Sobre os acontecimentos de racismo em Ferguson

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Sobre os acontecimentos de racismo em Ferguson

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Ferguson: uma revolta da populao negra e de toda a classe trabalhadora!No dia 9 de Agosto desse ano, James Brown jovem negro de 18 anos caminhava com um amigo pelas ruas da cidade de Ferguson (em Missouri, Estados Unidos), quando uma viatura da polcia interrompeu o seu percurso. Mesmo estando o jovem desarmado e sem ter reagido, o policial branco Darren Wilson o confrontou e perseguiu at causar a sua morte, descarregando seis tiros. Era dia e vrias pessoas testemunharam o assassinato.O cruel evento desembocou numa srie de manifestaes em denncia do ocorrido, que se estenderam pelos ltimos meses. A polcia local, com o apoio da Guarda Nacional, vem reprimindo as mobilizaes da populao com gs lacrimogneo, balas de borracha e prises qualquer semelhana com a democracia brasileira no mera coincidncia.O homicdio desse jovem no um episdio acidental, muito menos um caso isolado de racismo: faz parte da rotina dos Estados Unidos. Assim como acontece no Brasil, o racismo da sociedade norte-americana se expressa de vrias formas. Para trazer alguns exemplos: a cidade de Ferguson tem 21 mil habitantes a cada 3 pessoas, 2 so negras. O desemprego atinge metade da juventude negra, enquanto apenas 2 a cada 10 jovens brancos esto nessa condio. Outro dado interessante diz respeito composio do contingente policial: em Ferguson, formado quase na totalidade por policiais brancos. Passar por baculejos fazem parte do dia a dia da juventude negra na cidade. No ano passado, a cada 10 carros que foram parados pela abordagem policial, 9 eram dirigidos por negros.Sabemos que preciso ir alm das aparncias para entender esses fenmenos. Se nos contentarmos em enxergar a ideologia e violncia racistas como meros impulsos desumanos e autoritrios, sem buscar alcanar suas razes, no saberemos como enfrent-las, uma vez que o alvo do problema deixar de ser o que causa o racismo, para se tornar os indivduos que sustentam e disseminam esses comportamentos atrozes.A condio da populao negra norte-americana possui elementos em comum em relao brasileira: menor formao educacional (seja no ensino fundamental ou superior), reduzido acesso aos servios de sade e lazer, maiores taxas de desemprego, menores salrios e assim por diante. A ideologia racista, por hbito, explica esses nmeros atravs do que supe ser a maneira negra de se viver abstrai todos os determinantes sociais que rondam e torturam a populao negra na atualidade.Tal como se deu no Brasil, a populao negra estadunidense foi composta por povos que foram sequestrados de suas terras natais (de 1500 ao sculo 18), durante o processo colonizador, para realizar trabalho forado (fatigante, sob viglia e ameaa dos senhores de escravos) e garantir o desenvolvimento econmico das metrpoles europeias bero da sociedade capitalista. No h um s pas deste grande continente (que engloba a Amrica do Norte e a Amrica Latina) que tenha se desenvolvido sem depender do trabalho escravo seja de africanos ou indgenas: essa a histria da sociedade moderna.Esses 11 milhes de indivduos, arrancados da frica, cumpriram papel fundamental na histria de nosso continente: sob o peso das correntes, da fome, do encarceramento, da violncia fsica e espiritual, garantiram o pleno florescer do comrcio e da indstria da Europa. Com o trabalho nos latifndios e nas minas, alimentavam o insacivel estmago do capitalismo com matrias-primas, o que se traduzia numa sempre crescente produo de mercadorias pela indstria europeia.A populao negra atravessou sculos de resistncia perante os mandos e truculncias exercidas pela classe branca dominante. O fim do trfico negreiro para os Estados Unidos se deu por volta da abolio da escravatura, que aconteceu em 1863. Como no Brasil, ao mesmo tempo em que representou o imenso avano de libertao dos trabalhadores negros das correntes dos senhores de escravos, no os livrou do domnio da lgica que mercantiliza o ser humano, nem das piores condies de vida com que podiam deparar-se naquele pas, uma vez que seguiam sendo os setores que enfrentavam as situaes mais precarizadas, de privao de direitos sociais e polticos fundamentais.A sociedade norte-americana, desde ento, passou por uma srie de transformaes. Especialmente a partir de 1950, sob as bandeiras dos movimentos feministas e antirracista, a