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O fascinante mundo dos materiais

SupercondutoresNovas descobertas despertam interesse não só pelo potencialtecnológico, mas também pela contribuição que a compreensão dosmecanismos desses materiais poderátrazer no campo da física básica

O fenômeno da supercondutividade foi descoberto em1911 por Kammerlingh Onnes, em Leiden, Holanda. Ele

foi o primeiro a conseguir a liquefação do gás hélio, queacontece em 4,2 K (aproximadamente -268 °C). Onnes estavapesquisando as propriedades de diversos metais em tem-peraturas extremamente baixas, colocando o material nobanho de hélio líqüido. A descoberta da supercondutividadeaconteceu por acaso, quando, em um desses experimentos,Onnes observou que a resistência do metal mercúrio caíainesperadamente a zero perto da temperatura de 4 K. Com essadescoberta, uma nova classe de condutores foi desenvolvida:os materiais supercondutores. A supercondutividade seconverteria assim em um dos fenômenos físicos mais fasci-nantes e desafiadores do século XX. Kammerlingh Onnes ga-nhou o Prêmio Nobel de Física em 1913.

Supercondutores

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Até pouco mais de uma década atrás, a su-percondutividade ocorria apenas em tem-peraturas muito baixas, da ordem de 25 K (ou-248 °C). Entretanto, a descoberta de novosmateriais supercondutores, como os óxidoscerâmicos, os fullerenos, os borocarbetos e ocomposto intermetálico MgB2, tem despertadoum enorme interesse na comunidade científicamundial, em razão do seu potencial tecno-lógico em termos de dispositivos (máquinas,sensores, detectores etc.) e pela contribuiçãoque a compreensão dos seus mecanismospoderá trazer no campo da física básica.

Um material supercondutor é aquele queapresenta, simultaneamente, duas proprie-dades: baixíssima (quase nula) resistência àpassagem de corrente elétrica e diamag-netismo perfeito.

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Um supercondutor apresenta resistência nula(curva R x T vai para zero na temperaturacrítica) e diamagnetismo perfeito (indicadopela seta) denominado de efeito Meissner.Para T > TC, o material está no estado normale o campo magnético penetracompletamente. Para T < TC, o material estáno estado supercondutor e o campomagnético é expulso do interior do material.

Esta última propriedade é definida como oestado em que acontece a expulsão do inte-rior do material (parcial ou completa) do campomagnético aplicado externamente. É conhecidacomo efeito Meissner-Hochsenfeld, ou, sim-plesmente, efeito Meissner. Quando o materialsupercondutor é esfriado, ele apresenta essasduas propriedades a partir da denominadatemperatura crítica (TC), na qual o materialtransiciona do estado normal para o estadosupercondutor. As diferentes aplicações dossupercondutores estão limitadas basicamentepelo valor de TC, pelo valor do campo crítico(HC) e pela densidade de corrente crítica (JC),definidos como os valores de campo e correnteque destroem o estado supercondutor quandoesfriado abaixo de TC. Esses três parâmetrosdefinem uma superfície tridimensional dentroda qual o material se encontrará no estadosupercondutor, e fora, no seu estado normal.

Em um condutor normal (isto é, nãosupercondutor), uma corrente elétrica diminuirapidamente devido à resistência do material àpassagem dessa corrente. Já os materiais super-condutores conduzem eletricidade compraticamente nenhuma resistência, nada da ener-gia elétrica é perdida quando ela flui através deum supercondutor. Assim, em um supercondutor,uma corrente continuaria a fluir para sempre, por-que nenhuma resistência lhe é oferecida. Porexemplo, as correntes induzidas em um anelsupercondutor persistem por muitos anos semdiminuírem, mesmo não havendo nenhumabateria alimentando o circuito.

