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SOMOS REALMENTE FINALISTAS?
TIAGO DE LIMA SANTOS REID 1
1. Introdução; 2. Momento histór ico e
fundamentação; 3. O ontológico conceito de
ação f inal; 4. O t ipo e a i l ic i tude f inalis ta; 5.
A culpabil idade material ; 6. Méritos e
crí t icas ao f inalismo; 7. Conclusão; 8.
Referências bibliográficas.
RESUMO :
O presente estudo procura estabelecer os traços fundamentais , a
cr í t ica e , eventualmente, a antí tese do sis tema finalis ta , e laborada
pelo Professor Alemão Hans Welzel e aprofundada pelos seus
discípulos, com objetivo de contestar eventual incorporação
incondicional das suas premissas ao Direito Penal Brasile iro.
Palavras-Chave: Finalismo. Hans Welzel . Hans Joachim Hirsch.
RESUMEN :
O presente estudo procura estabelecer os traços fundamentais , a
cr í t ica e , eventualmente, a antí tese do sis tema finalis ta , e laborada
pelo Professor Alemão Hans Welzel e aprofundada pelos seus
discípulos, com objetivo de contestar eventual incorporação
incondicional das suas premissas ao Direito Penal Brasile iro.
Palavras-Chave: Finalismo. Hans Welzel . Hans Joachim Hirsch.
1 Professor de Di reito Penal do curso de graduação em Direito da Faculdade de Dire ito de Campos, Centro Un iversi tár io F luminense . Pa lestrante do curso de Pós-Graduação em Dire ito Penal da Facu ldade de Di re ito de Campos, Centro Univers itár io F luminense ; Pós-Graduado em Dire ito Púb l ico pela Faculdade de Dire ito de Campos; Pós -Graduado em Dire ito e Processo Penal pela Faculdade de Dire ito Damásio de Jesus; Assessor Jur íd ico do Min istér io Públ ico do Estado do Rio de Janeiro ; (t iagoreid @hotmai l . com).
1. INTRODUÇÃO:
Com a evolução dos meios de comunicação, tem -se
presenciado uma aproximação das pessoas ao conhecimento. Porém,
em movimento contrário, tem saltado aos olhos uma inacreditável e
lamentável mediocridade dos estudantes que, mesmo podendo
adquirir um conhecimento denso e profundo, a cada dia buscam
sinopses, textos prontos e decorados.
Se esta é uma tendência da atual educação, não poderia
ser diferente no estudo do direito. Não é raro encontrar manuai s
voltados exclusivamente ao estudo do direito legislado, t ratando de
assuntos sem enfrentar a dogmática. Consequentemente, cresce o
número de técnicos preparados para operar o dia -a-dia do direito
penal, mas ignorantes do substrato dogmático que anima cad a
insti tuto.
Em matéria criminal, um dos maiores exemplos da
denunciada contumácia é o f inalismo, explicado de forma
superficial , quando resumido a uma desconectada doutrina da ação
f inal . Essa superficial idade f ica mais evidente no conteúdo material
da culpabil idade: embora qualquer estudante fruto desse
aprendizado seja capaz de afirmar, com segurança, que a
culpabil idade f inal is ta (por vezes, a única que se conhece) é
composta pela imputabil idade, potencial consciência da i l ic i tude do
fato e exigibil ida de de conduta diversa, desconhece por que esses
elementos estão alinhados nessa estrutura.
Aliás , sobre o conteúdo material da culpabi l idade, não é
necessário grande esforço para notar que inúmeros doutrinadores
ditos f inalis tas inverteram por completo o c onceito elaborado por
Welzel , substi tuindo a pluralidade de centros ou capas internas de
regulação dos impulsos e a correspondente guerra de impulsos por
uma doutr ina de “expectativas sociais”, estranha à premissa
ontológica-fenomenológica de Welzel .
3
Nesse cenário, o presente trabalho representa verdadeiro
manifesto contra a mediocridade que cerca o estudo do direito penal
e , part icularmente, do f inalismo. Naturalmente, não será possível
exaurir os temas eventualmente abordados. Assim, se este art igo
possui alguma importância , está em servir como iniciação do
conhecimento dogmático profundo, sem, para tanto, abandonar a
l inguagem simples, buscando esclarecer os principais contornos do
complexo sis tema finalis ta 2.
2. MOMENTO HISTÓRICO E FUNDAMENTAÇÃO:
Os movimentos metodológicos de compreensão analí t ica
do fenômeno criminoso não são produtos do acaso ou de simples
gosto por s is temas, mas, na verdade, estão intimamente conectados
à organização do modelo social e estatal em que foram idealizados.
Quando idealizado , o s is tema finalis ta proposto por
Welzel não surgiu por força do acaso, mas representou diametral
oposição ao sis tema neoclássico do deli to, que imperou durante o
início do século XX. Fundamentalmente, o s is tema neoclássico
ascendeu na Alemanha propondo a fastar do direito a apl icação de
conceitos avalorados, provenientes das ciências naturais , posição
aclamada no período clássico 3. Anunciou-se, então, que o direi to
penal, por não pertencer ao grupo das ciências empíricas, não
poderia valer -se dos mesmos métodos lá uti l izados para aplicar seus
conceitos, mas deveria reconhecer que todo conhecimento estaria
subordinado a um juízo de valor colocado à sua disposição:
2 Regis tre -se, desde logo, as pr inc ipa is re ferências bib liográficas: Em l íngua
portuguesa: WELZEL, Hans. O novo s istema jurídico -penal: Uma introdução à
doutrina da ação f inalista . Trad. Luiz Regis Prado. São Paulo: Revis ta dos
Tribunais , 2011; Em espanhol: WELZEL, Hans. Introduccion a la f i losof ia del
derecho: derecho natural y just icia material . Aguilar , Trad. Fe lipe González
Vicén, 1955; WELZEL, Hans. Derecho penal, parte general . Roquedepalma:
Buenos Aires , Trad. Car los Fontán Balest ra , 1 954. 3 Confira -se um panorama do chamado per íodo c láss ico do del i to em: TANGERINO,
Davi de Pa iva Costa. Culpabil idade . E lsevier : Rio de Jane iro, 2011, p . 56 e
seguintes.
4
“Destacam -se duas orientações: uma histórica,
encabeçada por Dilthey, e outra f i losófica, o
neokantismo: ambas queriam ampliar o estrei to
conceito posit ivista de ciência , de modo que nele
coubessem não só os fatos percept íveis pelos
sentidos e sua observação, como também os
fenômenos espir i tuais e a compreensão de sua
essência específ ica” 4.
Com essas ideias, os valores metajurídicos, a té então
rejei tados pela doutrina clássica, voltaram à dogmática penal por
força da ciência da cultura 5, proveniente da f i losofia de valores da
Escola do Sudoeste Alemão 6 e da Escola de Marburgo 7 que, em
últ ima análise , buscaram compreender os fenômenos ao invés de
descrevê-los.
Logo, a f i losofia neokantis ta , de fato, colaborou com
signif icativas modificações na teoria do crime, reajustada
normativamente para contornar entraves existentes na doutrina
naturalis ta clássica8.
4 TANGERINO, Davi de Paiva Costa. Culpabi l idade . Elsevier : Rio de Jane iro, 2011,
p . 70 . 5 SOUZA, Artur de Bri to Gueiros e JAPIASSÚ, Car los Eduardo Adr iano. Curso de
direito penal, parte geral . E lsevier : São Paulo, 2012, p . 142. 6 GRECO, Luís. Introdução à dog mática funcionalista do delito . Disponível em:
http: / /www.grupos.com.br/group/. . . /M essages.h tml?action=download. Acesso em: 18
de abril de 2015 , p . 3 . 7 TANGERINO, Davi de Paiva Costa . Culpabi l idade . Op. ci t . , p . 71 . 8 O ponto é acidenta l , porém importante na compreensão das cr í t icas eventua lmente
real izadas . Teoricamente, o si s tema clás s ico do deli to pre tendeu agregar às garant ias
l iberais uma esfera da experimentação : Além de formar um s is tema de garantias
contra excessos punit ivos, o direi to penal deveria ser e ficiente no combate à
cr iminal idade (gesamte Strafrechtswissenchafts) . Logo, “a compreensão do fenômeno
cr iminal, para a lém do manejo abstrato e rac ional das normas do Direi to posto,
demandava uma dimensão experimenta l ” (TANGERINO, Davi de Paiva Costa.
Culpabil idade . Elsevier : Rio de Janeiro, 2011, p . 57) . Buscando, pois, esse
objet ivo, o si stema clássico apostou na cer teza que o método cient í fico -experimental
proporciona , de sor te que passou a operar suas ca tegorias a par t ir de concei tos não
va lorados, t ranspor tados das ciências experimentais para o direi to , supondo que o
cr i tér io empír ico pudesse reso lver os problemas da imputação. Contudo , “ o dire i to ,
como s is tema de valores, nada tem a fazer com categorias ava loradas. O fa to , por
exemplo, de a causa ser a ação sem a qual o resu ltado não teria ocorrido não
implica em que o d irei t o penal se conten te com a causal idade para imputar ao au tor
um deli to consumado” (GRECO, Luis. Introdução a dogmática funcional ista . Op.
ci t . , p . 2 . ) . Co mo consequência dessa premissa , a teor ia na tura l i sta também
enfrentou inúmeros problemas de ordem práti ca: Concebendo a ação como
movimento humano voluntár io , a teor ia natura l da ação não conseguiu expl icar a
essência da omissão, pois ne la inexis te uma l igação f í sica entre a omissão e o
5
O primeiro reflexo da doutrina neokantis ta residiu em
uma profícua revisão daquele conceito puramente mecanicista de
ação9: A ação deixou de ser racional izada em um cego processo
causal para assumir s ignif icado normativo 10, passando a ser
encarada como comportamento humano voluntário 11. Essa condição
refutou a l imitada visão clássica de que o deli to de omissão não
pode originar responsabil idade, e is que, nesse cenário, passou a
basear-se no dever jurídico de agir , a inda que desprovido de
qualquer l iame fí s ico entre a omissão e o resultado 12.
Seguindo a anunciada tendência normativa, a t ipicidade
perdeu a natureza eminentemente descri t iva, passando a agregar
resultado . Ademais, o bi tolado desvalor de resul tado obstava a d i ferenc iação dos
t ipos entre a tentat iva e as lesões que integravam o cr ime progress ivo, bem como o
reconhecimento da t ipic idade na chamada tenta t iva incruenta. Roxin, ainda , des taca
que “a recondução do injusto à causa lidade acaba por proporc ionar um âmbi to
objet ivo de responsabi l idade excess ivamente amplo. O fabricante e o vendedor de
um automóvel compõem a re lação causa l de um acidente fata l causado pelo
comprador do ve ícu lo. Não parece ser plausíve l af i rmar aqui que e les reali zaram um
injusto de homicíd io ” (ROXIN, Claus. Novos estudos de direito penal . Marcial
Pons: São Paulo, Trad. Alaor Leite , 2014, p . 100 ) . 9 “A ação é de fin ida, assim, como ‘ação voluntár ia no mundo ex terior, causa
voluntár ia ou não impedit iva de uma mudança no mundo exter ior ” TANGERINO,
Davi de Paiva Costa . Culpabi l idade . Elsevier : Rio de Janeiro, 2011, p . 58. 10 Em sentido cont rár io , sustentam a lguns doutr inadores que, “com re lação ao
concei to de ação – ta l como na corrente an terior – a mesma cont inuou a ser
percebida como o movimento vo lunt ário que dá causa ao resu ltado do mundo
exter ior” SOUZA, Ar tur de Bri to Gueiros e JAPIASSÚ, Carlos Eduardo Adr iano.
Curso de dire ito penal , parte gera l . E lsevier : São Paulo, 2012, Op. ci t . , p . 142. 11 GRECO, Rogér io . Curso de dire ito penal parte geral . Impetus : Ni teró i , 2004, p .
104. 12 Não se pode de ixar de regis trar que a lguns doutr inadores neoclássicos
questionaram a necessidade de e laborar um concei to geral de ação. A doutr ina
aponta que, no tema referente a ação, “ aparece, i soladamente, na opinião de
Radbruch , uma perda de importância do conceito de ação, apontando como concei to
fundamental do si stema a rea li zação do t ipo. Este t ipo já é , como reconhece Mezger,
a anti jur idicidade t ip i f icada ” (BUSATO, Paulo César . Direito Penal & ação
signif icat iva: Uma análise da função negat iva do conceito de ação em dire ito
penal a part ir da f i losofia da l inguagem . Rio de Jane iro: Lumen Jur is . 2 ª ed. , 2010,
p . 14) . Isso porque , na visão de Radbruch, haveria uma enorme di f iculdade em
es tabe lecer um denominador co mum entre comissão e omissão - d i f iculdade que,
atua lmente, corresponde m à chamada função de si stemat ização do conceito geral de
ação. A par t ir desses questionamentos, rejei tando a premissa de que o conceito de
ação apoiar ia as demais valorações jur íd icas do cr ime, Radbruch chegou a defender
que o s is tema da ação deveria ser dividido conforme sua manifestação : Uma teor ia
para cr imes omiss ivos e outra para cr imes comissivos (Sobre esse assunto , confira -
se : D’ÁVILA, Fabio Roberto . O conceito de ação em dire ito penal, l inhas crít icas
sobre a adequação e ut i l idade do conceito de ação na construção teórica do
crime . Disponível em: ht tp: / / si sne t .aduaneiras.co m.br/ lex/doutr inas /arquivos
/apenal .pdf. Acesso em: 05 de maio de 2015, p . 25) .
6
e lementos normativos e subjetivos 13. Afinal , como o conhecimento
jurídico teria autonomia em relação à s ciências empíricas, não
haveria necessidade de distr ibuir as categorias analí t icas conforme
cri tér ios externos e internos ( tendência clássica) , senão analisar sua
f inalidade para o s is tema.
Destarte , não tardou a revisão do clássico conceito
material de t ipicidade que, assim, deixou de ser a “descrição de
uma modificação no mundo exterior, para tornar -se descrição de
uma ação socialmente lesiva” 14, conduzindo alguns autores a
doutr ina que f icou conhecida a teoria dos elementos negativos do
t ipo 15.
Em que pese, um dos seus maiores proveitos do sis tema
neoclássico diz respeito ao desenvolvimento de elementos
normativos na culpabil idade, fundamentando juridicamente as
hipóteses de exculpação como, por exemplo, a coação moral
irresis t ível e a obediência hierárq uica 16.
Notando seus inegáveis méritos, não se pode negar que a
teoria neoclássica estabeleceu um novo marco na estrutura analí t ica
do crime ao afastar a visão naturalis ta de elementos internos e
13 BUSATO, Paulo César . Direito Penal & Ação s ignif icat iva . Op. ci t . , p . 14. 14 GRECO, Luís. Introdução à dog mát ica funcional ista . Op. c i t . , p . 3 . 15 A chamada teor ia dos elementos negativos do t ipo consagrou defini t ivamente a
rejeição do modelo idealizado por Bel ing, de sor te que o t ipo penal passou a ser
pensado como uma es trutura complexa, onde a i l ic i tude estar ia consagrada de forma
oculta na própria t ip i f icação, estabe lecendo, dentro do t ipo, uma re lação de regra
( t ipo incr iminador) e exceção ( t ipos permiss ivos) . Por exemplo , nos termos
lançados, o t ipo penal do homic ídio dever ia ser l ido da seguinte forma: Matar
alguém, pena de seis a vinte anos , “exceto nas hipóteses de legít ima defesa, es tado
de necess idade , est r i to cumprimento do dever legal e exerc íc io regular do direi to”
( impl ic i tamente) . 16 Nesse sentido foram as teor ias de Reinhard Frank ( teor ia das c ircunstânc ias das
causas concomitantes) , de James Goldschmidt (vio lação da norma do dever) ,
Berthold Freudentha l (causa genérica de exculpação) e Mezger (concei to complexo
de culpab il idade) . Confira -se de talhado panorama sobre as teor ias em: MELLO,
Sebástian Borges de Albuquerque. O conceito materia l de culpabi l idade, o
funda mento da imposição da pena a um indiv íduo concreto em face da dignidade
da pessoa humana . Juspodivm: Sa lvador , 2010, p . 136 e seguintes . Confira -se
também: TANGERINO, Davi de Paiva Costa. Culpabi l idade . Op. c i t . , p . 69 e
seguintes.
