.

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O gosto do particular que ia fornecer-se na velha cidade e centro manufactureiro de Aubusson não

procurava reagir, antes, pelo contrário, mostrava preferência pelas reproduções de obras do século XVIII,

modificadas e desvirtuadas ao sabor do gosto ou das conveniências do cliente. Os falsos Boucher,

Watteau e Lancret contribuíram, diz-nos François Tabard, para falsear o gosto do comprador e afastar

definitivamente o amador de belas-artes esclarecido.107

Embora Aubusson continuasse a ser um centro manufatureiro de tapeçarias, servia agora,

uma clientela burguesa em ascensão que, por não ter ainda um “gosto próprio/educado”,

copiava o gosto que as classes superiores cultivaram em tempos anteriores. “A passagem da arte

dum grupo a outro pode se efetuar em dois sentidos: de alargamento e de restrição social. (...),

quando passa dum grupo estrito a um grupo mais largo108

, (...), que mostra a imitação se fazendo

do superior para o inferior...”109

O grupo dominante, que sempre existiu em cada época, tem um

determinado gosto, quando se fica face à mudança de classe ou grupo dominante as preferências

artísticas vão, igualmente, mudar porque embora, tornando-se imitação haverá introduções e

apropriações próprias do novo grupo ou comunidade. Em arte não se fala de cortes, mas sim de

justaposição, ou seja, quem fazia um determinado tipo de arte, apesar das mudanças, irá

continuar a fazê-lo porque vai haver, igualmente, um grupo de pessoas que, embora aceitando e

até incorporando a mudança, vai continuar a estar ligado à arte que conhecia.

Ao invés de chamarmos “decadência da arte da tapeçaria”, porque não dizermos que a

nova ordem social assente nos ideias burgueses da Revolução Francesa permitia e fazia uso do

bricolage110

? Levando-nos a refletir sobre a importância social e económica, para os produtores

e para os consumidores, da complexa arte da tapeçaria. A tapeçaria mostrava-se um alvo

apetecível e, simultaneamente, capaz de ilustrar e, muito bem, este conceito da segunda metade

do século XX. Para Lévi-Strauss (1908-2009), esta noção do bricolage, aparece por oposição à

invenção que se socorre do conhecimento, pode dizer-se que se trata do conhecimento empírico.

Intelectualmente o individuo socorre-se dos "vários pedaços de empréstimos" o que lhe permite

a criatividade, criando uma nova ordem de conhecimentos e cultura, ou seja, à sua cultura

anterior com o que lhe acrescenta faz com que diga e faça coisas diferentes, não se modifica

totalmente, mas acrescenta novas significações. "A criação consiste num arranjo novo de

elementos anteriores cuja natureza não pode ser modificada. Estes elementos são resíduos,

fragmentos (...), através da operação de bricolage, passarão a constituir um conjunto estruturado

original."111

Roger Bastide (1898-1974), alargou o conceito, a partir da reflexão sobre a

dominação das culturas americanas e africanas, concluindo que, para as culturas que de algum

107 MENDONÇA, Maria José de – Conceitos Actuais de Tapeçaria. Ler. [Em Linha]. N. º 3 (1952). [Consult. Fev. 2013]. MENDONÇA, Maria José

de – Conceitos Actuais de Tapeçaria. Ler. [Em Linha]. N. º 3 (1952). [Consult. Fev. 2013], p. 1 e 9.

108 A titulo de exemplo a lei de Tarde – Les lois de l`imitation, Paris, 1890.

109 BASTIDE, Roger – Arte e Sociedade. (3.ª ed.). São Paulo : Companhia Editora Nacional, 1979, p. 99.

110 A metáfora do Bricolage, inventada por Lévi-Strauss (1962) e usada no contexto da sua teoria do pensamento mítico, contudo, foi Roger Bastide

que mais ampliou este conceito. Para isso contribuiu a edição, em 1970, do artigo Memória colectiva e sociologia do bricolage.

111 Id, p. 109.

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modo sofreram fraturas, o bricolage aparece como "reparador de danos", é algo que aparece

para tentar esquecer o que se perdeu/sofreu e substituir por outras normas, encontrar um novo

conjunto de memórias coletivas e a elas dar novos conjuntos de significações.

Voltando a Tavira, a escolha do local para esta manufatura integra-se na conjuntura

económica e politica que ficou conhecida como a Restauração do Reino do Algarve112

. O

Marquês ordenou verbalmente que a Junta de Comércio reunisse para analisar e dar parecer a

esta petição, o que veio acontecer no dia 9 de junho de 1774. Os empreendedores solicitaram ao

monarca (D. José) “... apoio financeiro, protecção fiscal e privilégios económicos.”113

Premissas

especificadas no texto da petição em nove sumários itens. Depois dos deputados da Junta de

Comércio terem analisado o pedido e as amostras das tapeçarias que os signatários pretendiam

executar

... decidiram não existirem duvidas do seu merecimento. (...). Contudo, discordavam do montante

requerido, (...). Achavam que o mercado neste tipo de manufacturas era pouco ávido e demasiado

concorrencial nos preços, pelo que faltando-lhe a procura (...). (...), aconselhavam o rei a rever os termos

do clausulado n.º 2 da petição de privilégios, pois quanto ao restante nada tinham a objectar.114

Após seis meses, a Junta nada tinha dito quanto à anuência para a implementação desta

unidade produtiva. Quando voltou a reunir concluiu que seria o Rei a resolver se sim se não e,

D. José resolveu que sim. A 9 de setembro de 1776, os sócios celebraram a escritura de

arrendamento da propriedade Horta do Galvão localizada na rua com o mesmo nome. Este sítio

tratava-se de um conjunto de casas para albergar teares onde se iam tecer as tapeçarias de baixo

liço e executar outros trabalhos inerentes ao labor desta arte, tais como a tintagem e o amanho

das lãs e do algodão, ambas atividades que requerem o uso de muita água e solo fértil.

O competente Alvará e as referidas condições foram outorgadas em 31-5-1776, (...). E se as condições

tivessem sido compridas isto é, se lhes tivessem sido abonados os 15 mil cruzados (6 contos de reis), nos

dois anos primaciais e não se lhes tivesse ficado a dever 5 mil cruzados – talvez a fábrica singrasse.115

Segundo a matrícula dos aprendizes, a manufatura iniciou a atividade em fins de 1776,

contudo, só no ano seguinte as instalações estavam totalmente adaptadas. De modo a iniciar os

trabalhos, no primeiro ano (1776), esta investida recebeu seis contos de réis para se equipar e

adquirir matéria-prima e, no seguinte, só recebeu um conto de réis que lhe viabilizou o

arrendamento de mais uma horta para o aproveitamento das tintas. Em 1778, apesar das

dificuldades, Mergoux

112 Escassez do ouro do Brasil, a necessidade de incrementar a produção interna, a modernização do aparelho politico e administrativo, ainda a

urgência de fortalecer a região algarvia de modo a mostrar-se um obstáculo a nova agressão militar por parte de Espanha. Dentro deste âmbito, em Vila

Real de Santo António a industria conserveira atingiu considerável dimensão.

113 MESQUITA, João Carlos Vilhena – O Marquês de Pombal e o Algarve: Fábrica de Tapeçarias…, p. 26.

114 Id, p. 27.

115 Ibid, p. 28.

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... arrendou por 144 mil réis e pelo período de três anos, mais outra fazenda (...). Creio que nessa horta

terá laborado a principal dependência da fábrica.

(...) Podemos imaginar a grandeza, para a época, deste investimento, sobretudo pelos bens e

equipamentos técnicos que o mesmo exigia (...).

O verdadeiro mestre era o francês Mergoux, que controlava todo o desenrolar da produção,

desenhando os motivos alegóricos, seleccionado as cores, tingindo as lãs e ensinando aos jovens

aprendizes os segredos daquela arte:116

Os trabalhos tecidos – tapeçarias – quer fossem desenho de arquiteturas, motivos florais

ou desenhos de figuras, eram consideradas de bom gosto que imitavam os modelos com muito

rigor. As cores eram bem escolhidas e conseguidas por Mergoux, excelente tintureiro que

interpretava o desenho na perfeição. Este mestre precisava de ter tido ao seu lado outro

profissional do ofício da tapeçaria, dado que, o sócio português não se mostrava munido de

competências para a profissão. A oficina dispunha de três teares, estando assim subaproveitada,

na medida em que, em dois deles podiam trabalhar oito pessoas.

... os teares deveriam ser de grande porte e do mais moderno que se conhecia – talvez importados de

França – visto comportarem o trabalho de quatro homens em simultâneo (...) para o aumento da produção

urgia elevar o numero de aprendizes para nove. (...). O empréstimo que fora facultado a Pedro Mergoux

mal chegara para os dispêndios iniciais, arrendamento das instalações e aquisição de equipamentos, pelo

que o acréscimo de aprendizes era de todo inviável.117

Desde o início ao fim da sua vida, a manufatura contou, apenas, com os seis aprendizes

contratados inicialmente. “Nas condições acordadas para o estabelecimento da fábrica contava,

no art.º 3º, que os instituidores – como contrapartida ao subsídio de seis contos – teriam de

empregar pelo menos seis aprendizes.”118

Estes aspirantes a tapeceiros, devido ao prematuro

encerramento da fábrica não concluíram a sua formação profissional. Dois destes formandos

mantiveram-se na profissão ou, apenas, próximo dela, uma vez que o historiador contemporâneo

Acúrsio das Neves (1766-1834) afirmava que em Portugal não se faziam tapeçarias quanto

muito, consertavam-se. Os rapazes completaram

... a sua aprendizagem nas oficinas que transitaram para Mafra. Efectivamente, Acúrsio das Neves

escreveria em 1827 que eles ainda estavam vivos. Pedro Tavares de Brito exercia o cargo e almoxarife do

Palácio de Mafra e possuía o título de “Tapeceiro Real da Casa de Bragança”, enquanto José da

Esperança Freire era “Tapeceiro e Fiel do Tesouro do Palácio das Necessidades”.119

Relativamente à questão de que em Portugal não se executaram tapeçarias parece que não

há consenso dado

116 Ibid, p. 36-37.

117 Ibid, p. 39.

118 Ibid, p. 33.

119 Ibid, p. 33.

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... que Sousa Viterbo afirma que em 1920 existia no Palácio de Mafra uma espécie de alcatifa de desenho

geométrico em cuja orla inferior podia ler-se: “P.T. – M.R., 1816” o que significa Pedro Tavares, Mafra

Real, feito em 1816. Por conseguinte o título de tapeceiro da Casa de Bragança não podia ser apenas

honorifico, até porque – (...) – os equipamentos técnicos da fábrica de Tavira foram para Mafra, pois

conforme o estipulado em caso de falência seriam os bens da mesma penhorados pela coroa. E para que

dos teares se extraísse alguma utilidade foram contratados para o Serviço Real os dois principais

aprendizes da oficina tavirense de Pedro Mergoux. Por isso, admitimos que a produção de tapeçarias, de

baixo liço ao estilo Aubusson não se extinguiu definitivamente...120

Segundo o inventário realizado, em 1939, conhecem-se dois exemplares executados na

oficina do Palácio Real de Mafra por Pedro Tavares e outros dois que, cerca de 1779, saíram da

manufatura de Tavira. Uma tapeçaria de grandes dimensões, Jacob Reconhece a Túnica de José

tecida em lã e seda, composição policroma cujos tons predominantes são azul, o esverdeado e o

lilás121

. Denota a clara influência do barroco francês, sendo a sua narrativa

... a passagem do Génesis, cap. XXXVII, vers. 32 e 33, quando os homens enviados pelos filhos de Jacob

lhe mostram a túnica ensanguentada de José.

À direita encontram-se três homens, um dos quais ajoelhado tendo nas mãos a túnica. À esquerda,

Jacob precedido por uma mulher, reconhece a túnica do filho. Fundo de paisagem. Cercadura larga

formada por uma barra quadriculada entre dois toros, decorada nos ângulos, ao centro das cabeceiras e

das cercaduras laterais com medalhões.122

A segunda destas tapeçarias, denominada de Tapeçaria com Decoração de Alcatifa

(170x285 cm), “... fundo às riscas (...) vê-se ao centro, um florão formado por fôlhas de acanto

entrelaçadas com volutas e, nos ângulos, medalhões ovais, rematando num ornato em forma de

flôr de liz. Barra às riscas (...), ornamentada com rosáceas, volutas e fôlhas de acanto.”124

120 Ibid, p. 34-35.

121 MENDONÇA, Maria José de – Inventário de Tapeçarias Existentes em Museus e…, p. 36-37 e 64-67.

122 Id, 64.

123 MESQUITA, Carlos Vilhena – Tavira, o Marquês de Pombal e a fábrica de tapeçarias. [Em linha]. Algarve: Câmara Municipal de Tavira, 2006. .

[Consult. 24 setembro, 2015]. Disponível em 108-121 P. 115 https://sapientia.ualg.pt/handle/10400.1/4439 ISBN 972-8705-10-7.

124 MENDONÇA, Maria José de – Inventário de Tapeçarias Existentes em Museus e …, p. 36.

Fig. 6 – Jacob

Reconhece a Túnica

de José (362x449

cm), Museu Nacional

de Arte Antiga123

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Aquando do encerramento da manufatura de tapeçarias de Tavira (1780), o Ajudante

Superintendente das Alfandegas (José Viegas de Andrade), escreveu ao Ministro do Reino para

dar conhecimento do mesmo e expressou a sua opinião no sentido de

... que não se devia deixar morrer aquela industria, porque desde o terramoto que a Família Real estava a

adquirir novas tapeçarias para os seus palácios e como as que se fabricavam em Tavira eram de bom

gosto, qualidade e baixo preço, talvez se pudesse assegurar a sua subsistência através de encomendas da

Casa Real que servissem de exemplo às principais famílias do reino:.125

Apelo que de nada serviu, uma vez que o governo de D. Maria I (1777-1816), apenas, se

interessou pelas “... grandes unidades manufactureiras radicadas nas grandes cidades do país, e

em especial na capital.”126

125 MESQUITA, João Carlos Vilhena – O Marquês de Pombal e o Algarve: Fábrica de Tapeçarias…, p. 49-50.

126 Id, p. 50.

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II ENTRE O CLASSICISMO E A MODERNIDADE

1. NOVAS CONCEÇÕES PEDAGÓGICAS E AS PROFISSÕES TÊXTEIS

1.1. Ensino Liceal, Ensino Corporativo e Escolas Fábricas

O conceito de ensino liceal, como anteriormente referido, remonta à Aula de Comércio

(1759-1844)127

, contudo, os liceus só vieram a ser criados, em 1836128

, por Manuel da Silva

Passos (1801-1862)129

. Pelo Decreto de 7 de maio, em 1834 foram extintas as Corporações de

Artes e Ofícios, organizações que, há muito, vinham assegurando o ensino e a avaliação

(exames) para os praticantes das diferentes profissões. Tomando como referência o

Conservatoire des Arts et Métiers de Paris, foi criado em 1386, o Conservatório de Artes e

Ofícios de Lisboa (no ano seguinte o do Porto), instituição que em 1844 foi integrada na Escola

Politécnica de Lisboa, fundada em 1837130

. Passos Manuel muito fez pela educação contudo,

dado que as corporações de profissionais foram extintas e não houve, de imediato, alternativa

governamental para a formação profissional, uma vez que o liceu se destinava às elites que

prosseguiriam estudos universitários, ficou um hiato que Fontes Pereira de Melo (1849-1907)131

enquanto Ministro das Obras Publicas, tentou colmatar.

A oficialização do ensino técnico e industrial, em 1852, por Fontes Pereira de Melo, conduzirá, em

1864, à criação da Escola Industrial da Covilhã e, por não ter sido concretizada, nesta data, à sua

refundação, em 1884, na sequência da qual teve início o seu funcionamento, de grande impacto para a

qualificação dos recursos humanos aplicados na indústria.132

António Augusto Aguiar (1838-1887) e Hintze Ribeiro (1849-1907), respetivamente,

ministros das Obras Públicas e da Instrução Pública, deram um grande contributo à formação

profissional criando as Escolas Industriais e as Escolas de Desenho Industrial. A escola na Covilhã

denominada de Escola Industrial Campos Melo, inaugurou a 16 de Dezembro de 1884133

. Ficando

na história como a primeira destas “novas” escolas industriais a entrar em funcionamento,

embora a primeira, com um atraso de vinte anos se tivermos em conta o seu decreto fundador de

1864. Dado o desenvolvimento industrial da Covilhã, não é de estranhar que se tenha projetado

esta como sendo a primeira escola industrial do país.

127 Primeiro estabelecimento governamental (gratuito) para o ensino da contabilidade.

128 Em 1939, abriu em Lisboa o primeiro liceu e em 1906, foi criado o primeiro liceu feminino do país, de novo em Lisboa – Liceu Maria Pia.

129 Mais conhecido como o liberal e reformador Passos Manuel. Passos Manuel acreditava que o progresso se encontrava aliado à educação e que, as

sociedades pós revoluções francesa e industrial, teriam de capacitar os seus cidadãos para as novas demandas laborais.

130 http://arquivohistorico.min-economia.pt/arquivohistorico/details?id=510

131 Politico do período da Regeneração.

132 PINHEIRO, Elisa Calado - A Covilhã: uma paisagem cultural evolutiva. Algumas notas …, p. 9.

133 ESCOLA SECUNDÁRIA CAMPOS MELO – Escola Secundária Campos Melo: Projeto Educativo 2010/2014. [Em linha]. Covilhã : Escola

Secundária Campos melo, 2010, p. 26.

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Em 1870, a elevação da Covilhã a cidade era justificada, na carta régia de D. Luís I, de 20 de

Outubro, pela relevância que alcançara a sua indústria de lanifícios. Esta continuará a desenvolver-se nos

finais do séc. XIX e primeira metade do séc. XX. O Inquérito Industrial de 1890 registava 670

“estabelecimentos, oficinas ou casas de trabalho” das quais 577 eram de pequena indústria e 93 eram

consideradas fábricas. Era a manutenção de uma estrutura industrial segmentada, como Miriam Halpern

Pereira a classifica, com raízes num tempo longo (...). Assistiu-se então à acentuada industrialização da

paisagem.134

Fig. 7 – Tear de Maquineta, cerca

de 1870. Em madeira com as

seguintes dimensões: Altura 410

cm; largura 172 cm;

comprimento 281 cm.

Foi usado, entre, 1920 e 1950,

pela Sociedade Industrial Peres e

Companhia, Lda., em Lisboa

(Alcântara).

Doado ao Museu Nacional do

Traje por Pietro Prosérpio.

(N.º de Inventário: 3876)135.

A Escola Industrial da Covilhã estava vocacionada para o ensino da tinturaria, iniciou as suas

atividades, lecionando a Disciplina de Desenho Industrial. “O plano de estudos (curso bienal)

compunha-se ainda de (...): Aritmética, Geometria e Contabilidade (...) e Química Industrial

(…), ambas leccionadas pelo Director enquanto Manuel Morais Júnior, (...), leccionava

Desenho.”136

A este diminuto programa curricular Emídio Navarro (1844-1905), em 1886,

acrescentou a disciplina de Língua Francesa. A escola ministrava ainda cursos complementares.

Inicialmente, ensinando a sessenta e cinco alunos matriculados, desses quatro (6,1%) eram do sexo

feminino. Contava ainda com mais quinze pessoas a frequentarem as aulas como alunos

extraordinários. Ainda em 1885

... a Escola já se encontrava a funcionar em novas instalações, cedidas pela Câmara Municipal. Quatro

anos depois (1889), o quadro da Escola Industrial Campos Melo já comportava vários professores, com

destaque para o alemão Wustner, que leccionava a disciplina de Desenho Industrial Mecânico, e o suíço

Martin Kuratlé, que dirigia o Curso de Tecelagem.

Em 1891, João Franco organiza o Ensino Industrial e Comercial e completa o quadro do Ensino

Técnico com diversas Oficinas que, no entanto, não entram em laboração plena e em 1896, são criados os

Lavores Femininos.

A Escola vive até 1897 o seu primeiro período áureo, com um número de alunos sempre crescente até

quase atingir as duas centenas. No entanto, um Decreto datado de 14 de Dezembro de 1897, assinado por

António José da Cunha, ao dar uma nova organização no ensino industrial, criando um ensino mais

genérico, teórico e subvalorizando a componente prática, vem afastar muitos alunos da Escola, que

134 PINHEIRO, Elisa Calado - A Covilhã: uma paisagem cultural evolutiva. Algumas notas …, p. 10.

135 http://www.matriznet.imc-ip.pt/Matriznet/objectos/objectosConsultar.aspx?IdReg=73920

136 http://www.camposmelo.pt/index.php/a-escm/54-a-escola/61-historia

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conhecerá um longo período de estagnação, e frequência inferior a cem alunos até praticamente ao início

dos anos 20 do século XX.”137

O ensino das artes industriais estava em revisão, o sistema dual começava a ser abandonado

na Europa, excetuando a Bélgica e a Alemanha porque a aprendizagem nas fábricas perturbava

muito a fabricação e, consequentemente verificava-se um aumento importante no preço da

produção, passando a fazer-se o ensino nas escolas, por vezes, transformando-as em verdadeiras

fábricas. Solução mais cara que se traduzia em menos escolas. A tecnologia adquirida para as

escolas era dificilmente renovada, tornando obsoleto o ensino prático ministrado. Este modelo

de ensino industrial foi sempre, criticado. Na “... Grã-Bretanha (...) tinha sido criado o

Departamento of Science and Art, com o objetivo principal de desenvolver e articular a

educação técnica e artística com o conhecimento científico.”138

O inspetor escolar António Arroio (1856-1934)139

(Fig. 8), chamava a estes estabelecimentos

de ensino de escolas fábricas que, em 1893, estavam em numero de vinte e três porque, por

decreto as Escolas de Desenho Industrial juntaram-se com as Escolas Industriais, união que só

veio a durar cinco anos. Estas escolas espalhadas por todo o país permitiam aceder a trinta e quatro

profissões140

, destas, apenas, seis (17,6%) se relacionavam com os têxteis (modista, rendeira,

bordadeira, costureira, tintureiro e tecelão). Quanto à captação dos professores, não aconteceu

com simplicidade. Os esforços do século anterior e, do início de dezanove para fixar

profissionais estrangeiros, também com o objetivo de que transmitissem o seu saber de modo a

capacitar portugueses para as profissões e para a prática pedagógica das mesmas, não se

cumpriram. O país continuava com falta de profissionais qualificados que pudessem assumir o

ensino das práticas oficinais. Face a esta carência, a legislação portuguesa foi permitindo a

contratação de professores estrangeiros141

que vieram em grande número. No fim da década de

1880, entre estes imigrantes encontravam-se o pintor-restaurador Silvestro Silvestri de vinte e

nove anos, o desenhador de máquinas, arquitetura e ornato Cesare Janz de vinte e seis anos e

Leopoldo Battistini (1865-1936) (Fig. 9), pintor ceramista que foi professor de desenho

técnico142

.

137 ESCOLA SECUNDÁRIA CAMPOS MELO – Escola Secundária Campos Melo: Projeto Educativo..., p. 26.

138 CAETANO, Francisco Manuel Perfeito dos Santos – O Ensino Técnico Artístico no Porto Durante o Estado Novo: 1948 – 1973. Porto :

Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 2009. Dissertação de Mestrado, p. 60.

139 Engenheiro, político, crítico de arte e professor. Foi autor de obras sobre literatura, música e artes plásticas. Destacou-se como promotor em

Portugal do ensino técnico e das artes aplicadas.

140 Desenhador Industrial, Pintor Decorativo, Escultor Decorativo, Pintor cerâmico, modista, rendeira, bordadeira, costureira, Tintureiro, tecelão,

abridor de metais, florista, lavrante de coiro, serralheiro civil, ourives cinzelador, formador, estucador, entalhador, encadernador, oleiro e louceiro

formista, carpinteiro de machado, canteiro, marceneiro, carpinteiro civil, poleeiro, carpinteiro mecânico, serralheiro mecânico, condutor de maquinas,

fabricante de instrumentos de precisão, fundidor, cuteleiro, curtidor.

141 Eram contratados através de concursos nas delegações de Portugal em Berlim, Berna, Bruxelas, Paris, Roma e Viena.

142 ALVES, Luís Alberto Marques – Os Professores e o Ensino Industrial na Segunda Metade do Século XIX. [Em linha]. Porto : Faculdade de Letras da

Universidade do Porto, 2004., p. 139-140,

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1.1.1. Antecedentes da Escola de Artes Decorativas Soares dos Reis

A escola precursora da Escola de Artes Decorativas Soares dos Reis (EADSR) foi a

Escola Faria de Guimarães (EFG), tal como a sua congénere da Covilhã, foi criada pelo

Decreto de 1884 mas porque, de imediato não se encontraram instalações, iniciou a sua

atividade numa casa de habitação (Campo 24 de Agosto) a 12 de janeiro de 1885. Escola que

“... foi sendo equipada, desde a sua fundação, com diverso material de ensino, a maior parte

dele encomendado no estrangeiro (Alemanha, Inglaterra, França, entre outros países).”145

Quanto à sua população estudantil, inicialmente, contou com cento e quarenta e quatro

alunos do sexo masculino a quem lecionava, apenas, a Aula de Desenho. Os alunos repartiam-se

pela aprendizagem do Desenho no grau Elementar ou Geral com duração de dois anos que era

lecionado em regime diurno, destinando-se a rapazes até aos doze anos (idade inferior à entrada

para a aprendizagem de uma profissão). O grau Industrial ou Especial que se dividia em

Ornamental, Arquitetura e Mecânico, igualmente com a duração de dois anos, tinha como

público-alvo os aprendizes ou operários das indústrias da região que o frequentavam em regime

noturno. As instalações eram manifestamente insuficientes, a 1 de outubro de 1887 (com a

presença do Rei D. Luís I) foi lançada a primeira pedra para o futuro edifício escolar do Bonfim.

Edifício que depois de construído veio a ter outro destino foi o Asilo das Raparigas

Abandonadas146

.

Em Portugal a implementação das Escolas de Desenho Industrial pretendia aliar os

conceitos de Desenho e Artes Aplicadas, conceito tão em voga na Europa industrializada, sendo

a EFG uma das escolas que protagonizou o conceito em Portugal. Entre 1891 e 1893, a EFG

passou a denominar-se de Escola Industrial Faria de Guimarães (EIFG) e integrou a disciplina

143 http://www.antonioarroio.pt/about/

144 http://mfls.blogs.sapo.pt/tag/leopoldo+battistini

145 LOBO, Maria Natália de Magalhães Moreira – O Ensino das Artes Aplicadas (ourivesaria e talha) na Escola Faria Guimarães de 1884 a

1948: Reflexo no Desenvolvimento Artístico da Cidade do Porto. Porto : Faculdade de Letras da Universidade do Porto. 1998. Dissertação de

Mestrado, p. 112.

146 CAETANO, Francisco Manuel Perfeito dos Santos – O Ensino Técnico Artístico no Porto..., p. 60-62.

Fig. 8 – Inspetor António

Arroio, retratado pelo

mestre e pintor António

Cândido143; Fig. 9 –

Leopoldo Battistini (1865-

1936), retrato de Carlos

Reis (1863-1940)144.

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de Desenho Industrial. Esta “nova escola” tornava o Desenho Geral Elementar acessível a

crianças, como hoje se diz pré-adolescentes (10/12 anos) de ambos os sexos. O seu ensino

continuou a ser ministrado em regime diurno e a ter a duração de dois anos. Ministrava o curso

de Desenho e Trabalhos Manuais e os Cursos Industriais em número de quatro147

, apenas um era

dedicado ao têxtil – o curso de Tecelão. Passados quatro anos (1897), um Decreto veio unificar

a legislação referente ao ensino técnico. A escola sofreu nova reestruturação passando a dedicar-

se, em exclusivo, ao ensino do Desenho, passando a denominar-se de Escola de Desenho

Industrial Faria de Guimarães (EDIFG). Com a Duração de dois anos o Curso Geral ensinava o

Desenho Elementar e o Curso Especial com a duração de três anos tinha as disciplinas de

Desenho Ornamental e de Modelação.

Com a entrada no novo século, a partir de 1901, pelo Decreto de 24 de Dezembro, a

escola passou a ministrar, apenas, Desenho Industrial, curso com a duração de cinco anos que

contava com três disciplinas, Desenho Geral Elementar, Desenho Ornamental e Trabalhos

Oficinais. A carga horária semanal e os programas eram os que tinham sido aprovados em

1893148

. Sem condições a EDIFG assegurou

... um ensino profissional e artístico que desse resposta à crescente industrialização do país,

principalmente na região Norte e particularmente no Porto, que nos finais do século XIX contava já com

um conjunto importante de industrias e, para retribuir à procura e ao gosto de uma burguesia endinheirada

ligada ao rápido progresso industrial do Norte.149

Após a separação, em 1897, entre Escolas de Desenho Industrial e Escolas Industriais, as

últimas, ficaram em número de doze. Assim estava o panorama do ensino industrial aquando da

implantação da República (1910).

1.2 Belas-Artes

Quanto ao ensino das Belas-Artes, a cidade de Lisboa contava com duas instituições, no

antigo convento de S. Francisco (século XIII), a Escola de Belas-Artes de Lisboa (1911) que

teve origem na Academia Real de Belas-Artes (1862), antes denominada de Academia de Belas

Artes (1836), cuja herança remonta à Aula de Risco criada em 1594 por Filipe II150

. A outra, a

mais antiga instituição na esfera artística ligada ao cooperativismo e/ou associativismo, é a

Sociedade Promotora de Belas Artes (SPBA), pensada desde 1853 e aprovados os seus estatutos

em 1860. O trabalho que desenvolveu nos vinte anos seguintes foi sendo considerado de muita

qualidade, traduzindo-se num poder de influência nos diferentes domínios artísticos de todo o

147 De Pintor Decorador, de Formador e de Estucador.

148 Id, p. 61-62.

149 Ibid, p. 59.

150 MOURA, Maria Helena Castel-Branco Lisboa Barata – As Academias e Escolas de Belas Artes e ...

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país. A fundação do Grupo do Leão (1881) que agrupava gente nova e que tinha vindo dos

grandes centros de cultura da Europa e, dez anos depois, a fundação do Grémio Artístico (GA)

(1891) provocaram abrandamento na dinâmica da SPBA, a título de exemplo refere-se que,

entre 1884 e 1887, apenas se realizaram duas exposições. A ação destes novos grupos culturais

levou a que a SPBA se tentasse renovar mas parecia demasiado arreigada às suas tradições

pictóricas e feitos do passado. Em 1899 os seus dirigentes resolvem juntar-se ao GA. Resolução

confirmada pela Assembleia Geral de 17 de março de 1900 e noutras assembleias gerais

conjuntas SPBA/GA, reuniões que acabaram por resultar, em 26 de janeiro de 1901, na

fundação da Sociedade Nacional de Belas Artes (SNBA)151

.

Fig. 10 – Edificio Sede da Sociedade Nacional de Belas-Artes (1913)152 na Rua Barata Salgueiro n.º 36 em Lisboa;

Fig. 11 – Escola de Belas Artes no Largo Nacional das Belas Artes em Lisboa, foto de Joshua Benoliel (1873-

1932)153.

1.3. Contributos de uma Discípula de Columbano Bordalo Pinheiro

Clementina Carneiro de Moura (1898-1992) foi uma pintora que se interessou pelo estudo

dos têxteis, entre os anos de 1917 e 1992, erigiu uma vasta obra que se reparte entre a pintura e

a arte têxtil, esta última, inclusivamente ao nível do ensino. Fez recolha e publicações sobre

bordados e rendas portuguesas, foi pioneira quanto ao levantamento deste património nacional

porque tinha a preocupação de não deixar morrer estas artes. Muito investigou, escreveu e

executou patchwork (colchas), bem como peças de bragal e de vestuário. A sua produção

artística, essencialmente, destinou-se ao uso doméstico, para ofertar familiares e amigos, no

entanto, uma vez ou outra, vendeu o seu trabalho. Sendo o longo período de cinquenta anos –

entre 1920 e 1975 –, referido por Isabel Manta (1952), como o de maior significado. Os últimos

anos da sua vida foram dedicados ao patchwork, realizou painéis e mais de sessenta colchas.

151

TAVARES, Cristina – A Sociedade Nacional de Belas Artes: um século de história e de arte. Lisboa: 2006. ISBN 9789892003399.

152 http://www.snba.pt/36.html

153 http://aps-ruasdelisboacomhistria.blogspot.pt/2012_04_01_archive.html

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... tendo criado peças de enorme valor estético e técnico. As maquetas dos desenhos para a estrutura das

colchas eram geométricas e traçadas rigorosamente, sendo depois definidas as cores e pintadas a lápis de

cor. Uma vez escolhidos os tecidos, era composta e realizada a obra, toda ela cozida à mão, sem o auxílio

da máquina de costura.154

O pai era um advogado que foi professor da Escola Superior Colonial, deputado pelo Partido

Regenerador e Senador, marido de uma jovem que saiu do colégio de freiras para se casar,

Clementina foi a quarta dos cinco filhos do casal. Viveu com uns tios entre Chaves, Vidago e o

Barreiro, até aos dez anos, altura em que veio para casa dos pais em Lisboa para frequentar a

Escola Nossa Senhora das Dores, colégio frequentado por “meninas de família” onde aprendeu

música, tocava violino e piano.

Em 1914, houve um aumento da população feminina a frequentar o ensino liceal, motivo

porque foram criadas duas secções liceais femininas, uma no Porto e outra em Coimbra, que

tinham como modelo o Liceu Maria Pia de Lisboa156

. Neste mesmo ano (1914) Clementina

Carneiro de Moura com quinze anos de idade, iniciou o curso de pintura na Escola de Belas-

Artes de Lisboa (EBAL), onde foi “... colega de Sara Afonso (1894-1983) e aluna de

Columbano Bordalo Pinheiro (1857-1925)”.157

Nas últimas décadas de vida, aquela que se tornava mais conhecida como “a mulher de Almada” do

que a pintora Sara Afonso, tal como surgira com respeito nos anos 20, dedicava-se a uma obstinada

154 MANTA, Isabel Ribeiro – A Obra de Clementina Carneiro de Moura. Volume I. Lisboa : Universidade Lusíada, 1999. Dissertação de

Mestrado, p. 47.

155 PEDRO, Maria João Gomes – Sara Afonso: Vida e Obra. Volume II. Lisboa : Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa 2004.

Dissertação de Mestrado, p. 50.

156 http://www.educ.fc.ul.pt/docentes/opombo/hfe/lugares/osantigosliceu/newpage1.htm

157 MANTA, Isabel Ribeiro – A Obra de Clementina…, p. 11.

Fig. 12 – Abel Manta, Clementina Carneiro de Moura; Fig. 13 – Clementina Carneiro de Moura, Sem título,

1960; Fig. 14 – Sara Afonso, Sereia, “Tapeçaria de Portalegre”, 1958155.

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produção de bordado e tricot (produzira, contudo, uma assinalável quantidade de ilustrações para livros

infantis…), como que para esquecer o cantinho que lhe fora retirado para praticar a sua pintura.158

Maria Clementina e Sara foram alunas beneficiárias da

... reforma do ensino trazida pela República, a principal novidade foi a substituição do antigo Curso Geral

do Desenho por um Curso Preparatório dos Cursos Especiais de Arquitectura, Escultura e Pintura. A

partir de então passa-se também a exigir a certidão de exame de instrução primária superior como

condição de acesso à escola.159

No ano letivo em que estas alunas entraram na EBAL, curiosamente, foi o ano em que a

escola (por decreto de 6 de agosto) introduziu “... um curso de indumentária e a Cadeira de

Pintura Cenográfica.”160

Maria Clementina frequentava, também, um curso noturno na SNBA,

onde se preparava para um exame de Modelo Nu Desenhado. Tendo obtido sucesso nessa prova,

avançou um ano na EBAL, passando para o Curso Especial, curso que acabou com vinte e um

anos e em que obteve o Prémio de Melhor Aluno desse ano letivo (1919/1920).

Com o objetivo de engrandecer a educação artística da progenitora, ainda em 1920, o

advogado levou a filha para Paris. Cidade onde eram esperados pelo pintor Abel Manta (1888-

1982) que, sete anos mais tarde (1927), se tornou no marido da jovem artista portuguesa que

passou por Paris161

. Viagem e estada que, de certo modo, anunciava um gosto pelas viagens que

veio a fazer ao longo de toda a sua vida, quer por Portugal quer pela Europa, com o fim de ver

artes plásticas e também para fazer recolhas relacionadas com a arte têxtil.

Em 1947, a pintora que vinha sendo professora do Ensino Técnico desde 1923, realizou com

mais duas colegas – Maria de Sousa e Silva e Alexandrina Pires Chaves – a maioria, dos cem

desenhos – “retratos de mulheres famosas” – Desde o Século XVII, obviamente, a incidência

maior fez-se sentir no século XX – para a Exposição de Livros Escritos por Mulheres,

exposição organizada pelo Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas (CNMP) que teve

lugar na SNBA. “É a primeira vez que em Portugal e talvez no mundo se realiza uma exposição

destinada a reunir livros escritos por mulheres de todos os países, numa demonstração total da

colaboração da mulher no domínio intelectual da vida humana.”162

Participaram trabalhos de

mulheres de vinte e nove países, algumas concorrentes, participaram com mais que uma obra,

tendo sido o número de obras literárias próximo dos mil e quinhentos163

: “... a presente

158 DIAS, Fernando Rosa – A construção da arte moderna portuguesa em voz feminina. In CRUZEIRO, Cristina Pratas e LOPES Rui Oliveira – “Arte e Género:

Mulheres e Criação Artística”. Lisboa : Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa/CIEBA, 2012. ISBN 978-989-8300-40-9. p. 82-84.

159 CALADO, Margarida e FERRÃO, Hugo – Da Academia à Faculdade de Belas-Artes. In UNIERSIDADE DE LISBOA – “A Universidade de

Lisboa nos Séculos XIX e XX”. Lisboa : Universidade de Lisboa e Edições Tinta-da-China, 2013. vol. 1. ISBN 9789896711450, p. 1123.

160 Id, p. 1125.

161 MANTA, Isabel Ribeiro – A Obra de Clementina..., p. 11

162 CONSELHO NACIONAL DAS MULHERES PORTUGUESAS – Catálogo da Exposição de Livros Escritos por Mulheres. Lisboa : Sociedade

Nacional de Belas Artes, 1947, p. 5.

163 Id, p. 7-181.

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exposição é um documento profundamente expressivo das possibilidades femininas em todos os

campos da literatura e da Ciência.”164

Este acontecimento que ocorria dois anos antes de ser

editada a obra de Simone de Beauvoir (1908-1986) O Segundo Sexo, revela que em Portugal

havia um grupo de pessoas perfeitamente inteiradas das correntes sociais mais vanguardistas

dos ditos “países avançados”. Este chamar da atenção para as potencialidades intelectuais das

mulheres, pela Policia de Vigilância e Segurança do Estado terá sido considerado subversivo.

Tratou-se do acontecimento que esteve na origem do encerramento do CNMP que contava com

Maria Clementina Carneiro de Moura na direção. Exposição que, quatro décadas depois (1990),

voltou a ser exibida, igualmente, na SNBA165

.

Fig. 15 – Catálogo da Exposição de Livros Escritos por

Mulheres, 1947. Participantes por pais: Alemanha 24;

Argentina 39; Bélgica 19; Brasil 68; Canadá 5; Chile 1;

China 1; Cuba 1; Dinamarca 2; Espanha 18; EUA 208;

Finlândia 1; França 288 (2 destas entradas são de

associações de Mulheres), Grécia 13; Holanda 22;

Hungria 1; India 1; Inglaterra 253; Itália 88; México 4;

Polónia; Portugal 225; República Dominicana 6;

Roménia 10; Rússia 5, Suécia 17, Suíça 153 (1 destas

entradas é da Assoc. Suíça das Mulheres Universitárias),

Turquia 1; Uruguai 2. Perfazendo o número total de

1471 obras expostas.

Clementina Carneiro de Moura respeitou, sempre, as ideias políticas do seu único filho –

João Abel Manta (1928)166

(que em 1947 não se livrou da prisão), muitas vezes, junto da

PIDE/DGS167

foi testemunhar em defesa do filho e dos seus colegas. Factos que nos remetem

para a ideia de que esta artista plástica foi uma silenciosa ativista e militante politica até porque,

junto com Maria Lamas (1893-1983), foi membro da Associação Feminina para a Paz e, na

qualidade de membro do Movimento Democrático das Mulheres (MDM) do qual passou a fazer

parte do Conselho Nacional em 1980, fez algumas intervenções públicas.

A artista plástica que se interessava por têxteis expunha, regularmente, nos Salões da SNBA,

entre 1950 e 1954 fez parte da sua direção, tendo sido a primeira mulher a desempenhar o cargo

de Diretor-suplente (1952). Está representada na coleção da Fundação Calouste Gulbenkian

(FCG) onde participou nas duas primeiras exposições deste importante oásis cultural, no final

da Década do Silencio168

(1957) e no ano em que deflagrou a Guerra Colonial (1961).

164 Ibid, p. 7.

165 MANTA, Isabel Ribeiro – A Obra de Clementina ...., 1999.

166 Fazendo equipa com Alberto Pessoa e Hernâni Gandra, foi responsável por um projeto de edifícios para apartamentos na Avenida Infante Santo

(na Altura Rua Tenente Valadim), obra que, em 1957 lhe trouxe um prémio.

167 Policia Internacional e Defesa do Estado / Direcção-Geral de Segurança

168 GONÇALVES, Rui Mário – A Década do Silêncio: 1951-1969. In PARRINHA, José António Jacinto, VALENTE, Jorge Pulido, CASTANHO, Jorge e outros

(coord.) – “A Arte Portuguesa nos Anos 50”. Lisboa : Fundação Calouste Gulbenkian e Camara Municipal de Beja, 1992. Pp.83-99.

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Investigou com sistematização arte têxtil, essencialmente, bordados e rendas, quer em

Portugal quer no estrangeiro, com destaque para as coleções do Museu Victoria and Albert em

Londres. Escrevendo sobre as rendas de Peniche deu-nos conta de que:

… Maria Augusta Bordalo Pinheiro (1841-1915). Irmã do Pintor Columbano e do desenhador,

caricaturista e ceramista Rafael, explorou uma área que mais se coadunava à sua condição feminina. Foi a

grande impulsionadora das rendas de Peniche, descobridora e divulgadora das tradições das rendas

nacionais, esquecidas em grande parte pelos produtos estrangeiros. (…). As criações de Maria Augusta

são uma síntese entre a arte erudita, a arte popular e a modernidade decorativa de finais do século XIX,

podendo ser entendida como uma das faces da Arte Nova portuguesa. Importante foi ainda a acção

pedagógica de Maria Augusta, primeiro (…) em Peniche, e depois em Lisboa.169

Este conhecimento aprofundado, fez com que os bordados realizados por si e/ou pelas suas

alunas conservassem as características que as bordadeiras tradicionais lhes conferiam e a

inovação estava na adaptação do trabalho tradicional a peças que se destinavam a outras

funções, sendo esta “adaptação erudita” muita vanguardista nos anos de 1920 e 1930. Na sua

geração, nomes como Bernardo Marques (1898-1962), Almada Negreiros (1893-1970), Jorge

Barradas (1894-1971) e outros, interessaram-se por esta redescoberta das artes

tradicionais/populares. “Pode-se dizer que Clementina Carneiro de Moura fez pelas rendas e

bordados, o mesmo tipo de trabalho de levantamento que Fernando Lopes Graça (1906-1994) e

Michel Giacometti (1901-1966) fizeram pela música em Portugal.”170

Ao Longo da década de

1960, publicou uma série de ensaios e obras sobre arte têxtil e o ensino das suas oficinas.

Reformou-se em 1967 e foi agraciada com o Oficialato da Instrução Pública. A sua carreira

docente iniciou em 1923, prolongando-se por trinta e cinco anos, até ao ano da aposentação

(1958). Foi professora efetiva na Escola Industrial Afonso Domingues e na Escola Industrial

Fonseca Benevides (EIFB), antes de ser Diretora das Oficinas na Escola Industrial e Comercial

Josefa de Óbidos (EICJO), tinha assumido a direção das oficinas na Escola Industrial Machado

de Castro171

.

169 DUARTE, Eduardo – O Fio Nas Artes Plásticas. In PIRES, Ana e GARCIA, José Carlos – “Formas e Memórias dos Tecidos, Rendas e Bordados”.

Lisboa : Instituto do Emprego e da Formação Profissional, 2009. ISBN 978-989-638-033-5, .p.311.

170 MANTA, Isabel Ribeiro – A Obra de Clementina ...., p. 45.

171Id.

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1.3.1. Um Manual para o Curso de Formação Feminina

Partindo da experiência pedagógica de trinta e cinco anos, Maria Clementina Carneiro de

Moura, na qualidade de Professora Aposentada do Quinto Grupo da EICJO – escola que se

constituía numa referência –, em 1961, dando resposta à encomenda da Direcção-Geral do

Ensino Técnico Profissional – realizou um manual que se destinava a auxiliar os professores e

mestras que no curso de Formação Feminina lecionavam Desenho e Oficinas. Depois de mais

de dez anos da implementação do curso, não havia um modelo educativo, este manual

denominado de O Desenho e as Oficinas no Curso de Formação Feminina, cuja capa é do

Professor Manuel Maria de Sousa de Calvet de Magalhães (1913-1974), segundo a autora deve

entender-se como um instrumento que veio conferir unidade e sistematização às matérias e

técnicas de modo a que as práticas pedagógicas não dependessem, apenas, de atos de

improvisação desprovidos de conhecimentos técnicos.

Este manual destinava-se aos professores e mestras dos cursos de Formação Feminina de

todo o país. Subjacente estava a preocupação em uniformizar o ensino do desenho e das

oficinas. Mostrar que havia programa com conteúdos para transmitir e fornecer pistas, de modo

a que cada um dos profissionais melhor desempenhasse a sua função. Nomeadamente refere

que, havia na biblioteca da escola onde fora responsável por estas oficinas (EICJO) muita

documentação que os colegas poderiam vir a consultar. Na introdução, a autora adverte para

que, ao contrário do que acontecia no Ciclo Preparatório em que as alunas deviam,

fundamentalmente, ter-se divertido nas disciplinas de desenho e de trabalhos manuais, agora,

iam encontrar estas rúbricas com uma abordagem muito mais complexa e séria porque

O Curso de Formação Feminina tem como finalidade dar às alunas das Escolas Técnicas uma

preparação que lhes permita ingressar nos Cursos de Especialização com a necessária bagagem; prepará-

las para a admissão à Escola do Magistério Primário e Institutos Comerciais e Industriais, ou para aquelas

Fig. 16 – Clementina Carneiro de Moura, Auto-retrato com meu filho, 1930, óleo sobre tela; Fig. 17 –

Bordados Tradicionais de Portugal: Desenhos de Trabalho; Fig. 18 – Clementina Carneiro de Moura,

Sem Titulo, 1961, Centro de Arte Moderna (CAM) da FCG.

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que não pretendam frequentar estes cursos, apetrechá-las devidamente para o desempenho das suas

futuras funções de donas de casa e mães de família.172

Para ajudar a responder a estas premissas, o manual de dimensão entre o formato A4 e o

formato A5 conta com cerca de cento e quarenta páginas. O livro divide-se em duas partes, na

primeira, apresenta e explica os programas das disciplinas de Desenho e de Oficinas para cada

um dos três anos do curso, fornece, ainda, instruções para a elaboração do Exame de Aptidão.

Aborda o conceito de tecnologia e nessa sequência fala das características dos tecidos e dos fios

a usar na costura e bordados. Fala das fibras têxteis (naturais, artificiais e sintéticas), da

tecelagem e dos seus pontos fundamentais (tafetá, sarja e cetim). Aborda a tapeçaria tecida e

bordada, por último, fala das questões ligadas à manutenção das peças, a limpeza e a

conservação. Chegando à conclusão, encontram-se considerações sobre a dimensão humana

exigida aos docentes que se ocupavam destas disciplinas dado que, também iriam lidar com

algumas alunas provenientes de meios socialmente desfavorecidos apresentando vários tipos de

carências e que, na escola deveriam encontrar conforto e ferramentas de modo a melhorarem a

sua condição sócio afetiva. A segunda parte deste livro é uma compilação de imagens a preto e

branco que se prolonga por cerca de setenta e duas páginas. Páginas que se repartem entre

fotografias de trabalhos de alunos, desenhos, demonstração de pontos bordados e de rendas.

A pintora outrora que, entre outras manifestações a favor da igualdade de género,

pertencera à organização de uma exposição sobre as mulheres escritoras, neste manual fazia

igualmente passar a sua mensagem no sentido de que desejava dotar as jovens de fortes

ensinamentos técnicos. Mas, porque estava a responder à encomenda do Estado-Novo, Estado

que instituiu diferentes papéis sociais para o homem e para a mulher, na introdução e na

conclusão deste trabalho, escreveu frases ao gosto de uma sociedade que conferia importância à

mulher no seu papel de mãe e de esposa, valorizada, apenas, como parte integrante da célula

familiar. Encontraram-se elementos que nos levaram a entender que esta imposição social que

atribuía diferentes papéis em função do género, de modo subtil, foi sendo contrariada por

mulheres que pertenciam às classes privilegiadas e tanto o faziam ao Nível do Ensino Formal

como ao Nível do Ensino Não-formal. Porque foi colega de Clementina e porque temos o

depoimento de Maria João Gomes Pedro (1943), vamos falar de Sara Afonso. Maria João que

profissionalmente se dedicou à Educação de Infância e que, com a ida para a reforma acalentou

o seu sonho de juventude indo para as Bela-Artes para frequentar o mestrado em Teorias da

Arte, onde obteve o grau de mestre com a monografia Sara Afonso: Vida e Obra, pedindo-lhe

para avaliar se as mulheres tinham um papel participativo na sociedade portuguesa nas décadas

de 1950, 1960 e até nas anteriores, respondeu-nos:

172 MOURA, Clementina Carneiro de Moura – O Desenho e as Oficinas no Curso de Formação Feminina. Lisboa : Boletim Escolas Técnicas da

Direcção-Geral do Ensino Técnico Profissional, 1961, p.7.

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Claro que sim! A Sara Afonso também deu aulas na Obra das Mães. A Mocidade Portuguesa

organizava cursos não só de culinária, também de bordados (funcionavam na Estrela, em frente da casa

onde vivia Salazar….). Havia transmissão de saber, as pessoas que faziam/davam estes cursos eram muito

cultas e tinham muito nível – com uma formação inteletual muito boa que acabavam por transmitir

mensagens que poderiam pôr as outras mulheres a pensar (faziam o que era possível para a época...), veja-

se o trabalho de Sara Afonso relacionado com a formação de raparigas jovens na Mocidade

Portuguesa.173

Fig. 19 – Prova de Bordado a executar em 10 pontos, 1959/1960; Fig. 20 – O Desenho e as Oficinas no

Cursos de Formação Feminina, 1961. Fig. 21 – Dissertação de Mestrado em Teorias da Arte – Sara Afonso:

Vida e Obra, defendida em 2004, por Maria João Gomes Pedro na Faculdade de Belas Artes da

Universidade de Lisboa.

Ao invés do que se passava relativamente ao curso de Formação Feminina, os

professores e mestres do Ciclo Preparatório que se ocupavam do Desenho e dos Trabalhos

Manuais, desde cedo, contaram com bibliografia a eles destinada porque, Calvet de Magalhães,

enquanto inspetor da Direcção Geral do Ensino Técnico Profissional, escrevia separatas sobre o

ensino das artes em geral e do desenho em particular. Traz-se aqui O Desenho e as outras

Disciplinas do Ciclo Preparatório (1952), texto em que, com recurso a importantes pedagogos e

interessados na educação pela arte e na pedagogia social, entre outros Herbert Read (1893-

1968), John Dewey (1859-1952) e Jean Piaget (1896-1980)

174, o autor demonstra a importância

destas duas disciplinas ao longo do ensino preparatório que, na sua opinião, funcionavam, acima

de tudo, como preparação para a vida, advertindo, sempre, que estes professores e mestres

tinham papel, igualmente, importante tanto na vida da escola como na vida dos alunos175.

Quanto aos “... trabalhos manuais são um precioso meio de concretização do ensino

173 Volume II, Parte II, Entrevista 15, p. 4.

174 MAGALHÃES, Manuel Maria de Sousa de Calvet – O Desenho e as outras Disciplinas do Ciclo Preparatório. Separata do Boletim Escolas

Técnicas. Lisboa. N.º 12 (1952), p. 74-75.

175 Id, p. 16-17.

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preparatório. (...) um meio de ilustração e de demonstração para todas as disciplinas e um

complemento indispensável do processo mental do aluno.”176

O autor fazia a advertência para

que construções que desta disciplina saíssem deviam “... ser simples, baratas e de duração; e a

técnica empregada simples quanto possível, de modo que seja acessível a todos, e não apenas

aos alunos mais hábeis.”177

Além do trabalho manual que se destina à pré-orientação

profissional, encontra-se outra categoria de trabalhos manuais que é “... o chamado trabalho

manual de arte popular, as atividades manuais complementares do ensino artístico...”178

. Eram

atividades pensadas em função de parcos recursos económicos e com recurso a matérias

naturais. Enumerados alguns materiais e técnicas – terra, gesso, pasta de papel, gravura,

impressão e tecelagem – e quais as competências que se esperavam desenvolver a partir da sua

experimentação. Salienta-se, apenas, a tecelagem na qual empregando todas as matérias têxteis,

vegetais, animais ou sintéticas e utilizando teares singelos se poderia fazer um grande número

de trabalhos, referindo-se o autor às escolas industriais Josefa de Óbidos e de Tomar como

exemplos, logo, demostrado estava que era possível. Quanto ao desenvolvimento de

competências, é referido que se espera que a tecelagem promova “... regularidade e rapidez dos

gestos. Imaginação, sentido dos ritmos ornamentais descobertos directamente com a matéria

trabalhada.” 179

Esta atenção para com as Artes Visuais ao nível do Ensino Preparatório,

encontrava plena continuidade na EICJO em que a “formação era mais séria”, e posteriormente,

nas restantes escolas que lecionassem o curso de Formação Feminina que tivessem em conta o

manual de Clementina Carneiro de Moura e os seus programas para os três anos do Curso de

Formação Feminina. À luz do que hoje se conhece e se veicula, pode dizer-se que os conteúdos

e o ensino em estudo se tratam de formação profissionalizante. Profissionalizante mas

continuando a contar com a arte tornando-se educação para os sentidos, entre outros, contando

com a experimentação de materiais e o trabalho em grupo, fatores que propiciam um sadio

crescimento individual e social levando a uma solidariedade mais rica e fraterna.

2. ARTES TÊXTEIS NO ENSINO FORMAL

2.1. Escolas de Artes Aplicadas e Escolas Industriais

A Escola de Artes Aplicadas de Lisboa (EAAL) (1919) e, a Escola de Artes Aplicadas

Soares dos Reis (EAASR) (1914), foram estabelecimento de Ensino Técnico Elementar

dependentes do Ministério do Comércio e Comunicações. Escolas onde as práticas pedagógicas

eram muito semelhantes às do ensino individualizado – ajustando o tempo dedicado a cada

aluno em função da sua aptidão. Estas experiências pedagógicas, podem classificar-se como que

176 Ibid, p. 66

177 Ibid, p. 68

178 Ibid, p. 70

179 Ibid, p. 72.

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próximas de outras práticas educativas europeias da época (República de Weimar) que, mais

tarde, se vieram a denominar de Educação Social – autónoma em relação à educação geral

porque está ancorada na pedagogia social.

A EAAL e a EADSR foram contemporâneas da Pedagogia Waldorf (1919) criada por

Rudolf Steiner (1861-1925) – homem erudito que aderiu à Sociedade Teosófica180

(1902),

tendo-se tornado dissidente, respondeu criando a Sociedade Antroposófica181

e a Escola

Superior Livre para as Ciências do Espírito, considerada como a escola percursora da Escola

Waldorf. Pedagogia presente em todo o mundo, incluindo Portugal, consiste num ensino

adaptado ao desenvolvimento da criança, o conhecimento, primeiramente, é transmitido através

da experiência e só depois são integrados os conteúdos. O desenvolvimento espiritual e moral

como o objectivo a alcançar, o corpo físico é finito, motivo porque é preciso desenvolver o

corpo astral. “… não visa apenas o intelecto e os sentimentos dos seus alunos, mas tem, por

última meta o seu desenvolvimento espiritual e moral, e a harmonização do anímico-espiritual

com o corpo.”182

As Escolas portuguesas de artes decorativas foram, igualmente, contemporâneas da escola

alemã de design e arquitetura que nasceu (também) com a República de Weimar, a Bauhaus

(1919-1933). Dinâmicas de ensino que, à luz do movimento da Escola Nova, propiciavam a

aquisição do que, contemporaneamente, se veio a denominar de saber ser ou ter assertividade –

ser capaz de tomar a atitude mais correta – e de saber fazer ou ter a capacidade para adquirir

competências – aquisição de conhecimentos técnicos – aos quais está subjacente o saber saber –

um conhecimento holístico onde se incluem as civilizações clássicas, a filosofia e a arte (de

modo a chegar à sabedoria). Como se tratando da “…estreita ligação entre a teoria e prática, o

saber pedagógico tem em conta, simultaneamente, a exigência de interdisciplinaridade e de

especialização, a transversalidade de saberes e a conexão critica entre reflexão e acção.”183

. Se

assim compreendermos estas escolas, encontramos também uma definição de Educação Social.