Até 1986, todos os supercondutores conhecidoseram metais puros, ligas metálicas, compostosintermetálicos e semicondutores dopados, entreos quais a mais alta temperatura crítica eraassociada ao Nb3Ge (T

C = 23 K ou -250 °C). Esses

materiais são conhecidos como supercondutoresde baixa temperatura crítica, ou LTS (da sigla eminglês low-temperature superconductor). A partirSu

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Um materialsupercondutor éaquele que apresenta,simultaneamente, duaspropriedades:baixíssima resitência àpassagem de correnteelétrica ediamagnetismoperfeito

Superfície tridimensional definida pelasvariáveis temperatura (T), campo magnético(H) e densidade de corrente (J). Os círculosvermelhos mostram os valores críticos (H

C, J

C e

TC) que definem a região dentro da qual o

material permanece supercondutor. Fora dessasuperfície o material estará no seu estadonormal.

daquele ano, a evolução do valor deTC mostra uma variação abrupta,em função da descoberta, realizadapor Bednorz e Müller nos labo-ratórios da IBM em Zurique (Suíça),dos supercondutores a base deLantano, La2-xBaxCuO4. Essesmateriais são conhecidos comosupercondutores de alta tem-peratura crítica, ou HTS (da sigla doinglês high-temperature supercon-ductor). Esses pesquisadores ob-tiveram, naquele mesmo ano, oPrêmio Nobel de Física por essa fantástica descoberta.

Embora a primeira interpretação da super-condutividade como sendo um fenômeno quân-tico tenha sido introduzida pelos irmãos Hans eFritz London em 1934, foi a teoria de Ginzburg-Landau formulada em 1950 que forneceu umenorme volume de informação em relação aosmecanismos responsáveis pela supercon-dutividade. Essa teoria baseou-se na introduçãode um parâmetro dependente da posição queseria uma medida da ordem dos portadores noestado supercondutor (entendemos como por-tadores aquelas partículas responsáveis pelotransporte de carga no material). Esse parâmetropode ser considerado como uma onda que éassociada aos portadores supercondutores. Assim,uma única onda é associada com um número ma-croscópico de elétrons que consideramoscondensados (isto é, formando os portadores super-condutores) no mesmo estado quântico. Istosignifica que o estado supercondutor pode ser vistocomo um estado quântico macroscópico.

A interpretação microscópica da supercon-dutividade veio mais de duas décadas depois dedivulgada a primeira teoria fenomenológicaenunciada pelos irmãos London. Essa teoria mi-croscópica, conhecida como teoria BCS, foi formu-lada pelos físicos John Bardeen, Leon N. Cooper eJ. Robert Schrieffer em 1957, e lhes rendeu oPrêmio Nobel de Física de 1972. Um dos conceitosmais importantes da teoria BCS é aquele que iden-

tifica os portadores supercon-dutores como pares de elétrons(chamados de pares de Cooper).Nesse caso, dois elétrons (commomento e spin contrários) for-mam um par ligado através deuma interação com a rede cris-talina (fônon), com energia me-nor do que a que teriam se fos-sem independentes, dando lu-gar ao novo portador. A teoriaBCS explicava os fenômenosobservados até então e apa-rentemente respondia a todas

as questões relativas à supercondutividade. Entre-tanto, com a descoberta dos HTS, verificou-se queessa teoria não explicava a supercondutividadedesses materiais. Até o presente momento, não foi

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formulada uma teoria microscópica que expliqueo seu funcionamento.

Formas básicas de estudo

O estudo dos materiais supercondutores é realizadobasicamente através de técnicas de análise estruturale técnicas de determinação das propriedades físicas.Dentro do primeiro grupo, as mais comuns são: difraçãode raios X (DRX), microscopia eletrônica de varredura(MEV) e microscopia de força atômica (AFM). Já nosegundo grupo, são comumente utilizadas técnicaspara análise das propriedades eletrônicas, elétricas,magnéticas, térmicas, elásticas etc. Assim, são utilizadastécnicas como espectroscopia Raman, transporte,magnetometria, ultra-som etc. Esses experimentospodem utilizar plataformas variadas, adicionando umaou mais variáveis, como temperatura, campo mag-nético externo e radiação laser.