7
externos do crime 17. Contudo, o neokantismo padeceu de
gravíss imos problemas: Como caberia ao direito valorar seu objeto
de regulação, a teoria neoclássica permitiu um rompimento entre a
realidade fática e a realidade do direito (chamado de dualismo
metodológico) , permitindo exagerada l iberdade na criação dos
conceitos jur ídicos , culminando em uma nefasta vertente do direito
penal do autor e no totali tar ismo 18.
Assim, o neokantismo:
“Pagou um preço alto para l ivrar -se da falácia
naturalis ta , que foi isolar -se da realidade num
normativismo extremo. O neokantiano parte d o
pressuposto que o mundo da realidade e o mundo
dos valores formam compartimentos
incomunicáveis , não havendo a menor relação
entre eles (dualismo metodológico: logo, acaba -se
esquecendo que o direi to está em constantes
relações com a realidade, e que a r ealidade
também influi sobre o direi to, mais: que direito e
realidade se interpenetram e confundem. Os
objetos de regulamentação possuem certas
estruturas interiores a que o direi to, sem dúvida,
deve procurar respeitar; e muitos dados
fornecidos pela observação empírica devem
conseguir introduzir -se em algum lugar na
sis temática do deli to” 19.
17 Rea lçando sua impor tância , Claus Roxin chegou a sugerir que o neokant ismo
poderia ter t ido outro des t ino se ut i l izasse a polí t ica cr iminal como parâmetro da
normat ivação do sistema: “ A metodologia re ferida a valores do neokant ismo, que era
dominante na década de vin te , poderia ter chegado a um novo ‘quadro do sis tema do
direi to penal’ , se t ivesse tomado como cr i tér io , ao qual dever iam re fer ir - se todas as
entidades dogmát icas, as decisões pol í t ico -criminais” ROXIN, Claus. Polít ica
criminal e si stema jurídico -penal . Renovar: Rio de Janeiro, Trad. Luís Greco,
2002, p . 24. 18 Nesse sentido, destaca Hirsch que: “ Cuando e l f inal ismo apareció en escen a por
primera vez, en los años 1930-1931, la dogmática jur ídico -penal , a la vez que
abandonaba el na tura li smo, se había volcado a una metodolog ía in f luida por e l
posi t ivi smo lega l y e l neokant ismo, según la cual la dogmát ica no se construía a
part i r de los fenómenos y es tructuras de la real idad, s ino que los obje tos de
regulación jur ídica eran construidos normat ivamente . Conceptos como acción,
omisión, dolo, inducción, etc . , se habían convert ido en productos jur ídicos
art i f ic iales” HIRSCH, Hans Joachim. Acerca de la crít ica a l f inal i smo . Disponível
em: ht tp : / /dialne t .uni r ioja .es /descarga/ar t iculo /1994428.pdf . Acesso em: 01 de
agosto de 2015, p .2 . 19 GRECO, Luís. Introdução à dog mát ica funcional ista . Op. c i t . , p . 4 .
8
Com efeito, a inda que não tenha sido pensado para esse
propósito, o dualismo metodológico encontrou na f i losof ia nazista 20
terreno fecundo para disseminação de suas ide ias21. Não se pretende
sustentar , com isso, que o Nacional Socialismo tenha sido o único
motivo da afirmação do neokantismo 22, tampouco que tal conceito
desapareceu concomitantemente à derrocada nazista . Todavia,
parece inegável que, justamente nesse período 23, sob o manto do
dualismo metodológico, o direi to era “ toda a disposição eficaz cujo
cumprimento podia ser imposto ou exigido. Era toda disposição
legal emanada da autoridade competente ” 24 e , com esse aparato
jurídico 25, notadamente comprometido com o posit ivismo, o nazismo
teve em suas mãos um indesejado excesso de l iberdade na criação
dos conceitos jurídicos que culminou na legalização de inúmeras
barbáries retratadas pela história 26.
20 Veja -se, sobre o tema , o trabalho de: CAI XETA, Francisco Car los Távora de
Albuquerque. O direito nazista . Disponível em:
ht tp: / /www.egov.ufsc.br /porta l / s i tes /default / fi les /anexos/26200 -26202-1-PB.pdf.
Acesso em: 23 de abr i l de 2015. 21 CEREZO MIR, Jose. Ontolog ismo e normat ivismo na teoria f ina li sta . Disponíve l
em:
ht tp: / /www.professorregisprado.com/Ar tigos/Jos%E9%20Cerezo%20Mir/Onto logism
o%20e%20Normat ivismo%20na%20Teoria%20Final i sta .pdf. Acesso em: 21 de maio
de 2014, p . 1 . 22 Atr ibui -se, na verdade , à chamada Escola de Kiel a ins t i tucional ização das ide ias
nazistas , visto que “propuseram uma perspec t iva in tui t iva, baseada na noção de
infração do dever, restr ingindo as poss ibi l idades de causas de just i f icação e
exculpação, introduzindo a teor ia do t ipo do autor. I sto possib il i tou a manipu lação
de vários conceitos, cu lminando no i rracional ismo, no dec ision ismo, no arbí tr io
protagonizado pela Gestapo e, com isso, na au tossupressão da própria ciência do
direi to penal” SOUZA, Artur de Bri to Guei ros e JAPIASSÚ, Car los Eduardo
Adriano . Curso de dire i to penal . Op. ci t . , p . 143. 23 Sobre a importância do neokantismo para o movimento nazis ta , veja -se a obra de:
MUNÕZ CONDE, Francisco. Edmund mezger y e l derecho penal de su t iempo:
estudios sobre el derecho penal en el nacionalsocia li smo . 4 . Ed. , Valencia : T ir ant
lo blanch, 2003 e MACHADO, Mar ta Rodr iguez de Assis. Edmund Mezger e o
direito penal do nosso tempo . Disponíve l em: ht tp : / /bib l io tecadigital . fgv
.br /dspace /bi t stream/handle/10438/9649
/Mar ta%20Rodriguez%20de%20Assis%20Machado.pdf?sequence=1. Acesso em: 05
de maio de 2015. 24 CEREZO MIR, Jose. Ontolog ismo e normativ ismo. Op. c i t . , p . 1 . 25 CEREZO MIR, Jose. Ontolog ismo e normativ ismo. Op. c i t . , p . 1 . 26 Somente no per íodo após a 2ª Grande Guerra as cicat r izes do naz ismo e da sua
lógica posi t ivista foram “expostas ao mundo de forma vexatór ia ” (CEREZO MIR,
Jose. Ontologismo e normat ivismo. Op. c i t . , p . 2) . Um dos pr inc ipa is p roblemas
enfrentados pe los jur i stas resid iu na punibi l idade dos juízes que , durante o regime,
aplicaram cegamente as leis formuladas à ép oca. Ora , seguindo a lógica posit ivista ,
os juízes nazistas haviam exclusivamente ap licado as le is . No entanto, ao contrár io
9
Foi diante dessa constatação que, de forma praticamente
inevitável , ascendeu no cenário mundial o clamor pelo retorno de
alguns postulados jusnaturalis tas 27. Afinal , se não houvesse
nenhuma outra fonte acima do direito legislado, não haveria
problema na conduta dos juízes da era nazistas , vez que tão somente
aplicaram a legislação28.
Produziu-se, então, uma rejeição aos postulados
exclusivamente posit ivistas , f lorescendo na doutrina mundial uma
nova visão acerca do jusnaturalismo. Diz -se nova vertente porque,
c lassicamente, o jusnaturalismo que prevaleceu na antiguidade
apregoava que a le i natural corresponderia a uma ordem
previamente criada por Deus, cumprindo, então, ao ordenamento
jurídico apenas declará -la . Por sua vez, na moderna concepção
surgida após a Segunda Guerra, o jusnaturalismo corresponderia a
uma ordem subjetiva, a través do qual eram identif icados
“determinados direitos naturais , atr ibuídos aos indivíduos, que não
podem ser violados pelas autoridades públicas, tendo sido
ressalvados no pacto social ”29.
Haveria , então, acima do direito legislado, um direito
supra pos it ivo, cujas bases servir iam como parâmetro de controle da
legislação, ou seja , “um fundamento normativo supra posit ivo capaz
de uma ordem jur ídica per fei ta , imaculada de va lores metajur íd icos, o resultado
obtido exib ia um verdadeiro escárnio “ dian te da mai s despre tensiosa acepção de
proporcionalidade, lea ldade ou dign idade humana ” (HASSEMER, Winfr ied.
História das ideias penais na Alemanha do pós -guerra . Disponível em:
ht tp: / /www2.senado. leg.br /bdsf /bi t stream
/handle/ id/176133/000476736.pdf?sequence=3. Aces so em: 23 de abri l de 2015, p .
239) . 27 HASSEMER, Winfr ied. História das ideias penais . Op. c i t . , p . 243. 28 Sobre esse ponto, Hassemer aduz que “ quem não est iver disposto a reconhecer
uma diferença en tre lei (posi t iva) e Direi to (jus to ), não consegue discut i r o
fenômeno, não consegue mesmo v islumbrar como a punib il idade possa ser
fundamentada, não consegue sequer ver onde está o problema ” HASSEMER,
Winfr ied . História das ideias penais . Op. ci t . , p . 240. 29 SARMENTO, Danie l ; SOUZA NETO, Cláudio Pereira de. Direito constituc ional:
teoria, h istória e métodos de trabalho . Fórum: Belo Hor izonte, 2 ª Ed. , 2014, p . 74.
10
de negar a validade ao i l íci to mani festado sob a forma de leis
posit ivas” 30:
Ocorre que, ponderadas as crí t icas ao posit ivismo e ao s
s is temas de cunho naturalis ta 31, verif icou-se a necessidade
investigar como o direito deveria interagir com a realidade social
objeto de regulação, sobretudo diante da nefasta experiência dos
cri tér ios puramente valorativos. Assim, em perfeita harmonia co m
as tendências acima anunciadas, o f inalismo entrou no cenário com
uma poderosa argumentação, pretendendo “universalizar” o direi to
penal32, e levando “as ciências penais ao nível da f i losofia e
antropologia contemporâneas e ao mesmo tempo perenizar essa
posição”33. Nesse sentido, Hans Welzel , expoente destacado do
sis tema finalis ta , procurou reconstruir as principais categorias
penais a part ir da ontologia 34 do “ser” e da fenomenologia 35.
30 HASSEMER, Winfr ied. História das ideias penais . Op. c i t . , p . 242. 31 Sustentando não haver diferenças essencia is ent re o si s tema c lássico e o si stema
neoclássico, Cerezo Mir aduz que o neokantismo “quis superar o posit ivi smo
jur ídico, mas não conseguiu fazê - lo . Na realidade, a jus f i losof ia da escola
subocidenta l alemã ve io unicamente complementar o dire i to posi t ivo com uma nova
es fera: a es fera da va loração. O d ire i to posit ivo v iu -se complementado por um
cr i tér io axio lógico: a idéia do d irei to com seus t rês e lementos in tegrantes de
jus t iça, segurança jur ídica e u t i l idade. Sob essa idé ia ax iológ ica seguia vivo, no
entanto, o conceito posi t ivi sta de dire i t o . "Aquele que pode impor o dire i to
demonstra com isso que está chamado a estabelecê - lo" , dizia Radbruch em sua
Filosof ia do d irei to , invocando Kant. O d irei to continuava sendo toda disposição
ef icaz – cu jo cumprimento podia ser imposto ou exig ido. Era tod a disposição legal
emanada da autor idade competente ” CEREZO MIR, Jose . Ontologismo e
normativ ismo. Op. ci t . , p . 1 . 32 Na visão de Welze l , “ la metodología normativ ista hacía que los objetos de
regulación jur ídica fueran intolerab lemente manipulables e impedí a uma sistemática
del derecho penal que respondiera a las exigencias c ient í f icas. Ten iendo en cuen ta
que los resu ltados ob ten idos normativamente dependían, en el mejor de los casos, de
las reglas de la leg is lac ión nacional –esto es a lgo que también ya l lev a décadas– o
solamente de la opin ión de cada autor , se cerraba así e l camino a resul tados vál idos
en general y , en consecuencia, a una c iencia de l derecho penal de func ión
internacional t rascendente a los l ímites de los ordenamien tos juríd icos nacionales.
Por el lo , Welze l acentuó poster iormente que el pr incip io metodológico de l
«f inal i smo» hace posible la creación, en la dogmát ica del derecho penal
(especia lmente para la Parte General ), de un ámbi to ideo lógicamente neutral y
logra uma comprensión que, debid o a su validez genera l , puede ser t ransfer ida a
otros ordenamientos jur ídicos. Ta l concepción s ignif ica, con seguridad, una ven taja
para el respe to de un derecho penal adecuado a l Estado de derecho ” HIRSCH, Hans
Joachim. Acerca de la crit ica al f inal i smo . Op. ci t . , p . 2 . 33 HASSEMER, Winfr ied. História das ideias penais . Op. c i t . , p . 248. 34 Dida ticamente, veja -se o concei to de onto logia: “Consis te em uma parte da
f i loso fia que es tuda a natureza do ser, a ex is tênc ia e a rea lidade , procurando
11
Para o f inalismo, a ontologia do “ser” (natureza das
coisas) seria capaz de revelar uma ordem interna que não poderia
ser ignorada ou manipulada pela legislação, sob pena de viciar toda
a estrutura jurídica apoiada sobre o conceito manipulado 36. Logo,
em franca oposição ao dualismo metodológico, pretendendo conferir
certa legi t imidade ao direito penal, Welzel defendeu que seria
necessário respeitar essas estruturas da realidade, chamadas de
lógico-reais (sachlogisch Strukturen), sempre que o direi to penal
pretendesse agregar a essas estruturas uma consequência jurídica, já
que o direi to penal não poderia pautar -se exclusivamente na
normatização, is to é , no puro “dever ser” e abandonar a natureza
subjacente às categorias jurídicas.
Nesses termos, o direi to penal deveria “ descer ao chão,
estudar essa realidade, submetê -la a uma análise fenomenológica, e
só após haver descoberto suas estruturas internas , passar para a
etapa da valoração jurídica”37:
“De um lado tem -se o s ignif icativo mundo da
vida social com todas as suas referências; e , de
outro, a le i do “ser”, que vale eternament e e
dispensa qualquer referibil idade às mudanças
sociais”38.
O f inalismo projetou essa argumentação para as
categorias da ação, da t ipicidade, da i l ic i tude e da culpabil idade,
“ trazendo a f irme convicção de que es te saber se assentava sobre o
determinar as cat egorias fundamentais e as re lações do “ ser enquanto ser ”.
Engloba algumas questões abstra tas como a existência de de terminadas entidades , o
que se pode d izer que ex is te , qual o s ignif icado do ser” . Disponível em:
ht tp: / /www.signi f icados .com.br/ontologia / . Acesso em: 05 de maio de 2015. 35 Didat icamente, confira -se o conceito de fenomenologia: “ Fenomenologia é o
es tudo de um conjun to de fenômenos e como se mani festam, seja a través do tempo ou
do espaço . É uma matér ia que consis te em estudar a essência das coi sas e como são
percebidas no mundo ”. Disponível em:
ht tp: / /www.signi f icados .com.br/ fenomenologia/ . Acesso em: 05 de maio de 2015. 36 Segundo Cerezo Mir , “a s estruturas lógico -objet ivas não podem ser ignoradas por
valoração ou regulação juríd ica alguma. No e ntanto, essas es truturas lógico -
objet ivas não formam um s is tema, mas subjazem à matéria regulada pelo dire i to ,
como pontos i solados” . CEREZO MIR, Jose. Ontologismo e normat ivismo. Op. c i t . ,
p . 2 . 37 GRECO, Luís. Introdução à dog mát ica funcional ista . Op. c i t . , p . 4 . 38 ROXIN, Claus. Novos estudos de dire ito penal . Op. ci t . , p . 117 .