Em 1918 foi apresentada, não uma nova reorganização do ensino industrial, mas sim uma verdadeira

e profunda reforma do ensino técnico, através do Decreto n.º 5.029 de 5 de Dezembro de 1918, versando

a organização do Ensino Industrial e Comercial, sendo seu mentor o Secretário de Estado do Comércio,

Dr. João Alberto Pereira de Azevedo Neves e tendo na altura, sido criada na Secretaria de Estado do

180 Etimologicamente a palavra deriva do grego theosophia, de theos - Deus, e sophos - sabedoria, geralmente, traduzida como Sabedoria Divina ou

Sabedoria dos Deuses. A palavra já era utilizada antes da Dinastia Ptolomaica do Egito por Pot Amum.

181 A Antroposofia é um caminho de conhecimento que deseja levar o espiritual da entidade humana para o espiritual do universo, tendo Cristo e a cultura grega

como referência.

182 LANZ, Rudolf, (1979) – A Pedagogia Waldorf: caminho para um ensino mais humano. São Paulo: Summus Editorial Ldª, p. 73.

183 CARVALHO, Adalberto e BAPTISTA, Isabel – Educação Social: Fundamentos e Estratégias. Porto : Porto Editora, 2004. ISBN 972-0-34851-

8. p. 59.

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Comércio, a Direcção Geral do Ensino Industrial e Comercial para acompanhar a implementação desta

tão estruturante reforma.184

A análise às escolas portuguesas de artes aplicadas não se deve tomar como uma amostra da

realidade (estudantil) infanto-juvenil portuguesa nas primeiras décadas de 1900, cuja maioria da

população não frequentava a instrução primária, logo, ficava impossibilitada de frequentar este

ensino profissionalizante ou qualquer outro tipo de ensino que tivesse como condição a

frequência e aproveitamento na instrução primária. De acordo com os Censos da População de

Portugal realizados em 1920, o total de habitantes do território nacional era de seis milhões

trinta e dois mil novecentos e noventa e um indivíduos (52,66% do sexo feminino e 47,33% do

sexo masculino185

)186

. Sendo a percentagem de indivíduos com mais de sete anos que não sabia

ler nem escrever de sessenta e cinco ponto dois, dos que sabiam ler, aparece o sexo masculino

com quarenta e três por cento e, com quinze ponto oito valores percentuais a menos, o sexo

feminino em vinte e sete ponto cinco.

Se o poder legislativo e os governos não tomarem sérias medidas para debelar mais prontamente a

crise do analfabetismo, (...) podemos concluir, com certa aproximação, que o analfabetismo só virá a

desaparecer no decénio 2030 a 2040, e que no ano 2000 a percentagem dos que sabem ler não irá além de

78,5:187

Além desta comparação, de acordo com a densidade populacional, é de salientar o número

bastante inferior de estabelecimentos de ensino primário e de professores relativamente a outros

países da Europa. Tome-se o exemplo da Bélgica que, com o mesmo número médio de

habitantes por cada escola (927), contava com oito mil e quarenta e cinco escolas primárias

enquanto que Portugal contava, apenas, com seis mil quinhentas e quinze. Em média, o número

de professores na Bélgica era de três ponto três e Portugal contava, apenas com um ponto

dois188

.

2.1.1. Em Lisboa

A Escola de Artes Aplicadas de Lisboa (EAAL) iniciou a sua atividade no ano letivo de

1919/1920. Nasceu a partir de ideias progressistas, durante os conturbados anos da I República

(1910-1926). Instalou-se numa casa de aluguer de pequenas dimensões, na então Rua Visconde

de Santo Ambrósio (hoje Rua D. Dinis). O seu decreto instituinte refere que se pretendia

introduzir princípios de especialização, uma escola que preparasse os alunos para desempenhar

184 CAETANO, Francisco Manuel Perfeito dos Santos – O Ensino Técnico Artístico no Porto..., p. 62.

185 Embora, na generalidade dos anos anteriores, tenham nascido mais rapazes do que raparigas, a imigração atingia em muito maior numero o sexo

masculino. Há ainda que ter em atenção que Portugal participou na I Guerra Mundial.

186. REPÚBLICA PORTUGUES/DIRECÇÃO GERAL DE ESTATÍSTICA – Censo da População de Portugal: Dezembro de 1920: Volume I. [Em

Linha] (1923), p. 26.

187 Id, p. 12-13.

188 Ibid, p. 13.

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funções técnicas na indústria – artífices com sólida formação geral e artística ou artistas das

artes industriais. Contava, apenas, com oito elementos no staff, na Direção o pintor Alfredo

Roque Gameiro (1864-1935) (que deixou o cargo em 1921), um mestre efetivo e outros três

contratados, um amanuense189

e um contínuo. Tinha falta de equipamento adequado para as

oficinas que ministrava, mas apesar das modestas condições, em 1922, foi convidada a

participar na Exposição do Rio de Janeiro para onde enviou trabalhos de litografia e de

bordados.

Mostrava-se uma escola democrática e inclusiva. Ministrava cursos diurnos e noturnos,

não excluía o sexo feminino, contudo reservava-lhe, apenas, três dos seus doze cursos, o de

Debuxadeira, o de Bordadeira e o de Rendeira190

. Os cursos diurnos tinham, sensivelmente, a

duração de dois anos, sendo a carga horária que mais pesava, a dedicada ao trabalho oficinal

com forte ligação ao desenho, tornando estes cursos, eminentemente, artísticos.

Quanto à frequência, esta escola de Lisboa, durante os sete anos que mediaram os anos

letivos de 1923/1924 e 1929/1930, contou com quatrocentos e cinquenta e seis alunos, sendo a

média anual de setenta e seis alunos. O primeiro destes anos letivos obteve cinquenta e três

inscrições e, o último setenta e oito. Estes números refletiram-se no corpo docente da escola

que, depois de nove anos de existência, no ano letivo de 1928/1929, tinha, apenas, mais dois

pedagogos. A escola com os seus sete professores (se se contar com o Diretor) oferecia quatro

áreas oficinais, a de Lavores Femininos, a de Entalhador e Formador, a de Desenhador

Litógrafo e a de Impressor Litógrafo. O Diretor – Miguel Francisco Espirito Santo – e o

professor João de Melo Falcão Trigoso (1879-1956) (pintor que deixou uma vasta obra) regiam

Desenho Especializado, respetivamente, de Lavores Femininos e de Litógrafo.

Os baixos níveis de frequência registados, a indefinição que continuava a existir quanto à

duração dos cursos que nunca chegou a ser regulamentada, eram factos que iam provocando

angústias no Diretor porque não implementava o projeto que havia desenhado. Este

estabelecimento de ensino nunca pôde pôr em prática a industrialização das oficinas. No fim da

década, a EAAL atingia o ponto de rotura, acabando por ser extinta em 1930. No ano anterior,

foi chamada para fazer propostas que se integrassem na Reforma do Ensino Técnico de 1931.

Ainda em 1929, o Diretor tinha proposto para o cargo de dirigente o professor efetivo mais

recente, o pintor João de Melo Falcão Trigoso que, no ano seguinte, se tornava no Diretor da

Escola Industrial Fonseca Benevides (EIFB) que absorveu a EAAL191

.

189 Escrevente ou copista – o que copia textos à mão.

190 Os restantes nove curso eram de: Desenhador Litógrafo, Cromista Litógrafo, Gravador Litógrafo, Estampador Litógrafo, Transportador Litógrafo,

Condutor de Máquinas Litógrafo, Marceneiro, Entalhador e Cinzelador de Metais.

191 PAIVA, José Castanheira – Escola António Arroio (1919-1969): Uma Escola Artística Entre Escolas Técnicas. Lisboa : Faculdade de

Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Lisboa, 2001. Dissertação de Mestrado, p. 67-93.

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A alteração que a EAAL sofrera acompanhava outra mudança, esta de nível nacional e

muito mais estrutural. A instabilidade política da I República fez com que o regime democrático

acabasse por cair numa crise económica e política, culminando no Golpe Estado de 28 de Maio

de 1926, levando o país a uma ditadura militar conduzida por António de Oliveira Salazar

(1889-1970), a partir de 1930, com a criação do partido de União Nacional foi delineando a

política do Estado-Novo, quando em 1932, foi nomeado Presidente do Conselho de Ministros,

regulamentou a eliminação dos outros partidos e passou a escolher os deputados para a

Assembleia Nacional. O poder de Oliveira Salazar foi legitimado pela Constituição de 1933,

este regime autoritário de inspiração fascista prolongou-se por quarenta e um anos que se divide

por dois períodos, o de Salazar (1933-1968) e o de Marcelo Caetano de (1968-1974) 192

. Quanto

à vida cultural, a influência da igreja e do fascismo foi marcante, através do Secretariado de

Propaganda Nacional (SPN), criado em 1933 e dirigido por António Ferro (1895-1956) –

jornalista cosmopolita, ligado ao modernismo e ao futurismo193

.

A EAAL foi extinta mas o método de ensino que vinha praticando, em 1930, fora

anexado em secção à EIFB que também tinha anexado, igualmente, em secção a Escola de

Cerâmica de António Augusto Gonçalves (ECAAG), Escola-Oficina inaugurada em 1928. “Foi

ainda durante a Primeira República, a 12 de Dezembro de 1925194

, que o Ministério da Instrução

Pública autorizou a instalação de Escola de Cerâmica de António Augusto Gonçalves nos

terrenos disponíveis, anexos ao Liceu Camões.”195

Assim se formou a Secção de Artes

Aplicadas da Escola Industrial de Fonseca Benevides (SAAEIFB) que ficou a funcionar no

edifício que pertencia à ECAAG na Rua Almirante Barroso ao lado do Liceu Camões. Edifício

ricamente decorado por azulejos relevados dentro da gramática Arte Nova da autoria de António

Augusto da Costa Motta Sobrinho (1877-1956), escultor e ceramista fundador da ECAAG196

que, sem exercer qualquer cargo de direção, se manteve como professor da SAAEIFB até 1947.

“A 28 de Janeiro dá a última aula na Escola António Arroio.”197

192 PINTO, António Costa – Da Ditadura Militar ao Estado Novo. In CARNEIRO, Roberto (coord.) – “Memória de Portugal: O Milénio Português”.

Lisboa : Circulo dos Leitores, 2001. ISBN 972-42-2594-1. p. 502-503.

In CARNEIRO, Roberto (coord.) – “Memória de Portugal: O Milénio

Português”. Lisboa : Circulo dos Leitores, 2001. ISBN 972-42-2594-1. p. 520 e 522.

193 MATOS, Helena – Salazar: A Propaganda. Lisboa : Temas e Debates / Helena Matos, 2004. ISBN 927-759-705-X.

194 Ano em que foi criado no dia 31 de julho, pelo decreto nº 10.986 e inaugurado a 30.06.1926 o Instituto de Orientação Profissional Maria Luísa

Barbosa de Carvalho. Na década de 1980, este instituto foi integrado na Universidade de Lisboa.

195 MORAIS, Cristina – A Cerâmica na Obra de Costta Mota Sobrinho (1877-1956). In HORTA, Cristina Ramos e (coord.) – “Costa Motta Sobrinho:

Obra Cerâmica e Escultórica” Lisboa : Instituto Português de Museus, 2001. ISBN 173 190/01. p. 63.

196 MECO, José – Entre Paris, Caldas e Lisboa, a Obra Cerâmica de Costa Motta Sobrinho. In HORTA, Cristina Ramos e (coord.) – “Costa Motta

Sobrinho: Obra Cerâmica e Escultórica” Lisboa : Instituto Português de Museus, 2001. ISBN 173 190/01. p. 95.

197 CARVALHO, Eduardo Kol de – António Augusto da Costa Motta (Sobrinho), 1877-1956. In HORTA, Cristina Ramos e (coord.) – “Costa Motta

Sobrinho: Obra Cerâmica e Escultórica” Lisboa : Instituto Português de Museus, 2001. ISBN 173 190/01. p. 156.

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Fig. 22 – Escola Industrial de António

Arroio – Arte Aplicada; Fig. 23 –

Inscrição da Escola de Cerâmica de

António Augusto Gonçalves, 1928198.

No que respeita ao ensino,

1.º A educação plástica – pelo desenho à vista e à mão livre, pelo desenho geométrico, pelo desenho de

projecções ortogonais e axonométricas, pelo desenho perspéctico e pela modelação educativa, visando o

relevo e o volume.

2.º A educação geral do espirito e científica – pelo português, geografia e história, matemática (aritmética,

álgebra e geometria), física e química.

3.º A educação profissional:

a) nas industrias de carácter artístico, pelos desenhos ornamentais, de composição, pinturas, elementos de

arte, modelação, formação, e pelas oficinas mais ou menos ligadas às disciplinas ou nelas integradas.

b) nas restantes indústrias, pelos desenhos profissionais e tecnologias correspondentes. 199

Os alunos eram agrupados em duas categorias, de alunos ordinários se frequentavam a

escola de dia e de alunos extraordinários se frequentavam a escola à noite, sendo a idade

mínima de doze anos para os primeiros e para os segundos de catorze anos. Os cursos diurnos

tinham a duração de cinco anos e eram de frequência obrigatória em todas as disciplinas e

oficinas e/ou trabalhos práticos. Os cursos noturnos eram realizados mediante as disciplinas

escolhidas pelos alunos mas, atendendo às precedências. Quanto aos professores que eram

efetivos, agregados ou provisórios, o serviço semanal era, apenas, de catorze horas, enquanto

que, para os mestres era de trinta horas semanais e recrutados por contrato inicial de dois anos

que podia ser renovado por mais três, podendo depois, o candidato passar a efetivo. Os

dezasseis professores e doze mestres com que a SAAEIFB contava ocupavam-se dos cursos de

Modelador Cerâmico, de Pintor Decorador, de Pintor Cerâmico, de Desenhador Litógrafo, de

Canteiro Artístico, de Cinzelador, de Entalhador, de Habilitação às Escolas de Belas Artes e de

Lavores Femininos 200

. Nestes cursos a carga horária mais forte situava-se entre os desenhos e

as oficinas, sendo que, a disciplina de desenho geral fazia parte de todos os cursos.

Esta secção, quatro anos depois, em 1934, devido ao elevado número de alunos (364) que

no ano letivo de 1934/1935 se repartiam pelos nove cursos (155 alunos eram do primeiro ano),

ainda pela natureza dos mesmos, viera a desdobrar-se na EIFB e na Escola Industrial António

198http://arquivodocumentaldigitalfotos.blogs.sapo.pt/

199 PAIVA, José Castanheira – Escola António ... p. 146-147.

200 Mas tinham sido propostos ainda os de: Modista de vestidos; Modista de chapéus; Bordadeira; Costureira de Roupa Branca; Florista; Serralheiro

mecânico.

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Arroio201

(EIAA), a última, como referido anteriormente, foi uma recriação da EAAL202

que se

manteve a funcionar no mesmo local (Rua Almirante Barroso) e mantendo, no essencial, os

planos curriculares que vinham da Reforma de 1930 até à Reforma do Ensino Técnico em 1948,

quando passou a designar-se de Escola de Artes Decorativas António Arroio (EADAA). Esta

nova escola – EIAA – na direção, ao longo de catorze anos, contou com a experiência do

homem que fora professor da EAAL e Diretor da EIFB, o pintor João de Melo Falcão Trigoso.

A EIAA, continuava a ter os regimes diurno e noturno, os cursos continuavam a poder ser

frequentados por alunos de ambos os sexos, mas o que é facto é que, no seu primeiro ano letivo

(1934/1935)

... cerca de metade da frequência da escola é constituída por indivíduos que frequentam o curso de

Lavores femininos em regime diurno; uma quarta parte reparte-se, em parcelas equivalentes, pelo curso

de Habilitação às Belas Artes em ambos os regimes (diurno e nocturno); a última quarta parte, distribui-se

pelos restantes sete cursos.203

Em janeiro de 1940, as fêmeas tinham presença na escola na ordem dos cinquenta e nove

por cento, repartindo-se por cinco cursos, Lavores Femininos (80%), Habilitações às Escolas de

Belas Artes (17%), Pintor Decorador (0,4%), Desenhador Litógrafo (1,6%) e Pintor Cerâmico

(1%). No ano letivo de 1939/1940, concluíram os cursos trinta e seis alunos desses, trinta e dois

eram do sexo feminino (80%). Quanto aos números, os anos letivos seguintes (até 1948) não se

mostraram muito diferentes. A escola era muito procurada tanto por alunas que vinham dos

cursos de bordados tanto de escolas da capital como de escolas da província204

.

Com a reforma do ensino em 1936, elaborada por Carneiro Pacheco (1887-1957)

(Ministro da Instrução Pública), a Junta Nacional de Educação enquadrou as Secções de

Educação Moral e Cívica, de Belas Artes e de Alta Cultura. Foi também em 1936 que apareceu

a Mocidade Portuguesa, organização governamental de inscrição obrigatória, no ano seguinte, o

voluntariado feminino estava ao serviço da Obra das Mães Pela Educação Nacional e, em

1938, para a devoção do serviço social e incutir o gosto pela vida doméstica impunha-se a

Mocidade Portuguesa Feminina, fazendo com que a ação da organização oficial da juventude

tenha ficado ao serviço da propaganda que muito se expandiu205

.

201 Que nesse mesmo ano falecera este antigo inspetor que tanto se interessara pelo ensino autónomo da arte aplicada.

202 Decreto N.º 24:474 de 6 de Junho de 1934.

203 PAIVA, José Castanheira – Escola António ..., p. 154.

204 Id, p. 159-162.

205 PIMENTEL, Irene – A Obra da Mães e as Famílias Numerosas. Revista Historia. Lisboa, N.º18 (1996). Pp 4-18.

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2.1.2. No Porto

A Escola de Artes aplicadas Soares dos Reis (EAASR), iniciou as suas atividades letivas

em 1914 e tinha a seu cargo quatro cursos de Desenho Especializado, assim como a manutenção

das oficinas de pintura decorativa e de talha. A partir da pesquisa desenvolvida, ficámos com a

ideia de que esta escola de artes aplicadas, inicialmente, ao contrário do que vinha acontecendo

na EAAL, não se ocupava do ensino dos têxteis e quem o fazia era a EDIFG dirigida pelo

arquiteto Emanuel Ribeiro. Escola que com a Reforma de 1918 “... passou a Escola

Industrial...”206

Só aparecem alunos matriculados nos Cursos de Aprendizagem a partir do ano lectivo de 1919/20.

Até 1919/20, a escola mantém – e desde a sua fundação – apenas o regime nocturno. Neste ano lectivo

surge o Curso de Aprendizagem, grau preliminar, em regime diurno. Por deficiência de salas, não

funcionava nos cursos diurnos a oficina de marcenaria. O Curso de Aperfeiçoamento iniciou-se no ano

lectivo 1918/19.207

À semelhança da EAAL, passou a lecionar os cursos de aprendizagem em regime diurno

e os de aperfeiçoamento em regime noturno. Os Cursos de Aprendizagem compreendiam três

graus, o preliminar que se destinava a estabelecer a ligação entre a escola primária e o grau geral

com a duração de um ano, em que se lecionavam as disciplinas de Língua Pátria, de Noções de

Aritmética e de Geometria, de Elementos de Desenho Geral, de Trabalhos Oficinais em madeira

e em ferro, de Modelação e de Pintura. Para o sexo feminino, ainda as disciplinas de Noções de

Costura, de Bordados, de Rendas e de Cartonagem. O segundo grau geral que se desenvolvia ao

longo de quatro anos, para além da disciplina Língua Pátria que transitava do grau preliminar,

contava com as disciplinas de Desenho Geral Especializado, de Língua Francesa, de Geografia e

História, de Aritmética e Geometria e de Trabalhos Oficinais (masculinos e femininos). A

última destas disciplinas

... sempre de acordo com a especialização do Desenho, ou seja: ao desenho de construção corresponderá

trabalhos oficinais em madeira; ao desenho mecânico corresponderá trabalhos oficinais em metal (...). O

Curso Complementar destinava-se a preparar operários modernos e que tivessem completado com

aproveitamento o grau geral e tinha a duração de dois anos, tendo sido leccionados na ―”Faria de

Guimarães”.208

Os Cursos de Aperfeiçoamento com duração de cinco anos tiveram início no ano letivo

1918/19. Esta formação especializada repartia-se por quatro cursos denominados de Curso

Especial de Desenho Industrial que se destinava aos profissionais da pintura, da decoração e de

outras profissões relacionadas. O Curso Especial de Cinzelagem e Ourivesaria para cinzeladores

206 CAETANO, Francisco Manuel Perfeito dos Santos – O Ensino Técnico Artístico no Porto Durante o Estado Novo: 1948 – 1973. Porto :

Faculdade de Letras da Universidade do Porto. 2009. Dissertação de Mestrado, p. 62.

207 LOBO, Maria Natália de Magalhães Moreira – O Ensino das Artes Aplicadas…, p. 76.

208 CAETANO, Francisco Manuel Perfeito dos Santos – O Ensino Técnico Artístico no Porto… p. 62-63.

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e ourives. O Curso Especial de Marcenaria e Carpintaria para marceneiros e carpinteiros. Ainda,

o Curso Especial Complementar que se destinava a pessoas com vontade de aprender no sentido

de aperfeiçoar a sua profissão.

O Regulamento das escolas industriais de 1919 continua a instituir, junto de cada uma destas, uma

Comissão de Aperfeiçoamento do Ensino, composta por docentes da escola (o director e um elemento do

Conselho Escolar) e por três elementos escolhidos pelo governo, dentre os sócios de associações

industriais ou profissionais da localidade ou dentre indivíduos que nela exerçam uma profissão industrial.

Nas actas do Conselho Escolar da Escola Faria Guimarães não existe, na altura, qualquer notícia desta

Comissão ou da sua constituição; existe, porém, referência a ligações com associações industriais,

nomeadamente no que se refere a dádivas à escola em material didáctico e equipamento e criação de

novos cursos. A Associação de Classe de Ourives de Prata do Porto é uma das que aparecem citadas

nessas actas. Assim, a primeira notícia que conseguimos encontrar da sua ligação à escola data de 1921,

altura em que a Associação criou prémios especiais para os alunos com melhor aproveitamento.209

Como se constata a escola foi-se imbricando nas realidades sociais, respondendo às

solicitações na tentativa de dar resposta às necessidades locais. A escola desejava ultrapassar o

constrangimento que se relacionava com a questão das instalações que, continuadamente, se

mostravam insuficientes210

, em 1922, mudou de local e foi para o centro da cidade do Porto,

onde esteve instalado o Liceu Alexandre Herculano – Rua Santo Ildefonso n.º 422. Passados

três anos (1925), foram introduzindo cinco novos cursos que se destinavam, em exclusivo, ao

sexo feminino, o curso de Lavores Femininos o curso de Costureira de Roupa Branca, o curso

de Bordadeira-Rendeira, o curso de Modista de Chapéus e o curso de Modista de Vestidos.

A nova morada da escola – um casarão de três andares – continuava a não satisfazer as

necessidades deste ensino técnico e oficinal porque não cumpria as condições mínimas de

higiene e segurança211

. A Direção continuou a empreender esforços para encontrar um lugar e,

em 1927, foi autorizada a compra de uma velha fábrica de chapéus que se localizava na Rua

Firmeza n.º 49, edifício que no ano seguinte (1928) albergava a Escola Industrial Faria de

Guimarães (EIFG).

209 LOBO, Maria Natália de Magalhães Moreira – O Ensino das Artes Aplicadas …, p. 79.

210 Entre outros, destaca-se que as oficinas de marcenaria nos Cursos de Aprendizagem não tinham sido implementadas por falta de espaço.

211 As oficinas de lavores femininos e de costura eram divididas por uma barreira de rede, onde as alunas se amontoavam, como sucedia nas oficinas

de cinzelagem onde a impureza era acondicionada porque o teto era demasiado baixo. Aproveitavam-se cantos e recantos, as águas-furtadas e até se

chegaram a instalar serviços escolares nos subterrâneos. CAETANO, Francisco Manuel Perfeito dos Santos – O Ensino Técnico Artístico no

Porto…, p. 64.

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Na altura da reforma do ensino técnico de 1931, de acordo com as linhas programáticas do Estado

Novo, procedeu-se à uniformização dos diversos tipos de escolas, cursos e procedimentos pedagógicos

vindos da reforma ―”progressista” de 1918. Extinguiram-se umas, transformaram-se outras, criaram-se

algumas e modificaram-se cursos com o objectivo de rentabilizar o ensino técnico, ao mesmo tempo que

impunham a nova ideologia aos alunos, à escola e especialmente ao corpo docente, demasiado

republicano para os gostos dos governantes da época:213

A EIFG não foi exceção, com a reforma mudou de nome, ou melhor, ao seu nome foram

acrescentadas duas palavras entre parêntesis – Escola Industrial de Faria Guimarães (Arte

Aplicada) [EIFG(AA)], justamente porque, através de um decreto-lei de 1930, tinha anexado a

Escola de Artes Aplicadas Soares dos Reis, passando a contar com doze cursos214

, sendo cinco

(41,6%) dedicados às profissões têxteis: Tecelão-Debuxador, de Modista de Vestidos, de

Bordadeira, de Rendeira, de Costureira de Roupa Branca. Os restantes cursos são: de

Cinzelador, de Ourives, de Gravador de Aço, de Marceneiro, de Entalhador, de Pintor-

Decorador e o Curso de Habilitação às Escolas de Belas Artes. Com o objetivo de contribuir

para a cultura geral dos alunos, eram lecionadas na escola as disciplinas de Português, de

Matemática, de Francês, de Geografia e de História. Contudo as duas últimas (Geografia e

História) não eram ministradas nos cursos de Tecelão-Debuxador, de Modista de Vestidos e de

Costureira de Roupa Branca. A disciplina de Francês não fazia parte do curso de Ourives215

.

Pelo uso do português constata-se que, um dos cursos se destinava ao sexo masculino e os

restantes quatro ao sexo feminino. Ao analisar a estrutura curricular dos cursos destinados ao

sexo feminino pode pensar-se que foi atribuída alguma distinção a dois deles – o de Rendeira e

o de Bordadeira –, na medida em que, as disciplinas de História e Geografia eram ministradas

às suas alunas enquanto que os alunos dos restantes três cursos da escola que se relacionavam

com têxteis não podiam contar com os conteúdos das disciplinas da História e da Geografia.

Esta constatação remete para a ideia de que, na altura, não se consideraria necessário que os

profissionais dos têxteis tivessem conhecimentos de carácter identitário e patrimonial. Esta

visão e consequente desvalorização para com os aprendentes e profissionais dos têxteis, em

212 Id, , p. 98.

213 Ibid, p. 64.

214 Cinzelador, Ourives, Gravador de Aço, Marceneiro, Entalhador, Pintor-Decorador e o Curso de Habilitação às Escolas de Belas Artes.

215 Id, p. 71.

Fig. 24 – Escola Industrial Faria de

Guimarães na Rua da Firmeza212,

compra do edifico foi autorizada em

1927.

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Portugal, veio a revelar-se ao longo da maior parte do século XX, dado que a primeira Diretora

do Museu Nacional do Traje (Natália Correia Guedes, 1943)216

na sua monografia que a

habilitou a Conservadora de Museus (1969) se referiu a esta questão dizendo que nos outros

países europeus, há muito que havia estudos superiores no domínio do têxtil (moda, restauro e

engenharia)217

. De acordo com a informação recolhida junto de um engenheiro ligado ao ramo

da tinturaria – João António Campos (1943) que se formou em 1970 na Bélgica (École

Superieure de Tournai), profissional que acabou a sua carreira como Diretor de Qualidade junto

da fábrica de linifícios onde se faziam experiências de cor (tintos) para a Manufactura das

Tapeçarias de Portalegre (MTP), em Portugal, até aos primeiros anos da década de 1970, não

era possível fazer prosseguimento de estudos na área da engenharia têxtil: “O curso daqui, era o

da Universidade do Minho – Engenharia Têxtil –, apareceu uns anos depois...”218

Voltando à primeira metade do século XX e ao ensino técnico profissional porque era o

único tipo de ensino formal a ocupar-se dos têxteis:

O Decreto n° 21 839 de 1932 aprova um conjunto de programas a aplicar em todas as escolas do

ensino técnico profissional, não aprovando no entanto nenhum programa das disciplinas específicas

existentes na Escola Industrial Faria Guimarães (Arte Aplicada), excepto o de desenho profissional do

Curso de Costura e Bordados.

Quer nas actas do Conselho Escolar, quer na correspondência expedida e em outros documentos

existentes no Arquivo da Escola Secundária Soares dos Reis, (...) continuou a não ser possível encontrar,

relativamente ao período em estudo, nenhuma referência aos programas das disciplinas dos vários

desenhos. (...), em acta desse Conselho de 30 de Junho de 1931, é apresentada uma proposta de fusão das

disciplinas de "tecnologia" e "desenho de debuxo" numa só disciplina, chamada "tecnologia da tecelagem

e do debuxo". Esta proposta foi aprovada e encarregado o professor agregado António Teixeira Pinto de

realizar o respectivo programa a fim de seguir para a Direcção-Geral, não constando nem nesta, nem em

acta posterior o conteúdo do referido programa.219

Em 1934, a escola contava na direção com o Escultor Sousa Caldas (1894-1965),

professor que se manteve na direção da escola até 1964. Com a Reforma de 48, esta escola do

Porto passou a denominar-se de Escola de Artes Decorativas Soares dos Reis (EADSR),

denominação que se pode interpretar como que fazendo justiça à EAASR (1914), criada ainda

antes da EAAL (1919). Assim,

216 Em 1975 tornou-se na primeira mulher fundadora de um Museu em Portugal e, em 1994, foi a primeira Doutora em Museologia.

217 GUEDES, Maria Natália Brito Correia – Organização de um Museu de Indumentária. Lisboa : Monografia do Curso de Conservador do Museu

Nacional de Arte Antiga, 1969.

218 Volume II, Parte II, Entrevista 11, p. 1.

219 LOBO, Maria Natália de Magalhães Moreira – O Ensino das Artes Aplicadas…, p. 91

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.... alunos e alunas da Escola Industrial Faria de Guimarães (Arte Aplicada) passaram a frequentar a

Escola de Artes Decorativas Soares dos Reis, (...) Decreto-Lei n.º 37.029 de 25 de Agosto. (...). Novo

nome, novo patrono, novos conceitos pedagógicos, novos desafios, nova escola.220

2.1.3. Estabelecimentos de Ensino e Oferta Formativa (1948)

O novo Estatuto do Ensino Profissional Industrial e Comercial (1948) previa dois graus,

o ensino preparatório com duração de dois anos e o seguinte que durava entre três a cinco anos,

oferecendo quatro categorias, os Cursos de Formação, os Cursos Complementares de

Aprendizagem, as Especializações e os Cursos de Mestrança. Estes cursos eram ministrados em

quarenta e oito escolas, espalhadas por todo o continente e ilhas, destas, trinta ministravam,

também, o Ciclo Preparatório. A matrícula no primeiro ano era realizada após a aprovação do

exame de admissão que conferia o Diploma de Instrução Primária, os candidatos tinham que

apresentar “Certidão de idade comprovativa de não completar 13 anos até 1 de Outubro

seguinte”221

. O segundo grau era para “…candidatos habilitados no ciclo preparatório, com o

fim de lhes facultar a educação geral e técnica necessária para o ingresso nas carreiras da

indústria, do comércio e análogas”222

. Os Cursos Complementares de Aprendizagem eram

ministrados em paralelo com a iniciação profissional, destinando-se “… a facultar aos

aprendizes e praticantes a educação geral e técnica que, associada à prática obtida fora da

escola, lhes confira a conveniente aptidão profissional”223

. Os Cursos de Mestrança eram cursos

noturnos, paralelos com a atividade profissional, pretendendo dar instrução geral e técnica para

o exercício das funções de contramestres, mestres e chefes de oficina.

Das quarenta e oito escolas, trinta e sete, entre as diferentes categorias de cursos

relacionados com a indústria têxtil bem como as artes têxteis, ofereciam no total, sessenta e oito

cursos que se denominavam de Formação Feminina, de Costura e Bordados, de Tapeçaria, de

Tecelão Mecânico, de Fiandeiro, de Tecelagem Doméstica, de Tintureiro Acabador, de

Cerzideira, de Modista de Vestidos, de Rendeira, de Modista de Roupa Branca, de Bordadeira-

rendeira, de Modista de Chapéus, de Técnico de Tecelagem, de Debuxadora de Bordados e de

Bordador. Desta oferta formativa que contava com dezasseis cursos no âmbito do têxtil,

destaca-se o Curso de Formação Feminina na medida em que se mostrou uma formação que foi

possibilitando a muitas mulheres o ingresso no ensino preparatório e liceal/secundário (hoje

denominados de 2.º e 3.º Ciclos do Ensino Básico) para ministrarem as disciplinas de Trabalhos

Manuais e Trabalhos Oficinais (Têxteis) e também porque, algumas das executantes de

220 CAETANO, Francisco Manuel Perfeito dos Santos – O Ensino Técnico Artístico no Porto…, p. 71.

221 Decreto N.º 3729, de 25 de Agosto de 1948. , p. 845.

222 Id, p. 849.

223 Ibid, p.848.

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tapeçaria contemporânea e professoras do curso que a EADAA veio a implementar na década de

1970, tinham feito a sua formação de base em Formação Feminina.

Quanto à categoria de Cursos de Formação, os cursos de Formação Feminina e os de

Costura e Bordados eram ministrados, respetivamente, em vinte e dezasseis escolas, em ambos

os cursos o Desenho e a Oficina eram adaptáveis à indústria regional. Salienta-se ainda que, os

cursos de Especialização de Modista de Vestidos, Modista de Chapéus e Modista de Roupa

Branca eram ministrados em Lisboa e no Porto, o primeiro também em Coimbra. As disciplinas

de Cálculo Profissional, Orçamentos, Desenho e Oficina eram comuns aos três cursos, a

disciplina de Estilos e Noções de História do Trajo era ministrada nos cursos de Modista de

Vestidos e Modista de Roupa Branca. As escolas de Oliveira de Azeméis, Évora, Estremoz e

Viseu tinham Oficinas Anexas com Tapeçaria, em Bragança a escola tinha Oficina Anexa com

Tecelagem Doméstica e as escolas de Silves, Peniche e Setúbal tinham Oficinas anexas com

Rendeiras.

A escola EADAA, sob a direção de Ferreira de Andrade e, a partir de 1953, de Lino

António (1898-1974)224

, apresentou novos planos de estudo que ofereciam diplomas nos cursos

da Secção Preparatória às Belas Artes, de Desenhador Gravador Litógrafo, de Pintura

Decorativa, de Escultura Decorativa, de Cerâmica Decorativa, de Cinzelagem e de Mobiliário

Artístico. Como se constata, com a nova legislação a escola não manteve o Curso de Formação

Feminina que tão importante lugar vinha ocupando, em contrapartida, em Lisboa, quatro anos

mais tarde, foi inaugurada outra escola de artes aplicadas que veio ocupar o lugar deixado pela

EIAA no domínio das artes têxteis, fala-se da Escola Industrial e Comercial Joséfa de Óbidos

(EICJO). Quando inaugurou (1952), a EICJO ministrava às raparigas, apenas, o Ciclo

Preparatório. Numa segunda fase, ministrava o Curso de Formação Feminina, “... com 3 anos

de duração, era constituído pelas seguintes disciplinas: Português, Francês, Matemática,

Física/Química, Economia Doméstica, Dactilografia, Higiene e Saúde, Ginástica, Religião e

Moral e Aptidão Profissional, esta última constituída pelas disciplinas de Desenho, Bordados,

Modistas e Tecelagem.”225

224 Professor que estava na escola desde 1940. Aposentou-se do ensino em 1968 por causa do limite da idade, ano em que deixa de dirigir a Escola

António Arroio.

225 http://e-josefadeobidos.edu.pt/MuseuJosefa/museu.html

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Como complemento das aprendizagens lecionava, ainda, as Secções Preparatórias aos

Institutos Industriais e Magistério Primário, os cursos de especialização em Bordadora

Rendeira e em Artes e Tecidos. Devido às suas particulares características, foi uma escola que, à

semelhança da EIAA, foi recebendo, sempre, muitas alunas que vinham da província. Como

acima referido, a escola na direção das oficinas contou, até 1958, com a experiência, sabedoria e

diplomacia da pintora Clementina Carneiro de Moura que deu um cunho à escola que foi

exaltado na exposição comemorativa dos seus dez anos de existência, no convite com texto de

Margarida Areias, figura a citação:

Saber segurar na mão a agulha para coser um botão, ter manejado uma máquina de costura, distinguir

as qualidades mais comuns dos tecidos, executar o bom-gosto na escolha das cores e dos tecidos, etc., são

conhecimentos primários que servem também para todas as outras possíveis finalidades mais

directamente profissionais226

À semelhança do que se passou na escola de Lisboa, a escola do Porto [EIFG(AA)] que

vinha ministrando cursos relacionados com as artes têxteis confrontava-se com a cessação dos

mesmos e recebe outros provenientes da Escola Industrial Infante D. Henrique (EIIDH) pela

troca227

. “Com a aplicação desta reforma deixam de existir cursos vocacionados para raparigas

(modista de vestidos, bordadeira, costureira de roupa branca) e são criados cursos novos no

domínio da cerâmica e das artes gráficas, até então inexistentes nesta escola”.228

Tornando-se

assim a Escola Industrial Aurélia de Sousa a escola portuense a assegurar o espaço que a EIFG

(AA) vinha ocupando, relativamente à transmissão de saberes nos domínios das artes têxteis229

.

226 ESCOLA INDUSTRIAL JOSEFA DE ÓBIDOS – Convite para Exposição Feminina da Escola Josefa de Óbidos. Acessível na Biblioteca

Nacional.

227 CAETANO, Francisco Manuel Perfeito dos Santos – O Ensino Técnico Artístico no Porto …, p. 104.

228 LOBO, Maria Natália de Magalhães Moreira – O Ensino das Artes Aplicadas …, p. 102.

229 CAETANO, Francisco Manuel Perfeito dos Santos – O Ensino Técnico Artístico no Porto…, p. 59.

Fig. 25 – Escola Industrial Josefa de Óbidos,

inaugurada em 1952. A sua criação tinha sido

formalizada em 1947. O projeto do edifício foi

elaborado pelos Serviços Técnicos da Junta de

Construções para o Ensino Técnico e Liceal, por

um grupo constituído pelo arquiteto José Costa

Silva, os engenheiros Gabriel Ribeiro de Matos e

António Lopes Monteiro, como medidor

orçamentista Joaquim Infante e Jorge Neto

Tavela de Sousa ocupou-se do mobiliário

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III BELAS ARTES (EM LISBOA)

1. ESCOLA DE BELAS ARTES E ESCOLA SUPERIOR DE BELAS ARTES

1.1. Protagonistas da Reforma de 32

Em 1932 a Escola de Belas Artes de Lisboa (EBAL) dependia da Direcção-Geral do Ensino

Superior e das Belas-Artes, tinha uma estrutura bietápica composta pelo 1.º Ciclo com duração

de quatro anos – os Cursos Especiais de Arquitetura, de Pintura e de Escultura. O 2.º Ciclo com

a duração de um ano – os Cursos Superiores, igualmente de Arquitetura, de Pintura e de

Escultura. As estruturas destes cursos compunham-se de Unidades Curriculares (UC) de índole

prática (Ensino Artístico – EA) e de índole teórico-prática (Ensino Literário e Cientifico –

ELC). Nos Cursos Especiais (1.º Ciclo) a parte prática ou de EA em Arquitetura era superior em

mais do dobro (13 para 5), em Escultura era exatamente o dobro (12 para 6) e em Pintura

curiosamente, apresenta uma estrutura mais equilibrada em que as UC de EA estavam em

número de onze e as UC de ELC estavam em número de sete (63,6%). Nos Cursos Superiores

(2.º Ciclo), havia, apenas, quatro UC, duas de EA e duas de ELC230

.

No início do século XX começará o divórcio entre o ensino praticado na Escola de Belas-Artes e a

evolução da arte portuguesa no sentido do modernismo. De facto, se Santa Rita Pintor ainda passou pela

Escola, como também Eduardo Viana, estes artistas irão procurar formação inovadora em Paris,

contrariando o naturalismo imperante em Lisboa.231

De modo a entender-se um pouco desta realidade, ouviram-se cinco antigos alunos da escola

que iniciaram os seus cursos na década de 1950 e, embora, tenham sido contemporâneos da

Reforma de 57, concluíram os seus cursos sob o regime anterior – a Reforma de 32. Deste

conjunto de pessoas, apenas uma, não se cruzou profissionalmente com a tapeçaria. Passamos à

apresentação deste grupo de ex-alunos, onde se inclui também, uma mulher – Conceição

Velloso Salgado (1937-2014) – que fazia parte da lista inicial das pessoas a ouvir mas, com

quem não foi possível conversar dado que faleceu durante o período dos trabalhos.

1.1.1 Quatro Alunos

Abel Agostinho (1938), embora apreciando tapeçaria, referiu que não escolheu para

trabalhar nem os materiais nem as técnicas desta forma de arte232

. Abel nasceu na Beira Interior,

à época, segundo a divisão administrativa de 1936, denominada de Beira Baixa, fez

… o ciclo preparatório na Covilhã. O Diretor da escola – Ernesto de Campos Melo (pai do poeta e

engenheiro Melo e Castro), chamou o meu pai, já eu estava no 2.º ano (o ciclo era de 2 anos) e perguntou-

230 CALADO, Margarida e FERRÃO, Hugo – Da Academia à Faculdade de Belas-Artes…, p. 1126.

231 Id, p. 1121.

232 Volume II, Parte II, Entrevista 14, p.1.

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lhe: “o que vai fazer do miúdo?” E, sugeriu que eu fosse para artes, para a António Arroio (AA) ou para a

Soares dos Reis e, o meu pai comprou a ideia. Venho para a AA, faço cerâmica e segui a via para ir para

as Belas-Artes (BA). Estive lá de 1953 a 1956, e no ano letivo de 1956/1957 fui para as BA233.

Ao contrário do aluno João Rocha de Sousa (1938) que andava um ano à sua frente,

colega com quem falou algumas vezes no entanto, disse que nunca foram amigos: “Ele gostava

de deslumbrar as pessoas, tinha atitudes e falava dos seus interesses, o que é natural naquela

idade.”234

Abel, teve de interromper a sua formação académica, durante quatro anos, para ir à

tropa que iniciou ou em março ou em abril de 1959. Ficou um tempo na metrópole e depois foi

para Moçambique, esteve no norte na região de Nampula (etnia Macua)235

, “… embora ainda

não houvesse guerra, eu saio de lá no último barco antes daquela festa começar. Em

Moçambique começou muito mais tarde. Chega-se aqui e vem-se desalinhado!”236

Quando regressou em 1964, voltou à escola, apenas, para fazer as poucas UC do Curso

Especial de Pintura que tinha deixado para traz.

As minhas BA foram uma coisa fragmentada e, quando se vem da guerra, a cabeça não é igual, a

tropa formata as pessoas. Uma pessoa vem de uma coisa daquelas e não é a mesmo coisa!

Sai daquela área (das BA), acabei a escola e fiz publicidade – era criativo na publicidade. Trabalhei

muitos anos com Artur Agostinho na Sonarte. Tive alguns prémios, tive um prémio – um concurso de

vidro mural –, dado pelo próprio Almirante Américo Tomás na Gulbenkian, acontecimento onde conheci

a filha de René Lalique, isto talvez já na década de 1970.

Ia ver exposições, frequentava o que havia para frequentar. O que eu fazia era, basicamente, o

trabalho de maquetizar ideias, onde o desenho é a área fundamental. Era, por vezes, trabalhar de manhã

para a tarde, pediam-me propostas publicitárias, isso desenvolveu-me a possibilidade de desenhar bem.237

Abel Agostinho que iniciou o Curso Especial de Pintura no ano letivo de 1956/1957,

teve como colegas Rafaela Zúquete (1936-2015) e Maria Antónia Santos (1937).

233 Volume

II, Parte II, Entrevista 14, p.1.

234 Volume II, Parte II, Entrevista 14, p.5.

235 Id, p. 2.

236 Ibid, p. 4.

237 Ibid, p. 2

238 https://www.facebook.com/314980216209/photos/t.100000984589612/388359501209/?type=3&theater

Fig. 26 – Maria Antónia

Santos e colegas (Suzete,

Rosário e Fátima) na

EADAA238; Fig. 27 –

Rafaela Zúquete, meados

da década de 1960.

Fotografia cedida por

Rafaela.

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Maria Rafaela Santos Gamboa da Costa Zúquete, segundo a Certidão de Nascimento

(1956), era filha de um médico e de uma doméstica – Senhora que se intitulava de “Dona de Sua

Casa”239

, Rafaela nasceu no dia 20 de abril de 1936, no 1.º andar do n.º1 da Rua Conde

Redondo em Lisboa240

, “... em 25 de Julho de 1952, concluiu o Curso Geral do 2.º Ciclo –

quinto ano dos liceus...”241

. Por esta altura, Rafaela já dava atenção à tapeçaria: “Andava eu no

5.º ano do Liceu e houve uma exposição das Tapeçarias de Pastrana.”242

Esta estudante que

antes, tinha andado dois anos em Direito, curso que em nada lhe agradou243

, no dia 25 de

setembro de 1956 pediu a admissão “... ao exame de aptidão nesta Escola Superior de Belas

Artes, para a primeira matricula com destino ao Curso de Pintura.”244

Aprovada no exame de

aptidão, requereu a matrícula nas UC do primeiro ano245

, procedimento necessário em cada ano

letivo subsequente.

Em 21 de setembro de 1957, Rafaela solicitou ao Diretor a matricula na cadeira de

Desenho Arquitetónico a que tinha reprovado e nas cadeiras do ano seguinte246

, neste ano letivo

identificámos um segundo momento em que esta aluna do Curso Especial de Pintura mostrou o

seu interesse pelas artes têxteis.

O Diretor do Museu Nacional de Arte Antiga (MNAA), o Dr. João Couto (…). Fez um curso de

têxteis, ainda eu estava na ESBAL, não cheguei a frequentar mas fiquei com a documentação toda, muito

pouco, foi mais a tecelagem. A tecelagem é a base da tapeçaria!

(…). Nessa altura, era capaz de estar no 2.º ano …247

Esta aluna, no terceiro ano do curso, no ano letivo de 1958/1959, inscreveu-se como

aluno ordinário nas UC de Composição Decorativa, Modelo, Pintura, História da Arte;

Anatomia e numa outra UC do quarto ano – Literatura. Nas observações do Boletim de

inscrição lê-se: “É aluno da reforma anterior à de 1957. Pagou 30$00 por cadeira.” Aluna que

continuou a pedir e a receber abono de família248

. Segundo o Boletim de Inscrição do ano letivo

seguinte (1959/1960), Rafaela inscreveu-se nas UC de Anatomia II, Modelo (4.º ano), Pintura

239 Volume

II, Parte II, Entrevista 16, p.1.

240 7.ª CONSERVATÓRIA DO REGISTO CIVIL – [Certidão Nascimento de Maria Rafaela Santos Gamboa da Costa] [Manuscrito]. 1956. Acessível

na Faculdade de Belas Arte da Universidade de Lisboa.

241 1.º CARTÓRIO NOTARIAL DE LISBOA – Publica Forma de Maria Rafaela Santos Gamboa da Costa. 1956-9-22. Acessível na Faculdade

de Belas Arte da Universidade de Lisboa.

242 Volume II, Parte II, Entrevista 16, p.1.

243 Volume II, Parte II, Entrevista 16, p.1.

244 COSTA, Maria Rafaela Santos Gamboa – [Requerimento] [Manuscrito]. 1956. Acessível na Faculdade de Belas Arte da Universidade de Lisboa.

245 COSTA, Maria Rafaela Santos Gamboa – [Requerimento] [Manuscrito]. 1956. Acessível na Faculdade de Belas Arte da Universidade de Lisboa.

246 COSTA, Maria Rafaela Santos Gamboa – [Requerimento] [Manuscrito]. 1957. Acessível na Faculdade de Belas Arte da Universidade de Lisboa.

247 Volume II, Parte II, Entrevista 16, p.1.

248 COSTA, Maria Rafaela Santos Gamboa – [Boletim de Inscrição] [Manuscrito]. 1958. Acessível na Faculdade de Belas Arte da Universidade de

Lisboa.

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(4.º ano), Arqueologia249

, deixando a escola no final desse ano letivo, o ano em que casou

(1960)250

. Entre os anos de 1961 e 1964 teve três filhos (Joana, Diogo e Ana). Esta mãe “… não

tinha emprego mas trabalhava, ia fazendo coisas. Foi sempre o trapo!”251

Trinta e um anos depois (1991) e enquanto professora de Técnicas Oficinais (Tecelagem

e Tapeçaria) na Escola Secundária António Arroio (ESAA)252

, dado que lhe faltava a UC de

Anatomia Artística para concluir o Curso Especial de Pintura, voltou à escola onde se submeteu

a exame no dia 8 de abril253

. Um mês depois, a ESBAL considerava que Rafaela tinha concluído

o Curso Especial de Pintura254

, com média de catorze valores255

. Ciclo de estudos equivalente

ao Ciclo Básico do Curso de Artes Plásticas correspondente à titularidade do grau de bacharel.

Formação que hoje é similar a um curso médio ou Curso de Especialização Tecnológica –

CET/Nível V –, uma formação pós-secundária não superior.

Esta amante dos têxteis disse-nos que “…tinha ido para a ESBAL para fazer coisas que

servissem para toda a gente – objetos que melhorassem a vida das pessoas, não me interessava

fazer quadrinhos para pendurar na parede.”256

Comecei a fazer tecelagem (mandar fazer as peças, não tecia) com Madalena Cabral que estava no

MNAA, fazia parte do Serviço Educativo (desde 1950).

A Madalena fez os paramentos de João de Almeida que foram os primeiros paramentos com muito

bom gosto e muito bom tecido. Foi nessa altura que me vieram perguntar se queria trabalhar com a

Madalena, estava a sair das Belas Artes.

Trabalhava com a Madalena Cabral nos objetos de culto e paramentaria. Faziam-lhe pedidos para

criar peças de paramentaria. Nós achávamos que havia necessidade de fazer as coisas de modo a dar

visibilidade à arte sacra. Claro que tínhamos de inovar!

Os objetos artísticos para as igrejas ou, para onde quer que fosse, estavam enquadrados nos

movimentos artísticos que havia na altura nos vários sítios – já não era Art Deco, um dos representantes

desses movimentos era Le Corbusier. Melhoraram as igrejas que se fizeram nessa altura. Talvez

começassem (estes movimentos) antes do Marcelismo (vivia na Infante Santo – 1963/1964). Todos os

movimentos que se fizeram foram para melhorar a arte sacra e não só. 257

249 COSTA, Maria Rafaela Santos Gamboa – [Boletim de Inscrição] [Manuscrito]. 1958. Acessível na Faculdade de Belas Arte da Universidade de

Lisboa.

250 Volume II, Parte II, Entrevista 16, p.6.

251 Volume II, Parte II, Entrevista 16, p.2.

252 Volume II, Parte II, Entrevista 16, p.3.

253 ESCOLA SUPERIOR DE BELAS ARTES DE LISBOA – Pauta de Exame Final: 12.ª cadeira-2.ª parte de Maria Rafaela Santos Gamboa

Santos. 1991-4. Acessível na Faculdade de Belas Arte da Universidade de Lisboa.

254 COSTA, Maria Rafaela Santos Gamboa – [Currículum vitae] [Manuscrito]. 1991. Acessível na Faculdade de Belas Arte da Universidade de

Lisboa.

255 ZÚQUETE, Maria Rafaela Santos Gamboa Costa – [Pedido de Declaração] [Manuscrito]. 1991. Acessível na Faculdade de Belas Arte da

Universidade de Lisboa.

256Volume II, Parte II, Entrevista 16, p. 2.

257 Id, p. 1-2.

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Rafaela admite que esta experiência profissional, viabilizada pelo Movimento de

Renovação da Arte Religiosa (MRAR) a que pertencia, bem como pertenciam Madalena Costa

Cabral (1922-2015)258

e muitos arquitetos, a habilitou a conhecer e saber escolher tecidos e

acessórios necessários para a execução dos paramentos, nomeadamente, as casulas.

Os paramentos tinham uma coisa muito boa, os padres tinham dinheiro que se fartavam, não nos

pagavam nada, não sei se pagavam às freiras e nas lojas ainda nos faziam descontos. Assim

trabalhávamos, sempre, com lãs e sedas naturais muito boas. Fiquei com à vontade para escolher os

materiais.259

Na primeira metade da década de 1960, Rafaela frequentava um ateliê que ficava num

pátio da Rua Coelho da Rocha no bairro de Campo de Ourique em Lisboa, espaço de onde mais

tarde, pela mão de Maria Flávia de Monsaraz (1935), saíam as primeiras tapeçarias

contemporâneas portuguesas.

Fig. 28 – Rua Coelho

da Rocha, N.º 69 –

Pátio dos Artistas – em

Campo de Ourique260.

Eu também estava no ateliê da Coelho da Rocha com a Maria Flávia, no período entre a Bolsa e ter

voltado de novo para Paris. Nos anos de 1970, ia muito ao ateliê, ajudei numa tapeçaria que ia para um

escritório. (…), também pagava lá uma parte, para ajudar e aprendermos juntas.261

Através destas distintas aprendizagens que foi empreendendo no domínio dos têxteis,

Rafaela tinha colecionado conhecimento que lhe permitiu assumir o ensino das oficinas de

258 Maria Madalena Figueiredo Cabral, nasceu no Porto dedicou-se ainda jovem à pintura, tendo estudado aguarela com o pintor Heitor Cramez. Aos

vinte anos foi viver para Lisboa, onde fez o curso de Artes Decorativas da Escola António Arroio e começou a trabalhar no Museu Nacional de Arte

Antiga (MNAA). Durante a Direção do Dr. João Couto, lançou um serviço de extensão escolar (1953), setor pioneiro em Portugal e que foi a génese do

serviço educativo do “Museu das Janelas Verdes”.

Madalena Cabral, foi pioneira da introdução, qualificação e divulgação dos serviços educativos nos museus em Portugal, foi distinguida com o Prémio

Personalidade do Ano 2013 pela Associação Portuguesa de Museologia (APOM). Em 2002 foi realizado em sua homenagem um encontro no MNAA,

sob o tema "Ver, Rever, Museus, Educação", com a colaboração da Rede Portuguesa de Museus. Em 1985, tinha sido distinguida com o grau de

Oficial da Ordem de S. Tiago da Espada.

259 Volume II, Parte II, Entrevista 16, p.2.

260 https://www.youtube.com/watch?v=I9sXelnyolQ

261 Volume II, Parte II, Entrevista 16, p.6.

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Tecelagem e de Tapeçaria na então ESAA, escola onde foi professora durante trinta anos (1976-

2006)262

, formando par profissional com Conceição Velloso Salgado (1937-2014). De início: “

“Era só eu e a Conceição (…) com o Desenho e Composição!”263

Maria da Conceição Ravara Alves Velloso Salgado (1930-2014), neta do consagrado

pintor Velloso Salgado (1864-1945), entre 1947 e 1955 foi aluna do pintor Lázaro Lozano

(1906-1999), sendo que, nos dois últimos anos frequentou as aulas “… de Pintura e Desenho no

Círculo de Belas Artes, em Madrid…”264

Em setembro de 1955, Conceição solicitou autorização para fazer as provas de ingresso

no Curso Especial de Pintura. Obtendo aprovação no exame de admissão265

, a candidata no mês

seguinte, fez novo requerimento pedindo concordância para se matricular nas disciplinas do

primeiro ano do referido curso266

. Concluído o Curso Especial, ingressou no Curso Superior de

Pintura, acabando assim, segundo o Decreto 21662 de 12 de setembro de 1932, em 1961, os

dois ciclos da ESBAL, com a classificação de dezoito valores.267

Em 1960, ainda enquanto

aluna, recebeu o Prémio Malhoa (bolsa de viagem), no Salão da Primavera da SNBA. Com essa

bolsa fez uma viagem de estudo pela Europa – a Itália, a França, à Bélgica e à Holanda –, para

fazer um estudo sobre Mosaico e Frescos, ainda um estudo comparativo entre os Primitivos

Italianos e os chamados Primitivos Flamengos, a partir do qual realizou um relatório que

entregou à Direção da SNBA.

262 Volume

II, Parte II, Entrevista 16, p.6.

263 Volume II, Parte II, Entrevista 16, p.3.

264 http://galerialinoantonio.antonioarroio.org/cvsalgado.htm

265 SALGADO, Mª da Conceição Ravara Alves Velloso – [Requerimento] [Manuscrito]. 1955. Acessível na Faculdade de Belas Arte da

Universidade de Lisboa.

266 SALGADO, Mª da Conceição Ravara Alves Velloso – [Requerimento] [Manuscrito]. 1955. Acessível na Faculdade de Belas Arte da

Universidade de Lisboa.