classe trabalhadora reuniu uma srie de conquistas, como a lei que probe a discriminao tnica, de gnero e religiosa em escolas, no trabalho e em locais pblicos (antes, alguns desses eram acessveis apenas populao branca); a aprovao da lei que garantia o direito ao voto pela populao negra; e o direito ao salrio igual pelas mulheres.Todas essas vitrias devem ser atribudas s lutas coletivas dos movimentos sociais do pas e no, como nos ensinam os livros de Histria, s grandes mentes pensantes, de personagens polticos que sacaram ideais humanitrios da cabea. Foram direitos conquistados a partir de necessidades cotidianas bsicas dos trabalhadores, frente a uma sociedade que, alm de estar dividida entre dominantes (que desfrutam da riqueza socialmente produzida) e dominados (que disputam o po socialmente amassado), sustenta disparidades socioeconmicas entre as categorias que compem estes.O iderio e comportamento racistas estejam eles alojados na polcia, no Estado, na classe trabalhadora ou reproduzidos pela prpria populao negra no podem ser entendidos como uma brutalidade que as pessoas decidem, espontaneamente, perpetrar contra uma minoria. Ele uma expresso de um processo scio-histrico de grupos, gneros, raas/etnias, nacionalidades etc. que enfrentam condies desiguais na vida social.Isso tambm nos serve pra entender, por exemplo, porque a polcia apesar de ser apresentada como a fora pblica responsvel segurana e bem-estar da populao (coisa que vemos ser desmentida a cada dia; pois cumpre o papel direto de manuteno do modo de produo capitalista) torna-se fonte de medo pelos setores mais desfavorecidos e marginalizados da sociedade (70% dos americanos negros sentem-se injustiados, quando comparam o tratamento que a fora policial d aos americanos brancos; no Brasil, uma pesquisa recente revelou que 80% da populao teme ser torturada, se detida pela polcia).Os trabalhadores no devem baixar suas cabeas frente represso policial: quando um trabalhador negro humilhado, torturado e assassinado, somos derrotados, pois perdemos mais um de ns. Destruir essa tirania, certamente, passa pelo germinar de uma sociedade onde o bem-estar das pessoas no mais esteja sujeito s suas caractersticas tnicas, de orientao sexual, de gnero, nem de classe; a sociedade socialista representa o projeto poltico que pode pr fim a essas opresses. Hoje, no entanto, temos o imperativo de lutar contra o extermnio dos negros, LGBTs, das mulheres e de outras minorias as bandeiras das minorias so bandeiras de toda a classe trabalhadora!

Para acabar com o racismo preciso superar o capitalismo

O racismo um problema social e histrico. Ele no existe porque os negros possuam qualquer "caracterstica de inferioridade" ou os brancos sejam "naturalmente" opressores.O racismo est ligado explorao. As classes dominantes sempre buscaram aproveitar-se das diferenas de cor, gnero, nacionalidade, regio, etc, para construir assim uma hierarquia na explorao. Essa hierarquia ao mesmo tempo divide os explorados em nveis diferentes de explorao (mais e menos explorados) e tambm justifica que uns sejam mais explorados por serem negros.No Brasil, conforme o capitalismo se estabelecia como sistema econmico, o racismo do perodo escravista foi assimilado, pois isso permitia aos empresrios aplicar nveis mais intensos de explorao sobre os negros e as mulheres negras em particular, embora desde o inicio tivesse havido inmeras formas de resistncia. No topo dessa hierarquia de explorao encontram-se a burguesia e seus agentes: o Estado, a mdia, a Igreja, setores da classe mais alta que incorporam os interesses da burguesia.Assim, a concluso mais importante que tiramos, mas que no de forma alguma unnime, que para acabar de vez com o racismo preciso acabar tambm com o capitalismo e com toda forma de explorao do homem pelo homem.As lutas por mudanas mnimas, mesmo dentro do capitalismo, no sentido de questionar e enfrentar o racismo e incorporar a populao negra so fundamentais, mas devem ser sempre consideradas como paliativos, que ainda no so a sada para o problema do racismo. A luta pela libertao real do povo negro parte fundamental da luta da classe trabalhadora contra a explorao capitalista, e portanto o racismo deve ser considerado um problema a ser discutido e enfrentado por todos os trabalhadores, no sentido de unificar a nossa classe, com as suas caractersticas e diversidades, contra a burguesia que, por sua vez, tambm tem negros em seu meio.Muitas