12
‘Ser’”39. Não se tratava, assim, de meras hipóteses ou conjecturas,
mas de estruturas ontológicas ( lógico -reais) , que conferiam ao
sis tema finalis ta certa feição e convergência com os ideais
jusnaturalis tas 40 que surgiram após a Segunda Grande Guerra:
“Os fundamentos do direito penal não deveriam
ser objetos do achar ou do convencionar de cada
um, e s im o resultado de cuidadosa observação
científ ica. O legislador não t inha a prerrogativa
de deliberar sobre o regramento justo, podia
apenas acolhe-lo ou rejei tá - lo, encontrá -lo ou
perde-lo 41. Essa certeza metódica dos f inalis tas
não se restr ingiu a questões fundamentais , que
pelas suas generalidades não fossem vinculantes,
mas estendeu-se por minúcias como a localização
do dolo na estrutura do crime, as relações de
autoria com a part ic ipação e com a omissão
imprópria” 42.
Se de um lado o f inalismo emergiu na dogmática com
um saber consistente e homogêneo, o causalismo, adversário a ser
39 HASSEMER, Winfr ied. Op. c i t . , p . 248 40 É importante destacar que a onto logia apregoada pe lo s is tema f ina li sta não é
ind icat ivo do acolhimento do direi to na tura l . É verdade que, bu scando a va lidade
para seu s is tema, Welze l defendeu que a legislação não poder ia inte r fer ir na “ordem
interna” de es truturas que pretendesse atr ibui r uma consequência jur ídica. Porém,
isso não se confunde com jusnatura l i smo. Sobre esse ponto, confira -se: WELZEL,
Hans. Introduccion a la f i losofia de l derecho: derecho natural y just ic ia
mater ial . Agui lar , Trad. Fel ipe González Vicén, 1955. Nesse mesmo sentido
caminha Hirsch: “Correcto es –como ya se mostró a l comienzo – que el «f inal ismo»
exige observar las es tructuras y el con tenido concreto de los ob jetos a los cuales
es tá vinculado e l ordenamien to jur ídico en sus regulaciones . Aquí se tra ta só lo en
parte de ha llazgos onto lógicos (p . e j . , en los conceptos de acc ión y de causa lidad).
Junto a el lo entran en con sideración también fenómenos socia les generales (p . e j . :
la cu lpabi l idad, el honor, e tc . ) . Por e l lo , anal izado con prec is ión no se tra ta de uma
oposición en tre lo ónt ico y lo socia l -normat ivo, s ino de la relación entre las
es tructuras de la materia de regu lac ión y e l derecho. E l derecho no inven ta la
rea lidad que pretende regular –pues ser ía irre levante – , s ino que regula una
rea lidad que ya le viene dada. Una verdad an s imple y las consecuencias que de e l la
se der ivan metodológicamente no t ienen nada que ve r con el derecho natura l . ”
HIRSCH, Hans Joachim. Acerca de la crit ica a l f ina li smo . Op. c i t . , p . 9 . 41 Em um comentár io la te ral sobre o a lcance da expressão “encontra - lo ou perde - lo” ,
cumpre t razer à ba ila a seguinte ponderação de Jose Cerezo Mir: “ A estrutura
f inal i sta da ação humana e a es trutura da culpabil idade vincu lam somente o
legis lador , no caso de querer -se v incular a ação ou a culpabil idade a uma
conseqüência juríd ica. Tão -somente nesse caso terá de se respe itar necessariamente
sua estru tura lógico -ob jet iva. Em h ipótese d iversa poderia ser ignorada. O mesmo
ocorre com o concei to f inali sta da ação . Tão -somente no caso de o leg is lador querer
agregar uma conseqüência juríd ica a uma ação humana es tará v inculado à sua
es tru tura lógico -objet iva” CEREZO MIR, Jose. Ontolog ismo e normativismo. Op.
ci t . , p . 4 . 42 HASSEMER, Winfr ied. História das ideias penais . Op. c i t . , p . 248.
13
enfrentado, estava despreparado para enfrentar questões centrais
levantadas por Welzel 43, porque era um sistema que não conseguia
autojust if icar -se44.
Dessa maneira , por sua consis tência e poderosa
argumentação, o f inalismo firmou -se como matriz ideológica
dominante 45, espalhando-se por toda Europa e América Latina 46, no
período do pós-guerra. “A solidez dos argumentos como matriz
ontológica e a consistente redistr ibuição sis temática dos elementos
estruturais do cr ime f izeram com que as ideias de Welzel
ganhassem maciça adesão doutrinária e legislativa ” 47.
Sua importância f icou tão latente que, em deter minado
período, seus crí t icos apenas podiam seguir dois caminhos: Crit icar
o f inalismo em seu modo de argumentar ou, então, edif icar um
modo de argumentação igualmente poderoso:
“Qualquer divergência acerca da ação,
anti juridicidade, part ic ipação, dolo ou omissão
não representava objeção séria , enquanto não
fosse guarnecida com certezas jusnaturalis tas
‘objetivas’ . Portanto, uma teoria que apenas
divergisse das teses f inalis tas perdia , pelo só fato
43 WELZEL, Hans. Novo s istema jurídico -penal . Op. c i t . , p . 39 /47. 44 HASSEMER, Winfr ied. Histór ia das ide ias penais . Op. ci t . , p . 248. Por demais,
confira -se pontua is cr í t icas ao si s tema cláss ico na nota de rodapé n. º 8 . 45 Sobre a adesão dos Tribunais Alemães às doutr inas de Welze l , confira -se:
HIRSCH, hans Joachim. Acerca de la crit ica a l f ina li smo . Op. c i t . , p . 6 . 46 Conforme fr i sado, para seus adeptos, essa p retensão universal é uma adorada
carac ter í st ica do final ismo. Sobre esse ponto , cr i t icando a exagerada normat ização
de cer tos funcionali s tas, Hirsch aduz que do fina li smo: “ deriva una ganancia no sólo
cien tí f ica , sino también para el Estado de derecho, que, por si fuera poco, se
corresponde con la ac tual tendencia genera l a la globalizac ión que ex ige una
internacional ización de la cienc ia penal. El fuer te incremento de la discusión
internacional de las cuest iones dogmáticas con f irma un aspecto ya mencionado de la
f inal idad metodológica del « f ina li smo»: espec ialmente con re lac ión a las teor ías
genera les, a lcanzar conocimien tos que puedan re iv indicar val idez c ient í f ica más
allá de las f ronteras nacionales . El « f ina li smo» const i tuye por con sigu ien te un
importan te estad io de desarrol lo de la dogmática penal. Por el con trario , aquellas
nuevas concepciones dogmát icas que sos t ienen un normativ ismo orientado a un
«derecho penal en una soc iedad de conf iguración preexistente» represen tan una
vuel ta al posi t iv ismo legal nacional con una nueva vest idura . No se t rata, pues, de
un concepto orien tado al fu turo, sino al pasado; jus to lo contrario de lo sos ten ido
por Welzel” HIRSCH, Hans Joachim. Acerca de la crit ica al f inal i smo . Op. ci t . , p .
25. 47 MELLO, Sebást ian Borges de Albuquerque . O conteúdo mater ial da
culpabi l idade . Op. ci t . , p . 167.
14
de divergir , qualquer possibil idade de receber
possibil idade de receber atenção acadêmica e
legislat iva, e de gerar efeitos práticos na
jurisdição penal, porque seu modo de argumentar
se afigurava demasiadamente frágil . Uma ciência
do direito penal, um legislador ou um órgão
jurisdicional que estivessem habituados a
converter verdades objetivas, fundadas no Ser,
em pensamentos e ações concretas, não se
deixariam impressionar, no exercício de tal
a t ividade, por uma crí t ica que contestasse o
conteúdo intr ínseco dessas verdades, sem
oferecer um outro fundamento igualm ente
objetivo” 48.
3. O CONCEITO ONTOLÓGICO DE AÇÃO FINAL 49:
Segundo Welzel , a primeira ontológica cuja ordem o
direito deveria respeitar seria o atuar f inalis ta do ser humano 50.
Com apoio na ps icologia do pensamento 51, para Welzel , o ser
humano só agir ia de acor do com um propósito . Querendo, então,
48 HASSEMER, Winfr ied. História das ideias penais . Op. c i t . , p . 249. 49 Sobre o ponto , Roxin identi f icou dois momentos no pensamento de Welzel .
Inicialmente, em seus p r imeiros escr i tos, aponta que o conceito de ação f inal i sta não
se assentava sobre uma es trutura ontológica , mas pautava -se na fenomenologia da
adequação soc ial . Poster iormente, segundo Roxin, Welze l desenvolveu seus
postulados, passando a defender que a aç ão f inal es tar ia assentada sobre a es trutura
do “ser” : ROXIN, Claus. Novos estudos de dire ito penal . Op. ci t . , p . 118 e
seguintes. 50 A ressalva foi fei ta porque , segundo Hassemer, “ ainda que es teja tota lmente
exclu ído que a teor ia f inali sta da ação tenha e st imulado o nazismo ou engrossado o
coro das escolas ant i l ibera is da era nazista , resta incontroverso que a acepção
pessoal de ação e an ti jur idicidade , como cerne do pensamento penal f ina lí st ico,
encontrava um correspondente con temporâneo , se bem que d is to rc ido, no direi to
penal da vontade, elaborado pelo pensamento penal nazista ” HASSEMER, Winfr ied.
História das ide ias penais . Op. c i t . , p . 247. Em sentido contrár io , sustentando que o
f inal i smo não teve qualquer influência do Nacional -Social ismo, posic iona -se Hirsch:
“E l « f ina li smo» no tuvo importancia a lguna en los t iempos de Hi t ler. A l contrar io de
lo que sucede con la teoría de la acc ión «final» , el derecho penal nacional -
soc ial is ta tendía a uma dogmát ica jur ídico -penal nacional y popular y al derecho
penal de ánimo y de au tor. Sólo después de la Segunda Guerra Mundia l , cuando se
discut ió la posición dogmát ica de l error de prohibic ión, e l « f inal i smo » encontró un
campo de ac tuación más amplio” HIRSCH, Hans Joachim. Acerca de la cri t ica a l
f ina li smo . Op. c i t . , p . 4 . 51 WELZEL, Hans. Novo s istema jurídico -penal . Op. c i t . , p . 7 .
15
a tr ibuir a essa estrutura ontológica uma consequência jurídica, o
legislador apenas poderia proibir ações dir igidas a um fim 52.
Em seu entendimento, a “ ação não é uma mera soma de
elementos objetivos e subjetivos, mas sim uma direção do curso
causal regido pela vontade humana. O conteúdo da vontade
pertence ao conceito da ação e este corresponde ao seu ser” 53:
“A estrutura ontológica da ação é para ele
anterior a qualquer valor ou regulamento; se ela
for menosprezada, o resultado será
necessariamente falso. Orientando -se nela ,
porém, o resultado será conduzido a esfera do
verdadeiro, a qual pertence, sobretudo, o dolo no
âmbito do t ipo penal e suas consequências para a
doutrina do erro” 54.
Didaticamente, o autor explicou que:
“Para esclarecer essa questão, remeto -me a
diferença existente entre um assassinato, de um
lado, e um raio mortal , de outro; em um
assassinato, todos os atos estão dir igidos em
razão de um fim prefixado: a compra de uma
arma, o mirar , o apontar , puxar o gati lho;
enquanto no raio o resultado morte é a resultante
cega dos elementos causais existentes. Dado que
a f inalidade baseia -se na capacidade da vontade
de prever, dentro de certos l imites, as
consequências de sua intervenção no curso causal
e de dir igir , por conseguinte , este , conforme um
plano, à consecução de um fim, a espinha dorsal
da ação f inalis ta é a vontade, consciente do f im,
rei tora do acontecer causal . Ela é o fator de
direção que configura o suceder causal externo e
52 Ressal tando a importânc ia do concei to de ação para o f inal i smo, Hirsch exp lica
porque esse concei to era essencial no s is tema ontológico de Welzel : “ El ob jet ivo
especia l de l « f inal i smo» era la ap licación de es te pr incip io metodológico a un
concepto centra l del derecho penal: e l concepto de acción . Este concepto es cen tral ,
porque en e l caso de los de li tos se t ra ta de les iones con tra prohibic iones o
mandatos y porque son acciones los ob je tos de es tas dos formas normativas . La
prohib ic ión no permite una acción y e l mandato la exige. La t ransformación del
concepto de acc ión en un producto construido por el derecho penal , a saber, en una
causación del resu ltado (6) or iginada por un mero impuls o de la volun tad,
cualquiera que fuera su conten ido, dio ocasión a Welzel para desarro llar el l lamado
«final i smo »” HIRSCH, Hans Joachim. Acerca de la cr it ica al f inal ismo . Op. c i t . , p .
3 . 53 CEREZO MIR, Jose. Ontolog ismo e normativ ismo. Op. c i t . , p . 2 . 54 ROXIN, Claus. Novos estudos de dire ito penal . Op. ci t . , p . 118 .
16
o converte , portanto, e m uma ação dir igida
f inalis t icamente; sem ela , f icaria destruída a ação
em sua estrutura e seria rebaixada a um processo
causal cego. A vontade f inal , como fator que
configura objetivamente o acontecer real ,
pertence, por isso, à ação” 55.
Destarte , o f inali smo sustentou que toda conduta humana
passaria por uma fase interna, composta da cogitação e da seleção
dos meios à sua realização, de sorte que exteriorização apenas
revelaria os meios f ís icos selecionados para alcançar o alvo elei to
internamente.
A part i r da premissa f inalis ta , tome -se como exemplo
um homicídio. Antes de chegar ao resultado morte , o homicida
necessariamente pensou em matar seu desafeto, ocasião em que
determinou uma finalidade homicida. Após essa representação
mental , foi preciso desenvol ver um raciocínio acerca dos meios que
deveriam ser empregados para viabil izar o ato de matar . Nesse
momento, o homicida valeu -se do conhecimento de causa e efeito, a
saber: sabendo que uma faca promove lesões; que um projéti l de
arma de fogo disparado em determinada regiões vitais tem aptidão
de matar , o homicida escolhe os meios f ís icos que deverão
material izar sua f inalidade. Logo, a causalidade, is to é , aquilo que
ocorre no mundo real (no exemplo proposto, dar um tiro ou desferir
facadas) , não vai a lém do que a exteriorização da seleção dos meios
f ís icos para alcançar o resultado interno pretendido: Matar .
Veja-se, portanto, que embora a conduta seja subjetiva,
guiada por um processo interno de representação mental , seria
possível verif icar empiricament e a f inalidade do agente de acordo
com aspectos objetivos como, por exemplo, a escolha dos meios
( t iros ou facadas) e a forma de execução da conduta (quantos
t iros/facadas e o local destas) .
55 WELZEL, Hans. Novo s istema jurídico -penal . Op. c i t . , p . 32.
17
Com esse aparato psicológico, Welzel desvendou a
estrei ta relação existente entre a causalidade e o vínculo subjetivo,
defendendo que estariam atrelados, de sorte que não seria possível
separá-los como se fossem dist intos . Vale fr isar , as conclusões
sobre a ação não f icaram restr i tas ao posicionamento do dolo (na
conduta ou na culpabil idade), mas Welzel também reestruturou a
teoria analí t ica do deli to a part ir do seu conceito f inalis ta da
conduta: O dolo, compreendido como finalidade da ação t ípica,
s imples ato de realização da vontade, afastou -se da consciência da
i l ic i tude (posição neoclássica) , para integrar a estrutura do t ipo
penal. Consequentemente, o fato t ípico abandonou sua função
descri t iva, passando a ser revestido de uma estrutura complexa,
agregando elementos objetivos, subjet ivos e normativos.