Uma poderosa técnica para o estudo de ma-teriais supercondutores é a simulação compu-tacional das suas propriedades, a partir da cons-trução de modelos teóricos. Um exemplo deaplicação dessa técnica é o estudo da resposta demateriais supercondutores ao campo magnéticoaplicado, a qual permite obter importantes parâ-metros, tais como o campo crítico e a densidadede corrente crítica. Em geral, todos os tratamentosteóricos desenvolvidos para esse tipo de problemaconsideram a amostra como tendo dimensõesinfinitas. Entretanto, quando consideramos amos-tras reais, ou seja, finitas, aparecem sérias com-plicações na interpretação dos resultados obtidos.Mesmo no caso de o campo magnético aplicadoser homogêneo e uniforme, a extração dos parâ-metros típicos do material a partir dos resultadosobtidos em amostras finitas não é simples.

Os denominados efeitos desmagnetizantes sãodiretamente responsáveis por essas dificuldades.Esses efeitos, que aparecem em amostras finitas,fazem com que o campo magnético dentro daamostra seja diferente do campo externo aplicado.Dependendo da geometria da amostra, a relaçãoentre os campos (interno e externo à amostra) é, emgeral, desconhecida. Dessa maneira, também serãoSu

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Evolução do valor da temperaturacrítica dos materiais supercondutoresdesde 1911; o gráfico mostra umavariação abrupta a partir dos materiaisdo tipo La2-xBaxCuO4 reportados porBednorz e Müller em 1986.

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desconhecidos os valores corretos dos parâmetros determinados apartir da resposta magnética da amostra, como TC, HC e JC. O valordos mesmos é determinado de maneira exata quando a amostra temgeometria elipsoidal e o campo magnético externo é paralelo a umdos seus eixos. Este é um problema real de enorme importância ediferentes modelos têm sido propostos para sua solução. Diversostrabalhos teóricos têm permitido obter significativos avanços no tra-tamento dos dados experimentais obtidos a partir da respostamagnética de amostras supercondutoras de geometria não-elipsoidal, como cilindros, filmes finos etc.

Aplicações

As aplicações tecnológicas dos materiais supercondutores estãorelacionadas basicamente com as quatro vantagens que eles têmsobre os condutores normais:

• conduzem eletricidade sem perda de energia, permitindo assimcriar mecanismos com rendimentos extraordinários;

• não dissipam calor, implicando na redução expressiva doscircuitos elétricos;

• têm grande capacidade de gerar campos magnéticos muitointensos;

• e podem ser usados para fabricar junções Josephson (quedescrevemos a seguir), as quais são chaves supercondutoras,semelhantes a transistores, que podem comutar cem vezes maisrápido que os mesmos.

As aplicações mais fascinantes dos supercondutores podem seragrupadas em dois tipos: pequena e grande escala. Muitas dessasaplicações estão relacionadas com equipamentos que utilizam al-tos valores de campo magnético. No primeiro grupo estão asaplicações em biomedicina, metrologia, geofísica, processamentodigital e dispositivos (sensores e detectores). No segundo grupo, ode aplicações em grande escala, encontramos magnetos multi-filamentares para diversas aplicações em física de altas energias,imagens por ressonância magnética (MRI), reatores de fusão nuclear,geradores de magnetohidrodinâmica (MHD), usinas de armazena-mento de energia e magnetos para separação magnética. Háimportantes aplicações sendo desenvolvidas em termos demáquinas, motores elétricos e cabos/linhas de transmissão.Entretanto, as aplicações da supercondutividade que maisestimulam a nossa imaginação com o seu fascínio são aquelasrelacionadas com veículos que levitam, como por exemplo o tremchamado de MAGLEV (da sigla em inglês magnetic levitation).