267 SALGADO, Mª da Conceição Ravara Alves Velloso – [Requerimento] [Manuscrito]. 1967. Acessível na Faculdade de Belas Arte da

Universidade de Lisboa.

Fig. 29 – Conceição Velloso

Salgado na ESAA, já estava

reformada (depois de 2000),

estava na aula de Tapeçaria (da

Rafaela) a ajudar um aluno a

acabar o trabalho. Fotografia

cedida por Rafaela Zúquete.

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Conceição, desde 1962, era professora na EADAA, assegurou o ensino da Oficina de

Pintura, do Desenho de Figura268

, mais tarde (década de 1970), integrou a equipa que se dedicou

ao Curso de Artes dos Tecidos, “… dava História da Arte depois passou para Têxteis.”269

Ocupou-se da disciplina de Desenho e Composição do referido curso, era a professora que

dirigia o sector têxtil no início da década de 1980270

. Rafaela a propósito da sua colega e amiga

Conceição disse-nos assim:

Na AA, trabalhámos sempre juntas! Ela na parte dos estudos – fazia levantamento iconográfico.

Havia um tema que era trabalhado com a professora de desenho e a parte da oficina comigo. Era de facto

um trabalho em conjunto. Quando se sabe como fazer a tapeçaria – se conhece a técnica/a linguagem da

tapeçaria, o cartão/desenho também é mais fácil que seja um bom cartão/desenho, ou seja, criar um bom

motivo para executar/interpretar em tapeçaria. A partir de determinada altura, o desenho passou a estar na

oficina e a oficina passou a estar no desenho.271

Esta professora embora integrando o ensino formal, mostrava-se igualmente disponível

para esclarecer as dúvidas de quem a procurava, mesmo não frequentando a ESAA, tal como

sucedeu com Madalena Farrajota (1947). Madalena tornou-se numa Conservadora de Museus

especialista em têxteis (traje), começou a sua carreira no Serviço Educativo do Museu Nacional

de Arqueologia e, simultaneamente, lecionava na Escola Cesário Verde que na altura

funcionava na EADAA. Madalena, abruptamente, integrou a equipa do Museu Nacional do

Traje (MNTr) (1979) e como conhecia a Conceição “… que nessa altura, também fazia visitas

na Gulbenkian – trabalhava no Serviço Educativo da Gulbenkian.”272

Pediu-lhe ajuda, ajuda que

se converteu no encaminhamento de Madalena para junto de Rafaela a fim de receber os

primeiros ensinamentos sobre as tecnologias têxteis. Madalena que nunca tinha tido qualquer

formação em têxteis “voltou à escola”.273

Profissional que nos deu nota de que Conceição

abraçava, também, o ensino Não-formal, área pedagógica que largou porque: “A partir de certa

altura, a Gulbenkian queria que as pessoas trabalhassem em full-time e em exclusividade e a

Conceição optou pelo ensino…”274

Conceição foi uma profissional da educação artística que

escolheu a atividade que julgava ser a principal, a que lhe garantia maior estabilidade. Pedagoga

que acabou a sua carreira profissional, já no século XXI275

, na escola que foi mudando de nome

– de EADAA para ESAA e, em 1993, recuperando no seu nome o estatuto de escola artística

268 http://galerialinoantonio.antonioarroio.org/cvsalgado.htm

269 Volume II, Parte II, Entrevista 17, p. 2.

270 Volume II, Parte II, Entrevista 1A, p. 1

271 Volume II, Parte II, Entrevista 16, p. 7.

272 Volume II, Parte II, Entrevista 13, p. 4.

273 Id, p. 1.

274 Ibid, p. 4.

275 Volume II, Parte II, Entrevista 16, p. 7.

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que nunca deixou de ter, passou a designar-se Escola Secundária Artística António Arroio

(ESAAA) e, atualmente Escola Artística António Arroio (EAAA)276

.

A partir dos relatos de diferentes entrevistados – do ex-aluno Hugo Ferrão (1954), dos

seus colegas – Rafaela Zúquete, Helena Estanqueiro (1954) e Orenzio Santi (1957), ainda da

Conservadora de Museus Madalena Farrajota, que em dado momento “voltou à escola” para

iniciar uma aprendizagem sobre o complexo mundo dos têxteis –, ficou-se com a ideia de que

esta profissional de ensino que tinha sido uma brilhante aluna na ESBAL, teria requisitos para

ter engrossado o corpo docente de uma escola superior ou mesmo de uma faculdade de Belas

Artes. Pode ter pesado o facto de esta pedagoga carregar a herança do nome de família por parte

do seu avô paterno – João Maria Velloso Salgado – importante pintor naturalista e professor de

pintura da Academia de Belas Artes de Lisboa, artista associado ao academismo e aos núcleos

de apoio a Oliveira Salazar (1889-1970).

Conceição a par da sua atividade docente, foi sempre trabalhando no seu ateliê, inclusive,

recebia alunos, a título de exemplo menciona-se que Nina d`Orey Salgado recebeu os seus

ensinamentos entre 1990 e 1995277

. Conceição foi uma presença no meio artístico português, a

propósito da sua participação no Salão da Primavera na SNBA de 1959, Fernando Pamplona

(1909-1989) 278

, na Crónica de Artes Plásticas referiu “… as emotivas imagens infantis de

Maria da Conceição Veloso Salgado...”279

Em 1964, a propósito da sua exposição individual na

SNBA, em junho de 1964, Fernando Pamplona (de novo) escreveu:

… Maria da Conceição Veloso Salgado expõe óleos e esmaltes. Entre os primeiros, há obras de bom

quilate, como os três quadros evocativos de Toledo, de formas vagas mas de emoção larga e contida na

densidade da sua substancia pictórica. Menos conseguidas as naturezas mortas, dum decorativismo

superficial. "Retracto”, de formas recortadas e certa expressão anímica, patenteia possibilidades. Os

esmaltes, de técnica algo sumária, mas de bom efeito, mostram sensibilidade muito feminina.280

Hugo Ferrão que entre 1974 e 1978 foi aluno da ESAA, disse-nos: “… criámos um

circuito para vermos as exposições, mostras essas, onde a Conceição Salgado e a Teresa Raposo

também participavam…”281

Em janeiro de 1997, Conceição Velloso Salgado expôs pintura na

sua escola – galeria Lino António282

.

276 http://www.antonioarroio.pt/about/

277 https://pt-pt.facebook.com/pages/Nina-dOrey-Salgado/86034721139

278 Licenciado em Filologia Românica (1931), ingressou na carreira – professor liceal e do Ensino Técnico. Em paralelo, manteve uma prolífica

carreira como escritor e jornalista. Obteve o Prémio José de Figueiredo, conferido pela Academia Nacional das Belas-Artes, em 1943, 1954 e 1983. Em

1956 participou no IV Congresso da União Nacional (Maio a Junho - Lisboa), na secção de Educação Cultura. Passados três anos foi nomeado Inspetor

Superior do Ensino Técnico. Em 1960, foi agraciado com o Prémio do Teatro do SNI.

279 RADIO TELEVISÃO PORTUGUESA. Fernando de Pamplona – Crónica de Artes Plásticas. 1959-05-02.

280 RADIO TELEVISÃO PORTUGUESA. Fernando de Pamplona – Crónica de Artes Plásticas. 1964.

281 Volume II, Parte II, Entrevista 26, p. 4.

282 http://galerialinoantonio.antonioarroio.org/cvsalgado.htm,

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De seguida apresenta-se uma colega de Conceição e de Rafaela, Maria Antónia Santos

nasceu a 14 de novembro de 1937, frequentou a EICJO “… mas não foi aluna de Clementina

Carneiro de Moura porque não fez o Curso de Formação Feminina…”283

Depois, foi para a

EADAA, onde concluiu no

… ano escolar de 1955/1956 a Secção Preparatória para os Cursos de Pintura e Escultura das Escolas de

Belas Artes, a que se refere o artigo noventa e quatro do Decreto número trinta e sete mil novecentos e

quarenta e nove, de vinte e cinco de Agosto de mil novecentos e quarenta e oito…284

No dia 24 de setembro de 1956, Maria Antónia fez o pedido de admissão ao exame na

ESBAL285

, tendo obtido sucesso nas provas de admissão, a 19 de dezembro do mesmo ano,

solicitou autorização para efetuar a matrícula nas UC do primeiro ano do Curso Geral de

Pintura286

, curso que concluiu em 1961 com média geral de doze valores. Ciclo de estudos que

compreendia catorze UC “… que constituem a habilitação legal para o professorado do Ensino

Técnico Profissional.”287

Maria Antónia Já vinha lecionando desde os tempos em que era aluna

na ESBAL (1958), iniciou a sua atividade docente aos 21 anos concorrendo ao Ministério da

Educação288

. “Em 15/5/1967, concluiu o Curso Superior de Pintura segundo, o Decreto 21662,

de 12/9/1932, com a classificação de 15 valores.”289

Esta diplomada pela ESBAL, deu aulas ao Ciclo Preparatório na EIJO e acabou a sua

carreira profissional, enquanto docente, ao fim de trinta e seis anos (aos 58 anos de idade) na

ESAAA, escola onde tinha sido igualmente aluna. Foi enquanto professora nesta escola, ainda

denominada de EADAA que Maria António se interessou por tapeçaria e, foi para França como

bolseira da FCG. “Antes de ter pedido esta bolsa, Maria Antónia disse ter ido falar com Maria

Flávia de Monsaraz porque considerava que era a única pessoa em Portugal a fazer tapeçaria

contemporânea e, recebeu o aval do Diretor da então EADAA – o professor Arnaldo Louro de

Almeida (1926-2008)290

”. Maria Antónia contou-nos assim: “Terminado o Estágio na escola de

Aubusson regressei a Portugal e iniciei o estudo e a montagem das oficinas para os cursos de

Arte dos Tecidos em preparação na Escola António Arroio.”291

283 Volume

II, Parte II, Entrevista 20 – Notas Diário de Campo.

284 ESCOLA DE ARTES DECORATIVAS ANTÓNIO ARROIO – Certificado de Maria Antónia Santos. 1956-08-14. Acessível na Faculdade de

Belas Arte da Universidade de Lisboa.

285 SANTOS, Mª Antónia Santos – [Requerimento] [Manuscrito]. 1956. Acessível na Faculdade de Belas Arte da Universidade de Lisboa.

286 SANTOS, Mª Antónia Santos – [Requerimento] [Manuscrito]. 1956. Acessível na Faculdade de Belas Arte da Universidade de Lisboa.

287 ESCOLA SUPERIOR DE BELAS ARTES DE LISBOA – Declaração para Maria Antónia Santos. 1961-10-25. Acessível na Faculdade de

Belas Arte da Universidade de Lisboa.

288 Volume II, Parte II, Entrevista 20, p. 1 e Notas Diário de Campo Entrevista a Maria Antónia Santos.

289 SANTOS, Mª Antónia Santos – [Requerimento] [Manuscrito]. 1967. Acessível na Faculdade de Belas Arte da Universidade de Lisboa.

290 Volume II, Parte II, Volume

II, Parte II,

Entrevista 20 – Notas Diário de Campo.

291 Volume II, Parte II, Entrevista 20, p. 1.

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Professora e pioneira do ensino da tapeçaria na EADAA, Maria Antónia a propósito da

sua vida profissional escreveu que:

Desde os meus tempos de aluna na ESBAL sempre mantive a minha actividade no atelier a par com o

Ensino, actividade essa que mantenho presentemente a tempo inteiro. É certo que foi com muita

perseverança, alguma dificuldade e muita organização que consegui articular a actividade criadora com o

Ensino e a qual foi muitas vezes condicionada pelas aulas e actividades na escola. Por essa razão a

aposentação foi, de certo modo, libertadora.292

1.1.2. Outros Dois Bons Alunos

Terá havido, decerto, muitos outros bons alunos contemporâneos de Maria Flávia de

Monsaraz e de João Rocha de Sousa, elegeram-se estes ex-alunos porque se tornaram duas

figuras incontornáveis na tapeçaria contemporânea, a primeira ao nível da execução e do ensino

não-formal e informal, e o segundo porque lhe pesa a responsabilidade de ter desenvolvido o

ensino desta categoria da arte na ESBAL, mais tarde (1992), estabelecimento de ensino

designado de Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa (FBAUL).

Fig. 30 – Maria Flávia de Monsaraz,

na ESBAL, no final de década de

1950, trabalhando no Molde em

Barro do bronze Busto de Ercília.

Ercília a sua colega cabo-verdiana.

Fotografia cedida por Maria Flávia

de Monsaraz.

Maria Flávia de Monsaraz é uma portuguesa que nasceu em Madrid, no dia 23 de

Novembro de 1935. Filha de Alberto de Monsaraz (1889-1959) – 2.º Conde de Monsaraz – foi

poeta, político e ensaísta, um dos fundadores do Integralismo Lusitano293

. Grupo político

conservador e monárquico que, acedendo ao pedido de Oliveira Salazar o apoiou. Tornando-se

Presidente do Conselho de Ministros (1933), Oliveira Salazar de modo a evitar a oposição não

poupou nem quem o tinha ajudado: “… quando se viu no poder mandou-os prender a todos!”294

O pai de Maria Flávia foi preso e obrigado a exilar-se, motivo porque a primeira filha do casal

acabou por nascer em Espanha.

292 Id.

293 http://www.geneall.net/P/per_page.php?id=6460

294 Volume II, Parte II, Entrevista 3, p. 1.

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Esta jovem com talento, para fazer o sétimo ano, esteve dois anos em casa (1950 e 1951)

porque não queria ir para colégios de freiras. Como tinha tempo livre, desenhava muito, o pai

que sempre a via desenhar pelos cantos da casa, achava que a filha devia ir aprender a fazê-lo

bem feito. E, Maria Flávia foi, foi para o ateliê do Mestre Leopoldo de Almeida (1898-1975)

que ficava em Campo de Ourique.295

Fui com 16 anos para as Belas Artes (BA) – cheguei à minha casa maior –, foi muito bom porque eu

sou quase esteticamente doentia. Desrespeitar a matéria incomoda-me imenso, a matéria tem de espelhar

o nosso interior. (…). Para mim, a importância das BA não foi tanto pelo que lá aprendi mas sim por ter

despertado o grande sentido estético que já me habitava.296

Chegando aos 18 anos, Maria Flávia incentivada pelo Mestre foi para a ESBAL. “Eu

queria aprender escultura e o Mestre incentivou-me a ir para as BA porque eu só tinha dezoito

anos, estava em muito boa idade para me matricular na faculdade.”297

De modo a concluir o

Curso dos Liceus, Maria Flávia realizou no Liceu D. João de Castro os exames das disciplinas

do 3.º Ciclo (7.º ano) na Classe de Românicas298

. Concluído o Curso dos Liceus, fez o

requerimento para as provas de aptidão ao Curso Especial de Escultura, e em outubro de 1953,

entregou novo requerimento em que pedia autorização para se matricular no primeiro ano do

Curso Especial de Escultura299

. Finalizando o primeiro ano, faz de novo, outro requerimento a

solicitar inscrição no segundo ano300

. Depois de terminado o primeiro ciclo de quatro anos

(1957), com média de dezasseis vírgula dois valores301

, esta aluna, à semelhança do que tinha

feito nos anos anteriores, pediu autorização para se inscrever no Curso Superior de Escultura302

,

um segundo ciclo que acabou em 1959303

. Ciclo que para ser finalizado implicava que os alunos

prestassem a prova referente à Carta de Curso. O objeto (escultura) executado por Maria Flávia

obteve a classificação de dezanove valores304

, valor que contribuiu para que a média final deste

295 Volume

II, Parte II, Entrevista 3, p. 5.

296 Id, , p. 1.

297 Ibid, p. 5-6.

298 LICEU D. JOÃO DE CASTRO – Certificado de Habilitações de Maria Flávia de Monsaraz. 1953-07-31. Acessível na Faculdade de Belas

Arte da Universidade de Lisboa.

299 MONSARAZ, Maria Flávia de Monsaraz – [Requerimento] [Manuscrito]. 1953. Acessível na Faculdade de Belas Arte da Universidade de

Lisboa.

300 MONSARAZ, Maria Flávia de Monsaraz – [Requerimento] [Manuscrito]. 1954. Acessível na Faculdade de Belas Arte da Universidade de

Lisboa.

301 MONSARAZ, Maria Flávia de Monsaraz – [Requerimento] [Manuscrito]. 1964. Acessível na Faculdade de Belas Arte da Universidade de

Lisboa.

302 MONSARAZ, Maria Flávia de Monsaraz – [Requerimento] [Manuscrito]. 1957. Acessível na Faculdade de Belas Arte da Universidade de

Lisboa.

303 MONSARAZ, Maria Flávia de Monsaraz – [Requerimento] [Manuscrito]. 1959. Acessível na Faculdade de Belas Arte da Universidade de

Lisboa.

304 MONSARAZ, Maria Flávia de Monsaraz – [Requerimento] [Manuscrito]. 1959. Acessível na Faculdade de Belas Arte da Universidade de

Lisboa.

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ciclo de estudos tenha sido de dezassete vírgula um valores, tendo ficado esta jovem escultora

com a média geral de curso de dezasseis vírgula seis valores305

.

Maria Flávia, logo em 1959, constituiu ateliê na sua residência, onde dava aulas de

Desenho de Modelo, fazia joalharia e cartões para tapeçarias a executar na Manufactura de

Tapeçarias de Portalegre (MTP)306

. A propósito da MTP Maria Flávia disse: “Fiz mais que um

cartão, trabalhava com o Senhor Guy Fino…”307

Pouco tempo depois, esta jovem foi dar aulas

na EADAA. ”Nesta altura já tinha o ateliê com a Carmo D`Orey e a Graça Costa Cabral, na

Coelho da Rocha (pátio) …”308

Preparando um novo ciclo de formação, Maria Flávia, em março de 1964, voltou à

ESBAL para pedir o certificado de classificação final do Curso Superior de Escultura e, três

meses depois (a 22 de junho), fez outro requerimento solicitando o Certificado de Habilitações

“… para efeito dum pedido de Bolsa de Estudo…”309

. Bolsa da Fundação Calouste Gulbenkian

que durou um ano e, correspondeu ao último ano do Curso de Artes Decorativas de uma escola

em Paris310

. Aproveitando a proximidade, a estudante portuguesa que se encontrava em Paris foi

à Suíça visitar a Bienal de Lausanne311

– 2Eme Biennale Internationale de la Tapisserie – que

se realizou no Museu Cantonal das Belas-Artes, de 18 de junho a 26 de setembro 1965312

. Maria

Flávia disse ter ficado deslumbrada com esta exposição que:

… apresentava, essencialmente, volumes enormes, chamava-se La Nouvelle Tapisserie e pensei “é isto

que quero fazer! Misturar cor com volume!”

Nunca tinha visto em lado nenhum do mundo nada parecido. As tapeçarias mais bonitas eram

polacas, feitas por mulheres que pertenciam a cooperativas.313

Maria Flávia veio a Portugal de férias e decidiu voltar para a capital francesa, a bolsa não

foi renovada314

, enquanto estudante em Paris Maria Flávia, tinha trabalhado com os têxteis –

fazia patchworks que continuou fazendo até voltar para Lisboa (1969)315

. No final de 1969

305 MONSARAZ, Maria Flávia de Monsaraz – [Requerimento] [Manuscrito]. 1964. Acessível na Faculdade de Belas Arte da Universidade de

Lisboa.

306 Volume II, Parte II, Entrevista 15,

p. 2.

307 Volume II, Parte II, Entrevista 3, p. 3.

308 Id, p. 5.

309 MONSARAZ, Maria Flávia de Monsaraz – [Requerimento] [Manuscrito]. 1964. Acessível na Faculdade de Belas Arte da Universidade de

Lisboa.

310 Volume II, Parte II, Entrevista 3, p. 4.

311 Volume II, Parte II, Entrevista 3, p. 2.

312 BIENNALE INTERNATIONALE DE LA TAPISSERIE – 2eme biennale internationale de la tapisserie, Lausanne Suisse : Musee cantonal

des beaux-arts, du 18 juin au 26 septembre 1965. (2nd). Lausanne : Centre International de la Tapisserie Ancienne et Moderne / Musée cantonal des

beaux-arts, 1965.

313 Volume II, Parte II, Entrevista 3, p. 2.

314 Id, p. 5.

315 Ibid, p. 6.

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estava a fazer tapeçaria contemporânea, em dezasseis anos (1969-1985), fez sessenta e duas

tapeçarias316

.

Se Conceição Velloso Salgado e Maria Flávia de Monsaraz foram brilhantes alunas na

EBAL/ESBAL, João Rocha de Sousa que nasceu em Silves no dia 29 de agosto de 1938,

também o foi. Num documento emitido, em agosto de 1955, pelo Liceu Nacional de Faro, lê-se:

“…que João Manuel Rocha de Sousa, concluiu, (…) no dia vinte e oito de julho (…), o exame

do Segundo Ciclo (Quinto Ano), e foi aprovado…”317

Em setembro desse mesmo ano, com os

seus dezassete anos, solicitou as provas de admissão ao Curso Especial de Pintura318

. Este

estudante pertencia a uma família, que outrora, tinha gozado de boa situação financeira

proveniente da indústria corticeira319

mas, quando chegou o momento de sair do Algarve para

continuar os estudos, o pai não lhe podia proporcionar as condições económicas ideais, eram

dois filhos a estudar em Lisboa. “O fraco orçamento mensal de que dispunha para frequentar o

curso foi complementado por uma bolsa de estudo320

atribuída pelo Centro Universitário de

Lisboa, da Mocidade Portuguesa.”321

Tendo obtido aprovação, a 22 de outubro, solicitou

autorização para se matricular nas UC do primeiro ano322

. Ciclo de formação que possibilitou a

este aluno concorrer para lecionar no Ensino Técnico, tendo por isso requerido, em Agosto a

Certidão de Conclusão do Curso Especial de Pintura.323

Seguiu-se a frequência do 2. º Ciclo, o

Curso Superior de Pintura324

, tendo apresentando o “Programa” para o trabalho/tese de

conclusão de curso em 30 de janeiro de 1961. Intitulado Morro, uma pintura a óleo que

obedeceria às dimensões regulamentadas – é ao alto conforme o esbocete prévio que apresentou

em duplicado325

, “… quadro a realizar no seu atelier, na Avenida Elias Garcia, 130, 4º em

Lisboa…”326

Na mesma data, solicitou autorização para prestar a prova referente à Carta de

Curso, documento em que se lê que foi aprovado com dezoito valores, no dia 18 de abril de

316 Volume

II, Parte II, Entrevista 3, p. 2.

317 LICEU NACIONAL DE FARO – Certificado de Habilitações de João Manuel Rocha de Sousa. 1955-08-6. Acessível na Faculdade de Belas

Arte da Universidade de Lisboa.

318 SOUSA, João Manuel Rocha de – [Requerimento] [Manuscrito]. 1955. Acessível na Faculdade de Belas Arte da Universidade de Lisboa.

319 FERRÃO, Hugo – Rocha de Sousa: Ser Sem Heterónimos. Arte Teoria: Revista do Mestrado em Teorias da Arte da Faculdade de Belas-Artes da

Universidade de Lisboa. Lisboa. ISBN 972-98505-1-8 N.º 4 (2003) , p. 74-76.

320 CUNHA, J.M. da Silva – Solicitação ao diretor ESBAL. Certificado. 1959-8-05. Acessível na Faculdade de Belas Artes da Universidade de

Lisboa

As Bolsas eram concedidas pelo Ministério da Educação Nacional/Mocidade Portuguesa/Centro Universitário de Lisboa cujo Diretor era o Doutor J.

M. da Silva Cunha que pedia informação ao Diretor das Escolas sobre o aproveitamento dos alunos.

321 FERRÃO, Hugo – Rocha de Sousa: Ser Sem Heterónimos..., p. 84.

322 SOUSA, João Manuel Rocha de – [Requerimento] [Manuscrito]. 1955. Acessível na Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa

323 SOUSA, João Manuel Rocha de – [Requerimento] [Manuscrito]. 1958. Acessível na Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa

324 CUNHA, J.M. da Silva – Solicitação ao diretor ESBAL. Certificado. 1959-8-05. Acessível na Faculdade de Belas Artes da Universidade de

Lisboa

325 SOUSA, João Manuel Rocha de – [Programa] [Manuscrito]. 1961. Acessível na Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa

326 FERRÃO, Hugo – Rocha de Sousa: Ser Sem Heterónimos…, p. 86.

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1961. Sendo as médias do Curso Especial de dezasseis valores e do Curso Superior de dezassete

vírgula sete valores, perfazendo a média geral de dezasseis vírgula oito valores327

João Rocha de Sousa que aos vinte e dois anos concluiu o Curso Superior de Pintura,

apesar de seu percurso académico muito assertivo não foi poupado à tropa. Antes de se tornar

professor na escola em que se formou, foi fazer o Serviço Militar Obrigatório na Guerra do

Ultramar – Angola (1961-1963) 329

. Este jovem adulto, “… quando veio de Angola entrou como

Assistente para a ESBAL, foi convidado para dar 2 cadeiras, Pintura do Natural e uma

Tecnologia – o binómio cerâmica e tapeçaria.”330

Regressado do Ultramar, já é outro homem, é indicado pelo professor Gil Teixeira Lopes (1936),

como potencial Assistente para a área da pintura, sendo proposto pelo director Paulino Montez, acabando

por ser contratado em Janeiro de 1964 como 2º Assistente fazendo a regência das cadeiras de índole

tecnológica, “iniciação à Pintura” e uma nova cadeira “Tapeçaria”.331

João Rocha de Sousa contou-nos

… que quando foi contratado para dar tapeçaria “… não sabia nada de tapeçaria.” Referiu que as escolas

chamavam as pessoas para dar aulas em função dos conteúdos de que havia necessidade, não querendo

dizer que se soubesse algo sobre aqueles assuntos e, não os conhecendo teriam de os estudar.332

Na verdade, João Rocha de Sousa contava com alguma experiência em tapeçaria, à

semelhança do que se passou com Maria Flávia de Monsaraz, tinha feito cartões para tapeçarias.

Um desses cartões, cuja tapeçaria foi executada na MTP, destinou-se a Olga Rocha Pragana, fez

ainda outros dois cartões para tapeçarias a executar numa pequena manufatura que se situava no

Porto. “Há 2 tapeçarias muito engraçadas na Associação de Farmacêuticos que agora, também

tem um Museu.”333

327 SOUSA, João Manuel Rocha de – [Prova Carta de Curso] [Manuscrito]. 1961. Acessível na Faculdade de Belas Artes da Universidade de

Lisboa.

328 FERRÃO, Hugo – Pintura como hipertexto do Visível: Instauração do Técnico-Imaginário do Citor…, p. 221.

329 FERRÃO, Hugo – Rocha de Sousa: Ser Sem Heterónimos…, p. 81.

330 Volume II, Parte II, Entrevista 28, p. 3.

331 FERRÃO, Hugo – Rocha de Sousa: Ser Sem Heterónimos…, p. 87.

332 Volume II, Parte II, Entrevista 28, p. 1.

333 Id, p. 3.

Fig. 31 – Ficha de Aluno, João

Rocha de Sousa, mostrando a

data (14-4-1961) e a notação (18

valores) obtida na Prova Final

de curso328.

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Em 1970, este professor, acedeu ao título de Professor Agregado, através da prestação de

provas públicas, “… apresentando como lição: “Mobilidade Visual, Aparência e

Representação”, obtém aprovação por unanimidade, passando a exercer as funções de Primeiro

Assistente, integrado no quadro conforme previsto na Reforma de 57.”334

Foi regente das UC de

Pintura, de Tapeçaria e de Introdução às Artes Plásticas e ao Design335

,

… é considerado a figura tutelar da cadeira de Fotografia e de Audiovisuais, participou de forma decisiva

para que a reforma pedagógico-científica de 1974/79 fosse homologada em Diário da Republica, Decreto

n.º 38/83 (…); foi membro dos diferentes Conselhos, destacando-se a sua participação como Presidente

do Conselho Científico (1983, 1984 e 1986).336

Ensaiou novos métodos e estratégias pedagógicas, experiência que teve continuidade em

livros como Para uma Didáctica Introdutória às Artes Plásticas, um marco no ensino da

Educação Visual em Portugal.337

Em 1992, com a integração da ESBAL na Universidade de Lisboa, este pedagogo

ascendeu ao cargo de Professor Auxiliar da FBAUL, instituição onde continuou a desenvolver a

sua atividade como docente e investigador, tendo realizado em 1996, “… Provas de Agregação

Universitária com aprovação por unanimidade…”338

– “… fez uma lição com o filme Real

Impossível que era o suporte à lição.”339

Foi Professor Auxiliar Convidado no Núcleo de Tecnologia de Ensino à Distância da

Universidade Aberta, onde regeu a UC de Tecnologia e Discurso Vídeo no Mestrado de

Comunicação Educacional Multimédia e, criou a UC de Didáctica da Educação Visual,

simultaneamente, foi assessor em matérias de ordem artística e similares340

.

João Rocha de Sousa, foi Bolseiro da Fundação Calouste Gulbenkian, expunha “…

coletivamente e individualmente com regularidade desde 1967…”341

Colaborador de várias

revistas como “… a Colóquio Artes – que era um feudo.”342

, Artes Plásticas, ArteTeoria e no

Jornal de Letras onde foi tendo papel de destaque como crítico de arte.343

Membro de diversas

instituições como a AICA – Associação Internacional dos Críticos de Arte (secção Portuguesa)

desempenhando funções de secretário, fez também parte dos corpos de gestão da SNBA

(Direção e Conselho Técnico), onde restruturou e lecionou no Curso de Formação Artística,

334 FERRÃO, Hugo – Rocha de Sousa: Ser Sem Heterónimos…, p. 87.

335 Volume II, Parte II, Entrevista 28, p. 1e 2.

336 FERRÃO, Hugo – Rocha de Sousa: Ser Sem Heterónimos…, p. 89.

337 Id.

338 Ibid, p. 90.

339 “O reitor – Barata-Moura – disse que esta agregação com imagens representava “uma lufada de ar fresco.” Volume II, Parte II, Entrevista 28, p.

2.

340 FERRÃO, Hugo – Rocha de Sousa: Ser Sem Heterónimos…, p. 90.

341 Id, p. 92.

342 Volume II, Parte II, Entrevista 28, p. 2.

343 FERRÃO, Hugo – Rocha de Sousa: Ser Sem Heterónimos…, p. 95.

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ensinou também no AR.CO – Centro de Arte e Comunicação Visual, membro correspondente

da Academia Nacional de Belas-Artes, onde publicou vários artigos. Fundador da Associação

para a Defesa do Património Histórico e Artístico de Silves.344

João Rocha de Sousa “… é um autor que vem “de fora” dos clãs instituídos, mas cuja

excelência intelectual e artística é reconhecida.”345

2. (VIVÊNCIAS) NA ESCOLA SUPERIOR DE BELAS ARTES DE LISBOA

2.1. Quem Ensinava e Como se Relacionavam as Pessoas e as Temáticas

A propósito da vivência de João Rocha de Sousa enquanto aluno da ESBAL, Hugo Ferrão

que veio a ser seu aluno e depois Professor, na mesma instituição de ensino, escreveu “que se

inventava futuro”

… discutia-se sobre a possível viragem politica no café Monte Carlo, os olhares tentavam identificar

alguma atenção “excessiva”, não fosse algum “bufo” estar por perto, acompanhados por “bicas singelas”

(…) comentava-se o estado de “mumificação” da Escola entre amigos, como José Cândido, Marcelo

Moreira de Sousa, Edgar Sardinha, Daciano Costa, Gil Teixeira Lopes, e Conceição Veloso Salgado,

figuras desenhadas ao sabor das ironias habitantes dos “diários gráficos” de quem tem o “vicio” de

viver.346

Quanto aos docentes, começamos por falar de Leopoldo de Almeida que foi professor de

muitas gerações de alunos da EBAL e da ESBAL foi recordado por dois dos nossos

entrevistados – ex-alunos que lhe teceram críticas quer negativas quer positivas. Abel Agostinho

teve o Mestre Leopoldo como professor de uma UC anual, foi professor que apenas viu

… 2 vezes, ele tinha muito que fazer, era o escultor oficial do regime (de Salazar), quem lá estava a tomar

conta da aula era a D. Rosa (...)

Uma escola de artes deve ser um local de experiência – tentativa de encontrar novos horizontes,

quando não, é mais do mesmo.347

Encontrámos no depoimento de Maria Flávia de Monsaraz, uma lembrança completamente

distinta da anterior, embora se encontre, também uma crítica velada no seu discurso: “Andei seis

anos nas BA. O professor foi Leopoldo de Almeida era um Senhor encantador embora com uma

forma de ensino bastante académica.”348

Decerto que as recordações desta ex-aluna se prendem

com a carga afetiva depositada porque, ainda adolescente: “Tinha aprendido a desenhar bem no

ateliê do Mestre Leopoldo de Almeida.”349

Dizendo-nos mesmo que: “O Mestre (Leopoldo de

344 Id, p. 89 e 95.

345 Ibid, p. 87.

346 Ibid, p. 85.

347 Volume II, Parte II, Entrevista 14, p. 5.

348 Volume II, Parte II, Entrevista 3, p. 5.

349 Id.

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Almeida) era uma pessoa de quem gostava muito, devo-lhe a minha ida para a Escola de Belas-

Artes.”350

A única pessoa que ensinava escultura nas BA era Leopoldo de Almeida que pertencia ao júri que me

avaliou o trabalho da tese em 19 valores. Trabalho que era o mais ousado em termos de modernidade que

as BA, à época podiam aceitar.351

Fig. 32 – Maria Flávia

de Monsaraz, Menina

com Aves: Prova de

conclusão do Curso

Superior de Escultura,

1959, escultura,

fotografada no Jardim

da Casa de Lisboa –

Rua Vítor Cordon.

Fotografias da Artista.

Abel Agostinho disse-nos que sentiu mais proximidade professor/aluno na EADAA do que

na ESBAL mas que:

Nas BA, eram igualmente, pessoas fantásticas, tive um professor – desenhador perfeitamente

fantástico – Luís Filipe Abreu que tem uma obra notável/brilhante. Transmitia-me a ideia de que

desenhava muito bem mas, quanto ao nível da criatividade que não era nada de especial.

(…). Enquanto aluno, olhava para o que ele fazia e era o deslumbramento, porque era de uma

qualidade. Hoje ainda acho. (…). Na altura houve um concurso para regente da cadeira e ele ficou em 2.º

lugar, ganhou o Ferreira, homem simpático. Isto na década de 1960.”352

Este antigo aluno recordando-se da UC Esboço do Nu, disse-nos

… que era uma coisa exótica. Uma sala grande, no meio um plinto grande onde ficava o modelo, uma

secretária com cadeira para o professor e uma empregada sentada na cadeira a vigiar, para manter os bons

costumes. Ficava a fazer tricô. Tinha Esboço do Nu, 5 dias por semana, 3 horas por dia. Como era

esboço? O esboço é um apontamento – agarrar a coisa. Um desenho pressupõe outra elaboração. Quando

chegava ao fim das 3 horas, tinha 60/70 folhas com esboços. Depois, ia selecionando e, de cada dia,

ficava só com 3/4 páginas. Isso deu-me um desembaraço, o professor era Soares Branco. Um dia ficou tão

entusiasmado com o meu entusiasmo que disse: “Eu também vou desenhar!” E passámos os dois a

desenhar. Era só eu, havia vários alunos mas só eu a frequentar. Um dia, apareceu uma colega (só daquela

vez), a moça que estava a pousar (que já era casada) pediu para ter uma posição deitada, acho que

encolheu uma perna, eu e o professor achámos que era uma coisa bonita, andámos à volta dela a fazer

350 Ibid.

351 Volume II, Parte II, Entrevista 3, p. 6.

352 Volume II, Parte II, Entrevista 14, p. 1.

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vários esboços, era uma coisa linda! Entrou a tal colega e disse: “Ai que coisa horrorosa!” Está a ver

como era...

Foi nessa aula que aprendi a desenhar, 15 horas semanais deixam marca!”353

Luís Filipe Abreu (1935)354

, lecionava Pintura e Domingos Soares Branco (1935-2013)355

ensinava Desenho,

… era escultor e dava Desenho do Nu. Como professor, para mim, era totalmente diferente do anterior

(Cunha “Bruto”), era solidário com os alunos, incentivava o trabalho, ajudava a resolver de modo a que

os alunos não tivessem grandes ansiedades ou bloqueios. Era um professor capaz de companheirismo,

como já lhe contei, a determinada altura, começou a desenhar comigo, as mesmas coisas que eu na aula

de Modelo Nu.

O Mestre António Duarte (escultor) que fez o Santo António da Praça de Alvalade e o Camilo Castelo

Branco na Duque de Loulé, também era professor de desenho. Era magnífico como professor porque

demonstrava onde estava mal e assinalava – ensinava a ver – para depois podermos corrigir.356

Cunha “Bruto” – Bruto era alcunha –, tinha sido Diretor da Escola antes de Abel Agostinho

ter passado na ESBAL, foi o seu professor de Desenho Arquitetónico.

Era uma personagem, era um homem de 60 e tal 70 anos, com cara picada das bexigas. Bruto era

alcunha mas o senhor era mesmo bruto! Falava num tom autoritário: e com voz de baixo: “Oolhaaa Llááá

hó rapáaazz!” Nós fazíamos desenhos arquitetónicos com a folha colada à prancheta e com uma cercadura

afastada 2 cm da mesma, ele exigia aquilo da cercadura depois, era preciso aguarelar. Entre outras

patacoadas, ele nunca nos soube explicar o método das superfícies envolventes – achar as sombras por

esse método de que ele falava mas não sabia explicar. Nunca eu, nem ninguém soube fazer aquilo porque

não havia informação. Outro professor, falava do problema e mostrava a solução e, nós íamos lá, com este

professor não era possível. Isto foi para ai em 1957/1958.357

353 Volume

II, Parte II, Entrevista 14, p. 2.

354 Artista plástico e Professor Catedrático da Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa e membro efetivo da Academia Nacional de Belas-

Artes. Nasceu em Torres Novas em 1935, é diplomado pela escola Superior de Belas Artes, onde exerceu funções como docente. Desempenhou

funções de consultor artístico e técnico no domínio das artes visuais e design junto de entidades públicas, privadas e organismos do Estado. Realizou

vários cartões para tapeçaria, obras que podem ser vistas no Hotel Alvor-Praia e no Hotel Hilton da Madeira. Começou a colaborar com a Manufactura

de Tapeçarias de Portalegre em 1967.

355 Natural de Lisboa, iniciou o curso de escultura na EBAL em 1944, foi aluno de Simões de Almeida (sobrinho) e de Leopoldo de Almeida. Em

1951 foi o 2.º classificado do Prémio de Escultura Soares do Reis, promovido pelo SNI. Concluiu o curso em 1953 e empregou-se como desenhador na

Escola Médica de Lisboa. Em 1958 ingressou como professor na ESBAL, de onde saiu em 1996, por ter atingido o limite de idade. Em Lisboa, a

escultura de Santo António, junto à igreja evocativa, na Sé, a Águia do Estádio da Luz, o Vento Garroa, junto ao pavilhão de Portugal, no Parque das

Nações, o busto de Francisco Sá Carneiro, no Areeiro, e o monumento à 1.ª Travessia Aérea do Atlântico sul, em Belém. Em Fátima, a estátua do papa

Pio XII, e várias esculturas de temática tauromáquica em Alcochete e Santarém. Em Mafra o monumento, junto ao palácio-convento, do Soldado

Infante e o monumento comemorativo do 1.º centenário da Escola Prática de Infantaria, ainda nesta vila o monumento à atriz Beatriz Costa. Tem

também uma vasta obra na área da medalhística, na qual venceu vários concursos. O legado de Soares Branco é constituído por mais de 13.000 peças,

incluindo estudos, maquetas e esboços. Soares Branco doou grande parte do seu espólio à Câmara de Mafra, que criou, em 1991, um museu com o seu

nome, situado no Complexo Cultural Quinta da Raposa.

356 Volume II, Parte II, Entrevista 14, p. 5.

357 Id.

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Na linha de professores que marcaram negativamente este ex-aluno encontramos ainda o

Mestre Piloto – professor que era arquiteto que se ocupava da UC de Geometria Descritiva:

“Era uma Geometria Descritiva, completamente infernal.”358

Manuel Lapa (1914-1979)359

lecionava na ESBAL, Rafaela Zúquete recordando o seu

Professor disse que “… passava o tempo todo “choramingando” por causa da sua vida pessoal –

não tinha paciência!...”360

O grupo de ex-alunos com que se contatou, quando interrogado quanto à ligação de umas

áreas artísticas com as outras na ESBAL, respondeu que havia algumas aulas em comum com

os alunos dos outros cursos, “… a Geometria Descritiva com o Mestre Piloto (arquiteto Piloto).

(…). A aula de História Universal, também, era comum, com o professor Macedo Mendes.”361

Rafaela disse que no primeiro ano estavam todos juntos em Desenho de Estátua362

e, Abel disse

que a UC de anatomia também era em comum363

. Por outro lado, Abel advertiu que, tirando

estas aulas em conjunto: “A escola era estanque, tinha zonas físicas separadas, as aulas

aconteciam em simultâneo, não havia relação de uns com os outros (entre os alunos dos

diferentes cursos).”364

Ideia que se completa com a resposta de Maria Flávia: “Nas BA quem

esculpia não pintava. Os alunos de escultura, não tinham uma única aula com os alunos de

pintura, no primeiro ano tínhamos desenho e história da arte com os alunos de arquitetura. Mas

pintar? Os escultores não pintam!”365

A mesma pessoa (Rafaela Zúquete) que nos disse que tinha ido para a ESBAL para fazer

coisas que servissem para toda a gente disse-nos também que: “Havia disciplinas que tinham

nomes muito pomposos mas, nada de prático nem de utilizável para nós. Quando fui buscar o

Certificado, vi nomes de disciplinas que nunca tivemos!”366

Rafaela deu-nos uma ideia da

358 Volume

II, Parte II, Entrevista 14, p. 5.

359 Manuel Lapa era o nome artístico –, Manuel Francisco de Almeida e Vasconcelos –, foi um pintor, artista gráfico e decorador português que fez

parte da segunda geração de artistas modernistas portugueses. Diplomou-se na EBAL. Em 1940 integrou a equipa de artistas decoradores da Exposição

do Mundo Português; nesse mesmo ano é agraciado com o oficialato da Ordem de Cristo. Colaborou na Panorama : revista portuguesa de arte e

turismo e assumiu a direção artística da revista Atlântico (1942). Participou na I Exposição de Artistas Ilustradores Modernos, S.P.N., (Porto, 1942);

colaborou na obra Portugal: Breviário da Pátria para os Portugueses Ausentes (S.P.N./S.N.I., 1946). Participou em seis das Exposições de Arte

Moderna do S.P.N./S.N.I. (distinguido com o Prémio Domingos Sequeira, 1947). Em 1948 integrou a equipa de artistas-decoradores do Museu de Arte

Popular, , em parceria com Tom, executou os murais do Vestíbulo e salas de Entre-Douro-e-Minho, Trás-os-Montes e Algarve. Nesse mesmo ano

participa na exposição 15 anos de Obras Públicas e, com Tom, assumiu a direção do projeto da exposição 14 Anos de Política do Espírito, promovida

pelo S.P.N./S.N.I. (Lisboa, 1948). Em 1953, dirigiu a ilustração e publicação da obra Guia Olisipo: Roteiro da Cidade de Lisboa. Em 1969, com

António Quadros (1923-1993) , Lima de Freitas (1927-1998) e Manuel Costa Martins (1922-1996),fez parte do núcleo de fundadores do Instituto de

Arte, Decoração e Design (IADE), Lisboa.

360 Volume II, Parte II, Entrevista 16, p. 6.

361 Volume

II, Parte II, Entrevista 14, p. 5.

362 Volume II, Parte II, Entrevista 16, p. 6.

363 Volume II, Parte II, Entrevista 14, p. 2.

364 Id, p. 2.

365 Volume II, Parte II, Entrevista 3, p. 6.

366 Volume II, Parte II, Entrevista 16, p. 6.

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realidade da sua geração (“… a Maria Flávia é do ano do meu marido367

, eu sou 2 anos

depois.”368

) que, embora contemporânea da Reforma de 57, nada beneficiou dessa reforma,

ainda nos deu conta de uma ideia associada sobre quem ia ou não para o segundo ciclo de

estudos (Curso Superior). “Não apanhei nada da Reforma de 1957. Depois, fiz como toda a

gente, no 4.º ano vim embora. Quem fazia o 5.º ano era para ficar habilitado para o ensino e,

quem não ia era considerado snobe.”369

Ex-aluna que, da sua escola guarda lembranças das

interações que aconteciam na horizontalidade.

A ESBAL divertiu-me imenso e, à parte da escola – das matérias que dávamos – aprendíamos muito

com os pais de colegas nossos. P. ex., Almada Negreiros era pai do Zé Almada, o Keil (arquiteto

Francisco Keil do Amaral) era pai do Pitum/ Francisco Keil do Amaral (filho) que era filho da Maria

Keil.

Na ESBAL havia ligações de umas áreas com as outras? É claro que havia, se até com os pais dos

colegas havia. Até com o Porto/ESBAP com o Losa (arquiteto e marido da Ilse Losa) – ele ensinava…, o

Pádua (arquiteto) …, também lá de cima. Nessa altura, havia uma camada, um bocadinho, mais nova –

Nuno Portas, Nuno Teotónio… que se começava a distinguir.

A minha passagem na ESBAL teve um aspeto muito positivo mas, na horizontal – a aprendizagem era

ao nível dos colegas e pais de colegas. O Luís Filipe Abreu era nosso colega!

Havia professores comuns (nos 3 cursos pintura, escultura e arquitetura).370

A propósito da Reforma de 57, o então diretor da ESBAL – Arquiteto Paulino Montez

(1897-1988) – responsável pelo Boletim da escola, refere no primeiro numero que:

A Reorganização das escolas de belas-artes, decretada em 1931, (...), não deu perfeita expressão aos

anseios dos que foram chamados a participar nos respectivos trabalhos preparatórios. (...).

O desenvolvimento que de então para cá tem o ensino das artes plásticas em quase todos os países da

Europa e da América, o aparecimento constante de novos materiais e de novos processos que alargam

consideravelmente a base técnica da arte de construir, (...).

Entende o Governo não dever demorar-se a reforma do ensino artístico que a opinião esclarecida

reclama. (...) envia à Assembleia Nacional a proposta de lei que visa a renovação orgânica dos cursos de

Arquitetura, de Pintura e de Escultura...371

A Reforma de 57 tinha subjacente a modernização do ensino, modernização que já vinha

acontecendo pela escolha dos alunos. Os alunos, frequentemente, recorriam aos ateliês

particulares para se aproximarem do que se fazia na contemporaneidade, a aluna de escultura

Maria Flávia a propósito desta realidade referiu assim:

367 Arquiteto José Luís Zúquete (1934-1992).

368 Volume II, Parte II, Entrevista 16, p. 1.

369 Id.

370 Ibid, p. 6.

371 MONTEZ, Paulino (Coord.) – Boletim da Escola Superior de Belas Artes de Lisboa. Lisboa. N.º 1 (1957), p. 9.

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Depois, percebi que havia uma dimensão da escultura mais atual, do Henry Moore e do “Italiano dos

cavalos” – Marino Marini. A do Mestre era tradicional e procurei alguém que me pudesse abrir outras

prespetivas e fui dar aulas particulares com o Mestre Lagoa Henriques que estava com 36 anos e

regressado de Itália. Fui ao seu ateliê (lindíssimo que depois ardeu) em Belém, antes dei aulas com o

escultor Martins Correia, ateliê muito engraçado, passa-se num arco e entra-se, numa espécie de pátio ao

pé do Príncipe Real, (de S. Mamede para Príncipe Real), há lá uns ateliês muito engraçados.

Foram os dois escultores que me deram uma certa formação. Lagoa Henriques, ensinou-me a ver as

formas e o mundo com o olhar de quem sente e apreende as formas, a luz (o claro/ escuro), o volume. Ele

ensinou-me a ver! Ficámos, sempre, muito amigos, era uma pessoa muito criativa. Ainda não era

professor nas BA.372

Inicialmente, António Augusto Lagoa Henriques (1923-2009), pensou em ser arquiteto.

Dado que nos aparece através do requerimento que redigiu em 1944, solicitando um exame de

acesso ao curso, acrescentado ainda que tinha sido preparado para este exame pela SNBA373

.

Aluno que, entre 1945 e 1948, frequentou na EBAL o Curso Especial de Escultura (ao abrigo

do Decreto 21662), solicitou e obteve autorização para se transferir para a Escola de Belas Artes

do Porto (EBAP)374

, ainda a com a concordância de Paulino Montez, na época Professor e

Subdiretor em exercício375

.

O Mestre Lagoa Henriques, como os ex-alunos a ele se referem, deu uma entrevista (2003)

onde contou que o avô paterno foi uma influência muito importante para a sua formação. Este

avô que era alfaiate “… no seu atelier tinha tecidos, tesouras, giz. E os primeiros desenhos que

fiz não foram em papel e lápis, foram feitos em pedaços de pano, restos de fato e eu desenhava,

criava rabiscando com o giz de alfaiate.”376

Esta relação do Mestre com o têxtil não era

conhecida da sua aluna Maria Flávia e nem o Mestre, na altura, sabia que Maria Flávia vinha a

tonar-se na percursora da Tapeçaria Contemporânea em Portugal.

Quanto aos têxteis artísticos, João Rocha de Sousa contou-nos que “… em Portugal, se

encontrava literatura sobre os bordados (Ensino Técnico).”377

Ainda “… que havia na ESBAL

um livro do Pós-Guerra que “agarrou” os alunos a Lurçat. Lurçat foi o Homem que recuperou a

tapeçaria antiga para a Europa.”378

Referiu que enquanto aluno, tinha a obrigação de ir à

Academia Nacional de Belas-Artes estudar mas, sobre tapeçaria não encontrava nada. “Como

aluno fui a Portalegre! Ficámos muito motivados, muito despertos!”379

372 Volume

II, Parte II, Entrevista 3, p. 6.

373 HENRIQUES, António Augusto Lagoa – [Requerimento]. 1944. Acessível na Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa

374 MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO NACIONAL/DIREÇÃO GERAL DO ENSINO SUPERIOR E DAS BELAS ARTES – Resposta ao Oficio nº

11-48, L-C de 11 de Agosto. 1948-10-16. Acessível na Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa.

375 MONTEZ, Paulino (ESBAL) – Certidão. 1948-10-20. Acessível na Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa.

376 SANTOS, Luísa Duarte – Projecto Memória: Professor Escultor Lagoa Henriques. [Em linha]. Lisboa : Faculdade de Belas-Artes da Universidade

de Belas Artes/Mestrado Teorias da Arte/UC Pensamento Plástico, Visibilidade e Legibilidade, 2003, p. 29-30.

377 Volume II, Parte II, Entrevista 28, p. 1.

378 Volume II, Parte II, Entrevista 28, p. 3.

379 Volume II, Parte II, Entrevista 28, p. 4.

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Interrogado sobre o ensino/aprendizagem da tapeçaria, Abel Agostinho disse-nos:

… não fiz nada de pintura para tapeçaria nem antes de ter ido para a tropa nem depois. Nunca! Não

aprendi nada na escola sobre tapeçaria. Obviamente que, conhecia o Lurçat e outros, através de

publicações que havia por ai. O Almada também fez tapeçaria, havia muita gente que fazia. Em termos

sistemáticos/académicos, não obtive nada sobre tapeçaria.381

Durante as várias horas de conversa que tivemos com Maria Flávia, em momento algum, a

ESBAL foi associada a qualquer tipo de abordagem à tapeçaria. “Enquanto aluna da Escola

Superior de Belas Artes de Lisboa MAS disse nunca ter ouvido falar de tapeçaria…”382

Rafaela

fez questão de dizer: “Na ESBAL não tive nada de tapeçaria e não se falava disso!”383

2.2. A Reforma de 57 e a Tapeçaria

O governo, pelo Ministério da Educação Nacional elaborou a proposta de Lei 502 (...) de 4 de Janeiro

de 1950, relativa à reorganização do ensino de Belas Artes.

(...).

A Assembleia Nacional, em 20 de Abril, aprovou o texto da reorganização – texto que corresponde ao

da Lei 2043, de 10 de Julho de 1950

Consideradas as disposições da Lei 2043, foram promulgados em 14 de Novembro de 1957, o

Decreto-lei 41 362 e o Decreto 41 363 constituindo, este último, o Regulamento das Escolas Superiores

de Belas Artes.384

Com a Reforma de 57 os programas escolares começaram a ser desenhados em função da

escola alemã Bauhaus. As Escolas Superiores de Belas-Artes de Lisboa e do Porto, através de

uma lei e de dois decretos-lei385

, sofreram alterações, alterações que não vieram a repercutir

efeitos ao nível da oferta educativa, ou seja, a escola continuou, apenas, a oferecer os cursos de

380 FERRÃO, Hugo – Pintura como hipertexto do Visível: Instauração do Técnico-Imaginário do Citor. Faculdade de Belas-Artes da

Universidade de Lisboa, 2007. Tese de Doutoramento, p. 231.

381 Volume II, Parte II, Entrevista 14, p. 2.

382 Volume II, Parte II, Entrevista 20 – Notas Diário de Campo.

383 Volume II, Parte II, Entrevista 16, p. 1.

384 MONTEZ, Paulino (Coord.) – Boletim da Escola Superior de Belas Artes de Lisboa. Lisboa. N.º 1 (1957), p. 7.

385 Lei N.º 2043 que promulga a reorganização das Escolas Superiores de Belas-Artes de Lisboa e Porto e dos Decreto-lei N.º 41 362 que fixa os

quadros e vencimentos do pessoal das Escolas Superiores de Belas-Artes de Lisboa e Porto e do Decreto-lei N.º 41 363 que aprova o regulamento das

Escolas Superiores de Belas-Artes.

Fig. 33 – João Rocha de

Sousa, O Morro: Prova de

Conclusão do Curso Superior

de Pintura, 1961, óleo sobre

madeira380.

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Arquitetura com a duração de seis anos. Em Pintura e Escultura “Os estudos desenvolvem-se,

(...), em três ciclos, formando cursos que totalizam cinco anos."386

Contavam com uma carga

horária semanal teórica e prática, de grosso modo, a carga prática era quatro a cinco vezes

superior à carga teórica. A título de exemplo menciona-se o caso da pintura em que, no segundo

ano, tinha uma carga horária teórica de sete horas e vinte e três horas de carga horária prática.

Fazendo uma breve análise dos Planos dos Cursos de Escultura e de Pintura, constata-se que, no

total contavam com quarenta e três UC: Desenho de Estátua; Iniciação de Pintura; Iniciação de

Escultura; Geometria Aplicada (1.ª parte); História Geral da Arte (1.ª parte); Tecnologia da

Pintura (noções gerais); Tecnologia da Escultura (noções gerais); Pintura do Natural (1.ª parte);

Desenho de Modelo Vivo; Geometria Aplicada (2.ª parte); Anatomia (1.ª parte); História Geral

da Arte (2.ª parte); Tecnologia da Pintura (vitral e mosaico); Pintura do Natural (2.ª parte);

Composição de Pintura (1.ª parte); Pintura Decorativa (1.ª parte); Anatomia (2.ª parte); História

da Arte em Portugal; Tecnologia da Pintura (Cerâmica e Tapeçaria); Pintura do Natural (3.ª

parte); Composição de pintura (2.ª parte); Pintura Decorativa (2.ª parte); História da Pintura;

Estética e Teorias da Arte; Tecnologia da Pintura (fresco e gravura); Estudos Complementares

de Pintura; Estudos Complementares de Composição de Pintura; Tecnologia da Pintura

(especialização); Conjugação das Três Artes; Escultura do Natural (1.ª parte); Tecnologia da

Escultura (madeira e plásticos); Escultura do Natural (2.ª parte); Composição de Escultura (1.ª

parte); Escultura Decorativa (1.ª parte); Tecnologia da Escultura (Cerâmica e Medalhística);

Escultura do Natural (3.ª parte); Composição de Escultura (2.ª parte); Escultura Decorativa (2.ª

parte); História da Escultura; Tecnologia da Escultura (pedras e metais); Estudos

complementares de Escultura; Estudos complementares de Composição de Escultura;

Tecnologia da Escultura (especialização). Destas disciplinas, só uma e não em exclusivo, se

relacionava com a arte têxtil – Tecnologia da Pintura (Cerâmica e Tapeçaria) –, disciplina do

terceiro ano387

.