4. A TIPICIDADE E A ILICITUDE PARA O FINALISMO:
Além de redesenhar a estrutura analí t ica do crime,
Welzel procurou deixar bem delimitado a relação existente entre
cada prisma do crime. Sem embargo da vinculação lógica entre cada
categoria do concei to analí t ico de crime 56, Welzel procurou escrever
com atenção sobre o papel desempenhado por cada categoria do
conceito analí t ico de crime.
Inicialmente, af irmou que a t ipicidade seria um
elemento puramente conceitual , “ a descrição concreta da norma
proibida” 57, enquanto a i l ic i tude seria a contradição da realização
de uma norma proibit iva com o ordenamento jur ídico em seu
conjunto 58.
56 Segundo o autor , “a t ip icidade, a ant i jurid ic idade e a cu lpabi l idade são os t rês
elementos que convertem uma ação em deli to ” WELZEL, Hans . Novo s istema
jurídico-penal . Op. ci t . , p . 57. 57 WELZEL, Hans. Novo s is tema jur ídico -penal . Op. ci t . , p . 63 . 58 “Dado que o ordenamento juríd ico quer cr iar, com suas normas e prece itos
permissivos, uma ordem valorosa da v ida soc ial , a real i zação ant i juríd ica do t ipo é
uma conduta que menospreza essa ordem valorosa. Por i sso se diz, f requentemente,
que a anti jur idic idade é um juízo de desvalor da conduta t íp ica. É preciso ter em
conta, todavia , o cará ter meta fór ico dessa expressão. O suje i to desse ju í zo de
18
Colocadas as diferenças entre a t ipicidade e a i l ic i tude,
Welzel conclui que “ se o autor real izou, objet iva e subjetivamente,
a conduta t ípica de uma norma proibit iva, atuou de modo contrário
à norma. A t ipicidade, e a consequente contradição com a norma, é
um indício da sua anti juridicidade” 59, consagrando a doutrina que
f icou conhecida como il ic i tude indiciária ou ratio cognoscendi .
Sinteticamente, a doutr ina da ratio cognoscendi
apregoava que a t ipicidade faria gerar uma presunção de i l ic i tude
com o ordenamento jurídico. Porém, este indício de i l ic i tude não
encerraria a questão. A discussão sobre real a ( i) l ic i tude do fato
deveria ser analisada em mome nto posterior , na análise residual da
i l ic i tude, consagrada autonomamente como segundo elemento do
crime, já que “quando concorre alguma causa de just i f icação, a
realização do t ipo não é anti jurídica. As causas de justi f icação não
excluem, por conseguinte, a t ipicidade e uma conduta, mas tão
somente sua anti juridicidade” 60. Nesses termos, a i l ic i tude apenas
deixaria de ser indiciária , aperfeiçoando -se como concreta ou sendo
definit ivamente afastada, quando a conduta t ípica fosse confrontada
perante o ordenamento jurídico, onde seria verif icado se o agente
atuou sob o manto de alguma causa de exclusão da i l ic i tude 61.
A part ir dessa doutrina, Welzel defendeu
categoricamente a autonomia da i l ic i tude como segundo prisma do
conceito analí t ico do crime, cri t icando q ualquer teoria que tentasse
fundir essas f iguras. Isso porque, conforme já ressaltado, a lguns
doutrinadores neoclássicos defenderam a ideia de um tipo total ,
sustentando verdadeira fusão da t ipicidade com a i l ic i tude, em uma
doutrina que f icou conhecida co mo ratio essendi 62. Em duras
crí t icas63, o f inalismo rechaçou essa fusão, condenando a premissa
desva lor não é um ind ivíduo (ou sequer o juiz), mas o ordenamento juríd ico como
tal” WELZEL, Hans. Novo sistema jurídico -penal . Op. c i t . , p . 63. 59 WELZEL, Hans. Novo s istema jurídico -penal . Op. c i t . , p . 77. 60 WELZEL, Hans. Novo s istema jurídico -penal . Op. c i t . , p . 77. 61 WELZEL, Hans. Novo s istema jurídico -penal . Op. c i t . , p . 81. 62 Sobre o tema, confira -se a nota de rodapé n. º 14 63 WELZEL, Hans. Novo s istema jurídico -penal . Op. c i t . , p . 68.
19
de que os t ipos incriminadores e as hipóteses justif icantes
encontram-se em relação de regra ( tipo incriminador) e exceção
(causas permissivas implíci tas) . Com ce rta razão, Welzel af irmou
que “nestas condições, a morte de um homem produzida em legít ima
defesa, teria a mesma signif icação que a morte de um mosquito.
Ambos seriam atípicos” 64.
5. A CULPABILIDADE FINALISTA:
Com o transporte dos elementos anímicos para a
conduta, a culpabi l idade restou reves tida de elementos puramente
normativos, sendo, então, composta por inéditos conceitos de
imputabil idade, potencial consciência da i l ic i tude do fato e de
exigibil idade de conduta diversa.
Abandonando definit ivamente sua es trei ta função de
pressuposto psíquico que imperou no sis tema causal -naturalis ta 65, a
imputabil idade passou a ser composta de elementos voli t ivos e
intelectivos, traduzida pela capacidade de “compreensão do injusto
e de determinação desta vontade” 66. A introdução da imputabil idade
no conceito de culpabil idade ocorreu porque, sendo o pressuposto
existencial do juízo de censura penal a ausência da
autodeterminação conforme um sentido, a compreensão cognit iva e
voli t iva do injusto penal seria um pressuposto em qu e se apoiaria o
conhecido “poder -atuar-de-outro-modo” .
Por sua vez, destacada do dolo na tural , a potencial
consciência da i l ic i tude tornou -se um dos componentes centrais do
juízo de censura na doutrina f inalis ta . Tendo em vista seu caráter
normativo, a pot encial consciência da i l ic i tude considera a
64 WELZEL, Hans apud SANTORO FILHO, Antônio Carlos. Teoria do t ipo penal .
São Paulo: Direi to , 2001, p . 82. 65 MADEIRA, Ronaldo Tanus . A estrutura jurídica da culpabi l idade . Rio de
Jane iro: Lumen Juris , 1999, p . 86. Sobre uma anál ise mais de tida sobre a evo lução
do concei to de imputab i l idade, desde a contr ibuição de Kar l Binding até o f inal i smo
de Welzel , confira -se: TANGERINO, Davi de Paiva Costa . Culpabi l idade . Op. c i t . ,
p . 50 e seguintes. 66 WELZEL, Hans. Novo s istema jurídico -penal . Op. c i t . , p . 130.
20
possibil idade de o agente ter conhecimento da lei a part ir de
aspectos objetivos como, por exemplo, costumes locais e o nível
intelectual do autor 67. A introdução desse elemento também
reforçou o entendimento acer ca do conteúdo material da
culpabil idade, porque é necessário conhecer o injusto t ípico para
“poder -atuar-de-outro-modo” 68.
Assim, em uma visão sis têmica, a imputabil idade e a
potencial consciência da i l ic i tude do fato estariam alinhadas em um
conceito formal da culpabil idade, com o propósito de apoiar o
verdadeiro conteúdo material : O “poder -atuar-de-outro-modo”.
Mantendo coerência com suas ideias acerca da
ontologia, o tema mais importante na culpabil idade na doutrina
f inalis ta foi o estudo sobre os impul sos humanos e a regulação
cerebral , extraídos da psicologia (valor ontológico).
Declaradamente baseado no l ivre arbítr io, o conteúdo
material da culpabil idade para Welzel estaria baseado em uma
análise retrospectiva da conduta como forma de verif icar se o autor
de um fato t ípico e i l íc i to poderia ter a tuado conforme o direito e
não o fez. Contudo, longe daquele l ivre arbítr io clássico, onde o ser
humano era moralmente responsável por sua conduta 69, o poder
atuar de outro modo estaria baseado em três premissa s: Uma
antropológica, uma caracterológica e outra categorial .
Em um modo antropológico, Welzel procurou
estabelecer as diferenças entre o homem e o animal como forma de
afirmar a capacidade cognit iva do homem para tomar decisões.
Nesse sentido, Welzel sus tentou que, em contraste fundamental com
o animal, o homem deixou de viver instintivamente para descobrir ,
67 “Um fato não é reprovável porque o autor conhecia ou podia conhece r suas
circunstâncias per tencentes ao t ipo, mas apenas porque conhecia, ou podia
conhecer, sua anti jur idicidade ” WELZEL, Hans . Novo sistema jurídico -penal . Op.
ci t . , p . 141. 68 WELZEL, Hans. Novo s istema jurídico -pena l . Op. c i t . , p . 142. 69 Veja -se a descr i ção da doutr ina hegeliana em: Davi de Pa iva Costa .
Culpabil idade . Elsevier : Rio de Jane iro, 2011, p . 51.
21
realizar e formar sua conduta através de atos responsáveis .
Antropologicamente, então, o ser humano seria “ um ser
responsável, ou, mais precisamente, um ser com disposição à
responsabil idade; e esse é o cri tério decisivo que o separa
existencialmente e não apenas normativa mente de todo o mundo
animal” 70.
Avançando, Welzel af irmou que o ser humano, atuando
como um ser cognit ivamente responsável, não i nterferir ia no
processo causal de forma arbitrária , senão conferir ia
caracterologicamente 71 um sentido à sua conduta, relacionando
sua vontade com certos motivos . Foi assim que, desvendando essa
relação com apoio na psicologia, Welzel af irmou que o ser huma no
possuir ia uma pluralidade de capas (ou centros internos) que
regulariam seu atuar responsável. Haveria nos seres humanos um
“centro profundo”, responsável pelos instintos de conservação da
espécie, pelos desejos e aspirações. Esse impulso, advindo do
centro profundo, seria valorado por um segundo centro, que ir ia
conferir sentido e valor aos atos de vontade 72. Assim, Welzel
af irmou que todos os impulsos possuir iam dois aspectos de
referência: um determinado pela força e outro determinado pelo
sentido 73. Em sua visão, era essa capacidade de controlar e regular
seus impulsos que conferir ia ao ser humano a responsabil idade
pelos seus atos:
70 WELZEL, Hans. Novo s istema jurídico -penal . Op. c i t . , p . 119. 71 Didat icamente, veja -se o conceito de carac terologia : “ A caracterolog ia é o ramo
da Psicolog ia que estuda, pesquisa e inves t iga a personal idade e o conjunto de
traços ps ico lógicos que def inem o cará ter mental e o comportamento do homem ”.
Disponível em: ht tp : / /ermessonnascimento.b logspot.com.br
/2014/03/caracterologia.html. Acesso em: 05 de maio de 2015. 72 O centro que confere o sentido não se confunde com o concei to de ação f ina li s ta .
Naquele a direção final da ação é dir igida ao mundo externo , a um esquema
antec ipado de seu curso e do resul tado. No entanto, este centro que confere um
sentido es tá re lac ionado a contr ibuição para formar um conteúdo de va lor para os
ins t intos do centro mais profundo. Assim, o cr i tér io dessa direção não é a idoneidade
dos meios para alcançar um f im, mas o conteúdo de finalidade e de valor dos f ins
dos impulsos. 73 WELZEL, Hans. Novo s istema jurídico -penal . Op. c i t . , p . 122.
22
“A signif icação insubsti tuível da função de
direção da vontade, orientada f inalis t icamente,
consiste , porém, em que seja p ossível uma nova
configuração da vida humana de acordo com a
verdade, na f inalidade e no valor , e permite , com
isso, ao homem a regulação de seus impulsos, que
lhe está confiada de modo responsável após o
desaparecimento dos instintos biológicos” 74.
Após o estabelecimento das premissas acima citadas,
retoricamente, Welzel questionou: “ como é possível ao homem o
domínio da coação causal por meio de uma direção orientada
f inal is t icamente, em virtude da qual , unicamente, pode se fazer
responsável por ter adotado a decisão errada em lugar da correta?
”75.
Respondendo a indagação retórica, Welzel af irmou que o
ser humano não poderia ser apenas objeto dos impulsos, mas teria a
capacidade de compreender o impulso como portador de sentido. A
l iberdade de vontade seri a , então, caracterizada pela possibil idade
de regência conforme o sentido conferido. Assim, o conceito
material da culpabil idade não poderia ser traduzido como uma
simples decisão contra o direi to, mas no fato de o criminoso ter
cedido a impulsos quando er a capaz de se determinar conforme o
valor e o sentido: A censura estatal não recair ia sobre “ a decisão
em si mesma, mas sim o fato do ser humano deixar -se arrastar por
impulsos contrários ao valor ” 76.
Após elaborar essa doutrina, Welzel af irmou que esse
“poder-atuar-de-outro-modo” não encerraria a questão do conteúdo
material da culpabil idade. Acrescendo aos argumentos acima
citados, Welzel também afirmou que a culpabil idade também
poderia ser fundada na defeituosa personalidade do agente.
74 WELZEL, Hans. Novo s istema jurídico -penal . Op. c i t . , p . 122. 75 WELZEL, Hans. Novo s istema jurídico -penal . Op. c i t . , p . 123. 76 MELLO, Sebást ian Borges de Albuquerque . O conteúdo mater ial da
culpabi l idade . Op. ci t . , p . 163.
23
Retomando os argumentos sobre a pluralidade de centros
internos, Welzel af irmou que o centro regulador estaria paralisado
se t ivesse que atender conscientemente a todas as demandas do
centro profundo. Logo, o centro regulador apenas atuaria em tarefas
decisivas; as demais t arefas estariam armazenadas no
semiconsciente e inconsciente. Essas decisões padrões estariam
situadas em um centro intermediário – entre o profundo e o
regulador , e formariam um centro de personalidade.
Observado a part ir do centro regulador, esse centro de
personalidade funcionaria como um depósito das decisões tomadas
anteriormente que se converteram na ati tude interna inconsciente da
personalidade 77. Essas at i tudes armazenadas seriam conceituadas de
“caráter adquirido”, ou seja , as qualidades e aptidões do ser humano
como, por exemplo, seu t ipo l inguíst ico, intelectual e rel igioso.
Com efeito, para o f inalismo de Welzel , a culpabil idade material
também poderia ter raiz “ na falta, ou na estrutura defei tuosa, desse
estrato de personalidade, como base deter minante da ação
anti jurídica” . 78
6. MÉRITOS E CRÍTICAS AO FINALISMO:
Não se pode ignorar que o f inalismo simbolizou um
verdadeiro marco no estudo do direito penal, resgatado da pura
normatividade neokantis ta para a legit imidade decorrente da
uti l ização de estruturas ônticas, preocupação ainda presente dos
atuais penalis tas 79. Com efeito:
77 WELZEL, Hans. Novo s istema jurídico -penal . Op. c i t . , p . 132. 78 WELZEL, Hans. Novo s istema jurídico -penal . Op. c i t . , p . 133. 79 Sobre o discurso de legi t imidade do direi to penal , destacam -se os penali s tas da
Esco la de Frankfur t , dentre eles : GÜNTHER, Klaus. A culpabil idade no Dire ito
penal a tual e no futuro . Revis ta Bras i leira de Ciências Cr iminais : n. º 24, Trad.
Juarez Tavares, 1998, p . 80 e seguintes ; KINDHÄUSER, Urs. Culpabil idad
jurídico-penal en el Estado democrático de D erecho . Disponível em:
ht tp: / /www.i ta iusesto .com/wp -content /up loads/2012/11/2_2 -Urs-Kindhauser .pdf.
Acesso em: 08 de agosto de 2015; KINDHÄUSER, Urs apud MELLO, Sebástian
Borges de Albuquerque . Op. ci t . , p . 265 e seguintes ; D’AVILA, Fab io Rober to .