correntes polticas ou acadmicas, ao terem um enfoque apenas limitado questo racial, sem um contedo de classe, sem abord-la como parte da luta geral dos trabalhadores, acabam caindo no jogo da burguesia, que muitas vezes reala a opresso de raa apenas para silenciar sobre a dominao de classe, deixando a estrutura social capitalista livre do combate prtico-crtico e livre para aprofundar a desigualdade e a explorao.De fato, nos dias atuais ainda mais difcil concebermos um movimento de libertao real do povo negro do racismo, sem que se enfrentem os limites do sistema capitalista a lgica do lucro.O sistema capitalista, que sobrevive cada vez mais da ajuda externa do estado, no reserva possibilidades de melhorias efetivas e sustentveis para a maioria da populao negra. O mximo possvel dentro dos limites da lucratividade do capital a ascenso de uma pequena elite negra, ao mesmo tempo em que a grande maioria permanece exatamente como estava antes.Unir trabalhadores negros e brancos pela emancipao geralImpor um conjunto de polticas efetivas de reparao para os negros requer, portanto, esforos para ligar a luta histrica dos negros no Brasil como parte da luta do proletariado por sua emancipao, pois o negro de hoje est tambm inserido no mercado de trabalho, e justamente em posies mais exploradas. Assim, a luta racial deve assumir tambm um carter de classe e ter como preocupao a identificao dos verdadeiros aliados e inimigos.No partir do referencial de luta anticapitalista o principal limite ao qual esto presos aqueles setores que hoje se acomodam e aplaudem as polticas governamentais, ao mesmo tempo se calando para o fato de que, este mesmo governo que pede pacincia aos negros tambm o que cede bilhes aos banqueiros e empresrios todos os anos, mantendo justamente a excluso da maioria.Polticas eficazes de reparao do racismo s podero ser conquistadas enfrentando-se os patres e seus agentes: os governos de planto.A bandeira das cotas proporcionais deve ser levantada, juntamente com outras polticas de reparao, e com a luta dos demais trabalhadores por um programa geral que responda no apenas questo de raa, mas tambm questo de classe. Esse programa unitrio de trabalhadores negros e brancos deve apontar para a ruptura com a lgica do capital e para que os explorados brancos e negros se unam para estabelecer uma forma de poder da classe trabalhadora, voltada para enfrentar os grandes problemas sociais. Essa unidade to necessria entre trabalhadores negros e brancos em sua diversidade e que no ser facilmente alcanada, por todos os preconceitos e modelos que nos foram impostos no decorrer de sculos um desafio que temos que ser capazes de realizar na prtica das lutas e de um programa globalNesse sentido, a proposta de cotas deve estar inserida numa proposta mais geral de lutas do conjunto da classe trabalhadora por emprego, moradia, sade, educao digna e de qualidade. Que essas questes imediatas sejam impostas mediante a luta direta da classe como um todo. Que os resultados obtidos possam ser estabelecidos a partir de cotas que reconheam as desigualdades hoje existentes e, ao mesmo tempo, lutem para super-las. preciso que a aliana entre os trabalhadores negros e brancos preserve os direitos especficos de cada setor, para que possamos enfrentar e vencer o capital e todas as formas de explorao e opresso da humanidade.Assim, por exemplo, a reivindicao de que os empregos gerados pela luta sejam divididos em cotas proporcionais, deve vir combinada com a luta pela reduo da jornada de trabalho sem reduo salarial, de modo que todos os trabalhadores se beneficiem desta mudana, atravs da gerao dos milhes de empregos necessrios. Nas universidades pblicas, do mesmo modo, a luta pelas cotas deve se juntar luta por mais vagas para que todos possam estudar. evidente que tudo isso s poder ser imposto mediante a luta contra os interesses capitalistas e, em ltima instncia, levar a uma ruptura do prprio sistema, ao questionar qual classe deve ter o poder na sociedade, se os trabalhadores (negros e brancos) ou a burguesia.Somente uma sociedade socialista no profundo sentido da palavra de socializar os meios de produo sob o controle e a servio dos trabalhadores e da humanidade que pode colocar um fim explorao e desigualdade social entre os seres humanos, inaugurando um novo perodo na histria humana onde tudo seja decidido democraticamente, respeitando-se as diferenas de gnero e raa, como diferenas fsicas e no sociais.