Solicitando a João Rocha de Sousa uma pequena reflexão sobre formação artística,

concretamente a Reforma de 57, obteve-se o parágrafo seguinte:

Esta reforma, banindo quase toda a estrutura decadente do sistema relativo a 1932, abriu

significativos caminhos ao entendimento do ensino artístico, sobretudo nos planos até então apagados e

que, por conservadorismos impróprios, se estenderam ao plano de estudos tecnológicos de 57. As cadeiras

de «cerâmica | tapeçaria», «vitral | mosaico», «gravura | modalidades». Estas cadeiras, fracturadas em

falsos semestres, nunca foram verdadeiramente implementadas, pela ideia retrógrada de que deviam ser

386 MONTEZ, Paulino (Coord.) – Boletim da Escola Superior de Belas…, p. 13.

387 Id.

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abordadas teoricamente e sobretudo por falta de logística, a compra dos equipamentos apropriados e a

abertura das respectivas oficinas.388

“… foi graças ao professor Rocha de Sousa (1938), por delegação do professor Conceição

Ferreira (1930) que se fizeram as primeiras aproximações à manufactura de Portalegre.”389

2.2.1. A Manufactura de Tapeçarias de Portalegre

Portugal ficara à margem da guerra (lucrando com ela) e, por isso sem a dinâmica das Resistências,

mas, enquanto esperava que acontecessem na península as últimas derrotas dos fascismos, observava de

perto (...) actualidades francesas. Mário Dionísio deu logo entusiástico eco na imprensa da grande

exposição de tapeçarias que o Museu de Arte Moderna de Paris realizou no Verão de 1946. Foi uma

coincidência que a 26 de Setembro desse mesmo ano Guy Fino e Manuel Celestino Peixeiro

constituíssem a firma Tapetes de Portalegre.390

De acordo com Hugo Ferrão (2011) pintor e Professor de Tapeçaria na Faculdade de

Belas Artes de Lisboa, esta exposição foi um marco na história da tapeçaria na Europa “...

sinalizando o ressurgimento da Tapeçaria como uma linguagem plástica autónoma, assumida

artisticamente como uma manifestação de modernidade indiscutível.”391

Exposição que circulou

nas grandes capitais Europeias, chegando a Portugal seis anos depois, revestindo-se de muita

importância para o desenvolvimento da manufatura alentejana. Uma outra coincidência ou, de

certa forma, uma confirmação de que a iniciativa portuguesa acompanhava a tendência dos

tempos – a celebração das artes têxteis –, foi o facto de num país do lado leste do continente

Europeu, neste mesmo ano (1946), ter nascido a ideia de fazer um Museu de Têxteis em Lódz,

cidade também chamada de Cidade das Chaminés, com rica tradição têxtil e o maior centro

desta industria na Polónia. Da ideia à concretização passaram catorze anos, houve no entanto,

várias fases intermédias, em 1952, ano que, segundo Vera Fino (2009), foram lançadas as

tapeçarias de Portalegre392

, era inaugurado o Departamento de Têxteis no Museu de arte de

Lódz – Museu Sztuki. Em 1955, foi encontrada a White Factory393

, um magnifico conjunto de

edifícios classicistas, considerado um dos mais bonitos monumentos da arquitetura industrial

388 Volume

II, Parte II, Entrevista 28A, p. 1.

389 FERRÃO, Hugo – ArteLab-Futuro: Tapeçaria Contemporânea. In SOUSA, Ana, FERRÃO, Hugo, FERNANDES, Paula – “ArtLab Futuro:

Tapeçaria Contemporânea 23 Julho a 31 Outubro 2011”. Lisboa: Câmara Municipal de Portalegre/Faculdade de Belas-Artes da Universidade de

Lisboa/Centro de Investigação e Estudos em Belas Artes, 2011, p. 3.

390 POMAR, Alexandre – ... Criar Conforto e Encanto. In GASPAR, Diogo e COSTA Rita (Coord.) – “Nós na arte: tapeçarias de Portalegre e arte

contemporânea”. Lisboa : Museu Presidência da República, 2009. ISBN 978-972-8971-63-2, p. 44.

391 FERRÃO, Hugo – ArteLab-Futuro: Tapeçaria Contemporânea. In SOUSA, Ana, FERRÃO…, p. 3.

392 FINO, Vera – Uma História que data de 1946. DEPARTAMENTO DE SERVIÇOS GERAIS DA CÂMARA MUNICIPAL DE LISBOA (Org.) –

“Tapeçarias de Portalegre: Novembro 2009 a Abril 2010”. Lisboa: Câmara Municipal de Lisboa, 2009.

393 Erigido por Ludwig Geyer entre 1835 e 1839, foi muitas vezes aumentada e reconstruida, aumentos e reconstruções que responderam às

necessidades dos vários setores de que se compunha. Foi a primeira fábrica na Polónia a apresentar este tipo de organização. Foi ainda, a primeira

fábrica da Polónia a fiar mecanicamente com setores para a tecelagem e a impressão do algodão usando máquinas a vapor, cuja chaminé, a primeira de

Lódz, era nas proximidades da fábrica, depois muitas outras chaminés apareceram.

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Polaca que pertencia à empresa Cotton Mill ESKIMO, lugar para albergar a coleção de arte têxtil

bem como locais para os trabalhos inerentes à manutenção e conservação dos diferentes têxteis

da coleção394

.

Fig. 34 – Museu Central de

Têxteis em Lódz, fachada para a

Rua Piotrokwska. Desde 1972 que

o museu vem colaborando na

organização da Trienal

Internacional de Tapeçaria, o

maior e mais antigo evento

mundial dedicado à “arte da fibra”

– Fiber Art.

A coleção foi crescendo, em 1959, o Departamento de Têxteis tornou-se independente do

Museu de arte e, no ano seguinte, foi inaugurado o Museum of the History of Textiles. Krystyna

Kondratiukowa (1913-1999) que dirigia o Departamento, passou a Diretora do Museu, cargo

onde permaneceu durante muitos anos395

.

Em 1946, na vila do Alto Alentejo que em 1949 se elevou a cidade, por iniciativa de dois

amigos que tinham sido colegas de escola, nascia a Manufactura de Tapetes de Portalegre Lda.,

a partir de 1962, denominada de Manufactura de Tapeçarias de Portalegre396

. Manuel Celestino

Peixeiro (1919-1972), tinha estudado tinturaria na Suíça e estagiado na Fabrica de Lanifícios de

Portalegre, era filho de um engenheiro têxtil covilhanense – Manuel do Carmo Peixeiro (1893-

1964)397

que se tinha mudado para Portalegre e, desde 1928, era proprietário de uma fábrica que

não apresentava a melhor solidez, a Fábrica de Sedas de Portalegre que, antes (1926), fora a

Manufactura de Tapeçarias Lda. O outro dos empreendedores era o covilhanense Guy Roseta

Fino (1920-1997), filho do bem sucedido industrial Francisco Sales Fino (1885-1954) que, em

1939, se tinha instalado, definitivamente, em Portalegre, constituindo a sociedade Francisco

Fino Lda., sociedade que comprou a antiga manufatura pombalina Fabrica de Lanifícios de

Portalegre que, anos antes (1929-1932), tinha administrado.

“Lá fora”, deu-se a II Guerra Mundial (1939-1944), depois desse trágico acontecimento,

os filhos Guy e Manuel (1921) tornaram-se sócios da tecnologicamente bem apetrechada fábrica

de lanifícios. Em resumo, Guy Fino, contava com favoráveis conhecimentos técnicos e sociais,

capacidade financeira e vontade, tudo fazia prever que a manufatura de tapetes que desejava

fazer reviver a tradição dos tapetes de Ponto de Nó seria um sucesso. Os primeiros ensaios

394 OKO, Marcia – The White Factory. In ZAWISZA, Norbert (Coord) – “The White Factory: Open-air Museum of the Lódz, Wooden Architecture”.

Lódz : Central Museum of Textiles, 2010. ISBN 978-83-60146-09-5, p. 4.

395 Id, p.

396 MATOS, Ana Sofia - Peças da Manufactura de Tapeçarias de Portalegre: O acervo do Museu da Cidade. In DEPARTAMENTO DE SERVIÇOS

GERAIS DA CÂMARA MUNICIPAL DE LISBOA (Org.) – “Tapeçarias de Portalegre: Novembro 2009 a Abril 2010”. Lisboa: Câmara Municipal de

Lisboa, 2009. p. 41.

397 http://www.geneall.net/P/per_page.php?id=531119m

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realizaram-se em teares de madeira da fábrica das sedas que depois se montaram na antiga

Fábrica Real (de lanifícios) de onde saíram tapetes tipo Smirna, Argélia e Alentejo com

reconhecida beleza e qualidade398

.

“A concorrência era grande e o negócio não mostrava viabilidade. Foi então que Manuel

do Carmo Peixeiro, (...) desafiou os dois jovens a fazer tapeçaria mural com um ponto inventado

por ele, anos antes, enquanto estudante têxtil em Roubaix.”399

Guy Fino, a propósito do

encontro com o ponto de tapeçaria inventado pelo pai do sócio, disse:

Quando Manuel do Carmo Peixeiro nos apareceu na fábrica dos tapetes com a sua amostra de

tapeçaria, velha de vinte e cinco anos, nascida em Roubaix, três pensamentos me surgiram:

Que a tapeçaria, que eu bem conhecia de museus e palácios históricos, é a expressão mais alta, a

maior homenagem que eu podia fazer à Rainha de todas as fibras naturais;

Que fazer uma tapeçaria com uma nova técnica era um desafio aliciante, que nada tinha com a

facilidade de reprodução de uma técnica existente, tradicional e milenária;

Que era um novo material à disposição dos artistas nacionais que teriam de estudar connosco as

possibilidades técnicas da nova feitura de forma a podermos produzir belas peças de arte. Sem um bom

desenho feito a pensar na finalidade, não pode haver uma bela tapeçaria.

E foi assim que de alma e coração me lancei na colaboração com Manuel do Carmo Peixeiro na

escolha das lãs, na fiação delas, na escolha dos respectivos títulos (grossuras), torções adequadas,

corantes a aplicar na tinturaria, protecção anti-traça e tantas pequenas coisas, mas necessárias. Mas tudo

isto era possível por já ser sócio da Fábrica de Lanifícios de Portalegre.400

Estes empreendedores de apurada sensibilidade artística dedicaram-se à adaptação dos

teares, aos ensaios e à formação específica de artesãs que se deveriam tornar tecedeiras capazes

de tecer arte401

. Esta formação profissional foi assumida pelo inventor do ponto – Manuel do

Carmo Peixeiro. Diana, a primeira tapeçaria aparecia em 1947, a partir de um cartão de João

Tavares (1908-1984).

398 VENTURA, António – Onde Nada Parecia Acontecer.... In GASPAR, Diogo e COSTA Rita (Coord.) – “Nós na arte: tapeçarias de Portalegre e

arte contemporânea”. Lisboa : Museu Presidência da República, 2009. ISBN 978-972-8971-63-2. p. 25-29.

399 FINO, Vera – Uma História que data de 1946..., p. 49.

400 FINO, Guy – O Fascínio da lã. In AZEVEDO, Fernando e SILVA, Maria do Carmo Marques da (Coord.) – “50 anos de tapeçaria em Portugal:

manufactura de tapeçarias de Portalegre”. Lisboa : Fundação Calouste Gulbenkian, 1996. ISBN 972-8076-231. p. 16.

401 Tinham dez teares e contavam com quarenta tecedeiras.

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Fig. 35 – Ampliação

do Cartão em papel

quadriculado402;

Fig. 36 – João

Tavares, Diana,

1947, 254x403 cm.

Depois de Diana do professor e aguarelista João Tavares, outros artistas plásticos,

mediados por José Régio (1901-1969) vieram juntar-se ao sonho e, no ano seguinte, na SNBA,

na IV Exposição Geral de Artes Plásticas, estiveram em exposição, pela primeira vez

... tapeçarias executadas em Portalegre, segundo cartões de Maria Keil, Júlio Pomar, Lima de Freitas,

mais um cartão (...) Mário Dionísio, por atraso da execução. Foi uma breve antecipação face a António

Ferro, que então promovia o seu primeiro Salão Nacional de Artes Decorativas, onde se apresentaram

cinco tapeçarias de Almada, Manuel Lapa, Jorge Barradas, João Tavares e Ventura Porfírio.403

Aqueles tempos não se mostravam de feição para este projeto artístico e, sobrevivia

porque, Guy Fino gozava de desafogo financeiro que advinha de outras sociedades e, contava

com o apoio do pai que assumia muito gostar daquela arte. Os portugueses não acreditavam que

em Portugal se pudesse produzir tapeçaria porque, a tapeçaria deveria ser flamenga ou francesa.

Empenhado na divulgação das tapeçarias portuguesas a partir de cartões de pintores, igualmente

portugueses, Guy Fino foi atraindo algumas personalidades políticas a visitar a manufatura e, as

encomendas institucionais, timidamente, começaram a aparecer. Mas, reconhecidas e aceites só

em 1952 “… pela mão dos próprios tapeceiros franceses que se deslocaram a Portugal para

a...”404

Exposição de Tapeçaria Francesa da Idade Média aos Nossos Dias. Segundo Maria José

de Mendonça (1905-1976), museóloga e especialista em tapeçaria clássica que tinha realizado

um estudo para o inventário e classificação das tapeçarias antigas (1939), também, entusiasta da

tapeçaria moderna, esta exposição que acontecia em junho de 1952, era considerado o maior

acontecimento da capital. Estava patente no Museu das Janelas Verdes (Museu Nacional de

Arte Antiga – MNAA), compunha-se de oitenta e três tapeçarias tecidas entre o século XIV e a

primeira metade do século XX, mostravam-se tapeçarias de Charles Le Brum (1619-1690) e,

simultaneamente, obras de Jean Lurçat (1892-1966) – “o pintor das Tapeçarias do Apocalipse”.

Em Lisboa podiam observar-se obras “... dos artistas que iniciaram e realizaram o

glorioso renascimento da tapeçaria moderna – Lurçat, o precursor, e os seus companheiros

402 http://mtfoliveira.blogspot.pt/2007/05/museu-da-tapearia-de-portalegre.html

403 POMAR, Alexandre – ... Criar Conforto e Encanto…, p. 45.

404 FINO, Vera – Uma História que dada de 1946..., p. 51.

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Picart Le Doux, Saint-Saéns, Grommaire, Coutaud, Dom Robert, etc.”405

As técnicas de

tessitura eram francesas, é certo mas, os motivos tecidos provinham de obras de pintores

contemporâneos cujas referências pictóricas, em muito, estavam afastadas da época dourada da

tapeçaria clássica (séculos XV-XVII).

Guy Fino, aproveitando a ocasião, resolveu pôr em confronto as duas técnicas, expondo

simultaneamente no SNI duas grandes tapeçarias sob cartão de Guilherme Camarinha que tinham sido

tecidas para o Governo Regional da Madeira. Os técnicos franceses, convidados a visitar esta exposição,

admiraram a técnica e a perfeição conseguida com o ponto de Portalegre. Estavam lançadas as tapeçarias

de Portalegre.406

Esta pequena mostra de tapeçarias no Palácio Foz organizada pelo Secretariado Nacional

de Informação (SNI) era quase como que uma resposta provocatória de Guy Fino – provava que

em Portugal era possível fazer tapeçaria. “Salazar visitou (...), bem como diversos membros do

governo, e a impressão causada foi tal que as encomendas oficiais não tardaram, vindas da

Presidência da República, dos ministérios da Justiça, dos Negócios Estrangeiros das Finanças e

do Ultramar.”407

A par dos esforços de divulgação desta tapeçaria portuguesa junto das elites

nacionais, desde cedo, foram empreendidos esforços para a internacionalização do invento

português, a manufatura teve presença nos eventos em que Portugal ia participando – Feira

Internacional de Chicago, em S. Paulo, em Lausanne e em Paris no Salon d`Automme no Grand

Palais. Ainda no âmbito da internacionalização, não deve ser esquecido o episódio do primeiro

contato entre Guy Fino e Jean Lurçat, um mês antes da exposição (ou exposições) em Lisboa.

Em maio desse ano (1952), Guy Fino, tinha ido visitar o pintor e levou-lhe amostras para o

tentar convencer a fazer tapeçarias na sua manufatura mas, sem sucesso408

. Se o encontro foi

longo ou não, não dispomos de dados para o classificar, sabemos é que a esposa do primeiro foi

presenteada com uma tapeçaria do segundo, tapeçaria que foi reproduzida em Ponto de

Portalegre e Jean Lurçat não foi capaz de distinguir a cópia da peça original.

405 MENDONÇA, Maria José de – Conceitos Actuais de Tapeçaria…, p. 1.

406 FINO, Vera – Uma História que dada de 1946. DEPARTAMENTO DE SERVIÇOS GERAIS DA CÂMARA MUNICIPAL DE LISBOA (Org.) –

Tapeçarias de Portalegre:..., p. 51

407 VENTURA, António – Onde Nada Parecia Acontecer.... In GASPAR, Diogo e COSTA Rita (Coord)…, p. 29-30.

408 Id.

Fig. 37 – Jean Lurçat,

Tapeçarias Dois Galos, uma

tecida em França e outra

tecida em Portalegre.

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Mais tarde (1958), o artista foi visitar a manufatura de Portalegre e a partir dessa visita,

foi encetada uma profícua relação de trabalho entre o renovador da tapeçaria e a manufatura

Tapetes de Portalegre Lda. que vinha tecendo a partir de cartões de pintores, na sua maioria,

ligados ao Movimento de Unidade Democrática (MUD) (1945-1948) – um braço do Partido

Comunista Português.

Em 1954, Manuel Celestino vendeu a sua quota, pelo que, a partir de então, Guy Fino ficou como

único gerente e director da firma, conservando o nome de “Tapetes de Portalegre Lda. Somente em 1962,

mediante escritura pública, passou a designar-se “Manufactura de Tapeçarias de Portalegre.409

Um estudo, recentemente, realizado sobre o tipo de decoração nas salas de audiência dos

tribunais, vem reforçar a importância das tapeçarias tecidas pela Manufactura de Tapeçarias de

Portalegre (MTP).

… na maioria dos tribunais inquiridos as salas de audiências não têm qualquer tipo de decoração (79 dos

110 tribunais), não se registando diferenças expressivas entre tribunais de competência genérica e de

competência especializada. Com efeito, não chega a 30% a percentagem de salas audiência inquiridas que

são decoradas. Entre as salas que têm decoração existem, sobretudo, pinturas (16 casos) e tapeçarias (11

casos) com alegorias ou motivos relativos à justiça.410

“…como toda a gente!”411

João Rocha de Sousa, fez um cartão para uma tapeçaria que se

destinou a um Palácio de Justiça, sobre a relação de trabalho entre a MTP e os artistas, este

Professor Pintor disse-nos: “A MTP encomendava o cartão e dizia para que Palácio da Justiça se

destinava.”413

409 Ibid, p. 30.

410 BRANCO, Patrícia (Org.) – Sociologia do(s) espaço(s) da justiça: Diálogos interdisciplinares. Coimbra : Edições Almedina. ISBN 978-972-40-

5308-0.

411 Volume II, Parte II, Entrevista 28, p. 3.

412 Imagens, gentilmente, seleccionadas e cedidas por João Rocha de Sousa.

413 Volume II, Parte II, Entrevista 28, p. 3.

Fig. 38 – João Rocha de Sousa, “Tapeçaria de Portalegre” para Palácio da Justiça de Moimenta da Beira; Fig. 39 –

Luís Filipe Abreu, “Tapeçaria de Portalegre”.412

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IV FIGURAS FUNDADORAS DA TAPEÇARIA CONTEMPORÂNEA PORTUGUESA

Os primeiros ensaios para ultrapassar a tradição relacionam-se com a criação em Varsóvia, em 1951,

do Atelier Experimental de Tapeçaria Artística. Este não foi um ateliê de tecelões mas sim de artistas. O

adjectivo “experimental” no título justificava os métodos de trabalho ali utilizados. Eram os próprios

artistas que teciam. Trabalhavam sem cartão, mediante um esboço de composição, desenvolvido no tear,

inspirados pelo ateliê e pelo material. Estes métodos não eram novos na Polónia. (…) desta vez estes

métodos iriam dar novo rumo ao desenvolvimento da tapeçaria, já que ocorreram no período de viragem e

de promoção da arte polaca. Por meados dos anos cinquenta, a vanguarda consegue fazer-se ouvir, (…).

Muitos criadores desta geração encaminharam os seus interesses para a tapeçaria. A invenção e aptidão

para actuações não convencionais, permitiram-lhes encontrar nas técnicas têxteis e nas matérias-primas o

meio de expressão que melhor representava as suas ideias criadoras. Em consequência, surgiram obras

que ultrapassariam as funções tradicionais da tapeçaria, pelo seu próprio desenvolvimento.414

1. GISELLA SANTI

1.1. A Pintora Italiana que Restaurava Tapeçarias Antigas

Gisella Giulia Santi, filha de venezianos e a mais velha de três irmãs, nasceu no dia 12 de

maio de 1922, no sul de Itália na Província de Potenza em Pescopagano e faleceu, oitenta e

quatro anos depois, no dia 13 de junho de 2006, em Portugal na Amadora – uma cidade satélite

de Lisboa –, mais concretamente, na freguesia de Venteira onde se localiza o Hospital

Amadora-Sintra e foi sepultada no cemitério do Alto de São João em Lisboa415

.

O pai, Tullio Santi era um professor de desenho técnico que, nem sempre, teve colocação na

sua cidade natal, quando colocado em escolas muito distantes, a sua mulher (Giusepina Berto),

acompanhava-o, motivo porque Gisella veio a nascer no sul do país. Este professor foi educado

num colégio interno, pessoa austera e com uma maneira de estar militarista. Gisella Santi

cresceu num modelo de educação rígido, virado para o trabalho e para as obrigações em

detrimento do ócio e do prazer, no período que media as duas guerras mundiais (1919-1938),

era uma pessoa muito determinada e inabalável. O facto de ser a irmã mais velha fez com que,

desde cedo, sentisse muita responsabilidade, inicialmente, para com Julietta e Itala que, muito

jovens, tinham ficado órfãs de pai. A irmã mais nova (hoje, com mais de oitenta anos), vive na

província de Lecco416

, a morada de Gisella Santi que consta nos pedidos de renovação de

passaportes de 1985 e de 1993 é, igualmente, de Olat– Lecco417

, significando que se manteve ao

longo de toda a sua vida como cidadã italiana.

414 JURGA, Halina –

Tapeçaria Polaca Contemporânea. Lisboa : Fundação Calouste Gulbenkian, 1984, p. 12-13.

415 CONSERVATÓRIA DO REGISTO CIVIL DE AMADORA – Assento de Óbito nº 1282 do ano 2006. 2006-6-16. Acessível na Faculdade de

Belas Artes da Universidade de Lisboa.

416 Volume II, Parte II, Entrevista 1, p. 1.

417 SANTI, Gisella – [Pedido Renovação Passaporte] [Manuscrito]. 1985. Acessível na Embaixada de Itália em Lisboa. SANTI, Gisella – [Pedido

Renovação Passaporte] [Manuscrito]. 1993. Acessível na Embaixada de Itália em Lisboa.

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Gisella Santi, cedo aprendeu a viver com as adversidades e a contar única e, exclusivamente,

consigo. Sendo os adjetivos independente e autónoma que melhor caraterizavam a sua

personalidade.

Sou independente, muito independente. O traço mais característico da minha personalidade é a

independência. Apanhei a Guerra em Itália. Habituei-me a contar só comigo. Como não havia transportes

para Veneza ia e vinha de bicicleta. (...). Assim fui estudando e depois trabalhando. Nessa altura não

conseguia sobreviver como artista pois a crise era geral. Dediquei-me então ao restauro, e por causa do

restauro vim viver para Lisboa. Melhor dizendo, por causa do restauro e do amor...418

Gisella Santi fez a sua formação superior, em Veneza, durante a II Guerra Mundial, mesmo

percorrendo grandes distâncias de bicicleta, ainda arranjou tempo para ser voluntária da Cruz

Vermelha. No final da Guerra, com apenas, vinte e dois anos perdeu o pai419

, nesse mesmo ano,

no dia 28 de Setembro de 1944, concluiu no Istituto d` Arte – Venezia o 3.º Curso Superior –

Secção de Pintura – obtendo assim, o Diploma de Mestra de Arte420

. De imediato, começou a

trabalhar, primeiro aplicando os seus “... conhecimentos pictóricos à pintura a óleo e aguarela ao

ar livre (paisagem e natureza morta).”421

Mas, esta jovem pintora tratava-se de alguém com

vontade de entender mais e melhor a(s) realidade(s) que a rodeava(m) e, simultaneamente, criar

oportunidades de trabalho porque, os tempos eram de crise generalizada. Continuou estudos,

tanto no domínio da educação formal, como no domínio da educação não-formal, ainda, e não

menos importante, no domínio da educação informal onde se incluem as viagens a outras

cidades europeias, embora dispondo de poucos recursos, sempre entendeu que viajar era

absolutamente fundamental422

. Claramente, uma jovem enquadrada nos padrões juvenis na

Europa do pós-guerra.

O mundo reorganizou-se segundo duas ideologias políticas, no Bloco de Leste – o

Socialismo – e no Ocidente – o Capitalismo. Este Mundo Bipolar423

, em conjugação com as

vivências da guerra levaram a que muitos jovens europeus tenham quebrado o status quo, ou

seja, fizeram a rutura relativamente ao vínculo familiar original. Rutura que lhes possibilitou a

418 TEIXEIRA, Madalena Braz – Gisella Santi e a Tapeçaria. In MUSEU NACIONAL DO TRAJE E CÂMARA MUNICIPAL DE LAGOS –

“Henrique o Navegador: Tapeçarias de Gisella Santi”. Lisboa: Secretaria de Estado da Cultura/Instituto Português de Museus, 1994, p. 8.

419 Volume II, Parte II, Entrevista 1, p. 1.

420 EMBAIXADA DE ITÁLIA EM LISBOA – Tradução oficial em língua portuguesa conforme o diploma original redigido em língua italiana.

1979-12-20. Acessível na Embaixada de Itália em Lisboa.

421 SANTI, Gisella – Percurso. In Câmara MUNICIPAL DA AMADORA – “Tapeçarias : Gisella Santi. Amadora”. Amadora : Câmara Municipal da

Amadora, 1998, p. 5.

422 Volume II, Parte II, Entrevista 1, p. 2.

423 Com o fim da guerra evidenciaram-se as diferenças entre os países anteriormente aliados, na Europa as fronteiras foram alteradas. O Império

Soviético estendeu-se à Europa, dividindo a cidade alemã de Berlim (Muro de Berlim) e forma uma zona de estados satélites – distintos países

controlados pelos aparelhos dos partidos comunistas ligados a Moscovo e ao Exército Vermelho. Na África e na Ásia o nacionalismo recrudesceu e

deram-se as revoluções e consequente independência das colónias, este conflito global resultou de uma nova ordem mundial, dominada pelas duas

super potências vitoriosas, que em breve se tornariam rivais. Acontecimentos que apresentaram alterações e choques próprios provocados pelas

mudanças profundas.

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afirmação de experiências de vida autónoma e livre, este novo modo de estar, entre outros,

materializava-se nas viagens que levariam ao conhecimento e à espiritualidade. A juventude

reclamou o seu lugar e inventou novas regras culturais. Surgiram novos movimentos artísticos e

literários, sendo o existencialismo424

o mais emblemático.

Depois de concluir a sua formação superior, Gisella Santi, até 1957 viveu, trabalhou e

estudou, entre Itália e Suíça – Veneza, Milão e Zurique425

. Segundo consta, nos registos

demográficos da província de Lecco, Gisella Santi emigrou em 1952426

. Em Milão, na

Academia de Brera, tinha frequentado o Curso de Desenho de Modelo. Ainda em Milão, fez

cursos de restauro de pintura e de tapeçaria antiga427

. Numa dessas formações, no Curso de

Restauro de Frescos, teve como professor o pintor restaurador Marino Guandalini428

(1909-

1969429

), professor por quem se apaixonou e, anos mais, tarde noutro país, foi pai do seu único

filho – Orenzio Santi. Marino emigrou para Portugal e, constatou que se Gisella quisesse vir

para Lisboa, trabalho não haveria de lhe faltar. E assim foi, a artista e restauradora veio pelo

restauro e pelo amor, como acima explicitado no trecho da sua entrevista concedida, em 1994, à

então Diretora (Madalena Braz Teixeira) do Museu Nacional do Traje (MNTr).

Gisella chegou a Lisboa, na segunda metade da década de 1950, integrando-se, na sociedade

lisboeta como artista plástica que havia participado em “Várias exposições coletivas de pintura

em Itália.”430

Em Lisboa continuou a expor e a ser premiada – ganhou um terceiro prémio e uma

menção honrosa em pintura e, um segundo prémio em miniatura431

. Em 1957, Gisella Santi

participou em duas exposições na SNBA432

, assinala-se, ainda, uma terceira exposição no

Palácio Foz onde aparecia o seu nome e, apenas, mais o de Marino Guandalini cujo catálogo foi

editado pelo SNI e contou com um texto de Reinaldo dos Santos (1880-1990)433

. Além de pintar

424 Em Paris contou com o escritor e músico Boris Vian, Jean Paul Sartre, Simone de Beauvoir e Albert Camus. Em Nova Iorque o escritor Jack

Kerouac num romance de 1948, referiu-se à Beat Generation. A literatura dos beats era sobre os laços de amizade, sobre os afectos trocados, sobre a

tristeza da descoberta de que o amor e a paixão esmorecem. Protagonizava o zelo pela religião oriental, o amor fortuito, o existencialismo, o fascínio

pelos sonhos, o radicalismo político, a paixão pelas drogas e a liberdade sexual.

425 SANTI, Gisella – Curriculum Vitae. 1979-11. Acessível na Escola Secundária Artística António Arroio, p. 1.

426 COMUNE DI CALOLZIOCORTE – Comprovativo de Emigrante. 2003-08-06. Acessível na Embaixada de Itália em Lisboa.

427 SANTI, Gisella – Percurso. In Tapeçarias : Gisella Santi. Amadora : Câmara Municipal, 1998, p. 5.

428 Volume II, Parte II, Entrevista 1, p. 2.

429 EMBAIXADA DE ITÁLIA EM LISBOA – Tradução Assento de Óbito para fins de Nacionalidade do Filho. 1973-5-19. Acessível na

Embaixada de Itália em Lisboa.

430 SANTI, Gisella – Curriculum Vitae. 1979-11. Acessível na Escola Secundária Artística António Arroio, p. 2.

431 CANDIAGO, Ana – Un laboratório d'arte à Lisbona. Estudos Italianos em Portugal. Lisboa. Nº. Extr. (1966), p. 4.

432 No Salão da Primavera (53.ª exposição anual de pintura a óleo e escultura) e no Salão de Inverno (20.ª exposição de desenho, aguarela, pastel e

gravura).

433 SANTOS, Reinaldo dos Santos – Exposição de Marino Guandalini e Gisella Santi. Lisboa: Secretariado Nacional de Informação, 1957.

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quadros, Gisella fazia miniaturas – sobre uma chapa de marfim, com pinceis muito finos,

pintava retratos que se colocavam nos medalhões e se penduravam em cordões de ouro434

, a par

dessa ocupação, continuou a procurar fazer restauro de tapeçaria antiga. A propósito da sua

participação no Salão da Primavera na SNBA de 1959, Fernando Pamplona (1909-1989), na

Crónica de Artes Plásticas escreveu: «De sentido mais rasgadamente moderno a composição

“Restauro de Tapeçaria”, de Gisella Santi, com as figuras de mulheres apenas apontadas num

colorido surdo... »

435. Exposição em que participou também Conceição Velloso Salgado (1937-

2014) de quem, três décadas depois, foi colega na Escola Secundária António Arroio (ESAA).

Em Abril de 1957, Gisella e Marino viviam numa casa em Lisboa na Rua do Prior,

informação que se obteve através do contrato de aluguer de uma máquina de costura436

. Muito

provavelmente, essa máquina apareceu para ajudar na confeção do enxoval do bebé que estava a

caminho e veio a nascer no dia 2 de Agosto437

, o ano da assinatura do Tratado de Roma, mais

tarde, Comunidade Económica Europeia (CEE), presentemente, Comunidade Europeia (CE).

Fig. 40 – Contrato de aluguer de uma

máquina de Costura em nome de Gisella

Santi que aparece como doméstica, tendo

sido fiador Marino Guanadalini que está

registado como professor de pintura e

engenheiro438.

Passado uns meses, o casal e o filho foram viver para o final da Avenida Infante Santo, na

época tinha outro nome – Rua Tenente Valadim –, era uma zona da cidade que ficava desviada

do centro, se quisermos, quase um arredor. A mesma rua onde, depois, Gisella instalou o seu

ateliê e moravam também, a pintora Clementina Carneiro de Moura439

e Rafaela Zúquete,

diplomada em pintura pela ESBAL que, mais tarde, foi também colega de Gisella na ESAA440

,

Rafaela reconhecia na colega grande profissionalismo.

434 Volume

II, Parte II, Entrevista 1, p. 2.

435 RÁDIO TELEVISÃO PORTUGUESA – Crónica de Artes Plásticas. 1959-05-02. Acessível nos arquivos da Rádio Televisão Portuguesa. p. 2.

436 SINGER LISBOA – [Contrato de Aluguer] [Manuscrito]. 1957. Lisboa [a] Gisella Santi

437

EMBAIXADA DE ITÁLIA EM LISBOA – Tradução Assento de Óbito para fins de Nacionalidade do Filho. 1973-5-19. Acessível na

Embaixada de Itália em Lisboa.

438 SINGER LISBOA – [Contrato de Aluguer] [Manuscrito]. 1957. Lisboa [a] Gisella Santi

439 MANTA, Isabel Ribeiro – A Obra de Clementina Carneiro de Moura. Volume I. Lisboa : Universidade Lusíada, 1999. Dissertação de

Mestrado.

440 Volume II, Parte II, Entrevista 16, p. 1,2 e 3.

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A Gisella Santi era das pessoas mais bem preparadas no nosso Grupo Têxtil. Entrou para a noite. Eu

entrei, em 1976 (depois do Carnaval), ela talvez um ou dois anos depois. Tinha jeito e conhecimento.

Durante muito tempo fez restauro de tapeçaria de liço. Antes do 25 de Abril estava a fazer restauro,

depois do restauro passou a fazer tapeçaria.441

Como constatado através do percurso de Gisella Santi, Lisboa apareceu na sequência da falta

de trabalho de restauro que se fazia sentir em Itália, num momento em que Portugal se

começava a tornar num país sem capacidade para absorver toda a mão-de-obra disponível. Nos

anos de 1960, Portugal viveu a emigração em massa, principalmente, saíam homens rurais com

poucas ou nenhumas habilitações académicas que iam trabalhar nas obras públicas,

essencialmente, para França e para Alemanha, países muito destruídos pela Guerra442

. Contudo,

percebe-se que em Portugal havia espaço para profissionais qualificados, fazendo com que,

desde o momento em que estes imigrantes especializados chegavam ficassem a pertencer a

determinados grupos sociais de maior destaque. Através do depoimento de Mizette Nielsen

(1941) que chegou a Portugal no início da década de 1960, pode depreender-se que, embora

bem aceite, Gisella encontrava algumas adversidades porque, em todo o tipo de imigração há

aspetos menos positivos. À imigração está, sempre, subjacente o binómio nós e os outros – os

estabelecidos e os outsiders443

.

Fomos imigrantes muito bem aceites, havia muito poucas mulheres estrangeiras em 1950 / 1960. Mas,

pelas outras mulheres éramos vistas como um perigo...

Como mulher sentia que o homem latino achava que a mulher estrangeira era como no cinema. Mas,

eu e as outras mulheres que proviam o próprio sustento estávamos mais defendidas.444

Gisella Santi chegou numa época a que Rui Mário Gonçalves (1932-2014), quase quarenta

anos depois (1992), chamou de a década do silêncio. Ao longo dos anos de 1950, o regime

ditatorial foi endurecendo, a censura estava no auge, os livros e os filmes não escapavam à tinta

azul. As leituras dos jornais só interessavam ao governo, tudo o que ia contra ele era retirado. O

diálogo entre o SNI e os artistas era difícil, embora uma dificuldade minorada, por um lado, pela

ação da SNBA e, por outro, pela criação da FCG em 1956 que, no ano seguinte, realizou uma

grande exposição coletiva e começou a oferecer bolsas a criadores com formação académica,

fazendo com que mais artistas procurassem as Escolas Superiores de Belas-Artes445

.

441 Id, p. 4.

442 À vontade de sair em busca de melhores condições de vida, acrescia, ainda, a fuga à Guerra Colonial – o regime político autoritário do Estado

Novo, durante treze anos manteve uma sangrenta guerra pela tentativa de manter o ultimo Império Ultramarino, e perseguiu quem estivesse contra

ideais obsoletos. Muitos dos que abandonavam o país, viam-se obrigados a deixá-lo clandestinamente – “a salto”.

443 ELIAS, Norbert; SCOTSON, John L – Os estabelecidos e os outsiders : sociologia das relações de poder a partir de uma pequena

comunidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2000. ISBN 8571105472.

444 Volume II, Parte II, Entrevista 4, p.

445 GONÇALVES, Rui Mário – A Década do Silêncio: 1951-1969. In PARRINHA…, p. 88.

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Em 1958, o ano em que houve eleições presidenciais em Portugal, mas tudo permaneceu

igual, este casal encontrou trabalho que permitiu estabilidade e um estilo de vida que mostrava

tratar-se de uma casa (lar) muito aberta, onde sempre, se cultivou muita amizade, por onde

passavam muitas pessoas ligadas à cultura e às artes – havia um ambiente multicultural e

multilingual446

. Marino começou a restaurar obras na Igreja de São Roque, foram sete obras que

o ocuparam até 1962447

e Gisella abriu o seu a ateliê de restauro de tapeçarias. A par da

atividade do ateliê, Gisella Santi continuou a pintar a óleo e a expor448

. Uns anos mais tarde, em

1964, participou numa exposição coletiva, promovida pelo Instituto de Assistência aos Inválidos

e realizada nos salões do SNI, intitulada de 1.ª Exposição de trabalhos oferecidos pelos artistas

plásticos para decoração de recolhimentos, lares, asilos e albergues. Seis anos mais tarde,

Gisella Santi voltou a expor individualmente, exposição que, formalmente, anunciou a faceta de

tapeceira da artista já consagrada, tanto no país de origem (Itália) como no país de acolhimento

(Portugal).

Gisella Santi foi uma imigrante italiana que chegou a Portugal na década em que a mulher

atravessava conflitos e sobressaltos em relação aos seus direitos cívicos e de género. O seu

modus vivendi contrariava o esperado do sexo feminino para a época. Casar cedo, ter filhos, ter

formação universitária para melhor viver ao lado do marido e educar os filhos. Um diploma sim,

mas não para se dedicar a uma profissão. Além de bela e bem cuidada, devia ser boa dona de

casa, esposa e mãe449

. Gisella Santi nunca se casou, Gisella e Marino viveram juntos até aos sete

anos do filho. Esta mulher que nos tempos da Guerra se habituara a contar, apenas, só consigo,

em 1964, aos quarenta e dois anos socorria-se de novo desta capacidade. Sozinha, continuou a

manter o seu ateliê de restauro e a ocupar-se da educação do filho. Namorados deve ter tido,

companheiros, só mais um, o pintor aguarelista Arnaldo de Almeida Figueiredo (1914-1984),

com quem viveu cerca de catorze anos, desde o inico da década de 1970 até ao seu falecimento.

Gisella foi uma mulher que “ficou viúva” aos sessenta e dois anos e a partir dai, viveu sozinha,

contando com a regular presença da irmã Giulietta que viveu em Portugal, primeiro no Pobral,

perto da Ericeira, depois no Torrão do Alentejo e finalmente em Lisboa, depois do marido

(inglês) ter morrido as manas passavam muito tempo juntas450

.

A sua personalidade cultivada na sua independência, liberdade (sobretudo liberdade de

escolha) e no gosto pelas viagens, diretamente se relaciona com o automóvel em que passeava.

446 Volume

II, Parte II, Entrevista 1, p. 2.

447 BRITO, Maria Filomena – 7 Telas do Altar-Mor da Igreja de São Roque. Cidade Solidária. Lisboa. (2007). p. 108.

448 Na Galeria Diário de Noticias em Lisboa, fez uma exposição individual em 1958, nesse ano e no seguinte expôs coletivamente na SNBA e, em

1960, participou na I Exposição Nacional de Pintura integrada nos II festivais de Música e Belas Artes da Madeira.

449 TEIXEIRA, Madalena Braz – A Moda do Século: 1900 / 2000. Lisboa : Instituto Português de Museus / Ministério da Cultura, 2000. ISBN 972-

9261-54-7, p. 131-134.

450 Volume II, Parte II, Entrevista 1, p. 2, 3 e 4.

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Conduzir o seu automóvel (o primeiro carro que teve foi um Saab antigo)451

, era um dos ícones

de Gisella que obteve autorização para tirar a carta de condução em 1967452

. A jovem que

andava muito de bicicleta no tempo da Guerra, começou a guiar numa década em que não havia

em Portugal muitas mulheres a fazê-lo e, não mais dependeu de outros para ir fosse onde fosse,

só deixou de conduzir, aos oitenta e três anos, quando foi para Colares (para casa do filho)453

.

1.2. A Oficina-Escola de Restauro de Tapeçaria Antiga

Em 1958, ano em que fez trinta e seis anos, Gisella Santi convivia com as suas identidades

de mãe, de companheira (sem ter alterado o seu estado civil) e, ainda, de empresária. Um pouco

mais acima, na rua onde vivia, Gisella Santi encontrou um 2.º andar onde implantou a Oficina-

Escola de Restauro de Tapeçaria454

que, no formato de ateliê de restauro de tapeçarias fechou

em 1974 mas, continuou por mais trinta e um anos, funcionando como laboratório de tapeçaria

contemporânea portuguesa. No nome de uma das associações que Gisella Santi fundou

apareceram os algarismos 3.4.5., justamente porque, o ateliê se localizava no prédio número 345

da Avenida Infante Santo – um espaço de trabalho e, simultaneamente, um espaço de memória –

Um Lugar455

.

Fig. 41 –

Avenida

Infante

Santo, na

década de

1950 e o

prédio n.º

345 em

2014.

Não havia nenhuma instituição de ensino portuguesa que se ocupasse do ensino do restauro

de tapeçaria e/ou dos têxteis em geral. Assim, o ateliê da Infante Santo à maneira medieval –

contando com o mestre e com os aprendizes – proporcionava a transmissão do saber

profissional e ocupava-se ainda da educação em geral. Gisella Santi

451 Volume

II, Parte II, Entrevista 1, p. 3

452 EMBAIXADA DE ITÁLIA EM LISBOA – Tradução da Autorização de Renovação da Carta de Condução de Gisella Santi. 1967-7-12.

Acessível na Embaixada de Itália em Lisboa.

EMBAIXADA DE ITÁLIA EM LISBOA – Declaração Autorizando a Renovação da Carta de Condução de Gisella Santi. 1982-9-12. Acessível

na Embaixada de Itália em Lisboa.

EMBAIXADA DE ITÁLIA EM LISBOA – Certificado Autorizando a Renovação da Carta de Condução de Gisella Santi. 1987-5-08. Acessível

na Embaixada de Itália em Lisboa.

453 Volume II, Parte II, Entrevista 1, p. 6.

454 Simultaneamente, Marino, alugou uma casa grande, num prédio pombalino que ficava na Calçada da Estrela, onde passou a ser a residência da

família e também o seu ateliê. Quando se separou de Marino (1964), Gisella alugou outra casa no prédio e no patamar do ateliê, onde passou a viver

com Orenzio, viviam no esquerdo e trabalhava no direito.

455 AUGÉ, Marc – Não-lugares: Introdução a uma antropologia da sobremodernidade. Lisboa : Bertrand, 1994. ISBN 9789728964023.

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... em 1958 abriu uma oficina-escola de restauro de tapeçaria antiga e executou trabalhos valiosos para os

melhores antiquários de Lisboa e Porto, para particulares recomendados pela Fundação R. Spirito Santo e

pelas oficinas de restauro Instituto Dr. José de Figueiredo. Fez restauros para o Virginia Museum of Fine

Arts, ecc.456

Fig. 42 – Limpeza de uma

tapeçaria Gobelins457, terraço

do prédio onde se situava a

Oficina-Escola de Restauro de

Tapeçaria; Fig. 43 –

Publicação do Instituto Italiano

de Cultura Un laboratório

d'arte a Lisbona, 1966.

Esta incubadora de arte e educação, revestia-se ainda de mais importância na medida em

que, mesmo a prática do restauro de tapeçaria dava os primeiros passos em Portugal.

As tapeçarias flamengas do Museu de Lamego são o núcleo mais valioso de panos de armar das

coleções portuguesas. Magníficos exemplares do fabrico de Bruxelas do primeiro terço do século XVI,

período ainda incluído na época áurea desse famoso centro tapeceiro…458

Dada a importância destas tapeçarias ou panos de armar, em 1940, esta coleção tinha

recebido vinte mil escudos para que se procedesse ao restauro. Verba que ficou ao critério da

Sexta Secção da Junta Nacional de Educação mas que não chegou a ser utilizada. Em Portugal,

não havia oficinas de restauro de têxteis e, com a instabilidade da Guerra, não houve

oportunidade de mandar as obras para o estrangeiro459

. Só em 1956, com a entrada em laboração

da “... oficina para tratamento de tapeçarias e tapetes...”460

sob orientação superior do Diretor do

Museu Nacional de Arte Antiga (Dr. João Couto, 1892-1968) e da Conservadora Maria José de

Mendonça, é que teve inicio o processo de beneficiamento das tapeçarias do Museu Regional de

Lamego. A Musica ou Julgamento do Paraíso foi o primeiro destes objetos a ser

intervencionado461

.

Estas matérias do restauro, conservação e transmissão dos saberes tradicionais nesta época,

recebiam atenção governamental, fruto dessa atenção é o acordo de cooperação entre uma

entidade privada e uma entidade pública – a Fundação Ricardo do Espirito Santo Silva (FRESS)

456 SANTI, Gisella – Curriculum Vitae. 1979-11. Acessível na Escola Secundária Artística António Arroio, p. 1.

457 CANDIAGO, Ana – Un laboratório d'arte à Lisbona. Estudos Italianos…, p. 5.

458 MENDONÇA, Maria José de – Exposição de Restauro da Tapeçaria A Musica. Lamego : Museu Regional de Lamego, 1959, p. 4.

459 FLÓRIDO, Abel Montenegro – Introdução. In MENDONÇA, Maria José de – “

Exposição de Restauro da Tapeçaria A Musica”

. Lamego :

Museu Regional de Lamego, 1959, p. 3

460 TAXINHA, Maria José – Maria José de Mendonça e a Criação da Oficina para o Tratamento de Têxteis. In MENDONÇA, Maria José de –

“Inventário de Tapeçarias Existentes em Museus e Palácios Nacionais”. Lisboa : Instituto Português do Património Cultural, 1983, p. 9.

461 FLÓRIDO, Abel Montenegro – Introdução. In MENDONÇA, Maria José…, p. 3.

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que, segundo o seu Decreto-Lei fundador462

, de 1953, aparecia como uma instituição de

utilidade pública, tornando-se uma alternativa à falta de qualidade artística apresentada pelos

produtos que saíam das oficinas de artes decorativas (embora ao nível dos avanços técnicos se

encontrassem melhorias significativas). Subjacentes à criação da FRESS estavam preocupações

pedagógicas e educativas onde se inclui a museologia.

… será necessário que, por meios apropriados, se possa educar o gosto do público e desenvolver a

sensibilidade artística e a cultura dos artífices, e também que o Estado e os coleccionadores particulares se

empenhem num esforço sério de manter as características tradicionais das artes decorativas portuguesas.

(…). Ora a falta que mais se tem feito sentir entre nós para o reflorescimento das indústrias artísticas, em

profundo declínio, era, igualmente, a de um museu, com o complemento natural de uma escola e oficinas,

onde o futuro artífice pudesse, no convívio com as mais expressivas realizações da sua arte, adquirir a

sensibilidade e a técnica precisas para o desempenho em alto nível do seu oficio.463

Através deste Decreto-Lei, um particular que foi colecionador e mecenas – Dr. Ricardo do

Espirito Santo Silva (1900-1955)464

– criou uma obra que excedia, “… no momento as

possibilidades do próprio Governo e assegura a realização dos fins que se pretenderiam com a

criação de um museu-escola de artes decorativas.”465

No Artigo 2.º e nas suas alíneas 1.ª e 16.ª

ficamos esclarecidos de que esta fundação iria dispor de receitas próprias e subsídios

concedidos, anualmente, pelo Estado, verba inscrita no orçamento do Ministério das Finanças.

Fig. 44 – Sede da

FRESS, antigo

Palácio dos Conde

de Azurara no

Largo das Portas do

Sol em Lisboa.

Segundo uma publicação da Embaixada de Itália em Portugal (1966), a Oficina-Escola de

Gisella Santi também trabalhava para além fronteiras, realizando restauros para o Museu de

Boston. Em 1966, trabalhavam trinta jovens mulheres na oficina de restauro da Infante Santo466

que, além do acolhimento que recebiam da proprietária, contavam ainda com o apoio de uma

Chefe de Ateliê467

. Gisella Santi ocupava-se da formação das suas colaboradoras, cuidando de

transmitir a paixão que sentia pela arte do restauro da tapeçaria, tarefa em que estava sempre

subjacente a mensagem quanto ao valor e beleza que estão contidos no ato de fazer um trabalho

462 Decreto-Lei n.º 39190 de 27 de Abril de 1953.

463 Decreto-Lei n.º 39190. Diário do Governo 27 Abril de 1953, p. 617.

464 De profissão foi banqueiro e empresário, pessoa quem se atribuía uma alma de poeta e de artista, foi mecenas das letras e das artes. Colecionador

de arte por paixão, http://www.fress.pt/Default.aspx?Tag=CONTENT&ContentId=7, 5 janeiro 2015.

465 Id.

466 CANDIAGO, Anna – Un laboratório d'arte à Lisbona. Estudos Italianos em Portugal Nº. Extr. (1966), p. 6 e 4.

467 Volume II, Parte II, Entrevista 1, p. 3

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com entusiasmo e perfeição468

. A pintora, restauradora e formadora Gisella Santi sempre teve

um compromisso para com a educação e com a cultura, além da formação profissional mostrava

preocupações para com a formação holística das suas colaboradoras, de modo a proporcionar o

acesso à leitura, Gisella foi comprando livros nos alfarrabistas e fez uma pequena biblioteca em

casa. O filho (que já era mais crescido) tornou-se o responsável pelas requisições das obras

literárias.

O principal cliente da Oficina-Escola de Gisella Santi era um antiquário judeu – Davide

Popper –, com quem havia uma relação de confiança porque, de um modo constante, dava muito

trabalho ao ateliê. Era uma presença social naquele espaço de trabalho, perante as funcionárias

esta presença era entendida como importante porque, elas sabiam que era este Senhor que dava

a grande parte do trabalho que o ateliê desenvolvia. Gisella Santi, na sua linha de pessoa

preocupada com o bem-estar intelectual e físico das suas colaboradoras, numa das paragens de

trabalho diário oferecia-lhes leite, agrado custeado por Davide Popper. Homem que tinha

ligações profissionais com o Médio Oriente e com os Estados Unidos –, a filha trabalhava num

museu –, Museu de onde Gisella Santi recebia peças para restaurar. Popper faleceu antes de

1974 e tornou-se difícil angariar trabalho. Esta foi uma das razões que levou oficina de restauro

ao declínio, a outra é que, depois da Primavera Marcelista (1968-1970), muitas das pessoas da

classe abastada foram saindo do país para outros destinos e o trabalho foi diminuindo469

.

“A Gisella comprou uns teares da Covilhã ou de Tortosendo ao Sr. Honorato que estava

preso em Caxias, por causa de revoltas na Covilhã.”470

Uma carta de Honorato Simões471

e uma

outra que atesta a compra de um tear de tecelagem com grandes dimensões, ambas de 1971472

,

são documentos que podem constituir-se na prova de que Gisella estaria a pensar em alargar as

possibilidades do ateliê. Porque teria pouco trabalho de restauro, porque estava com vontade de

experimentar outras coisas, ou ambas, o que é facto é que, por esta altura, começaram as

mudanças que vieram a alterar por completo a vida da sua oficina de arte.

A restauradora de tapeçarias antigas e pintora, cujos estudos e as pesquisas sobre tapeçaria

levaram a apaixonar-se “... por esta arte às vezes injustamente considerara menor.”473

Em 1970,

tinha iniciado a revelar a sua faceta de tapeceira, tratava-se, ainda, de tapeçaria bidimensional

que tinha por base o cartão cifrado. A primeira tapeçaria que Gisella Santi fez é uma estilização

da Avenida Infante Santo onde se encontram a Basílica e o Jardim da Estrela474

. Para o segundo

programa Metropolitan, exibido na Rádio Televisão Portuguesa (RTP), no dia 1 de março de

468 CANDIAGO, Ana – Un laboratório d'arte à Lisbona. Estudos Italianos…,

p. 4.

469 Volume II, Parte II, Entrevista 1, p. 3

470 Volume II, Parte II, Entrevista 4, p. 1.

471 SIMÕES, Honorato – [Carta] [Manuscrito]. 1971. Tortosendo [a] Giselle Santi 1971. Autogr.

472 RAMOS, Ernesto – [Carta] [Manuscrito]. 1971. Tortosendo [a] Gisella Santi 1971. Autogr.

473 SANTI, Gisella – Percurso. In Câmara MUNICIPAL DA AMADORA – “Tapeçarias…, p. 5.

474 Volume II, Parte II, Entrevista 1, p. 4.

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1970, Artur Maciel (1900-1977) referindo-se a uma exposição que se compunha de quarenta

trabalhos que estava patente em Lisboa no Palácio Foz, na Crónica sobre Artes Plásticas

escreveu “... Gisella Santi – uma italiana radicada em Portugal – apresentou óleos, aguarelas,

desenhos, cartões para tapeçaria, e a execução em tapeçaria de um desses cartões.”475

Gisella Santi, uns tempos depois, viajou de novo, foi à Suíça, para visitar uma das Bienais

Internacionais de Tapeçaria (Biennale International de la Tapisserie) que se realizavam em

Lausanne (1962-1995) e sentiu um grande apelo por aquela arte. Em 1996, no desdobrável de

uma exposição individual escreveu: “E o meu espaço na Arte encontrei-o na Tapeçaria, na qual

estou empenhada há mais de vinte anos.”476

475 RADIO TELEVISÃO PORTUGUESA. – Notas sobre Artes Plásticas. 1970-02-26, p. 4.

476 CÂMARA MUNICIPAL DE AVEIRO/CENTRO CULTURAL DE CONGRESSOS SERVIÇO DE CULTURA – Retrospectiva de Gisella

Santi: Econtros com a Teia. 1996. Acessível na Biblioteca da Fundação Calouste Gulbenkian, p. 2.

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1.2.1. Um Sopro de Mudança a Partir da Bienal de Lausanne

Depois de visitar a exposição da Nouvelle Tapisserie, Gisella Santi ficou deslumbrada e

soube que queria vir para Portugal fazer e ensinar aquele género de tapeçaria. Num dos textos

que nos deixou lê-se:

Por documentação e viagens feitas na Europa, senti o novo sopro de modernidade que estava a

revolucionar a arte da tapeçaria. O meu trabalho, embora tenha começado pela técnica tradicional dos

Gobelins, encontrando o gosto pelas nuances de cores e pelas formas em plano, como na pintura, teve, a

partir de 1975, uma viagem. O sair do plano deu-me uma nova energia. A possibilidade de criar volumes,

manusear texturas, escolher materiais de diferentes naturezas, fiá-los e encontrar um diálogo com todo

este potencial, foi uma conquista emotiva, cheia de descobertas.477

Em Lisboa, no início da década de 1970 não só Gisella Santi se preparava para “uma

viagem”, como entidades que se dedicavam ao ensino artístico tanto no domínio da educação

formal como no domínio da educação não-formal introduziram, em 1973, novidades que viriam

representar uma revolução no modo de como se entendiam os têxteis. Fala-se da introdução do

Curso de Artes dos Tecidos no Ensino Secundário Técnico em diversas escolas do país478

e da

experiência que o Engenheiro Melo e Castro (1932) em colaboração com a pintora Gracinda

Candeias (1947) realizou no Curso de Formação Artística da SNBA. Uma

… experiência inovadora no campo da didáctica do Design Têxtil (…).

Tratava-se de despertar interesse e aptidões para o desenho e concepção de artigos têxteis em alunos

de formação heterogénea, de idades compreendidas entre os 15 e os 30 anos, e que da indústria têxtil e da

sua problemática, quer técnica quer estética, quer comercial, nada sabiam.

(...)

A generalidade dos participantes nesta experiência (25 no início) era fortemente motivada por

aspectos artísticos gerais, mas carecia duma orientação definida. As qualidades e aptidões individuais, em

termos de cor, desenho, técnica de pintura, conhecimentos teóricos de estética e história da arte, iam

desde a quase total inabilidade e ignorância até um já avançado conhecimento e exercício. Mas sobre

têxteis, repito, o desconhecimento era comum a todos.479

A mãe, pintora, restauradora, pedagoga/formadora e empresária Gisella Santi foi obrigada

a abandonar a ultima identidade desta lista. “Por carência de trabalho e de meios após o 25 de

abril 1974 foi forçada a encerrar a oficina-escola, embora lutasse bastante junto de organismos

oficiais para que tal não acontecesse.”480

Mas, antes de se falar do novo rumo do ateliê da

Infante Santo, afigura-se como pertinente, falar da primeira identidade que se atribuiu a Gisella

– a de mãe o que implica falar do filho, as palavras do seu amigo Hugo Ferrão levam-nos a

melhor compreender tempos muito revolucionários e, igualmente, muito fraternos.