Liberdade e segurança em direito penal. o problema da expansão da intervenção
penal . Disponível em: ht tp : / /www.e -publicacoes .uer j .br / index.php/redpena
l /ar t icle/view/7142. Acesso em: 08 de agosto de 2015.
24
“A controvérsia em torno de uma fundamentação
ontológica ou normativa do sis tema jurídico -
penal não está , de forma alguma, definit ivamente
decidida em favor do normativismo (qu e além
disso apresenta várias formas), mas se reacende a
todo tempo. ( . . . ) Meu amigo e aluno Sergio
Moccia atr ibui ao sis tema finalis ta o mérito de
ter , numa época em que imperava um terr ível
posit ivismo jur ídico, correspondente a
onipotência do Estado naz ista , favorecido a busca
de princípios e valores, que devem ser
independentes da vontade estatal e que têm de
fazer- lhe oposição” 80.
Aliás , o próprio Roxin destacou em seus escri tos que,
a inda que não se concorde com sua metodologia, o f inalismo
representou grande avanço no descobr imento do desvalor da ação 81,
no posicionamento do dolo no fato t ípico 82, no fortalecimento e
desenvolvimento do comportamento t ípico 83 e na dist inção entre
autores e part íc ipes com base nas iniciais ideias de domínio do
fato84.
No entanto, não se pode ignorar que, com a evolução
metodológica, o f inalismo passou a ser contestado por autores pós -
finalis tas (dentre os quais se inserem funcionalis tas e não
funcionalis tas) . As crí t icas dir igem -se a toda a construção analí t ica:
Entre outras, às estruturas ontológicas 85, ao conceito de ação 86, ao
tratamento do erro 87, ao nexo causal 88, ao conceito de t ipicidade 89, o
80 ROXIN, Claus. Estudos de direi to penal . Op. ci t . , p . 56. 81 ROXIN, Claus. Estudos de direi to penal . Op. ci t . , p . 59. 82 ROXIN, Claus. Estudos de direi to penal . Op. ci t . , p . 60. 83 ROXIN, Claus. Novos estudos de dire ito penal . Op. ci t . , p . 124 . 84 Diz -se iniciais porque, embora Welzel tenha lançado seus traços inici ais , o
desenvolvimento da teor ia do domínio do fa to deu -se pelos es tudos de Claus Roxin.
Breve panorama em: ROXIN, Claus. Novos estudos de direi to penal . Op. c i t . , p .
17/22. 85 ROXIN, Claus . Pol ít ica cr iminal e s istema jurídico -penal . Renovar: Rio de
Jane iro, Trad. , Luís Greco, 2002. 86 DIAS, Jorge de Figueiredo. Questões funda mentais: a doutr ina gera l do crime,
parte geral , tomo I . Revis ta dos Tribunais: São Paulo , 2ª Ed. , 2007 , p . 251; ROXIN,
Claus. Novos estudos de direito penal . Op. ci t . , p . 125; HASSEMER, Winfr ied
Apud BUSATO, Paulo César . Direito Penal & ação s ignif icat iva . Op. c i t . , p . 100. 87 Breves c r í t icas às soluções propostas por Welze l para as hipó teses conhecidas
como “descr iminantes putat ivas” em: ROXIN, Claus . Novos estudos de direito
penal . Op. ci t . , p . 125. 88 ROXIN, Claus. Estudos de direi to penal . Op. ci t . , p . 100.
25
nexo de causalidade 90, conceito de i l ic i tude 91 e o conceito material
de culpabil idade 92.
Fugir ia do propósito do presente trabalho exauri r as
crí t icas dir igidas contra o s is tema finalis ta , lembrando -se que,
conforme estabelecido na introdução, o presente art igo tem como
objetivo introduzir o problema em linhas gerais . Logo, f r ise -se, as
crí t icas abaixo dispostas não encerram o universo de c ontestação ao
sis tema finalis ta , sendo, antes, fruto de uma opção do subscri tor por
“temas macro” da organização analí t ica do crime: Dados
ontológicos, ação f inal e culpabi l idade .
6.1. A SUPERVALORIZAÇÃO DOS DADOS
ONTOLÓGICOS:
Se por um lado o f inalismo encanta inúmeros penalis tas
às suas premissas ontológicas e à sua pretensão de legit imidade
universal do sis tema, por outro lado, não está isento de crí t icas.
Ocorre que o excessivo apego às estruturas ontológicas da
realidade, identif icadas por um conhecimento p ré-jurídico, poderia
engessar o s is tema, que passaria tutelar valores próximos à
imutabil idade (afinal , depois de descoberta as estruturas
ontológicas, o legis lador mais nada poderia fazer) .
Aliás , diz -se que essa pretensão ontológica foi
responsável por t ransformar o f inalismo no mais inflexível de todos
os s is temas, chegando a conclusões teratológicas 93 como, por
89 SANTORO FILHO, Antônio Car los. Teoria do t ipo penal . São Paulo : Dire i to ,
2001. 90 ROXIN, Claus. Estudos de direi to penal . Op. ci t . , p . 101. 91 REALE JUNIOR, Miguel . Antijuridicidade concreta . São Paulo : José Bushatsky,
1971, p . 136. 92 Confira -se um panorama do problema da l iberdade em: MELLO, Sebást ian Borges
Albuquerque. O conteúdo materia l da culpabi l idade . Op. ci t . , p . 167. Após, veja -se
a tomada de uma posição cr í t ica e o desenvo lvimento da doutr ina da
“responsabi l idade” na obra: ROXIN, Claus. Estudos de direi to penal . Op. ci t . , p .
133; Em outra perspec tiva, sustentando que a culpabi l idade cuida de um sistema de
exigib il idade soc ia l : BUSTOS RAMIREZ. Juan; MALAREÉ, Hernan Hormazába l .
Lecciones de derecho penal . Trotta : Madrid , Volumen 2. 93 Rebatendo essa cr í t ica, Hirsch aduz que: “ Por cierto , es posib le que a lguno de los
represen tantes del « f inal i smo» haya uti l izado la palabra «ontológico»
26
exemplo, a de que “a vontade passou a preponderar sobre o
resultado, chegando-se ao absurdo da punição do crime impossível ,
vale dizer , tão somente daquilo que o autor quis fazer ” 94.
Entretanto:
“O conhecimento da realidade pré - jurídica não
resolve problemas jurídicos. Tudo depende da
importância que confere o direi to ao fato natural ,
de uma valoração de que este se torna objeto, a
qual instantaneamente faz com ele deixe de ser
puramente natural , adentrando o mundo do
jurídico” 95.
Tome-se como exemplo o aborto dos fetos
anencefálicos. Biologicamente há vida, não se pode negar. Do
contrário, não se estaria discutindo se haveria aborto, que nada
mais é do que a el iminação da vida intrauter ina. Sendo
biologicamente vida, não poderia o direi to, pretendendo agregar
uma consequência jurídica, negar essa estrutura da realidade 96, sob
pena de interferir em estruturas lógico -reais , conclusão rechaçada
pelo Supremo Tribunal Federal na interpretação da lei . Portanto:
“Se neokantismo pôde ser cr i t icado por seu
excessivo normativismo, o f inalismo, que de
início tentou superá -lo, negando a separação
entre ser e dever ser (o dualismo metodológico),
depois voltou a ela, e pior: pondo a tônica no ser .
No esforço de polemizar com o neokantismo,
acabou o f inalismo voltando à falácia naturalis ta ,
pensando que o conhecimento da estrutura pré -
jurídica já resolvia por s i só o problema jurídico.
frecuentemente para fundamentar sus tes is , ta l como e l lo ha sido just i f icado, y as í
ocasionar , en el ámbi to parcia l correspondien te, la impresión de una cierta anemia
argumenta l . Ya se sabe: ninguna teoría es inmune a las exageraciones. Ante todo,
sin embargo, e l « f ina li smo» no ha tenido la in tenci ón de elevar sus fundamentos al
rango de princip ios posi t ivos ” HIRSCH, Hans Joachim. Acerca de la crit ica al
f ina li smo . Op. c i t . , p . 13. 94 SOUZA, Ar tur de Bri to Guei ros ; J IPIASSÚ, Car los Eduardo Adr iano. Curso de
direito penal . Op. c i t . , p . 163. 95 GRECO, Luís. Introdução a dog mát ica funcional ista . Op. c i t . , p . 5 . 96 Enfrentando o tema das estruturas ontológicas e poss íveis distorções na sua
regulação jur íd ica, Hirsch aduz que: “ Si del análisi s cient í f ico - dogmát ico surge que
un precep to legal , deb ido a la er rónea materia de regulación , es objet ivamente
incorrecto , e l lo no s ign if ica para los « f ina li stas» que el precepto en cuest ión sea
invál ido, s ino que la c ienc ia reclama su rect i f icac ión” HIRSCH, Hans Joachim.
Acerca de la cr it ica a l f ina li smo . Op. c i t . , p . 13.
27
E certos f inalis tas foram tão lon ge em seu culto
às estruturas lógico-reais que, sob o argumento
de que “o direito só pode proibir ações f inalis tas”
baniram o resultado do i l íc i to, declarando a
tentativa inidônea ou crime impossível o
protótipo do deli to, que merecia a mesma pena da
consumação”97.
Aliás , em diversas passagens pode -se observar que o
f inalismo promoveu o retorno a alguns postulados naturalis tas: Ao
compreender a conduta como pura realização de vontade do verbo, o
t ipo penal voltou a ser demasiadamente formal, veiculando ape nas
matéria de proibição; a i l ic i tude voltou a ser traduzida pela
inexistência de excludentes de i l ic i tude; é possível perceber uma
compulsiva importância ao posicionamento de alguns elementos do
deli to (por exemplo: se o dolo está na conduta ou na culpabi l idade),
ta l como no sis tema clássico, onde havia uma tendência (quase)
compulsiva: os elementos objetivos eram posicionados no t ipo, os
valorativos na i l ic i tude e os subjetivos na culpabil idade.
Nesse espír i to crí t ico, Roxin destaca que:
“Visto de uma retrospectiva histórico -dogmática,
sobressaem mais semelhanças do que diferenças
entre as duas teorias: ambas fundamentam o
sis tema jurídico-penal em categorias ônticas,
avaloradas, imunizadas de antemão contra
objetivos sociais e polí t ico -criminais . O nexo
causal (no sentido da teoria da equivalência) e
também sua supradeterminação f inalis ta tentam
descrever le is estruturais de acontecimentos do
mundo exterior , que são anteriores a toda
valoração” 98.
Avançando por outra via de questionamentos, tem -se que
não seria possível identif icar , com precisão, a delimitação entre a
97 GRECO, Luís. Introdução a dog mát ica funcional ista . Op. c i t . , p . 6 . 98 ROXIN, Claus. Estudos de dire ito penal . Renovar: Rio de Jane iro, Trad. Luís
Greco, 2006, p . 79.
28
ut i l ização dos dados ontológicos e os dados valorativos. Nesse
campo, Karl Engisch formulou a seguinte indagação:
“Onde termina a estrutura do Ser e onde se
insere o foco da valoração? Qu ais são os
cri térios, com base nos quais , nós podemos
decidir se o que, na constatação da natureza
pessoal do ser humano, deve ser creditado na
natureza da realidade pré -existente ou na conta
da valoração jurídica? ”99
Is to é , a localização do dolo na condu ta está disposta
por sua natureza ôntica ou é sugerida por conveniência valorativa?
A pessoalidade da teoria da anti juridicidade se deve a algum
espír i to da época ou decorre de alguma justiça atemporal? 100 A
guerra dos impulsos, que apoiavam o poder atuar de outro modo,
integraria essa estrutura ôntica? Afinal , “ quais são os cri térios
mediante os quais é possível decidir , na constatação da natureza
pessoal do ser humano, o que dever ia ser credi tado na realidade
preexistente ou na conta da valoração jurídica ”?101
6.2. ALGUNS PROBLEMAS EM TORNO DA IMUNIZAÇÃO
DA POLÍTICA CRIMINAL 102:
De fato, a imunização do sis tema jurídico -penal contra a
polí t ica criminal poderia ser adequada no tópico retro, como
oposição de uma metodologia s implesmente baseada na ontologia do
99 CEREZO MIR, Jose. Ontolog ismo e normativ ismo . Op. c i t . , 249. 100 CEREZO MIR, Jose. Ontolog ismo e normativ ismo . Op. c i t . , p . 250. 101 MELLO, Sebástian Borges Albuquerque. O conteúdo mater ial da culpabi l idade .
Op. c i t . , p . 170. 102 Respondendo a cr í t ica de Roxin, Hirsch sustenta que “ El «f inal ismo» es un
concepto tocante a los elementos estruc tu ra les generales del del i to . Se ocupa, por
tanto, de la parte fác t ica de un derecho penal de hecho. Por el contrar io , es
independiente de las teorías de la pena y de la pol í t ica cr iminal. S in embargo,
adquiere re levancia para es tas úl t imas en la medida en q ue de termina con precisión
los requ is i tos generales del del i to (p . e j . , acción, dolo, imprudencia, culpabi l idad,
etc . ) resul tantes de los princip ios fundamentales que rigen para el mismo (derecho
penal del hecho, princ ip io de culpabil idad, e tc . ) , y con el l o marca l ímites f ren te a la
expansión y la arb it rariedad de la legis lación y la jurisprudencia. Entremezclar
dogmát ica penal y pol í t ica cr iminal, como puede apreciarse modernamente bajo
signos normat ivis tas , pasa por a l to es ta función, que jus tamente t iene como
presupuesto la dis t inc ión de es tos dos ámbi tos. El provecho que há conllevado el
«f inal i smo» para la dogmát ica, que sigue siendo la parte más importan te de la
cienc ia penal , encuentra una muy imprec isa y fuer temente reducida expresión con e l
término «f inal ismo »” HIRSCH, Hans Joachim. Acerca de la cri t ica al f inal ismo .
Op. c i t . , p . 27.
29
“ser”. No entanto, devido a sua importância , julgou -se mais
adequado explorar o tema e, assim, apresentar um esboço sobre o
pensamento de Roxin, ident if icando o grande ponto de divergência
entre eles103.
Contornando os primeiros traços do movimento que veio
a ser denominado de funcionalis ta , em sua famosa obra 104, o
professor Roxin denunciou que o direi to penal não poderia estar
vinculado às estruturas ontológicas como fonte exclusiva para
determinar a matéria de regulação 105. Para explorar seu ponto de
vista , questionou : “De que prestaria a solução de um problema
jurídico, que apesar da sua l inda clareza e uniformidade é polí t ico -
criminalmente errada? Não seria preferível uma decisão adequada
do caso concreto”?
Nessa seara, o primeiro esforço de Roxin foi rechaçar o
pensamento de Franz von Liszt 106, para quem a polí t ica criminal e o
direi to penal deveriam estar separados 107. Em sua concepção, ao
contrário, polí t ica criminal e direi to penal deveriam, antes, somar
esforços para alcançar as f inalidades estabelecidas em um Estad o
Democrático de Direito:
103 Para maiores esclarec imentos, veja -se, em l íngua por tuguesa, as seguintes obras :
ROXIN, Claus. Novos es tudos de d irei to penal . Marc ial Pons: São Paulo , Trad. Alaor
Lei te , 2014; ROXIN, Claus. Estudos de dire i to penal . Renovar: Rio de Jane iro, Trad.