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O estudo dos materiaissupercondutores érealizado basicamenteatravés de técnicas deanálise estrutural e dedeterminação daspropriedades físicas

Biomedicina, geofísica,física de altas energias,imagens porressonância magnética,reatores de fusãonuclear e usinas dearmazenamento deenergia são alguns doscampos ondepodemos encontrar aaplicação desupercondutores

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Aplicações em grande escala

Em termos de intensidade de campo magnético, hoje é possívelfabricar magnetos enrolados com fio supercondutor que atingemcampos de até 60 T (teslas) operando no modo contínuo, e de até250 T no modo pulsado. Para termos uma idéia da magnituderelativa desses valores, é interessante lembrar que o campomagnético terrestre é da ordem de 5 x 10-5 T. A possibilidade decriar esses campos intensos permite as aplicações em grande escalamencionadas anteriormente.

Motores elétricos supercondutores eficientes poderiam serusados em uma nova classe de transportes terrestres e marítimos,dando lugar a uma nova geração de trens, carros e navios. Umexemplo disto é o MAGLEV anteriormente mencionado. O mesmoconsiste em um trem (ainda em fase de desenvolvimento deprotótipos) que alcança velocidades da ordem de 600 km/h. Os trensMAGLEV são mais rápidos que os convencionais (como o TGVfrancês) porque flutuam cerca de dez centímetros acima dos trilhos,em um "colchão magnético". Eliminando as rodas convencionais efazendo o trem flutuar, o atrito já não limita a velocidade. Nessecaso, apenas existiria o atrito com o ar, que é quase eliminado pormeio da aerodinâmica do veículo.

No que diz respeito à geração de energia, o uso da supercon-dutividade pode significar uma enorme economia em comparaçãocom os sistemas convencionais atualmente em uso. Usandosupercondutores, é possível desenvolver um campo magnéticomuito mais forte do que aquele obtido por um gerador con-vencional, permitindo ao gerador supercondutor ser menorfisicamente para a mesma produção de energia. Outra vantagem éque a resistência elétrica associada ao fluxo de eletricidade nosenrolamentos do motor do gerador convencional não está presentenos supercondutores. Esse aumento na eficiência poderia, no final,reduzir expressivamente os custos, assim como diminuiria a polui-ção química e térmica.

Com relação ao armazenamento, não existe ainda nenhummétodo eficiente para grandes quantidades de eletricidade. Umsistema conhecido como SMES (da sigla em inglês superconduct-ing magnetic energy storage), formado por grandes bobinassupercondutoras subterrâneas, seria capaz de armazenar grandesquantidades de eletricidade por longos períodos de tempo. O SMESseria conectado à rede de energia da comunidade. Durante operíodo de baixa demanda, a eletricidade em excesso seriaSu

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Seção transversal de fiomultifilamentar utilizado emenrolamento de magnetossupercondutores paradiversas aplicações de grandeescala.

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acumulada pelo SMES e, nos períodos de demanda intensa, aeletricidade seria devolvida pelo mesmo, sem nenhum tipo de perdadecorrente do armazenamento. O SMES é baseado no fato de queuma corrente elétrica num supercondutor continua circulandoindefinidamente (corrente chamada de persistente).

No campo da física de altas energias, magnetos supercondutorespermitem gerar intensos campos magnéticos; por isso, são aplicadosem grandes máquinas, chamadas de aceleradores, utilizadas noestudo das partículas elementares da física. Por exemplo, noacelerador Tevatron, que é um anel de aproximadamente 30 km dediâmetro, há cerca de mil magnetos supercondutores feitos de umaliga de nióbio-titânio e esfriados em hélio líqüido.

Os impulsionadores de massa, máquinas que funcionam demaneira análoga aos aceleradores de partículas mencionadosanteriormente, seriam utilizados para acelerar objetos macro-scópicos até altas velocidades, para então lançá-los com o objetivode viajar longas distâncias (na Terra ou no Espaço).

Os reatores para fusão nuclear são um mecanismo de obtençãode energia que, ao contrário da fisão nuclear, não tem associadoqualquer tipo de resíduo radiativo. Assim, será uma das alternativasenergéticas do futuro. Qualquer sistema comercial para obterenergia por fusão nuclear (por exemplo, aquele conhecido comoTokamak) deverá utilizar eletroímãs supercondutores, porque aenergia requerida ao utilizar eletroímãs convencionais seria umafração significante da energia produzida pelo dispositivo.