477 SANTI, Gisella – Percurso. In Câmara MUNICIPAL DA AMADORA – “Tapeçarias…, p. 5.

478 Circular 9/73 – Série B de 21 de Novembro de 1973.

479 CASTRO, E. M. de Melo e – Introdução ao Desenho Têxtil. 2.ª ed. Lisboa : Editorial Presença, 1985, p. 56-57.

480 SANTI, Gisella – Curriculum Vitae. 1979-11. Acessível na Escola Secundária Artística António Arroio, p. 1.

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O Orenzio Santi é o filho da Gisella Santi, conheci-o em 1974 numa tertúlia que existia à Sé de

Lisboa. As reuniões aconteciam de forma improvisada pelos cafés à volta da Sé (Flor da Sé, Cubata,

Galera, Faia…) mas era no restaurante «Estrela da Sé», com matriz galega, feita de «gabinetes

conspirativos» e a cumplicidade do inesquecível Sr. Perfeito que nos deixava cantar, declamar, discutir,

conspirar até altas horas da noite, paredes meias com o Otelo Saraiva de Carvalho e seus

correligionários.481

O episódio que de seguida se descreve ilustra uma época e elucida quanto às dificuldades

que esta restauradora de tapeçaria terá enfrentado naqueles dois a três anos antes do 25 de Abril

de 1974. E, por outro lado, explica de que modo Orenzio Santi se veio a tornar num aliado

profissional do ateliê de tapeçaria contemporânea. A Guerra, desde 1961, era nas colónias mas

em Lisboa, passados dez / onze anos, dizem os que se lembram daqueles tempos – “o ambiente

estava pesado”. Embora o governo tudo fizesse para esconder o que se passava, as pessoas

estavam cansadas, muitas perderam os filhos ou viram-nos chegar estropiados. Gisella

constatando que a Guerra Colonial nunca mais acabava, fez o que todas as mães desejavam

fazer – impedir o filho de ir para o ultramar. Assim, levou o filho a renunciar à nacionalidade

portuguesa, ficando com nacionalidade italiana482

(que mantém) e de seguida, emancipou-o de

modo a prosseguir estudos no estrangeiro. A liberdade que Gisella sempre reclamou para si,

ofereceu ao filho. Orenzio encontrava-se a acabar a premiére (11º ano) no Licee Français

Charles Lepierre, estudante que sempre se tinha assumido como um outsider naquele liceu e

decidiu terminar os estudos secundários em França.

Orenzio no final do ano letivo de 1973/1974 partiu à boleia (Fig. 46) e sem um destino

muito definido, apenas, com a intenção de se fixar num lugar perto do mar. Depois de algumas

voltas encontrou esse lugar na cidade de Lorient, no departamento do Morbilhan na Bretanha

francesa, onde fez o ano letivo 1974/1975. Quando regressou de férias, a mãe estava em

Condeixa na casa de Leão Lopes (1948) – cabo-verdiano da ilha de S. Vicente, diplomado em

Pintura pela ESBAL que na década de 1990, no seu país, foi ministro da cultura e convidou

Gisella Santi para dar formação na sua ilha. Em Condeixa Gisella estava a trabalhar com outros

artistas plásticos entre eles Colette Villate (que Orenzio recorda como uma francesa muito

ativa), num Projeto Atelier de Tapeçaria que era uma espécie de comunidade. Orenzio sentiu

algum apelo pelas atividades artísticas o que até esse momento não tinha acontecido. Voltou a

França para apanhar as suas coisas e quando regressou a Portugal, a mãe já tinha regressado a

casa, casa ao lado do ateliê onde encontrou trabalho que o levou à autonomia483

e,

simultaneamente, tornava-se num aliado profissional de Gisella Santi. Em 1975, a tecelagem

481

Volume II, Parte II, Entrevista 26, p. 1.

482 EMBAIXADA DE ITÁLIA EM LISBOA – Tradução Assento de Óbito para fins de Nacionalidade do Filho. 1973-5-19. Acessível na

Embaixada de Itália em Lisboa.

483 Volume II, Parte II, Entrevista 1, p. 5

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estava presente no ateliê da Infante Santo, dotado de jeito e conhecimento, Orenzio, dedicou-se

profissionalmente à marcenaria.

Construia estiradores para a papelaria Progresso. Alunas da mãe que compravam teares tradicionais

na província, vendo que OS tinha jeito na marcenaria começaram a pedir-lhe para remodelar esses teares

que, por vezes, vinham com defeitos. OS disse que, por vezes era, pura escultura mas o resultado era

satisfatório. Como a tecelagem estava presente no atelier da mãe, começou a tentar construir teares

desenhados por ele (para tecelagem e para tapeçaria) e a ideia foi seguindo. Mais tarde, e para a mãe,

começou por construir bastidores verticais para tapeçaria e depois, teares de tapeçaria verticais com rolos,

tipo Gobelins. Um dos últimos teares de tapeçaria que a mãe encomendou era um tear com rolos com a

dimensão de 2,5 m de largura útil. Depois, GS também encomendou alguns teares de tecelagem com 8

quadros para fazer amostras. OS disse também ter construido diversos acessórios têxteis, inclusivamente,

rodas de fiar. Teve uma oficina – a Portear – que forneceu teares para a então Escola Superior de Belas

Artes de Lisboa (onde frequentou curso de Design de Equipamento, entre 1979 e 1981). e para a Escola

Secundária Artistica António Arroio (escola onde é professor).484

Orenzio entrou na ESBAL em “…Design de Equipamento, casou com a Ana Gonçalves

(filha do sacristão da Sé, o Sr. Viera Gonçalves, hoje professora na António Arroio da área dos

têxteis), e foram viver para o Banzão em Colares…”485

, onde Hugo Ferrão, regularmente, os

visitava e tomou parte em alguns dos encontros que Orenzio promovia nesta pequena

localidade.

Mizette interrogada sobre se, no pós 25 de Abril, os artistas plásticos, ou melhor, os

criativos em geral, tomaram posições politicas, respondeu que: “Muitos sim! Nós eramos

estrangeiras, mantivemos, sempre, low-profile. Antes porque não poderia ser de outra maneira e

depois assim continuámos.”486

Na verdade, através da sua postura solidária e de modo muito

discreto, Gisella que, para Mizette “…era a bondade em pessoa…”487

foi tomando posições

politicas que se traduziram no modo como cuidava das suas colaboradoras e no apoio que deu

ao tecelão Honorato que tinha estado preso em Caxias, “… por causa de revoltas na Covilhã, a

determinada altura, Gisella cedeu-lhe espaço no ateliê. Ele ensinava e ajudou o Orenzio na parte

de carpintaria.”488

Este profissional também se cruza com a história inicial do ensino dos têxteis

na ESAA porque trabalhava para a fábrica da Senhora D. Adéle Prosérpio, D. Adéle pediu-lhe

que fosse ajudar Rafaela Zúquete que tinha aceite ensinar tecelagem (1976). O Senhor Honorato

era pessoa “… de quem a Ana Gonçalves gostava muito. Este Senhor, desde os catorze anos que

484 Volume

II, Parte II, Entrevista 1, p. 5-6.

485 Volume II, Parte II, Entrevista 26, p. 2.

486 Volume II, Parte II, Entrevista 4, p. 3

487 Id, p. 2.

488 Ibid.

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mexia em teares e foi para lá “dar uma mãozinha” – montar teias – era uma pessoa consentida

na escola.”489

2. MARIA FLÁVIA DE MONSARAZ

2.1. A Escultora Portuguesa Nascida em Espanha

Depois de ter concluído o Curso Superior de Escultura (1959), Maria Flávia, constituiu o seu

ateliê nas imediações da ESBAL, na sua residência na Rua Vítor Cordon. Entre as alunas

particulares que acolheu, encontrava-se a jovem Maria João Gomes Pedro, uma jovem

apaixonada pelas Belas-Artes, em 1959, começou a ter aulas de Desenho de Modelo,

frequentando o ateliê da Vítor Cordon, uma vez por semana, durante um a dois anos, entre as

lembranças que Maria João guarda é de que:

Na altura, a Maria Flávia não fazia escultura, fazia cartões para tapeçaria/Portalegre. Tinha um em

azul escuro/navy (do mesmo azul do arraiolos que tem o lagarto) e tinha um bicho, talvez um unicórnio.

Na altura, havia um cartão não figurativo e muito colorido – amarelo, rosa choque. Para Maria Flávia, foi

muito trabalhoso pôr os números correspondentes às cores. Era às riscas horizontais, esbatidas umas nas

outras, era muito exigente do ponto de vista da representação cromática, era abstrata, pele menos, não

figurativa. As tapeçarias que, mais tarde, Maria Flávia fez são distintas das tapeçarias de Portalegre.

Eu fui para a escola de educadores e ela foi para o ateliê de Campo de Ourique na Coelho da Rocha,

pátio onde estava também o Nery. 491.

Em Dezembro de 1964, lia-se num jornal da capital:

Mas em Lisboa não havia um centro que conjugasse os esforços e procurasse estabelecer um

intercâmbio da nova indústria, ajudando ao mesmo tempo artistas e industriais. Foi isso que procuraram

realizar (…) o arq. Conceição Silva, o decorador Manuel Rodrigues e a Manufactura de Tapeçarias de

489 Volume

II, Parte II, Entrevista, 16, p. 3.

490 MUSEU NACIONAL DO TRAJE E CÂMARA MUNICIPAL DE LAGOS – Henrique o Navegador: Tapeçarias de Gisella Santi. Lisboa: Secretaria de

Estado da Cultura/Instituto Português de Museus, 1994.

491 Volume II, Parte II, Entrevista 15, p. 2.

Fig. 46 – Orenzio Santi velejando; Fig. 47 – Gisella Santi e Arnaldo de Figueiredo, Salão de Primavera, SNBA,

1972; Fig. 48 – Gisella Santi, Assim Fomos Abrindo Aqueles Mares..., 1992, Tapeçaria Gobelins em lã, linho e

cordão de seda490.

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Portalegre. Conjugaram eles esforços para a fundação do Centro Português de Tapeçarias, ali na Rua

Camilo Castelo Branco, 20, junto ao Marquês de Pombal. (…).

O centro conta desde já com um grupo de artistas verdadeiramente notáveis, (…) como Jean Lurçat,

Le Corbusier, Mategot (…) Jan Gynning e François Lauvin. Dos portugueses já fizeram cartões e há

obras suas realizadas, os artistas Sá Nogueira, Flávia de Monsaraz, Querubim Lapa, Eduardo Nery,

Rogério Ribeiro, Carlos Botelho, Alice Jorge, Fernando Conduto, Maria Velez, Charrua, Luísa Bastos,

Carlos Calvet e Mina Camara Leme. Trabalham, neste momento, em cartões para tapeçarias, os artistas

Vespeira, Sebastião Rodrigues, Almada, João Abel Manta, Pomar, Camarinha, Lourdes de Vasconcelos e

Renato Torres.

(…), contam os organizadores com centros e galerias estrangeiras para permutas tanto na Europa

como na América. Com os tempos, bem poderá sair daqui o centro de desenho industrial que ainda não

temos e que muita falta faz.492

A peça escolhida para ilustrar este texto, foi Desejo de Paz, cuja legenda diz que: “Esta

tapeçaria sob cartão de Flávia de Monsaraz pode servir de modelo às nossas possibilidades de

ideação e de produção.”

Maria Flávia referindo-se ao trabalho realizado para a MTP disse que “… eram tapeçarias

que mandavam para a América, vi tapeçaria minha, inclusive, Desejo de Paz que fiz em 1961.

Fiz mais que um cartão, trabalhava com o Senhor Guy Fino (já morreu) que era um gentleman

mas, achava os preços escandalosos…”493

João Rocha de Sousa que iniciou a função de docente do binómio Cerâmica-Tapeçaria na

ESBAL em 1964, em entrevista por nós realizada em novembro de 2014 disse-nos a propósito

do Centro Português de Tapeçaria (CPT) e da MTP que

… tinha feito um cartão para tapeçaria que foi executada em Portalegre para um particular – Olga Rocha

Pagana. Foi um projeto integrado numa habitação totalmente redecorada, a tapeçaria era para colocar na

sala (ainda lá está).

Uma Senhora que tinha sido tecedeira em Portalegre, instalou no Porto uma “fabriqueta”/pequena

manufatura para realizar tapeçarias usando o Ponto de Portalegre ao contrário – fazia por cima e ao

avesso. O Professor fez 2 cartões para esta manufatura do Porto. Quem negociou este trabalho foi o

Centro Português de Tapeçaria (CPT) – arquiteto Conceição Silva. Estas 2 tapeçarias, estavam

recentemente, no restaurante do Centro Cultural de Belém.

A Manufactura de Tapeçarias de Portalegre também expôs neste CPT que não durou muito tempo

porque as tapeçarias eram caras.494

Maria Flávia, que cedo iniciou (na primeira metade da década de 1960) o seu trabalho

relacionado com os têxteis, contou-nos que:

Antes de ir para Paris fazia umas graças decorativas, mas costurar costurar foi só em Paris.

Via a costureira que ia lá ao ateliê e aprendi!

492 A Tapeçaria portuguesa vai ter em Lisboa um grande centro de expansão. “Diário de Lisboa”. (8 Dez. 1964)

493 Volume II, Parte II, Entrevista 3, p. 3.

494 Volume II, Parte II, Entrevista 28, p. 3.

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Em Portugal, tinha uma costureira para me fazer as coisas – a Eulália – que ia ao ateliê de Campo de

Ourique para coser o que eu lhe dava já recortado – composições que eu fazia com rendas, bordados e

pedaços de tecidos (dos baús da minha avó). Montava tudo e ela cosia à máquina. Estava ao pé da Eulália

para a orientar à medida que ia cosendo e fui aprendendo!495

Madalena Braz Teixeira (1938) que, durante vinte e cinco anos (1983-2008), foi Diretora do

Museu Nacional do Traje (MNTr) – instituição que muitas exposições de tapeçaria acolheu –,

«… lembra-se de ouvir Maria Flávia dizer: “tenho uns trapinhos cozidos”. Trapinhos que a

fascinavam. »

496 Maria Flávia analisando o seu trabalho a partir dos tecidos e das rendas diz o

seguinte: “Os patchworks – fi-los antes de ir para Paris –, fazia-os por necessidade de cor, por

isso pedi a Bolsa.”497

Além dos patchworks, Maria Flávia, antes de ir para Paris também fazia bordados – ponto

de arraiolos aplicado em juta –, Rafaela Zúquete informou-nos de que o Primo (Dr. Gonçalo

Monteiro) “… tem um com um lagarto.”498

Esta Senhora que foi professora de Tapeçaria na ESAA e amiga de Maria Flávia estabeleceu

um paralelo entre o trabalho de Maria Flávia e de outras duas artistas plásticas que se dedicaram

ao têxtil: “A execução da Senhora D. Clementina e a execução da Madalena Cabral eram

rigorosas, os trabalhos da Maria Flávia não tinham esse rigor mas, não precisavam disso para

nada porque, eram lindíssimos e fugazes.”499

A par deste trabalho que saia do seu ateliê – porta cinco do Pátio onde trabalhavam outros

artistas plásticos no número 69 da Rua Coelho da Rocha no bairro de Campo de Ourique em

Lisboa500

–, espaço que dividia com colegas e amigas, Maria Flávia lecionava na EADAA

495 Volume

II, Parte II, Entrevista 3, p. 6.

496 Volume II, Parte II, Entrevista 5, p. 1.

497 Volume II, Parte II, Entrevista 3, p. 7.

498 Volume II, Parte II, Entrevista 16, p. 6.

499 Volume II, Parte II, Entrevista 16, p. 6.

500 Volume II, Parte II, Entrevista 3, p. 8.

Fig. 49 – Casa Pombalina na Rua Vítor Cordon, onde Maria Flávia viveu a adolescência e permaneceu até aos 29

anos (1964) (FP); Fig. 50 – Desejo de Paz, “Tapeçaria de Portalegre” a partir de cartão, 1961, de Maria Flávia de

Monsaraz; Fig. 51 – Maria Flávia de Monsaraz, Lagarto, início da década de 1960, Juta bordada com lã em ponto

de arraiolos, 68x104 cm, Lisboa, Colecção Particular (Gonçalo e Benedita Monteiro) (FP); Fig. 52 – Maria Flávia

de Monsaraz, Dois Patchworks, início da década de 1960, Lisboa (fotografias da artista – FA).

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(velha)501

, além da ESBAL, a outra grande referência no ensino artístico da capital. Maria Flávia

deu aulas de Modelação aos alunos dos cursos que davam acesso às Belas-Artes (Secção

Preparatória). “Nessa altura, andava com uma caixa com objetos que ela fazia em esmalte.”502

E fazia questão de “… estar, sempre, a horas na António Arroio (AA) (…), ia de autocarro e

nunca perdi uma aula. Era extremamente disciplinada. É que não me passava pela cabeça não

chegar a horas!”503

Escola onde esteve

… 2 anos, dos 24 aos 26 –, onde dava modelação aos cursos que davam acesso às Belas-Artes – mas não

dava o programa, mandava os alunos apanhar coisas na praia, comigo não desenhavam folhas de acanto!

Isto no tempo em que o Professor Lino António era Diretor da escola. Era uma escola muito engraçada!

Nesta altura já tinha o ateliê com a Carmo D`Orey e a Graça Costa Cabral, na Coelho da Rocha (pátio) e

quando voltei de Paris, voltei a trabalhar lá, o Manuel Costa Cabral já lá estava também e disse: “esta é a

tua casa, volta para cá”. E saiu para eu voltar, foi de uma amizade...504

Ao longo da década de 1960, foi-se desenhando uma realidade que teve como repercussão

mais mediática a Revolução dos Cravos em abril de 1974.

Os anos sessenta decorrem em Portugal sob o signo da abertura, de um olhar para o exterior,

caracterizando-se pelo grande movimento emigratório e por uma maior circulação de informação que a

par da guerra em África, levarão progressivamente à insatisfação da sociedade portuguesa, que culminará

nas manifestações estudantis no final da década.505

Maria Flávia não estava indiferente ao que se passava e caraterizou a sua vivência da

primeira metade da década do seguinte modo:

Sofri horrores com a Guerra Colonial porque via aqueles jovenzinhos a ir para a guerra e revoltava-

me!

Escrevia e lia muita poesia quando era nova. Lia muito Rainer Maria Rilke. Toquei guitarra

portuguesa, muito bem, aos 18 anos tive um professor – José Nunes – que era o guitarrista da Amália

Rodrigues. Deixei de tocar quando fui para Paris. Viola, era só para me acompanhar e, hoje, ainda toco,

por vezes, toco piano só de ouvido. Ainda fiz o terceiro ano do Conservatório, porque fui ensinada à

moda antiga, de uma forma rígida e austera, criei aversão ao solfejo, mas continuou a apetecer-me tocar

de ouvido (em liberdade). Toco para me ouvir, toco acordéon. Ainda toquei flauta de bisel.506

À dificuldade em lidar com uma sociedade que mandava os seus homens mais jovens para a

guerra, juntou-se o facto de Maria Flávia sentir que queria aprender mais, nomeadamente,

explorar os efeitos cromáticos que o Curso Especial e o Curso Superior de Escultura (1953-

501 Na Rua Almirante Barroso (Escola Secundária de Camões).

502 Volume II, Parte II, Entrevista 16, p. 1.

503 Volume II, Parte II, Entrevista 3, p. 2.

504 Volume II, Parte II, Entrevista 3, p. 5.

505 PELAYO, Maria Raquel Nunes de Almeida e Casal – Artes Plásticas e Vanguarda: Portugal, 1968-abril 1974. Volume I: Porto : Faculdade de

Letras da Universidade do Porto. 1999. Dissertação de Mestrado, p. 31.

506 Volume II, Parte II, Entrevista 3, p. 7.

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1959) da ESBAL lhe tinham negado – “quem esculpia não pintava”. Assim, Maria Flávia fez

parte da extensa lista de bolseiros da FCG, instituição que surgiu em Portugal em 1956 e passou

a dividir com o Estado as atividades e a regulação da vida cultural portuguesa.

A mais determinante actividade daquela fundação foi a de restabelecer, agora em grande escala, uma

política de subsídio para a emigração de artistas para estudar na Europa. (…). Durante a década de

sessenta e concretamente desde 1958, a Fundação Gulbenkiam concedeu bolsas a um total de cinquenta e

três artistas permitindo-lhes contactar directamente com o meio cultural europeu. Foram quarenta e cinco

pintores, quatro escultores, dois gravadores, dois ceramistas e um vidreiro.

Quarenta e dois destes artistas

teve como destino Paris e apenas três foram para Londres. Esta massiva emigração para Paris revela quão

alheado se encontrava o meio artístico português do que se passava internacionalmente. Efectivamente se

por um lado é inegável a lufada de ar fresco e a renovação que esta emigração constituiu, por outro lado, a

insistência por Paris como destino, em detrimento de Londres ou de uma maior diversidade de locais de

uma Europa agora mais descentralizada culturalmente e sem grande poder internacional no clima de

guerra fria entre as duas grandes potências surgidas após a segunda guerra (os EUA e a URSS) revela a

limitação desta abertura. Paris lutava então pela manutenção do lugar central que desempenhara até antes

da guerra, no meio artístico europeu, desencadeando uma fortíssima promoção da sua nova geração

informalista, à qual os novos críticos portugueses – José Augusto França, Rui Mário Gonçalves e

Fernando Pernes – foram muito sensíveis por fidelidade à sua formação de raiz francesa. Não obstante,

era do mundo anglo-saxónico que irradiavam agora as novas propostas, às quais apenas por isso estes

críticos reagiram negativamente, desprezando-as e colocando-se ao lado das então decadentes artes

plásticas francesas.507

2.2. A Emigração e a Descoberta da Nouvelle Tapisserie

Maria Flávia, em 1964 estava em Paris a estudar artes decorativas na Ecole Nationale

Superieure des Arts Decoratifs (Art´s Deco), onde fez um estágio que correspondia ao último

ano do curso. Esteve todo o ano letivo e mandava os relatórios para a FCG. Maria Flávia referiu

que foi essa aprendizagem que a habilitou a desenhar numa escala grande. Os alunos tinham de

trabalhar de modo a animar grandes espaços públicos:

“Faça um fresco para um aeroporto”! Projetos que não aconteciam, eram classificados como trabalho

académico. (…) estágio que era o último ano do curso. Embora não fosse da casa tirava uns 13 / 14. (…).

Foi esse ano que me “desemborrou” muito a desenhar numa escala grande... 508

Os alunos faziam projetos para pintura mural, respondiam ao pedido em formato pequeno,

depois de mostrado e aprovado pelo professor, o motivo era ampliado, não se esperava que

fossem decorar os espaços para onde tinham sido pensados.509

507 PELAYO, Maria Raquel Nunes de Almeida e Casal – Artes Plásticas…, p. 32-33.

508 Volume II, Parte II, Entrevista 3, p. 4.

509 Id.

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… foi o último ano do curso de Artes Decorativas – pintura mural. Foi um ano em que a escola abriu

vagas para pessoas de outros países que já estavam formadas. Quando pedi a Bolsa, vi que isso me podia

interessar porque eu precisava de cor e de parede. Todos os meses davam um motivo para fazer pintura

mural, mas já davam/diziam qual era o material, podia ser um fresco, uma tapeçaria ou um azulejo.

Tínhamos de trabalhar todas estas expressões murais. Eram projetos em escalas monumentais – tínhamos

de fazer uma maqueta e depois ampliar para 2X2m. Andei naquilo um ano inteiro, todos os meses o

professor pedia um trabalho. Andava ali a competir com os franceses que são muito racionais e

trabalhadores. Sai de lá a pintar as maquetas em guache. E, eu não pintava!

Eles eram chauvinistas, reduziram muito as notas de quem não era francês – só estava eu e outra

estrangeira. Eram alunos de 18 anos e, eu estava atrasada (ou pensava que estava, acabei por recuperar

isso porque aos 50 anos iniciei outra fase...) quase 10 anos, estava com 29. Pensei: “se eu soubesse disto

antes tinha vindo mais cedo!”510

No ano letivo (1964-1965) em que Maria Flávia aprendia a desenhar numa escala grande,

João Rocha de Sousa, recentemente, regressado do ultramar, ingressava na ESBAL para dar

início ao ensino da Tapeçaria, tecnologia integrada na UC binómio Cerâmica-Tapeçaria, UC

cujos pressupostos não se assemelhavam ao que hoje se entende pela transmissão do saber da

Tapeçaria na Faculdade de Belas Artes de Lisboa (FBAUL).

Nessa altura – do binómio cerâmica / tapeçaria –, o Prof. Rocha de Sousa considerou, desde logo, que

era um atentado às duas artes e não havia oficinas. Não havia bibliografia e não havia internet, o Prof. foi

a uns livreiros arranjar livros sobre essas tecnologias – livros de autores espanhóis com a história da

cerâmica e da tapeçaria. Não havia espaço físico nem autorização para trabalhar as tecnologias, a

tapeçaria era considerada uma cadeira teórica. Para além disso (da teoria), o Prof. não só exercitou a visão

das coisas (artes e tecnologias) e a criação de projetos, arranjou um compromisso com uma fábrica de

cerâmica (Constança – na sede), onde os alunos faziam azulejos e outras peças pequenas – foram

exercitados a trabalhar lá. Para Tapeçaria fez um programa de acordo com o que sabia e, a certa altura,

fez um acordo com a manufatura de Portalegre, isto ainda nos anos de 1960. O Prof. propôs à manufatura

que, “em vez de estarem sempre aqui a treinar as raparigas com um boneco em gesso – nós (a partir de

trabalho de alunos) mandamos um trecho de tapeçaria à escala de 50x50 cm e vocês fazem aqui o treino

com a tapeçaria completa fazendo a ampliação no papel de ponto (tipo milimétrico).”

Os alunos, a determinada altura, ainda nos anos de 1960, começaram a ter uma parte prática na aula,

arranjou-se um bastidor “à maneira de Portalegre” (grande tear) para fazer tapeçaria na aula. Era quase

uma réplica dos teares de alto liço de Portalegre mas, os alunos eram livres de fazer tafetá e algo

experimental.511

Porque esta transgressão acabava por ter concordância superior, pode ser entendida como

Ensino Não-formal e informal a funcionar dentro do Ensino Formal.

“Era ilegal mas o Diretor não se metia nisso porque a ilegalidade estava do meu lado”. Esta era uma

geração muito bem preparada – equipada e documentada à escala europeia. Há uma publicação numa

revista espanhola que faz a comparação de 5 instituições de ensino superior em que a ESBAL era das que

510 Volume

II, Parte II, Entrevista 3, p. 8.

511 Volume II, Parte II, Entrevista 28, p. 3-4.

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tinha dos programas mais bem-feitos. Perante uma cultura institucional e repressiva, havia preocupação

em fazer auto-avaliação e observação de classe – “era a minha equipa que fazia mas não era uma coisa da

instituição”.512

Se João Rocha de Sousa encontrava adversidades, Maria Flávia de Monsaraz também as

encontrou, para as ir ultrapassando, foi trilhando um caminho que a levou a aproximar-se das

artes têxteis, nomeadamente da tapeçaria contemporânea. Aproveitando a proximidade, no final

desse ano letivo (1964-1965), Maria Flávia foi ver uma exposição à Suíça, era a II Bienal

Internacional de Tapeçaria.

Estas bienais realizavam-se em Lausanne e eram organizadas pelo Centre International de la

Tapisserie Ancienne et Moderne presidido por Jean Lurçat, eventos onde se mostrava uma nova

categoria de arte, fundamentalmente, realizada por mulheres – a tapeçaria tridimensional ou

experimental. Este concurso prolongou-se até 1995 num total de dezasseis edições513

.

Competição que “... pôs em evidência a vitalidade de uma arte em plena renovação.”514

Para

melhor ilustrar esta expressão relata-se aqui que, durante o verão de 1962 (na primeira Bienal),

os trabalhos apresentados tinham, no mínimo, doze metros quadrados, entre as cento e

cinquenta e duas obras enviadas, cuja proveniência era de dezassete países515

, entre estes

Portugal, o comité da seleção escolheu cinquenta e sete tapeçarias. Esta exposição permitiu

constatações interessantes, a primeira foi de que a grande diversidade de peças mostrou que

cada país fez “como que por sua própria conta”, ou seja, as experiências eram quase as mesmas,

contudo os resultados finais eram distintos. A outra constatação é de que as tapeçarias desta

512 Volume

II, Parte II, Entrevista 28, p. 4.

513 http://www.toms-pauli.ch/biennales/documentation/

514 FUNDAÇÃO CALOUSTE GULBENKIAN – 8.ª Bienal Internacional de Tapeçaria de Lausana. Lisboa : Fundação Calouste Gulbenkian,

1977, p. 37.

515 Alemanha, Áustria, Bélgica, Canadá, França, Grã-Bretanha, Holanda, Hungria, Itália, Japão, Noruega, Polónia, Portugal, Suécia, Suíça,

Checoslováquia e Estados Unidos da América.

Fig. 53 – Catálogo da Segunda Bienal Internacional de Tapeçaria de Lausanne, 1965; Bienal visitada por Maria

Flávia de Monsaraz; Fig. 54 – Catálogo da Quarta Bienal Internacional de Tapeçaria de Lausanne, 1969, ano em

que Maria Flávia começou a fazer Nouvelle Tapisserie; Fig. 55 – Catálogo da Quinta Bienal Internacional de

Tapeçaria de Lausanne, 1971, acredita-se que foi esta Bienal que Gisella Santi visitou; Fig. 56 – Catálogo da Oitava

Bienal Internacional de Tapeçaria de Lausanne, 1977. Esteve em Lisboa na FCG, de 30 de novembro de 1977 a 15

de janeiro de 1978. Evento visitado pelos nossos entrevistados Guida Fonseca, Manuel Alves Dias e Hugo Ferrão.

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Bienal tinham grandes dimensões, a maior tinha quarenta e seis vírgula sessenta e quatro metros

quadrados. Tratava-se de trabalhos apresentados individualmente para serem pendurados num

espaço arquitetónico, sem recurso a outras tapeçarias para fazerem um sentido516

.

A Tapeçaria Contemporânea, à época denominada de Nouvelle Tapisserie, na capital

portuguesa, partindo do relato de Maria João Gomes Pedro, seria algo muito distante:

Havia uma galeria no Chiado depois, havia um cinema (Chiado Terrace) – a caminho do S. Luís, no

Largo do Chiado do lado direito, havia uma galeria de arte. Em 1960/1970, ia-se muito às exposições da

SNBA, mas nunca vi exposições de tapeçaria, nem de tapeçaria de Portalegre.517

Ao tomar contato com a Nouvelle Tapisserie, Maria Flávia pensou: «“… é isto que quero

fazer! Misturar cor com volume!” Nunca tinha visto em lado nenhum do mundo nada parecido.

As tapeçarias mais bonitas eram polacas, feitas por mulheres que pertenciam a cooperativas.»518

Eram mulheres organizadas em torno de cooperativas que apresentavam um trabalho de

excelente qualidade técnica e artística. Pode pensar-se que é a ligação direta de uma arte

ancestral como a tecelagem que, desde sempre, fora conduzida por mulheres que, agora, ao

reclamarem direitos iguais numa sociedade mais justa, juntavam ao tradicional entrelaçamento

dos fios (tecelagem), a formação intelectual e artística de que já vinham beneficiando. Fazendo

destas manifestações artísticas, algo que segundo Guida Fonseca (1955) que veio do Algarve

para frequentar o Curso de Pintura da ESBAL (logo após o Verão Quente – 1974) e em 1977

viu a 8.ª Bienal de Lausanne em Lisboa, eram “…peças que estavam entre a pintura, a escultura

e a arquitectura!”519

Independentemente, do seu tamanho, devido à fragilidade dos materiais

usados, as tapeçarias destinavam-se ao ambiente interior, nomeadamente, espaços domésticos e

comerciais, casos há de importantes instituições como o Banco de Portugal520

e o Parlamento

sueco521

que na sua coleção contam com tapeçaria.

Acabou o ano letivo e acabou a bolsa que Maria Flávia ganhara para Paris, bolsa que a FCG

não renovou, contudo esta artista plástica portuguesa porque considerava que o seu processo de

amadurecimento não estava concluído, permaneceu em Paris por mais quatro anos e vinha a

Portugal nas férias522

. Enquanto estudante, Maria Flávia trabalhou no seu ateliê em Montmatre

onde tinha uma máquina de costura para fazer patchworks, espaço onde continuou a trabalhar,

em 1967 aceitou uma encomenda – um conjunto de doze painéis (para um hotel) onde integrou

516 JOBÉ, Joseph (coord.) – Le Grand Livre de la Tapisserie. Lausanne : Edita Lausanne, 1965, p. 167

517 Volume II, Parte II, Entrevista 15, p. 3.

518 Volume II, Parte II, Entrevista 3, p. 2.

519 Volume II, Parte II, Entrevista 2, p. 2.

520 Volume II, Parte II, Entrevista 3, p. 4.

521 Volume II, Parte II, Entrevista 8, p. 1.

522 Volume II, Parte II, Entrevista 3, p. 5.

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motivos populares, uma certa inspiração no folclore português – animais como o galo e a

galinha, retomando ou mantendo a tendência dos objetos têxteis que tinha executado em Lisboa.

… em Paris, tinha um pequeno ateliê em Montmartre para onde ia todos os dias. Em Paris não tinha tear,

não tinha espaço e tinha uma máquina de costura onde fazia patchwork, também aceitava encomendas, fiz

em 1967 um trabalho – um conjunto –, durante todo o tempo da gravidez do meu filho ia para o meu

ateliê e fazia os patchworks, fazia motivos populares, galo, galinha... sempre, com muita cor! Hoje

constato que em Paris vivia o inverso – os longos invernos e o tempo cinzento –, o trabalho era o apelo à

nostalgia de Portugal. Era a encomenda de um hotel em Lisboa, um hotel grande ao pé da Rotunda do

Marquês de Pombal. Mais tarde, veio no jornal que um hóspede americano os tinha roubado. Este

trabalho é que me pagou a passagem para Paris (vim de férias e voltei), eu recebia um terço ao início,

quando o trabalho estava a meio, recebia outro terço e com a entrega o restante. Esta encomenda era de 15

elementos mas só fiz 12, porque, entretanto nasceu o meu filho e já não tinha tempo.

(…)

Em Paris, não tinha ninguém para me coser as coisas, foi ai que percebi que tinha aprendido! Lá, em

Paris, tinha uma amiga que, às vezes, me ia ajudar.523

Maria Flávia, quase cinquenta anos depois das vivências parisienses disse assim: “Isso tudo e

eu não sabia que vinha para Portugal e que vinha fazer tapeçaria.”524

Maria Flávia trouxe a

tapeçaria tridimensional para o seu país.

A Nova Tapeçaria em Portugal nasceu comigo a partir de Lausanne – La Nouvelle Tapisserie – as

tapisseiras polacas punham todos os materiais, cordas, ráfia, lãs, linho, algodão, tudo o que pudesse ser

tecido – que fosse maleável.

É preciso trabalhar com muitos e diferentes materiais. Fazia cruzamentos simples de teia e de trama e

uns rolinhos. 525

523 Volume

II, Parte II, Entrevista 3, p. 6.

524 Id, p. 4.

525 Ibid, p. 3-4.

Fig. 57 – Maria Flávia de Monsaraz, 5 Painéis para decorar hotel em Lisboa, 1967, Patchwork, Paris (FA); Fig. 58

– Maria Flávia de Monsaraz, Retrato, 1967/1968, Patchwork em rendas e veludos antigos (dos baús da família)

costurados à máquina, Paris (FP); Fig. 59 – Maria Flávia de Monsaraz, Postal de Natal, 1968, Patchwork em feltro

usando diferentes tecidos e passamanaria costurados à máquina, Paris, Coleção Particular (Rafaela Zúquete) (FP).

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2.2.1. Estética Subjacente

… o homem reage perante as formas, superfícies e massas526 dos objectos presentes aos seus sentidos, e

que certos arranjos nas proporções dessas forma, superfícies e massas dão origem a sensações agradáveis,

enquanto a ausência de tais arranjos conduz a reacções de indiferença ou até real desconforto e repulsa. O

sentido que regista essas relações formais que nos são agradáveis é o sentido do belo; o sentido oposto é o

sentido do feio527.

É uma definição de beleza possível, mas não a única. Acredita-se que partindo das

leituras de Herbert Read, os artistas plásticos da vanguarda portuguesa, bem como os estudantes

de Belas Artes, ao longo de década de 1960, tenham feito desta ideia a sua bandeira porque, o

autor defendia que estava subjacente a qualquer teoria geral da arte.

A definição do Belo é, sempre, algo teórico, esta questão da beleza ou conceito é relativo

ou subjetivo, sujeito aos códigos de cada observador. Podendo dizer-se que, o Belo é o que dá

prazer, fica implícito que pode não ser bonito. “A única alternativa seria afirmar que a arte não

tem com a beleza relação necessária alguma, uma posição perfeitamente lógica se limitarmos o

conteúdo do termo àquele conceito primeiramente estabelecido pelos gregos e continuando pela

tradição clássica europeia.”528

Contudo, é defendido o sentido e a noção das proporções, das

cores, das superfícies e nessas, o espaço que pode ser preenchido de modo mais simples, por

exemplo, na pintura essencial para o efeito estético final. O autor refere que a arte flutua ou

converge com o período da história a que é atribuída. Não atribui hierarquização às

manifestações artísticas em cada época, seja dos povos primitivos, góticos ou clássicos, é

indiferente, o que interessa é se é genuíno/representativo de cada um desses períodos. Não há

melhor nem pior, como não mais beleza ou menos beleza porque a beleza é uma unidade de

relações formais entre as perceções sensíveis individuais em cada momento.

Na verdade, o significado histórico do conceito de beleza é muito limitado. Teve a sua origem na

Grécia antiga, produto de uma determinada filosofia de vida. Essa filosofia era de carácter

antropomórfico, enaltecia todos os valores humanos e não via nos Deuses mais que versões magníficas do

homem. A arte, assim como a religião, era para os gregos uma idealização da natureza, e especialmente

do homem como ponto culminante dos seus processos.529

A tendência para considerar o que é belo ser arte e, que toda a arte é bela, mostra-se como

a base da dificuldade para o entendimento do que é a arte. Para tal afirmação o autor apoiou-se

nos estudos (categorização) de Benedetto Croce (1866-1952) que defendia que, filosofia era

história e história era filosofia, por isso, não se poderia fazer uma ciência sem a outra, ou seja a

526 Ver e pensar nas formas fundamentais, sem elas o objeto não existiria. “Massas” é o essencial e deixar o supérfluo.

527 READ, Herbert – O Significado da Arte. Lisboa : Editora Ulisseia, S/D, p. 16.

528 Id, p. 17

529 Ibid, p. 18.

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cada época está subjacente um conjunto de dogmas e que esses dogmas influenciam os

movimentos sociais e económicos e esses, simultaneamente condicionam ou influenciam o

curso da filosofia. Pode concluir-se que o que se mostra relevante, é a tal autenticidade

conseguida em cada época mas se insistirmos na definição clássica da beleza, podemos dizer

que há obras de arte feias, tomando-se o exemplo de “…- um ídolo selvagem da Nova Guiné ou

da Costa do Marfim…”530

Ao longo da década de 1960 nas Bienais de Lausanne, as tapeçarias mais experimentais e

muitas das vezes com volume ou escultóricas, remetem-nos para esta “beleza do feio” ou do

menos bonito, segundo o testemunho de Rafaela Zúquete que visitou a 6.ª edição (1973), dos

“…trabalhos expostos nas Bienais de Lausanne, também apareciam coisas feias, as pessoas

escreviam apreciações ao lado dos trabalhos. Vi nas legendas das tapeçarias escritos –

criticas/insultos aos trabalhos/tapeçarias.”531

Os ecos destas bienais fizeram-se sentir em

Portugal ao longo das últimas três décadas do século XX. A título de exemplo aqui se deixa o

testemunho de Teresa Segurado Pavão (1957) sobre a descoberta e

…o interesse pela tapeçaria por causa de uma exposição, em 1983, no Museu Nacional do Traje (MNTr).

Exposição do Grupo em que GS era a grande mentora. Teresa disse que ao deparar-se com a exposição

foi hipersensível para com aquela manifestação artística através do uso do têxtil e que ficou,

completamente, deslumbrada. Referiu ainda que, nem todas as peças a impressionaram do mesmo modo.

Disse ter visto peças onde se usavam os têxteis naturais e os menos tradicionais – fibras duras, inclusão

de peças não têxteis nos trabalhos, como p. ex. sapatos. Gostou muito de toda essa manifestação em que o

têxtil era o meio de expressão. Descobriu aquela forma de expressão e percebeu que gostaria de

expressar-se através do têxtil.

Depois, começou a investigar tapeçaria, “… gostava daquelas tapeçarias denominadas de selvagens

(designação das Bienais de Lausanne), muitas delas feitas por polacas destacando Magdalena

Abakanowicz, gostava também dos trabalhos da jugoslava Jacoba Buic e da americana Sheilla Hicks.”

TSP Viu a exposição no MNTr ficou fascinada e foi ver quem era aquela gente. “…aterro no ateliê de

GS!”532

As sociedades ocidentais dos anos de 1960, herdeiras do pós-guerra, viviam a Guerra

Fria533

(que se prolongou até 1989 – à Queda do Muro de Berlim) que, basicamente se pode

resumir como um momento na história fragmentado por duas ideologias. Por um lado o mundo

ocidental ou capitalista, os principais países europeus e os Estados Unidos da América, por

outro, o grupo dos países que formavam a União das Republicas Socialistas Soviéticas (URSS)

também chamado de Bloco de Leste que estava sob o domínio socialista. A esta fragmentação,

530 Ibid, p 19.

531 Volume II, Parte II, Entrevista 16, p. 5.

532 Volume II, Parte II, Entrevista 7, p. 2.

533 O medo de que uma das potências atacasse a outra, Bloco de Leste / Ocidente.

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juntava-se-lhe a reivindicação das mulheres por papel igual ao do homem aos níveis das esferas

doméstica, profissional e social534

.

A primeira divisão que encontramos nas sociedades primitivas é a divisão sexual. (...), mas é também

uma divisão social; os grupos de homens e os grupos de mulheres não utilizam a mesma linguagem, não

tomam os mesmos alimentos, não têm a mesma função económica – as mulheres se entregam à pequena

caça, à pequena pesca, à colheita, os homens à grande caça, à grande pesca e à guerra. (...).535

Esta questão do feminismo, hoje denominada de igualdade de género536

pelo acima

referido mostra-se “... exclusiva demais para não se marcar também no domínio da arte por

intermédio da separação das técnicas.”537

Mas, até que ponto algumas das ações que se

relacionaram com a dita emancipação das mulheres, à luz do que se conhece hoje, não se

trataram apenas de espetáculos? Seja como for, por detrás de qualquer realização artística há,

sempre, muito trabalho e um pensamento que lhe subjaz. No domínio da tapeçaria estes foram-

se impondo como tão bem denunciaram as Bienais de Lausanne (Suíça, 1962-1995) e continua a

denunciar a Trienal Internacional de Lódz (Polónia, 1972), o maior, mais antigo e mais

representativo evento mundial dedicado à arte têxtil, cuja última edição (14.ª) foi em 2013538

.

Ao invés das Bienais de Lausanne, as Trienais de Lódz não são concursos, a participação do

artista aparece por convite efetuado diretamente pela organização a partir da seleção feita pelos

delegados dos vários países elegiveis. Portugal, desde 1985, à exceção da 7.ª e da 13.ª edições,

esteve presente em todas as edições539

.

534 Reivindicações que assentavam nas ideias de Simone de Beauvoir, cuja obra O Segundo Sexo mostrava que, não existe qualquer sustentação

biológica para a ideia da inferioridade feminina o problema está nas relações de produção e dependência, já que não existe uma essência feminina, a

mulher não nasce mulher, mas faz-se / fazem-na mulher.

535 BASTIDE, Roger – Arte e Sociedade…, p. 101.

536 SCOTT, Joan – Gender and the Politics of History. Columbia : Columbia University Press, 1999. ISBN 9780231118576.

537 BASTIDE, Roger – Arte e Sociedade…, p. 102.

538 1.ª 1972; 2:ª 1975; 3.ª 1978; 4.ª 1981; 5.ª 1985; 6.ª 1988; 7.ª 1992; 8.ª 1995; 9.ª 1998; 10.ª 2001, 11.ª 2004; 12.ª 2007; 13.ª 2010. Na ultima edição

(2013), foi Conceição Abreu (1961) que enviou uma peça e na 12.ª (2007) tinha sido Helena Lapas a enviar.

539 http://www.muzeumwlokiennictwa.pl/1-archiwum/1/306,7-miedzynarodowe-triennale-tkaniny-lodz%23039%3B92.html

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540 http://www.dia.org/mobile/object-info/527edfd6-02f5-479c-b0c6-c549e7ade148.aspx

541 Leilão 335, peça com o numero 298, base de licitação 500/1000€., p.170. https://www.pcv.pt/files/leiloes/L335/ec/pt/index.html#172

60 – Magdalena Abakanowicz, Abakan 2, 1967, sisal e linho, 57 3/8x71 3/4x5 ¾ cm em 145.7x182.2x14.6 cm,

Marlborough Gallery, New York540; Fig. 61 – Maria Flávia de Monsaraz, Tapeçaria em lã e outros materiais, 1969,

75x166 cm, Leiloeira Palácio do Correio Velho541; Fig. 62 – Manuela Justino, Ventre (pormenor), 1979, 72x72 cm,

objecto que participou na Exposição Tapeçaria – de Artistas Contemporâneos no Museu Nacional do Traje, 1983,

Lisboa; Fig. 63 – Gisella Santi, Antes do Dilúvio, 1985, combinação de técnicas de tecelagem utilizando sisal e

fibras de coco, 265x130x45 cm, objecto que fez parte da 5.ª Trienal Internacional de Tapeçaria, 1985, Lódz.

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V TAPEÇARIA CONTEMPORÂNEA DOS ATELIÊS DE LISBOA

1. RESPONDENDO A ENCOMENDAS

1.1. No Ateliê da Coelho da Rocha

Maria Flávia, ao longo das conversas que fomos realizando (2012 e 2014), frequentemente,

refletia sobre a importância atribuída à tapeçaria, considerando que

…havia e ainda há uma lacuna no espaço cultural português! Penso que os críticos e marchands ainda não

se interessaram, verdadeiramente, por esta arte. Se eu tivesse continuado a tecer as minhas tapeçarias

talvez hoje o meu trabalho fosse mais considerado, embora não me possa queixar, pois tenho tapeçarias

em museus portugueses.

A tapeçaria à escala mural, tem uma dimensão arquitetónica, anda de mão dada com a arquitetura,

entra no espaço com poder de o ampliar, de o transformar e de o qualificar, pode considerar-se um

elemento arquitectónico.542

Cristina Siopa (1952) que fez parte de um grupo que frequentou um curso de tecelagem

lecionado por Gisella Santi no IADE, na modalidade de curso de fim-de-tarde e que nessa

sequência, integrou a cooperativa ARA – Cooperativa Portuguesa de Tapeçaria, CRL (1975-

1977), disse-nos que:

A Maria Flávia fazia as peças bem estruturadas com grandes volumes, tudo com materiais muito

rústicos – materiais mais ásperos. Saiam umas coisas que eram esculturas, ela era escultora, fazia

esculturas lindíssimas com cordas e vários materiais têxteis.

Íamos buscar às fábricas os desperdícios – fios emaranhados/restos de algodão com que os mecânicos

limpavam as mãos – e introduzíamos isso nas tapeçarias. A Maria Flávia usava muito esses desperdícios e

nós também usávamos, a Maria Flávia foi a precursora da tapeçaria contemporânea em Portugal…543

Quando chegou a Lisboa, a escultora que tinha recebido formação em pintura não queria

fazer escultura, faltava-lhe a cor e a dimensão. Maria Flávia não podia pagar a quem lhe fizesse

estruturas para as suas esculturas e não gostava de peças pequenas. O compromisso encontrado

foi dedicar-se à nova linguagem têxtil com que tinha contatado na Bienal de Lausanne. “Só

deixei de fazer escultura porque não tinha escala, a tapeçaria deu-me a dimensão, tem cor e

relevo!”544

Maria Flávia (com o filho – Gil de Monsaraz e o companheiro – José Maria Leite de

Faria) regressou em 1969 e, no fim desse mesmo ano, estava a fazer tapeçaria. Pouco tempo

depois de ter retornado a Portugal, Maria Flávia recebeu uma encomenda de Maria João Gomes

Pedro, Maria João recordou o seu reencontro do seguinte modo:

Quando voltei a contatar com a Maria Flávia, eu já estava na Estrada da Luz com 3 filhos, já não era

uma menina, já era professora na ESEI (Escola Superior de Educadores de Infância Maria Ulrich), era

542 Volume

II, Parte II, Entrevista 3, p. 5.

543 Volume II, Parte II, Entrevista 19, p. 2.

544 Volume II, Parte II, Entrevista 3, p. 7.

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professora de Pedagogia da 1:ª Infância e de Supervisão de Estágios. (…). Continuei a sentir uma

admiração por aquela pessoa que transmitia cultura, sabia estar – era uma Senhora. A Maria Flávia era

sedutora, cativante, bonita, charmosa, amiga do seu amigo, competente e responsável.545

Em Portugal, as pessoas não sabiam se a tapeçaria tridimensional era arte, ninguém fazia –

era La Nouvelle Tapisserie. A FCB (Lisboa) comprou a Maria Flávia uma peça (Fig. 70) que fez

parte da exposição Abstracção Hoje que esteve na SNBA (Lisboa) em abril e maio de 1975,

onde se encontravam mais duas tapeçarias (de Helena Lapas e de António Lagarto) e um tecido

estampada a partir de um padrão de E. M. Melo e Castro546

. O Museu Soares dos Reis (Porto)

também comprou (Fig. 69). “As tapeçarias dos Museus aconteceram porque fiz uma exposição e

os museus compraram. Na Gulbenkian tinha sido bolseira, lá conheciam-me, era da casa.”547

Por

isso, porque Maria Flávia era dona de um bar e porque as suas obras denunciavam

conhecimentos artísticos, as encomendas foram surgindo. Maria Flávia recordando os tempos

em que tecia e dirigia o bar Metro e Meio (MM) na Avenida 5 de Outubro – facto que favorecia

o encontro com muita gente de diferentes setores da sociedade portuguesa –, falou-nos sobre o

que a tapeçaria representou para si, ao longo de dezasseis anos (1969-1985).

… tecer, (…), era como respirar e não se fala da respiração. Troquei os ritmos, a manhã era como se fosse

a noite. A parte social era à noite mas não de modo fútil. Durante o dia tinha muito rigor, muita

concentração e à noite a minha função era de bem receber quem aparecia no bar. À tarde estava muito

concentrada, em silêncio. Um dia li um livro que ensinava o que era fazer Zen. Explicava que é uma

profunda concentração e algo que se faz continuadamente e percebi que fazia Zen todos os dias. Deixava

as confusões e as minhas preocupações sentimentais à porta quando começava a fazer tapeçaria.548

Maria Flávia trabalhava por encomenda, embora fosse uma forma de se exprimir, era uma

expressão ao “serviço de”, ou seja, Maria Flávia criava em função do ambiente que lhe era

pedido ou, o ambiente que lhe era dado a observar. O casal Gomes Pedro que fez parte da

imensa lista de clientes de Maria Flávia contou com o apoio da artista plástica: “Um dia, pedi à

Maria Flávia para ir lá a casa dar-me uma ideia para decoração, o meu marido perguntou-lhe o

que estava a fazer/em que estava a trabalhar, respondeu que fazia tapeçaria e encomendámos-lhe

um trabalho. Ela deve ter feito aquela para nós/para aquele espaço, porque eu não fui escolher

entre várias.”549

Esta aquisição de Maria João prendeu-se com o desejo de “… ter uma obra da

artista, mulher e amiga Maria Flávia de Monsaraz. Foi a única tapeçaria que adquirimos. (…),

foi entregue no espaço de 1 a 2 meses depois de conversarmos.”550

Maria Flávia referiu-se à sua tapeçaria do seguinte modo:

545 Volume

II, Parte II, Entrevista 15, p. 2-3.

546 SOCIEDADE NACIONAL DE BELAS ARTES – Abstração Hoje. Lisboa : Sociedade Nacional de Belas Artes, 1975.

547 Volume II, Parte II, Entrevista 3, p. 5.

548 Id, p. 1.

549 Volume II, Parte II, Entrevista 15, p. 15.

550 Id, p. 3.

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A tapeçaria é uma auto-expressão mas, tinha um condicionalismo analítico porque havia que respeitar

a decoração. Criava através de condicionalismos, visitava as casas e depois criava decoração com

conteúdo, isso divertia-me. Um dia perguntaram-me se isso não me reduzia a criatividade e respondi que

era um estímulo e um desafio.551

Relativamente ao modo de pagamento das encomendas que recebia, Maria Flávia contou

assim:

Os clientes pagavam-me um terço à cabeça, um terço no meio e outro no fim. Eu nunca falhei um

prazo – a minha coroa de glória! (…)

Eu ia para o ateliê, como qualquer pessoa vai para o seu emprego, trabalhar nas encomendas. Foi o ter

muito trabalho que me segurou, sentia-me uma outsider. Fazer e vender tapeçaria permitia-me estar

integrada nesta sociedade em que não me revia.552

Porque considerava o preço da arte abusivo e, porque lhe dava tanto prazer fazer tapeçaria

Maria Flávia cobrava, apenas, pelo valor do tempo de trabalho e pelos materiais investidos.

Ressalvando ainda que, isso era possível porque não tinha uma estrutura produtiva que exigisse

muitas “… despesas, a não ser pagar umas horas a alguém que queria aprender comigo e me

ajudava a fazer o trabalho. P. ex., a Inês Carrelhas e o irmão da Teresa Ricou553

.”554

Maria Flávia começou a fazer tapeçaria tridimensional num tempo a que Maria Raquel

Pelayo (1999) chamou de “período de histeria mercantil” (1968-1974). Antes, até finais de

1967, existiam cerca de dezasseis galerias, sendo três delas institucionais, no final desse

período, em abril de 1974, entre galerias comerciais e institucionais o país tinha à volta de

cinquenta e três, localizavam-se maioritariamente nos dois maiores centros urbanos sendo que,

na capital a prevalência era maior, com trinta e uma galerias e no Porto com cerca de quinze,

havendo sete cidades de província que podiam transacionar arte através de galeristas.

Este período de histeria mercantil terá a duração de seis anos, coincidindo com o período Marcelista,

(…) de 1968 até ao ano da revolução de 1974, altura em que cairá abruptamente.

(…). Um primeiro

período, que vai de 1968 a cerca de 1971 inclusive, altura em que o mercado abarca apenas os artistas

históricos e os consagrados, deixando claramente espaço de acção a outras instituições; E um segundo

período, que vai de cerca de 1972 a 1974, e que já revela um mercado desenfreado, capaz de absorver

também os artistas mais recentes. A primeira metade dos anos setenta constitui-se assim, e antes de mais,

como um lugar de confluência da multiplicidade. Uma multiplicidade que abarca tanto as produções mais

vanguardistas do presente, como as epígonas…555

551 Volume

II, Parte II, Entrevista 3, p. 1.

552 Id, p. 2.

553 Pintor Ernesto Paulo Ricou (1948).

554 Volume II, Parte II, Entrevista 3, p. 3.

555 PELAYO, Maria Raquel Nunes de Almeida e Casal – Artes Plásticas…, p. 55.

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Através de um artigo de João de Rocha de Sousa publicado no Jornal Diário de Lisboa de 29

de abril de 1971, damos conta de que a tapeçaria menos convencional também marcava o seu

lugar neste período de “histeria mercantil”.

… o artista e crítico de arte Rocha de Sousa abordara o debate sobre as novas formas da arte têxtil no

artigo “Tapeçarias +/- Tapeçarias” enunciando logo no título uma dúvida sobre a classificação das peças

encontradas em duas exposições de duas jovens artistas portuguesas: a primeira exposição de obras

têxteis da artista plástica Isabel Laginhas, realizada na Galeria S. Francisco (e para a qual o autor tinha

escrito o texto de apresentação) e as obras de Helena Lapas expostas na exposição “ Novos Autores” na

Galeria Judite Dacruz.

(…), Rocha de Sousa explica que as tapeçarias (…) de Isabel Laginhas não se podem considerar

tapeçarias «quanto ao processo de fazer», ou seja, são inteiramente diferentes do modelo de tapeçaria

clássica francesa a que ele sempre se reporta como referência. As tapeçarias de Isabel Laginhas,

compostas de colagens de tecidos já feitos e recuperados, «macrofios por entrançar e suspensos» apenas

podem ser consideradas tapeçarias enquanto peças têxteis que à «parede se remetem», numa «vocação

decorativa». O crítico reconhece-lhes uma «beleza rude»…556

Maria Flávia que, conscientemente, se quis manter fora dos circuitos da comercialização das

obras de arte disse-nos que:

Tinha sempre, só uma ajudante, eram sempre pessoas que vinham pedir-me para ajudar para aprender

– era à maneira antiga do mestre e do aprendiz! Trocavam o trabalho pela aprendizagem!