Luís Greco, 2006. 104 ROXIN, Claus. Pol ít ica cr iminal e si stema jurídico -penal . Renovar: Rio de
Jane iro, Trad. Luís Greco, 2002. 105 ROXIN, Claus. Polít ica criminal e s istema jurí dico-penal . Op. c i t . , p . 27. 106 “Enquanto est ivermos empenhados em pro teger a l iberdade do indivíduo em face
do arbí t rio i l imitado do poder do esta tal , enquanto nos at ivermos ao princíp io do
nullum cr imen, nulla poena sine lege, a r ígida arte de in terpretaç ão de leis que
opere com princ ípios c ient í f icos manterá sua importância pol í t ica ” LISZT, Franz
von Apud ROXIN, Claus . Pol ít ica cr iminal e si s tema jurídico -penal . Op. ci t . , p . 4 . 107 Em tom cét ico e cr í t ico ao s is tema proposto por Roxin, tem -se a ler tado que: “Uma
ciênc ia penal subserviente à pol í t ica cr iminal pres ta um desserv iço em tempos
dif íce is como os de hoje. É preciso ter c laro que o reconhecimento e a defesa de
direi tos e garantias fundamenta is impl icam necessariamente l imites às po lí t icas
públicas de segurança. Limi tes, porém, que nada mais são do que a concre ti zação
dos custos desses mesmos dire i tos e dessas mesmas garant ias. E que, somente
quando esses prec isos l imites forem levados a sério sem qualquer terg iversação,
será possível , a parti r do dire i to penal, avançar no sent ido da recondução do Estado
de Direi to às razões que lhe dão fundamento ” D’AVILA, Fáb io Rober to . Liberdade
e segurança em dire i to penal: O problema da expansão do direito penal .
Disponível em: ht tp: / /www.e -publ icacoes .uer j .br / index .php/redpenal/ar t ic le/vi
ew/7142/5118. Acesso em: 01 de agosto de 2015 .
30
“Fica claro que o caminho correto só pode ser
deixar as decisões valorativas polí t ico -criminais
introduzirem-se no sis tema do direito penal, de
ta l forma que a fundamentação legal , a c lareza e
previsibi l idade, as interações harmô nicas e as
consequências detalhadas deste s is tema não
f iquem a dever nada à versão formal -posit ivista
de proveniência l iszt iana. Submissão ao direito e
adequação a f ins polí t ico -criminais
(kriminalpoli t ische Zweckmäßigkeit) não podem
contradizer -se, mas devem ser unidas numa
síntese, da mesma forma que o Estado de Direito
e o Estado Social não são opostos inconcil iáveis ,
mas compõem uma unidade dialét ica” 108.
Essa doutrina não se revelou como um dogma
desprovido de conteúdo prático, senão trouxe consigo novos
referenciais para a organização do conceito analí t ico de crime. Ao
contrário do f inalismo, que demonstrou certa compulsividade com a
distr ibuição de certas categorias do crime, o funcionalismo passou a
analisar as categorias do crime a part ir da função (o u
instrumentalidade) para o s is tema do fato punível . Assim, no
chamado funcional ismo teleológico, o ponto central consiste em
“ ident i f icar que valoração polí t ico -cr iminal subjaz a cada concei to
da teoria do del i to, e funcionalizá -lo, is to é, construi - lo e
desenvolvê- lo de modo a que atenda essa função da melhor maneira
possível” 109.
Vale fr isar , contudo, que a polí t ica criminal é apenas o
primeiro passo para análise do sis tema. Isso porque, Roxin continua
sustentando a introdução de dados empíricos em seu sis tema. A
peculiaridade reside no fato de que dados empíricos não vinculam
ao legislador ou sequer possuem, de pronto, solução para problemas
jurídicos . Esses dados necessitar iam de um referencial normativo,
pois , somente assim, poderiam desempenhar uma funç ão adequada
no sis tema:
108 ROXIN, Claus. Polít ica criminal e s istema jurídico -penal . Op. c i t . , p . 20. 109 GRECO, Luís. Introdução à dog mát ica funcional ista . Op. c i t . , p . 7 .
31
“Parto da idéia de que todas as categorias do
sis tema do direito penal se baseiam em princípios
rei tores normativos polí t ico -criminais , que,
entretanto, não contêm ainda a solução para os
problemas concretos; estes princípios serão ,
porém, aplicados à "matéria jurídica", aos dados
empíricos, e com isso chegarão a conclusões
diferenciadas e adequadas à realidade. A luz de
tal procedimento — de uma perspectiva pol í t ico -
criminal — , uma estrutura ontológica como a da
ação f inalis ta parece em parte relevante, em parte
irrelevante e em parte necessitada de
complementação por outros dados empíricos” 110.
Por exemplo, “a imputação objetiva, ao considerar a
ação t ípica uma realização de um risco não permit ido dentro do
alcance do t ipo, estrutur a o i l íc i to à luz da função do direito
penal” 111; a discussão sobre a (não) legit imidade dos crimes de
perigo abstrato passa a ser decidida com base em valorações
polí t ico-criminais 112; o tratamento do erro e a desistência voluntária
deixam de lado estruturas ontológicas do dolo para questionar se
incumbe (ou não) ao direito penal tratar como delinquente doloso
aquele que tem consciência, porém que, por fal ta de atenção,
desconhece a s i tuação que se desenvolve com seu comportamento e
se aquele autor arrependido necessita de uma sanção 113.
Nas palavras do autor , essas ideias “ possibil i tam e
favorecem a introdução de quest ionamentos polí t ico -criminais e
empíricos, e faz com que a dogmática, encerrada em seu edif ício
conceitual pelas anteriores concepções de sis tema , se abra para
realidade” 114.
6.3. DEVASSANDO A DOUT DEVASSANDO A DOUTRINA
DA AÇÃO FINAL
110 ROXIN, Claus. Estudos de direi to penal . Op. ci t . , p . 61. 111 ROXIN, Claus. Estudos de direi to penal . Op. ci t . , p . 80. 112 ROXIN, Claus. Estudos de direi to penal . Op. ci t . , p . 81. 113 BUSATO, Paulo César . Direito Penal & Ação Signif icat iva . Rio de Janei ro:
Lumen Juris , 2 ª ed ição , 2010, p . 78. 114 ROXIN, Claus. Estudos de direi to penal . Op. ci t . , p . 81.
32
6.3.1 . A “AÇÃO FINAL” PODE SER CONSIDERADA COMO
UM CONCEITO GERAL DE AÇÃO?
A busca por um conceito de ação foi o “principal debate
do úl t imo século, o que condicionou os rumos e o d esenvolvimento
da metodologia jurídico -penal do século XX” 115, tendo sua
importância reconhecida na doutrina do crime 116.
Ocorre que, para ser idôneo, o conceito de ação não
pode ser construído a part ir de meras ideologias, mas deve, antes,
ser analisado com maior densidade teórica. Segundo a corrente
majori tár ia 117, exposta segundo a claríssima sis tematização de Hans -
Heinrich Jescheck 118, para que se possa falar em um “conceito geral
de ação”, válido como base autônoma da teoria do crime, deve -se
conseguir enxergar a presença de três funções: Uma de
sis tematização (ou classif icação), outra de definição ( também
chamada de l igação) e uma de delimitação.
115 LOBATO, José Danilo Tavares. Há espaço para o concei to de ação na teor ia do
deli to do século XXI? . Disponíve l em: ht tp: / /www.revistal iberdades .org.br /s
i te /outrasEdicoes/outrasEdicoesExibir .ph p?rcon_id=141. Acesso em: 21 de se tembro
de 2014. 116 “Tanto o f ina li smo como o obje t iv ismo soc ial const i tuem concepções aceitáve is
sobre a essência do a tuar humano nos con textos soc ial e pessoa l e têm uma pa lavra
de relevo a d izer na teoria do fac to puníve l . Ponto é apenas que o primeiro al iv ie a
categoria da f ina lidade de tarefas que e la não pode cumprir e escape, em ú lt imo
termo, à conclusão de que aquela há de consti tuir o fundamento de toda relevância
jur ídico-penal” DIAS, Jorge de Figueiredo. Questões funda mentais: a doutr ina
geral do crime, parte geral , tomo I . Revis ta dos Tribunais: São Paulo , 2ª Ed. , 2007 ,
p . 253. 117 Confira -se, sobre o tema, um panorama cr í t ico em: BUSATO, Paulo César .
Direito Penal & ação s ignif icat iva: Uma anál ise da função negativa do con ceito
de ação em direito penal a part ir da f i losofia da l inguagem . Rio de Janeiro :
Lumen Jur is . 2 ª ed. , 2010; Também nesse esp ír i to cr í t ico , veja -se: JAKOBS,
Günther . Funda mentos do direito penal . Trad. Andre Luis Callegar i . Revista dos
Tribunais : São Paulo, 2ª Ed, p . 55, nota de rodapé; D’ÁVILA, Fabio Roberto . O
conceito de ação em direito penal, l inhas crít icas sobre a adequação e ut i l idade
do conceito de ação na construção teórica do cr ime . Disponível em: ht tp: / / s isnet .
aduanei ras.com.br/ lex/dout r inas /ar quivos/a penal .pdf. Acesso em: 05 de maio de
2015; D’AVILA, Fábio Roberto . A realização do t ipo co mo pedra angular da
teoria do cr ime. Revis ta de Estudos Cr iminais, ano XII , n. º 54, 2014; DIAS, Jorge
de Figuei redo. Questões funda menta is , op. c i t . , p. 259. 118 DIAS, Jorge de Figueiredo. Questões funda mentais . Op. ci t . , p. 251 .
33
A função de sis tematização 119 exige que o pretenso
conceito de ação seja capaz de abarcar todas as formas de apariçã o
da f igura t ípica, reunindo-as a um elo comum: Do dolo à
negligência; da comissão à omissão. Em segundo, consoante a
chamada função de definição 120, o conceito deve complementar as
valorações da t ipicidade, i l ic i tude, da culpabil idade e da
punibil idade sem, contudo, antecipar o s ignif icado material que
anima cada uma delas. O conceito deve, por derradeiro, cumprir
uma função de delimitação 121, permitindo que seja possível
119 É impor tante lembrar , oportunamente, que o concei to de class i ficação sempre fo i
um entrave para a dogmática. I sso porque nenhum dos concei tos de ação conhecidos
sa t i s fez plenamente ess a exigência. Assim, muitas teor ias acabaram retornando às
ideias de Radbruch, para quem o s is tema da ação dever ia ser d ivid ido conforme sua
manifes tação: “a ação ser ia , pois, d iv idida nos concei tos autônomos de ação e
omissão, o que, por conseguinte , impli caria a idên tica duplicação de todos os
demais concei tos. Eles passariam, por i sso, a ser anal isados sempre em uma relação
de duplicidade , como pred icados da ação ou pred icados da omissão ” (D’ÁVILA,
Fabio Roberto . O conceito de ação em direito penal, l inha s crít icas sobre a
adequação e ut i l idade do concei to de ação na construção teór ica do crime .
Disponível em: ht tp : / /s isnet . aduaneiras.co m.br/ lex/doutr inas /arquivos/a penal .pdf.
Acesso em: 05 de maio de 2015, p . 25) . 120 Como d ito , esses requis i tos apenas for am levantados como ponto de a rgumentação
para, poster iormente, se rem rejei tados. Com razão, Figueiredo Dias a ler ta que: “ as
exigências que, do ponto de vis ta metód ico - funcional ac ima ass inalado, se fazem – e
devem na verdade ser fei tas – ao conceito de acção parecem, em def ini t ivo ,
contradi tór ias, no sen tido de que mutuamente se excluem. Se o conceito de acção
deve assumir o que Jescheck chama de função de class i f icação , parece certo que a
sua con formação há -de ser imputada a um s istema pré - t íp ico, seja ele o s is tema
ôntico- f ina l ou antes o normativo -socia l . Mas pode então o conceito exercer
simul taneamente a ‘ função de de fin ição e l igação’ , arrogando - se o mín imo de
conteúdo mater ial necessário para que as poster iores determinações da t ipicidade ,
da i l ic i tude e da cu lpa e da punibi l idade possam ser conexionadas com o conceito ,
sem que todavia es te em medida a lguma as an tec ipe e pré -de termine? ” DIAS, Jorge
de Figuei redo. Questões funda menta is , Op. ci t . , p. 251/252. 121 Visando escapar dos p roblemas relacionados aos conceitos de “class i ficação” e
“l igação”, mui tos autores bras i le iros abdicaram de enfrentar o tema e passaram a
ut i l izar a ação unicamente como “delimi tação” da matér ia pro ibi t iva, is to é , para
delimi tar aquilo que “não era uma ação”. Entretanto, deve -se ter em mente que
“atribu ir uma função de delimi tação à ação sem lhe des ignar um conteúdo próprio e
exclus ivo que lhe permi ta exercer essa função, ‘resul tando, ao f im e a cabo, em um
esforço de au tonomização, por todo o exposto, inúti l , desnecessário e , no âmbi to da
própria t ip icidade, metodologicamente inadequado ” (D’ÁVILA, Fab io Rober to . O
conceito de ação em direito penal, op. ci t . , 140) . Sobre esse ponto, al iás , veja -se
que “não é o conceito aprior ís t ico de acção que cumpre a função de delimi tação,
antes são os resu ltados da delimi tação que se reputam correctos, as mais das vezes
obtidos em função das ex igências normat ivas dos t ipos, que depois vão ser
atr ibuídos ao conceito , ao seu conteúdo e l imites ”. (DIAS, Jorge de Figueiredo .
Questões funda menta is , op. ci t . , p. 259) . Ademais, “para se ap licar o cr i tér io da
exclusão da ação, é preciso analisar a responsabi l idade jur ídico -penal do fa to na
sua in te ireza, va le d izer , é prec iso ingressar no âmbi to da t ipicidade e considerar os
fatos a parti r dos respect ivos cri térios de imputação. E se i sso é assim não faz
sen tido algum, após a conclusão da análise jur ídico -penal, re tornar à fase da ação
34
determinar, desde logo, quais comportamentos não estão inseridos
na valoração criminal.
Em relação ao conceito f inalis ta de ação, uma
dif iculdade constantemente apontada reside em estabelecer o
denominador comum entre o crime comissivo e o crime omissivo; e
entre o crime doloso e o crime culposo.
Embora não tenha negado um “atuar f inalis ta nos cr imes
culposos”, Welzel acabou se valendo de uma argumentação dist inta
daquela pensada e escri ta para os crimes dolosos 122, f rustrando uma
uniformidade sis temática do seu pensamento. Sua proposta seria
estabelecer uma referência média, pautada no “ homem inteligente e
prudente na si tuação do autor ” 123, como forma de verif icar a quebra
do dever de cuidado. Se de um lado a referência a um termo médio é
uma metodologia uti l izada até os dias atuais pela doutrina pós
f inalis ta 124, de outro lado, é sensivelmente dista nte da explicada
antecipação mental do resultado e controle do curso causal a part ir
do conhecimento de causa e efeito (a inti tulada fase interna e
externa da realização da conduta) , que deveria ser uma referência
obrigatória 125.
para exclu í - la . Muito pelo con trár io . Tal regressão é impossíve l . Dado o método
esca lonado, só há a ver i f icação da t ip ic idade se houver ação. Logo, impossíve l
chegar à t ip icidade, sem o reconhecimento prév io da ex is tência de uma ação”
(D’ÁVILA, Fabio Rober to . O conceito de ação em dire ito penal, op . ci t . , 138) . 122 A d iscrepância pode ser encontrada em: WELZEL, Hans. Novo sistema jur ídico -
penal . Op. ci t . , p . 31 e p . 98. 123 WELZEL, Hans. Novo s istema . Op. ci t . , p . 98. 124 SOUZA, Artur de Bri to Gueiros; JAPIASSÚ, Car los Eduardo Adr iano . Curso de
direito penal . Op. c i t . , p . 196. 125 Aduzindo que o f ina li smo é absolutamente coerente com a imprudência, Hirsch
defende que: “Esto se resolvió , s in embargo , cuando en los años cincuenta se
reconoció, acudiendo a invest igaciones anteriores de Engisch, que la acc ión
consti tut iva de l objeto de la prohib ic ión en e l del i to imprudente consis t ía en la
acción volun taria valorable como contraria al cu idado deb ido (p . e j . , en la
conducción volun tar ia con una veloc idad determinada). E l resu ltado no pertenece
por e l lo en abso luto a la acción, sino que, a di ferencia del del i to do loso, en e l que
queda comprendido por la volun tad de la acción, en la imprudencia só lo representa
una consecuencia de la acción con trar ia a la norma a de terminar de acuerdo a
cr i ter ios de imputación ” HIRSCH, Hans Joachim. Acerca de la cr it ica a l f inal ismo .