Aplicações em pequena escala

A maioria das aplicações dos materiais supercondutores empequena escala está nas áreas da biomedicina, metrologia, geofísica,processamento digital e dispositivos. Entretanto, eles ainda nãoencontram aplicações significativas em dispositivos eletrônicos,sendo a principal causa disso a necessidade de operar em baixastemperaturas. Entretanto, já estão em desenvolvimento aplicaçõesde materiais supercondutores em circuitos de altíssima integra-ção, nos quais a redução das dimensões dos componentes limi-ta a dissipação térmica dos mesmos, que funcionam refrigeradospor nitrogênio líqüido.

A supercondutividade propiciará, assim, um importante avançotecnológico para a indústria eletrônica. Juntando-se ao transistor eaos circuitos integrados, a supercondutividade poderá afetar

Aplicações natransmissão de energiaseriam extremamenteimportantes, já que osfios poderiam serconsideravelmentemais finos e não teriamnenhuma perda,mesmo transportandocorrentes muitointensas

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As mais importantes aplicações dos materiais supercondutores em termos dedispositivos estão baseadas na estrutura denominada de junção Josephson.

Em física do estado sólido, é comum estudar dispositivos de enorme aplicaçãobaseados em junções (materiais sanduichados) envolvendo materiais diferentescomo: metais, isolantes e semicondutores. Um exemplo típico desse tipo dedispositivo, com enorme impacto pelas suas aplicações, é o transistor. Em todosos casos, o comportamento da corrente elétrica na junção em função da tensãoaplicada é determinado pelas propriedades das partículas responsáveis pelacorrente, ou seja, pelos seus portadores.

Nos materiais supercondutores, os portadores são, como mencionamos an-tes, os pares de Cooper. Assim, é de se esperar que as junções envolvendo essetipo de material tenham propriedades diferentes daqueles dispositivos baseadosem outras estruturas. Vejamos como elas funcionam.

Consideremos dois supercondutores, SL e SR, separados por uma distânciamacroscópica. Na medida em que ambos são colocados mais e maispróximos, e quando a separação entre eles é da ordem de 30 Å (trintaângstrons, onde 1 Å = 10-10 m), observa-se a circulação de elétrons de um aoutro supercondutor. Reduzindo ainda mais a separação entre SL e SR, paradistâncias tipicamente menores do que 10 Å, também circularão entre elespares de Cooper. Esse fenômeno de tunelamento (corrente através da junção)de pares de Cooper entre os dois materiais supercondutores através de umafina barreira isolante é denominado tunelamento Josephson e o dispositivoformado pelos dois supercondutores separados pelo isolante é chamadojunção Josephson (JJ). Em 1962, Brian D. Josephson previu esse efeito, peloqual ganhou o Prêmio Nobel de Física em 1973. A principal característicadessas estruturas visando aplicações tecnológicas é o fato de que, quandouma voltagem constante VDC é aplicada a uma JJ, aparece uma corrente queoscila a uma freqüência ν da forma:

onde h é a constante de Planck dividida por 2p e “e” é a carga do elétron. Ou seja,por cada milivolt (mV) aplicado sobre a junção, obtém-se um sinal de freqüênciaigual a 483 gigahertz (1GHz = 1012 Hz).

Existem diferentes maneiras de produzir uma junção Josephson. Aquela JJdescrita anteriormente, sanduichando uma fina película isolante entre doissupercondutores, é denominada de junção tunel. A barreira pode ser feita a partirda oxidação do filme da base ou pela deposição de camadas adicionais de ummetal oxidado, de um semicondutor ou de um metal normal. Quando utilizadomaterial isolante, a espessura da barreira é de alguns nanômetros (1nm = 10-9 m).Para uma barreira feita de material semicondutor ou normal, ela é de espessurade dez a cem vezes maior. Outros exemplos de junção Josephson são as estruturasconhecidas como junção microponte e junção ponto.