Conseguia vender tudo o que fazia, mas nunca me pus nas mãos dos marchands que me fossem

vender sabe Deus para onde. Foi uma liberdade mas, por outro lado, não fiquei conhecida e não tenho

estatuto de artista consagrada.557

Inês Carrelhas (1964) que foi para o ateliê da Coelho da Rocha aos quinze anos, disse-nos:

“…sempre me interessei por tapeçaria! Nasci em 1964 e fui em 1979 (tinha 15 anos) para a

tapeçaria. Conheci a Maria Flávia (MF) porque era amiga dos meus pais.”558

Maria Flávia, no

seu ateliê contou com a presença de Rafaela Zúquete que nos disse que: “Nos anos de 1970, ia

muito ao ateliê, ajudei numa tapeçaria que ia para um escritório. Ia para o ateliê, também pagava

lá uma parte, para ajudar e aprendermos juntas.”559

Rafaela refere-se à tapeçaria do Dr. José

Manuel Galvão Teles (1938), trabalho de grande dimensão – Vibração da Matéria – tecida em

algodão, juta e sisal, durante os meses de novembro e dezembro de 1969 e janeiro de 1970.

Maria Altina Martins (1953) que aprendeu tapeçaria com Maria Flávia leva-nos a espreitar a

história de uma instituição de ensino artístico fundada em 1972 na cidade de Lisboa. Maria

556 MENDES, Joana Macedo Sequeira Mendes – Alcácer-Quibir: Uma obra têxtil de Paula Rego na década de 1960. Lisboa : Faculdade de

Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. Dissertação de Mestrado, 2013, p. 63

557 Volume II, Parte II, Entrevista 3, p. 4.

558 Volume II, Parte II, Entrevista, 22, p. 1.

559 Volume II, Parte II, Entrevista 16, p. 6.

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Altina foi aluna fundadora do AR.CO – Centro de Arte e Comunicação (1972), interrogada

sobre a escolha do AR.CO em detrimento da ESBAL respondeu:

Porque conhecia gente que conhecia os professores que fundaram o AR.CO, logo os conhecia

também e os considerava fixes, por isso fui para lá! Eles eram fixes, até nos deixavam fumar nas aulas,

nós tínhamos as mãos ocupadas com o trabalho e não podíamos fumar mas que tática!560

Instituição de ensino que, segundo Abel Agostinho, tinha uma proposta educativa que ia na

linha do Instituto de Arte e Decoração (IADE).

… p. ex., fazia joalharia, na altura em que estive nas BA isso não se falava, não entrava em lado nenhum.

o AR.CO começava a ter propostas que levavam as pessoas a perceber que podiam ter ali uma solução

para ganhar a vida porque podiam aprender uma profissão.561

Rafaela que tinha sido colega de Abel na ESBAL, sobre o AR.CO contou-nos o seguinte:

… estive lá com um tear pequeno de 4 liços. Levei para lá o tear (…). Estive no AR.CO em 1972, a

aprender, na realidade não aprendíamos nada. Eram sessões, p. ex., sobre a Bauhaus, eram convidadas

pessoas para irem lá falar, era mais esse tipo de informação. Na altura, eram os meninos bonitos por um

lado – do IADE – e por outro, eram os meninos menos bonitos – do AR.CO. Eram as mais tias e as

menos tias!

(…)

Talvez o 3.4.5. representa-se mais que o AR.CO porque faziam exposições era mais para fora, para

divulgar.562

Maria Altina, indiretamente, foi encaminhada por Rafaela para ir à descoberta da tecelagem

e da tapeçaria porque, o primeiro contato foi através do tear (Fig. 65) “com que Rafaela lá tinha

estado”.

O primeiro contato com a tecelagem foi olhar para um tear e não saber que era um tear mas, aquele

objeto era, para mim, um fascínio, não me era indiferente. Era um tear que estava estacionado debaixo da

escada, no AR.CO, estava para ser devolvido à dona – Rafaela Zúquete – que tinha lá estado nuns

ateliês/workshops de tecelagem. Eu não sabia de quem era o tear, só conheci a Rafaela na AA e, só depois

é que soube que era o tear dela. O meu Professor (Costa Cabral) reparou no meu olhar para o tear, reparou

que eu parava, sempre, a contemplar o objeto e ele perguntou-me: “Gostas disso?” Ele encaminhou-me

para a Maria Flávia e, foi por eles (professores do AR.CO) que fui pedir as bolsas na Gulbenkian.563

Em 1975, Maria Altina, durante um mês, esteve a aprender com a Maria Flávia, ao fim desse

tempo a Mestra disse-lhe: «”Vai, agora vai!” E, eu fui!»564

. Sobre “este ir” Maria Altina

completou do seguinte modo:

560 Volume

II, Parte II, Entrevista 21, p. 4.

561 Volume II, Parte II, Entrevista 14, p. 6.

562 Volume II, Parte II, Entrevista 16, p. 5.

563 Volume II, Parte II, Entrevista 21, p. 2.

564 Id.

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Posso dizer que a MF me passou para o mundo e, o mundo deu-me a Gisella e, havia toda aquela

gente que gravitava à volta da Gisella – ela é que tinha a porta aberta!

Éramos umas miúdas à procura de si mas, com cabeça têxtil, ali era a Escola, não havia outra Escola!

Há Saint Martin`s em Londres e nós temos a Covilhã! O curso que deveria ser do têxtil, não é!... Também

não há têxtil, há Design de Moda mas não há tapeçaria. A Elisa Pinheiro, acarinhou, sempre, a tapeçaria e

a Madalena Braz Teixeira, também fez muito pela tapeçaria. Foram as grandes Diretoras amantes da

Tapeçaria!565

Maria Flávia apoiava todos os que lhe fossem pedir conselhos e cartas com referências para

apresentar na FCG, cujo fim era o de conseguirem bolsas de estudo, encontrámos a tapeceira

Maria Altina Martins, Maria Antónia Santos, artista plástica que, na altura (1971) era professora

na EADAA, antes de pedir a bolsa disse-nos que foi conversar com Maria Flávia “… porque

considerava que era a única pessoa em Portugal a fazer tapeçaria contemporânea…”566

. A

terceira destas mulheres, a então tecelã que fez parte da ARA, é Cristina Siopa (Fig. 66) que nos

disse ter pedido

… a Bolsa ainda enquanto estava no Bairro Alto, o titulo do projeto foi Escola-Oficina Livre de

Tecelagem. A Maria Flávia, nessa altura, escreveu-me uma carta de recomendação e no fim do ano recebi

a Bolsa para o ano 1979/1980. Ia muito ao bar (Metro e Meio) onde tínhamos grandes conversas. Devo ter

sido a primeira pessoa a pedir Bolsa para fazer investigação em tecelagem. Não, a Tina também pediu na

mesma altura, mas não sei se foi para tecelagem. A Tina também frequentava o Metro e Meio, lembro-me

de lá irmos e conversarmos as duas sobre o modo de apresentação dos relatórios. Não sei se fui eu ou ela

a pedir primeiro.567

Maria Flávia de Monsaraz, sobre o significado de ter trabalhado em tapeçaria contemporânea

expressou-se assim:

A Tapeçaria “aconteceu” como uma dádiva do Céu para eu não entrar em depressão. Fazia porque me

fazia bem fazer arte.

A tapeçaria foi uma espécie de transição para o meu caminho neste mundo. Eu estava ali inteira.

Percebi que o meu destino não é a criatividade é a criatividade ao serviço da Humanidade com o objetivo

de ensinamento e serviço. Formar pessoas – ensinar e transformar –, sinto que é o meu destino.

A tapeçaria Minha Árvore, foi a minha grande e última experiência, andava à procura de me

encontrar, entre o céu e a terra. A outra – o Arco-íris – já era sair da terra para o céu, digamos que fiz as

pazes na terra, dei o salto para o céu. E, achei que aquilo que a tapeçaria me poderia ter dado no processo

de encontro comigo mesma – a sua dimensão de integração, de silêncio, de reflexão e de realização – já

estava integrado (concluído). A minha ligação estava finalmente assumida!568

565 Volume

II, Parte II, Entrevista 21, p. 2.

566 Volume II, Parte II, Entrevista 20, p. 1.

567 Volume II, Parte II, Entrevista, 19, p. 3.

568 Volume II, Parte II, Entrevista 3, p. 7.

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Fig. 64 – Ateliê de Maria Flávia de Monsaraz no “Pátio dos Artistas” no bairro de Campo de Ourique em Lisboa;

Fig. 65 – Tear de Tecelagem da Portear (de Orenzio Santi) para o ateliê de Inês Carrelhas em Campo de Ourique,

artefacto semelhante ao que Rafaela deixou no AR.CO e Maria Altina contemplava (FP); Fig. 66 – Cartão de

Bolseiro FCG, Cristina Siopa (dezembro de 1979-Setembro de 1980) “para aprofundar os conhecimentos nos

domínios da Tecelagem manual; Fig. 67 – Maria Flávia de Monsaraz, A Minha Árvore, 1983, tecida com lã

apresentando relevos a partir de enrolamentos com lã e juta em sisal, 200 x 300 cm, Coleção Particular (João Nuno

Nogueira) (FA). Objecto que participou na Exposição Tapeçaria de artistas contemporâneos no Museu Nacional

do Traje, 1983, Lisboa.

1.1.1. Tapeçaria Abstrata

Maria Flávia partia da aguarela e, vagamente desenhava, à escala natural, em papel de

cenário que estava no chão, depois, punha o desenho por detrás da teia e ia tecendo. Maria

Flávia era escultora, encarava com a maior naturalidade estar em escadotes e neles andar para

cima e para baixo. Autora que nos disse que “… era conhecida como uma boa escultora, pouco

depois de ter regressado a Portugal, recebi uma encomenda do Partido Comunista Português

(PCP) – esculpir o busto de Lenine para a comemoração do centenário do seu nascimento. Podia

ter sido presa!” 569

.

A tapeceira arranjou as suas metodologias e ferramentas.“ Trabalhava com agulhas de

madeira e pentes que mandava fazer.”570

Quanto aos materiais, Maria Altina Martins contou

assim:

569 Volume

II, Parte II, Entrevista 3, p. 1.

570 Volume II, Parte II, Entrevista 3, p. 2.

Fig. 68 – Maria Flávia de

Monsaraz, Busto de Lenine,

1970, para Refeitório de

Alunos do Instituto Superior

Técnico (FA).

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A MF trabalhava com as cordas ensebadas em alcatrão, era um material muito texturado! Quando eu

aprendi, ela estava a fazer uma tapeçaria com cordas ensebadas em alcatrão que tinham um odor muito

específico e, eu nunca mais me esqueci disso! A MF trabalhava com materiais muito texturados.

(…).A MF e, mesmo a Gisella faziam as tramas com menos densidade (menor número de fios por cm) e a

teia ou era mais ou menos espessa. Quando se tece em cordas, em algodão ou seda, é diferente. Não é

melhor nem pior, é diferente!571

Maria Flávia, relativamente aos materiais que usava disse que eram

… cabos náuticos que já vinham ensebados em alcatrão (eram comprados numa lojinha no Cais do Sodré

que tinha coisas de pesca) e forrava-os com cordas, igualmente ensebadas – fazia enrolamentos – e,

muitas vezes eram tingidos. Primeiro tingia-os e depois enrolava-os – ficavam muito maleáveis. Sabia

exatamente o que queria tingir, por vezes, tingia diferentes materiais das mesmas cores.

Tal como tingia, os trapos/desperdícios que os mecânicos usavam nas oficinas de automóveis. Tinha

um panelão enorme e tingia, era eu que tingia!572

A título de exemplo menciona-se uma das tapeçarias, de grandes dimensões, realizada em

1972 que, atualmente, pertence à coleção do MNTr. Maria Flávia tinha feito este objeto por

encomenda do Decorador Paulo Guilherme d`Eça Leal (1932-2010), destinando-se à casa da

atriz Io Apolloni (1948), além de outro tipo de algodão, compõe-se destes desperdícios têxteis

que os mecânicos usavam. “Quanto às cores e desenho, havia flexibilidade porque era

importante a expressão dos materiais …”573

Esta noção da importância da expressão dos

materiais, Maria Flávia diz ter incutido a “… Inês Carrelhas que também faz restauro, foi ela

que fez o restauro da última tapeçaria que fiz, é uma espécie de arco-íris. Fi-la em dois ou três

meses, (…) foi a última…”574

571 Volume

II, Parte II, Entrevista, 21, p. 2.

572 Volume II, Parte II, Entrevista 3, p. 7.

573 Id, p. 4.

574 Ibid.

Fig. 69 – Maria Flávia

de Monsaraz, Sem

Titulo, 1972, lã e sisal

tecidos manualmente,

Coleção Museu Soares

dos Reis, Porto (FA);

Fig. 70 – Maria Flávia

de Monsaraz, Sem

Titulo, 1975, lã tecida

manualmente e relevos

em nó árabe (macramé),

235 x 120 cm, Coleção

FCG/CAM Lisboa

(Fotografia do Museu).

Tapeçaria que integrou

a exposição Abstracção

Hoje , 1975, Lisboa.

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Inês Carrelhas que mais tarde (2006), veio a adquirir um tear em que Gisella Santi tinha

trabalhado575

, em 1983, quando Maria Flávia deixou de fazer tapeçaria herdou o material que

estava no ateliê da Coelho da Rocha.

Da Maria Flávia, ainda hoje tenho algum material que ela ia adquirindo e tinha em stock para

trabalhar. Ao nível das lãs, eram as lãs vitória, talvez ainda tenha uns restinhos! Da Maria Flávia vieram

cordas – muita corda! Adquiria nas lojas dos barcos no Cais do Sodré – as cordoarias.576

Cristina Siopa que, em 1975, tinha estado no ateliê de Gisella Santi e foi para o de Maria

Flávia porque não “… pedia dinheiro, tinha muito espaço e não se importava, fui eu e a Ana

Isabel Miranda Rodrigues que foi uma das (…) colegas de tapeçaria no Curso do IADE”.577

Falou-nos sobre a decoração do bar MM inaugurado em 1974 e que, depois do 25 de abril, se

tornou no bar dos intelectuais e dos Militares de Abril. “A Maria Flávia decorou o bar com

tapeçarias dela, com peças volumosas, usava cordas. Fazia coisas enormes, tinha um ateliê com

um pé direito muito alto…”578

Maria Flávia sobre o mesmo assunto disse:

No MM, só tinha tapeçarias e espelhos. As tapeçarias foram feitas antes da inauguração, no final de

1973, são cordas postas umas ao lado das outras.

Tinha os abat-jours, mandava fazer a armação que se transformava num micro tear onde montava a

teia e tecia.579

Fiz uma tapeçaria para ir para uma exposição da UNESCO. Tapeçaria – Coração Português – que foi

comprada em Paris para ir para o museu de Le Mans, fui tratada com o estatuto de artista internacional. A

tapeçaria é um conjunto de cinco peças com três planos sobrepostos, com largura de 6 metros e altura de

3 metros. (…). A temática tinha a ver com Portugal fui buscar uns brincos que eram da minha mãe – ouro

do século XVII –, têm uma técnica especial, o ouro foi cortado em obliquo para mais bem brilhar. Os

materiais foram a lã e o sisal. Usei uns brincos desses, durante muitos anos, era quase um emblema.580

No catálogo da exposição Fémine Dialogue a informação que se obteve foi de que esta

peça denominada de Composition Portugaise – 5 éléments, foi tecida em lã, sisal e cordão de

marinheiro, as medidas são de um metro e oitenta de altura por quatro metros de largura.

Exposição em que Paula Rego (1935) também participou com uma boneca construída com

esponja, tecidos e lã – la petite princesse enceint (1978)581

. Coração Português sob o nome

Tapeçaria (conjunto de 5 elementos) e cujas medidas atribuídas são de um metro e sessenta de

altura por cinco metros de largura, tinha integrado a exposição Arte Moderna, na SNBA, em

Lisboa, durante os meses de julho, agosto e setembro de 1978. Evento em que estiveram em

575 Volume

II, Parte II,

Entrevista 22, p. 6.

576 Id.

577 Volume II, Parte II,, Entrevista 19, p. 2.

578 Id.

579 Volume II, Parte II,, Entrevista 3, p. 7-8.

580 Id, p. 2.

581 GROUPE DIALOGUE – Fémine Dialogue. Paris : UNESCO, 1979.

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concurso duzentos e oitenta e oito objetos pertencentes a cento e trinta e três artistas, esta peça

ficou entre as cento e trinta e sete selecionadas de um total de sessenta e cinco autores. João

Rocha de Sousa também participou com pintura – Os Embaixadores do Medo582

.

1.1.2. Tapeçaria Figurativa

Maria Flávia há distância de cerca de trinta anos, deixou-nos a ideia de que a abstração

durou o tempo do fascínio pelos materiais menos convencionais.

A determinada altura tive necessidade de sair da abstração que estava relacionada com uso de certos

materiais – lãs, cordas e um pouco de tudo o que fosse moldável, materiais que me permitiram aprender a

fazer tapeçaria – e, passei para tapeçarias figurativas que foram as últimas – “Natureza Viva”, “da Ilusão

do Amor”. Não comecei na figuração mas acabei por ir lá parar! Como sabia desenhar foi fácil. Como

desenhava muito bem, senti saudades dos meus desenhos e foi um desafio que fiz a mim própria.583

Pertencendo ao grupo da tapeçaria figurativa a encomenda da Dr.ª Maria José Costa Félix

– Fénix Renascida – símbolo popular para a Ressureição de Cristo. Titulo que nos remete

também para o cancioneiro português do século XVIII – Fénix Renascida ou Obras Poéticas

dos Melhores Engenhos Portugueses. Tapeçaria de grandes dimensões – é uma das últimas

(1982). A tapeçaria preferida de Maria Flávia é, igualmente, uma tapeçaria de grandes

dimensões e de 1982, também tecida em lã e encomendada pela Senhora D. Berta Marinho –

Menina e a Natureza Viva.584

582 SOCIEDADE NACIONAL DE BELAS ARTES – Exposição de Arte Moderna. Lisboa: Sociedade Nacional de Belas Artes, 1978.

583 Volume II, Parte II,, Entrevista 3, p. 5.

584 Id, p. 7.

Fig. 71 – Maria Flávia de Monsaraz, Coração Português, 1978, tecelagem manual e macramé

com lã, juta e cordão de marinheiro, 180 x 500 cm, Coleção Museu de Le Mans, França (FA).

Integrou a exposição Arte Moderna, na SNBA em Lisboa, nos meses de julho, agosto e

setembro de 1978 e em 1979, em França a Exposição Fémine Dialogue.

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A última tapeçaria que fiz é o arco-íris a fragmentar-se (era uma explosão para cima...), das últimas,

tanto uma como a outra tinham uma base, fazia só a estrutura do desenho, mas não desenhava lá (teia),

não pensava antes que efeitos de lã ou de outros materiais ia fazer, eram os próprios materiais que me

sugeriam os efeitos plásticos e estéticos, não havia uma conceção prévia ao nível do material, mas havia

uma conceção ao nível da estrutura que se pode identificar com uma estrutura geométrica. Essa dava-me

uma base para depois encaixar as cores. Era como faziam todos os pintores da Idade Média e do

Renascimento – estruturavam geometricamente os seus quadros.585

Maria Flávia pensava que a última tapeçaria ia ser a Minha Árvore (Fig. 67), não foi! A

última tapeçaria de Maria Flávia é a Arco-íris que pertence à coleção do Banco de Portugal.

Maria Flávia recebeu uma encomenda de Rui Vilar (1939), na altura, Vice-governador daquela

instituição bancária. Peça de grandes dimensões, executada no Estoril (na casa ao lado da sua

atual residência) em dois ou três meses e entregue em novembro de 1985586

. “Esta última

tapeçaria é uma explosão no espaço!”587

Tecida com lã, mostrando volumes conseguidos a partir

dos enrolamentos, igualmente com lã, em tubos plásticos, tapeçaria restaurada no século XXI

por Inês Carrelhas588

. A Minha Árvore é uma azinheira alentejana de grandes dimensões que,

em 1983, Maria Flávia teceu com lã, tessitura que apresenta relevos a partir de enrolamentos

com juta e lã em sisal. Tapeçaria que foi do ateliê de Campo de Ourique em Lisboa para o

MNTr, igualmente em Lisboa a fim de integrar a exposição denominada Tapeçaria – de artistas

contemporâneos no Museu Nacional do Traje que se pôde visitar entre o dia 25 de março e o

dia 1 de maio de 1983589

.

A Doutoranda Madalena Braz Teixeira referiu que a Diretora do MNTr, no início da

década de 1980 era

... a Dr.ª Ana Maria Brandão e (…) no Serviço Educativo do Museu estava a Mónica (…) que soube que

havia uma exposição itinerante de um Grupo de Tapeçaria. Era uma Exposição Itinerante no espirito da

585 Volume

II, Parte II,, Entrevista 3, p. 5.

586 Id, p. 4.

587 Ibid, p. 7.

588 Ibid, p. 6.

589 MUSEU NACIONAL DO TRAJE – Tapeçaria de artistas contemporâneos no Museu Nacional do Traje. Lisboa : Instituto Português de

Museus. 1983.

Fig. 72 – Maria Flávia de Monsaraz, Menina e a Natureza Viva (cartão e dois pormenores), 1982, lã tecida

manualmente, 200 x 250 cm, Coleção Particular (Senhora D. Berta Marinho) (FA).

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acção social e cultural do pós 25 de Abril. A Mónica entrou em contato com o Grupo e, em 1983, trouxe a

exposição para o Museu590.

Exposição em que Teresa Segurado Pavão descobriu que se interessava por tapeçaria,

tapeceira que nunca tinha ido ao ateliê de Maria Flávia “… e não conhecia as suas peças, viu,

apenas, a Árvore (…). Quando TSP fez a exposição no MNTr, usou os cascos de palmeira e

disse-nos que essa escolha, certamente, teve uma ligação com a Árvore de MFM.”591

Esta

mostra de tapeçaria contemporânea resultou da Exposição Itinerante de Tapeçaria

Contemporânea Portuguesa que, durante dois a três anos (1980-1982), tinha percorrido treze

cidades portuguesas592

. Itinerância organizada pelo grupo dinamizado por Gisella Santi, o

Grupo 3.4.5. – Tapeçaria Contemporânea Portuguesa (1978-2002). Às obras têxteis das dez

integrantes do Grupo 3.4.5.593

, juntaram-se trabalhos de cinco artistas plásticas que não

pertenciam ao grupo, além de Maria Flávia, expuseram também, Helena Lapas (1940), Manuela

Justino (1947-2014), Isabel Magos (1942) e Isabel Laginhas (1942). Maria Flávia fez parte

deste sub-grupo participando com a peça, à época, designada de Àrvore e com outra tapeçaria de

médias dimensões – Fruto da Terra594

– que, presentemente, designa de Luz de Uma Semente a

Germinar, tapeçaria que faz parte de uma coleção particular (Dr.ª Graça Vasconcelos).

Minha Árvore saiu do Museu diretamente para a casa do seu encomendador – arquiteto

João Nuno Nogueira. Maria Flávia quando acabou esta peça, deixou o seu ateliê em Campo de

Ourique e nunca mais lá voltou porque se dedicou integralmente à astrologia595

.

590 Volume

II, Parte II,, Entrevista 5, p. 1.

591 Volume II, Parte II,, Entrevista 7, p. 4.

592 Tapeçaria Arte de Sempre. Colecções Moda e Beleza. Lisboa. N.º 3 (1985).

593 GRUPO 3.4.5. TAPEÇARIA CONTEMPORÂNEA PORUGUESA – Exposição Itinerante de Tapeçaria Contemporânea Portuguesa. Lisboa :

Fundação Calouste Gulbenkian, 1980.

594 BRANDÃO, Ana Maria – Tapeçaria de artistas contemporâneos no Museu Nacional do Traje. Lisboa : Museu Nacional do Traje, 1983.

595 Volume II, Parte II,, Entrevista 3, p. 4.

Fig. 73 – Maria Flávia de Monsaraz,

Saturno, década de 1980, lã e algodão

tecidos manualmente em tear de alto liço,

150x50 cm. Coleção Particular (Jaime

Mourão Ferreira) (FA). A única tapeçaria

de Maria Flávia que se relaciona,

directamente, com a Astrologia.

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1.2.Exposições

Maria Flávia de Monsaraz, durante dezasseis anos (1969-1985), diz ter feito sessenta e duas

tapeçarias e que todas foram compradas596

. Obra que se reparte por dois grandes grupos que a

tapeceira designa de Tapeçarias Abstratas e de Tapeçarias Figurativas597

, tratando-se de peças

de médias (entre os 75 e os 200 cm2) e de grandes (entre os 200 e os 875 cm2) dimensões. A

partir da pesquisa efetuada, pode dizer-se que a grande maioria das suas peças não foram

mostradas ao grande público. Confirmou-se a presença de Maria Flávia em catorze exposições

coletivas, a primeira destas aconteceu em 1958, a artista plástica ainda aluna da ESBAL

participou com escultura. Tendo voltando às exposições, quase trinta anos depois, em 1975 na

SNBA, com a apresentação da ARA, movimento que organizou uma exposição itinerante que

percorreu cinco localidades (Lisboa, Porto, Covilhã, Tortosendo, e Figueira da Foz), com

tapeçaria, participou em mais sete exposições – seis em Lisboa e uma em Paris (Fig. 74 e Fig.

81).

A partir da investigação levada a cabo, este ciclo das exposições encerra em 1983, com

Tapeçaria – de artistas contemporâneos no Museu Nacional do Traje e com Flor na galeria

Ana Isabel na Rua da Emanda. Ana Isabel, uma galerista que foi casada com Manuel Rodrigues

que com Cristino da Silva tinha aberto, em 1964, a galeria Interior – Centro Português de

Tapeçarias598

. Em Flor Maria Flávia expôs ao lado de conceituados artistas plásticos, entre eles,

Cruzeiro Seixas (1920), Eduardo Nery (1938-2013), Fernando Azevedo (1923-2002), Gracinda

Candeias (1947), João Hogan (1914-1988), João Abel Manta, Júlio Pomar (1926), José de

Guimarães (1939), Maria Keil (1914-2012), Querubim Lapa (1925), Sá Nogueira (1912-2002) e

Maria José Risques Pereira (1934-2009)599

.

De seguida apresenta-se a Linha Cronológica correspondente à descrição anterior.

596 Volume

II, Parte II,, Entrevista 3, p. 2.

597 Id, p. 5.

598 http://expresso.sapo.pt/cultura/as-arvores-e-os-sonhos-de-dez-artistas-na-galeria-reverso=f846011

599 ANA ISABEL – Flor. 1933. Acessível na Biblioteca da Fundação Calouste Gulbenkian.

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2. TECENDO E ENSINANDO

2.1. No Ateliê da Infante Santo

Maria Altina Martins que desde a década de 1980 é professora na Escola Artística António

Arroio (EAAA) e criadora no domínio da tapeçaria contemporânea, tapeceira que conta com

uma vasta obra600

, referiu-se a Gisella Santi do seguinte modo: «A Gisella “era o Lagoa

Henriques (LH)”. Nas Belas Artes, toda a gente passava pelo Mestre LH e, na tapeçaria toda a

gente passava pela Mestra Gisella Santi. Para mim foi a MF mas, também surgiu a Gisella!»601

Atendendo ao pedido do Ministério da Educação e Cultura602

, Gisella, em 1975, “... dirigiu

um curso de tapeçaria com duração de três meses em Condeixa.”603

E outro no IADE em

Lisboa604

, um curso de fim de tarde. Curso opcional, a par da restante oferta formativa desta

instituição de ensino que tinha aberto em 1969605

. Abel Agostinho assistiu a conferências desse

recente instituto e formou uma opinião:

“Há gente que serve para servir.” Havia gente que sabia e via outras coisas e, percebeu que havia uma

oportunidade de negócio porque as Belas-Artes continuavam como se estivéssemos no século XIX. (...).

Uma escola de artes deve ser um local de experiência – tentativa de encontrar novos horizontes,

quando não, é mais do mesmo. O mais do mesmo é muito bom porque é a nossa zona de conforto.

600 Volume II, Parte II, Entrevista 21 p. 1 e 4.

601 Id, p. 2.

602 Designação ministerial do período entre 16 de maio de 1974 e 19 de setembro de 1975.

603 SANTI, Gisella – Curriculum Vitae. 1979-11. Acessível na Escola Secundária Artística António Arroio, p. 1.

604 Id e TEIXEIRA, Madalena Braz – Gisella Santi e a Tapeçaria. In MUSEU NACIONAL DO TRAJE…, p. 7.

605 IADE – Wall Post, Bimensal News. [Em Linha] (2011).

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145

Uma escola tem professores, renda, eletricidade e água para pagar, tem que ser um negócio e, aqui o

negócio não tem nada de pejorativo, tem que render!

Conheci pessoas que frequentaram o IADE, sei que aquilo que elas faziam não me entusiasmou

muito.

Havia outra entidade a funcionar, fundada por uma antiga colega – Graça Costa Cabral – O AR.CO.

As duas instituições não iniciaram no mesmo ano mas na mesma época porque havia espaço neste país

para ensinar as pessoas a pensar, a ter ousadia e as suas ideias. Aquilo funcionava ao lado, passavam

qualquer diploma.

Essas aulas eram de manhã, tinham uma duração maior, chegava-se quando se chegava e ia-se

embora quando se queria.606

O curso que Gisella ministrou, atraiu ex-alunas da escola, uma das pessoas com quem se

falou, Cristina Siopa, integrou o pequeno grupo do curso de tecelagem em que

… Gisella Santi era a única professora do curso que, penso que foi um ano letivo, terá começado em

setembro. Era um grupo pequeno, não devíamos ser 10 pessoas, era eu, a minha cunhada (Maria Elisa), a

Ana Isabel Rodrigues, uma Senhora alentejana com mais idade que nós (50/60 anos) e das outras não me

lembro. Nós pagávamos à escola.

Isto antes da Gisella ter ido para a António Arroio.607

Cristina Siopa tinha ido para o IADE para o curso de Decoração de Interiores (1970), na

altura, ainda não havia o 3.º ano608

. Cristina quanto à sua passagem pelo IADE disse-nos:

A Graça Costa Cabral foi minha professora no IADE, era assistente do Lima de Freitas. Do curso do

IADE ficou-me a postura do Lima de Freitas, dos desenhos à mão levantada. Gostei bastante, tínhamos

horas e horas de desenho, púnhamos conchas, rochas no meio da mesa e tínhamos de desenhar. Eu queria

fazer decoração de interiores e as BA não me davam isso, encontrei um curso que dizia que era para fazer

decoração.609

Aluna que interrompeu o Curso de Decoração de interiores e, quando decidiu voltar, ainda

pensou em ir acabar o curso mas depois concluiu que se interessava mais por tecelagem. Vinha

de Bruxelas trazia as vivências do pós-hippie – um investimento na criatividade ao serviço do

vestuário e da decoração de interiores que passava por tecer e costurar. Contou-nos que a única

professora do curso era Gisella Santi que ensinava num tear de pedais e em pequenos teares de

pregos onde se faziam experiências de tecelagem e de tapeçaria. Neste grupo que não devia

chegar a dez pessoas estava Ana Isabel Miranda Rodrigues (1951) que depois, integrou a ARA610

e foi um dos elementos fundadores do Grupo 3.4.5.611

. Ana Isabel veio a desenvolver uma

606 Volume

II, Parte II,, Entrevista 14, p. 5-6.

607 Volume II, Parte II,, Entrevista 19, p. 1.

608 Id, p. 7.

609 Ibid, p. 4.

610 Ibid, p. 1 e 2.

611 GRUPO 3.4.5. TAPEÇARIA CONTEMPORÃNEA PORTUGESA – Exposição de Tapeçaria Contemporânea Portuguesa. 1978. Acessível na

Biblioteca da Fundação Calouste Gulbenkian.

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carreira no domínio da arte têxtil, como criadora e como professora do ensino formal,

nomeadamente, na ESAA. Tapeceira que fez parte da lista das pessoas que tiveram trabalhos em

concurso nas Bienais de Tapeçaria de Lausanne612

.

Na sequência do curso, as pessoas juntaram-se e chegaram à conclusão de que estavam com

vontade de fazer tapeçaria, Gisella Santi convidou as alunas do curso do IADE para irem

trabalhar para ao seu ateliê mediante uma comparticipação e, começaram a procurar e a juntar

pessoas para formar uma cooperativa613

.

A Gisella vivia num lado e restaurava no outro (no mesmo piso) e, depois de acabar o curso quando

surgiu a ideia de fazer qualquer coisa, convidou-nos para ir para lá trabalhar mediante uma

comparticipação e estávamos numa de fazer tapeçaria contemporânea. Enfiávamos-mos nas lojas, na zona

do Cais do Sodré havia lojas giríssimas com material de artes de mar, para os barcos – grandes cordas que

forrávamos com fios, íamos aos retroseiros na baixa.614

Maria Flávia de Monsaraz, partindo da convivência profissional que manteve com Gisella

Santi na década de 1970 recordou assim:

A Gisela tinha uma técnica perfeita, mas era completamente perfeita! Tapeçarias muito à francesa –

clássicas –, com motivos dela, obviamente! Com a ARA começou a experimentar coisas novas, já

trabalhava na tapeçaria, mas penso que a ARA, o contato comigo, lhe abriu perspetiva para coisas novas.

A Gisella era uma pessoa que aceitava sugestões mais modernas. Convivi muito pouco com ela, era uma

Senhora italiana e mais velha, tinha uma vida muito privada, tinha uma vida social discreta. Acho que ela

vivia para tecer e tecia também para se governar. Uma pessoa que vivia para fazer tapeçaria, por isso,

digo que ela era uma profissional.615

Gisella Santi estava a fazer tapeçaria e a reformular a sua vida profissional, uma tapeceira

(Mizette Nielsen) que veio a integrar a ARA e depois ficou a trabalhar com Gisella, contou-nos

que quando se deu o 25 de Abril (1974), Gisella estava a restaurar peças para um Museu dos

Estados Unidos da América. Por causa da instabilidade politica e social, as peças não saíram do

país quando deveriam ter saído. Isso a juntar a outros problemas, nomeadamente, a falta de

trabalho, porque como não podiam sair as peças restauradas também não podiam entrar outras

para restaurar, Gisella foi obrigada a dispensar todas as funcionárias. Esta profissional que,

desde 1957, estava em Portugal ao serviço da arte do restauro atravessou momentos muito

complicados, como o seu trabalho era muito reconhecido, “… nos momentos de maiores

dificuldades, contou com apoio de uma pessoa que tinha muito respeito e admiração pela sua

612 Volume II, Parte II, Entrevista 19, p. 1,

Entrevista 17, p. 4 e Entrevista 7, p. 4.

613 Id, p. 1.

614 Ibid, p. 2.

615 Volume II, Parte II,, Entrevista 3, p. 4.

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técnica de restauro.”616

Mas, na verdade, o restauro de tapeçaria não saiu em definitivo desta

oficina de Gisella Santi, Teresa Segurado Pavão que começou a frequentar o ateliê em 1983-

1984, disse-nos que Gisella Santi tinha “…um quartinho para quem quisesse aprender

tecelagem – dava lá aulas e, por vezes, também fazia restauro.”617

Facto comprovado porque,

enquanto professora de tapeçaria na ESAA (1980-1988618

), no ano letivo de 1986/1987, Gisella

Santi teve uma aluna (Inês Carrelhas) que lhe perguntou

... onde poderia aprender restauro de tapeçaria e ela respondeu: “comigo!”

Um dia fui para o ateliê e a Gisella pôs-me na frente de uma tapeçaria que estava em restauro e disse-me

para eu fazer aquela folhagem – era uma tapeçaria do século XVIII.619

Gisella Santi “não deixou para traz o restauro” como “não deixou para traz a pintura”. Maria

Delfina Macedo (1933) e Teresa Segurado Pavão que, nas décadas de 1970 e 1980 foram alunas

do Ateliê da Infante Santo e integraram depois o Grupo 3.4.5., contaram que Gisella também

gostava de pintar e que tinha umas pinturas a que chamava de surrealistas620

, ainda que, a

Gisella e o companheiro – Arnaldo Figueiredo – faziam aguarelas de fim de semana621

.

A artista plástica Manuela Justino (1948-2014), sobre a mestra tapeceira disse:

616 Volume

II, Parte II,, Entrevista 4, p. 1.

617 Volume II, Parte II,, Entrevista 7, p. 3.

618 MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CULTURA – Contrato de Prestação Eventual de Serviço Docente de Gisella Santi. 1980-1-03. Acessível

na Escola Secundária Artística António Arroio.

619 Volume II, Parte II,, Entrevista, 22, p. 1-2.

620 Volume II, Parte II,, Entrevista 9, p. 2

621 Volume II, Parte II,, Entrevista 7, p. 4.

622 https://www.facebook.com/photo.php?fbid=10150217180433923&set=a.10150217178663923.347035.580838922&type=1&theater

623

Fotografia digitalmente manipulada pelo artista 3D Fernando Martins (2012).

Fig. 75 – Gisella Santi, Sem Título, Aguarela sobre papel, 22,7x34,5 cm, Coleção Fundação Cupertino de Miranda,

Vila Nova de Famalicão; Fig. 76 – No Ateliê da Infante Santo, Tear Vertical de Tapeçaria, tipo Gobelins, em

madeira de acácia com 350 cm de largura útil. Construído por Orenzio Santi para sua mãe622; Fig. 77 – Rosário

Severo e Gisella Santi no MNTr, inauguração da Exposição Individual Texturas no Espaço: Tapeçarias de Gisella

Santi (7/7/1989), fotografia tirada por Orenzio Santi e cedida por Rosário Severo; Fig. 78 – Gisella Santi,

Sottobosco623, 1979, lã e fio de cobre, 100x20x140 cm, Coleção MNTr, Lisboa, peça que integrou várias

Exposições, Árvore nas Artes Plásticas e na Fotografia na SNBA (1979), Ausstellung über zeitgenössische

portugiesische tapisserie der Gruppe 3.4.5. (1985) e Tapeçarias, Gisella Santi (1998).

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O percurso da Gisella foi muito rico, muito experimental, muito representativo. Ela fez as pessoas

olharem a tapeçaria como Arte Maior. Foi uma pessoa muito empenhada! Cheguei quase a ligar-me ao

Grupo 3.4.5., era amiga delas. Expus com Gisella Santi. Era uma pessoa especial! Dentro da técnica da

tecelagem era a maior, era arte maior! Já com a idade dela e, tudo o que fazia era extraordinário!624

2.1.1. Várias Faces da Transmissão do Saber

Gisella Santi: “Em 1976 reabriu o seu atelier para o ensino particular das técnicas da

tapeçaria.”625

Às alunas que tinham vindo do curso do IADE e outras mulheres que apareceram

por causa da ARA, juntaram-se pessoas que foram aparecendo a partir da divulgação que Gisella

Santi fazia do seu ateliê como um espaço de ensino/aprendizagem ao serviço da tapeçaria

contemporânea portuguesa. Uma das primeiras alunas do “novo” ateliê da Infante Santo e

fundadora do Grupo 3.4.5. – Tapeçaria Contemporânea Portuguesa – Maria Delfina Macedo –

contou-nos como foi o seu encontro com Gisella.

Um dia foi a uma feira de artesanato em Belém (junto à Galeria Nacional de Arte Moderna) onde viu

a Gisella e recebeu a informação de que dava aulas de tapeçaria, tirou o número, telefonou e na semana

seguinte foi lá. “Ingressei no Ateliê com 43 anos – em 1976!”

A primeira vez que MDM foi ao ateliê foi a Mizette que lhe abriu a porta, espaço onde se estava a

fotografar. MDM disse que quando entrou teve a sensação de ter feito um recuo no tempo – que aquela

vida, aquele ambiente lhe pareciam elementos tirados das oficinas da Idade Média.

A Gisella tinha mais 11 anos que MDM, tinha 54 anos, era muito dinâmica e estava numa grande

azáfama, MDM. Recorda Mizette como uma mulher muito bonita – alta, elegante e com um lenço na

cabeça. Recorda-se que pensou para consigo: “Ho meu Deus, onde vim eu parar, quem é esta gente? Mas

que sitio tão especial...”626

Este “sitio tão especial” que sempre tinha estado comprometido com a formação

profissional e a educação em geral, vinha recebendo alunos e professores, oriundos de escolas

secundárias e de escolas superiores, que chegavam em visitas de estudo para ver e melhor

compreender o que, à época, era designado de Nouvelle Tapisserie – Tapeçaria Contemporânea.

Hugo Ferrão e Guida Fonseca fizeram parte desses grupos, o primeiro visitou

… o ateliê da Gisella Santi no ano letivo 1974/1975 quando entrei na Escola de Artes Decorativas

António Arroio no Curso Geral de Artes Visuais, e por coincidência o Orenzio participava nos encontros

que havia na Sé, isso acontecia fundamentalmente porque, havia um elemento aglutinador, um grupo de

teatro vanguardista e intervencionista, para o qual cheguei a fazer cartazes e folhas de sala.627

A tapeceira e tecelã Guida Fonseca, na altura, frequentava a Escola Superior de Belas

Artes do Porto (ESBAP), assim descobriu o seu interesse pelo universo têxtil e a vontade de a

624 Volume

II, Parte II,, Entrevista 10, p. 4.

625 SANTI, Gisella – Curriculum Vitae. 1979-11. Acessível na Escola Secundária Artística António Arroio, p. 1.

626 Volume II, Parte II,, Entrevista 9, p. 1.

627 Volume II, Parte II, Entrevista 26, p. 2.

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TAPEÇARIA CONTEMPORÂNEA PORTUGUESA (1969-2002) Antecedentes e Protagonistas do Século XX

149

ele se dedicar. Guida, por razões pessoais, não pôde frequentar o ateliê de Gisella antes de

meados da década de 1980, contudo, foi-se mantendo sempre por perto, fazendo umas

experiências à volta do tecer628

.

Em 1977, foi quando “aterrei no ateliê (…)” com o grupo de alunos das BA do Porto porque (…)

Calvet de Magalhães tinha um ascendente muito grande na escola do Porto e era adepto da inclusão dos

têxteis como área a par de outra qualquer como a pintura p. ex., para ele a arte têxtil deveria ser tomada a

sério.

No mesmo dia, os alunos vieram visitar o ateliê da Gisella e ver uma exposição que esteve na

Gulbenkian, era a 8.ª Bienal de Lausanne, na altura faziam-se umas bienais importantes em Lausanne que

depois cessaram. Viam-se peças entre a pintura, a escultura e a arquitectura!

De manhã fomos à exposição – ali é que foi a escola para mim, este conceito da escola tem de

mudar... tenho quase um vídeo na minha cabeça sobre a exposição, posso fazer uma visita virtual à

exposição.

Não voltei ao Porto, fiquei por Lisboa e sempre que podia ia passar horas na / a ver a exposição.

Eram linguagens novas, achava que reunia pintura, arquitetura e escultura, sentia que estava lá tudo!

(…)

Depois de almoço fomos para o ateliê que já era uma referência na altura mas, nas BA de Lisboa, não

ouvia ninguém falar do ateliê da Gisella enquanto que nas Belas-Artes do Porto já tinha o seu destaque. E

era uma história recente mas o que é certo é que estava a tornar-se importante.

Houve outra exposição que pelo conceito se tornou importante – ALTERNATIVA 0 –, foi em Belém,

mas não sei se foi no mesmo ano. Lembro-me de uma peça incrível, era uma peça enorme em terra e em

cima era relva... Isto é revelador do vanguardismo da altura…629

A exposição Alternativa Zero: Tendências Polémicas na Arte Portuguesa

Contemporânea630

, evento organizado por Ernesto de Sousa (1921-1988), teve lugar entre o dia

28 de fevereiro e 31 de março de 1977, em Lisboa à beira do rio Tejo (Belém) na Galeria

Nacional de Arte Moderna que funcionava num pavilhão que tinha sido construído para albergar

a Exposição do Mundo Português.

Foi uma realização da Secretaria de Estado da Cultura, o que testemunhou a colaboração entre os

artistas envolvidos e a entidade estatal. Segundo Ernesto de Sousa, a exposição tinha por objectivo

combater o isolamento dos artistas e críticos portugueses – tanto dos que residiam no estrangeiro como

dos que viviam em Portugal –, fomentando uma perspectiva crítica e uma responsabilidade assumida, que

se afastasse dos interesses comerciais. Para tal, procedeu-se à selecção dos artistas intervenientes. O

critério foi a constituição de um grupo representativo “apenas de si próprio”. Os Artistas vieram de

experiências anteriores – Do Vazio à Pró-Vocação (1972), Projectos e Ideias (1974), Agressão com o

nome de J. Beuys (1972), Aniversário da Arte (1974) e Arte na Rua (1976) –, assim como de algumas

actividades individuais.

628 Volume

II, Parte II,, Entrevista 2, p. 2 e 3.

629 Id, p. 2.

630 Reuniu 50 participantes, incluindo o próprio Ernesto de Sousa, destacam-se nomes alguns dos nomes: Helena Almeida; Fernando Calhau; Julião

Sarmento; André Gomes; Júlio Bragança; Robin Fior; Clara Menéres, Da Rocha; João Vieira; Ana Hatherly

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As figuras de António Areal, Joaquim Rodrigo, Almada Negreiros e René Bértholo foram também

bastante inspiradoras para esta exposição: o Zero tinha que ser um dos nossos limites. E dai COMEÇAR

– como diria Almada Negreiros.631

Segundo Hugo Ferrão, a revista da FCG – Colóquio Artes632

– em que cada número era

lido e atentamente discutido, deu conta “… das polémicas geradas à volta da Alternativa 0 do

Ernesto de Sousa em choque com o Rocha de Sousa.”633

Neste mesmo ano, Gisella Santi,

solicitou apoio: “Para maior divulgação e conhecimento desta faceta da Arte em 1977 pediu um

subsídio à Fundação Calouste Gulbenkian que naquela data se encontrava impossibilitada de dar

uma resposta favorável.”634

As Escolas Superiores de Belas Artes de Lisboa e do Porto – a ESBAP e a ESBAL –

através do empenho dos seus regentes de Tapeçaria, respetivamente Amândio Silva (1923-2000)

e João Rocha de Sousa, nesta segunda metade da década de 1970, evidenciavam que a tapeçaria

contemporânea atraia muitos e interessados alunos635.

Por esta altura, Gisella e Mizette trabalhavam as duas dando resposta a muitas

encomendas, algumas delas executadas em Ponto de Portalegre636. No curriculum que Gisella

Santi, em novembro de 1979, entregou na ESAA, lê-se: “No mesmo ano desenha e executa

tapeçarias para o Hotel Penina …” Sobre este trabalho que foi o último que Mizette realizou

com Gisella disse-nos: “A encomenda do Hotel Penina foi enorme! Em frente da porta de cada

quarto havia uma tapeçaria com o emblema da Penina – 27 tapeçarias com nuances.”637

Mizette, a determinada altura (por volta de 1979) deixou a tapeçaria para se dedicar, em

exclusivo, à tecelagem (mantas alentejanas). Em 1977, tinha adquirido a Fábrica Alentejana de

Lanifícios Ld.ª que, oficialmente foi criada em 1930638

. Segundo palavras de Maria Flávia de

Monsaraz, Mizette

… optou por dar vida a uma antiga fábrica de mantas tradicionais em Reguengos de Monsaraz, revitalizou

uma manufatura em extinção, hoje em dia é uma boa profissional de mantas, são mantas ancestrais –

mantas de todos os tempos. Deu-lhes um cunho lindo e, não são especialmente caras.639

631 NOGUEIRA, Isabel Margarida Ribeiro – Da análise do conceito de pós-modernismo à sua manifestação na exposição Alternativa Zero.

Lisboa : Faculdade Belas Artes da Universidade de Lisboa, 2002. Dissertação de Mestrado, p. 146-147.

632 Revista que teve origem na publicação da FCG Colóquio Artes e Letras (1959). Em 1971, por iniciativa de José-Augusto França (1922) foram

autonomizadas as suas áreas de reflexão, apareceram a Colóquio Letras e a Colóquio Artes que foi publicada entre 1971 e 1996 (111 números), com

tiragem de 3500 exemplares, 1000 dos quais, distribuídos no estrangeiro.

633 Volume II, Parte II, Entrevista 26, p. 6.

634 SANTI, Gisella – Curriculum Vitae. 1979-11. Acessível na Escola Secundária Artística António Arroio, p. 1.

635 Volume II, Parte II, Entrevista 28 A p. 1-3 e ESCOLA SUPERIOR DE BELA-ARTES DO PORTO/ TECNOLOGIA DE TAPEÇARIA 4.º E 5.º

ANO – Exposição de Tapeçaria. Porto : Escola Superior de Belas Artes do Porto, 1976.

636 Volume II, Parte II,, Entrevista 4, p. 2.

637 Id, p. 3.

638 NIELSEN, Mizette – Mantas Alentejanas: Arte e Tradição. S/L : Mizette Nielsen, 2010.

639 Volume II, Parte II, Entrevista 3, p. 3.

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Cristina Siopa contou-nos que

A Mizette comprou a fábrica à São (…), a São comprou-a muito barata, depois do 25 de Abril, os

donos fugiram e os empregados faziam aquelas mantas muito grossas, sempre a mesma coisa mas não

conseguiam aguentar, não tinham como vender a produção e precisavam de orientação. A São é do Douro

e gostava daquelas coisas, (…) não tinha tempo para a dinamizar, a Mizette comprou-lha e deu-lhe uma

volta porque já tinha outros conhecimentos.640

Em 1979, Mizette realizou no ateliê de Gisella, uma peça muito grande porque recebeu

uma encomenda do Hotel Penta de Geneve, aproveitando o transporte dessa tapeçaria enviou

mais peças suas e de Gisella para fazerem uma exposição comercial, Mizette vendeu e Gisella

não641

.

Fig. 79 – Mizette Nielsen, Sobreiro, 1979,

peça que integrou a Exposição Árvore nas

Artes Plásticas e na Fotografia na SNBA

(1979). Livro Mantas Alentejanas: Arte e

Tradição.

Em paralelo, com a atividade do seu ateliê onde recebia alunos adultos e, frequentemente

recebia grupos escolares, no ano letivo 1979/1980, Gisella Santi assinou um contrato de modo a

integrar a equipa de professores de Técnicas Especiais – Artes dos Tecidos – na ESAA. Escola

que para a ex-aluna Luísa Almeida Santos (1956)

… era uma escola que nos proporcionava um olhar diferente. Era uma escola completamente diferente de

todas as outras. Havia um respeito..., estavas entregue a ti com liberdade e cresci com essa liberdade. E,

de facto, aprendemos a olhar, a ver, significa que é assim, que aquilo que nos era indiferente passou a

fazer sentido. Hoje quando viajo, interesso-me pelas linhas, pela arquitetura...642

Gisella foi professora da escola até 1988643

, ensinando aos alunos que frequentavam o

curso em horário noturno644

.

A geração da Gisella vive um tempo cultural europeu de «renascimento da tapeçaria», em que figuras

como a Magalena Abakanowicz, são axis mundi imagéticos. Estes saberes virão a ser transmitidos e

estimulados através das aulas ministradas na António Arroio, onde a Gisella adquire a figura contratual de

640 Volume II, Parte II,, Entrevista 19, p. 7.

641 Volume II, Parte II,, Entrevista 4, p. 3 e 4.

642 Volume

II, Parte II,, Entrevista 12, p. 3.

643 MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CULTURA – Contrato de Prestação Eventual de Serviço Docente de Gisella Santi. 1980-1-03. Acessível

na Escola Secundária Artística António Arroio.

SANTI, Gisella – Não Renovação do Contrato Anual. 1988-9-07. Acessível na Escola Secundária Artística António Arroio.

644 Volume II, Parte II, Entrevista 16, p. 5.

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especialista e simultaneamente com o reconhecimento de todo o Grupo dos Têxteis, que teve papel

determinante no seu ingresso na escola.645

Gisella, desde a década de 1980, era também formadora do Instituto do Emprego e da

Formação Profissional (IEFP)646

, Isabel Bordaleiro (1966) que aos vinte anos frequentou um

curso profissional, tendo optado pela tecelagem manual – faz paramentos e é formadora

profissional647

–, inevitavelmente, cruzou-se com Gisella Santi, sobre esse encontro (2000)

contou-nos o seguinte:

Conheci a Gisella Santi num evento associado ao programa do IEFP – Escolas-Oficina. Havia uma

escola que era a de Artes e Ofícios Tradicionais que ficava ali na Graça e eu era lá formadora. Houve um

momento em que o IEFP quis reunir as várias escolas de todo o país, foi no Parque das Nações.

(…)

Eu estou no stand da nossa escola e vejo a D. Gisella Santi, sempre a tratei assim! Ela parou no nosso

stand e ficou a olhar para os trabalhos que estavam ali expostos. Falei-lhe que tinha a maior admiração

por ela e tivemos uma conversa que nunca vou esquecer. Eu sentia-me tão pequenina e ela tinha a

capacidade enorme para incentivar e elogiar os trabalhos dos outros. Neste caso o nosso trabalho. Era

uma coisa incrível!648

Manuel Alves Dias (1952), tapeceiro que frequentou o Ateliê da Infante Santo de finais

de 1980 a 2000, referiu que Gisella: “Para os cursos de formação que (…) dava no IEFP,

certamente, tinha programas preparados e certificados, para o curso do ateliê não havia nada

disso!”649

Gisella, desde o início da década de 1980, vinha expondo no MNTr, Museu de âmbito

nacional fundado em 1977, atualmente, tutelado pelo Instituto Português do Património Cultural.

Museu cuja história não se dissocia do trabalho que tem desenvolvido para e com a comunidade

envolvente: foi o primeiro Museu a ser criado depois da Revolução de Abril; foi o primeiro

Museu com um serviço educativo oficial; teve, sempre, exposições temporárias além da

exposição permanente650

. Em resumo o MNTr fez, sempre, uma museologia fora do tradicional,

atirando “este laboratório museológico” para o lugar da frente no que toca à corrente da Nova

Museologia (NM) (1984). A ação deste museu materializou e contribuiu para a divulgação em

Portugal deste conceito que se vinha formando desde o pós-guerra651

. A NM além de se ocupar da

recolha, estudo e preservação do património antropológico e/ou artístico, é ativa porque passa por

645 Volume II, Parte II, Entrevista 26, p. 1.

646 Volume II, Parte II, Entrevista 1, p. 6 e

CÂMARA MUNICIPAL DE LOURES – IV Simpósio de Tapeçaria Contemporânea. Loures : Câmara

Municipal de Loures / Departamento Socio-Cultural / Divisão Dinamização Comunitária, 1998, p. 12.

647 Volume II, Parte II, Entrevista 6, p. 1.

648 Id, p. 6.

649 Volume II, Parte II, Entrevista 24, p. 2.

650 TEIXEIRA, Madalena Braz – O Museu Nacional do Traje e a Freguesia. Boletim Trimestral da Rede Portuguesa de Museus. Lisboa, N.º 11

(2004), p. 15.

651 Também denominado pelo “Tempo dos Profissionais”.

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um território (estrutura descentralizada) que se une a um património (material e imaterial) em

conjunto com a comunidade (desenvolvimento), potenciando o verdadeiro e efetivo envolvimento

das pessoas que compõem as comunidades652

. Museu que desde cedo (1982), dedicou espaço para

a vanguarda da moda e da arte têxtil, espaço expositivo que teve início com a instalação de Ana

Vieira (1940).

“Estendal!” Tratou-se de uma exposição sobre o trabalho doméstico que a mulher desenvolve à volta

das peças de roupa – cadeia de operações: lavar; estender; engomar; dobrar; arrumar. Cadeia ou viagem

ao que visivelmente é mais agradável. Olhar o estendal como operação estética. A interpretação estética

do trabalho doméstico do quotidiano da mulher.

(…)

A determinada altura, Gisella Santi passou a estar próxima do Museu de modo diferente de qualquer

outro artista que lá expunha, (…)

A DMBT contou que, a Junta de Freguesia do Lumiar em conjunto com o Museu, no início da década

de 1990, criou um curso – Actividade de Tempo Livre, um trabalho de prevenção – uma ação destinada a

jovens de risco. (…)

A Altina Martins e a Gisella Santi, estreitaram a relação com o Museu porque, embora pagas pela

Junta de Freguesia, trabalhavam – davam as suas aulas no MNTr. “Esta gente dos têxteis, sobretudo, a

Gisella e a Tina passaram a ir com muita regularidade ao Museu”.

A DMBT referiu que estes cursos, ainda funcionaram uns anos e foi um trabalho social muito

importante. Considera mesmo que foi o trabalho social mais importante que o Museu desenvolveu.

Foi ainda referido que, Gisella Santi “ocupou a Sala dos Teares” para estes cursos e depois ficou.653

Solicitando a Maria Altina Martins que falasse sobre estas ações de formação

denominadas de Curso de Formação de Jovens em Tecelagem e Tapeçaria, que decoreram entre

1991 e 1994654

, obtiveram-se as seguintes considerações:

O trabalho com o Museu foi um trabalho piloto, sonhado pelo Taciano Zuzarte e Maria Vitória Melo

que era vogal na Junta de Freguesia do Lumiar e, quem falou de mim, foi a Fátima Amorim.