Op. c i t . , p . 17.
35
Da análise dos crimes omissi vos também se pode
observar graves problemas estruturais quando o f inalismo não
part iu da mesma premissa uti l izada na comissão para explicá -lo.
Naturalmente, em alguns casos, o controle f inal poderia explicar
alguns problemas de imputação dos crimes omissi vos, como no
exemplo do agente que, controlando a causalidade, mantém -se
inerte para alcançar determinado resultado. Contudo, explicações
pontuais não resolvem problemas centrais , que persis tem nas
demais s i tuações. Ocorre que, para as demais hipóteses, a l guns
f inalis tas costumam afastar a responsabil idade penal a part ir do
dever jurídico de agir 126, fazendo com que a justif icação para a não
responsabil idade afaste -se daquele controle f inalís t ico do curso
causal , que também deveria ser uma referência obrigató ria . Aliás ,
valendo-se do nexo de causalidade para responder ta l
questionamento, o f inalismo acaba predeterminando o que deveria
ser uma predicação posterior , ou seja , para explicar o
comportamento omissivo, recorre ao nexo de causalidade, violando
a função de l igação que o conceito deveria possuir 127.
Dessa forma, se não há dúvida que o f inalismo “ abrange
os crimes dolosos de ação, já terá de deixar de fora os crimes de
omissão e não possui em últ imo termo conteúdo material bastante
126 CAPEZ, Fernando. Curso de direi to penal . Op. ci t . , p . 164. 127 Em defesa do fina li smo posiciona -se Hirsch, para quem “Es correc to que uma
acción só lo consis te en un hecho act ivo. Ya se di jo que el concepto de acc ión no
debe confundirse con un concepto general de comportamien to que conduzca a una
fórmula, de por sí improductiva, uni f icadora de l mínimo común a cualqu ier forma de
comportamien to humano. Los mandatos ex istentes t ras los de li tos omisivos t ienen
por objeto una acción en el sen tido e laborado por e l «f inal ismo»: precisamente la
acción que debe l levar a cabo el autor , normalmente una acción de salvación .
Mientras que en los de li tos cometidos por v ía activa e l hecho consiste en una acción
rea li zada, en los del i tos omis ivos consis te en su no real i zación . En es ta medida se
tra ta, por tanto, de uma diferencia como la que media entre «a» y «no a». Los
presupuestos del de li to omisivo se determinan por el lo de forma autónoma. Se
muestra con esto que en el los el do lo ya pertenece al t ipo de l in jus to , ya que en la
pregunta acerca de si se l levó a cabo o no la acción vo luntaria , la dec is ión a favor
o en contra de la sa lvación adquiere ya re levancia en la es fera del in justo”
HIRSCH, Hans Joachim . Acerca de la crit ica a l f ina li smo . Op. c i t . , p . 18.
36
para que uma parte dos cr imes negligentes possa ser conexionado
com ele”128/129.
Por f im, verif ica -se um grave problema quanto a função
de definição nos t ipos comissivos dolosos. A questão pode variar
por duas vias: Mantida a identif icação entre t ipicidade e dolo, o
conceito f inal perderia sua função de l igação, porque o dolo sempre
ir ia referir -se à t ipicidade, esvaziando sua função de complementar
as valorações posteriores. Sob outro prisma, operada a separação
entre dolo e t ipo, bastaria que o agente “tenha querido alguma
coisa, que tenha supradeterminado f inalis t icamente qualquer
processo causal, sem que releve para as posteriores valorações
sis temáticas o conteúdo da vontade ”130.
Destarte , devassando as suas premissas, percebe -se que
“por uma ou outra forma, o concei to f inal de acçã o não pode
arvorar-se em conceito geral de ação” 131/132.
6.3.2 . A AÇÃO FINAL COMO DOUTRINA
DOGMATICAMENTE NEUTRA?
Como anteriormente explici tado, a doutr ina f inalis ta
sustentou que o direi to penal deveria estar vinculado às estruturas
128 DIAS, Jorge de Figuei redo. Questões funda mentais . Op. ci t . , p . 255 . 129 Rebatendo a cr í t ica sobre o fracasso no conceito de class i ficação , Hirsch assevera
que: “Ya fue advert ido el malen tendido según el cua l e l concepto de acc ión se
re feriría a un concepto universal de comportam iento. Como demuestran las
construcciones conceptuales presentadas en es ta direc ción, desde el l lamado
concepto «soc ial» hasta el l lamado concepto «personal» de acc ión, su valor
declarat ivo es mín imo. Con él , em la práct ica, no se va más a llá de a fi rmar q ue para
un comportamien to jurídico penalmente relevante no bastan los meros ref lejos. Pero
aun cuando fuera út i l configurar un supraconcepto genera l , que comprendiera los
aspec tos comunes del actuar y e l omit i r , del comportamiento doloso y del
imprudente, no se conseguir ía más que de terminar los elementos es tructurales
comunes del actuar consis tente en un hacer, a l que se dirigen mandatos y
prohib ic iones. En la medida en que no se di ferencien ambas cuest iones, se está
hablando de cosas completamente dis t in tas” HIRSCH, Hans Joachim. Acerca de la
crit ica a l f ina li smo . Op . ci t . , p . 17 . 130 DIAS, Jorge de Figueiredo. Ontolog ismo e normativ ismo . Op. ci t . , p . 254. 131 DIAS, Jorge de Figueiredo. Ontolog ismo e normativ ismo . Op. ci t . , p . 255. 132 Vale regis trar que negar a qual idade de um concei to geral de ação não signi fica
negar a eventual existênc ia de uma f ina lidade no atuar humano, que pode, s im,
exist ir em determinadas hipó teses. O pr incipa l problema res ide em veri ficar se o
concei to f inal de ação, ta l como proposto p or Hans Welze l , cumpre às exigências
dogmáticas para ser considerado co mo um conceito geral de ação.
37
lógico-reais (sachlogisch Strukt uren) quando pretendesse agregar
alguma consequência jurídica, supondo que, assim, a valoração
jurídica seria legít ima e correta . Sendo o atuar f inal do homem a
primeira estrutura ontológica descoberta pelo f inalismo, na visão de
Welzel , e la poderia confer ir certa garantia ao corpo social contra
eventuais excessos do legislador, que apenas poderia punir ações
f inais .
Roxin, no entanto, a lerta que esse efeito pretendido por
Welzel era i lusório, uma vez que, em comparação com as doutrinas
de cunho naturalis ta , a “ação f inal” não teria inovado em nada. Isso
porque a ação f inal “em nada contribui para impedir infi l trações
ideológicas no campo da dogmática penal. Af inal, a exclusão da
punibil idade de não-ações, no sent ido de acontecimentos
involuntários e incontr oláveis , foi e ainda é defendida por outros
conceitos de ação” 133/134.
Ao contrário, a supervalorização do elemento vol i t ivo,
is to é , da “ação como uma expressão f inal” , levou inúmeros
f inalis tas a sustentar , por exemplo, que o crime impossível deveria
possuir a mesma pena do crime consumado, sob o perigoso manto
de um “desvalor da ação f inal” .
6.3.3 . A DUVIDOSA CAPACIDADE DE RENDIMENTO DA
AÇÃO:
Segundo Hans-Joachim Hirsch, um dos mais respeitados
autores penalis tas que se manteve f iel ao f inalismo, o princípio
metodológico do respeito às estruturas ontológicas voltava -se:
“A un concepto central del derecho penal: el
concepto de acción . Este concepto es central ,
porque en el caso de los deli tos se trata de
lesiones contra prohibiciones o mandatos y
133 ROXIN, Claus. Estudos de direi to penal . Op. ci t . , p . 57. 134 Esc lareça -se que, mesmo no per íodo na tural i s ta , a vontade era concei tuada co mo
“uma conduta vo lun tária , l ivre de vio lênc ia f í s ica ou ps ico lógica, determinada ou
mot ivada pelas represen tações ” (TANGERINO, Davi de Paiva Costa . Culpabi l idade .
Op. c i t . , p . 58) .
38
porqueson acciones los objetos de estas dos
formas normativas . La prohibición no permite
una acción y el mandato la exige. La
transformación del concepto de acción en un
producto construido por el derecho penal, a
saber , en una causación del resultado originada
por un mero impulso de la voluntad, cualquiera
que fuera su contenido, dio ocasión a Welzel para
desarrollar el l lamado «f inalismo »” 135
Entretanto, em posição oposta à transcri ta importância
dispensada ao conceito de “ação f inal” , a história tem retratado um
constante enfraquecimento na busca de um conceito adequado de
ação. Essa fal ta de interesse teve seu estopim quando, afastando -se
das premissas de cunho naturalis ta e f inalis ta , onde era acentuada a
busca por um conceito correto de ação, a doutr ina passou a
questionar se poderia ser vantajoso o conceito jurídico -penal de
ação para solucionar problemas concretos do Direito Penal.
Com esses questionamentos, introduzidos na dogmática
por Claus Roxin 136, a doutr ina perdeu o interesse pela ação,
justamente porque não visl umbrou sua importância para resolver
entraves dogmáticos:
“Nas últ imas décadas o conceito de ação desceu
do pedestal que ocupou, durante a maior parte do
século XX, nos estudos da Ciência do Direito
Penal. Esta degradação do conceito de ação tem
causa com o surgimento das teorias funcionalis tas
penais e com a consolidação de um pensamento
crí t ico de rejeição à teoria f inalis ta da ação” 137.
O questionável rendimento do conceito de ação “ não se
l imitou a reduzir suas funções. Muitos autores passaram a
considerar que o estudo jurídico -penal poderia prescindir do
135 HIRSCH, Hans Joachim. Acerca de la crit ica a l f ina li smo . Op. c i t . , p . 3 . 136 ROXIN, Claus Apud BUSATO, Paulo César . Direito Penal & Ação signif icat iva .
Op. c i t . , p . 99. 137 LOBATO, José Danilo Tavares. Há espaço para o conceito de ação na teoria do
del ito do século XXI? . Disponível em: ht tp: / /www.revistal iberdades.org.br /si te/o
ut rasEdicoes/outrasEdicoesExibir .php?rc on_id=141. Acesso em: 05 de maio de
2015.
39
conceito de ação ou, pelo menos , removê -lo da posição de
referência inicial da Teoria do Del i to ” 138/139. Nesse sentido, grande
parte da doutrina parece comparti lhar o entendimento de que a
única função que um conceito de ação pode oferecer diz respeito a
chamada função de delimitação 140, excluindo da incidência do
direito penal os movimentos reflexos , movimentos em estado de
inconsciência e coação f ís ica irresis t ível 141/142.
6.4. O “PODER ATUAR DE OUTRO MODO”:
Como ver if icado, a doutr ina de Welzel baseava -se no
l ivre arbítr io, is to é , na l iberdade que alguém teve em praticar um
injusto t ípico, mesmo podendo se or ientar conforme o sentido e
valor . Assim, dois valores sobressaltam: O primeiro deles é a
“liberdade humana”, valor contestado por alguns penalis tas pós -
f inalis tas; o segundo é a reprovação como predicado da ação:
reprova-se a formação de vontade pela inconformidade ao direito .
6.4.1 . A “CAPA DE REGULAÇÃO” E O ORDENAMENTO
JURÍDICO:
138 BUSATO, Paulo César . Direito Penal & ação signif icat iva . Op. c i t . , p . 112. 139 O tema é ac idental , não major i tár io e não se di r ige propr iamente contra os
postulados fina li s tas, mas vale anotar : Impor tante parce la da doutr ina internac ional
tem despojado a ação como primeiro re ferenc ial da teor ia do cr ime, posição que,
então, passar ia a ser ocupada pe lo t ipo . Nessa forma de organização, o s i stema do
fa to puníve l obedecer ia a seguinte si stemática: Inic ia lmente, se real izar ia uma
va loração negat iva (de delimi tação) d a ação co mo pressuposto da t ipicidade para , em
seguida, prosseguir nas va lorações jur ídicas. Os par t idár ios dessa cor rente acred itam
que a única ação que interessa ao direi to penal é aque la descr i ta no t ipo: “É o bem
jur ídico o fundamento desde o qual é possíve l determinar que ações podem ser
atr ibuídas a um t ipo legal de terminado e quais f icam sem consideração para o
Dire ito Penal, em ou tras palavras, a ação por si só não d iz abso lutament e nada
para o Direi to penal, é o bem juríd ico o que permi te que uma determinada ação
apareça como re levante para o Dire ito penal ” BUSTOS RAMIREZ, Juan Apud
BUSATO, Paulo César . Direito Penal & ação signif icat iva . Op. c i t . , p . 116. 140 DIAS, Jorge de Figueire do. Questões funda mentais . Op. ci t . , p . 260 . 141 HASSEMER, Winfr ied Apud BUSATO, Paulo César . Direito Penal & ação
signif icat iva . Op. c i t . , p . 100; DIAS, Jorge de Figueiredo . Questões funda menta is .
Op. c i t . , p . 259. 142 Impor tante reconhecer , contudo, que Vive s Antón vol tou a chamou atenção da
doutr ina internacional com a elaboração da teor ia da ação signi ficat iva. Sobre esse
tema, veja -se : BUSATO, Paulo César . Direito Penal & ação signif icat iva: Uma
anál ise da função negativa do conceito de ação em direito pen al a partir da
f i losofia da l inguagem . Rio de Janeiro : Lumen Jur is . 2 ª ed. , 2010.
40
A primeira objeção encontrada quanto à “liberdade
f inalis ta” reside na problemática capa ou centro de regulação dos
sentidos ao qual, segundo Welzel , encontram -se submetidos os
impulsos e aspirações humanas. Em últ ima análise , para Welzel , “ a
capacidade inata do ser humano de submeter seus ins tintos a uma
ordem valorat iva externa se confunde com o próprio ordenamento
jurídico. Essa posição sintetiza a crença no homem iluminista e na
crença de valores comparti lhados ”143.
Ocorre que, dessa maneira , “ nem sequer se concebe a
possibil idade de o projeto de vida do sujeito, por qualquer motivo,
não seja composto pelos mesmos signif icados e valores escolhidos
pelo ordenamento jurídico” 144.
Essas ideias levaram doutrinadores a sustentar a
i legit imidade de tal fundamento, a legando que o Estado não pode
pretender elevar-se moralmente sobre o cidadão, mas deve, com a
ameaça e execução da pena, apenas declarar quais valores e
condutas não está disposto a tolerar 145/146.
6.4.2 . A (IN) DEMONSTRABILIDADE PRÁTICA DO
“PODER -ATUAR-DE-OUTRO-MODO”:
A evolução do direito penal trou xe consigo inúmeras
conquistas , dentre as quais pode -se destacar a responsabil idade
penal subjetiva, garantindo que a punição do ser humano estivesse
143 TANGERINO, Davi de Paiva Costa . Culpabi l idade . Op. ci t . , p . 82 . 144 TANGERINO, Davi de Paiva Costa . Culpabi l idade . Op. ci t . , p . 83 . 145 BUSTOS RAMIREZ. Juan; MALAREÉ, Hernan Ho rmazábal . Lecciones de
derecho penal . Trot ta: Madrid , Volumen 1 , p . 55. 146 É preciso des tacar que esse tema não é apenas objeto de cr í t ica ao f ina li smo, mas
a todas as concepções que a inda buscam encontrar na culpab il idade uma forma de
vinculação psíquica do autor à norma. Nesse viés cr í t ico, Urs Kindhäuser chegou a
sustentar que “ou se adota uma so lução que se renuncia a neu tra lidade do direi to ,
ou, por outro lado, se abandona a necess idade de se buscar uma vinculação do au tor
com a norma. A resposta demand aria um modelo que buscasse um motivo que
vincu lasse o autor com a norma e não l imi tasse a motivação para que a norma fosse
respe itada” KINDHÄUSER, Urs . Apud MELLO, Sebástian Borges de Albuquerque.