Uma das mais importantes aplicações da junção Josephson é no dispositivodenominado S.QU.I.D (da sigla em inglês para superconducting quantum interfer-ence device). Ele é formado por duas junções Josephson conectadas em paralelo,

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Junções Josephson: descrição e Junções Josephson: descrição e

Diferentes tipos de junçõesJosephson fabricadas a partirde processos litográficos:tunel, microponte e ponto.

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geralmente associadas a um transformador de fluxo magnético. A corrente queentra no dispositivo é dividida em duas componentes que atravessam as duas JJna forma de correntes de pares de Cooper. Quando o S.QU.I.D é submetido a umcampo magnético, cada corrente varia periodicamente, passando por máximosconsecutivos à medida que o fluxo magnético passa por múltiplos do quantumfundamental, Φ0 (que vale 2,07 × 10-15 Wb). Dessa maneira, por meio de umcircuito contador, pode-se determinar o número de máximos que a correnteatravessa e conhecer assim o fluxo magnético final. Portanto, esse tipo dedispositivo permite medir campos magnéticos minúsculos com enormesensibilidade e precisão e, por isso, é utilizado em equipamentos científicos(magnetômetros), médicos (magnetoencefalógrafo, magnetocardiógrafo etc.) eindustriais.

Quando as junções Josephson são fabricadas formando um arranjo bi ou tri-dimensional, o conjunto forma o que é denominado de rede de junções Joseph-son (ou JJA, da sigla em inglês Josephson junction array). Atualmente, as redescom maior número de aplicações tecnológicas são fabricadas comsupercondutores convencionais (LTS), por exemplo, a partir de nióbio e óxidoscomo o AlOx.

Uma das aplicações mais fascinantes das JJA foi descoberta em 1998 por P.Barbara e colaboradores (College Park, Maryland/EUA). Seus experimentosindicaram que JJA podem emitir radiação de maneira coerente, da mesmamaneira que o faz uma fonte de radiação laser. A radiação emitida temcomprimento de onda na faixa dos milímetros. Esse fantástico resultado confirmaa predição teórica desse fenônemo realizada em 1970, mostrando mais uma vezo enorme potencial tecnológico desses dispositivos supercondutores.

Redes de junções Josephson têm sido extensivamente utilizadas em físicabásica no estudo de transições de fase em sistemas bidimensionais. Dentre estes,um dos mais estudados tem sido o sistema dos materiais supercondutoresgranulares. Os materiais HTS são granulares por natureza e podem ser visualizadoscomo uma coleção de grãos supercondutores distribuídos numa matriz normalou fracamente supercondutora. Por essa razão, o termo granularidade estáintimamente relacionado aos HTS. Através dele se justifica que as propriedadesmagnéticas e de transporte desses materiais se manifestem usualmente atravésde uma resposta que tem duas ou mais componentes. No caso de duascomponentes, a primeira delas (em temperatura mais alta) representa acontribuição. A outra componente (em baixas temperaturas) se origina no mate-rial intergranular. Neste caso, as propriedades intragranulares serão intrínsecasao material, enquanto as intergranulares serão extrínsecas e gerarão efeitosdependentes das condições de preparação do material. Dessa maneira, as junçõesde uma JJA serão equivalentes ao material intergranular e as ilhas de nióbio serãoequivalentes ao material intragranular dos HTS.

O estudo das propriedades magnéticas das JJA permite entender propriedadesainda controversas de sistemas supercondutores granulares, tanto LTS quantoHTS. Entre elas, podemos citar o efeito Meissner paramagnético, o modelo deestado crítico, e a avalanche de vórtices. Na figura ao lado, mostramos a fotografiade uma região de uma rede formada por 100 x 150 junções, para um JJA do tipounshunted e para um do tipo shunted, respectivamente.