Estava a dar oficinas a miúdos que tinham fraco rendimento escolar. Era gente de todos os estratos

sociais, até levei alunos da escola. Levámos teares – demos tudo! E ao mesmo tempo eram os miúdos da

Musgueira – já não iam à escola (drogadíssimos). Também dei uma aula a uma enfermeira e, a gente do

Piaget. Não queria saber de onde vinham, era sempre igual! Também lá recebi a Sara Barriga e a Carla

Rebelo. Onde fui, levei sempre a escola! Sei que foi um projeto piloto que foi para outras câmaras. O

Taciano era a cabeça e eu era a formiga. Ele ensinava agricultura biodinâmica.

A Gisella, a partir deste curso também passou a ir para o Museu, no final, a MBT, com um respeito

enorme pela Gisella permitiu que ela lá ficasse com um ateliê aberto. A Gisella não fazia parte do 1.º

curso que eu estava lá a dar. Era eu, a Fátima, o Taciano (que era discípulo fiel do Steiner) e, às vezes,

estagiárias.

652 MAGALHÃES, Fernando – Museus Património e Identidade. Porto: Profedições, 2005. ISBN 972-5862-16-0.

653 Volume II, Parte II, Entrevista 5, p. 3.

654 Informação obtida através de e-mail (11 de janeiro de 2013), proveniente da Junta de Freguesia do Lumiar, assinado pela Técnica Superior Carla

Brites.

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O Museu, para mim, era vivo, tinha sempre gente a funcionar. Também lá estavam os invisuais da

Fundação Chain! Estava ali o impossível a concretizar-se. Eles viam com as mãos!655

Museu que, em 2005, homenageou Gisella Santi656

que “… ficou doente (…), a Dr.ª

Madalena entendeu que devíamos homenageá-la – uma coisa caseira mas com muita dedicação.

Foi no Verão, almoçámos no restaurante magnífico do jardim, convidaram um grupo de pessoas

onde eu também estava. Ela ficou muito feliz.”657

Avó de duas netas – Patrizia (1986) e Jena (1998) –, com mais de setenta anos, em 1993,

Gisella foi ensinar Tapeçaria Contemporânea para a cidade do Mindelo na ilha de São Vicente

em Cabo Verde. Fez esta viagem a convite, do então Ministro da Cultura Doutor Leão Lopes658

,

artista plástico com quem tinha trabalhado, a seguir ao 25 de Abril em Condeixa – numa espécie

de Bauhaus à Portuguesa. “OS considera que essa viagem que a mãe fez foi importante porque,

o trabalho que realizou a seguir mostrava clara influencia dessa ida às ilhas de Cabo Verde.” 659

Gisella Santi, lecionou no Instituto Politécnico de Castelo Branco (IPCB), (1996)660

. Esta

Mestra tapeceira assegurou módulos que se integravam em UC da responsabilidade do

Professor Fernando Raposo (1959) do curso de licenciatura em Ensino Básico Variante de

Educação Visual e Tecnológica. Inicialmente, na Escola Superior de Educação depois, quando

foi criada (1999) a Escola Superior de Artes e Tecnologias (ESART), Gisella Santi seguindo o

Professor Fernando Raposo, passou a lecionar nessa escola os seus módulos. A Escola mandava

uma viatura a Lisboa para transportar a Mestra e, depois do trabalho realizado, no mesmo dia,

Gisella voltava a casa, igualmente num carro da escola661

. Esta colaboração de Gisella Santi

com o IPCB pode ser designada de acolhimento do ensino não-formal pelo ensino formal. Terá

sido na sequência desta colaboração que nasceu a ideia de criar um Museu de Tapeçaria

Contemporânea em Castelo Branco, ideia que, segundo os nossos entrevistados, ainda não foi

concretizada. Gisella doou várias obras e contribuiu para que, outros tapeceiros que faziam parte

do Grupo 3.4.5. doassem também662

. Com os objetos doados, esta instituição de ensino

promoveu uma exposição itinerante, a “… inauguração foi no Centro Cultural Raiano, esteve lá

em julho e agosto de 2001.”663

655 Volume II, Parte II, Entrevista 21, p. 4.

656 Volume II, Parte II, Entrevista 1, p. 4, Entrevista 7, p. 4.

657 Volume II, Parte II, Entrevista 6, p. 5.

658 CÂMARA MUNICIPAL DE ALMADA – Exposição Colectiva Tapeçaria, Artista Convidada Gisella Santi. Almada : Câmara Municipal de

Almada / casa da Cerca – Centro de Arte Contemporânea, 1999. ISBN 972-8392-59-1. p. 9.

659 Volume II, Parte II, Entrevista 1, p. 6 e Entrevista 24, p. 5.

660 CÂMARA MUNICIPAL DE ALMADA – Exposição Colectiva Tapeçaria, Artista Convidada Gisella…, p. 9.

661 Informações obtidas em conversa telefónica com o Dr. Joaquim Raposo, no dia 11 de Janeiro de 2012, em resposta ao Requerimento, enviado no

mês anterior, solicitando informações sobre o trabalho desenvolvido por Gisella Santi junto daquela entidade.

662 Volume II, Parte II, Entrevista 1, p. 6, Entrevista 2, p. 5, Entrevista 8, p. 1, Entrevista 9, p. 3, Entrevista 22, p. 2.

663 Volume II, Parte II, Entrevista 24, p. 6.

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A última associação que GS fundou, (…). Foi criada com um grupo de pessoas que vinha reunindo,

desde os primeiros tempos de 2000, a ARTEXER – Associação de Arte Têxtil Contemporânea, (…). As

reuniões efectuaram-se todas no Museu Nacional do Traje (MNTr) – a Directora (…) e GS colaboravam

muito. Os estatutos foram escritos pelo artista plástico Eduardo Nery. Tentaram promover um curso

certificado e arranjar um espaço. Depois, GS adoeceu e a associação esmoreceu …664

Gisella Santi ganhou vários prémios665

, entre eles uma Comenda. “A obra de GS foi

importante, autora que recebeu um título honorífico de Itália, era Comendadora, titulo dado

pelo Governo italiano.”666

2.2. Exposições

Confirmou-se a participação de Gisella Santi em cento e dezassete exposições, dez destas

dedicadas à pintura (Fig. 45) e as restantes dedicadas à Tapeçaria Contemporânea,

documentação aqui apresentada no formato Linha Cronológica (Fig. 80, Fig. 93 e Fig. 94), a

primeira destas cronologias coincide, com a maior parte do tempo em que Maria Flávia fez e

expôs Tapeçaria Contemporânea (1975-1985), (Fig. 80).

«MDM disse que a Gisella estava sempre a fazer uma peça da sua lavra. Estava, sempre, a

tentar expor o seu trabalho – “ela tinha uma energia absolutamente fantástica.”»667

Gisella Santi, entre 1975 e 1977 participou, em seis exposições organizadas pela ARA –

Cooperativa Portuguesa de Tapeçaria (Fig. 81). Gisella que desde há muito era sócia da SNBA,

em 1976, no Salão Convívio participou com tapeçaria.

Por convite da Galeria K.S. em Heidelberg com três artistas da “ARA” expõe tapeçarias668, exposição

essa que foi citada favoravelmente pela crítica local. Em outubro de 1978 está representada na primeira

exposição de Tapeçaria Contemporânea do Grupo 3.4.5. na S.N.B.A. No mesmo ano expõe com artistas

do “Grupo 3.4.5.” na Pousada dos Lóios em Évora669

No ano seguinte, Gisella levou tapeçaria a duas exposições, uma em Portugal (Lisboa) e

outra na Suíça (Genève), a primeira denominada Árvore nas artes Plásticas e na Fotografia que

esteva na SNBA de 14 a 19 de março de 1979, onde se podiam observar oitenta e duas obras de

cinquenta e cinco artistas plásticos. Gisella mostrou a peça Sottobosco que, atualmente, pertence

à coleção do MNTr. Gisella, frequentemente, onde ia levava outros elementos do seu

movimento artístico, aqui encontramos uma peça de Mizette Nielsen – Sobreiro (Fig. 79). Nesta

exposição na categoria de tapeçaria, encontramos outra peça –Tapeçaria II (de Liseta Niza). O

664

Volume II, Parte II, Entrevista 1 p. 4.

665 1988 - 1.° Prémio no Salão-Convívio dos sócios do SNBA, Lisboa; 1998 - 1.º'Prémio na I Bienal de Tapeçaria de Matosinhos; 1989 - Prémio

Antena Um para as Artes Plásticas; 1992 - 1.° Prémio no Salão

Convívio dos Sócios da SNBA, Lisboa; 1998 - 1.° Prémio na Galeria Quadrante

CAOS.

666 Volume II, Parte II, Entrevista 1, p. 5.

667 Volume II, Parte II,, Entrevista 9, p. 2.

668 Volume II, Parte II, Entrevista 4, p. 1 e p. 4.

669 SANTI, Gisella – Curriculum Vitae. 1979-11. Acessível na Escola Secundária Artística António Arroio, p. 2.

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TAPEÇARIA CONTEMPORÂNEA PORTUGUESA (1969-2002) Antecedentes e Protagonistas do Século XX

156

catálogo contou com texto de João Rocha de Sousa (Os Velhos Novos Símbolos) que participou

com pintura – As Plantas –, igualmente, com pintura participou também Clementina Carneiro

de Moura com as obras Quintais, Oeiras e O Cantinho. Na ata de reunião lê-se: “… o Júri

constituído pelo Conselho Técnico da S.N.B.A. e por um representante dos artistas, o pintor

João Hogan (…), reuniu-se para proceder à apreciação de 179 trabalhos apresentados por 83

artistas.”670

A outra das exposições denominada Tapisseries de Mizette Nielsen et Gisella Santi,

céramiques de Archibald Ganslmayr que esteve de 10 a 28 de maio de 1979, no Hotel Penta de

Genève671

. Gisella organizou e participou na Exposição Itinerante de Tapeçaria Contemporânea

Portuguesa (1980-1982), enquanto esta itinerância se desenvolvia, Gisella Santi continuava a

participar noutras exposições coletivas, e, na sequência dessa itinerância participou na

exposição Tapeçaria – de artistas contemporâneos no Museu Nacional do Traje. Exposição

colectiva no MNTr, que a professora e artista plástica Manuela Justino adjetivou de “… muito

importante…”672

Em 1984, Gisella inicia o ciclo das exposições individuais de tapeçaria, a primeira no

Instituto Italiano de Cultura (Lisboa) e a segunda na Junta de Turismo da Costa do Sol (Estoril),

em fevereiro/março e maio, respetivamente. Ainda neste ano com o Grupo e, no seguinte,

igualmente com o Grupo e numa outra exposição coletiva (5th International Triennale of

Tapestry) Gisella experimentou a internacionalização – Heidelberg, Bona, Milão e Lódz (Fig.

80, Fig. 95 e Fig. 96).

De seguida apresenta-se a Linha Cronológica correspondente a esta descrição.

670 SOCIEDADE NACIONAL DE BELAS ARTES – A Árvore nas Artes Plásticas e na Fotografia. Lisboa : Sociedade Nacional de Belas Artes,

1979.

671 http://books.google.dk/books/about/Tapisseries_de_Mizette_Nielsen_et_Gisell.html?id=7Y9pMgEACAAJ&redir_esc=y

672 Volume II, Parte II,, Entrevista 1, p. 3.

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158

VI ESPAÇOS DE CIDADANIA

1. ASSOCIATIVISMO ARTÍSTICO NO FEMININO

1.1. ARA – Cooperativa Portuguesa de Tapeçaria

Madalena Braz Teixeira que, ao longo da sua carreira no MNTr foi uma grande entusiasta da

arte têxtil, disse-nos assim: «A ARA existiu durante pouco tempo mas “foi o pontapé de saída

para a tapeçaria” porque teve, desde cedo, muito boa aceitação.”»673

A exposição de apresentação da ARA, segundo a imprensa, contou com objetos de onze

artistas plásticas do sexo feminino, Maria Flávia de Monsaraz, Maria José Risques Pereira –

irmã de Carmo d`Orey (uma das donas do ateliê da Coelho da Rocha), foi aluna de Maria

Flávia no ateliê, começou por aprender escultura674

, foi uma das sócias fundadoras do Grupo

3.4.5.675

–, Gisella Santi, Helena Lapas e Graça Delgado, na imprensa, estes cinco primeiros

nomes aparecem com maior

destaque, depois seguem-se

Cristina Siopa, Teresa

Campanha, Ana Isabel Miranda

Rodrigues, Mizette Nielsen,

Nazaré Ferreira e Cristina

Zuzarte676

. Grupo artístico que

em conjunto com a Cooperativa

Árvore (do Porto) organizou

uma exposição itinerante que,

segundo Cristina Siopa677

,

Mizette Nielsen678

, Gisella

Santi e a própria Maria

Flávia679

, esteve em Lisboa, no

Porto, na Figueira da Foz, na

Covilhã e em Tortosendo680

.

673 Volume II, Parte II, Entrevista 5, p. 1.

674 Volume II, Parte II,, Entrevista 3, p. 4.

675 GRUPO 3.4.5. TAPEÇARIA CONTEMPORÃNEA PORTUGESA – Exposição de Tapeçaria Contemporânea Portuguesa. 1978…

676 Tapeçarias da «ARA» em Exposição na SNBA. “Jornal Novo”. (21 Nov. 1975) 5.

677 Volume II, Parte II,, Entrevista 19, p.

678 Volume II, Parte II,, Entrevista 4, p.

679 Volume II, Parte II,, Entrevista 3, p.

680 SANTI, Gisella – Curriculum Vitae. 1979-11. Acessível na Escola Secundária Artística António Arroio, p. 2.

Maria Flávia de Monsaraz

ARA

Fig. 81 – Mapa das Exposições da ARA e outras

coletivas em que Maria Flávia de Monsaraz participou

(1958-1983).

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Quadro II – Artistas e Exposições da ARA – Cooperativa Portuguesa de Tapeçaria

(1975-1977)

ARTISTAS

Ana Isabel Miranda Rodrigues, Cristina Siopa, Cristina Zuzarte,

Gisella Santi, Graça Delgado, Helena Lapas, Maria Flávia de

Monsaraz, Maria José Risques Pereira, Mizette Nielsen, Nazaré

Ferreira, Teresa Campanha (11).

EXP. Apresentação na SNBA (1975) Lisboa (1).

Itinerante (1976) Lisboa, Porto, Figueira da Foz, Covilhã e Tortosendo (5).

A ARA era para fazer exposições e dar um impulso para a arte têxtil. A ARA é de 1975, o Paulo-

Guilherme conhecia a Maria Flávia e apresentou-nos e depois veio outra e outra... A Maria Flávia

descobriu a Gisella.681

A ARA, sediada na Rua Coelho da Rocha no n.º 69 (Pátio dos Artistas) na Porta 5, para

Cristina Siopa, existiu

… numa época em que as pessoas olhavam e não percebiam o que era a tapeçaria contemporânea.

Fizemos exposições na Sociedade Nacional de Belas Artes (SNBA), no Porto, na Covilhã e na Figueira

da Foz. Para a da Figueira da Foz a Gisella fez uma tapeçaria moderna – fez uma transparência que estava

na entrada, as pessoas passavam por ela e não percebiam o que era aquilo.682

A propósito da exposição de apresentação ARA – Cooperativa Portuguesa de Tapeçaria,

CRL (1975-1977), em novembro de 1975, lia-se na imprensa:

Onze artistas expõem na Sociedade Nacional de Belas Artes tapeçarias (…), no âmbito de uma

cooperativa em formação (…). (…), a ARA pretende desenvolver um tipo de produção artística

comunitária e artesanal, em que o artista não só conceba como teça a sua própria obra. (…) na

apresentação desta exposição, que reúne trabalhos de diversos tipos, desde a composição-colagem de

vários tecidos, como a apresentada por Maria José Risques Pereira, à tapeçaria em moldes clássicos de

Gisella Santi e Helena Pereira, ricos de conteúdo e invenção e às obras em lã grossa de Flávia de

Monsaraz e Graça Delgado, cheios de poesia e de composição refinada e pura.

O interesse desta exposição residirá também no facto de apresentar exclusivamente obras feitas por

mulheres…683

O período que antecedeu o 25 de Abril, denominado de Primavera Marcelista permitiu

… a progressiva emancipação da mulher portuguesa que se traduz, nas artes plásticas, no maior número

de artistas do sexo feminino que surgem neste período, agindo em pé de igualdade com os homens,

embora as oportunidades não pareçam ainda ser as mesmas (…). O que é inegável é a verificação da

crescente importância da mulher (…) se pensarmos em artistas como Paula Rego, Lourdes Castro, Ana

Hatherly, Helena Almeida, Ana Vieira e Clara Menéres (…). Até então a mulher vira-se obrigada ao

681 Volume II, Parte II, Entrevista, 4, p. 3.

682 Volume II, Parte II, Entrevista 19, p. 2.

683 Tapeçarias da «ARA» em Exposição na SNBA. “Jornal Novo”. (21 Nov. 1975) 5.

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exílio por a actividade artística ser considerada imprópria para mulheres na sociedade portuguesa de

então, como aconteceu, por exemplo, no caso de Helena Vieira da Silva. Mais dramática é a desistência

da carreira artística a favor do papel tradicional da mulher, como aconteceu no caso de Sara Afonso ou,

pior, nem sequer ocorrer a possibilidade de uma carreira nas artes plásticas por força das condicionantes

sociais.684

Maria Flávia que se auto define como uma pioneira, no clima revolucionário do pós 25 de

Abril, como impulsionadora da constituição da ARA, desempenhou também um papel pioneiro

ao nível do associativismo artístico.

Fui pioneira também nesta área. Quando a ARA (Pedra do Altar) nasceu tinha-se dado a Revolução

(1974) há pouco tempo e, porque tinha visto aquela experiência em Lausanne. As grandes tapeçarias eram

de polacas, disseram-me que eram mulheres que trabalhavam em cooperativas pagas pelo Estado e pensei

que, com o comunismo seria em Portugal como lá, se fizesse uma Cooperativa ficaríamos a ser artistas a

trabalhar para o Estado. Eu sabia que era demasiado independente para ser funcionária publica mas que,

se me permitissem trabalhar no que gostava, com o que criava poderia sentir-me, totalmente, integrada na

Revolução. Pensei: “porque se isto vira a sério, fico a trabalhar no que gosto.” Isto era a minha

ingenuidade!685

Maria Flávia assume-se como uma mulher com ideais políticos muito claros mas que nunca

se comprometeu com partidos políticos. Disse ter feito “… a ARA para que fosse uma ação

pública e eu como colaboradora criativa porque era de esquerda e, se tinha de ser sacrificada

pela minha condição social que deixasse qualquer coisa de valor para as artes plásticas.”686

distância de quarenta anos, Maria Flávia diz saber que não seria um governo de inspiração

comunista que lhe poderia dar a liberdade com que sonhava.

Fui muito católica e sou de esquerda mas nunca me comprometi, como se diz hoje: “isso não era a

minha praia”. No meu entender, há muita falta de qualidade e muitos sentimentos negativos nas

interações políticas. Afastei-me, sempre, dos ambientes onde não há harmonia.687

O associativismo artístico não era uma novidade, o país contava com três associações para

defesa e divulgação dos artistas e das artes plásticas, instituições sediadas nas mais importantes

cidades portuguesas – Lisboa, Porto e Coimbra. A primeira, a Sociedade Cooperativa de

Gravadores Portugueses – Gravura – surgiu em Lisboa, em 1956, o ano em que tinham

terminado as Exposições Gerais de Artes Plásticas na SNBA, esta associação agrupou e

reorganizou os artistas neo-realistas. Tinha

… como objectivo "fomentar a prática da gravura e promover a sua larga difusão como forma de

expressão artística digna de ser tomada na devida consideração."

É pois no âmbito da ideia de uma arte

684 PELAYO, Maria Raquel Nunes de Almeida e Casal – Artes Plásticas e Vanguarda: Portugal, 1968-abril 1974…, p. 40.

685 Volume II, Parte II, Entrevista, 3, p. 2-3.

686 Id, p. 3.

687 Ibid, p. 1.

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161

não elitista e acessível a todos que as técnicas de reprodução bidimensional se começam a desenvolver,

graças a esta cooperativa.688

Dois anos depois (1958), aparecia o Círculo de Artes Plásticas de Coimbra (CAPC), criado

em 1958 pela Associação de Estudantes de Coimbra, desde cedo contou com o apoio da FCG.

"Em 1968 o CAPC conta com cerca de 227 sócios, entre estudantes do curso de História de Arte

e estudantes do ensino secundário preparando-se para seguir o curso superior de Belas Artes.”689

No Porto, em 1963 nascia a Cooperativa ÁRVORE que só conseguiu instalações provisórias em

1971, desde cedo assumiu uma postura”… oposicionista ao regime político do País.”690

Cooperativa que, mais tarde, 1976, com a ARA – Cooperativa Portuguesa de Tapeçaria, co-

organizava a exposição itinerante de tapeçaria contemporânea.

A ARA o que trazia de novo era o facto de se constituir numa cooperativa cujos integrantes

eram, apenas, mulheres – o associativismo artístico no feminino. Na altura ainda vigorava a

Constituição de 1933 (do Estado Novo), em que a mulher só tinha relevância como parte

integrante da célula familiar que desenvolvia o seu papel no plano doméstico, por assim dizer,

uma cuidadora ao serviço do lar – da casa, dos filhos e dos ascendentes de ambos os membros

do casal. Cristina Siopa deu-nos uma imagem dum tempo que sucedia o Estado Novo (1933-

1974) mas que, por meses, antecedia a Constituição que vigora atualmente (1976): “… fomos

todas assinar com os maridos, o meu o da Mizette, era também o da Graça Delgado, ainda

estávamos na altura em que os maridos tinham de ir para dar autorização.”691

A ARA, resultou numa experiência muito positiva, foi uma coisa de valor para todas nós. A Gisella e

outras pessoas aderiram mas, as pessoas eram pouco profissionais. A Gisella era muito disciplinada, era

uma profissional da tapeçaria enquanto que as outras pessoas faziam de um modo menos organizado que

a Gisella que sabia muito de tapeçaria tradicional.692

Gisella Santi, a italiana que, desde 1957, restaurava tapeçarias antigas em Lisboa e que, no

início da década de 1970, tinha começado a executar tapeçaria através de cartões de sua autoria,

foi monitora num curso no IADE, motivo porque, à sua volta se encontravam algumas pessoas

que estavam com vontade de fazer algo relacionado com tapeçaria.

Na sequência do curso do IADE, juntámo-nos e estávamos com interesse de fazer tapeçaria. Dessas

pessoas alguém se lembrou de ir falar com a Maria Flávia. Começámos a juntar pessoas para fazer uma

cooperativa, eramos várias pessoas: a Graça Delgado (não sei se fez o curso do IADE); a Ana Isabel

688 PELAYO, Maria Raquel Nunes de Almeida e Casal – Artes Plásticas e Vanguarda: Portugal, 1968-abril 1974…, p. 64-65.

689 Id, p. 66

690 Ibid, p. 67.

691 Volume II, Parte II, Entrevista 19, p. 2.

692 Volume II, Parte II, Entrevista 3, p. 3.

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Rodrigues (foi professora do ensino artístico, durante muito tempo); a Gisella; a Maria Flávia; a Mizette

Nielsen, a Cristina Maldonado (vivia em Coruche). Eram mais pessoas mas não me lembro.693

Maria Altina Martins, embora formalmente não fizesse parte deste grupo, participou em

exposições organizadas pela ARA694

.

Maria Flávia de Monsaraz, a portuguesa nascida em Espanha e que desde 1969, se dedicava

à Nouvelle Tapisserie, sobre a época em que estava com a intenção de juntar pessoas para

formar uma cooperativa695

, disse-nos: “Procurei pessoas que se interessavam por tapeçaria e

alguém me disse que a Gisella Santi fazia tapeçaria e fui lá falar ao ateliê. A Gisella foi amável,

desde o princípio colaborou muito bem.”696

As duas tapeceiras encontraram-se, associaram-se e

apareceu a ARA “A Maria Flávia era arte contemporânea pura enquanto que Gisella era

clássica.”697

Paulo-Guilherme d`Eça Leal (1932-2010) apresentou Maria Flávia a Mizette

Nielsen (1941), uma holandesa que estava em Portugal desde 1961 que, até ao 25 de Abril

(1974) fazia produção de moda e de cinema698

, depois, como autodidata dedicou-se à prática da

tecelagem, realizando tapeçarias para este afamado decorador de interiores. “Ele tinha projetos

para tapeçaria. Ele fazia os desenhos e procurava alguém que pudesse executar699

. Eu precisava

de dinheiro e fiz um trabalho para ele, em 1974/1975.”700

Mizette, quanto à curta existência da ARA referiu que

Era toda a gente para funcionar, mas depois de 6 meses viu-se que mais de metade não podia. Eu e a

Gisella sentíamos muito, para financiar e pagar, éramos nós as duas. Reuniões, programação, trabalho

efetivo, eram sempre 2, às vezes 3. Resolvemos dissolver a ARA.701

Cristina Siopa relembrando a ARA disse: “As coisas/tapeçarias eram caras, está a ver o que

eram 100 contos702

na altura, compravam à Maria Flávia porque já tinha nome. A Gisella

também fazia tapeçarias muito bonitas.”703

Esta cooperante falou-nos ainda das dificuldades

financeiras da ARA, dificuldades que, em grande parte, se relacionavam com o desconhecimento

da tapeçaria contemporânea como sendo uma categoria artística.

693 Volume II, Parte II, Entrevista 19, p. 1.

694 Volume II, Parte II, Entrevista 21, p. 3.

695 Volume II, Parte II, Entrevista 3, p. 2.

696 Id, p. 4.

697 Volume II, Parte II, Entrevista 19, p. 2.

698 Volume II, Parte II, Entrevista 4, p. 1 e 2.

699 Eram tapeçarias triangulares, quadradas e circulares. Ele tinha tecidos de veludo para decoração art déco e tinha uma fábrica que fazia armações

em cromado e depois eu fazia o preenchimento. Como não tinha dinheiro para quadros pediu-me para fazer tapeçarias para decorar ambientes

sumtuosos/elegantes. Algumas foram para o Brasil, outras para Espanha. Fiz mais ou menos 10. Algumas ficaram em Portugal, mas o Paulo não dizia

quem eram os clientes. Volume II, Parte II, Entrevista 4, p. 2.

700 Volume II, Parte II, Entrevista 4, p. 2.

701 Volume II, Parte II, Entrevista 4, p. 2.

702 Cerca de €500. O salário mínimo nacional em 1975, 1976 e 1977 respetivamente era de €18,5, de €19,95 e de €22,45. www.eugeniorosa.com.

703 Volume II, Parte II, Entrevista 19, p. 2.

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Nós queríamos fazer arte e, na altura, o que se entendia como alguém a fazer tecelagem/tapeçaria,

eram as pessoas que faziam tapetes e essa identificação nós não queríamos.

Era difícil de vender, a Mizette e a Ana Isabel penso que também venderam coisas.

Aquilo deu uma confusão porque, o combinado era de que se dava um X do que se vendia e havia

quem “se esquecesse” de o fazer, eu nunca vendi nada! A Maria Flávia teve uma conversa e acabou-se

com a cooperativa...704

Maria Flávia sobre o fim da ARA recordou assim:

Em Portugal não se vendia quase nada, as pessoas gostavam muito mas não compravam. Havia um

critério, quando se vendia dois terços eram para a Cooperativa e um terço era para o artista/tapisseira.

Como era eu que vendia sempre, era eu que perdia sempre!

Percebi que não vinha ai o comunismo. As pessoas não tinham o meu ritmo de trabalho era conhecida

porque era dona do MM e conhecia muita gente em muitos meios. Um dia cheguei e disse que iria sair

mas que podiam continuar que tinha o maior gosto mas as pessoas saíram todas. Fazer foi um instante,

para dissolver a Cooperativa foi complicadíssimo (burocraticamente). Entre nós havia um entendimento,

uma solidariedade, não houve más relações, foi uma coisa boa e engraçada, um pouco louca, por imaginar

que um governo comunista podia promover e financiar uma iniciativa artística.705

Maria Flávia comunicou que desejava sair e expressou que, caso os outros elementos

desejassem, teria todo o gosto em que o projeto continuasse mas não continuou, embora Gisella

Santi tenha empreendido esforços para que continuasse pediu apoio à FCG. A Fundação que

dava muitas bolsas e financiava muitos projetos não aceitou este sonho da tapeçaria

contemporânea706

. Sonho que foi, um pouco, adiado e concretizado sem depender desta ou de

outra instituição, contando com a força e capacidade de trabalho dos seus associados. A

dissolução da ARA representava o fim de um espaço de educação para a cidadania na capital

portuguesa, por outro lado, Maria Flávia e o sonho da ARA, fizeram escola e, outro movimento

“já estava a caminho”.

A política cultural do país era definida pela Secretaria de Estado da Cultura, na qual estavam

representantes dos artistas e dos críticos até 1977. Mas a evolução artística em Portugal não foi fácil nem

imediata. As propostas da Escola Superior de Belas-Artes, resultantes de reuniões e discussões entre

docentes e alunos (1974-1975), só em 1978 seriam aceites – propostas, em grande medida, elaboradas por

Rocha de Sousa. A cultura estava longe de ser o que mais preocupava os vários governos. O país pautava-

se por uma política cultural ausente ou mal fundamentada. Os governos revelavam-se incapazes de

fomentar programas coerentes. (…)

Neste contexto, teve papel determinante a acção dos artistas da Sociedade Nacional de Belas-Artes,

de onde emergiram grupos intervenientes na política cultural. Foi o caso do Movimento Democrático de

Artistas Plásticos, (…).

704 Volume II, Parte II, Entrevista 19, p. 3.

705 Volume II, Parte II, Entrevista 3, p. 3.

706 SANTI, Gisella – Curriculum Vitae. 1979-11. Acessível na Escola Secundária Artística António Arroio, p. 1-2.

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TAPEÇARIA CONTEMPORÂNEA PORTUGUESA (1969-2002) Antecedentes e Protagonistas do Século XX

164

Na época destacaram-se também outros grupos, como o Grupo Acre ou o Grupo Puzzle, responsáveis

por iniciativas colectivas de dinamização cultural. (…), numa altura em que proliferava o conceito de arte

como produto de luxo, a divulgação dos vários eventos não era realizada de modo sistemático e cuidado.

Segundo Rui Mário Gonçalves: “Os jornais evitavam publicar artigos de reflexão critica, e o próprio

noticiário era desastroso. Por isso, em 1976, um novo director-geral da Acção Cultural, Eduardo Prado

Coelho, procurou imprimir um esforço disciplinador desse noticiário. Procurou também servir a

descentralização cultural, tornando itinerantes pela província algumas exposições realizadas em Lisboa e

Porto”. 707

1.2. Grupo 3.4.5. – Tapeçaria Contemporânea Portuguesa

O Grupo 3.4.5. – Tapeçaria Contemporânea Portuguesa (1978-2002), foi um movimento

associativo que, ao longo mais de vinte e quatro anos, se dedicou à execução e divulgação da

arte têxtil em geral e, em particular, da Tapeçaria Contemporânea. Grupo sediado em Lisboa na

Avenida Infante Santo no 2.º andar direito do prédio 345708

, local onde outrora fora a Oficina-

Escola de Restauro de Tapeçaria Antiga.

Sobre o início deste movimento artístico, Mizette Nielsen disse-nos: “O Grupo apareceu

connosco as 2 que estávamos a trabalhar no mesmo espaço e outras pessoas que estavam no

ateliê a funcionar como alunas da Gisella.”709

Com trinta e nove anos, Maria Delfina Macedo foi estudar para o IADE e teve como

primeiros mestres Costa Cabral (1941), Eduardo Nery (1938-2013) (que nos anos de 1960 tinha

trabalhado na MTP) e Lima de Freitas (1927-1998). Depois, foi para o AR.CO onde conheceu

uma colega que tinha um ateliê nos Coruchéus e lá montou um tear. Maria Delfina foi

experimentado e fez uma “tapeçaria”. Esta autodidata na arte da tapeçaria, como atrás

mencionado, ingressou em 1976 no Ateliê da Infante Santo. Espaço de que foi sempre uma

frequentadora “… porque a Gisella era uma grande amiga.”710

A Gisella contou às pessoas que frequentavam o ateliê que estava com uma ideia de constituir um

Grupo, depois, colocou-se a questão do nome, a Collete disse que podia ser o Grupo 345 e, MDM disse

que não mas que poderia ser o Grupo 3.4.5.

(…)

MDM disse que se estaria em 1977 ou 1978.711

A partir da lembrança que guarda desses tempos iniciais da vida do Grupo 3.4.5., Maria

Delfina recordou Mizette que, na sequência da experiência associativa da ARA, se tinha mudado

para o ateliê de Gisella na Infante Santo onde havia várias pessoas a aprender tapeçaria. As

707 NOGUEIRA, Isabel Margarida Ribeiro – Da análise do conceito de pós-modernismo à sua manifestação na exposição …, p. 140-142.

708 MUSEU DA ÁGUA – Exposição de Tapeçaria: Associação de Tapeçaria Contemporânea: Grupo 3.4.5.. 1993. Acessível no Arquivo

Histórico do Museu da Água.

709 Volume II, Parte II, Entrevista 4, p. 2.

710 Volume II, Parte II, Entrevista 9, p. 1.

711 Id.

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pessoas frequentavam o Ateliê da Infante Santo, depois de um período mais ou menos longo de

aprendizagem, eram convidadas a fazer parte do Grupo 3.4.5. – Tapeçaria Contemporânea

Portuguesa. “… o grupo era dinâmico, havia pessoas que achavam engraçado, aprendiam

tapeçaria e desinteressavam-se. Contudo havia um núcleo duro.”712

Teresa Segurado Pavão, depois de ter feito umas tapeçarias foi convidada, por Gisella Santi

… para fazer parte do Grupo 3.4.5.. Tendo ficado contente, TSP aceitou e começou a expor com o Grupo

(1985), disse ainda ter participado numas quantas exposições, inclusivamente, na Alemanha em

Heidelberg.

O Grupo tinha como grande objetivo a divulgação da tapeçaria contemporânea – fazer exposições. “A

Gisella tinha uma grande preocupação em divulgar a tapeçaria portuguesa.” TSP lembra-se que Gisella

Santi e outros elementos do Grupo, concorriam às Bienais de Lausanne (Suíça) e, por vezes,

participavam. Houve gente do Grupo indicada para participar nas Trienais de Lódz (Polónia). 713

Lena Horta Lobo (1947) é natural da Suécia e licenciou-se em letras. Na década de 1960,

vivia em Paris onde conheceu um português com quem se casou e com ele veio para Portugal

(1976), esta criadora fez/faz parte, segundo palavras de Madalena Braz Teixeira, do núcleo duro

do 3.4.5., desde os primeiros tempos de vida desta associação artística (1980). Lena que tinha

ido para o Ateliê da Infante Santo para iniciar o processo de aprendizagem da tecelagem e da

Tapeçaria Contemporânea, deu-nos a sua opinião sobre Tapeçaria, Gisella Santi e as Trienais de

Lódz.

Penso que durante os anos 1970 e 1980, a tapeçaria contemporânea era bastante desconhecida em

Portugal. A mais conhecida era a de Portalegre, onde se executa peças de pintura de artistas plásticos. A

Gisella fez um trabalho pioneiro e notável com o Grupo 3.4.5. e incentivou as artistas a fazerem peças de

muita qualidade apesar de não haver nenhum apoio financeiro! Conseguiu “furar” o meio artístico desta

época em Portugal realizando várias exposições coletivas no país e no estrangeiro!

Será de destacar é que a Gisella Santi, a Teresa Pavão, a Carmo Portela, a Cláudia Lima, a Maria

Luísa Ferreira, a Maria Delfina Macedo, a Maria Cândida Correia Marques e eu própria participámos na

Trienal de Tapeçaria Contemporânea de Lódz. Agora, visto com distância em 2013, percebe-se melhor o

grande valor que este movimento tinha!714

De seguida, apresenta-se um quadro que identifica a presença portuguesa na Trienal

Internacional de Lódz, deram início a este ciclo de participações Gisella Santi e Isabel Magos,

colega de Gisella na ESAA, também lecionava oficinas no curso de Artes dos Tecidos.

712 Volume II, parte II, Entrevista 5, p. 2.

713 Volume II, Parte II, Entrevista 7, p. 4.

714 Volume II, Parte II, Entrevista 8, p. 2.

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Quadro III – Participações Portuguesas nas Trienais de Lódz (1985-2013)715

Constata-se que, nas seis edições que se realizaram entre 1985 e 2004, Portugal conta com

treze participações mas, nem sempre estas participações foram asseguradas por portuguesas,

mas também por mulheres estrangeiras que viviam em Portugal – Gisella Santi, Eveline Martin

(1948), Lena Horta Lobo e Cláudia Maria Lima (1956) – (30,7%). Destaca-se ainda que, destas

treze participações portuguesas, nove (69,2%) provêm de artistas tapeceiras que frequentaram o

Ateliê da Infante Santo e fizeram parte do Grupo 3.4.5.. Esta presença na Trienal de Lódz, pode

entender-se como uma repercussão do trabalho de Gisella Santi.

Todos os nossos entrevistados (9) que foram alunos de Gisella Santi no Ateliê da Infante

Santo e, depois, fizeram parte do Grupo 3.4.5. – Fernanda Matos (1955), Guida Fonseca, Inês

Carrelhas, Lena Horta Lobo, Manuel Alves Dias, Maria Altina Martins, Maria Delfina Macedo,

Mizette Nielsen, Teresa Segurado Pavão – passaram-nos a mensagem de que Gisella, ao longo

de três décadas, lutou para que a Tapeçaria Contemporânea Portuguesa fosse classificada como

uma categoria artística, ou seja, que os artistas que se dedicavam ao têxtil fossem chamados a

participar nas exposições. Inês Carrelhas que aprendeu tapeçaria com Maria Flávia de Monsaraz

passou pela ESAA onde fez o Curso de Artes dos Tecidos (de dia) e o Curso de Desenhador

Têxtil (à noite) e, na sequência deste ultimo, foi aluna do ateliê de Gisella para aprender

restauro, entrou para o Grupo 3.4.5. em 1989, guarda memórias desses tempos:

A Gisella era uma pessoa afável, era uma pessoa muito empreendedora que se fartou de trabalhar em

prol do reconhecimento da tapeçaria. Escrevia cartas a todas as instituições, inclusive à Fundação

715 Realizado com base na informação disponibilizada em:

http://www.google.com/url?sa=t&rct=j&q=facebook%2Bmaria%20delfina%20macedo%2Bportugal&source=web&cd=8&ved=0CFAQFjAH&url=htt

p%3A%2F%2Fwww.muzeumwlokiennictwa.pl%2Ffiles%2Ftriennial_1-13_

_participants.xls&ei=6KAkUdPvAYXh4QTe6IDYDg&usg=AFQjCNFhqulS9KGaOu1iYo7msWLknKELfg

716 http://www.carolinepages.com/index/113540,?show_b=1

ANO EDIÇ. ARTISTA GRUPO 3.4.5. COOP. ATT COOP. ARA

1985 5 Gisella Santi X X

1985 5 Isabel Magos

1988 6 Eveline Martin X X

1988 6 Teresa Segurado Pavão X X

1995 8 Helena Santos

1995 8 Maria Antónia Santos

1998 9 Lena Őnnesjö Horta Lobo X X

1998 9 Carmo Portela X X

2001 10 Maria Cândida V. Correia Marques X

2001 10 Maria Delfina Macedo X

2001 10 Maria José Mateus X

2004 11 Maria Luísa Ferreira X

2004 11 Cláudia Maria Lima X

2007 12 Helena Lapas X

2013 14 Conceição Abreu716

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Calouste Gulbenkian (FCB), para que existisse o reconhecimento da tapeçaria. Lembro-me que a FCG fez

uma exposição em que estavam representadas várias artes e a tapeçaria não estava contemplada, nem

sequer podíamos concorrer porque a tapeçaria não vinha no regulamento. Não fazíamos parte!

Acho que a certa altura, a FCG pôs lá um item de que teria de ser tridimensional – uma escultura.

(…)

A Gisella era uma líder mas tinha de ser tudo à maneira dela... Ela era a “cabeça do movimento”, ela

ia à frente – foi o motor”717

Para Teresa Segurado Pavão: «A relação que Gisella tinha com os restantes membros do

Grupo era afetiva, “... de chefia mas muito querida. A Gisella era uma líder!”»718

Manuel Alves

Dias, depois de ter estado, cerca de um ano e meio, como aluno integrou o Grupo (1989), falou-

nos de que Gisella promovia

Uma relação aberta e de amizade, era um convívio! No meio da tarde, fazia, sempre um chá que

servia com biscoitos.

A Gisella estava sempre disponível para a montagem das exposições.

Tinha muitos conhecimentos de tapeçaria (como sabe, fez restauro) e dividia-os connosco. Via-a

como uma Grande Mestra, com poder de decisão, com muita criatividade também. Nós víamo-la como

uma Pessoa Maior na transmissão dos conhecimentos que tinha e, exaltava essa sua capacidade maior

através das peças que executava. Era uma Mestra, organizada e organizava mas não era autoritária nem

altiva, aceitava as nossas opiniões, não era uma pessoa diretiva. Através do diálogo resolviam-se, sempre,

as questões que pudessem existir.719

Quanto às exposições, qualquer associado do 3.4.5. poderia ser chamado a participar na sua

organização, segundo Madalena Braz Teixeira: “A Gisella organizava as exposições com a

Secretaria de Estado da Cultura e depois com o Ministério da Cultura, com as autarquias, com

os Museus e outras entidades. Havia outras pessoas que ajudavam na organização mas ela

encabeçava.”720

O tapeceiro Alves Dias contou como se procedia quanto à logística das exposições.

Para organizar as exposições nós tínhamos reuniões e ensaiávamos. Sempre que havia uma exposição

agendada para determinado período, as pessoas eram contatadas e decidia-se que peças iam de cada um

de nós, isto para não haver grandes discrepâncias entre os trabalhos a apresentar na exposição. Embora

cada elemento trabalhasse para si e por si mesmo, mas, para que pudesse haver uma harmonia

procedíamos deste modo.

As peças tinham de ser entregues no ateliê de GS e, depois iam 2 a 3 elementos montar a exposição

em cada cidade/lugar, normalmente, a Gisella estava também presente.

717 Volume II, Parte II, Entrevista 22, p. 2.

718 Volume II, Parte II, Entrevista 7, p. 4.

719 Volume II, Parte II, Entrevista 24, p. 3.

720 Volume II, parte II, entrevista 5, p. 2.

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Tínhamos reuniões mensais, umas vezes, estávamos mais associados, outras vezes menos. Havia uma

secretária que fazia as atas e depois, as datilografava e enviava para nós. 721

Alguns dos associados, embora não estando em Lisboa, continuavam a participar, Maria

Altina Martins que foi para o ateliê de Gisella em 1975, depois de ter passado pelo AR.CO e ter

estado um mês no ateliê de Maria Flávia, foi um desses artistas que nos contou que: “Embora

por um certo período, eu não vivesse em Lisboa, visitava sempre o ateliê onde estavam pessoas

estrangeiras e, naturalmente, também outras portuguesas que faziam muitas itinerâncias em que

eu participava porque elas levavam, sempre, uma peça minha.”722

Fernanda Matos, foi outra das

associadas que passou por essa experiência.

Primeiro (1989) esteve no ateliê como aluna/aprendente – pagando para aprender. Durante 2 ou 3

meses, ia 2 a 3 tardes por semana, considerando que tinha aprendido as técnicas básicas, voltou para Faro

onde dava formação profissional para o IEFP, nomeadamente num Curso de Conservação do Património

Cultural.

Quando regressou para Lisboa (1992/1993), como não tinha espaço em casa foi trabalhar para o ateliê

de Gisella Santi. Contou que se pagava uma mensalidade para utilizar o espaço e que, qualquer pessoa

poderia ir para lá mesmo não sendo sócia do Grupo 3.4.5., FM disse que na altura não era sócia e que só o

foi a partir de 1994.

(…)

FM fez a tapeçaria Árvore no ateliê, FM, disse ter a ideia de que ia para o ateliê durante o dia e ia para

a ESAA à noite.723

Fernanda foi trabalhar para o Alentejo (lecionava História) e deixou, no ateliê, peças para as

exposições, tendo relembrado a exposição que foi para de Dakar (1994).

Como disse Teresa Segurado Pavão: “…era tudo como se queria e se podia... era uma coisa

muito especial...”724

Espreitando os depoimentos de Manuel Alves Dias, Inês Carrelhas e Guida Fonseca:

As pessoas saiam – deixavam de trabalhar lá no ateliê – e, depois compareciam e participavam na

exposição do Grupo como “Sócios Simpatizantes”.

Desde que entrei no Grupo havia registo dos “Sócios Simpatizantes” e, a quota a pagar era muito

menor.

(…)

A mensalidade era o pagamento como sócio do 3.4.5.. Havia uma quota para quem utilizava o

espaço/trabalhava lá no ateliê (eu utilizava o espaço) e a quota de “Sócio Simpatizante” era de quinhentos

escudos e a “normal” era de três mil escudos. Penso que este era o valor dos últimos anos, que para mim,

foi o tempo em que se fizeram as reuniões para fundar o Museu em Castelo Branco.725

721 Volume II, Parte II, Entrevista 24, p. 3.

722 Volume II, Parte II, Entrevista 21, p. 3.

723 Volume II, Parte II, Entrevista 27, p. 3.

724 Volume II, parte II, Entrevista 7, p. 3.

725 Volume II, Parte II, Entrevista 24, p. 6.

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Eu nunca fiz uma tapeçaria lá no ateliê, tecia em casa, a minha passagem por lá era para ir às

reuniões, visitar – conversar um bocado. Eu pagava as quotas (era um valor simbólico) enquanto membro

do Grupo (que era uma associação) mas não pagava para lá trabalhar porque tinha um espaço em casa

onde trabalhava.

Eu recebia um boletim (talvez trimestral) que penso que era elaborado pela Gisella. Ia aos chás e às

reuniões!726

Havia algumas pessoas que iam para lá trabalhar, especialmente, estrangeiras, algumas delas eram

mulheres de diplomatas, eram pessoas que tinham lá o seu espaço – teares onde trabalhavam – não sei

quais eram as condições em que lá estavam, se estavam ou não nas mesmas que eu – pagando ao mês. Eu

só estive um mês seguido. Fiz um acordo com a Gisella dizendo que não podia dispor mais de um mês e

por isso ia todos os dias, as outras pessoas iam 2 vezes por semana. Ainda me lembro da pessoa que

tomou lá o meu lugar quando sai – Maria João Gromicho.

Fui fazendo os meus trabalhos pessoais, não expunha porque pensava que estava à procura de uma

expressão própria. Passado um ano de ter estado no ateliê a Gisella convidou-me a integrar o Grupo

3.4.5.727

O único dinheiro de que o Grupo dispunha era o das quotas e, o conseguido nas exposições

comerciais – quem vendia tinha de entregar uma percentagem (2%) dessas vendas, valor que ia

para o fundo de maneio da associação728

. Pontualmente, o Grupo recebeu subsídios da

Secretaria de Estado da Cultura (SEC) como aconteceu com a Exposição Itinerante (1980-

1982), ainda da FCG para a impressão do catálogo da exposição comemorativa dos dez anos do

Grupo (1989)729

e para uma edição de postais (1991)730

.

Fernanda Matos falando sobre a temática da utilização do espaço do Ateliê da Infante Santo,

levou-nos a outra questão: A partir de quando o Grupo mostrava menos dinâmica e, a partir de

quando os seus associados consideraram o fim deste notável movimento artístico? Pergunta que

se mostra problematizadora porque não tem, apenas, uma resposta, podendo contudo afirmar

que, formalmente, à data de 29 de Setembro de 2014 – junto do Registo Nacional de Pessoas de

Pessoas Coletivas731

esta instituição do Terceiro Setor da Economia732

– Grupo 3.4.5. –

Associação de Tapeçaria Contemporânea – continuava inscrita.

726 Volume II, Parte II, Entrevista 22, p. 2-3.

727 Volume II, Parte II, Entrevista 2, p. 3.

728 GRUPO 3.4.5. – Ata de Reunião. 1992.

729 GRUPO 3.4.5. – Ata de Reunião. 1989-7-12.

730 GRUPO 3.4.5. – Ata de Reunião. 1991-1-16.

731 Informação recolhida telefonicamente.

732 Setor que se situa entre o setor público (1.º) e o setor privado (2.º) porque, os seus proponentes não podem obter lucros e as taxas de impostos

diferem (para menos) das do 2.º setor, o seu propósito é o de fomentar a solidariedade social, por vezes, assegurando funções que, tradicionalmente,

vinham sendo asseguradas pelo Estado, estas instituições podem aparecer sob distintas formas jurídicas –

Associações, Cooperativas, Fundações e

IPSS´s.

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O atelier era frequentado regularmente não só por pessoas que vinham aprender tapeçaria, como por

sócias do Grupo 3.4.5. que por diversas razões iam para lá realizar as suas peças. Só me tornei sócia do

grupo em 1994 e mantive-me até ao fim.733

Continuando com Fernanada Matos: «… em 1999, “ o ateliê começou a morrer um

bocadinho.” FM disse que a partir de 1999, havia menos exposições por ano – “o fim, para mim,

foi quando a Gisella ficou doente!»734

Coincidindo com a época em se estabeleceram contatos

com o IPCB e tudo fazia prever que, em, breve, se constituiria um Museu para a Tapeçaria

Contemporânea Portuguesa (2001-2002) e Maria Delfina Macedo, a convite de Gisella foi para

o Ateliê da Infante Santo fazer a peça que levou à Trienal de Lódz (2001). Maria Delfina

…recorda que o ateliê já estava bastante sossegado. Disse que a Gisella ia para o Museu Nacional do

Traje mas que continuava a fazer as peças dela no seu ateliê. Foi nesta altura (…) que Gisella estava a

ficar um pouco doente. MDM recorda ainda que havia sempre gente, nem que passasse para dar um

beijinho que nunca foi um ateliê morto “mas não era a mesma atividade do 3.4.5..”735

Para Alves Dias: “Quando foi da exposição no Museu Giacometti em Setúbal, em 2000, já

considerava que eram os últimos tempos.” 736

Nestes vinte e quatro anos de atividade (1978-2002), a vida deste Grupo passou por três

fases distintas, a partir da pesquisa realizada, confirmou-se que quase meia centena de pessoas

fizeram parte deste núcleo artístico, participando em uma, duas ou mesmo nas três fases, tendo

realizado mais de cinquenta exposições, eventos que aconteceram por todo o pais e além-

fronteiras espalhadas por quatro continentes.

Quanto à formação dos elementos do Grupo 3.4.5., no catálogo da Exposição comemorativa

dos dez anos de aniversário desta associação (1989), lê-se: “É orientação do Grupo, a pesquisa

de novas formas e materiais, mas cada um dos seus elementos (todos com formação artística) o

faz, seguindo o seu próprio rumo, executando peças únicas, em plena liberdade de criação.”737

Manuel Alves Dias, reforçou esta afirmação dizendo que

… as pessoas que frequentavam o ateliê, na mesma época que eu frequentei, todas tinham formação

artística, mesmo não sendo licenciados, ou vinham da António Arroio, ou do AR.CO, ou do IADE, ou da

ESBAL, ou de ateliês privados, ou da SNBA. Havia várias pessoas, todas tinham um mínimo de

formação sobre composição e estudo da cor, tinham o mínimo de aprendizagem no ensino da arte.738

733

Volume II, Parte II, Entrevista 27, p. 2.

734 Id, p. 3.

735 Volume II, Parte II, Entrevista 9, p. 2.

736 Volume II, Parte II, Entrevista 24, p. 6.

737 GRUPO 3.4.5.: ASSOCIAÇÃO DE TAPEÇARIA CONTEMPORÂNEA PORTUGUESA – 10.º Aniversário. Lisboa : Grupo 3.4.5.: Associação

de Tapeçaria Contemporânea Portuguesa, p. 3.

738 Volume II, Parte II, Entrevista 24, p. 6.

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No ponto seguinte apresentam-se as três fases em que se dividiu a vida do Grupo 3.4.5.,

divisão que também coincide com alterações na própria designação desta associação de artistas

plásticos que trabalham com o têxtil.

2. UM GRUPO DINÂMICO E COM MUITA DINÂMICA

2.1. Participação na Descentralização Cultural (1978-1987)

A exposição de apresentação do Grupo 3.4.5. – Tapeçaria Contemporânea Portuguesa, à

data (1978), constituído exclusivamente por mulheres que estavam em número de nove,

inaugurava no dia 2 de outubro de 1978 na SNBA em Lisboa. Destas nove associadas, quatro

tinham feito parte da ARA – Maria José Risques Pereira, Mizette Nielsen, Ana Isabel Miranda

Rodrigues e Gisella Santi. Os restantes elementos, como anteriormente referido, eram pessoas

que estavam no ateliê a funcionar como alunas de Gisella – Maria Delfina Macedo, Colette

Villate, Maria Luísa Costa, Nicole Rathey e Maria Cândida Correia Marques (1939-2014)739

. A

mesma capacidade de trabalho que demonstrava para com as suas peças, Gisella demonstrava

também para com a dinamização do Grupo 3.4.5, grupo que foi preparando a Exposição

Itinerante de Tapeçaria Contemporânea Portuguesa (1980-1982) 740

. “Era uma Exposição

Itinerante no espirito da acção social e cultural do pós 25 de Abril.”741

Durante dois a três anos

(1980-1982) esta exposição subsidiada pela SEC percorreu treze cidades portuguesas – Évora,

Beja, Caldas da Rainha, Figueira da Foz, Castelo Branco, Niza, Porto, Coimbra, Abrantes,

Alverca, Sacavém, Setúbal e Estremoz742

. O catálogo desta exposição apresenta um texto do

artista surrealista Cruzeiro Seixas, pintor e poeta que, mais tarde, colaborou na montagem da

exposição que se realizou no teatro Garcia de Resende em Évora743

.

A exposição itinerante teve como consequência outra exposição, Tapeçaria – de artistas

contemporâneos no Museu Nacional do Traje. Sobre esta exposição coletiva no MNTr, que a

professora e artista plástica Manuela Justino adjetivou de “… muito importante…”, deve ainda

fazer-se referência ao catálogo em forma de pequeno livro de amostras de tecidos em que “…a

Diretora (…) a Dr.ª Ana Brandão (…) escreveu um texto muito pequenino mas muito

bonito”.744

739 GRUPO 3.4.5. TAPEÇARIA CONTEMPORÃNEA PORTUGESA – Exposição de Tapeçaria Contemporânea Portuguesa. 1978. Acessível na

Biblioteca da Fundação Calouste Gulbenkian.

740 GRUPO 3.4.5. TAPEÇARIA CONTEMPORÂNEA PORUGUESA – Exposição Itinerante de Tapeçaria Contemporânea Portuguesa. Lisboa :

Fundação Calouste Gulbenkian, 1980.

741 Volume II, Parte II,, Entrevista 5, p. 1.

742 Tapeçaria Arte de Sempre. Colecções Moda e Beleza. Lisboa. N.º 3 (1985), p. 14.

743 Volume II, Parte II,, Entrevista 9, p. 2.

744 Id.

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“TAPEÇARIA” __de artistas contemporâneos, no Museu Nacional do Traje.

E, porque não?

Percorrendo o Museu, no andar nobre do Palácio setecentista, poderá o visitante estabelecer o diálogo

com as peças de duas Exposições “Tapeçaria” e “300 Anos de Traje”, peças de hoje e de ontem.

Em comum (talvez apenas) a partida inicial __ o elemento humano trabalhando no tear a matéria têxtil.

No entanto, a tapeçaria contemporânea deixou-se invadir por materiais não têxteis abandonando por vezes

o tear.

Distancia-se de si própria ou afirma-se como tal?745

Gisella e outras pessoas do Grupo participaram nas Bienais de Vila Nova de Cerveira (II, III,

IV e V) (1980, 1982, 1984 e 1986), segundo Rafaela Zúquete, nestas bienais as peças de Gisella

Santi, bem como, as das pessoas que com ela aprendiam destacavam-se das tapeçarias dos

demais executantes: “As tapeçarias da Gisella e as tapeçarias das pessoas que trabalharam com

ela são completamente diferentes porque, aproveitam a linguagem/técnica da tapeçaria. Viu-se

desde início, logo na 1.ª ou 2.ª Bienal de Vila Nova de Cerveira ….”746

Os artistas do Grupo foram criando peças no formato minitêxtil (20x20 cm) e, em 1982,

fizeram a sua primeira exposição – Exposição Minitêxtil do Grupo 3.4.5. (Tapeçaria

Contemporânea Portuguesa) + Artistas Convidados. Do Grupo participaram dez pessoas – Ana

Isabel Miranda Rodrigues, Colette Villate, Gisella Santi, Lena Önnesjö Horta Lobo, Maria

Altina Martins, Maria Delfina Macedo, Maria Cândida Correia Marques, Maria do Carmo

Portela, Maria José Risques Pereira e Régine Nicole de La Teyssonière. Os artistas convidados

estiveram em número de treze – Ana Gonçalves, Ana Paula Silva Oliveira, Carmo Esteves,

E.M. Melo e Castro, Edith Sophie Hambül, Graça Pedroso, Helena Estanqueiro, Isabel

Laginhas, Isabel Magos, Isabel Quintino Cardoso, Maria Cristina Gomes Maldonado, Nazaré

Ferreira e Orenzio Santi747

.