O conteúdo materia l da culpabil idade . Op. c i t . , p . 267. Confira -se, a propósito ,
uma intel igente a l terna tiva em: BUSTOS RAMIREZ. Juan; MALAREÉ, Hernan
Hormazábal . Lecciones de derecho penal . Trotta: Madr id, Volumen 1 , sustentando a
ideia de culpab il idade como exigibi l idade soc ial .
41
a trelada a sua postura perante o dano 147. Sem prejuízo dessa
vitoriosa garantia contra os excessos estatais , a responsabil idade
penal subjetiva acabou trazendo a reboque a ideia do ser humano
l ivre, responsável por suas escolhas e decisões. Logo, a part ir desse
pressuposto, a l iberdade acabou sendo erigida como axioma do
direito penal, sobre os qual foi construí do o sis tema jurídico da
culpa.
Muito além de uma tendência, o l ivre arbítr io foi , de
fato, abraçado pela chamada Escola Clássica do Direito Penal, que,
voltando atenções ao indivíduo, procurou garanti - lo contra qualquer
arbitrariedade na l imitação da l ib erdade, proclamando uma
responsabil idade penal lastreada na imputabil idade moral e no l ivre
arbítr io 148.
Seguindo nessa tr i lha, formulou -se a (perigosa) ideia de
que a pena servir ia como imobi lização do indivíduo criminoso
(prevenção especial negativa de ino cuização), pois o fundamento da
maldade (da qual a sociedade precisa defender -se, imobilizando o
criminoso) reside na suposição de ter havido em um momento
concreto a possibil idade de o sujeito atuar de outra maneira , de não
cometer o deli to e atuar confor me o direito , ou seja , de usar sua
l iberdade para atuar conforme o direito:
“Como comportamento, o deli to surgia da l ivre
vontade do indivíduo, não de causas patológicas,
e por isso, do ponto de vista da l iberdade e da
responsabil idade moral pelas própr ias ações, o
delinquente não era diferente, segundo a escola
clássica, do indivíduo normal. Em consequência,
o direi to penal e a pena eram consideradas pela
Escola clássica não tanto quanto meio para
intervir sobre o sujeito delinquente, modificando -
o, mas sobretudo como instrumento legal para
defender a sociedade do crime, criando, onde
147 ROXIN, Claus. Estudos de direi to penal . Op. ci t . , p . 135. 148 MELLO, Sebást ian Borges de Albuquerque . O conteúdo mater ial da
culpabi l idade . Op. ci t . , p . 108.
42
fosse necessário, um dissuasivo, ou seja , uma
contramotivação em face do crime” 149
A despeito de possuir ínt ima l igação com a imputação
subjetiva, aclamada evolução do direi to p enal, a ideia da l iberdade
como premissa do conteúdo material da culpabil idade está longe de
uma unanimidade. Basicamente, as crí t icas ao l ivre arbí tr io podem
variar por questionamentos de ordem prática e teórica.
Teoricamente, poder -se-ia apontar que a l iberdade é um
valor metafís ico, intangível e empiricamente não demonstrável , de
ta l sorte que, aplicado cegamente, acabaria violando toda a garantia
em que se encontra envolto o fato punível . Afinal , part indo da ideia
de que todos são aprioris t icamente l ivr es, a culpabil idade estaria
reduzida a um conceito estát ico, não graduável, desconsiderando
inegáveis circunstâncias que, eventualmente, influem na prática de
um il íc i to t ípico.
Em uma visão prát ica, poder -se-ia sustentar que, a inda
que fosse possível comprovar a existência da l iberdade, certamente
seria impossível demonstrar se uma pessoa concreta, em uma
si tuação real e específ ica, cometeu um il íc i to t ípico l ivremente ou
não. Nesse espír i to crí t ico, desde meados do século XIX 150, a crença
no l ivre arbítr io vem sendo relat ivizada e , a part ir de então,
ponderada sob diferentes óticas sociais 151/152.
149 BARATTA, Alessandro. Criminolog ia cr ít ica e cr ít ica do dire i to penal :
Introdução à socio logia do direito penal . Revan: Rio de Ja ne iro, Trad. , Juarez
Cir ino dos Santos , 6 ª ed . , 2013, p . 29. 150 MELLO, Sebástian Borges de Albuquerque de. O conteúdo materia l da
culpabi l idade . Op. ci t . , p . 111. 151 Nada obstante, deve -se reconhecer , essa é uma doutr ina que a inda encontra adesão
de renomados jur i stas, que encontram na l iberdade o fundamento para o juízo de
culpab il idade: “A l iberdade, por mais polêmica e duvidosa que se ja sua definição,
por mais con troversos que sejam seus l imi tes e por mais d is torções que envolvam a
delimi tação de seu conte údo, é um pressuposto sem o qual não é possível conceber a
culpabi l idade, como princíp io, l imi te e fundamento da pena ” MELLO, Sebást ian
Borges de Albuquerque de. O conteúdo mater ia l da culpabil idade . Op . ci t . , p . 284. 152 Roxin é um dos autores que sustenta que o direi to penal pode abst rair -se da
discussão sobre a l iberdade humana: “ Do ponto de vista sócio -ps ico lógico pode
afi rmar-se que a maioria das pessoas tem a sensação de poder, ao menos em regra,
agir segundo sua l ivre vontade . Tal não prova mui to; po is da mesma forma que
nossos o lhos , para os quais o Sol g ira em torno da Terra, nos enganam, também nos
43
6.4.3 . AUSÊNCIA DE PARÂMETRO:
Ainda que ignorando os problemas acima apontados, o
conteúdo material da culpabil idade part isse do l ivre arbítr io,
encontrar-se-ia , necessariamente, novo entrave; dessa vez, o
problema está relacionado ao parâmetro dessa (ausência de)
l iberdade.
Imagine-se que, no decorrer da instrução criminal, um
acusado venha sus tentar que não pode ser condenado, pois não
poderia ter se comportado conforme o direito. A questão é: De que
forma o Ministério Públ ico, t i tular da pretensão punit iva e onerado
com o ônus probatório poderia provar que o acusado é culpado por
não ter tomado uma decisão conforme o direito?
Na resposta a essa indagação, a doutr ina da
“reprovabil idade” pareceu tr i lhar por dois caminhos:
6.4.3 .1 . A “LIBERDADE NEGATIVA”:
Buscando contornar os problemas em torno do l ivre -
arbítr io, a lguns doutrinadores, sob o manto da inexigibil idade,
cogitaram substi tuir o clássico discurso da l iberdade por uma
análise negativa, inserindo uma forma genérica de exculpação onde
fosse empiricamente demonstrado uma espécie de “ausência de
l iberdade”.
pode enganar esta nossa sensação de l iberdade. (Da mesma forma, os loucos, no
mais das vezes, se consideram absolu tamente normais. ) Mas a consc iênc ia da
l iberdade fundamenta, ainda assim, uma convenção socia l , segundo a qual se
reconhece às pessoas que, em princíp io, podem orien tar -se segundo normas, a
capacidade de dec idir contra ou a favor de seu cumprimento. Este reconhecimento
rec íproco da l iberdade de decisão, que domina não só o ordenamento juríd ico, como
também nossa v ida soc ial e pr ivada, é , como eu digo, uma ‘regra de jogo soc ial’ ,
uma ‘postulação normativa’ , mas não um fato comprovável . Acabo por seguir a
opinião ho je dominante, segundo a qual a di scussão jur ídico -penal pode abstrair do
problema epistemológico e c ien tí f ico do l ivre arbít rio . Ainda que es te problema deva
ser so luc ionado des ta ou de outra maneira, diante da idoneidade para ser
des t ina tár io de normas, podemos part ir do reconhecimento r ecíproco da l iberdade
de ação, enquanto um princ ípio sóc io -pol i t icamente razoável ” (ROXIN, Claus.
Estudos de dire ito penal . Op. c i t . , p . 147.
44
Em outras palavras, se o Estado censura um indivíduo
por l ivremente pra ticar um comportamento t ipicamente i l íc i to , as
causas de exculpação estariam genericamente determinadas pela
noção de ausência de l iberdade, revelando hipóteses em que não
houve l iberdade na prática do i l íc i to t ípico.
Porém, esse sedutor raciocínio, de forma não ostensiva,
acaba desaguando em um conceito tão nebuloso quanto o cri t icado
“poder atuar de outro modo”, gerando incontornáveis entraves que
podem variar por dois caminhos.
Primeiro porque a técnica de analisar a ausência de
l iberdade não se afasta da premissa do l ivre arbítr io, que continua
sendo o fundamento da culpa e da exculpação. Ou seja , falar que um
ser humano não será punido porque não teve l iberdade na prática de
um il íc i to t ípico, s ignif ica dizer que o fundamento da culpa é a
l iberdade. Na prática, isso faz com que haja uma manipulação e
desconsideração de eventuais circunstancias que orbitam ao deli to
em prol do axioma do “ser humano l ivre” 153.
Em segundo lugar porque, a inda que superado o
argumento lançado, haveria um problema relacionado ao parâmetro
da inexigibil idade. Afirmar que um co mportamento diverso é
inexigível tramita por campos de obviedade. Entrementes,
questiona-se, determinado comportamento seria inexigível em
relação a quem? Ao autor em concreto e suas aptidões f ís icas? Seria
153 Embora a ide ia de l iberdade negat iva venha , a pr inc ípio, favorecer a ampla
defesa, acabaria manipulando o garant i sta pr incípio do in dubio pro reo . Isso porque ,
na precár ia prá t ica fo rense , haveria uma confusão entre presunção normat iva de
l iberdade e culpabil idade, de sor te que, invertendo o ônus probatór io , a defesa
passar ia a ter que demonstrar os fatores de ausê ncia de l iberdade . Nesse ponto,
acaba-se resvalando no estudo do processo penal . Co mo esse não é o objet ivo do
traba lho, apenas regis tre -se que, segundo Eugênio Pacel l i , essa não ser ia
propriamente uma cr í t ica. I sso porque, em sua visão, a acusação apenas prec isa
provar a autor ia e mater ia l idade, eis que os exames da i l ic i tude e da culpa “ não
dizem respe ito à matéria de prova. Cuida -se, ao contrár io , de mero ju ízo de
abstração , de valoração do fato (ex is ten te ou não) em relação à norma. Sobre ta is
questões não se produz prova, no plano de sua mater ial i zação, mas, unicamente ,
emi te-se um ju ízo de valor, no p lano abstrato das ide ias ” (PACELLI, Eugênio .
Curso de processo penal . Atlas : São Paulo, 16ª Ed. , 2012, p . 325) .
45
o autor em concreto submetido a exames f ís icos e psíquicos para
dimensionar sua resis tência ao crime? Afinal , como e quem ir ia
conceder cientif ic idade a esses atr ibutos? O juiz? Ou, ainda,
escapando desses problemas, a referência seria o “homem médio”?
6.4.3 .2 . O HOMEM MÉDIO:
Para contornar o entrave da referênci a da l iberdade, os
Tribunais da Alemanha criaram uma referência de atuação, com
base na qual pretendiam verif icar empiricamente se era possível a
um acusado atuar de outro modo e, a part ir dessa conclusão,
censurá- lo. Essa referência foi batizada de “homem médio”, unidade
de medida de comportamento prudente , s i tuado entre os opostos do
máximo e mínimo 154.
Em uma análise afobada, a premissa do “homem médio”
parece seduzir , já que confere certo parâmetro ao juízo de culpa.
Entretanto, essa doutrina não resis te a uma análise profunda, vez
que desagua em uma insuperável imprecisão do que seria , de fato,
um conceito mediano de comportamento 155.
Obviamente, “não se pode prescindir que o juiz esteja
alheio as valorações na atividade judiciária, nem se pode ignorar,
tampouco, que os valores pessoais do magistrado interferem no
conteúdo da decisão” 156. Entretanto, inst i tucionalizar um
indemonstrável conceito de homem médio implicaria em estimular o
154 Vale lembrar que Welzel , ao cr iar a ide i a de poder atuar de outro modo, t inha a
preocupação com o autor em concre to. Todavia , a di ficuldade prá t ica fo rense acabou
conduzindo os tr ibunais ao homem médio, comprometendo a função
ind ividual izadora presente no seu pensamento. 155 Em sentido contrár io , Santiago Mir Puig sus tenta, com desenvoltura, que a tese de
que o homem médio ser ia uma referência idônea para o juízo de censura: “ El l ími te
máximo de lo punible en un Derecho democrático, que intenta responder a las
expec tat ivas del hombre normal , es to es, de la colec tividad a la que se dirige, es lo
exig ible a dicho hombre normal ” MIR PUIG, Sant iago. Función de la pena y teoria
del de lito em e l estado socia l y democratic de derecho . Bosch: Barcelona. 2ª ed . ,
1982, p . 100. 156 MELLO, Sebást ian Borges de A lbuquerque . O conteúdo mater ial da
culpabi l idade . . c i t . , p . 323.
46
preconceito e a intolerância, renunciando todo conjunto garantis ta
em que está envolto o fato punível:
“Homem médio é um homem impossível , formado
por qualidades e defeitos desconexos , diante da
si tuação concreta na qual se realizou a ação que
julga. O juiz deveria sair de si mesmo para
construir um homem médio, colocá -lo na si tuação
concreta e julgar , paradoxalmente, à luz desse
cri tér io, qual o poder de um ente ideal , a f im de
estabelecer a exigibil idade ou não
do agir concreto do agente. Tal operação
resultaria em um abstracionismo, passando por
várias etapas, o que inevitavelme nte desfiguraria
o real” 157.
7. CONCLUSÃO:
Ao longo do presente trabalho, procurou -se expor a tese
f inalis ta , a cr í t ica e , eventualmente, a antí tese por parte dos mais
autorizados seguidores do f inalismo. O objetivo do trabalho foi
descri t ivo, buscando, da form a mais f ie l possível , expor a doutr ina
de Welzel que, indubitavelmente, foi um dos maiores juris tas do
direito penal moderno.
A beleza do direito reside no fato de não pertencer às
ciências exatas. Assim, as crí t icas atr ibuídas ao f inalismo não
diminuem o bri lho e a grandiosidade de uma doutrina que buscou a
validade do sis tema, pensamento que, como dito, a inda por l inhas
dist intas, é fruto da preocupação dos estudiosos da atualidade 158.
157 REALE JUNIOR, Miguel . Inst ituições de dire ito penal, parte geral , 4 ª . Ed. São
Paulo: Saraiva , 2013, p . 182. 158 Sobre o d iscurso de legi t imidade do d ire i to penal , destacam -se os penali s tas da
Esco la de Frankfur t , dentre eles : GÜNTHER, Klaus. A culpabil idade no Dire ito
penal a tual e no futuro . Revis ta Bras i leira de Ciências Cr iminais : n. º 24, Trad.
Juarez Tavares, 1998, p . 80 e seguintes ; KINDHÄUSER, Urs. Culpabil idad
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47
Feitas essas advertências, f inaliza -se este art igo com o
seguinte pensamento sobre as divergências doutrinárias no tocante a
formatação analí t ica da teoria do crime: “Os juris tas , especialmente
os penalis tas , nos preocupamos tanto pelo método, pela
s is tematização das categorias, por sua amplitude para encaixar
perfeitamente cada peça na complicada engrenagem dogmática, que
esquecemos os verdadeiros fundamentos de todo ordenamento
jurídico. Nessa busca da universalidade, da irrefutabil idade, da
constatação lógica, para resolvermos problemas estr i tamente
humanos, recorremos ao parâmetro do pensamento cientif ic is ta . E
de tanto complicar nossa disciplina, substi tuímos o Direito Penal
das garantias pelo Direito Penal do sis tema” ( Emiliano Borja
J iménez).
8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
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