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Fotografia de regiões de redesJJA do tipo (a) unshunted e(b) shunted. As junções deuma JJA são equivalentes aomaterial intergranular e asilhas de nióbio sãoequivalentes ao materialintragranular dos HTS.

(A)

(B)

aplicaçõesaplicações

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drasticamente o campo da eletrônica. Por outrolado, os supercondutores podem mostrar-secomo materiais ideais para interconexões. O fatodos supercondutores conduzirem eletricidadesem resistência elétrica reduziria grandemente adissipação de calor dos circuitos integrados etransistores. Também, os supercondutores po-deriam acrescentar alguns outros benefícios, taiscomo a eliminação de interferência magnética emcircuitos integrados, por causa de sua capacidadede expelir campos magnéticos. O uso de inter-conexões supercondutoras permitiria que oscomponentes fossem compactados em um graumaior, possibilitando, assim, um maior número decomponentes em um único circuito integrado, di-minuindo grandemente os tempos de operação.Outra importante aplicação em eletrônica é nodispositivo chamado de PSP-1000. O mesmo éuma estação de trabalho processadora de sinais -um osciloscópio avançado, que pode operar nafaixa de pico segundos (10-12 segundos), além depoder receber sinais elétricos em uma faixa cincovezes maior que qualquer dispositivo similar.

Conclusão

A supercondutividade tem permitido conhecernovos mecanismos básicos da natureza, assimcomo utilizar suas propriedades para importantesaplicações em equipamentos científicos e tecno-lógicos nas mais diversas áreas. Entretanto, háainda muito para ser descoberto e aperfeiçoado,principalmente em relação à obtenção de novosmateriais com melhores parâmetros críticos.Valores maiores da temperatura de transição oudo campo magnético crítico permitirão desen-volver novas aplicações, tanto em grandesmáquinas como em motores e componenteseletrônicos. A obtenção de materiais supercon-dutores com temperaturas de transição próximasda temperatura ambiente terá um impactogigantesco na nossa civilização.

Essa possibilidade permitirá tornar realidadeaplicações fantásticas do fenômeno da supercondu-tividade. Por exemplo, tornariam-se economicamenteSu

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viáveis os veículos MAGLEV. Também, aplicações natransmissão de energia seriam extremamenteimportantes, já que os fios poderiam ser considera-velmente mais finos e não teriam nenhuma perda,mesmo que transportando correntes muito intensas.Também não seria necessária a elevação excessiva davoltagem, que também é uma das causas de perdasconsideráveis de energia causadas pela fuga de cargaspara o ar (o chiado que pode ser ouvido nos diasúmidos perto das linhas de transmissão de alta tensãoé um indicativo dessas perdas de energia). Assim, emqualquer tipo de equipamento elétrico (máquinasindustriais, por exemplo), a resistência responsávelpelas perdas poderia ser eliminada completamente.Em eletrônica, quando for possível obter dispositivossupercondutores operando na temperatura ambien-te, uma nova revolução tecnológica deverá ocorrer.Equipamentos com velocidades e capacidades atéentão inimagináveis passarão a ser construídos eestarão ao nosso alcance. Tudo indica que, em um fu-turo não muito longe, a física e as ciências dos materiaisobterão importantes resultados nesse sentido.

F. M. Araújo-Moreira, A. J. C. Lanfredi, C. A.Cardoso, W. Maluf

Grupo de Materiais e Sensores, Departamento deFísica, Centro Multidisciplinar de Desenvolvimento

de Materiais Cerâmicos - CMDMCUniversidade Federal de São Carlos

C.P. 676 – 13565-905São Carlos, SP, Brasil

E-mail: [email protected]: (16) 261-4835

A. MombrúLaboratorio de Cristalografia y Química del

Estado Sólido, Cátedra de Física-DEQUIFIM,Facultad de Química, Universidad de la República,

Montevidéu, Uruguai

C. NavauUniversidad Autónoma de Barcelona e Escola

Universitària Salesiana de Sarrià, Barcelona, Espanha