Em 1984 e 1985, o Grupo levou o seu trabalho à Alemanha (Heidelberg e Bona), nos dois

anos seguintes, o Grupo organizou o seu maior número de exposições anuais, no total de sete,

em 1986 foram três e em 1987 foram quatro, uma dessas, dedicada ao Minitêxtil, onde Maria do

Carmo Pereira Dias (a Secretária do Grupo) e Maria José Corrêa da Silva, participaram como

convidadas748

.

A apresentação da documentação (catálogos e folhetos) correspondente a esta descrição

encontra-se, na sua maioria, no capítulo anterior na Linha Cronológica (1975-1985) (Fig. 80),

os restantes dois anos, encontram-se no subponto seguinte na Linha Cronológica (1986-1996)

(Fig. 93).

745 BRANDÃO, Ana Maria – Tapeçaria de artistas contemporâneos no Museu Nacional do Traje. Lisboa : Museu Nacional do Traje, 1983.

746 Volume II, Parte II, Entrevista 16, p. 7.

747 GRUPO 3.4.5. TAPEÇARIA CONTEMPORÂNEA PORTUGUESA

– I.ª Exposição Minitextil do Grupo 3.4.5. (Tapeçaria Contemporânea

Portuguesa). Lisboa : Grupo 3.4.5., 1982, p. 1.

748 GRUPO 3.4.5. TAPEÇARIA CONTEMPORÂNEA PORTUGUESA – III.ª Exposição Minitextil do Grupo 3.4.5. Tapeçaria Contemporânea

Portuguesa. 1987. Acessível na Biblioteca da Fundação Calouste Gulbenkian, p. 2.

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Apresentam-se tapeçarias (5) de artistas tapeceiros que connosco colaboram e uma de

Gisella Santi. À exceção da peça de Teresa Pavão, todas, foram realizadas nesta fase da vida do

Grupo (1978-1987), escolheu-se esta peça de Teresa porque se considera, igualmente,

emblemática da época em que a Tapeçaria Contemporânea Portuguesa foi muito influenciada

pelas “tapeçarias selvagens” apresentadas nas Bienais de Lausanne nas décadas de 1960 e 1970.

Fig. 82 – Maria Altina Martins, Diamante, 1980, Coleção Particular (Teresa Dias Coelho)749, peça que integrou as

Exposições 102 Salon de L`Union des Femmes (1986) e Tapeçaria Contemporânea Portuguesa: Exposição Coletiva

(1997); Fig. 83 – Lena Önnejö Horta Lobo, Floresta Minha, 1984, Exposições Ausstellung über zeitgenössische

portugiesische tapisserie der Gruppe 3.4.5. (1985), 10.º Aniversário (1989), UR – Trilogia de Mundos, 2015/2016,

Museu Guy Fino, Portalegre, fotografia tirada e cedida por Luís Alves Dias; Fig. 84 – Teresa Segurado Pavão,

Santuário, 1989, 70x20x54 cm, MNTr, Lisboa; Fig. 85 – Mizette Nielsen, objeto que integrou a Exposição

Itinerante de Tapeçaria Contemporânea Portuguesa (1980-1982); Fig. 86 – Maria Delfina Macedo, Pirâmide, 1981,

peça que integrou a exposição Tapeçaria – de artistas contemporâneos no Museu Nacional do Traje (1983); Fig. 87

– Gisella Santi, Sete Bolsas, 1984, lã e sisal utilizando várias técnicas de tecelagem, integrou as Exposições, Gisella

Santi, Tapeçarias (1984), Colectiva de Cêramica e Tapeçaria (1987), 1.ª Bienal de Tapeçaria (1988), Henrique, O

Navegador: Tapeçarias de Gisella Santi (1994).

Durante a década de 1980, à cidade de Lisboa, além de Tapeçaria Contemporânea do Grupo

3.4.5., chegou também o trabalho de artistas suíços (1981) e de artistas polacos (1984).

Tapeçarias Suíças, Artistas de Hoje, foi uma exposição organizada pelo Grupo de Tapeceiros

Romandos (1967) cuja primeira exposição saiu, em 1977, numa itinerância que se prolongou até

749 http://altinamartins-textileart.com/entrelinhas.htm

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1980. Depois de ter passado por catorze países europeus (incluindo países da Europa de

Leste)750

, em 1981, chegou a Lisboa onde foi acolhida pela FCG. Itinerância que também se

constituiu num concurso e numa homenagem à artista Elsi Giauque (1900-1989)751

. «As suas

primeiras estruturas têxteis tridimensionais foram realizadas em 1945: “Transparência”

(400x160 cm), elemento suspenso criado com o auxílio de uma técnica mista de nós de madeira

e de linho preto.»752

Elsi é considerada a pioneira e percursora da nova tapeçaria espacial.

Desejosos de prestar homenagem a Elsi Giauque, “dado o seu papel de pioneira na renovação da

tapeçaria, a nível nacional e internacional, os membros do GCLR e o júri pediram a esta artista que fazia

parte do júri, para estar presente na exposição com duas obras.

(...). (...), os nossos artistas tapeceiros testemunham grande vigor, que se manifesta nas mais variadas

técnicas, desde o alto-liço e baixo liço ao macramé, tricot, bordados e técnicas ditas mistas. Para além da

técnica é a fecundidade da inspiração que se afirma: tapeçaria a duas ou três dimensões, a invenção

desenvolve-se com uma rara mestria, aliando o gosto pelo monumental à procura do íntimo. Outra

preocupação quase geral, a composição particularmente elaborada, dá lugar ao ritmo, tanto de formas e de

cores, como dos espaços.753

Tapeçaria Polaca Contemporânea esteva na FCG em março e abril de 1984754

, exposição

visitada por alunos e professores da ESAA, Rafaela Zúquete deu-nos o seu testemunho:

“Lembro-me da exposição que veio da Polónia (1984), nós fomos com os meninos! Foi cá em

baixo na GB. Do que mais me lembro/me marcou foi a semelhança entre os tecidos polacos e os

tecidos portugueses – são quase iguais aos nossos.”755

Lena Horta Lobo e Maria Delfina Macedo756

referiram que a determinada altura (1987), uma

outra associada do Grupo fundou um outro espaço dedicado à arte têxtil. Nas palavras de

Susanna Sommariva, tecelã que aprendeu com Cristina Siopa e fez parte deste novo grupo

artístico: “Em Lisboa era a cooperativa e o resto eram as pessoas que estavam ligadas à

Gisella.”757

Lena deu-nos o nome da sua colega: «… Dália Lacerda Machado, uma arquiteta

membro do Grupo criou em 1987 um outro movimento – “Arte da Tapeçaria e do Têxtil”, da

qual eu também fiz parte durante um ano. Este “movimento” conforme apareceu, rapidamente

desapareceu.»758

750 Alemanha, Áustria, Bélgica, França, Grã-Bretanha, Hungria, Itália, Países Baixos, Polónia, Roménia, Suíça, Checoslováquia e Jugoslávia.

751Estudou na Escola de Artes e Ofícios de Zurique (1918-1922). Depois de ter feito uma série de viagens, voltou à escola para lecionar (1944 e

1955).

752 KUENZI, André – Uma Grande Senhora das Artes do Fio: Elsi Giauque. In FUNDAÇÃO CALOUSTE GULBENKIAN –“Tapeçarias Suíças:

Artistas de Hoje.” Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1981, p. 7.

753 BERGER, René – Notas sobre Uma Exposição. In “Tapeçarias Suíças – Artistas de Hoje.” Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1981, p. 5

754 Fundação Calouste Gulbenkian – Tapeçaria Polaca Contemporânea. Lisboa : Fundação Calouste Gulbenkian, 1984.

755 Volume II, Parte II, Entrevista 16, p. 6.

756 Volume II, Parte II, Entrevista 9, p. 1-2.

757 Volume II, Parte II, Entrevista 18, p. 2.

758 Volume II, Parte II, Entrevista 8, p. 1.

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De seguida apresenta-se um quadro onde se lê o nome das cooperantes de Arte da Tapeçaria

e do Têxtil (ATT).

Quadro IV – Integrantes da Cooperativa ATT759

Elegeu-se o aparecimento desta cooperativa artística para determinar o fim da primeira fase

da vida do Grupo 3.4.5. – Tapeçaria Contemporânea Portuguesa. De seguida apresenta-se o

quadro dos artistas que expuseram neste período inicial do Grupo 3.4.5..

Quadro V – Os Artistas da Fase Participação na Descentralização Cultural (1978-1987)760

759 Arte da Tapeçaria Num Novo Espaço. “Correio da Manhã”. (27 Jul. 1987) 15.

E Anexo II, Parte II, Entrevista 18, p. 1.

760 GRUPO 3.4.5. TAPEÇARIA CONTEMPORÂNEA PORTUGUESA – 10.º Aniversário. Lisboa : Grupo 3.4.5., 1989.

GRUPO 3.4.5. TAPEÇARIA CONTEMPORÃNEA PORTUGESA – Exposição de Tapeçaria Contemporânea Portuguesa. 1978. Acessível na Biblioteca da

Fundação Calouste Gulbenkian.

N.º NOME GRUPO

3.4.5.

1 Carmo Portela X

2 Cláudia Maria Lima (1956)

3 Dália Lacerda Machado X

4 Eveline Martin X

5 Graça Neves (1941) X

6 Ilidia Soares Lopes

7 Lena Őnnesjö Lobo X

8 Luz Pureza de Oliveira (1951)

9 Susanna Sommariva

10 Teresa Ribeiro

11 Teresa Segurado Pavão X

N.º ARTISTA PART. 1.ª

EXP.

COOP.

ARA

COOP.

ATT

1 Ana Isabel Miranda Rodrigues X X

2 Beatriz Martins

3 Carmo Portela (1949) X

4 Colette Villate X

5 Dália Lacerda Machado (1950) X

6 Dora Condessa (1938)

7 Edith Sophie Ambühl (1947)

8 Eveline Martin (1948) X

9 Fátima Tátá

10 Gisella Santi X X

11 Graça Neves X

12 Hedvig Louise Hallén (1937-1995)

13 Lena Őnnesjö Horta Lobo X

14 Liliane Lucarelli

15 Luana Morakis

16 Maria Altina Martins

17 Maria Cândida Correia Marques (1939-2014) X

18 Maria Delfina Macedo X

19 Maria José Mateus (1923)

20 Maria José Risques Pereira X X

21 Maria Luísa Costa X

22 Maria Luz Cano (1944)

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2.2. Afirmação da Tapeçaria Contemporânea Portuguesa (1988-1996)

A denominação deste movimento artístico alterou-se, juntando-se-lhe a palavra Associação,

tendo ficado – Grupo 3.4.5. – Associação de Tapeçaria Contemporânea Portuguesa.

Esta segunda fase da vida do Grupo é também caracterizada por alguns dos associados do

Grupo 3.4.5. se terem autonomizado do Ateliê da Infante Santo. Lena Horta Lobo contou assim:

Em 1987 houve artistas do Grupo 3.4.5. que saíram para trabalhar nos seus próprios ateliês, o que foi

o meu caso. Foi um processo de evolução e algumas artistas realizaram as suas exposições individuais.

Mesmo assim, continuávamos a expor juntos em exposições coletivas do Grupo 3.4.5. 761

Alves Dias caracterizou estes anos de, anos de muito trabalho o que classifica de muito bom.

Às vezes, apareciam os convites de determinadas entidades para expor, p. ex., o convite de Museu

Nogueira da Silva em Braga onde fiz uma exposição individual. Outras vezes, éramos nós que nos

propúnhamos e, as pessoas pediam-nos para enviar o currículo junto com um catálogo ou outro e, depois,

decidiam e, convidavam-nos ou não!

As Câmaras não nos convidavam mas, entrando em contato, praticamente, todas aceitavam porque, já

havia uma abertura a nível cultural. A certa altura, à volta de 1990, todas as Câmaras Municipais queriam

ter um espaço cultural onde faziam exposições. 762

Há duas autarquias que se destacam no acolhimento da Tapeçaria Contemporânea,

Matosinhos e Loures. A primeira organizou a I Bienal de Tapeçaria (1988) e a segunda,

organizou Simpósios de Tapeçaria Contemporânea (1991, 1993 e 1996). Eventos em que os

associados do Grupo 3.4.5. tiveram relevante participação.

Em Matosinhos, a I Bienal de Tapeçaria, inaugurou no dia 23 de outubro e manteve-se até

ao dia 22 de Novembro de 1988. A montagem desta exposição esteve a cargo do Prof. Escultor

Manuel Dias e dos Serviços da Galeria de Arte Múltiplo de Espinho, da Senhora D. Fernanda

Fortunato e dos Serviços da Manufactura de Tapeçarias de Portalegre. Esta Bienal que se

constituía, também, num concurso, ofereceu uma viagem histórica, desde o século XV à

atualidade de então (1988). Viagem que se repartia por três grandes núcleos. O primeiro pode

designar-se de memória, núcleo onde figuravam duas tapeçarias da época Dourada da

Tapeçaria (séculos XV e XVI) ainda outras do século XVIII. No segundo grande grupo

apresentado, estavam tapeçarias que tinham sido tecidas pela MTP a partir de cartões de

pintores portugueses de tendências modernistas, neo-realistas e surrealistas (Almada Negreiros,

761 Volume II, Parte II, Entrevista 8, p. 1.

762 Volume II, Parte II, Entrevista 24, p. 4.

23 Mizette Nielsen X X

24 Nicole Rathey X

25 Regine de La Teyssonniére

26 Teresa Segurado-Pavão X

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Amândio Silva, Carlos Botelho, Eduardo Nery, Lourdes Castro, Manuel Cargaleiro, Cruzeiro

Seixas, Guilherme Camarinha, Júlio Pomar e Vieira da Silva). No terceiro e último núcleo –

Tempo Presente –, segundo designação do catálogo, figuraram os objetos selecionados no

concurso que contou com oitenta e oito obras. As sessenta obras em exposição pertenciam a

quarenta e dois artistas, uns portugueses e outros radicados em Portugal.

O júri desta Bienal (Alfredo Barros, Amândio Silva, Júlio Resende, Joaquim Matos Chaves,

Joana Santinho, Gisella Santi, e Guilherme Camarinha) atribuiu, em três categorias distintas,

seis prémios no valor total de um milhão quinhentos e cinquenta mil escudos ($1550.000 – 1550

contos)763

. O Grande Prémio da Tapeçaria Cidade de Matosinhos ($500.000) foi dado ao Mestre

Guilherme Camarinha pelo conjunto da sua obra e pelo valor histórico a esse atribuído. As

obras Encontros e Objecto Têxtil Espacial trouxeram à Mestra Gisella Santi o Primeiro Prémio

da I Bienal Nacional de Tapeçaria ($400.000), o Segundo Prémio da I Bienal Nacional de

Tapeçaria ($250.000) foi arrecadado por Margarida Reis com a peça Arachnê e o Terceiro

Prémio da I Bienal Nacional de Tapeçaria ($150.000), foi atribuído ex-aequo a Maria José

Mateus pela obra Quadrifonia em 5x7 e a Rosa Godinho com a peça Sem Titulo. A terceira

categoria de prémios atribuídos designou-se de Prémio Revelação da I Bienal de Tapeçaria

($100.000) e foi para Susanna Sommariva, que tinha levado a este concurso a sua tecelagem

Descanso.

Participaram neste pioneiro e importante evento para a tapeçaria contemporânea portuguesa

dez elementos que pertenciam ao Grupo 3.4.5., ainda que, dois destes elementos foram

premiados (Gisella Santi e Maria José Mateus)764

. A partir das conversas encetadas com Inês

Carrelhas, ficámos a saber que, embora nem a sua peça nem o seu nome figurem no catálogo, a

tapeceira participou neste encontro765

.

Quando apareceram na mesa de reunião propostas no sentido de premiar Mestre Guilherme

Camarinha, com o Grande Prémio de Tapeçaria, e Mestre Gisella Santi, com o 1.º Prémio da I Bienal

Nacional de Tapeçaria, ambos os artistas se opuseram com veemência dada a sua condição de membros

do júri. Tais protestos não demoveram, todavia, nem os proponentes nem os restantes membros do júri

pelo que as propostas foram aceites e tiveram vencimento. Num como noutro caso com a abstenção dos

artistas contemplados no acto da votação.766

Esta mostra de têxteis contemporâneos onde se encontravam tapeçarias que usavam a teia e a

trama em lã ou algodão para singelas passagens em tafetá como se encontravam peças em que a

763 Cerca de €7750.

764 CÂMARA MUNICIPAL DE MATOSINHOS – 1.ª Bienal Nacional de Tapeçaria: 22 de Outubro / 20 de Novembro 1988. Matosinhos :

Câmara Municipal de Matosinhos, 1988, p. 3-66.

765 Volume II, Parte II, Entrevista 22, p. 5.

766 JÚRI DA I BIENAL NACIONAL DE TAPEÇARIA – Acta da Reunião do Júri. In CAMARA MUNICIPAL DE MATOSINHO – “1.ª Bienal

Nacional de Tapeçaria: 22 de Outubro / 20 de Novembro 1988”. Matosinhos : Câmara Municipal de Matosinhos, 1988, p. 7.

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introdução de materiais menos convencionais obrigavam a que estas tapeçarias fossem

tridimensionais, ainda, objetos que embora têxteis, não recorriam às técnicas da tecelagem mas

sim às técnicas da confeção de vestuário – modelação, corte e costura. Esta pluralidade do que

se denominou de tapeçaria na I Bienal Nacional de Matosinhos, doze anos mais tarde, foi

definido, pelo júri constituído pela então Diretora do MNTr Madalena Braz Teixeira, pelo

Escultor Virgílio Domingues, pela Arquiteta Elsa Fino, pelo Assessor Técnico das Galeria

Municipais da Câmara Municipal de Loures Américo Silva e pelo representante do Presidente

da Câmara Municipal de Loures Dr. Armindo Alves como um dos critérios de seleção do 1.º

Encontro de Tapeçaria Contemporânea Portuguesa organizado pela Câmara Municipal de

Loures: «Entendimento do conceito de “Tapeçaria Contemporânea” como termo alargado à Arte

Têxtil” em geral.»767

Pedindo a Alves Dias que nos falasse de eventos que considerasse relevantes para a

Tapeçaria Contemporânea, a resposta recaiu em:

Loures! Essas Bienais…, são sempre importantes. Não se fazia nada em lado nenhum, nem mesmo

ao nível governamental, era só escultura e pintura, ao nível da tapeçaria era criativa até ao cartão depois,

era a manufatura de Portalegre.

(…).

Houve muita gente a concorrer nas bienais de Loures, mesmo com Minitêxtil, no II Simpósio houve

também uma exposição de Minitêxtil só para as pessoas do Grupo 3.4.5... Loures já tem um historial seria

muito importante recomeçar algo semelhante! 768

Mas, como o Município de Loures aqui chegou?

Depois de 1991, um dos elementos do Grupo de Gisella – Marieta Miguel (de Loures, da segunda

leva do Grupo) falou com o executivo da Câmara Municipal de Loures no sentido de se organizar uma

exposição de tapeçaria contemporânea. A Marieta e a Gisella foram pedir ao Museu/à DMBT os contatos

dos outros tapeceiros portugueses que não estavam no Grupo. A DMBT respondeu positivamente e, com

esses contatos organizaram-se as Bienais de Tapeçaria de Loures. Estas bienais foram extensíveis a

pessoas que, embora não trabalhando com tapeçaria faziam arte têxtil. Segundo a DMBT, esta troca de

informação foi muito boa porque para a tapeçaria e para a arte têxtil passou a haver outro pólo além de

Lisboa / Museu, passou a haver também o Município de Loures.769

Nestas Bienais houve muita participação, os artistas fizeram doações e a Câmara Municipal

de Loures (CML) fez aquisições. Segundo a Coordenadora da Área de Museus e Galerias da

CML – Dr.ª Conceição Macieira

767 CÂMARA MUNICIPAL DE LOURES – 1.º Encontro de Tapeçaria Contemporânea Portuguesa. Loures : Câmara Municipal de Loures / Departamento

Sociocultural, 2000, p. 5.

768 Volume II, Parte II, Entrevista 24, p. 5.

769 Volume II, Parte II, Entrevista 5, p. 2.

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TAPEÇARIA CONTEMPORÂNEA PORTUGUESA (1969-2002) Antecedentes e Protagonistas do Século XX

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… durante a década de 1990 houve aquisições e doações de arte em geral e de tapeçaria também. Com as

peças do acervo, há 2/3 anos, fizeram uma grande exposição. No acervo do município há tapeçarias de

Marieta Miguel (Humus) e de Teresa Oliveira.770

Fernanda Matos deu-nos nota de que, no âmbito das Bienais, houve exposições que

aconteceram no Centro Cultural Malaposta (CCM)771

, equipamento cultural que se localiza na

Rotunda do Senhor Roubado, território que desde 2001 faz parte do Concelho de Odivelas. Este

jovem município, continuou a acolher, igualmente, no Centro Cultural Malaposta Tapeçaria

Contemporânea – a exposição de Inês Carrelhas que esteve patente ao público entre os dias 3 e

31 de julho de 2003772

. Para Inês773

, houve outra exposição no CCM que foi importante –

Ecologia774

(Fig. 93) que se realizou de 22 de fevereiro a 4 de abril de 1996 (antecedeu o III

Simpósio de Tapeçaria). Segundo a artista plástica Manuela Justino:

Os Simpósios de Loures! Foram muito importantes, permitiram levar ao público tudo o que de melhor

se fazia em tapeçaria que tinha vindo a conquistar um espaço próprio. Também a realização de ateliês e

debates contribuíram para uma maior informação, valorizando a arte neste domínio.

Teve um número considerável de participantes, nacionais e estrangeiros.

O III Simpósio de Tapeçaria teve como tema o vinho e foi realizado numa adega Caves Velhas de

Bucelas inserida na festa dos vinhos e das vindimas. Esta iniciativa de Loures ajudou a desligar a

tapeçaria da pintura e fazê-la ganhar o seu espaço próprio.”775

De seguida apresenta-se um quadro com os participantes dos I e III Simpósios de Tapeçaria

Contemporânea.

Quadro VI – Participantes do I e III Simpósios de Tapeçaria Contemporânea776

N.º SIMPOSIOS DE TAPEÇARIA (LOURES)

1.º SIMPÓSIO (1991) 3.4.5. 3.º SIMPÓSIO (1996) 3.4.5.

1 Aida Barata Aida Barata

2 Alves Dias X Cândida do Rosário (1944) X

3 Ana Gonçalves (1957) Céu Vigário X

4 Carmo Portela X Cidália de Brito

5 Cidália de Brito (1944) Dália Almeida

6 Cristina Nogueira (1955) Dora Condessa X

7 Dália Almeida Gisella Santi X

8 Dora Condessa X Guida Fonseca X

9 Eduardo Pedroso (1941) Ilda Pombeiro (1950)

770 Volume II, Parte II, Entrevista 25, p. 2.

771Volume II, Parte II, Entrevista 27, p. 2.

772 ODIVELCULTUR – Tapeçaria: Inês Carrelhas, Centro Cultural Malaposta de 3 a 31 de Julho de 2003. 2003.

773 Volume II, Parte II, Entrevista 22, p. 5.

774 CÂMARA MUNICIPAL DE LOURES – Ecologia. Loures : Câmara Municipal de Loures, 1996.

775 Volume II, Parte II, Entrevista 10, p. 3-4.

776 CÂMARA MUNICIPAL DE LOURES – I Simpósio de Tapeçaria Contemporânea. Loures : Câmara Municipal de Loures / Divisão de

Património Cultural, 1991. CÂMARA MUNICIPAL DE LOURES – III Simpósio de Tapeçaria Contemporânea. Loures : Câmara Municipal de

Loures, 1996.

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10 Eveline Martin X Isabel Cosme (1958)

11 Gisella Santi X Manuela Justino

12 Graça Arima Maria José Mateus X

13 Graça Delgado Maria Luz Cano X

14 Graciete Rosa Rosa (1948) Marieta Miguel X

15 Gudy (1956) Ria (Rosa Trindade)

16 Guida Fonseca X Rosa Godinho

17 Hedvig Hallén X Sandra Feio (1974)

18 Helena Santos Sandrina Espiridão X

19 João Correia Sara Barriga (1974)

20 João Gromicho X

21 Kika Costa Campos (1952)

22 Lena Horta Lobo X

23 Manuela Justino

24 Maria Altina Martins X MINITÊXTIL GRUPO 3.4.5)

25 Maria Antónia Santos Céu Vigário X

26 Maria Cândida Marques X Dora Condessa X

27 Maria do Carmo Patrício (1941) X Gisella Santi X

28 Maria Delfina Macedo X Guida Fonseca X

29 Maria José Mateus X Isabel Albuquerque X

30 Mª José dos Reis Martins de Sousa (1957)

31 Maria Luísa Ferreira X

32 Maria Luz Cano X

33 Marieta Miguel X

34 Michaela Hoyler (1959)

35 Orenzio Santi

36 Pakita

37 Rita Chaby (1968)

38 Rosa Godinho (1955)

39 Teresa Oliveira (1939)

40 Zélia Barata (1931)

Quanto a instituições… Conheci, muito bem, a Madalena Braz Teixeira, era uma amiga, escreveu

para o catálogo da minha exposição (Ritos e Magias) … Passaram por lá (Museu do Traje) muitas e boas

exposições, da Gisella Santi, da Maria Altina e da Teresa Pavão, exposições de que gostei imenso.777

A “Diretora Amante da Tapeçaria”, usando palavras de Maria Altina Martins, no “seu

Museu”, entre 1977 e 2002, inaugurou sessenta e cinco exposições dedicadas à Arte Têxtil

destas, dezoito foram exposições individuais de artistas que faziam parte do Grupo 3.4.5.778

.

De imediato, apresenta-se a seleção de obras dos artistas que connosco conversaram sobre a

vida do Grupo e o trabalho realizado durante esta fase que se convencionou chamar de

Afirmação da Tapeçaria Contemporânea Portuguesa. A quantidade de exposições revelou-se

inferior face à fase anterior, contudo, o Grupo mostrou neste período uma maior maturidade,

tanto pelas exposições que empreendeu no estrangeiro por três continentes (África, Oceânia e

Ásia) como pelas participações nas importantes exposições coletivas em Portugal I Bienal de

Matosinhos e Simpósios de Tapeçaria Contemporânea, ainda, pelos objetos apresentados que se

777 Volume II, Parte II, Entrevista 24, p. 4.

778 Volume II, Parte III, Exposições que o Museu Nacional do Traje, ao longo de 31 anos (1977-2008) dedicou à Arte Têxtil Contemporânea

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TAPEÇARIA CONTEMPORÂNEA PORTUGUESA (1969-2002) Antecedentes e Protagonistas do Século XX

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libertaram da “estética das tapeçarias selvagens”, trazendo leveza e novidade à Tapeçaria

Contemporânea Portuguesa.

Fig. 88 – Manuel Alves Dias, Sol Poente, 1992, algodão, sisal, juta e linho, 170x130 cm, peça que integrou as

Exposições Ritos e Magias: Tapeçarias de Alves Dias no MNTr (1995), Tapeçaria Contemporânea Portuguesa

em Macau (1998) e UR – Trilogia de Mundos, 2015/2016, Museu Guy Fino, Portalegre, fotografia tirada e cedida

por Luís Alves Dias; Fig. 89 – Guida Fonseca, Requiem, 1998, 114x98 cm, peça que integrou as Exposições

Tapeçaria Contemporânea Portuguesa em Macau (1998) e UR – Trilogia de Mundos, 2015/2016, Museu Guy

Fino, Portalegre; Fig. 90 – Fernanda Matos, Árvore, 1994, linho e sisal, 110x140 cm, peça que integrou as

Exposições Tapeçaria Contemporânea Portuguesa: Grupo 3.4.5. – integrada nas Comemorações dos 500 anos da

chegada dos Portuguesas ao Senegal (1994) e Fernanda Matos: Tapeçaria (2014); Fig. 91 – Inês Carrelhas, Oferta

à Mestra: Alga de Mar, 1992, algodão e seda, 35x26x32 cm, Exposição Árvore de Terra e Mar no MNTr (1992),

Coleção Particular (Maria Flávia de Monsaraz); Fig. 92 – Gisella Santi, Cascata, 1993, 270x20x143 cm, linho em

técnica Gobelins, participou nas Exposições Henrique, O Navegador: Tapeçarias de Gisella Santi (1994),

Coletiva Tapeçaria: Artista Convidada Gisella Santi (1999) e Gisela Santi: Exposição Antológica integrada na

Contextile – Trienal de Arte Têxtil Contemporânea (2012).

Na página seguinte, apresenta-se a Linha Cronológica de Gisella Santi correspondente a

esta fase do Grupo 3.4.5. e dois anos (1986 e 1987), que têm correspondência com a fase

anterior (Participação na Descentralização Cultural).

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TAPEÇARIA CONTEMPORÂNEA PORTUGUESA (1969-2002) Antecedentes e Protagonistas do Século XX

182

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TAPEÇARIA CONTEMPORÂNEA PORTUGUESA (1969-2002) Antecedentes e Protagonistas do Século XX

183

De seguida apresenta-se um quadro que revela o número de participantes do 3.4.5. que

expuseram nesta segunda fase (27), registando-se dezassete novas entradas e, igualmente,

algumas desistências. Perfazendo o total de quarenta e três elementos que até àquela data (1996)

tinham feito parte do Grupo 3.4.5..

Quadro VII – Os Artistas da Fase Afirmação da Tapeçaria Contemporânea Portuguesa

(1988-1996)779

2.3. Do Grupo 3.4.5. e para Além do Grupo (1997-2002)

Os artistas do 3.4.5. continuavam a expor juntos, no discurso dos nossos entrevistados (Lena

Horta Lobo, Guida Fonseca, Manuel Alves Dias, Maria Delfina Macedo e Maria Altina

Martins) está explicito que continuavam a contar com a Mestra como líder, embora Gisella já

tivesse ultrapassado a barreira dos setenta anos (encontrava-se na terceira idade). O facto é que,

nos catálogos das exposições que aconteceram nesta fase já não se lê Grupo 3.4.5. – Associação

de Tapeçaria Contemporânea Portuguesa mas, apenas, Tapeçaria Contemporânea Portuguesa.

779GRUPO 3.4.5. TAPEÇARIA CONTEMPORÂNEA PORTUGUESA – 17.º Aniversário. Lisboa : Grupo 3.4.5., 1995.

GRUPO 3.4.5. TAPEÇARIA CONTEMPORÂNEA PORTUGUESA – 10.º Aniversário. Lisboa : Grupo 3.4.5., 1989.

N.º ARTISTA

PART.

FASE

ANT.

COOP.

ARA

COOP.

ATT

1 António Teixeira da Mota (1961)

2 Beatriz Barcelos Freitas (1945)

3 Cândida do Rosário (1944)

4 Carmo Pereira-Dias

5 Céu Vigário (1957)

6 Clara Assis (1961)

7 Cristina Nogueira (1955)

8 Dora Condessa X

9 Eveline Martin X

10 Fernanda Matos

11 Gisella Santi X X

12 Guida Fonseca

13 Hedvig Louise Hallén X

14 Inês Carrelhas

15 Inge Koch (1936)

16 Lena Önnesjö Horta Lobo X X

17 Manuel Alves Dias

18 Maria Altina Martins X

19 Maria Cândida Correia Marques X

20 Maria Delfina Macedo X

21 Maria Isabelie Abecassis

22 Maria Luísa Ferreira (1949)

23 Maria Luz do Cano X

24 Maria João Gromicho (1956)

25 Maria José Mateus (1923) X

26 Marieta Palma Miguel

27 Sandrina Espiridão (1968)

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TAPEÇARIA CONTEMPORÂNEA PORTUGUESA (1969-2002) Antecedentes e Protagonistas do Século XX

184

Gisella Santi empenhou-se na obtenção do reconhecimento institucional da sua obra e, em

geral, da Tapeçaria Contemporânea Portuguesa. Guida Fonseca contou-nos assim:

A Gisella tentou criar um espaço em Lisboa para expor e ensinar tapeçaria. Quando percebeu que isso

poderia não acontecer, “virou-se para Castelo Branco.”

Houve uma exposição, algumas das obras, os artistas doaram para esse futuro Museu. Eu não deixei a

minha porque precisei dela... 780

Sobre o assunto Madalena Braz Teixeira informou-nos que

… em Castelo Branco houve a ideia de fazer um Museu – têm as colchas e queriam fazer um Museu de

Tapeçaria, Portalegre tem um Museu de Tapeçaria e Castelo Branco também gostaria de ter.

Por a mesma altura em que havia este interesse, a Gisella criou outra associação que não chegou a ter

atividade. Até se contatou a Câmara Municipal de Lisboa por causa de um edifício no Lumiar – Largo

Júlio de Castilho (onde fica o MNTr) para lá criar um Núcleo de Tapeçaria Experimental. A resposta por

parte da Câmara era de que sim mas, nunca deu continuidade aos pedidos. A DMBT, não conhece os

motivos porque não houve interesse por parte da Câmara Municipal de Lisboa neste projeto de Gisella

Santi781.

A Flexibilidade quanto à utilização do Ateliê da Infante Santo estendia-se também à

participação nas exposições. Ao longo destes vinte e quatro anos, vários artistas (18) que

trabalhavam com têxtil – Aida Barata, Ana Gonçalves, Ana Paula Oliveira, Carmo Esteves,

Carmo Pereira Dias, E. M. de Melo e Castro, Graciete Rosa Rosa, Helena Estanqueiro, Helena

Lapas, Helena Santos, Isabel Cardoso, Isabel Laginhas, Isabel Magos, Maria Cristina Cortes

Maldonado, Maria Corrêa da Silva, Manuela Justino, Nazaré Ferreira, Orenzio Santi – foram

sendo convidados a expor com o Grupo, nesta ultima fase em estudo, essa foi mesmo uma das

características. Em oito das exposições atribuídas ao Grupo, quatro contam com obras de

artistas que não faziam parte – a Exposição de Tapeçaria Contemporânea Portuguesa em

Macau (1998) (Aida Barata, Helena Lapas e Helena Santos)782

; a Exposição Colectiva

Tapeçaria: Artista Convidada Gisella Santi em Almada (1999) (Aida Barata, Helena Lapas,

Helena Santos)783

; a Exposição Itinerante Tapeçaria Contemporânea: Colecção Privada do

Museu de Tapeçaria (2001). Nesta última, a Linha Cronológica 1997-2005 (Fig. 94) assinala

um catálogo e no Mapa de Portugal (Fig. 96,) estão assinaladas duas exposições, uma em

Idanha-a-Nova no Centro Cultural Raiano, inaugurada a 5 de agosto de 2001784

e a outra em

780 Volume II, Parte II, Entrevista 2, p. 5.

781 Volume II, Parte II, Entrevista 5, p. 4.

782 INSTITUTO CULTURAL DE MACAU – Exposição de Tapeçaria Contemporânea Portuguesa. Macau : Instituto Cultural de Macau, 1998.

783 CÂMARA MUNICIPAL DE ALMADA – Exposição Colectiva Tapeçaria, Artista Convidada Gisella Santi. Almada : Câmara Municipal de

Almada / casa da Cerca – Centro de Arte Contemporânea, 1999. ISBN 972-8392-59-1

784 CONVITE COLECTIVO DE TAPEÇARIA CONTEMPORÂNEA - A Colecção Privada do Museu de Tapeçaria do Instituto Politécnico de

Castelo Branco. 2001. Acessível no Instituto Politécnico de Castelo Branco.

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TAPEÇARIA CONTEMPORÂNEA PORTUGUESA (1969-2002) Antecedentes e Protagonistas do Século XX

185

Castelo Branco na Sala da Nora do Cine Teatro Avenida, inaugurada a 28 de fevereiro de

2002785

, esta itinerância de Tapeçaria Contemporânea contou com peças de vinte e sete artistas

plásticos, muitas destas pessoas ligadas ao Grupo 3.4.5.. 786

Os eventos realizados pela CML, nesta fase, não tiveram menos importância que os

realizados na fase anterior (1991, 1993 e 1996) e de novo, encontramos a presença de artistas do

Grupo 3.4.5..

Quadro VIII – Participantes no III Simpósio e no I Encontro de Tapeçaria

Contemporânea787

De seguida apresenta-se a Linha Cronológica de Gisella Santi que coincide (na totalidade)

com esta fase da vida do Grupo 3.4.5..

785 http://historico.ensino.eu/2002/fev2002/politecnico1.html

786 INSTITUTO POLITÉCNICO DE CASTELO BRANCO – Exposição Itinerante Tapeçaria Contemporânea: Colecção Privada do Museu de

Tapeçaria. Castelo Branco : Instituto Politécnico de Castelo Branco, 2001, p. 3.

787 CÂMARA MUNICIPAL DE LOURES – IV Simpósio de Tapeçaria Contemporânea. Loures : Câmara Municipal de Loures / Departamento

Socio-Cultural / Divisão Dinamização Comunitária, 1998.

CÂMARA MUNICIPAL DE LOURES – 1.º Encontro de Tapeçaria Contemporânea Portuguesa. Loures : Câmara Municipal de Loures /

Departamento Sociocultural, 2000. D.L. 158587/00.

N.º

TAPEÇARIA CONTEMPORÂNEA NO MUNICIPIO DE LOURES

4.º SIMPÓSIO (1998) 3.4.5. I ENCONTRO (2000) 3.4.5.

1 Aida Barata Aida Barata

2 Anabela Carrilho Ferreira (1967) Alves Dias X

3 Braga Miranda (1965) Ana Henriques (1973)

4 Catarina Leal Cândida do Rosário X

5 Ghyslaine Fritz X Catarina Saraiva (1973)

6 Gisella Santi X Cidália de Brito

7 Guida Fonseca X Clara Lopes Ribeiro (1961)

8 Helena Fernandes Franklin Moreira Pereira (1957)

9 Helena Lapas Ghyslaine Fritz X

10 Helena Leiria Gisella Santi X

11 Helena Loermans Guida Fonseca X

12 Isabel Cosme Graça Delgado

13 Lena Önnesjö Horta Lobo X Helena Loermans

14 Manuela Justino Helena Lapas

15 Maria Garnel Inês Carrelhas X

16 Maria José Mateus X Lena Horta Lobo X

17 Mechthild Stube Luz Valente-Pereira

18 Ria (Rosa Trindade) Maria Bela Garnel

19 Valérie Correia Marieta Miguel X

20 Maria Cândida Marques) X

21 Maria Elizabete Rosado Martingo (1972)

22 Maria José Pires (1956)

23 Rolando Pinheiro (1947)

24 Soraya Vasconcelos (1977)

25 Tânia Almeida Pardal (1978)

26 Valérie Correia (1962)

27 Zé Ventura (Mª José Ventura) (1956)

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TAPEÇARIA CONTEMPORÂNEA PORTUGUESA (1969-2002) Antecedentes e Protagonistas do Século XX

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TAPEÇARIA CONTEMPORÂNEA PORTUGUESA (1969-2002) Antecedentes e Protagonistas do Século XX

187

De seguida, apresenta-se um quadro com os nomes (13) que fizeram parte das exposições

desta terceira fase. Destas pessoas, dez vinham das fases anteriores, houve três novas entradas.

Através da pesquisa efetuada, confirmaram-se quarenta e seis presenças no Grupo 3.4.5., ao

longo das fases em que subdividimos a existência deste movimento cultural.

Quadro IX – Os Artistas da Fase Do Grupo 3.4.5. e para Além do Grupo (1997-2000)788

2.4. Itinerários da Tapeçaria Contemporânea Portuguesa

De seguida apresenta-se o mapa-mundo e o mapa de Portugal, assinalando as exposições de

Tapeçaria Contemporânea Portuguesa que aconteceram entre 1978 e 2005. Estas exposições

repartem-se por duas categorias – as apresentações do Grupo 3.4.5. – Tapeçaria

Contemporânea Portuguesa (1978-2002) e outras coletivas em que Gisella Santi participou

(1978-2005). Este mapeamento surge de acordo com as três fases encontradas: Participação na

Descentralização Cultural (1978-1987) (azul); Afirmação da Tapeçaria Contemporânea

Portuguesa (1988-1996) (bordeaux); Do Grupo 3.4.5. e para Além do Grupo (1997-2002)

(amarelo).

788

INSTITUTO CULTURAL DE MACAU – Exposição de Tapeçaria Contemporânea Portuguesa. Macau : Instituto Cultural de Macau, 1998.

MUSEU DO TRABALHO MICHEL GIACOMETTI – Tapeçaria Contemporânea Portuguesa. Setúbal : Câmara Municipal, 2000.

N.º ARTISTA PART.

1.ª FASE

PART.

2.ª FASE

PART.

3.ª FASE

1 Céu Vigário (1957) X X

2 Gisella Santi X X X

3 Guida Fonseca X X

4 Isabel Albuquerque (1966) X

5 Lena Önnesjö Horta Lobo X X X

6 Manuel Alves Dias X X

7 Maria Altina Martins X X X

8 Maria Cândida Correia Marques X X X

9 Maria do Carmo Patrício X

10 Maria Delfina Macedo X X X

11 Maria José Mateus X X X

12 Sandrina Espiridão de Oliveira (1968) X X

13 Teresa Ogando (1953) X

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TAPEÇARIA CONTEMPORÂNEA PORTUGUESA (1969-2002) Antecedentes e Protagonistas do Século XX

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TAPEÇARIA CONTEMPORÂNEA PORTUGUESA (1969-2002) Antecedentes e Protagonistas do Século XX

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TAPEÇARIA CONTEMPORÂNEA PORTUGUESA (1969-2002) Antecedentes e Protagonistas do Século XX

190

Quadro X – Exposições do 3.4.5. e de Gisella Santi (outras coletivas e individuais),

durante as três fases da vida do Grupo.

CATEGORIAS

FA

SE

S

TO

TA

L

EX

PO

SIÇ

ÕE

S PORTUGAL ESTRANGEIRO

TO

TA

L

CA

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DE

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OR

T.

EU

RO

PA

ÁS

IA

ÁF

RIC

A

OC

EA

NIA

GRUPO 3.4.5.

1.ª 27 7 3 15 2 0 0 0

54 2.ª 19 4 7 5 1 0 1 1

3.ª 8 0 0 7 0 1 0 0

GISELLA

SANTI

(OUTRAS)

COLET.

1.ª 23 8 4 6 5 0 0 0

35 2.ª 6 0 5 1 0 0 0 0

3.ª 6 1 3 2 0 0 0 0

INDIVID.

1.ª 2 1 1 0 0 0 0 0

12 2.ª 6 2 0 4 0 0 0 0

3.ª 4 1 2 1 0 0 0 0

TOTAIS 9 101 23 24 43 8 1 1 1 101

Ao longo de vinte e quatro anos, O Grupo 3.4.5. organizou e participou em cinquenta e

quatro exposições que se repartiram pelas três fases encontradas – Participação na

Descentralização Cultural (1978-1987), Afirmação da Tapeçaria Contemporânea Portuguesa

(1988-1996) e Do Grupo 3.4.5. e para Além do Grupo (1997-2002). Na primeira encontramos

vinte e sete exposições destacando-se as quinze por todo o país (Braga, Porto, Figueira da Foz,

Coimbra, Castelo Branco, Nisa, Caldas da Rainha, Abrantes, Estremoz, 3 em Évora, Setúbal,

Beja e Faro), além das dez que aconteceram no distrito de Lisboa (Alverca, Sacavém, Estoril e

lisboa), dessas, sete aconteceram na cidade de Lisboa, quanto ao estrangeiro, houve duas na

Europa (Alemanha – Heidelberg e Bona). Na segunda fase, encontramos dezanove exposições,

destacando-se as onze no distrito de Lisboa (Lisboa, Estoril, Cascais, Parede, Amadora e três

em Loures) sendo que, quatro foram em Lisboa, em Outras Localidades Portuguesas houve

cinco (Condeixa, Santarém, Setúbal, Tavira e Faro) é de realçar ainda que, esta fase

correspondeu à grande internacionalização do Grupo que, com três exposições, foi a três

continentes, na Europa a França/Menton, na África ao Senegal/Dakar e na Oceânia à

Austrália/Melbourne. Na última das fases em estudo registam-se oito exposições, em Portugal

estão em número de sete (Covilhã, Idanha-a-nova, Tomar, Almada, Setúbal e duas em Castelo

Branco), a grande diferença das anteriores fases é de que não se regista qualquer exposição em

Lisboa ou no distrito de Lisboa, quanto ao estrangeiro, o Grupo levando três convidadas, foi à

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TAPEÇARIA CONTEMPORÂNEA PORTUGUESA (1969-2002) Antecedentes e Protagonistas do Século XX

191

Ásia a Macau789

, na época território português, a partir da madrugada de 20 de dezembro de

1999, território (de novo) chinês.

No mesmo período temporal, Gisella Santi participou ainda em mais trinta e cinco

exposições coletivas e doze individuais. Quanto às primeiras, na primeira fase foram vinte e

três, destas dezoito aconteceram em Portugal – oito em Lisboa, quatro noutras localidades do

distrito de lisboa (Amadora, Estoril e Cascais) e seis por Outras Localidades Portuguesas (4 em

Vila Nova da Cerveira), as restantes cinco exposições, aconteceram no estrangeiro, ainda no

continente europeu – Genéve, Lódz, Milão Paris e Bordéus. Na segunda fase, apenas

encontramos seis exposições, cinco em Outros Municípios do Distrito de Lisboa (2 em Loures,

2 em Cascais e Vila Franca de Xira) e uma em Outras Localidades (Matosinhos). Na terceira

fase, o número total de exposições é de seis, uma em Lisboa, três em Outros Municípios do

Distrito de Lisboa (Loures) e outras duas em Outras Localidades (Penamacor e Castelo

Branco).

Quanto às exposições individuais, Gisella Santi participou em doze, ao contrário do que

aconteceu nas outras categorias, foi na segunda fase que mais exposições empreendeu, duas em

Lisboa e quatro em Outras Localidades (Rio Maior, Porto, Aveiro e S. Mamede de Infesta). A

terceira fase vem a seguir com quatro exposições, uma em Lisboa, duas em Outros Municípios

no Distrito de Lisboa (Almada e Amadora) e uma em Outras Localidades (Castelo Branco). É

na primeira fase que há registo de menos exposições, apenas duas, uma em Lisboa e outra no

Estoril (Outros Municípios no Distrito de Lisboa). Exatamente o contrário do que se passou

com as categorias Grupo 3.4.5. e Gisella Santi/(Outras) Coletivas em que é, justamente, na

primeira fase que se registam o maior numero de exposições, vinte e sete e vinte e três

respetivamente.

Alguns participantes do Grupo 3.4.5. com quem falámos (Manuel Alves Dias, Fernanda

Matos e Maria Delfina Macedo) referiram que o ciclo de vida do Grupo tinha acabado no fim

do século passado início do novo milénio. Juntando a estes depoimentos a análise aos catálogos

das exposições definiu-se que, a data que encerra a terceira fase da vida Do Grupo 3.4.5. e para

Além do Grupo – é o ano de 2002. Contudo, chama-se a atenção de que, neste Quadro e no

Mapa de Portugal (Fig. 96) estão contempladas as duas ultimas exposições coletivas em que

Gisella Santi participou (2004 e 2005), dando atenção à afirmação do tapeceiro Alves Dias: “O

Grupo funcionou sempre, até à data em que a Gisella teve pessoas para colaborar com ela! “

790

Quem com Gisella colaborou, até ter ficado impossibilitada de trabalhar (quando foi para casa

do filho em 2005), foram Guida Fonseca e Maria José Mateus (1923), a ultima fazia parte do

789 INSTITUTO CULTURAL DE MACAU – Exposição de Tapeçaria Contemporânea Portuguesa. Macau : Instituto Cultural de Macau, 1998.

790 Volume II, Parte II, Entrevista 24, p. 6.

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TAPEÇARIA CONTEMPORÂNEA PORTUGUESA (1969-2002) Antecedentes e Protagonistas do Século XX

192

Grupo desde 1984791

. Olhadas deste modo, as três ultimas exposições coletivas – Sobral de

Monte Agraço (2004), Castelo Branco (2004) e Penamacor (2005) – que Gisella empreendeu

com Guida e Maria José poderiam, também, ser consideradas, igualmente, exposições do Grupo

3.4.5., prolongando por mais três anos este ciclo da vida do Grupo 3.4.5. – Associação de

Tapeçaria Contemporânea Portuguesa. Até porque, Madalena Braz Teixeira quando

interrogada sobre até quando Gisella Santi teve esta capacidade para impulsionar e dinamizar a

Tapeçaria Contemporânea Portuguesa respondeu-nos: «“Até ao fim!”»792

Fig. 97 – Ateliê da Infante Santo, década de 1980. Fotografia cedida por Lena Horta Lobo.

791 SOUSA, Ana Gonçalves de, FERRÃO Hugo e FERNANDES Paula (Coord.) – ArtLab UR: Trilogia de Mundos, Tapeçaria Contemporânea.

Lisboa : Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa e Câmara Municipal de Portalegre, 2015.. ISBN 978-989-8771-32-2, p. 72.

792 Volume II, Parte II, Entrevista 5, p. 2.

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TAPEÇARIA CONTEMPORÂNEA PORTUGUESA (1969-2002) Antecedentes e Protagonistas do Século XX

193

NOTA CONCLUSIVA

Perante o Paradigma da Complexidade

Perante a complexidade da informação reunida, durante a redação do texto final, muitas

vezes, percebemos que tínhamos de fazer opções, opções que significaram privilegiar uns

assuntos em detrimento de outros dado que estávamos limitados em tempo (o prazo limite para

a entrega desta dissertação – 29 de dezembro de 2015) e, de acordo com o Regulamento da

Universidade de Lisboa, no número de páginas. “Tomadas de decisão” que nos pedem que no

futuro se retome o tema.

Se partimos para esta investigação com umas inquietações – sobre as pessoas e as

instituições que protagonizaram a Tapeçaria Contemporânea Portuguesa – outras se levantaram,

nomeadamente, a confirmação de alguns factos, bem como, conhecer as histórias de vida de

muitos outras artistas que se vêem dedicando ao têxtil, uma vez que nesta dissertação, o grande

espaço biográfico foi dedicado a Maria Flávia de Monsaraz e a Gisella Santi em reconhecimento

do grande trabalho dedicado à Tapeçaria Contemporânea Portuguesa porque, tão grandes

embaixadoras da arte portuguesa do século XX merecem, sempre, ser lembradas. Mas, há

muitos outros artistas que usam o têxtil que também o merecem.

Lendo com alguma atenção as entrevistas, ficamos com vontade de interrogar e investigar

mais. A título de exemplo, aqui deixamos dois parágrafos da entrevista de Hugo Ferrão que se

referiu à tapeçaria enquanto aluno da ESAA e da ESBAL, ainda, como professor da FBAUL:

Enquanto aluno, nas Belas-Artes a minha frequência da unidade curricular de Tapeçaria é

muito influenciada não só pelo que aprendi na António Arroio mas também pelos

enquadramentos da antropologia e da sociologia da arte, bem como, pelos aspetos técnicos e

tecnológicos da tecelagem-tapeçaria. Os Estudos Tecnológicos da Pintura são constituídos por

cadeiras optativas que complementam a atividade projetual da Pintura. A unidade curricular de

Tapeçaria tem atualmente cerca de 40 alunos inscritos mas a sua média é de 25, e pode ser

escolhida como opção por todos os alunos das diferentes licenciaturas da Faculdade de Belas-

Artes ou de outras licenciaturas da Universidade de Lisboa.

Esta cadeira, que já tinha o estatuto de disciplina opcional, mas então apenas reservada aos

alunos da licenciatura de Pintura, antes da Reforma de Bolonha (2004-2006), tinha 9 horas

semanais, passou a ter 6 horas semanais. Era anual e tinha resultados notáveis, mas ao passar a

ser semestral teve os inevitáveis problemas de maior precaridade e superficialidade.793

Temos vontade de nos debruçar sobre as múltiplas questões relacionadas com o ensino /

aprendizagem da Tapeçaria Contemporânea Portuguesa que se prendem com os

estabelecimentos de ensino (formais e não formais), os conteúdos dos programas de escolas

artísticas, bem como dos cursos profissionais e outros.

793 Volume II, Parte II, p. 6.

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A escolha da realização de um estudo de matiz etnográfica deu-nos a possibilidade de

encontrar alguns dos sujeitos deste estudo e o enorme privilégio de contar com os seus valiosos

testemunhos. À partida, esta possibilidade de ficar “olhos nos olhos”, sem intermediários – sem

perdas de informação – é o sonho de qualquer investigador. Mas, na verdade, encontraram-se

uma série de dificuldades de nível prático, começando pela conjugação das agendas, as

distâncias geográficas que tivemos de percorrer, se houve muitas entrevistas realizadas na

cidade de Lisboa, outras houve que foram realizadas fora da cidade embora no mesmo distrito,

outras ainda em terras Alentejanas. A maior dificuldade prendeu-se com o facto de pedir a estas

pessoas que connosco colaboraram para irem às suas próprias memórias e delas fazermos as

transcrições. Estas entrevistas, na maior parte dos casos, exigiram vários encontros porque foi

sendo necessário fazer cruzamentos dos vários depoimentos e a distinta documentação coeva

que se foi recolhendo em variadíssimos locais. Trabalho que para além das competências

científicas, nos obrigou a recorrer às competências da inteligência emocional, uma vez que um

dos desafios foi o de ser capaz de criar empatia/laços de confiança com os nossos entrevistados.

Quanto à reunião da vasta documentação relativa à Tapeçaria Contemporânea Portuguesa

destacam-se os arquivos pessoais de alguns dos nossos entrevistados, a Biblioteca da Fundação

Calouste Gulbenkian, a Biblioteca Nacional, o Arquivo dos Serviços Académicos da Faculdade

de Belas Artes da Universidade de Lisboa, as Bibliotecas Municipais e outros Arquivos

Municipais, ainda em Arquivos do Ministério da Educação e Ciência. Esta recolha de

informação – reunião do disperso – exigiu um trabalho de sistematização rigoroso porque,

sentimos a responsabilidade de estar a contribuir para o estudo da Tapeçaria Contemporânea

Portuguesa que se trata de uma área muito pouco estudada. Pode dizer-se que ficámos diante de

uma cartografia da complexidade. Embora se tenha mostrado um trabalho difícil e moroso, é

também gratificante termos feito esta recolha de informação que traz dados tão relevantes,

tendo-se optado por sistematizar a informação em quadros, mapas, diagramas e em anexo ao

texto, as entrevistas na íntegra (Volume II). Foi nossa intenção contribuir para a construção de

um “chão” investigativo sólido no domínio das artes têxteis portuguesas que pode servir como

ponto de partida, para nós ou para outros investigadores que se interessem pelo assunto porque,

o avanço do conhecimento só é possível com a partilha.

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Em 2014 e 2015, participámos em atividades da FBAUL organizadas pela UC de Tapeçaria

que faz parte da licenciatura de Pintura. As Conferências Tapeçaria Contemporânea

Portuguesa – Figuras Fundadoras (25/11/2014) e nas Conferências da Primavera – Tapeçaria

Contemporânea com a comunicação Maria Flávia de Monsaraz: “A Tapeçaria foi uma coisa

que o Céu me deu…” (21/5/2015). Ainda nas exposições ARTLAB Protocolo Simbólico –

Tapeçaria Contemporânea UR, em maio de 2015, na Galeria da FBAUL e na exposição

ARTLAB – UR – Trilogia de Mundos: Tapeçaria Contemporânea, de outubro de 2015 a

fevereiro de 2016, no Museu de Tapeçaria de Portalegre – Guy Fino. Exposição que conta com

três núcleos: Primeiro Mundo (9 artistas do Grupo 3.4.5.); Segundo Mundo (colaboradores, ex-

alunos e Professores da FBAUL-8); Terceiro Mundo (11 alunos selecionados que frequentam a

UC Tapeçaria).

Momentos que se foram constituindo em investigação-ação, uma vez que se estava a

escrever e se contou com interlocutores para discutir dados da investigação e onde foi possível

perceber qual seria o modo mais atrativo para escrever alguns dos capítulos desta dissertação. A

organização da exposição que está patente em Portalegre abriu a possibilidade para a assinatura

de um Protocolo entre a FBAUL e a Câmara Municipal de Portalegre. Nesse âmbito, estamos a

reunir, regularmente, com os artistas do Grupo 3.4.5. cujo objectivo é a definição de linhas

orientadoras para trabalho colaborativo a desenvolver, o que vai implicar a utilização da nossa

pesquisa e a sua adaptação em diferentes âmbitos e contextos. Isto leva-nos a abordar uma outra

questão, embora se trate de um trabalho académico, os conteúdos dos textos que aqui se

apresentam, dado que este é um momento da história em que há um renovado interesse pelos

saberes tradicionais, poderão ser adaptados e publicados para os diferentes públicos.

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